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MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA: PRESERVANDO O VALOR

ÚNICO DA MEDIAÇÃO EM CONTEXTOS DE DISPUTA


TRANSFORMATIVE MEDIATION: PRESERVING THE UNIC
VALUE OF MADIATION IN THE CONTEXT OF DISPUTE JOSEPH P.
FOLGER PH.D.
Professor de Desenvolvimento Organizacional n aTemple University, Philadelphia PA
USA (jfolger@temple.edu) e é co-fundador do Institute for the Study of Conflict
Transformation ([www.transformativemediation.org]).

Tradução por:

JULIA BARROS

Tradutora, Psicóloga, Psicoterapeuta e Mediadora

ADOLFO BRAGA NETO


Advogado, Mediador, Presidente do Conselho de Administração do IMAB – Instiuto
de Mediação e Arbitragem, Coordenador da Comissão de Meidação do CAM CCBC –
Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá e autor da
introdução.

ÁREA DO DIREITO: Processual; Civil


RESUMO: O presente apresenta de maneira objetiva e didática os elementos
estruturantes da prática do modelo transformativo de medeiar a partir do princípio da
autonomia da vontade de seus participantes. Demonstra também como a prática foi
revisitada desde sua constituição em 1995. Oferece também um olhar mais acurado ao
mediador que deve estar sempre conectado ao seu objetivo ao intervir duranto o
processo.
ABSTRACT: This paper aims to present with clarity and didactics the main
elements of Transformative Mediation practice. Mostly focused on the unique value of
party self determination, it also describes how this practice has been revised since the
creation of the Transformative Model in 1995. It also offers the mediator a
conscientious perspective on how purpose drives practice.
PALAVRAS-CHAVE: Mediador – Seu propósito – Sua prática – Não diretividade –
Mediação transformativa.
KEYWORDS: Mediator – Purpose – Practice – Non-directiveness – Transformative
Mediation.
1. INTRODUÇÃO
O enfoque transformativo busca preservar um dos princípios mais importantes
para a mediação: a autonomia da vontade de seus participantes. Em outras palavras a
mediação existirá, terá continuidade e será finalizada se assim desejarem os que dela
utilizam. Com uma abordagem voltada para a não diretividade do terceiro imparcial e
independente, este modelo de mediação baseia-se na premissa de que as pessoas e as
suas interelações protagonizam o processo. O presente artigo de autoria de Joseph
Folger, um dos criadores deste modo de pensar e desenvolver a mediação, brinda o
leitor com os principais elementos da prática transformativa, a partir de seus
norteadores e premissas construídos ao longo de mais de dez anos e depois revisitada
desde sua criação em 1995.
Com grata satisfação, apresentamos o presente artigo com a intenção de
oferecer ao leitor o aperfeiçoamento alcançado, ressaltando que trata-se de uma
perspectiva as vezes crítica da intervenção tradicional e convencional do mediador e
que se baseia na tese de que o seu propósito impulsiona a sua prática e portanto
convida o leitor a questionar qual é o seu objetivo ao desenvolver a mediação, ou
melhor o que lhe motiva na sua intervenção, pois propósitos diferentes impulsionam
práticas diferentes.
No Brasil, nossa prática transformativa vem sendo impulsionada pelos preceitos
desta abordagem sem qualquer intenção de apontar inconsistência ou equívoco do
trabalho realizado até o momento. Visamos observar e refletir a respeito do uso da
diretividade na prática do mediador, a partir da efetiva autodeterminação dos
participantes do processo.
Assim é que não diretividade, bem como ‘empoderamento’e ‘reconhecimento’
são conceitos originais criados pelo modelo e norteiam a filosofia e a praxis da
Mediação Transformativa. Nesse sentido, o autor, convida a refletir sobre estas ideias
que suscitam um novo olhar sobre a singularidade da mediação como um meio de
valorizar a auto determinação das pessoas envolvidas em conflito, os fenômenos que
acontecem na interação entre os participantes e sobretudo a respeito do papel do
mediador e sua participação no processo de mediação.

2. AS ORIGENS DA MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA: SOBRE A EVOLUÇÃO


DA PRÁTICA DA MEDIAÇÃO
Respondendo a inquietações sobre a Evolução da Prática da Mediação
Desenvolvida há uma década, a abordagem Transformativa, visa alinhar a
prática da mediação com as metas singulares que devem nortear qualquer intervenção
num conflito. A mediação transformativa aborda três importantes quesitos, oriundos
da evolução da prática da mediação ao longo dos últimos quinze anos, nos Estados
Unidos e em outros países.
A Mediação é de fato um meio de intervir no Conflito?
Enquanto o uso da mediação difundia-se nos setores de resolução de disputas
nas décadas de 80 e 90, pesquisas documentavam que a prática da Mediação
assemelhava-se muito com os modos de intervenção no conflito que justamente
pretendia substituir. Os mediadores tornavam-se cada vez mais diretivos e julgadores
ao intervirem nas disputas. Decidiam as questões a serem discutidas e formatavam os
termos do acordo. Em muitos casos, os mediadores ignoravam temas que os próprios
mediandos identificavam e queriam abordar, com o intuito de proteger os participantes
de decisões avaliadas como potencialmente ruins ou prejudiciais. O mediador chegava
a ditar como deveriam participar do processo de mediação. Este tipo de controle do
processo era usado para conter a interação no conflito e limitar a expressão da
emoção. O controle era exercido para garantir o acordo, mesmo com a relutância dos
mediandos.
Esta preocupação com a diretividade do mediador instigou a necessidade de
uma abordagem que enfatizasse a auto-determinação dos mediandos, tanto na
retórica quanto na condução da mediação. A mediação Transformativa respondeu a
esse problema da diretividade do mediador de maneira clara e convincente, atraindo
muitos mediadores de outras abordagens, com seus princípios e métodos.1 O enfoque
transformativo aponta a mediação como uma alternativa clara para os métodos mais
formais de resolução de conflitos.

3. OS MEDIADORES TÊM UM PRÓPOSITO CLARO?


A segunda preocupação a respeito da evolução da mediação é a relutância dos
mediadores de investigarem o propósito subjacente desta prática. O campo da
mediação cresceu e é cada vez mais evidente o fato de que os mediadores não
compartilham de uma mesma prática. Pressupostos diferentes suscitaram abordagens
diferentes. Grande parte dos mediadores estava disposta a simplesmente ignorar
questões cruciais relacionadas com as diversas metas da mediação, apesar de
diferentes formas de prática gerarem a) expectativas diferentes em relação aos
resultados; b) diferentes concepções do que é o “sucesso” e de como deve ser avaliado
e c) diferentes perspectivas do que é apropriado, aconselhável ou até ético em termos
de conduta.2
Mais do que examinar as diversas (e muitas vezes inconsistentes) metas da
mediação e as controvérsias que as cercam, muitos líderes no campo da Mediação
evadiram estas questões e estimulam os mediadores a se tornarem especialistas numa
série de técnicas isoladas intervencionistas, sem reconhecer que estas técnicas estão
sempre ligadas ao propósito subjacente, ou seja, têm sempre uma intenção por trás.
Mediadores e treinadores muitas vezes usam a metáfora da “toolbox” (caixa de
ferramentas) para guiar o desenvolvimento profissional e técnico do mediador. Esta
metáfora sustenta a crença de que os praticantes devem continuamente acrescentar

1
Ver Robert A. Baruch Bush & Joseph P. Folger, The Promise Of Mediation: responding to conflict
through empowerment and recognition. Jossey-Bass, (1994); Robert A. Baruch Bush & Joseph Folger, La
Promesa De Mediación, Granica, 1996; Robert A. Baruch Bush & Joseph P.Folger, The promise of
mediation: the transformative approach to conflict, Jossey-Bass, 2005; Joseph P. Folger & Robert A.
Baruch Bush, Designing Mediation: Approaches to Training and Practice within a Transformative
Framework, Institute for the Study of Conflict Transformation, 2001.
2
Para um exemplo de como differente modelos colocam em prática diferentes concepções dos
mesmos conceitos, veja Dorothy Della Noce, Seeing Theory in Practice: An Analysis of Empathy in
Mediation, 15 Negotiation Journal 271-301, 1999.
novas “ferramentas” para a caixa de ferramentas profissional, ao aprender estratégias
individuais e descontextualizadas (ex.: técnicas de comunicação, truques, dicas e
métodos). Esta abordagem da “caixa de ferramentas”, de aprender e praticar
mediação, era considerada profícua porque capacitava os praticantes a recorrer a um
conjunto de táticas intervencionistas e a fazer uso deste conjunto em diferentes
situações ou acontecimentos na sessões de mediação.
O problema com a metáfora do toolbox e o tipo de prática de mediação que
suscita é que ignora o fato de que toda ferramenta serve a um propósito.
Qualquer técnica de mediação pode ser utilizada para uma grande variedade de
objetivos dependendo das metas implícitas ou explícitas do mediador ao utilizá-las.
Um caucus, por exemplo (a reunião com um dos mediandos), pode ser utilizado
pelo mediador para motivar um participante intransigente a questionar o seu
posicionamento. No caucus, o mediador pode se sentir mais confortável para estimular
o participante relutante a sair de sua posição radical porque este estímulo pode ser
feito sem que o outro participante saiba. Alternativamente, o caucus pode ser usado
pelo mediador para ajudar a parte a pensar a respeito do que ele ou ela quer falar, ou
não, para a outra pessoa nas negociações durante uma sessão conjunta. No primeiro
caso, o mediador usa o caucus para ajudar a parte a decidir o que ele ou ela quer dizer
ou fazer, tendo portanto uma função de empoderamento.3 No segundo caso, o caucus é
utilizado para influenciar ou convencer a parte a mudar sua posição a respeito da
questão em discussão. Estas são visões muito diferentes de como o mediador deve
fazer uso das reuniões individuais. Estas diferentes práticas, relacionadas ao
comportamento do mediador durante as reuniões particulares, baseiam-se em
concepções muito diferentes do próposito central do mediador na condução da sua
prática.
A maioria dos mediadores acredita que precisa ter domínio da escuta. A
habilidade da escuta também nunca está desvinculada do seu propósito. Os
mediadores sempre ouvem os mediandos com um objetivo em mente, e fazem uso
destas informações para atingir algum objetivo que conceberam em relação aos
mediandos para intervir no conflito. A escuta do mediador pode ter grande variedade
de propósitos: diagnosticar as questões dos mediandos, identificar necessidades
subjacentes, afastar os participantes do processo de um posicionamento
aparentemente ilógico ou auto destrutivo, desconstruir a narrativa pessoal ou resumir
o que disseram para que possam refletir a respeito de suas próprias visões e as visões
do outro.
Cada uma destas atitudes ao escutar, reflete uma intenção muito diferente e
portanto levam o mediador a encaminhar o seu trabalho de maneira diferente. Estas
intenções geradas a partir da escuta estão vinculadas ao escopo da própria mediação.
A Mediação Transformativa abordou essa necessidade cabal de esclarecer qual
é a meta subjacente da prática da mediação.

3
Nota da Tradução: a expressão é um anglicismo, não existe no dicionário ainda. Implica em uma
ação ou atitude que confere poder; torna a pessoa mais autoconfiante.
Os parâmetros transformativos foram construídos a partir de um propósito
ideológico claramente colocado para o mediador, e demonstram como um conjunto de
habilidades intervencionistas específicas, pode ser consistentemente utilizado para dar
suporte à realização deste propósito explícito e transformativo.4 Neste sentido, a
mediação transformativa desafiou o pressuposto comum no campo da mediação de
que colecionar e ter domínio das técnicas ou ferramentas de comunicação e
simplesmente colocá-la em prática, é uma abordagem efetiva para tornar-se um
praticante competente. Em vez disso, os parâmetros transformativos enfatizam a
necessidade de se ter um propósito claro como fundamentação para o uso de qualquer
conjunto de habilidades que os mediadores possuam e que tornar-se um praticante
competente significa estar ciente e dedicado a um propósito claro para a prática.

4. A MEDIAÇÃO TEM COMO PRESERVAR SUA CAPACIDADE SINGULAR


COMO MÉTODO DE INTERVENÇÃO EM CONFLITOS?
A terceira preocupação que a mediação transformativa abordou foi a
necessidade de definir e preservar a singularidade do próprio processo de mediação. A
seara de métodos mais formais de resolução de conflitos (incluindo processos judiciais,
settlement conferences, mini-trials, hearing panels, arbitragem)5cumprem funções
importantes e necessárias para resolver disputas. Estes processos geram julgamentos
justos e equitativos, criam acordos para disputas difíceis, detêm comportamento
criminoso ou abusivo, e/ou resolvem eficientemente casos que poderiam estar
acumulados no judiciário ou em outros sistemas institucionais.
Quando a mediação traça um paralelo com estes processos ou tenta atingir
propósitos semelhantes àqueles que os processos de intervenção no conflito tentam
servir, o potencial singular da mediação é perdido ou silenciado. Quando a mediação
tenta ser apenas uma maneira eficiente de se livrar do conflito, pode sempre ser
superada por outros métodos mais formais de resolução de conflitos que podem
consistentemente servir aos objetivos de eficiência e de expediência com mais eficácia.
Quando a mediação busca assegurar o acordo, simplesmente duplica a prática de
julgamento destes processos existentes de intervenção no conflito.
A mediação tem, em vez disso, uma contribuição única e diferente para fazer no
importante trabalho da intervenção no conflito, que é diferente dos objetivos dos
métodos formais de resolução de conflitos e que reside numa visão mais otimista das
capacidades dos mediandos de abordarem as suas próprias questões e de se
movimentarem no sentido de uma compreensão das perspectivas do outro. Os
métodos formais se baseam por definição no pressuposto de que os mediandos não
conseguem tomar decisões apropriadas, equitativas e legais por eles mesmos ou uns

4
Joseph. P. Folger & Robert A. Baruch Bush, Developing Transformative Training: A View from the
Inside. Designing Mediation: Approaches to Training and practice within a Transformative Framework,
168-182. Joseph P. Folger & Robert A. Baruch Bush, eds. 2001.
5
Nota da Tradução: Procedimentos usualmente utilizados no sistema Common Law e não tem
correspondência aos métodos na Civil Law. Os métodos mencionados não existem no sistema jurídico
brasileiro e não possuem equivalência, exceto é claro, processos judiciais e arbitragem.
pelos outros. Por este motivo, juizes e árbitros são necessários para resolver os
conflitos para as pessoas. Ademais, os métodos mais formais também pressupõe que
os mediandos estão envolvidos nos seus próprios pontos de vista e não podem
considerar ou reconhecer as perspectivas e situações do outro. Juizes e árbitros
precisam então levar em conta várias perspectivas ao decidir um resultado ou os
termos do acordo para uma disputa. Estes pressupostos estabelecem a necessidade de
juízes e árbitros conterem os conflitos ao tomar decisões por eles e limitar a interação
entre eles. Em contraste, o potencial único da mediação se baseia na visão mais
otimista da capacidade das pessoas de lidarem com os seus próprios conflitos. Esta é a
visão que a abordagem transformativa busca adotar na afirmação do seu propósito e
na realização da sua prática.6Este compromisso absoluto com esta visão preserva a
singularidade da mediação e o seu valor como possibilidade e alternativa.

5. O PROPÓSITO DA PRÁTICA DE MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA:


TRANSFORMAR A QUALIDADE DA INTERAÇÃO
A Mediação Transformativa oferece uma abordagem fundamentada na ideia de
que, através da intervenção de um terceiro, o conflito pode vir a se tornar produtivo.
Sugere especificamente que a prática de mediação pode ser alicerçada pela visão
transformativa do conflito em vez do foco apenas no acordo como resultado. Na
perspectiva transformativa, entende-se o conflito como uma crise na interação
humana. A experiência do conflito dificulta a interação produtiva ou construtiva entre
as pessoas. Os desafios efetivos, pessoais, emocionais que o conflito suscita tendem a
levar a pessoas a um estado de fraqueza e auto centramento. As pessoas tentam lidar
com o conflito nestes estados debilitados e a interação destrutiva tende a emergir e
persistir – interação que impede as pessoas de se entenderem e entenderem a outra
pessoa. A deliberação e a tomada de decisão são obstruídas.
O conflito só se torna produtivo quando a qualidade da interação dos
mediandos muda. Esta mudança na interação dentro do conflito acontece enquanto
cada pessoa passa dos estados de fraqueza e auto centramento para estados de maior
fortalecimento e abertura. Logo, o termo “transformação” nesta abordagem se refere à
transformação da interação dos mediandos em conflito. Esta transformação ocorre
quando os mediandos são capazes de se movimentar em maior ou menor extensão, e
superar a fraqueza e o auto centramento gerado pelo conflito.
O papel do mediador nesta visão transformativa da prática é o de
proativamente apoiar mudanças na interação entre os participantes. O mediador
“segue” em vez de “liderar” a conversa, e acolhe as questões que as mediandos
quiserem trazer. Como resultado, o mediador ajuda os mediandos a criarem seus
próprios desfechos e a melhor compreenderem a natureza e a dinâmica do conflito em
que estão inseridos. O resultado pode ser a negociação de acordo, a escolha de
continuar ou encerrar a relação ou os compromissos financeiros, ou até mesmo a
decisão de levar o conflito para outro forum ou método de resolução de conflitos. O

6
Joseph P. Folger & Robert A. Baruch Bush, Transformative Mediation and Third Party
Intervention: Ten Hallmarks of a Transformative Approach to Practice, 13, Mediation Quarterly, 263-278,
1996.
propósito do mediador não é o de formatar resultados ou escolhas, e sim de apoiar mudanças na interação entre as
mediandos da mediação, permitindo a realização de delimitar a sua conversa.9Em alguns casos, os mediandos
escolhas esclarecidas e sustentáveis baseadas numa maior discordam a respeito das regras e precisam falar sobre
compreensão das questões envolvidas e das pessoas ali essas diferenças ou sobre a importância de tê-las. O
envolvidas também. mediador facilita essa discussão para ajudar as mediandos
Esta abordagem pressupõe que, se a interação no conflito a compreenderem as diferentes visões a respeito de como
é apoiada e facilitada por um mediador treinado, os querem ter a
mediandos são capazes de encontrar o equilíbrio entre o
fortalecimento e clareza individual (empoderamento) e a
conexão social (reconhecimento) que pode ter sido 7
Bush and Folger, supra note 1 at 251.
perdida na espiral descendente da interação decorrente 8Folger and Bush, supra note 5, at 30-31; Folger & Bush, Ideology,
do conflito. A mudança na interação destrutiva permite Orientations to Conflict, and Mediation Discourse. New Directions in
que as pessoas presas em questões emocionais e Mediation. Joseph P. Folger and Tricia Jones, eds., 1994.
desagregadoras possam recorrer a sua capacidade 9
Para uma descrição da abertura de uma sessão de mediação
inerente de ação e conexão humana para enfrentar os transformativa veja Sally Pope, Beginning the Mediation: Party
desafios difíceis que o conflito cria. Isso significa que Participation Promotes Empowerment and Recognition. Designing
apesar dos mediadores terem um papel definido no apoio Mediation: approaches to training and practice within a transformative
framework, 85-95. Joseph P. Folger and Robert A Baruch Bush, eds.,
à transformação da interação do conflito, o controle do 2001.
mediador sobre as questões e a expressão das mediandos
é contraproducente, porque diminui a oportunidade para
os mediandos perceberem as suas próprias capacidades
humanas de um maior auto empoderamento e
reconhecimento interpessoal. Em outras palavras, a
diretividade e controle do mediador inviabilizam as metas
da prática transformativa.7

6. ASPECTOS PRINCIPAIS DA PRÁTICA


TRANSFORMATIVA: PROATIVAMENTE APOIAR
MUDANÇAS NA INTERAÇÃO NO CONFLITO
Todas as técnicas e práticas que os mediadores utilizam na
intervenção são voltadas para o propósito descrito acima.
O mediador sustenta o foco em cada momento da
interação entre os mediandos enquanto esta se dá durante
as sessões de mediação. Este “micro-foco” impede os
mediadores de se adiantarem e de adotarem uma postura
diagnosticadora.8Este foco permite que os mediadores
trabalhem com a interação no conflito pontuando
oportunidades para empoderamento e reconhecimento a
medida em que surgirem espontâneamente na interação.
Mediadores incentivam as mediandos a criarem suas
próprias regras para a sua interação durante a mediação.
Em muitas práticas, os mediadores estabelecem regras e
pedem que os mediandos sigam estas regras ao longo da
sessão. O mediador que trabalha com a orientação
transformativa conversa com os mediandos a respeito das
regras que elas sentem que precisam para orientar ou
Formatado: Português (Brasil)
conversa durante a sessão. Esta discussão muitas vezes auxilia as mediandos a se
aprofundarem nas diferenças de estilos de comunicação que podem surgir a partir do
encontro entre formações culturais, profissionais e de gênero na sala de mediação. Os
mediandos são incentivados a falar sobre como a comunicação está sendo feita, não só
no início da sessão, mas a qualquer momento da mediação. Deste modo, a discussão
do processo de mediação é integrada na discussão da problemática. Decisões a
respeito do processo e do conteúdo são tomadas pelos mediandos ao longo da sessão
de mediação.10
Mediadores facilitam as decisões das mediandos a respeito de como e quando
querem focar em tópicos relacionados ao passado, presente ou futuro.
Em muitos modelos, a prática de mediação é conduzida como um processo
direcionado para o futuro. Na prática, isso geralmente significa que o mediador
ativamente desencoraja os mediandos a discutirem eventos do passado ou a história
do seu conflito porque o foco retrospectivo é considerado contraproducente. Falar do
passado é considerado prescindível para a construção de acordos para o futuro. Na
prática transformativa, os mediandos são encorajados a decidir se querem falar sobre
passado, presente ou futuro se essa conversa é considerada importante ou útil para
eles.11 Quando surgem diferenças a respeito do foco da conversa, o mediador facilita a
discussão sobre essas diferenças, sem impor a sua preferência a respeito. Se os
participantes não conseguem concordar se devem falar ou não sobre o passado
durante a mediação, a mediação pode ser encerrada. Esta conversa suscita
compreensões mais profundas a respeito das diferenças que os mediandos têm em
relação a como querem conversar entre eles a respeito do conflito em questão. Permite
o esclarecimento a respeito de porque o passado é importante para um dos
participantes mas é irrelevante para o outro. Estas conversas auxiliam os participantes
do processo a descobrirem porque não conseguem progredir nas questões tangíveis
que os separam. Eles podem daí decidir se querem e como querem proceder com as
discussões em curso.
Mediadores proativamente apoiam a interação entre os mediandos e têm
familiaridade com as espirais de conflito que ocorrem ao longo do processo.
No modelo transformativo, não há fases pré-estabelecidas que mapeiam o
processo conduzido pelo mediador. Em muitas práticas de mediação, as fases são
utilizadas para guiar o mediador sobre como a sessão deve ser feita.12 Mediadores
dependem destas fases para formatar a interação das mediandos. As fases pré-

10
Para uma discussão da inter-relação do processo de mediação e o conteúdo das disputas das
mediandos, veja Joseph P. Folger Who Owns What in Mediation? Seeing the Link Between Process and
Content. Designing Mediation: approaches to training and practice within a transformative framework,
55-61, Joseph P. Folger & Robert A. Baruch Bush, eds., 2001.
11
Folger & Bush, supra note 5, at 31-32.
12
Veja por exemplo, Jay Folberg and Allison Taylor, Mediation: A comprehensive guide to
resolving conflicts without litigation. Jossey-Bass, 1984; Kathy Domenici, Mediation: empowerment in
conflict, Waveland Press, 1996. A visão típica da abordagem com fases pode incluir: abertura do
mediador; storytelling; identificação de necessidades subjacentes; encontrar o lugar comum, redação do
acordo.
estabelecidas não são utilizadas na prática transformativa, a cada momento da sessão.13 Essas fases tiram o foco da
porque esse modo de trabalhar não ajuda e não estimula interação e instigam a adoção de uma “macro-visão” das
o mediador a manter-se focado na interação que acontece questões e tópicos. Esta visão estimula a adoção de
agendas e metas pré-estabelecidas antes que os diferente à medida em que se desenrola a interação dos
mediandos possam expressar suas visões e se escutarem. mediandos no processo. Deste modo, os mediandos
O mediador acaba fazendo um diagnóstico a partir do seu
ponto de vista e enfatiza mais os pontos de acordo do que
os de desacordo. Todas estas intervenções diretivas são 13
passíveis de acontecer quando os mediadores dependem Dorothy Della Noce, Mediation as a Transformative Process: Insights
on Structure and Movement. Designing Mediation: Approaches to
de um mapa das fases do processo para guiar sua prática Training and Practice within a Transformative Perspective, 71-84.
durante a sessão de mediação. O modelo de fases coloca oJoseph P. Folger & Robert Baruch Bush, eds., 2001.
mediador na posição de “guiar” as mediandos no 14
Já que grande parte dos modelos de fases do processo de mediação
processo, porque direciona a interação das mediandos de culmina com uma fase de acordo escrito, o pressuposto é de que o
acordo com o “mapa” do mediador que determina para mediador precisar chegar num acordo para “completar”as fases. Isso
aonde deve ir a interação.14 Essas fases fundamentam a faz com que o mediador se sinta compelido a fazer com que as
mediandos cheguem necessáriamente a um acordo.
prática diretiva na mediação, prática esta que afasta o foco
da interação e deprecia o controle dos mediandos sobre o
direcionamento da sua própria disputa.
Na visão transformativa da prática, o foco do mediador
está nos padrões que se desvelam à medida em que a
interação acontece – não em fases pré-estabelecidas.
Estes padrões são construídos pelas mediandos assim que
começam a interagir, e eles mudam e evoluem no
desenrolar da reunião. O mediador trabalha com esses
padrões e ajuda nos vários pontos de facilitação:
levantamento de questões, discussão de como a conversa
está sendo feita, a expressão dos respectivos pontos de
vista, esclarecimento das atitudes e sentimentos a
respeito dos assuntos e as decisões a respeito da
importância de cada pauta.
Muitas vezes a comunicação no conflito evolui em espirais
de interação durante a sessão da mediação, construídas a
partir do histórico dessa interação. Os mediandos
discutem questões logo no início da mediação e depois
retomam as mesmas questões (ocasionalmente, várias
vezes) e posteriormente têm conversas com outra
qualidade a respeito dessas questões durante a mesma
reunião. A natureza da conversa muda por conta do que
acontece na reunião incluindo novas informações trocadas
entre as mediandos, o aumento na clareza pessoal a
respeito das questões e uma compreensão maior da
perspectiva alheia. Este tipo de acontecimento pode
mudar a natureza da conversa das mediandos a respeito
dos mesmos tópicos ou questões quando “reaparecerem
na mediação. Os mediadores transformativos estão
sempre atentos a estas espirais de interação no conflito.
Esperam a emergência destas espirais de interação na
sessão e muitas vezes apontam para os mediandos como
as mesmas questões estão sendo discutidas de forma
Formatado: Português (Brasil)
enxergam a evolução da interação no conflito e como isso afeta seu ponto de vista
pessoal e o processo de tomada de decisão.
Mediadores permitem e apoiam segmentos ininterruptos de interação entre as
mediandos.
Na prática transformativa, enfatiza-se o apoio a mudanças na interação entre os
mediandos em conflito. Logo, os mediadores tomam cuidado para não impedir ou
atrapalhar essa interação. O mediador não está ali para se certificar de que entendeu
as questões ou pontos de vista das mediandos e sim para ajudar os mediandos a
esclarecerem o que querem dizer e colocar enquanto tomam decisões a respeito das
questões que os separam. Os mediadores não conseguem trabalhar com a interação
das mediandos se eles impedem os mediandos de falarem entre si ou se enfatizam a
importância de dirigirem a palavra continuadamente para o mediador ao longo do
processo. Isso significa que os mediadores transformativos precisam se sentir
confortáveis numa interação difícil no conflito- interação que geralmente se baseia na
falta de empoderamento dos mediandos e na dificuldade de enxergar a perspectiva do
outro.
Mediadores facilitam a expressão emocional à medida em que ocorrer a
interação entre as mediandos
Em alguns modelos de prática, a expressão de emoção dos mediandos é vista
como uma ameaça para resultados bem sucedidos ou produtivos. A expressão
emocional é vista como sendo inconsistente com o processo racional de resolução de
problemas, que é considerado fundamental na intervenção efetiva. Na prática
transformativa, a expressão emocional é vista como corolário inerente da interação no
conflito.15 Todos os conflitos significativos são considerados emocionais para os
mediandos de alguma forma, ou até certo ponto. A emocionalidade integra a
experiência do conflito e é um meio através do qual os mediandos se expressam. Negar
esta característica do conflito é ignorar a natureza da experiência das mediandos nos
seus conflitos a respeito de questões difíceis. Mediadores transformativos aprendem a
trabalhar com a emocão no conflito, contando com a mesma abordagem da
transformação da interação das mediandos que usam quando ajudam os mediandos a
encarar questões importantes, ou quando falar sobre como a comunicação está se
dando entre eles.
Mediadores dão foco e apoiam as oportunidades de maior empoderadamento e
reconhecimento entre os mediandos que surgirem nesta interação
Ao longo do processo, os mediadores transformativos sustentam o foco na
expressão de fraqueza dos mediandos (ex: expressões de falta de clareza, confusão,
incerteza etc.) enquanto interagem a respeito das questões ou tópicos que os dividem.
O mediador trabalha com as expressões destes estados de fraqueza e autoabsorção
para ajudar as mediandos a se movimentarem para um maior empoderamento e
reconhecimento. Este movimento é geralmente composto de pequenos passos
incentivadores. Os mediadores contam com um conjunto de habilidades de

15
Folger and Bush, supra note 5 at 28.
comunicação sempre almejando atingir o propósito da prática transformativa:
propiciar, empoderar mudanças na qualidade da interação no conflito ao fomentar o
empoderamento e o reconhecimento.
Apesar do foco no empoderamento e reconhecimento ajudar os mediadores a
evitar a abordagem diretiva prematuramente focada na resolução e no acordo, isso não
significa que os mediandos que participam da mediação transformativa não firmem
acordos. Pesquisas a respeito da prática transformativa indicam que os mediandos
“resolvem”– equacionam ou liquidam suas questões aproximadamente em 60-65% do
tempo.16 A mediação transformativa oferece um fórum para os mediandos tratarem
das questões e o suporte para avançarem sem que o mediador imponha ou dirija
qualquer resultado. Portanto, quando as questões são resolvidas, os mediandos é que
construíram suas próprias soluções para seus próprios problemas e estabeleceram seus
próprios acordos. O foco persistente na interação e não no possível acordo é que
garante que os acordos tenham sido criados pelos próprios mediandos.

7. UNINDO O PROPÓSITO TRANSFORMATIVO COM A PRÁTICA


O treinamento de Mediação Transformativa é guiado pelo mote: O Propósito
Impulsiona a Prática.17 Isto significa que o treinamento é engendrado para dar à
mediação níveis múltiplos de compreensão, começando com a premissa de ideias e
depois com o domínio das técnicas e métodos específicos que podem ser utilizados
pelos mediadores para dar suporte às mudanças na qualidade da interação dos
mediandos em conflito. Alguns dos objetivos principais no aprendizado da mediação
transformativa estão resumidos a seguir:
– Desenvolver uma compreensão clara da premissa relacional e as suas
implicações para conduzir a intervenção no conflito.18 Os mediadores compreendem os
pressupostos subjacentes e as premissas que fundamentam o próposito e prática da
mediação transformativa.
– Entender os conceitos de empoderamento e reconhecimento e ser capaz de
identificar seus sinais na interação emergente no conflito. Os mediadores desenvolvem

16
Cynthia J. Halberlin, Transforming Workplace Culture Through Mediation: Lessons Learned
from Swimming Upstream, 18 Hofstra Labor and Employment Law Journal, 375-383 (2001); Para outros
resultados da implementação da mediação transformativa veja: Lisa Bingham & M. Cristina Novac,
Mediation’s Impact on Formal Discrimination Complaint Filing: Before and After the REDRESS Program at
the United States Postal Service, 221 Review of Public Personnel Administration, 2001.
James R. Antes, Joseph P. Folger & Dorothy Della Noce, Transforming Conflict in the Workplace:
Documented Effects of the USPS REDRESS Program, 18 Hofstra Labor and Employment Law Journal, 429-
467 (2001).
17
Folger & Bush, supra note 5 at 169.
18
Dorothy Della Noce, Robert A. Baruch Bush and Joseph P. Folger, Clarifying the Theoretical
Underpinnings of Mediation: Implications for Practice and Policy, 3 Pepperdine Dispute Resolution. Law
Journal 39-66 (2002).
compreensões experienciais destes conceitos e examinam o empoderamento e o reconhecimento e também o impacto
valor de cada um e a inter-relação entre eles no conflito.19 que estas mudanças têm sobre a transformação na
interação das mediandos. Os mediadores precisam ser
– Reconhecer as pequenas mudanças em direção ao capazes de apoiar mudanças na interação com clareza, no
entendimento a respeito de como estas mudanças se within a Transformative Framework, 112-132. Joseph P. Folger and Robert
desenvolvem e se somam com a passagem do tempo, A. Baruch Bush, eds., 2001.
20
independentemente dos resultados específicos da sessão de No treinamento de mediação transformativa, as técnicas de
mediação. comunicação não são ensinadas sem ter um propóstio claro para o uso
das mesmas. Deste modo, as técnicas de comunicação são sempre
– Aprender a antecipar e a trabalhar com uma interação aplicadas com um propósito específico, relacionados as metas
difícil, no conflito que ocorre quando os mediandos complementares: empoderamento e reconhecimento e a relação entre
eles.
encontram-se no estado de fraqueza e autocentramento. Os
mediadores sentem-se confortáveis para facilitar uma
interação difícil e controlam seus impulsos de conter o
conflito, mais do que apoiar a sua transformação…
– Praticar habilidades específicas de comunicação que
apoiam mudanças em direção a um maior empoderamento
e reconhecimento. Os mediadores dominam uma série de
habilidades (espelhamento, resumo, checking ou verificação
etc.) e aprendem que cada técnica pode ser utilizada para
apoiar empoderamento e/ou reconhecimento.20
– Aprender quando intervir enquanto a interação se
desenrola. Os mediadores aprendem a importância do fluxo
e a espiral da interação das mediandos e quando devem
intervir neste fluxo. Isso requer um equilíbrio delicado de
intervenções e de contenção.

8. ADOÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA MEDIAÇÃO


TRANSFORMATIVA EM DIVERSOS CONTEXTOS (NOS
SETORES DE DISPUTA: A QUALIDADE DA
INTERAÇÃO É IMPORTANTE EM QUALQUER DISPUTA)
A Mediação Transformativa vem sendo amplamente adotada
nos diversos segmentos da sociedade e em inúmeros
contextos, família e divórcio, por exemplo, em disputas
entre funcionários no âmbito organizacional, conflitos entre
vizinhos, e disputas entre multiplas mediandos/políticas
públicas e questões comerciais e empresariais, tanto
públicas quanto privadas.
Mediação transformativa é apropriada para diversas
perspectivas de relacionamento
Mediação Transformativa é utilizada para abordar disputas
que envolvem relacionamentos continuados, mas é
igualmente apropriada nos casos em que as

19
Para ilustrações a respeito de como identificar empoderamento e
reconhecimento na interação no conflito ver Janet Kelly Moen, Donna
Turner Hudson, James R. Antes, Erling O. Jorgensen, and Linda H.
Hendrikson, Identifying Opportunities for Empowerment and Recognition Formatado: Inglês (Estados Unidos)
in Mediation. Designing Mediation: Approaches to Training and Practice
mediandos não continuarão se relacionando e não terão qualquer interação futura. A
interação dos mediandos é o cerne de qualquer conflito não importa qual a duração de
tempo da interdependência. A qualidade desta interação no conflito é relevante para a
experiência vivida e para os resultados criados pelas mediandos.
Um locatário e o proprietário precisam interagir para decidir como tratar das
despesas de uma reforma necessária no apartamento, mesmo que o locatário decida
sair do apartamento imediatamente depois da mediação. O conflito de um paciente
com um administrador de hospital ou médico se desenvolve através da interação entre
eles, mesmo que o paciente nunca mais veja o administrador ou médico após o
término do caso. Um cliente que tem uma queixa contra o dono de uma loja precisa
interagir com o lojista a respeito de como a queixa será abordada mesmo que o cliente
tenha a intenção de jamais voltar aquele estabelecimento. O foco no empoderamento
e reconhecimento é importante em todas estas disputas enquanto os mediandos
encaram as questões porque a qualidade da interação é essencial para o
desenvolvimento e evolução destes conflitos. Em suma, o foco na mediação
transformativa é o de apoiar mudanças na qualidade da interação não obstante a
duração da relação entre as mediandos.
A Mediação Transformativa apoia qualquer decisão dos mediandos a respeito
das suas questões ou relacionamento
A Mediação Transformativa vem se consolidando com um grande apelo porque
permite uma maior compreensão e clareza a respeito das questões e auxilia a tomada
de decisão a respeito das questões que separam os mediandos. Transformar a
interação no conflito durante a mediação não significa que os mediandos
necessariamente continuem sua relação após o término da mediação. A continuidade
ou não da relação depende da decisão das mediandos. Em alguns casos, um ou todos
os mediandos optam por romper a relação ou se distanciarem por conta do resultado
da sua participação na mediação. Se o mediador insistir que os mediandos mantenham
ou recuperem a relação, isso é uma violação do princípio do ‘empoderamento’ que
fundamenta o modelo transformativo. Os mediandos sempre decidem se a relação
continuará ou não. Decisões sobre relacionamentos são tratadas da mesma maneira
que decisões a respeito de outras questões. A distinção da mediação transformativa é
que os mediandos ao decidirem porventura encerrar a sua relação, esta decisão será
tomada com maior clareza, compreensão e calma. Não será resultado de um impulso
confuso ou reativo. A qualidade da interação é diferente e mais construtiva já que
foram apoiados pelo processo transformativo para tomar essa decisão.
A Mediação Transformativa pode ter efeitos positivos para além da participação
dos mediandos nas sessões de mediação
A Mediação Transformativa vem sendo adotada em alguns contextos
institucionais e organizacionais porque oferece a possibilidade de “upstream effects”.21
O líder do programa para Disputas Discriminatórias entre Funcionários do Correio
Americano criou o termo “upstream effects” para descrever um conjunto de

21
N.T. Pode ser traduzido como “efeito contracorrente”.
resultados possíveis que o processo de mediação transformativa pode gerar.22 Neste
programa organizacional nacional, 3.000 mediadores externos foram treinados na
abordagem transformativa para conduzir a mediação numa ampla variedade de
disputas funcionário-funcionário e funcionário-gestor. O termo “upstream effects” se
referia à possibilidade de que a experiência do funcionário na mediação transformativa
pode potencialmente ter um impacto positivo nas interações organizacionais futuras
após deixarem a sala de mediação. A esperança era de que a experiência coletiva dos
que participam no processo de mediação poderia, ao longo do tempo, ajudar a
transformar a cultura do ambiente de trabalho como um todo.23
A natureza da prática transformativa tornou a possibilidade de upstream effects
uma expectativa razoável. A Mediação Transformativa oferece uma experiência que
permite que as pessoas encontrem novas maneiras de interagir diante das diferenças
pessoais, incompatibilidade e iniquidade, e os desafios diários da vida no trabalho. A
linha transformativa possibilita os upstream effects porque foi criada para apoiar as
pessoas no seu empenho ao enfrentar questões difíceis, sem ser dirigido ou avaliado
por uma terceira parte. É o engajamento dos mediandos com o seu próprio conflito na
mediação apoiada por um habilidoso interventor que possibilita o desenvolvimento
pessoal daqueles que participam no processo de mediação transformativa. Pesquisas
realizadas a respeito dos efeitos do programa do Correio Americano sugerem que os
upstream effects ocorreram nessa organização através da participação de funcionários
e gestores na mediação transformativa.24

9. MEDIAÇÃO TRANSFORMATIVA APOIA A DISCUSSÃO DAS DIFERENÇAS


CULTURAIS QUE OS MEDIANDOS CONSIDERAM RELEVANTE PARA A
DISPUTA
Outro forte apelo da mediação transformativa é o de que o processo apoia os
mediandos quando eles decidem explorar e abordar questões conflituosas
relacionadas a diferenças culturais, religiosas, étnicas ou raciais. Já que o modelo desta
prática não requer ou limita os mediandos ao foco nas questões tangíveis, os
participantes podem escolher abordar diferenças culturais ou étnicas que apresentam
desafios difíceis. Muitas vezes as diferenças culturais contribuem com dificuldades que
surgem a partir das percepções dos mediandos, a interação entre eles e o conflito que
os separa. Mediadores transformativos são capazes de facilitar a discussão destas
difíceis questões culturais, raciais e étnicas, se os mediandos levantarem estas
questões. Neste sentido, a prática é persistentemente provocadora – trabalha com as
perspectivas existentes das mediandos e as orientações enquanto surgem na interação
e colabora com as discussões destas diferenças.

22
Cynthia J. Halberlin supra note 12 at 377.
23
Esta meta foi particularmente importante para esta organização porque a cultura do Correio
era notóriamente adversarial e negativa. Os possíveis efeitos postitivos na cultura organizacional foi
importante para líderes no Correio que financiaram este programa de mediação.
24
Jonathan F. Anderson & Lisa Bingham, Upstream Effects from Mediation of Workplace
Disputes: Some Preliminary Evidence from the Unted States Postal Service, 48 Labor Law Journal, 607-
608, 1997.
Contudo, como qualquer questão ou tópico que os mediandos podem levantar
na mediação, questões culturais, étnicas ou raciais são facilitadas pelo mediador se os
mediandos decidirem que estas questões são importantes e devem ser abordadas na
conversa. Não é responsabilidade do mediador identificar ou apontar estas questões se
os participantes não as trouxerem. Mas a liberdade que os mediandos têm de discutir
as questões que querem discutir e a disposição dos mediadores de trabalharem com
qualquer uma das questões cria a possibilidade de abordar crenças arraigadas ou
pontos de vista que os mediandos acreditam ser o âmago do seu conflito.25 Líderes de
diversos programas de mediação comunitária, adotaram a mediação transformativa
porque enxergaram nela um meio de efetivamente trabalhar com tipos de conflitos
culturais e étnicos que caracterizam muitas das disputas nos bairros e nas comunidades
que servem.

10. INSTITUCIONALIZANDO O VALOR SINGULAR DA MEDIAÇÃO


A necessidade da mediação em preservar e nutrir a capacidade singular como
fórum de intervenção no conflito é essencial à medida em que mais e mais
stakeholders26 a utilizam para lidar com suas disputas. Os programas de mediação, no
entanto, não irão sobreviver se não preservarem e promoverem o valor único da
mediação. Se os defensores e criadores dos programas de mediação não forem claros
ao divulgar o diferencial deste forum, stakeholders institucionais não se sentirão
motivados a apoiar e fomentar o desenvolvimento desses programas, principalmente
quando se familiarizarem com a prática de mediação que é diretiva ou que não se
distingue dos fóruns de resolução de disputa já existentes. Além disso, os críticos que
constatam que os programas de mediação não oferecem um processo alternativo,
muitas vezes alegam que a mediação pode ser perigosa para os clientes porque podem
ser “aconselhados”, “influenciados”ou “empurrados para o acordo”sem a proteção
formal e processual adequada deste tipo de pressão da terceira parte. Como a
mediação é um processo privado e informal, esta crítica muitas vezes tem mérito e
contribui para a percepção negativa da mediação como alternativa.27
Mais importante, os próprios clientes relutarão em continuar fazendo uso da
mediação se não perceberem que a mediação oferece algo de diferente dos processos
já existentes que se destinam a liquidar casos e impor acordos para as disputas. As
pessoas que participam da mediação precisam experimentar o processo como sendo
diferente dos outros serviços de intervenção no conflito, e como mais valioso e
enriquecedor do que as outras opções existentes. Quando os participantes não
enxergam a mediação como uma alternativa única e potente, acabam desistindo, ela
perde o sentido para eles. Por todos estes motivos, é importante reconhecer que os

25
Para uma ilustração da mediação transformativa que envolve questões raciais, veja o Caso da
Casa Roxa Purple House case in Bush and Folger, supra note 4, 131- 214.
26
N.T. aqui entendido também como protagonistas, atores ou partes interessadas
27
Para discussões e crítica a respeito da prática e implementação da mediação, veja, por
exemplo, Deborah Hensler, Suppose It’s Not True: Challenging Mediation Ideology 1 Journal of Dispute
Resolution 81-99, 2002. Bernard Mayer, Beyond neutrality: confronting the crisis in conflict resolution,
Jossey-Bass, 2004; Bush supra note 3.
programas de mediação não poderão prosperar no longo prazo se a prática da
mediação não for guiada por metas claras e alternativas, e se o processo de mediação
não demonstrar seu valor único.
A Mediação Transformativa oferece uma abordagem única centrada no poder
da interação humana para libertar o potencial inerente do empoderamento e
reconhecimento nas pessoas. A década de experiência com o desenvolvimento e
implementação da prática transformativa em diversos contextos sugere que muitos
clientes e stakeholders institucionais se identificam com o próposito central desta
perspectiva. Muitos stakeholders institucionais, incluindo juizes, administradores de
programas e gerentes organizacionais, muitas vezes se tornam apoiadores
entusiasmados da mediação Transformativa quando entendem o fundamento
conceitual e o ideário desta abordagem e observam seu impacto nos conflitos e nas
vidas dos disputantes que participam deste processo. Mas é responsabilidade dos
praticantes e líderes no campo da mediação a articulação do propósito transformativo
da mediação na sua prática.28 No longo prazo, o sucesso da mediação- como coração
do movimento de resolução alternativa de disputa – repousará na habilidade do campo
da mediação de ter uma visão, articular e dar continuidade a um processo de resolução
de conflito guiado por metas claras, singulares e, sobretudo, poderosas.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BINGHAM, Lisa & NOVAC, M. Cristina Novac, Mediation’s Impact on Formal
Discrimination Complaint Filing: Before and After the REDRESS Program at the United
States Postal Service, 221 Review of Public Personnel Administration, 2001.
BUSH, Robert A. Baruch & FOLGER, Joseph P., Developing Transformative
Training: A View from the Inside, in Designing Mediation: Approaches to Training and
Practice within a Transformative Framework, 168-182. Joseph P. Folger & Robert A.
Baruch Bush, eds. 2001.
______; & ______. Transformative Mediation and Third Party Intervention: Ten
Hallmarks of a Transformative Approach to Practice, 13, Mediation Quarterly, 263-278,
1996.
______; & ______. Ideology, Orientations to Conflict, and Mediation Discourse.
New Directions in Mediation. Joseph P. Folger and Tricia Jones, eds. 1994.
______; & ______. The Promise of Mediation: Responding to Conflict through
Empowerment and Recognition. Jossey-Bass, 1994; Robert A. Baruch Bush & Joseph
Folger. La Promesa de Mediación, Granica, 1996; Robert A. Baruch Bush & Joseph
P.Folger. The Promise of Mediation: The transformative approach to conflict, Jossey
Bass, 2005; Joseph P. Folger & Robert A. Baruch Bush. Designing Mediation:
Approaches to training and practice within a transformative framework. Institute for
the Study of Conflict Transformation, 2001.

28
Para uma discussão de como as metas singulares da mediação podem ser implementadas nas
cortes e em outros contextos institucionais, veja Dorothy Della Noce, Joseph P. Folger and James R. Antes,
Assimilative, Autonomous, or Synergistic Visions: How Mediation Programs in Florida Address the
Dilemma of Court Connection 3 Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, 11-38, 2002.
FOLBERG, Jay; & TAYLOR, Allisonr. Mediation: a comprehensive guide to
resolving conflicts without litigation, Jossey-Bass, 1984; Kathy Domenici, Mediation:
Empowerment in Conflict, Waveland Press, 1996.
HALBERLIN, Cynthia J, Transforming Workplace Culture through Mediation:
Lessons Learned from Swimming Upstream, 18 Hofstra Labor and Employment Law
Journal, 375-383, 2001.
HENSLER, Deborah Hensler, Suppose It’s Not True: Challenging Mediation
Ideology 1 Journal of Dispute Resolution 81-99, 2002. Bernard Mayer, Beyond
Neutrality: Confronting the Crisis in Conflict Resolution, Jossey-Bass, 2004.
NOCE, Dorothy Della, Mediation as a Transformative Process: Insights on
Structure and Movement. Designing Mediation: Approaches to Training and Practice
within a Transformative Perspective, 71-84. Joseph P. Folger & Robert Baruch Bush,
eds., 2001.
______., Joseph P. Folger and James R. Antes, Assimilative, Autonomous, or
Synergistic Visions: How Mediation Programs in Florida Address the Dilemma of Court
Connection 3 Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, 11-38, 2002.
______., Seeing Theory in Practice: An Analysis of Empathy in Mediation, 15
Negotiation Journal 271-301, 1999.
______., Robert A. Baruch Bush and Joseph P. Folger, Clarifying the Theoretical
Underpinnings of Mediation: Implications for Practice and Policy, 3 Pepperdine Dispute
Resolution Law Journal 39-66, 2002.
______., ANTES, James R, FOLGER, Joseph P., Transforming Conflict in the
Workplace: Documented Effects of the USPS REDRESS Program, 18 Hofstra Labor and
Employment Law Journal, 429-467, 2001.
POPE, Sally, Beginning the Mediation: Party Participation Promotes
Empowerment and Recognition. Designing Mediation.

PESQUISAS DO EDITORIAL
Veja também Doutrina
• Os meios alternativos de resolução de conflitos e a busca pela pacificação
social, de Marco Aurélio Gumieri Valério – RDPriv 69/15-27 (DTR\2016\23053); e
• Recent practices of China in mediation and arbitration of consumer disputes,
de Wei Dan – RDC 107/125-141 (DTR\2016\24083).

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