Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
br/rl
Rosangela Fernandes Eleutério O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma nova coleção da literatura
rosangelaeleuterio@gmail.com infanto-juvenil intitulada “Coleção Antiprincesas e Anti-heróis”. Apresentando
Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis,, Brasil. personalidades históricas, exemplos de pessoas corajosas que foram além dos
estereótipos feminino/masculino e criaram sua arte. Os livros incentivam jovens leitores a
olhar o mundo sob novas perspectivas, saltar obstáculos e conhecer celebridades literárias
e da música que deixaram obras que estão além do nosso tempo. Descontrói a ideologia
de papéis de gênero, explicando para crianças que meninas não precisam ser frágeis e
delicadas, tampouco os meninos fortes e “durões”, reconhecendo que as culturas e
sociedades são dinâmicas e mudam. As obras foram lançadas pela editora argentina
Chirimbote em 2016. Inicialmente lançadas em espanhol, agora estão sendo traduzidas
para o português e lançadas no Brasil pela distribuidora Sur. Com essa nova possibilidade
de leitura entre crianças e jovens, pode-se fazer reflexões sobre gênero, cultura e
sociedade. Como exemplo, neste trabalho será refletido particularmente sobre a literatura
infantil de Clarice Lispector, que se tornou referência como uma das mais famosas
“antiprincesas” do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura infantojuvenil. Desconstrução de gênero. Ideologias.
Estereótipos.
Página | 1
Uma das questões levantadas nas escolas que causam mais conflitos de
opiniões entre pais, professores, diretrizes escolares e até políticas é a pergunta:
É possível falar sobre diversidade de gênero e/ou representações de gêneros com
crianças pequenas? (PORTO, 2016, p. 01). Embora haja uma conduta do
politicamente correto e o pudor de algumas escolas em não tratar sobre
sexualidade, é importante ressaltar e não ficar indiferentes ao fato de que as
perguntas e respostas estão no nosso cotidiano (PORTO, 2016, p. 01). As crianças
possuem sensibilidade e inteligência para perceber que há uma diferença entre o
que lhes é dito e o que veem nos meios sociais nos quais circulam. É importante
que pais e professores estejam atentos a essa capacidade de compreensão e
crítica que as crianças desenvolvem naturalmente na inteiração com o outro.
Um dos exemplos é a atual configuração de família. Não há como crianças
criadas em famílias tradicionais ficarem indiferentes diante coleguinhas que tem
dois pais ou duas mães, ou que são filhos de pais ou mães solteiros. Há as que
são criadas pelos avós, as crianças que são adotadas e as de família inter-raciais,
Página | 3
entre outra diversidade de configurações familiares. Enfim, isso precisa ser
discutido, mostrado e refletido para que desconstrua antigos preconceitos que
CONCLUSÃO
Página | 11
This paper aims to present a new collection of children's literature books entitled "Anti-
princesses and Antiheroes Collection" that features historical personalities, examples of
brave people who went beyond feminine/masculine stereotypes and created their own
art. The books encourage young readers to look at the world under new perspectives,
jump over obstacles and meet literary and musical celebrities whose artistic works are
beyond our time. These books disrupt the ideology of gender roles by explaining to
children that girls do not have to be fragile and delicate, and that boys don’t have to be
strong and "tough" all the time, recognizing that cultures and societies are dynamic and
change. The collection was launched by the Argentine publisher Chirimbote in 2016.
Initially, they released it in Spanish, and now it’s being translated into Portuguese and
launched in Brazil by Sur. With this new possibility of reading among children and young
people, they can make reflections regarding gender, culture and society. As an example,
this work will discuss particularly the children's literature texts written by Clarice Lispector,
who became a reference as one of the most famous anti-princesses of Brazil.
Página | 12
Página | 13
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 14
Página | 15
Página | 16 1
Algumas histórias podem ser encontradas em Signriting que um sistema de escrita para
as línguas de sinais.
Para Abramovich (1997), o primeiro contato que a criança tem com o texto é
oralmente, por meio da voz da mãe, do pai ou avós, contando contos de fada,
trechos da Bíblia, histórias inventadas e outras. Para a autora, as histórias são
importantes para a formação de qualquer criança e é ouvindo que ela aprende a
ter prazer pela leitura.
Nesse sentido, se considerarmos a realidade da criança surda, ela estará em
desvantagem, pois por ser surda não receberá esse estímulo oral dos pais ou
familiares, nem tão pouco sinalizado, já que, a maioria dos pais de surdos é
ouvinte e não conhece a língua de sinais, meio pelo qual a criança surda teria
contato com os contos infantis.
Por isso, a apreensão dos contos, geralmente, só acontecerá na escola com
pessoas que conheçam a língua de sinais. É na escola que estas crianças terão seu
primeiro contato com o mundo imaginário e a oportunidade de conhecer as
histórias em sua língua, conhecer personagens, identificar-se com eles, e assim
perceber o mundo mágico dos contos de fada. Para isso, a escola deve elaborar
meios para, por meio dos contos, suscitar o imaginário dessas crianças e permitir
o acesso à obra literária.
Porém, mesmo na escola regular os contos infantis são pouco explorados e
muitas das histórias não contemplam a identidade das crianças surdas. Os contos
apresentados nas escolas não tratam de pessoas surdas nem de sua identidade e
cultura. Não são apresentadas às crianças surdas personagens surdas. Assim, faz-
se necessário investir em uma literatura infantil para crianças com surdez e, em
especial, aos contos adaptados para língua de sinais e até mesmo as histórias
contadas pelos próprios surdos, pois sabemos da importância dos contos para o
desenvolvimento infantil e como estes são fundamentais no processo de
autoconhecimento da criança.
Segundo Quadros (1997), uma escola venezuelana apresentou algumas
metas para o desenvolvimento de crianças surdas filhas de pais ouvintes. Dentre
essas metas destacamos:
2
SignWriting ou escrita de sinais, utiliza-se de símbolos para escrever qualquer língua de
sinais no mundo inteiro. Foi criada em 1974, pela americana Valerie Sutton, mas começou
a ser pesquisada aqui no Brasil apenas em 1996. Acredita-se que esta escrita pode trazer
muitos benefícios ao surdo, pois com ela pode-se registrar a história da cultura surda,
assim como suas histórias espontâneas, suas piadas e poemas. Assim, o conto Cinderela
Página | 20
Surda é um dos primeiros livros no Brasil a ser apresentado na forma bilíngue, ou seja,
em Língua Portuguesa e em SingWriting.
Os pais, por enfrentar uma experiência nova, sofrem, talvez por medo de
não saber como lidar com este novo membro, que é “tão diferente”. No entanto,
o filho surdo, pode sofrer ainda mais, pois sente toda a indiferença de seus pais
em relação a ele. Conforme Rossi (2003), enquanto bebê, antes do diagnóstico da
surdez, a relação entre pais ouvintes e filho surdo é de muita afetividade, mas
com a descoberta da surdez, essa relação muda quase radicalmente. A autora,
ainda comenta sobre o comprometimento dessa relação:
3
Durante a análise do conto, todas as citações sem referências serão do livro Cinderela
Página | 22
Surda (Karnopp et al, 2007), para evitar repetições. Serão escritos apenas os números de
páginas.
Outra leitura que podemos fazer quando Cinderela sinaliza quem ela é: “-
SOU SURDA!” (p.22), é que ela está assim, afirmando sua identidade. Afirmar a
identidade surda é aceitar ser surdo, que possui uma língua e costumes próprios.
Significa dizer, que não é um “coitadinho”, nem doente e nem deficiente, é
surdo, conforme depoimento de um jovem surdo: “A identidade surda é aceitar
ser surdo. Se a pessoa não aceita ser surda, só, não tem identidade própria. É...
ele fica revoltado. Não aceita. Ele tem vergonha de ser surdo. Eu não... Eu não
tenho vergonha de ser surdo”. (SANTANA e BERGAMO, 2005, p.570)
Por causa dos muitos preconceitos sociais em relação ao surdo, infelizmente,
ainda há a necessidade de reafirmarem sua identidade, de falar que não são
doentes, anormais, defeituosos e nem privados de uma língua. Conforme
depoimento de uma surda: “Para quem se habituou a virar a cabeça ao chamado
de seu próprio nome, é talvez difícil entender. Sua identidade está dada desde o
nascimento. Não têm necessidade de pensar nela, não se questionam sobre si
mesmos”. (LABOURIT, 1994, p.51 apud SANTANA e BERGAMO, 2005, p.569).
Página | 24
Página | 28
This article aims to analyze “Deaf Cinderella” by Hessel, Rosa and Karnopp (2007) from its
representation and symbolic meanings. This short-story is considered a traditional
retelling of Cinderella by Perrault (1999) to the deaf reality, emphasizing issues pertaining
to deaf culture and identity. We are interested in understanding and bringing out possible
conflicts and difficulties faced by deaf children in this story. For that, we use as theoretical
support Bettelheim (1980), Corso and Corso (2006) and Abramovich (1997) in approaching
children's stories and the symbolic material present in these stories, and Goldfeld (2002),
Quadros (1997) and Skliar (1997) regarding deaf children. We understand from this
analysis that the symbolic language can describe internal conflicts faced by deaf children,
allowing them to understand themselves and find meaning for their lives. We also want to
reflect on the importance of children’s tales and the need to invest in a deaf literature that
aims to restore the cultural traditions of their communities.
Página | 29
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. 20.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 31
Página | 32
CONCLUSÃO
Página | 40
This article analyzes the literary book Nícolas, written by Agnès Laroche, illustrated by
Stéphanie Augusseau, and translated by Isabelle Gamin and Rosana Mont'Alverne Neto,
and A orquestra da lua cheia, written and illustrated by Jens Rassmus, translated by Sofia
Mariutti. In order to do so, we use the idea of dialogism by Bakhtin (1995) and Wolfgang
Iser (1990)’s concept of the implied reader. The books are important because their quality
is composed of verbal texts integrated with relevant illustrations for the child reader. The
construction of the identity and family conflicts are presented in stories that don't bring
manichean and predictable speeches. Instead of that, they invite the reader to imagine
and to solve the problems through thinking and action in a world not often very sensitive
to the child's needs. Although the themes are common in children books, both texts are
marked by creative and interesting writing to the child reader.
Página | 41
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Trad. Johannes
Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996. vol. 1.
RASSMUS, Jens. A orquestra da lua cheia. Trad. Sofia Mariutti. São Paulo:
Reviravolta, 2013.
Página | 42
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 43
Página | 44
A proposta inicial deste artigo é por demais ampla, confesso, para não ter
que reconhecer – e para que, antes de mim, não o façam outros – que é um tanto
pretensiosa. Discutir o ensino de literatura e a formação de leitores literários no
Ensino Básico; avaliar a utilização da chamada literatura trivial ou de massa,
como uma das ferramentas com que se tem trabalhado a formação de leitores,
na sala de aula; refletir acerca do papel mediador do professor de Língua
Portuguesa no processo de formação do leitor literário; criticar a atitude docente,
pretensamente democrática e libertária, quando da opção pela literatura de
massa, como forma de atender às supostas escolhas livres de estudantes
adolescentes; apontar os elementos ideológicos que agem na busca de
legitimação das práticas de leituras literárias contemporâneas; e, finalmente,
ajudar o professor de língua materna na construção de uma postura propositiva
perante o fenômeno. Tudo isso aplicado à realidade brasileira no que tange à
produção literária de massa, sobretudo ao representante nacional do fenômeno
da cultura de massa de best-sellers seriados, como é o caso dos seis títulos da
série Fala sério! de Thalita Rebouças, cuja expressiva vendagem configura amplo
sucesso para os padrões editoriais brasileiros.
Sei que os limites impostos pela natureza ensaística desse artigo não
permitirão que eu dê conta integralmente dos assuntos envolvidos. Por isso
mesmo, talvez fosse melhor ouvir a voz da razão, recuar na empreitada,
desmembrar o assunto em vários artigos, eliminando o risco de superficialidade
intelectual. Ou botar a “mão na massa” e correr os riscos.
Não que seja incompossível a abordagem de todos esses temas em um único
texto, pois ideologia, literatura juvenil de massas, mercado editorial, escolhas
anárquicas, práticas de leitura literária e ensino de Literatura dialogam entre si.
Esses são assuntos que ocupam as preocupações presentes nas propostas de
formação de leitores literários, notadamente representadas por documentos
oficiais norteadores do ensino de língua materna, tais como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), as Orientações Curriculares do Ensino Médio
(OCEM) e as diversas diretrizes curriculares estaduais para o ensino de Língua
Portuguesa. E eu – que venho lidando com essa gama de assuntos em minhas
pesquisas no âmbito da Universidade Estadual de Londrina-PR e em cursos de
formação continuada ministrados para os experientes professores de Língua
Portuguesa da rede estadual de ensino –, prefiro evocar tudo para uma boa prosa
acadêmica sobre formação de leitores literários.
Mas, fala sério, ninguém lê a “obra completa” de Thalita Rebouças
impunemente. E eu (de novo), tantas vezes sério na produção acadêmica, me
pego receoso do contágio dessa casta de literatura, e me pergunto, com medo de
minha própria introspecção, sobre a medida com que esse tipo de literatura
contamina seus leitores. Afinal, “um pouco de fermento leveda toda a massa”. E
me questiono, ainda, a respeito das razões que levam ao levedo uma massa nada
desprezível de pesquisadores, a ponto de defenderem, em congressos de leitura
e em revistas especializadas, a viabilidade de começar um trabalho eficiente de
formação de leitores nas escolas, a partir da adoção de leituras de best-sellers
Página | 45 seriados, como Harry Potter, de Johanne K. Rowling, Crepúsculo, de Stephenie
CONCLUSÃO
Página | 55
The aim of this paper is to discuss if reading mass literature – as the Fala sério! series by
Thalita Rebouças – is a good strategy to form literary readers in Basic Education. The
preoccupation concerns the use of mass literature by Portuguese teachers, a practice that
is supported by some academic studies. So, after discussing the concepts of mass
literature (Eco; Benjamin; Adorno) and its relation to a formation of readers (as
recommended by official Brazilian documents, such as PCN, OCEM and DCE), I hope to
assist teachers with a proposal: they need to know about mass literature, but they mustn’t
accept it as a bridge to form readers. The teachers must think mass literature as a bridge
to build a dialogue between teachers and students.
Página | 56
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. Trad. Silvana Vieira, Luis Carlos
Página | 57
Borges. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista: Editora Boitempo,
1997.
ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Trad. Beatriz Borges, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
Página | 58
PAES, José Paulo, “Faz falta uma literatura brasileira de massa”. In: Jornal Folha
de São Paulo, 10.01.1989, Caderno E, p. 8.
REBOUÇAS, Thalita. Fala sério, mãe! [2004]. 2ª edição, Rio de Janeiro: Rocco,
2012.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 59
Página | 60
1
A lista pode ser acessada aqui:
Página | 61
https://www.librarything.com/bookaward/Waterstones+Books+of+the+Century
Para Ian Watt (1997), foi Christopher Marlowe (1564-1593), um dos grandes
nomes do teatro elisabetano, quem estabeleceu o mito com The tragical history
of the life and death of Doctor Faustus, que estreou em 1592, inspirada na
tradução livre de P.F. Gent, apresentada naquele mesmo ano.
Em Marlowe, uma série de alterações é feita com relação àquilo que foi
publicado até então: há a redução dos poderes mágicos do protagonista; são
poucas as passagens moralizantes; são excluídas algumas de suas atividades,
como a previsão do tempo; não há covardia cômica; e ainda que apareça, Helena
é omitida (Watt, 1997, p. 42).
Ainda segundo Watt, são três os tópicos que resumem as contribuições de
Marlowe à substância do fáustico: a escolha da vocação individual, a alienação
acadêmica, e a danação eterna, sobre os quais falaremos noutro segmento.
Dessa forma, para Nitschck, o Fausto trágico não tem razão de ser na cultura
latino-americana; seu papel, quando desempenhado, é cômico e popular, como é
o Fausto de Estanislao del Campo (1834-1880), editado em 1866.
Erwin Rosenthal (2010) supõe que Machado de Assis tenha sido o primeiro
escritor brasileiro de grande gabarito a tomar conhecimento do Fausto de
Goethe sem que traduções fossem necessárias, apesar de a temática fáustica ter
marcado presença em alguns poemas do romantismo brasileiro. Contudo, é o
poema dramático “Fausto e Margarida”, editado em 1878, de autoria de Múcio
Tixeira (1857-1926), o primeiro texto brasileiro a sofrer influência direta de
Goethe, recriando sua atmosfera.
Dentre os textos que Rosenthal cita em seu panorama sobre o Fausto no
Brasil, também estão Fausto – ensaio sobre o problema do ser, de Renato
Almeida (1922), o fragmento cômico-dramático de Vicente de Carvalho (1866-
1924), os diálogos com D. Juan de Francisco Pati e Menotti del Picchia, o estudo
Goethe e a Química, de Oswaldo Carvalho (1966) e O protagonismo do Fausto, de
Juarez G. Batista (1968), “transcriações” de Haroldo de Campos (1981) e o poema
de Carlos Nejar (1983), além do estudo mais recentes de Jerusa Ferreira (1995) e
da ficção de Judith Grossmann (1999).
FAUSTINO, O PERSONAGEM
no Fausto de Ganem tais itens nem são considerados pelo protagonista. Se,
como afirma Ferreira (1995), o Fausto de Marlowe é de danação e o de Goethe é
de salvação, o drama nordestino não é nem de um, nem de outro.
Conforme o ciclo em que se insere, Faustino não aceita a mediania, é expulso
por São Pedro do céu – “ Por essa porta num entra / nenhum ferreiro ingrato /
que enganou Jesus Cristo / pintou que nem o diabo / pois no fogo vai arder / vai
queimar deito um rato” (GANEM, 1998, p.112) e do inferno pelo diabo – “Eu não
estou esquecido / do seu banco, desgraçado / pé de caju e saco de couro / onde
sofri condenado / portanto suma de vista / cabra enrolão descarado” (p. 115).
Ainda que nossa intenção tenha sido apresentar ao leitor algumas das
remitificações do mito, é importante que se note que o mito de Fausto, não só no
Brasil, como em toda América Latina, não se restringe ao ciclo popular do
demônio enganado. São exemplos brasileiros de textos que fogem desse perfil
Fausto Mefisto, de Judith Grossman, cujo protagonista é chamado, por Ligia
Chiappini (2010), de “Prometeu ecológico”, figura que retoma para classificar
também o personagem de uma obra do professor Donaldo Schuller, cujo Fausto
não integra o conjunto de textos a que Ferreira (1995) se refere.
No contexto do ciclo americano do diabo logrado evidencia-se no Faustino,
de Eliane Ganem, toda a problemática do homem moderno latino-americano. Se
considerarmos o poder de representação do mito fáustico ao projetar um herói
que se converte em uma espécie de arquétipo do homem moderno, a obra de
Eliane Ganem nos permite mergulhar na velha angustiante impressão de
estarmos sempre em “desvantagem” em relação aos avanços da civilização
europeia e norte-americana. Diante disso, vivemos seguramente um drama
fáustico por excelência. Por meio da literatura fáustica e, sobretudo, da literatura
que forma o ciclo do diabo logrado, realiza-se ficcionalmente a utopia do homem
moderno latino-americano.
Na obra em questão, o protagonista parece promover uma “vingança”
ardilosamente arquitetada contra os obstáculos que nos foram impostos pelo
velho regime colonial ibérico, marcado pela igreja católica e os grandes
proprietários de terra, ambos controlando a massa trabalhadora, como pode ser
observado nas conclusões finais do herói, rejeitado por Deus e pelo Diabo: “Pois
se hoje eu sou sozinho / é que não há Deus nem diabo/ só existe gente
mandando/ e um punhado de escravo/ pois eu vou criar um reino/ sem ninguém
pra ser mandado” (p. 117). A propósito do ideário revolucionário manifestado
por Faustino ao final da narrativa, quando é obrigado a desfazer-se da ilusória
vestimenta dos prazeres capitalistas vivenciados durante o pacto e deparar-se
novamente com sua orfandade, Darío Henao Restrepo (1993) nos adverte, em
sua análise de Pedro Páramo, obra do mexicano Juan Rullfo, que não há “nada
mais fáustico que uma revolução, por suas utopias, seus ideais, e pelas
transformações que desencadeia” (p. 58).
A frustração de Faustino diante de sua nova realidade, pois nem após a
morte encontra morada, seja no céu seja no inferno, responde à dramática
Página | 68
metáfora que o mito fáustico adquire na nova narrativa latino-americana. Para
Restrepo, retomando Antonio Candido, o escritor brasileiro Graciliano Ramos
R. Letras, Curitiba, v. 19, n. 24, p. 59-71, mar. 2017.
representou como nenhum outro em sua obra a “imensa preocupação com a
situação do homem no Brasil contemporâneo, com seus dilemas e contradições
provocados pelo descompasso de valores numa sociedade que se quer tornar
moderna com um pé no século XVII ou XIX” (p. 67). Seria Faustino, mais um
representante desse nordeste semifeudal que resiste ou está à margem da
modernidade, como tão bem pintou Graciliano Ramos em suas obras?
Obviamente que sim. Desse modo, sua forma de resistência ocorre não apenas
por meio da vivência ilusória do drama fáustico do progresso, mas também pela
via da dialética da malandragem, pois, em sua ânsia de viver a ilusão do
“progresso” o malando Faustino, à semelhança do pícaro espanhol, aprende que
“el mozo del ciego un punto ha de saber más que el diablo” (2005, p. 36).
De forma astuta, Faustino consegue enganar todas as diabólicas criaturas
que vem lhe cobrar a vida, seu bem mais precioso. Pagar com a própria vida o
prazer de gozar dos frutos da modernização, pela qual todos nós derramamos
nosso sangue, não lhe parece algo muito justo nesse contrato que Faustino,
malandramente, consegue desfazer: “No sertão num tem feitiço/ que engane o
tal Faustino/ Viveu até os noventa/ brincando que nem menino/ arrumou só
confusão/ devagar fez seu destino” (p. 105). No universo mítico do sertão
Faustino é quem reina e suas artimanhas comprovam as formas de
transcendência geradas pela dura realidade dessas terras inférteis, mas que
podem ser, ao mesmo tempo, uma fabulosa mina de ouro cultural.
Ao analisar o dramático dilema da modernização metaforizado pelo mito
fáustico na nova narrativa latino-americana, Dario Henao Restrepo exemplifica
por meio de obras como Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, São Bernardo,
do brasileiro Graciliano Ramos, El yo supremo, do paraguaio Roa Bastos, e Cien
años de soledad, do colombiano Gabriel García Márquez, a estreita vinculação
entre a trama fáustica e a problematização dessas realidades marginalizadas,
tanto no campo como na cidade, mostrando-nos como o mito fáustico no novo
mundo serve para retratar o descompasso entre a falsa máscara da modernidade
e as sombras ocultas do homem latino-americano.
CONCLUSÃO
Although a considerable time has passed since the beginning of the production of the first
children's books at the end of the seventeenth century, there are many works of children’s
literature that still carry the moralizing key of the pedagogical tradition that marked the
beginning of genre. Fortunately, this is not the case of Faustino, um Fausto nordestino ,
written by Eliane Ganem , who received the INACEN Prêmio de Dramaturgia and Patativa
do Assaré from the Brazilian Ministry of Culture for the book. This article presents a
reading possibility of Faustino, considering it a polysemic text in which the writer
constructs as protagonist a character whose story consists in one of the myths of the
modern individualism: Faust. This analysis discusses this protagonist in view of the
dialogue proposed by Ganem by referring back to one of the great Western myths. For
that, we will use as elements of discussion studies such as those of Joseph Campbell,
Jerusa Ferreira and Darío Henao Restrepo.
KEYWORDS: Children’s Literature. Faust. Myths of Modern Individualism.
Página | 70
BLOOM, Harold. Stories and poems for extremely intelligent children of all ages.
New York: Touchstone Book, 2002.
CAMPBELL, Joseph. The masks of God: creative mythology. New York: Souvenir
Press, 2011.
WATT, Ian. Mitos do individualismo moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan,
Robinson Crusoe. Trad. M. Pontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 72
Página | 73
O livro Menina Bonita do Laço de Fita (2001), de Ana Maria Machado, conta
a história de uma menina negra e de um coelho branco que sonha em ter uma
filha bem pretinha tal qual a menina. No seu blog pessoal, Machado revela que o
livro não foi inspirado numa menina negra, mas na filha da escritora, que era
bem branquinha. Tampouco a autora tinha a pretensão de colocar em evidência
os problemas histórico-sociais do Brasil. Entretanto, na obra Literatura e
Sociedade, Candido (2000, p.20) revela que
Página | 74
Mas o nosso coelho branco nada entende dessas questões. Para ele a
menina era “a pessoa mais linda que ele já tinha visto em toda a vida”
(MACHADO, 2001, p.3). Nesse caso, pode-se pensar que a obra de Ana Maria
Machado inverte a pirâmide social, colocando no topo aqueles que estiveram (ou
estão) na base da pirâmide: as mulheres (negras e pardas) e seus filhos,
sobretudo suas filhas. O texto, então, trabalha na contracorrente, porque, na
posição de subalterno, relegada ao negro, está o coelho branco enquanto a
menina ocupa uma posição de destaque justamente pela cor e pelos traços de
origem negra:
A descrição da menina vai contra tudo o que a sociedade define como belo e
bom, já que, no imaginário popular, está introjetada a imagem do negro como
símbolo de feiura e demonização. O texto permite que nos coloquemos no lugar
do outro. Podemos então refletir sobre a imagem inferiorizada, depreciativa que
a sociedade branca criou e que, ao longo dos séculos, se tornou mais um
mecanismo poderoso de opressão. Reconhecer esses mecanismos ideológicos
implica em perceber que os grupos dominantes costumam estabelecer sua
hegemonia inculcando uma imagem inferiorizada nos grupos dominados. O texto
da (Machado) autora reformula essa imagem ao torná-la positiva.
Se, na década de 1970, as teorias de hierarquia de raça foram perdendo o
fôlego, graças aos estudos da genética, da bioquímica e da biologia molecular, em
contrapartida, surge o racismo contra a mulher, contra o negro, contra os
homossexuais, contra tudo o que não se mostrar como normal. O racismo
apresenta, então, uma outra face: a do estigma.
Dos estudos de Goffman (2008), um dos mais importantes trata da noção
de estigma, fundamental como aporte para observações das interações. Segundo
o autor, a palavra estigma era utilizada pelos gregos como referência a alguma
marca corporal que indicasse inferioridade, mas atualmente o termo se refere a
algum “defeito” ou “marca” não relativa ao corpo, mas a algum signo que possa
ser visto como inferiorizante para o indivíduo, que faça com que ele seja avaliado
como menos capaz. Goffman afirma que as sociedades têm o poder de
estabelecer categorizações sobre o que é e o que não é normal. Dessa forma,
desqualifica alguns indivíduos que não estejam adequados ao padrão de
normalidade estabelecido. Esses indivíduos estigmatizados servem como medida
para confirmar a “normalidade“ dos outros. Quando pessoas com estigma se
encontram com pessoas normais, o contato imediato faz com que o estigma seja
percebido como um traço de identidade social, e cria-se, a partir dessa
percepção, uma “suposta normalidade”.
Nesse sentido, o estigma aparece como um defeito que coloca a pessoa em
descrédito. Então, é necessário um controle da tensão, certo manejo da situação
entre o desacreditado e o normal. É possível ocorrer um esforço para que o
estigma não apareça muito com o objetivo de reduzir a tensão provocada pelo
contato direto. É o que o autor chama de acobertamento. Trata-se do cuidado
em restringir a exibição de traços identificadores do seu estigma.
Página | 76
Goffman compreende o processo de estigmatização também como
dependente da alteridade. É na interação dos indivíduos que o estigma é
Gênero e mestiçagem
Ao lermos estes dois trechos da história, pode parecer que a visão positiva
da mestiçagem esteja a favor da ideologia da identidade nacional, uma vez que
“a ideologia da identidade nacional brasileira é marcada pela ideia de mistura, de
miscigenação, representada como integradora e homogeneizadora da nação”
Página | 77 (COSTA, 2009, p.97). No entanto, acreditamos que ocorre o contrário: trazer
uma imagem positiva significa reconhecer que é preciso abrir espaços para o
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Página | 81
The current work aims on the analysis of the children’s book “Menina Bonita do Laço de
Fita”, written by Ana Maria Machado, based on the studies of Munanga, Stuart Hall,
Goffman and Bakhtin, among others. The studies about identity and diference are used
based on the analysis of ethnic and racial relations and on analysis of gender and class
inside a social-historical perspective. The research leads to a deconstruction of the racial
democracy myth in Brazil as one of the main paths to the construction of a cultural
identity built on the respect to ethnical diversity.
KEYWORDS: Identity. Difference. Prejudice. Otherness.
Página | 82
AGUIAR et al (Org.). Era uma vez na escola: formando educadores para formar
leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.
DISCINI, Norma. Carnavalização. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitos-
-chave. São Paulo: Contexto, 2006.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes,
2011.
Página | 83
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 84
Página | 85
A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA
Página | 87 1
http://tvfacopp.unoeste.br/tvfacopp/online/noticias.php?id=773&pg=52. Acesso em: 20
de janeiro de 2016.
2
Popeye e Mr. Magoo exploravam tal universo, respectivamente, em O Marinheiro
Popeye encontra Ali Babá e os Quarenta Ladrões (1937) e Mr. Magoo e As Mil e Uma
Noites (1959).
3
Página | 90 Conferir Pernalonga Hood (1939).
4
Conferir o episódio homônimo da série Pica-Pau.
OS SUCESSORES
5
Com o objetivo de discorrer sobre o perfil dos protagonistas, elegemos apenas um
representante emblemático de cada animação. Seria inviável, e praticamente inexequível,
se estivéssemos com um corpus maior. Por isso, vale salientar que, no longa-metragem
mencionado, revelavam-se outras crianças emancipadas, como Wendy, João e Miguel.
Contudo, estamos contabilizando apenas Peter Pan.
6
O modelo eufórico (ZILBERMAN (1982), p.88) privilegia os valores da existência
doméstica com base em uma visão adulta dos fatos. Visão essa em que a assimetria entre
a criança e seus progenitores ou responsáveis se torna bastante acentuada. O adulto, via
de regra, é representado como um sujeito exemplar e detentor do saber, diluindo, ao
Página | 91
longo de toda a diegese, seus propósitos moralizantes.
CONCLUSÃO
Página | 94
Significant box offices show that the animation genre is acclaimed by children and
adolescents, although it does not make part of the school routine effectively, which
prioritizes reading the literary canon from a methodological proposal that is still
monological and structuralist. The cartoons, in this way, would penetrate the units of
education as a marginal, alive and incisive genre in the speeches and behaviors of the
students. Considering that, the main objective of this research is to problematize the
aesthetic proposals conveyed in traditional and contemporary designs, produced, divulged
and marketed in different countries. Therefore, the research, based on Bakhtin's
dialogism, analyzed two hundred fifteen productions launched during nearly a hundred
years, sold on DVDs or made available on the internet, especially on YouTube. From the
resources used by the studios in the construction of the visual text and the multiple voices
established throughout the drawings, it is hoped to identify the artistic proposals in both
more "formal" narratives, published between the years of 1960 and 1970, as well as in the
more "daring" productions, marked after the 1990s, of a polysemous and emancipatory
nature, marked by metalanguage, polyphony, the incidence of eccentric heroes,
anachronisms, innumerable allusions to pop culture, and especially intertextuality.
Página | 95
Página | 96
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 97
MULTILETRAMENTOS E HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS: RELATO DE UMA PRÁTICA
RESUMO
Aline Rodrigues da Silva
rodrigues.letras@yahoo.com.br
Neste trabalho, objetiva-se descrever e discutir a respeito da prática de leitura e
Universidade Federal de Mato produção de histórias em quadrinhos (HQs) em uma turma de nono ano do
Grosso do Sul, Três Lagoas, Mato
Grosso do Sul, Brasil. ensino fundamental de uma escola pública em Três Lagoas (MS). Esta proposta foi
Gabriel Lúcius dos Santos
realizada por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
glsketch@gmail.com (PIBID) e se situa no campo teórico e metodológico da Linguística Aplicada, mais
Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Três Lagoas, Mato precisamente na visão dos multiletramentos com base em CARDOSO (2005), DOLZ
Grosso do Sul, Brasil.
et al. (2004), CORDEIRO (2004), FIELD (2001), GERALDI (2010), MENEZES DE
Claudete Cameschi de Souza SOUZA (2011), ROJO (2012) e SILVA (1987). Os procedimentos metodológicos
claudetecameschi@gmail.com
Universidade Federal de Mato centram-se na pesquisa-ação a fim de investigar sua própria prática de forma
Grosso do Sul, Três Lagoas, Mato
Grosso do Sul, Brasil.
reflexiva e cooperativa. O corpus consiste nas atividades realizadas em sala e em
dados das discussões que antecederam a utilização de textos. Como resultado,
foram produzidas pelos alunos HQs, as quais revelam as preocupações das suas
realidades locais, assim como a influência exercida pela realidade global. Dessa
forma, percebeu-se que a elaboração das HQs possibilitou momentos de
aprendizagem que foram explorados a partir da multimodalidade e da
multiculturalidade desse suporte textual.
PALAVRAS-CHAVE: Multiletramentos. Leitura. Histórias em quadrinhos.
Página | 98
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ideias e Sinopses
Página | 103
Nas aulas que se seguiram (3ª e 4ª), o planejado seria entregar as sinopses
produzidas na aula anterior e comentá-las, porém, como estas não estavam
finalizadas, utilizou-se o tempo para terminar nesta aula. Uma das sinopses que
resultou do trabalho da E (1) está descrita abaixo:
Página | 104
Pag 3
Nota-se o uso do celular para uma conversa informal entre dois adolescentes
(em outro momento da história descobre-se que um deles mentiu para mãe)
assim, concretiza-se novamente a presença do cotidiano (fator sócio histórico),
por meio do celular, na produção dos alunos.
Página | 107
Nota-se que "a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que
a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na
língua" (BAKHTIN, 1992 apud GERALDI, 2010, p. 141). Assim, compreendemos
que o melhor lugar de expressão da dialética entre estabilidade e instabilidade é
o texto. É por isso também que há, no texto (como nessa HQ), subjetividade,
posições ideológicas e vontades políticas em frequentes atritos.
Um grupo de duas alunas não elaborou argumento e roteiro, E (5), pois não
se sentia interessado. Entretanto, ao final das aulas conseguiu produzir uma HQ
baseada em uma história que realmente aconteceu em Três Lagoas (MS) e que
tem como consequência uma crítica ao sistema de segurança, uma vez que duas
pessoas inocentes são executadas após serem confundidas com ladrões.
Página | 109
CONCLUSÃO
Página | 111
This work aims to describe and discuss the practice of reading and producing comics in a
ninth grade High school class at a public school in Três Lagoas (MS). This proposal was
made possible by the Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) and
it is situated in the theoretical and methodological field of Applied Linguistics, more
precisely regarding multiliteracies as defined by CARDOSO (2005), DOLZ et al. (2004),
CORDEIRO (2004), FIELD (2001), GERALDI (2010), MENEZES DE SOUZA (2011), ROJO (2012)
and Silva (1987). The methodological procedures were focused on action research in order
to investigate the student’s own practice in a reflective and cooperative meaning. The
corpus consists of activities done in the classroom and on discussions that preceded the
use of texts. As a result, the students produced comics, which revealed the concerns of
their local realities, as well as the influence of the global reality on them. Therefore, the
elaboration of comics enables moments of learning that are exploits from the
multimodality and multiculturalism of the textual support.
Página | 112
1 É importante ressaltar que essa ideia não foi gravada, portanto, está descrito o
seu conceito geral.
2 Essa sinopse foi elaborada pelos autores desse trabalho.
Página | 113
CARDOSO, Sílvia Helena Barbi. Discurso e ensino. 2. ed. 1. reimp. Belo Horizonte:
Autêntica/Fale-UFMG, 2005.
GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João
Editores, 2010. 208p.
SILVA, Ezequiel Teodoro da. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma
nova pedagogia da leitura. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1987.
Página | 114
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 115
1
Artigo publicado em primeira versão nos Anais do 5º SLIJ - Seminário de Literatura
Página | 116
Infantil e Juvenil: Letramento literário e Diversidade, na UFSC, Florianópolis, de 11 a 13 de
abril de 2012.
PERDIDOS NA ILHA
A ilha perdida trata das peripécias vividas pelos irmãos Henrique e Eduardo,
que saem escondidos da fazenda dos padrinhos, margeada pelo rio Paraíba, para
se aventurar em uma ilha situada no centro desse rio. O chamado da aventura
acontece por meio da sedução, pois os protagonistas sentem-se atraídos por
aquele misterioso espaço proibido pelos adultos. Na ânsia de atingirem-no,
encontram, por acaso, uma canoa velha, a qual os conduz ao lugar desejado. Esse
espaço apresenta-se como desconhecido e de difícil acesso, pois constituído por
matas fechadas e labirínticas. Nele, os protagonistas passam fome, sentem medo
e correm risco de vida. O mais novo, Henrique, é detido por um ermitão, Simão,
morador da ilha há muitos anos. Feito prisioneiro, o jovem adentra o centro da
Página | 117
ilha, enquanto seu irmão permanece em suas margens. Henrique, uma vez
NA CASA DA MADRINHA
[...] ele [o pavão] não podia achar nada; tinha que ficar quieto
escutando o pessoal falar. Se abria o bico ia de castigo; se pedia pra
ir lá fora ia de castigo; se cochilava (o pessoal falava tanto que dava
sono), acordava ele correndo pra ele ir de castigo (BOJUNGA, 2002,
p. 24).
Além disso, tinha o objetivo desse curso era o de aterrorizar o aluno e fazer
com que ficasse com o pensamento atrasado, não pensasse, não refletisse e nem
questionasse sobre qualquer coisa:
O Curso Papo era pra isso mesmo: pro aluno ficar com medo de
tudo.O pessoal do Osarta sabia que quanto mais apavorado o aluno
Página | 122
ia ficando, mais o pensamento dele ia atrasando. E então eles
Página | 124 2
Disponível em: <http://www.beakauffmann.com/mpb_c/casa-no-campo.html>. Acesso
em: 09 set. 2013.
– Mas tá na cara que você não tem madrinha nenhuma! Aquilo tudo
foi história que o Augusto inventou pra você dormir! (NUNES, 2002,
p. 74).
Vera olhou a flor; olhou Alexandre; “por que será que ele tá achando
que a flor que eu botei na mala é a flor que enfeitava a porta azul?
Essa alamanda é muito menor...”
Vera pensou: pronto, agora ele vai ver que é uma outra flor.
– Que legal! Agora vou viajar com a chave da casa no bolso; não vou
ter mais problema nenhum. Lembra o que o Augusto falou?
Vera ficou olhando pra flor sem entender (NUNES, 2002, p. 93-94).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Página | 129
This paper aims to examine the provisions of the narrator in two discursive books of two
different authors: Maria José Dupré’s The lost island and Lygia Bojunga Nunes’ The
godmother's house. To achieve this goal, we intend to observe why Dupré’s book, which
is marked by a monologic discourse and by the sovereignty of the narrator, is considered
attractive by young people, and the work of Bojunga, characterized by a polyphonic
discourse, is pointed out by young readers as a difficult reading. Through the theoretical
support of reception aesthetics, we present a possibility of reading both books reflecting
on the provisions of the narrator and his interference in the role of the implied reader.
Furthermore, we intend to reflect on the horizon of expectation of young readers who
approve Dupré and reject Bojunga.
Página | 130
COELHO NETO, José Teixeira. O que é utopia. São Paulo: Abril cultural Brasiliense,
1985. p. 7-9. (Coleção Primeiros Passos).
DUPRÉ, Maria José. A ilha perdida. Ilustr. Edmundo Rodrigues. 11. ed. São Paulo:
Ática, 1978.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Trad. Johannes
Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1999, vol.2.
NUNES, Lygia Bojunga. A casa da madrinha. Ilustr. Regina Yolanda. 18. ed. Rio de
Janeiro: Agir, 2002.
PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.
Página | 131
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 132
Página | 133
Querida (BOJUNGA, 2009) foi uma das obras premiadas em 2010 pela
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) com o selo de Altamente
Recomendável. Este selo pode ampliar a visibilidade da obra, proporcionando-lhe
aumento nas vendas, a procura no mercado específico como livrarias e
bibliotecas, até a sua finalidade: a leitura feita e concretizada pelos adolescentes.
Desse modo, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) pode
ser considerada fomentadora de um grupo seleto de livros destinados aos
adolescentes e às crianças, de maneira geral. Mas, o que há em Querida (2009)
para que a FNLIJ considerasse esta obra de interesse aos adolescentes e porque
seria recomendável sua leitura?
É a particularidade na forma de narrar aliada ao que se espera do leitor
que permite a interação entre leitor e texto. Conforme Hunt (2010), a interação
entre texto e leitor exige deste toda a sua concentração e que ele acione todas as
suas experiências culturais, sociais e psicológicas.
Deste modo, para que haja diálogo entre um texto e seu leitor é necessário
que este se perceba dentro do contexto, ou ainda, entenda esse universo
ficcional de maneira a completar as lacunas textuais. As lacunas de um texto,
bem como a capacidade de compreendê-las são explicadas por Umberto Eco
(1994) através do conceito de leitor modelo. Para este autor, o leitor modelo não
é o empírico, pois os leitores empíricos podem ler de diversas formas, sem uma
lei que os possa regê-los, cada um irá ler a partir de suas próprias experiências. À
vista disto, leitor modelo é aquele pensado pelo autor, disposto a acompanhar o
texto tal qual um expectador de um filme, em que o diretor espera determinadas
reações do seu público: “Eu chamo de leitor modelo uma espécie de tipo ideal
que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar” (ECO, 1994,
p. 15).
(Isto posto, esperar que o leitor caracterize os personagens é uma das chaves
que movimentam a narrativa, pois, segundo Eco (1994) “O texto é uma máquina
preguiçosa que espera muita colaboração da parte do leitor” (p. 34).) Dessa
maneira, o leitor estaria entrando no jogo, no processo de aquisição daquilo que
está sendo lido.
Assim, esta análise busca apresentar os aspectos literários nas formas de
narrar em Querida (2009) que se engendram para construir uma narrativa que
associa temáticas comuns aos adolescentes aos questionamentos do processo de
transição entre o pensar adulto e o pensar criança.
O UNIVERSO DO ADOLESCENTE
(...) O Roberto já não sabe mais o que fazer para ganhar o amor de
Pollux (...) O Roberto é um vegetariano convicto porque não aguenta
pactuar com a morte de nenhum bicho, nem que seja uma miserável
galinha ou um infeliz caranguejo; é uma pessoa totalmente voltada
para a construção de um mundo de paz. (BOJUNGA, 2009, p. 99-100)
Assim, tal citação mostra um aspecto que pode aproximar o leitor daquilo
que ele vê e vive, pois, a literatura juvenil contemporânea de qualidade não
pretende se destacar pela reificação de estereótipos familiares e sim, apresentar
aquilo que a sociedade vive, sem julgamentos de superioridade ou inferioridade,
quebrando o paradigma conservador de que um padrasto é sempre uma figura
maligna aos enteados.
Outro traço do leitor implícito explicado por Colomer (2003) refere-se ao
leitor que vive na inconstância do crescimento físico e psicológico, ou seja, a
adolescência: “um leitor cuja idade aumenta que amplia progressivamente suas
possibilidades de compreensão do mundo. (...) a quem se dirige textos que
deveriam diferenciar segundo as características psicológicas da idade.”
(COLOMER, 2003, p.175).
Para Carrano (2005), a juventude atual não se prende mais aos conflitos a
respeito de ideologias sociais deslocadas da sua realidade, outras questões
parecem ser mais emergenciais à juventude:
À vista disso, para que o leitor adolescente possa construir identificação com
o texto, este deveria partir dos pontos de interesse desta categoria – a juvenil. De
acordo com Leahy-Dios (2005), de maneira generalizada, os principais interesses
dos adolescentes têm sido o conhecimento do próprio corpo, as dificuldades nas
relações familiares, sociais, afetivas, amorosas e sexuais.
Página | 137 Em Querida enfatizam-se as relações afetivas do protagonista Pollux com sua
mãe. Pollux exige a presença constate da mãe e quanto mais o padrasto tenta
(...) Eu era bem pequena quando você saiu lá de casa, mas nossos
irmãos sempre me falam que você tinha um amor exagerado pela
nossa mãe e nunca me perdoou a fatalidade dela ter morrido
quando me deu a luz. Então, você deve saber, melhor que ninguém,
o que o ciúme faz com a gente (...) (BOJUNGA, 2009, p. 99).
(...) Ela falou que você também tinha um amor doente pela tua mãe
(...) Eu nunca tinha pensado que o amor podia ficar doente (...) como
é que a gente sabe quando ele adoece? (...) vai perdendo a alegria,
vai deixando de se importar com os outros, fica só pensando na
doença, acaba até ficando meio cansado de viver, o que , em outras
palavras: significa: vontade de morrer.(BOJUNGA, 2009, p.155)
CONCLUSÕES FINAIS
Página | 140
Since 1974 the Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ choose the books
that are worthy of the Highly Recommended Seal. The writer Lygia Bojunga has received
the honor repeatedly. Her most recently awarded book was Querida, in 2010. This book
was published in 2009. This paper seeks to identify in what extent Querida (2009)
dialogues with the reader, considering it as directed to the age group of teenagers. In fact,
in order to identify these aspects of dialogue (reader-book), this paper will consider
literature as a symbolic and imaginative representation of social relations, using as
approach the concepts and discussions promoted by the Sociology of Reading, as well as
the reader-response criticism from what Querida assumes its model-reader, pointing out
what he/she must be able to understand in order to fill the gaps in the text. Thus, this
study also seeks to indicate the relevance of the sociocultural aspects imbricated in the
construction of this model reader.
KEYWORDS: Querida. Reader. Lygia Bojunga.
Página | 141
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BOJUNGA, Lygia. Querida. Rio de janeiro: Casa Lygia Bojunga. 1°ed. 2009.
ECO, Humberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia
das letras, 1994.
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução: Cid Knipel. Ed. rev.
São Paulo: Cosac Naify, 2010.
Página | 142
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 143