Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LÍNGUA, LINGUAGEM,
GRAMÁTICA
I
FAIA E LINGUAGEM
1.2. Mas, para que alcance os fins para os quais é necessária, a fala requer uma
arte que a ordene a eles - e esta arte é a Linguagem.'
1 O homem, animal racional, vive de ciências e de arres. - Há que assinalar, porém, desdc já, que
a arte não se reduz às chamadas º'artes do belo" (Música, Pintura, Escultura, etc.). Toda e qualquer
ciência e toda e qualquer arte são hábitos intelectuais. Ora, o próprio do intelecto é a ordem, é or-
denar. Mas pode ordenar-se de dois modos: especulativa ou teoricamente, quer dizer, enquanto se
considera a ordem natural das coisas - e temos as ciências - , ou arristicamente, quer dizer, enquanto
se dá ordem artificial a uma matéria preexistente e já informada - e temos as artes. Pois bem, as artes
dividem-se em dois subgêneros: as servis (as que se exercem mediante atos corporais e/ou para alguma
utilidade corporal, como, por exemplo, a Marcenaria, a Náutica e a Equitação) e as liberais (as que
dirigem os aros da razão e/ou têm alguma finalidade signifi~riva, c~mo, por e~~mplo, a Lógica, a
Gramática e a Retórica). Como se vê pelos exemplos, estes dois subgeneros se d1v1dem, por sua vez,
em espécies. O que porém ainda importa assinalar a~ui é q~~: . "
• quando falarmos de artificial, falaremos no senudo de feito com arte (artefato < arte factus) ;
• e, quando falarmos de algo essencial ou de algo acidental com respeito à língua, falaremos em
abstrato, porque, com efeito, a fala mesma é forma acidental da voz - assim como a mesa é forma
acidental da madeira.
. fletir em suas construções a própria
. ademais, tende a re
1.3. A Lingu.tgem, dá nl as diversas classes de palavras, as
. . d ~ t, o que se co
conscicuição da reahJa e. . EZ CATEGORIAS ou GÊNEROS MÁXIMOS Do
. de ,zlguma maneira as D , . .
quais expressam . cidentes: quantidade, qualidade, relação,
, - ber a substâni:Ul e seus nove a ' .
ENTE; asa · do' 'tuação (ou posição), habito (ou posse, etc.),
ide) tempo (ou quan '" si
lugar (ouº' ' . de ma açáo).4 Não é difícil notar que a classe do
._ .,;,.~0 (ou ser paczente u
ilídO e puMU d b " . ))
. " b ,. 1·as" ou os "acidentes trata os como su stanc1a ;
·
su bst11nt1vo
expnme as su stanc
" - ,, à " · - ,, ' "
. . d à "qualidade" - e à relaçao , s1tuaçao , a pos-
que O ad;envo correspon e .
.d do de qualidade· que o verbo expressa, propnamente, a
se"' ecc., enrend l as a mo , .
· - " " · - " as também a "posse" entendida como ação de possuir, etc.; e
"'açao e a pa.i.xao , m
que O advérbio não só se ocupa do "tempo" e do "lugar", mas se aplic~ a qualquer
forma passível de receber mais ou menos, ou seja, de ter certas modalidades.
II
A DIVERSIDADE DE LÍNGUAS
2.1. Não é este o espaço para investigar aprofundadamente por que há diver-
sidade de línguas, a qual porém resulta de uma como incapacidade da Linguagem
de sustentar, de algum modo, a unidade de sua obra. 5 E, se aderimos firmemente
6
à tese da monogénese não só da Humanidade mas da mesma linguagem, deve
partir-se aqui, não obstante, da evidência de que há tal diversidade - e de que se
perde no tempo o momento em que começou a dar-se.
2
E, como vimos no Prólogo, tanto mais se atualizará esta tendência quanto mais cultivada for ª
língua, ou seja, quanto mais se valerem dela e a aprimorarem verdadeiros mestres.
3
São as DEZ CATEGORIAS descobertas por Aristóteles.
• Olhe-se para qua1quer homem, que é uma substância . assim
. como o é qualquer cisne· ou qualquer.
1 ·· ( anttda-
aran,eira, e constatar-se-á, por exemplo, que tem determinada altura e determinado peso qu d
ek); que é branco ou negro (qualidade); que é pai ou filho de alguém (relação); que está numa fazen1 )~
10
ou numa c1"dad e (lugarou onde); que vive em tal ou qual década de dado século (tempo ou q11111u '
ád h 'b'to)· que
que est e pé ou sentado (situação); que está calçado ou se cobre com um sobretudo ( a t. :
ca · h l (pa1xao),
mtn a ou toca um trompete (ação); e que é molhado pela chuva ou queimado pelo so . .
~N I· ungua
otc-se, ames de tudo, que língua é a própria fala enquanto ordenada ou regrada pe ª Gr:t'
gem_- - Mas note-se também que qualquer língua pode vir a completar-se com a escrita e sua
~~ttca, razão por que há línguas que se dizem ágrafas e outras que se dizem não ágrafas. (Íil fa/JI;
Sempre que usarmos LINGUAGEM, com inicial maiúscula, a palavra terá o sentido de ~rte de fa"1
sempre porém que usarmos I.INGUACEM, com inicial minúscula, a palavra ou será sinônima
(como compreendida em 1.1 desta Pane) ou englobará a Jàla e a escrita.
PRIMEIRA PARTE - Língua, Linguagem, Gramática I 37
2.3.2.b. Por outro lado, enquanto nas línguas latinas há para os verbos
desinências modo-temporais e número-pessoais (eu estudava, tu estudaJ!..@, ele
estudava, nós estudávamos, vós estudáveis, eles estudavam), não assim em nu-
merosíssimas línguas.
•> Exemplo tomado de Edward Sapir, A linguagem - Introdução ao Estudo da Fala. Trad. J. Mattoso
C âmara Jr. Rio de Janeiro, lnscicuto Nacional do Livro, 1954, p. 136.
111 Ibitkm, p. 77. - Ainda restaria ver, todavia, com respeito a tais línguas indígenas, se tão complexas
construções, perfeitamente adaptadas, ao que parece, às necessidades imediatas dessas tribos, são
capazes de servir às elaborações mais altas do espírito. Estamos cerro de que não, assim como com
certeza podemos dizer que a filosofia não poderia ter-se desenvolvido plenamente com uma língua a
que faltasse o verbo ser, como o chinês (ao menos o acuai).
40 1 SUMA GRAMATICAL - Carlos Nougué
• porque todas hão de contar não só com palavras, mas com orações perfej.
tas, que se compõem forçosamente de duas partes: sujeito e predicado; 11 ord
• e porque todas hão de expressar de alguma maneira, como vimos, os dez têm
gêneros máximos do ente. tin1..;
dos
Pois
III todo
renç
DEFINIÇÃO DE LÍNGUA
come
3
3.1. Já temos condições a esta altura de dar a definição de língua. Mas, em de-
falad<
corrência, também é este o lugar de investigar o que faz que o falado nos diversos estas e
países lusófonos se digam a mesma língua, ou se o são apenas em certo sentido; e que se:
se o que se fala no nordeste do Brasil e o que se fala no sul deste são pura e sim- o
plesmente a mesma língua, ou dialetos seus. E façam-se as mesmas perguntas a Portui
respeito do inglês, do russo, do espanhol, do francês ... É questão em torno da qual e sintá
muito já se escreveu e se debateu, e à qual, a nosso ver, só rara vez se respondeu tico, a
oferece
satisfatoriamente.
porcug
3.2. LfNGUA é, propriamente, como obra da Linguagem, um todo composto dt
3.4
determinados fonemas e de determinadas paúwras que se combinam segundo certllS
compre,
regras para significar nossas concepções mentais e comunicá-las aos demais, 0 que simplesr
implica compreensibilidade geral. É pois acidental que a Linguagem não renha 3.4.
podido manter a unidade de sua obra, e é ainda de algum modo acidental que as mudanç;
línguas sigam variando. Não há impedimento essencial de que houvesse uma só mente a 1
e mesma língua. , há de diz
~ O BSERVAÇÃO. o·isse-se acima
· que a lmgua
, é um TODO. Mas h'a diversas espe·
·~
língua de
. . . do subsranc1 podem re
c1es de todos; e, quanto ao que nos interessa aqui, note-se que num to ,
- bros, ecc.) na0 3.4.2.
(como o é, por exemplo, qualquer animal) as partes (órgaos, mem i~ de falas en
dO 5ubsra11c
têm nenhuma operação independente do mesmo rodo, porque O to odo de de língua)
. ue é um r
é absolutamente aJgo uno. Mas num rodo como o universo - q
-11--------------------------
(. :,uno se verá cm seu mome nto, e ao contrário do que comumente se
-:-:-=----:.;;
di não há oraçao
desde já que
é c0n·
1,,
, neflt'
t'-
t
12
Como seja,
venezudano A
. . E no te-se rd de ~ sua possível pt
sujl·iro; As l\llt' nflo parecem tê-lo r<'<lm.e m-se, de furo, a orações integrais. . d que é ve ªf.. ir,ir,
. · · . . · ·to e predica 0 , O _...tlc :11 as várias naçóe!
lr.tl1n (mo 11firmar \lllC a o ração consta de duas partes essmna,s - su1ei . não U1c P"" ~111· senão concord;1
. . .. . . ,. O é cial numa coisa . que, .
drpuui d11.c r ljU<' h.\. tumbém, ornçõcs sC'm su1e1to . que essen nro própt1° 11qu1,
· y. r se-:i no rnorne fjrfll'
poH111c-. se lhe fah.t, el1, dt.·ix.t de ser pn."<'. isamcntc esra coisa. e -. ' p<>rérn seª
. d · · de predicado; 0 que . 'piOS·
u,11(',1" nl\n se t.111 somen1e da orn1,:l o composta e su1e1to <' d 0 is copnnCI
. . . . . São corno
lk~dC' J•\. t l\Ue se h \ su1t·1w h;\ de h:ivC'r p('('Ji,._-.,Jo - e vice-versa.
-
PRIMEIRA PARTE- Língua, Linguagem, Gramática / 41
ordem e de harmonia, e que não constitui algo pura e simplesmente uno - as partes
têm, sim, operações próprias, ainda que ordenadas entre si: posso agora mesmo con-
tinuar a digitar ou deixar de digitar este texto independentemente do movimento
dos astros, ainda que sem este movimento não pudesse haver vida em nosso planeta.
Pois bem, a língua compara-se antes ao universo que ao animal, isto é, antes a um
todo de ordem e de harmonia que a um todo substancial. Com uma grande dife-
rença, porém: o universo é um todo natural, enquanto a língua é um rodo artificial,
como dito já e como se repetirá ao longo de roda esta Suma.
3.3. Mas, levando em conta a mesma definição acima, podemos dizer que o
falado no Brasil pelas classes com certo grau de escolaridade e pelas influídas por
estas é a mesma língua, e que a pequena diversidade fonética, vocabular e sintática
que se dá pelo país afora, entre essas classes, constitui FALARES.
O OBSERVAÇÃO. Naturalmente, também o falado no Brasil e o falado em
Portugal por essas classes é a mesma língua, e a diversidade fonética, vocabular
e sintática entre eles também constitui falares - ainda que, quanto ao foné-
tico, a diferença já não seja tão pequena: por exemplo, algum escolho inicial
oferece aos brasileiros o alto grau de consonantização ou redução vocálica do
portugues" lusnano.
• 12
compreenst·b·t·dade
11 mútua • Podem todavia dar-se línguas que não o sejam pura e
simplesmente, mas só SEGUNDO ALGO ou ENQUANTO ALGO. -
. e
de deve ser nosso esrorço por manter a unidade da língua portuguesa. Escrevia. o
,z Como seJa, gran B 11 " 1 .mportante a conservação da língua de nossos pais [os espanhóis) em
venezuelano e o: um
, 1 Andrés como Jugo i_ provi"d enc1'ai de comunicação e um vínculo de fraternidade entre
meio
sua passive pureza, . h 1 alhadas pelos dois continentes" (ibidem, p. 24). Não podemos
., - de origem espan o a esp . . , .
as várias naçocs e
senão concordar com ele, e csrorçar-nos por c onservar em sua posslvel pureui o idioma de nossos pais.
42 1 SUMA GRAMATICAL - Carlos Nougué
IV
A ESCRITA
'
4. l. O homem não é como os animais, a que bastam o conhecimento sensiti-
vo e uma intercomunicação por gestos e por sons, tudo isso com que atendem ao
aqui e agora. Por sua mesma natureza intelectual e social, ele abstrai-se do aqui e
agora e preocupa-se também com o distante e com o futuro. Pois foi precisamente
para transmitir seus pensamentos, seus códigos, suas doutrinas e seus poemas aos
que estavam afastados no espaço e aos que haviam de vir no futuro - para o que,
como é óbvio, não lhe bastava a fala - que ele inventou e desenvolveu a escrita.
E, ainda por razões evidentes, foi graças à escrita que pôde o homem constituir-se
em civilização propriamente dita.
4.2. Há mais, porém. A própria fala, para além de seu fim significati-
vo e comunicativo, tem já uma segunda finalidade: como todo e qualquer