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Morfossintaxe AULA 1

Joseli Maria da Silva


Neilson Alves de Medeiros
José Ferrari Neto

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

Morfologia – Sintaxe
= Morfossintaxe?

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Apresentar a perspectiva morfossintática


de estudos da Língua Portuguesa;
„„ Reconhecer a interação entre Morfologia e Sintaxe.
Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA
Olá, amigo do curso de Letras a Distância. Vimos, nos semestres anteriores, nas
disciplinas Fundamentos de Linguística Românica (FLR) e Morfologia da Língua
Portuguesa (MLP), alguns aspectos que particularizam as relações discursivas
de nossa língua. Em FLR, vimos que o enunciado era construído com base em
declinações, categorizadas em casos. Assim, para cada situação de funcionalidade
do termo, tínhamos um caso, o que não exigia uma ordem específica das palavras
no discurso. Reconhecendo-se o caso, pela declinação, era possível identificar
o sujeito, o objeto ou o adjunto da oração, ou seja, sabia-se quem falava, para
quem, para o quê e quais as informações complementares nesse enunciado.
Em MLP, revisamos o que sempre estudamos desde o nosso ingresso na escola. A
formação das palavras, seus componentes internos (raiz, radical, afixos, processos
de formação etc.), as flexões de gênero, número e grau, entre outros caracteres
que nos permitem, segundo nossa ordem atual de classificação vocabular,
localizar ou categorizar os termos nas dez classes que atualmente conhecemos:
substantivos, adjetivos, pronomes, verbos, interjeições, preposições, conjunções,
artigos, numerais, advérbios.
Vimos que conhecer e aplicar essa classificação é importante porque, como não
mais utilizamos os casos latinos, agora temos que obedecer a uma certa ordem
estrutural dos elementos dentro dos enunciados.
Assim, há certas palavras que, como pertencem a uma classe definida, não podem
ser colocadas em qualquer lugar na frase. É o caso do artigo, por exemplo: sempre
ocupa o lugar de anterioridade ao substantivo. Reconhecer particularidades
desse tipo já é o primeiro sinal de que as palavras não agem, não se realizam
sozinhas no discurso. Elas trazem em seu bojo uma necessidade de funcionarem
satisfatoriamente. E isso deve ser um padrão a ser aceito e executado por
toda uma comunidade que fale um idioma específico (seja Português, Inglês,
Espanhol, Francês etc.). Se assim não for, como nós, falantes da Língua Portuguesa,
poderíamos nos comunicar, com o mínimo de interferências possível?
Assim, nesta nova etapa, estudaremos a Morfossintaxe, ou seja, a relação de
interdependência entre as palavras ou vocábulos e seu efeito comunicativo no
enunciado.
Aproveite a leitura dos textos que disponibilizamos em nossa plataforma, mas
amplie sua leitura. Busque outras fontes. A pesquisa e o estudo não se resumem
a um texto apenas. Sempre há muito a aprender e, sem dúvida nenhuma, nossa
área de atuação é rica em material de consulta, de estudos e de pesquisa.
Seja bem-vindo!
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3 TECENDO CONHECIMENTO

3.1 A título de revisão

O que é Morfologia? Qual é o seu campo de atuação? Quais são seus limites?

a) Em uma perspectiva atualizada para os dias de hoje, entende-se Morfologia


como um ramo da Linguística, que, assim como a Fonologia, a Sintaxe e
a Semântica, tem suas próprias regras (ROCHA, 2008);
b) Em uma perspectiva mais estruturalista, pode-se definir a Morfologia
como o estudo das formas gramaticais dos vocábulos (CÂMARA JR.; 2001);
c) Do ponto de vista mais filosófico, também se diz que a morfologia se
ocupa de classificar os vocábulos a partir de critérios semânticos e mórficos,
ou seja, há que se considerar que o sentido de uma palavra tem estreita
relação com a forma (CÂMARA JR., 2001);
d) A Gramática Tradicional trata a Morfologia como o estudo das palavras
quanto à sua estrutura e formação, quanto a suas flexões e quanto a sua
classificação (ALMEIDA, 2009);
e) Também se entende por Morfologia o estudo da estrutura dos morfemas,
ou seja, dos constituintes das palavras (CASTILHO, 2010);
f) E, não para encerrar, mas para delimitar um pouco nossas definições, a
última que registramos: Morfologia corresponde ao estudo da palavra e
suas “formas” (BECHARA, 1999).
Veja que temos várias percepções sobre o que seria Morfologia. Mas será que
as palavras existem isoladamente? Será que esses estudos tratam a palavra sem
pensar em qualquer relação que elas possam exercer sobre o enunciado que
materializam? E quanto a sua classificação em categorias: será que sabermos
que um termo é um verbo, ou advérbio, um adjetivo etc. é suficiente para
garantirmos uma boa relação dialógica? É suficiente para termos controle sobre
nossas produções orais e escritas?

Temos certeza de que você respondeu segundo nossas expectativas, ou seja,


saber classificar as palavras em categorias é um requisito importante, mas
insuficiente para garantir a interlocução com o sucesso ou êxito pretendido por
seus interlocutores.

Para introduzir nossas leituras sobre Morfossintaxe, precisaremos, antes, rever


alguns pontos da Morfologia. Desde já, esclarecemos que, em nossa perspectiva
de abordagem sobre esse assunto, consideraremos que a forma vocabular
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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

pode ser estudada a partir de seus constituintes e que essa forma, para agir
significativamente sobre o universo comunicativo, constitui-se como um elo
encadeador junto a outros vocábulos, a fim de formalizar o enunciado e a
eficiência da compreensão discursiva. Voltaremos a falar sobre esse assunto no
momento certo.

3.2 O plano da expressão e o plano do conteúdo

Você já experimentou pronunciar várias vezes uma mesma palavra? Se não, faça
isso agora. Escolha uma palavra qualquer: livro, por exemplo, ou uma de melhor
articulação – cadeira, celular, ovo, qualquer uma. Repita-a pelo menos umas...
vinte vezes. Após tanta repetição, você chegará à conclusão de que a palavra
que você pronunciou insistentemente perdeu por um momento seu valor de
significação, passou a ser apenas um conjunto de articulações sem sentido. Essa
impressão também lhe será perceptível se, em vez de pronunciar a palavra,
você pronunciar suas sílabas separadamente. A palavra “perde a imagem”,
a representatividade de sentido. E aí concluímos que fonemas e sílabas não
querem dizer nada. Isso porque a “sílaba é uma construção de um, dois ou mais
fonemas articulados, mas não ultrapassa os limites do campo a que pertencem
as unidades não-significativas”, segundo Carone (1986, p. 8). Esse é o plano da
expressão. Significa dizer que fonemas e sílabas representam esse plano, o da
expressão, que não tem sentido individualizado, autônomo.

Para melhor compreensão, observe a palavra chocolate. Agora concentre-se apenas


nas sílabas que a constituem: CHO / CO / LA / TE. Você concorda conosco que
essas sílabas não traduzem nenhuma imagem, nenhuma ideia? Muito bem, isso
acontece porque as sílabas estão no plano da expressão, isto é, não significam
absolutamente nada.

Avancemos um pouco mais. Para a mesma autora acima citada, a sílaba seria
um sintagma no plano da expressão.

Mas o que é um sintagma?

Bem, em uma conceituação mais ampla, diz-se que é a menor unidade significativa
de um enunciado. Para a nossa autora, “é qualquer construção, em qualquer
nível, resultante da articulação de unidades menores”.

No dicionário de Linguística de Dubois (2007), vemos outras conceituações, entre


elas a de Ferdinand de Saussure, que nos diz: “sintagma é toda combinação

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na cadeia da fala”; para A. Martinet, “designa-se sob o nome de sintagma toda


combinação de monemas”.

MONEMA – na terminologia de A. Martinet, é a unidade significativa


elementar.

Vamos refletir um pouco sobre ser a sílaba um sintagma do plano da expressão,


ou seja, ser uma unidade significativa, embora esteja nesse plano. Dissemos que,
no plano da expressão, as sílabas sozinhas não têm sentido, entretanto, elas têm
algum significado, do contrário, como poderíamos utilizá-las para formar um
morfema e, consequentemente, um vocábulo?

E aí chegamos a mais uma conceituação de sintagma também presente no


dicionário de Dubois (2007): “os elementos constitutivos de um sintagma podem
ser morfemas léxicos ou gramaticais”. E, para exemplificar essa informação,
valemo-nos da palavra qua-dro. Podemos nos perguntar: onde está o significado
dessa palavra? Se a sílaba é o sintagma no plano da expressão, menor unidade
significativa, já deveríamos ter uma “imagem” formada por uma dessas sílabas.
Mas isso não acontece. Então, precisamos deslocar alguns segmentos dessas
sílabas para buscar em que parte dessa palavra está a noção que buscamos. E
começa nosso exercício cognitivo para empreendermos algum sentido a essa
forma lexical. Unimos, então, alguns segmentos: qua + dr. E possivelmente
chegaremos ao plano do conteúdo: quadro > quadrado > enquadrar etc.

Após essas reflexões, a que conclusão chegamos?

a) A sílaba é um sintagma do plano da expressão, não invocando nenhum


sentido lógico; ainda assim, sem significado imediato, este pode levar a
uma imagem, e passar ao plano do conteúdo quando associado a outro
segmento, que permita a construção de um sentido, ou seja, se essa junção
de sílabas constituir um morfema;
b) Se o sintagma se constrói com a ajuda de morfemas léxicos ou gramaticais,
ele pode passar ao plano do conteúdo, ou seja, passa a ter sentido, pois
se associa a uma imagem aceita pelo usuário da língua em ação.

Morfemas léxicos ou lexicais são aqueles que servem de base a um


lexema (raiz ou radical); morfemas gramaticais são os que funcionam
como base de uma palavra gramatical (seriam os afixos, as desinências,
por exemplo).

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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

c) Na palavra quadro, encontramos os morfemas –quadr (morfema lexical/


radical) e -o (morfema gramatical/vogal temática), ambos eivados de
significação, já que permitem seu uso para novas construções ou imagens
aceitáveis, conhecidas por quem utiliza esse vocábulo.
Você está nos acompanhando até aqui? Vamos testar um pouco sua compreensão.

Qual das expressões a seguir não desperta com clareza uma ideia, um conceito,
uma imagem?

a) Verba da segurança pública


b) Notas fiscais frias
c) Por fora
d) Matar policiais
e) Primeiro da fila

Você deve ter optado pela letra “c”. Ainda que seja uma expressão conhecida
por nós, ela só tem significação ou sentido se colocada em um contexto. Isso é o
que acontece com a sílaba. Só terá valor se fizer parte de um morfema, ou seja,
de um ambiente linguístico que lhe dê condições de significar algo ou concorrer
para, junto a outros morfemas, produzir um termo expressivo.

Agora veja esses mesmos termos ou expressões na charge a seguir.

Figura 1 Chargista: Duke

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E agora? Você acha que a expressão marcada acima ainda parece algo abstrato,
sem nenhuma ideia coerente? Tente compor uma explicação para sua resposta.
É sua vez de justificar o fenômeno apresentado. Divirta-se!

Vamos continuar nossa busca pela compreensão do que seja a Morfossintaxe?

3.3 Organizando conceitos para a


compreensão morfossintática

Para essa etapa, vamos precisar de mais alguns conceitos operacionais básicos.

3.3.1 A articulação

Para Mattoso (In: CARONE, 1986), a palavra articulação refere-se”(...) “à propriedade


que têm as formas linguísticas de serem suscetíveis de análise”. Isso significa
dizer que as formas linguísticas podem ser divididas em partes. Nesse raciocínio,
passamos a entender que isso só é possível porque as partes de uma unidade
linguística se estruturam de forma articulada.

Pensemos juntos: se as partes das palavras, das frases, dos discursos se articulam,
então todas elas podem ser analisadas isoladamente. E quando isso é feito,
significa que buscamos entender o que essas partes representam em seu todo,
para a construção desse todo linguístico ou discursivo. E aí chegamos a outro
conceito – a função.

3.3.2 A Sintaxe

Quando estudamos a Sintaxe, geralmente estudamos a FUNÇÃO que as palavras


assumem no enunciado.

E aqui vale revisar: o que é Sintaxe?

a) É o estudo das estruturas sintagmáticas e sentenciais, em busca


de se definir a função de cada termo dentro dessas estruturas
(CASTILHO, 2010);
b) É a parte que estuda a palavra não em si, mas com relação às outras
que com ela se unem para exprimir o pensamento (ALMEIDA, 2009);
c) Análise da relação motivada entre forma e sentido das orações. A
sintaxe parte da palavra e termina na oração (AZEREDO, 2013).
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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

E muitos outros conceitos podem ser encontrados. O mais importante, entretanto,


é perceber que a Sintaxe trabalha exatamente como a Morfologia e a Semântica,
no plano do conteúdo, com segmentos articulados, passíveis de análise. A
Fonologia, por sua vez, fazendo parte do plano da expressão, embora passível
de análise, concentra-se na articulação dos fonemas, os quais, isoladamente, não
representam nenhuma matéria imagética ou conceitual, ou seja, não formam
nenhum objeto reconhecível em nossa cadeia cultural.

Muito bem. Sabemos que a articulação e a função são alguns conceitos que nos
remetem aos estudos morfossintáticos. Além desses, ainda precisamos refletir
sobre: outros.

3.3.3 A substância e a forma –


a ESTRUTURA e a CONSTRUÇÃO
Bem, sabemos que a estrutura é o resultado da combinação entre componentes,
é a articulação das partes formando um todo. Podemos usar como exemplo um
bolo. Só será um bolo se as substâncias (os ingredientes) se unirem, construírem
sua estrutura. Unidas essas substâncias, tem-se uma substância formalizada, ou
seja, dotada de forma.

Trazendo esse raciocínio para o universo linguístico, consideremos o enunciado


“Eu emiti as notas fiscais frias”, retirado da charge anterior. Analisemos os dois
grupos a seguir:

a) Notas fiscais frias – nesse grupo há um encadeamento lógico e,


portanto, compreensível.
b) Fiscais frias – já nessa situação, no contexto em análise, tal
compreensão não se estabelece.

A que conclusão chegamos?

a) No grupo (a), existe uma estrutura, uma construção válida


sintaticamente;
b) No grupo (b), o que ocorre é uma vizinhança, uma aproximação
entre termos, porém sem formar uma construção efetiva, do ponto
de vista sintático;
c) Os termos “notas fiscais frias” se organizam assumindo entre si uma
função de complementariedade, logo são FUNCTIVOS.
d) Os termos “fiscais frias”, como não conseguem se organizar mantendo
um encadeamento lógico, não formam uma construção, porque

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é um par de palavras sem função, ou seja, as duas palavras não


constituem um “par de functivos”.

3.3.4 A análise e a síntese

O que seria “analisar”? Grosso modo, dizemos que analisar é verificar as partes de
um todo, ou seja, compartimentar um elemento maior em partes menores, sem,
entretanto, permitir sua dispersão. É necessário que a conexão entre essas partes
se mantenha durante a análise, já que se entende que, se essas partes formam
o todo, então elas tecem entre si uma relação de interdependência, logo uma
só vale como vale porque está sendo influenciada pela validade da outra parte.

Quando analisamos um enunciado, uma palavra, uma situação, uma obra de


arte, uma música, uma pessoa, uma roupa, geralmente o fazemos por meio da
descrição. Quando descrevemos as partes, ao mesmo tempo, estamos permitindo
sua recomposição. E o resultado é a síntese.

Você já se deu conta de que, quando estudamos um assunto, o fazemos por


etapas? Ao final, talvez algum colega até nos pergunte: em síntese, qual é ou
qual foi o assunto da aula? Revolvemos nossa memória, vasculhamos nossos
arquivos, nossas lembranças, juntamos os pedacinhos das informações que
lembramos e tecemos um texto resumido, ou seja, sintetizamos.

Você deve estar se perguntando: e agora? Já falamos sobre a Morfologia, sobre


conceitos de Sintaxe, sobre alguns recursos necessários para chegarmos à
Morfossintaxe. E chegamos?

Cremos que sim.

3.4 Conceituando a Morfossintaxe

Você deve se lembrar de que, em outros momentos de nossa vida acadêmica,


estudamos as flexões de número, de gêneros, as flexões verbais, o fenômeno
da regência e da concordância verbal e nominal. Você acha que essas variações
acontecem sem que uma palavra concorra, condicione ou force a variação da
outra? Temos certeza de que você não pensa assim. Ao longo de todos os estudos
que já fizemos, vimos que, para atender às exigências da gramática normativa,
da chamada língua culta, precisamos obedecer a orientações específicas. Assim,
quando queremos nos referir a um número de elementos diferente de um, saímos
da situação de singular para plural. Para comprovar essa mudança, teremos de
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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

fazer uso de certos procedimentos, entre eles o de colocar um –s ao final das


palavras que serão modificadas. Por exemplo: um carro > dois carro-s.

A força que alterou a palavra carro está no numeral dois. Se não houvesse essa
transformação, o enunciado seria visto como problemático, desviado da norma
culta padrão. E é assim que se estabelece um dos requisitos da concordância/
flexão de número.

A partir daí já vemos que aquela relação de interdependência de que falamos


anteriormente está presente entre termos que ainda não constituem uma frase
formalmente construída. Vejamos agora esses mesmos termos em uma oração,
em um enunciado mais complexo.

Figura 2

Analisando a forma quem, constatamos que o verbo que a segue se mantém


no singular. Essa exigência sintática se dá também pela posição das palavras
no enunciado. Não poderíamos dizer, por exemplo, Patrícia, descobriu quem o
Brasil? ou Patrícia, descobriu o Brasil quem?

Na perspectiva da Morfossintaxe, atente-se para o fato de que o “lugar” do pronome


interrogativo quem – categoria morfológica – é antes do verbo – condição sintática.

Ainda analisando os enunciados da charge em relevo, encontramos as construções:

a) “Patrícia, quais são as estações do ano?”


b) “Agora, os nomes dos novos participantes do BBB, eu sei!!”

Sobre elas, podemos dizer que:

1) O lugar do pronome interrogativo quais pode variar, assim esse enunciado


poderia assumir a forma: Patrícia, as estações do ano são quais? Ou: Patrícia,
as estações do ano quais são? Esse recurso de mobilidade do pronome
é comum na oralidade e, de forma alguma, sofre perturbação em seu
sentido, quando alterado.
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Sobre essa construção, também é necessário chamar a atenção para a flexão


de número. Ora, se se está tratando das “estações do ano”, é imperativo
que o verbo esteja no plural, logo o pronome com o qual mantém a
relação de dependência também deverá ser flexionado no plural. Daí,
concluímos que um morfema é responsável por toda alteração sintática
dentro do enunciado, promovendo-lhe mudanças, a fim de se manter a
compreensão do sentido proposto pelo locutor.
2) Quanto à construção (b), analisemos a expressão “Agora”. Essa forma não
tem nenhuma relação com a situação temporal, mas está funcionando
como um marcador discursivo, atuando como elemento de ligação no
nível semântico, dialético, aparentemente sem classificação sintática.
Nem por isso, entretanto, perde seu valor. Substituindo esse termo por
outro que lhe mantenha a correspondência de sentido, poderíamos usar
a forma porém. O resultado seria algo como: “Porém, os nomes dos novos
participantes do BBB, eu sei!!”.
Ampliando essa análise, contudo, verificamos que a substituição dos termos
confirma que a relação sintática preexiste no enunciado. A relação que se
vê nessa estrutura é de subordinação, embora saibamos que a conjunção
porém estabelece conexão entre orações coordenadas. Do ponto de vista
estrutural, poderíamos afirmar que essa seria sua característica inata. O que
nos impede de manter essa classificação é o fato de que as orações deveriam
estar juntas em um mesmo período, o que não acontece. Assim, concluímos
que há uma relação intrínseca entre os enunciados que se separam pelo
ponto, mas se unem pela subordinação do conteúdo.
A relação morfossintática se confirma pelo fato de que a conjunção – antes
vista como coordenativa – assume o lugar de uma subordinativa para garantir
a continuidade do enunciado do locutor em evidência, no caso “Patrícia”.
Ainda sobre esse enunciado, destacamos a relação de concordância
entre os termos os nomes dos novos participantes, em que se verifica a
exigência da concordância de número entre eles e também a exigência de
cumprimento à localização, ordem das palavras no enunciado. Para esse
fato, chamamos a atenção para o grupo novos participantes. Teríamos o
mesmo efeito discursivo se houvesse a inversão entre os termos desse par
functivo: participantes novos? Sempre haveria a possibilidade de se pensar,
além da primeira ideia, também na possibilidade de os participantes serem
jovens. Essa última possibilidade de interpretação não se dá na primeira
ocorrência do enunciado.
Enfim, caro estudante, encerramos, por enquanto, esse assunto, cientes de que
a Morfologia e a Sintaxe estão imbricadas, uma à outra, orientando nossa fala
e nossa escrita de forma harmoniosa e colaborativa, ou seja, um auxiliando

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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

na estrutura e na compreensão dos enunciados, dos discursos, fortalecendo a


produção comunicativa e a interatividade entre locutores.

Exercitando

Para treinar um pouco seu conhecimento em relação ao que estudamos nesta


aula, leia o fragmento da música Caia por Cima de Mim, de Flávio José.

Eu não aguento
Tanta ausência tanta dor
Parece que o amor
Se esqueceu de mim

Bateu a porta
Deu adeus e foi embora
A solidão me devora
Agora eu tô roendo sim
Flávio José

àà Disponível em: http://letras.


mus.br/flavio-jose/299112/

Agora responda às perguntas que seguem:

a) O que justifica, pela análise morfossintática, a presença da palavra “se” no


último verso da primeira estrofe da música?

b) A palavra “agora”, no último verso da 2ª estrofe, pode ser analisada da


mesma forma como foi feito no enunciado da charge da Figura 2? Explique
sua resposta.

4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

Para conhecer mais sobre as possibilidades de análise morfossintática, é importante


conhecermos alguns aspectos históricos da Morfologia, inclusive os que tratam
da criação de novas palavras. É sobre essas novas palavras que trata o livro de
Rocha, constante das referências desta aula.
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AULA 1

Esse livro nos será útil nas próximas aulas


também, quando discutiremos sobre a
perenidade das palavras e a não perenidade
das frases. Será que essa divergência de tempo
existencial de palavras e de frases altera a
análise morfossintática?

Figura 3

Outra leitura bastante interessante é a do livro


Morfossintaxe, de Flávia de Barros Carone,
também registrada nas referências ao final
desta aula. Entremeando provocações e
esclarecimento sobre a estrutura da Língua
Portuguesa, a autora nos faz repensar conceitos,
questionando-nos: “Será o sujeito, realmente,
um ‘termo essencial da oração’?; O que faz que
seja o verbo o centro da estrutura oracional?; Figura 4

O grau será mesmo um fenômeno flexional?;


Qual a diferença básica entre a subordinação e
a coordenação de uma oração a outra?; Em que
se assemelham e em que diferem Morfologia e
Sintaxe?”. Vale a pena ter essa obra em mãos,
pois ela sempre será útil a quem ingressa no
universo das Letras.

5 TROCANDO EM MIÚDOS

Nesta aula, fizemos um rápido percurso pela Morfologia e pela Sintaxe, a fim de
demonstrar quão interligadas estão essas ciências. A partir dessas discussões,
pudemos observar que as palavras não existem por si sós, ou seja, cada uma delas
é responsável, em algum contexto, com a expressividade que se pretende em sua
articulação dentro dos enunciados possíveis em Língua Portuguesa. Além dessas
conclusões, vimos também que há a necessidade de se reconhecerem alguns
conceitos como Articulação/Função; Substância/Forma; Estrutura/Construção;
Análise/Síntese. Sobre esses pares conceituais, entendemos que a articulação
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Morfologia – Sintaxe = Morfossintaxe?

é a propriedade que têm os vocábulos de se dividirem em partes e, assim, por


essa característica, serem passíveis de análise. Esta, então, se debruça sobre a
verificação da substância constitutiva da forma, o que culmina em uma estrutura
cuja construção organizada permite, como já dito, o estudo de suas partes e sua
reconstituição em um todo. Importante lembrar que a análise só é válida se sua
recomposição se mantiver, ou seja, a forma deve manter sua substância.

Adentrando os muros da Morfossintaxe, entendemos que a percepção dos


elementos conceituais acima constitui-se o primeiro passo para se proceder a
uma análise morfossintática dos termos que constituem os discursos. Assim,
verificamos que analisar as partes de um vocábulo, ou reduzir as frases/orações/
enunciados a seus termos constitutivos, não significa apenas separá-los uns dos
outros, mas compreender que cada um desses elementos tem um valor nessa
estrutura discursiva.

A relação que esses termos mantêm nas construções de que fazem parte é
assegurada por vários fatores, além da proximidade no ambiente sintático; entre
eles se verifica uma conexão e uma interdependência responsáveis pelo todo
do enunciado e pelo sentido que evocam.

6 AUTOAVALIANDO

Após a leitura desta aula, faça a seguinte reflexão:

1) Sinto-me seguro para explicar a outro colega o que caracteriza a


análise morfossintática?
2) Eu seria capaz de ajudar meu colega a entender como acontece a
relação de interdependência entre os termos em frases e orações?

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AULA 1

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão M. de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. 46.


ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 3. ed.


São Paulo: Publifolha, 2013.

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro:


Lucerna, 1999.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 34. ed.


Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

CARONE, Flávia de B. Morfossintaxe. São Paulo: Editora Ática, 1986.

CASTILHO, Ataliba de. Nova Gramática do Português Brasileiro. 1. ed. São


Paulo: Contexto, 2010.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix, 2007.

ROCHA, Luiz C. de A. Estruturas Morfológicas do Português. 2. ed. São Paulo:


Ed. WMF Martins Fontes, 2008.

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