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Direito Constitucional – Módulo I – Prof.

Robério Nunes

Percentual de questões de Direito Constitucional que tem caído majoritariamente em concursos


públicos:

Direitos Humanos e Fundamentais – 15%

Teoria Geral da Constituição – 21%

Organização do Estado e Federação – 15%

Controle de Constitucionalidade – 21%

Outros temas como Poder Judiciário, Executivo, Legislativo, etc – 28%

Em concursos para magistratura, por exemplo, caem mais questões concernentes ao Poder
Judiciário, e para o MP, funções essenciais à justiça e MP.

Manuais mais utilizados para concursos públicos: para concursos mais densos, o professor
indica Daniel Sarmento.

Ler informativos do STF e STJ.

Aula 1

● Teoria Geral da Constituição.

Tal disciplina busca responder perguntas essenciais como: o que é uma constituição, como esta
surgiu na humanidade, qual a sua função e poder capaz de produzir uma Constituição? Como
poderá ser modificada? Formalmente e informalmente? Como as normas constitucionais devem
ser interpretadas?

Deve-se, para entender essas perguntas, estudar o Constitucionalismo.

A Constituição e a formação do Estado Constitucional foram construídos pelo ser


humano, não tendo sido legados pela natureza, por exemplo.

Foi o ser humano, no correr da história, que inventou a Constituição, o Estado Constitucional e o
próprio Direito. Essa construção histórica ocorreu no bojo de um movimento social, histórico
e jurídico que se chama Constitucionalismo. O estudo do constitucionalismo nos ajuda a
compreender a formação da Constituição moderna e do Estado constitucional moderno.

O sentimento que as pessoas têm em relação à Constituição é chamado sentimento


constitucional, estudado por diversos professores, como Luis Roberto Barroso, no Brasil, que é
o resultado último do entranhamento da lei maior na vivência diária dos cidadãos, criando
uma consciência comunitária de respeito e preservação da Constituição como um
símbolo superior de valor afetivo e pragmático. Por esta razão, cada um de nós tem,
culturalmente, um sentimento constitucional. Pode haver dificuldade em se expressar, mas há,
dentro de cada um de nós, um sentimento constitucional que aponta para algumas
características.

Há a ideia de que Constituição, no caso brasileiro, é um documento formal, escrito, com


supremacia hierárquica em relação aos demais atos normativos.

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Há, ainda, o sentimento de que a Constituição se atrela a um Estado de Direito, no qual o
governante não tem um poder absoluto, e quem comanda é o direito, a lei.

Há também o sentimento de que a Constituição implica na restrição e imposição de limites


ao governante, dentre os quais os direitos fundamentais garantidos aos cidadãos.

É ainda, um documento que organiza o Estado e os Poderes Estatais.

Toda essa noção de Constituição está em consonância com o Estado Constitucional Moderno,
que é regido pela Constituição em sentido Moderno.

A palavra Constitucionalismo, como aliás a palavra Constituição é palavra plurívoca, que admite
diversos significados possíveis.

Na doutrina, há quatro sentidos principais para a palavra CONSTITUCIONALISMO – Doutrina


de André Ramos Tavares:

1) Movimento político, social, historicamente remoto, que objetivava, principalmente,


limitar o poder arbitrário do Estado – há vinculação entre o Constitucionalismo e
os Direitos Fundamentais, que tem papel de limitação do poder arbitrário do
Estado.
2) Movimento de criação de Constituições escritas: diz respeito ao surgimento das
Constituições formais, por escrito.
3) A evolução histórico-constitucional de um determinado Estado . Assim, podemos
dizer que o constitucionalismo brasileiro já deu ensejo ao surgimento de oito
Constituições.
4) Indicação dos propósitos mais latentes e atuais da função e da posição das
Constituições nas diversas sociedades, podendo-se dizer que o constitucionalismo
brasileiro aponta para o papel preponderante da Constituição na formação do Estado
Democrático Brasileiro.

Já Luis Roberto Barroso diz que Constitucionalismo significa, em primeiro lugar, limitação
do poder, pois não há poder absoluto à luz do Constitucionalismo e em segundo lugar, a
supremacia da lei, do Estado de Direito, o Rule of the Law. Quanto à limitação do poder, o
professor lembra que no Estado Constitucional Moderno, existem três espécies de
limitações:

Em primeiro lugar, há limitações materiais (determinados valores básicos como a


dignidade da pessoa humana, a justiça, a solidariedade e, ainda, os direitos
fundamentais), sendo limitações ao poder do Estado, que não pode violar tais valores
básicos.

Em segundo lugar, outra espécie de limites são os relativos à separação de poderes e aos
mecanismos de freios e contrapesos, de forma que o detentor do poder não pode violar a
separação de poderes e os freios e contrapesos.

Em terceiro lugar, há limites processuais ligados, por exemplo, ao controle de


constitucionalidade e ao devido processo legal. Em relação ao devido processo legal, há
limites estabelecidos por normas substantivas e por regras procedimentais (contraditório,
ampla defesa, vedação de provas ilícitas, etc).

Além disso, Barroso traz duas outras características do Constitucionalismo. Ele menciona que o
constitucionalismo sugere a adoção de uma Constituição escrita, embora o ideal trazido pelo
Constitucionalismo possa estar presente mesmo na ausência de constituição formal e escrita,

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como é o caso do Reino Unido, que possui Constituição consuetudinária, mas há alguns ideais
do Constitucionalismo.

Em segundo lugar, aponta que o Constitucionalismo exige que a ordem jurídico-


constitucional tenha legitimidade, ou seja, conte com a adesão voluntária e espontânea
dos seus destinatários. O Constitucionalismo não abrange, portanto, ordens ditatoriais.

Barroso traz outra observação no sentido de que o Constitucionalismo tem íntima relação com a
Democracia, normalmente havendo sobreposição entre estes. elementos Contudo, são
conceitos que não se confundem necessariamente.

O Constitucionalismo se relaciona com a limitação de poder e a supremacia da lei,


enquanto a Democracia se refere à soberania popular e ao governo limitado da maioria.

A vontade da maioria será limitada, pois sempre que possível, a vontade da maioria
prevalecerá, mas não é absoluta a vontade da maioria quando ferir os direitos
fundamentais das minorias.

A Democracia e a vontade popular é limitada pelos direitos fundamentais das minorias.

Inclusive o Estado Constitucional e a Constituição jurídica Moderna, frutos do


Constitucionalismo, podem servir como uma defesa em face de uma eventual deturpação dos
elementos fulcrais da Democracia.

A Democracia não pode se confundir com o “Assembleísmo”, ou seja, não é o governo da


maioria pela maioria. Isso é conhecido, na doutrina norte-americana, como “ditadura da
maioria”, e não se confunde com a Democracia.

A maioria, que impõe a sua vontade a qualquer custo à minoria é maioria ditatorial, e portanto
não se pode falar em uma Democracia, que é marcada pela soberania popular e pelo
governo limitado da maioria. Um sistema no qual a maioria resolva, por exemplo, escravizar a
minoria não é sistema democrático, mas sim de ditadura da maioria.

Na Democracia, a vontade da maioria é importante e sempre que possível deve ser


obedecida, mas tem limites, e não se confunde com ditadura da maioria.

A Democracia pressupõe um pluralismo e pressupõe que a maioria reconheça certos


direitos fundamentais que não podem ser violados.

Contudo, se a maioria pretende violar direitos fundamentais da minoria, o Estado


Constitucional Moderno pode servir como proteção e impedimento à instauração de
totalitarismo majoritário ou ditadura da maioria.

A maioria não pode violar os limites materiais impostos pelo Estado Constitucional para
negar direitos fundamentais da minoria e afastar valores básicos como dignidade
humana, solidariedade, justiça e fraternidade.

Se isto ocorrer, o Estado Constitucional Moderno e a Constituição Moderna podem servir de


mecanismos de defesa de Democracia, principalmente através do controle de
constitucionalidade, que é instrumento contra-majoritário, que se opõe à vontade da
maioria quando esta extrapola os limites do Constitucionalismo, visando à preservação
da verdadeira Democracia, impedindo que esta seja deturpada e transformada em
totalitarismo majoritário.

OBS de Canotilho: O Constitucionalismo é Teoria Normativa da Política pois no


Constitucionalismo, a atividade constituinte, de elaborar a Constituição, é atividade que

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transforma decisão política em uma norma jurídica suprema, sendo tomada decisão
política, como a instituição de Estado Democrático, Presidencialista e Federal. Essa é decisão
política é a atividade constituinte, que transforma sua decisão política em um documento
jurídico maior.

O Constitucionalismo deu ensejo ao surgimento do Estado Constitucional e da


Constituição em sentido Moderno, jurídico-normativo, em sentido formal.

A partir da Constituição histórica, em sentido material, como forma de organização de uma


sociedade política, o Constitucionalismo levou à Constituição moderna, em sentido formal.

Constituição histórica, em sentido material, é a simples forma de organização de uma


sociedade.

Para Canotilho, é o conjunto de regras escritas ou costumeiras, e também de instituições


que conformam uma determinada ordem jurídico política em um certo sistema político
social, em uma época histórica específica.

Essa noção de Constituição é antiga, e remonta à Antiguidade Clássica. Já a Constituição em


sentido Moderno é a base do Estado Constitucional Moderno.

● Constitucionalismo:

Movimento histórico-cultural de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à


limitação do poder, à supremacia da lei (rule of the law) e à garantia dos direitos
fundamentais, que levou à formação do Estado Constitucional e da Constituição em
sentido jurídico-moderno (a qual, na maioria dos países, é escrita, formal).

Como observa Barroso, embora o uso da palavra Constitucionalismo seja recente, que se
acentuou à sua associação aos processos Revolucionários Francês e Americano do Século
XVIII, as ideias centrais abrigadas em seu conteúdo são bem mais antigas e remontam à
Antiguidade Clássica. Por isso na doutrina há diversas posições distintas acerca da organização
histórica do Constitucionalismo. Por isso, os autores falam em fases ou ciclos do
Constitucionalismo.

1) Constitucionalismo na Antiguidade Clássica: há apenas ideias embrionárias relativas a


temas que Séculos depois iriam influenciar a formação da Constituição Moderna e Estado
Constitucional Moderno.

É possível identificar três grandes Constitucionalismos da época:

a) Constitucionalismo Hebreu

Encontramos um Estado Teocrático, uma Teocracia. Há conexão íntima entre Estado e


religião. Aqui, há limites ao poder político. Esses limites são a lei do Senhor. A lei
sagrada era considerada superior às determinações do poder político comum.
Assim, há ideia de hierarquia de leis. A lei sagrada ocupa espaço hierárquico superior,
tal qual ocorre com a Constituição atual.

Carl Levenstein afirma que a lei de Deus, a Torá (texto central do Judaísmo,
composto pelos cinco primeiros livros do antigo testamento, que formam o pentateuco),
teria sido a primeira Constituição.

b) Constitucionalismo Grego:

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A Constituição era vista como identidade do poder político e não como fundamento
do Estado. Há, aqui, como lembra Barroso, na Grécia Antiga, há separação entre o
poder secular (Estado Laico) e a religião. Aqui, não há mais Teocracia, mas há
separação entre religião e Estado. Há, ainda, limitação ao poder político com a
supremacia da lei. É o governo das leis e não o governo dos homens.

A lei era considerada válida para todos e fruto de processo de elaboração formal.
Havia a divisão das funções do Estado entre órgãos distintos.

Havia um sistema judicial, cortes, júris populares e encontramos, ainda, a participação


decisiva dos cidadãos na política, sendo a Democracia Ateniense.

Nas cidades-estado gregas, especialmente Atenas, havia mecanismos de democracia


direta, com identidade entre governantes e governados, havendo sorteio de algumas
funções públicas entre os cidadãos para exercê-las temporariamente.

A Democracia Ateniense, apesar de avançada para a época, não atenderia o atual


modelo democrático, pois à época a cidadania era para poucos: homens, maiores de
20 anos, filhos de pais atenienses, o que correspondia a aproximadamente 10% da
população total, com a exclusão de mulheres, escravos e estrangeiros.

Encontramos, ainda, reminiscências relativas à hierarquia das leis, o que está


presente na tragédia Antígona de Sófocles, um embate entre leis e memoriais do Deus e
leis do Rei.

Há, ainda, uma reminiscência histórica de controle de constitucionalidade, a


“graphe paranomon”.

c) Constitucionalismo Romano:

Há uma fase embrionária da limitação e separação de poderes que era distribuído


entre a Assembleia do povo, os Cônsules e o Senado.
Políbio e Cícero identificaram nesse sistema, a existência de uma Constituição Mista,
aquela que separa as várias esferas sociais e confere a cada uma delas uma parcela
do poder, equilibrando as esferas sociais.

Assim, há reminiscências da separação de poderes e da limitação de poderes.

2) Constitucionalismo Antigo (Séc. XIII ao final do Séc. XVIII – Revoluções Francesa e Norte
Americana);

O Constitucionalismo Moderno ganha impulso nesta fase, que não existia no Constitucionalismo
da Antiguidade Clássica.

O marco inicial do Constitucionalismo Antigo (início no Século XIII) é a Magna Carta


Libertatum de 1215, que irá até o final do século XVIII, com os processos revolucionários
americano e francês, dando ensejo às primeiras Constituições em sentido Moderno -
Constituições Americana (1787) e Francesa (1791)

- No bojo do Constitucionalismo Antigo e Moderno, há alguns movimentos


históricos que foram decisivos para a formatação do Estado Constitucional
Moderno e da Constituição em sentido Moderno:

a) Constitucionalismo Inglês (Historicista): há os documentos históricos principais:

- Magna Charta (1215)


- Petition of Rights (1628)

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- Habeas Corpus Act (1679)
- Bill of Rights (1689)

A Idade Média se caracteriza pelo Absolutismo dos Governantes, designados por


Deus para governar, com poderes absolutos, havendo a completa ausência de
mecanismos participativos.

A história obedece a um movimento pendular. No Constitucionalismo da Antiguidade


Clássica, em que havia reminiscências históricas de separação de poderes, Democracia
Ateniense, hierarquia das leis, etc, e na Idade Média, não houve a presença de tais
elementos, substituídos pelo Absolutismo.

Mas é na Idade Média que o Constitucionalismo ressurge, o que ocorre com alguns
fenômenos, como a distinção entre leis do reino e leis do rei . As leis do reino eram
superiores às leis do rei (exemplo – a forma de transmissão do poder real – quem
herda a coroa é lei do reino e não do rei) e surgem os primeiros documentos escritos
que dizem respeito à limitação do poder real, já que os reis terão seus poderes
paulatinamente limitados pelos documentos escritos, dentre eles a Magna Carta, que foi
pacto medieval, contrato de domínio firmado entre o Rei João Sem Terra e os Barões do
Reino. Havia um conflito entre estes por diversas causas e os Barões cercaram Londres
e em troca da renovação do juramento de fidelidade ao Rei, obrigaram-no a assinar os
artigos dos barões, documento em que o Rei reconheceu limites ao seu próprio poder.
Dentre estes, especialmente o Rei reconheceu que poderia ser atacado pelos barões
caso não cumprisse suas promessas. A Magna Carta não é o primeiro documento no
qual o Rei, na Idade Média, promete algo, já existiam outros documentos, já que a
própria Magna Carta foi inspirada na carta de coroação de Henrique I. A verdadeira
novidade é que o rei, com a Magna Carta, permitiu ser atacado pelos barões caso
desobedecesse às suas promessas.

Alguns dispositivos da Magna Carta ainda estão em vigor e integram a Constituição


Inglesa, que não é escrita, como os itens 39 e 40, que determina que:

“39. Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou
colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não
procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento
regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.” (em vigor - estabelece o
Due process of law); e

“40. Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer


pessoa a obter justiça.” (em vigor).

Em um dado momento, a soberania passou a ser a do Parlamento, e não mais a do Rei.


Assim, houve transição da soberania.

Essa transição da soberania, que passou do do Rei ao Parlamento, teve como marco a
Revolução Gloriosa de 1688, que transformou a Monarquia Absoluta em uma
Monarquia Constitucional.

Essa Revolução tem como marco a imposição, pelo Parlamento, ao novo Rei, do Bill of
Rights, documento de 1689, feito pelo Parlamento, condição para que um novo Rei,
Guilherme De Orange assumisse o trono após a fuga forçada do antigo Rei Jaime II.

O Bill of Rights foi o primeiro documento escrito de origem parlamentar, que


limitou o poder real.

O exercício do poder, através da lei do Parlamento, é a ideia básica do Estado de


Direito. O Estado de Direito é baseado nisso, pois o poder é limitado pela lei do

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Parlamento. Assim, o Bill of Rights é documento escrito pelo Parlamento, impondo
condições para que o Rei assumisse, que deixa explícito que o Rei não tem poderes
absolutos.

“Os Lords, espirituais e temporais e os membros da Câmara dos Comuns declaram,


desde logo, o seguinte: (...)

Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu
cumprimento; (...)” – o rei deve cumprir as leis do Parlamento, estando submisso a
estas, não sendo detentor de uma vontade absoluta ou soberana.

Além disso, a Revolução Gloriosa contribuiu para a ideia da separação de poderes,


pois ao final dela, foi instituído Governo Moderado, com base na representação
popular e com natureza mista, em que o poder era dividido entre as esferas sociais,
equilibrando-as. O poder é dividido entre o Rei, a Câmara dos Lordes (Aristocracia) e a
Câmara dos Comuns (que formavam o parlamento inglês).

b) Constitucionalismo norte-americano:

Encontramos como principais documentos históricos:

- Declaração do Bom Povo da Virgínia, de 12/06/1776;


- Declaração de independência de 04/07/1776;
- Constituição de 1787 – primeira Constituição escrita em sentido Moderno;
- Bill of Rights (10 primeiras emendas à Constituição de 1787) de 1791.

A adoção da Constituição escrita é proveniente de decisão do povo. Há aqui, a ideia de


soberania popular, já que a Constituição dos Estados Unidos (“we the people”) foi
decisão do povo, e não da nação, como no Constitucionalismo Francês, já que a
Constituição foi decisão da nação, havendo soberania da nação. O Constitucionalismo
norte-americano, liga-se à soberania popular.

Aqui há a Democracia dualista, pois formada por duas espécies de decisões diferentes:
de um lado, as decisões raras do povo, tomadas em momentos raros e específicos que
são os momentos constitucionais e são decisões que dão origem à Constituição,
enquanto de outro lado há as decisões frequentes dos governantes, do integrantes do
Executivo e do Legislativo. As decisões raras do povo prevalecem caso se choquem
com as decisões cotidianas dos governantes.

Disto decorre a ideia de SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO.

A Constituição escrita é suprema, sendo espécie de defesa dos cidadãos contra os


governantes e os legisladores, que possuem poderes limitados pela lei fundamental,
pela Constituição, que é fruto de uma decisão rara do povo.

Os pais da Constituição, os framers, que deram origem à Constituição estabeleceram


nesta direitos e princípios que são intocáveis pelos governantes comuns, são
princípios e direitos que protegem o povo de eventual “tirania da maioria”.

O Parlamento poderia, por sua natureza majoritária de deliberação, tomar decisões e legislar
oprimindo o povo, e isso não era desejável. A Constituição tentava evitar isso. Os norte-
americanos tiveram experiências ruins nesse sentido, já que quando eram colônia britânica,
o Parlamento inglês legislou de maneira tirânica, do ponto de vista dos norte-americanos,
editando leis, para eles, opressoras. Assim, visando a limitar o poder dos governantes,
se defendendo de uma tirania da maioria, a Constituição estabelecia limites a estes,
sendo a ideia de que democracia não se confunde com assembleísmo.

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Assim, encontra-se a necessidade de limitar o poder do Parlamento para que seus membros
não possam oprimir o povo e por exemplo, instituir tributos sem legitimidade. Dentre as leis
impostas à antiga colônia britânica, havia leis tributárias que incidiam sobre os colonos. Aqui
era o momento de defender-se dessas possibilidades, como a de tributar exageradamente.

Encontramos, ainda, a criação de mecanismos de controle de constitucionalidade no


Constitucionalismo norte-americano.

A ideia é de que a Constituição torna nula qualquer lei que a contrarie.

As decisões raras do povo (decisões tomadas em momentos raros e específicos, que


são momentos constitucionais, e que dão origem à Constituição), quando divergentes
das cotidianas dos governantes, prevalecem. Assim, a Constituição, a decisão rara do
povo, torna nula a lei inferior, ou seja, a decisão comum dos governantes.

A guarda da Constituição compete ao Judiciário, surgindo, assim, o controle judicial e


difuso de constitucionalidade, o juditial review, que tem como marco a decisão de
Marbory x Madson, de 1803, na qual o juiz Marshall atuou.

Outra ideia desta modalidade de Constitucionalismo é de que não há poderes absolutos


ou supremos, já que todos advém da Constituição e esta os equilibra, por meio de
mecanismos de freios e contrapesos, de checks and balances.

A Constituição tem como função garantir direitos e limitar poderes, sendo o modelo
de CONSTITUIÇÃO GARANTIA. Não é ainda o modelo de Constituição programática ou
dirigente. Aqui, nesta primeira Constituição escrita em sentido moderno, há o papel de
garantir direitos e limitar poderes.

Houve ainda a instituição do modelo de Estado de Federalismo Moderno, além da


instituição da Forma Presidencial Moderna de Governo, que nasce na constituição dos
EUA de 1787.

Há, ainda, grande contribuição para o surgimento dos Direitos Fundamentais, que está
em diversos documentos do Constitucionalismo norte-americano, como a Declaração do
Bom Povo da Virgínia, de 1776, que iria influenciar a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão Francesa de 1789, na Declaração da Independência dos EUA (1776) e ainda
no conjunto das 10 Emendas à Constituição, o Bill of Rights, de 1791, norte-americano,
que forma catálogo de direitos fundamentais.

Contudo, vale destacar que embora houvesse ênfase na liberdade e na igualdade, o fato é
que houve escravidão na boa parte dos EUA durante muito tempo após esta primeira
Constituição, que vem a ser abolida apenas em 1865, quase um século após a Constituição
de 1787.

c) Constitucionalismo Francês (individualista):

- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789;


- Constituição Francesa de 1791;
- Constituição Francesa de 1793; e
- Constituição Francesa de 1799, valendo falar ainda de outra importante que foi a de
1848;

Vigorava na França um sistema medieval no qual se entendia ser natural que algumas
pessoas tivessem privilégios legais em relação às demais pessoas.

Eram privilégios reconhecidos pela lei conforme a classe estamental que a pessoa
ocupasse. A sociedade francesa era dividida em estamentos: o clero, a nobreza e os

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demais integrantes do povo, e cada um, dependendo do estamento a qual pertencia,
possuía regime jurídico diferente.

Pessoas que pertenciam aos estamentos privilegiados possuíam regime jurídico


desigual e privilegiado em relação ao restante da população, como por exemplo o
campo tributário, pois não pagavam impostos.

Assim, fala-se em um sistema jurídico no qual não existia igualdade formal, ao


contrário, a lei desigualava as pessoas com base nos estamento s. Se o indivíduo
pertencia ao clero ou à nobreza, havia privilégios legais que não eram usufruídos
pelos demais, o que era visto de maneira natural.

A Revolução Francesa acabou com esses privilégios formais, já que houve uma
ruptura em relação aos privilégios do Antigo Regime estamental. A Revolução
Francesa promove a igualdade formal, perante a lei, principalmente perante a
tributação. Assim, os direitos das pessoas deixam de derivar do estamento a que
pertencem e passam a decorrer da natureza humana, da condição de ser humano .
Assim, o que determina a existência de direitos não é mais a posição estamental
ocupada, e passam a decorrer da posição humana. Os homens passam a ser
considerados iguais e livres em direitos. Para isso, com o objetivo de alterar o estado
de coisas até então existentes, para mudar a Constituição do estado francês, no bojo da
Revolução Francesa, no final do século XVIII, ocorreu a formatação teórica do Poder
Constituinte, já que o Poder Constituinte foi teorizado e sistematizado, o que
ocorreu a partir da obra:

“Qu’est-ce que le Tiers État?” (“O que é o Terceiro Estado” ou “A Constituinte Burguesa”)
- Emmanuel Joseph Sieyès.

Para o autor, o Poder Constituinte é o poder originário que pertence à Nação, capaz
de criar, de maneira autônoma e independente, a Constituição Escrita.

Faz a distinção entre Poder Constituinte (que faz nascer a Constituição, de


titularidade da Nação) e Poderes Constituídos.

É por isso que alguns professores como Canotilho afirmam que o Constitucionalismo
Francês provocou o aparecimento de novas categorias políticas, expressas em “palavras
de combate”, que seriam Estado-nação, Poder Constituinte, Soberania Nacional,
Constituição Escrita, etc.

Houve a adoção da igualdade formal, que rompe com o Antigo Regime estamental e
que é simbolizada no dispositivo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

Art. 1º Os homens nascem são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só


podem fundamentar-se na utilidade comum.

Assim, o que é natural é a liberdade e a igualdade em direitos de todos os homens,


não sendo natural a existência de distinções jurídicas, que podem existir se
houver fundamento de utilidade comum, o que será fruto de deliberação humana e
não será natural, pois o que é natural é a liberdade e a igualdade.

Com o abandono da ideia de direitos estamentais e o surgimento da ideia de que é a


condição humana o fundamento dos direitos, vemos nascer o que conhecemos
atualmente como Direitos Individuais, Universais e Naturais de todas as pessoas.
Assim, se a condição humana é o fundamento da existência dos direitos, todas as
pessoas têm os mesmos direitos, sendo natural que todas tenham os mesmos direitos, o
que pode ser chamado de Direitos Universais, que foram levados para uma declaração:
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Assembleia Constituinte

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Francesa, que traz repositório do que conhecemos como os Direitos Fundamentais de
Primeira Geração. A ideia de geração de direitos nasce posteriormente.

Art. 2º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais


e imprescritíveis do homem.

Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à


opressão.

A finalidade do Estado e de qualquer associação política é a de conservar e garantir


os direitos básicos do homem. São direitos caracterizados por uma abstenção do
Estado, já que o Estado não atuará para garantir os direitos supracitados.

O Constitucionalismo Francês foi importante, ainda, para a consolidação da


limitação do poder através da ideia da separação dos poderes, com a obra de
Montesquieu, com sua obra “O espírito das leis”, de 1748, mas que influenciou a
Revolução Francesa.

Também foi importante para a consolidação da ideia de Constituição escrita e


formatação de modelo de Estado liberal.

A Revolução Francesa, assim como a norte-americana são conhecidas como liberais,


que buscavam a liberdade das pessoas em relação ao Estado, e que fazem surgir
os Direitos Fundamentais de Primeira Geração e o chamado Constitucionalismo
Liberal ou Clássico que dominou o Século XIX.

O Constitucionalismo Liberal vem acompanhado da ideia de Estado Liberal.

O Estado Liberal é o Estado mínimo, que interfere o mínimo possível na vida dos
cidadãos, que não se intromete nas relações sociais e econômicas, regidas por
aquilo que Adam Smith chamou de a mão invisível, sendo um Estado de
abstenção.

Assim, passamos de um Estado Absolutista para um Estado de Abstenção, que


deixa o cidadão livre nas relações sociais e econômicas.

É um Estado que deve cumprir principalmente obrigações de não fazer: não impedir
o cidadão de se manifestar, não tirar sua vida, não o impedir de se reunir, não retirar sua
propriedade, não retirar sua liberdade, etc.

O Estado Liberal é aquele que pouco atua, atuando na segurança pública e na


manutenção de um Poder Judiciário, que vem acompanhado do
CONSTITUCIONALISMO LIBERAL ou CLÁSSICO, modelo que perdura durante todo o
século XIX e tem como exemplo, além das Constituições norte-americana e Francesa, a
Constituição de Cádis, da Espanha, de 1812, de Portugal de 1822, a primeira
Constituição brasileira, de 1824, etc.

3) Constitucionalismo Moderno (desde o final do Séc. XVIII – período desde as Revoluções


Francesa e Norte-americana);

a) Constitucionalismo Liberal (“Clássico”, ou “Individual” – predomina do final do Séc. XVIII ao


início do Séc. XX);

Por meio do Constitucionalismo Liberal, houve a formatação de um conceito ideal de


Constituição. Para o Constitucionalismo Clássico, abrange três elementos:

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1) Documento escrito (formal);

2) Tem como conteúdo material normas relativas à garantia das liberdades e da


participação política do povo (participação popular no parlamento) - previsão de Direitos
Civis e Políticos Clássicos (“primeira geração” de Direitos Fundamentais); e

3) Limitação ao poder por meio de mecanismos constitucionais.

Assim, o conceito de Constituição ideal é documento formal que tem como conteúdo material
normas destinadas à garantia de Direitos Civis e Políticos Clássicos e à limitação do
poder. O conceito ideal de Constituição já estava presente na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão da Assembleia Francesa, de 1789:

“Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a
separação de poderes, não tem Constituição”.

Este é o conceito ideal de Constituição do Constitucionalismo Liberal ou clássico.

Este movimento nos legou a ideia de Constituição escrita, que foi um grande avanço, pois
proporcionou, dentre outros benefícios, publicidade, clareza e segurança.

Assim, o Constitucionalismo nos legou a Constituição escrita com todos esses benefícios. No
início do Século XX, o Constitucionalismo Liberal encontra seu momento de declínio e surge
novo modelo de Constitucionalismo: o Constitucionalismo Social.

b) Constitucionalismo Social (desde o início do Século XX):

Advém com novos Direitos Fundamentais e com um novo modelo de Estado.

O Estado, que era modelo de Estado Liberal, da abstenção, passa a ser um Estado Social,
de bem estar social, que agora se preocupa também com obrigações de fazer, em prestar
direitos, direitos prestacionais que existem obrigações de fazer pelo Estado, que presta
serviços de educação, saúde e assistência social.

São os Direitos Fundamentais de Segunda Geração: os Direitos Sociais e Econômicos,


ligados ao Estado de bem estar social (welfare state), o que reflete na Constituição, que não
será mais aquele documento escrito que simplesmente garante direitos e limita poderes.

A Constituição passa por processo de expansão, com novos temas que surgem na
Constituição, capitaneados pelos Direitos Sociais e Econômicos típicos do Estado de
bem estar social.

- Inauguram esse novo Constitucionalismo duas Constituições:

- A constituição do México, de 1917;


- A constituição Alemã de Weimar, de 1919;

Há um modelo citado pela doutrina como modelo de transição que é a Constituição Francesa de
1848, que seria Constituição de transição entre os modelos liberal e social.

- O atual estágio do Constitucionalismo:

c) Constitucionalismo Contemporâneo ou Neoconstitucionalismo (desde meados do Séc. XX


– no pós 2ª Grande Guerra Mundial).

Podemos falar em alguns temas no estágio atual:

11
● Neoconstitucionalismo (Constitucionalismo Contemporâneo):

Na primeira metade do Século XX, predominava no direito o Positivismo Jurídico, que teve
como principal nome Hans Kelsen.

Nesse quadro do Positivismo Jurídico, havia clara separação entre o direito e a moral, pois o
Positivismo Jurídico entendia que a norma jurídica era válida independentemente de
qualquer julgamento moral ou valorativo, já que a validade da norma jurídica independia
de qualquer valor subjetivo ou valoração moral. A norma jurídica era válida
independentemente de ser boa, má, justa ou injusta, pois isto são valores subjetivos e
indeterminados que variam conforme o intérprete. Valores denotam uma preferência de uma
coisa em detrimento da outra pelo intérprete, de maneira que se poderia chegar a resultados
distintos, o que não se coaduna com a ideia de ciência, que deve ser exata.

O Positivismo Jurídico então isolava os valores, inclusive os valores morais, do Direito.

A norma jurídica tinha sua validade por outros critérios que não critérios de valoração. Os
critérios de validade da norma jurídica para o Positivismo Jurídico eram relativos à sua
elaboração.

Se a norma jurídica fosse elaborada conforme o procedimento previsto na Constituição,


era válida independentemente de seu conteúdo.

Assim, a norma era válida independentemente de seu conteúdo, sem julgamento moral,
se obedecesse aos procedimentos para ela previstos.

A barbárie da II Guerra Mundial colocou em xeque o modelo formalista de pensar e a


neutralidade jurídica do Positivismo Jurídico, que era neutro em relação a valores morais,
pois o Direito foi usado pelos nazistas como um instrumento para a execução de barbaridades, e
portanto não poderia mais ser o Direito legitimado apenas por critérios puramente formais
como os de elaboração da norma jurídica e não poderia mais ser indiferente quanto às
consequências práticas do conteúdo das suas normas.

Assim, o mundo clamava por novas concepções jurídicas. Há muita discussão sobre a relação
entre o Positivismo Jurídico e o nazismo. Pois o Positivismo Jurídico leva a uma concepção
muito formalista do Direito, já que uma norma será válida se formatada de acordo com o
procedimento previsto na Constituição, independentemente de valor moral ou das
consequências práticas do conteúdo das normas, e isso foi útil para os nazistas que
utilizaram normas jurídicas para discriminar judeus e outras minorias, e os oficiais nazistas se
defenderam no julgamento realizado em Nuremberg dizendo que apenas defendiam e
executavam as normas de seu país. Mas isso não é o suficiente para afirmar que o nazismo foi
Positivista, já que muitas premissas teóricas do Positivismo Jurídico foram desprezadas pelos
nazistas, Kelsen era judeu e foi perseguido, tendo que se refugiar nos EUA, havendo quem diga
que o nazismo era Antipositivista, mas de qualquer forma, após a II GM, o Positivismo Jurídico
entrou em declínio pois se passou a buscar a legitimidade do Direito à luz de valores
morais e não apenas com base em questões formais relativas ao procedimento de
elaboração das normas jurídicas.

Essa busca pela legitimidade do Direito em valores morais culminou no


Neoconstitucionalismo, que é a palavra utilizada por muitos autores para designar o atual
estágio do Constitucionalismo, distinguindo-o de suas fases ou modelos anteriores. Por isso
alguns autores denominam o Neoconstitucionalismo de Constitucionalismo Contemporâneo.

É modelo que pretende ser aplicável somente a modelos de Constituições de Estados


Democráticos, pois o Neoconstitucionalismo não se coaduna e não se alinha com
Constituições de Estados Ditatoriais.

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No Neoconstitucionalismo, a dignidade da pessoa humana passa a ser valor jurídico
supremo, o fundamento do Direito.

No Neoconstitucionalismo, o formalismo puro perde espaço, havendo crítica à legalidade


estrita, ao positivismo puro, promovendo-se a reaproximação entre o direito e a moral,
que não estão mais separados, voltando a estar unidos, adotando-se leitura moral do
direito e também da Constituição.

As normas da Constituição passam a ter grande carga axiológica ou valorativa, e sua


interpretação passa a sofrer influência da moralidade crítica.

No Neoconstitucionalismo, há reaproximação entre o direito e a moral e as normas


constitucionais passam a ter forte carga valorativa ou axiológica.

A Constituição não é vista mais como mero documento político, passando a ter valor jurídico
muito importante e todas as suas disposições são entendidas como normas jurídicas, havendo o
reconhecimento da força jurídica de todas elas, inclusive das normas Constitucionais
programáticas.

A Constituição ocupa posição hierarquicamente superior às demais normas, servindo de


vetor interpretativo fundamental para a compreensão de todos os ramos do Direito.

Há espécie de filtragem constitucional. Todos os ramos jurídicos são filtrados pela


Constituição e a matéria tipicamente constitucional é alargada, passando a incluir matéria
relativa a novos Direitos Fundamentais, a valores, a opções políticas, diretrizes dirigidas a
poderes do estado, objetivos a serem alcançados, etc.

As Constituições passam a ser DIRIGENTES, PROLIXAS e TOTAIS, havendo ampla


convivência de valores na Constituição, muitas vezes até valores contraditórios entre si,
que precisam ser harmonizados.

Há destaque para os Princípios e para a técnica de ponderação de interesses .

Os princípios são concebidos como espécies de normas: há normas-princípio e normas-


regra, o que pode ser visto nas obras de Duworking e Alexy. Os princípios ganham muita
importância no processo de aplicação do direito . Métodos de interpretação menos
formalistas e mais abertos são privilegiados , de forma que temas como ponderação de
princípios e proporcionalidade ganham espaço aqui, a ponto de a racionalidade jurídica se
aproximar da razoabilidade.

Os valores e as normas constitucionais se projetam por todo o sistema normativo e por


toda a atuação dos agentes públicos.

Assim, tudo no Estado, no âmbito Legislativo ou Executivo, deve ser feito à luz dos
valores e normas constitucionais especialmente no campo dos direitos fundamentais.
Assim, tudo é filtrado e constitucionalizado à luz dos direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana. A Constituição passa a ter peso decisivo em todas as questões
jurídicas e mesmo em todos os conflitos de interesse, decorrentes das relações humanas em
geral, e há novos fenômenos como a constitucionalização do direito, a filtragem
constitucional, a onipresença da Constituição, que está presente em tudo.

A política passa a ser objeto da jurisdição constitucional, sendo o fenômeno da


jurisdicionalização da política, que vai parar na Constituição e os Tribunais Constitucionais vão
passar a fazer referência e a avaliar questões relativas à política e a prevalência da decisão
judicial, inclusive sobre a análise do mérito legislativo e administrativo vai ganhar destaque, pois

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a decisão judicial tem amplo destaque na arena política, pois muitas vezes a decisão judicial
analisa o mérito legislativo e administrativo.

- A Jurisdição passa a ocupar lugar de destaque na Teoria das Fontes.

O antigo Estado Legiscêntrico é abalado, Estado no qual a lei é o centro da decisão política, em
que o Legislativo faz a lei, o Judiciário cumpre a lei na solução dos conflitos de interesse e o
Executivo cumpre a lei na realização das tarefas materiais inerentes ao bem comum.

No Neoconstitucionalismo a Jurisdição Constitucional interfere no Estado Legiscêntrico,


pois a Jurisdição irá filtrar a decisão Legislativa à luz dos valores constitucionais,
podendo declarar ainda a inconstitucionalidade da lei se esta viola valores
constitucionais e a dignidade da pessoa humana. Há incremento da importância do Poder
Judiciário na arena política e uma redução do âmbito de atuação do legislador,
especialmente pelos Direitos Fundamentais, não podendo violá-los. Isso tudo são
características do Neoconstitucionalismo.

Há muitas críticas ao Neoconstitucionalismo, pois há quem diga que este leva a um excesso de
protagonismo do Poder Judiciário, e seus membros não são eleitos, assumindo o poder por
meio de concursos públicos, diferentemente dos membros dos Poderes Legislativo e Executivo,
que tem mandatos populares, diretamente ligados à manifestação do eleitor. Os membros do
Judiciário não são perfeitos, tendo os homens seus defeitos e virtudes.

Leva, segundo a crítica, ainda a um excesso de ativismo judicial, a uma insegurança


jurídica, desvalorização da política e desvalorização dos representantes eleitos do povo.

Por outro lado, pode elevar a dignidade da pessoa humana a um patamar de suma importância.

● Constitucionalismo do futuro (ou do “por vir” ou “vindouro”):

A fase subsequente do Neoconstitucionalismo seria a fase do Constitucionalismo do futuro,


que representa a busca de um equilíbrio entre as características do Constitucionalismo
Moderno e alguns excessos do Neoconstitucionalismo.

É uma teoria que tem como principal expoente o professor José Roberto Dromi, para quem as
Constituições do futuro serão guiadas pelos seguintes valores fundamentais:

1) Verdade: A Constituição do futuro não trará mentiras, promessas não factíveis, e para tanto,
será necessário distinguir entre o que é uma norma programática inalcançável, ou seja, uma
promessa que nunca será realizada, o que deverá ser retirado da Constituição, mas de outro
lado, deverão ser identificados conjunto de normas constitucionais que não se concretizam
por falta de motivação ou de vontade política dos governantes, que deverão ser
concretizadas pela atuação dos membros do Judiciário, MP, Legislador, Executivo... De
qualquer forma, a Constituição não trará promessas irrealizáveis, mas o que nela for
colocado, será concretizado;

2) Solidariedade: a Constituição terá compromisso com a igualdade material, com a não


discriminação, com a tolerância, com a cooperação e com a solidariedade entre os povos,
os grupos, as pessoas que compõem a nossa sociedade, que é pluriétnica e multicultural,
onde há muitas formas de bem viver em vários grupos sociais. O ministro Carlos Ayres de
Britto no STF, em suas decisões, já mencionava um Constitucionalismo fraternal:

“(...) 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO


CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de
finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta

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para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo
em vista o proto-valor da integração comunitária. (...)” (STF, PET 3388, Pleno, Rel. Min.
Carlos Ayres Britto, j. em 19/03/2009) – caso da raposa serra do sol que faz menção a um
constitucionalismo fraternal, que se coaduna com a ideia de solidariedade do constitucionalismo
do futuro.

3) Consenso: a Constituição do futuro será resultado de um consenso. Sabe-se que não é


possível a unanimidade, já que existe pluralismo político e ideológico nas decisões e
deliberações políticas. Contudo, a decisão política irá ganhar dimensão diferente da simples
ideia de maioria, a ideia de que a maioria irá impor sua vontade à minoria. A decisão política
será fruto da deliberação de um grupo, não de uma maioria, que decide sem rupturas
maiores e com a adesão solidária da outra parte, visando os interesses maiores da
sociedade;

4) Continuidade: seguirá a lógica das Constituições antecedentes, dando continuidade aos


Direitos Fundamentais já alcançados, o que nos leva à lembrança do Princípio da vedação
ao retrocesso, não havendo retrocesso quanto aos direitos fundamentais já alcançados;

5) Participação: a Constituição do futuro ensejará participação cada vez mais plena, ativa,
equilibrada e integral do povo e de toda a sociedade nos processos deliberativos,
políticos e decisórios, havendo promoção da Democracia participativa a um maior grau;

6) Integração: trará previsões voltadas à integração dos povos através de órgãos


supranacionais e de políticas transnacionais, havendo ideia de integração, presente na
CF/88 no art. 4º, pu, da CF, sendo a ideia de que os povos estão integrados não só dentro
de um mesmo Estado, mas também há integração entre os povos de Estados diferentes; e

7) Universalização: a Constituição do futuro positivará os Direitos Fundamentais Internacionais,


com destaque para a dignidade da pessoa humana, que seria tópico universal comum a todos
os povos do mundo, impedindo qualquer forma de desumanização. A dignidade da pessoa
humana será alçada ao patamar máximo de promoção dos direitos fundamentais e
humanos em plano internacional, unindo todos os povos do mundo em relação a este
valor máximo.

● Constitucionalismo globalizado:

Seria a fase final do Constitucionalismo. Preconiza a ampliação dos ideais e dos princípios
jurídicos ocidentais, como democracia, direitos humanos, etc, para todos os povos,
tornando esses princípios e ideias universais. A ideia implica em universalização da
Constituição em sentido ocidental, o modelo ocidental de Constituição, que é calcado nesses
valores, que passaria a ser universalizado.

● Constitucionalismo e internacionalização:

A partir da ideia de Constitucionalismo globalizado, a fase atual do Constitucionalismo convive


com uma intensa internacionalização das relações humanas no campo social, jurídico, político,
econômico, etc. Assim, a ideia tradicional de Estado Nacional Soberano, existente durante a
formação do Constitucionalismo Moderno, sofreu mudanças substanciais nos tempos atuais e
globalizados. O Estado Nacional e Soberano ainda possui papel fundamental na arena político
social, mas convive com outras fontes de poder fático e jurídico, independentes e fortes,
como instâncias supranacionais e internacionais. Assim, o Estado Soberano Moderno
convive, na Europa, com a ideia de União Europeia e Comunidade Europeia, havendo
instâncias supranacionais e internacionais que convivem com a ideia de Estado Soberano
Nacional.

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Embora o Estado Nacional ainda tenha papel muito relevante na arena político social, convive
com outras fontes de poder, como instâncias supranacionais e internacionais, podendo-se citar,
além da comunidade europeia, a ONU e outros arranjos internacionais.

Essa realidade ensejou o surgimento de novos temas dentro do Constitucionalismo.

- Podemos falar de processos de:

a) Internacionalização da Constituição: a Constituição saindo do âmbito do Estado e


se projetando para a esfera internacional. A ideia de que o Estado é regido por uma
Constituição é levada para o plano internacional, surgindo documentos internacionais
impregnados por noções similares às previstas nas Constituições. Nesse quadro, há, por
exemplo, o Direito Comunitário da União Europeia, que é regida por documentos
europeus que consubstanciam, para muitos uma Constituição Regional Europeia. Há,
ainda, a Convenção Internacional dos Direitos Humanos, no âmbito das Nações Unidas,
com o surgimento de tratados e convenções internacionais, e também do jus cogens, o
Direito Internacional obrigatório, independente da vontade dos Estados. Há quem
fale ainda na lex mercatória, lei do comércio e do mercado internacionais, havendo
instituições como o FMI, OMC, etc.

b) Constitucionalização do Direito Internacional: o Direito Internacional vindo para o


interior da Constituição e da ordem jurídica estatal – há o movimento inverso, de fora
do Estado, para dentro dele, com a acoplagem de regras internacionais trazidas para
a ordem constitucional e jurídica Estatal. Os tratados e convenções passam a
integrar o Direito Interno de um determinado Estado, assumindo posição
Constitucional, supralegal ou legal, a depender de cada caso específico.

No Brasil, no § 3º, do art. 5º, trazido pela EC 45, segundo o qual os tratados e
convenções internacionais sobre DH, aprovados em cada casa do CN em dois
turnos, por 3/5 dos votos, serão equivalentes às EC.

Há, ainda, no Brasil, previsão de que tratados de DH anteriores a EC 45, ao § 3º do


referido art. são considerados supralegais, acima das leis comuns mas abaixo da CF.

Isso implica um controle de convencionalidade ao lado do de constitucionalidade. As


leis devem estar de acordo não apenas com a Constituição, mas também com
tratados e convenções internacionais de DH.

Há na doutrina, quem fale no surgimento de Constituições privadas, desvinculadas das


Estatais, mas teriam algumas características comuns a estas, como a capacidade de
gerar normas superiores em determinadas áreas. Ex: Comunicações Digitais, da
internet. No bojo destas, teriam sido criadas normas privadas, superiores, que poderiam
ser tidas como normas que integrariam uma Constituição privada. É norma ainda em
desenvolvimento.

A globalização das relações econômicas e culturais implicou a existência de relações


íntimas das ordens nacionais internas de diversos Estados, entre si, bem como com
normas internacionais, supranacionais e com organismos internacionais. Assim, a ordem
jurídica brasileira se relaciona com outras ordens jurídicas internacionais, e também se
relaciona com as normas internacionais e tratados internacionais, além das normas do
MERCOSUL, Nações Unidas e OMC, por exemplo, algo característico do mundo atual, o
que tem dado ensejo ao surgimento de diversos fenômenos decorrentes dessas
relações atuais.

Fala-se em transconstitucionalismo, em constitucionalismo cruzado e transversal,


em fecundação cruzada, em constitucionalismo multinível, em pluralismo

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constitucional, em interconstitucionalidade, em transjudicialismo, em
constitucionalismo transnacional e outros fenômenos referidos na doutrina – sugere a
leitura do livro Guilherme Peña (Constitucionalismo Multinacional)

● Transconstitucionalismo (especialmente estudado pelo professor Marcelo Neves):

Diz respeito ao entrelaçamento entre ordens jurídicas constitucionais diversas, no


bojo de decisões de juízes e tribunais nacionais, de outros Estados, internacionais
ou supranacionais.

Assim, as relações entre ordens jurídicas diversas no que se refere ao exame de


decisões de Tribunais Constitucionais de outros Estados, como a Suprema Corte dos
EUA, ou de decisões de Tribunais Internacionais (Corte Interamericana de Justiça, por
exemplo), ou de Entidades Supranacionais.

O Transconstitucionalismo significa a utilização, na prática constitucional de um


determinado Estado, de argumentos, teorias e decisões judiciais que pertencem
ao Constitucionalismo de um outro Estado, a instâncias supranacionais ou a
Tribunais Internacionais. É algo muito utilizado no âmbito dos Direitos Fundamentais.
Muitas vezes, o STF, ao deliberar sobre Direitos Fundamentais, seja no controle
concreto ou abstrato em ADIN ou ADC, quando vai se manifestar, é comum que utilize
na sua fundamentação, noções jurídicas provenientes do Constitucionalismo de outros
Estados, como o Constitucionalismo Norte-americano, Francês ou Alemão, vendo
jurisprudências dos Tribunais de outros Estados sendo utilizadas, algo típico do
Constitucionalismo, essa utilização de decisões de outros Tribunais, Estados ou
Instâncias Supranacionais ou Internacionais.

● Novo Constitucionalismo Latino Americano:

É modelo próprio de Constitucionalismo da América Latina, que daria ensejo a um Estado


plurinacional e multiétnico, com base na valorização da cultura dos povos originários até
então excluídos.

Historicamente houve uma predominância da cultura jurídico constitucional dos povos


colonizadores em total detrimento dos povos originários.

O novo Constitucionalismo Latino Americano pretende resgatar a cultura desses povos


originários e colocá-la em igualdade com a dos colonizadores, havendo contraste nítido
com o modelo até então adotado, de matriz europeia em sua essência, pertencente aos
povos colonizadores. Esta modalidade pretende ter como base diálogo intercultural não
hegemônico e ampla participação popular, ou seja, prega uma igualdade entre a cultura dos
povos originários e a cultura dos povos colonizadores, pregando que haja diálogo não
hegemônico, pois não estão em posição de hierarquia e subordinação, pregando, ainda, ampla
participação popular, que o povo participe ativamente desse diálogo para que se possa construir
novo modelo de Constituição que considere também os povos originários.

Os grandes marcos desta modalidade são as constituições da Bolívia (2009) e Equador (2008).

Nestas, há outro elemento importante: valorização da natureza e do meio ambiente, algo


típico dos povos originários.

Assim, há menção de ampla gama de povos originários, com sua valorização de sua cultura nos
textos constitucionais.

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No Brasil, há a valorização dos nossos povos originários, índios e quilombolas no art. 231 da
CF, e no art. 68 do ADCT.

Aula 2

1. Constituição em sentido moderno

Há diversos sentidos para a palavra Constituição.

Em sentido comum, indica a particular maneira de ser de um Estado, como diz André
Ramos Tavares.

Para José Afonso da Silva, é o simples modo de ser do Estado.

Em sentido jurídico, é a lei fundamental de um Estado, que organiza seus elementos


essenciais, é o Estatuto jurídico do poder político, como diz Canotilho.

Uma definição ou conceito interessante é aquele do professor José Afonso da Silva, para
quem Constituição é o sistema de normas jurídicas costumeiras, que regula a forma de Estado,
a forma de governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus
órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias.
Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos
constitutivos do Estado.

Trata-se de definição da Constituição quanto ao seu conteúdo, definição material.

2. Elementos constitutivos do Estado:

a) Elemento humano (povo)


b) Elemento físico ou geográfico (território)
c) Elemento político (soberania)

A nacionalidade é tema materialmente constitucional, e diz respeito ao ser humano, ao território,


com a atribuição de nacionalidade pelo nascimento em território, e com o elemento político, com
a soberania do Estado.

No Brasil, adota-se modelo federativo de Estado, que reparte o poder (elemento político) no
território (elemento geográfico/físico) .

Os direitos fundamentais, matéria tipicamente constitucional, relacionam os elementos


humano e político.

3. Concepções sobre a Constituição:

O entendimento sobre o conceito de Constituição pode variar de acordo com a concepção


adotada por cada escola doutrinária.

3.1. Concepção Sociológica

- Tem como principal autor Ferdinand Lassale, que discute essa concepção em sua obra
“A Essência da Constituição”.

- Para a concepção sociológica, a Constituição escrita é apenas uma folha de papel,


ou seja, não é a verdadeira Constituição.

- A verdadeira Constituição de um Estado é a soma dos fatores reais de poder, que


está fragmentado na sociedade entre diversos atores ou fatores que exercem, no
mundo real, parcela do poder.

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- Esta soma ou acomodação dos fatores reais de poder é a verdadeira Constituição de um
Estado.

- A Constituição escrita é boa e duradoura somente quando corresponde com a


Constituição real, que é a soma dos fatores reais de poder. Contudo, quando a
Constituição escrita não corresponde à Constituição real, havendo divergência entre o
escrito e as somas de fatores reais de poder, surge conflito e para Lassale, a
Constituição escrita irá sucumbir, pois o que prevalecerá é a soma dos fatores
reais de poder, que são as verdadeiras forças vitais de um país.

# Ao aplicar esta concepção ao Brasil, é possível indagar-se se teria ocorrido conflito entre a
constituição real e a escrita quanto à revogada disposição constitucional sobre taxa de juros,
que constava do art. 192, § 3º, da CF/88, revogado pela EC 40/2003.

A CF limitava a taxa de juros a 12% ao ano. Isso não era resultado da soma de fatores de poder
reais, pois ocorreram acontecimentos supervenientes:

1. Advento da EC 40/2003 que revogou o dispositivo;


2. Edição da S. Vinculante 7 do STF, que determinava que “A norma do § 3º do art. 192 da
CF, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha
sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.

Como o direito posto destoava dos fatores reais de poder, foi dispositivo nunca aplicado.

3.2. Concepção Jurídica

Desde o surgimento das primeiras Constituições escritas em sentido moderno, a dos EUA
de 1787 e a Francesa de 1791, o modelo adotado foi o do constitucionalismo liberal, que
formatou a ideia de que a constituição ideal deveria ser escrita e possuir determinado conteúdo
material: a garantia dos direitos fundamentais de primeira geração, organização do estado
e a separação e limitação dos poderes.

No início do Séc. XX, surge o Well Fare State, e em seu bojo, surge o Constitucionalismo
Social, que tem como marcos a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar, de
1919, com a ideia de que a Constituição deve prestar direitos sociais aos cidadãos, houve
a inclusão de direitos fundamentais de segunda geração à Constituição, que
extrapolaram os temas antes adotados. O conteúdo da Constituição passou, então, a incluir
outros temas, tendo sido alargado o seu texto.

- Buscou-se descrever a Constituição a partir de parâmetro formal-normativo, e não a


partir de seu conteúdo material.

- Tem em Hans Kelsen seu principal nome, autor exponencial.

- A obra referencial é a Teoria Pura do Direito.

- A Constituição possui supremacia hierárquica formal, e o que a caracteriza é o fato


de ser documento supremo na hierarquia das normas jurídicas.

- É o fundamento de validade das demais normas jurídicas inferiores (deve conter as


regras de elaboração das normas jurídicas inferiores, devendo prescrever os
procedimentos legislativos das leis e normas jurídicas inferiores)

- É norma pura, dissociada de qualquer fundamento sociológico, político ou filosófico.

- Para o positivismo jurídico, a Teoria da Constituição deve ser meramente descritiva, não
devendo se ocupar de determinar qual é o conteúdo material e ideológico da
Constituição, como ocorrera para o liberalismo constitucional.

19
- O direito e a Constituição devem ter como objeto a norma pura, as normas como são, e
não como hipoteticamente deveriam ser.
- O positivismo jurídico prega a separação entre o direito e a moral, pois havia relativismo
ético, já que não seria possível de forma objetiva identificar o que era certo, errado, justo
ou injusto, pois essas conclusões dependem de juízo de valor com forte dose de
subjetividade do intérprete, o que não se poderia admitir, pois se a conclusão
dependesse da subjetividade do intérprete, isso geraria irracionalidade, pois a conclusão
seria variável conforme o intérprete, e não seria conclusão única, mas variável conforme
o intérprete, e não seria científico, pois o científico é aquilo que é, independentemente
do observador.
- Os valores morais não poderiam, portanto, ser incluídos na Constituição , pois cada
intérprete valora algo de acordo com sua subjetividade.
- Os valores possuem caráter axiológico.
- É indiferente qualquer questão relativa à justiça ou injustiça da norma, pois o que
importa, o parâmetro comum a todas as Constituições não é valoração moral de seu
conteúdo, mas sim a sua supremacia hierárquica formal, pois qualquer Constituição
é o documento supremo e hierarquicamente mais elevado da ordem jurídica, que
serve de fundamento de validade para todas as demais normas jurídicas
inferiores, e a validade das normas jurídicas depende de sua elaboração de acordo
com as disposições formais previstas na Constituição.
- Uma norma jurídica vale por ser criada de forma determinada, de modo que todo e
qualquer conteúdo pode ser direito, e sua validade não depende de seu conteúdo, mas
de sua criação de acordo com procedimento previamente determinado.
- O conteúdo da Constituição deve ser as normas procedimentais para elaboração das
leis inferiores, sendo esta a Constituição material, formada por normas superiores
que tratam da elaboração das demais normas jurídicas.
- O positivismo jurídico se adequa ao direito costumeiro, visto por Kelsen como forma de
direito positivo, afirmando que a Constituição em sentido material pode ser escrita ou
produzida por via consuetudinária, sendo fonte importante, inclusive, do Direito
Internacional. O positivismo não se alinha ao direito natural.
- A Constituição formal, para Kelsen, é o documento escrito integrado por normas
materialmente constitucionais, e também por outras normas sobre outros temas,
formalmente inseridas na Constituição.
- A Constituição pode ser entendida em sentido jurídico-positivo, positivo pois é algo
que se insere dentro do direito positivo, sendo conjunto de regras que ocupa o ápice
do ordenamento jurídico normativo, que possui supremacia, o documento
supremo, de patamar hierárquico mais elevado, todas as demais normas jurídicas
tem seu fundamento de validade na Constituição. Ex. Pirâmide normativa com a
constituição no ápice. As leis existem pois a constituição determina as normas
procedimentais para a sua elaboração.

- Qual é o fundamento de validade da própria Constituição?

Para Kelsen, a Constituição tem fundamento de validade na NORMA HIPOTÉTICA


FUNDAMENTAL, é hipotética pois não está no direito posto, positivo, mas fora da pirâmide, e é
fundamental pois é o fundamento último de validade de todo o ordenamento jurídico, é o
que Kelsen chama de CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO LÓGICO E JURÍDICO, estando no
campo do pressuposto lógico, e não do direito posto, sendo pressuposto lógico que abrange
três aspectos: a constituição formal, todos devemos cumprir a Constituição formal, positiva, e as
demais regras jurídicas inferiores devem ser por todos obedecidas, se elaboradas de acordo
com as regras procedimentais previstas na Constituição.

Há dois sentidos de constituição para Kelsen: Jurídico-Positivo e a Constituição em sentido


lógico-jurídico, que é o fundamento da Constituição (não está na pirâmide normativa, e
encontra-se fora dela, pois é a norma hipotética fundamental, fundamento de validade da
Constituição positiva).

20
3.3. Concepção Política

- Tem como principal autor doutrinário Carl Schmitt


- A obra referencial é a obra “Teoria da Constituição”
- A Constituição para esta concepção é a decisão política fundamental do titular do
poder constituinte.
- Há diferença entre Constituição e Lei constitucional.
- Para o autor, só é verdadeira Constituição aquilo que se traduz em decisão política
fundamental do titular do poder constituinte , é aquilo que modela a substância do
regime, é a decisão essencial, fundamental para que se possa organizar o Estado, não
sendo possível organizá-lo sem esta decisão política fundamental, tomadas no momento
constituinte pelo exercente deste poder.
- Essa decisão do constituinte é decisão estática, pois adotada em certo momento da
história constitucional, e não se vincula a critérios racionais ou de justiça.
- O decisionismo, derivado da concepção política considera a Constituição um ato de
vontade do constituinte, que é livre para o exercício de sua vontade, para
estabelecer democracia, ditadura, ou determinado modelo econômico, sendo o
constituinte livre ao tomar determinada decisão em espaço de tempo, e não muda no
correr da história.
- As demais normas formalmente contidas no documento escrito que não tratam de
decisões desta natureza não são verdadeira constituição, mas meras leis
constitucionais. Ex. Seria Constituição o art. 1º, que estabelece o Estado Federal e
Democrático de Direito. Seria Lei constitucional, dispositivo que não diz respeito a
decisões políticas fundamentais, mas que estará escrita na Constituição seria o art.
242, § 2º, da CF. Tem natureza jurídica de lei e forma constitucional.
- Segundo esta concepção, caso haja ameaça à decisão política fundamental, pode
ser decretado estado de exceção e suspensão total ou parcial da constituição
formal e para manter e proteger a decisão política fundamental, o governante pode
fazer valer a sua vontade contra as leis constitucionais.

2.4. Concepção Culturalista

- Tem no professor Meirelles Teixeira um de seus grandes nomes.


- A obra fundamental é sua obra “Curso de Direito Constitucional”
- A Constituição total é objeto cultural que em uma perspectiva unitária, abrange
aspectos sociológicos, jurídicos, políticos, filosóficos e econômicos.
- A Constituição, como invenção humana, é resultado da cultura, e, ao mesmo
tempo, nela interfere.
- Para este autor, as concepções anteriores não são necessariamente antagônicas e não
se repelem, pois a Constituição é complexa e possui posicionamentos complexos,
incluindo aspectos sociológicos, jurídicos, filosóficos, políticos e econômicos,
propondo concepção unitária de Constituição, Constituição total, que seria o
resultado da cultura de uma sociedade em determinado momento da história,
sendo invenção humana, surgida no bojo de determinada cultura, em determinada
sociedade.
- A Constituição interfere também na cultura, existindo relação recíproca, pois é
resultado da cultura e nela interfere.

3. Força normativa da Constituição

- Tem como principal autor doutrinário Konrad Hesse, em sua obra “A Força normativa da
Constituição.”
- A Constituição não configura apenas a expressão de dada realidade. Graças ao
elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social.
- Há crítica à concepção sociológica de Lassalle, que só seria válida se consoante aos
fatores reais de poder, pois para o prof. Konrad Hesse, a Constituição é influenciada
pela realidade histórica, mas a Constituição escrita não é somente a expressão desta
realidade, não é somente a soma dos fatores reais de poder, pois é norma, é capaz

21
de obrigar, de ordenar, conformar e modificar a realidade política e social. Assim,
quando há conflito entre a norma posta e os fatores reais de poder, a realidade política e
social, a constituição escrita não necessariamente será a parte mais fraca, pois em
muitas situações, esta será capaz de alterar a realidade social, da vida em sociedade.
- A Constituição tem poder de mudar a realidade, mas não é absoluto e ilimitado, razão
pela qual a realidade muitas vezes prevalece à Constituição escrita, o que varia
conforme a força da Constituição escrita. Essa força é variável, e está ligada à vontade
de Constituição, que é o maior ou menor empenho dos cidadãos em lutas pela
efetivação e concretização das normas constitucionais. Quanto maior o empenho
popular, maior será a força normativa da Constituição.
- Para a Teoria da Força Normativa, a Constituição não deve tratar de outros assuntos,
e alguns devem ser tratados com adequado grau de indeterminação, abertos, para
proporcionar discussão livre entre as forças políticas, pois a vida que a Constituição
quer ordenar é dinâmica, que muda, para permitir as mudanças na sociedade pelos
mecanismos comuns na vida política cotidiana.
- A Constituição, de acordo com a força normativa, deve ser interpretada por meio de
processo de concretização, que deve considerar o texto escrito e a realidade, e por
isso, interpretar a Constituição é concretizá-la. É teoria concretista, que prega que
interpretar é concretizar a Constituição.

4. A Constituição como processo público - A Constituição aberta

- Precursor: Peter Haberle - “Constituição como processo público” e a


“Sociedade aberta dos intérpretes da constituição”
- Entende que a verdadeira Constituição é o resultado (temporário) de
processo de interpretação aberto, historicamente condicionado e
conduzido à luz da publicidade.
- A Constituição é processo público, e não se resume a ato pontual de
vontade do constituinte em determinado momento histórico.
- A norma constitucional é a resultante de processo de interpretação
cotidiano, público e aberto. Não é a mera interpretação e investigação da
vontade do constituinte no momento da edição, pois a interpretação é processo
situado no tempo, que capta experiências passadas, e também se abre para as
mudanças, havendo abertura para o futuro.
- A interpretação é feita por sociedade aberta de intérpretes, e não apenas por
juízes e tribunais, sendo interpretação pública, e a Constituição é o resultado
desse processo de interpretação.
- A decisão do constituinte em determinado momento histórico é mero ponto
de partida, pois será resultado de processo, cultural, público e plural de
interpretação e atualização cotidianas do texto constitucional.
- A interpretação se desenvolve de maneira pública e plural no tempo, e a
sociedade aberta de intérpretes participa dessa interpretação.
- A constituição é aberta e não fechada, enclausurada em si, devendo se abrir
para novas necessidades da sociedade e do Estado. Essa abertura se dá por
diversos mecanismos, e é aberta pois pode sofrer modificações formais ou
informais (por meio de mutação) e utiliza no texto conceitos jurídicos
indeterminados, preenchidos através da interpretação, considerando-se
conceitos, inclusive, advindos de outros ramos científicos.
- É aberta pela ausência de monopólio interpretativo. A interpretação
constitucional era monopolizada por sociedade fechada de intérpretes, os
intérpretes jurídicos, vinculados a corporações e participantes formais do
processo constitucional.
- A interpretação constitucional não é atividade exclusiva Estatal, mas tem
acesso a ela todas as forças da comunidade política, a ser realizada pela
opinião pública, grupos da sociedade civil, pela sociedade aberta de intérpretes,
e para essa mesma sociedade aberta de intérpretes. Essa sociedade inclui os
destinatários das normas constitucionais.

22
5. Teoria da Constituição dirigente:

- J. J. Gomes Canotilho, em sua obra “Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador”


- A Constituição dirige a atuação do Estado e de seus agentes, por meio de
programas de ação, para concretizar determinados objetivos e finalidades.
- A Constituição traça objetivos e finalidades, e não apenas prevê direitos e
procedimentos, não é apenas a Constituição garantia, prevendo finalidades, objetivos
e programas de ação para alcançar suas finalidades e objetivos, especialmente
nos campos econômico e social.
- É típica do modelo de Estado social, que garante direitos prestacionais e prevê
mecanismos de intervenção do Estado no domínio econômico e social.
- A vinculação do legislador se dá quanto à edição de leis para cumprir objetivos
constitucionais, mas a atividade legislativa deve ser controlada por mecanismos
de participação popular entendendo que o Poder Judiciário não é o melhor caminho
para controle do legislativo no caminho de cumprimento dos objetivos constitucionais,
propondo outras alternativas como iniciativa popular e controle popular.
- Todos os órgãos e agentes estatais estão vinculados aos objetivos sociais e econômicos
da Constituição em sua atuação.
- No Brasil, o dirigismo persiste, apesar de ter sido afastado na Europa.

6. Constitucionalização simbólica

- Prof. Marcelo Neves - “A Constitucionalização Simbólica”


- A atividade legislativa, inclusive a constituinte, pode possuir uma natureza
eminentemente simbólica, visando a atender objetivos políticos diversos da
produção de normas jurídicas, dando origem a uma legislação simbólica ou a uma
Constituição simbólica.
- Aquilo que está na lei ou na Constituição pode ser mero símbolo, algo que o legislador
comum ou constituinte não desejou produzir para atingir atividade jurídica propriamente
dita, pois pode ter pretendido produzir aquele texto para atingir finalidade política e
não jurídico normativa propriamente dita. Se assemelha ao que Barroso chama de
FENÔMENO DA INSINCERIDADE NORMATIVA, pois a norma produzida pelo
legislador não é sincera, já que o que aparenta não corresponde à finalidade
realmente desejada pelo legislador.

- Há 3 objetivos possíveis para a constitucionalização simbólica:

a) De confirmar valores sociais defendidos por determinados grupos políticos,


através de determinada “vitória normativa”, sendo secundária a eficácia da lei ou a
sua concretização. Ex. Criminalização do aborto na Alemanha e a menção a Deus no
preâmbulo da CRFB.

b) Fortalecer a confiança do cidadão no governo ou no Estado, o que a doutrina


chama de “legislação álibi”, em que o legislador, por meio de legislação simbólica,
esvazia pressões políticas ou apresenta o Estado como sensível a expectativas do
cidadão, mas sem a real intenção de dar efetividade à norma. Serve inclusive para
desmobilizar determinados grupos sociais que tem pretensões específicas. Ex.
Cartas de Direitos Fundamentais adotadas por ditaduras, como a Constituição do Chile
de 1980, de Pinochet, afirmando que o Chile seria República Democrática.

c) Adiar a solução de conflitos sociais, a partir de compromissos dilatórios , por meio


da produção de norma constitucional comum que posterga para o futuro
verdadeira decisão. Ex. “A reforma agrária será feita nos efeitos da lei” - no futuro
resolve-se o problema e edita-se a lei.

7. Pós Positivismo

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Após a II GM, o positivismo jurídico, idealizado por Hans Kelsen entrou em crise, pois o direito
foi utilizado pelos nazistas para negar a igualdade de todas as pessoas e para negar os direitos
fundamentais a todos, com práticas desumanas e de extermínio.

O positivismo não considerava o conteúdo das normas jurídicas. A ideia era de que o
direito deveria ser neutro e avalorado, mas esta neutralidade jurídica não mais se
justificava, e se passou a buscar a legitimidade do direito à luz dos valores morais.

Esses fatos deram ensejo ao surgimento de diversas doutrinas, buscando alternativas ao


formalismo jurídico, movimento denominado Pós Positivismo Jurídico.

- Características:

- Surge após a II GM;


- Promoveu a aproximação entre o direito e a moral;
- Rejeitou o formalismo legalista e o positivismo puro;
- Promoveu a abertura da argumentação jurídica, dotando o intérprete de alguma
discricionariedade;

Não se nega que o direito e a moral tem objetos próprios, mas a política e o direito devem ter
leitura moral.

O pós positivismo deu origem ao neoconstitucionalismo, em que a dignidade da pessoa


humana possui posição de destaque.

8. Classificação das Constituições

- Divisão clássica

a) Constituição em sentido material

É o conjunto de regras, escritas ou costumeiras, que dizem respeito à matéria


estritamente constitucional, Constituição que sempre existiu, definindo a essência do
Estado.

b) Constituição em sentido formal

É o conjunto de normas escritas contidas no documento constitucional formal, de


máxima hierarquia jurídica, de natureza jurídica, digam ou não respeito à matéria
estritamente constitucional. Há normas que contém essência de Constituição e outras que
não.

- Quanto à forma:

a) Constituição escrita (dogmática, instrumental)

A Constituição escrita pode ser subdividida em:

- Codificada (reduzida, unitária ou orgânica) : contida em apenas um único texto


escrito.
- Não codificada (legal, variada, inorgânica): contida em mais de um texto escrito.

A CF de 1988 é de origem codificada, unitária, e de texto codificado, nas passa por


processo de descodificação, pois hoje existem normas escritas de natureza
constitucional que se encontram fora do catálogo principal da Constituição, fora
do ADCT e da parte dogmática.

1. Tratados internacionais de DH, aprovados na forma do art. 5, par. 3, da CF,


equivalentes a EC, como a Convenção de Nova York, de 2007, com normas
equivalentes às ECS.

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2. Normas elaboradas pelo poder de reforma, que não integram o texto principal da CF,
que permanecem no bojo das ECs de forma autônoma no texto da própria EC.

Ex. EC 32/2001, art. 2º.

Há normas autônomas de ECs alteradas por ECs posteriores, e a EC 20 teve diversos


artigos autônomos revogados pela EC 41.

Assim, as ECs, que são documentos próprios apartados da CF, são normas escritas
de natureza constitucional.

Há elementos não escritos na Constituição escrita, razão pela qual essa


categorização é falha. Ex. Art. 5º, § 2º - os direitos e garantias expressos na CF não
excluem outros decorrentes do regime ou princípios por ela adotados (...) - assim, o que
está expresso na CF não exclui matérias implícitas decorrentes do regime e princípios
adotados pela CF, havendo elementos não escritos na Constituição escrita.

Ademais, há elementos escritos em Constituições não escritas, como é o caso da


Constituição inglesa, do Reino Unido, que possui elementos não escritos, pautada
pelo direito consuetudinário, mas possui elementos escritos:

- Statute Law - estatutos, leis escritas do parlamento, sobre matéria constitucional.


- Decisões judiciais que incorporam costumes (common law), inclusive o
parlamentar (parliamentary custom), ou que interpretam leis do parlamento
(cases law);
- Convenções constitucionais (constitutional conventions) - acordos parlamentares
políticos não escritos, que cuidam de matéria constitucional. São obrigatórios,
tradicionais e sua alteração é muito difícil. Não há possibilidade de controle
judicial.
- Tratados internacionais incorporados.

b) Constituição não escrita (costumeira, consuetudinária, histórica)

- Classificação quanto à origem ou positivação:

a) Constituição democrática (promulgada, popular)

São aquelas fruto de Assembleias Constituintes, no caso brasileiro há as de 1891, 1934,


1946 e a de 1988.

b) Constituição não democrática (outorgada, imposta)

São aquelas impostas, outorgadas pela força, as chamadas Cartas Constitucionais: no


Brasil as de 1824, 1937, 1967 e 1969.

c) Constituição Cesarista (plebiscitária)

São aquelas, segundo José Afonso da Silva, formadas por plebiscito popular sobre
determinado projeto elaborado por imperador ou ditador (plebiscito de Pinochet no Chile). É
apenas participação formal, visando apenas a ratificar a vontade do detentor do poder,
não havendo liberdade autêntica. Seria modalidade especial de outorga, por não haver
verdadeira participação popular.

Esses plebiscitos, tecnicamente são referendos e não plebiscitos. O referendo é consulta


popular feita em relação ao texto pronto, enquanto o plebiscito é deliberação popular
antes da elaboração de determinado texto.

d) Constituição pactuada (contratual)

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Para Paulo Bonavides, é aquela que exprime compromisso instável entre duas forças
políticas rivais, normalmente entre a Realeza Absoluta, enfraquecida, e determinada
classe ou grupo em ascensão. Ex. Constituição Francesa de 1791.

Alguns autores citam a Magna Carta como hipótese de Constituição pactuada, pois não era
Constituição, mas pacto medieval.

A ideia de Constituição pactuada não se coaduna com o conceito moderno de


Constituição, em que o poder constituinte tem um titular somente: o povo.

- Classificação quanto à estabilidade (alterabilidade, mutabilidade ou consistência):

a) Constituição rígida

James Bryce foi o primeiro a fazer a distinção entre Constituição rígida e flexível.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello foi o autor brasileiro que aprofundou tal distinção.

A Constituição rígida é aquela na qual a alteração formal ocorre por processo distinto e
mais difícil que o processo de elaboração da lei comum (todas as brasileiras, exceto a de
1824).

Lei ordinária é elaborada com base no art. 47 da CF - maioria simples é suficiente para a
elaboração de lei comum, ordinária.

Leis Complementares - art. 69, CF - exigem aprovação por maioria absoluta de votos.

Emendas Constitucionais - elaboradas com base no art. 60, § 2º, da CF - 4 turnos de


votação com maioria de ⅗ em cada Casa, em cada votação.

A Emenda Constitucional tem natureza jurídica distinta da lei ordinária, o que permite afirmar a
supremacia da CF, pois em choque entre a Constituição e qualquer norma, haverá supremacia
da norma constitucional, sendo a Constituição suprema e hierarquicamente superior.

b) Flexível

A alteração da Constituição ocorre pelo mesmo processo de elaboração da lei comum.

Ex. Constituição Inglesa não escrita - soberania do Parlamento (statute law)

Estatuto do Império da Itália de 1848

Constituição Soviética de 1924

Aqui, EC e lei comum são institutos idênticos, podendo a lei comum alterar a
Constituição, não havendo ideia de supremacia da Constituição. Os conflitos são
superados não pela hierarquia, mas pelo critério da temporalidade.

É chamada de Constituição plástica por Pinto Ferreira, mas é utilizada por outros autores
com outros significados, para identificar Constituição que necessita de grande regulamentação
pelo legislador ordinário.

c) Semirrígida

Constituição Imperial de 1824:

Art. 178. É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes
políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Tudo o que não é constitucional
pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias

Tudo que não é matéria verdadeiramente constitucional, mesmo presente na constituição, pode
ser alterada por lei ordinária, sem emenda.

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Por isso é Constituição que é em parte rígida e em parte flexível.

Nesse caso a matéria que é tipicamente constitucional, pode ser alterada somente por
emenda, e a matéria que não for substancialmente constitucional pode ser alterada por lei
ordinária.

d) Transitoriamente flexível

É flexível por algum tempo, findo o qual se torna rígida (Uadi Lammêgo Bulos)

e) Fixa/Silenciosa

É aquela que nada prevê acerca de sua mudança formal, sendo alterável somente pelo
próprio poder constituinte originário.

Ex. Carta Espanhola de 1876.

f) Imutável/Permanente/Granítica/Intocável

É a que se pretende eterna, fundando-se na crença de que não haveria órgão competente
para proceder à sua reforma. Relacionada normalmente a fundamentos religiosos.

Ex. Estatuto do Reino da Sardenha de 1848 e Carta Espahola de 1876.

g) Super Rígida

Segundo essa classificação, do professor Alexandre de Moraes, a Constituição super rígida


seria a Constituição rígida que possui núcleo imutável (cláusulas pétreas).

Uma Constituição Rígida pode ter ou não núcleo de matérias imutáveis, inalteráveis até
mesmo por EC. Quando existe rol de cláusulas pétreas, não alteráveis nem pelo poder
constituinte reformador, trata-se de Constituição super rígida.

Os demais autores não citam essa classificação, pois no fundo o que seria super rígido não
seria a própria Constituição, mas apenas parte dela, as cláusulas pétreas.

Há quem diga então que se pode falar apenas em dispositivos super rígidos inseridos em
constituição rígida, e que então não haveria constituição super rígida, mas sim núcleo super
rígido incluído em constituição rígida.

- Classificação quanto à dogmática (Prof. Pinto Ferreira):

a) Ortodoxa - influenciada por uma única ideologia, como a Constituição Soviética de


1977
b) Eclética/Compromissória - influenciada por várias ideologias, em linha
conciliatória, de compromisso entre várias forças políticas distintas, como a CF/88.

- Quanto à extensão

a) Concisa (breve, sumária, sucinta, básica, sintética) : trata somente dos princípios
fundamentais e da estrutura do Estado, não descendo a minúcias. É mais estável. Ex.
Constituição Americana de 1787.
b) Prolixa (analítica, longa, volumosa, inchada, ampla, extensa, desenvolvida, larga,
expansiva) - veicula muitos temas e entra em detalhes que poderiam ser tratados
por leis comuns, ordinárias. Normalmente necessita de mudanças frequentes e
rápidas. Ex. CF/88.

Para alguns autores, a Constituição prolixa tende a se transformar em Constituição total, que
abrange todos os aspectos da vida política, do Estado e da sociedade.

Essa classificação normalmente vincula-se a outra classificação, quanto à finalidade. Vejamos:

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- Quanto à finalidade:

a) Constituição garantia (negativa ou abstencionista) - busca somente garantir a


liberdade e limitar o poder. Ex. Constituição dos EUA de 1787, razão pela qual
normalmente é concisa.

b) Constituição dirigente (analítica, programática) - estabelece projeto de Estado para


o futuro, estabelecendo objetivos, finalidades e programas de ação para o futuro,
para alcançar esses objetivos. Ex. CF/88 - será Constituição longa;

c) Constituição balanço - descreve e registra a organização política atual,


estabelecida. É o modelo de Constituição Soviética, fazendo balanço do que a
organização política é, não garantindo nada e não estabelecendo nenhum projeto
ou objetivo para o futuro.

- Classificação ontológica (Karl Loewenstein) - busca a essência do ser, do que é a


constituição na prática, e não apenas no texto constitucional, buscando relação entre o
texto constitucional e a realidade.

a) Constituição normativa

É aquela na qual encontra-se adequação entre o texto constitucional, o conteúdo


normativo da Constituição e a realidade político-social. A Constituição domina o processo
político e os agentes políticos, os detentores do poder e os destinatários da constituição a
respeitam e a seguem, sendo concretizada, pois sua força normativa é muito grande.

b) Constituição nominal/nominalista

Não há adequação entre o texto e a realidade político-social, havendo descompasso entre


estes elementos. Existe, contudo, boa vontade. O processo político social desejaria cumprir e
seguir a Constituição, mas não consegue, por não se adaptar à Constituição, muitas vezes por
ser prematura, prevendo coisas que não conseguem ser realizadas, restando a este tipo de
Constituição caráter educacional e pedagógico, servindo de guia a ser observado pela
nação, para o futuro.
c) Semântica

Encontra-se a serviço das classes dominantes, inteiramente dominada pelas forças


políticas elevadas da sociedade, e no fundo traz o verdadeiro significado da Constituição
pois serve a alguns, legitimando práticas autoritárias de poder. É chamada de
instrumentalista, por ser instrumento dos detentores de poder.

Constitucionalismo semântico - para designar conjunto de constituições semânticas


surgidas entre os Séculos XIX e XX, que serviram para legitimar o poder autoritário. Ex.
Constituição de 1937.

- Como classificar a Constituição de 1988?

Há dissenso doutrinário.

Parte considera a CF/88 normativa e parte nominal/nominalista.

- Quanto ao sistema:

a) Principiológica: predominam princípios;


b) Preceitual: predominam regras;

- Quanto à função:

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a) Provisória (pré-Constituição, Constituição Revolucionária e Transitória)

- O Brasil já teve Constituição provisória, após a Proclamação da República, em 1890, o


Decreto 510 de 1890.

b) Definitiva (Constituição de duração indefinida)

- Quanto à origem de sua adoção

a) Autônomas (autoconstituições): adotadas por força unicamente da vontade do


próprio Estado;
b) Constituições Heterônomas (heteroconstituições) - adotadas pela influência da
vontade de outros Estados ou de organismos internacionais por negociação ou
imposição. Ex. primeiras constituições do Canadá, Austrália e NZ, aprovadas pelo
parlamento inglês.

Alguns autores afirmam que as heteroconstituições excepcionam a Teoria Geral do Poder


Constituinte Originário, pois nesse caso, o poder originário seria limitado pela vontade de
outra nação ou de organismo internacional. Na teoria clássica, o poder constituinte
originário é juridicamente ilimitado por outro Estado ou organismo internacional.

- Quanto ao papel desempenhado

a) Constituição lei - fala-se em constituição que se encontra no mesmo nível das demais
normas, não havendo hierarquia ou supremacia da constituição, que não vincula o
legislador. Na prática, é constituição flexível, pois não limita o legislador.

b) Constituição fundamento (total) - é compreendida como a lei fundamental do


Estado, dominando, em todos os seus aspectos, o Estado e a sociedade, sendo
via de regra Constituição prolixa, que regula todos os aspectos do Estado e da
sociedade, dominando totalmente o Estado e a vida social, e consequentemente, reduz
a atuação do legislador, pois a maioria dos temas de interesse social já está
regulamentado pela Constituição.

c) Constituição moldura - é aquela que serve como limite para o legislador, e moldura
sem preenchimento, sendo tela pois estabelece limites, mas dentro deles, pode o
legislador pintar a tela como desejar. Essa modalidade confere liberdade relativa ao
legislador. A Constituição traça limites e deixa o legislador livre dentro destes, dando à
jurisdição constitucional o papel de limitar o legislador, para que ali atue.

- Constituição em branco: é aquela que não veicula limitações explícitas ao poder de


reforma, e o próprio poder de reforma elaborará suas regras de reforma, e silencia
acerca das emendas, admitindo a sua existência, não sendo imutável, mas é em
branco, delegando ao poder de reforma, inclusive, a elaboração das regras
procedimentais para a sua própria alteração formal.

Aula 3

● Elementos da Constituição

O professor José Afonso da Silva elenca 5 elementos constitutivos da Constituição.


Vejamos:

1. Elementos orgânicos

Os elementos orgânicos são aqueles que dizem respeito às normas reguladoras da


estrutura do Estado e do Poder.

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Ex. Título III (Estrutura do Estado) e Título IV (Organização dos Poderes e do Sistema de
Governo)

2. Elementos limitativos

São normas que limitam a ação dos poderes Estatais em nome do Estado de Direito.
Consubstanciam o elenco dos direitos fundamentais, que limitam os poderes do Estado,
protegendo o cidadão.

3. Elementos sócio-ideológicos

São normas sócio-ideológicas contidas na Constituição que revelam o compromisso


entre o Estado liberal individual e o social. Neste conjunto de elementos, há o Capítulo II, do
Título II, que cuida dos Direitos Sociais.

4. Elementos de estabilização

São normas que procuram solucionar conflitos constitucionais, defender a Constituição,


proteger o Estado e as Instituições Democráticas. Neste conjunto de elementos, há normas
sobre a jurisdição constitucional, relativas à ADIN, ADC, ADPF, e normas que regulam a
intervenção da União dos Estados e dos Estados nos Municípios (arts. 34 a 36), normas
que regulam a elaboração das ECs (art. 60) e normas que tratam da defesa do Estado e das
Instituições Democráticas.

5. Elementos formais de aplicabilidade

São dispositivos da Constituição que estabelecem regras de aplicação da própria


Constituição. Ex. Preâmbulo da CF - vetor interpretativo das normas constitucionais; ADCT;
Art. 5º, § 1º, CF.

● Estrutura formal da Constituição

Em termos formais, a Constituição é dividida em três partes distintas:

1. Preâmbulo

PREÂMBULO da CF/88

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte


para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

# A menção à proteção de Deus contraria a liberdade de crença prevista no art. 5º, VI, e a
laicidade do Estado, prevista no art. 19, I, ambos da CF?

O Brasil é Estado secular, estando separados o Estado e a religião. Isto se choca com
o preâmbulo, que invoca a proteção de Deus, algo que invoca crença monoteísta.

# O preâmbulo pode ser parâmetro para declaração de inconstitucionalidade de norma?

# O preâmbulo possui eficácia normativa? É norma?

# Qual é a natureza jurídica do preâmbulo?

MS 24645 MC, 08/09/2003, STF - decisão monocrática do Ministro Celso de Mello

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“Como se sabe, há aqueles que vislumbram, no preâmbulo das Constituições, valor
normativo e força cogente, ao lado dos que apenas reconhecem, no texto preambular, o caráter
de simples proclamação, que, embora revestida de significado doutrinário e impregnada de
índole político ideológica, apresenta-se, no entanto, destituída de normatividade e
cogência, configurando, em função dos elementos que compõem seu conteúdo, mero
VETOR INTERPRETATIVO do que se acha inserido no corpus da lei fundamental”.

Para uma corrente, o preâmbulo possui valor normativo e força cogente, e para outra,
serve de vetor interpretativo para a Constituição , e não é norma, não possuindo força
cogente.

No Brasil, o preâmbulo é SIMPLES PROCLAMAÇÃO, não é norma, não possui força


normativa e cogência, segundo a jurisprudência e doutrina majoritárias. Assim, o
preâmbulo não pode ser fonte única de declaração de inconstitucionalidade de norma.

Não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força


obrigatória. Contudo, quase tudo que está no preâmbulo encontra-se reproduzido na parte
dogmática, com raras exceções, como a menção à proteção de Deus.

O preâmbulo é um dos dispositivos formais de aplicabilidade da Constituição, e é um


dos fatores de hermenêutica constitucional, utilizado para interpretação das próprias
normas constitucionais. Em muitas decisões, inclusive do STF, o preâmbulo é utilizado como
reforço argumentativo, pois é fonte hermenêutica.

O preâmbulo não pode ser a fonte única de declaração de inconstitucionalidade de leis


ordinárias ou complementares.

# O preâmbulo pode ser objeto de EC?

Como é entendido como mensagem do legislador constituinte de 1988 ao povo, como


simples proclamação e comunicação, não há razão jurídica ou lógica para a sua
alteração. Ademais, a EC tem força normativa, e o preâmbulo não.

2. Parte dogmática

É composta pelos arts. 1º a 250 da CF, que possuem força normativa, que servem de
parâmetro de controle de constitucionalidade de todas as normas infraconstitucionais.

É o texto normativo básico da Constituição, cujos dispositivos possuem pretensão de


permanência, que pode ser absoluta (cláusulas pétreas) ou relativa (pois a maioria das
normas da parte dogmática podem ser alteradas por EC).

Existem normas com status constitucional, com pretensão de permanência, fora da parte
dogmática, de forma autônoma nas emendas ou nos tratados internacionais de direitos
humanos.

3. Disposições transitórias

As disposições transitórias consubstanciam normas de natureza temporária, transitória,


que objetivam regular transição entre a realidade existente no mundo dos fatos e
realidade projetada pela nova Constituição.

São normas, possuem força cogente e podem servir como parâmetro para fins de controle
de constitucionalidade em relação a normas infraconstitucionais.

Essas normas podem ser de eficácia plena, contida ou limitada. Após cumprirem a sua
função, que é temporária, essas normas deixam de ter eficácia, ainda que não tenham
sido formalmente revogadas.

31
Alguns autores chamam essas normas de normas de eficácia exaurida, normas transitórias
que cumpriram sua função. Ex. Art. 4º ADCT;

# Normas de eficácia exaurida podem ser utilizadas como parâmetro superior de controle de
constitucionalidade? Se sua eficácia se exauriu completamente, não faz sentido utilizá-la
como parâmetro superior. Contudo, se faz sentido utilizá-la como parâmetro do controle, há
ainda eficácia e não se trata de norma de eficácia exaurida.

Podem ser modificadas por meio de Emendas Constitucionais, e o STF, inclusive, fez
menção a esta questão na ADIN 830.

Emendas ao ADCT podem ser objeto de controle de constitucionalidade. Uma emenda


pode ser inconstitucional neste caso por violar cláusula pétrea.

As emendas ao ADCT servem como paradigma superior de controle de


constitucionalidade de normas infraconstitucionais, pois possuem caráter normativo.

Podem ser encontradas normas transitórias fora do âmbito das disposições transitórias.
Ex. Nas próprias ECs, de forma autônoma, sendo possível incluir normas transitórias.

OBS: Excepcionalmente, no ADCT, há disposições que possuem natureza permanente e


não transitória. Ex. Art. 68 do ADCT - é disposição permanente, pois a propriedade definitiva
tem natureza claramente permanente e não meramente transitória. Será exceção.

O STF manifestou-se sobre este art. na ADIN 3239 julgada em 2018, cujo acórdão foi publicado
em 01/02/2019.

Isso pode ocorrer com o fenômeno da INSINCERIDADE NORMATIVA (Barroso), o que


significa que muitas vezes o legislador não é sincero, pois aquilo que é legislado aparentando
algo na realidade possui outro objetivo, e a insinceridade do legislador pode levar a veicular
norma como sendo transitória quando a intenção é que seja norma definitiva ou
permanente, mas é utilizada simbolicamente a transitoriedade para vencer eventuais
reações contrárias. Ex. Antiga CPMF - contribuição provisória sobre movimentação financeira -
(arts. 74 e 75 da ADCT) que seriam provisórias, mas todos imaginavam que seria prorrogada
indefinidamente, o que de fato ocorreu.

● PODER CONSTITUINTE

O poder constituinte é aquele que estabelece os fundamentos da organização de uma


sociedade.

Para Canotilho, o poder constituinte é conceito limite do Direito Constitucional, pois está na
fronteira entre o Direito Constitucional e a política, sendo o poder de juridicizar o político, é
aquele que transforma decisão política em norma jurídica, em norma jurídica de mais
elevada hierarquia no ordenamento jurídico, uma norma constitucional.

O professor José Afonso da Silva entende o poder constituinte como a mais alta expressão
do poder político, sendo o poder que cabe ao povo de dar-se a Constituição.

- Conceito:

Poder Constituinte é o poder capaz de estruturar e organizar o Estado por meio de uma
Constituição, definindo seus elementos constitutivos, seus princípios regentes e os direitos
fundamentais dos cidadãos, estipulando poderes e limites Estatais e fixando a competência das
entidades, órgãos e instituições que o compõem.

A Constituição formal, fruto do poder constituinte, é decorrência do constitucionalismo. A


sistematização teórica do poder constituinte, a teoria do poder constituinte, também é fruto do
constitucionalismo.

32
Essa identificação e descrição teórica do poder constituinte surge ao final do Século XVIII. Essa
expressão “poder constituinte” surge no bojo do constitucionalismo Francês, em 1788,
tendo sido feita distinção teórica entre poder constituinte (pertence à nação) e poderes
constituídos (que derivam do poder constituinte), em obra “O que é o terceiro Estado? de
Emmanuel Joseph.

- Sistematização teórica do poder constituinte

1. Poder constituinte (da nação)


2. Poderes constituídos (derivam do poder constituinte)

No final do século XVIII, a França era governada pelo Rei Luís XVI, que passava por grave crise
econômica, orçamentária e social, e uma das razões da crise era o Antigo Regime Estamental,
com base em estamentos sociais, que veiculava distinções jurídicas, privilégios entre as
pessoas, com base em estamentos sociais aos quais pertenciam. O Antigo Regime era pautado
pela desigualdade jurídica, não havendo, sequer, igualdade formal.

Os primeiros estamentos possuíam privilégios, dentre eles, o de não pagar impostos. Assim, isto
gerava agravamento da crise. Assim, em 1788, Luís XVI convocou Assembleia para se reunir e
conclamou os franceses a apresentarem ideias para sair-se da crise.

A Assembleia Geral do Reino tinha 2 características: órgão consultivo e a deliberação era voto
por Estado.

Foi proposto: igualdade entre os números de representantes do terceiro estado e os outros dois,
privilegiados, que sejam representantes do terceiro estado pessoas que realmente
pertencessem a ele, bem como o voto unipessoal, abandonando-se a votação por Estado.

- Seria possível a alteração desta estrutura que sempre integrou o Estado Francês? Se
sim, a quem caberia tal alteração? Seria possível a alteração desta forma de
deliberação, constituída há séculos?

O autor defende a distinção entre a lei fundamental (Constituição, expressão do direito


natural e fruto do poder constituinte) e as demais leis, derivadas de poder constituído
(poder legislativo, constituído pelo poder constituinte, pela Constituição).

Defende, ainda, que a nação não é escrava da Constituição, ao contrário, a nação é a


titular do poder que é capaz de elaborar a Constituição, e por isso, a nação pode alterar a
Constituição, mas não por seus representantes ordinários, mas sim por representantes
extraordinários, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, e defende a necessidade
de sua instituição para fundar novo contrato social.

No contexto do debate dessas ideias, a expressão Poder Constituinte é utilizada.

# Nação seria sinônimo de povo?

Sobre o conceito de nação, há quem defenda ser sinônimo de povo, mas há discussão
doutrinária acerca disso.

No constitucionalismo norte-americano, há noção de povo mais forte, pois a Constituição


começa afirmando “We, the people of United States”, a noção de povo é presente, mas no
constitucionalismo francês, a noção de nação é dominante, e a maior parte da doutrina entende
que o autor utilizou propositadamente a palavra nação, pois não quis identificar nação e povo,
entendendo que o autor separava nação e povo, entendendo conceitos distintos para ambas.

No Brasil, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra O Poder Constituinte, afirma que
para o autor, nação é conceito que envolve a permanência de uma comunidade, seria a

33
expressão dos interesses permanentes de uma comunidade, ao passo que povo seria o
conjunto de homens que compõem a nação em dado momento.

Os interesses dos homens que compõem o povo em dado momento são interesses
momentâneos, que podem se contrapor aos interesses permanentes da nação, então
seriam conceitos que não se identificariam.

Não houve definição satisfatória sobre o procedimento de votação, àquela época. Diante disso,
eclodiu conflito entre o terceiro estado e os privilegiados, o Rei Luís XVI tentou dissolver a
Assembleia, mas o terceiro estado instituiu Assembleia Nacional, o que ocorreu em 1789, que
terminou se autoproclamando Assembléia Nacional Constituinte, que no mesmo ano decreta
a igualdade tributária, extinguindo os privilégios tributários do primeiro e segundo Estados. No
mesmo ano, promulga a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com a ideia de que a
nação é titular do poder constituinte, com autoridade anterior ao direito positivo e ao
próprio Rei. Em 1791 foi promulgada a primeira Constituição Francesa.

Antes da obra supracitada, no Constitucionalismo Inglês, há importante contribuição de John


Locke, importante para a teorização do poder constituinte. Canotilho chama atenção para a
importância de sua obra no pensamento do autor francês. A expressão poder constituinte não
aparece na obra de John Locke, mas a doutrina entende que alguns pressupostos teóricos do
que Locke chama de Poder Supremo em sua obra “Dois tratados sobre o Governo”, de 1689,
podem ser identificados com o Poder Constituinte na teoria do autor francês.

- Pressupostos teóricos do Supreme Power (Poder Supremo) de John Locke, identificados


como Poder Constituinte (Canotilho):
1. O poder supremo é conferido à sociedade ou comunidade, e não a qualquer
soberano;
2. Por meio do contrato social, o povo confere ao legislador poderes limitados e
específicos, nunca arbitrários;
3. Só o corpo político reunido no povo pode estabelecer a constituição política da
sociedade;

Locke teria se referido às distinções entre poder constituído e poder constituinte, expressões
que surgem na obra do autor francês.

● Natureza jurídica do Poder Constituinte:

1. Poder de direito, jurídico (Tomás de Aquino, corrente jusnaturalista)

O poder constituinte é poder de direito, pois a origem do poder constituinte é jurídica, e o


fundamento do poder constituinte é o direito natural. Assim, o poder constituinte é jurídico,
de direito, pois tem origem em direito jurídico: o direito natural.

2. Poder de fato, não jurídico (Kelsen, corrente juspositivista)

Para esta corrente, o poder constituinte é de fato, histórico, é força fática que não se funda
em nenhuma norma jurídica anterior, não se admitindo o direito natural. Seria poder pré
jurídico, anterior ao direito, força fática-histórica da qual emana a Constituição, e, em
consequência, da qual emana o direito.

No Brasil, não se admite o direito natural e adota-se, em geral, visão do poder constituinte
mais próxima de que se trata de poder de fato, histórico.

Com o neoconstitucionalismo, ganhou força a ideia de que o fundamento do direito, da


Constituição e do Poder Constituinte seria a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF -
fundamentos do Estado Democrático de Direito)

34
Para alguns autores como Luís Roberto Barroso, que entende que o poder constituinte é
poder de direito, não porque fundado no direito natural, mas sim porque fundado nas
concepções existentes na sociedade sobre ética, dignidade humana, justiça, igualdade,
liberdade, e fundado nas instituições jurídicas necessárias à sua positivação e que
resguardam a sua cosmovisão.

● Atores do poder constituinte:

1. Titular do poder constituinte

Para o autor francês Emmanuel Joseph, é a nação, pela Teoria da Soberania Nacional.

Para o constitucionalismo norte americano, é o povo, pela Teoria da Soberania Popular.

Há quem diga que seu titular é Deus (linha de teocracia, de Estado confessional)

Há quem diga que o titular é próprio Estado;

Há quem diga que o titular é o imperador, o soberano;

O detentor da força

Forças políticas dominantes

Elites políticas, econômicas, sociais, etc

No Brasil, a CF adota a Teoria da Soberania Popular, segundo a qual o povo é o titular de


todo o poder, inclusive do Poder Constituinte (Art. 1º, pu, da CF - TODO O PODER EMANA
DO POVO, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da
Constituição).

# O que significa povo?

Povo é palavra plurívoca, que pode admitir diversos significados diferentes. No preâmbulo da
Constituição, há a menção a povo, a representantes do povo brasileiro.

O povo seriam apenas os eleitores, os nacionais, abrangendo estrangeiros residentes no país?


PJ, partidos políticos, ONGS, grupos ideológicos podem influenciar o constituinte?
POVO REAL, conceito trazido por Canotilho, é sociedade aberta de constituintes que entre
si compactuam e consentem a forma de governo , e só este tem o poder de conformar e
organizar a ordem político social.

- Conceito (Canotilho)

Povo “é pluralidade de forças culturais, sociais e políticas tais como partidos, grupos,
igrejas, associações, personalidades, decisivamente influenciadoras da formação de
opiniões, vontades, correntes ou sensibilidades políticas nos momentos pré constituintes
e nos procedimentos constituintes.”.

Assim, é a pluralidade de forças culturais, sociais e políticas que não incluem somente
pessoas físicas, mas todos aqueles que têm capacidade de influência decisiva na
formação de opiniões nos momentos pré constituintes e nos procedimentos
constituintes.

2. Exercente do poder constituinte em nome do titular que pode ser : eleito


(Assembleia Constituinte) ou não eleito.

É aquele que, em nome do povo, exerce o poder constituinte, sendo o preâmbulo


mensagem do exercente do poder constituinte ao seu titular.

35
1. Eleitos:

- Formação de Assembleia Nacional Constituinte:


- Soberana (não limitada por plebiscito anterior a ela ou pela possibilidade de
referendo para a aprovação de seu texto)
- Não Soberana (limitada por plebiscito - a Assembleia possui limites previamente
estabelecidos por plebiscito - ou está limitada pela realização de referendo para
a aprovação de seu texto)

2. Não eleitos

● Espécies de Poder Constituinte

- Divisão clássica:

1. Poder Constituinte Originário (inicial/inaugural)

É o encarregado de elaborar a Constituição.

2. Poder Constituinte Derivado (secundário)

2.1. Poder Reformador: sua missão é a alteração da Constituição.

2.2. Poder Decorrente: é o encarregado das Constituições Estaduais em uma Federação.

- Doutrina moderna

Para a doutrina moderna, existe somente o poder constituinte, não havendo subdivisão em
originário e derivado.

É poder que convive com outro, o poder desconstituinte. Para a doutrina moderna, o poder
desconstituinte é o capaz de desconstituir toda a ordem jurídica previamente
estabelecida.

O Ministro Carlos Ayres Britto afirma que esses poderes podem ser representados na figura de
professor que tem a figura do apagador em uma mão (poder desconstituinte da ordem jurídica) e
o giz (poder constituinte, de escrever uma nova ordem jurídica).

Assim, a expressão poder constituinte originário é redundante, ao passo em que a expressão


poder constituinte derivado é contraditória, pois se é constituinte, não pode ser derivado, já que
o derivado é sempre poder constituído por alguém, derivado de outro, e então não é
constituinte.

Atualmente, a divisão mais propalada é a seguinte:

- Divisão atual:

1. Poder Constituinte (correlato ao Poder Desconstituinte , que é o poder de


desconstituir toda a ordem jurídica previamente estabelecida)

2. Poderes Constituídos:

2.1. Poder Reformador: poder de alteração da Constituição.

- Por emenda

- Por revisão

- Por tratados internacionais de DHs integrados ao ordenamento jurídico pátrio na forma


do art. 5º, § 3º, da CF.

36
2.2. Poder Decorrente: poder de elaboração das Constituições estaduais;

2.3. Outros Poderes (PL, PE, PJ, MP, etc)

O poder de reforma é poder constituído e não constituinte, e isto encontra-se claro no texto
constitucional, pois o poder de reforma encontra-se dentro do Poder Legislativo, poder
constituído. Art. 59, I, CF - o processo legislativo compreende a elaboração de emendas
constitucionais. O art. 60 disciplina as ECs. Assim, do ponto de vista formal, o poder de
reforma encontra-se inserido no Poder Legislativo, poder constituído.

● Classificações do Poder Constituinte:

A doutrina moderna admite outras divisões quanto à classificação do poder constituinte.


Vejamos:

1. Poder Constituinte Material (poder de decidir): é o poder de decidir, de deliberar,


de tomar a decisão constituinte, próximo à decisão política.

2. Poder Constituinte Formal (poder de formalizar, de escrever): é o poder de


formalizar, de escrever a decisão política em documento formal que é a
Constituição.

OBS: o poder material precede o formal, pois antes é tomada a decisão política em
Assembleia Constituinte e posteriormente tal decisão será formalizada na forma de
Constituição Escrita.

- Outra classificação se dá quanto:

1. Poder Fundacional (ou histórico):

É o que se manifesta na fundação do Estado, quando advém a primeira Constituição de


determinado Estado. Em nosso caso, seria o que se manifesta na Constituição de 1824. É
poder anterior à formação do Estado.

2. Poder Reconstituinte (ou revolucionário):

É o que reconstitui, reconstrói Estado já existente com nova ordem constitucional. No


caso do Brasil, todas as Constituições posteriores à de 1824 são representações do Poder
Reconstituinte.

O Estado preexistente é transformado a partir de suas bases organizacionais e estruturais.

● Manifestação do Poder Constituinte

Não há forma única e prefixada de manifestação. Contudo, sua manifestação ocorre em


momentos de ruptura, excepcionais, de elevada consciência política e mobilização
popular, segundo Canotilho, que pode ter como resultado a formação de novo Estado, a
restauração de Estado ou a transformação de Estado, em especial de sua estrutura e
regime político.

- Momentos de Ruptura:

a) Ruptura Violenta (belicosa)

- Golpe de Estado (tomada de poder por parte de grupo que se encontra no


poder)

- Revolução (tomada de poder por parte de grupo, representantes do povo que


não exercem parcela do poder). Pode ser Conservadora ou Social.

37
b) Ruptura Pacífica (simbólica, não belicosa)

- Transação Constitucional

O poder constituinte tem conexão direta com o direito à revolução, que é debatido no
constitucionalismo norte-americano.

Georges Burdeau diz que garantias contra o excesso de poder podem ser organizadas,
previstas na CF, como HC, Impeachment, ou não organizada, não prevista na CF. O direito
à revolução seria a principal garantia não organizada, de modo que mesmo não prevista,
existe no regime democrático, pertencente ao povo como direito público subjetivo, sendo
o direito do povo de rebelar-se contra os direitos constituídos, quebrando a ordem
constitucional vigente e adotando outra ordem constitucional frente a situações
excepcionais.

- Quais são as situações excepcionais que legitimam o direito à Revolução?

- Quando os representantes do povo usurpam criminosamente os poderes


delegados pelo povo na Constituição, promovendo uma opressão tão violenta que
ela não pode ser solucionada, remediada pelos meios constitucionais ordinários,
pelo HC, MS, Impeachment, etc;
- Quando o direito positivo, posto, se opõe ao ideal de justiça do sistema jurídico
constitucional, impedindo de assegurar seu objetivo, o bem comum;

A ruptura que leva à manifestação do Poder Constituinte pode estar relacionada ao que a
doutrina chama de HIATO CONSTITUCIONAL, que aparece na obra do prof. Ivo Dantas.
Segundo o professor, a norma constitucional, escrita, deve estar ajustada à realidade
social, aos fatores reais de poder presentes em sociedade, como diria Ferdinand Lassalle
em sua concepção sociológica. O ajuste fino entre a norma constitucional escrita e a
realidade social evita os hiatos constitucionais, as revoluções, golpes, etc. Assim, no HIATO
CONSTITUCIONAL, há período no qual o que está escrito na Constituição não encontra
correspondência nos fatores reais de poder, com a realidade social .

HIATO CONSTITUCIONAL então é a discrepância entre e a realidade encontrada na


Constituição e a existente na sociedade.

HIATO AUTORITÁRIO - refere-se a período no qual não há regime democrático em uma


sociedade. É período de ditadura, de ausência de democracia.

Um hiato autoritário e um constitucional podem ocorrer concomitantemente, mas não são


sinônimos.

A manifestação do poder constituinte, em momento de ruptura, poderia ser legítima, mas a rigor,
não seria legal, pois o momento de ruptura rompe com o direito positivo anterior, e viola a
legalidade estrita até então vigente.O legal pode não ser legítimo e legítimo pode não ser legal.

LEGITIMIDADE e LEGALIDADE são conceitos distintos. LEGITIMIDADE é o cumprimento do


Princípio Democrático, e LEGALIDADE é o cumprimento do direito posto, positivo.

O direito posto, contudo, pode ser utilizado de forma contrária aos interesses do povo, o
que pode gerar ruptura.

● Transição constitucional é forma de ruptura não belicosa . A TRANSIÇÃO


CONSTITUCIONAL é mudança lenta do sistema do regime constitucional, e há
algumas formas de transição.

- Formas de transição constitucional

1. Independência de colônia planejada pela metrópole;

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Ex. A Grã-Bretanha, através de seu parlamento, fez as constituições (heteroconstituições): do
Canadá (1867), Austrália (1901) e África do Sul (1909)

2. Abandono de período ditatorial pela evolução política rumo à Democracia

Ex. Constituição de 1988, decorrente de abandono de período ditatorial pela evolução política. A
Assembleia Constituinte que deu origem à CF/88 foi convocada pela EC 26/85 da CF/67.

Problemas: veiculação da convocação de Assembleia Constituinte por meio de EC à


Constituição posterior, mas EC não pode ter natureza constituinte, pois tem natureza de
reforma. Na realidade, o que importa não é o nome, mas a natureza jurídica, e o que foi
chamado de EC 26 tinha natureza de ruptura, e não de EC.

Ademais, não houve Assembleia Constituinte exclusiva para elaboração da CF/88, mas foram
exercidos simultaneamente os poderes constituinte e legislativo constituído em uma mesma
Assembleia.

Nessa Assembleia, havia a presença de Senadores que não foram eleitos para esta
Assembleia, que estavam no meio do mandato. Foram eleitos Deputados e Senadores
conferindo-se poderes a estes para a elaboração de uma nova Constituição.

Ademais, não houve anteprojetos e foram incluídos na CF textos não votados.

Esses problemas não afetaram a legitimidade da Constituição de 1988 que tem forte carga de
legitimidade democrática.

● Características do Poder Constituinte

- Doutrina Clássica

1. Inicial

É inicial pois inicia a ordem jurídica, e acima dele, não há qualquer outra ordem jurídica,
não se admitindo o Direito Natural.

2. Autônomo

É autônomo pois não existe nenhum poder jurídico de mesma hierarquia e estatura.
3. Juridicamente incondicionado (pois não é limitado pela ordem jurídico-normativa
anterior)

O poder desconstituinte desconstitui toda a ordem jurídica positiva e poder jurídico


anterior, que é face do poder constituinte, e então não é o poder constituinte limitado pela
ordem jurídico normativa anterior.

Na CF/88, há exemplos que denotam a ausência de limites jurídicos ligados ao direito positivo
anterior. Vejamos:

STF: “A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente
chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem
material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo”.
STF - ADI 2356 - 25/11/2010.

Assim, o poder constituinte é de fato, histórico.

Ex. ADCT, art. 17 - “(...) não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou
percepção de excesso a qualquer título.”

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Não há direito adquirido com base na ordem jurídica anterior em face do Poder
Constituinte.

Art. 18, ADCT - “Ficam extintos os efeitos jurídicos (...)” - ADCT extinguiu efeitos jurídicos e
qualquer pessoa que ingressou sem concursos públicos não poderiam ser efetivadas.

Art. 231, § 6º, CF - “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos” (...)

# A ausência de limites jurídicos tornaria possível qualquer deliberação na Assembleia


Constituinte?

Seria possível retornar à escravidão, acabar com o voto feminino, etc?

Não, pois embora o poder constituinte não esteja limitado pelo direito positivo anterior,
possui limites de outra natureza.

Não é possível imaginar o poder constituinte onipotente, com ausência de qualquer


limite.

A ideia de onipotente, de força poderosa que pode qualquer coisa é refutada por paradoxos.

No campo religioso, a afirmação da onipotência de Deus é refutada pelo paradoxo da pedra. Ex.
Deus pode criar uma pedra tão pesada que não pode ser erguida por ele mesmo? Caso possa
fazê-la, não será onipotente, pois não poderá erguer a pedra que ele mesmo criou, e então não
será onipotente. E se não pode fazê-lo, não é onipotente, pois não pode tudo.

Carlos Ayres Britto afirma que nem Deus é onipotente, e que pode apenas quase tudo. Deus,
segundo o Ministro, não pode deixar de existir. O Prof. Canotilho anota que o poder
constituinte, embora se afirme como originário, não se exerce em vácuo histórico-
cultural, e, por isso, estará sempre limitado não pelo direito positivo anterior, mas sim por
fatores históricos, sociais e políticos que levaram à deflagração do processo de
elaboração de nova constituição, e estaria limitado pela motivação do momento de
ruptura que levou à elaboração de nova constituição.

Assim, boa parte da doutrina determina que embora não haja limites jurídicos impostos pela
ordem jurídica anterior, ao Poder Constituinte, há limites metajurídicos, veiculados por
meio de pressões de grupos sociais, econômicos, políticos, religiosos, por
circunstâncias históricas, etc.

● Classificações dos limites meta jurídicos (suprapositivos) ao Poder Constituinte


Originário:

A classificação mais difundida é a do prof. Jorge Miranda. Vejamos:

1. Limitações Ideológicas: derivadas de ideologias, crenças, grupos de pressão, de


valores da opinião pública dominante no momento constituinte. A ideologia dominante
no momento constituinte limita, na prática, o Poder Constituinte.
2. Limitações Institucionais: são aquelas que têm origem nas instituições arraigadas
na sociedade, como a propriedade e a família.

3. Limitações Substanciais:

3.1. Transcendentes: seriam aquelas que transcendem o direito positivo, posto. Seriam o
direito natural, os valores éticos superiores, a consciência jurídica coletiva, os direitos humanos,
os direitos conexos à dignidade do homem, etc.

3.2. Imanentes: são aquelas que dizem respeito à configuração histórica do Estado, o
monarca, soberano, republicano, federal, unitário, etc.

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Ex. Constituição de 1824 não poderia ser republicana, mas sim monárquica, havendo limite
estabelecido pela configuração histórica daquele determinado momento.

3.3. Heterônomas: derivam do Direito Internacional.

- Gerais: os princípios de jus cogens (formado por normas obrigatórias aplicáveis a


todos os Estados, independentemente de sua vontade).
- Especiais: obrigações assumidas expressamente por Estado em face de outro
Estado, de grupo de Estados ou da comunidade internacional.

Não há como negar a inserção de determinado Estado na ordem internacional, o que influencia
o poder constituinte.

OBS: Na doutrina moderna, há quem reconheça a existência de limites de natureza jurídica


ao poder constituinte originário. Há alguns que não deixam de ser limites e que se vinculam
ao mundo jurídico, como os limites ligados aos DH e ao Direito Internacional.

O prof. Canotilho traz, ainda, limites ao poder constituinte ligados a princípios de justiça e
a princípios gerais e estruturantes do Direito Internacional.

No Brasil, Barroso diz que embora o Poder Constituinte não esteja subordinado à ordem
jurídico formal anterior, pelo Direito Positivo preexistente, o Poder Constituinte não é
ilimitado ou totalmente livre do direito, pois o exercício do poder constituinte está
condicionado à realidade fática e por determinados valores civilizatórios, pela justiça e
pelos princípios de Direito Internacional, e, ainda, principalmente, pelos Direitos
Humanos.

Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Neto entendem, ainda, que o Poder Constituinte está
limitado por princípios supraconstitucionais de justiça, seriam “limites decorrentes de
valores historicamente sedimentados, radicados na cultura do constitucionalismo e
voltados à garantia de patamar mínimo de respeito aos DH e à Democracia”. Dizem,
porém, que apenas em casos extremos de profunda e inaceitável injustiça é que se pode pôr em
causa decisões do poder constituinte originário.

Barroso entende, ainda, que os condicionamentos jurídicos do poder originário podem ser
de duas espécies. Aponta limites jurídicos e os subdivide em:

- Condicionamentos pré constituintes: anteriores ao momento constituinte,


relacionam-se ao ato convocatório de Assembleia Constituinte, ao processo de
seus representantes, ao procedimento de deliberação a ser adotado.

No Brasil, por exemplo, a EC 26/85 trouxe limitações pré constituintes à Assembleia


Constituinte, que dentre outras coisas afirmou que seria convocada a Assembleia, que
os membros da câmara e do Senado se reuniriam unicameralmente, livre e soberana,
que ocorreria a partir de fevereiro de 97, e disse que o presidente do STF a instalaria e
dirigiria a sessão de eleição de seu presidente, etc. Isso são condicionamentos jurídicos
de natureza pré constituinte.

Ademais, o gov. provisório da revolução de 30 estabeleceu por meio de decreto que a


nova Constituição, a ser promulgada em 1934, a necessidade de manutenção da
república e a federação. Ou seja, a constituição de 34 teve limites materiais pré
estabelecidos.

- Condicionamentos pós constituintes: seriam aqueles atinentes à necessidade de


submissão do texto elaborado pela Assembleia Constituinte à aprovação popular
por meio de referendo ou ratificação dos estados membros.

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A Constituição norte americana, primeira em sentido moderno, escrita, de 1787, foi
submetida a ratificação dos estados membros, por meio de processo de ratificação,
condicionamento pós-constituinte.

Em alguns casos, a aprovação por referendo, pode-se dar origem à Constituições


Plebiscitárias, quando há previsão mas não há liberdade na deliberação popular, como
ocorreu no Chile. Os referendos devem ser livres, nos quais o povo tem a liberdade de
deliberar.

Assim, Barroso entende que o poder constituinte é de direito, pois está fora e acima
do direito posto preexistente, mas é limitado pela cosmovisão da sociedade, por
suas concepções sobre ética, dignidade humana, justiça, igualdade, liberdade, e
limitado pelas instituições jurídicas necessárias à sua positivação. Fora disto, pode
haver outorga, dominação e força, mas não haverá constitucionalismo democrático.

Barroso destaca, entretanto, que em geral, entende-se a obra do poder constituinte


originário não comporta controle judicial. O STF entende que não cabe ADIN em
face de normas originárias. Assim, problemas com condicionamentos pré constituintes
ou pós constituintes não podem ser objeto de controle judicial, e na prática, a
concretização desses limites deve ser aferida no plano da legitimidade da
Constituição, e não de sua legalidade.

Aula 4

● POSITIVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Positivação é a introdução, no Direito Positivo, do texto elaborado pelo exercente do


Poder Constituinte.

Através da positivação, o projeto de Constituição transforma-se em Constituição, em norma


jurídica.
É o mecanismo pelo qual o projeto de Constituição é inserido no ordenamento jurídico e
transforma-se em Constituição.

- Mecanismos de positivação:

1. OUTORGA - É a positivação imposta.

No Brasil, foram outorgadas as Constituições de 1824, 1937, 1967 (outorgada pelo


Executivo com a aprovação do Poder Legislativo, que aprovou a Constituição de 1967,
outorgada pois não foi aprovada pelos exercentes do Poder Constituinte, e não haviam
sido eleitos para o exercício do Poder Constituinte, mas apenas do poder legislativo
comum), 1969 (formalmente, a EC 01 à Constituição de 1967, mas muitos a denominam
como Constituição de 1969, pois foi EC que veiculou nova Constituição).

2. Promulgação - é ato final de Assembleia Constituinte eleita. No Brasil, houve


promulgação das Constituições de 1891, 1934, 1946, 1988;

3. Referendo: é aprovação popular de texto elaborado por alguém.

3.1. Justo: é a consulta popular que ocorre em ambiente de liberdade, democrático.

42
3.2. Injusto (“plebiscito constituinte” ou “plebiscito napoleônico”): é consulta popular
realizada sem verdadeira liberdade do povo, que não é verdadeiramente livre para
deliberação.

# Havia um texto, projeto de Constituição, ao ser positivado, é transformado em norma jurídica,


introduzido no ordenamento jurídico. Após a positivação da Constituição, o Poder
Constituinte originário desaparece?

Não. O Poder Constituinte originário permanece em estado de latência, adormecido no


seio da sociedade, razão pela qual a natureza do poder constituinte não é temporária,
mas sim permanente, pois mesmo após elaborada a Constituição, permanece no seio da
sociedade.

Alguns autores mencionam a existência de poder constituinte difuso, como se verá adiante.

- Fenômenos do Direito Constitucional Intertemporal:

São os fenômenos que regem as relações da nova Constituição, positivada, introduzida


no Direito Positivo, com a Constituição anterior ou com a Legislação anterior.

1. Com a Constituição anterior:

a) Desconstitucionalização:

A regra, quando surge nova Constituição, é que a Constituição antiga seja integralmente
revogada pela nova Constituição, que possui eficácia imediata.

A desconstitucionalização é uma exceção a essa regra: a nova ordem constitucional


mantém disposições da Constituição anterior, mas essa manutenção se dá com status de
lei ordinária. Assim, com a desconstitucionalização, a antiga Constituição é reduzida à
hierarquia de lei ordinária pela nova Constituição que surge. Assim, permanecem as
normas constitucionais anteriores na pirâmide normativa, mas com alteração de seu status
hierárquico.

Não é fenômeno automático. É exceção. O que automaticamente ocorre é o descarte da


Constituição antiga. Assim, no silêncio da nova Constituição, todas as normas
constitucionais antigas serão revogadas.

Para que este fenômeno ocorra, deve ser previsto expressamente, e normalmente vem
previsto no âmbito do ADCT.

Isso pode ser útil quando se der a substituição de Constituição analítica por concisa,
determinando a desconstitucionalização de dispositivos da constituição anterior, rebaixando o
status constitucional dessas normas a leis ordinárias, para fins de evitar vazios legislativos.

b) Recepção material de normas constitucionais anteriores (ou “prorrogação de


normas constitucionais anteriores”);

A recepção material de normas constitucionais anteriores ou prorrogação de normas


constitucionais anteriores é a aplicação temporária ou definitiva de dispositivos da
Constituição antiga que continuam com status constitucional.

Na desconstitucionalização, há rebaixamento hierárquico das antigas normas


constitucionais. Aqui, a nova constituição recebe normas da Constituição antiga que
continuam com status constitucional, não havendo rebaixamento de seu status
hierárquico, sendo fenômeno não automático que exige previsão expressa da nova
Constituição, que normalmente se dá no ADCT.

43
Quando esta recepção é temporária, pode ser em caso de período de vacatio
constituciones. A vigência da Constituição, em regra, é imediata, mas é possível que por
norma expressa da própria Constituição nova, pode haver período de vacância total ou
parcial, no qual a Constituição antiga permanece totalmente ou parcialmente válida, com
status constitucional. Assim, é o período entre a publicação da promulgação da nova
Constituição e sua entrada em vigor. É semelhante à vacacio legis.

A regra é que com a promulgação da nova Constituição, esta entre em vigor imediatamente.

- Postergação da vigência de dispositivos da CF/88 (vacatio constitutionis) com recepção


temporária de algumas normas constitucionais anteriores.

A CF/88 entrou em vigor imediatamente, mas alguns dos seus dispositivos tiveram sua
vigência postergada no tempo, por determinação expressa da CF/88, havendo ao mesmo tempo
uma recepção material temporária de algumas normas da Constituição anterior.

Ex. Art. 27, § 1º, ADCT; Art. 34, ADCT;

2. Com a legislação anterior:

a) Recepção e não recepção;

A recepção é fenômeno pelo qual nova Constituição ou nova Emenda Constitucional


recebe como válidas as normas infraconstitucionais já existentes que forem
materialmente compatíveis com o seu texto.

Assim, quando advém nova Constituição, as leis anteriores, cujo conteúdo seja
compatível com a nova Constituição, permanecem no sistema, sendo recepcionadas pela
Constituição.

Não recepção é o fenômeno pelo qual as normas infraconstitucionais que não sejam
materialmente compatíveis com a nova Constituição ou nova EC, não são recepcionadas
ou, como determina o STF, são revogadas.

Para o STF, a não recepção significa a revogação das normas infraconstitucionais .

O relevante é a verificação da incompatibilidade material (conteudística).

A incompatibilidade formal não impede a recepção. Isso significa, por ex, que a CF aboliu o
antigo decreto lei, não existente a espécie normativa a partir de 1988. Se a incompatibilidade
formal fosse relevante, nenhum decreto lei anterior seria recepcionado pela Constituição, mas a
incompatibilidade relevante é a material, de conteúdo da norma infraconstitucional, assim
todos os decretos leis anteriores à CF cujo conteúdo não a contrariam, houve a sua recepção.
Ex. CP. O que importa é a incompatibilidade material, de conteúdo, e não formal.

STF: O juízo de recepção das normas infraconstitucionais pela ordem constitucional em


vigor se dá em razão da compatibilidade de conteúdos, independentemente da forma
normativa exigida.

O QUE IMPORTA PARA O FENÔMENO DA RECEPÇÃO OU NÃO RECEPÇÃO É A


COMPATIBILIDADE OU INCOMPATIBILIDADE MATERIAL, SUBSTANCIAL, DE
CONTEÚDO.

# O STF reconheceu exceção na qual a incompatibilidade formal impede a recepção.

Quando a incompatibilidade formal versa sobre não as formas normativas, mas sim sobre
a competência legislativa das entidades políticas da federação.

44
Ex. Matéria era de competência dos estados e passou a ser da União, e o STF entendeu que
não haviam sido recepcionadas as normas estaduais anteriores pela EC que tratou da alteração
da competência legislativa - ADIN 49.

OBS: A recepção e não recepção são fenômenos automáticos, e independem de previsão


expressa da nova Constituição ou da nova EC, sendo fenômenos automáticos, implícitos,
independentemente de menção explícita no novo texto constitucional ou na nova EC,
embora isto possa ocorrer.

# No constitucionalismo brasileiro já houve cláusulas gerais de recepção.

Ex. Constituição de 1891 - Art. 83 - traz compatibilidade material, de conteúdo;

Art 83 - Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime no que explícita
ou implicitamente não forem contrárias ao sistema do Governo firmado pela Constituição e aos
princípios nela consagrados

Ex 2. Constituição de 1934 - Art. 187

Ex 3. Constituição de 1937 - Art. 183

Na CF/88, não há cláusula geral de recepção, mas há previsão de recepção específica no


ADCT, no art. 34, § 5º (o novo sistema tributário nacional teve sua vigência postergada, e uma
vez vigente, a CF assegurou a recepção da legislação anterior no que não for incompatível com
o novo sistema tributário nacional).

O novo texto constitucional, pode, ainda, estipular não recepção ou revogação para o futuro,
o que ocorreu na CF/88, no art. 25 do ADCT (houve recepção temporária de dispositivos da
legislação anterior, e houve previsão de sua não recepção para o futuro, espécie de recepção
temporária dos antigos atos normativos legais que tratam dessa matéria, tendo sido
temporariamente recepcionados, ficando a não recepção programada para ocorrer em 180
dias a partir da promulgação da Constituição).

b) Repristinação:

Pelo fenômeno da repristinação, norma infraconstitucional que não havia sido


recepcionada por determinada Constituição ou EC, e que se encontrava revogada, se
restaura e retorna ao ordenamento, por força de nova Constituição ou nova EC.

Assim, há LO que não é recebida por nova Constituição, revogada a norma, portanto.
Posteriormente, surge nova Constituição que substitui a antiga e restaura a lei anteriormente
revogada.

Não é fenômeno automático ou implícito, exigindo-se previsão expressa da nova


Constituição ou da nova EC.

É necessária, portanto, previsão expressa da nova Constituição ou da nova EC. No silêncio,


não há repristinação de leis ordinárias anteriormente revogadas por textos
constitucionais pretéritos.

● PODER DE REFORMA

- CONCEITO: É o poder de direito, poder jurídico, destinado a alterar a Constituição.

Sendo poder de direito, cujo fundamento encontra-se, via de regra, na Constituição,


sendo seu fundamento de validade a própria Constituição, é PODER CONSTITUÍDO pela
Constituição.

Poder Constituinte Derivado/Instituído/de segundo grau/Poder Constituído: são sinônimos,


expressões equivalentes ao Poder de Reforma.

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OBS: O Poder de Reforma tem previsão na Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, na redação da Constituição Francesa de 1793, no art. 28: “Um povo tem, sempre,
direito de rever, de reformar e de mudar a sua Constituição. Uma geração não pode sujeitar a
suas leis as gerações futuras.”.

- Por que a Constituição precisa mudar?

Existe tensão entre a necessidade de duração e a necessidade de modificação da


Constituição.

A necessidade de a Constituição durar, permanecer a mesma, liga-se à ideia de


supremacia Constitucional. A Constituição é suprema, e, portanto, deve durar e permanecer,
evitando-se modificações.

Por outro lado, a necessidade de modificação é justificada pela necessidade de atualização


do texto constitucional. A sociedade, regida pela Constituição, não é estática, mas sociedade
dinâmica, em constante mudança, pois surgem novos interesses, necessidades e desejos da
sociedade. Assim, a Constituição precisa mudar para acompanhar as mudanças da
sociedade.

Assim, há tensão entre a necessidade de durar e a necessidade mudar.

É preciso encontrar-se ponto de equilíbrio entre estas necessidades, essencial pois caso a
mudança seja muito fácil, por meio de processo simples de mudança, a supremacia da
Constituição desaparece. Não se pode falar em Constituição suprema se esta se altera com
facilidade. Por outro lado, se a mudança for muito difícil, a situação pode terminar em
descompasso entre a Constituição e as necessidades atuais da sociedade, o que pode levar a
momento de ruptura com a própria Constituição.

O Poder de Reforma busca o equilíbrio entre essas duas necessidades, principalmente no


modelo que for desenhado pela Constituição para a sua própria mudança.

Os requisitos previstos pela Constituição para a elaboração de EC é ponto central no equilíbrio


buscado entre a necessidade de mudança e de permanecer.

O Poder de Reforma é, ainda, mecanismo de abertura constitucional que se encontra no


bojo dos mecanismos de mudança e alteração da Constituição.

# MECANISMOS DE ALTERAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

1. Processos Formais de Mudança (manifestações do poder constituinte “derivado”)

Nesses casos, o texto constitucional ou conjunto de dispositivos com status


constitucional é alterado.

a) Procedimento de Emenda Constitucional


b) Procedimento de Revisão
c) Aprovação de Tratados de DH, na forma do art. 5º, § 3º, da CF (equivalentes
à EC)

2. Processos Informais de Mudança Constitucional (manifestação do poder


constituinte “difuso”)

Há a MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL.

A mutação é processo não formal de mudança da Constituição. Há espécie de


dissociação entre texto e norma.

O texto escrito permanece o mesmo, mas a norma resultante da interpretação do


texto muda. O texto diz a mesma coisa, mas a norma resultante da interpretação passa

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a ser outra que não aquela que inicialmente existia. A mudança, na mutação
constitucional, ocorre no significado, no sentido das normas extraídas.

Assim, o texto continua formalmente inalterado.

A mutação está ligada à plasticidade do texto de muitas disposições


constitucionais, que admitem mais de uma interpretação possível.

É a mudança de contexto sem a mudança de texto, como diz Ana Cândida Ferraz;

O texto permanece inalterado, e a interpretação é alterada, e disto decorre a


mutação.

Barroso lembra que a mutação constitucional pode ocorrer por 3 diferentes formas:

- Interpretação, especialmente a interpretação judicial: É a mudança de sentido


da norma em contraste com o entendimento preexistente, que não era
necessariamente errado, mas foi alterado.

- Atuação do legislador: ocorre quando, por ato normativo primário, se busca


alterar a interpretação inicialmente conferida à norma Constitucional.
Vigendo determinado entendimento sobre a Constituição, sobrevém lei para
alteração do entendimento - ADIN 5105

- Mutação pelo costume: uma prática até então considerada válida é alterada
pelo costume constitucional.

A interpretação que enseja mutação pode ser judicial ou administrativa.

No âmbito da interpretação administrativa, autores como Daniel Sarmento, destacam que a


mutação pode se revelar por interpretação administrativa exposta em decisões do Poder
Executivo no campo das práticas ou orientações administrativas, ou no campo do Poder
Normativo, com base no qual o poder executivo edita medidas provisórias, regulamentos,
decretos, etc.

A interpretação judicial é a que ganha destaque maior no campo da mutação, especialmente


no campo do STF, a quem compete precipuamente a guarda da Constituição.
A interpretação judicial é instrumento juridicamente idôneo à mudança informal da
Constituição.

Assim, o STF acaba exercendo parcela do poder de reforma através da interpretação conferida
à CF.

O STF já se manifestou acerca da legitimidade da reforma da Constituição por meio da


mutação informal da Constituição, a partir da interpretação judicial, que possui legitimidade
para atualizar a CF.

“A Constituição da República se encontra em processo de elaboração permanente nos


tribunais incumbidos de aplicá-la” - ADIN 3345 - Relator Min. Celso de Mello (2005).

# Segundo o STF, há duas situações que legitimam a mutação constitucional e a


superação da jurisprudência consolidada do STF a respeito de determinado tema relativo
à norma constitucional.

1. Mudança da realidade fática - mudando-se os fatos, está legitimada a mudança da


orientação jurisprudencial do STF.
2. Mudança na percepção do direito

# LIMITES À MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

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1. Possibilidades semânticas do texto: os sentidos possíveis do texto que está sendo
interpretado ou afetado. Esse limite, em tese, pode ser superado apenas pelo poder de
reforma formal, por meio de EC.

2. Preservação dos princípios fundamentais que dão identidade específica àquela


Constituição: é o limite do espírito da Constituição, que é limite mais profundo que o
primeiro, pois o primeiro pode ser superado pelo poder de reforma formal, se não
ofender cláusula pétrea, mas os princípios fundamentais não podem ser alterados
sequer pelo poder de reforma formal, pois o espírito da constituição, os seus
princípios fundamentais estão plasmados nas cláusulas pétreas.

ATENÇÃO!

Barroso adverte que para que mutação seja legítima, deve ter lastro democrático, e deve
refletir demanda social efetiva por parte da coletividade, devendo estar respaldada pela
soberania popular.

ATENÇÃO!

Segundo Canotilho, a mutação constitucional deve ser proveniente de alteração normativa


endogenética, ou seja, proveniente de mudança que tenha origem em interpretação nova
que considera elementos normativos internos à Constituição . Assim, a mutação deve ser
decorrente de interpretação considerando elementos normativos internos existentes na própria
Constituição, por isso endogenética. Por isso Canotilho não admite mutação como resultado
de uma evolução normativa exogenética, ou seja, pautada por interpretação que
considera elementos ou valores externos à Constituição, e que violam suas normas.
Assim, não se pode dizer que a Constituição mudou a partir de uma lei, sendo elemento
exogenético e não endogenético. Assim, para o professor, a interpretação deve ser referente
apenas a elementos internos da Constituição, o que condiz com o princípio da PROIBIÇÃO
DA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO A PARTIR DAS LEIS. As leis são interpretadas a
partir da Constituição, e não a Constituição é interpretada a partir das leis, embora lei possa
sugerir interpretação da Constituição que possa acabar sendo a interpretação prevalecente. O
legislador sugere que a Constituição, com seus elementos internos, quer dizer algo e acaba
convencendo o Judiciário com sua interpretação.

A doutrina entende que o fenômeno da mutação é expressão do Poder Constituinte Difuso.


Assim:

As alterações formais (emendas) são manifestações do poder constituinte derivado;

As alterações informais (mutação) são manifestações do poder constituinte difuso.

A expressão “poder constituinte difuso” tem origem na obra de Georges Burdeau, que diz:

“Se o poder constituinte é um poder que faz ou transforma as constituições, deve-se admitir que
sua atuação não se limita às modalidades juridicamente disciplinadas de seu exercício. (...) Há
um exercício quotidiano do poder constituinte que, embora não esteja previsto pelos
mecanismos constitucionais ou pelos sismógrafos das revoluções, nem por isso é menos
real. (...) Parece-me, de todo o modo, que a ciência política deve mencionar a existência desse
poder constituinte difuso, que não é consagrado em nenhum procedimento, mas sem o
qual, no entanto, a Constituição oficial e visível não teria outro sabor que o dos registros
de arquivos”.

A ideia de existência do Poder Constituinte Difuso se alinha à ideia de que o Poder


Constituinte não é temporário, mas permanente.

Para Barroso, em sua obra doutrinária, a titularidade do Poder Constituinte Difuso continua
sendo do povo, titular do poder, inclusive do poder constituinte difuso.

48
Contudo, este poder acaba sendo exercido, por via representativa, pelos órgãos do poder
constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim como em caso
de necessidade de afirmação de certos direitos fundamentais. Ademais, é poder exercido
em caráter permanente por mecanismos informais, não expressamente previstos na
Constituição, mas admitidos de forma implícita por ela, como os mecanismos de
interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais.

Além disso, segundo Barroso, o Poder Constituinte Difuso pode ser exercido diante da
necessidade de afirmação de direitos fundamentais. Contudo, sendo direitos fundamentais
cláusulas pétreas, a mutação não pode ser tendente a abolir direitos fundamentais, pois
haveria violação do espírito da constituição, pois os direitos fundamentais fazem parte do
espírito da Constituição.

Assim, a mutação pode tratar de temas relativos a direitos fundamentais, mas não pode
ser tendente a aboli-los. As escolhas fundamentais realizadas pelo Constituinte não podem ser
alteradas pois são cláusulas pétreas. As escolhas fundamentais possuem correspondência com
as cláusulas pétreas e a mutação não pode se dar para violá-las.

É possível a mutação para ampliar o alcance de direitos fundamentais.

Há casos de mutação que dizem respeito direta ou indiretamente a cláusulas pétreas, mas
os limites constitucionalmente previstos para o poder de reforma e de elaboração de
emendas devem ser observados no caso da mutação.

O núcleo essencial das cláusulas pétreas é protegido da possibilidade de mudança


formal e da possibilidade de mudança informal.

Ex de mutações constitucionais por interpretação judicial (STF)

1. Equiparação do prazo da licença adotante ao prazo da licença gestante - art. 7º, XVIII,
da CF - RE 778889, 10/03/2016
2. Equiparação da união homoafetiva à união estável - art. 226, § 3º, CF (ADPF 132 e ADI
4277, j. em 05/05/2011).
3. Perda do mandato parlamentar no caso de infidelidade partidária - art. 55 CF (MS
26.602 e 26.603 - 04/10/2010)
4. Incidência da individualização da pena na fase executória - Art. 5º, XLVI, CF (JC 82.959)
5. Restrição do foro por prerrogativa de função aos crimes praticados no exercício do cargo
e em razão dele (AP 937/2018)
6. Impossibilidade de prisão do depositário infiel - art. 5º, LXVII, CF - há quem entenda
reconhecimento do caráter supralegal do pacto de san josé de costa rica é que teria
esvaziado as normas infraconstitucionais que tratam da prisão do depositário infiel, e
que não teria ocorrido mutação constitucional. O STF, contudo, citou tal decisão como
hipótese de mutação constitucional.

- Admitindo tratar-se de mutação constitucional no caso do depositário infiel, seria mutação


constitucional ou inconstitucional?

# MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E MUTAÇÃO INCONSTITUCIONAL

Na mutação constitucional, há alteração da interpretação que não viola as possibilidades


semânticas do texto constitucional.

Na mutação inconstitucional, a interpretação viola as possibilidades gramaticais do texto


constitucional.

Parte da doutrina diz que a mutação seria constitucional, e outra, que seria inconstitucional.

7. Possibilidade ou não de execução provisória da pena após a condenação criminal em


segunda instância (art. 5º, LVII);

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8. Natureza da participação do Senado (Art. 52, X, da CF) e dos efeitos da decisão do STF no
controle difuso de constitucionalidade - A mutação foi inicialmente refutada pelo STF, mas
depois o tema foi revisto no julgamento das ADIS 3406 e 3470, em 2017, ainda pendente de
apreciação de embargos de declaração.

A mutação, ideia de que o Senado não precisa mais exercer o controle difuso, que teria papel
de dar apenas publicidade à decisão do STF, que teria, de imediato, efeito erga omnes e
eficácia imediata, como decisão tomada em sede de ADIN e ADC, essa espécie de mutação foi
inicialmente rejeitada pelo STF em 2014, mas em 2017, foi revisto o tema, mas pendente de
Embargos de Declaração.

● CARACTERÍSTICAS DO PODER DE REFORMA

- O Poder Constituinte Originário é:

- INICIAL
- AUTÔNOMO
- JURIDICAMENTE INCONDICIONADO PELO DIREITO POSITIVO ANTERIOR, ainda
que possam existir limites ao poder originário ligados ao direito.

- O PODER DE REFORMA É:

a) Derivado: é derivado do Poder Constituinte. Acima do poder de reforma, há o poder


constituinte, a Constituição. É poder jurídico, que tem origem no próprio direito, com
mecanismos previstos na Constituição.
b) Subordinado: A constituição e o poder constituinte estão situados em posição
hierárquica superior ao poder de reforma.
c) Condicionado (limitado juridicamente): a Constituição, fruto do poder constituinte,
limita o poder de reforma, que não é ilimitado juridicamente.

A existência de limites ao poder de reforma levaria ao problema do paradoxo quanto à


Democracia, segundo alguns autores, pois haveria limites impostos pela geração anterior quanto
à alteração da Constituição, criando-se obstáculos às gerações futuras.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traz dispositivo que diz respeito a este
debate, no art. 28, supracitado. As gerações futuras ou atuais estariam limitadas, portanto, pela
geração anterior, o que seria algo contramajoritário e antidemocrático.

A criação pelo poder constituinte de limites à reforma é, na realidade, resguardo à


democracia, pois o momento constituinte é momento de decisão rara do povo, de ruptura,
enquanto o momento reformador não é momento de decisão rara do povo, mas de
decisões quotidianas. Mudança, sem limites, seria ruptura, pois atacar o espírito da
Constituição não seria mudança, mas sim ruptura. O momento da Assembleia Constituinte é
momento de ruptura, exclusivo da sociedade, que concede ao Estado o Poder
Constituinte para edição da Constituição.

A reforma é um dos muitos momentos do Estado para a sociedade.

Ademais, o momento de ruptura é momento de manifestação do poder constituinte, poder


de fato que não se submete a limites jurídicos da ordem jurídica anterior. Já o poder
reformador é exercício de poder jurídico, de direito, e sujeito a limites jurídicos.

Rui Barbosa trouxe a seguinte lição: “Creio que a própria soberania popular necessita de
limites, e que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas
horas de inspiração jurídica - seriam os momentos de decisão rara do povo -, em garantia
contra os seus impulsos de paixão desordenada”.

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- Espécies de limitação ao Poder de Reforma:

a) Temporais

São ligadas ao fator tempo. São limitações que servem para impedir modificação muito
precoce da Constituição, antes de ocorrido determinado lapso temporal.

- Constituição de 1824:

Há exemplo no Constitucionalismo brasileiro. A Constituição de 1824, no art. 174, veiculou


limitação temporal: “Se passados 4 anos depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer
que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter
origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.”.

A CF de 88 não traz às EC comuns qualquer limitação temporal, mas houve limitação temporal
ao poder de revisão.

b) Circunstanciais: Referem-se à impossibilidade de alteração formal da Constituição


quando presentes determinadas circunstâncias fáticas. Ex. País em guerra.
c) Formais: referem-se às fórmulas procedimentais obrigatórias ao processo de
elaboração de ECs, de alteração da Constituição. Ex. Iniciativa, quórum necessário
para aprovação de modificação na Constituição ou quantidade de votações a que a
modificação será sujeita;
d) Materiais: são as cláusulas pétreas, que impedem que determinadas matérias
sejam alteradas, que veiculam os pontos mais importantes quanto ao espírito e
identidade da Constituição, ao projeto constitucional básico do Constituinte. As
cláusulas pétreas traduzem a razão de ser da Constituição, protegem o desejo do
constituinte primário. Mudar a razão de ser da Constituição é derrubá-la.

As cláusulas pétreas podem ser expressas ou implícitas. No Brasil, há cláusulas pétreas


expressas no art. 60, § 4º, da CF:

1. Forma federativa de Estado;


2. Voto direto, secreto, universal e periódico;
3. Separação dos poderes;
4. Direitos e garantias individuais.

Existe discussão sobre a legitimidade das cláusulas pétreas, ligada ao debate sobre ser ou não
possível que uma geração presente esteja limitada por decisão de geração passada. A doutrina
de Jorge Miranda menciona que há 3 correntes sobre a legitimidade ou não das cláusulas
pétreas:

1. Cláusulas pétreas são ilegítimas pois o povo sempre tem o direito de mudar;
2. São legítimas e insuperáveis (linha adotada no Brasil);
3. Cláusulas pétras são legítimas, porém superáveis com base no poder constituinte
evolutivo, através do procedimento constituinte formal de dupla revisão. Segundo
autores como Vital Moreira, o poder constituinte evolutivo seria o poder de alterar
as normas constitucionais que o poder constituinte originário clausulou como
intangíveis. Seria o poder de alterar as cláusulas pétreas. No caso das explícitas, o
poder constituinte evolutivo se manifestaria através do procedimento da dupla revisão.
Essa teoria admitiria a alteração de cláusulas pétreas implícitas, como o procedimento
de elaboração de ECs.

Na Constituição de 1969, houve alteração do art. 48 pela EC 8/77, que reduziu o quórum
de aprovação de EC, que de ⅔ foi reduzido pela EC ao quórum de maioria absoluta.

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Dupla revisão é procedimento pelo qual uma primeira EC suprime matéria do rol de
cláusulas pétreas e segunda EC realiza a alteração substancial pretendida desde o início.
É procedimento feito com base no poder constituinte evolutivo.

Ex. Fim da federação. Haveria primeira EC retirando do rol de cláusulas pétreas


a federação, e segunda EC estabeleceria o Estado Unitário.

Não predomina esta corrente no Brasil e não é admitido o procedimento de dupla


revisão, predominando a segunda corrente, de que cláusulas pétreas são
legítimas e insuperáveis.

A violação de quaisquer das regras de limitação ao poder de reforma é desafiada por meio de
controle de constitucionalidade. O STF pode declarar a inconstitucionalidade de EC, o que já
ocorreu no país.

# PODER DE REFORMA NA CF/88

A) Procedimento de elaboração de EC (art. 59, I, e 60)

Art. 59, I - O processo legislativo (expressão do poder constituído) compreende a elaboração de


Emendas à Constituição. As ECs estão ao lado das demais espécies normativas do processo
legislativo.

Há quem denomine o conjunto de ECs de Direito Constitucional Secundário.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado


Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,


manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Deve-se considerar a Câmara Legislativa para fins de atender ao quórum numérico. Não há
entendimento do STF ou do CN acerca disto, mas na opinião do professor, não se pode deixar
de realizar o cômputo no cálculo de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades
da Federação.

Esses incisos tratam da iniciativa.

OBS: É limitação de natureza formal à iniciativa do Poder de Reforma.

OBS 2: Não há iniciativa popular do texto escrito da Constituição. Na doutrina, há quem


entenda ser cabível a iniciativa popular de EC, aplicando-se por analogia as regras da iniciativa
popular comum, previstas no art. 61, par. 2º, CF - José Afonso da Silva defende esta tese.

OBS 3: O STF admitiu por maioria a possibilidade de iniciativa popular para EC na


Constituição Estadual, podendo haver previsão nas Constituições Estaduais para tanto.

OBS 4: Não há previsão expressa de iniciativa privativa de EC. Assim, não se aplica por
analogia o art. 61, § 1º, da CF. Não há iniciativa reservada de matérias, e a edição de EC
pode ser de temas afetos a temas do Poder Judiciário e do Executivo.

Quanto à emendas à CE, as ECs devem respeitar a iniciativa privativa do Governador do


Estado, como entende o STF - ADI 5075 e ADI 2966 - entendeu que a instituição de

52
requisitos para nomeação de delegado chefe da polícia civil é de matéria privativa do
Executivo, e não pode, portanto, ser tratada por EC de iniciativa parlamentar, entendendo
pela inconstitucionalidade formal da EC 86/2013, do Estado de Rondônia, por vício de
iniciativa.

Em relação às Constituições Estaduais, deve haver respeito à iniciativa privativa quanto


às ECs.

No texto originário da Constituição Estadual, entendeu o STF, não haver este limite: “A regra do
Diploma Maior quanto à iniciativa do Chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas
matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio
Estado.”.

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de


estado de defesa ou de estado de sítio.

OBS: LIMITAÇÃO CIRCUNSTANCIAL

Presentes essas circunstâncias: estado de defesa, intervenção federal ou estado de sítio, não
poderá haver EC.

Essa limitação se relaciona ao sistema constitucional de resolução de crises , composto


principalmente pelas regras referentes à intervenção (34-36), estado de defesa (136) e estado
de sítio (137-139).

Essa limitação demonstra a coragem e autoconfiança da Constituição, que não admite ser
alterada nos momentos de maior crise, em que se encontra mais ameaçada, como em caso de
guerra externa, uma das hipóteses de estado de sítio, não será possível realizar EC,
estabelecendo ser instrumento jurídico apto a enfrentar qualquer ocorrência e qualquer situação
de crise, para evitar que seu espírito ou identidade sejam alterados por aqueles que se
encontram momentaneamente no poder nestas situações, oferecendo mecanismos para
enfrentar tais situações com suas próprias regras, sem a necessidade de alteração.

- A CF proíbe somente a aprovação final de proposta de EC ou a iniciativa e todas as fases


de tramitação de EC?

À luz da CF/88, a primeira intervenção foi decretada em 2018, na segurança pública do Estado
do RJ, e não houve estado de defesa e estado de sítio sob a égide desta constituinte. Não
houve jurisprudência do STF acerca deste tema.

O professor Paulo Napoleão Nogueira da Silva entende que pode haver tramitação mas não
pode haver decisão final quanto à edição de EC.

O prof. Ingo Wolfgang Sarlet entende que a Constituição proíbe qualquer fase do processo
legislativo, desde a iniciativa, e toda a tramitação deve ser suspensa.

Segundo prof, a corrente do prof. Ingo é a mais correta.

Na prática, porém, a tramitação de algumas propostas de EC ocorreram no CN durante a


intervenção federal decretada em 2018, prevalecendo a possibilidade de tramitação, mas não
há posição definitiva do STF a esse respeito.

53
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros.

É limitação formal, que diz respeito ao procedimento legislativo. Estabelece a rigidez


Constitucional. Elaborar EC exige no Brasil processo mais difícil que o processo de elaboração
da LO e LC. A fixação do quórum qualificado de ⅗ e dos 4 turnos de votação visa a
atingir o equilíbrio necessário entre a necessidade de permanência da Constituição e de
sua atualização em relação às novas necessidades da sociedade.

O quórum de ⅗ (60%) não é o maior quórum exigido pela Constituição em termos de processo
legislativo, o de ⅔ (66.66%) é encontrado para o processo de elaboração de lei orgânica
municipal, no art. 29 da CF e no art. 32, no processo de elaboração da lei orgânica do DF.

- É possível a votação dos 2 turnos de votação no mesmo dia?

Isto já ocorreu na PEC que deu origem à Reforma do Judiciário, que deu origem à EC/45.

Em interpretação teleológica e sistemática da Constituição, parece ser impossível a


votação dos dois turnos em um mesmo dia. Do ponto de vista teleológico (finalidade), a
finalidade da existência de 2 turnos é de permitir o amadurecimento do pensamento do
parlamentar e a mobilização do povo, que é o titular do poder, devendo haver publicização
e o povo deve observar e mobilizar-se, e o parlamentar deve verificar a reação popular à EC e
então amadurecer seu pensamento, e isto frustra a finalidade de se adotar os dois turnos de
votação.

Em relação à interpretação sistemática, há outros dispositivos constitucionais que trazem 2


turnos de votação relativos a matérias de menor importância que as de EC, há
impedimento constitucional de que ocorram no mesmo dia, como no art. 29, que
determina interstício mínimo de 10 dias para a votação de 2 turnos que levarão à
aprovação da lei orgânica municipal, mesma determinação presente no art. 32 para
votação da lei orgânica do DF.

Se deve haver intervalo, como poderia ser admitido que em EC os dois turnos fossem votados
no mesmo dia? No entanto, prevaleceu interpretação literal ou gramatical no CN que votou
os 2 turnos no mesmo dia, e o STF não reconheceu a inconstitucionalidade formal que
deu origem à EC 62/2009 em que houve a votação dos 2 turnos no mesmo dia. Foi admitida
a realização da votação dos 2 turnos no mesmo dia.

OBS: Caso haja alteração na casa revisora, as propostas de EC devem ser aprovadas na
Câmara e no Senado, e se a casa revisora mudar o que foi proposto pela casa iniciadora,
a proposta de EC retornará à casa iniciadora, e isto só ocorrerá se houver mudança
substancial na proposta de EC, pois se a mudança for meramente gramatical e não
substancial do sentido do texto, não será necessário que o projeto de EC retorne à Casa
Iniciadora - assim entende o STF.

No processo legislativo comum há o PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA CASA


INICIADORA.

Assim, uma casa inicia o processo legislativo, aprova, e o encaminha à casa revisora, que
altera o texto e então o devolverá à Casa iniciadora, que pode derrubar todas as
mudanças feitas pela casa revisora, restabelecer o que havia aprovado antes e

54
encaminhar o projeto de lei à sanção ou veto presidencial. Assim, a casa iniciadora tem
prevalência quando há prevalência entre as duas casas. Nos projetos de lei comum, a casa
que inicia o processo legislativo fica com a última palavra sobre as alterações produzidas
pela casa revisora. ISSO NÃO SE APLICA ÀS PROPOSTAS DE EC, não sendo aplicável
este princípio, pois o texto deve ser aprovado em AMBAS as casas, em 2 turnos de
votação, por ⅗ dos votos.

Aula 5

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e


do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

É limitação de natureza formal/procedimental. A promulgação das ECs é feita por ambas as


mesas das duas casas do CN, sendo feita respectivamente pela mesa da Câmara e do Senado,
com o respectivo nº de ordem. As emendas de revisão foram promulgadas pela mesa do CN, de
1993, com procedimento de revisão previsto no ADCT.

Não há, no procedimento de elaboração de emenda, a participação do Presidente da


República, por meio de sanção ou veto presidencial.

§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada


não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

A matéria objeto de PEC que sofreu rejeição ou prejuízo não pode ser objeto de nova proposta
na mesma sessão legislativa (período de 1 ano) - IRREPETIBILIDADE DAS PROPOSTAS DE
EC REJEITADAS OU PREJUDICADAS;

Não confundir este dispositivo com o art. 67, da CF, que determina que a matéria constante de
projeto de lei rejeitado somente poderá constituir novo projeto, na mesma sessão,
mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das casas do CN.

Trata-se, para a maioria da doutrina, limitação formal, há quem diga que é temporal e mista
(forma, tempo e matéria específica).

É possível a apresentação de PEC rejeitada ou havida por prejudicada em sessão ordinária, em


sessão extraordinária, no mesmo ano civil, tratando sobre a mesma matéria?

Não há decisão específica do STF sobre esse tema, mas há quem entenda ser possível por
serem sessões legislativas distintas. O STF tem decisão sobre projeto de lei na cautelar da
ADIN 2010 e que menciona interpretação restrita, vejamos:

“É preciso ter presente que a cláusula de vedação prevista no art. 67 da CF - precisamente por
implicar restrição ao exercício da prerrogativa institucional de fazer iniciar o processo de
formação das leis - deve merecer interpretação restrita, sob pena de paralisar-se a atividade
parlamentar e de frustrar-se a utilização da lei como instrumento democrático de prática de
governo”.

Aplicando-se por analogia, entendendo-se que não se deve paralisar a atividade parlamentar,
poderia-se interpretar ser possível a propositura de nova PEC com mesmo objeto rejeitado em
sessão ordinária, mas em sessão extraordinária.

- Durante o processo legislativo de PEC, o relator ou congressista pode apresentar


substitutivo da proposta originária, que não obsta o andamento da proposta originária.

55
STF: “É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o
substitutivo e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de
aplicar a norma do art. 60, § 5º, da CF. Por isso mesmo, afastada a rejeição do
substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não
pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por
prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente
proposto.”.

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

- LIMITAÇÕES MATERIAIS (CLÁUSULAS PÉTREAS) EXPLÍCITAS

O § 4º traz rol de cláusulas pétreas, considerado rol de preceitos fundamentais para fins de
ADPF. Essas matérias são consideradas princípios de hermenêutica constitucional, que
orientam a interpretação de toda a CF.

Não há hierarquia superior desses dispositivos em relação às demais normas


constitucionais, pois o STF não admite a existência de normas constitucionais
hierarquizadas entre si.

O Presidencialismo (sistema de governo) e a República (forma de governo) não são


cláusulas pétreas expressas.

Art. 2º, ADCT - poderia ter ocorrido a alteração do sistema e forma de governo.

- Qual é o real alcance desse rol de cláusulas pétreas? O STF entende que a proteção
pétrea diz respeito ao núcleo essencial tratado nesses dispositivos, o que não
significa intangibilidade absoluta e literal. O protegido é o núcleo essencial dessas
matérias.
- Não haverá deliberação acerca de PECs tendentes a abolir cláusulas pétreas , e o
vício já existe durante a tramitação da PEC, e sequer pode haver sua votação ou
tramitação, pois o vício se encontra presente na fase de exame legislativo da proposta,
podendo haver controle judicial e preventivo de constitucionalidade por meio de
MS, o que foi admitido pelo STF desde que preenchidos determinados requisitos.
Vejamos:

“(...) É sabido que nosso sistema constitucional não prevê nem autoriza o controle
de constitucionalidade de meros projetos normativos (...) Somente em duas
situações a jurisprudência do STF abre exceção a essa regra: a primeira, quando se
trata de PEC que seja manifestamente ofensiva a cláusula pétrea; e a segunda em
relação a PL ou de PEC em cuja tramitação for verificada manifesta ofensa a
alguma das cláusulas constitucionais que disciplinam o correspondente processo
legislativo (...)”.

- As cláusulas pétreas impedem a reforma da constituição no tocante às


matérias presentes nos incisos do §4º, impedindo as PECS, mas não servem

56
para invalidar normas originárias, pois não há hierarquia entre essas
normas, não sendo aceita a TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
INCONSTITUCIONAIS, do prof. Oto Barrof.

- “TENDENTE A ABOLIR”: qualquer modificação por meio de EC nas matérias do


§ 4º seria tendente a abolir cláusula pétrea? Não necessariamente, pois a
alteração poderia se dar para ampliar seu âmbito de proteção. Para ser
tendente a abolir, a modificação deve provocar restrição que atinge o
núcleo essencial da cláusula pétrea, pois não há proteção segundo o STF,
significando intangibilidade absoluta e literal.

- ESPÉCIES

I. A forma federativa de Estado - a federação é cláusula pétrea. Pode haver alteração dos
detalhes da federação, pois há diversos modelos de federação, e a modificação de seus
detalhes não significa reforma tendente a abolir a federação. Não seria possível esvaziar
completamente as competências constitucionais, esvaziando o núcleo essencial, de um
dos entes federativos, mas seria possível a realização de ajustes.

A EC 15/96 alterou a redação do art. 18, § 4º, alterando competência legislativa que
passou a ser do Estado e União, para criação, incorporação, fusão e desmembramento
de municípios, que antes era somente da competência do Estado. Segundo o STF, não
houve ataque ao núcleo essencial do Federalismo.

II. Voto direto, secreto, universal e periódico

O voto obrigatório não é cláusula pétrea, e o voto, por meio de EC, poderia ser
transformado em facultativo.

A periodicidade do voto é cláusula pétrea, e alguns autores entendem que isto


indiretamente protege a forma republicana de governo, que não é cláusula pétrea explícita,
que se tornou cláusula pétrea implícita, pois na República, a aquisição e exercício de poder
são temporários e com base no voto periódico, enquanto na monarquia o poder é
hereditário e vitalício.

III. A separação dos poderes

Os pormenores da separação de poderes não foram petrificados, mas sim o núcleo essencial
da separação de poderes.

Ex. Instituição pela EC 45 da Súmula Vinculante e efeito vinculante das decisões do STF em
sede de controle de constitucionalidade, que se refere à Administração Pública e ao Poder
Judiciário, e a separação de poderes foi abrangida, pois o Judiciário vincula o Executivo, mas o
STF entende que não houve violação à cláusula pétrea da separação dos poderes.

OBS: Em relação à separação de poderes, no art. 2º do ADCT, houve a possibilidade de se


alterar a forma e sistema de governo, e se isto tivesse ocorrido, em 1993, a separação de

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poderes teria sido substancialmente alterada em relação ao modelo estabelecido em 1988,
originariamente.

IV. Direitos e garantias individuais

Qual o seu real alcance?

Surgiram diversas teorias. Vejamos:

1) Corrente restritiva (literal) - são cláusulas pétreas somente “os direitos e garantias
individuais”;
2) Corrente ampliativa - são cláusulas pétreas os direitos fundamentais como um
todo e não somente os individuais; Essa corrente subdivide-se em:

São cláusulas pétreas os direitos fundamentais:

2.1. Formalmente considerados;

2.2. Materialmente considerados;

O Ministro Carlos Ayres de Brito propõe a aplicação dos princípios de hermenêutica.

Por esse princípio, a regra deve ser interpretada de forma ampliativa, e se é exceção, a
interpretação deve ser restritiva. Assim, a interpretação da expressão direitos e garantias
individuais deve ser ampliativa, pois a regra é a permanência da CF, e a exceção é sua
modificação, e as cláusulas pétreas existem para preservar a CF, para impedir a mudança
da CF, mantendo-se o texto originário. Assim, as cláusulas pétreas são os direitos
fundamentais, devendo haver interpretação ampliativa.

- Somente os direitos presentes no art. 5º da CF estão protegidos pela supracitada


cláusula pétrea?

Não, pois o STF já entendeu que alguns direitos do contribuinte, por exemplo, presentes
no art. 150, da CF, são protegidos pela imutabilidade prevista no art. 60, § 4º, IV, da CF;

- Todos os direitos previstos no art. 5º, da CF, são protegidos pela cláusula pétrea em
questão?

Adotando-se interpretação literal, não, pois não há tão somente direitos individuais neste
rol. Assim, o MSI seria cláusula pétrea, mas o MSC não. Adotando-se a interpretação
ampliativa que considera DF do ponto de vista formal, todo o Título II da CF é cláusula
pétrea, mas se considerar-se somente os direitos materialmente constitucionais, apenas os
dispositivos que dizem respeito à dignidade da pessoa humana seriam cláusulas pétreas.

Há tendência a se adotar a corrente ampliativa que considera como cláusulas pétreas os


direitos materialmente constitucionais. Há divergências doutrinárias e não houve
posicionamento específico do STF em relação ao tema, mas houve ECs restringindo alguns
direitos sociais formalmente fundamentais e a inconstitucionalidade das ECs por violação a esta
cláusula pétrea não foi declarada. Ex. Art. 7º incisos XXIX e XII, da CF;

OBS: Proteção dos DF x Disciplina constitucional sobre a forma de prestação de


DF

Os serviços de saúde são prestados por meio do SUS, e a educação é prestada por sistemas
dos entes federados. A forma de prestação de direitos fundamentais pode ser alterada,

58
sem que isto signifique violação à cláusula pétrea. O que não pode se dar é modificação
tendente a esvaziar o núcleo essencial dos direitos.

OBS: O STF entendeu que a imunidade de não incidência do IR nos proventos de


aposentadoria de idosos pode ser suprimida por EC, por não configurar cláusula pétrea
relativa a direitos e garantias individuais, por não consagrar direito ou garantia fundamental,
prevendo imunidade de imposto sobre a renda a determinado grupo social, e a imunidade não
é direito fundamental e nem cláusula pétrea.

OBS: Imunidade recíproca entre entes federados - existe proteção pétrea adicional relativa
à federação, além da proteção relativa a direitos e garantias individuais.

O STF entendeu posteriormente, em outra matéria, que as imunidades tributárias têm teor de
cláusulas pétreas. Vejamos: “As limitações constitucionais ao poder de tributar são o
conjunto de princípios e demais regras disciplinadoras da definição e do exercício da
competência tributária, bem como das imunidades (...). As imunidades têm o teor de
cláusulas pétreas, expressões de direitos fundamentais, na forma do art. 60, § 4º, da
CF/88, tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder
constituinte derivado e/ou ainda mais, pelo legislador ordinário” (2014).

- As constituições estaduais podem criar cláusulas pétreas não previstas na CF?

Há quem defenda que sim, não havendo decisão específica do STF acerca do tema, mas há
decisões do STF determinando que a limitação formal do quorum de ⅗ e 2 turnos de votação da
CF não pode ser ampliado para ⅘ na constituição estadual - ADIN 486/97.

Esse raciocínio sugere que deveria haver simetria em relação às limitações materiais, mas não
há posicionamento explícito;

- Há limites materiais implícitos ao poder de reforma na CF/88?

STF: “Não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o STF competente para,
em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não, de EC (...)
impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou implícitas”. (STF, ADIs 829, 830
e 833).

O STF admite a existência de cláusulas pétreas implícitas. Segundo a doutrina, são temas
que preservam a identidade material básica da Constituição.

Ex. A titularidade do poder, que é do povo; Órgão exercente do poder de reforma; Procedimento
de elaboração das ECs; A república e o presidencialismo, após o plebiscito de 1993 (alguns
autores afirmam ser possível superar a cláusula pétrea implícita por meio de novo plebiscito
popular); o rol de cláusulas pétreas expressas (não poderia ser diminuído ou aumentado - as
cláusulas pétreas são força jurídica superior que limita a atuação de força jurídica inferior - o
poder de reforma, que não poderia limitar a si mesmo, sendo falso limite jurídico pois seria um
poder limitando a si próprio);

EXPANSÃO INTERNA DE CLÁUSULA PÉTREA X AUMENTO DO ROL DE CLÁUSULAS


PÉTREAS - novo direito fundamental que surge - há alargamento do âmbito de incidência de
determinada cláusula pétrea, não havendo a criação de nova cláusula pétrea, com aumento
do seu rol, o que é vedado.

59
Considera-se pela doutrina, cláusula pétrea implícita, ainda, a dignidade da pessoa
humana, fundamento do poder constituinte, da constituição e de todo o direito positivo, e
não seria possível, portanto, a modificação de dispositivos que tangenciem tal valor por
meio de EC.

São consideradas cláusulas pétreas implícitas, ainda, os fundamentos da República (art. 1º,
CF), e os objetivos fundamentais da República (art. 3º, CF), e seriam limitações materiais
implícitas, pois com sua alteração, estaria se modificando o espírito e identidade da
CF/88.

O MP é, conforme o art. 127 da CF, instituição permanente, e para alguns autores como
Hugo Mazzili, o MP e suas atribuições constitucionais não podem ser alteradas ou
suprimidas, pois caso contrário, não seria instituição permanente. A DP, Forças Armadas,
Polícia Federal, dentre outras, são permanentes, e para alguns, essas instituições
permanentes seriam cláusulas pétreas tão somente ligadas de forma direta à democracia.

Outros limites materiais implícitos seriam os mecanismos de democracia direta (plebiscito,


referendo, ação popular, iniciativa popular);

A democracia, para alguns, seria também cláusula pétrea. Para o Min. Ayres de Britto, a
democracia não é cláusula pétrea, pois estas existem para proteger a democracia, sendo
esta sua razão de ser, e é o objeto de proteção dessas cláusulas, que são mecanismos de
proteção.

B) Procedimento de Revisão Constitucional (Art. 3º, ADCT)

Foi realizada em 1993 a revisão constitucional trazida no art. 3º do ADCT.

Há limitação temporal: realizada após 5 anos contados da promulgação da Constituição;

Limitações formais: voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em


sessão unicameral.

Na oportunidade de revisão, foi possível modificar a CF por procedimento mais fácil que o
de EC comum, e o constituinte originário relativizou a rigidez constitucional em momento
preciso.

- Existiam limitações materiais implícitas à revisão de 93?

O texto do ADCT expressamente não traz limitação material, mas tão somente temporal e
formais. O STF decidiu que as cláusulas pétreas eram limites materiais implícitos ao
procedimento de revisão constitucional.

- Havia limitação implícita circunstancial, ou seja, deveria ser realizada tão somente diante
da circunstância de modificação no plebiscito realizado no mesmo ano, prevista no art.
2º do ADCT ou era independente de sua alteração?

O STF entendeu não existir essa limitação circunstancial implícita.

- É possível por EC determinar nova hipótese de revisão constitucional?

O processo de elaboração de ECs é cláusula pétrea implícita, e a princípio, não seria


possível nova revisão constitucional.

O STF afirmou isto no âmbito da ADI 981 - MC/PR. Ademais, na ADI 1722 - MC/TO, determinou:
“Ao Poder Legislativo, Federal ou Estadual, não está aberta a via da introdução, no
cenário jurídico, do instituto da revisão constitucional”.

60
Assim, privilegiando a rigidez constitucional, o STF entendeu não ser possível nova
revisão constitucional, e nova EC que viesse a estabelecer nova revisão esbarraria na
limitação implícita ao poder de reforma que diz respeito à impossibilidade de diminuir os
requisitos formais de novas emendas constitucionais.

C) Tratados e Convenções Internacionais que versem sobre DH (Art. 5º, § 3º, CF)

Nos moldes do supracitado artigo, são equivalentes às ECs. Assim, as limitações ao poder de
reforma se aplicam ao art. 5º, § 3º, da CF?

Não há consenso doutrinário e nem decisão do STF a esse respeito, mas na doutrina, há quem
entenda que a resposta pode depender da natureza das limitações.

Ao falar de limites materiais, de cláusulas pétreas, é incongruente tratado internacional de DH


violar direitos e garantias individuais, mas se isto ocorrer, prevalece que deve ser aplicado o
princípio da máxima proteção, aplicando-se a norma mais benéfica ao indivíduo.

Limitações formais - quorum e 2 turnos de votação - aplica-se por força do art. 5º, § 3º, da
CF.

Limitações circunstanciais - é possível aprovar TIDH, internalizando-o durante situação de


intervenção federal, estado de defesa e de sítio? Há divergências doutrinárias neste sentido.

# DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. TERMINOLOGIA

Algumas expressões possuem significado próprio, designando núcleo específico de direitos.

- DIREITOS HUMANOS: Fala-se em direitos reconhecidos no plano internacional, em


declarações, tratados e convênios, dentre outros documentos.

Um dos nossos princípios nas relações internacionais é a prevalência dos direitos


humanos (art. 4º, II, CF/88);

- DIREITOS FUNDAMENTAIS: Positivados no plano interno de cada Estado,


especialmente no texto constitucional. No Brasil estão positivados na CF/88, em
especial no art. 5º.

Os direitos humanos, reconhecidos no plano internacional, são trazidos ao plano interno, por
isso muitas vezes essas expressões são utilizadas indistintamente, mas são expressões que
não se confundem. Ex. Existe o direito humano à vida, previsto na Declaração Universal de DH,
da ONU, e o direito fundamental à vida, previsto no art. 5º, caput, da CF;

O professor José Afonso da Silva utiliza a expressão direitos fundamentais do homem, e os


define como: “as prerrogativas e instituições que o direito positivo concretiza em
garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.

Essa definição pode ser decomposta em três elementos:

São direitos subjetivos pois trata-se de direitos em sua concepção clássica, relativa a
obrigação subjacente, com relação jurídica obrigacional, envolvendo credor, devedor e objeto.
O credor é o homem, ou seja, a pessoa humana, aquele que pode reivindicar o direito, o
devedor, em visão clássica, é o Estado, embora atualmente haja visão horizontal, privada, dos
direitos fundamentais, e o objeto do direito fundamental do homem é prestação positiva ou
negativa, fundamental para a dignidade da pessoa humana.

O fundamento filosófico e jurídico dos direitos humanos, o fundamento de sua existência:

61
# CORRENTES FILOSÓFICAS JUSTIFICADORAS DA EXISTÊNCIA DOS DIREITOS
HUMANOS:

1. Jusnaturalismo: os DH existem pois decorrem do direito natural;


2. Juspositivismo: os DH são direitos públicos subjetivos positivados;
3. Realismo: seriam o resultado concreto, real, de lutas políticas e sociais;
4. Idealismo: os DH são princípios abstratos, ideias que ao longo do tempo são
concretizadas pela realidade social;
5. Contratualismo: DH seriam aqueles previstos no contrato social firmado implicitamente
por todos os seres humanos ao integrarem a sociedade;
6. Moralismo: os DH teriam como fundamento a consciência moral do povo;

Existe crítica a essa procura por embasamento filosófico para os DH, pois não haveria nenhuma
utilidade prática para tanto, pois o necessário, na prática, é proteger e concretizar os DH, e não
justifica-los. Segundo Bobbio, o problema fundamental é como proteger os DH, sendo
ilusão buscar fundamentação única e absoluta, havendo inúmeras justificativas para
elevar direito a categoria de fundamental.

Para o prof. Fábio Konder Comparato, o fundamento último dos DH “só pode ser a
consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade,
de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em
qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em
documentos normativos internacionais”. É, portanto, a dignidade da pessoa humana.

Os DH e o constitucionalismo estão intrinsecamente conectados, a adoção de DH pela


Constituição, na forma de DF, é uma característica do Estado Democrático de Direito, os
DH são fruto de processo histórico evolutivo, gradual e constante da sociedade,
construídos na evolução humana, como diz Hannah Arendt.

# ANTECEDENTES HISTÓRICOS DOS DH

- Antecedentes remotos

1. Cilindro de Ciro: é artefato do século VI, A.C, descoberto na Mesopotâmia, que possui
declaração do Rei da Pérsia, que para muitos foi a primeira declaração escrita de DH,
que inclui textos sobre a garantia da liberdade religiosa e proibição à escravidão -
Ciro, o Grande.
- Antecedentes próximos

1. Pensamento de autores como Hobbes, Kant, Locke, dentre outros, que contribuíram
para a formação dos DH, intimamente conectados, por alguns, à religião.

2. Conjunto de documentos escritos, vinculados principalmente ao constitucionalismo


inglês, norte americano, e francês. Vejamos:

a) Magna Carta Libertatum (1215)


b) Petition of Rights (1628);
c) Habeas Corpus Amendment Act (1679);
d) Corpo de Liberdades de Massachusetts (1641);
e) Forma de Governo da Pensilvânia (1682);
f) Bill of Rights (1689);
g) Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776);
h) Declaração de Independência dos EUA (1776)
i) Constituição dos EUA (1787);
j) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Assembleia Constituinte
Francesa - 1789);
k) 10 primeiras emendas da Constituição dos EUA de 1787, aprovadas em 1791
(Bill of Rights);

62
l) Constituições francesas de 1791, 1793 e 1848;
m) Constituição mexicana de 1917;
n) Constituição Alemã de Weimar de 1919;
o) Carta das Nações Unidas (26/06/1945);
p) Declaração Universal dos Direitos do Homem (10/12/48);

1. Bill of Rights Inglês (1689)

Foi documento escrito imposto pelo Parlamento Inglês a Guilherme D’Orange, como condição
para assumir o trono inglês. É o primeiro documento legislativo a garantir direitos e traçar
limites ao poder monárquico, e o rei deixou de ser Absoluto, passando a ter seu poder
limitado pela lei do parlamento, e a soberania deixou de ser do monarca e passou a ser
do parlamento.

O Bill of Rights determinou que o rei está sujeito às leis, sendo a semente do Estado de Direito,
em que o governante é submetido à legislação. A monarquia passou a ser limitada e
constitucional.

Ademais, houve a instituição da imunidade parlamentar por suas opiniões, palavras e


votos.

2. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França - 1789)

Foi declaração proposta por Lafayette, inspirada na Declaração de Direitos do Bom Povo da
Virgínia, com papel fundamental na afirmação da expressão DH e na universalidade dos
Direitos Humanos, com direitos de todos os tempos e todos os povos, dirigidos a toda a
humanidade, segundo o prof. Fábio Konder Comparato.

Houve discussão, contudo, se tais direitos seriam aplicados às mulheres.

A declaração fala em direitos naturais, que decorrem do simples fato da condição humana,
inalienáveis, sagrados do homem, demonstrando a íntima relação entre pensadores
religiosos e os direitos do homem.

Foi estabelecida a liberdade e igualdade de todos os homens ao nascer.

A condição humana torna todos livres e iguais, havendo a possibilidade de distinções


sociais por meio de convenção humana, se houver utilidade comum na distinção,
distinção esta que, portanto, não é natural.

O Estado existe para assegurar e concretizar direitos inerentes à condição humana, e


Estado que os viola não possui razão de ser ou de existir.

Constituição é documento escrito que garante direitos, além do equilíbrio e separação de


poderes.

A declaração dos homens e do cidadão, obra de Jellinek, que concluiu que a declaração
francesa não traz nenhuma idéia jurídica original que não estivesse na declaração do bom povo
da virgínia, sendo concisa, deixando de prever o direito de petição, de associação e reunião,
liberdade de circulação, o que foi garantido somente na Constituição Francesa de 1791. A
declaração de direitos da virgínia já possuía elementos da ideia de universalidade dos direitos
humanos.

A declaração de independência dos EUA, de 1776, segundo Fabio Konder Comparato, o


primeiro documento da história política moderna a afirmar princípios democráticos,
prevendo ideias relativas à universalidade, prevendo que há direitos de todo ser humano,
independente de raça, sexo ou posição político social.

63
A declaração de direitos do homem e do cidadão é marco do que se denomina primeira
geração de direitos humanos, civis e políticos clássicos, conectados a abstenção do
Estado, a obrigação de não fazer, voltados para a liberdade e igualdade formal, e os
direitos políticos clássicos são os direitos de votar e ser votado.

A primeira constituição a positivar DH, tornando-os em fundamentais, dando-lhes


concreção jurídico-constitucional efetiva foram:

1. Bill of Rights da Constituição Americana, que engloba as 10 primeiras emendas


de 1791, proposta de James Madison, com influência de Thomas Jefferson;
2. Constituição Imperial brasileira, de 1824 (art. 179); e
3. Constituição da Bélgica de 1831.

A Constituição Mexicana de 17 e de Weimar, de 19, trouxe novos direitos, de 2ª geração,


trazendo obrigações prestacionais do Estado, devendo prestar direitos como educação e
saúde, com foco na ideia de solidariedade.

3ª geração (séc. XX) - direitos de titularidade coletiva ou difusa.

Essas gerações de direitos não se excluem, mas houve cumulação de direitos.

Aula 6

A declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão foi o marco da primeira


geração de direitos fundamentais, composta pelos direitos civis e políticos clássicos, que
impõem ao Estado uma obrigação de não fazer, uma abstenção.

A Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar, de 1919, são marcos da segunda geração


de direitos humanos, que veicula obrigações de fazer, prestacionais, ao Estado.

A terceira geração, com direitos de solidariedade ou fraternidade, surge no século XX,


trazendo direitos de titularidade difusa e coletiva.

Os direitos fundamentais e humanos possuem a característica da universalidade, nesta


evolução histórica, e sofre retrocesso na primeira metade do século XX, com a II GM -
decorrente do processo de hierarquização de raças humanas, em relação às quais não se
poderia falar na universalização de direitos -, e ao seu final, houve a reconstrução da ideia de
direitos humanos e a edificação de sistema internacional de proteção aos direitos
humanos.

Assim, foi necessária a reconstrução do caráter de universalidade dos direitos humanos e


de suas bases de pensamento, o que ocorreu trazendo a fundamentação de todo direito
fundamentado na dignidade da pessoa humana, presente na Carta das Nações Unidas, que
culminou com a criação do sistema internacional de proteção aos DH como decorrência da
ideia de universalidade, em que os direitos humanos pertencem a todos os seres
humanos, no âmbito da titularidade.

A universalidade aparece, ainda, no campo temporal e cultural, pois são direitos que devem
estar presentes em todas as culturas dos povos e em todos os tempos, de forma
intertemporal.

Todo ser humano possui dignidade, e a dignidade da pessoa humana foi alçada como
fundamento último de todo o direito e da Constituição.

Para tanto, a teoria Kantiana, de Immanuel Kant, teve vital relevância, pois para ele, a relação
entre pessoas e coisas:

Para ele, os conceitos de pessoas e coisas não se confundem. Vejamos:

64
1. PESSOA

-É um fim em si mesmo;

-Possui dignidade;

-Deve ser dotada de autonomia;

-É insubstituível;

2. COISA

-É meio, instrumento para realizar a dignidade;

-Possui preço: econômico e/ou afetivo;

É erro coisificar pessoas, tratando-as como se coisas fossem; A escravidão é forma de


coisificação da pessoa, e o escravo é meio do qual se servem as pessoas.

Isto ocorreu, ainda, no nazismo, em que raças inferiores foram coisificadas.

Todo e qualquer discurso que diz que parcela de pessoas não possui direitos humanos as trata
como coisas.

Isto não se alinha com a universalidade dos DH.

- Dignidade da pessoa Humana: conceito previsto na Carta das Nações Unidas -


26/06/1945.

Se imaginou a implementação de sistema internacional de proteção aos DH, à época, a ser


implementado em 3 fases distintas (Fábio Konder Comparato):

1. Elaboração de uma Declaração Internacional de DH;

-Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas (Com forte influência de
Eleanor Roosevelt)

● É a Resolução 217 A III da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10/12/1948;


● Corresponde à primeira fase da construção do sistema internacional de proteção
aos DH (fase de proclamação de declaração solene);
● Afirma a dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos e
da sua universalidade;
● Não é tratado, tecnicamente, mas recomendação adotada por resolução, mas possui
natureza jurídica de ato de organização internacional e, como tal, é fonte não
codificada de direito internacional público - para alguns, a declaração pertence ao
soft law;
● Possui normas que integram o jus cogens - direito obrigatório, cogente
internacional;

É direito integrado por normas que formam o direito internacional peremptório, com
normas obrigatórias, que se impõem a todos os Estados, erga omnes, independentemente
de sua aceitação, que excepcionam a regra da vontade dos sujeitos de direito
internacional, da vontade dos Estados, razão pela qual os direitos humanos independem
de previsão formal, correspondendo aos costumes e princípios jurídicos internacionais, que
são exigências básicas de respeito à dignidade humana, como preceitua o prof. Fábio
Konder Comparato, sendo obrigatórios a todos os Estados.

André de Carvalho Ramos: “Tais normas cogentes de DI são aquelas que contém valores
considerados essenciais para a comunidade internacional, prevalecendo quando em
choque com outras normas de DI. O jus cogens vem a ser o conjunto de normas

65
internacionais insuscetíveis de serem derrogadas por outra norma que não seja uma
norma pertencente ao mesmo jus cogens”

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a Corte Interamericana de DH, o Estatuto de
Roma reconhecem o jus cogens.

O jus cogens reforça o caráter de universalidade dos Direitos Humanos, pois se os DH


são obrigatórios a todos os Estados, os DH são direitos globais, presentes em todos os
Estados, e que pertencem a todos os cidadãos.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, de 48, iniciou o processo
de construção do sistema internacional de proteção dos DH, estágio avançado de construção.

2. Elaboração de um Tratado ou Convenção Internacional de DH (posteriormente


tivemos todo um sistema internacional normativo);
3. Construção de mecanismos internacionais para sancionar violações aos Direitos
Humanos (sistema internacional sancionador)

# Panorama Geral do Sistema Internacional de Proteção aos DH

1. Sistema Global

- Documentos Gerais:

● Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)


● Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)
● Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) - alguns países
não aceitaram esses direitos, como os EUA;
● Declaração do Direito ao Desenvolvimento (1986)
● Declaração e Programa de Ação de Viena (1993)

- Documentos específicos:

● Convenção contra o Genocídio (1948)


● Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951)
● Convenção sobre a redução dos casos de apatridia (1961)
● Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial (1968)
● Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher
(1979);
● Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes (1984);
● Convenção sobre os Direitos da Criança (1989);
● Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e seu protocolo
facultativo, assinados em Nova Iorque em 30/03/2007 - Decreto Legislativo nº 186/2008
e Decreto Presidencial nº 6.949/2009 (OBS: status de emenda à CF/88 , na forma do art.
5º, § 3º da CF/88);

Dentre outros;

2. Sistemas Regionais

2.1. Europeu;

Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950); e

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000, 2007).

2.2. Africano;

Carta de Banjul (Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos) (1950).

66
2.3. Interamericano;

1) Declaração Americana dos Direitos e deveres do Homem (1948);

2) Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) (Pacto de San José da Costa Rica);

3) Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos;

4) Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos (competência jurisdicional


reconhecida pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 89, de 03/12/1998);

5) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985);

6) Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos


Econômicos, Sociais e Culturais (1988) (Protocolo de San Salvador); e

7) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher


(1994) (Convenção de Belém do Pará).

2.4. Asiático;

# Sistema Internacional Sancionador de violações aos Direitos Humanos

1) Plano universal:

Corte Internacional de Justiça da ONU (busca a solução pacífica de controvérsias envolvendo


Estado);

Conselho de Segurança da ONU (sanções coletivas contra um Estado);

Comissão de Direitos Humanos da ONU (produz relatórios);

Sistema Internacional Sancionador de violações aos Direitos Humanos;

Comitês previstos em tratados (Comitê de Direitos Humanos, Comitê Contra a Tortura, etc.);

Tribunais “ad hoc” criados por convenções do Conselho de Segurança da ONU (ex-Iugoslávia,
Ruanda); e

Tribunal Penal Internacional (apura a responsabilidade pessoal em termos de violações de DH).

O Tribunal Penal Internacional na CF/88:

Art. 5º, § 4º: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão.” (EC nº 45/2004 ); e

ADCT, art. 7º: “Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos
direitos humanos.”

2) Plano do Sistema Interamericano:

Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e

Corte Interamericana de Direitos Humanos.

- Bibliografia complementar:

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo:


Saraiva; e

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva.

Atenção! O Brasil está ligado ao sistema internacional de proteção de DH, podendo ser,
em âmbito internacional, sancionado, em caso de graves violações a DH, que se afigura

67
como um dos requisitos do IDC - Incidente de Deslocamento de Competência, que pode
ser movido frente ao STJ pelo PGR para que haja modificação da competência da JE para
a JF. Vejamos:

Art. 109. Compete aos juízes federais processar e julgar:

(...)

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (incluído pela EC
45/2004).

CF/88:

Art. 109. (...) § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador Geral
da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar,
perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo
incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal (incluído pela EC
45/2004).

A União terá especial interesse na solução do processo, a ser julgado pela JF, pois a
União é que, eventualmente, será punida em âmbito internacional, em caso de graves
violações a DH que remanesçam impunes em âmbito local.

Segundo o STJ (IDCs 1 e 2) o IDC possui três requisitos básicos:

1) a existência de grave violação a direitos humanos;

2) o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de


obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e

3) a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas.

# Direitos Fundamentais:

# Características:

a) Historicidade;

Segundo o prof. Walter Claudius Rothenburg, há duas visões sobre a historicidade:

1. A historicidade decorre da existência de direitos comuns à história de diversas


sociedades;

2. Decorre do fato de que no curso da história, os DF clássicos são aperfeiçoados e


surgem novos direitos humanos e fundamentais; Os DF são reconhecidos,
modificados, e em situações extremas, em determinados contextos históricos e sociais,
poderiam vir a desaparecer, e são advindos de processos históricos de lutas que
podem levar ao surgimento de novos direitos ou, ainda, o seu desaparecimento.
Os DF e DH são construídos na evolução da humanidade, com afirmação gradual,
de índole evolutiva, conforme surgem novas necessidades ou ameaças à
dignidade humana. Embora alguns autores admitam que esses direitos possam
desaparecer, por meio da VEDAÇÃO AO RETROCESSO, busca-se colocar freio na
possibilidade de seu desaparecimento.

Ex. DF ao acesso à internet, assim reconhecido por diversos países - a ONU defende que o
acesso à internet deve ser reconhecido como DH básico.

Democracia digital/teledemocracia - alguns países adotaram o voto virtual, como a Estônia.

68
A PEC nº 06/2011 do Senado Federal modifica o art. 6º da CF/88, que passa a vigorar com a
seguinte redação:

“Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,
o acesso à Rede Mundial de Computadores (Internet), a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”

b) Inalienabilidade (indisponibilidade);

Os DH são inalienáveis e indisponíveis, o que significa que não possuem conteúdo


jurídico patrimonial capaz de torná-los objeto jurídico de negociação entre as pessoas.
Isso significa que o titular de DH ou DF não pode tornar impossível, de forma física ou
jurídica, o seu exercício ou fruição próprio.

O fundamento da indisponibilidade é a dignidade da pessoa humano, não podendo ser


negociado direito essencial à sua dignidade, e nem mesmo o consentimento do titular é
capaz de gerar a negociação de DH.

Ademais, não é possível a comercialização de partes do corpo humano, o que possui


previsão expressa na CF - Art. 199, § 4º, CF

Art. 199. (...) § 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem
como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo
tipo de comercialização.

Os DH e DF não são absolutos, podendo sofrer limitações. A indisponibilidade ou


inalienabilidade não pode ser tida como absoluta para além da proteção do núcleo da
dignidade da pessoa humana. Segundo alguns autores, somente os DF que visam resguardar
diretamente a potencialidade do ser humano e sua autodeterminação, núcleos básicos da
dignidade, é que deveriam ser considerados indisponíveis, mas outros direitos poderiam ser
objeto de eventuais transações jurídicas, e a inalienabilidade deve ser analisada caso a caso, à
luz da dignidade da pessoa humana, sendo possível que negócios jurídicos válidos afetem
projeções de DH sem necessariamente ferir a dignidade.

Ex. Contrato autorizando a utilização de imagem em troca de valor em dinheiro, mas a


disposição deste direito não pode ser absoluta, e o contrato, neste caso, não seria válido.

ATENÇÃO! Indisponibilidade de direito x disponibilidade do bem sobre o qual recai um


direito

O direito de propriedade é indisponível, e não é possível negociar a capacidade de ser


proprietário, mas a coisa sobre a qual recai o direito de propriedade é disponível.

c) Personalidade;

Os DF são personalíssimos, e se extinguem com a morte do titular.

Terceiros podem herdar bens, coisas sobre as quais recaíam os direitos do falecido, mas os
herdeiros não herdam DF do instituidor da herança, que se extinguem com a morte do titular.

d) Imprescritibilidade;

Os DH e DF são imprescritíveis, e não se perdem pelo seu desuso com o tempo, sendo
sempre exigíveis. José Afonso da Silva relembra que a prescrição atinge a exigibilidade
de direitos patrimoniais comuns, e não de DF personalíssimos.

e) Irrenunciabilidade;

69
Não se pode renunciar a titularidade de DF, não sendo possível a sua renúncia, e no
máximo, pode ocorrer o não exercício voluntário de DF pois seu titular não deseja exercê-lo,
o que é autodeterminação revogável a qualquer tempo. A autolimitação voluntária é possível.

f) Constitucionalização;

Os DF e DH devem ser positivados no plano constitucional, mecanismo pelo qual DH


reconhecido em plano internacional torna-se direito fundamental, positivado no âmbito
do Estado, de seu ordenamento jurídico interno, devendo se dar em âmbito constitucional
de forma preferencial, pois todos os dispositivos relacionados a DH são normas
materialmente constitucionais, devendo ser positivados de forma explícita, ou seja,
constitucionalizados formalmente.

Há 2 fenômenos distintos que geram confusão em muitos casos:

- Constitucionalização de um direito: é a previsão ou positivação de direito na


Constituição, como sendo um Direito Fundamental. Isso é a constitucionalização de
um direito, com sua previsão na Constituição.
- Fundamentalização de um direito: é a qualificação de determinado direito como
sendo direito fundamental. Há diversos direitos, mas nem todos são DH ou DF. Há
diversos critérios na doutrina para se fundamentalizar determinado direito ou não. Em
regra, segundo a doutrina, isto depende de sua vinculação direta ou não à
dignidade da pessoa humana (critério material);

g) Inviolabilidade;

São invioláveis pois devem ser obrigatoriamente observados e respeitados pelos agentes
estatais, pelas normas infraconstitucionais, pelo judiciário e pelos particulares
(horizontalização dos DF);

h) Vinculação dos poderes públicos;

Os DF vinculam a todos, é a chamada universalidade no plano da vinculação, mas se


dirigem especialmente aos poderes públicos, pois o Estado, de forma clássica e histórica, é
o grande devedor dos DF e DH, havendo vinculação especial do Estado aos DF e DH, sendo
inválidos os atos dos agentes públicos que violam tais direitos, funcionando como parâmetros
e limites à atuação estatal (fazer e não fazer do Estado). Essa vinculação atinge os 3
poderes;

i) Aplicabilidade imediata;

Os DH e DF devem ter a máxima aplicação possível. Art. 5º. (...) § 1º. As normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata

Aplicabilidade x Aplicação Imediata

O supracitado dispositivo traz presunção relativa de aplicabilidade imediata e plena


eficácia para as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Assim, sempre
que possível, as normas de DF serão de eficácia plena ou contida (Prof. José Afonso da
Silva), mas excepcionalmente poderão ser de eficácia limitada.

j) Limitabilidade (relatividade);

Os DF não são absolutos, podendo sofrer limitações em face de outros DF ou valores


fundamentais. O STF já se pronunciou sobre isto. Vejamos:

“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no
sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto,
mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de

70
convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos
órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição (...) pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros” (STF, MS 23.452/RJ, 16/09/1999)

Os DF não são absolutos, nem mesmo o direito à vida, sendo admitido o sacrifício à vida em
determinadas circunstâncias - Ex. legítima defesa e pena de morte em caso de guerra
declarada.

Atenção! Existe, na doutrina, posicionamento que defende que 2 DF são absolutos: o direito à
não tortura e à não escravização, pois um DF pode ser limitado por outro valor constitucional
ou DF, não sendo possível conceber direito à tortura ou à escravização para que estes direitos
possam ser relativizados, e no atual estágio civilizatório, não seria possível a sua relativização
ou concepção.

Nas palavras de Norberto Bobbio:

“Entendo por valor absoluto’ o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do Homem, válidos em
todas as situações e para todos os Homens sem distinção. Trata se de um estatuto privilegiado,
que depende de uma situação que se verifica muito raramente: é a situação na qual existem
direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente
fundamentais . É preciso partir da afirmação óbvia de que não se pode instituir um direito em
favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas. O
direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos, assim como o
direito de não ser torturado implica a eliminação do direito de torturar. Esses dois direitos podem
ser considerados absolutos, já que a ação que é considerada ilícita em sequência de sua
instituição e proteção ao direito de possuir escravos e o direito de torturar é universalmente
condenada ” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, p. 42).

l) Indivisibilidade e Interdependência;

Os DF e DH não são divisíveis. São interdependentes.

Os direitos civis e políticos são indivisíveis em relação aos direitos econômicos, sociais e
culturais, sendo interdependentes entre si. A existência de 2 pactos internacionais de 1966 pode
dar a entender que seria possível a cisão de tais direitos, e que uns direitos não dependem dos
demais, mas é equívoco, pois de nada adianta ter direitos civis sem os econômicos, por
exemplo.

m) Não taxatividade;

Os direitos humanos devem ser constitucionalizados, mas os direitos humanos


expressos, formalizados, que se transformam em fundamentais não excluem os
implícitos, não formalizados, não expressos na CF. Assim, o catálogo de DF presentes na
CF é aberto. Alguns autores falam em CLÁUSULA DA INESGOTABILIDADE DO ROL
EXPRESSO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, não taxativo, que não se esgota nele próprio.
Segundo muitos autores, é norma aberta presente na CF. Vejamos:

Art. 5º. (...) § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que
a República Federativa do Brasil seja parte.

Assim, reconhece-se a existência de DF não escritos, não expressos na CF. Ex. DF à


busca da felicidade, de origem no constitucionalismo norte-americano. Trata-se do direito a
meios mínimos para busca da felicidade, o que é admitido pelo STF. Vejamos:

71
“Tenho por fundamental, ainda, (...) o reconhecimento de que assiste, a todos, sem qualquer
exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se
qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade
da pessoa humana. (...)” (STF, RE 477554/MG, Rel. Min. Celso de Mello, 01/07/2011, DJe de
3.8.2011). Vide ainda: ADI 3.300 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello; STA 223 AgR/PE, Rel. p/ o
acórdão Min. Celso de Mello;

Há os DF que decorrem de tratados internacionais de DH, não previstos na CF, o que é


admitido pelo art. 5º, § 2º, da CF/88.

n) Proibição de retrocesso social;

Canotilho - Princípio do não retrocesso social, princípio da proibição de contra-revolução


social ou princípio da proibição da evolução reacionária.

Os DF tem como característica a historicidade, que pode significar que os direitos


surgem e evoluem no correr da história. Alguns admitem a possibilidade de esses direitos
desaparecerem no curso da história, mas este princípio busca evitar isto. Os DF e DH são
resultado de processo de lutas e conquistas, e uma vez reconhecidos, não podem ser
suprimidos ou abolidos.

É chamado, também, de efeito non cliquet, que significa a impossibilidade de retroceder.

É previsto, ao menos de forma implícita, no sistema internacional de DH que impõe a


progressiva implementação efetiva da proteção social por parte dos Estados, e de
direitos, por parte do Estado, e sendo progressiva, não pode retroceder.

Proibição de retrocesso social e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais de 1966 (Decreto Legislativo nº 226/1991 e Decreto Presidencial nº 591/1992):

Artigo 2º. Item 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete se a adotar medidas, tanto
por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos
planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a
assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos
reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

Artigo 5º. Item 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos
fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções,
regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os
reconheça em menor grau.

Este princípio representa limitação ao Estado e ao poder constituinte originário. Apesar de


não limitado pelo direito positivo anterior, a doutrina moderna entende que este poder não é
totalmente imune ao direito.

Este princípio poderia se enquadrar, dentro da classificação do prof. Jorge Miranda sobre as
limitações ao poder originário, este princípio pode se enquadrar em limitações substanciais,
especialmente nas transcendentes que dizem respeito aos valores éticos superiores, DH,
consciência jurídica coletiva e direitos conectados à dignidade do homem e limitações
heterônomas, que derivam do direito internacional, incluindo o jus cogens e tratados
internacionais de DH.

Atenção! Este princípio é, em geral, conectado aos direitos sociais, prestacionais, e o prof.
Canotilho, ao tratar deste princípio, o estuda em relação aos direitos sociais e econômicos. O
STF tem aplicado este princípio especialmente no que se refere a direitos sociais.

Segundo o prof, contudo, este princípio deve ter aplicação nos demais DF, não havendo
qualquer incompatibilidade quanto à sua aplicação aos direitos civis e políticos clássicos.

72
Vejamos:

Pacto de San José da Costa Rica, de 22/11/1969 (Convenção Americana de Direitos Humanos)
– Decreto Presidencial 678/1992:

Art. 4º (Direito à Vida). (...)

Item 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta
pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em
conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido
cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente .

Item 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.

Há previsão expressa de vedação ao retrocesso quanto à pena de morte, o que se relaciona


diretamente a direito civil clássico, que é o direito à vida.

Art. 29 (Normas de Interpretação).

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

(...)

b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de
acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que
seja parte um dos referidos Estados.

Isto representa o princípio aplicado a outros direitos além dos direitos sociais.

CESPE - Opinião restritiva - vedação ao retrocesso aplicável somente aos direitos sociais;

MPF - Visão ampliativa do princípio;

o) Concorrência;

Os DF concorrem entre si, se autolimitam, podendo haver situação em que dois DF sejam
aplicados um concorrendo com o outro, devendo-se buscar cedência recíproca para que
um direito não aniquile o outro.

Autores como Gilmar Mendes, contudo, entendem a concorrência como algo que significa
que determinada situação ou conduta pode ser subsumida no âmbito de proteção de
diversos DF, que podem ser exercidos cumulativamente em um mesmo caso concreto.

p) Universalidade.

Tem premissas cujas raízes remontam à antiguidade, tendo sido impulsionada pelo
constitucionalismo norte-americano e francês.

A universalidade teve que ser reconstruída no pós II-GM após os retrocessos ocorridos na
Guerra, com esforço na reconstrução da ideia de universalidade, tendo como marco a
afirmação da dignidade da pessoa humana, que é a base da universalidade dos DH e DF.

- Planos da Universalidade

1) Plano da Titularidade (amplitude subjetiva);

Os DH e DF são universais pois todos os seres humanos são titulares de DH.

2) Plano Temporal (amplitude atemporal);

Os DH são universais pois estão presentes em todas as épocas da história;

73
3) Plano Cultural; e

Os DH são universais pois estão presentes em todas as culturas, independentemente do


regime cultural, ideológico, político ou religioso vigente;

4) Plano da Vinculação.

Os DH são universais pois obrigam a todos - Estados, legisladores, PJ, particulares,


agentes públicos, Poder Judiciário, etc.

O reconhecimento de que determinado direito deve ser considerado humano universal


depende de processo temporal, histórico.

Há, portanto, processo de universalização, ainda que seja forçada pelo jus cogens,
formada por normas cogentes no âmbito internacional, que ocorre de forma progressiva, e
não instantânea, o que faz com que alguns Estados reconheçam alguns direitos
fundamentais e outros não.

Alguns aspectos da universalização reconhecem ou sugerem haver níveis hierarquizados de


desenvolvimento cultural, com estágios diferentes de culturas, algumas avançadas, que
reconhecem DH, e outras em estágio inferior de desenvolvimento racional, por não reconhecer
DH, o que é complicado, pois se procura impor determinada visão de mundo, o que traz
problemas a culturas distintas. A universalidade esbarra neste problema. A universalidade
permite às minorias a tomada de consciência da opressão que sofrem, oferecendo
esperança de libertação de tais condições. Há ideia básica de que os DH devem ser
universais ao menos para assegurar a liberdade de escolha das pessoas, pois a
autonomia é característica do ser como pessoa.

Ainda assim, a ideia de liberdade é vinculada à formação cultural ocidental.

Na doutrina, muitos autores buscam conciliar as diferenças culturais com os DH.

As melhores soluções trabalham com a ideia de diálogos interculturais (Habermas)

Joaquim Herrera Flores, nesta linha, propõe que a universalidade seja de


chegada/confluência e não de partida. Deve-se afirmar o que são DH universais não no início
do diálogo entre as culturas, mas deve ser alcançada ao final do diálogo intercultural, em que se
define quais são os DH universais, sem que haja imposição/sobreposição cultural.

A universalidade não significa que todos os DF serão usufruídos por todas as pessoas de
forma indistinta, pois há alguns direitos fundamentais e humanos dirigidos para fruição
específica de determinados grupos de pessoas, mas serão universais na medida em que
todas as pessoas na mesma situação exercerão os mesmos direitos humanos e
fundamentais.

# PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS

Desde o caso LUFF (1958) decidido pela corte federal constitucional da alemanha, a doutrina e
jurisprudência tem entendido que os DF existem em perspectiva objetiva, e não só em
perspectiva subjetiva, havendo dupla dimensão dos DF.

1) Perspectiva (ou dimensão) subjetiva

Corresponde ao modelo histórico dos DH e DF, que entende que esses direitos são
subjetivos dos indivíduos, exigíveis juridicamente, em especial do Estado. Significa que
os cidadãos possuem a faculdade de agir em face do Estado para dele exigir atuação ou
abstenção ligada à dignidade da pessoa humana. São direitos que podem ser judicializados,
exigidos judicialmente do Estado.

74
Atualmente, concebe-se direito subjetivo também em face de particulares (eficácia
horizontal dos direitos fundamentais);

2) Perspectiva (ou dimensão) objetiva

Não exclui a subjetiva, mas se agrega àquela. Significa que os DF e DH são também valores
ou finalidades dirigidos ao poder público, com eficácia dirigente, e também aos
particulares, na visão de deveres fundamentais. Assim, são além de situações que podem
gerar direitos subjetivos, representam os valores mais importantes de determinada
sociedade, exigíveis do poder público e dos particulares.

Prof. Daniel Sarmento: “A dimensão objetiva dos direitos fundamentais liga-se ao


reconhecimento de que tais direitos, além de imporem certas prestações aos poderes estatais,
consagram também os valores mais importantes em uma comunidade política.”

A perspectiva objetiva implica a existência de ordenamento axiológico objetivo, de ordem


de valores em determinada sociedade, e os valores mais importantes são DH e DF.

O mais comum é que essas dimensões coexistam, mas é possível que a dimensão objetiva
exista e independentemente da subjetiva, ou seja, é possível que um valor seja
constitucionalizado como DF sem que esteja ligado a uma relação subjetiva de DF respectiva
pela qual possa ser exigida judicialmente prestação correspondente do Estado.

DF em sua dimensão objetiva possui 2 funções principais: no campo da hermenêutica,


servem como vetores interpretativos de todo o sistema normativo, especialmente nas
decisões de controle de constitucionalidade, e cumpre função de servir como diretrizes
obrigatórias ao poder público e à sociedade e aos particulares em geral - submetidos a
deveres fundamentais, gerando obrigações para titulares dos mesmos direitos em
perspectiva subjetiva -, por força da eficácia dirigente ou irradiante dessas normas, visando à
concretização de DF, o que pode gerar direitos subjetivos infraconstitucionais.

O Estado exige do particular determinadas obrigações - o direito à vida gera direitos subjetivos
em relação ao Estado e outras pessoas, mas gera, ainda, obrigações, pois é valor fundamental.

# PLANOS DE EFICÁCIA DOS DH E DF

A doutrina reconhece 2 planos de eficácia: eficácia vertical e eficácia horizontal/privada.

1. Eficácia vertical: É aquela que se refere às relações entre o Estado e o Particular,


noção clássica na qual os DF visam a proteger o cidadão - credor- em face do
Estado- devedor; Essa eficácia opera entre a relação existente entre autoridade do
Estado e liberdade do cidadão. Essa noção nos leva a direitos subjetivos do cidadão
em face do Estado.

2. Eficácia horizontal: É relação privada, entre os particulares, entre PF e PJ entre si


próprias, que não descarta a eficácia vertical, agregando a ideia de que os DF
incidem também nas relações privadas, entre particulares, para que um particular
respeite os DH e DF entre os demais, evoluindo-se quanto à sua concretização, que não
depende de esforços somente do Estado, mas também dos indivíduos nas relações
privadas.

Nem todos reconhecem a incidência dos DF nas relações privadas. Dentre os que aceitam a
eficácia horizontal, há divergência quanto à aplicabilidade, pois alguns autores defendem que
os DF são aplicados indiretamente às relações privadas, através da lei. Para outros,
contudo, são aplicados imediatamente, desde logo, diretamente, sem necessidade de
interposição do legislador, a partir da própria Constituição.

- Posições doutrinárias a respeito da aplicabilidade dos DF às relações privadas:

75
1) Direitos fundamentais não se aplicam às relações privadas , sendo exigíveis apenas do
Estado;

Esta corrente não é aceita pela doutrina e jurisprudência;

2) Direitos fundamentais aplicam se às relações privadas indiretamente, através do legislador e


da lei comum;

3) Direitos fundamentais aplicam-se às relações privadas diretamente;

Daniel Sarmento: “(...) é possível concluir que, mesmo sem entrar na discussão das teses
jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, a
jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os direitos individuais consagrados
na Constituição na resolução de litígios privados.” (SARMENTO, Daniel. Direitos
Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 297).

STF: “O Supremo Tribunal Federal já possui histórico identificável de uma jurisdição


constitucional voltada para a aplicação desses direitos às relações privadas.” (STF, Min. Gilmar
Mendes, RE 201.819/RJ

STF: No RE nº 160.222-RJ (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 01/09/1995), discutiu se se


cometeria o crime de constrangimento ilegal o gerente que exige das empregadas de
determinada indústria de lingeries o cumprimento de cláusula constante nos contratos
individuais de trabalho, segundo a qual elas deveriam se submeter a revistas íntimas, sob
ameaça de dispensa.

Houve aplicabilidade direta dos DF neste caso.

STF:

No RE nº 158.215-RS (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 07/06/1996), a Segunda Turma


preconizou a incidência direta dos direitos fundamentais sobre relações entre particulares.
Tratava se da hipótese de um membro expulso de cooperativa sem o atendimento da garantia
do contraditório e da ampla defesa no âmago do devido processo legal

No RE nº 161.243-DF (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997), o Tribunal não admitiu que
a invocação do princípio da autonomia fosse argumento legítimo para discriminar nacionais de
estrangeiros no que concerne à percepção de benefícios constantes no estatuto pessoal de
determinada empresa, fazendo prevalecer a igualdade.

Houve aplicação direta do direito à igualdade;

No RE nº 201.819/RJ (rel. p. o acórdão Min. Gilmar Mendes), o STF afirmou a aplicação direta
dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa (art. 5°, LIV e LV, da CF ) em processo de exclusão de um sócio de uma entidade
privada.

Vale conferir o seguinte trecho da ementa:

“I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a


direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado,
mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares
em face dos poderes privados .” (RE nº 201.819/RJ)

O STF vem reconhecendo a aplicabilidade imediata dos DF às relações privadas, o que se


relaciona ao fato de que além de DF, há deveres fundamentais.

76
O capítulo I, do Título II, da CF/88 é denominado “dos direitos e deveres individuais e coletivos”,
reconhecendo-se esta ideia de forma implícita.

Ademais, a eficácia horizontal é reconhecida na Declaração Universal dos Direitos do Homem:


“Artigo 29. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade”.

Na CF há diversos dispositivos que trazem deveres fundamentais aos particulares em


geral, além do Estado.

Arts. 205, 225 (traz, ainda, relação intergeracional de direitos fundamentais) e 227, todos da
CF/88 - demonstram a eficácia horizontal dos DH.

Atenção! Além da eficácia vertical de DF travadas entre o Estado e as pessoas, e da horizontal,


há quem fale, como o prof. Sérgio Gamonal Contreras, em EFICÁCIA DIAGONAL DOS DF,
que seria relação de DF entre particulares em relação assimétrica entre si, com assimetria,
em que uma das partes é hipossuficiente, com fragilidade que deve ser considerada.

Ex. Relações de consumo; Relações trabalhistas;

No Brasil, na jurisprudência do TST, alguns julgados mencionam a eficácia diagonal.

1) Recurso de Revista nº 789478.2010.5.12.0014;

2) Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 77700 47.2009.5.04.0019.

# Teoria dos quatro status dos Direitos fundamentais (Georg Jellinek):

Para o autor, há 4 situações jurídicas ou 4 status do indivíduo frente ao Estado:

1) Status passivo (status subjectionis)

O sujeito está em situação passiva, de subordinação frente ao Estado, que tem deveres
frente ao Estado, que pode impor obrigações e proibições ao cidadão. Ex. Serviço militar
obrigatório.

2) Status ativo (status activus)

O indivíduo pode atuar, influir ativamente na formação da vontade do Estado, podendo


exercer seus direitos políticos, por exemplo, por meio do voto.

3) Status negativo (status libertatis) ;

Há esfera de liberdade do indivíduo na qual o Estado não pode interferir, que deve ser
respeitada pelo Estado, que são direitos de defesa frente ao Estado, podendo-se exigir do
Estado que não atue, que se abstenha de interferir na esfera de liberdade.

4) Status positivo (status civitatis)

O indivíduo pode exigir do Estado determinada prestação, com direito a que o Estado
preste determinados serviços; Ex. Prestações relativas ao direito à saúde e educação.

Essa doutrina se relaciona com o que se chama de espécies de direitos fundamentais;

1) Direitos de defesa (correspondem ao status negativo)

2) Direitos de participação (correspondem ao status ativo); e

3) Direitos a prestações (correspondem ao status positivo);

Aula 7

- Funções que podem ser exercidas pelos Direitos Fundamentais

77
1) Funções de Defesa (ou de liberdade);

Ligadas ao fato de que os DF servem para evitar abusos do Estado, relacionadas a


obrigações de não fazer por parte do Estado, relacionada a Direitos Fundamentais de
primeira geração, que correspondem ao status negativo na Teoria de Jellinek. Ex. Proibição
às prisões arbitrárias.

Esta obrigação de não fazer preserva esfera de liberdade dos indivíduos.

2) Funções de Prestação;

Referem-se ao fato de que Direitos Fundamentais servem para que o Estado seja obrigado
a prestar serviços, a legislar, a atuar positivamente em prol do indivíduo , exigindo não
apenas atuação negativa, mas atuações positivas, materializadas em prestações materiais
e normativas, que muitas vezes devem ser traduzidas em políticas públicas. Encontram-se
vinculadas aos direitos à prestações, ao status positivo, na classificação de Jellinek, e à
segunda geração de Direitos Fundamentais.

3) Funções de Proteção Perante Terceiros; e

O Estado tem posição de garantidor de não violação, por parte de terceiros, dos DF de
cada um. Esses direitos são exigíveis não só em relação de eficácia vertical, mas também de
eficácia horizontal, entre particulares, em que o Estado funciona como garantidor de que
esses direitos não sejam violados por particulares.

O prof. Canotilho em sua obra lembra que muitos direitos impõem ao Estado o dever de
proteção frente a terceiros, e o Estado é garantidor, não sendo garantia absoluta, mas sim
relativa.

No âmbito dessa função de proteção frente a terceiros, há algumas discussões:

- Proibição da proteção deficiente: o Estado deve proteger adequadamente os DF,


não podendo abusar ou prestar proteção deficiente desses direitos fundamentais.
- Existência de Direito Fundamental à segurança no sentido de ser direito
fundamental à eficiência processual penal do Estado, direito a que o Estado tenha
aparato investigativo e repressor de violações penais, pois essas violações ao
direito penal normalmente culminam a violações de direitos fundamentais de
particulares, e esse aparato deve ser justo e adequado, e a investigação e punição
deve ser feita nos limites da CF e das leis, para que não haja violação aos direitos
fundamentais dos que praticaram a infração penal e os direitos daqueles que
foram suas vítimas;
- Existência de mandados de criminalização : são ordens expressas do constituinte
ao legislador ordinário no sentido de que este utilize, sem prejuízo de outros
instrumentos, o Direito Penal como mecanismo de proteção de determinados
direitos fundamentais, ordenando que tipifique determinada conduta como crime, a
fim de combater a violação a direitos fundamentais. Ex. Art. 5º, XLII, XLIII, XLIV, CF;

4) Funções de Não discriminação

Significa que os Direitos Fundamentais servem para promover a igualdade material,


protegendo as minorias, com função contramajoritária, pois o Estado Democrático exige a
pluralidade social, a convivência pacífica de diversas formas de compreender o mundo, e a
vontade da maioria, embora importante, e que sempre que possível deva ser atendida,
não pode ultrapassar o limite dos direitos das minorias, e quando isto ocorre, ou seja,
quando implica a violações de Direitos Fundamentais das minorias, o Estado deve
exercer a função contramajoritária, para impedir tais violações.

Essa função é exercida, por exemplo, pelo STF. Vejamos:

78
A função contramajoritária do STF é ligada “ao relevantíssimo papel que compete a esta
Suprema Corte exercer no plano da jurisdição das liberdades: o de órgão investido do poder e
da responsabilidade institucional de proteger as minorias contra eventuais excessos da maioria
ou, ainda, contra omissões que, imputáveis aos grupos majoritários, tornem-se lesivas, em face
da inércia do Estado, aos direitos daqueles que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da
discriminação e da exclusão jurídica” (...), como, por exemplo, “grupos minoritários expostos a
situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal
condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta
exclusão”, a exemplo do que ocorre no caso das situações que envolvem uniões homoafetivas
(RE 4 77554/MG, Rel. Min. Celso de Mello, 01/07/2011).

Os DF são, portanto, oponíveis à maioria, e a concepção de Estado Democrático de


Direito, fundado na dignidade da pessoa humana, impede que a maioria imponha sobre a
minoria determinada visão de mundo, o que violaria a autonomia e a liberdade inerentes à
condição humanas, que só podem ser restringidas quando indispensáveis aos DF das
demais pessoas.

# CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Quanto ao conteúdo

a) Direitos fundamentais meramente formais

São os direitos formalmente incluídos na CF como Direitos Fundamentais, cujo conteúdo


não tem íntima relação com a dignidade da pessoa humana, e são meramente formais,
sem conteúdo típico de Direitos Fundamentais, e sua supressão não ameaça a dignidade
da pessoa humana. Ex. Art. 5º, XXIX, CF;

b) Direitos fundamentais materiais

São aqueles que têm conteúdo próprio de Direito Fundamental, cujo conteúdo está ligado
à dignidade da pessoa humana.

2. Classificação de Ruy Barbosa

Direitos: disposições meramente declaratórias, são os bens da vida que a CF decidiu


proteger;

Garantias: disposições assecuratórias, que limitam o poder em defesa de um direito,


mecanismos criados pela CF com a função de proteger direitos.

Ex. Direito de ir e vir; Garantia - HC;

Contudo, desde Sampaio Doria, essa divisão é contestada, pois declarar por escrito na CF um
direito, constitucionalizando-o é algo que em si mesmo significa uma garantia, mas pode
haver direito à utilização de garantia previsto na CF, e seriam categorias fluidas que não
poderiam ser categorizadas separadamente;

3. Classificação formal da CF/88:

a) Direitos individuais - art. 5º;

b) Direitos coletivos - art. 5º;

c) Direitos sociais - arts. 6º, 193 e ss.;

d) Direitos de nacionalidade - art. 12; e

e) Direitos políticos - arts. 14 a 17.

79
4. Gerações de Direitos Fundamentais:

# 1ª Geração de Direitos Fundamentais;

Surge no final do século XVIII, com a Constituição Norte-Americana de 1787 e a Revolução


Francesa, havendo separação entre sociedade e Estado, com a formatação de Estado liberal,
mínimo, que até então era visto como entidade que poderia culminar em poder absoluto, com o
absolutismo monárquico, e buscava-se acabar com isto e com a desigualdade formal, e havia,
portanto, série de direitos anti-estatais, em que o Estado seria mínimo, devendo garantir a
segurança, e as relações sociais e econômicas deveriam ser regidas pela mão invisível
do mercado, como dizia Adam Smith, e surgem direitos relacionados às funções de
defesa e liberdade, com direitos relacionados ao status negativo, direitos à liberdade,
representados pelos direitos civis e políticos do Estado, com obrigações de cunho
negativo, obrigações de não fazer, em que o Estado não deveria interferir na vida privada .
São direitos que exigem abstenções do Estado.

Ex. Direito à associação, reunião, à vida, à propriedade, à liberdade, à manifestação de


pensamento; Direitos de votar e ser votado;

# 2ª Geração de Direitos Fundamentais; e

No início do Séc. XX, como marcos históricos há a Constituição Mexicana de 1917 e a


Constituição de Weimar, de 1919, havendo modelo de Estado de bem estar social, o Estado
providência, com o início do constitucionalismo social, não se exigindo do Estado apenas
obrigações de não fazer, mas necessita-se que o Estado atue positivamente, prestando
serviços, falando-se dos direitos sociais, econômicos e culturais, com a ideia de
igualdade material de forma mais contundente. Há, agora, direitos relacionados à
prestação e status positivo do Jellinek, com direitos de cunho positivo, que impõem
obrigações de fazer - saúde, educação - que exigem que o Estado atue legislando, com Estado
de liberdades sociais, como os direitos trabalhistas, sem conteúdo prestacional - direito a férias,
sindicalização e repouso semanal remunerado.

Atenção! Nas Constituições Francesas de 1791 e 1793 houve a previsão de direitos


sociais, como o direito ao trabalho e à instrução, não sendo caracterizados como direitos
previstos no bojo do constitucionalismo social, como segunda geração de Direitos
Humanos, mas houve sua previsão formal.

Girondinos (defendiam largo reconhecimento dos direitos individuais) x Jacobinos


(defendiam largo reconhecimento dos direitos sociais) - conflito entre esses dois grupos
antes da edição da Constituição de 1793;

Segundo muitos autores, a Constituição Francesa de 1848, apontou na direção do que viria
a ser o Estado de bem estar social, como precursora deste movimento.

# 3ª Geração de Direitos Fundamentais.

Seriam os direitos de solidariedade, fraternidade ou cooperação. Tratam-se de direitos


transindividuais ou metaindividuais, de titularidade difusa/coletiva.

Os titulares desses direitos seriam as nações, povo, família, ou alguns grupos e


coletividades.

Direito à paz, autodeterminação, meio ambiente, desenvolvimento, conservação do patrimônio


cultural e público, etc.

- A ideia de “gerações” de direitos fundamentais foi desenvolvida por quem?

80
Karel Vasak: Texto publicado em 1977; e Palestra “Pelos Direitos Humanos da Terceira
Geração: os Direitos de Solidariedade” (Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em
Estrasburgo, 1979).

A doutrina costuma relacionar as três gerações de direitos humanos ao ideário da


Revolução Francesa:

1ª Geração - Liberdade;

2ª Geração - Igualdade; e

3ª Geração - Fraternidade.

# No plano do Direito internacional, a ordem de positivação não é a mesma. Esta ordem de


gerações diz respeito à positivação interna de direitos fundamentais.

Os direitos sociais foram positivados, inicialmente, na primeira metade do Séc XX e


depois houve a internalização dos direitos civis e políticos clássicos, a OIT positivou
primeiro os direitos sociais, e depois, por meio da ONU, na segunda metade do séc XX, foram
positivados os direitos civis e políticos clássicos.

Segundo a doutrina moderna, a denominação mais adequada seria a de dimensões de direitos


fundamentais, pois ao falar em gerações, há ensejo a ideia de substitutividade, como se
uma geração substituísse outra, e com os DH e DF, não é isto que ocorre, pois a relação é
de cumulação, e não de substituição.

# Variações doutrinárias acerca do conteúdo da 4ª Dimensão de Direitos fundamentais:

a) Direito à democracia, direito à informação e direito ao pluralismo, que são direitos decorrentes
da globalização política (Paulo Bonavides);

b) Direitos das minorias;

c) Direitos referentes aos “efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que
permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo” (Norberto Bobbio); e

d) Direitos intergeracionais, especialmente a uma vida saudável.

4ª Geração para Paulo Bonavides:

“A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta


geração, que, aliás, respondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.
São Direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua
dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar se no plano de
todas as relações de convivência”.

- Direitos intergeracionais e CF/88:

Os direitos intergeracionais são direitos entre as gerações, em que uma geração tem
direitos em relação a outra. Ex. Uma geração futura tem direitos em relação à geração
presente.

“Art. 225, CF/88. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

# Variações doutrinárias acerca do conteúdo da 5ª Dimensão de Direitos Fundamentais:

a) Para Paulo Bonavides é caracterizada pelo direito à paz mundial (migrou da 3ª para a 5ª)

81
b) para outros autores, seria referente a direitos ligados à internet, ao seu acesso, etc;

Fala-se, ainda, sobre outras gerações de direitos, também alvo de divergências, categorizados
como direito à genética, à água potável, à bioética, direitos dos animais, da natureza, e,
ainda, em direito ao patrimônio da humanidade.

- Bens que são Patrimônio da humanidade, de todos os povos:

Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, Paris, 1972):

1) Bens Culturais

a) Materiais; e

Ex. Ouro preto, centro histórico de olinda e salvador, brasília, missões jesuítas, etc.

b) Imateriais (Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003).

Samba de roda do recôncavo baiano, etc.

2) Bens Naturais

Costa do descobrimento, na Bahia, Fernando de Noronha, etc.

Direitos dos animais não humanos - não seria geração de DH, nem se fala em proteção de
direitos dos animais em visão antropocêntrica, mas sim em direito novo. Alguns autores
defendem que os animais podem ser vistos como sujeitos de direito. Vejamos:

CF/88:

“Art. 225. (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito [ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado], incumbe ao Poder Público: (…) VII- proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Este dispositivo daria ensejo a direito aos animais de não serem submetidos à crueldade.

REXT 153531/97, ADIN 2514, 1856, 4983 (o ministro Barroso distingue 2 correntes, uma que
fala em bem estar dos animais e outra em direitos dos animais, mas o STF entende que o
direito previsto no art. 225, § 1º, VII é direito humano de 3ª geração e não direitos dos
animais - ver julgado abaixo) e 494601/2019.

“(...)

BRIGA DE GALOS (...) MEIO AMBIENTE DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE


(CF, ART. 225) PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA
DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE (...)” (ADI 1856, Rel.
Min. CELSO DE MELLO, Pleno, j. em 26/05/2011)

Para alguns autores, pode-se, atualmente, falar não só em direitos dos animais, mas em
direitos da própria natureza, que, em si, poderia ser considerada sujeito de direitos, não
sendo nova geração de Direitos Humanos em visão antropocêntrica, mas sim
ecocêntrica.

- A natureza pode ser titular de direitos?

Constituição do Equador (2008):

82
“Art. 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que
se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales,
estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad
podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza.

Art. 72.

La naturaleza tiene derecho a la restauración. (…)”

# ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

A ampla violação de direitos fundamentais pode dar ensejo ao que se tem chamado de
configuração de um estado de coisas inconstitucional.

O Estado de Coisas Inconstitucional é caracterizado com a presença dos seguintes


requisitos:

1) Violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais;

2) Inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar


a conjuntura;

3) Transgressões que exigem a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma
pluralidade de autoridades.

Isto já foi aplicado no Brasil. Vejamos:

“(...) ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL CONFIGURAÇÃO . Presente quadro de


violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais
e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de
natureza normativa, administrativa e orçamentária , deve o sistema penitenciário nacional ser
caracterizado como “estado de coisas inconstitucional”. (...)” (ADPF 347 MC, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, Pleno, j. em 09/09/2015)

# LIMITAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nem tudo é DF e nem tudo está abrangido por um DF, protegido por DF, sendo importante
delimitar qual o âmbito de proteção de um DF, e só então pode-se dizer que determinado DF
foi limitado ou restringido.

- Há diferença entre:

1) Delimitação do âmbito de proteção de um direito fundamental; e

2) Limitação (restrição) de um direito fundamental.

Ex. Âmbito de proteção do DF à alimentação, previsto no caput do art. 6º, da CF - não é


irrestrito, não abrangendo direito de se alimentar em restaurante sofisticado, não representando
limitação ao DF, pois não está no âmbito de proteção a este direito.

A delimitação ao âmbito de proteção de um direito fundamental será realizada caso a


caso.

- O âmbito de proteção de um direito fundamental pode ser delimitado:

1) Pela própria Constituição; ou

Ex. Direito à educação, em que a CF disciplina o âmbito de proteção ao direito à educação -


Arts. 205 a 214, da CF;

83
2) Pelo Legislador ordinário, por delegação do constituinte (atividade de “conformação”, ou
de “regulação”).

Ex. Direito à moradia e à alimentação - a CF não disciplina a amplitude e conteúdo desses


direitos, e apenas os enuncia, competindo ao legislador, em sua atividade de conformação ou
regulação, delimitar e disciplinar o âmbito de proteção desses direitos.

- Teorias acerca das restrições aos DFs:

1) Teoria interna: os limites aos direitos fundamentais são “imanentes” aos mesmos, ou
seja, os direitos fundamentais já nascem com essas limitações, são limites “desde
sempre” ou “desde dentro”; e

2) Teoria externa: os limites aos direitos fundamentais são externos a eles.

A CF pode impor restrições ao DF (expressa restrição constitucional), ou pode ser feita


pelo legislador infraconstitucional, autorizada pelo constituinte (reserva legal de índole
restritiva).

# Possibilidades de limitação (restrição):

1) Pela própria Constituição:

a) Por outros direitos fundamentais (colisão);

É preciso conciliar os Direitos Fundamentais em jogo, o que se dará por meio da


ponderação ou concordância prática entre Direitos Fundamentais envolvidos no caso
concreto, o que se dará por meio da proporcionalidade ou da cedência recíproca, e um
Direito Fundamental não anula ou aniquila o outro, havendo cedência recíproca, em que,
em cada caso concreto, um direito cederá mais que o outro.

b) Por situações excepcionais (estado de defesa, estado de sítio);

Hipótese de limitação de direitos fundamentais em situações excepcionais de ameaça ao


Estado ou à sociedade, como em caso de estado de defesa e em estado de sítio.

- Restrição diante do estado de defesa:

Art. 136. (...) § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as
medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I- restrições aos direitos de : a) reunião,
ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de
comunicação telegráfica e telefônica; (…)

Restrição diante do estado de sítio:

Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua
execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o
Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.

c) Pela própria norma definidora do direito fundamental:

- Restrição imediata (direta) - estabelecida pela própria norma de direito


fundamental;
- Restrição mediata (indireta, por meio de reserva legal restritiva) - autorização para
que o legislador ordinário faça a restrição a um direito fundamental - Pelo legislador
ordinário (autorizado pela Constituição, na forma de reserva legal restritiva) - a norma
constitucional estabelece uma reserva legal restritiva, autorizando expressamente
que o legislador ordinário realize a restrição.

84
- A Constituição prevê a restrição de forma expressa e direta:

Art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”

Art. 5º, XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz (…)”; e

Art. 5º, XVI: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.”

- Restrição mediata (ou indireta):

A Constituição autoriza que a legislação ordinária restrinja o alcance de um direito


fundamental, estabelecendo uma reserva de lei restritiva, que pode ser de duas espécies:

1) Reserva (ou restrição) legal simples; ou

Há exigência de que eventual restrição ocorra por lei, sem exigência sobre conteúdo ou
finalidade da lei, com ampla liberdade concedida ao legislador ordinário quanto à edição
da norma.

Ex. Art. 5º, VII, XXVII;

2) Reserva (ou restrição) legal qualificada

A CF, além de autorizar a edição da norma, estabelece a finalidade da norma, meios a


serem utilizados para a restrição e condições especiais exigidas para a restrição. A
liberdade do legislador não é tão ampla neste caso, sendo sua atividade delimitada pelo
constituinte.

Ex. Art. 5º, XII, XIII CF;

O legislador pode limitar DF mesmo quando as disposições constitucionais que


asseguram esses DF não preveem de forma expressa a reserva legal de índole restritiva,
existindo autorização constitucional implícita para que o legislador restrinja Direitos
Fundamentais.

Gilmar Mendes diz que essa atividade legislativa restritiva está implicitamente autorizada
pela CF com base na cláusula da reserva legal subsidiária representada pelo princípio da
legalidade - art. 5º, II, CF - quando a própria norma de direito fundamental não autoriza que o
legislador limite o DF, subsidiariamente, aplica-se a cláusula de reserva legal subsidiária, e
essa norma traria autorização implícita para que o legislador restrinja direitos
fundamentais mesmo quando sua norma definidora não traga autorização expressa para
que a lei restrinja aquele Direito Fundamental.

A doutrina, contudo, lembra a possibilidade de abusos do legislador, e qualquer limitação de


Direitos Fundamentais deve ter autorização constitucional e deve obedecer a
determinados limites. Assim, o legislador, ao restringir Direitos Fundamentais, deve estar
autorizado de forma explícita em reserva legal simples ou qualificada, ou implicitamente,
pela cláusula de reserva legal subsidiária do princípio da legalidade, e em qualquer
situação, o legislador deve se prender a determinados limites, e então há OS LIMITES
DOS LIMITES.

A doutrina costuma classificar os limites aos direitos fundamentais da seguinte forma:

As principais classificações são as trazidas por Alexy e Canotilho. Vejamos:

- Classificação das limitações aos Direitos Fundamentais:

# Robert Alexy:

85
1) Restrições diretamente constitucionais:

-Explícitas; e

-Implícitas.

2) Restrições indiretamente constitucionais.

# Canotilho:

1) Limites constitucionais imediatos;

2) Limites estabelecidos por lei; e

3) Limites imanentes (limites constitucionais não escritos).

Outras classificações doutrinárias 1:

1) Restrições diretamente constitucionais;

2) Restrições indiretamente constitucionais; e

3) Restrições tácitas constitucionais.

Outras classificações doutrinárias 2:

1) Limites imanentes (não escritos); e

2) Limites exmanentes (escritos, previstos no próprio texto).

Esteja autorizado expressa ou implicitamente pela CF, o legislador ordinário estará


sempre limitado na tarefa de restringir Direitos Fundamentais, razão pela qual a doutrina
fala em LIMITES DOS LIMITES, que balizam a atuação do legislador ao restringir direitos
individuais. A tarefa do legislador de limitar direitos fundamentais possui limites, razão pela
qual se fala em limites dos limites, teoria que ganhou força na Alemanha, no pós II Guerra
Mundial, na Constituição de 49, para evitar a situação histórica anterior, em que foram
esvaziados os direitos previstos na Constituição de Weimar pela legislação nazista, e então se
chegou à conclusão de que seria necessária a limitação da atuação do legislador ao
restringir Direitos Fundamentais.

Segundo a doutrina brasileira, em especial de Gilmar Mendes, os limites dos limites


decorrem da própria Constituição, e dizem respeito a dois aspectos fundamentais:

1. A necessidade de proteção do núcleo essencial de direitos fundamentais;

Tem como objetivo evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental a partir de


restrições legislativas descabidas ou desproporcionais.

Alguns autores como Vieira de Andrade dizem que o núcleo essencial último de todos os
Direitos Fundamentais é a dignidade da pessoa humana como ser livre, que deve ser vista
como princípio geral do direito, sendo limite absoluto ao legislador ordinário.

A doutrina debate e afirma que cada direito fundamental tem seu próprio núcleo essencial,
que funciona como limite às possibilidades de restrição ao direito fundamental pelo
legislador ordinário, que não poderia esvaziar o núcleo essencial do direito fundamental
específico.

# Teorias sobre o núcleo essencial (núcleo duro) dos Direitos Fundamentais:

1) Teoria absoluta: cada direito fundamental possui um núcleo essencial, o qual pode
ser abstratamente determinado e, além disso, é intangível, absoluto, pois no

86
mesmo não é possível intervir em hipótese alguma” (Alexy); e - é possível
determinar em abstrato o núcleo essencial de cada Direito Fundamental;

2) Teoria relativa: o núcleo essencial de cada Direito Fundamental não pode ser
determinado abstratamente, pois “é aquilo que resta após o sopesamento [a
ponderação]”, sendo portanto relativo. É determinado caso a caso, após a
ponderação com outros direitos fundamentais. Nesse caso, “A garantia do
conteúdo essencial é reduzida à máxima da proporcionalidade” (Alexy) - não é
possível determinar abstratamente o núcleo essencial de cada direito
fundamental, o que seria possível tão somente após o sopesamento/ponderação
deste Direito Fundamental com outros;

A CF/88 não traz disposição expressa sobre a adoção da teoria absoluta ou relativa, mas o
destaque que a jurisprudência traz à ponderação sugere a preferência pela teoria relativa.

O princípio de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais pode vir em norma
expressa da CF ou pode ser postulado constitucional implícito, como é o caso da
proporcionalidade. Na CF, este princípio não é trazido explicitamente. A CF/88, contudo,
vedou expressamente qualquer proposta de EC tendente a abolir direitos fundamentais,
proibindo o poder de reforma que restrinja direitos e garantias fundamentais - art. 60, CF.
Assim, esta proibição se aplica à legislação ordinária, pois se o núcleo essencial está protegido
pelo poder de reforma, estará ao Poder Legislativo, ao legislador ordinário.

STF já se posicionou no sentido de que o legislador ordinário deve balizar sua atuação,
devendo respeitar a proporcionalidade e a razoabilidade. Vejamos:

“No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da
Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e
proporcionalidade das leis restritivas, especificamente das leis que disciplinam as qualificações
profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. (...) A reserva legal
estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da
liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial.” (RE 511961, Rel. Min
Gilmar Mendes, 17/06/2009). Vide ainda: ADI 3540 MC.

2. A necessidade de que as restrições feitas pelo legislador sejam claras,


determinadas, gerais e proporcionais.

- A atividade de impor limitações aos Direitos Fundamentais possui limites (“os


limites dos limites”), pois deve:

a) estar autorizada pela Constituição, de forma expressa ou implícita;

b) preservar o núcleo essencial do direito fundamental em questão;

c) observar a proporcionalidade e a razoabilidade; e

d) produzir normas claras e genéricas, sendo vedadas restrições casuísticas que violam a
igualdade.

- Entende a doutrina, ainda, que os Direitos Fundamentais não podem:

1) Justificar o ilícito;

2) Sustentar a irresponsabilidade civil;

3) Anular outros direitos constitucionais.

- Quanto aos limites de Direitos Fundamentais das pessoas que se encontram em


relações especiais de sujeição:

87
O que são relações especiais de sujeição?

Todas as pessoas estão sujeitas ao poder do Estado, é o status passivo de Jellinek, embora
este não seja absoluto, há autoridade em relação às pessoas, ainda que esta autoridade
seja limitada, há sujeição das pessoas ao Estado. O Estado exerce o poder sujeitando as
pessoas de diversas formas: legisla, obrigando a todos, julga lides, adota medidas de poder de
polícia, etc, o que atinge todas as pessoas. Existe relação geral de sujeição das pessoas ao
Estado.

Além dessa relação geral de sujeição, há situações nas quais algumas pessoas encontram-
se sujeitas ao poder do Estado de forma especial, quando os particulares mantém
relações com o Estado nas esferas mais íntimas da Administração Pública, no âmbito
interno dos órgãos e instâncias administrativas, como na condição de alunos em escolas
públicas, servidores trabalhando no interior da administração, situação de presos
inseridos no sistema carcerário, etc, havendo relações especiais de sujeição, que podem
ser voluntárias - decorrem da vontade - ou involuntárias - independentemente da vontade
do particular.

Durante algum tempo, especialmente na Alemanha, o entendimento era de que, no âmbito das
relações especiais de sujeição, não haveria verdadeiras relações jurídicas, e a lei, editada pelo
Poder Legislativo, não poderia interferir no âmbito interno da Administração, e seria imperativa a
autonomia administrativa plena, não incidindo o princípio da legalidade, sem controle judicial
dos atos praticados, sendo espaço livre de direito, submetido à vontade única do Estado, sendo
regido por direito de organização ditado pelo administrador, o que foi afastado pela
consolidação do Estado Democrático de Direito, e da expansão e consolidação dos
direitos fundamentais, e o marco de afastamento dessa concepção se deu quando o tribunal
constitucional alemão decidiu, em caso de violação de correspondência de preso, que as
violações de direitos fundamentais, mesmo ocorridas no âmbito interno da administração
só podem ser realizadas com base na lei, e não com base somente em norma
administrativa sem embasamento legal.

No âmbito das relações especiais de sujeição, os direitos fundamentais das pessoas


podem sofrer restrições mais severas que as que ocorrem no âmbito externo da
administração.

Internamente, há a necessidade de bom funcionamento da instituição e do serviço público,


o que autoriza que haja restrições maiores em âmbito interno da administração que no
âmbito externo.

Lei nº 7.210/1984:

Art. 41

Constituem direitos do preso: (...)

(...)

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros
meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. (...)

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV - poderão ser suspensos ou


restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Essas restrições devem ser proporcionais e razoáveis, com ônus de fundamentação mais
severo, e os limites dos limites devem ser mais severos, pois é mais factível que o Estado
pratique abusos nas relações especiais de sujeição que no âmbito das relações gerais de
sujeição.

88
# COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais não são absolutos e podem sofrer restrições, que podem ser
impostas por outros direitos fundamentais, em caso de colisão entre direitos
fundamentais, e ocorrerá, então, a imposição de restrições recíprocas.

Ex. - De um lado: manifestação do pensamento, liberdade de expressão e informação

Art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”;

Art. 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer


forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição”.

- De outro lado: proteção à intimidade, direito de resposta e possibilidade de indenização

Art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem”;

Art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Em caso de colisão de direitos fundamentais, um não revoga e nem anula completamente o


outro, o que pode ocorrer em caso de colisão de regras, mas não em caso de direitos
fundamentais. No caso de colisão de direitos fundamentais, os bens jurídicos em colisão
devem ser harmonizados, reduzindo-se o âmbito de alcance de cada um deles, devendo
haver ponderação entre ambos, o que será feito por meio da proporcionalidade e da
cedência recíproca, e, considerando-se as peculiaridades do caso concreto, determinar-
se-á o grau de cedência recíproca de cada direito no caso concreto, chegando-se à
conclusão de qual direito deve prevalecer no caso concreto específico.

A proporcionalidade pode ser vista como princípio, regra ou critério de solução de conflitos
de direitos fundamentais.

A ideia básica da proporcionalidade é de que o poder público deve agir com adequação e de
forma proporcional aos objetivos a serem alcançados, e que também assim deve ocorrer
nas relações entre particulares que envolvem Direitos Fundamentais, devendo haver
adequação entre os fins perseguidos e os meios utilizados para a obtenção de
finalidades.

Tem origem no direito anglo-saxão, no due process of law, ligados à necessidade de


proteção contra o arbítrio estatal, e impõe limites ao exercício do poder, avaliando atos que
recaem sobre direitos individuais, buscando verificar se os atos que os afetam estão
impregnados pela noção de justiça;

A proporcionalidade possui dupla dimensão: proibição do abuso, de vedação do excesso,


e da proibição da proteção deficiente, da vedação à proteção defeituosa, devendo o Estado
agir sem excesso e da maneira adequada para atingir determinada finalidade.

O STF já reconheceu essa dupla face. Vejamos:

“(...) O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas
margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e
necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as
medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição o que poderá
ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ––, deverá o
Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a

89
inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais” (STF, HC
104410/RS, R el. Min. Gilmar Mendes, j. em 06/03/2012)

Uma lei pode ser inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade por haver
excesso ou por haver proteção deficiente, e a atuação do Estado deve ser, portanto,
adequada, sem excessos e deficiente, sob pena de inconstitucionalidade.

STF e inconstitucionalidade por proteção insuficiente:

ADI 4066 e ADI 3937, j. em 24/08/2017; ADI 3407 e ADI 3470, j. em 29/11/2017 (vedação à
utilização ao amianto - prejudicial à saúde);

RE 646721 e RE 878694, j. em 10/05/2017 (igualdade do regime de sucessão de companheiros


em relação ao de cônjuges);

RE 778889, j. em 10/03/2016 (igualdade do prazo da licença adotante em relação à licença


gestante);

ARE 745745 AgR, j. em 02/12/2014 (assistência à saúde da criança e do adolescente);

ARE 727864 AgR, j. em 04/11/2014 (ausência de leitos na rede pública de saúde);

AI 598212 ED, j. em 25/03/2014, e RE 763667 AgR, j. em 22.10/2013 (implantação da


Defensoria Pública);

RE 581352 AgR, j. em 29/10/2013 (atendimento de gestantes em maternidades da rede pública


de saúde estadual);

RE 567985 e Rcl 4374, j. em 18/04/2013 (critério da miserabilidade para fins de benefício


assistencial)

STA 223 AgR, j. em 14/04/2008 (obrigação de oferecer à população níveis eficientes e


adequados de segurança pública); etc.

O mais comum é o reconhecimento da inconstitucionalidade no caso do excesso estatal, e


conforme a Doutrina Alemã, no caso de proibição de excesso, há análise de adequação aos
3 elementos constitutivos da proporcionalidade:

1) Adequação (idoneidade, conformidade) “O subprincípio da adequação preconiza que a


medida administrativa ou legislativa emanada do Poder Público deve ser apta para
o atingimento dos fins que a inspiraram. Trata-se, em síntese, da aferição da
idoneidade do ato para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado”
(Daniel Sarmento, “A ponderação de interesses na Constituição Federal”, Ed. Lumen
Juris, p. 87);

A adequação - a medida deve ser apta ao fim objetivado;

Necessidade - A medida deve ser a menos gravosa possível;

Proporcionalidade em sentido estrito - É preciso sopesar os princípios em jogo,


identificando o peso de cada um no caso concreto, para identificar qual deve preponderar
ou ceder mais na situação específica, considerando que os benefícios de uma medida
devem ser superiores aos malefícios causados pela medida.

2) Necessidade (exigibilidade, intervenção mínima) “O princípio da necessidade ou


exigibilidade, por sua vez, impõe que o Poder Público adote sempre a medida
menos gravosa possível para atingir um determinado objetivo . Assim, se há várias
formas possíveis de chegar ao resultado pretendido, o legislador ou administrador tem
de optar por aquela que afete com menos intensidade os direitos e interesses da
coletividade em geral. (...) se deve perseguir, na promoção dos interesses coletivos, a

90
menor ingerência possível na esfera dos direitos fundamentais do cidadão. ” (Daniel
Sarmento, op. cit., p. 88);

3) Proporcionalidade em sentido estrito (“mandado de ponderação”, exigência de


sopesamento, razoabilidade, justa medida): esse subprincípio “envolve, por seu turno,
uma análise da relação custo benefício da norma avaliada . Ou seja, o ônus
imposto pela norma deve ser inferior ao benefício por ela engendrado, sob pena
de inconstitucionalidade. Na verdade, o subprincípio da proporcionalidade em sentido
estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação.” (Daniel Sarmento, op.
cit., p. 89).

O STF entende desta forma. Vejamos:

“A legitimidade constitucional de toda intervenção do Estado sobre a esfera jurídica do particular


está condicionada à existência de uma finalidade lícita que a motive, bem como ao respeito ao
postulado da proporcionalidade (...) A intervenção estatal revela se, ademais, (i) adequada ,
quando relacionada ao fim a que se destina (ii) necessária, quando cotejada com possíveis
meios alternativos e (iii) proporcional em sentido estrito, quando sopesados os ônus e bônus
inerentes à medida restritiva .” (STF, ADIs 4679, 4747, 4756 e 4923, Rel. Luiz Fux, Pleno, j. em
08/11/2017)

O princípio da proporcionalidade foi positivado de forma implícita na CF com base no


estado de direito, princípio da igualdade, legalidade e devido processo legal.

Quanto ao direito infraconstitucional, a proporcionalidade foi positivada, por exemplo:

1) Na Lei 9.472/97, art. 179, § 1°: “Na aplicação de multa [por infração à legislação dos serviços
de telecomunicação serão considerados a condição econômica do infrator e o princípio da
proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção”;

2) Na Lei 9.784/99, art. 2°: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”

Vejamos a decisão do STF aplicando o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão,


para afastar o excesso:

“(...) Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei estadual. Obrigatoriedade de prestação do serviço


de empacotamento em supermercados . (...) a Lei nº 2.130/1993, do Estado do Rio de Janeiro,
padece de vício material. Isso porque a restrição ao princípio da livre iniciativa, protegido pelo
art. 170, caput, da Constituição, a pretexto de proteger os consumidores, não atende ao
princípio da proporcionalidade, nas suas três dimensões (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii)
proporcionalidade em sentido estrito. 4. A providência imposta pela lei estadual é inadequada
porque a simples presença de um empacotador em supermercados não é uma medida que
aumente a proteção dos direitos do consumidor, mas sim uma mera conveniência em benefício
dos eventuais clientes. Trata se também de medida desnecessária, pois a obrigação de
contratar um empregado ou um fornecedor de mão de obra exclusivamente com essa finalidade
poderia ser facilmente substituída por um processo mecânico. Por fim, as sanções impostas
revelam a desproporcionalidade em sentido estrito, eis que capazes de verdadeiramente falir um
supermercado de pequeno ou médio porte. 5. Procedência da ação, para declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 2.130/1993, do Estado do Rio de Janeiro (...)” (ADI 907, Rel.
p/acórdão Min. Roberto Barroso, Pleno, j. em 01/08/2017)

Aula 8

# DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF

91
Art. 5º, CF/88 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Questões sobre o artigo 5° da CF/88:

1) Quais são os seus destinatários/titulares?

Há dois grupos de destinatários expressos no caput do art. 5º: os brasileiros e estrangeiros


residentes no país, titulares dos direitos fundamentais previstos no supracitado dispositivo
constitucional.

- Todos os brasileiros usufruem igualitariamente de todos os direitos fundamentais, ou há


diferenças entre brasileiros no que tange à fruição de direitos fundamentais?

O dispositivo afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e
poderia-se imaginar, a princípio, que todos os brasileiros usufruem todos os direitos igualmente,
mas a igualdade não é medida desta forma.

A igualdade deve ser aferida assim: todos que se encontram em uma mesma situação
usufruem os mesmos direitos. Assim, é possível identificar grupos distintos de brasileiros e
direitos que são dirigidos apenas a brasileiros que se enquadram em determinada situação,
razão pela qual há Direitos Fundamentais dirigidos a grupos específicos de brasileiros e
Direitos Fundamentais titularizados por todos.

Em relação aos Direitos Fundamentais dirigidos a apenas parte dos brasileiros, pode-se indicar
a distinção entre brasileiros natos e naturalizados.

Os brasileiros naturalizados não possuem o mesmo tratamento jurídico dos brasileiros


natos, mas todos os brasileiros natos possuem o mesmo tratamento jurídico e todos os
brasileiros naturalizados possuem o mesmo tratamento jurídico quando o critério é da
nacionalidade nata ou secundária.

As diferenças entre os brasileiros natos e naturalizados só podem ser de natureza


constitucional, e a lei não pode trazer distinções, impossibilidade esta que se encontra no art.
12, § 2º, da CF, que afirma que a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados, salvo nos casos previstos na CF.

- Diferenças constitucionais entre brasileiros natos e naturalizados:

# Art. 5°, LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

O brasileiro naturalizado poderá ser extraditado nas hipóteses de crime comum praticado
antes da naturalização ou em caso de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes, e o brasileiro nato não poderá ser extraditado.

# Art. 12. (...) § 3°. São privativos de brasileiros natos os cargos:

I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

Incisos I a IV - linha sucessória presidencial, todos cargos privativos de brasileiros natos;

92
V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa (Incluído pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999).

Art. 103-B. (...) § 1º. O Conselho [Nacional de Justiça] será presidido pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente do
Supremo Tribunal Federal. (Redação da EC 61/2009)

Art. 119. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros, escolhidos:

I - mediante eleição, pelo voto secreto:

a) três juízes dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal; (...)

Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente dentre
os Ministros do Supremo Tribunal Federal (...).

Presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministros do TSE (3 eleitos dentre os ministros


do STF), presidente e vice do TSE: esses cargos só podem ser preenchidos por brasileiros
natos, pois só podem ser preenchidos por Ministros do STF, que devem ser brasileiros natos.

# Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República,


e dele participam: (...) VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e
dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a
recondução.

# Art. 222, caput e §§ 1º e 2º:

As empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens só podem ser de


propriedade de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos ou por pessoa jurídica
constituída sob as leis brasileiras e com sede no país (Art. 222, caput, redação da EC 36/2002).

Quando se tratar de pessoa jurídica voltada a atividades jornalísticas e de radiodifusão


sonora e de sons e imagens, pelo menos 70% do capital total e do capital votante deverá
pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez
anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo
da programação (Art. 222, § 1º, redação da EC 36/2002).

Em qualquer meio de comunicação social a responsabilidade editorial e as atividades


relativas à seleção e à direção da programação veiculada são privativas de brasileiros
natos ou naturalizados há mais de dez anos (Art. 222, § 2º, redação da EC 36/2002).

- Diferenças constitucionais entre brasileiros no gozo dos direitos políticos ou privados


deles:

Art. 5°, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Cidadão é o brasileiro no gozo dos direitos políticos, e somente este poderá propor ação
popular. Qualquer brasileiro que esteja privado dos seus direitos políticos não poderá ajuizar
ação popular.

# Há direitos que podem ou não ser usufruídos conforme o gênero. Vejamos:

93
Art. 5°. (...) I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição; (...)

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus
filhos durante o período de amamentação;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: (...)

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos


termos da lei;

É ação afirmativa com base no gênero.

Em relação às diferenças constitucionais de gênero, a Constituição traz tratamento jurídico


diferenciado relativo à aposentadoria de homens e mulheres, no art. 40, § 1º, III, alíneas a e
b, da CF, há previsão da aposentadoria voluntária de servidores públicos, e no art. 201, §
7º, I e II, aposentadoria dos segurados filiados ao regime geral da previdência social.

- O STF já se pronunciou sobre as razões constitucionais para diferenciação de direitos à


luz do critério de gênero, e o que fundamenta as distinções de gênero. Vejamos:

STF: “2. O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação
lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual. 3.
A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento
diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a
histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a
obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza
protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a
justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii)
observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades
no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em
consideração na interpretação da norma. 4. Esses parâmetros constitucionais são
legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese,
para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na
compensação das diferenças. (...)” (RE 658312, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, j. em
27/11/2014).

# Diferenças constitucionais entre brasileiros ricos e pobres:

- Há direitos voltados especificamente aos brasileiros hipossuficientes.

A condição econômica é um dos critérios constitucionalmente utilizados para diferenciar


brasileiros em diferentes grupos quanto à fruição de direitos fundamentais. Todos aqueles
que se encontrem na mesma situação usufruirão dos mesmos direitos fundamentais.

Art. 5°, LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos;

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

a) o registro civil de nascimento;

b) a certidão de óbito.

# Direito fundamental dirigido especificamente a estrangeiros:

Há direito fundamental não usufruído por nenhum brasileiro, mas somente por
estrangeiros.

94
- Art. 5°, LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de
opinião;

Os estrangeiros residentes no país consubstanciam o segundo grupo de destinatários


expressos do art. 5º da CF.

Como regra geral, os estrangeiros residentes no país usufruem os mesmos direitos


fundamentais titularizados pelos brasileiros, incluindo-se o direito à assistência social,
inclusive o direito ao benefício social previsto no art. 203, V, da CF/88.

STF:

“ASSISTÊNCIA SOCIAL – ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS – ARTIGO 203, INCISO


V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE. A assistência social prevista no artigo 203,
inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros
residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais.” (STF, RE 587970,
Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 20/04/2017)

Art. 203, V, CF - benefício assistencial devido a idosos ou pessoas com deficiência, em ambos
os casos quando haja situação de miserabilidade, caracterizada por renda per capita
familiar inferior a ¼ do SM, beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes
no país.

Nem todos os direitos fundamentais garantidos aos cidadãos brasileiros podem ser usufruídos
pelos estrangeiros residentes no brasil. Ex. Estrangeiros não usufruem direitos políticos como os
brasileiros, assim como os direitos relativos à propositura de ação popular, direitos exclusivos
dos brasileiros, que não serão usufruídos por estrangeiros residentes no país.

Exceção: Os portugueses com residência permanente no país em relação aos quais a CF


indica a quase-nacionalidade (Art. 12, § 1º, CF), poderão usufruir alguns direitos a mais que
os estrangeiros em geral residentes no país. Os portugueses residentes no Brasil, se houver
reciprocidade em relação aos brasileiros, poderão usufruir alguns direitos políticos, mas não
todos, não podendo ocupar espaços constitucionalmente reservados aos brasileiros natos, mas
terão condição jurídica similar à dos brasileiros naturalizados se houver reciprocidade em
Portugal em relação aos brasileiros lá residentes.

Ao contrário do que ocorre com as distinções entre brasileiros natos e naturalizados, a lei
comum pode estabelecer distinções jurídicas entre estrangeiros residentes no país e
brasileiros, desde que a lei respeite o princípio geral da igualdade, seja proporcional,
razoável, e desde que a discriminação tenha fundamento constitucional relevante.

STF: “A Constituição de 1988 não estabeleceu qualquer regra jurídica que interdite a distinção
entre brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que acontece com a situação do brasileiro nato e
do naturalizado, para a qual há explícita reserva constitucional acerca das hipóteses de
tratamento diferenciado (CRFB, art. 12, §2º). Destarte, é juridicamente possível ao legislador
ordinário fixar regimes distintos, desde que, em respeito ao princípio geral da igualdade
(CRFB, art. 5º, caput), revele fundamento constitucional suficiente para a discriminação,
bem como demonstre a pertinência entre o tratamento diferenciado e a causa jurídica
distintiva.” (STF, ADIs 4679, 4747, 4756 e 4923, Rel. Luiz Fux, Pleno, j. em 08/11/2017)

A lei não pode diferenciar brasileiros natos e naturalizados, mas pode criar distinções
entre brasileiros e estrangeiros.

- A menção feita no caput do art. 5º se dá aos estrangeiros residentes no país. E os


estrangeiros não residentes no país, como os turistas, por exemplo, usufruem os
mesmos direitos dos estrangeiros residentes no país?

95
Há na doutrina quem diga que os estrangeiros não residentes não usufruem os direitos
constitucionais do art. 5º, por não estarem incluídos expressamente no caput. José Afonso da
Silva, dentre outros, entende que somente os estrangeiros residentes no país usufruem
dos direitos subjetivos relativos aos enunciados constitucionais dos direitos e garantias
fundamentais, e os não residentes teriam proteção jurídica, mas não do art. 5º da CF, e
sim de outras normas jurídicas do direito internacional e direito interno
infraconstitucional. Essa posição não é majoritária, pois a doutrina majoritária e jurisprudência
do STF entendem que a interpretação do caput do art. 5º da CF não deve ser literal,
devendo se dar no sentido de que os estrangeiros não residentes no país também podem
usufruir direitos previstos no art. 5º da CF.

STF: “(...) Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar


mandado de segurança, como decorre da interpretação sistemática dos artigos 153, caput, da
Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LIX da Constituição atual.” (STF, RE 215267/SP, j. em
24/04/2001)

OBS: Há erro material na redação da ementa, o inciso correto é o LXIX;

“(...) ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL - IRRELEVÂNCIA - CONDIÇÃO


JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS – (...) O súdito estrangeiro, mesmo o não
domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do ‘habeas
corpus’ (...). A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro
não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer
tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. (...)” (STF, HC 94404, Rel. Min. Celso de
Mello, Segunda Turma, j. em 18/11/2008)

O estrangeiro não residente no país pode exercer Direitos Fundamentais previstos no art.
5º, da CF. É evidente que o estrangeiro não residente no país pode não usufruir de todos
os direitos usufruídos por estrangeiros residentes no país, como o benefício de assistência
social supracitado.

- Há direito fundamental no art. 5º da CF dirigido aos estrangeiros não residentes no país.


Vejamos:

Art. 5°, XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

OBS: A possibilidade de estrangeiros não residentes usufruírem certos Direitos Fundamentais


era reconhecida pelo STF sob a égide das Constituições anteriores, havendo decisões do STF
desde a década de 50 neste sentido.

OBS: A proibição à extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião aplica-se


também aos estrangeiros não residentes no país.

ATENÇÃO! O crime político previsto no art. 5º, inciso LII, não é o mesmo mencionado no art.
109, IV, da CF.

Art. 5°, LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…) IV - os crimes políticos e as
infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

A) O crime político previsto no art. 5º, inciso LII, da CF, é aquele definido como crime no
exterior, cuja prática eventual dos atos viola legislação estrangeira, tendo motivação de

96
natureza política. Assim, é crime definido como crime no exterior, e a violação é violação à
lei estrangeira.

B) Art. 109 - Trata-se de crimes definidos no Brasil como crimes políticos, de motivação
política. Embora exista discussão sobre a recepção integral ou não pela CF/88, os crimes
políticos, de competência da JF, são aqueles previstos na Lei de Segurança Nacional.

- Qual seria a distinção entre o crime político em que não é possível a extradição do estrangeiro
e o crime de terrorismo, repudiado pela CF?

- No crime político:

Há a prática de eventuais crimes contra a pessoa ou contra o patrimônio no contexto de


um fato de rebelião de motivação política (STF, Ext. 493).

- A Lei nº 13.260/2016 define o terrorismo:

Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste
artigo [no § 1º], por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e
religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado,
expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Conforme o STF, o terrorismo é:

“expressão de uma macrodelinquência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos


cidadãos e das sociedades organizadas, e constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade,
em relação ao qual a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato
terrorista atenta contra as próprias bases em que se apoia o Estado democrático de direito, além
de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas” (STF, Ext.
855).

- O terrorismo tem tratamento constitucional essencialmente distinto do crime político.

# Terrorismo:

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios: (...) VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Art. 5º. (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia
a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;

# Crime político:

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios: (...) X - concessão de asilo político (em caso de crimes políticos);

Art. 5º. (...) LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

O terrorismo e o crime político são temas absolutamente distintos.

Extradição 615, 794, 853, 994, 855, dentre outras, do STF, para estudar melhor o tema.

O terrorismo deve ser ato grave, perigoso para a sociedade como um todo, com
repercussão internacional, não sendo possível dizer que qualquer ato será considerado
terrorismo.

- Pessoas jurídicas de direito privado podem usufruir direitos fundamentais?

97
Ao adotar perspectiva puramente material para os direitos fundamentais, a resposta tende
a ser negativa, pois a perspectiva material diz que os direitos fundamentais são aqueles
necessários à concretização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao se adotar este
critério de forma absoluta, as PJ não poderiam usufruir DF por não possuírem o atributo da
dignidade da pessoa humana.

Embora a concepção clássica seja de que os direitos fundamentais pertencem à pessoa


humana, existem, no art. 5º da CF, certos direitos que podem ser usufruídos por PJ`s.

A doutrina e a jurisprudência adotam perspectiva que não é puramente material, mas do


ponto de vista formal para os Direitos Fundamentais, e, diante disso, PJ poderão usufruir
de certos direitos formalmente considerados na CF como Direitos Fundamentais.

José Afonso da Silva afirma que as PJ brasileiras podem usufruir de diversos direitos do art. 5º,
da CF, apresentando lista exemplificativa que inclui a legalidade, isonomia, direito de resposta,
sigilo de correspondência, inviolabilidade de domicílio, dentre outros.

- Há inciso no art. 5º que parece dirigir-se especificamente às PJ de Direito Privado. Vejamos:

Art. 5°, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Nem todos os DF podem ser usufruídos por PJ de Direito Privado, como o direito à vida, o
direito a ajuizar ação popular, dentre outros titularizados por pessoas físicas, em razão da
incompatibilidade biopsicológica.

STF: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular” (Súmula 365 do
STF)

- As PJ de Direito Público podem titularizar direitos fundamentais?

A concepção clássica dos Direitos Fundamentais afasta essa ideia, pois são direitos do
homem, do cidadão, exercidos em face do Estado, sendo direitos exercidos contra o
Estado, e não pelo Estado.
Adotando-se concepção formal dos Direitos Fundamentais, definidos como aqueles que
estão formalmente inseridos na CF, com essa natureza, a doutrina majoritária e a
jurisprudência admitem que PJ de Direito Público podem usufruir alguns direitos
previstos no art. 5º, especialmente os procedimentais.

- Exemplos de direitos que podem ser usufruídos por pessoas jurídicas, inclusive de
direito público:

Art. 5°. (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei;

Art. 5°. (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;

Art. 5°. (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;

Art. 5°. (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;

Art. 5°. (...) XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

Art. 5°. (...) LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

98
Art. 5°. (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal;

Art. 5°. (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; e

Art. 5°. (...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições
do Poder Público; (Vide: STF, RMS 22021, j. em 18/04/1995).

Alguns autores apontam que a dimensão objetiva dos DF auxilia a justificativa de que PJ de
Direito Público podem titularizar alguns direitos fundamentais, especialmente os de
cunho procedimental. A jurisprudência do STF se manifestou sobre o tema:

“(...) A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE


AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS
DE DIREITO PÚBLICO. - A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se
concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede
com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe para
legitimar-se constitucionalmente o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível
do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à
generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis
que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua
autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. (...)” (AC 2032 QO, Rel. Min.
Celso de Mello, Pleno, j. em 15/05/2008) Vide ainda: AC 3389 MC, decisão monocrática do Rel.
Min. Celso de Mello, j. em 21/06/2013.

- Nem todos os direitos fundamentais podem ser exercidos por PJ de Direito Público.
Ademais, pode haver restrições específicas à fruição de determinados Direitos
Fundamentais em determinadas situações. Vejamos:

“A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da


República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Súmula 654 do
STF).

Assim, o ente estatal que edita a lei não pode invocar a irretroatividade da lei por ele editada.

Ademais, é preciso ter cuidado com o reconhecimento de que PJ de Direito Público podem
usufruir de DF. Quando esses direitos são exercidos por PJ de Direito Público em face de outra
PJ também de Direito Público, a questão fica menos difícil, pois de qualquer forma, trata-se do
exercício de DF contra o Estado, ainda que exercido por uma PJ de Direito Público.

Ex. Estado de SP vs. União

Entretanto, quando PJ de Direito Público pretende exercer DF contra o particular, tratando-


se de exercício de direitos fundamentais materiais e não meramente procedimentais, a situação
torna-se dificultosa, pois há subversão completa da Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais, que em sua concepção clássica, são direitos exercidos pelo particular
contra o Estado, e aqui o que se propõe é que o Estado exerça Direitos Fundamentais
contra o particular.

A respeito disso, vejamos decisão do STJ:

“(...) DIREITOS FUNDAMENTAIS. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.


RECONHECIMENTO LIMITADO. (...) 2. A inspiração imediata da positivação de direitos
fundamentais resulta precipuamente da necessidade de proteção da esfera individual da pessoa
humana contra ataques tradicionalmente praticados pelo Estado. (...) 3. Em razão disso, de

99
modo geral, a doutrina e jurisprudência nacionais só têm reconhecido às pessoas jurídicas de
direito público direitos fundamentais de caráter processual ou relacionados à proteção
constitucional da autonomia, prerrogativas ou competência de entidades e órgãos públicos, ou
seja, direitos oponíveis ao próprio Estado e não ao particular. Porém, ao que se pôde
pesquisar, em se tratando de direitos fundamentais de natureza material pretensamente
oponíveis contra particulares, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nunca
referendou a tese de titularização por pessoa jurídica de direito público. Na verdade, há
julgados que sugerem exatamente o contrário, como os que deram origem à Súmula n. 654,
assim redigida: ‘A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição
da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado’. 4. Assim, o
reconhecimento de direitos fundamentais - ou faculdades análogas a eles - a pessoas
jurídicas de direito público não pode jamais conduzir à subversão da própria essência
desses direitos, que é o feixe de faculdades e garantias exercitáveis principalmente
contra o Estado, sob pena de confusão ou de paradoxo consistente em se ter, na mesma
pessoa, idêntica posição jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor
de direitos fundamentais, incongruência essa já identificada pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional Alemão (...). 5. No caso em exame, o reconhecimento da possibilidade teórica de
o município pleitear indenização por dano moral contra o particular constitui a completa
subversão da essência dos direitos fundamentais (...).” (RESP 1258389, Rel. Min. Luís Felipe
Salomão, 4ª Turma, j. em 17/12/2013).

STJ:

“O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, consoante o qual é
impossível à pessoa jurídica de Direito Público (Administração Pública direta, autarquias,
fundações públicas), de índole não comercial ou lucrativa, ser vítima de dano moral por
ofensa de particular, já que constituiria subversão da ordem natural dos direitos
fundamentais.” (REsp 1505923/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em
21/05/2015, DJe 19/04/2017).

Assim, nem todos os Direitos Fundamentais podem ser usufruídos por PJ de Direito Público,
situação nebulosa quando a PJ de Direito Público pretende exercer DF em face do particular.
Em relação a direitos procedimentais não há muito problema, mas em relação a direitos
materiais, o STJ afirma que não podem ser exercidos pelo Estado em face de particulares,
a princípio, mas a doutrina admite em algumas situações que alguns direitos materiais
podem ser exercidos por PJ de Direito Público, como o caso do direito à propriedade.

2) Como é a sua aplicabilidade?

- Art. 5º, CF. (...)

§ 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Os Direitos Fundamentais, como regra geral, devem ter a máxima aplicabilidade possível.

O § 1º trata de aplicação e não propriamente de aplicabilidade, e a aplicação não se


confunde, necessariamente, com aplicabilidade imediata.

A aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais significa que
esses direitos e garantias previstos nessas normas podem ser judicialmente exigidos
desde logo, independentemente de se tratar de norma de aplicabilidade imediata ou não.
Aplicação imediata está vinculada à possibilidade de os DF serem judicialmente exigidos desde
logo, independentemente de a sua aplicabilidade ser mediata ou imediata.

A aplicabilidade imediata de uma norma constitucional significa a desnecessidade de


intermediação legislativa para concretizar o seu conteúdo, ao contrário da aplicabilidade

100
mediata, em que é necessária a atuação do legislador para concretizar o conteúdo da
norma constitucional.

Como regra, todos os direitos e garantias fundamentais terão aplicabilidade imediata, de eficácia
plena ou contida, não necessitando de intermediação legislativa para que o seu conteúdo seja
concretizado.

É possível encontrar normas de eficácia limitada, de natureza programática, que precisam


do legislador para a concretização de seu conteúdo.

- Há incisos do art. 5º que mencionam a necessidade de lei ordinária, o que não significa que se
esteja diante de norma programática, mas apenas de uma norma de eficácia contida, de
aplicabilidade imediata.

Ex.

Art. 5º. (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 5º. (...) LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei.

Assim, a menção a lei não significa que seja norma programática, de aplicabilidade mediata,
podendo estar referida em dispositivo constitucional de eficácia contida, ou seja, que não
precisa dela para se concretizar, mas que admite que a lei faça restrição ao seu conteúdo. É
o caso dos supracitados dispositivos, que possuem aplicação e aplicabilidade imediata,
podendo existir as leis ordinárias, mas não são necessárias para a concretização do
conteúdo do direito fundamental, podendo restringir o alcance do seu conteúdo.

- Por outro lado, muitas vezes encontra-se menção a uma lei em dispositivo que aparentemente
não tem aplicabilidade imediata, podendo-se buscar a aplicabilidade imediata. Vejamos:

Art. 5º. (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 5º. (...) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;

Neste caso, pode-se entender que se tratam de normas de aplicabilidade mediata, ou seja,
que a lei é necessária para a concretização dos direitos fundamentais, mas pode-se, em
exercício de hermenêutica, buscar aplicabilidade imediata, independentemente da lei,
podendo-se extrair do inciso XXXII, o princípio do in dubio pro consumidor, aplicável
desde logo, independentemente da lei. No inciso XLI, é possível extrair-se princípio in
dubio pro Direitos Fundamentais, imediatamente aplicável, independentemente da lei,
ainda que o dispositivo possa conduzir a norma programática, de aplicabilidade mediata,
pensando-se em promoção efetiva da defesa do consumidor por parte do Estado em
forma de lei específica, bem como em lei que sancionará todas as discriminações
atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais.

É válido ressaltar que independentemente dos princípios de hermenêutica, a lei é necessária


para a concretização dos direitos fundamentais, ou seja, para a efetiva proteção do consumidor
e para a punição das discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.

- Pode-se encontrar dispositivos que mencionam a necessidade de lei e que indicam


aplicabilidade por meio do legislador, aplicabilidade mediata, excepcionando a regra geral,
como nos dispositivos abaixo elencados. Vejamos:

101
Art. 5º. (...) XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua
atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

Não é possível a proteção da pequena propriedade rural sem uma lei que concretize o seu
conteúdo.

Art. 5º. (...) XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz


humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que


participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e
associativas.

Art. 5º. (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para
sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos
nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Art. 5º. (...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei;

Art. 5º. (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;

Em todos esses casos, há exceção à aplicabilidade imediata, que é regra, sendo hipóteses de
normas de aplicabilidade mediata, que necessitam de leis ordinárias para a concretização
de seu conteúdo, o que é comum, também, no âmbito dos direitos sociais, assim, as
normas são de eficácia limitada e aplicabilidade mediata ou indireta.

Assim, pode-se concluir que o art. 5º, § 1º, da CF, ao definir a aplicação imediata, desde logo,
estatui ainda, presunção relativa de aplicabilidade imediata e plena eficácia para as
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, admitindo-se excepcionalmente
a aplicabilidade mediata - José Afonso da Silva, Ingo Wolfgang Sarlet.

- Ingo Wolfgang Sarlet:

Os poderes públicos devem extrair a maior eficácia possível das normas de direitos
fundamentais, as quais só podem ser entendidas como programáticas
fundamentadamente e em hipóteses extremas, dando-se prevalência à sua máxima
efetividade.

Assim, somente excepcionalmente pode haver normas de direitos fundamentais programáticas,


que necessitam da lei para a concretização do seu conteúdo. Assim, sempre que possível,
normas de DF devem ser consideradas norma de eficácia plena ou contida, pois assim a
aplicabilidade será imediata, mas excepcionalmente sua natureza pode ser programática,
com aplicabilidade mediata/indireta.

Quando a norma de direitos ou garantias fundamentais for de aplicabilidade imediata ou


autoaplicável, haverá direito líquido e certo e a sua aplicação imediata, ou seja, a
possibilidade de ser imediatamente judicializada se revela pela possibilidade de se exigir
judicialmente a concretização do direito fundamental, inclusive por meio de MS.

102
- Quando a norma de direito ou garantia fundamental for de aplicabilidade mediata, não
autoaplicável e programática, podem ocorrer duas situações:

A) A lei já foi editada, e o legislador já atuou, não havendo omissão legislativa, e nesse caso, o
direito será líquido e certo e a aplicação imediata mencionada no § 1º do art. 5º se revela pela
possibilidade de o interessado ajuizar as ações competentes, inclusive o MS.

B) A norma é de aplicabilidade mediata, não autoaplicável, e o legislador ainda não atuou, havendo
omissão legislativa. Neste caso, não há direito líquido e certo.

- Assim, como se pode dizer que a norma possui aplicação imediata, nos termos do
art. 5º, § 1º?

Neste caso, há a possibilidade de o prejudicado, pela omissão legislativa, ajuizar


Mandado de Injunção, sendo possível a judicialização, ainda que a norma seja
programática, não impedindo o recurso ao Poder Judiciário em caso de omissão
legislativa, garantindo aplicação imediata. Inclusive no Mandado de Injunção, é possível
utilizar a analogia para concretizar o direito excepcionalmente não regulado pela lei.

STF:

“Impenhorabilidade da pequena propriedade rural de exploração familiar (CF, art. 5º, XXVI):
aplicação imediata. (...) A falta de lei anterior ou posterior necessária à aplicabilidade de regra
constitucional - sobretudo quando criadora de direito ou garantia fundamental -, pode ser
suprida por analogia: donde, a validade da utilização, para viabilizar a aplicação do art. 5º, XXVI,
CF, do conceito de ‘propriedade familiar’ do Estatuto da Terra.” (STF, RE 136.753, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, j. em 13.02/1997)

OBS: Quando excepcionalmente estivermos diante de norma definidora de DF programática,


caso seja editada a lei necessária à aplicabilidade imediata da norma constitucional, essa lei
poderá posteriormente ser simplesmente revogada?

Ex. Art. 5º. (...) XXXII: O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Questão: O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) pode ser simplesmente


revogado?
Não é possível uma lei revogar uma lei anterior sem trazer dispositivos no lugar, retomando o
vazio legislativo que implicaria afetar a norma constitucional que já podia ser concretizada,
retomando situação anterior. Assim, admitida a hipótese, o vazio jurídico implicaria o
retrocesso da aplicabilidade da norma definidora de direitos e garantias fundamentais.
Essa lei pode ser revogada se outro diploma normativo vier em seu lugar, não sendo
possível voltar ao vazio jurídico.

Não se trata de entender lei dessa natureza como norma constitucional interposta, o que não é
admitido pelo STF, mas se reconhece que determinados efeitos do dispositivo constitucional que
excepcionalmente cria norma de direito fundamental programática, combinado com o art. 5º, §
1º, da CF, impede o vazio legislativo, a revogação, e um dos efeitos reconhecidos pela
doutrina em relação às normas programáticas é a eficácia impeditiva do retrocesso
social, não sendo possível retroceder socialmente, algo que se aplica especialmente aos
direitos sociais, aplicável também aos direitos fundamentais em geral. É possível a
substituição das normas, mas não o retorno ao vazio legislativo.

Em razão disso, a Constituição impõe duplo dever em relação ao legislador quanto às


normas definidoras de DF de natureza programática: legislar, editando-se a lei necessária
à aplicabilidade da norma de DF e após o cumprimento do dever de legislar, impõe-se o
dever de preservar a legislação editada.

103
O descumprimento total do dever de legislar pode caracterizar inconstitucionalidade por
omissão total, ou o seu cumprimento parcial, de forma insuficiente, pode caracterizar
inconstitucionalidade por omissão parcial, ou violação à proporcionalidade, que tem
duplo aspecto, podendo ser violada pelo excesso, mas também pela proteção insuficiente
do ser humano no que se refere a um direito fundamental.

Quanto ao dever de preservar a legislação, uma vez editada a norma infraconstitucional


necessária à aplicabilidade de uma norma constitucional excepcionalmente programática
de Direito Fundamental, essa norma não pode simplesmente ser revogada, sob pena de
violação ao art. 5º, § 1º, da CF, e ao princípio da proibição do retrocesso.

- A concretização de direitos fundamentais vinculados a prestações positivas, como


direitos culturais, econômicos e sociais, enfrenta dificuldades adicionais quando
comparados à concretização dos direitos individuais clássicos, que podem ser
concretizados mais facilmente. Ex. Proibição da prisão arbitrária, bastando-se orientação
no sentido de que agentes de segurança de estado não prendam fora das hipóteses de
decisão judicial fundamentada e flagrante.

Em caso de direitos prestacionais, é dificultosa a sua concretização, por haver grande


incidência de normas programáticas, necessidade de políticas públicas complexas para a
sua implementação e a necessidade de dispêndio de recursos financeiros mais
significativos. Assim, a concretização plena dos direitos prestacionais em geral é desafio maior
que a concretização plena dos direitos individuais civis clássicos. Por isso, muitos autores
entendem que os Direitos Fundamentais vinculados a prestações positivas são
concretizados na medida do possível e do razoável, à luz da TEORIA DA RESERVA DO
POSSÍVEL ou TEORIA DA ESCOLHA TRÁGICA, assim denominada por alguns autores.

Assim, os direitos fundamentais prestacionais seriam concretizáveis, aplicáveis até o


limite dos recursos disponíveis, das possibilidades orçamentárias, financeiras e humanas
do Estado. Essa teoria tem origem em decisões da Corte Constitucional Alemã, da década de
70, em julgado, especialmente, onde se discutia limite de vagas nas Universidades Públicas da
Alemanha. Aplicou-se a teoria da reserva do possível, em que a atuação positiva, o direito a
oferecimento de mais vagas em universidades públicas dependia da reserva do possível, só
sendo cabível exigir-se do Estado aquilo que é razoável supor ao Estado prestar, não sendo
possível ao Estado prestar às pessoas tudo por elas desejável, sendo exigível somente o
razoável frente às possibilidades financeiras do Poder Público. Assim, deve-se considerar
a disponibilidade fática e jurídica, por parte do Estado, dos recursos materiais e
humanos, o que se conecta com diversos temas como disponibilidade financeira e
orçamentária e razoabilidade da prestação exigida diante dos recursos financeiros
disponíveis.

A reserva do possível não pode ser utilizada como desculpa para nada ser realizado, pois dizer
que o Estado não precisa prestar nada em nome da reserva do possível seria fraude aos direitos
fundamentais prestacionais. Ademais, não cabe sua aplicação quando esta tese implicar
negativa de vigência ao núcleo essencial de um direito fundamental . Além disso, ainda que
se aceite a tese da reserva do possível, deve ser assegurado a todos o mínimo
existencial.

- O que é o mínimo existencial? É o conjunto de bens e utilidades básicas minimamente


necessário para o ser humano sobreviver e exercer a sua liberdade e a sua autonomia.

A respeito, o STF se manifestou: “O núcleo material elementar da dignidade humana é


composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades
básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade.
Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade”. (STF, RE
835558, Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. em 09/02/2017)

104
É o núcleo material mínimo da dignidade da pessoa humana, é o necessário para a
sobrevivência e exercício da liberdade, pois sem o mínimo existencial, ainda que a
pessoa sobreviva, não terá dignidade, pois não terá a possibilidade de exercer sua
liberdade ou autonomia mínima como seres humanos, e na filosofia de Kant, o que difere
as pessoas das coisas, é que as pessoas têm dignidade, autonomia, são um fim em si
mesmo.

- O mínimo existencial existe na CF, e pode ser extraído de diversos dispositivos legais, como:

- Proteção da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF) - fundamento do Estado
Democrático de Direito;
- Previsão dos objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º, da CF,
intimamente ligados ao mínimo existencial;

A erradicação da pobreza e marginalização, redução das desigualdades, promoção do


bem de todos, etc, tudo conectado à garantia de mínimo existencial das pessoas;

- Previsão do SM, no art. 7º, IV, da CF, fixado em lei nacionalmente unificado deve ser
capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, com
reajustes periódicos que garantam sua subsistência;

STF:

“Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida
manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial
que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais
mínimas de existência. (...) Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do
possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...)” (ADPF
45 MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática de 29/04/2004).

O mínimo existencial deve, portanto, ser protegido da tese da reserva do possível, que
não pode tentar justificar o retrocesso de direitos fundamentais, e diversos autores
reconhecem a eficácia impeditiva do retrocesso social, que dá origem ao princípio da
proibição do retrocesso como um dos efeitos naturais das normas constitucionais e
programáticas.

Conforme ensina Canotilho, o princípio da vedação ao retrocesso pode ser denominado


princípio do não retrocesso social, princípio da proibição de contra-revolução social ou
princípio de proibição de evolução reacionária, e a doutrina fala, ainda, em efeito cliquet
como sinônimos da proibição do retrocesso.

Vedação ao retrocesso social segundo Canotilho:

“O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas


legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo
inconstitucionais quaisquer medidas estaduais [do poder público] que, sem a criação de
outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática de uma
‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, p. 321).

105
Em suma, a reserva do possível não pode justificar a omissão total das prestações relativas
aos direitos sociais, devendo ser assegurado o mínimo existencial, não podendo justificar
o retrocesso social e nem atingir o núcleo essencial dos direitos prestacionais.

O operador do direito em geral, ao encarar tal tema em situações concretas, relativas


principalmente a direitos sociais, admite-se que o Judiciário, nesse contexto, determine a
implementação de políticas públicas necessárias ao mínimo existencial das pessoas, o
que não significará ofensa à separação de poderes e nem ofensa à reserva do possível.

- STF:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS. (...) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
INOCORRÊNCIA. (...) 1. O entendimento adotado pela Corte de origem (...) não diverge da
jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o Poder
Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública
adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como
essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de Poderes. (...)”
(ARE 886710 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ª T, j. em 03/11/2015). Vide ainda no STF, por
exemplo: ADPF 45 MC; STA 175 AgR; AI 598212 ED; RE 581352 AgR; RE 763667 AgR; RE
642536 AgR; ARE 639337 AgR; STA 223 AgR; RE 410715 AgR; ARE 761127 AgR; ARE
894085 AgR; RE 684612 RG.

Quando o mínimo existencial não é atendido pelo Estado, é possível a judicialização da


questão, em razão da aplicação imediata dos DF, e é possível que o Judiciário determine
a aplicação de políticas públicas para assegurar o mínimo existencial, o que não fere a
separação de poderes e não encontra óbice absoluto na reserva do possível.

3) O rol de direitos é taxativo ou meramente exemplificativo?

Art. 5º. (...) § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.

Assim, pode haver direitos e garantias expressos não somente no art. 5º, da CF, mas em
toda a Constituição, o que não exclui outros direitos e garantias que podem ser
implícitos, decorrentes do regime e princípios adotados pela CF ou decorrentes de
tratados internacionais assinados pela República Federativa do Brasil.

Assim, o rol de direitos é materialmente aberto, chamada de CLÁUSULA DA


INESGOTABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ou FUNDAMENTALIDADE ABERTA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Cláusula de inesgotabilidade pois os direitos fundamentais previstos na CF não esgotam os


direitos fundamentais possíveis daquele regime constitucional.

Os direitos e garantias fundamentais encontram-se previstos em outras passagens da CF,


inclusive com aplicabilidade imediata, sempre que possível, e podem ser implícitos ou
decorrentes de tratados internacionais.

O § 2º do art. 5º traz a possibilidade de existência de direitos fundamentais implícitos,


decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição.

Ex. A doutrina e jurisprudência mencionam o direito à busca da felicidade, já aplicado no


âmbito dos EUA, não sendo direito à felicidade, pois não seria possível, já que é conceito
relativo, não podendo ser garantia jurídica, mas o que se pode garantir são os meios
necessários a cada um buscar sua felicidade, e o mínimo existencial traz essa ideia, pois

106
serão assegurados os meios mínimos para viver e exercer a liberdade e autonomia, que
serão exercidos buscando ser feliz da maneira que o indivíduo entender que deve fazê-lo.

No Brasil, tal direito não tem previsão expressa, mas é considerado Direito Fundamental
implícito por parte da doutrina e o STF já se manifestou sobre o tema. Vejamos:

- STF e direito à busca da felicidade:

“(...) Tenho por fundamental, ainda, (...) o reconhecimento de que assiste, a todos, sem qualquer
exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito,
que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial
dignidade da pessoa humana. (...)” (RE 477554/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. em
01/07/2011). Vide ainda no STF: ADI 3300 MC; STA 223 AgR; etc.

“(...) O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que
eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas
capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios
objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a
persecução das vontades particulares. (...) 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero
instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da
felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade
familiar em modelos pré-concebidos pela lei. (...)” (STF, RE 898060, Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j.
em 21/09/2016).

O Estado não pode impor modelo único de encontrar a felicidade, devendo oferecer meios
mínimos para que cada um busque a sua felicidade, a partir do exercício da liberdade e
autonomia.

- Direitos fundamentais decorrentes dos tratados de direito internacional

O Brasil aderiu ao Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, iniciado com a
declaração da ONU de 1948, e sobre este tema, imprescindível a leitura do art. 5º, § 3º, da CF.
Vejamos:

Art. 5º. (...) § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Os tratados e convenções internacionais de DH, quando aprovados em 2 turnos por quórum


qualificado de ⅗ são equivalentes a EC, possuindo natureza jurídica de Emenda Constitucional.

- Tipos de tratados no Brasil:

1) Tratados Internacionais comuns (com status de lei ordinária);

2) Tratados Internacionais de Direitos Humanos:

a) Anteriores à EC/45; e

b) Posteriores à EC 45, na forma do § 3º do art. 5º da CF/88.

O art. 5º, § 3º, da CF, introduzido pela EC 45, traz previsão de mecanismo especial de
alteração da Constituição, mecanismo especial de exercício do poder de reforma, pois a
CF é alterada para a inclusão de tratados de DH aprovados por quórum especial, que
passam a integrar o bloco de constitucionalidade.

Há discussão doutrinária relevante.

- Este dispositivo legal é constitucional ou inconstitucional?

107
1ª C: É inconstitucional, pois viola cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais,
pois os tratados internacionais de direitos humanos já eram equivalentes à EC antes da
introdução do supracitado dispositivo, exigindo-se quórum simples, e passou-se a exigir
quórum qualificado e 2 turnos de votação, dificultando o ingresso de tratados
internacionais de DH, o que o dota de inconstitucionalidade, já que os tratados
internacionais de DH já eram equivalentes às ECs por força do art. 5º, § 2º, que determina que:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.”

2ª C: É constitucional, não havendo qualquer inconstitucionalidade pois para esta corrente, o


art. 5º, § 2º nunca permitiu que tratados internacionais de DH tivessem força de emenda, e
a jurisprudência clássica do STF nunca conferiu a esses tratados, ingressados com base
no § 2º, a natureza de EC, ao contrário, o STF afirmava que o status era de lei ordinária,
fossem tratados que versassem sobre Direitos Humanos ou não.

A jurisprudência clássica do STF entendia que todos os tratados (de direitos humanos ou
não) têm força de lei ordinária (não poderiam sequer versar sobre matéria reservada à lei
complementar): RE 80.004/SE (01/06/1977); HC 72.131/RJ (22/11/1995); HC 73044/SP
(19/03/1996); RE 253071/GO (29/05/2001); RE 205962 AgR/SP (30/05/2003); ADI 1480 MC;
etc.

- Atualmente, há 4 correntes sobre a natureza jurídica dos Tratados de Direito Internacional de


Direitos Humanos anteriores à EC/45:

1. Hierarquia superior a todo o ordenamento jurídico nacional, inclusive à própria


Constituição, com hierarquia supraconstitucional;

2. Hierarquia constitucional, por força do art. 5º, § 2º;

3. Os tratados de DH anteriores à EC/45 têm natureza supralegal, inferior à CF mas


superior à lei comum - corrente majoritária;

4. Os tratados anteriores à EC/45 teriam natureza legal, status de lei ordinária;

A jurisprudência dominante no STF e na doutrina se dá no sentido de que tratados de DH


anteriores à EC/45 têm natureza supralegal, inferior à Constituição e superior à lei
ordinária, tornando inaplicável a legislação infraconstitucional, ordinária ou
complementar que com eles conflitem, seja a legislação anterior ao tratado (não teria sido
recepcionada a legislação) ou posterior ao ato de ratificação do tratado.

Desde o RE 466343 e o RE 349703 (j. em 03/12/2008) a maioria do STF passou a defender que
os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à EC 45/2004 subscritos pelo
Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação
infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de
ratificação.

“(...) Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da
Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do
depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos
lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém
acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de
direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele
conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. (...)” (RE 349703, Rel. p/ Acórdão
Min. GILMAR MENDES, Pleno, j. em 03/12/2008). Vide ainda: RE 466343; HC 90172; etc.

108
ATENÇÃO! O professor André de Carvalho Ramos, em sua obra Curso de Direitos Humanos,
anota que a tese da supralegalidade não apareceu pela primeira vez na jurisprudência do STF
nos supracitados julgados, mas sim que a tese apareceu pela primeira vez em outro
julgamento, na fundamentação do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do
HC 79785, em 29/03/2000, quando se discutia o duplo grau de jurisdição.

Esse tema ainda não é pacífico, sendo possível que o STF reconheça o status constitucional
dos tratados internacionais de DH anteriores à EC/45, pois há divergências entre os ministros.

Em voto no HC 87585 (j. em 03/12/2008) o Min. Celso de Mello, revendo sua posição, passou
a defender a tese da natureza constitucional:

“As razões invocadas neste julgamento, no entanto, convencem-me da necessidade de se


distinguir, para efeito de definição de sua posição hierárquica em face do ordenamento positivo
interno, entre as convenções internacionais sobre direitos humanos (revestidas de
‘supralegalidade’, como sustenta o eminente Ministro Gilmar Mendes ou impregnadas de
natureza constitucional, como me inclino a reconhecer) e tratados internacionais sobre as
demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com as
leis ordinárias). (...) É preciso ressalvar, no entanto, como precedentemente já enfatizado, as
convenções internacionais de direitos humanos celebradas antes do advento da EC n. 45/2004,
pois, quanto a elas, incide o parágrafo 2° do art. 5° da Constituição, que lhes confere natureza
materialmente constitucional, promovendo sua integração e fazendo com que se
subsumam à noção mesma de bloco de constitucionalidade”.

A posição do Min. Celso de Mello, fica clara ainda na seguinte decisão:

“Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo


interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do
Relator, Min. Celso de Mello, que atribui hierarquia constitucional às convenções
internacionais em matéria de direitos humanos.” (STF, HC 96772, 2ª Turma, 09/06/2009).

Atualmente, contudo, o STF entende majoritariamente que a natureza dos tratados


internacionais de DH internalizados antes da EC/45 é supralegal.

Aula 9

A questão da prisão civil do depositário infiel:

Houve colisão entre a CF/88 e a CADH (Pacto de San José da Costa Rica), sobre o tema da
prisão civil do depositário infiel.

- Constituição de 1988:

Art. 5º, LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

- Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica):

Art. 7º. (...) § 7º: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados
de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação
alimentar”.

No que se refere ao depositário infiel, a CF/88 admite a prisão daquele que esteja nesta
condição, o que não é admitido pela CADH.

O STF vedou a prisão civil do depositário infiel, seguindo a linha do Pacto de San José da
Costa Rica, e editou a SV 25, que determina ser ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito.

109
O STF não falou em inconstitucionalidade, mas sim em ilicitude. Assim, isto indica que o
tratado internacional de DH pode ampliar a proteção de Direitos Humanos dos cidadãos.
Muitos enxergam possibilidade de modificação informal da Constituição, por meio de
mutação constitucional. Vejamos:

STF: “PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida
coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas
subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). (...). É ilícita a
prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.” (RE
466343, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, j. em 03/12/2008)

Ao dizer que a previsão constitucional não subsiste, estaria o STF sugerindo mutação da
Constituição.

Essa linha, se seguida, daria ensejo à afirmação de que os tratados internacionais de DH


anteriores à EC 45 teriam natureza não supralegal, mas constitucional, por serem capazes de
alterar a Constituição. Esta, contudo, não é a tese prevalecente sobre o ocorrido no caso da
prisão civil do depositário infiel.

OBS 1: No STF há quem entenda que a Convenção não é norma constitucional, mas que
revogou as normas ordinárias:

“(…) o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º
do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e,
assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional – à falta do rito exigido
pelo § 3º do art. 5º –, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza
afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida.(…)” (HC 94013,
Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. em 10/02/2009)

Essa é a tese prevalecente, de que a CADH tem status supralegal, não alterando a
Constituição, mas por estar acima das leis ordinárias e complementares, o pacto se
sobrepõe às leis ordinárias brasileiras que possibilitam a prisão civil por dívida.

Assim, a Constituição autoriza que a legislação comum possa permitir a prisão civil do
depositário infiel, mas com a CADH, a legislação comum não pode prender o depositário
infiel, prevalecendo o pacto de San José da Costa Rica em face da legislação comum, que
revogou a legislação comum que regulava a matéria, razão pela qual a SV 25 afirma ser
ilícita e não inconstitucional a prisão civil do depositário infiel.

OBS 2: No STF também há posição acerca da aplicação da norma mais benéfica de direitos
humanos:

“HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO


QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e
Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados
internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como
aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente
em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a
dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica (...) Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o
Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser
humano.” (HC 96772, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. em 09/06/2009).

Essa linha não se afasta da anterior, sendo norma supralegal que prevalece em relação às
leis comuns e complementares, e é norma mais benéfica, sendo teses que não se
repelem, podendo ser utilizadas em conjunto.

110
# Audiência de Custódia.

O preso deve ser levado à presença do juiz imediatamente, não bastando a comunicação
da prisão. Neste caso, houve colisão entre a CADH e a CF/88.

- Constituição de 1988:

Art. 5º, LXII: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;”.

- Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica):

Art. 7º. (...) § 5º: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais
(...)”.

STF: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (...) AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. 1. A


Convenção Americana sobre Direitos do Homem, que dispõe, em seu artigo 7º, item 5, que ‘toda
pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz’, posto
ostentar o status jurídico supralegal que os tratados internacionais sobre direitos
humanos têm no ordenamento jurídico brasileiro , legitima a denominada ‘audiência de
custódia’, cuja denominação sugere-se ‘audiência de apresentação ’. (...) 11. Ação direta de
inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte, JULGADA
IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por
todos os tribunais do país.” (ADI 5240, Rel. Min. LUIZ FUX, Pleno, j. em 20/08/2015)

O STF entendeu que a CADH deve prevalecer na situação concreta. O reconhecimento de


que os tratados internacionais de DH são equivalentes à EC quando posteriores à EC 45 e
aprovados na forma do § 3º do art. 5º da CF ou supralegais quando anteriores à
supracitada EC introduz definitivamente no cenário brasileiro a figura do controle de
convencionalidade das leis, o que significa que as normas infraconstitucionais não
podem violar as disposições contidas nos tratados internacionais de DH os quais a
república federativa do Brasil seja parte, sejam considerados normas constitucionais ou
supralegais.

Os tratados internacionais de DH revogam as normas infraconstitucionais contrárias e


eles, que já existem no ordenamento jurídico, e seria FORÇA PARALISANTE, e impedem
que ingressem no ordenamento jurídico normas contrárias e eles, por meio de FORÇA
IMPEDITIVA.

Assim, os tratados internacionais de DH possuem FORÇA PARALISANTE e FORÇA


IMPEDITIVA, impedindo que normas infraconstitucionais contrárias a eles ingressem no
direito positivo.

Contudo, como se trata de objeto de estudo novo, não há forma única de compreender o
controle de convencionalidade. Na doutrina há posições distintas sobre o seu conceito.

Alguns autores como André de Carvalho Ramos mencionam que o controle de


convencionalidade é o controle realizado por órgãos do sistema internacional de
proteção aos DH, que seriam os responsáveis para verificar a conformidade ou não de leis
internas com tratados e convenções do Direito Internacional. Nessa visão, as normas
infraconstitucionais brasileiras se submetem a duplo controle, a pluralidade de ordens
jurídicas protetivas dos DH: controle de constitucionalidade nacional, exercido pelo
Poder Judiciário, em especial pelo STF, como guardião maior da CF, e a controle de
convencionalidade internacional, exercido por órgãos do sistema internacional de
proteção dos DH. Ex. Controle exercido pela Corte Interamericana de DH no que tange à
CADH.

111
Outros autores entendem que o controle de convencionalidade é feito em âmbito interno,
especialmente por órgãos jurisdicionais nacionais, tomando como parâmetro os tratados
internacionais de DH. Nesse caso do exercício interno pelos órgãos judiciais nacionais do
controle de convencionalidade, há quem entenda que este controle tem como parâmetro
superior todos os tratados internacionais de DH, tenham eles natureza constitucional, de
emenda ou natureza supralegal.

Outros entendem que o controle de convencionalidade interno se refere apenas aos


tratados supralegais, pois os tratados internacionais aprovados na forma do art. 5º,§ 3º,
dariam ensejo não a mero controle de convencionalidade, mas sim a controle de
constitucionalidade, pois com esta condição, tendo natureza de emenda, integrariam o
bloco de constitucionalidade brasileiro.

Quanto a tratados comuns, que não versam sobre DH, tem status de lei ordinária, e nesse
caso, a doutrina majoritária entende que o controle é de mera legalidade, e não de
convencionalidade, mas há quem entenda que os tratados comuns também teriam natureza
supralegal, e dariam ensejo a espécie de controle de convencionalidade.

STF: “A questão surgiu com a Emenda nº 45, que veio a conferir certas características especiais
às convenções sobre direitos humanos. Essa convenção [o Pacto de San José da Costa Rica]
foi anterior à Emenda nº 45, por isso que se gerou debate. Mas, mesmo que seja considerada,
como reza a jurisprudência do Supremo, uma norma de hierarquia supralegal (e não
constitucional), penso que o controle - que se poderia encartar no sistema de controle da
convencionalidade - deve ser exercido para aferir a compatibilidade da relação entre uma
norma supralegal e uma norma legal. E o exercício desse controle só pode ser da
competência do Supremo Tribunal Federal. De modo que não vejo nenhuma dificuldade
em exercer esse controle de convencionalidade no caso concreto.” (STF, ADI 5240, voto do
Min. Teori Zavascki, j. em 20/08/2015).

O controle de convencionalidade, considerado como realizado em âmbito interno pelos


órgãos jurisdicionais pátrios, pode ser realizado de forma abstrata - deve ser feito pelo
STF, através de controle abstrato e concentrado de convencionalidade - de forma concreta
pode ser feito por qualquer juiz ou tribunal nos casos concretos submetidos a seu exame,
sendo controle difuso e concreto de convencionalidade.

O mecanismo a ser utilizado para o exercício do controle de convencionalidade depende


da natureza do tratado internacional de DH.

No caso dos tratados internacionais de DH internalizados na forma do art. 5º, § 3º, da CF,
equivalentes às ECs e inseridos no bloco de constitucionalidade, o meio pode ser ação
qualquer no controle incidental de convencionalidade ou ação própria do controle
abstrato no STF, uma ADIN, por exemplo, pode ser utilizada, já que os tratados são
equivalentes às ECs e integram o bloco de constitucionalidade. Em relação aos tratados
anteriores à EC/45, com status supralegal, o controle deve ser feito em qualquer ação nos
casos concretos de forma incidental. Não há ação própria de controle concentrado de
supralegalidade. Assim, o controle concentrado será realizado no que se refere somente a
tratados internacionais de DH, equivalentes às ECs e que integram o bloco de
constitucionalidade.

# Considerando que as normas definidoras de Direitos e garantias fundamentais têm aplicação


imediata, os tratados internacionais de DH dispensariam a fase de promulgação dos tratados
em geral, bastando a ratificação e a entrada em vigor do tratado em âmbito internacional,
ou não?

- A integração dos tratados internacionais ao direito positivo interno depende da


obediência de processo legislativo de 4 fases:

112
1) Fase da assinatura (atribuição do chefe de Estado – presidente da república);

2) Fase da aprovação do Congresso Nacional (ou fase do decreto legislativo);

3) Fase da ratificação (celebração definitiva do tratado pelo Presidente da República); e

4) Fase da promulgação (ou fase do decreto presidencial de promulgação).

Os tratados internacionais de DH dispensariam a 4ª fase? A doutrina majoritária, como o prof.


André de Carvalho Ramos, entende que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que a
incorporação de tratados internacionais de DH não difere da incorporação dos tratados
em geral, dependendo do cumprimento das 4 fases do processo legislativo, inclusive a
fase de promulgação.

# Caso novo tratado internacional de DH não atinja a aprovação com o quórum de ⅗ dos votos
em 2 turnos de votação em cada casa, obtendo apenas o quórum de maioria e não o quórum de
⅗, esse tratado poderá ingressar na forma anterior, com natureza meramente supralegal,
sem ser considerado equivalente às ECS, ou não?

Há 2 posições sobre os tratados internacionais de DH após a EC/45:

1ª C: Esses novos tratados só podem ingressar no direito interno na forma do art. 5º, § 3º, da
CF, e nesses casos, ou ingressam no Brasil como equivalentes às ECs ou não são
internalizados no Brasil.

2ª C: TEORIA DO DUPLO ESTATUTO - Por esta teoria, novos tratados internacionais de


DH, posteriores à EC/45 podem ingressar no Brasil de 2 formas distintas, por isso duplo
estatuto: na forma do art. 5º, § 3º, da CF, equivalentes às ECs caso atinjam o quórum de ⅗
dos votos em 2 turnos de votação em cada casa, ou na forma anterior, com natureza
supralegal, se não obtiverem os supracitados requisitos, obtendo apenas maioria
simples, em turno único de votação em cada casa no CN - Doutrina de André de Carvalho
Ramos.

- Os limites ao poder de reforma aplicam-se aos Tratados Internacionais de DH


internalizados na forma do art. 5º, § 3º, da CF? Esses tratados são equivalentes às
ECs, e as emendas, fruto do poder de reforma, possuem limites constitucionalmente
estabelecidos, limites formais, circunstanciais, e limites materiais, as cláusulas pétreas.
Isso se aplica aos tratados internacionais internalizados nos moldes do supracitado
dispositivo constitucional?

Se entende que depende das naturezas das limitações. Quanto às limitações materiais, seria
incongruência imaginar que tratado internacional de DH violaria cláusula pétrea de
direitos fundamentais, deve ser aplicado o princípio da máxima proteção, prevalecendo a
norma mais benéfica, e o tratado de DH não poderia se sobrepor à Constituição.

Quanto aos limites formais, a iniciativa não se aplica aos tratados internacionais de DH,
que possui procedimento diferenciado. Contudo, o quórum de ⅗ e os 2 turnos de votação
se aplicam por força expressa do art. 5º, § 3º, da CF.

Quanto às limitações circunstanciais, segundo parte da doutrina, deveriam ser aplicadas


aos tratados internacionais de DH, embora o STF não tenha se manifestado sobre isto.

- O que ocorre com os DF reconhecidos em tratados internacionais sobre DH,


incorporados ao ordenamento jurídico nacional e que venham a ser denunciados
pelo Brasil - essa denúncia é possível? O que ocorre com esses DF?

Na doutrina, há muitas posições diferentes.

113
Segundo o professor, a melhor doutrina é a do Prof. André de Carvalho Ramos: em primeiro
lugar que toda denúncia de tratados internacionais de DH deve ser apreciada pelo CN com
quórum qualificado, de ⅗ em 2 turnos de votação - no caso dos tratados que tenham sido
aprovados na forma do art. 5º, § 3º, da CF. Além disso, defende que a denúncia não pode
contrariar o princípio da proibição do retrocesso. Por fim, defende que o Judiciário pode
fazer o controle de constitucionalidade da denúncia de um tratado internacional de DH,
especialmente diante da denúncia conduzir a retrocesso, o que é vedado pelo
ordenamento jurídico pátrio.

# TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

CF/88:

Art. 5º. (...)

§ 4°. O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha
manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Há posição minoritária no sentido de que o dispositivo seria inconstitucional, por ofender a


soberania brasileira. Essa posição é minoritária, pois o Brasil aderiu ao sistema
internacional de proteção aos Direitos Humanos, e essa previsão não é novidade na CF,
pois em norma originária, já havia previsão neste sentido, no ADCT, com previsão no art.
7º.

Art. 7°. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.

- Pode ser entregue brasileiro nato ao TPI?


- Pode ser entregue estrangeiro, se sujeito à pena de prisão perpétua no TPI?

Essas dúvidas dizem respeito a distinção entre entrega (“surrender”) ao TPI e extradição.

Em relação à extradição, não é possível extraditar brasileiro nato, ou extraditar ninguém


para cumprimento de pena de morte ou de pena superior a 30 anos.

O Brasil demonstrou ao longo dos anos, preocupação com a previsão da pena de prisão
perpétua no TPI, o que se deu em razão da vedação prevista na CF, no art. 5º, expressamente,
à prisão perpétua, mas o Brasil assinou o Tratado de Roma e o mesmo foi internalizado no
direito positivo.

Em relação aos supracitados questionamentos, não há certeza definitiva sobre isto, pois o STF
ainda não se manifestou.

- Distinção entre extradição e entrega (surrender)

“A extradição é termo reservado ao ato de cooperação jurídica internacional penal entre


Estados soberanos. Já o surrender ou entrega é utilizado no caso específico de
cumprimento de ordem de organização internacional de proteção de direitos humanos,
como é o caso do Tribunal Penal Internacional” (RAMOS, André de Carvalho. Curso de
Direitos Humanos).

Se essa linha for seguida, as limitações à extradição não se aplicam à entrega, superadas
as objeções à entrega de brasileiro nato ou de qualquer pessoa que possa ser submetida
à prisão perpétua no TPI.

- Os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º devem ser considerados


preceitos fundamentais?

A doutrina afirma que os direitos e garantias individuais do art. 5º devem ser entendidos
como portadores da natureza de verdadeiros preceitos fundamentais da ordem

114
constitucional. Por isso, a ofensa aos direitos e garantias individuais do art. 5º pode vir a
ensejar a interposição de ADPF, respeitados os contornos constitucionais da ação.

No STF, os direitos e garantias fundamentais e princípios fundamentais são considerados


também como preceitos fundamentais. Vejamos:

STF: “Preceito Fundamental: parâmetro de controle a indicar os preceitos fundamentais


passíveis de lesão que justifiquem o processo e o julgamento da argüição de descumprimento.
Direitos e garantias individuais, cláusulas pétreas, princípios sensíveis: sua interpretação,
vinculação com outros princípios e garantia de eternidade. Densidade normativa ou significado
específico dos princípios fundamentais.” (ADPF 33 MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. em
29/10/2003)

Assim, o STF entendeu que os direitos e garantias individuais foram considerados


preceitos fundamentais cuja lesão ou ameaça pode autorizar o ajuizamento de ADPF.

# Evolução histórica das declarações de direitos na Constituição de 1988

Desde a primeira Constituição, de 1824, sempre veiculamos catálogo de direitos


fundamentais inaugurado por dispositivo importante, que mencionava os principais
valores e grandes direitos.

- Constituição Brasileira de 1824:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por
base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte. (...)

É Constituição no modelo do constitucionalismo liberal, modelo então vigente. Para alguns


autores, essa Constituição foi a primeira a positivar DF, mas há divergência a esse respeito, pois
a Constituição Americana de 1787 já tinha o Bill of Rights, adotado em 1791, e há quem fale na
Constituição Belga de 1831, mas a primeira Constituição brasileira é mencionada como uma das
primeiras a trazer catálogo de DF.

- Constituição Brasileira de 1891:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade,
nos termos seguintes: (...)

Primeira Constituição Republicana, estendendo os direitos aos estrangeiros residentes


no país.

- Constituição Brasileira de 1934:

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)

A novidade é o direito à subsistência, que se pode entender como algo que preconiza a
ideia de mínimo existencial, o direito de existir com o mínimo de dignidade.

- Constituição Brasileira de 1937:

Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Houve a supressão do direito à subsistência de forma expressa no caput de declaração


de direitos.

115
- Constituição Brasileira de 1946:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)

Houve a inclusão do direito à vida.

- Constituição Brasileira de 1967:

Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...)

Não houve a veiculação de nenhuma novidade.

- Constituição Brasileira de 1969 (EC nº 1/69):

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...)

- Constituição Brasileira de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”

A novidade é a menção à igualdade, reforçada no caput do art. 5º, da CF, que começa
dizendo que todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza, com
menção expressa ao direito à igualdade.

Os 5 direitos referidos expressamente no caput do art. 5º da CF possuem íntima conexão com


a dignidade da pessoa humana.

1. Direito à vida na CF/88.

# Desdobramentos do direito à vida:

a) Existência;

- Conteúdo: “Consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a


própria vida, de permanecer vivo” (José Afonso da Silva)

- A vida é processo que abarca a existência, que possui início e fim, e entre o início e o
fim, há o ciclo vital, e durante o ciclo vital, pode-se falar em direito à existência, que é o
direito de estar vivo, de defender sua vida, de permanecer vivo. Há o direito de
permanecer vivo durante o ciclo vital, que possui início e fim.

- Termo inicial

O direito à vida, juridicamente falando, na projeção da existência, se inicia:

1) Concepção genética: a partir de novo conjunto genético (começaria com a


concepção, fertilização);

2) Concepção da nidação: o início seria com a fixação do óvulo na parede do útero;

3) Concepção embriológica: o termo inicial se daria na 3ª semana, quando formado


o embrião;

116
4) Concepção nemológica: o termo inicial se daria com a atividade cerebral (entre
a 8ª e a 20ª semana);

5) Concepção ecológica: o termo inicial da projeção da existência teria como


marco a capacidade de sobreviver fora do útero, pulmões prontos (entre a 20ª e a
24ª semana); e

6) Concepção personalista: o termo inicial se daria com a atribuição da


personalidade, ou seja, com o nascimento com vida.

# Correntes doutrinárias sobre o nascituro:

1) Teoria natalista: a personalidade tem início a partir do nascimento com vida. Não há
direitos sem sujeito, e o nascituro não é um ser humano já formado;

2) Teoria da personalidade condicional: o nascituro tem personalidade, sob a condição de


que nasça com vida; e

3) Teoria concepcionista: desde a vida intra-uterina o nascituro é pessoa, sendo titular de


direitos:

a) Desde que haja vida viável, a partir da nidação; ou

b) Desde a fertilização pura e simples.

No Brasil, esses temas foram tangenciados em decisões do STF. Vejamos:

# STF: Posicionamento sobre pesquisas com células tronco

“III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS


INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe
sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e
qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria
de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias
‘concepcionista’ ou da ‘personalidade condicional’). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa
humana’ e até dos ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea está falando de direitos
e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’, entre outros direitos e garantias
igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao
planejamento familiar). Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser
objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser
protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição . IV -
AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. (...) Para que ao
embrião ‘in vitro’ fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria reconhecer a ele o
direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição”. (ADI 3510, Rel. Min. Ayres
Britto, Pleno, j. em 29/05/2008)

# STF: Aborto do feto anencéfalo

“ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto
às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ –
MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE –
AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se
inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta
tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.” (ADPF 54, Rel. Min. Marco
Aurélio, Pleno, j. em 12/04/2012)

# STF:

117
“3. (...) é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do
Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência
a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização,
nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da
proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais:
os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a
manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de
fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem
sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher,
já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se
respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto se acrescenta o impacto da
criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal
brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas,
recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como
consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6. A tipificação
penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela
constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida
do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país,
apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a
ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais
como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho,
mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por
gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios. 7.
Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo
trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados
Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-
se a decisão aos corréus.” (HC 124306, Rel. p/Acórdão Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, j. em
09/08/2016, acórdão publicado em 17/03/2017).

A personalidade começa com o nascimento com vida, e direitos conferidos ao nascituro


são legalmente conferidos, mas há debate sobre o início da vida e início ao direito à vida.

Quanto ao início da vida, há discussão acerca do marco exato, o que se dá no âmbito do direito
e das ciências biológicas. No campo do direito, o STF já afirmou que a Constituição não dispõe
sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que começa a vida humana. Quanto ao
início do direito à vida, o STF afirmou que quando a Constituição fala em direito da
pessoa humana ou direitos e garantias da pessoa humana como cláusula pétrea, refere-
se a indivíduo, pessoa, pessoa humana, ou seja, alguém que nasceu com vida, pois
somente esse é pessoa, já que o início da personalidade se dá com o nascimento com
vida, o que não impede que os momentos da vida humana anteriores ao nascimento
sejam objeto de proteção pelo direito comum. Essa é a posição do STF.

À luz do CP, dispositivos como o DIU, que impedem a nidação, não são considerados
criminosos, pode-se considerar que desde a nidação, há proteção da futura pessoa humana.
Contudo, há decisão do STF afirmando que é preciso conferir interpretação conforme à CF
quanto ao crime de aborto, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da
gestação efetivada no primeiro trimestre. Assim, conforme o entendimento da 1ª turma, a
proteção da vida humana não começaria na nidação, mas sim após o terceiro mês de gestação.

- Termo final da vida na projeção da existência : morte, que pode ser natural ou
provocada.

Considera-se morte a ausência de atividade cerebral, a morte encefálica. Não se considera


como morte a ausência de atividade cardíaca ou cardiorespiratória.

118
A morte obedece convenção para fins jurídicos. Essa convenção já foi a ausência de
batimentos cardíacos e de atividade cardiorespiratória. Para fins de direito, a morte passou a
ser ausência de atividade neurológica.

O tema é regulado pela Lei 9.434/97:

“Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do
Conselho Federal de Medicina.”

Houve redefinição da convenção humana sobre a morte em todo o mundo, que passou a ser
considerada a morte encefálica.

Em princípio, toda morte provocada é ofensiva ao direito à vida. O ciclo vital deve ser
encerrado com a morte natural.

A interrupção da vida que leva à morte provocada é ofensa, juridicamente ao direito à


vida. Há exceções, como a legítima defesa e estado de necessidade.

Ademais, a pena de morte é admitida em hipótese de guerra declarada. É morte provocada


que não violaria o direito à vida, juridicamente admitida.

Pena de morte na CF/88:

Art. 5°. (…) XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional
ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas
mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;

Mesmo em caso de guerra externa, a pena de morte deve obedecer à proporcionalidade.


Não é qualquer ato que pode levar à pena de morte.

# Pena de morte no CPM (Dec. Lei 1001, de 21/10/1969):

Art. 55. As penas principais são:

a) morte; (…)

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

Art. 57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado,
ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a
comunicação.

Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser


imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares.

Este é o regramento da pena de morte no ordenamento jurídico pátrio. Os crimes apenados


com pena de morte são os previstos no CPM, nos artigos 355 a 408.

É válido ressaltar que há tendência mundial de abolição da pena de morte. Todos os países que
integram a UE ratificaram o Protocolo nº 6, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
relativo à abolição da pena de morte. A abolição da pena de morte é uma das condições
necessárias para a adesão à UE.

119
Em 2002, foi vedada a pena de morte em relação a pessoas com deficiência mental, e em 2005,
determinou-se que a aplicação da pena de morte a pessoas que cometeram crimes antes dos
18 anos é inconstitucional - EUA.

b) Dignidade da pessoa humana;

Não basta o direito à existência, pois a existência deve ser digna. A dignidade da pessoa
humana é considerada atualmente fundamento do próprio direito, da Constituição, do
Poder Constituinte, etc.

A dignidade é princípio e valor fundamental. A ideia de dignidade sofreu influência do


pensamento de Kant.

Relação entre pessoas e coisas (Immanuel Kant):

1) PESSOA:

- É um fim em si mesmo;
- Possui dignidade;
- Deve ser dotada de autonomia; e
- É insubstituível.

2) COISA:

- É um meio, um instrumento para realizar a dignidade;


- Possui um preço:
- Econômico; e/ou
- Afetivo

Ao retirar a dignidade de alguém, trata-se a pessoa como se coisa fosse, retirando-lhe a


autonomia e dignidade.

STF: “Vivemos a era neokantiana. Ainda no Século XVIII, Immanuel Kant nos ensinava que,
independente de nossas crenças religiosas, é uma exigência da racionalidade reconhecer que o
ser humano não tem preço, tem dignidade, e que não é possível fazer dele meio para a
consecução do que quer que seja. É a sobrepujança do ser sobre o ter. A cada dia essa
lição, cravada no art. 1º, III, da Carta de outubro, nos revela novas nuanças, em um aprendizado
perene.” (voto do Min. Luiz Fux na ADI 4424, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 09/02/2012).

- A dignidade da pessoa humana tem menção expressa na Declaração Universal dos


Direitos do Homem:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família


humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e
da paz no mundo, (…)

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de
razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

# A dignidade é referida expressamente em diversas passagens da CF/88. Vejamos:

- Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

120
- Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

A finalidade da ordem econômica apresenta-se como assegurar a todos a existência


digna.

- Art. 226. (...) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da


paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo
ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,
vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

A dignidade da pessoa humana é um dos pilares do planejamento familiar, ao lado da


paternidade responsável.

- Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (redação da EC 65/2010).

A expressão dignidade da pessoa humana é expressão redundante, pois quem tem


dignidade são as pessoas, e não as coisas. Outros seres que não os seres humanos, como
os animais e as plantas, não estão incluídos no debate. Ademais, para muitos, a dignidade não
é direito fundamental, como lembra Walter Claudius Rottenburg, se fosse direito, seria direito
preponderante que sempre se imporia aos demais, e não é passível de ponderação, não
concorrendo com os demais direitos fundamentais, que existem para proteger a dignidade da
pessoa humana. Um direito é considerado como fundamental pelo fato de ser ou não
indispensável à dignidade da pessoa humana, considerando-se os direitos fundamentais
em ponto de vista material. A dignidade da pessoa humana ao mesmo tempo, é princípio e
fundamento, seria o princípio de maior hierarquia da CF, nos termos do que entende o
prof. Ingo Sarlet, e seria o fundamento maior do poder constituinte, do direito, do estado
democrático e da república federativa (art. 1º, III, CF), e o fundamento também dos
direitos fundamentais.

Dizer que a dignidade da pessoa humana é fundamento dos direitos fundamentais,


significa que a fundamentalidade de um direito está ligada à dignidade. Um direito pode ser
compreendido como direito fundamental ou por estar previsto formalmente na CF (critério
formal), ou porque seu núcleo essencial é indispensável à concretização da dignidade (critério
material). Adotando-se o critério material, pode-se dizer que todo Direito Fundamental,
inclusive o direito à vida, tem lastro na dignidade.

Ademais, como lembra o professor Walter Claudius Rothenburg, quando há colisão entre
Direitos Fundamentais, há conflito de dignidades, sendo necessário deliberar qual deve
prevalecer e em que medida.

Ex. Dignidade da pessoa que fotografa outra e publica a imagem como parte de seu trabalho x
dignidade da pessoa fotografada e que tem direito à intimidade.

Walter Claudius Rothenburg: A dignidade não deve ser entendida de ponto de vista
individual, pois é exercida no bojo das relações com os demais seres humanos,
relacionada com a solidariedade, implicando na existência de deveres fundamentais, e
não apenas de direitos.

Vejamos as decisões do STF que versam sobre a dignidade da pessoa humana:

121
STF: “O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao
racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de
condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.” (HC 82424, Rel. p/ Acórdão: Min.
Maurício Corrêa, Pleno, j. em 17/09/2003 – “Caso Ellwanger”)

STF: “O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por
si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da
pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada a sua condição
de princípio fundamental da República (art. 1º, inciso III, da CF/88). Por outro lado, incontroverso
que essa mesma dignidade se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que
o apenado idoso estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não
podem ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado.” (HC
83358, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, j. em 04/05/2004)

STF: “(...) 2. Paciente primária, de bons antecedentes, com emprego e residência fixos, flagrada
com pequena quantidade de maconha quando visitava o marido na penitenciária. Liberdade
provisória deferida pelo Juiz da causa, posteriormente cassada pelo Tribunal de Justiça local.
Mandado de prisão expedido há cinco anos, não cumprido devido a irregularidade no
cadastramento do endereço da paciente. Superveniência de doença contagiosa [AIDS],
acarretando outros males. Intenção, da paciente, de entregar-se à autoridade policial. Entrega
não concretizada ante o medo de morrer no presídio, deixando desamparada a filha menor. A
afirmação da dignidade da pessoa humana acode à paciente. (...) De vingança se trata, pois é
certo que manter presa em condições intoleráveis uma pessoa doente não restabelece a ordem,
além de nada reparar. A paciente apresenta estado de saúde debilitado e dela depende,
inclusive economicamente, uma filha. Submetê-la ao cárcere, isso é incompatível com o direito,
ainda que se possa ter como adequado à regra. (...) Ordem deferida, a fim de que a paciente
permaneça em liberdade até o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.”
(HC 94916, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, j. em 30/09/2008)

STF: “(...) 1. O Supremo Tribunal Federal já decidiu ser lícito ao Judiciário impor à Administração
Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais, tendo em conta a supremacia da dignidade da
pessoa humana (RE 592.581-RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) (...)” (RE 930454 AgR, Rel.
Min. ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, j. em 26/08/2016).

STF: “(...) 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a
licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade
entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e
do interesse superior do menor. (...) 4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para
eleger seus projetos de vida. (...) 5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova
compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do significado atribuído à
licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo
entendimento do STF.” (RE 778889, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. em 10/03/2016)

STF: “(...) Acesso de paciente à internação pelo sistema único de saúde (SUS) com a
possibilidade de melhoria do tipo de acomodação recebida e de atendimento por médico de sua
confiança mediante o pagamento da diferença entre os valores correspondentes.
Inconstitucionalidade. (...) O procedimento da “diferença de classes”, tal qual o atendimento
médico diferenciado, quando praticados no âmbito da rede pública, não apenas subverte a
lógica que rege o sistema de seguridade social brasileiro, como também afronta o acesso
equânime e universal às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde,
violando, ainda, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.” (RE 581488,
Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, j. em 03/12/2015)

122
c) Integridade; e

O direito à integridade abrange a integridade física e moral.

Existe preocupação constitucional especial em relação à integridade física e moral de um grupo


de brasileiros: os presidiários, que se encontram em relação especial de sujeição com o Estado.

Todos os indivíduos possuem relação de sujeição em relação ao Estado, mas alguns


grupos possuem relação especial de sujeição, grupos formados por pessoas que se
encontram dentro dos órgãos e instituições do aparelho Estatal.

- Há preocupação constitucional em relação aos presos.

# Proteção à integridade física e moral do preso na CF/88:

a) ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante (5°, III);

b) a lei considerará a tortura crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, e por ela
responderão os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem (5°, XLIII);

c) não haverá penas cruéis (5°, XLVII, e);

d) é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (5°, XLIX);

e) a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente


ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (5°, LXII);

f) o preso será informado dos seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado (5°, LXIII);

g) o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório
policial (5°, LXIV);

h) a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (5°, LXV); e

i) ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com
ou sem fiança (5°, LXVI).

As hipóteses de prisão são hipóteses constitucionalmente previstas. A prisão deve ser


estritamente necessária e deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária se
ilegal. Todos esses direitos possuem a finalidade de garantir a integridade física e moral
do preso, prevenindo, inclusive, a tortura nessas hipóteses.

A tortura é vedada pelo sistema internacional de proteção aos DH e pela CF/88.

- A tortura é vedada pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos:

Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes


(Resolução 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984);

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Cartagena das Índias, Colômbia, em
9 de Dezembro de 1985).

- A tortura, também é vedada pela CF/88:

Art. 5°, III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;” e

Art. 5°, XLIII – “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;”

123
- Sobre tortura vide ainda a Lei 9.455/97.

A tortura é uma das exceções à afirmação de que DFs são absolutos. Há quem defenda
que os direitos fundamentais não são absolutos, são sempre relativos, mas há duas exceções,
dois direitos fundamentais absolutos como exceção, o que se encontra na obra de
Bobbio, que são o direito de não ser escravizado e o direito de não ser torturado, pois
não se pode admitir direito contraposto a escravizar e nem a torturar ninguém.

- A integridade moral também é protegida pela CF. Vejamos:

Art. 5°, V – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização


por dano material, moral ou à imagem;”

Art. 5°, X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” e

Art. 5°, XLIX – “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”.

d) Privacidade.

O direito à privacidade na CF/88:

Art. 5°, X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

# Projeções do direito à privacidade:

A privacidade é gênero que possui 4 projeções.

1) Intimidade;

2) Vida privada;

3) Honra; e

4) Imagem.

# Dispositivos que dizem respeito ao direito à privacidade:

- Inviolabilidade do domicílio:

Art. 5°, XI - “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”;

Há previsão do direito à privacidade na Constituição. É direito fundamental acobertado pela


cláusula de reserva de jurisdição, ou seja, só pode ser relativizado pelo magistrado, não
podendo ser relativizado por nenhuma outra autoridade.

Diante disso, eventual lei que autorize outra autoridade a quebrar a inviolabilidade do domicílio
será, a princípio, inconstitucional.

Casa, para fins do direito de inviolabilidade do domicílio é não só a residência, mas todo
espaço não aberto ao público em geral no qual exista expectativa de privacidade do
ocupante, ou no qual exerça profissão ou atividade.

Ex. Escritório de advocacia; Consultório Médico.

# Código Penal (violação de domicílio):

Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa


ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: (...)

124
§ 4º - A expressão “casa” compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão “casa”:

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a


restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

# SIGILO

Art. 5°, XII - “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados
e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal”.

Há proteção constitucional ao sigilo.

O sigilo de dados inclui dados telefônicos, dados bancários e dados fiscais. Esses sigilos
de dados estão protegidos pela cláusula da reserva de jurisdição ou não?

A leitura do dispositivo parece indicar que somente a quebra do sigilo aos dados telefônicos
encontra-se acobertado pela cláusula de reserva de jurisdição, em razão da expressão
“no último caso”. Os demais sigilos poderiam ser quebrados, inclusive de dados, não só
por ordem judicial, mas também por quem a lei autorizar. Ex. Sigilo de correspondência,
comunicação telegráfica e dados fiscais, bancários e telefônicos.

O tema não é pacífico.

Há quem diga que alguns sigilos de dados, como o bancário e fiscal também seriam
acobertados pela reserva de jurisdição.

A LC 105/2001 autorizou, ainda que indiretamente, a quebra de sigilo bancário e fiscal por
parte de autoridades fiscais.

# Lei Complementar nº 105/2001:

Artigo 6°. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de
instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras,
quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e
tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa
competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

A autorização legal para que outras autoridades acessem o sigilo de dados é constitucional ou
inconstitucional?

No STF foram tomadas diversas decisões com conclusões divergentes, até que a questão foi
enfrentada definitivamente. Vejamos:

- Tese aprovada com repercussão geral no STF:

125
“O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a
igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem
como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária
para a fiscal” (RE 601314, j. em 24/02/2016 com repercussão geral. No mesmo dia as ADIs
2390, 2386, 2397 e 2859, todas sobre a LC 105, foram julgadas improcedentes).

Segundo o prof, esses sigilos de dados podem ser quebrados por autoridade prevista em
lei e pelo Juízo.

Comunicações telefônicas - interceptação telefônica;

Segundo o prof, somente no caso das comunicações telefônicas é que é necessária a


ordem judicial.

Quanto ao sigilo de correspondências, o STF já entendeu que autoridades administrativas


podem determinar a sua quebra. Vejamos:

STF:

“HABEAS CORPUS - (...) - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA


MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - (...) A administração penitenciária, com
fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação
da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma
inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, proceder a interceptação da
correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da
inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de
práticas ilícitas. (...)” (HC 70814, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. em 01/03/1994)

Segundo o prof, se não há sigilo em relação à correspondência dos presos, não pode haver em
relação ao sigilo de dados, pois estão no mesmo dispositivo constitucional.

O STF entendeu, ainda, que a quebra de sigilo de dados fiscais, bancários e telefônicos
podem ser quebrados por CPIs. Vejamos:

STF: “O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os
dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das
comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à
intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso
sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta
a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos,
pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar.” (STF,
MS-23452/RJ)

STF: Há, no STF, decisões afirmando que o TCU não está autorizado por lei a fazer a quebra
do sigilo bancário. Vejamos:

“(...) TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO.


IMPOSSIBILIDADE. (...) O Tribunal de Contas da União, a despeito da relevância das suas
funções, não está autorizado a requisitar informações que importem a quebra de sigilo
bancário, por não figurar dentre aqueles a quem o legislador conferiu essa possibilidade,
nos termos do art. 38 da Lei 4.595/1964, revogado pela Lei Complementar 105/2001. Não há
como admitir-se interpretação extensiva, por tal implicar restrição a direito fundamental
positivado no art. 5º, X, da Constituição. Precedente do Pleno (MS 22801, Rel. Min. Menezes
Direito, DJe-047 de 14.03.2008.) Ordem concedida.” (MS 22934, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA, Segunda Turma, j. em 17/04/2012).

STF: Não há sigilo de contas e recursos públicos, pois neste caso, vigora o princípio da
publicidade, que está no art. 37, caput, da CF, e nisto a jurisprudência é firme. Vejamos:

126
“Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de
beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo
erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de
informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em
defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. (...)” (MS
21729, Rel. p/Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Pleno, j. em 05/10/1995).

STF: O sigilo de verbas públicas não pode ser oposto ao MP e nem ao TCU.

“(...) 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo
sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações
dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no
art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal
[TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos
públicos. (...) 7. O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a
quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia
anuência do Poder Judiciário (é a reserva de jurisdição), ou, em situações pontuais, do Poder
Legislativo. Precedente: MS 22.801 (...). 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às
operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da
Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto
operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de
sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em
recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos
administradores públicos em um Estado Democrático de Direito. (...)” (MS 33340, Rel. Min.
LUIZ FUX, 1ª Turma, j. em 26/05/2015)

No mesmo sentido: RHC 133118, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 2ª Turma, j. em 26/09/2017.

# Possibilidade de realização de exame de DNA contra a vontade de alguém.

Posição inicial do STF:

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU ‘DEBAIXO DE


VARA’. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas -
preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do
império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial
que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu
ser conduzido ao laboratório, ‘debaixo de vara’, para coleta do material indispensável à feitura
do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a
doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos
fatos.” (HC 71373, Rel. p/Acórdão: Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 10/11/1994)

O STF entendeu não ser possível obrigar alguém a realizar exame de DNA pois isto
violaria série de direitos fundamentais.

Outra decisão foi tomada pelo STF no caso Glória Trevi, artista mexicana cuja extradição foi
solicitada, e estava presa nas dependências da polícia federal, engravidou, e alegou ter sido
estuprada. Os policiais federais solicitaram o exame de DNA e ela se negou a fornecer material
para o exame.

“Reclamação. 1. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do


STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA,
para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação
dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. (...) comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da
Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a
coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário
médico da parturiente. (...) 7. Bens jurídicos constitucionais como ‘moralidade administrativa’,

127
‘persecução penal pública’ e ‘segurança pública’ que se acrescem (...) ao direito fundamental à
honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de
estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria
instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a
identidade do pai de seu filho. (...) 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado,
desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da
reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de
entrega à Polícia Federal do ‘prontuário médico’ da reclamante.” (Rcl 2040 QO, Rel. Min. NÉRI
DA SILVEIRA, Pleno, j. em 21/02/2002)

O exame foi realizado contra a vontade de alguém que não queria que fosse realizado exame
com seu material genético, a fim de salvaguardar a moralidade administrativa.

STF: Deve o Estado custear exame de DNA para beneficiários de assistência judiciária
gratuita.

STF:

“Recurso extraordinário. Investigação de Paternidade. Correto o acórdão recorrido ao entender


que cabe ao Estado o custeio do exame pericial de DNA para os beneficiários da
assistência judiciária gratuita, ofere-cendo o devido alcance ao disposto no art. 5º LXXIV,
da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 207732/MS, 1ª Turma, j. de
11/06/2002, DO de 02/08/2002).

No mesmo sentido: ADI 3394/AM, Pleno, j. de 02/04/2007.

STF: A coisa julgada pode ser relativizada quando na primeira ação proposta de investigação de
paternidade não foi realizado exame de DNA.

“(…) 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de


ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas
partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor
de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a
produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de
investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de
vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de
prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não
devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à
busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um
ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive
de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. (...)” (RE 363889, Rel.
Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, j. em 02/06/2011)

Atualmente, o exame de DNA pode ser realizado por meio de técnicas indolores. Por isso, a
negativa na concessão de material genético em ações de investigação de paternidade, nas
quais estão em jogo valores constitucionais ligados à dignidade da pessoa humana e direito à
identidade da pessoa, isso tem gerado consequências processuais. Vejamos:

S. 301, STJ:

“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum (relativa) de paternidade.”

#Lei nº 7.210 (Lei de Execuções Penais):

Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave
contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de
1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante

128
extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído
pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme


regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de


inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído
pela Lei nº 12.654, de 2012)

A LEP traz previsão de retirada de material genético obrigatória.

Essas modificações têm dado ensejo à discussão sobre a constitucionalidade ou não de tal
dispositivo.

O Plenário do STF irá decidir se é constitucional ou não a coleta de material genético com o
objetivo de manter banco de dados estatal de material genético, ainda que contrário à vontade
do preso.

# DIREITO À LIBERDADE

- Constituição Brasileira de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”

O ser humano é dotado de autonomia, de liberdade, o que implica que este possui autonomia
em diversos aspectos da sua vida. O Estado deve ser neutro em relação ao estado de bem viver
das pessoas. A liberdade, contudo, não pode ser ilimitada, pois esta seria a negação do
próprio direito. A liberdade está garantida à luz da legalidade. Vejamos:

- Liberdade à luz da legalidade:

Art. 5º. (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei;

OBS: “Liberdade é o poder de fazer tudo o que a lei autoriza. Pois se o Homem pudesse
fazer o que ela proíbe, ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam esse
poder.” (Montesquieu, “O Espírito das Leis”).

A liberdade de todos é exercida nos limites da lei, havendo presunção relativa de liberdade, pois
embora a Constituição autorize que as pessoas façam tudo, o direito, a lei, pode proibir
determinadas condutas, mas o legislador só pode limitar a liberdade no que é
imprescindível à lei comum, devendo evitar ingerências indevidas na autonomia das
pessoas, atuando-se de acordo com os ditames da proporcionalidade. O legislador tem
limites, são os limites dos limites.

Aula 10

O direito à liberdade protege a autonomia da pessoa, do ser humano. A liberdade não é


ilimitada. A liberdade ilimitada seria a negação do direito. É preciso exercer a liberdade com
base na lei. A liberdade é garantida à luz da legalidade, inclusive com base no art. 5º, II, da
CF. A lei pode restringir a liberdade, as restrições à liberdade, pela lei, não são absolutas,
devendo a lei restringir a liberdade apenas no que for imprescindível ao bem comum,
evitando-se posturas excessivamente paternalistas, não devendo haver ingerências indevidas
na autonomia.

129
A liberdade possui relação direta com o desenvolvimento humano, pois a expansão das
liberdades das pessoas é algo necessário ao desenvolvimento humano.

Desenvolver-se é expandir o máximo possível as opções de escolha de cada um, e quanto mais
escolhas, mais desenvolvidos são os indivíduos. Assim, a ampliação das liberdades de
escolha dos seres humanos é a nota fundamental do desenvolvimento.

Segundo Amart Assen, em sua obra “desenvolvimento como liberdade”, para ser livre, o ser
humano precisa principalmente de saúde, educação e renda. Esses 3 itens são os indicadores
principais do IDH. Ademais, é importante para o desenvolvimento humano a igualdade, em
todos os seus aspectos, e também ambiente democrático.

Segundo o autor, quanto maior a saúde, educação e renda, maior será a liberdade, mas
nenhum desses itens, sozinhos, são suficientes para garantir o desenvolvimento humano.

# Espécies de liberdade:

a) Subjetiva (interna, psicológica, moral, de pensamento); e

b) Objetiva (externa, física, de locomoção).

A partir dessas duas espécies, as múltiplas projeções da liberdade emanam.

A CF protege a liberdade em diversas de suas projeções, como decorrência lógica do fato


de que a construção de sociedade livre é um dos objetivos fundamentais da República
Federativa Brasileira.

# Exemplos de proteção constitucional à liberdade:

Liberdade de consciência e crença (Art. 5°. VI, VII e VIII);

Liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5°, IV) e


assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem (inciso V);

Vedação à censura (art. 220, caput e §§);

Liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,


independentemente de censura ou licença (art. 5°, inciso IX);

Liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as


qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5°, inciso XIII). OBS: Exame de Ordem:
STF, RE 603583, j. em 26/10/2011;

Liberdade em relação às orientações da intimidade e da vida privada, que são invioláveis


(art. 5°, inciso X);

Liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar (art. 5°, incisos
XVII, XVIII, XIX, XX e XXI);

Liberdade de reunião, assegurando que todos podem reunir-se pacificamente, sem


armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente (art. 5°, inciso XVI);

Liberdade de voto, protegendo-se o eleitor contra a influência do poder econômico ou o


abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art.
14, § 9°, CF/88);

130
Liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos (art. 17, incisos I
a IV da CF/88); e

Liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz (art. 5°, inciso XV: “é livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,
nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”), inclusive com a garantia constitucional do
habeas corpus (Art. 5º, LXVIII – “conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder”).

- Direito à igualdade

Há diversas teorias filosóficas sobre a igualdade. Vejamos:

1) Corrente Nominalista;

A igualdade é um simples nome, pois os seres humanos nascem, crescem e morrem


desiguais, não havendo seres humanos iguais, razão pela qual seria simples nome.

2) Corrente Idealista;

Postula igualdade absoluta entre as pessoas, que no estado de natureza, se encontrariam


absolutamente iguais.

3) Corrente Realista;

Reconhece que as pessoas são desiguais sob múltiplos aspectos, desigualdades naturais,
físicas, políticas e morais, mas as pessoas, por outro lado, em essência, são iguais, pois
todos são seres humanos. Assim, ao mesmo tempo em que há desigualdades, há igualdade
essencial, que é a condição de ser humano.

- Existem espécies de desigualdades para Rousseau. Vejamos:

1) Desigualdades naturais (físicas) – têm origem na natureza, pois cada um dos indivíduos
possui cor, altura, peso, etc;

2) Desigualdades morais (políticas) – têm origem em convenções humanas, são


desigualdades que existem a partir de convenções humanas.

- Espécies de igualdade

1) Igualdade formal (perante a lei);

Diz respeito ao tratamento conferido pelo direito positivo, no mundo das normas jurídicas,
que deve ser igual para todos.

2) Igualdade material;

É a igualdade no mundo real, a igualdade no mundo dos fatos.

As duas espécies de igualdade são objeto de proteção constitucional. A Constituição prevê a


igualdade material e a igualdade formal. Contudo, apenas a atual Constituição conferiu
grande destaque à igualdade material.

A proteção constitucional à igualdade, nos aspectos formal e material tem seu núcleo no
art. 5º, mas remonta ao preâmbulo e aos objetivos fundamentais da república, que estão
intimamente ligados à promoção da igualdade material.

- Proteção constitucional à igualdade

131
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

A construção de sociedade livre, justa e solidária só é possível se houver igualdade; Para


que se atinjam todos os objetivos fundamentais, é essencial a igualdade dos indivíduos.

A igualdade é indissociável de todos os objetivos fundamentais da República. A


República existe, dentre outros aspectos, para fomentar a igualdade. Todos os objetivos se
relacionam com a promoção da igualdade, em especial a igualdade material, no mundo dos
fatos.

O art. 5º, abaixo elencado, traz a igualdade formal e a igualdade material, quando se diz que
todos são iguais perante a lei (igualdade formal), sem distinção de qualquer natureza
(menção à igualdade formal e material).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

O inciso I traz a igualdade formal e a igualdade material, igualdade em direitos e


obrigações.

Assim, no art. 5º há grande preocupação com a igualdade. A múltipla proteção constitucional


da igualdade abarca diversos aspectos, como a igualdade de gênero, a igualdade entre as
pessoas com qualquer orientação sexual, a igualdade perante a tributação (art. 145, § 1º e
art. 150, II, ambos da CF), igualdade perante a lei penal (Art. 5º, XLVI, CF), e a vedação à
distinção de qualquer natureza.

A CF/88 veicula dispositivos que implicam desigualdade de tratamento formal, visando à


promoção da igualdade material.

Ex. Regras de aposentadoria de homens e das mulheres (Art. 201, § 7º, I e II e 40, § 1º, III,
ambos da CF).

Há distinções de regra de aposentadoria entre homens e mulheres, concedendo-lhes


tratamento formal desigual para igualar homens e mulheres no âmbito material.

- AÇÕES AFIRMATIVAS

As ações afirmativas obecedem a essa lógica de tratar desigualmente, no plano formal,


legal, aqueles que estão em situação de desigualdade no plano material.

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A ideia é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

As ações afirmativas são instrumentos que realizam tratamentos formais desiguais para
pessoas que se encontram em situação de desigualdade real, com o objetivo de alcançar
tratamento material igualitário.

Normalmente, as ações afirmativas estão inseridas no bojo de políticas públicas de promoção


de igualdade material.

A previsão de cotas é uma das espécies de ação afirmativa. As ações afirmativas buscam
realizar as duas dimensões da justiça, conhecidas desde Aristóteles.

- Dimensões da Justiça:

1) Justiça distributiva (redistribuição de recursos socioeconômicos);

2) Justiça de reconhecimento de identidades.

Conforme a doutrina, a realização da igualdade material depende da redistribuição de


recursos socioeconômicos e do reconhecimento de que todas as identidades são iguais.

Alguns grupos podem estar privados da redistribuição de recursos econômicos, e há na


sociedade grupos com recursos econômicos escassos e outros com muitos recursos
econômicos, sendo necessária redistribuição dos recursos econômicos para a promoção de
igualdade maior. Contudo, não basta que todos tenham igualdade de recursos econômicos
se determinadas identidades são vistas como inferiores.

A igualdade material possui duas projeções: uma projeção correspondente ao ideal de


justiça social e distributiva, é a igualdade orientada pelo critério socioeconômico,
igualdade de oportunidades e distribuição de riquezas, e outra correspondente ao ideal da
justiça como reconhecimento de identidades. É a igualdade orientada pela igualdade dos
diversos critérios de identidade: gênero, orientação sexual, raça, etnia, cor, dentre outros,
indicando a necessidade de concretização de sociedade plural. Essas duas projeções de
justiça devem ser satisfeitas para que se possa atingir igualdade material, o que significa que
constitucionalmente, a convivência entre as diversas culturas, a interculturalidade deve
ser promovida em ambiente de tolerância, reconhecendo-se todas as identidades como
iguais e atingindo-se pluralismo e a promoção da igualdade social.

Essa estreita vinculação entre a igualdade material e a pluralidade já foi expressamente


reconhecida pelo STF. Vejamos:

“4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não
prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura
focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.
Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens
jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente
possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta. 5. O enclausuramento em face do
diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se
coloca como novo, como diferente. 6. É somente com o convívio com a diferença e com o
seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).” (STF,
ADI 5357 MC-Ref, Rel. Min. Edson Fachin, Pleno, j. em 09/06/2016)

STF:

“1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de


gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa

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humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-
la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que
lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua
vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação
de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de
procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito
fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente.”
(STF, ADI 4275, Rel. p/Acórdão Min. EDSON FACHIN, Pleno, j. em 01/03/2018, publicado em
07/03/2019)

Visando à concretização da igualdade material entre as pessoas, a CF prevê série de


ações afirmativas. Vejamos:

Art. 5°, LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”;

Art. 5°, LXXVI – “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro
civil de nascimento; b) a certidão de óbito;”

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:

(...)

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos


da lei;

Art. 37, VIII – “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;”

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (…)

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis


brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 6, de 1995) - Traz tratamento formal distinto a empresas brasileiras de
pequeno porte, a fim de que essas possam se igualar em relação às grandes empresas
multinacionais. É hipótese de tratamento desigual na lei para promover igualdade material.

É a desigualdade formal como instrumento de realização da igualdade material.

STF: Decisão na qual o STF reafirmou a constitucionalidade das ações afirmativas e


sistema de cotas para ingresso no ensino superior em universidades públicas.

“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE


INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-
RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO
PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. (...) I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da
igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o
Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número
indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas,
que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas
vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades
decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro
incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma
aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos
precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que

134
buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as
relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica
de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados,
ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser
analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado
brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração
critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica
e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos
fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça
social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo,
significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais
diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No
entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas
se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão
social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses
permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da
coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de
qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a
proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. (...)” (ADPF 186, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, Pleno, j. em 26/04/2012). OBS: vide ainda o julgamento da ADC 41,
sobre cotas no serviço público.

As ações afirmativas devem ser temporárias, e devem vigorar até produzir a igualdade
material. Quando houver a igualdade material, as ações afirmativas devem cessar para
que não causem desigualdade inversa.

As ações afirmativas são consideradas pela doutrina como medidas temporárias.

É possível defender que excepcionalmente algumas ações afirmativas podem ser


permanentes, quando estão ligadas não à redistribuição, mas sim à proteção da
identidade, especialmente de minorias étnicas. Inclusive, haveria exceção à
temporariedade no caso de ações afirmativas previstas na Constituição como direitos
fundamentais, que seriam cláusulas pétreas, como o caso de reserva de vagas públicas
conferidas a pessoas com deficiência.
A doutrina majoritária considera que ações afirmativas são temporárias, e a exceção à
temporariedade é debatida por parcela minoritária da doutrina.

- TEORIA DO IMPACTO DESPROPORCIONAL

Essa teoria busca demonstrar que norma geral a princípio neutra, mesmo sem intenção,
pode impactar de forma desproporcional certos grupos minoritários que se encontram
em situação de desigualdade real em relação ao grupo majoritário, causando danos
excessivos e violando o princípio da igualdade, agravando desigualdade social. Assim,
norma neutra pode acabar por desigualar ainda mais grupos em situação de
desigualdade material.

Nos EUA, no caso Griegs vs. Dug Power Company, de 1971, a Suprema Corte norte-americana,
com base nesta teoria, invalidou testes de inteligência aplicados pela empresa na seleção de
trabalhadores, pois se estava diante de contexto histórico de discriminação racial, e esses testes
prejudicavam candidatos negros. A Suprema Corte invalidou os testes.

O Ministro Joaquim Barbosa, sobre a Teoria do Impacto Desproporcional, em sua obra


doutrinária, diz:

À luz da teoria do impacto desproporcional (disparate impact doutrine) “toda e qualquer


prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo

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ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua
concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade
material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência
especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas” (Ação afirmativa e
princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24).

Jurisprudência do STF: ADPF 291 - Inteiro teor do voto de Barroso; Inicial da ADIN 4424 sobre a
Lei Maria da Penha.

A igualdade material e o direito ao reconhecimento da identidade levam ao tema do


multiculturalismo.

O multiculturalismo prega o respeito às múltiplas culturas e de bem viver de diversos


grupos minoritários que convivem junto às populações hegemônicas e com as demais
culturas em ambiente de interculturalidade.

Não prevalece, atualmente, a ideia de que há hierarquia entre culturas, não havendo culturas
avançadas e superiores e culturas atrasadas ou inferiores. O Estado Moderno abarca muitas
culturas e etnias, sendo Estado pluriétnicos, com muitos povos, culturas e grupos que
convivem entre si em posição de igualdade. Essa convivência intercultural ocorre com
base em igualdade.

O Estado deve ser neutro em relação às diferentes culturas e formas de bem viver e ver o
mundo. Essa visão foi abraçada pela CF/88 que tem como um de seus objetivos a promoção
do bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza, razão pela qual, nos arts. 216 e
216-A, da CF, há proteção de todas as formas de cultura, sem qualquer hierarquia, razão
pela qual a CF agasalha políticas de igualdade material, de ações afirmativas, pautadas
não somente pela concretização da justiça redistributiva, mas também da justiça de
reconhecimento das diversas identidades dos povos que formam o Brasil. É por isso que a
CF protege especialmente certos grupos culturais em situação de fragilidade, como os índios e
quilombolas.

Assim, deve-se compreender o Brasil como Estado pluricultural que possui diversas
culturas em convivência igualitária.

# DIREITO À SEGURANÇA

- Projeções do direito à segurança na CF/88:

1) Segurança pública (art. 144 - Polícias);

2) Segurança social (art. 6° - Título da Ordem Social); e

3) Segurança jurídica (art. 5°, XXXVI – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada;”).

Há quem afirme que o direito à segurança é incompatível com outros direitos fundamentais, o
que tem ocorrido após o 11 de setembro, no Brasil e no mundo, o que provoca retrocesso nos
direitos humanos, não sendo necessária a realização de escolha entre tais direitos, pois o
direito à segurança é direito humano e fundamental, e com suas projeções, o que se quer
é assegurar os direitos humanos e fundamentais, e o Estado deve assegurar todos os
direitos humanos e fundamentais, sendo falsa opção, pois a premissa verdadeira é de
que o direito à segurança é direito humano e fundamental, havendo direito à
concretização do direito à segurança e dos demais direitos fundamentais.

Segundo Benjamin Franklin, quem joga fora a liberdade essencial para obter pequena
segurança não merece nem a liberdade e nem a segurança.

136
# DIREITO À PROPRIEDADE

A propriedade não é mais puro direito individual, mas sim instituição de interesse geral da
sociedade, e por isso, a CF/88 afirmou não só a propriedade, mas também a função social da
propriedade, sendo direito de finalidade social, não podendo mais ser compreendido
como direito fundamental absoluto, exclusivo e perpétuo. Não há único regime
constitucional de propriedade. A CF traz diversos regimes jurídicos ligados a propriedades
diferentes.

Há, na CF, regime jurídico da propriedade em geral, assim como regime jurídico da
propriedade pública, privada, urbana, rural, dos meios de comunicação social, dos meios
de produção de riqueza econômica, de terras indígenas, de terras em relação às quais no
subsolo há minérios.

Alguns dos dispositivos constitucionais sobre a propriedade mais debatidos na doutrina estão
abaixo elencados. Vejamos:

1) Propriedade em geral:

Art. 5º (...). XXII - é garantido o direito de propriedade; e

Art. 5º (...). XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

2) Propriedade econômica (bens de produção) - Artigos 170 e ss.

3) Propriedade urbana – Artigos 182 e 183:

Art. 182. (...) § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

OBS: Vide os §§ 3º e 4º do art. 182 (desapropriação-sanção da propriedade urbana) e o art.


183 (usucapião especial urbano)

4) Propriedade Rural – Artigos 184 a 191.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

OBS: Vide os artigos 184 (desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária), 185
(bens insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária), 187 (política agrícola), 188
(destinação de terras públicas e devolutas), 189 (beneficiários da distribuição de imóveis rurais
pela reforma agrária), 190 (aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física
ou jurídica estrangeira) e 191 (usucapião especial rural).

Todas as propriedades estão vinculadas aos fundamentos e objetivos da república


federativa do Brasil

A propriedade também está disciplinada na legislação infraconstitucional, como no CC, que no


art. 1228 traz a função social da propriedade.

A propriedade não é mais absoluta, exclusiva e perpétua.

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A propriedade em geral está submetida a limitações constitucionais ou legais, não sendo
mais a propriedade absoluta e perpétua. A propriedade absoluta era aquela em que o
proprietário poderia fazer com ela o que bem entendesse. Exclusiva - aquela que servia
unicamente ao proprietário; Perpétua - o proprietário permanecia nessa condição
enquanto assim desejasse.

Atualmente, há limitações constitucionais e legais que abarcam o caráter absoluto,


perpétuo e exclusivo da propriedade.

O tombamento limita o caráter absoluto da propriedade, por exemplo, assim como os


direitos de vizinhança.

O caráter exclusivo é limitado por exemplo pela requisição temporária, que autoriza, no
caso de iminente perigo público, a autoridade competente a usar a propriedade
particular, ensejando indenização em caso de dano, a posterirori.

O mesmo raciocínio se aplica às limitações administrativas à propriedade.

O caráter perpétuo é limitado, por exemplo, pela desapropriação, nos termos do art. 5º,
XXIII, 184, 185, 182, 186, 216, § 1º, todos da CF, bem como a usucapião.

- O cumprimento da função social da propriedade pode conferir proteção especial


ao bem objeto de propriedade. Vejamos:

Art. 5º. (...) XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua
atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

O cumprimento da função social acarreta proteção especial da propriedade.

# NACIONALIDADE

É direito fundamental dos seres humanos, reconhecido na Declaração Universal dos


Direitos Humanos. Vejamos:

Artigo 15.

1) Todo Homem tem direito a uma nacionalidade.

2) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar


de nacionalidade.

A nacionalidade é um dos direitos humanos universais.

Para o prof José Afonso da Silva: A nacionalidade, no sentido e no sistema jurídico, é o


vínculo jurídico-político de Direito Público interno que faz da pessoa um dos elementos
componentes da dimensão pessoal do Estado.

O Estado possui dimensão política (governo), geográfica (território) e pessoal (humana), e


a nacionalidade é o vínculo jurídico-político de direito público interno que faz da pessoa
um dos componentes da dimensão pessoal do Estado.

Cada Estado tem a liberdade de decidir quem são as pessoas que serão consideradas seus
nacionais, sendo decisão interna de cada Estado, e a nacionalidade é tema materialmente
constitucional, e cada Estado deve decidir e inserir em sua Constituição quem são seus
nacionais, ainda que possa haver tratamento jurídico em textos infraconstitucionais.

No Brasil, a CF/88 traz a previsão da nacionalidade brasileira, ainda que faça remissão a
possível disciplina da nacionalidade na legislação infraconstitucional.

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Existem 3 situações relativas às relações entre o elemento humano e os demais elementos do
Estado.

A CF/88 trata, por um lado, do nacional (brasileiro nato ou naturalizado), e trata, ainda, da
situação do cidadão, que é o nacional no gozo dos direitos políticos, participante da vida
política do Estado. A CF cuida, ainda, da situação do estrangeiro, que é o nacional de
outro Estado.

- A nacionalidade tem previsão no art. 12 da CF, que traz duas espécies de


nacionalidade. Vejamos:

1) Primária, de origem, originária, nata (art. 12, I, da CF):

a) Por critérios de origem sanguínea (jus sanguinis), ou de descendência;

Os critérios de determinação da nacionalidade primária pode se dar por critérios de origem


sanguínea, se considerando como nacionais pessoas que descendem de nacionais,
considerados também nacionais independentemente do local de seu nascimento.

b) Por critérios de origem territorial (jus solis); e

É o critério que confere nacionalidade brasileira a quem nasce no território brasileiro;

c) Por critérios mistos.

2) Secundária, adquirida, derivada, voluntária (art. 12, II, da CF).

Resulta de fato voluntário, posterior ao nascimento, dependendo como regra, de


declaração de vontade da pessoa.

No caso da nacionalidade primária, o que determina a nacionalidade é situação vinculada


ao nascimento, seja por critério sanguíneo, territorial ou misto, enquanto na secundária
há fato voluntário posterior ao nascimento, envolvendo critério objetivo, sempre
conjugado com declaração de vontade da pessoa.

As regras relativas à nacionalidade podem dar ensejo a situação de acumulação de


nacionalidades ou de privação ou ausência de nacionalidades.

A situação de cumulação de nacionalidades dá origem ao polipátrida, sendo pessoa que


acumula nacionalidades, com conflito positivo de nacionalidades.

Ex. Filho de pais que são nacionais de Estado que adota como critério geral o jus sanguinis,
mas o nascimento ocorre em local que adota como critério de nacionalidade o jus solis. Haveria,
portanto, duas nacionalidades.

A ausência de nacionalidade dá origem ao apátrida, pessoa que não possui


nacionalidade, o que pode ocorrer por circunstâncias de seu nascimento, com conflito
negativo de nacionalidade.

Ex. Alguém que nasce de pais nacionais de Estado que adota como regra geral o jus solis, e o
nascimento se dá em território de Estado que adota o jus sanguinis. Nesse caso, não haverá
nenhuma das duas nacionalidades.

Outra hipótese de apatridia decorre da cassação autoritária de uma nacionalidade por


parte de um ditador.

Os apátridas possuem proteção na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954,


internalizada no Brasil pelo decreto 4246 de 2002, e a lei 13.445 de 2017, a lei de migrações,
no seu art. 26, cuida da proteção do apátrida e da redução da apatridia, estabelecendo
processo simplificado de naturalização.

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# HIPÓTESES DE NACIONALIDADE PRIMÁRIA NA CF/88

Art. 12. São brasileiros:

I – natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que
estes não estejam a serviço de seu país;

O nascimento no território brasileiro traz o critério territorial para a nacionalidade


primária, trazendo exceção de estrangeiros que estão a serviço de seu país.

A exclusão da nacionalidade brasileira diz respeito a filhos de agentes diplomáticos que


tenham filhos no Brasil.

Para haver a exclusão da nacionalidade brasileira, é necessário que ambos os pais sejam
estrangeiros e estejam a serviço do seu país de origem, ou basta que ambos sejam estrangeiros
e apenas um deles esteja a serviço de seu país de origem?

É possível adotar posição restritiva sobre a nacionalidade brasileira, ou ampliativa, negando a


nacionalidade brasileira somente se ambos os pais estiverem a serviço dos seus países de
origem.

Existe resolução 155 de 2012, do CNJ, que adotou posição mais restritiva da nacionalidade
brasileira, no sentido de que não será concedida a nacionalidade brasileira mesmo
quando apenas um dos pais, estrangeiros, esteja a serviço de seu país se origem.
Vejamos:

REGISTRO DE NASCIMENTO DE NASCIDOS NO BRASIL FILHOS DE PAIS


ESTRANGEIROS A SERVIÇO DE SEU PAÍS

Art. 15. Os registros de nascimento de nascidos no território nacional em que ambos os


genitores sejam estrangeiros e em que pelo menos um deles esteja a serviço de seu país
no Brasil deverão ser efetuado no Livro “E” do 1º Ofício do Registro Civil da Comarca, devendo
constar do assento e da respectiva certidão a seguinte observação: “O registrando não possui
a nacionalidade brasileira, conforme do art. 12, inciso I, alínea ‘a’, in fine, da Constituição
Federal.
Sendo filho de autoridade diplomática estrangeira com brasileiro, se nascer no território
nacional, será brasileiro, pois um dos pais é brasileiro.

Art. 12. São brasileiros:

I – natos: (...)

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles
esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

O critério, na alínea b, predominante, é o critério sanguíneo, pois mesmo que nascido em


território estrangeiro, e desde que o pai ou mãe sejam brasileiros, se qualquer deles
estiver a serviço do Brasil, exercendo função pública, haverá nacionalidade brasileira.

Trata-se de critério dominante o critério sanguíneo combinado com critério funcional:


estar a serviço do brasil exercendo função pública.

O pai ou a mãe podem ser brasileiros natos ou naturalizados nessas hipóteses.

O serviço pode estar sendo prestado a qualquer entidade federada, segundo entende a
doutrina, podendo ser serviço no âmbito da administração centralizada ou descentralizada.

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O Ministro Francisco Resek inclui ainda os funcionários brasileiros de organizações
internacionais das quais o Brasil participe. Assim, funcionários brasileiros que trabalhem
na ONU estão incluídos.

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam


registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do
Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

Esse critério de nacionalidade parte do critério sanguíneo, combinado com 1 de 2 fatores:

1. Registro na repartição brasileira competente; ou


2. Se não houver o registro na repartição brasileira competente, se vier a residir no
Brasil e optar, em qualquer tempo, após atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira.

Lei nº 13.445/2017:

Art. 63. O filho de pai ou de mãe brasileiro nascido no exterior e que não tenha sido registrado
em repartição consular poderá, a qualquer tempo, promover ação de opção de nacionalidade.

Parágrafo único. O órgão de registro deve informar periodicamente à autoridade competente os


dados relativos à opção de nacionalidade, conforme regulamento.

Deve haver, nesse caso, ação judicial para confirmação de nacionalidade.

O entendimento prevalecente é o de que, uma vez manifestada a opção, não se pode


recusar o reconhecimento da nacionalidade, pois o dispositivo constitucional gera
espécie de nacionalidade potestativa (STF). Assim, vindo a residir no Brasil e fazendo a
opção pela nacionalidade brasileira, esta não pode ser negada, pois é opção personalíssima,
que deve ser feita pelo interessado após atingir a maioridade, pois o efeito depende
exclusivamente da vontade do interessado.

O filho de brasileiro ou brasileira nascido no exterior que não é registrado na repartição


competente e que vem residir no Brasil antes de atingir a maioridade, qual é a sua situação
antes de fazer a opção pela nacionalidade brasileira?
Antes da redação do art. 12, I, alínea c, da CF, quando vigorava o texto da EC de revisão 03/93,
que não previa a possibilidade de aquisição da nacionalidade nata pelo registro na repartição
competente, o STF entendeu que:

“CONSTITUCIONAL. NACIONALIDADE: OPÇÃO. C.F., ART. 12, I, c, COM A EMENDA


CONSTITUCIONAL DE REVISÃO Nº 3, DE 1994. I. - São brasileiros natos os nascidos no
estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir no Brasil e
optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. II. - A opção pode ser feita a
qualquer tempo, desde que venha o filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira, nascido no
estrangeiro, a residir no Brasil. Essa opção somente pode ser manifestada depois de
alcançada a maioridade. É que a opção, por decorrer da vontade, tem caráter
personalíssimo. Exige-se, então, que o optante tenha capacidade plena para manifestar a
sua vontade, capacidade que se adquire com a maioridade. III. - Vindo o nascido no
estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a
ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade a manifestação da vontade do
interessado, mediante a opção, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade,
enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva
da nacionalidade brasileira. IV. - Precedente do STF: AC 70-QO/RS, Ministro Sepúlveda
Pertence, Plenário, 25.9.03, ‘DJ’ de 12.3.04. V. - RE conhecido e não provido.” (RE 418096, Rel.
Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, j. em 22/03/2005)

141
O STF determina que quando a criança ou adolescente filha de pais brasileiros, nascida no
exterior, não registrada, vem residir no Brasil antes da maioridade, passa a ser
considerado brasileiro nato, e ao atingir a maioridade, a condição de brasileiro nato resta
suspensa, até que o interessado faça a opção pela nacionalidade.

A 1ª Turma do STF se pronunciou na mesma linha, mas exigiu o registro provisório. Vejamos:

“Opção de nacionalidade brasileira (CF, art. 12, I, c): menor residente no País, nascido no
estrangeiro e filho de mãe brasileira, que não estava a serviço do Brasil: viabilidade do registro
provisório (L. Reg. Públicos, art. 32, § 2º), não o da opção definitiva. 1. A partir da maioridade,
que a torna possível, a nacionalidade do filho brasileiro, nascido no estrangeiro, mas residente
no País, fica sujeita à condição suspensiva da homologação judicial da opção. 2. Esse
condicionamento suspensivo, só vigora a partir da maioridade; antes, desde que residente no
País, o menor - mediante o registro provisório previsto no art. 32, § 2º, da Lei dos
Registros Públicos - se considera brasileiro nato, para todos os efeitos. 3. Precedentes
(RE 418.096, 2ª T., 23.2.05, Velloso; AC 70-QO, Plenário, 25.9.03, Pertence, DJ 12.3.04).” (RE
415957, Rel Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, j. em 23/08/2005)

Atingida a maioridade, a nacionalidade brasileira fica suspensa, e uma vez feita a escolha,
torna-se o interessado brasileiro nato definitivamente, e isto se aplica de forma retroativa
à data de nascimento do interessado. Vejamos o entendimento do STF:

(...) Homologação da opção de nacionalidade. Artigo 12, inciso I, alínea c, da CF. Efeitos ex
tunc. 1. A jurisprudência firmada pelo Plenário da Corte é no sentido de que a homologação,
por sentença judicial, da opção pela nacionalidade brasileira possui efeitos ex tunc. Vide:
AC 70/RS-QO, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12/3/04. (...)” (RE
909499 AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 2ª Turma, j. em 02/12/2016)

- Atualmente, o tema é regulamentado em lei. Vejamos:

Decreto nº 9.199/2017:

Art. 215. O filho de pai ou mãe brasileira nascido no exterior e cujo registro estrangeiro de
nascimento tenha sido transcrito diretamente em cartório competente no País terá a
confirmação da nacionalidade vinculada à opção pela nacionalidade brasileira e pela
residência no território nacional.

§ 1º Depois de atingida a maioridade e até que se faça a opção pela nacionalidade


brasileira, a condição de brasileiro nato ficará suspensa para todos os efeitos.

§ 2º Feita a opção pela nacionalidade brasileira, os efeitos da condição de brasileiro nato


retroagem à data de nascimento do interessado.

O adotado poderá adquirir a nacionalidade brasileira pela naturalização, se não for


brasileiro, nos termos da CF. Contudo, na doutrina, há quem defenda interpretação não literal
da CF para admitir que o adotado pode adquirir a nacionalidade brasileira pela adoção, já que a
CF veda a discriminação de filhos.

# NACIONALIDADE SECUNDÁRIA (Art. 12, II, CF)

A CF, neste âmbito, exige requerimento expresso do interessado, afastando-se da ideia de


naturalização tácita.

No plano infraconstitucional, a nacionalidade secundária é regulada pela Lei 13.445/2017 e


regulamentada pelo Decreto 9.199/2017.

A lei 13.445 nos arts. 64 a 71, estabelece que a naturalização pode ser:

a) Ordinária

142
b) Extraordinária
c) Especial
d) Provisória

Segundo a doutrina, a CF prevê duas espécies da naturalização secundária:

a) Nacionalidade Secundária Ordinária

Art. 12. São brasileiros: (...)

II – naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de


países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade
moral;

OBS: A lei mencionada é atualmente a “Lei de Migração” (Lei nº 13.445/2017, artigos 64/76).

b) Nacionalidade Secundária Extraordinária

Art. 12, II, b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa


do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que
requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão
nº 3, de 1994)

Um dos requisitos exigidos é a ausência de condenação penal. Se houver condenação penal


e ocorrer a reabilitação penal, isso torna possível a naturalização?

A lei 13.445, no art. 67, que trata dessa hipótese não trata do tema; Contudo, a mesma lei,
quanto à naturalização ordinária e especial (art. 65, IV e 69, III) expressamente incluiu
entre as exigências da naturalização a de não possuir o requerente condenação penal ou
estar reabilitado nos termos da lei, e esse mesmo raciocínio se aplica à naturalização
extraordinária, o que é reforçado pelo fato de que a jurisprudência federal, mesmo antes
da edição da lei, que já trazia entendimento neste sentido.

TRF4:

“Extinta a pena pelo seu cumprimento e obtida, judicialmente, a reabilitação, a


condenação penal deixa de configurar óbice à obtenção da nacionalidade brasileira. Do
contrário, ter-se-ia sanção de efeitos perpétuos imputada ao estrangeiro” (TRF-4 – AC
5023959-83.2012.404.7100 RS, data de publicação: 12/08/2013).

- Existe discussão na doutrina acerca da possibilidade de reconhecimento de direito


subjetivo à naturalização a partir do cumprimento dos requisitos estipulados na
CF.

A maior parte da doutrina entende que há discricionariedade do Estado na concessão da


naturalidade secundária. Contudo, havendo critérios expressos na CF, deve-se discutir a
existência de limites a essa discricionariedade, como se depreende da obra do prof. Ingo
Sarlet.

Portanto, no caso da primeira hipótese de naturalização ordinária, na forma da lei, a


discricionariedade do Estado incide com força maior, pois a CF não prevê nenhuma
hipótese objetiva de aquisição de nacionalidade secundária, determinando apenas que
serão considerados brasileiros naturalizados os que adquirirem a nacionalidade brasileira
na forma da lei.

143
Contudo, quando o interessado já cumpriu critérios previamente estipulados na CF, como
ocorre com a naturalização extraordinária, a doutrina tende a reconhecer direito subjetivo
à naturalização.

O STF já decidiu o seguinte quanto à naturalização extraordinária. Vejamos:

“(...) CONCURSO PÚBLICO. ESTRANGEIRO. NATURALIZAÇÃO. REQUERIMENTO


FORMALIZADO ANTES DA POSSE NO CARGO EXITOSAMENTE DISPUTADO MEDIANTE
CONCURSO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ALÍNEA ‘B’ DO INCISO II DO ARTIGO
12 DA MAGNA CARTA. O requerimento de aquisição da nacionalidade brasileira, previsto na
alínea ‘b’ do inciso II do art. 12 da Carta de Outubro, é suficiente para viabilizar a posse no cargo
triunfalmente disputado mediante concurso público. Isto quando a pessoa requerente contar
com quinze anos ininterruptos de residência fixa no Brasil, sem condenação penal. A Portaria
de formal reconhecimento da naturalização, expedida pelo Ministro de Estado da Justiça,
é de caráter meramente declaratório. Pelo que seus efeitos hão de retroagir à data do
requerimento do interessado. (...).” (RE 264848, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma,
j. em 29/06/2005)

Segundo o STF, os requisitos do art. 12, II, b, da CF, daria espécie de direito à
naturalização com o mero requerimento.

O mesmo raciocínio não seria aplicável à hipótese de aquisição de nacionalidade


secundária ordinária, que é a aquisição de nacionalidade por pessoas originárias de países de
língua portuguesa em relação às quais a CF exige somente a residência no Brasil por 1 ano
ininterrupto e idoneidade moral.

OBS: A naturalização, qualquer que seja, não implica aquisição automática da


nacionalidade brasileira pelos filhos e cônjuges do naturalizado, e não autoriza que essas
pessoas entrem e residam no Brasil sem a satisfação das exigências legais.

O casamento de brasileiro com estrangeiro também não implica naturalização automática


do cônjuge, e não autoriza seu ingresso e permanência no Brasil sem cumprir as regras
legais.

Vejamos a decisão do STF sobre o assunto:

“(...) O CASAMENTO CIVIL NÃO SE QUALIFICA, NO SISTEMA JURÍDICO VIGENTE NO


BRASIL, COMO CAUSA DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA. - Não se revela
possível, em nosso sistema jurídico-constitucional, a aquisição da nacionalidade
brasileira ‘jure matrimonii’, vale dizer, como efeito direto e imediato resultante do
casamento civil. Magistério da doutrina. (...).” (Ext 1121, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, j.
em 18/12/2009)

O casamento não significa outorga automática da nacionalidade brasileira ao cônjuge


estrangeiro de brasileiro.

Contudo, o cônjuge de brasileiro pode adquirir a nacionalidade brasileira com alguns


requisitos mitigados, nos termos do art. 66, III e 68, I, da Lei de Migração.

# PROCEDIMENTO DE NATURALIZAÇÃO

Os pedidos são feitos à Polícia Federal, mas são decididos no âmbito da divisão de
nacionalidade e naturalização do Ministério da Justiça.

A naturalização de qualquer espécie possui efeitos após a publicação no Diário Oficial do


ato respectivo, conforme determina o art. 73 da Lei de Migrações. Os efeitos são ex nunc,
ressalvada a hipótese decidida pelo STF em que o mero requerimento, naquela hipótese,
já seria suficiente.

144
As diferenças relativas ao tratamento jurídico de brasileiros natos e naturalizados só
podem ser de natureza constitucional, não podendo a lei comum estabelecer novas
diferenças não previstas na CF (Art. 12, § 2º, CF).

# PERDA DA NACIONALIDADE

A CF e a Lei de Migrações tratam das hipóteses de perda da nacionalidade.

- Perda da nacionalidade na CF

Art. 12. (...) § 4º. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional;

Se aplica apenas ao brasileiro naturalizado, sendo hipótese de cancelamento da naturalização


por meio de sentença judicial;

OBS: a respeito dessa hipótese específica de perda, vide o art. 75 da Lei nº 13.445/2017:

- Perda da nacionalidade na Lei nº 13.445/2017:

Art. 75. O naturalizado perderá a nacionalidade em razão de condenação transitada em julgado


por atividade nociva ao interesse nacional, nos termos do inciso I do § 4º do art. 12 da
Constituição Federal.

Parágrafo único. O risco de geração de situação de apatridia será levado em consideração


antes da efetivação da perda da nacionalidade.

A naturalização só pode ser cancelada por sentença judicial transitada em julgado.


Vejamos:

STF:

“NATURALIZAÇÃO – REVISÃO DE ATO – COMPETÊNCIA. Conforme revela o inciso I do § 4º


do artigo 12 da Constituição Federal, o Ministro de Estado da Justiça não tem competência
para rever ato de naturalização.” (RMS 27840, Rel. p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Pleno,
j. em 07/02/2013)

A perda decorre unicamente de sentença judicial transitada em julgado, que deve se


basear em lei que imponha a perda da nacionalidade secundária como pena principal ou
acessória.

A perda da nacionalidade secundária por cancelamento da naturalização por sentença


judicial transitada em julgado opera com efeitos não retroativos. É possível readquirir a
nacionalidade brasileira perdida nessa hipótese?

Sim, a reaquisição da nacionalidade secundária cancelada por sentença judicial pode ser
feita por meio de ação rescisória, que se rescindir a sentença transitada em julgado gera
a reaquisição da nacionalidade secundária que havia sido cancelada pela sentença.

Art. 12. (...) § 4º. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação da Emenda Constitucional de


Revisão nº 3/1994)

Isso se aplica aos brasileiros natos e naturalizados. O brasileiro nato ou naturalizado que
voluntariamente adquirir outra nacionalidade secundária - a nacionalidade originária pode
ser cumulada, pois a CF prevê que o brasileiro perderá a nacionalidade se adquirir outra,

145
salvo em caso de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira,
podendo tratar-se de polipátrida.

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda


Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

No caso da alínea a, o brasileiro não perde a nacionalidade em razão da aquisição de outra.

Há, ainda, outra exceção. Vejamos:

Art. 12. (...) § 4º. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação da Emenda Constitucional de


Revisão nº 3/1994)

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado


estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos
civis; (Incluído pela Emenda Cons-titucional de Revisão nº 3, de 1994)

Assim, neste caso, em hipótese de aquisição de outra nacionalidade que não é originária,
não haverá perda da nacionalidade brasileira, pois estará havendo coação para que se
adquira outra nacionalidade.

A perda da nacionalidade de brasileiro nato ou naturalizado que voluntariamente adquira


outra nacionalidade não necessita de sentença judicial transitada em julgado. Nessa
hipótese, a perda da nacionalidade brasileira decorre de procedimento administrativo
regular no âmbito do Ministério da Justiça.

A aquisição de outra nacionalidade, fora das exceções constitucionalmente previstas


pode levar à perda da nacionalidade brasileira.

STF:

“(...) BRASILEIRA NATURALIZADA AMERICANA. ACUSAÇÃO DE HOMICÍDIO NO


EXTERIOR. FUGA PARA O BRASIL. PERDA DE NACIONALIDADE ORIGINÁRIA EM
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REGULAR. HIPÓTESE CONSTITUCIONALMENTE
PREVISTA. NÃO OCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. DENEGAÇÃO DA
ORDEM. (...). 2. A Constituição Federal, ao cuidar da perda da nacionalidade brasileira,
estabelece duas hipóteses: (i) o cancelamento judicial da naturalização (art. 12, § 4º, I); e (ii) a
aquisição de outra nacionalidade. Nesta última hipótese, a nacionalidade brasileira só não será
perdida em duas situações que constituem exceção à regra: (i) reconhecimento de outra
nacionalidade originária (art. 12, § 4º, II, a); e (ii) ter sido a outra nacionalidade imposta pelo
Estado estrangeiro como condição de permanência em seu território ou para o exercício de
direitos civis (art. 12, § 4º, II, b). 3. (...) a situação da impetrante não se subsume a qualquer das
exceções constitucionalmente previstas para a aquisição de outra nacionalidade, sem perda da
nacionalidade brasileira. (...)” (MS 33864, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, j. em
19/04/2016)

A CF não incluiu expressamente nas exceções do inciso II a aquisição automática de


nacionalidade pelo casamento. Assim, em caso de casamento com estrangeiro, cuja lei
de seu país determina que o casamento com nacional dele torna-se automaticamente
nacional, não haverá perda da nacionalidade brasileira, mesmo que não haja previsão
expressa sobre isso.

Ademais, a CF não traz previsão da hipótese em que o Estado impõe unilateralmente


nacionalidade, o que não gera a perda da nacionalidade brasileira.

146
Isso porque nos casos de outorga de nacionalidade pelo casamento e de imposição
unilateral de nacionalidade, não houve manifestação de vontade do brasileiro no sentido
de aquisição de nacionalidade estrangeira.

- A reaquisição da nacionalidade brasileira por quem voluntariamente adquiriu


outra terá efeitos ex nunc, não retroativos. Vejamos:

Art. 76. O brasileiro que, em razão do previsto no inciso II do § 4º do art. 12 da Constituição


Federal, houver perdido a nacionalidade, uma vez cessada a causa, poderá readquiri-la ou ter o
ato que declarou a perda revogado, na forma definida pelo órgão competente do Poder
Executivo.

OBS: Vide, a respeito, o art. 254 do Decreto nº 9.199/2017.

# QUASE NACIONALIDADE

Art. 12. (...) § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade
em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos
previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de
1994)

É dispositivo que determina que, aos portugueses residentes no Brasil, em caso de


reciprocidade, haverá os mesmos direitos inerentes aos brasileiros, com exceção aos
casos previstos na CF quanto aos brasileiros natos. Assim, o português pode ter os
mesmos direitos conferidos aos brasileiros naturalizados, se houver reciprocidade,
sendo quase-nacionalidade, reconhecidos os portugueses como quase-nacionais por
possuírem os mesmos direitos dos brasileiros naturalizados, desde que haja
reciprocidade.

-Lei nº 13.445/2017:

Dispositivos mais importantes

Art. 64. A naturalização pode ser:

I – ordinária;

II – extraordinária;
III - especial; ou

IV – provisória.

Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Nacionalidade

Lei nº 13.445/2017:

Art. 66. O prazo de residência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para, no
mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições:

I - (VETADO);

147
II - ter filho brasileiro;

III - ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no
momento de conces-são da naturalização;

IV - (VETADO);

Art. 66. O prazo de residência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para, no
mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições:

V - haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou

VI - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística.

Parágrafo único. O preenchimento das condições previstas nos incisos V e VI do caput será
avaliado na forma disposta em regulamento.

Art. 67. A naturalização extraordinária será concedida a pessoa de qualquer nacionalidade


fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que
requeira a nacionalidade brasileira.

Art. 68. A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma
das seguintes situações:

I - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior


Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou

II - seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil


por mais de 10 (dez) anos ininterruptos.

Art. 69. São requisitos para a concessão da naturalização especial:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

III - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Art. 70. A naturalização provisória poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que
tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e
deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal.

Parágrafo único. A naturalização prevista no caput será convertida em definitiva se o


naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após atingir a
maioridade.

Art. 71. O pedido de naturalização será apresentado e processado na forma prevista pelo órgão
competente do Poder Executivo, sendo cabível recurso em caso de denegação.

§ 1º No curso do processo de naturalização, o naturalizando poderá requerer a tradução ou a


adaptação de seu nome à língua portuguesa.

§ 2º Será mantido cadastro com o nome traduzido ou adaptado associado ao nome anterior.

Art. 72. No prazo de até 1 (um) ano após a concessão da naturalização, deverá o naturalizado
comparecer perante a Justiça Eleitoral para o devido cadastramento.

Art. 73. A naturalização produz efeitos após a publicação no Diário Oficial do ato de
naturalização.

# DA ORDEM ECONÔMICA E DA ORDEM SOCIAL

148
Existe modelo liberal de Estado, que surge no fim do Séc. XVIII, modelo que prega papel
mínimo do Estado nas relações sociais e econômicas, que devem ser resolvidas pela mão
invisível do mercado, como menciona Adam Smith. Nesse modelo o Estado intervém
pouco na ordem econômica e social.

O modelo social, surgido no início do Séc. XX, prega maior intervenção do Estado nas
relações sociais e econômicas, com atuação grande do Estado nos direitos sociais.

O modelo neoliberal, que aparece a partir dos anos 70, principalmente na Inglaterra, no
Governo Tatcher e Reagan, nos EUA, que prega a retomada do modelo liberal clássico,
através de medidas como privatização, desregulamentação de leis trabalhistas, livre
circulação de capitais, abertura para o mercado de capitais e ênfase na globalização
econômica. Esse modelo admite a intervenção do Estado em caso de graves crises
sociais e econômicas.

A CF nasceu adotando modelo social, mas passou por reformas, especialmente nos anos
90, por meio de ECs que aproximaram a CF/88 do modelo neoliberal. Vejamos a disciplina
da ordem econômica e social na CF/88.

- ORDEM ECONÔMICA: Trata das relações entre o poder público, o mercado e os


agentes econômicos, bem como dos direitos e responsabilidades respectivas. A
constituição econômica tem como título central o VII, que trata da ordem econômica e
financeira, refletindo seus principais temas.

Ordem Econômica na CF/88:

1) Princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 a 181);

2) Política urbana (arts. 182 e 183);

3) Política agrícola e fundiária e reforma agrária (arts. 184 a 191); e

4) Sistema Financeiro Nacional (art. 192).

Os fundamentos e finalidades da ordem econômica, bem como seus princípios gerais


estão previstos no art. 170 da CF, o que revela a tentativa de adoção de capitalismo
humano, social menos selvagem.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto


ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

149
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,


independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

A finalidade do capitalismo previsto na CF é assegurar a todas as pessoas existência


digna, o que deve ser guiado à luz da função social da propriedade, da livre concorrência,
busca da erradicação das desigualdades, pleno emprego, etc.

O art. 170 revela, dentre outros aspectos, alguns muito interessantes como aponta a doutrina: a
soberania nacional econômica, adotando-se como regra a propriedade privada dos meios
de produção - o que caracteriza o capitalismo - mas deve ser capitalismo nacional
autônomo e humanizado.

A propriedade deve obedecer função social, havendo garantia da livre iniciativa,


afastando-se os monopólios privados de setores da economia, o que se coaduna com o
art. 173, § 4º, da CF.

Ademais, no art. 170, há previsão de que a proteção constitucional à livre concorrência e


livre iniciativa, bem como a propriedade privada dos meios de produção determina que
como regra geral, a atividade econômica é exercida diretamente por PF e PJ de direito
privado, pelo mercado, e não pelo Estado, sendo sua atuação na economia, por meio da
prestação direta da atividade econômica, exceção, como se depreende da leitura do art. 173
da CF, abaixo elencado:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Ademais, o art. 170 prevê a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem
econômica, determinando que a exploração econômica poluidora não possui amparo
constitucional.

A previsão da redução das desigualdades sociais e regionais, além de ser um dos


princípios da ordem econômica, é um dos objetivos fundamentais da República,
conforme previsão do art. 3º, III, da CF.

A busca do pleno emprego, como lembra o prof. José Afonso da Silva, é a busca do grau
máximo de todos os recursos produtivos e sua utilização para propiciar trabalho a todos
que estejam em condições de exercer atividade produtiva. É o pleno emprego da força de
trabalho capaz. Esse princípio se harmoniza com o fato de que a ordem econômica se funda
na valorização do trabalho humano.

O tratamento favorecido para empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sede e administração no país encontra desdobramento no art. 179 da CF, abaixo
elencado. Vejamos:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas


e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado,
visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

O papel do Estado na ordem econômica, na prestação de serviços públicos e na atuação


no domínio econômico. Vejamos:

- Ordem Econômica da CF/88 e o papel do Estado:

150
1) Prestação de serviços públicos (art. 175); e

2) Atuação no domínio econômico:

a) Atuação direta (participação) – Atuação excepcional, como agente explorador da


atividade econômica:

A atuação direta do Estado é excepcional, pois a regra é a atuação do setor privado, que
pode ocorrer:

- Em regime de em concorrência com a iniciativa privada (sem exclusividade) (art.


173); e
- Em regime de monopólio (com exclusividade) (art. 177).

b) Atuação indireta (intervenção) – Como agente normativo, regulador, fiscalizador,


incentivador e planejador da atividade econômica (art. 174).

Uma coisa é a prestação de serviços públicos e outra é a atuação no domínio econômico.

A atuação do Estado, seja prestando serviços públicos ou atuando direta ou indiretamente no


domínio econômico, é realizada por órgãos da administração direta ou indireta. Vejamos:

Execução das atividades do Estado (CF/88):

1) Na prestação de serviços públicos (art. 175) – Administração direta e Administração indireta


(autarquias; agências executivas; fundações públicas; empresas públicas; e sociedades de
economia mista); e

2) No domínio econômico:

a) Atuação direta (participação) – Empresas públicas; sociedades de economia mista; outras


entidades estatais ou paraestatais (ex: subsidiárias das empresas estatais); e

b) Atuação indireta (intervenção) – Administração direta e agências reguladoras.

Assim, é possível verificar-se empresas públicas na prestação de serviços públicos e atividade


econômica direta, assim como as sociedades de economia mista. Essas empresas, quando
atuam em serviços públicos ou diretamente na atividade econômica, podem ter regimes jurídico
constitucionais diferenciados.

As empresas públicas e sociedades de economia mista serão criadas por lei e podem ser
prestadoras de serviços públicos ou prestadoras de atividade econômica.

Empresas que atuam diretamente na exploração de atividade econômica possuem


disciplina jurídica específica (Art. 173 e seus §§), que não se aplicam às empresas que
prestam serviços públicos.

Outra forma de atuação Estatal no domínio econômico é a indireta, a intervenção, cujo


regramento do Estado normativo e regulador da atividade econômica se encontra no art. 174, da
CF.

- Outros aspectos importantes da Ordem Econômica:

1) Investimentos de capital estrangeiro, reinvestimento e remessa de lucros (art. 172);

2) Responsabilidade da pessoa jurídica, sem prejuízo da responsabilidade individual dos seus


dirigentes, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a
ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5º);

3) Apoio e estímulo ao cooperativismo e a outras formas de associativismo (art. 174, § 2º);

151
4) Favorecimento à organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a
proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros, concedendo às
mesmas prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas
de minerais garimpáveis (art. 174, §§ 3º e 4º);

5) Disciplina das jazidas, em lavra ou não, dos recursos minerais e dos potenciais de energia
hidráulica (art. 176, §§ 1º a 4º);

6) Monopólio da União (art. 177, §§ 1º a 4º) sobre 3 áreas: a) petróleo; b) gás natural; e c)
minérios e minerais nucleares e seus derivados;

7) Ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, inclusive internacional (art. 178);

8) Promoção e incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico (art.


180);

9) Necessidade de autorização do poder competente para o atendimento de requisição de


documento ou informação de natureza comercial, feita por autoridade administrativa ou judiciária
estrangeira, a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País (art. 181);

10) Disciplina da política urbana e da função social da propriedade urbana, inclusive das
hipóteses de desapropriação sanção e usucapião especial urbano (artigos 182 e 183);

11) Disciplina da política agrícola e fundiária, da reforma agrária, da função social da


propriedade rural, inclusive das hipóteses de desapropriação por interesse social para fins de
reforma agrária e usucapião especial rural (artigos 184 a 191);

12) Disciplina do sistema financeiro nacional (art. 192); e

13) existência da Súmula Vinculante 49 do STF: “Ofende o princípio da livre concorrência


lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo
em determinada área.”

# DA ORDEM SOCIAL

Ordem Social (Título VIII - artigos 193 a 232 da CF/88):

Traz a disciplina dos direitos sociais.

1) Disposição geral da Ordem Social (art. 193): A ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como finalidades o bem-estar e a justiça sociais.

2) Seguridade Social (arts. 194 a 204):

- Disposições gerais (arts. 194 a 195);


- Saúde (arts. 196 a 200);
- Previdência Social (arts. 201 a 202); e
- Assistência Social (arts. 203 a 204).

3) Educação (arts. 205 a 214);

4) Cultura (arts. 215 a 216-A);

5) Desporto (art. 217);

6) Ciência, tecnologia e inovação (arts. 218 a 219-B);

7) Comunicação social (arts. 220 a 224);

8) Meio ambiente (art. 225);

9) Família, criança, adolescente, jovem e idoso (arts. 226 a 230); e

152
10) Índios (arts 231 e 232).

Ordem Social.

CF/88:

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e
a justiça sociais.

Princípios gerais: primado do trabalho, bem estar social e a justiça social. Há harmonia
entre a ordem social e econômica, pois nos termos do art. 170, a ordem econômica tem a
finalidade de assegurar a todos a existência digna de acordo com os ditames da justiça social,
bem como é fundada na valorização do trabalho humano.

- Jurisprudência do STF sobre temas importantes relativos à ordem social:

Ordem Social

STF (parte geral da ordem social):

“A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada por intervenção
direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou
fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que os particulares
executem atividades de interesses públicos através da regulação, com coercitividade, ou através
do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a comportamentos voluntários.” (ADI 1923, Rel.
p/Acórdão Min. Luiz Fux, Pleno, j. em 16/04/2015)

“Os setores de saúde (CF, art. 199, caput), educação (CF, art. 209, caput), cultura (CF, art. 215),
desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e tecnologia (CF, art. 218) e meio ambiente (CF, art. 225)
configuram serviços públicos sociais, em relação aos quais a Constituição, ao mencionar que
‘são deveres do Estado e da Sociedade’ e que são ‘livres à iniciativa privada’, permite a atuação,
por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a delegação pelo poder
público, de forma que não incide, in casu, o art. 175, caput, da Constituição. (...)” (ADI 1923, j.
em 16/04/2015)

“(...) 1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por
particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo
setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. (...)” (ADI
1007, Rel. Min. EROS GRAU, Pleno, j. em 31/08/2005)

“(...) TERCEIRO SETOR. (...) LEI Nº 9.637/98 (...). O marco legal das Organizações Sociais
inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais (...) posta em
prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades
privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo
Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da
inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma
de renúncia aos deveres constitucionais de atuação. (...)” (ADI 1923, Pleno, j. em 16/04/2015)

STF (saúde):

“É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a internação em


acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio Sistema
Único de Saúde (SUS) ou por conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores
correspondentes.” (RE 581488, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. em 03/12/2015)

“(...) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. (...) RESPONSABILIDADE


SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. (...) REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O
tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado,

153
porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser
composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.” (RE 855178 RG, Rel.
Min. Luiz Fux, j. em 05/03/2015)

“Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por
laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A
participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e,
portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.” (Trecho do voto do Min. Gilmar
Mendes, Relator da STA 175 AgR, j. em 17/03/2010).

Ordem Social.

STF (assistência social):

“A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia


brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos
constitucionais e legais.” (RE 587970, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 20/04/2017, com
repercussão geral)

Ordem Social

STF (educação):

“(...) A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às


crianças, a estas assegura (...) o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208,
IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado (...) a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das
‘crianças até 5 (cinco) anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em
creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão
governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A
educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em
seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração
Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.” (ARE 639337 AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 23/08/2011)

OBS: Vide nesta mesma decisão (dentre outros julgados do STF) as questões relativas às
“escolhas trágicas”, à “reserva do possível”, ao “mínimo existencial” e à “proibição do
retrocesso”.

“(...) ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA


PESSOA COM DEFICIÊNCIA. (...) À luz da Convenção e, por consequência, da própria
Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade
estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra
explícita. (...) A Lei nº 13.146/2015 [Estatuto da pessoa com deficiência] indica assumir o
compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao
exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua
atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à
educação possui (...).”(ADI 5357 MC-Ref, Rel. Min. Edson Fachin, Pleno, j. em 09/06/2016)

Súmula Vinculante 12: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o
disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.

“Ante o teor dos artigos 206, inciso IV, e 208, inciso VI, da Carta de 1988, descabe a instituição
pública de ensino profissionalizante a cobrança de anuidade relativa à alimentação.” (RE
357148, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, j. em 25/02/2014)

154
Não há lei que ampare o direito de educar crianças e adolescentes em casa (ensino domiciliar
ou homeschooling) (RE 888.815 RG/RS, Rel. p/acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em
12/09/2018, Tema 822 da repercussão geral).

“(...) IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. DETERIORAÇÃO DAS INSTALAÇÕES


DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO. CONSTRUÇÃO DE NOVA ESCOLA.
POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES. GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA. (...)” (ARE 761127 AgR, Rel. Min.
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. em 24/06/2014)

Ordem Social

STF (educação, cultura, desporto e lazer):

“(…) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃO


PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE
MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE
DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A
UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO
ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. (…) 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre
iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir
o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208,
215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser
preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à
cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 1950, Rel. Min. EROS GRAU, Pleno,
j. em 03/11/2005)

Ordem Social

STF (comunicação social):

“Expressão ‘em horário diverso do autorizado’, contida no art. 254 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente). Classificação indicativa. Expressão que tipifica como infração
administrativa a transmissão, via rádio ou televisão, de programação em horário diverso do
autorizado, com pena de multa e suspensão da programação da emissora por até dois dias, no
caso de reincidência. Ofensa aos arts. 5º, inciso IX; 21, inciso XVI; e 220, caput e parágrafos, da
Constituição Federal. Inconstitucionalidade. (...) Não há horário autorizado, mas horário
recomendado.” (ADI 2404, Pleno, j. em 31/08/2016)

Ordem Social

STF (meio ambiente):

“(...) PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL.


DISPENSA PELO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. (...) O entendimento adotado no acórdão
recorrido não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no
sentido de violar o art. 225, § 1º, IV, da Lei Maior, a previsão legal que dispense a elaboração de
estudo prévio de impacto ambiental. (...)” (RE 739998 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira
Turma, j. em 12/08/2014)

“(...) MEIO AMBIENTE. (...) ARTIGO 225, § 1º, III, CB/88. DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS
TERRITORIAIS PROTEGIDOS. VALIDADE DO DECRETO. (...) 1. A Constituição do Brasil
atribui ao Poder Público e à coletividade o dever de defender um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. [CB/88, art. 225, §1º, III]. 2. A delimitação dos espaços territoriais protegidos pode
ser feita por decreto ou por lei, sendo esta imprescindível apenas quando se trate de alteração

155
ou supressão desses espaços. (...)” (MS 26064, Rel. Min. EROS GRAU, Pleno, j. em
17/06/2010)

Ordem Social

STF (meio ambiente e cultura):

“(...) PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1º, VII) -


DESCARACTERIZAÇÃO DA BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL -
RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - (...) -
A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação
ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da ‘farra do boi’ (RE
153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de
caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à
fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe
incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula
genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. (...)” (ADI 1856, Rel.
Min. CELSO DE MELLO, Pleno, j. em 26/05/2011).

DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a


todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das
manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta
Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da
norma constitucional a denominada vaquejada.” (ADI 4983, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em
06/10/2016).

Ordem Social

STF (meio ambiente e saúde):

“(...) 4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade


e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação
para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento
econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos
direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a
serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da
precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem
social e econômica. 5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a falta de
utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de disseminação de
doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal preventiva, prudente e
precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves
ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial, cuja tutela se impõe de forma inibitória,
preventiva, impedindo-se atos de importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado
pelos Estados desenvolvidos, que deles se livram. (...)” (ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia,
Pleno, j. em 24/06/2009)

Ordem Social

STF (família):

“A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas
as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção
decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela
afetividade. (...) A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o
reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os
efeitos jurídicos próprios.” (RE 898060, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 21/09/2016)

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“(…) O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado.
Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado
de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada
por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da
expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. (…) Avanço da Constituição Federal de 1988 no
plano dos costumes. (...) A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do
mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de
um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que
não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua
não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da
Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados
na Constituição, emergem ‘do regime e dos princípios por ela adotados’ (…)” (ADPF 132, Rel.
Min. AYRES BRITTO, Pleno, j. em 05/05/2011)

Vide ainda: ADI 4277, Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, j. em 05/05/2011.

Ordem Social

STF (direitos indígenas):

“(...) “O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa - a data
da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) - como insubstituível referencial para o
dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene;
ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam. (...) O marco da tradicionalidade da ocupação. (...) A tradicionalidade
da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de
1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios.
(...)” (PET 3388, Rel. Min. Carlos Britto, Pleno, j. em 19/03/2009)

Ordem Social

STF (sistema financeiro):

Súmula Vinculante 7: “A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda


Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação
condicionada à edição de lei complementar.”

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