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Centro de Humanidades – CH
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~1~
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SUPORTE TÉCNICO
Reverson Nascimento de Paula
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_____________________________
EDITORAÇÃO E CAPA
Camila Mota Farias
Reverson Nascimento Paula
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Sumário
APRESENTAÇÃO............................................................................................................. 3
Reverson Nascimento Paula
ARTIGOS
ANTÔNIO CARLOS BELCHIOR E A INSERÇÃO DOS MÚSICOS
CEARENSES NA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA DA DÉCADA DE
1970...................................................................................................................................... 10
Bruno Rodrigues Costa
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PERIODISMO, PROPAGANDA E LEITURA: O NASCER DAS LETRAS NO 182
RIO DE JANEIRO OITOCENTISTA.............................................................................
Jaqueline Stafani Andrade
ENTREVISTANDO
ENTREVISTA COM O ESTRIGAS............................................................................... 209
Danielle Almeida Lopes
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Apresentação
Trilharemos uma breve caminhada para lhes apresentar o que está sendo colocado
para deleite nessa edição...
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conhecidos como música sertaneja e música caipira. Neste trabalho, o autor encara a árdua
tarefa de analisar as tensões e as diferenças estéticas entre ambos os gêneros e, dessa forma,
problematizar tais categorias e como elas contribuem para a solidificação de uma tradição.
No quarto e último artigo que realiza uma aproximação entre História e Música,
Stênio Ronald Mattos Rodrigues, da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA nos
apresenta seu artigo intitulado “Prazer em conhecer, somos as tais frenéticas! Cultura e
mercado sobre o fenômeno disco music do grupo feminino as Frenéticas (1977-1978).”
Nessa perspectiva, o autor se aproxima da história cultural ao problematizar o impacto
cultural vivido no Brasil com as Frenéticas, grupo musical feminino que alcançou grande
êxito no mercado de discos na segunda metade do decênio de 1970. Dessa maneira,
analisando o impacto que o grupo, por meio da popularização do gênero musical disco music
(discoteca), causou no país por meio da moda, como também sobre o mercado de discos e
outros setores industriais.
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de pertencimento em que este intelectual se mostrava atuante, durante a segunda metade do
séc. XIX e as primeiras décadas do século XX. Através dessa abordagem e do conceito de
“Cultura Política” vislumbramos um emaranhar de possibilidades de articulação histórica,
onde nos é apresentado à maçonaria, a Igreja Católica e a imprensa como estando no centro da
discussão.
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implementado. Assim, se aproximando da história cultural, percebemos uma temática que
circula em torno das transformações de hábitos, costumes, padrões morais e comportamentais.
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REVISTA DE HISTÓRIA
História(s), Sociedade(s) e Cultura(s)
Bilros
ANTÔNIO CARLOS BELCHIOR E A INSERÇÃO
DOS MÚSICOS CEARENSES NA INDÚSTRIA
FONOGRÁFICA DA DÉCADA DE 1970
RESUMO ABSTRACT
Edward Carr (1978) nos mostra que a relação entre sociedade e indivíduo deve ser
entendida não enquanto oposição, e sim como complemento. O indivíduo por si só não
estabelece relações: ele nasce em condições específicas, é carregado por tradições e heranças
de significados que o faz ter uma língua, códigos morais, costumes, tudo o que se estabelece
enquanto cultura e forja o sentimento de comunidade. “Logo que nascemos, o mundo começa
a agir sobre nós e a transformar-nos de unidades meramente biológicas em unidades sociais”
(CARR, 1978, p. 56). Um único sujeito, descolado da coletividade, não existiria: até sua
experiência mais solitária seria balizada por elementos trazidos de suas raízes culturais.
Colocar os indivíduos e os sujeitos coletivos no mesmo patamar de relevância para a análise é
fundamental para se trabalhar com a investigação de processos históricos.
Durante sua experiência universitária, Belchior teve muito contato com Jorge
Mello, estudante piauiense da faculdade de Direito que já era envolvido com o meio artístico
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desde antes de ingressar na academia. Essa amizade acabou sendo bastante frutífera para o
envolvimento de ambos com o cenário político e cultural da Universidade Federal do Ceará.
A partir da análise de seu depoimento, e do diálogo com a Memória, se torna possível
embasar uma reflexão e construir uma narrativa sobre o processo que buscamos analisar.
Quando cheguei em Fortaleza, juntamente com meu irmão Emanuel Carvalho, hoje
médico, em 1967, comecei a cantar na TV Ceará no programa Show da Juventude,
de Paulo Limaverde. Também cantava nos programas de auditório da Rádio
Assunção. Eu passei no vestibular de Direito da UFC e meu irmão em medicina. Na
turma de meu irmão no curso de Medicina estava o Belchior, e na Faculdade de
Direito eu comecei a participar dos eventos que aqueciam as passeatas estudantis
cantando pra rapaziada. O Belchior fazia o mesmo lá na Faculdade dele. Um dia o
Emanuel trouxe o Belchior na república onde eu morava para que a gente se
conhecesse. (Entrevista. Jorge Mello. 13 ago. 2013).
O envolvimento com música, por parte de Belchior, não surgiu de forma abstrata
a partir de sua inserção no meio universitário, nem pelo contato com um incipiente cenário
artístico na década de 1960. Analisando mais a fundo sua trajetória percebe-se que o seu
talento e seu gosto musical foram forjados desde sua infância em Sobral, no interior do Ceará,
marcada “pelas vivências nas praças ao som dos rádios, que embalavam as tardes com
canções de Luís Gonzaga e Humberto Teixeira, traziam informações sobre o país e o resto do
mundo e contribuíam para os momentos de socialização das famílias.” (COSTA, 2013, p. 20).
Entendemos que esse processo contou com o envolvimento de sua família, tendo em vista que
seu avô tocava rabeca, sua avó e sua mãe cantavam no coral da igreja, e, também, com a
influência da forte tradição musical de sua formação católica, expressa nas missas, nas
orações e nos cânticos.
[...] quando eu entrei pro Liceu foi um choque, histórico, absurdo, porque eu estava
vindo de um colégio absolutamente disciplinar, como era um colégio de padres e o
Liceu era um ambiente extremamente juvenil, do ponto de vista das propostas
políticas e tava todo mundo fazendo greve, quebrando ônibus, incendiando ônibus e
eu não tinha muita compreensão, ainda, devido à escola de onde eu vinha [...] (2008,
p. 40).
O contato com uma juventude urbana diferente da que Belchior havia conhecido
em sua cidade no interior do Ceará acabou gerando um grande estranhamento, pelo que
analisamos de seus relatos. A efervescência e o espontaneísmo dos movimentos secundaristas
de Fortaleza parecem ter se mostrado muito radicais para o jovem garoto católico e
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interiorano. Esse choque o levou a, quando concluiu os estudos no Liceu, optar pelo ingresso
“no seminário dos frades capuchinhos, onde teve uma formação bastante erudita, estudou
filosofia e teologia, além de canto gregoriano.” (COSTA, 2013, p. 23). Pode se interpretar,
dessa sua opção, que o universo da igreja lhe parecia mais confortável naquele momento, e se
fazia necessário uma fuga para um lugar longe da dinâmica da capital e de suas mudanças.
Somente após três anos de seminário que Belchior decide abandoná-lo e prestar vestibular
para medicina.
Rodger Rogério, um dos músicos que conviveu com Belchior durante esse
período e que conquistou a profissionalização no mercado fonográfico no período, relatou que
seu envolvimento com esse artista se iniciou por conta de um festival. A relação de ambos se
deu no meio musical, entre festivais, bares e programas de televisão.
Esse colégio Santo Inácio tava promovendo um festival de música eu fui convidado
pra participar da seleção [...]. Eu conheci o Belchior porque ele era professor lá do
Santo Inácio, ensinava biologia, era estudante de medicina e ensinava biologia lá, e
era ele que tava promovendo o festival, era ele que tava organizando com os
estudantes [...]. Na seqüência eu fui encontrar o Belchior já na TV Ceará.
(Entrevista. Rodger Rogério. 24 set. 2012).
Belchior e Jorge Mello durante suas trajetórias acadêmicas também tiveram algum
envolvimento com produções de teatro universitário. Este, principalmente, havia assinado a
direção musical de uma peça adaptada da obra de João Cabral de Melo Neto. Nesta situação
convidou Belchior para compartilhar seu cargo e para compor a trilha sonora da peça, e essa
talvez tenha sido a primeira experiência de produção musical do protagonista desta pesquisa
Téti, outra artista dessa geração que foi figura importante na trajetória desses
cantores e compositores cearenses, nos contou que no Diretório Acadêmico de Arquitetura da
UFC, primeiro ponto de encontro de boa parte dos jovens artistas da época, era comum
escutar “muito Milton Nascimento, [...] muita Bossa Nova, Chico, Tom Jobim [...] se ouvia os
Beatles, na época tava numa efervescência danada [...]” (Entrevista. Téti. 14 out. 2013). Esse
Na época, a beira-mar não tinha asfalto nem tinha luz. Quem descobriu o Bar do
Anísio foi o Flávio Torres, que era estudante de física, amigo da gente, o Rodger e
o Augusto Pontes [...]. Essas pessoas que tavam frequentando o Diretório da
Arquitetura depois iam pro Anísio, ou então iam pro Barão Vermelho, que era na
[Avenida] Duque de Caxias, esses bares onde todo mundo se encontrava. Então era
assim, aparecia um, aparecia outro, aí pegava o violão e tocava, a gente foi se
conhecendo assim, eu acho que ninguém aparecia e dizia ‘aqui gente, esse é o
Belchior’ não teve isso [...] era chegando e aderindo [...]. (Entrevista. Téti. 14 out.
2013).
Essa turma era uma turma muito forte, porque a gente, naquela época da repressão,
tinha muita coisa pra dizer e a gente só podia dizer essas coisas cantando, conversar
ninguém podia [...] [Nos bares] era só chegando gente, puxando violão e tinha até
briga de violão, um queria mostrar coisa pro outro, nasceram muitas parcerias
dessas com os guardanapos de mesa, era gente passando música um pro outro [...]
era uma efervescência enorme, apesar do período escuro, era muita força da
juventude, a gente gostava de cantar e tava todo mundo junto [...] era assim, era
uma coisa muito rica. (Entrevista. Téti. 14 out. 2013).
Mesmo com a música não tendo forte repercussão nas rádios naquele momento,
essa vitória foi um elemento catalisador na sua trajetória para garantir contratos com
gravadoras e a sua consolidação enquanto músico no cenário nacional do mercado
fonográfico, pois garantiu a gravação de um compacto com a música e alguma visibilidade ao
artista. O jornal O Cruzeiro, que cobriu todo o evento, fez uma matéria extensa sobre a fase
final do festival, explorando detalhes sobre os participantes, e com uma grande ênfase na
vitória de Belchior.
Antônio Carlos Belchior, o compositor vitorioso, que faz música há apenas dois
anos e já tem mais de 50 canções prontas, disse que Na hora do almoço foi uma de
Com esse processo, Belchior assinou contrato e lançou seu primeiro álbum pela
Chantecler, em 1974. Raimundo Fagner, Ednardo, Téti, Rodger Rogério, Jorge Mello, entre
outros artistas que vieram do Ceará, conquistaram seus espaços no meio musical e
construíram suas carreiras consolidando a inserção dos cearenses no mercado fonográfico da
década de 1970. É importante ressaltar que estes artistas nunca se apresentaram enquanto
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parte de um conjunto musical ou enquanto um movimento musical cearense. Eram músicos
que individualmente estavam construindo suas carreiras no meio musical do país. Mesmo
assim, cabe a reflexão: a ação individual de cada um desses sujeitos no sentido da
profissionalização no mercado fonográfico se deu enquanto parte da ação de um sujeito
coletivo, formado por esse grupo de jovens artistas cearenses, alicerçada pela dinâmica de
uma cultura jovem daquele período.
AIRES, Mary Pimentel. Terral dos Sonhos. Banco do Nordeste do Brasil/Gráfica e Editora
Arte Brasil, 2006.
CARR, Edward Hallet. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
CASTRO, Wagner. No Tom da Canção Cearense. Fortaleza: Edições UFC, 2008.
COSTA, Bruno Rodrigues. Entre o sonho e o som. Monografia (Graduação) - Curso de
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FENTRESS, James; WICKHAM, Chris. A Memória Social. Lisboa: Teorema, 1992.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Vértice, 1990.
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(Org.). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
MELLO, Zuza Homem de. A Era dos Festivais. São Paulo: Editora 34, 2003.
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SOUZA, Miliandre Garcia de. Do Teatro Militante à Música Engajada. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2007.
∗∗∗
RESUMO ABSTRACT:
Este ensaio pretende apresentar a formação This essay intends to present the formation
de dois gêneros musicais, conhecidos of two musical genres, that are known as
como música sertaneja e música caipira. country music and rustic music. To do this,
Para tanto, analisa-se as tensões e, it analyzes the tensions and, mainly, the
principalmente, as diferenças estéticas differences between both genres and, thus,
entre ambos os gêneros e, dessa forma, it will render problematic these categories
visa-se problematizar tais categorias e and how they contribute to the
como elas contribuem para a solidificação solidification of a tradition. Besides, these
de uma tradição. Junto a essas analises da analyzes the divergence of these musical
cisão desses campos musicais, caberá field, this essay will also introduce the role
também ressaltar o papel da Indústria of Phonograph(ic) Industry in the
fonográfica na consolidação desses consolidation of these genres, from two
gêneros, a partir de dois discos da coleção disc of collection of the New History of
Nova Historia da Música Popular Brazilian Popular Music, entitled, in 1978,
Brasileira, intitulados Música Caipira de Rustic Music, and, in 1983 Country Music.
1978 e Música Sertaneja de 1983, sendo These are the first of the same collection
estes os primeiros a fazerem parte de uma and they labeled, distinctly, the rural music
mesma coleção e rotular, distintamente, a of the interior of Brazil. These discs have
música rural do interior do Brasil. Tais reached a high level of popularity and they
discos alcançaram um alto nível de have contributed to the formation of a
popularidade e contribuíram fortemente musical memory. Add to that, they have
para a formação de uma memória musical solidified a canon around Brazilian popular
e a solidificação de um cânone em torno da music.
música popular brasileira.
Cada vez que me "alembro" / Do amigo Chico Mineiro,/ Das viage que nois fazia
/Era ele meu companheiro. / Sinto uma tristeza, / Uma vontade de chorar, /
Alembrando daqueles tempos / Que não hai mais de voltar. / Apesar de ser patrão, /
Eu tinha no coração / O amigo Chico Mineiro, / Caboclo bom decidido, / Na viola
era delorido e era o peão dos boiadeiro. / Hoje porém com tristeza / Recordando das
proeza / Da nossa viage motin, / Viajemo mais de dez anos, / Vendendo boiada e
comprando, / Por esse rincão sem-fim / Caboco de nada temia. / Mas porém, chegou
o dia / Que Chico apartou-se de mim. / Fizemos a última viagem / Foi lá pro sertão
de Goiás / Fui eu e o Chico Mineiro / Também foi o capataz / Viajamos muitos dias
pra chegar em Ouro Fino / Aonde passamos a noite numa festa do Divino / A festa
estava tão boa, mas antes não tivesse ido / O Chico foi baleado por um homem
desconhecido / Larguei de comprar boiada / Mataram meu companheiro / Acabou-se
o som da viola / Acabou-se o Chico Mineiro / Depois daquela tragédia / Fiquei mais
aborrecido / Não sabia da nossa amizade / Porque nos dois era unido / Quando vi seu
documento / Me cortou o coração / Vi saber que o Chico Mineiro /Era meu legítimo
irmão2
Compreendemos que com essa música José de Souza Martins elucida a luta de
classe na música sertaneja, afirmando que as relações de trabalho entre patrão e empregado
não permitia que ambos se reconhecessem como irmãos.
Seguindo a mesma linha apresentada por José de Souza Martins, Waldenyr
Caldas publica sua obra em 1979, intitulada “Acorde na aurora: musica sertaneja e indústria
cultural”, a qual tem seu trabalho caracterizado pela mesma linha marxista que domina o
trabalho de José de Souza Martins.
No entanto, Waldenyr Caldas distingue a música caipira da sertaneja da seguinte
forma, a música caipira estaria ligada ao folclore rural, ou seja, seria fruto da socialização
entre as comunidades interioranas, ocupando, desse modo, uma função social dentre desse
grupo que vai além da mera diversão. Por outro lado, a música sertaneja se enquadraria como
um produto da urbanização, deste modo, estaria totalmente desprovido de seu caráter
folclórico e não possuiria nenhuma outra função a não ser o entretenimento, contudo, ela seria
apenas mais um produto alienante da Indústria Cultural (CALDAS, 1979).
No entanto, outros pesquisadores apresentam uma ótica distinta da apresentada
por José de Souza Martins e Waldenyr Caldas, como é o caso da dissertação de mestrado de
Lucas Antônio Araújo, a qual apresenta a música rural brasileira dividida em “música
2
As barras são utilizadas para separar os versos.
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sertaneja tradicional”, que seria o gênero que sempre teve como referência as estruturas das
músicas rurais, bem como instrumentos e temáticas semelhantes, e “música sertaneja”.
Contudo, Araújo apresenta como música sertaneja as novas duplas que surgiram em meados
dos anos 1970 e, especialmente, a partir da década de 1980, tais como Leandro e Leonardo,
Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó entre outras, que tinham suas
performances apoiadas em estrondosas bandas, com guitarristas, baixistas, tecladistas e
bateristas.
É importante ressaltar os atritos gerados entre a música sertaneja tradicional e a
música sertaneja, como bem aponta Araújo (2007, p.15):
É importante frisar que a partir da desvinculação em relação à temática, estética e
forma em geral da “nova vertente” do gênero em relação à música sertaneja
tradicional, as duplas de ambos os estilos, que poderiam ser definidas já como
gêneros distintos, têm atualmente uma relação relativamente amistosa. No boom dos
anos 1980, houve tendência marcante dos jovens astros em buscar cada vez mais se
desvencilhar da “velharia” e assumir, de forma empolgada, à modernização e à
estética “jovem”. Atualmente, as restrições, quando ocorrem, vêm do outro lado, das
duplas de violeiros tradicionais, que classificam a “nova música sertaneja” de forma
pejorativa como “sertanojo” ou “música de motel” em referência à temática
praticamente única do estilo: as desventuras amorosas. Em relação aos astros desta
“nova música sertaneja” assumem postura bem diferente daquela dos anos 1980, em
que as duplas tradicionais eram encaradas pelas jovens duplas da nova música
sertaneja de modo depreciativo, representando um verdadeiro “conflito de
gerações”. Atualmente dizem respeitar muito as duplas antigas a quem se referem
como verdadeiros mestres e, vez por outra, fazem questão de inserir um “clássico
sertanejo” na gravação de seus discos, quando não gravam um inteiro composto
somente de “músicas de raiz”.
Outra obra também muito importante, que auxilia a compreender a cisão entre
esses dois campos musicais é “A moda é viola: ensaio do cantar caipira”, de Romildo
Sant’Anna (2009). Esse trabalho é de suma importância, visto que traça uma linha do tempo
ao longo de sua explanação, sendo que, posteriormente, divide o estudo em duas partes.
Primeiramente, apresenta as configurações do cantar caipira, realizando a articulação entre o
caipira e seu meio, e como esse ambiente se expressa em suas canções, além de ressaltar sua
cultura material e imaterial, assim como seu papel socializador e lúdico. Por fim, traz a
discussão para a atualidade, analisando a situação da música caipira no cenário artístico atual,
e como o sertão hoje se representa no espaço citadino por meio da música caipira/sertaneja.
Portanto, estas considerações serão imprescindíveis para a compreensão do cenário em que
atua a música sertaneja em seus desdobramentos.
Um importante aspecto da música rural brasileira que é apontado por Romildo
Sant’Anna é a construção da dicção do cantar do caipira, conforme apresenta-se: “A Moda
Coletânea Nova História da Música Popular Brasileira. Música Caipira, Abril Cultural 1978
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Ao longo da descrição o nome da música se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,
o interprete
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Coletânea Nova História da Música Popular Brasileira. Música Sertaneja, São Paulo Abril Cultural 1983
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Ao longo da descrição o nome da música se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,
o interprete.
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Como pode-se observar nas temáticas das músicas supracitadas, todas possuem
como referência o cenário rural, religioso ou se fundamentam em uma crítica a modernidade
como no caso da música Bonde Camarão e Tristeza do Jeca. E, quanto aos interpretes, nota-se
que quase todos apresentam a típica indumentária característica do caipira, com um figurino
composto por camisas xadrez, chapéu, calças e botas, como aparece nas capas e contracapas
dos discos, exceto a dupla Milionário e José Rico que aparecem na capa do primeiro disco
voltado a música caipira, na qual ambos pousam de terno xadrez, gravata e óculos escuros. No
encarte deste mesmo disco, a dupla aparece em três fotos com um figurino que destoa ainda
mais dos parâmetros propostos pelo tradicionalismo da cultura caipira, sendo que na primeira
ela mantém o padrão apresentado na capa, e nas outras duas fotos Milionário e José Rico
aparecem de cabelos cumpridos, sendo que na primeira, destas duas últimas, apresentam uma
releitura da indumentária do cowboy norte-americano e na segunda pousam com um visual
moderno característico da jovem guarda.
Seguindo a analise da dupla Milionário e José Rico, cabe ressaltar suas
composições e interpretações, como na música “Velho Candeeiro” que ocupa a quarta faixa
do lado “A” do disco Música Caipira. É possível constatar, a partir de uma audição atenta da
música, que a dupla abole a viola da harmonia da canção, instrumento esse que figura como
símbolo da música caipira, sendo que nenhuma das outras duplas que compõe os dois discos
faz tal opção. Além da abolição da viola nas músicas de Milionário e José Rico, estes ainda
compõem suas Harmonias musicais com guitarras, contra baixo, baterias, teclados e backing
vocals. Com isso, a dupla rompe com as tradições instrumentais das duplas da música caipira
que seriam a viola e o violão, e seus respectivos músicos cantando em terça. Dessa forma, eles
apresentam uma modernização da música caipira que se encaixaria nos padrões da “Música
Sertaneja” como foi citado acima, pois, tal performance se cristaliza em duplas posteriores a
Milionário e José Rico, como Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Chororó, Leandro e
Leonardo e Bruno e Marroney entre outras, ambas duplas que abolem a viola de suas
performances.
Isso demonstra que a Editora Abril, na seleção das canções que iriam compor os
discos da coleção “Nova História da Música Popular Brasileira”, não possuía intuito algum
em definir quem seriam os intérpretes caipiras e sertanejos, e quais representavam a
tradicional música rural. O que se tinha em vista era a popularidade alcançada por cada um,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esse breve ensaio não pretende-se criar uma tradição delimitando o que seria
música caipira e o que seria música sertaneja, mas sim apenas mapear os campos que se
desenvolvem essas duas expressões culturais e as tensões criadas entre ambos, principalmente
em relação à música caipira, que preocupava-se em manter o que era “genuinamente
nacional” em um momento de grandes interações e hibridismos culturais, principalmente pela
influência da música Country Estadunidense e a Rancheira mexicana, ritmos que
conquistaram a música sertaneja. No entanto, ao examinar a participação da Indústria Cultural
nos discos da Coleção Nova História da Música Popular Brasileira, nota-se sua falta de
critério ao definir tais gêneros musicais, pois no disco destinado a música caipira a quarta
faixa é dedicada a uma dupla que se reconhecem como sertaneja, alegando serem herdeiros da
tradição caipira. Apenas, no segundo disco de 1983, intitulado música sertaneja, não há um
interprete da música sertaneja, pois todas as faixas são ocupadas por clássicos da musica
caipira como se nota na descrição citada acima no texto, com isso, observa-se que a cisão
entre música sertaneja e caipira, foge do julgo da Indústria Cultural, ou seja, a cisão surge a
∗∗∗
RESUMO ABSTRACT
Este artigo busca analisar a participação do This article seeks to analyze the
poeta e agitador cultural Augusto Pontes participation of the poet and cultural
nos movimentos artísticos, no processo de mobilizer Augusto Pontes inside artistic
formação e no cotidiano da geração de movements, in the process of formation
artistas cearenses denominada “Pessoal do and in everyday life of the generation of
Ceará”. Augusto Pontes exerceu grande artists from Ceará named “Pessoal do
influência no processo de aglutinação Ceará”. Augusto Pontes exerted a great
desses jovens artistas, na cidade de influence in the agglutination process of
Fortaleza, entre 1963, a partir dos grupos these young artists, in Fortaleza city,
universitários de arte engajada, e 1979, between 1963, from university groups of
com a realização do Festival Massafeira, engaged art, and 1979, with the realization
do qual foi um dos principais idealizadores of a festival named “Festival Massafeira”
e organizadores. Tendo como principal which was one of the main idealizers and
fonte a memória e os relatos desses organizers. By using the memory and
artistas, este artigo ambiciona analisar a artist's report as main source, this article
colaboração de Augusto Pontes nesse aims to analyze the collaboration of
processo de aglutinação e na elaboração de Augusto Pontes inside this agglutination
vários movimentos artísticos de caráter process and in the elaboration of such
coletivo, mostrando em que circunstâncias artistic movements from collective
e ambientes ocorriam. Além disso, busca- purpose, showing in what circumstances
se demonstrar que Augusto Pontes pode and spaces the agglutinations occurred.
ser classificado como um “Agente Furthermore, seeks to demonstrate that
Cultural” dentro da geração “Pessoal do Augusto Pontes can be classified as a
Ceará”. Para isso, este trabalho expõe o cultural agent inside the “Pessoal do
conceito de Ação Cultural e explica como Ceará” generation. By this, this work
o conceito de Geração pode ser utilizado exposes the concept of Cultural Action and
em uma pesquisa de História. explains how the concept of generation can
be used in a History research.
PALAVRAS-CHAVE: Augusto Pontes,
Pessoal do Ceará, Geração, Ação Cultural. KEYWORDS: Augusto Pontes, Pessoal
do Ceará, Generation, Cultural Action.
A AGLUTINAÇÃO
1
FARIAS, Airton de. História do Ceará/ Airton de Farias. – 1°reimpressão – 6° Edição revisada e ampliada.
Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012. Cap. 31, p-457.
50 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 46-57, jul.-dez. 2014.
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Uma das fortes características dos anos de 1960 foi a efervescência cultural que se
concretizou, de modo geral, na remodelação dos ideais, dos comportamentos e dos valores da
juventude, como os movimentos de contracultura, a mundialização do Rock, o
questionamento de padrões de identidade diferenciadores de gênero, o movimento hippie, etc.
Deve-se ressaltar que essas inquietações não eram setorizadas, no sentido de que as
transformações no âmbito artístico, por exemplo, tinham um intenso contato com os debates
políticos ou eram contextualizadas com as condições econômicas do momento. Seria
limitador, portanto, criar o encerramento de pensar aquilo que é artístico partindo-se de uma
perspectiva exclusivamente artística. É desse período a concretização de um processo de
renovação cultural que era percebido em diversas áreas artísticas através do aparecimento da
Bossa-nova, da arquitetura de Oscar Niemayer, do Cinema Novo, mas, sobretudo, do
surgimento da chamada “arte-engajada” que utilizava a música, a literatura e o teatro como
suportes para a manifestação e propagação de ideologias políticas e conscientização da massa.
Foi o tempo em que o próprio Augusto Pontes, em entrevista concedida para a pesquisa de
Pedro Rogério, chamou de o “alvorecer do Brasil”, onde havia “a criatividade se exercendo,
consentida e louvada em todos os campos: música, cinema, arquitetura, política, parlamentos,
jornalismo, literatura, poesia, tudo; era um alvorecer”.
Ao se referir a essas inquietações da juventude que, entre as décadas de 1950 e
1960, fizeram forte oposição aos tradicionalismos decadentes, Eric Hobsbawm fez uma
afirmação que nos ajuda a refletir sobre Augusto Pontes e a geração “Pessoal do Ceará”:
A radicalização política dos anos 60, antecipada por contingentes menores de
dissidentes culturais marginalizados sob vários rótulos, foi dessa gente jovem, que
rejeitava o status de crianças e mesmo de adolescentes (ou seja, adultos ainda não
inteiramente amadurecidos), negando ao mesmo tempo humanidade plena a
qualquer geração acima dos 30 anos de idade, com exceção do guru ocasional.
(HOBSBAWM, 1994, p. 318)
2
Esses dados biográficos foram concedidos pelo próprio Augusto Pontes, em entrevista concedida à TV
UNIFOR, em março de 2009.
3
Cf. GUEDES, Jordianne. O fazer musical de Rodger Rogério: o singular e o plural do pessoal do Ceará.
Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Mestrado
Acadêmico em História, Fortaleza, 2012.
4
O Centro Popular de Cultura foi criado no início dos anos de 1960 e era ligado à União Nacional dos
Estudantes. Seus membros acreditavam que fazer uso de intervenções artísticas teatrais, musicais, literárias ou de
diversas outras naturezas seria uma estratégia eficaz para se alcançar o seu objetivo que era a conscientização
política da massa.
5
O grupo Cactus, surgido em 1965, após a extinção do CPC, apesar de ter aproximadamente menos de uma
dezena de integrantes, organizava peças teatrais nos espaços da universidade e sua estética musical era muito
influenciada pela bossa-nova. Entre os principais integrantes podemos citar Iracema Melo, Rodger e Petrúcio
Maia. Augusto Pontes foi convidado a integrar o grupo, mas não exercia nenhuma atividade de direção como fez
em outros grupos e movimentos.
6
O GRUTA, que significa Grupo Universitário de Teatro e Arte, foi planejado inicialmente por Claudio Pereira.
Teve suas atividades realizadas principalmente por volta de 1967. Esse grupo era ligado ao Diretória Central dos
Estudantes da UFC. Além de teatro, havia também o predomínio de música, artes plásticas, fotografia e poesia.
52 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 46-57, jul.-dez. 2014.
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compartilharem os mesmos ideais, terem disposição para lutar por causas semelhantes e se
engajarem fortemente em atividades coletivas.
Nessas manifestações, Augusto Pontes era, em muitas ocasiões, aceito ou
colocado em tarefas de direção e planejamento. No documento que formaliza a criação do
CPC do Ceará, datado de 4 de outubro de 1963, há o seu nome como relator, expondo a
proposta teórica do grupo, seus objetivos e metodologia, bem como a localização da sede, na
Rua 24 de Janeiro, numero 641, bairro Jardim América, casa do irmão de Augusto Pontes. A
exposição desse endereço facilitou sua prisão pelos militares.
Após a extinção do CPC, surgiu o grupo Cactus, que organizava peças teatrais nos
espaços da universidade e apresentava uma estética muito influenciada pela bossa-nova,
contando com a participação de Augusto Pontes, Rodger Rogério, Petrúcio Maia, Iracema
Melo, entre outros. O Grupo Universitário de Teatro e Arte, o GRUTA, planejado por volta de
1967, por Claudio Pereira, era ligado ao DCE da UFC, havendo espaço também para música,
artes plásticas, fotografia e poesia. O GRUTA organizou excursões para fora do Ceará e um
festival, ocorrido no ginásio do SESC e no Teatro José de Alencar, em 1967. Nesta época,
Rodger estava estudando em São Paulo (Guedes, 2012, p. 97) e Augusto Pontes inscreveu
uma canção composta pelos dois em 1965, intitulada “Mundo Mudar” que tirou segundo lugar
na competição. Essa canção já tinha sido utilizada na peça “O Tempo em Preto e Branco”,
cuja direção teatral também coube a Augusto Pontes.
No fim dos anos de 1960, época do aumento da repressão da ditadura, esses
jovens ultrapassaram os limites da universidade e, à medida que os laços afetivos cresciam e
suas atividades artísticas passavam a ocupar um tempo significativo da sua rotina diária, eles
se tornavam assíduos frequentadores de ambientes que passariam, justamente por isso, a ser
conhecidos como locais de aglutinação da juventude boêmia artística fortalezense.
Bares como o Estoril, o Bar do Anísio, no litoral de Fortaleza, e o bar Balão
Vermelho, no centro da cidade, eram alguns dos espaços, ou lugares praticados como diria
Certeau (1994), lugares ocupados, subjetivados, potencializados pelos usuários, lugares que
também compõem elementos de memória. Para Certeau, o lugar diferencia-se do lugar
praticado assim como a palavra se diferencia da palavra enunciada. Os lugares ocupados por
esse grupo compunham um circuito urbano onde muitas canções populares foram compostas e
projetos de gravação de discos e festivais, como o Massafeira Livre, eram planejados. Nesses
7
Letra da canção Carneiro: Amanhã se der o carneiro/ O carneiro/Vou m’imbora daqui pro Rio de Janeiro/
Amanhã se der o carneiro/ O carneiro/Vou m’imbora daqui pro Rio de Janeiro/ As coisas vem de lá/ Eu mesmo
vou buscar/ E voltar vídeo tapes e revistas super coloridas/ Pra menina meio distraída repetir a minha voz/ Que
Deus salve todos nós/ que Deus guarde todos vós.
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quase a mesma sonoridade do nome do estadista vietnamita Ho Chi Minh.
Nesses espaços, especificamente no Estoril no fim da década de 1970, houve a
idealização e planejamento do Festival Massafeira Livre, um festival de quatro dias que
contou com a participação de aproximadamente cinco ou seis centenas de artistas de várias
áreas, consagrados e iniciantes, no Teatro José de Alencar, culminado na gravação de um
algum duplo. Idealizado e coordenado por Augusto Pontes e Ednardo, o festival representava
a oportunidade para vários artistas, sem espaço ou visibilidade, mostrarem sua arte da maneira
mais livre e espontânea possível, sem o interesse de enquadrá-los em qualquer critério, de
mercado ou estético, que influenciasse sua autonomia artística. É neste aspecto que Augusto
Pontes se aproxima do que se entende como Agente Cultural.
Ação Cultural é um conceito que não pode ser entendido pela justaposição das
duas palavras (COELHO, 1988) nem confundido com Fabricação Cultural. Teixeira Coelho
aponta:
A fabricação é um processo com um início determinado, um fim previsto e
etapas estipuladas que devem levar um fim preestabelecido. A ação, de seu
lado, é um processo com início claro e armado mas sem fim especificado. (...)
um processo de ação cultural resume-se na criação ou organização das
condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se
tornem assim sujeitos – sujeitos da cultura, não seus objetos. (COELHO,
1988, p.14)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AIRES, Mary Pimentel. Terral dos Sonhos: O cearense na música popular brasileira.
Fortaleza: Arte Brasil, 2006.
CASTRO, Wagner. No Tom da Canção Cearense: Do Rádio e TV, dos Lares e Bares na Era
dos Festivais (1963-1979). Fortaleza: UFC, 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis-RJ, 1994
COELHO, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo: Brasiliense, 2006.
FARIAS, Airton de. História do Ceará/ Airton de Farias. – 1°reimpressão – 6° Edição
revisada e ampliada. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
GUEDES, Jordianne. O fazer musical de Rodger Rogério: o singular e o plural do pessoal
do Ceará. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual do Ceará, Centro de
Humanidades, Curso de Mestrado Acadêmico em História, Fortaleza, 2012.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora Revistas dos
Tribunais, 1990.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SIRINELLI, Jean-François, A geração. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO,
Janaína. Apresentação. In: Usos e abusos da história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
ROGÉRIO, Pedro. Pessoal do Ceará; Habitus e Campo Musical na Década de 1970.
Fortaleza: UFC, 2008.
∗∗∗
RESUMO RESUMEN
Este artigo se propõe a problematizar o impacto Este artículo tiene como objetivo discutir el
cultural vivido no Brasil com as Frenéticas, grupo impacto cultural vivido en Brasil con las Frenéticas,
musical feminino composto por seis mulheres que grupo musical femenino formado por seis mujeres
alcançou grande êxito no mercado de discos na que lograron un gran éxito en el mercado de discos
segunda metade do decênio de 1970. Em en la segunda mitad de la década de 1970. En línea,
consonância, analisaremos o impacto que o grupo, vamos a analizar el impacto que el grupo, a través
por meio da popularização do gênero musical disco de la popularización del género musical de lo disco
music (também definido como discoteca ou music (también definido como discoteca o
discoteque), causou no país por meio da moda, discoteque), causó en el país a través de la moda,
como também sobre o mercado de discos e outros como también en el mercado discográfico y otras
setores industriais que foram amplamente industrias que se han beneficiado en gran medida
beneficiados após o surgimento do referido gênero después de la aparición de ese género que fue
que se popularizou por diversos meios midiáticos, popularizado por diversos de los medios de
tais como a televisão, as trilhas sonoras de comunicación, como la televisión, bandas sonoras
telenovela e assim por diante. de telenovelas y así sucesivamente.
Prazer em conhecer/ somos as tais Frenéticas/ que um anjo doido fez/a gente se
encontrar no Dancin’ Days. Assim inicia a canção Tudo bem, tudo bom??? Ou mesmo até...
do LP As Frenéticas, (Atlantic, 1977: lado B, faixa 4) que revela, de modo sintético quem são
efetivamente Sandrita Perão, Tia Rege, Del Castro, Leiloca, Lidoka e Nega Dudu, ou melhor
dizendo, as tais Frenéticas.1 Surgido na segunda metade da década de 1970, as Frenéticas logo
emplacaram como artistas de sucesso no plano nacional, favorecido por uma série de fatores
que corroboraram para seu prestígio.
Contextualizando o momento, constatamos que a febre das discotecas havia
chegado ao país. Gênero musical dançante tão em voga nos Estados Unidos, logo foi
introduzido ao Brasil, transformando significativamente o mercado fonográfico, tornando-se
assim a tendência musical da vez, o que possibilitou um negócio rentável para diversos
setores, principalmente para a indústria fonográfica no Brasil. Aliado a isso, vemos que tal
sonoridade possibilitou a formação de um mercado de produtos e serviços diversos que
fortaleceu a onda de consumo na segunda metade da década de 1970, como veremos adiante.
No período estudado, podemos constatar que diversas discotecas foram abertas no
país, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Entre elas, podemos destacar a lendária
discoteca The Frenetic Dancin’ Days,2 uma das primeiras do país e que foi aberta e
gerenciada pelo jornalista e produtor musical Nelson Motta e que funcionou por um curto
período, o suficiente para que ela se tornasse um dos locais mais efervescentes do Rio de
Janeiro naquele momento.
Espaço de lazer e sociabilidade de parcela da juventude carioca, como também de
artistas de diversos segmentos, a discoteca tinha a seu serviço uma equipe de garçonetes
jovens e bonitas que intercalavam entre as atividades de servir drinks e o palco, fazendo
algumas performances musicais durante as noites de funcionamento. Tal atração era um
espanto para os frequentadores, pois não imaginavam que as garçonetes possuíam largo
talento para o palco. O susto, pois, se convertia em admiração e euforia com o som dançante
1
São elas: Sandra Pêra, Regina Chaves, Edir de Castro, Leila Neves, Lidia Maturscelli e Dulcilene Moraes.
2
The Frenetic Dancin’ Days foi uma discoteca carioca inaugurada em 05 de agosto de 1976 por Nelson Motta e
que, apesar do curto período de duração, tornou-se referência para o surgimento do gênero musical disco music
no Brasil. A revista superinteressante fez uma matéria sobre o fenômeno discoteca, com destaque para a referida
boate como ambiente responsável pelo surgimento das Frenéticas, que posteriormente se projetaram no plano
nacional, favorecendo, assim, a consolidação do som dançante de discoteca no país (Caia na Gandaia. In.:
Revista Superinteressante – História do Rock Brasileiro, São Paulo, 2004: p. 68-71)
60 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 58-78, jul.-dez. 2014.
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cantado por elas. Dessa forma, o ritmo discoteca orientou as atividades artísticas das
Frenéticas (assim denominadas em referência clara e direta a discoteca) durante o tempo em
que a The Frenetic Dancin’ Days funcionou, no entanto, com o fechamento do espaço, seus
shows foram temporariamente interrompidos. Porém, não tardou muito para que as então
garçonetes fossem convidadas para a gravação de seu primeiro LP, na gravadora WEA, recém
instalada no Brasil (MORELLI, 2009).
Contextualizando o período, a segunda metade da década de 1970 constatou a
perda da hegemonia do rock como tendência musical de maior preferência pelos jovens. O
disco music invade, pois, o mercado da música que passou a direcionar sua atenção no sentido
de fundamentar grande parcela da produção sobre o novo som dançante com ênfase no ritmo e
na sensualidade do movimento corporal.
É partindo dessa lógica que nos propomos, de agora em diante, a problematizar o
referido período, analisando a expansão do ritmo disco music, amplamente incorporada nas
atuações artísticas das Frenéticas, com suas carreiras de modo mais direto, em consonância
com as outras áreas também impactadas, como o mercado fonográfico, a televisão, a moda e
comportamento e assim por diante, observando o surgimento de um mercado de consumo
orientado por esse gênero musical e seus principais signos.
Como ponto inicial de partida, este artigo insere-se na mudança de perspectiva
historiográfica, com novas abordagens, métodos e fontes após a Escola dos Annales e a Nova
História (BURKE, 1991), que segundo Pesavento vem crescendo em números de pesquisa
desde a década de 1990. “Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de
significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo” (PESAVENTO,
2003: 15). Nesse sentido, manifestamos predileção por trabalhar com as opções teórico-
metodológicas disponibilizadas pela História Cultural, capaz de nos oferecer elementos para a
análise e compreensão de nossa sociedade e as manifestações culturais nela inerentes
(BURKE, 2005).
Além disso, é necessária a compreensão das relações dessas artistas com os meios
de produção e difusão de suas obras, tais como jornais, revistas e a própria televisão,
elementos que promovem seus trabalhos sobre o público consumidor de discos através da
propaganda comercial de seus fonogramas, auxiliando-nos assim na compreensão da atuação
dessas artistas sobre o espaço profissionalizado da música, configurado, principalmente, no
ambiente dos estúdios de gravação sonora.
Daí, a importância desses periódicos como fontes históricas, uma vez que presente
e passado – elementos encontrados nessas fontes – contribuem para a feitura da historiografia
aqui proposta, pois são esses periódicos também construtores de uma memória social que
privilegia a construção histórica, quando se analisa fatos ali registrados (RIBEIRO, 2010). E é
consciente disso que recorremos e nos apoiamos nesse tipo de documento, valendo-se também
de seu poder de revelar o ambiente social de um determinado período.
O disco, enquanto resultado final do trabalho dessas artistas, possuem signos que
apresentam aspectos essenciais das suas vivências no ambiente de discoteca, lugar comum
para todas as artistas aqui estudadas. Napolitano (2002: 7), na apresentação de seu livro
“História e Música”, nos diz que “A música, sobretudo a chamada ‘música popular’, ocupa no
Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontros
de diversas etnias, classes e religiões que formam o nosso grande mosaico nacional”. A
cultura experimentada se revela, dentro dessa realidade, como um elemento indissociável do
processo de produção de suas canções, pois é dessa forma que elas se colocam no mundo e se
reconhecem no discurso estético das obras gravadas (DAMASCENO, 2008). É, pois, a
Encaramos, pois, o disco music como produto em razão de seu poder de alcance
sobre as massas e sua rentabilidade no mercado, capaz até de superar estrelas como Roberto
Carlos, como foi comprovado pelo sucesso estrondoso das Frenéticas que alcançaram o disco
de ouro pelo expressivo número de mais de 250 mil cópias vendidas do seu primeiro LP As
Frenéticas (As divinas damas do apocalipse. In.: Revista Música, São Paulo, 08/1978: p. 22).
Assim, é possível sustentar que o mercado fonográfico passou a se reconfigurar no sentido de
focalizar suas produções dentro dos parâmetros do disco music e da música dançante de modo
geral em consonância com a exploração dos signos nele incorporado.
Dentro dessa lógica, para reafirmar o interesse do mercado fonográfico no gênero
disco music, além de diversos setores comerciais, podemos afirmar que outros tantos artistas
brasileiros, até mesmo aqueles que seguiam uma tendência diversa da sonoridade de
discoteca, aderiram às suas produções o ritmo dançante popularizado inicialmente pela
discoteca The Frenetic Dancin’ Days juntamente com as Frenéticas.
Sobre essa adesão, é relevante compreender que o disco music não foi assimilado
de forma pura por esses artistas, mas passou por um processo de hibridização por parte
daqueles que o incorporou em seus trabalhos fonográficos. Embora a matéria jornalística
considere que as Frenéticas não tenham transformado a sonoridade assim como fez os outros,
limitando-se a difundir o estilo disco music da forma que era concebido nos EUA, cremos que
o grupo fundiu elementos próprios do disco music com sonoridades e temáticas brasileiras,
tanto no aspecto musical como na imagem que o grupo feminino construiu nos primeiros anos
de carreira através de suas roupas coloridas e ousadas, assim como na postura sensual da
mulher brasileira, tão apregoada por determinados veículos midiáticos.4
Quanto a difusão do gênero disco music no Brasil, devemos, pois, entender que a
gravadora, enquanto espaço de produção inicial de discos, segue a lógica de qualquer sistema
industrial voltado para a produção de bens de consumo e que, por isso, possui suas
orientações funcionais que visam o máximo estimulo do consumo pela população (MORIN,
1997). Nesse sentido, a aliança entre indústria, mídia, imagem e discurso ideológico
legitimador do consumo corroboram para a expansão da cultura de massa e os seus elementos
configurados em produtos dentro da dinâmica da sociedade e da vida cotidiana, convertida em
lugar do consumo (BAUDRILLARD, 1995: 25).
A isso nos referimos à questão da moda e do comportamento construído dentro do
espaço das discotecas, uma vez que o espaço, enquanto lugar praticado (CERTEAU, 1998),
envolvia os frequentadores e o ambiente de sentidos estéticos que davam significado ao
gênero musical em si e estimulava o consumo de seus elementos incorporados em produtos.
Isso, certamente, fornece elementos a esses sujeitos para que venham a perceber o mundo no
4 Sobre as particularidades estéticas e sonoras das Frenéticas, vale a pena conferir o que Nelson Motta
fala obre elas: A disco music brasileira tinha muita coisa que era cópia da música norte-americana, mas
não era o caso das Frenéticas. Elas tinham cara própria, eram muito ligadas aos caras que fizeram os
Dzi Croquettes. Era teatro de revista, um pouco de escola de samba também, um pouco de cinema, de
chanchada...Uma coisa muito brasileira. Elas gravaram músicas do Gonzaguinha, do Chico Buarque...
(Caia na Gandaia. In.: Revista Superinteressante – História do Rock Brasileiro, São Paulo, 2004: p.70)
5
Dancin’ Days é uma telenovela brasileira escrita por Gilberto Braga e exibida pela TV Globo entre 1978 e
1979. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/dancin-days/ficha-
tecnica.htm. Acesso em: 19/08/2014.
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Tendo como protagonista a ex-presidiária Julia Matos, interpretada pela atriz
Sônia Braga, a novela construiu a imagem da personagem em consonância com o ambiente da
discoteca Dancin’ Days, fazendo do espaço de lazer um espaço também de significações,
onde a moda e o espírito jovem possibilitou o surgimento de um verdadeiro campo de
sondagem para as indústrias culturais, através da popularização, por exemplo, das famosas
meias coloridas de lurex e das sandálias de salto fino, amplamente consumidas na época pelo
público feminino que acompanhava a telenovela. (MOTTA, 2001).
Tudo inspirava consumo no ambiente da discoteca; a sonoridade disco music, em
consonância com o ambiente e sua carga de imagens e símbolos, sintetiza a afirmação das
discotecas como templo de consumo, como podemos conferir a seguir em citação retirada da
revista Veja:
Mas há ainda muitos outros interesses embaralhados na luz estroboscópica e na
cacofonia de milhares de watts das discôs, como são chamadas pelos técnicos no
assunto. A decoração do Papagaio (discoteca) de São Paulo e do Rio, por exemplo, é
toda feita a base de anúncios em neon de produtos, como bebidas, cigarros,
refrigerantes, equipamentos de som, roupas jovens. Na Banana Power, a concorrente
da Papagaio em São Paulo, além dos anúncios em neon, dança-se ao som de um
jingle de Bom Brill, gravado em ritmo de discoteca ao mesmo tempo que um
comercial é projetado na parede (A travoltecamania. In.: Revista Veja, São Paulo,
30/08/1978: p. 52).
6
Scoville (2008) aponta que, nos primeiros anos de existência da Som Livre, as trilhas sonoras de novelas eram
produzidas exclusivamente por artistas contratados da gravadora, assim como por sua orquestra, no entanto, na
segunda metade da década de 1970, a Som Livre muda de estratégia e passa a produzir suas trilhas sonoras no
molde de coletânea, onde os fonogramas não eram mais produzidos somente em seu estúdio, mas também
requisitadas, por meio de contrato, de outras gravadoras em razão do seu reduzido elenco de artistas e da
predominância de artistas populares em outras gravadoras (principalmente a Phonogram). Foi dentro dessa
lógica que a Som Livre adquiriu os direitos de execução da música Dancin’ Days, lançada também no LP das
Frenéticas (Caia na gandaia, de 1978) pela gravadora WEA, então recém instalada no Brasil.
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A música Dancin’ Days foi utilizada como trilha sonora de abertura da já referida
telenovela, trama que tinha como um dos ambientes centrais a discoteca homônima. Sobre a
referida música, vemos o trato especial dado pela tv Globo no processo de gravação,
objetivando criar, por meio de encomenda especial para a trama televisiva, um excelente
produto musical para difusão e consumo sobre o público que acompanhava a telenovela.
Assim, a telenovela, seguindo as noções mais elementares da lógica do
consumo, se utiliza também da participação das Frenéticas em um de seus capítulos,
explorando a imagem da badalação da discoteca aliada a performance alegre do sexteto em
apresentação artística para o público presente na discoteca fictícia, como também para o
público telespectador.7 A telenovela, portanto, incorpora a imagem e a sonoridade do
ambiente de discoteca, fazendo ampla divulgação dos elementos que compõem esse universo
de entretenimento. Para além dessa tática, a TV Globo lança, como recurso expressivo de
difusão sonora do disco music, o LP que registra a trilha sonora da telenovela Dancin’ Days
(Som Livre, 1978), somando nesse bojo mais um elemento para o consumo por parte do seu
público telespectador.
Scoville (2008) desenvolveu um trabalho expressivo acerca da relação da TV
Globo com a MPB no decênio de 1970, focando, entre outros pontos de destaque, a promoção
e difusão de diversos artistas brasileiros atuantes na música por meio das trilhas sonoras por
ela compiladas e comercializadas através do selo discográfico Som Livre, criado para essa
finalidade. Sobre isso, ele nos fala que:
[...] as trilhas de telenovelas representam a integração entre trama, imagem e som,
mas de forma cotidianizada, não somente no horário de exibição da trama, mas
também pelas das estações de rádio. A vinculação da música com a trama suscita
uma reinterpretação, por parte do público telespectador e consumidor, da obra
musical, que acaba por invocar uma associação direta entre ela e o personagem
(SCOVILLE, op. cit: p. 132).
7
Cf. Dancin’ Days – Edição especial da novela original adaptada para o formato DVD. Rio de Janeiro: Globo
Marcas/Som Livre, 2011: DVD nº 6.
71 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 58-78, jul.-dez. 2014.
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vitrine, capaz de expor ao público consumidor produtos diversos que corroboram para a
consolidação das indústrias culturais.
Apontamos, nesse sentido, para a relação comercial vantajosa existente entre o
mercado fonográfico e a televisão (em especial a TV Globo) na difusão dos trabalhos
artísticos na área da música e na consequente promoção e venda do produto por meio dos
discos de trilha sonora de telenovelas. A trilha sonora é um produto que incorpora em si não
apenas a música propriamente dita, mas também a sua representação frente ao contexto de
apresentação na trama televisiva, sempre relacionando a música à determinada personagem
atuante na novela, o que gera e atrai interesse sobre o público consumidor de telenovela, de
maneira que podemos avaliar que a trilha sonora, largamente comercializada pela TV Globo,
podia ser utilizada como instrumento eficaz de promoção dos artistas lá incluídos.
Dentro desse contexto de relação e importância da trilha sonora, devemos
entender a especial atenção que a TV Globo direcionava para com as músicas que eram eleitas
para a abertura de suas telenovelas. Como já foi dito, esse foi o caso das Frenéticas, ao ter a
música Dancin’ Days incluída na trilha sonora de abertura da novela homônima. Scoville
(2008: p. 162) nos esclarece sobre a importância da trilha sonora que tematiza a telenovela no
seu aspecto geral dizendo que a música de abertura recebia especial atenção por parte da
produção das telenovelas da TV Globo porque ela deveria buscar uma identificação
instantânea com o público telespectador, cativando-o, assim, desde o inicio de cada capítulo.
Para tanto, esse trabalho de sondagem e escolha do tema era bastante minucioso e devia estar
de acordo com a sinopse da novela.
A busca pela cativação do público é um reflexo direto dos esquemas funcionais
das indústrias culturais. Era preciso, portanto, que esse mesmo público fosse conquistado pela
trilha sonora, pelo enredo da história, com seus dramas e suas situações cotidianas capazes de
despertar nele uma aproximação com a sua realidade. Isso, certamente, favorecia a formação
de um elo entre o público e o enredo a ser sondado e convertido, logo em seguida, em
produto, como também todas as mensagens que ele incorpora, seja elas musicais ou mesmo, a
título de ilustração, gírias e bordões oriundos dos personagens que são facilmente
popularizados nas sociedades em situações semelhantes. Sobre essa questão, a atriz Glória
Pires, intérprete da personagem Marisa Matos em Dancin’ Days, fala sobre a influência das
telenovelas sobre o telespectador: “A gente corta o cabelo, eles (os telespectadores) vão lá e
CONCLUSÃO
BAUDRILLARD. Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Rio de Janeiro: Elfos
Ed. Lisboa: Edições 70, 1995.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
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∗∗∗
RESUMO ABSTRACT
Este artigo tem como intuito analisar o discurso de This paper analyzes the speech of John Milton from
John Milton a partir das obras Tenência dos reis e the works The Tenure of Kings and Magistrates
magistrados (1649) e Defesa do povo inglês(1651). (1649) and Pro populo anglicano defensio (1651).
Para isto, nos basearemos na perspectiva do This paper is based on Pierre Rosanvallon’s
conceito do “político” de Pierre Rosanvallon, para concept of the “political” to demonstrate that the
demonstrar que o pensamento do autor é uma author’s thought is an attempt to answer the issues
tentativa de responder aos problemas que o that troubles him in the XVII century, and that it is
incomodavam no século XVII, e como este está inserted and influenced by the conflicts present in
inserido e influenciado pelos conflitos presentes this period. The problems and conflicts were related
neste período. Os problemas e conflitos estavam to both the loss of prestige and power of Charles I
relacionados tanto a perda de prestígio e poder de as dissatisfaction of English society of the
Carlos I como a insatisfação da sociedade inglesa seventeenth century with respect to the King
do século XVII com relação ao governo do Rei. government. Thus, the hypothesis is that John
Desta forma, a hipótese é que o argumento de John Milton’s argument was created from the context,
Milton foi criado a partir do contexto, marcado pela marked by the political instability and the
instabilidade política e a importância da Bíblia, significance of the Bible, understood by the society
entendida pela sociedade da época como a fonte de of the time as the source of all truth.
toda verdade.
KEYWORDS: John Milton; English
PALAVRAS CHAVES: Jonh Milton; Revolution; political.
Revolução Inglesa; político.
Para Oliveira Júnior, refletir sobre a política a partir desta perspectiva, nos torna
mais sensíveis ao processo de práticas políticas e de estratégias dos atores sociais. O
“político” possibilita ampliar a noção de história política e utilizar a história dos conceitos que
objetiva pesquisar os usos de um determinado conceito ao longo do tempo, além de considerar
como os atores-autores os modificaram ao enfrentar problemas sociais de seu contexto.
(OLIVEIRA JÚNIOR, 2012, p.171).
Estes, como uma força política consciente, começaram a reagir querendo algumas
mudanças, e o que no reinado de Elisabeth eram sérios problemas, tornaram-se ameaças ao
governo de Charles I. Os componentes da gentry, cada vez mais seguros, queriam expressar
1
Gentry – grupo social cuja conceituação é fruto de grande polêmica entre historiadores ingleses. Resumindo,
trata-se de uma espécie de baixa nobreza de origem plebeia, mas que teve acesso a terras no reinado de Henry
VIII Tudor, após os “Atos de Supremacia”, em que se confiscou os bens da Igreja Católica. A compra das
terras em leilões reais e a possibilidade de entrar na Câmara dos Comuns, fez com que este grupo ascendesse
politicamente. Todavia, a sua origem e “mentalidade econômica" mercantil – presentes no Parlamento –
ajudaram a mudar os rumos da economia inglesa. A dificuldade é o fato de ela manter uma fusão de visões de
mundo: senhorial e burguesa; fato este que parece ter tido importância nas elites britânicas desde o XVII. Ver
de Edward Thompson: As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Campinas, Unicamp, 2001.
83 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 79-100, jul.-dez. 2014.
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suas opiniões e serem atendidos. A instabilidade financeira, a política militar inútil, corrupção
e privilégios foram o combustível para esses agirem e tomarem decisões, especialmente no
governo dos Stuarts que não tinham e não se importavam em ter o carisma da rainha. Stone
inclusive ressalta que esta característica, a qual Elisabeth fazia questão de usar, prejudicou
mais ainda a transição do poder para James e Charles I, pois através da propaganda ela
intensificou a sua identificação como a rainha da nação.
O rei também tentou reforçar o prestígio dos nobres e rebaixar a gentry, mas a última,
que por quase um século havia conseguido um crescimento na influência política, não estava
disposta a voltar à posição inferior. Juntamente com ela, os puritanos também tinham
alcançado um posicionamento considerável no reinado de Elisabeth e continuaram
influenciando no governo de James. Mas em 1630, Charles I privou ambos os poderes, que a
gentry e os puritanos já consideravam como seus direitos. (STONE, 2000, p.219)
A teoria do Direito Divino, basicamente, definida pela ideia de que todo o governo era
escolhido por Deus e por isso era submisso somente a ele, de acordo com Janine Ribeiro e
Ernst Kantorowicz, foi combatida na Inglaterra através da defesa de que as leis se
hierarquizavam, assim, as que tinham sido promulgadas pelo “corpo do Rei no Parlamento”
eram valorizadas e as que emanavam somente do rei eram menosprezadas pelo Parlamento e
outros setores sociais. Resumindo, a mitologia política da origem divina era combatida por
aquela que defendia a existência de “dois corpos do Rei”. No período das dinastias Tudor e
Stuart, estas ideologias disputavam espaço, até que depois de 1688 o Parlamento tornou-se
vitorioso. (JANINE RIBEIRO, 2001: KANTOROWICZ, 1998).
A crítica do autor é o reflexo do que diz Stone, “bem pouca coisa restava “da
divindade que guarnece o rei”, e os que acreditavam no mito ainda popular dos ingleses como
povo eleito de Deus o estavam usando como uma arma contra o rei Carlos I.” (STONE, 2000,
p. 165). Ou seja, a partir da insatisfação e desconfiança do poder régio, da leitura consciente
da “constituição” ligada ao declínio da Teoria do Direito Divino, novas teorias foram criadas.
Segundo Skinner “a teoria dos Estados livres continuou a ser um espinho para as
teorias de governos contratualistas, bem como patriarcas do século XVII.” (SKINNER, 1999,
p. 23). Esta foi usada e reavivada para afrontar os Stuarts. Entre os autores que discordavam
do discurso de Hobbes e basearam-se na liberdade da teoria clássica, destacava-se Milton,
como afirma Skinner, nos panfletos que ele publicava em defesa da comunidade livre entre
1649 e 1651, estava presente o conceito de liberdade neo-romana.
“Por isso lemos que no passado a majestade fora atribuída mais frequentemente ao
povo romano do que aos reis. Do mesmo modo Marco Túlio em Pro Plancio: “é
condição de um povo livre, e especialmente deste povo, que é líder e senhor de todas
as nações, ser capaz, pelo voto, de dar a alguém ou tirar de alguém o que quiser.
Nossa tarefa é suportar calmamente a vontade do povo: se não queremos altas
honras, não precisamos servir ao povo; mas se de fato as buscamos não devemos nos
cansar de suplicar”(ibidem, p. 159).
Milton nos apresenta uma afirmação vinda do senado romano que se considera
escravo do povo, pois estes votam e escolhem seu representante que tem o dever de honrá-los.
Neste trecho, percebemos nitidamente que o autor se baseia no ideal de respública dos
“pai e rei são coisas muito diferentes. O pai nos gerou; mas o rei não nos criou, nós é
que criamos o rei. A natureza deu um pai ao povo, mas o próprio povo se deu um
rei; assim, o povo não existe por causa do rei, mas o rei existe por causa do
povo.”(Ibidem, p. 93)
Vemos que para o autor é o povo que tem o poder, quando criados, foram
presenteados com a liberdade natural e decidiram fazer uma aliança com um representante
para o bem de todos.
De acordo com Skinner, Milton proclama em 1660 que o corpo ideal para a
representação é Câmara dos Comuns (SKINNER, op. cit, p. 38). Contudo, nos panfletos que
aqui estamos abordando, parece que Milton não deixa nítido este ideal, o que percebemos é
que seu objetivo maior era convencer ao parlamento da sua missão de manter a república.
Poderíamos até perceber uma referência neste ideal quando o puritano diz:
“Foram indicados pelo rei, eram seus camaradas, servidores e, por assim dizer, sua
sombra (...) Ora, a Câmara dos Comuns, como já te disse acima, não apenas
constituía a parte mais importante do Parlamento, mesmo sob os reis, mas por si só
formava um Parlamento sob todos os aspectos, absoluto e legítimo, ainda que sem
os lordes e muito menos o clero.” (Ibidem, p. 301)
No entanto, percebermos que ele estava preocupado em convencer os membros do
Parlamento, sejam lordes ou comuns, que o tiranicídio foi uma atitude correta e também
lembramos que os presbiterianos eram o segundo maior grupo. O maior era de “indecisos”,
digamos assim. Milton, talvez, não conseguisse convencer o Parlamento a aceitar ideias de
Dito isto, podemos voltar à discussão sobre a liberdade civil. Em Tenência dos
Reis e Magistrados, está clara a teoria do Estado Livre e o enfoque, apresentado por Skinner,
sobre o assunto. De acordo com Milton, o homem é livre naturalmente, ele nasceu para
“mandar e não obedecer” (Ibidem, p. 12), contudo, devido à maldade e violência dos homens
foi preciso realizar uma aliança entre o povo e rei ou magistrados, todavia, os chamaram desta
forma, não para serem seus mestres e senhores, mas sim, para serem representantes e
delegados.
No inicio, essa autoridade estava governando como o povo almejava, mas por
caminharem para o poder absoluto, eles se perverteram e passaram a ser injustos e parciais
com seus súditos. Ao descobrir tal perigo, os homens elaboraram as leis para limitar o poder
real, “de modo que sobre eles pudesse exercer o mando não mais do homem de cujo fracasso
eles haviam tido provas, mas a lei e a razão abstraídas, tanto quanto possível, dos erros e das
fraquezas pessoais” (MILTON, 2005, p. 14). Desta forma, as leis estavam acima da
autoridade, mas mesmo assim, os problemas continuavam, pois estes não as executavam, e
com isso, o povo decidiu realizar um pacto, no qual o rei tinha que obedecê-las para
receberem o seu respeito. As leis e o parlamento foram criados para assegurar o correto
exercício do poder.
Para Milton, o rei governa para o bem comum e não para si. Os títulos de
soberano e senhor natural são soberba (Ibidem, p. 15). Exaltá-los desta forma, é colocar o
súdito como um escravo do rei, e segundo Skinner, para os neo-romanos perecer em tal
condição é viver num governo tirano, e ser escravo ou servo significa ser dependente deste
Estado.
Diante disto, Stone argumenta algo relevante para este trabalho “o resultado
lógico deste novo movimento dado ao velho mito chauvinista não foi a simples destruição da
pervertida Igreja anglicana, mas também a execução do rei como símbolo da atividade de
ímpia- e portanto, anti-inglesa” (STONE, 2000, p. 166)
Assim, podemos concluir que o pacto social apresentado por Milton, é um pacto
no qual, as leis, criadas pelo povo, estão acima do poder real. Sendo assim, a autoridade que
desobedecê-las, não é digno do poder e por isso pode até mesmo ser executado, como foi
Charles I. Desta forma, notamos que Milton apresenta um novo argumento possibilitado pelo
seu contexto, um período de insatisfação e desconfiança do poder real, principalmente, por
parte daqueles que Charles I limitou o poder, como a gentry e o Parlamento e os que já
estavam sendo reprimidos desde o reinado de Elisabeth I, os puritanos.
“Todo rapaz ou rapariga, capaz de ler o inglês, convenceram-se que falavam com
Deus onipotente e que entendiam o que ele dizia.” (Stone, 2000, p.182).
Segundo Barros, os escritos de John Milton são muito mais uma linguagem a uma
doutrina (BARROS, 2013, p.128). Podemos acrescentar que é uma linguagem das práticas,
estratégias e conflitos do século XVII. As duas primeiras, nos remetem ao texto de Michel de
Certeau, que analisa as práticas associadas à teoria a fim de as articular para se aproximar das
formas de agir das classes populares. Skinner apresenta uma visão parecida, mas
diferentemente, tem acesso a textos escritos.
Desta forma esses conceitos são importantes para nossa análise, pois Milton escreveu
dois panfletos com o intuito de participar dos debates políticos existentes durante a Guerra
Civil e defender o direito político do povo de resistir e até mesmo destituir o governante que
“(...) um rei, penso eu, que livremente possui o tipo de direito dos reis de que estás
falando é odioso tanto a si como a Deus: Sl 94, “pode acaso associar-se contigo o
trono de opressão, que forja o mal tendo por pretexto uma lei? Não faças portanto
Deus praticar esse medonho mal, afirmando ter Ele ensinado que a iniquidade e as
más ações dos reis são direitos do rei, pois Ele ensina que precisamente por essa
razão deve-se abominar a associação com reis iníquos, acostumados que estão a criar
todos os aborrecimentos e perturbações sob o pretexto do direito dos reis.(Hill, op.
cit, p. 117)
Milton baseia-se na Bíblia para argumentar que os direitos de Deus são os direitos
do povo. O autor cita a história de vários reis da Bíblia para mostrar que os tiranos não são
aprovados por Deus. Assim, almejando criticar os reis tiranos e defender a punição desses, ele
a elabora com uma fundamentação, e esta segundo o autor é feita por
Resumindo, “A Bíblia foi fundamental para toda vida intelectual e moral dos
séculos XVI e XVII.” (HILL, 2003, p.41). No século XVII, não era apenas um livro para ser
lido ou ouvido, porém ele se fazia presente na vida dos atores deste contexto. Para Milton, na
Bíblia se encontrava toda a verdade. Diante de tamanha importância dada a este livro, Hill
afirma que para entender o contexto em que Milton viveu, é preciso recorrer às Sagradas
Escrituras. Num período de insatisfação e conflitos, esta, com sua centralidade, teve seus
2
Salmásio (1588-1653), classicista francês. Estudou filosofia em Paris (1604) e direito em Heidelberg (1606).
Este foi o autor da obra Defensio regia refutada por Milton a partir da Defesa do povo inglês.
93 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 79-100, jul.-dez. 2014.
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efeitos sobre a literatura, teoria política, nas relações sociais, entre outras áreas (HILL, 2003,
p.24).
“No turbilhão do século XVII, a Bíblia tornou-se uma espada que servia para
dividir, ou um arsenal do qual todos os partidos retiravam armas para satisfazer as suas
necessidades” (HILL, 2003, p.26). Hill afirma que a Bíblia foi usada tanto para medir como
para criticar as ações e instituições do período e se não fosse encontrada nada no livro sagrado
sobre essas, elas eram consideradas suspeitas. (Ibidem, p.62)
Milton publicando Tenência dos reis e magistrados, expõe o seu ataque aos
presbiterianos que ajudaram a derrubar e executar Charles I e que depois, negaram a
participação e tentaram negociar a restauração da monarquia. Ao lermos toda a obra,
acreditamos que este autor tinha na consciência que executar o rei era uma atitude aprovada
por Deus, até porque o tiranicídio estava presente na tradição pagã clássica e no Antigo
Testamento.
“Portanto, no capítulo de São Paulo nos diz que os magistrados aos quais se refere,
que são um terror para o mau, não para os bons, são os que não empunham a espada
em vão; ao contrário, punem os ofensores e estimulam os bons. Se unicamente estes
são mencionados aqui como os poderes a obedecer, e apenas a eles foi exigida nossa
submissão, certamente então os poderes que fazem o oposto não são os poderes
ordenados de Deus e por consequência não nos foi imposta nenhuma obrigação de
obedecer e não lhe resistir.” (MILTON, 2005, p. 22)
Ou seja, assim como Hill afirma, ele como outros intelectuais da época não usava
a Bíblia como um disfarce para esconder os verdadeiros motivos, mas que a interpretação
dela, para essa ação, foi usada como ponto de referência e sendo assim, estava “comprovado”
que o rei tirano era um poder vindo do diabo e não de Deus.
“Dt 17:14. Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te dá, e disseres: Porei
sobre mim um rei, como todas as outras nações que me cercam. Essas palavras
confirmam-nos que o direito de escolher, sim, de mudar o governo, reside por
concessão do próprio Deus no povo” (Ibidem, p.21)
Além disso, em Defesa do povo inglês, Milton afirma:
Mas o que possibilitou aos homens que não faziam parte da instituição Igreja, no
século XVII, utilizar o livro sagrado para criticar o poder do rei? A Reforma Protestante
iniciada no século XVI. Por meio de Lutero e Calvino, foram apresentadas novas ideias,
especialmente com relação ao governo. O primeiro, de acordo com Barros (2013), argumenta
que o cristão deve rejeitar o governo de um tirano, contudo, esta resistência tem que ser
passiva. O segundo, também apresenta a mesma ideia de Lutero e diz que, se toda a
autoridade vem de Deus, as suas ações devem estar de acordo com a vontade divina. Milton é
Podemos ver essa influência nos dois panfletos que estamos analisando, entre os
trechos, destacamos:
“(...) no capítulo supracitado São Paulo nos diz que os magistrados aos quais se
refere, que são um terror para os maus, não para os bons, são os que não empunham
a espada em vão; ao contrário, punem os ofensores e estimulam os bons. Se
unicamente estes são mencionados aqui como os poderes a obedecer, e apenas a eles
for exigida nossa submissão, certamente então os poderosos que fazem o oposto não
são os poderes ordenados de Deus e por conseguinte não nos foi imposta nenhuma
obrigação de obedecer e não de lhes resistir.” (MILTON, op.cit, p.22)
“Embora Cristo negasse que fosse direito dos reis impor tributos excessivamente
onerosos sobre os homens livres, sem dúvida ele negava muito mais claramente que
fosse direito dos reis praticar pilhagens, destruição, assassinatos e tortura de seus
próprios cidadãos. Como ele parece ter discutido o direito do rei noutro lugar
também dessa maneira, certas pessoas começaram a suspeitar que ele não teria
considerado a licença dos tiranos como direito dos reis. ” (Ibidem, p. 144)
A Reforma também possibilitou, como afirma Hill, uma revolução cultural. Se
para os católicos a imagem era suficiente para os iletrados, para os protestantes a leitura era
muito importante, o que gerou interesse pela educação popular, Hill até nos apresenta uma
interessante fala de Joseph Hall, que define esta revolução, “naquela época podiam apenas
rastejar (antes da Reforma) agora podem voar” (HILL, 2003, p.35). Todavia, não podemos
deixar de destacar que esta importância dada à leitura e ao ensino foram herdadas do
Humanismo do século XV. Setores médios e baixos estavam sendo alfabetizados,
principalmente por meio da Bíblia traduzida para a língua inglesa. Como afirmam Stone e
Hill, o acesso direto e oportunidade de interpretar este livro aumentou e até mesmo deu a
sensação de confiança que lhes faltavam para reivindicar uma participação mais ativa na
sociedade. O último autor, no texto Origens Intelectuais da Revolução Inglesa (HILL,1992),
acrescenta que a partir da alfabetização as pessoas começaram a contestar ideias tradicionais,
assim, tudo sendo posto em dúvida e, desta forma, vemos o cenário pré-revolucionário e um
momento próprio para novas ideias e tendências do pensamento protestante e científico.
Novas ideias que podemos ver os reflexos na obra de Milton. O governo, que até
o século XVII estava apoiado na teoria divina, não tinha sido criticado com tanta força ao
ponto de alcançar uma revolução. Contudo, a centralidade da Bíblia conciliada à possibilidade
de interpretá-la individualmente e a instabilidade política, trouxe uma explosão educacional
Sobre a linguagem bíblica que foi utilizada para se opor ao governo e foi
transmitida até aos mais pobres e trouxe perigo ao poder do rei, Milton afirma que
“Certamente não é sem razão que os tiranos, por uma espécie de instinto natural, a um só
tempo odeiam e temem apenas a verdadeira Igreja, e os Santos de Deus, que são os mais
perigosos inimigos e subversivos da monarquia, embora de fato da tirania.” (MILTON, 2005,
p. 29).
Vemos assim, que Milton publicando Tenência dos reis e magistrados duas
semanas após a execução de Charles I, expõe uma concepção arraigada nos anos da
Revolução Inglesa, ou seja, no tempo em que ele viveu. Um tempo no qual, a leitura da Bíblia
era possível e tinha a resposta para todos os problemas.
CONCLUSÃO
A partir da análise deste discurso, novas questões foram surgindo, entre elas: Seria
possível restaurar o Paraíso, responsabilizando o Homem pela sociedade através da
participação política? O quanto ler a Bíblia permite questionar se um comportamento real é ou
não condizente com o divino? Assim, este trabalho não cessa por aqui, pois temos muito mais
a estudar sobre o tema.
∗∗∗
Renato Rios
Mestre em História e Culturas pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado Acadêmico em
História e Culturas (MAHIS/UECE), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e orientado pela Profª Drª Lucili Grangeiro Cortez.
Pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História e Culturas (DÍCTIS/UECE).
Professor Efetivo dos Cursos de História, Pedagogia e Serviço Social das Faculdades INTA,
Sobral – CE.
Renato Rios
RESUMO ABSTRACT
Nesse trabalho, buscamos analisar a construção de In this paper we analyze the construction of a
uma Cultura Política em João Brígido a partir de Political Culture in João Brígido starting from some
alguns locais de pertencimento em que este belonging places where this intellectual was active
intelectual se mostrava atuante, durante a segunda during the second half of the 19th and the early
metade do séc. XIX e as primeiras décadas do 20th century. For this, we point three quick
século XX. Para tanto, pontuamos rapidamente três appropriate moments of João Brígido acting: the
momentos oportunos de atuação de João Brígido: o political environment and the broader perspective
meio político e o caráter mais amplo que esse that this concept may raise; Freemasonry as a space
conceito pode suscitar; a maçonaria, como espaço for discussion of knowledge production and fight
de discussão da produção de conhecimento e de luta against the enemies of this intellectual, mainly
contra os inimigos deste intelectual, principalmente, linked to the Catholic Church; and the press, the
ligados à Igreja Católica; e a imprensa, principal main performance space and articulation of
espaço de atuação e articulação de Brígido. Brígido.
INTRODUÇÃO
1
Historiadores vêm discutindo de maneira aprofundada os avanços e impactos sociais das descobertas científicas
e desenvolvimentos de suas técnicas desde a Idade Média, principalmente passando pela Renascença e chegando
à contemporaneidade. O século XIX é considerado por muitos como o “século das ciências”, não só pela
possibilidade de avanços do período, mas também pela aura otimista que se perpetuava na Europa no período,
mesmo com algumas guerras localizadas. É no século XX, com a eclosão da Primeira Grande Guerra em 1914,
que esse ar otimista vai sendo substituído por uma perspectiva mais intimista e individual, principalmente porque
pela primeira vez, as ciências estavam sendo utilizadas como meios de destruição, perdendo parte de uma
essência progressista.
104 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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produção historiográfica que trata do ofício do historiador, na construção de seus textos e da
escrita dessa história.
Alguns textos foram surgindo na tentativa de se definir esses recortes, mas
pensados menos como modelos fechados em sua acepção do que como ponto de partida para
um diálogo que perpassa a crítica a uma produção historiográfica de João Brígido. Eles nos
apontavam para um horizonte de discussão que ajudou a pensar o que era e por quais
caminhos se produzia narrativas históricas no século XIX, em meio a uma série de elementos
que já fazem parte dessa sociedade letrada que se dedicava a chegar a uma escrita que
trouxesse uma verossimilhança da realidade para as linhas no papel.
Percebendo que o contexto no qual foi desenvolvida essa escrita entra na
perspectiva de notar como se formata essa produção em si, dentro das escolhas do autor de
como fazer esses textos chegarem aos seus leitores e os formatos dos textos e dos livros,
iniciamos aqui esse diálogo trabalhando a questão do intelectual escritor no século XIX
trazida por Stephen Bann em seu As invenções da História. Logo na introdução, o autor
chama atenção para as conexões históricas entre a disciplina História, que havia se
desassociado da filosofia, o museu histórico, as pinturas e o romance. Chamo atenção para
este último: o romance (a ficção) acabou sendo algo discutido em paralelo com essa escrita da
história, por andarem de mãos dadas. Para rapidamente trazer Peter gay e seu O Estilo na
História ao diálogo, lembramos que esse estilo, não é um mero ornamento ou uma roupagem
do pensamento, como já trabalhavam os românticos, mas sim parte da sua essência do objeto.
O historiador é um escritor, um narrador. Ele pode até se posicionar diferentemente de um
autor de ficção perante aos “fatos” e aos documentos, mas ao escrever, o historiador revela
como vê o seu mundo histórico, já que “toda percepção é uma interpretação; a mais simples
observação (como disse Goethe há muito tempo atrás) já é uma teoria. Os fatos nunca são neutros;
vêm impregnados por juízos de valor” (GAY, 1990, p. 176).
Atentando para a relação entre percepção-interpretação, retomemos Bann, em seu
artigo Analisando o Discurso da História, presente no livro já citado, no qual o autor trabalha
com interpretações da história, relacionando-as diretamente ao formato da escrita da história
no final do século XVIII e no século XIX. Enquanto a História, como disciplina estava ligada
a Filosofia, a sua escrita estava fincada na Retórica. No mesmo momento que a história
adotava seu paradigma “científico”, segundo Bann, ela “aparelhou-se com novas ferramentas de
2
Aqui entra uma referência a outro artigo de Bann, presente no livro trabalhado, chamado A história e suas
irmãs: direito, medicina e teologia, no qual o autor vai discutir a relação entre essas quatro disciplinas e como há
um relevante contato entre elas e a história, gerando desse diálogo a formatação da história como disciplina
acadêmica e a apropriação de elementos da história por estas disciplinas.
106 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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Posteriormente, após meados do século XX, o que se tem é uma retomada da
retórica, trazendo-a de novo para dentro da história e ressignificando sua função dentro da
disciplina, na qual para se compreender a historiografia, utilizou-se daquela sob uma nova
perspectiva, a partir do diálogo entre a linguística e a semiologia, na compreensão de um
sentido ou de um estilo, assim como trabalhou Hayden White (WHITE, 1992).
O que é relevante para nossa pesquisa, em se tratando de um diálogo com Stephen
Bann e alguns de seus artigos em As invenções da história, foi perceber como se posicionou a
produção historiográfica de João Brígido dentro de sua relação com a disciplina histórica e em
que momento dessa passagem entre a retórica dominante e a ausência dela configura-se essa
produção, pois há alguns elementos dentro dessa construção do discurso das primeiras linhas
sobre a história do Ceará que apontariam para a formatação da retórica como mediadora dessa
produção. Não é a toa que alguns intelectuais apontam para a produção de João Brígido
alegando ser ele um cronista e não um historiador, como comentamos. O debate inicia-se
aqui, com essa discussão com Bann e as relações entre a retórica, a história-ciência e o
posicionamento de João Brígido em seus textos historiográficos.
Essa perspectiva do modo como se caracterizaria essa produção, parte da leitura
da obra de Peter Gay, O estilo na história. Na definição do que seria esse estilo, é encontrada
logo na introdução: “O estilo é um centauro, reunindo o que a natureza como que decretou
que se mantivesse apartado. É a forma e é o conteúdo, entrelaçados para formar a tessitura de
toda arte e todo ofício – e também a história” (GAY, 1990, p. 4).
Muito do que será discutido por Peter Gay servirá para adensar mais ainda o
debate entre o posicionamento da história entre a arte e a ciência, entre o estilista e o cientista.
Já que o autor coloca o estilista/historiador numa posição de escritor profissional e de leitor
profissional, a postura deste produtor de textos entra na discussão acima citada, mas como
leitor, ele deve prezar por uma qualidade quase que literária em sua interpretação perante os
fatos e assim o estilo, segundo Gay, podendo-se assim “constituir um objeto de satisfação, um
veículo de conhecimento ou um instrumento de diagnóstico” (1990, p, 17-18).
O que se torna necessário de enfatizar é que o estilo fornece informações não só
sobre o estilista, mas sobre a sua cultura e o seu campo histórico (como Hayden White
desenvolveu). Chegamos assim ao mundo do oficio do historiador, no caso, o de João
Brígido, através do estudo do que seria o estilo dele, partindo dessa relação na qual o
historiador ao observar e refletir, ao mesmo tempo, age, numa tentativa de ressignificação do
3
Tratamos como “província”, pois apesar terem sido publicados no fim da primeira década do regime
republicano, estes textos autobiográficos tratam de quaisquer momentos pós transição de regimes e tem como os
marcos iniciais o nascimento de João Brígido, em 1829, englobando boa parte do período Imperial brasileiro.
110 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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no mesmo ano. No ano seguinte foi publicado um segundo texto autobiográfico no mesmo
periódico e serão esses dois textos dos quais partiremos com nossa análise.
Se nós devemos apresentar o sujeito que produziu textos que nos servem de fonte
para nossa pesquisa, mais prudente seria dar voz a ele e deixá-lo apresentar-se:
Hoje, completo 70 annos, e antes que alguém fale disto, falo eu que tenho mais
direito. Se é feio ter 70 annos, mais feio será negá-lo.
Nasci na Vila de S. João da Barra, a 3 de dezembro de 1829, dia de S. Francisco
Xavier, disse minha santa mãe, e notei no meu primeiro aidememoire, quando fazia
as primeiras letras. Nasci, portanto, capixaba. Logo após uma lei desanexou aquela
vila, reunindo-a à Província do Rio de Janeiro. Não protestei, porque mamava.
(BRÍGIDO, 1899, p. V)
Permeado pelo tom pilhérico, esse texto autobiográfico (juntamente com outro,
publicado um ano depois), aponta para alguns elementos que se mostram essenciais para a
compreensão do imaginário construído por João Brígido sobre os sertões do Ceará como
espaço habitado por ele desde os dois anos de idade, evidenciando o sentido que dava ao
mundo onde cresceu. Esses textos serão importantes nesse sentido já que recuperam imagens
do vivido, evocando uma memória que ele restaura em detrimento a outras para compor sua
autobiografia. O jogo de lembrar e esquecer perpassou seus sentidos e encontrou, no centro da
construção social que eram suas representações, as sensibilidades que o ajudaram a selecionar
e construir suas memórias.
Entendemos aqui sensibilidades como
[...] uma forma de apreensão e de conhecimento do mundo para além do
conhecimento científico, que não brota do racional ou das construções mentais mais
elaboradas. [...]
Mas, ao mesmo tempo, as sensibilidades correspondem também às manifestações do
pensamento ou do espírito, pela qual aquela relação originária é organizada
interpretada e traduzida em termos estáveis e contínuos. Esta seria a faceta mediante
a qual as sensações se transformam em sentimentos, afetos, estados da alma.
(PESAVENTO in PESAVENTO; LANGUE, 2007, p. 10)
A dor figura assim como elemento conector que perpassa toda sua autobiografia,
ainda que sempre tratada com pilhéria e ironia. Aos 70 anos, com uma postura política
definida4, o autor faz um levantamento dos pontos considerados por ele importantes de sua
trajetória de vida e é a partir dessas escolhas, que uma estrutura de sentimentos e
sensibilidades começa a tomar forma. Ao racionalizar e por no papel suas experiências
escolhidas, João Brígido manifesta também seus sentimentos, descortinando o conhecimento
4
Ainda ligado à oligarquia liderada por Nogueira Aciolly, inclusive trabalhando como seu advogado.
111 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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sobre o mundo em que estava inserido, juntamente com as construções mentais fundamentais
para o desenvolvimento desse texto.
Para além da discussão, situemos melhor esse sujeito.
João Brígido dos Santos nasceu em 03 de dezembro de 1829, na vila de São João
da Barra, uma localidade capixaba que posteriormente foi anexada à província do Rio de
Janeiro. Veio a falecer em Fortaleza com quase 92 anos, em 14 de outubro de 1921.
Seu avô paterno foi Manoel Brígido, que ocupou funções no governo durante o
período regencial, este residia no Icó, região do cariri no interior cearense e alguns anos após
o nascimento de João Brígido, em 1831, seu pai, Ignácio Brígido, decide regressar ao Ceará,
sua terra de origem com sua mulher e filhos, estabelecendo-se em Icó, mas com uma banca de
advogado itinerante, o que possibilitou a ele exercer a função em diversas comarcas.
Por influência paterna, João Brígido teve uma educação inicialmente caseira e,
posteriormente, em instituições de ensino locais até sua adolescência. Seu avô, Manoel
Brígido, defendia que seus filhos e netos deveriam ter uma formação intelectual e na vila do
Icó, já vinha florescendo algumas instituições ainda no período em que Ignácio desenvolvia
sua formação. O responsável por essa educação caseira de João Brígido, inicialmente, foi o
próprio pai, uma herança de seu avô.
Quando na adolescência, João Brígido fixa-se definitivamente em Fortaleza com
toda sua família: Seu pai Ignácio Brígido, sua mãe Vicência Maria de Jesus e seus sete
irmãos. O ano era 1846 e este também marca o início das atividades jornalísticas de João
Brígido escrevendo no “Zéfiro”, periódico organizado e produzido juntamente com outros
estudantes do Liceu.
Aos 21, casa-se com Maria Joana e, além da jornalística que já vinha se
desenvolvendo, inicia sua carreira como advogado de rábula, passando a exercer a função
pelos sertões do sul do Ceará, onde havia passado parte de sua infância e também por parte
dos sertões da Paraíba, Pernambuco e Bahia. Alguns anos mais tarde, em 1854, fixou
residência com sua mulher e lá nasce sua primogênita. Um ano depois, torna-se redator e
colaborador d’O Araripe, periódico local.
No fim da década de 1850, publica fascicularmente seu primeiro grande estudo a
respeito das origens do Ceará. Denominado Apontamentos para a História do Cariri, esse
texto desponta em fevereiro de 1859 nas páginas d’O Araripe e anos mais tarde são editados e
publicados pelo Diário de Pernambuco, um dos maiores periódicos no norte do império no
O que se viu em Fortaleza, a partir do final da década de sessenta foi uma busca
pela loja maçônica tendo em vista a possibilidade de discussão de ideais burgueses, racionais
e cientificistas, dentre seus membros letrados, o que até suprimia o caráter secreto que a
instituição possuía, principalmente após a fundação do periódico maçônico Fraternidade.
Como já foi colocado anteriormente, um dos campos de grande difusão do dogmatismo
católico foi a imprensa, e o crescimento de uma imprensa maçônica em Fortaleza fez com que
o embate entre maçons e católicos conservadores se tornasse mais presente e conhecido do
grande público. Para Berenice Neves,
5
O termo “instituição filosófica” torna-se passível de uso tendo em vista que a partir do aumento do número de
intelectuais que passam a compor a instituição, a maçonaria torna-se um dos centros de discussão e difusão de
idéias cientificistas, superando mas não abandonando o caráter inicial operativo dessa confraria.
114 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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Dentre os vários indivíduos pertencentes às elites cearenses que se filiaram às lojas
maçônicas no período do Império, vale destacar o papel desempenhado por segmentos
intelectuais, que tiveram na imprensa maçônica um importante espaço de divulgação de
suas ideias. No caso do jornal maçom Fraternidade, estamos falando do experiente e
polêmico jornalista João Brígido e dos então jovens Thomas Pompeu de Sousa Brasil, filho
do senador de mesmo nome, Tristão de Alencar de Araripe Júnior, membro da tradicional
família Alencar, do Cariri cearense, e Xilderico Farias. (NEVES in SOUSA; NEVES, 2002,
p. 99).
[...] Não se pode negar a identidade de idéias, porque o Sr. Dr. Pompeu diz que Deus
é um vocativo sublime, e não admite religião; o Sr. Brígido, seu mentor [grifo
nosso], propala de público por onde anda que o homem é um macaco transformado;
e por isto está visto que não admite Deus, nem Christo, nem religião alguma [...].
(Tribuna Católica, 09/08/1874)
João Brígido não era apenas citado, mas evidenciado como defensor de ideias
modernas e como “mentor” dos mais jovens que participavam também dessa imprensa
maçônica. Importante também salientar nesta citação a presença do repúdio a teoria da
evolução de Darwin dentre outros autores, por parte dos conservadores católicos. Autores
como Darwin, Spencer e Comte foram lidos por esses intelectuais e seus textos serão
discutidos em aulas populares que ministravam, já que a preocupação com a laicização da
educação, aqui já citada, seria outro ponto debatido e defendido pelos “Batalhadores das
Ideias” (Tribuna Católica, 10/02/1874).
João Brígido já havia lecionado aulas de várias disciplinas desde muito tempo,
sendo inclusive aprovado em concurso publico para assumir a cadeira de Língua Nacional, no
Liceu do Ceará em 1861. Como desde o final da década de 1850, ele já vinha coletando
documentos e fontes orais a respeito do passado da região do Cariri, interior sul do Ceará, e de
demais regiões, em uma tentativa de abarcar toda a história da província, compendiar e
publicá-la em seus livros, não é de se espantar que em 1885, João Brígido tenha organizado
6
Além de Mororó, algumas outras biografias são encontradas nesse livro como a de Pessoa Anta, Carapinima,
entre outros. Ao que nos parece, os sujeitos escolhidos para tem suas vidas esmiuçadas passaram por uma
seleção de João Brígido, na qual praticamente apenas aqueles que tivessem ligações com a Confederação do
Equador, far-se-iam presentes.
119 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 101-124, jul.-dez. 2014.
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D’O Zéfiro na segunda metade da década de 1840, quando ainda era estudante do
Liceu em Fortaleza, até a fundação d’O Unitário em 1903, do qual foi redator-chefe e
principal organizador, João Brígido tentou se fazer presente de uma forma tão intensa através
dos periódicos, que logo recebeu a alcunha de polemista nato e jornalista combativo. Sua
principal característica com relação a esse seu local de atuação foi, na medida do possível,
manter ataques constantes àqueles que lhes eram contrários. Não por acaso, Raimundo Girão
assim definiu O Unitário, derradeiro periódico fundado por Brígido, assim como seu
idealizador “foi seu principal fundador e diretor João Brígido dos Santos. Irrequieto,
combativo, destemeroso e culto, foi Brígido a mais forte e, diga-se, a mais violenta expressão
do jornalismo no Ceará, tendo fundado diversas folhas na sua longa existência de 90 anos.”
(GIRÃO, 1985, p. 396)
Essa relação entre seus escritos jornalísticos e seu engajamento político é tão
intrínseca que este seu último e mais incisivo instrumento a destilar injurias contra seus
adversários políticos, recebia como que sub-titulado a epígrafe “jornal político”. Anos depois,
entre 1910 e 1911, O Unitário passou a ostentar a inscrição “Órgão do Partido Republicano
Liberal”. Não por acaso, dez anos antes, quando ainda participava do periódico A República,
ele escreveu:
Devo prevenir ao público que sempre fui liberal. Assim como conservador vem a ser
todo o bicho humano, que subscreve os caprichos do seu tempo, liberal é todo
aquele que não se conforma com eles e dá-lhes um pontapé, reclamando sempre
coisa melhor, à sua imagem ou fantasia.
Sempre estive em revolta com as situações que atravessei, me parecendo, ainda hoje,
que este mundo não presta, e que o outro dos poetas e dos padres não há de ser lá o
que eles dizem. (A República, 03/12/1900)
Pelos seus próprios escritos e pelo que os outros publicaram ao seu respeito, João
Brígido parecia não se preocupar em ter inimigos, sejam eles políticos ou pessoais. De fato,
parecia-lhe prudente ter opositores, chegando inclusive a escrever, a respeito do período em
que foi advogado pelos sertões, que:
[...] Foi ocasião de fazer mais inimigos; e isto me serviu muito, para andar direito. É
bom ter-se sempre uma meia dúzia, pelo menos; servem de embono, para a canoa
não virar.
Diz a regra: - Quem tem inimigos não dorme. (BRÍGIDO, 1900, p. 75)
Nesse mesmo texto, ele comenta sua participação, quando escreveu ainda no
Crato, nos periódicos O Araripe e O Cratense, alegando que seus jornais seriam contra “o
bacamarte reinante” e funcionaram “ensinando os matutos a se defrontarem com
correspondência ao bacamarte”.
Obviamente esse seu texto autobiográfico, escrito quando ele passa dos setenta
anos, trouxe elementos por ele escolhidos para compor o papel que ele acreditava exercer na
sociedade. É um texto de escolhas entre o que vai fazer parte e ficar para a posteridade e o que
não deve fazer parte das memórias que poderiam os seus sucessores virem a ter a seu respeito.
Contudo, essa sua postura opositora a determinados grupos políticos o levou a entrar na
política em 1868 e depois em 1879, como deputado estadual, chegando a ser eleito Senador
estadual em 1892. Desde então sua carreira política, intercalada pelas suas participações
panfletarias e causticantes em vários periódicos, fez-lhe desembocar, aos 74 anos, na criação
d’O Unitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso intuito foi trazer alguns elementos que pudessem traduzir esse sujeito
temporalmente distante de nós, a partir de uma aproximação do mundo intelectual na qual nos
inserimos, mesmo que as dimensões, qualidades e ações sejam diferentes, buscando assim
também observar a sua Cultura Política. Afinal, defendemos que, mesmo em meio a essa
contraditória relação entre escritas e tempos distintos, seja possível decifrar o outro e assim,
entender o mundo no qual estava inserido esse sujeito.
∗∗∗
Rodrigo Pereira
Professor Colaborador na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tendo vínculo,
ainda, com o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (UFRJ) e atua como Arqueólogo na
empresa Archeo Consultoria e Planejamento LTDA. É Mestre em Ciências Sociais
(Antropologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestre em
Arqueologia (Museu Nacional/UFRJ). Bacharel e Licenciado Pleno em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisador de elementos das religiões afro-
brasileiras. Em antropologia atua na análise do candomblé debatendo micro-política em
terreiros, eventos de sucessão e temas relacionados à liminaridade, sob a perspectiva de Victor
Turner. Quanto a arqueologia, atua na pesquisa de cultura material e espaços edificados,
rituais e profanos em casas de candomblé.
Rodrigo Pereira
RESUMO ABSTRACT:
O artigo versa sobre as diversas origens The paper discusses the various sources
que o candomblé tem na cidade do Rio de that Candomblé is in the city of Rio de
Janeiro e sua diáspora para regiões Janeiro and its diaspora to remote areas of
afastadas do Centro da cidade. Por origem the city center, by origin means both the
entende-se tanto o local de origem do/da place of origin / the leader, as its
dirigente, como sua ligação com as connection with the various "nations" of
diversas "nações" do candomblé. O artigo Candomblé. The paper aims not only to
visa não apenas identificar essas origens, identify these sources, but especially to
mas, sobretudo elucidar, mesmo que de elucidate, even if the initial form, the
forma inicial, os processos que levaram os processes that led to the yards by
terreiros a se expandirem pelo Grande Rio expanding Grande Rio de Janeiro.
de Janeiro.
KEYWORDS: Candomblé. Rio de
PALAVRAS-CHAVES: Candomblé. Rio Janeiro.; Diaspora.
de Janeiro. Diáspora.
1
Para esta pesquisa adota-se a perspectiva de Wagner (1981) e a de Hobsbawm & Ranger (1997) quanto à
dinâmica da construção constante da cultura e da tradição pelos grupos, entendendo assim que as entidades dos
cultos afro-brasileiros e suas origens se ligam mais a processos de elaboração constante da tradição do que de
uma origem stricto sensu quanto ao local geográfico mítico de construção.
127 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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Mapa 1. Áreas da diáspora negra da África Central e seus locais de entrada no Brasil e Caribe.
Fonte: Miller, 2009.
O temo diáspora pode ser definido como “a dispersão mundial dos povos
africanos e de seus descendentes como consequência da escravidão e outros processos de
imigração” (SINGLETON & SOUZA, 2009: 449), entendendo o termo diáspora como algo
mais do que êxodo ou deslocamento, especialmente no contexto africano, assumindo, ao
contrário, a importância do aspecto transnacional, uma vez que, sem o trânsito entre nações e
a consequente adaptação dos indivíduos "viajados", o conceito em questão certamente não
estaria merecendo tanta atenção por parte dos acadêmicos, como Gilroy (2001), por exemplo.
O fato de confrontar duas (ou mais) sociedades traz ao indivíduo em diáspora desconforto,
especialmente se este encontro se dá com base em diferenças de poder e subjugação. A
“Como se vê, são eloquentes vestígios de uma religião atrasada e africana que,
transportada para o Brasil, aqui se misturou com as cerimônias populares da nossa
religião e outras associações e seitas existentes, resultando de tudo isso uma
perigosa amálgama, que só serve para ofender a Deus e perverter a alma”.
(RODRIGUES, 1977, p.260).
2
Conforme Marzano (2011), a islamização da África Ocidental não se deu a partir de conquistas territoriais. O
fator principal da expansão muçulmana nesta região foi o comércio transaariano, que envolvia a África Ocidental
e o norte do continente. O processo ocorreu após a consolidação da conquista árabe ao norte, se iniciando a partir
do século IX. Esse comércio envolvia a captura de escravos que eram levados ao norte do continente. Esse
135 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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acarretadas por “germes de rebelião plantados pelo islamismo” (RODRIGUES, 1977). Lopes
(2011) também tem a mesma opinião, pensando inclusive em uma quase jihad ou uma
intencionalidade em converter os negros da Bahia ao islamismo.
Entretanto, a maior contribuição de Rodrigues (1977) para a presente análise é
uma listagem de “[...] raças e povos africanos de cuja introdução no Brasil há provas certas e
indiscutíveis” (RODRIGUES, 1977, p.261) sendo utilizadas poucas fontes aduaneiras
brasileiras e de relatos de visitantes estrangeiros ao Brasil. Assim, Rodrigues (1977) descreve
a procedência dos negros brasileiros:
Mesmo desenvolvendo uma lista tão detalhada, Rodrigues (1977) destaca que:
Será escusado dizer que a esta enumeração bem podem e devem ter escapado muitos
povos negros que, principalmente no curso dos três primeiros séculos do tráfico, não
deixaram de sua passagem vestígios e documentos. Seguramente, africanos de
muitas outras nacionalidades haviam de ter entrado no Brasil. [...] apenas nos
preocupam aqui aqueles povos negros que, pelo número de colonos introduzidos
pela duração da sua imigração, ou pela capacidade e inteligência reveladas, puderam
exercer uma influencia apreciável na constituição do povo brasileiro.
(RODRIGUES, 1977:261-262).
Tal listagem pode ser lida não apenas como uma classificação de procedência
étnica dos negros, mas também como uma lista da formação do candomblé, dando maior
ênfase, como já colocado, ao elemento Nagô. Tal fato não é passado de forma despercebida
por autores subsequentes a Rodrigues (1977): Landes (2002) também afirma a "primazia
nagô" no candomblé baiano, seguida por Bastide (2001) e, de forma geral, por Verger (1981,
1995, 1998 e 2009).
tráfico teve inicio com as guerras santas, incluídas no processo de expansão do islamismo para o norte da África
e para a Europa mediterrânica.
136 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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Ramos (1946), assim como Rodrigues (1977), encontra dificuldades para
delimitar a procedência étnica do negro trazido para o Brasil (Nagô, Mina, Angola ou
Moçambique), tendo em vista que, no período escravista, o que era levado em conta era a
saúde e força do negro, não sua procedência. Ramos (1946) segue as conclusões de Rodrigues
(1977) quanto à primazia dos sudaneses na Bahia, destacando, porém, a presença dos bantos e
uma possível polarização entre estas duas etnias. Desta forma, divide a raça negra em três
grandes troncos:
1)Culturas sudanesas – Yorubas (Nigéria) : Nagô, Ijêchá, Eubá ou Egbá, Ketu, Yebu
ou Ijebu e grupos menores: Daomeianos (Gegê, Ewe, Fon); Fanti-Ashanti da Costa
do Ouro (grupo Mina: Fanti e Ashanti) e grupos da Gâmbia, Serra Leoa, Libéria,
Costa da Malagueta e Costa do Mafin (Agni, Zema e Timiní);
2)Culturas Guineano-sudanêsas islamizadas: Peuhl (Fulah, Fula); Mandinga
(Solinke, Bambara); Haussa do norte da Nigéria e grupos menores – Bornús e
Gurunsi;
3)Culturas Bantus: Inúmeras tribos do grupo Angola-Congolês e do grupo da Contra
Costa (RAMOS, 1946, p. 280 e ss)
Tentando não se fechar em um possível erro descritivo dos negros que vieram
para o Brasil, Ramos (1946) conclui:
[...] É preciso assinalar que essas sobrevivências culturais não existem em estado
puro, nem são facilmente identificáveis [...] É possível que futuras pesquisas
identifiquem novos padrões culturais; serão elementos que, parece, irão congregar
em torno dos padrões principais referidos. (RAMOS, 1946, p.280).
Sociedade Cultural e Religiosa Culto aos Eguns, mas com raízes 1980
Ilê Axipá em Kêtu
Ilê Babá Agboulá Culto aos Éguns, mas com raízes Primeiro quarto do século XX
em Kêtu (sem data precisa)
Tabela 1. Principais terreiros de candomblé, ou os mais tradicionais de Salvador/BA, e suas datas de fundação.
Fonte: Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador, 2007.
De casas iniciais, atualmente cerca de 1.500 outros terreiros são filhos ou saíram
ou se desmembraram destas casas e se constituíram como terreiros autônomos
(MAPEAMENTO DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ DE SALVADOR, 2007). O
candomblé, seja por fatores étnicos ou pela necessidade religiosa, se formou em Salvador
tendo o elemento negro como seu aglutinador e motor de existência (VERGER, 1981;
BASTIDE, 2001).
Por fim, a conclusão de Ramos (1946) é de suma importância para a compreensão
da formação do candomblé, ou melhor, frisando, dos cultos afro-brasileiros, na cidade do Rio
de Janeiro:
Assim, apesar de uma forte formação angola-congolesa e mina nos grupos negros
no Rio de Janeiro e, consequentemente, na formação das matrizes religiosas afro-brasileiras,
Com essa nova migração, que pode ser considerada como uma nova diáspora
negra, a formação dos terreiros de candomblé ou das comunidades de terreiro (CONDURU,
2010) no Rio de Janeiro e em sua Região Metropolitana deve ser entendida como um processo
que se instala em um novo contexto: a urbanização.
Analisando a formação destas comunidades de terreiro, Conduru (2010) indica
uma movimentação histórica do centro da cidade para as periferias, com a transferência ou
mesmo o fechamento das casas que funcionavam em regiões eminentemente negras, como a
Pequena África, e arredores. Para Corrêa (2009), frente aos processos de modernização e
adaptação da cidade, os locais de culto, passam por uma perseguição, fechamento e
3
Entende-se que a primeira diáspora de negros da Bahia para o Rio de Janeiro tenha ocorrido após a Revolta dos
Malês, em 1835.
4
Babalorixá: do ioruba "Babá" (pai) + [dos] orixás. Dirigente masculino de um terreiro de candomblé. Recebe
esta título após cumprir todos os ritos iniciáticos e que, por ter o direito de utilizar o ifá/jogo de búzios e
construir seu terreiro e filhos, é designado como o pai dos orixás daquela casa. Feminino: ialorixá: "Ia" (mãe) +
[dos] orixás. Dirigente feminina de um terreiro de candomblé. Como o babalorixá, assume o cargo após ter suas
obrigações religiosas cumpridas.
140 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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recolhimento de objetos de culto pela polícia, o que os leva a se transferirem do Centro do Rio
de Janeiro para os bairros periféricos mesmo no século XIX antes do fim da escravidão e no
início do XX com Pereira Passos e suas reformas.
Sobre estes locais é interessante observar os apontamentos de Soares (1988) sobre
os zungús ou as casas de angu, locais não apenas de venda de alimento, repouso ou meio de
fuga da escravidão no século XIX, mas como também possíveis locais de cultos afro-
brasileiros. Tais locais estivessem eles no Centro ou em bairros mais afastados da vida
econômica e comercial, também eram, conforme os relatos policiais de batidas, "casas ligadas
às práticas religiosas" (SOARES, 1988, p.58).
É possível lançar uma hipótese de que tais locais poderiam ter contribuído para a
formação das comunidades de terreiro (Conduru, 2010)5, como ainda locais de sociabilidade
negra, de compra e venda de produtos e de extrema desconfiança para a polícia do século XIX
(SOARES, 1988). Assim, apesar das primeiras casas de candomblé serem datadas do final do
século XIX (CONDURU, 2010), os "zungús" poderiam expressar o início dessa formação de
locais de culto e iniciação de neófitos anteriores aos registros dos terreiros.
Sobre estes zungús interessa a esta pesquisa a descrição, mesmo que superficial,
dos espaços edificados e da cultura material ligada aos cultos afro-brasileiros encontrada nas
batidas policiais. Através da descrição é possível, por comparação com bibliografia
disponível, perceber uma similaridade enorme de elementos que constituem, na atualidade,
tais cultos. Quanto aos espaços erigidos, Soares (1988) descreve, a partir de tais relatos
policiais que
5
Por "Comunidade de Terreiro", Conduru (2010) indica serem locais em que eram implantados os "axés" ou
terreiros e onde pessoas passaram a fixar sua residência, construindo moradias no entorno dos espaços rituais dos
terreiros. Assim, poder-se-ia não apenas ter uma vida ligada ao terreiro e ao culto, mas também usufruir de uma
rede de mútua ajuda entre os diversos membros ali residentes quanto a dinheiro, saúde e alimentação, por
exemplo.
141 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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Se a descrição for observada comparativamente aos relatos etnográficos e
historiográficos atuais referentes a uma "feitura de cabeça", ou seja, à iniciação nos cultos
afro-brasileiros (BENISTE, 1997 e VOGEL, 1993) é possível concluir que se tratava mesmo
de uma iniciação de iaô (nome que recebem os neófitos em muitos cultos afro brasileiros).
Em outro caso policial, Soares (1988), ao descrever a visão de um jornalista que
noticiava o fato, utiliza o relato para compor uma descrição da cultura material relacionada
aos cultos afro-brasileiros, podendo, da mesma forma que o espaço construído, ser comparado
às descrições atuais da cultura material correlatas às religiões afro-brasileiras e, em especial,
ao candomblé:
[...] 4 jabutis, um cesto com crânios humanos, cabeças de cabritos, 7 peles de
cabritos, argolas de diversos tamanhos, uma frigideira com vários bustos, colados
com uma substância que parecia uma argamassa e tinha o formato de bolo,
chocalhos de diversos tipos e tamanhos, e búzios em grande quantidade. Além disso
a polícia apreendeu tambores "africanos", colares e um baú velho com roupas que
provavelmente tinham uso ritual, pois o jornalista que cobriu a diligência disse
serem "fantasias". Muitos outros objetos escaparam do olhar minucioso do repórter
(SOARES, 1988, p.66-67)
Em outra incursão policial batida contra essas casas de "dar fortuna" (SOARES,
1988) é possível ainda perceber mais da cultura material destes locais e como eles eram
procurados para males relacionados à alma e também para "males físicos":
Sobre tal relato se poderia dizer que, por semelhança com a cultura material
utilizada nos cultos afro-brasileiros atualmente (BENISTE, 1997 e VOGEL, 1993), as favas
poderiam ser o obi (Cola acuminata), uma noz africana utilizada em ritos de candomblé e
umbanda, os caramujos poderiam ser os bois de Oxalá ou Igbin (Achatina fulica), animal
utilizado em sacrifícios e para a iniciação de neófitos, e as numerosas imagens poderiam se
configurar como um "proto-congá", ou mesmo um congá, altar utilizado na umbanda que
contém as imagens de santos católicos, orixás e entidades caboclas (Maria Molambo e suas
variantes, Exus, Ciganos/Ciganas, Boiadeiros, Caboclos e Índios).
Ainda no texto de Soares (1988) se pode notar a presença de negros forros, livres,
escravos e os contatos destes entre si e com africanos vindos de outras regiões do Brasil após
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o fim do tráfico atlântico. Tal situação colocaria tais pessoas em relação, o que poderia
ocasionar trocas religiosas ou absorções de elementos religiosos externos aos indivíduos.
Além deste contato pessoal é possível pensar em interseções entre regiões, como Bahia e Rio
de Janeiro, em sistemas de fluxo e contrafluxo de culturas, o que, em ambas as situações,
poderia ser lido como uma cultura em diáspora.
Conduru (2010), ao analisar a formação dos terreiros, afirma que "se delineia um
panorama extenso de comunidades de candomblé no Rio de Janeiro vinculadas a
comunidades baianas de várias nações, em paralelo à continuidade das comunidades
anteriormente constituídas na cidade e na região" (CONDURU, 2010, p.14). É na interação,
na troca de experiências e mesmo na necessidade da perpetuação da crença que tais
comunidades religiosas se desenvolveriam.
A formação dos terreiros de candomblé no Rio de Janeiro no início do século XX
pode ser dividida em três interpretações quanto à origem dos membros desta religião. Tais
leituras, de certa forma opostas, afirmam a maior ou menor presença de baianos na formação
do candomblé carioca, a sua ausência ou ainda a presença de pessoas de outros estados da
federação.
A primeira interpretação, mais ligada ao elemento negro presente no Rio de
Janeiro pode ser vista na obra de João do Rio (2006, p.54), em sua célebre descrição sobre a
religiosidade carioca, na qual afirma que “[...] as casas dos minas conservam a sua aparência
de outrora, mas estão cheias de negros baianos e de mulatos”. Também Caldas (2008) destaca
a presença de uma religiosidade africana, visível inclusive em "médicos" ou curandeiros
negros, de origem angolana, na Corte Imperial, para os quais membros da elite carioca
buscavam as curas de seus males.
As pesquisas de Lima (2012) indicam, pelo viés da arqueologia, a presença de
uma religiosidade africana no Cais do Valongo. Uma prova de que as concepções de magia,
de proteção do corpo e do culto à ancestralidade estavam presentes entre os negros já desde o
início do século XIX.
Netto (2010) consegue indicar a existência de axés que não possuem ligação
alguma com Salvador, mas sim com a África. O que liga alguns terreiros cariocas não à
tradição baiana, mas sim a uma migração direta de africanos para o Rio de Janeiro:
Gomes (2003) defende, para a procedência não “baiana” pura, de “que os baianos,
por mais importantes que possam ter sido na constituição de uma cultura popular urbana na
cidade do Rio de Janeiro, necessariamente dialogaram com tradições já existentes e com
outros grupos recém-chegados" (GOMES, 2003, p. 179). Assim, deste mesmo autor temos a
constatação de que:
Já Moura (1995) oferece outra perspectiva na qual os baianos teriam uma maior
proeminência na fundação de tais casas:
Os baianos se impõem no mundo carioca em torno de seus líderes vindos dos postos
do candomblé e dos grupos festeiros, se constituindo num dos únicos grupos
populares no Rio de Janeiro, naquele momento, com tradições comuns, coesão, e um
sentido familístico que, vindo do religioso, expande o sentimento e o sentido da
relação consanguínea, uma diáspora baiana cuja influência se estenderia por toda a
comunidade heterogênea que se forma nos bairros em torno do cais do porto e
depois na Cidade Nova, povoados pela gente pequena tocada para fora do Centro
pelas reformas urbanas (MOURA, 1995, p. 43).
6
Sacerdote do culto ao Ifá, assemelha-se ao babalorixá/ialorixá, mas não incorpora seu orixá guia. O culto ao
Ifá é considerado mais um dos cultos afro-brasileiros (CACCIATORI, 1988). O Ifá pode ser compreendido
como um orixá ligado à adivinhação do futuro e do destino, tendo o babalaô como seu sacerdote e dirigente de
144 Bilros, Fortaleza, v. 2, n.3, p. 125-152, jul.-dez. 2014.
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Janeiro) fala sobre a preponderância da Bahia na formação do candomblé e da ligação entre as
cidades de Salvador e do Rio de Janeiro neste contexto. Ele destaca ainda a importância desta
ligação na tradicional raiz do Bamboxê, originado na Bahia, e com representação na capital
fluminense.
É...o velho Bamboxê, tem algumas coisas [que] ainda se fala sobre ele, mas ainda
não deu a ele a grandiosidade que foi o seu papel na organização do Candomblé na
Bahia, primeiro, né nos primeiros Candomblés. Também como sacerdote que
orientou e fez também algumas sacerdotisas importantes naquele período, né, tanto
que dizem e eu já ouvi da família dos mais velhos, que ele quando veio para o Brasil
veio pra primeiro dar autorização para raspar primeiro Oxum, aqui, e disseminar o
[incompreensível], o popular jogo de búzios, que vai ser mais disseminado ainda por
Benzinho seu neto, né depois. Pra você ter ideia que eles tem um papel importante
não só na organização do candomblé mesmo, né, conta umas histórias que o
candomblé nasce como roda nessa forma que a gente conhece hoje em parte, né,
essa forma... , é... quando ele é preso, né, na Bahia, quando ele é solto é feita uma
recepção pra comemorar a saída dele, e fazem uma roda, né , então dizem isso, eu já
ouvi falar sobre isso. Agora o que todo mundo sabe é que a roda de Xangô foi um
ritual criado por ele, criado de Xangô. Então, todas as casas tradicionais, como a
casa Branca, o Axé Opô Afonjá, o Gantois tem essa roda, pode variar um cântico ou
outro, uma forma de fazer, mas todos têm essas casas, isso é uma herança direta
dele, né da prática religiosa, né de organização deles, dos Obá de Xangô, nasceu o
Opô Afonjá, todo mundo sabe, né que [incompreensível] foi inspirado, né por ele.
É... ele teve uma importância, não só como sacerdote mas como babalaô na Nigéria,
ele é o líder espiritual e político de seu povo, ele é o guardião do seu povo, né [sic],
e ele cumpriu bem esse papel. E depois também o seu neto, Benzinho, de qual a
família hoje que existe basicamente aqui, é. na Bahia e aqui, é justamente a de
Benzinho, seu neto, né, que é a mãe Regina de Bamboxê, a Tia Irene, é, Mãe
Caetana, [incompreensível] que hoje tá no Pilão de Prata, né, essas famílias vem de
Benzinho, que era neto de Bamboxê e que continua perpetuando todo o trabalho.
Então costumo dizer que o candomblé brasileiro, ele deve a essa família muita coisa,
né... a essa família muita coisa (PEREIRA, et alii, , 2012, s/p).
seu culto. Este oráculo pode ser composto de sementes de dendê (Elaeis guineensis Jacq. var. idolatrica) ou por
búzios (Monetaria moneta) sendo utilizados 16 ou 32 sementes/búzios na sua composição (BENISTE, 1999).
Conforme Cacciatore (1988, p. 142), ele "[...] é a palavra de Orumilá (um dos títulos do Deus Supremo, como
conhecedor do futuro) e assim faz parte da Divindade, da qual é mensageiro da luz [...]". O babalaô se utiliza do
Opelé Ifá ou Rosário de Ifá para o manuseio do jogo, sendo tal objeto constituído de: "[...] oito meias nozes de
dendê (ou búzios com fundo cortado) ligadas por elos de metal ou trança de palha da Costa, deixando no centro
um espaço maior. Uma das postas, masculina, é terminada por um nó, a outra, feminina, por 4 ou 5 fios de palha
da Costa ou linha [...]. Só o Babalaô verdadeiro, sacerdote de Ifá, tem direito a servir-se do opelé. Jogado dentro
de um círculo de colares sagrados (colar de Ifá) ou esteira ou peneira de palha, com colares e búzios ao redor, o
opelé deve cair em forma de U, com o lado aberto voltado para o Babalaô [...]" (CACCIATORE, 1988, p. 194-
195).
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A partir destas três formas de interpretar a formação do candomblé do Rio de
Janeiro se tem a clara percepção de que houve a somatória de cultos aos ancestrais. Estes
cultos já existiam devido aos negros de diversas origens desembarcados majoritariamente no
Cais do Valongo. Ao mesmo tempo dirigentes baianos, e de outros estados brasileiros
migrados, se somaram na composição de uma religião que, claramente, tem origens diversas.
Apesar das formas específicas de adoração, a cultura negra em diáspora na capital federal, pôs
tais pessoas em contato, resultando assim num amálgama religioso que pode ser considerado
genericamente como a gênese dos terreiros de candomblé carioca.
A partir dos estudos de Conduru (2010) se pode historicizar a formação de tais
terreiros na seguinte ordem cronológica dos acontecimentos, conforme a tabela 2 abaixo. A
historicização somada a uma visão geográfica da diáspora das casas na formação do
candomblé interessa ao presente artigo, pois situa a formação das casas aqui analisadas ou das
casas mães7.
O Mapa 3, a seguir, apresenta esse movimentação e atenta para seu fluxo
concêntrico a partir da região portuária ou central do Rio de Janeiro para as periferias da
cidade, para a Baixada Fluminense e Região de Niterói e São Gonçalo, impulsionada,
sobretudo, pela pressão urbana contra tais cultos e pela necessidade de espaço para as casas se
expandirem com novos membros (Rocha, 2000).
7
O Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador (2007) indica que as "casas mães" são aquelas que,
obedecendo ao funcionamento do candomblé, permitiriam a determinados membros, após sua formação
concluída nesse culto, saírem de suas casas e fundarem novas. Isso torna o terreiro nascente "filho" ou "da
descendência" da "casa mãe".
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período: Opô Afonjá, as comunidades de Meninazinha
d'Óxum, Regina do Bamboxê, Casa de Pai Ninô, Casa
de Mãe Dila, Casa de Cristóvão de Efon (inaugurando a
"nação" "Efon" no estado), Terreiro de Valdomiro de
Xangô e o Tumba Jussara de Manoel Ciriaco de Jesus.
Anos de 1950 e 1960 Fixação das casas nos Manutenção da migração de baianos para o Rio de
subúrbios do Rio de Janeiro, Janeiro. Fundação do Terreiro de Tata Fomotinho, de
Baixada Fluminense e Zezito de Oxum ("nação" "Ijexá); Zezinho da Boa
Região de Niterói e São Viagem"Angola"); Mãe Beata de Iemanjá. Delinha
Gonçalo. d'Ogum e Janete d'Oxum (tradição "Alaketu"); Nitinha
d'Oxum, Tetê de Oiá e Elza de Iemanjá (tradição da
Casa Branca do Engenho Velho); Marina de Ossain,
Letícia d'Omolu, Almerinda d'Oxossi, Edelzuita
d'Oguiã, Lindinha d'Oxum, Margarida d'Oxum, Marta
d'Oxum e Simone d'Oxossi (tradição do Gantois) e, por
fim, Álvaro Pé-grande, Benta de Ogum, Teodora
d'Iemanjá e Tomazinha d'Oxum (tradição do Engenho
Velho de Cima).
No mesmo período chegam ao Rio de Janeiro as
primeiras casas ligadas ao culto de Babá-Eguns:
Laércio e Braga, Ojé Josiel.
Consta ainda a entrada da tradição do Bogum de
Salvador (BA) neste período com Margarida d'Iemanjá
e Wildirzinho de Oxumarê
Anos de 1970 aos Manutenção das casas de Proliferação de casas de todas as nações, mas com
dias atuais candomblé nas periferias do especial destaque para as de origem "ketu".
Rio de Janeiro (incluindo a
Zona Oeste) e na Região
Metropolitana do Rio de
Janeiro.
Tabela 2. Historicização e expansão geográfica dos terreiros de candomblé do Rio de Janeiro entre os séculos
XIX e XX. Fonte: Adaptado de Conduru (2010).
Mapa 3. Diáspora das comunidades de Candomblé do Rio de Janeiro – Do século XIX até a atualidade:
8
Rocha (2000) indica, por exemplo, que teria sido o próprio Xangô, patrono do Terreiro, o responsável pela
transferência do Opô Afonjá do bairro de São Cristóvão para o atual bairro de Coelho da Rocha (São João de
Meriti), pois este orixá desejava um espaço maior onde pudesse se manifestar mais livremente, longe de vizinhos
que se incomodassem com as festas.
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bandeira de tempo (mastro fincado no solo, na entrada do terreno, onde tremula uma
bandeira branca) e as quartinhas (potes de barro), colocadas sobre os muros e
telhados. (BARROS, 2000, p. 31).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BARROS, José Flávio Pessoa de. O banquete do rei... Olubajé: uma introdução à música
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BOURDIEU, Pierre. Capital cultural, escuela y espacio social. México: Siglo Veinteuno,
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graduação em História Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
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CARNEIRO, Edison. Religiões negras e Negros bantos. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
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CONDURU, Roberto. "Das casas às roças: comunidades de candomblé no Rio de Janeiro
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CORRÊA, Alexandre Fernandes. O Museu Mefistofélico e a distabuzação da magia:
análise do tombamento do primeiro patrimônio etnográfico do Brasil. São Luis: EDUFMA,
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DANTAS, Beatriz Goés. Vovó nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Rio
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HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora
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HOBSBAWM, Eric; RANGER, T. (Org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997.
LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ. 2002.
∗∗∗
RESUMO RESUMEN
O trabalho visa estudar a data 20 de novembro, El trabajo tiene como objetivo estudiar el día
aniversário da morte de Zumbi dos Palmares 20 de noviembre, aniversario de la muerte de
que se tornou símbolo alusivo ao Dia da Zumbi, que se convirtió en un símbolo que
Consciência Negra no Brasil, em oposição ao conmemora el Día de la Conciencia Negro en
13 de maio, data em que é comemorada a Brasil, en contraposición al 13 de mayo,
abolição da escravatura no calendário nacional, cuando se celebra la abolición de la esclavitud
porém, amplamente criticada pelo Movimento en el calendario nacional, Sin embargo, muy
Negro como uma data totalmente desprovida criticada por el Movimiento Negro como una
de representatividade em relação aos escravos. fecha enteramente desprovista de
Como fio condutor, toma-se o estudo representatividad en relación con esclavos.
bibliográfico sobre quilombo, – em especial o Como conductor, se convierte en el estudio
símbolo mais emblemático que é o Quilombo bibliográfico de Quilombo, sobre todo en el
dos Palmares – pós-escravidão, nascimento do símbolo más emblemático es el Quilombo dos
Movimento Negro e a criação do Dia da Palmares, post-esclavitud, el nacimiento del
Consciência Negra. Tal data foi pensada pelo Movimiento Negro y la creación del Día de la
Grupo Palmares, grupo encabeçado por Conciencia Negro. Ta l Fecha de pe se pensó
Oliveira da Silveira, que se dedicou a Palmares Group, grupo encabezado por
necessidade de criar um dia que representasse Oliveira da Silveira, que se dedicó a la
a conscientização do negro em ralação as suas necesidad de crear un día que representa la
características estéticas e culturais. Sua ideia conciencia de rejilla negro en sus
foi incorporada pelo Movimento Negro que, ao características estéticas y culturales. Su idea
entender o quilombo como símbolo que fue incorporada por el Movimiento Negro que
representa a luta contra o sistema escravista, entendiendo el Quilombo como un símbolo
torna a história do Quilombo dos Palmares e a que representa la lucha contra el sistema
morte do líder Zumbi um símbolo de liberdade, esclavista, hace que la historia de la muerte
democracia e conscientização e o Dia da Quilombo dos Palmares y de Zumbi lleva un
Consciência Negra numa bandeira, não símbolo de la libertad, la democracia y la
somente do Grupo Palmares, mas de todos os conciencia y Día de la Conciencia una bandera
Movimentos Negros brasileiros. negro, no sólo el Grupo Palmares, pero todos
los movimientos negros en Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Consciência Negra,
Quilombo, Grupo Palmares. PALABRAS CLAVES: Conciencia Negro,
Quilombo de Palmares Group.
MOURA, Clovis. Quilombos: resistência ao escravismo. 3. ed. São Paulo : Atica, 1993. 94p.
REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 1996. 509 p.
SILVEIRA, Oliveira. Oliveira Silveira no Portal Afro [bog]. Dez. 2006. Disponível em
<http://oliveirasilveira.blogspot.com.br/2006_12_01_archive.html> Acesso em 28 out 2013.
TREVISAN, Leonardo. Abolição: um suave jogo político?. São Paulo : Moderna, 1988. 55p.
∗∗∗
RESUMO RÉSUMÉ
O trabalho aqui apresentado discute a cidade de Le travailprésentéici discute la ville de Fortaleza,
Fortaleza, entre as décadas de 1900 e 1930, no que entre les décennies de 1900 et 1930 en ce
se refere às transformações pelas quais esta passou quiconcerne les
neste período e a uma tentativa, por parte dos transformationsqu'elletraversaitaucours de
setores dominantes, de estabelecer um padrão de cettepériode et a une tentative,
comportamento tido como civilizado para seus dessecteursdominants, à établir un modèle de
habitantes, principalmente para as camadas comportementconsidérécommecivilisépourseshabit
populares. A cidade, nesse período, passava por ants, en particulierpour les classesinférieures. La
uma série de mudanças que iriam influenciar as ville en cettepériode, a passé par une série de
preocupações com sua organização, higienização e changementsquipourraientinfluencerpréoccupations
seu “progresso”, principalmente por parte das elites avecvotreorganisation, l'hygiène et son “progrès”,
e dos poderes públicos locais. Deste modo, os en particulier par les élites et les
comportamentos tidos por estes grupos como gouvernementslocaux. Ainsi, le comportement de
transgressores passaram a ser combatidos com uma cesgroupespriscommedisjoncteursmaintenantêtretra
maior intensidade. Com isso, dialogando, itée avec plus d'intensité.Avecce dialogue,
principalmente, com Norbert Elias, buscamos notammentavec Norbert Elias, nouscherchons à
perceber de que modo buscou-se inserir um réaliser à quel point nousavonstenté d'insérerun
“processo civilizador” na cidade de Fortaleza no «processus de civilisation» danslaville de Fortaleza
período estudado. danslapériodeétudiée.
PALAVRAS-CHAVE: Civilização, Cidade,
Comportamento. MOTSCLÉS: Civilisation, Ville, Comportement.
A palavra civilização pôde ser adotada tanto mais rapidamente quanto constituía um
vocábulo sintético para um conceito preexistente, formulado anteriormente de
maneira múltipla e variada: abrandamento dos costumes, educação dos espíritos,
desenvolvimento da polidez, cultura das artes e da ciência, crescimento do comércio
e da Indústria, aquisição das comodidades materiais e do luxo.
Podemos perceber, assim, que o significado desta palavra foi formulado a partir
de vários outros, que sugerem polidez dos costumes, educação e progresso. De acordo com
Starobinski (Ibidem, p. 15), “civilização e progresso são termos destinados a manter as mais
estreitas relações”. Acreditamos que em Fortaleza, no período aqui estudado, o termo foi
utilizado maneira parecida, ou seja, quase sempre relacionado com o progresso que as elites
locais desejavam. Porém, para entendermos a ideia de civilização presente na cidade nesse
período é necessário conhecer o contexto de mudanças pelo qual passava o espaço urbano e a
população fortalezense naquele momento.
Ante a essa inédita expansão econômica e urbana de Fortaleza, convinha aos poderes
públicos, elites enriquecidas, e setores intelectuais procederem um significativo
conjunto de reformas urbanas, capaz de alinhar a cidade aos códigos de civilização,
tendo como referência os padrões materiais e estéticos dos grandes centros urbanos
europeus (PONTE In: SOUSA, op. cit.,p. 163).
Para esse autor, as elites acreditavam que, naquele momento, para que o processo
de modernização de Fortaleza se concretizasse, era preciso também que ela acontecesse
concomitante a uma disciplinarização social. As mudanças deveriam se estender ao
comportamento de seus habitantes. Através da leitura de obras como a de Ponte e também das
fontes, podemos perceber a presença de discursos em torno das ideias de progresso, de
civilização e de ordem, assim como intervenções remodeladoras do espaço e das condutas,
que para as elites, poderiam significar a modernidade se aproximando cada vez mais.
Tudo o que foi aqui colocado, faz-nos perceber que em Fortaleza, no período
estudado, ocorreu uma onda civilizadora que tentava se fixar. O período é caracterizado por
uma série de transformações que imporiam uma redefinição do certo e do errado e de como se
deveria comportar frente a essas mudanças, exigindo-se uma nova organização social e um
novo modo de se portar no espaço urbano. Essas normas, então interferem na vida cotidiana,
tentando remodelar os hábitos.
Para o autor, nas sociedades modernas, onde houve uma reorganização dos
relacionamentos humanos, com uma cada vez maior diferenciação das funções sociais, em
173 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 167-181, jul.-dez. 2014.
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que passou a existir uma interdependência entre as pessoas, houve, consequentemente
mudanças nas estruturas da personalidade do homem, gerando uma forma de conduta e de
sentimentos “civilizados”. Quanto mais diferenciadas as funções se tornavam, aumentava seu
número, fazendo com que um indivíduo passasse a depender cada vez mais de uma maior
quantidade de pessoas em suas ações, das mais simples às mais complexas. Ao passo que
aumentava essa interdependência, as ações teriam de ser cada vez mais regulamentadas,
fazendo com que cada ação individual desempenhasse uma função social. Por isso, cada
indivíduo deveria controlar suas ações de maneira cada vez mais eficiente. A partir daí, as
condutas tidas como “civilizadas” passaram a ser induzidas nas pessoas, desde crianças, pela
sociedade, fazendo com que estas as incorporassem, tornando-as automatizadas. Elas
passaram a praticá-las sem planejá-las e, às vazes, mesmo sem desejá-las (Ibidem).
Assim, para Elias (1993), quanto mais complexa a sociedade, mais complexo e
estável será o autocontrole, pois ele está ligado à diferenciação e à estabilização de suas
funções. Por isso, quanto maior a variedade de atividades que se têm de sincronizar, mais
diferenciado será o autocontrole.
1
Ponte (2001. p. 24) assinala que com o crescimento urbano de Fortaleza, houve a emergência de grupos sociais
dominantes, que eram os comerciantes enriquecidos com as importações e exportações; a formação de uma
classe média composta por profissionais liberais, além de trabalhadores pobres.
174 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 167-181, jul.-dez. 2014.
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29): “exigia-se que os passageiros estivessem vestidos com decência: paletó, colarinho e
sapatos”. Para Francisco Carlos Barbosa (1997, p. 62), “a maneira de portar-se nas vias
públicas, nos cafés, nas praças aformoseadas, nos “clubs”, nos cinemas, no teatro e até mesmo
no “bond”, fundava-se em exigências sociais responsáveis pelo tom de civilidade a que se
pretendia enquadrar Fortaleza”.
Outro exemplo que podemos analisar é a noção de higiene que se procura difundir
com maior intensidade nesse período. O indivíduo acostumado a hábitos não higiênicos, como
jogar o lixo nas ruas, é induzido cada vez mais a não praticar esse hábito, pois Fortaleza
deveria ser uma cidade higiênica. É o podemos perceber neste trecho do jornal “Gazeta de
Notícias” de 19 de julho de 1927:
Um dos hábitos mais afeiantes dos nossos usos domiciliares é, sem duvida, o
costume que se observa communmente em Fortaleza de ser despejado á rua o
produto dos varrimentos feitos no interior das casas, maximé das salas de visitas.
Isto se nota com uma frequência de causar pasmo em qualquer trecho de Fortaleza,
em casa cujos proprietários são, muitas vezes, pessoas de maior destaque em nossas
rodas sociaes.
Não há nada que justifique semelhante pratica, integralmente [ilegível] de nossos
foros de povo civilizado.
[...] No nosso posto cuja missão é justamente corrigir os abusos, não tememos
contemporizações: fatos dessa natureza receberão sempre a nossa formal
condenação!2
De acordo com o trecho do jornal, jogar o lixo nas ruas era um costume bastante
comum em Fortaleza. Era tão comum que em qualquer local da cidade poderia ser visto,
inclusive nas residências de famílias abastadas. Porém, esta era uma atitude vista, pelo autor
do texto, como não civilizada, que por isso deveria ser evitada. Era um costume, que deveria
ser corrigido. Por esse motivo, o autor demonstra sua reprovação à prática e diz que a missão
do jornal é corrigir tais condutas, que sempre receberiam sua condenação. Assim como esse
hábito, de acordo com nossas fontes, outros eram condenados, pois também eram vistos como
não civilizados e como contrários à ordem na cidade, tais como a vadiagem, onde se incluem
a prostituição, os jogos de azar e o consumo de bebidas alcoólicas.
Segundo Elias (1993), esse controle exercido sobre o individuo pela sociedade, o
qual exemplificamos acima, acaba sendo incorporado por ele. A agência controladora que se
estabelece na sociedade corresponde à agência controladora que se estabelece no individuo,
onde este passa a regular seus impulsos emocionais: “as pressões que atuam sobre o indivíduo
tendem a produzir uma transformação de toda a economia das paixões e afetos como uma
regulação mais contínua, estável e uniforme dos mesmos, em todas as áreas de conduta, em
todos os setores de sua vida” (Ibidem, p. 202).
Assim, quanto mais racional for o indivíduo, quanto maior controle tiver das suas
emoções espontâneas e dos seus impulsos, maior será sua vantagem social. A monopolização
da força física e o aumento da interdependência social geraram uma transformação das
condutas humanas em que resultou a moderação das emoções espontâneas e o controle das
atividades, no presente, levando em conta o passado e o futuro e o hábito de ligar os fatos à
suas causas e efeitos. Assim, as emoções individuais vão sendo controladas aos poucos
(Ibidem).
De acordo com o texto, Fortaleza era tida como uma cidade com foros de
civilizada. Porém algumas práticas, como a do jogo de azar, praticado publicamente, não
condiziam com essa civilização, por isso elas tinham que ser evitadas.
De acordo com Marta Emísia Barbosa (1996, p. 9), no período aqui discutido
“parecia haver certa euforia em torno dos acontecimentos banais, em Fortaleza; muito embora
fossem tratados com um tom alarmante e incisivo. O que parecia ser tolice para o fluxo diário
dos indivíduos na cidade, tornava-se objeto de preocupação: o comportamento dos homens”.
3
A perseguição ao jogo – A acção da policia. O Nordeste, Fortaleza, p. 1, 07 jul. 1922.
177 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 167-181, jul.-dez. 2014.
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O seguinte trecho do jornal “Gazeta de Notícias” de 13 de julho de 1927 nos traz
um exemplo de desordem ocorrida na cidade:
[...] Ouvimos assobios e gritos. Vimos então uma pobre velha, que insultada por
meninos vadios e mal educados, proferia as palavras mais immoraes que imaginar se
possa.
Notamos também o desandar da scena em um meio tão habitado por familias de
distinção que continuaram a supportar tamanha falta de moralidade, em suas
proprias calçadas.
A velha offensora da moralidade publica é uma de nome ‘Siri’, muito conhecida
pela obscenidade de suas palavras.
No agrupamento havia desde o estudante ao operário, mas não vimos um só
mantedor da ordem4.
CONCLUSÃO
Acreditamos que, mesmo com esta tentativa de controle dos hábitos, havia a
resistência por parte da população, que procuravam maneiras de continuar vivendo como o de
costume. Percebemos que a “proibição” das práticas citadas era uma imposição por parte dos
setores dominantes da sociedade da época. Sendo assim, as ideias de civilização, de higiene e
de disciplina não haviam sido incorporadas pela maioria da população, então ela preferia
continuar com seus hábitos não civilizados.
Percebemos que o período aqui tratado não foi vivenciado por toda a população
fortalezense de maneira igual. Pelo contrário, percebemos que para as elites o momento
vivenciado era de mudanças que levariam a cidade ao progresso, onde se deveria buscar ao
máximo práticas higiênicas e civilizadas. Já para os populares, o momento vivenciado era o
da presença de discursos disciplinadores, que procuravam corrigir suas condutas, mas que, na
maioria das vezes, eram apenas discursos, pois nos parece que na prática o que acontecia era o
∗∗∗
Possui graduação em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2010 - 2013), instituição na qual atuou como bolsista do Programa de Educação Tutorial em
História nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. Ademais, participou como colaboradora
(2010 - 2013) do Centro de Documentação e apoio à Pesquisa Histórica da UNESP Franca na
catalogação, digitalização, organização e tombamento de acervos documentais diversos.
RESUMO ABSTRACT
O povo brasileiro – não é sem mágoa que dizemos – posto que dava desempenhar
em período, talvez não muito remoto, papel importante no teatro do mundo, não está
ainda preparado para consumir o livro, substancial alimento das organizações viris e
fortemente caracterizadas. Faltam-lhes as condições de gosto, instrução, meios,
saudável direção de espírito, sem as quais não se pode cumprir a livre obrigação que
equipara o artesão ao capitalista, o operário ao literato, o pobre ao milionário – a de
comprar, ler e entender verdades ou ideias coligidas em um volume, cuja leitura
demanda largo fôlego e cujo estudo requer tempo de que o povo em geral não dispõe
(LAJOLO; ZILBERMAN, 1998).
Ainda neste período, floresce a compreensão de uma nova esfera pública, em que
os modos isolacionistas, fechados nos casarões patriarcais, passam a ser mais urbanos e
civilizados. Diante deste novo ambiente, em 1826, assina-se, com a França, um importante
tratado que permitiu a implantação de jornais e o comércio de livros:
1
Jornal do Commercio, 08 de novembro de 1855.
2
Jornal do Commercio, 29 de novembro de 1855.
190 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 182-196, jul.-dez. 2014.
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um importante esboço de um circuito maior, lançando pequenos feixes de luz à História da
leitura no Rio de Janeiro do Oitocentos.
No circuito específico, aqui traçado a partir dos anúncios, acrescentamos ao
modelo de Darnton um mediador que propagandeava as obras, o Jornal do Commercio. Dos
supracitados romances anunciados neste veículo, escolhemos, para análise pormenorizada, o
circuito percorrido pela obra A Carteira de meu tio de Joaquim Manoel Macedo.
Tal escolha se deu primeiramente porque esta é a obra que possui maior volume
de anúncios em 1855 - mesmo sendo estreia naquele ano - (QUEIROZ, 2010) e, além disso,
possuiu um circuito peculiar que leva à hipótese de que a obra teve grande procura pela
recepção, fazendo com que passasse do formato de folhetim, impresso na revista A Marmota,
para ser, posterior e concomitantemente, impressa em volumes de brochura.
ALENCASTRO, Luis Felipe de (org.). História da vida privada no Brasil, dir. Fernando A.
Novais. 2 vol: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
ESPAGNE, Michel. Transferências culturais e história do livro. In: Revista Livro, n. 02,
agosto/2012.
MEYER, Marlyse. Folhetim uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro: 1808 – 1821. 2ª
Edição – São Paulo, Editora Nacional, 1978.
Teses e dissertações
Artigos acadêmicos
FONTES
Anúncios do Jornal do Commercio catalogados por Juliana Gaiola Sagradim, sob a orientação
de Márcia Azevedo Abreu presentes no Arquivo Edgard Leurenroth localizado no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH):
21 de janeiro de 1855 A
21 de janeiro de 1855 B
24 de janeiro de 1855
26 de janeiro de 1855
30 de janeiro de 1855
08 de fevereiro de1855
10 de fevereiro de 1855
11 de fevereiro de 1855
13 de fevereiro de 1855
15 de fevereiro de 1855
23 de fevereiro de 1855
06 de março de 1855
13 de março de 1855
09 e 10 de Abril de 1855
13 de Abril de 1855
08 de junho de1855
17 de julho de 1855
19 de julho de 1855
09 de agosto de 1855
26 e 29 de agosto de 1855
30 de agosto de 1855
22 e 24 de setembro de 1855
29 de setembro de 1855
19 de outubro de 1855
08 de novembro de 1855
17 de novembro de 1855
24 de novembro de 1855
∗∗∗
RESUMO RÉSUMÉ
Aos dezessete dias do mês de novembro de 1919, Dans le jour dix-sept de Novembre 1919, pendant
enquanto andava pelo quintal de sua residência, a que marchait dans la cour arrière de sa résidence,
esposa do senhor Júlio Rodrigues da Silva l'épouse de Sir Júlio Rodrigues da Silva, a trouvé
encontrou uma caixa contendo restos de materiais une boîte contenant les restes de matériaux jetés
expelidos durante um parto. No início seu esposo lors un accouchement. Au début, son mari a cru
acreditou se tratar de "tripas de galinha", porém, um qu'il s’agitait de "tripas de galinha", un moment
tempo depois, percebeu a real origem do achado après, il a aperçu la véritable origine de la
levando a referida senhora a desconfiar de sua découverte, il a fait que cette dame soupçonnée de
prima Francisca Pereira da Silva. Ao ser inquirida, sa cousine Francisca Pereira da Silva. Lorsque cela
esta admitiu ter dado à luz a uma criança e tê-la a été interrogé, a admis avoir donné naissance à un
dado a Bemvindo Lopes de Araújo seu namorado e enfant et lui donné à Bemvindo Lopes de Araújo,
amante que, com medo de ter seu "erro" revelado, son petit ami et amant, qui, pour peur de voir leur
pegou a criança, amarrou-lhe um arame entre o «erreur» révélé, a pris l'enfant, l'ont attaché un fil
pescoço e a cintura e colocou-a em uma sentina entre l' cou et la taille et l'a placé dans une cale, de
deixando-a lá até que fosse encontrada sem vida, l'y laisser jusqu'à ce qu'il a été retrouvé mort,
sendo, em seguida reportada a denúncia à polícia. ensuite signalant la plainte à la police. Dans la
Na primeira metade do século XX constatamos, a première moitié du XXe siècle, on trouvé, à partir
partir da análise de processos criminais, que muitas de l'analyse des causes criminelles, que nombreuses
mulheres cometiam o crime de infanticídio para femmes commettaient le crime d'infanticide pour
ocultar sua desonra, mas neste caso percebemos cacher sa honte, mais, dans ce cas, nous avons
uma peculiaridade: o crime fora cometido por um remarqué une particularité, le crime a été commis
homem o que nos leva a refletir até que ponto o par un homme, le quoi nous amène à réfléchir
infanticídio se trata do "pecado" de uma mulher. jusqu’a quel point l’infanticide s’agit du «péché»
Por um longo tempo, aqueles que não estiveram d'une femme. Pendant longtemps, ceux qui n'étaient
entre os grandes nomes ficaram perdidos entre as pas parmi les grands noms ont été perdus entre les
páginas dos processos criminais. A partir da análise pages de causes criminelles. À partir de l'analyse de
desse documento pretendemos compreender como ce document, nous voulons comprendre comment
os homens se sentiam diante da eminência de um les hommes se sentaient sur le point d'un enfant
filho inesperado e como as mulheres faziam para imprévu et comment les femmes étaient à
contornar a natureza e evitar que ambos se contourner la nature et de prévenir les deux deviens
tornassem motivos para exclusão e difamação des motifs d'exclusion et de diffamation devant la
perante a conservadora sociedade fortalezense da conservatrice société fortalezense de l'époque.
época.
MOTS-CLÉS: Infanticide, Fortaleza, Crime.
PALAVRAS-CHAVE:Infanticídio, Fortaleza,
Crime.
Diante disso, faz-se necessária uma compreensão acerca das relações existentes
(FREUD, 2011, p. 9-11) entre o Eu e o mundo externo. Para Freud (2011, p. 9-11) um Eu
adulto não se conforma sozinho, ele passa por todo um processo de aprendizado, desde a
infância até o momento em que alcança a fase adulta. Além disso, ao longo desse percurso, o
indivíduo, percebido aqui como Eu, não consegue renunciar a determinados tipos de prazer e
acaba assumindo, diante do espaço externo, as procedências inseparáveis do Eu interno. Ou
seja, mesmo quando o indivíduo consegue distinguir o que é interno do que é externo, pode se
posicionar de maneira a confundir-se e sentir-se, de certa forma, perdido. Diante das
sensações de desprazer é travado um conflito entre tais posturas, podendo desembocar em
uma série de distúrbios patológicos.
1
Arquivo Público do Estado do Ceará - APEC – Fundo Tribunal de Justiça, Série Ações criminais, Sub-série
Homicídios, Caixa 05, Processo Nº 1922/02.
199 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 197-208, jul.-dez. 2014.
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processo que envolve tanto mudanças quanto permanências resultantes do meio social e das
influencias culturais nos quais está inserido. Referimos-nos às mudanças, no sentido das
sensações e dos comportamentos diante do novo e as permanências, a partir da adequação
desse novo a valores pré-existentes.
O prazer costumava ser tratado como algo que levaria o homem à ruína e quando
pensamos numa relação entre populares, vemos essa situação ser intensificada. Mesmo que
sobre eles recaíssem os olhares vigilantes, não só dos dispositivos de controle social, mas
também dos próprios populares que os rodeavam (NOBRE, 2013, p. 7), o casal conseguiu
encontrar espaço para estabelecer suas relações tidas como “ilícitas” e se entregarem aos
prazeres.
Francisca Pereira da Silva era uma moça, segundo seu namorado, “edosa”, por
possuir 25 anos de idade, era comum o casamento acontecer a partir dos primeiros anos da
puberdade, portanto, quanto mais idade a mulher possuísse mais velha e menos interessante
aos olhos dos rapazes ela seria considerada. A jovem trabalhava com serviços domésticos, não
sabia ler nem escrever e vivia de favor na casa de uma prima e do esposo dela.
A partir da fala de Francisca percebemos, por exemplo, que muitas moças que
cediam aos encantos e às promessas de casamento dos rapazes acabavam sendo defloradas,
denunciavam seus ofensores e alegavam a restauração de sua honra através do casamento.
Entretanto, segundo o depoimento de ambos os acusados, o casal já obtinham relações sexuais
há algum tempo e, se houvesse tido alguma intenção de denunciar seu amante o teria feito da
primeira vez. Isso nos remete a uma decisão por parte de Francisca de manter a prática das
relações sexuais com Bemvindo, de maneira, extraconjugal.
O jornaleiro, em seu depoimento, afirmou ter relações sexuais com Francisca por
cerca de dois anos e que a moça lhe contara, em um dado momento, que havia sentido algo
“bolir” dentro dela. No dia do referido crime, a acusada o havia chamado. Ele, todavia, alega
ter chegado após o parto o que se torna uma das variadas peculiaridades presentes neste caso
já que a maioria dos crimes de infanticídio acontecia enquanto a parturiente está sozinha com
medo de ser descoberta e afetada por grande dor. Todas essas características vêm a compor o
que os dispositivos jurídicos chamavam de estado puerperal e que Atayde (2007, p. 47-48)
retrata muito bem ao falar que se trata de uma perturbação psíquica, física e emocional que a
mulher passa durante e logo após o parto quando se encontra nas condições acima descritas.
Tal distúrbio se encaixa no que compreendemos como as patologias geradas pelo conflito
existente no ser humano, quando o seu Eu tem seu interno entrando em choque com os fatores
externos e quando, motivados pelos desejos de alcançar o prazer almejado por todos da
espécie humana, acabam agindo impulsivamente sem considerar as consequências de seus
atos.
O acusado narra, em seu depoimento, que Francisca lhe entregara a criança para
ser enterrada e que ele não havia reparado se a mesma estava viva ou morta. Mesmo assim,
acabou confessando que pegou a criança e amarrou dois pedaços de ferro entre seu pescoço e
cintura, em seguida, lançou-a em uma sentina2. Alegou, ainda, não ter ouvido a criança chorar
e para evitar que as pessoas com quem morava descobrissem que havia tido um filho, se
livrou da prova de seu “erro”.
2
Espécie de latrina destinada a acumular os dejetos.
3
Sinônimo de arroxeada; quer dizer que a região do pescoço do infante estava com um hematoma.
202 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 197-208, jul.-dez. 2014.
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desaparecer com o corpo do infante definitivamente. Não podemos deixar de pensar que se os
materiais expelidos por Francisca não tivessem sido encontrados, o jornaleiro teria,
possivelmente, sido bem sucedido em seu plano levando-nos a reflexão sobre a quantidade de
casos semelhantes ao do casal que podem ter passado despercebidos pelos olhos dos
populares e, consequentemente, pelos da Justiça.
O caso abordado é particularmente especial, pois o crime é cometido pelo pai que
não poderia se encaixar em tal parágrafo, no entanto se pensarmos na definição de honra
masculina como algo que não dizia respeito à integridade sexual, mas sim ao comportamento
em outros níveis sociais compreendendo que, ao homem, competia atribuições como ser
trabalhador, pagador de suas dívidas, respeitador, ter palavra e não ser dado à mentira. Se
olharmos ainda para a maneira como essa honra costuma ser restaurada, isto é, com
derramamento de sangue, podemos perceber um sentido para a ação de Bemvindo (BURITI,
2012, p. 148). Além disso, não podemos desconsiderar a hipótese de que o jovem não
estivesse disposto a assumir a paternidade e o sustento daquela criança e da mãe e quem sabe,
nem mesmo contrair matrimônio, o que possivelmente seria, se não imposto, cobrado pelos
familiares e vizinhos quando tomassem conhecimento de suas relações com Francisca.
203 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 197-208, jul.-dez. 2014.
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Entendendo os papeis que ambos teriam que assumir enquanto marido e mulher,
ditados pelo Código Civil de 1916, onde diz, em seu artigo nº 240, que “A mulher, com o
casamento, assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos
encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta.” acrescentando
em seu parágrafo único que essa “mulher poderá acrescer aos seus os apelidos do marido.” E
que diz, em seu artigo 233 que
Nos séculos XIX e XX a honra era algo que deveria ser preservado e, segundo
Rohden (2006, p. 106), o dano que é causado à reputação está diretamente ligado ao alcance
da opinião pública. Então, quando pensamos na questão da honra para os homens, devemos
entender que todo homem é responsável pela sua e somente em último caso ele deve recorrer
a outros meios ou terceiros para auxiliá-lo em sua defesa como fica claro na citação:
Diante do exposto, faz-se necessária, segundo as ideias de Dos Santos (2010, p. 35), a
compreensão da necessidade não só de domesticar os corpos, mas também o de alcançar e
domesticar as consciências das pessoas e isso se torna viável pela utilização da ferramenta da
disciplina. A partir das punições aplicadas para os indivíduos que cometiam tais crimes e da
veiculação das mesmas pela imprensa, os demais membros da sociedade tomariam
conhecimento que os mecanismos de vigilância e os órgãos de punição estavam ali para
garantir a ordem.
Através dos processos criminais temos acesso às práticas de homens e mulheres nas
suas relações cotidianas estabelecidas fora dos lugares convencionais, e por isso podemos
resgatar não só seus valores individuais, mas também suas formas de conduta e suas maneiras
de ser e estar dentro de uma sociedade tida como civilizada. Por meio de tais fontes, os
processos-crime, nos deparamos com o momento em que os conceitos de certo e errado, para
uma dada sociedade, entram em conflito, mas também do momento em que o próprio
indivíduo carregado de dúvidas, desejos e anseios entra em conflito consigo mesmo para
alcançar a felicidade e ao desconsiderar as consequências, age instintivamente em busca da
satisfação do prazer findando por se distanciar cada vez mais de seu objetivo já que se
encontra imbuído de uma sensação de mal-estar dentro da civilização.
∗∗∗
1
A entrevista foi concedida a Graduanda Danielle Almeida Lopes. Danielle cursa o 8º semestre de História da
Universidade estadual do Ceará, é bolsista CNPq, membro do Grupo de Pesquisa Praticas Urbanas em seu eixo
Praticas Letradas e tem pesquisa voltada para as seguintes área de concentração: História da Arte, História e
Imagens, História e Cidades e História e Urbanização.
210 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 209-214, jul.-dez. 2014.
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em vida, por essa questão, este tipo de fonte deve ser problematizada e questionada para que,
por meio dos filtros certos, possa contribuir para uma pesquisa histórica.
Iremos nos deparar com arte, emoções, lembranças, vivências e sensibilidadesnas
próximas linhas que tem como objetivo principal aprofundar um pouco mais acerca da vida e
produção de Estrigas, além detentar contribuir para o estudo da História da Arte local.
***
2
O carioca Mário Baratta era pintor e viera a Fortaleza por meio de uma transferência promovida por seu
trabalho no IBGE. Baratta trouxe do Rio de Janeiro o jeito carioca de fazer arte e sua experiência contribuiu para
a modificação na forma de se fazer arte no Ceará.
212 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 209-214, jul.-dez. 2014.
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chamava, a época das grandes descobertas, (re)descobriríamos a História do Ceará com
nossas pinturas.
D.A.L. - É interessante o senhor falar em pintar in loco, sair do ateliê e
transformar o campo em local de pintura por que antes, no começo do século, os artistas de
grande renome como o Raimundo Cela tinham uma prática de pintar em locais fechados,
tinham seus ateliês em suas casas. Então, pintar em campo significaria dizer que era uma
inovação, ou melhor, uma renovação na pintura local. A quem se devia essa renovação, essa
nova forma de se fazer arte?
N.B.F. - Olha, quando chegou notícia da existência de uma arte moderna aqui, foi
com o impressionismo. E o impressionismo o que é? Qual é o ponto fundamental no
impressionismo? É pintar o que vê, o que a luz der vazão para que você crie, o que a luz
permite que você pinte e isso só é possível em um ambiente livre. Em um ambiente aberto e o
modernismo, com seu aprendizado, levou o pessoal a essa questão do “ir ao campo”. E isso
aconteceu dessa forma, o impressionismo chamou o pessoal para o campo, com sua luz, pintar
o que viu. Agora, eu acho que esse “ismo” nas terminologias é que gera um problema.
D.A.L. - E que tipo de problema os “ismos” geram?
N.B.F. - O problema em torno dessas palavras, desses conceitos sobre os
“ismos”, “modernismo”, “impressionismo”, “abstracionismo” é que o tempo em que ele
acontece na História não é o mesmo da História da Arte. Tem historiador da arte que informa
que o modernismo começou com o impressionismo, outros que começou com o cubismo e
tudo que viria depois não seria modernismo e sim contemporâneo, então, assim a definição do
modernismo fica meio complicada.Um exemplo dessa variação de tempo do desenvolvimento
do modernismo aqui no Ceará pode ser identificado no que se refere a poesia e a arte. Na
poesia, o modernismo começa por aqui no ano de 1927 com a Maracajá, Cipó de fogo. E na
arte? Não tínhamos um desenvolvimento muito expressivo sobre ele, mas no fim da década de
1930, o Barrica e o Tx3 pintavam com todas as características do modernismo em cor, textura,
forma, gestos mesmo não se declarando como tal. Eles seguiam a linha modernista, mas não
tinham a auto-afirmação quanto modernismo.
Quando foi na década de 1940, com a renovação proporcionada pelo Mário
Baratta por aqui é que ele afirmava junto com a SCAP: “Somos modernistas”, “Nós fazemos
3
Barrica e Tx eram pintores cearenses que no final da década de 1940 pintavam sob a influência impressionista
no Ceará, sendo considerados assim por Estrigas como precursores do Modernismo no Ceará.
213 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 209-214, jul.-dez. 2014.
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arte moderna”. No Salão de Abril do ano de 1953 a gente já nota nos catálogos e premiações
duas divisões: uma divisão geral que já existia e uma nova, a divisão moderna, quer dizer, o
Salão de Abril oficializa e reconhece o modernismo, tanto é que divide seu quarto em geral e
moderno. Isso foi bom por que quando as obras modernistas entravam na visão geral, eram
obras gerais, mas agora não, eram obras modernistas.
D.A.L. - Muito bem, em relação a essa questão do modernismo aqui no Ceará, é
comum sempre vermos em destaque a figura de Antônio Bandeira. Onde ele se encaixa neste
processo?
N.B.F. - Ele começou cedo com a professora Mundica. Ela tinha um processo de
escola convencional, de reprodução simples. Pro Bandeira foi bom esse processo por que ele
teve suas primeiras lições. Quando já na década de 1940, ele passou a ter algum conhecimento
de arte, conheceu o trabalho do Van Gogh e o desenvolvimento foi sendo cada vez maior.
Teve a questão de pintar em campo, da paisagem natural, surgiu o convite para participar da
SCAP e com o talento e sensibilidade que ele tinha, tudo isso foi extravasado em seus
trabalhos, tomando moldes abstracionistas na sua forma de pintar. Pintou diferente, passou
pelo estilo impressionista, abstrato, pintava sobre os aspectos modernistas.Então, Bandeira
não foi só importante para a arte local como a nível mundial.
D.A.L. - E na sua opinião, mesmo com essa importância mundial, qual foi a
principal contribuição de Bandeira para a arte cearense?
N.B.F. - Então, com toda a sensibilidade que ele tinha, ele impressionava. Ele
tinha tanta força artística que renovou o espírito dos colegas, estimulou o trabalho dos críticos
com sua poesia e seu destaque. Por isso, por essa nova forma de fazer arte ele foi
merecidamente levado a um meio maior, levou o trabalho e o nome do Ceará para o mundo é
isso que eu tenho a falar.
D.A.L. - Muito bem, agradeço imensamente pelo espaço para esta entrevista, por
sua fala e pela simpatia na recepção, Estrigas.
N.B.F. - Agradeço pelo espaço, pela visita, pela simpatia, companhia. Por me
ouvir.
∗∗∗
∗∗∗
*
Mestranda em História Social – PPGHS pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.
E-mail: paula.tainar90610@gmail.com.
215 Bilros, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 215-215, jul.-dez. 2014.
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