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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

SUMÁRIO
MÓDULO 03

CIÊNCIA POLÍTICA, DEMOCRACIA E RELIGIÃO................90

Abertura do módulo..................................................90

UNIDADE DE APRENDIZAGEM 1......................................91

1. Ciência política e o estudo do poder.......................91

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FATIPI EAD

MÓDULO
CIÊNCIA POLÍTICA, DEMOCRACIA E RELIGIÃO

Abertura do módulo

Neste terceiro módulo examinaremos a Ciência Política. Ela


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é umas das áreas principais das Ciências Sociais. No cerne das
preocupações da Ciência Política está o tema do poder, todas as
formas de poder, porém, de modo especial o chamado poder do
Estado. Olharemos para as raízes da Ciência Política na filosofia
política iluminista até chegarmos à configuração acadêmica da
disciplina. A crise das democracias na atualidade será examina-
da sob as lentes da Ciência Política e, sendo esta uma disciplina
do curso de teologia, vamos aproveitar para examinar as rela-
ções entre religião e democracia. Por fim, terminaremos o mó-
dulo com um olhar socioteológico sobre o poder e a democracia
na atualidade.

Minha oração é para que o Espírito Santo ilumine sua mente e seu coração durante o
estudo deste módulo e lhe dê uma compreensão renovada do papel da igreja de Cristo na
sociedade brasileira.

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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

MÓDULO
UNIDADE DE APRENDIZAGEM 1

1. Ciência política e o estudo do poder

OBJETIVOS
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1 Apresentar as origens da Ciência Política

2 Acompanhar as diferentes justificativas para a existência do poder do Estado

3 Refletir sobre as formas legítimas de exercício do poder

PARA INÍCIO DE CONVERSA

A vida em sociedade pressupõe interessantes conflitantes e disputas entre pessoas


e grupos. Como impedir que a sociedade não se dissolva em uma guerra interminável en-
tre indivíduos e grupos? Como é possível obter obediência e cooperação? Respostas para
essas indagações foram dadas pela filosofia política e, mais tarde, pela Ciência Política.
Veremos as respostas e as diferenças entre elas.

Bons estudos!

Raízes e abrangência da ciência política

A ciência política ao lado da antropologia e da sociologia compõe a tríade das Ciências


Sociais. Trata-se da área das Ciências Sociais que se dedica ao estudo dos fenômenos
políticos, ou seja, as formas de organização, de representação e de exercício do poder nas
sociedades humanas. A ciência política busca compreender e explicar as estruturas, as
instituições, os processos, os comportamentos, as ideologias e as políticas públicas que
envolvem a dimensão política da vida social.

As origens da ciência política estão na filosofia política, área da filosofia que se ocupa
das questões éticas, normativas e práticas relacionadas à política. A filosofia política surgiu
na Grécia Antiga, com pensadores como Platão e Aristóteles, que se perguntaram sobre a
natureza, a finalidade e a forma ideal do Estado, da sociedade e do governo. Aristóteles, ao
responder sobre o direito das cidades-Estado ao exercício do poder de governar seus cida-
dãos, formulou o que veio a ser conhecido como naturalismo político:
A cidade-Estado é a comunidade completa, oriunda de muitas vilas, a

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qual, por assim dizer, alcança o limite máximo do autoprovimento dig-


no de suas próprias necessidades, vindo à luz para o viver, e existindo
para o bem-viver. É por isso que cada cidade-Estado existe por nature-
za, se também assim era as vilas que a formaram. E ela [a cidade-Es-
tado] é o fim dessas. Com efeito, cada coisa é depois que sua origem
se completou; dizemos ser esta a natureza de cada uma das coisas,
quer do cavalo, quer do homem ou da família (Aristóteles,2009, p 34)

A resposta de Aristóteles aponta para a natureza social dos seres humanos que os leva
da família, para a vila e desta para a cidade. A escala da cidade exige o exercício do poder
por meio do governo, assim como a família e as vilas, em escala menor, também exigiam
algum tipo de poder para o seu desenvolvimento natural.

Ao longo da história, outros filósofos, como Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Mon-
tesquieu, Kant, Hegel, Marx, entre outros, também contribuíram para o desenvolvimento do
pensamento político, abordando temas como a soberania, o contrato social, a separação
de poderes, a democracia, a liberdade, a igualdade, a justiça, etc. Entretanto, Nicolau Ma-
quiavel (1469-1527) marcou o ponto de virada na filosofia política moderna em relação ao
pensamento de Aristóteles. Sairá de cena o naturalismo e entrará o realismo político que
justifica a existência do Estado no exercício do poder para mediar os conflitos de interesses
entre grupos sociais. Assim escreve Maquiavel:
A história é mestra de nossos atos e máximas dos príncipes; e o mun-
do sempre foi, de certa forma, habitado por homens que sempre têm
paixões iguais; e sempre houve quem serve e quem ordena, e quem
serve de má vontade, e quem se rebela e se rende (Maquiavel, 2000,
p. 165)

Há discordância entre Aristóteles e Maquiavel em relação aos meios para se obter o


bem coletivo. Enquanto o primeiro pensa que o interesse comum será obtido pela virtude
do governante, Maquiavel sustenta que a concretização do bem coletivo depende da capa-
cidade do governante equilibrar as diversas forças que compõem a sociedade. Cidadãos do
século XXI que somos, facilmente entenderemos por que a filosofia política de Maquiavel
recebeu a designação de realismo político.

Ainda no campo da filosofia política irá se contrapor ao realismo político o chamado


contratualismo. Ele estabelece como gênese da sociedade civil e do Estado a ideia de um
pacto social. Este pacto ou contrato social retira o ser humano de seu estado de natureza
e coloca-o em convivência com outros seres humanos em sociedade. Essa ideia do pacto
recebeu interpretações diferentes, como segue:

Thomas Hobbes (1588-1679) acreditava que o contrato social foi feito porque o ho-
mem é o lobo do próprio homem. Há no homem um desejo de destruição e de manter o

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domínio sobre o seu semelhante (competição constante, estado de guerra). Por isso, torna-
-se necessário existir um poder que esteja acima das pessoas individualmente para que o
estado de guerra seja controlado, isto é, para que o instinto destrutivo do homem seja do-
minado. Neste sentido, o Estado surge como forma de controlar os “instintos de lobo” que
existem no ser humano e, assim, garantir a preservação da vida das pessoas.

John Locke (1632-1704) defendeu que o Estado deve preservar o direito à liberdade e
à propriedade privada. As leis devem ser expressão da vontade da assembleia e não fruto
da vontade de um soberano. Locke é um opositor ferrenho da tirania e do absolutismo, colo-
cando-se contra toda tese que defendia a ideia de um poder inato dos governantes, ou seja,
de pessoas que já nascem com o poder (por exemplo, a monarquia). Para resolver os litígios
gerados por interesses rivais, deve haver um poder mediador ao qual todos devam estar sub-
metidos. O contrato social representa a aceitação e validação do poder mediador do Estado
em sua capacidade de garantir a liberdade e o direito à propriedade baseada nas leis.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) tinha uma visão distinta de seus antecessores.


Para ele, a propriedade surge com o trabalho, mas é exatamente a propriedade que gera a
desigualdade entre os homens. Enquanto para Locke a propriedade é um direito natural,
para Rousseau, assim como Hobbes, ela é um direito civil. A principal preocupação de Rou-
sseau era assegurar a liberdade através do contrato social.

No pensamento político, Maquiavel em O Príncipe é um divisor de


PARA PENSAR

águas, e escrevendo uma obra-prima, legitimadora do Absolutis-


mo, desvinculada de qualquer marco de transcendência ou de éti-
ca cristã. Assim o farão os escritores de várias tendências, como
Hobbes, Spinoza, Montesquieu, Rousseau e outros. Maquiavel
não legitima o poder do príncipe por seu “direito divino”, mas por
um pragmatismo, por sua eficácia. Rousseau não advoga mais,
como o fizera Milton, um pacto entre eleitos, mas um contrato entre os homens. O poder
não era emanado de Deus através do povo, mas se apresentava no próprio povo. Deus
- se existe - não era tido como uma providência histórica, mas tendo criado os homens,
se recolhera aos céus, deixando-os completamente livres. (Cavalcanti, 1994, p. 143-144)
Nota histórica: o autor era cientista político e foi bispo da Igreja Anglicana no Brasil e um
dos precursores da reflexão sobre cristianismo e política entre os cristãos evangélicos.

É importante frisar que com os autores mencionados acima ainda não temos ciência
política e sim a filosofia política. Embora a última parta da observação da realidade, opera

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ainda segundo o método filosófico e um tipo muito específico de sensibilidade literária


de cada um dos pensadores citados. A Ciência Política, como a conhecemos hoje, se
consolidou como uma disciplina autônoma e empírica no século XIX, com o surgimento das
ciências sociais, que buscavam aplicar o método científico ao estudo da realidade social. A
Ciência Política se diferenciou da filosofia política por se basear em dados, fatos, evidências
e teorias que pudessem ser verificados e testados, e não apenas em argumentos racionais
e especulativos. A Ciência Política também se abriu para o diálogo e a interdisciplinaridade
com outras ciências sociais, como a sociologia, a antropologia, a economia, a história,
a psicologia, etc. Alguns dos fundadores da Ciência Política moderna foram Max Weber,
Émile Durkheim, Alexis de Tocqueville, Herbert Spencer, entre outros.

A Ciência Política explica o poder de diferentes maneiras, dependendo da abordagem


teórica e metodológica que adota. O poder pode ser definido como a capacidade de influen-
ciar, controlar ou determinar o comportamento de outros indivíduos ou grupos, de acordo
com os próprios interesses, valores ou objetivos. O poder pode ser exercido de forma legí-
tima ou ilegítima, explícita ou implícita, coercitiva ou consensual, direta ou indireta, etc. O
poder pode ser analisado em diferentes níveis, como o individual, o grupal, o institucional,
o nacional, o internacional, etc. O poder pode ser medido por diferentes critérios, como a
autoridade, a riqueza, o prestígio, o conhecimento, a informação, a violência, etc.

Algumas das principais teorias que a ciência política usa para explicar o poder são:

• A teoria do Estado, que estuda a origem, a natureza, a forma, a função e a legitimi-


dade do Estado, que é a principal instituição política das sociedades modernas, que
detém o monopólio da violência legítima e da ordem jurídica.

• A teoria da democracia, que estuda os princípios, as condições, as modalidades,


os mecanismos e os desafios da democracia, que é a forma de governo em que o
poder é exercido pelo povo, por meio de representantes eleitos ou de participação
direta.

• A teoria das elites, que estuda as características, as origens, as estratégias, as re-


lações e os efeitos das elites, que são os grupos minoritários que ocupam as po-
sições de comando e de influência nas principais esferas da sociedade, como a
política, a economia, a cultura, etc.

• A teoria dos movimentos sociais, que estuda as causas, as formas, as dinâmicas,


as demandas e os resultados dos movimentos sociais, que são as ações coletivas
de grupos ou classes sociais que buscam defender ou transformar alguma situação
de interesse comum, como os direitos humanos, o meio ambiente, a educação, etc.

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• A teoria das relações internacionais, que estuda os atores, as estruturas, os pro-


cessos, as políticas e os conflitos que envolvem o sistema internacional, que é o
conjunto das relações entre os Estados e outros agentes, como as organizações
internacionais, as empresas transnacionais, os grupos terroristas, etc.

De acordo com Anthony Giddens (2005) a Ciência Política trabalha com distinções mui-
to claras entre os termos governo, política, poder e autoridade. O governo refere-se à repre-
sentação regular de políticas, decisões e assuntos de Estado por parte dos funcionários que
compõem a administração pública. A política trata dos meios pelos quais o poder é utiliza-
do para influenciar o alcance e o conteúdo das atividades governamentais. Frequentemente
o campo da política vai muito além dos limites das instituições que representam o Estado.
O poder consiste na habilidade de indivíduos e grupos em fazerem valer suas preocupações
e interesses, mesmo quando há resistência por parte de outros grupos ou pessoas. A auto-
ridade entra em cena com o exercício legítimo do poder, a saber, que é quando aqueles que
se submetem à autoridade de um governo reconhecem o direito que ele tem ao exercício
do poder. Embora distintos esses termos andarão sempre juntos quando a Ciência Política
estiver analisando o modo como as pessoas e grupos se organizam na sociedade.

As distinções apresentadas acima entre governo, política, poder e autoridade encon-


tram sua gênese naquilo que Max Weber (1997) chamou de formas legítimas de domina-
ção, ele as define do seguinte modo:

• Dominação Legal: Esta forma de dominação é baseada na crença na legalidade de


padrões de normas estatutárias e no direito daqueles elevados à autoridade para
emitir comandos. Neste tipo de dominação, o poder é exercido por meio de leis e
regulamentos estabelecidos e aceitos pela sociedade. O modelo típico é a burocra-
cia estatal.

• Dominação Tradicional: Esta forma de dominação é baseada na crença na santida-


de das tradições que governam o comportamento e na legitimidade daqueles que
exercem a autoridade sob tais tradições. Aqui, o poder é exercido por meio de cos-
tumes e práticas culturais enraizadas. Governos tribais e monarquias exemplificam
esse modo de dominação.

• Dominação Carismática: Esta forma de dominação é baseada na devoção ou admi-


ração carismática por um indivíduo. O poder é exercido por meio do carisma pessoal
e da capacidade de influenciar e inspirar as pessoas. Em geral a dominação carismá-
tica tem um caráter desafiador da autoridade estabelecida e surge em momentos de
reforma ou revolução.

Segundo a visão weberiana a dominação burocrática é predominante na modernidade,

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todavia, trata-se de um tipo ideal pois no exercício do poder no âmbito das instituições as
três formas de dominação muitas vezes se misturam umas às outras.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA

As Ciências Sociais nasceram do interesse em observar como se dão as relações entre


as pessoas e entre os grupos. O poder é sem dúvida uma dimensão fundamental des-
sas relações humanas. Jesus introduziu o princípio do amor nos relacionamentos hu-
manos e inspirado por ele, Agostinho de Hipona afirmava: “Ama e faze o que quiseres”.
Pense de que modo o amor torna o exercício do poder mais justo e misericordioso.

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