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CENTRO DE HUMANIDADES
Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste - GELNE
ANAIS
Volume I
Organizadoras
Maria Elias Soares
Maria do Socorro Silva de Aragão
Fortaleza - 2000
VERBOS NO INFINITIVO NA POSIÇÃO DE
SUBSTANTIVO: UMA ABORDAGEM ENUCIATIVA
Karine Viana Amorim e Luiz Francisco Dias - UFPB - Campus II
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XVII Jornada de Estudos Linguísticos - ANAIS - Volume I
cional. Se o substantivo é o termo que nomeia ou desig Pedro escreveu sobre a(s)
na algo no mundo, como essas palavras poderiam ser Pedro escreveu sobre o (s)
consideradas substantivos?
No segundo plano, temos frases como um pênalti Com essas estruturas, podemos dizer que:
não marcado no texto O pênalti que não foi marcado.
(a) Pedro falou do amor
Em 82, na dramática quarta-de-final contra a Itá (b) Pedro falou do pênalti não marcado
lia que tirou do Brasil um título certo, o italiano Gentile
exerceu uma marcação ferozmente desleal contra Zico, (c) Pedro escreveu sobre a inexistência de leitos
literalmente segurando-o o tempo todo e a todo custo, nos hospitais
com a complacência do juiz israelense Abraham Klein. (d) Pedro falou da ausência do seu pai
Numa das suas inúmeras jogadas contra o brasileiro, (e) Pedro escreveu sobre a falta de verbas para a
Gentile agarrou-o pela camisa (chegando a rasgá-la) saúde
dentro da área, impedindo-o de marcar o gol que evita
(f) Pedro falou da negação do visto de seu passaporte
ria a desclassificação da seleção da CBE Um pênalti
não marcado que poderia ter dado a Zico o título de 82,
Segundo o nosso estudo, o termo que preencher
pois aquele time foi o melhor da Copa da Espanha e um
esse espaço em branco seria o objeto temático da fala. É
dos melhores de todas as Copas. (Revista ícaro Brasil
objeto temático porque se produz a partir de uma ação
164. Abril. São Paulo: VARIG. P. 164)
de falar ou escrever. Com essa hipótese, julgamos estar
no caminho de uma nova formulação, de natureza
A expressão não marcado designa que o pênalti enunciativa, do conceito de substantivo.
não foi registrado na história enquanto ser, isto é, que o A nossa hipótese é a de que, nos casos de (a) até
juiz não marcou, uma vez que a autoridade máxima den (f), os termos “amor”, “pênalti”, “inexistência”, “ausên
tro de um campo de futebol é o juiz. Nesse caso, o pênal cia”, “falta” e “negação”, respectivamente, se configu
ti só vai existir no nível do discurso, ou seja, na concep ram como substantivos. Após testarmos essas palavras,
ção de quem escreveu. Podemos ainda afirmar que passamos para o teste com palavras que tivessem algu
“pênalti” existe no ponto de vista do texto e a expressão ma correspondência com o substantivo. Assim, escolhe
“não marcado” no ponto de vista do juiz. Reside aqui o mos os verbos no infinitivo.
problema da designação dos seres: se, para Platão, a exis Segundo a gramática tradicional, os verbos no infi
tência das coisas teria que anteceder a linguagem, aqui nitivo podem, também, funcionar como substantivos,
nós temos um pênalti enunciado, que não existe enquan obedecendo às suas formas nominais. No entanto, a gra
to “realidade”. Então, perguntamos, como ele poderia mática não especifica a categoria dos verbos que po
ser enunciado, se não existe? As coisas no mundo não dem funcionar como substantivo. Utilizaremos o teste
estão em relação conosco, assim disse Platão; no entan supracitado com verbos no infinitivo especificamente
to, é marcante o fato de que a idéia do “pênalti” está a classe dos os verbos elocutórios, defendida por Oli
relacionada com a opinião de quem escreveu. Assim, veira et alli (1985), no sentido de identificarmos as con
perguntamos mais uma vez: a utilização do termo “pê dições de utilização dos verbos no infinitivo na posi
nalti” foi feita de maneira inadequada por falta de outro ção de substantivo.
termo? Ou o conceito de substantivo falha nesse ponto? Segundo Oliveira et alli, verbos elocutórios “são
Achamos que a segunda pergunta é a que tem pertinência verbos que contêm implícito em seu significado um com
nesse ponto. portamento de fala, ou seja, um dictum” (“dizer”, “fa
A partir dessas discussões, comprovamos que o lar”). Esses verbos se subdividem em: verbos de dizer
conceito de substantivo apresenta falhas e assim merece (“são verbos de ação cujo complemento direto é o
uma reavaliação. Gostaríamos de ressaltar, ainda, que o dictum”) e verbos que qualificam o dictum (“verbos de
problema aqui levantado não reside nas palavras em si ação que apresentam lexicalizada a modalização que
mesmas, caracterizadas como substantivos, nem no seu caracteriza o dictum neles implícito”). Ao primeiro
significado, mas sim na conceituação do substantivo. grupo pertencem os verbos de “dizer básico” em cujos
Apresentamos aqui indícios de que é possível significados existem informações sobre a cronologia
reformular esse conceito, tentando adequá-lo aos mais discursiva (retrucar, completar, tornar, repetir) ou apre
diferentes usos do substantivo. Vejamos as seguintes es sentam o modo de realização do enunciado (gritar, ber
truturas, elaboradas por Amorim e Dias (1998): rar, exclamar, cochichar e sussurrar). O segundo grupo
inclui verbos como: queixar-se, comentar, confidenciar,
Pedro falou do (s) observar, avisar, informar. Para tomar mais fácil o reco
Pedro falou da (s) nhecimento do segundo grupo, com esses verbos é pos
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sível fazer uma paráfrase; por exemplo “queixar-se = (7) “O judiciário é o hospital do direito, na simpli
dizer uma queixa”, “comentar = dizer um comentário”, cidade do dizer.” (05/10/97)
“responder = dizer uma resposta”.
Dessa classificação, pesquisamos na Folha de São Na segunda situação, o verbo perde o estatuto de
Paulo os seguintes verbos na forma infinitiva: “dizer”, verbo e passa a ser mesmo um substantivo, sendo possí
“falar”, “contar”, “perguntar” e “descrever”. Do estudo vel a mudança para o plural. Este é um caso semelhante
desses verbos, pudemos observar que eles obedecem a aos substantivos que possuem a estrutura de um verbo,
uma categorização, ou seja, eles somente aparecem na vejamos os exemplos:
posição de substantivo mediante três situações, a saber:
(8) “Mesmo agora, não me surpreenderia ver um
a primeira seria correspondente à ação de um verbo
adesivo no vidro de trás de um carro com o
elocutório; na segunda, o verbo perde o estatuto de ver
dizer: ‘Pesquisa básica - não, muito obrigado! ’
bo e passa a ser mesmo um substantivo, caso semelhante
enquanto um gás cinza azulado emana do seu
aos substantivos que possuem a estrutura de um verbo; e
escapamento.” FSP (23/11/97)
a terceira seria a maneira pela qual a ação do verbo se
concretiza. (9) “Resta o dizer, sempre polpado no movimento
Na primeira situação, em que o verbo funciona do sangue rubro.” FSP (14/12/97)
como um elocutório, apresentando a ação propriamente
dita, temos os seguintes exemplos: E, por fím, na terceira situação, temos os verbos
(1) “Alguns, de Júlio Bressane, é reflexão teórica que demonstram a maneira pela qual a ação do termo se
de uma práxis (‘onde o dizer é fazer’, diria concretiza:
Vieira), metalinguagem digressiva e conceituai (10) “Meu português tinha a qualidade nasal de
sobre o fazer e perceber cinema.” (23/03/97) Lisboa, e eu estava completamente despre
(2) “Em O Conflito entre o Dizer e o Exprimir, parado para a musicalidade, o ritmo e a sua
Mário Pedrosa faz uma aproximação entre vidade do falar brasileiro.” FSP (28/12/97)
Merleau - Ponty e Wittgenstein (o da segunda (11) “Era uma língua completamente diferente, sem
fase) que, na época, seguramente deve ter soa escrita e para dentro, o falar molambento de
do como particularmente estranha não somen carrinhos de supermercados e sacos plásticos,
te no Brasil, mas até mesmo para seus discípu a linguagem de fuligem e Karen tinha de es
los europeus da época.” (10/05/97) cutar cuidadosamente a maneira como a mu
(3) “Dizer ‘sou feliz’ já me deixa mais feliz do que lher arrancava da garganta uma fileira de pa
dizer ‘sou infeliz’. Estar apaixonado por al lavras como lenços amarrados uns nos outros,
guém depende de um decreto íntimo, o dizer- para depois tentar reconstruir a frase.” FSP
se ‘estou apaixonado’. Isso, depois, será sub (05/12/97)
metido ao parlamento das horas e dos dias, para (12) “A bola da vez é a simplicidade do contar e a
confirmar-se ou não.” (28/05/97) complexidade do amor.” FSP (11/10/97)
(4) “Se o governo associasse o falar ao fazer, o fi
nanciamento a essa pesquisa seria um exem Aplicando alguns desses exemplos ao teste proposto
plo de boa administração.” (22/06/97) por Amorim e Dias (1998), podemos obter as seguintes
(5) “É importante notar que, embora a interpretação estruturas. Na primeira situação, temos:
de Müller-Lauter contradiga a de Heidegger,
Ia) O jornalista escreveu sobre o dizer do cinema.
em nenhum momento ele pretende excluir
Nietzsche da história da metafísica, entendida 4a) O jornalista escreveu sobre o falar do governo.
por ele de modo mais abrangente e mais eleva 5a) O jornalista escreveu sobre o perguntar pelo ente.
do, como sendo ‘o perguntar pelo ente em sua
totalidade e enquanto tal’, nem ser contrário a Na segunda situação, temos o seguinte:
um esforço de Heidegger por um ‘ultrapassa-
8a) O jornalista escreveu sobre o dizer: ‘Pesquisa
mento da metafísica tradicional’.” (09/08/97)
básica - não muito obrigado!.
(6) “Não será coincidência se assistimos, neste
momento, aos trabalhos de outra CPI, a brasi
E, por fím, na terceira situação, poderíamos ter as
leira, cujos investigadores-acusadores e depo-
seguintes estruturas:
entes-acusados esforçam-se arduamente por
‘não-dizer’, usando as palavras do ‘dizer’, por 10a) O jornalista escreveu sobre o falar brasileiro.
‘não se fazer entender’, usando as palavras do 11a) O jornalista escreveu do falar molambento de
‘fazer-se entender.” (30/03/97) carrinhos de supermercados e sacos plásticos.
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Tendo em vista as estruturas acima, podemos ob DIAS, Luiz F. A aula de gramática e a realidade discursiva
servar como o verbo, na posição de infinitivo, pode fun do vocábulo. Campina Grande: UFPB (inédito),
cionar como substantivo, revendo assim uma lacuna dei 1998.
xada pela gramática tradicional no que diz respeito aos FARACO, Carlos Emílio e MOURA, Francisco. Língua e
parâmetros de escolha dos verbos para funcionarem como literatura. Vol. 2,15. ed., São Paulo: Ática, 1995.
substantivos, bem como rever o conceito de substantivo. GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido: um estudo
Com essa classificação, ficamos com a certeza de que histórico e enunciativo da linguagem. Campinas: Pon
estamos no caminho para uma nova conceituação do tes, 1995.
substantivo. Nesse sentido, não necessitaremos de toda OLIVEIRA, Ana Maria P. de et alli. Verbos introdutores
complexidade relativa ao conceito de ser. Ao mesmo tem do discurso direto. ALFA, São Paulo, n. 29, p. 91-96,
po, estamos estudando a língua em seu uso e em sua 1985.
dinamicidade. PERINI, Mário A. Classes de palavras em português. In:
Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática,
Referências Bibliográficas 1995.
PLATÃO. Diálogos: Teeteto-Crátilo. Belém: UFPA, 1973.
BARBOSA, Jeronimo Soares. Grammatica philosophica PIQUÉ, Jorge Ferro. Linguagem e realidade: uma análise
da linguaportugueza. Lisboa: Tipografia Real, 1830. do Crátilo de Platão. Letras, Curitiba: UFPR, n. 46,
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da p.171-182,1996.
língua portuguesa: com numerosos exercícios. 22. ed., TUFANO, Douglas. Estudos de língua portuguesa: gra
São Paulo: Nacional, 1981. mática. 2. ed., São Paulo: Moderna, 1990.
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