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1.

Teoria da Constituição

1.1. O constitucionalismo e as declarações de direito

Inglaterra:
● Magna Carta (1215): Habeas corpus (direito de ir e vir, liberdade de locomoção),
devido processo legal e garantia da propriedade - Carta com cunho estamental pois
não garante o direito a todos, apenas aos nobres.
● Sociedade estamental com nobres, clero e camponeses - Feudalismo
● Declarações de Direitos Ingleses ( Século XVII) - Petition of Rights, Habeas Corpus
Act, Bill of Rights (1689, após a Revolução Gloriosa).
● Houve a limitação dos poderes e mudança da grande soberania para o parlamento e
não mais para os monarcas - Evolução para liberdades genéricas e extensão dos
direitos para todos os cidadãos.

Estados Unidos:
● Nem tudo que ocorreu na Inglaterra, ocorreu nos EUA.
● Declaração de Independência dos EUA (1776): Rompimento do pacto colonial e
criação de novos direitos.
● Declaração de direitos do bom povo da Virgínia (1776)
● Constituição americana (1787): Junção dos 13 estados e criação de um país de fato.

França:
● Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): Busca o fim do
absolutismo na França e novos direitos de liberdade, propriedade, segurança,
resistência à opressão, etc.
● A declaração francesa tem uma intenção mais universal, com conteúdo mais
democrático e social.
● Influências teóricas do jusnaturalismo, racionalismo e liberalismo.

Texto 1: Sarmento, Trajetória Histórica do Constitucionalismo

● Constitucionalismo Antigo e Medieval: Algumas ideias que podem ser consideradas


correspondentes a um modelo antigo de constitucionalismo.

1. Pólis Grega: Democracia direta restrita aos homens livres. Regime político que se
preocupava com a limitação do poder das autoridades em busca do bem comum.
Porém, não se pensava na proteção dos direitos individuais contra os governantes,
pois as pessoas deveriam servir à comunidade política. O Estado era o corpo e o
indivíduo um mero órgão pertencente ao corpo e que poderia ser sacrificado.

2. Roma: Algumas instituições já separavam os poderes, propondo o equilíbrio entre as


instituições. Já se valorizava a esfera individual e da propriedade (o cidadão possuía
direitos civis).
3. Idade Média: O poder estava em múltiplas instituições, nada perto do
constitucionalismo moderno, mas por haver esse pluralismo pode-se considerar que
havia uma certa limitação dos poderes.

4. Fim da Idade Média: Surgem ideias perto do constitucionalismo moderno. Trata-se


dos pactos celebrados entre os reis e certos estamentos sociais que reconheciam
certos direitos e impondo limitações jurídicas (Carta Magna). Se diferencia do
moderno pois não possuía a universalidade, apenas estamentos privilegiados.

● Constitucionalismo Moderno: Limitação jurídica em favor da liberdade individual


(forma de superação do absolutismo). O indivíduo passa a ser valorizado.

Os 3 pilares do constitucionalismo moderno:


1. Contenção do poder dos governantes, através da separação;
2. Garantia de direitos individuais;
3. Legitimação do governo pelo consentimento dos governados.

A) Modelo Inglês de Constitucionalismo: Desde antigamente a Inglaterra limitava o poder de


seus governantes e realizavam pactos estamentais, como a Carta Magna. Respeitam-se as
normas constitucionais tradicionais, não há uma constituição escrita na Grã-Bretanha, logo,
as normas podem ser ditadas, mantendo o caráter flexível.

B) Modelo Francês de Constitucionalismo: A Revolução Francesa representou o


rompimento com o passado, visando um novo estado e uma nova sociedade baseada nos
princípios da "igualdade, liberdade e fraternidade". Ao contrário dos ingleses, os franceses
demonstravam total aversão às tradições históricas. O papel principal era dado ao
Legislativo pois, com a influência de Rousseau, a valorização da lei era a expressão da
vontade geral do povo. Por conta das diversas mudanças de regime e a elaboração de
diversas constituições ao longo de sua história, o Código Civil exercia o papel de
"constituição real".

C) Modelo Norte-americano de Constitucionalismo: Desde antes da promulgação de uma


constituição americana ideias como a limitação do poder dos governantes e a proteção das
minorias já eram tratadas, isso por conta do contexto em que se deu a colonização norte
americana (imigrantes que fugiram da perseguição religiosa). É considerada uma "living
constitution" pois ao longo do tempo foram adicionadas diversas emendas.

Fases do constitucionalismo:

1. Constitucionalismo Liberal-Burguês: A proteção dos direitos fundamentais dependia


somente da limitação dos poderes do Estado, ou seja, o Estado era o adversário dos
direitos. Essa visão corresponde com o estado Mínimo da economia que confia na
"mão invisível do mercado". Logo, existia a forte separação entre sociedade e
Estado, este deveria proteger as pessoas e a propriedade mas não interferir nas
relações sociais. Portanto, a exploração e opressão dos mais fortes aos mais fracos
e de posição desfavorável era ignorada. Ao mesmo tempo que baseava-se na
igualdade o voto era censitário, permitindo que apenas certas classes participassem
politicamente (contraditório).
Se divide entre:
● Constitucionalismo Liberal Clássico: Baseado no estado mínimo, não interfere nas
relações sociais individuais.
● Constitucionalismo Liberal Democrático: É o liberal burguês (Sarmento trata como
uma só fase), já existe uma certa relação com a democracia liberal, uma ideia de
igualdade.

2. Constitucionalismo Social: Com o aumento da industrialização e com isso o aumento


da exploração humana fez com que aumentassem as pressões sociais dos
trabalhadores e grupos excluídos que, juntamente com o temor da burguesia, levou
a uma mudança nos papéis do Estado. Além disso, a extensão do direito de voto
para outras parcelas da população também permitiu que mudanças fossem
consideradas no ambiente político (democratização política). Com isso, o Estado
passa a atuar ativamente no meio econômico e nas relações sociais.
● Constitucionalismo Social Econômico: Nessa fase o governo amplia a participação
popular na política, logo, passa a interferir na vida da população e para isso deve
oferecer educação, saúde e diversos direitos sociais. Essa fase no Brasil foi na
Constituição de 1934, quando começam a trazer questões sociais.

3. Neoconstitucionalismo: É uma tendência global a adoção do modelo de


constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas
autênticas, que podem ser invocadas pelo Poder Judiciário. É a mudança do
impacto que a constituição tem no ordenamento jurídico, pois passa a ser norma.
Mas continua com as características das constituições sociais econômicas.

Texto 2: Queiroz, Constitucionalismo Haitiano e a Invenção dos Direitos Humanos

● Análise de trechos da primeira metade do século XIX sobre características dos


direitos humanos no constitucionalismo haitiano pós-revolucionário.
● São apresentados cinco conceitos: direitos universais do negro; materialidade da
escravidão; cidadania diaspórica; propriedade abolicionista; princípio do solo livre; e
nação quilombo.
● A análise é realizada em diálogo com o pensamento de intelectuais negros e negras.
● É uma crítica às narrativas hegemônicas sobre a “invenção dos direitos humanos” e
a ordem constitucional moderna, através de uma visão mais ampla e plural do
constitucionalismo que abrange o legado da escravidão, do colonialismo e do
racismo.
1.2. Constituição: Concepções, tipologias, estrutura, elementos e supremacia

Concepções:

● Sociológica (Ferdinand Lassale): A constituição deriva da sociedade, ou seja, os


fatores reais de poder derivam das disputas da sociedade. A constituição retrata a
realidade, caso não retrate não seria considerado constituição.

● Política (Carl Schmitt): A constituição como fruto de uma decisão política


fundamental, é uma vontade do poder constituinte, seja o ditador, o povo ou
qualquer outro poder. A vontade imposta seria a constituição.

● Jurídico (Hans Kelsen): Noção de pirâmide, na qual a constituição é o ápice do


ordenamento jurídico, ou seja, é a norma que fundamenta as leis.

● Estrutural (Heiman Heller): A constituição é uma soma de Lassale com a ideia de


que constituição é norma, como Kelsen. Norma + Realidade = Constituição. Acha os
dois fatores igualmente importantes.

● Normativo (Konrad Hesse): Konrad Hesse, entende que constituição é norma mas
condicionada à realidade. Não deve ser só a realidade mas contemplar o "dever ser"
e que isso deve ser sim realizado.

Perspectivas:

Luís Roberto Barroso:


● Ponto de vista político: Decisões do poder constituinte ao criar/reconstruir o Estado,
instituindo os órgãos de poder e disciplinando as relações que manterão entre si e
com a sociedade.
● Ponto de vista jurídico: “Organiza o exercício do poder político, define os direitos
fundamentais, consagra valores e indica fins públicos a serem realizados” (sentido
material), bem como “é norma fundamental e superior que regula o modo de
produção das demais normas do ordenamento jurídico e limita o seu conteúdo”
(sentido formal).

Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Neto:


● Em sentido formal, são “as normas jurídicas dotadas de superior hierarquia no
ordenamento do Estado”. Em sentido instrumental ou documental, é o instrumento
que contém as normas jurídicas superiores. Em sentido material, refere-se às
normas de conteúdo materialmente constitucional (formas de contenção do poder e
direitos fundamentais) e também normas que refletem a realidade social subjacente
à norma.

Virgílio Afonso da Silva:


● A constituição é um pacto que funda uma comunidade política, mesmo não sendo o
ideal para cada em sua individualidade, entende-se que é necessário para a vida em
sociedade.
Lélia Gonzalez:
● “ (...) A Constituição é a lei mais importante de um Estado (no sentido de País). É ela
quem indica como serão feitas e cumpridas as outras leis. Ela é tão importante que
estabelece os direitos e deveres de cada cidadão e até onde o Estado pode interferir
nas liberdades de cada um. Isto significa que a Constituição reflete a vontade do
cidadão.

Ochy Curiel:
● "A constituição (...) é um texto jurídico e político que enuncia as normas
fundamentais da sociedade, como foram pensadas pela maioria (qualificada) dos
constituintes no momento de sua elaboração."

Tipologias:

1. Quanto à forma:
● Escritas - Formada por um conjunto de regras / Ex: Constituição atual 1988
● Não escritas - Baseada em costumes, não existe um texto normativo / Ex: Inglaterra

2. Quanto à elaboração:
● Dogmáticas - Verdades absolutas - Textos fechados / Ex: Constituição atual 1988
● Histórica - Elaborada pelos costumes / Ex: Inglesa

3. Quanto à origem:
● Promulgada - Eleita diretamente pelo povo / Ex: República 1891, Constituição atual
1988
● Outorgada - Imposta por um governante / Ex: Imperial 1824, Era Vargas 1937,
Ditadura Militar 1967
● Cesarista - Formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um
Ditador, aqui a participação popular não é democrática pois a vontade do governante
prevale

4. Quanto à efetividade:
● Normativa - Têm poder normativo, e são aplicadas pelos juízes e em casos
concretos
● Nominal - Não tem efetividade na sociedade e realidade, existe só no nome
● Semântica - Feitas por um regime autoritário para lhe dar legitimidade

5. Quanto à extensão:
● Sintética - Concisas / Ex: Americana
● Analítica - Possui minúcias / Ex: Constituição atual 1988

6. Quanto à ideologia:
● Ortodoxa - Formada por uma só ideologia
● Eclética - Formada por diversas ideologias / Ex: Constituição atual 1988
7. Quanto à finalidade:
● Garantia - Trás apenas direitos individuais e coloca limites ao poder do Estado
● Dirigente - Dirige o Estado para o que ele deve fazer e o que deve ser proporcionado
para a sociedade

8. Quanto à estabilidade:
● Flexíveis - Constituições alteradas pelo mesmo critério que outras leis, não há
diferenciação nos procedimentos
● Rígidas - Constituições que possuem maiores critérios para mudá-las, com
processos mais dificultosos do que na alteração de leis
● Semirrígidas - Alguns temas são vistos como rígidos e outros como flexíveis dentro
da própria Constituição / Ex: Constituição 1824
● Imutáveis - Constituições mais frágeis pois não se alteram ao longo do tempo de
acordo com os valores das sociedades, sendo portanto substituída por outras

9. Quanto ao conteúdo:
● Formal - O texto que contiver as normas fundamentais e estruturais do Estado, a
organização dos seus órgãos, os direitos e garantias fundamentais / Ex: Constituição
Imperial 1824
● Material - Elege como critério o processo de sua formação, e não o conteúdo de
suas normas / Ex: Constituição atual 1988

Elementos:

● Orgânicos: Elementos de organização e funcionamentos do Estado.


Ex: Título III e IV

● Limitativos: Elementos que limitam a ação dos poderes estatais.


Ex: Direitos e Garantias Individuais

● Socioideológicos: São elementos que revelam o caráter compromissório da


Constituição.
Ex: Direitos Sociais (Capítulo II do Título III)

● Estabilização Constitucional: São elementos que asseguram a solução de conflitos


constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições.
Ex: Estado de Sítio, Intervenção Federal, ADIN

● Formais de Aplicabilidade: São elementos que definem regras de aplicação dos


dispositivos constitucionais.
Ex: Art. 5, § 1, preâmbulo
Supremacia:

Por que se justifica a posição hierárquica da constituição?

Justificativas:
● Importância do conteúdo da constituição (dimensão material)
● Organiza e controla o Estado
● É fruto do poder constituinte
● Assegura uma proteção qualificada às normas constitucionais (dimensão formal)

Elementos:
● Rigidez Constitucional
● Jurisdição Constitucional
● Adesão Social

Princípios da Interpretação Constitucional:

● Supremacia da Constituição: Hierarquia da constituição. Nenhum ato ou lei se


mantém se for incompatível com a constituição.

● Presunção de Constitucionalidade das Leis e Atos do Poder Público: Presume-se


que o Poder público atua conforme a constituição.

● Interpretação Conforme a Constituição: As leis infraconstitucionais devem ser


interpretadas de acordo com os valores e fins constitucionais.

● Unidade da Constituição: Relaciona-se às próprias normas constitucionais, as quais


devem ser interpretadas sob a lógica de um sistema.

● Proporcionalidade ou razoabilidade: Interpretação que orienta como a norma deve


ser avaliada, no caso concreto, para alcançar os fins constitucionais nela embutidos
ou decorrentes do sistema jurídico. Assim, o ato legislativo ou ato administrativo
deve ser avaliado sob a seguinte perspectiva:
○ A) O meio/instrumento empregado deve ser adequado a alcançar o fim
desejado
○ B) É a forma necessária de se alcançar aquele fim, não havendo meio menos
gravoso
○ C) Há proporcionalidade em sentido estrito, de forma que os benefícios
sejam maiores que os custos em jogo

● Efetividade: O intérprete deve se comprometer com a efetividade das normas


constitucionais.

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