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Teoria geral da constituição

1. Constituição e Constitucionalismo

1.1. Constitucionalismo (síntese):

Movimento histórico-cultural de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à


limitação do poder e à garantia dos direitos, que levou à adoção de constituições pela maioria dos
Estados, especialmente no que concerne à constituição formal (escrita).

A constituição é uma invenção humana, por meio de um processo histórico, com matizes políticas,
sociais, culturais. O estudo dessas formações se chama constitucionalismo (origens e razões do
sentimento constitucional que possui o indivíduo – decorre da cultura, do entranhamento da
constituição na vida cotidiana).

Constitucionalismo: movimento inserido na história da cultura ocidental, principalmente.

A palavra constitucionalismo não tem significado único. Palavra plurívoca, pois admite mais de
um significado (André Ramos Tavares):

1) Movimento político social com raízes históricas remotas que objetivava limitar o poder
arbitrário do governante – notadamente vinculado aos direitos fundamentais;

2) Movimento histórico cultural de imposição de um modelo determinado de constituição que é


a constituição formal (escrita) – vinculação com o surgimento da constituição formal;

3) Evolução histórico constitucional de um determinado Estado. Ex.: constitucionalismo


brasileiro deu ensejo a 8 constituições.

4) Pode indicar uma nomeação dos propósitos mais latentes e atuais da função e posição que as
constituições ocupam nas diversas sociedades, ou seja, significa qual a importância, função
da constituição em um determinado Estado. Ex: no constitucionalismo brasileiro a
constituição é a pedra fundamental da formatação do nosso Estado democrático de direito.

Canotilho: “o constitucionalismo é, no fundo, uma teoria normativa da política”.

Constitucionalismo – Uadi Lammêgo Bulos:

Noção: Sentido amplo (todo Estado possuir uma constituição, em qualquer época da humanidade,
independentemente de seu regime político e da sua forma); Sentido estrito (técnica jurídica de tutela
das liberdades – momento histórico séc. XVIII – exercício de direitos e garantias pelos cidadãos.
Escrita).

Objetivos: Plano constitucional positivo – limitar o arbítrio e o abuso do poder e preservar direitos e
garantias fundamentais + Modelo constitucional universal – instrumento de organização do Estado e
coordenação do poder político.

A partir da constituição histórica (constituição em sentido material), o constitucionalismo fez


surgir a constituição moderna, que é formal. A histórica sempre existiu: É o conjunto de regras
escritas ou costumeiras e também de instituições que organizam e formatam uma determinada
ordem jurídico política em um determinado sistema político e social em uma época específica
(Canotilho). Desde que há estado sempre existiu um conjunto de regras referentes a organização
política do Estado.
Porém, a constituição, formal moderna, que é a base do nosso sentimento constitucional, nem
sempre existiu, é fruto do constitucionalismo.

1.2. Elementos do “conceito ideal” de constituição:

O Constitucionalismo trouxe a ideia do que seria um conceito ideal de constituição. Surgiu no final
do séc. XIX com Carl Schmitt, abrange 3 elementos.

1) Documento escrito (formal);

2) Garantia das liberdades (previsão de direitos fundamentais) e da participação política do


povo (participação popular no parlamento);

3) Limitação ao poder (separação de poderes) por meio de programas constitucionais.

1.3. “Fases” do “constitucionalismo:

 Constitucionalismo na Antiguidade clássica


 Constitucionalismo Antigo / Medieval (Séc. XIII ao Séc. XVIII)
 Constitucionalismo Moderno (a partir do Séc. XVIII)
 Constitucionalismo Social (início do Séc. XX)
 Constitucionalismo Contemporâneo ou Neoconstitucionalismo (pós II Guerra Mundial)
 Constitucionalismo do Futuro

A) Constitucionalismo na Antiguidade Clássica:

Ideias embrionárias dos elementos que vão dar ensejo ao conceito moderno de constituição.
Na antiguidade clássica não existia constituição tal qual significa hoje. Porém, há uma fase
que foi a base filosófica dos elementos que hoje compõem a constituição em sentido
moderno.

 Hebreu: Estado teocrático (lei do senhor, lei máxima que criava limite ao poder político
– ideia de hierarquia das leis. Torá como 1ª constituição – Karl Loewenstein);

 Grego: os mecanismos de democracia direta devem muito ao constitucionalismo grego


(cidadãos deliberavam diretamente); ideia de democracia e igualdade muito forte
(funções públicas por sorteio); hierarquia das leis (Antígona. "Leis divinas – eternas");

 Romano: fase embrionária da separação de poderes. Políbio e Cícero identificaram à


época um tipo de constituição mista: separa as diversas esferas sociais a quem seriam
conferidas parcelas de poder.

B) Constitucionalismo Antigo / Medieval:

Encontram-se na Idade Média as mais claras apologias ao poder limitado dos governantes e
a mais explícita reivindicação do primado da função judiciária.
1) Concepção jusnaturalista da constituição; 2) Autênticas constituições não escritas
(pactos, forais); 3) Amadurecimento do rule of law; 4) Autoridade dos governantes fundada
em pacto com os súditos – Igreja como árbitra das soluções.

 Marco Inicial – séc. XIII – Magna Carta (1215): Primeiro documento escrito de
limitação do poder do monarca. Não era constituição em sentido moderno. Espécie de
contrato de domínio. Documento assinado entre João Sem-Terra e os barões do reino
(tributos excessivos – importância fiscal para a constitucionalização). Alguns
dispositivos ainda estão em vigor. João Sem-Terra anulou a Carta (auxílio do papa).
Guerra deflagrada. Porém, revigorada depois.

 Marco Final – séc. XVIII - Constituições Americana (1787) e Francesa (1791), que
inauguram o constitucionalismo moderno. (Duas primeiras constituições escritas em
estendido moderno).

C) Constitucionalismo Moderno:

Aspectos: 1) Constituições escritas; 2) Poder constituinte originário x Poder constituinte


derivado/Poder constituído; 3) Processo legislativo cerimonioso para reformas
constitucionais; 4) Poder constituinte decorrente; 5) Controle de constitucionalidade; 6)
Limitação das funções estatais; 7) Responsabilidade dos sujeitos representativos do Estado
pelos seus atos; 8) Tutela reforçada dos direitos e garantias constitucionais; 9) Força
normativa da constituição

Movimentos constitucionais decisivos para formatar a ideia de constituição em sentido


moderno:

 Constitucionalismo inglês
 Constitucionalismo norte-americano
 Constitucionalismo francês

 Constitucionalismo inglês (historicista)

Principais documentos históricos:

a. Carta de coroação de Henrique I (Carta de Liberdades e Garantias do Cidadão) –


1100;
b. Magna Carta – 1215 (inspirada na primeira) – inaugura o constitucionalismo antigo
(acordo entre o rei e barões);
c. Petition of Rights – 1628;
d. Habeas Corpus Act – 1679;
e. Bill of Rights – 1689 (primeiro documento escrito de origem parlamentar a limitar o
poder do rei);
f. Due process of law – Magna Carta: “39. Nenhum homem livre será detido ou sujeito à
prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer
modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão
mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.”
(Em vigor)

OBS: O que começa na Magna Carta, culmina na revolução gloriosa de 1688


(parlamento impõe o Bill foi Rights a Guilherme D'Orange), na soberania do
parlamento inglês. Construção de um Estado de Direito. O governo passa a ser
governado e misto: dividido entre o rei e o parlamento (dividido na câmara dos lordes e
a dos comuns).

 Constitucionalismo norte-americano (estadualista)

Principais documentos históricos:

a. Pacto do Mayflower
b. Declaração da Virgínia de 1776
c. Declaração de Independência de 1776
d. Constituição de 1787 – marco do constitucionalismo moderno: modelo federal e
presidencial. Impõe limites às leis e poder do parlamento.

Modelo de constituição garantia: preocupa-se apenas em limitar poderes e estabelecer


direitos. Há, ainda, ênfase na ideia de liberdade e igualdade (muito embora ainda
houvesse escravidão nos estados do sul).
OBS: nasce o controle de constitucionalidade.

e. Bill of Rights (10 primeiras emendas à constituição) de 1791 – trata principalmente de


direito fundamentais.

 Constitucionalismo francês (individualista)

Principais documentos históricos:

a. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 – O “conceito ideal” de


Constituição já estava presente no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, da Assembleia Francesa, de 1789: “Toda sociedade na qual não está
assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação de poderes, não tem
constituição”.

Direitos fundamentais de primeira geração; Universalidade (em qualquer sociedade em


que não houver limitação do poder e garantia de direitos fundamentais não há
constituição).

b. Constituição Francesa de 1791 – 2ª constituição escrita em sentido moderno, logo


após a amaldiçoada;
c. Constituição Francesa de 1793;
d. Constituição Francesa de 1799

OBS: Sociedade dividida em estamentos – desigualdade jurídica (e tributária) – Crise.


Sieyès propõe o voto unipessoal, sem ser por estamento. Terceiro estado rompe com
clero e nobreza e se autoproclama em Assembleia Geral Constituinte – Decreto de
igualdade tributária e declaração dos direitos do homem e cidadão – Revolução
burguesa (francesa): Constituição de 1791 – igualdade formal, separação dos poderes,
estado liberal, direitos fundamentais de primeira geração.

Formatação teórica do Poder Constituinte: “Qu’est-ce que le Tiers État?” (“O que é
o Terceiro Estado” ou “A Constituinte Burguesa”) – Emmanuel Joseph Sieyès: “O
Poder Constituinte é o poder originário que pertence à Nação capaz de criar, de
maneira autônoma e independente, a constituição escrita”.

Distinção entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos (poderes constituídos pela


constituição: legislativo, judiciário, executivo)

“Constitucionalismo francês nos legou palavras de ordem” (Canotilho).

Influenciou constituições de Estados liberais/mínimos (Constitucionalismo


liberal/clássico): Constituição de Cádis de 1812 (Espanha); constituição de Portugal de
1822; constituição brasileira de 1824; constituição belga de 1881, etc.

D) Constitucionalismo Social:

Passa a ser exigido mais do Estado. Que ele se torne um estado de providência, de bem
estar social. Estado, além de se abster e ser limitado, passa também a atuar socialmente a
fim de prover direitos sociais, que exigem do Estado uma prestação positiva. Direitos
fundamentais de 2ª dimensão.

Transição para o modelo de Estado social / de bem estar social / Estado providência.

Modelos principais: Constituição mexicana de 1917 e Constituição alemã de Weimar de


1919.

E) Constitucionalismo Contemporâneo:

Após a ideia do estado social, com o pós 2ª guerra mundial, passou-se a questionar o Estado
de direito que fundamenta os atos execráveis do estado nazista (arcabouço jurídico que dava
sustentação formal ao nazismo).

Neoconstitucionalismo: dignidade da pessoa humana tem papel fundamental. Valor


jurídico supremo e fundamento de todo direito e constituição. Qualquer sistema jurídico ou
norma jurídica que viole a dignidade humana é inválida.

Carta das nações unidas → Sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

No neoconstitucionalismo exige uma leitura moral da constituição, inclui valores e direitos


fundamentais, opções políticas, normas programáticas, maior valor aos princípios
(normatividade) e técnica de ponderação de interesses.

Jurisdicização da política (decisões políticas avaliadas pela


constituição) /Constitucionalização do direito / Onipresença da constituição – Presença
decisiva em todas as questões jurídicas, políticas e sociais. Tudo que é jurídico, político e
social deve ser visto à luz da constituição.

Prevalência da decisão judicial (análise do mérito legislativo e administrativo). Desbanca


o estado legiscêntrico (lei com papel central), atividade judicial passa a se sobrepor (lei
feita pelo legislativo é apreciada e avaliada pelo judiciário).

Críticas: excesso de ativismo judicial; desvalorização da política.

F) Constitucionalismo do Futuro:

Discussão doutrinária de alguns autores que buscam um equilíbrio entre as características


do constitucionalismo moderno e os excessos do neoconstitucionalismo.

Constitucionalismo do futuro (ou do “por vir” ou “vindouro”) – Segundo José Roberto


Dromi, as constituições serão guiadas por determinados valores fundamentais:

 Verdade (constituição não vai trazer normas que não pode concretizar. Normas
programáticas inalcançáveis. Concretização daquelas que não se realizam por falta de
interesse político por meio de cobranças do judiciário e sociedade);
 Solidariedade (fraterna);
 Consenso (difere da regra de maioria – pode ser totalitária – assembleísmo e
legitimidade democrática. Decisão política será fruto de deliberação de um grupo que
decide sem ruptura com o grupo vencido);
 Continuidade (seguirá a lógica das antecedentes dando continuidade dos efeitos já
alcançados. Vedação do retrocesso);
 Participação (cada vez mais instrumento de participação popular. Democracia
participativa);
 Integração (órgãos supranacionais e políticas transnacionais);
 Universalização (deverá positivar direitos fundamentais internacionais, com destaque à
dignidade da pessoa humana).

STF: “(...) 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO


AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232
da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária,
própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo
tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o pronto-
valor da integração comunitária. (...)” (STF, PET 3388, Pleno, Rel. Min. Carlos
Ayres Britto, j. em 19/03/2009)

 Cross-Constitucionalismo (constitucionalismo cruzado): utilização em um determinado


país de argumentos, teorias e decisões que dizem respeito ao constitucionalismo de outro
Estado. STF: muito utilizado nas decisões de direitos fundamentais.

 Constitucionalismo globalizado: fase final do constitucionalismo. Preconiza a ampliação


dos ideais e princípios jurídicos ocidentais. Expandido para todos os povos. Obstáculo:
relativismo cultural.

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