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s Como cenário geral para as políticas educacionais, a década de 90

FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NO BRASIL. viveu


t um quadro de reformulação política e econômica do sistema e,
consequentemente,
a de ajuste das políticas sociais à reformulação em
curso.
s Destaca-se aí a redução do papel do Estado, por um lado; por outro,
ou seu papel controlador e regulador dos sistemas sociais.
b A discussão que acompanhou o longo processo de formulação da
dnova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, aprovada em 1996,
efoi iniciada na década de 80, com a participação dos educadores. Suas
sformulações e propostas, no entanto, logo se revelaram incompatíveis com
eas políticas de ajuste assumidas pelos idealizadores do modelo imposto
naos governos latino-americanos pelo Banco Mundial e foram rejeitadas pela
vmaioria subordinada ao grupo governamental. Instaurou-se, assim, ao final,
ocom esta lei, uma reforma autoritária e consoante com o ajuste neoliberal.
lA educação, de direito social e subjetivo de todos, passa a ser encarada
vcada vez mais como um serviço a ser prestado e adquirido no mercado, ou
i
oferecido como filantropia. Daí, a dominância do pensamento privatista
dcomo diretriz educacional e frequentes campanhas filantrópicas
osubstituindo políticas efetivas de educação.
,
O ideário crítico sobre o que deveria ser um projeto nacional de
e
educação, que foi se constituindo ao longo das últimas décadas e que
n
encontrou em vários locais do país algumas possibilidades de
t
implementação não teve na formulação final da nova LDB o mesmo destino.
r
Esta lei, apresentada como uma legislação moderna para o século XXI,
e
ressignificou vários consensos do rico debate dos anos 80; traduziu-os, no
t
entanto, para uma outra lógica de desenvolvimento, na qual
a
descentralização significa principalmente uma desconcentração da
n
responsabilidade do Estado; autonomia, passa a ser compreendida como
t
liberdade de captação de recursos; igualdade, como equidade; cidadania
o
crítica, como cidadania produtiva; e a melhoria da qualidade, como
,
adequação ao mercado (Shiroma et al., 2000).
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.

1
Mediante os parâmetros curriculares e diversos mecanismos de
avaliação, entre outras medidas, a reforma no ensino pós-LDB elegeu
como perspectiva ou eixo central a pedagogia das competências para
a empregabilidade, assumindo assim claramente, no plano da
concepção educativa, o ideário do mercado como perspectiva geral do
Estado. Esta perspectiva pedagógica, individualista na sua essência,
imediatista em relação ao mercado de trabalho, é coerente com o
desmonte dos direitos sociais ordenados por uma perspectiva de
compromisso social coletivo, e, portanto, contrária à perspectiva de
uma “qualificação como relação social” (Ramos, 2001), que situa a
relação trabalho-educação no plano das contradições que são
engendradas pelas relações sociais de produção.

A reforma de ensino proposta para a formação dos profissionais


da educação, área estratégica para as mudanças pretendidas, propôs-
se a introduzir no cenário brasileiro uma nova compreensão do
professor e da sua formação, determinando para isto, entre outras
medidas, a criação de novas instâncias para a formação (como o
Instituto Superior de Educação e o Curso Normal Superior) e o
desenvolvimento de competências profissionais como conteúdo. No
plano epistemológico, dos processos e concepções de construção e
socialização do conhecimento, a noção das competências reduz a
formação a um “receituário genérico e abstrato. Treinar professores
para esse receituário é mais barato e rápido do que lhes oferecer
condições para fazerem cursos onde se articula ensino com a análise
e pesquisa da realidade” (Frigotto, 2001, p. 1).

Segundo Kuenzer (2000) é preciso reconhecer neste conceito o


significado que o mesmo adquire no interior das novas demandas do
mundo do trabalho. A autora recorre a Tanguy e Roupé (apud Kuenzer,
2000), para identificar a competência, nas atuais circunstâncias, como
fortemente vinculada à ações mensuráveis através da aferição dos
seus resultados imediatos. O forte apelo ao conceito de competência,
presente em todas as diretrizes que deverão nortear o ensino nas
próximas décadas, vincula-se, segundo a autora, a uma concepção
produtivista e pragmatista onde a educação é confundida com
informação e instrução, com a preparação para o trabalho,
distanciando-se do seu significado mais amplo de humanização, de
formação para a cidadania.

O modelo dos Institutos Superiores de Educação (ISE) coloca


uma clara desresponsabilização às instituições universitárias, pela
formação de professores. No interior de uma política que diferenciou e
hierarquizou formalmente o Ensino Superior, os ISEs foram instituídos
como local preferencial para a formação destes profissionais, em
cursos com menores exigências, para a sua criação e manutenção, do
que aquelas inerentes às instituições universitárias. Os critérios que
orientam a proposta dos Institutos Superiores de Educação
diferenciam-se dos parâmetros que orientam uma formação
universitária, esta necessariamente vinculada à pesquisa e produção
de conhecimento. Considerando que a formação inicial é momento-
chave da construção de uma socialização e de uma identidade
profissional, esta determinação é desqualificadora para a
profissionalização docente no país.

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Após um longo período de expectativa e de mobilização da outras funções que envolvem o ato educativo intencional. Não se
comunidade acadêmica na tentativa de influir em suas definições, foram considera, neste sentido, aplicável para a o Curso de Pedagogia,
aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de dicotomizar, na formação, carreiras diferenciadas conforme a
Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de categorização - Bacharelado Acadêmico, Bacharelado Profissionalizante
Licenciatura, de Graduação Plena (Resolução CNE/CP 1/2002), com e Licenciatura. A formação do pedagogo envolve estas três dimensões,
base no Parecer do CNE/CP 009/2001. A partir de proposta inicial podendo, no seu aprofundamento, dar maior relevo a uma destas
elaborada por uma comissão oficial de colaboradores/assessores do dimensões.
Ministério da Educação, tais diretrizes foram aprovadas pelo CNE quase - O comprometimento da desejável integração entre a formação
na sua totalidade, num processo mais homologatório do que do bacharel e aquela do licenciado. Dado o modelo institucional que
propriamente de discussão. Apesar de terem sido realizadas várias passa a ser privilegiado, qual seja o dos Institutos Superiores de
audiências públicas e outras reuniões nacionais e regionais com as mais Educação, que autonomiza o local de formação de professores,
diversas entidades educacionais do país, como resposta à pressão do desvinculando institucionalmente as licenciaturas dos bacharelados, fica
movimento dos educadores, não abriu-se um autêntico diálogo nestas comprometida a desejável integração na formação destas duas
oportunidades. categorias de carreiras, com sérias consequências presumíveis para a
Entre as questões mais polemizadas que foram sendo apontadas formação do professor.O fosso entre a formação do bacharel e a do
na análise das diretrizes delineadas neste período pós-LDB, podemos licenciado precisa ser evitado para que a formação deste último, ao
citar: avançar na sua qualificação técnico-científica, não seja comprometida na
sua formação.
- a noção de competências como concepção nuclear para
orientar a formação profissional dos educadores, em lugar dos saberes - A duração do Curso e Carga-horária do Curso:
docentes; esta opção mostra seu vínculo com um determinado projeto comprometimento do tempo necessário para uma sólida formação
societário que, conforme a visão de vários autores (Frigotto, 2001; profissional. Uma organização curricular inovadora deve contemplar uma
Kuenzer, 2000; Shiroma et al, 2000), em nome da globalização, ajusta sólida formação profissional acompanhada de possibilidades de
as questões educacionais às regras da mercantilização com toda aprofundamentos e opções realizadas pelos alunos e propiciar, também,
exclusão que tal escolha produz. tempo para pesquisas, leituras e participação em eventos, entre outras
atividades, além da elaboração de um trabalho final de curso que
- a intenção de extinguir gradativamente o curso de Pedagogia. sintetize suas experiências. A carga horária deve assegurar a realização
Os preceitos legais atualmente estabelecidos, embora das atividades acima especificadas. Para atingir este objetivo, além de
contraditórios, indicam para o curso de Pedagogia a condição de um cumprir a exigência de 200 dias letivos anuais, com 4 horas de atividades
Bacharelado Profissionalizante, destinado a formar os especialistas em diárias, em média, é desejável que a duração de um curso de licenciatura
gestão administrativa e coordenação pedagógica para os sistemas de seja de 4 anos, com um mínimo de 3.200 horas, para que se possa
ensino (LDB/96, Art. 64). Depois de muitos embates ocorridos por contemplar de forma mais aprofundada tanto a carga teórica necessária
ocasião da formulação de normas complementares à LDB, a atribuição para a formação, como o desenvolvimento das práticas que aproximam
da formação de professores para a educação infantil e séries iniciais do o estudante da realidade social e profissional. Há, nesse sentido,
ensino fundamental ficou assegurada também para o curso de modalidades de prática que são complementares e necessárias para a
Pedagogia, mas apenas para aqueles que se situam em instituições formação do profissional da educação, quais sejam: a prática como
universitárias (Parecer CNE-CES 133/2001). Este é um percalço que instrumento de integração e conhecimento do aluno com a realidade
deriva da decisão já colocada pela LDB/96 e que foi reforçado pelas social, econômica e do trabalho de sua área/curso; como instrumento de
regulamentações posteriores, que optou pelo modelo dos Institutos iniciação à pesquisa e ao ensino e a prática como instrumento de
Superiores de Educação, formação técnico-profissionalizante de iniciação profissional.
professores, que se contrapõe ao modelo das Faculdades de Educação, A “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Darci Ribeiro”
onde a formação destes profissionais é vista de forma mais acadêmica, de número 9394/96 (documento maior da legislação educacional
mediada pelas possibilidades de maiores interfaces na formação. A brasileira), no Título VI -Dos Profissionais da Educação - em seu artigo
proposta de diretrizes apresentada pela CEEP - Comissão de 64, reproduzido literalmente abaixo, nos elenca:
Especialistas de Ensino de Pedagogia/SESU/MEC - defende para este
curso, responsável pela formação acadêmico-científica do campo “Art. 64. A formação de profissionais de educação para a
educacional na graduação, uma graduação plena na área, que não se administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
realiza concretamente sem que seja considerada a sua dimensão educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação
intrínseca, que é a da docência. A tese defendida por esta proposta em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de
procura garantir a formação unificada do Pedagogo, profissional que, ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.”
tendo como base os estudos teórico-investigativos da educação, é
capacitado para a docência e consequentemente para outras funções
técnicas educacionais, considerando que a docência é a mediação para

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A existência legal do curso de Pedagogia e de seu campo entre profissionais que terão a mesma formação para o mesmo campo
epistêmico está garantida por lei, pela lei maior da Educação de nosso e área de atuação, profissionalidade e profissionalização.
país. Portanto, cabe aqui ressaltar que os Cursos Normais Superiores
Confundem-se os menos avisados e pouco esclarecidos de que a formam os professores que irão atuar na Educação Infantil e séries
Pedagogia esteja apenas relacionada à formação de professores e que iniciais do Ensino Fundamental e a Pedagogia forma o Pedagogo,
tal formação seria então substituída pelos Institutos Superiores de profissional da Educação que entende do fenômeno educativo de
Educação -ISES-, que mantêm em sua estrutura administrativa e maneira profunda e que poderá atuar na gestão, inspeção, orientação
pedagógica os Cursos Normais Superiores, que deverão também formar educacional entre outros tantos cargos e espaços educativos.
os professores multidisciplinares (ou polivalentes) para atuarem na
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino fundamental.
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO.
Esclarecendo, os cursos de Pedagogia formam os profissionais de
Educação que terão por foco de estudo e objeto de preocupação o O financiamento da educação, a partir da Constituição Federal
fenômeno educativo, a Educação do cidadão, ocorra ela dentro ou fora (CF) de 1988, passou a sofrer menos intempéries, visto que o legislador
dos limites da instituição escolar. Neste sentido, tem sido princípio da garantiu o mínimo necessário, ou seja, 18% para a União e 25% de
área que para se tornar pedagogo, profissional que irá atuar na gestão, Estados e Municípios.
inspeção, orientação, dentro, sobretudo das instituições escolares, este
Além disso, no artigo 211, parágrafo primeiro, está dito que “ A
deverá ser por excelência um professor, um docente que conhece a
União organizará o sistema federal de ensino e financiará as instituições
finalidade maior da existência da escola, que é oferecer acesso ao
de ensino públicas, federais e exercerá, em matéria educacional, função
conhecimento pelas vias de participação no processo de ensino para que
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
o outro possa aprender e se tornar/formar pessoa-cidadão.
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino
Cabe esclarecer, portanto, que a academia sempre defendeu e mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal
continua defendendo o princípio lógico de que para se tornar pedagogo e aos Municípios.”
este profissional deveria ter a docência enquanto eixo da sua formação,
O que significa isso de fato? 18% e 25% sobre o que?
porém a Pedagogia não se esgota na formação docente. Vai além em
termos de referencial e profundidade teórica e em termos da abrangência A CF estabelece em seus artigos de 157 a 162, que o sistema
com que se analisa, estuda e desenvolve o fenômeno educativo. tributário deve ser partilhado pelas esferas de governo, visto que no
Brasil é o governo federal quem mais arrecada. Desta forma, parte da
A questão que pode suscitar dúvidas reside no fato de que a LDB
arrecadação da União é transferida para Estados e Municípios e parte da
estabelece uma nova estrutura institucional, que são os ISES e suas
arrecadação dos Estados é transferida aos Municípios, porque esse
diversas modalidades de formação, enquanto espaço privilegiado para a
último ente federado é quem menos arrecada.
formação de qualquer licenciado, buscando tornar-se um espaço
específico de formação de professores, tal como foi pensado e No entanto, é exatamente nos Municípios, os que menos
posteriormente reforçado pelo Decreto Presidencial nº 3.276, de 06 de arrecadam, que as políticas públicas acontecem, pois é onde vivem as
dezembro de 1999 (já reformulado pela força do movimento dos pessoas. E mesmo após a partilha dos recursos, a União fica com mais
profissionais da Educação) . da metade da arrecadação, por isso, em muitos lugares, caso não haja
complementação, os locais não têm condições de investimento, visto que
Tal intenção esbarra na autonomia didático-pedagógica que a
a transferência dá apenas para os salários dos profissionais de ensino.
Constituição Federal atribui para as instituições universitárias -Centros
Universitários e Universidades-, que podem gerir seus projetos Mas a partir de que bolo são calculados os 18%? No Brasil há três
pedagógicos com autonomia, respeitando as orientações e definições categorias de tributos, impostos, taxas e contribuições. Os impostos são
das Diretrizes instituídas (Diretrizes Curriculares Nacionais para a muito importantes, pois por meio deles o governo obtém recursos que
Formação dos Professores da Escola Básica, já aprovada e das custeiam quase todas as políticas públicas. As taxas são tarifas públicas
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia, em cobradas para fornecimento de algum serviço, tal como documento, ou
estudo). segunda via de certidões e passaportes, por exemplo. As contribuições
de melhoria são cobradas do contribuinte que teve, por exemplo, seu
O que pode ser entendido é que estão tentando descaracterizar a
imóvel valorizado por alguma benfeitoria. E as contribuições sociais e
Pedagogia enquanto licenciatura, tentando colocá-la como bacharelado,
econômicas, de competência da União. As sociais são para cobrir gastos
definindo que os professores tenham formação em instituição única.
da Seguridade Social e as econômicas para fomentos de certas
Esquecem-se, porém, de colocar que o mesmo pode não ocorrer frente
atividades econômicas.
ao fato da autonomia dos Centros Universitários e Universidades, que
poderão insistir, inclusive judicialmente, na isonomia Para o cálculo dos 18% são computados apenas os impostos,
conforme estabelecido pelo parágrafo 212 da CF, que diz que a União

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aplicará nunca menos de 18% e os Estados e Distrito Federal e os Municípios. Quem arrecada a contribuição é o INSS, que fica com 1% a
Municípios, nunca menos que 25% da receita resultante dos impostos e título de administração e repassa o restante para o FNDE, que desconta
transferências constitucionais. E, ainda neste mesmo artigo, está dito 10% e dividi os 90% da seguinte forma:
que o ensino fundamental terá o acréscimo da contribuição social A União fica com um terço dos recursos mais os 10% do FNDE.
do salário-educação, recolhidos pelas empresas. (a emenda 53 de Os outros dois terços dos 90% ficam com Estados e Municípios, em
2006 modificou isso, acrescentando as outras etapas de ensino). razão direta ao número de matrículas de cada ente federado, de acordo
A fórmula de cálculo é a seguinte: Após os repasses obrigatórios com o censo escolar do ano anterior.
para os fundos de participação de Estados e Municípios e dos Estados Além do salário-educação o FNDE possui verbas oriundas de
para os Municípios (esses repasses são feitos para diminuir o impacto outras contribuições sociais. O Fundo desenvolve alguns projetos
das grandes diferenças de arrecadação e para aumentar o poder de importantes, tais como: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE),
investimento de Estados e Municípios, levando em consideração que a Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Brasil Alfabetizado,
União arrecada aproximadamente 70% dos tributos, os Estados perto de Apoio ao Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (Fazendo
25% e os Municípios em torno de 5%) , as porcentagens são retiradas escola/PEJA) e Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar
do bolo restante. Isso ocorre para não haver dupla contabilização. (Pnate).
Os recursos transferidos são destinados à Manutenção e Os fundos, criados em 1996 – para manutenção e
Desenvolvimento do Ensino, conforme o disposto no artigo 212 da CF, desenvolvimento do ensino fundamental- Fundef- e em 2007 –
regulamentado pela LDB, ou seja, para o grupo de ações que estão substituindo o anterior e visando à educação básica como um todo-
dentro deste critério. As atividades suplementares, tais como merenda, Fundeb- representam uma tentativa de racionalização do gasto
uniformes, dinheiro direito na escola são financiados com outros recursos educação. Podemos dizer que além da vinculação de recursos, conforme
administrados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação explicado acima, há a subvinculação.
(FNDE), com recursos provenientes, dentre outras fontes, do salário-
O Fundef, criado com inspiração no que estava registrado nas
educação, recolhido pela União, que uma parte para Estados e
Disposições transitórias da CF, que dizia que em 10 anos o poder público
Municípios.
deveria aplicar 50% do total de recursos para educação na
universalização do ensino fundamental e na drástica redução do
O que significa a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino analfabetismo. No entanto, o Fundef só seria aprovado 8 anos depois,
(MDE) ? O que está dentro disso? estendendo por mais dez anos o disposto na disposições transitórias,
mas retirando a meta da alfabetização, pois partiam do perverso princípio
Apesar de vaga a expressão MDE, ela diz respeito a ações de que universalizando o ensino fundamental estariam resolvendo por
específicas, que focam diretamente o ensino. Ações estas especificadas inércia o analfabetismo.
pela LDB, artigo 70. São elas:
A Educação de jovens e adultos também não foi retirada do
· Remunerar e aperfeiçoar os profissionais da educação; Fundef. Podemos dizer que o Fundo foi um avanço para o ensino
· Adquirir, manter, construir e conservar instalações e fundamental, que está praticamente universalizado, mas o fato de os
equipamentos necessários ao ensino (construção de escolas, por outros níveis de ensino terem ficado fora do bolo, fez com que,
exemplo); especialmente, a educação infantil e o ensino médio ficassem com um
prejuízo enorme.
· Usar e manter serviços relacionados ao ensino tais como
aluguéis, luz, água , limpeza etc. Pois cada ente federado deveria separar 60% do bolo de recursos
para o Fundef e o restante aplicar em suas prioridades, ou seja, Estados
· Realizar estudos e pesquisas visando o aprimoramento da
em ensino médio e municípios em educação infantil (creche e pré-
qualidade e expansão do ensino, planos e projetos educacionais.
escola). No caso da União, após o repasse ela deveria aplicar o restante
· Realizar atividades meio necessárias ao funcionamento do no ensino superior e cumprir a função redistributiva, ou seja, aqueles
ensino como vigilância, aquisição de materiais... Estados que não conseguissem atingir o mínino de recursos para o
Fundo teria complementação da União, o que nunca ocorreu como
· Conceder bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e
deveria.
privadas.
O Fundef, apesar de seus avanços, trouxe um grande prejuízo ao
· Adquirir material didático escolar.
desenvolvimento do ensino médio e educação infantil, conforme
· Manter programas de transporte escolar. podemos observar hoje, com os grandes déficits de oferta destes níveis.
Além dessas receitas, há outras fontes, tais como o salário- Isso foi um dos motivos que levaram às instituições que lutam por uma
educação, que é recolhido das empresas, sobre o cálculo de suas folhas educação de qualidade para todos, se movessem para substituir o
de pagamento. Essa receita é dividida entre União, Estados e Fundef, pelo Fundeb.

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Três anos após a implantação do Fundef, vários segmentos 1 - Filosofia
sociais já percebiam que o fundo não era suficiente para suprir as A palavra filosofia é correntemente utilizada no nosso dia-a-dia,
grandes necessidades da política e em 1999 foi apresentada uma nova como por exemplo, nas expressões seguintes: “Esta é a minha filosofia
proposta ao Parlamento. A Proposta de Emenda Constitucional que de vida.”, ou “Pela minha filosofia, considero esta postura inadequada.”.
criava o Fundeb. No entanto, só em 2006 ela foi aprovada e passou a Sabemos, ou já ouvimos dizer, que ela significa “amigo da sabedoria”
valer a partir de 2007. (filon = amigo / sofia = sabedoria), e também já ouvimos referências aos
Como sempre houve um sub-financiamento da educação, ao famosos filósofos gregos, como Aristóteles, Sócrates e Platão. Mas
Fundeb foram acrescidos novos recursos, como os oriundos do IPVA, afinal, sabemos realmente o que é filosofia e para que ela serve?
por exemplo, ampliou o financiamento, mas ampliou, também o número No decorrer da nossa história, muitas foram as definições
de alunos atendidos, não equacionando, ainda, a questão do sub- atribuídas à Filosofia, das mais simples as mais complexas, levando a
financiamento. pessoas, muitas vezes, a descartar a sua importância, retrucando que “é
O cálculo do Fundeb também é feito de acordo com o número de um jogo inútil e estéril de palavras” ou que é “muito difícil e só serve e
matrícula na educação básica pública de acordo com os dados do último interessa a pessoas especiais e muito inteligentes”. Uma frase muito
censo escolar, feito anualmente. Dividi-se o montante pelo número de popular, que diz respeito a Filosofia, é que “a filosofia é uma ciência com
matriculados para se obter o valor aluno e em seguida repassar aos a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual”, referindo-se que não
Estados e municípios a parte que cabe a cada um. Aqueles que não precisamos dela para resolver os nossos problemas.
atingirem o valor mínimo por aluno deverão ter complementação da Buscando uma outra vertente, o autor aborda que “... a Filosofia é
União. Já se verificou que a União, em muitos momentos, subdimensiona um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço que o ser
o custo por aluno para não ter de efetuar a complementação para os humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um
diversos estados que não conseguiriam atingir o piso. sentido, um significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em
Os Estados receberão recursos de acordo com o número de Filosofia, significa um conjunto coerente e organizado de entendimentos
matrículas no ensino fundamental e médio e os Municípios com base no sobre a realidade. Conhecimentos estes que expressam o entendimento
ensino fundamental e educação infantil que se tem do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações.” (p.22).

Fonte: www.criancanoparlamento.org.br Podemos explicar melhor a colocação acima nos reportando ao


trabalho do filósofo, que consiste em sistematizar as aspirações
humanas, sendo elas que dão o sentido ao cotidiano e a suas
implicações, ou seja, ninguém vive sem um sentido para a vida, e o
EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA: BASES FILOSÓFICAS,
filósofo busca o entendimento desse sentido norteador, reflete o destino
SOCIOLÓGICAS, PSICOLÓGICAS, ANTROPOLÓGI- da humanidade.
CAS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO.
“A Filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de
Aspectos Filosóficos da Educação entendimento que tanto propicia a compreensão da sua existência, em
termos de significado, como lhe oferece um direcionamento para a sua
LUCKESI, Cipriano (1990). Filosofia da Educação. São Paulo: ação, um rumo para seguir ou, ao menos, para lutar por ele. Ela
Cortez. estabelece um quadro organizado e coerente de “visão de mundo”
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO sustentando, consequentemente, uma proposição organizada e coerente
para o agir. Nós não “agimos por agir”. Agimos, sim, por uma certa
Este livro foi elaborado com o propósito de servir como material de
finalidade, que pode ser mais ampla ou mais restrita. As finalidades
apoio para cursos de formação do magistério. O autor objetivou discutir
restrita são aquelas que se referem à obtenção de benefícios imediatos,
a Filosofia da Educação vinculada diretamente com a prática docente,
tais como: comprar um carro, assumir um cargo.
refletindo-a e buscando ter clareza do seu significado, discutindo a
didática como um elemento articulador dos aspectos teóricos e filosóficos As finalidades mais amplas são aquelas que se referem ao sentido
da educação com o exercício docente. da existência: buscar o bem da sociedade, lutar pela emancipação dos
oprimidos, lutar pela emancipação de um povo, etc.. Isso tudo, por quê?
I - DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO À PEDAGOGIA
Certamente devido ao fato de que a vida só tem sentido se vivida em
Filosofia e Educação: elucidações conceituais e articulações função de valores dignos e dignificantes. Desse modo, a Filosofia é um
corpo de entendimentos que compreende a direciona a existência
Segundo Luckesi, a educação é norteada por uma concepção
humana em suas mais variadas dimensões.” (p. 23)
teórica, ou seja, a prática educacional é estruturada em uma concepção
filosófica que direciona os elementos envolvidos neste processo. A Filosofia deve propiciar um modo coerente de agir, já que parte
de uma forma coerente de interpretar o mundo.
Em primeiro lugar, discute o que é filosofia, articulando-a,
posteriormente, com a educação.

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Segundo Leôncio Basbaum, “a filosofia não é, de modo algum, (não o interesse pessoal, mas o interesse social) determina, assim, os
uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a julgamentos do homem no domínio da vida social.” (Plekanov)
própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. Por Como já dissemos, a filosofia busca a interpretação dos anseios
vezes, através de uma simples atividade prática, outras vezes no fundo humanos, ou seja, não preocupa-se só com o presente, mas com o que
de uma metafísica profunda e existencial, mas sempre dentro da está por vir, sendo que é condicionada pelo momento histórico e, ao
atividade humana, física ou espiritual, há filosofia (...) A filosofia traduz o mesmo tempo, condicionante do momento histórico subsequente. Mas
sentir, o pensar e o agir do homem. Evidentemente, ele não se alimenta como?
da filosofia, mas, sem dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia.”.
A filosofia manifesta-se como impulsionadora da ação, refletindo
Todos nós temos necessidade de compreender o mundo, sendo as aspirações do homem e, consequentemente influenciando os
uma necessidade natural do ser humano, não sendo este um aspecto acontecimentos futuros, que já não serão os mesmos partindo-se do
somente do filósofo. Todos nós, seres viventes, segundo Arcângelo pressuposto que já foram influenciados por uma reflexão anterior. Pode-
Buzzi, possuímos uma filosofia de vida, uma concepção de mundo, uma se considerá-la como um sustentáculo de um determinado modo de agir,
significação inconsciente que emprestamos à vida, sendo que podemos uma arma política.
dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão. O
Em função disto, podemos identificar contradições no decorrer da
sentido crítico do termo fica reservado àqueles que consciente e
história humana. Ao mesmo tempo em que governantes exorcizam a
deliberadamente se põem a filosofar.
filosofia, concebendo-a como uma subversão, buscam fundamentar o
A filosofia é uma reflexão crítica sobre o significado e sentido das seu poder em concepções que lhe deem a garantia da administração
coisas e do mundo, e é orientada por valores oriundos do cotidiano, que política do povo e da nação e justifiquem a sua totalidade.
podem ser adquiridos espontaneamente, através de um direcionamento
Como aborda o autor (p. 27), “não há como negar a filosofia sem
diário inconsciente, decorrente de massificação, do senso comum. Sobre
fazer filosofia, porque para se negar o valor da filosofia dentro do mundo
direcionamento é que deve desenvolver-se o filosofar.
é preciso ter uma concepção do mundo que sustente esta negação”.
Quem não pensa, é pensado por outros, portanto, se não
O pensamento filosófico não é neutro, mas contaminado por
buscarmos refletir criticamente a nossa existência, damos espaço para
interesses e aspirações, e podemos identificar no decorrer de sua história
que o setor dominante pense e decida por nós.
estas evidências de forma bem clara, tanto servindo para impor uma
Luckesi (p. 25) retoma alguns autores para evidenciar a ideologia dominante como para alçar transformações sócio- culturais.
importância de uma compreensão da existência:
2 - O Processo de Filosofar
“Os filósofos exprimem sempre, em cada instante, o pensamento
É de suma importância evidenciarmos como se constitui esse
de um grupo social, de classe ou povo a que pertencem ou representam.
corpo de entendimento a qual nos referimos, e que dá significado ao
Eles são os teoristas, os que explicam e interpretam os desejos, as
mundo. Mas, muitas indagações pairam no ar: Filosofar é inútil? É difícil
tendências e as reivindicações desses grupos, classes ou povos. Seu
e complicado? Como se constitui a filosofia? Como é filosofar?
pensamento depende da situação de domínio ou submissão em que se
encontra o seu grupo, classe ou povo, em relação a outros povos, grupos Para discutir estas questões, o autor reporta-se a Gramsci (p.28):
ou classes. Depende de estar no poder ou em luta pelo poder, em “deve-se destituir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja
ascensão ou em decadência.” (Leôncio Basbaum) algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma
determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos
“O ato de filosofar versa sobre o ato de viver, a Filosofia e a História
profissionais e sistemáticos”..
. Por outro lado, isso não significa que a história, que o puro viver, seja
anterior à filosofia. Não há anterioridade da filosofia sobre a história nem Há uma grande tendência em assumirmos o senso comum, ou
da história sobre a filosofia. O ato de viver já está posto na percepção do seja, quando não refletimos a respeito de determinado aspecto, deixamo-
ser, a vida é filosofia. Ao filósofo resta extrair essa filosofia, dizer o nos levar pelo que é comum e hegemônico socialmente.
pensamento pressuposto de um tal viver, indicar a partir de qual
O primeiro passo para o processo de filosofar é assumir a
horizonte, de qual dimensão, um tal viver se constitui.” (Arcângelo Buzzi)
necessidade de conhecer os valores que nos norteiam, tomando
“As ideias ou os princípios dos homens provêm da experiência, consciência das ações, lugares e direções que permeiam a nossa vida.
quer se trate de princípios especulativos, quer de princípios práticos de Um segundo passo, o momento crítico, consiste em submeter esses
moral. Os princípios morais variam segundo os tempos e lugares. valores a uma crítica profunda, identificando o seu significado em nosso
Quando os homens condenam uma determinada ação é porque ela os cotidiano, a sua essência, desvendando-lhes o segredo. O terceiro
prejudica; quando a enaltecem é porque ela lhes é útil. O interesse momento consiste na construção crítica dos valores que venham a ter

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um significado norteador de nossa existência, valores estes válidos Quando a educação não é refletida, efetua-se de foram
para orientar nossas ações no sentido que desejarmos seguir. cristalizada, reproduzindo valores do meio de produção, acomodando-
nos em uma única interpretação de mundo, não possibilitando uma
Estes momentos acima referidos não são fragmentados, como nos lapidação adequada a cada realidade.
foi exposto. O processo de filosofar é uma constante tomada de
consciência, reflexão e reconstrução de valores, simultaneamente. Um Não temos como desvincular filosofia e educação, sendo-nos
momento é, ao mesmo tempo, dependente e propiciador do outro. muito mais rico e eficaz propiciarmos esta parceria de forma consciente
e inovadora.
3 - Filosofia e Educação
4 - Pedagogia
A educação não se manifesta como um fim em si mesma, mas sim
como um instrumento social de manutenção ou transformação. Os processos sócio-culturais, a concepção psicológica do
Caracteriza-se por uma preocupação, uma finalidade a ser atingida, educando, a forma de organização do processo educacional, e outros,
necessitando, portanto, de pressupostos que a norteiem. É a reflexão permeiam a pedagogia, e devem estar articulados a partir de
filosófica quem instrumentaliza a educação em uma sociedade. A pressupostos filosóficos.
educação preocupa-se em propiciar o desenvolvimento das novas Somente através de uma reflexão filosófica sobre a educação é
gerações, enquanto que a filosofia é reflete o que e como deve ser este que devemos estruturar a ação pedagógica, pois esta permite a
desenvolvimento. compreensão dos valores envolvidos, possibilitando-nos direcionar a
Segundo Anísio Teixeira (p.31), abordando filosofia como forma de prática educacional vigente e orientando a posterior.
vida de um povo, “muito antes que as filosofias viessem expressamente
a ser formuladas em sistemas, já a educação, como processo de
Educação e Sociedade: redenção, reprodução e
perpetuação da cultura, nada mais era do que o meio de se transmitir a
transformação
visão do mundo e do homem, que a respectiva sociedade honrasse e
cultivasse.” Para que possamos entender que sentido devemos dar à
educação dentro de uma sociedade, num primeiro momento, devemos
Percebemos uma preocupação com o aspecto educacional desde
buscar compreendê-la bem como ao seu direcionamento.
os pré-socráticos. Citamos os sofistas, que foram educadores, e os
primeiros a receberem uma remuneração para ensinar. O próprio São três as tendências filosófico-políticas da educação
Sócrates morreu em função do seu ideal de educar e estabelecer uma necessárias a nossa compreensão: a educação como redenção, como
moralização grego-ateniense. reprodução e como transformação da sociedade. Filosóficas, porque
compreendem o seu sentido, e políticas porque constituem um
Tanto a Filosofia como a Educação estão presentes em todas as
direcionamento para sua ação.
sociedades, de forma sistematizada ou não, a primeira refletindo as
aspirações humanas e a outra como instrumento veiculador dessa 1 - Educação como redenção da sociedade
reflexão.
Esta tendência concebe a sociedade como composta por
Luckesi (p. 32) releva que “a Filosofia fornece à educação uma indivíduos que convivem em um todo orgânico e harmonioso, ocorrendo
reflexão sobre a sociedade na qual está situada, sobre o educando, o alguns desvios, sejam eles grupais ou individuais. Para a manutenção
educador e para onde esses elementos podem caminhar. desta sociedade, deve-se integrar os indivíduos novos (novas gerações)
ou que estão a sua margem, adaptando-os aos seus parâmetros.
Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente
duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se O papel da educação seria o de redentora da sociedade, sendo
realiza uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente e quase que exterior a ela, tendo como finalidade a (re) integração
se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou harmônica do indivíduo ao seu meio, ou seja, no todo social. Deve,
menos obscura e opaca existente na cultura vivida do dia-a-dia - e assim segundo referência do autor a Saviani (p. 38) ”reforçar os laços sociais,
se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência. promover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos
no corpo social.”.
O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu papel no mundo;
o educador, quem é, qual o seu papel o mundo; a sociedade, o que é, o A educação, neste contexto, assume-se como autônoma na
que pretende; qual deve ser a finalidade da ação pedagógica. Estes são medida em que se configura como mantenedora do corpo social, sendo
alguns problemas que emergem da ação pedagógica dos povos para a que ela é quem interfere na sociedade, e não o contrário.
reflexão filosófica, no sentido de que esta estabeleça pressupostos para
Um grande exemplo desta concepção de educação está na obra
aquela.
de Comênio “Didática Magna: Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo
Assim sendo, não há como processar uma ação pedagógica sem a Todos, onde fica evidente que para ele havia uma ordem, uma
uma correspondente reflexão filosófica...”. harmonia primitiva, no Paraíso Terrestre, instituída por Deus, e a qual o

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homem quebrou, através do pecado, cabendo à educação a recuperação Não há como continuar a produzir sem a entrada de matérias-
dessa ordem. Somente através da educação das crianças e dos jovens primas e sem a reprodução das condições técnicas da produção. Os
(gerações novas) a sociedade será redimida, não havendo equipamentos desgastam-se ou tornam-se obsoletos. Todavia, não nos
possibilidades através do adulto interessa aprofundar, aqui, o estudo da reprodução dos bens materiais.
Basta-nos, por enquanto, saber que sua reprodução é condição
Comênio ressalta que “um dos primeiros ensinamentos que a indispensável para manter a sua produção.
Sagrada Escritura nos dá é este: sob o sol não há nenhum outro caminho
mais eficaz para corrigir as corrupções humanas que a reta educação da No entanto, a produção de bens materiais e sua reprodução não
juventude.”. se realizam sem outro elemento básico: a força de trabalho. Como
qualquer outro elemento, ela não é infinita e inesgotável, o que exige,
Esta concepção de educação permaneceu durante muito tempo, também, a sua reprodução (...) torna-se necessária a formação
influenciando a Pedagogia Tradicional bem como os pedagogos do final profissional, segundo os diversos níveis e necessidades da divisão social
século XIX na Pedagogia Nova. Ainda hoje podemos identificar sequelas do trabalho.”.
desta tendência em práticas onde não há um compromisso político e sim
uma proposta de “por ordem na sociedade”. A partir deste quadro, a escola passou a atuar como instrumento
para a reprodução qualitativa da força de trabalho da qual necessitava a
A esta tendência, Dermeval Saviani denomina de “teoria não- sociedade capitalista, sendo que para Althusser ela atua em dois
crítica da educação”, em função da não contextualização crítica dentro sentidos:
da sociedade na qual está inserida.
1. Ensinando saberes práticos, para os diferentes alunos
2 - Educação como reprodução da sociedade (operários, técnicos, engenheiros, etc.) de acordo com os diferentes
A educação faz, integralmente, parte da sociedade e a reproduz. lugares de produção onde deveriam ser utilizados.
Desta forma é concebida a educação para esta segunda tendência, 2. Ensinando as regras dos bons costumes (regras de respeito pela
abordando-a como uma instância dentro da sociedade e exclusivamente divisão social do trabalho), de acordo com o lugar que o aluno estava
a seu serviço, determinada pelos condicionantes econômicos, sociais e destinado a ocupar.
políticos.
Para Althusser, a escola, e também outras instituições, ensinam os
A visão desta abordagem é “crítica”, pois condiciona a educação saberes práticos, mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia
aos seus determinantes, porém reprodutivista, pois destina-se a dominante. Todos devem desempenhar eficientemente a sua tarefa, seja
reproduzir seus próprios condicionantes, sendo denominada por Saviani ela de dominante ou de dominado, devendo, para isto, estar inserido
de ”teoria crítico-reprodutivista da educação”. adequadamente na ideologia. Não basta “saber fazer”, mas
Reportemo-nos ao livro Ideologia e Aparelhos Ideológicos de essencialmente também “saber comportar-se”.
Estado, de Louis Althusser, onde, a partir de pressupostos marxistas, “O termo ‘formação’, muito utilizado para definir os fins da atividade
aborda o papel da escola como um dos aparelhos do Estado, como umas escolar, expressa bem o papel de reprodutora do sistema que
das instâncias da sociedade que veicula a sua ideologia dominante, para desempenha a escola. ‘Formar’ quer dizer ‘dar forma a’, padronizar
reproduzi-la. segundo um modelo.
Luckesi (p. 42), discorre que “toda sociedade, para perenizar-se, Segundo o autor (p. 47), “a prática escolar que perpassa a vida das
necessita reproduzir-se em todos os seus aspectos; caso contrário, pessoas, da infância à maturidade, deixa sua marca indelével na
desaparece. Parafraseando Marx, Althusser no diz que se ‘uma formação personalidade de cada um reproduzindo a força de trabalho;
social não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo em que reproduzindo mais propriamente as relações de produção de uma dada
produz, não conseguirá sobreviver um ano que seja’. E, para que isso sociedade. Os papéis definidos pela divisão social do trabalho se
aconteça, tanto economistas marxistas como burgueses reconhecem especificam conforme a escolaridade de cada um”. Se reportando a
‘que não há produção possível sem que seja assegurada a reprodução Althusser, “Cada massa que fica pelo caminho está praticamente
das condições materiais da produção: a reprodução dos meios de recheada da ideologia que convém ao papel que ela deve desempenhar
produção’. na sociedade de classes:
Assim, a cada momento, os administradores da produção deverão • papel de explorado (com consciência profissional, moral,
estar atentos, verificando o que necessita ser suprido e/ou substituído, cívica, nacional e apolítica altamente desenvolvida);
para a manutenção do teor de produção ou para o seu incremento e
aumento. É impossível manter a produção sem que ocorra a reprodução • papel de agente da exploração (saber mandar e falar aos
dos meios materiais que garantam a manutenção ou o incremento da operários; as relações humanas);
produção, assim como torna-se necessária a ‘reprodução cultural’ da • de agentes de repressão (saber mandar e ser obedecido sem
sociedade. É este o tema de abordagem de Althusser. Vamos seguir seu discussão ou saber manejar a demagogia da retórica dos dirigentes
raciocínio. políticos);

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• ou (de) profissionais (que saibam tratar as consciências com I - DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO À PEDAGOGIA
respeito, isto é, com o desprezo, a chantagem, a demagogia que Filosofia e Educação: elucidações conceituais e articulações
convém, acomodados às sutilezas da Moral, da Virtude, da
Segundo Luckesi, a educação é norteada por uma concepção
Transcendência, da Nação, do papel da França no mundo, etc..)”.
teórica, ou seja, a prática educacional é estruturada em uma concepção
Nesta concepção, é a sociedade quem institui a escola a seu filosófica que direciona os elementos envolvidos neste processo.
serviço, sendo esta apenas um instrumento de reprodução e
Em primeiro lugar, discute o que é filosofia, articulando-a,
manutenção do sistema vigente.
posteriormente, com a educação.
3 - Educação como transformação da sociedade
1 - Filosofia
Esta terceira tendência tem como objetivo compreender a
A palavra filosofia é correntemente utilizada no nosso dia-a-dia,
educação como uma mediadora de um projeto social, seja ele
como por exemplo, nas expressões seguintes: “Esta é a minha filosofia
conservador ou transformador, não colocando a educação como
de vida.”, ou “Pela minha filosofia, considero esta postura inadequada.”.
mantenedora da sociedade, a serviço da conservação. Busca
Sabemos, ou já ouvimos dizer, que ela significa “amigo da sabedoria”
compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes
(filon = amigo / sofia = sabedoria), e também já ouvimos referências aos
e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua
famosos filósofos gregos, como Aristóteles, Sócrates e Platão. Mas
democratização efetiva e concreta, atingindo os aspectos não só
afinal, sabemos realmente o que é filosofia e para que ela serve?
políticos, mas também sociais e econômicos, podendo ser denominada
de “crítica”. No decorrer da nossa história, muitas foram as definições
atribuídas à Filosofia, das mais simples as mais complexas, levando a
Luckesi (p. 49) enfoca que “para tanto, importa interpretar a
pessoas, muitas vezes, a descartar a sua importância, retrucando que “é
educação como uma instância dialética que serve a um projeto, a um
um jogo inútil e estéril de palavras” ou que é “muito difícil e só serve e
modelo, a um ideal de sociedade. Ela medeia esse projeto, ou seja,
interessa a pessoas especiais e muito inteligentes”. Uma frase muito
trabalha para realizar esse projeto na prática. Assim, se o projeto for
popular, que diz respeito a Filosofia, é que “a filosofia é uma ciência com
conservador, medeia a conservação; contudo, se o projeto for
a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual”, referindo-se que não
transformador, medeia a transformação; se o projeto for autoritário,
precisamos dela para resolver os nossos problemas.
medeia a realização do autoritarismo; se o projeto for democrático,
medeia a realização da democracia.” Buscando uma outra vertente, o autor aborda que “... a Filosofia é
um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço que o ser
A educação, para esta tendência, está a serviço de um projeto de
humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um
libertação das maiorias dentro da sociedade. Não se restringe a um
sentido, um significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em
trabalho simples, sendo que muitas barreiras podem ser encontradas
Filosofia, significa um conjunto coerente e organizado de entendimentos
dentro de uma sociedade capitalista, onde há uma ideologia dominante
sobre a realidade. Conhecimentos estes que expressam o entendimento
impondo as regras, mas devemos lutar contra a discriminação, contra o
que se tem do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações.” (p.22).
rebaixamento do ensino das camadas populares e contra a apropriação
da escola pelos interesses dominantes. Podemos explicar melhor a colocação acima nos reportando ao
trabalho do filósofo, que consiste em sistematizar as aspirações
4 - Conclusão
humanas, sendo elas que dão o sentido ao cotidiano e a suas
Após discorrermos sobre estas três tendências interpretativas da implicações, ou seja, ninguém vive sem um sentido para a vida, e o
educação, traçamos um parâmetro para que você possa identificar os filósofo busca o entendimento desse sentido norteador, reflete o destino
principais pontos de cada uma. da humanidade.

“A Filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de


entendimento que tanto propicia a compreensão da sua existência, em
Aspectos Filosóficos da Educação
termos de significado, como lhe oferece um direcionamento para a sua
LUCKESI, Cipriano (1990). Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez. ação, um rumo para seguir ou, ao menos, para lutar por ele. Ela
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO estabelece um quadro organizado e coerente de “visão de mundo”
sustentando, consequentemente, uma proposição organizada e coerente
Este livro foi elaborado com o propósito de servir como material de
para o agir. Nós não “agimos por agir”. Agimos, sim, por uma certa
apoio para cursos de formação do magistério. O autor objetivou discutir
finalidade, que pode ser mais ampla ou mais restrita. As finalidades
a Filosofia da Educação vinculada diretamente com a prática docente,
restrita são aquelas que se referem à obtenção de benefícios imediatos,
refletindo-a e buscando ter clareza do seu significado, discutindo a
tais como: comprar um carro, assumir um cargo.
didática como um elemento articulador dos aspectos teóricos e filosóficos
da educação com o exercício docente.

53
As finalidades mais amplas são aquelas que se referem ao sentido história nem da história sobre a filosofia. O ato de viver já está posto na
da existência: buscar o bem da sociedade, lutar pela emancipação dos percepção do ser, a vida é filosofia. Ao filósofo resta extrair essa filosofia,
oprimidos, lutar pela emancipação de um povo, etc.. Isso tudo, por quê? dizer o pensamento pressuposto de um tal viver, indicar a partir de qual
Certamente devido ao fato de que a vida só tem sentido se vivida em horizonte, de qual dimensão, um tal viver se constitui.” (Arcângelo Buzzi)
função de valores dignos e dignificantes. Desse modo, a Filosofia é um “As ideias ou os princípios dos homens provêm da experiência,
corpo de entendimentos que compreende a direciona a existência quer se trate de princípios especulativos, quer de princípios práticos de
humana em suas mais variadas dimensões.” (p. 23) moral. Os princípios morais variam segundo os tempos e lugares.
A Filosofia deve propiciar um modo coerente de agir, já que parte Quando os homens condenam uma determinada ação é porque ela os
de uma forma coerente de interpretar o mundo. prejudica; quando a enaltecem é porque ela lhes é útil. O interesse (não
o interesse pessoal, mas o interesse social) determina, assim, os
Segundo Leôncio Basbaum, “a filosofia não é, de modo algum, julgamentos do homem no domínio da vida social.” (Plekanov)
uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a
própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. Por Como já dissemos, a filosofia busca a interpretação dos anseios
vezes, através de uma simples atividade prática, outras vezes no fundo humanos, ou seja, não preocupa-se só com o presente, mas com o que
de uma metafísica profunda e existencial, mas sempre dentro da está por vir, sendo que é condicionada pelo momento histórico e, ao
atividade humana, física ou espiritual, há filosofia (...) A filosofia traduz o mesmo tempo, condicionante do momento histórico subsequente. Mas
sentir, o pensar e o agir do homem. Evidentemente, ele não se alimenta como?
da filosofia, mas, sem dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia.”. A filosofia manifesta-se como impulsionadora da ação, refletindo
Todos nós temos necessidade de compreender o mundo, sendo as aspirações do homem e, consequentemente influenciando os
uma necessidade natural do ser humano, não sendo este um aspecto acontecimentos futuros, que já não serão os mesmos partindo-se do
somente do filósofo. Todos nós, seres viventes, segundo Arcângelo pressuposto que já foram influenciados por uma reflexão anterior. Pode-
Buzzi, possuímos uma filosofia de vida, uma concepção de mundo, uma se considerá-la como um sustentáculo de um determinado modo de agir,
significação inconsciente que emprestamos à vida, sendo que podemos uma arma política.
dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão. O Em função disto, podemos identificar contradições no decorrer da
sentido crítico do termo fica reservado àqueles que consciente e história humana. Ao mesmo tempo em que governantes exorcizam a
deliberadamente se põem a filosofar. filosofia, concebendo-a como uma subversão, buscam fundamentar o
A filosofia é uma reflexão crítica sobre o significado e sentido das seu poder em concepções que lhe deem a garantia da administração
coisas e do mundo, e é orientada por valores oriundos do cotidiano, que política do povo e da nação e justifiquem a sua totalidade.
podem ser adquiridos espontaneamente, através de um direcionamento Como aborda o autor (p. 27), “não há como negar a filosofia sem
diário inconsciente, decorrente de massificação, do senso comum. Sobre fazer filosofia, porque para se negar o valor da filosofia dentro do mundo
direcionamento é que deve desenvolver-se o filosofar. é preciso ter uma concepção do mundo que sustente esta negação”.
Quem não pensa, é pensado por outros, portanto, se não O pensamento filosófico não é neutro, mas contaminado por
buscarmos refletir criticamente a nossa existência, damos espaço para interesses e aspirações, e podemos identificar no decorrer de sua história
que o setor dominante pense e decida por nós. estas evidências de forma bem clara, tanto servindo para impor uma
Luckesi (p. 25) retoma alguns autores para evidenciar a ideologia dominante como para alçar transformações sócio- culturais.
importância de uma compreensão da existência: 2 - O Processo de Filosofar
“Os filósofos exprimem sempre, em cada instante, o pensamento É de suma importância evidenciarmos como se constitui esse
de um grupo social, de classe ou povo a que pertencem ou representam. corpo de entendimento a qual nos referimos, e que dá significado ao
Eles são os teoristas, os que explicam e interpretam os desejos, as mundo. Mas, muitas indagações pairam no ar: Filosofar é inútil? É difícil
tendências e as reivindicações desses grupos, classes ou povos. Seu e complicado? Como se constitui a filosofia? Como é filosofar?
pensamento depende da situação de domínio ou submissão em que se
Para discutir estas questões, o autor reporta-se a Gramsci (p.28):
encontra o seu grupo, classe ou povo, em relação a outros povos, grupos
“deve-se destituir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja
ou classes. Depende de estar no poder ou em luta pelo poder, em
algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma
ascensão ou em decadência.” (Leôncio Basbaum)
determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos
“O ato de filosofar versa sobre o ato de viver, a Filosofia e a História profissionais e sistemáticos”..
. Por outro lado, isso não significa que a história, que o puro viver, seja
anterior à filosofia. Não há anterioridade da filosofia sobre a

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Há uma grande tendência em assumirmos o senso comum, ou O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu papel no mundo;
seja, quando não refletimos a respeito de determinado aspecto, deixamo- o educador, quem é, qual o seu papel o mundo; a sociedade, o que é, o
nos levar pelo que é comum e hegemônico socialmente. que pretende; qual deve ser a finalidade da ação pedagógica. Estes são
alguns problemas que emergem da ação pedagógica dos povos para a
O primeiro passo para o processo de filosofar é assumir a reflexão filosófica, no sentido de que esta estabeleça pressupostos para
necessidade de conhecer os valores que nos norteiam, tomando aquela.
consciência das ações, lugares e direções que permeiam a nossa vida.
Um segundo passo, o momento crítico, consiste em submeter esses Assim sendo, não há como processar uma ação pedagógica sem
valores a uma crítica profunda, identificando o seu significado em nosso uma correspondente reflexão filosófica...”.
cotidiano, a sua essência, desvendando-lhes o segredo. O terceiro Quando a educação não é refletida, efetua-se de foram
momento consiste na construção crítica dos valores que venham a ter cristalizada, reproduzindo valores do meio de produção, acomodando-
um significado norteador de nossa existência, valores estes válidos para nos em uma única interpretação de mundo, não possibilitando uma
orientar nossas ações no sentido que desejarmos seguir. lapidação adequada a cada realidade.
Estes momentos acima referidos não são fragmentados, como nos Não temos como desvincular filosofia e educação, sendo-nos
foi exposto. O processo de filosofar é uma constante tomada de muito mais rico e eficaz propiciarmos esta parceria de forma consciente
consciência, reflexão e reconstrução de valores, simultaneamente. Um e inovadora.
momento é, ao mesmo tempo, dependente e propiciador do outro.
4 - Pedagogia
3 - Filosofia e Educação
Os processos sócio-culturais, a concepção psicológica do
A educação não se manifesta como um fim em si mesma, mas sim educando, a forma de organização do processo educacional, e outros,
como um instrumento social de manutenção ou transformação. permeiam a pedagogia, e devem estar articulados a partir de
Caracteriza-se por uma preocupação, uma finalidade a ser atingida, pressupostos filosóficos.
necessitando, portanto, de pressupostos que a norteiem. É a reflexão
Somente através de uma reflexão filosófica sobre a educação é
filosófica quem instrumentaliza a educação em uma sociedade. A
que devemos estruturar a ação pedagógica, pois esta permite a
educação preocupa-se em propiciar o desenvolvimento das novas
compreensão dos valores envolvidos, possibilitando-nos direcionar a
gerações, enquanto que a filosofia é reflete o que e como deve ser este
prática educacional vigente e orientando a posterior.
desenvolvimento.
Educação e Sociedade: redenção, reprodução e transformação
Segundo Anísio Teixeira (p.31), abordando filosofia como forma de
vida de um povo, “muito antes que as filosofias viessem expressamente Para que possamos entender que sentido devemos dar à
a ser formuladas em sistemas, já a educação, como processo de educação dentro de uma sociedade, num primeiro momento, devemos
perpetuação da cultura, nada mais era do que o meio de se transmitir a buscar compreendê-la bem como ao seu direcionamento.
visão do mundo e do homem, que a respectiva sociedade honrasse e
São três as tendências filosófico-políticas da educação
cultivasse.”
necessárias a nossa compreensão: a educação como redenção, como
Percebemos uma preocupação com o aspecto educacional desde reprodução e como transformação da sociedade. Filosóficas, porque
os pré-socráticos. Citamos os sofistas, que foram educadores, e os compreendem o seu sentido, e políticas porque constituem um
primeiros a receberem uma remuneração para ensinar. O próprio direcionamento para sua ação.
Sócrates morreu em função do seu ideal de educar e estabelecer uma
1 - Educação como redenção da sociedade
moralização grego-ateniense.
Esta tendência concebe a sociedade como composta por
Tanto a Filosofia como a Educação estão presentes em todas as
indivíduos que convivem em um todo orgânico e harmonioso, ocorrendo
sociedades, de forma sistematizada ou não, a primeira refletindo as
alguns desvios, sejam eles grupais ou individuais. Para a manutenção
aspirações humanas e a outra como instrumento veiculador dessa
desta sociedade, deve-se integrar os indivíduos novos (novas gerações)
reflexão.
ou que estão a sua margem, adaptando-os aos seus parâmetros.
Luckesi (p. 32) releva que “a Filosofia fornece à educação uma
O papel da educação seria o de redentora da sociedade, sendo
reflexão sobre a sociedade na qual está situada, sobre o educando, o
quase que exterior a ela, tendo como finalidade a (re) integração
educador e para onde esses elementos podem caminhar.
harmônica do indivíduo ao seu meio, ou seja, no todo social. Deve,
Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente segundo referência do autor a Saviani (p. 38) ”reforçar os laços sociais,
duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se promover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos
realiza uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente e no corpo social.”.
se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou
menos obscura e opaca existente na cultura vivida do dia-a-dia - e assim
se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência.

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A educação, neste contexto, assume-se como autônoma na Assim, a cada momento, os administradores da produção deverão
medida em que se configura como mantenedora do corpo social, sendo estar atentos, verificando o que necessita ser suprido e/ou substituído,
que ela é quem interfere na sociedade, e não o contrário. para a manutenção do teor de produção ou para o seu incremento e
aumento. É impossível manter a produção sem que ocorra a reprodução
Um grande exemplo desta concepção de educação está na obra dos meios materiais que garantam a manutenção ou o incremento da
de Comênio “Didática Magna: Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo produção, assim como torna-se necessária a ‘reprodução cultural’ da
a Todos, onde fica evidente que para ele havia uma ordem, uma sociedade. É este o tema de abordagem de Althusser. Vamos seguir seu
harmonia primitiva, no Paraíso Terrestre, instituída por Deus, e a qual o raciocínio.
homem quebrou, através do pecado, cabendo à educação a recuperação
dessa ordem. Somente através da educação das crianças e dos jovens Não há como continuar a produzir sem a entrada de matérias-
(gerações novas) a sociedade será redimida, não havendo primas e sem a reprodução das condições técnicas da produção. Os
possibilidades através do adulto equipamentos desgastam-se ou tornam-se obsoletos. Todavia, não nos
interessa aprofundar, aqui, o estudo da reprodução dos bens materiais.
Comênio ressalta que “um dos primeiros ensinamentos que a Basta-nos, por enquanto, saber que sua reprodução é condição
Sagrada Escritura nos dá é este: sob o sol não há nenhum outro caminho indispensável para manter a sua produção.
mais eficaz para corrigir as corrupções humanas que a reta educação da
juventude.”. No entanto, a produção de bens materiais e sua reprodução não
se realizam sem outro elemento básico: a força de trabalho. Como
Esta concepção de educação permaneceu durante muito tempo, qualquer outro elemento, ela não é infinita e inesgotável, o que exige,
influenciando a Pedagogia Tradicional bem como os pedagogos do final também, a sua reprodução (...) torna-se necessária a formação
século XIX na Pedagogia Nova. Ainda hoje podemos identificar sequelas profissional, segundo os diversos níveis e necessidades da divisão social
desta tendência em práticas onde não há um compromisso político e sim do trabalho.”.
uma proposta de “por ordem na sociedade”.
A partir deste quadro, a escola passou a atuar como instrumento
A esta tendência, Dermeval Saviani denomina de “teoria não- para a reprodução qualitativa da força de trabalho da qual necessitava a
crítica da educação”, em função da não contextualização crítica dentro sociedade capitalista, sendo que para Althusser ela atua em dois
da sociedade na qual está inserida. sentidos:
2 - Educação como reprodução da sociedade 1. Ensinando saberes práticos, para os diferentes alunos
A educação faz, integralmente, parte da sociedade e a reproduz. (operários, técnicos, engenheiros, etc.) de acordo com os diferentes
Desta forma é concebida a educação para esta segunda tendência, lugares de produção onde deveriam ser utilizados.
abordando-a como uma instância dentro da sociedade e exclusivamente 2. Ensinando as regras dos bons costumes (regras de respeito pela
a seu serviço, determinada pelos condicionantes econômicos, sociais e divisão social do trabalho), de acordo com o lugar que o aluno estava
políticos. destinado a ocupar.
A visão desta abordagem é “crítica”, pois condiciona a educação Para Althusser, a escola, e também outras instituições, ensinam os
aos seus determinantes, porém reprodutivista, pois destina-se a saberes práticos, mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia
reproduzir seus próprios condicionantes, sendo denominada por Saviani dominante. Todos devem desempenhar eficientemente a sua tarefa, seja
de ”teoria crítico-reprodutivista da educação”. ela de dominante ou de dominado, devendo, para isto, estar inserido
Reportemo-nos ao livro Ideologia e Aparelhos Ideológicos de adequadamente na ideologia. Não basta “saber fazer”, mas
Estado, de Louis Althusser, onde, a partir de pressupostos marxistas, essencialmente também “saber comportar-se”.
aborda o papel da escola como um dos aparelhos do Estado, como umas “O termo ‘formação’, muito utilizado para definir os fins da atividade
das instâncias da sociedade que veicula a sua ideologia dominante, para escolar, expressa bem o papel de reprodutora do sistema que
reproduzi-la. desempenha a escola. ‘Formar’ quer dizer ‘dar forma a’, padronizar
Luckesi (p. 42), discorre que “toda sociedade, para perenizar-se, segundo um modelo.
necessita reproduzir-se em todos os seus aspectos; caso contrário, Segundo o autor (p. 47), “a prática escolar que perpassa a vida das
desaparece. Parafraseando Marx, Althusser no diz que se ‘uma formação pessoas, da infância à maturidade, deixa sua marca indelével na
social não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo em que personalidade de cada um reproduzindo a força de trabalho;
produz, não conseguirá sobreviver um ano que seja’. E, para que isso reproduzindo mais propriamente as relações de produção de uma dada
aconteça, tanto economistas marxistas como burgueses reconhecem sociedade. Os papéis definidos pela divisão social do trabalho se
‘que não há produção possível sem que seja assegurada a reprodução especificam conforme a escolaridade de cada um”. Se reportando a
das condições materiais da produção: a reprodução dos meios de Althusser, “Cada massa que fica pelo caminho está praticamente
produção’. recheada da ideologia que convém ao papel que ela deve desempenhar
na sociedade de classes:

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• papel de explorado (com consciência profissional, moral, INTRODUÇÃO:
cívica, nacional e apolítica altamente desenvolvida); Contribuições da psicologia para a aprendizagem escolar
• papel de agente da exploração (saber mandar e falar aos “Sabemos que quanto mais informações os educadores tiverem
operários; as relações humanas); sobre o processo de aprendizagem dos conteúdos escolares, maiores
• de agentes de repressão (saber mandar e ser obedecido sem serão as chances de melhoria das práticas pedagógicas. Compreende-
discussão ou saber manejar a demagogia da retórica dos dirigentes se, assim, a relevância teórica dos estudos psicológicos para a área da
políticos); educação e a necessidade de se efetivar maior intercâmbio entre a
Psicologia e a Pedagogia, à medida que aumentam os problemas que as
• ou (de) profissionais (que saibam tratar as consciências com escolas tem que enfrentar” (DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z.).
respeito, isto é, com o desprezo, a chantagem, a demagogia que
convém, acomodados às sutilezas da Moral, da Virtude, da O programa ora apresentado pelas duas autoras parte de uma
Transcendência, da Nação, do papel da França no mundo, etc..)”. concepção distinta daquela que, em geral, é adotado em cursos
introdutórios de Psicologia aplicada à educação em cursos de formação
Nesta concepção, é a sociedade quem institui a escola a seu de professores a nível de 2º e 3º graus. A concepção prevalecente nos
serviço, sendo esta apenas um instrumento de reprodução e manutenção programas de tais cursos pretende-se eclético, no sentido de fornecer
do sistema vigente. uma ampla visão da área. Procura-se transmitir ao aluno um acervo de
3 - Educação como transformação da sociedade conhecimentos que abarca uma variedade de teorias de aprendizagem,
desenvolvimento e personalidade, muitas das quais, em essência,
Esta terceira tendência tem como objetivo compreender a
irreconciliáveis. O objetivo dessas orientações é propiciar ao futuro
educação como uma mediadora de um projeto social, seja ele
professor uma ampla gama de informações, na suposição de que ele
conservador ou transformador, não colocando a educação como
saberá, futuramente, selecionar aquelas que melhor lhe sirvam no
mantenedora da sociedade, a serviço da conservação. Busca
exercício da profissão.
compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes
e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua O objetivo do presente livro, portanto, não é apresentar ao futuro
democratização efetiva e concreta, atingindo os aspectos não só professor um conjunto de práticas de ensino, materiais e informações
políticos, mas também sociais e econômicos, podendo ser denominada teóricas, dizendo-lhe, em seguida, o que fazer na sala de aula para ser
de “crítica”. um bom professor. Antes, procura-se, sobretudo, “desequilibrar” as
ideias arranjadas, discutir suposições, criar espaço para as novas
Luckesi (p. 49) enfoca que “para tanto, importa interpretar a
reflexões.
educação como uma instância dialética que serve a um projeto, a um
modelo, a um ideal de sociedade. Ela medeia esse projeto, ou seja, Conhecendo os seus alunos e a maneira através da qual se dá o
trabalha para realizar esse projeto na prática. Assim, se o projeto for seu desenvolvimento no ambiente concreto em que vivem, entendendo
conservador, medeia a conservação; contudo, se o projeto for os mecanismos que propiciam e facilitam a apropriação de
transformador, medeia a transformação; se o projeto for autoritário, conhecimentos e, sobretudo, tendo consciência da importância da ação
medeia a realização do autoritarismo; se o projeto for democrático, docente, o professor poderá avaliar criticamente os conteúdos a ação
medeia a realização da democracia.” docente, o professor poderá avaliar criticamente os conteúdos escolares
e os métodos de ensino, de modo que a aprendizagem escolar conduza
A educação, para esta tendência, está a serviço de um projeto de
a um desenvolvimento efetivo.
libertação das maiorias dentro da sociedade. Não se restringe a um
trabalho simples, sendo que muitas barreiras podem ser encontradas
dentro de uma sociedade capitalista, onde há uma ideologia dominante Unidade I - A Psicologia na Educação
impondo as regras, mas devemos lutar contra a discriminação, contra o
rebaixamento do ensino das camadas populares e contra a apropriação 1- A construção social do sujeito
da escola pelos interesses dominantes. “Na Índia, onde os casos de meninos-lobos foram relativamente
4 - Conclusão numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala,
vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha uma ano e
Após discorrermos sobre estas três tendências interpretativas da meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade,
educação, traçamos um parâmetro para que você possa identificar os viveu até 1929. Não tinha nada de humano, e o seu comportamento era
principais pontos de cada uma. exatamente semelhante àquele dos seus irmãos lobos.

“Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e


Aspectos Psicológicos da Educação cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os
trajetos longos e rápidos.
DAVIS, Cláudia e OLIVEIRA, Zilma (1990). Psicologia da Educação.
SãoPaulo: Cortez.

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“Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de 2- A Psicologia do Desenvolvimento
carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais. Na instituição Segundo DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), desenvolvimento é o
onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas processo através do qual o indivíduo constrói ativamente, nas relações
numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir que estabelece com o ambiente físico e social, suas características.
e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito anos
Ao contrário de outras espécies, as características humanas não
na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela
são biologicamente herdadas, mas historicamente formadas. De geração
necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer
em geração, o grau de desenvolvimento alcançado por uma sociedade
só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram
vai sendo acumulado e transmitido, indo influir, já desde o nascimento,
aparecendo aos poucos.
na percepção que o indivíduo vai construindo sobra a realidade, inclusive
“Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se no que se refere às explicações do eventos e fenômenos do mundo
apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras com as natural.
quais conviveu.
Para que a apropriação das características humanas se dê, é
“A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por preciso que ocorra atividade por parte do sujeito: é necessário que sejam
gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário formadas ações e operações motoras e mentais.
rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.”
A formação dessas habilidades se dá ao longo da interação do
A partir do relato acima poderemos entender em que medida as
indivíduo como o mundo social, Ele deve dominar o uso de um número
características humanas dependem do convívio social. Amala e Kamala,
cada vez maior de objetos e aprender a agir em situações cada vez mais
as meninas-lobos da Índia por terem sido privadas do contato com outras
complexas, buscando identificar os significados desses objetos e
pessoas, não conseguiram se humanizar: não aprenderam a se
situações.
comunicar através da fala, não foram ensinadas a usar determinados
utensílios e instrumentos sociais, não desenvolveram processos de O que pretende estudar a Psicologia do desenvolvimento, é como
pensamento lógico. se desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de
outras espécies. Ela estuda a evolução da capacidade perceptual e
Esse caso Amala e kamala representa, no entanto, uma exceção.
motora, das funções intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser
Em geral, o bebê nasce, cresce, vive e atua em um mundo social. É por
humano. Descreve como essas capacidades se modificam e busca
intermédio do contato humano que a criança adquire a linguagem e
explicar tais modificações.
passa, por meio dela, a se comunicar com outros seres humanos e a
organizar seu pensamento. 3- A Psicologia da Aprendizagem.

Como cita DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), é no convívio social, Segundo DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), a aprendizagem é o
através das atividades práticas realizadas, que se criam as condições processo através do qual a criança se apropria ativamente do conteúdo
para o aparecimento da consciência, que é a capacidade de distinguir da experiência humana, daquilo que o seu grupo social conhece. Para
entre as propriedades objetivas e estáveis da realidade e aquilo que é que a criança aprenda, ela necessitará interagir como outros seres
vivido subjetivamente. Através do trabalho, os homens se organizam humanos especialmente com os adultos e com outras crianças mais
para alcançar determinados fins, respondendo aos impasses que a experientes. Nas inúmeras interações em que se envolve desde o
natureza coloca à sobrevivência. Para tanto, usam do conhecimento nascimento, a criança vai gradativamente ampliando suas formas de lidar
acumulado por gerações e criam, a partir do trabalho, outro com o mundo e vai construindo significados para as suas ações e para
conhecimentos. as experiências que vive. Com o uso da linguagem, esses significados
ganham maior abrangência, dando origem a conceitos, ou seja,
O papel da Psicologia é investigar as modificações que ocorrem
significados partilhados por grande parte do grupo social. A linguagem,
nos processos envolvidos na relação do indivíduo com o mundo
além disso, irá integrar-se ao pensamento, formando uma importante
(cognitivos, emocionais, afetivos, etc), analisando os seus mecanismos
base sobre a qual se desenvolverá o funcionamento intelectual. O
básicos. Para realizar sua proposta, a Psicologia interage com outras
pensamento pode ser entendido, desta forma, como um diálogo
ciências tais como a Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Genética, a
interiorizado.
Antropologia, a Sociologia, além da Pedagogia. Estes ramos do
conhecimento estão imbricados uns aos outros, de tal forma que, muitas A Psicologia da Aprendizagem estuda o complexo processo pelo
vezes, é difícil saber em que domínio se está atuando. qual as formas de pensar e os conhecimentos existentes numa
sociedade são apropriados pela criança. Para que se possa entender
Ao se dedicar ao estudo de tantos e diferentes aspectos, a
esse processo é necessário reconhecer a natureza social da
Psicologia acaba por desenvolver campos de investigações mais
aprendizagem. Como já foi dito, as operações cognitivas (aquelas
específicos e delimitados.
envolvidas no processo de conhecer) são sempre ativamente
Importam, para a educação, os conhecimentos advindos da construídas na interação com outros indivíduos.
Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, áreas específicas da
ciência psicológica. E é disto que se tratará a seguir.

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Reconhece-se, dessa maneira, que as pessoas, em especial as primeiros , ora os segundos. Os filósofos e os cientistas criaram, assim,
crianças, aprendem através de ações partilhadas mediadas pela teorias ou abordagens denominadas inatistas - que salientam a
linguagem e pela instrução. A interação entre adultos e crianças, e entre importância dos fatores endógenos - e teorias ou abordagens chamadas
crianças, portanto, é fundamental na aprendizagem. A Psicologia da ambientalistas - onde especial atenção se dá à ação do meio e da cultura
Aprendizagem, aplicada à educação e ao ensino, busca mostrar como, sobre a conduta humana.
através da interação entre professor e alunos, e entre os alunos, é 1.1. A Condição Inatista
possível a aquisição do saber e da cultura acumulados, sendo o papel
Essa concepção parte do pressuposto de que os eventos que
do professor fundamental neste processo.
ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o
4- A Psicologia na Educação desenvolvimento . As qualidades e capacidades básicas de cada ser
Como comenta DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), comete-se o humano - sua personalidade, seus valores, hábitos e crenças, sua forma
erro de pensar que a aprendizagem começa apenas na idade escolar. de pensar, suas relações emocionais e mesmo sua conduta social - já
Consequentemente, parte-se do princípio de que os ensinamentos que se encontrariam basicamente prontas e em sua forma final por ocasião
ocorrem na escola principiam na sala de aula. do nascimento, sofrendo pouca diferenciação qualitativa e quase
nenhuma transformação ao longo da existência . O papel do ambiente (
Na verdade muitos anos antes de entrar na escola, a criança já e, portanto, da educação e do ensino) é tentar interferir o mínimo possível
vem desenvolvendo hipóteses e construindo um conhecimento sobre o no processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa.
mundo, o mesmo mundo que as matérias ditas escolares procuram
interpretar. No início da alfabetização, por exemplo, ela já tem uma As origens da posição inatista podem ser encontradas, de um lado,
concepção de escrita, uma ideia do que se pode ou não escrever, uma na Teologia: Deus, de um só ato, criou cada homem em sua forma
concepção sobre o sistema de representação gráfica. Coisa semelhante definitiva. Após o nascimento, nada mais haveria a fazer, pois o bebê já
ocorre com a Matemática. Antes de entrar na escola, a criança já se teria em si os germes do homem que viria a ser. O destino individual de
deparou inúmeras vezes com a noção de quantidade, realizando, cada criança já estaria determinado pela “graça divina”.
inclusive, operações de cálculo. Um conjunto de noções e de conceitos Do outro lado, a posição inatista apóia-se num entendimento
já se encontra, portanto, estabelecido. errôneo de algumas contribuições importantes ao conhecimento
Deste modo, a tarefa de ensinar, em nossa sociedade, não está biológico, tais como a proposta evolucionista de Darwin, a Embriologia e
concentrada apenas nas mãos dos professores. O aluno não aprende a Genética.
apenas na escola, mas também através da família, dos amigos, de A evolução para Darwin, biólogo inglês que viveu no século
pessoas que ele considera significativas, dos meios de comunicação de passado, resulta de mudança graduais e cumulativas no
massa, da experiência do cotidiano, dos movimentos sociais. Entretanto, desenvolvimento das espécies. Essas mudanças, por sua vez, decorrem
a escola é a instituição social que se apresenta como responsável pela de variações hereditárias que fornecem vantagens adaptativas em
educação sistemática das crianças, jovens e até mesmo de adultos. relação às condições ambientais prevalecentes. O papel do ambiente é
Daí a importância de se colocar a serviço da educação e do ensino bastante limitado. Cabe-lhe apenas determinar, dentre as possibilidades
o conjunto de conhecimentos psicológicos sobre as bases do naturais de variação, quais são as mais adaptativas para a espécie, isto
desenvolvimento e da aprendizagem. Com eles, o professor estará em é, as que melhor permitem à espécie sobreviver num ambiente
posição mais favorável para planejar a sua ação. específico. Só os mais aptos de uma determinada espécie - aqueles
capazes de se adaptar ao meio - sobreviveram.
Unidade II - A criança enquanto ser em transformação
Aplicada ao desenvolvimento humano, essa teoria foi
1- Concepções de desenvolvimento: correntes teóricas e frequentemente mal interpretada. A teoria darwiniana acabou, sendo
repercussões na escola. erroneamente entendida como postulando aquilo que nunca pretendeu:
As diversas teorias de desenvolvimento apresentadas a seguir que os fatores ambientais eram incapazes de exercer um efeito direto
apoiam-se em diferentes concepções do homem e do modo como ele tanto na espécie quanto no organismo.
chega a conhecer. Tais teorias , como em qualquer estudo científico, Em relação à espécie, deixou-se de lado a influência da
dependem da visão de mundo existente em uma determinada situação experiência individual de cada pessoa; equiparou-se,
histórica e evoluem conforme se mostram capazes ou incapazes de consequentemente, o complexo comportamento sócio-cultural do
explicar a realidade. homem àquele que é típico de organismos inferiores, onde se observa
A visão de desenvolvimento enquanto processo de apropriação pouca ou nenhuma diferenciação.
pelo homem da experiência histórico-social é relativamente recente. Os primeiros conhecimentos produzidos na embriologia também
Durante longos anos, o papel da interação de fatores internos e forneceram subsídios para as teorias inatistas. Na verdade, esses
externos no desenvolvimento não era destacado. Enfatizava-se ora os

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primeiros dados apontaram para sequências de desenvolvimento frequência com que o comportamento aparece. Por exemplo, se após
praticamente invariáveis que seriam, em grande parte, reguladas por arrumar os seus brinquedos ( comportamento ) , a criança ouvir elogios
fatores endógenos, ou seja, de origem interna. da mãe ( consequência positiva ), ele procurará deixar os brinquedos
arrumados mais vezes, porque estabeleceu uma associação entre esse
Dados mais recentes da Embriologia indicam que o ambiente comportamento e aquele da sua mãe. Já em consequências negativas
interno tem um papel central no desenvolvimento do embrião, assim recebem o nome de punição e levam a uma diminuição na frequência
como o ambiente externo é fundamental para o desenvolvimento pós- com que certos comportamentos ocorrem. Por exemplo, se cada vez que
natal. Não há, pois, bases empíricas ou teóricas que sirvam de apoio João quebrar uma vidraça ao jogar bola ( comportamento ), ele for
para a visão inatista no âmbito da Psicologia. Tal visão, no entanto, gerou obrigado a pagar pelo estrago ( consequência negativa ) , ele passará a
uma ideia de homem que produziu uma abordagem rígida, autoritária e, tomar mais cuidado ao jogar , diminuindo os estragos em janelas.
sobretudo, pessimista para a educação de crianças e adolescentes.
Como , na concepção inatista, o homem “já nasce pronto”, pode-se Quando um comportamento é absolutamente inadequado e se
apenas aprimorar um pouco aquilo que ele é ou, inevitavelmente, virá a considera desejável eliminá-lo totalmente do repertório de
ser. Em consequência, não vale a pena considerar tudo o que pode ser comportamentos de um certo indivíduo, usa-se o procedimento dito de
feito em prol do desenvolvimento humano. O ditado popular “pau que extinção. Nele o objetivo é quebrar o elo que se estabeleceu entre o
nasce torto morre torto” expressa bem a concepção inatista, que ainda comportamento visto como indesejável e determinadas consequências
hoje aparece na escola, camuflada sob disfarce das aptidões, da do mesmo. Para tanto, é preciso que se retire do ambiente as
prontidão e do coeficiente de inteligência. Tal concepção gera consequências que o mantém.
preconceitos prejudiciais ao trabalho em sala de aula. Mais recentemente , outros teóricos afirmaram que o
1.2. A concepção Ambientalista comportamento humano também se modifica em função da observação
de como agem outras pessoas, que se tornam modelos a serem
Essa concepção atribui um imenso poder ao ambiente no copiados. Quando os comportamentos dos modelos são reforçados,
desenvolvimento humano. O homem é concebido como um ser tende-se a imitá-los e quando são punidos , procura-se evitá-los.
extremamente plástico, que desenvolve suas características em função
das condições presentes no meio em que se encontra. Esta concepção Na visão ambientalista, a atenção de uma pessoa é, portanto,
deriva da corrente filosófica denominada empirismo, que enfatiza a função das aprendizagens que realizou ao longo de sua vida , em contato
experiência sensorial como fonte do conhecimento. Ainda segundo o com estímulos que reforçaram ou puniram seus comportamentos
empirismo, determinados fatores encontram-se associados a outros, de anteriores.
modo que é possível , ao se identificar tais associações, controlá-las pela Para explicar o surgimento de novos comportamentos ou
manipulação. daqueles valorizados em uma dada sociedade é preciso prestar atenção
Na psicologia , o grande defensor da posição ambientalista é um aos estímulos que provocam o aparecimento do comportamento
norte-americano, B.F. Skinner. A teoria proposta por ele preocupa-se em desejado. De igual modo, a eliminação de modos de ser visto como
explicar os comportamentos observáveis do sujeito , desprezando os impróprios também exige atenção aos estímulos que desencadeiam a
seus desejos e fantasias, os seus sentimentos. conduta tida como inadequada. Pode-se assim , dizer que o
comportamento é sempre o resultado de associações estabelecidas
Na concepção do comportamento defendida por Skinner e seus entre algo que provoca ( um estímulo antecedente) e algo que segue e
seguidores, o papel do ambiente é muito mais importante do que a o mantém (um estímulo consequente ).
maturação biológica. Na verdade, são os estímulos presentes numa
dada situação que levam ao aparecimento de um determinado Quando um comportamento for associado a um determinado
comportamento. estímulo, ele tende a reaparecer quando estiveram presentes estímulos
semelhantes. Este fenômeno é chamado de generalização. Quando os
Segundo os ambientalista , os indivíduos buscam maximizar o estímulos são objetos, a cor, a forma e o tamanho são aspectos
prazer e minimizar a dor. Manipulando-se os elementos presentes no importantes para que haja percepção de semelhança e generalização de
ambiente - que por , esta razão, são chamados de estímulos - é possível comportamentos.
controlar o comportamento: fazer com que aumente ou diminua a
frequência com que ele aparece; fazer com que ele desapareça ou só Após a aquisição da linguagem pela criança, as palavras tornam-
apareça em situações consideradas adequadas; fazer com que se atribui se a base para generalizações. Mas não só isso. Além de a criança
à concepção ambientalista uma visão do indivíduo enquanto ser aprender a perceber semelhanças entre estímulos e a generalizar
extremamente reativo à ação do meio. comportamentos, ela também aprende o inverso, ou seja, a discriminar
estímulos a partir das suas diferenças. Uma criança que aprendeu a
Mudanças no comportamento podem ser provocadas de diversas palavra “cachorro” associando-a a um animal de quatro patas, pode usa-
maneiras. Uma dela requer uma análise das consequências ou la, inicialmente, para nomear outros animais de quatro patas, como gatos
resultados que o mesmo produz no ambiente. As consequências e coelhos. Rapidamente, contudo, ela aprende a distinguir as
positivas são chamadas de reforçamento e promovemum aumento na

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características definidoras de um cachorro - como o latido - e passa a aprendizagem pode se dar de modo espontâneo, como aquelas onde as
discriminar corretamente as várias espécies de animais. crianças cooperam entre si para alcançarem um fim comum..

A aprendizagem na concepção , pode assim ser entendida como o Não há, na concepção ambientalista, preocupação em explicar os
processo pelo qual o comportamento é modificado com resultado da processos através dos quais a criança raciocina e que estariam
experiência. Além das condições já mencionadas para que a presentes na forma como ela se apropria de conhecimentos.
aprendizagem se dê - estabelecimento de associações entre um estímulo 1.3 A Concepção Interacionista: Piaget e Vygotski
e uma resposta e entre uma resposta e um reforçador - é importante que
Para os psicólogos interacionistas o organismo e o meio exercem
se leve em conta o estado fisiológico e psicológico do organismo.
ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta
Para que a aprendizagem ocorra é preciso, portanto, que se mudanças sobre o indivíduo. É, pois, na interação da criança com o
considere a natureza dos estímulos presentes na situação, tipo de mundo físico e social que as características e peculiaridades desse
resposta que se espera obter e o estado físico e psicológico do mundo vão sendo conhecidas. Para cada criança, a construção desse
organismo. É ainda importante aquilo que resultará da própria conhecimento exige elaboração , ou seja, uma ação sobre o mundo.
aprendizagem: mais conhecimento , elogios, prestígios , notas altas etc.
A concepção interacionista de desenvolvimento apoia-se ,
Na visão ambientalista, a ênfase está em propiciar novas portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição
aprendizagens, por meio da manipulação dos estímulos que atendem e de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante
sucedem o comportamento. Para tanto, é preciso uma análise rigorosa toda a sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido
da forma como indivíduos atuam em seu ambiente, identificando os passivamente graças às pressões do meio.
estímulos que provocam o aparecimento do comportamento-alvo e as
Tomaremos duas correntes teóricas no interacionismo: a
consequências que o mantém. A esta análise dá-se o nome de análise
elaborada por Piaget e seus seguidores e a defendida por teóricos
funcional do comportamento. Nela defende-se o planejamento das
soviéticos, em especial por Vygotski. Estas duas correntes serão
condições ambientais para a aprendizagem de determinados
brevemente analisadas, apontando-se suas semelhanças e diferenças.
comportamentos.
A Teoria de Jean Piaget
A introdução de teorias ambientalistas na sala de aula teve o mérito
de chamar a atenção dos educadores para a importância do Jean Piaget ( 1896-1980) é o mais conhecido dos teóricos que
planejamento de ensino. A organização das condições para que a defendem a visão interacionista de desenvolvimento. Formado em
aprendizagem ocorra exige clareza a respeito dos objetivos que se quer biologia e Filosofia, dedicou-se a investigar cientificamente como se
alcançar, a estipulação da sequência de atividades que levarão ao forma o conhecimento. Ele considerou que se estudasse cuidadosa e
objetivo proposto e a especificação dos reforçadores que serão profundamente a maneira pela qual as crianças constroem as noções
utilizados. A concepção ambientalista da educação valoriza o papel do fundamentais de conhecimento lógico - tais como as de tempo, espaço,
professor, cuja importância havia sido minimizada na abordagem inatista objeto, causalidade, etc. - poderia compreender a gênese ( ou seja, o
. Coloca em suas mãos a responsabilidade de planejar, organizar e nascimento ) e a evolução do conhecimento humano.
executar - com sucesso - as situações de aprendizagem.
Inicialmente, Piaget trabalhou com dois psicólogos franceses,
Por outro lado, as teorias ambientalistas tiveram também efeitos Binet e Simon, que, por volta de 1905, tentavam elaborar um instrumento
nocivos na prática pedagógica. A educação foi sendo entendida como para medir a inteligência das crianças que frequentavam as escolas
tecnologia, ficando de lado a reflexão filosófica sobre a sua prática. A francesas. Tal instrumento - o teste de inteligência Binet-Simon
ênfase na tecnologia educacional exigia do professor um profundo - foi o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental de um indivíduo
conhecimento dos fatores a serem considerados numa programação de e é o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental de um indivíduo,
ensino, contudo tal conhecimento não era transmitido a eles. Programar e é até hoje utilizado, depois de ter sofrido sucessivas adaptações. Ao
o ensino deixou de ser uma atividade cognitiva de pesquisar condições analisar as respostas das crianças do teste, Piaget começou a se
de aprendizagem para se tornar uma atividade meramente formal de interessar pelas respostas erradas das crianças, salientando que estas
colocar os projetos de aula numa fórmula-padrão. só “erravam” porque as respostas eram analisadas a partir de um ponto
de vista do adulto.
A principal crítica que se faz ao ambientalismo é quanto à própria
visão de homem adotada: a seres humanos como criaturas passivas face Na verdade as respostas infantis seguiam uma lógica própria.
ao ambiente, que podem ser manipuladas e controladas pela simples
Piaget concebeu, então, que a criança possui uma lógica de
alteração das situações em que se encontram. Nesta concepção , não
funcionamento mental que difere - qualitativamente - da lógica do
há lugar para a criação de novos comportamentos.
funcionamento mental do adulto. Propôs-se consequentemente a
Na sala de aula , ela acarretou um excessivo diretivismo por parte investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se
dos adultos. Deixou-se de valorizar e fazer uso de situações onde a transforma em lógica adulta. Nessa investigação, Piaget partiu de uma

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concepção de desenvolvimento envolvendo um processo contínuo de básica, seja no aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no
trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente. intelectual.

Equilíbrio / Equilibração Além de perceber a diferença entre si mesma e os objetos ao seu


redor, a criança será capaz de estabelecer também diferenças entre tais
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Para este objetos, chegando, finalmente, à concepção de uma realidade estável ,
autor, todo organismo vivo procura manter um estado de equilíbrio ou de onde a existência dos objetos é independente da percepção imediata.
adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na Esta é uma grande conquista . Após ter sido capaz de identificar um
relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante objeto, separando-o dos demais, o bebê, todavia, age em relação a esse
do organismo buscar um novo e superior estado de equilíbrio é objeto apenas se ele estiver visível à sua frente . Se um bebê de cinco
denominado processo de equilibração majorante. meses de idade estiver brincando com um objeto e se este for coberto
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre por um pano, imediatamente ele volta sua atenção para outra coisa,
através de constantes desequilíbrios e equilibrações . O aparecimento agindo como se o primeiro objeto, por ter sido coberto, tivesse deixado
de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou na mudança de de existir. Só mais tarde, aos oito meses, o bebê se apercebe que o
alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a objeto está ali, debaixo do pano. Experimenta grande satisfação com
ruptura do estado de repouso - da harmonia entre organismo e meio - este fato, escondendo o objeto com o pano e descobrindo-o , varias
causando um desequilíbrio. vezes.

Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de Nesse mesmo período, as concepções de espaço, tempo e
equilíbrio. O primeiro recebe o nome de assimilação. Através dele o causalidade começam a ser construídas , possibilitando à criança novas
organismo sem alterar suas estruturas - desenvolve ações destinadas a formas de ação prática para lidar com o meio. Aos poucos, o período
atribuir significações , a partir da sua experiência anterior, aos elementos sensoriomotor vai-se modificando. Esquemas cada vez mais complexos
do ambiente com os quais interage. O outro mecanismo, através do qual são construídos, de forma a preparar e dar origem ao aparecimento da
o organismo tenta restabelecer um equilíbrio superior com o meio função simbólica, portanto, do universo restrito do aqui-e-agora. O
ambiente, é chamado de acomodação. Agora , entretando, o organismo aparecimento da função simbólica altera drasticamente a forma como
é impelido a se modificar, a se transformar para se ajustar às demandas a criança lida com o meio e anuncia uma nova etapa, denominada pré-
impostas pelo ambiente. operatória.

As etapas do desenvolvimento cognitivo: II - A etapa pré-operatória

I - A etapa sensoriomotora A etapa pré-operatória é marcada, em especial, pelo aparecimento


da linguagem oral, por volta dos dois anos. Ela permitirá à criança dispor
Vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade.
- além da inteligência prática construída na fase anterior - da
Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e
possibilidade de ter esquemas de ação interiorizados , chamados de
em esquemas motores para resolver seus problemas, que são
esquemas representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que
essencialmente práticos; bater numa caixa, pegar um objeto, jogar uma
envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. É capaz de formar,
bola etc. Nesse período, muito embora a criança tenha já uma conduta
por exemplo, representações de avião, de papai, de sapato, de que não
inteligente, considera-se que ela ainda não possui pensamento. Isto
se deve bater em outra criança etc.
porque, nessa idade, a criança não dispõe ainda da capacidade de
representar eventos, de evocar o passado e de referir-se ao futuro está A partir dessas novas possibilidades de lidar com o meio , dos dois
presa ao aqui-e-agora da situação. Para conhecer, portanto, lança mão anos em diante a criança poderá tomar um objeto ou uma situação por
de esquemas sensoriomotores: pega, balança, joga, bate, morde objetos outra, por exemplo, pode tomar um boneco por um bebê ou pode tomar
e atua sobre os mesmos de uma forma “pré-lógica” colocando um sobre uma bolsa, colocando-a no braço e agindo como se fosse sua mãe
o outro, um dentro do outro . Forma, assim, “conceitos sensoriomotores” preparando-se para sair de casa.
de maior, de menor, de objetos que balançam e objetos que não O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência capaz
balançam etc. Ocorre, como consequência, uma “definição” do objeto por de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é, entretanto , diferente do
intermédio do seu uso. A criança pequena também aplica esquemas pensamento adulto, como é fácil de se constatar. Em primeiro, depende
sensoriomotores para se relacionar e conhecer outros seres humanos. das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto um
Dentre as principais aquisições do período sensoriomotor, pensamento que a criança centra em si mesma. Por esta razão, o
destaca-se a construção da noção de “eu”, através da qual a criança pensamento pré-operatório recebe o nome de pensamento egocêntrico.
diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, É um pensamento rígido, que tem como ponto de referência a própria
percebe suas diversas partes, experimenta emoções diferentes, criança.
formando a base do seu autoconceito. Mas não é só isso. Ao longo desta Outra característica do pensamento desta etapa é o animismo.
etapa, a criança irá elaborar a sua organização psicológica Este termo indica que a criança empresta a “alma” ( “anima” em latim )
às coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios

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do ser humano. Assim, é frequente ouvi-la dizer que a mesa é má quando partir de diversas situações envolvendo observações de cavalos, fotos
ela machuca a sua cabeça, de que o vento “quer” embaraçar o seu de cavalos e histórias sobre cavalos, a criança constrói a noção de cavalo
cabelo penteado. como sendo um animal de porte grande, de quatro patas, que gosta de
comer capim e que é utilizado no transporte de coisas e pessoas.
O pensamento da criança de dois a sete anos apresenta, ainda,
uma outra característica, bastante similar ao animismo. É o No nível operatório-forma, a partir dos 13 anos de idade, a criança
antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a objetos e se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do seu
animais. As nuvens, por exemplo, podem ser concebidas como grandes raciocínio é falso. Por exemplo, é possível combinar com duas crianças
rostos que sopram um hálito forte. de idades diferentes, uma no período operatório-concreto e outra no
operatório-formal, que a figura de uma coruja desenhada em um papel
As ações no período pré-operatório, embora internalizadas, não receberá o nome de “cavalo”. A seguir, pede-se a elas que identifiquem
são ainda reversíveis. oralmente qual é o nome de um animal de porte grande, que comem
III - A etapa operatório-concreta capim e transporta pessoas e coisas. A criança do período operatório-
concreto irá ignorar o que foi anteriormente combinado e dirá que o nome
Por volta dos sete anos de idade, as características da inteligência
do animal proposto é cavalo. Já a mais velha, que já apresenta um
infantil, a forma como a criança lida com o mundo e o conhece,
pensamento operatório-formal, irá afirmar que o animal em questão
demonstram que ela se encontra numa nova etapa de desenvolvimento
poderia receber qualquer nome, à exceção de cavalo, uma vez, por
cognitivo: a etapa operatório-concreta. Ao se comparar as aquisições
definição (e não concretamente), “cavalo” é o nome que, na situação, se
deste período com o anterior, observa-se que grandes modificações
convenciou dar à uma coruja.
ocorreram.
A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto,
Essa etapa é a etapa do pensamento lógico, objetivo, adquire
adquirido no operatório - formal, permitirá ao adolescente pensar e
preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão-se tornando
trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade
cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento
possível. Como consequência, a partir de treze anos, o raciocínio pode,
se torna menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Agora a criança
pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que estas não são, em
é capaz de construir um conhecimento mais compatível com o mundo
princípio, nem falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. Uma
que a rodeia. O real e a fantástico não mais se misturarão em sua
vez de posse dessa faculdade de produzir e operar com base em
percepção.
hipóteses, é possível derivar delas todas as consequências lógicas
O pensamento é denominado operatório porque é reversível: o cabíveis. A construção típica da etapa operatório-forma é, assim, o
sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. A criança opera raciocínio hipotético-dedutivo: é ele que permitirá ao adolescente
quando tem noção, por exemplo, de que 2+3=5, pois sabe que 5- 3=2. estender seu pensamento até o infinito.
De igual modo, a compreensão de que uma dada quantidade de argila
Ao atingir o opertório-formal, o adolescente atinge o grau mais
não se altera, se eu emprego a mesma porção para fazer uma salsicha
complexo do seu desenvolvimento cognitivo. A tarefa, a partir de agora,
e a seguir para transformar a salsicha em bola, também constitui uma
será apenas a de ajustar, solidificar e estofar as suas estruturas
operação.
cognitivas.
A construção das operação possibilita, assim a elaboração da
Piaget acredita que existem, no desenvolvimento humano,
noção de conservação. O pensamento agora baseia-se mais no
diferentes momentos: um pensamento, uma maneira de calcular, uma
raciocínio que na percepção.
certa conclusão, podem parecer absolutamente corretos em um
Neste período de desenvolvimento o pensamento operatório é determinado período de desenvolvimento e absurdos num outro. As
denominado concreto porque a criança só consegue pensar etapas de desenvolvimento do pensamento são, ao mesmo tempo,
corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza contínuas e descontínuas. Elas são contínuas porque sempre se apoiam
para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. na anterior, incorporando-a e transformando-a. Fala-se em
A criança não consegue ainda pensar abstratamente, apenas com base descontinuiade no desenvolvimento, por outro lado, porque cada nova
em proposições e enunciados. Pode então ordenar, seriar, classificar, etapa não é mero prolongamento da que lhe antecedeu: transformações
etc. qualitativas radicais ocorrem no modo de pensar das crianças. As etapas
de desenvolvimento encontram-se, assim, funcionalmente relacionadas
IV- A etapa operatório-formal
dentro de um mesmo processo.
A principal característica da etapa operatório-forma, por sua vez,
As diferentes etapas cognitivas apresentam, portanto,
reside no fato de que o pensamento se torna livre da limitações da
características próprias e cada uma delas constitui um determinado tipo
realidade concreta. O que significa isso? Como já foi assinalado, a
de equilíbrio. Ao longo do desenvolvimento mental, passa-se de uma
criança que se encontra no período operatório-concreto só consegue
para outra etapa, buscando um novo e mais completo equilíbrio que
pensar corretamente, com lógica, se o conteúdo do seu pensamento
depende, entretanto, das construções passadas.
estiver representado fielmente a realidade concreta. Por exemplo, a

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Não é possível passar, por exemplo, da etapa sensoriomotora para provocará uma modificação na percepção e no conhecimento da criança.
a operatório-concreta, “pulando” a pré-operatória. A sequência das O gesto e a fala materna servem como sinais externos que interferem no
etapas é sempre invariável, muito embora, como já foi visto, a época em modo pelo qual o menino ou a menina age sobre seu ambiente: com o
que as mesmas são alcançadas possa não ser a mesma para todas as tempo, ocorre uma interiorização progressiva das direções verbais
crianças. De igual modo, as etapas do desenvolvimento cognitivo não fornecidas à criança pelos membros mais experientes de uma ambiente
são reversíveis: ao se construir uma determinada capacidade mental, social.
não é mais possível perdê-la. O processo de interiorização progressiva das orientações advindas
Temos quatro fatores básicos responsáveis pela passagem de uma do meio social é um processo ativo, no qual a criança apropria-se do
etapa de desenvolvimento mental para a seguinte - a maturidade do social de uma forma particular. Reside aí, na verdade, o papel
sistema nervoso, a interação social (que se dá através da linguagem e estruturante do sujeito: interiorização e transformação se integra no
da educação), a experiência física com os objetos e, principalmente, a social, é capaz de posicionar-se frente ao mesmo, ser seu crítico e seu
equilibração, ou seja, a necessidade que a estrutura cognitiva tem de se agente transformador. Assim, à medida que as crianças crescem, elas
desenvolver para enfrentar as demandas ambientais - o do menor peso, vão internalizando a ajuda externa que se torna cada vez mais
na teoria piagetiana, é a interação social. Desta maneira, a educação - e necessária: a criança mantém, agora, o controle sobre sua própria
em especial a aprendizagem - tem, no entender de Piaget, um impacto conduta.
reduzido sobre o desenvolvimento intelectual. Desenvolvimento cognitivo Através da fala, o ambiente físico e social pode ser melhor
e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um processo apreendido, aquilatado e equacionado: a fala modifica, assim a qualidade
espontâneo, que se apóia predominantemente no biológico. do conhecimento e pensamento que se tem do mundo em que se
Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo mais encontra.
restrito, causado por situações específicas (como a frequência à escolar)
Ao interiorizar instruções, as crianças modificam suas funções
e subordinado tanto à equilibração quanto a maturação.
psicológicas: percepção, atenção, memória, capacidade para solucionar
A teoria de Vygostski problemas. É dessa maneira que formas historicamente determinadas e
Um outro tipo de interacionismo é proposto por Lev Seminovitch socialmente organizadas de operar com informação influenciam o
Vygostski (1896-1934). Nascido na Rússia, ele escreveu, em sua curta conhecimento de mundo e as consequentes formas de interagir com as
vida, uma ampla e importante obra, da qual apenas alguns livros foram crianças adotadas pelos adultos no século XV diferem substancialmente
traduzidos para o português. das utilizadas hoje em dia, especialmente se as comparamos com as do
mundo urbano moderno, fortemente influenciado pelos meios de
Em seu trabalho e nos dos seus seguidores, especialmente no dos comunicação de massa. Traduzem formas diferentes de organizar,
seus compatriotas Luria e Leontiev, encontra-se uma visão de planejar e atuar sobre a realidade.
desenvolvimento baseado paulatinamente num ambiente que é histórico
e, em essência, social. Nessa teoria é dado destaque às possibilidades Deste modo, as funções mentais superiores - como a capacidade
que o indivíduo dispõe a partir do ambiente em que vive e que dizem de solucionar problemas, o armazenamento e o uso adequado da
respeito ao acesso que o ser humano tem a “instrumentos” físicos (como memória, a formação de novos conceitos, o desenvolvimento da vontade
a enxada, a faca, a mesa, etc) e simbólicos (como a cultura, valores, - aparecem, inicialmente, no plano social (ou seja, na interação
crenças, costumes, tradições, conhecimentos) desenvolvidos em envolvendo pessoas) e apenas elas surgem no plano psicológico (ou
gerações precedentes. seja, no próprio indivíduo). A construção do real pela criança, ou seja, a
apropriação que esta faz da experiência social, parte, pois, do social (da
Vygostski defende a ideia de contínua interação entre as mutáveis interação com os outros) e, paulatinamente, é internalizada por ela.
condições sociais e a base biológica do comportamento humano.
Partindo de estruturas orgânicas elementares, determinadas Segundo Vygostski, a aquisição de um sistema linguístico
basicamente pela maturação, formam-se novas e mais complexas reorganiza, pois, todos os processos mentais infantis. A palavra dá forma
funções mentais, a depender da natureza das experiências sociais a que ao pensamento, criando novas modalidades de atenção, memória e
as crianças se acham expostas. imaginação.

A forma como fala é utilizada na interação social com adultos e Vygostski adota a visão de que pensamento e linguagem são dois
colegas mais velhos desempenha um papel importante na formação e círculos interligados. É na interseção deles que se produz o que se
organização do pensamento complexo e abstrato individual. O chama pensamento verbal, o qual não inclui, assim, nem todas as formas
pensamento infantil, amplamente guiado pela fala e pelo comportamento de pensamento, nem todas as formas de linguagem. Existem, portanto,
dos mais experientes, gradativamente adquire a capacidade de se auto- áreas do pensamento que não têm relação direta com a fala, como é o
regular. Por exemplo, quando a mãe mostra a uma criança de dois anos caso da inteligência prática, em geral. Por outro lado, Vygostski dá uma
um objeto e diz “a faca corta e dói”, o fato de ela apontar para o objeto importância tão grande ao pensamento verbal que chega a afirmar que
e de assim descrevê-lo provavelmente as estruturas de linguagem dominadas pela

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crianças passam a constituir as estruturas básicas de sua forma de padronizados, focalizam apenas aquilo que as crianças são capazes de
pensar. realizar sozinhas.

Ao reconhecer a imensa diversidade nas condições histórico- Para Vygotski, o processo de desenvolvimento nada mais é do que
sociais em que as crianças vivem, Vygotski não aceita a possibilidade de a apropriação ativa do conhecimento disponível na sociedade em que a
existir uma sequência universal de estágios cognitivos, como propões criança nasceu. É preciso que ela aprenda e integre em sua maneira de
Piaget. Para Vygotski, os fatores biológicos preponderam sobre os pensar o conhecimento da sua cultura. O funcionamento intelectual mais
sociais apenas no início da vida das crianças e as oportunidades que se complexo desenvolve-se graças a regulações realizadas por outras
abrem para cada uma delas são muitas e variadas, adquirindo destaque, pessoas que, gradualmente, são substituídas por auto-regulações. Em
em sua teoria, as formas pelas quais as condições e as interações especial, a fala é apresentada, repetida e refinada, acabando por ser
humanas afetam o pensamento e o raciocínio. internalizada, permitindo à criança processar informações de uma forma
mais elaborada.
A construção do pensamento complexo e do abstrato
Piaget e Vygotski: Diferenças e semelhanças
Para Vygotski, o processo de formação de pensamento é,
portanto, despertado e acentuado pela vida social e pela constante Do ponto de vista de DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), tanto
comunicação que se estabelece entre crianças e adultos, a qual permite Piaget com o Vygotski concebem a criança como um ser ativo, atento,
a assimilação da experiência de muitas gerações. que constantemente cria hipóteses sobre o seu ambiente. Há, no
entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de
Como foi citado por DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. (1997), a linguagem desenvolvimento. As principais delas, em resumo, são as seguintes:
segundo Vygotski intervém no processo de desenvolvimento intelectual
da criança praticamente já desde o nascimento. Quando os adultos a) Quanto ao papel dos fatores internos e externos no
nomeiam objetos, indicando para a criança as várias relações que estes desenvolvimento
mantêm entre si ela constrói formas mais complexas e sofisticadas de Piaget privilegia a maturação biológica; Vygotski, o ambiente
conceber a realidade. Sozinha, não seria capaz de adquirir aquilo que social. Piaget, por aceitar que o fatores internos preponderam sobre os
obtém por intermédio de sua interação com os adultos e com as outras externos, postula que o desenvolvimento segue uma sequência fixa e
crianças, num processo em que a linguagem é fundamental. universal de estágios. Vygotski, ao salientar o ambiente social em que a
Desenvolvimento e aprendizagem criança nasceu, reconhece que, em se variando esse ambiente, o
desenvolvimento também variará. Neste sentido, para este autor, não se
Vygotski considera três teorias principais que discute a relação pode aceitar uma visão única, universal, de desenvolvimento humano.
entre desenvolvimento e aprendizagem. Na primeira, desenvolvimento é
encarado como um processo maturacional que ocorre antes da b) Quanto à construção real
aprendizagem, criando condições para que esta se dê. É preciso haver Piaget acredita que os conhecimentos são elaborados
um determinado nível de desenvolvimento para que certos tipos de espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de
aprendizagem sejam possíveis. Esta é, em essência, a posição desenvolvimento em que esta se encontra. A visão particular e peculiar
defendida por Piaget. Na segunda teoria, a comportamentalista ou (egocêntrica) que as crianças mantêm sobre o mundo vai,
behaviorista, a aprendizagem é desenvolvimento, entendido como progressivamente, aproximando-se da concepção dos adultos; torna-se
acúmulo de respostas aprendidas. Nessa concepção, o desenvolvimento socializada, objetiva. Vygotski discorda de que a construção do
ocorre simultaneamente à aprendizagem, ao invés de precedê-la. O conhecimento proceda do individual para o social. Em seu entender a
terceiro modelo teórico sugere que desenvolvimento e aprendizagem são criança já nasce num mundo social e, desde o nascimento, vai formando
processos independentes que interagem, afetando- se mutuamente: uma visão desse mundo através da interação com adultos ou crianças
aprendizagem causa desenvolvimento e vice-versa. mais experientes. A construção do real é, então, mediada pelo
Para Vygotski, no entanto, nenhuma das propostas acima é interpessoal antes de ser internalizada pela criança. Desta forma,
satisfatório, muito embora ele reconheça que aprendizagem e procede-se do social para o individual, ao longo do desenvolvimento.
desenvolvimento sejam fenômenos distintos e interdependentes, cada c) Quanto ao papel da aprendizagem
um tornando o outro possível. Questionando a interação entre estes dois
Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao
processos, Vygotski aponta o papel da capacidade do homem de
desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, ele minimiza
entender e utilizar a linguagem.
o papel da interação social. Vygotski, ao contrário, postula que
Assim vê a inteligência como habilidade para aprender, desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influenciam
desprezando teorias que concebem a inteligência como resultado de reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem, mas
aprendizagens prévias, já realizadas. Para ele, as medidas tradicionais desenvolvimento.
de desenvolvimento, que se utilizam de testes psicológicos

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d) Quanto ao papel da linguagem no desenvolvimento e à relação constante interação, de modo que o primeiro impulsiona o segundo em
entre linguagem e pensamento direção a constantes e sucessivas modificações.

Segundo Piaget, o pensamento aparece antes da linguagem, que Na criança, as possibilidades de crescimento existem como
apenas é uma das formas de expressão. A formação do pensamento capacidade biopsicológicas potenciais. Dessa maneira, a realização
depende, basicamente, da coordenação dos esquemas sensoriomotores efetiva dessas capacidades depende das condições sócio-culturais
e não da linguagem. Esta só pode ocorrer depois que a criança já disponíveis. É diferente se a mesma criança for colocada para viver num
alcançou um determinado nível de habilidades mentais, subordinando- ambiente com boa alimentação e condições sanitárias adequadas, onde
se, pois aos processos de pensamento. A linguagem possibilita à criança existem oportunidades para viver situações de trabalho e de prática de
evocar um objeto ou acontecimento ausente na comunicação de esportes, ou em outro ambiente onde estas características não se
conceitos. Piaget, todavia, estabeleceu uma clara separação entre as encontram presentes.
informações que podem ser passadas por meio da linguagem e os É importante salientar que um menino ou menina desnutrida, por
processos que não parecem sofrer qualquer influência dela. Este é o sofrer uma diminuição sensível em seu tônus muscular, apresentem
caso das operações cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio características tais como apatia, menor capacidade de concentração e
de treinamento específico feito com o auxílio da linguagem. Por exemplo, de atenção etc. Como consequência, o padrão de interação estabelecido
não se pode ensinar, apenas usando palavras, a classificar, a seriar, a com ele/ela é menos estimulante do que aquele que se mantém com uma
pensar com reversibilidade. criança robusta, alerta e atenta. Com isto, as trocas cognitivas e efetivas
Já para Vygotski, pensamento e linguagem são processos que a criança desnutrida poderia ter com seu ambiente empobrecem-se,
interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela perdem o vigor.
criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma Por isso é possível considerar que o crescimento e o
definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso desenvolvimento são processos praticamente inseparáveis, ainda que
da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem, distintos. A curva do crescimento nem sempre coincide com o do
diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a experiência desenvolvimento. A primeira tende a atingir seu ponto mais alto quando
direta das crianças e por isso adquire uma função central no a maturação biológica é alcançada. A curva do desenvolvimento, por
desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão outro lado, é contínua, acompanhando o homem durante toda a sua vida.
em andamento.
O processo de crescimento culmina com o aparecimento de um
2. Crescimento e desenvolvimento: o biológico em interação com tipo de adulto previsto geneticamente. Já o processo de desenvolvimento
o psicológico e o social propicia a construção do padrão de individualidade que caracteriza cada
Peter Pan (O menino que não queria crescer), sabia que crescer sociedade. Ambos os processos produzem, no indivíduo, mudanças
significava tornar-se adulto, implicava ter que mudar sua aparência física físicas, mentais, emocionais e sociais. Compreender o crescimento e o
e assumir novos papéis. Por isso Peter Pan queria continuar menino. desenvolvimento humano exige, assim que se pense no homem - e em
Essa era a maneira de não enfrentar as mudanças que necessariamente si mesmo - não apenas do ponto de vista biológico mas, principalmente,
viriam com o crescimento. Ora, quando se fala em crescimento, em geral como alguém que é historicamente determinado.
as pessoas estão se referindo ao aspecto quantitativo da evolução 3. Questionando o caráter inato da aptidão, prontidão e
humana. inteligência
As razões que provocam o crescimento e ocasionam tantas A teoria da aptidão é amplamente defendida pela ideologia das
modificações não são de todos conhecidas. Até hoje, por exemplo, não diferenças individuais. A aptidão é vista como um “dom”, uma certa
há consenso entre os biólogos a respeito de por que as células crescem habilidade inata, que se refere a um estado específico presente no ser
e se organizam. No entanto toda matéria viva tem necessidade de humano. Todavia, muito embora seja verdade que existem diferenças no
manter um equilíbrio entre meio interno e meio externo, o crescimento potencial biológico dos indivíduos, não se pode aceitar a noção de que
pode ser entendido como uma das consequências das trocas entre aptidão seja uma “disposição natural”, inata e herdade.
organismo e meio. A alimentação, a luz, a temperatura e a composição
Na verdade, se os educadores adotarem essa visão, estarão
química do meio contribuem para a dinâmica de crescimento. De igual
prejudicando as crianças e adolescentes que frequentam a escola numa
maneira, também os hormônios são importantes para o equilíbrio dos
sociedade desigual como é a brasileira, onde as oportunidades de se
diferentes órgãos e tecidos.
desenvolver através da educação escolar não são uniformes. Justificar o
O crescimento humano não é, desta maneira, mera manifestação fracasso ou o sucesso dos alunos através da teoria da aptidão - da
do biológico, mas também expressão da condições existentes no mundo crença de que uns são mais capazes do que outros para o estudo - é
social, em especial, dos avanços técnicos e das conquistas culturais. desconsiderar o grande peso exercido pelas condições de vida da família
O crescimento humano ocorre dentro de um espaço em contínua e pela própria instituição escolar sobre a aprendizagem.
transformação pela ação social. Nele, o psíquico e o biológico estão em

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Defender tal visão significa, sobretudo, ocultar a determinação Contudo, mais recentemente, essa posição foi revista. Sem se
econômica que se encontra na base do desenvolvimento humano. desprezar o papel da herança biológica na inteligência, reconhece-se,
hoje, que esta pode ser afetada drasticamente pelo ambiente. Nesse
É mais adequado entender a aptidão como uma disposição vaga sentido, ela pode ser melhor entendida como uma interação complexa
e imprecisa do indivíduo, sobre a qual a educação atua no sentido de entre a hereditariedade e a experiência. Assim, o fato de uma criança ir
promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor, social, linguístico, bem na escola, ser criativa, resolver satisfatoriamente certas situações-
etc. Vista dessa ótica, a aptidão não passa de uma tendência para problemas e por isso ser tida como inteligente, não pode ser atribuído
adquirir e aprofundar novos padrões de ação e de pensamento. Indica exclusivamente a uma herança biológica. O sucesso dessa criança deve
possibilidades de aprendizagem, onde preferências naturais se mesclam ser explicado, sobretudo , pela oportunidade que tem de interagir em
e se complementam com preferências adquiridas, garantindo os ambientes estimulantes, seja em casa, na escola, seja na vizinhança. Se
refinamentos e mobilidades necessárias à vida em sociedade. Assim, só ela vivesse em condições diferentes - em um ambiente apático, pouco
se deve considerar as aptidões à luz do meio físico e social em que as rico ou motivador - dificilmente ela seria percebida como inteligente e
crianças vivem, uma vez que este pode ser favorável ou desfavorável criativa.
àquelas.
Daí a necessidade de se investigar mais de perto o principal
A teoria da aptidão não serve, pois, para orientar uma prática que resultado dos esforços para se medir a inteligência: os teste de QI.
beneficie os alunos, auxiliando-os a dominar e a superar as suas Entende-se por QI (quociente de inteligência) o resultado alcançado em
dificuldades de aprendizado. Pelo contrário, ela tem sido usada muitas testes de nível mental, onde uma série de tarefas, em ordem crescente
vezes para esconder atuações inadequadas da escola, deslocando um de dificuldades, é apresentada a crianças, adolescentes ou adultos.
problema, que é do ensino, para a aprendizagem. Além do mais, quem Cada uma das tarefas do teste está posicionada dentro do nível previsto
decide se a aptidão está ou não presente? O uso de “testes de aptidão” para uma determinada idade. Imagine-se que uma criança de oito anos
pode ser enganoso. Tais testes não vão além de quantificar respondeu corretamente todos os itens que se supunha que uma criança
comportamentos e atitudes ausentes aparentes: não medem disposições de nove anos pudesse responder. Quando ela chegou aos quesitos da
complexas em constante transformações, nem o significado cultural das idade de dez anos ela só acertou metade deles e, naqueles destinados
mesmas, ou seja, a sua utilidade num determinado grupo social. aos onze anos, só se saiu bem em um quarto. Todos os itens dos doze
É importante que o professor não exponha a criança anos foram errados. A idade mental dessa criança, pois, é de 9 anos + 6
prematuramente a tarefas que ela ainda não é capaz de dominar, pois meses (1/2 de um ano) + 3 meses (1/4 de um ano) + 0, o que dá, como
isto redundaria em fracasso da aprendizagem ou em aprendizagem à resultado, 9 anos e 9 meses ( ou seja, 9 anos + 75% de 1 ano). O
custa de grandes sacrifícios e sofrimentos. Mas o educador pode (e quociente de inteligência é obtido dividindo-se a idade mental pela idade
deve) aproveitar ao máximo as oportunidades de aprendizagem, não cronológica e multiplicando-se o resultado por 100.
adiando as mesmas indefinidamente, em busca do “estado ideal” de No exemplo dado, o QI dessa criança é:
prontidão. Fundamental é conhecer como o aluno age em determinada
situação, propor-lhe sucessivos desafios e participar, com ele, da tarefa QI = 9.75 (idade mental) X 100 = 121.8
de solucioná-los. Neste trabalho o professor dá pistas aos estudantes 8 (idade cronológica)
para que eles percebam seus comportamentos e aquilo que lhes é
O fato que deve ser questionado, quando se discute a ação da
exigido.
escola, é que o QI não costuma ser encarado como aquilo que é - o
A falta de prontidão para realizar determinadas atividades muitas resultado de um teste de inteligência - mas, muitas vezes, é tomado com
vezes acaba se transformando em justificativa convincente para alguns sinônimo da própria inteligência.
professores, sempre que as crianças “não aprendem” na medida do
Essa concepção circular (“O que é inteligência? - É resultado que
esperado. Como resultado, quem ensina tende a se isentar de toda e
se obtém no teste de QI. - E o que é QI? - É aquilo que mede a
qualquer responsabilidade pelo insucesso dos alunos. Não avalia a
inteligência.”) chega mesmo a existir entre profissionais . Estes, muitas
atuação docente, não se condena a prática pedagógica em sala de aula.
vezes, não deixam claro nem mesmo o teste ou instrumento no qual o QI
Já o termo inteligência também recebe tratamento próprio na visão se baseia. Como o QI tende a ser encarado com algo estável, pouco
inatista. Tal termo se refere a uma noção complexa e de difícil definição. ênfase é colocado nos processos que servem de base às modificações
Até o começo do século atual, a inteligência era encarada como um qualitativas no modo intelectual de se operar.
potencial finito, herdado por ocasião da concepção e que não sofria, ao
Equiparar a inteligência a uma propriedade inata significa rotular
longo do tempo, quaisquer mudanças qualitativas. Nessa visão, a
algumas crianças de “incompetentes” sem nenhuma base para tal. As
inteligência era tida com imutável: o ambiente não causava sobre ela
consequências - como no caso da aptidão - são desastrosas, na medida
nenhum impacto.
em que se supõe que pouco resta para a escola fazer, pois, quando se
supõe que o desempenho insatisfatório é culpa das próprias crianças,
não se avalia - por não se considerar ser este o foco do problema - a
atuação do professores.

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Em síntese, por todas as razões acima levantadas, acredita-se que Piaget estudando o desenvolvimento perspectivo, considera que,
as teorias inatistas de desenvolvimento tenham-se prestado mais a durante todo o período sensoriomotor, a percepção não se separa da
rotular os alunos como “incapazes” do que a promover um real ação.
entendimento daquilo que, na verdade, dificulta a aprendizagem. Daí a Nesse sentido, a percepção é global, sincrética, indiferenciada. O
ênfase dada à visão interacionista do desenvolvimento humano, pois ela bebê percebe um objeto que já conhece reproduzindo o gesto que
não acredita numa rotulação estática dos alunos. Antes, procura habitualmente emprega quando o usa. Gradativamente, por intermédio
aprendê-los dinamicamente, na sua relação com o mundo, em especial do processo de equilíbrio, a criança pequena passa a diferenciar os
com os elementos do ambiente escolar: pessoas, tarefas, concepções. aspectos mais imediatos do objeto de outros significados mais gerais do
Sobretudo, na visão interacionista, os conceitos de aptidão, prontidão e mesmo. Assim, age diante do objeto de forma cada vez mais distanciada
inteligência sofrem drásticas transformações: são encarados como da sua experiência imediata, corrigindo possíveis deformações
construções contínuas do indivíduo em sua relação com o meio. perceptivas através de ajustes variados, possibilitados por sua estrutura
Unidade III - O desenvolvimento cognitivo e afetivo cognitiva: analisa, sintetiza, relaciona, antecipa dados acerca do objeto
em questão, avaliando-os.
1- O desenvolvimento da sensação, da percepção e da
imaginação Já Vygotiski chama atenção para o papel da fala na modificação
das percepções iniciais da crianças pequena. Pelas palavras, aprendidas
Na construção do conhecimento e fundamentando uma porção na interação com outros membros da sua cultura, as crianças isolam
básica da relação do indivíduo com o mundo, encontram-se a sensação, certos atributos dos objetos e formam novas categorias explicativas para
a percepção e a imaginação. Esses processos, tais como os demais os mesmos. Podem então perceber o objeto por rótulos verbais como “é
processos psicológicos humanos, desenvolvem-se através da grande”, “é pequeno”, “está bem perto”, graças à sua experiência anterior
experiência da criança em seu ambiente, dependendo das atividades com este e com outros objetos, em função do grau de domínio que têm
que realiza em seu grupo social. sobre a linguagem.
A sensação se refere ao reconhecimento dos estímulos presentes A imaginação é a habilidade que os indivíduos possuem de formar
num ambiente, feito pelo aparato sensorial humano, ou seja, pelos representações, ou seja, de construir imagens mentais acerca do mundo
órgãos dos sentidos. Ela possibilita ao indivíduo informar-se de algumas real ou mesmo de situações não diretamente vivenciadas. A imaginação
características e propriedades de coisas e fenômenos de seu meio, não pode ser considerada, entretanto, como uma cópia fiel de objetos ou
como, por exemplo, a presença de determinadas formas, cores, sons, situações, nem como uma invenção, entretanto, como uma cópia fiel de
temperatura ambiente, objetos ou pessoas. O ser humano dispõe, objetos ou situações, nem como uma invenção absolutamente livre da
também, de outras coisas, ter noção de equilíbrio e desequilíbrio do influência do real. Antes, a imaginação é um reflexo criativo da realidade,
próprio corpo. como é notar nos desenhos, histórias e jogos de faz-de-conta das
A percepção, por sua vez, diz respeito ao processo de organização crianças e também nos filmes, livros, quadros de grandes autores e nos
das informações obtida por meio da sensação em determinadas trabalhos de inventores de vulto.
categorias. Estas se referem aos atributos dos estímulos como forma, Todo ser humano pode desenvolver grande capacidade
peso, altura, distância, tamanho, localização espacial, localização imaginativa, desde que sejam garantidas condições para tal: um
temporal, tonalidade, intensidade, textura e outros. A tais características ambiente acolhedor, que promova a liberdade de pensamento, que
e propriedades são atribuídos significados como: grande, rugoso, liso. incentive a ousadia nas formas de expressão, que valorize a descoberta
Tais significados, porém, não são vistos isoladamente, pois cada objeto, do novo. Daí a preocupação em fazer da escola também um local onde
pessoa ou situação com que o indivíduo se defronta são percebidos os outros possam aperfeiçoar seus processos sensoriais, percetivos e
como um todo dotado de sentido. imaginativos. Isso pode ser alcançado por meio de experiências que
É importante ter claro que a percepção é parte do sistema dinâmico estimulem a exploração, a experimentação e a criação. Esta postura
do comportamento humano. Ela depende de outras atividades contribui para que a escola confirme sua função de instituição social
intelectuais do indivíduo, ao mesmo tempo que as influencias. Daí o fato voltada para a ação que leve as crianças a construírem conhecimentos
de a percepção e o raciocínio serem processos que se apóiam cada vez mais complexos e também a se engajarem em novas
mutuamente. possibilidades de ação. É conhecendo, explorando e criando que as
crianças se constituem enquanto sujeitos.
Segundo Piaget a percepção se refere ao conhecimento que se
tem dos objetos ou dos movimentos, obtidos através do contato direto e 2- O desenvolvimento linguístico
atual com os mesmos. As funções da linguagem
A inteligência, por sua vez, possibilita o conhecimento de outros Quando, por volta dos dois anos de idade, uma criança começa a
aspectos dos objetos e movimentos e que subsiste mesmo na ausência falar, as pessoas à sua volta não se dão conta de que algo fantástico
de contato direto com eles. Dessa forma, pode-se perceber que uma está acontecendo. Em geral, os adultos ficam fascinados com os
criança é alta mesmo sem tomar-lhe a medida de altura. esforços que as crianças fazem para nomear algo presente em seu

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ambiente - um objeto, um animal, uma pessoa ou mesmo uma ideia, As várias linguagem do pensamento
divertindo-se com as trocas e confusões que inevitavelmente ocorrem. O pensamento pode fazer uso de outras modalidades de
Passa , no entanto, despercebido um fato fundamental, que se refere, linguagem, diferentes da verbal. Uma dessas modalidades é dada pelo
justamente, ao impacto que a aquisição da linguagem tem sobre a vida uso de imagens visuais, outra pelos sons, outra pelo tato, pelo
da criança e daqueles que interagem com ela. movimento etc. Dessa forma, pode-se dizer que não existe uma
A linguagem é um fator de interação social, é ela que permite a linguagem única e universal para o pensamento. Parece mais defensável
comunicação entre os indivíduos , a troca de informações e de supor que várias modalidades de linguagem sejam utilizadas, ainda que
experiências. Neste sentido a linguagem é, sem dúvida, um fenômeno em graus diversos, no pensamento de diferentes pessoas: umas podem
que diferencia os homens dos animais. Estes últimos só ganham usar predominantemente o pensamento verbal, outras o visual, outras o
informações através do contato direto com o ambiente. Os seres pensamento que se apóia no som ou no movimento.
humanos, no entanto, são capazes de fazer uso da linguagem para se Um exemplo prático pode ilustrar essa situação. Quando estudam,
apropriarem da experiências significativas de gerações precedentes. preparam um trabalho científico ou artístico, ou quando organizam uma
A linguagem permite, assim, que as conquistas alcançadas ao agenda, as pessoas fazem anotações verbais e não- verbais sobre aquilo
longo de milhares de anos sejam assimiladas. que estão pensando. Isto parece ocorrer porque o pensamento tem uma
configuração peculiar e bem conhecida: é rápido, dinâmico, mutável.
Quando a criança passa a frequentar a escola, ao aprendera ler ,
a escrever e a manejar números, ela está apropriando-se de toda uma Para não perde-lo, frequentemente se registra - de forma
experiência humano-social que levou séculos para ser construída e que telegráfica e condensada, com palavras e sinais - a avalanche de ideias
está sendo continuamente modificada pelo conjunto dos homens. Esta que se tem ao pensar. Tais registros servem exclusivamente para o
é, portanto, a primeira das funções da linguagem: permitir a pensador. Somente após trabalho sistemático sobre as anotações, de
comunicação, a transmissão de informações produzidas ao longo de modo a expandi-las e torná-las comunicáveis, é que o pensamento se
muitos séculos de prática histórico-social e, consequentemente, a completa, adquirindo permanência e estabilidade.
assimilação de uma infinidade de conhecimentos que de forma alguma O fato de existirem diferentes formas de se registrar o pensamento
poderia resultar da atividade individual isolada. indica que este pode ser representado, armazenado e transmitido de
A linguagem também tem outra importante função: ela organiza, várias maneiras. A forma de pensar que acaba por se impor ao longo do
articula e orienta o pensamento. Quando a criança começa a designar desenvolvimento intelectual da criança depende das condições
objetos e eventos do mundo exterior com palavras isoladas ou oferecidas pelo mundo ‘a sua volta: as atividades culturais disponíveis no
combinação de palavras, está descriminando esses objetos, esta ambiente, os interesses da família e da escola, os bens materiais aos
prestando atenção em suas características , podendo guardá-las na quais se tem aceso e o papel desempenhado por adultos e professores.
memória. Com isso, a criança está livre do aqui-e-agora: pode, com a Aos poucos, o aprendiz vai construindo os conteúdos do seu pensamento
ajuda da linguagem, relembrar situações passadas e prever eventos e desenvolvendo uma forma de pensar que nada mais é do que o produto
futuros. Pode lidar com objetos , pessoas e fenômenos do ambiente, da ação conjunta de todos estes fatores.
mesmo quando eles não se encontram presentes. A linguagem permite, Dessa forma o pensamento, enquanto busca constante de
assim, que o ser humano se distancie da experiência imediata, fato que significados e que permeia, contribui e dá forma a todas as atividades
assegura o aparecimento da imaginação e do ato criativo. humanas, pode se amparar em diferentes linguagens. Nota-se, no
Um outro aspecto essencial da linguagem é a palavra. entanto, que, qualquer que seja ela, os conteúdos do pensamento e sua
forma de se expressar não constituem meros reflexos do mundo que
As palavras não servem apenas para representar coisas e rodeia a criança.
eventos. Na verdade, atuam no sentido de abstrair as propriedades e
características fundamentais das coisas e eventos a quais referem. A apreensão de novos conhecimentos requer, sobretudo, apoio em
Com isso, tornam possível relacionar elementos semelhantes entre si e estruturas e processos internos já desenvolvidos . Sobre esta base ,
agrupá-los em categorias. Dessa forma, propicia processos de noções e relações novas entrelaçam-se com relações e noções antigas,
abstração e generalização que são muito importantes para o raciocínio. num processo ativo e dinâmico. Nesse sentido, todas as modalidades de
linguagem utilizadas pelo pensamento são importantes, na medida em
A linguagem pode ser também considerada como um elemento que se promovem sua organização, orientação e comunicação, ao longo
central no processo de regulação do comportamento humano. Mas logo da interação social.
ela aprende a organizar e controlar seu próprio comportamento e a
prever as consequências da sua ação futura, analisando-a à luz da A linguagem na escola
experiência anterior, seja ela transmitida ou vivida. Desta forma, na base A linguagem , tanto oral quanto escrita, é fundamental na escola.
do comportamento voluntário, encontra-se sempre a palavra, ainda que Em especial, o ensino destinado aos meninos e meninas das camadas
não manifesta, evocando eventos passados e regulando ações futuras.

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de baixa renda, majoritários da população brasileira, deve dar especial - de natureza sócio-econômica - que se encontram na base das
atenção a linguagem. diferenças entre as diferentes classes sociais. Tais causas se refletem
nas diferentes modalidades de linguagem que as diferentes classes
Geralmente, a escola exige das crianças que falem e escrevam de sociais utilizam e que terminam tendo peso distinto para o sucesso
acordo com o padrão “culto”, estigmatizando e censurando as variações escolar. A desvalorização dos padrões linguísticos e culturais das
linguísticas utilizadas pelos alunos, ou seja, suas formas específicas de classes dominadas, que perpassa tanto a teoria da “deficiência” como a
falar. Esse padrão “culto” de linguagem, entretanto, corresponde à forma da “diferença” linguística, as levou, portanto, a contribuir para manter as
de falar dos grupos sociais privilegiados , parte do fracasso escolar pode desigualdades sociais.
ser atribuído ao tratamento que a escola dá à questão da linguagem.
Para combater a seletividade escolar, defendendo o direito de
A linguagem e o fracasso escolar todos à educação e à apropriação dos conhecimentos, é preciso assumir
Para alguns, as crianças provenientes de famílias de baixa renda uma postura política em relação à linguagem.
fracassam na escola por terem uma linguagem “pobre”, pouco elaborada Para tanto, o “dialeto” de prestígio falado pelas classes sociais
e com vocabulário reduzido. Essa linguagem “pobre”, “”deficiente” seria privilegiadas deve ser colocado a serviço da classes desfavorecidas. Isso
resultado da “”pobreza” do contexto cultural em que tais crianças vivem pode ser feito criando-se situações nas quais os alunos, dialogando com
e não serviria para expressar o pensamento lógico ou formal, o professor acerca do mundo, do livro, deles mesmos etc., possam ir-se
consequentemente, a necessidade de programas para “remediar” essa apropriando da variante linguística privilegiada pela escola, ao mesmo
situação, fornecendo a essas crianças uma educação “compensatória” tempo em que a sua cultura e o modo de expressão próprio dela não
das deficiências causadas por seu ambiente familiar e cultural. deixam de ser reconhecidos.
Tal teoria da “deficiência” linguística deve ser criticada. Em 3- A apropriação dos conceitos científicos
primeiro lugar, ela não procura as causas do fracasso escolar nas
relações que se estabelecem entre educação e sociedade no sistema No processo de conhecimento é preciso considerar a presença de
capitalista. alguém que conhece - o sujeito - e de algo a ser conhecido - o objeto.
Entre o sujeito e o objeto do conhecimento estabelecem-se relações que
Nele, a função da escola não é a de eliminar as diferenças sociais, requerem um elemento mediador. Esta ideia fica mais clara quando
mas adaptar os alunos às mesmas. Em segundo lugar, admitir a fazemos uma comparação entre trabalho material e o trabalho intelectual.
existência de uma deficiência cultural nas populações de baixa renda
significa acreditar que elas possuem uma cultura inferior, fato já bastante Ambos exigem, para a sua realização, o emprego de instrumentos
contestado pela Antropologia: todas as culturas possuem integridade e que atuem como mediadores na relação sujeito/objeto . No trabalho
coerência , não sendo possível, portanto, estabelecer comparações( material realizado sobre a natureza, a enxada, o serrote, o torno, o tear
negativas ou positivas) de umas em relação a outras. Finalmente, todas são instrumentos “físicos” que permitem ao sujeito ( lavrador ,
as línguas atendem às necessidades e características da cultura a que marceneiro, ceramista e tecelão) atuar sobre a matéria-prima. No
servem, constituindo instrumentos efetivos de comunicação social. trabalho intelectual, os principais instrumentos são os conceitos, ou seja,
Assim, não há por que considerar que existam linguagens “deficientes”. propriedades abstratas apreendidas a partir da interação com objetos ou
eventos, em situações variadas.
Uma outra teoria - a da “diferença” linguística - surge para se
contrapor àquela que se acabou de expor. Nesta nova abordagem a A partir da aquisição da linguagem pela criança, os conceitos se
linguagem das crianças das classes sociais desfavorecidas é expressam através das palavras, que representam generalizações de
reconhecida como diferente daquela empregada pelas crianças das objetos, eventos ou fenômenos. A palavra “gato” pôr exemplo, refere-se
classes privilegiadas , mas não como deficiente. Diferenças encontradas a diferentes raças , cada uma com as suas peculiaridades, as quais são
em testes de linguagem realizados com crianças dos dois grupos sociais abstraídas e resumidas no conceito “gato” , que é expresso pôr essa
não se explicariam, nessa nova ótica, pôr inferioridade linguística dos palavra. Entretanto, à medida que as crianças se desenvolvem, os
mais pobres. O problema estaria na forma como eles encaravam a conceitos expressos pelas palavras vão aos poucos ganhando graus
situação de testarem. As crianças das famílias trabalhadoras tenderiam cada vez maiores de abstração e, consequentemente , de generalização.
a senti-la como uma ameaça e pôr isso se retrairiam. Isto significa que o sujeito aprende sempre novas propriedades ou
características do objeto, evento ou fenômeno, aumentando o seu
Há ainda uma terceira teoria para explicar a questão, do “capital” conhecimento sobre ele e, em razão disso, expandindo o alcance do
linguístico. Essa nova proposta questiona os pressupostos das teorias conceito que exprime tal conhecimento. Gato, mamífero, vertebrado,
anteriores, segundo os quais a escola poderia ajudar a superar as animal, ser vivo, constituem uma sequência de palavras que partindo do
diferenças sociais. Para ela, tanto a teoria da deficiência quanto a da objeto concreto “gato”, adquirem cada vez maior abrangência,
diferença linguística pecam por não investigarem as causas estruturais dependendo do grau de abstração e generalização oferecido pelo
conceito. Por exemplo, “ser vivo”, por ser mais abstrato e

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geral do que “gato”, abrange mais elementos: pessoas, plantas e crianças difíceis ou anormais. Sobretudo, não é possível pensar que os
animais. 40% dos alunos que não se alfabetizam na primeira série da escola
brasileira não o façam devido a desajustes emocionais.
Como a criança consorte os conceitos, enquanto instrumentos do
seu pensamento? A resposta a essa pergunta é apenas uma: os Além disso, mesmo reconhecendo a importância dos fatores
conceitos são construídos tanto a partir da experiência individual da emocionais e afetivos na aprendizagem , o objetivo da ação da escola
criança como a partir dos conhecimentos transmitidos na interação não é resolver dificuldades nesta área. O específico na instituição escolar
social, em especial na escola. Os conceitos adquiridos pela experiência é propiciar a aquisição e reformulação dos conhecimentos elaborados
individual são chamados de espontâneos, pois se referem a objetos ou por uma dada sociedade.
situações em que a criança observa, manipula e vivência diretamente. Cabe a escola esforçar-se por propiciar um ambiente estável e
Os conceitos alcançados na e pela atuação da escola denominam-se seguro, onde a crianças se sintam bem, porque nestas condições a
científicos por se referirem a eventos não diretamente acessíveis ‘a atividade intelectual fica facilitada. Nesse sentido, alguns pontos que se
observação ou ação imediata. Assim, conceitos espontâneos e julga centrais para a compreensão do desenvolvimento afetivo e de seu
científicos diferem entre si por se pautarem ou se distanciarem da papel na aprendizagem devem ser discutidos.
experiência concreta, fato que implica, necessariamente, processos da
A importância das ligações afetivas
construção também distintos.
Especialistas afirmam que o bebê humano nasce com uma
Na escola, diferentemente das situações de experiência direta da
predisposição para interagir. Ele dispõe de certas estruturas orgânicas
criança, a relação entre cada conceito e o objeto, fenômeno ou evento a
que o levam a privilegiar certos estímulos na sua relação com o meio.
que se refere, se dará sempre mediante outros conceitos. A criança
Com isso, o bebê responde, sobretudo, a estímulos associados a outros
aprende, por exemplo, que “a Terra é um planeta que gira em trono do
seres humanos, como a face e as vozes. Assim é que desde cedo, o
Sol”. Esta definição implica conceitos de “planeta” e de “movimento de
recém-nascido distingue a voz humana do conjunto de sons presentes
translação” que não são providos pela vivência imediata da criança .
no ambiente e rapidamente orienta-se para os traços do rosto humano
Como tais conceitos científicos se relacionam formando um sistema
colocado à sua frente. Suas estruturas perceptuais, por outro lado, são
conceitual, é a possibilidade de serem apreendidos como algo integrado
ativadas pelas ações dos adultos ao lhe responderem, estabelecendo
que lhes confere corpo, consistência e sistematicidade. Isso significa que
assim uma interdependência comportamental, desde o início, entre
a formação desse sistema conceitual está em estreita dependência da
adulto e bebê.
aprendizagem de conceitos científicos veiculados na escola,
estendendo-se , só posteriormente, aos conceitos espontâneos A presença do adulto dá à criança condições físicas e emocionais
adquiridos na vida cotidiana. que a levam a explorar mais o ambiente e, portanto, a aprender. Por outro
lado, a interação humana envolve também a afetividade, a emoção,
Devemos considerar, que esses dois tipos de conceitos (
como elemento básico. Assim, é através da interação com os indivíduos
espontâneos e científicos) , emborca distintos, são mutuamente
mais experientes do seu meio social que a criança constrói as suas
relacionados. Os conceitos científicos possuem maior sistematicidade,
funções mentais superiores, como afirma Vygotski, ou forma a sua
mas faltam-lhes a riqueza e diversidade de detalhes advindos da
personalidade, como defende Freud.
experiência pessoal. Os conceitos espontâneos, por sua vez, embora
sejam plenos de significados , carecem de consciência e, portanto, de A teoria de Freud
poder ser empregados voluntariamente. A despeito, pois, de
Sigmund Freud (1856 -1939) foi um neuropsiquiatra austríaco que
desenvolverem-se em sentidos opostos, os conceitos científicos e
estudou o desenvolvimento emocional humano, criando um método de
espontâneos se encontram intimamente relacionados. De fato, é possível
tratar os distúrbios psíquicos, chamado Psicanálise.
entender que os conceitos espontâneos da criança se desenvolvem “de
baixo para cima”( em direção a níveis cada vez mais abstratos), enquanto Segundo Freud o bebê e a criança tem pouco controle sobre as
os científicos o fazem “de cima para baixo” (em direção a níveis cada vez poderosas forças biológicas e sociais que agem sobre eles. É somente
mais concretos). através da experiência que eles vão aprendendo a lidar com elas,
formando a sua personalidade.
Finalizando , os conceitos espontâneos e científicos influenciam-
se mutuamente, um dependendo para se desenvolverem na consciência Na teoria freudiana, o que leva o indivíduo a agir é sua excitação
da criança. energética, os seus instintos. A energia biológica, ou seja, o instinto -
fonte de todos os impulsos básicos do indivíduo - é o aspecto que se
4- O desenvolvimento afetivo
encontra na base de todos os comportamentos, motivos e pensamentos.
Algumas crianças enfrentam sérias dificuldades em seu Todos eles seriam governados a partir de três fontes energéticas: a
desenvolvimento cognitivo e emocional. Não lhes é fácil abstrair e sexualidade ( libido) , os impulsos de autoconservação e a agressão.
generalizar, sofrem inúmeros medos e problemas de relacionamento
com outras crianças e adultos. É prudente, todavia, não se concluir que
todas as crianças com problemas de aprendizagem escolar são

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Freud enfatizou a qualidade instintiva das ligações afetivas que O prazer vem assim, da própria aprendizagem, do sentimento de
seriam manifestações do instinto sexual da criança. Por intermédio da competência pessoal, da segurança de ser hábil para resolver
sua experiência com o meio em que vive e dependendo de sua problemas.
maturação orgânica, a criança atravessa vários estágios de A auto-avaliação
desenvolvimento que, para Freud, estariam ligados aos lugares do corpo
A aprendizagem é facilitada quando o indivíduo conta com
que servem como fonte primária de prazer. O desenvolvimento da
informações sobre o próprio desempenho. Conhecendo a natureza dos
personalidade seguiria um padrão fixo, com estágios determinados, de
erros cometidos ou dos acertos realizados, ele pode colocar-se novas
um lado, pelas mudanças maturacionais no corpo e, de outro , pelo tipo
metas, buscar auxílio específico, modificar o comportamento que tem
de relacionamento que a criança estabelece com adultos significativos
face a uma disciplina. Desse ponto de vista, a avaliação do professor leva
do seu meio, em especial com o pai e a mãe. A construção da identidade
o aluno a se auto-avaliar, a perceber quais são os seus pontos fortes e
ocorre através da construção de significados a respeito das ligações que
quais são os pontos fracos que devem ser superados.
o indivíduo estabelece com o mundo, significados esses que podem ser
conscientes ou inconscientes para ele, num determinado momento. Unidade IV - O desenvolvimento de crianças e adolescentes

Afetividade e cognição 1- A atuação docente no desenvolvimento de criança e


adolescentes
As emoções estão presentes quando se busca conhecer, quando
se estabelece relações com objetos físicos, concepções ou outros Um dos maiores desafios com o qual a escola se defronta é
indivíduos. Afeto e cognição constituem aspectos inseparáveis, resolver de forma efetiva uma das suas principais metas: a de propiciar
presentes em qualquer atividade, embora em proporções variáveis. A aos alunos a possibilidade de realizar, com os materiais e os meios
afetividade e a inteligência se estruturam nas ações e pelas ações dos disponíveis, algo que ainda não tenha sido feito, ou de fornecer
indivíduos . O afeto pode, assim, ser entendido como energia necessária condições para que aquilo que já foi feito seja visto, ou refeito a partir de
para que a estrutura cognitiva passe a operar, ele influencia a velocidade uma nova perspectiva. Não se quer, assim, que a escola atue apenas
com que se constrói o conhecimento, pois, quando as pessoas se sentem como reprodutora de conhecimentos ou de técnicas já desenvolvidas. Ao
seguras, aprendem com mais facilidade. contrário, é preciso que a criação - seja ela científica, seja artística - tenha
lugar no espaço escolar. É necessário que se estimule e encoraje o
Na interação que o professor e aluno estabelecem na escola, os
próprio prazer de aprender, frequentemente ausente da vida e das salas
fatores afetivos e cognitivos de ambos exercem influência decisiva. Para
de aula. Essa não é uma tarefa simples, pois exige interesse e atenção
que essa interação possa levar à construção de conhecimentos , a
para pequenos progressos, sensibilidade para avaliar os esforços
interpretação que o professor faz do comportamento dos alunos é
despendidos, sobretudo, capacidade de elaborar formas produtivas de
fundamental. Ele precisa estar atento ao fato de que existem muitas
orientar o trabalho das crianças. É imprescindível que adultos,
significações possíveis para os comportamentos assumidos por seus
professores ou não, constituam modelos e atuem como colaboradores,
alunos, buscando verificar quais delas melhor traduzem as intenções
na tentativa de reconstruir o passado para transforma-lo. Para tanto, é
originais. Além disso, o professor necessita compreender que aspectos
necessário separar o secundário do central, discutir as respostas obtidas,
da sua própria personalidade - seus desejos, preocupações e valores -
orientar a formulação de novas hipóteses e apontar aquilo que é
influem em seu comportamento, ao longo de interações que ele mantém
produção pessoal, diferenciando-a das já existentes.
com a classe.
2- A concepção Interacionista na escola
Motivação e aprendizagem
A interação em sala de aula
A motivação para aprender nada mais é do que o reconhecimento,
pelo indivíduo, de que conhecer algo irá satisfazer suas necessidades Na interação professores-alunos, supõe-se que o primeiro ajude
atuais ou futuras. Ela também pode ser encarada como um processo inicialmente os segundos na tarefa de aprender , porque essa ajuda logo
psicológico em construção. lhes possibilitará pensar com autonomia. Para aprender, o aluno precisa
ter ao seu lado alguém que o perceba nos diferentes momentos da
A motivação humana deve ser compreendida na relação entre os
situação de aprendizagem e que lhe responda de forma a ajuda-la a
aspectos cognitivos e afetivos da personalidade, ambos largamente
evoluir no processo, alcançando um nível mais elevado de
dependentes do meio social. A motivação está ligada à autoconsciência
conhecimento. Por meio da interação que se estabelece entre eles e esse
do indivíduo ( seus ideais, seus projetos, sua visão de mundo) e também
parceiro mais experiente e sensível - o professor ou um colega - o aluno
aos aspectos inconscientes de sua personalidade.
vai construindo novos conhecimentos, habilidades e significações.
Para o professor um dos trabalhos mais importantes a serem
Participando ativamente, os alunos têm diferentes oportunidades
desenvolvidos é motivar os alunos, procurar fazer com que o processo
de coordenar suas ações tanto com as dos colegas como com as do
de aprendizagem seja motivador em si mesmo: as crianças devem ser
professor, usando diversos modos de expressão: oral, escrita, gráficos,
levadas a colocar toda a sua energia para enfrentar o desafio intelectual
que a escola lhes coloca.

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corporais etc. A interação em sala de aula envolve, pois, ajuste de ações aprendem a ouvir e incorporar críticas às sugestões dadas, a defender
que levam à construção partilhada de significados nas situações de suas ideias e seu espaço no grupo, a dividir de modo produtivo.
aprendizagem. Nesse processo, mestre e aprendizes se respeitam como Sobretudo, a atividade conjunta leva à compreensão de que o esforço
pessoas, como sujeitos únicos que possuem experiências diversas de solitário para a obtenção de um determinado fim deve ser enriquecido no
uma mesma cultura. trabalho partilhado, onde se trocam informações, apoio e incentivo.
Nesse sentido , o papel do professor e dos colegas é essencial para a
Procedimentos de ensino perseverança nos objetivos propostos, a organização do conhecimento
Nesse quadro de referencias, um ensino pautado exclusivamente e a produção de um trabalho.
em aulas, onde o professor apenas expõe um conteúdo sem dialogar
com os alunos sobre o mesmo, está fadado ao fracasso. É preciso que
os alunos participem ativamente da aprendizagem, fazendo perguntas e A PEDAGOGIA: SEU OBJETO,
propondo soluções. Para tanto, incentiva-se a pesquisa e o raciocínio CAMPO DE CONHECIMENTO E DE TRABALHO;
lógico em tarefas de solução de problemas. Não se recomenda, pois, que
AS CORRENTES PEDAGÓGICAS.
a aprendizagem se restrinja a fórmulas e a memorização, seja de
definições, seja de textos. Para desenvolver a abordagem das tendências pedagógicas
utilizamos como critério a posição que cada tendência adota em relação
O professor não é exclusivamente um transmissor de
às finalidades sociais da escola.
conhecimento, como o aluno não é receptor passivo dos mesmos. O
professor é um mediador competente entre o aluno e o conhecimento, Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias em dois
alguém que deve criar situações para a aprendizagem, que provoque grupos, conforme aparece a seguir:
desafio intelectual. Seu papel é o de interlocutor, que assinala, orienta e
1. Pedagogia liberal
coordena.
1.1 tradicional
A linguagem na instrução
1.2 renovada progressivista
A importância da linguagem na instrução, facilita a construção,
compreensão e atenção dos conteúdos apresentados. Convém, no 1.3 renovada não-diretiva
entanto, ressaltar que não é simples a tarefa de trabalhar sobre a
1.4 tecnicista
linguagem, de modo a deixa-la compatível com os conhecimentos que
os alunos já elaboraram sobre um determinado assunto. 2. Pedagogia progressista

Quando a linguagem se apóia em experiências já enfrentadas 2.1 libertadora


pelas crianças, é maior a sua possibilidade de ser uma base sólida para 2.2 libertária
a construção e retenção de novos conhecimentos.
2.3 crítico-social dos conteúdos
A noção de erro
É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações
O interacionismo questiona, na escola, procedimentos de não são puras nem mutuamente exclusivas o que, aliás, é a limitação
avaliação que se pautam na visão tradicional de “erro”. Na verdade, as principal de qualquer tentativa de classificação. Em alguns casos as
“soluções erradas” são ricas de informações para o professor: através tendências se complementam, em outros, divergem. De qualquer modo,
delas é possível perceber a forma por meio da qual a criança pensa, suas a classificação e sua descrição poderão funcionar como um instrumento
hipóteses sobre um determinado assunto, sua maneira de operar de análise para o professor avaliar a sua prática de sala de aula.
cognitivamente os significados que atribui a um tema de acontecimentos.
A exposição das tendências pedagógicas compõe-se de uma
Se cada estágio de desenvolvimento essa forma de pensar sofre
caracterização geral das tendências liberal e progressista, seguidas da
transformações drásticas, como definir o que é “erro”? O interacionismo
apresentação das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na
mostrou que mais produtivo do que ter meramente o resultado da
prática docente.
aprendizagem, é investigar o seu processo.
1. PEDAGOGIA LIBERAL
O trabalho em grupo
O termo liberal não tem o sentido de “avançado”, “democrático”,
Uma das alternativas mais ricas com que os adultos contam para
“aberto”, como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como
amparar e orientar as gerações mais novas é o trabalho supervisionado
justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da
em grupo, onde as diferentes crianças e jovens interagem em busca de
liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma
um objetivo comum, dividindo e compartilhando esforços. Durante as
forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios
horas que passam juntos - tentando montar uma peça de teatro, observar
de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia
e descrever um experimento científico, organizar um jornal da
liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.
comunidade - os alunos se tornam mais conscientes de si mesmos,

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A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinquenta mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia
anos,.tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento
conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir
manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um recurso
pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta tecnológico por excelência. Ela “é encarada como um instrumento capaz
dessa influência. de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico pela
qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da renda, pela
A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da
função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de ‘consciência política’ indispensável à manutenção do Estado autoritário”.
acordo com as aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam Utiliza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia educacional
aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade e da análise experimental do comportamento.
de classes através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no
aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois, 1.1 TENDÊNCIA LIBERAL TRADICIONAL
embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em Papel da escola – A atuação da escola consiste na preparação
conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade.
iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais
hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção ao saber é o
denominada escola nova ou ativa), o que não significou a substituição de mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos
uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar. capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu
Na tendência tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por lugar junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem procurar o
acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é ensino mais profissionalizante.
educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como Conteúdos de ensino – São os conhecimentos e valores sociais
pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor- acumulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como
aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos verdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são
com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os conteúdos
das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual. são separados da experiência do aluno e das realidades sociais, valendo
A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada
cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação como intelectualista e, às vezes, como enciclopédica.
é um processo interno, não externo; ela parte das necessidades e Métodos – Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou
interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo
educação é a vida presente, é a parte da própria experiência humana. A professor, observados os seguintes passos: a) preparação do aluno
escola renovada propõe um ensino que valorize a auto- educação (o (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar
aluno como sujeito do conhecimento), a experiência direta sobre o meio interesse); b) apresentação (realce de pontos-chaves, demonstração);
pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A tendência c) associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido
liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas: a por comparação e abstração); d) generalização (dos aspectos
renovada progressivista, ou pragmatista, principalmente na forma particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada);
difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca e) aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resoluções de
Anísio Teixeira (deve-se destacar, também, a influência de Montessori, exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou
Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada não-diretiva, orientada fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos.
para os objetivos de auto-realização (desenvolvimento pessoal) e para
Relacionamento professor-aluno – Predomina a autoridade do
as relações interpessoais, na formulação do psicólogo norte-americano
professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer
Carl Rogers.
comunicação entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o
A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade, conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em consequência, a
tendo como função a preparação de “recursos humanos” (mão-de-obra disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o
para a indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece silêncio.
(cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação
Pressupostos de aprendizagem – A ideia de que o ensino consiste
treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de
em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é
ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade
acompanhada de uma outra: a de que a capacidade de assimilação da
contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e
criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os
aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade,
programas, então, devem ser dados numa progressão lógica,

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estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias provisórias devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta
de cada idade. A aprendizagem, assim, é receptiva e mecânica, para o do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções
que se recorre frequentemente à coação. A retenção do material à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.
ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e Relacionamento professor-aluno – Não há lugar privilegiado para
recapitulação da matéria. A transferência da aprendizagem depende do o professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e
treino; é indispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder espontâneo da criança; se intervém, é para dar forma ao raciocínio dela.
às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em A disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida
situações anteriores. A avaliação se dá por verificações de curto prazo grupal; assim, aluno disciplinado é aquele que é solidário, participante,
(interrogatórios orais, exercício de casa) e de prazo mais longo (provas respeitador das regras do grupo. Para se garantir um clima harmonioso
escritas, trabalhos de casa). O reforço é, em geral, negativo (punição, dentro da sala de aula é indispensável um relacionamento positivo entre
notas baixas, apelos aos pais); às vezes, é positivo (emulação, professores e alunos, uma forma de instaurar a “vivência democrática”
classificações). tal qual deve ser a vida em sociedade.
Manifestações na prática escolar – A pedagogia liberal tradicional Pressupostos de aprendizagem – A motivação depende da força
é viva e atuante em nossas escolas. Na descrição apresentada aqui de estimulação do problema e das disposições internas e interesses do
incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação aluno. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma
clássico-humanista ou uma orientação humano-científica, sendo que auto-aprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. E
esta se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa retido o que se incorpora à atividade do aluno pela descoberta pessoal;
história educacional. o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser
1.2 TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA PROGRESSIVISTA empregado em novas situações. A avaliação é fluida e tenta ser eficaz à
medida que os esforços e os êxitos são pronta e explicitamente
Papel da escola – A finalidade da escola é adequar as reconhecidos pelo professor.
necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se
organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida. Todo ser dispõe Manifestações na prática escolar – Os princípios da pedagogia
dentro de si mesmo de mecanismos de adaptação progressiva ao meio pro-gressivista vêm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de
e de uma consequente integração dessas formas de adaptação no licenciatura, e muitos professores sofrem sua influência. Entretanto, sua
comportamento. Tal integração se dá por meio de experiências que aplicação é reduzidíssima, não somente por falta de condições objetivas
devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as como também porque se choca com uma prática pedagógica
exigências sociais. À escola cabe suprir as experiências que permitam basicamente tradicional. Alguns métodos são adotados em escolas
ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução particulares, como o método Mon-tessori, o método dos centros de
do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e interesse de Decroly, o método de projetos de Dewey. O ensino baseado
estruturas do ambiente. na psicologia genética de Piaget tem larga aceitação na educação pré-
escolar. Pertencem, também, à tendência pro-gressivista muitas das
Conteúdos de ensino – Como o conhecimento resulta da ação a escolas denominadas “experimentais”, as “escolas comunitárias” e mais
partir dos interesses e necessidades, os conteúdos de ensino são remotamente (década de 60) a “escola secundária moderna”, na versão
estabelecidos em função de experiências que o sujeito vivencia frente a difundida por Lauro de Oliveira Lima.
desafios cognitivos e situações problemáticas. Dá-se, portanto, muito
mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a 1.3 TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA
conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de “aprender a Papel da escola – Acentua-se nesta tendência o papel da escola
aprender”, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada
do que o saber propriamente dito. com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais.
Método de ensino – A ideia de “aprender fazendo” está sempre Todo esforço está em estabelecer um clima favorável a uma mudança
presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a dentro do indivíduo, isto é, a uma adequação pessoal às solicitações do
descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de ambiente. Rogers4 considera que o ensino é uma atividade
problemas. Embora os métodos variem, as escolas ativas ou novas excessivamente valorizada; para ele os procedimentos didáticos, a
(Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) partem sempre de competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca
atividades adequadas à natureza do aluno e às etapas do seu importância, face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de
desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importância do autodesenvolvimento e realização pessoal, o que implica estar bem
trabalho em grupo não apenas como técnica, mas como condição básica consigo próprio e com seus semelhantes. O resultado de uma boa
do desenvolvimento mental. Os passos básicos do método ativo são: a) educação é muito semelhante ao de uma boa terapia.
colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse Conteúdos de ensino – A ênfase que esta tendência põe nos
por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estímulo à processos de desenvolvimento das relações e da comunicação torna
reflexão; c) o aluno deve dispor de informações e instruções que lhe secundária a transmissão de conteúdos. Os processos de ensino visam
permitam pesquisar a descoberta de soluções; d) soluções

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mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os especialistas; a “aplicação” é competência do processo educacional
conhecimentos que, no entanto, são dispensáveis. comum. A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social
vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema
Métodos de ensino – Os métodos usuais são dispensados, produtivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento,
prevalecendo quase que exclusivamente o esforço do professor em ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de
desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. produzir indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho,
Rogers explicita algumas das características do professor “facilitador”: transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas.
aceitação da pessoa do aluno, capacidade de ser confiável, receptivo e A pesquisa científica, a tecnologia educacional, a análise experimental
ter plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do do comportamento garantem a objetividade da prática escolar, uma vez
estudante. Sua função restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, que os objetivos instru-cionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis
utilizando técnicas de sensibilização onde os sentimentos de cada um naturais que independem dos que a conhecem ou executam.
possam ser expostos, sem ameaças. Assim, o objetivo do trabalho
escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento in- Conteúdos de ensino – São as informações, princípios científicos,
terpessoal, como condição para o crescimento pessoal. leis etc., estabelecidos e ordenados numa sequência lógica e psicológica
por especialistas. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao
Relacionamento professor-aluno – A pedagogia não-diretiva conhecimento observável e mensurável; os conteúdos decorrem, assim,
propõe uma educação centrada no aluno, visando formar sua da ciência objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O
personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe material instrucional en-contra-se sistematizado nos manuais, nos livros
permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. O didáticos, nos módulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais etc.
professor é um especialista em relações humanas, ao garantir o clima de
relacionamento pessoal e autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de Métodos de ensino – Consistem nos procedimentos e técnicas
respeito e aceitação plena do aluno. Toda intervenção é ameaçadora, necessárias ao arranjo e controle nas condições ambientais que
inibidora da aprendizagem. assegurem a transmissão/recepção de informações. Se a primeira tarefa
do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais,
Pressupostos de aprendizagem – A motivação resulta do desejo a principal é conseguir o comportamento adequado pelo controle do
de adequação pessoal na busca da auto-realização; é portanto um ato ensino; daí a importância da tecnologia educacional. A tecnologia
interno. A motivação aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento educacional é a “aplicação sistemática de princípios científicos
de que é capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto é, comportamentais e tecnológicos a problemas educacionais, em função
desenvolve a valorização do “eu”. Aprender, portanto, é modificar suas de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem
próprias percepções; daí que apenas se aprende o que estiver sistêmica abrangente”. Qualquer sistema instrucional (há uma grande
significativamente relacionado com essas percepções. Resulta que a variedade deles) possui três componentes básicos: objetivos
retenção se dá pela relevância do aprendido em relação ao “eu”, ou seja, instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e
o que não está envolvido com o “eu” não é retido e nem transferido. mensuráveis, procedimentos instrucionais e avaliação. As etapas
Portanto, a avaliação escolar perde inteiramente o sentido, privilegiando- básicas de um processo ensino-aprendizagem são:
se a auto-avaliaçáo.
a) estabelecimento de comportamentos terminais, através de
Manifestações na prática escolar – Entre nós, o inspirador da objetivos instrucionais;
pedagogia não-diretiva é C. Rogers, na verdade mais psicólogo clínico
que educador. Suas ideias influenciam um número expressivo de b) análise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar se-
educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e quencialmente os passos da instrução;
psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos c) executar o programa, reforçando gradualmente as respos-
recentemente, podem-se citar também tendências inspiradas na escola tas corretas correspondentes aos objetivos.
de Summerhill do educador inglês A. Neill.
O essencial da tecnologia educacional é a programação por
1.4 TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA passos sequenciais empregada na instrução programada, nas técnicas
Papel da escola – Num sistema social harmônico, orgânico e de microensino, multimeios, módulos etc. O emprego da tecnologia
funcional, a escola funciona como modeladora do comportamento instrucional na escola pública aparece nas formas de: planejamento em
humano, através de técnicas específicas. À educação escolar compete moldes sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança de
organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e comportamento, operacionalização de objetivos, uso de procedimentos
conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos científicos (instrução programada, audiovisuais, avaliação etc., inclusive
se integrem na máquina do sistema social global. Tal sistema social é a programação de livros didáticos).
regido por leis naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as Relacionamento professor-aluno – São relações estruturadas e
mesmas relações funcionais observáveis entre os fenômenos da obje-tivas, com papéis bem definidos: o professor administra as
natureza), cientificamente descobertas. Basta aplicá-las. A atividade da
“descoberta” é função da educação, mas deve ser restrita aos

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condições de transmissão da matéria, conforme um sistema instrucional postura eclética em torno de princípios pedagógicos assentados nas
eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o aluno pedagogias tradicional e renovada.
recebe, aprende e fixa as informações. O professor é apenas um elo de 2. PEDAGOGIA PROGRESSISTA
ligação entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o
O termo “progressista”, emprestado de Snyders, é usado aqui
sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo, não
para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das
participa da elaboração do programa educacional. Ambos são
realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas
espectadores frente à verdade objetiva. A comunicação professor-aluno
da educação. Evidentemente a pedagogia progressista não tem como
tem um sentido exclusivamente técnico, que é o de garantir a eficácia da
institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um
transmissão do conhecimento. Debates, discussões, questionamentos
instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.
são desnecessários, assim como pouco importam as relações afetivas e
pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem. A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências:
a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire; a
Pressupostos de aprendizagem – As teorias de aprendizagem que
libertária, que reúne os defensores da autogestão pedagógica; a crítico-
fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão
social dos conteúdos que, diferentemente das anteriores, acentua a
de modificação do desempenho: o bom ensino depende de organizar
primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais.
eficientemente as condições estimuladoras, de modo a que o aluno saia
da situação de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o As versões libertadora e libertária têm em comum o
ensino é um processo de condicionamento através do uso de antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da
reforçamento das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica. Em função disso,
instrucionais visam ao controle do comportamento individual face dão mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participação em
objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, discussões, assembleias, votações) do que aos conteúdos de ensino.
centrado no controle das condições que cercam o organismo que se Como decorrência, a prática educativa somente faz sentido numa prática
comporta. O objetivo da ciência pedagógica, a partir da psicologia, é o social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de
estudo científico do comportamento: descobrir as leis naturais que educação popular “não-formal”.
presidem as reações físicas do organismo que aprende, a fim de
A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe
aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os componentes da
uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada,
aprendizagem – motivação, retenção, transferência – decorrem da
valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social
aplicação do comportamento operante Segundo Skinner, o
concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social,
comportamento aprendido é uma resposta a estímulos externos,
exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a
controlados por meio de reforços que ocorrem com a resposta ou após a
assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto
mesma: “Se a ocorrência de um (comportamento) operante é seguida
de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente
pela apresentação de um estímulo (reforçador), a probabilidade de
reelaborado.
reforçamento é aumentada”. Entre os autores que contribuem para os
estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner, Gagné, Bloom e Mager. 2.1 TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTADORA

Manifestações na prática escolar – A influência da pedagogia Papel da escola – Não é próprio da pedagogia libertadora falar
tecnicista remonta à 2ª metade dos anos 50 (PABAEE – Programa em ensino escolar, já que sua marca é a atuação “não-formal”.
Brasileiro-americano de Auxilio ao Ensino Elementar). Entretanto foi Entretanto, professores e educadores engajados no ensino escolar vêm
introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na
adequar o sistema educacional à orientação político-econômica do educação em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e
regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o
de produção capitalista. E quando a orientação escolanovista cede lugar conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa
à tendência tecnicista, pelo menos no nível de política oficial; os marcos mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação
de implantação do modelo tecnicista são as leis 5.540/68 e 5.692/71, que social. Tanto a educação tradicional, denominada “bancária” – que visa
reorganizam o ensino superior e o ensino de 1º e 2º graus. A despeito da apenas depositar informações sobre o aluno –, quanto a educação
máquina oficial, entretanto, não há indícios seguros de que os renovada – que pretenderia uma libertação psicológica individual – são
professores da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista, domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade
pelo menos em termos de ideário. A aplicação da metodologia tecnicista social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona
(planejamento, livros didáticos programados, procedimentos de concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e
avaliação etc.) não configura uma postura tecnicista do professor; antes, com os outros homens, visando a uma transformação – daí ser uma
o exercício profissional continua mais para uma educação crítica.

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Conteúdos de ensino – Denominados “temas geradores”, são conscientização, de “aproximação de consciências”. Trata-se de uma
extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os “não-diretividade”, mas não no sentido do professor que se ausenta
conteúdos tradicionais são recusados porque cada pessoa, cada grupo (como em Rogers), mas que permanece vigilante para assegurar ao
envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma grupo um espaço humano para “dizer sua palavra”, para se exprimir sem
rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante se neutralizar.
não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova Pressupostos de aprendizagem – A própria designação de
forma da relação com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos “educação problematizadora” como correlata de educação libertadora
estruturados a partir de fora é considerada como “invasão cultural” ou revela a força motivadora da aprendizagem. A motivação se dá a partir
“depósito de informação”, porque não emerge do saber popular. Se forem da codificaçáo de uma situação-problema, da qual se toma distância para
necessários textos de leitura estes deverão ser redigidos pelos próprios analisá-la criticamente. “Esta análise envolve o exercício da abstração,
educandos com a orientação do educador. através da qual procuramos alcançar, por meio de representações da
Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia realidade concreta, a razão de ser dos fatos”.
libertadora, Paulo Freire, deixa de mencionar o caráter essencialmente Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é,
político de sua pedagogia, o que, segundo suas próprias palavras, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma
impede que ela seja posta em prática em termos sistemáticos, nas aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre de
instituições oficiais, antes da transformação da sociedade. Daí porque uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento,
sua atuação se dê mais em nível da educação extra-escolar. O que não ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O
tem impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e que o educando transfere, em termos de conhecimento, é o que foi
aplicados por numerosos professores. incorporado como resposta às situações de opressão – ou seja, seu
Métodos de ensino – “Para ser um ato de conhecimento o engajamento na militância política.
processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e Manifestações na prática escolar – A pedagogia libertadora tem
educandos, uma relação de autêntico diálogo; aquela em que os sujeitos como inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas ideias
do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser pessoalmente em diversos países, primeiro no Chile, depois na África.
conhecido” (...) “O diálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato Entre nós, tem exercido uma influência expressiva nos movimentos
de conhecer: educador-educando e educando-educador”. populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior parte
Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o “grupo de das experiências do que se denomina “educação popular”. Há diversos
discussão”, a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo grupos desta natureza que vêm atuando não somente no nível da prática
e a dinâmica das atividades. O professor é um animador que, por popular, mas também por meio de publicações, com relativa
princípio, deve “descer” ao nível dos alunos, adaptando-se às suas independência em relação às ideias originais da pedagogia libertadora.
características e ao desenvolvimento próprio de cada grupo. Deve Embora as formulações teóricas de Paulo Freire se restrinjam à
caminhar “junto”, intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, educação de adultos ou à educação popular em geral, muitos
quando necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada. professores vêm tentando colocá-las em prática em todos os graus de
ensino formal.
Os passos da aprendizagem – Codificação-decodificação, e
problema-tização da situação – permitirão aos educandos um esforço de 2.2 TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTÁRIA
compreensão do “vivido”, até chegar a um nível mais crítico de Papel da escola – A pedagogia libertária espera que a escola
conhecimento da sua realidade, sempre através da troca de experiência exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido
em torno da prática social. Se nisso consiste o conteúdo do trabalho libertário e autogestionário. A ideia básica é introduzir modificações
educativo, dispensam-se um programa previamente estruturado, institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão
trabalhos escritos, aulas expositivas, assim como qualquer tipo de “contaminando” todo o sistema. A escola instituirá, com base na
verificação direta da aprendizagem, formas essas próprias da “educação participação grupal, mecanismos institucionais de mudança
bancária”, portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliação (assembleias, conselhos, eleições, reuniões, associações etc.), de tal
da prática vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições “externas”, leve
e, às vezes, a auto-avaliação feita em termos dos compromissos para lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedagogia
assumidas com a prática social. libertária, correlata à primeira, é – aproveitando a margem de liberdade
Relacionamento professor-aluno – No diálogo, como método do sistema – criar grupos de pessoas com princípios educativos
básico, a relação é horizontal, onde educador e educandos se autogestionários (associações, grupos informais, escolas
posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O critério de bom autogestionárias). Há, portanto, um sentido expressamente político, à
relacionamento é a total identificação com o povo, sem o que a relação medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o
pedagógica perde consistência. Elimina-se, por pressuposto, toda desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogestão
relação de autoridade, sob pena de esta inviabilizar o trabalho de é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo pedagógico
quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais

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conhecida entre nós, a “pedagogia institucional”, pretende ser uma forma cabe a função de “conselheiro” e, outras vezes, de instrutor-monitor à
de resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora disposição do grupo. Em nenhum momento esses papéis do professor
do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), se confundem com o de “modelo”, pois a pedagogia libertária recusa
retirando a autonomia. qualquer forma de poder ou autoridade.

Conteúdos de ensino – As matérias são colocadas à disposição Pressupostos de aprendizagem – As formas burocráticas das
do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque instituições existentes, por seu traço de impessoalidade, comprometem
importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo o crescimento pessoal. A ênfase na aprendizagem informal, via grupo, e
grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. a negação de toda forma de repressão visam favorecer o
“Conhecimento” aqui não é a investigação cognitiva do real, para extrair desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação está, portanto, no
dele um sistema de representações mentais, mas a descoberta de interesse em crescer dentro da vivência grupal, pois supõe-se que o
respostas às necessidades e às exigências da vida social. Assim, os grupo devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas
conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e aspirações e necessidades.
interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem Somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizável em
indispensavelmente, as matérias de estudo. situações novas. Assim, o critério de relevância do saber sistematizado
Método de ensino – É na vivência grupal, na forma de autogestão, é seu possível uso prático. Por isso mesmo, não faz sentido qualquer
que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos em termos de
própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma conteúdo.
de poder. Trata-se de “colocar nas mãos dos alunos tudo o que for Outras tendências pedagógicas correlatas – A pedagogia
possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização do trabalho libertária abrange quase todas as tendências antiautoritárias em
no interior da escola (menos a elaboração dos programas e a decisão educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos, e
dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos)”. também a dos professores progressistas. Embora Neill e Rogers não
Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse possam ser considerados progressistas (conforme entendemos aqui),
pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo. não deixam de influenciar alguns libertários, como Lobrot. Entre os
O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do estrangeiros devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes,
grupo, se dá num “crescendo”: primeiramente a oportunidade de Ferrer y Guardia entre os mais antigos. Particularmente significativo é o
contatos, aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre nós, existindo
grupo começa a se organizar, de modo que todos possam participar de inclusive algumas escolas aplicando seu método.
discussões, “cooperativas, assembleias, isto é, diversas formas de Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertária pode-
participação e expressão pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou se citar Maurício Tragtenberg, apesar da tônica de seus trabalhos não
entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo ser propriamente pedagógica, mas de crítica das instituições em favor de
se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, um projeto autogestionário.
parte para a execução do trabalho.
2.3 TENDÊNCIA PROGRESSISTA
Relação professor-aluno – A pedagogia institucional visa “em “CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS”
primeiro lugar, transformar a relação professor-aluno no sentido da não-
Papel da escola – A difusão de conteúdos é a tarefa primordial.
diretividade, isto é, considerar desde o início a ineficácia e a nocividade
Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto,
de todos os métodos à base de obrigações e ameaças”. Embora
indissociáveis das realidades sociais. A valorização da escola como
professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o
instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta
professor se ponha a serviço do aluno, sem impor suas concepções e
aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para
ideias, sem transformar o aluno em “objeto”. O professor é um orientador
eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte
e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum.
integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no rumo da
Se os alunos são livres frente ao professor, também este o é em transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a
relação aos alunos (ele pode, por exemplo, recusar-se a responder uma consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função da
pergunta, permanecendo em silêncio). Entretanto, essa liberdade de pedagogia “dos conteúdos” é dar um passo à frente no papel
decisão tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve não transformador da escola, mas a partir das condições existentes. Assim,
participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem a condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a
responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questão; quando o todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares
professor se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um básicos que tenham ressonância na vida dos alunos. Entendida nesse
significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o sentido, a educação é “uma atividade mediadora no seio da prática social
grupo assuma a resposta ou a situação criada. No mais, ao professor global”, ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela intervenção
do professor e por sua própria participação ativa, passa de

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uma experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a uma Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não
visão sintética, mais organizada e unificada. partem, então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do
saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno aluno, confrontada com o saber trazido de fora. O trabalho docente
para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo
instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para professor, momento em que se dará a “ruptura” em relação à experiência
uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a introdução
Conteúdos de ensino – São os conteúdos culturais universais que explícita, pelo professor, dos elementos novos de análise a serem
se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, aplicados criticamente à prática do aluno. Em outras palavras, uma aula
incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face começa pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a
às realidades sociais. Embora se aceite que os conteúdos são realidades consciência dessa prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo
exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente proposto, na forma de um confronto entre a experiência e a explicação
reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais. do professor. Vale dizer: vai-se da ação à compreensão e da
Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem compreensão à anão, até a síntese, o que não é outra coisa senão a
ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua unidade entre a teoria e a prática.
significação humana e social. Relação professor-aluno – Se, como mostramos anteriormente, o
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o
oposição entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador,
relação de continuidade em que, progressivamente, se passa da então a relação pedagógica consiste no provimento das condições em
experiência imediata e desorganizada ao conhecimento sistematizado. que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas
Não que a primeira apreensão da realidade seja errada, mas é trocas. O papel do adulto é insubstituível, mas acentua- se também a
necessária a ascensão a uma forma de elaboração superior, conseguida participação do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experiência
pelo próprio aluno, com a intervenção do professor. imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao
confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas
A postura da pedagogia “dos conteúdos” – Ao admitir um
esse esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos
conhecimento relativamente autônomo – assume o saber como tendo um
conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos,
conteúdo relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a
tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a
possibilidade de uma reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como
do aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as
sintetiza Snyders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um
necessidades e carências; buscará despertar outras necessidades,
lado, de obter o acesso do aluno aos conteúdos, ligando-os com a
acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do aluno,
experiência concreta dele – a continuidade; mas, de outro, de
propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas,
proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a
para que o aluno se mobilize para uma participação ativa.
ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões difusas da
ideologia dominante – é a ruptura. Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise
dos conteúdos exclui a não-diretividade como forma de orientação do
Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao
trabalho escolar, porque o diálogo adulto-aluno é desigual. O adulto tem
engajamento político, mas não o inverso, sob o risco de se afetar a
mais experiência acerca das realidades sociais, dispõe de uma formação
própria especificidade do saber e até cair-se numa forma de pedagogia
(ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe
ideológica, que é o que se critica na pedagogia tradicional e na
fazer a análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais.
pedagogia nova.
A não-diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se
Métodos de ensino – A questão dos métodos se subordina à dos eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos
conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber esperados da educação. Sabemos que as tendências espontâneas e
vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a naturais não são “naturais”, antes são tributárias das condições de vida
correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que e do meio. Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os filhos
estes possam reconhecer nos conteúdos o auxilio ao seu esforço de dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir: é
compreensão da realidade,prática social). Assim, nem se trata dos necessária a intervenção do professor para levar o aluno a acreditar nas
métodos dogmáticos de transmissão do saber da pedagogia tradicional, suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência vivida.
nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou livre expressão
Pressupostos de aprendizagem – Por um esforço próprio, o aluno
das opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela criança, na
se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo
concepção da pedagogia renovada.
professor; assim, pode ampliar sua própria experiência. O

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conhecimento novo se apóia numa estrutura cognitiva já existente, ou o Pressupostos: Aprendizagem receptiva e mecânica, ocorre com a
professor provê a estrutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de coação. Considera que a capacidade de assimilação da criança é a
envolvimento na aprendizagem depende tanto da prontidão e mesma do adulto. Reforço em geral negativo as vezes maior.
disposição do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula. Prática Escolar: Comum em nossas escolas. Orientação
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é humanicética, clássica, científica, modelos de imitação.
desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os
estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da
TENDÊNCIA RENOVADA PROGRESSISTA
experiência. Em consequência, admite-se o princípio da aprendizagem
significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já Papel da Escola: Ordenar as necessidades individuais do meio
sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem social. Experiências que devem satisfazer os interesses do aluno e as
ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura dizer- exigências sociais. Interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e
lhes. A transferência da aprendizagem se dá a partir do momento da estruturas do ambiente.
síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e
Conteúdos: Conteúdos estabelecidos em função de experiência
adquire uma visão mais clara e unificadora.
vivificada. Processos mentais e habilidades cognitivas. Aprender a
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, aprender.
não como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como
Métodos: Aprender fazendo. Trabalho em grupo. Método ativo: a)
uma comprovação para o aluno de seu progresso em direção a noções
situação, experiência; b) desafiante, soluções provisórias; soluções à
mais sistematizadas.
prova.
Manifestações na prática escolar – O esforço de elaboração de
Professor x Aluno: Professor sem lugar privilegiado. Auxiliados.
uma pedagogia “dos conteúdos” está em propor modelos de ensino
Disciplina como tomada de consciência. Indispensável bom
voltados para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto,
relacionamento entre professor e aluno.
visando avançar em termos de uma articulação do político e do
pedagógico, aquele como extensão deste, ou seja, a educação “a serviço Pressupostos: Estimulação da situação problema. Aprender é uma
da transformação das relações de produção”. Ainda que em curto prazo atividade de descoberta. Retido o que é descoberto pelo aluno.
se espere do professor maior conhecimento dos conteúdos de sua Prática Escolar: Aplicação reduzida. Choque com a prática -
matéria e o domínio de formas de transmissão, a fim de garantir maior pedagogia.
competência técnica, sua contribuição “será tanto mais eficaz quanto
mais seja capaz de compreender os vínculos de sua prática com a
prática social global”, tendo em vista (...) “a democratização da sociedade TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA
brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a
Papel da Escola: Formação de atitudes. Preocupações com
transformação estrutural da sociedade brasileira”. ( José Carlos Libâneo)
problemas psicológicos. Clima favorável à mudança do indivíduo. Boa
educação, boa terapia (Rogers)
ABORDAGEM RESUMIDA DAS TENDÊNCIAS E CONCEPÇÕES Conteúdos: Esta tendência põe nos processos de
PEDAGÓGICAS desenvolvimento das relações e da comunicação se torna secundária a
TENDÊNCIA LIBERAL TRADICIONAL transmissão de conteúdos.

Papel da Escola: Consiste na preparação intelectual e moral dos Método: O esforço do professor é praticamente dobrado para
alunos, compromisso com a cultura, os menos capazes devem lutar para facilitar a aprendizagem do aluno. Boa relação entre professor e aluno.
superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Professor x Aluno: A pedagogia não-diretiva propõe uma
Conteúdos de Ensino: Valores sociais acumulados pelos educação centrada. O professor é um especialista em relações humanas,
antepassados. As matérias preparam o aluno para a vida. Conteúdos toda a intervenção é ameaçadora.
separados das realidades sociais. Pressupostos: A motivação resulta do desejo de adequação
Método: Exposição verbal da matéria, preparação do aluno, pessoal da auto-realização, aprender, portanto, é modificar suas próprias
apresentação, associação, exercícios e repetições. percepções, daí se aprende o que estiver significamente relacionados.

Professor x Aluno: Predomina a autoridade do professor. O Prática Escolar: As ideias do psicólogo C. Rogers é influenciar o
número expressivo de educadores, professores, orientadores,
professor transmite o conteúdo na forma absorvida. Disciplina rígida.
psicólogos escolares.

TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA

Papel da Escola: Funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas específicas, tal indivíduo que se integra na máquina

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social. A escola atual assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente.

Conteúdos: São as informações, princípios e leis, numa sequência lógica e psicológica por especialistas. O material instrucional encontra-se
sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, etc...

Métodos: Consistem o método de transmissão, recepção de informações. A tecnologia educacional é a aplicação sistemática de princípios, utilizando
um sistema mais abrangente.

Professor x Aluno: A comunicação professor x aluno tem um sentido exclusivamente técnico, eficácia da transmissão e conhecimento. Debates,
discussões são desnecessárias.

Pressupostos: As teorias de aprendizagem que fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de modificação do
desempenho. Trata-se de um ensino diretivo.

Prática Escolar: Remonta a 2a. metade dos anos 50 (Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar). É quando a orientação
escolanovista cede lugar a tendência tecnicista pelo menos no nível oficial.

TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTADORA

Papel da Escola: Atuação não formal. Consciência da realidade para transformação social. Questionar a realidade. Educação crítica.

Conteúdos: Geradores são extraídos da prática, da vida dos educandos. Caráter político.

Método: Predomina o diálogo entre professor e aluno. O professor é um animador que por princípio deve descer ao nível dos alunos.

Professor x Aluno: Relação horizontal. Ambos são sujeitos do ato do conhecimento. Sem relação de autoridade.

Pressupostos: Educação problematizadora. Educação se dá a partir da codificação da situação problema. Conhecimento da realidade. Processo
de reflexão e crítica.

Prática Escolar: A pedagogia libertadora tem como inspirador Paulo Freire. Movimentos populares: sindicatos, formações teóricas indicam educação
para adultos, muitos professores vêm tentando colocar em prática todos os graus de ensino formal.

TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTÁRIA

Papel da Escola: Transformação na personalidade do aluno, modificações institucionais à partir dos níveis subalternos.

Conteúdos: Matérias são colocadas à disposição dos alunos, mas não são cobradas. Vai do interesse de cada um.

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Método: É na vivência grupal, na forma de auto-gestão que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias.

Professor x Aluno: Considera-se que desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos, embora sejam desiguais e diferentes.

Pressupostos: Aprendizagem informal, relevância ao que tem uso prático. Tendência anti-autoritária. Crescer dentro da vivência grupal.

Prática Escolar: Trabalhos não pedagógicos mas de crítica as instituições. Relevância do saber sistematizado.

TENDÊNCIA “CRÍTICA-SOCIAL DOS CONTEÚDOS”

Papel da Escola: É a tarefa primordial. Conteúdos abstratos, mas vivos, concretos. A escola é a parte integrante de todo social, a função é “uma
atividade mediadora no seio da prática social e global”. Consiste para o mundo adulto.

Conteúdos: São os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, não basta que
eles sejam apenas ensinados, é preciso que se liguem de forma indissociável.

A Postura da Pedagogia dos Conteúdos: assume o saber como tendo um conteúdo relativamente objetivo, mas ao mesmo tempo “introduz” a
possibilidade de uma reavaliação crítica frente a este conteúdo.

Método: É preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos.

Professor x Aluno: Consiste no movimento das condições em que professor e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O
esforço de elaboração de uma pedagogia dos conteúdos está em propor ensinos voltados para a interação “conteúdos x realidades sociais”.

Pressupostos: O aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor. O conhecimento novo se apoia numa
estrutura cognitiva já existente.

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