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[Org.]
MUNDOS EM MOVIMENTO:
ORIENTALISMOS
2021
Reitor
Ricardo Lodi Ribeiro
Vice-Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Domenico Mandarino
Projeto Orientalismo
Coordenador: André Bueno
www.orientalismo.blogspot.com
Ficha Catalográfica:
Bueno, André [org.] Mundos em Movimento:
Orientalismo. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ,
2021.
ISBN: 978-65-00-31925-5
Sumário
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. 6
ORIENTALISMOS E BRASIL
COSPLAY, MANGÁ, ANIME, CULTURA POP E OS DESDOBRAMENTOS DA
CULTURA NIPÔNICA NO BRASIL por Alexia Henning e Vanda Fortuna Serafim ...... 9
SUBVERSIVOS E LABORIOSOS: A IMIGRAÇÃO CHINESA ATRAVÉS DO
JORNAL CORREIO PAULISTANO por Alisson Eric de Souza Simão Pereira e Carlos
Eduardo Martins Torcato .................................................................................................. 17
O VÍRUS CHINÊS E O USO DO ANTICOMUNISMO PELO BOLSONARISMO por
Ariel Cherxes Batista ........................................................................................................ 24
NÓS E OS OUTROS: RAÍZES DA INTOLERÂNCIA HISTÓRICA AOS ASIÁTICOS E
A IMIGRAÇÃO AO BRASIL por Jean Carlo Lima de Moura ........................................ 30
A GUERRA DO ÓPIO A PARTIR DO PERIÓDICO O DESPERTADOR, DIÁRIO
COMERCIAL, POLÍTICO, CIENTÍFICO E LITERÁRIO [RJ] por Lara R. de Souza e
Maia e Carlos E. Martins Torcato ..................................................................................... 41
REAPROPRIAÇÕES DO EGITO ANTIGO NO Vale do Amanhecer EM PLANALTINA
[DF] por Pepita de Souza Afiune ...................................................................................... 48
O PERIGO AMARELO NO ESTADO DO PARANÁ: UMA NOVA FASE DA
IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL por Ronaldo Sobreira de Lima Júnior ............ 55
DESAFIOS E INQUIETAÇÕES NOS DISCURSOS PRECONCEITUOSOS CONTRA
ASIÁTICOS EM SOLO BRASILEIRO E ASSOCIAÇÃO A COVID-19: UM
PANORAMA QUE MERECE DISCUSSÃO! por Wagner Pereira de Souza ................. 63
OS ESCRITOS DE VIAGENS EM SALA DE AULA: JOÃO DE PIAN DEL CARPINI E
A NOÇÃO DO “OUTRO” NO ORIENTE por Jorge Luiz Voloski ................................. 70
ORIENTALISMOS E ENSINO
DISCUTINDO O CONCEITO DE ORIENTALISMO ATRAVÉS DO FILME “O
ÚLTIMO SAMURAI” [2003] por Edelson Geraldo Gonçalves ...................................... 78
HATSHEPSUT: DOS OBELISCOS EM KARNAK PARA AS AULAS DE HISTÓRIA
por Gabriela Maria Teodósio ............................................................................................ 85
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A PARTIR DAS MEMÓRIAS DA VOVÓ OK-SUN
LEE: HISTÓRIA EM QUADRINHOS “GRAMA” COMO RECURSO DIDÁTICO por
Krishna Luchetti................................................................................................................ 92
O CONHECIDO DESCONHECIDO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA ORIENTE
NA DISCIPLINA HISTÓRIA por Maria Eugênia Silva e Silva e Alina Silva Sousa de
Miranda ............................................................................................................................. 99
“JOHN RABE”: REPRESENTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DO MASSACRE DE
NANQUIM por Maria Gabriela Moreira ........................................................................ 106
ORIENTALISMOS E TEORIAS
AQUISIÇÃO DE LEITURA/ESCRITA E GURU-ŚIṢYA-PARAMPARĀ: VALORES DO
ESTUDO TRADICIONAL DO SÂNSCRITO NO BRASIL por Alina Miranda .......... 114
MAS HÁ UMA FILOSOFIA NA CHINA? por André Bueno ....................................... 121
A INDIVIDUALIDADE NA MORAL BUDISTA por Arthur D´Elia dos Santos e Yasmin
Ribeiro de Carvalho ........................................................................................................ 128
UM BREVE OLHAR HISTÓRICO DA CHINA: A IMPORTÂNCIA DO
CONHECIMENTO DE SUA CIVILIZAÇÃO NA DESCONSTRUÇÃO DE
ESTEREÓTIPOS por Elois Alexandre de Paula ............................................................ 138
GRIFFIS E A LENDA DO ORIENTAL: UMA DENÚNCIA DO ORIENTALISMO
ANTES DE SAID por Emannuel Henrich Reichert ....................................................... 146
O ORIENTALISMO DE ARNOLD TOYNBEE: A GRÉCIA COMO “ORIENTE
PRÓXIMO” por Felipe Alexandre Silva de Souza ......................................................... 153
ALBERTO FRANCO NOGUEIRA E A DEMOCRACIA JAPONESA por Gustavo Souza
de Deus............................................................................................................................ 161
A CONCEPÇÃO DE TOYO E O CONTRASTE COM O ORIENTE por Levi Yoriyaz 167
O ORIENTALISMO EM TENT LIFE IN SIBERIA, DE GEORGE KENNAN por Nykollas
Gabryel Oroczko Nunes .................................................................................................. 174
REPRESENTAÇÃO FEMININA JAPONESA NO FILME SAYONARA por Renata Sayuri
Sato Nakamine ................................................................................................................ 181
O ORIENTALISMO GRÁFICO DE SOPHIA JOBIM por Rodrigo de Sousa Barreto . 189
DANÇA DO VENTRE E HISTÓRIA: OS VÁRIOS TONS DO ORIENTALISMO por
Vanessa dos Santos Bodstein Bivar ................................................................................ 197
APRESENTAÇÃO
Desde 1978, quando Edward Said lançou seu livro ‘Orientalismo: a invenção do
Oriente pelo Ocidente’, os estudos sobre a Ásia não foram mais os mesmos.
Tornou-se inviável pensar toda e qualquer forma de conhecer as civilizações
orientais a partir da agenda colonial e imperialista que marcou as relações mundiais
nos séculos 19 e 20. A própria epistemologia das ciências humanas e literárias foi
colocada em questão, já que seus paradigmas estavam pautados em projetos de
dominação, que continuavam a impor uma hierarquia cultural imaginária sobre as
várias expressões da Humanidade.
No caso do Brasil, fica claro que essa disputa corre solta dentro do mundo
universitário, em que as inciativas sobre estudos orientais/asiáticos ainda enfrentam
os desafios impostos por grupos irredutíveis a realidade do mundo, e que tentam
isolar o pensamento brasileiro numa bolha eurocentrada. Essa prática, dependente
ainda de um superado de projeto de nação branca e ocidentalizada, busca se
respaldar na miragem de um possível conflito de civilizações, como foi tão
propalado por Samuel Huntington, um dos ideólogos do orientalismo
neoconservador e continuamente excludente.
Nesse sentido, como poderemos superar os desafios de construir uma nova episteme
e criar uma abertura intelectual, teórica e metodológica para compreender melhor
os vários Orientes possíveis? Em que medida poderemos acessar nossas heranças
afro-orientais, que alicerçam a existência da cultura brasileira? Longe de criarmos
demarcações do que é ‘oriental’ ou ‘asiático’, de forma homogeneizada, como
podermos contemplar a diversidade e a riqueza das milhares de expressões étnicas
e culturais que compõe a riqueza de nosso mundo?
André Bueno
ORIENTALISMOS
E BRASIL
COSPLAY, MANGÁ, ANIME, CULTURA POP E OS
DESDOBRAMENTOS DA CULTURA NIPÔNICA NO
BRASIL
Alexia Henning e Vanda Fortuna Serafim
O presente artigo é fruto da pesquisa de Iniciação Científica, intitulada: “O perfil
de cosplayers brasileiros na contemporaneidade – um estudo de História Cultural.”
já finalizada, cujo objetivo consistiu em conhecer o perfil de cosplayers brasileiros
na contemporaneidade por meio da aplicação de questionário, com a finalidade de
identificar as características destes praticantes, bem como a forma que conheceram
a atividade, motivações, significações e experiências.
Introdução
Ao falarmos do termo “cultura pop”, precisamos mencionarmos a obra organizada
por Luyten [2005]: “Mangá e a cultura pop”, que, de acordo com a autora, a palavra
“pop” tem um maior reconhecimento nos Estados Unidos durante os anos 60 e 70
devido a sua ligação com o gênero musical mais ouvido pelos jovens. Contudo, o
que Luyten [2005] nos conta é que foi mediante às obras de Roy Lichtenstein [pintor
americano identificado com a Pop Art. Procurou valorizar os clichês das histórias
em quadrinhos como forma de arte.], o qual teve inspiração nas histórias em
quadrinhos produzidas no Oriente, os famosos mangás, que o termo “pop art” passa
a ser conhecido.
Essa influência ocidental pela qual o Japão passou não trouxe apenas modernização
e contribuições para o nascimento dos quadrinhos japoneses, mas também colabora
com a arte narrativa e charges, as quais no início do século XX, eram os meios
utilizados pelos artistas para extravasarem suas decepções com a política de seu
país [ALMEIDA, 2018].
No cenário geral, com essa indústria de entretenimento crescendo cada vez mais, o
anime ganhou um grande destaque na mídia, que descobriu os desenhos animados,
assim como o mangá, tinham e ainda tem um poder para atrair o público adulto
[NAGADO, 2005]. Segundo Sato [2007], foi por meio de um tipo de seleção natural
pelo consumo do público que houve o destaque dessas produções, pois entre
centenas de indivíduos, grupos e produtos, poucos são os que destacam.
A memória popular e o impacto causado por estes artistas e produtos serviu de filtro
daquilo que ocorreu de extraordinário, pois sempre vemos as mídias qualificarem
algo de boa qualidade como ilustre, renomado ou até mesmo nostálgico, e quando
é ao contrário, algo de qualidade duvidosa, os nomeiam de brega ou trash. Contudo,
Sato [2007] expõe que apesar desses comentários o importante é que isso integra à
cultura pop, pois diz respeito a algo que tem ou teve grande identificação popular
e, permaneceu na memória tornando-se referência comum.
Tanto o mangá quando os animes teve sua entrada tardia nas outras partes do
mundo, como os Estados Unidos e a Europa, mas no que se refere ao Brasil, nosso
local de estudo, desde a década de 1960, há esses traços os quais são marcantes na
estética japonesa, as produções de quadrinhos cuja temática contemplava histórias
de samurais e ninjas e acolheu a produção gráfica e narrativa desses desenhistas,
como aponta Luyten [2005] ao traçar uma historicidade do mangá ou anime no
Brasil.
Essa configuração, como produto global, ocorreu por conta dessa diferenciação
estética, aliada é claro, às narrativas que trazem dramas humanos hipoteticamente
universais. A imagem dos olhos grandes e os cabelos espetados que encontramos
nos mangás, se tornou familiar e passou a ser sinônimo da cultura japonesa,
consumido por milhares de pessoas semanalmente, embora esse visual não
corresponda à realidade física deles, mostram uma mudança de ideias políticas e
culturais do oriente para o ocidente [SATO, 2005].
Observa-se que há um apreço e um apoio muito grande pela cultura pop nos dias
atuais, marcada principalmente pelo cosplay. Dessa forma, ressaltamos que o termo
proposto, cosplay, remete a uma cultura lúdica contemporânea construída ao longo
do século XX por pessoas apaixonadas pela literatura ou mídia fantástica e pelo que
veio a ser designado de cultura pop [COSTA, 2019]. A indústria cultural deu origem
a cultura pop, e auxiliou os jovens em seu estilo de vida e conceito de moda,
ajudando assim os consumidores a constituírem uma identidade social, como
também visa um melhor entendimento do grupo [BARBOZA e SILVA, 2013].
À vista disso, esses eventos junto a prática cosplay cresceu de uma forma
excepcional, o que concedeu um espaço muito importante aos cosplayers [adeptos
da prática cosplay.] com a realização de concursos com diversas modalidades,
portanto, a atividade se encontra anexada a cultura brasileira, graças aos vastos
eventos/convenções estabelecidos ao ano.
Aos olhares de pessoas que desconhecem tal prática, o hobby pode parecer um tanto
que incomum, sendo até mesmo retratado como algo infantil. No entanto basta
explorar um pouco mais a fundo esse universo para perceber que os cosplayers
apresentam características normais como qualquer outro.
É notório que, não é suficiente apenas gostar dos mangás e animes, há uma vontade
de se introduzir mais no universo da “cultura pop”. Essa introdução pode ser tanto
como o emprego de palavras e termos pertencentes à cultura japonesa, como
também a adoção até mesmo dos costumes japoneses [ALMEIDA, 2018]. Ou seja,
de forma prazerosa, o indivíduo se encontra em uma espécie de transe a qual, como
LeBreton [2018, p. 77] diz: “[...] se sente apaixonadamente existindo [...]”
Não se trata de considerar essa prática como fugas desproporcionais da vida real,
mas sim um jogo de faz de conta, que alimenta as fantasias dos praticantes e, de
certa forma, lhe dá suporte para significar o mundo, algo que possa ir além de
momentos de pura diversão e entretenimento, sendo também e, principalmente, uma
forma de se comunicar [ALMEIDA, 2017], uma vez que o intuito da formação
destes é fugir dos grupos tradicionais [PAGANI, 2012].
Segundo Soares [2015], o cosplay como jogo, faz com que seus praticantes fujam
da realidade, mas não completamente, pois tudo faz parte do jogo: brincar de ser
alguém que você não é, sem deixar de ser você mesmo. Ou seja, a atividade pode
ser vista como uma forma de controle exercido sobre a vida cotidiana diante das
turbulências do mundo [LEBRETON, 2018].
Porém, é importante ressaltarmos que, a tradução a qual propomos a fazer não diz
respeito a linguagem de um “outro”, ou seja, de um estranhamento, como é o caso
de Heródoto ao chegar à ilha das amazonas, mas sim de um “eu”, por estar inserida
na cultura pop e na subcultura pop, ou seja, ser consumidora dessas narrativas
midiáticas e consequentemente adepta à pratica cosplay.
Contudo, essa retórica pode ser aplicada às pessoas que não são adeptos da prática,
ao notarmos em algumas narrativas dos cosplayers que há um confronto com o
problema de tradução, como é o caso dessas pessoas que julgam devido ao
estranhamento que o pertencente do grupo a, tem ao grupo b. Assim, conforme
Hartog [1999], é levantado a diferença entre os dois, o qual no segundo momento
há a tradução visando transportar o “outro” na tentativa de expor suas
características comparadas as deles, contudo, não de forma positiva o qual é
pode-se notar.
Segundo Hartog [1999], o manejo do thôma pertence apenas ao narrador, mas claro
que, é em função do destinatário que ele processa suas escolhas e, aqui usamos o
método dele para tentarmos entender, como as pessoas que não são adeptas da
prática traduzem suas narrativas diante da cultura de um “outro”.
Portanto, o termo assume uma dupla estrutura, ele pode ser qualitativamente
extraordinário ou quantitativamente notável. Temos que ter em mente que, avaliar,
medir, contar são operações necessárias para a tradução do thôma.
Diante dessa situação, uma vez que temos o choque com a atualidade, podemos
manter um olhar direcionado, ou seja, estamos atentos aos detalhes. Portanto, o
tempo presente evoca a importância do imprevisto e do fato [RÉMOND, 2006], diz
respeito a uma história inacabada, que está em constante movimento, refletindo as
comoções que se desenvolvem diante de nós tornando-a objeto de uma renovação
sem fim [BEDÁRIDA, 2006].
Diferente do que poucos ainda pensam, os cosplayers são conscientes de que não
são os personagens, que é somente uma brincadeira e uma forma de identificação,
ou melhor, uma empatia com a narrativa dos personagens. E eles sempre deixaram
isso bem esclarecido, pois como podemos perceber para além de rádios há também
o jornalismo sensacionalistas os quais taxam a prática como um distúrbio de
identidade [MELLO, 2017].
Conclusões
Na contemporaneidade, muitos desejam construir identidades cada vez mais
rígidas, portanto, essas memórias plurais, móveis e mutáveis, são mobilizadas para
tentar construir as identidades que alguns desejam sempre mais estáveis e
duradouras, até mesmo essenciais, visto que hoje, muitas memórias são destruídas
ou desaparecem, mas, ao mesmo tempo, outras nascem menos expansivas, mais
particulares, mas frequentemente abundantes, por sua vez elas se transforma em
fundamentos de identidades em recomposição [CANDAU, 2011].
As fontes orais permitiram questionar limites que dividem o que diz respeito à
História e o que não diz, ou seja, refere-se ao significado histórico da experiência
pessoal, assim como ao impacto pessoal das questões históricas visto que, reside
nesse ponto, no qual a história invade as vidas privadas ou são sugadas para dentro
da história [PORTELLI, 2016].
Referências
Alexia Henning graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Estadual
de Maringá. Membro do Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades sob
orientação da professora doutora Vanda Fortuna Serafim. E-mail:
alexiahenning330@gmail.com.
ALMEIDA, Cleusa Albilia de. Consumo Cultural nas práticas juvenis. Curitiba:
Appris, 2018.
ALMEIDA, Nadja Rinelle Oliveira de. "Óh! Fui eu que fiz!": a saga de jovens
cosplayers e seus fazeres educativos. 2017. Tese [Pós-Graduação em Educação] -
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
BARBOZA, Renata Andreoni; SILVA, Rogério Ramalho da. Subcultura Cosplay:
a Extensão do Self em um Grupo de Consumo. Revista Brasileira de Marketing -
REmark , São Paulo, v. 12, n. 2, p. 180-202, jan. 2013
BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da história. In: FERREIRA,
Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & Abusos da História Oral. [S. l.: s.
n.], 2006.
CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2019.
COSTA, CAROLINA BITENCOURT DA. Performance cosplay: mito, rito e
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HARTOG, François. O espelho de Heródoto. São Paulo: Humanitas, 1999.
LE BRETON, David. Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea.
Petrópolis: Editora Vozes, 2018.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mangá e a cultura pop: um lugar para pertencer. In:
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Cultura pop japonesa: Mangá e animê. [S. l.: s. n.],
2005.
MELLO, Rafael Rodrigo de. Vestindo o Personagem: A contribuição da
experiência cosplay para o bem-estar do consumidor. 2017. Dissertação
[Mestrado em administração] - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2017.
NAGADO, Alexandre. O mangá no contexto da cultura pop japonesa e
universal. In: LUYTEN, Sonia M. Bibe. Cultura pop japonesa: Mangá e animê.
[S. l.: s. n.], 2005.
NUNES, Monica Rebecca Ferrari. A cena cosplay: vinculações e produções de
subjetividade. FAMECOS, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 430-445, maio/agosto.
2013.
OLIVEIRA, Vitória Barros de. ‘#ATTACK ON TITAN:” Engajamento
transmidiático em comunidades de fãs no Tumblr. 2018. Dissertação [Programa
de Pós-graduação em Comunicação Social] - UNIVERSIDADE FEDERAL DE
MINAS GERAIS, Belo Horizonte, 2018.
PAGANI, Clarisse Ribeiro. Autoconceito, identidade e consumo cultural: análise
qualitativa do grupo social dos cosplayers. 2012. 10 - 240 p. Dissertação
[Mestrado em Administração] - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e
Voz, 2016.
RÉMOND, René. Algumas questões de alcance geral à guisa de introdução. In:
FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & Abusos da História
Oral. [S. l.: s. n.], 2006.
#RespeiteOCosplayer Disponível em: [disponível em:
https://mundocosplayer.com.br/2020/03/radialista-desrespeita-cosplayers-e-gera-
revolta-na-comunidade/]
SATO, Cristiane A. A cultura popular japonesa: animê. In: LUYTEN, Sonia M.
Bibe. Cultura pop japonesa: Mangá e animê. [S. l.: s. n.], 2005.
SATO, Cristiane A. JAPOP: O poder da Cultura Pop Japonesa. São Paulo: NSP-
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SOARES, Gabriel Theodoro. Cosplay: um lugar para pertencer. In: NUNES,
Mônica Rebecca Ferrari. Cena cosplay: Comunicação, consumo, memória nas
culturas juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2015.
SUBVERSIVOS E LABORIOSOS: A IMIGRAÇÃO
CHINESA ATRAVÉS DO JORNAL CORREIO
PAULISTANO
Alisson Eric de Souza Simão Pereira e
Carlos Eduardo Martins Torcato
Introdução
Em meados do século 19, estava em pauta na agenda pública do Brasil a questão
servil, fruto do cenário de crise da escravidão e da alternativa imigratória para
resolver o problema da mão de obra na lavoura [GONÇALVES, 2017]. Nessa época
a economia cafeicultora paulista era a mais pujante do país, o que a levava a atrair
mão de obra escravizada de outras partes do país e também a implementação de
alguns projetos imigracionistas. O fim do tráfico negreiro e a promulgação da Lei
do Ventre Livre tornaram cada vez mais difícil a obtenção de escravizados, o que
consequentemente acaba fortalecendo os projetos em busca por uma nova fonte de
trabalho [LAMOUNIER, 1988].
A falta de trabalhadores levou a províncias como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo e Minas Gerais a se reunirem no Congresso Agrícola de 1878 para discutir a
adoção do imigrante asiático como substituto para o trabalho escravo [OLIVEIRA,
2018; NASCIMENTO, 2011]. É nesse contexto que a proposta de adoção do
imigrante chinês pode ser explicada, como uma alternativa ao mais desejado
imigrante europeu. Os chineses eram admirados pela sua resignação no trabalho e
os baixos salários, além de algumas experiências de sucesso no Peru e em Cuba
com tal nacionalidade [CZEPULA, 2020; RÉ, 2018]. Conduto, as opiniões sobre a
imigração chinesa não eram homogêneas, pois uma parcela da sociedade brasileira
não enxergava com bons olhos a importação desses indivíduos. Um exemplo disso
foi o caso do escritor Machado de Assis que chegou até mesmo a dizer em suas
crônicas que um chimpanzé seria uma opção melhor do que os chins, pois este não
cruza com as outras raças [RÉ, 2018].
O presente texto propõe a analisar como a imigração chinesa foi abordada no jornal
Correio Paulistano a partir de uma abordagem qualitativa. Segundo Tânia Regina
de Luca, os periódicos precisam ser analisados do ponto de vista material, levando
em consideração o tamanho do jornal, qualidade do papel, a organização das
notícias, e do ponto de vista social, atentando para a vinculação política e social do
estabelecimento responsável pela sua produção [LUCA, 2005]. Serão consideradas
as questões de raça a partir de três esferas diferentes: científica, política e social
[MAIO e SANTOS, 2010].
Uma das características mais marcantes dessa folha de notícias é a sua capacidade
de se adaptar politicamente. Sendo mais claro, ela sempre buscava se aliar ao
partido político que estivesse no poder com o objetivo de garantir sua
sobrevivência. Esse fato nos é comprovado por meio das constantes mudanças
políticas ao longo do tempo, pois ao longo dos anos este foi conciliador,
conservador, liberal, republicano, neutro e conservador. Contudo, mesmo em meio
a essas constantes oscilações de alinhamento político, esse estabelecimento
jornalístico possuía um perfil caracterizado como sendo sensacionalista e
extremamente apegado aos valores conservadores da época. Desse modo, vale
salientar que o Correio Paulistano além de ser uma folha de notícias que sempre
defendeu os interesses de uma aristocracia rural também se manifestava
conservador nas mais variadas questões [SCHWARCZ, 1987]. A análise da
trajetória política do dono do jornal reforça a perspectiva que se trata de um jornal
conservador [THALASSA, 2007].
Em vista disso, vale acrescentar que nessa conjuntura o imigrante ideal seriam
europeus possuidores de determinadas qualidades, que no caso são a noção do
trabalho agrícola, a moralidade e empenho no trabalho, ou seja, estrangeiros de
raças vigorosas. Levando essas características em consideração, percebemos que os
trabalhadores chineses são colocados como inadequados para a lavoura brasileira
Todavia, com a chegada das décadas de 1870 e 1880 foram se manifestando
dificuldades na obtenção de imigrantes, tal fato acabou levando ao surgimento de
uma proposta de imigração de transição. Sendo mais direto, a imigração chinesa
serviria de ponte do trabalho escravo para o livre e ao mesmo tempo criaria as
condições adequadas para a vinda dos imigrantes europeus. Existia um projeto que
em um momento colocava o elemento chinês como racialmente inferior, porém, no
outro, alegava que esses indivíduos poderiam servir temporariamente para o
trabalho na lavoura. Essa proposta se respaldou na percepção de que esse grupo não
se enquadra como um imigrante permanente por ser egoísta, atrasado e incapaz,
todavia, se mostrava uma opção melhor do que o uso de africanos por serem
superiores racialmente [AZEVEDO, 1987].
Considerações finais
Em síntese, a partir da análise proposta percebe-se que o Correio Paulistano se
colocou ridicularizando a atuação do partido liberal na viabilização da empresa,
porém não necessariamente era contra a chegada dos braços asiáticos. Ao levarmos
em conta aspectos como a ligação política do jornal, o destaque dado ao artigo, a
conjuntura da notícia, à temática do texto e último parágrafo da publicação,
subentendemos que o Correio implicitamente apoia a imigração de chineses como
uma força de trabalho temporário. A discussão racial permite incluir outros
elementos no cálculo político e a adequação, ou não, da mistura racial com povos
mongólicos.
Referências
Alisson Eric de Souza Simão Pereira é graduado em História e mestrando em
Ciências Sociais e Humanas [PPGCISH] pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte [UERN].
Carlos Eduardo Martins Torcato é doutor em História Social pela Universidade de
São Paulo [USP] e professor do departamento de História e do PPGCISH pela
UERN.
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no
imaginário das elites. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite política imperial e
Teatro das sombras: a política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2008.
CZEPULA, Kamila Rosa. A questão dos trabalhadores "chins": salvação ou
degeneração do Brasil? [1860-1877]. Anuario Colombiano de Historia Social y de
la Cultura , v. 47, n. 1, pág. 303-325, 2020.
GONÇALVES, Paulo Cesar. Escravos e imigrantes são o que importam:
fornecimento e controle da mão de obra para a economia agroexportadora
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LAMOUNIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre: A lei de locação de
serviços de 1879. Campinas: Papirus, 1988.
LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. Fontes
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MAIO, Marcos Chor. Raça, Doença e Saúde Pública no Brasil: um debate sobre o
movimento higienista do século XIX. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS,
Ricardo Ventura. Raça como Questão: história, ciência e identidades no Brasil.
Rio de Janeiro: Editora da FIOCRUZ, 2010, p.51-82.
MENDES, Mirian Lucia Brandao. A construção descritiva do racismo no século
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NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Os congressos do Rio de Janeiro: fatores
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OLIVEIRA, Maysa Silva. Paralelo Brasil-Cuba: um estudo sobre a imigração
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RÉ, Henrique Antonio. Os esforços dos abolicionistas britânicos contra a
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n. 66, p. 817-848, 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e
questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SCHWARCZ, Lilia. Retrato branco e negro: Jornais, escravos e cidadãos em São
Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das letras, 1987.
THALASSA, Ângela. Correio Paulistano: O primeiro diário de São Paulo e a
cobertura da Semana de Arte Moderna: O jornal que “não ladra, não cacareja e
não morde.PUC, São Paulo, 2007.
Fontes
Correio Paulistano, 26/06/1954, p.07.
Correio Paulistano, 16/12/1879, p.01.
O VÍRUS CHINÊS E O USO DO ANTICOMUNISMO
PELO BOLSONARISMO
Ariel Cherxes Batista
Em 5 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde [OMS] publicou seu
primeiro boletim sobre uma pneumonia de origem desconhecida, identificada na
China em 31 de dezembro de 2019. A doença contava à época, segundo o governo
chinês, com mais de quarenta casos, todos detectados na cidade de Wuhan, na
província de Hubei.
Xenofobia, é uma palavra grega que significa medo, aversão ou profunda antipatia
em relação a estrangeiros. Esta prática não justificável ocorre nas sociedades desde
a antiguidade. Os antigos gregos foram os primeiros a demonstrar sua contrariedade
a nações estrangeiras, não os inserindo nas decisões políticas que deveriam tomar,
chegando até mesmo a isolar indivíduos de outras nações em suas cidades. O
sentimento xenofóbico manteve-se no decorrer dos tempos, e ainda hoje ocorre,
causando situações problemáticas ao redor do mundo.
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos entre 2016 e 2021 pode ser
considerado um dos principais difusores de expressões xenofóbicas e
preconceituosas ao referir-se a pandemia, como "vírus chinês" ou "vírus de
Wuhan". Conforme apurado por pesquisadores do site que também é banco de
dados Factobase, o presidente usou a expressão “vírus chinês” mais de 20 vezes
entre 16 de março e 30 de março, nas falas e discursos que proferiu no período
citado.
Podemos dizer que esses são os elementos gerais que nos possibilitam identificar o
bolsonarismo, além de seus pares ao redor do mundo, também conhecidos como
Alt-Right.
Sendo assim, endossamos, que a xenofobia também pode ser considerada uma
prática desta direita que atualmente está presente no Brasil com o bolsonarismo. Ao
redor do mundo este grupamento político também possui representantes.
Destacamos: Viktor Orban na Hungria, Rodrigo Duterte nas Filipinas, Andrzej
Duda na Polônia, Erdogan na Turquia e Putin na Rússia, aqui tratando apenas dos
eleitos. Além desses, figura com destaque na França a líder da Frente Nacional,
Marine Le Pen, que antagoniza a disputa política no país com um empresário, o
presidente Emmanuel Macron.
Ademais, existem também partidos políticos que podem ser considerados ligados a
este grupo. Apontamos entre eles: os Republicanos nos EUA, a Pegida [antissemita]
na Alemanha, o Aurora Dourada na Grécia, o Partido da Liberdade austríaco, o
Partido Lei e Justiça [PiS] polonês, a Liga Norte-italiana, e o espectro bolsonarista
no Brasil que não possui partido político definido, mas que ascendeu ao poder em
2018 pela aliança entre o Partido Social Liberal [PSL], e o Partido Renovador
Trabalhista Brasileiro [PRTB].
A Alt-Right pode ser definida em suas ações ao redor do mundo pela defesa, entre
outros, de um nacionalismo racial, da desigualdade de pessoas e raças, da
manutenção nos papéis tradicionais de gênero, pela necessidade de hierarquia
centrada na figura de um líder, e pelo apreço a ritos antidemocráticos. Além disso,
“[...] A alt-right, ao contrário do que muitos estudiosos do assunto afirmam, não é
antipolítica, mas a expressão da política democrática contemporânea levada ao seu
paroxismo” [AUGUSTO, 2020, p.9].
Considerações finais
Ao pensarmos sobre passados recompostos e ao imediatismo dos períodos
históricos em que um acontecimento atropela o outro, devemos nos ater a ideia de
que: “O pensamento crítico pode constituir a melhor defesa da democracia, à
maneira de um antídoto às tentações autoritárias, sempre à espreita, prontas a
ressuscitar tão logo reapareçam no horizonte novas crises e outras ameaças a
ordem” [REIS, 2014, p. 172].
Xenofobia foi o termo criado pelos antigos gregos para descrever um sentimento
reflexivo de hostilidade ao estrangeiro. Félix Jácome Neto [2020] relata que: “na
eugeneia ["nascimento nobre"] típica da ideia aristocrática grega, o valor de um
indivíduo era classificado de acordo com a nobreza de sua família”.
“Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar uma vinha. Bebeu do
vinho, embriagou-se e ficou nu dentro da sua tenda. Cam, pai de
Canaã, viu a nudez do pai e foi contar aos dois irmãos que estavam do
lado de fora. Mas Sem e Jafé pegaram a capa, levantaram-na sobre os
ombros e, andando de costas para não verem a nudez do pai, cobriram-
no. Quando Noé acordou do efeito do vinho e descobriu o que seu
filho caçula lhe havia feito, disse: "Maldito seja Canaã! Escravo de
escravos será para os seus irmãos". Disse ainda: "Bendito seja o
Senhor, o Deus de Sem! E seja Canaã seu escravo. Amplie Deus o
território de Jafé; habite ele nas tendas de Sem, e seja Canaã seu
escravo”. [Gênesis 9:20-27]
Daí todo tipo de justificativa, especulação e defesa de que a maldição de Cam seria
a permissão eterna para o prevalecimento dos europeus, em detrimento aos
africanos em que lhes restaria o papel escravidão. Acima de Sem estaria Jafé, que
habitaria a sua morada, “suas tendas”, chancelando o neocolonialismo na Ásia e
desdobramentos exploratórios subsequentes.
“[...] Está provado que os cruzamentos entre raças superiores dão typos
superiores, e vice-versa. Assim conseguiu melhorar o typo racial a
America do Norte, para onde emigraram, não os peores, mas os mais
selectos, quiça, de varios paizes, em tempos de perseguições politicas e
religiosas. Na Australia e na America do Sul succedeu algo semelhante;
não obstante, os latinos não lograram alcançar o nivel eugenico de que
se orgulham os anglo-saxões. Na America Central os hespanhoes
procrearam sem nenhum criterio selectivo, dando origem a um typo de
mulato inferior, que na luta contra a metropole foram os seus maiores
inimigos. É evidente que podem vir de raças puras elementos melhores,
e cabe uma selecção que redima paulatinamente a humanidade de taras
hereditárias” [sic]. [KEHL, ano 1, n. 4, p. 2]
Maria Luiza Tucci Carneiro apresenta as questões do governo brasileiro: “Os judeus
eram acusados de promoverem a guerra, os negros, de contribuírem para o atraso
do Brasil e os japoneses, de serem "inassimiláveis como enxofre", por viverem
enquistados dificultando a assimilação”.
‘A redenção de Cam’
Fonte: https://www.edusp.com.br/wp-content/uploads/2018/08/%E2%80%98A-
Reden%C3%A7%C3%A3o-de-Cam%E2%80%99.jpg
Nos EUA, uma série de atos legais repressivos, culminaram nas leis de restrição de
imigração de 1921, Asian Exclusion Act, National Origins Act e o Johnson-Reed
Act de 1924. Destinava-se limitar drasticamente imigração de grupos considerados
pela eugenia "socialmente inadequados", pelo governo do republicano Calvin
Coolidge, e dizia que a “América deve permanecer americana”, eram
principalmente italianos e judeus.
O racismo pode ser nocivo ao ponto de gestar teorias e ideologias como o fascismo
italiano, alemão e japonês; a eugenia em suas raízes de exclusão, racismo e extremo
preconceito ao diferente; e leis segregacionistas como o Apartheid, Jimmy Crow e
Australia Branca; têm por resultados episódios brutais e devastadores, como
limpeza étnica, esterilização em massa e o Holocausto.
Referências
Jean Carlo Lima de Moura, graduado em história pela Universidade Norte do
Paraná, pós-graduando em história social e contemporânea pela Universidade
Cândido Mendes.
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A GUERRA DO ÓPIO A PARTIR DO PERIÓDICO O
DESPERTADOR, DIÁRIO COMERCIAL, POLÍTICO,
CIENTÍFICO E LITERÁRIO [RJ]
Lara Raquel de Souza e Maia e
Carlos Eduardo Martins Torcato
Introdução
A China, país influenciado pelas ideias do filósofo Confúcio, era um território
extremamente fechado em relação a comércio e negociações com outros países
desde a ascensão dos Manchus ao poder. De modo geral, havia uma crença de que
a China era um reino superior em relação aos demais, sendo assim, os chineses de
não demonstravam interesse em conhecer ou se abrir para outras culturas ou praticar
relações e intercâmbios comerciais ou culturais com outros países:
“Na raiz delas estava a presunção de que a China era o reino "central"
e que os demais países, por definição, eram periféricos, afastados do
centro cultural do mundo. Os chineses, portanto, mostravam pouco
interesse por informações precisas ou estudos detalhados acerca de
outros países. [...] As descrições chinesas de países estrangeiros
continuavam sendo uma mistura exótica de contos místicos e fantasia,
em que os estrangeiros eram muitas vezes associados a animais ou
pássaros e descritos com uma linguagem condescendente ou
deliberadamente depreciativa.” [SPENCER, 1996, p. 131]
O jornal não especifica o seu público alvo porém, na seção de advertências, o texto
nos indica brevemente quais os principais assuntos que serão tratados:
Metodologia
A utilização de periódicos como fonte de pesquisa nem sempre foi uma prática
comum ou apreciada. Na verdade, o uso de periódicos como fonte histórica era
descartado pois, como afirma Tânia Regina de Luca:
Francisco de Sales foi um carioca, com formação em medicina, mas que por
influência e admiração de Evaristo da Veiga, adentrou-se às questões jornalísticas.
Também foi homem ligado à gestão da nação, principalmente nas questões
financeiras. Cursou a faculdade de Direito na Faculdade de Paris, e retorna ao Brasil
no ano de 1837 [ano da morte de Evaristo da Veiga], para dar continuação ao
trabalho do seu mestre. Durante esse regresso, Francisco de Sales trabalhou em
alguns periódicos, o Jornal dos Debates Políticos e Literários, O Despertador, O
Maiorista e O Atlante. O jornal que conferiu maior destaque na sua carreira foi o
periódico intitulado O Libelo do Povo, panfleto que direcionou duras críticas ao
regime monarquistas, onde Francisco de Sales publicava sob o pseudônimo de
Timandro.
Resultados e discussão
Para realizar a análise das menções do periódico à Guerra do Ópio, utilizou-se a
Hemeroteca Digital e suas ferramentas de busca. O termo pesquisado foi “China
ópio”, no qual obteve-se como resultado 20 ocorrências, que são encontrados no
período de 1839 a 1841, no qual a maior parte das ocorrências se encontram no ano
de 1840. No gráfico a seguir, detalhamos a distribuição das ocorrências no período
analisado:
Gráfico de ocorrências à pesquisa “China ópio” [1839-1841]
Conclusão
A partir da análise das ocorrências sobre a Guerra do Ópio no periódico O
Despertador: Diário comercial, político, científico e literário, verifiquei que é
possível compreendermos o conflito envolvendo a China e a Inglaterra. O jornal
não só cobria as informações e atualizações sobre a questão da guerra, como
também dava destaque a essas informações, colocando-as nas primeiras páginas,
atendo-se não só a noticiar o que ocorria, como também contextualizando os leitores
acerca dos antecedentes e contextualizações sobre o conflito, bem como trazia a
transcrição de documentos e cartas referentes ao desenrolar da Guerra do Ópio.
Referência
Lara Raquel de Souza e Maia é graduanda em História pela Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte [UERN]. E-mail: lararsm2012@gmail.com /
laramaia@alu.uern.br
Carlos Eduardo Martins Torcato é doutor em História Social pela Universidade de
São Paulo [USP] e professor do Departamento de História, do PROFHistória e do
PPGCISH pela UERN., E-mail: carlostorcato@uern.br.
Fontes
ADVERTÊNCIA, O Despertador: Diário Comercial, Político, Científico e
Literário, ed, 107, p. 1, 8 de agosto de 1838.
A INGLATERRA E A CHINA. O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 688, p. 1, 28 jun. 1840.
CHINA. O Despertador: Diário Comercial, Político, Científico e Literário, Rio de
Janeiro, ed. 229, p. 1, 7 jan. 1839.
CHINA. O Despertador: Diário Comercial, Político, Científico e Literário, Rio de
Janeiro, ed. 231, p. 1, 9 jan. 1839.
Parte Política, CHINA, Curiosissimos pormenores sobre a interrupção do
comércio de ópio em Cantão. O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 472, p. 1, 2 nov, 1839.
CHINA. O Despertador Comercial, Político, Científico e Literário. , Rio de
Janeiro, ed. 564, p. 1, 14 fev. 1840.
CHINA. O Despertador Comercial, Político, Científico e Literário. Rio de
Janeiro, ed. 615, p. 2, 8 abr. 1840.
PARTE POLÍTICA. CHINA. CURIOSISSIMOS PORMENORES SOBRE A
INTERRUPÇÃO DO COMÉRCIO DO ÓPIO EM CANTÃO. O Despertador:
Diário Comercial, Político, Científico e Literário., Rio de Janeiro, ed. 472, p. 1, 2
nov. 1839.
Referências bibliográficas
ARAUJO, Suelane Camelo de. A união faz a força: sociedades mutuais no
silêncio d’o despertador [1838-1841]. 2014. 42 f. Trabalho de Conclusão de Curso
[Licenciatura em História]– Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2014.
KLAFKE, Álvaro Antonio. O Império na província: construção do Estado
nacional nas páginas de O Propagador da Indústria Rio- Grandense- 1833-1834.
Porto Alegre. Dissertação [Dissertação em História]- UFRGS. 2006.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi [org]. Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008,
p.111-155.
SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna: quatro séculos de história.
Companhia das Letras, 1996, p.129-174.
REAPROPRIAÇÕES DO EGITO ANTIGO NO VALE DO
AMANHECER EM PLANALTINA [DF]
Pepita de Souza Afiune
Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva, era uma mulher batalhadora,
ficou viúva e cuidou de seus quatro filhos, se dedicando à profissão de
caminhoneira. A partir dos seus 33 anos de idade demonstrou habilidades para lidar
com fenômenos paranormais, com uma percepção extra-sensorial, encontrando no
espiritismo o alento para suas inquietações. Convenceu muitas pessoas sobre suas
habilidades mediúnicas e sobre ter vindo ao mundo como a reencarnação de
Cleópatra. Acreditava-se também que ela podia ver espíritos, seres de outras
dimensões e prever o futuro. Começou a atender pacientes em uma região próxima
a Alexânia [GO] e fundou a Ordem Espiritualista Cristã em Taguatinga, até que no
ano de 1969 fundou o Vale do Amanhecer em Planaltina [GO]. Tia Neiva também
relatava ter contatos com seres de um planeta chamado Capela. Capela seria um
planeta de outra dimensão e seus espíritos encarnam e desencarnam na Terra. A
médium também relatava viagens em naves espaciais. Realizei uma entrevista com
um membro da comunidade que sintetizou a respeito da doutrina:
No dia 16 de novembro de 1985 Tia Neiva faleceu deixando uma organização bem
estruturada funcionando normalmente sem a necessidade de sua presença. O Vale
do Amanhecer é quase uma cidade, possui linha de ônibus, lojas de souvenir,
lanchonetes, livrarias, cursos e um orfanato. A comunidade se mantém através de
doações, frutos de seu comércio e agricultura. Realizei as visitas e passei alguns
dias conhecendo todo o complexo, percebendo tanto as suas práticas religiosas,
quanto algumas de suas características socioeconômicas. Na questão religiosa, o
que mais me chamou a atenção foi o hibridismo religioso presente na doutrina,
assim como confirma o pesquisador Dioclécio Luz:
A comunidade do Vale do Amanhecer chegou a ter mais de 800 mil fiéis. Atrai
milhares de visitantes seja pelo turismo ou pelos atendimentos espirituais. A
estatística é de cerca de 5 mil visitantes semanalmente [CIPRIANO, 2013]. O Vale
do Amanhecer possui mais de 617 templos por todo o Brasil, Alemanha, Portugal,
Estados Unidos, Uruguai e Equador.
Mircea Eliade [1992] nos mostra que os templos, quando inseridos em cidades
modernas, tornam-se o limiar entre o espaço sagrado e o profano. São ao mesmo
tempo o local no qual os dois mundos se comunicam [profano e sagrado], mas nele
se pode efetuar a passagem do primeiro para o segundo. “O limiar, a porta, mostra
de uma maneira imediata e concreta a solução de continuidade do espaço; daí a sua
grande importância religiosa, porque se trata de um símbolo e, ao mesmo tempo,
de um veículo de passagem” [p. 19]. A própria comunidade do Vale do Amanhecer
se torna um espaço sagrado. O templo apenas define que aquele é um local no qual
se manifesta o transcendental, pois é considerada uma zona telúrica.
Nas suas dependências destaca-se a Pirâmide [Figura 1], edifício de seis metros de
altura, foi inaugurada no ano de 1979. É aberta à visitação pública, destinada a
meditação. A pirâmide representa um local de recepção, manipulação e difusão de
energias [IPHAN, 2010, p. 143]. Os médiuns disponibilizam aos visitantes a água
fluidificada [água normal, na qual são acrescentados fluidos curativos espirituais].
São realizados rituais que objetivam a magnetização da água através da força de
espíritos através de um cristal que se localiza no cume da pirâmide. No seu interior,
há imagens das várias entidades cultuadas pela Doutrina, como o Pai Seta Branca.
No revestimento da pirâmide, podemos encontrar as esculturas do faraó Akhenaton,
sua esposa Nefertiti, e o filho do casal, Tutancâmon.
De acordo Mário Sassi [2000], esposo de Tia Neiva, em sua obra A conjunção de
dois planos, Tia Neiva realizou uma viagem astral pelo Egito, sobrevoando as
pirâmides, sob os ensinamentos do Capelino Stuart a respeito dos segredos da
sabedoria cósmica contida dentro destes edifícios. Sassi relata a conversa entre Tia
Neiva e Stuart que a explica a respeito da função das pirâmides:
“As pirâmides, Neiva, eram centros de manipulação de energias,
verdadeiras usinas de força. Ali se concentravam os grandes cientistas
para a conjugação de suas forças psíquicas, como hoje se reúnem os
médiuns nos templos iniciáticos. Ali se concentravam os
conhecimentos e a documentação dos planos planetários, os
instrumentos básicos e os meios de comunicação. O grande Jaguar era
um especialista na construção de pirâmides. Ao perceber que o fim de
Omeyocan se aproximava, ele deslocou-se para o Egito e lá emprestou
sua colaboração aos Orixás responsáveis por aquela área. Com sua
química, eles decompunham as rochas e as moldavam de acordo com
as necessidades. Possuíam prensas com as quais moldavam grandes
blocos e tijolos. Por processos eletromagnéticos, eles vitrificavam as
superfícies e movimentavam os blocos gigantescos, com a mesma
facilidade como os pedreiros atuais movimentam tijolos” [p. 51].
Stuart havia dito à Tia Neiva que os formatos piramidais presentes no Egito e na
América não existiriam ao acaso. Haviam trocas de informações e experiências
entre estes locais, e os próprios pontos distribuídos no planeta faziam parte de um
plano global. Esses pontos energéticos nos quais foram construídas essas
edificações existiriam pela necessidade de se defender dos ataques de falanges das
sombras; “espíritos tenebrosos, acrisolados, há milênios, nas sombras. Vão sendo
desalojados e lançados na Terra física. É por isso, que o mundo se apresenta tão
cheio de contradições, de indivíduos enlouquecidos e de obsessores tão terríveis”
[p. 60].
O Vale do Amanhecer não é a única doutrina que realiza esse tipo de retomada do
Egito Antigo, como podemos perceber nas práticas de outros grupos como a Ordem
Rosa-Cruz, a Eubiose, a Legião da Boa Vontade, dentre outros. O Egito Antigo tem
encantado as sociedades ao longo da História. Comumente, suas reapropriações são
carregadas de elementos místicos, fenômeno este, justificado em parte pelas
diversas lacunas ainda existentes na ciência, que tem realizado investigações de
seus mistérios até os dias de hoje. O Egito ainda intriga arqueólogos, historiadores
e outros pesquisadores, e por outro lado, fascina a todos pelos seus legados
monumentalistas e perenes.
Referências
Pepita de Souza Afiune é doutoranda em História pela Universidade Federal de
Goiás. Bolsista CAPES / FAPEG. Mestra em Ciências Sociais e Humanidades
[UEG]. Graduada em História e Pedagogia.
Desta forma, percebemos que o imigrante seria obrigado por força contratual a
passar um período mínimo na lavoura cafeeira assim que chegasse ao Brasil.
Mesmo com as exigências expostas por Nogueira, a contrapartida do
estabelecimento destes trabalhadores nos chamados “núcleos coloniais” e a venda
das terras para os mesmos não parecia ser uma prioridade por parte do governo do
estado de São Paulo, pois isto aumentaria a mobilidade dos japoneses e desfalcaria
a força de trabalho nos cafezais. Quando os fluxos de deslocamento nipônico
interno se intensificaram nesta região em direção a outras, houve descontentamento
por parte dos fazendeiros e autoridades paulistas, como no momento em que “Paulo
de Morais Barros, Secretário da Agricultura, foi taxativo ao declarar que o alto grau
de mobilidade dos japoneses, calculada em 40% antes do término do contrato, levou
o governo paulista a desistir de continuar subsidiando a vinda de asiáticos.”
[NOGUEIRA, 1984, p. 105].
Temos aqui mais dois aspectos que ajudariam a configurar posteriormente, aos
olhos das elites e das autoridades brasileiras, os trabalhadores japoneses como
ameaças aos interesses de seu país: a ocupação de territórios considerados como
estratégicos e a participação mais efetiva na economia do país com a introdução de
novos gêneros alimentícios e outros produtos. Podemos, neste momento, somar a
estes dois elementos a questão da assimilação cultural e a da diminuição da mão de
obra barata nas fazendas para fecharmos neste momento uma espécie de “pacote
nipônico ameaçador”, que veremos posteriormente ganhar força com o termo
“perigo amarelo”.
A manifestação mais antiga desta expressão que se tem registro é a do Kaiser
Guilherme II, líder do II Reich alemão que, em 1894, mencionou o “perigo
amarelo” [gelbe Gefahr] como uma ameaça aos planos do czar Nicolau II da Rússia.
Este tinha interesses na China, assim como o Japão, por isso Guilherme II
manifestou sua repulsa aos nipônicos como forma de obter uma aliança com o líder
russo. [DEZEM, 2005, p. 147-149]. Nos Estados Unidos, este termo ganhou força
graças aos esforços do magnata da imprensa William Randolph Hearst, dono de
vários jornais como o San Francisco Examiner. Foi neste periódico que, em 1905,
uma caricatura de um soldado japonês como um elemento ameaçador foi publicada,
abrindo espaço para uma série de obras veiculadas no mesmo jornal entre 1906 e
1909 que ajudaram a consolidar a ideia de “yellow peril” [como o perigo amarelo
era conhecido nos EUA], com destaque para “The Yellow Peril in action: A possible
chapter in History [Dedicated to the man who train and direct the man behind the
guns]”, de Marsdon Manson em 1907. Estas publicações dariam o combustível
necessário para a elaboração de leis antinipônicas nos Estados Unidos e para a
difusão desta ideia por todo o continente americano. [DEZEM, 2005, p. 187-190];
[TAKEUCHI, 2016, p. 186-188].
A expressão “perigo amarelo” possui várias nuances ao longo dos anos e é utilizada
com propósitos e em contextos diferentes, mas de uma forma geral encontramos em
sua composição um forte sentimento xenófobo e racista para com as várias etnias
asiáticas, com destaque para os japoneses na primeira metade do século XX. É neste
momento que o Japão se consolida como uma nação imperialista e um dos
principais personagens da Segunda Guerra Mundial, ficando do lado oposto ao
Brasil neste conflito. A ideia de “perigo amarelo” alcança a sua maior dimensão
durante este confronto, consolidando uma escalada de décadas de sentimento
antinipônico alimentado por diversas frentes e se apresentando como um projeto
oficial de repressão a estes imigrantes.
Durante este momento mais crítico, entre as décadas de 1930 e 1940, por exemplo,
um dos maiores pontos alardeados pelos antinipônicos e defensores deste conceito
de “perigo amarelo” era o da “grande extensão das terras concedidas às empresas
nipônicas” que viriam a “criar no Brasil um ‘Estado independente japonês’”
[TAKEUCHI, 2016, p. 210]. Isto corrobora com a fala de Sakurai que citamos
anteriormente sobre a ocupação nipônica em áreas estratégicas nos formatos sólidos
de colônias administradas por companhias japonesas públicas ou privadas. Este
exemplo de imigração japonesa tutelada se tornou mais frequente no período
anterior à Segunda Guerra. Mas, antes de adentrarmos nos exemplos mais
representativos destas colônias, se faz necessário definir aqui o conceito a ser
utilizado quando formos nos referir a este modelo de ocupação. Para Odair da Cruz
Paiva:
Quando Maesima diz que não havia um “projeto de imigração oficial para o
Estado”, se referia ao fato de que a política feita pelo governo japonês não
considerou uma entrada maciça de nipônicos diretamente pelos portos paranaenses
[nos moldes do que era praticado em São Paulo via porto de Santos] com a
finalidade de criar uma dinâmica própria no fenômeno imigratório nesta região.
Havia um projeto estatal japonês de imigração para o Paraná, mas não da mesma
forma que o de São Paulo. Isso causou características diferentes, como a presença
quase insignificante de japoneses em regiões mais ao sul do estado do Paraná na
época do Censo utilizado na pesquisa de Maesima. Este foi feito em 1958 no âmbito
das comemorações do cinquentenário da imigração japonesa ao Brasil e idealizado
pela Comissão de Festejos, formada pela própria comunidade nipônica, que criou a
Comissão de Recenseamento da Colônia Japonesa para colocar o projeto em prática
[MAESIMA, 2011, p. 1].
Para que esta política de Estado feita pelo governo japonês acontecesse de maneira
mais eficaz, este subsidiou em 1927 a criação das “sociedades Cooperativas de
Províncias para a Emigração Ultramarina, empresas agrupadas em uma única
federação, que estabeleceu no Brasil uma subsidiária, a Brasil Takushoku Kumiai
[Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda.], mais conhecida como a sigla Bratac.”
[In: CARNEIRO, M. L. T.; TAKEUCHI, M. Y., orgs., 2010, p. 47]. Daí em diante,
a Bratac tomou a frente de várias negociações e ações para fomentar a presença
japonesa no Brasil, como seleção de colonos, embarque e desembarque dos
japoneses no seu destino, seguindo o modelo de outra empresa do gênero, a Kaigai
Kogyo Kabushiki Kaisha [Companhia de Desenvolvimento Exterior de Kaiko],
conhecida como K.K.K.K. [In: CARNEIRO, M. L. T.; TAKEUCHI, M. Y., orgs.,
2010, p. 47].
Em 1929, com o objetivo de fundar novas colônias, a Bratac comprou quatro glebas
[três no estado de São Paulo e uma no estado do Paraná], dividiu-as em lotes de 25
hectares cada e vendeu-os a colonos ainda no Japão mediante um adiantamento. A
passagem era paga pelo governo japonês e o resto do valor dos lotes seria pago
através dos rendimentos dos colonos já no Brasil. As colônias que se formaram
desta iniciativa foram as de Bastos, Aliança e Tietê [São Paulo] e a de Três Barras
[Paraná], todas com infraestrutura interna providenciada pela Bratac, que também
atendia algumas condições para a aquisição destas terras, como a garantia da
fertilidade do solo e proximidade de estações ferroviárias [In: CARNEIRO, M. L.
T.; TAKEUCHI, M. Y., orgs., 2010, p. 48].
Neste mesmo ano de 1929, outro roteiro foi pensado para canalizar o fenômeno
imigratório japonês no Brasil, assim como aconteceu com o norte do estado do
Paraná: era a Região Norte do país, mais especificamente o estado do Pará,
inaugurando outra face da trajetória nipônica no nosso país.
Referências
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior é professor efetivo de História e História da
Cultura na Rede Municipal de Ensino da Vitória de Santo Antão-PE, graduado em
Licenciatura e em Bacharelado em História [UFPE], especialista em História do
Nordeste do Brasil [UNICAP] e mestrando em História Social da Cultura Regional
[UFRPE], além de Pesquisador Associado da Coordenadoria de Estudos da Ásia
[CEASIA – UFPE] e membro da Rede de Pesquisadores Visões da Ásia.
E-mail: ronijr07@hotmail.com
Discussões preliminares
A assolação em que o mundo vive atualmente e que já evoluiu para um biênio
oriunda do coronavírus tem provocado inúmeras atrocidades que vão desde ao que
talvez se poderia nominar de “pequenos atos” até o grau máximo que é o óbito.
Nesse contexto, percebe-se que devido ao fato de o vírus mencionado anteriormente
ter se manifestado primeiramente em solo chinês, muitas pessoas e até mesmo
autoridades constituídas, findaram por responsabilizar e disseminar que a China
fosse responsável por toda a mazela que mundo inteiro viveu e ainda vive em razão
desta doença, a Covid-19.
Nesse sentido, percebe que as vítimas nem sempre conseguem saber de onde
realmente vêm os ataques devido a possibilidade de mascaração que através da
internet se permite fazer. Outro fator que agrava essa questão é a dificuldade de se
chegar até a pessoa para que ela seja punida. Mas o Brasil possui leis que prevê
punições para quem comete tais atos como é o caso da menção realizada pela teórica
a seguir. Ela chama atenção e explica que
Neste sentido, observa-se que não estão imunes os praticantes desses crimes, mas a
dificuldade reside em até chegar aos praticantes desses atos. Junto a isso, convém
destacar que outras instituições judiciárias estão somando forças para que sejam
erradicadas ações dessa natureza e que os praticantes sejam identificados e punidos
no rigor da lei. Sob esse prisma, é importante frisar o trabalho que vem sendo
realizado em prol dessa causa. Por isso é que o
Considerações finais
Como pôde ser observado, essa análise procurou evidenciar alguns pontos cruciais
em que os asiáticos são vítimas de ataques de discursos preconceituosos em relação
a origem da Covid-19. Para fortalecer essa discussão, foram apresentados
depoimentos, embasamento teórico de estudiosos do assunto e ainda mais notícias
que circulam nas mídias alentando sobre o problema. Cabe salientar que não se trata
de uma resolução fácil, mas que também se calar diante dela não contribui em nada
para que o problema seja resolvido.
Referências
Wagner Pereira de Souza é licenciado em Letras [Português/Literatura] pela
Universidade Federal de Rondônia/UNIR; Especialista em Coordenação
Pedagógica pela Faculdade Estadual da Lapa/FAEL. Mestrando pelo PPGLETRAS
da UNEMAT, Campus de Sinop. Atualmente, professor efetivo de Língua
Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso/SEDUC MT.
CARVALHAIS, Mariana Almeida Lopes. O racismo contra asiáticos em tempos
de pandemia, 2020. Disponível em:
https://domtotal.com/noticia/1455050/2020/06/o-racismo-contra-asiaticos-em-
tempos-de-pandemia/ - acesso em: 07 de jul. de 2021. [Artigo]
DIAS, Luccas. Preconceito amarelo: o que é e por que aumenta durante os
vestibulares, 2021. Disponível em:
https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/preconceito-amarelo-o-que-e-e-
por-que-aumenta-durante-os-vestibulares/ - acesso em: 06 de jul. de 2021.
[Artigo]
RAVIZZINI Izabella. Precisamos levar o racismo contra pessoas amarelas a sério,
2021. Disponível em: https://www.purebreak.com.br/noticias/precisamos-levar-o-
racismo-contra-pessoas-amarelas-a-serio/97596 - acesso em 07 de jul. de 2021.
[Artigo]
REVISTA ISTOÉ GENTE. Agressões estão crescendo muito’, diz Danni Suzuki
sobre preconceito contra asiáticos, 2021. Disponível em:
https://istoe.com.br/agressoes-estao-crescendo-muito-diz-danni-suzuki-sobre-
preconceito-contra-asiaticos/ - acesso em: 07 de jul. de 2021. [Revista online]
SAYURI. Juliana. #EuNãoSouUmVírus: epidemia do covid-19 dispara racismo
contra asiáticos, 2020. Disponível em:
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/12/eunaosouumvirus-ameaca-de-
pandemia-dispara-racismo-contra-amarelos.htm?cmpid=copiaecola.- acesso em:
07 de jul. 2020. [Artigo]
TORRES, Raquel. pandemia revela outras faces da xenofobia, 2021. Disponível
em: https://www.comciencia.br/pandemia-revela-outras-faces-da-xenofobia/ -
acesso em 06 de jul. de 2021. [Artigo]
ZACARI, Lucas. A comunidade asiática é atacada e discriminada por uma
suposta culpabilidade pelo coronavírus, 2021. Disponível em:
http://jornalismojunior.com.br/stop-asian-hate-preconceito-contra-asiaticos/ -
acesso em: 06 de jul. de 2021. [Artigo]
OS ESCRITOS DE VIAGENS EM SALA DE AULA: JOÃO
DE PIAN DEL CARPINI E A NOÇÃO DO “OUTRO” NO
ORIENTE
Jorge Luiz Voloski
Introdução
Os historiadores há tempos têm discutido acerca da importância das fontes para a
construção do conhecimento histórico. Henri-Ireneé Marrou, por exemplo, em sua
obra Sobre o conhecimento histórico [1978], afirma que é impossível ao historiador
invocar os acontecimentos passados mediante processos “encantatórios”. A única
possibilidade é através dos traços legados à contemporaneidade, ou seja, por
intermédio dos documentos e de sua intepretação [MARROU, 1978, p. 55-56].
Charles Victor Langlois e Charles Seignobos, no mesmo sentido, entendem o
processo de construção do saber histórico dependente dos vestígios e,
consequentemente, todos os atos e fatos que não legaram ao presente rastros se
perderam na História [LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1972].
Como esclarece Guimarães Fonseca [2003], o uso das fontes em sala de aula
circundou as principais discussões metodológicas do ensino de história nos últimos
20 anos. Resultado da crítica ao exclusivo emprego dos livros didáticos, do avanço
da tecnologia da indústria cultural e da ampliação historiográfica dos documentos,
o debate propõe a aplicação das diversas linguagens para a formação do
“aluno/cidadão”. Assim, a utilização das fontes mediante a perspectiva dialógica
tem como pressuposto tanto à formação do espírito crítico e inventivo, quanto à
pesquisa [FONSECA, 2003].
Em seu estudo, para além, Guimarães Fonseca destaca três pontos fundamentais
relacionada a didática dos documentos:
Diante da possibilidade do uso didático das fontes em sala de aula, sem dúvida os
diferentes momentos históricos carregam especificidades no que se refere a
contextualização. Os escritos de viagens produzidos em finais do medievo e que
narram deslocamentos pelo Oriente carregam a necessidade da apresentação do
crescimento externo europeu e, também, o esboço das motivações dos viajantes,
isso porque cada qual viajou por um motivo, o que certamente influenciou no
conteúdo das obras. No tópico a seguir, debateremos ao momento histórico que
viveu João Pian del Carpini.
No próximo tópico, apresentaremos o conteúdo da obra escrita por João de Pian Del
Carpini e apresentaremos as possibilidades didáticas relacionadas sobretudo a
percepção do “Outro”.
Nesta direção, como apontado anteriormente, a obra de João de Pian Del Carpini
recebe singular importância. Redigida por um franciscano, ilustra a percepção
dualista do mundo e os julgamentos de valores baseados no cristianismo. O receio
perante o diferente, que repercute em todo o livro, no começo já pode ser observado.
Diante a exaltação do cristianismo e da alegação da futura vitória sobre os inimigos,
o viajante apresenta os motivos da viagem, confessando o anterior medo da morte,
aprisionamento, trabalho forçado, das tormentas da sede, fome, calor e frio, sendo
que tudo isso o ocorreu, menos a morte. As adversidades são superadas devido ao
desejo de Deus, segundo o mandato do Papa, do conhecimento da intenção e
vontade dos Tártaros, “[...] para que não acontecesse que, irrompendo de repente,
encontrassem [os cristãos] despreparados, como sucedeu outra vez em
consequência dos pecados dos homens, e causassem grande estragos ao povo
cristão” [CARPINI, 2005, p. 30].
Frente aos pontos expostos no parágrafo anterior, os alunos devem ser levados ao
questionamento relacionado ao contexto histórico, a intencionalidade do
deslocamento e da escrita do livro e quem seria o público leitor. Perguntas, como,
por exemplo, “Quem?”, “Quando?”, “Onde?” e “Por que?” desenvolvidas,
certamente colaboram no senso crítico, dentre outras direções, direcionado ao recuo
de ter todas as informações como verdade, e ao encaminhamento de compreender
as diferentes intencionalidades. O conteúdo do livro não representa a realidade dos
mongóis, mas aquilo que o franciscano entendia e buscou reproduzir sobre uma
sociedade diferente e pouco conhecida. Assim, o discente deve ter nítido a noção
do documento apresentar mais as características do seu produtor do que do produto.
Outras narrações presentes na obra podem ser destacadas neste sentido, como, por
exemplo, as relacionadas as crenças dos mongóis. Descrevendo a aplicação da
justiça no mesmo momento da religião, o franciscano João de Pian del Carpini
observa a ausência de leis, sendo apenas algumas tradições seguidas, as quais os
Tártaros dizem “pecado”, tal qual o fato de cravar a faca no fogo, o apoio no chicote
que batem no cavalo e a condenação à morte de quem pisa no limiar da porta.
Contudo, “[...] para eles não é nenhum pecado matar homens e mulheres, invadir
terras dos outros, apossar-se das coisas de outros por qualquer modo injusto,
fornicar, injuriar os outros homens, agir contra as proibições e os preceitos de Deus
[CARPINI, 2005, p. 38].
Por fim, em vias de conclusão, salientamos mais uma vez o fato de as fontes como
material didático exigir a contextualização. Assim, os diferentes temas de outros
períodos históricos ou fontes que não sejam os escritos de viagens produzidos em
finais do medievo com destino ao Extremo Oriente, os quais foram o centro do
debate do presente texto, necessitarem de outras problemáticas. Nada impede,
entretanto, a associação do conteúdo com a atualidade e o questionamento crítico,
por exemplo, dos preconceitos individuais e coletivos contemporâneos operantes
no Ocidente em relação ao Oriente.
Referências
Jorge Luiz Voloski é formando em História pela Universidade Estadual de Maringá.
Atualmente cursa o mestrado no Programa de Pós-Graduação em História na
Universidade Estadual de Maringá [UEM], sendo membro do Laboratório de
Estudos Medievais [LEM]
Tais manifestações, que mudam seu alvo segundo o momento histórico, se voltam
principalmente contra povos colocados como antagonistas dos EUA ao longo dos
séculos XX e XXI [japoneses, norte-coreanos, vietnamitas, iranianos, árabes, e
atualmente, os chineses], e que são considerados inimigos por grande parte das
populações do Ocidente em função do peso da hegemonia cultural e político-
econômica estadunidense, em outras palavras, devido ao “soft power” e o “hard
power” deste país, segundo os termos de Joseph Nye Jr [2004].
A Era Meiji
A Era Meiji, contexto histórico no qual o filme “O Último Samurai” é ambientado,
se inicia com a Restauração Meiji, em 1868, quando foi finalizado o Xogunato
Tokugawa, e o poder político sobre o Japão foi formalmente devolvido ao
Imperador após séculos de domínio dos xoguns [mais precisamente desde 1192].
Com isso, o Japão iniciou seu processo de modernização, com a industrialização e
reformas políticas, econômicas e sociais.
Esta foi a primeira fase da modernização Meiji, guiada pelo lema “Bunmei-Kaika”
[“Civilização e Iluminismo”], e que foi hegemônica até a década de 1880 [Pyle,
2008, p. 674-681], período não alcançado pelo contexto histórico do filme que aqui
abordamos.
Após sua demissão, Saigo se retirou para sua terra natal, Satsuma, onde se dedicou
a oferecer uma educação samurai tradicional à sua população, e em 1877 decidiu
marchar com seus combatentes até Tóquio, com o objetivo de depor os oligarcas
que cercavam o Imperador e estabelecer um governo que ele julgava representar os
verdadeiros interesses do povo japonês. Contudo suas tropas foram interceptadas e
derrotadas pelo moderno Exército Imperial [Gordon, 2003, p. 86-87].
O Último Samurai
O enredo do filme “O Último Samurai”, ambientado nos anos de 1876 e 1877, se
inicia quando o Capitão Nathan Algren [Tom Cruise], um veterano das Guerras
Indígenas nos Estados Unidos [1609-1924], é convidado pelo governo japonês, por
intermédio do político e industrialista Omura Matsue [Harada Masato], a ir ao país
atuar como conselheiro no treinamento do exército moderno que estava em
formação, além de ter a missão de liderar a repressão da rebelião iniciada pelo líder
samurai Katsumoto Moritsugu [Ken Watanabe], um professor do Imperador Meiji,
descontente com os rumos da modernização no Japão.
Após ser enviado para combater o exército de Katsumoto mesmo com tropas ainda
despreparadas, Algren é capturado pelos samurais, e levado como refém às terras
dominadas pelo líder guerreiro. Lá o soldado estadunidense conhece de perto a
cultura tradicional do Japão, e desenvolve um forte laço de amizade e amor com
Katsumoto e seus seguidores, lutando ao lado deles na batalha final contra o agora
preparado Exército Imperial moderno. Apesar da bravura que demonstraram em
combate, a batalha termina em derrota para os samurais e o suicídio de Katsumoto,
por seppuku.
A Presença do Orientalismo
Trabalhamos aqui com o conceito de orientalismo de Edward Said [2008] em seu
aspecto essencial da representação do Oriente como uma criação do Ocidente, ou
no caso do orientalismo presente no filme de Edward Zwick, a partir da apropriação
de um antigo imaginário idealizado do passado samurai, especificamente a forma
como estes guerreiros foram retratados no período do Japão Imperial [Chun, 2011],
mais precisamente entre a década de 1890 e o ano de 1945.
Este livro foi escrito e publicado originalmente em inglês, nos EUA, visando
apresentar uma imagem positiva da cultura japonesa para um público ocidental,
sendo repleto de tradições inventadas, que foram convincentes não apenas para o
público estadunidense, mas também para os japoneses.
Estes ideais, de viver cada momento como se fosse o último, ou mais precisamente
“dia após dia, preparar-se para a morte” [Yamamoto, 2004, p. 98] e da busca de
uma boa morte em combate foram inseridos no imaginário japonês sobre o passado
samurai na década de 1930, quando o livro “Hagakure”, escrito por Yamamoto
Tsunetomo no século XVIII, foi propagandeado pelas autoridade japonesas, e
popularizado, como uma legítima fonte para o código de conduta dos samurais, e
que conteria valores por eles praticados desde sua origem. Contudo, historicamente,
o conteúdo desse livro era meramente um aconselhamento voltado para os samurais
do domínio de Nabeshima, no sul do Japão, jamais ganhando notoriedade além de
suas fronteiras antes da modernidade [Benesch, 2014, p. 16-17, 199].
Juntamente à ideia de que o ethos dos samurais seria historicamente a moral dos
japoneses, com o argumento de que, “o sistema ético que primeiro iluminou a
ordem militar, arrastou, com o tempo, seguidores entre as massas” [Nitobe, 2005,
p. 106], propagada desde a Era Meiji com base na obra de Nitobe, somou-se então
esta ideia da disposição à morte a qualquer momento como um ideal que todo
japonês deveria observar. Um artifício de um governo que se militarizava, para
implantar na população a disposição ao sacrifício pela nação nas guerras que se
iniciavam.
O segundo mito, do repúdio ao uso de armas de fogo por parte dos samurais, aqui
representado na escolha de Katsumoto de não empregar tais armas em seu exército,
nas palavras de um dos personagens do filme, o japonologista Simon Graham,
“Katsumoto não se desonra mais usando armas de fogo” e “Para aqueles que
honram os velhos costumes, Katsumoto é um herói”. Esta é uma romantização
extrema do repúdio dos samurais pela modernidade, considerando tais armas como
componentes da ocidentalização que a acompanharia.
Conclusão
Podemos concluir que o filme “O Último Samurai” de Edward Zwick, traz uma
representação orientalista dos samurais, baseada em um amplo resgate de tradições
inventadas cultivadas pelo Japão Imperial, várias décadas antes da estréia do filme.
Através de mitos como o do bushido como um culto à morte honrada, e o repúdio
dos samurais pelas armas de fogo, o filme apresenta um Oriente construído pelo
Ocidente [ou poderíamos dizer reconstruído], com base em velhos mitos, de origem
política ou auto-orientalista, certamente contribuindo para a perpetuação desta
visão orientalista.
Referências
Edelson Geraldo Gonçalves é Doutor em História Social das Relações Políticas pela
UFES e atualmente Pós-Doutorando pela mesma instituição, bolsista
PROFIX/FAPES.
Mail: edelsongeraldo@yahoo.com.br
Adaptação da fonte
Passei a desenvolver a prática de adaptação de fontes históricas após cursar o
componente curricular de Prática V, ministrada pelo o Prof. Dr. Renan Birro, que
nos instigou durante a disciplina a facilitar o acesso das/es/os estudantes as várias
fontes históricas, instigando o alunado a interagir com a História, com o intuito de
romper com a visão que a História seria apenas uma disciplina estática, que estuda
o passado e que deve ser decorada pelas/es/os estudantes.
“Eu fiz essa doação com um coração cheio de amor por meu pai Amun;
Iniciada em seus ocultos começos,
Informada com seu benéfico poder,
Eu não esqueci qualquer coisa que ele ordenou.
Minha majestade conhece sua divindade,
Eu ajo segundo o seu comando;
É ele quem me guia,
Eu não planejo nenhum trabalho sem sua execução.
É ele quem me dá todas as direções,
Eu não dormi por causa de seu templo,
Eu não extraviei do que ele comandou,
Meu coração era Sia [a personificação do conhecimento] diante dele.
Eu entrei nos planos de seu coração.
Eu não dei as costas para a cidade do Senhor de Tudo
Melhor eu voltei minha face para ela.
Eu sei que Ipet-Sut é o lugar de luz na terra,
A montanha majestosa dos inícios.
O olho sagrado do Senhor de Tudo,
O seu lugar favorito que gera a sua beleza,
Que reúne os seus seguidores.
Que alguém que ouça possa dizer, ‘É uma basófia, “O que eu disse”;
Pelo contrário dizer, “Isto é próprio dela,
Ela é devotada a seu pai!”
Veja, o deus me conhece bem,
Amun, Senhor do Trono das Duas Terras;
Ele me fez governar a Terra Preta e Terra Vermelha como recompensa,
Ninguém se rebela contra mim em todas as terras.
Todas as terras estrangeiras são submetidas a mim.
Ele colocou minhas fronteiras nos limites do céu.
O que Aton cinge trabalha para mim.
Ele deu-lhe isto que veio dele,
Sabendo disso eu vou governar por ele.
Eu sou sua filha na verdadeira verdade.
Aquele que serve ele, que sabe o que ele ordena.
Minha recompensa de meu pai é vida-estabilidade-lei.
No trono de Horus sobre todos os que vivem, eternamente, como Ra.”
[LICHTEIM, v.II, APUD BAKOS, 2012, p. 27-29]
Texto esse que relata alguns dos feitos de Hatshepsut enquanto faraó, seu vínculo
com os deuses e sua preocupação em deixar para posteridade o registro do que fez.
Para que esse escrito pudesse ser utilizado em sala de aula foi necessário que essa
tradução fosse adaptada para uma linguagem mais acessível para as/es/os discentes.
Hatshepsut reinou durante a XVIIIª dinastia do Reino Novo, foi a primeira mulher
faraó a governar o Egito com plenos poderes. Ela conseguiu executar várias
atividades que até então não haviam sido exercidas por mulheres e preocupou-se
em eternizar seus feitos: Hatshepsut espalhou pelo Egito vários monumentos com
inscrições de seus atos mais grandiosos. Abaixo vemos como era comum no Egito
Antigo a preocupação em deixar uma mensagem para posteridade, além de oferecer
uma forte ligação com os deuses.
Fonte adaptada
Fiz essa doação por amor a meu pai, Amon. Eu sou guiada por ele, faço
tudo que ele manda. Eu não dormi para cuidar de seu templo, eu não
esqueci a cidade do Senhor de Tudo, eu dei toda atenção para a cidade
de Amon, pois sei que é nela o lugar de luz na terra, local do sagrado
do deus Amon: esse é seu lugar favorito, é aqui que se reúnem seus
seguidores.
Eu, enquanto rei, digo para o povo o que serei no futuro: quem olhar
para esse monumento saberá que mandei erguer dois obeliscos
decorados com ouro para o meu pai, com o topo deles alçando o céu.
Agora penso no que as pessoas irão falar: elas verão meu monumento
depois de anos e falarão sobre o que eu fiz. Porque isto foi feito? Para
criar uma montanha em ouro, algo que aconteceu do jeito que deveria.
Eu juro quesou amada por Rá e como meu pai, o deus Amon, ajudou-
me. Eu uso a coroa branca e a coroa vermelha. Sou poderosa como o
filho de Ísis e como o filho de Nut; eu serei eterna como uma estrela,
eu vou descansar na vida como o deus criador; que meu nome possa
durar neste templo e para sempre.
Que as pessoas falem que isso é digno de mim, pois sou dedicada a meu
pai: o deus me conhece e Amon me fez governar as Duas Terras.
Ninguém se revolta contra mim, os estrangeiros obedecem a mim. Eu
sou a verdadeira filha do deus sol; eu trabalho para ele e, como
recompensa, tenho vida, estabilidade e poder.
Obelisco: Monumento de base quadrada e no topo possui forma de
pirâmide
Rá: Uma das formas de se chamar o deus Sol no Egito Antigo
Amon: nome diferente para o deus Sol
Isis: deusa da fertilidade e da maternidade
Nut: deusa do céu
Duas Terras: formada pelo Alto Egito [região do vale do Nilo] e Baixo
Egito [região delta do Nilo].
Diante dessa realidade fui convidada pelo prof. João Lemos a ministrar uma aula
sobre as mulheres no Egito Antigo para a turma de 1° ano do Ensino Médio ano do
Ensino Médio, dos cursos de Administração, Agropecuária, Informática e Redes de
Computadores na EEEP Paulo Barbosa Leite - Caririaçu, localizada no Ceará.
Aproveitei a oportunidade para apresentar incialmente uma foto do obelisco de
Hatshepsut em Karnak.
Fonte:https://www.voyagevirtuel.com/egypt/bigphotos/luxor-karnak-802.jpg
Além disso, debatemos como era uma realidade comum no Egito Antigo à
preocupação da eternização dos feitos do faraó através da dos textos-imagens
presentes nos monumentos e a relação extremamente forte que ligava o faraó aos
deuses.
Referências
Gabriela Maria Teodósio, graduanda em Licenciatura em História na UPE,
pesquisadora do Leitorado Antigüo: grupo de ensino, pesquisa e extensão em
História Antiga, e bolsista da Residência Pedagógica. Contato:
gabriela.teodosio@upe.br
Sendo assim, essa HQ forjada a partir das memórias da senhora Lee, em cotejo com
a documentação oficial dos governos japonês e coreano, assim como de fotografias
e dos depoimentos de outras mulheres, se apresenta como um valioso recurso
didático a ser mobilizado por nós professores-historiadores. Tanto no que concerne
a questão do conteúdo da Segunda Guerra Mundial, quanto ao fato de se tratar de
uma obra feita por uma mulher coreana, sobre outra mulher coreana. Afinal,
acredito que “uma educação multicultural exige dos professores um consistente
trabalho de problematização sobre a formação da sociedade brasileira e uma
consequente desconstrução de categorias para que temas e atividades escolares em
torno da pluralidade cultural sejam efetivamente trabalhados nas aulas de História
em prol da destruição de discriminações e preconceitos vinculados tanto por meio
de discursos quanto de ações.” [AZEVEDO, 2011, p.182].
Tendo tudo isso em vista, decidi propor uma sequência didática para aulas de
História, mobilizando a HQ “Grama” enquanto recurso didático. Pois, enquanto
professores “existe o problema de escolher documentos que sejam atrativos e não
oponham muitos obstáculos para serem compreendidos, tais como vocabulários
complexo [...], grande extensão, considerando o tempo pedagógico das aulas [...] e
a inadequação à idade dos alunos.” [BITTENCOURT, 2011, p.330]. Ao fazer uso
de uma história em quadrinhos, penso justamente nesses aspectos, pois ela possui
uma leitura fluída, sem vocabulários complexos, e na qual a discussão caberia no
tempo pedagógico de quatro aulas.
Quanto ao recorte de faixa etária indicado para o uso desse recurso didático, sugiro
aos pares que pensem nos nonos anos do Ensino Fundamental Regular, ou para os
anos do Ensino Médio, visto que alguns temas trabalhados podem ser muito
sensíveis para idades mais jovens. Também é possível trabalhar com esse tipo de
literatura na Educação de Jovens e Adultos, acredito que se dará uma experiência
muito enriquecedora. Vale lembrar que, fazer uso de uma HQ torna o documento
atrativo, tanto por seu apelo imagético, quanto por sua forma de leitura, que traz
imagens e textos curtos.
Afinal, aqui levo em consideração que as HQs são um recurso atrativo, porque “são
o espaço do lúdico e sua narrativa, tal como o cinema, envolve uma estrutura
diferente dos livros de História tradicionais. Não obstante, [...] reforça a
necessidade de o professor atuar como mediador no trabalho com tal linguagem,
problematizando o discurso histórico presente na HQ.” [LIMA, p.164, 2017]. Desse
modo, ao trabalhar com “Grama” pretendo fazer referência a trabalhos científicos
acerca dos acontecimentos abordados na HQ. Dessa forma, instigo os pares a ler
bibliografia acerca da Segunda Guerra Mundial no Pacífico e acerca do domínio
imperialista japonês no leste asiático.
Outro ponto a ser levado em consideração quanto a este tipo de recurso é que “as
HQs constituem linguagem singular através da qual fatos, épocas e ideias são
vividos por personagens, dando escala textual e imagética a tais elementos. Além
disso, os quadrinhos promovem a leitura, a interpretação e a imaginação, aspectos
diretamente relacionados às aulas de Linguagens, mas também fundamentais para
as Humanidades e, especificamente, para a História.” [LIMA, p.168, 2017]. Dessa
forma, a partir das HQs também pode ser proposto uma sequência didática
interdisciplinar, com as disciplinas de Artes e Língua Portuguesa, explorando esse
gênero artístico e textual.
Ora, para começar esta sequência didática, então, sugiro ao professor que selecione
capítulos de “Grama” e os disponibilize para que os alunos [visto que nem todos os
estudantes terão poder aquisitivo para adquirirem a obra, assim como muitas
escolas não podem adquirir o material]. Porém, caso a escola possa fornecer a obra
completa aos estudantes, essa experiência se mostrará ainda mais enriquecedora.
Visto que a história da vovó Ok-Sun aborda diversas temáticas importantes de
serem trabalhadas em sala de aula, tais como violência contra a mulher, pobreza,
racismo, guerra, acesso à educação etc.
Tendo em vista uma aula que trate da Segunda Guerra Mundial, ou até que trate de
eixos temáticos como da violência contra a mulher, e afins, sugiro a seleção dos
seguintes capítulos:
1 – “A garota que queria ir para a escola”: trata da infância pobre de Ok-Sun Lee
durante o regime japonês, passando fome, cuidando dos irmãos e sem acesso à
escola. Ao abordar esse capítulo o professor pode primeiro frisar a diferença entre
os povos asiáticos [visto que, infelizmente ainda é uma noção difundida em nossa
país que a Ásia é composta por um “povo só”]. Assim como a questão da pobreza,
e o acesso limitado a educação.
5 - “Bar de Ulsan”: mostra mais uma faceta do trabalho escravo infantil e de como
Gendry-Kim conheceu a vovó Ok-Sun. Nesse capítulo será extremamente
pertinente instigar os alunos a perceberem como foi construída a narrativa a partir
das memórias e depoimentos da senhora Lee em conversas com Kim, assim como
as pesquisas de campo e nos arquivos realizadas pela autora.
7 – “Virgindade”: cenas fortes e sensíveis que dizem respeito aos estupros sofridos
pela senhora Lee quando ainda era menina nos campos de concentração em que
ficou presa; e
10 – “A mana Yuna”: a história trágica de Seo Yuna como “mulher de conforto”.
Ao trabalhar esses três capítulos, vê-se a faceta mais cruel e violenta da invasão
japonesa e da Segunda Guerra Mundial. Sugiro o trabalho com o conceito de
“mulheres de conforto”, assim como com a questão da violência de gênero.
Após essa seleção prévia, acredito que o professor deva explanar para as turmas seu
plano ao trabalhar tal HQ, ou seja, quais são seus objetivos. Pois, a “aprendizagem
passa por aquilo que nos toca, que nos faz sentir. Assim, o primeiro desafio de um
professor de História, parece ser “atribuir sentido” para o aluno.” [SOARES JR.
2018, p.3].
Portanto, o ato de se mobilizar uma obra coreana deve ser trabalhado com os
estudantes, a fim de contribuir para a erradicação de preconceitos e discriminações,
que muitos deles acabam aprendendo nas mídias, redes sociais e afins. Aos pares,
indico que tratem a análise de “Grama” levando em conta que “Os alunos e
professores em sala de aula devem perceber as imagens e os objetos visuais como
portadores de significados. Tomando essa compreensão como base, passam a
ressignificar seus símbolos, releem suas expectativas e aprendem a constituírem-se
como pessoas de relação plural. E isso ocorre à medida que eles interagirem numa
dinâmica de reflexão e argumentação a partir de suas próprias histórias de vida e
experiências humanas.” [TAMANINI, COSTA, p.7, 2020].
Vale lembrar, que este trabalho se dedicou a uma sugestão de sequência didática
aos colegas professores, e não necessariamente um plano específico. Aqui, tenho a
intenção de lançar ideias de como trabalhar um recurso didático que a meu ver tem
grande potencial para a educação, trabalhando com diversas questões pertinentes,
como já foi elencado até então, e tantas outras que podem surgir de experiências
futuras. Acredito que as memórias da vovó Ok-Sun Lee, que ganharam vida sob o
pincel de Keum Suk Gendry-Kim, são fontes valiosas para nossos estudos
históricos, por isso faço-lhes o convite de mobilizar “Grama”.
Referências
Mestranda no Programa de Pós-graduação em História e Espaços da UFRN.
Graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
É certo que o conhecimento que a maioria das pessoas possui sobre a história das
civilizações, dos vários povos que já habitam todo o globo terrestre, das revoluções
e das guerras que aconteceram em diferentes períodos da história etc., é construído
apenas no ambiente escolar, desde o ensino fundamental até o ensino médio. Assim,
a forma como um professor ministra suas aulas e ensina os conteúdos presentes no
livro didático da disciplina de História, que é nosso foco de observação, acaba por
influenciar significativamente na maneira como os alunos constroem o seu
conhecimento sobre o passado e na maneira como ambos irão entender ou
interpretar a sociedade e o mundo ao seu redor.
Diante disso, algo que é notável e que não se pode deixado de lado é o fato de, nas
aulas de História na educação básica, ser pouco trabalhado o conteúdo relacionado
aos povos orientais. Menos ainda [ou talvez de maneira nenhuma] é abordado o
quanto estes foram fundamentais para a história ocidental, a qual, durante muito
tempo, tem sido colocada em várias pesquisas como ponto referência na produção
de diferentes tipos de conhecimentos. Por que um povo evita de ressaltar as
influências que recebeu? Por que não reconhecer e deixar claro as trocas no nível
material e espiritual, de conhecimento? Qual o limite entre a realidade vivida e a
realidade contada?
Portanto, podemos dizer o Oriente foi orientalizado ao longo da história a partir das
representações que lhes foram atribuídas, em especial, pelas narrativas históricas
europeias produzidas desde o período da expansão imperialista e da colonização,
fornecendo, assim, os artifícios de superioridade dos ocidentais em relação aos
orientais [e a outros como os do continente africano], onde os povos ocidentais são
apresentados com civilizados e os orientais como os bárbaros.
Diante disso, entende-se um dos motivos pelos quais, no Brasil, demorou tanto
tempo para que o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena se tornasse
obrigatório em todos os níveis de ensino [o que só foi possível a partir da lei
11.645/08] é esse: uma vez que a herança eurocêntrica ainda se faz muito presente
em tudo que apreendemos, em especial, no ambiente escolar, a invisibilidade das
demais culturas ou o demérito delas sobrevive. Consequentemente, isso também
explica a ausência do ensino da história oriental na educação básica e, sobretudo,
dos conteúdos que falam do quanto estes foram fundamentais para a história
ocidental. Tudo isso fortalece, mesmo que indiretamente, o conhecimento
estereotipado e negacionista que persiste e é divulgado.
Essa ausência, porém, deve ser desfeita porque “[...] o[a] professor[a] será a
referência para o[a] estudante e muito do que ele[a] irá conhecer ou ter acesso está
pautado pelas escolhas feitas pelo[a] profissional diante dele[a]” [FILATOW, 2019,
p.66]. Nesse sentido, se o professor se ativer a trabalhar somente os conteúdos
presentes no livro didático, muitas questões serão deixadas de lado, principalmente
acerca dos povos orientais, já que há muito eles têm ocupado pouquíssimo espaço
nesses livros. Priorizando os conteúdos da história europeia, é comum que nesses
livros as contribuições e conhecimentos das civilizações asiáticas sejam “ignorados,
aparecendo apenas em situações em que a história de alguma região da Ásia tinha
relação com algum país europeu, por exemplo, durante o imperialismo sobre vastas
regiões desse continente, conteúdos que só são abordados no livro do 3º ano do
Ensino Médio”. [SILVA, 2019a, p. 219]
Com resultado dessa forma de ensino, se por um acaso fosse perguntado a um aluno
ou a uma pessoa de fora do cenário educacional o que eles sabem sobre o Oriente
ou fosse perguntado o nome dos países considerados orientais, sem buscar
informações no Google, certamente as respostas seriam vagas e bem próximas das
que Silva [2019] obteve em sua pesquisa:
Essas respostas são o reflexo do quanto é escasso o conteúdo que discute sobre a
cultura, os conhecimentos, a política e entre outros aspectos desses “orientes”.
Mesmo quando uniformizado, esse tema é o “conhecido desconhecido”.
Mas porque a “Ásia que armou a Europa contra si”? Ou mesmo porque “a Europa
se fez com a Ásia, graças à Ásia, pela Ásia”? Se pegarmos um mapa que represente
a divisão do grande Império Romano, em Império Romano do Ocidente e Império
Romano do Oriente, veremos que o território europeu está localizado na parte que
corresponde ao Império Romano do Ocidente, o qual, segundo a historiografia, foi
o primeiro a desmoronar. Consequentemente, vários fatores contribuíram para que
desmoronamento acontecesse, dentre eles [embora não seja muito mencionado nos
livros de histórias] foi o fato do desconhecimento desse território, visto que, esse
era formado por terras novas que foram anexadas ao Império Romano, enquanto o
que estava sob o domínio do Império Romano do Oriente já havia passado pelo
processo de conhecimento e exploração de suas riquezas e espaços. Ou seja, o
Império do Ocidente pode ser caracterizado como rural em quanto que o do Oriente
como citadino.
Considerações finais
Mediante o que foi exposto no presente artigo, nota-se também que é importante e
necessário refletirmos não somente no que diz respeito à ausência dos conteúdos
que abordam assuntos acerca da história oriental e das suas contribuições para a
formação da cultura ocidental nas aulas da disciplina de História no ensino
fundamental e médio, mas também sobre a formação e qualificação dos professores
que ministram as aulas dessa disciplina. Os conhecimentos dos novos temas, que
estão sendo discutidos e analisados no campo das pesquisas historiográficas, devem
chegar ao ambiente escolar, ainda há desconhecimento por parte desses professores
e, definitivamente, o livro didático de História não pode ser a única fonte de
conhecimento. Há muito trabalho de pesquisa sobre os orientes a ser feito, como há
que se inteirar dos que já estão disponíveis e acessíveis. Finalmente, há que se
questionar as narrativas historiográficas que, por ser a única perspectiva disponível
e por repetição, se estabelecem como verdade absoluta.
Referências
Maria Eugênia é graduanda do segundo período do curso de Licenciatura em
Ciências Humanas [Sociologia] pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
É membro do grupo de pesquisa Advaita e História.
Alina Silva Sousa de Miranda é doutora em História Social pela USP e professora
de História da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, coordena o grupo de
pesquisa Advaita e História. É autora do livro Fiar poético [em dois volumes, I –
Cenário do estudo tradicional e II – Meditações sobre o estudo tradicional],
lançados em 2021, resultado do projeto de pesquisa de editoração e produção de
documentação da tradição oral védica em língua portuguesa, projeto esse apoiado
pelo Consulado da Índia do Rio de Janeiro.
FEBVRE, Lucien. A Europa: Gênese de uma Civilização. Trad. Ilka Stern Cohen.
Bauru, SP: EDUSC, 2004. Aulas I – XIII.
FILATOW, Fabian. O Oriente na Sala de aula através das histórias em
quadrinhos: possibilidades e diálogos possíveis. In: BUENO, André;
ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton; NETO, José Maria de Sousa [Orgs.]
Orientalismo Conectado. Rio de Janeiro: Edições Especiais Sobre Ontens, 2019.
Disponivel em:
GOODY, Jack. O Roubo da História: Como os europeus se apropriaram das ideias
e invenções do Oriente. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SILVA, Márcio Douglas de Carvalho e. A “descoberta” da História da Ásia pelos
autores de livros didáticos: a abordagem das civilizações orientais no ensino
médio. In: SILVA, Cleide M. de Carvalho; SILVA, Márcio Douglas de C. e
Ronyere Ferreira [Orgs.]. História, memória e práticas de ensino. Teresina:
EDUFPI, 2019a.
SILVA, Márcio Douglas de Carvalho e. A História do Oriente na educação
básica: aprendizagem sobre civilizações orientais no ensino médio. In: BUENO,
André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton; NETO, José Maria de Sousa
[Orgs.] Orientalismo Conectado. Rio de Janeiro: Edições Especiais Sobre Ontens,
2019b.
“JOHN RABE”: REPRESENTAÇÃO
CINEMATOGRÁFICA DO MASSACRE DE NANQUIM
Maria Gabriela Moreira
Introdução
Percebe-se, hoje, um interesse crescente na cultura de países como China, Japão e
Coreia do Sul. Essa última, desde o final dos anos 2000, vem atraindo olhares por
conta da indústria da música pop coreana [K-pop] - parte do fenômeno maior da
Korean Wave [Hallyu] -, esse gênero musical se tornou um embaixador cultural do
país, ocasionando um sucesso internacional sem precedentes. Além da música,
cogita-se o impacto das produções televisivas e cinematográficas desses países que
chegam, cada vez em maior número, ao ocidente. Graças a plataformas de
streaming como a Netflix e a própria Internet que permite um acesso fácil a essas
produções, o contato com a cultura desses países por pessoas não nativas,
especialmente geograficamente distantes, intensifica-se.
Em razão do exposto, e entre outras causas, a proposta deste artigo vem ao encontro
de somar a grade escolar, pensando as histórias asiáticas - julgo necessário o termo,
visto a ampla diferença numérica de civilizações ali remanescentes - e como essa
pode ser trabalhada em sala dentro de temáticas já visitadas. Ciente de que trabalhar
a história desse modo, numa perspectiva episódica, pode contribuir para uma visão
exclusiva e hierárquica da história, servindo ao eurocentrismo presente na
historiografia brasileira, busco pensar a temática, não partindo do ocidente para
pensar o oriente, mas sim do contexto global, neste caso a Segunda Guerra Mundial.
Apresenta-se aqui o cenário histórico a ser analisado e também uma sugestão de
como o filme “John Rabe” poderá ser trabalhado em aula.
A Segunda Guerra Mundial e o conflito sino-japonês
A historiografia oficial que temos contato marca o início da Segunda Guerra
Mundial com a invasão da Polônia pelos alemães no dia 1 de setembro de 1939.
Quanto ao confronto generalizado, foi depois de Pearl Harbor, em 1941, que a
guerra sino-japonesa se fundiu no cenário mundial, neste mesmo ano a declaração
oficial da guerra entre a República da China e o Japão imperial se concretizou.
Verifica-se, contudo, que operações de grande porte tiveram início em 1937 entre
estes dois países da Ásia.
Jean-Louis Margolin [2015] vê duas razões para este quase esquecimento pelo
ocidente desta parte do conflito desde 1945, apontando como primeiro motivo o
fato de ter permanecido como uma guerra “sem data e sem nome”, tornando mais
difícil gerar compaixão pela mesma. O segundo fator é, segundo o historiador
mencionado, a inexistência de um acordo sobre o número de vítimas e a natureza
do comportamento cruel.
Sobre esta guerra, o estopim para o seu início em julho de 1937 foi um pequeno
incidente no subúrbio de Pequim. Nos grandes eixos de comunicação, dos quais os
soldados japoneses tinham controle, criou-se imensas zonas de guerrilha,
comunistas ou nacionalistas, que fugiam ao controle dos japoneses. Os primeiros
meses de confronto, marcados pelos piores acontecimentos, correspondem a um
grande otimismo nipônico quanto a uma saída rápida e vitoriosa. Os massacres
foram impulsionados por um sentimento de onipotência, tratava-se de aterrorizar a
China para ela capitular mais depressa e quebrar qualquer possibilidade de
resistência.
Wenfan Chen, ao estudar as questões histórias nas relações sino-japonesas, verifica
que obstáculos persistentes entre a China e o Japão se justificam na reconciliação
incompleta entre o Japão e a China durante a Segunda Guerra Mundial, dado o
período de invasão japonesa na China de 1937 a 1945. Teorias de relações
internacionais falham em explicar completamente por que a história e a memória
continuam a influenciar as relações sino-japonesas tão fortemente. Simbolizado
pelo Massacre de Nanquim, a questão histórica ou as atrocidades do tempo de
guerra japonesas e o fracasso contínuo do Japão em desculpar-se continuam a
impactar as relações sino-japonesas [CHEN, 2013].
O antagonista de Rabe, mesmo sem ter importância para história e aparecendo por
poucos minutos no início, o típico nazista dogmático e cheio de cicatrizes, é
colocado para contrastar com o “nosso herói”. O pacto da Alemanha com o Japão
e o fato de Rabe morar há tanto tempo na China o torna perfeito para assumir o
cargo de presidente da zona de segurança em Nanquim. Os estrangeiros, ali na
capital chinesa, decidem por estruturar essa zona quando começam a presenciar os
horrores da guerra. Historicamente, foi criado o Comité Internacional de Segurança
de Nanquim para estabelecer essa zona a fim de proteger os refugiados.
A primeira dessas cenas é logo no primeiro ataque dos japoneses, quando ocorre
um bombardeamento da cidade, assistimos a algumas dezenas de chineses correndo
para debaixo de uma bandeira nazista enorme, expressando sucintamente o impulso
temático geral do filme. Sob a personalidade de um empresário nazista, revela-se
uma vontade de proteger os fracos da barbárie desumana. É uma ironia histórica
que transforma o símbolo do genocídio em um dispositivo de resgate. O Japão foi
o primeiro país a recorrer em tão grande escala aos bombardeios aéreos sobre
cidades para aterrorizar civis [MARGOLIN, 2015]. Os “massacres de batalhas”,
como pode ser chamado a violência do Japão, são bem marcados durante o filme
todo.
No caso chinês, o ódio era porque estes se recusavam a aceitar que o Japão fosse o
filho pródigo da Ásia, legitimado a dirigi-los e reeduca-los. Acontece que o Japão
foi o único a sofrer com o fogo nuclear, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 as bombas
foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, uma decisão eminentemente política
dos líderes americanos que sublinhou o fim da Segunda Guerra Mundial
[GONÇALVES, 2000]. Essa peripécia levou muitos do país a se considerarem,
antes de tudo, vítimas, essa foi a memória escolhida, em vez de se lembrarem
também como agressores durante a guerra.
Considerações finais
As possibilidades de estudo e análise acerca da representação exposta acima não se
anulam neste artigo, outros olhares, perspectivas e visões podem ser trabalhadas.
Propomos assim que a finalidade de se trabalhar com imagens, sejam fílmicas ou
não, em uma aula de História, não possuem apenas um olhar e uma interpretação,
há toda uma junção de sinais e narrativas a serem decodificados. Vale ressaltar, por
fim que:
Referências
Maria Gabriela Moreira, graduada de Licenciatura em História pela Universidade
Estadual de Maringá [UEM]. E-mail:mariagabrielamoreira15@gmail.com
Sendo assim, queremos destacar com esse texto a ação pedagógica – a estruturação
de uma metodologia tradicional de aquisição de leitura e escrita do sânscrito no
Brasil – cuja realização ocorre desde 2015 pelo Instituto Vishva Vidya, sediado em
Petrópolis, no Rio de Janeiro – sua fundação é de 2014 e, atualmente, conta com
mais de mil alunos regularmente matriculados, majoritariamente brasileiros, dos
quais muitos adquiriram acesso ao sânscrito por meio das modalidades de
aprendizagem dessa instituição. Por estar engajada na proteção da tradição oral
védica, no ensino tradicional de Vedānta a partir de uma metodologia eficiente e
própria – cujo recente reconhecimento do governo indiano ajuda a vislumbrar o
impacto desse trabalho na própria tradição védica, a qual se abre em sua real
natureza transcultural –, a aprendizagem do devanāgari constitui-se como uma
sādhana muito importante. É nosso interesse, pois, divulgar essa iniciativa,
socializar essa ação pedagógica a partir de um histórico dela e da apresentação de
suas bases, já que seus resultados são bastante férteis, seja individualmente, seja
para o estado dessa arte em nosso país. E pela modéstia do empreendimento e
público-alvo, daremos preferência ao termo “aquisição de leitura e escrita”, ainda
que eventualmente o uso do termo alfabetização possa ser usado dada a larga
compreensão do seu sentido.
Mas o que é sādhana? Que quer dizer estudar sânscrito como sādhana? Sādhana
significa ‘instrumento por meio do qual se atinge algo’. O foco, porém, não é no
objeto – no caso, o devanāgarī, a aquisição da leitura e da escrita e a transformação
que o processo de aprender algo sempre promove –, mas no caminho e na
contemplação da pessoa nele que a aproximação com esse objeto provoca. Daí a
melhor tradução para a palavra sādhana ser ‘caminho’.
Não cabe, pois, nesse processo desenvolvido até o momento a querela internacional:
se a aquisição da leitura e escrita ocorre fundamentalmente pelo meio auditivo ou
visual, pois não se trata de uma atividade técnica, de uma aquisição motora. E, por
mais que haja um trabalho com a linguagem e a consciência meta-fonológica dos
envolvidos, o que está realmente em jogo é o um processo de autoconhecimento,
de crescimento de todos os envolvidos. Se boa parte da querela entre métodos de
alfabetização é disputar a eficiência de um meio ou outro nos inúmeros entraves e
desafios do processo de alfabetização, pois trata-se de uma preocupação da
formação da criança, bem como se é a intimidade com o fonema ou com o
significado da palavra que garante um bom processo de alfabetização, esse
rompimento não tem mostrado nenhum sentido na prática de facilitar a aquisição
da escrita em sânscrito no contexto do estudo tradicional para adultos. De fato,
alfabetizar significa dominar as regras de funcionamento do código alfabético e,
progressivamente, do código ortográfico. Porém, nesse formato de estudo e
aquisição do código escrito, ela não é encarada apenas como uma tarefa técnica de
reconhecimento do alfabeto, nem com as relações deste com a linguagem: ela
tangencia com valores que sustentam uma vida saudável e equilibrada, que é a visão
da sabedoria.
Referências
Alina Silva Sousa de Miranda é doutora em História Social pela USP e professora
de História da Universidade Federal do Maranhão, coordena o grupo de pesquisa
Advaita e História. É autora do livro Fiar poético [em dois volumes, I – Cenário
do estudo tradicional e II – Meditações sobre o estudo tradicional], lançados em
2021, resultado do projeto de pesquisa de editoração e produção de documentação
da tradição oral védica em língua portuguesa, projeto esse apoiado pelo Consulado
da Índia do Rio de Janeiro.
Como sinólogo, não posso afirmar em absoluto que minha opinião será levada em
conta, mas assim mesmo gostaria de explicitá-la - e neste caso, a minha situação
como brasileiro, um tipo tradicionalmente excluído da intelectualidade mundial -
me concede uma posição favorável, já que não sinto a obrigação de filiar-me
especificamente a nenhuma das linhas de trabalho anteriormente citadas. Não
preciso, pois, aceitar a imposição de nenhum pacote completo de ideias, e não
preciso salvaguardar nenhuma suposta ‘superioridade cultural’ [embora os
brasileiros, erradamente, se considerem muitas vezes mais capazes do que qualquer
outra civilização no mundo]. A posição do qual busco partir visa unicamente tentar
compreender por que razões posso considerar o pensamento chinês uma Filosofia,
e se há vantagens em aceitar esta atitude.
Assim sendo, a relação entre a Sinologia e a Filosofia não poderia ser das melhores.
Enquanto a primeira tem por fundamento estudar o outro, a segunda tem buscado,
como um adolescente afligindo pelas dúvidas da imaturidade, negar a existência de
qualquer coisa fora de si - como se a afirmação do outro negasse e destruísse a sua
própria existência. Disto resulta um constante desconhecimento por parte dos
filósofos sobre o material que é produzido pela Sinologia, e isto mantém a sua
pretensa originalidade e superioridade firmes. A inequívoca decepção aparece
quando um ou outro sinólogo, com uma formação mais profunda em Filosofia, é
capaz de apresentar ao Ocidente alguma descoberta conceitual ou intelectual que
inverte estas relações de poder, colocando a China numa primazia temporal,
histórica ou filosófica que causa desconforto e espanto, como é o caso de François
Jullien [2010].
Podemos afirmar de forma direta e enfática, porém resoluta: a China talvez não
precise da chancela ‘Filosofia’, mas a área da Filosofia precisa da China. No
entanto, o paradoxo se estabelece: os asiáticos têm estudado a filosofia ocidental
com afinco, pois a entendem [corretamente ou não] como parte integrante de sua
ciência; enquanto isso, a contextual preeminência do ocidente no panorama mundial
lhe dá a enganosa sensação de superioridade cultural absoluta, que trata todas as
culturas ‘orientais’ e africanas como absolutamente inferiores [verdade bastante
relativa, cujo tempo de existência remonta apenas a segunda metade do século 19
até agora].
Tomando por base uma iniciativa aberta - o que e o mais difícil em todo processo
de experiência - a etapa seguinte é aceitar o fato de que a China [e toda sua cultura]
não funcionam em nossas linhas gerais de entendimento, e suas expressões lógicas
podem ser relativamente diferentes da ‘ocidental’ - mas não significam que são
necessariamente ‘lógicas diferentes’, como Júlio Sameiro [2015] apontou. Posto
isso, as classificações que usualmente utilizamos - científico, religioso, filosófico,
sociológico – podem não funcionar tão bem no caso chinês, pois estes aspectos
amplamente se sobrepõem, mas são nosso ponto de partida para uma investigação.
O caso da ciência tradicional chinesa é claro: ela utiliza um sistema que tem certa
eficácia comprovada [como no caso da medicina, e dentro de parâmetros
ocidentais], mas que é empregado também por astrólogos e monges daoístas. O que
isso significa? Analogamente, é como se alguém modificasse a astrologia ocidental
por causa da descoberta de um novo planeta; temos entre nós uma clara noção de
como ambas [astrologia e astronomia] se diferenciam, mas não buscamos ver se o
mesmo acontece no caso chinês [e ainda, como acontece]. Essa ignorância
despropositada tem sido razão de uma relutância tremenda para a aceitação do
pensar filosófico chinês como algo "filosofável", mas trata-se puramente tanto de
desconhecimento como de preconceito [porque afinal, toda a Filosofia - desde
Platão até a época de Galileu - não é refutada, em absoluto, por pautar-se em
critérios que hoje não são mais tidos como válidos].
Há que se ter em mente, por fim, que a China é uma civilização milenar, e que o
modelo do exemplo tem seu valor. Qual o sistema responsável por sua continuidade
histórica? Que conjunto de valores e/ou conceitos foram responsáveis pela coesão
interna desta sociedade? A impossibilidade de encontrar qualquer resposta no
âmbito do pensamento ocidental remete-nos, inequivocamente, a necessidade de
estudá-la; por conseguinte, de descobrir se há algo que podemos aprender com ela
e que nos ajude a preservar nossa própria existência.
Referências
André é prof. Adj. de História Oriental da UERJ.
Inicialmente o hinduísmo tinha como base a preservação da ordem rta, que engloba
a interconexão entre o universo de cima com a realidade de baixo. Tal realidade de
cima correspondia ao mundo dos deuses, para os quais eram necessários sacrifícios
ao redor do fogo [chama subia até os deuses] [ANDRADE, 2020]. Já o mundo de
baixo era aquele no qual estavam os seres humanos. Para a sobrevivência neste
mundo humano era de suma importância tais sacrifícios aos deuses para que eles
enviassem chuvas para a boa agricultura [ANDRADE, 2020]. Esta dependência
mútua era o que mantinha o universo em ordem [ANDRADE, 2020]. A casta
brâmane era responsável pelo controle dos sacrifícios e, neste sentido, a que
comandava o mundo védico [ANDRADE, 2020].
No entanto, não se pode confundir esse caráter necessário do Karma com algo como
um determinismo absoluto no qual não há lugar para a liberdade humana. Trata-se
de uma teia elaborada pelos próprios humanos ao redor de si mesmos que se
articulam com escolhas de uma vida passada, presente e que condiciona o futuro
[ANDRADE, 2020]. Para que se possa compreender esta articulação entre a vida
passada, presente, futura e como evitar uma reprodução mecânica do processo
reencarnatório, é imprescindível a noção de samsara. Esta é entendida como um
permanecer preso ao ciclo de causas e efeitos e de reencarnações; ou seja, refere-se
à série sucessiva de nascimentos [ANDRADE, 2020]. Somente com a natureza
espiritual, fruto da prática da ética, poderá o sujeito agente fugir desta reprodução
mecânica e repetitiva [ANDRADE, 2020]. Não obstante, três são os caminhos para
o desenvolvimento da natureza espiritual: do conhecimento, do serviço e da
devoção [ANDRADE, 2020].
Compreendendo a reencarnação
Neste tópico será explicado brevemente o processo de reencarnação. Cabendo aqui
realizar algumas perguntas. Como se originou o cosmos? Como é possível
conseguir a salvação? Qual a importância da moral ou da ética para a obtenção da
salvação?
Seguindo o pensamento hindu, nada que o indivíduo recebe é por acaso. O que
mantém o ser humano à samsara é a ignorância proveniente do desejo e do prazer
[ANDRADE, 2020]. Para se libertar destas correntes, é preciso compreender por si
só sua condição e se libertar [ANDRADE, 2020]. Pode-se concluir este tópico
afirmando que no hinduísmo cada indivíduo é responsável por sua vida. Ele recebe
princípios para sua conduta de modo a conseguir se libertar [ANDRADE, 2020].
O sistema de castas
O sistema de castas indiano remonta a mais ou menos 800 a.C [ANDRADE, 2020].
Ainda sobre esta forma de organização no ceio da sociedade: “As castas são, antes
de tudo, realidades sociais: famílias, língua, ofício, profissão, território. São uma
ideologia: uma religião, uma mitologia, uma ética, um sistema de parentesco e uma
dietética. São um fenômeno: não é explicável a não ser dentro e a partir da visão
hindu do mundo e dos homens” [PAZ, 1995, p.58]. Neste sentido, as castas
representam uma organização social e religiosa hierárquicas.
Ainda sobre o dharma, é importante notar que ele “[...] designa a tradicional ordem
estabelecida, que inclui todos os deveres, sejam eles individuais, sociais ou
religiosos” [ANDRADE, 2020. p.96]. Na Índia há um destaque dado a vivência
moral visando prevenir de três inimigos: kama [desejo], lobha [egoísmo] e krodha
[raiva]. Cultivam-se oito virtudes: compaixão por todos os seres vivos, paciência,
contentamento, pureza, seriedade, pensamento positivo, libertação da avareza e
inveja [ANDRADE, 2020]. Com isso, ao passo que a lei do karma remete ao
indivíduo enquanto singularidade, o dharma ressalta os deveres sociais de cada
hindu [ANDRADE, 2020].
Conforme o que foi dito até aqui, pode-se afirmar que a grande finalidade a ser
buscada no hinduísmo é o retorno ao Brahma, a libertação do espírito, do atman [ou
de certo modo, alma.] da realidade aparente e ilusória [maya] [BOSIO, 2010]. Ou
seja, a libertação tanto da hierarquia social quanto da imperfeição individual
[ANDRADE, 2020]. O mediador deste processo é o dharma ao requisitar do
indivíduo seu correto cumprimento dos deveres sociais de acordo com sua casta na
hierarquia da sociedade. O que certamente é um banho de água fria sobre as classes
mais baixas da sociedade. Após esta breve exposição de aspectos que caracterizam
o hinduísmo, é possível agora tratar do budismo.
Conjuntura histórica da origem do budismo na sociedade indiana
Por volta dos séculos VI e V a.C., sessenta e duas seitas de tipo religioso veem a
luz. Cada uma delas propondo uma série de formas inovadoras de lidar com a
realidade mundana e isso tanto a nível pessoal quanto social. Buscando também
compreender a relação entre humanos e deuses através de diversos ritos e mitos
[BOSIO, 2010]. E é neste contexto em que aparece o budismo; mais
especificamente, por volta de 563 a.C. no que hoje corresponde ao Nepal [BOSIO,
2010]. No entanto, para uma melhor explicação sobre este aparecimento de diversas
seitas, é necessária a exposição da conjuntura histórica.
Estas mudanças sociais aqui explicadas exigiram dos brâmanes uma necessidade de
repensar suas práticas e, ao mesmo tempo, propiciaram o surgimento de diversas
seitas [BOSIO, 2010]. É aqui perceptível como o desenvolvimento das forças
produtivas e do processo de urbanização requisitou, no plano ideológico, alguma
explicação sobre o lugar do indivíduo no cosmos e nesta sociedade. Trata-se agora
de refletir sobre a práxis humana numa sociedade que está num iminente progresso
em termos de capacidade produtiva e comercial. Tem-se com isto um intenso
desenvolvimento das individualidades, algo que o budismo buscou explorar.
A classe sudra ou dos servos não tinha direito de conhecer e nem recitar os textos
sagrados do bramanismo, algo que mudou com o budismo. Visto que a doutrina
budista não reconhecia como limitação a posição de classe no que tange a
participação na comunidade [BOSIO, 2010]. Buda viria a usar a linguagem vulgar,
comum, para transmitir seus ensinamentos, ao contrário da classe sacerdotal
brâmane que privilegiava o uso do complexo idioma sânscrito [BOSIO, 2010]. A
mensagem de Buda se fazia mais sensível de assimilar por parte da sociedade, em
especial, das classes mais baixas [BOSIO, 2010].
De modo geral o budismo abriu a oportunidade para aqueles que antes eram
ignorados pelo sistema bramânico [BOSIO, 2010]. Com relação a isto, Durant
[1995, p.293] comenta que “[...] Buda não perdoa aos sacerdotes do seu tempo;
despreza-lhes a admissão de serem os Vedas inspirados pelos deuses, e escandaliza
a orgulhosa casta bramânica aceitando em sua ordem membros de qualquer casta”.
Além disto, Buda manifestava seu repúdio para com o sacrifício aos deuses que
custava a vida de inúmeros animais, rejeitava o culto de entidades sobrenaturais ou
qualquer ascetismo [DURANT, 1995].
Trata-se de uma postura que de encontro do sacerdócio, demonstrando um caminho
de libertação possível para fiéis e infiéis. [DURANT, 1995]. O budismo é, assim,
uma religião proselitista, universalista e não mais nacionalista como o hinduísmo.
Esta postura mais aberta do budismo caiu como uma luva para as demandas
materiais e espirituais das classes mais baixas, dando-lhes agora o devido consolo.
O universalismo e proselitismo surgem neste contexto já explicado de maior
intensidade das trocas comerciais e desenvolvimento urbano. Melhor ambiente para
pregar a todos indistintamente? Impossível!
A primeira fase desse caminho óctuplo das quatro nobres verdades é composta de
três elementos, são eles: a visão correta, a decisão correta e a fala correta. Para o
budismo, tudo o que existe no universo é interdependente. A segunda fase se liga a
ação e inclui mais três caminhos, são eles: o caminho da ação concreta, o modo de
vida correto e o esforço correto. Portanto, a ideia da ética para o budismo se baseia
em oportunidade [WATTS, 1999]. Por fim, a última fase do caminho óctuplo trata
das mentes e dos estados da consciência e está relacionada com a meditação e vai
incluir os dois últimos aspectos do caminho, são eles: samyak smriti e samyak
samadhi. A palavra smriti significa recordar. Já samyak samadhi quer dizer
consciência integrada, afirmando a não existência de distinção entre sujeito e
objeto/conhecedor e conhecido. O estado de samadhi se alcança mediante
meditação [WATTS, 1999].
Sendo assim, percebe-se que o meio caminho carrega em segredo que não podemos
apenas nos salvar, pois somos interligados, somos um universo inteiro e para sentir
esta interligação é necessário penetrar no estado do nirvana e assistir a emergência
do Karuna, que seria a sensação de interligação entre nós, ou seja, todos sofrem o
que nós fazemos [WATTS, 1999]. Liga-se a isto que a essência da ética budista
reside em atuar e pensar em função dos demais, de suas necessidades e sofrimentos
[MONTAÑO, 2009]. Já as ações negativas, carregam sementes de sofrimento e dor
[MONTAÑO, 2009].
Ainda sobre as experiências, nelas se tem que a raiz fundamental de toda dor e
sofrimento é a ignorância [MONTAÑO, 2009]. Ignorância aqui significa ver de
modo equivocado os fenômenos e as experiências vividas devido às respostas
imediatas dadas pelas emoções e pensamentos aos estímulos do mundo
[MONTAÑO, 2009]. Tem-se aqui então uma crítica da vida cotidiana, a qual passa
uma imagem estática da realidade por conta de sua imediaticidade [MONTAÑO.
2009]. Com relação a tal imagem estática, é importante levar em conta que “[...] o
mais perigoso aspecto da ignorância — o verdadeiro pecado original — é aquele
que nos faz acreditar que "nós mesmos" somos verdadeiramente isto ou aquilo, e
que podemos sobreviver numa espécie de identidade, de um instante ao instante
seguinte, de um dia a outro, de uma vida a outra” [COOMARASWAMY, 1965,
p.34]. Contra esta visão estática da realidade o budismo afirma que tudo é devir
[MONTAÑO, 2009].
Negação da individualidade?
A partir do que foi dito até aqui, pode-se aferir que vida é sofrimento [CONZE,
1997]. A crença num “Eu” é condição indispensável para que surja o sofrimento
[CONZE, 1997]. Este mundo imbuído de sofrimento e incessante devir deve ser
rechaçado visando o nirvana [CONZE, 1997].
Buda tomou como certos a lei do karma e o círculo de reencarnações hinduísta. Mas
seu pensamento caminhava no sentido de buscar um modo de escapar deste círculo,
realizar o Nirvana na terra e depois a aniquilação [DURANT, 1995]. O nirvana é
efeito da extinção do desejo individual, egoísta ou aniquilação moral do Ego
[DURANT, 1995]. Todavia a grande recompensa está em não renascer, ao quebrar
o ciclo de reencarnações [DURANT, 1995]. A finalidade aqui é a de alcançar a
imortalidade [CONZE, 1997]. A imortalidade não é um desejo de perpetuar uma
individualidade que se compra ao preço da decadência inevitável, mas sim uma
transcendência desta individualidade [CONZE, 1997].
Diante disso, tem-se aqui posto um horizonte abstraído de toda a práxis social, um
“além”. O despertar obtido com nirvana é desprovido de si, de individualidade e
vida. Outro ponto fundamental, contraditoriamente, é que este despertar, esta
salvação ou libertação, só pode ser conseguida por parte do indivíduo a partir dele
mesmo [COOMARASWAMY, 1965]. No entanto, como já foi dito antes, a moral
budista possui uma preocupação com a comunidade: deve-se atuar em prol dos
demais. Trata-se de uma mediação necessária para o pleno desenvolvimento
espiritual do indivíduo. Se antes o hinduísmo embasava ideologicamente a rígida
sociedade dividida em castas a partir da noção de reencarnação; o budismo o faz
indiretamente partindo da ideia de que vida é sofrimento, o eterno devir
reencarnatório do mundo precisa ser quebrado e para isso o indivíduo deve ser
capaz de atingir um estado para além desta realidade marcada pelo Ego.
Conclusão
Considerando toda a reflexão realizada no presente texto, pode-se dizer que no
budismo ocorre a negação da individualidade marcada pelas alienações de um
contexto histórico marcado pelas incessantes trocas comerciais, desenvolvimento
das cidades, desmatamento e desenvolvimento das forças produtivas em prol de
uma individualidade que melhor exprima a generidade humana.
Referências
Arthur D’Elia é mestrando em Filosofia da UERJ; Yasmin Ribeiro é graduanda em
História da UERJ.
“A China esteve ausente dos livros didáticos até meados dos anos 80, e
mesmo agora, ocupa apenas pequenos trechos dos novos de história e
geografia. Já as obras de natureza paradidática publicadas sobre a China
muitas vezes estão distanciadas da realidade concreta do ensino
fundamental e médio e tendem a dar um tratamento por demais abstrato
do tema, sem associar a China atual à realidade que vivemos aqui no
Brasil, como o Afluxo de mercadorias Chinesas concorrendo com os
produtos nacionais.” [Mao Junior, Jose, 1998, p.10]
Esse vácuo causado por modelo metodológico e didático de ensino da História é
ainda a ponta do iceberg da desinformação da Historiografia Chinesa. Mas apesar
dessa problemática partimos de uma reflexão para demonstrar a experiência
historiográfica Chinesa, e de ampliar discussões sobre esta civilização. Nesta
temática ampliar a busca do conhecimento é uma possibilidade da evolução, como
cita Carl Sagan: “O crescimento individual reflete o avanço da espécie”.
Desconstruindo Estereótipos
Dentre muitos séculos a China tinha sido vista pelo ocidente por uma visão
preconceituosa, racista e discriminatória com relação ao seu povo, tradições
culturas e pelo seu modo de vida. Atualmente essas visões obscuras, irracionais
vieram a tona com a atual Crise da Covid-19, com as mais absurdas narrativas na
qual o Brasil, ou melhor, dizendo seus representantes foram protagonistas das
inverdades sobre a China e uma relação com a pandemia.
Não é de hoje que o fantasma desse “pseudo comunismo” tem assombrado o Brasil,
em que desde aos anos 60 com o golpe militar de 1964 foi baseado na tese de tentar
o derrubar o comunismo no Brasil. [Vieira 1985]. Essas narrativas do temor e da
falsa ideia do comunismo no Brasil ganharam força nos últimos anos no Brasil, pela
grande propagação de Fakes nas redes sociais construindo um panorama desastroso
da desinformação e de um revisionismo sobre a História do Brasil obscuro e sem
parâmetro teórico.
Não obstante, com os mais diversos pronunciamentos negativos por parte das
autoridades brasileiras, surgiram as mais estapafúrdias teorias de conspiração sobre
a vacina Chinesa, baseadas de um senso comum sobre a questão da pandemia. Um
exemplo era de que a vacina Chinesa era feita de rato, ou morcego, ou que eram
produzidas com fetos humanos, ou que a vacina Chinesa continha em seu conteúdo
um “Chip” para controlar quem a tomasse. Essas informações insanas criadas pelos
conspiradores contra a ciência, se espalharam rapidamente, principalmente nas
mídias sociais, gerando confusão, principalmente entre os mais leigos e
desinformados e que causou uma redução da procura das vacinas até mesmo nas
demais vacinas aplicadas nas crianças.
Ora, é fato que tais discursos não condizem com a realidade, e no que se diz respeito
ao desenvolvimento cientifico, incluindo as pesquisas no campo da saúde, a China
tem desenvolvido inúmeras pesquisas pela experiência em outras situações de
flagelos com a sua população. A síndrome respiratória aguda grave [SARS] foi
uma das doenças que os cientistas Chineses se aplicaram nas pesquisas e
desenvolveram as vacinas, como exemplo a Coronavac. Historicamente os
Chineses estão a léguas na pesquisa e no desenvolvimento de técnicas médicas que
vem se aplicando a séculos, como a ideia de isolamento social, que foi a estratégia
mais correta para a pandemia da Covid 19, e que segundo o livro Hou Hanshu, essa
estratégia era a base para um tratamento adequado. [BUENO, 2020]
Sem dúvidas a China vem saindo-se muito bem nas pesquisas relacionadas a esta
pandemia, a sua tradição na pesquisa cultiva uma larga experiência para lidar nos
momentos de Crise sanitária como as demais crises que assolaram a sua civilização
na história. Assim os chineses mostram a força e habilidade exemplar para resolver
as suas dificuldades. Infelizmente o ocidente, mais precisamente o Brasil, pela sua
situação política atual do negacionismo, não consegue identificar a realidade da
civilização Chinesa. Entretanto se faz necessário rever a importância dos conceitos
e do conhecimento das tradições e experiências da História desta civilização.
Essa distinção muitas vezes recorrente é uma prova de que o Ocidente não teve um
interesse em atentar a existência da China. [CASTRO, 1969]. Não obstante, o
interesse do Ocidente em determinados períodos da História sempre foi a
dominação e o controle do território Chinês, principalmente no Século XIX, onde
se construiu a ideia de um lugar comum para a China cercado de aberrações.
Tragicamente esses foram um dos fatores que consolidou a ignorância sobre a sua
civilização e que ainda se perdura, apesar dos avanços ao acesso a informação e a
pesquisa.
A Historiografia dentro, de uma visão ocidental por vários séculos, mostra três
realidades distintas sobre a China, a primeira é sobre a visão acadêmica baseadas
em uma perspectiva que esta Civilização é inferior e que através do racismo o
oriente é uma identidade homogênea. Surge assim a ideia a construção de um
complexo de inferioridade sobre a China.
Os avanços da civilização Chinesa vão muito além sobre a questão da Cultura, pela
religiosidade com práticas pela divinização do mundo natural e pelo pensamento
filosófico e de certa forma educacional Confúcio [551-479 A.C] que apresentou
regras de harmonia social, condutas de uma sociedade correta em um período que
a China estava mergulhada na corrupção. Por esse motivo a educação Confucionista
teve importância fundamental na sociedade Chinesa, ou seja, uma filosofia
educacional que resiste ainda por séculos [Bueno, 2011].
Um dos grandes legados deixados por Confúcio foi de que ele se preocupou em
preservar os livros históricos para regularização moral e religiosa, mas também para
conservar a memória dos antepassados. Aqui se mostra o exemplo de uma
civilização preocupada com sua História e a memória de seus antepassados.
A China por milênios tem obtido muitas experiências no seu contexto social,
político, econômico e cultural. Por todos esses anos têm enfrentado guerras,
invasões, desastres naturais, doenças e pandemias como vivenciamos agora. Mas
de certo modo a sua civilização renasce a cada queda e desastre. Como é de sua
cultura os chineses usam de seus problemas e tragédias como uma forma de
experiência de se levantar e de se reconstruir.
Referências
Elois Alexandre de Paula. História Fafi-UV, Especialista em História, cultura e arte
UEPG, Ponta Grossa.
Essa passagem sugere que o autor crê na necessidade de mais conhecimento sobre
a Ásia para superar as noções equivocadas acerca do Oriente e do oriental, o que,
por sua vez, pressupõe a existência de um saber confiável sendo produzido. De fato,
Griffis não culpa os orientalistas pela situação de ignorância, não os menciona em
sua lista de responsáveis que vai dos poetas aos jornais. Eis um ponto central em
que ele e Said seguem em direções opostas. Griffis separa os “homens de ciência”
sérios e capazes de enxergar além dos preconceitos populares, como ele próprio,
dos escritores românticos que falseiam a verdade com exageros:
“Eu, por exemplo, após conhecer o povo japonês por quarenta e seis
anos e conhecer jovens e adultos chineses por quase quarenta anos, não
reconheço “o oriental” da imaginação popular. Não se deve confundir
um espantalho com um homem vivo, nem a versão de um bajulador
com uma verdadeira tradução. Para quem viveu entre os japoneses e
sabe algo de sua história, literatura e arte é impossível concordar com o
impressionista Hearn, ou com os caluniadores vis cujo motivo, direta
ou indiretamente, é fama ou dinheiro” [Griffis, 1912, p. 68-69].
Não que Griffis esteja cego ao vínculo entre orientalismo e relações de poder, tanto
que inclui os políticos entre os disseminadores do mito do oriental. Contudo, mais
uma vez silencia quanto ao imperialismo; o alvo de seu ataque é o mito do perigo
amarelo. Segundo essa teoria da conspiração então em voga, os povos asiáticos
representavam uma ameaça à civilização ocidental, especialmente os japoneses, que
haviam demonstrado capacidade militar nas guerras contra a China [1894-1895] e
Rússia [1904-1905]. A histeria racista produziu efeitos práticos em diversos países
na forma de restrições à entrada de emigrantes asiáticos, considerados impossíveis
de assimilar às culturas locais. O Brasil fez parte da onda anti-asiática, visto que a
Constituinte de 1934 aprovou limitações imigratórias voltadas à contenção do fluxo
crescente de japoneses ao país [Leão Neto, 1989]. Nos Estados Unidos, onde estava
o público-alvo do artigo, também houve consequências: o Chinese Exclusion Act
de 1882 restringiu a entrada e naturalização de chineses [Ruskola, 2013, p. 141-
148]. Em 1907, o governo japonês foi persuadido a limitar voluntariamente a
emigração para os Estados Unidos antes que o Congresso criasse barreiras
discriminatórias [Atkinson, 2016, p. 96]. Ao atacar a alterização dos “orientais” que
embasava o suposto perigo amarelo, Griffis assume posição contra o preconceito.
O texto condena a paranoia e os interesses econômicos e militares associados a ela:
“Na busca por fama, dólares, votos e verbas do Congresso para uma
marinha colossal, o que nossos jornais não permitem? No que nossos
concidadãos não acreditam? Consulte os arquivos dos nossos
periódicos desde a guerra entre Rússia e Japão. Contemple o
indescritível chinês, que com “astúcia” e “ardis” mantém um harém
secreto de mulheres brancas. Observe a horda incontável vinda da
China que está prestes a nos sobrepujar. Preste atenção naqueles
regimentos de ex-soldados japoneses treinando no Havaí! Veja as
numerosas fotos que os espiões japoneses estão tirando dos nossos
fortes. Veja a Baía Madalena [na costa pacífica do México] sendo
sondada para as fortificações do Micado. Será que a ignorância pode ir
mais longe que em alguns filmes baratos quando mostram a
determinação resoluta dos estadistas de Tóquio em reduzir os Estados
Unidos a uma colônia do Japão. Quase se pode ver [o almirante japonês]
Togo e sua frota se aproximando da costa enquanto alguns talvez
esperem, na agonia do alarme, ouvir o rangido das correntes que baixam
as âncoras de seus navios de guerra na Baía de São Francisco” [Griffis,
1912, p. 68].
Pode-se observar que Griffis denuncia com veemência um problema real, embora
não leve seus argumentos às conclusões lógicas; ele se preocupa mais com o efeito
doméstico da hostilidade ao oriental que com as ações imperialistas que tal forma
de pensar legitimava no exterior, exceto pela menção vaga à marinha. A mesma
percepção parcial acontece no tocante a questões de gênero. Ele estava ciente da
idealização e sexualização das mulheres e demonização dos homens “orientais”,
pelo que culpa os escritores sensacionalistas para quem “é claro que as japonesas
superam Eva, Vênus, Martha Washington e a Rainha Vitória, mas os homens são
feios, traiçoeiros e capazes de toda espécie de mesquinharia e maldade” [Griffis,
1912, p. 68].
Desnecessário dizer que o breve artigo de Griffis não substitui a obra de Said. Sejam
quais forem as falhas de Orientalismo, trata-se de uma obra de considerável vigor
teórico e analítico. Griffis antecipa alguns pontos centrais desenvolvidos por Said,
mas não os desenvolve, o que se percebe mais claramente em seu pouco interesse
pelo imperialismo. Não obstante, o valor testemunhal do texto é grande: comprova
a possibilidade de, em plena Era dos Impérios, um pensador mergulhado na tradição
orientalista ser crítico dela. Terá ele sido uma exceção solitária, vox clamantis in
deserto, ou será que o orientalismo era diversificado o bastante para conter uma
corrente contra-hegemônica? Só teremos certeza após mergulhar mais uma vez
nessas fontes, hoje tão controversas, em busca de sinais de dissidência e investigar
não o que diziam do “Oriente”, mas dos demais orientalistas.
Referências
Emannuel Henrich Reichert é Doutor em História pela Universidade de Passo
Fundo. Atualmente trabalha na Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão
do Estado do Rio Grande do Sul.
Essa expansão foi em parte justificada pelas formulações orientalistas, que por sua
vez eram incentivadas na medida em que os homens europeus travavam contatos
mais intensos com africanos e asiáticos. Tais contatos serviam como base para
novas teorias que, mesmo que de forma indireta, forneciam justificativas e
racionalizações culturais e morais para a dominação e a violência que os europeus
impingiam a outros povos. A justificação de dava pela criação de representações
dos homens do chamado Oriente como seres intrinsecamente diversos dos
habitantes do dito Ocidente. Tratava-se de representações distorcidas, que
caracterizavam os “orientais” como inerentemente inferiores aos ocidentais e
desprovidos da maioria das características nobres destes. A figura do homem
oriental era invariavelmente exótica, atrasada e pouco inteligente, incapaz de
racionalidade, e por isso sua dominação pelos europeus seria não apenas justificada,
mas natural. Via de regra, a dominação colonial europeia era tida como benéfica
para os povos subjugados que, na melhor das hipóteses, seriam colocados em um
caminho de relativa evolução graças aos ocidentais. “Existem Ocidentais, e existem
Orientais. Os últimos dominam; os primeiros devem ser dominados, o que
normalmente significa ter sua terra ocupada, seus assuntos internos rigidamente
controlados, seu sangue e tesouro colocados ao dispor de uma ou outra potência
ocidental.” [Said, 2003, p.36]
Em 1921, ao mesmo tempo em que nutria essas reflexões, Toynbee, então professor
de história grega na Universidade de Londres, teve a oportunidade de passar uma
temporada na Grécia e na Turquia [então Império Otomano] fazendo pesquisas. Na
ocasião, o mundo assistia aos momentos finais da chamada “questão oriental” que
deixara a Europa suspensa durante décadas — o Império Otomano, há muito
decadente, amargava derrota na Grande Guerra: seus antigos domínios foram
repartidos entre as potências europeias vitoriosas e Constantinopla se encontrava
ocupada por uma força conjunta internacional liderada pelos britânicos. Na porção
ocidental de seu império, os otomanos travavam cruenta guerra contra os gregos,
que almejavam tomar a Anatólia e fundar uma Grande Grécia baseada em uma
visão mítica de um Império Bizantino redivivo. Como historiador e bom
observador, Toynbee buscou examinar a questão de forma ampla: “Eu vi tudo o que
pude a respeito da situação, tanto do ponto de vista grego quanto do turco, em várias
partes dos dois países” [Toynbee, 1922, p.13]. Suas reflexões foram publicadas no
livro “The Western Question in Greece and Turkey: a study in the contact of
civilisations” [1922].
O que nos interessa nesse livro é o que Toynbee considera Ocidente e Oriente.
Comecemos por sua ideia de “civilização”. Barros [2009] constata que o conceito
de civilização em Toynbee define “um estágio superior que determinada cultura
conseguiu atingir” [p.224] e que sua postura rompia “com o uso etnocêntrico que
vinha sendo impingido a esse conceito por intelectuais europeus que costumavam
aplicar a palavra ‘civilização’ apenas à Cultura Ocidental” [p.224]. No entanto, o
livro deixa claro que, embora Toynbee admita a existência de civilizações não-
ocidentais, sua argumentação confere superioridade hierárquica à civilização
ocidental — devida em grande parte, sem dúvida ao seu poderio econômico, militar
e político:
A força do Ocidente seria particularmente evidente, para Toynbee, nas regiões que
ele chama de Oriente Médio e Oriente Próximo, onde, por conta da proximidade,
Contraposições desse tipo são abordadas por Said [2003] como tipicamente
orientalistas: é muito comum caracterizar os chamados orientais como estacionários
e heterônomos, ao passo que os ocidentais são vistos como dinâmicos e
progressistas. Uma vez que constatamos traços de orientalismo no pensamento de
Toynbee, seria de se esperar que, em um livro abordando a Grécia e a Turquia, ele
denominasse o império do sultão islâmico como oriental e colocasse a Grécia no
perímetro do Ocidente. Afinal, trata-se do suposto berço da civilização ocidental,
especialmente devido às suas contribuições para a filosofia e para a política. Atenas
é vista como local de surgimento de dois atributos considerados tipicamente
ocidentais: a racionalidade e a democracia. Segundo o antropólogo britânico Jack
Goody [2006], a ideia artificial de “Antiguidade Clássica”, composta
fundamentalmente por Grécia e Roma — geralmente considerada de forma
apartada de outras sociedades antigas “orientais”, como Egito e Fenícia —, é
tomada como ponto inicial de uma progressão histórica que resultaria no mundo
europeu atual, cujas características políticas e sistemas de valores seriam
descendentes diretos da ágora ateniense e da república romana. Nesse sentido, o
filósofo ganense Kwame Anthony Appiah [2016] afirma que, para embasar a ideia
de “civilização ocidental”,
Nessa pequena passagem, fica claro que Toynbee concebe o Ocidente como algo
externo à Grécia, e conseguimos apreender o sentido do título e do livro: trata-se da
relação do Ocidente com algo não-ocidental: a Grécia e a Turquia. Mais adiante,
afirma que há perigos na “relação trilateral entre a civilização ocidental, a Turquia
e a Grécia” [Toynbee, 1922, p.49]. Para o historiador, a Grécia se interpõe entre
Ocidente e Turquia, e os estadistas ocidentais não podem se dar ao luxo de deixar
as relações entre Grécia e Turquia se deteriorarem. Fica claro que, embora Toynbee
reconheça o peso da Grécia no imaginário ocidental, ele não considera a Grécia
ocidente, mas sim, oriente. Mais especificamente, Oriente Próximo, ou seja: uma
região geograficamente mais próxima do Ocidente, mais permeável e mais
influenciável por este, mas ainda assim sem deixar de ser Oriente. Sua definição é
clara:
Considerações finais
Como fica claro, para Toynbee, a atual Grécia é Oriente. É Oriente porque em seu
passado há a trajetória da porção oriental do Império Romano e, depois disso, quase
quatro séculos de domínio turco, que os gregos conhecem como “tourkokratia”
[Clogg, 2017]. E o desenvolvimento grego dos últimos tempos teria se dado
principalmente pela permeabilidade da Grécia ao Ocidente — um Ocidente que o
autor considera claramente externo aos gregos modernos:
Se ainda não era acusada por todos os crimes de lesa humanidade cometidos durante
a Segunda Guerra Mundial, a política externa japonesa já havia sido formalmente
responsabilizada por seu extremo belicismo, desde, pelo menos, 1931, com a
publicação do Lytton Report. Ainda no contexto da Liga das Nações, Tóquio
recebera mal as conclusões do relatório, revelador de que seriam os nipônicos os
agressores na Questão da Manchúria, e retirara-se da organização, acentuando um
ciclo de isolamento e ocupação ilegal de territórios. Uma vez que estes fatos tiveram
ampla evidência em ambientes diplomáticos, os comentários de Franco Nogueira
sobre a expansão colonial do Japão permitem entrever uma notável complacência
para com a experiência autoritária daquele país:
Chegariam dias em que aquela mesma mística levaria os portugueses à luta por suas
colônias africanas. Por ora, cabia ao futuro Ministro do Estado Novo notar nos
nipônicos um traço que viria a recomendar aos lusitanos, anos mais tarde:
Ressalta-se, portanto, que a tendência a ver o nipônico como um povo mais afeito
a regimes autoritários segue sendo, no mínimo, o reflexo de uma longa tradição de
orientalismos, a despeito do objetivo conjuntural e cognoscível de Franco Nogueira.
Quanto mais não fosse pela intenção manifesta de criar um discurso sobre o modus
operandi da política japonesa e de determiná-la com a autoridade de um observador
que domina o assunto, sê-lo-ia devido ao fato de que, como disse Said, “o
orientalismo não só cria, mas igualmente mantém.” [Said, 1996, p. 41] E há
passagens em abundância no diário do diplomata que fazem manutenção das
definições do que pensaria o japonês, como o que escreveu no dia 6 de dezembro
de 1946:
“No fundo, ajudam à confusão geral e não atiram para a arena uma idéia
construtiva que auxilie a solução dos problemas imediatos. Num ponto,
todavia, se congregam as facções díspares: no desejo de paz,
proclamada em vozes tão estridentes que mais se diriam gritos de
guerra. Entrementes, a massa anônima, a que paga o imposto e cultiva
o arroz, vai padecendo com estoicismo as torturas da democracia nova:
inflação que atira os preços às alturas; comércio exterior proibido;
mercado negro; desorganização administrativa; corrupção; e,
sobretudo, eleições de quarto em quarto de hora, visto que hoje tudo
aqui se escolhe por sufrágio do povo soberano, desde o contínuo da
regedoria local até ao Primeiro-Ministro. Para onde irá o Japão?”
[Nogueira, 2019, p. 102]
Nas observações que compõem seu diário, o diplomata parece fazer exercícios de
tolerância e compreensão que, na prática, seriam uma velada autorreferência ao
regime português; um elogio às formas autoritárias e tradicionalistas da política. No
contexto do pós-guerra, sua visão de mundo reflete amplamente o discurso
salazarista de equidistância declarada aos “cezarismos pagãos” e às democracias,
como descrito por Reis Torgal [Torgal, 2001, p. 318]. Segundo o próprio Franco
Nogueira, sua hipótese seria confirmada após ser reconhecida até pelos norte-
americanos:
Mas o Japão de Franco Nogueira existia com propósitos alheios a Washington e sua
geopolítica. O conhecimento ostentado sobre a história do país lhe era útil como
acusação à democracia pela falta de propósito nacional. As observações de sua
experiência na capital nipônica lhe convenciam da pessoalidade natural do poder e
do fundamento cultural das sociedades estamentais. Em última instância, as
imagens orientais construídas pelo futuro ministro reforçavam a postura oficial do
Estado Novo de censura às inclinações democráticas. Sua leitura do Japão produzia
justificativas para um regime reacionário e oligárquico em Portugal.
Referências
Gustavo Souza de Deus da Silva é doutorando em História pelo PPGHIS-UFRJ, e
pesquisa temas ligados à política externa portuguesa e à descolonização.
Este movimento pode ser caracterizado mais como uma reação, pois os estadistas
japoneses assistiram a nações como China e Índia serem submetidos pela
administração europeia através dos movimentos de expansão imperialista vindos
do ocidente à Ásia. Tanto os chineses e indianos acabaram perdendo grande parte
de sua autonomia administrativa, tanto na sua soberania de gerir seu território
quanto no controle de exportação e importação de mercadorias no âmbito
internacional. A Índia era administrada pelo Raj britânico em Calcutá desde 1858,
enquanto a China sofria com crises sanitárias e econômicas devido ao ópio nos
intervalos de 1830 a 1860. Além disso, este período foi marcado pelas Guerras do
Ópio e os chamados Tratados Desiguais, como os tratados de Nanjing [1842] e de
Tientsin [1858], em que cidades portuárias chinesas passaram a ficar sob controle
da jurisdição britânico. Tais circunstâncias fizeram com que o governo japonês
tomasse um posicionamento e medidas para preservar a soberania de sua nação,
temendo a possibilidade das potências ocidentais subjugarem o Japão da mesma
forma como fizeram nos governos vizinhos. Para isso, foi necessário que os
estadistas reformulassem a composição e estrutura de governo, assim como haveria
de mudar a referência a respeito do saber tecnológico, atualização do conhecimento
científico.
Segundo Stefan Tanaka, em Japan’s Orient: rendering pasts into history [1993], o
Japão se encontrava num processo de mudança epistemológica e etimológica em
relação a sua própria identidade, assim como de seu relacionamento com os demais
países vizinhos. Por exemplo: antes a China era considerada referência central para
os japoneses. A sua fundamentação de sociedade era e institucional baseada nos
princípios confucionistas chineses. Este modo de administração tem sido adotado
como modelo durante séculos, não apenas no Japão, mas também nos reinos
coreanos [WATANABE, 2010, pg. 70]. Porém, com o advento das Guerras do Ópio
e a fragilização do império chinês perante a expansão imperialista britânica, a China
deixou de ser referência de uma nação modelo para os japoneses, e as nações
ocidentais passaram a ser vistas como uma modelo alternativo, no sentido de
desejarem obter a mesma superioridade bélica que os europeus. Desse modo,
estadistas e pensadores japoneses como Enoki Kazuo [1913-1989], passaram a
alterar sua perspectiva sobre a concepção de ‘civilização’, ‘modelo de nação’ e
mudar a sua postura e até mesmo a forma de tratamento dos demais países vizinhos.
Podemos observar esta situação no caso da China, com a proposta de alterar o termo
chugoku, forma utilizada pelos japoneses para se referir a China, para shina:
A concepção de toyo [東洋] teve como função estabelecer uma identidade para o
Japão, no sentido de que o governo japonês assumiu uma postura como nação
moderna. Este movimento estabelece uma distinção com países vizinhos como a
China, Índia e Coreia, no quesito geopolítico, onde o Japão representaria a figura
de uma nação asiática moderna, tomando uma posição central, enquanto as demais
nações apresentariam um papel secundário. A proposição de toyo também
correspondeu a um englobar a cultura do leste asiático, tomando como referência a
sua filosofia e ética com a finalidade de se diferenciar do Ocidente. O conceito de
toyo, no entanto, se distingue da concepção de oriente estabelecido pelas
instituições europeias, que procuraram caracterizar as culturas asiáticas na categoria
de oriental. O foco de desenvolver a ideia de toyo se dava em estabelecer uma
distinção entre a Europa e a Ásia [entende-se ‘Ásia’, nesta discussão, como o Japão,
China, Coreia, e as culturas da Indochina], mas também servia de referência para
diferenciar a cultura japonesa da Ásia, com a busca de encontrar uma identidade
própria sem nenhum vínculo externo.
A obra de Okakura, Ideals of East de 1903, apresentada acima, teve como função
estabelecer um manifesto de que a “Ásia” é uma junção de culturas que apresentam
‘elementos’ de ‘civilidade’ que seguem a definição europeia, assim como é uma
forma de defesa, alegando que os povos orientais também possuem filosofia,
história, e conhecimento científico do mundo natural. Para isso, Okakura toma
emprestado expressões como ‘civilização’, ‘indivíduo’, ‘universal’ como forma de
apresentar tanto o Ocidente e o Oriente numa relação de equivalência, contestando
o argumento de que a cultura europeia é superior à asiática [RACEL, 2011, pg. 71].
Assim, a argumentação de Okakura serviu como base para a conceituação de toyo,
dando corpo a uma representação de oriente que contraponha com os valores do
ocidente.
A proposta de toyoshi [東史], para Shiratori consiste em fazer uma história da Ásia,
separando-a, assim, dos eventos da Europa. Para os estudos concernentes a
narrativas e acontecimentos históricos europeus, haveria o seiyoshi [西史]. Assim,
apresentaria duas histórias a serem narradas e estudadas de maneira separada.
Toyoshi teria o papel de desdobrar as bases que moldaram a formação cultural e
social dos povos orientais, traçando uma narrativa que elabore propostas de
identidade nacional para o Japão, enquanto seiyoshi estaria encarregado de
desenvolver estudos de como os reinos europeus apreenderam as técnicas e modelos
institucionais ou, em outras palavras, ‘como se deu o processo de modernização na
Europa’. O objetivo dos estudos em seiyoshi era buscar possibilidades de aplicar ou
adequar estes ‘modelos’ e ‘técnicas’ estrangeiras nas instituições japonesas como
sinal de modernizar o país.
Conclusão
Pudemos ver que dentro da conjuntura intelectual japonesa, durante o final do
século XVIII e no decorrer do XIX, se faziam presentes discussões e propostas de
definir e representar concepções de ‘oriente’ e ‘Ásia’. O conceito de toyo é um
exemplo em que se tem a tentativa de afirmar a cultura asiática, procurando
distingui-la do ‘ocidente’ por meio do apontamento de trajetórias históricas e
culturais que englobam uma noção de identidade compartilhada entre as
comunidades asiáticas [lembrando que estas interações foram focadas mais na
conjuntura Japão, China e Índia]. Enxergamos essa tentativa por meio dos
argumentos de Okakura Kakuzo e Shiratori Kurakichi, nos quais a ‘Ásia’ é
apresentada como o palco de compartilhamento de culturas, religiões e filosofias,
onde há formalização de uma possível identidade para o Japão. Enquanto para
Fukuzawa Yukichi, Japão necessitava de uma nova referência de conhecimento,
onde a sua metodologia fosse mais precisa, experimental, que superasse os saberes
da ciência chinesa. Para isso, Yukichi propôs a construção de escolas, cujo o ensino
se voltasse a estudos sobre a cultura europeia, sua ciência e filosofia, acreditando
que apenas dessa forma, seria possível da sociedade japonesa obter a condição de
uma cultura vista como ‘civilizada’ e ‘moderna’.
Referências
Levi Yoriyaz é mestrando em História na área de História Cultural do Programa de
Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas na Unicamp, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ͣ Raquel Gryszczenko Gomes Alves. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5526528700450072. Dr.ͣ Raquel Gryszczenko Gomes Alves é
professora na área de História Contemporânea Unicamp, e coordena o grupo de
pesquisa Mulheres de Letras: escritoras do século XIX e XX, Brasil, Europa e África.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1311323568131529.
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University of Tokyo Press, 2010.
YUKICHI, Fukuzawa. An outline of a theory of civilization, 1875. Tokyo:
Columbia University Press, 2008.
O ORIENTALISMO EM ‘TENT LIFE IN SIBERIA’, DE
GEORGE KENNAN
Nykollas Gabryel Oroczko Nunes
Introdução
O livro ‘Tent Life in Siberia’, do estadunidense George Kennan [1845-1922], é um
relato de viagem lançado originalmente em 1870. Nele, o autor faz uso de uma série
de tradições intelectuais para representar o ambiente e o povo do nordeste siberiano
para seu público leitor, assim como para construir sua narrativa. Este trabalho busca
apresentar uma análise do orientalismo como um dos pilares da escrita de Kennan.
O relato de Kennan foi escrito nos anos que se seguiram à expedição da qual o autor
participou, objeto da narrativa. Esta expedição, chamada de Russo-American
Telegraph [Telégrafo Russo-Americano] ocorreu entre 1865 e 1867. Seu objetivo
era conectar as linhas telegráficas dos Estados Unidos, partindo da costa oeste, até
as linhas siberianas que estavam sendo estendidas até o outro lado do Oceano
Pacífico pelo Império Russo. Feito isto, estaria estabelecida uma conexão entre os
EUA e a Europa ocidental por via majoritariamente terrestre, o que parecia uma boa
ideia, tendo em vista as falhas recentes do Cabo Atlântico, que ainda não havia
conseguido conectar permanentemente a costa leste estadunidense ao Reino Unido.
Fora do contexto religioso, outras questões pontuais também são trazidas por
Kennan ao longo de todo o seu texto. Montanhas “rivalizam em beleza pitoresca, e
em singularidade de forma, o mais selvagem sonho de um arquiteto do Leste”
[KENNAN, 1870, p. 79, tradução minha]. O chefe de um vilarejo se curvava
repetidamente “com a persistência impressionante de um mandarim chinês”
[KENNAN, 1870, p. 93, tradução minha]. O autor sugere que o leitor imagine os
vilarejos como assentamentos de fronteira estadunidenses organizados ao redor de
“uma mesquita turca de cores alegres” [KENNAN, 1870, p. 63, tradução minha],
referindo-se a igrejas do cristianismo ortodoxo.
Desta maneira, o caso siberiano pode ser abordado sem suscitar discussão, afinal é
um espaço onde – no mínimo no texto de Kennan – este discurso surgiu. Contudo,
acredito que um aprofundamento a respeito da Sibéria como oriente construído seja
proveitoso. No processo da expansão da Rússia imperial em direção ao
Pacífico, criou-se no imaginário russo uma visão geográfica do espaço siberiano
que muito compartilhava com o discurso orientalista produzido por sujeitos
imperiais da Europa Ocidental sobre o oriente [BASSIN, 2004].
Esta percepção da Sibéria como oriente russo aparece nas maneiras pelas quais
Kennan reproduz lógicas orientalistas, especialmente com relação à figura do Major
Sergei Abasa, oficial russo companheiro de equipe do autor. Ao longo da narrativa,
o “Major” [como Kennan em geral se refere] continuamente trata as populações
siberianas, de origem russa ou nativas da região, como súditos coloniais, dando
ordens, ameaçando guias e condutores de trenós de cães, se referindo a eles como
bárbaros e selvagens. “O Major declarou que quando nossa linha estivesse em
processo de construção e ele tivesse força o bastante para fazê-lo, ele ensinaria aos
coriacos de Kamenoi uma lição que tão cedo eles não esqueceriam” [KENNAN,
1870, p. 231, tradução minha], o autor narra, ilustrando as relações citadas.
O próprio Kennan também se refere às populações siberianas encontradas como
selvagens e bárbaros, assim como os caracteriza como feios e estúpidos com
frequência. Com o intuito de classificar as pessoas quanto a características
biológicas, ele divide as populações nativas em três categorias: os do tipo indígena-
americano, os do tipo chinês, e os do tipo turco. Na segunda edição do seu livro, de
1910, Kennan trocou “chinês” por “mongol” no caso desta classificação
[KENNAN, 1910, cap. XXIX]. Não cabe entrar no mérito da precisão filogenética
do olhar do autor, mas a maneira como ele opta por classificar estes grupos é
reveladora das especificidades do discurso orientalista de Kennan, que encontra e
comenta estas raízes.
A tentativa do autor, previsivelmente, foi um completo fracasso, que ele não deixou
de relatar, mas que não abalou sua fé em sua superioridade. As maneiras como as
populações tradicionais não compreendiam tecnologias e mistificariam com
fósforos, bússolas e lunetas, ou a condescendência com a qual Kennan teria tentado
ensiná-los astronomia, são outros exemplos deste discurso de superioridade
ocidental que também representam esta retórica de alteridade.
Considerações Finais
Apesar das constatações tecidas a partir dos estudos de Bassin citados, acredito que
a Sibéria frequentemente não é pensada como uma região parte de um “oriente”. O
caso de ‘Tent Life in Siberia’ e de George Kennan demonstra que o nordeste
siberiano foi enxergado como oriente, sujeito a retóricas de alteridade como aquelas
que se aplicaram em diversos outros contextos que reconhecemos pelo termo.
Espera-se que outros estudos no futuro sigam se perguntando o quanto o
orientalismo afetou as populações e o cenário siberianos, bem como as
representações destes, em diferentes contextos e mídias.
Referências
Nykollas Gabryel Oroczko Nunes é doutorando no programa de pós-graduação em
história da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [PUCRS] e
bolsista do CNPq.
Filme Sayonara
Sayonara é um filme norte-americano, de cunho dramático, dirigido por Joshua
Logan. Roteirizado por Paul Osborn e baseado no romance de James Michener foi
lançado internacionalmente em 1957. Esta produção foi amplamente premiada,
levando quatro estatuetas do Oscars e um a prêmio do Globo de Ouro, recebendo
também indicações no BAFTA Awards, Directors Guild of America [DGA] e entre
outros no ano de 1958 [SAYONARA, [s.d.]].
O enredo gira em torno do major Lloyd Gruver [Marlon Brando], um piloto norte-
americano recém-realocado no Japão no ano de 1951. Comprometido com Eillen,
filha de seu superior, condena veementemente o casamento de seu amigo Joe Kelly
com Katsumi, uma mulher japonesa. Contrário a relacionamentos interétnicos entre
americanos e japoneses, tem seus valores e preconceitos confrontados ao se
apaixonar por Hana Ogi [Miiko Taka], uma atriz de uma companhia de teatro
feminina. O casal apaixonado mergulha em conflitos com a Força Aérea dos EUA,
enfrentando, discriminações e os próprios tabus culturais ocidentais e japoneses
[SAYONARA, 1957].
Neste sentido, devido ao seu efeito simulacro do real, a sétima arte, adquire uma
grande relevância tanto na forma como a sociedade compreende determinadas
figuras, atitudes, comportamentos, ações e representações, como também revela a
forma como esta explora estes mesmos elementos. Com tal característica, este
artefato cultural e suas produções de imagens acabam por influenciar também na
constituição das concepções de gênero na vida cotidiana dos sujeitos
[ANACLETO; FILHO, 2013].
A peça central desta discussão sobre o filme gira em torno de Hana Ogi, a
protagonista da obra. Retratada como uma mulher nipônica, atriz de beleza
extraordinária, ícone artístico da nação e o grande destaque da companhia feminina
de teatro Matsubayashi, esta encanta e desperta os sentimentos do major Lloyd
Gruver, homem conservador que reprovava os relacionamentos interétnicos nipo-
americanos. Ainda que inicialmente seja delineada como uma agente ativa e gerente
de sua própria vida, ao longo da obra a construção da heroína adquire dualidade e
ambiguidade, variando entre a representação de uma mulher independente e
reconhecida por seu trabalho à projeção feminina submissa e resignada aos desejos
do amante americano.
Referência biográfica
Renata Sayuri Sato Nakamine. Graduada em História pela Universidade Estadual
de Maringá. E-mail: [renatanakamine@gmail.com].
O Projeto Japonês
Foi junto ao Museu Histórico Nacional [MHN] que Sophia pode se inteirar dos mais
variados aspectos da museologia. Retomando sua energia de historiadora, com o
passar do tempo e de inúmeras viagens ao lado de seu marido, Waldemar Magno
de Carvalho [1894-1967], ela pôde inaugurar em sua própria casa o Museu da
Indumentária no ano de 1960 [LUZ, 2016, p. 49]. Lá ela exibia trajes variados de
seu acervo pessoal, alinhando-os aos desenhos que também utilizava como material
em suas aulas da ENBA. Sophia Jobim também era uma exímia ilustradora. Não
restam dúvidas de que havia certeza do caminho que estava percorrendo em seu
traçado. Após sua morte, as vestimentas e adereços de seu museu, desenhos,
pinturas e documentos textuais foram totalmente doados ao MHN. Atualmente o
museu conta com boa parte da “Coleção Sophia Jobim” disponível online, sendo
seus desenhos ainda hoje referenciados por membros da atual Escola de Belas Artes
como um resultado ambicionado em termos de representação gráfica de trajes
históricos e regionais.
Abaixo das vírgulas, temos o brasão de “Três Leques Redondos” [mittsu uchiwa].
Principalmente empregados em rituais xintoístas, os leques redondos
ocasionalmente eram colocados na ponta de dispositivos heráldicos como o
sashimono e umajirushi, estandartes utilizados para identificação durante batalhas
[DOWER, 1971, p. 110]. No período Edo, os leques também eram utilizados como
forma de divulgar atores kabuki famosos: modelos de leques gravados dos atores
eram vendidas as grandes massas. Este brasão possui muitas variantes. Quanto a
classificação de Sophia, “mitsu uchiwa”, temos uma pequena imprecisão na grafia
do “mittsu”, grafia correta.
Um Apêndice
Atentando-nos agora ao inventário na parte superior direita da folha de esboço, a
primeira constatação é uma pequena lista de elementos que Sophia viria a,
supostamente, utilizar na estamparia do quimono: bamboo, chrysanthemun, orchid,
plum [bambu, crisântemo, orquídea e ameixeira, respectivamente, em tradução
literal]. Vemos abaixo desta uma outra lista, que consiste nas seguintes
informações: “Gethá de cortiça sola alta; Kemban – síndicado; Shimada penteado
de casada.”
O Kemban referido pela srª Magno de Carvalho pode estar relacionado às agências
de gueixa [[芸者] gei [芸], significando “arte” e sha [者], significando “pessoa]
organizadas durante o período Meiji [1867-1912], umas das remanescentes no
presente intítulada de Nagasaki Kenban. Os escritórios funcionavam como uma
ponte entre o Okiya [estabelecimento ao qual uma gueixa ou maiko é afiliada
durante sua carreira] e aos restaurantes e casas contratantes dos serviços das geiko.
Este poderia ser o indicativo de que Sophia estaria retratando uma gueixa.
Abaixo desta curta lista, temos a representação em maior escala das flores
kuchinashi [梔] ou gardênias, que Sophia utiliza como alguns dos kanzashi
[literalmente “ornamentos de cabeça”] de seu croqui. Ela escreve “nashi no kiri
kuchi”, onde kiri [literalmente “cortar”] refere-se a crença popular de que uma
árvore cresce melhor ao ser cortada.
O Kimono de Sophia
Sophia apresenta seu croqui apenas como “kimono”, sem especificar maiores
características desse variado código indumentarístico. Pelo formato a nós
apresentado podemos defini-lo como um furisode [振袖, literalmente “mangas
dançantes”] pelo longo comprimento de suas mangas, cores vibrantes empregadas
e a estamparia carregada. A cor rosácea que Sophia escolhe para a vestimenta é
bastante verossímil, visto que há registros de robes do período Meiji com essa
coloração rosa-escarlate tingidos com cártamo, um tingimento natural luxuoso
[PRESTEL, 2019, p. 152]. Quanto a estamparia, temos motivos de flor de
ameixeira, em grande parte, e algumas flores de cerejeira. Também vemos aqui um
pássaro, que pelo estilo de sua penagem e cauda poderia ser classficada como um
pavão ou uma fênix. A falta de uma coloração mais específica aqui dificulta sua
classificação, entretanto, levando em consideração os motivos florais anteriores,
fiquemos com o pavão, vide que o motivo de fênix é utilizado em quimonos de
inverno, e desde cor até estampas nos indicam que este seja um quimono de
primavera. Há resquícios de um mon não finalizado abaixo da linha dos ombros.
Vemos também seu nagajuban [literalmente "juban longo"], o robe interior,
estampado com pequenas flores cor-de-rosa não identificáveis.
Partindo agora às partes mais controversas do croqui, atentemo-nos a seu obi [帯,
literalmente “faixa”] e obijime [帯 締 め, fina corda que vai sobre o obi]: mesmo
que sua disposição no croqui esteja correta, ambos são coloridos com a cor preta; o
que se mostra uma inexatidão visto que um obi e obijime chapados e pretos indicam
que o conjunto é um visual de luto [DALBY, 2001, p. 181], caso não aplicável
devida a grande extravagância do quimono.
Não se deve confundir oiran com as gueixas, figuras posteriormente formadas que
se vestiam de forma mais sutil e jamais se envolviam sexualmente com seus
contratantes, mesmo que também fossem artistas. Com isso, pode-se concluir que
alguns conflitos representativos surgiram entre Sophia Jobim e alguns símbolos
nipônicos.
Conclusão
A professora Sophia poderia ser parabenizada por seus logros em recolher inúmeras
informações precisas acerca da indumentária e símbolos nipônicos diversos.
Entretanto, algumas inexatidões sobre do tema afetam drasticamente a percepção
final sobre a construção desse múltiplo código vestimentar. O orientalismo de
Sophia fica então atrelado a sub-representação dos objetos por ela estudados, onde
uma “quase” especialização não é suficiente para sustentar seus padrões defendidos
de apuro teórico na construção de trajes históricos e regionais até hoje adotado pelos
docentes da Escola de Belas Artes. E não será o primor gráfico que colocará de lado
as problemáticas de uma caracterização deficitária, ação demasiadamente repetida
por representantes exímios do ocidente.
Referências
Rodrigo de Sousa Barreto é graduando de Artes Cênicas – Indumentária pela
EBA/UFRJ, artista visual e atual coordenador do GEAA [Grupo de Estudos em
Arte Asiática]. [barreto_rodrigo@yahoo.com.br]
A dança é uma forma de arte que, com linguagem não verbal, revela uma maneira
de ser e estar no mundo [SARAIVA, 2005] e é “reflexo consciente e inconsciente
da sociedade e de seu imaginário [SIQUEIRA, 2006, p. 207] – o que significa que
é histórica e culturalmente produzida. Nela o corpo é o instrumento de comunicação
e adquire papel relevante como “suporte de identidades ao mesmo tempo em que
matriz de significados” [SIQUEIRA, 2006, p. 39].
A história da dança no Brasil pauta-se por uma grande lacuna e, em geral, é reflexo
dos escritos europeus e norte-americanos. Relegada a segundo plano por
historiadores, se debruçam ao estudo dessa área ex-bailarinos, jornalistas e músicos
que formulam obras totalizantes – em um mesmo volume abarcam da antiguidade
à contemporaneidade. Assim, percebe-se que “a insistência em reproduzir os
mesmos padrões da escrita fez com que a História da Dança se tornasse repetitiva
[de certa forma obsoleta, por não acrescentar novas/outras trajetórias/histórias]”
[SILVA, 2012, p. 29].
Mesmo sem embasamento, vários são os escritos sobre as suas origens que
aparecem com uma aura de verdade absoluta. E é a partir desse horizonte caótico
sobre os mitos de criação que também se justifica a necessidade de pautar a dança
do ventre como manifestação cultural e artística capaz de estimular reflexões e ser
objeto de investigação.
O caráter de festejo, no entanto, foi aos poucos sendo suplantado por uma dança
urbana e voltada ao entretenimento. No Egito, lugar de altos impostos, conflitos
populares e empobrecimento, o baladi passou a ser visto como uma alternativa de
sobrevivência para a população. Com incursões francesas e inglesas, por tratar-se
de uma região estratégico-militar e com potencial de mercado, a dança funcionava
como diversão de soldados e residentes estrangeiros, além de fonte de renda para
dançarinas de rua já nos séculos XVIII e XIX.
De toda forma, mesmo diante desse contexto histórico, é notório que a dança do
ventre já estava sedimentada na estrutura social e cultural egípcia. Porém, grupos
de dançarinos que moravam em um mesmo bairro e casavam-se entre si, o que
denota essa sedimentação, começaram a se tornar incômodos às novas elites e às
lideranças religiosas, tanto que, em meio ao discurso europeu de controle sanitário
e de urbanização, as danças foram contidas em espaços fechados como cabarés e
cafés.
A identidade em si não tem existência concreta até que se lhe atribua significado.
Dessa maneira construiu-se o orientalismo – conjunto de saberes literários,
“eruditos” e com tom de cientificidade sobre o oriente. Delineia-se uma geografia
imaginativa representada pelo ocidente que coloca as fronteiras entre o “eu” e o
“outro”. Essa visão aloca o oriental como um ser exótico, misterioso, inferior,
enfim, aquele que precisa ser dominado [SAID, 2007] e erige estereótipos e
dicotomias com projeções sobre a realidade oriental que sedimentam uma “fantasia
simplista e distorcida” [XAVIER, 2006, p. 27].
A belly dance entrou assim para o circuito de consumo. No oriente, visões que a
colocavam como forma de ganhar dinheiro tomavam força e influenciavam pessoas
a entrar nessa ótica comercial de sobrevivência. Então, “à medida que cresce o
interesse dos olhares externos ou existem chances de comercialização dessas
manifestações, muitos de seus conteúdos e significados são alterados” [XAVIER,
2006, p. 48].
O ponto maior é que a dança do ventre se tornou uma arte híbrida, pois não há mais
qualquer relação de autenticidade ou pureza. Diante da lógica do mercado e do
consumo, constituiu-se em um bem fluido e transnacional, incorporando elementos
dos diferentes espaços em que foi praticada: “essa dança, ao ser deslocada de seu
contexto original, adquire novos sentidos e usos, resultando em novas linguagens”
[SALGUEIRO, 2012, p. 16].
Percebe-se nesse trecho o quanto são enraizadas as visões orientalistas como parte
da colonialidade - legado cultural e material do neocolonialismo que permanece até
os dias de hoje – ao enxergar a dança do ventre como sexualizada.
Uma das formas de aguçar os sentidos e envolver o espectador foi utilizar o recurso
da sonoridade e de visualidade da dança. Recorrente entre outras personagens, mas
principalmente na protagonista Jade, estava a performance da dança do ventre que
caiu nas graças do público e fez girar o mercado de ensino de belly dance, o qual
engloba hoje aulas, feiras, apresentações, venda de roupas, encontros, dentre outros
dispositivos comerciais. Assim, o baladi tornou-se híbrido, não mais pertencente a
um local ou cultura específica. As suas significações variaram e se adaptaram à
medida das demandas dos grupos e papeis socioeconômicos ao longo dos séculos.
Percebe-se que a dança do ventre não permaneceu estanque, mas passou por
mutações e sobreviveu aos contextos históricos. E é justamente por conta dessa
ampla trajetória que permeia oriente e ocidente e suas inter-relações a partir da
construção de um conjunto de representações, assim como por agregar a vida
efetiva de variados agentes e suas composições de identidade, que o baladi é dotado
de historicidade. Lacuna nos trabalhos acadêmicos, merece fazer parte do rol de
temas relevantes a serem investigados.
Referências
Vanessa dos Santos Bodstein Bivar é doutora em História Econômica pela
Universidade de São Paulo e docente do curso de licenciatura em História da
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Por um futuro melhor!
Mais amor e menos ignorância.
Mais inclusão e menos preconceito.
Mais diversidade e espiritualidade.