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GRANDENSE
PELOTAS
2012
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EVELINE ROSA PERES
PELOTAS
2012
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O AVESSO DA HISTÓRIA EM HISTÓRIA MEIO AO CONTRÁRIO
evelinerosaperes@gmail.com
Resumo
Introdução
A partir de 1964 até meados da década de 1980, o Brasil viveu uma das
fases mais sombrias da sua História recente, marcada pelo autoritarismo,
tortura e repressão. Neste período, artistas e intelectuais tiveram suas
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produções cerceadas pelo crivo da censura. Sendo assim, escritores,
teatrólogos, cineastas, compositores, jornalistas, entre outros ligados à arte e à
formação de opinião; precisaram utilizar linguagem figurada para que
pudessem se expressar de modo menos perceptível aos órgãos fiscalizadores.
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Brasileira de Letras. Em 2003, assumiu a cadeira número um da Academia
Brasileira de Letras e, no dia sete de dezembro do ano passado, foi eleita
presidente dessa instituição, durante o período 2012-2013. A autora é a
segunda mulher a presidir a casa, sendo Nélida Piñon o primeiro caso em
1997.
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Com a instauração da infância e o estímulo à formação da família
nuclear privada, surgem textos destinados às crianças que tinham como
principal função ensinar normas e regras morais aos pequenos, ficando em
segundo plano, nessas histórias, os aspectos estéticos, próprios da arte
literária. É nesse mesmo período, século XIX, que haverá o início da
universalização do ensino, estendido aos filhos dos pequeno-burgueses. Sendo
assim, nesse momento histórico, teremos o reforço do papel da literatura
infantil como meio de ensinar regras e normas.
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Segundo Selma Calasans Rodrigues (1988), o termo fantástico que provém do latim
phantasticu, proveniente por sua vez do grego phantastikós, os dois oriundos de phantasia,
refere-se ao que é criado pela imaginação, o que não existe na realidade, o imaginário, o
fabuloso. No fantástico temos uma dupla quebra, tanto na ordem do comum quanto na do
sobrenatural.
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lobatiana. A estudiosa tece uma comparação entre o contexto histórico em que
a obra de Lobato foi produzida (1920-1948) e o momento histórico de 1970,
apontando que os dois momentos se caracterizam por serem períodos de
grandes transformações nacionais. Lajolo argumenta:
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pertencem ao universo do maravilhoso a ação de deuses ou seres
sobrenaturais na poesia ou na prosa (fadas, bruxas, anjos, etc.).
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3. Estrutura Narrativa
Propp propôs trinta e uma funções para a análise das histórias. No entanto,
seguiremos a proposta – mais concisa – da professora Nelly Novaes Coelho
(2000) destacando cinco invariantes presentes nesses contos: aspiração (ou
desígnio), viagem, obstáculos (ou desafios), mediação auxiliar e conquista do
objetivo (final feliz). Definindo tais invariantes, temos:
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Em História meio ao Contrário, Ana Maria Machado parte do gênero2
tradicional dos contos de fadas, que costuma ser um gênero conservador,
reprodutor do discurso ideológico dominante, ou seja, um gênero que
representa a cultura dominante.
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Neste trabalho, entende-se gênero não como a divisão tradicional em gêneros literários, mas conforme
a definição bakhtiniana para gêneros do discurso: “Qualquer enunciado considerado isoladamente é,
claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.” (BAKHTIN, 2000, p. 279, grifos do
autor)
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3.1. Análise do enredo segundo o modelo proposto por Coelho
INVARIANTES VARIANTES
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Sendo assim, o desígnio efetivamente cumprido não são as aspirações
da realeza, mas as necessidades do povo, que se organiza e salva o dragão,
metáfora para a tensão social e a manifestação da ideia de que, se o povo se
organizar e for à luta, conseguirá despertar o gigante adormecido - metáfora do
nosso país, o gigante, como diz o Hino Nacional, que está “deitado
eternamente”.
4.1. Paródia
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c) Temática - em que se faz a caricatura da forma e do espírito de um
autor.
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4.2. Carnavalização. Origem e História.
[...]
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Usaremos, ao longo do trabalho, a sigla “HMC” para nos referirmos à obra História meio ao
contrário.
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famosa frase latina Castigat ridendo mores. Dar ao Rei, figura que deveria
concentrar poder e respeito, traços obtusos é uma forma de atacar o poder,
procedimento da carnavalização destronante.
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De repente, o Rei entrou aos gritos, fazendo um escândalo real:
- Exijo que o culpado seja punido! Onde já se viu? Roubar minha real
luz bem nas minhas reais barbas?
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RABELAIS, François. Gargântua e Pantagruel. Trad. David Jardim Junior. Belo Horizonte: Itatiaia, 2003.
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Podemos comparar o não conhecimento da genitália humana por parte
do diabinho com o desconhecimento da noite por parte do rei, já que ambos- o
rei e o diabo- são figuras tradicionalmente investidas de poder e sabedoria. A
sequência de impropérios empregados pelos dois, após depararem-se com o
desconhecido, gera humor, já que tanto existir dia e noite quanto haver orifícios
no corpo humano não são mistérios dignos de espanto, mas sim elementos
naturais que ambos deveriam conhecer. O uso, pelas personagens, de uma
linguagem rebuscada para xingar também acentua o cômico, pois contrasta
com a ignorância de fatos elementares.
Outro meio utilizado para rebaixar o Rei é a seleção dos verbos discendi
que se referem à utilização de um tom de voz inadequado: “-Todos os dias
como? - berrou o Rei. – Foi hoje, agora, eu acabo de ver.” (HMC, p.14, grifo
nosso)
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Tanto ele insistiu que o Rei finalmente, conseguiu urrar:
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à narrativa um tom cômico em alguns trechos e, em outros, dão uma descrição
poético-romântica, como na seguinte descrição da paisagem:
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Conforme terminologia adotada por Gérard Genette.
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É a partir da perspectiva que o leitor irá apreender o mundo da narrativa
e é também a partir dela que será dado grau de profundidade, (a quantidade de
informações), o exterior ou o interior das coisas e dos seres.
Reuter alerta que o termo focalização pode levar ao erro, pois não se
trata apenas de foco/visão, mas também de olfato, paladar, tato; que será dada
conforme a percepção do narrador ou da personagem, por isso considera mais
apropriado o uso do termo perspectiva, que engloba todos os sentidos. Em
História meio ao Contrário, o jogo com a focalização narrativa contribui para a
criação da ótica carnavalizada.
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O Dragão Negro de um olho só, para o Rei, é um problema, mas, para o
povo, é um amigo. Quando chega o Príncipe- que segundo a Pastora, era
encantador, mas não era encantado - para matar o dragão, a conversa do povo
é a seguinte:
O Camponês disse:
- É, agora vamos mesmo ter que fazer alguma coisa para defender o
Dragão. Afinal, ele é amigo da gente...
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travada pelo povo, diz que não é mais preciso matar o Dragão, já que o povo é
muito corajoso e consegue conviver com o monstro.
[...]
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A Pastora, por meio da conversa com os seus companheiros de
trabalho, passa a impulsionar a luta para proteger o Dragão Negro e, após a
vitória, passa a se sentir autônoma e a olhar os outros de cabeça erguida. Essa
personagem também exercerá influência sobre outras personagens de fora de
seu círculo social, como a Princesa e o Príncipe.
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idealiza uma vida palaciana, quer continuar com sua vida, já que se sente bem
em sua ocupação e em sua posição social. Portanto, o trabalho é valorizado
em detrimento do ócio palaciano.
Diálogo, para Bakhtin, pode ser tanto o diálogo entre textos, entre
diferentes posições sociais- diálogo como tensão entre vozes- como o diálogo
face a face.
Se fizermos uma leitura da vasta obra de Bakhtin, não iremos verificar,
de acordo com José Luiz Fiorin (2010), a ocorrência dos termos intertexto,
interdiscursivo e intertextualidade. Entretanto, Fiorin examina a existência do
conceito de interdiscurso, só que revestido de outra nomenclatura, e a
possibilidade de diferenciação entre interdiscursividade e intertextualidade na
obra do teórico russo.
O autor explica que, na obra bakhtiniana, iremos encontrar o conceito de
interdiscurso com o nome de dialogismo- que é a relação entre os discursos.
Para Bakhtin, o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem. Não
existe objeto que não seja envolvido, imerso em discurso; todo discurso está
em diálogo com outros discursos, toda palavra é cercada de outras palavras.
(BAKHTIN apud FIORIN). “As relações dialógicas não são relações lógicas ou
semânticas, mas relações entre distintas posições.” (BAKHTIN, 1963 apud
FIORIN, 2010, p.169).
Fiorin distingue intertextualidade e interdiscursividade em Bakhtin da
seguinte forma:
[...]- Você pensa sua boba, que é fácil acordar um Gigante? Se não
formos todos juntos e não gritarmos bem forte e bem alto, não adianta
nada.
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Por isso foram. Naquela tarde, a aldeia ficou deserta. Todo mundo
saiu das oficinas e das plantações. Foram todos para os montes. E foi
até divertido, um passeio bonito pelos risonhos lindos campos
cheios de flores e pelos bosques cheios de vida. Todo mundo
conversando e cantando. (HMC, p.27) [grifos nossos]
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- [...] Mas alguém já viu o Gigante acordado? Ele passa o tempo todo
deitado, esse gigante adormecido.
Considerações Finais
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contos de fadas (rei, rainha, princesa, príncipe, camponeses, dragões,
gigantes).
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características relevantes para tecer as conexões da obra com o Brasil sob a
ditadura.
REFERÊNCIAS
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000.
LAJOLO, Marisa. Teoria Literária, literatura infantil e Ana Maria Machado. In:
PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves; ANTUNES, Benedito (Orgs.) Trança de
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histórias: A criação literária de Ana Maria Machado. São Paulo: UNESP, 2004.
p.11-21.
MACHADO, Ana Maria. História Meio ao Contrário. 5. ed. São Paulo: Ática,
1983. (Série Barra Manteiga)
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. 8. ed. São Paulo:
Ática, 2007.
SROCZYNSKI, Maria Eloisa Zanchet. Sátira menipéia: uma leitura dos contos
de fadas contemporâneos. Revista Língua e Literatura, Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai, Ano III, n. 6-7, Fev. 2001.
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