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in: PERINI, M. A. P.

A língua do Brasil
amanhã e outros mistérios. São Paulo:
Parábola, 2004.

ÜBRAS DO AUTOR

Gramática descritiva do português, Ática, 1998


Gramática do infinitivo português, Vozes, 1977
A Gramática gerativa, Editora Vigília, 19'76
A língua do Brasil amanhã e outros mistérios,
Parábola Editorial, 2004
Modern Portuguese: A Refirence Grmnmar,
Yale University Press, 200.3
Para um11 nova gramática do português, Ática, 1995
Princípios de lingüística descritiva - introduçdo tio
pensamento gramatical, Parábola Editorial, 2006
Sintaxe portuguesa, Ática 199 3
Softendo a gratndtiu1, Ática, 1998
Tàlking Brazilitm, Yale University Press, 200:3
A UNCUA DO BRASIL AMANHÃ E OUTROS MISTÉR!OS

Mas uma frase semelhante fica boa mesmo sem o


pronome se a preposição for contra:
3.
O governo, eu sempre fui contra.
As três almas do poeta
O que é que está acontecendo aqui? Mais uma pergunta (AS LÍNGUAS E O RECORTE DA REALIDADE)
a responder, mais uma região a explorar. E, o que é mais
interessante, mais um detalhe de nossa língua que co-
nhecemos sem nunca termos estudado na escola.

mmm "'
Dei acima uma pequena seleção de "fatos malditos":
aspectos da língua que, não obstante sua importân-
E nio, poeta latino do século II a. e.,
falava três línguas: o grego, que ele tinha aprendido por
cia, são sistematicamente deixados de lado pelas gramá- ser na época a língua de cultura dominante no sul da
ticas atuais, pela simples razão de que nunca foram in- Itália; o latim, em que escreveu suas obras; e o osco, que
cluídos nas gramáticas anteriores. Isso revela uma era com toda probabilidade sua língua nativa. O osco
característica fundamental das gramáticas utilizadas nas (uma língua aparentada com o latim) era naquele tempo
escolas atuais: são elaboradas exclusivamente através da o idioma da maioria da população na região, mas aca-
cópia de gramáticas mais amigas, e nunca através de bou sendo suplantado pelo latim, língua dos conquis-
pesquisas originais ou, pelo menos, através da consulta tadores e do Império. De qualquer forma, no século II
aos resultados mais recentes da pesquisa gramatical. a. C. as três línguas tinham seu lugar na mesma região.
O mais provável é que o latim fosse usado nas relações
No entanto, não faltam fatos a investigar. Nem as
com as autoridades romanas, o grego nas grandes ci-
gramáticas usuais, nem o grande corpo de resulta-
dades e o osco nas regiões rurais. E Ênio, que sabia
dos já obtido pela pesquisa lingüística chega perto
as três, costumava dizer que tinha "três almas".
de esgotar a exploração desse grande continente
que c h an1amos "] ingua
' portuguesa,, . É curioso observar que ele exprimiu com isso uma
coisa muito importante relativa ao conhecimento de

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A LJNCUA [)(l BRASIL A1v!ANHA E OUTRG'í 1\IISH'RIO~
As TRJ'S \1.MAS DO POETA

uma língua: não se trata simplesmente de "uma outra


maneira de dizer as coisas" (taMe em vez de mesa, te quiero O que temos aqui (visto no microscório) é um pe-
em vez de eu te mno), mas de outra maneira de entender, queno exemplo de como duas línguas recortam dife-
de conceber, talvez mesmo de sentir o mundo. Tratei rentemente a realidade. Agora podemos ver que a
disso no 11 º ensaio de Sr~fendo a gramática, mas p<Javra portuguesa dedo não é simplesmente a desig-
resolvi voltar ao assunto porque ele é importante. nação de uma coisa - porque, antes de designar essa
coisa, a nossa língua a definiu de certa maneira. Tanto
Para começar com um exemplo bem simples, pode- é assim que o inglês fez wna definição diferente, e pre-
mos examinar a extensão do significado das pala- cisou de duas palavras. De certo modo, portanto, cada
vras individuais de língua para língua. O vocabu- língua é a expressão de uma concepção do mundo.
lário de uma língua reflete um recorte da realidade
muito próprio, que varia de língua para língua. Por A idéia de que a diferença entre as línguas se resume em
exemplo, temos em português a palavra dedo, que maneiras distintas de se referir aos objetos do mundo
nos parece muito concreta; diríamos que é simples- natural pode ser chamada a "teoria ingênua'' da relação
mente o nome que damos em nossa língua a um entre a língua e a realidade. E, como a maior parte da<>
objeto que nos é dado pelo mundo real: um dedo teorias ingênuas, é ao mesmo tempo simples, evidente e
é uma coisa, ou seja, uma parte definida do corpo, incorreta. Aqui, como em muitas outras áreas do conhe-
e o que pode variar é a maneira de designar essa cimento, aquilo que nos parece imens<m1ente óbvio é
coisa. No entanto, em inglês h~í duas palavras para simplesmente falso (não é ób,~o que o sol na'icc no leste?
"dedo": finger e toe, que não são a mesma coisa. Um Mas na verdade não é o sol que nasce, é a terra que gira 2).
finger é um dedo da mão, e um toe é um dedo do
Vamos examinar melhor o fenômeno da relação entre
pé; para nós, são todos dedos, mas para um inglês
uma palavra e a coisa que ela designa. Os seres hu-
são coisas diferentes 1•
manos têm todos um equipamento sensorial seme-
lhante, e todos percebem, por exemplo, a diferença
1 A complexidade não p~íra aí. Em inglês, o polegar se chama entre un1 cachorro e um gato, ou entre uma mão
thumb; e parece luver alguma hesitação cm dizer que o thumh
e um braço. Mas isso não quer di:zer que todas as
é um j!nger; fi·eqlientemente se concebe a mão como compre-
endendo "quatro fingen e um thumb". Aliás, em português temos diferenças sejam codificadas em todas as línguas do
artelho para "dedo do pé'', mas essa palavra só existe nos dicionários.
2 Exemplo colado de Oarcy Ribeiro, Ensaios imóhtM.
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As TRÊS ALMAS DO POETA
A LÍNCUA DO BRASIL AMANHÃ E OUTROS i\!ISTÉRIOS

os objetos de mesmo nome - todas as cadeiras se


mesmo modo. Primeiramente, obsetvemos que o núme-
parecem de certo ponto de vista, e têm finalidades seme-
ro de distinções que somos capazes de perceber é muito
lhantes. Mas não é preciso que sejan1 idênticos.
maior do que caberia no vocabulário de uma língua
natural. Por exemplo, eu tenho um computador, e Isso já deixa lugar a categorizações variadas. Voltando
você tem um computador da. mesma marca e mode- ao caso das cadeiras, podemos tomar como critério a
lo. Nós sabemos distinguir nossos respectivos compu- finalidade (são feitas para sentar), e nesse caso os dois
tadores (o meu tem várias marcas originadas de maus- objetos que descrevi acima são cadeiras. Mas podería-
tratos acidentais), mas nem por isso temos palavras mos escolher outro critério: por exemplo, o material
distintas em português para nos referirmos a eles. Desig- de que são feitas, e chamar "cadeirà' apenas as feitas
nar cada objeto com palavras distintas seria excessiva- de madeira; não é assim que se faz em português, mas
mente antieconómico, e multiplicaria o número de pa- seria perfeitamente possível.
lavras além do que seria possível aprender. Assim, chamo
Agora podemos enriquecer a afirmação feita acima,
o meu computador e o seu pela mesma palavra.
de que cada língua é a expressão de uma concepção
Isso se chama categorização: o ato de reunir objetos do mundo, e dizer que cada língua reflete uma ma-
que são estritamente falando diferentes num mesmo neira própria de categorizar as entidades que com-
grupo, para efeitos de referência. No caso menciona- põem o mundo.
do, alguém diria que afinal são coisas muito seme-
Isso aparece, como vimos, no significado das palavras.
lhantes; mas a categorização pode reunir objetos cla-
Não custa dar mais alguns exemplos, mesmo porque
ramente diferentes. Por exemplo, o Pão de Açúcar é
são muito numerosos. Pegue a palavra limão: para nós,
uma montanha, e o monte Everest também é uma
designa uma fruta utilizada na confecção de limonadas
montanha, apesar das grandes diferenças de tamanho,
e caipirinhas. Alguns limões são verdes, outros são ama-
forma, aspecto etc. que os distinguem. O objeto no
relos, mas são sempre limões. Já em inglês o limão amarelo
qual estou sentado é uma cadeira (uma armação de
se chama lemon, e o limão verde lime. Isso não quer
metal com encosto, braços e assento forrados de pano),
dizer que nós, brasileiros, não façamos distinção entre
e o objeto que posso ver na cozinha também é uma
limões verdes e amarelos; mas para nós são a mesma
cadeira (sem braços, e feita totalmente de madeira). É
fruta, e para os ingleses são duas frutas distintas.
claro que geralmente há alguma coisa em comum entre
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A LÍNCllA no BRASIL AMANHA E OUTROS Ml'1l'RIOS As TlÜS ,\LMr\S DO J'( )rT\

Um exemplo muito ilustrativo é o das diferentes lentes, e percebem tão bem yuanto nós as muitís-
maneiras que as línguas têm de designar as cores. simas cores da natureza; 1nas categorizam cada uma
Para nós, o espectro solar se divide em seis cores: delas como um matiz de gwyrdd ou de glas.
roxo, azul, verde, laranja, amarelo, vermelho. É claro
que temos recursos para exprimir mn mundo de outras Voltando ao russo, a palavra ruka significa a parte do
cores e matizes; podemos dizer azul-marinho, tlztd-claro co1 po que vai do ombro até a ponta dos dedos: inclui,
e azul esverdeado - mas consideramos essas cores portanto, o nosso braço mais a nossa 1não - de modo
como matizes do azul, que seria a cor primária no que em russo a expressão ruktl z1 ruku significa 'de mãos
caso. Tendemos, então a aceitar aquelas seis cores dadas' ou então 'de braço dado'. Paralelamente, a palavra
corno algo que nos é dado pela natureza: afinal de noga recobre o que chamamos de 'pernà mais o que
contas, são diretamente percebidas pela vista, e não chamamos de 'pé'. Aparentemente os russos, que são tão
têm nada a ver com a língua portuguesa. cuidadosos ao distinguirem os matizes do azul, não pres-
tam tanta atenção às extremidades do corpo humano.
Ledo engano: as línguas segmentam o espectro cada
uma à sua maneira, e seus falantes juram que essa é que Outro exemplo: em russo a palavra dycrevo significa
é a segmentação certa. Como já expliquei em So.fendo 'árvore', e também 'madeira'; em português, como se
a gmmáticrz, o que chamamos de azul é dividido em vê, temos duas palavras diferentes para exprimir essas
russo em duas cores básicas: sinn~y, que é um azul-
noções. Ora, nen1 um russo nem um brasileiro con-
escuro, e golubo_y, que é o azul-claro. Para eles, portanto,
fundem uma árvore com um pedaço de pau, mas
o espectro tem sete cores, e não seis. Tanto nós quanto
o russo dirá algo correspondente a 'essa mesa é feita
os russos percebemos claramente a diferença entre
de árvore' (isso, lá na língua dele). Não há nada de
azul-claro e azul-escuro; mas categorizamos essa dife-
absurdo nisso. O russo pode justificar sua língua
rença através do filtro que nos fornece a língua: para
os russos, são duas cores, para nós é uma só. dizendo: se um osso é feito de osso, e uma pedra
é feita de pedra, por que não posso dizer que uma
Em galês (língua falada no País de Gales), há ape- ~írvore é feita de árvore? Só que o português não
nas duas cores básicas: gwyrdd, que vale para o roxo, funciona assim: nós categorizamos o material de
o azu 1 e o verde, e guis,
' que pega as cores "quentes " que uma árvore é feita como "outra coisa", e os
do laranja ao vermelho. Os galeses têm olhos exce- russos o categorizam como "a mesrna coisa".

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A LÍNGUA DO BRASIL AMANHÃ E OUTROS MISTÉRIOS
As TRF,S ALMAS DO POFTA

Em compensação, temos dois verbos, secar e enxugar, que Essas diferenças não ocorrem somente em casos de
correspondem a um único verbo em muitas outras lín- línguas relativamente distanciadas, como o português
guas: o francês sécher, o inglês to dry ou o russo suJit: Aqui e o russo. Já tive ocasião de notar que o it<Üiano tem
é o poru1guês que faz a distinção mais fina entre duas dois verbos, perdere e smarrire, que se traduzem em
ações, consideradas uma só pelas outras línguas; nesse português como 'perder'. Mas eles não são sinôni-
caso, o espanhol concorda com o português (secar e mos: smarrire é usado apenas para coisas que foram
enjuagar), assim como o italiano (essiccare e asciugare). perdidas, mas podem ser procuradas e encontradas:
assim, pode-se smarrire um livro ou os óculos, mas
Até agora consideramos objetos muito concretos (de- 'perdi o trem' tem que ser ho perso il trena, e não ho
dos, limões, mãos, pés, cores) e vimos que mesmo para smarrito il treno (a menos, claro, que se trate de um
eles as categorizações podem mudar de língua para lín- trem de brinquedo). Como se vê, a idéia de 'per-
gua. Quando se chega a noções mais abstratas, natural- der' é segmentada de modo diferente pelo italiano
mente, as diferenças podem ser ainda mais profun- e pelo português. Em compensação, o italiano só
das. Uma vez eu disse a uma professora turca que eu tem uma palavra, nipote, para exprimir aquilo que
conhecia uma palavra da sua língua: sevda (disse eu) chamamos sobrinho e neto - será que isso às vezes
significa "amor". Aí ela partiu para uma longa expli- não causa alguma confusão lá na Itália?
cação do que significa realmente essa palavra, que é
amor, mas não qualquer tipo de amor. Não me lem- Até agora só examinamos palavras individuais. Mas
bro dos detalhes, mas, se pensarmos bem, realmente as línguas também diferem - e muito mais, aliás -
há muitas coisas diferentes que nós englobamos sob na maneira de categorizar e exprimir conceitos mais
a mesma designação amor. amor aos filhos, amor ao amplos do que simplesmente a designação de objetos
trabalho, amor sexual, amor platônico, ou simples- concretos ou abstratos. Um caso interessante é o dos
mente quando chamamos alguém de meu amor. Uma verbos e substantivos em português e seus corres-
língua estrangeira não tem nenhuma obrigação de fazer pondentes em náhuad (a antiga língua dos astecas,
o mesmo recorte que o português faz; os turcos, ao que ainda falada em várias regiões do México).
parece, fazem distinções mais finas, sem que isso signifi-
que que eles sejam mais ou menos amorosos do que nós. Em náhuatl, a palavra mexzcatl significa 'mexicano',
Apenas recortam a realidade de maneira diferente. mas pode ser "conjugada'' em frases como

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A LÍNCL'A DO BRASIL Al\IANH,-\ [ Ol rrnos MlSTÉRIOS
As TRfs ALt-.1As DC) ruFTA

Ca mexlcatl in pi/li. 'O menino é mexicano.'


sados, eu trabtilhei e eu tr1zbalhavt1. Mas os dois
que é sintaticamente paralela a tempos passados do português não correspondem
aos do inglês. Para traduzir eu trabalhava, temos
Ca tzàtzi in pi/li. 'O menino chora.' que dizer I worked. Mas J z,uorlud se traduz como
ln pilli é 'o menino'; tzàtzi é 'chora'; ca é um marcador eu trabalhei em outros casos, como em
de afirmação. Mexzcatl significa 'mexicano', e natural- I worked here for three years. 'Eu trabalhei aqui
mente nessa frase deve ser traduzido como 'é mexica- durante três anos.'
no'. Só que é conjugado (no que poderíamos chamar
presente do indicativo), exatamente como tz/ttzi 'cho- Agora, I have worked também se traduz corno eu
rà. Agora, corno vamos falar do "verbo" em n;Ürnatl? Se trabalhei, mas não se usa nas mesmas circunstâncias.
um verbo é uma palavra que pode ocorrer na constru- Usa-se o passado com have para exprimir um fato
ção exemplificada acima, então teremos que chamar passado que pode continuar no presente, como em
mex!catl, que quer dizer 'mexicano', de verbo. Já se um
She has published many poems. 'Ela publicou
verbo é uma palavra que se traduz como mn verbo em
muitos poemas.'
português, então teremos que dizer que certos substan-
tivos se conjugam em náhuatl: tzàtzi será um verbo, Essa frase pode ser dita de uma poeta que ainda é
e mexzcatl um substantivo, mas ambos se conjugam. viva. Mas para falar de Emily Dickinson, que já
morreu, teríamos que usar o outro tempo:
Mas nenhuma dessas soluções é realmente adequa-
1
da. O fato é que o português e o náhuat! categorizam Emily Oickinson pub/ished many poems. 'Emi ly
a expressão das ações ('chora') e das qualidades ('me- Dickinson publicou muitos poemas.'
xicano') de maneira diferente.
Por outro lado, o inglês não tem um recurso morfo-
Voltando aos verbos, e pegando uma língua menos lógico para exprimir a diferença entre as formas por-
exótica, sabe-se que o inglês tem dois tempos para tuguesas eu trabalhei e eu trabttlhavtI.
exprimir o passado: por exemplo, 1 worked e 1 hr1ve
'lodos esses exemplos mostram como a língua é estrei-
tuorked. O português também tem dois tempos pas-
tamente associada a uma maneira de ver as coisas.
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A LÍNClTA llO BRASIL AMANH;\ E OUfROS MISTl'RIOS

Cada língua é um retrato do mundo, tomado de um


ponto de vista diferen~e, e que revela algo não tanto sobre
o próprio mundo, mas sobre a mente do ser hwnano. 4.
Cada língua ilustra uma das infinitas maneiras que o
homem pode encontrar de entender a realidade.
Os dois mundos da expressão lingüística
(REFLEXÕES SOBRE FALAR E ESCREVER)
É, fácil levar essa observação a exageros injustificados,
como quando um autor inglês falou da "obsessão
sexual'' dos povos latinos, que teimam em dividir
todos os substantivos em femininos e masculinos
--- afinal, nós não achamos que as xícaras são fême-
as e os copos, machos. Mas me parece difícil negar
Existem duas maneiras principais de
que uma língua nos diz algo da psique de seus
considerar a fala espontânea frente à escrita. A
falantes - o quê, não sei bem. Nos anos 1920, o
maioria das pessoas tende a pensar que a língua de
lingüista americano Benjamin Lee Whorf aventou a
verdade, a correta, é a escrita, e que a fala é uma
teoria de que nossa compreensão do mundo passa
espécie de versão facilitada, e aliás cheia de erros,
necessariamente pelas categorias da língua que fa-
da escrita. Assim, diz-se que nós falamos vou no
lamos -- de modo que realmente, para Whorf, o
correio, mas o certo e vou aos correios, que e con10
• " " f • '

mundo não é exatan1ente a mesma coisa para um


se escreve - é assim que se diz isso em português.
brasileiro e para um turco, um russo ou um
tailandês. A teoria de Whorf é hoje considerada Outras pessoas - e entre estas alguns profissionais
excessivamente radical, mas não tenho dúvidas de da lingüística - assumem uma posição radicalmente
que ela encerra alguns grãos de verdade. Falar uma oposta, e sustentam que a manifestação básica, fun-
língua é ver o mundo de certa maneira, e falar três damental, da língua é a fala, e a escrita não passa
línguas é, até certo ponto, ter a capacidade de ver de uma representação gráfica dessa mesma fala. Se
o mundo de três maneiras diferentes. Talvez fosse há diferenças, estas se devem exclusivamente à força
isso o que o velho Ênio estava tentando dizer, quando da tradição, que insiste em que temos que dizer vou
afirmou que tinha três almas. aos correios; se aceitássemos que as pessoas escreves-

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