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A VISÃO DO BRASIL NA OBRA DE CAIO PRADO JÚNIOR

\.~---- --------

CARLOS NELSON COUTINHO


Prof. da UFRJ

...

Trabalho apresentado no Encontro Anual da ANPOCS, outubro de 1988,


em Águas de são Pedra, SP, GT - Movimentos e Partidos de Esquerda.
, .'

1.
Embora tenha consagrado a maior parte de sua obra his-
toriográfica à análise de nosso passado, é inegável que o obj~
tivo central da refle~ão de Caio Prado Júnior - o ponto focal a
partir do qua~ se articula o conjunto de sua ampla investigação
histórica é a compreensão do Brasil moderno. Não é casual qm
o titulo de sua história geral de nosso País - prevista para q~
tro tomos, mas dos quais foi escrito apenas o primeiro, dedica-
do à época colonial - seja Formação do Brasil contemporâneo. Po
de-se traçar uma linha contínua que liga entre si a identifica-
ção do "sentido da colonização", efetuada no brilhante capítulo
com que se inicia sua obra-prima (de 1942), e as propostas para
a "revolução brasileira", explicitadas em sua última produção
significativa (de 1966). Mesmo quando trata do passado, Caio
Prado tem sempre em vista a investigação do presente como his-
tória, o que implica para ele, enquanto marxista, uma análise
dialética da gênese e das perspectivas desse presente.
Ora, se esse movimento dialético é o núcleo de sua ref~
xão historiográfica, isso indica que nela estão contidos, ainda
que só implicitamente, conceitos de Utransição" ou de ltmoderni-
zação". Se ele quer pensar o presente como história, tem de re.,ê.
ponder necessariamente à seguinte questão: de que modo e por que
vias o Brasil evoluiu da situação colonial originária, através
do Império e das várias Repúblicas, para a constelação históri-
co-social que apresenta hoje? Embora exista em sua obra uma
certa ambigüidade a respeito da caracterização do ponto de par-
01. tida - ou seja, do modo de produção e da formação econômico-so-
cial vigentes no Brasil antes da Aboli·ção -, é indubitável que
o historiador paulista não hesita em identificàr como plenameB
te capitalista o Brasil rephbJicano. Em oposição ao modelo iB
terpretativo dominante na Terceira Internacional e do Partido
Comunista Brasileiro (pelo menos a partir de 1930), ele insiste
em que nosso País não é e jamais foi feudal ou semifeudal e, p~
isso, não careceu nem. carece de·uma "revolução agrária e antii~
perialista" para se ~ornar moderno e capitalista 1. Mas, por
outro lado, Caio Prado reconhece .traços extremamente peculiares
f - ,
em nosso capitalismo - traços que poder1amos chamar de "nao cl~
sicos" -, dedicando boa parte de sua pesquisa a identific~-los
e descobrir-lhes a gênese. Nesse sentido, a questão que antes
formulamos ganha maior concreticidade: quais foram as vias para
o capitalismo e que conseqüências tiveram na constituição de nffi
so presente 1
Na literatura marxista, existem dois conceitos extrema-
mente fecundos para analisar vias "nãó clássicas" de passagem
para o capitalismo ou,- numa linguagem menos precisa, para a "mo":
dcrnidade": o de "via prussianall, eJlborado por Lenin com o objg,
tivo principal de conceituar a modernização agrária; e o de IIre
volução passiva", utilizado por Gramsci para determinar proces-
sos sociais e politicos de transformaçio "pelo alto". Não h~,
na obra de Caio Prado, nenhuma referência explícita a tais con-
,
ceitos, nem e de supor que ele os conhecesse, sobretudo a noção
de "revolução passiva", elaborada por Gramsci nos Cadernos do
cárcere e tornada pública somente no final dos anos 40. Caio
-
Prado jamais cita Gramsci e nao e, freqüente (se excetuarmos as
referências a O Imperialismo) que cite Lenin.
O registro dessa ausência sugere uma observação mais ge
02. ral: o estoque de ·categorias marxistas de que se vale Caio Pra-
..
,
~
do não é muito rico. (Essa relativa ~~obreza é sobretudo evi-
dente em suas obras de filosofia.) Nos trabalhos de história,
por exemplo, tem pouco peso o conceito de "modo de produçio", o
que o leva por vezes a confundir, na análise da Colônia e do 1m
pério, o predomínio inequívoco de relações mercantis com a exis
t;ncia de um sistema capitalista (ainda que "incompleto"), o qm
deriva da prioridade m~todológica que ele conscientemente atri-
bui à esfera d~ circulação em detrimento da esfera da produção 2.
Isso faz também com que ele utilize de modo pouco rigoroso a nE.
ção de burguesia: seriam "grandes burgueses nacionais", por eX6!l
pIo, os latifundi~rios escravocratas do Império 3. Resulta i-
gualmente do desconhecimento do conceito marxista de capitalis-
mo de Estado (ou de capitalismo monopolista de Estado) o empre-
go tardio da imprecisa noção de "capitalismo burocrático" - um
termo inventado por ex-trotskistas para definir o regime social
v \'\, Q.Y\ \~ Y\S

~União Soviética stalinista - em seu esforço para idertificar


as peculiaridades do presente brasileiro 4.
Esse registro, naturalmente, não decorre da pretensão
que seria mesquinha e ridicula - de submeter Caio Prado a um e~
me de marxismo. Ele é feito aqui não tanto para indicar os ev~
tuais limites de sua produção, que certamente existem, mas sob~
tudo para sublinhar a sua criatividade e os seus extraordinários
méritos pioneiros ~nquanto intérprete marxista da hist6ria brasi
leira. Nesse ter~eno, as categorias marxistas de que Caio Prado
dispunha - e muitas das que ele inventou - permitiram-lhe che-
gar, na maioria dos casos, a análises lúcidas, fecundas e quase
sempre justas. Por exemplo: a pripridade atribuida à esfera da
circulação não o impediu de definir de modo substancialmente a-
dequado a formação econômico-social da era colonial, identific~
03. da por ele como um escrevismo mercantil fundado na grande expl.2.
ração rural, produtora de valores de troca para o mercado int~
nacional. Suas indicações nesse domínio, recebendo um tratam~
to categorial mais adequado, foram decisivas na elaboração de
importantes trabalhos marxistas posteriores, como os de FernaE
do Novaes, eiro Flammarion Cardoso e Jacob Gorender. Do mesmo
modo, o desconhecimento de noções como a de tlviaprussiana" ta,!!!
pouco foi obstáculo à formulação de contribuições definitivas
para a compreensão dos. processos e das modalidades de moderni-
zação conservadora ocorridos no Brasil. Pode-se mesmo dizer
que, graças ao aporte da experiência específica do Brasil e de
algumas regiões da América. Latina,'Caio Prado contribuiu para o
enriquecimento do pr6prio conceito marxista de vias "não clássi

-=-~
cas" para o capitalismo. t o que tentarei mostrar, ainda
sumariamente, nos próximos dois itens.
que

2.
Quando Lenin tenta conceituar a diversidade de vias pa-
ra o capitalismo, inovando em relação ao marxismo evolucionista
e Q~ilinear da Segunda Internacional, constrói sua tipologia ~
parti~ do modo pelo qual o capitalismo resolve a questão agrá-
ria. "Nar-x já dizia - recorda Lenin - que a f'o rrna de propriedE
de agrária que o modo de produção capitalista encontra na histó
ria, ao começara desenvolver-se, não corresDonde ao capitalis-
mo. O próprio capitalismo cria para si as formas corresponden-
tes de relações agrárias, par~indo das velhas formas de posse da
terra (••.). Na Alemanha, a transformação das formas medievais
de propriedade agrária se processou, por assim dizer, seguindo
a via reformista, adaptando-se à rotina, à tradição, às propri~
dades feudais, que se for~m transformando lentamente em fazen-
04. das de junkers (•••). Rffi Est~dE' UidoP, a transformação foi vio:-r:
lenta ( •••). As terras Idos latifundiár~091 foram fracionadas;
a grande propriedade agrária feudal se converteu ,.empequena pr,2
priedade burguesa" 5.
são aqui indicadas duas vias principai9• que Lenin chama-
ria de "americana" (ou "clássica") e de "prussiana". A via "clá;
~i~lica r ,
s~ca (uma radical transformação da estrutura agraria: a antiga
propriedade pré-capitalista é destruída, convertendo-se em peq~
na exploração camponesa.
.. ,
Nesse caso, nao so desaparecem as re-
lações de trabalho pré-capitalista, fundadas na coerção extra-
econômica sobre o trabalhador, mas também é erradicada a velha
classe rural dominante, já que são eliminadas as formas econômi
cas em que ela se apoiava e de cuja reprodução dependia a sua
,
própria reprOdução como classe. Diverso e o caso da I1via prus-
sianall: aqui, a velha propriedade rural, conservando sua grande
dimensão, vai se tornando progressivamente empresa agrária capi-
talista, mas no quadro da :manutanç;ão}·
de formas de trabalho fun-
dadas na coerção extra-econômica, em vínculos de dependência ou
subordinação que se situam fora das relações "impessoais" do mer
cado, e ,qrn vão desde a violência aberta até a intromissão na vida
privada do trabalhador. É evidente que isso permite a conserva-
ção (ou mesmo o fortalecimento) do poder político do velho tipo
de proprietário rural, que continua a ocupar postos privilegia-
dos no aparelho de Estado da nova ordem capitalista.
O leitor atento de Caio Prado não tardar~ em reconhecer
a proximidade de suas análises da questão agrária brasileira com
a descrição leniniana da "via prussiana". Para o historiador
paulista, a modernização de nossa estrutura agrárie não se deu
segundo uma "via clássicau; não se pode falar, aqui, da supres-
são radical da grande propriedade pré-capitalista e de sua subs-
05. tituição pela pequena propriedade camponesa. Observa ele: liA si
..
..
'
tuação no Brasil se apresenta de forma distinta, pois na base
e na origem de nossa estrutura agrária não encontramos, tal c2
mo na Europa, uma economia camponesa, e sim a grande exploração
rural que se perpetuou desde os inicios da colonização brasilei
ra até nossos dias; e se adaptou ao sistema capitalista de pro-
dução através de um processo ainda em pleno desenvolvimento e
não inteiramente cornple,tad.~
(••• ) de substituição do trabalho es
cravo pelo trabalho liv,re" 6.
Penso que Lenin não hesitaria em definir como "não clás
sica" essa peculiar adaptação da "grande exploração rural" escra
vista, herdada da Col~nia, ao capitalismo - uma adaptação que
conserva, além da grande propriedade, traços servis nas relaçõro
de trabalho. Característica da via "não clássica", ou "prussia-
na", é precisamente essa complexa articul&ção de "progresso" (a
adaptação ao capitalismo) e conservação (a permanência de impoE
tantes elementos da antiga ordem). Nas, além de registrar a pr~
sença· desse processo de "modernização conservadora" (na feliz
expressão de Barrington Moore Jr.) no Brasil, Caio Prado aponta
também seus traços especificos e mesmo singulares, o que permite
distingui-Io de outros casos igualmente 'hão clássicos", como o
"da própria Alemanha dos Junkers, ao qual se refere Lerrí.n , Ao <D1

trário desse pais, o que no Brasil se adaptou "conservadoramen-


te" ao capitalismo não foi um domínio rural de tipo feudal, mas
sim uma forma de latifúndio peculiar: uma exploração rural de ti
po colonial (ou seja, voltada desde as origens para a produção re
valores de troca para o mercado externo) e fundada em relações
escravistas de trabalho.
É errado supor - afirma Caio Prado - que os elementos do
velho que se conservànno novo sejam "restos feudais". Diz ele:
06. "O que existe e tem servido de comprovação e exemplificação do
, .
'feudalismo' brasileiro s;o remanescentes de relaç~es escravis-
~, o que é bem diferente, tanto no que respeità à natureza i~
titucional dessas relaç~es, como, e mais ainda, no que se refe-
re às conseqüências de ordem econômica, social e política daí
decor:rmtes" 7. Rl~,~ tais conseqüências, Caio Prado enumera inúme
ras formas de coerção extra-econômica sobre o trabalhador rural,
o que cria para esse "uma situaçã6 toda especial de depend~ncia
e constrangimento que ~ão existe para o trabalhador urbano" 8: o
propriet~rio exerce sobre a pessoa.,do seu morador, por exemplo,
uma dominação que vai além do uso de sua força de trabalho ad-
.' que interfere na esf~ra
qúirida no mercado, Ja ~
do consumo (obri
gação de comprar no "barrac~o") e no seu direito óivil de'orga-
nizar a prbprie vida privada (impedimento de morar com a famíl~
ou de receber visitas, etc.). Tudo isso encontra sua máxima ex
pressão - pensa Caio Prado - na completa ausência de direitos
social-trabalhistas no campo, situação que vigorou até recente-
mente (e de certo modo continua a vigorar até hoje). Em seus
t r-aba Lhos dos anos 60, o autor de A questão agrária_ono BFasil
considerava a super~ção dessa situaç~o como a tarefa primordial
da "revolução brasileira" no campo. Cabe registrar que essa mo-
dalidade de "via prussiana", além de conservar o poder político
do grande proprietário rural, permitiu ao capitalismo brasilei-
ro exercer uma superexploração da força de trabalho, tanto ru-
ral quanto urbana, com o que se manteve um traço marcante da e-
ra colonial: o baixíssimo padrão de vida do produtor direto.
Um dos principais méritos dessa caracterização caiopra-
diana da natureza de nossa formação social moderna, definida ob-
jetivamente como um capitalismo Pnão Clássico", foi precisamen-
te a de permitir ao historiador ppresentá-la como capitalista.
07. Essa não era uma posição consensual entre os marxistas, pelo me
J

• ,c

, .
nos até os anos 60. Ignorando a proble~ática das formas "não
clássicas" de transiçio para o capitalismo (e as peculiaridades
da formação capitalista que dela resulta), os marxistas brasi-
leiros - sobretudo os ligados ao PCB - afirmaram durante muitos
anos que o Brasil era .".'''a I
um pa~s "semifeudal" e "semicolo-
nial", que se defrontava ainda, por conseguinte, com a tarefa
de efetuar uma "revolução democrático-burguesa" ou de "liberta-
t'J ~.:;,~,-- 4..\;,·yn •.lS~ \ )
ção nacional t1 .\(Estava impiici ta, a .noção - falsa - de que para
• '-"IA \>cv_::. \-; ,""c... ,J~..J
V\

ser plenamente capitalist~~~f:HYseguir uma via "clássi-


ca" de transição e apresentar todos os traços de um capitalismo
• ' f
igualmente "clássico". Os 1numeros equ1vocoS a que isso condu-
• '. *"'"
ziu, tanto na teor1a como na prat~ca, sao apontados por Caio Pm
do em A revolução brasileira. De particular importância, de
resto, é sua clara afirmação de que não só a formação social ~
geral, mas também a estrutura agrária do Brasil é de natureza
,
capitalista: "Os paIos principais da estrutura social do campo
brasileiro - diz ele não sáo o •Le t í.f'undi àr-Lo ' ou 'proprietá-
,

rio senhor feudal ou semifeudal', de um lado, e o campon~s, de


outro; e sim, respectivamente, o empresário capitalista e o tra
balhador empregado, assalari&doou assimilável econômica e so-
9 quey
cialmente ao assalariado" • t poss{vel( no ardor da pol~mica,
Caio Prado tenha em alguns casos superestimado a possibilidade
de assimilar determinadas formas de remuneração do trabalho ru-
.-.
ra I ( como a parcer1a ) ao assa I'ar1amento 10; mas e
'.' 1negavel que

ele definiu com muito mais rigor do que os defensores da tese


dos "restos feudais" a real natureza da moderna estrutura agrá-
ria brasileira.
Por outro lado, graças à sua utilização tácita do concei-
to de vias "não clássicas" para o capitalismo, Caio Prado comb~
08. teu corretamente a idéia de que esses "restos servis" constituh
.... . .
J

sem óbices ao desenvolvimento do modo de produção capitalista


entre nós, como sempre supôs o dualismo cepaliano e aquele im-
plícito nas ~qS1t:m do PCB. Antecipando posições que pouco
tempo depois seriam retomadas e aprofundadas por Francisco de
Oliveira, Caio Prado afirma que "as sobr~vivêhcias pré-capita-
listas nas relações de trabalho da agropecuária brasileira, lon-
ge de gerarem obstáculos e contradições opostas ao desenvolvi-
mento capitalista, têm pelo contrário contribuído para ele. O
'negócio' da agricultura - e é nessa base que' se estrutura a
maior e principal parte da economia rural brasileira - não se
mantém
, muitas vezes senão graças precisamente aos baixos padrõro
de vida dos trabalhadores, e pois ao reduzido custo da mão-de-o
bra que emprega" 11 • De passagem, poderia recordar que, nessa
recusa de uma visão dualista. - para a qual o lado "atrasado" se-
ria um empecilho, e não algo funcional, ao desenvolvimento do Ia
do "modernoll -, as investigações de Caio Prado convergem objeti-
vamente com as análises de Gramsci acerca da "questão meridio-
nal" italiana 12

.. Ainda que a questão agrária tenha lugar de destaque na


determinação da via de transição à modernidade, um posto centrm
,
nesse processo pode tambem ser ocupado, em momentos determina-
dos, por uma outra "questão nacional", inclusive de natureza su-
perestrutural. t essa a posição de Lenin, ao comparar a Rússia
com a Alemanha: "t a questão agrária que encarna agora na Rússia
a questão nacional do desenvolvimento burguês (••.). Na Alema-
nha, entre 1~48 e 1~71, ela consistia na unificação /na criação
de um Estado nacional unificado/, e não na questão agrária" 13.

09. Em outras palavras: é o modo de resolver a "questão nacional"


.
'

....
e ~

,
central que irá indicar se a implantaçã? ou consolidação da !o~
mação econômico-social '••·.'.r_.,de tipo
capitalista será ,••••••••••
"prussiano" ou, ao contrário, de tipo "clássico". Lenin pros-
segue: "Os anos 1948-1971 foram/na Alemanha! a época de uma luta
revolucionária e.contra-revolucionária entre duas v'ias para a
unificação, ou seja, para a solução do problema nacional do de-
senvolvimento burguês na 4aemanha, uma das quais conduzia à uni
ficação através da república da Grande Alemanha, e a outra atra
, 14
ves da monarquia prussiana" •
Também a Itália, em meados do século passado, defronta-
. que er-a entro
va-se com o desafio da construção de um Estado unific~
<i_

~uestão básica de sua transição definitiva para o capitalismo.


Como se sabe, a solução que predominou foi a de uma transforma-
ção "pelo alto": a casa reinante do Piemonte, sob a direção de
liberais moderados, liderou um processo de "arranjos pol{ticos"
entre as várias classes dominantes das diferentes regiões ita-
lianas, algumas das quais baseavam ainda sua dominação em formas
econômico-sociais de tipo feudal; com isso, as massas populares
da penlnsula foram excluídas de qualquer papel determinante no
novo Estado nacional unificado. Foi buscando comprecnd er as vi-
cissitudes da unificação italiana - o RisorEirnento -, bem como
suas conseqüências para o presente da Itália, que Gramsci elabo-
Ç>o ~- ~ le.. <-<> ""''' U JA

rou o conceito de "revolução passiva") '\is~process~ de mode,E


nização oposto à revolução popular "ativa" de tipo jacobino: en-
~&~S.;'-;';"'-, .
quanto esse,ocorre quando uma. classe ou bloco de classes conqui~
ta a hegemonia, mobilizando efetivamente as massas populares e
conduzindo-as a uma eliminação radical da velha ordem, a "revo-
luç~o passiva" consiste numa seqü~ncia de manobras "pelo alto",
de conciliações entre diferentes segmentos das elites dominan-
10. tes, com a conseqüente exclusão da participação popular. Decer
'.
- ,
to, a "revoluçao passiva" opezs mudanças.'nec essar-a.asao "progre.§!
.
50", mas o faz no quadro da conservação de importantes elemen~
tos sociais, políticos e econômicos da velha ordem. As massas,
desorganizadas e reprimidas, fazem sentir sua presença, mas so-
bretudo através de movimentos sem incid~~cia efetiva, algo que
Gramsci chamou de "subversivismo espor~dico e elementar". E um
dos modos pelos quais ?s classes" dominantes quebram a resistên
cia à sua dominação, além naturalmente da repressão aberta, é a
cooptação das lideranças dos grupos opositores: um processo que
o pensador italiano chama de "transformismo" 15.
As analogias entre o Riéorgimento italiano e os eventos
que constituem o processo da Independ~ncia e da consolidção do
Estado imperial no Brasil são significativas. Assim, não é ca-
sual que Caio Prado J~nior, escrevendo sobre esses eventos em
1933 - no mesmo momento, portanto) em que Gramsci elaborava seu
conceito de "revolução passiva" -, tivesse chegado a resultados
muito semelhantes aos do pensador italiano. Antes de mais nada,
tanto para ele cornopara Gramsci, os processos em questão - em-
bore conduzidos "pelo alto" - levaram a mudanças efetivas: com
a Independência, diz Caio Prado, "é a superestrutura pol:1.tica
do Brasil-Co15nia que, j~ não correspondendo no estado das for-
" • Ao • f
ças produtivas e a l.nfra-estrutura econOIDlca do pals, se rompe,
para dar lugar a outras formas mais adequadas". Essas mudanças,
contudo, não anulam o fato de que, na nova ordem, "permanece
mais ou menos intacta a organização social vigente" na época co
lonial. E por que isso ocorre? A resposta de Caio Prado é
tnxativa: "A forma pela qual se operou a emancipação do Brasil
Itemlo caráter de 'arranjo pOl1.tico' (•••), de manobras de
bastidores, em que a luta se desenrola exclusivamente em torno
11. do príncipe-regente (•••). Resulta daí que a Independência se
"

faz por um simples transferência p01!tiea de poderes da metró-


pole para o novo governo brasileiro. E, na fa1t'·ade movimentm
populares, na falta de participação direta das massas nesse pr~
cesso, o poder é todo absorvido pelas classes superiores da ex-
Col&nia (•••). Fez-se a Independ~ncia praticamente ~ revelia
do povo; e isso (•••) afastou por completo sua participação na
nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais
de uma classe do que de nação tomada em seu conjunto" 16.
Essa explicação da Independência como transformação JIpe
10 alto" - que implica mudança, mas também conservação - não e~
gota os pontos de aproximação entre a análise de Caio Prado e a
de Gramsci. Estudando os movimentos popul8res que marcaram o
periodo de consolidação do Estado imperial, o historiador pau-
,
lista chega a conclusões semelhantes as do autor dos Cadernos
" I... em tais movimentõS·.·

do carcere tambem no que se refere à presença "Wàe:srde um "sub-


versivismo esporádico e elementar". Assim, referindo-se à ba-
laiada, mas em observê.çeo que poderia valer, mutatis mu!§:.ndis,
para todos os levantes da época regencial, diz Caio Prado: "Em
vez de um levante de massa, logo aproveitado para a realização
de umpolítica conseqüente, o que vemos (••.) /são/ apenas ban-
dos armados que percorrem o sertão em saques e deprrdações" 17 •

Embora não use a gramsciana expressão "sociedade civil" (mas SE
J50litica ,
"estrutura~ocratica e popular"), Caio Prado indica na. ausên .•.
cia de auto-organização e de coesão dos grupos sociais subalter
nos~ que os impede de tornarem-se atores políticos efetivos~
as raízes da derrota de uma via Itjacobina" para a resolução de
nossa questão nacional. A principal classe subalterna, os es-
cravos, estava impossibilitada por condições objetivas e subje-
tivas de alcançar um grau efetivo de organização: !tIOs escravo~
12. não formam uma massa coesa (•••) e, por isso, representam um pa

..
L

pel pol{tico insignificante (•••~ Faltayam aos escravos brasi-


leiros todos os e Lemerrtio s para se constitulrem, .apesar do seu
considerável número, em fatores de vulto no equillbrio pollti-
co nacional". O mesmo pode ser dito da "populBç~o livre das ca
mades m~dias e inferiores": "n~o atuavam sobre ela - prossegue
Caio Prado - fatores capazes de lhe dar coesão social e possi-
bilidades de uma efici~nte atuação poll.tica". E,logo após,ele
~-~ ,
~ o diagno~tico dessa situação de amorfismo, de falta de
coesão: "A economia naciona~ e com ela nossa 'organização social,
assente como estava numa larga base escravista, não comportava
naturalmente uma estrutura polltica democr~tica e popular" 18.
E, se a rebeldia das camadas subalternas revelou-se impotente,
em função da repressão estatal e da.desorganização interna, as
contradiç5es no seio das classes dominantes podiam ser resolvi-
das, e efetivamente o foram, pela via da cooptação e do trans-
formismo: "Os governos que se seguem ~ Maioridade t~m todos o
mesmo caráter. Se bem que diferenciados no rótulo com as desiE
naç5es de 'liberal' e 'conservador', todos evolul.ram em igual
sentido, sem que essa variedade de nomenclatura tivesse maior
,
significação. Por isso mesmo e comum, e mal se estranha, a pa~
(
segem de um pol~tico de um para outro grupo" 19
( .'
Poder~amos destacar aqu~, . comparativa en~
numa anal~se
tre vias "não clássicas"', uma especificidade brasileira: enquD.!1,
to na Alemanha a solução "prussiana" da questão agrária precede
a solução igualmente "prussiana" da questão da unificaç;o nacio
nal, e enquanto na It&lia as duas quest5es são resolvidas "pas-
sivamente" ao mesmo tempo, nota-se no Brasil urna seqüência cro-
nológica diversa. A solução "pelo alto" da questão do .J!;stado
nacional unificado precede e cóndiciona a solução "prussiana"
da modernização agrária: conservando a grande exploração rural
13. e o doml.nio poll.tico dos proprietários de terra e de escravos,
•..
• f

a "revolução passiva" que se inicia com a Independência e se


consolida com o golpe da Maioridade prepara o desfecho "pru8s~
no" para a questão da adaptação da estrutura agr~ria ao capita-
lismo no plano interno, no momento em que se esgotam as poten-
cielidades das relações escravistas de trabalho. Nesse senti-
do, ambos os movimentos foram importantes degraus na lenta e
"nio cl~ssica" marcha do Brasil para o capitalismo, deixando p~
fundas marcas ~m nosso presente. Caio Prado observa corretamen
te: liA evolução política progressista do Império corresponde a~
"'. ". - • f
sim, no terreno econom1co, a 1ntegraçao suceSS1va do pa1S numa
forma produtiva superior: a forma capitalista" 20~ E, quando
isso ocorre de modo definitivo, com a Abolição ~ a Rep~blica,
as condições estavam preparadas para mais uma "revoluç~o passi-
va", a que leva ~ criação da Rep~blica olig~rquica. Caio Pr~do
não deixa de registrar o fato, ainda que só de passagem, quando
observa que a queda do Império mobilizou tão pouco as camadas
populares que "uma simples passeata militar foi suficiente para
lhe arrancar o ~ltimo suspiro" 21

4.

Com suas análises da formação do Estado nacional e da


evolução agrária brasileira, Caio Prado lançou os fundamentos
para uma adequada compreensão marxista da via "não clássica" de
transição do Brasil para o capitalismo. Registrou, com sagaci-
dade e criatividade, as bases materiais e os processos políti-
cos que geraram uma formação sociEil certamente capitalista, mas
assinalada por características profundamente autoritárias e ex-·
cludentes. Não creio que nenhum pensador marxista brasileiro
da época tenha determinado com tanta propriedade as raízes do
.,
14. Brasil moderno. Alias, na América Latina, penso que somente Jo
· ' ,

sé Carlos Mnriátegui (cujo estoque categorial marxista, diga-se


de passagem, era igualmente reduzido e problemático) reDlizou u-
ma obra semelhante para um pa{s concreto, ao analisar a Indepen-
d~ncia peruana como uma "revolução abortada" e ao apontar as da
nosas conseqüências desse "aborto" Das várias esferas sociais
do Peru moderno 22. E n~o me parece casual que esses dois pen-
c.l.o ~
sadores tenham realizado suas investigações à margem ~ ou mesmo
em aberta oposiç~o~~ modelos teóricos que a ~erceira Inter-
nacional tentava impor ao marxismolatino-ame~icano, atrav~s so-
bretudo de nossos partidos cOQunistas.
Mas, se Caio Prado determinou adequadamente as raizes
de nos~o capitalismo~ n80 creio que tenha sempre feito o mesmo
~ •.
c~racterizHçao_-A?_,
em relaçao,sa Brasil de hoje: aqui, sua interpretação - expres-
sa sobretudo em obras mais recentes - apresenta pontos problemi
ticos. As razões dessa problematicidade me parecem residir no
fato de que, se o historiador paulista captou com acuidade o mo-
mento "conservador" de nossos processos de transição, tendeu a
minimizar e subestimar os elementos de "modernizaç~o" que eles
tamb~m trouxeram consigo. Gramsci, quando trata dos processos
de transformação "pelo alto", emprega em alguns casos o termo
"revoluç~o-restauração", pretendendo com isso indicar que o mo-
mento "restaurador" ou "conservador" desse tipo de transformação
não impede que atrav~s dela ocorram também modificações efetivas
na ordem social. Diz Gramsci: liAsmodificações moleculares /p~
movidas pelas 'revoluções passivas'/ modificam progressivamente
a composição anterior de forças e, por conseguinte, tornam-se
matriz de novas modificações" 2~.
Embora Caio Prado certamente reconheça que o caminho
"não clássico" para o capitalismo brasileiro gerou mudanças em
15. nossa estrutura social, tende a pôr uma ênfase maior no momento
.. .
da conservação, da reprodução do velho. Ainda em 1977, repe-
tindo uma idéia freqUentemente expressa em aua o~ra mais receg
te, ele afirma o seguinte: "Essencialmente, com as adaptBç~es
necessárias determinadas pelas contingências do nosso tempo, so
mos o mesmo do passado. serão quantitatívamente, na qualidade
(•••). Embora em mais complexa forma, o sistema colonial bra-
sileiro se perpetuou e continua muito semelhante. Isto é, na
base, uma economia fundada na produção de matérias-primas e gê-
neros alimentícios demandados nos mercados internacionais" &
o Brasil não só continuaria essencialmente "colonial", mas a a-
gricultura teria ainda, na estrutura global do País, um papel
de "primordial import~ncia" 25. Ora, para que isso possa ser
. , ~
afirmado, Caio Prado e obrigado a contrariar as evidencias 8 a
mti61uir que, no Brasil contempor~neo, n~o h~ "nada (~ ••) qu~ se
assemelhe a um processo de industrialização digno desse nome" 25.
M~srno quando reconhece a ocorrência de fatos novos, o
historiador paulista tende a tratá-los como "apar~ncias" que
n~o alteram a "essência" - ou quantidades que n~o mudam a quali
dade -, como manifestações que, longe de implicarem a_superaç~o
do passado, contribuem para acentuar seus traços mais perversos
Esse me parece ser o caso, por exemplo, de sua teoria tardia do
"capitalismo burocr~tico": no Brasil, ao lado de 'um setor bur-
guês "ortodoxo", que se desenvolve com base nó livre mercado,
teria surgido uma burcuesia gerada e alimentada pelo Estado.
Não é difícil perceber que Caio Prado mistura aqui duas ordens
... ",
de fenornenos. Ele recistra corretamente a ocorrencia entre nos
~a!!ifestaçoes de t
de"(corrupção na maquina estatal, 'a.squai s, na intenside.de com
-
ocorreram e ainda ocorrem no Brasil, sao em parte resultado de
uma visão patrimbnialista do Estado, que tem suas raízes em nos-
so passado e são expressões de nosso Itatraso". É justa sua in-
16. dignaçio contra tais fatos e, em particular, a critica que faz ~
0,0 _ •
." '
"
uma certa subestimação dos mesmos pela ~squerda.
Mas essa indignação o impede, por outro,lado, de dis-
•..
tinguir entre esse fenomeno perverso - mas relativamente margi-
nal - e um traço básico, estrutural, de nosso capitalismo "não
clássico": lU- ,de q te o processo de Lndus tz-La lí.z.acâo no Brasil,
yer~fLcrando-se tardiamente, demandou - tal como ocorreu em ou-
tros palses que seguiram tamb~m vias "não cl~ssicas", corno a A-
lemanha e o Japão - uma ampla e precoce participação do Estado
na acumulação de capital, não só através de processos de regu-
lação, mas tamb~m da criação de empresas diretamente produti-
vas. Não é aqui o lugar para tratar em detalhe das especifici-
dades do capitalismo de Estado no Brasil (que a época ditato~
rial posterior a 1964 contribuiu para transformar em capitRlis-
mo monopolista de Estado) 27. Mas cabe pelo menos sublinhar
que, ao inv~s de representar um obstáculo para o desenvolvimeE
to capitalista "saudável" e de ser uma manifestação de nosso
28
"atraso", como sup~e Caio Prado, a intervenção do Estado Z2f6_
constit~
)..,til [ elemento decisivo na acumulação de capital e, em parti
cular, no processo de industrialização, constituindo assim um
traço - e um traço substancial - de nossa "modernidade". Não
é -pod.s casual que a "r-evo Luçáo passiva" que se inicia em 1930,
se fortalece com o Estado Novo e prossegue na época populista
- uma "revoluç~o" que, industrializando o Pais com o apoio da
intervenção estatal, consolidou definitivamente o modo de pro-
dução capitalista no Brasil - seja subestimada (ou mesmo igno-
rada) na representação caiopradiana do Brasil moderno. Todo es
se periodo parece poder ser subsumido na expressão com que ~le
caracterizou o Governo João Goulart: lUID "perlodomaÍfadadd,29.
E tampouco é casual que, em sua tendência a subestimar as novi-
~os primeiros doze anos j

17. dades, ele se refira•• ; _ ( hua ditadura mili t or - que ele-


....
< •••

vou nosso capitalismo ao estágio de capitalismo monopolista de


Estado - como um perlodo que "n~o assinala efetivamente ( •••)
nenhum sinal significativo de mudança essencial do passado" 30.
Embora tenha sido um dos mais duros crfticos do paradi~
ma terceiro-interna.cionalista, pode-se constatar que - na análi
se do nosso presente - Caio Prado se aproxima em muitos pontos
do "estagnacionismo" co~tido em t~l paradigma: o desenvolvimen-
to brasileiro, sua pa saagem defini tiva para a "modez-nâdad e" t es-
taria bloqueado pelo "atraso", sej? nas relaç~es agr~rias, seja
no setor industrial, um ti atraso
'" •
proven1ente, pensa ele, d~ ..a
limitaçio estrutural do mercado interno e da depend~ncia ao im-
perialismo. E, além dessa aproximaçio, ocorreu também uma curio
sa convergência objetiva entre o Caio Prado tardio e os teóri-
cos do "desenvolvimento do subdesenvolvimento··, como André Guri~
der Frank e Ruy Mauro Marini, o que levou a um mal-entendido no
plano político: A revolução brasileira, publicada em 1966, ter-
:ninou por alimentar a ideologia da ul tra-esquerda no Brasil, ~
.aue se baseava na..
~ falsa alternativa entre "socialismo já" ou "d í.t adur-a fascis-
-
t a com es t agnaçao 11
economlCB
A.
• Essa alternativa n~o est& absolu~
mente presente no livro de Caio Prado; mas a sua visão lIatrasa-
da 11 do Brasil podia contribuir o bj (.::ti
vamente para alimentá-la,
como de fato ocorreu.
Finalmente, cabe observar que essa visão lIatrasada" po.r~
,~I!.I\../
ce~ responsável pela insuficiente formulação da questão da de-
mocracia política nas análises de Cnio Prado 31• Se o Brasil é
plenamente capitalista, mas chegou a essa situação através de
processos de transiç~o que configuraram uma ordem excludente e
autoritária - como nos ensina Caio Prado -, então a principal ta
ho j e ç..:.j-c. \ ) -
Ol.L

refa histórica que se colociiYiô nosso povo ;fo conteúdo da "revo-


Lo\t\si.~·~~ o~
18. lução bra.sileira":'-éRI uhí-lnverter essa tendência "prussiana",
.'
... \>0' w\Vi}
,
c:~.
~áçns~~consolida~aowquilO
'_
que, em s~a obra de
~
o I...v.s\" ,,,,',cIl,

1933, ~~
l

chamava de "estrutura polltica democ~ática e pop.ulart', agora

tornada possivel pela emerG~ncia de novas condiç5es ób5~tiva~:


" 0..."- VY\<? \«..S /
e subjetivas. Ao limitar ~~ atuais da "r-e.vó Luç ào

brasileira" à modificação das relações trabalhistas no campo

e à "libertaçio nacional" em face do imperialismo, Caio Prado

pagou um tributo às concepções terceiro-internacionalistas da


.'. I. especific~niente.J
democracia, qu~ minimiz~os aspectosrPOl~ticos dessa última em

favor de seus pressupo~tos econ~micos e sociais.

Contudo, no final do apêndice que escreveu em 1977 pa-

ra A revolução ~~asileira, parece esboçar-se - ainda que só e~

brionariamente - uma formulação que situa Caio Prado para além

do horizonte da Terceira Internacional. Definindo corretamente

a democracia corno "participação efetiva dos governados na ação

e no comportamento do governol', ele conclui que "uma democraci~

só para a burguesia e os aspirantes B burguÂs (••• ) não é rea-

lizável: /a democracia/ ou será de todos ou de ninguémll 32• Se


tivesse desenvolvido essa forlOulação, ele teria definido corre-

tamente as tarefas atuais da "revolução brasileira": somente

através da plena realizaçã0 da democracia - que não é um valor

burgu~st mas sim lide todos" - é que chegaremos ao socialismo.

Caio Prado, como vimos, foi um not~vel precursor dos marxistas

que hoje buscam entender o caráter "não cLas ei.c o" da transição

para o capitalismo no Brasil. Ele ta~z possa também ser vis-

to, ainda que cum g~~~.salis, como um estimulador dos que se

empenham atualmente em pensar de-;:, modo novo o- vínculo estrutural


. \
" Icc, ír. ú.l... - IN\<!. I V\e.\~. ve: c, uç: \ ~.:
entre socialismo e democracia. ~~~~.e:2ttm-C\CBe~

~~~~~~~~~~~~ sem a obra de Caio Pr~

do,~ a interpretação marxista do Brasil seria hoje substancial-

19. mente mais pobre.


e "
li O TAS:

1. Esse critica ao paradigma terceiro-internacionalista est~


em Caio Prado Jr., A revolução brasileira, são Paulo, Bra-
siliense, 7' ed., 1987, pp. 29-75.
2. Em :E'ormaçã.o
do Brasil contemporâneo (são Paulo, Brasilien-
se, 5ª ed ,, 1957, p •.266), ele diz: liA análise da estrutura
comercial de um pais revela sempre, melhor que a de qualqu~
um dos setores particulares da produção, o car~ter de uma e-
conomia, sua natureza e organizaç:ão".
- (. .
3. Cf., por exemplo, Evoluçao E.0l~tl~8 do ~!.'asl1e outros estu-
dos, são Paulo, Brasilieoe, 2ª .ed., 1957, p •.81,_e Eistória
ecor-ômica do Brasil, são Paulo, Bresiliese, 5ª ed., 1959,
passi~.
4. Cf. A revolução brasileira, cit., sobretudo pp. 122 e ss.,
232 e ss. e 253 e ss.
5. Cf. V.I. Lenin, O probram~_.agrário, ed. brasileira, são Pau-
lo, Ciências Humanas, 1980, p. 63.
6. Caio Prado Jr., A questão agrária no Brasil, S~o Paulo, Bra-
siliense, 1979, p , 158.
7. Id., A revolução br-as í.Le i.r e t cit. , p. 104.
,
8. Id. , A questão agraria, cit., pp. 96 e passirn.
9. Id., A revoluçjio_~!.'~:':sj-lein:" cit., p. 105.

10. Cf., para uma crítica dessas posições de Caio Prado, rui-
do Mantega, A economia politica brasileira, são Paulo/Pe-
pp. 250 e ss.
trópolis, Poli s/Vozes , 1981.J-,
11. Caio Pr-ado Jr., 11. IP. 97-98.
revolução br::;sileir.:.~,
12. Cf., em particular, fus ensaios de Grarnsci contidos em A
questão meridio::~'al,ed, brasileira, Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1987.
13. V.I. Lenin, "Lettre à I. Skovorstsov-Stépanov", in OEuvres,
ed. francesa, Paris, Ed. Sociales, vol. 16, 1973, p. 122.
14. Ibid., p. 124.

20.
15. Para uma síntese do conceito gramsc~ano de "revolução pas-
siva", cf. C.N. Coutinho, "As categorias de ~ramsci e are.!
lidade brasileira", in Presep~, nº 8, setembro de 1986,
pp. 141-162.
..Brasil, cit., pp. 49-
16. Caio Prado Jr. , Evolução poli tica _<!o.
50.
17. Ibid. , p. 74.
18. Ibid. , p. 63.
19. Ibid. , p. 81.
20. Ibid., p. 91.
"-
21. Ibid., p. 94.
22. Cf. J.C. Mariátegui, Sete ensaios de interpretação d~ re~
lidade peruãna~; ed. br-a sã Le í.r a , são Paulo, Alfa-êmega, 1075,
pas sí.m ,
23. Gramsci, QUBderni deI carcere, Turim, Einaudj, 1975, p.
1767.
24. Caio Prado Jr., A revolução brasileira, cit., p. 240.
25. Ibid., p. 30. ESf';Bcentralidade ,,~;n[:fid do campo é
, . .
?

reafirmada em 1978, no prefacl.o que Cal.OPrado escreveu pa


ra sua colet~nea s~bre A questão agr~ria, cit., pp. 12-13.
26. Id~~,A revolução brasileira,cit., p. 243. De certo modo,
essa taxativa afirmação - feita em 1977 - modifica suas
posiç~es anteriores, mais equilibradas)embora sempre c~ti-
cas, sobre a industrialização e suas potencialidades: cf.,
por exemplo, Hjstória eco~ôm~ca do Bre;sil, são Paulo, Bra-
siliense, 5ª ed., 1959, pp. 263-274.
27. Remeto, para uma discussão do problema, ao meu ensaio 110

capitalismo monopolista de Estado no Brasil", in C.N. Cou-


tinho, A democracia como valor universal e outros ensaios,
Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, pp. 163-195.
28. Cf., por exemplo, A revolução. brasileira, cit., p. 123.
29. Ibid., p , 23. Também o Governo Kubi tschek recebeu d.ur:1ssi-
( . . -, -
mas crltlcas de Calo Prado, nao so em A revoluçao brasilei-
~, mas já nos ensaios dos anos 50, publicados na Revista
Brasiliense. Creio que ele não só subestimou o inegável
21.
desenvol vimento da industrialização.'qm ,re proaE S011,: na ém p,2
pulista, mas ignorou completamente o cresci~ento dn socie-
dade civil nela ocorrido, sobretudo no "peri~do malfadado"
do Governo Goulart.
30~ Caio Prado Jr., A revoluxão brasileira, cit., p. 244.
31. Esse é um dos pontos corretos da critica dirigida a Caio
Prado, em 1966, por Assis TFvares, pseud~nimo sob o qual
era então obrigado a se ocultar um importante dirigente c.2
munista, !'1arcoAntônio Coelho (cf. A. Tavares, "Caio Prado
e a teoria 'da revolução brasileira", in Revista C:iyilização
Brasileira, nº 11-12, dezembro de 1966/ma'rço de 1967, p.
79). Também é justa a observação seêundo a qual Caio Pra-
do "nem sequer cogitou de examinar as camadas médias urbe-
nas"_ (,i.bid.,p , 77). Es sa ausência, a meu ver, decorre da
centralidade que ele atribui ao campo) em conseqüência de
sua vis~o "atra~ada" do Brasil. Apesar de observBç~es per-
tinentes,o artigo de Tavares - que mereceu uma longa res-
posta de Caio Prado, ..j,p.cluida nas ed.l.çó es mais recentes
de A revolução brasileira - reproduz, no essencial, o para-
digma analítico da Terceira Internacional.
32. Caio Prado Jr., A revoluç~o brasileira, cit., p. 267.

22.

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