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Unidade 1

Constitucionalismo, Poder
Constituinte e a Constituição

Introdução
Iniciamos aqui nosso estudo acerca dos direitos fundamentais e direitos humanos. Antes, porém, é
preciso construir um conhecimento necessário para avançarmos sobre os objetivos desta unidade.
Não há como falar em direitos e garantias fundamentais sem que haja a previsão legal de um
sistema de proteção a esses direitos de forma a realmente garanti-los. A mente humana foi capaz
de criar algo extremamente complexo e virtuoso e deu a isso um nome: Constituição. Vejamos
agora como nascem as constituições.
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06:42

Poder Constituinte e a Constituição


O constitucionalismo moldou o mundo que conhecemos hoje. Esse movimento tão marcante
precisa ser estudado por qualquer operador do Direito, já que é com base nele que temos o
chamado Estado de Direito. Prepare-se para mergulhar numa das mais belas construções do
espírito humano. Falaremos nesta unidade da Constituição.

As Declarações dos Direitos e o Estado Constitucional


O Estado Constitucional, ou seja, aquele baseado em uma Constituição tem estreita relação com as
declarações de direitos, sejam elas de proteção em relação ao Estado, sejam elas de convivência
entre todos aqueles que fazem parte da nação. Assim, estudaremos agora o poder constituinte.

Uma declaração de direitos nada mais é do que uma carta de intenções, uma lista onde são citados
um a um os direitos que tenham importância para aquela sociedade ou para um grupo de pessoas.
Elevar tais declarações ao nível dos Direitos Humanos ou do Direito Constitucional é fomentar que
todos tenham acesso a essa “lista de desejos” que deve ser concretizada.

Poder Constituinte: A Constituição


Estudar o poder constituinte envolve a análise de quatro questionamentos, quais sejam: o que é o
poder constituinte? Quem é o titular desse poder? Qual o procedimento e a forma de seu exercício?
E quais são os seus limites?

Diversos autores tratam o poder constituinte como um conceito limite do Direito Constitucional,
ou seja, ele se encontra no limite entre o direito e as demais relações sociais.
Gilmar Mendes, no mesmo sentido, diz que a autoridade máxima “[...] da Constituição, reconhecida
pelo constitucionalismo, vem de uma força política capaz de estabelecer e manter o vigor
normativo do Texto [...]” (MENDES, 2016, p. 101). E continua dizendo que essa magnitude “[...] que
fundamenta a validez da Constituição, desde a Revolução Francesa, é conhecida com o nome de
poder constituinte originário [...]” (MENDES, 2016, p. 101).
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A Constituição retira seu fundamento de validade das “forças determinantes da sociedade, que a
precede” (CANOTILHO apud MENDES, 2016, p. 101), ou seja, primeiro nasce a sociedade, depois A-
nasce a Constituição. Assim compreendemos a frase de Canotilho, a Constituição retira sua
validade da própria sociedade e não de uma outra norma do direito anterior a ela, ficando o poder
constituinte entre os dois: o direito e as relações sociais.

O abade Sieyès, em seu Que é o Terceiro Estado?, provoca a sociedade francesa para uma
reorganização política. Para que isso funcionasse deveria a sociedade escrever uma nova
constituição superando o modelo vigente “baseado na tradição”, pelo “[...] poder político de uma
decisão originária, não vinculada ao direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem
primeira [...]” (MENDES, 2016, p. 101).

A proposta feita por Sieyès consistia em que houvesse proporcionalidade entre os representantes
do Terceiro Estado (a burguesia, os profissionais liberais, os trabalhadores urbanos e os
trabalhadores rurais), do Primeiro e Segundo Estado (Clero e Nobreza, respectivamente) de acordo
com a população que integrava cada um deles. A ideia era a adoção do voto por cabeça, e não por
Estado.

Assim propunha Sieyes que a nação pudesse mudar sua organização básica, não por meio de
processo ordinário, mas por um processo diferenciado, qual seja, a instituição de uma Assembleia
Nacional Constituinte. Nesse momento, surge o reconhecimento da distinção entre a Lei
Fundamental (Constituição), expressão do direito natural e fruto do poder constituinte, e as demais
leis, derivadas do poder constituído.

Esse fato ilustra um momento histórico para a humanidade: a nação passa a ter mais força que o
monarca.

Outro fato histórico que é importante ser lembrado: um certo Thomas Jefferson, um dos principais
elaboradores da Declaração de Independência dos Estados Unidos, era o embaixador dos Estados
Unidos da América na França (ocupou o cargo de 1784 a 1789) e teve influência direta na
elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789.
SAIBA MAIS
Quem foi Thomas Jefferson A+

Autor da Declaração de Independência das 13 colônias, Defensor dos Direitos Humanos,


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responsável por dobrar o território nacional – com a compra da Louisiana - Legislador
protoabolicionista e criador da Universidade da Virgínia. É dessa forma que popularmente
Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos, é relembrado em discursos de outros
presidentes estadunidenses, em livros didáticos ou folhetins de datas comemorativas – como 4
de julho . Quer saber mais? Acesse o link a seguir e leia o texto de Mayara Brandão Venturini
sobre essa grande figura histórica.

https://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/mayara-brandao-venturini.pdf

Fonte: Venturini (2015).

Classificação do Poder Constituinte


A classificação clássica a respeito do poder constituinte dirá que ele pode ser:

a) poder constituinte originário, inicial ou inaugural;

b) poder constituinte derivado ou secundário:

i) reformador;

ii) decorrente.

Já a doutrina moderna não utilizará a classificação entre originário e derivado, já que o poder
constituinte deve ser entendido como aquele poder que faz nascer a Constituição; qual outra
situação que não seja esta não poderia ser considerada como manifestação do poder constituinte.
Para esta corrente, a expressão poder constituinte originário seria um pleonasmo, já que se ele é
poder constituinte, ele é o início de tudo. E a ideia de um poder constituinte derivado seria
contraditória, pois cabe ao poder constituinte desconstituir a antiga ordem e estabelecer uma
nova, e o derivado sofre limitações nesse sentido, não podendo portanto ser confundido com o
poder constituinte.

A doutrina ainda divide o poder constituinte em: fundacional (aquele que funda o Estado, como
exemplo, a Constituição brasileira de 1824 que fundou o Brasil enquanto República) e o
constituinte reconstituinte (aquele posterior ao fundacional).

José Afonso da Silva entende o poder constituinte como a “mais alta expressão do poder político” e
o define como “o poder que cabe ao povo de dar-se uma constituição” (SILVA, 2005, p. 38).

A decisão do povo de se dar uma nova constituição pode nascer de diversas maneiras, seja em
momentos de ruptura, com elevada consciência política e mobilização popular, seja em períodos
belicosos (revolução, golpe de estado) ou não belicosos (chamados de transição constitucional).

Características do Poder Constituinte


O poder constituinte é INICIAL, pois inaugura uma nova ordem jurídica, AUTÔNOMO, pois não há
no mesmo plano de hierarquia outro poder que conviva e rivalize com ele, INCONDICIONADO e
ILIMITADO, pois ele não comporta limites jurídicos, como ele inaugura uma nova ordem, não há
ordem anterior que lhe imponha quaisquer limitações.
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Há ainda discussão doutrinária a respeito de ser o poder constituinte um poder de fato ou um
poder de direito. Os que defendem que seria de direito dizem ser necessário o reconhecimento de
limitações ao exercício do poder constituinte, o reconhecimento da existência de limitações A-
jurídicas anteriores (jusnaturalismo); os que defendem que seria um poder de fato dizem que ele é
concebido como inicial, autônomo, ilimitado, devendo ser reconhecido como um poder de fato, uma
vez que não se identificam limitações jurídicas para a sua atuação.

O posicionamento mais atual reconhece a necessidade da existência de limitação do exercício do


poder constituinte, sob pena de se repetirem as atrocidades da 2ª Guerra Mundial. O problema é a
identificação de quais seriam as limitações sem que seja preciso incorrer no jusnaturalismo.

Positivação
da
Constituição
Quando falamos em positivação estamos tratando da
forma de introdução do texto no direito positivo. São
mecanismos de positivação constitucional:

A Constituição
Como bem nos lembra José Afonso da Silva, “[...] o Direito é um fenômeno histórico-cultural,
realidade ordenada, ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentido.
Consiste num sistema normativo [...]” (SILVA, 2005, p. 33). Por ser um sistema, ele precisa estar não
só pensado como positivado, seja em um texto, em textos esparsos ou fruto da prática reiterada de
determinada comunidade. Passemos então ao estudo do constitucionalismo.

Constitucionalismo
Constitucionalismo, em sentido moderno, corresponde a um movimento histórico de natureza
jurídica, política, filosófica e social, com vistas à limitação do poder do Estado e à garantia dos
direitos. Esse movimento levou à adoção de constituições escritas pelos Estados.
A grande inovação do constitucionalismo não foi a criação de constituições, na história da
humanidade, elas sempre foram conhecidas; ele trouxe a ideia de uma constituição escrita. Para
Canotilho (1982, p. 27), “[...] o constitucionalismo é no fundo uma teoria normativa da política”.

O constitucionalismo na história apresenta diversos modelos e ciclos constitucionais. A seguir, a


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classificação proposta por Pinto Ferreira (apud LENZA, 2012, p. 92-93).

i. Constitucionalismo político-liberal: diz respeito ao momento histórico vivido durante a A-


Revolução Francesa e a Constituição Americana. Representou uma reação ao absolutismo. O
Estado deveria ser concebido com pouquíssimas atribuições, tendo como papel essencial a
manutenção da ordem, as demais atividades deveriam ser entregues à iniciativa privada. Está
relacionado à primeira dimensão dos direitos humanos, que estudaremos em tópico específico.

Nesse momento histórico, as constituições chamadas clássicas ou liberais trataram da organização


do Estado, organização do poder e proteção aos direitos fundamentais de primeira geração. Eram,
por isso, chamadas de Constituição Garantia ou Defensiva, já que sua principal finalidade era
garantir a defesa de direitos individuais. Impunham ao Estado uma obrigação negativa.

ii. Constitucionalismo socialista ou Socialismo: o momento histórico do seu surgimento é o


Manifesto Comunista. Está relacionado ao Estado Social, o Estado do bem-estar social (Well Fair
State). Propõe uma alteração do papel do Estado de modo que haveria um reconhecimento de que a
Sociedade não conseguia, com as suas próprias forças, o necessário para a própria subsistência.
Passou-se a exigir uma atuação positiva do Estado que deveria colaborar e prestar serviços que até
então pertenciam à iniciativa privada.

Surge a segunda dimensão dos direitos fundamentais, que estudaremos em tópico específico; as
constituições socialistas passam a proteger os direitos sociais econômicos (ou direitos de crédito,
em que a sociedade era credora e o Estado era devedor da prestação de serviços para garantir os
direitos sociais, quais sejam, saúde, educação, previdência, trabalho etc.).

iii. Constitucionalismo social: nasce a partir da Constituição mexicana.

SAIBA MAIS
Centenário da Constituição Mexicana, 2017

Neste domingo, completam-se os cem anos da Constituição mexicana. Promulgada no dia 5 de


fevereiro de 1917, a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, plenamente vigente
até os dias atuais, já se consagrou, ao lado da Constituição dos Estados Unidos da América, como
um dos documentos constitucionais mais longevos do mundo.

Quer saber mais? Leia a notícia completa a seguir.

https://www.conjur.com.br/2017-fev-04/observatorio-constitucional-constitucionalismo-social-
completa-100-anos-neste-fevereiro.

Fonte: Vale (2017).

Constituição
Traduzir o conceito de constituição é uma tarefa ingrata, pois a ideia de constituição deve ser
concebida como conceito aberto e, por isso, admite inúmeras interpretações, não sendo possível a
construção de um conceito unívoco.

De antemão, é possível afirmar que constituição é a lei fundamental de um Estado que trata dos
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seus elementos mínimos, quais sejam, soberania, território, povo, finalidade.

Para José Afonso da Silva, constituição é um: A-

[...] conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado, tendo como
objeto o estabelecimento da estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, a
organização do modo de aquisição do poder e forma de seu exercício, o estabelecimento dos
limites de sua atuação e a determinação dos direitos e garantias dos indivíduos [...] (SILVA,
2005, p. 44).

Para o referido autor, a constituição tem:

i. como forma: um complexo de normas (escritas ou costumeiras);


ii. como conteúdo: conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, sociais
etc.);
iii. como fim: a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade;
iv. como causa criadora e recriadora: o poder que emana do povo.

Concepções do Conceito de Constituição


O conceito de constituição pode ser observado por três vieses, são eles: Concepção sociológica,
Concepção Política e Concepção Jurídica.

Segundo a Concepção sociológica de Ferdinand Lassale, a constituição é a soma dos fatores reais
do poder. Para Lassale (1862, p. 9), “constituição é o conjunto de forças sociais politicamente
atuantes por sua múltipla natureza, econômica, cultural, militar, religiosa, profissional etc.”. O autor
faz distinção entre constituição real da constituição escrita. A constituição real reflete a soma dos
fatores reais de poder de uma sociedade e a escrita, por outro lado, não reflete os fatores reais de
poder, por isso, é denominada mera folha de papel. Se a constituição escrita vai de encontro à
constituição real (soma dos fatores reais de poder), ocorrerá a prevalência desta em detrimento
daquela. A crítica feita a essa teoria é que ela limitaria sua preocupação apenas com a dimensão do
fato.

A Concepção Política, de Carl Schmitt ressalta que “a Constituição deve refletir as decisões
políticas fundamentais” (SCHMITT, 1982, p. 23). O autor faz distinção entre constituição e lei
constitucional. Constituição é a decisão política fundamental, esteja ou não no texto constitucional.
Entende-se como decisão política fundamental aquela que se refere aos assuntos relacionados à
estrutura mínima do Estado, como por exemplo, a separação dos poderes, os direitos e garantias
fundamentais. Já lei constitucional seria algo que está no texto constitucional, mas que não seja
decisão política fundamental. Tem conteúdo de lei e forma de texto constitucional. A lei
constitucional é o texto escrito que consagra normas que formalmente se submetem a um processo
de elaboração diferenciada. Poderá ou não coincidir com aquilo que está compreendido na decisão
política fundamental.

De acordo com a Concepção Jurídica de Hans Kelsen, “a constituição é norma pura, puro dever-ser,
dissociada de qualquer fundamento sociológico, político ou filósofo” (KELSEN, 1945, p. 9). O autor
faz distinção entre o sentido jurídico-positivo e o sentido lógico-jurídico. O sentido lógico-jurídico
trata a constituição como a norma hipotética fundamental, ou seja, é responsável para dar
sustentação ao sistema posto. Deve ser compreendida como algo que está fora da pirâmide
jurídica, fora do direito posto, é algo que está pressuposto (encontra-se antes do Direito positivo).
Algo ideal que se encontra no campo da lógica. O sentido jurídico-positivo trata a constituição
como lei máxima do Direito positivo. É a lei máxima do Direito posto. Encontra-se no topo da
pirâmide normativa. A crítica a esta visão diz que ela se preocupa apenas com a dimensão NORMA,
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desconsiderando a dimensão fática.

Classificação das Constituições A-

É importante lembrar que todas as classificações apresentadas são passíveis de críticas, ainda
assim, seu estudo é muito importante para a nossa formação.

i. Critério: quanto ao conteúdo

a) Constituição formal: constituição é toda norma que tenha passado por um processo de formação
próprio. O que importa é a forma da norma e não o seu conteúdo, ou seja, que ela tenha atendido
ao processo de formação diferenciado estabelecido. O simples fato de constar no corpo do texto
constitucional já garante o status de norma constitucional, ainda que a matéria por ela tratada seja
sem relevância.

b) Constituição material: constituição é toda norma cujo conteúdo trate de uma das matérias de
índole constitucional, como por exemplo, organização do Estado, divisão dos poderes, direitos e
garantias fundamentais.

ii. Critério: quanto à forma

a) Constituição escrita ou instrumental: é a constituição sistematizada por um procedimento


formal, ou seja, promulgada por um órgão competente. Tem como espécies a constituição escrita
codificada (constituição escrita que se encontra sistematizada em um documento único) e a
constituição escrita não codificada ou constituição legal (constituição escrita que não se encontra
sistematizada em um documento único).

b) Constituição não escrita, costumeira, consuetudinária ou histórica: é a constituição que não é


sistematizada por um procedimento formal. É a constituição promulgada pelos costumes, podendo
inclusive ter normas escritas.

iii. Critério: quantidade de linhas ideológicas que fundamentam a constituição

a) Constituição ortodoxa: constituição elaborada com base em uma única linha ideológica.

b) Constituição eclética: elaborada com base em várias linhas de pensamento distintas. Apresenta
várias contradições.

A constituição brasileira é fruto de um antagonismo de ideias que consagram opções ideológicas


distintas.

iv. Critério: quanto à origem ou positivação

a) Constituição promulgada (também chamada de democrática ou popular: elaborada com a


participação democrática, no conceito clássico de democracia, governo do povo, é a constituição
elaborada pelo povo.

b) Constituição  outorgada (também conhecida como constituição não democrática ou constituição


imposta): como o próprio nome já remete, é uma constituição que nasce sem a participação
popular, imposta de forma unilateral por um agente revolucionário.

Exemplo: constituições brasileiras outorgadas: 1824, 1937, 1967.


c) Constituição cesarista ou plebiscitária: é a constituição imposta, mas que se pretende legitimar
por meio da aprovação popular por meio de plebiscito. Não é democrática, uma vez que o plebiscito
autoriza que o governante elabore a constituição.

Exemplo: Plebiscito napoleônico; Pinochet no Chile.


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d) Constituição  pactuada: é a constituição elaborada em decorrência do pacto realizado entre os
vários titulares do poder constituinte que, em conjunto, elaboram a constituição. A-

v. Critério: quanto à estabilidade

a) Constituição rígida: é a constituição que somente poderá ser alterada por meio de um processo
legislativo específico, mais dificultoso que aquele utilizado para alteração do texto
infraconstitucional.

b) Constituição flexível ou plástica: é a constituição que pode ser alterada sem a necessidade de um
processo específico e diferenciado. O processo legislativo de alteração da norma constitucional e
da norma infraconstitucional é o mesmo.

Exemplo: Constituição inglesa, Estatuto do Império da Itália de 1848 e Constituição soviética de


1924.

c) Constituição semirrígida ou semiflexível: é a constituição que exige que apenas uma parte do seu
texto seja alterado por processo legislativo diferenciado e mais dificultoso, quanto ao restante do
texto, é possível a alteração pelo procedimento ordinário.

Exemplo: Constituição brasileira de 1824.

d) Constituição imutável: constituição que não admite alteração de seu texto. A vontade
constituinte se exaure na constituinte. Não existem mais, são “relíquias históricas”, é necessário
que a constituição acompanhe as evoluções sociais.

e) Constituição fixa: somente o poder constituinte originário é que pode alterar o texto
constitucional.

f) Constituição super-rígida (MORAES, 2019, p. 43): é a constituição que possui um núcleo


intangível. Para Alexandre de Moraes, a Constituição Federal brasileira de 1988, em decorrência da
existência de cláusulas pétreas, deveria ser classificada como super-rígida. A crítica da doutrina diz
que as cláusulas pétreas podem ser alteradas, o que o texto constitucional veda é a alteração
tendente à eliminação delas do ordenamento.

vi. Critério: quanto à extensão

a) Constituição concisa (breve, sumária, sucinta, básica): como o próprio nome já diz, é a que prevê
em seu bojo tão somente as normas materialmente constitucionais (VASCONCELOS, 2018, p. 60).

Exemplo: Constituição norte-americana.

b) Constituição prolixa (longa, ampla, extensa desenvolvida, ampla): trata-se do texto


constitucional que dispõe não apenas das normas materialmente constitucionais, mas também de
matérias que não deveriam ser tratadas pela Constituição (VASCONCELOS, 2018, p. 59).

Exemplo: Constituição de 1988.

Aplicação da Constituição no tempo (fenômenos de Direito Constitucional intertemporal)


Os fenômenos de direito constitucional intertemporal são relações da nova constituição com a
constituição e com a legislação anteriores. São situações que excepcionam a regra geral da pura
revogação da constituição anterior.
Pode haver os seguintes fenômenos em relação à constituição anterior:

i. desconstitucionalização;
ii. prorrogação.
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E em relação à legislação anterior, os seguintes fenômenos:

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i. recepção;
ii. não recepção;
iii. repristinação;
iv. recepção qualificada.

Vamos falar de cada um desses fenômenos.

A Desconstitucionalização é a recepção pela nova ordem constitucional, como leis ordinárias, de


disposições da constituição antiga. É a recepção da norma da constituição anterior, mas com queda
status, não mais como norma constitucional, mas como norma infraconstitucional. Exige previsão
expressa. Pode ser útil no caso de substituição de uma constituição longa por uma concisa, para
evitar vazios legislativos. Segundo o posicionamento doutrinário dominante, o que está na
constituição anterior, mas que não é tratado pela nova constituição e com esta também não
conflita, não continua em vigor, a não ser que a nova constituição seja expressa nesse sentido.

A Prorrogação é a aplicação temporária de dispositivos da constituição anterior.

A Recepção é o fenômeno pelo qual uma nova constituição, ou uma nova emenda constitucional,
recebe como válidas as normas infraconstitucionais já existentes que forem materialmente
compatíveis com o seu texto. São requisitos:

a) vigência da norma: se a norma não estiver mais em vigor, será possível a caracterização do
fenômeno da repristinação, e não o da recepção. A recepção/não recepção é automática, a
repristinação depende de previsão expressa;

b) compatibilidade material com a nova constituição: o que importa é a conformidade material. O


que interessa não é a forma, mas o conteúdo. A incompatibilidade formal não impede a recepção. A
recepção de normas não se preocupa com o processo legislativo, mas com o conteúdo;

c) recepção qualificada: a norma infraconstitucional é recepcionada naquilo que não conflita com a
constituição, mas com status de norma constitucional;

d) não recepção: é o fenômeno pelo qual as normas infraconstitucionais anteriores, que não forem
materialmente compatíveis com o novo Texto Maior, são revogadas. Segundo a nomenclatura
utilizada pelo STF, ocorreria a revogação pela não recepção.

Importante: recepção e não-recepção são fenômenos automáticos, ou seja, implícitos, que


independem de previsão expressa da nova constituição, embora isso possa ocorrer.

e) repristinação: fenômeno pelo qual uma norma infraconstitucional, que não havia sido
recepcionada por uma determinada constituição (e, portanto, encontrava-se “revogada”), restaura-
se e retorna ao ordenamento por força de uma nova constituição. Há a necessidade de disposição
expressa nesse sentido, diferentemente da recepção e não recepção, que ocorrem
automaticamente.

Normas Constitucionais
Ao falar de normas, precisamos nos atentar ao fato de que elas são preceitos, mandamentos,
palavras de ordem que buscam tutelar questões subjetivas, ou seja, questões que envolvem o
sujeito em relação ao outro, à sociedade e a si mesmo. Há uma discussão. Para alguns autores,
norma e texto não se confundem. O texto seria a letra fria e a norma seria a interpretação desse
texto normativo. A interpretação busca transformar o texto frio em norma aplicável.

Vigência, Validade, Eficácia e Efetividade da Norma Constitucional


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A Vigência é a obrigatoriedade da lei no tempo. A Validade é a conformidade da lei em relação à
outra norma de nível superior (via de regra, a CF) e tem como espécies: a validade material,
validade quanto ao conteúdo; e validade formal, validade quanto às regras procedimentais A-
destinadas à edição da norma.

Eficácia é a aplicabilidade completa da lei. Eficaz é a norma que pode produzir efeitos. É possível
que uma norma vigente não tenha eficácia (ex.: norma que depende de regulamentação). A relação
entre eficácia e vigência dá ensejo a diversas situações, são elas:

a) período da vacatio legis: norma não produz efeito em relação aos comandos que ela contém para
determinar a conduta. Cuidado, pois, mesmo na vacatio, alguns efeitos são produzidos, por
exemplo, a possibilidade de Ação Direta de Inconstitucionalidade no período da vacatio legis;

b) ultratividade da norma: norma que não mais está em vigência, mas que continua tendo eficácia
(continua produzindo efeito). Por exemplo, o direito adquirido durante o período que a norma
estava vigente;

c) leis temporárias: norma que ainda está no ordenamento, mas que não mais produz efeito. Por
exemplo, as normas transitórias.

A eficácia apresenta-se sob algumas formas:

a) eficácia jurídica ou propriamente dita é a possibilidade de uma norma ser aplicada aos casos
concretos aos quais ela se dirige. É a aptidão que a norma possui para produzir efeitos. Eficácia
pressupõe a vigência;

b) eficácia social: além de ser apta para produzir efeito, é necessário que ela cumpra em concreto
sua função. Está relacionado à efetividade da norma.

Efetividade é a obediência fática pelos destinatários da norma, pessoa física, pessoa jurídica,
órgãos estatais etc.

É importante destacar que não há norma constitucional destituída de eficácia, todas as normas
constitucionais possuem eficácia.

Eficácia das Normas Constitucionais


A eficácia jurídica das normas constitucionais é graduada em mínima e máxima.

A eficácia mínima é aquela que toda e qualquer norma constitucional possui: força paralisante e
força impeditiva. A força paralisante é que se opera para o passado. Ela paralisa tudo que havia
antes da nova constituição e que com ela esteja em contrário, se confunde com o fenômeno da não
recepção. Força impeditiva é a força que se opera para o futuro. Ela é responsável por impedir que
normas contrárias à constituição ingressem no ordenamento. A força impeditiva se confunde com
o fenômeno da inconstitucionalidade;

A eficácia máxima (eficácia social) é a capacidade da constituição se tornar real no dia a dia. É a
concretização no mundo real do comando constitucional. A eficácia pode depender de diversos
fatores, não apenas jurídicos, mas também sociais, culturais e políticos.

O Direito não responde a todas as coisas, não resolve todas as situações. Sob o ponto de vista
puramente normativo, a legislação seria adequada. O problema não é apenas jurídico, o fenômeno
da concretização das normas deve ser encarado com o auxílio de outros ramos do conhecimento.
Classificação das Normas Constitucionais
As normas constitucionais podem ser classificadas de acordo com critérios quanto: ao conteúdo, à
natureza, constitucionalismo norte-americano e classificação proposta por Silva.
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i. Critério: quanto ao conteúdo:

a) norma-princípio: veicula um princípio; A-

b) norma-regra: veicula uma regra.

A crítica feita a essa classificação é que, nos termos atuais, seria difícil distinguir princípio e regra.

ii. Critério: quanto à natureza:

a) formalmente constitucionais: normas consideradas constitucionais por integrarem o texto


constitucional;

b) materialmente constitucionais: normas que têm o conteúdo constitucional.

É importante lembrar que essa classificação, formal e material, já está superada.

iii. Critério: constitucionalismo norte-americano (Thomas Cooley, Ruy Barbosa e Pontes Miranda
apud BARROSO, 2010, p. 251):

a) autoaplicáveis (self executing provisions): “[...] possuem aplicação direta e imediata aos casos a que
se referem, dispensando qualquer tipo de lei regulamentadora [...]” (NOVELINO, 2014);

b) não autoaplicáveis (not self executing provisions): requerem uma ação legislativa posterior para
sua efetivação, ou seja, dependem de lei para serem executadas.

iv. Classificação proposta por Silva (2005, p. 59) (aplicabilidade das normas constitucionais):

É a classificação clássica utilizada no Direito brasileiro (a primeira obra a tratar de forma


sistematizada o tema no Brasil foi publicada em 1967, sendo, ainda hoje, a classificação mais
adotada entre nós), fruto do trabalho de José Afonso da Silva, que diz: a) normas de eficácia plena:
normas de aplicabilidade imediata por não necessitarem da atuação do legislador ordinário. Não
admitem que o legislador ordinário restrinja o seu alcance. Normas bastantes em si mesmo; b)
normas de eficácia contida: não precisam da intermediação do legislador ordinário para terem
eficácia, mas admitem que esta possa ser restringida por aquele; c) normas de eficácia limitada:
normas que precisam da intermediação do legislador ordinário.

Subdivide-se em: de princípio institutivo: a lei é necessária para que determinado órgão ou
instituição seja criado; de princípio programático: são programas cuja eficácia depende da
intermediação do legislador ordinário.

v. Classificação proposta por Diniz (2003), aborda a eficácia absoluta, plena, relativa restringível, e
relativa/complementável.

A eficácia absoluta refere-se a normas que não podem sequer ser alteradas por emenda à
Constituição, porquanto contém uma “[...] força paralisante total de qualquer legislação que,
explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las [...]” (NOVELINO, 2014, p. 187);

A eficácia plena refere-se a normas que possuem idoneidade para serem imediatamente aplicadas
por conterem todos os elementos imprescindíveis para a produção imediata dos efeitos nelas
previstos. Distinguem-se das normas de eficácia absoluta em razão da possibilidade de serem
emendadas (NOVELINO, 2014, p. 148);
A eficácia relativa restringível corresponde às normas de eficácia contida, ou seja, possuem
aplicabilidade imediata e plena, embora sejam suscetíveis de ter sua eficácia restringida nos casos e
nas formas estabelecidas em lei (NOVELINO, 2014,  p. 148);

A eficácia relativa/complementável refere-se a preceitos que possuem aplicação imediata, que


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dependem da emissão de uma normatividade futura para terem capacidade de execução dos
interesses visados. Assim como na classificação de José Afonso da Silva, são distinguidas em
normas de princípio institutivo e normas programáticas (NOVELINO, 2014,  p. 149). A-

Interpretação da Constituição
A interpretação constitucional é dirigida por métodos clássicos e modernos, conforme sejam, ou
não, empregadas normas tradicionais de hermenêutica jurídica, dotadas de origem romanista e
civilista, respectivamente.

Para Guilherme Peña de Moraes:

A interpretação constitucional é conceituada como atividade intelectual de revelação do


sentido, alcance e conteúdo de determinada norma constitucional, por meio de regras e
princípios de hermenêutica jurídica, com o fim de fazê-la incidir sobre o conceito de um fato,
de acordo com a capacidade expressiva do texto da Constituição.
Primeiramente, quanto aos momentos da atividade de interpretação constitucional, há a
divisão do processo de interpretação da Constituição em: (i) determinação da norma
constitucional, com a solução de eventuais conflitos de normas no espaço (Direito
Constitucional Internacional) e no tempo (Direito Constitucional Intertemporal); (ii)
interpretação constitucional, vale dizer, ato de vontade e ato de conhecimento, consistente
na atribuição de significado a um signo de linguagem na Constituição; e (iii) aplicação da
norma constitucional, com a subsunção da norma ao fato. (MORAES, 2018, p. 301).

Os métodos são conhecidos como clássicos e modernos. Os Métodos Clássicos de Interpretação


são: método gramatical, método histórico, método sistemático e método teleológico. Entretanto,
outros métodos são apontados pela doutrina, são eles: método jurídico ou clássico, que na
interpretação da constituição, utiliza-se os quatros métodos acima, ou seja, igual à interpretação da
lei em geral – tese da identidade; método hermenêutico-concretizador, o intérprete tem uma pré-
compreensão do sentido da constituição, busca concretizar a norma constitucional para e a partir
de uma situação concreta. A constituição prevalece sobre o problema. A norma é o resultado da
interpretação, e esse processo é denominado concretização. A constituição não pode ser entendida
dissociada da sua concretização; o método tópico-problemático parte-se do problema. O problema
é mais importante que a constituição. A interpretação é um processo aberto de argumentação
entre vários intérpretes para tentar adequar a norma constitucional; moderna hermenêutica
constitucional: prioridade para a concretização dos direitos fundamentais.
SAIBA MAIS
Interpretação legislativa, administrativa, judicial e doutrinária - A explicação de Guilherme A+
Peña de Moraes
A-
Com pertinência à origem, a interpretação constitucional é subclassificada em legislativa,
administrativa, judicial e doutrinária. A interpretação legislativa é efetuada pelo Poder
Legislativo, como por exemplo, no processo legislativo, quando o órgão legislativo aplica o
procedimento adequado para a elaboração de normas jurídicas ou aprecia o veto por
inconstitucionalidade. A interpretação judicial é efetivada pelo Poder Judiciário, como por
exemplo, na jurisdição constitucional, quando o órgão judicial procede ao controle de
constitucionalidade ou processa os remédios constitucionais. A interpretação administrativa é
exteriorizada pelo Poder Executivo, como por exemplo, na inaplicação por inconstitucionalidade,
quando o órgão administrativo deixa de aplicar as normas jurídicas que considerar
inconstitucionais. A interpretação doutrinária é exercitada pelos escritores jurídicos em geral,
por exemplo, as obras literárias em matéria jurídica. Saiba mais lendo o texto “Classificação das
Normas Constitucionais”.

https://www.espacojuridico.com/blog/classificacao-das-normas-constitucionais/.

Fonte: Oliveira (2013).

Supremacia da Constituição
Kelsen foi um dos primeiros juristas a propor uma visão escalonada em que a Constituição seria o
topo do ordenamento jurídico.

Explica Douglas Cunha:

A pirâmide de Kelsen tem a Constituição com seu vértice (topo), por ser esta fundamento de
validade de todas as demais normas do sistema. Assim nenhuma norma do ordenamento
jurídico pode se opor à Constituição: ela é superior a todas as demais normas jurídicas, as
quais são, por isso mesmo, denominadas infraconstitucionais. Na Constituição, há normas
constitucionais originárias e normas constitucionais derivadas (CUNHA, 2018, p. 117).

A chamada pirâmide de Kelsen (KELSEN, 1945, p. 32) foi replicada e seu símbolo hoje se tornou
universal. Observe a figura a seguir.
A+

A-

Figura 1.1 - Pirâmide de Kelsen


Fonte: Kelsen (1945, p. 21).

Segundo Luis Roberto Barroso:

O ordenamento jurídico é um sistema. Um sistema pressupõe ordem e unidade, devendo


suas partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra dessa harmonia deverá deflagrar
mecanismos de correção destinados a restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é
um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da
compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a
Constituição. Caracterizado o contraste, o sistema provê um conjunto de medidas que visam
a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A declaração de inconstitucionalidade
consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia
(BARROSO, 2018, p. 221).

E continua:

Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma


explícita ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples
de demonstrar. Quando uma preten são jurídica funda-se em uma norma que não integra a
Constituição — uma lei ordinária, por exemplo —, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá
certificar-se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no
conflito entre uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar
uma norma inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição (BARROSO, 2018, p.
221).
Como já foi tratado nesta unidade, nos relembra Guilherme Peña de Moraes,

Com pertinência à concepção estritamente jurídica, Hans Kelsen postula que a Constituição
seria a lei fundamental da organização estatal, dividida em Constituição em sentido lógico-
A+
jurídico e Constituição em sentido jurídico-positivo. A Constituição em sentido lógico-
jurídico corresponderia à norma fundamental hipotética, quer dizer, pressuposto lógico de
A-
validade das normas constitucionais positivas. A Constituição em sentido jurídico-positivo
consistiria na norma positiva suprema, vale dizer, pressuposto jurídico do processo de
criação, modificação ou extinção do Direito Positivo, dado que todas as normas jurídicas
integrantes do mesmo ordenamento constitucional encontram fundamento de validade
comum na Constituição (MORAES, 2018, p. 112).  

Assim são necessárias duas premissas para se identificar a existência de um controle de


constitucionalidade que fará com que haja fiscalização das outras leis. São elas a supremacia e a
rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição “[...]

revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma
escalonada em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas.”
(BARROSO, 2018, p. 222). Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na
verdade, nenhum ato jurídico — poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com
a Constituição.

E continua Barroso  (2018, p. 223):

A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como
parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional
precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar
normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie
normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle. Se as leis
infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em
caso de contrariedade ocorreria a revogação do ato anterior e não a inconstitucionalidade.
Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos
fundamentais, inclusive e sobretudo os das minorias, em face de maiorias parlamentares
eventuais. Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela
sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas. A questão da
legitimidade democrática do controle judicial é um dos temas que têm atraído mais
intensamente a reflexão de juristas, cientistas políticos e filósofos da Constituição, e a ele se
dedicará um tópico desta exposição.

Evolução Constitucional do Brasil


A constituição de 1824 teve como fonte inspiradora a Constituição francesa, classificada como
liberal, pactuada e semirrígida (diferenciação das normas materialmente constitucionais das
normas formalmente constitucionais).

A forma de Estado era unitário, ou seja, as províncias não possuíam autonomia político-
administrativa. Não havia reconhecimento da capacidade política, não podiam legislar. A forma de
governo era a monarquia (vitalícia e hereditária). Previa a irresponsabilidade do governante e a
adoção da Teoria do Poder Moderador (Benjamim Constant de Rebecque), e não da Teoria da
divisão orgânica (Montesquieu) com 4 poderes.

Poderes previstos: Poder Executivo (Rei), Poder Legislativo (vitaliciedade dos senadores). Poder
Judiciário (órgão máximo: Supremo Tribunal de Justiça) e Poder Moderador (estava acima dos
A+
demais poderes e servia para legitimar as ações do Imperador). Estado confessional, catolicismo
romano como religião oficial, sistema eleitoral baseado no voto censitário e reconhecimento de
direitos fundamentais ao cidadão (apesar disso, a escravidão estava mantida de forma indefinida). A-

A constituição de 1981 teve como fonte inspiradora a Constituição norte-americana, classificada


como liberal, pactuada e rígida. Como características, podemos observar a forma de Estado,
federação (reconhecimento da capacidade política para as províncias), forma de governo, república
e sistema de governo, presidencialismo (mandato de quatro anos). Havia ainda uma adequação à
teoria de Montesquieu com a previsão de três poderes, Executivo (o primeiro presidente e vice-
presidente da República foram escolhidos pela Assembleia, os demais foram eleitos pelo voto
direto). Poder Legislativo e Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal).

Além disso, havia a previsão da vitaliciedade para os juízes, do Estado laico, com liberdade de culto
e o sistema eleitoral foi ampliado com a extinção do voto censitário. O voto era descoberto e
universal e a eleição era direta, contudo ainda não votavam mendigos, analfabetos, religiosos de
ordens monásticas e mulheres. Novamente houve o reconhecimento dos direitos fundamentais

A constituição de 1934 tem como fonte inspiradora a constituição alemã de Weimar. Classificada
como social, pois tratou de direitos sociais e direitos econômicos e inaugurou um novo ciclo
constitucional. Sob influência da constituição alemã, a constituição de 1934, além de incorporar o
constitucionalismo jurídico-político, incorporou o constitucionalismo social. O Estado deixou de ser
só liberal e passou a ser estado do bem-estar social, deixando de ser só garantidor para ser estado
prestador (reconhecimento de direitos de segunda dimensão). Promulgada e rígida. Tinha ainda
como características a forma de Estado, federação, a forma de governo, República e o sistema de
governo presidencialismo.

Havia a manutenção da previsão de três poderes com algumas peculiaridades. No Poder Executivo,
foi extinto o cargo de vice-presidente, Getúlio Vargas foi eleito como presidente pelo Congresso
Nacional pelo voto indireto para um mandato de quatro anos. No Poder Legislativo, a Assembleia
Constituinte transformou-se em Congresso Nacional. No Poder Judiciário, houve alteração da
nomenclatura do Supremo Tribunal Federal para Corte Suprema. Surgem a Justiça Eleitoral e a
Justiça do Trabalho. Estado laico e sistema eleitoral com voto direto e secreto. Houve a
constitucionalização do voto feminino (as mulheres já votavam desde 1932) e o reconhecimento
dos direitos fundamentais.

A constituição de 1937 conhecida como Constituição polaca, foi criada por Francisco Campos, com
óbvia inspiração na constituição polonesa. Tinha como características a forma de Estado,
federação, formalmente era federação, mas de fato era Estado unitário. Os Estados eram
governados por interventores nomeados por Vargas. Transferiram para a competência da União
muitas das funções antes exercidas pelos governos estaduais e municipais. Áreas fundamentais,
como as de educação e trabalho, de supervisão da produção e exportação de café e do açúcar, por
exemplo, já estavam sob orientação da União, mas o processo foi acentuado durante o Estado
Novo. Além disso, os Estados e os municípios foram enfraquecidos pela abolição das taxas
interestaduais de exportação, tributos que, para eles, constituíam importantes fontes de renda.

A forma de governo manteve-se república e o sistema de governo, presidencialismo. Previsão de


três poderes, Poder Executivo, concentração do poder nas mãos do chefe do Poder Executivo da
união; quanto ao Poder Legislativo, houve o fechamento do congresso, a Constituição de 1937
extinguiu o Senado Federal, passando o Parlamento Nacional a ser composto por duas câmaras: a
Câmara dos Deputados e o Conselho Federal. A Câmara dos Deputados era eleita mediante
sufrágio indireto, enquanto que os membros do Conselho Federal eram indicados pelo Presidente
da República. Por fim, no Poder Judiciário, a denominação do órgão máximo do judiciário voltou a
ser denominado de Supremo Tribunal Federal.
No sistema eleitoral, houve a extinção dos partidos políticos e extinção da Justiça Eleitoral.
restrição dos direitos fundamentais e previsão da pena de morte.

A+

A-
FIQUE POR DENTRO
Ditadura Polonesa

Em 10 de novembro de 1937, a Constituição do Estado Novo foi responsável pela implantação


do regime político de inspiração fascista da ditadura polonesa de Józef Pilsudski que aliava a
centralização do poder político à supressão de direitos fundamentais. Para saber mais, assista ao
vídeo “A História da Polônia 1939-1979”.

https://www.youtube.com/watch?v=FWBjW7z06yU.

CONSTITUIÇÃO DE 1946

Segundo Guilherme Peña de Moraes, “A Constituição de 18 de setembro de 1946 surgiu do


constitucionalismo liberal-social, que, pela conciliação entre a liberdade de iniciativa e a
valorização do trabalho humano, era direcionado à obtenção da justiça social [...]” (MORAES, 2017,
p. 119).

Ele explica que:

[...] A separação de poderes (separation of powers) foi rigorosa, tanto que vedada a qualquer
deles a avocação e delegação de competências ou atribuições que lhes eram proporcionadas
(übertragung von Befugnissen). Aos direitos fundamentais, garantias e remédios
constitucionais foram introduzidas, ou mesmo reinseridas, a greve, inafastabilidade de
prestação da jurisdição, participação de trabalhadores nos lucros ou resultados das
empresas e ação de cidadãos para invalidação dos atos de lesão ao patrimônio do Estado
(MORAES, 2017, p. 345).

A constituição de 1988 teve como fonte inspiradora as constituições portuguesa e espanhola.


Segundo Luis Roberto Barroso:

[...] A experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é a


melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase
dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas
constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um
acúmulo de gerações perdidas. A ilegitimidade ancestral materializou-se na dominação de
uma elite de visão estreita, patrimonialista, que jamais teve um projeto de país para toda a
gente.
Viciada pelos privilégios e pela apropriação privada do espaço público, produziu uma
sociedade com déficit de educação, de saúde, de saneamento, de habitação, de
oportunidades de vida digna. Uma legião imensa de pessoas sem acesso à alimentação
adequada, ao consumo e à civilização, em um país rico, uma das maiores economias do
mundo.
[...] A+
A Constituição de 1988 foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova
história. Sem as velhas utopias, sem certezas ambiciosas, com o caminho a ser feito ao A-
andar. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem precedentes, desde
que tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória política
brasileira, como protagonista do  processo, ao lado da velha aristocracia e da burguesia
emergente (BARROSO, 2018, p. 228).

REFLITA
O Estado Moderno

O Estado Moderno construiu seus alicerces tendo como estacas vivas a miserabilidade de uma
classe impotente de reação. Empenha defesa máxima e concreta na proteção da propriedade, a
estas as leis são claras, explícitas, não deixam lacunas e são totalmente objetivas. São ações
realmente garantidoras e incentivadoras de sua manutenção, pois garantir a propriedade, tal
qual expressa John Locke, ainda é a forma mais tranquila de fazer imperar o direito. O foco não é
o homem, mas a propriedade e o consumo. Quanto às garantias que efetivamente poderiam dar
ao homem mediano, comum, de melhorar as suas condições materiais para alçar um equilíbrio
maior de sua totalidade, estas situam-se apenas no campo das promessas e de leis cujas
subjetividades ficam para serem interpretadas pela classe dominante, pois o cumprimento de
algumas dessas promessas poderiam colocar o sistema financeiro, as economias globais e outros
em risco eminente, o que poderia supostamente desequilibrar e ameaçar os projetos da elite
dominante, cuja urgência normalmente se estabelece a curto prazo, enquanto aquelas que visam
restituir a condição ontológica do homem só podem ser realizadas a longo prazo, aliás, a prazos
muito longos! Tão longos que a humanidade pode até não sobreviver para ver sua realização.
A+

A-

05:11

INDICAÇÃO DE LEITURA

Como as Democracias Morrem


Autores:  Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Ano: 2018

Editora: ZAHAR

ISBN: 9788537818008

Sinopse: O livro “Como as Democracias Morrem” faz uma análise de como as democracias
chegam ao fim na história do Estado Democrático de Direito, por vezes, quando este último
deixa de existir. Este livro será um grande auxílio para o entendimento do conceito de
constituição, já que estudamos como ela nasce, e fecharemos o ciclo de como elas morrem.

Considerações Finais
Ao longo deste material, analisamos como nascem as constituições, o Poder Constituinte, a
Constituição e o constitucionalismo. Também fizemos um mergulho nas normas constitucionais,
além de termos estudado os métodos de interpretação, a supremacia da Constituição e sua
evolução, além de analisarmos a história constitucional brasileira. De posse desse conhecimento,
podemos avançar para os direitos humanos e os direitos fundamentais.
A+
Fica ainda um questionamento: você entendeu o tamanho da importância de se estudar o
constitucionalismo e as constituições. A constituição nada mais é do que o dia a dia do mundo. Nós A-
temos a tendência à beligerância, à briga, discutir, discordar. O conflito é uma máxima no mundo
animal e nós fazemos parte dele. Mas a mente humana conseguiu estabelecer regras de convívio
entre todos e formas de resolução de conflitos. A mãe de todas essas normas é a Constituição.

Atividade
O país Bruzundanga passou por um processo revolucionário popular, tendo como resultado a tomada do poder pelos
principais agentes da revolução. O primeiro ato do autoproclamado presidente da república foi declarar que a Constituição
Federal estava revogada. Ato contínuo, o presidente nomeou 12 juristas (também participantes da revolução) para elaborar
um novo texto em 10 dias, o que foi realizado. Tão logo o texto foi finalizado, o presidente “promulgou” a Constituição,
validando-a por referendo no qual houve 100% de aprovação após graves ameaças à vida dos cidadãos. Com base nessa
situação hipotética, julgue os itens a seguir.

Trata-se de Constituição promulgada, pois podemos confirmar que a participação dos 12 juristas nomeados pelo presidente
equivalem a uma Assembleia Constituinte.

Trata-se de Constituição outorgada, ou seja, imposta, o que torna inválido o referendo realizado.

A vontade do povo deve sempre prevalecer, esta é a premissa maior da democracia, logo o fato de existir um referendo que a
valide sempre fará com que ela seja justa.

A Constituição não é válida, pois os juristas só tiveram 10 dias para escrevê-la quando o certo é o mínimo de 45 dias.

O ato de promulgar uma nova constituição é sempre do Presidente da República.

Atividade
A classificação clássica das normas constitucionais utilizada no Direito brasileiro é fruto do trabalho de José Afonso da Silva,
mas há diversas classificações propostas por outros autores, como Maria Helena Diniz. Sobre a aplicabilidade das normas
constitucionais, assinale a alternativa CORRETA.

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas de aplicação integral e imediata.

Normas de eficácia contida precisam da intermediação do legislador para serem aplicadas.


As normas de eficácia limitada de princípio programático têm plena aplicabilidade enquanto as de princípio institutivo
determinam que seja elaborada lei para a criação de órgão ou instituição.

O art. 2º, da CRFB/88, diz que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o A+
Judiciário”. Este artigo é exemplo clássico de norma de eficácia contida de princípio institutivo.

A-
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas de aplicação integral e imediata, que dependem de intermediação
legislativa.

Atividade
Na história da humanidade, diversos autores se debruçaram sobre a tarefa de formular um conceito para Constituição,
tendo por base distintas concepções. Dentre elas, podem ser mencionadas as seguintes: (i) “A Constituição seria a somatória
dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade” e (ii) “Constituição deve refletir as decisões políticas fundamentais”.
Assim sendo, assinale a alternativa que indica, correta e respectivamente, os autores dessas duas concepções.

Hans Kelsen e Ferdinand Lassale.

Ferdinand Lassale e Carl Schmitt.

Konrad Hesse e Carl Schmitt.

Peter Häberte e Konrad Hesse

Hans Kelsen e Peter Häbertenativa

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