Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Mais do que uma simples adaptação dos conceitos e história europeus à realidade
brasileira, o convite de Caio Prado Jr. é que pensemos a realidade nacional pelo olhar
específico da nossa história, ao mesmo tempo entendendo que já em seu início e
progressivamente a nossa economia é assimilada pelo capitalismo nascente, como seu
fundamento histórico material e como futuro sustentáculo moderno na produção de matéria
prima na divisão internacional do trabalho.
Em sua interpretação, não podemos esperar que uma estrutura de exploração de
riquezas consequência de fatores nascidos da história européia tenha por foi condutor
processo igual ao que passou o velho mundo, como se fosse um mundo estagnado que, agora
tocado pela civilização européia, é capaz de seguir o rumo estabelecido pelo exemplo
europeu. A dialética marxista - na qual se ampara Caio Prado Jr - não é um conjunto de
orientações subjetivas prontas para serem aplicadas à história humana e aos seus diferentes
modos de produção. Na realidade, Marx nos ensina que ela é a abstração de um concreto
efetivo que precisa ser previamente analisado e compreendido. Trata-se da lógica do capital,
a maneira pela qual ele se move dentro do sistema capitalista e para o entendermos
precisamos partir do concreto efetivo onde ele se construiu ou com o qual se relaciona.
Prado Jr. nos traz novas bases para o entendimento sociológico do Brasil.
Considera o colonialismo no século XIX uma etapa decisiva em nossa história e que inaugura
um processo específico e endêmico no desenvolvimento histórico local. Partindo de uma
perspectiva materialista da sociedade, defende que há um sentido na história que pode ser
percebida ao olharmos para trás e analisarmos o que definiu os caminhos seguidos por aquela
população específica dentro do horizonte específico que a cerca.. Há um sentido na
colonização brasileira que se inicia naquela fase, uma direção para a qual ela aponta e Caio
Prado quer nos mostrar esse sentido: “Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um
certo “sentido”. Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos
fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo.” (2000, pág.
13)
A colonização brasileira se deu como “um capítulo da história do comércio
europeu” (2000, pág. 16). A intenção da coroa portuguesa no Brasil tinha como norte o
estabelecimento de uma empresa comercial. O desenvolvimento que a metrópole procurava
proporcionar aqui limitava-se a garantir a produção de mercadorias tropicais e extração de
minérios. A relação econômica do Brasil com Portugal era exclusiva e por muito tempo a
profundidade dessa dependência significou colocar a colônia como um prolongamento
econômico do além mar. O desenvolvimento de uma cultura e sociedade próprias é parte da
saturação que a Europa teve que lidar quanto à estrutura colonial e de dominação comercial.
O avanço da capitalização das relações de produção, ao mesmo tempo que permitiu uma
transferência de valor jamais vista, criou condições para a exigência de um avanço estrutural
na sociedade colonial, conforme indica Prado Jr2.
2 “(...) Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser
explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações tem, ao contrário, suas raízes nas condições
materiais de existência, sem suas totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18, compreendia
A função social da estrutura colonial deu-se em torno da exploração das riquezas,
o que significa que as cidades, ruas, moradias, leis, estado, etc construíram-se em torno ao
máximo de eficiência dessa exploração. A ocupação do campo, portanto, não se dá como
resultado de um processo secular de distribuições de terras baseado em defesa e proteção
mútua (como no feudalismo europeu). Não havia realmente um regime a ser superado como
houve na Europa. Podemos encontrar um fio condutor ao olharmos para o passado de uma
sociedade, mas isso não significa que este fio - abstração de uma realidade concreta, histórica
- seja independente ao ponto de poder ser aplicado em contextos diferentes. A abstração que
se expõe é exposição de uma realidade concreta e dela depende conceitualmente. O
capitalismo acabou por se desenvolver e se consolidar no Brasil, mas por vias próprias3.
4. Conclusão
sob o nome de “sociedade civil”. (2008, pág, 47). O movimento contraditório que configura a dialética marxista não é a reconstrução
histórica do capitalismo, mas é a exposição das contradições de um sistema de produção quando assimilado ou em relação com o capital.
3 Tal conceito não tem origem em Marx, ainda que este o tenha usado criticamente. Os liberais ingleses já
falavam sobre o processo de fundamentação do capitalismo como um momento primitivo desse modo de
produção. No geral, a acumulação primitiva é descrita pelas características de transição do feudalismo para um
novo sistema econômico; Marx se apropria dessa definição criticamente, expondo as contradições e violência
necessárias a tal processo inicial.
autonomia política e pela superação dessas estruturas opressivas tornou-se uma demanda
constante na história do Brasil.
A análise dialética das contradições e consequências da colonização, realizada
por Caio Prado Jr., permite-nos compreender a complexidade desse processo histórico e suas
implicações filosóficas e políticas. Ela nos convida a olhar além das aparências e desvelar as
forças contraditórias em ação, revelando as tensões, os embates e os desdobramentos que
moldaram e continuam a moldar a realidade brasileira. Somente por meio de uma
compreensão profunda dessas contradições é possível avançar rumo à superação das
estruturas coloniais e à construção de uma sociedade mais justa, igualitária e autônoma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000.
_______ “A revolução brasileira”. In: Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes: clássicos sobre a
revolução brasileira. São Paulo: Expressão Popular, 2000 [1966].
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Tradução de Florestan Fernandes.
São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MARX, K. O capital: Livro 1, Volume 2. 4. ed. Rio de janeiro: Civilização brasileira, 1971.