O poder constituinte é um tema importante na teoria da Constituição,
mas pouco estudado no Brasil. Ele está situado entre a ciência política e o direito constitucional e é uma teoria de legitimação do poder e do ordenamento jurídico de um Estado. A noção geral de poder constituinte transmite a ideia de criar algo e historicamente não há um momento certo para o seu surgimento, é um conceito fundamental no direito constitucional, que descreve o poder de criar, modificar e abolir a Constituição de um país. A teoria tem origem no século XVIII, durante a Revolução Francesa, e foi desenvolvida por juristas como Emmanuel-Joseph Sieyès e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Foi definida por Emmanuel Sieyès como o poder máximo no âmbito do Estado- nação capaz de fundar ou refundar a ordem jurídica, seguido pelos poderes constituídos como o legislativo, executivo e judiciário. Desde então, o ordenamento jurídico dos países tem duas dimensões: a superior, formada pela Constituição, obra do poder constituinte, e a inferior, formada pela obra dos poderes constituídos, que deve estar de acordo com a primeira. A lei não pode contrariar a Constituição. O poder constituinte é dividido em dois núcleos: o poder constituinte originário, que cria uma Constituição, e o poder constituinte reformador, que altera a ordem jurídica existente elaborada pelo poder originário Pois bem, o poder constituinte originário é ilimitado, ou seja, ele não é derivado de qualquer outra fonte de poder e pode ser exercido sem restrições legais ou políticas. O poder constituinte é o poder supremo do Estado, que pode ser exercido por meio de procedimentos democráticos, como eleições ou referendos, ou por meio de uma assembleia constituinte. No entanto, o exercício do poder constituinte não é irrestrito. Deve-se levar em conta o respeito aos direitos fundamentais e o equilíbrio entre os poderes constituídos, garantindo assim um sistema democrático e justo. O poder constituinte originário pode surgir a partir do nada ou de uma ruptura com a ordem jurídico-constitucional existente. Existem duas teorias sobre sua natureza: a primeira considera que é um poder de fato, não jurídico, enquanto a segunda entende que é um poder de direito, submetido ao direito natural. Inicialmente, a titularidade do poder constituinte originário era atribuída a Deus, mas ao longo do tempo passou para o monarca e depois para a nação. O poder constituinte originário pode ser concebido de duas formas distintas. A primeira teoria afirma que é um poder de fato, um poder político que não está submetido ao direito, sendo a titularidade deste poder pertencente a todas as pessoas. Já a segunda teoria concebe o poder constituinte como um poder jurídico, um poder de direito, submetido ao direito natural, que vale em todos os lugares e tempos. Ambas as teorias apresentam diferentes concepções sobre a natureza do poder constituinte originário. O poder constituinte originário é o poder de criar o Estado e lhe dar uma Constituição. Inicialmente, como já mencionado, entendia-se que o titular desse poder era Deus, mas com o tempo, a titularidade evoluiu para o monarca, como Luís XIV. No entanto, com a evolução da história, a titularidade passou a ser atribuída à nação, graças à contribuição do abade Emmanuel Sieyès, que transferiu a titularidade do monarca para a nação. Segundo Sieyès: “Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria nação. Se precisamos de Constituição, devemos fazê-la. Só a nação tem direito de fazê-la (SIEYÈS, 2001, p. 91 e 94)”. O povo é o conjunto de pessoas entre as quais todos nós nos encontramos, e cada um exerce uma espécie de cotitularidade do poder constituinte originário. O povo pode se erguer e querer refundar a ordem jurídica quando desejar. O agente do poder constituinte originário é um grupo de pessoas encarregadas de elaborar uma nova Constituição, refundando a ordem jurídica. Esse grupo é geralmente chamado de Assembleia Nacional Constituinte, na tradição francesa, ou Convenção Constituinte, na tradição norte-americana. É importante distinguir o agente do poder constituinte originário do titular do poder constituinte, que é o povo. Essa distinção foi destacada por Carlos Ayres Britto. “No momento em que a assembleia ou convenção constituinte promulga sua obra, ou seja, a Constituição, ela morre de parto (BRITTO, 2003)”. O poder constituinte originário e o poder constituinte reformador são responsáveis pela criação e alteração da ordem jurídico-constitucional, mas não devem ser confundidos. Além dessas duas dimensões, há outras três: o poder constituinte decorrente, que é exercido pelos Estados membros para elaborar suas próprias Constituições; o poder constituinte difuso, que é exercido por qualquer indivíduo ou grupo que busque a proteção dos direitos fundamentais; e o poder constituinte de fato, que ocorre quando um poder político se impõe e modifica a ordem jurídica-constitucional, sem observar as regras estabelecidas para o poder constituinte. O poder constituinte decorrente é típico de federações e permite que os estados- membros elaborem suas próprias constituições, desde que estas estejam em conformidade com a Constituição federal e respeitem suas limitações. Já o poder constituinte transnacional transcende os limites do Estado-nação e é exercido por um núcleo de poder que produz uma Constituição válida em diversos países, sendo necessário que as Constituições nacionais estejam de acordo com a Constituição transnacional. Ainda, há o poder constituinte difuso, é importante considerar que muitos autores negam a existência de um poder constituinte difuso. No entanto, há autores que admitem ser possível falar nessa dimensão do poder constituinte. Há certa controvérsia por esta dimensão admitir que a criação de normas também pode ser feita por magistrados. Partindo desta premissa, e ao tomarmos um exemplo em que um juiz cria uma norma jurídica de natureza constitucional, podemos deduzir que ele está também exercendo o poder constituinte. Logicamente, no entanto, este é um caso diverso do modo visto até agora, em que há uma solenidade na criação de normas constitucionais. O poder difuso, desta forma, é exercido de algum modo cotidianamente pelos juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores quando, em determinadas circunstâncias, estes criam normas jurídicas. Em outras palavras, a prática recorrente dos juízes em suas decisões abre caminho para que se crie uma norma. É possível mostrar, dessa forma, a existência do poder constituinte difuso, ainda que sem a solenidade encontrada na atuação do poder constituinte pela Assembleia Nacional Constituinte, ou pelo poder reformador na instauração de Emendas Constitucionais. Em suma o poder constituinte é a capacidade que um povo ou nação tem de estabelecer sua própria constituição. Uma Emenda Constitucional pode contrariar o que está posto na Constituição, mas apenas no plano vertical, ou seja, quando a incompatibilidade se dá entre uma norma da Constituição e outra norma jurídica. Quando a incompatibilidade ocorre entre duas normas da própria Constituição, entre uma Emenda e outra norma criada pelo poder constituinte originário, pode haver um impasse sobre revogação ou inconstitucionalidade. A resolução desse impasse ocorre no caso em que a Emenda Constitucional atuar no corpo da Constituição, revogando a norma do poder constituinte originário.