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FILOSOFIA POLÍTICA

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Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 3

Uma breve história da filosofia política ................................................... 3

Conceito de Filosofia Política .................................................................. 8

História da filosofia política e principais representantes ................ 10

Principais pensadores da filosofia política ............................................ 12

Iluminismo ............................................................................................. 40

CONCLUSÃO ....................................................................................... 54

REFERENCIAS .................................................................................... 55

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas


de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e
comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de
comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de


forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir
uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma
das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela
inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço
oferecido.

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INTRODUÇÃO

Filosofia política é uma vertente da filosofia cujo objetivo é estudar as questões


a respeito da convivência entre o ser humano e as relações de poder.
Também analisa temas a respeito da natureza do Estado, do governo, da
justiça, da liberdade e do pluralismo.
A política, na filosofia, deve ser entendida num sentido amplo, que envolve as
relações entre os habitantes de uma comunidade e seus governantes e não apenas
como sinônimo de partidos políticos.
A filosofia política ocidental surgiu na Grécia antiga e dizia a respeito sobre a
convivência dos habitantes dentro das cidades-estados gregas. Estas eram
independentes e muitas vezes rivais entre si.
Tais cidades contemplavam as mais variadas formas de organização política
como a aristocracia, democracia, monarquia, oligarquia e, até a tirania.
À medida que as cidades foram crescendo, o termo política passou a ser
aplicado a todas as esferas onde o poder estava envolvido.
Assim, num sentido amplo, existe política desde aqueles que habitam aldeias,
como aqueles que moram em estados-nacionais.

Uma breve história da filosofia política

As ciências exatas, ao longo do tempo, costumam apontar os erros do passado


tendo com foco sempre o último resultado que elas obtêm, corrigindo ou refutando os
sistemas de pensamento anteriores. A filosofia, ao contrário, não invalida quaisquer
tipos de ideias, apenas as analisa sobre novas óticas, partindo delas para desenvolvê-
las ainda mais e alcanças novos sistemas, ou partindo delas e caminhando a sua
oposição, também levando a outros sistemas.

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Tendo em mente a diferença entre o método científico e o filosófico, vamos nos
debruçar sobre a filosofia política, que não trata de uma sobreposição de ideias, da
melhor e mais atual sobre as ultrapassadas e errôneas, mas sim sobre uma análise
de cada período em seu contexto, com apego à ética do momento e às relações de
poder ali estabelecidas. A abrangência da filosofia política vai além do que sugere o
nome, pois não se limita à política propriamente dita, embora seu maior filão seja a
ética, essa área também reflete sobre temas como Estado, governo, justiça e ainda
aborda as relações sociais, relações de poder, convivência de agrupamentos
humanos, liberdade, direito à propriedade… E por vezes, ainda permeia por análises
antropológicas.
Os conceitos políticos foram descritos e nomeados apenas na Idade Moderna,
mas já eram temas presentes na filosofia desde a Grécia Antiga, pois lá, os gregos
costumavam reunir-se em ágoras para debater sobre o tema e os filósofos (e também
os sofista) participavam ativamente da política local, mesmo vários deles não sendo
atenienses ou nativos das grandes polis gregas. A Ética, no período clássico da
filosofia, era associada à política e a política, por sua vez, ao homem, descrito nessa
época como um ―animal político. Assim sendo, era impossível dissociar a ideia de
homem, política e ética, pois estes três tópicos eram considerados em conjunto. A
separação entre estes temas ocorreu somente no período moderno.

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A filosofia política, que não trata de uma sobreposição de ideias, da melhor e
mais atual sobre as ultrapassadas e errôneas, mas sim sobre uma análise de cada
período em seu contexto.
Platão e Aristóteles dedicaram obras à filosofia política, que serviram de base
para as relações políticas da época, para formas de governo e sistema de ideias.
Contudo, durante a Idade Média, com o fortalecimento e domínio da Igreja Católica
sobre o Ocidente, o mundo e a sociedade foram substituídos por Deus, e a Igreja
aproveitou os sistemas de ideais políticos clássicos e os modificou conforme seu
interesse. Ou seja, nesta época específica, a filosofia política foi analisada e refletida
a partir de perspectivas católicas.
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino são dois dos principais nomes da
Filosofia Medieval (Ocidental), uma filosofia que se funde com a Teologia. E claro,
estes dois pensadores também tem obras dedicadas à filosofia política. Para
Agostinho, por exemplo, o Estado (Católico) era o instrumento da aplicação da moral.
Mas com a queda do feudalismo e o enfraquecimento da Igreja Católica, que
impedia o nascimento de novas ideias, eclodiu o Renascimento, que abriu um mar de
possibilidades para a filosofia política, introduzindo novos sistemas, novas ideias e
novas tecnologias, que se aliavam a uma população em crescimento, às grandes
navegações e outros acontecimentos histórico-sociais. Todo sistema de relações
humanas precisava ser revisto, era o nascimento da filosofia política moderna.
―O Príncipe de Maquiavel é um dos livros mais importante da história. Essa
obra consiste num manual de política de aproximadamente 100 páginas (dependendo
do idioma e da encadernação) técnico e simples, e que foi um dos primeiros a abordar
o que grande parte da população da época sentia e sabia, mas não podia expressar,
pois caso o fizessem, possivelmente seriam executados pela Igreja Católica. Durante
este referido período, a Igreja, mesmo sem a soberania da Idade média, mas ainda
detentora de um poder significativo, não se agradou com a obra de Maquiavel, visto
que vários reis ainda eram reis católicos e sobre eles pairava certa divindade e apenas
o Papa podia coroá-los, sustentando ainda a ligação entre política e religião advinda
deste período histórico. Maquiavel foi ameaçado e perseguido pelo Vaticano e por reis
católicos. Foi considerado o pai da política Moderna. Seu referido livro divide-se em
26 capítulos nos quais constam variadas reflexões sobre o Estado, sobre a Monarquia,
a República e, especialmente, sobre o papel e função do governante (o ―Príncipe).

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Nesta obra, ocorre uma curiosa separação entre a moralidade e legislador, que é
apresentado como um líder cujas decisões e atitudes devem estar isentas de aspectos
morais. Além disso, considerava que o medo e a punição fossem necessários para a
liderança política.
Descartes e Bacon com seus sistemas de ideias que não se mergulhavam tanto
na filosofia política também influenciaram pensadores da área, o mais notável dentre
tais, foi Thomas Hobbes, autor de ―O Leviatã, outro importante manual de política,
este mais extenso e mais agressivo, divido em quatro partes: O homem, O Estado
(bem comum), O Estado cristão e O reino das trevas (uso das sagradas escrituras).
Para Hobbes, resumidamente, a natureza humana é ruim e isso gera uma guerra de
todos contra todos, uma vez que o homem possui inclinações naturais para atos de
violência. Por consequência disso, o governo era um mal necessário para controlar a
humanidade, que submetia a ele seus direitos individuais, visando um bem comum.
Já durante o Iluminismo, houve uma troca da fé pela razão, e esse fato
proporcionou um ambiente perfeito para que a filosofia política se desenvolvesse,
sendo que desta vez, o homem encontrava-se no centro da análise e havia certo
desprezo por influências de divinas (contraponto com obras e períodos anteriores).
Nesta fase, portanto, o ser humano se torna imputável e a corrupção não é um
problema espiritual, assim sendo era necessário investigar a natureza humana e as
relações sociais.
Nos séculos XVII e XVIII são muitos autores dedicaram-se à filosofia política,
alguns, em especial, merecem destaque: John Locke, pai do Liberalismo Político e da
teoria da tabula rasa; Voltaire, defensor da liberdade religiosa e influenciador da
Revolução Francesa; e Rousseau, autor do livro ―Contrato Social, cujo
desdobramento é semelhante às ideias apresentadas por Hobbes, mas com inversão
do conceito sobre a natureza humana, sendo que aqui, ela é inatamente boa, embora
o advento da civilização corrompa sua bondade natural.
Kant é um marco da filosofia em diversas áreas, inclusive Filosofia Política.
Em suas obras sobre o assunto, muito regularmente aparece o termo ―Ética
Kantiana, referente a uma ideia na qual a lei moral é um imperativo categórico e suas
ações devem ser baseadas no dever, uma ética isenta de empiria, ou seja, livre de
quaisquer experiências, propondo se fazer o bem e o certo, apenas pelo
―que é bom e certo, sem que haja nenhuma segunda intenção, recompensa
ou interesse.

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A filosofia política do século XIX em diante possui alguns termos referentes à
política isolados e analisados individualmente, e os autores posteriores a tal período,
aprofundam e desenvolvem tais conceitos e estabelecem relações entre a política e
outras áreas como a tecnologia, a economia, a educação e até mesmo as ciências.
Os sistemas políticos usados nos séculos XX e XXI têm suas bases em ideias desses
autores.
Os pensadores contemporâneos expandem os conceitos em direções múltiplas
e suas obras exigem pré-conhecimentos diversos e contextualizações. Entre os
principais nomes temos: Stuart Mill, defensor do Utilitarismo, escreveu sobre a
liberdade e os governos representativos; Karl Marx, ícone atemporal, popularizou a
luta de classes, existente desde a Idade Média, mas a adaptou à realidade
contemporânea e a culpou pelos problemas sociais. Para ele, a luta de classes explica
a história e perpetua a classe dominante, causando problemas sociais; há também
Hannah Arendt, defensora do Pluralismo, possui trabalhos sobre filosofia existencial
e reivindicava uma política livre; Foucault, autor de teorias que relacionam
conhecimento ao poder, liberdade e controle social, crítico da modernidade e autor de
―Vigiar e Punir.
No século XXI a Filosofia Política encontra ligações com a Pós-modernidade e
as novas tecnologias, assim, assuntos como, por exemplo, discussões sobre patentes
e direitos autorais são revistos em meio ao mundo virtual e surgem debates sobre
temas como as relações de poder nas redes sociais ou a ligação de governos,
impostos sobre serviços intangíveis, a manutenção e a evolução do capitalismo, os
direitos coletivos se sobrepondo aos direitos individuais, a ética da inteligência
artificial, etc.
Com os filósofos em extinção, quem geralmente assume esses debates e
reflete sobre essas questões mencionadas no parágrafo acima, são profissionais de
outras áreas, como adeptos do método científico e não filosófico. Isso gera um
problema salientado no começo desse texto, pois além de profissionais, curiosos,
amadores e entusiastas se juntam ao debate, polarizando a discussão de maneira
fanática e por vezes até ―religiosa, criando um maniqueísmo ao redor da questão, o
que diminui muito as possibilidades da filosofia política contemporânea.

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Conceito de Filosofia Política

Existem diversas aplicações da filosofia. A filosofia política é o ramo que foca a


análise do conteúdo político, colocando um ponto de atenção às boas práticas
profissionais.
Neste contexto, esta disciplina reflete sobre os seus princípios essenciais como
um exercício de poder, a ética que deve acompanhar a prática política, a liberdade na
tomada de decisões, as diferentes formas de tipos de governo e os tipos de sociedade.

 Origem da filosofia política


Platão e Aristóteles foram pensadores muito importantes para estabelecer as
bases da filosofia política. Os filósofos gregos observaram a filosofia como um
conhecimento de sabedoria fundamental para praticar a política como um instrumento
baseado na virtude que favorece o bem social. A filosofia política também reflete sobre
um tema tão importante como a corrupção política que pode ser resultado do exercício
de poder mal-entendido.
A filosofia política abrange o estudo de fenômenos políticos a partir de uma
visão analítica, racional e objetiva
Também, reflete sobre os benefícios e as desvantagens dos diferentes regimes
políticos, do critério de justiça e da importância dos direitos sociais como um pilar
fundamental do trabalho político.

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A filosofia política também faz parte do exercício de governo da polis, ou seja,
do homem em comunidade. A política parte também da diferença entre o público e o
privado. Neste contexto, a política promove a justiça, analisa os direitos e os deveres
dos cidadãos.
Existem alguns conceitos fundamentais da filosofia política: o estado de direito.
Esta filosofia política também reflete sobre o princípio das diferentes instituições
sociais e de suas normas regidas.
 Filósofos políticos
Existem grandes filósofos políticos que marcaram a história. Confúcio foi um
dos primeiros pensadores a colocar em prática o trabalho ético através da política.
Tomás de Aquino também refletiu sobre como os seres humanos poderiam realizar
um bom governo através da prática da virtude. Nicolau Maquiavel foi um especialista
no estudo do poder e do direito. Thomas Hobbes foi o filósofo que refletiu sobre o
contrato social como o eixo do poder dos governadores.
A filosofia política é um valor fundamental para que o poder seja exercido em
benefício e felicidade da sociedade devido ao exemplo dos seus governantes. A
democracia é a forma de governo mais valorizada, dando poder ao povo através do
direito ao voto.
A filosofia política engloba a multiplicidade de reflexões filosóficas sobre a
origem ou a organização da vida em sociedade e as várias implicações que esse
convívio impõe aos indivíduos.
Mesmo que alguns pensadores tenham refletido sobre as mesmas noções e
temáticas, como a justiça e a natureza das leis, a relevância de suas propostas está
mais na novidade ou especificidade com a qual abordaram essas questões do que em
sua viabilidade prática.

 Qual a diferença entre filosofia política e ciência política?


Considera-se que a filosofia política seja um estudo de cunho normativo, uma
vez que suas propostas envolvem teorizações sobre a política em um contexto
estritamente filosófico.
A ciência política, por outro lado, seria a forma de pensamento político voltada
à prática da política, descrevendo o modo como os governos agem em nível nacional
e internacional.

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A deusa da justiça começou a ser representada com uma venda a partir do
século XVI, para simbolizar o julgamento imparcial.

História da filosofia política e principais


representantes

 Filosofia política na Idade Antiga


A relevância dos gregos para o pensamento político ocidental não se deixa
perceber apenas na etimologia da palavra política, que se origina do grego pólis (que
significa cidade), mas também nos mitos e nos grandes legisladores, em especial
Sólon.
Os escritos de Platão e Aristóteles, que orientaram suas principais reflexões
pela noção de virtude, indicaram e orientaram, em certo sentido, os principais temas
com os quais os filósofos ocuparam-se por muitos anos. Certamente, a discussão
acerca da melhor forma de governo da cidade-Estado e a questão da
convencionalidade das leis foram duas das principais contribuições desse período
histórico.

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 Filosofia política na Idade Moderna
É o período moderno, entretanto, aquele que estabeleceu as principais
temáticas que estão em questão ainda hoje. Distanciando-se de propostas anteriores,
os filósofos desse período argumentaram sobre a hipótese de um contrato social que
seria o marco do início da vida em sociedade.
A pretensa sociabilidade natural dos seres humanos é criticada por Thomas
Hobbes, que pensou a situação anterior à sociedade como instável e perigosa,
propondo que apenas um poder absoluto poderia garantir a segurança de todos em
sociedade. O custo seria a liberdade dos indivíduos (entendidos como seres
naturalmente belicosos), a qual deveria ser severamente diminuída para que um
estado de paz pudesse ser instaurado.
John Locke, com sua defesa de uma visão liberal e democrática do Estado,
pensou o contrato como meio de assegurar certos direitos naturais, especialmente o
de propriedade, devendo o indivíduo ser submisso ao governo na medida em que
esses direitos forem respeitados.
O terceiro grande contratualista, Jean Jacques Rousseau, defendeu o ser
humano como naturalmente bondoso, sendo sua corrupção fruto do convívio social.
Coube a esse filósofo de origem genovesa a proposta de uma vontade geral, conceito
ainda hoje muito estudado.
Nicolau Maquiavel, entretanto, que muitos identificam como o inaugurador do
pensamento político moderno. Sua ênfase sobre os fatos e as circunstâncias resultou
em uma visão menos idealizada da ação política. Criticou, principalmente, a relevância
da noção de virtude para que um governante tivesse êxito em suas ações.
Jeremy Bentham apresenta-se como um dos primeiros críticos da concepção
naturalista dos direitos e um precursor do positivismo no direito. De acordo com seu
pensamento, só se poderia tratar de direitos, em um sistema político, como expressão
de uma vontade humana e não algo natural e anterior a um governo. Sua perspectiva,
baseada em seu utilitarismo, foi desenvolvida posteriormente por John Stuart Mill e
John Austin.
 Filosofia política na Idade Contemporânea

As implicações sociais das revoluções industriais e os movimentos por


independência, em especial o da Revolução Francesa, modificaram o cenário mundial
do século XIX e fomentaram a discussão sobre a democracia e a questão dos direitos.

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Há muitas contribuições relevantes nesse período histórico, mas são as
consequências das duas grandes guerras que marcam profundamente o pensamento
político contemporâneo.
Destaca-se, quanto a isso, as observações da pensadora alemã Hannah
Arendt, com sua visão sobre a banalidade do mal e as iniciativas revolucionárias,
dentro de suas pesquisas acerca do fenômeno do totalitarismo.
Um dos principais nomes da segunda metade do século XX em filosofia política
é John Rawls, que criticou uma interpretação utilitarista da justiça e propôs a justiça
como equidade. Em Uma teoria da justiça, afirma que sua proposta seria a escolhida
por pessoas em uma situação idealizada, a saber, pessoas livres, razoáveis e em
iguais condições de escolha, promovendo, assim, uma sociedade mais igualitária. O
resultado seria válido para qualquer sociedade democrática.
Já Ronald Dworkin propõe a igualdade como valor central, defendendo que
todos deveriam ter a mesma disponibilidade de recursos, em seu livro A virtude
soberana. Esses dois filósofos são os principais representantes do pensamento
político liberal na contemporaneidade.
Em crítica principalmente à noção abstrata de pessoa e às condições de
escolha adotadas por John Rawls, o termo comunitarismo foi utilizado para referir-se
às teorias que rejeitaram as pretensões universalistas, indicando que as decisões
políticas dependiam de pessoas em seus próprios contextos, enfatizando a cultura e
as tradições. Michael Walzer e Charles Taylor são seus principais representantes,
embora rejeitem essa classificação. Este último e Axel Honneth, inclusive, são os
principais propositores da teoria do reconhecimento.
Como ocorreu nos demais campos de investigação filosófica, as questões
políticas passaram a receber novos olhares, em especial o do economista Amartya
Sen, que enfatizou a questão da pobreza e desenvolveu a teoria das capacidades, e
o de Michel Foucault, com sua proposta original sobre o poder, ou melhor, as relações
de poder que se constituem no tecido social. É sua a noção de biopoder, que seria um
mecanismo usado pelos governos para controlarem todo um grupo de pessoas.

Principais pensadores da filosofia política


Aristóteles e Maquiavel foram os primeiros a aderir do ―pensar político dentro
da filosofia. Posteriormente, os iluministas também assumiram tal alcunha como
filósofos políticos.

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Política (Aristóteles)
Política, de Aristóteles, é uma obra composta por 8 livros do filósofo grego,
repleta de profundas reflexões acerca de assuntos como a ética e a própria política,
entre outros. Tratando-se do discípulo mais relevante de Platão, Aristóteles, ao
contrário de seu mestre, criou textos objetivos, que tratam das coisas reais e,
principalmente, dos sistemas de política que vigoravam em sua época. Em Política
(Aristóteles), o leitor encontra classificações e definições sobre sistemas políticos que
influenciaram, indubitavelmente, grandes pensadores e juristas de diversas gerações,
inclusive os contemporâneos.
Sobretudo, a obra é de grande importância para quem deseja compreender os
modelos de política e sobre quais seriam, de acordo com Aristóteles, as estruturas
ideais para praticá-la. Em Política (Aristóteles), o autor grego discorre sobre a ciência
da política, a composição das cidades (polis), os processos de escravidão, a riqueza,
as famílias, sendo que na obra também é possível encontrar algumas críticas do
pensador ao seu mestre Platão, que, por sua vez, realizava reflexões mais utópicas
sobre o modelo ideal de sociedade e política.

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Aristóteles, em seus textos, também dedica espaço para a análise sobre as
constituições de diversas cidades, fazendo incríveis reflexões sobre os modelos
praticados na época, em um grande exercício de comparação entre esses locais.
Neste ponto, o que o sábio fez foi descrever os regimes políticos, apontando as
características de cada um para a compreensão de como a política funciona,
atentando para o poder na mão dos homens.
Em uma passagem presente em Política (Aristóteles), o pensador afirma que o
homem, quando é perfeito, é o melhor dos animais, mas também é o pior de todos
quando está afastado da lei e da justiça, já que a injustiça é mais ―perniciosa quando
é armada, sendo o homem um indivíduo que nasce dotado de armas para serem bem
usadas com o apoio da inteligência e do talento. Aristóteles, ainda, faz diversas
reflexões sobre como essas armas podem ser utilizadas em sentidos totalmente
opostos. Para o pensador, isso ocorre quando faltam ao homem as qualidades morais.
 A Ciência Política
Para Aristóteles, o termo política significa ―a ciência da felicidade humana. De
acordo com o pensador grego, a felicidade era diretamente ligada ao modo de viver,
no meio em que os homens estão e também nos costumes e nas instituições
desenvolvidas pelas comunidades. Assim sendo, para ele a primeira função da política
era a de descobrir qual a maneira de viver que leva os indivíduos a sua felicidade,
sendo a felicidade diretamente ligada aos bens materiais.

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A outra função é desenvolver um modelo de governo e fazer com que as
instituições sociais sejam as responsáveis por garantir esse modelo. Por sua vez,
essas relações são determinadas pela ética, enquanto o modelo de governo nasce
através do estudo das constituições das cidades-estados. Neste aspecto, em Política
(Aristóteles), o filósofo afirma diversas vezes que a boa política é aquela que visa o
bem de todos, o bem que é comum à todas as pessoas. E que a ética estabelecida
por uma espécie de consenso entre os homens é o que permite isso.
 Governo e Constituição
Em Política (Aristóteles), o sábio diz que os dois termos são equivalentes. Para
ele, o governo poderia ser exercido por apenas um homem, por alguns homens ou
pela maioria dos homens. Se esses governos tivessem como sua a meta o bem
comum a todos, então se pode dizer que as constituições são as ideais. No entanto,
se esses governos tiverem como objetivo satisfazer os interesses de apenas um grupo
de homens, ou de apenas uma classe, estes são guiados por uma constituição
―desvirtuada. Para Aristóteles, os governantes que não miram o bem comum são os
pervertidos.

 Modelos de Governo
A análise sobre as formas de governar realizadas por Aristóteles são alguns
dos pontos mais importantes da obra. Basicamente, o autor divide os modelos de
governo em três: a Monarquia, a Aristocracia e a Democracia. O primeiro trata-se do
governo exercido por apenas um homem; o segundo por alguns homens e o terceiro
pelo povo. Para o filósofo grego, esses são os únicos modelos possíveis, porém, estão
vulneráveis aos interesses privados, ou interesses pervertidos dos homens.
Aristóteles demonstra a sua afinidade com a Democracia, mas adverte em relação à
demagogia dos governantes.
 Sistema ideal de Política segundo Aristóteles
Os pensamentos expressados por Aristóteles em Política deixam claro que,
para o filósofo, o regime ideal de política seria o misto, que, por sua vez, seria um
sistema daria estabilidade à força entre pobres e ricos. O pensador afirma também
que a política ideal de sociedade deveria baseada na mediania, onde o conflito de
classes pode ser atenuado com a presença da classe média, que também proporciona
maior estabilidade à organização da sociedade. O governo seria praticado pelos

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cidadãos que possuem patrimônios e que visavam o bem de todos os homens.
Aristóteles definia esse tipo de governo como ―Timocracia ou ―Politia/Democracia.

O pensamento político de Maquiavel

Maquiavel sintetiza o objetivo do seu trabalho da seguinte forma: ―Como é


meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais
conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa
imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem
jamais foram reconhecidos como verdadeiros.
As transformações sofridas pelo poder político não passaram despercebidas
pelos renascentistas, e a principal, e mais significativa personalidade nesse campo foi
o florentino Nicolau Maquiavel (1469 – 1527). Ele assumiu um cargo importante no
governo de Florença depois que a família Médici foi afastada do controle da cidade.
Trabalhava como diplomata fazendo várias viagens aos grandes reinos que haviam
se unificado, e não se conformava com o estado de guerra que se encontrava a
Península Itálica.

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Maquiavel é considerado o pai da ciência política moderna porque não
escreveu um tratado teórico de como deveria ser o governo ideal. Desde os gregos
até sua época, todos fizeram isso. Sua preocupação não era como deveria ser a
política, mas sim em como ela é realmente praticada. Com isso em mente, tendo como
fundamento empírico as lições que a história havia dado e como se comportavam os
grandes políticos de sua época, ele escreveu um manual de como construir um estado
forte e como se manter no poder para governá-lo.
 Formação do Estado nacional
Durante a Idade Média, como vimos, o poder do rei era sempre confrontado
com os poderes da Igreja ou da nobreza. As monarquias nacionais surgem com o
fortalecimento do rei, e, portanto, com a centralização do poder, fenômeno este que
se desenvolve desde o final do século XIV (Portugal) e durante o século XV (França,
Espanha, Inglaterra). Dessa forma surge o Estado moderno, que apresenta
características específicas, tais como o monopólio de fazer e aplicar as leis, recolher
impostos, cunhar moeda, ter um exército. A novidade é que tudo isso se torna
prerrogativa do governo central, o único que passa a ter o aparato administrativo para
prestação dos serviços públicos bem como o monopólio legítimo da força. É em função
desse contexto que se torna possível compreender o pensamento de Maquiavel.
 A Itália dividida
Na época de Maquiavel as cidades mais expressivas da Península Itálica eram:
a sua Florença, Milão, Nápoles e Veneza. Apesar de seu forte comércio elas eram
frágeis politicamente e totalmente vulneráveis a ataques externos. Na época dele era
a coisa mais comum uma cidade invadir e dominar outra, por isso a sua preocupação.
Além disso, Maquiavel acreditava que a região italiana só teria a ganhar se fosse
unificada. Mas como fazer isso? Essa é a pergunta central de O Príncipe (1515), a
sua grande obra prima que iria mudar totalmente o modo dos homens ocidentais
enxergarem a política. Enquanto as demais nações europeias conseguem a
centralização do poder, a região onde futuramente será a Alemanha e a Itália se
acham fragmentadas em inúmeros Estados sujeitos a disputas internas e a
hostilidades entre cidades vizinhas.
No caso da Itália, a ausência de unificação a expõe à ganância de outros países
como Espanha e França, que reivindicam territórios e assolam a península com
ocupações intermináveis. É nessa Itália dividida que vive Nicolau Maquiavel (1469-
1527) na república de Florença. Observa com apreensão a falta de estabilidade

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política da Itália, dividida em principados e repúblicas onde cada um possui sua própria
milícia, geralmente formada por mercenários. Nem mesmo os Estados Pontifícios
deixavam de formar os seus exércitos. Maquiavel não foi apenas um intelectual que
refletiu a respeito de política, pois viveu intensamente a luta de poder no período em
que Florença, tradicionalmente sob a influência da família Médici, encontrava-se por
uma década governada pelo republicano Soderini.
Nessa época Maquiavel ocupa a Segunda Chancelaria do governo, função que
o obriga a desempenhar inúmeras missões diplomáticas na França, Alemanha e pelos
diversos Estados italianos. Tem oportunidade de entrar em contato direto com reis,
papas e nobres, e também com o condottiere César Bórgia, que estava empenhado
na ampliação dos Estados Pontifícios. Observando a maneira de Bórgia agir,
Maquiavel o considera o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada.
Quando Soderini é deposto e os Médicis voltam à cena política, Maquiavel cai em
desgraça e recolhe-se para escrever as obras que o consagraram. Entre peças de
teatro (como a famosa Mandrágora), poesia, ensaios diversos, destacam-se O
príncipe e Comentários sobre a primeira década de Tito
Lívio.
 Controvérsias sobre O príncipe
Escrito em 1515 e dedicado a Lourenço de Médici, O príncipe tem provocado
inúmeras interpretações e controvérsias. Uma primeira leitura nos dá uma visão da
defesa do absolutismo e do mais completo imoralismo: ―É necessário a um príncipe,
para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se
disso segundo a necessidade. Essa primeira leitura apressada da obra levou à criação
do mito do maquiavelismo, que tem atravessado os séculos. Esse mito não só
representa a figura do político maquiavélico, mas se estende até à avaliação das
atividades corriqueiras de qualquer pessoa.
Na linguagem comum, chamamos pejorativamente de maquiavélica a pessoa
sem escrúpulos, traiçoeira, astuciosa que, para atingir seus fins, usa da mentira e da
má-fé, sendo capaz de enganar tão sutilmente que pode nos fazer pensar que agimos
livremente quando na verdade somos por ela manipulados. Como expressão dessa
amoralidade, costuma-se vulgarmente atribuir a Maquiavel a famosa máxima: ―Os
fins justificam os meios. Ora, essa interpretação se mostra excessivamente simplista
e deformadora do pensamento maquiaveliano e, para superá-la, é preciso analisar
com mais atenção o impacto das inovações do seu pensamento político.

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Contrapondo-se à análise pejorativa do maquiavelismo, Rousseau, no século
XVIII, defende o florentino afirmando que O príncipe era na verdade uma sátira, e a
intenção verdadeira de Maquiavel seria o desmascaramento das práticas despóticas,
ensinando, portanto, o povo a se defender dos tiranos. Tal hipótese se sustentaria a
partir da leitura dos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, onde são
desenvolvidas as ideias do Maquiavel republicano.
Modernamente, no entanto, rejeita-se a visão romântica de Rousseau, e a
aparente contradição entre as duas obras é interpretada como fruto de dois momentos
diferentes da ação política. Em um primeiro estágio, representado pela ação do
príncipe, o poder deve ser conquistado e mantido, e para tanto justifica-se o poder
absoluto. Posteriormente, alcançada a estabilidade, é possível e desejável a
instalação do governo republicano. Além disso, as ideias democráticas aparecem
veladamente também no capítulo IX de O príncipe, quando Maquiavel se refere à
necessidade de o governante ter o apoio do povo, sempre melhor do que o apoio dos
grandes, que podem ser traiçoeiros. O que está sendo timidamente esboçado é a ideia
de consenso, que terá importância fundamental nos séculos seguintes.
 O príncipe virtuoso

Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel usa as expressões italianas virtú


e fortuna. Virtú significa virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de lutador
e guerreiro viril. Homens de virtú são homens especiais, capazes de realizar grandes
obras e provocar mudanças na história. Não se trata do príncipe virtuoso no sentido
medieval, enquanto bom e justo segundo os preceitos da moral cristã, mas sim
daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de forças que caracteriza a política
para agir com energia a fim de conquistar e manter o poder. O príncipe de virtú não
deve se valer das normas preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente pode
significar a sua ruina.
Implícita nessa afirmação se acha a noção de fortuna, aqui entendida como
ocasião, acaso. O príncipe não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião. De
nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não souber ser precavido ou ousado,
aguardando a ocasião propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das circunstâncias,
como observador atento do curso da história. No entanto, a fortuna não deve existir
sem a virtú, sob pena de se transformar em mero oportunismo.

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O príncipe deve usar de todas as artimanhas possíveis, mentir, ludibriar,
enganar. É o homem astuto, esperto o suficiente para conseguir o que deseja. Desse
modo, para conseguir o poder ele tem que possuir a virtú, ou seja, qualidades
especiais que o diferencie dos outros homens. É ela que vai possibilitá-lo a reconhecer
as circunstâncias certas (fortuna) para agir como se deve no momento certo. A fortuna
é o que muitos chamam de sorte, mas só a aproveita quem estiver preparado.
Esse é o elemento característico do pensamento renascentista nos seus
ensinamentos. Maquiavel sabe que existem forças independentes da vontade do
homem agindo sobre ele. Mas o homem como um ser racional, dotado de inteligência,
não é uma simples marionete jogada de um lado a outro ao sabor do acaso. Ele pode
usar sua racionalidade para decidir os rumos de sua vida. Chegado ao poder, é
preciso saber como se manter nele. Para isso, é melhor ser temido do que amado.
Maquiavel tinha uma visão pessimista sobre o homem, acreditava que ele é um bicho
escroto, que quando tá tudo bem, todo mundo é seu amigo, mas ―na hora do vamos
ver todo mundo lhe vira as costas.
Não existe essa de bem comum. Os indivíduos vivem em constante conflito em
sociedade, e não dá para agradar todo mundo. Para manter a lealdade de todos é
melhor que eles o temam, pois assim é mais fácil de obedecerem e se manterem fiéis.
É até bom de vez em quando esfolar um infeliz para que todos vejam que o príncipe
não está para brincadeira.
Maquiavel escreveu essa obra, quando os Médici retornaram ao poder e ele foi
posto para fora da cena política. Ele a dedicou a Lorenzo de Médici, o único homem
que poderia, aos olhos dele, unificar a Itália e lhe trazer de volta o brilho e esplendor
da Roma republicana anterior à ditadura de Júlio César. É necessário a um príncipe,
para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se
disso segundo a necessidade.
 Ética e política
A novidade do pensamento maquiaveliano, justamente a que causou maior
escândalo e críticas, está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um
lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da
moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade
das questões morais na avaliação da ação política. Para a moral cristã, predominante
na Idade Média, há valores espirituais superiores aos políticos, além de que o bem
comum da cidade deve se subordinar ao bem supremo da salvação da alma.

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A moral cristã se apoia em uma concepção do bem e do mal; do justo e do
injusto, que ao mesmo tempo preexiste e transcende a autoridade do Estado, cuja
organização político-jurídica não deve contradizer ou violar as formas éticas
fundamentais, implícitas no direito natural. O indivíduo está subordinado ao Estado,
mas a ação deste último se acha limitada pela lei natural ou moral que constitui uma
instância superior à qual todo membro da comunidade pode recorrer sempre que o
poder temporal atentar contra seus direitos essenciais inalienáveis.
A nova ética analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores
dada a priori, mas sim em vista das consequências, dos resultados da ação política.
Não se trata de um amoralismo, mas de uma nova moral centrada nos critérios da
avaliação do que é útil à comunidade. O critério para definir o que é moral é o bem da
comunidade, e nesse sentido às vezes é legítimo o recurso ao mal (o emprego da
força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego da
violência). Estamos diante de uma moral imanente, mundana, que vive do
relacionamento entre os homens. E se há a possibilidade de os homens serem
corruptos, constitui dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo.
Maquiavel distingue entre o bom governante, que é forçado pela necessidade
a usar da violência visando o bem coletivo, e o tirano, que age por capricho ou
interesse próprio. O pensamento de Maquiavel nos leva à reflexão sobre a situação
dramática e ambivalente do homem de ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível
o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos
sucessivos, tornando-se um político incompetente.
Tal afirmação pode levar as pessoas a considerar que Maquiavel estaria
defendendo o político imoral, os corruptos e os tiranos. Não se trata disso. A leitura
maquiaveliana sugere a superação dos escrúpulos imobilistas da moral individual,
mas não rejeita a moral própria da ação política:
―Se o indivíduo, na sua existência privada, tem o direito de sacrificar o seu
bem pessoal imediato e até sua própria vida a um valor moral superior, ditado pela
sua consciência, pois em tal hipótese estará empenhando apenas seu destino
particular, o mesmo não acontece com o homem de Estado, sobre o qual pesam a
pressão e a responsabilidade dos interesses coletivos; este, de fato, não terá o direito
de tomar uma decisão que envolva o bem-estar ou a segurança da comunidade,
levando em conta tão somente as exigências da moral privada; casos haverá em que

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terá o dever de violá-la para defender as instituições que representa ou garantir a
própria sobrevivência da nação.
Isso significa que a avaliação moral não deve ser feita antes da ação política,
segundo normas gerais e abstratas, mas a partir de uma situação específica que é
avaliada em função do resultado dela, já que toda ação política visa a sobrevivência
do grupo e não apenas de indivíduos isolados. Por isso Maquiavel não pode ser
considerado um cínico apologista da violência. O que ele enfatiza é que os critérios
da ética política precisam ser revistos conforme as circunstâncias e sempre tendo em
vista os fins coletivos.
No entanto, é bom lembrar que o pensamento de Maquiavel tem um sentido
próprio, na medida em que ele expressa a tendência fundamental da sua época, ou
seja, a defesa do Estado absoluto e a valorização da política secular, não atrelada à
religião. Talvez por isso o extremo politicismo, ou seja, a hipertrofia do valor político,
de cujas consequências últimas talvez nem ele próprio pudesse suspeitar.
Embora Maquiavel não tivesse usado o conceito de razão de Estado, é
considerado o pensador que começa a esboçar a doutrina que vigorará no século
seguinte, quando o governante absoluto, em circunstâncias críticas e extremamente
graves, a ela recorre permitindo-se violar normas jurídicas, morais, políticas e
econômicas. Sintetizando, podemos dizer que ele entendia que o príncipe deveria ser
guiado pelos resultados a serem alcançados, podendo tudo fazer. Não deveria ficar
preocupado com questões morais, o importante era conseguir o poder e mantê-lo.
Para Maquiavel, portanto, a política não é atrelada à moral, pois os ―fins justificam
os meios. A experiência pessoal de Maquiavel se baseava nas pequenas tiranias
italianas do século XVI, que não podem ser comparadas às monarquias absolutas do
século XVII nem as nossas ditaduras modernas, o que nos faz ver hoje o
maquiavelismo através de uma lente de aumento.

 A autonomia da política
Maquiavel subverte a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos
e medievais e é considerado o fundador da ciência política, ao enveredar por novos
caminhos ―ainda não trilhados. Pode-se dizer que a política de Maquiavel é realista,
pois procura a verdade efetiva, ou seja, ―como o homem age de fato. As observações
das ações dos homens do seu tempo e dos estudos dos antigos, sobretudo da Roma
Antiga, levam-nos à constatação de que os homens sempre agiram pelas vias da

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corrupção e da violência. Partindo do pressuposto da natureza humana capaz do mal
e do erro, analisa a ação política sem se preocupar em ocultar ―o que se faz e não
se costuma dizer.
A esse realismo alia-se a tendência utilitarista, pela qual Maquiavel pretende
desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política só
tem sentido se propiciar o melhor exercício da arte política. Trata-se do começo da
ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como disciplina autônoma.
Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião,
procurando examiná-la na sua especificidade própria.
Em relação ao pensamento medieval, Maquiavel procede à secularização da
política, rejeitando o legado ético-cristão. Além da desvinculação, da religião, a ética
política se distingue da moral privada, uma vez que a ação política deve ser julgada a
partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os resultados alcançados na busca
do bem comum. Com isso, Maquiavel se distancia da política normativa dos gregos e
medievais, pois não mais busca as normas que definem o bom regime, nem explicita
quais devem ser as virtudes do bom governante. Em alguns casos, como o de Platão,
a preocupação em definir como deve ser o bom governo leva à construção de utopias,
o que mereceu a crítica de Maquiavel.
Talvez alguém inadvertidamente se pergunte se o próprio Maquiavel não
estaria à procura do príncipe ideal, indicando as normas para conquistar e não perder
o poder. No entanto, há, de fato, diferenças fundamentais entre o ―dever ser da
política clássica e aquele a que se refere Maquiavel. Na nova perspectiva, para fazer
política é preciso compreender o sistema de forças existentes e calcular a alteração
do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação nesse sistema.

 Maquiavel republicano
Quando estava no ostracismo político, Maquiavel se ocupa com a elaboração
dos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, interrompendo esse trabalho
por alguns meses para escrever O príncipe. À medida que escreve os Comentários,
lê trechos nas reuniões realizadas por jovens republicanos, a quem dedica a obra. Aí
desenvolve ideias democráticas, admitindo que o conflito é inerente à atividade
política e que esta se faz a partir da conciliação de interesses divergentes. Defende a
proposta do governo misto: ―Se o príncipe, os aristocratas e o povo governam em
conjunto o Estado, podem com facilidade controlar-se mutuamente. Considera

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importante que as monarquias ou repúblicas sejam governadas pelas leis e acusa
aqueles que, no uso da violência, abusaram da crueldade, ou a usaram para
interesses menores.
Maquiavel era um republicano, e não escreveu uma obra para um governante
que quisesse se perpetuar no poder de forma absoluta e despótica. Ele tinha um
sonho, mas não era um ingênuo. Sabia que teria de haver derramamento de sangue
para que um grande Estado fosse criado, e que isso teria de ocorrer sob a liderança
de um único homem. No entanto, alcançada a estabilidade, um regime republicano
deveria ser instalado para que o interesse coletivo pudesse guiar o destino de todos,
e os rumos do Estado.
É claro que não encontramos isso em O Príncipe, que, como já dissemos, é um
manual de como conseguir o poder e se manter nele. Esse perfil republicano de
Maquiavel é percebido em outra obra sua, qual seja, Comentários sobre a primeira
década de Tito Lívio. Vejamos um trecho dessa obra em que isso fica bem evidente:
―Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade dos povos; a
experiência nos mostra que as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são
livres. É maravilhoso, por exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os
cem anos que sucederam à ditadura de Pisístrato. Contudo, mais admirável ainda é a
grandeza alcançada pela república romana depois que foi liberta dos seus reis.
Compreende-se a razão disto: não é o interesse particular que faz a grandeza dos
Estados, mas o interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum só é
respeitado nas repúblicas: tudo que pode trazer vantagem geral é nelas conseguido
sem obstáculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro indivíduo, são tantos o
que ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito das
resistências, devido ao pequeno número de pessoas prejudicadas.
Essas palavras não parecem ser de um homem que defenda um governo
absolutista, que deseja ver um rei governar por toda a eternidade. Parecem mais o
alerta de alguém que sabe a importância da liberdade para a grandeza e prosperidade
de um povo.

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Platão e a política

O pensamento político de Platão está sobretudo nas obras A República e Leis.


Ele os escreveu em diálogos, tendo o seu mestre Sócrates como principal interlocutor.
Sempre foi fascinado pela política, apesar de ter sofrido pesados reveses. Na Sicília,
tentou em vão convencer Dionísio, o Velho, a respeito de suas teorias políticas.
Inicialmente bem recebido, após sérias desavenças Platão acabou sendo vendido
como escravo e só por sorte foi reconhecido e libertado por um rico armador. Nem por
isso desistiu, retornando outras duas vezes à Sicília, mais cauteloso, porém sem
sucesso. A amargura dessas tentativas frustradas transparece nas Leis, sua última
obra.
De origem aristocrática, Platão concebe um seu posicionamento teórico de
valorização da reflexão filosófica o leva a conceber uma ―sofocracia
(etimologicamente, ―poder da sabedoria). Segundo ele, os homens comuns são
vítimas do conhecimento imperfeito, da ―opinião, e, portanto, devem ser dirigidos por
homens que se distinguem pelo saber.
 A pólis ideal e a justiça
Para Platão, os seres humanos e a pólis possuem a mesma estrutura.

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Platão entendia o homem como sendo corpo e alma. Esta, que antes era livre
no mundo das ideias, agora vive prisioneira no corpo, esquecendo-se de tudo que já
havia contemplado.
Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade:
1 – a alma apetitiva ou desejante (situada nas entranhas ou no
baixoventre), representada pelos desejos carnais de sobrevivência e reprodução, que
busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência como
os que apenas causam prazer;
2 – a alma irascível, emotiva ou colérica (situada no peito ou no coração),
representada pelas emoções e que defende o corpo contra as agressões do meio
ambiente e de outros humanos, reagindo à dor para proteger nossa vida; e
3 – a alma racional ou intelectual (situada na cabeça) representada pela
inteligência, que se dedica ao conhecimento.
Se livrar das emoções e desejos carnais era necessário para contemplar o
mundo das ideias, porque eles não fazem parte daquele mundo.
Também a pólis possui uma estrutura tripartite, formada por três grupos de
pessoas: os produtores, artesãos e comerciantes, que cuidam da subsistência e
garantem a sobrevivência material da pólis; os guardiões, responsáveis pela defesa
da pólis; e os governantes, que legislam e administram a pólis.
Para uma pólis ser bem ordenada os seus habitantes seriam divididos nesses
três grupos, de acordo com a alma preponderante e suas virtudes. Cada um, ao
exercitar suas virtudes, desempenha um papel na sociedade, contribuindo como
podem para o seu bom funcionamento.
Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma desenjante (os apetites e
prazeres) é mais forte do que as outras duas, dominando-as. Também é injusto
quando a alma colérica (a agressividade) é mais poderosa do que a racional,
dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional é mais forte
do que as outras duas almas, impondo à alma desejante a virtude da temperança (ou
moderação) e à alma colérica, a virtude da coragem, que deve controlar a raiva. O
homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a
cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, em que a racional domina as inferiores.
O que é a justiça política? Essa mesma hierarquia, mas aplicada à comunidade.
A realização da justiça acontece quando a pólis funciona dessa maneira que ele

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descreve, com cada pessoa exercendo o seu papel social, exercitando as virtudes da
parte preponderante de sua alma.
Assim, os sábios legisladores devem governar, os guardiões, subordinados aos
legisladores, devem defender a cidade, e os membros que cuidam da subsistência,
subordinados aos legisladores, devem assegurar a sobrevivência da pólis.
A pólis justa é governada pelos filósofos, protegida pelos guardiões e mantida
pelos produtores. Cada grupo cumprirá sua função para o bem da pólis, racionalmente
dirigida pelos filósofos.
Em contrapartida, a pólis injusta é aquela na qual o governo está nas mãos dos
produtores — que não pensam no bem comum da pólis e lutarão por interesses
econômicos particulares — ou na dos guardiões — que mergulharão a cidade em
guerras para satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. Somente os
filósofos têm como interesse o bem geral da pólis e somente eles podem governá-la
com justiça.
Mas quais são os critérios usados na escolha das pessoas que desempenharão
os papeis fundamentais para o bom funcionamento da pólis? Como realizar a cidade
justa?
A resposta está no livro VII de A República, no mito da caverna que dá margem
a uma interpretação epistemológica, pela qual se explica a teoria das ideias, onde o
filósofo, representado por aquele que se liberta das correntes ao contemplar a
verdadeira realidade, passa da opinião à ciência e deve retornar ao meio dos homens
para orientá-los.
Daí deriva a segunda interpretação, que resulta da dimensão política surgida
da pergunta: Como influenciar os homens que não veem?
Cabe ao sábio ensinar e dirigir. Trata-se da necessidade da ação política, da
transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo
modelo ideal contemplado. É nesse sentido que Platão imagina a pólis ideal do mundo
inteligível. E assim, a pólis deve ser organizada de acordo com ela, para que seus
habitantes pudessem viver de acordo com o supremo bem e a justiça, partindo do
princípio de que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e funções
diversas na sociedade,
Por isso que ele defende que quem deve governar a pólis são os filósofos,
aqueles que saíram da caverna (mundo sensível) e conheceram a realidade (mundo
das ideias). Só eles possuem as virtudes e o conhecimento necessário (as ideias)

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para dar à pólis uma estrutura bem ordenada de forma que o bem e a justiça possam
reger as relações entre seus habitantes.
Esses filósofos não pertenceriam a classe social alguma. Para ele não deveria
haver classes sociais, e deveria existir um processo de educação em que todos
participam, independente da classe social e do sexo. Isso mesmo, Platão defendia
que as mulheres poderiam também serem educadas para participar da vida pública.
Platão afirma que a pólis, e não a família, deveria se incumbir da educação das
crianças. Para isso, propõe estabelecer-se uma forma de comunismo em que é
eliminada a propriedade e a família, a fim de evitar a cobiça e os interesses
decorrentes dos laços afetivos, além da degenerescência das ligações inadequadas.
A pólis orientaria as formas de eugenia para evitar casamentos entre desiguais,
oferecendo melhores condições de reprodução e, ao mesmo tempo, criando creches
para a educação coletiva das crianças.
A educação promovida pela pólis deveria, segundo Platão, ser igual para todos
até os 20 anos, quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as pessoas que, por
possuírem ―alma de bronze, têm a sensibilidade grosseira e por isto devem se
dedicar à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes cuidariam da subsistência
da pólis.
Os outros continuariam os estudos por mais dez anos, até o segundo corte.
Aqueles que tivessem a ―alma de prata e a virtude da coragem essencial aos
guerreiros constituiriam a guarda da pólis, os soldados que cuidariam da defesa da
cidade. É importante ressaltar o papel da música na educação dos guardiões, servindo
para acalmar o espírito e desenvolver sentimentos nobres para que eles possam
desempenhar bem sua função.
Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes, por terem a ―alma de ouro,
seriam instruídos na arte de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam
filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais puro e é a fonte de toda verdade.
Esse processo educacional, serviria para fazer a alma atingir o mundo das
ideias, ou seja, relembrar (processo de reminiscência da alma) do lugar de onde veio.
Por isso, só completariam todo o percurso educacional aqueles que adquirissem e
exercitassem as virtudes necessárias a fazer com que a alma racional se
sobrepusesse acima das outras (emotiva e apetitiva) que o deixam preso nesse
mundo de aparências. Somente esses seriam filósofos.

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Aos cinquenta anos, aqueles que passassem com sucesso pela série de provas
estariam aptos a ser admitidos como governantes. Caberia a eles o governo da
cidade, o exercício do poder, pois apenas eles teriam a ciência da política. Sua função
seria manter a cidade coesa. Por serem os mais sábios, também seriam os mais
justos, uma vez que justo é aquele que conhece a justiça. A justiça constitui a principal
virtude, a própria condição das outras virtudes.
Se para Platão a política é ―a arte de governar os homens com o seu
consentimento e o político é precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só
poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por isso a democracia é
inadequada, pois desconhece que a igualdade deve se dar apenas na repartição dos
bens, mas nunca no igual direito ao poder. Para que a pólis seja bem governado, é
preciso que ―os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos.
Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, como já vimos,
não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é
confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia.
 As formas de governo
Com a utopia, Platão critica a política do seu tempo e recusa as formas de
poder degeneradas. A aristocracia, por exemplo, pode se corromper em timocracia,
quando o culto da virtude é substituído pela forma guerreira; ou em oligarquia, quando
prevalece o gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade para o
exercício do poder.
No livro VIII de A República, Platão explica como essas formas degeneradas
podem fazer surgir a democracia. Como vimos, a democracia não corresponde aos
ideais platônicos porque, por definição, o povo é incapaz de possuir a ciência política.
Quando o poder pertence ao povo, é fácil prevalecer a demagogia, característica do
político que manipula e engana o povo (etimologicamente, ―o que conduz o povo).
Platão critica a noção de igualdade na democracia, pois para ele a verdadeira
igualdade é de ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal que é sempre
desigual (já que uns são melhores do que outros), não considerando todos igualmente
cidadãos. Por fim, a democracia levaria fatalmente à tirania, a pior forma de governo,
exercido pela força por um só homem e sem ter como objetivo o bem comum. O tirano
é a antítese do rei-filósofo.
Platão não via a democracia como um bom regime, foi a democracia que matou
o mais sábio dos homens. E foi a democracia que levou Atenas à guerra e à ruía.

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Como é que pessoas não instruídas sobre valores como o bem comum, amizade,
virtudes, justiça, podem governar.

A VISÃO POLÍTICA DE THOMAS HOBBES

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Thomas Hobbes foi um filósofo e pensador político inglês. Nasceu em 1588 e
viveu até os 91 anos (1679). A expectativa média de vida à época era de cerca de 40
anos de idade.
Hobbes foi uma criança de saúde frágil. Nascera prematura, após um difícil
trabalho de parto, que ocorreu em meio a fortes rumores de que a Invencível Armada
espanhola estaria invadindo a Inglaterra, o que o levou a afirmar muito tempo depois,
em sua autobiografia, que tivera um irmão gêmeo: o medo. Já adulto, tomou gosto por
exercícios e pela boa alimentação. Fazia longas caminhadas todas as manhãs. Jogou
tênis até avançada idade.

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O Pensador inglês viveu em um período de agitações políticas e sociais.
Oliver Cromwell (1599-1658), um dos principais personagens da chamada
Guerra Civil Inglesa, declarado Lorde Protetor da Inglaterra toma o controle do país
em 1648, formando primeiro uma monarquia constitucional. Em 1649, o até então rei
Carlos I (1600-1649), foi condenado por traição pelos partidários de Cromwell e
executado. A monarquia foi abolida e uma república foi instaurada.
Com a morte de Cromwell, após várias disputadas de poder, a monarquia
retorna ao comando político da Inglaterra, com Carlos II (filho de Carlos I).
Na França, entre 1648 e 1653, ocorreram uma série de agitações civis, em um
momento que ficou conhecido como a Fronda (ou as Frondas), em meio aos
problemas econômicos e políticos já existentes naquele país e, de certa forma,
agravados pela Guerra Franco-espanhola (1653-1659).
De 1618-1648, no período que ficou conhecido como a Guerra dos Trinta Anos,
várias nações europeias travaram batalhas e escaramuças entre si, por motivos
religiosos, dinásticos e territoriais. A rivalidade entre católicos e protestantes na
Inglaterra, França e Alemanha (ainda não unificada) crescia fortemente.
Tempos agitados estes vividos e observados por Hobbes.

 A FORMAÇÃO CULTURAL DE THOMAS HOBBES

O pai de Thomas Hobbes era vigário nas cidades inglesas de Charlton e de


Westport. Com a transferência de seu pai para Londres, Hobbes aos sete anos de
idade ficou sob a tutela de um tio seu. Fez os primeiros estudos na Escola de
Malmesbury e depois em Westport. Já demonstrando ótima capacidade intelectual, foi
direcionado para o estudos clássicos.
Aos 14 anos, seu tio Francisco financiou estudos em Magdalen Hall, uma das
faculdades que compunha o complexo da Universidade de Oxford. Em Magdalen Hall
era forte ainda o ensino da escolástica (método de ensino teológico-filosófico cristão
originário da idade média) de fundamentação marcadamente aristotélica. O jovem
Hobbes não teria se sentido atraído intelectualmente por esta abordagem do
pensamento ocidental.
Em 1608, então com 20 anos de idade, foi tutor (atividade comum para
intelectuais da época que não atuavam em instituições de ensino) de William

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Cavendish (1590-1628), segundo duque de Devonshire. Entre 1609 e 1610,
acompanhou seu jovem aluno em viagens à França, Itália e Alemanha. Nestes países,
teria observado nos meios acadêmicos e intelectuais uma certa decadência da
abordagem escolástica de ensino, o que o leva a buscar outras fontes de
conhecimento. O movimento Renascentista (Renascimento, Renascença), iniciado na
Itália (também ainda não unificada) começava a dar sinais claros de influência
intelectual em vários círculos de pensamento, de alguma maneira descortinando a
passagem cultural da Idade Média para o período Moderno.
Hobbes aproxima-se, a partir daí, de alguns círculos de pensamento científico.
Em 1636, acompanhando outro de seus alunos em viagens pela Europa, toma
contato, na Itália, com Galileu Galilei (1564-1642), já nos últimos anos de vida deste.
Na França, estabelece relação de amizade com Marin Mersenne (15881648),
matemático, teólogo e filósofo, e em torno do qual se estabelecia um importante
círculo intelectual da época. Mersenne havia sido um dos principais mentores de René
Descartes (1596-1650). Thomas Hobbes a esta altura já tem conhecimento sobre a
obra do importante filósofo racionalista francês.
Descartes publica, juntamente com seu livro Meditações Metafísicas (1641),
um conjunto de sete teses e argumentos em que responde a críticos de suas idéias.
Um destes críticos a serem rebatidos é exatamente Thomas Hobbes. Foi a pedido do
próprio Marin Mersenne que Hobbes escreve as Terceiras Objeções, com sua crítica
às Meditações, de Descartes.
Diz Hobbes, em um trecho de suas objeções ao já então afamado pensador
francês:
“Para M. Descartes são o mesmo a coisa inteligente e a intelecção, que é seu
ato; ao menos diz que a coisa que entende e o entendimento, que é uma potência ou
faculdade de uma coisa inteligente são o mesmo. E, todavia, todos os filósofos
distinguem o sujeito de suas faculdades e atos, isto é, de suas propriedades ou
essências, porque uma coisa é a coisa mesma que é e outra coisa é o que é sua
essência. Pode, pois, suceder que uma coisa que pensa seja o sujeito do espírito, da
razão ou do entendimento, e, portanto, seja algo corporal, o qual se nega aqui sem
prova alguma. E isto é, todavia, o fundamento da conclusão que parece querer afirmar
M. Descartes.”
Thomas Hobbes neste trecho critica a junção que René Descartes parece fazer,
a seu juízo, entre o sujeito que pensa e o ato de pensar propriamente, que, para ele

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Hobbes, seriam instâncias completamente distintas. Curiosamente, são estas
objeções ao pensamento de Descartes, e as respostas do Pensador francês ao
britânico, que tornam Hobbes conhecido no meio intelectual de então.
Hobbes está atento ao pensamento e às teorias mais expressivas de sua
época.
Até 1637, Hobbes permanece na França. Retorna à Inglaterra naquele mesmo
ano, mas o prenúncio da guerra civil o leva a se estabelecer novamente em Paris.
Ainda na França, em 1646, torna-se preceptor do Príncipe de Gales, futuro soberano
da Inglaterra sob o título de Carlos II, também exilado em Paris. Em 1651, com o fim
da guerra civil, decide retornar à Inglaterra.
Neste ano, 1651, publica sua principal obra: Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder
de um Estado Eclesiástico e Civil (em 1640, Hobbes já publicara um escrito em latim
conhecido como De Cive, ou Do Cidadão, em termos muito próximos aos do Leviatã,
contudo, em linguagem mais formal e acadêmica)
 O LEVIATÃ

Leviatã. O título escolhido por Hobbes para sua mais conhecida obra é uma
referência a uma criatura mitológica de grandes proporções que, em geral, estava
associada a relatos de navegadores e marinheiros a naufrágios e ataques aos navios.
Na bíblia, é mencionada no antigo testamento, como uma espécie de dragão marinho.
Na Idade Média, esta criatura foi relacionada pela igreja católica com os pecados
capitais, representando a inveja.
O livro de Hobbes, Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado
Eclesiástico e Civil, dividido em quadro partes, apresenta um quadro completo do
pensamento de sua filosofia e de seu pensamento político.
A primeira parte do Livro expõe uma teoria do conhecimento, descrevendo uma
análise do processo de desenvolvimento da consciência, das sensações humanas e
mesmo da linguagem.
Na segunda parte, Hobbes, realiza um comparativo crítico entre as paixões
humanas e as leis naturais, já expondo a base de sua teoria política.
Já na terceira seção, Thomas Hobbes a noção de uma espécie de república
cristã, que estaria baseada na “realeza natural de Deus”, ou na “palavra natural de
Deus”, onde se tenta caracterizar a existência de um “sistema associativo” acima

34
mesmo da própria sociedade civil, ou associação civil. Nesta mesma parte, Hobbes
tenta delimitar o que seria o território do poder eclesiástico.
Na última parte do Livro, o pensador inglês faz duras críticas à interpretação
católica das escrituras.
Antes de se ingressar na análise mais propriamente dita do pensamento político
de Thomas Hobbes, é importante ressaltar que, como já se procurou demonstrar
acima na narrativa da trajetória existencial do pensador inglês, ele foi um intelectual
extremamente vinculado aos avanços científicos e culturais de sua época, sendo
especialmente influenciado pelas teorias mecanicistas de então de explicação do
funcionamento do Universo.
Sua teoria e visão social foram baseadas, nos princípios das ciências naturais
e elementos da matemática e da geometria, além é claro dos eventos políticos que
vivenciou.
Hobbes, desde sua juventude, não se convencia mais com as explicações e
ensinamentos professados no meio intelectual e acadêmico dominante pela
escolástica e tomismo (interpretação dada às ideias de Aristóteles por estudioso e
teólogo católico Tomás de Aquino – 1225-1274). Galileu Galilei, e sua releitura da
física, matemática e astronomia, é uma importante referência científica para Thomas
Hobbes.
Fundamental perceber que, mais do que os eventos sociopolíticos vividos por
Hobbes, ele está no centro de um evento cultural da maior expressividade. Thomas
Hobbes está pensando, refletindo e escrevendo em meio à passagem do Medievo
para a Idade Moderna.
Esta pré-compreensão da base de pensamento do Hobbes é crítica para o
próprio entendimento de sua visão política e mesmo filosófica.
 O PENSAMENTO POLÍTICO DE THOMAS HOBBES
 O CONTRATO SOCIAL

O pensamento político de Hobbes está indissociavelmente ligado à sua visão


de homem (ser humano). Não poderia ser diferente.
Para Hobbes, a condição humana é naturalmente belicosa e agressiva. O
homem, em seu estado de natureza, vive o que ele denomina de: “guerra de todos
contra todos”. Hobbes vê o homem, sem as leis ou um poder maior a controlá-lo, como
“lobo do próprio homem”, “homo homini lupus”, numa recriação do texto do

35
dramaturgo romano Plauto (230-180 a.C), em sua peça de teatro Asinaria (“Lupus est
homo homini non homo”, seria o texto original).
No estado natural, portanto, na natureza, todos se opõem contra todos. O que
vale, de fato, é a ―lei do mais forte. Os mais fracos, seriam subjugados à força, sem
direitos.
Em algum momento da história da humanidade, um pacto é realizado. Um
pacto social destinado a proteger os mais fracos e desassistidos dos mais fortes. Um
mandante, na forma de um soberano, de um rei, ou do estado, então, é escolhido para
exercer este poder. Essa cessão ou transferência de poderes a esta figura exercida
pelo soberano, rei ou estado se dá através de uma espécie de contrato social.
O contrato social seria, segundo Hobbes, a única opção racional para os
indivíduos saírem do estado natural de guerra de todos contra todos, atribuindo-se ao
soberano um poder visível e concreto que seria capaz de manter, valendo-se da
imposição e mesmo da força, a obrigação de cada um em respeitar este pacto de
convivência. Para Hobbes, “os pactos sem a espada não passam de palavras” (“There
is no word without sword”).
A essa abordagem política de Hobbes, à do contrato social, costuma-se atribuir
a designação de: contratualismo.
O contratualismo irá ser retomado, depois, em perspectivas distintas das de
Hobbes por outros filósofos e teóricos do poder do Estado como Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), John Locke (1632-1704), e mesmo por Immanuel Kant (1724-
1804). Hobbes, Rousseau, Locke e Kant formam os pensadores chamados de
Contratualistas, na concepção do Estado (a adesão de Kant ao contratualismo não é
consenso entre os analistas da Filosofia ou da Teoria Política, já que o pensador
alemão desenvolve com muita força em seus escritos a autonomia da razão, não
estando esta limitada pela sociedade civil, e conduzindo, quase que per si, o sujeito à
liberdade).
Para Hobbes, fundador, portanto, da interpretação política do contratualismo, o
contrato social foi forma encontrada pelos homens para estabelecer a passagem do
estado de natureza para a sociedade civil e, em última instância, seria ele a base de
fundação do estado.
Na visão de Thomas Hobbes, a disposição natural do homem não é para a vida
harmônica em sociedade, mas sim regida pelo egoísmo e pela busca de
autopreservação. Tais instintos naturais levariam à violência e subjugação do outro

36
(homo homini lupus). Uma zona de segurança e preservação mútua seria então
proporcionada por este contrato social, que concede a uma instância maior com poder
de uso da força (Leviatã), que poderá estar representado por um soberano, rei ou
estado.
Entretanto, é importante perceber aqui que Hobbes não atribui um poder divino
a esta figura representativa do poder e da força do estado. Hobbes está na passagem
do Medievo para a Idade Moderna. Sua base de pensamento busca ser científica.
Suas inspirações fundamentais são a matemática e a física. O poder soberano em
Hobbes existe para frear a condição natural dos homens, impedindo a subjugação de
um pelo outro, e permitindo a coexistência entre eles. E é exatamente esta
transferência de direitos ao poder soberano que estabelece o contrato social e impede
a ―guerra de todos contra todos.
Thomas Hobbes avança em relação às abordagens políticas até então
existentes. Se defende ele a necessidade de um poder central e absoluto, na forma
de rei, soberano ou estado, em razão de sua concepção acerca da natureza humana
(belicosa, hostil e egoística), ele supera a concepção de um soberano com poderes
divinos, ungido e abençoado por forças sobrenaturais, mas em uma visão de certa
forma racionalista, sustenta sim que a centralidade desse poder é fundamental para a
manutenção de uma ordem social aceitável.
Este soberano, cuja existência Thomas Hobbes advoga, não estaria legitimado
por um poder divino ou transcendental para governar sob suas preferências pessoais,
mais sim pela transferência da vontade e poder de agir na defesa da ordem dos
indivíduos para um poder centralizado e dotado de força, pela lavratura
consuetudinária do contrato social. Por essa razão, Hobbes foi severamente acusado
em seu tempo de ser nada mais de que apenas um ateu e materialista, tendo várias
obras censuradas, inclusive por estar contestando o chamado direito divino até então
utilizado para justificar as monarquias europeias.
Evidente, todavia, que Thomas Hobbes não era um liberal. Uma versão liberal
do contratualismo virá mais tarde com o também inglês John Locke, com a publicação
de seu principal tratado político Dois Tratados sobre o Governo, em 1689, quase 40
anos depois do Leviatã (1651).
O contratualismo de Hobbes preconizava um soberano absoluto, ainda que não
descartasse, por exemplo, que este poder estivesse distribuído em uma assembleia.
Mas ele argumentava que as prováveis disputas internas de poder, existentes a partir

37
de facções existentes dentro desta própria assembleia, poderiam levar ao seu
enfraquecimento exatamente em sua principal missão: preservar as relações sociais
tensionadas a partir de sua visão de natureza humana.
Para Hobbes, um soberano absoluto, desobrigado destas forças contraditórias
inerentes às disputas de poder, poderia exercia seu ofício de modo mais eficaz: o rei
ou soberano não está a serviço das determinações divinas ou de suas próprias
vontades, mas cumprindo um papel dentro do contrato social.

A Filosofia de Rousseau
A filosofia de Jean-Jacques Rousseau tem como essência a crença de que o
Homem é bom naturalmente, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade,
a qual o predispõe à depravação. Para ele o homem e o cidadão são condições
paradoxais na natureza humana, pois é o reflexo das incoerências que se instauram
na relação do ser humano com o grupo social, que inevitavelmente o corrompe.

Rousseau, um dos principais filósofos do Iluminismo. Pintura de Maurice


Quentin de La Tour.
É assim que o Homem, para Rousseau, se transforma em uma criatura má, a
qual só pensa em prejudicar as outras pessoas. Por esta razão o filósofo idealiza o
homem em estado selvagem, pois primitivamente ele é generoso. Um dos equívocos
cometidos pela sociedade é a prática da desigualdade, seja a individual, seja a
provocada pelo próprio contexto social. Nesta categoria ele engloba desde a
presença negativa dos ciúmes no relacionamento afetivo, até a instauração da
propriedade privada como base da vida econômica.

38
Mas Rousseau acredita que há um caminho que pode reconduzir o indivíduo a
sua antiga bondade, o qual é teorizado politicamente em sua obra Contrato Social, e
pedagogicamente em Emílio, outra publicação essencial deste filósofo. Ele crê que a
carência de igualdade na personalidade humana é algo que integra sua natureza; já
a desigualdade social deve ser eliminada, pois priva o Homem do exercício da
liberdade, substituindo esta prática pela devoção aos aspectos exteriores e às normas
de etiqueta.
Em sua obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
os homens, Rousseau discorre sobre a questão da maldade humana. Para melhor
analisar esta característica, ele estabelece três etapas evolutivas na jornada do
Homem. O primeiro estágio refere-se ao homem natural, subjugado pelos instintos e
pelas sensações, sujeito ao domínio da Natureza; o segundo diz respeito ao homem
selvagem, já impregnado por confrontos morais e imperfeições; segue-se, então, a
condição do homem civilizado, marcada por intensos interesses privados, que
sufocam sua moralidade.
É neste processo que o indivíduo se converte em um ser egoísta e
individualista, convertendo sua bondade natural, gradualmente, em maldade. O
Homem abre mão de sua liberdade e assim se desqualifica enquanto ser humano,
pois se vê despojado do principal veículo para a realização espiritual. A solução
apontada por Rousseau para esta situação é enveredar pelos caminhos do
autoconhecimento, através do campo emotivo da Humanidade.
Na esfera da educação, exposta no Emílio, ele teoriza filosoficamente sobre o
Homem. Sua principal inquietação, neste ponto, é saber se educa o indivíduo ou o
cidadão, já que, para ele, estas duas facetas não podem conviver no mesmo ser, por
serem completamente opostas.
Rousseau defende a formação do homem natural no seu lar, junto aos
familiares, por constituir um ser integral voltado para si mesmo, que vive de forma
absoluta. Já o cidadão deve ser educado no circuito público proporcionado pelo
Estado, pois é tão somente uma parte do todo, e por esta razão engendra uma vida
relativa. O aprendizado social, segundo o filósofo, não produz nem o homem, nem o
cidadão, mas sim um híbrido de ambos. Aliar os dois implica investir no saber do ser
humano em seu estágio natural – por exemplo, a criança –, e o cidadão só terá
existência a partir desta condição, a qual tem como fonte a Natureza e como fio
condutor a trajetória individual.

39
Iluminismo

O Iluminismo foi um movimento cultural e intelectual do século XVIII que


procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento
herdado da tradição medieval: ―seu programa é a difusão do uso da razão para dirigir
o progresso da vida em todos os aspectos (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998,

40
p. 605). Essa revolução intelectual que se efetivou na Europa, em países como a
França, Alemanha, Inglaterra, também ficou conhecida como Século das Luzes e
como Ilustração. Contudo, é preciso considerar, como o fazem Pazzinato e Senise
que ―o Iluminismo representou o ápice das transformações culturais iniciadas no
século XIV pelo movimento renascentista (1992, p. 98).
O Iluminismo não foi um movimento homogêneo, quer dizer, não se trata de um
conjunto de ideias sistemáticas ou de uma escola. Trata-se de uma postura e uma
mentalidade em comum que envolve filósofos, matemáticos, físicos, de intelectuais de
uma determinada época que procuravam, acima de tudo, se deixar guiar pelas ―luzes
da razão para dar sua contribuição ao progresso intelectual, social e moral.
―Este modo de pensar e de sentir é difundido, no século XVIII, em muitos
países da Europa. Suas primeiras manifestações se encontram na Inglaterra e na
Holanda (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606), mas a França é
considerada por muitos o país que liderou intelectualmente o iluminismo europeu.
―Existe porém, com diferenças por vezes importantes, um Iluminismo alemão,
italiano, espanhol, austríaco, e um Iluminismo dos países da Europa oriental
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606).
Durante o século XVIII, os intelectuais franceses foram pioneiros em promover
os valores iluministas, conhecidos como Philosophes (filósofos) e culminou com a
publicação da grande Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et
des métiers (1751-1772) editada por Denis Diderot e Jean Le Rond d'Alembert e
contou com a contribuição de mais de 130 pensadores tais como Voltaire,
Montesquieu, Rousseau, Condillac. Entre os textos escritos por seus colaboradores
podemos destacar: Montesquieu e Voltaire (literatura), Condillac e Condorcet
(filosofia), Rousseau (música), Buffon (ciências naturais), Quesnay e Turgot
(economia), Holbach (química), Diderot (história da filosofia), D‘Alembert
(matemática).
Entre os textos escritos por seus colaboradores podemos destacar:
Montesquieu e Voltaire (literatura), Condillac e Condorcet (filosofia), Rousseau
(música), Buffon (ciências naturais), Quesnay e Turgot (economia), Holbach
(química), Diderot (história dafilosofia), D‘Alembert (matemática).
A Enciclopédia é de inspiração racionalista e materialista, propõe a
imediata separação da Igreja do Estado e combate as superstições e as diversas
manifestações do pensamento ―mágico, entre elas as instituições religiosas. Por isso

41
sua publicação sofreu violenta campanha contrária da Igreja e de grupos políticos
afinados com o clero. Sofreu intervenção da censura e condenação papal, mas
acabou por exercer grande influência no mundo intelectual, inspirando os líderes da
Revolução Francesa. Sobre a Enciclopédia assim se expressa Salinas Fortes:
O que podemos dizer é que aí encontramos, sem dúvida, como exposta em
uma vitrina, as ideias principais da burguesia do século XVIII. Se o catolicismo teve
sua Suma Teológica com São Tomás de Aquino, a burguesia também teve na
Enciclopédia a sua Suma Filosófica (1985, p. 50).

Pouco a pouco a Enciclopédia ajudou a difundir nos salões parisienses


os ideais iluministas e a razão humana passou então a ser a luz (daí o nome do
movimento) capaz de esclarecer qualquer fenômeno.
Ainda no contexto do iluminismo cabe ressaltar duas perguntas: a primeira do
filósofo alemão Immanuel Kant e a segunda de Salinas Fortes em decorrência da
primeira. Vamos começar pela segunda: ―Se agora perguntam-nos: Vivemos
atualmente em um século esclarecido‘ (aufklarer)?, eis a resposta: ―Não, mas sim a
um século em marcha para as Luzes.(FORTES, 1985, p. 83). Eis a pergunta de Kant
e o que ele escreveu à respeito: ―O que é o iluminismo?

42
O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que
estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes
de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado
da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento
mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento
independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso
da tua própria razão! - esse é o lema do iluminismo
Partindo desta ideia, podemos pensar no iluminismo/esclarecimento como
forma de emancipação do ser humano, e como elemento para libertação da condição
de menoridade (através do uso em conjunto da razão e da liberdade e desta como
instrumento do homem para a busca do esclarecimento).
A razão desempenha um papel importante, pois esta conduz ao conhecimento,
ao esclarecimento. E a liberdade também é importante, pois é ela quem vai permitir
que o cidadão consiga usufruir do uso público da razão, sendo este o caminho para
que o homem saia de sua menoridade. Vemos assim o esclarecimento como um
processo de racionalidade e uso pleno da liberdade. O esclarecimento, como uma
forma de sair da menoridade, é, portanto, um processo de transformação do homem
de sua menoridade em homem esclarecido. Kant (1985) ainda assevera que o homem
não pode renunciar ao esclarecimento, pois é um direito sagrado da humanidade.

 Características do Iluminismo

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Apesar de haver divergência de pensamentos entre os diversos autores
iluministas, é possível anotar algumas tendências gerais comuns: ―O que caracteriza
as luzes, além da valorização do homem [...] é uma profunda crença na Razão
humana e nos seus poderes (FORTES, 1985, p. 9). Observa-se também ―a partir da
ascensão do pensamento filosófico e científico, em meados do século XVI, uma
mudança acerca da funcionalidade da ciência e do lugar do indivíduo no mundo
(MELLO; DONATO, 2011, p. 248). Vemos assim o racionalismo como ―propulsor do
saber e a defesa do conhecimento científico e racional como meio para a superação
de preconceitos e Ideologias tradicionais e busca do Esclarecimento. De modo geral,
Giles (1987) aponta que o Iluminismo fundamentou-se em três pilares: natureza, razão
e progresso. Natureza é entendida a partir da ideia de que o universo é governado por
leis universais como no caso das leis do movimento do sistema newtoniano. A razão
é o que possibilita não descobrir pela observação tais leis desvelando todas as
aparentes divergências e rejeitando tudo o que é baseado apenas na autoridade. O
progresso resume os ideais do Iluminismo: a partir da compreensão das leis da
natureza, a partir da razão, a humanidade poderia, enfim, caminhar em direção ao
progresso.
Além disso, os filósofos do iluminismo tinham um ideal de luta pela liberdade,
como dizia Diderot ―o espírito do nosso século parece ser da liberdade (apud
FORTES, 1985). Em que o homem não deveria se guiar pelos pensamentos de
outrem, mas pensar por si só, sendo dono do seu ―próprio nariz, se tornando um
homem racional, deixando de lado as Ideologias retrógadas que cerceiam a liberdade
e se voltando para a razão. Há, portanto, uma defesa intransigente da liberdade entre
os pensadores iluministas (liberdade política, religiosa, de expressão, de imprensa)
A liberdade individual se torna o centro da discussão sobre política, à medida
que a filosofia política iluminista promovia a centralidade dos direitos individuais,
diferenciando os compromissos dos antigos e medievais da ordem e hierarquia. Nesse
sentido, podemos afirmar que o iluminismo teve sua primeira expressão teórica, mais
concentrada, em fins do século XVII, com o inglês John
Locke – considerado o pai do liberalismo –, preocupado em ―modificar a
concepção de súditos da coroa britânica para cidadãos. Defenderia a liberdade e a
tolerância religiosa (MELLO; DONATO, 2011, p. 253).

44
Outra característica é a crítica aos valores da Igreja Católica e o
anticlericalismo. Os filósofos combatiam com todas as forças a imposição da verdade
pela Igreja: ―para ser efetivamente livre a Razão não pode se submeter a nenhuma
autoridade que a transcenda ou a nenhuma regra que lhe seja extrínseca: ela é, para
si mesma, sua própria regra (FORTES, 1985, p.18).
Há ainda uma confiança no desenvolvimento do ―espírito científico (com
ênfase na visão de mundo mecanicista e no naturalismo) e nas ideias de progresso.
A popularização do conhecimento científico deu uma certa confiança ao
―espírito das luzes de que alcançaríamos um maior grau de desenvolvimento. ―É a
ciência que dá ao século XVIII a segurança e a confiança na razão. O sucesso das
ciências experimentais alimentou a ideia de que o mesmo método leva a um progresso
concreto em todas as áreas da cultura e da vida (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
1998, p. 606).

As descobertas astrofísicas, desde Galileu Galilei, Johannes Kepler até Isaac


Newton contribuíram para essa confiança. A Terra não era mais o centro do universo

45
e o novo método empírico-matemático fundamentava essa confiança no ―espírito
científico.
O avanço da astronomia [e da física] – com a perda do privilégio cósmico da
Terra – e a necessidade de admitir que podemos não estar sós no universo tiveram
uma profunda influência no pensamento humano. O destino universal do homem,
defendido pela Igreja, sofreu forte abalo (DUPAS, 2006, p. 40).
Noutros tempos, a teologia cristã determinava a verdade absoluta que deveria
fundamentar o conhecimento e a nossa visão de mundo e qualquer pessoa que se
afastasse da filosofia escolástica era acusado de heresia diante do tribunal da Santa
Inquisição, como aconteceu com Giordano Bruno e Galileu Galilei, por contrariar as
bases filosófico-teológicas da época. Com a revolução científica e uma confiança sem
limites no poder da razão o Iluminismo, ―procedendo com o método racional analítico
próprio das ciências, [aspira] a atingir verdades indiscutíveis ou, quando isto for
impossível, generalizações legítimas, que tenham uma fundada validade
metodológica (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606). Este ―espírito das
luzes, quer submeter todo o conhecimento aos princípios da razão, atingindo todos os
aspectos do saber humano ao contrário do ―espírito das trevas medieval, pois como
sabemos na Idade Média o poder hierárquico detinha-se exclusivamente à igreja e a
nobreza. A tradição religiosa era imposta à todos; o homem não podia exercer
livremente a sua razão. A razão era mera servidora da fé.

Lição de Anatomia do Professor Nicolaes Tulp (1632), do pintor holandês


Rembrandt. (In: FEITOSA, 2004, p. 99).
A tela captura o olhar científico sobre o corpo humano, reduzido a uma fonte
de informações anatômicas e fisiológicas, algo a ser investigado e examinado.

46
Os pensadores iluministas tinham como ideal a extensão dos princípios do
conhecimento crítico a todos os campos do mundo humano. Supunham poder
contribuir para o progresso da humanidade e para a superação dos resíduos de tirania
e superstição que creditavam ao legado da Idade Média. A maior parte dos iluministas
associava ainda o ideal de conhecimento crítico à tarefa do melhoramento do Estado
e da sociedade.
Com base nesta mesma confiança no poder da razão, fala-se ainda de uma
moral natural, uma religião natural e um direito natural.
O Iluminismo se prende à escola do direito natural e acredita poder construir
um corpo de normas jurídicas universais e imutáveis [...] Para explicar os princípios
do direito natural, recorre-se, como no século XVII, à natureza humana em si, isto é,
abstraída das modificações resultantes da ação da civilização sobre o homem,
supondo, como hipótese, um status naturae anterior à sociedade civil e definindo os
direitos que o homem já deve ter tido neste estado primitivo, isto é, os direitos que
pertencem à sua dignidade de homem pelo simples fato de ser homem (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 607).
No que diz respeito à moral e à religião naturais elas são independentes mas
devem, ambas, ser consideradas em função do ―homem mundano: uma antropologia
iluminista baseada em princípios utilitaristas, sem rituais, cultos ou dogmas.
A religião se torna um modo de sentir, um íntimo sentimento de comunhão com
Deus, que decorre da adesão sentimental à harmonia da natureza. [...] especialmente
os mais jovens iluministas identificam, frequentemente, a natureza com Deus, quando
não proclamam um ateísmo materialista (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998,
p. 607).
A natureza humana é o fundamento da moral e da religião iluminista. E a
principal característica da natureza humana, em que todos os iluministas concordam,
é a sua racionalidade. Por meio da razão, e sempre dela, é possível conhecer as leis
da natureza. É a natureza que ―fornece as leis da lógica, como também da vida
social, e unifica toda a ordem das relações e finalidades humanas. É baseando-se na
natureza que o homem dirige seus interesses (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
1998, p. 607).

 Contexto Histórico e Influência Política

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No contexto histórico da Europa Ocidental desde a Baixa Idade Média, do
século XI ao XV, predominou o absolutismo monárquico. Com a justificativa de que o
poder real era de origem divina, muitas arbitrariedades foram cometidas. A nobreza e
o clero sempre estiveram unidos na mesma simbiose em todo o período medieval,
senhores feudais e a igreja eram aliados em interesses comuns de dominação,
detendo o poder de persuasão sobre os servos. Contudo com a queda do sistema
feudal e a implantação do Capitalismo, o senhor dos feudos diminuía cada vez mais
o seu poder, sendo assim os servos passam a depender menos do senhor feudal e
migram para as cidades. ―Na medida exata em que o senhor feudal vai sendo
suplantado, a Igreja vai perdendo o poder absoluto de que gozava sobre os espíritos
e passa por uma crise profunda (FORTES, 1985, p.15).
Então a igreja que outrora dominava com mãos de ferro, implantando seus
dogmas, sendo um grande pilar de sustentação e preservação do sistema, tendo
como função a manutenção de Ideologias sobre os servos, agora se vê bombardeada
por ideias filosóficas em defesa da liberdade onde o homem deve agir livremente pela
própria razão.
Com o declínio do regime feudal e o enfraquecimento dos regimes absolutistas
uma nova classe começa a surgir no cenário europeu: a burguesia. O
enfraquecimento de um repercute diretamente no outro, pois na monarquia absolutista
a velha nobreza feudal encontrava-se protegida por um Estado forte, capaz de garantir
suas terras e privilégios, seu poder político e a contenção das revoltas camponesas.
O século XVII e XVIII representa, na Europa, uma contradição. Por um lado,
monarquias poderosas, nas quais o poder do rei confunde-se com o próprio Estado.
De outro, uma burguesia rica, ascendente, que não aceita mais o absolutismo e a
intervenção do Estado na economia, nem os privilégios cada vez mais onerosos da
nobreza, pagos com o dinheiro gerado pela ação econômica burguesa. A burguesia
já não aceita mais as características que marcam a vida europeia, às quais o próprio
Iluminismo deu o nome de Antigo Regime. A própria designação já é em si pejorativa.
A palavra ―antigo não tem aqui qualquer sentido cronológico. O conceito refere-se a
ultrapassado, superado, retrógrado, denotando toda a extensão da crítica que essa
nova visão de mundo significava.
O Iluminismo surge no período que marca o fim da transição entre feudalismo
e Capitalismo, representando no campo social e político a ascensão dos ideais da
classe burguesa, exercendo vasta influência sobre a vida política e intelectual da

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maior parte dos países ocidentais. No início do séc. XVIII, a burguesia europeia já
havia se transformado numa forte e rica classe social, porém, ainda sem acesso ao
poder político que continuava nas mãos dos reis. As ideias iluministas surgiram neste
contexto como resposta aos problemas concretos enfrentados pela burguesia, tais
como a intervenção do Estado na economia e os limites de sua atuação política. A
época do iluminismo foi marcada por transformações políticas tais como a criação e
consolidação de estados-nação, a expansão de direitos civis e as revoluções
burguesas. O ideal revolucionário não é um ideal iluminista, mas não há dúvida de
que as ideias políticas do iluminismo influenciaram a elaboração da Declaração de
Independência dos Estados Unidos e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem
e do Cidadão redigida pela Assembleia Constituinte em 1789 (e até mesmo aqui no
Brasil podemos dizer que os ideais iluministas cruzaram o Oceano Atlântico
influenciando a Inconfidência Mineira e a Revolução Farroupilha).

Este documento, de importância ímpar, trazia em seu escopo significativos


avanços sociais, garantia de direitos iguais aos cidadãos e maior participação política
para o povo. Além destes avanços, ele teria grande repercussão pela sua intenção de
se tomar como um preceito universal (MELLO; DONATO, 2011, p. 259).

49
Foi com o borbulhar das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade que o
iluminismo inflamou a sociedade para uma revolução: a Revolução Francesa (que
sepultou de maneira quase total o feudalismo e o absolutismo). Onde o povo começou
a questionar a hierarquia imposta, passando a enxergar que a dominação sobre eles
não era natural, alcançando o poder da razão para seguir seus ideais. Nesse contexto
podemos observar várias ideias iluministas sendo defendidas no novo cenário político:
as ideias de soberania popular, a doutrina econômica tipicamente iluminista da
fisiocracia, a separação dos poderes, igualdade perante a lei entre outras: ―a razão
inspira projetos de reformas sociais e econômicas, novas legislações e um sistema de
educação coletiva, pela qual se espera uma efetiva renovação da vida e um
crescimento geral de bem-estar (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 608).
Neste aspecto é preciso considerar também a influência do racionalismo e a defesa
do poder da razão como guia para pensar uma melhor forma de organização social.
O Estado, que antes se aliara à Igreja, começa a buscar um novo fundamento no
racionalismo moderno, desprendendo-se da religião, do poder da autoridade e do
absolutismo teológico
Foi Montesquieu quem deu ênfase a teoria da separação dos poderes:
o Executivo, Legislativo e o Judiciário. E essa teoria tem como objetivo evitar
que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa, para que não haja abuso,
como ocorrido no Estado Absolutista, por exemplo, em que todo o poder concentrava-
se nas mãos do rei. A passagem do estado Absolutista para o Estado liberal
caracterizou-se justamente pela separação dos poderes. Esta teoria de
Montesquieu se transformou em um verdadeiro dogma pela ―Declaração dos
Direitos do Homem de 1789.
Já no campo da Democracia o iluminismo encontrou em Jean-Jacques
Rousseau o grande porta voz da soberania popular. O que coloca Rousseau em
destaque entre os que inovaram no pensamento político é precisamente a defesa da
concepção do exercício da soberania pelo povo. Além disso Rousseau também era
um Contratualista, quer dizer, procurava entender e explicar a Sociedade Civil através
de um contrato social que, para ser legítimo, deve ser elaborado de acordo com a
vontade geral soberana. ―Como fazer para eliminar os males da vida social e política
dos homens dando-lhes uma nova base? A resposta é: contrato social‘(FORTES,
1985, p. 68).

50
Por fim é preciso considerar que vários foram os príncipes reinantes que muitas
vezes apoiaram e fomentaram figuras do iluminismo e até mesmo tentaram aplicar as
suas ideias ao governo.
Quanto à forma de Governo, o ideal predominante, aliás, é o do despotismo
iluminado, isto é, o do soberano filósofo, que seja um philosophe autêntico e que,
iluminado pela razão, por sua vez potenciada pelos conhecimentos, promova reformas
aptas a instaurar o bem-estar e a felicidade dos súditos (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 1998, p. 608).
As ideias racionalistas e iluministas influenciaram os governantes absolutistas,
que pretenderam governar segundo a razão e o interesse do povo, sem abandonar,
porém, o poder absoluto, ficando conhecidos como déspotas esclarecidos. Os mais
célebres são: Frederico II, da Prússia (1740-1786) – permitiu a liberdade de culto e de
expressão aos prussianos e tornou obrigatório o ensino básico. Mas apesar dessas
mudanças, a Prússia manteve o regime feudal; Catarina II, da Rússia (1762-1796) –
manteve contato com muitos filósofos do Iluminismo mas mudou muito pouco a
estrutura social e econômica da Rússia; o marquês de Pombal, ministro português
(1750-1777) – expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias por se oporem às suas
reformas educacionais, além de abrir Portugal para a influência do Iluminismo,
modernizando o ensino, bibliotecas e criando a Imprensa Régia; e Carlos III, da
Espanha. De modo geral, todos eles realizaram reformas que ampliaram a educação,
garantiram a liberdade de culto, fortaleceram a igualdade civil, embora mantendo uma
certa autocracia e aguçando as contradições sociais e políticas.
'Despotismo' significa, em sentido específico, a forma de Governo em que
quem detém o poder mantém, em relação aos seus súditos, o mesmo tipo de relação
que o senhor (em grego "despotes") tem para com os escravos que lhe pertencem [...]
[modernamente] Despotismo é polemicamente usado para indicar qualquer forma de
Governo absoluto, sendo muitas vezes sinônimo de tirania, ditadura, autocracia,
absolutismo e outras formas semelhantes (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998,
p. 339).
A grande diferença entre tiranos e déspotas é que a tirania é uma forma
degenerada de governo, segundo a terminologia aristotélica e que perdura até os
tempos modernos, pois o tirano despreza as leis estabelecidas e governa segundo
seu próprio capricho, enquanto que o despotismo é considerado uma forma legítima
de governo, uma vez que se baseia no próprio consentimento de um povo (que se

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submete voluntariamente a esse poder), ainda que o poder do governante seja
absoluto, muitas vezes arbitrário e dependente de sua própria vontade. ―A diferença
verdadeiramente essencial está no fato de que a tirania constitui uma forma ilegal ou
ilegítima [...] ao passo que a monarquia despótica, como monarquia, pertence às
formas não deturpadas (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 340). Convém
salientar que esta é a definição clássica, aristotélica, do despotismo, que assumiu
conotações diferentes ao longo dos séculos. Uma variação deste entendimento surge,
por exemplo, em Montesquieu, que entende a monarquia como uma forma de governo
diferente do despotismo. Em sua obra O Espírito das Leis, o filósofo francês distingue
três formas de governo: monarquia, república e despotismo.
Segundo a natureza, o Governo despótico é o Governo em que "um só, sem
leis nem freios, arrasta tudo e todos atrás dos seus desejos e caprichos" (Livro II, c.
I). Segundo o princípio, o Governo despótico se rege pelo medo, enquanto que
o monárquico se guia pela honra e o republicano pela virtude [...] Montesquieu [porém]
mantém inalterado o da relação servil entre governantes e governados (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 343).
Os povos submetidos a um regime despótico se encontram em um estado de
servidão e escravidão política.
Em todas estas visões o despotismo é sempre visto como um modelo de mau
Governo. Como toda regra tem sua exceção, a ideia de despotismo é um elemento
importante da teoria e da ideologia política da fisiocracia iluminista, ao defender a ideia
de um soberano único, que fosse capaz de reconhecer as leis naturais existentes,
instruído por sábios conselheiros sobre a existência de tais leis e usando seus poderes
na aplicação das respectivas leis. ―Em sua obra L'ordre naturel et essentiel des
sociétés politiques (1767), o fisiocrata Le Mercier de la
Rivière distingue duas formas de Despotismo, um que ele chama ‗legal‘ e o
outro
arbitrário‘ (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 345), e apenas o
primeiro pode ser guiado pela evidência e pela luz natural da razão possibilitando a
compreensão das leis naturais. A necessidade de um governo despótico se deve ao
fato de que tais leis não podem senão ser impostas de forma impositiva e até mesmo
coercitiva e, naturalmente, é desta ideia que nasce o princípio de um ―despotismo
esclarecido.

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Com efeito, uma vez averiguado que a ordem natural é evidente, ou seja, que
pode ser compreendida em sua totalidade pela mente humana iluminada pela razão,
ela torna-se pelo mesmo fato coagente e, por conseguinte, não pode ser imposta
senão despoticamente. Existe porventura alguém que se lamente de ser obrigado a
aceitar sem discussão os teoremas da geometria euclidiana? Euclides não é menos
déspota que o monarca iluminado que governa obedecendo à evidência das leis
naturais. Mas trata-se, sem dúvida, de um Despotismo natural e necessário, conforme
com a razão (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p.
345).

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CONCLUSÃO

A filosofia não possui um conceito único. Em momentos diversos da história,


muitos pensadores tentaram responder à pergunta ―O que é Filosofia? A dificuldade
de uma resposta única surge da constatação de que essa atividade não manteve as
mesmas características no decorrer dos séculos.
É uma forma diferenciada de pensar e agir que nos conduz a questionar
racionalmente a nós mesmos e o que se constrói como resultado das ações humanas.
Trata-se de ultrapassar a opinião e construir uma resposta a um problema, a saber,
aquilo que é aceito por muitos, ou simplesmente assumido, mas que é falso ou que
se mostrará incompleto ou superficial.
A Filosofia política e uma vertente da filosofia cujo objetivo é estudar as
questões que envolvem a convivência do ser humano e dos grupos humanos. Atua
como um código de ética em que os integrantes da sociedade e ela própria devem
saber como agir. No campo dos direitos individuais engloba: o direito à vida, à
liberdade, à autodefesa e à propriedade. A filosofia política responde perguntas como:
"o que é um governo?"; "por que os governos são necessários?"; "como é possível
haver um governo legítimo?
As propostas abordadas pela filosofia política tentam justificar a necessidade
do poder regulador do estado diante de determinados cenários sócio-políticos. Existe
uma enorme variedade de conceitos que ainda hoje são debatidos e questionados
pela sociedade como o limite do poder do estado, as decisões econômicas, a
liberdade dos indivíduos, o direito e a necessidade de uma política justa com a maioria.
O debate sobre as funções de um governo ainda hoje são pauta de muitos
movimentos sociais que reivindicam a melhor distribuição dos recursos arrecadados
e uma maior atenção em situações críticas da sociedade como segurança pública,
saúde e liberdade de expressão.

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REFERENCIAS

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