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Wood
PÓS INTELECTUALISMO E
DECLÍNIO DA DEMOCRACIA
APRESENTAÇÃO
Recentemente revi um livro sobre a revolução eletrônica e suas relações com a democracia. O
autor estava entusiasmado sobre como a tecnologia da computação restauraria o conceito da
democracia participativa permitindo os cidadãos participar em plebiscitos contínuos e oferecendo-lhes
acesso direto aos legisladores. A situação foi comparada ao tipo de democracia que existiu no século
quinto antes da era cristã em Atenas. Não parecia haver, para o autor, nenhuma diferença entre uma
nação de 250 milhões de pessoas espalhada ao longo de um continente e uma cidade-estado de cinco
mil cidadãos proprietários de escravos. Em conseqüência, muitas páginas foram gastas no louvor de
nossa boa sorte. A tecnologia, acreditava o autor, chegou justo a tempo para nos salvar.
Donald Wood vê as coisas mais profundamente do que isto. Ele entende que as ameaças ao
modo democrático de vida não podem ser defendidas tão facilmente pela inovação tecnológica. De
fato, não pode ser defendido, de nenhum modo, pela inovação tecnológica.
Espero que os leitores deste livro tomem a sério os argumentos do professor Wood e possam vir
a temer a época pós-intelectual.
Neil Postman,
Nova York, 1996
PREFÁCIO
O pós-intelectualismo é a teoria que explica como evoluímos além dos fundamentos intelectuais
dos primórdios de nossa nação.
Entretanto, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e mais claramente durante as três últimas
décadas, os americanos, gradual e imperceptivelmente, mergulharam na cultura pós-intelectual. Os
simples cidadãos não são mais capazes de compreender o que está acontecendo. A cidadania não é
mais suficientemente iluminada para tomar decisões individuais e de longo prazo para o bem da
sociedade. A população não preza mais suficientemente o conhecimento, a razão, a análise social e as
artes liberais. A leitura, a privacidade, a auto suficiência, a independência e a moralidade
desmoronaram pelo caminho. Os cidadãos cruzam os braços e abandonam o governo aos interesses
especiais e aos tecnocratas especializados. Não sobrevivemos mais como indivíduos independentes,
mas como membros de grupos de pressão. Esta é a realidade da cultura pós-intelectual.
Toda esta turbulência cultural deriva de um único fenômeno primário: as pilastras intelectuais
do mundo desenvolvido estão desmoronando, não exatamente nossas escolas e universidades, mas toda
a nossa infra-estrutura institucional e filosófica. Nossos sistemas de governo, nossos estabelecimentos
educacionais, instituições legais, organizações econômicas e empresariais e as próprias estruturas de
comunicação são todas idéias intelectuais. Os fundamentos políticos e econômicos da Grande
Experiência Americana foram concebidas como um desenvolvimento intelectual das idéias do
Iluminismo. Mas este legado intelectual está definhando. Este colapso de nossa herança intelectual
resultou em nossa transição para uma cultura pós-intelectual.
A INCAPACIDADE DE LER:
O ADMIRÁVEL MEGA MIDIÁTICO MUNDO NOVO
Dez anos atrás, um de meus alunos de graduação conseguiu um emprego na produção de um
dos principais canais de televisão. Davi construiu rapidamente sua carreira e agora ocupa um
importantíssimo cargo executivo na produção da emissora. Costumamos convidá-lo com freqüência
para nossos seminários sobre carreiras para que ele possa compartilhar com os alunos de graduação o
segredo de seu sucesso. Além de habilidades de liderança e de criação, Davi atribui sua ascenção
meteórica a uma única qualidade: ele era capaz de ler.
Isto não significa quer os demais funcionários da produção não podiam ler as palavras que
constavam das diversas instruções, memorandos, manuais, comunicados e relatórios técnicos. O que
sucedia era que Davi conseguia ler, compreender, analisar e interpretar. Seus companheiros de
trabalho, quando recebiam qualquer documento de três páginas, reagiam de modo característico
dizendo: "Deixe que o Davi leia isso e então ele nos dirá sobre o que se trata". Seus supervisores
reconheceram que ele era um jovem com um talento especial: a habilidade intelectual de entender e
dominar a palavra escrita.
De tempos em tempos, líderes públicos e editores preocupados nos alertam sobre ameaças de
censura e o câncer de uma crescente mentalidade de queima de livros. Entretanto, o perigo já não é
mais que os livros sejam censurados, queimados ou de qualquer forma mantidos fora do alcance de
uma cidadania ávida e intelectualmente faminta. O perigo agora é que a cidadania não mais se
preocupe suficientemente em buscar livros e idéias. Comparando "1984" de George Orwell e o
"Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, observamos que Orwell temia os que iriam banir os
livros, enquanto que o que Huxley temia era quer já não houvesse mais razão para banir um livro, pois
não haveria quem quisesse ler algum.
Em torno de 1900, a taxa de capacidade de leitura nos Estados Unidos estava quase em 90%. À
medida em que entrávamos no século XX, os americanos ainda constituíam uma cultura habilitada para
a leitura. Entretanto, durante as últimas três ou quatro décadas, observamos nossa capacidade de leitura
diminuir vertiginosamente. Os dados de uma grande quantidade de relatórios federais, estudos
nacionais e livros independentes das últimas duas décadas apontam para um perfil em que sessenta
milhões de americanos, cerca de um terço da população adulta, são totalmente ou funcionalmente
analfabetos. Isto é, eles não são capazes de ler um anúncio, escrever uma carta, entender uma
explicação de perigo em uma embalagem de venenos ou preencher um formulário de emprego. Os
jovens adultos entre as idades de dezoito e vinte e três anos lêem, em média, no nível correspondente
ao de um estudante do fim do primeiro grau. Há uma classe emergente de leitores e pensadores
alfabetizados que, como Davi, são capazes de assumir posição de liderança apenas por causa de sua
habilidade de dominar a palavra escrita. Esta não era a situação 150 anos atrás quando o pressuposto
era que todos os cidadãos poderiam dominar igualmente a palavra escrita. A ironia é que nos dias de
hoje, em uma cultura quase igualitária, estamos testemunhando o aparecimento de uma nova forma de
elitismo na América, com base na capacidade de leitura e no conhecimento tecnológico, os jornalistas,
os programadores de computadores e os tecnocratas que fazem todo o trabalho de pensar e de tomada
de decisão no lugar de todos nós.
A queda dos índices do Teste de Aptidão Escolar (Scholastic Aptitude Test = SAT) e outros
exames padrão são uma evidência da queda da capacidade de leitura de nossa nação. A média dos
índices de capacidade verbal do SAT para alunos que saíam do segundo grau para ingressarem no
ensino superior mantiveram-se entre 470 e 480 durante a maior parte dos anos 50. Iniciou-se então um
visível declínio, desde o início dos anos 60 até aproximadamente o início dos anos 80. Desde então, os
índices voltaram a estabilizar-se em torno de 420 a 430.
Muitas explicações frequentemente são oferecidas para esta queda, mas nenhuma delas explica,
entretanto, porque a queda interrompeu-se e os índices estacionaram no início dos anos 80. Em uma
única geração, os níveis de capacidade de leitura caíram de um padrão de 470 a 480 para um novo
padrão de 420 a 430 e, a partir de então, voltaram a estabilizar-se. O que aconteceu de especial naquele
período de vinte anos?
Uma observação inevitável é a correlação entre a queda dos índices com o período em que a
geração da TV entrou em sua maturidade. A partir do início dos anos 60, cada ano que se passava um
novo grupo de formandos do colegial havia gastado um ano a mais de suas vidas diante da tela da
televisão. [Explicando: em 1960, a turma dos alunos que se formavam no colegial havia assistido
apenas a um ano de televisão. Em 1961, a turma dos alunos que se formavam no colegial havia
assistido a dois anos de televisão. Em 1962, a turma dos alunos que se formavam no colegial já havia
assistido a três anos de televisão. Assim,] em algum momento, em torno de 1972, a média dos alunos
que se formavam no colegial haviam gastado a sua vida inteira diante do aparelho de televisão. Nos
anos seguintes, por vários anos, o tempo diário gasto diante do aparelho continuou aumentando, os
padrões cognitivos foram se alterando e os sistemas escolares lentamente passaram a adaptar-se a um
declínio gradual das competências e expectativas intelectuais. No início dos anos 80 a transição já
estava completa.
Qualquer que seja a razão para os índices decrescentes, o fato inegável é que hoje os alunos que
entram no ensino superior após terem-se formado no segundo grau são menos intelectualmente
preparados para a educação superior do que as gerações anteriores. E nossas faculdades e universidades
compensaram este declínio com programas de adaptação e seus correspondentes padrões mais baixos.
Estamos nos adaptando à cultura pós-intelectual. Os meios de comunicação eletrônicos estão nos
fazendo retornar à tradição oral e visual. Como resultado, o cidadão médio é menos capaz de se
expressar por escrito. Cada vez mais um número menor de nós escreve diários ou outros tipos de
relatos pessoais. Chamamos ao telefone em vez de escrever uma carta. Notas truncadas de e-mails
substituem pensamentos cuidadosamente construídos. Os professores lastimam a habilidade
decrescente dos estudantes em escrever um texto bem ordenado que expresse idéias inteligíveis.
Os estudantes que estão entrando nas faculdades exibem habilidades de escrita tão diminutas
que as instituições de nível superior têm que aplicar cada vez mais de seus recursos para cursos de
adaptação. A Faculdade da Cidade de Nova York está oferecendo dois cursos seqüenciais preparatórios
antes que o estudante deficiente possa ser admitido ao curso de adaptação em Inglês! As faculdades e
as universidades em todo o país estão tendo que instituir "exames de proficiência em escrita" para
garantir que os que se formam nos cursos superiores sejam pelo menos capazes de escrever dois ou três
parágrafos coerentes em uma folha antes que eles possam receber o seu diploma. E em todo o país
observa-se que os recursos gastos com educação estão diminuindo, tanto na educação superior como
também na primária e secundária. Em 1970 o Estado da Califórnia gastou duas vezes mais com todo o
sistema da Universidade da Califórnia do que com o sistema penitenciário. Vinte e cinco anos mais
tarde, esta proporção foi revertida, o estado agora gastando duas vezes mais dinheiro colocando pessoas
atrás das grades do que na Universidade da Califórnia. De 1989 a 1993, o Departamento Penitenciário
da Califórnia contratou mais 8.600 novas pessoas que ingressaram em sua folha de pagamentos,
enquanto que as faculdades e as universidades do estado perderam um total de 10.300 empregos.
Podemos examinar em detalhe muitas causas da incapacidade de leitura, mas neste momento a
preocupação primária é o impacto da mídia visual. Vivemos em uma sociedade dominada pela
televisão, pelo cinema, pela propaganda, pelas marcas das empresas, pelos posters, pelos livros
ilustrados. A televisão eliminou a necessidade de aprender a ler para as atividades básicas de
sobrevivência. Qualquer um pode conseguir entretenimento, as principais manchetes, as opiniões
políticas e as informações sobre os produtos diretamente do aparelho de televisão. Por que então
aprender a ler? Mesmo em nossos computadores o teclado mais sofisticado dos primórdios foi
substituído por interfaces gráficas, janelas e ícones, mouses, menus e comandos de voz. O que se
chama de "interface amigável" deve ser traduzido como "sistemas de computadores para pessoas
semi-analfabetas".
Quanto menos alguém usa uma determinada tecnologia, - a escrita, por exemplo -, menos
proficiente ele se tornará com aquela tecnologia. As habilidades não se desenvolverão a menos que
alguém pratique e domine um determinado instrumento. Isto é verdade tanto se estamos aprendendo a
tocar piano, a jogar futebol, ou a ler um livro. Quanto menos tempo uma criança dedica à leitura,
menos competente ela será no futuro quando lidar com símbolos, idéias abstratas e argumentações
seqüenciais. Diminuindo o uso da palavra ou substituindo o pensamento por chavões, podemos limitar
a capacidade racional, o que é especialmente importante para os jovens que assistem televisão e estão
começando a internalizar a linguagem.
Uma outra consideração que deve ser acrescentada é a que se refere aos padrões de ondas
cerebrais. Muitos estudos confirmam que quando assistimos televisão ocorre um aumento das ondas
alfa, característicos do relaxamento e de uma atividade cerebral mínima, e uma diminuição das ondas
beta, que indicam um estado alerta e ativo de consciência. Quando mais o aparelho está ligado, mais
lenta será a atividade das ondas cerebrais. Quanto mais alguém assiste televisão, tanto menos o cérebro
será desafiado.
Uma das visões mais cínicas do que a televisão pode fazer para a mente humana veio da mente
de um dos maiores intelectuais do século XX, o professor Robert Hutchins:
"O terrível perspectiva que a televisão abriu, a de que ninguém mais fale e
ninguém mais leia, sugere que uma época sombria e torpe pode estar diante
de nós. Se ela durar muito tempo, segundo os princípios da evolução, ela irá
gradualmente produzir uma população indistinguível das formas mais
elementares da vida vegetal. Os astrônomos certa vez detectaram alguma
coisa em Marte que parecia ser um musgo em crescimento. Eu estou
convencido que Marte já foi habitado por seres humanos racionais como nós,
e que tiveram a desgraça, milhares de anos atrás, de terem inventado a
televisão".