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IDEOLOGIA E PROTESTO POPULAR


NOS SÉCULOS X V I I A XIX

Organizado Dor Frederick Krantz

Jorge Zahar Editor


Os Pobres e o Povo na Inglaterra do Século XVII
Christopher Hill

Para começar, preciso deixar claro um ponto. A palavra "povo" é com


frequência maltratada hoje, como nas ocasiões em que políticos dizem que
"o povo quer isto" ou "o povo não tolerará isto", quando, estatisticamente,
não têm a mínima ideia do que o povo quer. Mas o fato de podermos com-
preender que estão maltratando a palavra mostra que há um significado
acordado. "O povo da Inglaterra" significa os habitantes deste país, todos
eles, homens e mulheres, ricos e pobres. Conforme veremos, porém, as
coisas não eram tão simples assim no século XVII. Pouquíssimos, na ver-
dade, que usavam á palavra "povo" incluíam todos os habitantes.
O emprego linguístico, naturalmente, relaciona-se com a prática políti-
ca. Constitui quase um choque recordar que só neste século todos os adul-
tos foram considerados como povo no sentido de ter direito a um voto para
eleger o Parlamento. Historiadores do século XIX aceitavam com toda se-
riedade alegações do século XVII de que o Parlamento representava o povo
da Inglaterra porque lhes parecia que seu Parlamento representava-o, em-
bora apenas uma minoria da população tivesse direito ao voto. Só no pre-
sente século é que os historiadores se tornaram conscientes da importân-
cia deste ponto cego. Como acontece com tanta frequência, a história teve
que ser reescrita não porque nova prova tivesse sido descoberta mas por
causa de mudanças na sociedade em que viviam os historiadores. Neste
caso, a adoção do sufrágio universal tornou-os mais conscientes de sua au-
sência no século XVII.
Ao irromper a guerra civil entre Rei e Parlamento em 1642, este últi-
mo teve que arranjar argumentos para justificar sua posição contra o pri-
meiro, que fora aceito como Ungido pelo Senhor, governando por direito
divino, e não apenas por tradição, por direito histórico e legal. Que direito
tinha o Parlamento de se opor a ele? A resposta encontrada foi que o Par-
lamento representava o povo da Inglaterra e que o povo, em seu todo, era
Chrislopher HiU 35

superior até mesmo ao Rei. Alegaram mesmo alguns, para horror dos con-
servadores, que o texto bíblico "Não toqueis nos meus ungidos" "referia-
se a sujeitos inferiores... Esse perigoso dogma", escrevia um panfletário
já em 1642, "foi martelado nos ouvidos do povo como se ele apenas fosse
o ungido, ninguém mais mas apenas ele".1 Mas ainda que o povo fosse
superior ao Rei, perguntas incómodas foram feitas em discussões livres por
volta da década de 1640 sobre a medida em que o Parlamento era real-
mente representativo. O realista Sir Robert Filmer divertiu-se muito obser-
vando que, longe de representar o povo da Inglaterra, o eleitorado parla-
mentar na verdade incluía talvez um em cada dez ingleses — dez da classe
alta. Os Niveladores apresentaram o mesmo argumento do ponto de vista
oposto. Mas eles — ao contrário de Filmer — pensavam que o sufrágio
devia ser ampliado, de modo a tornar o Parlamento representativo de toda
a população masculina.
Neste ponto os pensadores políticos parlamentaristas meteram-se em
águas fundas. A retórica da acusação no julgamento de Carlos I, quando
ele foi condenado à morte como traidor do povo da Inglaterra, e da legis-
lação que abolia a monarquia em 1649, explorou muito a superioridade do
"povo" em relação ao Rei. Mas ainda que o Parlamento Longo de fato
representasse o povo, era fato bem sabido que, antes de o Rei ser levado
a julgamento, uma grande maioria de membros do Parlamento teve que
ser expurgada pelo coronel Pride. O Remanescente que sobrou do Parla-
mento, sentado sobre as baionetas do Novo Exército Modelo, dificilmente
se parecia com o povo da Inglaterra — e menos ainda com o próprio exér-
cito, pensavam muito contemporâneos.
Mas, neste caso, quem era o povo? A pergunta permaneceu. Fora for-
mulada um século antes. Quando um dos propagandistas de Henrique VIII,
William Marshall, traduziu o Defensor Pacis, de Marsiglio de Padua, em
1535, viu-se obrigado, irritantemente, a interromper o texto de tempos em
tempos com notas marginais, explicando aos leitores que, a despeito das
aparências, quando Marsiglio falava no povo ele não se referia a todo o
povo. "Em toda esta longa crónica, ele não fala da multidão vil, mas do
Parlamento"; "nos casos em que fala em tal multidão, ele se refere a que
está reunida no Parlamento".2 No reinado de Elizabeth, Sir Thomas Smith
declarou que "a comunidade consiste apenas de homens livres". "Diaristas,
agricultores pobres" e outros que não possuem propriedades livres e alo-
diais "nem têm voz nem autoridade em nossa comunidade e não se os deve
levar em conta, salvo para serem governados".3 Um assustado baronete
insistiu nesse ponto em 1641: "os arcebispos, os nobres, juntamente com
a pequena nobreza, as gentes de boa família e educação, consultam-se entre
si e estabelecem as regras de governo; os plebeus se submetem e as obede-
cem".4 Em 1641, porém, os plebeus não estavam se submetendo e obede-
gg a outra história

cendo cegamente, como se esperava deles. Após 1<S60,- porém, ó duque de


Albefrriarle podia dizer com mais confiança que "os mais pobres e mais
humildes não têm interesse ria comunidade, salvo o de respirar".5 Os ho-
mens de propriedade do século XVII herdaram um horror ao Monstro de
Muitas Cabeças, a população ignorante e irracional.6
Dessa maneira, escritores de classe superior tendiam a excluir os po-
bres Ho "povo livre", embora não o fizessem de forma muito precisa ou de-
liberada. Eles simplesmente não pensavam nas classes mais baixas (não
mais do que pensavam em mulheres) quando se referiam ao "povo" que o
Parlamento representava. O anónimo The Lawes of England, provavelmen-
te escrito por um puritano nas décadas de 1620-ou 1630, citava como um
dos direitos do "povo" — "aquelas jura familiae, consistindo de esposas,
filhos, servos, bens e terras", sobre os quais todos os pais de família são
"senhores e reis em suas próprias casas".7 O exemplo mais conhecido 'no
particular é o do capitão Adam Baynes, membro do- Parlamenta por York-
shire, em discurso; nessa assembleia em 1659. Discutindo as causas da guer-
ra civil, disse ele que "o povo como dono de propriedades era insuportá-
vel para ò Rei; e, 'em armas', 'insuportável demais... A propriedade em
geral está agora com o povo..'-. Todo governo se baseia na propriedade,
pois; hão fosse1 assim, os pobres é que governariam". Aparentemente, pobre
não é povo porque não tem propriedades.8
A questão, aliás, surgira antes, em outubró-novembró de 1647; no
Conselho Geral- do Exército,' reunido em Pútney. !O exército acabara de
vencer a ;guerra contra o Rei e este Conselho - Geral, formado de generais,
de alguns oficiais representantes das fileiras è de alguns Niveladòres lon-
drinos, discutia qual devia ser a futura Constituição da Inglaterra — uma
ocasião excepcional. O coronel Rainborough e os Niveladòres pediram —
ou pareceram pedir — ' o sufrágio masculino sobre o fundamento 'de que
todos os homens tinham direito natural ao voto. Os Niveladòres e seus
correligionários em Pútney ficaram muito confusos quando o Comissário-
Geral Ireton sugeriu que os mesmos argumentos podiam ser usados para
defender um direito natural de todos os homens a propriedade — isto é,
para justificar o comunismo. A maioria dos Niveladòres era favorável à
propriedade privada e talvez não tivesse pensado bem em todas as impli-
cações de frases retumbantes, como a de Lilburne, de que "os mais pobres
têm um direito tão autêntico a votar... corrio os mais ricos e mais
nobres".9 Rainborough pronunciou ás palavras famosas "o mais pobre
que há na Inglaterra tem tanto uma vida para viver como o mais rico- é,
por conseguinte... Eu penso que o homem mais pobre na Inglaterra" (todo
homem nascido ria Inglaterra") "não está em absoluto sujeito em sentido
estrito ao governo no qual não teve voz em se submeter". Ireton, repetindo
Sif Thomas 'Smith, retrucou que "o fato de um homem nascer aqui" não
Çhristopher fíill 37

lhe dá direito a um voto: o sufrágio1 está vinculado à propriedade. Por


povo, sustentou Ireton, entende-se aqueles "que possuem interesse perma-
nente na terra". O coronel Rich acrescentou que se senhor e servo fossem
eleitores iguais, então "a maioria pode, por uma lei... destruir a proprie-
dade". Se qualquer qualificação de propriedade : fosse mantida, disse ele,
cinco sextos do povo seriam excluídos do direito ao voto. Que garantias
têm os senhores, perguntaram Rich e Ireton, de que se o voto for conce-
dido aos pobres-eles não votarão pelo comunismo e pela divisão das pro-
priedades dos ricos?10 insígixs i&rc -y..: -r:o") nk
Os Niveladores não possuíam uma resposta pronta. Provavelmente, es-
tavam divididos entre si. Alguns deles estabeleciam uma distinção entre os
homens livres e os pobres; "Todos os habitantes que não perderam seu di-
reito-inato", disse Maximilian Petty, "devem ter voto igual nas eleições".
E sugeriu que os pobres haviam perdido sua liberdade inata tornando-se
—r- pelo menos temporariamente.— dependentes de outrem. Isto se aplicava
também a aprendizes e a serviçais que residiam com os patrões. Alguns dias
depois, o Conselho Geral do Exército votou no sentido de estender o su-
frágio a todos, menos a .serviçais e a mendigos.,11, í, -.r.',; ; ,, .,;..-••
-A distinção aventada por; Petty era na verdade muito sofisticada. A
maioria dos teóricos políticos parlamentaristas continuou a falar no "povo",
e apenas quando pressionados é que reconheciam que não incluíam os po-
bres. Assim, Marchamont Nedham, propagandista do governo republicano
na década de 1650, declarou que "quando mencionamos o povo não nos
referimos ao corpo confuso e promíscuo do povo"; "por povo entendemos
aqueles que serão devidamente escolhidos para representar sucessivamente
o povo em suas assembleias supremas".12 Para todos os efeitos, ele poderia
estar quase lendo as notas de Marshall à sua tradução da obra de Marsi-
glio e isto foi o mais perto que chegou de uma definição. Em 1653, Robert
Norwood afirmou que os Parlamentos são "o povo reunido", "que entre
si escolheu pessoas em todas as partes da terra". Respondendo a uma per-
gunta sobre quem deveria julgar a justiça das leis do Parlamento respondeu
que "ora, todos os ingleses, todo o povo da Inglaterra, em e por suas vá-
rias cortes e servidores... centenas de cortes, cortes de condado, cortes
de investigação, xerifes, júris e coisas assim".13 Aqui, "todo o povo" signi-
fica no máximo todos os chefes de família.
Thomas Hobbes chegou perto de uma descoberta importante quando
argumentou que o estado é fundado no consentimento do povo e que, a
este respeito, todos os homens são iguais. Hobbes, porém, incluíra o indi-
vidualismo competitivo na sua psicologia básica do homem e o objeto de
sua análise nem de longe era o estabelecimento de uma democracia. Muito
ao contrário, argumentou que a forma de governo era irrelevante, enquan-
to os súditos fossem protegidos da anarquia a que, de outra forma, levaria
38 o outra história

sua competitividade inerente. De modo que o efeito disto consistia em de-


fender o status quo — qualquer velho status quo — contra mudanças de
todos os tipos, ainda que, uma vez, ocorrida a mudança, ela devesse ser
aceita.
James Harrington (Baynes era harringtoniano) elaborou uma teoria
política republicana na qual sempre falava no governo como baseado no
povo, embora, em sua comunidade ideal, criados não fossem cidadãos. A
distinção entre homens livres e criados parecia-lhe "por assim dizer natu-
ral", não derivada da Constituição mas existente antes da formação do es-
tado.14 Criados nem tinham direito ao voto nem podiam portar armas. Na
Inglaterra, argumentou, o poder económico no século anterior a 1640 pas-
sara para "o povo", que subvertera o equilíbrio tradicional adquirindo terras à
Coroa, à Igreja e à aristocracia. A revolução de 1640 fora simplesmente
uma questão de ajustar a superestrutura política de modo a restabelecer o
equilíbrio. Por povo Harrington evidentemente entendia pessoas detentoras
de alguma propriedade. "Os camponeses, não participando do equilíbrio,
não podem (em relação ao governo) ser levados em conta" e por conse-
guinte "não é chamado de o estado comum, mas apenas o terceiro estado,
ao passo que a pequena burguesia rural na Inglaterra" constitui o comum,
o verdadeiro povo.15 De modo que havia distinções estabelecidas entre povo
e povo. Em um dos diálogos de Harrington, pergunta Publicola: "O Par-
lamento declarava que todo poder reside no povo, mas apenas o melhor
tipo de povo?" Valerius, (que parece representar Harrington) responde:
"O Parlamento consistia exclusivamente do melhor tipo... Não era, diria
você, uma democracia... Ainda assim, esta tinha origem na eleição livre
pelo povo". Publicola continuava insatisfeita. "Livre até que ponto? Obser-
vando-se que pessoas subordinadas a senhores não ousavam eleger quem
os desagradasse". "Há nisso algo de verdade", reconheceu Valerius, "mas
estou convencido de que as pessoas não subordinadas a senhores preferi-
riam ainda assim o melhor tipo". "Isto é verdade", concordou Publicola.16
Em outubro de 1659, Henry Stubbe, que lera o seu Harrington, fazia
uma distinção entre "a nação" (todos os homens, exceto os criados, que
idealmente deviam ter o direito de votar em uma comunidade livre) e "o
povo" (na verdade os defensores da Boa e Velha Causa). Reconhecia
Stubbe que este não era o emprego normal da palavra "povo": "para ser
parte do povo não é necessário que o indivíduo possua terra". Soldados
sem terra deviam desfrutar os direitos dos cidadãos. "O povo" controlaria
o Senado; o Parlamento seria "escolhido por toda nação, e não pelo povo
apenas".17
Na opinião de Algernon Sidney, também (que mais tarde se tornaria
o herói -dos Liberais) nem todas as pessoas eram cidadãos plenos. "Ne-
nhum homem enquanto for criado pode ser membro de uma comunidade,
Christopher Hill 39

pois aquele que não é dono de si mesmo não pode tomar parte no gover-
no de outros".18 Locke repetiu os argumentos de Harrington. Seu estado
tinha origem em um contrato social entre o povo. Mas o "povo" que fun-
dava esse estado possuía criados no estado de natureza, antes de existir o
estado: "a relva que meu criado corta" a mim pertence. James Tyrell, amigo
e seguidor de Locke, "de maneira alguma admitia que a ralé, ou turba, de
qualquer nação se levantasse em armas contra um governo civil, mas ape-
nas toda a comunidade de pessoas de todos os graus e ordens, comandadas
pela nobreza e gente de boa família e educação". Criados sem propriedade
em bens ou terras não tinham mais razão do que crianças "para ter voz
na instituição do governo". (E não mais razão do que mulheres: esta ati-
tude, aliás, ajuda a explicar por que nem mesmo os Niveladores defendiam
o direito do voto às mulheres). Os Liberais do século XVIII tendiam a
pensar que "povo" significa "gente de boa família e educação".19
No século XVII, a prática era mais clara do que a teoria, mas também
igualmente desfavorável aos pobres. Em 1640, era "opinião da Casa" (dos
Comuns) que "nenhum mendigo ou homem que recebeu ajuda pública, nem
está sujeito a pagamento de imposto, é capaz de ter voz na eleição de bur-
gueses".20 Esta era a prática normal nas eleições em distritos. Analoga-
mente, nas eleições paroquiais, aqueles que não pagavam taxas para os
pobres e a igreja tampouco podiam votar.21 Aos 'homens de propriedade
do século XVII isto parecia apenas justo: os que eram eleitos gastavam
o dinheiro dos contribuintes de impostos e taxas e, por conseguinte, deviam
ser eleitos por eles e perante eles serem responsáveis. No campo, além do
mais, observou Richard Baxter, "na maioria das paróquias, a maior parte
do voto dos vulgares... é governada pelo dinheiro e, por conseguinte, pelos
senhores de terras". Aqueles cuja pobreza "é tão grande que os leva a ser
criados de outros e os priva de sua liberdade inata" devem perder o direito
ao voto.22 Sir Simonds D'Ewes que, em 1640, de forma muito surpreenden-
te, argumentou que os pobres deviam ter direito a voto, ressalvou esta opi-
nião um ano depois, de modo a excluir os vagabundos. Ainda assim, foi
mais liberal que a maioria de seus contemporâneos.23 O pastor presbite-
riano Thomas Edwards, por exemplo, considerava como um reâuctio aã
absurdum toda e qualquer ideia de sufrágio universal que concedesse o voto
a indigentes e a mulheres.24 "Deveriam as mulheres, crianças, empregados
domésticos, loucos e imbecis", perguntava o arcebispo Ussher, "ter a mes-
ma liberdade de votar que homens de idade, fortuna e compreensão?" ffi O
conde de Shaftesbury. por volta de 1680, declarou que "todo paterfamí-
lias... tem... os votos de toda sua família, homem, mulher e filho nela
incluídos". Locke achava natural que os pobres, criados e mulheres não
tivessem direito ao voto.26 Por razões análogas, "o tipo mais baixo de pes-
soas e criados" era habitualmente excluído de serviço na milícia.27 Fornia-
ftf W buíra história

vam contudo, ;a'prihcipapqfdritg de conscritos para o serviço militar no


ultramar. Giraras:, • •
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tijaixâ b (n a i . m • . . • . - , . • . '. : 3 EV
Há um fundo teológico nessas' Atitudes que talvez valha a pena estudar
por um momento: Quando, no' reinado dê Elizabeth, puritanos presbiteria-
nos argumentaram que leigos idosos deviam ser eleitos pelas congregações
das paróquias pára compartilhar com o pastor da administração da disci-
plina dá igreja oficial,1 ouviram-se altos gritos' de protesto no sentido de que
isto significaria que : "o rebotalho dó povo" escolheria aqueles que supervi-
sionariam a conduta moral de seus superiores na sociedade. O arcebispo
Parker deplorava todo e qualquer sistema^ que permitisse quê-"o povo fosse
6 órdetiador dás coisas".28 Defensores do 'prebiterianismo tiveram grande
trabalho para explicar que não 'tinham ein rhente èssé:: tipo de democracia.
William Stóughton,1 por' exemplo, falou em 1604 sótíé 'o "direito : inato"
db' povo, ab mesmo tempo em que especificamente excluída "a multidão"
dó direito cfè eleger os presbíteros.29 Não 'devia• haver';mèdó da palavra de^'
rriócracia, "contanto que a coisa que a palavra' repiresèntava não fosse peri-
gosa.'Só os' ánábátistas é que defendiam'a'igualdade de eriados !e senhores^
áfirrtíóti; William Goúgei30 "Os anabatistas são; homens que não admitem
que!lhe escamoteiem'ó direito inato de pessoas nascidas'livres na Inglaterra",
declarou'-' ufn"deles;81'' ' •' 0!j'P 80 roteot • asnaqs fifcmBq oiai I1VX oluoòg ob
'"•"'" 'Em 1593, Richard: Hoóker'' chamou átençatf paTâ: a ! ambiguidade exis-
terite!riós -argúíneritós presbiterianos: "Quando dizem que os pastores devem
ser escolhidos corrr:'ó cótíseritiménto de muitos,; por rriuit&s entendem a mul-
tidão, ou Ó ptívó comum; irias ao exigir que os muitos se juntem ao bispo
na administração":'das'censuras da :igreja, entendem por muitos alguns pou-
cos presbíteros, escolhidos1 no meio dó povo p'ará esse fim".32 Meio século
depois, OS; Niveladores' "andavam igualmente em ; círculo, 'não conseguindo
definir'Ó que' entendiam por povo".33 ; «sneíoq oinsmui;;
Puritanos de épocas!posteriores1 mostrarairi-sè -ihai^'cautelosos do "quê
Stoúghton. Quando Os'Peregrinos embarcaram para a América, "alguns es-
tranhos entre eles" íizeram "discursos descontentes e 'sediciosos", insinuan-
do que "ninguém tinha o poder de dirigi-íos" e; que ''quando desembarcas-
semv usariam sua própria liberdade". "O povo', por conseguinte", como disse
Thomas Prince :uin século deipois, "antes de desembarcar, sabiamente se
transformou em um corpo político:.. !mediaiite: cbntrato solene" - — o quê
efetivamente excluía não só os1 "estranhos" mas também -empregados domés-
ticos".^ Na Nova Inglaterra, a exclusão da filiação à igreja implicava ex-
clusão do direito àO: voto. Isto tornou explícito ó que era implícito na
Inglaterra, onde a paróquia s'è transformara em uma unidade simultanea-
mente eclesiástica e política. As mesmas pessoas exerciam o direito de vote
Chrístopher Hill $|

em cada uma dessas condições. "Patifes, indigentes, vagabundos", argumen-


taram Williám Perkins é outros puritanos, "geralmente não participam de
sociedade ou corporação civil"; "não se filiam a qualquer congregação es-
tabelecida para obter ingresso no reino de 'Deus". Permaneciam à parte da
igreja e da comunidade, a menos e até que pudessem ser recuperado pela
disciplina e trabalho árduo;35
Há Uma curiosa analogia entre a teoria que vimos estudando, que al-
gumas pessoas são cidadãos plenos enquanto criados e pobres não são, e
Ò significado duplo que os calvinistas deram à palavra Igreja. Em certo
sentido, a Igreja ê toda a comunidade; em outro, os piedosos nessa comu-
nidade. Em iim'mundo ideal, Igreja é estado seriam governados pela mino-
ria piedosa"! Na prática, isto dificilmente foi alcançado 'em virtude da difi-
culdade d'e identificai os1 eleitos dê Deus na terra: havia os relapsos e Os
hipócritas. A distinção teórica, no entanto, permaneceu clara. Derivava ela
da teologia.' Desde toda a eternidade os eleitos estavam predestinados à
salvação.'Por conseguinte; em um sentido,1 Cristo' morreu 'por: todos Os ho-
rriénk'; em outro, apenas pelos eleitos. Pessoas educadas nessa tradição teo-
lógica, que pensavam na igreja como simultaneamente toda comunidade e
como minoria eleita nela, facilmente descambavam pára pensar no povo.
como todos os habitantes, para "o povo" como a minoria respeitável. Mil-
ton considerava corno "o povo1*' os chefes de família. "Por povo entendemos
todos' os cidadãos de!' todos os grátis",' más aparentemente; sobretudo "a
cíâssè rriédia. que produz o ihaior numero de Homens de bòní-senso e co-
nhecimento dos assuiitos do mundo"i36 Ele virtualmente repetia os argumen-
tos expendidos pelos rebeldes holandeses'eerba:de 60 aíios antes. O's Estados
fi^o" JéÕ': representavam" mas feràm^Selécibfrados '("feitos") pelo' povo.' Mas -ex-
cluídos do povo' estão todos "que chamamos de1' :falé;.:'•'.' erri contraste com
os cidadãos bons e decentes" :37->
T 'Ôg'dois'conceítõs ; estavani íigados ria Suposição de Stoughton de que
os presbíteros eleitos seriam "homens de ocupação". Na postura parlamen-
tar dê Í646, que crioií uma Igreja Oficial Presbiteriarià na' Inglaterra, os
presbíteros deviam ser eleitos por membros das congregações que não fos-
sem "criados que não têm família".38'Tampouco foi a mudança de povo
para eleitor peculiar aos presbiterianos. De idêntica maneira, o bispo Lan-
celot Andrewes fez Uma distinção entrb "os tipos' comuns**;íè!;;"õ§ verdadei-
ros cristãos".^ ••'"• OÍO(V ob 'jrificl 5bn
q o ieup un OBDfiiiní emu icJíia-jíno sup Eiínil oi5?6Jijqoq jjfa G??(,/Í
• oííJsrniiG o 3 ,ari3d eoiíwo ab i sup ib .biqà-t ^isjm «;du? •< . •
Por analogia, o perisgnle.nyireligioso contribuiu pára explicar por que ho-
mens esqueciam "os pobres" quando falavam de "povo". Mas havia tam-
bém fenómenos sociais que ajudam a explicar'por que isso era tão fácil.
Em primeiro lugar, temos que nós lembrar da natureza patriarcal da socie-
42 o outra história

dade do século XVII. Grande parte da população — provavelmente a maio-


ria — vivia em famílias que eram também unidades de produção, fossem
oficinas industriais ou fazendas familiares. O chefe da família era o gerente
da firma e supervisionava não só a esposa e filhos, mas também seus apren-
dizes e domésticos residentes. Era considerado responsável pelo bem-estar
moral e religioso de todos, educação e treinamento vocacional, e não me-
nos que pelos seus próprios filhos. A exclusão de mulheres, crianças, cria-
dos e aprendizes era justificada pela suposição de que os mesmos eram
"virtualmente representados" pelo chefe da família.40 Quando o aprendiz ou
o criado residente casava e constituía família, eles, também, tornavam-se
"livres" e possivelmente qualificados para votar. Em 1647, argumentava-se
que "muitos no exército" eram "criados e aprendizes, não livres ainda" e,
por definição, incapazes de representar qualquer pessoa.41 Indigentes e va-
gabundos não contavam, absolutamente.
Em segundo, claro, todas as ideias políticas eram formuladas por in-
telectuais, homens de alguma educação. Isto se aplicava mesmo a radicais
temporários como os Niveladores, os Diggers ("Carpidores") e os Meto-
distas Primitivos. Entre os três principais Niveladores, Richard Overton ti-
vera educação universitária, William Walwyn — neto de um bispo — era
leitor muito sofisticado de Montaigne; Lilburne — filho de um cavalheiro
— tivera algum treinamento em advocacia; Winstanley, o "Digger", cursara
escola primária e fazia citações em latim. No século anterior a 1640 ha-
viam se aprofundado as linhas da divisão educacional. Nesse século ocor-
reu o que o professor Stone. chamou de "revolução educacional". Era muito
maior o número de escolas na Inglaterra, isto devido principalmente a gene-
rosas doações de comerciantes e cavalheiros. Uma vez que a sociedade se
tornava crescentemente comercializada, era muito maior a necessidade de
pessoas que podiam ler, escrever e fazer contas.
No século da revolução educacional, porém, ocorreu também maior di-
visão económica. Alguns comerciantes, pequenos proprietários e artesãos
estavam prosperando — os qualificados, os felizardos, os que viviam pró-
ximos a um mercado urbano em expansão (Londres, principalmente), e,
no campo, os que tinham longos contratos de arrendamento com aluguel
fixo que os protegia contra os preços em alta. Embora constituíssem mi-
noria, eram também um grupo empreendedor, autoconfiante, que logo de-
pois formaria grande parte do apoio recebido pelos revolucionários radicais,
A massa da população tinha que enfrentar uma inflação na qual o preço
dos alimentos subia mais rápido do que o de outros bens, e o alimento dos
pobres mais fortemente que o alimento dos ricos. Uma das consequências
disso foi que os donos de terra sentiram-se encorajados a enfrentar os pre-
ços crescentes cobrando alugueres extorsivos, erguendo cercas e instalando
excesso de animais nas terras comuns, e graças a um sem-número de outros
Christopher fíill 43

expedientes que os salvava às expensas dos pobres. O cerco da terra poi


acordo entre os ocupantes mais ricos da aldeia aumentava-lhes o poder so-
bre a comunidade.
Como resultado, consolidou-se uma classe permanente de pobres numa
ocasião em que oportunidades económicas se abriam para uns poucos afor-
tunados. A pobreza da massa, claro, nada tinha de novo; o que era novo
era a possibilidade que alguns membros de grupos sociais situados abaixo
da pequena nobreza pudessem transpor a barreira entre a indigência e a
prosperidade. E a educação era vital para a transposição dessa barreira.
Os pobres, no entanto, não podiam dispensar o trabalho dos filhos, não ti-
nham meios para mante-los na escola logo que atingiam a idade em que
podiam contribuir para a renda da família — sete ou oito anos de idade.42
Apenas uma insignificante minoria dos filhos dos pobres tinha sorte de en-
contrar um benfeitor que lhes custeasse a estada na escola primária. Menos
ainda chegavam à universidade. O fato por todos observado de que os fi-
lhos das famílias de boa situação e educação estavam usurpando as vagas
gratuitas em escolas inicialmente destinadas às crianças pobres não consti-
tuía tanto prova de ganância e egoísmo da pequena burguesia quanto da
impotência económica dos desvalidos. Desta maneira, consolidaram-se as
linhas da divisão social: a vasta massa dos filhos dos pobres era excluída
de acesso à escada educacional, que os filhos de seus superiores mais afor-
tunados galgavam rapidamente. Era quase impossível ao indigente escapar
da herança com a qual nascera.
A lei elisabetana de ajuda aos pobres teve curso legal após a fome da
década de 1590. Aceitando a existência de uma classe permanente de indi-
gentes, dispunha a lei e legitimava o pagamento de ajuda aos pobres que
a merecessem, diferenciando-os dos ociosos, dos patifes e dos vagabundos,
e colocou sua aplicação, sob os J.P.s. nas mãos dos policiais e sacristãos
de aldeia.43 Estes eram recrutados na camada intermediária, abaixo da pe-
quena nobreza, entre os 10% superiores de aldeões relativamente próspe-
ros. À medida que uma classe de pobres permanentes se diferenciava das
elites das paróquias nos dias desesperadamente difíceis das décadas de 1590.
1620 e 1640 — crise económica e tributação de guerra — os problemas de
manutenção da lei e da ordem começaram a preocupar cada vez mais as
elites das paróquias e a pequena nobreza.44 Destituídos de direitos, impo-
tentes, analfabetos, o único recurso dos pobres, no estado de quase inanição.
era a revolta cega. Eles existiam não apenas para serem governados: man-
te-los em sujeição e obrigá-los a trabalhar constituía um dos grandes obje-
tivos do governo e das classes ricas, nesse momento com o apoio da cama-
da intermediária.
Uma lei de 1610 estatuiu que todos os homens ou mulheres válidos
que ameaçassem fugir de sua paróquia estavam sujeitos a serem enviados
44 Wbutra história

a uma casa de correção e tratados como vagabundos.4^ Quando necessário,


podiam ser recrutados para trabalho»- como eram recrutados para as for-
ças armadas, embora "o tipo maisx vil de pessoas e criados" fosse em ge-
ral excluído da: milícia, o exército da propriedade, porque "o governo te-
mia, armar e treinar ;as:-iordens mais baixas".46 Esta separação cada vez
mais profunda entre "os pobres" e o resto da população explica até certo
ponto a tendência do puritanismo inglês, de William Perkins na década de
1590 e daí em diante, que salientava a perversidade, aparentemente irrepa-
rável, dos pobres. As doutrinas calyinistas de predestinação da maioria da
humanidade à condenação eterna reflétia as; realidades sociais da vida in-
glesa em princípios e meados do século XVII.4? [-êíasn > v ; . . - . . . -
Em um discurso ao seu Parlamento em; 1645, Qliver ;Croinwell disse
que os Niveladores queriam reduzir "todos à dgualdade'V objetivo este que
julgava provável que interessasse a "todos -os homens, pobres.... ei a todos
os homens maus';'. Harrington, analogamente, falou/ nos:. "ladrões; ou Nive-
ladores",48 (A maioria dos líderes dós Niveladores^oiâ jíeréadeíí;ôra; defen-
sora da propriedade privada-. Gromwell; e Harririgton estavam provavel-
mente pensando em i Winstanley,,ie «©s!.Niveladores r Autênticos, que:; discuti-
remos logo; em seguida.:),: u - r BÍÍ iQ bifi fZ3b íob Borm , ;'onôíoqíni
A maldade dos pobres contribui também para explicar a ênfase de pu-
ritanos e !do Parlamento na disciplina do trabalho, e: na pècaminosidade do
ócio. As -classes' inferiores "debochadas" te "profanas" preferiam, sabida-
mente, a indolência ao trabalho, consideravam todos : os ; dias santos como
feriados,1 isto -de ^uma maneira lamentavelmente ipapista; -e - a lei de ajuda
dós pobres estabelecia uma clara '• distinção entre 'os merecedores e os pa-
tifes indolentes. Súpunha-^se que;os pobres 'trabalhariam • apenas para evitar
a morte pela fome.49 Uma postura de 1550 permitia a construção de pe-
quenas cabanas em terras devolutas e públicas. Essa gente formava: uma re-
serva conveniente de mão-de-òbra barata para''as ; novas indústrias rurais.
As terras públicas e devolutas davam-lhe algo de que viver quando não ha-
via emprego. ^Há menos pobres onde há menos terras públicas", observou
Samuel Hartlib, O aumento da produção agrícola inglesa, e os lucros dós
fazendeiros, porém, dependiam de pôr em cultivo terras devolutas. Os abas-
tados começaram a antipatizar com esses "residenteg pobres", como Bacon
os- chamava.50 O cerco; dás 'terras públicas;^ disse, Adam Moore em 1653,
"dará aos pobres um interesse fio 'trabalho1-que o terror nunca conseguiu
até agora instilar". Os asilos de pobres foram deliberadamente tornados de-
sagradáveis a fim de desestimular os candidatos à ajuda.51
A possibilidade de ocupar terras não-cultivadas era o último refúgio
dos pobres migrantes. No século XVII, florestas foram postas sob cultivo
e tomadas medidas para limitar a mobilidade da classe mais baixa. A Lei
de Colonização de 1662 fez-se acompanhar de uma campanha contra as
Christopher Hill 45

cabanas. Isto se tornou possível porque terminara a explosão demográfica


e, na verdade, logo : depois foi necessário, > por razões económicas, permitir
mobilidade limitada.52 No início, medo; de excesso de população; no fim,
medo de .carência de braços: da importação para a exportação-de cereais.
Sir Dalby Thomas expressou a nova-ideia quando: disse, em 1690, que o
povo é a riqueza da; ;nação.'Mas apressou-se a acrescentar que,por :"povo"
entendia as pessoas laboriosas e industriosas, não ©s desempregados, : tais
como biseateiros••••& mendigos •->-*; e maliciosamente acrescentou, "ai pequena
nobreza,< o clero, e- LOS : advogados".53 Swift, analogamente* distinguia entre
artesãos'pobres,: peqiíteBos.negociantesderitrabalhadores; .braçais, .por um lado,
e a í ale: ociosa, pelo, outr.Q;.5*o)iijM .oBjnavnoo K 2 oir^ibfnt s moo j-jqrr;:;-! K
•"•Visto-o assunto. dd!»utro lado, .'temos que recordarí b ódio sentido por
muitos pobres -a "• uma- vida 'db^trabalhovássalariadói permanente.^:; que «eonsii
deravam como; uma íormã derfalta de liberdade.--'Esta tipo der trabalho e a
lei; de ajuda aos^ pobres surgiram juntos,55 Bernard!;Mandeville, em princí-
pios1 do século XVIII,'esclareceu a diferença entre os pobres e o resto da
sociedade quando disse: "Quase não temos pobres em número suficiente
para fazer o necessário a fim de que nós possamos subsistir": ..(Note-se ia'
diferença entre "eles", os pobres^ e "nós", para quem eles trabalham.) "Ho-
mens que estão .destinados a permanecer e terminar seus dias em -uma la-
boriosay .cansativa* i e 'dolorosa '.situação de:i vida*'•<quanto; n mais cedo fo.reni
colocados nessaj eondiçãoi mais. pacientemente se submeterão; a ela para
sempre'' (grifo nosso).^6 ; Y.^ go sup ioq ovi)om o siaH .«obe!<>''•
Se -estudamos dessa perspectiva^ fenómenos \• ocorridos^ no século XVII,
emergem vários! pontos -relevantes; para1 nosso tema,; Recentemente,:• argu-
mentou John Morill.^de forma muito convincente, que o século XVII nã&
dispunha de palavra que abrangesse esses pequenos proprietários rurais, ar-
tesãos e comerciantes que prosperavam à época da grande cisão económica.
E disse, menos convincentemente, que por isso mesmo o historiador não
devia tentar distinguir entre eles um grupo social ligado pela mesma situa-
ção económica.57 Acho, porém, que podemos reconhecer agora que o século
XVII tinha, de fato, uma palavra para descrevê-los, embora seu emprego
seja tão diferente do nosso que não conseguimos notá-lo. A palavra é "povo"
— os que ficavam entre a nobreza em cima e os permanentemente pobres
embaixo e dos quais eles se encontravam em processo de !se diferenciarem.
Em segundo lugar, a obra de Derek Hirst mostra-nos que em princí-
pios do século XVII o eleitorado parlamentarista —- o tipo médio e mais
baixo, embora acima dos muito pobres das-cidades, os pequenos proprietá-
rios rurais e donos de terras livres e alodiais no campo—f estava desenvol-
vendo um: interessa àovè e crescentemente ativo pela política nacional-rias
eleições para o Parlamento;5?: >Ia grave-depressão económica ocorrida nos
20 anos•-•que precederam>a década de 16401 ~ que, segundo o professor
^g a outra história

Bowden foi talvez a pior de toda a história inglesa no que interessava aos
pobres 59 — houve medo permanente de uma revolta popular. Em princí-
pios da década de 1640, líderes do Parlamento Longo utilizaram apelos ao
povo e a ameaça de violência de turba a fim de pressionar o rei, embora»
no fim, conseguissem mais do que haviam barganhado.
Em terceiro, os mais radicais entre os revolucionários parlamentaristas
eram originários da camada média de pequenas cidades e do campo, das fi-
leiras de homens autoconfiantes que estavam prosperando mas eram excluí-
dos dos privilégios sociais e políticos, ainda que por educação e cultura se
distinguissem dos permanentemente pobres. Esses homens estavam dispostos
a romper com a tradição e a convenção. Muitos deles ingressaram no Novo
Exército Modelo. Deliberadamente, Oliver Cromwell recrutou seus Ironsi-
des entre "proprietários de terras livres e alodiais e seus filhos", "capitães
que se vestiam com lã grosseira". Esses homens da camada média estavam
prontos a enfatizar os direitos do povo contra os privilégios dos pares do
reino, nobreza e grandes comerciantes: queriam que o direito ao voto lhes
fosse concedido e não sentiam inibições em utilizar o apoio da classe baixa.
Mas — exceto em momentos de emoção — não queriam realmente que os
pobres também ganhassem direito ao voto. Os abastados das cidades e pa-
róquias rurais queriam que fosse oficialmente confirmada e aceita sua voz
crescente nos assuntos públicos. Em última análise, porém, esses pequenos
proprietários possuíam mais em comum com a nobreza do que com os des-
privilegiados. Este o ^motivo por que os Niveladores entraram em colapso
logo que se tornou claro que não conseguiriam dominar o exército.
Em quarto, o papel desempenhado pelo arcebispo Laud e seus segui-
dores talvez pareça diferente a esta perspectiva. Os puritanos criticaram-no
porque suas inovações teológicas e cerimoniais, segundo pensavam, estavam
trazendo a Inglaterra de volta ao papismo (catolicismo romano). Os lau-
dianos, que dominaram a igreja e o estado na década de 1630, eram com-
batidos não menos por motivos sociais que teológicos. Sob Laud, as cortes
da igreja estimularam abertamente a indolência ao castigarem os que tra-
balhavam nos dias santos. O Livro dos Esportes, publicado em 1633, in-
centivava homens e mulheres a participarem nos domingos dos tradicionais
passatempos da aldeia. Os puritanos achavam que deviam nesses dias me-
lhorar a mente ou, pelo menos, descansar após seis dias de trabalho. As
elites das paróquias concordavam com os puritanos em que os ritos de fe-
cundidade subjacentes aos esportes tradicionais subvertiam a disciplina no tra-
balho, que se esforçavam por impor. Laud opunha-se ao cerco de terras pú-
blicas porque o despejo de pequenas propriedades implicava perda de con-
tribuintes, de homens treinados para a milícia e de dízimo à igreja, além
de acenar com o perigo de distúrbios e inquietação social. Na década de
1630, o Conselho Privado interferiu no controle local da ajuda aos pobres
Christopher Hill 47

e regulamentação de salários. Os laudianos, note-se, não eram tanto a favor


dos pobres como contrários às elites das paróquias, contra o controle cres-
cente dos assuntos locais pela camada média da população, em aliança
com as oligarquias urbanas e pequena nobreza. Achamos tão natural que
deva ter havido um ininterrupto aumento de poder das oligarquias locais
no século XVII que esquecemos a tentativa laudiana de reverter esse pro-
cesso. Assim fazendo, deixamos de levar em conta a importância social da
derrubada dessa corrente na década de 1640 e da abolição das cortes ecle-
siásticas que impunham o laudianismo. Restabelecidas na década de 1660,
as cortes eclesiásticas abstiveram-se de tentar controlar a vida social e eco-
nômica.

Tudo isto poderá talvez nos ajudar a compreender a restauração da mo-


narquia em 1660. Após a guerra civil, parecia que as coisas pareciam estar
fugindo ao controle — no exército, agitadores exigiam o sufrágio de todos
os adultos, ativistas entre os artífices reuniam congregações das classes mais
baixas e pregavam a sedição, sem qualquer restrição. O regicídio e a abo-
lição da Câmara dos Lordes pareciam pôr em dúvida a subordinação social.
Niveladores, Carpidores, Ranters * e Quacres organizavam as classes baixas.
Os revolucionários moderados sentiam autêntica indignação e medo. Haviam
sido abandonados por aqueles a quem tinham libertado. Em 1650, um In-
dependente disse que o governo do Grande Turco seria preferível ao da
ralé.60 Tais preocupações de natureza social acabaram por levar os homens
de propriedade a restaurar a monarquia e colocar Carlos II no trono —
não certamente o Grande Turco, mas sem dúvida melhor do que a gen-
talha.
Durante algum tempo no período 1647-49, alegou-se que o Novo Exér-
cito Modelo era o povo e, de fato, ele demonstravelmente constituía um
corte longitudinal mais justo que o eleitorado, uma vez que incluía nas fi-
leiras conscritos oriundos da classe baixa. "O povo em bruto", declarou
William Sedwick em 1649, nada mais é que "um monstro, uma massa rude
e incontrolável, mas, no exército, está reunida e transformada em vida ex-
celente . . . Isto porque um exército tem em si todo o governo e partes do
governo, ordem, justiça, etc., e sua ignorância e desvalimento são supera-
dos: "ele é realmente o povo, não como um rude empilhamento ou um
corpo estúpido e pesado, mas de forma selecionada, escolhida".61 O exército
era controlado pelo "povo".

Grupo religioso inglês do século XVII, panteísta e antinomista. (N.R.)


4g a outra /ws/ária

,„ .Isto, pode ,ter sido, plausível, no período 1647-49,, quando o Novo Exér-
cito Modelo, alegando, que mo era mais "um exército mercenário", assumiu
o poder. Na década de 1650, porém, o exército foi repetidamente expur-
gado de radicais, prpfissionalizadp e usado cada vez mais, para reprimir o
povo que alegava representar. Assim, embora-um panfletista de 1653 ainda
argumentasse que o exército era "o poder do povo, escolhido pelo povo, en-
carregado do bem-estar e defesa do, povo", teve que admitir que "por povo
se, entende,a. parte válida, bem educada-, o .resto, é a parte conquistada ou
submetida, que não pode reivindicar direito algum nessa eleição livre que
é o fruto da conquista",6? O; exército tprnpu-s.e, cada vez. mais impopular à
medida que transcorria a década de 1650 e deixou uma duradoura herança
de antipatia por exércitos permanentes, que era compartilhada não menos
por radicais do que por conservadores. Foi meramente patético quando, em
165,9, jn>,jpanfjetista alegou,.^M, "o exéreitgj.é^.principal.:Ç£$po do ;ppvo"p
representando, melhor, p "grosso ordinário e comum doP°YO,", ;que o Parla-
mento. Q .poder devia, caber "ao povo bom cprporificado;nq,,exércitoi e nar
queles,uque a. ele .aderiram"-63 ; . •,. ,. ,...,.-.••..•;-,.• .- ; <nifia ?p.tyivhi: . ; ,
Q -que. sugerimos aqui é que a distinção entre "os pobres" e o "povo!'
possuía fundas raízes na realidade social da Inglaterra do século XVII* O di-
lema dos radicais na Revolução Inglesa — e que/reapareceu em revoluções
posteriores.;,---r era;!que, p povo,-fora rnantido durante séculos- distantes 4a
política e.da. educação., Em 1.6.42, Milton denunciava, ps bispos, que "com
armais desuman,a crueldade.;.. :arranca priraeirp os olhos ,do;jpovp" e .de-
pois "o censura por sua .cegueira", S.entia.-se, f eliz. epm, ,a , maneira como
"aquele látego;;de, ferro,, o, tpovo" derrubou violentamente O; governo , dos
bispos em 1640-41, Esses atos, porém, não ofereciam; uma soluçãx> de longo
prazo para os problemas da Inglaterra. Rapidamente, Milton perdeu con-
fiança no povo logo que o viu em ação. ("É em abuso que .pensa quando
grita por liberdade")- Na década de 1650, ele, ,como,,outros, compreendeu
que a consequência provável da introdução do direito amplo ao voto de-
fendido pelos Nryeladores não seria uma república democrática, mas a volta
dos realistas ao poder, e comparou o "povp" à "turba". Os governadores
da Comunidade "são agora o povo".164 "Em toda parte o maior número e
pelo Rei", escreveu um Independente em outubro de 1648. "Se governa
a voz da multidão inebriada... com que rapidez seus próprios interesses,
a paz e a segurança seriam abandonadas e contrariadas?".65 Na década de
1640, Richard Overton mencionara a "Rude Multidão" entre os que apoia-
vam o Sr. Perseguição.66 Os presbiterianos demonstraram que, rião íríérios
que os Independentes, podiam usar as "turbas" urbanas' pára fins conserva-
dores. Em 1688, Roger Morrice observara sombriamente "há outro poder
(embora injustificável) que a turba possuía", além do de "governantes na-
turais do país,6? No;,firtal:ido, séçujp,, posem-, a:, "turba" era notoriamentes in-
Christopher Hill 49

constante: os "tories" podiam levantar turbas pró-rei ou pró-igreja para


reprimir dissidentes.
Dessa maneira, qual poderia ter sido a solução? Cromwell defendia "o
que é para o bem deles, não o que os agrada". Thomas Scot falava de "nosso
novo povo, escasso, mas já proselitizado". "Nós ... teríamos dado o direito
do voto ao povo", declarou o regicida John Cook, "se a nação não tivesse
se deliciado mais com a servidão". Hugh Peter falava em utilizar o exército
para fazer com que os camponeses compreendessem o que era liberdade.68
Configurava-se aí o dilema de Rousseau, de obrigar o homem a ser livre,
o dilema que o Partido Comunista Soviético tentou resolver com a ditadura
do proletariado. O PC, porém, afastou-se do povo, exatamente como acon-
teceu com o exército de Cromwell: o que Trotski chamou de "substitutis-
mo", o governo de uma minoria em nçme de um povo que, em teoria repre-
senta, inevitavelmente degenera em algo menos que admirável. O problema
não acabou com o fracasso do século XVII de solucioná-lo em 1817: ad-
mitia Shalley que "as consequências da extensão imediata do sufrágio para
cargos eletivos a todos os homens adultos implicaria colocar o poder nas
mãos daqueles que foram tornados brutais, estúpidos e ferozes por eras
de escravidão".69
Laurence Clarkson, the Ranter, foi em outubro de 1647 um dos pou-
cos que tentaram agitar o povo e levá-lo a agir com base em uma análise
classista da política. Constitui, declarou ele, tendência "congénita da maior
parte da nobreza e de gente de boa família e educação oprimir pessoas
que não são tão ricas e respeitáveis como elas mesmas". "Julgam os po-
bres como estúpidos e a si mesmas como sábias e, por conseguinte, con-
fiam em que quando a comunidade eleger um Parlamento, ele deve ser es-
colhido entre os mais nobres e os mais ricos... A escravidão do povo ê
sua liberdade, a pobreza do povo sua prosperidade... Quem são os opres-
sores, senão a nobreza e as pessoas de boa família e educação? E quem são
os oprimidos, senão o pequeno proprietário rural, o fazendeiro, os comer-
ciantes e os trabalhadores braçais?.. . Não escolheu o povo opressores
para resgatá-los da opressão?"™ Partindo de supostos semelhantes aos de
Harrington (ver pág. 38), Clarkson defendia conclusões radicalmente dife-
rentes.
Numerosos reformadores manifestaram receios, especialmente nos anos
de fome de 1648-49, das consequências perigosas que poderiam resultar se
alguma coisa não fosse feita para aliviar a situação dos pobres, profunda-
mente atingidos por más colheitas, além da tributação de guerra, aloja-
mento gratuito de tropas e pilhagens. Em janeiro de 1648. "os pobres"
estavam confiscando cereal destinado ao mercado e "dividindo-o entre si,
na cara de seus donos, dizendo-lhes que não podiam morrer de fome".71
No dia 3 de abril de 1649, Peter Chamberlen manifestou receio de que os
50 a outra história

que passavam fome por falta de pão passassem à ação direta, a menos que
alguma coisa fosse feita por eles. Pregava a nacionalização das terras con-
fiscadas à Igreja, Coroa e realistas e sua entrega aos pobres para que as
cultivassem, juntamente com as terras públicas e brejos.72 Mas apenas um
pensador, segundo penso, seguiu Clarkson em enfocar o problema do ponto
de vista dos pobres, e foi além dele, propondo medidas específicas, bem
pensadas, que não teriam sido meros paliativos mas que visavam à abolição
total da pobreza — possibilidade esta que Bacon concebera, mas que nin-
guém fizera nada para pôr em prática. Este homem foi Gerrard Winstanley,
líder dos Autênticos Niveladores, ou Carpidores (Diggers).

Carpidores (Diggers) começaram a carpir (capinar, cultivar) as terras


públicas (comuns) situadas nas proximidades de Cobriam, Surrey, em abril
em 1649. Ao defender a atitude dessas pessoas, Winstanley falou delibera-
damente em nome "de todo o povo oprimido da Inglaterra" e, na realidade,
"de todo mundo". "A Inglaterra é uma prisão", disse, "e os pobres são os
prisioneiros". "Todas as leis", declarou ele em 1652, depois da destruição
da colónia, "foram feitas nos dias dos reis a fim de facilitar a vida dos
ricos latifundiários". "Os trabalhadores pobres foram deixados em servidão".
Essas leis que escravizavam os pobres aos ricos eram apoiadas pelo clero,
que prometia recompensa no céu, no além. Winstanley e os Carpidores que-
riam um céu mais tangível, na terra, naquele momento. A vitória sobre o
Rei na guerra civil fora conquistada pelo povo, incluindo os pobres, que
na verdade se encarregara da maior parte da luta e suportara o maior peso
da tributação e alojamento gratuito de tropas e era apenas justo que, nesse
momento, se beneficiasse com a vitória sobre o poder real.73
Acreditava Winstanley que "as Escrituras que dizem que os pobres her-
darão a terra" devia ser "real e concretamente cumprida; mas consignou
a relutância dos bem-nascidos e ricos de partilhar com o povo comum os
frutos da vitória. "A dureza das pessoas bem-nascidas e educadas contra
o povo" poderia levar à catástrofe no caso de uma invasão estrangeira. Isto
porque "o povo compreende que, se lutar e vencer o inimigo, ele... ainda
assim... provavelmente continuará escravo". Diz ele: "Bem que podemos
viver sob o inimigo estrangeiro, trabalhando por salário, como vivemos
hoje sob nossos irmãos". Por todos os motivos, por conseguinte, era im-
portante reconhecer que "o povo comum" (entre o qual Winstanley espe-
cificamente incluía dos "trabalhadores pobres) é "parte da nação".74 Isto
constituía um desafio frontal aos tradicionalistas, que sustentavam que os
pobres "existem apenas para serem governados".
"Esta é a servidão de que os pobres se queixam, de serem mantidos
pobres por seus irmãos em uma terra onde há tanta abundância para todos"
Christopher Hill 51

Uma organização económica racional, baseada na propriedade coletiva,


acabaria com a opressão e exploração dos pobres. Só desta maneira pode-
ria ser estabelecida a igualdade real. A solução preconizada por Winstan-
ley assemelhava-se a de Chamberlen, mas, em vez de instar com os ricos
para que fizessem concessões caritativas, apelava ao próprio povo para que
ocupasse e cultivasse as terras públicas e devolutas, que por direito lhes
pertencia e que lhes eram negadas apenas por "leis assassinas". Isto por-
que "o homem jnais pobre tem um título tão verdadeiro e justo à terra
como o mais rico". Deste modo, ele ampliava os "direitos naturais", do
direito ao voto ao direito à propriedade, exatamente como Ireton previra
nos Debates Putney. Os Carpidores consideravam ium dever demonstrar que
"todos" deviam, como herança legítima, "ter o benefício e a liberdade de
sua criação, sem levar em conta pessoas". "Querem ser ainda escravos e
mendigos quando podem ser homens livres?", perguntavam eles.75
"A implantação da lei justa virá dos pobres", acreditava Winstanley.
"A magistratura significa o maior dos laços... que liga, no amor, as pes-
soas", preserva a todos e a nenhum despreza. E perguntou: "Será assim a
magistratura das nações?" A resposta só poderia ser Não: ela favorece os
ricos, despreza e ignora os pobres. "Em muitas paróquias", observou Wins-
tanley, "dois ou três dos grandes possuem todo poder para lançar impostos,
intimidar os policiais e outros servidores" — as elites das paróquias a que
nos referimos. A verdadeira magistratura deveria ser procurada "entre os
pobres e desprezados da terra, pois é entre eles que o Cristo reside". Ali-
mentava Winstanley a esperança de que a Revolução na Inglaterra assina-
lasse o início de um melhor estado de coisas, no qual a verdadeira liberda-
de seria tornada possível pela abolição da propriedade privada e do traba-
lho assalariado e pela implantação de uma sociedade comunista igualitá-
ria.7'6 Na comunidade ideal que bosquejou, o sufrágio seria estabelecido, mas
privados do direito ao voto os que haviam apoiado Carlos I durante a
guerra e os especuladores em terras confiscadas. Os aprendizes seriam tam-
bém privados do direito ao voto durante o período de aprendizagem (pelas
razões tradicionais), como também deviam ser privados de sua "liberdade
na comunidade" aqueles que houvessem cometido crimes particularmente
abomináveis, tais como comprar, vender e pregar por dinheiro. Todos os
magistrados seriam eleitos anualmente (incluindo juizes, policiais e pasto-
res) por "todo o corpo da paróquia". Eles e os deputados (M. Ps.) seriam
responsáveis perante "seu senhor, o povo, que os elegeu". A sanção invo-
cada por Winstanley era o poder de todo o povo armado, que defenderia
a liberdade da comunidade contra o inimigo externo, "os servidores dege-
nerados" e todos aqueles que "por perfídia se esforçam para destruir as
leis da liberdade comum". Não haveria exército permanente.77
52 <z outra história

Winstanley, por conseguinte, levava a sério a igualdade entre cria-


dos e patrões proclamada anteriormente pelos anabatistas (p. 40). Ele
imaginava uma reorganização da sociedade que permitiria aos pobres se
afirmarem como parte da nação. Ele foi o único homem, tanto quanto
sei, que tentou realmente enfrentar o problema de preparar todo o povo
para dirigir uma democracia. Reconhecia que isso exigiria um longo perío-
do de educação e reeducação política a fim de libertar o povo da depen-
dência da pequena nobreza e do clero, dos quais havia sempre recebido
suas ideias políticas. Propunha leis e instituições que incorporassem os ver-
dadeiros interesses do povo, mas este conservaria sempre o controle do
governo representativo que aplicaria as leis, apoiado na autoridade final
do povo armado. E como povo Winstanley entendia realmente todo o povo.
Talvez possamos pensar que essas propostas foram insuficientes (embora
tivessem sido elaboradas em muito mais detalhes do que pudemos sugerir/
aqui). Ele, finalmente, desesperou de que viessem a ser aceitas. Mas elas,
pelo menos, colocam e tentam solucionar alguns problemas atinentes ao
estabelecimento de uma sociedade comunista — nisto muito à frente de
seu tempo.
Conforme demonstra o fracasso dos Niveladores e dos Carpidores, os
pobres no século XVII era não só pouco educados mas estavam também
divididos pela situação económica. Os Niveladores apelavam para os pe-
quenos proprietários e Lilburne atacava o experimento comunista dos Car-
pidores, embora alguns de seus seguidores se mostrassem mais simpáticos
à ideia. Os Niveladores conseguiram seu apoio inicial principalmente em
Londres e no exército. Em 1649, lançaram uma campanha de propaganda
nas pequenas cidades em torno de Londres e começaram a atribuir mais
importância ao campo, dando nova ênfase à oposição ao cerco das terras
e defesa dos direitos de proprietário aos pequenos ocupantes. Imediatamen-
te, foram reprimidos. Os Carpidores surgiram no ponto socialmente peri-
goso em que pobres rurais e urbanos deram-se as mãos. Eles, também,
foram reprimidos, talvez por coincidência, depois que enviaram emissários
de Surrey para dez ou mais grupos de simpatizantes espalhados pelos Mid-
lands. O que mais tarde alarmou mais as classes respeitáveis sobre os nada
respeitáveis e belicosos primeiros Quacres foi que eles aceitavam muitas
das idiéas dos Niveladores e Carpidores e que possuíam uma organização
nacional. Essas preocupações desempenharam papel de vulto na criação do
pânico social que culminou na restauração de Carlos II. A questão agora,
disse Richard Baxter à Câmara dos Comuns em abril de 1660, não é se
vamos ter ou não bispos mas se haverá ou não disciplina.78 Embora ele fosse
um velho inimigo dos bispos, nesse momento as questões teológicas tiveram
que ceder lugar ao medo social.
Christopher HM 53

Iniciamos este estudo com um problema de teoria política: por que sérios
pensadores políticos do século XVII não ppderam compreender que- os
pobres faziam parte do povo? Sugiro uma possível analogia com a'- teolo-
gia puritana: Cristo morreu por todos os homens, mas principalmente pelos
eleitos. Mas, no fim, fomos levados para a história social: a diferenciação
entre povo e pobres pode ser entendida (o que não significa dizer justifi-
cada) -apenas se compreendermos alguma coisa do estado deprimido e igno-
rante dos pobres na sociedade pré-industrial inglesa, da mesma maneira que
só podemos compreender o ponto cego semelhante em relação às mulheres se
reconhecermos como era inteiramente patriarcal a sociedade dessa época.
O ponto que desejo finalmente salientar não é a incapacidade dos ho-
mens do século XVII de incluir os pobres no povo, o que nos poderia levar
a concluir hipocritamente que somos muito mais inteligentes e melhores
que eles. O que quero enfatizar é que o pensamento deles foi suficiente-
mente longe para que surgisse absolutamente a questão de pobre ser povo
também. Esta questão não foi postulada em parte alguma da Europa no
século XVII e só reapareceu na Inglaterra no século XIX, depois de a
Revolução Industrial ter transformado "os pobres" em classe operária. E
não foi solucionada na prática, formalmente, pelo menos, até o presente
século. Os radicais do século XVII deram um fantástico salto intelectual
nas circunstâncias revolucionárias da década de 1640, culminando com as
propostas de Winstanley para uma reorganização da sociedade que permi-
tiria aos pobres fazer valer seus direitos como "parte da nação". Sugiro
ainda que o salto intelectual foi tornado possível pela evolução rápida da
economia caseira, à medida que o capitalismo se desenvolvia na agricultu-
ra e na indústria. E foi a preponderância excepcional da família na econo-
mia inglesa e dos chefes de família entre os defensores do Parlamento que
tornou teoricamente possível a concepção de soberania do povo.. E, tam-
bém, foi a estratificação que ocorreu entre os chefes de família que tornou
impossível aos pobres serem aceitos como povo.
286 a outra história

11. A discussão de Rude neste particular, como aliás em outros contextos, aborda
a espinhosa questão de se ou em que sentido (s) os estratos populares pré-
mòdernos constituem uma "classe" e da amiúde incorreta aplicação a grupos
"tradicionais" de camponeses e artesãos de uma teoria social e ideológica mar-
xista, desenvolvida sobre a base das posteriores burguesia industrial do século
XIX e da classe operária. A elaboração de um marco conceitual-teórico apro-
priadamente flexível continua a ser uma questão muito viva na historiografia
"popular" pré-moderna.
12. Ver F. Krantz, "Sans Erudition, pás d'Histoire...", in History from Below...
in Honour of George Rude, 3-33 a 23-6.
13. Para uma lista parcial de influências, e especialmente do The Making of the
English Working Class (1963), de Thompson, e do anterior Primitive Rebcls
(1959), de Hobsbawm, ver "Changing Face...", pp. 196-7.

capítulo 2 (pp. 34-53)

1. (Anon.), The Soveraignity of King: Or An absolute Answer and Conful'j


tion (of schismatics) (1642), Sig. A Iv.
2. G.R. Elton, "The Political Creed of Thomas Cromwell", Transactions of the
Royal Histórica! Soe., 1956, p. 86. No The Tudor Constitution (Cambridge,
Universíty Press, 1960), Elton parece aceitar essa suposição de que os par-
lamentos da época Tudor representavam o povo, "todos" (pp. 230, 300, 303).
3. Org. L. Alston, De Republica Anglorum: A Discourse of the Commonwealth
of England (Cambridge. University Press, 1960), pp 20-2.
4. Sir T. Aston, A Remonstrance against Presbytery (1641), Sig. l 4v. : ;
5. G. Monck, duque de Albermale, Observations Upon Military and Political
Affaire (1671), p. 146.
6. Discuti este assunto em maior extensão no Change and Continuity in Sevea-
teenth-Century England (1974), Cap. 8.
7. Citado por M.A. Judson, The Crisis of the Constitution (Rutgers University
Press, 1949), p. 337.
8. Org. J.T. Rutt, Diary of Thomas Burton (1828), III, pp. 147-8.
9. J. Lílburne, The Charters of London (1646), p. 4.
10. Org. A.S.P. Woodhouse, Puriianism and Liberty (1938), pp. 53-6, 63.
11. Ibid., p. 53: D.E. Underdown, "The Parliamentary Diary of John Boys, 1647-8",
Bulletin of the Institute of Historical Research, XXXIX (1966), pp. 152-3.
12. Mercurius Paliticus, n. 78, 27 de novembro-4 de dezembro de 1651, p. 1237:
cf. n. 77, p. 1222, e Marchamont Nedham, The Excellencie of a Free State
(1656), p. 244, citado em J. Frank, Cromwell's Press Agent: A Criticai Bio-
graphy of Marchamont Nedham, 1620-1678 (Lanham, Maryland, 1980), pp
99-100.
13. Robert Norwood, An Additional Discourse (1653), pp. 44-8.
14. Org. J.G.A. Pocock, The Political Works of James Harrington (Cambridge
University Press, 1977), pp. 786-8.
15. Ibid., pp. 436-7.
16. Ibid., pp. 786-8; cf. p. 764.
17. H. Stubbe, A Letter to an Officer of the Army (1659), pp. 52-4, 59-62, ci-
tado por J.R. Jacob no seu Henry Stubbe, Radical Protestantism and the
Early Enlightenment (Cambridge e Nova York, 1983), cap. 2. Metts' agra-
notas 287

decimentos ao professor Jacob por me ter permitido ler e citar este livro antes
de sua publicação.
18. A. Sidney, Discourses Concerning Government (1698), p. 79.
19. James Tyrell, Patriarcha non Monarcha (1681), pp. 83-4, citado por J. Rí-
chards, L. Mulligan e J.K. Graham, "'Property' and 'People': Political Usages
of Locke and Some Contemporaries", Journal of the History of Ideas, XLII
(1980), p. 34; cf. p. 42, e H.T. Dickinson, Liberty and Property (1977), p.
78. De.vo esta última referência a Antony Arblaster.
20. M.R. Frear, "The Election at Great Marlow", Journal of Modern History,
XIV, p. 435; M.F. Keeler, The Long Parliament, 1640-1641: A Biographical
Study of its Members (Filadélfia, 1954), pp. 33, 35; Derek Hírst, The Repre-
sentative of the People? Voters and Voting in England under the Early Síuarts
(Cambridge Universíty Press, 1975), cap. 5.
21. H. Prideaux, Directions to Churchwarden (Norwich, 1701), p. 51.
22. R. Baxter, The Holy Commonwealth (1659), pp. 243, 218-19.
23. G.P. Gooch e H.J. Laski, The History of English Democratic Ideas in the
Seventeenth Century (1927), p. 154.
24. T. Edwards, Gangraena, Parte II (1646), p. 16c.
25. J. Ussher, The Power communicated by God to the Prince (3^ ed. 1700),
Síg D 6v-7. Primeira edição, póstuma, em 1661. Ussher faleceu em 1656.
26. Shaftesbury, "Some Observations", em Somers Tracts (1809-15), VIII, p. 401;
J. Dunn, The, Political Thought of John Locke (Cambridge University Press,
1969), pp. 122-3, 131.
27. Ver nota 46, p. 288.
28. Citado em P. Collinson, Archbishop Grindal: The Struggle for a Reformed
Church (1979), p. 289; cf. pp. 205, 247-8.
29. W. Stoughton, An Assertion for true and Chrisíian Church-Policie (1604),
pp. 193-5, 362-72.
30. W. Gouge, Of Domesticai Duties (1626), pp. 331-2.
31. (J. Sturgion), Queries for His Highness to Answer (1655), citado por D.B.
Heriot, "Anabaptism in England during the 17th century", Transaciions of the
Congregational Hist., Soe., XIII (1937-9), p. 29.
32. R. Hooker, Works (Oxford University Pres, 1890), II, p. 405.
33. J. Frank, The Beginnings of the English Newspaper, 1620-1688 (Harvard
University Press, 1961), p. 343, referindo-se, a A Modest Narrative, n. 7, 12-19,
maio de 1649.
34. W. Bradford, Histoi-y of Plymouth Plantation (Collections of the Massachusetts
Hist., Soe., III, 1856), pp. 89-90; T. Prince, A Chronological History of New
England in the Form of Annals, Part II, Seção l (1736), em An English Gar-
ner (org. E. Arber, 1895-7), II, pp. 410-11.
35. Ver meu Puritanism and Revolution (1958), pp. 225-7; Society and Puritanism
in pre-Revolutionary England (1964), pp. 274-5.
36. Org. D.M. Wolfe, Complete Prose Works of John Milton (Yale ed., 1953),
III, pp. 236-7; cf. IV, pp. 389, 471, e meu Milton and the English Revolution
(1977), p. 186.
37. P. Geyl, "The Interpretation of Vrancken's Deductio ,of 1587 on the Nature
of the Power of the State of Holland", em From Renaissance to the Coun-
ter-Reformation: Essays in Honor of Garrett Mattingly (org. C.H. Cárter,
Nova York, 1965), p. 239,
38. Org. C.H. Firth e R.S. Rait, Acts and Ordinances of the Interregnum (1911),
I, p. 749.
288 c outra história

39. L. Andrewes, XVI Sermons (2^ e.d., 1631), p. 459.


40. Ver, por exemplo, John Eliot, The Christian Commonwealth (1659), pp. 5-6.
41. (Anon.), The Case of the Army Soberly Discussed (1647), p. 6.
42. Joan Simon, Education and Society in Tudor England (Cambridge Univer-
sity Press, 1966), pp. 195, 217, 370.
43. R. H. Tawney, The American Labour Movement and other Essays (ed. J.M.
Winter, Brighton, 1979), pp. 179-80; cf. meu Puritanism and Revolution,
p. 233; Change and Continuity in Seventeenth-Century England (1974), p.
202.
44. Ver K. Wrightson e D. Levine, Poverty and Piety in an Essex Village: Ter-
ling, 1525-1700 (1979), passim; e também William Hunt, The Puritan Mo-
ment (Cambridge, Mass., 1983), que ele bondosamente me permitiu que lesse
antes da publicação.
45. Meu Reformation to Industrial Revolution (ed. Penguin), p. 58.
46. L. Boynton, The Elizabethan Militia, 1558-1638 (1967), pp. 62, 108-11,
220-1.
47. Society and Puritanism, pp. 274-5.
48. Harrington, Works, p. 292; cf. pp. 129-30, 657-60, 840.
49. Ver meu Century of Revolution (ed. revista, 1980), pp. 18-21, 131, 177-8.
50. Reformation to Industrial Revolution, pp. 56, 98-9.
51. Adam Moore, Bread for the Poore (1653), p. 39.
52. P. Styles, Studies in Seventeenth-Century West Midlands History (Kineton,
1978), pp. 186-93.
53. Dalby Thomas, "An Historical Account of the Rise and Growth of the West
índia Colonies" (1690), em Harleian Miscellany (1744-5), II, p. 343.
54. J. Swift, Works (1814), VIII, pp. 111-12.
55. Argumentei isto em Change and Continuity, cap. 10.
56. (Bernard de Manderville), The Fable of the Bees (3$ ed., 1724), I, pp. 328-
30; cf. pp. 210-13.
57. J.S. Morrill, Seventeenth-Century Britain, 1603-1714 (JFolkestone, 1980), pp.
108-9.
58. D. Hirst, op. cit., passim.
59. P.J. Bowden, "Agricultural Prices, Farm Profits, and Rents", in The Agra-
rian History of England and Wales, IV, 1500-1640 (org. J. Thirsk, Cambridge
University Press, 1967), p. 621.
60. John Price, The Cloudie Clergy (1650), p. 14.
61. W. Sedgwick, A Second View of the Army Remonstrance (1649), p. 13;
cf. M. Kishlansky, The Rise of the New Model Army (Cambridge Univer-
sity Press, 1979).
62. T. Lock, The Extent of the Sword (1653-4), p. 2.
63. (Anon.), The Armies Vindication of This Last Change (1659), pp. 3-6, ci-
tado por Austin Woolrych em sua Introdução ao Vol. VII do The Complete
Prose Works of John Milton (Yale University Press, 1980), VII, pp. 124-5.
64. Milton, Complete Prose Works, I, pp. 923-3, IV, p. 635.
65. (Anon.), Salus Populi Solus Rex (1648), citado por H.N. Brailsford, The
Levellers and the English Revolution (1961), pp. 345-6.
66. R. Overton, The Araignement of Mr. Persecution, in Tracts on Liberty in
the Puritan Revolution, org. W. Haller (Columbia University Press, 1933),
III, p. 213.
notas 289

67. Citado por Howard Nenner, "Constitutional Uncertainty and the Declara-
tion of Rights", in After the Rejormation: Essays in Honor of J.R. Hexter,
org. Barbara C. Malament (Manchester University Press, 1980), p. 294.
68. Mr. Peters Last Report of the English Warres (1646), p. 6.
69. P.B. Shelley, A Proposal for Putting Reform to the Vote (1817), em Prose
Works (1912), I, p. 365.
70. L. Clarkson, A Generall Charge or Impeachment of High Treason in the
name of Justice Equity, against the Communality of England (1647), pp.
10-18.
71. J. Wildman, Truths Triumph (1648), p. 4.
72. P. Chamberlen, The Poore Mans Advocate (1649), passim.
73. Gerrard Winstanley, The Law of Freedam and other Writings (ed. Pen-
guin), pp. 97, 108-9, 136, 170, 201-2, 373-4.
74. Ibid., pp. 182, 372-4.
75. Ibid., pp. 49, 104-6, 340; org. G. H. Sabine, The Works of Gerrard Wins-
tanley (Cornell University Press, 1941), p. 408.
76. The Law of Freedom, pp. 244-5, 281; Sabine, op. cit., p. 205; meu The
Religion of Cerrará Winstanley (Past and Present Supplement, n. 5, 1978),
pp. 26-7.
77. The Law of Freedom, pp. 314-21, 324, 345, 356-7, 361-2, 383-9.
78 R. Baxter, A Sermon of Repentance (1660), p. 43.

capítulo 3 (pp. 54-79)

1. C.V. Wedgwood, The King's Peace 1637-1641 (1955; edição londrina, 1966),
p. 53.
2. J.E. Handley, Scottish Farming in the Eighteenth Century (Londres, 1953),
pp. 88-90.
3. Patríck Gordon, citado por Andrew Lang, A History of Scotland (3?1 ed.,
Edimburgo, 1924), Vol. 3, p. 151.
4. James Níchols, Calvinism and Arminianism (Londres, 1824), pp. xli, 205.
5. Basilikon Doron (1603), citado por Lang, op. cit., Vol. 2, pp. 438-9.
6. 1.1. Rae, Scotland in the Time of Shakespeare (Cornell Univ. Press, 1965),
p. 21.
7. A. Peterkin, org., "The Booke of the Universal Kirk of Scotland" (Edim-
burgo, 1838), pp. 434-5.
8. Willíam Ferguson, Scotland's Relations with England: a Survey to 1707 (Edim-
burgo, 1977), p. 120.
9. Rae, op. cit., p. 30; Anon. (? James Myles), Chapters in the Life of a Dun-
dee Factory Boy (Dundee, 1887), p. 27.
10. J.M. Reid, Kirk and Nation. The Story of the Reformed Church of Scotland
(Londres, 1960), pp. 68-9.
í l. Gordon Donaldson, Scotland, the Making of the Kingdom, James V — Ja-
mes Vil (1965, edição de Edimburgo, 1978), pp. 315-6.
12. Reid, op. cit., p. 75.
13. David Stevenson, The Scottish Revolution 1637-1644. The Triumph of the
Covenanter (Newton Abbot, 1973), pp. 224-6.
14. Ibid., p. 200.
'5. James Grant, Old and New Edinburgh (Londres, n.d.), Vol. 3, p. 90.

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