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Pontos sobre “Da Monarquia a República”.

1. Um comentário não sobre a obra em si, mas sobre reflexões acerca de como se faz a análise
do processo histórico. A autora procura explicar o processo histórico a partir de fontes que
não são puramente estatísticas, ela recorre a fontes que seriam consideradas subjetivas,
como relatos dos autores da independência. Cabe se perguntar, é realmente valido esse
método de análise? Quais as possíveis influências da autora?
2. Com relação à primeira pergunta é necessário traçar dois métodos distintos e clássicos da
análise da história. O primeiro deles é o método cultural, ou estrutural, funcional, etc. Esse
método traça o paradigma da análise histórica em fatores que diferenciam, isto é, buscam
naquilo que é particular, na maioria das vezes no âmbito subjetivo, a explicação dos
processos históricos – Sérgio Buarque de Holanda pode ser visto como o principal
representante dessa escola. Além deste, há o método materialista que tenta buscar em
paralelos mais abstratos, mas ainda perceptíveis em todos os grupos, o fulcro da análise
histórica. Poder-se-ia dizer que o primeiro tipo da análise foca nos aspectos superestruturais,
enquanto a segunda foca nos infraestruturais. No entanto, será que é possível a análise de
algo tão complexo como a história social focando em apenas um aspecto do
desenvolvimento histórico? Ao meu ver, e a de muitos outros, como o próprio Marx, não.
3. Aquele que deseja procurar o desenvolvimento do aspecto histórico deve, obrigatoriamente,
saber conjugar a análise dos aspectos superestruturais, como a lei, a cultura, a política, com
a análise da economia de um povo. Não é apenas afirmar dogmaticamente que a economia
gera o ser social, de forma determinista. Tampouco é afirmar que a cultura de um povo
define a cultura de um povo, a tautologia na qual chega a maioria das análises culturais. É
necessário encontrar até que ponto um aspecto influi no outro, até que ponto eles se
autodeterminam reciprocamente. E é com o auspício do livro de Emilia Viotti e de sua
metodologia que é possível interpretar como essa conjugação de fatores se dá no processo
histórico de Independência do Brasil.
4. Os capítulos 3, 4 e 5, sobre José Bonifácio, liberalismo e as diferenças entre o
desenvolvimento da Independência nos EUA e no Brasil, são de extrema importância para a
análise desse debate, pois demonstram até que ponto as figuras concretas, com ideias
concretas – que, como José Bonifácio, não estariam “de acordo com a infraestrutura da
sociedade” – influem na história. Como a questão das ideias e da cultura de um povo
conseguem balizar sobre uma infraestrutura que faz suas reinvidicações, que limita a
atuação. Nas palavras de Engels: “A história não faz nada, quem faz a história são os
homens concretos”. No entanto, Marx bem salienta: “Os homens fazem a história, mas não a
fazem como bem entendem”.
5. O caso de José Bonifácio é importante para ressaltar vários aspectos, mas, para o que nos
interessa aqui, focaremos em como a análise desse tipo de personagem é capaz, dadas as
devidas precauções, como a análise prévia das condições materiais de existência dessas
pessoas, de revelar mais sobre o meio moral e as condições objetivas de vida dessas pessoas.
Analisando a trajetória de Bonifácio, é possível ver como havia uma contradição central
entre o seu pensamento, aquilo a que ele pleiteava, como a abolição da escravatura, a
diminuição da concentração fundiária, e o meio socioeconômico no qual ele vivia. Bonifácio
não foi impedido por leis divinas da história de efetuar suas reformas, ao contrário, durante
um grande período ele era uma das pessoas mais importantes do Império. No entanto, as
condições de existência da Independência, em todos os seus aspectos, seja a economia
escravocrata, como a cultura das classes dominantes, tinha de se lhe opor para garantir que
sobrevivessem. O homem tentou fazer a história, mas não a fez como quis. Explicar que “as
condições da economia escravocrata não permitiam” não é o bastante. A configuração
econômica, a princípio, gerou um ethos na sociedade imperial que proibia aos agentes
dominantes dessa sociedade que executassem esses planos, embora muitos deles tenham,
subjetivamente, as mesmas aspirações que Bonifácio, pois a educação de todos os nomes de
peso do Império era extremamente semelhante. Embora esse seja um exemplo claro de como
o meio econômico coage os agentes, é necessário lembrar que são esses próprios agentes,
por meio das mais variadas manipulações ideológicas, que fazem a manutenção de um meio
moral, entenda-se ele como a cultura, o direito, a política, que não era convidativo a projetos
como o de Bonifácio.
6. O mesmo se aplica ao liberalismo que, embora sejam seus ideais universais, ou assim
queiram se apresentar, foi um fenômeno típico da revolução burguesa na Europa. Esse
liberalismo ao permear o meio cultural de outros povos está sujeito às adequações não só de
prática, mas da própria teoria às necessidades econômicas, principalmente, e morais de um
povo. Desse modo, o liberalismo foi usado nos EUA para se livrar do jugo metropolitano,
para fortalecer a liberdade econômica verdadeira e religiosa, ao menos do homem branco,
para estruturar todo um meio econômico e moral que desse maior fidelidade àqueles ideais
que haviam chegado. No Brasil, contudo, ele foi usado para justificar a liberdade econômica
das elites escravocratas, por meio do direito a propriedade, e a liberdade do imperador,
fatores que eram necessários para a manutenção da própria Independência do Brasil. Assim,
a dependência econômica com relação ao estrangeiro era justificado com base em Adam
Smith, em Ricardo, pois aqueles que tinham a capacidade de conhecer e de se utilizar dessas
teorias possuíam metas já estabelecidas antes, como é possível notar na análise do discurso
dessas personalidades, sendo estas estabelecidas pela estrutura econômica da sociedade
brasileira em particular, no caso o fomento ao esquema exportação-importação.
7. O que é importante realçar na análise comparativa de como foram conduzidos os dois
processos de Independência não é uma análise simplesmente causal, seja ela econômica ou
moral. É necessário compreender todos os fatores juntos, a dinâmica política explica a
economia tanto quanto esta explica aquela, a recíproca é valida para a cultura de um povo,
etc.
8. Embora ainda seja preferível a coleta de dados estatísticos, objetivos, para a análise da
estrutura econômica, os relatos, quando postos nesse contexto, são essenciais para explicar o
por quê do “motor da história” daquele período funciona daquele modo, ainda que os
próprios relatos vejam a situação de forma confusa, ou não a vejam de forma nenhuma. A
síntese da discussão é que os homens, embora estejam restritos a certas estruturas
econômicas, são os verdadeiros agentes do processo histórico e só eles são capazes de
realmente dar forma ao desenvolvimento histórico, destruindo ou melhorando as estruturas
econômicas que deram as bases iniciais para a sua movimentação. O papel da Utopia, da
ideia motriz que guia aquele tempo, seja ela uma confusão de diversos tempos e lugares, é
subestimado por muitos e superestimado por muitos outros. É preciso entender, caso se
queira fazer uma análise séria do desenvolvimento histórico, a relação entre todo o meio
moral e econômico na qual vive uma sociedade, para ficar claro o por quê de ter sido
tomado caminho X em vez de caminho Y e o por quê da necessidade se tomar o caminho W
em vez do caminho Z, que, analisado essa estrutura, é possível ver que é por onde essa
sociedade se encaminhará.
9. Outro ponto interessante da obra é o estudo historiográfico que ela faz sobre dois aspectos; a
figura de José Bonifácio e da origem da república. A demonstração dos pontos de vista
daqueles que estavam envolvidos nos ocorridos até daqueles que se propunham uma revisão
da historiografia é um trabalho louvável.
10. Sobre a abolição, a tese central é a de uma abolição moderada e consentida, fruto da
contradição entre o desenvolvimento capitalista mundial e o desenvolvimento paralelo das
instituições coloniais. A Abolição foi fruto da cada vez mais provada ineficácia do trabalho
escravo quando comparada com o progresso industrial na lavoura.
O movimento abolicionista foi, por isso, capitaneado desde o início pelos setores mais
tecnicamente avançados e prósperos da República, haja vista a consciência destes da
inevitabilidade do fim da escravidão, datada das pressões do mercado internacional desde
1830. A necessidade desses setores de aumentar a produtividade do trabalho era
incompatível com a falta de técnica do escravo e com a imobilização desnecessária de
capital que a compra dele representava, é de se lembrar o aumento exponencial dos preços
dos escravos na última metade do século.
Desse modo, a autora atribui a luta central do Império à questão da Abolição. Contudo, ela
não é travada por figuras heroicas, humanitárias e perfeitas. Ambos os lados defendem os
seus interesses mesquinhos e não colocam em nenhum momento as necessidades dos negros
escravizados em pauta. Os setores progressistas visavam com a Abolição a diminuição dos
seus custos de produção, pagar salários era mais barato que comprar escravos e mantê-los, e
o aumento da produtividade, com o uso de maquinária vendida pelos países que apoiavam a
Abolição. Os setores reacionários eram contra o projeto pois não tinham tido capital
suficiente para investir nessa alteração do padrão produtivo brasileiro, sendo a mão de obra
escravizada sua única fonte de renda e seu maior investimento. Os setores mais radicais
foram rapidamente neutralizados, posto que pertenciam a classes de artesões e pequenos
produtores que foram engolfados ou pela concorrência estrangeira ou pelo latifúndio.
Assim, a escravidão se processou em bases extremamente conservadoras, sendo ela
concretizada muito mais em benefícios das oligarquias já tecnicamente avançadas do que
para os escravizados, que foram largados à própria sorte.
Em meio a esse quadro geral desses 2 modos de produção contrapostos, o modo mais
burguês, embora ainda aristocrático, e o modo do servilismo reacionário, a autora traça a
atuação dos demais componentes da sociedade, como o clero, a burocracia e os intelectuais.
Contudo, ela restringe a atuação desses setores, pois atuam devido ao sistema de “clientela e
patronagem” sempre nos limites da autoridade da aristocracia rural da qual eram todos
dependentes.
11. A Abolição é também necessária para explicar a queda do próprio Império. Após uma
passagem sobre a historiografia da Proclamação da República, seja ela a versão
Republicana, a Monarquista, a Marxista e a Nova. A Republicana enxerga no Poder Pessoal
do Imperador, nos mandos e desmandos de D. Pedro II, na sua arbitrariedade, as causas da
descrença nas instituições imperiais. Os Monarquistas veem na amargura de algumas classes
o motivo da derrocada do império, além de cantarem as glórias do período imperial. A
Marxista enxerga na transição do modo de produção escravista-colonial para um capitalismo
industrial o motivo subjacente à queda do Monarca e das instituições que ele representava,
toda a monarquia. A Nova historiografia utiliza essa abordagem e a complementa com os
relatos dos homens, a tentativa da interpretação das ideias que permeavam as diferentes
classes, etc.
Alguns pontos de destaque vão para a disputa entre o papel do exército no evento. O que
cabe ressaltar é a visão militarista que alguns historiadores divulgam e que condiz, embora
em partes, com a visão de guardião da nação que o Exército tem de si mesmo. O Exército se
vê, desde aquele período, como uma instituição pura, livre das mazelas da sociedade civil,
como a corrupção, e que deve atuar como purgadoras desses males.
12. A queda da Monarquia vai derivar das mesmas mudanças na estrutura social brasileira que
destruíram a escravidão. Contudo, ela vai ser direcionada para girar o foco do poder para a
região Sul, pois a Monarquia era interpretada como suporte das aristocracias do Nordeste,
Minas e das regiões mais atrasadas de São Paulo. A destruição da Monarquia seria mais um
golpe de morte nessas elites regionais e seria a ascensão da oligarquia paulista. Se eles não
podiam ganhar o jogo político no sistema monárquico, mudariam o jogo, e a República foi a
expressão desse objetivo.

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