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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – CAMPUS GUARULHOS


ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS – EFLCH

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO


ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS UNIFESP - EFLCH

PEDAGOGIA

Eva Maria da Cunha Cantarelli Vieira- 148.197

A literatura infantil na desconstrução das noções de gênero e família nuclear:


um estudo dos diferente arranjos familiares e das concepções de gênero na
educação infantil

Guarulhos
2023
1. Introdução

“Se a leitura tem seu papel na escola e na sociedade, ela tem


também seu papel na formação do indivíduo atuante e
transformador da realidade social”. (Silva, 2009, p.145 APud
Cotrim, p. 67, 2018)

Até o século XIX, o conceito de infância se sustentava na noção de mini adultos, não
havendo uma preocupação com materiais voltados exclusivamente para esse público. A
literatura existente eram adaptações de clássicos e não se preocupavam em carregar um teor
pedagógico. A partir do século XX a noção de infância é ressignificada, e segundo Linsingen
(...) “Quando a infância passa a ser vista como um período de aprendizagem, toda e qualquer
mensagem destinada ao infante passa a ser encarada como um veículo transmissor de
conceitos”. (P. 2)
A nova visão de infância carrega consigo a preocupação de criar materiais
informativos, pedagógicos e lúdicos. Os livros infantis tornam-se recursos amplamente
significativos nos ensinamentos não só de disciplinas escolares, mas também de valores,
carregando consigo um teor de transgeracionalidade muito significativo. Da mesma maneira
que as literaturas infantis podem contribuir para a desconstrução de estereótipos, podem
também reforçá-los. Para tanto, a pesquisa utilizará duas literaturas antagônicas para
exemplificar os diferentes papéis da literatura infantil na formação dos indivíduos.
A obra “Tango tem dois papais. Por que não?” é uma literatura infantil que nos abre
espaço para debater temas importantes como as diversas possibilidades de arranjos familiares,
as famílias homoafetivas e até mesmo sobre adoção, o que implica diretamente em falar sobre
diferentes formas de amor e desconstruir a noção de família que historicamente nos foi
imposta com tal naturalidade que se faz muito difícil enxergar outras possibilidades. Segundo
Corrêa (1994), “A história das formas de organização familiar no Brasil tem se contentado
em ser a história de um determinado tipo de organização familiar e doméstica - a família
patriarcal”. (P. 6)
Já a literatura “Feminina de menina, Masculino de menino” é uma obra infantil que
requer certo cuidado ao ser trabalhada em sala de aula, podendo sim servir como material
problematizador. Entretanto, se não abordado da maneira correta, o livro tende a reforçar
estereótipos e papéis de gênero atribuídos aos sexos biológicos, reforçando o imaginário
social de feminino e masculino, menina e menino, mulher e homem, um constante binarismo.
Segundo Botton (2015),
“junto com a revelação de ser o bebê um menino ou uma menina, há a destinação para um
mundo correspondente ao sexo físico, repleto de construções sociais baseadas em aspectos
biológicos, que podem definir o gênero (masculino ou feminino) de quem ainda nem nasceu e
não possui condições de avaliar as destinações que lhe estão sendo feitas”. (BOTTON, p.45,
2015)

Se tratando de uma construção histórica e enraizada em nossa sociedade, a noção de


gênero, família ideal, tradicional e correta, perdura gerações e lateja por mudança. A
literatura infantil mostra-se como um suporte e um recurso muito importante para a
abordagem dessa temática, podendo ser um material de apoio construtivo, mas também
sujeito a reforçar estereótipos.

2. A construção da noção de família

Ao olharmos para os livros, filmes, séries e até mesmo para materiais mais pontuais
como aqueles de teor pedagógico, iremos ver uma gama muito restrita de representação do
que seria uma família. Os tempos estão mudando e novas formas de organizações familiares
vem ganhando representatividade, entretanto, ainda é muito presente a visão da família
nuclear como sendo a família ideal, perfeita e universal. Para Oyewumi (2004), “A família
nuclear é uma família generificada por excelência [...] é centrada em uma mulher
subordinada, um marido patriarcal, e as filhas e filhos..” (p. 4) Dentro dessa estrutura
familiar, os membros possuem seus papéis pontualmente definidos advindos de uma
hierarquia de gênero e idade. Mas afinal, tratando-se de um tema tão complexo, justamente
por suas raízes históricas, como abordá-lo nos primeiros anos do ensino?
A literatura “Tango tem dois papais. Por que não?” é uma história que se
compromete com a temática de diversidade sexual de forma respeitosa, simples, divertida e
cautelosa. É uma história linda que fala não só sobre a possibilidade de famílias
homoafetivas, mas que também mostra que família vai muito além dos laços consanguíneos e
das noções sociais criadas por nós seres humanos. O livro permite que indagações iniciais
sejam feitas, levando a um debate que desconstrua não apenas noções de configuração
familiar, mas também de gênero, identidade, pertencimento e respeito.
3. A construção da noção de gênero

Historicamente, na visão ocidental, a noção de gênero foi concebida como universal,


partindo de uma concepção binária de homem e mulher a partir de aspectos biológicos, mas
que definem o lugar desses indivíduos na sociedade e seus papéis. Para Oyewumi (2004),
“gênero é socialmente construído, a categoria social "mulher" não é universal”. (p.3)
Entretanto, como abordar na educação infantil uma visão que desconstrua gênero como
universal?
O livro analisado, “Feminina de menina, masculino de menino” mostra como a visão
de gênero como sendo universal e binária é passada com naturalidade em nossa sociedade. O
livro traz uma narrativa que mostra o que as meninas queriam falar para os meninos e vice e
versa. Durante a história são reforçados estereótipos como os de que as meninas são
fofoqueiras, convencidas, irritantes, dedo-duro, mandonas, vaidosas, delicadas, etc. Enquanto
que os meninos são nervosos, nojentos, se acham engraçados, são folgados e selvagens.
Facilmente essa literatura poderia ser usada para problematizar esses estereótipos.
Entretanto, pensando que a visão contemplada no livro é também a visão de muitos
educadores e de muitos alunos, dificilmente uma literatura como essa consegue modificar tal
pensamento. Pelo contrário, se trabalhada sem um teor de criticidade, a história apenas
destaca o que é esperado de cada pessoa de acordo com seu sexo, reforçando a rivalidade
entre os meninos e meninas, além de ter um desfecho que mostra que apesar das intrigas,
esses indivíduos possuem uma “queda” uns pelos outros, mais um ponto problemático que
tende a reforçar a heteronormatividade nos relacionamentos logo na infância.

4. Conclusão sobre o papel da literatura infantil na desconstrução dos estereótipos


das configurações familiares e de gênero

A literatura infantil permite que temas extremamente complexos possam ser


abordados de forma sensível e cuidadosa nas séries iniciais, começando desde cedo a
desconstrução de estereótipos e noções que historicamente foram introduzidas e naturalizadas
em nossa cabeça. Quanto às questões de gênero, como pontuado por Botton (2015), a
intenção não está em negar a existência de diferenças biológicas, e sim criticar
“[...] as construções sociais feitas sobre elas, que acabam prejudicando as individualidades de
cada sujeito e as formas de uso do seu corpo, retirando a autonomia sobre as escolhas de
homens e mulheres que optam por não seguirem padrões tradicionais ligados ao sexo físico
em seus modos de ser e viver. (BOTTON, 2015, p. 46)

A literatura infantil pode ser um material importante no auxílio de uma educação


que respeite a individualidade e autonomia de cada corpo, quebrando com os pressupostos de
gênero como algo universal, dual e estático. Além disso, a importância da abordagem e
problematização dessa temática, segundo Segato (2012)
“[...] não se trata meramente de introduzir o gênero como um tema entre outros da crítica
descolonial ou como um dos aspectos da dominação no padrão da colonialidade, mas de
conferir-lhe um real estatuto teórico e epistêmico ao examiná-lo como categoria central capaz
de iluminar todos os outros aspectos da transformação imposta à vida das comunidades ao
serem capturadas pela nova ordem colonial / moderna. (SEGAT), p. 116, 2012)

Ademais, quanto às questões de configurações familiares, a utilização de recursos


lúdicos permite que o entendimento da diferença ocorra com mais facilidade, tendo uma
chance maior de que aquela criança não só entenda, mas também respeite. E quanto aqueles
indivíduos que já fazem parte de famílias que se diferem da nuclear (monoparental,
homoafetiva, adotivas, etc) sejam acolhidas e representadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTTON, Andressa et al. Os papéis parentais nas famílias: analisando aspectos


transgeracionais e de gênero. Pensando famílias, 2015.

BOUTIGNON, Béatrice. Tango tem dois papais. Por que não?. Tradução Fabia Weintraub.
São Paulo: Edições SM, 2011.

CORRÊA, Mariza. 1994. Repensando a família patriarcal brasileira. In. A. A. Arantes et


al (orgs). Colcha de Retalhos: estudos sobre a família no Brasil. Campinas: Editora da
Unicamp. 1994. P. 15-42.

COTRIM, Marta Sofia Parreira. O contributo da literatura infantil na desconstrução do


estereótipo de família tradicional. 2018. Tese de Doutorado.

LEITE, Márcia. Feminina de Menina, masculino de menino. Rio de Janeiro: Casa da


Palavra, 2011.

LINSINGEN, L. Alguns Motivos para trazer a Literatura Infantil para a Aula de


Ciências. Ciência & Ensino, v. 2, n. 2, 2008. Disponível em
http://143.0.234.106:3537/ojs/index.php/cienciaeensino/article/view/190. Acesso em
10/06/2023.

OYĚWÙM, Oyérónké. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos


conceitos feministas e o desafio das epistemologia africanas. 2004, p. 1-8.

SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um


vocabulário estratégico descolonial. e-cadernos ces [Online], 18 \ 2012, online dia 01
dezembro de 2012.

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