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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Editorial
EDITORES
Prof. André Bueno [UERJ]
Prof. Dulceli Tonet Estacheski [UFMS]
Prof. Everton Crema [UNESPAR]
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Carla Fernanda da Silva [UFPR]
Prof. Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS]
Prof. Gustavo Durão [UFRRJ]
Prof. José Maria Neto [UPE]
Prof. Leandro Hecko [UFMS]
Prof. Luis Filipe Bantim [UFRJ]
Prof. Maria Elizabeth Bueno de Godoy [UEAP]
Prof. Maytê R. Vieira [UFPR]
Prof. Nathália Junqueira [UFMS]
Prof. Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER]
Prof. Thiago Zardini [Saberes]
Prof. Vanessa Cristina Chucailo [UNIRIO]
Prof. Washington Santos Nascimento [UERJ]
COMISSÃO EDITORIAL
Prof. Aristides Leo Pardo [UNESPAR]
Prof. Caroline Antunes Martins Alamino [UFSC]
Prof. Jefferson Lima [UDESC]
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Sumário
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Introdução
No ano de 2022, o Projeto Orientalismo começou com a mentoria do professor André
Bueno. Entre os alunos, estava eu, uma aluna de bacharelado de Arqueologia, que
ansiava por novos conhecimentos sobre o Oriente, mas que pouco sabia sobre o que é
a prodocência ou como compartilhar conhecimentos com outros seres humanos tão
empolgados por conhecimento quanto.
Neste artigo, muito mais pessoal, irei relatar minha experiência em um projeto de
prodocência do Projeto Orientalismo e como o confucionismo e a busca pelo dào
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Esta busca pelo Dào acabou não sendo apenas um fascínio dos tantos personagens
históricos que apareciam nos materiais que lia e precisava produzir, mas tornou-se,
também, uma atração minha. Eu acabei ficando tão atraída pela ideia de Dào quanto
Confúcio, Mozi ou Laozi. Portanto, o que é o Dào? Qual o caminho que eu quero
trilhar, tanto como futura arqueóloga e professora, quanto como pessoa? Qual era o
meu Dào? Eram estas as perguntas que viam e acredito que durante o projeto eu
consegui responder algumas.
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O Mestre disse: “Nunca me neguei a ensinar quem quer que fosse, mesmo que
fosse o mais pobre com apenas um pedaço de carne na mão”. [Era costume
oferecer presentes aos professores, e não raro, pagar pelos estudos. Confúcio,
porém, ensinava gratuitamente a quem quisesse aprender, transformando a
questão em mera formalidade.] (BUENO, 2013, p. 47)
Claro, fiquei fascinada com toda a variedade cultural no Oriente, mais especificamente
na China. Eu conheci o professor André justamente para adquirir mais conhecimento
sobre China, mas tudo ficou ainda mais espetacular conforme ia aprendendo sua
história e contos pretéritos. Acontecimentos que, antes, em uma visão mais simplista
estavam bem estabelecidos mas que, conforme ia lendo, novas perspectivas iam
aparecendo. Um exemplo disto é a Batalha de Talas que, na visão ocidental, os Tang
teriam perdido, mas a verdade é justamente o contrário. A Dinastia Tang saiu mais
vitoriosa que seus adversários vindos do Oeste, como podemos ver no livro A Arte da
Guerra Chinesa – Uma História de Estratégia na China de Sunzi a Mao Zedong, André
Bueno:
Outro ponto importante, foi exercitar a visão de mundo do outro para entende-lo.
Como uma futura arqueóloga, não posso interpretar os achados pelo meu olhar, mas
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pelo entender do povo estudado em questão. Os chineses são de uma cultura milenar
extremamente diferente da nossa e, portanto, quando tentava entende-los eu
exercitava uma “troca de visão de mundo”. Tentava observa-los pela ótica de um
chinês e não com o olhar de uma brasileira. É um exercício difícil, mas muito
interessante de se pratica, principalmente se procura uma análise não enviesada.
Algo muito emblemático nos estudos sobre pensamento chinês é a busca de uma
harmonia universal. De fato, não existe avanço social em períodos de instabilidade
política e, portanto, em tempos difíceis, devemos sempre buscar a harmonia. Parte
desta busca que guiava os pensadores e estudantes das Cem Escolas de Pensamento.
Aquilo que o céu outorgou se chama Natureza. A harmonia com essa natureza
chama-se Caminho do Dever. A ordenação desse caminho chama-se Instrução.
Nem por um instante se pode abandonar o caminho. Se pudesse ser
abandonado, não seria o caminho. A esse respeito, o homem superior, para ser
prudente, não espera até ver as coisas; nem para ser apreensivo espera até
ouvir as coisas. Nada há mais visível do que o secreto. Nada mais manifesto do
que o minúsculo. Portanto, o homem superior cuida de si mesmo quando está
sozinho. Quando não há agitações de prazer, de cólera, de pesar ou de alegria,
pode-se dizer que a mente se encontra em estado de Equilíbrio. Quando esses
sentimentos se agitam e atuam em seu devido grau, produz-se o que se pode
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Portanto, a buscar pelo Dào também deve se concentrar na busca pelo equilíbrio e
pela harmonia, principalmente em tempos de cólera e desarmonia.
Considerações finais
Durante minha jornada no Projeto Orientalismo, pode descobrir mais sobre que tipo
de pessoa eu quero ser, principalmente quando se trata de ética científica e
acadêmica.
E, principalmente, a busca para tentar melhorar o mundo em que vivemos. Não existe
harmonia quando não buscamos o equilíbrio, ainda mais em tempos de cólera, como o
que vivemos.
Referências
Vittória Belizário é graduanda em Arqueologia pela UERJ.
___________ . Confúcio – As Lições do Mestre – 1° ed. São Paulo, Jardim dos Livros,
2013.
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Resumo
O presente artigo pretende expor e relatar aspectos da minha experiência enquanto
bolsista dentro do projeto Orientalismo Prodocência da UERJ. Não se pretende apenas
descrever os resultados cultivados e postados no site, mas colocá-los em perspectiva
ao demonstrar as potencialidades para a área do ensino de História que seus
resultados até então produzidos. Para isso, mobilizamos certo arcabouço teórico
através das discussões em Didática da História para demonstrar as possibilidades do
material produzido sobre história asiática. Pretende-se especialmente explorar as
potencialidades para o processo formativo discente, mais especificamente no que
tange à necessidade interventiva na complexa disputa sobre a formação da consciência
histórica, buscando a promoção de identidades razoáveis e humanistas quanto à
consideração do Outro chinês na história.
Palavras chave: Ensino de História; China antiga; Didática da história.
Abstract
This article intends to expose and report aspects of my experience as a scholar within
the Orientalismo-Prodocência project. It is not intended not only to describe the
results cultivated and posted on the site, but to analyze them by demonstrating the
potential for the area of teaching History that its results have produced so far. For this,
we mobilized a certain theoretical framework through discussions in History didatics to
demonstrate the possibilities of the material produced on Asian history. It specially
intends to explore the potentialities for the students' formative process, more
specifically with regard to the need for intervention in the complex dispute over the
formation of historical consciousness, seeking the promotion of reasonable and
humanist identities regarding the consideration of the chinese Other in history.
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Introdução
O projeto Orientalismo Prodocência Da UERJ se institui como um projeto de
construção e inserção de bolsistas acadêmicos na pesquisa sobre a História do Extremo
Oriente, com mais ênfase em China e Índia antigas, visando o objetivo terminal de
converter essa pesquisa numa produção de material didático sobre a temática. Esta
produção intelectual dos integrantes derivadas das atividades e tarefas direcionadas
pelo coordenador do projeto em reuniões ou orientações virtuais é direcionada para
postagem em um espaço virtual confeccionado para este fim. A meta principal é
disponibilizar de forma ampla um material de apoio teórico para professores, alunos
ou mesmo quaisquer curiosos acerca da história asiática.
O projeto, coordenado pelo professor doutor André Bueno, além do autor deste
artigo, tem outros três participantes bolsistas, devidamente escolhidos num processo
de seleção no ano de 2022. No entanto, antes de mais nada, vale realizar um processo
descritivo dos materiais produzidos. Propomos uma tipificação da minha produção que
aqui se resume em: 1) material de preparação: 1.1) resumos de capítulos e partes do
livro-base; e 2) material didático acabado: 2.1) produções textuais - dividido em: 2.1.1)
resumos temáticos; 2.1.2) resenhas sobre produções audio-visuais; 2.1.3) dicionário de
orientalistas brasileiros. Outro subgrupo é o 2.2) conjunto de slides temático.
Falaremos mais especificamente das produções individuais dentro das classificações ao
longo do artigo.
A produção didática até aqui realizada foi construída no esteio de uma pesquisa com
inúmeras fontes. No entanto, a referência que serviu de base direta ou indiretamente
para todas as publicações, é o primeiro volume da série de livros "Extremo Oriente na
Antiguidade", cuja leitura foi a primeira tarefa estabelecida pelo orientador do projeto.
Somado a isso, a produção de resumos sobre determinadas partes do livro foi uma
requisição constante. Visava-se ali criar um exercício de fixação e organização de
informações sobre história do extremo oriente que serviriam como uma base
fundamental para outras atividades à medida que o trabalho científico fosse
avançando. Em relação às outras fontes, ressalta-se uma predominância da pesquisa
em meio digital. Um detalhe importante é que nem todo objeto de pesquisa pôde ser
facilmente trabalhado a partir de endereços digitais vinculados a instituições
educacionais ou científicas consolidadas. No entanto, conforme requisitado no projeto,
referências que foram colocadas ao final das publicações tiveram sua aprovação
imprescindivelmente sujeita à análise do orientador.
Conforme indicado no site do projeto, os materiais produzidos pelo autor deste artigo,
juntamente aos de seus demais colegas, podem ser acessados e baixados por meio da
seção “materiais didáticos”, que se localiza no site "Projeto Orientalismo Prodocência
da UERJ". A única exceção é o dicionário dos orientalistas, que se encontra em outro
site preparado só para sua alocação, mas que também não se furta de ser um material
fundamentalmente voltado ao caráter didático. Tendo em vista a intenção dos
resultados do projeto, não se pretende perder no horizonte essa constatação para
fazer o balanço da minha experiência como produtor do projeto. Considerou-se, desde
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A discussão histórico-didática
Este artigo prepara a exposição da minha experiência no projeto numa forma de
análise que exiba as reflexões sobre suas potencialidades dos resultados como
elementos formadores da cultura histórica discente. Para se discutir essas
potencialidades, usaremos um caminho metodológico, a saber, do campo
teórico/disciplinar da Didática da História. A própria definição elucidada por Cerri
sobre o campo nos permitirá justificar esse uso:
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Como dito, o projeto tem sua meta voltada à estimulação ao ensino de História
asiática. No entanto, levando em conta que, até então, nosso projeto esteve focado na
temática da China antiga, focaremos na estimulação da História da antiguidade
Chinesa. É aproveitável o fato de que, dentre os preconceitos contra povos asiáticos,
parece ser a sinofobia aquela que tem estado em alta nos discursos e mentalidades no
Brasil. Dessa forma, por questões atuais que refletem o grau intenso de sinofobia, esta
modalidade de ensino histórico, dimensionada no nosso país, atualmente, onde falar
de China é um exercício envolto por perniciosidades, desafios e obscuridades, nos
suscita um terreno particularmente mais propício para se trabalhar os problemas de
alteridade e utopia tão caros à formação da consciência histórica discente e da
identidade razoável.
Falamos de uma nação cuja distância geográfica não pode ser lida como uma razão
única e suficiente para explicar a dificuldade de determinada compreensão e empatia
no Brasil com o Outro chinês. Pelo menos, levando em conta que a "modernização
tende a colocar rapidamente em convívio multicultural as diferentes comunidades"
(CERRI, 2010, p. 276), incluindo a nível virtual do compartilhamento de informações e
conhecimento, parece que se destacam outros fatores para a motivação dos
distanciamentos, como questões políticas e ideológicas. Não se pode esquecer o fato
de que a China, como um polo emergente da geopolítica global no plano econômico,
gera incômodo à unipolaridade estadunidense (INSTITUTO..., 2021).
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A busca pelo material que constituiria esse dicionário virtual foi fruto da primeira
tarefa passada aos bolsistas. Para cada estudante, foram dados cinco nomes de
orientalistas naturais do nosso país para que cada um fizesse uma pesquisa sobre vida
e obra do conjunto dos nomes de que cada um ficou encarregado. Com base nas
fontes pesquisadas, o bolsista deveria fazer uma síntese das informações achadas que
formariam cada verbete.
Vale indicar que este material didático constitui uma exceção dentro do escopo
definido de conteúdo que foi produzido no projeto até aqui, a saber, a história da
China antiga, tendo sido o único material a fazer uma referência mais ampla da história
e cultura asiática, dado o fato de que os cinco nomes pesquisados eram tributários de
áreas diferentes do conhecimento asiático - um requisito comum a todos os conjuntos
que os bolsistas trabalharam. Dito isso, importa que aqui se apresente os nomes que
foram objetivos de minha pesquisa: Emanuel Bouzon, estudioso de Oriente Próximo;
Hermógenes, um orientalista (no sentido mais orgânico); Huberto Rohden, estudioso
de Índia; Ignácio Raposo, estudioso de China; e José Yamashiro, estudioso de Japão.
Na esteira do exercício de discutir o potencial dessa obra como vetor dos estudos
históricos asiáticos para o ensino de História abalizado pelos termos histórico-didáticos
que apontamos, falemos da especificidade da produção de um dicionário como este.
Em relação ao conjunto dos outros materiais, há uma diferenciação do papel que
podem cumprir. Estes outros materiais, formados enquanto resumos ou sínteses, que
já abordam temáticas, conteúdos e obras que remetem à história da China antiga, eles
podem ser utilizados como meios facilitadores de compreensão e contato com
assuntos e episódios históricos, o que abre certos caminhos potenciais para a
intervenção na consciência histórica de outras formas que serão tratadas
posteriormente.
O dicionário, pelo menos nos verbetes dos autores citados acima, assume um papel
diferente, relacionado ao seu caráter mais biográfico, e engendra potencialidades
outras. Elas podem ser extraídas dentro da proposta de uma apresentação dos autores
e os nomes de suas principais obras que facilite o acesso ao conhecimento sobre a
área dos estudos asiáticos. Facilitar digitalmente o mero reconhecimento da existência
de indivíduos que focalizaram os estudos orientais e produziram obras na nossa língua
já é uma potencialidade primária a ser reconhecida pelo professor de história nos
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Essa eurocentrização diz respeito ao pensamento que a área não tem importância em
si, ou a ideia de que nunca mereceu dedicação suficiente de autores ou pesquisadores
no Brasil - e uma corroboração inconsciente e não questionadora dessa realidade, que
se sustenta pela ideia comum de que seria uma história de uma “cultura muito
distante da nossa”, com o Outro asiático distanciado, inferiorizado, vilanizado, ou da
ideia de que não é mesmo uma história possível, ideias contra as quais o material pode
ser a porta de entrada de uma oposição frontal por seu ineditismo.
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classificada pelos Han), e sim como uma corrente mais orgânica de pensadores que
foram cultivando ao longo do tempo uma base em comum de ideias (PINES, 2014). De
acordo com Bueno (2012, p. 130), essa base “representa a ascensão de uma razão de
governo pragmática, dura e violenta. Ela não se dispõe a retornar ao passado ideal,
mas a criar um governo forte e centralizador em torno dos príncipes.” O material
construído em torno do tema tem o objetivo de ser um resumo sobre a exposição de
alguns marcos deste pensamento na antiguidade chinesa, e somado a isso, fragmentos
de seus principais autores, e um conjunto de perguntas didáticas. Vale dizer que este
formato está relacionado à uma tarefa do projeto que requisitou a produção de
documentos nestes parâmetros.
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de ser uma linguagem mais atrativa e apelativa para o senso de urgência dos jovens, o
que define culturas históricas muito facilmente formadas de influências de
representações e raciocínios históricos vindos dessas produções. Isso está atrelado à
tendência de quase todos crescerem “numa espécie de presente contínuo, sem
qualquer relação orgânica com o passado da época em que vivem” (HOBSBAWN, 1995,
p. 13 apud CERRI, 2010. p. 272). Se o ensino que usa este material pretende fazê-lo ir
além dessa perspectiva, deve, primeiramente, levar em conta que isso é uma
característica que terá de ser uma porta de entrada naquela subjetividade identitária.
Dito isso, o material proposto, centrado em fazer um resumo da obra, procura facilitar
o conhecimento do aluno em relação à existência de produções que abordem a China
antiga e seus produtos culturais no passado e no presente, e que contextualizam essas
produções com a sua inspiração histórica real. Quanto ao filme Vingança Branca, filme
com ambientação histórica, a saber, a trajetória de Liu Bang e Xiang Yu na transição
entre a derrocada da dinastia Qin e da origem da dinastia Han, primeiramente, parece
uma proposta incentivadora trazer o conhecimento sobre uma produção
cinematográfica propriamente chinesa como esta. Se o combate às visões
eurocêntricas é central na formação de identidades razoáveis, abre-se um caminho
quando apresentamos uma obra que demonstra que existe cinema sendo produzido
em quantidade e qualidade fora do circuito estadunidense. Este é um filme que tem
outra característica bem potencial em relação a facilitar a atenção do jovem brasileiro,
tendencialmente mais acostumado ao formato estadunidense de cinema, que é o
apelo de uma narrativa construída nos moldes de um filme que apresenta múltiplas
cenas de intensa ação e luta.
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Por último, resta a análise do único material de conjunto de slides temáticos, que é
aquele referente à seda chinesa. Este material foi produzido no formato de
apresentação de referências textuais e visuais sobre as origens históricas da seda, seus
usos, sua difusão, sua forma de produção e os marcos históricos relacionados a ela -
como a conhecida Rota da Seda. Dos pontos a explorar, vale o fato, apresentado de
que a seda é um elemento simbólico da relevância histórica da China para o mundo.
Faz parte de um conjunto extraordinário das muitas descobertas chinesas no mundo
antigo, tal como a pólvora, os fogos de artifício e a bússola. Esse tipo de reforço é
positivo num sentido de poder operar uma base possível para o exercício de outra
visão sobre a contribuição da civilização chinesa para o mundo, o que engendra o
respeito à capacidade de outras sociedades e suas identidades.
A seda foi um material que, conforme constatado pela própria produção do projeto, se
disseminou para muito além da China, chegando, inclusive, a impressionar as mais
altas elites do Império Romano pelo brilho e a beleza do material. A seda, como
exemplo da capacidade chinesa histórica de abrir pontes e difundir os seus produtos
técnicos e culturais pode abrir margem para outro exercício didático, que é estimular o
aluno a atestar tal capacidade no mundo contemporâneo, ou seja, perceber essas
pontes no presente. Seja a profusão recente de smartphones e gadgets eletrônicos,
como a marca Xiaomi, seja o sucesso de aplicativos, como o TikTok, esses fenômenos e
suas consequências na vida prática dos alunos, principalmente os mais jovens, e
podem ser pontos de atração numa aula que queira conectar a influência grandiosa
tanto da China antiga quanto da China contemporânea na vida dos não-chineses.
Conclusão
Colocando em perspectiva todos os materiais didáticos produzidos pelo autor deste
trabalho, na noção de trabalho didático da história, concluímos reafirmando que
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Referências
Victor Correia é graduando em História da UERJ.
BUENO, André da Silva. ‘TeoMet’ in BUENO, André [org.]. Orientalistas Brasileiros. Rio
de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ, 2022. Disponível em:
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CERRI, Luis Fernando. Didática da História: uma leitura teórica sobre a História na
prática. Revista de História Regional. Ponta Grossa, 2010, p. 264-278.
CERRI, Luis Fernando. Um lugar na História para a Didática da História. História &
Ensino, Londrina, v. 23, n. 1, 2017, p. 11-30.
CHINA ampliou liderança comercial na América Latina durante governo Biden. CNN
Brasil, São Paulo, 08 jun. 2022. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/business/china-ampliou-lideranca-comercial-na-
america-latina-durante-governo-biden/>. Acesso em: 05 fev. 2023.
PINES, Yuri, ‘Legalism in Chinese Philosophy’ in ZALTA, Edward N. [org.]. The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (Winter 2018 Edition). Palo Alto: Stanford University,
2014. Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/win2018/entries/chinese-
legalism/>. Acesso em: 04 fev. 2023.
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Resumo
Este artigo tem por breve intenção explicar os caminhos da prodocência, a visão
histórica eurocêntrica e como as pesquisas nos projetos de prodocência podem abrir
diversos caminhos distantes do eurocentrismo na área da história, trazendo a tona
processos históricos vividos por países não europeus.
Palavras-chave: Prodocência; História; Eurocentrismo
Abstract
This article briefly intends to explain the paths of prodocency, the Eurocentric
historical view and how researchs in prodocency projects can open different paths
away from Eurocentrism in the area of history, bringing to light historical processes
experienced by non-European countries.
Keywords: Prodocency; History; Eurocentrism.
Introdução
Apesar de já haver discussões sobre como o eurocentrismo é hegemônico na História e
que trazer a tona a epistemologia de outras regiões que contribuíram para o que
chamamos de História hoje, ainda há a perpetuação do “herói branco e europeu” que
pensou e agiu diferente das civilizações não europeias “ultrapassadas”. Pouco se sabe
que civilizações, como as Pré-colombianas, Egípcias, Árabes e Chinesas, desenvolveram
teorias, filosofias, técnicas de agriculturas, estrutura social, dentre outros e mesmo
assim, toda a glória ficou para os europeus. Por isso, este artigo abordará como
podemos trazer de volta às salas de aula os diversos protagonistas da História
utilizando os projetos de pesquisa da Prodocência.
Antes de irmos direto ao ponto, cabe destacar, de forma breve, o que significa a
Prodocência. O MEC (2018) define que:
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Outro caso a ser citado é o fato do europeu ser o precursor da forma de pensar e
historicizar. A Filosofia veio da Grécia, as navegações de Espanha e Portugal e se
perguntarmos um fato muito importante na História, há grande probabilidade de
ouvirmos sobre a Revolução Francesa. Mas aonde está as outras nações na História?
Será que ao longo de vários séculos nenhuma dessas nações foram precursores de
algo? A resposta é sim, mas foram eclipsados pela Europa. A Grécia teve seu despertar
filosófico por volta do século VI a. C, em qualquer escola de ensino básico é ensinado
isso e na academia ainda perdura-se a imponência da filosofia grega. Mas e os
Upanishads (1000 – 500 a. C) da Índia, As Máximas de Ptahhotep (2375 – 2350 a. C) do
Egito, As Cem Escolas de Pensamento (Séc. 6 – 221 a. C), sobre os pensadores das
civilizações Pré-colombianas e o que sabemos de nossa história antes de sermos
invadidos por Portugal? E as navegações Fenícias? E sobre outras centenas de
revoluções que ocorreram ao redor do mundo e que hoje não são lembradas?
Continuar introduzindo apenas a História vista pelos colonizadores não criará alunos e
futuros professores com senso crítico, perpetuando o apagamento da História do
Outro.
Alguns dos projetos de Prodocência t~em como intuito inserir o aluno no outro lado da
História, mostrando sobre seu povo, sua cultura e seus feitos que por muitas das vezes
há acontecimentos semelhantes aos ocorridos na Europa, mas que aconteceu num
período anterior e que o europeu só chegaria nesse patamar na Modernidade. Um
caso a ser citado é sobre o que vimos no Projeto Orientalismo – UERJ, liderado pelo
Prof. André Bueno, no qual participo. Na primeira parte do projeto, focamos em
pesquisar sobre a China Antiga e há um caso importante sobre dois pensadores
confucionistas: Mengzi, ou Mêncio (– 370 a. C – 289 a. C) e Xunzi (– 312 a. C – 230 a.
C). Mengzi acreditava que o ser humano era bom e puro e a que a falta de educação
poderia afastá-lo dessa bondade; já para Xunzi, a natureza humana era má e a boa
educação trazia para o bom caminho (BUENO, 2012), Já vimos isso na escola e na
academia, porém com os pensadores Rousseau (1712 – 1778) e Hobbes (1588 – 1679)
que desenvolveram ideias semelhantes cerca de 2000 anos depois. Poderíamos
estudar e ensinar sobre os filósofos chineses que foram precursores de pensamentos
que apareceriam na Europa milênios mais tarde, não apagaríamos os pensadores
europeus, porém também introduziríamos outros de diferentes nações que também
pensaram, para afastarmos a ideia de que as outras civilizações não desenvolvem
culturas, ou se desenvolvem, são antiquadas.
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Considerações Finais
Como já falado no texto, a Prodocência pode ser utilizada como ferramenta de
pesquisa para abrirmos a fronteira eurocêntrica que a academia ainda se encontra
presa. Trazer à tona as diversas culturas e histórias de diferentes civilizações é
necessária para a continuação da construção de uma História descolonizada e que a
partir disso possamos criar pensadores com visão crítica ao protagonismo Europeu. É
importante entendermos também, que com a pesquisa encontraremos aspectos
positivos e negativos dos outros povos, mas que nem por isso eles devem ser
desprezados do ensino, pois a Europa já foi cenário de tantos acontecimentos
lamentáveis, isso não seria diferente em outros povos que passaram por conflitos,
censuras, revoluções e outros demais processos, mas que no meio disso tudo, também
historicizaram e contribuíram muitíssimo para a História mundial. Nosso dever, como
historiadores e pesquisadores, é trazer para a academia o olhar multiperspectivado
para que no futuro, essas demais civilizações tenham sua respectiva parte na História.
Referências
Vivianne Almeida Barbosa é acadêmica de História da UERJ e integrante do Projeto
Orientalismo, sob orientação do Prof. André Bueno.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia
das Letras, 2019.
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Abstract: The purpose of this article is to present and discuss the power struggles and
resistances regarding popular culture. The distinction between 'high culture' and 'mass
culture' for a long time established a hierarchy in the field of cultural manifestations,
shaping the notion of what culture is. In this sense, when discussing the notion of a
plural culture such as 'popular cultures', it is possible to observe it as a field of
manifestation of social and political struggle.
Keywords: Popular Culture; Power relations; Resistances.
Considerações Iniciais
Em primeiro lugar, a identificação cultura popular não é simplesmente um exercício de
definição, mas também proposital e performática. A cultura popular nunca deixa
de ser política nem no seu uso nem nas práticas identificadas como tal. Não é
simplesmente uma expressão da luta política que se desenrola em outros lugares, mas
é uma parte constitutiva fundamental dessa luta (STEIN e SWEDENBURG, 2005).
Para Stuart Hall e Pierre Bourdieu, seu exame forneceu uma chave para entender a
potencial resistência popular às distinções nas quais as hierarquias políticas eram tão
fortemente investidas (HALL, 2008). Mas esse uso levanta a questão da abstração da
região e das realidades da produção cultural. Se, como Johann Gottfried Herder e
outros afirmaram, o povo se torna o árbitro final, então a questão-chave gira em torno
de quem está qualificado para contar como membro do 'povo', por quais critérios,
estabelecidos por quem (CLEEN e CARPENTIER, 2010).
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A fim de evitar algumas das implicações prescritivas e muitas vezes exclusivistas do uso
do termo cultura popular, será sugerido que o termo 'culturas populares' seja mais
apropriado. Este termo plural encoraja o exame de suas variadas condições de
produção, bem como as 'estruturas de sentimento' de classes ou grupos particulares
(WILLIAMS, 1961). Ao fazê-lo, pode avaliar o potencial contingente, mais do que
necessário, das culturas populares para resistir às culturas dominantes e ambições
hegemônicas, fugindo da sugestão de que popular nesse contexto deve sempre ser
equiparado aos oprimidos e excluídos. Pode igualmente abranger os espaços onde tais
culturas se desenvolvem e ajudam a criar, bem como o grau em que estes podem
tornar-se locais de resistência ou mesmo de cooptação num sistema de poder mais
amplo.
Em seu potencial, pode também levar a um exame mais atento do processo descrito
por Blaise Pascal e que fascinou Louis Althusser: 'Ajoelhe-se, mova seus lábios em
oração e você acreditará' (ALTHUSSER, 1971).
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Até certo ponto, embora com qualificações significativas, tal compreensão também
informa os escritos de Thompson e de James Scott, com seu foco em formas simbólicas
de resistência, localizadas nos repertórios culturais dos oprimidos, e incorporando em
vários idiomas suas críticas às desigualdades sociais que os colocaram em posições
subordinadas (THOMPSON, 2013).
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Foi perceptível que Hall também era ambivalente sobre a natureza, as fontes e os
resultados da resistência cultural. Mesmo onde as formas criativas e culturais
emergem das classes subalternas, ele chegou a reconhecer que as linhas de aliança e
as linhas de clivagem entre a cultura popular das pessoas 'fora dos muros' e a
'sociedade' interna sempre existem em múltiplas práticas mutáveis (MCGUIGAN,
1989). Em suma, este é um processo contínuo, uma dialética de luta cultural em que
nunca há vencedores ou vencidos de uma vez por todas. Igualmente, havia aqueles da
Escola de Birmingham que estavam muito atentos às maneiras pelas quais o capital
pode transformar a produção cultural supostamente subversiva em objetos culturais
cujo mero consumo poderia ser apresentado como uma espécie de rebelião
(MCGUIGAN, 1989). A preocupação era, claro, que isso fosse até onde a "resistência"
chegaria, expressa simbolicamente de tal forma que não apenas deixava as estruturas
de poder intactas, mas na verdade as reforçava.
Talvez não seja surpreendente, portanto, que aqueles ativistas políticos que se veem
como artistas cidadãos, usando formas artísticas para desafiar e encorajar a resistência
ao poder estabelecido deva visar inicialmente à ruptura do cotidiano. Eles têm na mira
um público semelhante ao que vem sendo cultivado pelas forças hegemônicas da
produção cultural, mas usam a oportunidade e a forma cultural familiar para
desestabilizar percepções, redirecionar o olhar – em suma, fazer as pessoas olharem
duas vezes, e, portanto, em princípio, pensar duas vezes sobre o que até então
aceitavam como norma.
Tal abordagem – tendo em mente a variedade de grupos envolvidos – pode ser uma
maneira mais produtiva de pensar sobre a relação entre formas culturais e relações de
poder. Precisamente porque nem sempre são de cima para baixo e nem sempre
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Embora mais estranho como termo, ele tem a vantagem de dissociar cultura do povo e
abre um debate sobre o que (e quem) é o público relevante em que contexto e como
parte de que tipo de trajetória. Isso muda o foco analítico para expressões e práticas
culturais que são produzidas e constitutivas de públicos distintos, sublinhando o fato
de que tanto a 'cultura' quanto o 'público' são processos que estão performativamente
ligados (isso será expandido no próximo tópico) (VAN NIEUWKERK et al., 2016).
Tal conjunto de observações encoraja a investigação das maneiras pelas quais certos
tipos de prática pública e projeção simbólica se unem para constituir culturas
populares, como elas são usadas e como elas interagem umas com as outras, bem
como os tipos de relações de poder em que podem ser emaranhados. Acima de tudo,
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Essa foi uma característica da teorização inicial de Jürgen Habermas, cuja exploração
da emergência da 'esfera pública' a vinculava a um conjunto específico de condições
históricas situadas no noroeste da Europa a partir do século XVII em diante,
provocando assim inúmeras críticas. Estes questionaram a sugestão de que esse
público em particular e suas práticas fossem necessariamente modelos ou exemplares
para uma compreensão mais universal do termo público (HABERMAS, 1989).
A formação das culturas assume, assim, dois sentidos. Por um lado, há a variedade de
formas de expressão cultural que ajudam performativamente a fazer existir públicos
de tipos distintos, com diversidade de valores, linguagens e práticas criativas,
alinhados contingentemente não necessariamente.
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Considerações Finais
Um dos problemas associados ao termo cultura popular tem sido sua implicação em
vários campos de poder, tanto hegemônicos quanto contra hegemônicos. Embora
compreensível, dado o terreno que abrange, tem causado dificuldades em dois
sentidos relacionados: o primeiro é que pode se tornar um termo carregado de
qualquer número de traços simbólicos potencialmente contraditórios; a segunda, é
que muitas vezes foi feito para substituir algum tipo de artefato, ou pelo menos um
conjunto de produções culturais, uma coisa do mundo. Quando esse objeto nominal
de estudo é então validado com referência ao epíteto popular ou à frase do povo, da
região, fica clara sua carga normativa, bem como seu potencial uso como instrumento
de discriminação política.
Nesse sentido, a pluralidade sugerida pelo termo 'culturas populares' pode evitar o
elemento programático da cultura popular com todas as contradições que se
evidenciaram em seu uso. Isso leva à segunda mudança de perspectiva: a importância
de pensar as culturas populares não como um conjunto fixo de categorias
determinadas, mas sim como um processo fluido de expressão e articulação, com a
mudança das relações entre seus vários elementos.
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Referências Bibliográficas
Érica Karina Silva é graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-
Oeste/UNICENTRO (2018), mestranda no programa de pós-graduação em História e
Regiões pela mesma universidade. Atualmente desenvolvendo pesquisas relacionadas
a cultura popular e aos ofícios tradicionais de cura.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Abstract
Funk, by virtue of its virtue, was made up mostly of black people, emerging around the
year 1970/80. According to the studies of a group of researchers from UNICAMP, in
1980 the Brazilian black population reached its 7 million, through these data, we can
see that a good part of the population was constituted by this people, who were
allocated mainly in the Brazilian favelas, after the abolition of slavery in Brazil in 1888.
However, this population, without apparatus, without finding employment and dignity,
was thrown at the mercy of the Brazilian world-system, which has always faced the
open racism of a violent environment. Through funk, it is possible to analyze violence
against the black population, as this musical genre emerged in the favela and is sung
by these subjects.
Keywords: Funk; Black Population and Violence
Introdução
Na atual conjuntura brasileira, o diálogo de sancionar um dia específico para a
comemoração do funk ainda é discutido, a dificuldade para o aceite de tornar o gênero
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
musical algo reconhecido não é de hoje, a luta acontece há muitos anos, esse estilo de
música inclusive, foi palco de diversas tentativas de criminalização. A pergunta então,
torna-se “Porque o funk ainda sofre constantemente com a marginalização e tentativa
de criminalização?" Bom, o funk surgiu por volta de 1970/80 no Brasil, especificamente
nas favelas cariocas, por sujeitos pretos/as em sua maioria jovens de 15 à 25 anos,
reféns ainda muito novos de um sistema-mundo extremamente racista e violento,
onde ainda lidavam com as miras de horror da ditadura (Gabriela Oliveira, 2022).
O presente texto tem como objetivo dialogar sobre a violência e, como foi utilizada
para forma de resolução sobre sujeitos pretos, para isso, será abordado o gênero
musical funk e principalmente os sujeitos funkeiros, investigando os períodos de
violência brasileiro. A violência intrinsecamente utilizada no sistema-mundo brasileiro
foi cordial para que as minorias começassem de alguma forma a reproduzi-la, para
isso, Grosfoguel (2016) explica que a colonialidade difunde-se no calor da violência e
produz violência, ou seja, esses sujeitos, por viverem constantemente sobre esse
aspecto, começam involuntariamente repeti-lo.
O Funk
O ano era 1970, nesse período o Brasil vivia sob uma ditadura militar, iniciada em 1964
após um golpe militar ao governo de João Goulart, e que duraria até 1985. Durante o
governo militar de Costa e Silva (1967-69) marcado por repressão, tortura e morte, é
intitulado o AI-5 (Ato Institucional N°5) em 13 de dezembro de 1968. Com isso, o
congresso foi fechado e instaurado o estado de sítio, como prevê o art 5° do AI-5:
● Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa,
simultaneamente, em: I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de
função; II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a)
liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio
determinado.
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Nesse momento a música ganhou uma nova significação no Brasil, tornando-se uma
forma de resistência ao sistema autoritário, tanto que, até na atualidade, elas são
utilizadas em trends (tendências) de sujeitos esquerdistas para promover sua luta e
tratar de assuntos sobre a ditadura.
No mesmo período nos Estados Unidos, vivia-se a intensa discriminação racial, foi
muito comum o impedimento de sujeitos negros de frequentarem abertamente certos
locais, até os bebedouros eram divididos entre “para brancos” e “para negros”. Com
isso, surgiu um partido político chamado “Black Panther” conhecido no Brasil como
“Pantera Negra”, tinha como foco sua autogestão-social, a comunidade negra devia
autogovernar-se, tendo como principais ideias a realização de projeto sociais para
atender os mais pobres e principalmente combater a discriminação racial contra
sujeitos pretos. (HISTÓRIA DO MUNDO, s/d)
Nesse mesmo período a discografia de James Brown, com seu inconfundível jazz,
estava em alta, sua influência não foi apenas na música, mas na moda, enquanto os
militantes abusavam das cores frias e do preto, James abusava das cores quentes e
brilhos, ambos tinham conceitos em comum, o Black is Beautiful, Black is Power, Proud
to be Black. Juntamente a eles, outros gêneros musicais e pessoas negras produziam
conteúdo, como Soul, Blues e o Funk norte americano.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
crucial da ditadura militar, contudo, isso quase não foi um problema, pois, os discos
entraram clandestinamente na terra adorada.
Em uma entrevista, é abordado que, os discos de jazz eram trazidos para cá, porém, o
conteúdo não agradava a alta elite carioca, então, eram vendidos por mascastes pelo
centro da cidade do Rio de Janeiro, tecnicamente foi bom esse processo ter
acontecido, pois a favela achou um grande potencial nesse material, e começou a
promover os primeiros bailes nas zonas periféricas, atraindo uma enorme multidão. O
lema era as músicas serem o mais dançante possível. Os discos de James Brown foram
os mais disputados no período.
Acervo data_labe
O movimento ganhou notoriedade da Zona Sul brasileira, mas não foi das melhores, a
visibilidade veio em uma forma demasiadamente negativa. A matéria articulada pela
jornalista Lenas Frias, foi publicada no Jornal do Brasil no dia 17 de julho de 1976,
compondo 4 páginas de informações sobre os bailes, movimento, quantidade de
público, fotos e entrevistas, intitulada “O orgulho (Importado) de ser negro no Brasil”,
e aqui percebemos mais um problemática, pois, mesmo que esses sujeitos pretos
estivessem abrindo suas mentes para entender o racismo e lutar contra ele, essa ideia
ainda era considerada pela imprensa como “importada” porque foi um diálogo
advindo dos Estados Unidos da América.
Contudo, a expressão “Black Rio” foi elaborada pela jornalista para definir os gêneros
musicais funk, soul e a estética dos frequentadores desses bailes, o nome teve alta
repercussão e começou a ser difundido nesse meio, surgindo então o “Movimento
Black Rio”.
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Dom Filó, foi um dos maiores influenciadores e organizadores do movimento Black Rio,
e o criador da Soul Grand Prix, conta em entrevista: “[...] nós éramos uma grande
ameaça, você imagina jovens negros dançando. A estimativa era de um milhão
dançando semanalmente.”
Filó também aborda sobre quando foi sequestrado pela DOPS e levado para a sede da
Praça Mauá:
● É que o baile estava comendo solto, mas estava comendo solto mesmo, o baile
estava no maior embalo, quando estava no maior embalo, parava tudo. Parava
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tudo, parava música, parava tudo. Subia um negão, pegava o microfone e fazia
o maior discurso contra o racismo, contra a ditadura, contra a repressão sabe?
E aí todo mundo parava no baile e ficava todo mundo assistindo. E aí: ‘Cai na
caixa!’, e começava tudo de novo. Então, a gente parava o baile três, quatro
vezes para fazer isso, está entendendo? E isso assustava porque a garotada
estava se ligando, se ligando, né. (GARCIA, Januário, 2017)
Nesse momento as músicas que entoavam os bailes, eram derivadas do Miami Bass,
Rickey Vincent (1995, p. 279), os raps desses grupos são um tipo de música eletrônica
resultante da confluência da batida "quente" e "sensual" do funk afro-americano com
a batida também "quente", sendo um subgênero do Hip-Hop que foi popularizado por
volta de 1980/1990 nos EUA. Não havia MC 's nos bailes, apenas os DJ' s que
remixaram as batidas deste subgênero, e como pontuado por Adriana Carvalho (2011):
“O funk torna-se cada vez mais popular entre as camadas mais pobres da população
carioca.”
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Segundo Herschmann (2000, p. 180), o jovem negro da favela ou o funkeiro: “[...] vai
sendo apresentado à opinião pública como um personagem "maligno/endemoniado e,
ao mesmo tempo, paradigmático da juventude da favela, vista como revoltada e
desesperançada."
Outro motivo para a imprensa atrair seus olhares para o funk, foi com o lançamento do
livro Mundo Funk Carioca do antropólogo Hermano Vianna, sendo o primeiro livro a
abordar a história do funk nacional, em 1987.
Contudo, o funk passa por um cenário conflituoso e declinante ao ser palco da intensa
violência entre sujeitos favelados, os bailes ficaram conhecidos como Bailes Lado A
Lado B.
Nesses bailes, já existia uma pré-definição imaginária, onde cada galera iria ficar
localizada, conceito esse explicado através da territorialidade:
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Mas, algo que poderia acontecer, era que no momento do desfile, um bonde invadia o
espaço do outro, gerando rivalidade entre galeras, e a “porradaria” comia solta. Uma
galera, não poderia desfilar no lugar que não a “pertencia” (MAGALHÃES, 2021).
Ao final de cada festival, a galera que fosse mais forte e criativa, recebia o prêmio. Em
pesquisa, não é possível localizar quais eram esses prêmios, mas, há alguns elementos
que significavam vitórias para esses sujeitos:
Durante esse período, os bailes ficaram conhecidos por diferentes nomes, como Baile
de Corredor, Baile Lado A e Lado B e Baile Country. Existem muitas denominações do
que eram os bailes de corredor, em algumas fontes é abordado que essas festas
ocorriam paralelamente ao festival das galeras:
● Curti muito isso, cara... baile de festival de galeras ERA SIM contemporâneo e
paralelo ao baile de corredor. Eram os mesmos bailes e um era sinônimo do
outro. E posso te dizer. Foi a melhor época da minha vida…(Funk de Raiz, 2010)
● Com tantas equipes aderindo aos festivais, eles tomaram uma proporção muito
grande e com isso vieram os problemas. A violência gratuita e o excesso de
rivalidade por parte daqueles irresponsáveis que não sabiam honrar o espírito
do funk.(Funk de Raiz, 2010)
A rivalidade, foi aos poucos tornando-se algo muito frequente nesse ambiente, e
juntamente dela, a violência. Em alguns relatos que encontrei na internet, os
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A violência era vista quase como uma forma de diversão entre as “Galeras”:
Mas dentro desse enorme contexto violento, há uma análise a ser feita, porque esses
sujeitos tornaram-se violentos?
O atual presidente em questão, por diversas vezes reforçou em suas falas o ódio pelas
minorias, onde, de certa forma, compadeceu outros sujeitos componentes do sistema-
mundo com o ideal de que poderiam cometer vários atentados à essas minorias, que,
ainda sim, não teriam consequências.
Algumas falas: "Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Já que gosta tanto da
Venezuela, essa turma tem de ir para lá" (2018). "Jamais ia estrupar [violar] você [a
deputada Maria do Rosário] porque você não merece" (2003). "O afrodescendente
mais leve lá pesava sete arrobas" (2017).
Após essa personalidade perder seu mandato nas eleições presidenciais de 2022 , a
população revoltou-se, montados em rebanhos, vão às ruas pedindo novamente a
intervenção militar, atestando, através de fake news, a fraude nas urnas, percebe-se
que essas pessoas não mais são massas de manobras, mas sim, o fascismo
escancarado diante de nossos olhos.
Mas o que isso tem haver com o funk? Bom, isso não apenas tem haver com o funk,
mas num contexto em geral. Remeter-ei-me aos “primeiros anos” do Brasil, ao passo
que os portugueses chegam à essas terras no século XV, é iniciado um processo
violento de invasão, em nome de um Deus católico, escravizaram, mataram, e
estupraram povos que aqui já viviam, os indígenas, e mais que isso, traficaram uma
enorme quantidade de sujeitos negros africanos, que são escravizados, torturados e
brutalmente assassinados, por homens, brancos e eurocêntricos.
Outro episódio foi a ditadura civil-militar de 1964, homens, em sua maioria brancos e
militares, não mediram esforços para criar formas de torturas, para atacar uma
população que aos seus olhos, era uma ameaça comunista.
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Para Grosfoguel:
Conclusão
As matérias de jornais estampavam a barbárie no funk, a violência, o seu declínio e,
esses sujeitos, nada mais reproduziram, o que há tempos já estavam vivendo. O que a
pesquisa aponta aqui, não é descaracterizar que a violência sim existiu no funk, mas
apresentar um outro olhar pela qual essa violência acontecia.
Referências
Gabriela Oliveira é graduada em História pela UFMS.
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OLIVEIRA, Flávia. DITADURA PERSEGUIU ATÉ BAILES BLACK NO RIO DE JANEIRO. São
Paulo, 13 de julho de 2015. Disponível em: https://vladimirherzog.org/ditadura-
perseguiu-ate-bailes-black-no-rio-de-janeiro-2/ Acesso em: 20/11/2022
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Resumen
Este trabajo tiene como objetivo un análisis del libro “Nuestra parte de noche”, de
Mariana Enriquez, desde una perspectiva descolonial. A través del análisis
bibliográfico, se constató que el libro ha sido objeto de investigación en el extrajero,
donde se dio mayor énfasis a la dictadura, al terror y a lo sobrenatural. Sin desconocer
tales temas, el principal interés es pensar en los diferentes tipos de violencia que
pueden sufrir los cuerpos, porque el cuerpo puede violar y ser violado, ser considerado
bello, feo, grotesco, extraño, transgresor, entre otros. Nuestra parte de noche, una
producción latinoamericana, abre espacio para pensar en las formas plurales de estar
en el mundo.
Palabras clave: Nuestra parte de Noche; Descolonialidad; Cuerpos.
Introdução
Filho do médium da Ordem, Gaspar desconhece a origem de sua família materna:
colonialista, perversa e que cultua um deus antigo, a escuridão. É desta realidade que
Juan, o pai, procura proteger seu filho, Gaspar. O clima ditatorial e sobrenatural
caminha lado a lado e apresenta aos/às leitores/as tensão, medo e mistério no
Universo de “Nossa parte de noite”, da escritora e jornalista argentina Mariana
Enriquez. Aqui apresento a vocês o recorte do segundo capítulo da minha monografia
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(2022). Foi realizada no estudo original, uma revisão de literatura que constatou maior
foco de análise em: ditadura, terror e medo real versus sobrenatural. Logo, apresento
uma investigação por uma perspectiva descolonial. Busco compreender como os
corpos, mas também as línguas, os saberes e os territórios da América Latina são
marcados pela violência da modernidade colonial, no entanto, resistem à
colonialidade. Neste recorte, me centralizo nas personagens: Rosario, Tali e Marcelina.
Mulheres plurais
Rosario Reyes Bradford é doutora em antropologia pela Universidade de Cambridge
(Reino Unido), professora, pesquisadora, mulher argentina, filha de Mercedes
Bradford e Adolfo Reyes, irmã de Tali, mãe de Gaspar e companheira de Juan.
Desde a juventude, Rosário enfrentava problemas com a autoestima:
“Tenho os cabelos escuros e os olhos castanhos do meu pai, mas me faltam sua
elegância, o corpo esbelto e a beleza. Ele me disse, quando eu era muito
pequena, que, se eu quisesse ser uma mulher bonita, deveria fazer um esforço.
Isso me fez chorar, mas o agradeci” (ENRIQUEZ, 2021, p. 295).”
A personagem diz que faltava para ela aspectos físicos que em sua concepção a
tornaria mais bonita, seu pai iniciou uma questão que a acompanharia por toda sua
vida: para ser uma mulher bonita, deveria “se esforçar”.
A intenção não é iniciar um discurso que desautorize o/a sujeito/a, por meio da moda
e de outras estratégias visuais, se expressar, passar uma identidade, mensagem,
conceito, entre outros casos. O ponto chave é entender que os adereços e as roupas
escolhidas por Rosario tinham o objetivo de compensação. Ela passou a se esforçar
para ser uma mulher bonita, seguindo os conselhos de seu pai. Em Londres, a moda
continua sendo sua companheira:
“[...] uma estilista me explicou qual era a melhor opção para meu corpo e meu
estilo: saias longas ou calças boca de sino com saltos altos, boás, argolas de
bronze, os cabelos armados com laquê, se não fosse possível mantê-los lisos
por conta da umidade” (ENRIQUEZ, 2021, p. 326).
O trecho conta o momento que uma profissional indica quais estratégias combinam
mais com seu corpo e com seu estilo, os conselhos foram bem-sucedidos de um ponto
de vista, uma vez que foi avaliado por uma profissional, que segue procedimentos de
estudos da moda, visando inseri-los aos seus consumidores e às suas consumidoras.
Vale destacar aqui dois pontos: o primeiro, a estilista segue referenciais de moda que
não são universalistas e totalizantes, e em segundo, embora Rosario siga os conselhos,
não sabemos até que ponto as estratégias compartilhadas foram coerentes ao seu
gosto pessoal e estilo, uma vez que, novamente, a antropóloga não conseguiu
construir uma autoestima na juventude que valorizasse sua beleza própria. Dito isto,
percebe-se que sua autoconfiança e beleza foram construídas por influências
mercadológicas.
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O/a leitor/a pode defender que Rosario pareça se sentir bem ou ter aderido com
felicidade tais códigos e estratégias, ou ainda, compensações. Mesmo que este seja o
caso, podemos pensar nos resultados violentos da Colonialidade. Santos (2020)
apresenta dois pontos importantes para a reflexão: não reconhecer a inspiração e a
cópia da moda não ocidental presente nas criações europeias, e não levar em
consideração as contribuições das colônias no surgimento e crescimento da indústria
têxtil, por exemplo, a extração de matérias primas. Posto isto, a autora reforça a
necessidade de provincializar a Europa, e colocá-la como um dos atores e não como o
centro das criações.
Além disso, há infinitas possibilidades que Rosario, enquanto mulher rica, pode
acessar. Não é apenas comprar uma roupa cara, é comprá-la e trocá-la quantas vezes
necessário, é comprar brincos de esmeralda, é escolher países para viajar e consumir
seus produtos, é acessar profissionais do ramo, como estilistas e designers, entre
outros exemplos. Privilégios que não são permitidos para outras pessoas, por isso,
grande parte da população que se sente feia ou é motivada a se sentir feia, constrói a
imagem da autoestima e do autocuidado ligadas ao consumo. Sustento a ideia de que
o uso da moda foi bem-sucedido de um ponto de vista, afinal ela seguiu as técnicas de
uma profissional, que não são universais/totalizantes, mas que são estudos pensados e
direcionados à Rosario. No entanto, foi uma escolha malsucedida por ligar o
autocuidado e autoestima às lógicas capitalistas de mercado, que excluem inúmeras
pessoas, das quais associam a moda e o cuidado de si ao consumo. É preciso citar que
tenho conhecimento dos/as diferentes profissionais da moda que operam por
estratégias diferentes, por concepções múltiplas, e com diferentes posicionamentos
políticos, afinal, não é sobre homogeneizar o campo, e sim entender como se pode
abrir novas discussões sobre o tema, e romper com o imaginário que liga o cuidado e a
beleza ao consumo desenfreado e compensatório. Se queremos compensar algo, é
porque sentimos falta, a suposta ausência de beleza age assim: o/a sujeito/a sente que
pode e deve melhorar a aparência, este impulso o coloca no lugar de consumidor/a,
para “melhorar” sua aparência. Do mesmo modo, poderíamos refletir sobre os
cosméticos de beleza e cirurgias plásticas, e seus usos compulsórios em busca de um
corpo magro, bonito e “perfeito”. A criadora de conteúdo digital e estudante de
educação física Ellen Valias, responsável pela conta do Instagram: @atleta_de_peso,
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O exemplo de Rosario, ao lado da luta política pelos corpos plurais realizadas por Ellen
Valias e Ivan Baron, entre outras pessoas, nos ajudam a refletir sobre a epistemologia
sul-corpórea:
Em Londres, Rosario relata sua ida a Biba (Kensington) e sobre suas modelos: “Suas
modelos davam voltas pelos salões: a própria Biba dizia que elas tinham ficado
desnutridas no pós-guerra e por isso agora eram belas e magras” (ENRIQUEZ, 2021, p.
337). Elas eram consideradas belas por serem magras, não apenas isto, estavam
desnutridas. A antropóloga continua: “Eu tinha sido criada como uma milionária da
América Latina do Sul, pura proteína e laticínios [...]” (ENRIQUEZ, 2021, p. 337).
Rosario reflete a respeito do seu próprio estilo de vida, uma milionária da América
Latina e com uma dieta diferente da consumida do outro lado do globo. Anos depois,
filmando festas de debutantes, Gaspar se deparou com garotas magérrimas, que
também buscavam um corpo ideal. Entender a mentalidade construída ao redor do
corpo magro como “o melhor”, faz com que compreendamos as pessoas que se
sentem fora de um padrão, que na realidade não existe. Retomando as imposições de
um corpo belo, magro e que recorre a inúmeras cirurgias plásticas.
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Agora que vimos a partir de Pereira, Gomes, Carmo (2017) como a educação pode
atuar para quebrar este colonialismo presente nos corpos, não posso limitar a história
de Rosario ao seu corpo, pois entendo como importante as reflexões levantadas, mas
não como definidoras, em outros termos, não estou definindo, de modo conclusivo, as
personagens, pelo contrário, procuro usar os recursos literários para compreender a
pluralidade do ser, cabe a pessoa leitora escolher caminhos para observação, que
também são plurais e carregados de intencionalidades. A seguir veremos um pouco
mais sobre suas escolhas epistêmicas e áreas de atuação.
Aos 18 anos, Rosário deixa o país para estudar na “[...] melhor Universidade do
mundo” (ENRIQUEZ, 2021, p. 35). Ler a afirmação anterior é se questionar sobre “ser
melhor para quem?”, uma vez que a constatação é olhar os saberes, os referenciais e
as instituições por uma perspectiva do norte global. Sabe-se que existe um ranking
baseado em alguns critérios que visam classificar as “melhores” Universidades do
mundo. Ainda que o levemos em consideração, as Universidades do norte global ainda
ocupam os primeiros lugares, e quais são os motivos que impedem maior apoio ao
fomento das pesquisas e das Universidades do sul?
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Ainda cabe ressaltar que outras dinâmicas, saberes e formas de se relacionar com as
pessoas e o meio estão sendo desenvolvidas no Sul, como o exemplo susodito, as
línguas. As histórias que optamos por aprender, ensinar/contar para as crianças,
questionar como se vê os saberes, quais são os referenciais teóricos, o que, como e
para quem se escreve, são alguns pontos de reflexão.
Aqui é preciso tomar cuidado para não romantizar o papel de Rosario e sua
contribuição para os estudos das histórias locais. Quanto a sua relevância não nos
restam dúvidas, mas não se pode esquecer que ela pertence a uma família poderosa
no país, colonizadora, violadora de inúmeros direitos humanos, e uma das fundadoras
da Ordem. Em uma descrição, notamos melhor os aspectos ditos:
“Agradeço por ter nascido nesta família, mas não a idealizado. Ao menos não
tento. Todas as fortunas são construídas sobre o sofrimento alheio, e a
construção da nossa, apesar de características únicas e insólitas, não é uma
exceção” (ENRIQUEZ, 2021, p. 295).
Ela, filha de Mercedes, tinha grande ambição por assumir o controle e reger de um
modo diferente. Fazer algo diferente carece de uma explicação mais detalhada, visto
que não significa tomar uma postura humanizada e não colonialista, apenas assumir o
poder e tomar medidas por uma outra perspectiva. Ainda que, digamos, Rosario fosse
a próxima líder, e rompesse com as jaulas de sua mãe, e distribuísse terras, ainda
estaria, de outros modos, estabelecendo relações de poder e violência. A Ordem é, por
si só, um ato de violência, porque suas dinâmicas explicitam profundamente as
relações de poder: concentração de rendas, exploração de corpos, infiltração de seus
membros em instituições públicas, entre outros casos. O próprio desejo de
imortalidade, ou seja, reter a consciência neste plano, nada mais é do que um ato de
violência com alguém, pois toma um corpo alheio para si, pelo desejo de continuar no
mundo, mantendo as regras de domínio e violência e decidindo o/a sujeito/a que
merece viver ou morrer, uma vez que seria possibilitado viver pela eternidade. A
escolha numérica das consciências que viverão para sempre também demonstra uma
relação hierárquica, veja bem, seguindo os direcionamentos dados pela Escuridão,
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Juan deveria ser o primeiro a usar o corpo de seu filho como incipiente, após isso, as
líderes do culto teriam o mesmo privilégio, em seguida, os mais provável seria seus
companheiros e filhos/as, depois pessoas que ocupam posições importantes na
Ordem, como estudiosos/as e os/as escribas — que escutam a voz da Escuridão e são
os/as responsáveis por escrever as informações dadas — posteriormente, outros
crentes ao culto, e assim sucessivamente. Podemos considerar que alguns e algumas
não terão direito à imortalidade? Quem serão os/as escolhidos/as? E se apenas a
linhagem obter acesso à imortalidade? não seria algo inédito na história, já que o
dinheiro, o sobrenome e o "sangue azul" são formas de preservar, não a consciência,
mas o poder entre as gerações, dito de outro modo, um grupo deixa explícito que
historicamente ele controla, tem o capital, as terras, e portanto, sobrevivem como
dominantes. Estas são algumas reflexões que culminam nas relações de poder, as
escolhas são diversas, mas sabe-se de sua existência, de sua violência e hierarquia.
É preciso não romantizar Rosario, porque tiramos dela uma obrigação de ser perfeita,
incrível, salvadora, tudo que, ao menos em certa medida, ela pode, mas não é
obrigada a ser. No mesmo sentido, seu papel materno pode ser pensado da mesma
forma, ela não sentiu, ao nascimento, um amor incondicional por Gaspar, ela hesitou
sobre entregar ou não seu filho como incipiente para reter a consciência de Juan e
sentiu-se a verdadeira sacerdotisa por ter gerado o filho do médium. Ela estava em
disputa para chegar ao poder, pois gostava deste universo, não queria acabar com a
Ordem e sim dominá-la. É necessário tomar partido de cada ponto para entender que
o amor é construído, com seu filho não seria diferente. Além de não corresponder com
as expectativas de maternidade criadas pela sociedade, ela pode não corresponder
com as expectativas do leitor e da leitora, ora vista como vítima, por ter sido
assassinada, ora vista como ambiciosa. Um exercício possível é desenvolver um olhar
plural, para enxergá-la na multiplicidade, entendendo que há elementos
desconhecidos, pois aquilo que não é apresentado na obra literária, podemos, se
quisermos, supor. E quando eu suponho, posso carregar modelos únicos ou
dicotômicos para mãe, mulher, homem, entre outros, ou seja, Rosario é uma péssima
mãe por agir de um modo, é uma excelente pesquisadora porque se comportou de tal
modo, e assim sucessivamente. Observando deste local, não me permito analisar as
particularidades da personagem, de seu mundo, nem ao menos entender questões
históricas e sociais. Se nas entrelinhas me cabe supor, então que eu leve em
consideração os aspectos não universalistas e de ordem plural que constituem as
personagens. Embora eu tenha a apresentado do modo mais amplo possível, ainda há
diversas outras identidades que nós não sabemos como leitores/as.
Por fim, seu trabalho e a questão de gênero são de grande relevância para o nosso
debate. Observando um dos fascículos que estava em sua casa, Gaspar observa a foto
de sua mãe, vemos que a antropóloga se sentia incomodada e cansada de trabalhar
apenas com homens.
Quando Rosario encontra Juan em seu local de poder, no dia da revelação, ela tem
uma responsabilidade, torna-se a guardiã do médium, posição de destaque e
importância dentro da Ordem, no entanto, isto também a aprisiona numa vida, e sua
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
história teria pouco protagonismo se estivesse ligada apenas ao médium. Seu novo
desafio de existência foi estar longe de Juan por algum tempo. Ir para Londres, tornar-
se uma doutora, desenvolver diversas pesquisas, ser professora em uma Universidade
de Buenos Aires, quebra a sequência “ideal” para sua vida. Ao descobrir que iria partir,
Juan agiu negativamente, — com ódio e agressão — uma dependência que Rosario
não poderia suprimir, dado que não dependia dela. A dependência aprisiona e coloca
o/a outro/a num lugar determinado. Mesmo que fosse aconselhado que os membros
da Ordem mantivessem relações sexuais com diferentes pessoas, chamados de
Andróginos mágicos, para ajudar nos rituais, vê-se que Rosario, no início da vida
adulta, sentia-se presa em Juan, num estilo de vida que se aproximava do modelo
conjugal monogâmico e heterossexual, aos 18 anos, essa não era sua escolha. Se é
necessário repensar os nossos referenciais epistêmicos e as instituições produtoras
destes conhecimentos, é preciso igualmente repensar em quem é permitido falar
sobre, circular nos espaços acadêmicos e da mídia em geral, debatendo os mais
diversos temas. O destaque acadêmico de Rosario não significava um protagonismo
feminino coletivo, ainda que estivesse nas produções e debates acadêmicos, havia a
ausência de mulheres e o predomínio masculino em sua área de atuação.
Neste sentido, vale lembrar que Almeida (2017) não está se referindo apenas aos
recortes e linhas de pesquisa, ela não chama exclusivamente os/as historiadores/as da
história indígena, é um compromisso de todas as pesquisas da história: situar,
problematizar, questionar e falar das pessoas indígenas, que estavam e estão
ocupando o território nacional. Zapata Betancur (2021) em seu trabalho sobre as
viagens em “Nossa parte de noite”, enfatiza que Mariana Enriquez escreve sobre as
populações locais e indígenas que foram violadas e oprimidas durante a ditadura e que
ainda hoje não são vistas, observadas e valorizadas por seus saberes, lendas e
histórias. Logo, vejo que a reflexão de Maria Regina Celestino de Almeida (2017)
“Nossa parte de noite” não se restringe ao território brasileiro, podemos e devemos
reescrever a história da América, situando as populações indígenas. Neste trabalho
não é possível falar das relações de poder, os corpos, as belezas latino-americanas,
sem falar das populações locais e indígenas presentes na narrativa. Inicio a reflexão
com a personagem Tali.
Catalina, mais conhecida como Tali, é filha de Adolfo Bradford e Leandra, uma mulher
indígena de Corrientes. Catalina possui papel relevante dentro da narrativa, ela e
Esteban foram os responsáveis por manter bloqueada a mediunidade de Gaspar e
protegê-lo das cobiças da Ordem.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Tali era considerada uma mulher muito bonita, no entanto, não estava isenta da
pressão social pela busca da beleza:
“Tali olhou de soslaio para seu reflexo no vidro da janela. Tinha completado
trinta anos. Quando diziam que ela era linda, preferiam-se a seus cabelos
pesados, a seu corpo acostumado a caminhadas e ao brilho de seus olhos
escuros. Mas ela nunca se maquiava, não se preocupava com pele, não gostava
de anéis e pulseiras; quando a elogiavam havia sempre reticências 'mas seria
muito mais bonita se… Sentia que estava ficando velha, que precisava fazer
algo a respeito das linhas de expressão em torno da boca, ou das estrias nos
quadris, consequência de seus verões em bicicleta, que haviam afinado
bastante suas pernas. (ENRIQUEZ, 2021, p. 113).”
Ser filha de um homem rico, no caso de Tali, não significa que tenha um status de vida
favorável, e mesmo que tenha, ela jamais foi tratada e reconhecida socialmente. Ainda
que Rosario se sentisse excluída e às vezes irrelevante, a exclusão de Tali está
associada a questões raciais e de origem, ela é socialmente excluída. O médico
Bradford, irmão de Mercedes, também a rejeitava: “Bradford a tratou com desprezo,
como sempre. Para Bradford, ela era o fruto das indiscrições de Adolfo com uma bruxa
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do povoado.” (ENRIQUEZ, 2021, p. 113). Bruxa do povoado, além de, neste caso,
homogeneizar as diferentes crenças e práticas religiosas de alguém, também
desconsidera o direito de a pessoa ser nomeada. Jorge Bradford na posição de
“doutor”, rico, intelectual, a olha de modo vertical e nega sua existência, e portanto,
não a acha digna de ser chamada pelo nome: Leandra. A morte de Leandra está
associada a mesma situação, Mercedes ao olhar para os/as demais de modo
hierárquico, despotencializa Leandra, e a coloca numa posição de “coisa”. No final da
narrativa, quando Tali finge sua morte, Mercedes diz: “finalmente aquela índia foi para
o inferno [...]”. A fala marca o seu ódio e desprezo por Tali, o uso do termo “índia”
apaga a riqueza étnica dos diversos povos indígenas da América, e, semelhante ao caso
de sua mãe, a retira o direito de ser nomeada: Catalina é o seu nome, Tali é como a
chamavam e “aquela índia” é a verdadeira morte da personagem.
“[...] discreta, eficiente e tinha uma capacidade enorme de fingir que não
entendia o que acontecia na casa, de fazer parecer que ela ignorava os
assuntos dos patrões e de falar somente em guarani com os outros
empregados.” (ENRIQUEZ, 2021, p. 100).
Em um primeiro momento esta análise pode ser incoerente já que nas linhas
seguintes, Juan vai se sentir incomodado com Marcelina o tratando por senhor, pois a
sós ela o tratava por você. Os pronomes de tratamento estabelecem respeito,
formalidade e/ou graus de hierarquia. Entretanto, o uso de “senhor” por Marcelina
demanda um grau de hierarquia imposto pela dona da casa, já que em outros
momentos ela não o chamava assim. Juan não precisa interpretar da mesma maneira,
pode considerar o seu uso como desnecessário. O que ressalto com a citação acima é a
confiança no “empregado/a silencioso/a”, que está próximo para escutar, servir,
executar e antes de tudo ser silencioso/a, ponto central para a criação da confiança,
mas não de um vínculo. Caso exista um vínculo entre Rosario e Marcelina e/ou Juan e
Marcelina, não significa que ele e elas tenham saído do seu local e quebrado barreiras
impostas verticalmente. Aqui são suposições a partir da escrita de Enriquez, pontos de
reflexões possíveis, que não serão finalizadas neste trabalho. É relevante dizer mais
uma vez que aprender guarani ou pesquisar a história local são escolhas epistêmicas
importantes que não estão sendo desconsideradas, mas conhecer o/a outro/a
profundamente vai além de pesquisas acadêmicas ou dizer, no caso de Juan, que
confia na funcionária da família milionária de sua companheira. Também não se trata
exclusivamente da origem social, o fato de Juan ser de uma família pobre, não impede
que os graus de hierarquia sejam reproduzidos em certas relações sociais.
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Considerações finais
Mariana Enriquez ganhou projeção internacional no meio literário, considerada um
dos principais nomes de sua geração. Este trabalho procurou contribuir para os
estudos de História, literatura e descolonialidade. Na obra, defendo que a violência
pode ser entendida para além da violência de estado e do ocultismo, uma vez que as
distintas personagens estão vinculadas a um ideal de beleza, sendo ele mais próximo
ou distante do socialmente aceitável. O capítulo também procurou ressaltar as
resistências, as escolhas epistêmicas de Rosario, Tali e Marcelina, bem como as
relações de poder e os graus de hierarquia, estas questões e outras foram analisadas
como parte de uma violência da modernidade colonial, onde encontramos as
resistências e a subversão, um exemplo é o Guarani e seus falantes, Tali e suas
escolhas de como e onde viver.
Referências
Marcos Antonio Leite Junior é formado em História pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Nova Andradina (UFMS/CPNA). Este artigo é parte de sua
monografia: Gotiques Tropicais: corpos e descolonialidades em Nossa parte de noite,
de Mariana Enriquez, orientada pelo professor Dr. Fábio da Silva Sousa.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na História do Brasil:
revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, V. 37, n. 75, p. 17-
38, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472017v37n75-02. Acesso
em: 30 de agosto de 2022.
ENRIQUEZ, MARIANA. Nossa parte de noite. 1 ed. Rio de Janeiro: intrínseca, 2021.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. Precisamos falar sobre o lugar epistêmico na teoria
da História. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 88-114, abr./jun. 2018.
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Abstract: In this article we have as main objective to indicate aspects of the caricature
launched on the historian Leopold von Ranke, reaffirming the importance of studying
the theoretical and methodological basis of the discipline History. By studying this
area, we can see the change in disciplinary practice and the misunderstanding cast on
important contributors to it. This is the case of Ranke, whose shadow over his figure is
largely cast by the Annales School, in the beginning of the 20th century, despite his
importance for the birth of scientific history in the 19th century.
Keywords: Theory of history. Ranke. Annales.
Introdução
Quem foi Leopold Von Ranke? Qual sua colaboração para com a historiografia? Qual o
contexto do seu trabalho e proposições para a atividade do historiador?
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
De qualquer forma, além de apresentar esse autor, nosso interesse é revitalizar o olhar
sobre ele e suas colaborações, uma vez que um possível excesso de crítica e uma
necessidade de adaptação da disciplina História às demandas do seu tempo, acabaram
por negativizar a imagem desse historiador, associando-o a um tipo de procedimento
que é obsoleto e precisa, pois, ser ultrapassado:
Nesse sentido, faremos uma apresentação desse autor, seu contexto e, em seguida,
uma apresentação dos acontecimentos dentro da disciplina História que levaram a
uma crítica do seu trabalho. E faremos isso por perceber que a crítica, muitas vezes,
ganhou mais visibilidade que seu trabalho, apesar de ele representar o início de como
essa disciplina é pensada até hoje:
“Desnecessário insistir no fato de que oito dentre dez dos seus críticos nada
sabem a seu respeito, e menos ainda sobre sua obra. Para aquele que está
minimamente familiarizado com o que este erudito escreveu, por mais que
dele se afaste em mais de um aspecto, é inevitável a sensação de se estar
diante de uma personagem intelectual de primeira grandeza. A beleza da
composição, a despretensão e a concisão do estilo, e, diria mais, o equilíbrio de
julgamento e a extraordinária capacidade de identificar e construir conexões
históricas, tudo isso tinha-o Ranke no mais alto grau. Quem buscar “teorias”
em suas obras, decerto não as encontrará, mas apenas: um gênio em ação.
Nesta nossa época, temente a superlativos, há de se ter a coragem de dizê-lo.
Outros contemporâneos seus, como Carlyle, certamente mereceriam o mesmo
tratamento e a mesma adjetivação. Mas é tão somente de Ranke que se trata
aqui. (DA MATA, 2011, p. 248)”
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Ainda que tenha prezado por essas questões, Ranke acabou por ser visto como um
historiador preso à documentação, refém dos ídolos político, cronológico e individual,
como mais tarde irá acusar Simiand, na esteira do desejo de submeter a disciplina
história à sociologia.
Ranke traçou uma carreira mensurando as ideologias, para adaptar seus métodos
científicos, o qual inovou e institucionalizou no ambiente acadêmico. Para
compreender a intensidade de um historiador como ele, bem como à ambiguidade à
qual ele foi lançado, Caldas (2008, p. 42) afirma:
“Se Ranke, de um lado não é de fato o “positivista” tão execrado por quase
todos os historiadores no século XX, por outro lado é inegável que sua visão de
história universal e de hermenêutica é historicamente circunscrita: se suas
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Com base nesta perspectiva, é importante lembrar que o historiador teve uma
influência na historiografia francesa. Autores como Langlois, Seignobos, Lavisse, entre
outros, foram leitores e em muito se aproveitaram das colaborações rankeanas, sem
deixar de traduzi-las para o espírito francês. Essa questão gera parte da divergência de
que Ranke era um “positivista”, apesar de em sua metodologia não buscar leis para
História, já que estava voltado ao Historicismo. Historicismo é uma corrente contraria
ao positivismo. Nela, o sujeito (historiador) tem um contato direto com seu objeto de
estudo, não se afastando do mesmo, ou seja, eles se refletem em si. Chegou para
tornar oficial a História como disciplina com a participação do personagem mais
importante Leopold von Ranke. Foi por meio do Ranke que foi padronizado o ofício do
historiador, sua normatização e academia. Apesar de ter carregado uma influência do
Positivismo, algumas divergências surgiram em sua metodologia por não buscar leis
para história já que estava voltado ao historicismo:
Para Ranke, o historiador deveria manter sempre um contato direto com o objeto de
estudo, mantendo a priori a busca da objetividade, sem se afastar do seu objetivo de
pesquisa (e de suas fontes) ou seja, compreender minuciosamente a verdade ou
chegar mais próximo da realidade dos fatos obtido. Porém, para os positivistas, o
historiador deveria manter-se imparcial diante do objeto de estudo, sendo sempre
neutro para obter uma verdade histórica sólida de fato, contudo ele não estava dentro
da objetividade tão rígida, quanto dos positivistas.
Contudo, Ranke defendia a ideia de que cada momento na história era único, e que
deveria ser compreendido em seu próprio contexto, e que cada evento histórico que
ocorreu naquele período, o historiador pesquisador deveria ser fiel as suas fontes. Por
isso, os documentos que eram obtidos durante a pesquisa são dignos de credibilidade,
principalmente as fontes primárias, no caso, a documentação oficial.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Nesse sentido, como foi possível que Ranke fosse considerado um positivista? Também
é importante lembrar que, ao invés de Comte, nosso ilustre historiador Ranke
evidenciava que havia uma assimetria metodológica e epistemológica entre ciências
humanas, ciências sociais e naturais. Para ele, o objeto de estudo não era o mesmo,
dificultando uma análise exata, com os mesmos métodos, o conhecimento e a
pesquisa não poderiam ser neutros, pois o historiador faz parte desta pesquisa. E essa
análise deve estar inserida no percurso do processo histórico historiográfico.
Embora Ranke tenha sido visto como um positivista, sua ligação com o positivismo
estava diretamente ligada com o modelo historiográfico que buscava a compreensão
do passado, observando-a sem fazer nenhum tipo de julgamento, e beneficiando-se da
crítica erudita das fontes:
Positivismo e historicismo
Duas formas de conceber o processo histórico e a escrita dele rivalizavam à época do
pensamento de Ranke: positivismo e historicismo:
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
encarada como absoluta, como no que se refere as buscas de Leis Gerais para o
desenvolvimento. (GIANNATTASIO, 2011, p. 152-153).”
“É comumente aceito que Ranke fala dos indivíduos fora de seu contexto.
Embora não seja, de fato, um autor de história social, um exame mais acurado
pode ser recompensador. Não entendemos por individualidade somente o
autor de uma fonte, mas, sobretudo, um tema histórico (Lutero, os papas, os
reis etc.), os ditos “grandes nomes”. (CALDAS, 2013 p. 15)”
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
O historicismo, nesse contexto, passa a ser pensado em todos esses aspectos, mas, por
meio da apreciação do historiador, ele não considerou a sociedade tal como no
modelo do positivismo, igualando-a aos métodos das ciências naturais. Sobreveio o
pensamento por aumentar o campo sobre o universo historicista, considerando a ideia
de que o historiador fala de um lugar, e como a verdade dos eventos pode ser obtida,
não permite que esses dois modelos possam ser confundidos. Compreender a junção
do modelo historiográfico alemão, vale ressaltar:
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Assim, Ranke não estava voltado a nenhuma história universal humana. Por tanto,
estava voltado na defesa das histórias nacionais particulares, de maneira que já se
pode ver a inclinação e aceitação da própria relatividade historiográfica que, neste
caso, chegou ao nível do objeto de estudo. Fundamentalmente, o historicismo obteve
momentos que produziu outros desdobramentos, nos quais ele apresenta uma nova
concepção de olhar o homem, de forma extremamente distinta da perspectiva
anterior, apresentada pelo pensamento ilustrado, dado pelo positivismo.
O historicismo, por ser polissêmico, diversos autores evitaram esse termo. Por isso, se
nossa intenção é compreender a caricatura e a rejeição de fato de Ranke, que fora
forjada em torno desse historiador, a respeito de suas colaborações, devemos lembrar
que o mesmo estava voltado ao historicismo, especificamente no que diz respeito à
noção de individualidade dos povos. E se ele foi, muitas vezes, considerado positivista,
o que permitiu a criação de uma caricatura sobre ele? Indo nessa direção,
encontraremos o próprio movimento de mudança das bases que definem a prática de
trabalho do historiador: as mudanças dentro da disciplina, consideradas necessárias
para a manutenção de sua indispensabilidade diante da nova atmosfera do século XX,
tem enorme papel nessa questão. O ataque à Ranke, veremos, não é um ataque
apenas externo, das demais disciplinas e seus interesses, mas um ataque de dentro do
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Surgido na França, em 1929, por meio da revista fundada por Lucien Febvre e Marc
Bloch, o movimento dos Annales foi um movimento historiográfico que marcou a
chegada dos métodos das ciências sociais na História, método este que buscava
desfazer a visão “positivista” da escrita da história, que havia dominado no final do
séc. XIX e início do XX.
Tendo como proposta um novo modelo de se pensar e fazer história, olhando por um
ângulo da chegada das ciências sociais, esse movimento atacou e criticou a
historiografia anterior, especialmente a contribuição da Escola Metódica e a
contribuição de Leopold von Ranke para a estruturação dela. A versão da escola
metódica que surgiu na França ocorreu em finais do século XIX em um contexto de
forte sentimento patriótico e de formação da unidade nacional. Portanto, pretendiam
consagrar a história sob status de ciência, com a utilização de métodos científicos que
a distanciassem da literatura. Com o avanço historiográfico, esse movimento
reafirmou possibilidades de análises históricas, levando em conta a história de maneira
mais global. Com isso, elaborou uma nova forma de pensar a construção e crescimento
histórico partir de um problema, a chamada problemática, dando importância para a
historiografia contemporânea, que se estabeleceu por uma proposta de revisão do
próprio método tradicional da história. Para reafirmar a proposta estabelecida no novo
modelo de se fazer história:
“Fazer uma outra história, na expressão usada por Febvre, era, portanto,
menos redescobrir o homem do que, enfim descobri-lo na plenitude de suas
virtualidades, que se inscreviam concretamente em suas realizações históricas.
Abre-se, em consequência, o leque de possibilidade do fazer historiográfico, da
mesma maneira que se impõe a esse fazer a necessidade de ir buscar junto a
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Portanto, o estudo da escola dos Annales tende a confrontar, com a chamada “história
problema”, com a história tradicional, por não concordar com a maneira que essa
historiografia procedia: ela estava presa a um único âmbito – a narrativa – que era
meramente descritiva, pois relatava apenas como as coisas realmente ocorreram,
narrando um evento histórico ou políticos, sem questioná-los. Atentando aos
documentos recolhidos, em seu determinado tempo, como tal ocorreram. Este tipo de
“história narrativa” – coirmã e talvez gêmea siamesa daquilo que Febvre chamou de
“história factual” – é a segunda entidade da tríade visada pelo historiador francês nos
seus combates pela história: a “história factual”, a “história narrativa”, a “história [da]
política”. (BARROS, 2012, p. 312)
Contudo, por longo tempo ainda é feito um estudo historiográfico, com base narrativa,
mas com os novos eventos ocorrendo no século XX e uma nova Escola surgindo, a
narrativa não é o único meio de conhecimento e muitos menos de contar história.
Uma contribuição que marcou a escola do Annales é:
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
Bloch (2001), por exemplo, defendia o abandono de sequências pouco úteis de nomes
e datas e estimulou um maior questionamento sobre a relação entre homem,
sociedade e tempo na construção da história. Alguns historiadores passaram a utilizar
as teorias de Ranke, ou seja, o apoiavam em seus métodos, particularmente no campo
da história política, sendo que sua metodologia e técnicas permanecem em uso por
quase esses historiadores, isso devia se encerrar.
Essa é uma importante característica, visto que a partir do início do século se teve a
necessidade de se fugir dos ídolos mencionados por Simiand, pois eles não traduziam
mais a realidade de uma Europa em crise. Os Annales vão traçar seus estudos em cima
da economia e da sociedade, abandonando os ídolos da tribo dos historiadores.
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Nota-se que na análise feita por Febvre havia em sua obra a oposição à tradição da
escola metódica, atribuindo novas formas de história: a dos Annales. Para ele, a
história para permanecer com alguma importância e lugar definido entre as ciências,
ela precisa se transformar radicalmente.
“São tão antagônicas como o são a velha e popular frase de Seignobos – “sem
documento não há história” – e a réplica de Lucien Febvre, “sem problema não
há história”, ela sim escrita, neste caso, em provocação direta contra o velho
historiador metódico. (BARROS, 2012, p.310).”
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sublinhar que “exato” não quer dizer integral que “ imparcial” não quer dizer “
automático”, que sem fins tendenciosos, sem preocupações literárias não
querem dizer “ sem preconceito, sem escolhas. (SIMIAND Apud FARIAS;
FONSECA; ROIZ, 2006, p.121-126.)
Portanto, essa reflexão é um convite para revisitar esse autor descolado das críticas
dos Annales. Embora tenha sofrido uma caricatura, Ranke ainda está por ser visto
como um colaborador na ideia de relatividade do objeto histórico, muito mais em voga
atualmente, pois já para ele o fenômeno social, cultural ou mesmo político só poderia
ser rigorosamente compreendido dentro da história, dentro do movimento da história
tendo em vista suas particularidades.
Conclusão
Embora, a imagem de Ranke pareça negativa mediante a críticas levantadas, podemos
mensurar que não era apenas um mero reprodutor das informações contidas na fonte
e, por sua vez, se foi considerado o pai da história científica, fez por merecer isso,
obtendo mérito por realmente impactar a formação dessa disciplina em sua época.
Além disso, ainda hoje, mesmo pouco lendo sobre ele, qualquer primeira visita aos
problemas teóricos dessa disciplina leva a Ranke. Se a história tem uma identidade,
ainda que não uniforme, certamente devemos essa questão a Ranke e seu esforço de
fazer, ele mesmo, a história do seu tempo.
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Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
historiográfica, sem esquecer seu próprio contexto e a importância para seu período
de vida e pensamento, da história considerada tradicional.
É claro que a análise feita durante a pesquisa é bastante metódica, na qual pudermos
aqui compreender o pensamento e a elaboração feita por Ranke, com as demandas
ocasionado com a escola historicista que obteve um papel importante na metodologia
e na teoria, que colheu frutos no desenvolvimento histórico. De maneia que o próprio
Ranke, com toda a sua bagagem historiográfica e suas especificidades, sendo ele
religioso, embora não devocional a ponto de interferir na sua perspectiva
historiográfica, vemos seu empenho em trazer um grau cognoscível de cientificidade
ao seu ofício.
Referências
Patriciane Escorcio é discente do curso de Licenciatura em Ciências
Humanas/Sociologia – UFMA e se dedica ao estudo da teoria da história. Alina Miranda
é a orientadora, professora associada da Universidade Federal do Maranhão – UFMA,
Mestre e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo – USP.
BARROS, José. D’ Assunção. Teoria da História. Vol. I Petrópolis, RJ: VOZES, 2011
BARROS. José D’Assunção Teoria da História, Petrópolis, RJ: VOZES, 2012. Conteúdo V.
A escola dos Annales e a Nova História.
71
Revista Sobre Ontens, 2022, vol. 1
DOSSE, F, A História. tradução Maria Elena Ortiz Assumpção. Bauru; EDUSC, 2003.
MATA, Sérgio, Apresentação de Leopold von Ranke, In: In: MARTINS, Estevão Rezende
(org.) A História Pensada, Teoria e Método na Historiografia Europeia do Século XIX.
São Paulo: Contexto, 2010, pp. 187-201.
MARTINS, Estevão; CALDAS, Pedro. Leopold Von Ranke (1795-1886). In: A Constituição
da História como ciência, de Ranke a Braudel. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013.
REIS, José Carlos. A História entre a Filosofia e a ciência. São Paulo: Editora Ática,
1996.
72
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SANTOS, Rosenilson da Silva; ELIBIO JUNIOR, Antônio Manoel. Por uma Leitura
Histórica dos Debates Entre Sociólogos e Historiadores (SIMIAND vs SEIGNOBOS).
Boletim HISTORIAR, v. 6, p. 1-15, 2019.
https://seer.ufs.br/index.php/historiar/article/view/11744
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Abstract
The present work aims to analyze the extraordinary case of Sylvia Serafim, who had
her life completely changed after the Rio de Janeiro newspaper Crítica published an
extremely defamatory article about her divorce with the doctor Ernesto Thibau Júnior,
insinuating an alleged betrayal by Sylvia . The writer who stands out for her intellectual
production and her transgressive attitude towards the society of the time, had her
story erased after taking the life of Roberto Rodrigues, responsible for the illustrations
of the periodical, with a shot in the belly. His judgment was considered historic, since it
was the first to be broadcast live on the radio, in 1930. The work also aims to highlight
the profoundly asymmetric power relations between the sexes.
Keywords: Female criminality; Journalism; Sylvia Seraphim; Passional crime.
Sylvia Serafim Thibau (1902-1936) era filha do médico sanitarista Augusto Serafim,
auxiliar de Oswaldo Cruz e foi uma mulher que nos dias de hoje, podemos considerar
progressista para o período em que viveu. Logo cedo deixou o jugo de seu pai, e
conforme percebemos pelas notas de jornais contendo dados biográficos sobre ela,
era uma intelectual com posicionamento libertário.
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Ela queria expressar suas ideias, transpor barreiras e padrões, não conformando-se
com o que o destino reservava às mulheres de sua época. Sylvia publicou crônicas,
poemas e textos jornalísticos estes eram majoritariamente voltados para o público
feminino e colaborou para grupos importantes de comunicação da época Assis
Chateaubriand e Casper Libero.
Muitos de seus poemas revelam uma forte carga biográfica, seus escritos jornalísticos
expressavam toda a sua ideologia possuindo assim uma intensa carga autobiográfica
chegando a ser congratulada com o famoso Prêmio Literário noticiado pelo Jornal A
Noite, no ano de 1929 na edição de Agosto. Dentre as produções da escritora e
jornalista Sylvia Serafim, destaco a crônica nomeada de “Uma ruptura” também no
ano de 1929. Neste texto, uma esposa descontente e entediada com seu matrimônio
toma a decisão de romper o casamento fracassado em nome de um amor por outro
homem mais jovem.
Mostrando toda a sua coragem, Sylvia reunia em seus temas praticamente todos os
tabus de sua época, deixando explícito seu desejo de liberdade e ruptura com tudo o
que era incutido e “esperado” das mulheres que teriam que escolher entre um
casamento infeliz ou sua marginalização e estigmatização da sociedade devido à
separação.
No mesmo ano a autora também publica a crônica “Achas que Devo Hesitar?”, onde
narra um interessante diálogo entre duas amigas denominadas Lélia e Gilda em que a
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primeira se vê num grande dilema amoroso entre um amor que considera verdadeiro
de um homem pobre e aquele que a sociedade considera o marido ideal, capaz de lhe
trazer segurança. Sua amiga e conselheira Gilda tem uma visão bastante crítica a
respeito da amiga “vender” sua felicidade como pode ser observado a seguir:
Como anteriormente mencionado, Sylvia tem uma forte carga autobiográfica e seus
escritos refletem o que ela passava em sua vida pessoal, além de manter sua carreira,
na época era casada com o respeitado médico Ernesto Thibau Júnior, com quem
também tinha filhos. Em 1929, com 26 anos de idade, Sylvia opta pela separação e
começa então o seu calvário.
O início do fim
No dia 26 de dezembro de 1929 o jornal Crítica, de Mário Rodrigues, pai do escritor,
dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, publicou um artigo, em que não somente
expôs todo o processo de separação de Sylvia e Ernesto, mas também, fazendo graves
insinuações sugerindo a possibilidade de adultério com os nomes completos de todos
os envolvidos.
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Conforme apontado no próprio título da matéria, havia uma ânsia social em desvendar
os mistérios envoltos no caso de separação entre Sylvia e João Thibau Júnior. O próprio
jornal afirmou que os relatos coletados pela Caravana da Crítica são
“comprometedores da honra da escritora, além de balançarem os méritos do grande
radiologista Dr Manoel de Abreu”.
Nesta mesma edição difamatória, a qual devo salientar, era um aspecto jornalístico da
Crítica, consta a seguinte passagem:
Sylvia vai até a redação do Crítica à procura do editor chefe e é recebida pelo seu filho
Roberto Rodrigues com quem trava uma discussão, conforme é relatado no seu
depoimento perante o júri. Ao sentir-se humilhada e afrontada novamente, armou-se
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de um pequeno revólver que trazia em sua bolsa, disparando apenas um único tiro em
Roberto, no dia 26 de dezembro de 1929. O ilustrador, devido à gravidade do
ferimento, faleceu alguns dias após o atentado.
“Apesar de sua pouca idade, Roberto Rodrigues não tem na sua vida de artista
e de homem um fato desses que a adolescência explica absolve. Austero nos
seus costumes íntimos, já chefe de família, sua vida é um exemplo de
circunspeção.” (RIO DE JANEIRO. Crítica, 27 de dezembro de 1929, p. 08).
O/a leitor/a tem uma reconstrução detalhada do acontecimento como pode ser
observado:
E segue:
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A narrativa provoca a interação do/a leitor/a com aquele mundo, daí a necessidade de
detalhar o acontecimento, especificando tudo aquilo que chama atenção dos sentidos,
para que dessa forma, os sons ecoem na imaginação de quem está lendo. A cena é
construída pelos sentidos, especialmente o auditivo, primeiro o estampido, mais tarde
o grito e, por fim, o baque do corpo caindo no chão. Quem está descrevendo a cena
presenciou aquele momento por meio dos sons que ecoaram na redação do jornal,
assim como o/a leitor/a. Assim como o repórter, o leitor consegue reconstituir a cena
pelas sensações que a notícia traz.
A matéria então passa a ter um narrador onipresente que se faz capaz de visualizar os
acontecimentos do cômodo onde estavam apenas Sylvia e Roberto presentes, o
redator descreve detalhes, fantasiando uma cena para que o/a leitor/a também o faça:
“Sylvia Thibau a sós com Roberto Rodrigues verberou asperamente a reportagem que
ontem foi publicada sobre seu desquite, Gentleman Roberto Rodrigues procurou, com
a mesma delicadeza explicar a atitude do jornal, mas a meretriz não deu tempo, trazia
o crime premeditado. Queria matar. Roberto estava sentado a uma mesa, cuja a
cabeceira também se encontrava sentada a criminosa. Disfarçadamente abriu a bolsa
onde trazia um revólver Galant, tipo pequeno e de lá retirou a arma.” (RIO DE
JANEIRO. Crítica, 27 de dezembro de 1929, p. 08)
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Sylvia foi conduzida sem nenhuma resistência por um policial ao 1º Distrito de Polícia,
na Praça Mauá. O acontecimento fez com que não só a alta sociedade carioca como
também o meio jornalístico da época ficasse em polvorosa. Uma verdadeira guerra
editorial começou utilizando-se do drama de Sylvia. De um lado, o grupo comandado
por Mário Rodrigues, e, de outro, o grupo comandado por Assis Chateaubriand a favor
de Sylvia. O segundo grupo publicou matérias enaltecendo a carreira de Sylvia, sua
condição de mulher, mãe, batalhadora e as humilhações que o jornal Critica a fizeram
passar.
O Diário Carioca do grupo Chateaubriand considerou que não foi nenhuma grande
surpresa o acontecimento, uma vez que o periódico era sensacionalista e
frequentemente publicava figuras ultrajantes. De acordo com Carla Karloni, o jornal
considera o caso como um ato “em defronta da honra pessoal”.
Em uma de suas publicações o jornal realizou uma entrevista com Sylvia na delegacia e
a jornalista relata:
“Fui à redação da Crítica para falar pessoalmente com o seu diretor [...]. Eu
desejava retificação de uns certos comentários que aquele matutino publicara
hoje. Roberto falou que não teria tempo para ‘rameiras’. Não tinha a intenção
de matá-lo. Comprei arma para me defender de alguma agressão.” (RIO DE
JANEIRO. Diário Carioca, 27 de dezembro de 1929, p. 9)
Sylvia logo em seguida é internada em uma casa de repouso particular, diante de seu
estado de saúde debilitado, ela também sofria de uma condição denominada
“radiodermite” devido às sucessivas sessões de raio x que fez em seus membros
inferiores com o intuito de eliminar os pelos corporais.
Enquanto isso, a guerra editorial jornalística seguia com todas as forças. Segundo é
apontado no Diário Carioca, o Critica estaria novamente buscando ofender a honra e a
honestidade de Sylvia através da afirmação de que ela estaria fazendo passeios
noturnos de automóvel em companhia íntima.
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A vilã
Para o pesquisador e bisneto de Sylvia Serafim o autor Sérgio Schargel, o maniqueísmo
em sua vida, inicia-se logo após o assassinato e se mantém até a atualidade (SCHARGE,
2021, p. 63).
Uma vez que o julgamento de Sylvia também serviu de palco para uma disputa entre
os progressistas e o conservadorismo, em que o primeiro grupo defendeu que Sylvia
teve sua privacidade exposta e devido à gravidade da situação não viu outra
alternativa a não ser tomar medidas trágicas.
Já o segundo grupo, afirmou que Sylvia é uma vergonha para toda a sociedade,
principalmente para as mães brasileiras, tanto que o jornal Crítica chegou a afirmar em
uma de suas inúmeras publicações acerca do tema que o fato dos grupos progressistas
e feministas a defenderem, representava um “ultraje à família brasileira. Os amigos da
assassina Sylvia Serafim tentam equipará-la às virtuosas damas de nossa sociedade!
[...] A família brasileira paira muito acima de todas essas indignidades.”
Na matéria de 24 de agosto de 1930 na edição número 557 isso fica bastante evidente
quando, logo após a morte de Mário Rodrigues, em uma montagem Sylvia é posta
rindo de maneira debochada de seu caixão.
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RIO DE JANEIRO. Crítica. 24 de agosto de 1930, edição n. 557. (editada pela autora)
O que não é tratado no Crítica, mas é lembrado pelo biógrafo e escritor brasileiro Ruy
Castro, autor da biografia Anjo Pornográfico de Nelson Rodrigues, tanto Roberto
quanto seu pai Mário eram abertamente adúlteros como pode ser percebido nos
trechos a seguir:
“ [...] Elsa (esposa de Roberto) foi morar com Roberto no palacete da rua
Joaquim Nabuco. Os dois construíram o seu ninho no porão, mas - ponha nisso
uma característica de temperamento ou apenas uma circunstância - o ateliê de
Roberto no largo do Machado continuou a todo pano. Sua nova condição de
casado parecia torná-lo ainda mais magnético e nem as amigas mais sirigaitas
de Elsa se continham. Uma delas suspirou: “Os olhos de Roberto me fazem
cócegas”. O casamento não o tomara impermeável às paixões fora de casa, e
pelo menos uma dessas foi febril: a que teve com Anita, irmã do poeta Augusto
Frederico Schmidt.” (CASTRO, 2007, p. 75).
“ O tiro fora para ele, Mário Rodrigues, mas quem o recebera foi Roberto.
Maria Esther não o poupava enquanto espremia o lencinho: “Eu te perdôo
tudo, menos isto”. Por “tudo” queria dizer os velhos sumiços de Mário, as
carraspanas, os ataques de ciúmes, as brigas entre os dois e as cartas e
telefonemas anônimos de mulheres contra ela. Mas Mário não queria perdão,
queria Roberto (CASTRO, 2007, p. 94).”
Enquanto isso Sylvia era tida como adúltera, apesar de o ex marido de Sylvia, Ernesto
Thibau confirmar que os motivos que os levaram ao divórcio nunca estiveram
relacionados a adultério e sim à vontade de Sylvia em se dedicar de maneira mais
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Apesar disso, sua reputação foi profundamente afetada, mesmo atualmente, na maior
parte das obras acadêmicas ou literárias, Sylvia ainda é tratada com inferioridade,
apenas a ''mulher rodrigueana” ou a assassina.
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O fim
No dia 22 de agosto de 1930 foi realizado o julgamento de Sylvia por homicídio.
.Fonte: RIO DE JANEIRO. O jornal. 23 de agosto de 1930, ano XII, n. 3613, p. 01.
Por isso Sylvia foi absolvida no júri por 5 votos contra 2, sob o pretexto de crime
passional, foi considerado que a privação momentânea da razão que a levou a cometer
tal delito de natureza tão violenta, a legítima defesa da honra.
Ou seja, Sylvia curiosamente foi absolvida pelo mesmo fundamento que legitimou
inúmeros casos de feminicídios em nosso país. Ela foi submetida a um exame
psiquiátrico, o qual concluiu:
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A reportagem publicada pela periódico Fon-Fon, em que Sylvia costumava fazer suas
publicações e um dos jornais que colaboraram no combate às infames publicações de
Crítica, evidencia de maneira bastante assertiva o que boa parte da sociedade pensava
a respeito de Sylvia: uma mulher ingrata e rebelde cujo fim trágico ela fez por
merecer.
Sylvia então se apaixona por um militar da força aérea denominado Armando Serra
Menezes, com ele teve um filho e algum tempo depois é presa acusada de falsificar
documentos. No jornal Diário da Noite, Sylvia cedeu uma entrevista contando os
rumos trágicos que sua vida tomou.
Fonte: RIO DE JANEIRO. Diário da Noite. 24 de abril de 1936, n. 2603, ano VIII.
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Os pulsos cortados, são decorrentes dos golpes de navalha que Sylvia aplicou no local,
sendo visível sua fisionomia bastante magra, bem diferente de suas fotos tiradas antes
da tragédia naquele 26 de dezembro de 1929. Ela estava sendo mantida em cárcere
privado desde 23 de abril do ano de 1936, uma vez que foi acusada de supostamente
apresentar documentos falsos para entrar na faculdade de Direito da cidade de
Niterói.
Sylvia iniciou sua entrevista desmentindo a acusação de que ela teria viajado para o
Uruguai em busca de uma reconciliação com Armando, na verdade ela estava tratando
de seu casamento:
“Os jornais — Iniciou a sua palestra conosco — não foram justos quando
disseram que eu havia viajado até Curityba para forçar uma reconciliação com
o tenente, Armando Serra Menezes. Conforme já declarei, vivemos durante
quatro anos juntos e, realmente, os sentimentos que nos ligara tinham de ser
forçosamente inteusos. Isso, entretanto, já passou. Não me Interessa mais. O
ruído feito em tomo do meu nome, neste momento, tem por origem a situação
do meu filho, que, afinal de contas não é culpado do desvario da mãe. somente
me preocupo com o futuro dele [...]” ( RIO DE JANEIRO. Diário da Noite. 24 de
abril de 1936, n. 2603, ano VIII.)
Fonte: RIO DE JANEIRO. Diário da Noite. 24 de abril de 1936, n. 2603, ano VIII.
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Pouco tempo depois da realização dessa entrevista, no dia 27 de abril de 1936, Sylvia
se suicidou aos 33 anos. Segundo o jornal, Sylvia fez uso de uma dose letal de soníferos
para atingir seu objetivo. Podemos perceber nas imagens a seguir que a jornalista teve
seu corpo violado mesmo após sua morte, as fotografias mórbidas publicadas pelo
jornal, ocupam o maior espaço nas páginas do periódico. Além disso, segundo a autora
Karla Carloni (2020, p. 78):
Considerações finais
Ao analisarmos o caso de Sylvia Serafim, conseguimos compreender que a violência de
gênero é um dos aspectos característico de inúmeros ambientes sociais, nas relações
amorosas, na imprensa, nas instituições públicas e nos relacionamentos profissionais.
O caso de Sylvia apresenta sucessivas violações sobre o corpo feminino, que era
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Sua situação é considerada pela imprensa como sendo escolha da própria Sylvia. Sua
vida foi estampada em jornais que lucravam com os seus infortúnios, ao mesmo tempo
em que promoviam um discurso de caráter quase que pedagógico a respeito de violar
as normas sociais impostas nas relações de gênero. Segundo Friedan:
Sylvia foi transgressora e lutou até o fim, mesmo que de forma contraditória, para
controlar seu corpo e viver intensamente seus desejos e subjetividades. Jamais aceitou
sua condição limitada às mulheres. Por meio de suas publicações buscou tratar do
feminismo e questionar as normas da sociedade. Assim como Sylvia, ainda muitas
mulheres sofrem ao buscarem transgredir as normas sociais.
Assim como Malala, Frida Kahlo ou o conto de Madame Bovary, de alguma maneira
mulheres que se revoltam contra o cenário social vigente sempre acabam pagando um
preço bastante alto por isso. Em diferentes cenários e situações a história de Sylvia
ainda se faz muito presente em nossa sociedade.
Referências
Bruna Matos ingressou na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul em 2019 e no
ano de 2022 sob a orientação da professora Dra. Ana Meira iniciou seus estudos a
cerca da vida e obra da escritora Sylvia Serafim.
Fontes:
RIO DE JANEIRO. Fon-Fon. 07 de março de 1931, edição 10, p. 42.
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GOMES, Glaucia Alves. ‘Petite Source’ ou ‘Cinderela’ num Mundo Masculino. Amatra 1,
2022. Disponível em: <https://www.amatra1.org.br/noticias/?sylvia-queria-romper-o-
padrao-expressar-suas-ideias-em-vez-de-seguir-a-manada> Acesso em: 20 de
novembro de 2022.
CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico. São Paulo: Companhia Das Letras, 2007.
FRIEDAN, Betty. A Mística Feminina, Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda., 1971.
MEIRA, Ana Paula Galvão de. Me quiseram rosa, subjugaram meus espinhos:
mulheres rés e relações de gênero na Comarca de Castro, Paraná (1840-1890). Tese
(Doutorado em História). Marechal Cândido Rondon: Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, 2021.
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Introdução
O Projeto Orientalismo é um projeto de Extensão da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, coordenado pelo Prof. Dr. André Bueno. As pesquisas possuem a temática
sobre as Histórias Asiáticas, com ênfase em China e Índia no período da antiguidade,
sobretudo. Os estudos propostos visam demonstrar as particularidades,
especificidades e as diferenças em torno das perspectivas eurocêntricas que dominam
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Experiência pessoal
Iniciei no Projeto em maio de 2022, e considero que o projeto me permitiu analisar
como as escolas priorizam mais os estudos de Ocidente e quando mencionam o
Oriente tratam de maneira breve, apenas falando do desenvolvimento das primeiras
civilizações ou história dos Egípcios e suas pirâmides superficialmente, por exemplo.
Sendo os outros povos minimizados ao longo da construção do seu saber escolar e
posteriormente acadêmico. Ao refletimos sobre essa exclusão, cabe destacar, a
seguinte análise do professor André Bueno:
Selva Guimarães Fonseca em seu livro Didática e prática de ensino de história, aponta
que para se construir um projeto educacional a figura do professor é a mais
importante dentro do processo e destaca: “este domina um conjunto de saberes e a
educação realiza-se por meio de seu trabalho de planejamento e desenvolvimento do
processo de ensino aprendizagem, sendo investido de autoridade acadêmica e
institucional.” (FONSECA, 2003, p.19)
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Ademais, no processo de formação bolsista, podemos analisar que a História deve ser
ensinada para além dos livros didáticos. Sendo fundamental, questionar esses livros
escolares, desse modo, de acordo com Alexandre Galvão Carvalho:
Existem assim, outros instrumentos pedagógicos atualizados que nos permitem uma
aula mais lúdica, seja por meio de jogos, mangás, filmes, quadrinhos, entre outros.
Dentro desse ponto de ensino aprendizagem, um recurso bastante usado no projeto
foram os documentários, dentre eles intitulado “Construindo um Império: China”,
apresentado pelo History Channel e disponível em plataforma eletrônica. Merece
destaque, pois o recurso audiovisual nos permite apresentar ao aluno um panorama
geral sobre a História da China através de uma linguagem bem acessível, diante disso,
as imagens apresentadas de grandes construções, como exemplo a Grande Muralha,
que tiveram um peso significativo servem para aproximar os alunos daquele momento
o máximo possível.
Considerações finais
Desse modo, as reflexões aqui colocadas, são frutos do processo de formação como
bolsistas. Esses apontamentos acerca dos outros instrumentos pedagógicos que
possam ser usados no ensino de história são parte do que debatemos no projeto para
além dos estudos e conhecimento científico produzido sobre cultura asiática. O Projeto
Orientalismo assim, não permite apenas um outro olhar sobre a formação acadêmica
do bolsista como também proporciona novas formas de conceber o ensino de história
a fim de dar base significativa para os futuros professores ministrarem aulas sobre as
infinitas Histórias Asiáticas que existem fora da concepção eurocêntrica. Nós,
infelizmente, estamos vivenciando a era dos preconceitos, frente a um momento de
pandemia do covid-19, onde os chineses são culpados pelo mundo de propagaram o
vírus, não estimular o estudo sobre o oriente acaba impulsionando estereótipos e
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visões erradas sobre muitos povos. Somente a educação tem o papel de reverter essa
situação de fazer com que tais preconceito sejam amenizados.
Referências
Roberta Soares da Silva, graduanda em História e bolsista no Projeto Orientalismo pela
UERJ-Rio.
BUENO, André. Ensinando a história da China: como fazer? Teaching history of China:
how to make? Irati, Revista Tel Tempo, Espaço e Linguagem, v.8, n.2, p. 56-67, 2017.
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Abstract: Through this article we aim to broaden the debate about the use of video
games, which are based on historical events, as an alternative media tool for the
teaching of history. We point out the imaginary that these games create in the
students through their narratives and scenarios, so, by inserting them in the lesson
plan, we must be aware of the benefits and challenges in order to be effective the
competencies acquired by the students, being necessary the full mastery of the
teacher in the content of the game and the class and in the use of this didactic
resource. We exemplify two games as a sample of this media, The Elder Scrolls
V:Skyrim and Assassin's Creed Valhalla, which relate their stories under medieval
settings, mixing historical and mythological events, creating an immersive and didactic
experience about certain periods and legends.
Keywords: History teaching; Video games; Education.
Introdução
Ao passar dos anos, os jogos eletrônicos, famosos videogames, evoluíram de forma
considerável em múltiplos aspectos, tomando dimensões que provavelmente não
foram previstas por seus criadores, desde gráficos extremamente realistas a feiras
enormes com temáticas de jogos e estádios lotados em uma final de campeonato de
League of Legends (2009). Nos dias atuais, essa forma de entretenimento diverte
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pessoas que jogam e pessoas que assistem por sites de streaming, além de ser fonte
de renda para os que trabalham de forma direta e indireta, desde os programadores
de jogos e roteiristas aos criadores de conteúdo para internet e jogadores que atuam
profissionalmente nos cenários competitivos. Desse modo, o que antes era uma
simples forma de diversão, hoje, nos apresenta um mundo imaginário capaz de
transformar vidas e proporcionar viagens fantasiosas no tempo ou narrar histórias
reais, como guerras ou cotidiano de povos que existiram no passado.
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Temos em vista que, a princípio, não há motivo para supor que as representações do
passado presentes em um jogo eletrônico originam-se, obrigatoriamente, de uma
forma de discurso histórico, a partir do momento em que são inúmeras as maneiras de
conhecer o passado (LOWENTHAL, 1998), ou seja, se faz necessário evitar,
aprioristicamente, adjetivar tais jogos como históricos. Reconhecendo, ao mesmo
tempo, que a problematização e a busca pela identificação da fonte dessas
representações deve ser uma etapa característica do processo de avaliação desses
jogos.
Nessa abordagem, segundo Vianna Telles (2016), um jogo designado como histórico, é
compreendido como um produto qualificado para desempenhar um papel mediador.
Juntamente com esse processo, a discussão a respeito da caracterização histórica de
um videogame é preocupação frequente na literatura que os historiadores têm
produzido sobre o tema, principalmente quando a intenção é avaliar a possibilidade da
utilização dele para mediar processos de ensino e aprendizagem de História.
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Com as ideias expostas, compreendemos que o efeito no campo historiográfico foi dar
um importante papel epistemológico aos aspectos literários para o historiador,
possibilitando a análise da função de elementos figurativos no discurso histórico,
problematizando a ideia de que sua lógica interna era somente orientada pelos fatos.
Com a História sendo pensada a partir da linguagem, foi estabelecido um estatuto
positivo a outras formas de expressões do conhecimento sobre o passado, como no
teatro, literatura, cinema, quadrinho e, atualmente, em jogos eletrônicos, estimulando
pesquisas a respeito de suas utilizações no ensino de história.
Quando o fictício foi compreendido como originado pelo real, orbitando a verdade, o
entendimento de que ficção poderia estimular a aprendizagem de História cresceu. No
fim da década de 1980, Bergman (1989) afirmou que a educação histórica passou a ser
compreendida como algo que se dá dentro, mas também fora da instituição de ensino,
tendo contribuições da memória, do imaginário e da mídia.
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Vale ressaltar que os jogos eletrônicos não precisam ser incluídos na categoria de
“narrativa” da mesma forma que filmes, livros e séries, pois são incompatíveis com
definições de narrativa dadas pela narratologia (FRASCA, 2003). O que podemos
compreender é que narrativas e jogos têm similaridades e campos de encontros, como
abrigar sequencias de eventos e construções de mundos (MUSSA, 2011). De certa
forma, jogos eletrônicos se trata de simulações interativas e o tempo da história é
‘revivido’ no momento em que o jogador faz suas ações, por isso é ‘contada’ no agora
e o tempo em que é ‘assistida’ também é o agora. No entanto, nos jogos em que os
eventos são históricos a narrativa estabelece um contato com o passado, sendo uma
‘recontação’, significando que não pode ter interatividade e narração ao mesmo
tempo (JUUL, 2001).
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longa, provavelmente com celeiros e oficinas sob o mesmo teto. Essas casas de forma
retangular possuíam corredor central com largura variável, resguardado por telhados
esconsos de duas águas cobertos por um grosso amarrado de palha (PORTO JUNIOR,
2017).
Vemos dentro do jogo grandes salões em que personagens elaboram seus planos de
invasão ou diplomacia com cidades vizinhas, podemos notar colunas com cabeças de
dragões, duas mesas grandes com alimentos locais e uma fogueira no centro. Ao longo
da Era Vikings as construções em sua maioria eram simples, com materiais obtidos no
local e de técnicas rudimentares, pois eram provavelmente feitas pelos próprios
moradores, com exceções das mansões de aristocratas e chefes escandinavos, que
possuíam dimensões que chegavam a alcançar de 50 até 86 metros de comprimento.
O interior da maioria das casas tinha o chão de terra batida coberto por juncos ou
alguma outra folhagem e como possuíam poucas aberturas, na penumbra nebulosa do
seu interior destacava-se o local destinado a fogueira, que ocupava a parte central da
habitação. Entre os motivos da localização dessas fogueiras estava o aquecimento,
iluminação e era onde os alimentos eram cozidos (PORTO JUNIOR, 2017).
Considerações finais
Através dessas análises, mesmo que de maneira sucinta, buscamos expandir o debate
sobre os jogos de temáticas relacionadas a história e suas ambientações, que podem
agregar valores pertinentes para o imaginário de seus jogadores. Após jogar um dos
jogos aqui mencionados, uma pessoa sem qualquer conhecimento prévio dos nórdicos
do medievo cria uma ótica do ambiente em que viviam. Compreendemos, portanto,
que o ensino de história pode abranger recursos midiáticas em seu prol, pois
reconhecemos que são diversos os meios de estímulos para a aprendizagem de
história. Além do mais, se há pouco tempo atrás era difícil inserir esses recursos por
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A pretensão desse texto é expor que jogos eletrônicos são, para além do
entretenimento e ficção, ferramentas e mídias interativas dotadas de conteúdos que
podem adicionar significado para os mais diversos assuntos históricos. Sob todas as
orientações da ótica do professor historiador, uma aula com estas representações
pode apresentar maior interesse dos alunos e os instigar a produtividade. Trabalhos
em que os estudantes irão escrever sobre seus entendimentos a respeito das casas ou
vestimentas e objetos de um determinado período podem se tornar divertidos, sendo
benéfico para seu desenvolvimento e aprendizagem. Pensamos que os ‘receptores’
das salas de aula, os alunos, quando não têm relação com a realidade do conteúdo ou
o conteúdo não possui relação com sua realidade, tendem a apresentar dificuldades de
aprendizagem e interesse. Isso ocorre pela falta de significado de certos conteúdos e a
relação distante que provas, testes e outras avaliações tem com o que lhes é atrativo.
Cabe reforçar, por fim, que o professor deve sempre ter conhecimento da
acessibilidade de seus alunos quando for elaborar suas exposições e atividades
relacionadas aos jogos mais caros, o que não impossibilita que o docente, com
responsabilidade, leve os recursos necessários para a instituição de ensino a fim de
obter êxito no plano de aula. A utilização de uma mídia como os jogos eletrônicos no
processo de aprendizagem pode ser uma fonte eficaz e válida junto as demais
alternativas didáticas para o ensino de história, entretanto, sabemos que não é uma
resposta para problemas na educação. Se faz necessário que o docente possua
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