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MÍDIAS E ARTE
André Bueno [org.]
Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Bruno Redondo
Direção
Pró-reitora de Extensão e Cultura
Cláudia Gonçalves de Lima
Produção
Obra produzida e vinculada pelo Projeto Orientalismo,
Proj. Extens. UERJ Reg. 6078, coordenado pelo Prof.
André Bueno [Dept. História].
Rede
www.orientalismo.net
Rede
https://aladaainternacional.com/aladaa-brasil/
Ficha Catalográfica
Bueno, André [org.]
Oriente 23: Orientalismos: Mídias e Arte. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Proj.
Orientalismo/ UERJ, 2023. 148p.
ISBN: 978-65-00-77514-3
História da Ásia; Orientalismo; Comunicação; Mídias; Arte; Diálogos
Interculturais.
2
Apresentação
Orientalismos e Literatura
Orientalismos: Mídias e Arte
Visões do Orientalismo
Estudos sobre Oriente Médio
Estudos Chineses
Estudos Japoneses
Estudos Coreanos
Estudos Asioindianos
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Sumário
Mídias
OS K-DRAMAS E A HALLYU NO BRASIL: UM BREVE PANORAMA HISTÓRICO, por Amanda
Mesquita ....................................................................................................................................... 7
AS “MULHERES DE CONFORTO” COREANAS: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DA GRAPHIC NOVEL
GRAMA DE KEUM SUK GENDRY-KIM, por Camilly Evelyn Oliveira Maciel.................................. 13
ÉTICA ALIMENTAR E SIMBOLOGIAS DIETÉTICAS EM “A VIAGEM DE CHIHIRO” (2001), por Felipe
Daniel Ruzene.............................................................................................................................. 19
REPRESENTAÇÕES ALUSIVAS À SEGUNDA GUERRA MUNDIAL PRESENTE NOS MANGÁS E
ANIMES, por Francisco Kelvin Moreira de Sousa e Jakson dos Santos Ribeiro ........................... 26
O POSICIONAMENTO ANTIGUERRA EM NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO [1984] DE HAYAO
MIYAZAKI, por Gabriel Lacerda de Souza .................................................................................... 36
COMPARAÇÃO INTERMÍDIAS DE KOE NO KATACHI, por Giorgia Vittori Pires ............................ 44
EMBATES DISCURSIVOS QUE PASSAM ÀS TELAS: IMPACTOS DAS DISCUSSÕES ORIENTALISTAS
ITALIANAS EM SEU CINEMA, POR OS ÚLTIMOS DIAS DE POMPEIA (1913), por Heloisa
Motelewski .................................................................................................................................. 52
A “CHINATOWN IMAGINÁRIA”: A REPRESENTAÇÃO DO LUGAR DO IMIGRANTE CHINÊS NOS
ESTADOS UNIDOS A PARTIR DA SÉRIE TELEVISIVA “WARRIOR”, por Krishna Luchetti ............... 62
GEN, O TRIGO VERDE DE HIROSHIMA: MEMÓRIAS DO PÓS-GUERRA ENTRE REPRESENTAÇÕES E
NARRATIVAS (1973 – 1985), por Lucas Ciamariconi Munhóz ..................................................... 69
CONVERGÊNCIA DA ESTÉTICA DOS MANGÁS EM AUTORIAS AFRICANAS: UM BREVE EXAME DO
UNIVERSO HÍBRIDO DE JUNI BA, por Márcio dos Santos Rodrigues........................................... 74
A EXPANSÃO DO ESTILO MUSICAL K-POP E O ORIENTALISMO CRESCENTE, por Maria Carolina
Stelzer Campos ............................................................................................................................ 85
EM LOUVOR A “JAPONIZAÇÃO”: O ADVENTO DAS ANIMAÇÕES COMO INSTRUMENTO DE
INFLUÊNCIA NA CULTURA JUVENIL BRASILEIRA, por Paulo Augusto Balbi de Oliveira .............. 91
CULTURA E DINÂMICA SOCIAL, A PARTIR DA DISCUSSÃO DO FILME: RAN (1985), DE AKIRA
KUROSAWA, por Rafael Egidio Leal e Silva.................................................................................. 98
A PARATOPIA CRIADORA NO DRAMA BL HAPPY ENDING ROMANCE e Vitória Ferreira Doretto e
Júlio Cézar de Souza .................................................................................................................. 104
A INFLUÊNCIA DOS MANGÁS E ANIMES NO UNIVERSO JUVENIL BRASILEIRO DE LEITURA, por
Wagner Pereira de Souza e Rosete Lopes França Maciel ......................................................... 113
Arte
5
A SERPENTE ORIENTAL: HISTÓRIA, CULTURA E SIMBOLISMO NA DANÇA DO VENTRE, por Tanya
Mayara Kruger........................................................................................................................... 129
SERPENTES ALADAS, DRAGÕES E OUTRAS DIVINDADES: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS
DEUSES MESOAMERICANOS E OS DRAGÕES NA MITOLOGIA CHINESA, por Luiz Vinicius
Rodrigues dos Santos ................................................................................................................ 135
6
OS K-DRAMAS E A HALLYU NO BRASIL: UM BREVE
PANORAMA HISTÓRICO, por Amanda Mesquita
7
mercados regionais do leste asiático, sobretudo na China, em Hong Kong e no
Japão [Kim, 2015, p. 158]. É interessante pontuar que o consumo e a
distribuição desses produtos estavam atrelados a meios de distribuição oficiais,
como as emissoras de TV regionais, as redes de cinema e DVDs. Assim, os K-
dramas marcam os primeiros passos da Hallyu que, ao longo das décadas
seguintes, se consolida como um fenômeno transnacional de exportação
cultural.
A segunda fase da Hallyu, ou Hallyu 2.0, iniciada em meados dos anos 2000, é
marcada pela expansão para Europa, América do Norte e outros mercados da
Ásia. Neste momento, a internet assumiu um papel importante na distribuição
dos produtos culturais sul-coreanos por possibilitar que pessoas de diversas
partes do mundo acessassem esses conteúdos sem a necessidade da
mediação dos meios de comunicação tradicionais. Assim, diferentemente da
primeira fase, na Hallyu 2.0, o consumidor não depende mais da transmissão
oficial desses produtos audiovisuais via emissoras de televisão ou DVDs. Aliás,
neste momento, a música pop coreana, o K-pop, passa a ser protagonista e se
junta aos dramas de TV como produto de exportação cultural [Jun, 2017, p.
155]. É também nesta fase que os formatos televisivos passam a ser
exportados a outros países. Neste momento, são licenciados formatos de
reality shows e programas de variedade, assim como alguns K-dramas também
passam a ser licenciados e adaptados para audiências estrangeiras, como é o
caso da série norte-americana The Good Doctor [2017].
8
isso não implica dizer que produtos que se destacaram em uma fase, perdem
sua influência na fase seguinte. Ao contrário, essa divisão nos permite verificar
que há uma expansão na variedade de produtos culturais exportados à medida
em que indústrias de diferentes setores passam a fazer parte da Hallyu e
potencializam seu crescimento em âmbito global.
9
latino-americano por produções sul-coreanas e apontam a América Latina
como um forte mercado consumidor desses produtos.
10
conta de seu caráter amador e, não raramente, ilegal, os fansubs foram, por
algum tempo, praticamente o único meio disponível para que o público
brasileiro pudesse ter contato com conteúdo audiovisual sul-coreano em língua
portuguesa. Esse caso dos K-dramas no Brasil é um exemplo de como as
traduções de fãs são, não raramente, a única forma de um grupo linguístico ter
acesso a produções audiovisuais que não são consideradas rentáveis para
determinado mercado e, assim, não são importadas, nem traduzidas
oficialmente [Evans, 2020, p. 178].
Referências
Amanda Mesquita é graduanda do curso de Letras pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro [UFRJ].
11
JUN, Hannah. “Hallyu at a Crossroads: The Clash of Korea’s Soft Power
Success and China’s Hard Power Threat in Light of Terminal High Altitude Area
Defense [THAAD] System Deployment” in: Asian International Studies Review,
vol. 18, n.1, Jun, 2017, p. 153-169.
KIM, Bok-rae. “Past, Present and Future of Hallyu [Korean Wave]” in: American
International Journal of Contemporary Research, vol. 5, n. 5, Out, 2015, p. 154-
160.
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AS “MULHERES DE CONFORTO” COREANAS: UMA ANÁLISE
ATRAVÉS DA GRAPHIC NOVEL GRAMA DE KEUM SUK
GENDRY-KIM, por Camilly Evelyn Oliveira Maciel
É importante citar que cerca de 80% das mulheres que serviram eram
coreanas — a Coréia, na época, era colônia do Japão — enquanto os outros
20% dividiram-se entre chinesas, japonesas, filipinas, tailandesas, entre
outras (MIN 2003). Essas mulheres eram sequestradas, recrutadas à força ou
enganadas por meio de falsas promessas de trabalho (SOH, 1996). Uma vez
capturadas, eram mantidas em bordéis militares, nomeados de "casas de
conforto", onde eram obrigadas a fornecer serviços sexuais aos soldados
japoneses.
13
japonês. A HQ foi lançada no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim. Neste
livro, Ok-Sun Lee narra maior parte da sua vida: desde a infância, mostrando
as dificuldades que ela e sua família passaram devido ao colonialismo
japonês; o momento em que ela foi raptada; como foi sua vivência como
“mulher de conforto” e sua vida no pós-guerra — quando ela e outras
“mulheres de conforto” decidiram expor toda a violência que elas sofreram
como escravas sexuais dos soldados japoneses, lutar pelo reconhecimento e
por um pedido de desculpa decente do Japão. Assim, a história intercala
entre passado (a história de Ok-Sun Lee quando criança e adulta) com
presente (Ok-Sun Lee já na terceira idade narrando suas vivências para a
autora).
14
motivo se devia ao fato de que o Exército Imperial Japonês preferia mulheres
mais jovens, pois acreditava que estas, provavelmente virgens, não iriam
passar IST’s (Infecções Sexualmente Transmissíveis) para os soldados.
No capítulo 11, a protagonista continua narrando sobre alguns maus tratos que
eram cometidos: algumas mulheres morriam por doenças, outras devido a
espancamentos, elas também eram punidas por qualquer desrespeito, desde
falar sua língua nativa a responder aos soldados ou desobedecer qualquer
ordem. De acordo com Okamoto (2013), as “mulheres de conforto” sofriam
diversos tipos de violências, como espancamento, tortura e esfaqueamento.
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livres, entretanto a vida dessas mulheres infelizmente não melhora, sem
dinheiro e em um país diferente, Ok-Sun Lee e as outras jovens são obrigadas
a se separar para tentar sobreviver. Mesmo livres, as “mulheres de conforto”
tiveram que lutar sozinhas para reingressar na sociedade.
Segundo Pyong Gap Min (2003), embora algumas vítimas tenham voltado para
casa após o fim da guerra, muitas decidiram não viver mais com os seus pais,
e, devido à vergonha dos acontecimentos do passado, elas mantiveram em
segredo a sua situação como “mulheres de conforto” de familiares e amigos.
Essas mulheres tampouco podiam viver uma “vida normal”, visto que muitas
traziam consigo doenças físicas e/ou psicológicas devido à escravidão sexual
ao qual foram submetidas.
A Casa de Partilha foi a casa onde a autora da HQ, Keum Suk Gendry-Kim,
entrevistou a halmonie para fazer a obra. O capítulo final também apresenta
aos leitores as Manifestações de Quarta-feira — protesto que ocorre desde
2011, todas as quartas-feiras, em frente à Embaixada japonesa em Seul,
capital da Coréia. Nesses protestos as vítimas e apoiadores lutam por
reconhecimento e por justiça ao caso das "mulheres de conforto" (AZENHA,
2018).
Conclusão
As “mulheres de conforto" foram vítimas do brutal regime de escravidão sexual
do Império Japonês. Enganadas ou sequestradas pelo sistema, eram mantidas
em bordéis militares, conhecidos como "casas de conforto", onde eram
exploradas sexualmente pelos soldados japoneses. Elas sofriam não somente
abusos físicos e emocionais, como também negligência em termos de cuidados
de saúde e direitos humanos básicos: estavam suscetíveis a infecções
sexualmente transmissíveis, gestações indesejadas e viviam em condições
precárias, sem suporte e sem poder voltar para casa (Yun, 1997).
16
soldados japoneses as perseguiam, mas tiveram que esconder suas
experiências horríveis por mais de 50 anos” [texto traduzido]. Assim, grande
parte delas evitava mencionar o passado devido à vergonha e ao estigma
sofrido.
Assim, faz-se necessário que haja mais estudos sobre esse crime de guerra
que afetou a vida de milhares de mulheres e uma forma bastante interessante
de fazer isso é através da literatura, ao estudar a história por meio de livros,
conseguimos nos conectar com os personagens e suas vivências. Grama é
uma graphic novel que traz a história em primeira mão de uma mulher que
vivenciou esse sistema de escravidão sexual do Império Japonês e que na
atualidade luta por uma justiça que demora a chegar, fazendo com que quem
leia essa HQ sinta o impacto de uma das diversas violências que aconteceu
durante o período da Segunda Guerra Mundial.
Referências
Camilly Evelyn Oliveira Maciel é graduanda em Licenciatura em História pela
Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
17
HOWARD, Keith. True stories of the Korean comfort women. 1995.
LADINO, James. “Ianfu: No comfort yet for Korean comfort women and the
impact of house resolution 121”. Cardozo Journal of Law & Gender, v. 15, 2009,
pp. 338-339
MIN, Pyong Gap. Korean “Comfort Women” the intersection of colonial power,
gender, and class”. Gender & Society, v. 17, n. 6, p. 938-957, 2003
SOH, Chunghee Sarah. “The Korean ‘comfort women’: Movement for redress”.
Asian Survey, v. 36, n. 12, dec. 1996, pp. 1226-1240.
SOUSA, Vivian Simões de. Estupro enquanto crime de guerra: uma análise
sobre as “mulheres de conforto”. 2023.
YUN, Myung-Sook . As mulheres de conforto do Exército Japonês, segundo a
HQ Grama. In: GENDRY-KIM, Keum Suk. Grama. 1ª ed. São Paulo: Editora
Pipoca e Nanquim, 2020.
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ÉTICA ALIMENTAR E SIMBOLOGIAS DIETÉTICAS EM “A
VIAGEM DE CHIHIRO” (2001), por Felipe Daniel Ruzene
Considerações iniciais
Em 2003, A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi,
(千と千尋の神隠し) tornou-se a primeira animação japonesa a angariar
dezenas de prêmios em festivais ocidentais (entre eles o ovacionado Oscar de
melhor filme de animação) elevando os Studios Ghibli, sua produtora, ao status
de cult em meio à cultura pop. Aclamado pela crítica e pelo público, o anime
que narra as desventuras da jovem Chihiro Ogino logo superou a barreira do
“exótico”, conquistou o imaginário social e se tornou um profícuo objeto para as
mais diversas análises nas artes e humanidades.
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japoneses e combinandos à musicalidade e fotografia. A alimentação se torna
tão vívida que o público é tomado pelo anseio de saltar à tela para
experimentar os pratos e participar das comensalidades expostas. De fato, a
comensalidade e as práticas alimentares são constantes em diversos trabalhos
e, como exemplo de algumas dessas simbologias evocadas pelos animes do
estúdio, podemos citar: a alimentação enquanto nostalgia, familiaridade e
memória em Da colina Kokuriko (2011); comida de conforto em Ponyo (2008);
comensalidade e hospitalidade em O castelo animado (2004); o afeto através
da cozinha e a autonomia em O serviço de entregas da Kiki (1998); o alimento
enquanto cuidado, capaz de promover vínculos e recompor a saúde em Meu
amigo Totoro (1988); ou, a excruciante experiência da fome durante a guerra
em O túmulo dos vagalumes (1988). Apesar dessas muitas possibilidades,
talvez seja justamente em A viagem de Chihiro (2001) que encontramos um
maior corpus de referências dietéticas, utilizadas para pensar as éticas
alimentares, bem como as alegorias do mundo fantástico que se desenham ao
longo do roteiro e suas metáforas da realidade.
Sinopse
Escrito e dirigido por Hayao Miyazaki (1941-), o filme narra a história de Chihiro
Ogino, uma pequena menina de dez anos que está de mudança com seus
pais. Durante o caminho à nova cidade, seu pai decide recorrer a um atalho
para economizarem tempo, todavia, eles acabam se perdendo e parando em
um túnel que guarda um misterioso e aparentemente inóspito vilarejo. A família
decide explorar o lugar e, apesar dos protestos de Chihiro, param para comer
em um restaurante desguarnecido. Enquanto seus pais comem, a menina os
abandona para continuar a perambular no local, mas logo se depara com Haku,
um jovem que a alerta para saírem dali antes de anoitecer. Haku é um ser
híbrido que transita entre a forma humana e a de dragão, assim, pode ser visto
como um dos: “corpos pós-humanos no imaginário animado” [SUNNERSTAM,
2013, p. 8]. Conforme escurece, diversos espíritos começam a surgir e os pais
de Chihiro são transformados em porcos. Presos naquela realidade, a menina
tem de recorrer à casa de banho termais da bruxa Yubaba para poder
sobreviver e encontrar uma cura para o feitiço que transformou seus pais.
Assim, em meio a um mundo desconhecido, repleto de espíritos, criaturas e
magias, a pequena Chihiro passa por uma série de aventuras em busca do
caminho de volta a sua família e ao mundo dos vivos.
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históricos complexos, capazes de manterem relações com as visões do diretor
a respeito do capitalismo, ambientalismo, tradição, modernidade, relações com
o ocidente etc.
21
Embora deva ser reconhecido que o filme evoca o alimento em muitos
momentos celebrativos e, até certo ponto, aborde a glutonaria, a maioria de
suas representações implicam um diálogo mais complexo com a ética, relações
de consumo e alienação [SEKINE, 2017, p. 3]. As pesquisas de Hanna
Sunnerstam [2013, p. 17] nos permite tal leitura, mostrando que: “o dinheiro é
obviamente a resposta e a solução para pelo menos a maioria dos problemas,
mas este não é o mundo humano e a moeda humana provavelmente não tem
valor aqui”. Logo, quando os pais da protagonista consomem as iguarias
destinadas aos espíritos, inadequadas ao consumo humano, eles sequer
cogitam a possibilidade antiética de suas ações. Este é um dos primeiros
embates entre a religiosidade e tradição japonesas com o capitalismo e
hegemonia ocidentais no enredo dessa animação, que constantemente articula
a internacionalização e o autóctone [REIDER, 2005, p. 5].
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animação destaca a dualidade da alimentação japonesa, entre a singularidade
e o multiculturalismo. De modo semelhante, este é o marcador entre o mundo
espiritual da casa de banho e a realidade dos viventes fora da vila [cf. REIDER,
2005, p. 4-5].
Quando Chihiro é levada por Lin até a bruxa Yubaba, dona da casa de banho
sediada no reino espiritual e responsável pelos trabalhadores, ela é aceita para
o cargo de atendente naquele local. Para tanto, porém, a bruxa lhe rouba
magicamente o nome no intuito de impedir que ela possa deixar o local e
tornando-a, assim, dependente como os demais trabalhadores
[SUNNERSTAM, 2013, p. 4]. Considero que haja referências à apropriação
cultural do capitalismo ocidental: roubar o nome, a identidade, estabelecer uma
23
nova cultura baseada no trabalho e exploração. Isso é ratificado no início do
filme, quando Haku diz a Chihiro que ela precisa de um emprego, pois, do
contrário, seria transformada em um animal. De fato, todos os seres que ali
vivem têm alguma função operária, mesmo as fuligens. Assim, a exploração
capitalista dá-se mesmo dentro das casas termais de Yubaba, o que evidencia
uma referência à história do Japão: resistir ao projeto colonial de assimilação
cultural do ocidente e, simultaneamente, ser um estado imperialista no oriente.
A importância dos nomes é, provavelmente, uma menção à obra da autora
estadunidense Ursula K. Le Guin (1929-2018) [REIDER, 2005, p. 10],
sobretudo ao seu O feiticeiro de Terramar (1968) no qual ela narra um mundo
fantástico onde magos são capazes de controlar as coisas a partir de seus
verdadeiros nomes – “quem sabe o nome de alguém tem a vida desse
indivíduo sob sua guarda” [LE GUIN, 2022, p. 96]. A animação Contos de
Terramar (2006) de Gorō Miyazaki, por exemplo, é uma adaptação direta desse
livro, de modo que não soa insólito sugerir tal aproximação com Le Guin, uma
inspiração constante aos produtores do estúdio.
Referências
Felipe Daniel Ruzene é mestrando do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Paraná (PPGHIS/UFPR), Pós-Graduando
em Gastronomia e Bacharel em Filosofia. E-mail: felipe.ruzene@ufpr.br.
24
A VIAGEM de Chihiro. Direção: Hayao Miyazaki. Produção: Studio Ghibli.
Tóquio: Toho Co. Ltd., 2001. 1 DVD (125 min.).
REIDER, N. “Spirited Away: film of the fantastic and evolving japanese folk
symbols” in Film Criticism, v. 29, n. 3, p. 4-27, 2005.
25
REPRESENTAÇÕES ALUSIVAS À SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL PRESENTE NOS MANGÁS E ANIMES, por Francisco
Kelvin Moreira de Sousa e Jakson dos Santos Ribeiro
26
A dominação japonesa foi oficializada na Coréia em 1910, marcando um
domínio que durou por mais 35 anos, onde se tinha exploração econômica
desse território e milhares de coreanos sendo submetidos a trabalhos forçados
para ajudar na expansão japonesa. Em 1914 o Japão entrou na Primeira
Guerra Mundial, onde expande sua esfera de influência na China e no Pacífico.
27
FIGURA 1: Bandeira do Japão Imperial (1889-1945): FONTE: Disponível em:
<https://abagond.files.wordpress.com/2015/04/the_imperial_japanese_navy__s
everal_resolutions__by_jpviktorjokinen-d5rvyo9.jpg>. Acesso em: jul. 2023.
Após a Segunda Guerra Mundial que o Japão passou a receber mais influência
das técnicas de cinema ocidentais e passou a produzir seus desenhos
animados, os chamados animes, que tem também inspiração nos mangás,
tanto na arte como na adaptação de obras originais (CLEMENTS, 2017). Hoje
o mercado de anime está em constante crescimento, com a exportação de
séries e filmes longa metragem por todo o globo, difundindo ideologias de seus
autores. O anime, como qualquer outra forma de arte, pode influenciar o mundo
interior e a psique de todas as pessoas, em especial dos mais novos.
Algumas vezes símbolos alusivos ao Japão imperial foram usados nos animes,
mesmo que de forma sutil. Recentemente 02 casos ganharam notoriedade,
sendo a primeira no anime “Demon Slayer”, pois houve problema por conta de
uma característica importante do design de Tanjiro Kamado que pode trazer
lembranças de um momento sombrio da história do Japão, justamente pelo
objeto possuir algumas semelhanças com a Bandeira do Sol Nascente.
28
censura aos brincos, mesmo depois de toda a compreensão do peso da
simbologia.
Outro caso está presente no anime Tokyo Revengers, que no mangá consta a
bandeira do Japão imperial em roupas de personagens. Neste caso os
produtores optaram pela censura quando houve a animação da obra, pois ao
contrário da primeira, este símbolo estava explícito.
No entanto, mesmo que a bandeira do sol nascente tenha uma história mais
antiga, "ninguém no Japão usa a bandeira do sol nascente para qualquer outro
propósito que não seja romantizar e reescrever os horríveis abusos de direitos
humanos cometidos sob o império japonês", argumenta Koichi Nakano,
professor de ciência política na Sophia University, em entrevista à BBC.
29
A suástica representava o próprio ato de criação da raça ariana e foi adotada
como efígie do Partido Nazista e símbolo mais eloquente de seu governo. Hitler
apropriou-se da suástica para representar o partido, subvertendo a sua
simbologia original (RUSSEL, 1954). A suástica nazista é representada em
preto, virada para a direita e girada a 45º deixando os cantos apontados para
cima. Devido as atrocidades cometidas pela Alemanha nazista durante a 2º
Guerra Mundial e os princípios defendidos por Hitler, a suástica passou a
representar o ódio, a destruição e o racismo.
O uso das suásticas nos animes acontece com frequência, sofrendo censura
na maioria das vezes, principalmente no Ocidente. Por fazer parte da cultura
japonesa e por ser compreendido pelo público local, a suástica budista já
apareceu em várias produções de sucesso, como Naruto e One Piece, assim
como em quadrinhos ou em desenhos animados, frequentemente relacionado
a personagens com elementos religiosos.
30
Um dos exemplos está no anime Yu Yu Hakusho, onde um lutador está
disputando o torneio da Mestra Genkai logo no começo da trama, chamado de
Kazemaru, um ninja. Embora use uma armadura por baixo de sua roupa, ele
usa vestes parecidas com as de monges budistas, mantém o cabelo raspado e
ostenta em sua testa a suástica do manji. Isso não foi um problema quando o
mangá e o anime estavam restritos ao Japão e a países orientais, pois é um
símbolo amplamente conhecido, mas ao sair dali a situação complicou.
Quando a série de luta criada por Yoshihiro Togashi foi exportada, o símbolo
na testa de Kazemaru passou a ser um problema por causa do risco do
personagem ser confundido com um Nazista. A Rede Manchete, responsável
pela exibição do anime no Brasil em meados dos anos 1990, precisou editar o
anime para apagar o manji na testa de Kazemaru, afinal seria impossível
explicar o significado positivo de uma suástica quase idêntica à que se estuda
nas aulas de História.
31
FIGURA 6: Ace e sua tatuagem com manji antes e depois da censura
FONTE: Disponível em:
<https://cdn.ome.lt/eqg8QIh0ydnh_HMXZuEv_W8Lfz0=/fit-
in/837x500/smart/uploads/conteudo/fotos/ace-tatuagem.jpg>. Acesso em: 30
jul. 2023.
32
FIGURA 8: bandeira da gangue Toman com a suástica como símbolo
FONTE: Disponível em: <https://skdesu.com/wp-
content/uploads/2021/05/tokyo-manji-kai-revenger.jpg>. Acesso em: jul. 2023.
Em vista disso é necessário maior atenção das produtoras dessas obras, pois é
de importância a consciência com o mercador Ocidental que consome esses
conteúdos, principalmente crianças e jovens que estão inseridas em um
momento de aumento dramático de células nazistas. Nitidamente o uso de
suásticas ou de símbolos nacionalistas não tem o mesmo intuito que o usado
na primeira metade do século XX, porém estes estão impregnados por um
passado cercado de dor e sofrimento, até hoje sendo gatilho emocional e
motivo de repulsa para muitas populações.
Referências
Francisco Kelvin Moreira de Sousa - graduando em História pela Universidade
Estadual do Maranhão, Campus – Caxias. Bolsista do PIBID 2022 – 2024 e
participante de projetos de pesquisa voltados para área da cultura.
Jakson dos Santos Ribeiro – Professor Adjunto II, na Universidade Estadual do
Maranhão – Campus Caxias. Doutor em História Social da Amazônia (UFPA).
Docente do Professor do Programa de Pós- Graduação em História Mestrado e
Doutorado Profissional (PPGHIST), na Universidade Estadual do Maranhão.
Professor do Programa de Educação Inclusiva – PROFEI/UEMA.
33
demon-slayer-anime-recebe-criticas-brincos-tanjiro-entenda.htm>. Acesso em:
jul. 2023.
Os símbolos nazistas que ainda estão presentes no Japão. BBC News Brasil,
[s.d.].
34
Tokyo Revengers e o Manji como camuflagem Neonazista. Disponível em:
<https://midianinja.org/historiaoralpodcast/tokyo-revengers-e-o-manji-como-
camuflagem-neonazista/>. Acesso em: jul. 2023.
35
O POSICIONAMENTO ANTIGUERRA EM NAUSICAÄ
DO VALE DO VENTO [1984] DE HAYAO MIYAZAKI, por
Gabriel Lacerda de Souza
Introdução
Inicialmente é de suma importância se ter noção de qual é o contexto no qual
Hayao Miyazaki, o diretor da animação analisada, se insere. Ele nasceu em
Tóquio no dia 5 de janeiro de 1941, em meio à Segunda Guerra Mundial e seu
pai era diretor na empresa familiar Miyazaki Airplane, que construía peças de
aviões usados na guerra [CHAVES; TORRES, 2017], o que justifica a paixão
por aeromodelismo de Miyazaki e seu deleite com abordagens sobre voar em
toda sua filmografia.
36
Animações japonesas como ferramenta de propaganda
Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, o Japão já fazia o uso do cinema
como uma ferramenta de propaganda militar, conforme nos afirma Mônica Lima
de Faria em seu texto História e Narrativa das animações nipônicas: Algumas
características dos animês. No contexto da guerra contra a China, a produção
cinematográfica voltada às animações, em especial, tinha um viés
propagandista. Algo que condicionalmente se desenvolveu ainda mais à
medida que o Japão passou a fazer parte do eixo na Segunda Guerra Mundial.
Segundo Faria esse foi o período no qual a animação japonesa mais evoluiu,
devido ao incentivo por parte do governo para a produção do material de
propaganda contra as nações consideradas inimigas japonesas no momento.
“Na década de 30 o Japão entra em guerra contra a China, e nessa época toda
a produção cinematográfica é voltada à exibição de filmes e animações de
propaganda militar. A influência militarista estendeu-se até a Segunda Guerra,
fincando os meios de comunicação, inclusive estúdios de cinema e animação,
sob controle dos militares. Porém, apesar da censura e falta de liberdade de
expressão, foi no período militar que a animação japonesa mais evoluiu
tecnicamente, graças ao incentivo financeiro do governo para a produção de
seu material.” [SATO, 2005 apud FARIA, 2008, p. 151]
Isso exemplifica de uma forma bem direta como a guerra e seu discurso já
estava presente nas animações japonesas e cinema desde antes da Segunda
Guerra Mundial. O que podemos ver que se estendeu mesmo para depois
disso, nas produções do Studio Ghibli, porém com a intenção contrária. Neste
caso, ao invés de incentivar a guerra, agora o intuito com Hayao Miyazaki é o
de criticá-la e mostrar suas consequências e horrores.
Porém, tal uso de animações para propagar ideais militares foi censurado após
a ocupação estadunidense em solo japonês, após a rendição do país ao final
da Segunda Guerra Mundial. Visto que a ocupação era proibida de ser criticada
publicamente durante sua vigência.
37
material nacionalista ou de propaganda bélica, exatamente o contrário da
realidade anterior.” [LUYTEN, 2005 apud FARIA, 2008, p. 151]
38
“A arte da animação apresenta, como base de constituição, a estilização radical
do universo que lhe serve de referência. Essa estilização, contudo, não ocorre
a partir de materiais desconectados da realidade referencial, a realidade
referencial, como nas caricaturas, ainda está presente e sua deformação
denuncia um processo ideologicamente formativo.” [MIGUEL, 2010, p. 4]
“Seu pai era diretor da empresa familiar Miyazaki Airplane, que construía
aviões usados na guerra. Essa ligação com o universo aéreo o levou a
desenhar aviões desde cedo, mesmo antes de aprender a desenhar pessoas
ou outros seres. Sua paixão pelos objetos que voam tornou-se marca
registrada do autor, bem apreciada em Porco Rosso (1992) e em seu último
filme, Vidas ao Vento (2013).” [CHAVES; TORRES, 2017, p. 172]
“[...] Miyazaki evita elogiar qualquer agenda ideológica, liderada por sua própria
desilusão pessoal com a política revolucionária, toma cuidado com qualquer
sistema codificado de pensamento. Profundamente influenciado por teorias
marxistas em sua juventude, como atestado por suas atividades como
presidente da União Animadores na Toei Animation Studios, Miyazaki
desenvolveu gradualmente uma aguda aversão à noção de aderir servilmente a
qualquer doutrina e procurou, ao contrário, princípios pacifistas e igualitários.
Para este efeito, ele afirmou que nos anos 90, ele ‘abandonou totalmente o
marxismo’ como resultado de ter ‘parado de ver as coisas por classe. É uma
mentira que alguém está certo só porque ele é um trabalhador. O público em
geral faz muitas coisas estranhas. Eu não posso confiar em política’. [Miyazaki,
1994].” [CAVALLARO, 2015, p. 33 apud NOVAES; VADICO, 2019, p. 96]
39
devastação gerada destrutiva e quimicamente pela guerra, na história intitulada
de Os Sete Dias de Fogo. Conflito este no qual seres humanos criaram
criaturas de aspecto humanoide gigantescas com capacidade de destruição em
massa, chamadas de Deus Guerreiro, um elemento que se pode facilmente ser
comparado com a magnitude e poder de destruição das bombas atômicas.
Visto que tais criaturas causam a destruição no planeta todo, alterando
inclusive as propriedades da própria natureza, resultando em um mundo pós-
apocalíptico. Tal representação dessa figura no filme pode ser vista na imagem
abaixo:
“Toda a flora e fauna foram destruídas como resultado dessa guerra, ou seja, o
ecossistema terrestre entrou em degradação. Como consequência, surgiram,
as terríveis e temidas, florestas de gás tóxico chamada de Mar da Podridão ou
Fukai.” [CHAVES; TORRES, 2017, p. 172]
40
“‘Mar podre’ refere-se ao ecossistema das terras devastadas pela poluição da
antiga cidade industrial. O mundo estava prestes a ser engolido de forma
silenciosa pela floresta gigante, que produz fungos venenosos a que apenas
insetos conseguem sobreviver.” [MIYAZAKI, 2006, p. 20, vol.1 apud CHAVES;
TORRES, 2017, p.172]
Um momento, logo no início da história, que nos exemplifica muito bem esse
ideal pacifista e antiguerra presente no roteiro é a forma que Nausicaä lida com
41
os conflitos que cruzam o caminho de si própria e seu povo. Uma nave de um
reino vizinho tenta pousar emergencialmente no Vale do Vento, enquanto está
sendo atacada por insetos da floresta, o que por si só já é um risco para todo o
vale, visto que poderiam contaminar o local e sua forma de subsistência. Mas
ao invés de deixar que matem um grande inseto e acabem por atrair ainda
outros mais, Nausicaä se prontifica a para o ato de violência antes que esse
seja realizado e guia novamente o bicho para dentro de seu habitat natural.
Aliviando companheiros que admitem que não fariam nem ideia do que fazer
depois de matarem aquele indivíduo e atraírem mais ainda para o vale. Com
esse breve momento da narrativa, Miyazaki já nos mostra claramente o
posicionamento de Nausicaä frente conflitos, tomando ação contra o que seria
a lógica de agir com violência e dar continuidade a um comum cenário de
guerra e violência, agindo então num ato de pacifismo e direta relação de
respeito com a natureza.
Conclusão
Mesmo que de forma breve, acredito que o que foi apresentado até aqui
esclareça a forma na qual se dá o discurso antiguerra em uma obra em
específico de Hayao Miyazaki. Ainda que sendo apenas um filme do início do
Studio Ghibli, tal modo de trabalhar os temas e o discurso está presente em
vários outros trabalhos tanto de Miyazaki quanto de outros diretores do Studio
Ghibli.
42
[1989] se foca não nos acontecimentos em si, mas em uma consequência
destes.” [NOVAES; VADICO, 2020, p. 149]
Referências
Gabriel Lacerda de Souza é graduando do 4º ano do curso de Licenciatura em
História da Universidade Estadual de Ponta Grossa [UEPG]. Este texto é
resultante de pesquisa desenvolvida no Programa de Iniciação Científica da
UEPG, ao longo de 2021-2022, bem como de TCC em andamento.
43
COMPARAÇÃO INTERMÍDIAS DE KOE NO KATACHI,
por Giorgia Vittori Pires
Este trabalho tem como objetivo fazer uma análise comparativa entre o manga
e o anime da narrativa de Koe No Katachi. A históri trabalha com temas
pesados como suicídio, auto aceitação, redenção e perdão.
Enredo e personagens
Primeiramente se faz necessário deixar o leitor deste trabalho a par da história.
Tudo começa com a apresentação do personagem Shouya Ishida, retratando-o
como um aluno do ensino fundamental que costuma fazer brincadeiras como
forma de passar o tempo. A outra personagem principal, Shouko Nishimiya, é
inserida na história em seguida, quando é transferida para escola de Ishida, e
logo em sua primeira apariçãoção é mostrado como ela se diferencia dos
outros alunos, ela é surda.
44
responsável. Ele fica conhecido como um valentão e todos acabam por se
afastar, além de começarem a praticar bullying com o mesmo.
Agora no seu terceiro ano do ensino médio, Ishida ainda continua com uma
fama ruim e completamente isolado, porém verdadeiramente arrependido,
começa uma jornada para se redimir. Seu isolamento não dura muito tempo na
história, pois personagens que eram seus amigos de infância voltam a se
relacionar, mesmo que de forma ainda um pouco conturbada. No decorrer do
enredo Ishida percebe que redenção não é uma tarefa fácil, para isso precisa
encarar pessoas e eventos do seu passado, além de aprender que aceitação
não parte só do outro mas de nós mesmos.
45
A partir da adolescência dos personagens é um grande exercício de
replanejamento e reajustes. Algum arcos de personagem e algumas cenas
que poderiam ser consideradas importantes foram cortadas da animação. Mas
foram mantidos os momentos mais tensos da história, como a segunda
separação do grupo de amigos e a tentativa de suicido de Nishimiya, que é
impedida de pular do prédio por Ishida, porém este acaba caindo no seu lugar
e entrando em coma. Acredito que o primeiro tenha uma carga dramática maior
no manga, nele o acontecimento é contado de forma mais devagar, tudo vai se
arrastando até que o grupo finalmente se separa, obrigando Nishimiya e Ishida
a passarem suas férias de verão tendo encontros um tanto quanto forçados e
desconfortáveis.
Já no fim da trama, no manga o foco esta em Nishimiya, como ela faz parte de
um grupo, como ela aprende que pode ser mais do que a menina surda e com
Ishida ficando preocupado, pois talvez ela não precise mais dele. Já na
animação o foco está em Ishida sendo redimido pelos seus colegas e por ele
mesmo, aceitando que ele pertence a algo e não está sozinho. Ao parar para
analisar percebi que as duas versões mantém um ponto em comum: entrar em
acordo com a sua identidade. Apesar da escritora e da diretora terem focos
diferentes, a mensagem de que todos nós podemos fazer parte de algo está ali.
Estética e sonoplastia
Começamos a analise pelo mais óbvio, o manga é preto e branco e a animação
colorida. Isso limita muito o que se pode fazer no papel, pois se colocar
detalhes demais o quadro ficaria poluído, já no filme percebemos que os
cenários são ricos em detalhes, o que é uma característica da Kyoto Animation.
Os traços do manga são bem distintos e os personagens conseguem ter
características marcantes e muito próprias, mesmo sem serem ricos em
detalhes. O anime segue esses traços, porém de forma mais minuciosa,
principalmente se tratando de cores e movimentos.
46
Fonte: ÔIMA, Yoshitoki. Koe no Katachi. Japan: NewPOP, 2013-2014.
47
Fonte: KOE no Katachi. Direção: Naoko Yamada . [S.l.]: Kyoto Animation, 2016
Ao ler o manga percebesse que a falta de qualquer estimulo sonoro gera uma
empatia com a personagem principal e o tema da história em si. A falta de som
é a trilha sonora perfeita para essa trama, todo momento de tentativa de
comunicação se torna mais angustiante, ver Nishimiya tentando se comunicar
com os outros personagens e não conseguir por ser surda e não conseguir
emitir sons direito tem um peso muito maior no manga. O silêncio da obra
enche os ouvidos de qualquer um e acaba por forçar o leitor a usar seus outros
sentidos e sua imaginação.
Porém a animação não fica para trás, a produção criou uma trilha sonora tão
elaborada e tão ligadas as cenas que criam uma nova visão do silêncio de
Nishimiya. Inspirados em fotografias e pinturas, os produtores criaram
sinestesia. Para isso ser possível, a trilha sonora precisava ser minimalista,
dessa forma qualquer mudança, mesmo que sutil causaria um grande impacto.
Na cena em que Nishimiya é apresentada na escola podemos perceber como
isso funciona, cada um de seus movimentos é acompanhado de uma nota
musical até se revelar surda, onde a informação vem com um acorde, deixando
o momento mais intenso. A mudança é singela do ponto de vista musical,
porém muito impactante na questão cinematográfica.
48
características novas. É uma reformulação de uma ideia principal. - No caso do
filme, a trilha sonora consiste em três atos, acompanhando os três atos da
progressão histórica [John]. O primeiro ato é o flashback, toda a parte da
infância que se desenrola para o segundo ato, que é o maior, por tratar de todo
desenvolvimento da narrativa, agora no presente. O ato três só começa a partir
do clímax do filme e vai até o seu desfecho. Não importa em que momento do
filme algo na trilha sonora sempre irá remeter outra parte da história, inclusive a
última parte é quase idêntica ao começo, porém com um tom mais de
fechamento.
Os surdos no Japão
Podemos perceber no filme que não existe preparação por parte da escola
para receber Nishimiya. Seu professor falava virado para o quadro, ela sentava
no fundo da sala e a pessoa responsável por inseri-la na escola não tentava
adaptar as situações, mas sim forçar essa inserção. Isso acontece porque a
comunidade surda começou só recentemente a receber atenção. De acordo
com o livro Deaf in Japan [Nakamura, 1970], até 1948 quem tinha deficiência
auditiva nem mesmo precisava receber uma educação formal e fazem alguns
anos que a proibição do uso de linguagem de sinais nas escolas foi retirada.
Existem dois grupos que lutam pelos direitos dos surdos, o Japanese
Federation of the Deaf e o D-PRO. O primeiro foca em inserir o deficiente
auditivo no mundo, de forma que ele consiga se adaptar, já o segundo é
particular e tem o discurso que o mesmo deve conseguir viver bem de maneira
surda. A diferença pode parecer pequena, mas está relacionada com o
deficiente auditivo se identificar primeiramente como japonês e depois como
deficiente ou o contrário.
No filme, é possível perceber que Nishimiya não é cem por cento surda, ela
usa aparelhos auditivos para que possa ajudar o pouco de audição que lhe
resta. É possível perceber isso em cenas como a que Ishida grita perto de seu
ouvido e ela sente dor, ou quando sua vó aparece conversando com um
médico e na cena seguinte ela aparece sem um dos aparelhos e chorando
sozinha. Essa cena mostra que ela perdeu totalmente a capacidade de ouvir de
um dos lados, enquanto o outro permanece com os ruídos.
Nishimiya consegue fazer leitura labial e usa muito pouco o SimCom, quem usa
mais são os outros personagens quando fazem linguagem de sinal. Se ela se
identifica mais como surda, ou mais como japonesa não é algo que fica claro
no filme, mas em minha opinião ela só quer ser uma pessoa “normal” e por isso
49
se vê primeiro como japonesa. Isso me parece diferente da visão de sua mãe,
que fica constantemente lembrando-a de que é deficiente. Os personagens que
estavam a sua volta durante sua infância compartilham da mesma visão, ela é
surda, e por isso é estranha. Mas com o decorrer do filme isso muda, ela é uma
amiga, que também tem deficiência auditiva.
Conclusão
Esse trabalho teve como objetivo comparar as duas obras, não com o intuito de
dizer que uma é melhor que a outra, mas simplesmente entender as mudanças
que foram feitas ao passar de uma mídia para outra. Como discutido, não
existe um certo e errado na adaptação, mas sim um ponto de vista. Acredito
que as mudanças feitas na historia, como a escolha de reproduzir no ponto de
vista do Ishida e mudar o clímax mostra exatamente as intenções da diretora, a
leitura que ela fez de tal história.
O fato da animação ter trabalhado com imagem e som a cada cena, para que
os dois fossem um complemento do outro demonstra, para mim, um cuidado
muito grande em contar a história da melhor forma possível em outra mídia.
Também foi possível perceber o respeito dos produtores do filme com o tema e
pela obra original.
Referências
Giorgia Vittori Pires é graduada em Língua e Literatura Japonesa da
Universidade Federal do Paraná e autora do livro O Som do Chá
[http://lattes.cnpq.br/5366439494761261]
KOE no Katachi. Direção: Naoko Yamada . [S.l.]: Kyoto Animation, 2016. (130
min).
50
JOHN. Koe no Katachi (A Silent Voice) Analysis – Music is Perspective. Nerdy
Shenanigans. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0B6U_lfWM5c
NAKAMURA, Karen. Deaf in Japan: signing and the politics os identity. New
York: Cornell University Press, 1970
51
EMBATES DISCURSIVOS QUE PASSAM ÀS TELAS: IMPACTOS
DAS DISCUSSÕES ORIENTALISTAS ITALIANAS EM SEU
CINEMA, POR OS ÚLTIMOS DIAS DE POMPEIA (1913), por
Heloisa Motelewski
52
cinematográficas a partir do estudo do filme Os Últimos Dias de Pompeia, de
Ambrosio [1913].
53
seriam respostas, em conformidade com o autor [2019], frente aos amplos
debates a respeito de uma identidade europeia para a nação, congregando as
tensões entre as regiões Norte e Sul, assim como a transformação da Itália na
região do “Outro” da Europa.
54
Tais métodos de construção de imagens em movimento com intenções
realistas afirmam-se em um momento histórico não apenas nacionalista, mas
igualmente de intenções colonialistas [PÉREZ, 1990]. Com especial foco na
região da Líbia, o neorrealismo cinematográfico transportaria às salas de
cinema os discursos do colonialismo italiano. Sob narrativas propagandísticas,
buscava-se mostrar que “novas audiências saudaram uma nova forma de arte,
enquanto o território líbio foi aprisionado para uma jovem nação” [DALLE
VACCHE, 1992, p. 29, tradução nossa] [1]. Essas imagens discursivas
refletiam, portanto, o extenso contexto de debates identitários esmiuçado
anteriormente. E, como o território visado situava-se em um “Oriente” arábico,
este era lançado a um dos objetos de representação nos cinemas – uma
representação acompanhada, muitas vezes, da figuração do próprio passado
romano.
Por isso, observamos como o filme acaba por situar-se no centro desse
panorama de indústria cinematográfica, igualmente posta no meio de
discussões orientalistas e classicistas. Desse modo, defendemos como essas
produções não podem ser simplesmente qualificadas como adeptas de apenas
uma dessas abordagens. Pelo contrário, devem ser examinadas em sua
mobilização dos distintos aspectos dos Orientalismos, Classicismos e
Mediterraneísmos criados e recriados na Itália desse período. É isso que se
torna, pois, o fio condutor da análise d’Os Últimos Dias de Pompeia, uma
produção de Arturo Ambrosio oficialmente lançada em 1913.
55
orientalistas trabalham em conjunto para a elaboração do nacionalismo da
película.
56
Assim sendo, afirmam-se os motivos visuais passíveis de serem atribuídos ao
imaginário do que seria o “oriental” e o “Oriente” para o público do período.
Com especial realce, podemos elencar a presença de um vestuário que reúne
colares e peças de cabeça, como o nemés, com referências a materiais
arqueológicos encontrados em regiões do Antigo Egito. Concomitantemente,
afrescos ao fundo remetem a temas egípcios e nilóticos, em uma similaridade
com aquelas pinturas encontradas no Templo de Ísis pompeiano (Imagem 2).
Para além dessa cena, outras em que os adeptos do culto são retratados,
como o próprio Arbaces e seu discípulo Apoecide, irmão de Ione, carregam em
si elementos codificados como “orientais” (Imagem 3). São signos inerentes às
suas formas de se vestir, com longas túnicas diferentes das vestes mais curtas
dos personagens romanos, bem como com adereços parecidos às joias
achadas junto à cultura material egípcia antiga.
57
Com a reunião dessa totalidade de fatores visuais e narrativos, então, nos
debruçamos sobre o elementar providencialismo que a película almeja
reproduzir. Por sua narrativa, tece um discurso em que o mundo “oriental”,
protegido pela deusa, age como o vilão corruptivo do povo romano, fator a
mover um suposto “expurgo” sobre a cidade de Pompeia com a ação
vesuviana. Dessa forma, os discursos orientalistas e classicistas adquirem uma
expressão material visual ao reproduzirem nas telas o ideal de uma identidade
italiana em termos raciais, racialistas e racistas, negando-lhe sua associação
com o mundo norte-africano.
Sendo assim, nos torna possível observar como a produção do filme retoma
esse mesmo passado romano, com ideais imperiais, com o intuito de adequar
em reproduções visuais os discursos de dominação, racialismo, orientalismo e
imperialismo ecoantes em seu momento histórico. É, ao fim, uma leitura
particular do passado romano cujas adequações formatam-se de modo a criar
uma narrativa que cria e projeta ideais racistas, (re)postulando “diferenças”
supostas entre o indivíduo europeu, italiano, e o indivíduo oriental,
genericamente qualificado e posicionado no norte árabe africano.
Considerações finais
Por esse modo, encontramos n’Os Últimos Dias de Pompeia a emersão de
uma recepção de Pompeia próxima das discussões orientalistas e classicistas
do amplo contexto de debates intelectuais italianos dos fins do século XIX e do
século XX. Em sua trama providencialista, deixa latente o nacionalismo racista
e orientalista presente em muitas das produções cinematográficas (e culturais
em termos mais amplos) italianas da década de 1910. Tal representatividade
de discursos racialistas ecoa, pois, em signos visuais do filme, ao passo de se
apropriar do passado romano e egípcio para elaborar ligações entre os
elementos materiais de um suposto “Oriente” antigo e os modernos “orientais”
na trama, nos trajes de seus personagens e na ambientação espacial de suas
ações. Anos estes perpassados pelas intenções de colonização da região ao
Norte da África, de dominação da Líbia, das sementes de racialização com o
fito de inferiorização para a subordinação violenta.
58
teorias raciais de proximidade e/ou de superioridade entre as ditas “raças”
italiana, árabe e indiana.
Notas
[1] Do inglês, no original: “new audiences saluted a young art form, as the
Lybian territory fell prey to a young nation”.
[2] Do inglês, no original: “the taste for works of art from far-off places or
evoking foreign styles was inherently political, reflective of the reality that one
region (Italy) held sway over the Other (Egypt)”.
Referências
Heloisa Motelewski é estudante de Graduação em História (Licenciatura) e
realiza pesquisa de Iniciação Científica na modalidade voluntária (PIBIC) na
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Currículo lattes:
[http://lattes.cnpq.br/7022532050657480].
Fonte documental:
GLI Ultimi Giorni di Pompei. Direção: Eleuterio Rodolfi. Turim: Società Anonima
Ambrosio, 1913. 1 filme (107 min), mudo, legenda, p&b, 35 mm.
Referências bibliográficas:
BUCKLAND, Warren. Film Semiotics. In: MILLER, Toby; STAM, Robert. (Ed.).
A Companion to Film Theory. Malden: Blackwell, 2004. p. 84-104.
59
CINEMATECA BRASILEIRA. Os últimos dias de Pompeia. In: JORNADA
BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO, V, 2011, São Paulo. Catálogo... São
Paulo: Cinemateca Brasileira, 2011. p. 50.
DALLE VACCHE, Angela. The Body in the Mirror: Shapes of History in Italian
Cinema. Princeton: Princeton University Press, 1992.
FLEMING, Katie. The Use and Abuse of Antiquity: The Politics and Morality of
Appropriation. In: MARTINDALE, Charles; THOMAS, Richard. (Ed.). Classics
and the Uses of Reception. Malden: Blackwell Publishing, 2006. p. 127-138.
60
SAID, Edward W. Tradução de: Tomás Rosa Bueno. Orientalismo: O Oriente
como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
XAVIER, Ismail. Historical Allegory. In: MILLER, Toby; STAM, Robert. (Ed.). A
Companion to Film Theory. Malden: Blackwell, 2004. p. 333-362.
61
A “CHINATOWN IMAGINÁRIA”: A REPRESENTAÇÃO
DO LUGAR DO IMIGRANTE CHINÊS NOS ESTADOS
UNIDOS A PARTIR DA SÉRIE TELEVISIVA “WARRIOR”,
por Krishna Luchetti
62
Tendo isso em vista, pretendo discutir como a série faz uma representação
desse “lugar do imigrante chinês” nos Estados Unidos da América, e como
essa representação pode ser mobilizada para combater a xenofobia e
estereótipos racistas acerca de imigrantes do leste asiático na atualidade.
Assim, essa “Chinatown imaginária”, ou seja, aquela que é representada na
série torna-se um objeto de estudos interessante para o campo da História. A
série, por mais que seja uma produção midiática estadunidense, é baseada nos
romances de um sino-estadunidense, que morou em Chinatown e que
procurava divulgar a história de outros imigrantes como ele (RAMOS, 2023).
Portanto, mobilizá-la, também é uma forma de valorizar a produção de um
imigrante chinês, de sua prole e da equipe, majoritariamente formada por
descendentes de imigrantes do Leste asiático.
63
da narrativa “Warrior”: a série televisiva é um drama com diversas cenas de
ação que se propõe e representar as guerras de gangues chinesas em São
Francisco na segunda metade do século XIX, a chamada “Tong war”. O
protagonista da série, Ah Sahm, é construído como um prodígio do Kung Fu
que imigra da China para os Estados Unidos. Nas américas, o jovem se une a
uma das principais gangues de Chinatown em São Francisco, a Hop Wei
(RAMOS, 2023). Nesse contexto, o bairro é apresentado, tanto pela visão das
gangues, como também de outros núcleos, seja dos comerciantes, das
prostitutas, vendedores e viciados em ópio, policiais, figuras políticas e demais
cidadãos.
Na série, Chinatown também aparece como um lar, um espaço que sofre com
a violência interna e externa, mas que paralelamente se mostra o local mais
seguro para esses imigrantes. São numerosos os personagens que declaram
isso, desde Ah Toy, dona de um prostíbulo e exímia artista marcial, até
figurantes que representam pequenos comerciantes, o medo de sair do bairro
impera. O próprio Ah Sahm rapidamente se apega a este local, e o declara
como “seu lugar”. Segundo, Edward Relph, pessoas que estão imigrando
podem ser “capazes de alcançar muito rapidamente um apego a novos
lugares”, em parte porque as paisagens são semelhantes a outras já
conhecidas (RELPH, 1977), ou seja, por mais que seja diferente, a “Chinatow
imaginária” se mostra semelhante a localidade da China de onde o imigrante
veio originalmente. Na série, essa semelhança pode ser notada a partir da
arquitetura do bairro, da culinária, vestimentas e tantos outros aspectos.
64
o local era sujo e impróprio para o convívio, expulsando os moradores sem lhe
dar qualquer compensação e usando da força para tal (RISSE, 2012).
Vale ressaltar que as “Tongs” estavam presentes nos Estados Unidos desde os
anos 1800 e eram tanto de etnias chinesas, diversas por sinal, como também
de outros países do leste asiático, como Tailândia e Cingapura (CHANG,
2015). Dessa forma, é possível perceber que essas gangues de fato atuaram
no território da Chinatown histórica, assim como povoam a “Chinatown
imaginária” de “Warrior”. Na série, elas servem tanto para extorquir e violentar
a própria população local, mesmo que sejam representadas como uma
“violência menor”, menos brutal do que a vinda do exterior (polícia
estadunidense, grupos de imigrantes irlandeses de extrema direita, políticos
racistas, etc.), como também para resguardar o bairro.
Assim, tanto pela inspiração da obra de Bruce Lee, como pela ação
contemporânea dos roteiristas e produtores, é notável que há uma crítica
contundente as noções racistas para como a etnia amarela. E em nosso
contexto atual, isso é profundamente significativo, uma vez que, ideais racistas
que muito se assemelham ao que era propagado em meados do século XIX
voltam a ser publicadas, sobretudo nas redes sociais.
65
denominam de “reedição do perigo amarelo”, os diversos casos de xenofobia
sofridos por brasileiros de descendência asiática. Segundo os autores a: “Sopa
de Wuhan” e outras produções, inclusive as jornalísticas, remetem que a
xenofobia se tornou mercadoria consumível e aparentemente gratuita
(KAHOTSU, SAITO, ANDRADE, 2021). Memes com essa temática povoam a
internet, alimentando comentários racistas, violentos e xenofóbicos.
66
campanhas de conscientização, séries de tv como “Warrior” podem se tornar
aliadas para botar abaixo esse tipo de concepção.
Assim, “Warrior”, enquanto uma série televisiva pode contribuir para este
debate, seja criticando estereótipos negativos, sem ilusões excessivamente
positivas. Afinal, seus personagens asiáticos aparecem tanto em papéis de
“mocinhos” como de “vilões”, inclusive o protagonista, um gangster, passeia
entre esses extremos. Se pensarmos no passado, no caso do próprio Bruce
Lee em seus filmes, a forma de lutar contra os estereótipos negativos era
justamente construir novos estereótipos de cunho positivo, que na atualidade
também são problematizados pelo público, pesquisadores e críticos.
Referências
Mestre Krishna Luchetti é professora de História no Ensino Básico, e
pesquisadora na base de pesquisa Teoria da História, Historiografia e História
dos Espaços da UFRN.
CHANG, B. Chinatown gangs in the United States. In: J.H.X. Lee (Ed.), Chinese
Americans: The history and culture of a people. Santa Barbara: ABC-CLIO,
2015.
67
Dados da violência contra pessoas do Leste Asiático nos EUA. Disponível em <
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/03/17/estados-unidos-registram-
milhares-de-ataques-a-asiaticos-durante-pandemia.ghtml> acessado em 11 de
julho de 2023.
RAMOS, Dino-Ray. Shannon Lee Talks ‘Warrior’ And How Hollywood Honors
And Exploits Her Father’s Legacy. Disponível em
<https://deadline.com/2019/06/shannon-lee-bruce-lee-warrior-interview-
cinemax-1202622774/> acessado em 06 de julho de 2023.
68
GEN, O TRIGO VERDE DE HIROSHIMA: MEMÓRIAS DO PÓS-
GUERRA ENTRE REPRESENTAÇÕES E NARRATIVAS (1973 –
1985), por Lucas Ciamariconi Munhóz
69
imperialista japonesa e as vítimas das bombas atômicas foram propositalmente
esquecidas, deixando espaço apenas para as memórias e corpos japoneses
que confirmassem a narrativa oficial construída.
No ano de 1973, vinte e oito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, é
iniciada a publicação de はだしのゲン Hadashi no Gen, mangá criado pelo
quadrinista Keiji Nakazawa, sobrevivente e testemunha direta da explosão da
bomba atômica na cidade de Hiroshima. A narrativa sequencial gira em torno
do personagem Gen, um menino de cinco anos que sobrevive a explosão da
bomba, e perde toda sua família, exceto pela sua mãe e dois de seus irmãos
mais velhos. Nakazawa representa com detalhes os meses finais da guerra e
os anos seguintes que denominam o pós-guerra.
Hadashi no Gen fez muito sucesso no Japão, assim como em vários outros
países, incluso o Brasil. Sabe-se que chegou as prateleiras das escolas
japonesas e por lá permanece até o presente. Entretanto, a presença da obra
no meio escolar e cultural, não agrada grupos políticos conservadores atuantes
no país há vários anos. Dos fatos que foram possíveis levantar, vale citar dois
acontecimentos separados geograficamente e temporalmente, mas que
confluem para uma mesma situação: a presença do negacionismo nos meios
políticos e acadêmicos japoneses.
70
escolares da cidade se manifestaram contrários a decisão. A obra permaneceu
onde estavam apesar de ficar a cargo de cada diretor decidir se ia restringir ou
não o seu acesso. Segundo a pesquisadora Janaína de Paula do Espírito
Santo esse evento:
Gen Pés Descalços chegou a ser publicado por diversas revistas, mas
principalmente pela revista 週刊少年ジャンプ Shūkan Shōnen Janpu. Chegou
aos leitores pela primeira vez em formato semanal, e após obter certo alcance,
foi reeditado e publicado em dez volumes comemorativos, os chamados
Tankobon. A fama do mangá de Keiji Nakazawa o levou a ser adaptado em
outros gêneros culturais. Entre 1976 e 1980 foram produzidas três Live Actions
pelo diretor Tengo Yamada. Também foram feitos dois longas-metragens em
formato de animês pelo estúdio 株式会社マッドハウス Kabushiki-gaisha
Maddohausu entre 1983 e 1986. Nakazawa também produziu conteúdo extra
em algumas Light Novels, e o mangá chegou a ser transformado em ópera e
musical.
71
expor e relatar suas memórias. Gen é uma obra densa, composta por dez
volumes, totalizando mais de 2 mil páginas. Em seu âmago, encontramos uma
produção cultural, de ficção, mas que se assemelha fortemente com a vida e as
agruras vividas de seu autor, narrando memórias, pensamentos, situações.
Mas que de forma alguma se limita a uma narração rasa de memórias e fatos
históricos. Hadashi no Gen é claramente uma produção que se encontra no
extremo oposto do negacionismo e das narrativas oficiais propagadas durante
o pós-guerra japonês, e que ainda são presentes na historiografia, seja na
temática em análise, seja em outras temporalidades e situações.
72
Nesse sentido, Gen Pés Descalços, ao meu ver, é uma obra essencialmente
relevante no campo historiográfico, legitimando a necessidade de sua análise
ser feita a partir do método e da lógica da ciência histórica, que em nosso caso,
se liga ao meio da memória e das imagens. A narrativa apresentada pelo autor,
como bem já avisamos, é contrária ao discurso oficial propagado e ao viés
negacionista, que oculta e apaga crimes de guerra de ambos os lados, mas
que também contribuiu para a auto vitimização do povo japonês, apagando por
exemplo, as ações do imperador Hiroito, concentrado a culpa do fiasco colonial
e de guerra apenas aos militares japoneses.
Referências
Lucas Ciamariconi Munhóz é graduado em História e mestrando em História
Social pela Universidade Estadual de Londrina. É membro do Laboratório de
Pesquisa de Culturas Orientais (LAPÉCO), e atua como revisor de provas no
periódico semestral Prajna: Revista de Culturas Orientais.
73
CONVERGÊNCIA DA ESTÉTICA DOS MANGÁS EM AUTORIAS
AFRICANAS: UM BREVE EXAME DO UNIVERSO HÍBRIDO DE
JUNI BA, por Márcio dos Santos Rodrigues
74
Global Manga: “Japanese” Comics without Japan? (2015), organizado pela
pesquisadora Casey Brienza, é outra obra fundamental que nos ajuda a
entender a dimensão de hibridismos em torno das HQs oriundas do Japão.
Este livro explora como os mangás se transformaram em um produto global,
com artistas e fãs em todo o mundo recriando e reinterpretando este estilo de
arte de modo a expressar seus contextos culturais. Desfilavam nas páginas do
livro organizado por Brienza temas como a influência do manga na cultura
feminina na América do Norte (p.23-44); as negociações de diferenças culturais
em obras como Scott Pilgrim e MANGAMAN; as dimensões híbridas do
“euromanga” (p.75-93), as questões étnico-raciais envolvendo o fandom de
anime e mangás nos Estados Unidos (p.95-113), o movimento da Nouvelle
Manga na França (p.115-132), a moda gótica nos mangás alemães (p.147-
166), as narrativas da apropriação pela Marvel Comics (p.167-184), e o mangá
na indústria de quadrinhos das Filipinas (p.185-199). Há inclusive um capítulo
curtíssimo de pesquisadores do Observatório de Quadrinhos da USP sobre o
estilo e produção de mangá no Brasil (p. 45-54), que, em minha opinião,
careceria de uma abordagem mais aprofundada sobre o impacto dos mangás
na cultura de HQs brasileira, considerando a crescente popularidade, aspectos
de hibridismos e não se deter tanto em ídolos de origem para a criação de
quadrinhos brasileiros em estilo mangá. Nesse livro não há um capítulo
específico dedicado à influência dos mangás na produção de obras em
contextos africanos. As menções sobre o continente na obra são tão-somente
breves, pontuais, e, por vezes, tomam África como se fosse um país. Diante
dessa lacuna, este texto coloca a necessidade de se estudar os processos de
circulação e recepção de mangás entre autores ditos africanos.
75
sim como uma fusão de elementos da cultura africana com repertórios dos
quadrinhos japoneses configura algo novo, híbrido. A própria ideia de mangá
africano deve ser entendida com ressalvas, de forma a não reificar
categorizações estanques ou exotizar essa produção. Deste modo, aciono
novamente aqui as ideias de Cancllini sobre hibridismo cultural e as
contribuições que esse fenômeno traz para a construção de identidades
múltiplas e em constante diálogo. Ao rejeitar o conceito de “mangá africano”,
reafirmo a importância da nuance, do contexto e da individualidade na criação
artística, reconhecendo que os artistas africanos que utilizam elementos do
mangá estão criando obras que são ao mesmo tempo pessoais e universais,
africanas e globais.
76
talentos africanos mais proeminentes no cenário global dos quadrinhos. Aqui
no Brasil Djeliya teve uma versão, editada e traduzida por mim no ano de 2021.
77
dos seriados tokusatsu às animações do Cartoon Network (particularmente,
Samurai Jack). Em Djeliya há uma foto do próprio Ba segurando um robô
gigante de brinquedo, que faz referência ao gênero mecha dos animes
japoneses e dos seriados tokusatsu. Ao mesmo tempo em que ele se apropria
dessas referências estrangeiras, adiciona elementos culturais da África
Ocidental em suas ilustrações, como as máscaras de madeira usadas pelos
personagens. Ba, assim, cria uma história que é, ao mesmo tempo, conectada
com sua própria cultura e tradições, mas também inserida na linguagem global
das HQs. Em um de seus quadrinhos mais recentes, Monkey Meat, lançado
pela Image Comics, vemos referências às produções nipônicas de forma mais
evidente. Trata-se de uma série ambientada em uma ilha transformada em uma
realidade hiper-capitalista pela Monkey Meat Company, uma megacorporação
que fez fortuna vendendo carne processada em todo o mundo. Aqui vemos
uma crítica social aguçada disfarçada de uma história gráfica de aventura, com
cores bastante vibrantes e saturadas, que se contrapõem à narrativa por vezes
sombria.
Figura 2: Capa de Monkey Meat. Fonte da imagem: BA, Juni. Monkey Meat:
The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.
78
Acompanhamos a vida dos habitantes dessa ilha quando eles se esforçam
para encontrar equilíbrio e felicidade em um mundo dominado não apenas por
essa grande empresa, mas também pelos desafios trazidos pelo choque de
tradições locais e modernidade forçada. Os personagens da série apresentam
características típicas das animações e dos mangás, sendo representados por
linhas expressivas e contornos fortes, além de inseridos em cenas de ação
carregadas de movimento e dinamismo. Juni Ba não é propriamente um autor
de mangafrica, mas incorpora em Monkey Meat elementos e referências diretas
ao universo dos mangás. Um exemplo evidente disso aparece no segundo
número (publicada em uma edição individual e, posteriormente, em um
compilado reunindo os volumes de 1 a 5). Abaixo vemos uma das poucas
passagens sem cor, na qual Harricot, personagem destaque da edição
(apresentado como um aficionado em mangás e vítima de bullying), aparece
segurando uma revista de King Saru:
79
Vemos acima um quadrinho dentro de um quadrinho, um uso bem evidente do
conceito/recurso de metalinguagem, onde uma obra faz referência a outra
dentro dela mesma. Aqui King Saru é um mangá fictício dentro de Monkey
Meat. Vale mencionar que a palavra “saru” é a palavra mais comum em
japonês para “macaco”. Literalmente, o nome do personagem pode ser
traduzido como “Rei Macaco”. Temos aqui a fusão de duas palavras, sendo
uma de origem japonesa e a outra em inglês, do idioma em que a obra é
apresentada, criando um diálogo intercultural dentro da própria narrativa. Não
faria menor sentido algum, acredito, verter literalmente King Saru para o
português ou para qualquer outra língua, pois essa tradução eliminaria a
intenção artística e a dimensão cultural intrínsecas na escolha original do
nome. Uma simples tradução por “Rei Macaco” não consegue transmitir a
essência deste personagem, que é um ponto de convergência de culturas
distintas. Além disso, é comum vermos que no Japão mangás costumam
receber títulos com palavras em inglês (esse fenômeno, conhecido como
“Engrish”, é uma forma também de globalização).
Vale a pena ressaltar que Juni Ba, o autor, se expressa inglês, mas, como
senegalês, é um falante nativo de outros idiomas, como o francês (língua
imposta pelo colonialismo em África) ou algum idioma local do Senegal. Como
estamos diante de uma autoria que transita por diversos idiomas, estando
inserido em uma realidade multilíngue, é possível ver essa passagem e/ou
mesmo a Monkey Meat em sua totalidade como um exemplo de obra marcada
por um processo de hibridização cultural.
80
inspirado em Sun Wukong. Inclusive, o protagonista de Dragon Ball tem um
bastão chamado Nyoibō, semelhante ao Ruyi Jingu Bang de Sun Wukong.
Assim como o cajado do Rei Macaco, o Nyoibō também possui propriedades
mágicas e é capaz de se estender e encolher à vontade de Goku. Goku ainda
se transforma na forma oozaru – isto é, um gigantesco macaco - quando a lua
cheia está presente. Nas mãos do King Saru de Monkey Meat vemos também
um bastão, um possível aceno ao objeto mágico de Sun Wukong e Goku,
reforçando a conexão simbólica entre os macacos e esses personagens de
histórias famosas.
81
Figura 4: Capa da edição #1 de Naruto, publicada originalmente pela Shueisha
no Japão, em 1999. Fonte de imagem: KISHIMOTO, Masashi. Naruto #1.
Tokyo: Shueisha, 1999. (Coleção Weekly Shōnen Jump)
Ba hibridiza esses diferentes personagens para para trazer à tona, mesmo que
de forma não intencional, o impacto de produções japonesas no seu trabalho e
na cultura de entretenimento em geral. A edição #2 é em grande parte em preto
e branco, o que se justifica por ser uma homenagem aos mangás, uma das
principais influências de Ba. A própria capa de Monkey Meat #2 também se
conecta com a estética atribuída aos mangás, apresentando Harricot com as
mãos emanando energia, algo bastante comum em produções shounen
(aqueles entendidos genericamente como destinados “para meninos”).
82
Nessa edição em particular de Monkey Meat, Ba cria uma ponte com o
universo dos mangás, incorporando referências visuais e temáticas de
produções bastante populares. O design tanto de King Saru quanto de Haricot,
por exemplo, não é apenas uma homenagem aos personagens clássicos de
mangás “de lutinha”, com suas poses dinâmicas e expressões exageradas. Ele
evidencia como influências podem se cruzar, se mesclar e se reinventar para
configurar novos templos simbólicos.
Referências biográficas
Márcio dos Santos Rodrigues é doutorando em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA), na
linha de pesquisa Arte, Cultura, Religião e Linguagens. Mestre em História pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na linha de pesquisa 'História e
Culturas Políticas' (2011) e licenciado em História pela mesma instituição
federal (2007). Atua também como editor e tradutor de histórias em quadrinhos.
E-mail: marcio.strodrigues@gmail.com
Referências bibliográficas
BA, Juni. Djeliya: A West African Fantasy Epic. Los Angeles: TKO Studios,
2021.
BA, Juni. Djeliya: uma fantasia épica africana. Traduzido por Márcio dos Santos
Rodrigues. Florianópolis: Skript, 2021.
BA, Juni. Monkey Meat: The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.
BRIENZA, Casey (Ed.). Global Manga: “Japanese” Comics without Japan? UK:
Ashgate Publishing, Ltd., 2015.
83
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da
Modernidade. São Paulo: EdUSP, 1990.
SATURDAY-AM: https://www.saturday-am.com/
84
A EXPANSÃO DO ESTILO MUSICAL K-
POP E O ORIENTALISMO CRESCENTE, por
Maria Carolina Stelzer Campos
O surgimento do gênero pode ser atribuído ao grupo Seo Taiji and Boys, um
dos primeiros grupos de K-pop formado em 1992. O seu estilo musical misturou
vários estilos musicais, reformulando a estrutura musical da Coreia do Sul, que
até o momento era voltada para majoritariamente para músicas que possuíam
letras de exaltação do país. O Seo Taiji and Boys trouxe consigo uma das mais
marcantes características do Kpop: o “sistema de ídolos” – que basicamente é
o ato de treinar adolescentes e jovens que desejam ingressar no meio musical
com todo aparato necessário para que eles alcancem o sucesso [CUNHA,
2013].
85
Podemos compreender como as representações do K-pop são moldadas por
discursos e narrativas que têm suas raízes em contextos históricos e culturais
específicos. Essas representações não são fixas ou imutáveis, mas sim
produtos de um processo contínuo de construção e desconstrução cultural
[CHARTIER, 1988]. Ao examinarmos a história cultural do K-pop, podemos
desvendar como as representações ocidentais e orientalistas foram forjadas ao
longo do tempo e, assim, questionar sua validade e impacto na construção da
identidade do K-pop.
86
explorado no livro "História, Espaço e Geografia" de Barros [2017] é muito mais
do que um simples cenário físico; mas sim um lugar de poder e significado,
sendo construído e moldado por relações sociais, políticas e culturais, onde
ocorrem então as dinâmicas de poder.
O Orientalismo
O conceito de orientalismo, conforme apresentado por Edward Said, aborda as
representações e construções culturais do "Ocidente" em relação ao "Oriente".
Said argumenta que o orientalismo é uma forma de pensamento que coloca o
Ocidente como superior e o Oriente como inferior, resultando em estereótipos e
visões distorcidas dos povos orientais e de suas culturas. Essa visão
dicotômica cria uma narrativa de poder, na qual o Ocidente se posiciona como
dominante e civilizado, enquanto o Oriente é retratado como exótico e bárbaro
[SAID, 2007]. Essa perspectiva orientalista não só influenciou as relações
coloniais, mas também continua a moldar as percepções e interações entre o
Ocidente e o Oriente atualmente.
Além disso, Barros [2017] também explora como o espaço é uma arena de
poder, onde se desenrolam dinâmicas de dominação, exclusão e
estigmatização. Os espaços são delimitados e organizados de acordo com
relações de poder, criando lugares de inclusão e exclusão social. Através do
orientalismo, as culturas e povos orientais são frequentemente estigmatizados
e marginalizados, sendo relegados a espaços subalternos na narrativa global.
O orientalismo contribui para a construção de uma identidade do "Outro", que é
visto como diferente e inferior [SILVA, 2014], e, consequentemente, subjugado
pelos valores e normas do Ocidente. Essa dinâmica de poder no espaço
geográfico perpetua visões distorcidas e estereotipadas das culturas orientais.
87
O sucesso global do K-pop é frequentemente retratado como um fenômeno
exótico e oriental, alinhando-se com as representações orientalistas do "Oriente
misterioso" [SAID, 2007] que fascina o Ocidente. O espaço do K-pop é
delimitado e organizado por relações de poder, onde os fãs e seguidores
ocupam um lugar de inclusão e os críticos podem estigmatizar o gênero
musical e seus artistas, encaixando-os em visões preconceituosas de uma
cultura estrangeira e inferior. A Hallyu, embora seja uma forma de expressão
cultural coreana, também é afetada pelas relações de poder e representa um
espaço onde a identidade e a diferença [SILVA, 2014] são construídas e
negociadas entre o Oriente e o Ocidente.
“Quase sem contato com o mundo exterior, ensaiavam 14 horas diárias, com
um só dia livre a cada duas semanas. A indústria do k-pop projeta uma imagem
moderna, saudável e positiva da Coreia do Sul, mas seu sistema de fabricação
de estrelas esconde contratos abusivos, a anulação do indivíduo e condições
sub-humanas.O k-pop nasceu com uma formulação quase matemática: bases
musicais sintéticas de hip hop, rock, eurodance, funk, reggae, techno, disco e
country, com sons africanos, árabes e asiáticos. Sua estética de fantasia de
animação se adaptou ao olhar lascivo do erotismo ocidental. O k-pop, um
híbrido de todos os produtos populares do planeta, é a sublimação da
globalização. Nos Estados Unidos, as estrelas nascem; na Coreia do Sul, são
fabricadas. Mas os que conseguem se formar são máquinas perfeitas de fazer
pop, com uma energia e entusiasmo que jamais fraquejam (as câmeras estão
constantemente voltadas para eles) e coreografias sincronizadas que os fazem
parecer clones digitais. ‘Costumamos praticar danças com pesos de 4 quilos
atados aos tornozelos durante dias, para assim nos acostumarmos a esse peso
e depois nossos movimentos ficarem mais leves ‘
88
ponto fora da curva e algo totalmente inesperado e ruim, entretanto é algo
extremamente comum no meio da dança, utilizado por dançarinos profissionais
e até mesmo pelos não profissionais. Nesse pequeno exemplo é possível
perceber o orientalismo e a reafirmação do Oriente como um local exótico, com
problemas exclusivamente de lá.
Considerações Finais
89
Referências
Maria Carolina Stelzer Campos é mestranda no Programa de Pós-Graduação
em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), e Licenciada em História pela UFES.
90
EM LOUVOR A “JAPONIZAÇÃO”: O ADVENTO
DAS ANIMAÇÕES COMO INSTRUMENTO DE
INFLUÊNCIA NA CULTURA JUVENIL BRASILEIRA,
por Paulo Augusto Balbi de Oliveira
91
Baeta (2016), acaba “constituindo uma grande, por assim dizer, fusão de
situações e caracteres díspares, para se produzir novas formas de cultura”.
Além disso, outra questão que acaba por acarretar no hibridismo, são as
“imagens canônicas” abordadas por Elias Thomé Saliba (2007). Para Saliba,
as “imagens constituem pontos de referência inconscientes, sendo, portanto,
decisivas em seus efeitos subliminares de identificação coletiva. São
imagens de tal forma incorporadas em nosso imaginário coletivo, que as
identificamos rapidamente” (SALIBA, 2007, p. 88). Onde entramos na ideia
de Walter Benjamin (2017), como estes imaginários influenciam no nosso
comportamento, como transmitimos, como vemos a realidade através destes
signos mentais, etc. Essas imagens, muitas vezes produzidas e difundidas
pelo contato com o outro, e, principalmente, pela cultura Pop, acaba por criar
certo imaginário especifico de cada cultura, o que corrobora com o que é
construído e absorvido pelos jovens que, comumente, consomem esses
conteúdos. É claro que dependendo do grau que isso ocorre, tendo em vista
que, segundo Dayrell (2005), é necessário levar em consideração a posição
social dos jovens e suas particularidades em contextos sociais, históricos e
culturais distintos.
Diante dessas questões, podemos pensar ainda mais nas animações, tal
como qualquer produção, contendo certas intencionalidades, afinal, assim
como um fotógrafo tira uma foto de um local especifico que ele quer, também
ocorre isso em quaisquer produções diversas. No caso do Japão, elas não
são diferentes. Segundo Paulo (2019), durante o imperialismo Japonês, sua
expansão e “veiculação de sua ideologia, o Japão investiu tanto no cinema
quanto na animação, tendo em vista seu potencial educacional”, é o período
em que começa a surgir a indústria das animações que traziam temas
referentes à cultura japonesa e construção de uma identidade japonesa.
Essa ideia é percepítivel até os dias atuais, onde temos grande parte das
animações, seja nas próprias histórias e, ou, nas imagens, características
baseadas em mitologias, lendas, histórias e crenças japonesas, como é o
caso do Naruto (2007). Na obra há a utilização da raposa de nove caudas, se
92
referindo às entidades ligadas à mitologia nipônica, como a kitsune (raposa),
as Kyuubi, além de costumes, roupas, termos como “ninja” e diversos outros
fatores, que vão ligar à ideia de imagem canônica no imaginário dos jovens e,
ao mesmo tempo, sustentar a ideia de hibridismo cultural, no qual, parte do
que entra em contato com o indivíduo é absorvido e desvinculado com ideias
prévias advinda de sua própria cultura.
Outra animação, que é possível pensar, é Jujutsu Kaisen (2020), que traz um
tema em sua história e também em sua arte, ligada ao sobrenatural religioso
japonês, o que fortalece ainda mais o imaginário do indivíduo acerca do tema
ou da própria ideia do que é o “Japão”. Além disso, é possível identificar outra
característica comum em todas essas animações, tal como evidencia Neto
(2017, p. 30), “os horrores do nacionalismo na Segunda Grande Guerra
tornam os heróis dos mangás em heróis da humanidade, defensores da paz”.
Há essa característica de heróis e defensores da paz nessas animações
apresentadas, como se fosse um ideal e uma intencionalidade que busca a
se difundir, o que corrobora com a ideia de construção de uma identidade
japonesa e, além disso, acaba propaganda essas ideias para o público
jovem, que acabam sendo influenciadas de modo tão profundos que criam
uma relação entre os consumidores para com o produto, havendo, por
exemplo, a própria idealização dos indivíduos enquanto pertencentes
daquela história, ocorrendo, como uma dessas idealizações, a própria
vontade de customizar-se com a intenção de representar uma personagem
específica, fora a própria influência que esse pensamento acaba
corroborando para a construção do indivíduo em sociedade.
Fonte: https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/brasil-esta-entre-os-paises-que-
mais-assistem-anime-no-mundo/
93
O consumo é tão intenso que, segundo a reportagem da AnmTV (2022), cada
vez mais expande a quantidade de animações dubladas para o português,
especialmente realizadas pelos Streamings. Além desta questão, uma
consequência desse aumento de expressão dessas culturas, é a criação de
eventos de cultura pop, como é o caso do recém criado Campo Geek em
Campo Mourão, Paraná, que surgiu em 2019, sendo a primeira edição do
evento em 14 e 15 de março de 2020 ou da Animes Friends, o mais
expressivo festival de cultura pop asiática da América Latina há pelo menos
20 anos segundo o G1 (2023). É claro que, em grande parte, as redes
televisivas e, atualmente, de Streaming, sendo observado até o presente
momento em diversos catálogos, como a do Prime Vídeo e a Netflix, e
também Streamings próprios, como a Crunchyroll, são as responsáveis por
grande parte da difussão dessa cultura no Brasil, contendo inúmeras
animações japonesas.
94
Com essas características evidenciadas, farei uma análise ainda mais
profunda de duas animações escolhidas, Jujutsu Kaisen (2020) e Naturo:
Shippuden (2007) sendo as mais assistidas em 2022 segundo o site Married
Games (2022), e disponíveis no streaming da Crunchyroll, onde pode nos
ajudar a entender e a evidenciar as características culturais japonesas e
práticas que acabam afetando o imaginário, como, por exemplo, no caso das
imagens canônicas, e as suas influências, como é a questão do hibridismo
cultural, além também de evidenciar, no decorrer das análises, outras
questões que nos ajude a entender sobre esse advento das animações
japonesas no Brasil.
Em uma outra parte da pesquisa, será utilizada como fonte, para se tornar
mais evidente essa relação aos impactos , e, também, a proporção dessas
animações no Brasil, será realizado uma pesquisa em algum colégio da rede
básica estadual, em especial, turmas de ensino médio, de preferência, uma
sala de cada ano (1°, 2° e 3º), de Campo Mourão-PR, procurando
compreender como as animações são representadas e consumidas pelos
alunos, em virtude de seu perfil juvenil.
Referências
Paulo Augusto Balbi de Oliveira é graduando do curso de História da
Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão, e, até o
presente momento, residente do programa da Residência Pedagógica.
Contato: pauloaugustobalbi@gmail.com
Abbade, João. Brasil está entre os países que mais assistem anime no mundo,
2017. https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/brasil-esta-entre-os-paises-que-
mais-assistem-anime-no-mundo/;
95
BRITO, Quise Gonçalves; GUSHIKEN, Yuji. Animê: o mercado de animações
japonesas. Congresso: XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Centro-Oeste. Cuiabá, 8 a 10 de junho, 2011.
FARIA, Mônica Lima de. História e narrativa das animações nipônicas: algumas
características dos animês. In: Actas de diseño, Buenos Aires, v.5, p.150-157,
jul/agosto. 2008.
NETO, Ary Batista. Mangás e Animês: A cultura pop japonesa no Brasil. TCC:
História, pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. São
Francisco, pp. 56, 2017.
96
Regis, Diego. Crunchyroll anuncia novos animes dublados em sua plataforma,
2022. https://anmtv.com.br/crunchyroll-anuncia-novos-animes-dublados-em-
sua-plataforma/;
Sato, Critiane A.. Autora de JAPOP: O Poder da Cultura Pop Japonesa, 2012.
http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/entrevistas/cristiane-a-sato/
SP, G1. 'Anime Friends' comemora 20 anos de festival de cultura asiática com
shows e concursos de cosplay em SP, 2023. https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2023/07/15/anime-friends-comemora-20-anos-de-festival-de-
cultura-asiatica-com-shows-e-concursos-de-cosplay-em-sp.ghtml;
Tabet, Ciro José; Souza, Rosalia Beber de; Baeta, Odemir Vieira. Hibridismo
cultural e identidades nas organizações: uma possibilidade analítica. Revista
Espacios. ISSN 0798 1015. Vol. 37 (N° 34), 2016.
97
CULTURA E DINÂMICA SOCIAL, A PARTIR DA
DISCUSSÃO DO FILME: RAN (1985), DE AKIRA KUROSAWA,
por Rafael Egidio Leal e Silva
98
Desta forma, como relacionar a estória shakesperiana, típica da Inglaterra na
transição do século XVI-XVII, com o Japão Feudal? E ainda devemos
considerar que Ran (1985) é uma obra de arte do fim do século XX, portanto,
guarda ali todas as suas contradições da época e da sociedade que o produziu.
99
Kaede tem em si o desejo de vingança com a destruição completa do clã
Ichimonji. Sue, budista, preferiu o perdão ao sogro. Hidetora, contrariado,
deserda Saburu e divide as terras entre os filhos. Contudo, a previsão de
Saburu se realiza: Taro, influenciado por Kaede, resolve extinguir os privilégios
do pai, fazendo-o assinar um contrato, onde ele abria mão dos privilégios de
Grande Lorde.
100
Que nada vale além do simples nome (...).
HAMLET: A Polônia não há de defendê-la.
O CAPITÃO: Sim, ela já se acha guarnecida.
HAMLET: Duas mil almas, vinte mil ducados,
Não são o preço dessa ninharia!
Esse é o abscesso da paz e da opulência,
Que arrebenta por dentro e não exibe
Qual a causa da morte. (...). (Shakespeare, 2016, p. 463)
Vemos que o valor das coisas já se alterava. Hamlet e o capitão eram homens
do mundo, e sua noção de valor já estava mais ligada ao valor burguês, ao
valor do mercado: se o feudo valesse muito, o sacrifício compensaria. Hamlet
se sentia estranho na corte, onde os valores da nobreza feudal vigiam, e isso o
angustiava profundamente. Com Hidetora acontece o contrário. Seus valores
estavam morrendo junto com ele, e a nova realidade o desesperava. O
momento era, inclusive, de extrema violência. Rejeitado também por Giro (este
mais ambicioso que o irmão Taro), o nobre vai para o terceiro castelo, o que
seria de Saburu. Neste momento, há uma cena tão bela quanto violenta: os
dois exércitos de Taro e Giro se unem para massacrar o que restara ao pai:
seus guardas e suas concubinas, além da morte de Hidetora. Neste momento,
Taro é assassinado por um dos asseclas de Giro, que assume o poder
absoluto do feudo. Hidetora escapa com vida, apenas ele e Koyiomi, o bobo da
corte, mas a insanidade toma conta dele. Um motivo é que seu passado de
carnificina retorna contra ele próprio, e promovida por seus próprios filhos. Este
passado vem na forma dos fantasmas de seus antigos inimigos, que são os
filhos deles, para lhe assombrar, como o irmão cego e mendigo de Sue. Vem
ainda, quando ele se refugia nas ruínas no castelo da família de Sue, que
parece o inferno em sua jornada. Em certo diálogo, diz ao bobo: “Estou
perdido”, e segue a resposta: “É a condição humana”. É interessante notarmos
que em Shakespeare, e que aparece fortemente em Ran (1985), é a loucura
como um desajuste à realidade. Assim como Hidetora, a jovem cortesã Ofélia
de Hamlet (2000), sem conseguir entender as tramas na corte dinamarquesa
que desembocaram na morte de seu pai, Polônio, pelas mãos de seu amado,
Hamlet, enlouquece por não conseguir mais lidar com a transformação social a
que assistia.
Saburu, refugiado com outro Lorde, o Sr. Nobuhiro Fujimaki, retorna ao feudo
Ichimonji com o intuito de salvar seu pai da destruição promovida por seus
irmãos. Giro, também influenciado por Kaede, declara guerra contra um
exército em muito superior ao seu, decretando assim o fim do feudo Ichimonji.
Saburu e Hidetora são assassinados a mando de Giro, destruindo
completamente a família de Hidetora (e finalizando a vingança de Kaede).
O filme irá retratar a violência extrema com que se deu a acumulação primitiva
japonesa. No entanto, no Japão os rumos que essa acumulação tomou foram
totalmente distintos do que o ocidente. Já fizemos referência acerca da
violência que tomou conta do Japão no século XVI. No entanto, vejamos os
resultados dela, segundo a antropóloga cultural Ruth Benedict:
101
“No século XVI a guerra civil tornara-se endêmica. Após décadas de desordem,
o grande Ieyasu obteve vitória sobre todos os rivais e em 1603 passou a ser o
primeiro Xógum da Casa de Tokugawa. O Xogunato conservou-se na linhagem
de Ieyasu por dois séculos e meio e terminou somente em 1868, quando o
‘governo duplo’ de Imperador e Xógum foi abolido no começo do período
moderno. Em muitos sentidos este longo Período Tokugawa constitui-se num
dos mais notáveis da história. Manteve uma paz armada no Japão até a última
geração antes do seu término, pondo em exercício uma administração
centralizada que serviu admiravelmente aos propósitos dos Tokugawa. (...) A
fim de manter este difícil regime, os Tokugawa recorreram à estratégia de
evitar que os senhores feudais, os daimios, acumulassem poder, impedindo
quaisquer combinações entre eles, que viesse a ameaçar o domínio do
Xógum. Os Tokugawa simplesmente não aboliram a organização feudal, como
também, visando manter a paz no Japão e o domínio da Casa de Tokugawa,
tentaram fortalecê-la e torná-la ainda mais rígida.” (Benedict, 2002, p. 56-57).
Desta forma, muito embora seja um regime em decadência, ele foi mantido à
força para garantir a manutenção do poder e da centralidade japonesa.
Conforme esta antropóloga, a Casa de Tokugawa passou a regulamentar
minuciosamente os estratos e a posição social de cada nobre, e também “os
pormenores do comportamento diário de cada casta” (Benedict, 2002, p. 57), e
assim, garantindo a estabilidade necessária ao seu governo. Talvez, antes de
encerrarmos este texto, seja interessante fazermos referência a alguns pontos
levantados por essa antropóloga, acerca da constituição da sociedade
japonesa. Assim ela a caracteriza:
102
antropologia cultural. No entanto, o estudo de Benedict é bastante idôneo, não
só por não ser um estudo etnocêntrico, mas por procurar, através da
materialidade da vida social dos japoneses, definir seu padrão de cultura.
Assim, ela irá definir a cultura japonesa como uma cultura da ordem e da
hierarquia. Os japoneses organizam sua vida dentro desses padrões, de
maneira altamente contraditória, assim como os norte-americanos se
organizaram contraditoriamente dentro do padrão de igualdade e liberdade:
“Qualquer tentativa de entender os japoneses deverá começar com a sua
versão do que significa ‘assumir a posição devida’.” (Benedict, 2002, p. 43).
Referências
Rafael Egidio Leal e Silva é professor Me. de Sociologia do Instituto Federal do
Paraná Campus Umuarama.
MARX & ENGELS. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
103
A PARATOPIA CRIADORA NO DRAMA BL HAPPY ENDING
ROMANCE e Vitória Ferreira Doretto e Júlio Cézar de Souza
Tema dos temas em diversos campos do saber [Salgado, 2020], inclusive (ou
talvez, principalmente) quando tratamos de questões editoriais, a autoria não
poderia não ser problematizada em um K-drama com um recorte singular do
funcionamento do mercado editorial como pano de fundo. Desta forma, neste
texto propomos tecer uma breve análise sobre a autoria dos personagens Cha
Jung Woo e Kim Jung Hyun, dois dos personagens principais no K-drama de
boys love (BL) “Happy Ending Romance” (no original, 펜스 밖은 해피엔딩 e em
tradução livre, Romance com Final Feliz), a partir do conceito de paratopia
criadora [Maingueneau, 2006].
“Cha Jung Woo poderia ter um futuro brilhante como escritor, se tivesse
conseguido ficar em silêncio depois de testemunhar a corrupção entre seus
superiores. Infelizmente, ao optar por falar contra o comportamento
inescrupuloso, Jung Woo essencialmente encerrou sua carreira antes mesmo
de começar. Pelo menos é assim que as coisas teriam acontecido, se Kim Jung
Hyun não tivesse escolhido ficar ao lado dele.
Uma das estrelas mais brilhantes do mundo literário, Jung Hyun não se assusta
com a reputação manchada de Jung Woo e oferece a ele um refúgio para
reconsiderar seu futuro. Fortemente protetor de seu jovem amigo, Jung Hyun
fica mais do que um pouco cauteloso quando Jung Woo é abordado pelo jovem
editor empreendedor, Han Tae Young. Acreditando firmemente que Jung Woo
deve voltar a escrever, Tae Young está preparado para arriscar seu futuro ao
fazer isso, e faz a Jung Woo uma oferta que ele não pode recusar. Mas Jung
Hyun não está convencido de que os motivos de Tae Young sejam totalmente
nobres.
104
Alimentado pelo ciúme e desconfiança, Jung Hyun tenta manter Jung Woo
longe do ambicioso editor; mas apesar de todos os seus esforços, Jung Woo
parece incapaz de resistir aos muitos encantos de Tae Young. Dividido entre o
escritor que ele admira e o editor que ele não consegue resistir, onde o coração
vacilante de Jung Woo irá parar?” [MyDramaList, 2022]
105
forma de gestão, um funcionamento que pode também ser ficcional — e por
isso podemos tratar da autoria dos protagonistas de “Happy Ending Romance”.
“toda autoria se define balizada por duas posições que, extremadas, assim se
apresentam: a glamourização de um gênio absoluto e a dissolução de qualquer
fonte criadora. No primeiro caso, cultiva-se a ideia da inspiração dos eleitos; no
segundo, o trabalho dos comuns. Nas práticas editoriais, o que se passa é a
administração do jogo entre essas posições: a autoria é um ponto nodal numa
rede.” [Salgado, 2020, p. 40]
Assim, uma obra é feita por muitos atores dentro de um longo processo e a
autoria está no início dessa feitura. E, ainda, todo autor precisa responder por o
que escreve, pois:
“a autoria está sempre ligada a uma autorização para dizer, conferida pela
possibilidade de atestar a fonte do dizer. A legitimidade do que se diz está,
assim, atrelada a um entendimento consensuado numa dada comunidade ou
sociedade (a escala de reconhecimento é variável), conforme suas formas de
testificação ou seus sistemas de consagração.” [Salgado, 2020, p. 40]
106
Figura 1 – Nó borromeu representando as instâncias de autoria
Fonte: adaptado de Salgado [2010].
107
Figura 2 – Instâncias de autoria de Cha Jung Woo como autor promissor
Fonte: Elaborado pelos autores.
108
Quanto a Kim Jung Hyun, no começo da história temos uma ideia geral de que
sua carreira está consolidada e que além de ter popularidade com os leitores,
também é bem conhecido e reconhecido por seus pares no meio literário e
goza de boa reputação e muitos contatos na indústria literária. Da mesma
forma, enquanto as obras de Cha Jung Woo eram publicadas com seu nome
na capa e era ele quem aparecia nos eventos de lançamento e autógrafo, sua
popularidade aumentou e sua autoridade como escritor também. Sendo assim,
na representação de suas instâncias de autoria (Figura 4), a instância escritor
se sobressai. As instâncias inscritor e pessoa não são abordadas nessa
ocasião, de forma que suas representações são menores em relação à
representação de escritor e são do mesmo tamanho.
Ainda sobre o nome de Kim Jung Hyun em obras de Cha Jung Woo, é
interessante notar que depois da primeira obra publicada a popularidade de
Kim Jung Hyun aumenta, mas o editor que deseja publicar as histórias de Jung
Woo consegue observar, ao "estudar" o texto, diferenças de escrita. Essa é
uma das poucas, senão a única, indicações sobre o “fazer do texto” para este
autor, pois mostra que as marcas de estilo de escrita, mesmo sendo tratadas
ou revisadas, se mantém em uma "versão final" (e neste caso apontaram para
Cha Jung Woo e não Kim Jung Hyun).
Depois de Cha Jung Woo decidir voltar a escrever e publicar com seu próprio
nome e de Kim Jung Hyun decidir recomeçar sua carreira, sem precisar do
109
peso de ter seu nome em obras que não são suas, e vendo suas relações
pessoais com o próprio Cha Jung Woo e com um professor importante da
universidade em que estudou que se torna editor de uma grande casa
publicadora, suas instâncias são modificadas.
No fim do drama, sua reputação como autor não mudou, de forma que sua
instância escritor ainda é proeminente, mas sua instância pessoa ganha mais
espaço, com suas relações e características de personalidade (como o
desconforto por ter seu nome publicado nos livros de Cha Jung Woo ou a falta
de outros amigos próximos) — entretanto, sua instância inscritor segue menor
em relação às outras instâncias pela falta de informações sobre seus ritos de
escrita.
“Numa síntese bastante ligeira, se poderia dizer que o gesto inscricional, isto é,
a tomada de palavra ou a enunciação, se se quiser, dispara a conjugação
dessas três instâncias: justamente porque há um texto ensejando vida pública,
é que todo o aparato de constituição desse lugar de criação ganha uma vida
potencial, que pulsará em dinâmicas conjunturais específicas e, portanto,
nunca modelarmente.” [Salgado, 2016, p. 10]
Com isso, queremos dizer que uma autoria é formada não apenas por uma
ideia de um “gênio escritor”, mas por diversos aspectos que se convergem num
objeto final (as obras) e:
110
autoria se produz, às vezes até apagando seu processo de produção.
Conhecendo x, entendemos de que modo uma obra dá sustentação a uma
autoria e a projeta (ou procura projetar) para este ou aquele panteão” [Salgado,
2020, p. 43-44]
Ainda, é importante ressaltar que, ainda que seja uma obra audiovisual de
ficção, “Happy Ending Romance” propõe uma construção de enredo e
ambientação próxima, mimética, da realidade das casas editoriais sul-
coreanas. Desta forma, apesar de ficcional, usá-la como recorte para análise
da gestão de autoria transpassado por relações de poder, seja de
conglomerados ou da opinião pública, nos permite, ao menos, compreender as
dinâmicas e observar as modificações nas instâncias da autoria. Ficcionais ou
reais, estas dinâmicas de autoria se estabelecem da mesma forma.
Por mais que não apareça de forma alguma, o escritor-fantasma (Cha Jung
Woo) possui uma gestão de autoria que difere de autores que publicam seus
próprios textos sob pseudônimos. Com os segundos, a pessoa que escreve e
publica se mantém a mesma, o que não ocorre no primeiro caso. Neste caso, o
autor, Kim Jung Hyun, que não é o escritor neste momento da narrativa, mas
assina os textos de Cha Jung Woo, possui uma gestão de autoria mais focada
na sua gestão enquanto partícipe ativo do mundo literário. Por fim, este recorte
nos permite compreender como a paratopia criadora é constituída no “nome
final”, ou melhor, o nome que assina o texto.
Referências
Ma. Vitória Ferreira Doretto é doutoranda e mestra em Estudos de Literatura
pela Universidade Federal de São Carlos, integrante do Grupo de Pesquisa
COMUNICA - inscrições linguísticas na comunicação, do Laboratório de
Escritas Profissionais e Processos de Edição e pesquisadora associada à
111
Curadoria de Estudos Coreanos da Coordenadoria de Estudos da Ásia da
Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: vitoriaferreirad23@gmail.com.
Júlio Cézar de Souza é graduando em Licenciatura plena em Letras -
Português/Inglês pela pela Universidade Federal de São Carlos, integrante do
Grupo de Pesquisa COMUNICA - inscrições linguísticas na comunicação, do
Laboratório de Escritas Profissionais e Processos de Edição. E-mail:
cezar.julio.a@gmail.com.
SALGADO, Luciana Salazar. Autoria. In: RIBEIRO, Ana Elisa; CABRAL, Cléber
Araújo (Org.). Tarefas da Edição. Belo Horizonte: Impressões de Minas; LED,
2020. Disponível em: http://www.letras.bh.cefetmg.br/wp-
content/uploads/sites/193/2019/10/Tarefas-da-Edic%CC%A7a%CC%83o-
arquivo-digital-07-10-20.pdf
112
A INFLUÊNCIA DOS MANGÁS E ANIMES NO UNIVERSO
JUVENIL BRASILEIRO DE LEITURA, por Wagner Pereira de
Souza e Rosete Lopes França Maciel
Discussão inicial
Os Mangás são escritos de origem japonesa que se assemelham às Histórias
em Quadrinhos (HQs). Segundo definições, essa representação é considerada
como uma subliteratura ou para-literatura que não chega a constituir totalmente
um "gênero textual" propriamente dito em virtude da pluralidade de
transfiguração dentro de outros gêneros, tanto possível quanto imagináveis, a
exemplo da comédia, do terror, do drama, a ficção científica, entre outros, mas
que fidelizou o gosto de muitos jovens brasileiros que se tornaram potenciais
consumidores desse produto oriundo deste país asiático, o Japão. Configurado
e organizado com características acessíveis, nos mangás a leitura é realizada
da direita para a esquerda e traços comuns nessa produção são os de os
personagens de olhos grandes, às vezes, bochechas avantajadas e com traços
voltados para a expressão oriental.
“Os mangás, por sua vez, são histórias em quadrinhos nipônicas. Eles também
são repletos de características próprias, sendo eles, em sua grande maioria,
pintados com nanquim em preto e branco e impressos em papel jornal. Mesmo
não sendo uma animação, seus quadros sequenciais são repletos de
movimentações e onomatopeias, se comparados ao estilo americano.”
[Santoni, 2017, p. 11] Nesse sentido, observa-se que a acessibilidade à leitura
desse material é um fator que favorece a sua procura e também por se
apresentar num formato que fideliza o gosto dos leitores, inclusive os jovens e
adolescentes. Desse contexto depreende-se que por esse motivo essa
produção se torna tão lida entre a juventude.
Acrescido a essa questão, faz-se importante observar que, uma vez imergido
nesse universo, por menos que pareça, há também um processo de
modificação da realidade produzida por meio dessa leitura em diversos pontos
da vida desses leitores cumprindo assim o papel da literatura que é o de
provocar mudanças na vida daquele que a consome. Por isso mesmo que é
proeminente destacar que,
113
na internet, essas relações descontroem certas ideias pré-estabelecidas e
assim, surgem novas percepções de mundo.” [Santoni, 2017, p. 20]
Do mesmo modo, faz parte desse universo também outras contribuições que,
talvez mesmo de forma implícita fideliza a mente do leitor por aspectos da vida
real como “(...) a influência moral e ética que é passada para o público, pois a
maioria destes produtos possuem em seu enredo, mensagens repletas de bons
valores como amor, persistência, busca por um sonho, amor e vários outros. E
mesmo os mais violentos tem alguma mensagem no contexto.” [Santos, 2020,
p. 14]
114
correspondência intuitiva. Dito de outra maneira, é quando o leitor vê nos
escritos possibilidades reais que se assemelham com as da realidade.
“Após a leitura sobre a força que os quadrinhos japoneses possuem diante dos
jovens no país, é necessário refletir sobre o aspecto principal de seu sucesso
no Brasil. Podemos citar a linguagem atual e jovem, ou o estilo diferenciado no
desenho, na leitura. Ou os temas abordados, políticos, sexuais, românticos,
dramáticos, que abrangem o público em gostos e idades. Como hipótese,
atrevo-me a ressaltar a humanidade de seus personagens, como já citado
anteriormente. O fato de não serem somente super-heróis fortes, bravos, quase
sem pontos fracos, aproximam o personagem de seu leitor. Que pode, por
vezes, se identificar com o herói escolhido. Como um reflexo, um espelho,
tendo em vista que, todo adolescente quer ser como seu herói predileto. O
mangá proporciona isso. Personagens que choram, riem, comentem erros,
brigam, xingam, se iludem, fazem com que essa fase de confusão,
insegurança, na cabeça de um adolescente, não pareça tão assustadora,
exclusiva ou errada. Mostra que todos possuem dúvidas e medo, sem deixar
de ser, obviamente, forte, justo, e corajoso em alguns momentos. As meninas,
que são geralmente excluídas ou objetificadas nos quadrinhos tradicionais,
também possuem referencias positivas no mangá, com histórias exclusivas ou
temas mais apreciados voltados paras as mesmas.” [Brasil Escola, 2018, p. 11]
Dessa forma, através do sucesso dos Mangás, alguns deles foram deportados
para outro tipo de mídia, a exemplo do áudio visual, sendo o Astro Boy o
primeiro Anime a ser transmitido nas televisões japonesas em 1963, baseado
115
na obra de Osamu Tezuka, que com esse marco, essas animações
começaram a ser uma forma de entretenimento frequente no Japão. Assim,
com o sucesso dos Animes no Japão, os vários já escritos e animados pelos
japoneses, começaram a ser comprados e transmitidos nas televisões:
estadunidenses e europeias a partir do início do século XXI, iniciando a fase de
ouro dos Animes. [Sato, 2007]
O sucesso dos Animes pode ser atribuído pela sua forte carga cultural, pois há
um fascínio pela cultura asiática, um fenômeno que pode ser percebido pelo
crescimento dos Mangás, em que, cada Anime, assim como os Mangás sobre
os quais são baseados, têm seu estilo, o que intensifica sua identidade e, isso
os tornam mais populares. Neste contexto, observa-se que o público dessa
modalidade, costuma gostar tanto dos Mangás como dos Animes, pois ambos
possuem aspectos semelhantes. Como afirma [Nagado, 2007 apud Batistella,
2014, p. 96], quando explica que “a popularidade devastadora e definitiva do
Anime, juntamente com o fanatismo ligado a esse suporte de leitura, permitiu a
veiculação de um número cada vez maior de animações japonesas na
programação das redes de televisão do mundo.” Deste modo os textos de
Dragon Ball, Naruto, Dragon Ball Z, Sailor Moon, Yuyu Hakusho e Pokémon,
fizeram parte dos suportes de leitura mais consumidos na década de 80 e
90.
116
Isso promove uma reflexão sobre a importância desse tipo de texto incluído
nas diversas culturas de diferentes países, pois como descrito, contribuem
para a construção de aspectos positivos no desenvolvimento humano e nas
suas relações sociais.
De acordo com [Cândido, 1968 apud Batistella, 2014, p. 152], observa-se que,
Considerações finais
Através das pesquisas realizadas observou-se que tanto os Mangás quanto os
Animes são grandes influenciadores para um grande número de leitores tanto
em solo brasileiro quanto em todo o mundo. De origem asiática, os mesmos
contribuíram e continuam contribuindo para que a prática leitora se torne cada
dia mais constante, principalmente entre os mais jovens, tendo em vista o
gosto deles por histórias de ficção dos mais variados tipos. Em especifico, os
Animes, apesar de ser no formato áudio visual, contribuem para o incentivo à
leitura, pois, sua vinculação em diversas plataformas, contribui para a
disseminação das leituras impressas dos Mangás. Deste modo, pode-se
concluir que, os Mangás e os Animes têm grande influência no universo juvenil
para leituras.
Referências biográficas
Wagner Pereira de Souza é professor efetivo de Língua Portuguesa da
SEDUC/MT, Mestre em Letras pelo PPGLetras/UNEMAT, possui
Especialização em Coordenação Pedagógica e Língua Portuguesa, Oratória e
Redação, ambas pela FAEL – Faculdade Estadual da Lapa, Graduação em
Letras com fulcro em Português e suas respectivas Literaturas pela UNIR –
Universidade Federal de Rondônia.
117
Rosete Lopes França Maciel é Mestranda pelo PROFEI/UNEMAT - Mestrado
Profissional em Educação Inclusiva, Pós-Graduada em Alfabetização e
Letramento pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER, possui
Licenciatura plena em Pedagogia pela Faculdade de Itaituba/PA, é professora
concursada da SEDUC/MT, atuando nas series iniciais do Ensino
Fundamental.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Adriana; CARLOS, Giovana Santana. Caracterizando o “estilo
mangá” no contexto brasileiro: hibridização cultural na Turma da Mônica
Jovem. Vozes & Diálogos - Itajaí, v. 12, n.1, jan./jun. 2013 – disponível em:
file:///C:/Users/PC/Downloads/praxedes1974,+04.+Amaral.pdf – Acesso em: 11
de mai. de 2023. [Artigo]
ROSA, Sara Carulina Silva da. Anime: do Japão para o mundo, 2017.
Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/artenosul/2017/11/13/anime-do-japao-
para-o-mundo/ - Acesso: 12 de mai. de 2023. [Artigo]
SANTOS, Nilson. Por que mangás e animes fazem tanto sucesso? – 2020.
Disponível em: https://skdesu.com/por-que-animes-fazem-tanto-sucesso/ -
Acesso em: 11 de mai. de 2023. [Artigo]
118
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/24480/1/2017_PabloRodrigoSantoni.
pdf - Acesso em: 11 de mai. de 2023. [Revista]
119
UMA SIMULAÇÃO À EGÍPCIA: ANÁLISE DO DESFILE
DOURADO À LUZ DE BAUDRILLARD, por Allyson Afonso dos
Santos Silva e Hannah Cabral Dantas de Barros Teixeira
Ato I: Introdução
Os últimos 3 anos foram recheados de eventos, produções e discussões que
movimentaram a área para curiosos e interessados em História Antiga, ou,
mais particularmente, na História do Egito Antigo. Em 2021, tivemos a
Pharaoh’s Golden Parade (Desfile Dourado dos Faraós), em ocasião da
transferência de 22 governantes mumificados dos períodos faraônicos para o
Museu Nacional da Civilização Egípcia; The Grand Opening of the Sphinx
Avenue in Luxor (A Grande Abertura da Avenida das Esfinges em Luxor), em
comemoração à abertura ao público da antiga Avenida das Esfinges, que liga
os templos de Luxor e Karnak; mas também comemorações de datas caras a
Egiptologia, como os 200 anos desse campo de estudos e 100 anos da
descoberta da tumba do faraó Tutancâmon, ambos em 2022.
120
focou em elementos simbólicos do desfile, contextualizando-os em meio a
teoria do orientalismo de Edward Said.
121
gloriosa história dos militares egípcios ao longo dos tempos. A sequência
começa com um relevo de batalha ao estilo do Reino Novo, mostrando o
poderoso rei em sua carruagem, descendo e atirando em inimigos estrangeiros
com seu arco”. [LANGER. 2015, p.253]. E é como um passado a serviço do
presente que Pharaoh’s Golden Parade se insere.
122
predominantemente azuis, os olhos marcados e adereços dourados que em
muito remeteram a ideia popular de uma vestimenta egípcia [O GLOBO, 2023,
s/p]. Bastava uma imagem, e o ideário popular construído por grandes filmes
como Cleópatra [1963], faria o espectador associar aquele momento a um
passado do Egito antigo, agora vivo, pulsante e mais uma vez deslizando pelos
bancos orientais do Nilo estavam egípcios a acompanhar seus faraós e suas
rainhas.
123
enquanto se afirma como detentor legítimo do legado faraônico? Como o
desfile se encaixa nesse propósito? Para tentar responder a estes
questionamentos, vamos nos apropriar e discutir os conceitos de Simulação e
Simulacro, formulados pelo autor.
124
Entretanto, assim como a Simulação de Jean Baudrillard não demanda
exatidão e fidelidade, apenas algum vínculo ao Real, a performasse descrita
não propõe a exatidão, mas a referência. Uma vez que “[...] o posicionamento
dos corpos na arte oficial do Reino Novo não objetivava retratar movimentos,
mas deixar visível o máximo dos membros dos corpos representados, sem
sobrepô-los nem os esconder” [LÉLIS, 2021, p.114]. A iconografia não
representa dança, mas torna-se. Um Simulação inexata não necessariamente
ocorre como erro ingênuo, mas como adaptação com fins artísticos, ideológicos
ou, mesmo, políticos. Nos atentemos ao que aponta Lélis:
125
para além da narrativa, discurso ou do mito. E é esse ideal que se tem em vista
materializar, tornar real.
Ato V: Encerramento
Na velocidade da era tecnológica moderna, as transmissões simultâneas em
diferentes línguas, a cobertura jornalística, os turistas, as fotos e as redes
sociais, permitiram ao Desfile Dourado dos Faraós percorrer muito mais que os
7 quilômetros entre museus. Ele percorreu o mundo, mas não sozinho. A
escolha de locais, figurinos, músicas, do que foi dito, assim como das pessoas,
visou criar imagens específicas sobre o Egito, buscou-se criar discursos.
Esses, não apenas como falas sobre a realidade, mas como tentativa de
instituir um real. Uma realidade hiper-real, pois não mais é ancorada no Egito
original, no passado, mas em um discurso sobre esse. Um Simulacro.
A partir desse, o Egito moderno tenta, assim como fez a França quando do
surgimento da ciência egiptológica, parafraseando Langer, inserir-se em uma
tradição da “outrora grande” civilização egípcia. A partir de uma suposta missão
de restaurar o país à grandeza ancestral. [LANGER, 2021, p. 247]. Essa busca
visa fazer encontrar o Egito do presente, com o Egito do passado idealizado.
Visa exaltar o nacionalismo e fazer entender-se, diante dos observadores
externos, herdeiro digno e legítimo do legado faraônico. Cunhar linearidade
entre o passado islâmico e o passado dinástico, passando, entre eles, pelo
passado dos cristãos egípcios, coptas. Cunhar bons termos, políticos e
turísticos com oriente e ocidente para, por fim, transformar o Egito “Eterno”, o
“Orientalizado” e o “Outrora Grande” em um novo Egito “Real”.
Referências
Allyson Silva é mestrando em História e Espaços pelo programa de pós-
graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), bolsista CAPES (2023-2024). Licenciado e bacharelando em História
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
CARMO, Mayara. Egito nos holofotes do Mundo com o Desfile de Ouro dos
Faraós. Site Vida no Egito. [S.L.], 2021. Disponível em:
https://vidanoegito.com/2021/04/07/egito-nos-holofotes-do-mundo-com-o-
desfile-de-ouro-dos-faraos/. Acesso em: 28 jul. 2023
COSTA, Márcia Jamille. Egito dará aulas de hieróglifos para alunos do ensino
fundamental e médio. Arqueologia Egípcia, 16 Abr. 2021. Disponível em:
126
http://arqueologiaegipcia.com.br/2021/04/16/egito-dara-aulas-de-hieroglifos-
para-alunos-do-ensino-fundamental-e-medio/ . Acesso em: 28 jul. 2023.
O GLOBO. Veja como foi o desfile dourado dos faraós pelas ruas do Cairo
capital do Egito. 08 abril 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/boa-
viagem/veja-como-foi-desfile-dourado-dos-faraos-pelas-ruas-do-cairo-capital-
do-egito-24960589. Acesso em: 28 jul. 2023
127
PIRES, Rafael dos Santos. O mito do Egito Eterno: desenvolvimento
acadêmico, impactos políticos. Faces da História, Assis/SP, v.6, nº2,
jul./dez.,2019, p. 290-311.
128
A SERPENTE ORIENTAL: HISTÓRIA, CULTURA E SIMBOLISMO
NA DANÇA DO VENTRE, por Tanya Mayara Kruger
129
norte da África, e que era usada por mulheres desde a antiguidade. A autora
(1989, p.32) afirma que:” É quase certo que essa dança tinha conexões com
ritos de fertilidade e também com alguns movimentos feitos durante o parto,
para ajudar no nascimento da criança.”
Além disso, uma outra consequência é que homens até hoje são proibidos de
atuar profissionalmente como dançarinos de dança do ventre, sendo liberados
para atuar nessa profissão apenas como instrutores (ASSUNÇÃO, 2021).
De acordo com Assunção (2021), quando o Egito foi invadido pelos europeus
no século XIX, o governo de Muhammad ‘Ali Pasha lançou uma lei que impedia
apresentações públicas de dança no Cairo e em Alexandria. Desse modo, a
dança milenar foi estigmatizada. Acerca da dominação no Egito segundo o
estudioso Abel- Malek (2010, 402): “a imitação do Ocidente era vista, com
alegria, como uma operação de superfície – um espelho do ser possível, já que
não podia se tratar de um possível atualizável: a vestimenta; o urbanismo; a
música sob a forma de ópera, mas também de composições militares; o teatro,
sobretudo; esboços de romance.”
Para Malek (2010), o mundo ocidental era o modelo a ser seguido, sua cultura,
sua arte era o paradigma historiográfico a ser seguido. Para o autor (2010,
p.402): “a expressam os ditados, os provérbios e os costumes, era impregnada
por um sentimento de usurpação.” De acordo com a autora, é a partir do
imperialismo europeu que surge a raqs sharqi, que significa “dança oriental”,
130
para assim, se distinguir das danças ocidentais. A raqs sharqi era praticada em
casa de entretenimento no Egito no século XIX.
Um dos elementos orientais que mais causavam interesses dos europeus era o
harém. Vale frisar que, o harém nada mais é do que o espaço reservado à vida
íntima, familiar, seja num palácio ou numa casa comum, um ambiente
familiar na qual outras pessoas não podiam entrar Assunção (2021).
Entretanto, de acordo com Fernanda de Camargo-Moro (2012), o harén será
visto pelo europeu como um lugar de sexualidade.
Ainda segundo Dib (2018, p04), sobre as odaliscas, ele afirma que elas
chegam muito novas ao harém e logo, recebem um treinamento. “ Este
treinamento incluía modos, etiqueta, leitura do Alcorão, bordado, tecelagem,
poesia, música, dança. Ao contrário daquelas retratadas reclinadas à espera de
alguém, sabe-se que as odaliscas tinham suas ocupações e também suas
ambições.”
131
Desse modo, a autora defende que a imagem que foi propagada a certa da
figura da Odalisca, nada mais é do que uma visão eurocêntrica distorcida. De
acordo com Metin Nad (1989,p.93), historiador da dança turco, que resume de
forma precisa os desafios e perspectivas de se estudar a dança oriental a partir
de fontes ocidentais, segundo o autor: “Fontes turcas oferecem pouca
informação em relação a dançarinos e dançarinas. Isto porque a dança era
considerada, por muitos escritores do passado, como um esporte impróprio e
imoral, especialmente quando praticado por mulheres e garotos profissionais.
Ainda de acordo com o autor, Ned (1989, p.93):”por outro lado, viajantes
estrangeiros deram muita atenção a este tópico em seus livros e, apesar de
enfatizar a moralidade frouxa e o caráter obsceno da dança, eles não podiam
esconder de suas descrições seu interesse, que lhes tirava o fôlego, em
relação a estas performances.”
Vela ressaltar que o cinema também teve grande propagação da cultura árabe
ao ocidente. Programas de Tvs e filmes retratam a imagem das dançarinas de
dança do ventre como figuras sensuais, com roupas que são consideradas
“exóticas” e muitas vezes, até mesmo vulgares.
132
Fuego. Mesmo não sendo uma dançarina propriamente dita de dança do
ventre, Luz Del Fuego utilizava serpentes em suas apresentações, na qual
dizia que foi inspirada em sacerdotisas da Macedônia.
Apesar de ser uma ativista política e também ecologistas, devido a “má fama”
criada pela dança que tinha poucas roupas ou mesmo nenhuma, tendo em
vista que Fuego foi a primeira bailarina a se apresentar nua no Brasil, ela
acabou no ostracismo de uma sociedade regida pelo patriarcado, tendo em
mente que nesse contexto, uma mulher dançar com poucas roupas, levava um
processo de estigmatização social, bem como a errônea ideia que essas
mulheres são sedutoras e de certa forma, oferecem perigo pra a ordem
estabelecida. Logo, assim como Luz Del Fuego, muitas dançarinas de dança
do ventre também sofriam as represálias de um sociedade marcada pela
dominação masculina e por padrões sociais altamente demarcados.
DIB, Marcia. Música Árabe: expressividade e sutileza. São Paulo: Ed. do autor,
2013.
133
MONTEIRO, Maria Conceição. Figuras errantes na Época Vitoriana: A
preceptora, a prostituta e a louca. Revista Fragmentos, Volume 8, nº 1.
Florianópolis: UFSC, juldez / 1998. P. 61 – 71. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/viewFile/6038/5608
134
SERPENTES ALADAS, DRAGÕES E OUTRAS DIVINDADES: UM
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS DEUSES
MESOAMERICANOS E OS DRAGÕES NA MITOLOGIA
CHINESA, por Luiz Vinicius Rodrigues dos Santos
Introdução
Apesar de os símbolos serem condicionados ao espaço e à cultura em que
surgiram, as culturas chinesa e mesoamericana possuem muitos atributos
semelhantes na construção iconográfica de algumas divindades. As
similaridades e disparidades entre esses dois extremos permitem compreender
as interseções nas imagens de suas divindades, os motivos por trás dessas
iconografias e o contexto ritualístico em que estão inseridas.
Atributos felinos
A Entrada de caverna em Chalcatzingo (Imagem 1) trata-se de uma
representação da divindade felina, esculpida em pedra. A entrada da caverna
apresenta, em baixo-relevo, a representação da boca de um jaguar. Essa
entrada, por si só, carregada diversos simbolismos. Em primeiro lugar, destaca-
se o Culto às Cavernas, pois para os mesoamericanos, as cavernas e grutas
eram considerados lugares sagrados, espaços de transição para o mundo dos
mortos, o que evidencia a importância do culto para sua cultura. As entradas de
grutas e cavernas eram adornadas com relevos de boca de jaguares, sendo a
boca do jaguar um canal simbólico de morte. Isso evidencia a importância do
135
jaguar para as culturas mesoamericanas e seu valor nos ritos do
animismo/xamanismo.
136
Como é possível observar, é fácil identificar a presença de um felino na
composição. No entanto, sua construção também apresenta elementos que, de
certa forma, remetem a um dragão chinês, como seu bigode, círculos ao redor
dos olhos, presas e "sobrancelhas" (Imagem 2).
Serpentes e hirbridismos
Fazendo a transição entre mundos, céus e terras, as serpentes também estão
vinculadas às entidades nas culturas mesoamericanas. Na "Pirâmide de
Serpente Emplumada" estão representadas duas divindades importantes:
Quetzalcoatl e Tlaloc.
137
A serpente emplumada, que dá nome à pirâmide, é Quetzalcoatl (Imagem 3).
Essa divindade está associada à movimentação das águas nos céus, como
chuvas, ventos e tempestades, e sua narrativa está em diálogo com Tlaloc,
responsável pelas águas terrestres. Uma forma de entrar em contato ou se
aproximar de Quetzalcoatl era por meio do Culto às Montanhas, que
simbolizavam a ligação com o céu e a importância das chuvas. Considerando
que a agricultura era crucial para a economia e a vida das sociedades
sedentárias, era comum a adoração e o respeito aos deuses ligados às águas
doces (GENDROP, P. 1987).
Assim como na iconografia do tigre, detalhes como aros ao redor dos olhos e
“sobrancelhas” proeminentes aproximam as criaturas. Outro detalhe que
chama atenção na escultura de Quetzalcoatl na pirâmide é sua arcada
dentária, em vez de duas presas salientes, apresentando dentes semelhantes
aos de um felino. Além disso, a presença de um nariz “achatado”, que não se
assemelha às narinas de um réptil ou ave, remete ao nariz de Lung, embora o
dragão chinês seja conhecido por ter uma cabeça semelhante à de um camelo,
conforme a iconografia analisada pela revista Macau. (DRAGÃO CHINÊS…,
2013)
138
sacerdotes trajados em homenagem à deidade, lançando sementes ao solo
(Imagem 5).
139
Imagem 6: Vaso com relevo de motivo de máscara animal (taotie). Esse vaso
foi encontrado no interior da muralha da China. Datação entre as Dinastias
Shang e Zhou ocidental, 21.4 x 16.4 x 16.2cm.. Brooklyn Museum.
Disponível em: <Brooklyn Museum>.
140
O conhecimento do ciclo da chuva e da interconexão dos elementos da
natureza é comum a ambas as culturas abordadas aqui. Nas lendas chinesas,
atribui-se o nascimento dos quatro rios mais importantes da China aos
dragões: Heilongjian (Rio Negro), Huanghe (Rio Amarelo), Changjiang
(Yangtze, ou Rio Comprido) e Zhujiang (Pérola). Esses quatro dragões, vendo
o sofrimento dos humanos por falta de comida devido a um longo período de
seca, procuraram o Imperador Jade para pedir que ele enviasse chuva para as
pessoas. Apesar de ter prometido aos dragões, o Imperador Jade não cumpriu
com sua promessa .
141
Imagem 8: Peitoral, em forma de serpente de duas cabeças. Cultura Asteca-
Mixteca, 1400-1521, México, turquesa; madeira de cedrela; Concha de ostra;
concha; resina de pinho; copal; cera de abelha; hematita 20.30x43.30x5.90 cm.
Britsh Museum.
Disponível em: <British Museum>.
142
Imagem 10: Vaso com motivo de lótus e dragão em vidrado azul. Dinastia
Ming, 1403-1424. Porcelana. Alt. 42.9 cm; diâmetro 9.7 cm; diâmetro da base
15.8 cm.
Disponível em: <National Palace Museum>.
143
Imagem 11: Estela Lanzón. Cultura Chavín 900-200 AEC. Chavín de Huantar,
Peru.
Disponível em: <Lanzón Stela>.
144
O hibridismo com anfíbios ou répteis é uma característica comum na
construção iconográfica dessas divindades. Isso ocorre porque as
características dos deuses estão diretamente relacionadas a situações
concretas das sociedades mesoamericanas, conferindo-lhes sentido apenas
dentro daquele contexto. Alguns “símbolos” são facilmente associados, não
sendo surpreendente que o Quetzalcoatl, deus dos céus e controlador de
ventos e tempestades, possua atributos de ave, enquanto a representação da
serpente está ligada à dimensão mística do xamanismo, uma vez que as
serpentes simbolizam a magia e os feitiços.
Considerações finais
Para além do que a China e a Mesoamérica transformaram em símbolos e de
todo o significado místico-religioso empregado, as histórias por trás desses
símbolos encontram interseções entre as narrativas rituais e iconográficas.
145
As ideias de Eliade atendem aos tensionamentos que as práticas místicas
mesoamericanas fazem com os limites do conceito de xamanismo, uma vez
que as religiões não são conceitos quadrados, sólidos e estáticos.
Referências
Luiz Vinicius Rodrigues dos Santos é bacharel em História da Arte pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e co-coordenador do Grupo de
Estudos em Arte Asiática (GEAA). [luizvrs21@gmail.com]
Dragão Chinês (Lung). 2013. Disponível em: <Dragão chinês (Lung) | Revista
Macau>. Acesso em: 13 mai 2021.
JALAIS, A. Reworlding the ancient Chinese tiger in the realm of the Asian
Anthropocene. International Communication of Chinese Culture. 2018.
146
LOPES, F. S. Os Mitos da Criação na Cultura Chinesa. 2015. Disponível em:
<Os Mitos da Criação na Cultura Chinesa | Revista Macau>. Acesso em: 8 mai
2021.
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