Filósofo. Teólogo. Professor de Ciências Sociais e Humanas. Pesquisador.
Experiência em Tutoria EAD. Escritor e Músico Publicado em 21 de fev. de 2019 + Siga
“Todas as cidades, as quais jamais foram governadas
por um príncipe absoluto, por aristocratas, ou pelo povo, como se governa esta [Florença], têm tido como defesa a própria força aliada à prudência: porque esta não é suficiente sozinha e aquela, ou não conduz as coisas, ou conduzindo-as não as conserva” (Machiavelli, Parola da dirle sopra la provisione del danaio facto un poço di proemio et di scusa, 1997, p. 12) Esta pesquisa apresenta, sob a ótica de duas proposições, subdivididas em três conceitos, uma proposta e problemática da filosofia política Humanista, presente em alguns textos- relatórios do pensamento de Nicolau Maquiavel. Referindo-se aos conceitos do pensamento Florentino, se evidencia duas importantes ideias da política moderna. A primeira delas referente à questão do novo fundamento da ordem social e política. De certo modo, com o designado realismo político maquiaveliano, cria-se a necessidade de alterar o suporte de ideias para a laboração política. Em segundo lugar, Maquiavel oferece também aos atores políticos: a necessidade do exame dos fatos. Esta postura, de linhagem aristotélica, faz com que ocorra uma nova estratégia de ação governamental. Estas duas ideias, fundadas na expectativa realista, são, em tese, o fundamento da política moderna.
Sobre a primeira proposição, a mudança do fundamento das
ações políticas, o que se denominará como paradigma de transição, parte-se da ideia referenciada por Claude Lefort, onde o autor afirma que em Maquiavel encontra-se uma lógica distinta dos imperativos condicionantes de seu contexto, sobretudo relativo à arte da res publica. Lefort propõe uma tese diversa do contexto das ideias eminentemente religiosas, de ordem metafísica, onde a moral e a teologia se serviam de autoritas sob as demais ciências, inclusive sobre o ordenamento político-social. A história era tida como "penumbra das coisas que hão de vir", sob o pressuposto da "sobra platônica no plano terreno", e por isso, deveria se olhar para o Criador da história, para Àquele que há de conceder a beatitude aos fieis. Dever-se-ia buscar o "Reino dos Céus, que é vida plena em abundância". Maquiavel, segundo Lefort, apresenta a força como razão das conquistas e reconquistas, assim como fundamento da manutenção do poder efetivado. Não se pode admitir e muito menos sustentar um Estado a partir de crendices, ou tão somente sob o prospecto de uma teoria utopista. A filosofia política moderna funda a “crise” do ordenamento social.
A segunda proposição revela uma nova ordem relativa às
estratégia adotadas a partir dos relatórios de Maquiavel, designada na pesquisa como I Primi Scritti Politici, segundo o intérprete da obra, Jean Jacques Marchand, exatamente para subsidiar duas ideias distintas na leitura dos relatórios: (1) é importante ser criterioso na seleção de bons homens, para que sejam patriotas, pois, de certo modo, é condição sine qua non para formar um exército próprio, distinto dos modelos mais utilizados no contexto Medieval e Renascentista. (2) Há o privilegio para como soldados que saibam, com muito traquejo, manusear as boas armas, tendo como comandantes homens de comprovada virtú e que não somente apostem na sorte frente as intempéries da fortuna. A ética que conduzirá estas duas proposições não será obviamente a do modelo medieval. Ética e virtú serão entendidas por Maquiavel como antecipação das coisas, ou seja, um olhar profundamente penetrado na história e que faz com que os atores políticos não sejam atrasados em ação.
Deste modo, a partir desta justificativa que norteou o projeto,
questionamo-nos sobre o porque de um tema de política neste contexto social em que nos encontramos? Será que a comunidade brasileira teria um efetivo compromisso social e político? Onde se manifestaria a "força" da política brasileira? Onde estariam os patriotas? Nossa experiência recente com o exército no comando da nação não foi muito salutar. Por isso, conforme Raymundo Faoro, Edison Nunes, Newton Bignotto, Prof. Valverde, entre outros, é preciso debruçar-se solidamente sobre o pensamento maquiaveliano. É necessário fazer a experiência da política dos fatos.
Sabe-se que em muitos lugares no mundo não se vive esta
plenamente esta dimensão estrutural e antropológica, denominada de homo socialibis, o que decorre também num enfraquecimento de outra dimensão - do homo politikon. Se deduz isto, sobretudo na considerada política "anêmica"[1] da sociedade brasileira. Geralmente, no histórico do Brasil, não se deu o devido "espaço e altura" para a reflexão e para a adesão deste discurso denominado político. Tanto é assim que se observa a postura da nação desalinhada politicamente. Observa-se a sociedade brasileira ancorada numa concepção pejorativa da própria concepção de política. Encontra-se no senso comum do "ordinário político" do Brasil um "pseudoconhecimento", na maioria das pessoas, da política e dos políticos.
A história da política no Brasil é manchada desde suas origens
por inúmeras controvérsias, pelo espírito "maldito" da corrupção, que nega a razão de ser da própria política. E se percebe esta situação desde seu inicio, ou seja, desde a colonização do “paraíso” recém-descoberto, conforme relatos de Sérgio Buarque de Holanda[2], de modo específico, pelo desrespeito imposto aos nativos, pela construção da “cordialidade” histórica, que interpela o ímpeto de justiça e de civilidade, e até mesmo naquilo que se refera às últimas notícias publicadas na sociedade brasileira, onde se observa um esquema ainda mais escancarado de corrupção, onde estão envolvidos diversos personagens e atores da política institucionalizada.
Há mais de cinco anos, portanto, em 2010, numa das salas da
PUC/SP, participando do Curso sobre “A origem dos conceitos políticos nos Primeiros Escritos de Política de Nicolau Maquiavel”, fui convencido de que o Brasil necessitaria de uma maior incidência em relação à leitura e conhecimento da obra do Florentino. A este desconhecimento, certa aula, afirmou o Prof. Dr. Antônio J. R. Valverde que, citando Otto Maria Carpeaux, disse que: “a bibliografia moderna sobre Maquiavel é imensa; menos em língua portuguesa”, menos ainda entre os brasileiros. E, num artigo de apresentação à obra de Edison Nunes, sobre a filosofia política de Maquiavel, VALVERDE (2010, pp. 301) conclui que
o anêmico pensamento político brasileiro – se deveras
existe, como inquiriu Raymundo Faoro – aditou muito com a edição deste livro original [NUNES, E. A política à meia luz: ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel], esclarecedor sob muitos aspectos e traspassado de erudição. Em especial, o universo acadêmico, quase sempre em compasso de espera dos modismos europeus e norte-americanos. Se os ideólogos da política brasileira do passado, como Tavares Bastos, com pretensões difusas a certa envergadura liberal, não enfrentaram nem assimilaram, no detalhe, o pensamento de Maquiavel, os pesquisadores acadêmicos, durante grande parte do século passado, andaram a reboque de tal pensamento político e só recentemente principiaram por encará-lo por sua altura intelectual e inventividade [3].
É com muita modéstia acadêmica que me ponho a pensar na
filosofia do Florentino, num tema específico da sua obra. Porém, tomado de um desejo de interligar ao contexto da sociedade brasileira, as considerações que se aferirem nesta pesquisa, e como se afirmou há pouco, tentar, de algum modo, descobrir e decifrar a “altura intelectual e a inventividade” de Nicolau Maquiavel.
Rafael Salatini oferece em sua pesquisa, realizada na
Revista Discurso[4], alguns dados interessantes da produção e da recepção da filosofia política de Maquiavel no Brasil. Este texto é referência para a justificativa da temática que se apresenta nesta pesquisa sobre os I Primi Scritti Politici do próprio Nicolau Maquiavel.
No Brasil, em 1931 (depois reeditado em 1933), Rafael relata a
importância da obra mais antiga sobre Maquiavel, do autor Octavio de Faria, que tinha por título: Maquiavel e o Brasil. O que chama atenção nas duas partes da obra de Faria é o "intermezzo Mussoliniano", ou seja, a ideia de que no "caso do Brasil", precisaríamos de um indivíduo como Mussolini, para termos "um amanhã menos negro" (SALATINI, 2011, pp. 332- 333). Octavio de Faria, em certo sentido, reconhece que para o encabeçamento das coisas da política, de uma ação eficiente, o Brasil necessitaria de alguém com virtú[5].
Os sistemas autoritários do inicio do séc. XX fizeram com que
grandes nomes da filosofia, como o próprio Maquiavel, Hegel e Nietzsche, por exemplo, fossem interpretados em seus países de origem e pelo mundo a fora em virtude dos mesmos sistemas que dominaram o Ocidente nas décadas de 1930 à 1945, durante a II Guerra, sobretudo nas posturas ideológicas do “Fascismo e do Nazismo”. Inclusive, culpa-se Maquiavel, não só como o dito "demônio da teoria política" ou da teoria do maquiavelismo, que aliás ainda lhe atribuem insistentemente, mas também por um tal "excesso de totalitarismo" no conjunto interpretativo de sua obra (SALATINI, 2011, pp. 334. 341).
Uma segunda obra referencial de Maquiavel no Brasil é a do
autor Lauro Escorel. A “Introdução ao pensamento político de Maquiavel” publicado pela editora Simões em 1958 e reeditado pela editora UNB em 1979 é “de longe o livro mais completo e bem informado sobre Maquiavel” (SALTINI, 2011, pp. 336). Para Escorel, afirma Faria, o problema cruciante na obra de Maquiavel se encontra nas relações da política com a moral. Não deve-se entender o pensamento de Maquiavel como amoral, muito menos imoral, mas, de uma maneira técnica, tentar fluir sua leitura dos textos, superando exatamente o preconceito de “maquiavélico” e compreendendo a tese de uma moral diversa do contexto medieval cristão (SALATINI, 2011, pp. 338-339).
Uma terceira obra, citada por SALATINI é de Joacil de Brito
Pereira, intitulada: “Idealismo e realismo na obra de Maquiavel” publicado pela editora UFPA em 1970 e reeditado pela editora Horizonte em 1981. Trata-se de uma reflexão sobre as obras do Príncipe e dos Discursos da Primeira Década de Tito Lívio, baseando-se num interprete do florentino, residente nos EUA, Giovanni Sartori. Brito Pereira realçou em seu trabalho uma tensão, supostamente disjuntiva, entre as obras referidas de Maquiavel, no sentido de que há nelas uma ideia realista, fundada na política factual e outra idealista, obviamente no "já" da renascença possível, não obstante, no "ainda não" da utopia (SALATINI, 2011, pp. 342-344).
Salatini ainda apresenta outras obras de relevância na pesquisa
sobre Maquiavel no Brasil, tais como: “A guerra de Maquiavel” de Luiz A. Hebeche, de 1988, “Maquiavel Republicano” de Newton Bignotto, de 1991, obras dos pesquisadores associados a CAPES, a USP e a UNICAMP, entre os anos de 1994-2004, tais como: Arnaldo Cortina, Maria L. Rodrigo, Vitório S. B. Campos, Patrícia Aranovich, Edmundo F. Dias, José Nedel e José Luis Ames (Cf. SALATINI, 2011, pp. 344- 358). Acrescentar-se-ia ao rol de pesquisadores, o trabalho de divulgação e estudo de Maquiavel pelo Prof. Antonio Valverde da PUC/SP, que nos últimos anos tem proposto vários enfoques sobre a obra do Florentino, onde destacaria: a inserção de subtítulos da obra História de Florença, pela editora Musa, bem como, os trabalhos e disciplinas oferecidas sobre os Discorsi e sobre os I Primi Scritti Politici[6]. Pode-se acrescentar ainda a esta discursiva sobre a importância de Maquiavel para o Brasil e para a política moderna e contemporânea, a ideia de, percebê-lo, como alguém “maior do que Cristóvão Colombo”. Esta é a imagem que foi empregada por Leo Strauss para realçar a importância ímpar de Maquiavel na fundação da política moderna. Strauss o apresenta deste modo, e assinala que, cabe ao florentino, o crédito de ter descoberto “o continente sobre o qual Hobbes pôde edificar sua doutrina”[7].
Notas
[1] Cf. FAORO, R. Existe um pensamento político
brasileiro? Faoro afirma que “a [tal] pergunta envolve duas proposições – (1) o pensamento político e uma especificidade, (2) o pensamento político brasileiro. Se há um pensamento político brasileiro, há um quadro cultural autônomo, moldado sobre uma realidade social capaz de gerá-lo ou de com ele se soldar”. Sua conclusão sobre a questão é a de que não há tal pensamento autônomo. In: http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/1156.pdf - acesso em 25 de Abril de 2015.
[2] HOLANDA, S. B. Visão do paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. [3] VALVERDE, A. J. R. Resenha do livro de Edison Nunes: "A política à meia luz – ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel". São Paulo: EDUC, 2008. Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 22, n. 30, p. 299-302, jan./jun. 2010.
[4] SALATINI, R. Notas sobre a maquiavelística brasileira
(1931-2007). In: Revista do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, n. 41, 2011, pp. 329-359.
[5] Plínio Salgado afirmou sobre esta obra de Octavio de Faria:
“acaba de aparecer o maior dos livros que a geração brasileira dos que nasceram depois do começo deste século oferece ao nosso país” (FARIA, 2011, pp. 335). Cf. SADEK, M. T. A. Machiavel, Machiavéis: A tragédia octaviana – Estudo sobre o pensamento político de Octavio de Faria. São Paulo: Símbolo, 1978, pp. 138-148.
[6] CONCEIÇÃO, M. C. A contribuição de Maquiavel para a
atualidade. In: Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia, vol. 6, n. 6, Ano 6, Março 2013, pp. 10-11.
[7] STRAUSS, L. Direito Natural e História. Tradução de
Monique Nathan e Éric de Dampierre, publicada por Plon, Paris, 1954, pp. 192.
Elites políticas e legislação social na Primeira República (1891-1926): a questão social, o federalismo e o legislar sobre o trabalho na Primeira República brasileira