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FÁBIO DA SILVA SOUSA · REJANE APARECIDA RODRIGUES CANDADO

CAMINHOS DA APRENDIZAGEM
HISTÓRICA: HISTÓRIA INDÍGENA E
HISTÓRIA DAS AMÉRICAS
Reitor:
Prof. Dr. Marcelo Augusto Santos Turine - UFMS
Vice-Reitora:
Profa. Dra. Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Esporte:
Prof. Dr. Marcelo Fernandes.
Direção da Faculdade de Ciências Humanas:
Profa. Dra. Vivina Dias Sol Queiroz 2
Coordenação do Curso de História:
Prof. Dr. Cleverson Rodrigues

Edições Especiais Sobre Ontens


Comissão Editorial & Científica
Dulceli Tonet Estacheski [UFMS]
Everton Crema [UNESPAR]
André Bueno [UERJ]
Carla Fernanda da Silva [UFPR]
Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS]
Gustavo Durão [UFPI]
José Maria Neto [UPE]
Leandro Hecko [UFMS]
Luis Filipe Bantim [UFRJ]
Maria Elizabeth Bueno de Godoy [UEAP]
Maytê R. Vieira [UFPR]
Nathália Junqueira [UFMS]
Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER]
Thiago Zardini [Saberes]
Vanessa Cristina Chucailo [UNIRIO]
Washington Santos Nascimento [UERJ]

Rede:
www.revistasobreontes.site

LAPHIS- laboratório de Aprendizagem Histórica


UNESPAR, União da Vitória

Coordenador
Everton Crema

Ficha Catalográfica
Candado, Rejane Aparecida Rodrigues; Sousa, Fábio da Silva (org.)
Caminhos da Aprendizagem Histórica: Ensino de História Indígena e das
Américas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Sobre Ontens/UFMS, 2021.
ISBN: 978-65-00-24361-1 
Ensino de História; História Indígena; História das Américas
Sumário
APRESENTAÇÃO: O PORQUÊ DE UM ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DAS
AMÉRICAS
Fábio da Silva Sousa e Rejane Aparecida Rodrigues Candado .................................... 6
Conferências
3
FORMAÇÃO DE PEDAGOGAS(OS) E HISTÓRIA INDÍGENA: EXPERIÊNCIA NO
CURSO DE PEDAGOGIA/DOURADOS-MS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
MATO GROSSO DO SUL
Beatriz dos Santos Landa ........................................................................................... 10
A HISTORICIDADE NA PESQUISA: APONTAMENTOS SOBRE MEMÓRIAS E
DOCUMENTOS DOS POVOS INDÍGENAS DE OIAPOQUE
Carina Santos de Almeida e Cleisy Narciso Silva ....................................................... 19
EXPERIÊNCIAS EM ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NOS CURSOS DE
FORMAÇÃO PARA PROFESSORES INDÍGENAS
Meire Adriana da Silva ................................................................................................ 26
Comunicações
DO MITO DO “BOM SELVAGEM” AO DO “ÍNDIO SUSTENTÁVEL”: O
MULTICULTURALISMO NO DISCURSO JORNALÍSTICO
Álvaro Ribeiro Regiani ................................................................................................ 34
MEMORIA Y PENSAMIENTO HISTÓRICO SITUADO: UNA APUESTA
INTERCULTURAL POR LAS COMUNIDADES INDÍGENAS EN BOGOTÁ, COLOMBIA
Ángela M Márquez Silva e Fabián Andrés Llano......................................................... 42
"DECIFRANDO A HISTÓRIA A PARTIR DE MANUSCRITOS”: OFICINAS DE
HISTÓRIA DO PIAUÍ NA EDUCAÇÃO BÁSICA – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Antônia Natália de Sousa Arrais ................................................................................. 51
CAPRICHOSO E GARANTIDO NA SALA DE AULA: USO DE TOADAS NAS AULAS
DE HISTÓRIA DA AMÉRICA AMERÍNDIA
Bruno Miranda Braga .................................................................................................. 57
CABICHUÍ: NO EPICENTRO DA GUERRA DO PARAGUAI
Cleberson Vieira de Araújo ......................................................................................... 66
ASPECTOS DO ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL: ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO
“HISTÓRIA DO BRASIL PARA EXAME DE ADMISSÃO”, DE ALFREDO TAUNAY E
ROBERTO ACCIOLI
Clivya da Silveira Nobre.............................................................................................. 73
AS DEIDADES FEMININAS ASTECAS NA OBRA HISTÓRIA GENERAL DE LAS
COSAS DE NUEVA ESPAÑA DO FREI FRANCISCANO BERNARDINO DE
SAHAGÚN NO SÉCULO XVI
Daniela Rigon Ratochinski e Natally Vieira Dias ......................................................... 81
A COLONIZAÇÃO E O OBSCURANTISMO HISTÓRICO QUE ENVOLVEU A
HISTÓRIA DOS POVOS NATIVOS EM PERNAMBUCO APÓS AS CAMPANHAS DE
CONQUISTA DOS SEUS TERRITÓRIOS: A IMPORTÂNCIA DE SE CONSTRUIR
OUTRAS NARRATIVAS A RESPEITO DA HISTÓRIA DOS POVOS ORIGINÁRIOS E
O PAPEL DO PESQUISADOR E PROFESSOR DE HISTÓRIA PARA A ESCRITA E
ENSINO DESTAS NARRATIVAS
Eduardo Augusto de Santana ..................................................................................... 88 4

NARRATIVAS DA COLONIZAÇÃO E OS POVOS MESOAMERICANOS: UMA


ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
Eduardo Pintarelli e Juliana de Mello Moraes ............................................................. 97
ENSINO DE HISTÓRIA PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:
REPRESENTAÇÕES SOBRE OS INDÍGENAS NO ENEM (1998-2020)
Fabrícia da Silva Lopes ............................................................................................ 105
RESSIGNIFICAÇÃO E RECONSTRUÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA FLORA
AMERICANA NA FILOSOFIA NATURAL MODERNA DO SÉCULO XVI
Gabrielle Legnaghi de Almeida e Anelisa Mota Gregoleti ......................................... 118
LA “OTRA HISTORIA” Y SUS ENSEÑANZAS: REBELIONES DE INDIOS NÓMADAS
EN EL NORESTE NOVOHISPANO Y EN CUBA (PERÍODO TARDO-COLONIAL)
Hernán Maximiliano Venegas Delgado ..................................................................... 124
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DO ENSINO MÉDIO - ANTES DA
INVASÃO ATÉ O CICLO DO OURO (ENTRE 2001 E 2014)
Igor Meireles Bagdadi e Viviani Anaya ...................................................................... 132
SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIAS INDÍGENAS NOS CURSOS DE HISTÓRIA DAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS DO BRASIL
Isaías dos Anjos Borja .............................................................................................. 138
NA ROTA DO “PROGRESSO”: A AÇÃO DA MISSÃO OESTE DO BRASIL NO
ESTADO DE GOIÁS
Johnatn José de Lima e Luana Nunes Martins de Lima ............................................ 147
ENSINO DE HISTÓRIA E POESIA POPULAR: REPRESENTAÇÕES DA CULTURA
INDÍGENA XOCÓ EM CORDEL, PORTO DA FOLHA, SERGIPE
José Abraão Rezende Goveia .................................................................................. 153
PROPOSTA INTERDISCIPLINAR ENTRE MATEMÁTICA E HISTÓRIA NUMA
COLEÇÃO MATEMÁTICA INDÍGENA DO ESTADO DE MATO GROSSO
Junior Benedito Pleis e Talita Seniuk ........................................................................ 159
SITUANDO O DEBATE REFERENTE À EDUCAÇÃO INDÍGENA DIFERENCIADA
Luciano Araujo Monteiro ........................................................................................... 168
ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS: REFLEXÕES INICIAIS DE UMA
PESQUISA EM INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Maria Luiza Ferreira do Carmo Souza ...................................................................... 178
TEMÁTICAS SENSÍVEIS E O ENSINO DE HISTÓRIA COMO ESTRATÉGIA DE
DESCONSTRUÇÃO DE ESTERIÓTIPOS EM EXPERIÊNCIA COM A REGÊNCIA:
“INDÍGENAS NO BRASIL - DIVERSIDADE E ATUALIDADE”
Mariana Ponciano Ribeiro Rennó e Nataly Souza Silva ............................................ 185
ENSINO DAS AMÉRICAS: DISCUTINDO O CONCEITO DE REVOLUÇÃO
Maria Sarah do Nascimento Brito e Jhonatan Júnior Alcântara ................................ 192 5

ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA, ESCOLAS E A LEI 11.645/2008


Marta Lima Alves ...................................................................................................... 200
MUITO ALÉM DO “PROGRAMA DE ÍNDIO": FIGURAÇÕES DA CULTURA INDÍGENA
E POPULAR NAS NARRATIVAS GLOBAIS DE LUIZ FERNANDO CARVALHO
Michelle dos Santos .................................................................................................. 208
A ICONOGRAFIA NUMISMÁTICA NA MOEDA BRASILEIRA DE 100 RÉIS ANO DE
1932: “SÉRIE VICENTINA”
Natanael Soares da Silva ......................................................................................... 217
VISÕES EUROPEIAS DA AMÉRICA: CONTRIBUIÇÕES PARA A ANÁLISE DE
FONTES SOBRE A TEMÁTICA INDÍGENA
Priscila Lopes d’Avila Borges .................................................................................... 226
PRÉ-HISTÓRIA CABOFRIENSE E ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL: SAMBAQUIS E
CULTURA MATERIAL
Tácio Ferreira Garrido Barbosa ................................................................................ 233
FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS EM RONDÔNIA: ALGUNS
ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECÍFICA E DIFERENCIADA
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Thássila Derek Serra de Souza ................................................................................ 243
APRESENTAÇÃO: O PORQUÊ DE UM ENSINO DE
HISTÓRIA INDÍGENA E DAS AMÉRICAS
Fábio da Silva Sousa e Rejane Aparecida Rodrigues Candado

6
É com bastante alegria e satisfação, que esta sétima edição do Simpósio
Eletrônico Internacional de Ensino de História inaugurou uma mesa dedicada à
temática Indígena e das Américas. Juntá-las possibilitou a presença de uma
diversidade de artigos resultantes de pesquisas, projetos de extensão, relatos de
experiências de intervenções, aulas, entre outros, que poderão ser conferidos
nos textos a seguir.

O ensino de História das Américas, e aqui é importante defender essa


denominação plural apresentada, uma vez que entendemos que o continente
outrora desconhecido pelos europeus até o Século XV, engloba o sul latino-
americano, a região central do Caribe e a parte norte, no qual destaca-se os
Estados Unidos. Usualmente, a História das Américas dedicou-se enfaticamente
aos países latino-americanos e caribenhos. Por questões mais políticas do que
propriamente epistemológicas, o norte representado pela nação estadunidense
ficou à deriva nesses estudos. Todavia, atualmente, é importante situar os
Estados Unidos dentro das Américas, já que sua influência política, cultural e
social não pode ser ignorada no contexto ao qual estamos. No caso do Brasil,
em nossa leitura, também não pode ficar aquém das Américas, já que
compartilhamos experiências, traumas, vitórias, entre outros, com os nossos
vizinhos fronteiriços. A História Comparada já apresentou métodos e teorias que
guiaram a produção de diversos estudos que apresentaram resultados positivos
e instigantes quando o Brasil é comparado com outras nações das Américas.

Recentemente, em fevereiro de 2019, a questão do ensino de História da


América entrou em pauta quando o ex-ministro das relações exteriores, Ernesto
Araújo, excluiu a disciplina de História da América Latina no currículo do Instituto
Rio Branco, com a justificativa que tal conteúdo já é exigido na admissão do
curso. Um mês depois, a Profa. Maria Ligia Coelho Prado escreveu um instigante
artigo para a Folha de São Paulo, criticando essa decisão do ex-chanceler. De
acordo com a autora, tal argumento é falho, uma vez que as questões da
América Latina nunca receberam o tratamento necessário na formação
diplomática brasileira, além de outros argumentos que seguem abaixo:

“Mas ultrapassado esse argumento inicial, o fundamental é compreender que,


no campo das relações diplomáticas, a extinção da disciplina América Latina
acarretará lacunas de grandes proporções na formação dos diplomatas
brasileiros. É preciso frisar que o estudo da história da América Latina, região
geográfica onde o Brasil se insere, não é uma opção ideológica, mas sim
necessária, pois é um imperativo universal das relações exteriores conhecer,
antes de tudo, a história dos países limítrofes.” (PRADO, 2019, n/c)
De acordo com a Profa. Maria Ligia e vamos ao encontro desse argumento,
entender a História da América Latina é compreender a nossa própria trajetória,
o nosso passado, o peso da colonização, as propostas republicanas do Século
XIX, as revoluções e ditaduras que configuraram o Século XX e as disputas
políticas, sociais e culturais dos dias atuais. No que pese as diferenças, o Brasil
faz parte das Américas.
7
Apresentado esse primeiro preâmbulo, o Ensino de História Indígena também é
essencial na proposta do presente Simpósio Temático. Com a implantação da
lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino de História da Cultura Afro-
brasileira e Indígena nos currículos da educação básica, um novo campo do
conhecimento abriu-se. Mais do que fantasias de carnavais ou personagens que
são lembrados em apenas um dia no ano, temos diversos grupos indígenas
localizados em todo o território nacional que, no momento em que estamos
escrevendo essas palavras, travam uma imensa luta para manter a sua cultura
e a sua dignidade. Compartilhar inúmeras possibilidades de abordagens e
experiências pedagógicas que estão sendo promovidas nas escolas e pelas
universidades, afirmam a importância e a necessidade de espaços como este.

Dito isto, destacamos os relatos que mostram a dinâmica na construção de


currículos no campo da formação de professores, seja em cursos de
licenciaturas indígenas e não indígenas, indicando o comprometimento dos
agentes envolvidos com a temática, uma vez que esse campo está em constante
modificações, exigindo um repensar cotidiano, refletindo as pesquisas e as
demandas sociais. O momento exige que o ensino de história indígena, ecoe a
multiplicidade étnica, desde as diferentes metodologias, teorias, registros e em
sua potencialidade no campo do ensino de História.

Regina Celestino de Almeida (2003), pondera que as pesquisas


interdisciplinares e em estudos etno-históricos nos últimos anos, corroboram,
que os povos indígenas atualizam suas culturas e compreensão de mundo a
partir de novas realidades. Aquela imagem de um índio fixo, e passível foi
suplantado. As fontes têm demonstrado que os indígenas reelaboram seus
valores, objetivos e identidades. Essa perspectiva sacudiu os pesquisadores e
educadores no sentido de retomar textos, documentos, e fontes diversas, com
novos olhares, novas questões, que tragam protagonismos dessas populações
ao longo da história. Em consonância com esses desafios, temos textos que
apresentam aos leitores a importância dos relatos de autoria indígena, análise
de documentos históricos, como, músicas regionais, a luta contra a invisibilidade
dos indígenas nos livros didáticos, pesquisas que enfatizam a necessidade dos
estudos da oralidade e da memória, a emergência da inclusão de textos de
autorias indígenas nos currículos dos cursos de formação de professores, a
ocupação de espaços virtuais para a difusão da cultura, reivindicações e
posicionamentos políticos e epistemológicos das etnias indígenas.

O ensino de História das Américas e Indígena dialogam, a partir do momento em


que destacamos o passado colonial da conquista europeia diante dos povos
originários do continente americano. Como já teorizado enfaticamente pelo
filósofo peruano Aníbal Quijano (2019), a Colonialidade, em suas múltiplas
vertentes, tornou-se um conceito operativo de uma dominação secular que se
perpetua até os dias atuais. A luta epistemológica contra a Colonialidade vai ao
encontro de teorizar o universo latino-americano e indígena a partir de suas
próprias questões, no qual o conhecimento tem um olhar outro além da matriz
eurocêntrica. E nessa disputa, o ensino exerce um papel fundamental.
8
Convidamos a todo(a)s que leiam e discutam os textos que compõem esse livro.
São trabalhos que apresentam discussões instigantes e originais sobre o Ensino
de História Indígena e das Américas.

Boa leitura!

Referências biográficas

Dr. Fábio da Silva Sousa, coordenador professor do curso de História e do


Mestrado interdisciplinar em Estudos Culturais da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Nova Andradina e campus de Aquidauana.

Dra. Rejane Aparecida Rodrigues Candado, professora do curso de História da


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Nova Andradina.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Identidades Étnicas e Culturais: novas


perspectivas para a história indígena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Raquel
(Orgs.). Ensino de História - conceitos, temáticas e metodologia. 1ed. Rio de
Janeiro: 2003.

QUIJANO, Aníbal. Aníbal Quijano: ensayos en torno a la colonialidad del poder.


1a ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Del Signo, 2019.

PRADO, Maria Ligia. O chanceler e a história da América Latina. Folha de S.


Paulo, São Paulo, 19, março de 2019. Opinião. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/o-chanceler-e-a-historia-da-
america-latina.shtml>. Acesso em: 16 de mai. 2021.
Conferências

9
FORMAÇÃO DE PEDAGOGAS(OS) E HISTÓRIA
INDÍGENA: EXPERIÊNCIA NO CURSO DE
PEDAGOGIA/DOURADOS-MS DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL 10

Beatriz dos Santos Landa


Estudos têm apontado que a história indígena no Brasil é desconhecida pela
maioria da população (COLLET, PALADINO, RUSSO,2014; MACENA, LANDA,
2019), e por conseguinte há um apagamento do protagonismo dos povos
indígenas nos eventos históricos que vem ocorrendo desde os primeiros
contatos com os europeus, revelados na carta de Pero Vaz de Caminha. O
eurocentrismo presente nas produções sobre os contatos ao longo de cinco
séculos tem valorizado a perspectiva dos “brancos” em detrimento da
participação das populações negras escravizadas, indígenas e asiáticas
(BITTENCOURT, 2013, p. 103).

Esta mesma autora, ao discutir a Lei 11645/08, que alterou a LDB 9394/96 no
seu art. 26, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena, nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, destaca que esta é uma mudança epistemológica radical,
pois não se trata somente de acrescentar estes conteúdos ao currículo escolar,
mas promover um olhar que permita descolonizar o poder instituído ao ocultar,
invisibilizar e desqualificar as participações. Outras nas narrativas históricas, o
apagamento destas e induz as populações que compõe estes segmentos
historicamente marginalizados, a sociedade de entorno a acreditarem que estas
trajetórias não são importantes e significativas o suficiente para figurarem nos
livros de História. Assim, quem pertence a estes grupos são considerados a-
históricos ou possuem histórias que serão sempre coadjuvantes e dependentes
das ações dos europeus ou das elites locais, resultando em baixa estima pela
sua ancestralidade. O relato a seguir, de Daniel Munduruku evidencia esta
situação:

“Quando eu era criança não gostava de ser índio. Sentia vergonha de sê-lo
quando alguém dizia que o índio era preguiçoso, selvagem, sujo, covarde,
canibal. Mesmo sem entender a metade dessas palavras, meu espírito ficava
chocado com a violência que representavam (SÃO PAULO, 2019, p.10).

A temática indígena no curso de Pedagogia da UEMS

A inserção da disciplina de Fundamentos e Metodologia da Educação Escolar


Indígena, que no projeto pedagógico do curso de Pedagogia da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul, faz parte do componente do Núcleo de
Aprofundamentos e Diversificação de Estudos, assim como outras disciplinas
que tratam da diversidade, representou um grande avanço em relação ao
currículo anterior. A formação de professoras e professores para atuar na
educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental, exige não somente
os conhecimentos do desenvolvimento da criança que nesta etapa é bastante
acelerado, mas também reconhecer que este público pode ser bastante diverso
e deve ser garantido que recebam uma educação plural e diversificada.

Além desta disciplina que trata especificamente da educação escolar indígena, 11


a temática indígena também é estudada nos “Seminários Integradores:
Diversidade e Educação Inclusiva”, cujos conteúdos são flexíveis e anualmente
propostos pelas docentes responsáveis sendo que o componente indígena é
abordado em sua relação em interface às questões da educação.

Reproduzindo o padrão eurocêntrico, a escola não tem reconhecido as outras


culturas, especialmente as indígenas, e tem subalternizado e inferiorizado as
histórias, hábitos, costumes dos povos existentes em território nacional. Assim,
estas disciplinas atendem a Lei 11645/08 ao preparar as alunas e alunos que
atuarão na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental com
conhecimentos e perspectivas Outras sobre os povos indígenas, que permitam
superar as tradicionais atividades que envolvem entregar para as crianças uma
folha de sulfite com uma representação empobrecida de um índio genérico
usando tanga, com penas na cabeça, e portando arco e flecha para que o
pintem. Ou ainda traçar no rosto dos alunos e alunas dois ou três riscos na face
com tinta guache, para representar as pinturas faciais indígenas reduzindo as
poderosas significações presentes em cada um dos elementos constitutivos
destes grafismos.

Estas pinturas podem se localizar no rosto, nos braços, no peito e dorso, pernas,
mãos, feitas com tintas naturais produzidas a partir dos elementos presentes na
natureza -quando o meio ambiente assim o permite- ou mesmo com tintas
adquiridas nos comércios locais, quando os processos históricos os afastaram
dos seus territórios tradicionais ou quando o ambiente está comprometido pelo
desmatamento, pelas perdas territoriais, pela dificuldade ou inexistência destes
materiais nas cidades.

As apresentações de estudantes indígenas na universidade, que apresentam


pinturas no rosto brações e/ou pernas, mostrando também danças tradicionais e
outros espetáculos produzidos pelos coletivos organizados, tem sido elementos
para uma pedagogia decolonial na qual outros saberes e fazeres ocupem
espaços que tradicionalmente ignoram, desvalorizam, desqualificam e
subalternizam a diversidade cultural presente entre os discentes.

Neste texto, busca-se apresentar a experiência na oferta da disciplina de


“Fundamentos e Metodologia da Educação Escolar Indígena” que anualmente é
ofertada na UEMS, e como esta tem sido construída conjuntamente com as
alunas e os alunos do curso de Pedagogia, na qual é inserida a História Indígena
a partir de elementos da pré-história do Brasil, os contatos dos indígenas
originários com os europeus portugueses que aportaram no país no ano de 1500
até as demandas dos movimentos indígenas por uma educação específica,
diferenciada, intercultural, bilíngue/multilingue e comunitária (RCNEI, 1998).

Não é uma disciplina que objetiva tratar do transcurso histórico dos povos
indígenas stricto sensu, mas apresentar os avanços, conquistas e desafios da
oferta da educação escolar indígena nos territórios indígenas no país sem
abordar os aspectos históricos mais gerais que impactaram e vem impactando 12
estes coletivos, significaria perpetuar o apagamento das suas vivências e
histórias de resistência ao longo destes mais de cinco séculos de contatos com
a sociedade envolvente. Para o arqueólogo e antropólogo Eremites de Oliveira
(2012), existe um encobrimento da presença indígena no continente americano
e no Brasil, por isso, é preciso na disciplina retroceder ao período anterior aos
primeiros contatos com os portugueses, mesmo que de maneira pontual, para
desconstruir que a história do Brasil inicia com a chegada da esquadra cabralina
na Bahia em 1500, e discutir porque os diferentes povos que aqui já ocupavam
este amplo território, foram quase que imediatamente apagados.

“Isso porque os europeus não conquistaram e colonizaram terras desabitadas


por seres humanos, mas sim regiões com grande diversidade étnica e cultural
onde há muito viviam milhões de pessoas organizadas em sociedades das mais
diversas e complexas sob muitos aspectos.” (EREMITES DE OLIVEIRA, 2012,
p. 186). Este autor caracteriza a história indígena como o “estudo a respeito da
trajetória histórica e sociocultural dos povos nativos das Américas, desde o
período pré-colonial até os dias de hoje” (EREMITES DE OLIVEIRA, 2012, p.
190), e esta é uma das perspectivas na oferta da disciplina ao discutir a
construção da educação escolar indígena transversalizada pelas trajetórias
históricas dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, e do país.

A maioria de professores e professoras ainda repete que o Brasil foi “descoberto


por Pedro Álvares Cabral”, pois aprenderam nas aulas de História e ainda está
presente nos livros didáticos a apresentação deste primeiro contato como aquele
que garante a “certidão de nascimento” deste país. A desconstrução de uma
informação que alicerça a formação em relação a um determinado tema, e que
é repetida várias vezes por diferentes profissionais, e entre estes estão as
professoras da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental,
necessita ser preenchida por outra que seja colocada no lugar com dados e
reflexões provenientes de pesquisas científicas.

Contribuir para que não sejam reproduzidos estereótipos sobre a selvageria dos
indígenas por seus costumes, hábitos e crenças, além de minimizar os
equívocos com que estes são apresentados, é um dos objetivos da disciplina ao
apresentar uma perspectiva outra que coloca os povos indígenas como
protagonistas de suas histórias. Apresentar uma versão histórica em que estes
sejam apresentados de uma forma mais condizente com suas lutas de
resistência ao apagamento histórico, desaparecimento físico, desqualificação
social e subalternização cultural, é tarefa que as professoras e os professores
da educação infantil e da primeira etapa do fundamental devem estar
preparadas/os para que promovam uma sociedade mais justa e respeitosa.
É importante situar que este curso é ofertado na cidade de Dourados/MS, onde
está localizada a maior reserva indígena do país com uma população estimada
em mais de 15 mil indígenas (ALMEIDA, 2019, p. 135) pertencentes às etnias
Kaiowá, Guarani e Terena, em uma área de 3600ha. Este espaço territorial foi
criado no ano de 1917 para acomodar os indígenas que ocupavam municípios
que estão no entorno de Dourados, pois era partilhada a ideia, inclusive pela 13
Antropologia, de que os índios seriam transitórios e deixariam de existir em
poucas décadas. Esta previsão mostrou-se errônea, pois os povos indígenas
apresentam atualmente taxa de natalidade superior à sociedade nacional.

Mesmo com uma das maiores contingentes indígenas morando neste município,
a população de entorno desconhece as causas que conduziram esta reserva a
estar em um contexto complexo, onde por um lado há escolas que oferecem da
educação infantil ao ensino médio, com maioria de professores e professoras
indígenas com formação adequadas à etapa ao qual atendem, e por outro lado
falta água, há famílias em vulnerabilidade social extrema que leva crianças e
jovens a pedirem comida na cidade, índice de violência elevado, ausência de
políticas públicas para as diferentes necessidades da reserva, entre outros
aspectos não abordados adequadamente pelas políticas públicas.

A falta ou o pouco conhecimento sobre as situações que impactam a região,


também atingem as/os alunas/os do curso de Pedagogia, gerando preconceito,
racismo e discriminação que devem ser combatidos por meio de informação
produzida pelas pesquisas realizadas nas universidades, e discutir seus
resultados em cursos de formação inicial e continuada de professoras e
professores. O desconhecimento das causas que geram a disputa com os
proprietários de terras pela retomada dos territórios tradicionais que foram
sistematicamente usurpados a partir do final do século XIX, e na primeira metade
do século XX, é motivo de discussões acaloradas entre as pessoas que apoiam
as demandas indígenas daqueles que não reconhecem seus direitos à terra
como povos originários

Outro aspecto abordado na disciplina está relacionado à diversidade sócio-


cultural dos povos indígenas no Brasil e do Mato Grosso do Sul, e isto é
fundamental porque os marcos legais orientam que a oferta da educação escolar
indígena deve ser específica e diferenciada, e os projetos pedagógicos que
norteiam cada escola devem estar em consonância com a realidade sócio-
histórica de cada povo a partir dos seus projetos de futuro. No país são 305
povos, que falam 274 línguas (BRASIL, 2010), e esta diversidade deve ser
valorizada e celebrada, mas devem ser reconhecidos os diferentes percursos
históricos de cada etnia. Conforme mencionado anteriormente, o ocultamento e
a invisibilidade dos povos indígenas nos currículos escolares têm gerado
situações de completo desconhecimento sobre suas realidades, mesmo que
estes coexistem com a sociedade envolvente.

O Mato Grosso do Sul apresenta a segunda maior população indígena do país,


com 74234 (BRASIL, 2010) pessoas que fazem parte de nove povos Kaiowá,
Guarani, Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Guató, Ofaié, Atikum e Kamba, com
populações que variam de mais de 40 mil a pouco menos de 150 pessoas,
demonstrando o grande impacto dos contatos com os não índios, e os processos
históricos marcados por tentativas constantes de exterminá-los física e
culturalmente. O avanço sobre suas terras para a implantação de fazendas de
gado e plantios de monocultura em larga escala e as lutas para manter,
conservar e reconquistar seus territórios conformam os dilemas e desafios 14
vividos por estes povos.

Mesmo com a grande presença indígena no estado, muitas/os alunas/os


desconheciam estas informações, assim como as diferenças culturais, sociais,
de organização social, inserção territorial, que cada etnia produziu ao longo da
sua trajetória histórica. A partir deste contexto, para que seja possível discutir a
importância das conquistas que a educação escolar indígena vem produzindo é
preciso situar que esta atende grupos muito diversos, e que portanto, o
protagonismo de cada povo resultará em uma escolarização diferenciada, mas
em consonância com os projetos de futuro de cada povo.

Orientada por uma perspectiva decolonial do saber e do ser (GROSFOGUEL,


2007) em que o indígena não seja compreendido como passivo nos eventos
históricos que interferiram/interferem em suas comunidades, é preciso conhecer
as diferenças que cada povo construiu/constrói, vivenciou/vivencia e lutou/luta
para manter as identidades fortalecidas, para que estes sejam apresentados
como protagonistas no devir histórico (ALMEIDA, 2012). Espera-se que as/os
egressas/os deste curso de Pedagogia tenham mais elementos para planejarem
atividades que descontruam a imagem do índio genérico, inicialmente nas suas
concepções e a seguir, para as crianças para as quais apresentarão as inúmeras
possibilidades de organizações sociais que existem no país e no MS, e que
coexistem com a sociedade envolvente.

Em todas as turmas para as quais a disciplina foi ofertada, a expressão “pega a


laço” recorrentemente é citada. São histórias envolvendo bisavós, tias distantes,
ou mesmo histórias conhecidas na família. Mesmo quem diz nunca ter ouvido a
expressão, ao perguntar aos familiares sobre ela, frequentemente retornam com
uma história semelhante. A partir desta frase, é possível discutir como a
colonialidade se faz presente nas práticas sociais, e demonstrar como foram/são
violentas com os corpos femininos, pois se trata do sequestro e estupro de
mulheres que prevaleceu desde que os não índios iniciaram os contatos com os
povos indígenas.
Aspectos teórico-metodológicos

Com o processo de escolarização acelerado após o reconhecimento pelo Estado


dos direitos diferenciados dos povos indígenas, e também “sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-la, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens” (Brasil, 1988), o processo de escolarização
ofertada aos povos indígenas rompeu com as perspectivas integracionistas e
assimilacionistas ofertada por diferentes ordens religiosas e mesmo pela Estado
por meio do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela Fundação Nacional do
Índio (FUNAI). O século XXI tem contemplado a ampliação do número de
indígenas em todas as etapas de escolarização. Isto tem resultado na produção
de reflexões realizadas por indígenas em diferentes áreas do conhecimento, com
mudanças epistemológicas e perspectivas decoloniais, incidindo fortemente na
área das humanidades e da educação (FERREIRA, 2018; NASCIMENTO, 2018;
PALADINO, ZAPATA, 2018; RIOS, 2018). 15

Assim, produções de intelectuais indígenas que discutem temas como história,


educação, movimentos indígenas, práticas pedagógicas que são
transversalizadas pela história indígena e vice-versa, tem sido incluídas na
bibliografia da disciplina. Autores como Baniwa (2019), Luciano (2006), Krenak
(2019a, 2019b), Munduruku (2019), Silva (2018), entre outros, tem contribuído
com suas reflexões para que as narrativas dos povos originários estejam
presentes e norteiem as discussões que são realizadas na turma. As autorias
indígenas tem sido valorizadas e reconhecidas por criaram teias de relação a
partir de seus processos históricos que tem conduzido um número maior de
jovens a continuarem seus estudos, fortalecendo seus pertencimentos étnicos e
demonstrando que é possível uma produção teórica sustentada nas práticas de
seus povos. Segundo Thiel (2013, p. 1175).

“Todos têm o direito de descobrir, ler e debater os textos produzidos pelos


diversos povos indígenas, como forma não só de conhecer visões estéticas e
temáticas diferentes, mas também de valorizar o outro, o diferente, que deve ter
sua história, sua presença e visão de mundo reconhecidas”.

Entretanto, não é suficiente incluir bibliografias produzidas por intelectuais


indígenas de maneira acrítica, é necessário que cada um destes autores e
autoras tenham suas trajetórias de vida apresentadas para que estas produções
sejam socialmente referenciadas e valorizadas ao serem utilizados em sala de
aula. Isto pode ser feito por meio da consulta ao curriculum lattes, em
referências encontradas nos textos acadêmicos, dissertações, teses, que muito
frequentemente apresentam uma autobiografia e/ou autoetnografia. O
acompanhamento das redes sociais nas quais a participação indígena tornou-se
habitual tornando-se mais um espaço de luta pelo reconhecimento dos direitos
conquistados e constantemente ameaçados por aqueles que não respeitam a
diferença presente na composição social do país.

Outro aspecto metodológico relevante é a presença de indígenas que são


convidados/as para fazerem exposição de algum tema em que são especialistas
por desenvolverem estudos em programas stricto sensu, em virtude das
atividades que desenvolvem junto a órgãos públicos (prefeituras, escolas,
universidades), porque participam em fóruns de debates sobre educação escolar
indígena e/ou estão inseridos em movimentos indígenas. A pandemia pela
COVID-19 contribuiu para a intensificação desta estratégia, pois pela UEMS ter
optado pelo ensino remoto emergencial (ERE) é possível a participação por meio
das plataformas disponíveis na instituição.
As avaliações realizadas sobre estas palestras têm sido consideradas muito
significativas pelas/os estudantes ao afirmarem que ouvir um/a indígena
abordando as temáticas previstas na disciplina carrega também uma história
vivida na comunidade e na determinação em cursar o ensino superior, gerando
maior compromisso em apoiar as demandas indígenas, porque agora são melhor
compreendidas.
16
Considerações finais

A presença dos indígenas na história do Brasil foi encoberta pela historiografia,


e sistematicamente invisibilizada, sendo referenciada em poucos momentos ao
longo destes mais de 520 anos, em condições sempre inferiorizadas e como
sujeitos passivos das ações protagonizadas pelos não indígenas. As pesquisas
realizadas em diferentes áreas do conhecimento com foco nos povos indígenas
e no presente caso, na História, tem demonstrado o protagonismo destes
coletivos na reivindicação por direitos quando estes lhes eram negados. No
discurso de uma história eurocentrada, as pluralidades étnicas e culturais foram
sendo silenciadas e ocultadas, resultando no apagamento da participação dos
indígenas na maioria dos processos históricos que os impactou e continuam
impactando.

Buscou-se apresentar a inserção da história indígena na disciplina de


Fundamentos e Metodologia da Educação Escolar Indígena no curso de
Pedagogia da UEMS, visando demonstrar que os direitos conquistados pelas
lutas ininterruptas dos povos indígenas frente as políticas indigenistas durante
todo o processo histórico pós-contato com os europeus. A Constituição Federal
de 1988 garantiu o direito à diferença e reconheceu a diversidade sócio-cultural
que a presença dos 305 povos indígenas em território nacional exige.

Para contextualizar a conquista a uma educação específica, diferenciada,


intercultural, bi-multilingue e comunitária (RCNEI, 1998) é fundamental mostrar
que os povos indígenas foram/são protagonistas, mas que sua história foi
encoberta, conduzindo ao não reconhecimento das lutas, das conquistas, e das
condições que geraram as atuais situações de exclusão social vivenciadas pela
maioria especialmente no MS.

Esta disciplina está em constante reformulação, seja pelas avaliações feitas


pelas/os alunas/os, pela dinâmica das ações dos movimentos indígenas, assim
como pela produção das pesquisas sobre educação e educação escolar
indígena produzida por indígenas e não indígenas.

Referências biográficas

Dra. Beatriz dos Santos Landa, professora da UEMS, membro do CEPEGRE.

Referências bibliográficas
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XIX: da invisibilidade ao protagonismo” in REVISTA HISTÓRIA HOJE, v. 1, n.
2, 2012. p. 21-39.

ALMEIDA, Marco Antonio Delfino. Reserva Indígena de Dourados: Deslocados


Internos entre Inimigos e/ou diferentes. In: MOTA, Juliana Grasiéli Bueno;
CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira Cavalcante (orgs.). Reserva Indígena de 17
Dourados: Histórias e Desafios Contemporâneos. São Leopoldo: Karywa, 2019.
Ebook.

BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos


e desencantos. Rio de Janeiro: Mórula, Laced, 2019

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. História das populações indígenas na


escola: memórias e esquecimentos. In: PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO,
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BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 março, 2008.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em 15 mar. 2017.

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A HISTORICIDADE NA PESQUISA: APONTAMENTOS
SOBRE MEMÓRIAS E DOCUMENTOS DOS POVOS
INDÍGENAS DE OIAPOQUE
Carina Santos de Almeida e Cleisy Narciso Silva 19

A historicidade dos povos indígenas no Brasil não se traduz em um simples ato


de escuta, leitura, narração ou interpretação de histórias, principalmente quando
se trata de perspectivar (re)existências múltiplas e latentes nos tempos passado
e presente. Comumente, a historicidade emerge na pesquisa como
reminiscências, fragmentos de recordações que necessitam ser reconstituídos e
cardados como os fios de algodão na tecitura das redes. Essa paralela analogia
sustenta nossas lentes de percepção neste trabalho, seja porque parte da
relação de alteridade, mas, também, da intrínseca proximidade que nos envolve
enquanto aluno e professora no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da
Universidade Federal do Amapá (CLII/UNIFAP). Esse texto não se propõe
nestas breves páginas escritas analisar as complexas instâncias que atravessam
as memórias, mas apresentar algumas reflexões sobre a historicidade dos povos
indígenas de Oiapoque – com destaque para as memórias mun uaçá, que se
originam de nossos estudos em História.

Os povos indígenas de Oiapoque vivem nas cercanias do rio Oiapoque, fronteira


setentrional brasileira do Amapá com o território ultramarino da França, a Guiana
Francesa. Integram o complexo multiétnico dos povos indígenas do Amapá e
norte do Pará e se autorreconhecem na contemporaneidade como Galibi-
Marworno, Karipuna, Palikur-Arukwayene e Galibi do Oiapoque ou Ka’lina. Tais
sociedades falam suas próprias línguas e vivem nas Terras Indígenas
demarcadas e homologadas Uaçá, Galibi e Juminã. Ao longo do século XX,
estes povos tiveram distintas experiências com o indigenismo brasileiro e
passaram a ser “atendidos” pelo Estado a partir do Serviço de Proteção aos
Índios (SPI), que posteriormente transformou-se na Fundação Nacional do Índio
(Funai).

Na longínqua fronteira do rio Oiapoque, o SPI chegou na década de 1930 e criou


duas unidades locais. O Posto Indígena de Fronteira e Vigilância Luiz Horta foi
instalado em 1941 na confluência do rio Murupi com o rio Oiapoque, e passou a
atender os povos indígenas que viviam no alto curso e cabeceiras deste rio,
como os Emerenhão ou Emerenhões, conhecidos como Teko, os povos
Urukuainos/Waianos ou mais apropriadamente Waiana, além de
esporadicamente atender aos Oiampi ou Wajãpi. Enquanto o Posto Indígena de
Educação e Nacionalização Uaçá foi instalado em 1942 na confluência do rio
Curipi com o rio Uaçá, no local denominado Encruzo, para atender aos povos
Karipuna, Palikur e Galibi (Marworno) (ALMEIDA; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2019).

Há algum tempo estamos empenhados em compreender como se desenvolveu


a atuação do indigenismo brasileiro entre os povos indígenas do Oiapoque e, no
decorrer dos estudos, surgiram emergências sensíveis das latências históricas
que foram desveladas por vívidas memórias mun uaçá. Faz-se necessário
destacar que o autor deste texto – Cleisy Narciso Silva – além de orientando de
iniciação científica (PIBIC/CNPq) no período de 2018 a 2020, é indígena mun
uaçá. As pessoas que vivem nas redondezas do rio Uaçá, tributário que deságua
na foz do rio Oiapoque, são nominadas de mun uaçá, que na tradução significa
simplesmente “gente do uaçá”, reconhecidos atualmente como Galibi- 20
Marworno.

Nossas pesquisas percorreram metodologicamente a análise documental sobre


o indigenismo rondoniano-varguista. Consultamos diversos documentos
históricos da 2ª Inspetoria Regional do SPI que se referiam aos povos do Amapá
e, nesse caminho investigativo, apresentou-se as memórias de Maria Jovelina
Nunes e de Maria Dorica, ambas são mun uaçá e avós de Cleisy, residem na
Aldeia Kumarumã e compartilharam lembranças sobre esse período. Muitos
aspectos reverberam dos estudos históricos, dentre eles (re)conhecer as
histórias vividas e as novas formas de (re)organização e (re)ordenamento
territorial emergidas a partir das relações impostas pelo estado brasileiro ao povo
Galibi-Marworno.

No tempo do SPI, para que o Amapá se consolidasse enquanto uma região


brasileira, era preciso que os povos indígenas regionais falassem o português
em detrimento das próprias línguas. Naquela época o contato com a Guiana
Francesa era constante (sem exigência do visto) e a noção de fronteira não
passava de uma concepção abstrata e distante do cotidiano dos povos
autóctones do Oiapoque que a vivenciavam livremente nas travessias das águas
fluídas e intercambiáveis dos rios.

O percurso escolhido pelo indigenismo do SPI na região de Oiapoque seguiu o


protocolo adotado pela agência, principiando com a instalação de postos
indígenas que promovessem a nacionalização, ao mesmo tempo que a vigilância
da fronteira. O SPI visava para além da assistência e proteção, sobretudo, a
integração dos povos autóctones à sociedade brasileira. Os documentos da
agência estudados e as memórias de Maria Jovelina e de Maria Dorica expõem
diversas práticas do indigenismo, uma das principais foi a instalação de uma
escola de instrução primária, com uma professora e um professor não indígena
que não falavam a língua nativa, mas que tinham a incumbência de ensinar o
português e proibir os alunos indígenas de falar o Kheuól. As narrativas mun
uaçá extrapolam qualitativamente a documentação histórica e permitem que as
latências históricas rompam o silêncio e o esquecimento, adentrando à história
indígena contemporânea com autodeterminação.

Em face da pandemia de Covid-19, os rumos metodológicos de nossas


pesquisas foram alterados em 2020, e decidimos ajustar muitas coisas, dentre
elas resolvemos desprender-se dos documentos do SPI. Então, surgiu a
emergência das memórias e Cleisy partiu para entrevistar uma de suas avós com
quem ainda não havia conversado. Essa decisão foi comedida porquanto fomos
transpassados pelo vírus, outrossim, sabemos o quanto é difícil conseguir relatos
sobre o indigenismo de estado, sobretudo porque um tempo inquantificável
separa o presente que vivemos dos idos anos de 1930, 1940, 1950, 1960. Cleisy
reside na Aldeia Tukay, situada nas margens da BR-156, passou-se alguns
meses e o Covid chegou entre os povos indígenas de Oiapoque, felizmente, a
sua família teve sintomas leves, mas todas as aldeias da região foram
acometidas pela Covid, conforme relata o livro Fala parente! A covid-19 chegou
entre nós de Elissandra Barros (2021). 21

Quando tudo ficou aparentemente mais calmo em termos de contágio, as aldeias


começaram a liberar a entrada e saída das pessoas. Cleisy saiu da Aldeia Tukay
com destino ao Kumarumã, sua viagem demorou cerca de 5 horas de voadeira,
descendo o rio Uaçá, chegando lá ele ficou hospedado na casa de sua avó Maria
Jovelina. Em sua estadia, Cleisy pode conversar e explicar o desejo de
entrevistá-la. O assunto escolhido trataria da “escola do tempo de infância” e
alcançaria, se possível mnemonicamente, personagens conhecidos do
indigenismo regional, como “Djalma”, “Eurico”, “Frederico”. Cleisy confidencia
que sua avó ao ser questionada sobre a entrevista sorriu e disse-lhe: – Ah meu
filho, eu não sei não! O neto insistiu e respondeu-lhe: – Calma, é só pra senhora
pensar, não será hoje a entrevista, é só pra refrescar a memória! Então, a avó
afirmou-lhe: – Tah, eu vou pensar! Definitivamente, as memórias apresentam
subterfúgios.

Os dias transcorreram em companhia de sua avó materna, Cleisy relata que


passearam juntos pela Aldeia Kumarumã, acompanhando o rio e percebendo o
quão havia de beleza naquela natureza. Em seguida, Maria Jovelina foi visitar
sua mãe, Dona Mosiana, uma idosa centenária e que foi acometida pela Covid-
19, deixando-a doente e facilitando a perda das memórias. A filha e a mãe
almoçaram juntas, após, Maria Jovelina voltou para casa, chegando por volta
das 15 horas, indo para seu carbe sozinha. Cleisy recorda que avistou a avó
sentada fazendo um remédio caseiro quando foi ao seu encontro. Chegando lá,
aproximou-se dela e disse: – Vó, a senhora pensou no que te falei?! – Maria
Jovelina respondeu rindo: – Eu não sei! – o neto, insistente, perguntou-lhe: – Vó,
é só você falar o que a senhora sabe, só isso. Cleisy continuou: – A senhora
estudou? Ela respondeu: – Sim, eu estudei! – o jovem pesquisador continuou
com outra pergunta: – A senhora ouviu falar de Djalma? – e Maria Jovelina disse-
lhe: – Sim, Djalma eu conheci, era assim... e continuou – Ah, Frederico era chefe
da Funai. Após esse caminho sinuoso de memória, Cleisy reforçou que tudo que
desejava saber era uma questão de lembrança, disse o jovem neto: – A senhora
lembrou vó! Agora é só relaxar que a senhora vai me contar tudo de novo, só
que agora eu vou gravar nossa conversa, a senhora só vai acrescentar seu
nome, filha de quem é, contar o que a senhora acabou de me falar agora pouco,
certo?! Maria Jovelina então lhe falou: – Está certo!
Esse pequeno trecho da entrevista expõe as sensibilidades e relações de
confiança que as entrevistas pressupõem, mormente se elas estiveram
envolvidas pela teoria-metodologia da História Oral, discussão importante, mas
que não pretendemos fazer aqui. A maior dificuldade na condução da entrevista
com Maria Jovelina consiste em compreender o seu tempo de rememoração e a
disponibilidade mnemônica para alcançar lembranças pretéritas e dolorosas
vividas. A entrevista requer paciência, precisa de respeito ao tempo do outro,
vontade e coragem para mexer no passado. Maria Jovelina Nunes dos Santos
tinha no momento da entrevista 71 anos de idade, nasceu em 01/01/1949, na
Aldeia de Kumarumã, é filha de Dona Mosiana dos Santos e Guilherme Nunes,
e foi casada com o senhor Henrique Narciso, tendo 7 filhos, sendo 5 mulheres e
2 homens.
22
No passado, os “índios do Uaçá” viviam distribuídos em pequenas ilhas (aldeias)
ao longo do rio Uaçá. Com a chegada dos não indígenas do SPI e,
consequentemente, com a implantação da escola e da “assistência” e “proteção
tutelar”, os mun uaçá passaram a se concentrar em uma só aldeia, o Kumarumã,
conhecida até então como Vila de Santa Maria dos Galibi (TASSINARI, 2001a).
Este povo – Galibi-Marworno – apesar do nome, se diferencia substancialmente
do povo Galibi de Oiapoque ou Kalinã, que migrou para o Brasil na década de
1950. Os documentos do indigenismo chamam os mun uaçá simplesmente de
Galibi até o início da década de 1970, não sabemos exatamente quando foi que
esse nome Galibi recebeu seu complemento, Marworno, entretanto,
consideramos que este novo etnônimo está relacionado com a chegada do
Padre Nello Rufaldi à região em 1972 e 1973, momento em que os povos
indígenas regionais passaram a se articular politicamente em um movimento,
precisando-se encontrar elementos de distinção não apenas na cultura, como
também no nome.

É recorrente conversarmos com os mais velhos nas aldeias e ouvirmos a


expressão “no tempo do SPI”, “no tempo do Eurico”, “no tempo do Djalma”, “no
tempo do Encruzo”. O SPI de fato marcou presença nas memórias regionais. O
órgão instalou um entreposto no interflúvio do afluente rio Curipi com o rio Uaçá,
chamado Encruzo. Esse local ficou grafado nas memórias dos mais velhos e no
imaginário dos mais jovens. Apesar do indigenismo de estado preconizar que o
SPI era um órgão de proteção aos povos indígenas, a agência deixou outras
marcas históricas, Maria Jovelina lembra que os “parentes” que iam “trabalhar”
no Encruzo faziam a extração de óleo de andiroba, salgavam peixe, entre outras
atividades impostas pelos agentes do SPI. Havia certo controle sobre as aldeias
dos povos indígenas de Oiapoque.

A narradora explicou que “Quando um homem casa com uma mulher que está
estudando, e faz com que a mulher largue os estudos, era considerado uma
infração! Ele era mandado pro Encruzo ali para trabalhar um certo tempo. E
depois liberado. E se o indígena quiser ficar mais um tempo além do que já ficou
para trabalhar, ele ganhava uma diária, conforme o tempo que ficasse.” Mas o
Encruzo além de um lugar de punição e expiação, tratava-se de um espaço
privilegiado de vigilância, único caminho que conectava o baixo rio Oiapoque,
adentrando pelo Oceano Atlântico e da Guiana Francesa, para se ter acesso aos
rios e aldeias dos povos Karipuna, Palikur e Galibi (Marworno).

Cleisy já havia conversado com sua avó paterna chamada Maria Dorica e a irmã
dela, sua tia avó Isoleide, um ano antes da pandemia. A narrativa de Dorica
destacou que “Antes nós vivíamos em várias aldeias, distribuídas ao longo do
rio, não ficávamos em um só lugar, mudávamos assim como mudávamos de
roça. A roça é o que fazia com que fossemos para outros lugares. As nossas
casas de palha e folha de inajá lembram-me quando ia para escola, ia de canoa
remando para o Kumarumã. Quando chegava lá eu tinha medo, sempre
sentando no fundo com as amigas. Lembro quando a gente errava as respostas
da tabuada, éramos castigos com a palmatória. Estudávamos com dois
professores ao mesmo tempo, um homem e uma mulher. O professor não 23
pegava tão pesado como nós, mas a professora não queria nenhum erro e se
errar repetia tudo de novo. Quando ela cansava dos que erravam, pedia a eles
que sentassem e estudassem, porque quando for chamar de novo, ia ser
palmatória. A palmatória doía demais. Uma vez tinha uma festa de Santa Maria
no Kumarumã, que nós fomos proibidos de ir a festar pela professora, quando
chegar em sala de aula e não souber responder a tabuada ia ser castigado com
a palmatória. Ela pediu ao seu filho, um rapaz novo, que vigiasse para ver quem
fosse para festa. Eu e umas amigas, como somos jovens, queríamos ir, e
resolver ir. Quando chegou o dia da aula ela logo falou: – Quem estudou vai se
dar bem e quem não estudou e resolveu ir a festa vai ser castigado. E nós lá no
fundo com medo, nem mesmo nossos colegas queriam sentar perto de nós, para
que não apanhassem junto com a gente. Eu lá quieta com medo! Não queria que
a professora me chamasse, mas sim que o professor me chamasse para fazer
as perguntas. Mas não escapamos do castigo. Em uma mão levamos 6 vezes e
na outra 6 também, total de 12 vezes. As mãos chegaram a inchar de tanto
apanhar, lembro também que meu marido foi mandado para o Encruzo, foi preso
devido que ele casou comigo só porque eu era menor de idade. Era muito nova
ainda. Ele ficou trabalhando no Encruzo por um ano. Depois que ele saiu e
voltou, ficamos juntos. [...] A nossa língua é que foi mais afetada, antes era o
Galibi. Meus pais falavam pouco o Galibi, mas eu fui criada falando o Kheoul até
hoje.”

Desse breve e denso trecho extraído da entrevista de Maria Dorica, emergem


muitas situações que qualificam as primeiras escolas implantadas entre os Galibi
(Marworno) e descrevem as relações assimétricas que existiam entre os alunos
indígenas e os professores não indígenas. A escola implantada pelo indigenismo
tornou-se instrumento de “civilização”, e a palmatória, símbolo de punição capaz
de marcar tanto física quanto psicologicamente os povos indígenas. A escola
não parece resguardar tão boas lembranças.

A narrativa de Maria Jovelina é tão contundente quanto de Maria Dorica,


reconhece os equívocos da incipiente escola entre os mun uaçá, destaca a
imposição de outras práticas, a interrupção no processo de educação indígena,
a ação da punição com “palmatória”, marcando o corpo e as memórias: “Antes
de chegar na escola, tem que chegar bem limpo. Se tu chegar sujo, não cuidar
do corpo, não lavar a cabeça, se estiver com cheiro de pitiú, então eles te batem
na cabeça com régua, se tu faltar aula, for pra roça com tua mãe e fizer teus
afazeres, então ela te bate quando tu for pra escola de manhã. Ela te pega e te
bate com palmatória na mão. Nas duas mãos até chegar 12 vezes, se não for
tão grave o teu caso, são necessários só 6 vezes na mão, meia dúzia. Uma vez
quando eu apanhei dessa palmatória de 12 vezes, então minha mão ficou roxa
aqui no meio. Dos dois lados ficaram roxa. Não conseguia segurar com as mãos,
assim mesmo ralei a mandioca com a minha mãe com grande sofrimento, era
com ralador, não era com motor como é hoje, assim do mesmo jeito trabalhei
com minhas mãos, minhas mãos doíam. Quase que me deu febre! Acho que
cheguei a ter febre. Era assim que nós estudávamos naquele tempo. Assim
faziam com a gente. Assim que a escola era. Tempo que o chefe era Dêjam, ele
mesmo Djalma, como era chamado.” Maria Jovelina recorda a dor que ficou em 24
suas mãos, que apesar de roxas e doloridas, tiveram que ajudar a mãe a ralar
mandioca, pois eram nestas condições que “estudávamos naquele tempo [...] do
chefe Dêjam”.

Desde a chegada do SPI na região de Oiapoque, mas também de Getúlio Vargas


ao poder, um dos principais elementos de ação da proteção tutelar entre os
povos indígenas de norte a sul no país, foi a implementação da educação
escolar, ou, a construção de escolas entre os “índios” como forma de promover
a “civilização” e “nacionalização”. A atuação da escola ocorreu no Posto Uaçá
como também no Posto Luiz Horta, conforme é possível acompanhar nos
documentos do SPI. Embora presente no Posto Luiz Horta, o número de
estudantes na escola nunca foi expressivo, uma vez que a própria densidade
indígena atendida pela agência neste Posto nunca chegou a ultrapassar mais de
trinta ou quarenta Emerenhon ou Waiano. No Posto Uaçá a escola surgiu da
ação promovida na década de 1930 pelo interventor do Pará no Amapá, Cel.
Magalhães Barata, com a criação de duas unidades, uma na Aldeia Santa Maria
ou Kumarumã, e outra na Aldeia Espírito Santo para atender aos povos do Curipi.
A “recepção das escolas” entre os povos do Uaçá não foi homogênea e, inclusive
estas escolas contribuíram para promover um reordenamento das aldeias
indígenas do Uaçá, conforme explica Tassinari (2001a). Dessa forma, uma das
estratégias de atuação entre os povos indígenas do Oiapoque foi promover
paulatinamente o fortalecimento da escola entre os “índios” como subterfúgio
civilizacional.

Considerando as narrativas de Maria Dorica e de Maria Jovelina, poderíamos


nos perguntar porque a escola conseguiu se tornar uma estratégia bem sucedida
de atuação do indigenismo se ela deixou recordações adversas. Contudo, é
importante entendermos que a escola é o lugar onde se ensina a ler e a escrever,
espaço para o domínio de outros processos de comunicação e interrelação. No
passado regional, a escola promoveu a concentração dos povos indígenas nas
principais aldeias. A aldeia Kumarumã paulatinamente se constituiu em um lugar
estruturado, com posto de saúde, duas escolas (municipal e estadual), igrejas
evangélicas e católica e uma organização capaz de atender considerável
densidade demográfica, tornando-se ao longo do século XX a maior de todas as
aldeias existentes entre os povos indígenas de Oiapoque, com cerca de mais de
duas mil pessoas residindo na ilha. Atualmente, os mun uaçá estão promovendo
um reordenamento territorial, descentralizando-se, abrindo novas aldeias e
construindo novas residências às suas famílias ao longo do rio Uaçá. Algumas
aldeias estão implantando escolas com professores indígenas, graduados no
Magistério Indígena e na Universidade Federal do Amapá para atender a
especificidades da educação escolar do povo. Implantar uma escola tornou-se
ação para o fortalecimento da comunidade, instrumento de luta política das
sociedades. Talvez seja pertinente considerarmos que para os povos indígenas
de Oiapoque a escola transformou-se em um lugar de resistência cultural,
política e territorial. Esses são alguns dos elementos de historicidade que
compartilhamos neste trabalho e que merecem aprofundamento temático em
outros espaços oportunos.
25
Referências biográficas

Dra. Carina Santos de Almeida, professora da Universidade Federal do Amapá


(UNIFAP).

Cleisy Narciso Silva, estudante do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena


da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Carina S. de.; OLIVEIRA, Leonia R.; OLIVEIRA, Lilia R.. “No tempo
do SPI”: proteção e indianidade entre os povos indígenas de Oiapoque. Tellus,
Campo Grande, MS, ano 19, n. 38, jan./abr. 2019, p. 79-102.

BARROS, Elisssandra. Fala parente! A covid-19 chegou entre nós. Macapá: Ed.
UNIFAP, 2021.

TASSINARI. Antonella I. M.. Da civilização à tradição: os projetos de escola entre


os índios do Uaçá. In: SILVA, Aracy l. da; FERREIRA, Mariana (Org.).
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola. São Paulo:
Global, 2001a. p.157 – 195.
EXPERIÊNCIAS EM ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA
NOS CURSOS DE FORMAÇÃO PARA PROFESSORES
INDÍGENAS
Meire Adriana da Silva 26

Este texto apresenta um resumo das experiências da autora do presente artigo


em cursos de formação de professores indígenas entre 2000 e 2015, e tem como
objetivo refletir sobre a prática docente como professora de história indígena
nesses cursos. Parte das experiências contidas aqui fazem parte do artigo
“Experiências em Educação e História Indígena: do Mato Grosso do Sul ao
Amapá”, publicado em 2019. Porém, a construção do atual texto, apesar de
resumida, proporcionou-me rever algumas questões do artigo citado.

Entre outros autores, o interesse de historiadores pela história indígena e a


necessidade de revisão da história do Brasil, a partir de novos estudos sobre as
histórias indígenas, é presente nas análises de Monteiro (1995), Almeida (2010;
2012) e Almeida & Oliveira (2016). Uma outra questão posta por esses
estudiosos são as necessárias e propícias relações e diálogos entre
historiadores e antropólogos para essa revisão da história. Observo que esse
diálogo tem sido realizado também no campo da educação há vários anos. Como
exemplo, destaca-se a publicação História, Antropologia e Educação, em 2001.

Nesse sentido, tendo como base uma formação calcada nessas áreas de
conhecimento, e o envolvimento da autora com formação de professores
indígenas, paralelamente às suas especializações em História e Ciência Sociais,
com pesquisas entre os Povos Indígenas do MS (Mato Grosso do Sul) e AP
(Amapá) e norte do Pará, parte de suas experiências serão apresentadas. Com
esse intento, segue inicialmente um breve relato de parte da trajetória
profissional da autora desde sua graduação no curso de Licenciatura em História
até a atuação junto a alunos de Magistério Indígena e Licenciaturas Indígenas
dos povos Guarani e Kaiowá, e dos povos Galibi Marworno, Galibi do Oiapoque,
Palikur, Wajãpi, Karipuna, Wayana, Apalai, Katxuyana e Tiriyó. Posteriormente,
a autora relata alguns dos desafios no ensino de história indígena.

Da trajetória profissional e acadêmica às experiências com formação de


professores indígenas

Em 1999, conclui a Licenciatura em História na Universidade Federal do Mato


Grosso do Sul, atual UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
Naquele período, ainda era comum ao conjunto das universidades brasileiras o
pouco interesse pelo estudo da história indígena – e esse desinteresse ainda era
maior por pesquisas referentes à Educação Escolar Indígena.

Logo que finalizei a graduação, entre 2000 e 2003, coordenei a parte


administrativa do curso de formação de professores indígenas (curso normal em
nível médio para formação de professores Guarani e Kaiowá) – Projeto Ará Verá.
Atuei também nesse mesmo projeto como professora de 2003 a 2008.
Assessorei a implementação da Licenciatura Intercultural da UFGD em 2005 e,
entre 2007 e 2008, fui professora contratada desse curso. Em 2008, tornei-me
professora da Licenciatura Indígena da Unifap (Universidade Federal do Amapá)
que atende às etnias Galibi Marworno, Galibi Kalinã, Palikur, Karipuna, Apalai,
Wayana, Tiriyó, Katxuana e Wajãpi, na qual permaneci até 2012. Após esse 27
período, passei a fazer parte do curso de História da mesma instituição/Campus
Marco Zero, ministrando disciplinas voltadas a temas referentes aos Povos
Indígenas.

Na Licenciatura Intercultural Indígena da UFGD, atuei de forma breve como


professora em algumas áreas de conhecimento, entre elas: História,
Organização Social e Território. Já no curso de Licenciatura Indígena da Unifap,
entre outras, ministrei as disciplinas de Povos Indígenas no Amapá e norte do
Pará e Povos Indígenas no Brasil.

Houve muitas dificuldades durante essas experiências. Algumas delas se


assemelham às relatadas por Melo (2013) ao contextualizar as licenciaturas
indígenas de forma geral: “muitas são as dificuldades em comum entre os
diversos cursos de Licenciaturas Interculturais Indígenas: os entraves
burocráticos e administrativos os quais estão submetidos às instituições; a
necessidade da abertura de fato das instituições à diversidade, assim como a
ruptura de paradigmas hegemônicos na construção do saber científico” (MELO,
2013, p. 135). Para além desses desafios, que ocorreram no interior das
Universidades e nas relações entre os cursos e as Secretarias Estaduais ou
Municipais de Educação com os cursos de formação de professores indígenas,
houve também desafios pedagógicos.

Na minha primeira ida ao Território Indígena Uaçá no Amapá em 2008, estive na


aldeia Kumarumã, dos Galibi Marworno. Meus encantamentos por essas novas
paisagens abundantes em rios e recursos naturais faziam com que eu
inevitavelmente comparasse-as com a degradação do ambiente de parte das
aldeias Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, devido ao confinamento ao
qual esse povo fora exposto. As experiências com formação de professores
indígenas no MS haviam me proporcionado muitos desafios, mas também
conhecimentos sobre os Guarani Kaiowá e sobre a Educação Escolar Indígena
de forma geral. Porém, no AP eu estava diante um contexto bastante diverso do
que eu conhecia até o presente momento. Desse modo, paralelamente aos
encantamentos e comparações, havia o medo dos novos desafios em continuar
aprendendo a ser professora.

Minha primeira experiência em sala de aula na Licenciatura Indígena da Unifap


foi em 2009. Naquele momento, tentei invocar modos de ensinar e de aprender
que eu havia adquirido com a convivência com alguns professores do Projeto
Ará Verá e com os alunos. Entre eles, o saber ouvir, falar devagar e repetir
sempre que necessário, pois o curso da Unifap atendia e atende uma grande
diversidade de povos indígenas que possuem semelhanças, mas também
muitas diferenças, entre elas, as línguas indígenas.

Um dos textos que utilizei como referência para essa primeira aula foi “Novos e
Velhos Saberes”, de Dominique Gallois (1999). Usei a seguinte metodologia:
enquanto eles liam o texto, levantei uma série de palavras, que eu imaginava
não fazer parte do convívio de alguns alunos, e expliquei-as a partir da 28
discussão. Lembro-me de ter pedido para que falassem outras palavras que não
soubessem o significado, mas, além da difícil comunicação com parte do grupo
devido à minha fala somente em português (com o adendo de que minha
variedade linguística é a do português sul-mato-grossense, com um “r” retroflexo,
marcado), havia uma certa timidez (ou uma característica do jeito de ser), por
parte de alguns alunos em se pronunciarem diante da turma toda. Então, não
surgiram muitas palavras a partir deles e, com isso, segui com as palavras que
eu imaginava serem as necessárias para o entendimento do texto. A palavra
saberes aparecia o tempo todo no texto e era uma palavra-chave para seu
entendimento. Contudo, na minha concepção, a palavra saber ou saberes seria
do conhecimento de todos. Assim, finalizei a discussão, achando que tinha sido
muito bem sucedida. Quando eu havia finalizado a aula, um aluno Palikur foi ao
meu encontro e fez-me a seguinte pergunta: “professora, o que significa
saberes?”. Expliquei o significado da palavra e toda a minha satisfação de achar
que a primeira experiência em uma turma tão diversa tinha dado certo se esvaiu
naquele momento.

Diante dessa experiência, avaliei que eu havia dado muita ênfase à discussão
do texto a partir das palavras que eu achava que eles não sabiam o significado,
dentro da minha lógica de palavras difíceis, sem avaliar a contento a diversidade
linguística e os jeitos de ser e de falar ou não em público dos povos com os quais
eu estava em contato. No decorrer do curso, fui observando melhor esse
universo de diferentes graus de entendimento e convívio com a língua
portuguesa e tentando diminuir as minhas incompreensões e equívocos. Isso
porque os procedimentos usados, já citados anteriormente, como ouvir e repetir
informações sempre que possível é preciso, nem sempre davam certo com
povos que haviam tido um contato com a língua portuguesa de forma mais
intensa em períodos recentes. Passei, então, quando possível, a buscar um
diálogo de modo individual com alguns alunos que durante as aulas se
mantinham quietos.

Porém, apesar das tentativas de amenizar o impacto do meu não domínio das
línguas indígenas, esse desafio sempre foi constante. Indagava-me sobre como
eu iria entendê-los e como me faria entender diante da diversidade linguística e
das formas de pensamento em português e nas línguas indígenas, em especial
junto àqueles em que a presença da língua indígena era intensa.

Esse fator da diversidade, entre elas, as relacionadas às línguas e às histórias,


ao mesmo tempo em que apresentava desafios, como o de fazer com que eu
tentasse contextualizar e entender cada realidade, propiciava trocas de variados
conhecimentos entre os alunos, relativas às histórias, cosmologias e línguas de
cada grupo.

As minhas dificuldades linguísticas e o fato de a língua oficial dos cursos em


questão ser o português, tanto para exposições de aulas, como para escrita dos
trabalhos, foi um outro problema, principalmente em relação à elaboração de
trabalhos. Tal entrave decorre do fato de que é sabido que há diferenças quanto 29
às formas de pensamento e de escrita quando se é falante de uma outra língua.
Entre os Guarani e Kaiowá, eu já havia sentido essas dificuldades. Nesse
ínterim, Melo (2013) apresenta algumas reflexões sobre as formas de
pensamento e as relações entre a língua guarani e o português: “em minha
atuação como orientadora dos trabalhos nas aldeias indígenas, aprendi um
pouco mais sobre os processos da aquisição de conhecimento, assim como
sobre o difícil processo de “tradução” desses conhecimentos para a escrita em
português. Em uma orientação na aldeia guarani de Biguaçu, estávamos
conversando sobre os enunciados das questões do trabalho. A primeira etapa
do diálogo reside no esforço de cada acadêmico guarani de traduzir o seu
pensamento para a fala em português. Posteriormente, este pensamento –
expresso pela fala – sofre uma dupla tradução ao ser escrito no papel, em
português. A escrita não exige apenas conhecimento letrado, mas uma
adequação a uma construção de significados, que na maioria das vezes perde
sentido ao ser escrito, tornando-se apenas um conteúdo, muito distinto da fala –
associado ao nhe´e guarani – palavra, alma guarani, traduzida como: palavra
que sai de dentro e transmite sentimento. O pensamento guarani é constituído
por uma episteme regida por um protocolo diferente da predominante no
pensamento “ocidental” (MELO, 2013, p. 142).

Um dos momentos em que senti muitas dificuldades de comunicação e de


interpretação, tendo em vista as diferenças de línguas, foi durante as orientações
dos trabalhos de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). No decorrer da
orientação do aluno Aikyry Wajãpi, era notório que ele pensava em Wajãpi e que
tinha que escrever em português, o que fazia com que o texto dele fosse de difícil
entendimento para mim e, certamente, minhas orientações também eram de
difícil entendimento para ele.

Para além ou concomitantemente às angústias e dificuldades quanto às línguas


indígenas na minha atuação na formação de professores indígenas, outras
inquietudes iam surgindo, entre elas, a reflexão sobre se estávamos ou não no
rumo certo em relação às ênfases e conteúdos ministrados no curso. Nascimento
e Vieira (2011) problematizam essas angústias por parte de educadores
indígenas e não indígenas: “porém, os idealizadores dos projetos alternativos
(professores – índios e assessores) têm consciência de que se, por um lado, a
escola colonizadora promove uma educação inadequada para as populações
indígenas – por fomentar uma educação para a mudança, para a ruptura com
sua tradição – por outro lado, não se pode negar, na atualidade, a necessidade
da escola nas aldeias. O desafio era, e ainda é: que outra escola deveria/deve
servir ao índio e qual a sua função? Ou seja: que proposta político pedagógica
deve nortear o currículo das escolas indígenas?” (NASCIMENTO; VIEIRA, 2011,
p. 4-5).

O fato de o ensino de história indígena nas licenciaturas indígenas ser algo novo
na atuação para muitos profissionais de História proporciona reflexões quanto à
escolha dos conteúdos. Muitos dos projetos dos cursos de Licenciaturas
Indígenas foram feitos com a participação dos alunos e de lideranças indígenas, 30
no entanto, apesar dessa salutar participação, a complexidade de se pensar
quais rumos pedagógicos deveriam ser tomados era e é algo complexo, que
requer, inclusive, uma constante presença indígena na continuidade do
desenvolvimento das propostas pedagógicas desses cursos, bem como um
melhor diálogo entre Universidades e Secretarias Estaduais ou Municipais de
Educação. Para além do fato de os movimentos indígenas e indigenistas terem
pressionado as universidades para a abertura desses cursos, parece-me que
essa presença indígena (não somente dos alunos) de forma mais holística e
contínua na avaliação e no desenvolvimento dos cursos foi incipiente na fase
inicial desses.

Compreendo que, no conjunto das propostas pedagógicas dos cursos de


Licenciaturas Indígenas, há ou deve haver questões semelhantes quanto aos
seus eixos principais, por exemplo, a necessidade da manutenção ou de
recuperação de territórios. No entanto, as especificidades – considerando o
público-alvo – também devem ser levadas em consideração. Durante minha
atuação na Licenciatura Indígena da Unifap, tive como eixo norteador a questão
da manutenção do território e da qualidade de vida. Em vários momentos,
durante as aulas, eu comparava os eixos metodológicos das Licenciaturas
Indígenas da UFGD e da Unifap, tendo em mente a realidade dos Guarani e dos
Kaiowá e dos Povos Indígenas do AP e norte do PA. Uma das reflexões
enfatizadas era o fato de que alguns dos costumes vividos de maneira intensa
por esses últimos povos, como caça e pesca (apesar de também consumirem
produtos industrializados), poderiam estar apenas no imaginário de parte de
crianças, adolescentes e mesmo de adultos Guarani e Kaiowá, devido ao já
citado confinamento histórico entre eles.

Todavia, avaliando a minha atuação na Licenciatura Indígena da Unifap,


considero que, durante um determinado período, eu enfatizei, talvez em
demasia, os chamados conteúdos de história indígena em detrimento de outros
conteúdos de História. Acredito que a ênfase na temática indígena era
necessária no contexto da formação de professores indígenas, mas, no afã de
desconstrução de uma história, que vitimou, romantizou e excluiu os povos
indígenas da historiografia, o contexto geral dos temas tratados por mim,
principalmente na Licenciatura Indígena da Unifap, pode ter sido limitado à
história indígena. Algumas vezes cheguei a refletir sobre como falar de história
do Brasil sem falar de história indígena, ou sobre como falar de história indígena
sem falar de história do Brasil, no entanto, avalio que essa reflexão não tenha
gerado mudanças pedagógicas a contento no período citado.
Desse modo, após essa fase inicial de aprendizado e de reflexões, passei a ter
como referencial o que Almeida e Oliveira (2016, p. 14) têm nos orientado:
“conectar as novas histórias indígenas com as histórias regionais, com a história
colonial e com a história do Brasil é essencial para repensar o ensino da história,
tão importante para desconstruir ideias preconceituosas e estereotipadas sobre
os índios no Brasil”. Essas reflexões contribuíram e contribuem para a mudança
de postura durante ações esporádicas ao ministrar disciplinas na Licenciatura 31
Indígena quando convidada e na função como professora do curso de História.

Algumas considerações

Entre outras motivações que me fizeram relatar essas experiências, uma delas
foi o fato de acreditar que essas reflexões possam de alguma forma contribuir
para o aperfeiçoamento de nosso processo de aprendizagem e de construção
do conhecimento no ensino de história indígena, em cursos de formação de
professores indígenas e não indígenas. Também penso que possam contribuir
para a desconstrução do pré-conceito ainda presente em nossa sociedade em
relação aos povos indígenas, como exemplificado na sequência. Em
determinada ocasião, um aluno de licenciatura não indígena da Unifap me
perguntou se eu não tinha medo de dar aula na aldeia e de ficar lá (as primeiras
etapas da Licenciatura Indígena ocorreram na aldeia). Infelizmente esse
imaginário ainda está muito presente entre muitos setores de nossa sociedade,
e cabe a nós, professores não indígenas e indígenas, discutirmos e refletirmos
com nossos pares e com os alunos estratégias pedagógicas do ensino de
história indígena fora dos territórios indígenas, para que esses exemplos não se
repitam.

Por fim, considero que o aprender ser professora com alunos e professores
Guarani e Kaiowá, Galibi Marworno, Galibi do Oiapoque, Palikur, Wajãpi,
Karipuna, Wayana e Apalai, Katxuyana e Tiriyó não me tornou uma pessoa sem
estranhamentos com o novo, com o diferente, mas, certamente, esses
estranhamentos me fizeram uma pessoa melhor no sentido de compreender e
de respeitar a diversidade indígena existente, principalmente no sul do Mato
Grosso do Sul, no Amapá e norte do Pará, e de buscar melhores estratégias
pedagógicas que contribuam com um repensar a história do Brasil a partir dos
estudos da história indígena e do ensino de história indígena.

Referências biográficas

Dra. Meire Adriana da Silva, professora da Universidade Federal do Amapá –


Curso de História/Campus Marco Zero.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. História e antropologia. In: CARDOSO,


Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2012. p. 151-168.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de
Janeiro: FGV, 2010.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; OLIVEIRA, João Pacheco de. Prefácio.
In: Souza, Fábio Feltrin de; Wittmann, Luisa Tombini (Org.). O Protagonismo
indígena na história /Tubarão, SC: Copiart; [Erechim, RS]: UFFS, 2016, p. 7-14.
FERREIRA, Mariana Kawall Leal; SILVA, Aracy Lopes da (orgs). Antropologia,
História e Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001. 32

GALLOIS, Dominique T. Novos e velhos saberes. IN: Cadernos da TV Escola:


Índios no Brasil 2. Brasília, MEC, 1999.

MELO, Clarissa Rocha de. A experiência no curso de Licenciatura Intercultural


Indígena do Sul da Mata Atlântica. Século XXI, Revista de Ciências Sociais,
Santa Maria, v. 3, n. 1,
p. 120-148, jan./jun. 2013.

MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA,


Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Orgs.). A temática indígena
na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília, DF:
MEC/MARI/UNESCO, 1995.
p. 221-237.

NASCIMENTO, Adir Casaro &VIEIRA, Carlos Magno Naglis. A escola indígena


Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: experiência emancipatória de
educação indígena. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São
Paulo. Julho, 2011.

PPC. Projeto pedagógico do curso de Licenciatura Intercultural Indígena – Teko


Arandu. UFGD. Dourados-MS, 2012.

PPC. Projeto pedagógico do curso de Licenciatura Plena em Educação Escolar


Indígena. UNIFAP. Macapá-AP, 2005.
Comunicações

33
DO MITO DO “BOM SELVAGEM” AO DO “ÍNDIO
SUSTENTÁVEL”: O MULTICULTURALISMO NO
DISCURSO JORNALÍSTICO
Álvaro Ribeiro Regiani 34

Introdução

No presente ensaio, analisou-se um artigo de opinião da “O Mito do bom


selvagem” (1990) da professora e ensaísta Maria José de Queiroz publicado no
jornal O Estado de São Paulo sobre as representações da “bondade natural” e
da “natureza ecológica” dos povos indígenas. O artigo é exemplar, pois reflete a
defesa de posições frente às mudanças da opinião pública nacional e
internacional sobre a ecologia e os direitos dos povos indígenas. A importância
da contextualização deste artigo demonstra como noções e conceitos do
multiculturalismo foram empregados em torno de discursividades e práticas
racistas.

Na imprensa mais alinhada ao conservadorismo, a universalização do


racionalismo transformou os valores da cultura europeia como um único padrão
de referência para a representação de “outras” culturas. Por conta desse olhar
enviesado sobre o outro, foi que se cristalizou classificações sobre indivíduos e
culturas por meio de referências temporais e espaciais eurocentradas. Foi
comum classificações de povos indígenas circunscritas no território brasileiro
como estando na “idade da pedra” ainda em reportagens e propagandas no
Brasil contemporâneo.

De forma análoga ao que Silvia Rivera Cusicanqui analisou sobre a substituição


do termo “índio” por “camponês”, visou-se interpretar como a reificação da
imagem do “índio sustentável” foi constituída nas folhas do jornal e assim
perceber como as “palavras foram usadas para encobrir a realização em vez de
designá-lo, o que permitiu ignorar e apagar do debate público, das ciências
sociais e da imprensa, a persistência do problema colonial e do racismo”
(RIVERA CUSICANQUI, 2015, p. 89).

Neste sentido, a reencenação e a reutilização cotidiana do racismo contra os


povos indígenas afeta negativamente a forma como estes vivem, mas também
a constituição de sentidos históricos dos não-indígenas. Como bem indicaram
Tânia Mara Pedroso Müller e Paulo Antônio Barbosa Ferreira: “As ideologias
construídas ao longo da história legitimadoras do racismo estão expressas nas
linguagens, que em atos comunicativos estão atravessadas por discursos.
Portanto, não se pode ser neutro ou isento” (MÜLLER; FERREIRA, 2018, p. 5.
Grifos nossos).
Neste sentido, o objetivo deste ensaio é analisar criticamente a circularidade das
ideias e o contexto de produção de narrativas em torno do multiculturalismo e do
racismo por meio do artigo de Maria José de Queiroz.

Do mito do “bom selvagem” ao do “bom ecologista”

Escrito em 13 de janeiro de 1990 no suplemento literário “Cultura” do jornal O 35


Estado de São Paulo pela professora e ensaísta Maria José de Queiroz, o artigo
“O Mito do bom selvagem”, criticava a “harmoniosa integração com a natureza”
dos indígenas por meio do argumento que isto seria a renovação do mito da
“bondade natural”. Como consta na publicação a “reelaboração do mito do bom
selvagem” e a associação dos modos de preservação ambiental de indígenas
estariam na “moda”. Pois, alguns literatos recuperaram a bondade natural do
“limbo a que o condenara o Ocidente civilizado” e a prova disso foi o prestígio
internacional dado ao “nosso Raoni” (QUEIROZ, 1990, p. 4).

Para Queiroz a 'harmonia' com a natureza foi uma atribuição dada aos indígenas
por alguns ativistas, ambientalistas e jornalistas, exemplificada pela divulgação
da “exótica peregrinação” da liderança Caiapó Raoni Metuktire em companhia
do cantor Sting pela Europa. O ativismo de Raoni contra a política ambiental
brasileira atraiu a atenção internacional, mas também a desconfiança de grupos
de interesse nacionais. Segundo a ensaísta, “Raoni tem despertado tanto ou
maior admiração que os seus antepassados em visita ao rei Charles IX [Carlos
IX] (1550-1574), em Ruão [ou Rouen na França], em 1562” (QUEIROZ, 1990, p.
4).

Ao elaborar um paralelo da viagem de Raoni com os eventos do século XVI, a


autora objetivou revelar os verdadeiros interesses da ‘peregrinação’ e do
“resgate” da bondade natural por meio de um uso político-ideológico do passado.
Na segunda metade do século XVI, como explicou José Alexandrino de Souza
Filho, o projeto imperialista francês nas Américas constitui-se ideologicamente
em oposição à colonização luso-espanhola, por meio da estratégia da “política
de aproximação”. Os objetivos foram criar parcerias comerciais com os
ameríndios e, posteriormente, torná-los súditos de um “rei humanitário e
esclarecido”. O êxito desse modelo de colonização ocorreria por meio da
“evangelização dos nativos, da introdução da agricultura e do desenvolvimento
da sociedade civil” (SOUZA FILHO, 2008, p. 223).

De forma diferente ao que os ibéricos fizeram, mas similar em seus fins, o mito
do bom selvagem foi uma figuração que beneficiou o projeto colonial francês.
Quando o filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1582) escreveu seus
“Ensaios” (1580), já havia na cidade de Rouen a circulação de xilogravuras e
miniaturas que celebravam a representação do bom selvagem e a aliança entre
ameríndios e franceses. As possíveis manipulações que indígenas “brasileiros”
poderiam sofrer por “estrangeiros” exemplificam os temores de grupos de
interesse brasileiros em 1990.
Para esses grupos, às queixas de indígenas na mídia internacional para ativistas
de organizações não governamentais e missionários estrangeiros feria a
soberania nacional, sendo parte do estratagema das potências imperialistas na
apropriação dos recursos naturais. Por meio de supostas manipulações das
lideranças indígenas, suas denúncias desmoralizaram a credibilidade de grupos
de interesse privado e da ação governamental para resolver esses conflitos.
Conforme explicou Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno: 36

“As ameaças internacionais que pesavam sobre a Amazônia, com base em


estereótipos tais como o pulmão da humanidade, patrimônio da humanidade,
reserva ecológica e outros, difundidos por Organizações Não-Governamentais e
ordens religiosas que arrancavam pronunciamentos de chefes de Estado das
grandes potências” (CERVO; BUENO, 2002, p. 465).

Mesmo com os impasses formados pelas denúncias dos povos indígenas e de


ativistas nas mídias internacionais, o impacto no Brasil foi minimizado. Na
cobertura feita pelo jornalismo brasileiro, foi comum reportagens que valorizaram
a engenharia social e de como os conflitos coloniais foram superados com a
formação da identidade nacional. Algumas matérias legitimaram a violência e o
racismo contra os povos indígenas por meio de narrativas que defendiam a
colonização ibérica como a melhor possível.

No artigo “O Mito do bom selvagem”, o projeto colonial francês teria sido


“retocado no século XVIII” por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e François
René de Chateaubriand (1768-1848) para ser apresentado à “Europa
romântica”. Mas, embora a “imagem nobre e altiva” do indígena tenha
influenciado temas e escritas de J. Fenimore Cooper (1789-1851), José de
Alencar (1829-1877), Gonçalves Dias (1823-1864), León Mera (1832-1894) e
Juan Zorrilla de San Martin (1855-1931) a “realidade descrita” dos “índios”
“continuariam à margem da sociedade cristã, piedosamente empenhada na
salvação de sua alma” (QUEIROZ, 1990, p. 4).

Mesmo sem comentar os aspectos da ilusão indianista em sua substituição do


passado escravista por uma alegoria de pureza “indígena” em terras americanas,
Maria José de Queiroz optou por valorizar o iberismo como um sentido histórico.
Para a ensaísta, houve um “momento único” da colonização ibérica “instado pelo
clamor de Las Casas e de outros religiosos, [que] dispôs-se o poderoso
imperador [Carlos V da Espanha] a interromper a Conquista até que decidisse
sua legitimidade” e “houve quem o visse inclinado a deixar o Peru aos peruanos”
(QUEIROZ, 1990, p. 4).

Entre 1550-1551, na cidade espanhola de Valladolid, foi realizado um tribunal de


doutos católicos em torno da “alma” ameríndia e da “guerra justa”. Carlos V
(1550-1558) ordenou à Domingo Soto (1494-1560), Melchor Cano (1509-1560),
Bartolomé de Miranda (1503-1557) e Bernardino de Arévalo (1492-1533) darem
fim na “verdadeira guerra civil” entre “aqueles que consideravam justas as
guerras contra os índios e aqueles que a eles se opunham com tenacidade”,
conforme descrito no artigo do Estadão. De um lado havia o dominicano
Bartolomeu de Las Casas (1484-1566) que defendia a existência da alma e
intercedeu pelo fim da invasão através da conversão pacífica dos indígenas à
cristandade. Do outro, o jurista Juan de Sepúlveda (1494-1573) argumentou que
a “bestialidade” dos “índios” justificava a guerra e a colonização espanhola. Mas,
segundo a ensaísta, neste suposto interregno da invasão pela deliberação
racional sobre a “guerra justa”, não contou com a presença do vitorioso da
querela de Valladolid: Francisco de Vitória (1483-1546) (QUEIROZ, 1990, p. 4). 37

Francisco de Vitória havia morrido antes das sessões em Valladolid, quando


escreveu Relecciones de Indis (1539), ele tratou de indicar que “os espanhóis
tem direito de percorrer aquelas províncias e de permanecer ali, sem que
possam ser proibidos pelos bárbaros [indígenas], mas sem dano algum deles”
porque “a Igreja pode libertar todos os servos cristãos que servem aos infiéis”. E
foi enfático sobre a natureza dos indígenas: “Deve notar-se que, sendo os ditos
bárbaros por natureza medrosos, e muitas vezes imbecis e néscios, mesmo
quando os espanhóis querem dissipar seu temor e assegurá-los de suas
intenções pacíficas” (VITÓRIA, 1992, pp. 501-508).

Ainda em seus argumentos, Francisco de Vitória reduzia a capacidade racional


dos povos ameríndios à condição de “dementes”, “crianças”, “idiotas”, “feras” e
“bestas”, por fim concluía que era impossível estes se governarem. Mesmo com
essas impressões negativas, o jus inter gentes (“direitos das gentes”) serviu
como princípio para o direito internacional e foi utilizado para tutelar povos
indígenas tal qual Vitória entendia “ser entregue ao governo dos mais
inteligentes” (VITÒRIA, 1992, p.510).

A subalternização dos indígenas por meio do direito internacional moderno e da


tutela espanhola por meio da suposta universalidade racional serviram,
sobretudo, para suavizar os horrores da invasão e estabelecer uma narrativa de
que após o tribunal em Valladolid todos saíram ganhando com a colonização. A
exaltação de Francisco de Vitória feita por Maria José de Queiroz indicava para
a existência de um encontro, mutuamente, benéfico, pois o espanhol "questionou
o direito da Espanha (e do seu Imperador) ao domínio da América” (QUEIROZ,
1990, p. 4)

Entretanto, nos argumentos de Queiroz não houve uma interpretação crítica


sobre qual condição jurídica os ameríndios foram submetidos e, principalmente,
se eles realmente precisavam de um tribunal para definir a existência de sua
alma ou da legitimidade de seu governo.

Em certo sentido, as estratégias de dominação por meio de uma suposta


racionalidade, neutra e impessoal da jus inter gentes foi historicamente aceita
por vários escritores e ensaístas sem uma crítica aos efeitos dessa
discursividade. Foi comum em narrativas que dialogavam com o
multiculturalismo descrever a existência de conflitos entre povos “nativos” e
“exógenos” para uma síntese histórica no qual as diferenças tornaram-se algo
do passado.
Na matéria feita para o Estadão, havia uma linha multicultural na interpretação
histórica. Na estrutura textual, ocorreu uma denúncia contra o “genocídio, a
escravidão, o álcool e a fome”. Mas, por fim, foi feita uma síntese desse embate
para justificar um suposto avanço na história: A “fabulosa e muito heróica
empresa civilizatória do Novo Mundo” (QUEIROZ, 1990, p. 4).

Uma crítica pertinente a essa forma de analisar a história é a ausência das 38


resistências e da falta de abordar a complexidade das culturas dos povos
indígenas. Transparece que os embates foram narrados como algo inerente às
diferenças culturais e que estas demonstravam a superioridade e a inferioridade
dos envolvidos. Em síntese, ocorreu a neutralização dos efeitos político-sociais
da ocidentalização para justificar que a colonização foi o único caminho possível.
Por isso, foi lançada a suspeita sobre a versão ecológica da bondade natural:

“Consultem-se, para comprová-lo, o ensaio Des Cannibales, de Montaigne, e o


recente noticiário da imprensa. Os livros sobre os índios, seu habitat e seus
costumes tornaram-se best sellers. Multiplicam-se filmes e videocassetes cujo
principal interesse consiste em divulgar-lhes a harmoniosa integração com a
natureza. E tudo leva a crer que assistimos, neste fim de século, à reelaboração
do mito do bom selvagem. O que nos afastará, uma vez mais, da consideração
dos verdadeiros problemas do nosso aborígine e da sua sobrevivência na era da
eletrônica” (QUEIROZ, 1990, p. 4).

Na convergência do passado colonial com a ‘era eletrônica’ transpareceu que o


sentido dado pela colonização foi um imperativo moral, tanto para a
‘sobrevivência’ dos indígenas quanto para o “triunfo” do racionalismo. Na
argumentação final de Queiroz contra as representações da bondade natural e
da ‘integração com a natureza’ foi feita uma crítica ao livro do escritor franco-
mauritano Jean-Marie Gustave Le Clézio, “Le Rêve mexicain ou la pensée
interrompue” (1988). Para ela, havia a mesma denúncia de Las Casas na
interrupção do sonho mexicano pela conquista: “A força mágica: aurelada de
mistério, que a bárbarie ocidental não procurou entender nem respeitar”
(QUEIROZ, 1990, p. 4).

Entretanto, no argumento de Maria José de Queiroz relacionado à defesa do


modelo ibérico de legalidade jurídica ao invés do “bom selvagem” francês ou da
‘magia’ indígena impedia uma “nostalgia”, um “remorso da vilania” e “o
sentimento da perda irreparável” comum nos escritos de Las Casas e Le Clézio.
E ironizava: “Não seria de desejar que nós, brasileiros, Sting à parte,
tomássemos boa nota dessa reflexão?” (QUEIROZ, 1990, p. 4).

Por meio de assertivas a ensaísta, continuou a explanar sobre a importância do


racionalismo “à míngua do esplendor das culturas maias, astecas e incas, o
nosso índio”. Ela ainda explicou que “na sua mais absoluta inocência” inspirou
Morus, Erasmo, Rabelais, Montaigne e Luis Molina sobre a verdadeira, “bondade
natural”. Bem como, que esta bondade foi transformada em doutrina filosófica-
teológica por Molina para pensar os temas da moralidade e da liberdade
“humana” (QUEIROZ, 1990, p. 4).
No artigo, ela ainda explicou que o molinismo foi o "precursor das ciências
sociais” através da “independência das ciências do homem em face da teologia
que define o espírito moderno”. Assim, o sentido da colonização ibérica fez do
“índio” em sua “inocência” um modelo para inspirar os homens das letras
europeias a criarem uma “nova idade”. Pois, o indígena brasileiro “diferente da
visão mágica dos astecas, maias e incas” que defendia Las Casas e Le Clézio, 39
permitiu aos europeus superarem o encantamento do mundo pelo racionalismo
(QUEIROZ, 1990, p. 4).

O sentido dialético descrito nas entrelinhas, pelo qual através de conflitos algo
positivo surgiria, condicionam mais um uso multicultural na análise histórica.
Quando a autora escreveu o “nosso” passado, incorporou também os passados
indígenas, mas indicou apenas a existência de um único protagonismo, a do
Ocidente-europeu. Nesta perspectiva, as narrativas históricas fundamentaram-
se na ilusão da universalidade e da racionalidade, pois partem “sempre” do
mesmo parâmetro técnico-científico, filosófico e espacial, a Europa.

A filosofia da história decorrente dessa compreensão definia “um todo na


história” como um “singular-coletivo” (RICOUER, 2007, p. 321). Assim, a
totalidade das realidades e modos distintos de vida dos povos indígenas
tornaram-se um apêndice no projeto e na narrativa europeia. Deste modo, a
exaltação da colonização ibérica como parte desta filosofia da história
transformou os horrores da invasão em discursos neutros a serem incorporados
na narrativa histórica sul-americana, a exemplo o tribunal de Valladolid,
considerado um “interregno” na invasão ou o artigo publicado no Estadão.

Conclusão

Ao analisar de forma crítica o artigo de Maria José de Queiroz procurou-se fugir


à “húbris do ponto zero” que o filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez
discute. De forma a entender que não há neutralidade nos discursos, bem como
que a noção de universalidade deve ser repensada para compreensões plurais
sobre as relações de ser, saber e poder, e assim superar discursividades que
pressupõem hierarquias entre culturas.

Considerou-se que o artigo do Estadão foi um claro exemplo dos sentidos


empregados pelo multiculturalismo para a reificação das identidades coletivas e
pela definição de tensões por meio da racialização. Entretanto, as diversas
memórias coletivas não são iguais ao sentido moral pretendido na matéria
jornalística. Mesmo que a ideia da bondade natural do indígena tivesse permitido
reflexões sobre a utopia, a liberdade humana e a formação das ciências sociais,
não foi mencionado qualquer saber ou prática indígena sobre a elaboração
desses conceitos.

A descrição feita no texto de Maria José de Queiroz demonstrou apenas a


centralidade do pensamento europeu em seu “contato” com outras culturas.
Assim, as narrativas de poder foram, novamente, disfarçadas para subalternizar
os povos indígenas, dando a ilusão que existia apenas a forma europeia de
narrar, de saber e de conhecer. O sistema-mundo capitalista condicionou a
colonização à uma temporalidade, assim a modernidade e a colonialidade são
constituições simultâneas que visam a apropriação dos territórios e dos povos
pelos saberes. No Encontro Nacional de Pajés em 1987, transcrita pelo
historiador Victor Leonardi, Raoni Metuktire disse o avesso da escrita de Maria
José de Queiroz: 40

“Quem nasceu primeiro aqui no Brasil não foi branco, foi índio. Avô de índio
nasceu primeiro, no Brasil inteiro. Chegou português, chegou briga, começou
matar. Essa coisa para mim não é alegre. Branco roubar terra, procurar madeira,
procurar outro. Eu não aceito mais, eu não aceito. (...) O governador branco tem
que respeitar mais meu povo. Nós não são bicho-do-mato. Minha terra Xingu eu
não quero garimpeiro entra, fazendeiro entra. Se entrar e Funai não fizer nada,
eu mesmo prendo. (...) Eu nunca fala mal do branco, do Sarney, do governador,
então por que branco fala mal do índio? Coitado meu povo, está morrendo. (...)
Eu não quero, eu não deixa branco entrar minha terra. Vocês têm que saber
cultura do índio. A polícia não respeita mais meu povo. Essa é minha
preocupação. Meu povo tá apertado. Não quero mais branco invadir nossa terra.
Não quero mais mais matar branco” (LEONARDI, 2016, pp. 352-353).

A narrativa de Raoni não foi uma descrição cronológica, mas uma evocação da
ancestralidade para a vivência e resistência socioecológica. Como indivíduo,
Raoni, foi construído numa determinada cosmovisão e mantém os padrões
dessa sociedade, por isso, em sua história, a vivência e a resistência não dão
lugar para o singular em sua separação do “homem” da “sociedade” e da
“natureza” do “ser”, esse seria o ‘saber’ de sua cultura, uma contraposição ao
individualismo e o ao racionalismo. Como efeito da colonização e da
colonialidade, estas dicotomias tornaram-se um modo de vida que, infelizmente,
ameaça a vida de todos no planeta e até agora as soluções encontradas nesta
lógica não apresentam-se como promissoras.

Longe de ser um processo de mera associação feita por ativistas e naturalistas,


ou mesmo, terem sido originária de uma classificação europeia de “bondade”. A
consciência ecológica presente nos modos de vida indígenas é, como bem
ilustrou Davi Kopenawa, uma interação: “Somos habitantes da floresta.
Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos” (KOPENAWA, 2015, p. 16).

Referências biográficas:

Me. Álvaro Ribeiro Regiani, professor de História das Américas na Universidade


Estadual de Goiás - Campus Nordeste.

Referências bibliográficas:

CERVO, Amado Luiz: BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil.


Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
KOPENAWA, Davi: ALBERT, Bruce. A queda do céu: Palavras de um xamã
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Castro — 1a ed. — São Paulo : Companhia das Letras, 2015.

LEONARDI, Victor Paes de Barros. Entre árvores e esquecimentos: a


modernidade e os povos indígenas no Brasil. História social dos sertões. 2. ed.
Ed. Universidade de Brasília / Paralelo 15, 2016. 41

MÜLLER, T. M. P., & FERREIRA, P. A. B. A. A decolonialidade como emergência


epistemológica para o ensino de história. Arquivos Analíticos de Políticas
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QUEIROZ, Maria José de. O mito do bom selvagem. O Estado de São Paulo,
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RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução Alain


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RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Sociología de la imagen: Ensayos. Ciudad


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SOUZA FILHO, José Alexandrino de. A “Festa Brasileira” ou o Teatro do “Bom


Selvagem”: um estudo sobre o papel do índio brasileiro na entrada de Henrique
II em Rouen em 1550. Revista Morus Utopia e Renascimento. Campinas, SP,
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VITÓRIA, Francismo. “Releitura” sobre os títulos legítimos pelos quais os índios


podiam ser sujeitos ao poder dos espanhóis. In. SUESS, Paulo (Org.). A
conquista espiritual da América espanhola. 200 documentos - século XVI.
Tradução de José de Sá Porto e Jaime Agostinho Clasen. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 1992.
MEMORIA Y PENSAMIENTO HISTÓRICO SITUADO:
UNA APUESTA INTERCULTURAL POR LAS
COMUNIDADES INDÍGENAS EN BOGOTÁ, COLOMBIA
Ángela M Márquez Silva e Fabián Andrés Llano 42

“Nosotros, PIUREK- hijos e hijas del agua, del sueño, la palabra y el arco iris, de
los que no pudiste matar ni torturar nos encontramos hoy aquí, después de 485
años clamando justicia por la memoria de la resistencia y reexistencia de
nuestros Taitas Payan, Yazguen, Calambas y Petecuy y Mama Machagara, de
los miles de nativos que combatieron en las guerras Sanguinarias” … Movimiento
de autoridades Indígenas del Sur Occidente, Resolución N- 0535 de 12 de abril
de 2019

Esta declaración realizada por los pueblos Piurek de Colombia se vincula al juicio
que se le efectuó a la estatua de Sebastián de Belalcázar conocido
históricamente como conquistador del sur de Colombia. Este controversial juicio
alrededor del monumento ubicado en el morro de Tulcán puso en entredicho la
figura emblemática que representa para la historiografía tradicional colombiana,
un conquistador poseedor de todos los territorios que componen el Valle del
Puben. La pretensión de derribar el monumento no solo llamó la atención del
gobierno en cabeza del Ministerio de Cultura, sino que, además, gran parte de
la ciudadanía se volcó al apoyo de esta comunidad indígena que buscaba una
restitución simbólica de su memoria.

El resultado del juicio fue la declaración de culpabilidad de Sebastián de


Belalcázar por genocidio, tortura, despojo de tierras y cultura contra las
comunidades nativas que encontró a su llegada; por tanto, la acción de las
comunidades fue desplazarse al Morro de Tulcán y derrumbar la estatua
construida en 1936 denominada “Estatua Ecuestre de Sebastián de Belalcázar”.
El 16 de septiembre de 2020 las comunidades indígenas buscaron la reparación
simbólica de siglos de racismo, invisibilización de su cultura y la limitación al
acceso de los derechos, la legitimidad de sus identidades y a los canales de
reconocimiento patrimonial para su empoderamiento desde la lucha por la
equidad.

La problemática asociada al reconocimiento de formas de construcción de


sentidos y de regímenes visuales y enunciativos alrededor de lo indígena,
requiere ser analizada desde un pensamiento histórico situado. Esta afirmación
parte de poder tomar distancia sobre las matrices culturales que vinculan y
reducen estas construcciones a la dicotomía primitivo/civilizado. La experiencia
indígena bajo esta clasificación se ve subordinada a la palabra raza y a la
categoría racializada “indio” (Mora, 2018). Las adopciones, las transformaciones
e incluso las deformaciones de la indigenidad o como algunos autores prefieren
llamarla indianidad, no han de pensarse desde un pasado cargado de nostalgia
y melancolía, sino desde un presente que involucra a indígenas y no indígenas
en una lucha por la imposición de visiones y divisiones del mundo social.

Desde esta perspectiva es posible pensar en una propuesta política, ética y


estética sobre los modos de recordar y olvidar que no solo involucran imágenes
propias de lo indígena y procesos de resistencia y autodeterminación, sino que
pone en discusión que la interculturalidad, no es solo asunto de grupos étnicos 43
estigmatizados. Que mejor campo para proponer alternativas y discutir estas
problemáticas en la producción de modos de memoria que la escuela. Este
dispositivo que por siglos ha servido para la reproducción de las diferencias, es
el escenario propicio para comprender y aceptar la diferencia desde la
convivencia. Reconocer los mestizajes, el integrismo y la diversidad cultural
desde el desarrollo de un pensamiento histórico a propósito de representaciones
políticas y estéticas de indígenas y no indígenas es una forma de posicionar
nuevas imaginaciones sobre lo indígena. La enseñanza de la historia situada
tanto en la crisis de representación occidental y las emergencias de lo amerindio
y las ciudadanías interculturales contribuye a desestructurar esos inconscientes
culturales fortalecidos en las relaciones de gobernanza, de subjetividades, y de
conocimientos y prácticas de por lo menos cinco siglos

Problemática: memoria y pensamiento histórico situado

Los estudios sobre la memoria histórica en un país como Colombia se vinculan


con una filosofía espontánea de la historia que se afinca en la máxima de todo
pasado es tiempo sucedido e irrepetible, que solo la historia, mediante un
ejercicio virtuoso puede recrear (Serna Dimas, 2020). Una memoria expuesta a
la continuación y prolongación de lo ideológico, donde un ejemplo palpable es el
Centro de Memoria Histórica, libra sus batallas de representación en otros
escenarios culturales como la escuela. Es frecuente encontrar en los periódicos
del país noticias relacionadas con la enseñanza de los falsos positivos en la
escuela y la crítica o reflexión sobre la responsabilidad del presidente de turno
en este hecho de violencia en Colombia (Cubillos, Llano, 2021).

Sin desconocer el campo de las disciplinas escolares, ni negar los estudios sobre
la enseñanza de la historia, se advierte sobre la necesidad de vincular a la
discusión identidades subordinadas por el mismo ejercicio historiográfico. En
este sentido el presente proyecto de investigación doctoral plantea un abordaje
diferente sobre los estudios del pensamiento histórico. Si se tiene en cuenta que
algunos prejuicios racistas han sido legitimados dentro de una mitología
fundacional colombiana, es posible comprender que el espacio para la
reivindicación de la identidad indígena sea la misma escuela. Esta entrada parte
de la preocupación por comprender que la forma como se enseña la historia en
la escuela crea sesgos racistas que influyen en la construcción de barreras al
acceso a los derechos fundamentales de las comunidades indígenas y su
inclusión en la sociedad en términos de igualdad. Lo anterior es problemático en
la medida que los estándares, los currículos, los planes de estudio, las didácticas
están soportados sobre la concepción de una historia occidental que no ha
involucrado las percepciones, los sentidos y los significados del pasado, de los
recuerdos y los olvidos de las identidades indígenas.

Aunque las comunidades indígenas colombianas inician luchas por su


reconocimiento jurídico durante el siglo XX y por la recuperación y protección de
las tierras en los años 30, estas solo se concretaron en los 60, con la
promulgación de ordenamientos que otorgan a las comunidades indígenas 44
reconocimiento sobre las mismas, así como la participación en planes de
desarrollo y políticas públicas que afecten sus intereses (Roldan 1996).Con la
constitución de 1991, se define a la República de Colombia como una nación
pluriétnica y multicultural con lo cual se compromete al Estado a proteger la
diversidad, pone en movimiento a diferentes sectores del país para hacer del
artículo 7 de la Constitución una realidad.

La articulación de estos canales de participación y la pedagogía se realiza a partir


de los intentos producidos en los años 80 acerca de una renovación
epistemológica y pedagógica de la historia de Colombia, desligando esta de la
historia tradicional; del impulso propiciado por la Constitución de 1991 que
permitió la reflexión acerca del pasado y del reconocimiento de los sectores
excluidos en la enseñanza de la construcción de Colombia como nación; esto no
se ha concretado en la escuela, ni en la enseñanza de la historia de Colombia,
ni en los textos escolares.

Dentro de las propuestas de reivindicación de identidades subordinadas como


los indígenas, a pesar de que se han adelantado leyes con tal propósito, no hay
una intención desde la academia y la escuela para desarrollar cambios culturales
e incluir en el imaginario de nación a las comunidades minoritarias, por lo cual
los estudios que se encuentran al respecto son escasos. Mucho más escasos
son los estudios que relacionan el tema de la memoria y el pensamiento histórico
por ser consideradas categorías en tensión.

A continuación, se presentará una serie de estudios que permiten identificar la


omisión de parte de la academia y el sector educativo del legado indígena o la
desvaluación su importancia. En un segundo momento se indagará acerca de
nuevas propuestas pedagógicas que propenden por el desarrollo de la triada
memoria, conciencia histórica y pensamiento histórico, como el fortalecimiento
de didácticas donde las comunidades se interesan por comprender las dinámicas
sociales en términos de su entorno, propiciando diálogos de saberes entre
diferentes comunidades.

El indígena en los textos de Historia de Suecia, Colombia y Chile

El artículo “El indígena “latinoamericano” en la enseñanza: Representación de la


comunidad indígena en manuales escolares europeos y latinoamericanos”,
(Aman et al., 2010), realizado a partir de una investigación comparativa de los
discursos utilizados en libros escolares publicados en Suecia y Colombia acerca
de la enseñanza de la historia de las comunidades indígenas. Concluye que los
libros escolares en Suecia prestan poca importancia a las comunidades
indígenas latinoamericanas, no son claros en cuando al periodo en que se
desarrollan, haciendo más un ejercicio de homogenización de estas a los ojos
del lector. En este aspecto los libros de texto colombianos hacen un trabajo
mucho más riguroso especificando los periodos de auge de cada comunidad y
haciendo énfasis en que cada una representa su propio nicho cultural. En lo
religioso los libros colombianos hacen énfasis en los sacrificios humanos
realizados por los mayas y los aztecas, sin una explicación de la cosmovisión 45
que subyacía a este ritual, lo que sesga al lector a creer que estas comunidades
eran muy primitivas. Al comparar esta situación en un entorno cristiano en el que
viven los lectores actuales tanto europeos como americanos la descripción cae
en una valoración peyorativa de los acontecimientos.

Se puede reconocer que en los textos escolares se reproduce la identidad


latinoamericana construida desde el otro donde se niega la existencia de lo
indígena y del mestizo, donde el control del conocimiento y su valoración es
altamente europeo.
Indagando acerca de la implicación del sujeto indígena subordinado en la
educación, es pertinente la discusión de la tesis realizada por Rodrigo Basualdo
(2011), en relación con los significados de lo indígena en los libros de texto de
Chile. Reafirmando la hipótesis planteada con anterioridad acerca del
mantenimiento de una concepción de inferioridad del indígena que toca con el
racismo creado por los españoles y mantenido por los mestizos después de la
independencia que se extrapola hasta la actualidad.

En este sentido Basualdo (2011) inicia con la observación de la otredad,


asumiendo que el proceso de comprensión del otro corresponde a la conciencia
de sí mismo, este conocimiento en el entorno del descubrimiento y colonización
de América se presenta como la construcción de una realidad a partir de juicios
de valor de los españoles, quienes observan a los nativos americanos desde su
óptica eurocentrista. El autor identifica un eje de comprensión de la identidad
indígena, construido a partir de los relatos de los españoles conquistadores,
constituido por otros, que se va desarrollando durante la línea histórica,
reconociendo en narraciones los uso políticos, sociales, culturales y económicos
que se hacen del concepto de indígena. Objetivaciones que se van realizando a
partir de un observador con sentido de superioridad, que define conceptos como
raza, mestizaje y etnicidad.

Siguiendo los aportes Van Dijk (2003, citado por Basualdo 2011, p 99) la
concepción de racismo cimentada en lo biológico implica en el plano filosófico,
ético y político, el control sobre la vida y la muerte de una población en su relación
con la superioridad o inferioridad. En este sentido el biopoder que surge en el
siglo XIX pretende mantener el equilibro de grupos poblacionales, creando
políticas para prescindir de vidas de comunidades inferiores en pro de la mejora
de las condiciones de vida y del manteniendo del poder de las clases superiores.
Lo que constituirá una serie de creencias y representaciones sociales que
propician la aceptación de la desaparición de ciertas comunidades inferiores, así
como las prácticas que imposibilitan a estas el acceso a los mínimos necesarios
para sobrevivir y desarrollarse.
La relación del racismo con la educación y este con los textos escolares se
caracteriza por valoraciones de las comunidades indígenas como seres
inferiores, desde la perspectiva de cronistas, historiadores y antropólogos y no
desde su propia voz, así como la realización de actividades didácticas para los
estudiantes que se limitan a mantener la información que sostiene la perspectiva
racista, no permite posiciones críticas ni indagaciones que cuestionen estas 46
visiones, manteniendo la invisibilización de los indígenas y el control al acceso
de los derechos fundamentales con intención de mantenerlos en el plano de
inequidad.

Memoria y pensamiento histórico situado

La relación entre conciencia histórica, memoria y pensamiento histórico es


preponderante en la reivindicación de las comunidades indígenas en la escuela,
asumiendo que la memoria como evocación del pasado es incorporada en la
reclamación por la legitimidad de los pueblos desde una perspectiva intercultural,
donde se reconozca su cultura y autonomía en términos de equidad. En este
sentido la conciencia histórica se convierte en la comprensión que las
comunidades indígenas, los estudiantes y la población tienen de las relaciones
que se establecen entre los hechos del pasado, el presente y futuro, es por ello
que la comprensión de las implicaciones que tiene el pasado en el presente, y
el desarrollo de posibilidades para el futuro, invita a las partes a tomar conciencia
de la importancia de las decisiones con el propósito de mantener o trasformar
las circunstancias actuales. Es necesario que las comunidades indígenas
aporten a la discusión marcos sociales para la compresión y critica, con la
intención de transformar el dialogo en posibilidad de una construcción incluyente
de la historia de la nación.

La relación entre memoria, conciencia histórica y pensamiento histórico, en el


plano pedagógico, entiende como los dos primeros conceptos hacen parte del
tercero, siguiendo a (Santisteban Fernández, 2010), pensar históricamente
implica comprender los hechos en su temporalidad, es cuando el sujeto adquiere
conciencia histórica y para ello requiere de unas capacidades de representación
histórica consistentes en la narración de los hechos y el razonamiento de las
causas y consecuencias. De capacidades de imaginación que desarrollan
sentimientos políticos como la empatía y el fortalecimiento del pensamiento
crítico-creativo. Por último, la interpretación de fuentes donde podemos ubicar la
memoria propicia la contrastación de relatos escritos y orales, reconociendo que
la construcción de la historia está unida a subjetividades e interés del poder.

Las nuevas propuestas pedagógicas propenden por el desarrollo de didácticas


situadas donde las comunidades se interesan por comprender las dinámicas
sociales de su entorno, propiciando diálogos de saberes entre diferentes
colectividades. En este sentido es importante resaltar que la minorización de las
comunidades, influye en los individuos poniendo en duda sus prácticas sociales,
formas de expresión y formas de comprender el mundo. Los saberes son
descalificados y renombrados como saberes locales, excluidos o colonizados;
saberes que no se encuentran en el mismo nivel que los científicos. Sin embargo,
la validez del saber no se encuentra en su “rigurosidad” sino en el poder que lo
detenta, por lo cual se puede argumentar que los saberes aborígenes se
construyen a partir del contexto en el que se vive, recolectando prácticas que
han sido realizadas en el transcurso de la historia de la comunidad, por lo que el
Inter culturismo propone una escuela en la que se involucren los saberes
comunitarios y científicos, fomentando un dialogo de saberes que otorguen a los 47
estudiantes un conocimiento en contexto y un empoderamiento a partir de la
decolonialidad del saber y el poder.

Los autores del artículo “Narrar lo diverso y lo controversial: la enseñanza de la


historia y su pertinencia para la construcción de paz en Colombia” (Cubillos,
Llanos 2021) plantean la relevancia de asumir la enseñanza de la historia
incluyendo diferentes versiones, evitando dominios epistémicos, replanteando
conocimientos y posturas e incluyendo perspectivas excluidas y olvidadas. Por
lo que se debe revisar diferentes problematizaciones de los fenómenos,
identificar y evidenciar representaciones del pasado, reconociendo
singularidades perdidas en la generalidad de la historia oficial. Esto fortalece el
pensamiento histórico que relaciona lo pasado con lo presente. Propiciando la
capacidad de análisis de cada sujeto, desarrollando la imaginación y la
capacidad de praxis frente al entorno y las oportunidades del futuro. Lo que
permitirá a los sujetos convertirse en seres autónomos desde el conocimiento,
críticos frente al sentido de la historia, axiológicos en sus decisiones y creativos,
capaces de utilizar y crear diálogos y resistencias.

Es válido construir criterios de pensamiento histórico, desvinculando la historia


de su existencia como ciencia positivista. Por lo cual se deben incluir matrices
socioculturales y lenguajes que permitan las voces marginadas. Propiciando la
emergencia de identidades subordinadas y el develamiento del abuso. En
conclusión, es necesario construir un currículo incluyente que reconozca la
diferencia, resistiendo las posiciones dominantes en la historia y la importancia
del patrimonio cultural, la construcción de identidades locales, la transmisión de
los saberes ancestrales y los recursos simbólicos.

En relación con la legitimidad de la historia, que ya no se legitima por si sola, es


pertinente evidenciar diferentes posiciones sobre el pasado. Esto requiere entrar
a discutir la relación conflictiva entre historia y memoria en la cual se identifican
diferentes interpretaciones que entran en tensión, que se comprenden como la
lucha de la memoria contra la imposición histórica creada a través de intereses
vinculados.
Concluyendo la historia se puede reconocer como un campo de disputa entre la
historia hegemónica, y las diferentes representaciones sobre la identidad, que
buscan incluirse dentro de una historia legitima que es la que se debería enseñar
y que va a cuestionar unos sentidos de legitimidad de la formación de país, pero
que también entraran a desarrollar otras formas de historia más incluyente.

Tomando para el dialogo el trabajo realizado por Carla Peck (Peck & Seixas,
n.d.) para la construir nuevas comprensiones del conocimiento de la historia, la
enseñanza aprendizaje de esta, así como de las herramientas de evaluación de
las habilidades del pensamiento histórico. Considerando la pregunta realizada
por el investigador del departamento de política económica Richard Rothstein,
¿Estamos listos para evaluar los desempeños en historia? (Peck & Seixas, n.d.),
cuestionamiento apropiado en un país como Canadá, donde la educación ha
sido un campo de batalla acerca de los propósitos y enfoques de la educación
de la historia. En este caso como en Colombia la educación se encuentra 48
marcada por las narrativas de héroes y villanos, así como dentro de una
trayectoria lineal desde la conquista hasta la actualidad.

Resumiendo, investigaciones realizadas por Cubillos, Llanos (20019) y Peck


(2008) parten de una perspectiva epistemológica pedagógica del pensamiento
histórico que reemplaza la enseñanza tradicional memorística y repetitiva, por
una basada en el desarrollo de habilidades de pensamiento que permita utilizar
el conocimiento del pasado para interpretar, criticar y transformar el presente.
Peck (2008) propone una construcción curricular con relación a cada comunidad,
lo que en el caso de Colombia permitiría co-construir con comunidades desde la
perspectiva intercultural, propiciando la confluencia de saberes ancestrales y
científicos en la escuela.

Referencias biográficas

Ángela María Márquez Silva


Estudiante del Doctorado en Estudios Sociales- Universidad Distrital Francisco
José de Caldas. Historiadora Universidad del Valle y Magister en educación de
la Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá

Fabián Andrés Llano


Doctor en Ciencias Humanas del Patrimonio y la Cultura Universidad de Girona
(España) Magister en Investigación social interdisciplinaria de la Universidad
Distrital Francisco José de Caldas, Licenciado en Ciencias Sociales de la misma
Universidad. En la actualidad se desempeña como docente investigador de la
Universitaria Uniagustiniana y docente del Doctorado en Estudios Sociales-
Universidad Distrital Francisco José de Caldas, en la línea de investigación,
memoria, experiencia y creencia. ID 0000-0003-2181-3476. También es
investigador adscrito del Instituto Catalán de Patrimonio Cultural ICRPCU

Referência bibliografíca
49
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Afrontar los pasados controversiales y traumáticos, aproximaciones desde la
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Fanon: ¿teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser? Tabula
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nacional y violencia en la cuenca media del río Magdalena, Colombia. Bogotá:
UD Universidad Distrital Francisco José de Caldas.
Movimiento de autoridades Indígenas del Sur Occidente, Resolución N- 0535
de 12 de abril de 2019 Juicio, condena y hoy por fin ejecución de sentencia a
Sebastián de Belalcázar – Pueblos en Camino

50
"DECIFRANDO A HISTÓRIA A PARTIR DE
MANUSCRITOS”: OFICINAS DE HISTÓRIA DO PIAUÍ
NA EDUCAÇÃO BÁSICA – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Antônia Natália de Sousa Arrais 51

O presente trabalho realiza uma análise e discussão acerca da experiência


obtida no Projeto de Extensão - Decifrando a história a partir de manuscritos:
leitura, interpretação e escrita da história do Piauí colonial, que capacita futuros
professores historiadores na compreensão e transcrição de documentos
paleográficos voltados a História do Piauí. No percurso do projeto fizemos a
análise de cartas e ofícios do Arquivo do Conselho Ultramarino referentes à
Capitania do Piauí e realizamos oficinas nas escolas com documentos que
tratam sobre o contato dos portugueses com os grupos étnicos nativos
moradores da Capitania do Piauí. O objetivo deste trabalho é relatar a
experiência obtida na realização de oficinas na educação básica, evidenciando
a contribuição obtida tanto para acadêmicos como para os alunos do ensino
básico, visto que foi proporcionado através de oficinas didáticas a utilização de
fontes históricas e problematização das mesmas neste ambiente, favorecendo
assim de forma inovadora o processo de aprendizagem desses alunos no que
diz respeito a História do Piauí. Como aporte teórico e metodológico utilizamos
os autores Circe Maria Bittencourt (2004); Selva Guimarães (2012); Jaime Pinsky
e Carla Bassanezi Pinsky (2016); Ana Stella Negreiros (2007) Maria Regina
Celestino de Almeida (2012); Rafael Chambouleyron e Vanice Siqueira de Melo
(2013); Vicente Eudes Lemos Alves (2003). Estes contribuíram para a
construção da discussão aqui empreendida no que se refere a pesquisa
historiográfica e o ensino de história. Os resultados obtidos foram satisfatórios,
evidenciando a necessidade de um ensino de história crítico na educação básica.
Durante a execução do projeto, os alunos mostraram-se animados e curiosos ao
analisar os documentos, dessa forma, através da oficina houve o alargamento
de horizontes no conhecimento acerca da História do Piauí.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise e discussão acerca da
experiência obtida na realização de oficinas educativas proposta pelo Projeto de
extensão: Decifrando a história a partir de manuscritos: leitura, interpretação e
escrita da história do Piauí colonial.

Sabe que a utilização de fontes históricas em sala de aula por professores da


educação básica ainda é bastante restrita, especialmente na problematização
dos “conteúdos”. Cientes deste cenário, o projeto ora mencionado procurou
fomentar o uso de documentos históricos em sala de aula a partir da oferta de
oficinas sobre a História do Piauí Colonial. De modo que tornem a documentação
acessível e leve-as para alunos da educação básica, contribuindo
progressivamente no processo de aprendizagem na disciplina de história,
possibilitando um contato do documento histórico com o alunado. A temática
escolhida para o desenvolvimento das atividades foi a História Indígena.

Após a análise de alguns materiais didáticos do ensino fundamental e médio,


constatou-se uma perceptível “marginalização” das populações étnicas nativas,
posto que estas na maioria dos casos estão inclusas a história de forma
pejorativa, partindo de um viés eurocêntrico de que esses grupos são apenas a 52
parte vítima do processo colonizador, apagando uma memória e uma parte
importante da História do Brasil.

Para além disso, o trabalho aqui empreendido buscou através de uma


documentação pouco utilizada e até desconhecida no âmbito da educação
básica, questionar estes alunos sobre o processo de colonização e dominação
da Capitania do Piauí a partir dos conflitos existentes entre o homem branco e o
nativo, tendo como objetivo principal neste trabalho elucidar as possibilidades de
discussão a respeito destas temáticas no ensino de história e geografia na
educação básica, haja vista a discussão sobre o espaço territorial.

A partir da análise da fonte histórica trabalhada na aplicação da oficina,


buscamos problematizá-la através de um estudo bibliográfico sobre os nativos
dos sertões, evidenciando uma interpretação que dê visibilidade a resistência
indígena na educação básica, em virtude da carência de discussões, nesta etapa
educacional, sobre os nativos enquanto protagonistas da história nos livros
didáticos.

A execução do Projeto através da aplicação de oficinas com os documentos que


tratam sobre os nativos na Capitania do Piauí torna-o inovador e de extrema
necessidade para a construção do saber histórico voltado ao entendimento do
Piauí enquanto colônia, posto que, a história nativa está concentrada apenas em
privilegiar o estudo voltado aos grupos que estavam no litoral brasileiro, em
detrimento dos espaços do sertão.

Como aporte teórico para análise e discussão da historiografia do Piauí Colonial,


foram utilizados textos de autores pesquisadores na temática Ana Stella
Negreiros (2007); Maria Regina Celestino de Almeida (2012); Rafael
Chambouleyron e Vanice Siqueira de Melo (2013); Vicente Eudes Lemos Alves
(2003), assim como, os autores Circe Maria Bittencourt (2004); Selva Guimarães
(2012); Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2016), que trabalham
problematizando os desafios que os professores percorrem no ensino de
história.

Metodologia

No percurso do projeto realizamos a transcrição e análise de cartas e ofícios que


fazem parte da coletânea do Arquivo Histórico Ultramarino, no que diz respeito
ao Piauí Colonial, concomitante a leituras historiográficas. No processo de
efetivação da oficina nas escolas foram selecionados documentos específicos
que tratam sobre o contato dos portugueses com os grupos étnicos nativos,
moradores da Capitania do Piauí. Dentre os documentos trabalhados, um
requerimento do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho Aguiar, ao rei,
relatando uma guerra contra o “gentio” em Parnágua.
53
Dessa forma, tivemos como proposta temática para a aplicação da oficina a
representação que os conquistadores almejavam construir sobre os povos
nativos. Durante as oficinas problematizamos essa representação nas cartas e
os conflitos de terras existentes naquele período, descritos pelo mestre de
campo Bernardo de Carvalho Aguiar. Ademais procuramos também debater a
homogeneização presente na classificação nativa em “tupi” e “tapuia”. Diante
disso, ressaltamos a importância de debates como estes na sala de aula,
instigando os alunos do ensino básico a questionar a construção de um discurso
falacioso e imagens que contribuem na retirada do papel da população nativa
enquanto sujeitos históricos e protagonistas da História do Brasil.

O processo de elaboração da oficina didática consistiu na organização de um


plano de aula, separação documental e estudo de aporte teórico voltado a
temática. A oficina foi desenvolvida em quatro turmas diferentes, em nível
fundamental e médio, em escolas da rede pública. Uma oficina ministrada na
Escola Normal Oficial de Picos em duas turmas de segundo ano e outra oficina
em duas turmas de oitavo ano na Unidade Escolar Francisco Suassuna de Melo,
na cidade de Pio IX, com um público externo de aproximadamente 150 alunos e
professores da educação básica em unidades educacionais inseridas em
contextos socioeconômicos de baixa renda.

Resultados e discussões

Através da participação no Projeto de Extensão “Decifrando a história a partir de


manuscritos: leitura, interpretação e escrita da história do Piauí colonial” foi
possível ampliar os horizontes do conhecimento no que diz respeito a
historiografia luso-brasileira do Piauí Colonial, a partir da transcrição e
compreensão das cartas e ofícios, como também das leituras recomendadas
pelo professor coordenador do projeto.

Dessa maneira, durante a leitura dos documentos simultaneamente as leituras


dos textos voltados ao Piauí Colonial, foi possível perceber a vasta riqueza que
tínhamos no território com a criação de gado, esta que foi uma das mais
importantes atividades econômicas e principal desencadeadora da povoação no
território dos sertões durante o período colonial, como discute o geógrafo Vicente
Eudes Lemos Alves (2003).

Uma das cartas utilizadas para construção do material didático foi escrita pelo
mestre de campo Bernardo de Carvalho Aguiar, ao Rei D. João V, que relatava
as guerras e o extermínio contra os grupos étnicos nativos. A partir da análise
dessa carta construímos uma discussão acerca da ocupação e formação do
território do Piauí, ressaltando como este processo de expansão foi genocida, o
perigo que os grupos chamados por “gentio bárbaro” traziam para os
colonizadores, visto que eram populações que resistiam ao processo de
conquista, causando conflitos mais intensos tanto para as autoridades como
para os moradores.

Posterior a análise de fontes históricas e leitura do aporte teórico foi iniciado a 54


estruturação e construção de materiais didáticos para a oficina, como já
mencionado, utilizamos algumas cartas como elemento norteador para
apresentação do projeto nas escolas. Na oficina indagamos os alunos a respeito
do entendimento sobre a história do período colonial e o que eles conheciam por
resistência nativa. Como esperado, os discentes alegaram que as informações
obtidas sobre esses povos até o momento de sua formação estavam vinculadas
apenas na relação de exploração que Portugal, enquanto Metrópole do Brasil,
instituía no período colonial aos nativos.

Nesse sentido, através da execução do projeto nas escolas do ensino básico


conseguimos oferecer uma nova possibilidade de discussão nesse ambiente
escolar. Problematizamos junto aos discentes a formação e ocupação das terras
do Piauí de modo que despertou o interesse desses alunos, pelo fato de tratar
de uma história próxima no que diz respeito ao que era o Piauí antes de estarmos
ocupando na contemporaneidade.

Diante disso, ao tratarmos da visão do conquistador presente nos documentos


do Conselho Ultramarino sobre as populações nativas de forma depreciativa,
possibilitamos uma discussão acerca de uma historiografia do tempo presente,
apresentando a relação de genocídio étnico naquele período e todo o processo
de contínua violência que esses grupos sofrem no período atual. Apresentamos
a esses alunos alguns exemplos das mais de 250 etnias existentes e das mais
de 274 línguas faladas por esses grupos, constatadas pelo censo de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), expondo culturas e
costumes e buscando desconstruir a ideia de que essas sociedades vivem
homogeneamente, como era exposto nos manuscritos e até mesmo nos livros
didáticos utilizados por professores e alunos da educação básica.

Destacamos que as oficinas proporcionaram uma ampliação dos horizontes


acerca da historiografia luso-brasileira, tanto para a graduanda que obteve uma
formação capacitada diante da experiência com ensino, pesquisa e extensão,
como para os discentes da educação básica que obtiveram um novo olhar para
a história e a geografia deste espaço, favorecendo assim de forma inovadora o
processo de aprendizagem desses alunos no que diz respeito a História do
Piauí.

Considerações finais

Diante do debate empreendido até aqui, foi possível percebermos que o projeto
atingiu os objetivos esperados, posto que, através do estudo dos documentos e
leitura da bibliografia recomendada houve a produção de material didático e
apresentação do mesmo em duas escolas nos municípios de Picos e Pio IX.
Dessa forma, com a execução da oficina foi possível contribuirmos no
conhecimento crítico do alunado fora da Universidade, tornando assim o Projeto
executado como uma interseção entre o ensino, pesquisa e extensão. Ademais,
ressaltamos que o Projeto possibilitou um estreitamento das relações entre
universidade e educação básica.
55
A oficina possibilitou trabalhar com cartas e ofícios do Conselho Ultramarino de
forma que foi viável desconstruirmos a homogeneização de grupos étnicos
nativos, havendo ainda uma análise dos processos de dualismo entre nativos
“mansos” e “bravos”, visto que as fontes históricas trazem essa problemática
partindo de um viés eurocêntrico.

A partir do manuscrito que foi trabalhado com os alunos em sala de aula,


fomentamos um debate diante do relato na carta do Mestre de Campo Bernardo
de Carvalho Aguiar acerca das guerras que eram travadas pelos europeus contra
os grupos étnicos nativos e a forma que estas populações resistiam ao processo
de colonização, desconstruindo a ideia dos indígenas enquanto vítimas e
passivas na história do período Colonial. Desse modo, possibilitamos uma
discussão sobre a importância de questionarmos acerca do perigo que é
reproduzir apenas o que encontra-se nos livros didáticos, de forma que não seja
propagada a ascensão de ideias deturpadas e mal embasadas sobre os fatos
históricos, fomentando ainda a importância e necessidade de ser trabalhada uma
história regional e local em sala de aula para que dessa forma os alunos
consigam compreender que são sujeitos ativos e protagonistas da história.

Por conseguinte, é importante ressaltar que o projeto de Extensão intitulado:


“Decifrando a história a partir de manuscritos: leitura, interpretação e escrita da
história do Piauí Colonial” coordenado pelo professor Rafael Ricarte da Silva nos
possibilitou vivenciar experiências na área da pesquisa historiográfica piauiense,
sendo possível conhecer e se familiarizar com os documentos do arquivo do
Conselho Ultramarino, com as cartas de sesmarias, cartas estas que falavam
sobre como acontecia a apropriação territorial, sobre as guerras que aconteciam
com o homem branco e a população nativa, evidenciando todo genocídio nativo,
possibilitando uma desconstrução de toda a escrita desses documentos.

Durante a minha participação no projeto desde o ano de 2019 posso afirmar que
apesar das dificuldades enfrentadas, este foi um projeto de extrema importância
para a minha formação, ao ler e analisar os textos orientados pelo professor
coordenador tive um interesse ainda maior pela temática de história indígena fui
me aprofundando e tendo cada vez mais interesse pela questão trabalhada, e
me permitindo também desconstruir discursos sobre a inferiorização
historiográfica da população nativa, como também percebendo o grande perigo
da reprodução de uma história única, sobre os estereótipos e invisibilidade que
ofertamos a essa parte importante da historiografia que por ventura é chamada
de “minorias”, uma história que ainda parte do Colonialismo, em uma visão
eurocêntrica e errônea, esta que ainda é reproduzida na contemporaneidade,
inclusive no ensino de história, e como há esse abismo entre conhecimento
produzido na academia e na sociedade, é que se faz necessária a efetivação de
projetos como esses.

Referências biográficas

ARRAIS, Antônia Natália de Sousa, estudante do curso de Licenciatura Plena


em História pela Universidade Federal do Piauí, campus Senador Helvídio 56
Nunes de Barros.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


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PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa e
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ALVES, Vicente Eudes Lemos. As bases históricas da formação territorial


piauiense. Geosul, Florianópolis, v. 18, n.36, p 55-76, jul./dez. 2003.

Fonte

REQUERIMENTO do mestre-de-campo do Piauí, Bernardo de Carvalho Aguiar,


ao rei [D. João V], solicitando anulação da nota inscrita no seu assento, que lhe
dá baixa do soldo, correspondente à guerra contra o gentio em Parnágua. AHU-
Piauí-ACL-CU-018, Cx.1.D.41.
CAPRICHOSO E GARANTIDO NA SALA DE AULA: USO
DE TOADAS NAS AULAS DE HISTÓRIA DA AMÉRICA
AMERÍNDIA
Bruno Miranda Braga 57

Os bois de Parintins e a arte de Amazoniar

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN


desde de novembro de 2018 (Livro de Registro das Celebrações, processo nº
01450.006348/2009-11) como bem cultural imaterial, o Complexo Cultural do Boi
Bumbá do Médio Amazonas e Parintins é considerado a “ópera amazônica” por
excelência. Criação do imaginário regional, o folguedo popular é permeado por
danças, músicas e narrativas cênicas centrada na figura do Boi, que como parte
da cena tem a língua cortada por um marido (Pai Francisco) que queria satisfazer
o desejo de sua esposa grávida (Mãe Catirina), mas o Boi é trazido à vida
novamente após uma pajelança realizada por um chefe indígena que com a
mística peculiar, o devolve a vida. Segundo o IPHAN, “Os festejos relacionados
a esse bem cultural imaterial acontecem de diferentes maneiras e de acordo com
a localidade em que são realizados, sendo praticados em distintos momentos do
ano com variações e denominações próprias na região amazônica. No Médio
Amazonas e Parintins (AM), o folguedo geralmente ocorre durante as
celebrações juninas dedicadas a Santo Antônio, São João e São Pedro. Nesses
contextos, há três principais versões da dança dramática: o Boi de Terreiro, o
Boi de Rua e o Boi de Arena. A primeira tem como tema principal a morte e a
ressureição do animal. A segunda se refere a uma variação urbana e itinerante,
que envolve os transeuntes locais. A última remete a uma modalidade de caráter
competitivo que tem lugar no espaço conhecido como Bumbódromo do Festival
Folclórico de Parintins, que ocorre anualmente na última semana de junho”
(IPHAN, informação disponível na home page do Instituto).

De fato, o centro da Festa se dá atualmente no último fim de semana de junho


na qual na Arena, o Bumbódromo se “enfrentam” Caprichoso e Garantido, os
dois “mais famosos” bois da Amazônia, numa grandiosa festa que reúne público
e amantes de diferentes nações e localidades do mundo. A defesa dos
torcedores, ou da galera como é chamada, se dá pelas cores e símbolos: os
caprichosos defendem o azul e branco e seu boi traz uma estrela cintilante na
testa. Já os contrários, os garantidos, usam o vermelho e o branco trazendo o
boi um coração em vermelho vibrante a testa.

Embora ao longo dos anos com a chegada de migrantes de diferentes


localidades do Brasil e do mundo a região do Baixo Amazonas, foram sendo
incorporados à cênica, elementos constituintes dessas culturas chegadas,
todavia, a “ênfase”, ainda é as culturas indígenas da Amazônia Legal e da
Internacional, bem como da América Ameríndia. Se trata de uma “arte de
Amazoniar”, de mostrar e celebrar a Amazônia e suas gentes, nas quais além de
uma “origem”, ou “volta ao passado”, é presente na vida cotidiana, no jeito de
ser e de fazer, na qual por meio dessa arte chega a todos quer seja pela
cenografia, quer seja pela musicalidade que se insere e chega como aliado as
aulas de história.

A música regional nas aulas de História


58
Dentre os diferentes recursos que cada vez mais compõe as aulas de história e
funcionam como recurso didáticos, as músicas se apresentam como uma das
mais eficazes pela forma como nosso interior, nossa mente reserva seu
conteúdo (letra, sonoridade, ritmo). Com seu uso, a aplicabilidade dos conteúdos
históricos acontece com amplitude entre os alunos, pois “o uso da música é
importante para situar os jovens diante e um meio de comunicação próximo de
sua vivência, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da
nova geração. [...]” (BITTENCOURT, 2009. p. 379), a referida autora propõe
ainda que a música popular tem sido a mais utilizada, “preferida” pelos
professores pois está perto, se relaciona com amplas temáticas e discussões
além de ser “a intérprete de dilemas nacionais, e veículo de utopias sociais; canta
o futebol, o amor, a dor, um cantinho e o violão” (NAPOLITANO, 2002. p. 07).

Nesse sentido, as toadas, cantam e versam sobre a Amazônia, especialmente a


Amazônia Indígena, a América Ameríndia, além do mais, os compositores
escrevem de uma forma próxima, com expressões amazônicas, e mostrando
elementos da paisagem, da arte, e da vida amazonense, isso aproxima, desperta
um sentimento de “eu conheço” nos alunos uma vez que não é um dado distante,
mas um dado presente em seu dia a dia, na casa de seus pais, avós, amigos e
etc.

Propor a linguagem musical no ensino de História sugere assim conhecimento


por meio de um recurso que motiva e gera prazer, todavia, requer um trato
metodológico denso, é importante ver e sempre destacar que música é arte e
conhecimento sociocultural, e portanto, uma experiência cotidiana da vida
humana. Para Ernest Fischer (1984, p. 207), “A experiência de um compositor
nunca é puramente musical, mas pessoal e social, isto é, condicionada pelo
período histórico em que ele vive e que o afeta de muitas maneiras” (FISCHER,
1984, p. 207). Como se pode notar, então, música e homem se identificam no
tempo e no espaço.

A aula de História apresenta-se como o momento em que o professor


proporciona aos alunos condições de apropriarem-se do conhecimento,
percorrendo os caminhos da sua construção. Desse modo, professor e aluno
reencontram-se na prática do historiador; e o aprendiz distingue-se como sujeito
da sua aprendizagem.

Amazônia herança dos incas: as toadas no conteúdo de América Indígena

O que se pode inferir é que o entendimento e a exploração mais precisos da


canção popular em sala de aula situam-se na união, na combinação indivisa da
música com a palavra. Nesse sentido, as toadas que versam sobre os povos e
a situação dos povos indígenas e diferentes momentos da história da América,
do Brasil e da Amazônia se inserem como primazia do recurso como
mostraremos a seguir. Elegemos para este texto, algumas toadas, mas pelos
anos de festival (54 edições até o momento) a diversidade de temas e temáticas
a serem abordadas com seus usos transcendem essas páginas. As que seguem,
versam como “modelos” e possibilidades de uso, o que se pode fazer com outras 59
e outros temas.

Toada A conquista, Boi Garantido


Composição: Edvaldo Machado / Inaldo Medeiros / Tony Medeiros.

Um dia chegou nessa terra um conquistador


Manchando de sangue o solo que ele pisou
Não respeitou a cultura do lugar
Nem a história desse povo milenar
Queria ouro riqueza e tesouro
Depois a terra e também escravidão
Tibiriçá, Araribóia, Ajuricaba disseram não
Um dia o índio lutou contra o branco invasor
E a guerra de bravos guerreiros então começou
Arcos e flechas contra a força do canhão
Guerra dos índios dizimou minha nação
Trouxeram cruz mais usavam arcabuz
E o ameríndio resistia à invasão
Chamaram a morte e o massacre do meu povo
Civilização
Chegou o branco, pra conquistar
Chegou o negro, pra trabalhar
Unindo raças e crenças de povos
Vindos de além mar

A toada A conquista versa sobre o processo de contato dos índios com os


europeus. Mas para além disso, a visão da narrativa foi invertida, o eu lírico é
um indígena contando os fatos; inicialmente, lemos a atrocidade do elemento
invasor, e a atroz “conquista”. Três nomes guerreiros são apresentados, Tibiriçá,
liderança indígena tupiniquim das origens de São Paulo, Araribóia, temiminós,
grupo indígena tupi que habitava o litoral brasileiro no Século XVI, e Ajuricaba,
um líder da nação indígena dos manao no início do século XVIII. Revoltou-se
contra os colonizadores portugueses, negando-se a servir como escravo,
tornando-se um símbolo de resistência e liberdade, ambos foram e continuam
sendo representações da astúcia, e do logro dos índios durante o contato. Outro
ponto que a toada apresenta é a luta e a resistência indígena, contrariando o
discurso que tudo foi “favorável e fácil” ao colonizador. Arcos e flechas contra a
força do canhão, mostra as diferenças técnicas e mensura que os indígenas
lutavam com o que tinham, eram filhos do seu tempo.

Toada Brasis Ameríndios, Boi Caprichoso


Composição: Milka Maia.

Amárica, América,
Ybyrabytanga, Arabotan
Brasis...América..
Eles já foram dezenas de milhões
No continente aguerridos, 60
A lutar contra os grilhões
Mas logo serão esquecidos.
Arcos e flechas não veremos mais
Só tapiris queimando entre os vegetais.
Ferido em princípios tribais,
O valente cacique pede paz

Esses Brasis Amarindios á,á,


Filhos da América
Civilizados ou não,
Pra que genocídio á prestação,
Se no contexto amazônico
Nós somos todos irmãos.
Somos ermamos da América
Índio mutante,
Nômade errante,
Sem pátria, sem chão
Hábeis navegadores
Verdadeiros descobridores,
Donos desse torrão.
Quando te vejo a mercê da sorte
Caminhando sem direção
Altivos! Erguei vossas cabeças!
Tupinabá!Forte valente!

Uma das toadas mais expressivas do boi Caprichoso, sem dúvidas, repleta de
poesia e termos e história por detrás. De início o eu lírico canta e chama América,
a índia América, remetendo também ao possível anagrama para Iracema como
propôs, possivelmente José de Alencar. Ibirapitanga é o nome do Pau-brasil.
Esse nome foi dado pelos colonizadores para designar as terras de Ibirapitanga
ou terras do pau-brasil. Ibirapuera, deriva de Ibirapitanga. Arcos e flechas não
vemos mais, pois diante da situação atual da questão indígenas, a queimada de
sua casa, terras, os “fragilizaram”. Tapiris são moradias em formato circular
cobertos a palhas de alguns grupos indígenas, os tapiris queimando entre os
vegetais remonta às queimadas da Amazônia. Mesmo ferido em seus princípios
étnicos, o valente cacique, que é o chefe dos grupos indígenas, pede paz! A
toada é como um todo um apelo à causa indígena que desde sempre esteve
presente na América.

Toada Eldorado, Boi Garantido


Composição: Tony Medeiros
Montanhas cobertas de ouro
Estradas do Eldorado
Sol do Inca, do reino encantado
Montanhas cobertas de ouro
Estradas do Eldorado
Sol do Inca, do reino encantado 61
Atahualpa, Imperador imortal
Valeu rios de ouro, no tempo colonial
Atahualpa, Imperador imortal
Valeu rios de ouro, no tempo colonial
Pico da Neblina, Ye'pa Oa'kêe
Parima, Pacaraima, Maturaca, Jauaretê
Pico da Neblina, Ye'pa Oa'kêe
Parima, Pacaraima, Maturaca, Jauaretê
Misterioso ritual guataviana
Do homem que virou ouro
Na era pré-colombiana
Mina de metal precioso
A história secular, está no ar
É o paradoxo sem terra
Do Eldorado Karajá
O nosso ouro é o Garantido
Nosso tesouro é o Garantido
O Eldorado, é Garantido

A toada é repleta de elementos das cosmogonias de diferentes grupos


ameríndia, a lenda ritual do EL DORADO, presente desde a América Pré-
Colombiana marcou e ainda marca diferentes imaginários de grupos indígenas
da América. Segundo os incas, haviam espalhados pela terra, “estradas, portais”
que levariam ao eldorado. Segundo as tradições e cosmogonias da Amazônia
indígena, esses portais se encontram no interior da floresta, em formas de relevo
diferenciadas. Atahualpa foi o décimo terceiro e último Sapa Inca (imperador
inca) de Tahuantinsuyu, como era chamado o Império Inca. Foi o governante de
Quito por cinco anos antes de conquistar o Império Inca de seu irmão Huáscar.
Após derrotar seu irmão, Atahualpa tornou-se muito brevemente o último Sapa
Inca (imperador soberano) do Império Inca (Tawantinsuyu) antes da conquista
espanhola, foi o imperador que contatou com os espanhóis. Pico da Neblina,
Parima, Pacaraima, são feições geográficas da Amazônia localizadas no
extremo norte do Amazonas, e no noroeste no estado de Roraima. Possuem
altitudes elevadas e seriam segundo as lendas amazônicas os “portais do
Eldorado”. A toada descreve as lendas que enriquecem a trajetória dos
espanhóis em busca de ouro no norte da América do Sul e todos os povos
"suspeitos" de esconder ouro, citando até o conto que os índios diziam, de que
um homem na Colômbia havia se transformado em ouro num ritual guataviana.
A toada faz alusão da caça ao tesouro do Velho Mundo à paradoxal ambição da
atualidade citando alguns exemplos como sangrentas lutas entre diversos atores
sociais por causa de pedras preciosas, ouro e terras, como no caso do Eldorado
dos Carajás/PA em 1996 que repercutiu no mundo todo os tristes episódios de
chacinas e mortes. A toada é uma verdadeira aula de geografia, história, filosofia,
antropologia, sociologia.

Toada Peregrino do Sol, Boi Caprichoso


Composição: Cyro Cabral
Sobre as águas 62
Viajam as tribos do templo do sol
Das montanhas
Do reino encantado do Inca chegou
Tocam as flautas do Yebá-Masá
Lindo canto andino no ar
Cahuapana, Candoa
Parima, Manôa
Yurimá
Da espada um sangue guerreiro
No solo pingou
E no vale sagrado
Da lua de prata chorou
Foram as tribos pro leste morar
A floresta é seu novo lugar
Tariano, Tukano
Baniwa, Dessana, Bará
Soam as flautas ao luar
Nossa história, chão de glórias
Que a cultura do reino dourado
Deixou neste lar
Vem condor trazendo o izí
Vem no azul do céu cantar
Amazônia, todos sonham
Natureza que os filhos do Inca
Souberam amar

A toada assim como a anterior é uma lenda amazônica da ameríndia. Ela narra
a formação da Amazônia e a composição de seus diferentes grupos étnicos a
partir de uma diáspora possivelmente ocorrida após a conquista hispânica. Os
índios da Amazônia, teriam viajado pelas águas a partir de Machu Picchu após
a derrocada de Atahualpa pela invasão. Foram as tribos pro leste morar, e se
estabeleceram na Amazônia e se tornaram filhos do Inca: Tariano, Tukano,
Baniwa, Dessana, Bará, todos grupos que ainda hoje residem na região do Alto
Rio Negro falantes da língua tukano, com exceção dos Baniwa que falam aruak.
Cahuapana, Candoa, Parima, Manôa, Yurimá são as lendárias cidades incas nas
quais corriam rios de ouro, e que no imaginário do viajante quinhentista, sua
descoberta acarretaria riquezas aos seus reinos. A incidente fala nas flautas,
alude para as conhecidas “flautas de Pã”, instrumento musical utilizado
amplamente pelas culturas andinas.

Toada Amazônia Quartenária, Boi Caprichoso


Composição: Ronaldo Barbosa

Ô, ô, paleoíndio
Eu vi chegar
Os primeiros primitivos
Andarilhos da glaciação
Errantes caçadores 63
Aos bandos predadores
Deixaram desenhos nas pedras de icá
E lascas de cerâmica aroxí
Para onde eles foram?
Restaram-me as pontas de pedras
Usadas nas lanças
Como armas de caça ou de guerra
Amazônia quaternária
Pré-histórica
Dos grandes animais

Uma letra que alude os possíveis cenários da Amazônia Antiga, a Amazônia


Paleoindígena a partir da chegada do homem “pré-histórico” a América. O título
da toada já apresenta a história da Pré-História ameríndia: Amazônia
Quaternária, remete a era geológica muito antiga na qual segundo a teoria do
Estreito de Bering os primitivos da era glacial chegaram a América. A
representação do homem pré-histórico da Ameríndia como “Errantes caçadores,
Aos bandos predadores” mostra como eram as possíveis relações naquela era.
As evidências geológicas e arqueológicas das pinturas, os petróglifos, as lascas
de cerâmica, e as lanças indicam a organização dos grupos. E o desfecho da
canção “Dos grandes animais” confere com as “teorias” de que a Amazônia
Antiga era habitada também por grandes mamutes e primatas.

Toada Vale do Javari, Boi Caprichoso


Composição Ronaldo Barbosa

Javari Ituí
Javari Curuçá
Javari Itaquaí
Bacia dos belos Matsuí
Berço bravo dos Mayoruna-Curuçá
Sina feliz dos Kulina Itaquaí
Braço forte dos Marubo Javari
Cacete de morte dos Kixitos Kaniuá á á...
Vale do Javari
Vale das madeiras
Perola á á...
Palmeiras do Javari
Dos índios arredios
Perola á á...
Nada vale como um Vale de lágrimas
Vale pela vida, pelo sangue dos Mayorunas
Pelo riso dos Matis
Pelo viço dos Kulinas
Pela arte dos Marubos
Pelo cacete dos Korubos
Pelo grito de guerra á á...
Dos Kanamarís... 64
Ê ê ê iê iê ê...
Remate dos males
Atalaia do Norte
Estirão do equador
Pelo riso dos Matis
Pelo viço dos Kulinas
Pela arte dos Marubos
Pelo cacete dos Korubos
Pelo grito de guerra á á...
Dos Kanamarís...
Ê ê ê iê iê ê...

Toada que apresenta relevante característica da recente história indígena da


Amazônia. Vale do Javari é hoje uma Terra Indígena demarcada no extremo
oeste do estado do Amazonas, sendo a maior a área com índios isolados ou de
contato recente do mundo. A toada apresenta as diferentes etnias do tronco
linguístico pano que habitam a TI: Matis Mayoruna, Marubo, Kulina e outras. Vale
do Javari Vale das madeiras. Palmeiras do Javari. Dos índios arredios, mostra
parte do contexto da exploração do lugar: Javari é o nome de uma palmeira muito
presente na região do rio e acabou denominando também o rio, os índios
arredios do Javari desde a demarcação das fronteiras Brasil-Peru em 1851,
diferentes comissões de demarcações foram “impedidas de realizar seus
trabalhos” em detrimento da resistência do “arredios do Javari”. Nada vale como
um Vale de lágrimas. Vale pela vida, pelo sangue dos Mayoruna, o mais
expressivo verso da toada é na verdade uma denúncia a exploração violenta que
constantemente se dá no Vale, ameaçando a vida e o sentido das etnias que ali
residem.

Considerações finais

Ensinar requer uma postura criativa. Ensinar história, requer uma postura criativa
e crítica dos diferentes recursos que podemos utilizar no ensino-aprendizagem.
A história indígena ainda em construção no Brasil alude para uma seara na qual
nós historiadores. O uso da música popular no ensino como apresentou Marcos
Napolitano (2002), tornou a predileta do público e isso alude que “é ela, sem
dúvida, que tem mais condições de tornar-se importante fonte de informações
históricas, de ser investigada no sentido de contribuir para maior compreensão
da produção cultural da nossa sociedade” (BITTENCOURT, 2009, p. 378).

O uso de toadas regionais dos Bois Caprichoso e Garantido assume assim o


papel de importante ferramenta didática no ensino de História da América
Ameríndia em diferentes temporalidades. Nesse sentido, como proposta de
recurso, apresentamos como e quais conteúdos algumas toadas supracitadas
podem ajudar em nossas aulas.

Referências biográficas

MSc. Bruno Miranda Braga, doutorando em História na Pontifícia Universidade 65


Católica de São Paulo – PUC/SP. Bolsista do CNPq.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2009.

Complexo Cultural do Boi Bumbá do Médio Amazonas e Parintins. Instituto do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1939

FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar; Imprensa


Nacional, Casa da Moeda, 1984.

NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música popular.


Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
CABICHUÍ: NO EPICENTRO DA GUERRA DO
PARAGUAI
Cleberson Vieira de Araújo
Introdução 66

A Guerra do Paraguai foi um importante conflito da América do Sul que envolveu


quatro países e ao mesmo tempo deu vida a uma rede de informações ao trazer
tecnologias para esse campo nunca antes vista, a comunicação estava em alta.

Nesse sentido, vários periódicos surgiram, e entre tanto alguns unicamente para
fins de informações de guerra ou mesmo encorajamento dos combatentes.

Em território paraguaio, muitos desses periódicos davam vida ao imaginário e a


sátira tipicamente guarani, ao passo que tentava informar a aqueles que estavam
na linha de frente, da forma que era possível em face às restrições de
suprimentos a exemplo de papel e tinta.

Entre esses periódicos, um dos mais aclamados foi o Cabichuí, que nesse breve
trabalho terá o seu volume um analisado com vistas a entender a sua dinâmica
e o muito que pode oferecer em termos de entendimento de um conflito tão
emblemático como a Guerra do Paraguai.

Posto isso, esse trabalho tem como objetivo geral analisar o Cabichuí nº 1 ao
passo que se confronta o seu conteúdo com o vivenciado na Guerra do Paraguai.

Esse trabalho se faz importante por levar em conta o periodismo de guerra, esse
de forma diferenciada dada o seu desfecho e papel que compunha nesse conflito
beligerante e se mostrar como uma grande oportunidade de trabalho com as
fontes, também, no contexto do ensino de história.

A metodologia utilizada é qualitativa em uma pesquisa exploratória e descritiva


que faz uso da bibliografia disponível a exemplo de Costa (2006) e Farina (2013)
bem como a análise do Cabichuí Nº 1, entre texto e imagens.

O periodismo na Guerra do Paraguai

Um país moribundo em meio a uma das maiores guerras já vistas na América


Latina, foi assim que o Paraguai passaria a produzir seu próprio e papel e tinta
para assim manter seus periódicos que tanto animavam as tropas exauridas
(FARINA, 2013).

Mas, mesmo usando largamente durante a guerra e com vários periódicos em


circulação, o Paraguai foi um dos últimos países da América do Sul a incorporar
a imprensa a seu patrimônio cultural. (FARINA, 2013).
E, nesse sentido, há varias ressalvas quanto à categorização da imprensa de
guerra paraguaia tendo em vista a parcialidade das informações ofertadas, já
que:

“[...] imprensa paraguaia de fronteira, preferencialmente, escolheu como


imagens negativas a animalização: e outra, importantíssima, a condição dos
soldados brasileiros, em sua maioria negros escravos, em comparação aos 67
soldados paraguaios, cidadãos livres” (COSTA, 2006, p. 59).

E tanto para a imprensa brasileira, quando para a paraguaia, havia a


necessidade de correspondentes de guerra que poderiam descrever, com a
máxima precisão, tudo o que se passava no campo de batalha, ou o mais perto
dele, porém esse importante personagem da informação de guerra nem sempre
é lembrado (DE PAULA, 2021).

Assim, entre dificuldades e desinformação, em meio a muitos periódicos e


informantes, nascia a imprensa de guerra no Paraguai e alimentava os jornais,
mentes e sociedades sedentas de informação independente da qualidade e da
veracidade das mesmas.

Analisando o Cabichui Nº 1

Uma guerra emblemática, como a Guerra do Paraguai, travaria ainda batalhas


literárias no campo reservado a enfrentamentos bélicos, é isso que se avizinha
ao fazer uma análise do primeiro volume do Cabichuí.

E o processo interpretativo não tardaria, desde a capa (Figura 1), das primeiras
imagens onde já se mostrava um negro sendo picado por um enxame de vespas
agressivas, as cabichuís, e os próprios correspondentes usavam como
pseudônimos os nomes de vespas perigosas. O periódico surgiu em 13 de maio
de 1867 e se manteve ate o dia 20 de agosto de 1868 com periodicidade de duas
vezes por semana em um total de 95 edições (COSTA, 2006; CAPDEVILA,
2007).
68

Figura1: Imagem de capa do Cabichuí. Fonte: Cabichuí Nº 1.

Nesse sentido, o periódico acaba ganhando notoriedade entre os pesquisadores


e curiosos pela escrita ácida, o Cabichuí começa a descrever os aliados já em
seu primeiro número como animais (como bem mostrado na Figura 2), donos de
uma grande ambição, iniquidade, crimes e comparando os brasileiros
constantemente a macacos (COSTA, 2006).

Figura 2: Soldados aliados sendo representados como animais. Fonte:


Cabichuí Nº 1

Se os textos chamavam a atenção, as imagens criavam um capítulo à parte no


imaginário de quem tinha em mãos esse periódico já que “[...] as gravuras
do Cabichuí, mais numerosas, mais engraçadas e inventivas, são extraídas do
imaginário paraguaio [...]” (CAPDEVILA, 2007, p. 14).
A produção era precária e se fazia, geralmente, no front de guerra e
praticamente sem o material necessário para sua produção, o que implicava
diretamente em improvisos para que esse pudesse existir. (CAPDEVILA, 2007).

Na verdade, segundo Costa (2006), muitos dos periódicos desse período foram
criados para fortalecer a moral dos soldados onde as publicações eram feitas em
guarani, espanhol e mesmo em português e, como propaganda, espalhadas nos 69
acampamentos, inclusive brasileiros. Repleto de imagens pesadas, esses
periódicos eram distribuídos gratuitamente entre os membros do exército
paraguaio.

Prova de seu direcionamento para os soldados brasileiros, por extensão, são as


partes em português que compunham o documento e chegava sem muitas
dificuldades, aos acampamentos aliados mesmo frente ao brutal conflito, com
“[...] as legendas das gravuras do Cabichuí são frequentemente escritas em
português. Por isso, militares brasileiros testemunharam que o Cabichuí era
deliberadamente distribuído nos acampamentos da Aliança” (CAPDEVILA, 2007,
p. 13).

Todo processo contava com a ação direta de López e toda a sua cúpula
administrativa de guerra que guiava e manipulava as informações, ao passo que
direcionavam as informações com vistas favorecer eles.

“O comandante do Paraguai, López propôs uma estética visual nos moldes


neoclássicos, mas por falta de formação, as gravuras acabavam tendo alegorias
sobre libertação, poder, pátria, com ares campesinos. Escobar e Salerno
afirmam que as gravuras do Cabichuí conectam-se ao texto com a tradição
popular, adquirindo expressão própria” (COSTA, 2006, p. 61).

Para além de tudo isso, o cotidiano de guerra também estava presente no


Cabichuí, relacionado aos dois lados do conflito, onde a imparcialidade não era
uma de suas marcas, ainda que abordasse temas diversos referidos aos
envolvidos em todo o processo. Com a crítica sempre presente, chegou a tratar
sobre o alistamento militar no Brasil, dando sempre uma versão jocosa a tal
prática e chegando a chamar esses de “escravos”, uma referência à realidade
escravista do Brasil, na época.

“A dificuldade em preencher os vazios na tropa levou o Império a libertar


escravos para lutarem no Paraguai. Por decreto baixado em 6 de novembro de
1866, os ‘escravos da nação’, do estado, que servissem no Exército em guerra
ganhavam a liberdade, enquanto que os donos que libertassem os seus, para
esse fim, eram recompensados com título de nobreza. Até mesmo o governo
imperial, desapropriou escravos pagando indenizações generosas” (COSTA,
2006, p. 56).

Já na primeira edição do Cabichuí, os seus objetivos já aparecem ao enaltecer


o soldado paraguaio ao passo que aponta os aliados como aqueles que atuam
pela lógica do canhão a destruir os povos livres.
Nesse mesmo tom, asseveram que o tranquilo e pacífico Paraguai teria sido
invadido pelos sanguinários aliados com suas escravistas legiões, já que
apontavam constantemente a questão escravista, negra, principalmente do
Brasil.

Logo, não era apenas mais um periódico, afirmavam ao se apresentarem como 70


mais um soldado com amor à pátria na guerra dos livres contra os escravos,
surgindo mais uma vez a questão escravista.

Mas, se engana quem pensa que esse seria um jornal de guerra apenas atento
aos fatos e fenômenos típicos de um conflito, e nessa direção já garante em sua
primeira página que fará brincadeiras com os acontecimentos da guerra e contra
os invasores.

Figurando em pelo menos três línguas, faz referência ao guarani ao apontar-se


como nato da língua, mas além do espanhol também tem partes escritas em
português, como já mencionado, para assim chegar ao acampamento inimigo.

Não para de fazer referências negativas aos aliados e deixa uma marca ao
referir-se ao brasileiro como macaco. Chama a “Tríplice aliança” de animal
nascida da ambição, iniquidade e crime e diz claramente que essa ficou muito
tempo escondida por vergonha.

E, para o Cabichuí a guerra teria como três grandes culpados: Pedro II, Mitre e
Flores, refere-se a Pedro II como macaco maior, todos unidos contra uma virgem
(o Paraguai).

Fala-se em um remendo de exército, por parte do império e um Imperador dos


macacos do Império do Brasil. Quando se referem a Caxias, o chamam de
capataz maior dos escravos do exército aliado.

Na edição Nº 1, expõe-se uma suposta carta do imperador de Caxias na qual


fala da cólera, poucos triunfos de guerra e como foram humilhados pelo exército
paraguaio.

Tenta apontar Mitre (líder argentino) como ex-aliado e agora destituído de chefe
do exército aliado. Fala da guerra de Curupaity como uma batalha formidável
com vitórias sucessivas para o Paraguai.

Os políticos brasileiros, são descritos como descontentes, reclamando que a


guerra não evolui e tarda em acabar, aponta o Cabichuí, que pica os
descuidados, como se definem constantemente.

Para o periódico, os brasileiros são os verdadeiros “mortais inimigos” e, com a


ajuda de Deus, destruímos quem faz uma guerra injusta. Os brasileiros são muito
frouxos e correm antes de morrer, deprecia o periódico de escrita ácida.
E termina a edição com uma música, que teria sido cantada por um soldado no
campo de batalha, onde a mesma se esforça para atacar os soldados brasileiros
os chamando de macacos. Chega a ofender Caxias e Dom Pedro com nomes
pejorativos, apenas para endossar o tom.

Assim, falando a respeito do surgimento destes diversos periódicos, o próprio


Juan Crisóstomo Centurión, oficial do Exército paraguaio que tomou parte da 71
guerra e teve participação efetiva na condição de redator e colaborador de várias
destas publicações, assim os apresentam enquanto memórias:

“El Mariscal López empleaba todos los medios á su alcance para fortalecer el
espíritu y mejorar en lo posible la moral del ejército. A este fin, á más del
Semanario, que no solo registraba en sus columnas los sucesos de la guerra,
sino que hacía una propaganda tenaz contra los aliados en el sentido de
desacreditar su causa ante la opinión, mandó fundar un periodiquín llamado El
Centinela, […] y otro llamado el Lambaré, que se redactaba en guaraní […] Estos
dos periódicos veían la luz en la capital, y se distribuían profusamente en la
campaña y en el ejército. En Paso Pucú se estableció una imprenta, y por
indicación del Mariscal se fundó un periódico satírico de caricaturas. El que
escribe estas memorias fue encargado de la dirección e redacción del mismo […]
fue aceptada a la idea mía de que fuese llamado Cabichuí” (CENTURIÓN, 1894,
p. 320-321).

Com efeito, um dos aspectos a serem somados na análise da Guerra da Tríplice


Aliança é o relevante papel que teve a imprensa a partir desses periódicos
produzidos muitas vezes no próprio campo de batalha, tanto no Paraguai quanto
nos países aliados (Brasil, Argentina e Uruguai), na construção de
representações e “realidades” múltiplas. Em alguns casos, perceber-se-á que o
sangue, o suor e as lágrimas derramados pelos contendores atrelaram-se
intrinsecamente à tinta derramada nas folhas dos jornais que passaram pelas
mãos de muitos.

Considerações Finais

Uma guerra que foi além das linhas e campos de batalha e atingiu, também, o
imaginário dos quatro povos envolvidos com uma vasta produção de notícias,
imagens e falácias em meio a um grande conflito armado.

É bem verdade que foram muitos os periódicos desse período e em todos os


países envolvidos, mas aqueles que eram produzidos no Paraguai tiveram
grande notoriedade, no momento do conflito e mesmo depois como fonte de
pesquisa para especialistas e curiosos no tema.

Dentre tantos, o Cabichuí ganharia destaque, tanto pelas dificuldades de


produção, escassez de material ou mesmo pela acidez na escrita única adaptada
para aquele momento e supervisionada pelo próprio dirigente paraguaio, López.
Tratando-se da escrita, já no Cabichuí Nº 1, que foi analisado nesse breve
trabalho, já se percebe o tom adotado, ao difamar os aliados e os compara
constantemente a animais, em especial os brasileiros que eram comparados a
macacos.

Para além das brincadeiras e deslizes éticos cometidos pelo jornal, também
ajudava a levantar o ânimo das tropas em guerra, o que servia também para que 72
esses mesmo que recebendo notícias falsas, mantivessem a esperança em uma
vitória que se avizinhava.

Portanto, com espaço para constantes críticas o Cabichuí escreveu seu nome
na história a partir de uma das maiores guerras do continente americano, a
Guerra do Paraguai, e hoje desponta como fonte de informação e análise do
campo de batalha dessa emblemática guerra e suas muitas versões e desejos
por reparação.

Referências biográficas

Dr. Cleberson Vieira de Araújo, Secretário de Educação de Nazarezinho/ PB,


Pós- Doutor em Política Educativa, Estudos Sociais e Culturais (CENID/ México).
E-mail: cleberson.historiador@gmail.com.

Referências bibliográficas

CABICHUÍ, Paso Pucú, 13 de mayo de 1867.

CAPDEVILA, Luc. O gênero da nação nas gravuras da imprensa de guerra


paraguaia: Cabichuí e El Centinela, 1867-1868.
ArtCultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 9-21, jan.-jun. 2007. Disponível em:
<http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1447/1296> Acesso
em: 19 de abril de 2021.

CENTURIÓN, Juan Crisóstomo. Memorias del coronel Juan Crisóstomo


Centurión ó sean, Reminiscencias históricas sobre la Guerra del Paraguay.
Tomo Segundo. Buenos Aires: Imprenta de Obras, 1894.

COSTA, M, A. Gravando paradigmas na memória. Revista Educação Gráfica,


Bauru, n. 10, p. 53 – 64, 2006.

DE PAULA, Edgley Pereira. A imprensa no campo de batalha: como era o


trabalho dos correspondentes na Guerra do Paraguai (Artigo). In: Café História.
Publicado em 15 mar de 2021. Disponível
em: https://www.cafehistoria.com.br/os-correspondentes-de-guerra-na-guerra-
do-paraguai/. ISSN: 2674-5917. Acesso em: 20 de abril de 2021.

FARINA, Bernardo Neri. El periodismo em la guerra. El Lector., Asunción,


2013.
ASPECTOS DO ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL:
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO “HISTÓRIA DO BRASIL
PARA EXAME DE ADMISSÃO”, DE ALFREDO TAUNAY
E ROBERTO ACCIOLI 73

Clivya da Silveira Nobre


Introdução

A História do Ensino de História como objeto de pesquisa é uma área que está
se expandindo, especialmente pelos atuais esforços de pesquisadores e
professores de História em integrar ensino e pesquisa. Desse modo, cada vez
mais o livro didático, como produto central no processo de ensino e
aprendizagem, está sendo utilizado como fonte histórica para problematização
na área do Ensino de História no Brasil. Este artigo tem como objetivo principal
compreender quais temas, sujeitos históricos e valores são enfatizados e
silenciados pelo discurso presente num material didático específico.
Materialidade, autoria, aspectos pedagógicos e historiográficos são questões
essenciais nessa análise.

Materialidade do livro didático

O livro didático selecionado para análise é “História do Brasil para o exame de


admissão”, escrito por Roberto Bandeira Accioli e Alfredo D’Escragnolle Taunay,
3ª edição, publicado pela Companhia Editora Nacional, em São Paulo, em 1961.
Trata-se de um manual voltado para a preparação para o exame de admissão
no ensino secundário. Os temas e conteúdos abordados na obra foram
escolhidos pela Congregação do Colégio Pedro II. Neste primeiro momento
serão analisados os elementos da materialidade desta obra, e as principais
caraterísticas gerais sobre ela.
74

ACCIOLI, Roberto Bandeira; TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. História do Brasil


para o Exame de Admissão. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1961. Capa do livro.

No total são cerca de 40 ilustrações, das quais mais da metade são retratos de
pessoas, entre brancos colonizadores e indígenas. Maior parte dos
colonizadores representados eram personagens históricos e têm seus nomes
citados na legenda, o que não ocorre com as ilustrações de nativos. Isso indica
um traço dos objetivos dessa narrativa histórica, que é a exaltação de figuras
políticas na construção do ideal de nação. A minoria das ilustrações tem a sua
origem apontada na legenda, o que indica utilização das figuras na perspectiva
de “janelas para o passado”.

O livro em questão tem 127 páginas. Está dividido em 20 capítulos e a maior


parte está dividido em tópicos em quantidades variadas. No geral, cada tópico
tem entre uma e quatro páginas. Os tópicos estão intitulados com as letras em
negrito, que ficam no mesmo parágrafo do texto, separados por um travessão.
As letras ao longo do corpo do texto têm tamanho padronizado, algo semelhante
à fonte tamanho 12 nos editores de texto mais comuns. A exceção são as
páginas de pré-texto, nas legendas das figuras e na sessão “Datas e
Vocabulário”. Não há perguntas nem atividades para memorização de conteúdo.
No fim do livro há um índice com datas históricas e definição de palavras menos
usuais (vocabulário), referentes a cada um dos capítulos.

A linguagem utilizada é formal, porém não tem muitos termos rebuscados. A


narrativa é factual, clara e direta, com foco em fatos de História Política, como
ações administrativas e feitos de personalidades políticas. O livro analisado está
acessível no formato digitalizado, por meio do acervo online do LEMAD. Dessa
forma, não tenho algumas informações físicas como tipo de papel utilizado, o
formato nem a impressão, assim como não encontrei dados sobre a tiragem.

Autoria da obra

A obra didática em questão foi inicialmente publicada por Alfredo D’Escragnolle


Taunay, porém as edições seguintes, com revisão e acréscimo de mais dados 75
de momentos históricos posteriores a data da 1ª edição, foram publicadas após
o falecimento do autor inicial. Roberto Bandeira Accioli foi responsável pelas
edições mais recentes como esta da obra analisada, que foi a 3ª edição. Esse
tipo de ação era comum entre os livros didáticos do Colégio Pedro II, pois eles
serviam de referência para materiais didáticos de todo Brasil, portanto, manter a
autoria e, dessa forma, a credibilidade dos textos originais, era algo valorizado
no período.

De acordo com biografia presente no site do IHGB, Alfredo D’Escragnolle Taunay


nasceu no Rio de Janeiro, em 1843, e faleceu em 1895. Além de militar, foi
intelectual ligado ao Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, o IHGB, e a
Academia Brasileira de Letras, e escreveu obras das disciplinas de História,
Geografia, e obras de ficção. Teve ampla carreira política, tendo sido senador,
deputado-geral e presidente das províncias de Santa Catarina e Paraná. Teve o
título nobiliárquico de visconde. Foi pessoalmente ligado à monarquia e ao
imperador D. Pedro II.

A partir dos dados presentes no site Memória IBGE, Roberto Bandeira Accioli
nasceu no Rio de Janeiro, em 1910, e faleceu em 1999. Com formação em
Direito, foi professor catedrático de História Geral e do Brasil no Colégio Pedro
II e diretor na mesma instituição. Ocupou cargos públicos na área de educação,
como diretor do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura,
secretário geral de Educação e Cultura da Prefeitura do antigo Distrito Federal e
membro efetivo do Conselho Federal de Educação (1962). Teve sua carreira
interrompida ao ser aposentado pelo regime militar, por meio do Ato Institucional
nº 5, em 1964.

Aspectos pedagógicos e historiográficos

A partir da análise do texto de apresentação do livro, escrito para a edição em


questão, a de 1961, é possível identificar alguns elementos dos princípios
pedagógicos que norteiam a obra. Um deles é o ideal de necessidade de
sintetizar os fatos e selecionar os personagens que contribuíram para a evolução
da história brasileira, numa perspectiva de progressão entre causas e
consequências que determinaram e explicaram o contexto brasileiro do
momento histórico da publicação. E o que se percebe quando afirma:

“Inspirou-nos, igualmente, corresponder à circunstância dos que, no ensino


supletivo, buscam a noção genérica dos nossos fatos, fixado, na sua essência,
o principal. Realizamos, parece-nos, trabalho de acordo com as exigências da
época, em que sobreleva o necessário elementar conhecimento, por parte de
todos, da evolução brasileira.” (ACCIOLI e TAUNAY, 1961, p. 11).

Outro interessante elemento que se destaca na apresentação do livro é a busca


por minimizar a quantidade de nomenclaturas e datas do corpo do texto, visando
tornar mais agradável a leitura para os estudantes e preservar certo
encantamento pela narrativa histórica. Nesse sentido, a seleção de conteúdos é 76
considerada parte importante desse objetivo, como fica perceptível a seguir:

“Relegamos a nomenclatura excessiva e o abuso cronológico, que afastam o


estudante do compreensivo encantamento propiciados pelos estudos históricos.
Escrever a história é sobretudo escolher, e assim o fizemos.” (ACCIOLI e
TAUNAY, 1961, p. 11-12).

É interessante perceber que o discurso que atribui à presença de nomes de


personagens e marcos cronológicos em excesso a causa do desinteresse dos
alunos pela disciplina de História já está presente. Isto apesar de se tratar de
uma produção publicada há quase sessenta anos, o que aponta que essa
discussão ainda presente não está restrita a atualidade.

Quanto ao uso de iconografia como recurso didático, é importante reforçar que


a obra dispõe de diversas imagens ao longo do texto, ilustrando o conteúdo
escrito. Considerando que no período de publicação desse livro o método
intuitivo já tinha sido apropriado por diversos livros didáticos, é possível
compreender a presença de imagens com mais frequência do que em obras do
século XIX. O método intuitivo parte da prerrogativa de que o processo de
ensino-aprendizagem se torna mais eficaz quando ocorre do mais concreto,
simples e próximo para o mais abstrato, complexo e distante. As imagens podem
tornar mais “concreto” o conteúdo do que está escrito, que é, nessa leitura, mais
“abstrato”.

A prevalência de retratos, sendo as imagens de homens brancos e da elite os


que mais têm o nome incluído na legenda, indica que são esses os sujeitos no
qual o leitor deve focar mais sua atenção. O segundo tipo de imagem mais
presente é a cena histórica, ilustrando o que está escrito para facilitar a
compreensão do aluno. Em sua tese de doutorado, Schlichta discute a utilização
da pintura histórica para construir e reforçar o sentimento nacionalista no Brasil
no século XIX. Ela afirma:

“Nesse sentido, nunca é demais lembrar: ante os registros históricos,


iconográficos ou não, é fundamental perguntar-se sobre os silêncios, as
ausências e os vazios, que sempre compõem o conjunto e que nem sempre são
facilmente detectáveis. De fato, na crítica interna e externa das fontes
iconográficas não aplicar esse procedimento destinando-lhes um papel de
ilustrações de fim de texto, de reles gravuras das narrativas é emprestar-lhes
uma equivocada autoridade: estatuto de prova e de verdade irrefutável.”
(SCHLICHTA, 2006, p. 251).
A análise da pesquisadora dialoga com o uso de imagens na obra de Accioli e
Taunay, pois estes poucas vezes incluem informações sobre origem e produção
das imagens nas legendas. Desse modo, utiliza a ilustração como testemunha
do passado, retrato fiel dos fatos narrados, e não como construção permeada
por intencionalidades.

Quanto ao texto principal, é possível perceber a intenção em intercalar narrativas 77


que enumeram feitos políticos, mais focados nas personagens históricas e seus
feitos (administrativos e bélicos), com uma perspectiva mais processual,
relacionando contextos em diferentes tempos e espaços por relações de causa
e consequência. As habilidades mais exigidas do aluno por meio desse recurso
didático são a leitura, compreensão e memorização do processo histórico.

De acordo com Bittencourt (2009, p. 301-302), o Estado interfere de forma mais


direta nos conteúdos de História ensinados nas escolas a partir do
estabelecimento dos critérios para avaliação dos livros didáticos. Portanto, se
percebe no discurso apresentado no livro o sistema de valores e as ideologias
que o Estado pretendia consolidar na população, afinal, especialmente naquele
período, o livro didático tinha papel fundamental na seleção de conteúdos das
aulas.

Este livro didático aqui analisado está em posição estratégica para a


compreensão desses critérios e intencionalidades do Estado quanto ao ensinar
História. Como já dito anteriormente, ele foi elaborado para preparar o aluno que
buscava fazer a seleção para entrar no Colégio Pedro II, escola cujo currículo
serviu de referência para diversas escolas brasileiras. Dessa forma é possível
ter uma noção de quais habilidades e conhecimentos eram considerados
indispensáveis para os avaliadores dessa escola.

Um desses valores ressaltados na narrativa do livro é o do estabelecimento de


um perfil de cidadão: o patriota e ordeiro. Pois, nos capítulos voltados a descrição
de combates contra estrangeiros para defender os territórios portugueses, no
período colonial, e brasileiros, no Brasil império, a violência é algo positivo, mas
ao descrever a maioria das revoltas internas e populares, exceto a Inconfidência
Mineira, as ações são apresentadas como rebeldia, e a capacidade dos lideres
políticos em sufoca-las é algo elogiado. Além disso, a bandeira e o hino são
elementos valorizados.

O conhecimento histórico presente na obra está na perspectiva de “mestra da


vida”, e é perceptível a busca por explicitar as qualidades morais e até mesmo
físicas na descrição dos personagens históricos, apesar de não esconder
possíveis críticas as seus atos. Isso demonstra a intenção de fazer desses
sujeitos exemplos a se admirar e tentar se assemelhar nas características
positivas, ou seja, fazer deles espelhos da moralidade. Ao abordar o período do
Segundo Império (1840-1889), se detendo mais especificamente na figura de D.
Pedro II, a narrativa do livro conta:
“O Imperador possuía realmente grandes qualidades: simples, acessível,
trabalhador e vigilante no trato dos assuntos públicos; tinha acentuado interêsse
pela cultura intelectual e costumava assistir constantemente concursos e
exames no Colégio Pedro II.” (ACCIOLI e TAUNAY, 1961, p.81).

É perceptível que os valores defendidos no trecho são o trabalho e a


intelectualidade. Em outro trecho, mais voltado para o fim do período imperial, a 78
narrativa destaca:

“A 17 de novembro partiu para o exílio, a bordo do "Alagoas" a família Imperial,


e nesse exílio, impôsto pelas circunstâncias do govêrno republicano, o
Imperador demonstrou seu alto patriotismo e sua inexcedível grandeza d'alma:
até o dia de sua morte, verificada em Paris a 5 de dezembro de 1891, jamais
proferiu qualquer palavra de censura ou queixa do Brasil e dos brasileiros.”
(ACCIOLI e TAUNAY, 1961, p.103).

Neste ponto, percebe-se outro elemento moral defendido no discurso: o


patriotismo, a partir do exemplo de D. Pedro II, defendendo o Brasil mesmo que
isso fosse contra seus interesses particulares e aceitando a República. Desse
modo, essa é a noção de patriotismo defendida: “pacífica” no sentido de ensinar
o cidadão a se conformar com as estruturas de poder estabelecidas, no caso a
República, mesmo que para isso ele precise sacrificar necessidades.

Esta análise dialoga com a de livros didáticos da Primeira República, nos quais
também é possível identificar o caráter formador atribuído à educação formal e,
de modo especial à disciplina de História. Ao analisar a obra didática de
Esmeralda Azevedo, Magno Santos afirma:

“Se a escola era tida como espaço de formação de novos cidadãos, os manuais
escolares passavam a exercer função correspondente à de guias na orientação
dos sentimentos da juventude. Assim, a civilização brasileira deveria emergir dos
bancos escolares, com a valorização da ordem e dos valores cívicos. Essa
atribuição era atinente a todas as disciplinas escolares. Todavia, a história
passava a exercer protagonismo na disseminação dos valores patrióticos, e isso
exigia recondicionamento do papel da história pátria.” (SANTOS, 2017, p. 206).

É possível identificar no discurso a ligação identitária com a herança portuguesa.


O ponto de partida da narrativa é o processo de expansão marítima da Europa,
mais especificamente de Portugal, e os protagonistas da história são no geral
homens brancos e da elite. São as ações desses sujeitos que prevalecem na
maior parte do texto. Há apenas um capítulo que se dedica a incluir outros grupos
na narrativa, os indígenas e os negros.

O capítulo intitulado “Os elementos formadores do povo brasileiro. A contribuição


religiosa: os jesuítas” demonstra uma perspectiva muito semelhante à de
Gilberto Freyre em sua obra “Casa Grande e Senzala”, ao colocar a identidade
do Brasil associada a união de três elementos étnicos, o branco, o negro e o
indígena, mas sempre ressaltando a presença branca e minimizando a indígena.
Ao longo do capítulo, algumas heranças culturais de indígenas e negros são
consideradas, mas, no geral, o papel desses grupos na narrativa é ser útil ao
projeto civilizador do branco. Costumes e utensílios indígenas surgem como
elementos do passado distante.

Todos os episódios posteriores a Proclamação da República se resumem a


enumeração de ações administrativas dos presidentes do país e a descrição das 79
disputas eleitorais. Ações de grupos diversos não são incluídas nessa parte do
texto. Provavelmente, isso ocorreu, pois, após a morte do Visconde de Taunay,
o outro autor, Roberto Accioli, apenas adiciona os fatos históricos posteriores
nas edições seguintes do livro.

Considerações finais

A partir dessa análise foi possível identificar alguns elementos presentes na obra,
que indicam demandas e intencionalidades do Estado brasileiro no contexto da
escrita, em relação ao ensino de História do Brasil. Uma característica
pedagógica da obra é a busca por minimizar os nomes e datas e privilegiar a
narrativa. Também é possível identificar a utilização de ilustrações para enfatizar
o conteúdo do texto escrito, na perspectiva de imagem como “janela para o
passado”. O grupo social mais destacado como protagonista dos fatos narrados
no livro é o composto por homens brancos e luso-brasileiros da elite política.

Quanto aos valores que o discurso da obra enfatiza, se destaca o patriotismo e


a conformidade com o Estado, enquanto se minimiza a resistência a ações
estatais e a atuação de outros sujeitos além da elite no processo histórico. Para
a ênfase desses valores, os autores utilizaram a narrativa sobre trajetórias
biográficas como exemplo de cidadania para as próximas gerações, ou seja, a
perspectiva de narrativa histórica como “mestra da vida”. Todos esses fatores
representam demandas não apenas educacionais, mas também políticas, ou
seja, o livro didático pode ser uma fonte rica tanto para pesquisas de História do
Ensino de História quanto para análises da área de Cultura Política.

Referência Biográfica

Clivya da Silveira Nobre é mestranda no Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGH-UFRN) e
bolsista CAPES. É graduada em História (Licenciatura) pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. 3. ed., São


Paulo: Cortez, 2009. p. 299-322.

ROMERO, Maria Helena N. As contribuições do IHGB, do Colégio Pedro II e do


livro didático na constituição da História como disciplina escolar no século XIX:
uma revisão historiográfica. Programa de Pós-graduação em História/UFSM.
Artigo para Especialização. Santa Maria, RS, 2013.

SANTOS, Magno Francisco de Jesus. “Scenas da História do Brazil”: Esmeralda


Masson de Azevedo. Revista História Hoje, v. 6, nº 12, p. 204-230, 2017.

SCHLICHTA, Consuelo Alcione Borba Duarte. A pintura histórica e a elaboração 80


de uma certidão visual para a nação no século XIX. Tese (doutorado) – Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba,
2006. p. 251-262.

SÍNTESES históricas – galeria de presidentes: Roberto Bandeira Accioli. IBGE


Memória. 2020. Disponível em: <https://memoria.ibge.gov.br/sinteses-
historicas/galeria-da-presidentes/roberto-bandeira-accioli.html>. Acesso em: 30
out. 2020.

SÓCIOS falecidos brasileiros – Alfredo D’Escragnolle Taunay. Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro. Disponível em:
<https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/adet.html> Acesso em: 30 out. 2020.
AS DEIDADES FEMININAS ASTECAS NA OBRA
HISTÓRIA GENERAL DE LAS COSAS DE NUEVA
ESPAÑA DO FREI FRANCISCANO BERNARDINO DE
SAHAGÚN NO SÉCULO XVI 81

Daniela Rigon Ratochinski e Natally Vieira Dias


Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de iniciação científica que
analisou como as deidades femininas astecas aparecem no livro Historia
General de las Cosas de la Nueva España (também conhecido como Códice
Florentino), que foi produzido pelo frei franciscano Bernardino de Sahagún a
partir de relatos coletados por seus alunos indígenas do Colégio de Santa Cruz
de Tlatelolco durante o século XVI, no contexto da “conquista espiritual” do
México.

O termo “conquista espiritual” foi cunhado na década de 1930 pelo historiador


francês Robert Ricard (2014 [1933]) para se referir ao amplo processo de
imposição da cultura ocidental sobre os indígenas. Tal processo, envolveu muito
mais do que o elemento religioso propriamente dito – com a imposição da religião
católica sobre os indígenas, que foram forçados a abandonar suas religiosidades
ancestrais – e envolveu uma busca sistemática por transformar a cultura
indígena como um todo, incluindo a aprendizagem do idioma castelhano e
abandono das línguas nativas e a imposição do modo de vida ibérico. (RICARD,
2014 [1933]; GRUZINSKI, 2003)

Esse processo ocorreu ao longo de todo o continente americano de colonização


espanhola, mas o caso do México tem sido considerado pela historiografia como
o mais emblemático por ter se iniciado ainda durante a conquista militar-
territorial, com o conquistador Hernán Cortés destruindo as imagens presentes
no Templo Maior dos astecas e substituindo-as por imagens dos santos
católicos. Essa “guerra das imagens”, como define Serge Gruzinski (2006), foi
apenas o começo de um profundo processo de tentativa de extirpação daquilo
que os espanhóis entendiam como “idolatrias” dos indígenas e sua substituição
pela religião católica.

Os primeiros missionários encarregados de catequizar os indígenas foram


enviados à região do México praticamente imediatamente após a conquista
militar, que ocorreu entre 1519 e 1521. Já em 1524, chegaram à antiga capital
asteca os primeiros franciscanos, que ficaram conhecidos como “os 12 apóstolos
do México''. Eles buscaram, inicialmente, converter a elite de sábios astecas
usando como método os colóquios, ou seja, conversas, debates a partir dos
quais buscavam convencer esses sábios de que a nova religião trazida pelos
conquistadores era superior à sua. (MORALES, 2002)
O frei Bernardino de Sahagún chegou ao México em 1529, na segunda leva de
missionários espanhóis enviados pela Coroa. Ele viveu na Nova Espanha até o
fim de sua vida, em 1590, trabalhando incansavelmente na catequização dos
indígenas. O franciscano é apontado pela historiografia como um dos
personagens mais importantes dentro do processo de “conquista espiritual” do
México. Desde que chegou à região, o frei esteve empenhado na conversão dos
indígenas ao catolicismo e entendeu que seria impossível realizar tal 82
empreendimento de forma efetiva sem conhecer a cultura asteca. Ele
encabeçou, então, o projeto de uma catequização baseada no conhecimento do
passado asteca, visando compreender elementos de sua cultura para mais
facilmente inserir a religião católica na mentalidade indígena. (LEÓN-PORTILLA,
1986, 2005; ALVIM, 2005)

Atuando no Colégio, Sahagún desenvolveu uma obra monumental sobre a


cultura asteca a partir de relatos dos estudantes indígenas. Essa obra veio a se
tornar a Historia General de las Cosas de Nueva España, composta por 12 livros
manuscritos bilíngues, contendo uma coluna em espanhol e outra em náhuatl,
língua dos astecas. A obra foi produzida entre 1547 e 1577 é considerada até
hoje uma das fontes mais importantes para o conhecimento da cultura mexica.

Nossa pesquisa buscou analisar a forma como as deidades astecas foram


apresentadas por Sahagún em Historia general... O objetivo foi entender melhor
a questão da religiosidade mexica através da forma como Sahagún escreveu a
respeito das principais deidades identificadas como femininas.

Buscamos entender como Historia general... apresenta a religiosidade asteca,


tendo em vista trata-se de um relato híbrido, “que une dois mundos distintos em
um mesmo documento.” Como explica Flora Alice L. Rodrigues (2016), a obra
foi “confeccionad[a] por diferentes mãos: desde os relatos dos informantes,
passando pelos alunos [indígenas] até a supervisão de Sahagún.”
(RODRIGUES, 2016, p. 128)
A obra foi escrita a partir de informações fornecidas pelos informantes indígenas
de Sahagún, compilados pelos também indígenas alunos do Colégio de Santa
Cruz de Tlatelolco e organizados e traduzidos pelo frei franciscano. Nesse
sentido, buscamos identificar possíveis traços dos traumas da Conquista nessa
narrativa, que inclui a voz indígena, ainda que filtrada pelas lentes do catolicismo
catequizador.

A linha teórico-metodológica seguida na pesquisa foi a da História Cultural.


Buscamos nos basear em trabalhos que procuraram entender como traços de
uma cultura podem ser identificados em fontes produzidas pelo olhar de uma
outra, como as obras de Carlo Ginzburg (2006; 1989) e Héctor Bruit (1995). Bruit
trabalhou diretamente com o contexto colonial espanhol na América e mostrou
como é possível encontrar indícios da resistência indígena à colonização,
principalmente à catequização forçada, mesmo em fontes como os textos do frei
Bartolomé de Las Casas, que procuravam enfatizar o suposto caráter passivo
dos indígenas.
No caso da obra de Sahagún, consideramos que, apesar de que o seu objetivo
era fazer parte das novas construções históricas trazidas pela colonização, isso
não a impediu de atuar também na reconstrução da história de um povo ao qual
era negada a memória de sua cultura ancestral. Isso ocorreu principalmente
pelo fato de o frei franciscano ter se baseado nos relatos dos indígenas para
produzir as suas narrativas em espanhol, sem contar a parte escrita em náhuatl
pelos próprios indígenas, visto que Historia General... era uma obra bilíngue. 83

O antropólogo mexicano León-Portilla (2018) destaca que a Historia General...


de Sahagún pode ser compreendida como a primeira enciclopédia antropológica,
desenvolvida em meio ao choque de civilizações acarretado pela Conquista. O
livro é escrito com diversos filtros, tendo em vista a censura da época. O frei
franciscano enfrentou diversas dificuldades ao buscar conhecer e dar a conhecer
sobre a sociedade asteca, num contexto em que o 2° Concílio Mexicano (1565)
buscava diminuir o poder das ordens mendicantes e o Tribunal da Santa
Inquisição, em 1577, no mesmo ano em que a obra foi finalizada, proibiu todas
as investigações acerca da vida indígena.

Na Historia general..., a parte das deidades astecas aparece no primeiro livro. O


foco de Sahagún nessa parte é descrever as divindades mexicas desde as mais
importantes até as de menor em dignidade. Ele descreve os sacrifícios que eram
oferecidos a essas deidades e as festas que se faziam em sua honra. No caso
das deidades femininas, observamos que a narrativa estabelece paralelos entre
estas e algumas deidades da mitologia greco-romana, além de fazer analogias
com o imaginário cristão. Citemos alguns exemplos:

Sahagún aproxima a deusa Cioacóatl da mãe cristã Eva, a qual foi enganada
pela cobra. Segundo o frei franciscano, a tradução de Cioacóatl seria “Mulher da
cobra”, mas também poderia se chamar Tonantzin, cuja tradução é “nossa mãe”.
Então, ele a comparou com a figura cristã da Eva. Para Sahagún, Cioacóatl seria
como Eva, responsável por criar os outros humanos. (SAHAGÚN, 2020 [1577],
p. 35)

Outras deidades femininas dos astecas são aproximadas pelo frei a deusas da
mitologia greco-romana, como é o caso de Chicomecóatl, que é relacionada à
deusa Ceres. Ele descreve essa deusa asteca como responsável pelos
alimentos que se comem e se bebem, enquanto Ceres representava a
agricultura, sendo ela responsável por ensinar os homens a cultivar a terra.
SAHAGÚN, 2020 [1577], p. 51-52)

Outra analogia estabelecida pelo frei é entre a deusa asteca Chalchiuhtliicue e a


romana Juno, sendo ambas ligadas à água, tanto da chuva, como do mar e dos
rios. Sahagún também relaciona a deusa Tlazoltéotl com a Vênus. Segundo ele,
a deidade asteca de Tlazoltéotl seria, na verdade, composta quatro irmãs, sendo
elas responsáveis pela carnalidade e, entre seus poderes, estariam provocar a
luxuria e amores errados. (SAHAGÚN, 2020 [1577], p. 55-56)
Para pensarmos sobre essas comparações que Sahagún faz entre as deidades
femininas astecas com as de outras culturas, é interessante tomarmos como
ponto de partida algumas colocações de François Hartog (1999) feitas a partir
de seu trabalho sobre a representação do outro na Antiguidade clássica
europeia. Hartog destaca que um viajante sempre compara o novo e
desconhecido com aquilo que já conhece. Além disso, aquilo que o viajante ouve
ou vê dos relatos nativos não é exatamente o que ele escreve, pois sua escrita 84
sempre está marcada por sua própria cultura, sendo envolta por julgamento e
comparações.

No caso da obra de Sahagún, um caso muito significativo, que é o que


escolhemos para aprofundar neste texto é o relativo à deusa Tzaputlatena.
Segundo a narrativa da Historia General..., ela seria a inventora de uma resina
que se chamava úxitl e essa resina curaria muitas enfermidades, como bubões
na pele, ou sarna na cabeça, também podendo ser usada contra ronqueira na
garganta, rachadura nos pés e lábios e contra outras doenças. Para essa deusa
se faziam festas de sacrifícios, além de também venderem um pedaço de resina
como um objeto que representaria a deidade, sendo, então, capaz de curar as
doenças. (SAHAGÚN, 2020 [1577], p. 37)

Essa deusa aparece como uma das principais deidades astecas na obra de
Sahagún, porém, os trabalhos acadêmicos atuais sobre a religiosidade mexica
não abonam essa visão. Segundo os estudos dos historiadores, as principais
deidades do panteão asteca eram aquelas que tinham ligação com grandes
rituais ou com a criação do mundo, dos sóis ou dos humanos, o que não era o
caso de Tzaputlatena. (SANTOS, 2002; WACHTEL, 1990)

Como já destacamos, Historia General... foi escrita com base em relatos de


indígenas que haviam sobrevivido à Conquista. Dessa forma, é bastante
plausível pensar que o destaque dado a Tzaputlatena, deidade que curaria
diversas doenças, pode refletir uma hipertrofia do culto a essa deusa no contexto
pós Conquista, como resposta ao panorama das epidemias que assolaram os
indígenas por causa das doenças trazidas pelos espanhóis.

Pensamos que essa mudança de hierarquia de Tzaputlatena, tornando-se uma


deidade central a partir do contexto da Conquista, pode ser entendida de forma
semelhante à situação das deidades africanas no contexto colonial brasileiro,
conforme descreveu Laura de Mello e Souza em O Diabo e a Terra de Santa
Cruz (1986). A autora destaca como muitas das crenças africanas se
transformaram no contexto da colônia, sendo que o papel hierárquico de várias
deidades foi modificado, respondendo às novas situações vividas pelos africanos
e seus descendentes escravizados. Se antes o negro, na África, pedia
fecundidade, boas colheitas e chuvas, por exemplo, tudo isso perdia o sentido
na nova realidade em que seus filhos seriam escravizados e as boas colheitas
iriam para os senhores. Por isso, no Brasil colonial, os africanos escravizados
passaram a buscar mais a ajuda de orixás como Ogum, deus da guerra; Xangô,
deus da justiça; e Exu, que representaria a vingança.
De forma semelhante, também no caso do México é possível observar mudanças
na hierarquia das certas deidades, como no caso Tzaputlatena, para responder
à nova realidade dos indígenas a partir da experiência da Conquista.

Podemos pensar a obra Historia General.... de Sahagún como uma espécie de


retórica da alteridade, que busca traduzir o “outro” (o indígena) para sua própria
cultura, o catolicismo espanhol do século XVI. Podemos observar semelhanças 85
entre o caso de Sahagún e aquilo que é mostrado por Hartog (1999) a respeito
dos viajantes em seu contato com outras culturas, afinal o processo é o mesmo:
“eu vi, eu ouvi – mas também eu digo, eu escrevo.” (HATORG, 1999, p. 266) Por
outro lado, no caso de Sahagún, ele próprio não pôde ver os rituais, os templos,
as imagens astecas como eram antes da Conquista pois, quando ele chegou ao
México, grande parte disso já havia sido destruído. O que lhe restava, então, era
ouvir o que tinham a dizer os nativos que haviam sobrevivido à conquista militar.

Essa situação específica da obra se basear em relatos indígenas coloca como


central a questão da hibridez da Historia General..., como já destacamos.
Conforme observou Rodrigues (2016) em seu trabalho sobre essa riquíssima
fonte histórica, no texto da coluna escrita em nahuatl é “possível perceber
elementos da tradição indígena”, ainda que não se possa pensar que se trata de
“uma visão puramente indígena”, tendo em vista “os próprios filtros indígenas, a
intromissão de Sahagún e o impacto do processo de cristianização, já que esses
alunos [do Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco] eram catequisados.”
(RODRIGUES, 2016, p. 75)

Dessa forma, apesar de se tratar indiscutivelmente de uma obra pensada e


elaborada pelo frei católico, não podemos nos esquecer que quem forneceu as
informações sobre a religião asteca para ele e seus informantes foram os
próprios indígenas, e isso depois de um processo gigantesco de traumas
derivados da Conquista. E eles contam seus relatos a um franciscano que cruzou
um oceano, depois de ter estudado desde criança o catolicismo e que viveu toda
a sua vida fiel ao deus cristão. As informações foram colhidas pelos indígenas
para escrever sobre sua antiga história, sendo que essa deveria ser negada e
esquecida. Ou seja, a narrativa presente na obra está envolvida em um complexo
processo cultural.

Nesse sentido, é essencial reforçar que a obra Historia General... de Sahagún


tinha o intuito de servir ao projeto catequizador. Mesmo assim, como buscamos
mostrar neste texto, ela também pode ser tomada como um meio para
acessarmos a cultura indígena na forma que essa se apresentava no século XVI,
após o trauma da Conquista.
Referências biográficas

Dra. Natally Vieira Dias, professora da Universidade Estadual de Maringá.

Daniela Rigon Ratochinski, estudante de História da Universidade Estadual de


Maringá.
Referências bibliográficas

Fonte:

SAHAGÚN, Bernardino de. Historia General de las Cosas de la Nueva España


[1577]. Barcelona, Linkgua, 2020.
86
Bibliografia:

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Americanos, Porto Alegre, v. 21, n° 1, 2005, p. 51-60.

GINZBURG, Carlo, O queijo e os verme. São Paulo: Companhia de Bolso. 2006.

______. Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia


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GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário: sociedades indígenas e


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______. A visão dos vencidos. Porto Algre: L & PM, 1985.

MORALES, Francisco. El diálogo de los Doce de fray Bernardino de Sahagún.


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Edição eletrônica.

RODRIGUES, Flora Alice Lima. Visões sobre a conquista de México: os relatos


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SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México Indígena. São Paulo: Palas
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SOUZA, Laura de Melo e. Religiosidade popular na colônia. In: Laura de Mello e


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87
WACHTEL, Nathan. In: BETHELL, Leslie. Historia de América Latina. Vol.1 –
América Latina colonial (la América pré-colombiana y la conquista). Barcelona:
Crítica, 1990, p. 170-194.
A COLONIZAÇÃO E O OBSCURANTISMO HISTÓRICO
QUE ENVOLVEU A HISTÓRIA DOS POVOS NATIVOS
EM PERNAMBUCO APÓS AS CAMPANHAS DE
CONQUISTA DOS SEUS TERRITÓRIOS: A 88

IMPORTÂNCIA DE SE CONSTRUIR OUTRAS


NARRATIVAS A RESPEITO DA HISTÓRIA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS E O PAPEL DO PESQUISADOR E
PROFESSOR DE HISTÓRIA PARA A ESCRITA E ENSINO
DESTAS NARRATIVAS
Eduardo Augusto de Santana
Dos problemas que marcaram a população nativa, em Pernambuco, pelo menos
três, remetem ao processo histórico que levou ao genocídio, a desterritoriação e
a tentativa deliberada de falsear a historia desses grupos ao longo de história do
Brasil. O genocídio se refere aos inúmeros conflitos armados que houve entre
os povos em razão do avanço da empresa colonial sobre os seus territórios. O
outro se remete a desterritorialização que lhes foi imposta em razão da
perseguição e escravização infringida aos sobreviventes dos massacres
cometidos pelos colonos, muitos nativos adentraram para o interior do continente
tentando escapar das mãos dos clérigos católicos ou colonos que buscam fazer
uso de sua mão de obra ou reduzi-los a escravidão. O terceiro é a busca pela
reabilitação da história desses povos que muitos anos foram vistos como meros
coadjuvantes do processo de formação de nossa cultura e nacionalidade. Tendo
sido a sua história falseada pela sociedade forjada pelos invasores, nesses
novos tempos de revisitação do passado, à luz das novas abordagens
historiográficas, a participação de historiadores e professores de história se torna
crucial para o fomento de uma nova narrativa que possa fazer justiça histórica e
social a resistência e a luta desses povos contra as inúmeras violências que
sofreram ao longo de séculos. Colando em relevo, todavia, a luta e as inúmeras
estratégias de resistência que lançaram mão na luta pela sobrevivência a
hecatombe que se seguiu a chegada dos invasores.

Com o propósito de fomentar a indústria açucareira, Duarte Coelho II


empreendeu todo o esforço possível para angariar os recursos humanos e
financeiros então necessários e disponíveis, a fim de levar a expansão da
lavoura de cana mais para o sul da vila de Olinda, para as terras que eram tidas
como as férteis da capitania, isso ainda em meados do século XVI. Diante
daquela conjuntura histórica, os homens – brancos, católicos e detentores dos
insumos e recursos humanos necessários – passaram a afluir das diversas
regiões da colônia e do próprio Portugal para integrar as campanhas militares
que seriam lançadas sobre a mata Sul da capitania pernambucana.

Na medida que a empresa colonial avançava, os colonos tinham que lidar


também com a resistência dos povos nativos da região que, por meio de
emboscadas e a guerra aberta, buscam frear a tomada de suas terras e o
extermínio dos seus. Ao longo de décadas a fio entusiastas da empresa colonial 89
tiveram de enfrentar no campo de batalha os primeiros habitantes daquela costa:
os caetés, um povo nativo que há muito já havia se estabelecido daquelas
paragens e que conhecia muito bem o território que tanto atraía a cobiça dos
colonos e financistas da empresa colonial na capitania.

A esse respeito, de acordo com Frey Vicente Salvador, ainda em meados do


século XVI existia o interesse em consolidar a presença lusa em regiões como a
mata Sul. Além do desejo de vingar os constantes ataques, na verdade lutas de
resistência contra o invasor de suas terras, infringidos pelos nativos às
propriedades rurais da várzea do Capibaribe (SALVADOR, 2009. p. 34).
Entretanto, a crescente demanda por novas terras para as lavouras de cana e a
instituição de novos engenhos, fazendo fluir um grande aporte de insumos e
capitais para financiar a indústria do açúcar, foram determinantes para que, ao
longo das últimas décadas do século XVI os portugueses conseguir obter o
controle de boa parte daquela região. Tendo os seus poucos sobreviventes caído
sob o jugo do domínio português ou fugido para o interior do continente,
sobretudo para as áreas dos sertões do São Francisco.

O extermínio dos nativos enquanto estratégia de incorporação das terras


da mata Sul a empresa colonial

Graças a alianças firmadas entre os colonos e grupos rivais dos caetés e das
estratégias de combate dos invasores europeus, pouco a pouco os nativos foram
sendo empurrados para longe do litoral. Some-se a isso a contínua expansão
das vilas e engenhos açucareiros que foram sendo estabelecidos a partir das
guerras de conquista, o que impedia o retorno dos antigos habitantes às suas
terras de origem (ABREU, 1998. p. 39). Além do mais, os poucos sobreviventes
ainda tinham de fugir ou lidar com a escravidão que lhes era imposta pelos
colonos que tencionavam utilizar essa mão de obra na indústria do açúcar.

Outra questão que torna as guerras de conquistas ainda mais aguerridas são os
boatos, correntes à época, que reforçaram a antiga tese de que havia metais e
pedras preciosas em abundância na região do São Francisco. A esse respeito
(FERLINI, 1998, p. 16) comenta que “as preocupações com defesa, fixação de
colonos e descoberta de metais preciosos mesclavam-se sempre a incentivos
para o desenvolvimento da produção de açúcar” (FERLINI, 1998. p. 16).

Em razão disso, uma série de campanhas militares foram organizadas com o


intuito de efetivar a conquista da região do Cabo de Santo Agostinho, Escada e
das terras que margeavam o rio Ipojuca, várzea do rio Serinhaém entre outras
áreas da região. Integraram aquelas frentes aventureiras, reinóis, membros de
famílias ilustres da terra, funcionários régios e particulares, oficiais mecânicos,
pobres e ricos e, até membros da pequena nobreza do reino. Tornando aquele
território em um campo de guerras, cujas incursões e combates se arrastaram
por décadas. Além disso, a conquista do território era, para os colonos e
financistas da empresa colonial, crucial para o desenvolvimento da indústria do
açúcar e para o estabelecimento de uma rota segura até os sertões do São
Francisco. 90

A concorrência de grupos e pessoas das variadas camadas da sociedade


açucareira e do reino de Portugal indicam a possibilidade virtual de
enriquecimento e obtenção de prestígio social que o negócio do açúcar poderia
oferecer a quem estivesse disposto a fazer parte daquelas frentes colonizadoras.
Assim, pessoas vindas das mais diversas áreas, já colonizadas de capitanias
como Igarassu, Várzea do Capibaribe, Paratibe, Olinda e de outras áreas sob a
influência direta de Pernambuco – como das capitanias de Itamaracá e da
Paraíba –, bem como de reinóis de diversas partes de Portugal, nessas
expedições de assenhoramento daquele local, figuravam como claro indício do
quanto era vantajoso para a empresa colonial tomar para si a região. Tendo
ainda a região atributos naturais que, de acordo com o historiador Eduardo
Santana, eram decorrentes da abunde oferta de madeira, de água, das tão
faladas terras de massapé ideais para o cultivo da Cana-de-açúcar, e do clima
chuvoso da região (SANTANA, 2014. p. 30-58).

Supondo que as informações fornecidas por Frei Vicente estejam corretas, é


possível que tenham perfilado, como integrantes dessas companhias, um
número próximo a 22 mil almas contrárias aos nativos bravios da região
(SALVADOR, 2009. p. 24-58). Por outro lado, toda essa arregimentação de
grupos nativos estava em consonância com a estratégia militar usada pelos
portugueses, em suas conquistas na América. A esse respeito, Regina Cecília
Gonçalves diz que isso “era a velha prática usada pelos colonos dos primeiros
tempos da colonização de dividir para conquistar, através da exploração do ódio
tradicional existente entre os diferentes grupos indígenas” (GONÇALVES. 2004.
p. 4).

Algumas lideranças indígenas, por outro lado, que se aliaram aos portugueses
nessas expedições de conquista, tinha o entendimento da importância para a
Coroa portuguesa desse apoio e, em troca disso, negociavam a obtenção de
certos privilégios para si e seus comandados, dentro daquela nova sociedade
que, pouco a pouco, iria se desenhando na América portuguesa. Por outro lado,
outros grupos nativos persistiam na luta para tentar barrar o avanço da empresa
colonial sobre as suas terras, o extermínio e a escravização dos seus
(POSSAMAI, 2012. p. 22-24).

Interesses dos integrantes das campanhas militares na Mata Úmida

Os interesses envolvidos para o engajamento de tantas pessoas nas frentes de


conquista dos territórios nativos eram dos mais diversos. Para os sesmeiros,
uma oportunidade rara de enriquecimento e elevação social, para os
mercadores, a incorporação dessa região à indústria açucareira significava uma
oportunidade de expandir os seus capitais, por meio dos empréstimos que fariam
aos potenciais senhores de engenho e lavradores que iriam se estabelecer na
região. Para os da governança da terra e para as famílias já enriquecidas com o
negócio do açúcar, era uma oportunidade imperdível de aumentar os seus
cabedais, influência política, o prestígio dos seus clãs familiares e de
estabelecerem novas redes clientelares naquelas paragens. E aos pobres livres, 91
talvez significasse uma nova oportunidade de se inserirem na sociedade
açucareira por meio da recompensa por terem participado de tão “nobre”
empreendimento.

Para a Igreja, representava a abertura de novas frentes evangelizadoras junto


aos nativos aldeados nas missões. A atuação desses clérigos, por sua vez, era
recheada de conflitos com os colonos e a Coroa. Contudo, via de regra, eles
trabalhavam em conjunto com as autoridades coloniais nos descimentos de
tribos indígenas inteiras para a costa. A inserção dos clérigos católicos nos
engenhos açucareiros, dada a obrigatoriedade de se instituir um capelão para
cuidar das almas dos integrantes daqueles empreendimentos agrícolas,
representou uma importante fonte de receita para eles. O trabalho que realizam
se configura como um importante instrumento de adestramento social e
doutrinação ideológica necessária à dominação do território. Para a governança
da terra, por sua vez, a instituição de novos engenhos representava novas fontes
de receita com o pagamento da pensão devida pelos sesmeiros ao dito capitão.
Havia, ainda, as receitas advindas dos tributos pagos pelos senhores de
engenhos e lavradores pelo usufruto da madeira, uso dos cursos fluviais e
pescados então pertencentes, segundo a legislação da época, ao seu senhorio
(SILVA, 2005. p. 58). Percebam que a incorporação desses territórios à empresa
colonial representava também a expansão do poder político e econômico dessa
governança, uma vez que a ele cabia fazer a distribuição das terras. E
certamente usava desse atributo, que lhe pertencia, para tecer um relações de
parceria e submissão dos beneficiados por essas doações de terra.

Este cenário era ideal para os mercadores de escravos e para a Coroa, pois
significava a oportunidade de ganhos exorbitantes, pois as terras conquistadas
careceriam de braços para cultivar as lavouras de cana e para fazer funcionar
as engrenagens dos engenhos de açúcar. E, sendo os portugueses os maiores
exploradores do tráfico negreiro na época e com as taxações inferidas naquele
negócio pela Coroa, essa atividade rendeu muitos lucros para o reino.

A função do nativo dentro da lógica de dominação colonial

Com relação aos nativos descidos de seus territórios, ou daqueles que se


embrenharam pelas matas e sertões do São Francisco, pode se dizer que, uma
vez desconectados de seu lugar original, podiam mais facilmente atender a
quatro requisitos de extrema importância para a empresa colonial, pois, as
aldeias descidas e instaladas nas bordas do mundo açucareiro, a exemplo do
primitivo aldeamento de Escada, funcionavam como barreiras entre os colonos
e os índios bravios do Sertão (CUNHA, 2013. p, 26-42). Essas aldeias também
se caracterizavam como uma barreira de contenção, impedindo a passagem dos
negros escravizados que saiam fugidos dos engenhos e vilas em direção as
matas e quilombos. Elas também funcionavam como um reservatório de mão de
obra a serviço dos engenhos, vilas e portos coloniais. E por fim, o fato de estarem
desterritorializados facilitava a catequese dos nativos, tornando-os preciosos
aliados dos colonos contra as tribos hostis e potenciais aliados dos novos 92
projetos de adentramento da empresa colonial. Uma vez que a maior parte dos
contingentes que compunham as expedições de conquista eram formadas por
nativos (ALENCASTRO, 2000. p. 181).

A cartografia marcada, a seguir, mostra as áreas que haviam sido agregadas ao


controle colonial. Já as partes marcadas por setas indicam a região da mata Sul
por onde as frentes colonizadoras adentraram na região. Mais ao fundo,
representando os sertões incultos, há a representação dos territórios para onde
os poucos nativos sobreviventes e não escravizados se retiraram após as
guerras de conquista naquelas paragens.

Mapa 1 - Descrição de todo o marítimo da terra de Santa Cruz chamado


vulgarmente o Brasil, de João Teixeira, 1640 - Adaptação do autor

(ALBARNEZ, 1640)

As argumentações tecidas neste texto são relevantes para o entendimento da


conquista das terras da mata Sul e contenção dos povos nativos que resistiam
ao avanço da invasão de suas terras. Era, pois, uma região estratégica para a
consolidação da colonização de parte expressiva dos territórios pertencentes ou
que viriam a integrar a América portuguesa nos primeiros séculos que se
seguiram à tomada da região.

Por outra narrativa da história dos povos nativos

A respeito das campanhas militares e das ações cometidas contra os nativos,


Pedro Puntoni faz a seguinte reflexão: 93

(...) a destruição dos índios da costa, por doenças, abusos ou guerras, também
impulsionava os colonos a se internar nos sertões, agora em busca de mais mão
de obra necessária para os engenhos de açúcar, cuja economia crescera nas
décadas de 1570-1580. Esta política de deslocamento forçado de indígenas se
fazia no exato momento da transição do trabalho forçado para o importado, isto
é para a escravidão africana. Por outro lado, os grupos indígenas aliados ou
pacificados permitiam uma margem de segurança à empresa colonial perante as
ameaças externas (PUNTONI, 2009. p. 29,30 e 49).

Não seria exagero frisar o quão desagregadoras eram essas expedições para
os nativos, haja vista que, no desenrolar desse processo de lutas sangrentas,
aldeamentos e etnias foram dizimados e os sobreviventes que não caíram nos
grilhões da escravidão adentraram para os sertões da capitania, buscando fugir
do extermínio e da escravização que lhes estavam sendo impostos. Naqueles
novos territórios buscaram ressignificar e preservar as suas tradições e modos
de vida.

Ao longo dos séculos esses povos são chamados, equivocadamente, de índios.


Sendo isso um grave erro, haja vista que não estamos nos referindo a um grupo
homogêneo de pessoas ou que se autodenominam como tal. Os grupos
remanescentes daqueles grupos que hoje habitam o território pernambucano -
aos quais os livros didáticos de história ensinou a seguidas gerações de
brasileiros brasileiros a chamá-los como índios - se autodenominam como
Atikum, Fulni-ô, Kambiwá, Pankará, Pankararu, Pipipã, Truká, Tuxá, Xucuru.

Portanto, nomeá-los como indígena é algo que os invisibiliza e lhes tira o direito
a terem a sua identidade cultural reconhecida quais se lhes remetem a sua
cultura ancestral. Desta forma, em sua prática docente, o historiador deve se
utilizar de sua expertise e erudição para trabalhar este tema em sala de aula.
Buscando, assim, para revisitar, no sentido da ressignificação, da história dos
povos nativos do Brasil.

Ainda sobre isso, a historiadora Antonia Terra (TERRA, 2020), nos mostra que
a história deste país foi construída com base na diversidade de sujeitos
históricos, incluindo nações invasoras e povos que aqui viviam ou que foram
trazidos para cá. Mas a História contada na escola tem desde muito tempo
excluído esses povos formadores como se fossem apenas coadjuvantes e não
protagonistas da história nacional. Obedecendo a uma lógica, firmada ainda no
século 19 por uma historiografia comprometida com os valores da elite de sua
época, que escolheu identificar a história por meio do falseamento histórico,
segundo a qual a história do Brasil foi forjada graças à exclusividade do
protagonismo do europeu e seus descendentes.

Todavia, a historiadora Maria Regina Celestino de Almeida (ALMEIDA, 2010. p.


22) explica que "antropólogos e historiadores têm analisado situações de
contato, repensando e ampliando alguns conceitos básicos ao tema. A
compreensão da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível, formado 94
pela articulação contínua entre tradições e novas experiências dos homens que
a vivenciam, permite perceber a mudança cultural não apenas enquanto perda
ou esvaziamento de uma cultura dita autêntica, mas em termos de seu
dinamismo, mesmo em situações de contato extremamente violentos".

Estes novos entendimentos acerca dessa história, agora vistas em um contexto


em que se encontravam e travaram as suas lutas sociais, os povos nativos, que
aparentemente tinham desaparecidos, ressurgiram ou passaram a ser vistos
com outro olhar pelo historiador, onde eles figuram como sujeitos que lutam por
direitos e o reconhecimento de sua história. Assim, a historiografia mais recente
tem revisto a história desses povos, reconhecendo que ao longo de séculos
continuaram a existir, apesar das dificuldades, defendendo as suas terras e
aldeias diante da expansão europeia e brasileira, e preservando línguas e
costumes.

Portanto, as análises elaboradas por historiadores e antropólogos hoje


reconhecem que os povos originários apresentaram reivindicações nos
documentos que tratam de disputas que travaram com os colonizadores nos
séculos passados. Ou seja, além do enfrentamento no campo de batalha, eles
também buscaram outros caminhos na busca em garantir o seu direito e acesso
às suas terras. Assim, a leitura e a releitura da documentação revelam que eles
tinham uma compreensão própria da realidade colonial e de seus direitos e de
quais eram suas possibilidades de ação para obtê-los.

Com o amadurecimento das novas pesquisas ensejadas pelo aporte documental


possibilitado pelos pressupostos da Nova História Cultural, o quadro de valores
atribuído aos povos nativos também foi alterado no olhar dos estudos históricos.
Diante desse novo contexto, eles passaram a ser entendidos como povos com
história dinâmica, sujeitos protagonistas da sua história e da história nacional,
que criaram estratégias de luta, resistências e negociações ao longo dos cinco
séculos de convivência com os não índios. São povos vivos e atuantes, que
afirmam constantemente sua identidade (PESAVENTO, 2014).

É essa história que deve ser trabalhada em diálogo com os estudantes, onde
esses grupos têm a sua humanidade reabilitada e posta em relevo, diante das
lutas que travaram visando a sua sobrevivência e a preservação de suas
práticas culturais ao longo dos séculos. Mostrando-os como elemento histórico
indissociável do processo de formação de nossa cultura (NAPOLITANO,2010).
Assim uma nova narrativa embebida em novas discussões trazidas pelos novos
temas, objetos, pesquisas e documentos construídos a respeito da história dos
povos nativos deve ser dada a conhecer ao conjunto da sociedade brasileira.
Referência biográfica

Eduardo Augusto de Santana, doutorando em História pelo Programa de Pós-


Graduação em História Social da Cultura Regional da UFRPE. Especialista em
Gestão e Tutoria em Educação a Distância (FACIGMA). Professor pesquisador
I do curso de Licenciatura em História, na modalidade EaD, da UFRPE e 95
professor Pesquisador e Conteudista do Curso Técnico Profissionalizante de
Multimeios Didáticos do Mediotec, na modalidade EaD, da Secretaria de
Educação de Pernambuco. Pesquisador associado I do Instituto de Estudos da
África IEAf-UFPE. Atua também como integrante do Corpo Editorial da Editora
Mnemosine e da Editora Típica.
E-mail: historiador.eduardosantana@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1097814777267022

Referências bibliográficas

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ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Tratado dos Viventes: formação do Brasil no


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ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de


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CUNHA, Elba Monique Chaga da. Sertão, sertões: colonização, conflitos e


História Indígena em Pernambuco no período pombalino (1759–1798), 2013.
Dissertação – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura
Regional da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 2013.

Descrição de todo o marítimo da terra de Santa Cruz chamado vulgarmente o


Brasil, Atlas de 1640 de João Teixeira Albarnez. PORTUGALIAE MONUMENTA
CARTOGRAFICA, vol. IV; ALBARNEZ, João Teixeira. Discrição de todo o
marítimo da Terra de S. Cruz chamado vulgarmente o Brasil – [s.l.: s.n.], D.L.
2000. – Ed. fac-similar: Grafispaço- Centro Editorial Gráfico. In: Arquivo Nacional
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FERLINI, Vera Lucia Amaral. Terra, Trabalho e Poder: o mundo dos engenhos
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GONÇALVES, Regina Cecília. O Capitão-Mor e o Senhor de Engenho: os


conflitos entre um burocrata do rei e um ‘nobre da terra’ na Capitania Real da
Paraíba (Século XVII). Este artigo sintetiza alguns argumentos e conclusões de
nossa tese de doutorado intitulada Guerras e Açúcares: Política e Economia na
Capitania da Paraíba (1585-1630), defendida junto ao Programa de Pós-
Graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo, no ano de
2004.NAPOLITANO, Marcos. Cultura. In: PINSKY, Bassanezi (org.). Novos
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PESANVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3ª – Belo Horizonte:


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Idade Moderna.
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Freguesia de São Miguel do Ipojuca entre 1594 – 1780: contada a partir dos seus
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Graduação em História Social da Cultura Regional da Universidade Federal
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TERRA, Antonia. História Indígena no Ensino de História. In: Revista Nova


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otica-sobre-a-historia-indigena-no-ensino-de-historia. Acesso em 02/05/2021.
NARRATIVAS DA COLONIZAÇÃO E OS POVOS
MESOAMERICANOS: UMA ANÁLISE DO LIVRO
DIDÁTICO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
Eduardo Pintarelli e Juliana de Mello Moraes 97

Esta pesquisa analisa o livro didático do sétimo ano da coleção Historiar, da


editora Saraiva, publicada em 2018, no intuito de atentar para as representações
dos povos indígenas, em especial aqueles da Mesoamérica, nesse material.
Dentre os fatores que justificam essa investigação se destacam a relevância no
cenário educacional da fonte, ou seja, do livro didático, e a obrigatoriedade do
estudo dos povos indígenas e suas culturas de acordo com a Lei 11.645/2008.
Embora a legislação indique a cultura nacional e a formação da sociedade
brasileira, considera-se que o estudo de diferentes sociedades nativas e suas
alterações ao longo do tempo contribui para a valorização dos grupos indígenas
em qualquer localidade, bem como favorece a compreensão crítica das
mutações e da sua História, contribuindo para eliminar a invisibilidade desses
povos.

Resultado de disputas e demandas de diversos movimentos sociais, a inclusão


da obrigatoriedade do estudo dos povos indígenas na legislação educacional e
as representações inscritas no material didático contribuem para a formação e
difusão de identidades (CHARTIER, 2002, p. 23). Entretanto, essas
representações devem ser problematizadas, pois são resultado das hierarquias,
dos conflitos e das divisões sociais tanto dos seus produtores quanto daqueles
que se apropriam delas. Desse modo, as representações inscritas no livro
didático permitem avaliar como os povos indígenas são abordados atualmente
no ensino de História.

O livro didático é reconhecido como importante documento histórico e cultural,


possuindo múltiplas facetas, incluindo as dimensões escolares, pedagógicas e
mercadológicas (BITTENCOURT, 2018, p. 247-248). Paralelamente, esse
material expressa os vínculos entre Estado, universidade e ensino fundamental
(FONSECA, 2003, p. 50). A complexidade dos livros didáticos permite avaliar
ainda como as propostas curriculares e a historiografia se manifestam nas
representações inscritas na obra, embora seja relevante destacar a importância
do trabalho docente na utilização desse material. Para fazer a análise focamos
nos capítulos que contemplam os povos indígenas, especialmente aqueles
oriundos da Mesoamérica, sendo constatada a sua presença nos capítulos 7 e
8. Assim, verifica-se que no contexto geral da obra, a abordagem não prioriza os
povos nativos, mas sim a sua relação com os europeus.

No capítulo 7 do livro didático, intitulado “Conquista da América”, encontra-se


uma apresentação dos grupos indígenas que habitavam a Mesoamérica, a
região dos Andes e a costa sul-americana do Pacífico até a colonização. No
entanto, os três principais grupos (Maias, Astecas e Incas) são apresentados
num único subitem: “Maias, incas e astecas” (COTRIM; RODRIGUES. 2018, p.
111), de forma sintética, conjunta e objetiva. Como salienta Natalino dos Santos,
também nas disciplinas universitárias, responsáveis pela formação dos
professores, o foco se concentra nos “famosos maias, astecas e incas”
(SANTOS, 2014, p. 16). Desse modo, o livro didático acaba por reproduzir os
temas e fronteiras do que é contemplado durante os cursos de licenciatura. 98

No livro didático, os grupos indígenas mesoamericanos são referidos quase


sempre no plural, como sujeitos dos mesmos objetos, como se representassem
o mais do mesmo: “Nessas três civilizações americanas, predominava a
economia agrícola”; “Maias, astecas e incas produziram conhecimentos em
vários campos”; “Essas sociedades fundaram e desenvolveram importantes
centros urbanos e comerciais”. Estas generalizações fortalecem a ideia de uma
categoria universal para os povos originários e enfraquecem as marcações de
diversidade instituídas ao longo da história pré-colombiana destes grupos, e que,
apesar das dinâmicas de transformação ocorridas no tempo, conforme indica
Eduardo Natalino dos Santos, permaneceram durante o processo de
colonização e continuam existindo na atualidade: um fator gerador de
identidades étnicas (SANTOS, 2016).

Ainda no capítulo 7, um outro subitem chama a atenção: “Guerras e doenças”.


Nele, os autores apontam para a superioridade bélica e estratégias de extermínio
da parte dos europeus, e a inferioridade tecnológica e bélica dos grupos
indígenas: “Os conquistadores europeus tinham equipamento militar mais
eficiente do que o dos povos americanos. Utilizavam cavalos, armas de aço (...)
e de fogo (...). Essas armas eram desconhecidas pelos indígenas (...)” (COTRIM;
RODRIGUES, 2018, p. 114). A tendência dos capítulos 7 e 8, e que se apresenta
em todo o conjunto do material didático, é priorizar a ação dos colonizadores,
enquanto aborda os grupos indígenas como um dos objetos do seu domínio e
da sua violência. Essa abordagem se afasta da historiografia, pois, como destaca
Steve Stern, é fundamental perceber as relações entre colonizados e
colonizadores como uma interação entre ambas as partes: “As relações dos
índios frustraram as expectativas europeias, mantiveram ativas as agitações
políticas ou iniciaram outras, agregaram novos temas à agenda do debate
político e à decisão colonial” (STERN, 2006, p. 44). Stern acredita que as ações
dos grupos indígenas colonizados não foram insignificantes no processo de
colonização, mas sim produtoras dos sentidos da colonização ao longo do
tempo: “Em suma, os povos ameríndios envolveram-se plenamente na luta para
definir o que significava a conquista e o que ela poderia acabar significando”
(STERN, 2006, p. 44).

No capítulo seguinte (capítulo 8), denominado “Colonização espanhola na


América” (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 120 – 133), inicia questionando as
diferenças entre conquistar e colonizar, e desse modo problematiza a ação dos
europeus no período. O material didático incita os estudantes a desnaturalizar
as narrativas sobre esse contexto, permitindo a construção de outras
perspectivas sobre esse fato (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 120).
A história e a diversidade entre os povos indígenas são abordadas no livro
didático, pois ele apresenta diferenças já existentes no momento da chegada
dos europeus, evidenciando a participação de outros povos ameríndios rivais
nas derrotas dos impérios Asteca e Inca (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 124),
nos quais estas diferenças estavam bem definidas. Para o historiador Miguel
Leon-Portilla, é acentuada a diferença e as divergências entre os grupos 99
humanos étnicos e linguísticos que ocupavam a Mesoamérica antes da
colonização espanhola (LEÓN-PORTILLA, 2012).

O capítulo 8, no entanto, não aprofunda a reflexão sobre algumas características


da vida dos povos mesoamericanos, como a religiosidade, os saberes culturais
e a diversidade cultural e étnica, que por sua vez são abordados pela
historiografia de León-Portilla (LEÓN-PORTILLA, 2012). O livro didático
apresenta uma ideia geral, indicando que havia diferentes grupos, com
diferentes culturas e diferentes interesses (COTRIM, 2018, p. 126). Mesmo
assim, não viabiliza ao leitor a dimensão desta diversidade, que em si foi se
transformando e reconfigurando no tempo. O historiador Steve Stern indica que
todo o quadro de forças políticas que já existia entre os nativos foi
estrategicamente manipulado pelos espanhóis em seu favor, a fim de terem êxito
em suas dominações. Para ele, os espanhóis souberam estimular as rivalidades
já existentes entre os grupos indígenas e se valer da força dos grupos
combatentes. Stern reforça a ideia de que alianças e guerras já aconteciam entre
os diferentes povos e civilizações nativas mesoamericanas (STERN, 2006).

Assim também as conexões atlânticas do império espanhol, em especial entre


América e Espanha, não foram sinalizadas ao longo do capítulo. É como se o
capítulo começasse, permanecesse e terminasse na América, sem muitas
conexões com o que acontecia sincronicamente na Espanha. Existe uma
ausência desta dimensão no capítulo. O historiador Serge Gruzinski
(GRUZINSKI, 2003), escreve que a fusão de elementos culturais entre os povos
que passaram a interagir a partir da colonização espanhola da América foi
grande. É preciso pensar na interação entre a Monarquia espanhola, nas suas
formas de governo na América e também nas mudanças e permanências das
culturas dos povos, incluindo indígenas e africanos, que estiveram presentes em
todo o processo (GRUZINSKI, 2003). As dinâmicas inerentes às colonizações
afetaram todos os grupos, suscitando transformações nos envolvidos naquele
contexto. As transformações originaram algo novo na América. Essa perspectiva
não é contemplada no capítulo, as conexões e as múltiplas mudanças nos povos
envolvidos não se manifestam na narrativa do material didático.

Além disso, o referido livro didático, de forma sutil e talvez despretensiosa, acaba
segregando as culturas indígena e europeia (espanhola), apresentando-as
minimamente e de forma sempre específica (apartada), quando a realidade da
vida do povo mesoamericano neste período, como mostra o historiador Serge
Gruzinski, era um emaranhado cultural muito diversificado (GRUZINSKI, 2003).
Portanto, o material não propicia ao estudante a possibilidade de entrever essas
conexões.
No que diz respeito a esta diversidade de relações étnicas no contexto da
colonização da Mesoamérica, há uma aproximação, ainda que bastante
sintética, do material didático com a historiografia. Assim como León-Portilla
(LEÓN-PORTILLA, 2012), Stern busca enfatizar as diferenças (especificidades)
e a não universalidade dos povos americanos nativos – reunidos pelos
colonizadores na categoria de “índios” (STERN, 2006). Entretanto, há uma 100
aproximação relativa da historiografia com o material didático neste aspecto: o
capítulo pretende abranger os dois pontos de vista. O enfoque dado pelo capítulo
é regional, ou seja, não muito ligado ao que acontecia no leste do Atlântico. Mas
existe toda a narrativa das ações dos europeus e do mundo que eles
encontraram no início do processo de colonização. E também há a narrativa das
ações indígenas e das suas partes na relação com os europeus (COTRIM;
RODRIGUES, 2018, p. 127 - 129). Contudo, na escrita do material didático o
personagem do indígena é muito mais objeto do que sujeito, e o personagem do
europeu, por sua vez, é muito mais protagonista que coadjuvante ou
antagonista.

Este conjunto de ações e de relações é um espaço de muitas problemáticas no


campo da História. Segundo o historiador Leslie Bethel, após a chegada e
permanência dos colonizadores espanhóis na Mesoamérica, a população nativa
diminuiu muito, devido à violência que lhe era infligida, ao trabalho excessivo e
exploratório, ao processo de escravização, à fome e restrição de alimentos e às
doenças que se propagaram, trazidas pelos europeus, para as quais os nativos
não possuíam imunidade. Bethel evidencia a diminuição drástica no número da
população nativa, e o caráter genocida da colonização. Ele apresenta ainda as
questões referentes aos grupos políticos nativos, que tinham sua participação
ativa na sociedade (BETHEL, 1999).

Neste aspecto, há uma aproximação e também um distanciamento da


historiografia em relação ao material didático. Há uma aproximação no sentido
de que o livro didático fala muito em violência contra indígenas e também expõe
a superioridade bélica, as armas biológicas e o uso de estratégias militares por
parte dos grupos europeus: “Os habitantes da cidade resistiram por meses, mas
foram atingidos por uma epidemia de varíola. As doenças, a superioridade das
armas e as alianças com povos inimigos dos astecas contribuíram para a vitória
dos espanhóis em 1520” (COTRIM, RODRIGUES, 2018, p. 123). Mas o texto é
obscuro quando se refere à participação política ativa dos indígenas na
sociedade, uma participação política efetiva que como reitera o professor
historiador Eduardo Natalino, está presente até hoje nas sociedades da América
(SANTOS, 2016).

Além dos indígenas, outros grupos sociais que atuaram no processo de


colonização também foram vítimas de uma ocultação nas narrativas e
representações deste fato histórico. Para o historiador Alberto Baena Zapatero,
a historiografia falhou ou se omitiu nas pesquisas durante muito tempo, tornando
invisíveis certos personagens que na verdade exerciam papel decisivo na vida
social do povo da Nova Hispânia (ZAPATERO, 2017).
Desta forma, Alberto Zapatero dá visibilidade ao papel social da mulher, e da
importância da atuação feminina na sociedade da América Espanhola, desde os
tempos da colonização. Assim, é possível abordar e compreender o conjunto da
sociedade em questão a partir da imagem das mulheres da corte. Ele demonstra
que as mulheres da corte estavam presentes nos eventos oficiais de caráter
político e religioso. Sabiam de todo o funcionamento dos processos jurídicos das 101
cortes, de todos os enlaces do poder. Elas também exerciam suas influências e
eram influenciadas, eram sujeitos e objetos do poder. Não eram todas as
mulheres. Eram as mulheres da corte, podendo ser tanto europeias quanto
nativas. Mas se trata de um grupo específico de mulheres.

No entanto, a partir da análise do capítulo 8 “Colonização espanhola na América”


(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 120 – 133) podem ser considerados pontos
positivos do livro didático: a sistematização de temas, muito bem elencada; a
sintetização e articulação de cada tema e cada ideia no texto; a linguagem
acessível aos estudantes do Ensino Fundamental, estruturado numa forma de
fácil apreensão e assimilação; a logística do texto, que possibilita a expansão de
temas bastante específicos, estimula a pesquisa e desenvolve a curiosidade dos
estudantes; a praticidade e aplicabilidade do material no contexto do sistema de
educação básica vigente no país.

Entretanto, são tendências do livro didático pouco relevantes para a formação


de consciência histórica sobre a colonização da América: a generalização de
certas categorias para todas as regiões (negros, brancos, índios, mulheres)
(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 126); o grande apartamento do contexto
americano em relação ao contexto europeu; o frágil enfoque na temática das
interações culturais e de saberes entre os grupos.

Por sua vez, as atividades que estão propostas no capítulo (COTRIM;


RODRIGUES, 2018, p. 132 – 133) estão de acordo com o conteúdo do capítulo,
pois mesmo aquelas que não encontram correspondência direta no texto
encontram correspondências temáticas que podem ser desenvolvidas com uma
breve pesquisa. Estas ações didáticas podem levar a um bom desempenho na
formação dos conhecimentos históricos. Acredita-se no grande potencial didático
de, por exemplo, trazer presente um texto sobre o “Dia dos Mortos” (COTRM;
RODRIGUES, 2018, p. 132) para o trabalho de uma atividade, uma vez que isto
ajuda ainda mais a ampliar as ideias acerca das interações e integrações
culturais e ainda faz uma conexão com o campo da Micro História e História da
América Indígena.

Assim como as leituras complementares, paralelas ao corpo do texto principal


do livro didático (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 130), as imagens são
preciosos instrumentos didáticos para a História (PESAVENTO, 2004). Cada
imagem presente no corpo do texto do capítulo é bem significativa e
contextualizada, e em muito contribui para produção de conhecimento histórico.
Poderia haver ainda mais imagens, pois elas contribuem no processo e na ação
da imaginação. As imagens usadas no capítulo são também uma forma de
relacionar aquilo que se está imaginando subjetivamente com uma outra visão
sobre o mesmo objeto: imagina-se um quadro histórico. Depois se vê a uma
imagem da região deste contexto (ainda que a imagem seja de outra
temporalidade). É claro que existe o risco de anacronismo, mas para além deste
risco existe a grande oportunidade de perceber as permanências: De onde vem
aquilo? Como e por que algo mudou? Como e por que algo permaneceu? E a
leitura das imagens é uma forma de conhecer as representações e ainda uma 102
possibilidade para entrar no debate teórico das diferentes formas de se ver o
mesmo processo, os diferentes pontos de vista coexistentes, além de serem
grande representação da cultura material (PESAVENTO, 2004), imagens,
quando contextualizadas, trazem muita cultura e erudição para os leitores.

A partir desta análise do livro didático para o ensino fundamental percebe-se que
o docente precisa estar muito consciente acerca do material com que trabalha,
das suas opções e recortes teóricos e metodológicos a fim de orientar seus
objetivos didáticos. Assim, os recortes e opções dos historiadores professores
são fundamentais, pois contribuem sensivelmente para as representações que
a sociedade forma sobre estes grupos. Contudo, ainda persistem ideias
bastantes problemáticas convencionadas no senso comum, como a da
passividade dos indígenas e mesmo o pensamento de que “indígena é coisa do
passado” (SANTOS, 2014).

São muito válidas a relação, a conexão, a interposição e a contraposição do


material didático com a bibliografia acadêmica especializada - historiografia, e
isto pode ser ainda mais praticado nos ambientes de ensino, pois há uma mútua
contribuição é necessária conexão entre esses diferentes aspectos do ensino da
História.

Referências biográficas

Eduardo Pintarelli, acadêmico da Licenciatura em História da FURB –


Universidade Regional de Blumenau.

Prof.ª. Dra. Juliana de Mello Moraes, professora do Departamento de História


Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FURB –
Universidade Regional de Blumenau.

Referências bibliográficas

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nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história
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ZAPATERO, Alberto Baena. As Vice-Rainhas e o exercício do poder na Nova


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104
ENSINO DE HISTÓRIA PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS: REPRESENTAÇÕES SOBRE OS INDÍGENAS
NO ENEM (1998-2020)
Fabrícia da Silva Lopes 105

Introdução

O presente texto é parte de meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado


Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): representações sobre os indígenas
(1998-2020). Desenvolvido sob a orientação do professor Fernando Roque
Fernandes, ele foi apresentado ao Departamento Acadêmico de História da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR). A pesquisa investigou as diferentes
representações sobre a temática indígena, utilizadas nas questões do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM). Para isso analisamos de que modo os povos
indígenas vêm sendo representados nesse exame e os sentidos atribuídos a tais
representações. Assim, procuramos verificar até que ponto as narrativas
historiográficas manifestas no ENEM privilegiaram ou não os povos indígenas e
suas tradições. Para o desenvolvimento desta pesquisa a sistematização e
análise de dados referentes às provas aplicadas entre 1998 e 2020 foram
essenciais. Também nos apropriamos de referenciais bibliográficos de modo a
estabelecer uma relação entre os estudos que privilegiam o protagonismo
indígena e aqueles que produzem representações que nem sempre dialogam
com suas realidades no mundo contemporâneo.

A partir do conceito de representação, verificamos que as implicações desses


significados acabam por não realizar um apagamento completo das
representações dos povos indígenas, pois eles direta ou indiretamente chegam
a serem mencionados e/ou citados nas provas. A problemática identificada se
desenvolve na forma e modo que a representação corroboram com a divulgação
de certos estereótipos pejorativos desfigurando ou generalizando a história e o
papel dos povos indígenas na História do Brasil. Enfim, os resultados alcançados
indicam que mesmo após um longo processo de luta pelo reconhecimento da
diversidade e da diferença de povos existentes no Brasil, a partir dos anos 1970,
culminando com direitos assegurados pela Constituição Brasileira de 1988,
assim como o resguardo garantido sobre o ensino de História Indígena nas
escolas, com base na Lei 11.645/2008, ainda há muito que fazer no que
concerne à evidenciação do protagonismo indígena na Educação Básica.

A questão indígena nas edições do ENEM

Em seu texto História e Antropologia a autora Maria Regina Celestino de Almeida


alerta que é “tarefa do investigador problematizar seus conteúdos e identificar
diferentes significados que objetos, classificações étnicas, qualificações e
comportamentos podem comportar para os diferentes agentes sociais, conforme
tempos, espaços e as dinâmicas de suas relações.” (ALMEIDA,2013,P.159)
nesse sentido é preciso analisar com clareza a dinâmica que cerca as
representações sobre os indígenas.

Ao longo da pesquisa, constatamos que a partir da implementação da lei nº


11.645/2008, houve um aumento no número de questões sobre a temática
indígena. Esta lei foi conquistada através das lutas e emergências políticas e 106
sociais dos povos indígenas e de fato foi um grande ganho. Porém, o aumento
neste quantitativo não é sinônimo de certeza que os anseios foram supridos.
Através do levantamento de dados foram coletadas, 40 provas e recortadas para
análise 87 questões. Com base nelas, chegamos ao seguinte resultado:

Gráfico produzido pela autora com base nos dados disponíveis no Portal do
INEP
Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 23 de julho de
2020.

Ao executar a análise nos deparamos com diversas representações sobre os


indígenas no ENEM. Dentre elas, duas grandes formas mais recorrentes de
representação as quais os indígenas são referenciados foram identificadas. A
primeira delas é a representação do indígena por si só, uma forma genérica que
sem cunho crítico reflexivo não considera a luta e a diversidade étnica e cultural
dos povos. Veja os exemplos abaixo:
107

Figura 1 - Prova do ano de 2003- Disciplina da história- Questão: 51- Resposta-


(E) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10 de julho
de 2020.

Ao afirmar que a antropofagia “era” parte do universo cultural indígena esta


questão pode conscientemente ou não ser compreendida enquanto uma
representação coletiva de que todos os povos indígenas tinham essa prática. A
autora do trabalho intitulado Imagens de índios do Brasil: o século XVI, Manuela
Carneiro da Cunha esclarece que “A antropofagia, nisso não se enganaram os
cronistas, é a Instituição por excelência dos tupi”(CUNHA,1990), isto por sua
vez se tratava de um ritual que havia uma misticidade em torno da prática. Tupi,
or not tupi that is the question (ANDRADE,1976) para, além disso, a resposta
desta questão pode implicar em uma incompreensão uma vez que, segundo
Manuela Carneiro da Cunha, ao longo do tempo os termos foram se tornando
sinônimos. E conclui que “A diferença é esta: canibais são gente que se alimenta
de carne humana; muito distinta é a situação dos tupi que comem seus inimigos
por vingança.”(CUNHA,1990).
108

Figura 2 - Prova do ano de 2015 - Disciplina da História - Questão: 10-


Resposta-(A) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10
de julho de 2020.

A questão acima trata da busca pela criação de uma identidade nacional, pode-
se concluir que esta não se apropria das questões pertinentes ao protagonismo
dos povos indígenas para a expansão territorial. Como esclarece na tese: Tupis,
Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo, o autor
John M. Monteiro, intelectual que aglutina trabalhos dentro da historiografia o
qual considera os índios como sujeitos históricos. “De fato, o isolamento dos
índios no pensamento brasileiro, embora já anunciado pelos primeiros escritores
coloniais, começou a ser construído de maneira mais definitiva a partir da
elaboração inicial de uma historiografia nacional, em meados do século XIX.”
(MONTEIRO, 2001)

Monteiro ainda ressalta a existência de duas noções fundamentais que foram


estabelecidas pelos pioneiros da historiografia nacional, a primeira é “à exclusão
dos índios enquanto legítimos atores históricos” sendo a segunda ainda mais
problemática, pois trata “os povos indígenas como populações em vias de
desaparecimento” (MONTEIRO, 2001). Devemos entender que os historiadores
compreendem este processo através de uma ótica e perspectiva decorrente
daquele período específico, porém perpetuar estas visões diante as novas
ferramentas e dados que a nova história dispõe é produzir, consciente ou
inconscientemente, uma narrativa historiográfica parcial.

No que tange a questão elencada acima, sabe-se que os ditos Bandeirantes


também foram responsáveis por expedições de caça aos indígenas. “Foi o
apresamento indígena o mais constante motivo a levar os planaltinos a palmilhar
amplas distâncias, devassando o interior da América portuguesa e adentrando, 109
sucessivas vezes, as terras pertencentes à Coroa Espanhola.”
(PACHECO,2015). É pertinente destacar que nem o pioneirismo é de fato dos
bandeirantes de São Paulo, Dante Ribeiro da Fonseca (FONSECA,2017)
evidencia não apenas a participação nortista no processo de delineamento das
fronteiras brasileiras, mas seu pioneirismo, anterior ao ciclo do ouro, que
desencadeou as expedições mais profundas por parte das bandeiras paulistas.

Figura 3
Prova do ano de 2011 - Disciplina da História - Questão: 118- Resposta-
(E) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10 de
julho de 2020.

A questão 118 expõe que a alternativa correta é “interação pacífica no uso da


língua portuguesa e da língua tupi”, esta resposta implica compreender que essa
incorporação aconteceu de forma amena, sem considerar por tanto o histórico
de extinção de diversas outras famílias linguísticas como por exemplo a Macro-
Jê que conforme classificação do professor Ayron Dall`Igna Rodrigues é “outro
grande tronco.”(LÍNGUAS, 2019).
O autor John M. Monteiro no capítulo 2: A Língua Mais Usada na Costa do Brasil,
de sua tese intitulada. Reflete sobre a complexidade do aprendizado da língua
tupi principalmente para a expansão portuguesa, esta na medida em que
avançava, “estabeleceu-se desde cedo uma política linguística que tornava “a
língua mais usada na costa do Brasil” o seu principal instrumento”(MONTEIRO,
2001) que era “um conjunto de dialetos da família linguística tupi-guarani, a
primeira “língua geral” foi perdendo as suas inflexões locais e regionais em 110
função da sua adoção, sistematização e expansão enquanto idioma colonial.”.
De fato, por mais que não tenha havido violência física durante o processo de
interação das línguas, este acontecimento estava longe de ser pacifico.

Em uma ampla perspectiva pode-se compreender a pluralidade linguística como


barreira para missionários jesuítas, uma vez que eles objetivavam catequizar e
humanizar os povos indígenas e as linguagens eram o principal meio para isso.
Portanto, para esse fim a interação surge como ferramenta necessária para a
imposição de seus próprios objetivos e não para o conhecimento dos povos que
ali viviam.

Figura 4 - Prova do ano de 2011 - Disciplina da Sociologia/História - Questão:


31- Resposta-(A). Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso
em: 10 de julho de 2020.

A questão interdisciplinar acima explora a dualidade cultural existente entre os


Tupinambás e os europeus, pode-se identificar um pouco o aprofundamento da
questão no tema que se propõe abordar. Para a História a cultura é um tema de
extrema relevância na representação dos povos indígenas. Segundo o autor
José Luiz dos Santos pode-se compreender a cultura dentro de duas
concepções básicas a primeira “diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a
existência social de um povo ou nação” ou “então de grupos no interior de uma
sociedade.” (SANTOS,2006). Santos ainda apresenta uma segunda concepção
na qual a “cultura é o conhecimento, às ideias e crenças, assim como às
maneiras como eles existem na vida social.” Dentro desse entendimento se faz
necessário aprofundar as discussões sobre a cultura dos povos indígenas, pois
a partir desse caminho se poderá desenvolver um melhor entendimento dos
aspectos culturais. 111

Ao longo das análises observou-se que nesta primeira forma de representação,


generalizada, há um afastamento do tema, na maioria das vezes ele é dado de
forma secundária, superficial e/ou sem aprofundamento. Esta representação
está muito distante das pluralidades das identidades étnicas e acaba por
desfigura-las. Uma segunda forma de representação é a que tenta acolher, se
preocupa e dialoga com a dinâmica das pluralidades dos povos indígenas. Está,
objetiva ser coerente ao relacionar e incitar melhor compreensão da discussão
temática.

Figura 5-Prova do ano de 2010 - Disciplina da História - Questão: 28-


Resposta-(B) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10
de julho de 2020.

A questão acima permite refletir sobre as percepções acerca da chegada dos


portugueses às terras que posteriormente seriam denominadas de Brasil,
usando o termo etnocentrismo que, segundo Paulo Meneses, é “um preconceito
que cada sociedade ou cada cultura produz ao mesmo tempo em que procura
incutir em seus membros normas e valores peculiares.”(MENESES, 1999) na
medida em que disserta sobre a existência de uma postura etnocêntrica a
questão 28 de 2010 possibilita uma reflexão sobre as diferentes visões da
história. Esta abordagem propicia a possibilidade de contrapor os valores de
quem chega ao Brasil com os povos que nele viviam.

A forma com que a historiografia abordou o tema indígena foi por muito tempo
bem limitada, “A ausência quase total de fontes textuais e iconográficas
produzidas por escritores e artistas índios por si só impõe uma séria restrição
aos historiadores.”(MONTEIRO,2001). E isso acabou por propagar formas de 112
fazer história que emergiam em cada momento. “De certo, a poderosa imagem
dos índios como eternos prisioneiros de formações isoladas e primitivas têm
dificultado a compreensão dos múltiplos processos de transformação étnica que
ajudariam a explicar uma parte considerável da história social e cultural do
país”(MONTEIRO,2001).

Aqui, consideramos importante destacar que nossos apontamentos sobre


mudanças historiográficas não implicam em “certo” ou “errado”, mas sim em
compreender que na medida em que novos estudos científicos sobre história dos
povos indígenas surgem, as estruturas e eixos de análise se modificam e se
movem, colocando em perspectiva o local em que o protagonismo daqueles
sujeitos e coletivos encontra espaço, auxiliando nos processos de reconstrução
das abordagens historiográficas.

Figura 6 -Prova do ano de 2010 - Disciplina da história - Questão: 17-


Resposta-(A) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10
de julho de 2020.
Ao abordar a problemas socioculturais da terra a questão relaciona um protesto
que pode ser compreendido como um ato de resistência frente ao cerco de terras
indígenas. A questão interdisciplinar envolveu na época de sua aplicação um
assunto contemporâneo, mas que também adivinha de outros momentos
históricos, por exemplo, a constante luta pela defesa da terra. Conforme indicado
por Cavalcante (2016, p. 1). 113

“Atualmente, os direitos territoriais indígenas estão reconhecidos no artigo 231


da Constituição Federal de 1988. No entanto, essa não foi a primeira Carta
Magna em que o tema foi apresentado. No Brasil independente, desde a
Constituição Federal de 1934, todas as que a seguiram trataram do tema,
assegurando direitos aos indígenas, até mesmo aquelas impostas em períodos
ditatoriais.” (CAVALCANTE, 2016).

Desde os primórdios do Brasil os direitos territoriais indígenas são questão


latente na história mesmos com diversos avanços, Fernando Roque Fernandes
esclarece que, atualmente na sociedade brasileira, as conquistas propiciadas
pelas históricas lutas dos movimentos sociais parecem ter que exercer constante
força frente ao Estado para “que este seja pressionado a implementar políticas
sociais relacionadas aos direitos conquistados pelos grupos em condições
periféricas.” (FERNANDES,2018, p. 79).

As tensões expostas nesta questão possibilitam analisar e refletir diversas


perspectivas das lutas indígenas na história. Assim como orientado pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de Historia em seu
tópico Nações, povos, lutas, guerras e revoluções “lutas dos povos indígenas
pela preservação de seus territórios”(BRASIL,1997). Assim, ao abordar temas
como as disputas de terras, é preciso esclarecer todas as dimensões da
problemática, não no sentido de colocar os indígenas como os bons, maus, do
passado ou inertes, mas sim como povos que estão em constantes disputas com
outros interesses, como sujeitos ativos das lutas por terras. Como é esclarecido
no PCN do Ensino Fundamental, Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino
Fundamental para a disciplina de História, “[...] As questões envolvendo a
cidadania só podem ser entendidas em dimensão histórica. A luta pela terra, por
exemplo, tem envolvido gerações. Os territórios indígenas, reduzidos pela
expansão da colonização europeia e pelo avanço das fronteiras agrícolas e
minerais, até hoje pedem políticas públicas efetivas” (BRASIL, 1998).
114

Figura 7 - Prova do ano de 2001 - Disciplina da História - Questão: 54-


Resposta-(D) Fonte: http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos; Acesso em: 10
de julho de 2020.

A questão 54 expõe duas perspectivas distintas sobre a integração do indígena


com a dita “civilização” brasileira. Esse tipo de abordagem pode ser benéfica no
sentido que provoca uma maior reflexão sobre o referido acontecimento. Uma
vez que o “Desconhecimento, omissão e desrespeito às causas indígenas são
características de parcelas significativas da sociedade” o debate sobre a
diversidade cultural é fator relevante no combate aos preconceitos sobre as
questões relacionadas à diversidade e diferença de povos existentes no Brasil.

Ao utilizar a frase “Mais uma vez”, no texto I da questão, Marcos Terena pode
está fazendo menção indireta a chegada dos portugueses missionários ao Brasil.
Ronald Ramieli em seu livro Imagens da colonização: A representação do índio
de Caminha a Vieira, aborda representações do índio, escritas e gráficas, entre
os séculos XVI e XVII e esclarece que a suposta superioridade europeia
respaldava a conquista, a colonização e a catequese usada “sobre a
degeneração promovida pelos séculos de isolamento” na intencionalidade de
transformar os povos indígenas em cristãos. Ainda segundo o autor, o padre
Manoel da Nobrega, por exemplo, concebia os nativos como página em branco.
Já o Padre Anchieta destacava o povo Ibiraiaras por sua inteligência e mansidão
dos costumes(RAMINELLI, 1996). No entanto, à medida que pautamos as lutas
e cultura dos povos indígenas, esta prática propicia uma visão mais ampla dos
fatos. Nasce, então, a problematização dos interesses, desencontros e erros
(intencionais ou não) ao longo da construção da história desses povos.
Conclusão

As imagens e questões do Exame Nacional do Ensino Médio, como foram


evidenciadas acima, servem como demonstrativos de como as representações
sobre os povos indígenas são manifestas no ENEM. Como resultado, foram
identificadas duas formas recorrentes de representação, estas apresentam 115
diferenças significativas. Através dos elementos que são exibidos e se
materializam ao longo dos discursos presentes no exame, pode-se compreender
como está sendo considerada ou não às lutas desses povos.

De fato há um grande alcance das ideias presentes nesses exames, para além
das pessoas que fazem a prova também deve-se considerar que os demais
agentes envolvidos neste processo são atingidos pelos discursos presentes nas
questões. Inicialmente, uma análise imediata das questões analisadas, nos
levou à percepção de que elas não têm levado em consideração um processo
de luta, cotidiano ou cultura de um coletivo.

A grande questão diagnosticada é que não houve um apagamento das


representações dos povos indígenas. Direta ou indiretamente, esses povos
chegam a ser mencionados nas questões da prova anual. Nossa questão, nesse
sentido, está no modo como eles são representados, pois na maioria das vezes
tais representações acabam não dialogando com o evidente protagonismo dos
povos indígena na história do Brasil. Apesar disso, vez ou outra aparecem
abordagens que consideram as diversidades étnicas no exame.

No caso desta pesquisa, as representações sobre os indígenas foram analisadas


concomitantemente à história das sociedades e das suas relações de poder. Se
distanciando de uma imagem com possível neutralidade de interesses. No caso
do modo com a temática indígena é representada, consideramos que a falta de
diálogo entre as pesquisas científicas desenvolvidas nas universidades e alguns
conteúdos presentes em suas questões pode contribuir para processos de
invisibilização de grupos étnicos considerados subalternos na organização da
sociedade brasileira. Neste caso em particular, os povos indígenas.

Referências biográficas

Fabrícia da Silva Lopes é graduanda do Curso de Licenciatura em História do


Departamento Acadêmico de História (DAH) do Núcleo de Ciências Humanas
(NCH) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente, desenvolve
pesquisas relacionadas às representações dos e sobre os povos indígenas no
âmbito da Educação Básica Brasileira.
E-mail para contato: silvalopes60@gmail.com.

Referências bibliográficas

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http://portal.inep.gov.br/enem/historico; Acesso em: 07 de julho. 2020.
RESSIGNIFICAÇÃO E RECONSTRUÇÃO:
CONTRIBUIÇÕES DA FLORA AMERICANA NA
FILOSOFIA NATURAL MODERNA DO SÉCULO XVI
Gabrielle Legnaghi de Almeida e Anelisa Mota 118

Gregoleti
Introdução

A figura intelectual mais significativa do pensamento ocidental, até o final do


século XVI, e que perdura sua influência até fins do século XVIII, é representada
por Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Sendo diretamente influenciado pelas ideias
platônicas, o filósofo deixou um imenso e importante legado na posterior
construção do conhecimento, principalmente na biologia e política, considerado
por muitos como sendo o pai da biologia como disciplina. Aristóteles, além de
seu trabalho de classificação biológica, observou e registrou em seus estudos
os hábitos e comportamentos das espécies, determinando o curso dos estudos
zoológicos de naturalistas modernos (GRANT, 2009, p. 52-53).

No século XVI, graças às viagens ultramarinas e a descoberta de novos


possíveis domínios, ocorre na Europa uma quebra da clássica tradição medieval
de um conhecimento formulado a partir da interpretação de textos antigos. A
revolução da ciência, assim como a ruptura dos métodos medievais, foi além dos
grandes nomes da ciência moderna, e pode ser compreendida por um processo
iniciado pelos reinos ultramarinos principalmente em 1540, quando ocorreu
maciços investimentos no envio de alquimistas, botânicos, físicos, médicos,
entre outros letrados ao Novo Mundo (BARRERA-OSORIO, 2006, p. 2). Dessa
forma, a lógica da ruptura desenvolveu suas próprias consequências
(CERTEAU, 1994, p. 27) para a reconstrução do conhecimento e cientificidade.

Desenvolvimento

Um dos mecanismos da construção científica, consolidado no período dos


descobrimentos, foi a escrita. A produção cultural trás um campo de expansão
das operações racionais que possibilitam seu gerenciamento a partir de uma
análise, uma síntese e uma massificação (CERTEAU, 1998, p. 91-92). Um
sistema de elementos que constitui na aproximação, isolamento e encaixe de
objetos representou uma definição dos segmentos onde ora aparecia uma
semelhança, e ora uma diferença.

A junção da conveniência, emulação, analogia e simpatia, construíram o saber


da semelhança, e desempenharam a função formadora do saber cultural
ocidental até o final do século XVI (FOUCAULT, 1999). Longe da Eurásia e em
um ambiente configurado de maneira distinta da até então conhecida, os
europeus tiveram que apoiar-se na natureza como sua principal provedora de
recursos, dando continuidade na percepção de que a natureza está disposta em
função das necessidades humanas (THOMAS, 1989). Assim, os aventureiros
além-mar também se dedicaram a tecer detalhadas descrições a partir da
observação dos habitantes das Indias Nuevas, e os inúmeros elementos naturais
americanos revelaram-se ao Velho Mundo graças à articulação das quatro
similitudes.
119
Da mesma maneira que os nativos faziam uso das leis, práticas ou
representações que lhes eram impostas pelo processo de domínio espanhol, os
exploradores significaram, e também ressignificam, os elementos naturais
americanos seguindo seus próprios dogmas, conhecimentos e leis universais,
principalmente no campo da Filosofia Natural. A reunião dos conhecimentos
sobre medicina, botânica, herbolaria, relevo, clima, fauna, navegação etc.,
permitiram que a natureza desconhecida se tornasse minimamente utilitária.
Dessa forma, considerando que toda cientificidade necessita de uma delimitação
e simplificação de seu material (CERTEAU, 1998, p. 94), a partir da dominação
de um prematuro conhecimento e experimentação acerca do ambiente, ele pôde
ser afinado aos anseios dos conquistadores. A contribuição do saber nativo,
mesmo sendo atores antagônicos na história, e que passaram por processos
culturais e sociais distintos, ambos faziam a ordem funcionar de uma maneira
adaptada. Seus padrões afirmam-se mutuamente em posições extremas, ainda
permanecendo em seus próprios sistemas de assimilações (CERTEAU, 1994, p.
27).

Amplamente produzidos no século XVI no processo de colonização da América,


os inúmeros relatos, cartas, tratados, diários de bordo etc, que narraram a
arriscada travessia transatlântica e o desbravamento das novas terras, foram
baseados na experiência e na observação de um sistema de elementos e signos,
transcritos a partir dos mecanismos estruturais de uma narrativa de viagem.
Resultado do contato imediato, o reconhecimento visual é o primeiro mecanismo
de descrição. Elementos como a qualidade do ar, a abundância das terras,
característica das águas, e os recursos alimentícios foram amplamente
destacados.

O cronista português Pero de Magalhães Gândavo (1540-1580) em seu “Tratado


da Terra do Brasil: Historia da Província de Santa Cruz, a que Vulgarmente
Chamamos Brasil”, publicado pela primeira vez em 1576, tece sua descrição das
terras brasílicas a partir da observação, destacando que “[...] san tantas e tam
diversas as plantas, fuitas e hervas que há nesta Província de que se podiam
notar mais particularidades, que seria cousa infinita escreve-las aqui todas, e dar
noticia dos effectos de casa huma miudamente [...]” (GÂNDAVO, 2008, p. 39).
De maneira similar, o senhor de engenho português Gabriel Soares de Sousa
(1540-1591) escreve o “Tratado Descritivo do Brasil em 1587” também se
atentando ao ambiente. Segundo o português “[...] esta baía é de bons ares, mui
delgados e sadios, de muito frescas e delgadas águas, e mui abastada de
mantimentos naturais da terra, de muita caça, e muitos e mui saborosos
pescados e frutas [...]” (SOUSA, 1971, p. 141).
A partir do primeiro impacto com a flora e fauna americana, os sistemas de
classificação e sistematização se moldaram nos relatos. De maneira individual,
cada cronista organizou seus escritos seguindo sua própria lógica e preferência.
Porém, mesmo sem o completo abandono dos paradigmas da Filosofia Natural,
ocorreu no período o início do desmantelamento das antigas tradições
(CERTEAU, 1994, p. 23). Como exemplo, a configuração da botânica medicinal
respeitou os paradigmas da medicina hipocrática-galênica. Cada elemento foi 120
registrado a partir de sua característica de acordo com seu temperamento
descrito, em consonância com a teoria humoral. Mas já no final do século XVI,
as novas percepções sobre o corpo, natureza e terapêuticas mudam sua forma
e passaram a considerar as terras descobertas além-mar, suas gentes, e ofertas
da natureza.

Essa relação é fortemente estabelecida pelo jesuíta espanhol Joseph de Acosta


(1540-1600) em sua “Historia Natural y Moral de Las Indias”. Ao aventurar-se
nas terras peruanas em 1571, Acosta (1894) formulou sua obra em sete partes,
compreendendo as características climáticas da região, a fauna, flora, costumes
dos grupos nativos, além de outros destaques para as viagens dentro do
território. Ao considerar a relação dos quatro elementos (terra, ar, água e fogo)
com os humores corporais (sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra) e o
equilíbrio destes para a manutenção da saúde dos indivíduos (LE GOFF;
TROUNG, 2005, p. 80), o cronista descreve o ambiente a partir dos ares e dos
azares:

“Si algún Paraíso se puede decir en la tierra, es donde se goza un temple tan
suave y apacible. Porque para la vida humana no hay cosa de igual pesadumbre
y pena, como tener un Cielo y aire contrario, y pesado, y enfermo; ni hay cosa
mas gustosa y apacible, que gozar de el Cielo y aire suave, sano, y alegre. [...]
Este rodea nuestros cuerpos: éste nos entra en las mismas entrañas y cada
momento visita el corazon, y así le imprime sus propriedades. Si es aire corrupto,
entantico mata: si es salubre, repara las fuerzas; finalmente, solo el aire podemos
decir que es toda la vida de los hombres. Así que aunque haya mas riquezas y
bienes, si el Cielo es desabrido y mal sano, por fuerza se há de vivir vida penosa
y disgustada. Mas si el aire y Cielo es saludabre, y alegre y apacible, aunque no
haya de outra riqueza, da contento y placer” (ACOSTA, 1894, p. 162).

Dentro do sistema de elementos e classificação do Velho Mundo, a flora


americana foi registrada a partir de sua compleição fitoterápica. As drogas
americanas só foram reconhecidas, e posteriormente disseminadas na Europa,
graças à utilização do conhecimento das culturas nativas. As aguçadas
faculdades dos originais habitantes do Novo Mundo permitiram-lhes o registro
de caracteres genéricos de todas as espécies de seres vivos, e de todos os
fatores ambientais. A íntima integração dos grupos nativos com sua terra fez com
que desvendassem o traiçoeiro hábito da flora de parecer semelhante e serem
distintas, e de parecerem distintas e serem semelhantes (STRAUSS, 1968, p.
18-21). Dessa maneira, aproveitando de um saber e uso já determinado, os
europeus sintetizaram esses elementos a partir de seus próprios dogmas, o que
também representou uma ruptura do padrão estabelecido. Nesse processo, as
tradições foram contestadas, os patriotismos desmistificados, regras, ritos e os
velhos dogmas caíram no descrédito (CERTEAU, 1994, p. 23),
progressivamente.

Como exemplo tem-se os registros sobre a Erva Petum. Descrita pelo francês
André Thévet (1502-1590) na obra “As singularidades da França Antártica”,
também é relatada por Jean de Léry (1536-1613) em sua “Viagem a Terra do 121
Brasil”. A partir da observação dos moradores do Novo Mundo a planta é “[...] de
grande estima entre os selvagens [...]” (LÉRY, 1961, p. 141). Fazendo o uso das
similitudes, Thévet (1978) afirma que era semelhante às “língua-de-vaca”, já
conhecidas na Europa, e seu uso assemelha-se ao descrito por Léry (1971) em
que “[...] colhem-na e preparam em pequenas porções que secam em casa [...]”
(LÉRY, 1971, p. 141). Thevet (1978) narra que “[...] depois de estar seca,
envolvem uma certa quantidade dela numa folha de palmeira [...]”, posteriorente
“[...] acendendo uma das pontas, aspiravam a fumaça pelo nariz e pela boca [...]”
(THEVET, 1971, p.110), registrando as maneiras de usar o elemento.

Destinada para retirar os “humores supérfluos” do cérebro e “mitigar a fome”


durante um grande intervalo de tempo, a descrição da erva corresponde ao que
hoje se conhece pelo tabaco. A planta do gênero Nicotiana, encontrada por toda
a América, foi amplamente disseminada através dos compêndios de medicina e
de diferentes médicos, físicos, doutores e filósofos, que passaram a recomendar
o uso da planta para diversas enfermidades, além de apostemas e úlceras
(SANTOS; BRACHT; CONCEIÇÃO, 2013). Sua popularização no Velho Mundo
não se vinculou com o significado xamânico, ritualístico ou de sociabilidade
praticado pelos grupos do Novo Mundo. Os efeitos da nicotina, principal
composto nitrogenado presente no tabaco, promovem uma sensação de bem-
estar graças à liberação de dopamina, caindo no gosto do europeu e
amplamente utilizado nos séculos posteriores.

A utilização do tabaco entre os nativos americanos, bem como outros elementos


botânicos com propriedades curativas, remete à complexos simbolismos e
práticas culturais exclusivas. De acordo com o historiador francês Michel de
Certeau (1998), as maneiras de construção do fazer criam sistemas de
estratificação e funcionamentos diferentes e interferentes, corroborando para a
pluralidade. Na Europa do século XVI, diferentemente da sistematização nativa
americana, as plantas medicinais dividiam-se de acordo com a sua ação curativa
agindo sob as “quantidades elementares”; segundo a teoria humoral; e as que
possuíam ações específicas. Dentro da Filosofia Natural os chamados “simples”
correspondiam a qualquer medicamento que tinha em sua base de formulação
algum elemento de origem vegetal ou animal. O tabaco entra no grupo dos
simples desempenhando uma significativa adesão dentre a população europeia
(SANTOS, 2003, p. 49).

Conclusão

Podendo ser picadas, amassadas, trituradas, extraídas seu óleo ou defumadas,


as diversas folhas, raízes e troncos de plantas tropicais foram utilizadas de
diferentes maneiras. Diante da falta de recursos conhecidos pelos europeus, a
necessidade de ferramentas para reequilibrar os humores corporais, e a
ordenação do mundo natural visando a exploração, a flora medicinal
desempenhou um papel crucial nos paradigmas da Filosofia Natural e início da
Medicina Moderna. De acordo com Michel Foucault (1999), a ordenação a partir
de um sistema de elementos define os segmentos sobre os quais as
semelhanças e diferenças se manifestam. Para o autor, as variações entre esses 122
dois segmentos são indispensáveis para o estabelecimento da mais simples
ordenação, “a ordem é ao mesmo tempo aquilo que se oferece nas coisas como
sua lei anterior” (FOUCAULT, 1999, p. XV).

O resgate aos documentos deixados por médicos, naturalistas, jesuítas, capitães


e demais aventureiros, evidenciam a importância que as descobertas trouxeram
no campo científico. Ao abandonar as concepções medievais de mundo,
“ciência” e método, e iniciar o processo de ressignificação e remodelamento da
Filosofia Natural, o estudo da botânica e sua inserção na Europa representou
um passo para as teorias científica que posteriormente foram consolidadas,
assim como no campo da biologia, farmacologia e medicina. A revisão desses
antigos documentos possibilita uma abordagem interdisciplinar sobre o estudo
da colonização; compreendem a Filosofia na construção do conhecimento; a
História na análise sobre os desdobramentos das grandes navegações e
chegada ao Novo Mundo; proporcionam o estímulo de atividades envolvendo a
análise de documentos históricos, e ainda, permitem o desenvolvimento de
“Temas Transversais”, como por exemplo, a História Ambiental.

Referências Biográficas

Mestranda Gabrielle Legnaghi de Almeida; Programa de Pós-Graduação em


História (PPH); Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Doutoranda Anelisa Mota Gregoleti; Programa de Pós-Graduação em História
(PPH); Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Fontes

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1894
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Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2008.

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1971.

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LA “OTRA HISTORIA” Y SUS ENSEÑANZAS:
REBELIONES DE INDIOS NÓMADAS EN EL NORESTE
NOVOHISPANO Y EN CUBA (PERÍODO TARDO-
COLONIAL) 124

Hernán Maximiliano Venegas Delgado


La “Otra Historia” y sus enseñanzas

Enseñar, contar, narrar, la Historia de América y en particular de Latinoamérica,


nos presenta enormes retos en la actualidad, cuando las investigaciones sobre
los distintos procesos históricos por los que hemos atravesado no sólo se siguen
cuestionando, sino también incrementado a través de diversas investigaciones,
sobre aquellos aspectos más polémicos, cuando no ocultos o parcialmente
ocultos. Este es el caso de las rebeliones de los indios nómadas y de sus aliados
en el Noreste del virreinato de la Nueva España, de su extrañamiento a otras
partes del centro y del sur de esa colonia, así como a otras colonias españolas.

En nuestro criterio, la historia y sus enseñanzas aún deben recorrer un largo


trecho por continuar develando a profundidad aquellos aspectos más oscuros y
ocultados -que no sólo ocultos- de los procesos históricos en que se han formado
nuestros pueblos y naciones, incluso hasta nuestros días.

En tal sentido la temática de la esclavización de los indígenas, si bien ha recibido


una atención regular, no lo ha sido así siempre en casos como los de los pueblos
nomádicos y otros en su lucha tanto contra el colonialismo ibérico y criollo, como
durante los procesos de formación de los estados nacionales, en los cuales los
casos de México y del Imperio de Brasil, tienen preminencia probablemente,
amén de otras partes del Continente, como los indígenas mapuches de las
actuales Chile y Argentina.

El ocultamiento de una parte de esa información que ahora trabajamos y sobre


la cual estamos escribiendo un trabajo para su publicación los autores de esta
ponencia, fue una labor planificada, pensada y puesta en práctica por las coronas
ibéricas y por esos estados nacionales surgidos a continuación. Así, para el caso
que nos ocupa, investigar en esta área resulta difícil, complicado, pero también
muy promisorio, dadas las contradicciones que surgían en cuanto a las
poblaciones nómadas del norte novohispano, en relación con las leyes,
reglamentos y regulaciones españolas de esos tres largos siglos de dominación
colonial promulgados sobre la esclavitud de los “naturales” de América, como así
también sobre los llamados negros da terra o esclavos indios concretamente en
cuanto a Brasil, pongamos como ejemplos representativos. Pasemos entonces
a analizar el caso seleccionado.
La esclavización de los indios nómadas en ambas orillas del Golfo de
México.

El envío de indios nómadas del entonces noreste del virreinato de la Nueva


España hacia Cuba y otros destinos en el mismo México y en el resto de las
posesiones españolas en el Mar Caribe, ha sido estudiado durante los últimos
años, entre otros, por autores de libros y trabajos diversos como Carlos Manuel 125
Valdés Dávila -en conjunción con quien escribe esta ponencia- y Joseph Conrad,
quienes han actualizado diversas informaciones expuestas durante varios lustros
por muchas autoras y autores, en particular mexicanos, españoles y
estadounidenses, entre otros.

Las rebeliones de estos indomables indígenas ancestrales en tierras


americanas, entre los que en la porción estudiada se distinguieron en particular
los denominados como apaches y los comanches, fueron continuas y se
prolongaron hasta muy avanzado el siglo XIX republicano en México, lo que
denota, en conjunción con otros pueblos aborígenes del continente, una lucha
continua y constante por preserva su independencia frente al dominio colonial,
no sólo de España, sino también de otras potencias europeas en la América del
Norte.

Para el noreste novohispano hemos seleccionado para tipificar nuestro trabajo


al triángulo defensivo hispano-criollo situado entre Saltillo, Mazapil y Parras, en
la actualidad ciudades y dependencias administrativas ubicadas entre los
estados de Coahuila y Zacatecas, como se observa a continuación. Estas villas
eran atacadas mayormente desde el norte, a través del llamado Bolsón de
Mapimí y otros sitios aledaños
Mapa actual con la ubicación de las villas de Saltillo-Parras-Mazapil y del
Bolsón de Mapimí, vía esencial de penetración de los nómadas al espacio
colonial
Fuente: https://lector.alibrate.com/book/preview/121968/chap5 (bajada el 11 de
abril del 2021), en el que hemos resaltado las tres villas estudiadas y el Bolsón
de Mapimí.
126
Este triángulo defensivo estaba jalonado por grandes haciendas, cuyos núcleos
centrales se encontraban fortificados, como especie de pequeñas fortalezas
medievales europeas, con altas paredes lisas, con parapetos en los techos de
las casas y otras construcciones, desde donde sus moradores podían
defenderse de los ataques tanto de los nómadas como de bandoleros diversos
(a lo que nos referiremos más adelante), con torres defensivas en las esquinas
de dichas áreas e, incluso, con puertas de entrada limitadas, construidos por lo
general de madera dura y hierro, como se puede observar a continuación en
general. Veamos un ejemplo de este sistema defensivo, en este caso de la
hacienda “Gruñidora”, de Mazapil.

Mapa satelital del INEGI (2016) en el que se destacan algunos elementos


defensivos de la hacienda “Gruñidora”, Mazapil, Zacatecas, efectuado por
Martín Rodríguez de León, con la colaboración de Francisco Antonio Suárez
Izquierdo y José Manuel Aguilar Quezada, integrantes del equipo de
investigación dirigido por Hernán M. Venegas Delgado

A la vez, para el caso cubano, hemos escogido el extremo occidente de la Isla,


conocido como la Nueva Filipina, actual provincia de Pinar del Río, aunque las
rebeldías nómadas se extendieron, pero en menor proporción, prácticamente a
través del resto del territorio cubano (véase el mapa general a continuación).

127

Mapa con la ubicación de los principales centros de rebeldías de los indígenas


nómadas y sus aliados los esclavos africanos y mestizos, a través de Cuba
(efectuado por el estudiante ayudante de investigación Juan José Casas, del
equipo de investigación de Hernán M. Venegas Delgado y Carlos M. Valdés
Dávila)

Si comenzamos a analizar ese primer triángulo defensivo hispano-criollo de


Saltillo-Mazapil-Parras, salta a la vista que desde inicios del siglo XVIII se
recrudecen los ataques nómadas, con algunos períodos de paz relativa, gracias
tanto a las alianzas ocasionales de los colonizadores hispano-criollos con
algunas tribus y facciones de éstas, como con los denominados “indios de paz”
o pacíficos, entre los cuales los tlaxcaltecas, oriundos del centro del virreinato,
fueron traídos desde muy temprano al Septentrión novohispano para contribuir
a la colonización del área, a cambio de lo cual recibieron tierras y privilegios
relativos.

A mediados del siglo XVIII un hecho bélico estremecería ese inestable


Septentrión: el del ataque a San Sabá, misión franciscana que fue destruida por
alrededor de unos 2 o 3 000 guerreros indígenas, confrontación sobre la que
reproducimos una imagen de la época.
128

Pintura sobre el ataque indígena a la misión de San Sabá (noreste


novohispano)
https://mexicana.cultura.gob.mx/en/repositorio/detalle?id=_suri:MUNAL:TransO
bject:5bce8cb27a8a02074f835f08, bajada de internet el día 11 de abril de
2021.

Este hecho indicó claramente la inestabilidad de esa frontera norte virreinal ante
los ataques indios, a lo que se sumaba también la amenaza continua y constante
de Francia e Inglaterra (y un poco más delante de los nacientes Estados Unidos
de América), así como de comerciantes y bandidos, cuando no ambas cosas a
la vez, provenientes generalmente de la colonia francesa de Luisiana y, por
descontado, de los propios residentes de todo tipo de la porción española.

Un problema fundamental era que los llamados presidios o especie de pequeñas


fortalezas defendidas por destacamentos españoles y que guarnecían esa
porción del noreste novohispano, los de Anaelo y del Álamo, a todas luces eran
insuficientes para impedir la penetración de los nómadas, particularmente los
apaches, por lo que los urgentes y llamados de las autoridades coloniales de
esas regiones a que se construyeran más presidios fueron constantes, con
escasas respuestas por parte de las autoridades centrales de la Ciudad de
México, capital del virreinato.

Esto era muestra de las ineficientes y contraproducentes reformas fiscales del


Despotismo Ilustrado, que no fueron suficientes para solventar tales gastos en
los vastos dominios españoles en América y, en este caso, en la macro región
estudiada. A ello se sumaba el descenso en el rendimiento de las minas,
señaladamente las de plata, en el Septentrión novohispano.

Otro problema fue el de las constantes evasivas de los grandes dueños de


haciendas de estas regiones, propietarios absentistas radicados en la Ciudad de
México, a contribuir eficazmente a la defensa de dichas regiones, focalizándose
los mismos es reforzar la protección de sus propios latifundios. Su tozuda
negativa llevó incluso a que el rey ordenase en 1790 disminuir las rentas de
alcabalas en las regiones estudiadas y, un poco más adelante, en 1793, en el
resto de las Provincias Internas (que fue el nombre de la unidad político-
administrativa y militar creada en el norte virreinal en 1776 -a la que no
pertenecía Mazapil, pero que sí era colindante a éstas y con las cuales estaban
directamente relacionada-.

Y, por si todo esto no fuera suficiente, tampoco los vecinos de las villas se
mostraban siempre dispuestos a defender sus regiones respectivas, a no ser 129
ante el peligro inminente de invasión nómada comprobada, aunque regularmente
situando reparos y obstáculos para su participación en los destacamentos
armados que eran convocados a formar, cuando no también con los recursos
que los vecinos debían aportar.

En similar dirección se comportaba también, por ejemplo, el emblemático pueblo


de San Esteban de la Nueva Tlaxcala, contiguo al de la villa hispano-criolla de
Saltillo, cuyos habitantes tlaxcaltecas se negaban regularmente a participar en
la defensa requerida ante los ataques de los nómadas, con diversos pretextos.

Pero no podía ser de otra manera en general, pues los resultados de los ataques
nómadas despertaban entre los hispano-criollos y sus aliados pusilanimidad y
miedo, cuando no pavor o un terror pánico, ante dichos atacantes. Por ello eran
comunes las críticas por “retirarse con cobardía o escusarse con frivolidades”
ante estos ataques, mientras que los colonizadores justificaban sus temores
diciendo que un solo indio significaba una efectividad en el combate de media
docena o más de militares y milicianos hispanos y criollos.

Por otra parte, también hay que argumentar que los hispano-criollos tomaban a
la sazón medidas vesánicas contra estas tribus nómadas, clamando por el
exterminio (sic) de los indios, así como por el destierro perpetuo de los mismos
de la tierras del Septentrión. Ello se verificaba con mucha fuerza hacia La
Habana, Cuba, tanto para trabajar como esclavos en la construcción y
reconstrucción de sus fortalezas -tras la retirada británica de La Habana en 1763
y las continuas asechanzas de Inglaterra y Francia en las décadas que se les
continuaron-, mientras las mujeres y las niñas y niños eran enviados a engrosar
la terrible institución de la esclavitud doméstica entre los vecinos pudientes, altos
funcionarios y militares e incluso instituciones diversas de la Iglesia católica.

Precisamente, en cuanto a Cuba, el envío de los nómadas se convirtió en un


hecho regular, en particular entre las últimas décadas del siglo XVIII y los inicios
del siglo XIX, cuando destacaron también por sus rebeldías y por el liderazgo
que varios de estos indígenas tuvieron sobre sus similares, los esclavos negros
y mestizos, tanto africanos como sus descendientes nacidos en la Isla.

Estas rebeldías se sucedieron en la parte occidental mayormente de la isla-


archipiélago que es Cuba, aprovechando las condiciones de las relativamente
altas montañas del occidente de la misma, lo que se conocía como jurisdicción
de la Nueva Filipina. Estas montañas eran las denominadas básicamente como
la Sierra del Rosario y la Sierra de los Órganos. En dichas cadenas montañosas
se establecieron algunos de los líderes de estas rebeliones, como fue el famoso
caso de los llamados “Indio Grande” e “Indio Chico” quienes, desde dichas
alturas, bajaban a las partes más llanas a atacar y buscar bastimentos de todo
tipo, regresándose a continuación para ponerse a buen resguardo.

Para contrarrestar estos ataques y rebeldías en sí, las elites hispano-criollas,


fuertemente apoyadas por el gobierno colonial, reforzaron las ya antes conocidas
como partidas de “rancheadores”, es decir, de destacamentos armados privados, 130
compuestos de civiles experimentados y conocedores de esas zonas integrantes
de las montañas. Estos serían entonces financiados, ya no sólo por los
gobiernos jurisdiccionales respectivos donde operaban para combatir y erradicar
a esos indios y esclavos negros y mestizos, sino en particular por otras tres
instituciones determinantes dentro del statu quo: la Capitanía General y
Gobernación de la colonia, el Real Consulado de Agricultura, Industria y
Comercio de La Habana y el Real Ayuntamiento de La Habana.

Para que se tenga una idea del estado de malestar y de alarma que causaron
los ataques de esos bravos nómadas y esclavos de la Isla, sólo entre fines del
siglo XVIII y casi las dos primeras décadas del siglo XIX, es decir, en una
veintena de años, se destinó casi la mitad del presupuesto del Real Consulado,
para combatir a dichos sublevados, a quienes denominaban como
“Yndios”. Destacamos esta información a falta de cifras más concretas, dado el
ocultamiento de la información al respecto.

Pero también esas rebeldías se extendieron hasta el centro-este cubano,


provocando un temor constante entre sus habitantes, como lo fue el caso
emblemático del ataque, supuestamente de sólo “un Yndio” a una de las más
importantes poblaciones del centro cubano, la ciudad de Puerto Príncipe, capital
de una de las regiones más ricas y emblemáticas de Cuba. Al respecto la historia
positivista regional no pudo ocultar o subvalorar totalmente estos hechos, ya que
se anotaba que, en las noches y en esa ciudad capital jurisdiccional, se recogían
los vecinos para resguardarse y que, al fin, cuando pudieron perseguirlo a éste
y “su cuadrilla” para eliminarlos, se echaron al vuelo las campanas de las iglesias
locales para festejarlo.

Entonces y a manera de conclusión, hechos como estos, son imprescindibles


incluirlos en la enseñanza de las historias nacionales, tanto mexicana como
cubana -como también del resto de los países latinoamericanos-, para brindar
una imagen más completa de nuestras ricas historias nacionales de hoy en día,
pero eso sí, ancladas en las también muy ricas y provechosas historias
regionales y locales, en las cuales las culturas originarias americanas tienen aún
mucho que decir, mismas que llevamos en nuestras venas y en nuestra cultura
mestiza.

Referência biográfica

Dr. Hernán Maximiliano Venegas Delgado (1946) y Dr. Carlos Manuel Valdés
Dávila, Profesores-Investigadores de la Escuela de Ciencias Sociales,
Universidad Autónoma de Coahuila, México.
Referências bibliográficas:

Fuentes Archivísticas:

Archivo General de la Nación (AGN). Fondos diversos.


131
Archivo General del Estado (AGE), Saltillo, Coahuila, México. Fondos diversos.

Archivo Municipal de Mazapil, Zacatecas, México.

Archivo Municipal de Saltillo, Coahuila, México.

Bibliografía

CONRAD, PAUL. “Captive Fates: Displaced American Indians in the Southwest


Borderlands, Mexico, and Cuba, 1500-1800”. Dissertation, 2011.
En: https://repositories.lib.utexas.edu/bitstream/handle/2152/ETD-UT-2011-08-
4319/CONRAD-DISSERTATION.pdf?sequence=1&isAllowed=y Bajado el 12 de
abril del 2021.

GÁLVEZ, BERNARDO. Noticia y reflexiones sobre la guerra que se tiene con los
apaches en la provincia de Nueva España, por ms de D. Bernardo de Gálvez.
publicado y anotado por Felipe Teixidor, en Anales del Museo Nacional de
México, Nº. 3, 1925, págs. 537-555, bajado de:
https://scholar.google.com.mx/scholar?hl=es&as_sdt=1%2C5&q=NOTICIA+Y+
REFLEXIONES+SOBRE+LA+GUERRA+QUE+SE+TIENE+CON+LOS+APACH
ES+EN+LA+PROVlNCL%5C+DE+NUEVA+ESPA~A+MS.+lllU%3E.+BERXA.R
DO+DE+%28+~AI%2CVEZ+&btnG=

VALDÉS DÁVILA, Carlos Manuel. Los bárbaros, el rey, la iglesia. Los nómadas
del noreste novohispano frente al Estado español. Saltillo, México, Universidad
Autónoma de Coahuila, Quintanilla Ediciones, 2017, 453 p.

VENEGAS DELGADO, H. M. Y CARLOS M. VALDÉS D. La ruta del horror.


Prisioneros indios del noreste novohispano llevados como esclavos a La
Habana, Cuba. Saltillo, Coahuila, Biblioteca Coahuila de Derechos Humanos,
2014, 229 p.
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DO
ENSINO MÉDIO - ANTES DA INVASÃO ATÉ O CICLO
DO OURO (ENTRE 2001 E 2014)
Igor Meireles Bagdadi e Viviani Anaya 132

O presente trabalho tem como propósito pontuar questões específicas


encontradas nos livros didáticos analisados e que reforçam um racismo presente
nas instituições educacionais, com foco na temática indígena, abordada no
componente curricular da História. O objetivo da pesquisa é mostrar exemplos
de racismo contido nos livros didáticos, adotados para o ensino médio, no
período de 2001 a 2014, em espaços educacionais, em um recorte temporal
histórico, antes da invasão européia até o chamado Ciclo do Ouro.

O crescimento da produção sobre a História do Brasil faz com que certos


conteúdos escolares comecem a ser revistos, na tentativa de romper com o
eurocentrismo encontrado em nosso contexto histórico e, consequentemente,
didático. A História do Brasil sempre esteve atrelada a uma História Mundial; na
maioria das pesquisas e construções históricas, a formação do Brasil contém
uma visão exógena; poucas foram as vezes que grandes movimentos de
pesquisadores tentaram construir uma história, do ponto de vista endógeno.
Com a temática indígena podemos exemplificar essa tese: não raro, quando se
aborda os povos originários nos livros didáticos, eles estão atrelados à história
europeia, ao processo de “civilização” europeu. Vale lembrar que a abordagem
rasa, sem o aprofundamento da história passada e atual dos povos indígenas e
africanos, que tanto influenciaram na nossa construção social, maximizando a
história europeia, seja na educação básica ou ensino superior, não é apresentar
a História do Brasil para os estudantes e para o conhecimento da população, de
forma crítica, mas reforçar um racismo educacional e acadêmico que se reflete
na forma de pensar e agir nas futuras gerações.

Os livros didáticos, não raro, são vistos como balizadores do conhecimento


sistematizado, portanto, utilizados como fonte de conhecimento e introdução de
conceitos e valores, por professores e estudantes, dentro e fora do espaço
escolar. Frise-se que a escolha do material didático a ser utilizado dentro e fora
das salas de aula é uma escolha política e reflete preceitos e convicções, mesmo
que não externadas ou verbalizadas. Por vezes, sem qualquer análise crítica
sobre o conteúdo presente nos livros didáticos indicados, até porque, a escolha
é hierárquica e verticalizada. Para além desse aspecto, poucos materiais
complementares que apresentem visão diferenciada são adotados, até para abrir
margem para o contraditório, tão importante e fundamental quando se pensa em
formar uma massa crítica, autônoma e reflexiva.

Muitos professores de História tendem a criticar o livro didático, principalmente


por mostrar um lado tendencioso, validando as ações dos “vencedores”,
excluindo os “perdedores” ou tratando-os como inferiores (BITTENCOURT,
2018). Neste diapasão, muitos professores de História evitam ao máximo utilizar
esses materiais, ou utilizam com muita desconfiança, todavia, as diferentes
visões contidas nos materiais didáticos precisam ser contempladas e discutidas,
entendendo a importância do livro didático como mediador do conhecimento,
além de ajudar o professor na montagem da aula, bem como o aluno durante os
seus estudos.
133
A temática indígena, abordada nos livros didáticos, objeto da pesquisa e
constantes do referencial bibliográfico, traz um número razoável de análise,
ainda pequeno se comparado a outras temáticas, mas demonstram nossa
preocupação com as visões preconceituosas, enraizadas socialmente, e que
fazem parte integrante desses livros, subtraindo dos estudantes a capacidade
de entender como os povos originários se organizavam social e culturalmente.
Todavia, nossa crítica funda-se na ausência de conteúdo sobre esses povos,
datando sua “aparição” somente com a chegada dos europeus, ou contendo,
somente, uma breve explicação de como se organizavam antes do
“descobrimento”, em 1500. A partir daí, toda a discussão funda-se em uma visão
eurocêntrica. Ideologicamente, parece-nos que os povos originários passam por
um marco temporal onde só existem até a presença dos povos africanos no
território e só voltam a existir quando, convenientemente, aborda-se conteúdos
envolvendo os Bandeirantes e os aldeamentos, mais uma vez, contendo visões
eurocêntricas.

De 2001 a 2014, passando pela lei 11.645/2008, que obriga o ensino da cultura
indígena, percebe-se algumas mudanças, sobretudo, com a aparição mais
detalhada dos povos, menos estereótipos, livros que se contradizem, todavia,
alguns preceitos se perpetuam, como frases e parágrafos idênticos em
diferentes livros e edições, defendendo a hegemonia de um processo violento
contra os povos, mostrado e comprovado a partir da análise de livros didáticos
da Editora Scipione.

Na tentativa de abordar fatos históricos dentro da pesquisa sobre ensino de


história nos livros didáticos, a pesquisa inicia a análise falando sobre como os
humanos chegaram no continente que hoje conhecemos como América,
mostrando que existem vestígios que variam entre 15mil e 100mil anos atrás,
vindos pela Ásia, Austrália e Malaio-polinésia, ou seja, pelo Oeste nas correntes
marítimas e pelo estreito de Bering. Abordamos, também, a chegada desses
povos no Brasil, a partir de três caminhos mais aceitáveis: pela Amazônia, pelos
Andes ou contornando o litoral. Essa análise passa por todos os livros
analisados, todavia, sem explicar de onde vieram.

O próximo período histórico abordado é a chegada dos europeus na atual


América. Nesse momento, principalmente nos livros mais antigos analisados, é
evidenciada a relação das palavras, com a utilização de “descoberta” e “novo”,
em relação ao novo mundo, por exemplo e, para outros continentes já
conhecidos pelos europeus, utilizar-se a palavra “chegada”. Evidenciamos,
também, a falta de informações sobre esse momento em todos os livros
analisados, não contendo nenhum aprofundamento sobre a chegada dos
europeus, saltando, diretamente, para as questões comerciais.

Na discussão sobre o comércio, encontramos a questão do escambo como uma


troca injusta onde os portugueses foram mais “espertos”, ignorando então
diversos documentos históricos que mostram que a relação de troca era mútua,
além da crítica ao discurso no livro didático que, indiretamente, estaria ligado à 134
questão do “índio preguiçoso”.

Durante a efetiva colonização do território, os livros analisados, no que tange ao


início da História do Brasil, deixam de lado a história dos povos indígenas e
focam somente na questão europeia e, na sequência, no processo de escravidão
dos povos africanos. Percebe-se a mesma lógica quando se fala da
interiorização da colonização; há pouca ou nenhuma informação sobre a questão
indígena, mesmo sendo a coleta das chamadas Drogas do Sertão, feita em
grande escala, por trabalho escravo indígena.

Há um momento da pesquisa com um enfoque para três questões prioritárias na


história dos povos indígenas presentes no território brasileiro, sendo elas a
chamada “Conquista do Sul”, os aldeamentos religiosos e, por fim, os
Bandeirantes. Seja pela falta de informações ou por maximizar aspectos
europeus, os livros didáticos trazem pouca informação sobre as questões
indígenas, sobretudo, nestes três momentos evidenciados, considerados
extremamente importantes, quando se discute questões indígenas.

Somente na análise dos livros didáticos mais antigos, no conteúdo “Conquista


do Sul” cita-se a Guerra Guaranítica, mesmo assim, de forma rasa e superficial,
sem detalhes sobre a resistência dos povos indígenas da região. Quanto mais
próximo de 2014, menos informações sobre essa resistência é encontrada
nesses materiais didáticos. Há uma abordagem excessiva sobre as relações de
Portugal e Espanha e a briga pela região, excluindo, totalmente, os povos
nativos.

Quando se discute os aldeamentos, os discursos ficam bem tensos em relação


aos povos originários; em geral, os jesuítas são vistos como salvadores dos
nativos, vindos para a Terra Brasilis com a função de protegê-los dos colonos.
Geralmente, essa questão é abordada como complementar a outras e não como
uma parte exclusiva para falar do domínio religioso sobre outros povos. Além da
questão do jesuíta salvador e protetor, tanto os livros mais antigos quanto os
mais novos analisados, abordam a aculturação, tratando-os como pessoas que,
após aldeadas, perderam sua cultura, levantando hipóteses, como detectado em
alguns livros, que os grandes responsáveis pela cultura brasileira são os jesuítas.
Ainda sobre a aculturação, o indígena só volta a ser indígena quando necessário.
Quando isso não acontece, ele não é mais indígena pois segundo os livros, ele
não tem mais essa cultura. Esse discurso é bastante perigoso e mesmo no último
livro didático analisado, a ideia de que só se pode ser considerado povo nativo
se morar na floresta e andar nu, sobrevivendo somente do que a natureza pode
fornecer dar como matéria prima, ainda é muito enraizada.
É sempre importante ressaltar, quando se abordar os aldeamentos, que quando
um povo escolhia se permitir o aldeamento, era a escolha de um mal menor, ou
seja, ou eles seriam caçados pelos colonos pela vida inteira até serem
dizimados, assassinados, estuprados e escravizados, ou aceitavam serem
aldeados; terem parte da sua cultura proibida, não quer dizer que não a
praticavam, mesmo com trabalhos análogos à escravidão. Ainda nessa parte da 135
pesquisa, é destacada algumas revoltas que ocorreram nesse contexto e os
massacres de alguns povos indígenas.

Quando os livros analisados abordam os bandeirantes, diferentemente dos


jesuítas, eles não são vistos nos livros didáticos como salvadores dos povos
indígenas, porém, são postos como heróis nacionais, os grandes expansionistas,
que interiorizaram o território. Os livros pouco abordam os povos indígenas, a
luta, segundo eles, entre jesuítas e bandeirantes. Somente o último livro
analisado cita a resistência do povo Kayapó, mas não a colocam como
resistência, mas como bandidos que saqueavam os bandeirantes que passavam
pelas suas terras. Ainda no último livro, é citada a Confederação dos Cariri,
porém, tratam os filhos das mulheres indígenas estupradas como não indígenas,
por serem mestiços. Ainda, segundo os autores do livro, uma nova cultura e
civilização é criada em função desses filhos mestiços, defendendo que a
miscigenação, mesmo que forçada, acaba com culturas já existentes e valida o
discurso de que indígenas mestiços, atualmente, não podem ser considerados
indígenas “verdadeiros”. Finalizando a discussão sobre os bandeirantes, foi
possível encontrar em todos os livros analisados, exceto os de 2001 e 2005, o
mesmo discurso considerando os bandeirantes heróis nacionais, apesar dos
massacres promovidos por eles, não evidenciados como tal.

A pesquisa aborda, também, a falta de representatividade de personagens


indígenas; os que são abordados, normalmente são aqueles que, por questões
individuais ou por pressão dos colonizadores, decidiram ficar do lado dos
europeus, diminuindo, então, os personagens que morreram na resistência
contra os europeus. Enquanto os livros dão nomes de diversos europeus e
colonos que passaram por aqui, personagens pertencentes a povos nativos que
marcaram a nossa história ficam apagados do conhecimento popular. Outro
elemento a evidenciar é a ausência de diversidade dos povos; enquanto é
mencionado várias nações europeias e suas disputas, pouco se fala dos povos
e suas resistências contra a colonização. Por fim, criticamos a abordagem dos
livros didáticos com a temática indígena como se fosse uma era histórica, um
marco temporal, Idade Média ou a crise do século XIV na Europa, algo datado,
que aconteceu e, posteriormente, deixou de acontecer em um determinado
momento. Os povos indígenas continuaram e continuam a ser massacrados,
excluídos e negligenciados.

Por fim, a pesquisa entra na análise dos exercícios propostos pelos livros, visto
que não há grande diferença entre os livros didáticos analisados antes e depois
da lei n° 11645/08. Também foram analisadas as fontes utilizadas para compor
os livros. Constatamos uma maior quantidade de fontes sobre a abordagem
indígena nos livros mais antigos, porém, muitas fontes são clássicos ou
pesquisas que datam da primeira metade do século passado, portanto, ainda
carregadas de estereótipos que já poderiam ter sido eliminados, além de utilizar
muitas pesquisas feitas por europeus, reforçando ideias ideologicamente
defendidas, que não deveriam estar em livros didáticos. Quando vamos para a
análise dos livros mais atuais, encontramos menos quantidade de fontes, porém,
elas são bem mais contemporâneas do que as utilizadas nos livros mais antigos. 136
Contudo, essas fontes são bem generalizantes, ou dão enfoque aos
personagens colonizadores como os bandeirantes. Por fim, podemos verificar
um padrão nos autores que escreveram os livros didáticos: quase sempre eles
escreveram todos os materiais analisados; alguns, sem formação em História,
mas Bacharelado em Ciências Sociais, ou com formação em História, porém,
nenhuma especialização na temática indígena. Podemos inferir que o discurso
é replicado, com algumas variações e nuances.

Na conclusão, além de uma crítica a uma educação colonial, advinda dos


jesuítas e, posteriormente, a uma educação liberal, reforçamos a necessidade
de uma educação anti colonial, endógena e que seja voltada para a formação de
um cidadão crítico, autônomo e reflexivo, a partir de diferentes fontes de análise,
abrindo espaço para o debate acadêmico, tão necessário para essa formação.
Acrescentamos, ainda, uma proposta de material de apoio pedagógico, que
poderia se converter em uma possibilidade real e concreta para quebrarmos
paradigmas sedimentados sobre a história dos povos originários nos livros
didáticos.

Referências biográficas

Igor Meireles Bagdadi, estudante do curso de História, Universidade Veiga de


Almeida

Dra. Viviani Anaya, professora dos cursos de Licenciatura, Universidade Veiga


de Almeida

Referências bibliográficas:

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e


Métodos. 5 ed, São Paulo: Cortez, 2018.

BRASIL. Lei n° 11.645, de 10 março de 2008. Brasília: MEC, 2008.

COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. História Geral e do Brasil:
da Pré-história ao século XXI. São Paulo: Scipione, 2008.

DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio. História para o Ensino Médio:


História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, Série Parâmetros, 2007.

DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio. História para o Ensino Médio:


História Geral e do Brasil. 2 ed, São Paulo: Scipione, Série Parâmetros, 2005
DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio. História Geral e do Brasil. São
Paulo: Scipione, 2010.

DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José. História: Parte 1.


São Paulo: Scipione, 2014.
137
DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José. História: Parte 2.
São Paulo: Scipione, 2014.
SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIAS INDÍGENAS NOS
CURSOS DE HISTÓRIA DAS UNIVERSIDADES
PÚBLICAS DO BRASIL
Isaías dos Anjos Borja 138

Introdução

A Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, instituiu a obrigatoriedade do ensino


de histórias e culturas indígenas no ensino básico no Brasil. Após mais de uma
década de sua implementação, embora tenhamos visto um esforço positivo da
sociedade no que tange às questões étnico-raciais, é importante evidenciar que
essa mesma Lei complementou os termos da alteração da Lei nº 9.394/96 – que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional – com a Lei n° 10.639/03,
que estabelecia como obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-
brasileira nas escolas públicas e privadas do país. Esse descompasso
inegavelmente reflete o lugar das populações indígenas do território brasileiro
não apenas nos espaços educacionais, como na política e sua representação no
âmbito nacional, em relação com os afrodescendentes e das discussões
relativas à realidade sócio-histórico-cultural específica desse outro grupo.

Este artigo tem por objetivo apresentar informações a respeito dos cursos de
graduação em História das universidades públicas do Brasil no que tange à
presença de disciplinas de histórias indígenas em suas grades curriculares,
tendo em vista o conteúdo proposto nas ementas dessas disciplinas, além de
discutir brevemente sobre a relação da temática com disciplinas de História das
Américas e do Brasil. Ademais, será também abordado sobre a importância do
estudo de história indígena no ensino superior e, no que nos cabe, nos cursos
de História, considerando o lugar do conhecimento histórico e dos que exercem
o ofício.

A escrita de uma História Nacional e a questão indígena.

Um dos temas centrais a respeito da história do Brasil no século XIX constitui-


se, pois, a preocupação em torno da construção de uma identidade nacional.
Nesse sentido, a escrita de uma história da nação se fazia necessária, o que
levou a criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838, no
intuito de promover a produção de conhecimento sobre o Brasil em seu próprio
território. Como afirma GUIMARÃES, à mesma época que a História ganhava
seu espaço como disciplina acadêmica, no Brasil a discussão em torno do
nacional esteve restrita à elite letrada. Entretanto, o desafio que se impunha era
o pensar a nação como um corpo, com tantos grupos díspares em uma
sociedade marcada pelo escravismo e diante das populações indígenas,
sobretudo considerando que a escrita de uma história implicava em mover o
passado, o presente e os projetos de futuro de uma nação, no contexto dos
princípios e ideais norteadores das Nações no século XIX. (GUIMARÃES, 1988).
Um estudo interessante sobre a questão indígena durante o período foi realizado
por TURIN, ao abordar a respeito do uso da comparação entre os antigos e as
populações indígenas da América, especialmente do Brasil, por parte de nomes
vinculados ao IHGB, como Gonçalves de Magalhães e Francisco Adolfo de
Varnhagen. Ambos, segundo o autor, são representativos no debate etnográfico
oitocentista. Enquanto para o primeiro a ideia de decadência dos indígenas 139
dotava os indígenas de um passado histórico passível de conhecimento através
de seu estudo, o último defendia que a natureza dos “selvagens” os condenava
a um contínuo presente. Decerto, o artifício comparativo utilizado por Magalhães
e Varnhagen, tinha como escopo a preocupação em torno do lugar indígena no
seio da nação em construção, mas nos termos correntes, que envolviam, por um
lado, a catequização e sua integração à sociedade, e, por outro, a
impossibilidade de inclusão desses indígenas ao corpo do Império. Como
ressalta TURIN,

“Magalhães lançava mão do prestígio reconhecido aos gregos e romanos


erigindo-os como figuras de autoridade capazes de decidir a contenda sobre o
indígena brasileiro. Nesse sentido, mais que tornar os antigos selvagens, o que
sua operação visava como efeito era a nobilitação dos indígenas.” (TURIN, 2010,
p. 143)

Todavia, das ambivalências apreendidas em Varnhagen, o autor conclui que a


aproximação dos indígenas brasileiros com os antigos se dava através de sua
ligação com os cários da Ásia Menor, sendo os tupis, conforme defendia,
“descendentes da guerra” – em referência à Tróia – que teria marcado o início
dos caminhos da barbárie e da civilização e estariam, pela Providência,
destinados ao (re)encontro para sua expiação: “Aí termina a etnografia. Começa,
então, a história.” (Idem, p. 145).

O indianismo e o projeto de idealização do “índio” como símbolo nacional


empreendido pelo IHGB, foram também criticados pelo historiador, cujo discurso
a respeito dos indígenas, entre Chronica do descubrimento do Brazil e A picada
do mato virgem: fragmento d’uma viagem ao sertão – publicados pelo periódico
O Panorama, em Lisboa – não seria o mesmo após um encontro desagradável
de Varnhagen em uma excursão pelo interior de São Paulo, conforme aponta
DE SOUSA SÁ, num período em que, como assinala a autora, em referência a
nomes como Magalhães, Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre,

“É complicado determinar onde começa o cultural e termina o político para esses


homens que, a partir do Estado ainda não completamente estabelecido, tinham
a missão de forjar uma Nação.” (DE SOUSA SÁ, 2017, p. 79).

E completa:

“Suas obras misturavam discurso historiográfico com imaginação literária, tudo,


claro, para o engrandecimento do Estado. À Varnhagen também interessava se
empenhar em tal empresa, mas seu esforço não incluía fazer panegíricos
indianistas.” (Idem)

Por fim, nesse mesmo contexto de meados do Oitocentos, é mister mencionar


a tese intitulada Como se deve escrever a história do Brasil, assinada por Karl
Friedrich Philipp von Martius, premiada pelo IHGB, em que se propunha que a
história da nação brasileira deveria ser pensada como continuidade da 140
portuguesa, sendo os portugueses a força motriz do processo histórico e
civilizatório que recebeu contribuições dos indígenas e africanos. A noção de
decadência entre os povos indígenas do território brasileiro em relação a uma
sociedade anterior também se fazia presente em seu pensamento, o que
impunha aos historiadores o estudo para além do tempo da chegada dos
europeus. Entretanto, de forma dessemelhante à primeira geração romântica,
Von Martius defendia um estudo crítico a respeito dos povos indígenas e uma
posição filantrópica, considerando sua condição em relação a seu passado e
tendo em vista os povos Tupi – em contraposição aos Tapuia – como
representantes de um grau maior de desenvolvimento (DE ALMEIDA, 2020).
Como afirma DE ALMEIDA, devido o nível de complexidade exigido pela
proposta de Von Martius, desenvolveu-se no país uma historiografia próxima à
tese de Henrique Júlio de Wallenstein, na qual os indígenas deveriam compor o
capítulo inicial da história do Brasil, demarcando o lugar desses povos no
passado e à de Adolfo de Varnhagen, em sua História Geral do Brasil,
“relacionados a um passado, ora selvagem, ora idílico” (Idem, p. 126).

Considerações sobre demandas

Na atualidade, estudos sobre as populações indígenas têm ganhado cada vez


mais espaço no âmbito de cursos como Antropologia, História, Literatura e
Educação, mas não estando restritos apenas a estes espaços. Podemos
encontrar, igualmente, produções próprias das mais diversas das etnias
presentes nos territórios brasileiros, além do aumento do acesso à informação
possibilitado com o desenvolvimento tecnológico ocorrido nas últimas décadas.
Entretanto, um hiato ainda pode ser sentido entre conhecimentos mais recentes
produzidos pela Academia, profissionais da educação, alunos e sociedade,
como aponta DE CARIE e DE OLIVEIRA LIMA:

“Apesar dos esforços empreendidos por parte de pesquisadores, professores e


do próprio Estado, uma década após a aprovação e entrada em vigor da Lei
11.645/2008, a história ensinada em livros didáticos de educação básica ainda
aborda os povos indígenas em uma perspectiva eurocêntrica, ou seja, atrelados
ao protagonismo histórico dos colonizadores europeus e de maneira
generalizada, caindo nas armadilhas apontadas em 1992 por Manuela Carneiro
da Cunha.” (DE CARIE; DE OLIVEIRA LIMA, 2018, p. 778).

A análise dos currículos dos cursos de graduação em História, dos quais a


maioria de seus egressos irá lecionar a disciplina em instituições do ensino
básico, é um passo importante para identificação de novas demandas na
formação de professores. Eduardo Natalino dos Santos já ressaltava tal
importância, ao abordar sobre o assunto num ensaio:

“Estamos tratando de um problema com desdobramentos políticos sérios, pois a


visão que as sociedades ocidentais modernas possuem sobre os povos
indígenas – a qual, é verdade, não depende apenas das aulas de História no
ensino médio e fundamental – determina parcialmente suas relações com esses 141
povos. Tais relações, como sabemos, têm se caracterizado pela assimetria
política, pelo desrespeito às diferenças, pela violência e por uma série de
atrocidades.” (DOS SANTOS, 2014, p. 18).

O estudo realizado por SILVA já apontava para a necessidade de orientação por


parte do Conselho Nacional de Educação às Instituições de Ensino Superior
quanto ao disposto na Lei nº 11.645/08. Entretanto, o levantamento abarcava de
forma mais geral a respeito de instituições públicas e privadas do país e dos
cursos de Artes, Geografia, História, Letras/Língua Portuguesa e Pedagogia, nas
cinco regiões do país.

O presente artigo reúne informações sobre os cursos de História das


universidades públicas do Brasil, no âmbito da graduação, a partir do
levantamento desses cursos e mapeamento da presença de disciplinas que
abordam sobre história e cultura indígenas. A análise quantitativa e qualitativa,
brevemente apresentada neste trabalho, foi desenvolvida a partir de dados
disponíveis pelo site do Ministério da Educação e das instituições, com destaque
para a matriz curricular, programa de cursos e ementas, além de informações
outras obtidas através de contato com departamentos e colegiados dos cursos.

Os cursos de História em alguns dados e apontamentos

O gráfico a seguir detalha a relação entre oferta de cursos de História e a


presença de disciplinas específicas de histórias e culturas indígenas por região:
142

Fonte: Elaborado pelo autor. XXVIII Seminário de Iniciação Científica, UFOP,


2020.

A seguir, os dados dispostos por unidade da federação.


143
144

Fonte: Elaborado pelo autor. XXVIII Seminário de Iniciação Científica, UFOP,


2020.

Podemos perceber que as regiões Norte, Centro Oeste e Sul do país, tendo em
vista a oferta de disciplinas e considerando a falta de informações, são as que
mais dedicam espaço nas grades curriculares de seus cursos ao ensino da
temática, mesmo a presença indígena sendo significativa em estados do
Nordeste e Sudeste.

A presença de disciplinas sobre histórias e culturas indígenas parece ter se


tornado uma realidade comum nos cursos de História das universidades públicas
do país. Observou-se, igualmente, por meio da análise de resoluções e contatos
com departamentos e colegiados de alguns cursos que, como forma de cumprir
com a legislação, algumas universidades têm trabalhado para incluir em seus
currículos o ensino da temática. Muitas dessas disciplinas estão estruturadas de
forma a introduzir os graduandos em questões teórico-metodológicas; outras
investem ainda na promoção da produção de material didático para o ensino e
da pesquisa na área. Entretanto, as abordagens introdutórias e interdisciplinares,
conforme observado nas disciplinas específicas de histórias indígenas (a partir
da análise das ementas de cursos da Bahia, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do
Sul e Goiás – os mais populosos, com exceção do segundo, de onde parte a
pesquisa) refletem a complexidade e pluralidade das populações indígenas no
território nacional e continental e, desse modo, as disciplinas de História do Brasil
e das Américas não são um caminho viável para o ensino da temática. Isso pode
ser concluído a partir das ementas dessas disciplinas e de história regional, que
trazem os indígenas como parte de capítulos introdutórios, genéricos, ou quando
muito, em resistências ou contribuições em que aparecem como sujeitos
oprimidos ou coadjuvantes, o que evidencia os reflexos ainda tangíveis do
eurocentrismo. Caberia ressaltar ainda a notável presença de disciplinas sobre
África e afro-brasileiros em cursos de todas as regiões do país, além da temática
ser a mais frequente em disciplinas que pretendem abordar a respeito das 145
relações étnico-raciais no Brasil.

Outras tantas questões se impõem, quando nos deparamos com a questão


indígena no Brasil, em relação com os demais países americanos, além da
necessidade de um ensino acadêmico em História que considere as populações
indígenas como sujeitos de suas próprias histórias; e, sobretudo, sua diversidade
étnica e cultural para além das fronteiras (temporais e espaciais) e barreiras
epistemológicas decorrentes da colonização. A constituição de uma disciplina
histórica no contexto do Brasil, conforme discutido brevemente neste artigo, em
sua relação com o interesse dos letrados no debate etnográfico oitocentista e a
escrita de uma história para a nação, não dizia apenas a um passado histórico
propriamente dito, mas também sobre a natureza dos povos indígenas que
habitavam o território e consequentemente os rumos de seu futuro, em sua
relação com o Estado nacional brasileiro. No entanto, se nos impõe hoje, como
pesquisadores e professores, refletir sobre as histórias que escrevemos e
reproduzimos e sobre possibilidades outras de abordagens, existências
(KRENAK, 2019), narrativas e autorias (PESCA; DE OLIVEIRA FERNANDES;
KAYAPÓ; 2020), nos mais diversos âmbitos, para que possamos seguir
rompendo com eurocentrismos e tantas formas de violências, considerando o
presente contexto de descolonização e de demanda por novas e outras
epistemologias.

Referências biográficas

Isaías dos Anjos Borja é estudante do bacharelado em História pelo Instituto de


Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP).

Referências bibliográficas

DE ALMEIDA, Helena Azevedo Paulo. Von Martius e os indígenas no Brasil: uma


possibilidade de leitura sobre os preconceitos construídos sobre os povos
originários no século XIX. Revista Pontes, Paranavaí, v. 8, p. 110-128, 2020.

DE CARIE, Nayara Silva; DE OLIVEIRA LIMA, Pablo Luiz. Da história dos índios
às histórias indígenas: descolonizando o ensino de história. Educação (UFSM),
v. 43, n. 4, p. 773-790, 2018.

DE SOUSA SÁ, Ana Priscila. DOS CANNIBAES, OU VARNHAGEN CONTRA


OS" PHILO-TAPUYAS". Contraponto, v. 6, n. 1, 2017.
DOS SANTOS, Eduardo Natalino. Da importância de pesquisarmos história dos
povos indígenas nas universidades públicas e de a ensinarmos no ensino médio
e fundamental. Mneme-Revista de Humanidades, v. 15, n. 35, p. 9-20, 2014.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo (Nova edição). Editora
Companhia das Letras, 2019.
146
GUIMARÃES, Manoel Luis Lima Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história
nacional. Revista Estudos Históricos, v. 1, n. 1, p. 5-27, 1988.

PESCA, Adriana Barbosa; DE OLIVEIRA FERNANDES, Alexandre; KAYAPÓ,


Edson. POR UMA ESCRITA INDÍGENA: Meu ser, minha voz, minha
autoria. Revista PINDORAMA, v. 11, n. 1, p. 187-201, 2020.

SILVA, Beatriz Carretta Corrêa. Levantamento e análise de informações sobre o


desenvolvimento da temática “História e cultura indígena” nos cursos de
licenciatura de instituições públicas e privadas. 2012.

TURIN, Rodrigo. Entre" antigos" e" selvagens": notas sobre os usos da


comparação no IHGB. Revista de História, p. 131-146, 2010.
NA ROTA DO “PROGRESSO”: A AÇÃO DA MISSÃO
OESTE DO BRASIL NO ESTADO DE GOIÁS
Johnatn José de Lima e Luana Nunes Martins de
Lima 147

Introdução

A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, de doutrina


reformada (calvinista) e que tem sua origem nas missões norte-americanas do
séc. XIX. Depois de um período de implantação e outro de consolidação, esta
igreja passou a buscar novos campos de atuação nas mais diversas regiões do
Brasil.

A chegada do protestantismo presbiteriano ao estado de Goiás se deu em um


contexto de desenvolvimento a partir do movimento da Marcha Para o Oeste nos
idos da década de 1930. Os missionários presbiterianos enviados pela
denominada Missão Oeste do Brasil encontraram uma região em franca
expansão, o que abriu portas para aquela missão proselitista.

A Marcha Para o Oeste foi o movimento Varguista que a partir do Estado Novo
visou o povoamento, a integração e o desenvolvimento das regiões Centro Oeste
e Norte do Brasil. A Missão Oeste do Brasil foi um projeto missionário da Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUS) que, entre as décadas de 1920 a
1960, empreendeu a evangelização protestante no Estado de Goiás, dentre
outros estados. No pressuposto de que há concomitância temporal entre os dois
movimentos, esta pesquisa será desenvolvida numa perspectiva dialógica entre
ambos.

Embora, em primeira análise, a Missão Oeste do Brasil tenha tido início antes
mesmo do projeto expansionista de Getúlio Vargas, a efetivação desse abriu
portas para o desenvolvimento daquela. O objetivo aqui é, portanto, identificar e
refletir sobre como esta ação missionária presbiteriana se desenvolveu no
compasso da Marcha Para o Oeste.

A pesquisa, que encontra-se em estágio preliminar, foi desenvolvida a partir de


uma revisão bibliográfica em artigos, teses, livros biográficos e da história da
Igreja Presbiteriana do Brasil.

No primeiro tópico é traçado um breve histórico do presbiterianismo no Brasil,


desde o movimento missionário norte-americano até a implementação da Missão
Oeste e sua ação no estado de Goiás. O segundo tópico discorre sobre o projeto
político-econômico desenvolvimentista da Marcha para o Oeste e a abertura de
rodovias, buscando compreender em que medida este consolidou a região em
que este estudo estará centrado. E por fim, por se tratar de um estudo preliminar,
as considerações finais apontam para uma reflexão sobre como esse processo
favoreceu a atuação e condicionou as estratégias da Missão Oeste do Brasil.

O presbiterianismo no Brasil e a Missão Oeste do Brasil no estado de Goiás

A história da Igreja Presbiteriana do Brasil, tem como marca, entre outras, a ação
missionária intencional e organizada. A chegada do presbiterianismo ao Brasil 148
se deu a partir do movimento missionário norte-americano do século 19
(MATOS, 2009). Seu fundador foi o missionário americano Rev. Ashbel Green
Simonton (1833-1867), que chegou ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro
em 12 de agosto de 1859. Este foi enviado ao Brasil pela Igreja Presbiteriana
dos Estados Unidos da América (PCUSA).

Sobre os primeiros anos de trabalho do jovem missionário, Matos (2009. p. 17)


afirma que:

“Seu trabalho no Brasil estendeu-se por poucos anos, nos quais, além da Igreja
do Rio de Janeiro, ele criou um jornal (Imprensa Evangélica), um pequeno
seminário e o primeiro concílio da nova denominação, o Presbitério do Rio de
Janeiro, organizado em 1865. O pioneiro faleceu aos 34 anos, vitimado pela
febre amarela. Em 1860 e 1861 haviam chegado para ajudá-lo dois colegas –
Alexander Blackford e Francis Joseph Christopher Schneider. Outros mais
vieram nos anos seguintes, como George Whitehill Chamberlain e Robert
Lenington”.

A morte precoce de Simonton não interrompeu os intentos da missão. Os demais


missionários continuaram engajados no mesmo propósito. Nos anos seguintes
outros missionários foram enviados ao Brasil, alguns deles pela Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUS) – igreja formada no contexto da
Guerra Civil norte-americana entre 1861 e 1865 – tais como George Nash
Morton, Edward Lane e John Boyle. Este último foi pioneiro no trabalho
presbiteriano no Brasil Central (Matos, 2009).

Ribeiro (2008) atesta que o protestantismo nos centros urbanos, nesse contexto,
desenvolvia-se a passos lentos, mesmo em cidades em franco crescimento,
como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, uma vez sua
mensagem não alcançava a classe dominante, ainda fortemente imersa no
catolicismo, o qual predominava não apenas por questões religiosas, mas
também políticas.

“Por encontrar maior resistência ao seu crescimento nos centros urbanos, onde
o catolicismo assumia uma postura dominante pela presença física tanto das
igrejas como dos párocos, o protestantismo buscou terreno para seu
crescimento no ambiente rural. Seguindo o caminho da expansão cafeeira [...],
os missionários protestantes investiram na evangelização dos interiores,
penetrando pelas zonas rurais da província de São Paulo e zonas fronteiriças da
província de Minas Gerais, dali se encaminhando para toda a área do cinturão
caipira delimitado por Antônio Candido (2001) indo até Mato Grosso e Goiás,
áreas distantes fisicamente da Igreja Católica e fora dos patrimônios dos santos
de devoção” (RIBEIRO, 2008, p. 115).

Ribeiro (2008) atribui essa trajetória e expansão do protestantismo pelo interior


do país à ausência da religião oficial pré-estabelecida hegemonicamente, e por
conseguinte à desnecessidade de contrapor-se, o que deu espaço para os
projetos missionários em voga reinventar-se, originando o que a autora 149
denomina como protestantismo rural.

Nesse processo, o presbiterianismo também aflui em direção ao Planalto Central


brasileiro. O plano maior de acesso do presbiterianismo a essa região foi a
criação em 1906 da Missão Oeste do Brasil (MOB). “O propósito expresso da
MOB era o evangelismo e a plantação de igrejas pelos meios mais diretos”
(Arnold, 2012). O evangelismo é a prática de divulgação da mensagem do
evangelho de Jesus, a plantação de igreja é a reunião dos conversos em torno
da nova identidade religiosa.

Entretanto, para além da análise empreendida por Ribeiro (2008), verifica-se que
a chegada da MOB em Goiás se dá em um contexto de desenvolvimento e
modernização do território sob as projeções varguistas de ocupação
populacional e expansão econômica das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.
No estado de Goiás, projetos como a Colônia Agrícola Nacional de Goiás
(CANG) e o aumento da malha rodoviária foram marcos desse movimento, como
será discutido no próximo tópico. A transferência da capital goiana em 1937 da
Cidade de Goiás para a recém-criada Goiânia, também fora um fator motivador
para a chegada de missionários da Missão Oeste do Brasil.

A Marcha para o Oeste e a abertura das rodovias

A ideia de progresso e desenvolvimento difundida a partir do Estado Novo


introduziu projetos de colonização que incentivaram a migração para áreas que
produziam matérias-primas e gêneros alimentícios a baixo custo para subsidiar a
implantação da industrialização no sudeste brasileiro.

A “Marcha para o Oeste” representou um grande salto para a expansão da


fronteira agrícola, fator que determinou em grande medida a economia do estado
e a situação tanto centralizada quanto periférica de muitas cidades. Havia uma
preocupação por parte do governo federal com os espaços vazios do território
nacional, e a Marcha para o Oeste tratava da concreta ocupação desses vazios
no Planalto Central, ao mesmo tempo em que articulava a abertura de rodovias
para o escoamento da produção.

Segundo Teixeira Neto (2009), o ponto de partida da concretização desse ideal


nacionalista na região do meio-norte goiano foi, no início dos anos 1940, com a
criação das políticas de povoamento de Getúlio Vargas, a Colônia Agrícola
Nacional de Goiás (CANG), inserida no projeto da ‘Marcha para o Oeste’,
responsável pela ocupação e reocupação de muitas vilas no interior de Goiás.
“A Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) foi a primeira de uma série de
oito colônias criadas pelo governo, tendo sido implantada em um terreno
extremamente fértil – ainda inexplorado – na zona conhecida como Mato Grosso
Goiano. Com a medida, a corrida migratória para o Estado avolumou-se
substancialmente e a implantação da Cang foi responsável pelo assentamento
de significativa parte dos imigrantes. Tanto que o geógrafo Faissol referiu-se à
existência de “mais de 10 mil pessoas” na Cang em 1946 e, de fato, a população 150
recenseada atingiu 29.522 habitantes em 1950, contingente relativamente
significativo para menos de uma década de ocupação” (PADUA, 2007, p. 630).

Vale salientar que, de acordo com Arnold (2012), muitos colonos que ocuparam
a cidade de Ceres eram presbiterianos, o que contribuiu para o rápido
crescimento do presbiterianismo na região. Segundo Pádua (2007), a
distribuição dos lotes de terra ocorreu de forma gratuita numa área de
aproximadamente 106 mil hectares, sendo que cada lote media de 20 a 30
hectares cada. Para a autora, a implantação da Cang foi de certa forma bem
sucedida, uma vez que o regime de pequena propriedade resistiu, ainda que
temporariamente, fixando parcela dos imigrantes nessas glebas. Apesar da falta
de distribuição de créditos aos pequenos produtores, da grande distância dos
centros consumidores e da forte dominação do capital mercantil em Goiás, a
implantação da Cang promoveu assentamento para milhares de pessoas,
favoreceu o parcelamento de terras e a produção agrícola alimentar em Goiás
de forma significativa na primeira metade do século passado.

Em consonância às colônias de povoamento agrícola, esteve a abertura da BR-


153, como Estrada da Colônia, entre 1942 e 1948, em plena campanha da
“Marcha para o Oeste”, também chamada de “Transbrasiliana” e BR-14, no
trecho entre as cidades de Anápolis e Ceres (1941-1944). O objetivo era ligar a
Colônia Agrícola Nacional em Ceres ao sul de Goiás, criando um instrumento de
comunicação entre as regiões e as cidades e iniciando um processo de
deslocamento da modernização brasileira do Centro-Sul para o Centro-Oeste.
O trecho completo da rodovia tem a designação de “Belém-Brasília” (que integra
a BR-153) começou a ser construído em 1958, no governo do presidente
Juscelino Kubitschek, e foi concluído em 1974 (DNIT, 2009). A estrada abriu
caminho para a fixação de novas áreas no norte de Goiás, em terras da União.
A população da região central de Goiás, por onde a estrada iniciou, foi chamada
a ajudar e milhares de novos moradores chegaram ocupando os “vazios” do
grande território, construindo cidades e trazendo o famigerado “progresso”.

“Nos dias atuais, a “Belém-Brasília” [...] e a “Estrada do Boi” (GO-164), que liga
a cidade de Goiás à BR-153 à altura de Alvorada do Tocantins, através do vale
do médio Araguaia, já contam uma outra história: a das transformações mais
recentes do espaço ocorridas em nosso Estado, sobretudo a partir dos anos
1940. Com toda evidência, elas foram, ao lado da Estrada de Ferro Goiás, os
caminhos que maiores impactos produziram na vida socioeconômica e política
dos Estados de Goiás e do Tocantins. Por exemplo: a “Belém-Brasília” tirou do
isolamento em que se encontrava até praticamente os anos 1950 toda a
Mesopotâmia goiana – a extensa região situada entre os rios Tocantins e
Araguaia –, incorporando-a definitivamente à economia de mercado” (TEIXEIRA
NETO, 2009, p.12).

A implantação da rodovia federal tem uma grande influência no eixo de expansão


e valorização do solo. Mesmo antes da pavimentação da Belém-Brasília (parte
mais importante da BR-153 em território goiano-tocantinense), enquanto
algumas cidades novas foram construídas às suas margens, outras foram 151
“despertadas”, aumentando seu sítio original em direção à rodovia e moldando
sua estrutura econômica em função do eixo rodoviário da Belém-Brasília. Esse
fator teve impacto, sobretudo, na estratégia da PCUS, via Missão Oeste do
Brasil, de inúmeras compras de terrenos nas áreas urbanas que se formavam
nesse eixo da rodovia.

Considerações Finais – uma reflexão preliminar sobre o projeto da Missão


para o Oeste ante o projeto de ocupação territorial da Marcha para o Oeste

Aventa-se que o plano de expansão da Missão Oeste do Brasil, efetivado por


meio da passagem dos missionários e das compras de terrenos e de glebas de
terras nesses municípios e distritos recém implantados, se desenvolveu de forma
pareada ao projeto político de desenvolvimento e integração nacional, que
colocou o estado de Goiás “na rota do progresso”.

Até o momento da pesquisa, a revisão bibliográfica permitiu compreender fatos


históricos da Missão Oeste do Brasil, relacionando-os à própria história de
desenvolvimento da nação, no contexto da integração territorial. Essa síntese
nos permite admitir que religião e política são campos distintos, porém, cujos
escopos se interrelacionam.

A pesquisa está em desenvolvimento e terá novos desdobramentos que


culminaram em um recorte estabelecido espacialmente na região denominada
Vale do São Patrício, que compreende os municípios goianos de Goianésia,
Jaraguá, Itapuranga, Ceres, Itapaci, Rubiataba, Uruana, Rialma, Carmo do Rio
Verde, Barro Alto, Nova Glória, São Luís do Norte, Rianápolis, Hidrolina, Santa
Isabel, Santa Rita do Novo Destino, Ipiranga de Goiás, Pilar de Goiás, Guaraíta,
Morro Agudo, Guarinos, Nova América e São Patrício; e um recorte temporal que
abarcará o período entre as décadas de 1920 a 1960.

Assim, novas fontes, permitirão compreender o contexto de expansão da Igreja


Presbiteriana do Brasil na região do Vale do São Patrício, tais como as memórias
escritas pelos missionários atuantes no estado, livros de atas das igrejas,
presbitérios, concílios nacionais e outros documentos eclesiásticos, periódicos
presbiterianos da época, depoimentos e manuscritos referentes ao início do
movimento protestante do estado, bem como documentos da Missão Oeste do
Brasil pertencente ao Comitê de Nashville – Tenesee (EUA).

Referências biográficas
Dra. Luana Nunes Martins de Lima, docente do curso de Geografia e do
Mestrado em Estudos Culturais, Memória e Patrimônio (PROMEP) da
Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Johnatn José de Lima, bacharel em Teologia pela Universidade Mackenzie, pós-


graduando em História do Brasil e Docência do Ensino Superior pela Faculdade
Intervale. 152

Referências bibliográficas

ARNOLD, Frank L. Uma Longa Jornada Missionária. São Paulo: Cultura Cristã,
2012.

ARRUDA, Emerson de. Entre deuses e Deus: estratégias e táticas na


implantação do Presbiterianismo no estado de Mato Grosso - primeira metade
do século XX. 2018. 336 p. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em
História - Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2018.

FERREIRA, Wilson Castro. Pequena História da Missão Oeste do Brasil.


Patrocínio: CEIBEL Edição e Distribuição,1996.

MATOS, Alderi Souza de. Uma Igreja Peregrina. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

PÁDUA. Andréia Aparecida Silva de. A sobrevida da Marcha para o Oeste.


Estudos, Goiânia, v. 34, n. 7/8, p. 623-643, jul./ago. 2007.

RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. Mapeamento do protestantismo rural no lençol de


cultura caipira brasileiro. Cadernos Ceru, São Paulo, v. 10, n. 2, p.113-128, 2008.

TEIXEIRA NETO, Antônio. Os caminhos de ontem e de hoje em direção a Goiás-


Tocantins. In: XI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das
Religiões, 2009, Goiânia. Anais... Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2009.
ENSINO DE HISTÓRIA E POESIA POPULAR:
REPRESENTAÇÕES DA CULTURA INDÍGENA XOCÓ EM
CORDEL, PORTO DA FOLHA, SERGIPE
José Abraão Rezende Goveia 153

Esse texto tem como objetivo relatar uma experiência em uma aula de história
que ocorreu em uma turma do 8º ano do ensino fundamental no Colégio Estadual
Governador Lourival Baptista, localizado na cidade de Porto da Folha, Sergipe.
Em uma das aulas de história no mês de abril de 2019 foi proposto a leitura e
declamação de um cordel com 24 estrofes em formato de sextilha, sobre a
temática das representações da cultura indígena Xocó, a iniciativa faz parte de
um projeto escolar que foi batizado no colégio com o nome de rimando, rimando
a história vamos estudando, esse consiste nas produções de cordéis que são
apresentados, declamados aos alunos no momento em que será introduzido,
iniciado um novo conteúdo em ensino de história, pois

“Trabalhar o cordel como um gênero literário útil no ensino de história perpassa


por compreender que utilizar a cultura popular como fonte de estudo para as
aulas não se objetiva em tornar “uma ou outra história” mais importante, mas
contemplar as diversas realidades que constituem a formação da história de um
povo, oportunizando voz aos diferentes agentes históricos. Utilizar o cordel nas
aulas de história é ao menos tentar abrir espaço para métodos que contemplem,
mesmo que de maneira parcial, a cultura popular dentro da sala de aula”
(SANTOS, 2018, p. 15)

O projeto escolar rimando, rimando a história vamos estudando tem como


objetivo desenvolver nos alunos o gosto, o prazer, a importância pela leitura,
escrita, interpretação e comparação textual, partindo de um produto cultural que
é o cordel, esse um patrimônio cultural imaterial do povo brasileiro, ao mesmo
tempo, oportuniza o debate, a discussão, a aprendizagem em sala de aula sobre
a história de agentes históricos que tiveram durante muito tempo suas histórias
silenciadas, negadas a exemplo da comunidade indígena Xocó, que habita a
margem direita do Rio São Francisco, em uma povoação chamada Caiçara, Ilha
de São Pedro, pertencente ao município de Porto da Folha, Sergipe.

“Esta nação, no século passado, era bastante numerosa, vivia com tranquilidade,
trabalhando e desfrutando das riquezas da terra. Não demorou muito para a paz
ser interrompida, com a chegada, na região, de um senhor, que se dizia dono
das terras, conhecido como coronel, João Porfírio de Brito, em que, invadiu as
terras, e brutalmente, violentou e expulsou o povo indígena à custa de
“pancadas” e chicotadas com o auxílio dos jagunços, como comenta uma
professora da escola indigenista e também remanescente da tribo Xocó em”
(Povo Xocó, SEED: 8)
O cordel trabalhado com os alunos, em sala de aula, foi construído apresentando
a história do povo xocó, principalmente os acontecimentos da década de 1970,
período em que ocorreu a reconquista das terras da Caiçara, que estava nas
mãos de um latifundiário que invadiu as terras e muito maltratou o povo xocó,
para essa luta de reconquista foi de fundamental importância o apoio das CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base), ligada à Igreja Católica Romana, através de
seu bispo a época, Dom José Brandão de Castro que chefiava a Diocese de 154
Propriá, Sergipe, esses momentos de apoio se davam através da organização
de romarias da terra, onde muitos religiosos da diocese acompanhavam o bispo
e padres como Frei Enoque Salvador de Melo, essa corrente de pensamento
estava atrelada a teologia da libertação, movimento que ganhou destaque no
Brasil na década de 1970, se destacando também na luta contra a ditadura militar
no Brasil.

O cordel também tratou em suas 24 estrofes sobre a relação dos índios xocós
com a natureza, e com o rio São Francisco, a necessidade de conservação e
preservação desse, as canoas de toldas que durante muitos anos era o principal
meio de transporte entre a comunidade e outras cidades, a exemplo de Propriá
que durante muito tempo era o principal polo comercial da região. A religiosidade,
crenças do povo xocó foram narradas nas estrofes do cordel, assim como o ritual
do toré, e a festa de seu padroeiro São Pedro, a maioria do povo xocó são
católicos, tendo o Frei Doroteu como seu pioneiro colonizador, implantando os
ensinamentos do catolicismo na comunidade.

A aula de história utilizando o cordel procurou atender a lei nº 11.645 de 10 de


março de 2008, que estabelece em seus artigos

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,


públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena. § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo
incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo
da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no
Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos
referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas
de educação artística e de literatura e história brasileiras.”(BRASIL, 2008)

A comunidade indígena Xocó é o único remanescente indígena do Estado de


Sergipe, a tribo está situada no alto sertão, suas principais atividades
econômicas dizem respeito a agricultura se destacando o cultivo do milho e feijão
em uma determinada época do ano, ou seja, no período chuvoso, que se estende
entre os meses de abril a julho, também realizam a criação de animais, ovinos,
caprinos, aves, realizam a pesca no rio São Francisco, em outros períodos de
sua história, cultivavam o arroz nos locais alagados com as enchentes do rio São
Francisco, esse cultivo na comunidade Xocó foi prejudicado com a construção
da hidrelétrica Xingó, que diminui a vasão das águas do rio. No mês de abril de
todos os anos a comunidade comemora a reconquista da terra, com um evento
baseado em rituais de sua identidade cultural, e com a participação de visitantes,
alunos de outras escolas e localidades que vão até a aldeia prestigiar as
comemorações e reivindicações desses povos.

O ensino de história tem passado por mudanças e permanências, ao longo do 155


tempo, nos livros didáticos sempre houve uma valorização de conteúdos
eurocêntricos, priorizando os grandes acontecimentos políticos, os heróis
nacionais e exaltando as ações do Estado, a história de outros grupos sociais
eram deixadas de lado, esquecidos, silenciados, entre esses grupos podemos
destacar a história das mulheres, dos negros, camponeses, operários,
indígenas. Na atualidade o ensino de história tende a aproximar o processo de
aprendizagem dos alunos de sua realidade local, do momento histórico vivido,
incorporando a colaboração de diversos sujeitos históricos, dando sentido ao
pertencer, pois

“O objetivo fundamental da História, no ensino de primeiro grau (ensino


fundamental), é situar o aluno no momento histórico em que vive. [...] O processo
de construção da história da vida dos alunos, de suas relações sociais, situados
em contextos mais amplos, contribui para situá-lo historicamente, em sua
formação intelectual e social, a fim de que seu crescimento social e afetivo
desenvolva -lhe o sentido de pertencer” (FONSECA, 2006, p.127-128)

Trabalhar com o cordel em sala de aula, com a temática sobre a história e cultura
do povo xocó, também procurou estabelecer o aprofundamento dos alunos com
a sua história local, próxima da realidade desses alunos, objetivando o seu
desenvolvimento social, afetivo, construindo suas identidades em contato com
os outros e os elementos culturais advindos de sua região. A cidade de Porto da
Folha tem uma rica diversidade cultural, representada pelas manifestações
culturais dos vaqueiros do sertão e seus modos de vida, da comunidade
quilombola do Mocambo e suas expressões artísticas e culturais, e a única tribo
indígena de Sergipe, objeto de estudo e discussão deste trabalho, onde o uso
do cordel em sua forma declamada e escrita é dinâmico, criativo, lúdico,
possibilitando as mais variadas situações de contato com a cultura, formas de
expressão e arte dos povos indígenas como os xocós, pois

“No que diz respeito ao trabalho com a Literatura de Cordel na sala de aula se
dar devido a grande proporção que a cultura popular tem na sociedade, já que a
Literatura de Cordel é conhecida como patrimônio histórico e cultural do povo
nordestino e brasileiro. A utilização do Cordel no ambiente escolar deve explorar
todas as possibilidades de sentidos oriundos do texto como as vozes sociais que
tratam de vários temas” (SILVA, 2016, p. 8)

Entre os vários temas trabalhados com o cordel no projeto escolar, rimando,


rimando a história vamos estudando, nesse texto se priorizou a história e cultura
do povo xocó, a história desta aldeia indígena ainda está repleto de lagunas,
necessitando nesse sentido de pesquisas científicas e acadêmicas mais
detalhadas, nos estudos desse grupo indígena se destaca o trabalho
transformado em livro da antropóloga sergipana Beatriz Góis Dantas, com o título
terras de índios xocós (1980), essa analisou aspectos antropológicos dessa
comunidade, a luta para reconquista de suas terras, e a luta para a construção
e manutenção de sua identidade ao longo do tempo, sendo esse livro um marco
nos estudos desses povos.
156
Nas eleições municipais de 2016 chamou a atenção e marcou a história política
do povo xocó a eleição para a câmara de vereadores de Porto da Folha do índio
xocó, Lindomar xocó, pelo partido dos trabalhadores, esse cumpriu os seus
quatro anos de mandato não chegando a se reeleger em 2020. No cordel
trabalhado com os alunos, todos esses aspectos do povo xocó foram
transformando em sextilhas de cordel, as sextilhas de cordel é o formato de
versos mais utilizados pelos cordelistas, existem outras formas de versos como
as quadras, setilhas, décima, galope a beira mar, predominando as sextilhas

“Quanto à organização da métrica, existem os versos dispostos em sextilhas


(estrofes com seis linhas agrupadas) e em heptassílabo (versos de sete sílabas
cada), com o seguinte esquema de rimas: ABCBDB. Entretanto, menos
encontradiços, também são escritos em septilhas com (ABCBDDB), ou décima
(ABBAACCDDC). Das três, seguramente, a sextilha é a mais usada” (SILVA,
2014, p. 81)

O trabalho com as sextilhas de cordel nesse projeto se propõe a ser uma


ferramenta, didática, pedagógica, para tratar, discutir, debater os mais variados
temas, porém outros recursos didáticos podem e devem serem utilizados em
sala de aula, pois as possibilidades de recursos para o ensino de história na
atualidade se estendem para o uso de jogos, filmes, imagens, aplicativos de
celulares, poesias, peças de teatro, entre tantos outros. Os vinte e quatro versos
em formato de sextilha em cordel usados nas aulas de história de uma turma do
8° ano do ensino fundamental no Colégio Estadual Governador Lourival Baptista,
se constituiu como um meio de utilização de um produto cultural que se
desenvolveu no meio nordestino, sertanejo, em um período em que essa região
do Brasil vivia em grande parte isolada de outras regiões, principalmente a
sudeste, e o cordel se constituía quase como um jornal do povo nordestino e
sertanejo, muitas notícias muitas vezes só eram aceitas, se estivessem escritas
em formato de cordel, muito já se discutiu sobre um possível fim do cordel, isso
devido ao aparecimento dos meios de comunicação de massa como o rádio, a
televisão, internet, entre outros meios, hoje em dia o cordel tem sido estudado
por muitos pesquisadores nas universidades, onde esses apontam as suas
potencialidades na educação, em vários espaços, destacando a educação
básica.

Sobre o povo xocó que teve representações de sua história e cultura


transformada em cordel, ficou para os alunos a possibilidade de conhecer um
pouco mais sobre sua história local e a variedade de grupos étnicos que ao longo
do tempo formaram a sociedade sergipana e brasileira, se destacando no caso
dos povos xocós a luta pela reconquista de suas terra nos anos de 1970, a sua
localização geográfica às margens de um dos principais rios do Brasil o São
Francisco, fonte de lazer, sobrevivência, cultivo e vida para esse povo, o
engajamento de movimentos sociais como as CEB,s ( Comunidades eclesiais de
base), representado pelo bispo de Propriá Dom José Brandão de Castro, sendo
esse hoje homenageado com o seu nome no Colégio Indigenista da comunidade,
a luta dos povos xocós para se inserirem na política, como uma forma de garantir
os seus direitos, a exemplo do vereador Lindomar xocó primeiro índio a assumir 157
uma vaga na câmara de vereadores de Porto da Folha entre os anos de 2016-
2020. O uso do cordel como uma produção literária dessa região do Brasil e de
Sergipe, são discussões importantes no ambiente educacional e em eventos
dessa natureza, pois possibilita a ocupação de espaços até um certo tempo
pouco frequentados por cordelistas, indígenas e apreciadores da cultura e da
poesia popular.

Referências biográficas

José Abraão Rezende Goveia, professor de história nas redes públicas


estaduais de Sergipe e Alagoas, mestrando em ensino de história pela
Universidade Federal de Sergipe- UFS

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder


Executivo, Brasília.

DANTAS, Beatriz Góis; DALLARI, Dalmo de Abreu. Terra dos índios Xocó:
estudos e documentos. São Paulo: Comissão Pró-Indio /São Paulo, 1980. - Povo
Xokó – Livro impresso: Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

FONSECA, Selva Guimarães. História local e fontes orais: uma reflexão sobre
saberes e práticas de ensino de História. História Oral (RJ), v. 9, p. 125-
141,2006.

SANTOS, Ary Leonan Lima. Utilização do cordel como ferramenta para o ensino
de história: conceitos, repertórios e experiências. 2018.102f. Dissertação
(Mestrado Profissional em Ensino de História) – Universidade Federal de
Sergipe, São Cristóvão, 2018.

SEED. Povo Xocó: Histórias que marcaram nossa vida. (colab.) Eliane Amorim
de Almeida / (coord.) Maria da Conceição S. G. Mascarenhas. Secretaria de
Estado da Educação do Desporto e Lazer. Aracaju:
MEC/SEF/CGAEI/SEED/DED/DEF/NEI,
2000.

SILVA, Raymundo José da. Perspectiva do folheto de cordel na sua transposição


dos sertões para os centros urbanos. 2014. f. 265.tese-Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Instituto de Letras, programa de pós-graduação em Letras,
Porto Alegre, BR-RS.
SILVA. Verônica Diniz da. A literatura de cordel e suas contribuições para o
ensino desse gênero na sala de aula. In: X Simpósio Linguagens e Identidades
da/na Amazônia Sul-Ocidental,10ª, 2016, Rio Branco. Anais. Universidade
Federal do Acre.

158
PROPOSTA INTERDISCIPLINAR ENTRE MATEMÁTICA
E HISTÓRIA NUMA COLEÇÃO MATEMÁTICA
INDÍGENA DO ESTADO DE MATO GROSSO
Junior Benedito Pleis e Talita Seniuk 159

Este trabalho apresenta uma breve proposta interdisciplinar alinhada à Base


Nacional Comum Curricular com base numa coleção matemática indígena do
Estado de Mato Grosso. O artigo estrutura-se em quatro tópicos: As origens; A
iniciativa; O material; A proposta; seguidos pelas considerações, referências
biográficas e bibliográficas, respectivamente.

As origens

Os livros didáticos bilíngues de Matemática, referenciais centrais deste artigo,


possuem suas origens no Projeto Haiyô de 2005 da Secretaria de Estado de
Educação de Mato Grosso que tinha como objetivo a formação em nível de
Ensino Médio (Magistério Intercultural) a profissionalização de professores
índios para exercício da docência na rede estadual de ensino em suas
respectivas aldeias. Os participantes passaram por uma seleção nas suas
comunidades e toda a formação foi pensada com um currículo diferenciado para
as especificidades de cada grupo.

Iniciaram trezentos alunos, de trinta e uma etnias diferentes que passaram por
dez etapas durante a capacitação que ocorreu em serviço, ou seja, esses
docentes já estavam em sala de aula nesse período. Algumas etapas presenciais
demandaram dias de férias escolares, respeitando as particularidades de cada
professor; sendo descentralizadas em cinco polos para facilitar a articulação:
Juína, Canarana, Campinápolis, Xingu (Alto) e Xingu (Médio).

Em 2010, ao final do projeto profissionalizaram-se duzentos e oitenta


professores índios aptos para trabalhar no Ensino Fundamental I, uma vez que
o ensino dessa etapa não é responsabilidade exclusiva dos municípios dentro
do estado, que também possui várias escolas das séries iniciais e a educação
indígena se insere nessa dualidade também. A palavra Haiyô pertence ao povo
Nambikwara e possui vários significados como “bom, muito bom, quero
aprender” (MATO GROSSO, 2021).

A iniciativa

Onze volumes de Matemática foram produzidos durante o Projeto Haiyô como


forma de registrar e operacionalizar a vivência dos envolvidos. Publicados em
2021, são destinados a oito etnias diferentes em formato bilíngue, na língua
materna de cada etnia e em português; contemplando os povos: Manoki-Irantxe,
Cinta Larga, Haliti-Paresí, Kayabi, Myky, Rikbaktsá, Nambikwara (Sabane,
Katitaurlu e do Vale do Guaporé), Terena e Pangyjej-Zoró.
Os volumes foram impressos através de um convênio entre Secretaria de Estado
de Educação de Mato Grosso (SEDUC) e Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) para serem distribuídos nas respectivas aldeias,
totalizando cinco mil e oitocentos exemplares, que também podem ser
acessados no formato virtual de forma gratuita e com acesso livre.
160
Apesar de serem um material de Matemática, seu conteúdo extrapola os limites
da área de exatas e dialoga com outras áreas, como afirmou o Secretário
Estadual de Educação, Alan Resende Porto, numa entrevista no lançamento dos
exemplares:

“Certamente estes livros serão fonte de riquezas culturais, materiais e imateriais,


que permeiam o cotidiano das comunidades e refletirão no futuro, não somente
como uma imagem ou um texto, mas também como um instrumento da
identidade de cada um dos seus autores” (MATO GROSSO, 2021).

Vale ressaltar que a oferta de referenciais que estejam em consonância com a


realidade escolar indígena é bastante escassa em nosso país, mesmo com
centenas de etnias e aldeias que resistem, como defendeu Lúcia Aparecida dos
Santos, Superintendente de Diversidade da Secretaria de Estado de Educação,
no mesmo evento:

“Estes livros são inéditos no país. São poucos os materiais didáticos e


paradidáticos existentes à disposição da comunidade indígena, pois a
diversidade de etnias é grande. Por isso, a imensa importância de termos
conseguido imprimir o material, pois é, na verdade, mais um marco na evolução
da educação indígena” (MATO GROSSO, 2021).

Durante a confecção do material até sua impressão foram envolvidas diversas


áreas e subáreas do governo estadual, bem como o Conselho Estadual de
Educação Escolar Indígena, além claro, dos autores dos textos e ilustradores
dos livros, representantes de suas etnias e participantes diretos do Projeto Haiyô.

O material

A coleção permite seu uso tanto pelos docentes quanto pelos discentes. No caso
dos professores, serve como guia para definir e planejar as aulas a partir dos
objetos de conhecimento apresentados (MATO GROSSO, 2021, p. 5); para os
estudantes como mediador da compreensão e construção de conceitos
matemáticos (MATO GROSSO, 2021, p. 5). Nas duas situações há uma
contextualização da realidade para todos os envolvidos na educação,
valorizando práticas da etnomatemática da cultura indígena.

“Os textos apresentam conceitos básicos de matemática de base decimal na


perspectiva de ensino escolar intercultural e devem ser ensinados a partir dos
etnosaberes e etnomatemática de cada povo indígena.” (MATO GROSSO, 2021,
p. 5)

O livro Matemática Cinta Larga contou com Adriana Maãn Cinta Larga, Ana Terra
Cinta Larga, Beatriz Cinta Larga, Carlos Man Cinta Larga, Edir Cinta Larga,
Felipe Kakin Cinta Larga, Fátima Cinta Larga, Jorge Cinta Larga, Luciano Cinta
Larga, Luis Cinta Larga, Milton Cinta Larga (Juína), Milton Cinta Larga 161
(Aripuanã), Rosana Cinta
Larga, Sônia Cinta Larga, Ricardo Cinta Larga, Valda Cinta Larga que atuaram
como autores dos textos e das ilustrações.

O exemplar conta com História da Matemática do Povo Cinta Larga; seguido por
Noções de grandeza, Números e desenho, Formas de medida do Povo Cinta
Larga, Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão, As formas geométricas dos
artesanatos, Pinturas corporais, O tempo na cultura Cinta Larga, Calendário do
Povo Cinta Larga; seguidos pelo Jogo da Serpente e Jogo da Memória;
finalizando com Página de Exercícios.

No volume Matemática Haliti-Paresí temos como responsáveis pelos textos e


ilustrações Andreia Sônia Nezokenazokero, Eliane Aparecida Zoizocairose,
Jurandir Zezokiware, Valdomiro Okenozokemae, Mauro Azokemazokae, Dejair
Hokixokeme, Felinto Azonazokai.

A divisão dos assuntos ocorre da seguinte forma: A Matemática do Povo Haliti-


Paresí, A confecção do artesanato, Noções de grandeza, Noções de posição,
Números ordinais, Pinturas corporais, Tempo, Calendário do tempo, Conjuntos,
Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão, Formas geométricas, Números e
desenhos, Jogo da memória.

No Matemática Kayabi há a autoria dos textos e das ilustrações de Awer Kayabi,


Cezarina Krey Leite Tukumã, Dineva Maria Kayabi, Dionisio Mairaiup, Esmeraldo
Myau Kayabi, Eroit Kayabi, Maria Suzana Kujajup e Juparejup Kayabi. Os temas
dividem-se em: História da Matemática do Povo Kayabi, Noções de grandeza,
Noções de posição, Conjuntos, Números e desenhos, Adição, Subtração,
Multiplicação, Divisão, Números Ordinais, As formas geométricas dos
artesanatos, A Matemática no artesanato, Calendário Kayabi da Aldeia
Kururuzinho e Ka’Afã, Calendário Kayabi de Juara, Jogo da Memória.

No livro Matemática Manoky-Irantxe os responsáveis pelos textos e pelas


ilustrações são Edivaldo Lourival Mampuche e José Pedro Venâncio Ulipyace.
Transcorre-se pela Importância do artesanato, Noções de grandeza, Origem das
pinturas do Povo Irantxe-Manoky, Figuras geométricas, Números e desenho,
Figuras geométricas dos artesanatos, Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão,
Calendário anual e Jogo da memória.

No exemplar Matemática Myky figuram entre autores dos textos e das ilustrações
Kawyxi Myky, Jaukai Myky, Umena Myky, Kiwuxi Myky, Wajakuxi Myky,
Jaapatau Myky, Kawyxi Myky e Tupy Myky. A disposição dos assuntos
compreende A grande caçada, Matemática Myky, Formas geométricas,
Contando na língua dos Myky, Sequência dos números, Conjuntos, Adição,
Subtração, Multiplicação, Divisão, Medidas, Tempo, Calendário anual, Formas
geométricas no cotidiano da aldeia, Jogo da memória.

A obra Matemática Nambikwara do Vale do Guaporé contou com Adriana


Negarotê, Leonel Mamaindê e Maria Aparecida Mamaindê como responsáveis 162
pelos textos e pelas ilustrações; que segue a ordem Matemática do Povo
Nambikwara do Vale, Noções de grandeza, A Matemática das festas tradicionais
do Povo Nambikwara do Vale, Números e desenhos, Conjuntos, Números
ordinais, Adição, Subtração, A Matemática das pinturas corporais, Multiplicação,
Divisão, A Matemática dos artesanatos, Calendário anual do Vale, Atividades e
fenômeno de cada mês, Jogo da memória.

No volume Matemática Pangyjej-Zoró os autores dos textos e das ilustrações


foram
Amin Zoró, Arlindo Zoró, Carlos Zoró, Rosa Zoró e Waratan Zoró. Articula-se o
assunto em História da Matemática do Povo Zoró, Noções de posição, Adição,
Subtração, Multiplicação, Divisão, Números de 0 a 100, Formas de medida do
Povo Zoró, Números pares, Números ímpares, Calendário do Povo Zoró, As
formas geométricas, As formas geométricas dos artesanatos e Jogo da
memória.

Em Matemática Rikbaktsá contribuíram Andre Apyton Rikbakta, Arnildo Jokmaba


Rikbakta, Darilene Warote Rikbaktsa, Danilo Emerson Ribeiro Ado, Duino
Rikbakta, Edson Utumy Rikbakta, Elcio Rikbakta, Heide Biktsawa Rikbaktsa,
Idinei Zotsitsa, Juarez Paimy e Marileide Memo Rikbaktatsa enquanto autores
dos textos e das ilustrações. A discussão permeia A Matemática Rikbaktsá,
Noções de grandeza, Noções de posição, Números e desenhos, Conjuntos,
Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão, Números ordinais, Calendário
Rikbaktsá, Jogo da memória e Página de exercícios.

O livro Matemática Terena teve a autoria dos textos e das ilustrações por apenas
uma pessoa, Sirlene Correia Da Silva Terena. Os assuntos seguem a ordem: A
Matemática do Povo Terena, Noções de posição, Noções de grandeza, Adição,
Subtração, Multiplicação, Divisão, Matemática presente nas pinturas, Números
ordinais, Números ímpares, Números pares, Números e desenhos, Jogo da
memória e Página de exercícios.

Na matemática Nambikwara Sabane participaram da autoria dos textos e das


ilustrações Adriano Tawandê, Antônio Manduca, Eduardo Sabanê e Jair Sabanê.
As temáticas transcorrem entre Matemática do Povo, Noções de grandeza,
Noções de posição, Números e desenhos, Conjuntos, Pintura Corporal, Adição,
Subtração, Multiplicação, Divisão, As formas geométricas dos artesanatos,
Calendário, Jogo da memória, Página de exercícios.

Já em Matemática Nambikwara Katitaurlu participaram Heleno Katitaurlu, Marino


Katitaurlu, Taína Katitaurlu e Reginaldo Katitaurlu como autores dos textos e das
ilustrações. O mesmo conta com A Matemática dos Katitaurlu, Noções de
posição, Noções de grandeza, Sequência dos números, Números e desenhos,
Conjuntos, Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão, Figuras geométricas, As
formas geométricas dos artesanatos, Jogo da memória.

Vale ressaltar que todos os exemplares possuem antes de adentrarem nas


temáticas a serem abordadas uma Apresentação e Orientações Pedagógicas 163
que norteiam tanto o leitor quanto o usuário do material enquanto ferramenta de
ensino aprendizagem, além de uma riqueza de ilustrações. E a maioria possui
Jogo da Memória e Página de Exercícios ao final das obras.

A proposta

Partindo-se da premissa que a educação formal, aquela concretizada nas ações


da escola vai ao encontro da informal, construída pela sociabilidade dos
estudantes com a família e a comunidade (LAKATOS, MARCONI, 2014) na
busca da formação de um sujeito em sua plenitude, como a própria Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental apresenta como
objetivo, o desenvolvimento de habilidades e competências (BNCC, 2017) que
visam a construção de um cidadão em sua totalidade, que através dessa
educação se referenciam além dos muros escolares e por toda a sua vida, ações
que dialoguem com várias temáticas articulando saberes de áreas distintas se
mostra essencial.

Apesar da coleção em evidência tratar da Matemática, seus modos de percebê-


la e operacionalizá-la dentro de cada etnia, a questão cultural mostra-se
intrínseca ao se folhear os livros, permitindo seu uso muito além do proposto
inicialmente. Estão presentes elementos sócio-históricos, geográficos e
artísticos que são usados para contextualizar os objetos de conhecimentos
matemáticos, que podem ser usados por outras disciplinas isoladas, ou ainda,
através de projetos interdisciplinares.

“Do ponto de vista pedagógico representam a possibilidade concreta de


materiais didáticos específicos para alunos e professores indígenas, visto que
valorizam a língua materna, os conhecimentos matemáticos e a cultura de cada
povo. Da mesma forma, os textos e ilustrações trazem os mitos e histórias que
são pilares da cultura indígena. Certamente serão fonte de riquezas culturais,
materiais e imateriais, que permeiam o cotidiano das comunidades e refletirão
no futuro, não somente como uma imagem ou um texto, mas também como um
instrumento da identidade de cada um dos seus autores” (MATO GROSSO,
2021, p.4).

Em nove dos onze livros da coleção existe um tema em comum que introduz os
assuntos que serão abordados e permite o diálogo inicial entre as disciplinas de
Matemática e História que pode ser explorado, considerando as informações
sócio-históricas que se delineiam até alcançar seu objetivo matemático (História
da Matemática do Povo Cinta Larga, A Matemática do Povo Haliti-Paresi, História
da Matemática do Povo Kayabi, Matemática do Povo Nambikwara do Vale, A
Matemática dos Katitaurlu, Matemática do Povo (Sabane), História da
Matemática do Povo Zoró, A Matemática Rikbaktsa, A Matemática do Povo
Terena). Trata-se de um referencial que contempla as origens de cada povo e
como passaram a perceber a Matemática em seu cotidiano, usando como base
seus antepassados e referindo-se temporalmente à eles como “antigamente”.
Apenas nas obras das etnias Manoki-Irantxe e Myky eles não estão presentes.
164
Outros capítulos que permitem essa articulação são aqueles que tratam das
pinturas corporais especificamente (Cinta Larga, Haliti-Paresí, Nambikwara-
Sabane) e o Matemática presente nas Pinturas dos Terena que além de
buscarem apresentar as concepções geométricas dos desenhos, ressaltam
questões de pertencimento e estratificação social dentro de cada etnia, além de
usos em datas importantes. E ainda, o tema Origem das Pinturas do Povo
Irantxe-Manoki desenvolve suas concepções mitológicas a respeito dessa
manifestação e A Matemática nas Pinturas Corporais dos Nambikwara do Vale
do Guaporé demonstram essa representação como prática religiosa e de guerra
indo muito além da questão estética.

Seguindo por esse viés, no que tange o artesanato as temáticas A Confecção do


Artesanato da etnia Haliti-Paresí ressalta que as mulheres são praticamente
excluídas dessa atividade; a Importância do Artesanato do povo Manoki-Irantxe
que traz um panorama de abandono da cultura artesã que tem sido revivida pela
comunidade, em especial, no artesanato corporal e A Matemática dos
Artesanatos dos Nambikwara do Vale do Guaporé demonstra-o como artesanato
indígena, passado de geração em geração, entretanto, homens e mulheres
produzem objetos específicos, não sendo possível que o grupo feminino faça
artesanato masculino e vice-versa.

No exemplar dos Nambikwara do Vale do Guaporé há um capítulo abordando


suas festas, A Matemática das Festas Tradicionais do Povo Nambikwara do
Vale, onde são indicadas algumas etapas de preparação, necessárias para a
realização das festividades que envolvem desde a organização da aldeia,
caçada, danças, divisão dos alimentos.

O tempo também é abordado sob o viés cultural de cada etnia, sendo trabalhado
O Tempo na Cultura Cinta Larga que tem referenciais nos astros e na natureza
para mensurá-lo; o Tempo (Myky e na Haliti-Paresí) onde naquela aparece como
base as estações do ano e o uso de uma corda com nós como objeto para marcar
o tempo, e nesta última a divisão entre o tempo da seca e o da chuva que orienta
todas as atividades da aldeia.

Dentro de uma concepção de medição do tempo, o assunto calendário também


impera em quase todas as obras, Calendário do Povo Cinta Larga, Calendário
do Tempo (Haliti/Paresí), Calendário Kayabi da Aldeia Kururuzinho de Ka´Afã e
Calendário Kayabi de Juara, Calendário Anual (Manoki-Irantxe e Myky),
Calendário (Nambikwara-Sabane), Calendário do Povo Zoró, Calendário
Rikbaktsa, Calendário Anual do Vale e Atividades e Fenômenos de cada mês;
todos demonstrando quais atividades e festividades pertencem a cada mês ou
marco temporal da etnia, bem como os alimentos que são colhidos e o clima
esperado em cada época.

No que tange a relação aqui proposta entre Matemática e História e o


pertencimento das obras ao segmento educacional do Ensino Fundamental I, a
operacionalidade das propostas melhor se encaixa em atividades no 6° ano do
Ensino Fundamental II devido ao processo de transição que ocorre entre as 165
etapas, a recém concluída e a que se inicia na vida dos estudantes,
demonstrando que o conhecimento não é algo fragmentado, mas construído de
forma coletiva entre as ciências.

Nesse sentido, seguindo-se por esse viés e nos capítulos apresentados acima
que tratam de objetos de conhecimento da Matemática com contexto histórico,
essa proposta interdisciplinar atende em História a unidade temática História,
tempo, espaço e formas de registro, os objetos de conhecimento contemplam A
questão do tempo, sincronias e diacronias: reflexões sobre o sentido das
cronologias e As origens da humanidade, seus deslocamentos e os processos
de sedentarização; está contemplando a habilidade EF06HI05 – Descrever
modificações da natureza e da paisagem realizadas por diferentes tipos de
sociedade, com destaque para os povos indígenas originários e povos africanos,
e discutir a natureza e a lógica das transformações ocorridos (BNCC, 2017) e
aquela EF06HI01 – Identificar diferentes formas de compreensão da noção de
tempo e de periodização dos processos históricos (continuidades e rupturas)
(BNCC, 2017).

Já na Matemática a unidade temática Números é parcialmente atendida,


colaborando com os objetos de conhecimento Sistema de numeração decimal:
características, leitura, escrita e comparação de números naturais e de números
racionais representados na forma decimal; e Operações (adição, subtração,
multiplicação, divisão e potenciação) com números naturais. Respectivamente
as habilidades EF06MA01 – Comparar, ordenar, ler e escrever números naturais
e números racionais cuja representação decimal é finita, fazendo uso da reta
numérica, EF06MA02 – Reconhecer o sistema de numeração decimal, como o
que prevaleceu no mundo ocidental, e destacar semelhanças e diferenças com
outros sistemas, de modo a sistematizar suas principais características (base,
valor posicional e função do zero), utilizando, inclusive, a composição e
decomposição de números naturais e números racionais em sua representação
decimal e EF06MA03 – Resolver e elaborar problemas que envolvam cálculos
(mentais ou escritos, exatos ou aproximados) com números naturais, por meio
de estratégias variadas, com compreensão dos processos neles envolvidos com
e sem uso de calculadora (BNCC, 2017) são trabalhadas.

Vale ressaltar que ambas unidades temáticas, objetos de conhecimento e


habilidades citadas fazem parte da operacionalização das disciplinas já no
primeiro bimestre escolar, servindo como revisão de assuntos já discutidos
durante o Ensino Fundamental I e como retomada de habilidades que serão
desenvolvidas. Outro fator que merece destaque, é que atende parcialmente
também ao Documento de Referência Curricular para Mato Grosso Ensino
Fundamental Anos Finais em História no objeto de conhecimento Diversidade de
povos e culturas que contribuíram para a formação do Estado de Mato Grosso
(MATO GROSSO, 2018, p. 252). Não obstante, são um ponto de partida de
objetos de conhecimento e habilidades que serão trabalhados em outros
bimestres, pois estes também se articulam numa teia complexa que extrapola
limites bimestrais.
166
Considerações

A iniciativa da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso em recuperar


os materiais produzidos durante o Projeto Haiyô e torná-los públicos e
acessíveis, demonstra uma valorização dos integrantes do projeto, dos autores
dos textos e das ilustrações, bem como o respeito pela diversidade étnica para
com os povos originários do estado. Ainda que os objetivos da coleção almejam
conhecimentos matemáticos, seu alcance excede os limites impostos a priori e
evidencia a relevância da história local como um saber derivado, da comunidade
com seu espaço (GRAÇA FILHO, 2009) e permite para os docentes uma
possibilidade de uso diferente que reflete o mosaico cultural mato-grossense.

Referências biográficas

Junior Benedito Pleis é licenciado em Matemática (UniCesumar) e Física


(UNIMES); pós-graduado em Metodologia do Ensino em Matemática (Eficaz),
em Metodologia do Ensino da Física e Educação do Campo, Indígena e
Quilombola (Eficaz). Atualmente é Professor de Matemática, Física e Química
da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT).

Talita Seniuk é licenciada em História (UEPG), Ciências Sociais (UMESP) e


Filosofia (UNIMES); pós-graduada em Metodologia do Ensino de História e
Geografia (CESUMAR) e Ensino de Sociologia (UCAM). Atualmente é
Professora de História, Sociologia e Filosofia da Secretaria de Estado de
Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT), colunista do Jornal Ucraniano Prácia
(Праця) e colaboradora do Blog Exílio-migração política.

Referências bibliográficas

BRASIL. Base nacional comum curricular - BNCC. Ministério da Educação.


Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. História, região & globalização. Belo


Horizonte: Autêntica, 2009.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia Geral. São


Paulo: Atlas, 2014.

MATO GROSSO. Documento de Referência Curricular para Mato Grosso Ensino


Fundamental Anos Finais - DRC. Secretaria de Estado de Educação. Cuiabá,
2018.
MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Governo de MT envia
livros didáticos bilíngues para comunidades indígenas; primeira remessa segue
para aldeia Kururuzinho. Disponível em http://www3.seduc.mt.gov.br/-
/16766319-governo-de-mt-envia-livros-didaticos-bilingues-para-comunidades-
indigenas-primeira-remessa-segue-para-aldeia-kururuzinho
167
MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Cinta Larga.
Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Haliti Paresí.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Kayabi.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Manoki


Irantxe. Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Myky.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Nambikwara


do Vale do Guaporé. Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Nambikwara


Katitaurlu. Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Nambikwara


Sabane. Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Pangyjej Zoró.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Rikbaktsa.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Matemática Terena.


Coletânea Matemática. Cuiabá: Gráfica Print, 2021.
SITUANDO O DEBATE REFERENTE À EDUCAÇÃO
INDÍGENA DIFERENCIADA
Luciano Araujo Monteiro
“Um povo que habita casas cobertas de palha, que dormem em esteiras no chão, 168
não devem ser identificados, de jeito nenhum como o povo que é inimigo dos
interesses do Brasil, inimigo dos interesses da Nação e que coloca em risco
qualquer desenvolvimento. O povo indígena tem regado com sangue, cada
hectare dos 8 milhões de Km2 do Brasil. Os senhores são testemunhas disso”
(KRENAK, 1987).

Um trecho do discurso realizado pela, à época, jovem liderança indígena Ailton


Krenak que, ao subir ao púlpito da Assembleia Nacional Constituinte, fez a
defesa das comunidades indígenas do Brasil, por meio de suas palavras e no
ato performático de pintar o próprio rosto, enfatizando suas características
étnicas. O ano de 1987 foi marcado pela reivindicação de diversos movimentos
sociais, dentre eles, os movimentos indígenas e de seus aliados por maior
participação na sociedade civil, resultando na atual Constituição que, ao
contrário de outras, não foi imposta pelas autoridades constituídas, vindo ao
encontro dos anseios de grupos marginalizados em território brasileiro. Desse
modo, artigos constitucionais, que defendem os interesses das comunidades
indígenas são marcas de seu protagonismo, ocorrido entre as décadas de
1970-80. Entretanto, é preciso salientar que, após três décadas, o então
envelhecido Ailton Krenak reforça os constantes ataques sofridos pelos povos
indígenas, em entrevista ocorrida em (2020) à revista Carta Capital:

“CC: Você protagonizou uma das cenas mais memoráveis da Assembleia


Constituinte. Dói, 33 anos depois, ver tantos ataques à Constituição?
[Grifos da autora]

AK: O trato dos poderes com a Constituição piorou. Mas não é algo que
acontece só nos últimos tempos.

Havia [Propostas de Emendas Constitucionais] PECs tramitando há anos para


mudar o capítulo dos índios, tirar o direito dos quilombolas, reduzir políticas
públicas. Essa fúria contra a Constituição piorou nos últimos dois anos. E deixou
de ser tentativa para se tornar fato.

É o desaparelhamento interno do Estado brasileiro. Das condições necessárias


para fiscalizar e proteger os territórios indígenas. E um estímulo crescente à
violência contra nós, banalizando a ideia de proteger o meio ambiente, como se
fosse coisa de gente boba” (OLIVEIRA, 2020).

O objetivo deste texto é trabalhar com a ideia de educação indígena


diferenciada nos dias atuais, a partir da Constituição Federal de 1988, tendo
em vista o protagonismo indígena, assim como autores contemporâneos que
problematizam essa questão. Todavia, para entender melhor essa finalidade, é
preciso recuar um pouco na linha do tempo, pensando em práticas
educacionais voltadas para diversas comunidades, seja por meio da catequese,
seja por intermédio de órgãos do Estado brasileiro. Por fim, para chegarmos na
educação dos indígenas, isto é, protagonizada por estes, sendo que, uma
dessas formas de protagonismo pode ser encontrada em materiais didáticos,
produzidos para atender demandas locais. Conforme afirma Circe Bittencourt, 169
assim como há críticas na utilização de livros didáticos, também existem
possibilidades de usos diferenciados desses materiais de ensino-
aprendizagem:

“Os livros didáticos, os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da


‘tradição escolar’ de professores e alunos, fazem parte do cotidiano escolar há
pelo menos dois séculos. Trata-se de um objeto cultural de difícil definição, mas,
pela familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros
livros. [...] Muito criticados, muitas vezes considerados os culpados pelas
mazelas do ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema
polêmico. Diversas pesquisas têm revelado que são um instrumento a serviço
da ideologia e perpetuação de um ‘ensino tradicional’. Entretanto, continuam
sendo usados no trabalho diário das escolas em todo o país, caracterizando-se
pela variedade de sua produção, e, ao serem analisados com maior
profundidade e em uma perspectiva histórica, demonstram ter sofrido mudanças
em seus aspectos formais e ganho possibilidades de uso diferenciado por parte
de professores e alunos” (BITTENCOURT, 2008b, p. 299-300. Grifos da autora).

Políticas de assimilação pela tutela

Podemos falar de educação escolar voltada para povos indígenas, desde o


período colonial no território que, mais tarde, veio a se chamar de Brasil, no
qual houve uma política de assimilação, por meio da lógica do trabalho e pela
catequese compulsória, posta em prática pela ordem dos jesuítas. A partir das
práticas implantadas pelos representantes do governo português, diversas
comunidades étnicas foram postas num grau de subalternidade, conforme
afirma o antropólogo Mércio Pereira Gomes: “O projeto colonial jamais permitiu
variações além do que aquelas que fixavam, por princípio, a posição dos povos
indígenas como súditos do rei, vassalos em sua própria terra e seres
socialmente inferiores aos portugueses” (GOMES, 2017, p. 75).

Desde o período colonial, podemos notar práticas educacionais voltadas para


o indígena, seja por meio de canções religiosas de temática cristã, seja por
intermédio da leitura de trechos bíblicos. Contudo, não havia a preocupação,
por parte de representantes da Cia de Jesus, em entender a cultura do outro
em suas especificidades, a fim de valorizá-la, mas sim, o desejo de subjugar os
indígenas em benefício da Metrópole Ibérica. Segundo Élio Pereira, é notório
que, no projeto colonizatório não era pensado um modelo educacional visando
às demandas indígenas, mas sim, um aniquilamento cultural:
“Catequese e educação a serviço do aniquilamento cultural no Brasil
Colônia [grifos do autor] é a fase mais longa da história da educação para os
povos indígenas no Brasil. O objetivo das práticas educacionais era negar a
diversidade dos índios, ou seja, aniquilar culturas e incorporar mão de obra
indígena à sociedade nacional” (PEREIRA, 2010, p. 26).

Esse modelo de imposição cultural, com suas nuances e especificidades, 170


continuou ao chegarmos ao período republicano, ou seja, não se pensava na
educação do indígena e sim para o indígena, sendo que, o índio continuou a
ser visto como incapaz de guiar sua própria história. A partir da década de 1910,
é criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais, por iniciativa do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Desse
modo, surge no período republicano um órgão oficial, responsável pelas
práticas indigenistas, sendo que, em 1918, essa agência passa a tratar
exclusivamente de políticas indigenistas, surgindo assim, o Serviço de Proteção
aos Índios (SPI). Conforme afirma Mércio Pereira Gomes:

“O SPI foi produto orgânico [...] motivado pela emoção nacional. Em nenhum
momento chegou a renovar as propostas constitucionais [...] para os índios nem
os tratou como nações soberanas. Via o índio como um ser digno de conviver
na comunhão nacional, embora inferior numa escala cultural e evolutiva. Como
pensava quase todo mundo à época, a exemplo do próprio Sigmund Freud, os
índios – o primitivo – tinham uma mentalidade infantil, que necessitava da tutela
do Estado” (GOMES, 2017, p. 92).

Se por um lado esse órgão indigenista foi responsável por ações positivas,
como as primeiras demarcações de terras em território Terena (tanto que
Rondon é visto como um herói por essa etnia até nossos dias), por outro, essa
instituição foi alvo de denúncias de casos de corrupção e de conivência de
membros do SPI com práticas de etnocídio e de retiradas forçadas de
contingentes indígenas. Por esses motivos, a instituição criada por Rondon foi
extinta em 1967.

Em 1967 o SPI é substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI),


responsável pela tutela, por meio da Constituição Federal de 1969 e do Estatuto
do Índio de 1973 e pelas políticas educacionais direcionadas aos povos
indígenas no regime militar brasileiro. Segundo Gomes, o novo órgão
indigenista tinha por objetivos:

“[...] transformar os índios em brasileiros, integrá-los à nação e assimilá-los


culturalmente ao seu povo. [...] Era preciso demarcar as terras indígenas,
contatar os povos autônomos, dar educação formal, cuidar da saúde, viabilizar
a economia indígena para entrar no mercado e fazer o próprio órgão
autossuficiente a partir das rendas auferidas internamente. Nenhuma dessas
metas foi alcançada integralmente [...]” (GOMES, 2017, p.101).

Apesar da FUNAI ter como uma de suas diretrizes guiar o processo educacional
de diversos povos, suas práticas não levavam em conta sua demandas locais,
calendários e modos de vida tradicionais. Ao se valer do discurso de “trazê-los
à comunhão nacional”, o governo militar tentou retirar de diversas etnias o
direito ao manejo sustentável de seus próprios recursos naturais, valendo-se
do órgão tutor. Contudo, a FUNAI deixa de ter autonomia para deliberar sobre
a educação indígena, pois na década de 1990, essa responsabilidade foi
transferida ao Ministério da Educação (MEC). Nos dias atuais, a FUNAI sofre
com o corte de verba, conforme indicado em: 171

“O orçamento de 2020 não prevê recursos para o atendimento a direitos


indígenas como demarcação de terras, organização social e proteção cultural.
A informação consta de um estudo elaborado pelos servidores da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI). [...] De acordo com a previsão do Projeto de Lei
Orçamentária Anual de 2020, houve corte de 40% no aporte destinado às áreas
‘finalísticas’ da FUNAI, como é o caso do programa Proteção e Promoção dos
Direitos dos Povos Indígenas, vinculado à Justiça” (LEITÃO, 2019).

Ademais, há a falta de contingente de funcionários suficientes para atender às


demandas presentes entre diversas comunidades indígenas e o atual governo
tenta colocar a FUNAI como órgão subordinado ao Ministério da Agricultura,
onde a Bancada Ruralista possui grande representatividade política, uma ação
que pode aumentar a violência contra as comunidades indígenas, acirrando os
conflitos no campo, que já são intensos:

“Dados reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, de


janeiro até agosto de 2019, o Brasil registrou 18 mortes em conflitos no campo.
Entre os mortos, quatro eram lideranças indígenas, sendo três do Amazonas e
uma do Amapá” (LUIZ, 2019).

Caso isso ocorra, tanto os movimentos indígenas quanto de seus aliados serão
seriamente prejudicados pelo Poder Público que, em teoria, deveria apoiá-los.

De uma educação tutelada para uma educação indígena diferenciada

Em seus estudos, Pereira nos apresenta uma breve cronologia, referente à


educação escolar indígena, ilustrando a transição de uma educação tutelada,
seja pelo governo, seja por instituições religiosas até os nossos dias, em que
os movimentos indígenas começam a ter uma participação efetiva na
sociedade brasileira contemporânea, com o objetivo de requerer direitos
sociais:

“[...]
A integração dos índios à comunhão nacional. Do SPI à FUNAI, SIL
[Summer Institute of Linguistics, instituto responsável por levar linguistas
internacionais, ligados à missões religiosas, para territórios indígenas] e outras
missões religiosas [Grifos do autor]. Embora o Estado, por meio da criação
do SPI, em 1910, tivesse tentado dar outro rumo à educação dos povos
indígenas, a elaboração de políticas indigenistas foi organizada por missões
religiosas.
A formação de projetos alternativos de educação escolar. Da participação
de organizações não governamentais aos encontros de educação para
índios. [...] inicia-se no final dos anos 70, com o surgimento de organizações
não governamentais em defesa da causa indígena (PEREIRA, 2010, p. 26-27).

Experiências de Autoria. Da Organização do Movimento Indígena aos 172


Encontros de Professores e Índios. [...] o surgimento de organizações
indígenas [...], a partir de meados da década de 1970 – que foram coordenadas,
administradas pelos próprios indígenas com assessoria de organizações
indigenistas”. – (PEREIRA, 2010, p. 30)

Embora seja possível pensar na educação escolar indígena desde o período


colonial, esta pesquisa tem por escopo a questão contemporânea, tendo em
vista a preocupação com a prática de ensino-aprendizagem descolonizada,
partindo da década de 1970, momento de tutela de povos indígenas, por meio
de ações estatais, legitimadas pelo Estatuto do Índio, de 1973, até os dias
atuais, instante em que esse controle se enfraquece, por intermédio da
Constituição de 1988, que demonstra as demandas e o protagonismo indígena,
por meio da criação dos artigos: 210 e 231. Ademais, as ideias
assimilacionistas postas em prática pelo regime militar brasileiro traziam o ideal
do desaparecimento dos povos indígenas, no momento em que estes
estivessem incorporados à “comunhão nacional”. Todavia, esse
desaparecimento não aconteceu, sendo que, atualmente, houve um aumento
significativo de autodeclarados indígenas, assim como há uma grande
quantidade de etnias e de línguas identificadas, conforme apontou Almeida
Neto, apresentando o equívoco de certa historiografia:

“Desempenhando papéis secundários ou aparecendo na posição de vitimados,


representados como aliados ou inimigos, guerreiros ou bárbaros, escravos ou
submetidos, nunca sujeitos da ação, uma vez dominados, integrados e
aculturados, desapareceriam como índios na escrita histórica e, não à toa,
estariam condenados ao desaparecimento também no presente, prognóstico
derrubado pelas evidências apontadas pelo censo demográfico do IBGE de 2010
que aponta crescimento de 178% no número de indígenas autodeclarados desde
1991, bem como a existência de 305 etnias e 274 línguas” (ALMEIDA NETO,
2014, p. 221).

A emergência da educação indígena, diferenciada e bilíngue, surge em


contraposição à pretensão de se fundar uma história homogênea e sem
conflitos sociais. Além disso, é notório o protagonismo indígena existente, nos
dias atuais, em seu processo de autodeterminação (tendo início entre as
décadas de 1970-80), que começou a ganhar força a partir do momento em
que, várias etnias começaram a perceber sua força como grupos sociais, a fim
de requerer do Poder Público, direitos reconhecidos pela Constituição Federal
de 1988, isto é, o direito de guiar o próprio processo educacional. Conforme
indicado em seu Art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”.

Este artigo seria um marco na tentativa de implementar em nosso país um


processo democrático, visto que, ele permite combater o que Circe Bittencourt
chamou de um “nacionalismo de direita”, termo referente ao início do período
republicano até a década de 1940, isto é, os pensamentos que permitem a 173
perpetuação de uma camada elitista no poder:

“A identidade nacional e a difusão de um sentimento nacional patriótico nas


escolas republicanas caracterizam, dessa forma, o que se chama de
“nacionalismo de direita”. Trata-se de um nacionalismo voltado para atender aos
interesses de determinados setores das elites nacionais, voltados para projetos
de manutenção de seu poder e privilégios. Predominava a ideia de união, que
omitia qualquer tipo de manifestação de descontentamento interno das camadas
sociais dominadas, evitando tratar das diferenças regionais, sociais ou culturais”
(BITTENCOURT, 2008a, p. 192).

Seria possível combater esse nacionalismo, destacado por Bittencourt, a partir


da defesa da diversidade étnica, seja a partir de escolas indígenas, seja nos
livros didáticos, voltados para essas comunidades, desmistificando um
pensamento ou memória dominante, preocupando-se assim com as
características de várias comunidades étnicas. Conforme aponta Edson
Machado de Brito, a educação indígena diferenciada é um mecanismo de
emancipação:

“[...] é necessário compreender de que forma a escola deixa de ser opressão


para se transformar em demanda dos povos indígenas. A ‘educação para os
índios’ (concepção colonizadora) vem paulatinamente se transformando na
‘educação dos índios’, protagonizada por eles próprios, tendo a autonomia e a
valorização das suas tradições no diálogo intercultural como base da nova
proposta” (BRITO, 2012, p. 98).
Outro ponto a se destacar é a formação docente, que deveria ser aperfeiçoada
nos cursos de graduação em História, Pedagogia e Geografia, a fim de formar
professores indígenas e docentes não indígenas, com a finalidade de
estabelecer a valorização cultural de povos não celebrados pela historiografia
oficial. Pereira sintetiza a articulação entre ONGs e Universidades, em prol
desse ideal:

“As universidades, como a USP, UFRJ, UNICAMP, entre outras [...], passaram
a prestar assessoria às organizações indígenas e demais organizações
indigenistas até a promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu a
garantia de vários direitos fundamentais dos povos indígenas” (PEREIRA,
2010, p. 27-28).

Contudo, há controvérsias sobre a importância das universidades para a


manutenção de modos de vida tradicionais, pois, de acordo com a entrevista
concedida por Ladeira (2020):
“Quando as universidades abriram espaço para esses professores que, com
raras e honrosas exceções, mas, muitos estão preocupados com o
desempenho acadêmico desse indivíduo e com as pesquisas porque eles
[índios] são potencialmente informantes privilegiados, que estes professores da
universidade têm para desenvolverem determinadas pesquisas. Não acho isso
ruim. Só que o propósito que era a formação desses jovens para estarem 174
retornando, trabalhando e discutindo isso com suas comunidades se perdeu.
Hoje você faz pesquisa acadêmica preocupado com a formação individual
deles, naquilo que é de interesse da universidade e deles, tanto que a maioria
não volta para as aldeias”.

Apesar da argumentação anterior, é preciso ter em mente que, a partir da


articulação entre universidades e organizações indígenas ou parceiras é
possível citar cursos voltados aos professores de diversas comunidades. O livro
didático: “A História do Povo Terena”, por exemplo, é fruto de uma dessas
iniciativas, isto é, de um curso ministrado para professores indígenas, na USP,
tendo parceria do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e interesse de uma
comissão composta por docentes Terena, do Mato Grosso do Sul. Trata-se de
um livro impresso com financiamento público (MONTEIRO, 2014), pelo
Ministério da Educação, a fim de haver sua distribuição em territórios Terena.
A seguir, há a representação da capa deste material didático:

https://biblioteca.trabalhoindigenista.org.br/wp-
content/uploads/sites/5/2018/06/14-monografia-sobreHist%C3%B3ria-do-
Povo-Terena.pdf (acesso: 20 jan. 2021)
A parceria entre indígenas e ONGs com ideias afins tornou-se imperativa, pois
os indígenas passaram a perceber que sua tradição oral, como determinante
cultural, também se constituía como um mecanismo de reivindicação e luta,
conforme apontou Maria Elisa Ladeira em entrevista (2013), ao falar da
contribuição que o CTI forneceu aos professores Terena na década de 1990,
frente à escassez de documentos escritos, apresentada por eles. 175

Assim como aconteceu entre as décadas de 1970-80, há movimentos


indígenas e de aliados com a finalidade de projetá-los como agentes de sua
própria história e um dos pontos a ser destacado para que isso ocorra está na
formação docente, a partir de cursos e currículos estruturados para este fim,
assim como a criação de escolas e de materiais didáticos diferenciados,
voltados para as demandas locais desses povos tradicionais. Se no passado a
língua portuguesa era usada como mecanismo de doutrinação, hoje, o
português é apropriado por indígenas, com o objetivo de estabelecer um
embate com o não indígena, tendo como exemplos as comunidades Terena,
existentes nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Ademais, por meio dos livros didáticos diferenciados, é possível discutir temas
relacionados às disputas por terra e sobre a importância da educação indígena
diferenciada como meio para solidificar a luta coletiva, em prol da manutenção
de direitos de povos indígenas em territórios tradicionais.

Referências biográficas

Luciano Araujo Monteiro, mestrando pelo Departamento de História da


UNIFESP. Possui graduação em História (Licenciatura Plena), com certificação
em Patrimônio e é pós-graduado em Gestão Pública pela mesma Universidade.
É autor do livro: “As múltiplas visões de um historiador”. Contatos:
lucianoaraujomonteiro@yahoo.com.br; lucianoaraujomonteiro@gmail.com.

Sites de referência

KRENAK, Ailton. Discurso, 1987. In: FERNANDES, Bob (Org.). O céu dos
genocidas “está caindo”. 22 set. 2020.
https://youtu.be/D16kT5X7ak8 (acesso: 30 dez. 2020)

LEITÃO, Matheus. Corte no orçamento da FUNAI pode inviabilizar ações de


proteção a índios, dizem servidores. G1-Política. 24 out. 2019.
https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2019/10/24/corte-no-
orcamento-da-funai-pode-inviabilizar-acoes-de-protecao-a-indios-dizem-
servidores.ghtml (acesso: 05 mai. 2020)

OLIVEIRA, Thais Reis. Ailton Krenak: próxima missão do capitalismo é se livrar


de metade da população do planeta. Carta Capital. Sociedade. 31 dez. 2020.
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ailton-krenak-proxima-missao-do-
capitalismo-e-se-livrar-de-metade-da-populacao-do-planeta/ (acesso: 11 jan.
2021)
Referências bibliográficas

ALMEIDA NETO, Antonio Simplício de. Ensino de História Indígena: currículo,


identidade e diferença. Revista Patrimônio e Memória, São Paulo, Unesp, v. 10,
n. 2. jul./dez. 2014. p. 218-234.
176
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A História do Povo Terena.
Brasília: Ministério da Educação / Universidade de São Paulo. 2000. 156p.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Identidade Nacional e Ensino de


História do Brasil. In: KARNAL, Leandro. (Org.). História na Sala de Aula. São
Paulo: Contexto, 2008a, p. 185-203.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2008b. p. 291-401.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos


Jurídicos. Lei Nº 6.001, de 19 de Dezembro, de 1973. Estatuto do Índio.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm> (acesso:
03/07/2016)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa


oficial. 2011.

BRITO, Edson Machado de. Cap. VI – Educação Escolar Indígena Diferenciada:


história, conceito e objetivos. Parte III – A educação escolar indígena
diferenciada e seus impactos na aldeia do Espírito Santo. A Educação Karipuna
no Contexto da Educação Escolar Indígena Diferenciada na Aldeia do Espírito
Santo. Doutorado em educação: História, Política, Sociedade. São Paulo: 2012.
p. 97-111.

GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São


Paulo. Contexto, 2017.

LADEIRA, Maria Elisa. Entrevista. Acervo Pessoal. São Paulo, 2013.

LADEIRA, Maria Elisa. Entrevista. Acervo Pessoal. São Paulo, 2020.

LUIZ, Caio. Em 18 meses, Pastoral da Terra registrou 18 mortes. Destak Jornal


- Brasil. 07 out. 2019. p. 02.

MONTEIRO, Luciano Araujo. História do Povo Terena: o livro didático (2000).


Monografia. UNIFESP. Guarulhos: 2014, 46p.

PEREIRA, Elio Fonseca. Cap. I – De uma educação escolar para indígenas


para uma educação escolar dos indígenas. História da participação do
movimento indígena na constituição das escolas indígenas no município de
Santa Isabel do Rio Negro-AM. Mestrado em educação: História, Política,
Sociedade. São Paulo, 2010, p. 26-35.

177
ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS:
REFLEXÕES INICIAIS DE UMA PESQUISA EM
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Maria Luiza Ferreira do Carmo Souza 178

Introdução

O presente trabalho pretende abordar sobre as concepções acerca da educação


escolar indígena, qual sua definição, suas características e como foi
conquistada. Além de discutir tais significados, será discutido qual a participação
do ensino de História dentro desta modalidade de ensino, que deve ser levado
sempre em consideração as particularidades de cada comunidade indígena. O
texto possui o objetivo central de apresentar o valor que o ensino de História
possui dentro das escolas indígenas, visto que é a partir deste ensino que ocorre
o diálogo a respeito da história dos próprios indígenas, e tal ensino ocorre na
forma que a comunidade indígena, na qual a escola está inserida, considerar
melhor e mais adequado para suas formações.

Educação Escolar Indígena

A Educação Escolar Indígena tem se constituído, nas últimas décadas, como um


dos principais direitos demandados pelos movimentos indígenas no Brasil.
Gersem José dos Santos Luciano, liderança baniwa do Alto Rio Negro, no
Amazonas, em seu texto intitulado “Movimentos e políticas indígenas no Brasil
contemporâneo”, envolve perspectivas importantes quanto a definição de
movimento indígena. Para o autor, esse movimento pode ser entendido como
“[...] o conjunto de estratégias e ações que as comunidades, organizações e
povos indígenas desenvolvem de forma minimamente articulada em defesa de
seus direitos e interesses coletivos”. Além disso, observa que é a partir desta
organização política e social que comunidades indígenas lutam para que seus
direitos e reivindicações sejam atendidos (LUCIANO, 2007). Vale ressaltar que
apesar da definição estar em forma singular, deve-se compreender a existência
de múltiplos movimentos indígenas, uma vez que se deve levar em conta a
singularidade e particularidade da luta e da necessidade de cada aldeia, cada
povo ou cada território indígena. Reconhecer a existência desses variados
movimentos indígenas é uma forma de combater os discursos que generalizam
a diversidade de tais povos.

No entanto, há pontos em comum que unificam a luta de comunidades indígenas,


como a luta pelo direito ao reconhecimento territorial e pelo controle dos
recursos, luta pela garantia ao atendimento de saúde adequado e de qualidade,
e principalmente a luta para que todas as comunidades indígenas disponham de
uma educação escolar específica e diferenciada (LUCIANO, 2007). Além disso,
é de suma importância o acesso a uma educação que leve em consideração as
particularidades das vivências indígenas, pois conforme indicado por Iara
Tatiana Bonin, no texto “Educação escolar & protagonismo indígena:
argumentos sobre a constituição de uma “docência artífice”, tem-se a relevância
da instituição escola, uma vez que “...a escola é um dos espaços interculturais
dos quais participam as comunidades indígenas, e, nesse espaço, ocorrem
intensas disputas sobre sentidos, propósitos e funções sociais que essa
instituição deve assumir” (BONIN, 2018).
179
A comunidade indígena se apropria desta instituição, adequando-a e colocando
características próprias de sua cultura, isso acontece, pois, a escola é vista como
importante ferramenta que irá auxiliar na luta e conquista de seus direitos. Com
o texto intitulado “Cidadanização e etnogêneses no Brasil: Apontamentos a uma
reflexão sobre as emergências políticas e sociais dos povos indígenas na
segunda metade do século XX”, de Fernando Roque Fernandes, discute sobre
o uso de estratégias específicas, de alguns grupos indígenas, durante suas lutas,
como exemplo, a apropriação e adequação da escola. Além dessa discussão,
Fernandes relata em seu texto que a partir da articulação entre movimentos
indígenas e setores da sociedade civil, resultou em uma série de conquistas,
como a questão educacional, que “[...] foi considerada um mecanismo
fortalecedor de uma série de estratégias de luta que propunham conquistas e
manutenção de direitos sobre territorialidades indígenas e suas correlações com
outras demandas básicas ligadas à saúde e autossustentabilidade”
(FERNANDES, 2017). A escola deve ser apropriada pelos indígenas, que irá
atribuir-lhes identidade e funções peculiares, isso para facilitar e incentivar a
organização política indígena, levando em consideração aspectos próprios e
reivindicações únicas de cada comunidade.

O Cadernos SECAD 3, organizado pelo Ministério da Educação, no ano de 2007,


com o título “Educação Escolar Indígena: diversidade sociocultural indígena
ressignificando a escola” diz que a luta dos povos indígenas resultou na
conquista de direito, especialmente àqueles relacionados à uma educação
diferenciada, assegurada pela Constituição de 1988. Além disso, tomando como
parâmetro a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional destaca que:

“O direito a uma Educação Escolar Indígena - caracterizada pela afirmação das


identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela valorização
das línguas e conhecimentos dos povos indígenas e pela revitalizada associação
entre escola/ sociedade/ identidade, em conformidade aos projetos societários
definidos autonomamente por cada povo indígena - foi uma conquista das lutas
empreendidas pelos povos indígenas e seus aliados, e um importante passo em
direção da democratização das relações sociais no país” (MEC, 2007, p. 9).

Compreende-se então que a conquista do direito à educação escolar indígena


ocorre em consequência dos movimentos indígenas, que estão na busca por
terem seus reconhecimentos e direitos assegurados. Uma busca para que
possam garantir a plena atuação de seus modos de vida e de suas culturas.
Estes movimentos atualmente lutam para que todos os povos indígenas
consigam ter acesso a esta educação diferenciada e própria. No texto intitulado
“O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil
de hoje”, Gersem Luciano nos informa sobre a necessidade de uma escola
específica e diferenciada para todas as comunidades indígenas, verificando de
que modo a educação indígena e educação escolar podem dialogar no cotidiano
da sala de aula. Em suas palavras:

“[...] a educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e 180


produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação
escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos
conhecimentos não-indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma
instituição própria dos povos colonizadores. A educação escolar indígena refere-
se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos
socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos
universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade
de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade
global” (LUCIANO, 2006, p. 129).

Com a apropriação desta instituição, a comunidade pode se articular para


reivindicar de forma organizada e consciente de seus direitos, sendo possível
manter suas tradições e línguas, não modificando sua identidade, sua
particularidade, sua cultura. Bartomeu Melià, no texto “Educação indígena na
escola”, destaca bem esta questão ao observar que:

“Os povos indígenas sustentaram sua alteridade graças a estratégias próprias,


das quais uma foi precisamente a ação pedagógica. Em outros termos, continua
havendo nesses povos uma educação indígena que permite que o modo de ser
e a cultura venham a se reproduzir nas novas gerações, mas também que essas
sociedades encarem com relativo sucesso situações novas” (MELIÀ, 1999, p.
12).

Com a fala de Melià, percebe-se que com a educação escolar indígena é


possível preservar a própria história dos povos indígenas, e essa preservação
se dá através de várias atividades, mas ressaltamos aqui um destaque para o
ensino de História, que atuando dentro das comunidades, alcança o objetivo de
resguardar e disseminar o protagonismo indígena. Uma última observação antes
de passarmos ao próximo tópico é de que não se trata de a escola indígena ser
um espaço específico do ensino sobre os processos históricos da comunidade
na qual está inserida, visto que as formas próprias de aprendizagem dos povos
indígenas se baseia na transmissão oral de suas memórias históricas. O que
pretendemos observar é que a utilização do espaço escolar pelos povos
indígenas cria uma forma de trocas interculturais que permite o diálogo entre os
diferentes conhecimentos produzidos na disciplina de História e que esta pode,
absolutamente, se beneficiar das formas próprias de contar e ensinar História
nas escolas.

Ensino de História e Educação Escolar Indígena


Marc Bloch, em seu livro “Apologia da História ou o ofício do historiador”,
considera a História como uma ciência que estuda o homem e sua ação no
tempo, é uma ciência que também estuda as transformações das sociedades ao
longo do tempo. Sendo assim, o ensino de História pode ser caracterizado como
uma forma de ensinar tais ações, mudanças e acontecimentos que ocorreram
em diversas sociedades, a partir de diferentes períodos e diferentes contextos
sociais. É importante observar a forma como diferentes histórias podem ser 181
ensinadas, sendo possível ocorrer a distorção dos acontecimentos e
possibilitando a construção de estereótipos e preconceitos. Como é o caso da
história das populações indígenas, que dentro do ensino de História estiverem
como personagens secundários ou inferiores, como diz Fernando Fernandes,
em seu texto “Considerações ao ensino de História nas escolas indígenas”, para
Fernandes:

“Um ponto que deve ser observado com atenção é que os povos indígenas
sempre estiveram presentes na História Oficial e apareceram juntamente com os
negros e brancos nos livros didáticos. Portanto, os índios nunca estiveram
ausentes das narrativas veiculadas em sala de aula. O problema evidente está
na forma como esses índios foram e ainda são representados nesses livros [...]
Apesar de todos os esforços e críticas lançadas, discursos e práticas continuam
a produzir uma visão pejorativa sobre as populações indígenas” (FERNANDES,
2017, p. 03).

Então, é de suma importância que o ensino de História, dentro desta escola com
uma educação específica e diferenciada, atue no sentido da valorização da
diversidade, da valorização da memória histórica dos povos indígenas, que
possa ser usada para privilegiar uma discussão que deem conta das relações
entre povos indígenas e os não-indígenas, dos povos indígenas entre si, que
evidencie e discuta sobre o protagonismo indígena, buscando combater o que
Fernandes (2017) apresenta ao final do trecho, a forma pejorativa com que os
indígenas são representados nos discursos presentes em muitos livros
didáticos.

O ensino de História dentro das comunidades indígenas adquire características


únicas e necessárias, uma vez que é considerada uma educação que privilegia
as tradições, as diversidades, as diferenças de cada comunidade em que a
escola está inserida. Muitos povos indígenas têm utilizado a escola como sua
aliada, visualizando esta instituição como importante ferramenta que auxiliará
nas suas lutas e reivindicações. Nesse sentido, a escola pode ser utilizada pelas
comunidades indígenas a partir de diferentes perspectivas, ora sendo uma
escola que transmite exclusivamente o conhecimento cultural, político e social
da própria comunidade, ora sendo apresentada com histórias do mundo
ocidental, sob perspectivas dos não-indígenas, como relata Circe Maria
Fernandes Bittencourt, em seu texto intitulado “O ensino de História para
populações indígenas”.

É importante destacar a atenção com as generalizações diante destas


discussões, não resumindo o mesmo tipo de ensino histórico para os vários
grupos indígenas existentes no Brasil. Diferente do que se pensa e a depender
do grupo étnico, não necessariamente os indígenas querem que se ensinem os
conteúdos de história relacionados às tradições deles. Mesmo porque as
tradições deles, as memórias coletivas, passam no cotidiano da comunidade,
nas histórias, na oralidade, na cosmologia e etc., e porque eles querem conhecer
sobre a história do não-indígena para poder saber como lidar com ele, tornando
esta educação como uma ferramenta para auxiliar nas suas reivindicações e 182
para conquistar diferentes espaços nas sociedades não-indígena
(BITTENCOURT, 1994). O ensino de História é uma forma de diálogos entre
conhecimentos históricos que possibilitam uma série de reflexões, ações,
perspectivas e atitudes, e deve ser incorporado a partir de características
próprias que cada comunidade indígena irá decidir.

Para Fernandes, é necessário incorporar algumas propostas de ensino de


História Indígenas, sendo atendido ao menos quatro aspectos:

“1. a história local do grupo; 2. a história do conjunto dos grupos indígenas; 3. a


história da comunidade envolvente; 4. a história do contato e das relações
desenvolvidas entre índios e brancos, sejam elas pacíficas ou conflituosas. (...)
Cabe a observação de que longe de simplificar o ensino de História nas escolas
indígenas, o que queremos demonstrar, ao contrário, é o grande desafio de
desenvolver tais conteúdos em ambientes plurais” (FERNANDES, 2017, p. 05).

Sendo assim, a partir da citação de Fernandes, compreende-se que o ensino de


História nas comunidades indígenas deve ser elaborado com cautela e
consciência, uma vez que é complexa a sua construção. Deve ainda atender aos
princípios garantidos pelo Referencial Curricular Nacional para Escolas
Indígenas, que determina que a escola indígena deve ser comunitária,
intercultural, bilíngue, específica e diferenciada. Sobre estas cinco
características impostas pelo Referencial, o texto “Educação escolar indígena: a
escola e os velhos no ensino da história kaingang”, de autoria da Juliana
Schneider Medeiros discute sobre a necessidade de estarem presentes:

“Comunitária, porque a participação da comunidade em todo o processo


pedagógico é fundamental para a construção da escola: na definição dos
objetivos, dos conteúdos curriculares, do calendário escolar, da pedagogia, dos
espaços e momentos da educação escolar. Intercultural, pois a escola deve
reconhecer e manter a diversidade cultural e linguística de sua comunidade,
além de promover uma situação de comunicação entre experiências
socioculturais, linguísticas e históricas diferentes. Bilíngue, visto que deve
ensinar o português, para possibilitar o diálogo com o mundo não indígena que
os rodeia, mas, principalmente, a língua materna da comunidade indígena – para
garantir a sua manutenção e, sobretudo, porque é por meio da língua originária
que se expressa e se manifesta a cultura. Específica e diferenciada, porque deve
ser concebida e planejada como reflexo das aspirações particulares de cada
povo indígena e com autonomia em relação à construção de sua escola”
(MEDEIROS, 2012, p. 83).
Na escola indígena há a troca de costumes, de tradições, de cultura, de vida, e
é de suma importância que elas sejam possibilitadas para todas as comunidades
indígenas do país, visando garantir mais ainda a organização política, suas
reivindicações, seu direito de existir e resistir, da forma que considerarem melhor
para si.

Considerações finais 183

A educação específica e diferenciada é um direito dos povos indígenas, que foi


conquistado com muita luta e perseverança, através dos movimentos indígenas
e suas organizações. A apropriação da escola é feita para que esta instituição
se torne sua aliada, e que seja possível ajudar na busca da criação de outros
direitos e que sejam assegurados os direitos já existentes. Esta apropriação se
dá através da educação escolar indígena, que pretende atender às
necessidades e interesses acionados por cada grupo étnico, que possui suas
concepções próprias sobre o ensino de História. E este ensino de História poderá
ser desenvolvido nas comunidades de acordo com a forma que cada uma delas
considera relevante.

Enfim, é de suma importância discutir os aspectos que o ensino de História


possui nas comunidades indígenas, uma vez que é a partir deste ensino que se
preserva e se discute sobre as próprias vontades da comunidade. É com o
ensino de História nas escolas indígenas que se pode impulsionar um
protagonismo indígena, a partir da valorização de suas histórias e suas
perspectivas.

Referências biográficas

Maria Luiza Ferreira do Carmo Souza, é graduanda do Curso de Licenciatura em


História pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente é
pesquisadora voluntária do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Pesquisa Científica (PIBIC/UNIR 2020-21) e desenvolve suas atividades através
do Plano de Trabalho intitulado Educação Escolar Indígena em Rondônia:
processos históricos da luta por uma educação específica e diferenciada

Orientação: A presente pesquisa contou com a orientação do Professor Mestre


Fernando Roque Fernandes, docente do Departamento Acadêmico de História
da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) como parte das atividades
desenvolvidas ao longo do Projeto de Pesquisa intitulado Formação de
Professores e Educação Escolar Indígena em Rondônia: representações de um
processo histórico em curso na Amazônia Brasileira (PVN135-2020).

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de História para populações


indígenas. In: I. N. INEP, Em aberto - Educação Escolar Indígena (pp. 105-
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MELIA, Bartomeu. Educação indígena na escola. Cadernos CEDES, vol.19,


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MEDEIROS, Juliana Schneider. Educação escolar indígena: a escola e os velhos


no ensino da história kaingang. Revista História Hoje, v. 1, no 2, p. 81-102,2012.
Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/42; Acesso em: 29 abr.
2021.
TEMÁTICAS SENSÍVEIS E O ENSINO DE HISTÓRIA
COMO ESTRATÉGIA DE DESCONSTRUÇÃO DE
ESTERIÓTIPOS EM EXPERIÊNCIA COM A REGÊNCIA:
“INDÍGENAS NO BRASIL - DIVERSIDADE E 185

ATUALIDADE”
Mariana Ponciano Ribeiro Rennó e Nataly Souza
Silva
O presente texto tem por finalidade socializar a experiência do Estágio
Supervisionado Obrigatório do ano de 2019, especificando sobre o
desenvolvimento de uma regência aplicada pelos alunos do curso de História da
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho/PR. O
trabalho desenvolveu-se abordando a temática dos indígenas no Brasil sendo
aplicado na turma do 7º ano C do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Rui
Barbosa de Jacarezinho/PR. Visando a obtenção de melhores resultados com a
regência, utilizou-se de fontes históricas algumas revistas e jornais e
principalmente parte da carta de Pero Vaz de Caminha, além disso, como
instrumento metodológico, recorremos a utilização de ferramentas tecnológicas
e remetemos o conteúdo para a história local, com o intuito de buscar uma
aproximação entre o aluno e sua identidade como sujeito histórico. A seguir, será
demonstrado a importância da temática, e como se desenvolveu a regência para
que os objetivos, já expostos, fossem alcançados. Por fim, apresentaremos os
resultados colhidos com a regência, tanto os positivos quanto as dificuldades
encontradas.

Antes de adentrarmos a nossa experiência com a regência, é necessário


entender a importância da temática escolhida. Há urgência para a
desmistificação de conceitos pejorativos e preconceituosos sobre os povos
indígenas, que muitas vezes são perpetuados pela nossa sociedade e
infelizmente propagados pelas instituições escolares, legitimando-os. Um
exemplo dessa problemática são as atividades desenvolvidas acerca do
indígena única e exclusivamente no dia 19 de abril (“Dia do Índio”), ocorrendo
sem a devida criticidade, no qual acabam reforçando inúmeros estereótipos
sobre o indígena, rebaixando sua cultura a meras fantasias sem o devido
questionamento de seus significados para determinado povo indígena. Com
isso, a nossa justificativa da temática vai de encontro com o grande pensador
indígena brasileiro, Ailton Krenak:

“É uma injustiça e um absoluto absurdo que os brasileiros se esqueçam, que


apaguem a história da memória e queiram fazer contas sobre quanto custa
atender às sociedades indígenas hoje, depois de se ter roubado todo este
continente para construir o Brasil.” (KRENAK, 2002.)
O pensador indígena reforça a necessária urgência da temática para além de
uma dívida histórica, pois remete, também, a importância do não apagamento
histórico da memória para a solidificação das muitas histórias do Brasil. Para
Ailton Krenak, a memória e identidade são alvos de disputas e conflitos por
diferentes grupos políticos, portanto é indispensável a preservação. Em
consonância a isso Michael Pollak enuncia:
186
“[...] a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. [...] a memória e a identidade
são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em
conflitos que opõem grupos políticos diversos.” (POLLAK, 1992, p. 5).

Feito essa colocação, partimos da premissa de que a memória é indispensável


para a construção de uma identidade tanto individual, quanto coletiva, e a sua
manipulação pode favorecer determinado grupo político, normalmente o grupo
político dominante, com caráter eurocêntrico, capitalista, branco,
cisheteronormativo e patriarcal, logo distantes das culturas indígenas.

Atualmente, com os diversos ataques as comunidades da terra (indígenas,


quilombolas, MST, etc) incentivados pelo governo incompetente e reacionário de
Jair Bolsonaro, percebemos o quanto a população brasileira está desconexa e
distante do conhecimento sobre os povos indígenas e seus esforços para resistir,
existir e proteger nossas florestas e matas, a população brasileira está se
afastando do conhecimento de parte significativa de sua própria história,
apagando-a. Sobre isso, partilhamos do pensamento de Wittmann:

“No Brasil de hoje se almejam o respeito para com as populações indígenas, a


compreensão e o reconhecimento delas como protagonistas, e não apenas
vítimas da história.” (WITTMANN, 2015, p. 10.)

Já passou da hora da sociedade reconhecer o protagonismo indígena, conhecer


as histórias que ao longo desses 520 anos sofreram e sofrem numerosos
ataques aliados a tentativas de apagamento. É impreterível conhecer os
indígenas como agentes ativos da história, de nossa história. Por tanto, o ensino
de história tem função fundamental no alcance ao reconhecimento da memória
indígena. A temática acerca dos indígenas tem sua garantia pela lei n. 11.645 de
2008, promulgada durante o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino obrigatoriedade ao ensino de “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”. Essa medida beneficia os esforços de valorização das
culturas indígenas. Nessa perspectiva, Wittmann aponta:

“Atualmente, é a diversidade da sociedade brasileira que deve ser conhecida e


respeitada, sobre tudo a dos povos indígenas, que apresentam diferenças
culturais significativas entre si.” (WITTMANN, 2015, p. 7.)
Contudo, para a construção de um currículo escolar pautado em uma perspectiva
histórica e cultural dos indígenas, é necessário que a escrita da História escolar
valorize a América de forma prévia ao estudo da colonização. Assim, a história
da Europa não centralizaria o estudo das demais culturas, e seja possível uma
visão holística dos movimentos e acontecimentos históricos, descolonizando o
estudo. Segundo Almeida (2010), precisa-se construir novas abordagens sobre
a vivência dos povos indígenas no mundo colonial para que consigamos 187
desmantelar os estereótipos atribuídos devido essa relação previamente definida
entre o “índio” e o europeu. Diante dessa perspectiva de compreensão e ensino
de história sobre os indígena, o objetivo é superar a visão imposta sobre esses
de meros coadjuvantes no processo de formação do país alterando o panorama
para agentes ativos que tiveram e têm participação direta no processo formativo
cultural, econômico, político e social do Brasil e com isso garantir sua existência.

Nessa esteira de raciocínio, é destacável que o ambiente escolar permeia tanto


rupturas quanto permanências de uma cultura escolar com possibilidade de ser
libertadora e também violenta/opressora. Apesar de que as políticas
educacionais como a já mencionada lei 11.645/2008 agregaram novos
horizontes para as aulas de História, ainda assim é possível verificar lacunas,
como por exemplo o silenciamento e a resistência em trabalhar a lei e a
insistência, em manter o estudo a partir da “história dos vencedores” ao invés de
alternar fugindo da perspectiva eurocêntrica para a dita “história dos vencidos”.

Em nossa regência propomos uma ruptura entre a memória que é famigerada


pela tradição amparada ao Mito das Três Raças projetando outras narrativas,
para que o ângulo eurocêntrico não prepondere como o núcleo dos ocorridos
políticos e sociais de nossa sociedade. Pois, é preciso ir além dos currículos com
conteúdo meramente eurocêntrico, pois é preciso conhecer e principalmente
reconhecer a história dos nossos povos e suas lutas de sobrevivência para
manter suas memórias e identidades vivas. Ademais, para além de intervir na
construção de uma memória, buscamos corromper o formato pelo qual se
consolida a consciência histórica escolar no que diz respeito aos indígenas. Dito
isso, optamos pela aplicação da temática: “Indígenas no Brasil: diversidade e
atualidade”.

A intervenção teve como objetivo central estimular a compreensão quanto à


diversidade étnica dos povos indígenas no território brasileiro e paranaense,
partindo de uma perspectiva macro da temática afunilando para o micro, uma
vez que a aula é específica sobre o Estado e a região na qual os alunos residem.
Além disso, como outro objetivo central da regência encontra-se a proposta de
reflexão sobre as posições e/ou papéis que os indígenas ocupam na atualidade,
para que fizesse possível a relação do conteúdo com o dia a dia dos alunos -
sujeitos ativos do processo histórico.

Nesse sentido, a partir desse leque especificam-se os objetivos gerais


supracitados, buscando também: a) ressaltar a diversidade étnica indígena
brasileira; b) apontar olhares precedentes e atuais sobre a representação dos
indígenas; c) desconstruir estereótipos carregados de preconceitos sobre os
indígenas; d) enfatizar sobre o respeito e a valorização da diversidade.

Tendo em vista essa abordagem, a aula se desenrola dividindo-se em dois


momentos, denominados de “primeira” aula e “segunda” aula. Para efeito,
utilizamos da metodologia expositivo-dialogada com o auxílio de alguns recursos
tecnológicos, sendo eles: DataShow e PowerPoint. Ademais, utilizamos como 188
fontes históricas as iconografias visuais e orais, por exemplo: mapas,
documentos, vídeos, entrevistas e reportagens.

A dinâmica do desenvolvimento da regência, já mencionada, ocorre em dois


momentos, sendo o primeiro oportuno para a busca dos conhecimentos prévios
dos sobre os indígenas e sua cultura, já propondo um diálogo que visava à
quebra de preconceitos, junto à apresentação da diversidade étnica partindo do
macro (país), para o micro, onde encontram-se tanto um recorte estadual quanto
um recorte regional; por sua vez, na segunda aula, o objetivo foi reforçar o
entendimento da atualidade, partindo da pergunta de: “Quais espaços os
indígenas ocupam hoje em dia?”, averiguando, com isso, a concretização da
quebra de preconceitos já incitada no início da aula. A seguir, será descrito o
decorrer de cada uma dessas partes da regência.

A primeira aula inicia-se com uma atividade diagnóstica aplicada à turma, para
que resgatássemos seus conhecimentos prévios acerca da temática central.
Oportuno se torna dizer que, para auxiliar no resgate prévio dos alunos quanto
aos indígenas, utilizou-se como fonte um trecho da Carta Pero Vaz de Caminha.
A atividade proposta ocorre junto a leitura da carta que contém uma descrição
de um português sobre indígenas em meados de 1500. A partir da leitura, foi
proposto que os alunos se expressassem descrevendo os indígenas e sua
cultura utilizando da escrita ou do desenho, deixando-os em um ambiente
confortável para a realização da atividade. Nitidamente, nesse primeiro momento
os resultados obtidos estavam repletos de estereótipos, entretanto, acerca
desses resultados exploraremos futuramente mais detalhadamente.

Em seguida a atividade preliminar, apresentamos a diversidade étnica indígenas


bem como seus troncos linguísticos, enfatizando sobre o contraste numérico
observado nos dados populacionais dos mesmos em 1500 em contrapartida com
os mesmos dados hoje em dia, provocando nos alunos o questionamento do
porquê da ocorrência dessa redução drástica nos números expostos.
Posteriormente, seguimos com a aula especificando mais o conteúdo no quesito
territorialidade, apresentando as etnias indígenas no Brasil, logo depois os do
Paraná, e finalizando esse tópico através de um recorte regional fazendo
apontamentos pertinentes sobre os Indígenas Guarani Nhandewa da Terra
Indígena de Laranjinha que se localiza na cidade de Santa Amélia no Estado do
Paraná.

O último recorte regional teve um caráter muito significativo para que os alunos
se reconhecessem no conteúdo ministrado em sala de aula, uma vez que se
tratava da região na qual eles estão incorporados. Para concretizar essa parte
da aula sobre a Terra Indígena de Laranjinha de Santa Amélia/PR foi efetuada
uma pesquisa de campo no local e apresentado para os alunos o material
colhido, através de imagens e vídeos, o que beneficiou muito o transcorrer da
aula, uma vez que os alunos se identificaram, de fato, com as crianças da
comunidade. Nessa ocasião foi possível observar a quebra dos primeiros
estereótipos constatados na atividade diagnóstica.
189
Diante das considerações apontadas, a aula mantém-se buscando
principalmente a desconstrução dos estereótipos apontados pelos alunos. Para
essa realização apresentamos vídeos curtos em relação a quebra de
preconceito, ensinando a terminologia correta, a título de exemplo, utilizar
indígena ao invés de índio. Ademais, entre os vídeos curtos selecionados para
esse momento da aula, foi apresentado um no qual os alunos perceberam o
quanto a cultura indígena está presente na nossa sociedade, como na
alimentação e no vocabulário, por exemplo.

É valido destacar ainda, que nesses reconhecimentos dos alunos com o


conteúdo ministrado, entre as maiores indagações dos alunos estava presente
a tecnologia, a vestimenta e a moradia, pois ouvimos coisas como: “nossa, mas
eles tem celular?”; “tem boné que nem eu”; e também “ele usa piercing”,
momentos esses no qual percebíamos satisfeitos que a aula estava no itinerário
que pretendíamos já que estava alcançando os objetivos específicos e gerais
supra referidos. Com isso estávamos auxiliando no processo educacional dos
alunos de forma considerável para o desenvolvimento de uma sociedade que
valoriza sua diversidade.

Finalizando a última parte da aula, ora chamada de “segunda” aula, desenvolve-


se utilizando de recursos como: entrevistas, notícias de revistas e jornais sobre
os indígenas na atualidade. Nesse momento o objetivo era demonstrar para os
alunos, indígenas em posição de destaque, superando os obstáculos impostos
pela falsa “meritocracia” na qual vivemos na sociedade capitalista, e também em
contrapartida apresentar reportagens dolosas como de homicídios, suicídios,
dificuldades de demarcação de terra e identidade étnica, e invasões de
territórios, na qual demonstrava o resultado do alcance desses preconceitos nas
vidas dos povos indígenas, buscando a sensibilização e empatia, bem como a
conscientização dos alunos nesse ponto.

Feito essa última exposição de cunho mais interativo com os alunos a respeito
do papel dos indígenas nos dias de hoje, desenvolveu-se a atividade final da
aula, para que verificássemos de forma materializada se os objetivos propostos
foram realmente alcançados. Nesta atividade, utilizamos de parâmetros a
atividade diagnóstica desenvolvida no início da aula, pedindo para que ao lado
das primeiras impressões deles sobre os indígenas nos apresentassem o que a
aula agregou para seus conhecimentos, ou seja, qual a perspectiva que após a
aula eles puderam compreender melhor acerca dos povos indígenas.

Como ápice dos resultados obtidos, de modo satisfatoriamente, destacou a


observância da identificação como descendente indígena, juntamente com a sua
dificuldade, levando em consideração o bruto processo de miscigenação e o
apagamento promovido pela cultura dominante. Entretanto, como um resultado
emocionalmente inesperado, um aluno que havia omitido essa informação no
início da aula, sentiu a vontade de durante a atividade reconhecer-se
orgulhosamente como descendente indígena, enaltecendo a figura ancestral de
seu avô. Esse acontecimento nos deixou muito felizes e gratas por partilhar esse
processo histórico de autoconhecimento e reconhecimento, sobretudo com 190
enaltecimento e respeito.

Trabalhar com temáticas de teor sensível envolve algumas dificuldades, mas


acompanha também resultados espetaculares que por vezes não prevemos de
antemão nos objetivos. Um exemplo dessas dificuldades que encontramos e
merece ser destacada é a falta de material didático que aborde o tema com mais
criticidade, em específico a questão da memória das etnias indígenas,
diversidade e suas vivências atuais. Pois, muitos dos materiais disponibilizados
pelo governo, não abordam de forma abrangente essas questões,
principalmente sobre a atualidade dos povos, dando a entender que estagnaram
no tempo.

Ter a possibilidade de trabalhar com essa temática tão delicada de histórias tão
vivas e necessárias, foi muito marcante para nós, pois compreendemos também
a importância do estágio para a formação do discente em licenciatura,
possibilitando a conciliação da teoria e prática desenvolvendo a práxis
pedagógica, como aponta Lima e Pimenta (2012, p. 34):

“O estágio se torna uma atividade investigativa que a partir da intervenção no


cotidiano escolar promove uma reflexão por parte dos alunos, professores e da
sociedade”.

Por fim, de volta ao tema central do texto, é possível afirmar que abordar
questões indígenas no ensino de História é uma estratégia pedagógica
fundamental para desenvolver debates acerca da diversidade, que deve-se ser
o centro de toda prática educativa, principalmente da Rede de Educação Básica.
Além disso, é importante ressaltar, que o Estágio Supervisionado Curricular
representa uma das estratégias de oposição alcançáveis ao embate contra o
preconceito. Que utilizamos, cada vez mais, da educação como ferramenta na
luta pela diversidade.

Referências biográficas

Mariana Ponciano Ribeiro Rennó, graduanda de História pela Universidade


Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho-PR.

Nataly Souza Silva, graduanda de História pela Universidade Estadual do Norte


do Paraná (UENP), campus Jacarezinho-PR.

Referências bibliográficas
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WITTMANN, LuisaTombini (org.). Ensino (D)e História Indígena. Belo Horizonte:


Autêntica Editora, 2015.
ENSINO DAS AMÉRICAS: DISCUTINDO O CONCEITO
DE REVOLUÇÃO
Maria Sarah do Nascimento Brito e Jhonatan Júnior
Alcântara 192

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo expor elementos relacionados ao


conceito de revolução e as implicações sobre essa polissemia no ensino de
história, especialmente no que tange a história da América Latina. Para isso
pretendemos articular diferentes análises e concepções de distintos autores
entre si que contribuirão para uma noção mais ampla sobre esse conceito que
anda muito em voga no debate público no Brasil. Com isso, esperamos contribuir
para uma compreensão ampla sobre revolução e com isso contribuir também
com um processo de ensino-aprendizagem capaz de responder à complexidade
da história da América Latina.

Para isso dividimos o trabalho primeiro em uma apresentação do que


compreendemos como educação, posteriormente realizamos uma discussão
sobre o conceito de revolução, visando ampliar a compreensão do conceito e por
último uma breve análise da apresentação desse conceito em contextos
específicos de livros didáticos aprovados no Plano Nacional do Livro e do
Material Didático de 2018, com o intuito de fazer um contraste das proposições
por nós apresentadas e o que vem sendo estabelecido nas políticas
educacionais brasileiras. Pretendemos contribuir não só com uma discussão
puramente teórica, mas também atingir o professor que dentro das suas
atividades busca sempre se formar continuamente e reorganizar suas atividades
e seus pressupostos teórico-metodológicos.

Por uma pedagogia histórico-crítica

Nesse sentido, compreendemos também ser importante uma discussão breve


sobre a própria noção de educação, uma vez que para pensarmos conteúdos,
métodos ou disciplinas, precisamos partir do ponto zero que seria a concepção
de educação mais adequada a tais finalidades. Para essa primeira reflexão
partiremos da discussão feita por Saviani (2013) sobre o fenômeno educativo.
Dessa forma, não seria possível pensarmos o que é a educação e sim como ela
se realiza, uma vez que a mesma só existe enquanto relação entre indivíduos ou
entre um indivíduo e o mundo, mas sempre entre diferentes.

Dessa forma, pensar um processo educativo relacionado com a América Latina


é pensar as distintas formações sociais, econômicas e políticas, mas também é
pensar quais elementos gerais se apresentam no particular fazendo com que
sejam formações distintas que conservam elementos semelhantes (SANTOS,
2018). Por isso, pensar a América Latina é pensar entre outras coisas as
revoluções que aqui se realizaram, e para que isso seja feito de maneira
coerente precisamos partir de uma concepção dialética de educação e de uma
concepção ampla e atualizada de revolução. São essas, pois, nossas tarefas no
presente trabalho. Apresentar uma concepção ampla e coerente de revolução
além de uma concepção do fenômeno educativo que nos ajude a compreender
a inter-relação entre a historiografia sobre América Latina e a formação social
brasileira. 193

Para compreendermos a educação como fenômeno amplo como sinalizamos


anteriormente precisaremos pensar antes de tudo o que seria o fenômeno
educativo. O fenômeno só pode ser analisado, antes de tudo, a partir do
momento que passa a ser compreendido como processo. Por não desembocar
em um produto propriamente dito, a educação só existe enquanto se realiza
(PARO, 2012) e essa compreensão da educação nos faz redirecionar a pergunta
de “o que é a educação?” para “como realizamos a educação?”, e esse
movimento por si só já nos ajuda a sair de uma lógica formalista e compreender
o fenômeno dialeticamente, logo, repleto de contradições que se complementam
interminavelmente, e por isso não pode ser analisado com formas predispostas
e exteriores ao próprio contexto. Assim sendo, compreender a importância de
uma aula ou sequência de aulas que leve em consideração uma concepção
coerente e ampla de revolução é parte da compreensão de um projeto
educacional fundamentalmente dialético e consequentemente libertador.

Isso dito, faz-se necessária também a compreensão da educação estritamente


relacionada com o trabalho. O trabalho como atividade destinada a um fim
específico é, pois, parte fundamental da educação enquanto fenômeno
relacional, salvaguardadas suas características específicas como a produção e
o consumo simultâneo na realização da atividade (MARX & ENGELS, 2020).
Salientamos a importância desse tipo de discussão uma vez que a corrente
hegemônica da discussão sobre trabalho educativo compreende a aula como
produto da atividade educativa do professor, o que impossibilita uma
compreensão ampla, dialógica e dialética da educação (PARO, 2016), e que
portanto inviabilizaria nossa discussão sobre revoluções e ensino de história
uma vez que a compreensão formal e abstrata da educação compreende que
uma aula “bem dada” seria a aula que expressaria da forma mais simples e direta
os conteúdo já estabelecidos, enquanto que a nossa compreensão tem por
objetivo formular uma crítica e construir uma atividade educativa onde as
questões sejam tratadas na raiz.

Por último, duas questões são complementares para a compreensão da


educação como fenômeno amplo como já pontuamos. Além da compreensão
dialética e diretamente relacionada ao trabalho que a educação possui, é
fundamental também a compreensão da educação como sistema construído a
partir de uma estrutura socialmente determinada e das relações de classe e
poder interiores às instituições educacionais e a educação de forma geral
inserida em um sistema capitalista. Para a compreensão da educação como
sistema, é importante salientar que justamente por seu caráter sistêmico a
educação possui objetivos predeterminados, integrados à interesses de classe
e por isso instrumento de manutenção do sistema de produção vigente
(SAVIANI, 2014), por isso esperar que tais atividades fundamentadas nos
pressupostos por nós pontuados aconteçam de forma espontânea seria um
contrassenso além de ser incapaz de atingir os objetivos fundamentais da
educação, sendo um deles a emancipação humana (SAVIANI, 2013). Por isso,
nosso trabalho não se trata apenas de uma interpretação de elementos didáticos
da educação, é também uma ferramenta de intervenção na realidade, uma vez 194
que o objetivo emancipatório só pode ser atingido a partir da interferência direta
na realidade.

Sobre nosso último ponto, a compreensão do corte de classe da escola,


concebemos sua importância uma vez que uma noção de educação e
consequentemente de educando que possui a capacidade de iniciativa própria
independentemente das condições sociais predeterminadas é uma
compreensão equivocada e a-histórica, incapaz de realizar até as tarefas mais
simples de mobilidade social geralmente atribuídas à educação. Em outro
trabalho Saviani (2012) nos mostra que a contextualização da educação e dos
sujeitos que a constroem dentro da história é fundamental para não cairmos na
retórica de que tudo depende exclusivamente da iniciativa dos sujeitos ali
envolvidos, desarticulando a realidade concreta e objetiva dos próprios sujeitos.

Por fim, uma educação que se pretende parte do processo emancipatório


necessita de pressupostos teórico-metodológicos que levem em consideração
as discussões aqui postas como articulação sujeito-sociedade, história-sujeito
concreto e educação-trabalho. E sobre essas concepções compreendemos o
presente trabalho como um todo, contribuindo para uma compreensão mais
ampla de formação social latino-americana, ainda que com suas limitações.
Compreender nossa história é compreender as dinâmicas do capitalismo na
periferia e seus resultados cíclicos de revolta e revolução como representação
da inconformidade dos povos.

Revolução: anatomia de um conceito

O que, no mundo, não se deixa revolucionar? Revoltas, Golpes, Guerras e


Revoluções evidenciaram a efervescência política do século XX, se
disseminando e pertencendo de maneira evidente ao vocabulário político
moderno. Trata-se de conceitos que se diferenciam entre si, mas que por vezes
são utilizados como sinônimo (Revolta e Revolução), e por outras fazem parte
de discursos que disputam a legitimidade narrativa sobre um fato histórico, a
exemplo de 1964 no Brasil empregado como golpe pelos historiadores, mas
entre os militares é tido por Revolução. Contudo, se podemos afirmar algo sobre
essa discussão é que o entendimento de Revolução como transformações
sociais é fruto eminente da sociedade moderna, considerando que uma vez
desapontado o Iluminismo, a sociedade fora tomada pela ânsia do imediatismo
e da mudança.

A disseminação semântica dessas palavras na sociedade acabou simplificando


um conceito de larga amplitude, sendo banalizado ao longo das disputas pelas
narrativas históricas. O conteúdo semântico do termo Revolução, por sua vez,
não é unívoco, podendo variar de ações violentas e de deposição de golpes
políticos a processos de evolução das técnicas de trabalho, a exemplo da
Revolução Industrial. O conceito abrange ainda movimentos e processos de
transformações institucionais, como a Revolução chilena (1971), podendo ainda
significar todos esses processos ao mesmo tempo, ou apenas um desses
exemplos. 195

Mas se quando falamos em Revolução estamos tentando entender o que


significa seu sentido literal, semântico, em 1842, Haréau, um erudito francês
observou que Revolução se referia a um retorno, uma mudança de trajetória que
correspondia ao uso latino da palavra e conduzia de volta ao ponto de partida do
movimento. Em outras palavras, a etimologia da palavra “revolução” significa um
movimento cíclico. É essa linha de raciocínio que vai guiar o pensamento político
na Antiguidade, por exemplo. Esse movimento circular fora entendido como
movimento político por Aristóteles e Políbio. Existia assim um número limitado
de formas constitucionais que alternadamente se substituem, mas que
naturalmente jamais poderiam ser ultrapassados por outras formas
(KOSELLECK, 2006).

Transitando entre os séculos XVI e XVII Guerra Civil e Revolução não eram
expressões semelhantes, mas também não se tratava de condições
extremamente opostas. A Guerra Civil remetia a uma conjuntura violenta oriunda
das lutas em família, o Estado, por sua vez, tratou de monopolizar o direito à
violência em questões de guerras internas e externas, atribuindo a Guerra Civil
a condição de ilegalidade. Por conseguinte, a Revolução em seu caráter trans-
histórico passou a ser usada como acontecimentos a longo prazo ou
acontecimentos políticos que eclodiam de forma inesperada e rápida. Por fim, as
rebeliões eram entendidas como desordens sociais e levantes foram reprimidos.

No século XVII, as vertentes iluministas cunharam a Revolução no sentido de


emancipação social que em muito decorria da visão política de que tudo estava
em transformação. É nesse período que o conceito ganha sentido oposto ao de
Guerra Civil. Por fim, a partir das diversas Internacionais que se seguiram, o
conceito passou a fazer parte de um vocabulário político partidário e de
programas políticos. Considerado como conceito partidário no campo da filosofia
da história, passou a ter e reproduzir constantemente inimigos em detrimento de
seu uso generalista e associado à violência da Guerra Civil (KOSELLECK,
2006).

Ao longo do século XX o conceito de Revolução também foi despojado de sua


dureza e recebeu todas as utopias sociais. A história dos conceitos nos revela
que no decorrer da escrita da história pensar e dizer Revolução representaram
sentidos distintos a depender da época em questão, que refletem, por sua vez,
como consequência direta os interesses em questão das classes vigentes. A
Revolução que já foi aclamada pelas instituições como forma de descortinar um
novo horizonte de possibilidades migra para a condição oposta ao Estado, visto
como uma desordem social que através da violência busca a tomada do poder.
Não teria ocorrido, concomitante a esses eventos, um processo de esvaziamento
do conceito? É o que pretendemos observar nos Livros Didáticos de História
(LDH – PNLD 2018) do ensino médio a respeito das Revoluções do século XX.

A América no Livro Didático: analisando o conceito

As categorias nos permitem atribuir sentido ao mundo como um caminho que 196
nos permite chegar à casa que construímos como nosso reflexo. Em outras
palavras, as categorias nos permitem construir o discurso da representação e da
autorrepresentação. Seguindo essa linha, destacamos como categorias de
pesquisa os treze Livros Didáticos de História para o ensino médio, aprovados
do PNLD 2018: Revolução, América Latina e Cuba.

Nas trajetórias acadêmica e escolar brasileira, a História das Américas vem


sendo encontrada em planos e propostas curriculares desde o século XIX. As
análises sobre as sociedades ameríndias, as independências, a formação dos
Estados Nacionais latino-americanos e os estudos acerca da História dos
Estados Unidos foram incorporados como objetos de estudo, com maior ou
menor intensidade, a partir de então. Em nossa pesquisa, pudemos perceber
que se tratando de América Latina é comum a abordagem sobre os conflitos
comuns na região no século XX, como a Guerra do Pacífico, dependência
econômica, populismos e ditaduras que atravessaram o continente. No que se
refere a Revolução, quase como uma base de referência são mencionados os
processos do México, de Cuba e do Chile, embora exista uma pequena variante
(2) para alguns livros que não apresentam algum dos exemplos citados acima,
bem como para livros (1) que além desses três apresentam outras experiências,
como a Nicarágua. Por fim, dos treze livros analisados, somente dois não
abordam a Revolução Cubana, enquanto os demais apresentam uma
abordagem em comum e verticalizada dos acontecimentos.

Dentro do debate sobre Revolução no LD foi possível identificar aspectos


importantes de serem ressaltados, como por exemplo, o conceito utilizado pelo
material que faz com que a experiência chilena não seja tratada como
revolucionária. Ao nos debruçarmos sobre essa categoria, identificamos que os
livros trabalham com o conceito de Revolução universalizado, cunhado a partir
das internacionais, que considera como característica principal do processo a
violência e a mão armada. Por esse motivo, os livros tratam da via chilena como
um exemplo democrático e não revolucionário, quase como se um anulasse o
outro, contraposto a Revolução Cubana trabalhada sobre o personalismo de
seus líderes e, por conseguinte, violento, logo, antidemocrático.

A partir dessas questões foi possível identificar alguns problemas no que tange
a discussão historiográfica do Livro Didático de História, como (a) a influência da
historiografia francesa que faz desse material didático uma fonte estática e
engessada sobre a América Latina e (b) o livro, como material simbólico que, por
vezes, assume a função de reproduzir os ideais considerados importantes para
uma parcela específica da sociedade, como observou Bourdieu (1982).
Conclusão

Por fim, esperamos com esse trabalho desenvolver uma noção crítica sobre
educação e a aplicabilidade disso na prática diária do professor de história,
especialmente nas atividades relacionadas ao ensino de história das américas,
com o objetivo de compreender fenômenos tão importantes para nossa
historiografia e constituição social como as revoluções latino-americanas. 197
Esperamos contribuir também para a ampliação da compreensão do conceito de
revolução que atualmente tem sido utilizado e desenvolver a capacidade de
leitura crítica dos livros e materiais didáticos dispostos para os professores da
Educação Básica do nosso país.

Esperamos também com esse trabalho fomentar diversas outras discussões


relacionadas ao ensino da história na/da América Latina, uma vez que as
revoluções são partes fundantes do nosso Estado Moderno e da nossa
identidade, mas não apenas as revoluções. Logo, Os elementos que ficaram de
fora do presente trabalho poderiam ser tratados e desenvolvidos por outras
pesquisas com o intuito de fortalecer nas nossas escolas da Educação Básica
uma educação que não colabore para a noção de país de costa para os seus
vizinhos, mas que integre uma concepção regional de pertencente à América
Latina.

Referências biográficas

Maria Sarah do Nascimento Brito é graduada em Licenciatura Plena em História


e cursa Mestrado em Educação pela Universidade de Pernambuco
(UPE/Campus Mata Norte). Integra o Laboratório do Tempo Presente, núcleo
UPE.
Jhonatan Júnior Alcântara é graduado em Pedagogia pela Universidade de
Pernambuco (UPE/Campus Mata Norte) e compõe o Grupo de Estudos e
Pesquisa em Políticas Curriculares, Sujeitos, Docência e Currículo (GET –
POSDOC) da UPE.

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Autores Associados, 2013.
ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA, ESCOLAS E A LEI
11.645/2008
Marta Lima Alves
Durante muito tempo, negros, indígenas, mulheres e vários outros sujeitos foram 200
excluídos dos bancos escolares, assim como na historiografia brasileira, sendo
vistos como “hostis” e “selvagens” em detrimento do homem branco/ “civilizado”.
Entre os séculos XV e XIX esse preconceito se intensificou, principalmente com
a formulação teorias raciais, que determinou critérios de seleção para a
ascensão dos sujeitos em sociedade (SCHWARCZ, 1996).

Nesses cinco séculos de invisibilização, os povos indígenas foram ocultados do


meio social, porém também estabeleciam resistência contra a imposição
europeia. Vários grupos indígenas se mobilizaram face à exclusão no século XX
e hoje é possível falar em uma Nova História Indígena, sendo os índios autores
de sua história, reivindicadores de direitos e pautas políticas, econômicas,
sociais e culturais.

O presente texto é fruto de um trabalho de conclusão de curso sobre os povos


indígenas, livros didáticos e história indígena. Aqui priorizou-se apenas a história
indígena e os reflexos desse ensino dentro de sala de aula. Como forma
metodológica se realiza uma construção teórica envolvendo o ensino de história
indígena, o papel da escola na diminuição do preconceito, os desafios para a
efetivação da lei 11.645/2008, e as perspectivas sobre a Nova História
Indígena.

O papel da escola na desconstrução de estereótipos e preconceitos

Na análise de textos e relatos de viajantes que migraram para o “Novo Mundo”


é nítido a presença de uma hierarquia e classificação entre as raças que
compunham o cenário colonial: indígenas, brancos e negros. Essas dissidências,
principalmente do colonizador em relação aos outros povos, se chamou de
etnocentrismo, isto é, o fato de um sujeito se considerar mais relevante que o
outro em todos os aspectos. De certa forma, o etnocentrismo ainda sobrevive
hoje nas estruturas contemporâneas, a partir de práticas racistas e
preconceituosas em relação a determinados grupos sociais, inclusive, dentro do
próprio contexto escolar.

No interior do ensino de história, as abordagens sobre os povos indígenas não


escaparam à invisibilização, tanto é verdade que boa parte das discussões
existentes estiveram por algum tempo marcadas pela concepção de que esses
sujeitos eram desprovidos de história e que pertenciam à escala zero da
civilização (MONTEIRO, 2001). A percepção predominante sobre os índios
brasileiros era de sujeitos “sem história”, legitimando, dessa forma, sua presença
esparsa nas pesquisas, nos livros didáticos e consequentemente no ensino de
história.
Sendo a escola um espaço de encontros de diversas pessoas e culturas, o ideal
seria que elas tornassem uma prática efetiva a desconstrução de preconceitos
sobre os povos indígenas e não se baseasse apenas na comemoração do dia
do índio como dia de festividade e lembrança aos ameríndios. Isso vale para a
utilização do livro didático como única forma de transmissão do conhecimento
(isso em espaços escolares em que outros meios de mediar o conhecimento 201
histórico sejam possíveis). Fantasiar os alunos/as com adereços e pinturas que
relembram a figura de um índio do passado significa reproduzir preconceitos,
pois parte significativa dos índios de hoje convivem com a sociedade em vários
espaços (escolas, universidades, shoppings, etc.). Sendo assim, ele não é uma
figura estática, que permaneceu ali no ato da conquista em contemplação com
a natureza. Neste sentido, a escola precisa desconstruir essa forma de repassar
o conhecimento, talvez utilizando-se de outras formas metodológicas, como por
exemplo o ato de visitar uma aldeia, por exemplo, ou mesmo com a presença de
um próprio indígena dentro da sala de aula. Sabe-se que parte das comunidades
indígenas hoje possuem escolas dentro das aldeias e o que aprendem é
totalmente diferente ao que está presente nos livros didáticos. Sendo que boa
parte destes fazem menção ao índio apenas no ato da chegada dos europeus e
a presença indígena não se limita apenas a isso (SILVA, 2002, p. 46).

No que diz respeito às diversas culturas indígenas presentes no país, o último


censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 2010,
chama atenção para o fato de que “mais de 180 línguas indígenas são faladas
por aproximadamente 240 sociedades diferentes que vivem em pontos distintos
do país” (IBGE/2018). A maior parte da população indígena brasileira está
concentrada na região norte, mas é importante frisar que há a presença indígena
em todo país, inclusive no Centro Sul e no Nordeste. O senso chama atenção
também para o número cada vez maior de índios presentes nos centros urbanos.
É crescente também a presença dos povos indígenas nos ambientes escolares
urbanos e também na Universidade.

Sendo a escola responsável, em certa medida, por saber que os discentes


constroem sobre o mundo à sua volta, é pertinente trazer informações sobre a
diversidade indígena que preenche o país. Até mesmo como uma forma de
combater qualquer tipo de preconceito e exclusão. Foi justamente contra ela que
gerações de indígenas se mobilizaram no século XX, sendo a lei 11.645/08 fruto
desse levante e busca pela inserção do saber indígena dentro das escolas.
Lembrando que o ensino de história era unilateral e o currículo era praticamente
centrado na abordagem europeia, impedindo que outros saberes fossem
conhecidos. Visando responder essa problemática, a lei 11.645 tornou
obrigatório o ensino de História e das culturas indígenas em todos os currículos
escolares. Embora com avanços no combate à desigualdade também no ensino
de história, já há avanços, visto que se pode compreender outros saberes e
culturas e não somente um lado da história. Ela contribui ainda para a retirada
dos índios do esquecimento ou do “passado eterno” a que foram relegados por
bastante tempo.
Na discussão do texto “Intercultura e educação”, Fleuri (2005, p.17) ressalta a
relevância de uma construção “positiva da pluralidade social e cultural”, que
esteja baseada no respeito à diferença. Seria bem pertinente se as escolas se
ocupassem ainda mais com uma proposta de ensino “voltada para a alteridade”,
em que houvesse o reconhecimento das igualdades culturais existentes e
contribuísse para a uniformidade de direitos entre os sujeitos históricos.
Rompendo, assim, com a ideia tradicional e etnocêntrica de uma cultura como 202
“modelo universal” a ser seguida (FLEURI, 2005).

Investir em um ensino de história baseado no respeito às diferenças é contribuir


para a formação de cidadãos críticos e capazes de compreender “o lugar e a
imagem dos índios” na sociedade. Para que isso aconteça, Silva e Grupioni
chamam a atenção para a relevância do convívio com a diferença e a importância
dela no combate aos estereótipos (SILVA e GRUPIONI, 1995, p. 18). Um ensino
multicultural auxilia em uma maior compreensão sobre as mudanças que
ocorrem no meio social, inclusive em relação aos gêneros, às formas ampliadas
de família e às atuações recorrentes dos indígenas no presente. Aceitar as
diferenças do outro é essencial até mesmo para compreender a si mesmo. Isso
é importante ser reiterado com mais afinco na sociedade complexa, em que o
individualismo impera cada vez mais, já dizia Max Weber.

Infelizmente, embora seja vista como local ideal para a desconstrução de uma
visão negativa em torno do indígena, a escola acaba reproduzindo essa visão.
Um exemplo disso é a comemoração tradicional ao dia do Índio de forma
incorreta, atrelando-o ao passado, sem conectividade com o presente e com a
realidade deles na contemporaneidade. Em um trabalho pertinente realizado por
Oliveira (2011) vemos que grande parte dos estudantes entram em contato com
percepções equivocadas e preconceituosas sobre os índios na escola, no
contato com os livros didáticos e nas aulas dos docentes. O que é alarmante,
pois, o espaço educacional deveria estar voltado para a superação de equívocos,
e não o inverso (OLIVEIRA, 2011, p.200).

Sobre essa questão, Fleuri lança a seguinte afirmativa:

“A própria educação, em particular a escola, tem desempenhado o papel de


agenciar a relação entre culturas com poder desigual (colonizadores x
colonizados; mundo ocidental x mundo oriental; saber formal escolar x saber
informal cotidiano; cultura nacional oficial x culturas locais etc.), contribuindo
para a manutenção e difusão dos saberes mais fortes contra as formas culturais
que eram consideradas como limitadas, infantis, erradas, supersticiosas”
(FLEURI, 2005, p. 18).

Gobbi relembra o que foi dito anteriormente sobre o festejo e generalização do


dia do índio, chamando a atenção para a presença de ideias equivocadas. Além
disso, todo dia deveria ser o dia do índio, visto estarem presentes em
praticamente todos os lugares, assumindo um papel de protagonista e
reivindicador/a de direitos em torno de si e da própria comunidade a que
pertence. Segundo percebe a autora, a escola é:
“[...] um grande veículo portador reforçador das ideias errôneas sobre os
indígenas [...] É lá que aprendemos a acreditar em uma única categoria genérica:
os “índios”, que são comumente lembrados no “Dia do índio” e sempre
integraram as primeiras páginas dos livros de História do Brasil – aqueles que
falavam de 500 anos atrás – nas páginas seguintes, como num passe de mágica,
eles desapareciam. Mas, para onde foram? Essas populações deixaram de fazer 203
parte da nossa história?” (GOBBI, 2006, p. 35).

O que é reproduzido e repassado dentro de sala de aula, compartilhado nos


murais da escola, ministrado em sala de aula contribui significativamente para o
que o discente irá construir em seu imaginário e em sua consciência histórica
sobre os indígenas. Em entrevistas e questionários aplicados em algumas
escolas do Distrito Federal, Oliveira problematiza o quanto o índio está atrelado
ao passado e à visão genérica de índio, do índio como sujeito diferente e atrelado
ao folclórico. Segundo Oliveira:

“A maior parte dos sujeitos que responderam ao questionário apresentou uma


imagem dos indígenas como seres diferentes que vivem exclusivamente na
floresta, seguindo suas próprias leis, sem tecnologia, isolados do mundo urbano,
em tribos e ocas, praticando rituais, dança, caça e pesca, comendo mandioca,
defendendo a natureza e andando nus. Houve também percepções dos índios
como negros, morenos, simples, humildes, sem ganância e ambição, tranquilos,
sem maldade no coração, batalhadores, unidos, analfabetos, inteligentes, donos
das terras americanas, primeiros habitantes do Brasil, nativos, aborígenes,
agressivos e que as vezes comem gente. Além disso, identificamos em um
número elevado de questionários, repostas “em branco” para questões iniciais
sobre o que significa “ser índio” ou como você descreveria uma sociedade
indígena” (OLIVEIRA, 2015, p. 221-222).

Na maioria das escolas públicas o instrumento de ensino de história ainda é o


livro didático. Este faz parte de um mercado bastante complexo, o que diz muito
da estrutura para atender às demandas exigidas. São livros que ainda
reproduzem e reforçam equívocos, através de imagens e textos escritos, que,
acabam levando a construção de ideias erradas sobre os ameríndios. Embora
alguns sejam livros atuais e tragam debates historiográficos, ainda assim há uma
lacuna e a discussão sobre eles envolvem outras temáticas que não valem aqui
nesse espaço.

Na verdade, a presença de estereótipos nesses livros é um dos entraves para a


real efetivação da lei 11. 645/2008, o que significa dizer que as representações
que marcaram o século XVIII e XIX e ainda continuam sendo reproduzidas pelos
manuais didáticos sem que haja problematização, na maioria das vezes.
(PINSKY, 1988, p.12).
Assim sendo, para que preconceitos e estereótipos presentes nesses livros
sejam desconstruídos, se faz necessário a problematização das imagens por
parte do regente. Isso torna necessária uma qualificação voltada para a temática.
Esse é o segundo entrave que dificulta o pleno exercício da lei e o ensino de
História Indígena, a formação do professor.

Na visão de Edson Silva (2012, p.215), antes quanto se falava sobre ministrar
assuntos referentes à temática indígena muitos professores/as se sentiam
desconfortáveis pelo fato de não disporem de uma especialização na área,
sendo desafiados a lidar com a questão sem estudo. É Eduardo Natalino dos 204
Santos que ressalta sobre a relevância do oferecimento desse assunto dentro
das universidades, em especial nas licenciaturas, em que jovens estão sendo
formados para serem professores/as. Segundo Santos:

“No Brasil, de forma geral, os cursos de graduação e licenciatura em História


tratam a cultura e a história indígenas de maneira superficial e genérica. A
maioria dos cursos não possui disciplinas voltadas para a história dos povos
indígenas em tempos anteriores à chegada dos europeus e, sendo assim,
apenas alguns grupos, entre várias centenas, são mencionados nas primeiras
aulas de disciplinas que abordarão centralmente a conquista e a colonização da
América” (SANTOS, 2014, p. 35).

Hoje, parte dos cursos de graduação já possuem disciplinas com ênfase para a
temática indígena, contribuindo no conhecimento e formação docente. O que já
é um avanço. Sobre a importância da presença dos povos indígenas nos
currículos dos cursos de graduação em História, Santos salienta que:

“[...] deixar os povos indígenas fora de nossos cursos de graduação em História


é abrir mão de combater – por meio das aulas no ensino fundamental e médio –
estereótipos que recaem sobre essas populações e sua história. Tais
estereótipos, hoje, afetam a vida de grupos humanos que habitam nosso
continente aos milhões e o nosso próprio país às centenas de milhares. Estamos
tratando de um problema com desdobramentos políticos sérios, pois a visão que
as sociedades ocidentais modernas possuem sobre os povos indígenas – a qual,
é verdade, não depende apenas de aulas de História no ensino médio e
fundamental – determina parcialmente suas relações com esses povos. Tais
relações, como sabemos, têm se caracterizado pela assimetria política, pelo
desrespeito às diferenças, pela violência e por uma série de atrocidades”
(SANTOS, 2014, p. 44).

Vivemos em um mundo globalizado em que as tecnologias estão cada vez mais


presentes. Trazer esses recursos para dentro da sala de aula não seria uma má
ideia, pois dessa forma o conteúdo não se restringe ao livro didático e o ensino
de história passe a ser mais dinâmico. Temos exemplos, como: Documentos
escritos, imagens, obras de ficção, artigos de jornais, filmes, programas de TV,
música, literatura, constituem instrumentos que estão disponíveis ao docente
para uma aula diferenciada e mais dinâmica.

Sobre o uso de outras ferramentas que podem ser manuseadas pelos docentes
em sala de aula, Pinsky (2005, p.8) chama a atenção para “os usos e abusos”
que os historiadores podem fazer das inúmeras fontes históricas existentes. No
livro intitulado “Fontes Históricas”, organizado pela autora, “fontes documentais,
arqueológicas, impressas, orais, biográficas e audiovisuais” são mencionadas
como possibilidades para um ensino diferenciado. Sobre o uso de documentos
em sala de aula, Bittencourt (2008, p.327) salienta que:

“As justificativas para a utilização de documentos nas aulas de História são


várias e não muito recentes. Muitos professores que os utilizam consideram-nos 205
um instrumento pedagógico eficiente e insubstituível, por possibilitar o contato
com o “real”, com as situações concretas de um passado abstrato, ou por
favorecer o desenvolvimento intelectual dos alunos, em substituição de uma
forma pedagógica limitada à simples acumulação de fatos e de uma história
linear e global elaborada pelos manuais didáticos” (BITTENCOURT, 2008, p.
327).

Seria pertinente que a escola e/ou professores não ficassem limitados apenas
às datas comemorativas, mas levassem a problematização da questão indígena
para além do espaço escolar. Possibilitando, através da relação entre a
universidade e a escola, palestras e oficinas em que também os povos indígenas
se fizessem presentes. Que essas fossem oportunidade de, não apenas
satisfazer a curiosidade de uma plateia sobre hábitos culturais, mas, sobretudo,
abordar temas como conflitos socioambientais, preconceito, estratégias usadas
para o fortalecimento da identidade, luta por direitos, bem como outros que
surjam do interesse deles próprios. Diante do exposto até aqui somos
conduzidos às seguintes indagações: que tipo de sujeitos a escola está
formando? A Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam a importância de
uma educação voltada para a pluralidade cultural e para a formação de um
sujeito crítico, respeitador das culturas e das diferenças. Mas, será que isso está
acontecendo? É isso mesmo que temos visto?

A prática ainda comum de determinadas escolas que pintam seus alunos de


“personagens” e/ou “heróis” chamados genericamente de “índios” talvez nos
forneça pistas para pensar sobre as perguntas acima. Essa e outras práticas
e/ou omissões contribuem para a invisibilidade, exclusão e marginalização
desses sujeitos históricos no presente. Portanto, a urgência do ensino de história
e cultura indígena não deve ser negligenciada. É extremamente necessário que
os ambientes escolares se preocupem mais com o oferecimento de uma
educação/ensino voltado para a multiplicidade e diversidade de grupos que
compõem o país e que estão espalhados nas regiões. Seria muito relevante,
inclusive, que a postura das escolas não se limite à existência de leis, colocando-
a em prática de forma recorrente e não apenas para agradar na teoria. O que
está presente na lei 11.645/08, por exemplo, nem sempre chega de fato à sala
de aula (OLIVEIRA, 2015).

Por conseguinte, muitos são os desafios que precisam ser vencidos para que
haja um ensino de história indígena que retire o índio da invisibilidade a que ele
foi relegado e contribua com a construção de uma sociedade mais justa e menos
intolerante à diferença. Embora a lei 11.645/2008 tenha sido implementada como
obrigatoriedade, percebemos lacunas, brechas e espaços que precisam ser
preenchidos. Um pequeno avanço houve, assim como conquistas, mas são
necessárias mais inserção e inclusão desses sujeitos em lugares antes
inocupados.

Referência Biográfica
206
Marta Lima Alves, mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, C. M. F. Livros e Materiais didáticos de História. In: Ensino de


História: fundamentos e métodos. 2ª. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

FLEURI, R. M. Intercultura e educação. Educação, Sociedade & Culturas.


Portugal, 2005, p. 91-124. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a02.pdf. Acesso: 26 Ag. 2017.

GOBBI, Izabel. A Temática Indígena e a Diversidade Cultural nos Livros


Didáticos de História: uma análise dos livros recomendados pelo Programa
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federal-de-sao-carlos-centro-de-educacao-e-ciencias-humanas-programa-de-
pos-graduacao-em-ciencias-sociais-izabel-gobbi.html. Acesso em 27 fev. 2018.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. Introdução: Educação
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MONTEIRO. Jonh M. “Unidade, diversidade e a invenção dos índios: entre


Gabriel Soares de Sousa e Francisco Adolfo de Varnhagen. Revista de História
(USP), p. 109-137. Disponível em: www.revistas.usp.br. Acesso em: 12 Out.
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OLIVEIRA, Susane Rodrigues. História Indígena: Saberes Discentes, Práticas


Escolares e Formação Docente no Distrito Federal. História & Perspectivas
(UFU), p.211-238, 2015. Disponível em: www.docplayer.com.br/61154482-
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OLIVEIRA, Suzane Rodrigues de. Representações das sociedades indígenas


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Porto Alegre, v.18, n. 34, p. 177-212, 2011. Disponível em:
www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article. Acesso em 14 ag.2017. Acesso 03
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SANTOS, Boaventura de Souza. Epistemologia do Sul. Editora Almedina, S.A;


Coimbra. Janeiro, 2009.

SILVA, E. Povos indígenas e Ensino de História: subsídios para a abordagem da 207


temática indígena na escola. História & Ensino (UEL), Londrina - PR, v. 8, p. 45-
61, 2002. Disponível em: www.docplayer.com.br/Povos-indigenas-e-ensino-de-
historia-subsidios-para-a-abordagem-da-tematica-indigena-em-sala-de-
aula.html. Acesso em 03 Fev.2016.
MUITO ALÉM DO “PROGRAMA DE ÍNDIO":
FIGURAÇÕES DA CULTURA INDÍGENA E POPULAR
NAS NARRATIVAS GLOBAIS DE LUIZ FERNANDO
CARVALHO 208

Michelle dos Santos


Em seus estudos sobre a ficção moderna que vão desde Gustave Flaubert, em
seu país, a João Guimarães Rosa, em nosso, o filósofo francês Jacques
Rancière enaltece o efeito democrático que certos escritores e artistas
transmitem em suas obras, dotando de grandeza qualquer objeto ou tema, sem
se restringir à uma linguagem intelectual e elitista. Rancière enaltece a estética
de obras que não se destinam a um público específico, pois não existem
sentimentos atribuíveis a este ou aquele tipo de pessoa.

À reboque dessa reflexão, as teleficções Velho Chico (2016) e Dois Irmãos


(2017), produzidas pela TV Globo e dirigidas por Luiz Fernando Carvalho, podem
ser concebidas como narrativas democráticas, pois apresentam histórias de
pessoas comuns, cujo cotidiano corriqueiro é geralmente pautado por vivências
ordinárias onde nada importante acontece.

São estéticas que representam como a vida do mais banal dos seres – e sua
capacidade de sensação e de imaginação – pode ser interessante e criativa.
Impossível não lembrar do tom trivial impresso pelo narrador roseano no início
do conto Partida do audaz navegante: “Na manhã de um dia em que brumava e
chuviscava, parecia não acontecer coisa nenhuma”. (ROSA, 2001, p. 166).

Velho Chico, um feliz acerto entre muitos erros

Tais referências ressoam na telenovela Velho Chico que tem como tema o
grande rio que corta sete estados nacionais. No último capítulo do folhetim o
personagem-herói Martim de Sá Ribeiro (Lee Taylor) é lembrado em uma
conversa entre Afrânio de Sá Ribeiro (Antônio Fagundes), seu pai, e dona Ceci
(Luci Pereira), conhecida vendedora de raízes e chás, nascida em uma tribo
indígena às margens do rio Opará, nome pelo qual o seu povo conhecia o rio
São Francisco. Durante a cena a presença espiritual de Martim, assassinado na
história, aparece flanando tranquilamente na beira do rio enquanto se
apresentavam referências à imensidão de narrativas cotidianas que ele
vivenciara. Martim fala sobre a força do São Francisco, do qual também é filho,
assim como os pescadores, os lavradores, as lavadeiras e os remeiros.
209

Fonte: https://globoplay.globo.com/v/5344936/programa/

Toda a narrativa da novela foi permeada pela representação das vivências da


agricultura familiar, dos pequenos produtores, das tradições indígenas, das
espiritualidades e lendas populares, em uma tentativa explícita de valorizar tais
experiências. Segundo a estudiosa estadunidense de literatura brasileira,
Daphne Patai, “não há histórias de vidas sem significado. Existem apenas
histórias de vida com as quais nós (ainda) não nos preocupamos e cujas
revelações (incluindo aquelas de estonteante trivialidade) permanecem-nos, por
essa razão, obscuras. (PATAI, 2010, p. 19)

Em entrevista concedida em 2016, Luiz Fernando Carvalho ressalta a


invisibilidade de grande parte da arte popular, geralmente excluída do catálogo
das grandes editoras e emissoras. “Nas margens do São Francisco há um mar
de poetas, gente que, infelizmente, não ganha reconhecimento ou mesmo
acesso às editoras importantes do país”. (CARVALHOa).

Em Velho Chico Carvalho fez de suas lentes, pincéis para colorir existências com
dignidade. Ele se propôs a pintar a poesia das comunidades ribeirinhas do rio
São Francisco, deslocando-as das margens do esquecimento para o centro da
memória nacional. Seu grande trunfo foi conseguir retratar com sensibilidade
essa ethos popular esquecido divulgando-o para o grande público por meio da
“novela das 8”, programa que se destaca por ser recorde de audiência da maior
rede de televisão do País. Nesse sentido, o trabalho de Carvalho produz um
processo contínuo de emancipação dos corpos e palavras de personagens da
cultura popular sem cair na armadilha da caricatura e dos estereótipos fáceis.

O que Carvalho nomeou de “admirável mundo novo”, ao se referir ao tema de


Velho Chico, é bem exemplificado na figura do personagem Miguel (Gabriel 210
Leone), agrônomo cujas ideias sustentáveis se chocavam com o modelo arcaico
e predatório praticado pelo avô, o coronel Afrânio. A personalidade visionária de
Miguel defende que qualquer sistema é modificável e regenerável como
podemos constatar no trecho abaixo:

“Aqui na floresta tem tudo o que há de mais sofisticado... a gente tem muito o
que aprender com a natureza... são 4 bilhões de anos de experiência... uma
simbiose, uma cooperação benéfica de todos, onde todo mundo trabalha movido
pelo prazer, sem exploração, sem competição, sem rivalidade... o esforço de um
que gera o bem estar de todos”

Velho Chico foi escrita a partir da concepção do consagrado dramaturgo


Benedito Ruy Barbosa. É uma novela que exalta o tema da justiça social, pois a
história de amor entre membros de famílias rivais, como reza a cartilha do
folhetim – é obnubilada pelo destaque dado à luta pela preservação da natureza
e ao anseio de ressurreição do rio São Francisco e, consequentemente, das
comunidades tradicionais que lá vivem. Na narrativa a agonia do rio ameaça a
sobrevivência e o estilo de vida da população sertaneja atingindo ribeirinhos,
pescadores, indígenas, enfim, de toda a sociedade que é afetada pelo
desequilíbrio ecológico-climático e pela desigualdade social. O tema da água,
como elemento fundamental da vida, é ricamente tratado tanto pelo aspecto da
sabedoria popular, como pelas questões atuais ligadas ao desenvolvimento
sustentável.

A novela foge à trama batida sobre a classe média urbana branca. Seu elenco
foi formado por um contingente considerável de atores mestiços e nativos. O site
Memória Globo afiança que cerca de 70% dos atores de Velho Chico era do
Nordeste. Carvalho alerta para o preconceito em relação em relação a cultura
popular:

“A maioria de nós, burgueses, brancos e bem alimentados, persiste no


preconceito em relação a nossa própria nação e sua gente simples do interior.
Muitos se surpreendem com a quantidade de talento espalhado pelo fundo do
País. Mas, apesar das gerações e gerações de abandono por grande parte dos
governos, a vida resiste, sim. Não vou ficar aqui reclamando, prefiro agir”.
(CARVALHOb)

Para Carvalho é preciso adotar uma perspectiva mais crítica e inclusiva capaz
de quebrar este ciclo de silenciamento. Essa compreensão pode ser traduzida
no pensamento de Djamila Ribeiro: “falar a partir de lugares é também romper
com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas localizações,
fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica sequer se pensem”.
(RIBEIRO, 2017).
O olhar estético adotado por Luiz Fernando consegue expor com sensibilidade
sertanejos e nordestinos sem recorrer ao infeliz estereótipo da miséria e da
“velha praga” lobateana, que costumava retratar personagens populares como
pessoas sem cultura e hábitos rudimentares. Assim, a direção de Carvalho
mostrou que privações na vida não significam, automaticamente, ausência de 211
liberdade existencial. Na obra, o diretor tentou dirimir a separação e
distanciamento entre aqueles considerados agentes da história e os excluídos.

O grande acerto de Velho Chico foi questionar essa realidade excludente através
personagens que lutavam pela justiça social, ressaltando a condição daqueles
que precisavam vencer os males do coronelismo, altamente marcado pelo
autoritarismo e a corrupção. Na estética de Carvalho, pode-se inferir que “o povo
não é uma classe entre outras. É a classe do dano à comunidade e a institui
como ‘comunidade’ do justo e do injusto”. (RANCIÈRE, 1996). Sua arte expõe
que não pode haver transformação sem a inclusão dos sem-partes que buscam
ser contados na partilha do sensível. Por isso, o diretor questiona o pacto
narcísico da branquitude na TV aberta brasileira.

Estereótipos na TV

Mesmo após a consolidação do processo redemocratização do país, os direitos


fundamentais nunca chegaram a ser implementados de fato para a grande
maioria da população nacional. Há uma distância muito grande entre as leis
constitucionais e sua aplicação à realidade, especialmente quando se vive um
quadro grave e recorrente de desigualdades sociais, crises econômicas e
criminalização da pobreza.

As questões levantadas por Carvalho em Velho Chico são profundas e


infelizmente elas ainda são reproduzidas de forma negativa pela maioria das
novelas nacionais: o pequeno número de atores negros, mestiços e indígenas
na teledramaturgia; um número menor ainda interpretando personagens
centrais; a praticamente inexistência de diretores e autores negros e de
ascendência indígena na TV Globo; obras que não fortalecem tradições destes
grupos étnicos e não valorizam suas comunidades; narrativas que reforçam
estereótipos e preconceitos em relação a tais comunidades gerando choque
cultural e visões excêntricas e, por fim, a prática nociva da apropriação cultural
de sua imagem e costumes sem partilhar renda, negando-se a promover o
reconhecimento e o intercâmbio de tradições culturais. Velho Chico é uma
exceção, daí sua importância.

Exemplo notável do desserviço da teledramaturgia brasileira em relação aos


povos originários foi a exibição da novela Uga Uga (mai. 2000-jan. 2001), escrita
por Carlos Lombardi e dirigida por Wolf Maya. O título aviltante e as
representações desrespeitosas da cultura indígena geraram revolta entre os
integrantes de diversas comunidades que se viram retratados como verdadeiras
atrações de circo. À época da exibição do folhetim Carlos Tucano alertou que
em sua tribo, no Alto Rio Negro, havia uma TV para trezentas pessoas e os que
compreendiam a língua portuguesa traduziam a obra para os demais. Ele conta
que ao mesmo tempo que os nativos riam e achavam ridículo, não se viam
representados e perguntavam se haviam “outras aldeias pelo Brasil parecidas
com a da novela”. (TUCANO).

Os equívocos se acumulam. Quem foi capaz de engolir Priscila Fantin, branca e 212
de olhos verdes, transformada na indígena Serena em Alma Gêmea (jun.2005-
mar.2006), novela de Walcyr Carrasco com direção de Jorge Fernando? Na
trama, a suposta pureza e ingenuidade da personagem representavam uma
visão equivocada e romantizada do indígena como um ser à margem da
civilização. Serena e suas falas pareciam saídas das páginas dos romances
Iracema ou O Guarani, de José de Alencar. Só que em pleno século XXI!

Majoritária e historicamente, a teledramaturgia global é pautada por uma imagem


homogeneizadora, na qual centenas de etnias são reduzidas a um padrão
audiovisual preconceituoso. Aí, as escolhas estéticas/políticas pouco se diferem
das brincadeiras e “fantasias de índio” tão comuns em nossa infância e tão
reforçadas pela educação escolar, que ainda celebra “o dia do índio” (19 de abril)
com adereços, comidas típicas e dancinhas, sem ajudar a repensar os lugares-
comuns desrespeitosos que circulam em nossa sociedade e a grave privação
dos direitos vivenciada por esses povos. A abordagem hegemônica reforça a
visão dos povos originários como subalternos, ingênuos, ignorantes e primitivos.
Tal visão gera um misto de exotismo, desconfiança, distanciamento, idealização
e antipatia em relação aos indígenas por grande parte da população.

No prefácio de sua obra Cultura: a visão dos antropólogos, o sul-africano Adam


Kuper argumenta que tanto o conceito de raça quanto o de cultura podem ser
utilizados em favor da segregação. Kuper analisa alguns intelectuais africânders,
como Max Eiselen, que defendem que a noção branca de cultura é “a base da
diferença”, ou seja, uma maneira de folclorizar tais grupos acabando por excluí-
los da sociedade brasileira. O alardeado respeito às fronteiras culturais, que
muitas vezes é retratado como “cuidado”, seria, na verdade, fonte de
preconceitos. (KUPER, 2002). Infelizmente essa postura é muito comum da
teledramaturgia global revelando um componente escamoteado de
paternalismo, tutela e subordinação sob a justificativa de que essas tradições
poderiam perder-se de si mesmas ou em si mesmas.

Na exceção constituída por Velho Chico, o personagem Miguel era doutor em


agronomia, mas reconhecia sua ignorância sobre os saberes tradicionais. Ele
almejava somar o que aprendeu sobre sintropia (conciliação entre produção
agrícola e recuperação de áreas degradadas simulando a regeneração natural)
ao conhecimento dos indígenas e do seu pai sobre o manejo da terra na região.
O desfecho feliz para as técnicas de cultivo sustentável e agroflorestamento, na
novela, só se resolveu na troca não verticalizada dos saberes. Interessa a
Carvalho – como a Rancière e a autora desse texto – esse intercâmbio da
“igualdade de qualquer ser falante com qualquer outro ser falante” (RANCIÈRE,
1996).
Através das personagens de dona Ceci e de sua filha Beatriz em Velho Chico,
Carvalho reforça que os indígenas e seus descendentes que habitavam o vilarejo
de Grotas, não eram menos indígenas por não colocarem cocares e penas. Vale
destacar como a importante participação de membros de tribos reais na novela
– com a criteriosa encenação de suas tradições, rituais xamânicos e línguas –
são eticamente retratadas pelas lentes de Carvalho. 213

Dois Irmãos

A minissérie Dois Irmãos, escrita por Maria Camargo, foi uma adaptação em 10
episódios do romance homônimo, de Milton Hatoum, ganhador do prêmio Jabuti
de 2001. Acompanhamos na tela a vida da índia Domingas (Sílvia Waiãpi) levada
para a casa de Halim (Antonio Fagundes) e Zana (Eliane Giardini) ainda criança
para servir como empregada doméstica. A menina cresce servindo o casal e
seus filhos gêmeos, Yaqub (Cauã Raymond), com quem acaba se envolvendo,
e Omar (Cauã Raymond), que lhe estupra. Sua vida é, assim, parte da saga de
ciúme, inveja e orgulho vivida por esses dois irmãos gêmeos em Manaus, entre
as décadas de 1920 e 1980. A narrativa se desenrola de maneira que o
telespectador fica sempre na dúvida de quem seria realmente o pai de Nael
(Irandhir Santos).

O primeiro cuidado de Carvalho foi escalar três atrizes de ascendência indígena


para interpretar Domingas nas diferentes fases da trama. A atriz Zahir Guajajara,
que interpretou Domingas jovem, é proveniente da tribo indígena homônima
nativa do interior do Maranhão. Suas palavras traduzem a preocupação em
abordar o indígena como um símbolo da situação de exclusão vivenciada por
muitas comunidades no país: “Domingas não representa só os indígenas, mas
toda uma sociedade escrava, seja ela do trabalho, da paixão, ou da necessidade
de ser livre. Cada espectador poderá se ver um pouco nela. Pode ser pela sua
beleza, simplicidade, silêncio, culpa, prazer omisso e também porque cada um
de nós pode ser uma Domingas de vez em quando. Domingas é o se doar”.
(GUAJAJARAa)

Em declaração publicada em 2017, Guajajara, que é natural de Barra do Corda


(MA), chama a atenção para outro ponto relevante: se os indígenas não cabem
no mundo público da teledramaturgia para interpretar suas várias etnias, a
questão se torna ainda mais grave quando pensamos que não são sequer para
viverem personagens em que o fenótipo não seja o mais importante. “É difícil ter
uma carreira sólida. Tem muitos papéis de índios, mas chamam atores que se
parecem, não dão muita oportunidade para índios atuarem. Eu adoro fazer
papéis de indígena, mas não quero estar presa a isso. Hoje temos índios em
diversas profissões, então por que não posso fazer um papel de advogada,
professora? Conheço artistas indígenas que são muito capazes, mas não têm
oportunidade de mostrar quão bons eles são. Precisamos de pessoas que
acreditem e confiem em nós, que nos deem valor do jeito que somos”.
(GUAJAJARAb).
A TV Globo parece se contentar com a escalação de atores brancos que se
assemelham com aparência dos personagens vistos como “silvícolas” ou
“negros da terra”. Seu trabalho de casting ignora a de participação atores
indígenas, daí a repetição de atores como André Gonçalves, credenciado pelo
cabelo liso e pele morena, para se passar por “aborígene” em A Muralha (onde
deu vida a Apingorá), Alma Gêmea (na pele de José Aristides) e em uma
participação especial no Sítio do Picapau Amarelo (interpretando Juca Pirama). 214

Fontes: http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2016/07/no-super-chef-andre-
goncalves-diz-que-so-cortaria-cabelo-por-personagem.html;
http://contamais.com.br/fotos/veja-a-trajetoria-de-andre-goncalves-o-aureo-de-morde-
e-assopra/451; http://gshow.globo.com/programas/video-
show/v2011/VideoShow/Noticias/0,,MUL1679073-
16952,00;MEMORIA+ANDRE+GONCALVES+DEU+VIDA+AO+INDIO+APINGORA+E
M+A+MURALHA.html

Em Dois Irmãos, assim como em Velho Chico, a etnopoética realista de LFC


rompe totalmente com as “chanchadas silvícolas” de estúdio da teledramaturgia
global. Ceci e Beatriz vivem no presente, com experiências sociais e afetivas
“normais” e não em um passado mítico. A segunda foi eleita prefeita de Grotas
e teve sua história na docência marcada pela luta pelos direitos das crianças que
padecem com a ausência de condições adequadas de ensino. O poder de
Beatriz foi conquistado pela busca do conhecimento letrado aliado à preservação
das tradições nativas, sem qualquer apoio do Estado.

A eleição da personagem Beatriz como prefeita de Grotas, após inúmeras lutas


e entraves contra velha política, pode ser vista como a representação de um
contexto reparação da democracia no Brasil e na América Latina, ilustrado pela
guatemalteca Rigoberta Menchu, integrante da etnia Quiché-Maia que recebeu
o Prêmio Nobel da Paz, em 1992; pelo líder Uru-aimará Evo Morales, que tornou-
se presidente da Bolívia no ano de 2005; e, mais recentemente, a indígena
brasileira Joênia Wapichana, que foi eleita deputada federal em 2008 por
Roraima, algo que não acontecia desde 1982 quando Mário Juruna foi eleito
deputado pelo PDT do Rio de Janeiro. A prefeita Beatriz representa o
deslocamento da periferia para o centro ao retratar a inclusão de líderes e
ativistas indígenas na vida pública.

Por fim, se é possível reconhecer o estilo de uma ficção televisiva em razão de


seu escritor -como no caso de Roque Santeiro e Saramandaia, escritas por Dias
Gomes-, na experiência de Velho Chico e Dois Irmãos, a autoria é reconhecida
pela direção sensível, inclusiva, criteriosa e consciente de Luiz Fernando
Carvalho. Embora se baseie em uma estética mais consagrada pelo cinema,
Carvalho é uma grata novidade na teledramaturgia global. Viva o estilo
democrático e a valorização da cultura popular no horário nobre. Chega de
programa de índio.
215
Referências biográficas

Michelle dos Santos é mestre em História e Doutora em Educação pela


Universidade de Brasília (UnB). Professora de História Contemporânea e
orientadora de Estágio Supervisionado na Universidade Estadual de Goiás
(UEG). Integra a linha de pesquisa 1 "Cultura e Relações de Poder" no Programa
de Pós-graduação em História da mesma instituição.

Referências bibliográficas

Michelle dos Santos é mestre em História e Doutora em Educação pela


Universidade de Brasília (UnB). Professora de História Contemporânea e
orientadora de Estágio Supervisionado na Universidade Estadual de Goiás
(UEG). Integra a linha de pesquisa 1 "Cultura e Relações de Poder" no Programa
de Pós-graduação em História da mesma instituição.

RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora


34, 1996.

CARVALHO, Luiz Fernando (a). Disponível em:


https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2016/04/02/com-velho-
chico-luiz-fernando-carvalho-leva-suas-raizes-nordestinas-para-a-tv-
229218.php. Acesso em: 02 set. 2020.

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https://istoe.com.br/8184_UM+ESTILO+DIFERENTE/. Acesso em: 28 mar.
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indigena-domingas.html. Acesso em: 01 mar. 2020.

GUAJAJARA, Zahir (b). Disponível em:


http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/12/dois-irmaos-entenda-os-conflitos-da-
indigena-domingas.html. Acesso em: 01 mar. 2019.

KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
14-17 p.

PATAI, Daphne. História oral, feminismo e política. São Paulo: Letra e Voz,
2010.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento;
Justificando, 2017.

ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


2001.
216
TUCANO, Carlos. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/tvfolha/tv1911200010.htm. Acesso em: 02 jul.
2018.
A ICONOGRAFIA NUMISMÁTICA NA MOEDA
BRASILEIRA DE 100 RÉIS ANO DE 1932: “SÉRIE
VICENTINA”
Natanael Soares da Silva 217

O presente artigo visa preencher um pouco da lacuna existente sobre o estudo


de moedas brasileiras, visto que, apesar de todos os dias dezenas de moedas
passarem por nossas mãos, poucas vezes somos instigados a refletir sobre sua
importância histórica e política, na maioria das vezes só percebemos seu valor
monetário.

Botelho (2019) afirma que além do seu uso econômico, as moedas também são
utilizadas como instrumento de divulgação e propaganda política e, ao longo da
história, elas se consolidaram como de crucial importância para a análise das
sociedades antigas.

Assim, notou-se a viabilidade de elaborar um artigo com ênfase numismática


(que segundo o dicionário Aurélio (2010, p. 537) pode ser apresentada como a
“ciência que se dedica ao estudo de medalhas e moedas.”) em um aspecto
iconográfico, combinado com a análise histórica do objeto em estudo. Posto que,
“a iconografia, aliada aos textos desempenha uma função central para fins de
interpretação”, (GUINZBURG, 1989, p. 62) pois “sem comentários, uma imagem
não significa rigorosamente nada, e podemos imaginar qualquer coisa,
dependendo da nossa fantasia quando a vemos. (...) O que informa é a palavra.”
(SORLIN, 1994, p. 85)

Desta maneira, esse artigo buscou conciliar a iconografia (que é, segundo o


dicionário Aurélio (2010, p.405), a descrição e estudo das imagens ou
representações visuais.) da moeda brasileira no ano de 1932, com o período da
colonização do Brasil.

Sendo assim, o objetivo principal foi analisar as representações de uma das


moedas comemorativas do ano de 1932, apelidadas de “Série Vicentina”, na
numismática brasileira.

Início da colonização e fundação de São Vicente

O que hoje é chamado de Brasil, outrora já foi conhecido como ilha de Vera Cruz,
nome dado pelo português Pedro Alvares Cabral, navegador que liderou a
expedição portuguesa que culminou no “descobrimento das terras brasileiras”.

Para alguns autores, a chegada dos portugueses em 1500 na terra


desconhecida, foi uma casualidade, não existia a intenção para tal. Conforme
Vicente do Salvador (1975, p. 65) destaca em seu livro, “a terra do Brasil, que
está na américa, uma das quatro partes do mundo, não se descobriu de
propósito e de principal intento, mas por acaso.”

Por outro lado, existe a tese da intencionalidade, que surgiu no Brasil durante o
segundo reinado com incentivo do próprio imperador, como uma demonstração
do orgulho que a nação passou a sentir de si mesma. (MÖLLER, 2003) Além
disso, outros historiadores afirmam que os portugueses estiveram aqui antes de 218
1500. Hollanda (2000) relata o recebimento de uma carta pelo rei de Portugal
em 1514, onde o remetente declara ter estado no território a 20 anos atrás, ou
seja, “já viviam portugueses no Brasil por volta de 1493 ou antes”. (HOLLANDA,
2000)

Fausto (1996) corrobora com essa declaração dizendo que, “[...] tudo indica que
a expedição de Cabral se destinava efetivamente às índias. Isso não elimina a
probabilidade de navegantes europeus, sobretudo portugueses, terem
frequentado a costa do Brasil antes de 1500.”

Apesar de não ser possível afirmar com exatidão se foi casualidade ou


intencionalidade, essa controvérsia pertence mais ao campo da curiosidade
histórica do que à compreensão dos processos históricos que aqui foram
relatados. (FAUSTO, 1996)

Sabe-se que Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal com 1500 soldados, mais
alguns franciscanos, comerciantes e aventureiros, com uma dupla intenção na
expedição, que pode ser observada na narrativa de Abreu (1998):

“Mil e quinhentos soldados, negociantes aventurosos, aventureiros, mercadorias


variadas, dinheiro amoedado, revelavam o duplo caráter da expedição: pacífica,
se na Índia preferissem a lisura e o comercio honesto, belicosa, se quisessem
recorrer às armas. (ABREU, 1998 - grifo nosso)”

Após a chegada dos portugueses ao Brasil percebeu-se três atrativos para a


terra “recém-descoberta”: vantagem da localização geográfica, terra com um
clima bom para plantio de sementes portuguesas e o avanço do cristianismo.
(ABREU, 1998, p. 36). Contudo, mesmo com todo esse contingente e depois de
ser feito o rápido reconhecimento territorial, foram deixados apenas dois
portugueses adultos, com o objetivo de aprenderem a língua dos nativos, e com
eles, alguns grumetes (crianças). (HOLLANDA, 2000 p. 102).

Nesses primeiros anos, Portugal não demonstrou intenção em colonizar o


território, pois o seu interesse estava voltado para o comércio das Índias
(HENRIQUE, 2014). No entanto, manteve atividade econômica de extração do
pau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os índios, como cita Gilson:

“(...) o indígena foi usado no comércio do pau-brasil no sistema de escambo que


se dava da seguinte maneira: os indígenas cortavam a madeira e traziam até o
ponto de embarque geralmente nas feitorias, onde recebiam objetos como facas,
machados, pentes dentre outros. (GILSON, 2017, p. 2)”
Em 1501, iniciou-se o reconhecimento e a exploração costeira do território, com
a expedição de Gaspar de Lemos. Assim, foram estabelecidas feitorias ao longo
da costa com o objetivo de extração do pau-brasil, mas somente no ano seguinte,
Américo Vespúcio fundou a primeira feitoria do Brasil, em Cabo Frio. Essas
feitorias eram entrepostos comerciais, geralmente fortificados e instalados em
zonas costeiras. (BRASIL, 2017). 219

Na expedição de Gaspar de Lemos em 1501, Américo Vespúcio declara em seu


“diário de viagem”, haverem trazido a bordo de uma das naus da expedição, um
“Bacharel” degredado pelo rei D. Manuel para cumprir o seu degredo na nova
terra (PERRUGOIA, 2006). Esse tal, denominado Bacharel Mestre Cosme
Fernandes, juntamente com João Ramalho foram os primeiros portugueses a
viver em São Vicente (PREFEITURA DE SÃO VICENTE, 2017). Esse nome, São
Vicente, foi dado por Américo Vespúcio, quando passou por estas terras em sua
viagem exploratória, em homenagem a São Vicente Mártir. (PERRUGOIA,
2006).

Em 1510, chegou a São Vicente, Gonçalo da Costa, que por volta de 1520
casou-se com a filha do Bacharel, a qual já se encontrava em terras vicentinas.
Gonçalo tornou-se braço direito do seu sogro, além de ser um conhecedor e
explorador da região do Rio da Prata (PERRUGOIA, 2006). Assim, em 1527,
com a chegada de Diogo Garcia, foi contratado como intérprete da região.
(WASHINGTON, 1976).

Em dezembro de 1521 morreu o rei D. Manuel em Portugal, com isso ascende


ao trono português D. João III. O novo rei, em novembro de 1530, cria o cargo
de capitão-mor no Brasil e através de uma carta patente nomeia Martim Afonso
de Sousa capitão-mor da nova armada, dando-lhe poderes extraordinários para
fundar e reger uma colônia, conceder sesmaria e criar empregos de justiça
(BRASIL, 2017). Ainda em 1530, uma expedição comandada por Martim saía de
Portugal, chegando às águas brasileiras em 31 de janeiro de 1531. Ao chegar,
teve que combater franceses que estavam extraindo pau-brasil
clandestinamente, os mesmos até as feitorias já tinham construído, as quais
foram destruídas por Martim. (WASHINGTON, 1976).

Logo após, em abril do mesmo ano, ele chega na baía do Rio de Janeiro e ali se
estabelece por três meses. Apenas em 22 de janeiro de 1532, Martim Afonso
chega pela primeira vez a São Vicente. É muito provável que tenha sido recebido
com as devidas homenagens pelo Capitão Antônio Ribeiro e diversos
moradores, como Antonio Rodrigues, Diogo Braga e seus filhos, João Ramalho,
vindo do planalto onde morava, e outros habitantes do povoado. (PERRUGOIA,
2006).

Antes de sua chegada, no povoado já havia um porto, um nome conhecido e


moradores estabelecidos na região. Sendo assim, “Martim Afonso de Souza não
fundou, pois, a povoação” (WASHINGTON, 1976). O cosmógrafo Afonso de
Santa Cruz, escreveu em 1530, dois anos antes de Martim Afonso chegar de
fato em São Vicente, que:

“Dentro do Porto de S. Vicente há duas ilhas grandes, habitadas por índios e, na


mais oriental, na parte ocidental, estivemos mais de mez. Na ilha ocidental têm
os portugueses um povoado chamado “S. Vicente” de dez ou doze casas, uma
feita de pedra com seus telhados, e uma torre para defesa contra os índios em 220
tempo de necessidade. Estão providos de coisas da terra, de galinhas de
Espanha e de porcos, com muita abundância de hortaliças. Têm essas ilhas uma
ilhota entre ambas de bons de que se servem para criar porcos. Há grandes
pescarias de bons pescadores. (1530 apud WASHINGTON, 1976)”.

Embora não tenha sido o fundador, foi ele que elevou oficialmente o povoado a
vila em 22 de janeiro de 1532. Com ressalva de que, não se tem nenhum
documento que realmente comprove que o povoado passou a ser vila a partir
desta data. Conforme consta no site da prefeitura da cidade de São Vicente,
estado de São Paulo:

“São Vicente não possui nenhum documento que possa afirmar categoricamente
que foi elevada a Vila, a 22 de janeiro de 1532. Essa data, 22 de janeiro, é uma
data convencionada pelos diversos historiadores que dela trataram. Portanto,
quando se diz que São Vicente foi fundada, ou mais corretamente elevada à Vila
nesta data, se está apenas dizendo o mesmo que tantos historiadores disseram,
sem que tenha-se tido nunca um só comprovante histórico, documento ou
crônica, ou quaisquer outros, de que realmente a Vila de São Vicente passou a
existir como Vila a partir daquela data “22 de janeiro de 1532”. (PERRUGOIA,
2006).”

Convencionou-se, porém, pelo consenso geral, que a data de 22 de janeiro de


1532 é a oficial da fundação da vila de São Vicente, como encontrada em
diversos livros de história do Brasil (PERRUGOIA, 2006). Nessa vila, foi criada
e instalada a primeira câmara municipal na colônia, no mesmo ano. (BRASIL,
2017).

Considerações políticas levaram Portugal à convicção de que era necessário


colonizar a nova terra, assim em setembro de 1532, o rei envia uma carta dirigida
a Martim Afonso de Sousa, anunciando-lhe que dividiria o Brasil em capitanias
de 50 léguas de costa. (BRASIL, 2017).

Assim sendo, dividiu-se o território em quinze capitanias doadas entre doze


donatários, das quais apenas duas prosperaram, conforme Gilson (2017):

“O território brasileiro fora dividido em quinze capitanias entre doze donatários


que foram: Maranhão, Ceará, Rio grande, Itamaracá, Pernambuco, Bahia de
todos os santos, Ilhéus, Porto seguro, Espírito santo, São Tomé, São Vicente,
Santo Amaro, e Santana. Mas foi somente a capitania de Pernambuco e São
Vicente que prosperaram, doadas a Duarte Coelho e Martim Afonso de Sousa
respectivamente, pois nelas foram implantadas a cultura canavieira e a criação
de gado e também pela situação financeira dos donatários. As demais entraram
em decadência devido a muitos fatores como a falta de recursos econômicos de
alguns donatários ou mesmo o abandono, uma vez que, muitos destes nunca
vieram tomar posse de seus lotes, e também por causa de ataques dos
indígenas nos povoados, dificultando, assim seu desenvolvimento. (GILSON,
2017)”.
221
Com a divisão do território em capitanias, inicia-se de maneira efetiva a
colonização do Brasil pelos portugueses.

Iconografia na série Vicentina

As moedas da série foram confeccionadas em 1932, a mesma foi apresentada


nos valores de 100, 200 e 400 réis em um tipo de material chamado cuproníquel,
500 e 1000 réis em bronze-alumínio e 2000 réis em prata. Essa série é
considerada como sendo as primeiras moedas cunhadas no período Vargas.
(MOEDAS DO BRASIL, 2011).

Trataremos apenas da moeda de 100 Réis.

Moeda de 100 Réis

Fonte: Site Moedas do Brasil.

Não é por acaso a escolha da figura do índio na cunhagem da moeda de 100


réis, pois em todo o território brasileiro ele se fez presente fazendo parte do
desenvolvimento do Brasil. Em São Paulo não foi diferente, no período
seiscentista o índio era facilmente encontrado nos inventários paulistas, de
acordo com Alcântara Machado (2000), “peças de serviço”, “gente forra”, “gente
do Brasil”, “gente de obrigação”, “peças de forras”, “serviçais”, “serviços
obrigatórios”, “almas de administração”, “administrados”, todos esses nomes
estavam se referindo a índios.

No mesmo período, John Frenche pesquisou 68 testamentos paulistas e


concluiu que os proprietários possuíam 856 trabalhadores, desses, 1% eram
escravos africanos, 14,5% escravos índios e 84,5% índios forros, os índios forros
seriam na teoria índios livres, então 99% dos trabalhadores eram em sua
totalidade índios. Vale destacar que existem três maneiras de utilizar o índio em
trabalho compulsório.

A primeira era através do “resgate”, que acontecia quando um índio era


capturado por outra tribo inimiga e esse já estava condenado à morte, então esse
índio podia ser escravo por 10 anos. O segundo caso era de “cativeiros”, isso
acontecia quando o índio era aprisionado nas chamadas guerra justas, essas 222
guerras aconteciam quando os índios não aceitavam a fé oferecida por Portugal,
então o governo autorizava guerrear contra eles, esses poderiam ser
escravizados por toda sua vida. A terceira maneira era através do “descimento”,
que se dava quando os índios eram forçados a se deslocar para perto das
comunidades europeias, essas aglomerações tinha três propósitos, como
destaca Alencastro (2000):

“Tratava-se, em primeiro lugar, de criar aldeamentos de índios ditos “mansos”,


destinados a proteger os moradores dos índios “bravos”. Em segundo lugar, os
aldeamentos circunscreviam as áreas coloniais, impedindo a fuga para floresta
tropical dos escravos negros das fazendas e dos engenhos. Enfim, as
autoridades e os moradores estimulavam os descimentos de indígenas a fim de
manter contingentes de mão de obra compulsória nas proximidades das vilas e
dos portos. (ALENCASTRO, 2000, p. 181)”.

Nem todos os índios têm seus nomes destacados no rol da história, embora
merecessem, na moeda em estudo temos o busto de apenas um, que representa
inúmeros outros desconhecidos, mas não menos importantes que este.

No anverso da moeda é visto o busto do cacique Tibiriçá, também contém em


setes linhas a inscrição IV Centenário da colonização do Brasil, 1532-1932, e a
sigla LC, do gravador Leopoldo Alves Campos.

Cacique Tibiriçá nasceu na aldeia dos piratiningas, seu nome na língua Tupi é
Teberryça, que significa maioral ou vigilância da terra. Foi cacique de um grande
número de índios guaianases e possuía três irmãos, Araraí, Piquerobi e o
cacique Caiubi. Tibiriçá foi o primeiro a ser catequizado pelo padre Anchieta, e
ao se converter ao catolicismo foi batizado e recebeu o nome de Martin Afonso
Tibiriçá, que era um amigo seu. Tinha uma filha de nome tupi M´bicy, mais
conhecida por Bartira, que se tornou companheira de João Ramalho. Tibiriçá
teve participação na formação do colégio dos jesuítas em 25 de janeiro de 1554,
na vila de Piratininga, atual cidade de São Paulo, onde atualmente existe o
mosteiro de São Bento. Foi um forte participante na defesa dessa vila, a mesma
em 9 de julho de 1562, foi atacada por seu sobrinho Jogoanharo, que era chefe
dos índios tupis, guaianás e carijós.

Sua morte em 16 de abril de 1563, se deu por um longo tempo de enfermidade


desconhecida, teve seu corpo sepultado por jesuítas com um funeral glorioso da
época. Na ocasião o padre José de Anchieta escreve:
“Foi enterrado em nossa igreja com muita honra, acompanhando-o todos os
cristãos portugueses com a cera de sua confraria. Ficou toda a Capitania com
grande sentimento de sua morte pela falta que sentem, porque este era o que
sustentava todos os outros, conhecendo-se lhes muito obrigados pelo trabalho
que tomou de defender a terra, mais que todos creio que lhe devemos nós os da
companhia e por isso determinou dar-lhe em conta não só de benfeitor, mas
ainda de fundador e conservador da Casa de Piratininga e de nossas vidas. Fez 223
testamento e faleceu com grandes sinais de piedade e de fé, recomendando a
sua mulher e filhos que não deixassem de honrar sempre a verdadeira religião
que abraçaram. (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
2020)”

Na atualidade, seus restos mortais encontram-se na cripta da Catedral da Sé em


São Paulo. A rodovia estadual SP-031 foi denominada índio Tibiriçá em sua
homenagem.

No reverso, o valor 100 réis entre dois pontos e no alto uma panóplia composta
por um cocar, uma lança, um tacape, um arco flecha e a sigla WT do Gravador
Walter Rodrigues.

A panóplia é uma espécie de troféu de armas agrupadas com arte e disposta em


paredes (INFOPÉDIA, 2020), na moeda a panóplia cunhada está composta de
armas indígenas. O cocar é um elemento que significa responsabilidade e
respeito, na tribo apenas os pajés, caciques e outras autoridades tribais podem
usá-lo. Também tem uma forte ligação com os ancestrais e com a natureza, e
cada grupo indígena confecciona da sua maneira. (MEDIUM, 2017).

A Lança era uma arma longa que podia ser usada atirando ou não. Na ponta
existia uma espécie de faca feita de pedra que perfurava facilmente o alvo
atingido, era usada para caçar, pescar e guerrear. (FOLCLORANDO, 2020).

O tacape era uma arma usada desde os homens da pré-história, é uma espécie
de bastão cilíndrico alongado, feito com um pedaço de madeira grande ou outro
material firme, que facilitava atingir o alvo. Na caça era usado para abater
animais, exemplo onças, e na guerra era usado para atingir os crânios dos
inimigos. (FOLCLORANDO, 2020).

A flecha era composta por uma haste em madeira e com a ponta aguda, podia
ser lançada a uma grande distância com a ajuda do arco. Para os indígenas, a
flecha é um símbolo da guerra e da paz, pois é usada tanto para proteção quanto
para o sustento na hora da caça (SÍMBOLOS, 2020).

Considerações finais

O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise detalhada da


moeda de 100 Réis, parte da série de moedas comemorativas criada no
aniversário do 4º centenário da criação da Vila de São Vicente, que foi realizada
no ano de 1932. Diante desse contexto, foi possível observar que essa série traz
em si, todo um apelo de identidade nacional, à medida que os desenhos nelas
representados, fazem parte da historiografia brasileira.

É possível perceber também, a importância da numismática brasileira na


historiografia.

Referências biográficas 224

Natanael Soares da Silva (Universidade Estadual Vale do Acaraú )

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VISÕES EUROPEIAS DA AMÉRICA: CONTRIBUIÇÕES
PARA A ANÁLISE DE FONTES SOBRE A TEMÁTICA
INDÍGENA
Priscila Lopes d’Avila Borges 226

Este trabalho apresenta a base conceitual utilizada para realização de quatro


tempos de aula, junto ao Ensino Médio, sobre as visões europeias a respeito
dos povos indígenas. O estudo teórico apresentado antecedeu a formulação
das aulas, as quais abordam o tema por meio da leitura e discussão sistemática
de cartas, ilustrações e relatos de viagens dos séculos XIV e XV. O recorte
teórico do material está no dualismo entre a visão de uma terra abençoada,
intocada e ingênua, frente à ideia de um lugar abandonado por Deus e entregue
a monstros e demônios.

A tarefa final desta proposta consistirá na produção de uma redação que


problematize os impactos da visão eurocêntrica da Idade Moderna sobre as
concepções contemporâneas que os alunos têm dos índios brasileiros, a ser
entregue no fim do primeiro trimestre de 2021. A divulgação científica do
material preliminar tem por objetivo contribuir para que outros professores
construam um arcabouço teórico na elaboração de aulas voltadas para o ensino
da temática indígena, escapando das figuras do “bom selvagem”. Atendendo,
consequentemente, a lei federal 11.645/2008, que obriga o Ensino da Temática
Indígena e Africana nas escolas.

As crônicas, narrativas de viagens, cartas, e suas ilustrações, constituem,


juntamente com dados arqueológicos, as principais fontes utilizadas por
historiadores para compreender a época da chegada dos europeus à América.
Cada uma dessas fontes é capaz de nos ajudar a responder a determinadas
questões, porém, não a todas, assim sendo, para o tipo de análise aqui buscado
podemos descartar, sem esquecer seu valor para outros propósitos, dados
obtido a partir da arqueologia.

Restam-nos, portanto, os relatos escritos à época do contato como fonte


primária para tentar-se compreender as mentalidades e as visões européias
acerca do Novo Mundo. Esses relatos são cheios de impressões e formulações
acerca daquilo que era encontrado nas Américas e, assim, representam rico
material de análise. Faz-se necessário, portanto, ter em mente a indissociação
entre aquilo que era escrito e percebido pelo europeu, as idéias correntes e as
representações existentes na época em questão. Com isso queremos dizer da
necessária ligação entre aquilo que era possível se pensar e as concepções
existentes, assim como também, com os contextos nos quais os agentes estão
inseridos. Neste sentido, o encontro ocorrido “(...) projeta, perspectivamente,
em um tempo pretérito cujos limites são as instâncias do imaginário desse
conquistador.” (BAUMANN, 1992, p.58).
Há, além do exposto acima, que levar se em consideração os projetos político-
ideológicos regentes por trás das narrativas e que nos dizem muito acerca das
intenções europeias na América. Cada cronista descreve suas visões a partir
de seus posicionamentos e/ou com base nas estratégias montadas pelas
autoridades européias. Para uma melhor compreensão vale destacarmos,
ainda que brevemente, as motivações para a expansão marítima europeia que
possibilitaram o encontro de dois mundos tão distantes. 227

A história da invasão da América está intimamente ligada ao processo de


desenvolvimento econômico europeu. O expansionismo que levou os europeus
à dominação deste continente estava baseado em interesses comerciais, ou
seja, foi uma das formas de superar a crise que assolou a Europa nos séculos
XIV e XV. A Igreja Católica envolveu-se desde o início da expansão marítima
por estar interessada na difusão da fé cristã criando assim a possibilidade de
conversão dos pagãos ao cristianismo mediante a ação missionária da
instituição. A Expansão Marítima teve um nítido caráter comercial cujo fator
essencial à sua existência teria sido a formação do Estado Nacional.

Um dos principais objetivos das viagens de Colombo era a busca por metais
preciosos, que abasteceriam a Europa que sofria a escassez dos mesmos. O
próprio Colombo disse: “Teríamos de converter rapidamente para a nossa fé
um grande número de povos e ganhar, ao mesmo tempo, grandes quantidades
de ouro” (HISTÓRIA VIVA, 2004, p.34), o que prova a associação entre a
conversão à fé católica e a procura pelos metais. Ao mesmo tempo, de acordo
com Woortemann (2004), perante uma visão escatológica, o resgate dessas
almas indígenas, através da conversão, serviria de apoio à salvação dos reis
diante de Deus, já que eles seriam os responsáveis pela disseminação da fé
católica.

Os interesses político-econômicos e religiosos, portanto, uniram-se em torno


desta empreitada, caracterizando um tripé de sustentação e motivação àquela
nova epopéia. Assim sendo, em nome da expansão da fé conseguia-se
solucionar problemas do Velho Continente. Não é, portanto, de se espantar, as
constantes justificações e legitimações de cunho religioso que permeiam o
processo de tomada das terras e, consequentemente, os discursos de época,
tanto para o bem, quanto para o mal.

Mas afinal, o que os europeus encontraram na América quando aqui


chegaram? Uma imensa extensão de terras com características extremamente
variadas. Fauna e flora bastante exuberantes, ricas e distintas das européias,
rios caudalosos, montanhas etc., mas, talvez, o mais importante tenha sido o
contato com diversos grupos humanos vivendo, cada qual a sua maneira, em
diferentes organizações e níveis de complexidade social. Era, portanto, uma
terra vista “(...) como parte do mundo vivo. Mundo vegetal, animal, humano.”
(CORTESÃO, 1943, p.100), e não somente uma porção de terra vazia e
desabitada.
A multiplicidade e a variedade eram marcas fortes do Novo Mundo. Todos os
elementos elencados acima apresentavam uma variedade de formas de
manifestação bastante grande. Diferentes climas; diferentes formas de
vegetação, ainda praticamente intocadas; inúmeras espécies animais
representaram combustível à imaginação e às representações dos
conquistadores.
228
Com relação às gentes do Novo Mundo, elas estavam espalhadas por todo o
continente e representavam formas de sociedade muito variadas e ricas. Era
possível encontrar grupos organizados sob formas distintas: como bandos de
caçadores-coletores nômades, ou como tribos, sejam semi-sedentárias ou
sedentárias, chefias, ou ainda como estados organizados e urbanizados que
exerciam influência sobre áreas distantes de seus centros. Para melhor
compreendermos tal diversidade faz-se necessário passar, ainda que não de
maneira profunda, em alguns exemplos de organizações e de sociedades
americanas.

Quando, no século XVI, os europeus começaram sua violenta colonização da


América do Sul, tiveram que se defrontar com uma série de etnias indígenas
diferentes entre si em seus costumes, idiomas e traços somáticos. Entre elas,
destacava-se, pela difusão e consistência demográfica, um conjunto de
populações denominadas convencionalmente tupis-guaranis, pois falavam
idiomas que pertenciam ao mesmo tronco linguístico. Os tupis estabeleceram-
se, sobretudo ao longo de uma ampla faixa do litoral brasileiro (da baía do Rio
de Janeiro até o Maranhão); os guaranis ocupavam os territórios mais ao sul
(do Uruguai e do Paraguai até o sul do Brasil). Enquanto os tupis do litoral
sucumbiram em dois séculos à colonização européia, os guaranis - embora
sofressem violentas adversidades e várias adaptações - ainda hoje são
originalmente ativos e objeto de grande atenção por parte de etnógrafos e
antropólogos.

O encontro parece ter sido responsável, ainda, por fomentar muitos mitos
existentes. A opulência das cidades astecas, a grande quantidade de ouro
encontrada nos Andes, trouxe a busca pelo Eldorado e por outras lendas, como
as minas do Rei Salomão. A exuberância das matas remetia alguns ao Paraíso
Terrestre, as práticas canibais ao demônio, além de muitas outras.

Os significados do contato com tais povos parece revertido em diversas teorias


que buscavam, à época, compreender a sociedade européia, abrindo assim,
alguns precedentes para um proto-relativismo cultural, regido, neste caso,
pelas teorias humanistas. Como exemplo, parece fácil lembrarmos-nos de
Rousseau e Montaigne, mas também é possível recordarmos Jean de Léry e
sua tentativa de, ainda que muitos anos depois de condená-la, compreender e
aceitar as práticas canibais dos povos do entorno da Guanabara
(LESTRINGANT, 1997).

O deslumbramento com o Novo Mundo misturado com a ambição pela


conquista, juntamente com o desinteresse num maior conhecimento nas
culturas alheias (que eram consideradas inferiores) pela maior parte dos
europeus, foi que o propiciou a criação de mitos, que apontavam para o índio
com um ser indolente quanto às tarefas que lhe eram designadas,
principalmente na América Portuguesa, onde a noção de trabalho não era tão
disseminada, já que a produção era feita visando à subsistência,
diferentemente da América Espanhola, onde para a população o trabalho
compulsório e a produção de excedentes eram fatores da expansão e 229
manutenção de seus impérios, o que em conjunto trabalhou para geração de
termos pejorativos e preconceituosos em relação aos indígenas americanos.

De que forma, porém, os europeus dos séculos XV e XVI enxergavam aquilo


que encontraram? Muitas eram as visões acerca daquelas terras de além-mar
dentro do imaginário europeu renascentista. Premissas e pontos de vista
distintos produziram uma sorte de imagens e projeções sobre a América,
algumas delas conflitantes entre si. Uma das dicotomias possibilitadas por esse
imaginário e que mais se difundiram diz respeito ao fato de o Novo Mundo
representar ora o Inferno, ora o Paraíso na Terra.

Diversos relatos de viajantes e textos da época parecem apontar para uma


visão negativa da imagem do indígena americano. Mostra-nos Raminelli
(1996)que a idéia corrente de que os índios seriam povos sem fé e sem lei
levou a uma visão destes através noção de barbarismo e demonização. Esta
visão pode ser percebida, inclusive, no chamado Auto de fundação do Brasil. A
conclamação ao Monarca para realizar a salvação das almas dos povos
encontrados é a mostra da visão que pressupunha aquele povo perdido,
esquecido por Deus, ou até mesmo, controlado por Satã. Logo, não demorou
muito para que a opinião sobre os indígenas brasileiros viesse a ter
características de bestialidade, onde mesmo as criaturas edênicas e inocentes,
embora bestiais, tornar-se-iam canibais.

Hábitos de algumas das culturas eram interpretados como práticas


demoníacas, que deveriam ser combatidas pela verdadeira fé cristã. O
canibalismo representa um excelente exemplo que caracterizaria a
monstruosidade atribuída aos indígenas. Essa prática parece tão chocante aos
europeus que Humboldt (1992) chega a atribuir a esta prática a disseminação,
se não o início, da utilização do epíteto ‘demoníaco’. Tal visão parece coincidir
com uma nova tendência européia dos colecionadores de monstruosidades
reais ou imaginárias que geralmente possuíam origem teológica. No século
XVI, elas ganharam bastante interesse devido ao clima escatológico de sua
época, onde tais monstruosidades podiam ser vistas como sinais de uma
catástrofe. Portanto, fica fácil perceber a relação entre as monstruosidades
colecionadas na Europa e os monstros encontrados no Novo Mundo, que foram
descritos pelos viajantes e registrados pelos cosmógrafos.

O canibalismo é a negação da civilização e não deveria chocar de forma alguma


a população européia, já que eles consideravam muito moral ou normal
consolidar as mesmas práticas de tortura e morte para com um prisioneiro vivo.
Raminelli (1996), por sua vez, expõe uma visão de que havia por trás da
simples roupagem religiosa e moralista uma questão política muito forte. Para
ele, classificar um povo como demoníaco significa dizer também que ele se
colocava contra os interesses metropolitanos de conquista. Assim sendo,
“Durante o século XVI, a política e a religião mesclaram seus discursos. Os
oponentes políticos recebiam o epíteto de demoníacos.” (RAMINELLI, 1996,
p.133).
230
Na obra O Selvagem e o Novo Mundo (2004) é perceptível que para os
europeus, não só foi encontrado um novo espaço territorial, mas também mais
um domínio do satã muito mais vasto do que poderia ser imaginado. Assim
protestantes e católicos teriam aceitado o ponto de vista de que “com a vinda
de Cristo, Satã teria se refugiado nas Índias, isto é, na América, cujos povos
estavam sob seu domínio e eram seus agentes”. Portanto o que passou a
predominar na América era o combate ao satã, através da eliminação das
crenças e ritos que infestavam o Novo Mundo, que não vinham sendo
encarados como uma forma errônea de religião natural, mas como a presença
ainda que inocente do satã. Como solução, as riquezas que eram oferecidas
aos deuses falsos, representantes do Demônio, deveriam ser entregues ao rei,
sabendo-se que o verdadeiro Deus não aceitaria uma oferenda idólatra.

Hans Staden aborda o tema incluindo uma representação de um ritual


antropofágico Tupinambá que teria presenciado quando era prisioneiro desse
grupo. Nota-se, claramente, analisando a imagem, a expressão de terror e
susto no rosto do europeu frente ao espetáculo canibal, onde mulheres,
homens e crianças saboreiam pedaços de um corpo humano.

Outro aspecto das visões européias acerca dos indígenas e das terras
americanas diz respeito a uma idealização que se verificou de diversas formas.
Caminha observa nos índios traços que decorrem de três atributos principais:
a inocência, a bondade e a alegria, e na carta ele pontua os momentos em que
isso se daria. Caminha vai enfocando os principais atributos do "outro", o
indígena, sempre em confronto com os atributos e/ou as referências do
conquistador português. Aquilo que Caminha vê ou parece ver no corpo do
índio lhe vem como uma "outra realidade", longe de seus referenciais.

De acordo com Chamie (2002), Caminha observa as características físicas dos


índios, e o adjetivo "bom" (de "bons rostos e bons narizes" da descrição do
cronista) é assim avaliado pelo intérprete:

“Pero Vaz fixa atributos corporais do indígena em que o adjetivo 'bom'


predomina. O adjetivo 'bom' qualifica indiscriminadamente formas e volumes, o
que, a rigor, denota uma impressão de conjunto (física, estética e psicológica)
apreciável e favorecida. Um pouco na linha de extração aristotélico-tomista de
que o Bom, o Belo e o Bem são verdadeiros, a impressão de conjunto parece,
no fundo, ser ditada pela naturalidade da nudez sem malícia nem
constrangimento”. (Chamie, 2002, p.30)
Por sua vez, o atributo da bondade, que está na origem do mito do "bom
selvagem", tem também relação com a troca enquanto mecanismo de
conquista. O português, com "reserva e precaução", mas também com
"investidas premeditadas e estratégicas", é bem recebido pelos indígenas (as
"mil boas vontades" a que se refere Caminha).

Quando os europeus aportaram na América, com o exemplo do Brasil, no 231


século XVI e se depararam com o nativo habitante da terra, chamou-lhes
atenção à nudez das índias, que raspavam os pelos púbicos deixando a mostra
os detalhes vaginais, detalhes estes que foram parar na carta de Pero Vaz de
Caminha ao rei Dom Manuel e que constituíram a primeira impressão sexual
que os europeus tiveram desses costumes liberais. De fato, para um grupo de
brancos católicos educados sob a égide da ocultação da nudez, em que o
pecado e a culpa faziam parte de seu imaginário e que ouvia dos padres que o
corpo era o templo do demônio, índias nuas com certeza constituíram objeto de
extrema surpresa. Este fascínio inicial precisava ser justificado e nada melhor
do que a comparação com o Éden e a nudez de Adão e Eva. Como eles,
também os índios eram inocentes em sua nudez.

A composição espetacular de fauna, flora, povo e cultura de uma terra nunca


antes navegada, propiciaram aos navegantes europeus um terreno perfeito para
dar um caráter físico ao que há muito tempo já havia sido procurado e imaginado.
A ideia do Paraíso Edênico perdido em algum lugar do globo terrestre era com a
chegada dos europeus as novas Índias, satisfeita. Concepções correntes
durante a Idade Média que vagavam no imaginário popular se fizeram penetrar
e moldar o espanto com o Novo, com o antes nunca visto, com o outro. A questão
a priori trabalhada por nós, será recuperar, pelo menos, partes desse imaginário
europeu que permitiu idealizar o Novo Mundo como o Paraíso Bíblico.

A conclusão básica a que se pode chegar, a partir de toda nossa análise, é o


fato de que grande parte das interpretações européias sobre a América vinham
de suas idéias correntes acerca do mundo e de sua cultura. Sendo assim, muitos
dos relatos de viagem devem ser analisados com muita atenção, pois são frutos
do imaginário cultural da época acerca do Novo Mundo fazendo com que não se
consiga enxergar a existência autônoma dos povos que lá habitavam.

Referências biográficas

Me. Priscila Borges, historiadora e professora de História. Doutoranda do curso


de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH-UERJ).

Referências Bibliográficas

BAUMANN, T.B. Imagens do ‘outro mundo’: o problema da alteridade na


iconografia cristão ocidental. In: VAINFAS, R. (org) América em tempo de
conquista. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
BRUIT, H. O visível e o invisível na conquista hispânica da América. In:
VAINFAS, R. (org) América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

CHAUNU, Pierre. Coquista e exploração dos novos mundos (século XVI). São
Paulo: Pioneira/EDUSO, Nova Clio, 1984.

______________ . Expansão européia do século XIII ao XV. São Paulo: 232


Pioneira, 1978.

CHAMIE, Mario. Caminhos da Carta: uma leitura antropofágica da Carta de Pero


Vaz de Caminha. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2002.

CORTESÃO, Jamie. A carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro, 1943.

GREENBLATT,Stephen. Possessões Maravilhosas: o deslumbramento do Novo


Mundo. São Paulo: EDUSP, 1996.

LESTRINGANT, Frank. O canibal: grandeza e decadência. Brasília: UNB, 1997.

MEGGERS, B.J. América pré-histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de


Caminha a Vieria. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

REVISTA HISTÓRIA VIVA. Novembro, 2004.

WOORTEMANN, Klass. O selvagem e o Novo Mundo: ameríndios, humanismo


e escatologia. Brasília: Editora da UNB, 2004.
PRÉ-HISTÓRIA CABOFRIENSE E ENSINO DE HISTÓRIA
LOCAL: SAMBAQUIS E CULTURA MATERIAL
Tácio Ferreira Garrido Barbosa
Pré-História em questão: apontamentos historiográficos 233

O estudo da História busca a compreensão do passado através de fontes


documentais, que esmiúçam, de maneira notória retratar o período analisado.
Sendo assim, para que essas fontes sejam rotuladas pelos historiadores, os
mesmos devem, a partir de especializações analisar e interpretar os fatos.
(SANTOS, 2013)

Entretanto os historiadores, com os anos, foram encontrando dificuldades para


encontrar documentos que retratasse de forma clara o que se passou em
determinadas épocas da história. Como por exemplo o surgimento de uma
separação de designações entre a terminologia de história e Pré-História.
(SANTOS, 2013). De forma sucinta, o que designava essa Pré-História?

A Pré-História é determinada como o ciclo anterior ao surgimento da escrita,


essa, que surge pela primeira vez entre os sumérios, a cerca de 3.000 a.C. No
século XIX surgiu o conceito de História como uma ciência voltada para o estudo
do passado a partir dos documentos escritos. Fixando assim, que a História se
faz com documentos escritos. Portanto a invenção da escrita seria o início da
História. (FUNARI, 2002; SANTOS. 2013)

Com o surgimento do movimento positivista de Auguste Comte no século XIX, o


valor do documento oficial como o único meio concreto de explicação da
realidade foi consolidado e perdurou por muito tempo na ciência histórica, que
se queria científica e, para isso, precisava de um método explicativo científico
(FUNARI, 2002, p.12).

Contudo essa visão histórica, trás consigo uma problemática, pois os


documentos históricos são permeados por uma visão única, do que ocorreu.
Totalmente dependente da narrativa e da visão de quem a escreve. Para autores
de inspiração metódica o documento falaria por si só, ou seja, o historiador não
precisaria interpretá-los, porque o papel do historiador era apenas o de repassar
os fatos e o documento seria a única fonte do passado, assim o obtentor da
verdade. (FINLEY, 1989)

Em 1929, com a publicação da Revista Annales, tem o surgimento da Escola dos


Annales que procura produzir um conhecimento histórico com uma maior
variedade de fontes históricas, realizando uma conexão com outros campos de
conhecimento a partir de uma história problema. Assim, o conceito de
interpretação histórica e de modo consequente à noção de documento como
fonte fiel do passado histórico, foi mudada totalmente. Deste modo, grande parte
dos trabalhos desenvolvidos pelos historiadores que se inspiravam nas ideias
dos Annales, renovaram as fontes documentais. Tornando história, não apenas
tudo que fora escrito pelo homem, mas agora tudo o que o homem fez como
produção cultural. (BURKE, 1997)

Com isso, não havia mais aquela perspectiva, de que os documentos eram todos
verdadeiros e inquestionáveis, pois tudo que a humanidade fez e fazia era visto
como fonte de interpretação, para a compreensão da mentalidade humana. 234

Todo esse processo, em que houve uma mudança de visão quanto ao que era
história, proporcionou uma grande transformação e um afloramento de diversas
linhas de estudos da história e métodos historiográficos. (JÚNIOR, 2012)

Depois dessa breve reflexão historiográfica, fica evidente, que nem sempre ouve
uma consideração em valorizar adequadamente as articulações entre a vida
social e a material, pois a historiografia foi durante um tempo inapta em
incorporar as fontes materiais ao seu processo de produção de conhecimento.

Por causa das influências oriundas da escola metódica, em que se optou em


valorizar mais as fontes escritas de todas as espécies, do que a cultura material,
produziu uma dicotomia em que a produção material fica relegada a no máximo
um papel complementar, ilustrativo ou de corroboração. (REDE, 2012)

Segundo o autor Marcelo Rede, existia um pensamento obsoleto, também na


arqueologia, onde a cultura material era vista como, “toda sorte de matéria
processada pelo homem e que lhe podia fornecer informação sobre a evolução
cultural” (REDE, 2012, p. 134). Ou seja, serviria apenas como meio de uma
abordagem evolutiva que fez da narrativa da trajetória das sociedades um
prosseguimento para o surgimento de estágios tecnológicos.

Essa realidade veio mudar por voltas dos anos de 1960, com o surgimento de
um novo grupo, que achava esses pensamentos obsoletos. Pois entendiam que
a equação entre tipologias de objetos e culturas parecia simples e insuficiente.
E tinham a ambição de mudar o sentido do que era arqueologia, não apenas
como uma técnica de obtenção de informação, mas uma verdadeira ciência
social. Grupo esse intitulado como New Archaeology. (REDE, 2012)

É importante exemplificar, que com esse processo uma especial atenção foi
dada aos assuntos que se relacionavam com o meio ambiente e ao papel da
cultura. E é nesse ponto, que queremos chegar, pois a partir dessa perspectiva,
que começaremos analisar aspectos da cidade de Cabo Frio e a Cultura Material
por meio dos sambaquis.

Patrimônio histórico e a história profunda em cabo frio, por meio dos


sambaquis

Cabo Frio, munícipio fluminense, localizado na região dos lagos, destaca-se


como sendo um importante destino para muitos turistas que visitam a região em
busca de suas belezas naturais, de sua história e cultura. O dinamismo da sua
economia, seja por meio do comércio, serviço ou a indústria salineira leva com
que essa cidade tenha destaque entre os municípios vizinhos, apresentando-se
como cidade polo.

Fundada pelos portugueses em 1616, como Vila de Santa Helena de Cabo Frio
era alvo de constantes saques de piratas franceses e holandeses na exploração 235
do pau-brasil, que era de excelente qualidade. O local já era habitado pelos
índios tamoios, que tinham uma aliança com os Portugueses, no qual
procuravam a ajuda deles para a exploração do local.

O processo de tombamento em Cabo Frio, de elementos da cultura, história ou


paisagens naturais, por meio de agências públicas de proteção como o IPHAN
e o INEPAC teve como facilitador, o fato de que a cidade teria sido um polo
econômico com grande valor na época colonial. O que lhe proporcionou uma
diversidade no campo dos bens arquitetônicos e de elementos naturais.

O fato de Cabo Frio ser uma cidade estruturada no período colonial, além de
apresentar um conjunto de bens arquitetônicos e elementos naturais que datam
desse período, contribuiu para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, autarquia federal que responde pela preservação do Patrimônio
Cultural Brasileiro, viesse a tombar, em 1967, seu conjunto paisagístico
composto por monumentos e espaços públicos através do IPHAN. (BARBOSA,
2019, p. 38).

A partir do século XX, a noção de conservação passou a apresentar uma


representação de historicidade ao tratar o patrimônio como um resquício do
passado no presente. Entretanto é importante evidenciar que essas
preocupações são também preservacionistas, pois procuram criar uma ligação
entre o passado e o presente. E assim criar um vínculo entre o indivíduo do
tempo presente e aquele do passado legitimado. (HARTOG, 2013)

Segundo Pollak, a memória é um fenômeno individual, que engloba todos os


indivíduos, só que de maneiras distintas. Pois é relacionada às experiências e
leituras de mundo daquele ser. Além disso, é um processo coletivo e social, em
que as experiências compartilhadas, promovem um intercâmbio de experiências
e uma troca de visões de mundo, entre as diversas narrativas de um mesmo
evento passado.

A priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente


íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia
sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um
fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído
coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.
(POLLAK, 1992, p. 201).

Cabo Frio é conhecido por suas lindas praias, entretanto poucos sabem da
existência do sítio arqueológico Sambaqui e das Dunas, que fica localizado na
Praia do Forte. A praia mais conhecida da cidade e uma das mais conhecidas
da região. O processo de tombamento das dunas, se deu em 08/04/1988.

Filhas da sedimentação marinha e do vento nordeste, essas formações de areia


são únicas no Estado, como ecossistema ímpar, patrimônio botânico e
paisagem, com exceção das áreas militares da Marambaia. Há orquídeas e
filodendros que só alí vicejam, amarradas pela vegetação da restinga ou varridas 236
pelos ventos que as esculpem e as desfazem sem parar. Símbolo de identidade
da região, à imagem da mais famosa entre elas, a Duna-Mãe, conhecida pelo
povo como Dama Branca, é circundada por verdadeiros corredores de dunas, a
ela paralelos, móveis ou já fixadas por vegetação de restinga. O tombamento
resultou de estudo realizado com a Fundação Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente / Feema. (INEPAC, 2019)

Só que antes do sítio dos sambaquis ser estudado e tombado como tal, ele já
fazia parte do tombamento paisagístico, feito nos anos 1950. Pois o tombamento
feito em cabo frio, pelo IPHAN, é um tombamento paisagístico que considera
elementos da paisagem urbana e da paisagem natural. Valendo destacar como
ficou demarcado o tombamento paisagístico de Cabo Frio a partir do processo
0757-T-65:

1 – Como extensão do tombamento do Forte São Mateus, o pênedo sobre o qual


êle se assenta, assim como toda a ponta da praia com raio de 500 metros,
traçado a partir do centro geométrico do Forte. (BARBOSA, 2019, p. 62).

O referido sítio arqueológico, na conhecida Duna da Boa Vista, possui


Sambaquis elevações de areias e conchas (na língua tupi sambaqui, significa
monte de conchas), uma imponente elevação com aproximadamente 20 metros
de altura e cerca de 50 metros de diâmetro.

“Os sambaquis são um tipo de sítio arqueológico pré-histórico frequente ao longo


da costa sudeste brasileira. Construídos entre 7000 a 1000 anos, esses sítios
indicam grupos humanos muito adaptados às condições locais.” (FIGUTI, 1993,
p. 1) E a partir dos estudos desses sítios, se é possível identificar o modo de vida
dessa sociedade pré-histórica.

Dada a relevância dos sambaquis para compreensão de elementos de uma


história indígena pré-portuguesa e a escassez de fontes para o trabalho de
história local em Cabo Frio, propomos a elaboração de uma oficina pedagógica
a respeito dessa temática, como elemento catalisador de um aspecto da história
cabofriense a ser abordada em sala de aula..

Sambaqui da Boa Vista em Cabo Frio: uma proposta de trabalho


pedagógico

Descrição da oficina
A oficina consta de um informe prévio, em que se explicam as circunstâncias do
descobrimento de um conjunto de montes de conchas, pertencentes ao período
quaternário, na localidade de Cabo Frio, nas dunas da Boa Vista.

Dando prosseguimento a oficina teremos 4 pistas, para que os alunos levantem


informações sobre a comunidade sambaqui, com o objetivo de que os alunos
conheçam as sociedades caçadoras, coletoras, do ponto de vista de alguns 237
aspectos históricos.

Propormos ainda que os alunos realizem um estudo de caso a respeito das


práticas pesqueiras efetuadas pelos pescadores artesanais de Cabo Frio, por
meio de uma pesquisa junto a membros da Associação artesanal de pescadores
do bairro da Gamboa, comparando esses saberes tradicionais dessa
comunidade caiçara com as práticas de pesca efetuada por grupos indígenas
sambaquieiros estabelecidos na região da duna da Boa Vista na praia do forte.

Objetivos

A oficina, trará atividades que precisarão pesquisar, investigar e seguir pistas,


sobre o objeto estudado, pois os alunos ao trabalharem com o tema, deverão
compreender que:

Há muitas semelhanças entre o trabalho de um arqueólogo e de um detetive.


Ambos os investigadores buscam provas, para explicas os casos e revelar
descobertas a partir de pistas.
Existem também diferenças significativas entre o trabalho de um detetive e o
trabalho de um arqueólogo. Enquanto o detetive pode utilizar testemunhos, o
arqueólogo só pode tirar suas conclusões a partir de vestígios materiais.
Em ambos os casos, dentro das proporções, ao iniciar uma investigação, os dois
investigadores devem formular hipóteses de trabalho, pensando muito no que
aquela sociedade, ou aquele indivíduo estaria pensando ou vivenciando.
A investigação histórica, necessita de uma interdisciplinaridade. Nesse caso, a
meteorologia, a física, a paleontologia, a antropologia.

Estratégia

A oficina se dará, através de uma breve conversa na qual o professor


apresentará para os alunos algumas perguntas-chave: Como podemos saber a
idade das coisas? Devemos confiar plenamente nas informações dadas pelos
arqueólogos? Frisar que, às vezes, estudar esse passado tão longínquo requer
que se trabalhe como um detetive atentando-se em pequenos detalhes,
relacionar objetos aparentemente sem nenhuma conexão, recorrer a informes
de laboratório.
Na sequência os alunos serão convidados a atuar como arqueólogos e como
historiadores. Divididos em grupos de até 5 alunos, terão que ler o primeiro tópico
da oficina (Sitio do dia: Sambaqui da Duna Boa Vista - Cabo Frio). A partir da
leitura, o professor deve assegurar-se de que entenderam o vocabulário do
texto.
Com os alunos, já iniciados no assunto, começarão a investigação. Utilizando as
pistas, para criar um embasamento, sobre a comunidade sambaquieira e 238
posteriormente compará-la com práticas de atividades pesqueiras artesanais de
nativos das comunidades de pescadores de Cabo Frio a partir de uma pesquisa
de campo na sede da associação pesqueira local, situada no bairro da Gamboa.
Primeira pista são uns artefatos líticos(moedores) provenientes do Sambaqui,
ilha da boa vista, Rio de Janeiro.

A segunda pista é uma página de uma revista científica, sobre o caminho para
as espécies ameaçadas de extinção: a pesca pré-histórica no sudeste do Brasil.
Que traz informações principalmente, sobre a prática da pesca dos grupos
sambaquis na costa atlântica do Brasil. (LOPES, 2016,)

Terceira pista é uma fotografia, no sítio Ilha de Cabo Frio para exemplificar O
movimento eólico, que é um fenômeno que cobre e descobre o sítio
rotineiramente, chegando a transportar pequenos ossos de fauna para dentro do
mar.

Por fim a pista de número quatro, é um texto “SAMBAQUIS: MORADIA DOS


VIVOS E DOS MORTOS”. Que leva a uma desconstrução sobre certas
afirmações, que restringem os sambaquis como apenas um cemitério ou apenas
como um espaço comum de moradia.

Primeiro Tópico da Oficina Sambaqui da duna Preta

“Sambaquis são depósitos antropológicos compostos de moluscos (de origem


marinha, terrestre ou de água salobra), esqueletos de seres pré-históricos, ossos
humanos, conchas e utensílios feitos de pedra ou ossos. Eles registram um
pouco da vida de povos que habitavam as regiões costeiras no passado”
(GEOPARQUE COSTÕES E LAGUNAS, 2017).

Este sítio arqueológico está localizado na praia do Forte e apresenta indícios de


ser acampamento de pesca e coleta de moluscos. Ele faz parte do Patrimônio
Histórico e Cultural e é tombado pelo IPHAN.

Possui sinalização e cercas para evitar sua degradação. No local, encontram-se


espécies de flora endêmica e fauna considerada rara. Atualmente, após a
delimitação da área pelo IPHAN, a Duna Boa Vista, está recuperando toda sua
vegetação original.

Pista 1:
Fonte: Artefatos líticos (moedores) provenientes do Sambaqui Ilha da Boa
Vista- I, Rio de Janeiro. (Em<https://www.researchgate.net/figure/Figura-4-
Artefatos-liticos-moedores-provenientes-do-Sambaqui-Ilha-da-Boa-Vista-I- 239
io_fig2_321981544>. Acesso em: 02 de março de 2020)

Pista 2:

Fonte:
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0154476

Pista 3:

Fonte: Crânio humano exposto por ação eólica no sítio Ilha do Cabo Frio I.
(GASPAR, Maria Dulce. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. Rio de
Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000.)

Pista 4:

SAMBAQUIS: MORADIA DOS VIVOS E DOS MORTOS

Desde o início das pesquisas arqueológicas, e até mesmo antes, com os


cronistas, os sambaquis são vistos como locais de habitação, onde também
ocorreram sepultamentos, ganhando assim um caráter multifuncional. Esta ideia
se baseia no fato de serem encontrados vestígios ligados a atividades rotineiras,
como fogueiras, restos alimentares, 65 artefatos e refugos de lascamento, e
também indícios de rituais, quase sempre caracterizados pelos sepultamentos.
Para compreendermos melhor esta multifuncionalidade, foi investigada na
bibliografia a forma pela qual os sítios foram classificados como habitação e local
de guarda dos mortos: se haveria alguma evidência na cultura material ou se
seria um pressuposto dos pesquisadores, situação esta que se mostrou muito
comum. A seguir, são mostrados os vestígios e/ou as características dos sítios
mais utilizados pelos pesquisadores para estabelecer sua função habitacional.

Conclusão

Podemos concluir, que existe uma discussão historiográfica, que trate das 240
atribuições de valores, sobre o quanto o período da Pré-história é importante
para o entendimento do passado.

Acreditamos, que não há uma grande valorização quanto a esse tema no ensino
de história local em Cabo Frio, por diversos fatores, seja a distância temporal,
que tem esse período, a dificuldade da obtenção de materiais, para o estudo do
período, que em sua maioria vem de uma cooperação multidisciplinar, de
arqueólogos, químicos, geógrafos, antropólogos, historiadores, que escavam o
solo a procura de vestígios daquela sociedade ou até mesmo de produção de
materiais didáticos que possam ligar os estudos de Pré-História com a
historicidade local. Enfim, podemos listar inúmeros problemas e dificuldades
para o estudo desse tão longo, mas ao mesmo tempo tão misterioso período.

Referências biográficas

Tácio Ferreira Garrido Barbosa. Licenciando em História pela Faculdade de


Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
Campus de São Gonçalo. (e-mail: tacio.ferr@hotmail.com). Bolsista no projeto
de Digitalização, Descrição e Indexação do Fundo de Documentos Navais
Custodiados no IHGB. Período: Século XVI a 1825. CETREINA / Departamento
de Bolsas e Estágios – UERJ.

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242
FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS EM
RONDÔNIA: ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE
A EDUCAÇÃO ESPECÍFICA E DIFERENCIADA NA
AMAZÔNIA BRASILEIRA 243

Thássila Derek Serra de Souza


Considerações iniciais

O texto a seguir tem como objetivo elucidar as demandas escolares indígenas


no território amazônico. Usa-se de uma análise histórica para apontar os
obstáculos enfrentados pelas populações indígenas, sendo possível explanar as
ações estratégicas usadas pelos povos originários amazônicos na luta por uma
educação específica e diferenciada. Também, é de interesse desse escrito
informar sobre a importância da formação de professores indígenas na
construção de uma educação democrática que tenha como base a
interculturalidade. Dessa forma, acreditamos que as reflexões a seguir podem
ser importantes para fortalecer o caráter educativo dos processos históricos que
auxiliam na formação de professores para a discussão das relações étnico-
raciais na educação básica. Nesse sentido, entendemos que os aspectos
indicados a seguir podem ser importantes para uma mudança de estratégias de
ensino que tomem os movimentos de professores indígenas como elemento
importante para a evidenciação do protagonismo indígena no âmbito das escolas
da Educação Básica. Assim, iniciamos a partir de breves reflexões sobre a
concepção de educação indígena e educação escolar indígena para
apresentarmos alguns encaminhamentos de uma pesquisa de PIBIC ainda em
curso sobre o lugar dos movimentos sociais voltados para a formação de
professores indígenas e sua importância para o Ensino de História da Educação
no Brasil.

Educação escolar, educação indígena e educação escolar indígena

Quando nos dedicamos a pesquisar a temática da educação escolar voltada para


indígenas, percebemos que ela foi utilizada desde o início da colonização para
legitimar projetos de assimilação e integração de sujeitos e coletivos étnicos ao
longo da história do Brasil. Terezinha Maher (2006) observou que a Educação
Escolar Indígena passou por diferentes etapas antes de se caracterizar por
aquilo que a conhecemos. Em seu artigo Formando Índio como professores:
Uma nova política pública, a autora nos informa sobre os inúmeros processos
pelos quais diferentes povos indígenas passaram, no que se incluem aspectos
de uma educação colonialista e eurocêntrica, especialmente, através de práticas
educacionais missionárias que visavam processos de assimilação através da
catequese. Nas palavras de Luís Felipe Baeta Neves (1978, p. 45), a catequese
foi “um esforço racionalmente feito para conquistar homens; um esforço feito
para acentuar a semelhança e apagar as diferenças”.
De acordo com Clarice Cohn (2005), a educação ocidental é marcada pela
disciplina e obediência. Nela, há calendários escolares bem definidos para um
ciclo inteiro, salas de aula muito bem dispostas de mesas e cadeiras onde os
alunos devem sentar-se, estudar e ouvir o que o professor tem a dizer, e assim,
entendê-lo segundo os moldes pré-estabelecidos. Ainda de acordo com a autora,
é preciso estar atento às características particulares que diferenciam a educação 244
escolar de base ocidental e aquela que se refere à educação escolar indígena.
Para Cohn (2005) a educação indígena está muito mais próxima da realidade
vivenciada por esses coletivos, já que suas matrizes dialogam com o cotidiano
onde se estabelecem e com suas tradições. Nela, o aprendizado da criança
indígena ocorre nas conversas com os mais velhos, ao observar as mãos ágeis
de uma das mães da comunidade fazendo um objeto, na tarde de pescaria, na
brincadeira e convívio com as outras crianças que compõem o seu ciclo social.
Enfim, a educação indígena não é uma coisa só, ela é plural, vasta e não está
condicionada ao método pedagógico desenvolvido dentro dos modelos
ocidentais. Para o professor Gersem José dos Santos Luciano, índio Baniwa da
região do Alto Rio Negro, no Amazonas,

“Educação se define como um conjunto de processos envolvidos na socialização


dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer
sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua
reprodução, perpetuação e/ou mudança. [...] Assim, a educação indígena se
refere aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos
dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos
processos de transmissão e produção dos conhecimentos não-indígenas e
indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos
colonizadores. A educação escolar indígena se refere à escola apropriada pelos
povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para
o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de
contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a
partir do contato com a sociedade global” (LUCIANO, 2006, p. 129).

Além disso, é preciso refletir sobre o modo como sujeitos e coletivos indígenas
têm se articulado em defesa do fortalecimento da escola indígena. Dentre os
diferentes sujeitos envolvidos, os professores indígenas têm demonstrado ser a
ponta de lança de um longo processo de luta pela conformação desta rede
educacional. Nesse sentido, dentre os objetivos deste trabalho consideramos
problematizar a questão da Educação Escolar Indígena, tomando como base os
processos característicos que informam as articulações desenvolvidas por
professores indígenas do Estado de Rondônia, de modo a fortalecer a luta por
um modelo educacional específico e diferenciado que auxilie no reconhecimento
da diversidade e diferença de povos existentes no Brasil. Assim, apresentaremos
algumas reflexões sobre movimentos e formação de professores indígenas em
Rondônia, indicando de que modo tais protagonismos educacionais têm se
desenvolvido na região.

Educação escolar indígena no Brasil e Rondônia


O processo de luta por uma educação escolar indígena de qualidade, que não
pusesse em risco as identidades étnicas e culturais das populações indígenas
que residem e resistem em solo brasileiro, antes mesmo da chegada dos
europeus, em 1500, não foi simples. A Constituição Brasileira de 1988, no
parágrafo segundo do artigo 210, assegura a educação bilíngue para os povos
indígenas. Já a Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional (LDB), em seu 245
artigo 13, menciona sobre a necessidade de se criar projetos pedagógicos
específicos para escolas indígenas.

Segundo Mario Roberto Venere (2010), o projeto pedagógico é o ponto principal


na construção de uma educação de qualidade. Em suas palavras: “O projeto
pedagógico é o cerne da gestão, é o documento que norteia a vida da escola”
(Venere, 2010, p. 74). Como afirmado, é através de planos pedagógicos que a
comunidade escolar indígena irá trabalhar e tratar suas questões. É por meio da
autonomia educacional que as comunidades irão poder transferir para a sala de
aula suas preocupações e demandas. Através da educação escolar é que as
comunidades indígenas poderão reivindicar suas demandas perante a
sociedade não indígena.

O professor é a chave central para que o povo indígena se mova em direção a


uma luta social que vise o atendimento das necessidades das populações
indígenas. É ele quem é chamado a liderar as reuniões da sua aldeia. É ele quem
faz o intermédio em impasses institucionais. O professor ou a professora
indígena é uma peça valiosa dentro da comunidade da qual faz parte.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seu


último censo realizado no ano de 2010, o contingente populacional brasileiro
contava com 817.963 indígenas residentes no território nacional. Já no estado
de Rondônia, conta-se com 10.178 indígenas residentes (IBGE, Censo
Demográfico, 2010). Quando analisamos esses dados percebemos a
necessidade desses coletivos em desenvolver uma educação escolar
intercultural que abranja essa população e auxilie suas lutas em defesa de suas
tradições. Segundo informações do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa, o
INEP, em seu senso mais recente, realizado no ano de 2019, no Brasil, há 3.376
escolas indígenas, sendo 2.154 localizadas na região Norte e 107 no Estado de
Rondônia. No caso deste estado, dentre as características que diferenciam o
que poderíamos denominar de uma Rede de Educação Escolar indígena em
Rondônia em comparativo a outros estados, é que todas as escolas estão
localizadas em perímetro rural e estão sob a responsabilidade administrativa da
Secretaria Estadual de Educação (SEDUC-RO). No estado do Amazonas, por
exemplo, há escolas indígenas localizadas em perímetro urbano. Além disso,
mais de 90% das um mil, cento e trinta e sete escolas indígenas da região são
administradas pelos municípios (Censo Escolar, 2019). Sabendo da importância
de um professor indígena que atue dentro de sua comunidade não só como
agente da educação escolar, mas também como uma liderança política, partimos
para outro ponto: a formação de professores indígenas em cursos superiores
interculturais.
Formação de professores indígenas em Rondônia

Mario Roberto Venere (2010) nos conta que no ano de 1998, no Estado de
Rondônia, o projeto açaí fora estabelecido como curso de formação de
professores indígenas para habilitação em nível médio. Ainda segundo o autor,
o projeto açaí foi o resultado de muitos debates e do reconhecimento da 246
necessidade de protagonismo indígena dentro das escolas presentes nas
comunidades indígenas. A construção do projeto pedagógico contou com a
Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e as lideranças indígenas para
elaborá-lo. Venere (2010) ainda observou que dentre os principais objetivos da
formação de professores indígenas em Rondônia estariam:

“Formar professores indígenas pesquisadores capazes de refletir criticamente


sobre a realidade cultural e linguística de seu povo e as relações construídas nos
contextos interculturais. Formar e habilitar professores para atuar efetivamente
na política de construção da escola indígena, para que possam conduzir,
juntamente com as suas comunidades, seus projetos pedagógicos e de futuro.
Formar educadores capazes de desenvolver pesquisas de relevância para as
comunidades indígenas na perspectiva da sustentabilidade. Estimular o
intercâmbio cultural e a cooperação entre os grupos étnicos de Rondônia.
Proporcionar aos professores indígenas condições para criar métodos e
procedimentos de ensino e de aprendizagem a partir dos etnoconhecimentos,
mas também da realidade social vivida na interação com o não-índio. Formar
professores alfabetizadores, capazes de desenvolver ensino bilíngue/plurilíngue.
Contribuir para a efetivação do projeto de autonomia da escola indígena e
respectivas comunidades, a partir da construção do currículo e da proposta
pedagógica para as suas escolas centrada na valorização da cultura em todas
as dimensões. Produzir material didático específico para cada povo participante
do Programa de Formação do Magistério Indígena” (PROJETO AÇAÍ, 2004,
p.13).

O Projeto Açaí foi uma estratégia de caráter educacional voltado para os povos
indígenas, tendo grande importância, especialmente, por sua realização em
território rondoniense, pois respeita os pontos chaves para se realizar uma
educação escolar, bilíngue e diferenciada na região. Além disso, foi um projeto
inovador, pois nunca antes houveram propostas que contassem com uma
educação específica voltada a formar professores indígenas colocando-os à luz
de um protagonismo educacional escolarizado. Tal iniciativa representa um
importante marco no fortalecimento da educação escolar indígena em Rondônia,
na medida em que auxilia no fortalecimento da formação de professores
indígenas, assegurando um ensino de base intercultural e favorecendo a defesa
da autonomia educacional dos povos indígenas (VENERE, 2010).

Podemos perceber assim a construção de um curso intercultural preocupado em


manter as identidades culturais e políticas das populações indígenas
rondonienses, pautadas e firmadas em bases institucionais que asseguram os
direitos dos povos indígenas. Além disso, iniciativas como esta devem ser
entendidas como desdobramento de um conjunto de articulações de caráter
político e social, desenvolvidas por sujeitos e coletivos indígenas na luta por
direitos, a qual tomou forma a partir da segunda metade do século XX e ainda
em curso da atualidade (FERNANDES, 2018).

Desafios da formação de professores indígenas


247
Por outro lado, o problema na trajetória de formação de professores indígenas
não é a falta de uma Constituição que assegure essa educação diferenciada.
Luís Roberto de Paula expõe bem a falácia da desigualdade social entre jovens
indígenas que anseiam inserir-se em um curso de nível superior. A começar pelo
processo de inscrição para realizar a prova de admissão nas universidades, que
em sua maioria é feita de forma online, desprivilegiam os candidatos que não
tem acesso a uma internet de qualidade. Também, há o erro de logística para a
realização das provas, o quê, influencia muito durante o processo, pois os
candidatos das áreas rurais obtêm dificuldades para chegar ao local da prova.
Nas palavras do autor:

“O vestibular indígena necessita de uma logística de divulgação/comunicação


intensa, organizada pela instituição que abriga a experiência de ensino superior,
para alcançar o resultado esperado. [...] O público-alvo dessa política se
encontra, em muitos casos, em terras indígenas situadas em regiões de difícil
acesso às redes de informação. Há candidatos que, uma vez avisados da
abertura do edital para o processo seletivo, perdem a possibilidade de inscrição
por falta de acesso à internet: muitas instituições, de uma maneira um tanto
incompreensível, não permitem que a inscrição seja efetuada por outras vias.”
(PAULA, 2013. p. 5).

Podemos constatar, então, que as dificuldades a serem superadas por um


indivíduo indígena que deseja realizar o vestibular e se formar em um curso
superior são imensas e que elas se iniciam desde as dificuldades da formação
inicial e as formas de ingresso nas universidades, as quais, pouco levam em
consideração as especificidades dos povos indígenas. Além disso, após
ingressar em uma universidade, sujeitos indígenas passam a enfrentar outros
desafios, especialmente ligados às suas permanências neste espaço e seus
sucessos na conclusão dos cursos, pois nem sempre a universidade se abre
para a inserção dos conhecimentos trazidos por esses indígenas que nela se
inserem em cifras cada vez mais crescentes.

Por outro lado, conforme indicado por Fernandes (2020), o acesso de indígenas
no ambiente universitário deve ser entendido como uma estratégia de interação
com a comunidade envolvente e que tal fenômeno se constitui como importante
estratégia para o fortalecimento dos movimentos indígenas. Ademais,
ressalvada qualquer dificuldade, o aluno que adentra a um curso de nível
superior geralmente conta com o apoio de sua comunidade para que se
mantenha no curso. Edneia Aparecida Isidoro, por exemplo, fala que é muito
importante para a comunidade indígena ter seus filhos estudando em uma
universidade, que sempre quando há reuniões eles são convocados para
administrá-las, percebemos assim o valor que a formação superior tem para as
comunidades indígenas. Em suas palavras, Isidoro nos diz:

“Hoje que nós passamos pelo curso de licenciatura em Educação Básica


Intercultural na UNIR Campus de Ji-Paraná que a gente vê o quanto nós temos
valor, e que a escola pode formar pessoas com vários pensamentos e fazer uma
nova descoberta dentro de nossa cultura e da cultura envolvente [...]. Se não 248
tivéssemos participado da formação dos professores indígena, primeiro no
projeto Açaí e agora na Universidade, que é o intercultural, nós não tínhamos
descoberto esse valor que temos hoje. Estamos lutando a cada dia para que isso
fique vivo”.

Outro relato importante é de José Roberto Jabuti, publicado no artigo Formação


de professores indígenas- contribuições para o fortalecimento das línguas e
culturas indígenas do estado de Rondônia, escrito por Edneia Aparecida Isidoro,
que menciona sobre a importância da formação superior para o indivíduo
indígena. Nas palavras de Jabuti,

“Quando se fala de língua e cultura na colocação digo que a formação fez com
que a gente perdesse a vergonha de falar a língua do nosso povo. Então língua
e cultura são coisa do nosso povo da qual fazemos parte, então o que a formação
trouxe foi a coragem ela nos colocou coragem de a gente ter força e falar a nossa
língua e viver nossa cultura, o modo de ser desse povo, depois da formação
trouxe essa outra visão, para nós’’ (Professor indígena, José Roberto Jabuti apud
ISIDORO, 2020)

Considerações pontuais

Como podemos perceber, a formação de professores indígenas em cursos de


nível superior, não é algo obsoleto ou de caráter regular. A capacitação de
educadores indígenas não é uma mera formalidade e extensão dos
conhecimentos científicos ocidentais. Formar professores indígenas é mais que
formar um educador, é formar lideranças políticas fortes. Para a comunidade ter
um de seus membros em um curso de nível superior, significa mais uma
conquista na luta contra um sistema social desigual e opressor em relação aos
povos indígenas.

É incrível enxergamos o quanto as comunidades indígenas se reinventaram e


ressignificaram a educação escolar, passando a utilizá-la em seus próprios
termos e sentidos. Apropriaram-se de um sistema que foi utilizado ao longo da
história brasileira para excluí-los, subjugá-los e aliená-los culturalmente e o
transformaram em espaço de protagonismo e luta pela defesa de suas
demandas mais elementares. Diferente do que se pensava em relação aos
povos indígenas, a partir da segunda metade do século XX, muitos desses povos
passaram a se apropriar de mecanismos dos não indígenas e a se utilizar deles
em benefício de suas coletividades.
Além disso, agiram de modo diferente da crença comum de que ter contato com
o mundo dos “brancos”, fosse através de um curso superior, ou pela convivência
com o não indígena, faria com que o indivíduo indígena deixasse de ter suas
características sociais que os tornam únicos em seus modo de ser e de agir.
Porém, se apropriaram da instituição escolar e lhe atribuíram novos significados,
valorizando suas diferenças e suas diversidades. Também modificaram a
perspectiva individualista com base na qual a escola ocidental opera. Mesmo 249
porque, ela deveria se adequar as formas de vida tradicionais das comunidades
étnicas. Pois conforme indicado por Eduardo Viveiros de Castro (2006, p. 6), “há
indivíduos indígenas, porque eles são membros da comunidade indígena”.
Nesse caso, nada mais protagonista do que vivenciar as escolas tomando como
base o sentido da coletividade.

Referências biográficas

Thássila Derek Serra de Souza, graduanda do Curso de Licenciatura em História


pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente é bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Pesquisa Científica (PIBIC/UNIR
2020-21), desenvolvendo suas pesquisas relacionadas ao Plano de Trabalho
intitulado Movimentos Indígenas e Formação de Professores em Rondônia:
aspectos educacionais pela valorização das identidades étnicas.

Orientação: A presente pesquisa contou com a orientação do Professor Mestre


Fernando Roque Fernandes, docente do Departamento Acadêmico de História
da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) como parte das atividades
desenvolvidas ao longo do Projeto de Pesquisa intitulado Formação de
Professores e Educação Escolar Indígena em Rondônia: representações de um
processo histórico em curso na Amazônia Brasileira (PVN135-2020).

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“The Lovers,” by the Norwegian artist Pobel, in Bryne, Norway.Credit.

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