Você está na página 1de 16

INSTITUTO FEDERAL DE

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


PARAÍBA

Olá,
bem-vindo à última fase do processo de editoração do
seu material didático. A Diretoria de Educação a Distância
agradece o seu empenho na elaboração de mais uma
aula do curso de Licenciatura em Letras com habilitação
em Língua Portuguesa - modalidade a distância, e conta com a sua compreensão
para a finalização deste processo. Para isso, você precisa seguir os seguintes passos:


Revise a diagramação
Verifique se o conteúdo da aula, os gráficos, as ilustrações, as tabelas etc. estão de
acordo com o que você havia planejado.


Solicite alterações
Solicite alterações diretamente neste PDF e poste este arquivo devidamente
renomeado para: AULA##_UNIDADE##_DIAGRAMADO_REPROVADO; ou imprima
este documento, aponte as alterações com caneta e entregue ao diagramador
responsável. Deste modo, o diagramador poderá fazer as alterações solicitadas e você
terá uma nova oportunidade de revisar a aula diagramada. Se preferir, agende um
horário com o diagramador da sua aula para fazer as alterações pessoalmente.

Obs.: Alteração de conteúdo, supressão ou inclusão de parágrafos e imagens não


podem ser realizados nesta etapa (ver Termo de Compromisso). Solicite alterações
pontuais e correção de falhas que não foram detectadas nas etapas anteriores.

Imprima a versão final da aula
Imprima em papel A4.


Colete as assinaturas
Assine e colete as demais assinaturas dos responsáveis pela aprovação (ver Termo de
Compromisso - Etapa 5):
1) Professores conteudistas (assinar na capa da aula e rubricar as demais páginas);
2) Coordenador de elaboração de material didático (assinar na capa da aula);
3) Coordenador do curso (assinar na capa da aula).


Entregue na DEADPE
Entregue na Diretoria de Educação a Distância e Programas Especiais. Pronto! Sua
participação no processo de produção da aula está concluída.

Se precisar de ajuda, entre em contato consoco


DISCIPLINA DIAGRAMADOR
Leitura e Produção de texto II DEMETRIUS GOMES
Literatura Brasileira III RAONI XAVIER
Metodologia do Ensino de Literatura DEMETRIUS GOMES
Morfossintaxe RAONI XAVIER
Orientação de Estágio Supervisionado
Semântica da Língua Portuguesa DEMETRIUS GOMES
Seminário Interdisciplinar IV

(83) 3208-3084 | didatico@ead.ifpb.edu.br


Literatura Brasileira III AULA 1

Marta Célia Feitosa Bezerra


Socorro de Fatima Pacífico Barbosa
João Batista Pereira

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A propósito do Realismo
no Brasil: o texto, o
contexto e a realidade

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Identificar o contexto sócio-histórico das origens


do Realismo na Europa e no Brasil;
„„ Verificar as caraterísticas temáticas e formais da Escola Realista;
„„ Apontar componentes modernos nas
narrativas de Machado de Assis.
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA

Prezado aluno,

Nesta aula daremos continuidade ao que foi desenvolvido anteriormente no curso,


considerando como ponto de partida as escolas literárias que sedimentaram
a nossa literatura desde o descobrimento. Depois de estudar a literatura de
informação, o Barroco, o Arcadismo e o Romantismo em suas vertentes nacionalista,
subjetiva e social, entrecruzam-se em fins do século e XIX e inicio do século XX o
Naturalismo e o Realismo. É sobre o movimento realista, cujo maior representante
em nossa literatura foi Machado de Assis, que pautaremos esta aula, destacando
a importância da sua obra, na qual se observa uma nova configuração temática e
estrutural para refletir sobre a presença do homem no universo social. Inicialmente,
destacaremos alguns pressupostos históricos e teóricos que caracterizaram o
Realismo na Europa, cujo embasamento servirá de suporte para analisar sua
presença no Brasil.

3 TECENDO O CONHECIMENTO

3.1 contexto e a escrita do texto

São vários os caminhos possíveis para falar das origens do Realismo como
movimento literário: observando-o sob o prisma ideológico, histórico, social,
estético, político ou científico. Um desses caminhos remete, também, à formação
do próprio nome, que em suas origens prenunciava a possibilidade de as narrativas
expressarem, com veracidade e exatidão, uma representação fiel da realidade. A
palavra realista deriva de real, oriundo do adjetivo do baixo latim realis, reale, por
sua vez derivado de res, coisa ou fato. À luz dessa ideia que conecta o nome da
escola literária à busca de uma verdade, os autores da época deveriam indicar
em seus relatos a preferência pelos fatos, reforçando a tendência de encarar
as coisas e acontecimentos como são e estão na realidade. Sob um ponto de
vista estritamente político, convém compreender que os condicionantes que
estabeleceram essa visão de mundo são decorrentes de transformações ocorridas
na França pós-Revolução de 1879, resultando, entre outras coisas, na ascensão
da burguesia, fato que levou a novas formas de representação da sociedade.
O tratamento sério da realidade cotidiana, a ascensão de camadas humanas
mais humildes e socialmente inferiores à posição de objetos de representação
12
AULA 1

existencial, bem como o engarçamento de personagens e a preocupação de


valorizar acontecimentos prosaicos no curso da história contemporânea, seriam
os fundamentos do realismo moderno (AUERBACH, 2001, p. 439-440).

Figura 1

A liberdade guiando o povo, quadro pintado por Eugène Delacroix em 1830,


reproduz uma visão romântica sobre a revolução francesa. À época, a
França era governada pelo rei Carlos X, que permaneceu no poder durante
seis anos. Quando ele tentou abolir a liberdade de imprensa e dissolver
a recém eleita assembleia, teve início a revolução. O rei foi destronado,
abdicando em 1848. Louis-Philippe, membro mais liberal da família real,
assumiu o poder.

Essa leitura de mundo permite entender que, mesmo que o surgimento dessa forma
de representação social tenha se acentuado com o Realismo, desde o Romantismo
a literatura já vinha evoluindo no sentido de incorporar gradativamente a realidade
entre as suas motivações temáticas. No século XIX essa mudança foi registrada,
principalmente na França, com a oposição ao idealismo romântico, quando os
escritores realistas se propuseram a retratar a vida de pessoas humildes e obscuras,
13
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

homens e mulheres comuns, sem qualquer traço da nobreza ou da burguesia.


Nessa mudança de abordagem, aprofundava-se uma tendência que visava a
refletir sobre a vida com os seus contornos mais insignificantes, expondo todos
os traços, sentimentos, dilemas, reações e necessidades do homem, a exemplo
do bem e do mal, a beleza e a feiura, a rudeza e o requinte.

Esse quadro se mostrava com maior clareza ao encontrar como motivo as


populações que migravam para as grandes cidades. Com o início do processo
de industrialização na Europa, grandes contingentes de pessoas saíram da zona
rural para as nascentes metrópoles, acelerando um embrionário processo de
urbanização. Os efeitos provocados por essa transformação social começaram
a surgir na forma de doenças, violência, marginalização e abandono, quadro
exaustivamente explorado em livros como David Copperfield e Oliver Twist, de
Charles Dickens. Expressando coerência com as demandas contextuais exigidas
por esse novo tempo, o romance foi adotado com um dos gêneros narrativos
mais adequados para representar um conturbado universo político, econômico
e social. A obra mais importante desse período foi Madame Bovary, de Gustave
Flaubert, lançada em 1857.

No livro A literatura no Brasil, Afrânio Coutinho elenca algumas características


temático-estruturais presentes nas narrativas realistas:

a) O realismo se propõe a apresentar a verdade do mundo, tratando os fatos


de maneira verossímil, selecionando-os e apontando para a concretude
material da vida, fugindo do sentimentalismo e da artificialidade;
b) Na estrutura das narrativas a busca dessa verdade também alcança os
personagens, buscando fazer um retrato fiel de suas existências, em
cujo resultado eles aparecem como tipos verdadeiros, únicos, e não de
forma genérica.
c) Reforçando esse perfil narrativo, os incidentes do enredo usualmente estão
conectados ou decorrem do caráter dos personagens e, quase sempre,
os motivos humanos dominam a ação.
d) Com a pretensão de representar a vida objetivamente, os autores deixam
que os personagens atuem livremente, delegando ao curso de suas ações
a busca de solução para os conflitos em que estão enredados. De maneira
geral, eles não confundem os seus sentimentos e pontos de vista com as
emoções e motivos dos personagens.
e) O Realismo busca representar a vida contemporânea. Sua preocupação
temática é com os dilemas humanos vivenciados em seu próprio tempo,
demonstrando as emoções, temperamento, indecisões, sucessos e fracassos
dos personagens. Esse senso de atualidade é essencial para o movimento

14
AULA 1

realista, opondo-se ao romantismo que se voltava para o passado ou


projetava idilicamente para o futuro.
f) Os espaços onde se dão os relatos traduzem a urgência de expor a dura
realidade da vida, frequentemente ambientados em cidades, a exemplo
dos cortiços e fábricas.
g) Por fim, outra marca das narrativas realistas é a forma pausada e lenta
como as histórias são contadas. Os autores se centram mais detidamente
na caracterização dos objetos e personagens, e menos na ação, de maneira
que a narração passe para o leitor uma impressão de maior proximidade
com a realidade retratada (COUTINHO, 1997, p. 9-11).
Essas características permearam em maior ou menor extensão as obras realistas
na Europa. A exatidão da descrição, a atenção dada às minúcias, o apelo aos
detalhes, o amor à forma, o culto aos acontecimentos e o rigor à economia na
linguagem participam na busca de precisão e objetividade na representação do
homem na sociedade. Foi com base nesses antecedentes históricos e estéticos
que o Realismo chegou ao Brasil, cujo maior representante foi Machado de Assis.

3.2 O ideário realista europeu e sua


transposição para o Brasil

A migração dos ideais estéticos do Realismo da Europa para o Brasil atendeu a


condições que devem ser mencionadas para uma melhor compreensão de sua
recepção nos trópicos. A tentativa de os europeus resgatarem para a literatura
as contradições de um processo histórico no qual estavam envolvidas modernas
concepções científicas, sociológicas e filosóficas não encontrava uma relação
direta com o universo brasileiro. Teorias como o darwinismo social, que apreendia
as sociedades em concordância com as leis da natureza, na qual sobreviviam os
mais fortes, e o Positivismo, orientando a compreensão do mundo a partir de
uma leitura científica, diferiam das condições sociais e históricas encontradas
na nascente nação. Com a
extinção do tráfico negreiro, em 1850, acelerara-se a
decadência da economia açucareira; o deslocar-se do eixo
de prestígio para o Sul e os anseios das classes médias urbanas
compunham um quadro novo para a nação, propício ao
fermento de ideias liberais, abolicionistas e republicanas
(BOSI, 2006, p. 173).

Esse quadro, portanto, estava distante da industrialização que se desenvolvia


em parte da Europa, no rastro da Revolução Industrial. A ascensão de uma
classe social que contemplava entre os seus objetivos a reflexão de uma política
15
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

liberal, para a qual a escravidão surgia como uma mancha na história da nação,
e vislumbrava o regime republicano superior a uma ultrapassada monarquia,
afastava o pensamento vigente no Brasil dos avanços técnicos e tecnológicos
presentes na França, na Inglaterra e na Alemanha.

Entretanto, o componente social implicado nos ideais de pensadores como Auguste


Conte e Charles Darwin, ainda que deslocados no tempo e no espaço, tiveram
ampla repercussão no meio literário brasileiro. No plano da invenção ficcional e
poética, o primeiro reflexo sensível foi a mudança na forma como os escritores
buscaram se relacionar com a matéria a ser referenciada nas obras, opondo-se ao
nacionalismo e ao subjetivismo romântico. Essa contestação comparece em dois
níveis: o ideológico, a partir do qual a explicação para a realidade se separa de
ordens cosmogônicas ou do destino – haveria um componente determinista na
raça, no meio e na cultura definindo o homem – e, o estético, no qual predomina
a observação e a análise como forma de apreensão do real circundante. Em
maior ou menor grau, a transposição do realismo da Europa para o Brasil pode
ser notada sob variados enfoques. Nas obras de transição do Visconde de
Taunay, a exemplo de Inocência, e em O cabeleira, de Franklin Távora, ambas
ainda portadoras de traços românticos; no romance A moreninha, de Joaquim
Manuel de Macedo, expondo em linguagem coloquial a vida corriqueira e os
costumes cariocas; nas comédias teatrais de Martins Pena, a exemplo de O juiz
de paz da roça; na obra Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio
de Almeida, e, ainda, nas crônicas de Lima Barreto, que adentram o século XX
tematizando a vida dos subúrbios do Rio de Janeiro.

O que pode ser depreendido nas obras desses escritores é que eles se voltam com
maior interesse à moldura, à caracterização e descrição dos personagens do que
à organização da trama. Eles seguem diversos padrões na forma de estruturar os
enredos, a exemplo do padrão biográfico, no qual um personagem predomina
sobre as demais e sobre o quadro de vida que a envolve; os padrões de história
familiar e de grupo social privado; o padrão regional, reunindo indivíduos de
classes sociais de uma região; o padrão ambiental, acentuando as relações entre
um quadro geográfico e a população que o habita, e, o padrão psicológico, que
analisa elementos combinados para produzir e resolver uma situação subjetiva.
Uma síntese dessa diversidade de abordagens permite afirmar que duas direções
marcaram o Realismo no Brasil: a corrente social, atraída pelos problemas sociais,
por temas urbanos e contemporâneos e motivos ligados à vida cotidiana, e, a
corrente regionalista, que valoriza as singularidades locais e a terra, surgindo
como verdadeiros personagens dessa literatura (COUTINHO, 1997, p. 17-18).

16
AULA 1

3.3 Forma e conteúdo no realismo de Machado de Assis

Ainda que deva ser creditada a devida importância aos escritores acima
mencionados, é indiscutível o destaque assumido pela obra de Machado de
Assis na literatura brasileira. Poeta, cronista, dramaturgo, contista e romancista,
ele atravessou o Romantismo, o Realismo e o Naturalismo constituindo um
estilo próprio na arte de escrever, desenvolvendo técnicas precisas e eficazes
no delineamento dos seus personagens e enredos. Costuma-se admitir que sua
obra divide-se em duas grandes fases: a primeira, encerrada com o romance
Iaiá Garcia, em 1878; e, a segunda, iniciada com Memórias póstumas de Brás
Cubas, em 1881, marco da nossa literatura por assinalar a superação do modelo
romântico e a afirmação de um realismo psicológico com as singularidades de
sociedade brasileira.

Os procedimentos estéticos adotados em seus livros apontam para duas vertentes:


no campo temático, o autor retrata agudamente as dimensões interiores dos
personagens e o meio social que os envolve; e, na questão estrutural, a forma
fragmentária, sempre com humor e ironia, reflete sobre o deslocamento dos ideais
metropolitanos na província do Rio de Janeiro. Ao ignorar a reprodução literal
daquilo que os realistas e naturalistas chamavam de real ou natural, Machado de
Assis ultrapassou a todos na forma de abordagem dos problemas vivenciados
no Brasil em fins do século XIX, prenunciando os caminhos que seriam seguidos
pelos modernistas no início do século XX.

Esses caminhos surgem em sua obra de variadas maneiras, seja no enfoque dado
aos personagens, como mencionado anteriormente, seja nos aspectos estilísticos.
No que se refere aos personagens, comparados com aqueles desenvolvidos em
suas obras da primeira fase, pode-se dizer que eles
não apresentam mais uma estrutura moral unificada e típica.
São antes seres divididos consigo mesmos, embora sem lutas
violentas, já naquele estado em que a cisão interna entra
no declive dos compromissos e a instabilidade de caráter.
O homem não é mais aquele ser responsável dos romances
anteriores; é um joguete de forças desconhecidas. O seu livre
arbítrio está limitado não só pelos obstáculos que a natureza
indiferente oferece, mas pelas contradições e perplexidades
internas (BARRETO FILHO, 1997, p. 159).

Essa complexa e cambiante definição da moral dos seus personagens encontra


em Memórias póstumas de Brás Cubas um trecho exemplar, no qual ficam reveladas
as virtudes e faltas que acompanham o ser humano em interação com o universo
social. O episódio em que Brás Cubas se encontra com Virgília em um baile,
17
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

antigo amor da sua adolescência, propicia essa leitura. Dançaram muitas vezes,
convictos de que naquela noite haveriam de reacender a velha paixão. No dia
seguinte, com a alma alvoroçada, o protagonista encontra na rua uma moeda
perdida, prontamente devolvida ao seu dono, situação que serve de pretexto
reiterar a si mesmo os seus compromissos morais. Ao restituir moeda ao seu dono,
ele tem a oportunidade de praticar uma boa ação, de efeitos compensatórios
e calmantes para uma consciência dividida, à procura de uma reconciliação
consigo mesmo. Entretanto, o homem que tivera a preocupação em devolver
uma moeda perdida, encontra depois um pacote com grande soma em dinheiro,
e adota um procedimento diferente: “Entra num estado de ruminação mental
em torno da obrigação de devolvê-los, e acaba cedendo à lógica do adiamento
e se habituando à ideia de guardá-los para uma boa aplicação” (BARRETO FILHO,
1997, p. 160). Investigando as camadas do caráter dos personagens que a vida
altera, conserva ou dissolve conforme as circunstâncias pedem e a consciência
permite, a concepção da moral machadiana aponta a fragilidade de propósitos
nem sempre firmes, acomodada ao que é mais vantajoso e lucrativo em cada
momento da vida.

Inovador no campo temático, em que questiona as teorias científicas da época


– além de abandonar as motivações românticas vigentes no século XIX –,
Machado de Assis investe também em novos enquadramentos na estrutura e
linguagem narrativas. Antecipando procedimentos estilísticos que seriam caros
no modernismo, ao priorizar a compreensão da estória de Brás Cubas por meio
do encadeamento das reflexões dos personagens, abdicando da cronologia dos
fatos, ele insinua uma característica que teria vida longa na literatura moderna: a
limitada ação dos personagens, restringindo-se às demandas do que fica registrado
em suas consciências. Esse sentido inovador comparece, também, no recurso da
metalinguagem, quando o autor convida o leitor a refletir sobre a estrutura das
obras e perceber dois níveis de leitura: a que revela diretamente o personagem
e a que o faz objeto de crítica do autor. Com esse artifício ele diferencia-se do
modelo de leitura proposto pelos romances românticos, que mobilizam a emoção
e a imaginação do leitor, solicitando-o a interagir criticamente com o texto.

Caro aluno, há dois momentos fundamentais no percurso de Brás Cubas que expõe
essas novas formas de experimentar a linguagem em proveito do seu programa
literário. No primeiro deles, para traduzir a frustração do protagonista por não
conseguir se tornar ministro, o autor decide deixar o Capítulo 139 em branco.
No capítulo seguinte, vem a explicação para o feito: “Há coisas que melhor se
dizem calando; tal é a matéria do capítulo anterior”. E, no segundo, por acreditar
que a maneira tradicional de expressão seja insuficiente para levar ao leitor os
sentimentos dos personagens, Machado subverte a forma para adaptá-la ao
18
AULA 1

conteúdo que deseja transmitir. Note-se o Capítulo 55 – “O velho diálogo de


Adão e Eva”, quando ele descreve o auge da paixão entre Brás Cubas e Virgília:

Brás Cubas
......................?
Virgília
......................?
Brás Cubas
.....................................................................
Virgília
.....................!
Brás Cubas
.....................
Virgília
.....................................................................
(ASSIS, 1997, p.111)

Então, caro estudante, você já consegue ter uma noção do papel inovador
de Machado de Assis na Literatura Brasileira? E, finalmente, endossando a
originalidade da escrita do autor, deve-se lembrar como ele utiliza o humor e a
ironia em suas narrativas. Influenciado pelo que foi desenvolvido no realismo
inglês, principalmente na obra A vida e as opiniões de Tristam Shandy, de Lawrence
Sterne, com essa figura de linguagem ele se propõe a combater verdades
absolutas a partir do que é estruturado dentro do próprio texto. Presente mais
incisivamente nos romances da chamada segunda fase, com a construção irônica
o autor remete à possibilidade de redirecionar o discurso, de ampliá-lo para além
do que se encontra à primeira vista no texto.

Tendo em mente que nossas próximas aulas se ocuparão em aprofundar por


meio de contos e romances o que foi apenas introduzido sobre o realismo no
Brasil, e como a obra machadiana apontou para o futuro de nossa literatura,
encerramos este registro com uma citação de John Gledson, quando ele afirma que
“a grandeza de Machado é frequentemente vista como a capacidade de antever
muitos dos procedimentos literários do século XX, nos quais as perspectivas
múltiplas, os narradores não-confiáveis e um profundo ceticismo quanto ao
nosso acesso à verdade se tornaram, se não norma, ao menos bastante comuns”
(GLEDSON, 1991, p. 8).
19
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

Exercitando

Visando provocar uma reflexão a partir do que foi exposto nesta aula, busque
responder às indagações que elencamos abaixo:

1) 1. De acordo com as ideias apresentadas acima, nota-se que o contexto


histórico teve grande importância na definição do que foi produzido
literariamente no Realismo. Essa influência se mantém na atualidade?

2) 2. A literatura realista empreendeu a tentativa de representar artisticamente


a vida. Uma obra literária teria a capacidade de reproduzir fielmente a
realidade?

3) 3. Na obra de Machado de Assis é perceptível a noção de que forma e conteúdo


interagem, formando um todo, permitindo ao leitor uma compreensão mais
ampla do enredo. O que você acha dessa opção do autor?

4 APROFUNDANDO O SEU CONHECIMENTO

Como acontece em todo processo de aprendizagem, a aquisição de novos


conceitos e ideias não devem se esgotar apenas naquilo que nos é repassado.
A iniciativa de procurarmos outras fontes de informações é essencial para que
haja continuidade e progressão do que estamos estudando. Nesse sentido
sugerimos a leitura das obras abaixo, cujos conteúdos versam sobre o que foi
discutido ao longo dessa aula.

Madame Bovary, de Gustave Flaubert, é uma


narrativa que trata da desesperança e do
desespero de uma mulher sonhadora que
se vê presa a um casamento sem grandes
perspectivas, com um marido ausente, em
uma cidade do interior. O romance mostra o
crescente declínio da vida - interna e externa
– de Emma Bovary.
Figura 2

20
AULA 1

Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado


de Assis encontra na figura de um “defunto-
autor” e não um “autor-defunto”, a motivação
central para fazer uma crítica à sociedade
brasileira do século XIX. Distanciado do mundo
dos vivos, o morto Brás Cubas questiona
vícios e mesquinharias presentes na realidade
daquela época. Figura 3

Este livro narra um romance de costumes,


cuja temática remete ao comportamento da
aristocracia burguesa do Brasil do século XIX.
É um mundo de festa, do lazer despreocupado
com a vida, no qual a maior prioridade dos
personagens é vivenciar o tempo e o momento
nos quais surgem os conflitos e dúvidas próprios
da adolescência.
Figura 4

5 TROCANDO EM MIÚDOS

Nesta aula buscamos destacar como o Realismo encontrou suas motivações


temáticas no contexto histórico europeu. Vimos que, enquanto na Europa
a sua origem esteve conectada de forma direta com as condições sociais e
econômicas vivenciadas naquele continente, sua transposição para o Brasil se
deu adaptando-se à nossa realidade. No âmbito estético, tentamos demonstrar
que Machado de Assis se insurge como o mais importante escritor brasileiro,
credenciado pelas inovações formais e estruturais de sua obra, bem como pela
abordagem adotada para retratar nossa sociedade.

21
A propósito do Realismo no Brasil: o texto, o contexto e a realidade

6 AUTOAVALIANDO

Ao final dessa aula, a fim de garantir uma compreensão efetiva do conteúdo


nela abordado, convém que você se faça as indagações abaixo, cujas respostas
encontrem respaldo no que foi desenvolvido:
ūū Consigo identificar como o contexto pode
influenciar o texto literário?
ūū Tenho clareza para estabelecer uma conexão entre as
condições sociais e o surgimento do Realismo na Europa?
ūū Compreendo as singularidades da obra machadiana
na adequação do realismo no Brasil?
ūū Posso identificar as principais características do período
realista nos romances mencionados nesta aula?

22
AULA 1

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Egéria


Ltda., 1997.

AUERBACH, Erich. Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental.


4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BARRETO FILHO. Machado de Assis. In.: COUTINHO, Afrânio (Dir.); COUTINHO,


Eduardo de Faria (Co-direção). A literatura no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Global,
1997. v. 4

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43ª ed. São Paulo:
Cultrix, 2006.

COUTINHO, Afrânio. Realismo. Naturalismo. Parnasianismo. In.: COUTINHO,


Afrânio (Dir.); COUTINHO, Eduardo de Faria (Co-direção). A literatura no Brasil.
4ª ed. São Paulo: Global, 1997. v. 4

GLEDSON, John. Machado de Assis. Impostura e realismo. Uma reinterpretação


de Dom Casmurro. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

23

Você também pode gostar