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José Maria Gomes de Souza Neto e Ygor Klain Belchior

ENSINAR HISTÓRIA:
MÍDIAS, NOVAS
LINGUAGENS E
TECNOLOGIAS
Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro

Chefe de Gabinete
Bruno Redondo

Direção
Pró-reitora de Extensão e Cultura
Cláudia Gonçalves de Lima
Produção
Obra produzida e vinculada pelo Projeto Orientalismo,
Proj. Extens. UERJ Reg. 6078, coordenado pelo Prof.
André Bueno [História] em associação com as Edições
Especiais Sobre Ontens.

Edições Especiais Sobre Ontens


Comissão Editorial & Científica
Dulceli Tonet Estacheski [UFMS]
Everton Crema [UNESPAR]
Carla Fernanda da Silva [UFPR]
Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS]
Gustavo Durão [UFPI]
José Maria Neto [UPE]
Leandro Hecko [UFMS]
Luis Filipe Bantim [Universidade de Vassouras]
Maytê R. Vieira [UFPR]
Nathália Junqueira [UFMS]
Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER]
Thiago Zardini [Saberes]

Rede
www.revistasobreontens.blogspot.com

Organização do Volume

Ficha Catalográfica

Neto, José Maria Gomes de Souza; Belchior, Ygor Klain (org.)


Ensinar História: Mídias, Novas Linguagens e Tecnologias. 1ª Ed. Rio de
Janeiro: Proj. Ori./Ed. Esp. Sobre Ontens/UERJ, 2022.
ISBN: 978-65-00-52649-3 275p.

Ensino de História; Experiências de Ensino; Didática; Mídias; Novas


Linguagens; Tecnologias; Arte

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Sumário
APRESENTAÇÃO por José Maria Gomes de Souza Neto e Ygor Klain Belchior ............................. 5
A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO ÀS DIFICULDADES DE
LEITURA E INTERPRETAÇÃO NAS AULAS SOBRE IDADE MÉDIA NO SEXTO ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL por Adelidia Maria Rodrigues ........................................................................... 13
A ARTE E A TECNOLOGIA ATRELADAS AO ENSINO DE HISTÓRIA: OS MEMES COMO PRODUÇÃO
HISTÓRICA PARA O GRANDE PÚBLICO por Alvanir Ivaneide Alves da Silva ................................ 22
“JOGANDO” EM SALA DE AULA, HEIN? O ENSINO DA HISTÓRIA COM USO DE RPG por Antonio
Carlos Figueiredo Costa ............................................................................................................... 30
MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E LUDICIDADE: DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM JOGO DE
HISTÓRIA LOCAL por Carlos Eduardo Ströher e Tatiane Kaspari ................................................ 39
HISTÓRIA PÚBLICA E EDUCAÇÃO HISTÓRICA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO DE UM
PODCAST DE HISTÓRIA por Cesar Agenor Fernandes da Silva e Marcelo de Souza Silva ........... 55
O ENSINO DE HISTÓRIA MEDIEVAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DOCENTE:
RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA DE MONITORIA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 por
Claudio K. Duarte e Victor Medeiros Garcia ............................................................................... 67
RPG NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DIDÁTICA DE HISTÓRIA E FOLCLORE BRASILEIRO PARA
TURMAS DOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL por Clivya da Silveira Nobre e José R.
Paulo de Lima .............................................................................................................................. 79
DITADURA, EXÍLIO E RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA: PENSANDO O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS
DA CANÇÃO “APESAR DE VOCÊ” DE CHICO BUARQUE por Daiane da Silva Vicente .................. 86
METAVERSO E REALIDADE VIRTUAL (R.V) IMERSIVA E NÃO-IMERSIVA APLICADA AO ENSINO DE
HISTÓRIA: POSSIBILIDADE E LIMITAÇÕES por Daniel da Silva Costa........................................... 93
A MODA NA SALA DE AULA: AS TRANSFORMAÇÕES DAS VESTIMENTAS NO TEMPO COM
ENFOQUE NO PERÍODO REPUBLICANO NO MARANHÃO ATRAVÉS DOS JORNAIS por Delfina R.
Vieira Brito e Jakson dos S. Ribeiro ........................................................................................... 100
ELFOS E DRAGÕES EM SALA DE AULA: O NEOMEDIEVALISMO COMO POSSIBILIDADE NO
ENSINO DE HISTÓRIA por Douglas Mota Xavier de Lima .......................................................... 109
O ANIME HADASHI NO GEN E A POSSIBILIDADE DO ENSINO SOBRE A GUERRA E A DOR EM
SALA por Douglas Pastrello ....................................................................................................... 118
STAR WARS E A FILOSOFIA por Felipe Lucas Fagundes ............................................................. 125
PATRIMÔNIO NA PALMA DA MÃO: A HISTÓRIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA CIDADE DE
CAXIAS/MA por Francisco Lucas Gonçalves dos Reis e Jakson dos Santos Ribeiro .................. 131
YOUTUBE E ENSINO DE HISTÓRIA: LINGUAGEM E ACELERAÇÃO DO TEMPO por Grazyelli
Cristina da Costa e Jean Carlos Moreno .................................................................................... 143
A CIDADE DOS PORCOS: O MITO DA IDADE MÉDIA EM GAME OF THRONES por Guilherme
Oliveira Claudino e Ygor Klain Belchior ..................................................................................... 149

3
MUSEUS DA ENERGIA EM SÃO PAULO: COMUNICAÇÃO, ENSINO DE HISTÓRIA E TECNOLOGIA
DIGITAL por Janaina Cardoso de Mello ..................................................................................... 156
PROCESSO DE APRENDIZAGEM E AUTONOMIA ATRAVÉS DE METODOLOGIAS ATIVAS E USO
DAS TDICS: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA COM A MÍDIA PODCAST por João Paulo de Oliveira Farias
................................................................................................................................................... 166
O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DO CINEMA por Juliana Avila Pereira e Thalis Figueiredo
Sartorio ...................................................................................................................................... 174
ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DE PODCASTS por Luara Alencar Francisco ............................ 180
HISTÓRIA NO SITE, SITE COMO HISTÓRIA: ANÁLISES DO SIMPOHIS.BLOGSPOT.COM NO
MAXQDA por Luiz Gustavo Martins da Silva ............................................................................. 186
O USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC’S) PARA O ENSINO DA
HISTÓRIA: PERCEPÇÕES CRÍTICAS SOBRE O USO DA CINEMATOGRAFIA E DA GAMIFICAÇÃO NA
DINÂMICA ESCOLAR por Maria Carleene Rufino Maciel........................................................... 197
REGÊNCIA REMOTA: “SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945): PROPAGANDAS NAZISTAS,
QUADRINHOS E MEMÓRIAS DE SOBREVIVENTES DO HOLOCAUSTO” por Matheus Ongaro
Rodrigues Souza e Marisa Noda ................................................................................................ 205
UM PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO SOBRE O USO DO JOGO: REMEMORANDO OS
BIOGRAFADOS DA BALAIADA/MA (1838-1841), NO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL por Maykon
Albuquerque Lacerda e Taylon Jefferson da Silva Machado .................................................... 213
“UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA”: EXPERIÊNCIAS DO USO DE FILMES COMO RECURSO
DIDÁTICO NO ENSINO REMOTO/HÍBRIDO DE HISTÓRIA por Miléia Santos Almeida ............... 224
ELES NÃO USAM BLACK TIE: O FILME E O ENSINO DE HISTÓRIA por Paulo Roberto de Azevedo
Maia........................................................................................................................................... 233
ENSINO DE HISTÓRIA FRENTE ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA
DOCENTE por Raimundo Denizar dos Santos Pires ................................................................... 240
TECNOLOGIA NO ENSINO: UMA AÇÃO QUE PRECISA SER IMPLEMENTADA por Roseli Ap. Zuli
Teixeira e Wagner P. de Souza .................................................................................................. 246
CONEXÕES DE EXPERIÊNCIAS NAS PLATAFORMAS ADAPTATIVAS DE ENSINO NA REDE PÚBLICA
DO ESTADO DE MATO GROSSO: DESAFIOS E AVANÇOS NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR
DJALMA GUILHERME DA SILVA por Simone Emi Kavasoko ...................................................... 253
OS MEMES NUMA AULA DE HISTÓRIA por Thiago Augusto dos Santos ................................... 259
DO UNIVERSO DOS QUADRINHOS A SALA DE AULA: MAFALDA À AULA DE HISTÓRIA por Vitória
D. Wingert e Jander F. Martins ................................................................................................. 264

4
APRESENTAÇÃO
José Maria Gomes de Souza Neto e Ygor Klain Belchior
Gostaríamos de iniciar esta apresentação com uma reflexão do pedagogo
espanhol Jorge Larrosa presente em seu livro Pedagogia Profana:

“(...) o texto do passado não sirva para a consolidação e confirmação da


imagem convencional e autossatisfeita que esses discursos produzem de nós
mesmos e de nosso mundo, mas pra sua crítica e seu questionamento. Para
isso, a história deve tentar, em primeiro lugar, salvar o esquecido e o reprimido
na história monumental do reconhecimento, na história dos vencedores, e
constituir-se num tipo de contramemória. Em segundo lugar, deve insistir na
diferença entre o passado e o presente, com vistas a produzir um efeito de
desfamiliarização em relação a nós mesmos e ao nosso mundo. A crítica ao
presente só pode ser feita a partir do presente, numa história que se sabe
apaixonadamente perspectivista, mas tomando o passado em sua diferença e
destacando, nele, os elementos esquecidos e reprimidos. Para que essa
experiência do passado seja possível, o sujeito da experiência – o historiador
ou o leitor – deve ser um sujeito desconforme e inquieto (...) que vai do
presente ao passado, mas arrastando consigo a sua desconformidade, ou seja,
evitando toda relação de continuação (2010, p. 135-136)”.

É possível perceber em muitos dos autores dos textos que se seguem, quando
não em todos, o tipo de inquietação de que fala Larrosa. Conquanto a história
contada nas escolas ainda tenha muito de repetição – ou por outra, da
rememoração de um passado que está lá, distante – cada vez mais os
profissionais de História têm percebido em sua prática didática o quão
fundamental é sair desse lugar de segurança. O passado não é o lugar de
coisas mortas, acabadas, que precisam ser somente repetidas tempo após
tempo, como as contas de um rosário. É, sim, terra estrangeira, com costumes
exóticos para onde nos deslocamos carregando a bagagem pesada dos
nossos próprios modos de vida contemporâneos. Nosso olhar para os diversos
passados, parece bobo repeti-lo, mas vamos lá, é profundamente instruído pelo
que somos, o que aprendemos e por onde estamos. Recorrer a eles para
encontrar exatamente o que sabemos, uma cópia amarelecida de nós mesmos,
não faz muito sentido, pois a vida vivida é sempre mais atraente.

Isso dito, sigamos ao passado como o viajante em terras estrangeiras, que se


espanta e se encanta, que desconfia e se esforça para entender o que subjaz a
aparência daquilo que vimos. E além disso, ao retornarmos de nossa viagem,
busquemos traduzir nossas experiências da maneira mais rica possível,
lembrando sempre que o público dessa narrativa frequentemente não irá
conhece-la de livre e espontânea vontade, mas sim sob o peso da disciplina

5
escolar. Logo, necessário se faz um esforço de tradução, esforço esse que
estende seus braços aos modos mais correntes e atuais de contar histórias.
Sem medo. Sem o temor que, ao fazermos, estaremos conspurcando, poluindo
a pureza ancestral, roubando do tempo visitado a pureza ou a particularidade
que supostamente o marcava. O uso de tecnologias de informação e
comunicação, dos recursos diversos de que dispomos, em si, não deturpa o
passado. Aliás, não raro as maiores deturpações vêm precisamente de
elementos que utilizam formas bem conservadoras de visita ao passado, e que
disfarçam de rigorismo certas agendas reacionárias.

Utilizar um jogo para ensinar história, por exemplo, não significa desmerecer o
passado, significa apenas o cuidado na escolha de uma nova linguagem, que
já é utilizada pelos próprios alunos, para ajudar na compreensão dos
conteúdos e na edificação de sua cultura história. Os recursos do audiovisual
como um todo, e o cinema em particular, podem representar os mais variados
papéis numa aula de história, ilustrando eventos passados, propondo
narrativas diversificadas, servindo de estímulo ao desenvolvimento crítico do
olhar, ou mesmo propondo conceitos históricos e filosóficos através das
imagens em movimento, sons, etc.

Imagem 1: Terra em Transe (Dir. Glauber Rocha, 1967).

6
Imagem 1: Terra em Transe (Dir. Glauber Rocha, 1967).

Tomemos como exemplo o longa Terra em Transe, dirigido pelo brasileiro


Glauber Rocha em 1967. Além das fortes imagens (de que temos dois
exemplos acima) a produção como um todo (sons, enquadramentos, cortes,
efeitos visuais, roteiro, locução dos atores) é uma tese sobre a fragilidade
política brasileira, certamente válida quando de sua produção e ainda muito
presente para os tempos que nos cercam. Assisti-lo não significa perder tempo,
mas sim lançar mão de um recurso para estabelecer um diálogo imagético e
teórico entre o vestígio do passado e o olhar do presente. E é isso que os
diversos autores desse livro, cada qual com sua própria experiência e seus
próprios recursos, se dispuseram a fazer.

Abrindo a apresentação dos textos, destacamos o trabalho de Adelidia Maria


Rodrigues, intitulado A sequência didática como possibilidade de
enfrentamento às dificuldades de leitura e interpretação nas aulas sobre idade
média no sexto ano do ensino fundamental, no qual a autora destaca as
discussões sobre a contribuição dos estudos dos medievalistas para o ensino
sobre a Idade Média e sua contribuição na construção identitária brasileira e a
possibilidade de agregar ao trabalho pedagógico algumas das demandas
contemporâneas.

Em sequência, Alvanir Ivaneide Alves da Silva problematiza o ensino de


História e a produção de arte imagética nas redes sociais no desenvolvimento
do campo da História Pública, no texto A arte e a tecnologia atreladas ao
ensino de História: os memes como produção histórica para o grande público.
Nele, o autor apresenta como a produção memética se articula com os
conteúdos históricos, proporcionando um ambiente que compartilha uma
educação organizada e rica em saberes, capazes de contribuir para formação
intelectual e social dos alunos.

Antonio Carlos Figueiredo Costa contribui com as práticas renovadoras ao


ensino da História, através do texto “Jogando” em sala de aula, hein? o ensino
da história com uso de RPG, no qual apresenta as experiências de formação

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de professores no ensino superior, buscando encorajar os docentes que atuam
no Ensino Básico a adotarem os jogos como prática na Escola.

Prosseguindo, Cesar Agenor Fernandes da Silva e Marcelo de Souza Silva, no


texto História Pública e educação histórica a partir da experiência de produção
de um podcast de história, apresentam como as recentes iniciativas de
divulgação científica, os podcasts, podem auxiliar a produzir uma educação
histórica que contribua significativamente para uma aproximação dos estudos e
reflexões feitas na academia com o público de fora dela.

No texto O ensino de História Medieval e sua contribuição para a formação


docente: relatos de uma experiência de monitoria durante a pandemia de covid-
19, Claudio Kuievinny Duarte e Victor Medeiros Garcia relatam uma
experiência muito recente e interessante sobre a importância do ensino de
História Medieval, nos níveis do Ensino Básico e Superior, e a reprodução de
temas relacionados a este período histórico pelas mídias sociais.

Em um texto muito importante para o estudo do folclore brasileiro, intitulado


RPG na escola: uma proposta didática de história e folclore brasileiro para
turmas dos anos finais do ensino fundamental, escrito por Clivya da Silveira
Nobre e José Ricardo Paulo de Lima, o leitor terá contato com uma narrativa
sobre a imaginação e as narrativas de histórias brasileiras, a partir de uma
proposta pensada para as turmas dos anos finais do Ensino Fundamental.

O texto Ditadura, exílio e resistência democrática: pensando o ensino de


História através da canção “apesar de você” de Chico Buarque, escrito por
Daiane da Silva Vicente, apresenta a proposta de discutir o uso da música
“apesar de você” como fonte para o ensino de História, objetivando trabalhar as
atrocidades e o autoritarismo do Regime Militar brasileiro.

Daniel da Silva Costa, no trabalho Metaverso e realidade virtual (r.v) imersiva e


não-imersiva aplicada ao ensino de História: possibilidade e limitações,
apresenta as possibilidades de uso dos recursos de metaverso e realidade
virtual no ensino de História, questionando de qual forma e quando esses
recursos podem ser usados no ensino/aprendizagem da disciplina.

Já, Delfina Rafaela Vieira Brito e Jakson dos Santos Ribeiro, em A moda na
sala de aula: as transformações das vestimentas no tempo com enfoque no
período republicano no Maranhão através dos jornais, demonstram como a
utilização dos jornais contribui para o Ensino de História. Partindo da reflexão
sobre a moda, os autores dissertam sobre como trabalhar a compreensão da
formação e organização da sociedade do final do século XIX e início do XX.

Douglas Mota Xavier de Lima, no texto Elfos e dragões em sala de aula: o


neomedievalismo como possibilidade no ensino de História, apresenta como as
novelas, os desenhos animados e a música poder ser trabalhados em sala de
aula no ensino de História Medieval.

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Douglas Pastrello, em O anime Hadashi no gen e a possibilidade do ensino
sobre a guerra e a dor em sala, disserta sobre o uso do filme Hadashi no
gen como uma ferramenta didática para apresentar aos alunos costumes,
construções, tecnologias e visões de mundo diferentes do que estão
habituados, como o Japão no tempo da segunda guerra mundial.

No texto, Star Wars e a filosofia, Felipe Lucas Fagundes aponta algumas


questões filosóficas presentes nos filmes, a exemplo da filosofia de mestre e
aprendiz, e o caminho de um herói à vilão, e como essas questões podem ser
usadas no ambiente da sala-de-aula.

Francisco Lucas Gonçalves dos Reis e Jakson dos Santos Ribeiro, em


Patrimônio na palma da mão: a história do patrimônio histórico da cidade de
Caxias/MA, escrevem o relato da fase inicial do desenvolvimento da pesquisa
acadêmica de iniciação científica no âmbito do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação - PIBITI
2021/2022, a qual objetiva a elaboração de um aplicativo que forneça apoio
aos professores e alunos da Rede de Educação Básica de Caxias- MA.

Grazyelli Cristina da Costa e Jean Carlos Moreno, no texto Youtube e ensino


de História: linguagem e aceleração do tempo, trazem uma reflexão sobre uma
pergunta muito instigante: como podemos aproveitar de forma efetiva o
potencial das novas plataformas, mais especificamente do Youtube, para o
Ensino de História, tornando-a aliada e não concorrente de nossas práticas de
ensino?

Em A cidade dos porcos: o mito da idade média em Game of Thrones,


Guilherme Oliveira Claudino e Ygor Klain Belchior refletem em que medida “o
mito da Idade Média” está presente na série Game of Thrones, a partir da
hipótese de que o mito da Idade Média pode ser percebido na apresentação
das cidades como chiqueiros, e na relação entre os papéis dos personagens e
o ambiente urbano, sejam eles protagonistas, coadjuvantes ou figurantes.

Janaina Cardoso de Mello, no texto Museus da energia em São Paulo:


comunicação, ensino de História e tecnologia digital, avalia se os acervos em
Itu, Salesópolis e São Paulo, foram reelaborados em uma narrativa digital que
sirva ao ensino de História e à promoção cultural.

João Paulo de Oliveira Farias, em Processo de aprendizagem e autonomia


através de metodologias ativas e uso das TDICS: experiência didática com a
mídia podcast, analisa o uso da ferramenta podcast no processo de ensino-
aprendizagem. Para tanto, identifica como esses arquivos digitais de áudio
podem servir como objeto que auxilie os professores e estudantes a se
envolverem tanto na análise, na pesquisa, quanto na produção de conteúdo.

Juliana Avila Pereira e Thalis Figueiredo Sartorio, no texto O ensino de História


através do cinema, apresentam o cinema como mecanismo muito importante

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para o ensino na escola, ressaltando as múltiplas possibilidades na prática
educativa que o seu uso traz, transformando as aulas de História.

O texto Ensino de história através de podcasts, de Luara Alencar Francisco


discute o uso de podcasts no ensino de História, indicando as vantagens e
desafios para colocá-los em prática. Para isso, a autora se embasou nas
pesquisas e análises feitas na Iniciação Científica Metodologias Ativas e
Tecnologias no Ensino de História, da Universidade Federal da Paraíba,
que em 2020 e 2021 realizou levantamentos sobre o uso de podcasts, com
professores e alunos de escolas da rede pública e privada de João Pessoa,
Paraíba.

Luiz Gustavo Martins da Silva, em História no site, site como História: análises
do simpohis.blogspot.com no MAXQDA, aborda o SIMPOHIS como fonte virtual
e investiga como os trabalhos submetidas às edições do site tematizam a
inserção das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação nas práticas
pedagógicas de Ensino de História.

Maria Carleene Rufino Maciel, em O uso das tecnologias da informação e


comunicação (TIC’S) para o ensino da História: percepções críticas sobre o uso
da cinematografia e da gamificação na dinâmica escolar, debate o uso do
cinema e dos jogos como aliados do professor de história para dinamizar a
transmissão de conteúdo, criando uma conexão entre a realidade do aluno e da
temática.

Matheus Ongaro Rodrigues Souza e Marisa Noda, no texto Regência remota:


“Segunda Guerra mundial (1939-1945): propagandas nazistas, quadrinhos e
memórias de sobreviventes do holocausto”, dissertam sobre as suas
experiências de regência remota sobre a Segunda Guerra Mundial e o
Holocausto, por meio da utilização de quadrinhos e propagandas, trazendo os
resultados do uso de fontes de narrativas diferenciadas das habituais.

Maykon Albuquerque Lacerda e Taylon Jefferson da Silva Machado, em Um


percurso teórico-metodológico sobre o uso do jogo: rememorando os
biografados da Balaiada/MA (1838-1841), no ensino de história local,
apresentam o uso de um jogo de memória Rememorando os Biografados da
Balaiada/MA (1838-1841) no ensino de História, relatando o percurso teórico-
metodológico de um projeto-ação apresentado à disciplina de Prática na
Dimensão Curricular no Ensino Médio, ministrada no semestre 2019.1, e
vinculada ao Curso de História/Licenciatura da Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA/Campus Caxias.

Miléia Santos Almeida, no texto “Uma história de amor e fúria”: experiências do


uso de filmes como recurso didático no ensino remoto/híbrido de História, narra
a experiência de educação histórica durante a pandemia, a partir de atividades
realizadas por meio de ferramentas do Google (Meet, Classroom, Forms e
YouTube) com estudantes das três séries do ensino médio no interior da Bahia,
tendo como recurso didático o filme Uma História de Amor e Fúria.

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Paulo Roberto de Azevedo Maia, em Eles não usam black tie: o filme e o
ensino de História, apresenta uma reflexão sobre aspectos do imaginário de
uma sociedade que está em processo de liberalização política pode ajudar na
construção de valores democráticos, a partir da análise fílmica feita junto ao
confronto com documentos oficiais do período da ditadura.

Raimundo Denizar dos Santos Pires, em o Ensino de História frente às


tecnologias digitais: um olhar sobre a prática docente, reflete sobre os recursos
de multimídia e computação gráfica como ferramentas de apoio para a tarefa
do professor de História, possibilitando novas formas de apreensão do
conteúdo.

Roseli Aparecida Zuli Teixeira e Wagner Pereira de Souza, em Tecnologia no


ensino: uma ação que precisa ser implementada, buscam apresentar as
Plataformas adaptativas como contribuições no desenvolvimento da
aprendizagem, desafios e aplicação no contexto educacional.

No texto Conexões de experiências nas plataformas adaptativas de ensino na


rede pública do estado de mato grosso: desafios e avanços na Escola Estadual
Professor Djalma Guilherme Da Silva, Simone Emi Kavasoko apresenta
reflexões sobre os desafios da escola pública na implementação do Laboratório
de Informática para contribuir na aprendizagem em ambiente virtual.

Thiago Augusto dos Santos, em Os memes numa aula de História, disserta


acerca da potencialidade do uso de memes no ensino de História, a partir do
relato de uma experiência desenvolvida em uma escola pública do Estado do
Paraná, com alunos do 3º ano do Ensino Médio, no ano letivo de 2022.

Por último, Vitória Duarte Wingert e Jander Fernandes Martins, no texto Do


universo dos quadrinhos a sala de aula: Mafalda à aula de História, escrevem
sobre o uso das tiras da personagem Mafalda como forma de estimular a
reflexão dentro da aula de história, objetivando com que o aluno compreenda
melhor a realidade que o cerca e reconheça-se como sujeito histórico.

11
TEXTOS

12
A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO POSSIBILIDADE
DE ENFRENTAMENTO ÀS DIFICULDADES DE
LEITURA E INTERPRETAÇÃO NAS AULAS
SOBRE IDADE MÉDIA NO SEXTO ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Adelidia Maria Rodrigues

Introdução
O presente trabalho destaca a realização da prática docente nas turmas dos
sextos anos do Ensino Fundamental – Anos finais, com foco na aula de
História, visando os desafios do professor em trabalhar de maneira efetiva os
conteúdos relativos à História Medieval tendo em vista as dificuldades de
leitura e escrita, agravadas ainda mais pelo contexto de ensino remoto ou
híbrido, do qual a maioria dos alunos que ingressam no sexto ano, vivenciaram
nos últimos dois anos. Estudantes que nesta fase passam por uma transição
importante dentro do Ensino Fundamental, momento no qual, segundo a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), nos Anos Finais serão ressignificados os
conhecimentos construídos nos Anos Iniciais (Brasil, 2017, p. 60). Ademais,
serão analisadas algumas das discussões atuais sobre a contribuição dos
estudos dos medievalistas para o ensino sobre a Idade Média e sua
contribuição na construção identitária brasileira e a possibilidade de agregar ao
trabalho pedagógico algumas das demandas contemporâneas. Na tentativa de
enfrentamento a tais dificuldades é apresentada uma proposta da construção
de Sequências Didáticas na perspectiva interdisciplinar visando a construção
de um trabalho colaborativo.

A aula de História nos sextos anos do Ensino Fundamental – Anos Finais


O professor de História tem a missão de trabalhar as temáticas referentes a
este componente curricular ao mesmo tempo em que arquiteta uma aula com
foco nas possibilidades educativas que resgatem a história do aluno e as
diversas relações, na construção do conhecimento colaborativo, para que o
mesmo venha a utilizar conhecimentos de maneira ativa, sedimentando a
autonomia do pensamento (BNCC, 2017). Assim, há a necessidade de analisar
questões, contextualizar fatos e localizar temáticas no tempo e no espaço e a
relação com o seu contexto, ampliando as possibilidades de uma educação
integral, conforme destaca Carneiro (2020, p. 134).

Ao analisarmos o perfil do aluno de sexto ano do Ensino Fundamental – Anos


Finais, é preciso antes entender a origem deste aluno, no que diz respeito a
etapa anterior nos Anos Iniciais. Segundo Pinheiro (2021, p. 19), nesta etapa

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anterior os alunos vivenciam uma realidade bem diferente, durante todo o
horário da aula o contato com um único professor, que por conseguinte tem a
possibilidade de observar as dificuldades de cada aluno de forma mais pontual.

Neste sentido, é importante destacar o que aponta o autor Jefferson


Mainardes, no capítulo intitulado Alfabetização em tempos de Pandemia,
presente no livro Políticas e Práticas de Alfabetização. O autor relata que os
profissionais das diversas redes de ensino se empenharam para garantir aos
estudantes acesso aso diversos conteúdos quando da utilização do que ele
denominou de Ensino Remoto Emergencial (ERE), porém, destaca que, apesar
do empenho, a aprendizagem dos estudantes sofreu impacto, principalmente
no desenvolvimento do letramento (Mainardes, 2021, p. 57).

Os estudantes dos sextos anos são apresentados assim a um contexto de


transição bem significativo. O professor de História tem diante de si um desafio
pontual: de um lado garantir aos estudantes destas turmas as temáticas da
disciplina, e de outro se voltar para os alunos que possuem fragilidades na
leitura e interpretação. A leitura é uma atividade fundamental para o exercício
da cidadania, segundo Solé, “a leitura é imprescindível para agir com
autonomia nas sociedades letradas, e ela provoca uma desvantagem profunda
para as pessoas que não conseguem realizar sua aprendizagem.” ((1998, p.
32). A leitura nesse contexto se transforma em um importante instrumento para
a transformação ou legitimação de realidades.

Refletir sobre o ensino de História, pontualmente seu exercício nas turmas dos
sextos anos, oferece uma possibilidade de entender que as dificuldades de
aprendizagem destes alunos, quando não minimizadas, desempenham uma
reação em cadeia, chegando aos nonos anos com a aprendizagem muito
fragilizada, terão séria propensão a desistir, desistindo inclusive de cursar o
Ensino Médio, e ainda se conseguirem concluí-lo, poucos chegarão as
Universidades. Basta analisar o que destaca Neves et. al (2007, p. 131),
quando afirma que um dos fatores do não acesso ou da não permanência nas
Universidades tem relação com os números de alunos matriculados em cada
etapa, convertendo-se em uma pirâmide de exclusão, pois dos estudantes que
ingressam no Ensino Fundamental, uma parte muito pequena chega a concluir
o Ensino Médio e a Universidade.

É no contexto apresentado acima que geralmente ocorre o trabalho do


professor de História nos dias atuais. Os alunos que tem que se adaptar a uma
carga horária diferenciada e a diversos professores, parte desses alunos com
dificuldades pontuais na leitura e escrita, como resultado do impacto do Ensino
Remoto na construção do processo de alfabetização, ocasionando dificuldades
na construção do letramento, impactando na leitura e interpretação, atividades
essenciais para a efetiva aprendizagem das temáticas referentes a disciplina
de História. Assim, convém trazer a seguinte questão: como o professor de
História irá trabalhar na perspectiva de letramento? Tal perspectiva não seria
melhor localizada nas aulas de Língua Portuguesa?

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Destacamos que em relação às questões aqui colocadas, não há a ideia de
oferecer uma receita pronta. Tal postura não seria legítima devido a uma
multiplicidade de fatores que envolvem o fazer docente diário e que
sedimentam a aula de História. Destaca-se apenas que as dificuldades de
leitura e escrita não serão solucionadas a partir de intervenção na aula de
História. Porém, esse professor, em colaboração com as demais áreas, pode
contribuir pontualmente nas turmas dos sextos anos no que lhe é possível.
Assim, a ideia neste texto é apresentar sugestões no sentido de enfrentamento
das dificuldades encaradas nestas turmas de realidade tão singular, como será
apontado no próximo tópico.

Ensino de História Medieval e as demandas contemporâneas


Desde a formação inicial e continuada, encarar o trabalho com a disciplina de
História passa por vários desafios. Neste sentido, Vianna destaca que a
aproximação entre os campos de ensino e da pesquisa pode proporcionar
novas formas de ensinar (2021, p. 186) na formação docente. Desse modo,
uma proposta seria instrumentalizar professores que atuarão na Educação
Básica, tendo em vista proporcionar auxílio aos futuros docentes no que diz
respeito à sua atuação juntos aos estudantes e suas demandas reais, que
ultrapassam os conteúdos, e atender o que destaca a BNCC: “trata-se de
transformar a história em ferramenta a serviço de um discernimento maior
sobre as experiências humanas e as sociedades em que se vive.” (BRASIL,
2017, p. 403).

Discernir de maneira ampla o que significa a construção histórica possibilita a


cada estudante posicionar-se de maneira autônoma diante de sua realidade
sócio-histórica, tendo em vista o que Freire (2005, p.104) destaca, ou seja, que
o homem é um ser histórico, pois os animais vivem e homens existem. Essa
existência é significada quando o homem tem a possibilidade de compreender
os acontecimentos históricos e sua relação tempo e espaço de maneira que
haja uma contextualização ou relação com as realidades que este se insere.

Dentre o vasto campo de temáticas que serão trabalhadas com as turmas dos
sextos anos, apresentadas na BNCC sob a forma de habilidades a serem
desenvolvidas (BRASIL, 2017, p. 384-385), destaca-se os conteúdos relativos
à História Medieval. É importante destacar que atualmente os estudos
acadêmicos e de grupos de pesquisas em medievalística têm contribuído muito
para que esses conteúdos tenham lugar nas discussões sobre a BNCC, como
destaca Lima (2019, p. 15).

Nessa perspectiva, é importante destacar o que diz Fernandes: “Nosso


quotidiano está repleto de inovações surgidas naquela época, como as
universidades, os bancos, e ainda a imprensa, o relógio mecânico e os óculos.”
(FERNANDES, 1999, p. 7). Dessa forma, o estudo sobre a Idade Média
possibilita aos estudantes perceber que seu processo de construção identitária
também possui raízes nesse período, ao mesmo tempo em que contextualiza
as relações deste período e sua realidade.

15
Reitera-se a importância de compreender como destaca Lima (2019, p. 14), ou
seja, que as contribuições da medievalística brasileira se devem ao aumento
de estudos e pesquisas que tem representado muito na desconstrução de
conceitos equivocados sobre o que realmente significou a Idade Média. Estes
estudos reafirmam a importância de ampliar conceitos sobre o medievo fugindo
do conceito de “Idade das Trevas”. Há ainda a possibilidade de relacionar
acontecimentos deste período à construção histórica brasileira. Por exemplo,
Vianna (2021, p. 85) destaca que o rompimento com uma visão territorial
unicamente francesa, dando destaque ao território da Península Ibérica
medieval, possibilitaria, já na formação inicial, oferecer uma conexão sobre o
Medievo e a realidade dos estudantes brasileiros.

Pereira destaca que o conteúdo de História Medieval é apresentado aos


estudantes de duas formas (Pereira, 2009, p. 118): de um lado, a escola
associou esse período à uma período de limitação e ausência de trocas e
movimentação cultural e ainda uma profunda religiosidade; de outro lado, a
crescente presença de uma Idade Média da Fantasia, dos cavaleiros heroicos
e diversos seres fantásticos. Dessa forma, atualmente, os estudantes têm
acesso às “referências” a este período a partir do contato com o cinema, jogos,
documentários e diversos canais na internet que apresentam representações
acerca do que foi a Idade Média. Assim, os cursos de formação de professores
de História têm diante de si o desafio de rever conceitos equivocados sobre a
Idade Média que circulam no âmbito escolar e ao mesmo tempo orientar para o
uso das diversas linguagens como cinema, jogos, novelas.

No próximo tópico serão analisadas as possibilidades de se utilizar a


diversidade textual e as linguagens descritas anteriormente a partir de uma
proposta interdisciplinar contemplada nas chamadas Sequências Didáticas.

As Sequências Didáticas e a interdisciplinaridade: possibilidades de


enfrentamento as dificuldades de leitura e interpretação
A sequência didática pode ser descrita como uma proposta metodológica
inovadora. Nesse sentido, podemos destacar as contribuições de Zabala (2010,
p. 18) nas discussões iniciais sobre o que vem a ser a sequência didática. O
referido autor coloca que é muito importante que toda atividade que gire em
torno da prática pedagógica deva estar antecedida de um planejamento e uma
articulação pedagógica bem embasada para que sua execução seja efetiva,
sendo esse um dos autores que embasam as discussões sobre a amplitude
que envolve o trabalho com as sequências didáticas.

Outros autores que também abordam a temática são os autores Schneuwly e


Dolz, que têm pesquisas com foco no trabalho com as sequências didáticas
para a construção de atividades com os gêneros textuais orais e escritos na
disciplina de Língua Portuguesa, destacados aqui para fundamentar a
importância da seleção dos gêneros utilizados na sequência didática. Esses
estudiosos defendem que as sequências didáticas devem ser bem estruturadas
e planejadas com objetivos claros. O foco desses autores é o desenvolvimento
de propostas de atividades com os gêneros textuais escritos e orais. Sobre

16
essa abordagem metodológica, Schneuwly e Dolz (2004, p. 107) destacam que
a construção do conjunto de atividades deve partir dos conteúdos que o
estudante tem maior dificuldades. As atividades precisam estar planejadas no
movimento onde o aluno é ativo, pois os textos trabalhados devem envolver
situações concretas de linguagem, ou seja, ao estudar sobre o gênero carta,
esses estudantes devem ler e produzir carta com interações reais de
comunicação.

Para o desenvolvimento dos conteúdos relativos ao ensino de História


Medieval na perspectiva interdisciplinar as Sequências Didáticas podem
oferecer diversas possibilidades. Sobre a interdisciplinaridade pode-se destacar
o que afirma Fazenda (2013, p. 19), quando destaca que frente a uma
realidade onde a tecnologia está cada vez mais presente, a sistematização
focada no caráter disciplinar do ensino, muitas vezes dificulta essa relação, ou
seja, o conhecimento escolar e as necessidades impostas pela tecnologia.

A proposta aqui apresentada indica que o professor de História pode manter


um diálogo com uma ou mais disciplinas, como, por exemplo, a Língua
Portuguesa, na qual o professor de História poderá planejar atividades que
utilizem a leitura de imagens relativas aos conteúdos de História Medieval. A
sequência didática aqui proposta seria dividida em módulos, e é importante
destacar que o módulo seguinte só pode ser acessado se o anterior tiver sido
concluído, pois, cada módulo carrega em si um objetivo que proporcionará
suporte para o próximo em torno da habilidade a ser desenvolvida. Pode-se
imaginar uma sequência didática com a temática sobre as Mulheres no
Medievo, no Módulo 1, no qual haveria uma atividade para análise de uma
figura onde parecem mulheres no cotidiano de uma cidade medieval, e outra
imagem representando o cotidiano de mulheres contemporâneas. Assim, os
estudantes analisariam detalhes realizando uma “leitura”, percebendo
diferenças e aproximações entre as duas imagens sobre a atuação das
mulheres nesses dois contextos históricos.

É importante destacar que tal atividade poderá auxiliar a ampliação da


capacidade de leitura e interpretação, pois as imagens podem possibilitar um
levantamento dos “conhecimentos prévios” dos alunos. Para Solé (1998, p.
103), levantar esses conhecimentos é uma das estratégias que oferecerá maior
interação e efetividade na busca da interpretação do texto. Tal atividade
estimularia a introdução ao Módulo 2, no qual estaria envolvida a leitura de um
texto. Reitera-se aqui que a dinâmica de condução da atividade sugerida não é
novidade para muitos docentes de História, ou seja, o uso de imagens, porém,
o destaque é que, a partir de uma Sequência Didática, o conteúdo estará
elaborado com objetivos claros e direcionados para um próximo Módulo.

Ainda em relação aos textos escolhidos para a atividade, reitera-se o que


Schneuwly e Dolz destacam, ou seja, a importância de textos de interações
reais, utilizar textos acadêmicos como também curiosidades sobre o período
medieval trazidas pelos alunos. Dessa forma, o professor realizaria uma
conexão com o Módulo 3, no qual estaria um filme sobre a Idade Média. É

17
importante destacar que o docente deve fazer uma pesquisa sobre o filme,
observando o que diz Pereira (2016, p.121), quando ressalta que as temáticas
sobre Idade Média no cinema apresentam uma grande influência
contemporânea. Assim, o professor deve optar pelo filme que ofereça maior
aproveitamento da temática e, a partir dele, dialogar com os alunos quais
aspectos do filme estariam distorcidos, apresentando uma possibilidade de
reflexão a luz da historiografia atual.

Por fim, no Módulo 4, os estudantes poderiam preparar um mural com


exposição sobre os conhecimentos construídos sobre a mulher na Idade
Média, minimizando o impacto da ausência ou apresentações genéricas
dessas mulheres nos livros didáticos como aponta Lima (2021, p. 239). A
intenção não é oferecer uma “lista” de atividades e questões para o professor
de História, dada a constatação que as atividades apresentadas são oriundas
da prática escolar conhecida, porém, o que se pretende é apontar para a
construção de uma sequência didática a partir de um planejamento de
atividades distribuídas em módulos, como suporte aos conteúdos e habilidades
a serem trabalhados, pois, a medida em que as atividades empreendidas em
cada módulo podem relacionar-se com as demais disciplinas, destaca-se aqui
a abordagem com os diversos gêneros textuais e as diversas e linguagens, tais
como o cinema, os jogos e as novelas apresentadas na realidade dos
estudantes.

Considerações finais
Conforme a reflexão apresentada nas páginas anteriores, foi proposta uma
análise sobre a realidade dos estudantes das turmas dos sextos anos do
Ensino Fundamental – Anos Finais. Inicialmente buscou-se caracterizar os
estudantes destas turmas por se tratar de alunos em um processo significativo,
ou seja, localizados na transição dos anos iniciais para os anos finais. Dessa
forma, o estudante é apresentado à uma nova realidade, com um número
maior de professores e consequentemente de disciplinas. Foram destacadas
as dificuldades que estes alunos apresentam no que diz respeito à leitura e
interpretação impactadas pelo ensino remoto ou híbrido, que fora oferecido em
caráter emergencial em atendimento ao distanciamento social em decorrência
da pandemia do Covid-19.

O panorama apresentado convida para a compreensão do contexto presente


na prática pedagógica no ensino de História nas turmas dos sextos anos,
buscando intervenções que visem a superação das dificuldades na relação de
construção dos conhecimentos históricos e a relação com a efetiva leitura e
interpretação de textos trabalhados. Tendo em vista a diversidade de
conteúdos e temáticas do ensino de História trabalhados nessa turma, a opção
apontada aqui volta-se para os conteúdos relativos à História Medieval, e a
importância de conhecer o legado desse período, destacando as possibilidades
de interação com a diversidade de textos e as demandas contemporâneas de
ensino, cinema, jogos e novelas.

18
A partir das reflexões apresentadas, busca-se um entendimento de como a
Sequência Didática pode ser produzida a partir de uma perspectiva
interdisciplinar, envolvendo diversas áreas do conhecimento (UGALDE;
ROWEDER, 2020, p. 3). Na aula de História nas turmas de sextos anos,
incluiria na construção de seus módulos a diversidade textual e linguagens
apresentadas a partir das vivências reais dos estudantes. Tal construção
propõe um diálogo entre a necessidade de proporcionar um ensino de História
que auxilie os estudantes na reflexão e ressignificação de conteúdos históricos
e o fortalecimento diário de uma leitura e interpretação efetiva, tendo em vista
que os estudantes adotem uma atitude proativa na construção e ressignificação
de saberes.

Considerando a ampla realidade que envolve o ensino de História na Educação


Básica, desde a formação inicial e continuada de professores até a distância
entre as discussões acadêmicas em torno da historiografia atual e os
conteúdos que são apresentados nas escolas, o perfil dos estudantes, entre
outros, não se pretende aqui apontar soluções, tendo em vista a amplitude das
questões teórico-práticas que envolvem o trabalho docente. É nítido que não
cabe ao professor de História alfabetizar alunos, por não fazer parte de sua
realidade formativa e prática, porém, o que aqui é apresentado é uma
possibilidade de trabalho na tentativa de minimizar as dificuldades diárias do
professor de História nas turmas de sextos anos, estruturado a partir da
construção de Sequências Didáticas interdisciplinares, acrescendo-lhe de
diversos textos, linguagens e demandas contemporâneas, na tentativa de
oferecer uma alternativa ao enfretamento das dificuldades e ainda empreender
o trabalho colaborativo como fortalecimento à formação de professores na
construção diária de sua prática.

Referências biográficas
Adelidia Maria Rodrigues é Pedagoga, Psicopedagoga, Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas
Interdisciplinares (PPGFPPI) pela Universidade de Pernambuco/campus
Petrolina e integrante do Spatio Serti – Grupo de Estudos e Pesquisa em
Medievalística (UPE/campus Petrolina). Atualmente desenvolve o projeto de
mestrado sob a orientação do Prof. Dr. Luciano José Vianna, cujo título
(provisório) é: “As sequências didáticas para o trabalho interdisciplinar sobre o
Medievo: possibilidades para a superação das dificuldades de aprendizagem
nas turmas do sexto ano do Ensino Fundamental – Anos finais.”

Referências bibliográficas
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Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

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artigo. 22. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências


didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:

19
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e colaboradores. Gêneros orais e escritos da
escola. Tradução de Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro. Campinas: Mercado
de Letras, 2004. p. 81-108.

FAZENDA, Ivani. Práticas interdisciplinares na escola / Ivani Catarina Arantes


Fazenda(coordenadora). – 13. Ed. ver. e ampl. – São Paulo: Cortez, 2013.

FERNANDES, Raúl Cesar Gouveia. Reflexões sobre o estudo da Idade Média.


Videtur, num. 6, p. 7-14, 1999.

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PNLD-2020. Brathair Grupos de Estudos Celtas e Germânicos. Universidade
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LIMA, Douglas Mota Xavier de. Uma História contestada: a História Medieval
na Base Nacional Comum Curricular (2015-2017). Anos 90. Revista do
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MAINARDES, Jefferson. Alfabetização em tempos de pandemia. In: Políticas e


práticas de alfabetização: perspectivas autorais e contextuais. Rio de Janeiro:
Fórum Estadual de Alfabetização do Rio de Janeiro: VW Editora, 2021, p. 57-
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NEVES, Clarissa Eckert Baeta. RAIZER, Leandro. FACHINETTO, Rochele


Fellini. Acesso, expansão e equidade na educação superior: novos desfios para
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PEREIRA, Nilton Mullet. Imagens da Idade Média na cultura escolar. Aedos:


revista do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História da
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PINHEIRO, Mirtes Emília. Desafios e perspectivas: o enfoque sobre o feminino


medieval no ensino fundamental. In: A História Medieval entre a formação de
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SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

VIANNA, Luciano José. A formação docente para a educação básica:


Descolonizando a formação de professores com a disciplina “Civilização
Ibérica”. Revista Diálogos Mediterrâneos, n. 21, p. 84-103, 2021.

20
VIANNA, Luciano José. A formação de professores para a educação básica:
reflexões e experiências sobre a prática docente e a interdisciplinaridade na
disciplina de História Medieval II. Ponta de Lança, v. 15 n. 28, p. 181-203, jan-
jun. 2021.

ZABALA, Antoni. A prática educativa como ensina / Antoni Zabala - Porto


Alegre: Artmed, 1998.

21
A ARTE E A TECNOLOGIA ATRELADAS AO
ENSINO DE HISTÓRIA: OS MEMES COMO
PRODUÇÃO HISTÓRICA PARA O GRANDE
PÚBLICO
Alvanir Ivaneide Alves da Silva

O mundo globalizado a qual estamos inseridos tem nos mostrado o quanto


estamos submersos na cultura digital, pois as produções e trocas de
informações têm ocorrido de maneira cada vez mais rápida. Sendo assim, as
práticas educacionais e a produção historiográfica crescentemente recebem
contribuições dos avanços e dinamicidade tecnológica. Segundo Marciano
Araújo (2017, p. 28), “o século XXI, foi tomado por uma discursão polêmica em
torno da educação e tecnologia”, uma vez que as mudanças e os avanços
tecnológicos vão ocorrendo de acordo com a temporalidade.

Levando em consideração que os estudantes do século XXI atuam em um


espaço dinâmico de informações, é fundamental que possam ter um
aprendizado proporcionado por meio de atividades estimuladas pelo uso das
mídias digitais na prática do ensino aprendizagem, para que seja
disponibilizado na ação, condições autênticas e reconstrutivas de
conhecimentos (BACICH; MORAN, 2017).

Além disso, faz-se necessário salientar que a disponibilidade de recursos


tecnológicos digitais pode ser amplamente favorável ao desenvolvimento do
fazer e do ensinar História, já que pode desencadear potencialidades no
processo de ensino aprendizagem. A partir desta perspectiva, visamos dar
enfoque neste artigo as possibilidades de usos de produção artística de memes
no formato digital como recurso que pode abordar temáticas históricas
diversas, em um mesmo espaço onde também pode dialogar com a História
Pública, já que está produzindo e compartilhando conhecimento histórico para
o grande público.

Como dado enfoque por Rodrigo Ferreira (2018, p. 29) onde aponta que “a
educação, seja ela escolar ou para além dos muros da escola, mantém uma
curva de projeção ascendente em meio aos debates sobre história pública”. E
“são múltiplas as práticas didáticas para ajudar os alunos a formular
conhecimento histórico escolar” (FERREIRA, 2018, p. 30), dentre elas, os
memes históricos que já vêm sendo usados na produção histórica e no ensino
de História, mas que continua presente nas mídias digitais e são curtidos e
compartilhados diariamente pelo grande público.

22
Dessa forma: “os memes encontrados no ciberespaço podem ser utilizados
como um suporte pedagógico, é necessário nos situarmos em meio a um
debate um pouco mais amplo, referente a maneira a qual estudantes se
relacionam com os recursos digitais” (SILVA, 2019, p. 174).

Além disso, é sempre importante pensarmos no uso de novas atividades, em


novos formatos ou em propostas ousadas que visem estimular os discentes a
pesquisar, analisar e compreender conhecimento histórico em sala de aula e
fora dela. Neste caso, vamos estar interligando vários campos de saberes no
ensino de História, em um mesmo espaço que vamos estar usando as
tecnologias digitais como meio de produção visual, que possibilite uma fácil
compreensão da mensagem, já que a produção da arte imagética está
baseada nos conceitos da semiótica, que segundo Dalva Ramaldes (2015), é a
área do saber que estuda sobre os signos, seus significados e todas as formas
de como o ser humano pode se comunicar, também conhecida como a ciência
das linguagens, pois é possível se comunicar através da fala, da escrita, de
gestos e de imagens, dessa maneira, como a semiótica auxilia na
compreensão dos processos comunicativos ao relacionarmos com a linguagem
mista, por meio dela o leitor visual pode entender e correlacionar as imagens e
as palavras ou frases curtas na composição do meme. A arte na semiótica
“significa dar expressão (forma), por meio de linguagens, ao que se quer
manifestar (conteúdo)” (RAMALDES, 2010, p. 15).

E segundo Sílvio Cadena (2017, p. 7) os memes são “imagens estáticas


associadas a textos ou não, ou o texto em formato de imagem (gif, png, jpeg)
que foram produzidas e circuladas em redes sociais”, ele também frisa que a
produção memética pode ou não ser dotada de humor. Por meio das
tecnologias digitais, os memes tem alcançado diversos espaços em tempo real,
e compartilha símbolos, expressões culturais e significados múltiplos através
da internet. Porém, vale salientar que:

“A presença dos historiadores nas redes sociais na internet é ainda mais


desejável porque esses espaços são frequentemente inundados por conteúdos
de história de má qualidade, incompletos, imprecisos, errôneos e até mesmo
mal-intencionados. Ocupar estes espaços com editores comprometidos com a
circulação e a recepção responsável do saber histórico é fundamental para
combater a entropia que ameaça boa parte da Internet” (CARVALHO, 2016, p.
41).

Neste caso, produzir história para o público segue um caminho de mão dupla,
pois se faz necessário uma produção com uma linguagem mais simples e com
uma didática que seja mais atrativa, porém isso não é a mesma coisa de
perder a cientificidade, é necessário produzir materiais que mantenham uma
análise crítica e reflexiva, com o intuito de aproximar a História do seu público,
como é o caso dos memes, uma produção que chega até a geração digital,
levando em consideração que os memes dotados de humor devem ser

23
produzidos cuidadosamente para não promulgarem visões excludentes,
preconceituosas ou intolerantes em nossa sociedade.

E como a internet tem sido acessada por um número cada vez maior de
usuários, principalmente por educandos, se torna um meio propicio também
para a produção e compartilhamento de saberes, pois quando espaços digitais
são atrelados as práticas de ensino aprendizagem, eles passam a integrar a
realidade dos nossos alunos, sendo assim, os memes podem ser usados como
uma ferramenta alternativa para o ensino de História.

“Essas diferentes formas de mídias que se dedicam a divulgação do


conhecimento histórico para o público não especialista, e que são também
utilizadas no ensino da disciplina, permitem sua analise sob o ponto de vista da
história pública. Elas mobilizam o conhecimento histórico academicamente e
reorientam para o consumo” (FONSECA, 2016, p. 191).

Assim sendo, o ensino de história e a produção de arte imagética nas redes


sociais são centrais para o desenvolvimento do campo da História Pública,
nesse sentido, citamos como produção histórica para o grande público o Museu
dos Memes, uma ferramenta de comunicação disponibilizada na internet, a
qual foi desenvolvida em parceria com pesquisadores e estudantes do
Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da
Colaboração (coLAB), vinculado à Universidade Federal Fluminense. O museu
organiza oficinas e exposições com o intuito de preservar a memória dos
memes de internet, em um mesmo espaço de fácil acesso para o público ativo
e consumidor de materiais digitais. Sendo possível de acessa-lo no site: <
https://museudememes.com.br >.

Fonte: https://museudememes.com.br
Página inicial do Museu dos Memes. Acesso em: 19 de junho de 2022.

Também podemos citar a página Memes Históricos, criada em 2015 e


disponibilizada na plataforma social Facebook, sendo um espaço de produção
e divulgação de conhecimento histórico para um público amplo de pessoas,

24
pois a mesma possui mais de 80 mil curtidas e seguidores. Podendo ser
acessada através do link: < https://www.facebook.com/memesd4histori4 >.

Fonte: https://www.facebook.com/memesd4histori4
Página inicial do Facebook Memes Históricos. Acesso em 19 de junho de 2022.

Ambas as plataformas digitais são recursos disponíveis ao acesso do grande


público e podem ser materiais na qual professores podem utilizar nas aulas de
História. O docente estará mediando e interligando diferentes espaços e
tornando as aulas mais lúdicas. Já que “os memes também podem ser usados
em sala de aula para sintetizar a ideia de um conceito, um momento histórico
ou experiência, desenvolver a criatividade e a colaboração e promover a
autoria entre professores-alunos e alunos-alunos” (SANTOS; CARVALHO,
2019, p. 8).

Com o Museu dos Memes o professor pode utilizá-lo de diferentes formas,


realizando debates em sala através da discussão de algum meme, pode
explorar as exposições e os acervos, trabalhar conteúdos da
contemporaneidade, inclusive os políticos como demonstrado na página inicial
do museu, além disso, pode instigar nos alunos a perspectiva de que memes
não é apenas uma produção imagética engraçada e sem seriedade, mas que
também podem ser produções de pesquisadores e historiadores, que por meio
das produções visam compartilhar saber históricos e culturais.

Já com a página do Facebook, os Memes Históricos, o docente pode fazer uma


seleção de memes previamente e levá-los para a sala de aula, levando em
consideração a temática que esteja trabalhando, para que o ensino
aprendizado ocorra de forma contínua e proposital, provocando o olhar
reflexivo, o debate crítico e a interpretação dos assuntos produzidos nas
imagens meméticas.

Nesta perspectiva, frisamos que apenas o simples acesso ao meme não quer
dizer que será produzindo uma ligação de saberes, é necessário a mediação
do docente, como defendido por Maria Souza (2019), onde ela frisa que para
que ocorra um entendimento e uma compreensão do meme é fundamental a

25
participação do professor, pois é ele quem irá previamente destacar o conteúdo
em sala, provocar questionamentos, a fim de criar meios onde os discentes
possam relacionar o significado com o significante, proporcionando que o aluno
estude o conteúdo exposto e interprete o contexto de informação desenvolvido.

Já que, “as atividades que os professores realizam no coletivo escolar,


supondo o desenvolvimento de certas atividades materiais, orientadas e
estruturadas. Tais atividades têm por finalidade a efetivação do ensino e da
aprendizagem por parte dos professores e alunos” (PIMENTA; LIMA, 2006, p.
12).

Quando o professor traz a prática da interdisciplinaridade para sala de aula, ele


possibilita meios para a “liberdade de aprender; ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber” (LDBEN 9394/1996), propiciando que
na educação básica o discente tenha plena formação e permanência na escola,
se tornando apto e preparado para exercer a sua cidadania, atuando
ativamente enquanto cidadão crítico, compromissado e com acesso a história
pública.

A realização de aulas interligando espaços formais e não formais no ensino de


História de acordo com Marcus Martins, Alexandre Barbosa e Carmem Gabriel
(2020), manifesta uma relação de passado e presente aos seus alunos, e se
tratando da disciplina e ciência História que abordam fatos históricos e
culturais, é possível contribuir para a mudança de paradigmas que acabaram
sendo promulgados socialmente, e colaborar para a propagação de um ensino
aprendizagem histórico de comum acesso ao público. Já que “a disciplina
escolar História deve contribuir para a formação de pessoas, balizada por
princípios éticos, estéticos e de cidadania” (LDBEN 9394/1996).

Os educandos vão estar analisando e compreendendo um conteúdo que faz


parte do seu dia a dia, visto que eles estão constantemente curtindo e
compartilhando memes na internet, além disso, irá instigar neles a capacidade
de produção artística, a sutileza de estar atentos ao detalhe da obra, da
composição dos elementos usados, da compreensão do contexto, etc., já que
de acordo com Costa (2005, p. 32), “os mais diversos campos do saber, da
produção e da comunicação humana, se apoiam na linguagem visual ou na
representação imagética”.

O professor nessa abordagem, enquanto historiador, coloca diante dos alunos


novas práticas de construir o aprendizado e de partilhar conhecimento histórico
para um público amplo, de forma interdisciplinar, lúdica e atrativa.

Proposta de atividade
Além do nosso enfoque central na qual analisamos sites que produzem e
divulgam produções meméticas de forma digital como recurso propicio ao
ensino de história e a propagação do fazer história pública, também é proposto
a sugestão de uma atividade pedagógica, onde ao invés de os docentes
levarem para sala de aula apenas os memes já prontos, os quais são

26
disponibilizados em rede, mas que eles proponham a própria produção digital
dos memes aos alunos.

Sendo assim, os alunos terão um espaço de tempo delimitado pelo professor e


de acordo com a temática que estejam trabalhando na sala de aula, possam
produzir digitalmente como atividade extraclasse. Podendo utilizar programas
como o powerpoint, aplicativos como o canva, ou qualquer outra plataforma na
qual eles estejam mais habituados. Os memes podem ter apenas linguagem
não verbal ou podem ter linguagem mista, os alunos devem se atentar para
produzir uma arte que possa ou não gerar humor, já que são memes, mas ao
mesmo tempo devem se atentar a composição dos signos, dos elementos,
tonalidades, imagens, etc., para que no final seja possível olhar e
compreender. E em seguida seja realizado uma culminância em sala para
apresentação dos memes, para que os colegas entre si possam analisar e
tentar compreender a mensagem produzida nas composições meméticas,
debatendo sempre que necessário e interligando os assuntos.

Está proposta foi pensada visando que os discentes da educação básica


possuem familiaridades com os recursos tecnológicos, dessa forma, faz-se
necessário essa ligação diversificada, pois como defendido por Caetano
(2015), o uso das tecnologias no meio educacional possibilita novas formas de
aprendizagem, dando autonomia para que os alunos possam ampliar suas
práticas de pesquisa e construir suas aprendizagens.

A sala de aula se torna um local interativo, pois o aluno tem liberdade de


questionar, perguntar, tirar suas dúvidas e uma das atividades utilizadas nesse
método é a produção artística no campo da história, que para ocorrer também
necessita da pratica de pesquisa, pois os alunos fora da escola continuarão
ampliando seus conhecimentos e desenvolvendo novos. Nesse ponto, os
recursos tecnológicos estão cada vez mais atrelados ao ambiente de ensino,
assim como a produção de materiais didáticos que contribuem para a
diversificação de atividades propostas e desenvolvidas, além disso, teremos a
produção e compartilhamento de história pelo público e para o próprio público.

O educador então consegue desenvolver aulas positivas com o apoio


tecnológico e dialógico, construindo um ensino de História também de análise
visual, o que desencadeia questionamentos e reflexões nos alunos, pois como
é defendido por Leandro Karnal (2007), a História tem importância fundamental
em nosso meio social, mas é necessário que seja bem produzida e divulgada
para que venha ter uma aproximação reflexiva e libertadora com o seu público.

Nessa perspectiva, a produção memética se articula com os conteúdos


históricos, proporcionando um ambiente que compartilha uma educação
organizada e rica em saberes, onde o ensino humanizado é capaz de contribuir
para formação intelectual e social, já que a “História escolar não pode ignorar
os conceitos espontâneos formados por intermédio de tais experiências"
(BITTENCOURT, 2008, p. 189).

27
O ensino de história desenvolvido de forma participativa, estimulando a
autonomia do estudante, alcança um público maior de pessoas e ainda
contribui como mais uma ferramenta para a mudança do (pré) julgamento de
que a história é uma disciplina pautada em memorização de datas e distante da
realidade. Mostrando as possibilidades de compreensão do mundo a partir do
conhecimento e reflexão histórica, em razão que, “uma sala de aula, assim
experenciada, implica em reconhecer os saberes envolvidos em contato e em
dialogo” (FERREIRA, 2018, p. 30).

Por fim, é compreensível que o ensino de história tem intensificado o diálogo


com a história pública, pois as diversas práticas de produção, divulgação e
disponibilidade de acesso do conhecimento histórico ao público, tanto na sala
de aula quanto fora dela, tem potencializando as práticas de ensino de história
e de história pública, pois “o processo de elaboração e significação histórica,
que considere os modos de divulgação, é a essência dessa prática”
(FERREIRA, 2018, p. 31).

Referências biográficas
Alvanir Ivaneide Alves da Silva, mestranda de História da Universidade Federal
Rural de Pernambuco.

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29
“JOGANDO” EM SALA DE AULA, HEIN? O
ENSINO DA HISTÓRIA COM USO DE RPG
Antonio Carlos Figueiredo Costa

A intenção do presente trabalho é estimular práticas renovadoras ao ensino da


História, favorecendo a que sejam interpeladas epistemologicamente a teoria
da História, sob o paradigma da Teoria da Consciência Histórica e sua Didática
própria. Nesse contexto, a legislação educacional afinada com essa discussão
também passa a ser contemplada. A narrativa que será desenvolvida envolve
experiências de formação de professores no ensino superior, e com isso
pretende encorajar a que docentes que atuam no Ensino Básico adotem os
jogos como prática no chão da Escola.

No anacrônico discurso que permeia a defesa do conhecimento bancário como


válido para a Educação é comum considerar a prática do jogo como algo
destinado aos momentos de lazer, espécie de prêmio, concessão externa
portanto ao ambiente da sala de aula. Nessa linha de pensamento, cabe
reconhecer a defesa de uma educação mantida por certa tradição conteudística
da parte de algumas instituições de ensino, que mesmo que inadvertidamente,
apóiam os rankings de competitividade veiculados na imprensa. Nesse
contexto, profissionais da educação parecem se unir à doxa dos leigos para
declarar que o jogo seria uma atividade limitada ao lazer, destinada portanto
aos momentos de descanso.

Contudo, e parafraseando Karl Marx, é sabido nas lides de Clio que ‘um
espectro ronda a história escolar’. Tal ameaça pode se apresentar sob diversas
formas: a constatação de um presente contínuo no qual vive grande parcela
dos jovens na contemporaneidade, denunciada por Eric J. Hobsbawm há
algumas décadas (HOBSBAWM,1995); a percepção de abordagens
antiquadas, mantidas geração após geração em nossas salas de aula, no caso
da História do Brasil ainda fortemente inspiradas nos chamados ‘Quadros de
Ferro’ de Varnhagen – ou seja, a matriz explicativa da história brasileira –
relatados por Capistrano de Abreu (ABREU apud. RODRIGUES,s.d.), e mais
recentemente problematizados por Arno Wehling (1999). E, conforme também
sabemos, há de se acrescer a insistente presença nos livros didáticos, espécie
de reflexo do resistente culto aos ídolos da ‘tribo dos historiadores’ – o ídolo
político; o ídolo cronológico; e, o ídolo individual – conforme denunciado há
mais de um século por François Simiand (SIMIAND, 2003), e que ainda hoje
encontramos no cotidiano das salas de aula de História.

30
Nada (havia) de novo no “front”
Nas disciplinas de Currículo Mínimo Comum de História (I e II) levadas a efeito
respectivamente no 5º e 6º Períodos dos cursos de Licenciatura em Pedagogia
da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), costumo realizar
enquetes que procuram identificar o “estado da arte” das aulas de História em
nossas escolas. O público discente é constituído majoritariamente por
graduandos jovens, que realizaram suas caminhadas nos bancos escolares do
ensino fundamental há pouco mais de uma década. As perguntas versam
sobre suas experiências com a disciplina de História, e um dos meus objetivos
é que reflitam quanto à adoção de uma Didática voltada ao ensino da História,
bem como estimular o conhecimento de estratégias de ensino que mantenham
afinidade com a Teoria da Consciência Histórica.

Meu questionamento costuma ser o seguinte: “...como foram suas experiências


com a disciplina História, quando cursava o Ensino Fundamental I?“ Os relatos
abaixo foram coletados durante o I Semestre Letivo de 2022:

Graduanda 1: [...] em minhas experiências com a disciplina de História


ocorreram dois extremos. Me lembro de quando ouvia [sic] a aula e ia o
caminho inteiro de casa contando tudo que havia sido estudado naquele dia
para minha mãe, pois estava admirada com as aulas. Mas, com o passar do
tempo, a matéria ficou desinteressante, pois se tornou o ato de decorar, saber
de cor as datas, as linhas do tempo. O que antes fora algo tão prazeroso, se
tornou automático e decorativo. (Curso – Licenciatura em Pedagogia/UEMG,
unidade acadêmica Ibirité)

Graduanda 2: [...] Minhas experiências com a disciplina de História não foram


positivas. Lembro que nunca fui muito boa em decorar datas e algumas
informações...(...)...o ensino de História não deve ser massacrante e ficar
somente em decorar, existem outros métodos para que o ensino seja mais
eficaz. (Curso – Licenciatura em Pedagogia/UEMG, unidade acadêmica Ibirité)

Graduanda 3: Me lembro vagamente sobre as minhas experiências do


Fundamental, mais em relação à matéria que estudei, não lembro nada muito
marcante. Porém sei que gostava muito da Professora. Ela era divertida, porém
eu não gostava tanto da matéria [História]. Era sempre leitura no livro, e logo
após atividade, aulas algumas vezes cansativas. Ela fazia uma atividade onde
era pedido que decorássemos datas importantes. Depois, sentávamos todos
em roda, e ela ia falando a data e sorteando o nome de um aluno para dizer o
que aconteceu nessa data. Lembro que sentia um desespero, pois nunca fui
boa gravando as coisas, mas tinha que decorar todas aquelas datas e
acontecimentos, mas conseguia e dava conta de fazer as provas e isso era o
que importava para mim naquela época. Hoje vejo a Educação e o ensino de
outras formas, e consigo analisar e perceber os erros que tive na minha
própria educação, e o objetivo como professora é não repetir os mesmos erros.
(Curso – Licenciatura em Pedagogia/UEMG, unidade acadêmica Ibirité)

31
Os relatos se repetiram nessa mesma toada. Com efeito, dessa forma,
acreditamos estar autorizados poder adiantar algumas observações, ainda que
provisórias: 1. Que a História pode ser fascinante aos ouvidos, mas
massacrante e cansativa se tornada objeto de “decorebas” em torno de datas,
nomes e locais; 2. Que apesar de todo um esforço editorial para tratar da
Didática da História, conforme podemos verificar em textos sobejamente
utilizados na formação de professores, como os assinados por Selva
Guimarães Fonseca (2003) e Circe Maria Fernandes Bittencourt (2008); ou
ainda organizados por Leandro Karnal (2010), e mais uma vez, Circe
Bittencourt (2009), o conhecimento que essas obras já clássicas procuram
divulgar, ao que parece, acaba não sendo posta sistemática e efetivamente em
prática nas salas de aula, face aos relatos que remetem às memorizações,
sabatinas e as temidas ‘provas’; e, 3. Que há uma certa disposição em nossos
futuros professores no sentido de adotar ‘métodos de ensino mais eficazes’,
com vistas a não repetir os mesmos erros de seus antigos professores,
tornando assim o processo de ensino-aprendizagem da História algo mais
prazeroso, e menos automático e decorativo. Em suma, face ao relato dos
profissionais em processo de formação, existe uma vontade sincera que o
aprendizado da História seja realmente um instrumento para a práxis vital
humana na sua travessia entre os tempos pretéritos e o horizonte de
expectativas.

Nesse sentido, talvez seja possível avançar que a teoria da consciência


histórica pode conter grande potencial heurístico não somente para criticar
eventos educacionais em desacordo com nossos discursos ‘freirianos’, mas
também enfeixar um conjunto de soluções para o professorado brasileiro, caso
tenha a mesma acolhida experimentada em países tão diversos do mundo
germanófilo, tais como Portugal, Espanha, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra
e África do Sul, para ficarmos apenas nesses exemplos.

Colocando as “mãos na massa”, ou, onde o “chão poderá afundar...”


Em Simpósio ocorrido no ano de 2020 uma professora do Maranhão me
perguntou como poderia implementar os jogos em sala de aula. Ela
coordenava algumas escolas da rede pública de ensino do seu Estado, e
desejava saber como as professoras, no “chão de escola” deveriam colocar as
“mãos na massa”. A minha resposta foi sugerir um RPG de mesa. Conforme
sabemos se trata da abreviatura da expressão em língua inglesa role-playing
game, que significa, em tradução livre, jogo de interpretação de papéis, com
jogadores assumindo papéis, ou ainda, encarnando avatares.

A proposta do presente trabalho é justamente aprofundar um pouco mais os


esclarecimentos do parágrafo anterior, e com isso, oferecer alguns recursos
aos artífices de Clio, em suas lides no ensino básico. Conforme defendeu o
professor Jörn Rüsen (2014), o que devemos aprender com o passado humano
é justamente o que o torna significativo enquanto História, o que
corresponderia a dizer que não nos cabe tratar do passado como tal, da mera
reprodução e conhecimento de fatos históricos, mas “...da diferença temporal

32
qualitativa que se manifesta nos fatos e na qual o passado de modo geral pela
primeira vez adquire significado histórico” (RÜSEN, 2014, p. 186).

Em suma, tanto Jörn Rüsen (RÜSEN, 2015), mas também conceituados


divulgadores de suas obras, tais como Estevão de Rezende Martins (2002) ou
Marcelo Fronza (2016), expressam opiniões acerca das possibilidades de
utilização daquilo que seria uma historiografia latu sensu, na forma de produtos
culturais que habilitem o conhecimento histórico na forma multidimensional
como cognitivamente válido à trajetória humana. Evidentemente que estamos
nos referindo às dimensões política e estética presentes na consciência
histórica. Se a dimensão política ou do poder estabelece o vínculo com um
passado público, fortalecendo ou ainda desnaturalizando uma identidade
adscrita à ação do poder legal, cabe à dimensão estética realizar aquilo que
Marcelo Fronza identificou como “...um dos atos cognitivos mais difíceis de
serem alcançados por professores e estudantes” (FRONZA, 2016, p. 63). O
autor se referiu à empatia, que para ele “...exige que a experiência do outro no
tempo seja internalizada pelos jovens de modo intersubjetivo” (FRONZA, 2016,
p. 63).

Ainda para esse autor:

“Para conquistar a empatia o método científico da aprendizagem histórica deve


lançar mão da imaginação, da fantasia e da estética, pois elas têm o poder de
ser um túnel do tempo ao aproximar valores e sentimentos antigos e
contemporâneos. A história é, portanto, uma experiência de passagem entre o
passado, o presente e o futuro. Esta é sua dimensão lúdica. A empatia é,
também, o caminho para que os jovens construam, a partir da lógica do método
histórico, um ‘julgamento retrospectivo’ que mobiliza e controla a fantasia e a
dimensão estética da narrativa sobre o passado”. (FRONZA, 2016, p. 63-64).

Daí a força da teoria da consciência histórica, conforme nos lembra Jörn Rüsen
(2011; 2015): 1. Realizar uma espécie de retomada da didática como centro de
reflexão dos historiadores, re-incluindo na paleta das competências acerca da
reflexão histórica racional – a dimensão científica ou da verdade – aproximando
com isso, a teoria da história da didática da História; 2. Incluir no âmbito dessas
reflexões a contribuição de uma historiografia que vai além da produção de
historiadores, e que aproveita os esforços de cineastas, romancistas,
chargistas, dramaturgos e designers de jogos. Tratemos especificamente
desses últimos. Cumpre observar que os jogos constituem, juntamente com a
fala e o culto, as grande atividades arquetípicas das sociedades humanas
(HUIZINGA, 2010) .

Dessa forma passamos a descrever sucintamente o alinhamento de um jogo


denominado “A aventura do Descobrimento” que visa representar a travessia
do mar oceano pela frota comandada pelo navegante português Pedro Álvares
Cabral, o qual tomou posse de parte das terras do continente americano em
nome do rei de Portugal, D. Manuel I, em Abril de 1500. Praticamente todos os
jogos ditos de ‘tabuleiro’ ou rpg’s de mesa contemplam repertórios bastante

33
conhecidos. Assim, é possível aproveitar as memórias algo ‘afetivas’ dos jogos
familiares: respeito às regras; perseguição de interesses; desafios; conquistas
de objetivos; cooperação entre participantes; ‘punições’ com pagamento de
multas, etc...

Conforme podemos perceber, a tarefa consistiria então em adaptar essas


experiências para um RPG de mesa em um jogo de interpretação de papéis no
qual avatares atuarão perseguindo objetivos específicos. Assim teremos as
elites portuguesas (rei, nobreza, altos funcionários); os servidores subalternos:
marinheiros, soldados, ‘arraia miúda’, etc...; indígenas; comerciantes das
“Índias”; Padres; entre outros, representados por cartas escolhidas pelos
participantes. Dessa forma, o jogo foi preparado para que quatro equipes
atuem, cada uma delas composta pelo conjunto de avatares acima nomeados.
A equipe fica representada no tabuleiro por uma nau, conforme a figura 2,
construída como uma miniatura da nau do descobrimento, representada na
figura 1.

Como nos lembra Jörn Rüsen (2009), o trabalho interpretativo da cultura


histórica é aproveitar na plenitude a potencialidade das três dimensões da
consciência histórica: a ético-política; a cognitiva (a travessia temporal com a
utilização da experiência pretérita de um determinado passado público com
vistas à práxis vital humana); e, a estética (RÜSEN, 2009). No sentido estético,
lembremos que, apesar de se tratar de um jogo, situação claramente fictícia,
lidamos com mentes muito jovens, que estão na fase do pensamento concreto,
conforme a teoria do desenvolvimento proposta por Jean Piaget (MOREIRA,
1999). Para plataforma do jogo foi utilizada uma reprodução em tamanho
reduzido (formato A3) do planisfério de Cantino (fig.3.), portulano
encomendado por Alberto Cantino no ano de 1502. A utilização de uma carta
náutica dessa natureza se impõe na mesma medida da aparência dada às
naus, ou seja, aproximar ao máximo possível a aparência do jogo (carta
náutica da época, naus), com vistas a estimular o interesse cognitivo do
alunado.

Fig. 1. Nau do descobrimento. Fonte: https://www.wikiwand.com/pt/Caravela

34
Fig. 2. Miniatura para RPG de mesa. Fonte: acervo do autor.

Fig. 3. Tabuleiro do RPG de mesa ‘A aventura do descobrimento’. Fonte:


acervo do autor

Enfim, diríamos que na procura da forma, que ‘o chão não afunde sob os
nossos pés’, e que a expectativa de experiências de ensino aprioristicamente
tão relevantes, não sejam frustradas pelo descompasso entre o formato
pretendido e sua execução material.

Cuidados não somente com a forma, pois há também o conteúdo...


Além do ‘chão que não deve afundar’, lembremos que também há o ‘teto que
poderá desabar sobre nossas cabeças’. Esteja claro aqui que tratamos
metaforicamente de dois aspectos centrais que ajudam a formatar as
atividades no ensino da História: a historiografia, de certa forma transposta
para o livro didático, e a legislação. Cumpre tratar inicialmente do último desses
aparatos. Consideremos aqui, além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB (BRASIL, 1996); dos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCN’s (BRASIL, 1997); e, da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,s.d.).
Todos esses instrumentos legais recepcionam as novas linguagens para o
ensino, com uso da criatividade e ludicidade.

35
Um aspecto a merecer cuidado especial seriam as fontes bibliográficas que nos
amparem na narrativa. No caso da expedição comandada por Cabral em 1500
é possível algumas indicações de fácil consulta: 1. A obra intitulada Lisboa
ultramarina: 1415 – 1580 (a invenção do mundo pelos navegadores
portugueses), organizada por Michel Chandeigne (CHANDEIGNE, 1992)
oferece uma visão que, embora geral, se afirma como incontornável para
pensarmos a filosofia que presidia as chamadas ‘grandes navegações’; 2. O
livro Formação do Brasil Colonial, da lavra de Arno Wehling e Maria José
Cavalleiro de Macedo Wehling (WEHLING; WEHLING,1994) propõe uma visão
bastante equilibrada do avanço português face à conjuntura dos séculos XV e
XVI, com a formação do Império Ultramarino Português; e, 3. O livro Brasil:
uma biografia, obra inovadora assinada por Lilia Moritz Schwarcz e Heloísa
Murgel Starling (SCHWARCZ; STARLING, 2015) oferece um convite
irrecusável para abordagem de temas relevantes, a começar pelo capítulo
intitulado ‘Primeiro veio o nome, depois uma terra chamada Brasil’.

Considerações finais
Levada à sala de aula, a Teoria da Consciência Histórica, com a Didática da
História, pode nos oferecer experimentos com grande probabilidade de êxito.
Como qualquer inovação, ela requer certa preparação intelectual, onde o
estudo dos textos teóricos articula-se à legislação educacional. Esse cuidado
oferecerá a segurança ao professorado que mais do que uma simples
inovação, procura despertar nos seus alunos um sincero interesse pela
História. O restante dependerá de certa dose de imaginação e criatividade. E
que Clio possa se orgulhar dos seus futuros e sinceros esforços.

Referências biográficas
Prof. Dr. Antonio Carlos Figueiredo Costa, professor da Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG), unidade acadêmica Ibirité. Este trabalho
conta com uma bolsa de produtividade em pesquisa concedida pela UEMG,
entre os meses de Dezembro de 2021 e Dezembro de 2022. Aproveito para
agradecer a confiança, interesse, simpatia e paciência que tenho recebido, em
meus experimentos, da parte de minhas queridas Alunas e Alunos do Curso de
Pedagogia da unidade acadêmica Ibirité, a quem dedico esse trabalho.

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SIMIAND, François. Método histórico e ciência social. Bauru: Edusc, 2003. A


primeira edição é de 1903.

38
MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E LUDICIDADE:
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM JOGO DE
HISTÓRIA LOCAL
Carlos Eduardo Ströher e Tatiane Kaspari

É possível ensinar e aprender História jogando? Certamente, trata-se de uma


pergunta usual e de resposta previsível dentro do campo do ensino de História.
Sim, é viável e até desejável utilizar estratégias lúdicas para a docência. Mas
como utilizar-se dos recursos pedagógicos de um jogo de forma efetiva e
produtiva?

Esse texto, em formato de ensaio, propõe-se a trazer uma breve descrição e


análise do processo de construção coletiva de uma proposta de jogo de
tabuleiro com a temática da história local de uma cidade do interior do Rio
Grande do Sul. Sem pretensões de tecer considerações mais aprofundadas
sobre o recorte escolhido, pretendemos refletir sobre os desafios que
envolveram a elaboração dessa proposta, especialmente sobre as dificuldades
de lidar com os conflitos que envolvem a re(construção) de memórias de
sujeitos e locais históricos.

Iniciamos este texto contextualizando brevemente o processo histórico de Bom


Princípio, local que ambienta esse jogo. Depois, caracterizamos o processo de
elaboração do material didático para, em seguida, analisar de que forma esse
recurso lúdico pode contribuir para pensarmos como o ensino de história
problematiza as memórias do patrimônio local, bem como as relações de
gênero e raça que envolvem os sujeitos históricos.

O município de Bom Princípio, que serve de cenário ao jogo, localiza-se no


Vale do Rio Caí, no estado do Rio Grande do Sul. A cidade interiorana
emancipou-se de São Sebastião do Caí em 1982, ocupa uma área de 88,504
km² e tem uma população estimada em 14.055 (IBGE, 2019). A agricultura
familiar e o setor moveleiro são os destaques econômicos da cidade,
conhecida como a Terra do Moranguinho (Bom Princípio. Site oficial, 2022, on-
line).

Fontes oficiais, como os sites dos municípios da região do Vale do Rio Caí,
ecoam um discurso enraizado na cultura local, que enaltece seu processo
histórico a partir da presença de imigrantes europeus, sem menções a outros
grupos. Exemplifica essa concepção o excerto que segue, divulgado pela
AMVARC (Associação dos Municípios do Vale do Rio Caí):

39
“A história da colonização do Vale do Caí começa por volta de 1738,
quando imigrantes portugueses chegaram à região de Capela de Santana,
então Município de Triunfo. Deixando Porto Alegre, trouxeram as mudanças
pelo Rio dos Sinos e Rio Caí, cerca de quarenta quilômetros em direção norte.
[...]
Em 1824 chegaram a São Leopoldo os primeiros imigrantes alemães.
Rapidamente os colonizadores foram estabelecendo-se cada vez mais para o
interior, motivado pelo grande número de filhos por família e lotes iniciais de
apenas 48 hectares.
[...]
No Século XIX e início do Século XX, outras etnias europeias também vieram
somar-se ao tabuleiro social do Vale do Caí. Porém, não chegaram a formar
núcleos urbanos diferenciados.
(AMVARC, 2002, on-line. Grifos nossos.).

Alinhado ao discurso de enaltecimento ao elemento étnico de origem europeia,


o site institucional de Bom Princípio valoriza a origem germânica como traço
fundamental de sua identidade cultural.

“A história de Bom Princípio inicia muito antes da emancipação em 12 de maio


de 1982, está situada entre a Grande Porto Alegre e a Serra Gaúcha, no Vale
do Rio Caí. Ela foi colonizada pela origem alemã, ainda hoje a maior parte
das pessoas que residem no município são de origem alemã.
[...]
O primeiro nome de Bom Princípio teria sido Serraria, por volta de 1814, época
em que a atual área do município pertencia a Luiza Theodora Feijó. Isso foi
bem antes da colonização alemã, em um tempo que tudo ainda era mata,
repleta de trilhas percorridas por índios caingangues.
[...]
Em 1840, o imigrante João Guilherme Winter, vindo da cidade alemã de
Klüsserath, comprou uma grande quantidade de terras junto ao Rio Caí e
Arroio Forromeco. O local passou a ser chamado de Wintersohnschneiss
(Picada de Winter Filho, em alemão). Quatro anos depois, o nome já havia sido
reduzido para "Winterschneiss" (Picada do Winter). Este nome, apesar de não
constar em nenhum documento oficial, ainda é lembrado e até usado algumas
vezes para designar Bom Princípio, principalmente pelos mais velhos. Já o
nome "Bom Princípio" teria sido criado em 1853, pelo comerciante Philip Jacob
Selbach, para que a localidade tivesse um nome em português.” (BOM
PRINCÍPIO. Site oficial, 2022, on-line. Grifos nossos.).

Os povos originários são mencionados no texto como um aspecto da paisagem


natural, em uma abordagem contrastiva com o europeu. De um lado, estão os
cainguangues, que são nômades e percorrem trilhas pela natureza, sem
edificar ou modificar significativamente o espaço natural. De outro lado, estão
os imigrantes europeus, que, além de colonizar e mercantilizar a terra, dão-lhe
um nome. Embora não seja escopo do presente ensaio discutir a aculturação

40
decorrente da imposição linguística - dupla, neste caso, pois transpassada
pelos idiomas alemão e português -, sobressalta a marca de posse impressa
pelo nome Winterschneiss, sinalizando que a terra - e, daí, a cultura nela
cultivada - pertence àqueles que a transformaram, modificando a paisagem
natural.

De maneira geral, há uma carência de escritos mais detalhados do processo


histórico da região do Vale do Rio Caí, geralmente compilados em publicações
de memorialistas e jornalistas. Eles constituem-se de genealogias dos
municípios e se baseiam na compilação de documentos escritos, fotografias e
relatos orais de personalidades locais, como políticos proeminentes.

Diante desse panorama, em 2020, foi elaborado um projeto pedagógico pela


Secretaria Municipal de Educação, intitulado “Faço parte dessa história”. O
objetivo da proposta era viabilizar produção e divulgação de materiais e de
ações educativo-culturais de valorização do patrimônio histórico local, visando
à preservação das memórias das comunidades de Bom Princípio.

Entre as ações do projeto estava a produção de um jogo de tabuleiro sobre a


história do município. A proposta recebeu a seguinte descrição: “[...] produção
de um jogo pedagógico de tabuleiro (em formato físico) tendo Bom Princípio
como base, contemplando aspectos históricos e culturais do município, com
destaque para as construções arquitetônicas inventariadas da Rua Irmão
Weibert. O jogo será destinado aos alunos da rede pública do Ensino
Fundamental, estimulando a valorização do patrimônio e da memória local
através da ludicidade e resgatando o hábito dos jogos de tabuleiro com
enfoque na cultura local” (BOM PRINCÍPIO, Decreto Municipal n° 78/2020, de
07 de Julho de 2020).

Estruturada a proposta, foi dirigido um convite a todos os profissionais de


educação do município para que se integrassem à equipe de produção do jogo.
Em julho de 2020, consolidou-se o grupo de trabalho com 13 professores e
auxiliares de ensino da rede municipal, atuantes em diferentes etapas de
escolarização, Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental,
e com formações em diferentes áreas de conhecimento. Em razão do contexto
da pandemia da Covid-19, os trabalhos ocorreram prioritariamente de forma
remota, através de encontros virtuais que ocorreram entre julho e outubro do
referido ano, além de três momentos presenciais para testagem dos protótipos
do jogo. Para verificar as efetivas condições de jogabilidade, o último encontro
de testes foi realizado com a participação de alunos das escolas.

O “Jogo Bons Princípios”, em sua apresentação direcionada aos estudantes do


Ensino Fundamental, informa que “foi pensado como uma forma divertida de
você aprender sobre a história e a geografia de Bom Princípio. Há dois níveis
de jogabilidade. O nível básico possui uma dinâmica mais simples e é
recomendado para seu primeiro contato com o Jogo Bons Princípios. O nível
avançado exige maior raciocínio lógico dos jogadores e, por isso, é

41
recomendado para quando você já tiver executado o jogo no nível básico”
(Jogo Bons Princípios, 2020).

A narrativa do jogo constrói-se a partir de um questionamento: O que há depois


do Paredão?. A pergunta remete a um túnel de pedra existente na cidade e que
se constitui em um local de interesse histórico e turístico no âmbito local.

Trecho das Regras do Jogo - Nível Básico.


Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

Conforme a imagem anterior, retirada do manual de regras do jogo da


modalidade básico, há uma narrativa que inicia o jogo e traz um enigma a ser
resolvido. O jogo também é apresentado a partir de um Mestre dos Princípios,
“guardião do passado”, que organiza e apresenta posteriormente as regras do
jogo. Na versão avançada, a narrativa é alterada, apresentando um novo
enigma.

A opção pelos níveis básico e avançado foi justificada pela necessidade de


construir um jogo que não fosse rapidamente esgotado pelos estudantes ao
jogar. A proposta é que o nível básico seja acessível a alunos a partir de 10
anos de idade, estudantes do 4º e do 5º ano do Ensino Fundamental, etapas
em que as temáticas da história e geografia local geralmente são abordadas
em sala de aula.

42
O tabuleiro do jogo é constituído pela representação adaptada do território de
Bom Princípio, marcada por elementos naturais, como o túnel de pedra do
Paredão e as vias fluviais do Rio Caí e do Arroio Forromeco. O caminho central
representa a Rua Irmão Weibert, via centenária que foi a primeira aberta no
início da colonização da cidade pelos imigrantes alemães. Irmão Weibert foi um
religioso francês da Congregação dos Irmãos Maristas, que chegou em Bom
Princípio, em 1900, com o intuito de atuar na educação local. Devido a sua
importância, seu nome posteriormente foi colocado na rua em que ele e seus
colegas religiosos estabeleceram uma das primeiras escolas da região.

Layout do tabuleiro do jogo.


Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

Observando a imagem do tabuleiro do jogo, percebe-se que este cria uma


ambiência o território de Bom Princípio. O que guia o jogo são os “Bons
Princípios”, representados por palavras-chave que estão relacionadas às
intencionalidades que diferentes sujeitos históricos tiveram ao longo da história
da cidade. Esses princípios se manifestam em 6 missões, sintetizadas nas
palavras Trabalho (T), Fé (F), Educação (Ed), Cultura (C), Empreendedorismo
(E) e Liderança (L). Cada missão possui 4 metas, apresentadas a partir de
cartas-missão, com situações vinculadas ao contexto histórico local e que
possuem objetivos a serem cumpridos no tabuleiro, conforme o nível de
jogabilidade - básico ou avançado. As metas perfazem uma linha temporal de
constituição da história local, conforme expressam os exemplos a seguir:

43
Exemplos de cartas-missão dos princípios Trabalho e Educação.
Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

O jogo se “constrói” no tabuleiro conforme vai sendo jogado. A visibilidade


desse processo de construção de cada um dos princípios está representada

44
nas cartas-emblema, que simbolizam cada uma das metas das missões, por
meio de uma imagem em formato hexagonal. Cada carta-emblema é colocada
no tabuleiro assim que o jogador cumpre a meta correspondente. A localização
das casas que recebem os emblemas hexagonais não é aleatória, visto que
busca se aproximar da localização geográfica real de algumas construções
históricas significativas para a história de Bom Princípio, como a Igreja Matriz, o
Centro Marista, o Seminário católico e alguns casarões que funcionavam como
estabelecimentos comerciais na então “Vila de Bom Princípio”.

45
Exemplos de cartas-emblema, frente e verso, utilizando imagens históricas
locais.
Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

Os avatares (jogadores) que representam cada um dos princípios não são


personagens reais da história da cidade, mas representam personalidades
femininas e masculinas relacionadas aos 6 princípios. No processo de
construção desses jogadores, houve uma discussão sobre quem seriam esses
personagens, visto que há personalidades históricas locais proeminentes que
poderiam justificar uma “homenagem” nominal. Tratavam-se, porém,
majoritariamente de homens, muitos deles ligados a atividades políticas ou
religiosas. Um dos desafios, portanto, era proporcionar uma maior diversidade
de representações de gênero e raça, permitindo também maior visibilidade de
diferentes sujeitos históricos, constituintes da identidade e da memória locais.

Avatares dos princípios “trabalho” e “empreendedorismo”.


Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

46
Avatares dos princípios “cultura” e “educação”.
Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

Avatares dos princípios “liderança” e “fé”.


Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

47
Percebe-se, na fisionomia dos avatares, a maior representatividade de gênero
e raça que se buscou construir na estruturação do jogo. Cada princípio possui
um par masculino/feminino, organizado no formato frente e verso da peça,
permitindo aos competidores a escolha do lado que desejarem no momento do
jogo. Inseriram-se também avatares com fenótipos característicos de pessoas
negras e indígenas, rompendo a hegemonia branca nas representações, a
despeito da população local se autodeclarar prioritariamente branca - conforme
dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010, 94,8% dos munícipes são
brancos (Dados.gov, 2022, on-line).

Para além dos princípios e metas que organizam a dinâmica de jogabilidade, o


jogo é organizado de forma que a maioria dos fatos históricos seja apresentada
de maneira contextualizada nas cartas-acontecimento, que os relacionam a
alguma ação a ser executada pelos jogadores. Alguns fatos, porém, são
apresentados nas cartas-descoberta, em um formato de perguntas no modelo
verdadeiro ou falso. Vejamos como essas cartas são apresentadas a partir de
alguns exemplos:

48
Exemplos de cartas-acontecimento. Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

O jogo conta com 60 cartas-acontecimento, em que foram inseridas situações


históricas características do cotidiano e da memória locais, incluindo
referências a personalidades e construções consideradas patrimônio da história
local. Dessa forma, entendemos que seja possível que os jogadores aprendam
elementos da história local de forma lúdica e, ao mesmo tempo, mantenham-se
conectados à dinâmica do jogo.

Complementarmente às cartas-acontecimento, as 15 cartas-descoberta


apresentam algumas situações históricas que exigem dos jogadores uma
resposta no formato verdadeiro ou falso, a partir da reflexão sobre o processo
histórico local. Nessas cartas, foram explorados elementos mais diversificados
da história local, inclusive alguns não tão conhecidos pela comunidade. No
material anexo ao jogo, há um gabarito explicativo dessas questões. A ideia é
que, ao trabalhar com essas cartas, os estudantes possam aprofundar seus
conhecimentos sobre a história de Bom Princípio.

49
50
Exemplos de cartas-descoberta e do gabarito das questões.
Fonte: Jogo Bons Princípios, 2020.

Anexos ao jogo estão cartilhas de regras do jogo nas versões ‘básico’ e


‘avançado’ para leitura de todos os jogadores; um Guia do Mestre dirigido ao
participante que atuar como mediador e um Manual do Professor, com
orientações didáticas para a exploração do jogo pelos docentes, incluindo link
de acesso a conteúdos virtuais sobre a história e a geografia locais.

O Manual do Professor tem por objetivo ajudar a esclarecer uma pergunta


comum: Para além da ludicidade, qual é a função de um jogo? Johann
Huizinga nos ajuda a responder a essa questão:

51
“A função do jogo [...] pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos
fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa ou a
representação de alguma coisa. Estas duas funções podem também por vezes
confundir-se, de tal modo que o jogo passe a ‘representar’ uma luta, ou se
torne uma luta para melhor representação de alguma coisa” (HUIZINGA, 2000,
p. 14).

Esses dois aspectos - luta e representação - representam uma fuga da


realidade, um deslocamento para algo novo, a “realização de uma aparência”,
a imaginação, no sentido original do termo. Esse exercício, quando tornado
possibilidade pedagógica disponível aos estudantes, permite um deslocamento
potente para o aprendizado em História.

Nilton Pereira e Marcelo Giacomoni destacam que

“Jogar na aula de História é um belo exercício amoroso. Uma vez que o jogo
pressupõe uma entrega ao movimento absoluto da brincadeira e que jogar
implica um deslocamento. Um deslocamento do espaço, da ordem, das
medidas, dos horários, das imposições disciplinares, da avaliação, das provas,
numa palavra, da obrigação.[...] Jogar é instalar-se na passagem, em um
intervalo do nosso cotidiano. Estar desobrigado a “estar” e comungar com um
eu que vai sendo outro, numa continuidade que não se mede, nem se
estabelece ordem, nem autor. Jogar consiste mesmo, então, em brincar. Uma
brincadeira com o tempo, numa instalação mesma no que divide passado e
futuro.” (PEREIRA; GIACOMONI, 2018, p. 14-15).

A ludicidade que o exercício do jogar permite traz a duplicidade da ordem que o


jogo exige - por isso as regras - e da desobrigação com o real, trazida pela
possibilidade de imaginar-se outro sujeito histórico, em outro tempo, mesmo
que em local próximo, visto que o território do jogo é a própria cidade em que
os jogadores residem no tempo contemporâneo. Portanto, como eleger aqueles
que serão eternizados na memória ao serem citados em narrativas históricas
ou materiais didáticos?

O desafio maior trazido pela construção do jogo de tabuleiro relatado neste


texto foi conciliar as demandas de cada tempo, do passado e do presente, que
se imbricam e se afetam mutuamente, através de diversas camadas de
memórias. Os rastros históricos estão impressos tanto nas construções
materiais representadas por prédios históricos ainda hoje existentes, quanto na
memória dos sujeitos históricos do município, desde os proeminentes,
lembrados em nomes de ruas, placas e outros monumentos do patrimônio
local, quanto os infames e inominados que também construíram e ainda
participam da tessitura das narrativas históricas locais.

O Jogo Bons Princípios, durante o processo de sua elaboração, proporcionou


debates importantes entre os profissionais da educação, especialmente no que
tange à problematização da “cultura germânica” como traço exclusivo da

52
cidade e a estipulação do século XIX como o ponto inicial de sua existência.
Situações aparentemente simplórias, como estipular um indígena como avatar,
revelaram a complexidade das relações humanas ao evidenciar que seria um
anacronismo histórico inseri-lo, no jogo, em uma dinâmica de compra e venda
de terras. Os cenários fictícios foram, assim, revelando nuances do processo
histórico local, que contou com expressiva contribuição de imigrantes
europeus, mas que também silenciou e marginalizou outros grupos étnicos.

Complementarmente, enquanto ferramenta pedagógica para o ensino de


História, o jogo é um importante recurso para a abordagem da história local, ao
mesmo tempo em que poderá contribuir para novas reflexões e debates sobre
a memória e o patrimônio locais. Atualmente, em 2022, o jogo ainda aguarda
recursos para sua execução em formato físico, mas constitui, desde já, um
material didático que poderá tornar o ensino de história local mais plural, ao
trazer à tona narrativas pouco citadas em outras fontes, além de ser mais
atrativo aos estudantes ao propor um formato mais lúdico ao aprendizado.

Referências biográficas
Carlos Eduardo Ströher. Mestre e Doutorando em Educação. Especialista em
Ensino de História e Geografia. Licenciado em História e em Geografia.
Professor das redes municipais de Bom Princípio e Tupandi/RS.

Tatiane Kaspari. Doutora em Processos e Manifestações Culturais. Licenciada


em Letras/Português, Letras/Espanhol e Pedagogia. Professora da rede
municipal de Bom Princípio/RS.

Referências bibliográficas
AMVARC. Associação dos Municípios do Vale do Rio Caí/ Rio Grande do Sul.
Disponível em: http://amvarc.com.br/quem-somos/. Acesso em: 27 jul. 2022.

BOM PRINCÍPIO. Decreto Municipal nº 78, de 7 de julho de 2020. Institui o


Projeto “Faço parte dessa história” e dá outras providências.

BOM PRINCÍPIO. Site oficial. História do município. Disponível em:


http://www.bomprincipio.rs.gov.br/pagina/view/1. Acesso em: 27 jul. 2022.

DADOS. GOV. Portal Brasileiros de Dados. Percentual de pessoas residentes


de cor ou raça branca (Censo Demográfico 2010). Disponível em:
https://dados.gov.br/dataset/cgeo_vw_per_pessoas_brancas. Acesso em: 29
jul. 2022.

JOGO BONS PRINCÍPIOS. Secretaria de Educação de Bom Princípio, 2020.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.

PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMONI, Marcello Paniz. Flertando com o Caos:


os Jogos no Ensino de História, p. 9-18. In: Jogos e ensino de história/

53
organizadores Marcello Paniz Giacomoni [e] Nilton Mullet Pereira ; coordenado
pelo SEAD/UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2018. 129 p.

54
HISTÓRIA PÚBLICA E EDUCAÇÃO HISTÓRICA A
PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO DE
UM PODCAST DE HISTÓRIA
Cesar Agenor Fernandes da Silva e Marcelo de
Souza Silva

Os historiadores e historiadoras têm se deparado com a crescente demanda


pública por conhecimentos próprios de sua área, tanto como forma de
aprendizado quanto como entretenimento e, com o avanço das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), têm igualmente crescido o
número de iniciativas de divulgação científica em diversas áreas, incluindo a
História. Neste texto vamos explorar, a partir das perspectivas da História
Pública, uma das ferramentas cada vez mais utilizadas: os podcasts. Nosso
percurso sintético se realizará a partir do relato de experiência que envolve o
podcast Fronteiras no Tempo, lançado em 2014 e que vem, desde então,
promovendo a difusão dos conhecimentos históricos produzidos na academia
brasileira.

Nós historiadores estamos acostumados ao uso de uma linguagem acadêmica,


repleta de termos técnicos e conceituais pouco usuais em outros espaços
reservados à produção escrita ou de debates, especialmente quando
abordamos a produção de conhecimento da nossa área do saber. Também nos
acostumamos a tratar os temas históricos com postura professoral, tanto no
exercício do magistério no ensino superior quanto na educação básica,
obedecendo, obviamente, os diferentes modos de abordagem que o processo
educacional e seus níveis exigem. Quando escrevemos ou falamos nos nossos
ambientes naturalizados, em textos profissionais de história, nos ambientes
acadêmicos ou em sala de aula, temos o conforto de dominar os lugares de
fala, de saber que a maior parte dos nossos interlocutores podem nos
compreender sem muitas dificuldades. Nestas ocasiões atingimos, mesmo que
parcialmente, nossos objetivos.

Entretanto, ao nos depararmos com um público heterogêneo, que não


frequenta ou faz parte dos nossos lugares naturalizados, torna-se imperativo
uma adaptação da linguagem utilizada, ou seja, da maneira de se comunicar
com as pessoas. Contudo, é importante dizer que as linguagens acadêmica e
escolar são adequadas e podem ser usadas em outros espaços e mídias
quando se tem um público alvo definido. Por outro lado, elas se mostram
ineficientes quando se trata da divulgação científica da história para um grande
público ou, até mesmo, para aproximar e abrir espaços para que públicos

55
diversos também possam ter maior familiaridade e interação com a produção
do saber histórico. Nesse sentido, um olhar mais atento às proposições e
possibilidades abertas pela História Pública é essencial para que novas
relações e significados sejam construídos em torno da nossa área do saber e,
inclusive, do seu ensino.

A emergência do conceito de História Pública é localizável no tempo e no


espaço: nos Estados Unidos da América no ano de 1976 e passou a ser
institucionalizado com a fundação do National Council on Public History
(NCPH), em 1980 (CARVALHO, 2017; MALERBA, 2017; ROVAI, 2020). De
acordo com a historiadora Marta Rovai (2020, p.134), o ex-presidente do NCPH
Robert Weible descreveu, em 2006, a história pública da seguinte forma:

“como um conjunto de procedimentos voltados ao desenvolvimento do


conhecimento histórico para além dos muros da universidade: nos lugares
históricos de preservação da memória, como arquivos e museus, em projetos
de história da comunidade, em agências governamentais, ou em empresas
privadas. Desta forma, procurando atender a um potencial de mercado e
ampliar espaços de ação pública dos historiadores, a história pública foi
entendida como a possibilidade de se trabalhar em acervos, arquivos públicos,
museus, bibliotecas, centros comunitários, memoriais, além de voltar-se a uma
produção de entretenimento, fazendo usos das televisões, rádios, cinema e
internet e ampliando audiências para a História. A partir dali, uma ampla rede
de instrução técnica daria suporte ao historiador para atuar em processos de
divulgação pública da história, dando origem ao que foi chamado de
“historiador público”.

No Brasil, os profissionais que abriram caminho para a especialização da


historiografia em História Pública deram seus primeiros passos concretos em
2011, com a promoção do Curso de Introdução à História Pública que reuniu
diferentes historiadores que iniciavam seus esforços de reflexão no campo.
Além disso, as historiadoras Juniele Almeida e Marta Rovai organizaram o livro
Introdução à História Pública (2011). Este livro foi a primeira obra que reuniu
reflexões de profissionais da história brasileiros e a tradução de textos
considerados chave para compreensão do estado da arte produzidos por
historiadoras e historiadores estadunidenses e ingleses.

Deste passo inicial até os nossos dias foram publicadas mais de sete
coletâneas de livros organizadas por historiadores membros da Rede Brasileira
de História Pública. Uma característica interessante dessas obras é a da
dispersão geográfica dos vínculos institucionais e de formação no Brasil dos
autores dos capítulos. Enquanto coletâneas, o leitor não encontrará uma única
voz e tão pouco um único tom na abordagem teórica e nas temáticas
específicas em relação à história pública, muito pelo contrário, é possível
perceber a dinamicidade das reflexões e estudos produzidos, bem como
reflexões ou mesmo adaptações de trabalhos de pesquisa a temática central
discutida.

56
Observa-se também outras temáticas muito recorrentes como a da formulação
e aplicação de políticas públicas e de políticas culturais que levem em conta o
papel e os saberes históricos produzidos na academia e em parceria direta ou
indireta com os públicos da história, como na seara do patrimônio material e
imaterial. Profissionais que trabalham em arquivos históricos também têm
espaço de escrita nessas publicações, mostrando que o espírito público e a
publicidade das instituições de guarda da memória em suporte material estão
sendo incorporadas nas produções acadêmicas.

O que pretendemos explorar daqui em diante é uma das dimensões da história


pública: a comunicação com públicos não naturalizados, com foco no uso de
ferramentas tecnológicas digitais, pois em tempos da chamada web 2.0 é muito
difícil separar as reflexões teóricas e as práticas em história pública das TDIC.

A produção midiática audiovisual e/ou textual independente em diversos


espaços da internet, estão entre as possibilidades de estudo, produção,
atuação e divulgação científica da história. Porém, por ser um espaço aberto e
um verdadeiro receptáculo de qualquer tipo de informação e de versões da
realidade, percebe-se que a memória e a história são alvos preferências de
discursos que tentam, de forma explícita, remontar o passado de forma a
justificar as atuações políticas, sociais e morais do presente, tendo como
prática recorrente um discurso que desqualifica a abordagem profissional da
história, ignorando propositalmente o pluralismo historiográfico e o trabalho
sistemático e científico realizado por historiadoras e historiadores (AVILA,
2021).

Obviamente que o trabalho dos historiadores nos espaços públicos virtuais não
deve estar direcionado apenas ao combate dos negacionismos, mas deve
incorporar os pressupostos da História Pública, que aproximam o fazer
historiográfico com todas as suas reflexões, problematizações e revisão dos
pares das diferentes audiências com as quais nos relacionamos (ROVAI,
2020), uma das ferramentas para isso é por meio da mídia Podcast.

Importante esclarecer de maneira sintética o que é um Podcast. Para os


leitores não familiarizados com a mídia, podemos dizer que Podcasts são
arquivos digitais de áudio que difundem informações em diversos formatos em
um universo de produção temática múltipla. Seu nome tem origem de um
neologismo na língua inglesa, fruto da junção de outros dois termos: o nome de
um aparelho reprodutor digital de música da empresa Apple, o Ipod, com a
palavra Brodcast. Os podcasts são distribuídos aos seus públicos em websites
ou nos chamados aplicativos de música. De 2017 em diante os smartphones
passaram a ser o principal dispositivo de acesso aos podcasts, o que também
elevou o seu consumo (ABPOD, 2020).

Podcasts são similares a programas de rádio, mas se diferenciam destes na


medida que seu consumo se dá sob demanda e atualmente podem ser
produzidos por qualquer pessoa que possua ao menos um smartphone, acesso
a internet e conhecimentos muito básicos sobre edição. Podcasts são

57
produzidos e consumidos no Brasil desde 2004. Existe uma característica
muito importante que envolve os produtores e seus públicos que pode ser
resumida em uma palavra: proximidade. Alguns programas atendem demandas
de nichos específicos e outros de públicos muito amplos e diversos, mas é
comum que se criem comunidades virtuais que propiciem diferentes tipos de
interações entre os podcasters e seus ouvintes (SILVA & SILVA, 2017, p.263-
265).

O Fronteiras no Tempo foi um podcast que criamos com o intuito de “aproximar


o público que gosta de História com a maneira como o conhecimento histórico
é pensado e construído. Isso tudo de forma leve e descontraída”
(FRONTEIRAS NO TEMPO). A primeira gravação foi realizada no ano de 2010
e só foi ao ar em 2014. O tempo entre a primeira iniciativa e seu lançamento
efetivo se deve a inúmeros fatores, entre os quais estavam a inexperiência com
o processo de edição, falta de conhecimento sobre hospedagem em servidor,
construção de um website e disponibilização dos episódios para o público em
geral. Em 2014, essas questões foram sanadas com ajuda de estudantes de
graduação e no dia 31 de julho de 2014 ocorreu o lançamento.

No programa utilizamos nossos apelidos da época de graduação: C. A. e


Beraba. O principal intuito era o de criar proximidade com o público e retirar o
peso da titulação acadêmica, além de ser comum a utilização de apelidos nesta
mídia na época. De 2014 até agosto de 2017 a periodicidade dos episódios era
mensal. A partir de setembro de 2017, ela passou a ser quinzenal. No podcast
existem duas linhas editoriais: na primeira, são produzidos episódios em ritmo
de bate papo sobre temas específicos ou gerais e em algumas ocasiões
recebemos convidados, eles duram em média 80 minutos; já a segunda linha,
intitulada “Historicidade”, um dos apresentadores recebe um convidado que
concede uma entrevista sobre sua pesquisa atual ou pregressa, com duração
média de 40 minutos. Seu principal objetivo é divulgar pesquisas acadêmicas
em história e ciências humanas e sociais para um público mais amplo.

Todos os episódios lançados contêm nos posts indicações de leituras de


artigos e livros acadêmicos nos quais nos baseamos para montar o roteiro
base, textos de divulgação e produtos audiovisuais para que o público possa
aprofundar seus conhecimentos. Nossa audiência média entre os anos de 2014
e 2017 era de 600 ouvintes mensais (incluindo os lançamentos e episódios
antigos). Contudo, em outubro de 2017, fomos convidados a integrar o Portal
Deviante – website dedicado à divulgação científica. A partir daí alcançamos
em média 30 mil ouvintes mensais, sendo 10 mil para os episódios novos.

Aliás, em 2016 passamos a contar com trabalho de edição profissional e que


no ano de 2017 também ampliamos a equipe, que inicialmente era composta
pelos autores, Augusto Carvalho (responsável pelas artes) e o Adriano João
(editor), passando a contar com as contribuições do historiador Willian
Spengler e Raphael Bruno (editor).

58
No Fronteiras no Tempo, até julho de 2022, foram lançados 68 episódios que
abordam temáticas variadas, como os chamados “clássicos” do estudo e
ensino de história como “Independência do Brasil” (2015), “Revolução
Francesa”, “Revolução Industrial” (2015), “Reformas Protestantes” (2017), “O
Absolutismo” (2020), “Independências na América Espanhola” (2022). Ao tratar
desses temas clássicos são explicitadas as formas como a historiografia
aborda o tema, problematizando uma série de questões que são do dia a dia
do historiador, apresentada sempre em tom de conversa entre dois velhos
amigos. Também foram abordados temas de reflexão mais amplos como “Por
que estudar a História?” (2014) “Crime e Castigo na História” (2014), “História e
Cultura Pop” (2017), “Masculinidades no Cinema” (2019).

Em algumas ocasiões os apresentadores/produtores dedicaram-se a analisar


uma produção audiovisual específica como a animação “Uma história de amor
e Fúria” (2015), o documentário “The Mask You Live In” (lançado no ano de
2019 em parceria com o podcast MeiaEntradaCast) e o longa-metragem “A
Vida de Brian” produzido pelo grupo de humor inglês Monty Python em 1979
(2020). Nesses episódios são expressas questões que se relacionam
diretamente com a utilização do cinema em sala de aula, esclarecendo que
uma obra de ficção ou mesmo documental pode e deve ser analisado como um
produto cultural levando em conta uma série de informações projetadas em tela
e, sobretudo, questões técnicas como roteiro, direção de fotografia e arte,
personagens, etc., pois assim aproximamos os nossos ouvintes com as
experiências de docência que ambos possuímos na educação básica e no
ensino superior, que incluem tanto a supervisão de estágios como a
coordenação de subprojetos de história do PIBID.

Quando pensamos e executamos o projeto de produzir um podcast dedicado a


temas históricos, não possuíamos familiaridade com as discussões teóricas da
história pública, mas sempre a praticamos. Entretanto, nossa prática se tornou
também um campo de estudos e pesquisa, sendo que o Marcelo Silva criou um
Laboratório de História Pública na UFTM, o Cesar Agenor está desenvolvendo
projeto de pesquisa em História Pública na Unicentro-PR e ambos já
lecionaram e lecionam em suas IES disciplinas centradas na temática e, além
disso, já tiveram a oportunidade de realizar palestras e oficinas em eventos
acadêmicos nos últimos dois anos, como no 2º Curso de Introdução a História
Pública, na Oficina de Podcast do Museu de Astronomia Nacional e no
Programa de Pós-Graduação em História Pública (UNESPAR).
Compreendemos que as discussões da História Pública e o desenvolvimento
de boas práticas desde a graduação podem contribuir para uma formação mais
sólida e atual de licenciandos em História, que os prepare para a docência ao
mesmo tempo que os capacite para dialogar com a sociedade por meio das
TDIC ou em projetos que envolvam efetivamente comunidades e públicos
diversos.

Retomando um assunto, em tempos de negacionismos e revisionismos


ideológicos, convidamos Marta Rovai mais uma vez a este texto para
esclarecer sobre as práticas negacionistas:

59
“Discursos que procuram construir representações sobre grupos vulneráveis no
processo histórico, culpabilizando os das injustiças sofridas, naturalizando e
simplificando relações sociais complexas num descompromisso com a
chamada ‘verdade’ ou ‘honestidade’ histórica” (2020, p.132).

Uma outra característica importante da História Pública é o seu engajamento


com questões sociais e culturais chave em nosso tempo, como a necessidade
de reparação histórica e de justiça social em uma sociedade tão desigual como
a brasileira. Adentramos nesses debates públicos fundamentais em nossos
episódios de forma transversal a partir de reflexões que abordam diretamente
temas como racismo estrutural, patriarcalismo, políticas públicas de reparação
histórica, as formas como a desigualdade socioeconômica foram produzidas no
passado próximo (como na trilogia sobre a Ditadura Civil-Militar – Episódios 21,
23 e 24), bem como o peso do passado escravagista em nosso dia a dia.

Contudo, também lançamos ao longo destes 8 anos uma série de episódios


que tratam diretamente de temáticas como racismo, desigualdade, resistência
e escravização, a exemplo dos episódios “#4 Raça e Racismo no Brasil”
(2014), “#19 Tráfico Negreiro” (2017), “#30 Abolição da Escravidão” (2018),
“#31 Revolta da Vacina” (2018), “#35 Indígenas na História do Brasil” (2018),
“#36 Zumbis, História e Consciência Negra” (2018), “#39 Revolta da Chibata”
(2019), “#54 Mitos da Escravização” (2021), “#66 Afrofuturismo e História”
(2022) e “#67 Escravização nas Américas” (2022).

Observa-se que no ano de 2018 tivemos a maior concentração de episódios


sobre a problemática, somando 40% do total. Esta não foi uma coincidência,
pois o processo que Rovai descreve sobre as práticas negacionistas do
passado estavam se tornando notórias em debates públicos. A tentativa de
reduzir ou mesmo obliterar a promoção de políticas públicas de reparação
histórica como as cotas em universidades públicas e a titulação de territórios
indígenas e quilombolas eram vociferadas sem pudor e de forma
explicitamente racista. Para infelicidade de uma nação que não resolve seus
problemas estruturais históricos, essas promessas se tornaram efetivas e
muitas versões ideológicas sobre o passado passaram a ganhar cada vez mais
espaço, seja em produções como as realizadas pela “Brasil Paralelo”, como
analisam Arthur Lima de Ávila (2021) e Marcos Napolitano (Fronteiras no
Tempo #59, 2021), e que hoje são transmitidas em canais estatais, ou são
incorporadas na Fundação Palmares. Atentos a isso, reunimos uma série
destas ideias para serem trabalhadas no episódio “#54 Mitos da Escravização”,
no qual as contrapomos com os avanços da historiografia. Aliás, recebemos
diversas historiadoras que trabalham a temática no programa “Historicidade”, o
que contribuiu para ampliar nossos saberes.

Nós sempre adentramos em debates sensíveis e essenciais para a


coletividade. Quando produzimos o episódio 29 que comemorava o
septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no
mesmo ano de 2018, deixamos claro que era necessário compreendermos o

60
que de fato significava do ponto de vista civilizacional a declaração e como
leituras mal intencionadas de diferentes origens e matizes acabavam
produzindo interpretações que buscavam minar os avanços e as defesas das
minorias de direito em nosso país. O texto do post do episódio diz:

“Se você nasceu em qualquer ponto do globo e está lendo esse texto,
parabéns! Você é um humano. O fato de ser um humano já lhe insere nos
princípios defendidos e assegurados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, cujo septuagésimo aniversário de sua proclamação será completado
no dia 10 de dezembro. Em tempos de muita confusão conceitual, fake news,
revisões históricas não muito precisas e usos políticos variados do termo, é
importante que compreendamos o que são os Direitos Humanos e sua
construção ao longo da história, especialmente nos últimos dois séculos.
Embarque nessa viagem temporal com os historiadores C. A e Beraba. Nesse
episódio: Descubra o que são os chamados Direitos Humanos, compreenda a
trajetória histórica do Estado de Direito no Ocidente, entenda quais as bases
filosóficas que sustentam esses direitos, estabeleça conexões entre a Bill of
Rights, a Declaração de Independência dos EUA, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, o nascimento da Organização das Nações Unidas e o
surgimento dos Direitos Humanos, e surpreenda-se com as contradições
jurídico-filosóficas e o porquê de defendermos a ampliação destes princípios
jurídicos e, sobretudo, a aplicação dos seus elementos fundamentais presentes
em nossa Constituição de 1988 (FRONTEIRAS NO TEMPO #29, 2018).”

Partimos sempre de uma explicação histórica com objetivo de produzir uma


educação histórica que contribua significativamente para uma aproximação dos
estudos e reflexões produzidas na academia brasileira e, também, para
contribuir de alguma forma como historiadores na qualificação do debate
público no país, deixando claro que nossa área do saber tem papel
fundamental em nossa sociedade e cada vez mais está se tornado
imprescindível para formação de uma cidadania ativa. Por isso produzimos e
pretendemos continuar produzindo o Fronteiras no Tempo: um podcast de
História.

Referências biográficas
Dr. Cesar Agenor Fernandes da Silva, professor de História da Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNCENTRO-PR)

Dr. Marcelo de Souza Silva, professor de História da Universidade Federal do


Triangulo Mineiro (UFTM)

Referências bibliográficas
ABPod - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PODCASTS. Podpesquisa:
produtores (2020-2021). Website. Disponível em: PodPesquisa – abPod,

ALMEIDA, Juniele Rabelo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (org.).


Introdução à história pública. São Paulo: letra e voz, 2011.

61
ALMEIDA, Juniele Rabêlo De; SILVA, Marcia Regina Barros Da Silva;
SANTHIAGO, Santhiago; ALBIERI, Sara (Orgs.). ANAIS Do Simpósio
Internacional De História Pública: A História E Seus Públicos. São Paulo: Rede
Brasileira De História Pública, USP, 2012.

AVILA, Arthur Lima De. Qual passado escolher? Uma discussão sobre o
negacionismo histórico e o pluralismo historiográfico. Revista Brasileira De
História [Online]. 2021, v. 41, n. 87 [acessado 6 março 2022], p.161-184.
Disponível em: <Https://Doi.Org/10.1590/1806-93472021v42n87-09>. Epub 02
Jul 2021. ISSN 1806-9347

CARVALHO, Bruno Leal Pastor De. História Pública: uma breve bibliografia
comentada. (bibliografia comentada). In: Café História – História Feita Com
Cliques. Disponível Em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-publica-biblio/.
Publicado Em: 6 Nov. 2017. Acesso: janeiro de 2020.

Fronteiras no Tempo #2 – Por que conhecer a História? Locução: Cesar


Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 30/09/2014.
Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-2-
por-que-conhecer-a-historia/

Fronteiras no Tempo #3 – Crime e castigo na História. Locução: Cesar Agenor


F. da Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 31/10/2014. Podcast.
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-3-
crime-e-castigo-na-historia/

Fronteiras no Tempo #4 – Raça e racismo no Brasil. Locução: Cesar Agenor F.


da Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 01/12/2014. Podcast.
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-4-
raca-e-racismo-no-brasil/

Fronteiras no Tempo #5 – Ficção e História: uma História de Amor e Fúria.


Locução: Cesar Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal
Deviante, 02/02/2015. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-5-
ficcao-e-historia-uma-historia-de-amor-e-furia/

Fronteiras no Tempo #6 – Revolução Industrial. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 16/06/2015. Podcast.
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-6-
revolucao-industrial/

Fronteiras no Tempo #9 – Independência do Brasil. Locução: Cesar Agenor F.


da Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 16/12/2015. Podcast.

62
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-9-
independencia-do-brasil/

Fronteiras no Tempo #15: História e Cultura Pop. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva, Artur Lopes, Rodolfo Grande Neto, Victor
Moraes. S.l.] Portal Deviante, 01/01/2017. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-
15-historia-e-cultura-pop/

Fronteiras no Tempo #19: Tráfico Negreiro. Locução: Cesar Agenor F. da Silva,


Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 27/05/2017. Podcast. Disponível
em: https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-
tempo-19-trafico-negreiro/

Fronteiras no Tempo #20: Reforma Protestante. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 11/07/2017. Podcast.
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-
20-reformas-protestantes/

Fronteiras no Tempo #21: Golpe de 1964. Locução: Cesar Agenor F. da Silva,


Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 20/08/2017. Podcast. Disponível
em: https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-
tempo-21-golpe-de-1964/

Fronteiras no Tempo #22: Ditadura Civil-Militar. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva. S.l.] Portal Deviante, 02/09/2017. Podcast.
Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteirasnotempo/fronteiras-no-tempo-
22-ditadura-civil-militar/

Fronteiras no Tempo #24: Fim da Ditadura Civil-Militar. Locução: Cesar Agenor


F. da Silva, Marcelo de Souza Silva e Willian Spengler. S.l.] Portal Deviante,
02/11/2017. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/destaque/fronteiras-no-tempo-24-fim-da-ditadura-
civil-militar/

Fronteiras no Tempo #29: Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Locução: Cesar Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler.
S.l.] Portal Deviante, 08/05/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-29/

Fronteiras no Tempo #30: Abolição da escravidão. Locução: Cesar Agenor F.


da Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal Deviante,
05/06/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-30-abolicao-da-
escravidao/

63
Fronteiras no Tempo #31: Revolta da Vacina. Locução: Cesar Agenor F. da
Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal Deviante,
04/07/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-31/

Fronteiras no Tempo #32: Revolução Francesa. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal Deviante,
02/08/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/destaque/fronteiras-no-tempo-32-a-revolucao-
francesa/

Fronteiras no Tempo #35: Indígenas na História do Brasil. Locução: Cesar


Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal
Deviante, 23/11/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-35-indigenas-na-
historia-do-brasil/

Fronteiras no Tempo #36: Zumbis, História e Consciência Negra. Locução:


Cesar Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal
Deviante, 20/11/2018. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-36-zumbis-historia-
e-consciencia-negra/https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-
tempo-36-zumbis-historia-e-consciencia-negra/

Fronteiras no Tempo #39: Revolta da Chibata. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva, Willian Spengler. S.l.] Portal Deviante,
14/05/2019. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-39-revolta-da-
chibata/

Fronteiras no Tempo #40 Masculinidades no Cinema. Locução: Cesar Agenor


F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Renan Fileto e Willian Spengler. [S.l.]
Portal Deviante, 11/06/2019. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-40-masculinidades-
no-cinema/

Fronteiras no Tempo apresenta: MeiaEntradaCast #124 The Mask You Live In.
Locução: Renan Fileto, Cesar Agenor F. da Silva e Marcelo de Souza Silva.
[S.l.] Portal Deviante, 18/06/2019. Podcast. Disponível em:
https://www.deviante.com.br/podcasts/fronteiras-no-tempo-apresenta-
meiaentradacast-124-the-mask-you-live-in/

Fronteiras no Tempo #51 O Absolutismo. Locução: Cesar Agenor F. da Silva,


Marcelo de Souza Silva e Willian Spengler [S.l.] Portal Deviante, 22/09/2020.
Podcast. Disponível em: http://www.deviante.com.br/?p=41681&preview=true

64
Fronteiras no Tempo #53 Especial de Natal – A vida de Brian. Locução: Cesar
Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Thiago Meister Carneiro e Willian
Spengler [S.l.] Portal Deviante, 22/12/2020. Podcast. Disponível
em http://www.deviante.com.br/?p=43665&preview=true

Fronteiras no Tempo #54 Mitos da escravização. Locução: Cesar Agenor F. da


Silva, Marcelo de Souza Silva e Willian Spengler [S.l.] Portal Deviante,
17/02/2021. Podcast. Disponível
em http://www.deviante.com.br/?p=44900&preview=true

Fronteiras no Tempo #59 Negacionismo e revisionismo histórico no século XXI.


Locução: Cesar Agenor F. da Silva, Marcelo de Souza Silva, Marcos
Napolitano e Willian Spengler [S.l.] Portal Deviante, 24/08/2021. Podcast.
Disponível em: http://www.deviante.com.br/?p=48360&preview=true

Fronteiras no Tempo #66 Afrofuturismo e História. Locução: Cesar Agenor F.


da Silva, Marcelo de Souza Silva, Ale Santos e Willian Spengler [S.l.] Portal
Deviante, 19/04/2022. Podcast. Disponível
em: http://www.deviante.com.br/?p=52312&preview=true

Fronteiras no Tempo #67 Escravização nas Américas. Locução: Cesar Agenor


F. da Silva, Marcelo de Souza e Silva e Willian Spengler [S.l.] Portal Deviante,
23/06/2022. Podcast. Disponível em:
http://www.deviante.com.br/?p=53301&preview=true

MALERBA, J. Os historiadores e seus públicos: desafios ao conhecimento


histórico na era digital. Revista Brasileira De História. São Paulo, V. 37, nº 74,
2017. disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472017v37n74-06

MAUAD, A. M.; SANTHIAGO, R; BOGES, V. T. (Org). Que História Pública


Queremos? São Paulo: Letra e Voz, 2018.

NAPOLITANO, Marcos. Negacionismo E Revisionismo Histórico No Século


XXI. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla (orgs.). Novos combates pela história:
desafios e ensino. São Paulo: Contexto, 2020.

PORTAL Deviante. [homepage]. s/d. Disponível em:


<https://www.deviante.com.br/>

ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. História Pública: um desafio democrático


aos historiadores. In: REIS, Tiago Siqueira; SOUZA, Carla Monteiro de;
OLIVEIRA, Monalisa Pavonne; LYRA JÚNIOR, Américo Alves de. Coleção
História Do Tempo Presente: Volume II. Boa Vista: UFRR, 2020, E-Book

SILVA, Cesar Agenor F. da Silva; SILVA, Marcelo Souza. Fronteiras no Tempo.


[homepage]. 2014. Disponível em: <www.fronteiasnotempo.com>

65
SILVA, Marcelo de Souza; SILVA, Cesar Agenor Fernandes da. A divulgação
científica em história por meio de podcasts: possibilidades de educação
histórica pela internet. In: LARA, Renata Marcelle; CAMARGO, Hertz Wendel
de (org.). Conexões: mídia, cultura e sociedade. Londrina : Syntagma Editores,
2017, p.257-285.

66
O ENSINO DE HISTÓRIA MEDIEVAL E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DOCENTE:
RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA DE
MONITORIA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-
19
Claudio K. Duarte e Victor Medeiros Garcia

Introdução
O período entre os anos de 2020 e 2022 está marcado na história da
humanidade. A pandemia do Coronavírus (SARS Covid-19) significou não
apenas uma grande crise sanitária a nível global, com graves impactos
humanitários e socioeconômicos, mas também uma série de desafios de
adaptação em diversos aspectos de nossas vidas. No âmbito da educação,
tanto no Ensino Superior como no Básico, nos deparamos com a
impossibilidade da realização de aulas presenciais, em virtude da quarentena
para conter a rápida propagação do vírus.

No dia 17 de abril de 2020, com a confirmação da primeira morte no Brasil pelo


vírus da Covid-19, e o início da “primeira onda” de contaminações, o Ministério
da Educação (MEC) adotou a portaria nº 343, que obrigava a interrupção das
aulas presenciais em todo o país (CARNEIRO et al. 2020). De um dia para o
outro, professores de todos os níveis do ensino necessitaram adaptar suas
aulas para plataformas digitais online, os “TDIC”, Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação, sem qualquer preparo para o uso dessas
tecnologias (RONDINI et al. 2020).

As constantes mutações sofridas pelo vírus ao longo dos meses ocasionaram o


que é conhecido como “mutações gênicas", ou “variantes” do vírus (HARARI,
2020). No contexto mais recente, o coronavírus sofreu alterações genéticas de
acordo com os organismos em que estava “hospedado” e novas variantes
espalharam-se pelo planeta, dando início a novas “ondas” de contaminação.
Mesmo com a chegada das campanhas de vacinação no início do ano de 2021,
o Brasil sofreu com o aumento recorde do número de infecções e óbitos nos
meses de março e abril, em virtude da variante amazônica, tendo sido esta a
“terceira onda” do coronavírus no país. O agravamento da crise sanitária fez
com que as universidades mantivessem o ensino remoto pelo restante do ano.

Foi nesse contexto conturbado que nós, Victor Medeiros Garcia e Claudio
Kuievinny Duarte, graduandos em História pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), atuamos como monitores na disciplina “História Medieval I”,

67
no segundo semestre de 2021. O componente curricular foi lecionado pelo
Prof. Dr. Guilherme Queiroz de Souza, medievalista e professor adjunto do
departamento de História. Como de praxe nos projetos de monitoria, fomos
orientados por ele à criação de produtos didáticos que auxiliassem os discentes
da disciplina em seu aprendizado. Mediante às circunstâncias do ensino a
distância, desde o início ficou claro a nós o quanto o uso das plataformas
digitais teria significativa presença em nosso projeto, se quiséssemos
desenvolver uma monitoria ativa, de ensino dinâmico e acessível aos alunos.

Durante os quatro meses do período letivo exercemos as funções de monitores


de História Medieval I, desenvolvendo diversos produtos didáticos que uniam
ensino de História e uso das plataformas digitais. Esta foi sem dúvidas uma
experiência ímpar em nossa formação enquanto professores. Foram realizados
encontros em salas virtuais, produzidos vídeos, perfis em redes sociais, e até
mesmo memes – veiculados através das plataformas digitais utilizadas – foram
criados para serem empregues como recursos no ensino.

Todas as estratégias didáticas estiveram acompanhadas de um diálogo com o


conteúdo da disciplina. Como sabemos, a Idade Média é infelizmente um
período sobre o qual repousa uma série de estereótipos (“Idade das Trevas”),
muito dos quais reproduzidos nas mídias digitais, como páginas de Facebook e
Instagram. A seguir, pensemos a importância do ensino de História Medieval,
nos níveis do Ensino Básico e Superior, e a reprodução de temas relacionados
a este período histórico pelas mídias sociais.

A Idade Média nas mídias sociais


Para Nilton Mullet Pereira e Marcello Giacomini, a Idade Média é representada
nas mídias sociais (principalmente no Facebook) de uma forma mítica e
fantasiosa, pelos velhos e defasados estereótipos populares do século XIX
(2020). O mito da “Idade das Trevas” reproduz os preconceitos dos humanistas
do Renascimento e dos racionalistas do século das luzes (iluminismo), um
medievo de hereges sendo queimados vivos em fogueiras, de misoginia, de
ausência de higiene, saúde e qualquer forma de medicina, ausência de
saberes oriundos da cultura clássica, além de uma falsa ideia de mil anos de
peste bubônica em toda a Europa.

De outro lado, pelas mídias sociais também vaga a “Idade Dourada”, um mito –
tão errôneo e fora da realidade quanto o mito da Idade das Trevas – que é
adotado principalmente por grupos católicos e/ou de extrema direita. Para eles,
a Idade Média foi uma época de populações exclusivamente europeias, do
auge da expressão e expansão da fé cristã e da Igreja (unicamente Católica),
de ausência de conflitos entre classes sociais; além de submissão feminina,
inexistência dos “males” do divórcio, do adultério e do aborto, inexistência de
homossexualidade, de resistência ao contato com os “malditos” sarracenos e
judeus, entre outros aspectos. Infelizmente tais “Idades Médias” continuam a
fazer parte dos conteúdos produzidos a respeito do período medieval dentro
das mídias digitais.

68
Segundo Umberto Eco: “1492 menos 476 é igual a 1016. Mil e dezesseis anos
são muitos anos, é difícil crer que o modo de viver e de pensar se tenha
mantido imutável ao longo de um período tão extenso e em que ocorreram
muitos fatos históricos hoje estudados nas escolas” (2014). Adotar os
estereótipos dos séculos XVIII e XIX – ou de qualquer outra época – como
definição e homogeneização do período medieval é cair na falácia da
generalização apressada. A Idade Média é antes de tudo um período muito
longo e diverso. Assim, deveras seria errôneo pressupor a existência de uma
única cultura, um único modo de vida, ou uma única forma de pensamento que
possa ser entendida como a síntese de toda a Idade Média.

Aline Dias da Silveira (2019) destaca que o debate historiográfico a respeito do


medievo começa a pensar numa ideia de “Idade Média Global”. A ideia de
globalidade se assenta no foco em relação à história enquanto a história das
conexões e integrações. Elas não se limitavam apenas a grupos religiosos
próximos, mas englobavam uma série de povos e civilizações. As evidências
apontam para uma Translatio Studiorum intercultural e intercontinental entre
África, Ásia e Europa. Assim, desmistificamos tanto as ideias de uma Igreja
triunfante em uma suposta “Era Católica”, que é defendida pelos românticos e
pela extrema direita, quanto o mito da Idade das Trevas de uma Idade Média
sem trocas culturais e de saberes.

Para Luis Fernando Cerri (2011), tratar da Idade Média na educação básica e
na graduação em história permite que os estudantes comparem seus
respectivos contextos históricos com temporalidades distantes (como o
medievo). José Rivair Macedo (2005) considera que um importante passo para
a “descolonização do ensino de História” é o foco em apresentar as
diversidades existentes no mundo medieval.

Percebemos então, que é de suma importância que as novas abordagens de


ensino a respeito do medievo não apenas rompam com os velhos mitos sobre
o período histórico, mas também dialoguem com relação ao caráter
diversificado e global da Idade Média. Tais abordagens de ensino precisam ser
debatidas, propostas e aplicadas desde a formação dos professores de história
durante a graduação. É inevitável não pensar de igual forma no uso das redes
sociais e das novas mídias de comunicação digital aplicadas ao ensino;
outrossim, como podem ser propostas novas visões a respeito do medievo a
partir dos conteúdos que são produzidos e divulgados. Pretendemos realizar
agora uma descrição dos produtos didáticos desenvolvidos pela monitoria
utilizando os TDICs no ensino, durante a segunda metade do ano de 2021.

Relato das atividades desenvolvidas


O projeto de monitoria foi desenvolvido no período letivo de 2021.1, apesar de
na época estarmos na segunda metade do ano. Isso ocorreu devido ao
calendário da UFPB, que se encontrava atrasado por conta de greves pelas
quais a instituição passou anteriormente, retardo que foi agravado pelos meses
iniciais da pandemia. As aulas tiveram início no dia 09 de agosto de 2021, e as
primeiras atividades do projeto uma semana depois. Havia duas turmas de

69
História Medieval I, ficando cada monitor responsável por acompanhar uma
delas. Entretanto, no caso dos produtos didáticos, estes foram elaborados em
conjunto pelos monitores e disponibilizados simultaneamente para as turmas.

Os encontros da disciplina ocorriam em salas virtuais da plataforma Google-


Meet, todas as quintas-feiras nos turnos tarde e noite, e tinham a duração de
duas horas, o que julgávamos pouco tempo para as discussões, mas talvez o
mais viável, já que as aulas no modo remoto costumavam ser bem cansativas
(concluída a primeira hora de aula, já se podia perceber o corpo e a visão
cansados pelos minutos sentados em frente ao computador ou aparelho
celular).

Imagem I: Print de uma das aulas virtuais realizadas pela plataforma do


Google-Meet. Agosto de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

Para estreitar o nosso contato com os discentes, cada turma criou um grupo na
plataforma WhatsApp, aparentemente destinado unicamente à disciplina de
História Medieval I. Lá foram adicionados os seus respectivos monitores. Esta
foi a principal ferramenta digital utilizada por nós para contato com os alunos.
Nos grupos, dávamos os informes necessários, disponibilizávamos links,
compartilhávamos bibliografias, vídeos, e também sanávamos dúvidas.

70
Imagem II: Print do grupo de WhatsApp da turma de História Medieval I
2021.1, turno noite. Novembro de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

A atuação dos monitores em aula foi algo sempre requisitado pelo Professor
Guilherme. Nossas intervenções se davam tanto por breves falas, com
microfone e câmeras ligados, como pelo chat do Google-Meet, o recurso da
plataforma mais utilizado pelos discentes em aula. Infelizmente, a maior parte
da turma permanecia de câmeras fechadas nos encontros; poucos alunos
ligavam os microfones para fazerem algum comentário ou questionamento.
Esta era a realidade do ensino remoto. No entanto, felizmente havia
considerável interação deles no chat da plataforma.

Para uma determinada aula, ficamos responsáveis de a partir de fontes


primárias medievais abordar o tema do “imaginário das três ordens”. Muitos
livros didáticos costumam enfatizar que a sociedade medieval, dita feudal (para
alguns desses materiais o feudalismo existiu durante toda a Idade Média) era
dividida em três grupos sociais. Havia aqueles que rezavam, o Clero
(Oratores); os que lutavam e protegiam, os Nobres (Bellatores); e aqueles que
trabalhavam (Laboratores), os servos, desempenhando cada grupo social,
como se vê, uma função específica, e por isso tinha-se ordem no mundo. É
comum esses materiais apresentarem o famoso excerto do bispo francês
Adalbéron de Laon (c. 947-1030), que diz:

“A casa de Deus, que acreditam uma, está pois dividida em três: uns oram,
outros combatem, outros, enfim, trabalham. Estas três partes que coexistem
não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma são a condição
das obras das outras duas; cada um por sua vez encarrega-se de aliviar o
conjunto. Por conseguinte, este triplo conjunto não deixa de ser um; e é assim

71
que a lei pode triunfar, e o mundo gozar da paz.” (ADALBÉRON DE LAON
Apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p. 91).

Todavia, o que se compreende é que o texto é uma expressão clara de um


traço do imaginário medieval, o qual acredita que todas as coisas no mundo
devem ter uma ordem específica para que possam funcionar bem. Além disso,
ele também revela uma questão importante, um pressuposto ideológico.
Lembremos que Adalbéron é um bispo. Em seu texto, o clérigo almeja defender
a existência de uma ordem na sociedade cuja a Igreja é a sua grande tutora.

Muitas fontes deixadas pela Idade Média contestam a percepção das “três
ordens” da sociedade feudal, como as de tipo iconográfico. É comum a arte
medieval representar grupos sociais que não necessariamente se enquadram
nas três ordens pressupostas por Adalbéron, como, por exemplo, os
universitários, os mercenários, os burgueses, os trovadores, entre outros.

Considerando isso, em uma das aulas colocamos em prática uma intervenção


apresentando um slide composto apenas por imagens que ilustravam estes
demais grupos, objetivando problematizar a ideia das três ordens. Nos livros
didáticos geralmente vemos iconografias da própria Idade Média sendo
dispostas apenas como suporte ilustrativo do conteúdo escrito. Um grande
erro, já que imagens deste período são uma cultura que testemunha sobre ele
(MACEDO, 2005), portanto, também uma fonte para o compreender. No âmbito
do ensino, elas podem vir a ser excelentes ferramentas didáticas.

Imagem III: Print do slide utilizado na intervenção sobre o imaginário das três
ordens. Setembro de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

Por volta do mês de outubro, teve início a Unidade II da disciplina. Para auxiliar
os alunos em seus estudos, a monitoria decidiu produzir fichamentos da nova
bibliografia que seria debatida em aula. Contudo, pensamos em tornar um
pouco mais dinâmica esta atividade, do que apenas elaborar resumos de
textos. E se produzíssemos fichamentos com uma linguagem mais cativante?

72
Surgiu então a ideia da criação de uma página na rede social Instagram
dedicada à disciplina de História Medieval I.

Semanalmente produzíamos fichamentos dos textos das aulas que eram


dispostos na forma de posts no Instagram. Para cada um deles foi produzida
uma “arte” na plataforma de designs Canva. Durante a leitura da bibliografia,
escolhíamos alguns excertos dos textos, os que mais sintetizavam o debate
proposto pelo trabalho, e os citávamos nas artes. Na descrição constava um
fichamento da bibliografia na forma de texto corrido.

Imagem IV: Print de um post do Instagram da monitoria. Outubro de 2021.


Fonte: arquivo da monitoria.

Com o Instagram, foram elaborados também fichamentos na forma de vídeos,


como se deu para a aula com o tema “As migrações germânicas e a formação
do mundo carolíngio”. Aqui a rede social foi utilizada para a divulgação do
material audiovisual, já que ele tinha a duração de dez minutos e a plataforma
permitia apenas um. O produto completo esteve disponível na pasta do Drive
da turma.

73
Imagem V: Print do resumo em vídeo feito pelo monitor Claudio Kuievinny
Duarte para a aula de migrações germânicas e mundo carolíngio, disponível no
Google-Drive da turma. Outubro de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

Outro trabalho da monitoria que se serviu desta linguagem descontraída no


ensino e no contato com os alunos, foi com o uso dos “memes”. Longe de uma
mera frivolidade das mídias sociais, os memes são um transmissor cultural, e,
portanto, uma fonte histórica, possível de ser utilizada enquanto ferramenta
didática nas aulas de História (CADENA, 2018). Notávamos o quanto era
frequente nos grupos de WhatsApp a circulação de posts de páginas do
Facebook e Instagram que enfatizavam a Idade Média tipificada da “noite de
mil anos”. Como um tipo de contestação a essas produções, decidimos nós
mesmos criarmos memes para a página do Instagram da monitoria, que
estivessem em diálogo com a bibliografia da disciplina.

Em um dos memes elaborados, o famoso medievalista francês Jacques Le


Goff decapita a “Idade das Trevas”. Serviu como tema para o meme o episódio
da série norte-americana Game of Thrones (2011-2019), produzida pelo canal
televisivo HBO. A ideia surgiu a partir de um outro meme que tivemos acesso,
um recorte de uma cena da série de comédia romântica Modern Love (2019).
Neste seriado, atua Kit Harington, ator que também encenou na série Game of
Thrones, como o personagem John Snow. Uma das dúvidas dos alunos
durante a disciplina foi com relação ao que seria um “medievalista”, o
pesquisador que se dedica a estudar a Idade Média a partir das fontes do
período. Muitos acreditavam ser o homem ou mulher que teria vivido no
medievo. No meme de Modern Love, um personagem que conversa com
“Michael”, papel interpretado por Kit Harington, associa a função do
“medievalista” à série de TV Game of Thrones. O humor da cena é de imediato
capitado pelo espectador, que sabe que o ator esteve no outro seriado.

74
Imagem VI: Meme criado pelos monitores para o perfil do Instagram. Outubro
de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

Imagem VII: Meme da série Modern Love (2019) utilizado no post do


Instagram. Outubro de 2022. Fonte: arquivo da monitoria.

O nosso último trabalho na monitoria foi a idealização e ministração da última


aula da disciplina. Desde o início do semestre nos foi sugerido pelo Professor
Guilherme Queiroz esta atividade, a qual acatamos com entusiasmo. Lecionar
para uma turma de graduação, apesar de forma remota, seria uma experiência

75
singular em nossa formação, já que a metodologia das aulas deste nível do
ensino se diferencia bastante das do Ensino Básico, com as quais mais
lidamos na graduação por conta dos componentes dos estágios. Dos temas
sugeridos pelo professor, escolhemos o “Movimento monástico”. Entre
novembro e dezembro passamos a recolher a bibliografia que serviria de base
para a aula. As duas exposições realizadas foram um sucesso.

Imagem VIII: Registro da aula ministrada pelo monitor Victor Medeiros Garcia
sobre monasticismo. Dezembro de 2021. Fonte: arquivo da monitoria.

Considerações Finais
Atuar em um projeto de monitoria durante a graduação é sempre um grande
aprendizado, mas a experiência deste em particular foi algo singular em nossa
formação, pela necessidade que tivemos de exercer a docência em um
contexto cujo contato e convivência face a face entre os indivíduos quase não
existia. Em meio a pandemia de covid-19, para que a prática docente se
concretizasse, nos sobrou como alternativa o emprego das tecnologias digitais
no ensino. Em nosso tempo, a tecnologia oferece uma grande contribuição à
educação, e vale se munir dela e de uma educação a distância, mas deve-se
sempre saber que nada substitui a relação humana na educação, inerente a ela
(BRANDÃO, 2002).

Ao longo dos quatro meses de monitoria no ensino remoto, a criação dos


produtos didáticos com o emprego dos TDICs nos trouxe dois grandes
aprendizados: o ofício docente requer do profissional da educação a
capacidade de se adaptar em meio aos contextos; cabe a ele também o
exercício criativo de como, a partir das ferramentas que dispõe (no nosso caso,
as tecnologias digitais) poder expor os conteúdos da sua disciplina. Tudo isso
experimentamos com a criação dos produtos didáticos, como o perfil do
Instagram, os memes, os encontros via plataforma do Google-Meet, e os
demais produtos.

76
Por fim, tratando-se do ensino de História Medieval, aprendemos que enquanto
professores, em hipótese alguma devemos prestar o conteúdo de nossas aulas
às concepções imaginadas da Idade Média, a “Idade das Trevas” ou a “Idade
Dourada”, que, como vimos, vagueiam tanto pelas mídias sociais. Há tempos
essas concepções foram abandonadas por pesquisadores sérios, cujos
trabalhos, vários com linguagens próximas, são de fácil acesso ao docente.
Atualizar o ensino de História medieval nos níveis do Ensino Básico e Superior,
é hoje, e sempre será, um dever.

Referências biográficas
Claudio Kuievinny Duarte, estudante do curso de História da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB).

Victor Medeiros Garcia, estudante do curso de História da Universidade


Federal da Paraíba (UFPB).

Referências bibliográficas
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã.
Petrópolis-RJ: Vozes, 2002.

CADENA, Silvio R.G. Novos objetos para o ensino de história: Os memes na


sala de aula. Recife: XII encontro estadual de História da ANPUH-PE “História
e os desafios do tempo presente”, 2018.

CARNEIRO, Leonardo de Andrade et al. Uso de tecnologias no ensino superior


público brasileiro em tempos de pandemia COVID-19. Research, Society and
Development, v. 9, n. 8, p.1-18, 2020.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de


Janeiro: FGV, 2011.

ECO, Umberto. Introdução à Idade Média. In: Umberto Eco (org.) Idade Média.
bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide: Dom Quixote, 2014. Vol 1.

HARARI, Yuval Noah. Notas sobre a pandemia e breves lições para o mundo
pós coronavírus: Artigos e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras,
2020.

MACEDO, José Rivair. Repensando a Idade Média no ensino de história. In:


KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e
propostas. São Paulo: Contexto, 2005, p.109-126.

PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: São Paulo:


Unesp, 2000.

PEREIRA, Nilton Mullet & GIACOMONI, Marcello Paniz. A Idade Média


imaginada: usos do passado medieval no tempo presente. In: Café História- a

77
história feita com cliques. Disponível em: www.cafehistoria.com.br/usos-do-
passado-medieval-idade-média/ .Publicado em: 09 de setembro de 2019.

RONDINI, Carina Alexandra et al. Pandemia do Covid-19 e o ensino remoto


emergencial: mudanças na prática docente. Educação, v. 10, n. 1, p. 41-57,
2020.

SILVEIRA, Aline Dias da. História global da Idade Média: estudos e propostas
epistemológicas. Roda da Fortuna, v. 8, n. 2, p. 210-236, 2019.

78
RPG NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DIDÁTICA
DE HISTÓRIA E FOLCLORE BRASILEIRO PARA
TURMAS DOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Clivya da Silveira Nobre e José R. Paulo de Lima

Usando o RPG nas escolas


O Role-Playing Game (RPG) é um jogo de interpretação de personagens, no
qual os participantes precisarão, de maneira colaborativa, cumprir e superar
uma série de problemas e desafios. Esta proposta didática tem o objetivo de
desenvolver as habilidades dos estudantes e impulsionar aqueles que se
encontram em dificuldades acadêmicas e sociais.

Essa prática já está sendo utilizada por diversos professores, inclusive no


Brasil, e vários trabalhos acadêmicos utilizam o uso de RPG em sala de aula
como objeto de estudo. Isso se dá pelo fato do RPG compor, também, o
universo dos jogos e do Storytelling, ferramentas utilizadas na área de
Metodologias Ativas.

Um dos professores que utilizaram o RPG no ensino de História foi Renan


Rocha (2014). Ele afirmou que uma das habilidades desenvolvidas pelos
alunos foi a empatia histórica. Nos jogos, eles foram estimulados a imaginar
quais seriam os pensamentos e atitudes dos seus personagens, inseridos em
períodos e contextos históricos dos mais diversos, o que os auxiliou na
aprendizagem de conhecimentos históricos (ROCHA, 2014, p. 28).

Outra habilidade trabalhada pelo RPG, citada por professores que o utilizaram,
foi a de desenvolvimento da alteridade. Carlos Costa (2017) identificou que o
alunado, diante dos desafios propostos no jogo, foram estimulados a refletir
sobre as diferenças entre o passado histórico imaginado e o presente real,
desenvolvendo de maneira prática a noção de historicidade, ou seja, de que
ideias, costumes e a sociedade atual não são cristalizadas, imutáveis, mas
passaram por inúmeras transformações no tempo.

Já Priscilla Pereira (2010) identificou uma relação entre o jogo e a História, que
foi pertinente para o ensino:

“Pelo funcionamento do jogo é preciso haver uma trama, um contexto, uma


narrativa, o que nos pareceu viável na medida em que o jogo assume o caráter
de literatura, primordialmente utilizando-se dos cenários na sua narrativa

79
ficcional e elencando questões de teor no processo histórico, como a literatura
faz, tendo acesso ao imaginário de épocas passadas, pela metáfora e alegoria”
(PEREIRA, 2010, p. 100).

Ou seja, as etapas da aventura jogável se desenrolam segundo uma ordem


narrativa, na qual as ações de antes causam as consequências no depois,
ordem similar a da trama histórica. Deste modo, o RPG pode ser uma forma de
habituar os alunos a este elemento do conhecimento histórico.

André Corrêa (2017) foi outro professor que utilizou o RPG na aula de História,
e concluiu que a prática do RPG em aula promoveu o desenvolvimento de duas
habilidades principais: a imersão e a resolução de problemas (CORRÊA, 2017,
p. 36). Deste modo, os alunos, para cumprir os objetivos das missões do jogo,
precisaram imergir no período histórico no qual a aventura estava ambientada,
ou seja, conhecer elementos das relações sociais, da economia e do cotidiano.
Isto leva a outra habilidade ligada a prática do RPG no ensino: o
desenvolvimento da pesquisa. Na experiência de Corrêa, o jogo estimulou os
alunos a pesquisarem mais informações sobre o período que ambientou a
narrativa jogada, buscando se apropriar destes dados para superar os desafios
propostos aos seus personagens. (CORRÊA, 2017, p. 37) Desta maneira, os
conhecimentos foram articulados para a resolução dos problemas encontrados.

Desta forma, o conhecimento abstrato foi refletido pelos alunos para o uso em
uma situação concreta, mesmo que no âmbito da imaginação. Isto está de
acordo com a teoria de sócio-histórico-cultural de Vygotsky (2011), na qual a
aprendizagem é um processo contínuo, reforçado pela utilização dos
conhecimentos em diferentes situações. Deste modo, o RPG permite que, por
meio da imaginação, os alunos se apropriem do que foi aprendido em
circunstâncias mais práticas. Victor Pessotti, que também utilizou o RPG como
ferramenta de ensino, explicou em seu trabalho de pós-graduação a vantagem
desta estratégia didática para que o aluno possa ser protagonista da
aprendizagem, por meio da interação. De acordo com ele

“A possibilidade de se viver a história que estamos estudando, possibilitada


pelo RPG, faz toda a diferença, uma vez que aquilo até então abstrato,
recebido unilateralmente em uma aula expositiva, passa agora a ser
vivenciado, ou seja, recebe um viés de troca por meio da interação; essa pode
ser a diferença entre entender História e decorar História, ou mais, a diferença
entre gostar ou não da disciplina” (PESSOTTI, 2018, p. 42).

Além de conhecimentos históricos, o RPG pode desenvolver habilidades


comportamentais, como a cooperação em grupo e a aceitação de regras. De
acordo com Pessoti (2018, p. 39), as regras são fundamentais para o bom
funcionamento da sessão de RPG, logo, se os estudantes tiverem uma
experiência positiva com as regras neste âmbito restrito, terão mais facilidade
em lidar com as regras num âmbito mais geral, como a escola e a família.

Uma proposta didática

80
A nossa proposta foi pensada para as turmas dos anos finais do Ensino
Fundamental e para ser trabalhada em uma hora/aula. Mas o RPG pode ser
aplicado em todos os níveis de ensino, basta levar em consideração as suas
particularidades.

Como ferramenta didática, este jogo desenvolve-se no plano da imaginação.


Tudo que precisamos ter é um sistema de jogo; uma história; desafios a serem
vencidos; um objetivo; uma turma cheia de energia; papel; lápis; caneta; dados
comuns e um espaço como a sala de aula. Alguns narradores utilizam trilha
sonora temática, imagens e mapas, mas isso fica a seu critério.

A prática do RPG pode ser usada em qualquer disciplina, pois incentiva a


leitura, a pesquisa, o desenvolvimento de raciocínio lógico e habilidades para
resolução de problemas. Por seu caráter colaborativo, o trabalho em equipe é
estimulado. Além disso, vale citar que cada estudante será como um ator
interpretando seu papel no jogo, desenvolvendo diálogos e até usando
figurinos (caso queira). Espera-se que, dessa forma, possamos propiciar
momentos divertidos e tornar as aulas cada vez mais interessantes, dinâmicas
e significativas.

Então, despertamos o seu interesse? Esperamos que sim. Agora como todo
jogo precisa de regras, vamos conhecer o sistema escolhido. Nesta proposta
usamos o Lasers & Feelings (Lasers e Sentimentos), por sua simplicidade e
fácil assimilação.

Lasers & feelings


O Lasers & Feelings (L&F) é um sistema de RPG criado por John Harper e
traduzido por Thiago Rosa Shinken. Nele utilizamos dados comuns de 6 lados
(D6) para todas as jogadas e decisões que não puderem ser resolvidas com
interpretação. No mais, o RPG não deve ter uma narrativa engessada, sua
história deve ser criada coletivamente com os estudantes.

A criação da proposta
É responsabilidade do professor. Ele poderá criar enredos dentro do seu
conteúdo, propor desafios, atuar a favor dos estudantes como facilitador para
que eles possam cumprir a missão. Para criar a sua história responda:

Onde se passará a aventura (enredo/cenário)? Qual será o objetivo dos


aventureiros (jogadores)? Qual desafio eles deverão vencer para conquistar
seus objetivos? Qual será a recompensa? O que você, professor, pretende
construir ou desenvolver com seus estudantes? Vejamos um exemplo:

A Aventura se passará em alto-mar, durante o início da expansão ultramarina


do século XV. Os estudantes serão aventureiros que a bordo dos veleiros
europeus cruzarão o oceano, precisarão vencer tempestades e ataques piratas
até chegar às terras desconhecidas do “Novo Mundo”. Esperamos que os
estudantes entendam as dificuldades que os navegadores enfrentaram e
utilizem o conhecimento histórico como guia.

81
A criação de personagens
A seguir apresentaremos como criar um personagem no sistema L&F, não se
preocupe, é bem simples. Basta responder as perguntas:

Qual raça ou grupo étnico você faz parte? Quais são os principais traços de
sua personalidade? Qual sua classe, sua ocupação, sua profissão, o que você
sabe fazer? Qual seu número de atributo (será necessário escolher um número
entre dois e cinco)? Quantos pontos de vida ele tem (role 3D6, some os
números e o resultado será os pontos de vida do personagem)? Qual é o nome
do seu personagem? Vejamos um exemplo:

Nome: Roderick; “raça”: humano (em cenários fantásticos e mitológicos


existem outras raças disponíveis: deuses, semideuses, elfos, sátiros entre
outros).
Personalidade: aventureiro curioso e medroso; classe: guerreiro. Número de
atributo: 4; pontos de vida: 11.

Anote as informações e você terá um personagem pronto. Os estudantes


poderão criar seus próprios personagens e anexar imagens que os
representem. Deixe-os ir em frente, estimule o uso da criatividade.

Os dados e seus resultados


Os testes comuns são feitos com 1D6. Quando o personagem estiver
preparado ele usa 2D6. Nos casos onde se é um especialista ou tem
vantagem, rola-se 3D6. Isso é determinado pelo professor que escolhe e julga
se o estudante merece a vantagem. Qualquer dúvida, improvise.

Para saber se você ou os jogadores foram bem sucedidos nos testes, deve-se
jogar o D6 e verificar o resultado. Se o jogador quer fazer um teste de ação,
força ou ataque ele precisa tirar o seu número de atributo ou os números
abaixo dele. Vejamos o exemplo:

O Roderick tem atributo 4, ele faz um teste de força e o dado cai no número 3.
Isso significa que ele passou. Se tivesse tirado um número acima de 4 ele
reprovaria no teste.

Porém, se o jogador quer fazer um teste mental, conhecimento, diplomacia,


convencimento, ele deve jogar o D6 e verificar o resultado. Se tirar um número
igual ou maior que o seu atributo ele será bem sucedido.

Dessa vez, Roderick com seu atributo 4, faz um teste de diplomacia para
convencer outro personagem a fazer suas vontades, ele joga o dado e cai o
número 2, ele falhou. Se Roderick tivesse tirado 4 ou mais ele passaria no
teste.

Lembre-se que para testes mentais e de personalidade o jogador precisa tirar


um número igual ou maior que o atributo. Mas para testes físicos e de ataque

82
os personagens precisam tirar um número igual ou menor. No entanto, o RPG
tem uma regra de ouro que é a diversão, na dúvida improvise.

Às vezes, combates fictícios acontecem. Neste caso, os personagens sofrerão


ou causarão danos. Para saber o quanto ele ou o adversário ficou ferido, basta
rolar 1d6 para armas pequenas e simples, como facas, adagas por exemplo;
2d6 para armas grandes e complexas, como arcos, bestas, espadas e armas
de fogo. Caso o dano venha de armas pesadas, armas de ataque em área,
como um canhão por exemplo, deve-se rolar 3d6. Some os números e subtraia
o resultado dos pontos de vida do personagem para saber se ele sobrevive ao
ataque.

A libertação de Anhangá: uma aventura interdisciplinar


Resumo: os estudantes deverão assumir o papel de símbolos do nosso
folclore. O objetivo dos aventureiros será encontrar e libertar Anhangá, o
protetor da natureza, em meio às dificuldades do Brasil atual. Caso consigam,
eles poderão ajudar a restaurar o equilíbrio ambiental brasileiro.

Introdução
Em meio ao caos ambiental e ao progresso desenfreado muito da essência
natural se perdeu, a natureza e seus habitantes sofrem com o desmatamento,
queimadas e o desrespeito causado por governantes sem escrúpulos. Os
antigos acreditavam na presença protetora de Anhangá, o grande veado
branco com olhos de fogo. Porém, é sabido que este ser desapareceu e por
isso as cidades, as fábricas e a fumaça subjugam tudo que é verde e vivo.

Os guerreiros folclóricos
Os seres fantásticos, que hoje habitam as regiões remotas do Brasil, foram
enfraquecidos pela descrença do povo e pelo desmatamento. Agora, é
chegada a hora deles se reerguerem. O Saci; A Caipora; O Curupira; O Boto; A
Yara; O Lobisomem; A Vitória - Régia; O Negrinho do pastoreio; A cuca; o
Capelobo; o Ipupiara; Jaci Jaterê entre muitos outros serão reunidos por Sumé,
uma divindade que representa a ordem e a sabedoria para os Tupis. E tomarão
conhecimento da missão de encontrar e libertar Anhangá.

Desafios
Primeiro desafio: Eles precisarão descobrir pistas de onde Anhangá está
aprisionado. O professor poderá guiar pesquisas sobre regiões do Brasil onde
possivelmente está a prisão fictícia de Anhangá. Nossa sugestão é o Vale do
Anhangabaú em São Paulo.

Para ajudar, o professor poderá pedir testes de conhecimento dos


personagens, neste caso os estudantes que fizerem os testes terão que tirar no
dado o seu número de atributos ou números maiores. Caso contrário eles
reprovarão.

Se conseguirem as pistas, os estudantes viajarão até a região indicada. Nesse


momento, o professor escolherá algum desafio para ser enfrentado pelos

83
estudantes no meio do caminho (iremos deixar algumas criaturas listadas para
servir como desafio). Caso vençam, os estudantes seguirão a jornada e
chegarão ao destino.

Ao chegarem à região, os estudantes deverão encontrar o local exato da


prisão. Sugestão nossa: se o professor optou pelo Vale do Anhangabaú,
indicamos usar a praça Pedro Lessa - onde se localizava uma estátua de
Diana, deusa greco-romana da caça e dos animais. Indicamos que os
aventureiros destruam a estátua para quebrar o selo que prende Anhangá. Mas
para isso eles precisam primeiro vencer o vigia da prisão (deixaremos uma lista
de desafios para que possa ser usada). Se conseguirem, eles libertam a
divindade e cumprem a missão.

Lista de criaturas
Todas as criaturas que serão listadas pertencem ao folclore brasileiro. Se for
de sua vontade, você poderá pesquisar imagens para apresentá-las ou apenas
narrar suas características.

Mapinguari (número de atributo 5, pontos de vida 20). Mula Sem Cabeça


(número de atributo 4, pontos de vida 18). Uma Horda de Corpo Seco (número
de Atributo 4, pontos de vida 50 no total). Boi tui - serpente gigante com bico de
papagaio ( número de atributo 5, pontos de vida 20). Boitatá (número de
atributo 5, pontos de vida 200).

Avaliação
Observe se os estudantes estão relacionando a narrativa com o que eles
conhecem sobre o folclore brasileiro, se eles estão bem no quesito resolução
de problemas, se conseguem identificar a presença dos diversos problemas
ambientais e climáticos existentes atualmente e a responsabilidade da falta de
projetos políticos eficientes para se combater essas mazelas. Se preferir, pode
propor uma pesquisa sobre a importância cultural do folclore, principais
elementos folclóricos de nossa região e causas dos problemas ambientais no
Brasil atual.

Considerações finais
Esse foi apenas um exemplo, pensado para ajudar nossos estudantes.
Podemos ir muito além, criar novas narrativas que possam englobar outros
conteúdos e reforçar esses já citados. Nossos estudantes possuem uma
infinidade de conhecimentos e habilidades, alguns deles ainda nem sabem
disso. Acredito que podemos despertá-los, fazê-los enxergarem seus
potenciais. Que tal ajudá-los? Os dados foram lançados, vamos ver qual será o
resultado, espero que consiga um acerto decisivo.

Referências biográficas
Clivya da Silveira Nobre, mestranda pela Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), bolsista CAPES, e
graduada em História pela UFRN.

84
José Ricardo Paulo de Lima, professor no Eficácia Colégio e Curso. Graduado
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e pós-graduando
em metodologias ativas e tecnologias pela Universidade Potiguar – UNP.

Referências bibliográficas
CORRÊA, André. Rolando dados, criando histórias, aprendendo História - o
uso do RPG como instrumento de iniciação científica no ensino de História.
Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de História) - Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 2017.

COSTA, Carlos. RPG e ensino de história: uma articulação potente para a


produção da narrativa histórica escolar. Dissertação (Mestrado Profissional em
Ensino de História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
2017.

HARPER, John. Laser & Sentimentos. Tradução de Thiago Rosa Shinken.


Disponível em <https://kupdf.net/download/lasers-
sentimentos_5d3cf3abe2b6f5b842c78940_pdf>. Acesso em: 31 jul. 2022.

PEREIRA, Priscilla. RPG e História: o descobrimento do Brasil. Dissertação


(Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2010.

PESSOTTI, Victor. O uso do RPG como ferramenta do ensino de História.


Dissertação (Mestrado em Docência e Gestão da Educação) - Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa. Porto, 2018.

ROCHA, Renan. Jornada entre a imaginação e a interpretação: o uso e a


prática do RPG no ensino de História. Monografia (Licenciatura e Bacharelado
em História) - Universidade do Extremo-Sul Catarinense. Criciúma, 2014.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento


dos processos psicológicos superiores. Traduzido por José Cipolla Neto, Luis
Silveira Menna Barreto e Solange Castro Afege. 7 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.

85
DITADURA, EXÍLIO E RESISTÊNCIA
DEMOCRÁTICA: PENSANDO O ENSINO DE
HISTÓRIA ATRAVÉS DA CANÇÃO “APESAR DE
VOCÊ” DE CHICO BUARQUE
Daiane da Silva Vicente

Este texto tem como proposta discutir o uso da música no ensino de história.
Compreende-se que a música pode ser usada como uma fonte histórica a ser
trabalhada em sala de aula, evidenciando a relação com o contexto de sua
composição e divulgação. Conduzir o estudante “para o estudo da história
através de diferentes tipos de documentos históricos enobrece o processo de
ensino-aprendizagem, além de aproximá-lo do fazer histórico” (SILVA, 2019, p.
180). Sendo assim, é importante que a professora e/ou professor de história,
ao escolher a música esteja ciente sobre o contexto de composição da canção
e também do procedimento que envolveu sua interpretação (KERBER, 2003).

O período histórico escolhido para a discussão nesse texto é o regime militar


brasileiro, instalado no ano de 1964 a 1985. A música selecionada será
“Apesar de Você” de Chico Buarque. O motivo da escolha está relacionado à
necessidade de estudarmos criticamente este momento histórico, com o
objetivo de relembrar as atrocidades para que elas não sejam esquecidas, pois,
dessa maneira, poderemos ficar atentas e atentos às situações atuais
semelhantes, passando a buscar meios que fortaleçam a democracia brasileira.

Na historiografia há duas vertentes que discutem qual seria a nomenclatura


adequada para se referir o período de 1964 - 1985, em que o Brasil foi
governado por militares. Essa discussão, gerada pelos pesquisadores e/ou
pesquisadoras que se dedicam a estudar esse assunto, remete ao sentido de
que no Brasil ocorreu uma Ditadura militar ou uma Ditadura civil-militar. A
vertente que defende o uso da nomenclatura Ditadura civil-militar, considera o
envolvimento de civis no regime autoritário, e atualmente sabemos de vários
indícios que comprovam esse envolvimento. Por outro lado, os defensores da
outra vertente, não compartilham da mesma ideia, preferindo o termo Ditadura
Militar (SILVA, 2017).

A justificativa utilizada para a instalação da ditadura, configurou-se em uma


suposta ameaça do comunismo, como também, para livrar o país da corrupção,
e teria a intenção de restaurar a democracia (FAUSTO, 2018). Ainda de acordo
com o historiador Boris Fausto, as instituições do país foram mudadas pelo
regime militar através dos Atos Institucionais (AI). Entre todos os Atos

86
Institucionais, o A-5, instalado em 1968, foi o mais severo, em comparação aos
atos anteriores, este não tinha prazo de vigência.

“O presidente da República voltou a ter poderes para fechar provisoriamente o


Congresso, o que a Constituição de 1967 não autorizava. Restabeleciam-se os
poderes presidenciais para cassar mandatos e suspender direitos políticos,
assim como para demitir ou aposentar servidores públicos.” (FAUSTO, 2018, p.
265)

Durante a ditadura, foi feito o uso de mecanismos para controlarem todas as


esferas da sociedade, como a Lei de Segurança Nacional que tinha o objetivo
de prender e/ou torturar as pessoas contrárias ao regime; a criação do Serviço
Nacional de Informações (SNI), cuja função era investigar qualquer indivíduo e
prendê-lo se fosse suspeito de estar envolvido com as organizações políticas
de esquerda; e a Lei de Imprensa para controlar os meios de comunicação,
cerceando a liberdade de expressão (SILVA, 2019). Sendo assim, “muitos
artistas brasileiros passaram a ser censurados e perseguidos pelos militares,
principalmente após a instituição do AI-5” (SILVA, 2019, p. 180).

É impossível falar das canções do tempo da ditadura de 1964 e não lembrar


dos inúmeros artistas da MPB. Entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis
Regina, Milton Nascimento, Geraldo Vandré e Chico Buarque. Suas canções,
algumas delas fazendo uma enorme crítica, contrárias ao regime ditatorial.
Devido a isso, veio a censura, as perseguições, a tortura, o exílio, “Em 1973,
foram censuradas 159 letras musicais; em 1976, 198 e, em sua fase final já no
ano de 1980 houve um registro de 458 músicas censuradas” (CAROCHA,
2013, p.6). Ocasionando o desconforto da falta de liberdade de expressão, o
desconforto da inexistência da democracia. O historiador Marcos Napolitano,
ao analisar a documentação do Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS) de São Paulo e Rio de Janeiro, referentes aos artistas da MPB,
observou que:

“A partir de 1971, os shows do chamado “Circuito Universitário” passam a


ocupar a maior parte dos informes e relatórios. O inimigo número 1 do regime
passou a ser Chico Buarque, secundado por Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Milton Nascimento, Gonzaguinha e Ivan Lins. Com o exílio de Vandré e sua
desagregação enquanto persona pública do meio musical politizado, aliado às
novas posturas de Chico Buarque, este passa a ser destacado como o centro
aglutinador da oposição musical de esquerda, sendo frequente nas fichas e
prontuários aparecer a expressão “pessoa ligada a Chico Buarque de
Hollanda”, como se essa relação, por si, aumentasse o grau de suspeição.”
(NAPOLITANO, 2014, p. 108)

A experiência do exílio, refletiu de várias formas na carreira musical desses


artistas. Por exemplo, Caetano Veloso ficou muito deprimido por ter sido
obrigado a sair do Brasil, e nesse momento, gravou o disco Transa, com
músicas que, entre tantos sentimentos, expressam a saudade de vários
aspectos do seu país de origem.

87
O período da ditadura também contribuiu para que outros cantores, de certa
maneira, modificassem as suas perspectivas, como é o caso de Chico
Buarque, que após o exílio na Itália, retornou para o Brasil com um
engajamento político musical mais forte. Portanto, acredita-se ser interessante
pensar como a ditadura causou modificações na vida e na carreira de Chico,
modificações ocasionadas no decorrer do exílio, que embora tenha ido por
vontade própria, quando estava fora do país, recebeu um aviso que seria
melhor continuar por lá (Portal Vermelho, 21 de mar. 2020).

“Àquela altura, 1972, Chico Buarque era um dos artistas mais vigiados pela
censura e pela “comunidade de informações” e qualquer evento que contasse
com a sua presença era digno de atenção. Se Chico Buarque já aparecia como
um “agente do grupo da MPB” desde os anos 60, o episódio envolvendo a
música Apesar de você, em 1970, quando a crítica ao ditador disfarçada em
uma querela amorosa acabou sendo liberada pela censura e vendendo cem mil
compactos, até ser cassada, piorou o grau de suspeita que recaía sobre suas
costas.” (NAPOLITANO, 2014, p. 113)

Análise da música “Apesar de Você” e o ensino de história


A música “Apesar de Você” do Chico Buarque, foi escrita quando estava
exilado na Itália, onde passou mais de um ano. Gravada quando o artista
retornou ao Brasil na década de 70, pensando que as questões políticas
estavam melhorando. Por mais que Chico acreditasse que a música não iria
passar pela inspeção da ditadura, acabou sendo liberada e quando gravada fez
um enorme sucesso. No entanto, quando entenderam o que realmente dizia a
música, ela foi censurada. Essa foi a primeira canção de Chico Buarque a
sofrer com a censura (MATOS, 2011). Segundo Alessandro Matos, esta música
de Chico Buarque:

“tomará sentido como música de artista engajado somente se assimilarmos o


texto com a história. Será necessário colocar a palavra em movimento para
formação de significado, suas ambigüidades, ironias, metáforas, enfim, os
recursos disponíveis para a criação que busca não cair no óbvio para ludibriar
a censura.” (MATOS, 2011, p. 14).

Apesar de você (Chico Buarque)

Hoje você é quem manda


Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado


E inventou de inventar
Toda a escuridão

88
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento


Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza


Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver

89
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. E tal
Lá lá lá lá laiá

Nessa canção, é possível analisar vários aspectos que remete ao autoritarismo


do regime, como também é possível analisar o sentimento de esperança que
dias melhores chegarão, ficando explícito logo no início da canção, no refrão
“Hoje você é quem manda / Falou, tá falado”, é interpretado que esse “você” é
direcionado a ditadura que naquele momento quem estava a frente era o
general Emílio Médici. Dessa maneira, se cria o entendimento de que a
ditadura, por mais que espalhasse o medo e a angústia, não será algo que
permanecerá por muito tempo.

“[..] Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros,
juro / Todo esse amor reprimido / Esse grito contido / Este samba no escuro
[...]” Nesse outro trecho, observa-se o sentimento de revolta por causa de todo
o desconforto que a ditadura causou, que entre tantas coisas, também
podemos colocar o fato de ter motivado a permanência em outro país. Dando
continuidade a análise do trecho destacado anteriormente, trata-se também de
um tópico que remete ao sentimento de esperança, pois, o “Quando chegar o
momento / Esse meus sofrimento / Vou cobrar com Juros, juro” revela esse
aspecto de que a situação pode até ser ruim naquele momento, mas não
continuará assim, havendo a oportunidade de justica. A música por inteira é um
hino de protesto e resistência contra a repreensão da Ditadura “Apesar de você
/ Amanhã há de ser / Outro dia”.

Algumas letras de músicas, como, por exemplo, a mencionada anteriormente,


ao ser interpretada, percebe-se que as informações trazidas podem auxiliar o/a
estudante “a “apreender” o que, por sua vez, poderá refletir numa melhor
compreensão do processo histórico, dos conteúdos escolhidos e dos fatos
ocorridos neste determinado período.” (FREITAS; PETERSEN, 2015, p.42).
Segundo Luciano Azambuja:

“A música pode ser usada em uma aula de história porque pode ser apropriada
como fonte histórica para a aprendizagem histórica, cuja finalidade última serve

90
para a formação da consciência histórica e a constituição da identidade
histórica de alunos jovens e adultos.” (AZAMBUJA, 2014, p. 238)

Ainda de acordo com Azambuja, em seu artigo “Canções da Ditadura: aula


audição, cultura histórica e cultura juvenil”, ele chama atenção para algo
interessante, que nesse momento final do texto, pode nos servir para refletir
sobre outras formas de trabalhar com músicas em sala de aula. É mencionado,
por ele, a aula audição que seria “a tarefa que consiste na escolha por parte
dos alunos de uma música dos seus gostos musicais que pode ser usada em
uma aula de História.” (AZAMBUJA, 2014, p. 243).

Neste trabalho, coloquei como proposta uma música para ser trabalhada em
sala de aula (“apesar de você” de Chico Buarque), ou seja, uma canção que
poderia ser levada pela professora ou professor, mas isso não impede de
adotarmos outras metodologias de ensino com o uso de músicas. A proposta
da aula audição, também parece ser atraente, por permitir que as/os
estudantes possam optar pelas canções que chamem sua atenção. Segundo o
autor mencionado anteriormente:

“As músicas podem ser reproduzidas, recepcionadas e defendidas na aula


audição procurando responder as perguntas históricas formuladas pelo
professor- pesquisador: “Por que usar essa música em uma aula de História?”;
“Para que usar essa música em uma aula de História?”.” (AZAMBUJA, 2014, p.
243-244)

Portanto, é urgente e necessário aprofundar os estudos sobre a ditadura civil-


militar nas aulas de história, principalmente devido ao momento atual de
exaltação da ditadura de 1964 e o negacionismo. Fazer uso de canções no
ensino de história é importante não somente devido a sua utilidade como fonte
histórica a ser trabalhada, mas também, por deixar as aulas mais atraentes e
agradáveis.

Referência Biográfica
Daiane da Silva Vicente é graduada em Licenciatura em História pela
Universidade de Pernambuco. Especialista em Docência e Prática da História
do Brasil pela Faculdade Focus. Mestranda em História pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas. E-mail:
daianesv567@gmail.com

Referências Bibliográficas
AZAMBUJA, Luciano de. Canções da Ditadura: aula audição, cultura histórica e
cultura juvenil. Revista de Teoria da História Ano 6, Número 12, Dez/2014
Universidade Federal de Goiás ISSN: 2175-5892. 2014, p. 230-249.

CAROCHA, Maika Lois. “Pelos versos das canções": censura e música no


regime militar brasileiro. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em:
<http://snh2013.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Maika%20Lois
%20Carocha.pdf>. Acesso em: 17 de out. de 2020.

91
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2018.

FREITAS, Vânia Maria Oliveira de; PETERSEN, Graciane Trindade. Música e


Ensino de História. REVISTA DI@LOGUS. Universidade de Cruz Alta - RS.
ISSN 2316-4034 – Volume 4 nº4. 2015, p.34-50.

Há 50 anos, Chico Buarque voltava do exílio em Roma. In.: Portal Vermelho: a


esquerda bem informada. 21 de março de 2020. Disponível
<em:https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/ha-50-anos-chico-buarque-
voltava-do-exilio-em-roma/>. Acesso em: 30 de julho de 2022.

KERBER, Alessander. Considerações acerca dos desafios teórico


metodológicos para o uso da música no ensino de história. Textura: Canoas. n.
6/7. mar.2002/mar.2003, p. 93-97.

NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica
dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 24, nº 47, 2014, p.103-126.

SILVA, Fábio Alexandre da. A música como documento histórico e instrumento


didático: um estudo sobre a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Rev.
Fac. Educ. (Univ. do Estado do Mato Grosso), Vol. 31, Ano 17, N°1, p. 177-195,
jan./jun., 2019.

SILVA, Tatianne Ellen Cavalcante. Memórias Femininas no Bom Pastor – PE:


gênero, repressão e resistências durante a Ditadura Civil-Militar brasileira
(1964-1985). 2017. 159 F. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017. 159 p.

92
METAVERSO E REALIDADE VIRTUAL (R.V)
IMERSIVA E NÃO-IMERSIVA APLICADA AO
ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADE E
LIMITAÇÕES
Daniel da Silva Costa

Neste trabalho, trataremos das possibilidades de uso dos recursos de


metaverso e realidade virtual aplicadas ao ensino de História, questionando de
qual forma e quando esses recursos podem ser usados no
ensino/aprendizagem da disciplina, levando-se em consideração as múltiplas
necessidades socioeconômicas da escola pública. O texto resulta de
investigação, ainda em fase inicial junto ao Programa de Pós-Graduação em
Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe, tendo
como local de laboratoriamento, escolas públicas da Bahia.

Entende-se aqui a realidade virtual como um recurso tecnológico, criado por


meio de computação que permite fazer com que objetos e ambientes virtuais
(como imagens de cidades antigas ou pessoas) pareçam reais diante dos olhos
do observador por meio da utilização de recursos e ferramentas, que fazem
com que o indivíduo seja imerso no ambiente virtual, devido a ilusão criada na
visão, audição, olfato e até mesmo no tato do indivíduo, possibilitando ainda, a
depender das configurações do recurso, interagir com o ambiente,
modificando-o, a exemplo do que ocorre nos games.

Tal definição do conceito de realidade virtual encontra amparo na conceituação


de KIRNER (2006, p. 7), que a explica como sendo “uma interface
computacional que permite ao usuário interagir em tempo real, em espaço
tridimensional gerado por computador, usando seus sentidos, através de
dispositivos especiais”; portanto, os recursos de realidade virtual teriam a
capacidade de fazer o indivíduo se sentir presente fisicamente em um ambiente
que não existe no mundo físico.

Para BRAGA (2011), isso ocorre pelo fato de que os recurso de Realidade
Virtual, como óculos, capacetes, fones e hoje luvas, proporcionam o
rompimento ou suavização de “[...] barreiras existentes entre a simulação e o
usuário que normalmente é provocada pelos mecanismos operacionais do
computador”.

Ou seja, usando os recursos de realidade virtual o indivíduo sai da posição de


mero espectador que ocorre quando está diante de uma tela de computador,

93
recebendo estímulos do ambiente real, e passa a se sentir dentro do ambiente
virtual, haja vista que a percepção do ambiente real fica limitada graças ao uso
dos óculos, fones e outros recursos. Dessa forma, a Realidade Virtual se
distingue de outros recursos digitais, como por exemplo os vídeos, pelo fato de:
“[...] proporcionar a sensação de ‘estar lá’ oferecendo pelo menos ao olho o
que ele teria visto se estivesse lá e, mais importante do que isso, fazendo com
que a imagem mude instantaneamente de acordo com o ponto de vista. Nossa
percepção da realidade espacial é determinada por várias informações visuais
tais como o tamanho relativo, o brilho e o movimento angular. Uma das mais
importantes é a perspectiva, poderosa sobretudo por sua forma binocular, em
que cada olho vê uma imagem diferente. A fusão dessas imagens numa outra,
em três dimensões, é a base da estereovisão” (NEGROPONTE, 1995, p. 115).

Dessa forma, podemos entender que o objetivo macro da realidade virtual é


permitir ao usuário interagir com o ambiente virtual que pode ou não está
simulando a realidade.

Tal recurso tecnológico, apesar da recente popularização, não é algo tão novo,
haja vista que, como defende WUNSH, desde a criação do cinema que já se
registra tentativas de imersão em realidade virtual por parte de artista e
engenheiros; todavia, como aponta BRAGA (2001), é a partir do fim da 2º
guerra mundial que se verifica o uso dos recursos de tecnologia em realidade
virtual no âmbito das forças armadas que já a utilizavam para fins
educacionais, sendo aproveitada no treinamento de pilotos por meio de
simuladores de voos.

Esse uso, no entanto, era muito limitado, de modo que a R.V só vai de fato
começar a se popularizar no século começo dos anos 2000, sendo hoje
utilizada nos mais distintos contextos, indo desde games simples até
complexas pesquisas de neurociência.

Nesse contexto, a realidade virtual tem se tornado a pauta do dia, devido aos
debates em todo do metaverso. O termo metaverso foi cunhado pela primeira
vez, como mostra SOUZA (2012), em 1992, quando Neal Stephenson, em seu
romance Snow Crash, usou a palavra metaverso para se referir a um mundo
tridimensional no qual os seres humanos interagiam por meio de personas
virtuais chamadas de avatar. Seguindo essa lógica, hoje o termo metaverso,
pode ser entendido como sendo uma rede de mundos virtuais, que:

“[...] tenta replicar a realidade, por meio de dispositivos digitais, no intuito de


fazer com que seus “residentes” se sociabilizem, seja criando casas, jogando,
customizando seus avatares ou desenvolvendo outras atividades propostas
pelo ambiente.” (SOUZA, 2012, p. 42)

Ou como aponta SCHLEMMER (2008), metaverso pode ser definido como:

“[...] mundos digitais virtuais em 3D, os quais podem ser representações de


espaços já existente no mundo físico ou construções imaginárias, a partir das

94
potencialidades e da natureza desses mundos, que não é física, mas sim digital
virtual.”

Ressalta-se que esses mundos virtuais (metaverso) apesar de permitirem e


serem fruto das ações dos indivíduos sobre ele, não dependem da ação de
uma pessoa para continuarem existindo – como ocorre, por exemplo em jogos,
que o jogador pode sair do jogo e reiniciar -, ou seja, no metaverso,
independentemente de uma pessoa entrar ou não, as ações continuaram
ocorrendo nele pelas ações de outras pessoas, tal qual ocorre no mundo real.
Neste mundo virtual temos corpos virtuais (chamados de avatar) que se
relacionaram tal qual a vida em sociedade

Por mais que isso pareça uma visão diatópica, já está ocorrendo na prática nas
mais distintas áreas da vida, hoje as grandes marcas de grifes já possuem
suas lojas no metaverso que oferecem tanto produtos físicos quando que
poderão ser usados apenas no mundo virtual; em alguns metaversos, como no
The SandBox, já é possível encontrar lotes de terra virtual; do mesmo modo, já
existem igrejas que atuam apenas nesse mundo virtual; ambientes corporativos
preparados para grandes empresas; laboratórios de pesquisa que podem
congregar pesquisadores de todo o mundo, manipulando objetos
tridimensionais e decidindo em conjunto

Essa ideia tem suscitado grandes debates em torno da realidade virtual e dos
metaversos, apontando e estudando tanto suas grandes potencialidades e
contribuições nos mais diversos ramos da vida - como na neurociência, onde a
realidade virtual já tem ajudado paciente a estimular áreas do cérebro que não
seriam estimuladas devido a algum tipo de limitação motora, por exemplo -,
mas discutindo também os possíveis problemas sociais decorrentes, como por
exemplo, a extrema dependência do usuário, que pode optar por preferir viver a
vida do metaverso à vida real ou problemas com a propagação de discursos de
ódio nesses ambientes.

Vale ainda destacar que, quando se fala de realidade virtual e metaverso,


estamos falando de um conceito bastante amplo que engloba uma quantidade
muito grande e distinta de recursos; de modo que quando falamos de
metaverso, na verdade estamos falando de metarversos, pois já existem vários
mundos virtuais, como o metaverso do facebook mais voltado as interações
social, outros focados em relações empresariais e entre tantos outros, desse
modo, a junção desse vários mundos, já proporcionam hoje uma vivência
virtual completa, com as compras, movimentos religiosos e as demais
instituições da vida real.

Essa variedade é própria da realidade virtual, que pode variar de acordo com o
nível de imersão do usuário com o cenário, por exemplo, jogar um game de
frente para a tela de um computador recebendo estímulos do ambiente real é
muito diferente de jogar usando um óculos de realidade virtual, com fones e
controles que inibem totalmente os estímulos externos ao jogo; diante disso,
TORI, HAUNSELL e KIRNER (2018) fazem uma classificação dos recursos de

95
realidade virtual em dois tipos: realidade virtual não-imersiva e realidade virtual
imersiva.

A realidade virtual não-imersiva é aquela que é implantada por meio de uma


janela, que podemos entender aqui como um monitor de computador, a tela de
um celular ou uma projeção de um datashow.
Nela alguém está jogando em uma realidade virtual, no entanto, ele não está
totalmente imerso no ambiente virtual, uma vez que a tela do computador é só
mais um elemento no resto do ambiente que o jogador está.

Já a R.V imersiva é aquela em que o usuário utiliza recursos como capacetes


ou óculos de R.V, além de outros recursos, que o faz se sentir dentro do
cenário digital com a possibilidade de manipular virtualmente os objetos lá
existentes como se fosse no mundo real.

Neste trabalho pretendemos usar os dois tipos, isso pelo fato de que partimos
do pressuposto de que nem todas as escolas possuem ferramentas que
proporcionem a R.V imersiva.

Trazendo a R.V Imersiva para âmbito da história, seria possível, portanto, o


aluno entrar em uma pirâmide egípcia e manipular objetos lá presente ou visitar
os mais diferentes museus do mundo, podendo ver os mais diversos detalhes
ali presente, manipulando objetos para visualizar os detalhes.

Para isso hoje é necessário apenas um celular e um óculos de V.R, como o


demonstrado na imagem, tal recurso pode custar de R$ 50 até R$ 20.000, esse
preço varia a depender do grau de complexidade do hardware, de modo geral,
é possível afirmar que independentemente do preço, os óculos funcionam bem,
desde que sejam usados para a finalidade para o qual foi desenvolvido, desse
modo, se o objetivo é apenas assistir produções em V.R, os óculos mais
simplificados que basicamente dependem apenas do encaixe do celular e dos
comandos com a cabeça, funcionam bem; esses hardwares, no entanto não
tem eficácia no uso para games, uma vez que nesse caso, exige-se controles
manuais, fones, microfones e outros recursos que aumentam a imersão do
usuário.

Acreditamos que os hardwares mais simples possuem grande eficácia na


missão educativa, uma vez que trabalharemos com aplicativos e produções
que não demandam tanto quanto os games.

Ainda nesse aspecto dos valores, é importante destacar que hoje é possível
criar óculos de R.V de forma totalmente gratuita, utilizando materiais
recicláveis, como papelão e garrafa pet, haja vista que o próprio google
disponibiliza o modelo Google Cardboard, que originalmente requer apenas a
compra das lentes bifocais, no entanto, hoje já é possível substituí-las por
lentes feitas com garrafa pet preenchidas com água.

96
As imagens acima mostram os óculos de R.V “artesanal” em fase de
montagem e já montado; após a montagem, basta colocar o celular na parte de
trás e, graças as lentes, um aplicativo escolhido dividirá a imagem em duas,
isso dará o efeito de 3D e a ampliação do campo de visão do usuário, fazendo-
o se sentir parte do ambiente virtual.

Tais soluções aliadas ao atual desenvolvimento de aplicativos de R.V leves e


gratuitos, disponíveis para praticamente todos os celulares (como os que
pretendemos utilizar e que citaremos mais a frente) democratizam e
possibilitam o uso do R.V em diversos contextos socioeconômicos, como nas
escolas públicas brasileiras com todas as suas carências e rompem com o que
BRAGA (2001), escrevendo em 2001 apontava como principal barreira para a
utilização da realidade virtual em sala de aula: “alto custo de implantação, a
falta de métodos, de técnicas e de ferramentas de desenvolvimento, aliados à
necessidade de envolvimento de equipes multidisciplinares.”

Entendido assim o que é a realidade virtual, pensemos agora em como ela


pode constituir-se em uma ferramenta de apoio a educação. Será isso
possível? De qual maneira? Seria possível inserir a realidade virtual na escola
pública brasileira, escola essa que, apesar dos documentos orientadores de
currículo primarem pelo uso da tecnologia, na prática sofre da falta de recursos
básicos, como computadores, tablets e internet?

Nesse sentido, como já apontamos no item 1.1 desse texto, os documentos


que orientam o currículo são unânimes quanto a introdução e aperfeiçoamento
de tecnologias digitais na educação, como é o caso da BNCC, que estabelece
como uma das competências gerais:

“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação


de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva.” (BNCC, 2018)

Apesar dessa ênfase, não encontramos em nenhum dos documentos já citados


(BNCC, PCNs e DCNs), considerações sobre a realidade virtual em si. Devido
a isso, precisamos recorrer as produções bibliográficas sobre o tema, no intuito
de entender de que modo a realidade virtual pode contribuir para com o ensino
de História.

Nessa baila, precisamos registrar primeiramente que, como apontado no item


1.1 desse trabalho, os recursos de realidade virtual já nascem alinhados com a
educação, uma vez que a primeira aplicação encontrada para eles, ainda na
década de 1940, foi auxiliar na formação de pilotos da marinha americana, por
meio de simuladores de voo, isso contribuiu de sobremaneira para a segurança
e evolução da aviação, uma vez que os pilotos não precisavam mais se
submeter ao risco de acidente.

97
Esse exemplo demonstra, para BRAGA (2001), uma das grandes contribuições
dos recursos de realidade virtual para com a educação, isto é:

“Com a Realidade Virtual presente na educação poderemos descobrir, explorar


e construir conhecimento (aprender) sobre lugares que jamais pensaríamos
visitar. O grande potencial da Realidade Virtual está exatamente nessas
possibilidades, não só através de aulas ou objetos físicos, mas também através
da manipulação virtual do alvo a ser explorado, analisado e estudado.”

Ou seja, com o uso da realidade virtual, o ensino de história deixa de se limitar


as barreiras da imaginação e passa a habitar possibilidades que seriam
impossíveis devido a impossibilidade espacial ou temporal, de modo que,
enquanto o professor trabalhar, por exemplo, a grandeza da arquitetura
romana, o aluno agora pode andar pelas ruas de Roma, observar e até mesmo
manipular objetos dessa arquitetura; dessa forma, passamos da perspectiva de
meros espectadores, para a de atores

Com base nisso, diversos autores, como BRAGA (2001), TORI, KIRNER e
SISCOUTO (2006) e DIZERÓ, VICENTIN e KIRNER (2016) apontam que o uso
dos recursos de realidade virtual podem contribuir indiscutivelmente para uma
maior motivação dos alunos, uma vez que ele passam da posição de
observadores/receptores para a de atores do contexto trabalhado, primeiro pelo
fato de que os recursos de R.V possuem um poder muito maior de ilustração
do que qualquer outra mídia, ou seja, enquanto em imagens ou vídeos o aluno
só pode observar, com a R.V ele pode decidir o que observar, quanto tempo
quer passar observando um elemento do cenário e entre outros.

Esse aspecto já conduz a outro ponto positivo elencado pelos autores, isto é, o
fato de que a realidade virtual estimula a participação ativa do aluno, fazendo
assim com que ele aprenda em seu próprio ritmo; este ponto, na visão de
BRAGA (2001), seria o aspecto mais importante da R.V na educação, uma vez
que cada indivíduo aprende em um ritmo e a partir de estímulos diferentes, ou
seja, enquanto uns aprende mais com o visual, outros mais com o auditivo,
para a autora, dentro do ambiente virtual todos esses estilos de aprendizagem
estão disponíveis ao estudante e este tem a liberdade de escolher.

Os referidos pesquisadores apontam ainda para outras possibilidades que


fazem da realidade virtual uma importante aliada, como por exemplo: permitir
que pessoas com deficiência participem de atividades que seriam fisicamente
impossíveis; promover a manipulação e observação de materiais perigosos ou
distantes fisicamente e o contato com outros contextos culturais, históricos e
sociais.

No mesmo sentido, já podemos encontrar na literatura pesquisas que apontam


para o papel importante que os metaversos podem e devem desempenhar na
educação, indicando como principal contribuição o fato de os metaversos
promoverem e/ou potencializarem “[...] o sentimento de presença, de
proximidade, de pertencimento, propiciando aos sujeitos vivenciar experiências

98
de aprendizagem de forma imersiva” (BAKES, 2012, p. 50); esse sentimento de
proximidade acaba por aumentar o interesse do aluno para com o conteúdo e,
principalmente, construir de forma autônoma o conhecimento a cerca de um
conteúdo.

Outro ponto em que o metaverso pode contribuir é na possibilidade de


promover a interação e e-vivência (vivência digital), com pessoas de todas as
regiões do mundo; isso promove o processo de interação que é fundamental
para a estruturação do conhecimento, do respeito ao outro e na formação de
uma sociedade democrática.

Diante de tudo o que expomos, está claro, portanto que as TDIC, incluindo a
realidade virtual e o metaverso, constituem-se em importante e necessário
aliado no processo de ensino aprendizagem, uma vez que promovem a
ampliação do mundo para além do real, permitem manipular e acessar
produtos e locais que seriam impossíveis fisicamente e favorecem a ampliação
a nível global das interações sociais; todavia, consideramos que a tecnologia
sozinha não consegue influenciar positivamente o processo educativo; diante
disso, concordamos com RABARDEL (1999), quando ele aponta que é preciso
entender as tecnologias como um instrumento que depende da ação humana
para adquirir significado e um objetivo de uso de acordo com a realidade em
que for utilizada.

Referências biográficas
Daniel da Silva Costa, estudante do Mestrado Profissional em Ensino de
História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe.

Referências bibliográficas
BRAGA, Marluci. Realidade Virtual e Educação. Revista De Biologia E Ciências
Da Terra. Volume 1 - N° 1, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,


2018.

SOUZA, Carlos Henrique Medeiros; TONELLI, Elizangela. O metaverso no


processo de ensino e aprendizagem e a geração digital. RETEC, Ourinhos, v.
05, n. 01, p. 40-47, jan/jun, 2012

SOUZA, Renato Fontes de. Objeto Digitais de Aprendizagem: uma nova


abordagem para o ensino de História. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.

TORI, Romero; KIRNER, Claudio. Fundamentos de Realidade Virtual. In:


Fundamentos e Tecnologia de Realidade Virtual e Aumentada Editores:
Romero Tori, Claudio Kirner, Robson Siscoutto . Editora SBC, Porto Alegre,
2006.

TORI, Romero; HAUNSELL Marcelo; KIRNER, Cláudio. Introdução a Realidade


Virtual e Aumentada. Editora SBC, Porto Alegre, 2018.

99
A MODA NA SALA DE AULA: AS
TRANSFORMAÇÕES DAS VESTIMENTAS NO
TEMPO COM ENFOQUE NO PERÍODO
REPUBLICANO NO MARANHÃO ATRAVÉS DOS
JORNAIS
Delfina R. Vieira Brito e Jakson dos S. Ribeiro

O referido trabalho apresenta uma discussão teórica sobre a utilização dos


jornais em sala de aula como uma metodologia didática, demonstrando como a
moda contida nos espaços dos periódicos do início da república maranhense
contribui para o Ensino de História. Esse estudo, nesta perspectiva, só foi
possível através de uma pesquisa maior que analisa e discute as propagandas
expostas pelas principais casas de moda no Maranhão dentro dos jornais em
circulação no período de 1890 – 1940, visualizando a importância de estar na
moda e como a mesma era um fator determinante para o imaginário social
incutido na sociedade Republicana maranhense.

Assim, os tipos de relações construídas entre os sujeitos e suas ramificações


sociais solidificam a História social/Cultural, que na concepção de José de
D’Assunção Barros (2002) vai além da organização básica da sociedade, pois
compreende um conjunto de fatores interligados dentro da própria
compreensão dos Campos que compõem a História como área de
conhecimento, ainda conjugado com o que Barros (2002) denomina como
interdisciplinaridade, fornecendo assim uma historiografia com variedades de
[...] ilhas, cada qual com a sua Flora e sua fauna particular” (BARROS, 2002, p.
9), em que as dimensões, abordagens e domínios organizam a compreensão
desta nova história.

Deste modo, é essencial compreender a construção dos jornais como um


discurso, onde o uso das colunas e dos anúncios de vestimentas e utensílios
era utilizado como influência padronizadora do vestir social destacando assim a
Imprensa como:

“[...] prática social constitutiva e instituinte dos modos de viver e pensar a


cidade. Com o uso proposital da noção de periodismo, busca captar o
movimento de fazer imprensa como experiência e prática cultural de sujeitos
sociais, surpreendendo as redes sociais de comunicação que aí se constituem”
(CRUZ, 2013, p.11).

100
Formando interligações entre o que é noticiado e absorvido pela sociedade,
associando-se assim ao que Marinalva Barbosa (1997, p. 90) enfatiza em
relação à importância da imprensa que possuía poder com suas publicações,
pois manifestava as suas ideias e acima de tudo influenciavam na opinião, seja
econômica, política ou mesmo na moda, pelo fato de construir nos grupos da
sociedade maranhense o interesse de se enquadrar nos padrões que os jornais
ditavam, pois o vestir mostrava traços de uma sociedade hegemônica, e ao
mesmo tempo era um divisor social. Sendo assim possível demonstrar através
dos anúncios ou imagem nos corpos dos jornais características de uma
república nos mais diversos aspectos como enquadramento dos grupos sociais
e com o os mesmo eram vistos no período.

Nesta logística de aproximação dos jornais no ensino em sala de aula, sabendo


que é um espaço repleto de imagem e contextos que nos permitem
compreender as alterações presentes no tempo histórico, podemos considerar
que a análise feita delas durantes as aulas, além de evidenciarem novas
práticas metodológicas de ensino também representam uma nova abordagem
para um cenário contemporâneo educacional, onde os professores buscam
manter a atenção visual dos alunos, para conseguir desenvolver uma
compreensão dos conteúdos, dentro deste contexto, Bittencourt (2008) aponta
os jornais como uma fonte histórica que possibilita vários tipos de estudos na
sala de aula desde que seu uso ocorra de forma consciente.

Dessa forma, proporcionando que a moda incutida nos principais jornais que
circulavam no início do período republicano no maranhão possa apresentar
uma visão através de uma análise crítica no espaço da sala de aula,
apresentando assim uma individualidade na observação dos ”[...] acessórios e
modos de usar, a moda ligando não só o prazer de ver como o prazer de ser
visto, a moda e seus códigos de elegância convidam a adaptação das
novidades para cada corpo e personalidade” (FERNOCH, 2020, p. 824). Onde
a moda pode ser um campo de reconhecimento do período histórico em seus
detalhes, mas para isso necessita-se de uma metodologia consciente, pois os
jornais são documentos cheios de discursos que devem ser expostos para uma
análise e conhecimento dos alunos.

A moda na compreensão do tempo histórico: análises das imagens


propagandista como recurso didático
Na passagem do tempo um elemento que sofreu corriqueiramente com as
mutações do tempo histórico foi o modo de vestir-se, nesta prerrogativa, a
moda se torna um aspecto possível de reconhecimento e de estudo para
compreensão dos períodos da história com uma submersão em questões do
âmbito social, político e econômico dependendo da ótica que for analisada na
pesquisa e no ensino.

Nesta perspectiva, Letícia Fernoch (2020) entende que a moda enquanto


método no ensino de história é possível em várias perspectivas dentro do
espaço estudado, tendo em vista o fato da:

101
"[...] a indumentária de um determinado período revela muito sobre ele,
podemos trazer para as aulas e apresentar aos alunos documentos escritos ou
imagéticos para desvendar o vínculo entre as roupas e os acontecimentos
relevantes estudados de uma época, assim aproximamos os alunos das fontes
históricas e mostramos a eles uma nova vertente de estudo" (FERNOCH, 2020,
p. 823)

Diante disso, é necessário visualizar que a moda é um elemento vivo e


constante, por ser condizente com o tempo histórico de cada sociedade, isso
fica explícito quando olhamos registros históricos e percebemos as variações e
adaptações no ato de vestir, e Vieira (2017), demonstra isso quando explica a
correlação dos vestuários e utensílios com o contexto histórico vivido pelas
sociedades.

Sendo assim, um campo possível de conhecimento das características sociais


e culturais de uma pluralidade e singularidade social que geralmente estará
contido nos fatores econômicos de um conjunto de relações e suas demandas
no que tange o consumo e como é executado pela sociedade conjugando
assim a falta de capital para o consumo da moda, um fato de segregação social
que executa um distanciamento entre os grupos (PRADO, 2019).

Ou seja, o ato de vestir-se em uma sociedade enquadra os indivíduos em


setores sociais, divisões essas compreendidas pela moda ou por não estar
contida na mesma. Dentro disso, Letícia Fernoch (2020, p. 823) aponta nesse
seguimento que "moda passa a ser facilmente a necessidade de afirmação, de
mostrar que se pertence a um grupo, ela é um gênero de distinção social para
a classe alta". Esse elemento dentro de uma análise de uma imagem retirada
de um jornal independente da época pode gerar vários nichos de discussões
sobre as questões sociais, além de favorecer uma linguagem diferenciada no
espaço escolar.

Contudo é fundamental que essa aplicação da moda no ensino de história seja


um trabalho pensado e construído em uma noção didática que “permitem ao
estudante extrair e explorar conceitos-chaves; elaborar perguntas; propor
ações opções de soluções para um dado problema; apontar posições e
comentá-las” (FARIAS, 2011, p. 147), sendo possível com uma metodologia
eficaz com elementos e pontes que possibilite o desenvolvimento do
conhecimento e da criticidade do aluno.

Neste compasso, a utilização das imagens propagandistas incutidas nos


periódicos, em relação a moda, pode ser trabalhado em sala de aula com o
intuito de entender as questões sociais, compreendendo assim as
mentalidades dos grupos sociais e a influências de aspectos que envolvem
todo uma conjuntura do início da república ou mesmo de outros períodos, pelo
fato das indumentárias se transformarem com o período vivido, fazendo o
discente compreender que o pensamento histórico é um processo de
“entendimento de que os vestígios do passado se encontram em diferentes

102
lugares, fazem parte da memória social e precisam ser preservados como
patrimônio da sociedade” (BITTENCOURT, 2008, p. 333).

Segundo Bittencourt (2008), é necessária uma análise parcial da parte interna


e externo dos jornais, pois esse meio de comunicação reproduz um discurso
que nunca é neutro, visando esse olhar crítico do aluno a proposta de entender
os aspectos como postura, divisões sociais no campo das propagandas de
moda, é fundamental uma prática pedagógica com aplicação pensada e
estruturada para os níveis de conhecimento dos alunos com um trabalho sobre
em cima do documento escrito ou mesmo de uma imagem que muitas das
vezes compõem um anúncio publicitário, além das publicidades ocultas
através, por exemplo, de uma representação de um indivíduo importante nas
folhas de um periódico.

Essa ação deve acontecer com uma descrição e identificação dos jornais
utilizados, sempre situando o contexto de quem o produz no tempo histórico e
explicando com os saberes já agregados na construção escolar para atingir os
resultados desejados através dos objetivos impostos por trás da didática e
metodologia aplicada pelo professor na formação do conhecimento com
linguagem expostas nos jornais que no contexto da moda é posta dentro e fora
das imagens propagandistas.

Mas devemos tomar cuidado com uso dos jornais que são usados muitas das
vezes até mesmo dentro do livro didático de forma displicente como meras
imagens ilustrativas, nessa ótica, Peter Burke (2004) coloca que a imagem é
muito valiosa na construção da história do vestuário, apesar de ser uma
testemunha muda, esta contém uma gama de explicações dependendo do
olhar de quem analisa, tornando o uso da mesma na sala de aula um campo de
possibilidades, pela imagem transpassar meras reflexões, sendo em sua
estrutura uma transposição dos seus contextos a qual foram representados.

Deste modo, esse trabalho compreende que o estudo e análise da moda


independente do espaço é um momento de instigar a percepção dos alunos
com outro olhar para história e sua contribuição para o presente, pelo fato de
ser uma abordagem que possibilita ao aluno uma “[...] constituição da sua
própria roupa, como surgem os estilos que estão em alta, onde ele se inspira e
qual a origem dessa roupa e inspiração, podendo assim elaborar seus
pensamentos para seu contexto de vida e o da sociedade que habita”
(FERNOCH, 2020, p.832).

Onde a moda é um compasso de possibilidades enfrentadas no cotidiano de


uma sociedade, distinguindo e entregando indivíduos, onde os jornais nesse
contexto é uma máquina de divulgação e apresentação em suas propagandas
seja no vestuário ou na representação de figuras influentes da época, mas que
facilitou e contribuiu para visualizações no tempo do modo de se vestir.

A moda republicana incutida nos Jornais maranhense

103
A consolidação da República no Brasil no final do século XIX teve como
principais influenciadores o desgaste do Império e a abolição da escravidão
com a lei Áurea em 1888. No Maranhão, esse movimento Republicano já
existia antes mesmo do fim da escravidão, mas somente após esse evento
histórico, seja por insatisfação devido à falta de indenizações a quem perdeu
dinheiro com esse ato ou mesmo pela percepção da declinação do sistema
político vigente, aliado com o interesse de continuar no poder da elite, houve
um grande número de apoiadores durante e após a proclamação da República.
Entretanto, não é sobre as conturbações políticas que este trabalho enfoca,
mas como os jornais que circulavam no Maranhão no início da república
difundia a moda para os espaços sociais do período ditando o imaginário social
desta sociedade.

Ademais, a Moda no Brasil, especialmente no Maranhão, ocorre de uma forma


lenta e gradativa inicialmente nos grandes centros urbanos, com grande
influência da moda europeia, em especial a Francesa, no entanto essa
absolvição ganhou velocidade no século XIX pelo "desenvolvimento da
indústria e do comércio nas metrópoles urbanas, e dos veículos de
comunicação de massa" (PRADO, 2019 p. 46). Ou seja, os jornais através dos
ensaios agitaram o Maranhão com a propaganda no modo de vestir, pois esse
é o papel que os impressos fazem na construção do imaginário da sociedade
devido a sua função de influência através das linguagens aplicadas, em vista
disso Sandra Jatahy Pesavento (1995), expõe que:

“Todo fato histórico – e, como tal, fato passado – têm uma existência
lingüística, embora o seu referente (o real) seja exterior ao discurso. Entretanto,
o passado já nos chega enquanto discurso, uma vez que não é possível
restaurar o já vivido em sua integridade. Neste sentido, tentar reconstituir o real
é reimaginar o imaginado, e caberia indagar se os historiadores, no seu resgate
do passado, podem chegar a algo que não seja uma representação”
(PESAVENTO, 1995, p 17).

A compreensão das análises sobre os periódicos demonstra que essa


linguística utilizada possibilita entender o tempo passado pelo discurso exposto
nos ensaios, tornando a leitura de elementos cotidianos como a política, a
economia, o lazer e inclusive a moda em um meio de representatividade e de
influência por intermédio dos jornais do período. Nesta sistematização
Pesavento (1995) exprime que a sociedade idealiza uma representação
diferente do real relacionada à ideia de vivência que no seu imaginário está
muito além do que é exposto, mais no significado sobre o que está sendo
vivido e isso fica explicito com as significações que vão além das expostas nas
palavras e imagens, estando contida no campo da dimensão simbólica.

Desta forma, os Jornais em circulação no Maranhão na aurora da República


exprimiam a Moda como um padrão social que devia ser seguido, pois não
embasava somente uma elegância, mas o perfil social de um homem bem
sucedido ou de uma Dama da alta sociedade maranhense. Elementos estes
entendidos através de análises das propagandas e das vestimentas de alguns

104
indivíduos expostas nos impressos sejam eles diários, semanais ou mensais na
capital São Luiz ou no interior do Estado.

Nessa perspectiva, observamos dois recortes de jornais diferentes visando esta


moda no período republicano maranhense. O primeiro é o Gazeta Caxiense
que circulava na cidade de Caxias-MA e compreendia um leque de
informações expostas para cidade, dentre esses assuntos estava a
modernidade e elegância social, mantendo assim a população atenta às
principais novidades as noticiando sobre sua chegada a Caxias, isso fica
evidente na figura 1 anexa abaixo.

Figura 1: Propaganda de utensílios recém-chegados na Loja de Anfrizio Lobo.


Fonte: Gazeta Caxiense, 22 de junho de 1894, nº 136.

Percebe-se na análise da manchete que na Loja de Anfrizio Lobo, chegaram


utensílios masculinos como chapéus, lenços e meias para os meninos, mas
também uma mescla de utensílios que compreende ao campo feminino como
os leques de plumas. Isso mostra uma união dos dois setores de moda na
cidade, onde alguns desses utensílios eram fundamentais no contexto para ser
reconhecido como membro da alta sociedade Caxiense.

O outro periódico, A Mocidade, traz no seu corpo de quatro páginas conteúdos


do campo intelectual maranhense, mas é possível observar as representações
de figuras importantes como do Dr. Raimundo Nina Rodrigues, em
comemoração a seu aniversário, onde o mesmo está vestido em um terno
completo, cabelo e bigode exatamente alinhados, salientando o berço da boa
elegância de um homem de sua época.

105
Figura 2: Imagem de um membro da alta sociedade maranhense.
Fonte: Jornal A Mocidade, 17 de junho de 1907.

Essa edição de 17 de julho de 1907 traz em sua primeira folha, como visto na
figura 2, somente a imagem de Nino Rodrigues. Com essa ótica Machado
(2007, p. 94), esclarece que dentro da sociedade "os homens com maior poder
aquisitivo podiam se distinguir da maioria da população masculina através do
corte, do tecido e do uso de acessórios, como gravatas, abotoaduras,
colarinhos, lenços”, ou seja, o modo como os indivíduos mais importantes da
sociedade se vestiam promovia o que chamamos de distinção social nas
camadas da sociedade maranhense.

Além disso, as propagandas e as representações de personagens importantes


dentro das folhas dos jornais não só ditam uma moda, mas constrói no
contexto da época uma imagem necessária para estar elegante e incluso no
espaço de referências da sociedade e com essa concepção de sociedade,
Barbosa (1997), enfatiza o poder que a imprensa executa no imaginário de
uma sociedade, através de suas folhas, formando ideais que, no campo da
moda, geram modelos sociais de se vestir e se portar nos espaços públicos.

Considerações finais
A moda nessa concepção não é só um ato de se vestir e uma forma de
compreender um espaço no tempo histórico, e a utilização da mesma na sala
de aula torna possível uma visão do aluno sobre conteúdos de uma forma que
os possibilita ter contato com uma fonte, e a partir disso traçar análises e
percepções próprias com ajuda do professor e a didática aplicada através dos
jornais.

Deste modo, a moda na aurora da República maranhense, é um espaço de


variações que fazem possível seu estudo dentro de uma gama de jornais que
circulavam nesse período, que podem ajudar na compreensão da formação e

106
organização da sociedade do final do século XIX e início do XX através da
moda contida nas propagandas e representações.

Em suma, percebemos que esse vasto período da nossa história pode e deve
ser estudado nas escolas dentro das folhas de jornais, publicado a luz de uma
República que foi constituída de várias questões sociais que podem ser
visualizadas com trabalhos em cima de propagandas das casas de modas
expressas nas colunas dos jornais maranhenses.

Referências biográficas
Delfina Rafaela Vieira Brito, estudante do curso de Licenciatura em História da
Universidade Estadual do Maranhão - CESC –UEMA, Campus Caxias.
Atualmente Bolsista PIBIC 2021/2022 em projeto de iniciação científica que
consiste em, mapia os jornais e as principais casas de moda nesses impressos
no Maranhão Republicano no recorte dos anos 1890 – 1940.

Jakson dos Santos Ribeiro, professor da Universidade Estadual do Maranhão.


Professor Adjunto II da Universidade Estadual do Maranhão (CESC/UEMA),
Doutor em História Social da Amazônia (UFPA). Docente do Professor do
Programa de Pós- Graduação em História Metsrado e Doutorado Profissional
(PPGHIST), na Universidade Estadual do Maranhão.

Referências bibliográficas
BARROS, José D’Assunção. O campo histórico. História e Metodologia. Rio de
Janeiro, 2002.

BARBOSA, Marialva. Imprensa, poder e público: dos diários do Rio de Janeiro


(1880 – 1920). Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense. Pós
Graduação em História/Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Imprensa,
Poder e Público. 1996.

BITTENCOURT, Circe Maria F. Usos didáticos de documentos. In:______.


Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008, p.
325-343.

CRUZ, Heloísa de Faria. Em papel e tinta: periodismo e vida urbana 1890-


1915. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2013.

FERNOCH, Letícia. Moda e imprensa feminina: recursos para o ensino de


história. In: Simpósio Gênero e Políticas Públicas, IV, 2020, Londrina. 2020.
Anais [...] Londrina: USL, 2020, p. 822-835.

FARIAS, Isabel Maria Sabino de et al. O planejamento da prática docente.


In:______. Didática e docência: aprendendo a profissão. 3ª ed. Brasília: Liber
Livro, 2011, p. 107-135.

PESAVENTO, SANDRA J. Representações. Revista Brasileira de História. São


Paulo: ANPUH/ Contexto, vol. 15, nº 29, 1995.

107
PRADO, Luís André do. Indústria do vestuário e moda no Brasil do século XIX
a 1960: da cópia e adaptação à autonomização subordinada. 2019, 433 p.
Tese (Doutorado em História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

VIEIRA, Fernanda Nilbre de Lima. Damas e Espartilhos: Modos e Modas Das


Mulheres Ludovicenses na Primeira República. (Monografia) São Luís - MA:
Universidade Federal do Maranhão, 2017.

108
ELFOS E DRAGÕES EM SALA DE AULA: O
NEOMEDIEVALISMO COMO POSSIBILIDADE NO
ENSINO DE HISTÓRIA
Douglas Mota Xavier de Lima

A expectativa, por vezes transmutada em verdadeiro frenesi, pela previsão das


estreias de House of the Dragon, na HBO, em 21 de agosto de 2022, e de O
Senhor dos Anéis – Os Anéis de Poder, na Amazon Prime Video, poucos dias
depois, em 02 de setembro, tem mobilizado a indústria do entretenimento e a
legião de fãs mundiais dos universos construídos por George R. R. Martin nas
Crônicas de Gelo e Fogo e por J. R. R. Tolkien em seus escritos sobre a Terra
Média, respectivamente. Com orçamentos na escala dos bilhões de dólares, as
séries expressam a força do gênero fantasia na cultura ocidental, potência
manifesta na literatura, no cinema, nas séries de TV por assinatura e de canais
de streaming, nos jogos eletrônicos e analógicos etc. De certo modo, esses
títulos, associados a tantos outros produzidos num passado recente – a trilogia
fílmica O Senhor dos Anéis (2001-2003), de Peter Jackson é, provavelmente, o
principal exemplo – na atualidade – como a série The Witcher, com duas
temporadas lançadas pela Netflix – e previstos para os próximos anos – vide a
euforia acerca de Dungeons & Dragons – Honra entre Rebeldes, a ser lançado
nos cinemas em 2023 –, também demonstram a multiplicidade do imaginário
acerca da Idade Média na sociedade contemporânea, visto que tais produções
podem ser caracterizadas como expressões do medievo fantástico, tão caro à
cultura de massa. (LIMA, PORTO JÚNIOR, 2021)

Esse universo permeado de elfos, dragões e outros seres fantásticos remete a


uma Idade Média distinta daquela tradicionalmente estudada nos bancos
escolares e nas universidades, geralmente centrada somente na experiência
histórica de parte da Europa entre os séculos V e XV e que pouco se relaciona
com o tempo presente. Pensar em elfos e dragões como objeto de investigação
e ensino nos leva às pesquisas acerca das recepções da Idade Média em
períodos pós-medievais, interações que abarcam desde manifestações
midiáticas a usos políticos e ideológicos, podendo ser resumidas em torno do
termo medievalismo (do inglês medievalismo). Campo de estudos formado no
último quartel do século XX na historiografia anglo-saxã, atualmente o
medievalismo congrega inúmeros investigadores pelo mundo a fim de
compreender as respostas à Idade Média em todos os períodos históricos, com
particular atenção ao tempo presente. (MATTHEWS, 2015). No entanto, parte
dos investigadores do campo têm ressaltado a singularidade do que pode ser
definido como neomedievalismo, isto é, as releituras da Idade Média
relacionadas especialmente à fantasia, construtoras de uma espécie de

109
metamedievalismo, um universo alternativo de medievalismos mais
independentes da autenticidade do medievo histórico. (ROBINSON,
CLEMENTS, 2009) O neomedievalismo é, assim, um subconjunto funcional,
historicamente contingente ao próprio medievalismo, que encontra uma forma
de se agarrar ao passado rejeitando a história, o tempo e o espaço que o
separam de seu objeto desejado, trazendo-o ao presente. É um medievalismo
dobrado sobre si mesmo que distorce a Idade Média de maneira intencional,
expressando uma história maleável e pós-moderna que, por vezes,
homogeneíza o que seleciona do passado, fazendo com que o medievo seja
absorvido em tropos fragmentados e repetitivos. (KAUFMAN, 2010).

Ainda que lentamente, os estudos do medievalismo e do neomedievalismo têm


se inserido no meio acadêmico brasileiro, resultando em relevantes acúmulos
nos últimos anos, como em congressos – com destaque ao Congresso
Internacional Medievalismos Globais, organizado pela Universidade Estadual
de Montes Claros –, grupos de pesquisa – como o LINHAS - Núcleo de estudos
sobre narrativas e medievalismos, da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro –, dossiês especializados – como os dossiês “Medievalismo(s),
neomedievalismo e recepção da Idade Média em períodos pós-medievais”, da
revista Antíteses (2020) e “Neomedievalismo em Países Sem Medievo: Idade
Média na América”, lançado pela revista Signum (2021) –, em teses (PORTO
JÚNIOR, 2021), coletâneas (VARGAS, 2021; BERTARELLI, BIRRO, PORTO
JÚNIOR, 2021; AMARAL, BERRIEL, BIRRO, 2021), obras individuais
(LANZIERI JÚNIOR, 2021) e traduções especializadas (STURTEVANT, 2020).

Apesar do apelo da temática, da importância do campo de estudos e do


crescimento das investigações no Brasil, tais questões permanecem ausentes
do ensino de história. Em linhas gerais, como afirma Nilton Pereira: “A Idade
Média, no âmbito escolar, continua a ser o espectro do Ocidente – lugar em
que o Ocidente iluminado busca o seu Outro, o contraste justificador da sua
idade adulta.” (2009, p. 118) Esse medievo da cultura escolar, manifesto
sobretudo nos manuais didáticos, segue promovendo uma leitura totalizante do
período, centrando-se numa abordagem generalista desatualizada
historiograficamente e que não oferece elementos para a compreensão do
imaginário medieval amplamente veiculado pelas mídias. (PEREIRA, 2017) Em
síntese, a Idade Média é ensinada como um passado distante, caricato e que
não estabelece relações com o presente.

Discordando dessa tendência, alguns trabalhos têm defendido o potencial


pedagógico da Idade Média imaginada ou neomedieval, incorporando ao
ensino de história o estudo das formas através das quais o passado medieval
foi representado e recepcionado ao longo do tempo (CHEPP, MASI, PEREIRA,
2015; PEREIRA, 2017; TEIXEIRA, PEREIRA, 2016; LIMA, 2019a; LIMA,
2019b, 2021b). Tais propostas argumentam que a incorporação da Idade
Média fantástica nas salas de aula é relevante em função do encantamento
que desperta nos estudantes; por contemplar relações entre a história ensinada
e a história vivida no presente pelos estudantes; e pelo estranhamento,

110
estabelecido por meio do distanciamento entre experiências atuais e
experiências narradas do mundo medieval.

Com base nesses apontamentos, o presente capítulo apresenta brevemente


algumas vias para a inclusão do neomedievalismo no ensino de história. Tendo
em vista que uma parte considerável dos estudos acerca dos recursos para o
ensino de história medieval concentra-se nos livros didáticos, no cinema e nos
jogos eletrônicos, optou-se por destacar outras modalidades, como as novelas,
os desenhos animados e a música.

Novelas
A telenovela ou apenas novela é um gênero popular da teledramaturgia,
produto artístico e cultural amplamente difundido na sociedade brasileira, que
aborda temas, atitudes, valores e comportamentos relacionados ao cotidiano
da sociedade, sendo ainda agente central do debate acerca da cultura
brasileira e da identidade do país. A novela caracteriza-se pelo
desenvolvimento de um enredo básico que “se subdivide em diversas estórias
paralelas e núcleos dramáticos que se articulam entre si, mantendo a tensão
narrativa que caminha para um desenlace” (NAPOLITANO, 2018, p. 88),
possibilitando diferentes problematizações na sala de aula.

Como assinala Maria Immacolata Lopes (2003), a novela dá visibilidade a


certos assuntos, comportamentos e produtos, definindo uma certa pauta que
regula as interseções entre a vida pública e a vida privada. Quase sempre
associada ao tempo presente e à perspectiva realista, a novela brasileira
constantemente renova as imagens de um Brasil que se moderniza, sendo um
dos mais importantes espaços de problematização do país. De todo modo,
recentemente, algumas produções nacionais optaram por enredos centrados
no medievo aproveitando o sucesso contemporâneo de Game of Thrones e
Vikings, nomeadamente as novelas Belaventura, produzida pela Record, e
Deus salve o Rei, produzida pela Rede Globo, ambas exibidas entre 2017 e
2018.

Tais novelas estão diretamente relacionadas ao imaginário medieval na


contemporaneidade e constituem ricos exemplos de fontes históricas e
recursos para o uso no ensino de história. Apesar disso, tiveram pouca
inserção nas discussões recentes acerca do (neo)medievalismo nas mídias.
Uma exceção é o artigo de Carolina Silva (2021) que, partindo do campo do
neomedievalismo, analisou a novela Deus salve o Rei e como as relações de
gênero são apresentadas na obra. Ainda que a reflexão da autora não se
direcione ao ensino de história, o texto faz sobressair os elementos medievais
mobilizados pela trama e, principalmente, os aspectos que criam familiaridade
e pertencimento entre a sociedade brasileira contemporânea e o passado
medievalizante dramatizado. Para Silva: “Ao criar essa sensação nos
espectadores de que estão diante de um mundo passado, que corresponde às
suas expectativas sobre o passado, mas que ao mesmo tempo se assemelha
ao presente, a Idade Média atemporal de Deus Salve o Rei tem liberdade para

111
criar um novo passado, à luz dos anseios da sociedade brasileira”. (2021, p.
202)

Deus salve o Rei é apenas um exemplo de novela brasileira de temática


medieval e o interessado no gênero dispõe de outras produções recentes,
como a mencionada Belaventura (2017) e a aclamada Cordel encantado
(2011). Ademais, outras produções mais antigas, mesmo ambientadas na
Europa Moderna, mobilizaram elementos medievais, tramas da nobreza e o
espaço da corte, como Meu Filho, Minha Vida (1967), O Pequeno Lorde (1967),
O Príncipe e o Mendigo (1972) e a célebre Que Rei sou Eu? (1989), permitindo
diferentes usos nas aulas de história medieval.

Desenhos animados
O desenho animado ou animação pode ser entendido como uma sequência de
imagens que cria a ilusão de movimento, distinguindo-se do cinema
convencional, do ponto de vista técnico, pelo fato de as imagens serem
registradas fotograma a fotograma, e não de forma contínua. Essa
característica faz com que o gênero se aproxime da noção de irrealidade,
abarcando temas como o sonho, a fantasia e outras abstrações, dando ainda
ânimo e vitalidade a entidades que não os possuem (NOGUEIRA, 2010).

Os desenhos animados, tal como outros artefatos culturais, difundem uma


gama importante de significados. Ao longo do século XX, eles se consolidaram
como uma linguagem direcionada especificamente ao público infantil; assim,
ocupam papel relevante na educação e na formação, colocando em circulação
discursos que formam e subjetivam os sujeitos, carregando sugestões de como
ser, como pensar, como se vestir, como se relacionar etc., sendo, desse modo,
produtores de cultura e criadores de padrões sociais (IGNÁCIO, 2015).
Contudo, diferentemente dos filmes, que conquistaram seu lugar como fonte
histórica e como recurso para o ensino em diferentes disciplinas, os desenhos
animados ainda são pouco utilizados no ambiente escolar e como documento
de investigação histórica. Apesar disso, além dos aspectos mencionados, é
possível destacar que os desenhos animados são recursos potenciais para o
ensino de história em virtude de normalmente serem direcionados para faixa
etária livre, num cenário em que o conteúdo de história medieval tende a ser
abordado no 6º ano do Ensino Fundamental, com estudantes entre 10 e 12
anos de idade; e pela duração, visto que os episódios geralmente não passam
de 30 min, podendo ser usados numa única hora/aula. (LIMA, 2021a)

Recentemente, Marcello Lima (2021b) analisou a animação Os Padrinhos


Mágicos em diálogo com os aportes do campo do neomedievalismo,
ressaltando que os desenhos animados exprimem “concepções
(des)articuladas de temporalidades, ritmos, durações e historicidades
tradicionais ou não, muitas vezes (im)precisas, confusas ou difusas, mesmo
mantendo sua unidade como narratividade e discursividade” (2021b, p. 445) e,
particularmente sobre o medievo, veiculam uma Idade Média genérica,
eurocêntrica, branca e masculinizada. Especificamente em relação ao ensino
de história, o autor propõe um roteiro de análise metodológica para as

112
animações e destaca, entre outros aspectos, a importância da investigação dos
desenhos para a compreensão das múltiplas camadas de temporalidades
presentes nas obras, as quais presentificam lugares simbólicos e históricos e
assimilam temporalidades (des)combinadas de formas anacrônicas.

Outra contribuição para o tema é o artigo acerca das animações Gato Félix e
Três Espiãs Demais no ensino de história (LIMA, 2021a). No referido texto,
assinalamos que os desenhos permitem ilustrar uma série de aspectos da vida
social e material do período medieval, criando referências por meio de uma
linguagem acessível e próxima da experiência dos estudantes do Ensino
Fundamental, além permitir ao professor estimular a percepção da passagem
do tempo, expressa no contraste entre o vestuário e a tecnologia. Ademais, ao
abordarem o tema da bruxaria e da magia, as animações em questão
estruturam-se em torno de um discurso enraizado no senso comum e na
cultura de massa, que é a referência da Idade Média como temporalidade
irracional, época do atraso, isto é, a Idade das Trevas. Nesse sentido,
possibilitam ao docente problematizar junto aos alunos os episódios como um
registro da época atual sobre o passado medieval, introduzindo a questão das
diferentes maneiras de representação e recepção da Idade Média.

Como ressaltado, o universo dos desenhos animados oferece diferentes


potenciais para o uso no ensino de história, sendo a abordagem das
representações neomedievais uma forma de articular o conhecimento histórico
sobre o medievo com as recepções do período na contemporaneidade por
meio de uma linguagem acessível.

Música
O uso de músicas, cantigas e canções no ensino de história não é recente, no
entanto, foi a partir dos anos 1990 que a temática ganhou maior destaque, com
a música sendo pensada como objeto de estudo e como fonte para a
aprendizagem e a construção de conhecimento histórico. Constata-se, no
entanto, que a maior parte das investigações se concentrou na música popular
brasileira para o trabalho com determinados contextos históricos, fatos e
personagens da história nacional. Ademais, a abordagem tem privilegiado a
construção de projetos de ensino a partir da identidade musical dos alunos,
explorando os gêneros musicais que eles mais gostam e relacionando o
conteúdo com a cultura e a vida cotidiana dos jovens. Como resultado dessa
predileção, outros gêneros musicais de menor inserção no Brasil e produções
de outras sociedades históricas foram subaproveitadas em suas expressões
musicais para o ensino de história. Essa constatação se acentua no que se
refere ao medievo, visto que pouquíssimos trabalhos se propuseram a refletir
sobra a música medieval na sala de aula. (LIMA, 2022)

A relação da música com o medievalismo se expressa tanto pelas recriações


de canções medievais, centradas nas composições e instrumentos do período
(MENDES, SELLES, 2021), como por movimentos inspirados no medievo
(também chamado de música neomedieval), como o neotrovadorismo, a Celtic
music e o Viking metal, caracterizados pelo cruzamento de gêneros e pela

113
utilização de instrumentos medievais com elementos do rock e da música
eletrônica. Se recriações eruditas tendem a estar distantes do universo dos
estudantes da educação básica brasileira, criando algumas resistências para a
elaboração de atividades de ensino, as produções neomedievais inserem-se
diretamente na dimensão da identidade/afetividade (DELL, 2019), eixo
frequentemente ressaltado pelos estudos acerca do uso da música nas salas
de aula; afinal, um conjunto considerável de jovens estudantes acessa canções
neomedievais em gravações de bandas nacionais e internacionais – Black
Sabbath é apenas um icônico exemplo – de diferentes gêneros musicais e em
jogos eletrônicos, filmes, séries de Tv, feiras e festas, redes sociais etc.
Ademais, é possível imaginar que em determinados casos, grupos de alunos
consumam mais tais músicas do que as obras do cancioneiro popular
brasileiro, por vezes o único escopo da escolha dos professores para projetos
didáticos.

Há uma vasta produção musical que se enquadra no universo do medievalismo


na música, sendo a maior parte composta por canções em língua estrangeira, o
que pode criar empecilhos para o planejamento das atividades. Nesse caso,
sugere-se o uso de composições em língua portuguesa. Como exemplo, cita-se
a banda independente de metaleiros brasileiros “Cruzadas”. Formada na Bahia
em 2002, a banda explora fatos históricos e a mitologia pagã em suas letras,
com ampla produção relacionada à antiguidade e ao medievo. Com base nesse
tipo de canção, algumas interrogações podem ser úteis para o trabalho em sala
de aula com o medievalismo na música: qual Idade Média (em termos
espaciais, étnicos, sociais e culturais) é privilegiada pelas composições? Que
elementos da história medieval são apropriados e expressos nas canções?
Como as canções constroem o imaginário contemporâneo sobre o medievo?
Qual a atração emocional e estética da música medieval no mundo
contemporâneo? Como ocorre a recepção da música neomedieval na
atualidade? Tais perguntas não esgotam as possibilidades do trabalho escolar,
mas procuram explorar diferentes aspectos da música medieval na sala de
aula, abarcando desde a dimensão do conteúdo das letras, provavelmente a
predileção da maior parte dos professores, ao problema da recepção e atração
das composições.

Considerações finais
Os apontamentos apresentados almejaram provocar reflexões nos leitores a
fim de alterar a concepção de um ensino de história medieval associado
apenas às experiências históricas de parte da Europa entre os séculos V e XV
e ao modelo quadripartite de estruturação do conteúdo histórico. Infelizmente, a
Base Nacional Comum Curricular, na forma como preconiza a inserção da
História Medieval no 6º ano do Ensino Fundamental, pouco contribui para essa
mudança de perspectiva, limitando a incorporação da Idade Média fantástica
nas salas de aula e a relação entre a história medieval ensinada e a história
vivida no presente pelos estudantes. Contudo, a própria BNCC estabelece que
todo conhecimento sobre o passado é também um conhecimento do presente
elaborado por distintos sujeitos. Desta maneira, as reflexões acerca do
neomedievalismo mostram-se salutares para o redirecionamento das

114
abordagens da Idade Média na Educação Básica, demonstrando o potencial
pedagógico dos elfos e dragões.

Referências biográficas
Dr. Douglas Mota Xavier de Lima, professor da Universidade Federal do Oeste
do Pará (UFOPA), coordenador do Legatio - Grupo de Pesquisa, Ensino e
Extensão em História Medieval e Ensino de história. Doutor e Mestre em
História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal
Fluminense (UFF).

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117
O ANIME HADASHI NO GEN E A POSSIBILIDADE
DO ENSINO SOBRE A GUERRA E A DOR EM
SALA
Douglas Pastrello

Introdução
O ensino de história tem passado por inúmeras revoluções em sua aplicação
desde o final do século XX. Entretanto, em síntese o seu fazer ainda não foi
complemente descoberto e permanece em uma eterna discussão. Logo, o
presente ensaio visa demonstrar uma possível metodologia de análise para
filmes em sala de aula, utilizando do anime “Gen pés descalços” (Hadashi no
Gen) e o contexto da Segunda Guerra Mundial. Para tal objetivo, será feito
uma rápida análise teórica dos conceitos de análise de cinema, compreensão
da linguagem cinematográfica, assim como de que forma o cinema pode ser
compreendido dentro do conceito “Lugar de memória” de Pierre Nora,
seguindo, ao fim, para elaboração de um método de aplicação em sala do filme
proposto.

O cinema, conforme analisa Marcos Napolitano (2005), possui uma linguagem


própria e deve ser visto sob suas próprias lentes. Deste modo, o cinema deve
ser levado em consideração a partir de todo o seu conjunto: cortes de câmera,
trilha sonora, atuação, roteiro. Tudo feito sob a intencionalidade do diretor e
subjetividade destes núcleos que formam o filme. O anime, segue os mesmos
moldes de intencionalidade, mesmo que os atores reais apareçam apenas por
meio da voz.

A escolha do filme em específico vem ao encontro diretamente do que a


metodologia de cinema transparece na História: “é o reconhecimento de que
todo filme é um objeto de análise para o historiador” (KORNIS, 1992, p.
7).Entretanto, torna-se necessário reconhecer que o filme, ao mesmo tempo
que é objeto da História, pode se tornar um “agente da História” por seu caráter
visual, didático e doutrinante, como relembra Kornis citando Marco Ferro
(KORNIS, p. 8).

Este caráter doutrinante pode ser entendido como o potencial do filme em


ensinar sua narrativa explicita, assim como seus detalhes implícitos. O último,
se encontra nos detalhes técnicos do filme e referências que poderiam ser
entendidas por fora do contexto interno do filme. Outro detalhe, em filmes do
gênero documentário ou cine-documentário, essa perspectiva doutrinante se
torna mais visível, porém filmes de ficção também a fazem. Assim, o historiador

118
deve permanecer atento para não cair no conto da “verdade histórica”
transparecida pelas lentes do filme.

Valim (2006. p.201), demonstra que o filme possui uma linguagem própria, tal
como Napolitano afirma, e que sua análise requer uma metodologia detalhada,
abordando plano a plano, suas sequencias e elementos de apoio. Não
obstante, a análise deve ser feita em conjunto, não é possível separar e
analisar os elementos do filme sem considerar todo o conjunto da obra.

Para isso, assim como Valim(2006) propõe em sua tese de doutorado a partir
de Ciro Flamarion Cardoso e Karsten Fledelius, a análise se insere em quatro
etapas: Contexto da produção, narrativa fílmica, níveis semânticos e as redes
temáticas ou representacionais. Porém, neste ensaio considero um quinto
elemento de análise fílmica: o cinema enquanto lugar de memória, seu caráter
de “agente histórico” capaz de reproduzir determinadas narrativas.

Por contexto da produção compreendemos respeito ao diretor e a produção do


filme, qual momento ele está inserido e se insere. No caso da obra deste
ensaio, o contexto se insere no período das memórias do pós-guerra japonês,
pesando detalhes da vida durante a Segunda Guerra Mundial no Japão
Imperial. Portanto, o contexto de análise deve levar em consideração não só os
desfechos da 2ºGM com os bombardeios atômicos, mas, também, o contexto
da vida civil no Japão Imperial.

A partir da narrativa fílmica se empenhará um esforço de delinear os recursos


cinematográficos utilizados para passar a mensagem do filme, tais como
enquadramento, roteiro, trilha sonora. Tomando essa questão como peça
importante na abordagem histórica da obra, a análise levará em consideração
todos os elementos que compõe o plano fílmico e de que forma eles
contribuem para a narrativa.

O nível semântico é definido por Valim como a “ordenação em níveis


semânticos do discurso” (2006. p.202), ou seja, como o discurso fílmico é
passível de ser interpretado sob a luz de seu contexto, da memória e do pós-
guerra – no caso de Hadashi no Gen. Por último, a interpretação baseada nas
“redes temáticas” é a análise de como os temas que compõe o filme
transparecem na tela e de que forma foi a recepção do filme.

A análise cinematográfica deve considerar os elementos “não-visíveis”, ou seja,


o impacto que o filme possui socialmente, sua intenção e sua narrativa
implícita, aquela que não transparece pela obviedade da tela. Por isso, a
análise visual também pode levar em consideração as questões em torno da
interpretação do filme pelo telespectador.

Por fim, espera-se enquadrar no filme – enquanto agente da história – como


um “Lugar de memória”, segundo Pierre Nora (1993). Dessa maneira, espera-
se ilustrar como o filme carrega uma aura simbólica capaz de servir como
gatilho para determinadas narrativas. Soma-se a este esforço, diferentemente

119
de Marc Ferro, o filme como objeto estético, Arte, capaz de proporcionar
interpretações inteligíveis e subjetivas aquém das capacidades de análise da
História, mas que não devem ser desconsideradas. A interação entre obra e
espectador, muito embora subjetiva, sempre é esperada de alguma forma
pelos responsáveis na produção do filme. O elemento catártico do filme muito
mais que passar uma mensagem, por meio de seu roteiro, ele é capaz de
ilustrar e criar notas mentais subjetivas a respeito de um determinado assunto.
Todavia, não é do feitio deste ensaio uma análise estética do filme.

O filme como objeto para a Segunda Guerra Mundial


O anime não se torna mais fácil como objeto, simplesmente por ser uma
animação. O estilo fílmico da obra a torna mais intencional que um filme: não a
nada na tela que não tenha sido feito manualmente por alguém. Assim, a
primeira etapa é um mergulho na narrativa fílmica, compreender o enredo da
trama. O autor da história do longa é Keiji Nakazawa, um sobrevivente de
Hiroshima, que se tornou mangaka e produziu “Gen pés descalços” como uma
alegoria semi biográfica de sua vida. O anime possui algumas diferenças na
trama em relação a obra original do manga, deste modo o foco deste artigo
residirá apenas no anime.

O longa é uma mistura de registros históricos com a subjetividade artística de


Nakazawa. Não é uma representação fiel dos acontecimentos, porém pode ser
compreendido como parte da memória sobre a Segunda Guerra Mundial ao
misturar os acontecimentos com a experiência individual do autor. Deste modo,
o contexto de produção deste filme requer o conhecimento do Japão Imperial e
o trauma causado pelas bombas atômicas aos japoneses.

A trama do filme nos apresenta a família de Gen e o contexto social sob o qual
estão inseridos. Na história, a família de Gen vive no Japão durante os
momentos finais da guerra e sofre uma perseguição social por conta das
opiniões políticas de seu pai sobre a guerra. Durante o filme conhecemos Gen,
seu irmão mais novo, sua mãe e seu pai. Sua mãe é vista como atenciosa e
amorosa, sempre próxima das crianças, enquanto o pai é visto como um
trabalhador árduo e que não tem medo de externalizar suas opiniões mesmo
que causem consequências negativas. As crianças, Gen e seu irmão Shinji,
são levados e brincam nas ruas.

O primeiro momento da trama é a apresentação da família e do contexto


histórico. Eles vivem em 1945, nos momentos finais da Segunda Guerra
Mundial. A crise pela qual o Japão passa após sucessivas derrotas no Pacífico
já é sentida em casa e a família sofre com a fome e falta elementos básicos,
tendo como o principal problema a mãe que está gravida e passando por
desnutrição. O segundo momento da trama se concentra nos esforços da
família para contornar a crise da fome e convencer o pai a guardar suas
opiniões políticas para si, para que não sofram mais consequências. Por fim, o
último ato do filme se dá após o bombardeio atômico em Hiroshima,
demonstrando a destruição resultante, tal como a perda na família de Gen, que
somente ele e sua mãe grávida sobrevivem.

120
As opiniões do pai são vistas como “traição”. Durante o Japão Imperial, era
esperado uma lealdade completa dos súditos que deveriam colocar as
necessidades da nação acima das próprias. Logo, o rechaço social sofrido pela
família de Gen, especialmente seu pai, é por conta da falta de lealdade ao
Império japonês. Essas opiniões eram consideradas atos de traição, mas a
repressão não vem somente dos órgãos do Estado, possuindo reverberações
sociais entre outros japoneses.

A principal mensagem a ser compreendida no longa é o pacifismo anti-guerra,


como a guerra desenrola nos núcleos sociais de um país e que civis continuam
sendo civis independente de qual lado sua nação esteja na guerra. Em um
determinado momento, Gen afirma em uma redação da escola que gostaria
que os soldados japoneses voltassem para casa e que a guerra acabasse sem
mais mortes. O pacifismo do garoto é visto com um misto de ingenuidade,
traição e covardia. O treinamento militar japonês era extremamente rigoroso e
o sistema de ensino contribuía significativamente para tal, vide o édito de
educação produzido em 1890 durante o governo Meiji. :

“Conheça vós, Nossos súditos:


Nossos ancestrais imperiais fundaram Nosso Império com base em uma
virtude duradoura profundamente implantada; Nossos súditos sempre unidos
na lealdade e piedade tem de geração em geração ilustrado esta beleza. Esta
é a glória do caráter fundamental de Nosso Império, sendo também a raiz de
Nossa educação. Vós, Nossos súditos, sejam leais a seus pais, afetuosos com
seus irmãos e irmãs; maridos e esposas sejam harmoniosos, como amigos
verdadeiros; encham-se de modéstia e moderação, estenda a sua
benevolência a todos; persiga o aprendizado e o culto as artes, para assim
desenvolver suas faculdades intelectuais e os poderes morais perfeitos; além
disso avance para o bem comum e promova interesses em comum; sempre
respeite a constituição e observe as leis; em caso de emergência, ofereça-se
corajosamente ao Estado, para assim resguardar a prosperidade de Nosso
trono Imperial no céu e na terra. Assim, vós, não serão apenas Nossos bons e
leais súditos, mas tomarás as melhores e ilustres tradições de vossos
antepassados. O caminho, aqui apresentado, é de fato o ensinamento legado
por Nossos ancestrais imperiais, para serem seguidos por todos seus
descendentes e súditos, infalível por todas as eras e verdadeiro em todos os
lugares. É o Nosso desejo de colocá-lo em Nossos corações com toda a
reverência, em comum com vós, nossos Súditos, para que possamos alcançar
a mesma virtude (Trigésimo dia do décimo mês do ano 23 Meiji).”

O édito era lido todos os dias nas escolas e frequentemente rememorado em


outras ocasiões. Além disso, ele deixa claro um ideal coletivo a ser atingido.
Segundo Célia Sakurai (2011) a ideologia perpetuada no Império japonês pós
regime Tokugawa era de união e sacrifício pela nação. O Japão buscava
ascender rapidamente na geopolítica global e os japoneses de tornaram uma
ferramenta para cumprir tal objetivo. Na escola as crianças eram ensinadas nos
preceitos xintoístas do Império, aprendendo sobre lealdade e sacrifício.

121
Em síntese, o anime relembra a questão da cultura da honra japonesa. Na
cultura da honra o “eu” não tinha espaço, priorizava-se o “nós”. O povo japonês
era visto a partir de uma mitologia sob a qual eram considerados divinos – a
partir de sua própria origem. Essa origem é muito bem descrita por Shuichi
Kato: “O kami solar Amaterasu fez descer no território japonês seu
descendente Nínigino Mikoto, e consta que o descendente dele é o primeiro
tennõ (Imperador) mitológico Jinmu Tennõ (que subiu ao trono em 660 a.C.)”
(KATO, 2012, p.45). A partir desta questão religiosa se configurava três pontos
da cultura da honra: a superioridade do povo japonês, a justificativa para o
imperialismo da nação e a divindade do Imperador. No Japão, a sociedade de
castas deixou de existir com o fim do xogunato, entretanto surgiu uma
sociedade vertical em que ao topo residia o Imperador. Durante o Império
japonês (1868-1945), a importância de determinadas classes mudou, até a
década de 1930 que trouxe os militares ao maior prestígio social, somente
abaixo do Imperador. Logo, a ingenuidade de Gen ao pedir que os soldados
voltassem para casa é vista como um terrível afronta aos valores morais de sua
nação e de seu professor. Esperava-se que os professores fossem tão duros
quanto instrutores militares com seus alunos.

O filme, não só apresenta um panorama do sofrimento civil na Segunda Guerra


Mundial, como também ilustra uma questão moral relativa as nações e suas
ideologias. Se acreditamos que a História é o estudo dos homens no tempo,
como afirmara Bloch, o olhar do historiador não pode ser meramente técnico. O
objeto deve visto de forma técnica e metodológica, porém cabe um olhar mais
humano para as questões históricas. Deste modo, os civis japoneses muito
embora membros do “Eixo”, não podem ser vistos com uma subjetividade
maniqueísta da guerra. O filme cumpre um ótimo papel ao ilustrar que os civis
durante tempos de guerra sofrem independente de qual lado estão.

O filme em sala – novas visões didáticas sobre a Segunda Guerra Mundial


A apresentação em sala deve ser precedida por dois momentos: primeiro da
análise do filme pelo professor, segundo pela contextualização geral da
Segunda Guerra Mundial. A partir disso, pode-se trazer o filme em recortes ou
integralmente, sempre que possível. O tema pode ser apresentado a turmas de
9º ano ou 3º ano do ensino médio, anos em que a Segunda Guerra Mundial
entra no currículo escolar. Os temas necessários para compreensão completa
do anime residem no teatro do Pacífico e suas causas, consequências, tal
como o desfecho da Segunda Guerra Mundial e o contexto global de 1940.

Há diversas cenas que podem ser apresentadas no filme em separado para


trabalhar as questões ideológicas da Segunda Guerra ou o sofrimento civil.
Entre elas, a cena em que os irmãos Shinji e Gen buscam comida para sua
mãe grávida, a perseguição social sofrida pela família e a repreensão de Gen
na escola e, a mais emblemática, a explosão atômica na escola de Gen.

Em termos didáticos o filme serviria para desenhar aos alunos um universo de


outro tempo, com costumes, construções, tecnologias e visões de mundo

122
diferentes do que estão habituados. Idealmente, a contextualização das nações
na Segunda Guerra Mundial trabalharia as grandes potências, com o Japão
incluso. Portanto, os alunos já possuiriam ideias prévias sobre o assunto. Após
a exibição, seria possível por meio do formato aula-oficina, proposto pela
educadora Isabel Barca (2002), uma discussão traçando paralelos entre os
alunos e as situações vividas pelos personagens do filme.

Neste momento entra a última etapa da análise: o filme como lugar de


memória. Mais que uma obra de arte, o anime representa o passado e serve
como gatilho para as narrativas deste antigo Japão, representado na tela. O
professor, se possível, pode demonstrar como o filme carrega essa aura
simbólica e como este tema pode ser doloroso para as pessoas que
sobreviveram ao bombardeio atômico em Hiroshima.

Após o debate aula-oficina, pode-se propor um debate em que se divida os


alunos em dois grupos, um pró bombardeio atômico e um contra. Durante o
debate, com intermédio do professor, é esperado que os alunos utilizem os
argumentos apresentados em sala para o uso da bomba atômica contra o
Japão, tais como ataque em Pearl Harbor, a cultura japonesa, de modo
semelhante com os argumentos contrários, a exemplo do sofrimento causado
pela arma que foi utilizada contra civis.

Considerações finais
Deste modo, percebe-se que o anime apresenta tópicos relevantes e densos
por trás de seus traços animados. A visualização deste em sala ajuda em dois
aspectos do ensino de história: o de confrontar as narrativas dominantes sobre
temas sensíveis e possibilita aos alunos um conhecimento mais aprofundado,
não maniqueísta.

O dinamismo da disciplina de História em sala é essencial para tópicos que


necessitam de mais atenção. A utilização de fontes próximas do universo dos
alunos, e não usuais, ajuda a demonstrar que tudo pode ser visto nas lentes
históricas.

Como aponta Circe Bittencourt (2008), o uso de trechos de filmes em sala


contribue para a visualização de eras distantes para o universo discente. De
modo semelhante que, considerar o filme um lugar de memória pode contribuir
para contextualização da história local ao mencionar monumentos, praças e
feriados locais que carregam uma narrativa simbólica.

Por fim, Marcos Napolitano (2011) é enfático ao afirmar que o cinema já é parte
do universo cotidiano dos alunos, logo evitar seu uso em sala não só distância
os alunos do conteúdo proposto, como gera uma apatia à disciplina de História.
Todavia, cabe ao professor a problematização e o vislumbre não passivo da
mídia, para que a proposta seja atingida.

123
Referências Biográficas
Ms. Douglas Pastrello, doutorando em História política pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM).

Referências
Hadashi no Gen (Gen pés descalços). Direção: Mori Masaki. ProdutorTakanori
Yoshimuni, Yasutaka Iwase. Roteiro: Keiji Nakazawa Japão: Madhouse/Gen
Production. Distribuidora: Herald Enterprises. 1983. (85min): sonoro, cores,
animação.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In: Para uma educação
de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de
Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia,
Universidade do Minho, 2004, p. 131 – 144.

BITTENCOURT, Circe M.F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2008.

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japonesa (1945-1970) Tradução de Marco Souza e Marcela Canizo. São Paulo:
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SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2011.

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https://www.japanpitt.pitt.edu/glossary/imperial-rescript-education. Acesso em
20/03/2020.

124
STAR WARS E A FILOSOFIA
Felipe Lucas Fagundes

Introdução
A grande maioria das ficções, trazem suas próprias mitologias e filosofias,
porém é nítida a inspiração em nossa realidade e nossas sociedades. Isso é
representado, principalmente, na saga Star Wars, desde os filmes, como
também do universo expandido, canônico que o compreende.

Na saga apresentada por George Lucas em 1974, intitulada de Star Wars, teve
como seu grande lançamento, a história de um jovem envolto em filosofias e
crenças antigas, estamos falando de “Uma Nova Esperança" o quarto filme, em
ordem cronológica. É possível analisar e compreender, diversos aspectos,
sociais, políticos e tendo uma relevância maior para com este trabalho
filosófico.

Porém para conseguirmos compreender toda essa complexidade, faz-se


necessário, que conheçamos alguns conceitos filosóficos, como o da própria
filosofia. Que em um padrão sintético, e fora de análise alguma, traz-nos o
clássico e linear, associados, apenas à razão e ao conhecimento humano,
“Razão da existência humana; conjunto das reflexões particulares que buscam
entender a realidade, a partir da razão.”.

Sendo assim, o nosso trabalho, desenvolverá diversas vertentes filosóficas.


Que por sua vez, estarão sendo utilizadas, na análise e construção de um
texto, que trata a ficção, o universo criado por George, como um banquete, de
relações pessoais, e gerais, com a razão e as idéias construindo heróis e vilões
icônicos e filosoficamente ativos.

Ao assistir os filmes e ler o universo expandido, da saga Star Wars,


percebemos que existem inúmeras questões filosóficas, acerca de aspectos
presentes nas obras. Sendo eles, desde uma organização política complexa,
uma filosofia de mestre e aprendiz, e o caminho de um herói à vilão.

Como uma das maiores obras de ficção científica, o Star Wars, em toda a sua
amplitude, consegue abordar temas filosóficos e incorporá-los, com tanta
complexidade de um jeito tão natural? E é possível aprender com isso?

Sendo assim nesse texto, será trabalhado, algumas das principais filosofias
que lidamos em nosso cotidiano, como também como as mesmas foram
empregadas na saga. Trabalharemos, com alguns pontos principais, para
concluir o nosso objetivo, dentre eles temos a necessidade de historicizar os

125
fatos e momentos que alicerçam na jornada do herói, de Joseph Campbell;
analisar as representações de diferentes filósofos e filosofias apresentadas nas
obras; Entender o que é e como funciona a filosofia jedi e sua antagônica, dos
Sith, refletida em pensamentos e ideias expressas na filosofia.

Star Wars
A franquia, de George Lucas, juntamente com seu universo expandido, teve
sua criação no ano de 1977, com o filme Uma Nova Esperança. Partindo desse
filme surgiram inúmeras expansões e enriquecimentos ao universo, desde
quadrinhos, livros, séries animadas, partindo da mão de diversos autores.

Porém no ano de 2012, a grande e imponente Disney, compra a produtora


Lucas Filmes, consequentemente tomando posse de Star Wars. Trazendo
então o primeiro filme de uma nova trilogia já em 2015 (G1, 2012).

Na época da compra da franquia a nova dona anuncia o selo legends, que se


trata de transformar todo o universo expandido, pré existente em lendas,
podendo ou não terem acontecido (ILUMINERDS, 2015). Na construção do
texto a seguir, será utilizado, única e exclusivamente os materiais canônicos da
saga.

A seguir o texto entrará em momento analítico, onde estudaremos alguns


momentos e fatos da saga, usando diferentes filosofias e filósofos. Traremos
apenas três correntes filosóficas, sendo elas o Positivismo, o Epicurismo e o
Estoicismo.

Star Wars e o Positivismo


Para que possamos desenvolver um conhecimento básico sobre o positivismo,
é relevante que tenhamos uma noção mínima da sua formulação e aquilo que o
cerca.

Conte, tentando criar uma vertente, que por sua vez, conseguisse abranger
diversas áreas do conhecimento humano, e assim possibilitando uma
variedade maior de ferramentas. Assim consequentemente o filósofo, busca,
deixar obsoletas as principais antigas vertentes da época, sendo a metafísica e
a teologia.

“(...) tentar criar um sistema que pudesse englobar todas as áreas da atividade
humana. Considerado como o pai do Positivismo, Comte procurou terminar
com as fases anteriores de conhecimento humano consideradas ultrapassadas,
a Teológica e a Metafísica, (...).”(FERNANDES, p.12, 2011).

Para conseguirmos entender o positivismo, é necessário que estudemos a “Lei


dos Três Estados”. Ela traz-nos uma divisão entre três grandes momentos
filosóficos da humanidade, sendo dois já transcorridos e o terceiro a decorrer-
se.

126
“A Lei dos Três Estados é indissociável do Positivismo e constitui mesmo a
trave-mestra do sistema comteano. A Lei dos Três Estados identifica três
momentos da Humanidade, dos quais dois deles já terão sido percorridos pelo
Homem enquanto espécie, faltando completar o terceiro passo: Metafísica,
Teologia e Positivismo “(FERNANDES, p.11, 2011).

Sendo a Teologia, aquele estudo que reconhece tudo aquilo que não é
compreendido, como uma ação exclusivamente de seres cuja sua natureza, é
fora da compreensão humana, “A Teologia ou estado teológico é o momento
em que o Homem olha para a Natureza como se fosse criada miticamente e
procura a explicação dos fenómenos naturais através de seres
sobrenaturais.”(FERNANDES, p.12, 2011).

Já a metafísica acredita que a construção do mundo natural, está diretamente


ligada a energias e cargas, onde existe sempre uma correspondente, “Consiste
essencialmente em atribuir a corpos exteriores une vida essencialmente
análoga à nossa, porém quase sempre mais enérgica, a partir de uma acção
normalmente mais poderosa.” (COUNTE, 1909 apude FERNANDES, p.12,
2011).

Por sua vez, o positivismo é uma teoria criada por Augusto Comte, divide-se na
questão dos conceitos e preceitos filosóficos, tirados de grandes pensadores
como Aristóteles. Como também no quesito dos termos e definições, trata-se
de definir o real e o surreal, ou seja o certo e o errado.

“Augusto Comte usa o termo filosofia na acepção geral que lhe davam os
antigos filósofos, particularmente Aristóteles, como definição do sistema geral
do conhecimento humano; e o termo positiva designa, segundo ele o real frente
ao quimérico, o útil frente ao inútil, o certo frente ao incerto, o preciso frente ao
vago, o relativo frente ao absoluto, o orgânico frente ao inorgânico, e o
simpático frente à intolerância.” (RIBEIRO, 1982, p.10).

Como visto nas ideias de Ribeiro (1982) Comte trabalha em cima de um


método, conhecido como Histórico genérico indutivo, que se trata linearmente
de uma sucessão de fatos cuja, parte deles pode ser adivinhada e ou
interpretada do seu momento histórico ou lógico.

Tal metodologia é proveniente de inúmeras outras específicas. “Este método é


o método geral de raciocínio proveniente do concurso de todos os métodos
particulares (dedução, indução, observação, experiência, nomenclatura,
comparação, analogia, filiação histórica) que constitui, segundo Comte, o
método objetivo.” (RIBEIRO, 1982, p.10).

Sendo assim, tal corrente científica filosófica, compreende em suas


formulações e pesquisas, um método de observação. Esse método é definido
em 3 grandes pontos, a hipótese, ou seja, o questionamento, a tese, a
formulação de algo que embase o terceiro ponto, que seria o resultado, “O
Positivismo é uma teoria que afirma que o único conhecimento autêntico surge

127
através da experiência, não só dos sentidos mas também da sua verificação
através do trinómio Hipótese – Teste – Resultado.” (FERNANDES, p.11, 2011).

É interessante compreendermos um pouco sobre o organismo social. Apesar


de não ser uma ideia propriamente deferida pelo filósofo, está extremamente
alinhado ao seu pensamento.

“Para além disso, acaba por ser um conceito que se encaixa no modelo de
Auguste Comte porque é o seu próprio prolongamento. A ideia de associar o
organismo, enquanto conjunto de características à sociedade, preenche
perfeitamente a teoria da evolução das civilizações concebida pelo filósofo
francês.“ (FERNANDES, p.18, 2011).

Está vertente, detém que a humanidade evolui em suas filosofias de


organização social, “O organicismo encara assim a organização dos
organismos naturais como o ponto fundamental da sua evolução.”
(FERNANDES, p.18, 2011).

Este conceito e compreensão prévia, obtida a respeito das organizações


sociais e sua visão, observada por outros filósofos, com embasamento nas
obras de Comte, será de grande ajuda, ao decorrer do nosso trabalho. Pois
assim poderemos compreender a construção da sociedade, e a relação da
mesma entre si, expressa na franquia.

Baseado nas ideias de Comte, a respeito do certo e errado, da definição de


lados opostos, existem também os heróis e vilões. Sendo assim, em diversos
momentos tanto da política quanto das vertentes ficcionais e intelectuais, usam
essa imagem do herói, para traçar seres, que por sua vez, alicercem um certo
e errado dentro da construção de suas sociedades.

“(...) as figuras dos heróis se constituem em elementos explicitamente


disputados pelos mais variados setores políticos e/ou intelectuais, que, através
da apropriação sobre suas imagens, buscam torná-lo símbolo de seu próprio
grupo social.” (FUÃO, p.14, 2009)

Nesse formato compreendemos então que a filosofia positivista, traz-nos um


lado insuperável e outro indesejável, ou seja um herói e um vilão. Isso é visto
amplamente na saga Star Wars.

Star Wars e o Estoicismo e o Epicurismo


Como já havíamos falado antes, o trabalho será desenvolvido em cima dos
filmes, 1, 2 e 3, sendo eles, A Ameaça Fantasma (1999), Guerra dos Clones
(2002) e A Vingança dos Sith (2005), respectivamente. Porém para termos uma
maior compreensão, é necessário que conheçamos as duas grandes forças
antagônicas, que percorrem toda a série. Elas estão aliadas ao lado negro,
aquele que, em cima das bases positivistas, que vimos anteriormente, são os
vilões, e os lado da luz, representando os mocinhas, sendo eles os SITH e os
JEDIS, respectivamente.

128
Sendo os Jedis, existe o livro de Daniel Wallace (2010), intitulado de “ Star
Wars O Caminho Jedi”, que objetiva ser um manuscrito ficcional, que descreve
o passado, a cultura e as crenças, de tal grupo. Dentro dele é possível
observar o código que os rege. Sendo ele:

Não há emoção, há paz; Não há ignorância, há conhecimento; Não há paixão,


há serenidade; Não há caos, há harmonia; Não há morte, há a Força.
(WALLACE, p.7, 2010).

Partindo desse fragmento da história, podemos compreender um fragmento da


filosofia que os rege. Trazendo então para a nossa realidade, vemos que, os
jedis, lutam contra tudo aquilo que os faria perder o controle.

Tal treinamento seria referente ao estoicismo, dentro das filosofias do nosso


universo. “A força estóica da mente é essencial para o treinamento jedi- impedi-
los de deslizar para os sentimentos incontroláveis como ódio e angústia.”
(HUMMEL, p.33, 2015).

Saindo do ponto em que o estoicismo trata da necessidade de observar o


mundo com a razão, não mais com as emoções. Porém tal razão está
diretamente ligado a religião e a religiosidade, que no código em que está a
disposição para a nossa análise acima, é representada pela variável “Força”,
“(...) a Moral para os estoicos ressaltava que o Homem, para ser virtuoso, teria
que respeitar as leis divinas – usando a razão. Sustentavam que, acima do
direito, vigente nos diferentes Estados, haveria uma lei superior: a lei da reta
razão.” (CUNHA, p.96, 2020).

Em contraponto, existe o código dos Siths. Que juntamente com suas idéias,
filosofias e história estão descritos no livro “Star Wars Livro dos Sith”, também
escrito por Daniel Wallace (2012):

“Paz é uma mentira, só existe paixão; Através da paixão, ganho força; Através
da força, ganho poder; Através do poder, ganho a vitória; Através da vitória,
minhas correntes se rompem; A Força me libertará. (WALLACE, p.47, 2012)”

Sendo a teoria mais adequada, para refletir, tal construção à realidade que nos
cerca, o Epicurismo. Pois essa filosofia, nos traz, que as emoções, como vistas
no fragmento acima, juntamente com a religião, também representada pela
“Força”, trará a liberdade ou seja o objetivo, a felicidade, a plenitude.

“Este pensador defendia a ideia de que o bem residia na procura de prazeres


moderados (para que o Homem pudesse atingir um estado de relativa
tranquilidade – a ataraxia bem como a alienação do medo (da morte ou dos
deuses) – aponia. Ora, combinando-se esses dois fatores teríamos a felicidade
em seu grau mais elevado.” (CUNHA, p.95, 2020).

129
Sendo então os governos e a dualidade de pensamentos, a definição de heróis
e vilões, empregadas e embasadas na filosofia de Comte, o Positivismo e suas
sub vertentes posteriores. E aquilo que alicerça os pensamentos de nossos
heróis calçados no estoicismo e os seus antagônicos no epicurismo.

Contudo concluímos esse segundo momento, com as filosofias e códigos


antagônicos, que podemos aprender filosofia com a ficção científica. vimos
então que a complexidade filosófica é tão grande, que em apenas três fatos e
momentos simples da saga, é nítido o apoio da ciência do pensamento em
cima do grandioso universo de “Star Wars”.

Referências biográficas
Felipe Lucas Fagundes, graduado em história pelo Centro Universitário da
Região da Campanha, especialista em História do Brasil pelo Instituto
Pedagógico de Minas Gerais e graduando em filosofia pelo Centro Universitário
Internacional. Escritor de dois livros, sendo o primeiro “Cemitério: Onde a
história repousa” e o segundo “Gaúcho: Seu surgimento e suas relações
culturais”.

Referências bibliográficas
CUNHA, Alexandre Sanches. Manual de filosofia do Direito. jusPODIVM. 2020.

DECKER. Kevin S.; EBERL, Jason T.. Star Wars e a filosofia. São Paulo/ SP:
Universo Geek. 2015.

FERNANDES, Davi Rafael Vaz. A influência do positivismo no pensamento


republicano português. Porto/ Portugal: Universidade do Porto. 2011.

FUÃO, Juarez José Rodrigues. A construção da memória: os monumentos a


Bento Gonçalves e José Artigas. São Leopoldo/ RS: UNISINOS. 2009.

RIBEIRO, João. O que é Positivismo. Taubaté/ São Paulo: Brasiliense. v.1


1982.

STAR WARS: A AMEAÇA FANTASMA. Direção: George Lucas. Produção:


Rick McCallum. Estados Unidos: Lucas Filmes, 1999.

STAR WARS: ATAQUE DOS CLONES. Direção: George Lucas. Produção:


Rick McCallum. Estados Unidos: Lucas Filmes, 2002.

STAR WARS: A VINGANÇA DOS SITH. Direção: George Lucas. Produção:


Rick McCallum. Estados Unidos: Lucas Filmes, 2005.

WALLACE, Daniel. Star Wars O Livro dos Sith. São Paulo: Bertrand Brasil.
2012.

WALLACE, Daniel. Star Wars O Caminho do Jedi. São Paulo: Bertrand Brasil.
2010.

130
PATRIMÔNIO NA PALMA DA MÃO: A HISTÓRIA
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA CIDADE DE
CAXIAS/MA
Francisco Lucas Gonçalves dos Reis e Jakson
dos Santos Ribeiro

Introdução
Este artigo apresenta e discute a fase inicial do desenvolvimento da pesquisa
acadêmica de iniciação científica no âmbito do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação - PIBITI
2021/2022. O título do projeto consiste na proposta “O desenvolvimento de
aplicativo como auxílio na aprendizagem da educação patrimonial da cidade
Caxias/MA”; e o plano de trabalho em desenvolvimento é “PATRIMÔNIO NA
PALMA DA MÃO: a história do patrimônio histórico da cidade de Caxias/MA”.

Objetiva-se a elaboração de um aplicativo que forneça apoio aos professores e


alunos da Rede de Educação Básica de Caxias- MA no que diz respeito ao
ensino sobre o patrimônio histórico da cidade de Caxias/MA.

Tendo em vista as novas demandas que surgem na sociedade e que acabam


por adentrar o espaço da escola é de fundamental importância aliar o uso das
tecnologias com o Ensino de História, com vistas a dinamizar as oportunidades
de aprendizado. Dentre as questões principais e que são de urgente debate
estão: a crise da memória, das identidades e consequentemente a
desvalorização dos chamados “lugares de memória”, expressão utilizada por
Pierre Nora referindo-se aos espaços e temporalidades que acabam por ser
sacralizados em determinados grupos na sociedade (GEVEHR, 2016).

Nesse sentido, a preocupação com a preservação do patrimônio cultural


implica antes uma Educação patrimonial, que está intrinsecamente relacionada
ao processo de “alfabetização cultural” tornando possível aos indivíduos
fazerem a leitura do mundo que os rodeia, o que lhes permite compreender o
universo sociocultural e a trajetória histórica do lugar em que estão inseridos.
(HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO; 1999) É também uma forma de evitar a
perda de referências de identidade para as gerações atuais e posteriores.

“A Educação patrimonial ajuda a despertar no aluno o sentimento de


pertencimento ao mundo em que vive. Esse ponto é fundamental, dada a
importância dos estudantes se perceberem como sujeitos históricos, o que só

131
ocorre quando eles percebem os esforços dos nossos antepassados para
chegarmos ao estágio atual.” (PINSKI, 2010, p.21 apud SOUZA, 2016, p. 42).

Dentre as principais referências estão ALMEIDA (2008); SANTOS (2018);


SOUZA (2016); HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO, (1999) e PESAVENTO
(2005). Os dados estão sendo organizados em tabela que contém diversas
imagens e conteúdos retirados dos trabalhos analisados, e que posteriormente
vão para o app.

Metodologia
Para chegar ao produto final aqui pretendido (o aplicativo sobre o patrimônio
histórico da cidade de Caxias/MA), a presente pesquisa passará por algumas
etapas descritas adiante.

Primeiro, será realizado um levantamento de trabalhos que abordem sobre a


história do Patrimônio Histórico de Caxias- Ma, ou aspectos específicos que
possam contribuir para a pesquisa, tais como o patrimônio, suas igrejas e
praças, seus escritores, etc.

Dentre as principais referências para a pesquisa estão: “O patrimônio edificado


no Centro de Caxias- MA: entre a materialidade e a imaterialidade”, de Eliane
Sousa de ALMEIDA (2008); “Fragmentos da memória: contribuições a história
da cidade de Caxias do Maranhão”, de Mariângela Santana Guimarães
SANTOS (2018); “Educação Patrimonial: passados possíveis de se preservar
em Caxias - MA”, de Joana Batista de SOUZA (2016); “Guia Básico de
Educação Patrimonial” de Maria de Lourdes HORTA; Evelina GRUMBERG e
Adriane MONTEIRO, (1999).

Após este primeiro momento, segue-se à leitura dos trabalhos para a


constituição de um referencial teórico sobre Patrimônio e Ensino de História,
assim como obter imagens e conteúdos relevantes à respeito do patrimônio
histórico da cidade de Caxias/MA, e que serão trabalhados para uma
linguagem voltada para os alunos da educação básica. Estes dados estão
sendo organizados em tabela, e serão inseridos no aplicativo que será
desenvolvido na plataforma de criação de app’s Kodular.

A plataforma Kodular é uma ferramenta online que permite que qualquer


pessoa crie seu próprio aplicativo sem ter que aprender nenhuma linguagem de
codificação, uma vez que se baseia na programação por blocos lógicos. Nesta
plataforma também é possível publicar o aplicativo desenvolvido, na playstore
(loja de app’s Android).

O aplicativo objetiva contemplar além dos aspectos da história do patrimônio


cultural material de Caxias, o que significa que contemplará ainda a história a
respeito dos costumes e tradições da cidade que constituem seu patrimônio
imaterial.

132
Patrimônio e Ensino de História
Em “A Alegoria do Patrimônio”, (2001) Françoise Choay destaca:

“Patrimônio histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de


uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela
acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por
seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres
humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela
mobilidade e ubiquidade de seu presente, "patrimônio histórico" tornou-se uma
das palavras-chave da tribo midiática. Ela remete a uma instituição e a uma
mentalidade.” (CHOAY, 2001, p. 11)

Para a autora, o Patrimônio Histórico não é temática que requeira apenas


nossa aprovação, mas que requer também questionamento, pois se constitui
num elemento revelador, da condição da sociedade e das questões que ela
encerra. Desta forma, o patrimônio se relaciona diretamente com a vida das
pessoas, em especial o patrimônio histórico representado pelas edificações.
(CHOAY, 2001)

No entanto, na contemporaneidade tem se tornado cada vez mais difícil a luta


pela preservação do patrimônio histórico das cidades, seja pela apropriação e
modificação para outros usos, reflexos do “progresso”, como pelo próprio
desinteresse dos jovens na preservação do patrimônio da cidade imersos na
concepção de que são apenas edifícios “velhos”, sem importância histórica.
Questões que são extremamente preocupantes, dada a importância do
patrimônio e dos “lugares de memória” para a construção das identidades dos
sujeitos que habitam a cidade.

É nesse contexto que percebemos a necessidade de um Ensino de História


preocupado com a história local, em especial com o patrimônio histórico da
cidade, uma vez que os bens patrimoniais também guardam a história da
cidade. Reconhecer a cidade como “propriedade cultural partilhada”
(PESAVENTO, 2005, p. 15) demanda antes uma aprendizagem, o que
podemos denominar como Educação Patrimonial.

Segundo (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO; 1999, p. 4), a Educação


Patrimonial:

“Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional


centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e
enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura , em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca
levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação
e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto
destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos,

133
num processo contínuo de criação cultural.” (HORTA; GRUMBERG;
MONTEIRO; 1999, p. 4)

Dessa forma, uma questão importante, dentro do Ensino de História, e que


deve acompanhar as discussões atuais, está na problematização dos
chamados “lugares de memória” como protagonistas das aulas de História na
educação básica, uma vez que esses lugares são capazes de produzir
significados para os sujeitos, permitindo a identificação e a associação. São
lugares historicamente construídos e que fazem parte da cultura e da formação
da identidade e também do grupo que o sujeito faz parte.

O professor, ao discutir com os alunos o processo de criação desses lugares,


ajudará os alunos a reconhecerem os interesses, ideologias e poder de alguns
grupos na sociedade que impuseram sua cultura. Assim, os alunos
desenvolvem a capacidade de crítica e reflexão a respeito da produção cultural
presente no seu contexto de vivência, a exemplo da compreensão sobre os
nomes das ruas e avenidas da sua cidade.

Como afirma Pesavento (2005, p. 11):


“Recuperar a cidade do passado implica, de uma certa forma, não apenas
registrar lembranças, relatar fatos, celebrar personagens, reconstruir, reabilitar
ou restaurar prédios, preservar materialmente espaços significativos do
contexto urbano. Todo traço do passado pode ser datado através do
conhecimento científico, ou classificado segundo um estilo preciso, mas o
resgate do passado implica em ir além desta instância, para os domínios do
simbólico e do sensível, ao encontro da carga de significados que esta cidade
abrigou em um outro tempo. Ao salvaguardar a cidade do passado, importa,
sobretudo, fixar imagens e discursos que possam conferir uma certa identidade
urbana, um conjunto de sentidos e de formas de reconhecimento que a
individualizem na história.” (PESAVENTO, 2005, p. 11)

Alguns trabalhos importantes já trataram sobre o patrimônio histórico da


cidade de Caxias/MA, dentre eles alguns trabalhos acadêmicos, como a tese
de Mariângela Santana Guimarães Santos, com o título “Fragmentos da
memória: contribuições à história da cidade de Caxias do Maranhão” (2018).
Neste trabalho, a autora traz uma história da cidade a partir do diálogo com a
memória de alguns moradores e também de professores acadêmicos. Em seu
trabalho temos a história de alguns bairros; relatos sobre as festas religiosas;
sobre as fábricas têxteis; as igrejas; praças; estação ferroviária; as ruínas da
Balaiada; etc.

Ao trazer discussões sobre Memória e História, Santos (2018, p. 32) ressalta


que,

“Sem memória o indivíduo se perde, vive unicamente um momento, perde sua


capacidade conceitual e cognitiva. Sua identidade se desvanece, produz uma
sucessão de pensamentos, um pensamento sem duração, sem a recordação
de sua gênesis, condição necessária para a consciência e para vários aspectos

134
que vão para além do exposto ou do imaginável. Eis a razão pela qual a
memória faz parte do sujeito.” (Santos, 2018, p. 32)

Assim, a memória tem contribuição fundamental para a construção da


identidade dos sujeitos. É esta memória que possibilita aos habitantes da
cidade perceberem sua própria história de vida, sendo então imprescindível,
pois esclarece o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que
as acompanha, do contrário, a população urbana não teria condições de
compreender a história de sua cidade, como o espaço urbano foi produzido
pelos homens através dos tempos, nem mesmo a origem do processo que a
caracterizou.

Dessa forma,

“[...] sem memória não se pode situar na própria cidade, pois se perde o elo
afetivo que propicia a relação habitante-cidade, impossibilitando ao morador de
se reconhecer enquanto cidadão de direito e deveres e sujeito da história.” (LE
GOFF, 1996, p. 535).

Outro trabalho importante é a dissertação de Joana Batista de Souza, intitulada


“Educação Patrimonial: passados possíveis de se preservar em Caxias - MA”
(2016). Neste trabalho, a autora discute sobre a metodologia da Educação
Patrimonial no contexto das escolas públicas de Caxias - MA, de modo a gerar
um diálogo entre os indivíduos e o patrimônio cultural; e questiona qual a
relação da metodologia da Educação patrimonial com a preservação do
patrimônio local. A autora trabalha a relação do Ensino de História e a
Consciência Histórica, além do conceito de educação patrimonial, em especial
o Patrimônio Histórico e Cultural em Caxias.

Como afirma a autora:

“Não há em Caxias uma preocupação efetiva para com a preservação do


patrimônio, nem a nível material, ou mesmo imaterial, assim como acontece em
outras regiões do país como nas cidades históricas de Minas Gerais, de Goiás
e Pernambuco entre outras, que tanto as autoridades como os cidadãos, além
de se identificar com o patrimônio, tentam preservá-lo, como garantia de
preservar o passado e, sobretudo sua História.” (SOUZA, 2016, p. 53)

Santos (2018, p. 54) nos lembra que o centro histórico da cidade de Caxias foi
tombado pela 3ª Superintendência do Estado do Maranhão como Centro
Histórico de Caxias, compreendido como núcleo inicial e originador da cidade,
assim como os locais contíguos que se consolidaram no final século XIX, de
acordo com a Lei Estadual nº. 3.999, de 6 de dezembro de 1978 e o Decreto
nº. 11.681, de 29 de novembro de 1990.

O mapa a seguir ilustra o Centro Histórico de Caxias,

135
Fonte: SOUZA, 2016, p. 96. Ilustração de Joana Batista de Souza. - Limite de
tombamento - Centro Histórico de Caxias/MA.

Como ressaltam (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO; 1999), os Centros


Históricos ajudam a estimular o professor e seus alunos a estabelecerem e
compreenderem as relações fundamentais entre o presente, o passado, e as
mudanças ocorridas nos modos de vida das pessoas que neles viveram, assim
como nas próprias cidades.

No texto de Eliane de Sousa Almeida, “O patrimônio edificado no Centro de


Caxias- MA: entre a materialidade e a imaterialidade” (2008), a autora discute o
patrimônio edificado de Caxias como lugar de memória, uma vez que as
edificações apresentam significados diferentes para quem vivencia a cidade. O
trabalho contempla discussões teóricas sobre o conceito de patrimônio que
reflete nas noções de cultura, memória e identidades. Esta dissertação também
traz várias imagens e a história do patrimônio edificado da cidade, assim como
ilustrações sobre o Centro Histórico de Caxias - MA.

A autora chama a atenção para as mudanças já ocorridas no Centro Histórico


de Caxias,

“Assim, o centro histórico de Caxias concentra uma significativa quantidade de


elementos arquitetônicos sobreviventes, dado o seu caráter singular, isto é,
construções em que a melhor qualidade dos materiais utilizados lhes permitiu
resistir às intempéries – da natureza e do homem. Contudo, é bom deixar
registrado, que essas edificações foram alteradas, pois ao longo dos séculos
introduziram-se modificações de acordo com conveniências pessoais,
interpretações e utilizações mais racionais, ao melhorar o que estava “velho” e

136
introduzir novidades, como novos materiais, cores e formas.” (ALMEIDA, 2008,
p. 55)

A seguir temos algumas imagens contempladas no trabalho:

Fonte: Almeida (2008). Fachada de casa no Centro Histórico de Caxias.

Fonte: Almeida (2008). Palácio Duque de Caxias.

O trabalho de Almeida (2008) traz aspectos necessários á discussão sobre o


patrimônio edificado de Caxias, destacando a influência de São Luís, de quem
Caxias sofre influência, sobretudo no aspecto do patrimônio edificado.

Desenvolvimento do aplicativo
O aplicativo, produto final da presente pesquisa, está sendo desenvolvido na
plataforma de criação de app’s Kodular. A plataforma é uma ferramenta online
que permite a criação de aplicativos sem a necessidade de conhecimentos
aprofundados sobre linguagens de programação, uma vez que se baseia na
programação por blocos lógicos.

Para isso, a plataforma oferece uma série de componentes, com diversas


funções, como os componentes de mídia, conectividade, botões, players,
visualizador de listas etc, que podem ser encontrados na aba “designer”, e
depois são arrastados para dentro da tela, como mostra a imagem a seguir:

137
Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

No centro da tela fica o espaço de visualização do layout e como estão


dispostos os componentes arrastados para a tela. Do lado direito, é possível
clicar sobre um componente específico e alterar as suas propriedades, como
tamanho, cor, imagem de fundo, disposição na tela (à esquerda; à direita,
centro, abaixo, etc).

Quanto ao desenvolvimento, depois de organizados os componentes na tela,


para que o aplicativo execute alguma função, é necessário combinar os
componentes no espaço destinando aos blocos lógicos, como veremos a
seguir:

Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

Como podemos ver na imagem acima, os componentes precisam ser


organizados por meio dos blocos lógicos, que possuem alguns funcionalidades,
escolhidas de acordo com o que se pretende executar:

138
Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

No exemplo acima, estamos na “Screen1” (Tela1), e os blocos mostrados estão


executando a função de iniciar um som ao abrir a tela, assim como abrir outra
tela ao clicar na “Image3”. Traduzindo os blocos, fica da seguinte forma: “When
Screen1 initialize, do call Sound1 Play” (Quando a tela1 iniciar, chame o Som1
para tocar)/ “When Image3 Clik do open another screen screen name
‘Screen3’” (Quando a imagem 3 for clicada, abra outra tela chamada Tela3).

Depois de organizados os blocos lógicos, é possível testar o aplicativo clicando


em “Test” ou em “Export”. Ao escolher a opção de exportar, é gerado o
aplicativo no formato (.apk) para instalar no celular.

Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

A seguir podemos ver algumas telas do aplicativo em desenvolvimento:

Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

139
Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

A grande maioria das imagens que irão compor o aplicativo, foram obtidas a
partir do levantamento dos trabalhos sobre o patrimônio histórico da cidade de
Caxias/MA, onde podemos ver a história dos prédios históricos da cidade,
assim como a memória relacionada aos mesmos. Essas imagens foram
organizadas em uma planilha do google, com suas devidas referências. São
imagens que retratam os mais variados aspectos da cidade e que farão parte
do conteúdo do aplicativo.

As imagens a seguir retratam a tabela descrita anteriormente:

Fonte: Elaborada pelo autor, Relatório Parcial 2022.

Considerações finais
A partir das leituras realizadas, foi possível perceber a urgência das ações no
sentido da preservação do patrimônio histórico-cultural de Caxias, seja ele
material ou imaterial. E como estratégia, um dos pontos fundamentais reside na
educação do olhar dos estudantes para a história local, em especial a história
do patrimônio da cidade.

140
Com as discussões teóricas, foi possível constatar que os autores são
unânimes ao reconhecerem a importância da preservação e valorização do
patrimônio histórico da cidade, uma vez que se constitui num elemento
fundamental para a formação da identidade dos habitantes.

Ao trabalhar com os alunos a história do patrimônio da cidade, o professor


pode estimular o desenvolvimento da capacidade crítica e de reflexão dos
alunos a respeito da produção cultural presente no seu contexto de vivência, a
exemplo da compreensão sobre os nomes das ruas e avenidas da sua cidade.
Esse exercício contribui para o sentimento de pertencimento e um novo olhar
para a cidade.

Os desafios que aparecem estão em conseguir despertar o interesse dos


alunos nessas temáticas, ou conseguir mostrar a eles a importância delas. Por
isso, é imprescindível que se lance mão do uso de meios tecnológicos
acessíveis como metodologia para tornar mais próximo a cidade e os alunos.

Levar o patrimônio da cidade por meio de um aplicativo permite ao professor


trabalhar de maneira interativa e dinâmica a temática, o que pode instigar o
interesse dos alunos, suscitando dúvidas e reflexões sobre a história da cidade.
O aplicativo em desenvolvimento objetiva proporcionar isso, viabilizando o
acesso a todos que tenham interesse na história do patrimônio local, sem
esquecer que a visita aos lugares ainda é uma experiência de muito valor.

Referências biográficas
Francisco Lucas Gonçalves dos Reis é Graduando do Curso de História –
Licenciatura, da Universidade Estadual do Maranhão, campus Caxias (CESC-
UEMA).

Jakson dos Santos Ribeiro é Professor Adjunto I da Universidade Estadual do


Maranhão (CESC/UEMA), Doutor em História Social da Amazônia (UFPA),
Mestre em História Social (UFMA) e Graduado em História (UEMA).

Referências bibliográficas
ALMEIDA, Eliane de Sousa. O patrimônio edificado no Centro de Caxias- MA:
entre a materialidade e a imaterialidade. Dissertação (Mestrado em Políticas
Públicas), Universidade Federal do Piauí, Curso de Pós-graduação em
Políticas Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras. Teresina- PI:
UFPI, 2008. 166fls.

CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade /


Ed. Unesp, 2001.

GEVEHR, Daniel Luciano. A crise dos lugares de memória e dos espaços


identitários no contexto da modernidade: questões para o ensino de história.
Revista Brasileira de Educação v. 21 n. 67 out.-dez. 2016.

141
HORTA, Maria de Lourdes P.; GRUMBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q.
Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, Museu Imperial, 2006 [1999].

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. Unicamp, 1990.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidade, espaço e tempo: reflexões sobre a


memória e o patrimônio urbano. In: Cadernos do LEPAARQ, Pelotas, vol. 2, n.
4, 2005, p. 9-17. Disponível em:
<https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/lepaarq/article/view/893>.

SANTOS, Mariângela Santana Guimarães. Fragmentos da memória:


contribuições á história da cidade de Caxias do Maranhão. Tese (Doutorado) -
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Curso de Pós-graduação em História.
São Leopoldo: UNISINOS, 2018. 208f.

SOUZA, Joana Batista. Educação Patrimonial: passados possíveis de se


preservar em Caxias - MA. Dissertação (Mestrado em História, Ensino de
História e Narrativas) - Universidade Estadual do Maranhão. São Luís, 2016.
147f.

142
YOUTUBE E ENSINO DE HISTÓRIA: LINGUAGEM
E ACELERAÇÃO DO TEMPO
Grazyelli Cristina da Costa e Jean Carlos Moreno

O presente artigo faz parte de uma pesquisa em andamento dentro do


programa do Mestrado Profissional em História (ProfHistória), ofertado a nível
nacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com
outras instituições de nível superior da rede pública, dentre as quais a
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Pretende-se durante a pesquisa refletir sobre o seguinte aspecto: como


podemos aproveitar de forma efetiva o potencial das novas plataformas, mais
especificamente do Youtube, para o Ensino de História, tornando-a aliada e
não concorrente de nossas práticas de ensino?

Evidentemente que esta pesquisa, ainda em fase inicial, não surgiu como um
acaso. Ela está profundamente relacionada a aspectos pessoais e profissionais
da autora. Nesta sociedade da informação, na qual vivemos, é possível
perceber em nosso dia a dia – e também no de muitos alunos, provavelmente –
que o acesso ao saber já não se restringe aos muros da escola. As maneiras
de se obter e estruturar saberes e conhecimentos se transformam
constantemente, logo “a estrutura social da sociedade e a forma como a
aprendizagem está estruturada – o modo como passa de mãe para filha, de pai
para filho, de tio materno para sobrinho, de xamã para aprendiz, de
especialistas mitológicos para especialistas lógicos– determinam muito mais do
que o conteúdo real da aprendizagem, determinam como individualmente se
vai aprender a pensar e como o estoque de aprendizagens, a soma total de
peças separadas de habilidades e conhecimento [...] é compartilhada e usada.”
(MEAD, 1964, p.79 GOODSON, 2007, p.2 apud). Assim sendo, ensinar História
é ainda mais desafiador em pleno início de século XXI, pois as novas
tecnologias não transformam apenas a forma de aprender ou comunicar, mas
nos levam também a repensar o ensino de História propriamente dito e seus
objetivos nos dias de hoje.

Vivenciamos atualmente, segundo muitos pesquisadores, o período da Quarta


Revolução Industrial, também apresentada como o conceito de Indústria 4.0,
que apresenta como diferencial o uso da digitalização de dados e a
interconexão dos mesmos. O YouTube, assim como outras plataformas,
encaixa-se dentro desta ideia, uma vez que se apresenta como uma plataforma
para armazenar e divulgar enorme quantidade de dados em vídeo.

143
O YouTube nasceu como uma plataforma cujo objetivo era facilitar o
compartilhamento de vídeos, pois o envio dos mesmos via e-mail muitas vezes
não era possível devido ao tamanho do arquivo. Logo percebeu-se seu
potencial para disseminação de informações e conteúdo, assim, muitos
entusiastas e também pesquisadores, passaram a utilizar a plataforma como
forma de divulgar seus conhecimentos, em diversos níveis, por meio da
linguagem audiovisual. A partir da pandemia da COVID-19, o uso desta
plataforma para a finalidade educacional ganhou ainda mais espaço e
escancarou como este recurso foi adentrando, de maneira orgânica, em nosso
cotidiano, incluindo aí para finalidade de ensino.

Feita essa breve explanação a respeito do YouTube, vamos contextualizar


brevemente como a disciplina de História se estruturou, para que possamos,
então, pensar como ela pode se utilizar desta ferramenta que, muito
provavelmente, já faz parte da cultura escolar em diversos contextos. Cultura
escolar essa que, segundo Dominique Julia, mantém relações “com o conjunto
das culturas que lhe são contemporâneas”, constituindo também “um conjunto
de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos...” com (JULIA, 1995, p. 10).

Segundo Jenkins a História, como ciência, “constitui um dentre uma série de


discursos a respeito do mundo” (JENKINS, 2001, p. 23), logo, quando a história
se constitui como disciplina, passa também a ser campo de disputa de
narrativas que tentam se colocar como dominantes para a sociedade.
(BITTENCOURT, 1993 p. 193). Durante o século XIX, com a consolidação dos
Estados Nacionais, urgia a necessidade de legitimação e criação de uma
identidade nacional. A História, enquanto disciplina, surge então como uma
ferramenta a ser implantada para que se crie essa relação entre o indivíduo e o
conjunto de símbolos e normas que o definem como “este” e não como
“aquele”.

Ainda no século XIX, com a Segunda Revolução Industrial e o pensamento


cientificista que se formava em oposição ao domínio da Igreja, a História busca
firmar-se enquanto ciência, utilizando o modelo advindo das ciências físico-
naturais. A partir da segunda metade do século XX, esse caráter científico da
História passa a ser colocado em questionamento por estudiosos como Hyden
White, que ressalta o caráter narrativista da História e, posteriormente outros
como Paul Ricoeur, que também enfatizam que, apesar do caráter narrativo,
não é uma narrativa qualquer, ficcional, pois há critérios de verificação e
verossimilhança. Neste caminho, Rüsen defende uma História que dialoga com
a subjetividade e tem o potencial de produzir identidades. Desta forma,
podemos perceber que a disciplina de História ganhou contornos diferentes do
inicial. A mesma disciplina que surgiu com objetivo de legitimar discursos, hoje
é aquela que tem o potencial de incentivar a análise e crítica aos discursos
oficiais.

144
Apesar desta potencialidade, ainda dentro da cultura escolar, o trabalho em
sala de aula segue um modelo tradicional baseado apenas na leitura e nas
perguntas e respostas, o qual muitas vezes parece ser menos atraente aos
alunos em seu formato, do que os vídeos que podem ser acessados no
YouTube. Conforme Julia “uma disciplina escolar encontra-se presa entre os
objetivos que lhe são conferidos e o público ao qual se dirige: as mudanças
que intervêm no dispositivo pedagógico são frequentemente ligadas a
modificações das características do alunado.” (Julia, 2001, p. 60). A partir desta
afirmação podemos, então, acreditar que, possivelmente uma ferramenta como
o YouTube tem condição de alterar não apenas o que se ensina, mas como se
ensina. Eis aí o desafio aos professores, que podem se apropriar de diversas
formas, tanto consumindo o conteúdo, como produzindo-o no formato que
parece ser mais atraente para a mediação. Discordando de Julia, o termo
utilizado aqui é mediação e não transposição, uma vez que o saber escolar
advém de uma mediação, da interpelação, pois não estamos em sala de aula
apenas traduzindo para uma linguagem mais simples o saber acadêmico, mas
tentando mediar para que o aluno, a partir de suas próprias experiências,
construa significado e compreensão do objeto de estudo conforme seu próprio
contexto.

Baseada nesta análise de nossa realidade, é possível notar que, de alguma


forma, a plataforma de vídeos YouTube pode alterar a forma de aprender e,
uma vez que a cultura escolar é também integrada pelos demais elementos
que nos rodeiam, é difícil deixar de lado, ou fingir que estamos alheios, ainda
mais em uma sociedade da informação, à influência que estes conteúdos
audiovisuais desempenham sobre o aprendizado. Se a maneira de aprender se
transforma, a maneira de ensinar também terá de se remodelar. Então os
conteúdos audiovisuais disponibilizados no YouTube, muito provavelmente têm
condição de romper com as práticas mais tradicionais de sala de aula, em
maior ou menor grau, conforme os recursos disponíveis para cada realidade
em que se integre.

Este cenário nos leva a perceber que ensinar História tem sido mais desafiador
do que nunca. Neste início de século XXI, as informações chegam até nós de
forma vertiginosa, sem que consigamos de fato refletir sobre as mesmas,
filtrando aquilo que possa se traduzir, posteriormente, em conhecimento
construído de fato e não apenas em um aglomerado de dados que parecem ser
ou realmente sejam desconexos.

É nesta realidade, cercados pelos chamados “nativos digitais”, ou seja, aquela


geração que, segundo o pesquisador Marck PRENSKY (2001), seriam aqueles
que já nasceram inseridos neste mundo de informações rápidas a partir da
Web, que atuamos enquanto professores de História. Neste contexto destaca-
se o seguinte ponto: muito provavelmente, para nossos alunos, a História
enquanto disciplina escolar não parece se adequar à realidade em que vivem,
uma vez que, ao pensar a palavra história, é comum relacioná-la ao passado e
o passado, por sua vez, ser relacionado a algo já ultrapassado pela velocidade
dos novos tempos, muito embora, este senso comum entre passado e História

145
esteja equivocado, pois segundo JENKINS (2001) passado e História não são
a mesma coisa, sendo o passado tudo que se passou e a história aquilo que
fora escrito sobre o passado.

Desta forma, temos diante de nós uma realidade bastante complexa para o
ensino de História, na qual muitos profissionais que se encaixam na categoria
de migrantes digitais, precisam perceber e se adaptar às novas formas de
aprendizagem para poder fazer do ensino algo efetivo também. Cenário este
bastante complexo, uma vez que a sensação de aceleração do tempo é cada
vez mais constante em nosso dia a dia e é potencializada pelas novas
tecnologias para troca de informações, as quais ocorrem de maneira cada vez
mais intensa.

O professor, então, como mediador, muito mais do que ofertar informações –


pois estas podem ser obtidas em quantidade e velocidade muito maior do que
possamos pensar – pode auxiliar seus alunos a desenvolver critérios para
analisar quais informações são seguras e confiáveis. Este talvez seja o desafio
desta pesquisa, criar estes parâmetros para analisar diferentes vídeos na
plataforma, levando o aluno não apenas a ser um receptor de informações em
grande medida, mas capaz de filtrar o que assiste e a partir de informações
adequadas, construir então seu conhecimento a respeito de determinado tema.

O tema histórico proposto para realizar esta análise com objetivo de criação de
critérios de validação é a Independência do Brasil, não apenas pelo momento
em que a questão está altamente em voga, devido à comemoração dos 200
anos de independência, mas justamente pela importância em pensarmos
nossas raízes e nossa identidade e, como já ressaltado anteriormente, hoje o
ensino de História abarca esta função, auxiliar na reflexão sobre as identidades
próprias e alheias. Esse processo de conscientização e valorização a respeito
das identidades e dos afetos sociais é tema que tem sido bastante debatido
nos estudos decoloniais.

Se tomarmos a História enquanto uma narrativa, um relato produzido acerca do


passado, perceberemos que este relato não se produz de maneira
despreocupada, como algo corriqueiro apenas. No entanto, muito material tem
sido produzido apresentando revisionismos historiográficos ou, mais
preocupante que do que isso, muitas produções apresentam distorções
intencionais em seus conteúdos, sendo que grande parte destes materiais são
audiovisuais, característica essa que os tornam muito mais atraente aos
nossos alunos, os nativos digitais, que são os alvos de muitos destes
produtores de conteúdo, os quais tendo noção da força e do alcance que estes
instrumentos possuem, investem pesado para validar suas narrativas como
verdadeiras, desmerecendo o papel da escola ou de outras instituições, e
nossos alunos estão diante destas narrativas também. Desta forma, a
construção de algum mecanismo de validação seria de grande valia, pois iria
auxiliar na construção do conhecimento a partir de informações que não
estejam embebidas em interpretações errôneas ou distorcidas e preconceitos,
uma vez que os vídeos postados em redes sociais e no YouTube podem

146
construir estereótipos que dificilmente seriam descontruídos apenas dentro das
discussões do cotidiano escolar.

O cinema teve um importante papel ao construir estereótipos sociais, mas,


hoje, plataformas como o YouTube têm um alcance ainda maior. Apesar de
ambos serem ferramentas audiovisuais, seus formatos diferem bastante,
principalmente quanto ao tempo. Embora filmes possam ser encontrados na
plataforma, os vídeos pensados e produzidos exclusivamente para ela têm
características próprias e que refletem mais essa sociedade da informação
acelerada. Pensemos, por exemplo, em vídeos com conteúdo de história.
Existem dos mais variados temas e tempos de duração, mas em minha prática
pude constatar que, quando dirigidos a um público mais jovem costumam ter
entre 7 a 15 minutos, além de diversos processos de edição, que possibilitam
um certo dinamismo à informação, prendendo a atenção do espectador. Esta
forma de repassar a informação aparentemente tem impactado em nossa
forma de ensinar, uma vez que, manter a atenção dos alunos, sem dispor da
mesma quantidade de recursos audiovisuais, é um desafio e tanto.

É possível então que este formato de apresentação da informação nos leve a


repensar em uma didática mais dinâmica em sala, uma vez que os alunos
estão bastante conectados com este modelo. Assim, construir o conhecimento
histórico em sala de aula, vai além de mera transposição didática, trata-se de
criar significado, identidade e criticidade. Em um tempo de disputa de
narrativas, na qual a escola e os professores muitas vezes são desqualificados
ou colocados em xeque com vídeos intitulados genericamente como “o que seu
professor não te contou” ou “o que você não aprendeu na escola”, é urgente
que, como profissionais da educação, possamos nos apropriar destes recursos,
não como forma de disseminação de uma verdade acadêmica absoluta sobre a
história, seus fatos e acontecimentos, mas sim para que seja feita uma análise
intelectualmente honesta acerca dos acontecimentos históricos, que não tenta
se impor como verdade única, mas que, a partir da tentativa de entender as
sociedades no tempo e no espaço, possa ser discutida e apropriada pelos
estudantes a partir de critérios de validação compartilhados coletivamente.

Referências biográficas
Grazyelli Cristina da Costa
Mestranda no programa do Mestrado Profissional em História (ProfHistória), na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora da Educação Básica no
Colégio Sagrada Família – Ponta Grossa.

Jean Carlos Moreno


Doutor em História. Professor Associado do Centro de Ciências Humanas e da
Educação da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Professor do
quadro permanente do PPGHIS UEL, do PPEd UENP e do PROFHISTÓRIA
UEPG.

147
Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas memórias:
para que servem o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de
Almeida; ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís, MONTEIRO, Ana Maria. (Org.).
Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012, p. 21-39.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Disciplinas escolares: objetivos,


ensino e apropriação. In: MACEDO, Elizabeth (et al). Disciplinas e integração
curricular: história e políticas. Rio de Janeiro:RJ, DP&A, 2002.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina


escolar: da história sagrada à história profana. In: Revista brasileira de história.
São Paulo, set.92 – ago.1993, v. 13.

BRANDÃO, Lucas. A sociedade da informação em rede aos olhos de Manuel


Castells. Comunidade, cultura e arte. 2018. Disponível em:
https://comunidadeculturaearte.com/a-sociedade-da-informacao-em-rede-aos-
olhos-de-manuel-castells/ . Acesso em: 28 junho 2022.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Historiador investiga como a “aceleração


do tempo” está impactando o campo das Humanidades no Brasil (Notícia). In:
Café História – história feita com cliques. Disponível em:
https://www.cafehistoria.com.br/privacidade-antigo-egito/. Publicado em: 7 jun.
2017. Acesso: 29 julho 2022.

GOODSON, Ivor. Currículo, narrativa e o futuro social. In: Revista Brasileira de


Educação. Mai/ago, 2007,v. 12. P. 241-262

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista


Brasileira de História da Educação n°1 jan/jun 2001. p. 37-71

JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo, Contexto, 2001.

148
A CIDADE DOS PORCOS: O MITO DA IDADE
MÉDIA EM GAME OF THRONES
Guilherme Oliveira Claudino e Ygor Klain
Belchior

Este texto é resultado de duas bolsas do Programa Institucional de Apoio à


Pesquisa da UEMG. Fomos contemplados com uma bolsa de Iniciação
Científica e outra de Produtividade para o docente.

Como acreditamos que a pesquisa não está dissociada do ensino, propomos


aqui um exercício didático para professores e professoras sobre o nosso objeto
de pesquisa: o mito da Idade Média. A nossa fonte é digital, a série Game of
Thrones, e como recorte temático escolhemos as cidades.

E por que tal escolha? Porque o nosso objeto neste estudo é o “mito da Idade
Média”. E o que seria isso? De acordo com Pernoud (1997), “o mito da Idade
Média” é uma visão construída pelos homens do Renascimento, a qual observa
o período sob a ótica de “idade das trevas”. Isto é, como marcada apenas por
coisas ruins, como massacres, cenas de violência, fomes e epidemias. Não há,
segundo a autora, “um dia em que [o medievalista] não ouça alguma reflexão
no gênero: ‘Nós já não estamos na Idade Média’, ou ‘Isto é o regresso à Idade
Média’, ou ‘É uma mentalidade medieval’" (PERNOUD, 1997, p. 5). E os
grandes culpados por isso, de acordo com Pernoud, são os professores de
História. Em suas aulas, os docentes sempre focam nos momentos ruins do
período, esquecendo das grandes transformações positivas. Em suas palavras:
“a Idade Média significa sempre: época de ignorância, de embrutecimento, de
subdesenvolvimento generalizado, muito embora tenha sido a única época de
subdesenvolvimento durante a qual se construíram catedrais!” (Idem, p. 13).

A Idade Média, sempre quando é mencionada, carrega consigo características


universais, tais como cavaleiros, reis, guerras, feudo, reinos cruzadas, fome,
peste e sujeira. É como se essa “forma” mitológica da Idade Média existisse
mesmo sem a Idade Média estar realmente presente. Um grande culpado pela
reprodução do “mito da Idade Média” talvez não tenha sido mencionado nos
textos de Pernoud devido à temporalidade em que ela escreveu, um momento
em que a mídia ainda não era grande objeto de crítica por parte dos
historiadores. Essa preocupação veio à tona nas últimas décadas, momento
em que a pesquisa histórica percebeu que muitas dessas “representações e de
imagens em perpétuo movimento, amplamente difundidas na sociedade, de
geração em geração”, são o resultado do contato do público com as produções
audiovisuais. De acordo com Meneses (2019, p. 2), nos últimos anos houve

149
“uma profusão de novos produtores e de lugares de narrativas históricas que
para grandes audiências. A título de exemplo, podemos notar como o passado
tornou-se uma febre na produção midiática quando somente entre o ano de
2017 e o primeiro semestre de 2018, considerando novelas e minissérie
produzidas em canais abertos no Brasil, contabilizamos 11 programas
ambientados em outras temporalidades, desde o século XVI antes de Cristo,
passando pela Idade Média, até década de 1980. Além da Tv aberta, existem
outros canais especializados em narrativas que pretendem falar de um lugar
científico da produção histórica com fontes, especialistas e conteúdos frutos de
investigações diversas, como History, H2, Discovery Civilization e uma série de
outros produtos voltados ao tema.”

No Brasil, essa preocupação é bem recente. E ela veio junto ao advento do


fenômeno dos negacionismos históricos e da Fake History, quando os
historiadores das universidades perceberam que teriam que se preocupar com
o seguinte fato: as pessoas também se informam sobre o passado fora da sala
de aula. A essa modalidade, os historiadores atribuíram o nome de História
Pública, modalidade a qual, segundo (CARVALHO, 2017),

“se refere à atuação dos historiadores e do método histórico fora da academia:


no governo, em corporações privadas, nos meios de comunicação, em
sociedades históricas e museus, até mesmo em espaços privados. Os
historiadores públicos estão atuando em todos os lugares, empregando suas
habilidades profissionais, eles são parte do processo público [grifo nosso].”

Tendo em vista essas considerações é que elaboramos no nosso problema de


pesquisa: em que medida “o mito da Idade Média” está presente na série
Game of Thrones? Nossa hipótese principal é que mito da Idade Média está
presente em muitos momentos da série, principalmente na apresentação das
cidades como chiqueiros, e na relação entre os papéis dos personagens e o
ambiente urbano, sejam eles protagonistas, coadjuvantes ou figurantes.

O mito da Idade Média e as cidades medievais


No texto de Pernoud em que a historiadora define o mito da Idade Média, no
que tange às cidades, está focado em sua arquitetura. Sob essa visão, a autora
afirma que cidades são entendidas como construídas por arquitetos
“desajeitados e inábeis”, os quais usavam apenas pedra e madeira. O arquiteto
medieval, por sua vez, não se prendia a nenhuma forma ou metodologia para
criar os monumentos, com isso, segundo a autora,

“uma questão crucial para a história da arte da Idade Média foi: como é que os
escultores puderam reaprender a esculpir? Partia-se do princípio de que a
escultura fora uma arte esquecida. Todas as vezes que se tenta fazê-lo são
desajeitados ensaios, dignos de uma criança (PERNOUD, 1997, p. 23).”

150
Vemos aqui que a cidade de Pirenne é menos presente no imaginário do que o
referido mito, que através de sua arquitetura “grotesca” compõem um certo
medievo imaginado.

Entendemos como parte desse medievo imaginado as produções audiovisuais


que se apropriam de aspectos da Idade Média, afim de criar histórias
fantasiosas baseadas em “reminiscências medievais”. As “reminiscências
medievais” são caracterizadas por Macedo (In: MACEDO; MONGELLI, 2009, p.
15), em seu livro A Idade Média no Cinema, da seguinte maneira: são “formas
de apropriação dos vestígios do que um dia pertenceu ao Medievo, alterados
e/ou transformados com o passar do tempo”.

O intrigante na análise de Pernoud é que, apesar de contemplar a arquitetura


das cidades, não discorre muito sobre o tema - por exemplo, não avalia a
urbanização. Isto nos interessa porque a autora estuda de forma exaustiva
diversos aspectos do mito da Idade Média, como o Feudalismo, a presença
unânime de servos ligados à terra, a submissão feminina e a inquisição da
Igreja, mas não avalia um cenário em que o mito da Idade Média está muito
presente: as cidades. Talvez, a autora tenha caído no seu próprio mito, pois, ao
não falar das cidades, reforçou a noção de que elas não existiram, uma vez
que a sua Idade Média é rural.

De modo a compreender como esses mitos são representados na série


televisiva Game of Thrones, utilizaremos igualmente o conceito de
Neomedievalismo. Primeiramente, precisamos definir o que significa
“medievalismo”. Esse conceito se refere a

“o Medievalismo pode referir-se ao uso de temas, narrativas, personagens ou


estilos medievais na literatura, na arte ou no cinema; em termos políticos, pode
significar a recriação de figuras ou eventos históricos para justificar ideologias
ou identidades nacionais; pode ainda revelar-se na adopção e adaptação de
filosofias medievais para melhor se entenderem questões contemporâneas; e
ainda o revivalismo de práticas médicas e científicas medievais” (MARQUES,
2020, p. 61).

Neomedievalismo se difere do medievalismo por ser um conceito mais ligado à


Fantasia, à criação de novos mundos, e menos ligado à tentativa de uma
representação fiel da realidade medieval.

A aula
Para uma aula sobre o mito da Idade Média, é importante escolher um material
atrativo aos alunos. Nesse sentido, a série Game of Thrones é um excelente
material porque oi uma das séries mais assistidas no mundo.

A produção da HBO é baseada na série de livros A Song of Ice and Fire,


de George R. R. Martin, e foi adaptada para as telas por David Benioff e D. B.
Weiss. A primeira temporada da série estreou em 17 de abril de 2011 e

151
a oitava e última temporada estreou em 14 de abril de 2019, terminando em 19
de maio de 2019.

Como uma das séries mais famosas dos últimos tempos, podemos afirmar que
é uma das grandes responsáveis por apresentar ao público essa imagem
mitológica da Idade Média, vejamos.

Figura 1: Cartaz da primeira temporada.


Fonte: https://rajksite.com/wp-
content/uploads/2019/11/GameOfThronesposter.jpg (Acesso em: 01/12/2020).

No cartaz acima, observamos o personagem Ned Stark, Protetor do Norte, um


dos sete reinos do continente Westeros, sentado em um trono de ferro. A
simples presença de um rei, portando uma espada, e sentado no trono pode
ser entendida em diálogo com os conceitos até então apresentados.
Destacamos aqueles que compõem o que chamamos de reminiscências
medievais, a saber de que ele foi um longo período feudal, com senhores,
reinos, damas e cavaleiros. A perpetuação dessas reminiscências, portanto,
cria uma forma, a qual sempre relaciona a Idade Média ao Feudalismo e, como
sabemos, o período considerado auge do feudal (XI a XII) não compreende
toda a Idade Média (V a XV).

152
Há outros aspectos importantes na ambientação do cartaz. A luz escura e a
neblina dialogam com o “mito da Idade Média”, uma vez que produzem a
sensação de que este período é de trevas. A “forma” feudal, por sua vez,
quando colocada em diálogo com o mito de Pernoud produz a seguinte
interpretação para os expectadores: “Então, havia [...] senhores feudais. Então
eles estavam sempre a fazer guerras e com os seus cavalos iam para os
campos dos camponeses e destruíam tudo” (PERNOUD, 1978, p. 6).

Para além do cartaz, podemos observar que esse mito da sujeira e da


escuridão aparecem na apresentação das cidades de Westeros, mais
especificamente Winterfell e King's Landing. Tais cidades são exibidas como
se fossem uma completa desorganização, chiqueiros, muito menos
desenvolvidas que os castelos dos grandes senhores.

Assim, quando avaliamos os ambientes citadinos de Game of Thrones, a


exemplo do subúrbio de King's Landing, chamado Baixada das Pulgas, e de
Winterfell, nos deparamos com a representação de cidades de porcos, com
condições de vivência sub-humanas, habitações precárias e cheias de pessoas
sujas. Vejamos algumas imagens:

Figura 2: Baixada das pulgas em King's Landing.


Fonte: Episódio 3. Temporada 5 (45:53).

153
Figura 3: Winterfell.
Fonte: Episódio 2. Temporada 1 (19:27).

Conforme observamos acima, o mito da Idade Média também está presente na


estética das construções da série. Segundo Renan Birro (2021), tal estética é
depreciativa e pode ser delineada da seguinte maneira: “cenários [...] descritos
como ‘pobres’ [...] paredes de pedra, tal como janelas de madeira e armas a
serem exibidas.” E ao retratarem as cidades medievais dessa forma, esses
cenários deixam de ser apenas informações contidas em uma cena para serem
avaliadas como objetos reais.

Contudo, tais cidades não são reais. Vejamos o exemplo de cidade de Ragusa,
atual Dubrovnik, localizada no sul da Croácia, na costa do Mar Adriático.
Escolhemos essa cidade por se tratar do modelo utilizado pelos roteiristas da
série para a representação de King’s Landing. Notem que a cidade não é um
chiqueiro:

Figura 4: A cidade de Ragusa, atual Dubrovnik.


Fonte: https://www.mozaweb.com/Extra-3D_scenes-
Ragusa_Croatia_16th_century-282857 (Acesso em 10/10/2021)

154
Partimos, portanto, do princípio que Idade Média de Game of Thrones é a
mesma do “mito”, um “período de trevas”, e as cidades são uma evidência
importante. A ideia de que o mundo rural, das elites, é colorido, rico, em
contraposição à escuridão das cidades, a sujeira, enfim, uma cidade de porcos.
Assim, ao confrontar as evidências históricas com a série, o (a) professor (a)
poderá exercitar nos (as) estudantes como a estética dos cenários podem
colaborar para uma visão deturpada de uma Idade Média de trevas.

Referências biográficas
Dr. Ygor Klain Belchior, Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais,
Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História Antiga,
Medieval e da Arte, bolsista de produtividade PAPq-UEMG.

Guilherme Oliveira Claudino, discente da Universidade do Estado de Minas


Gerais, Pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História
Antiga, Medieval e da Arte, bolsista PAPq-UEMG.

Referências bibliográficas
ALMEIDA, Juniele Rabêlo; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira, (organização).
Introdução à história pública. São Paulo: Letra e Voz,2011.

BIRRO, R. M. 'Eu planejo fazer algo como um game de fantasia medieval':


RPG Makers e a estética neomedieval em RPG's digitais. SIGNUM - REVISTA
DA ABREM, v. 22, p. 132-159, 2021.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares. História
pública e divulgação de história. São Paulo, SP: Letra e VOZ,2019.

MACEDO, J. R.; MONGELLI, L. M. A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê


Editorial, 2009.

PERNOUD, R.P. O mito da Idade Média. Portugal: Europa-América, 1997.

155
MUSEUS DA ENERGIA EM SÃO PAULO:
COMUNICAÇÃO, ENSINO DE HISTÓRIA E
TECNOLOGIA DIGITAL
Janaina Cardoso de Mello

Com o incremento do uso da internet, das mídias sociais e dos dispositivos


móveis, em tempos de reclusão na pandemia da covid19, indaga-se: quais as
mediações museológicas com usuários e o papel da digitalização de museus
em São Paulo? Procurou-se avaliar se os acervos em Itu, Salesópolis e São
Paulo, foram reelaborados em uma narrativa digital que sirva ao ensino de
História e à promoção cultural.

A metodologia qualitativa envolveu: 1. Revisão bibliográfica; 2. Caracterização


dos museus na pandemia; 3. Análise das expografias online, da interação dos
usuários e das representações sociais do mundo físico e ciberespaço para
identificar soluções digitais mediadoras no século 21.

A pandemia de covid19 levou muitas instituições culturais aos caminhos digitais


com tours 360°, walkthroughs, gameficação, realidade aumentada e outras
tecnologias de comunicação e recursos pedagógicos para inserção dos
museus na Revolução 4.0, das tecnologias disruptivas, acessíveis por
smartphones e notebooks. Entender essa viabilidade nas instituições
brasileiras é uma mais valia para a educação não-formal no mundo atual.

Nos últimos anos houve os profissionais de museus buscaram a revisão da


definição de museu, em uma abordagem mais democrática e convergente com
as mudanças socioculturais, políticas e tecnológicas contemporâneas.
Realizaram fóruns online pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM),
formulários eletrônicos e debates. O conceito da 22ª Assembleia Geral do
ICOM, em Vienna, na Áustria, em 24 de agosto de 2007, caracterizava o
“museu” como:

“[...] uma instituição sem fins lucrativos, permanente, ao serviço da sociedade e


do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa,
comunica e expõe o património tangível e imaterial da humanidade e do seu
meio ambiente para fins educativos, estudo e diversão” (ICOM, 2021).

A comunicação em museus e uso de dispositivos e contextos explicativos é


identificada por Poulot (2013, p. 26-27) no repertório dos museus europeus e
norte-americanos, no período entre guerras mundiais. Museus de Ciência e de
História Nacional elaboraram expografias participativas para que os visitantes

156
imergissem nos museus. Assim foi nos museus de Chicago, Columbia britânica
e Paris. Ocorreram exposições presenciais em vagões aposentados,
reconstituição de túneis, experimentos científicos de Física e Química ou
dramatizações históricas.

A informação e comunicação em museus atuam para que o conhecimento


científico seja compreensível ao público leigo, atualizando saberes e
contrastando o senso comum com estudos e pesquisas realizados em distintas
instituições. Portanto, a

“comunicação pública da ciência faz com que ocorra a divulgação de


informações de interesse público, levando o público leigo a exercer seu direito
de receber essas informações e possibilitando sua participação no debate em
esfera pública” (LÊDO, 2019, p. 18-19).

Segundo Ferreira (2014) as exposições podem transmitir informação (histórica,


artística, social, arqueológica, biológica, tecnológica) unívoca, com uma
apreensão passiva de conhecimentos ou podem expor distintos olhares, visitas
com várias interpretações e objetos mediadores que convidam à participação
ativa dos visitantes na construção de conteúdo. Os objetos mediadores
adicionam à exposição narrativas mais interessantes.

Para Chiovatto (2020) a nova conceituação de museu, elaborada entre 2020 e


2022, não deve ser pautada por uma narrativa rígida, com uma estrutura
histórica ou estética de especialistas, pois uma maior participação de
interessados em museus aprecia as interpretações nos repertórios dos
diversos públicos, fazendo com que os objetos museológicos ganhem vida e
tenham reconhecido um outro valor. Não se trata apenas de conservar a
memória no museu, mas fazer a instituição contar o passado com olhos do
presente, pois, quando apresentamos um objeto, falamos mais de nós, do ser
humano contemporâneo, do que do objeto em si.

Em 1990, “ser digital” não era uma opção e sim uma realidade das instituições
culturais europeias com a “[...] disseminação de ferramentas e práticas digitais
e pela conversão de todo o tipo de recursos culturais em bits e bytes”. A
Comissão Europeia no Bulletin of European Union, de 1994, já considerava o
uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no desenvolvimento
econômico de empregos, renda e qualidade de vida dos cidadãos ao
reconhecer o patrimônio cultural como vital em uma sociedade democrática. Os
museus europeus utilizaram exposições interativas digitais, a partir de 2000,
adotando programas de digitalização em larga escala e recursos substanciais
na criação e aquisição de equipamentos digitais visando um acesso mais
amplo e interessante ao público (MESSIAS, 2018, p. 17).

Nesse “não tão novo universo da virtualidade”, Dodds (2019) retratou a


experiência do Victoria and Albert Museum (V&A), no Reino Unido, cuja
aquisição das primeiras imagens geradas por computador data de 1969. O
museu V&A detêm uma coleção de arte computacional com 2.000 gravuras,

157
desenhos, fotografias e obras nativas digitais de 1960 a atualidade. Sob sua
guarda está uma ampla variedade de obras de arte físicas e digitais criadas
com código. Parry (2019), discorreu sobre a necessidade de pensar o acesso
digital nas plataformas dos museus como protagonismo do sujeito, para o
“usuário atuante”, ou seja, o “usuário digital” que além de ser parte do sistema
de tecnologia, passa a integrar o sistema externo, alterando sua capacidade
principal de automação para personalização e capacitação.

A pandemia da Covid19, as transformações digitais em curso desde o final do


século XX e o isolamento social intensificou a necessidade de efetivar a
continuidade do acesso e ensino não-formal, ainda que virtual, aos museus
quando suas portas fecharam devido a insegurança sanitária.

O Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), ao longo de 2020, disponibilizou


várias orientações e publicações em parceria com a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), priorizando cinco
temas de interesse: a situação de museus e seus funcionários, o impacto
econômico previsto, a tecnologia digital e comunicação, a segurança de
museus e a preservação de coleções e freelancers de museus (ICOM, 2020, p.
1).

As “Recomendações do ICOM Brasil em relação à Covid 19”, no item 17°


orientaram

“[...] que [a] instituição elabore ou mantenha rotinas de interação com o público
através de redes sociais (Instagram, Twitter, Facebook etc.), seguindo um
planejamento de divulgação de seus acervos e estimulando a consulta e
pesquisa em bases de dados ou sites. Nesse período, produza material para
publicação digital (cartilhas de orientações técnicas; catálogo digital de
exposições realizadas etc.) com informações claras e diretas, acessíveis ao
público” (ICOM, 2020, p. 5-8).

A publicação “Museums around the world in the face of COVID-19” (UNESCO),


em maio de 2020, trouxe um relatório da implementação das medidas de
proteção e atualização das instituições. Contabilizaram 95.000 museus no
mundo (60% à mais do que em 2012), verificando-se que 90% das instituições
fecharam e 10% destas não iriam mais reabrir. Houve dificuldades digitais nos
continentes e países mais pobres, à exemplo da África, onde somente 5% dos
museus conseguiram dispor conteúdo digital para acesso (UNESCO, 2020, p.
4).

Na América Latina e no Brasil, a digitalização dos acervos museais tem sido


muito desigual dado seu custo elevado. Desde 2014, a Fundação Getúlio
Vargas realizou workshops para avaliar o processo, identificando problemas
como a transformações de sites estáticos em portais digitais interativos e
imersivos, grande número de dados a ser disponibilizado, integração de bancos
de dados institucionais, peculiaridades dos acervos audiovisuais, hardwares e
softwares adequados ao manuseio de profissionais dos museus, prevendo sua

158
contínua atualização e expansão de memória, financiamento e problemática
dos direitos autorais dentre outras complexidades (FREITAS; VALENTE, 2017,
p. 9-10).

Museus na internet
O início da Word Wide Web (www) na década de 1990 não era propício à
interatividade ou imersão digital. Embora tenha sido um avanço, as páginas
eram estáticas e seu acesso feito via computadores fixos com internet discada.
Somente nos anos 2000, com a evolução da banda larga, a criação de novas
modalidades de plataformas (blogs e videologs), chats (MSN, Gtalk, Skype),
redes sociais (Orkut, Twitter, Instagram, Facebook) e mais tarde os tablets e
smartphones cujo acesso online requeria aplicações e novos designs para telas
touchscreen. Saia-se da web 1.0 para a web 2.0 (MATOS; DEL VECHIO, 2020,
p. 57-58).

Essas mudanças tecnológicas possibilitaram às instituições culturais, de acordo


com seu orçamento, investir em novas configurações de informação e
comunicação de seus acervos e atividades educativas online. Assim,
classificaram três tipologias museais no universo digital:

“a) o “museu folheto” ou “museu brochura”, em um site com informações da


instituição, história, características dos acervos, horário e localização. De
menor custo, foi adotada pela maioria dos museus para dar visibilidade à
instituição e atrair visitantes para o espaço físico. Não há uma conexão entre o
usuário e a narrativa expositiva do museu;

b) o “museu no mundo virtual”, mais elaborado, disponível para sites de


navegação em computadores e apps para dispositivos móveis. As informações
do acervo são detalhadas, possibilitando acessar objetos do acervo fora das
exposições, na catalogação digital da reserva técnica. Há um histórico das
exposições realizadas. O site é uma extensão do museu físico. A interação
com as peças permite ao usuário manipulá-las em rotação 360°, aceder à
boxes com textos, vídeos, reconstituições 3D etc. Não há uma integração das
ações e discurso expositivo, pois as peças são apresentadas isoladamente da
coleção e da narrativa expográfica; e

c) o “museu verdadeiramente interativo”, o site permite a imersão online do


usuário. Através de walkthroughs se percorre o circuito do museu físico ou
vivencia um itinerário digital. Essa tipologia de museu na internet pode não ter
um aporte físico, sendo apenas virtual. A interatividade pode remontar ao
processo participativo de comunicação cultural, onde o usuário intervém na
exposição online, apropriando-se dos objetos digitais (realidade aumentada),
modificando o discurso expositivo, reinventando objetos, configurando o próprio
acervo. Lugar de aprendizagem, essa modalidade museal oferta ao usuário ser
um curador em uma vivência construtivista, local e global, dinâmica,
multidisciplinar, em transformação. A rememoração individual e coletiva se
imiscui na memória digital, tornando o museu “um espaço de grandes
novidades na prática”, diferente, colaborativo e com pertencimento subjetivo, já

159
que a comunicação do conhecimento é dialógica (Maria Piacente,1996 apud
TRINDADE; RIBEIRO; MOREIRA, 2019, p. 198-201).

A Fundação de Energia e Saneamento de São Paulo: Museus de Itu,


Salesópolis e São Paulo
Em 1998, início das privatizações nas empresas de energia nacionais, o
governo estadual paulista optou por criar um órgão para preservar a memória e
o patrimônio do gás e da eletricidade no estado, resultando na Fundação
Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. Em 2004 o nome foi alterado na
perspectiva do “Saneamento”. Em sua missão institucional define-se como
uma:

“Organização sem fins lucrativos, a Fundação atua em todo o Brasil,


desenvolvendo projetos culturais e educativos que contribuem para a
democratização do acesso ao patrimônio cultural, visando o fortalecimento da
cidadania e o uso responsável dos recursos naturais” (FUNDAÇÃO ENERGIA
E SANEAMENTO, 2021).

O acervo cultural da fundação possui mais de 1.600 metros lineares de


documentos técnicos e gerenciais, 260 mil fotografias, 3.500 objetos
museológicos, 50 mil títulos na biblioteca, além de documentos cartográficos,
audiovisuais e sonoros, desde o século XIX (FUNDAÇÃO ENERGIA E
SANEAMENTO, 2021).

As três unidades museológicas da Fundação são descritas como espaços onde


o passado, o presente e o futuro da energia no Brasil e no mundo recebem
uma abordagem didática e divertida. A reunião dos três museus compõe o
Museu da Energia (FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2021).

Em um sobrado de 1847, o Museu da Energia de Itu está no centro histórico.


As salas da narrativa expositiva, que remontam há 100 anos atrás, apresentam
as mudanças no cotidiano das pessoas da energia das lamparinas que
queimavam óleo até os eletrodomésticos no século XX (FUNDAÇÃO ENERGIA
E SANEAMENTO, 2021).

O Museu da Energia de Salesópolis, em um parque da Mata Atlântica, é


vizinho da usina hidrelétrica inaugurada em 1913. O espaço oferece atividades
educativas e culturais, com visitas orientadas e trilhas, expondo conhecimentos
sobre energia e meio ambiente. A Usina de Salesópolis é operada pela
Cobbucio e Almeida Energia (FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2021).

Inaugurado em junho de 2005, o Museu da Energia de São Paulo é um espaço


para a comunidade. Equipamentos interativos e atividades com jogos e filmes
abrangem várias idades em experiências científicas, com reflexão sobre a
energia e o futuro. A história da expansão urbana e industrial da cidade de São
Paulo nos últimos 150 anos está representada. O edifício-sede do museu foi
construído entre 1890 e 1894, quando o bairro dos Campos Elíseos era mais
sofisticado e o palacete abrigou Henrique Santos Dumont, irmão do aviador

160
Alberto Santos Dumont e um dos homens mais ricos do Brasil no período
(FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2021).

O site da Fundação e Museus de Energia de São Paulo


Os dados do portal digital da Fundação de Energia e Saneamento de São
Paulo com os três museus da Energia no estado de São Paulo, enquanto
sistemas de informação, e os projetos de comunicação e mediação, permitem
observar conteúdos e funcionalidades para a classificação de museus no
universo digital (TRINDADE et al., 2019, p. 198-201).

O site da Fundação e Museus de Energia se enquadra como “museu folheto”


ou “museu brochura”, com informações resumidas da Fundação e unidades
museológicas, história, organização, funcionamento, horário, localização,
fotografias dos prédios e objetos do acervo, roteiros de visita diferenciados
(público escolar e em geral), programação, exposições anteriores, ações
educativas em casa (receitas, atividades de imprimir e colorir, vídeo em libras
(18’53) no YouTube) e jogos online.

A tecnologia da elaboração do site da Fundação e Museus da Energia usou a


extensão “ASPX”, uma estrutura de bibliotecas básicas para processar
linguagens de script ao lado do servidor de conteúdo dinâmico na Web. O
ASPX (ASP.NET) é da Microsoft. A sigla ASP, significa Active Server Pages.
Uma página ASP.NET é similar a página HTML, pode conter HTML, XML e
scripts. Os scripts são executados no Servidor. Os controles contêm um
“<form>”. A “<form>” com uma tag “runat=server” (MICROSOFT ASP.NET,
2021).

Antes da pandemia da Covid19, apesar da indisponibilidade online dos


acervos, rumava-se para uma “presença digital” nas instituições conforme cada
realidade. O planejamento indagava “por que”, “o que” digitalizar e as
estratégias para “o interesse” nos acervos. Com esses pressupostos efetuar
políticas de preservação cultural, documentadas, com boas práticas dos
profissionais em museus, redes de colaboração interinstitucionais e
transnacionais para compartilhamento de recursos (FREITAS; VALENTE,
2017, p. 16-17).

Os resultados da pesquisa do ICOM (Fig.1), em 2020, no uso da “tecnologia


digital e comunicação”, após o fechamento dos museus, informam que a
digitalização não alcançou a maioria das instituições. Houve a indisponibilidade
de acervos ao público e a falta de quantidade e qualificação tecnológica dos
profissionais de museus frente aos desafios da contemporaneidade.

161
Fonte: ICOM, 2020, p. 9.

Nos museus onde foi possível a digitalização, exposições, conferências e


atividades de divulgação, planejadas no “modo presencial”, migraram para a
internet. Também realizam atividades nas redes sociais (Facebook, Twitter,
Instagram) e associações profissionais de museus organizaram webinars.
Várias atividades museais especiais buscaram amenizar os desafios do
confinamento: jogos, atividades para colorir, questionários e outras (UNESCO,
2020, p. 5-6).

No site dos Museus de Energia de São Paulo a gameficação educativa é fruto


da união da Rede Museu da Energia e da plataforma educacional Kademi
(Atheva) na campanha “Água: Energia do Planeta Terra”, com 13 jogos e
atividades para a sala de aula. Essa interface é classificada como um “museu
folheto” ao “museu no mundo virtual”. Não há outra interação digital
participativa.

A abertura virtual esbarra nos limites do acesso aos meios digitais por milhões
de pessoas, principalmente em países emergentes, dificultando os museus
virtuais e as coleções online. A ausência de equipamentos tecnológicos e/ou
conexões nas casas inviabiliza a cultura digital. A União Internacional de
Telecomunicações informou que quase metade da população mundial não
possui Internet. Há uma lacuna de gênero nas tecnologias digitais. A OCDE
mostra que cerca de 327 milhões a menos de mulheres têm um smartphone e
acessam a Internet (UNESCO, 2020, p. 6).

No Estado de São Paulo, em 2019, 77% da população entre 10 anos ou mais


usava a internet, correspondendo a cerca de 30,5 milhões de pessoas. Nos
espaços de baixa vulnerabilidade, o número de usuários alcançou 78%, quase
20 milhões, enquanto naqueles de alta vulnerabilidade diminui para 75%,
equivalendo a pouco mais de 10 milhões. Por outro lado, quase 20% dos

162
paulistas (cerca de 7,5 milhões) declararam nunca ter acessado a internet
(SAEDE-SP/TIC, 2020, p. 1).

A “Pesquisa SISEM-SP: Museus e Conectividade 2020” revelou que 75% dos


museus são de gestão pública e apenas 25% de gestão privada. Destes 92,7%
utilizavam computadores (24,5% possuíam 1 máquina, enquanto mais de 70%
com 4 ou 5 máquinas). O acesso à internet foi reportado por 93,3% dos
museus e pouco mais da metade, 51,2%, disponibilizava Wifi aos visitantes.
Sobre Websites, 35% dos museus não possuíam. O uso das redes sociais se
concentrava em perfis no Facebook, Instagram e YouTube, com postagens de
1 a 3 vezes na semana (MIZUKAMI; ARGENTO, 2020, p. 8-11).

A pesquisa da digitalização mostrou que menos da metade das informações


(53%) dos acervos está online, estando 54% das coleções digitalizadas, mas
apenas 35% em acesso remoto (MIZUKAMI; ARGENTO, 2020, p.13).

Os Museus da Energia de São Paulo não possuem imersão digital (RA, RV,
Walkthroughs ou rotação 360°), integrando o percentual de 46% de coleções
não digitalizadas e 30% fora da internet, diferentemente de espaços como o
Centro Cultural Banco do Brasil, o Museu da Pessoa ou o Itaú Cultural. O único
viés interativo digital são os games educativos, mas sem a narrativa
expográfica.

Considerações Finais
O investimento na mediação museológica participativa de usuários dos Museus
de Energia ocorre no espaço físico em Itu, Salesópolis e São Paulo. Por outro
lado, a tecnologia estática do site das unidades museais não viabiliza o acesso
do público ao acervo e narrativa das exposições tangíveis.

O único modo de vivenciar o conteúdo museológico é fora da transformação


digital do século XXI. O planejamento institucional não reelaborou os acervos
físicos em representações sociais digitais, mantendo-se distante do público
tanto no ensino quanto na promoção cultural.

Com o acesso superior a 70% da população de São Paulo à internet, a


mediação dos Museus de Energia teria mais sucesso, principalmente na
pandemia, se digitalizasse acervos, coleções e visitação, pois, o segmento
privado possui capital econômico, compensado com redução de impostos e
devolutiva social da imagem da empresa.

Referências biográficas
Dra. Janaina Cardoso de Mello, Professora do Departamento de História e do
Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de
Sergipe (UFS).

Referências bibliográficas
CHIOVATTO, M. In Defense of Museum Education. ICOFOM Study Series,
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163
DODDS, D. “Collecting, Documenting, and Exhibiting the Histories of Digital Art:
A V&A Perspective”. In GIANNINI, T.; BOWEN, J. (eds) Museums and Digital
Culture. Springer Series on Cultural Computing, 2019, p. 217-229. Disponível
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FERREIRA, I. “Objetos mediadores em museus” in Revista Midas, 4, 2014.


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FREITAS, B. C.; VALENTE, M. G. (Orgs.) Memórias Digitais. O estado da


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165
PROCESSO DE APRENDIZAGEM E AUTONOMIA
ATRAVÉS DE METODOLOGIAS ATIVAS E USO
DAS TDICS: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA COM A
MÍDIA PODCAST
João Paulo de Oliveira Farias

Introdução
Nos últimos anos percebemos que o mundo passou por grandes
transformações em várias esferas e em todas as relações humanas. Uma das
características do século XXI é a dinamicidade das formas como adquirimos
informação e conhecimento. A propagação de informação e comunicação
incide em uma velocidade antes inimaginável. Tempo e espaço acabam sendo
vencidos pelas novas invenções tecnológicas que, a cada dia conquistam mais
adeptos, fazendo com que o mundo virtual cresça. Em nossas atividades
cotidianas, tanto profissionais quanto de entretenimento, recebemos o auxílio
das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs).

Os últimos anos, por exemplo, acabou por trazer maiores reflexões acerca do
tema, dadas as circunstâncias proporcionadas pela pandemia do novo
coronavírus (COVID-19) em vários setores sociais, incluindo a educação, que
teve sua rotina fortemente afetada. Com o processo de quarentena e
fechamento das instituições de ensino em todo o Brasil, no ano de 2020, a
dinamicidade das aulas teve que ser alterada, sendo intensamente marcada
pelo uso das tecnologias digitais e os Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVAS) para realização de suas atividades. As Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDICs) passaram a ser a principal aliada ao
ensino, que se deu em sua maior parte a distância e de forma remota durante o
decorrer daquele ano letivo e de parte significativa do ano de 2021.

As novas demandas, portanto, nos possibilitaram ainda mais reflexões


necessárias sobre a inserção das tecnologias no processo de ensino e
aprendizagem, devendo estas serem estratégias das políticas educacionais.
Vemos que o uso das TDICs de forma assertiva, através de metodologias e
didática apropriadas, possibilita transformar as práticas pedagógicas. Ferreira
(2015) nos mostra que o ato de ensinar deva ser provocador da inteligência e
do desejo de produzir do aluno, e isso se dá por meio de metodologias ativas
em que o estudante tenha condições de expor seu conhecimento. Citando
Kenski, a autora nos mostra os ganhos do uso das novas tecnologias pelos
professores:

166
“O uso criativo das tecnologias pode auxiliar os professores a transformar o
isolamento, a indiferença e a alienação com que costumeiramente os alunos
frequentam a sala de aula, em interesse e colaboração, por meio dos quais
eles aprendam a aprender, a respeitar, a serem pessoas melhores e cidadãos
participativos” (KENSKI apud FERREIRA, 2012, p. 103).

Moran, Masetto e Behrens (2013), também evidenciam que se utilizada de


forma apropriada e como mediadora do conhecimento, as metodologias que
incluam as novas tecnologias podem diminuir parte dos problemas enfrentados
na educação, tendo assim, impactos diretos em uma aprendizagem mais
eficiente, possibilitada pelo vasto campo de oportunidades, aplicáveis nas
diversas áreas da educação.

Para uma educação transformadora e de qualidade não basta apenas o


domínio das TDICs pelo professor, é preciso que ela seja utilizada dentro de
um contexto pedagógico que ressalte o desenvolvimento integral das partes
envolvidas, ou seja, estudantes, professores e a sociedade, nos seus diversos
setores e em suas dimensões intelectual, social, cultural e política (LEITE et al,
2014, p.9).

É em meio a essas demandas, desafios e possibilidades do uso e produção


advindos com as novas tecnologias, que refletimos e analisamos sobre o uso
da ferramenta podcast no processo de ensino-aprendizagem. Assim,
procuramos identificar como esses arquivos digitais de áudio que foram
possibilitados pelo avanço da Internet, os quais podem ser acessados,
baixados e produzidos por diferentes usuários a partir da web 2.0, servem
como objeto que auxilie também os professores e estudantes a se envolverem
tanto na análise, na pesquisa, quanto na produção de conteúdo a partir da sala
de aula e através das contribuições de comunicação dessa ferramenta, já que
desde o seu surgimento, por volta de 2004 (FREIRE, 2017), tem se mostrado
com características e potencialidades que ganham cada dia mais adeptos no
mundo digital.

Metodologia
O estudo proposto, foi realizado como parte de um trabalho de pesquisa junto
ao Mestrado Profissional em Ensino de Hstória (PROFHISTÓRIA) e buscou
investigar as possíveis potencialidades e fragilidades de metodologias de
ensino que envolva a inserção das TDICs no ambiente escolar, em especial
através da ferramenta podcast, que se destaca atualmente no campo das
novas linguagens de comunicação, entre estas, aqueles referentes ao das
narrativas e da aprendizagem histórica.

A pesquisa teve como lócus uma Escola Estadual de Educação Profissional do


Estado do Ceará, localizada na cidade de Guaraciaba do Norte-CE (o
município que a escola se localiza está na Mesorregião do Noroeste Cearense,
mais especificamente na Microrregião da Ibiapaba, e fica a 300 km de
Fortaleza, capital cearense), da qual faço parte do seu corpo docente e contou
com amostragens para o trabalho a partir das turmas de 2º anos em que

167
ministro a disciplina de história. Assim a proposta de trabalho se deu através de
metodologias ativas, em que o aluno é instigado a participar, com o auxílio das
TDICS no processo de pesquisa e produção de conhecimento, usando como
apoio, os recursos da ferramenta podcast.

Algumas características da mídia podcast a tornam um recurso com amplas


potencialidades, por apresentar diferentes formas de produção, de acesso, de
uso e de temas, inclusive aqueles pertencentes ao campo da informação e do
conhecimento relacionados à ciência histórica. Pode deste modo, ocupar
destaque na esfera educacional como inovação nas formas de apropriação, de
transmissão e de produção de conteúdo e uma importante ferramenta para
construção do conhecimento dentro e fora da sala de aula “visto ser uma
tecnologia que anda no bolso de um grande número de jovens” (MOURA E
CARVALHO, 2006, p.89). De tal modo, é preciso aproximar essa mídia de
comunicação e informação do espaço escolar, destacando suas formas de
atuação junto aos estudantes, bem como sobre sua divulgação também nos
espaços públicos digitais, já que essa é uma “tecnologia de significativos
potenciais e implicações educativas” (FREIRE, 2017, p.55).

Através dos seus muitos programas que incluem do mesmo modo diferentes
temas, entre estes, aqueles relacionados ao contexto histórico, os formatos de
áudios distribuídos pela internet por meio da mídia podcast, tornam-se um
recurso bastante flexível, podendo ser explorado no processo de ensino e
aprendizagem. É possível que os docentes se utilizem de estratégias e
metodologias em que esse recurso seja averiguado, desde a utilização em sala
de aula das mídias já existentes, ou mesmo de um trabalho que envolva a
produção e criação de novos programas pelo professor e em parceria com os
estudantes, dando a mídia uma intencionalidade pedagógica, como foi
abordado através da pesquisa e no decorrer do trabalho desenvolvido junto aos
estudantes.

O fato de estarmos inseridos em uma sociedade da cultura digital e do


conhecimento, abre possibilidades para reflexões interessantes no que diz
respeito aos desafios que a escola e os professores enfrentam, já que
precisamos se adequar a essa realidade. É preciso evidenciar, no entanto, que
não podemos simplesmente acreditar que os recursos tecnológicos, sejam eles
quais forem, apenas por si, irá revolucionar as formas educacionais e
substituirá os recursos humanos. Compartilhamos da ideia defendida por
Otacílio Ribeiro, de que,

“A máquina precisa do pensamento humano para se tornar uma ferramenta


auxiliar no processo de aprendizado. É necessário integrá-la às mais diferentes
atividades, pois ela pode ser entendida enquanto instrumento de expansão do
pensamento. Que sirva para envolver os estudantes em projetos práticos,
desafiadores e que estimulam o raciocínio humano. Hoje, o papel da escola é
ensinar a pensar, preparando o aluno para lidar com situações novas,
problematizando, discutindo e tomando decisões. Sobretudo, cabe à educação
resgatar o homem de sua pequenez, ampliando horizontes, buscando outras

168
opções, tornando as pessoas mais sensíveis e comunicativas. Ao pensar o
processo pedagógico mediado pela tecnologia, não se pode esquecer que a
centralidade da ação deve estar nos sujeitos, e não nas técnicas” (RIBEIRO,
2011, p.94).

As experiências mediadas pelo uso das tecnologias na educação, devem


oportunizar a reflexão no fazer pedagógico e isso só será possível, na medida
em que é fomentado um ensino em que, principalmente, o professor motive os
estudantes para um processo de desenvolvimento e participação ativa destes,
na sua aprendizagem, através de atividades desafiadoras e estimulantes em
que haja autonomia, colaboração e produtividade.

Para o desenvolvimento das mídias podcasts junto aos alunos, seguiu os


seguintes passos: com base no plano de ensino voltado para as turmas do 2º
ano, focamos no tema sobre a escravidão, seus diferentes contextos históricos,
suas múltiplas formas de resistências e os legados que essa tal exploração
econômica, cultural e política deixou, principalmente na sociedade brasileira.
Assim, criamos um tema gerador: “Conceito de escravidão em perspectiva:
contextos históricos diversos”.

A escolha da temática procurou atender o documento de referência curricular,


proposto pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc-CE),
denominado de “Matrizes de conhecimentos Básicos”. Optou-se por trabalhar
especialmente com essa temática, pois a mesma também vai ao encontro do
que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e
africana, indicada através da lei nº 10.639/2003 e ampliada pela lei n°
11.645/2008 e seus respectivos pareceres e resoluções, que dentre outros
apontam a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira na
educação básica.

Desenvolvimento
Para a operacionalização da pesquisa e do trabalho junto aos estudantes,
foram realizadas leituras das principais referências bibliográficas,
estabelecendo um diálogo com os principais autores relacionados com as
temáticas discutidas no trabalho. Com a finalidade de buscar informações
sobre onde os alunos têm contato com conteúdos históricos, quais os recursos
que estes utilizam para fazer pesquisas e aprender história no ensino básico,
buscando perceber ainda, quais são as dificuldades encontradas por eles para
o uso dessas tecnologias, e quais são as temáticas históricas que os alunos
mais gostam de estudar, bem como procurando entender como os mesmos se
sentiram ao participar deste projeto, foi realizado questionários on-line através
do serviço da plataforma Google Forms, para uma maior agilidade na coleta de
dados. Portanto, foram usados métodos voltados para pesquisa qualitativa,
com o emprego de questionário com os alunos com questões objetivas e
descritivas, de modo a analisar melhor a realidade destes, sobretudo, no que
diz respeito ao ensino e aprendizagem da história.

169
Utilizei também durante o estudo, um “diário de campo”, instrumento de registro
empregado na técnica da observação participante, em que houve uma análise
das experiências com a metodologia que se utilizou da mídia podcast,
estabelecendo critérios sobre as possibilidades e os desafios em trabalhar com
essa ferramenta e se ela proporciona vivenciar práticas no ensino e no campo
historiográfico, bem como perceber suas contribuições em grupos de
aprendizagem, suas possibilidades de interação entre alunos e alunos, e entre
alunos e professor, sendo estes entendidos por suas habilidades e
competências.

Através dessas observações, foi possível verificar as necessidades de


(re)organização das atividades para que os alunos pudessem valorizar por
meio da experimentação e da manipulação, a partir de uma reflexão sobre as
atividades propostas para atingir objetivos específicos, desde a elaboração até
o uso do podcast de forma mais significativa.

Para o desenvolvimento das mídias podcats junto aos alunos, seguiu os


seguintes passos: com base no plano de ensino voltado para as turmas do 2º
ano do Ensino Médio, focamos como já mencionado no tema sobre a
escravidão, seus diferentes contextos históricos, suas múltiplas formas de
resistências, e os legados que essa tal exploração econômica, cultural e
política deixou, principalmente, na sociedade brasileira. A ideia era elaborar
podcasts mais direcionados para serem exploradas pesquisas mais coesas,
estabelecendo assim, uma delimitação temática como sua forma de
configuração, o que é importante para esse tipo de trabalho.

Para auxiliar os alunos no processo de pesquisa e produção, foram realizadas


atividades e oficinas em que o professor apresentou a temática e a própria
mídia podcast, através de trabalhos já realizados por especialistas, os quais
foram analisados pelos estudantes com o intuito de que entendessem o
alcance e conseguissem também se perceber como protagonistas durante a
realização das atividades propostas. Foi preciso também, mostrar a
necessidade de uma melhor organização em relação à escolha de ambientes,
materiais e aplicativos que facilitassem o processo de desenvolvimento da
gravação e consequentemente na edição dos conteúdos trabalhado pelos
estudantes.

A temática e produção de podcast foram trabalhadas em grupos de estudantes,


de maneira criativa e colaborativa, através da formação e desenvolvimento dos
Grupos de Trabalhos (GTs), tendo cada membro a possibilidade de um maior
envolvimento, nas diversas atividades e etapas propostas no projeto. Os
grupos também tiveram autonomia para definir a melhor maneira de como cada
estudante podia contribuir, seja durante a organização da pesquisa, da pauta,
gravação, edição ou na divulgação dos materiais produzidos.

Nos quadros abaixo, é possível analisar parte da sequência didática, através


de algumas das etapas e orientações oferecidas aos estudantes para a

170
realização das tarefas de pesquisa e produção de materiais, durante a
pesquisa:

Fonte: elaborado pelo autor.

Assim, houve ao longo da atividade a viabilização de podcasts que


contemplaram temas históricos trabalhados nas aulas, através de grupos onde
cada aluno foi estimulado a participar e vivenciar práticas de ensino e
aprendizagem que envolvesse relacionamentos produtivos e colaborativos,
desta forma, criando senso de responsabilidade com o tema e capacidade de
interação com os colegas e com o professor, já que a produção de podcast ,é
intrinsecamente coletiva e seu desenvolvimento serve também como forma de
problematização histórica, principalmente dentro do contexto que estamos
vivenciando.

Considerações Finais
É preciso entender os estudantes como agentes históricos, os quais são
partícipes em seus diferentes contextos. Para isso ressaltamos que o professor
deve procurar ser sempre inspirador, no sentido que leve os estudantes a
desenvolverem sua autonomia, como já nos evidenciava o mestre Paulo Freire
em suas obras, dentre elas a “Pedagogia da Autonomia” (FREIRE, 1996).
Portanto, é preciso valorizar o aluno como um sujeito capaz de produzir novos

171
olhares e novos conhecimentos, potencializados por um processo educativo
emancipador.

O processo de trabalhar com os estudantes oficinas de produção de podcasts


com temas históricos, parte inicialmente da necessidade de no tempo presente
nos utilizarmos das ferramentas possibilitadas pela nova cultura tecnológica, a
cibercultura (LEVY, 1999). A tecnologia educacional acaba sendo uma
possibilidade para que nós professores também nos adequemos às novas
gerações e inclua no processo de ensino essas novas ferramentas de forma
mais assertiva, eficaz e complementar. Freire (1996) ressalta a importância de
uma educação não autoritária, em que o princípio democrático fosse valorizado
e construíssem diálogos entre educadores e educandos.

Através da pesquisa e do trabalho junto aos alunos, notamos que a mídia


podcast é relevante, de fácil acesso e uso, se mostrando ainda, como um
dispositivo socializador com um importante potencial de discutir vários temas,
cabendo dentre essas múltiplas temáticas, aquelas do contexto educacional e
histórico.

Referências Biográficas
João Paulo de Oliveira Farias, Professor de História da Rede Estadual
Cearense de Ensino, Mestre em Ensino de História pelo Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História da Universidade Regional do Cariri/CE
(PROFHISTORIA-URCA).

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digital: aspectos e possibilidades pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte:
Autêntica/Ceale, 2011. (Coleção Linguagem e Educação).

173
O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DO CINEMA
Juliana Avila Pereira e Thalis Figueiredo Sartorio

Compreendendo que é fundamental reinventar nossas práticas enquanto


sujeitos partícipes no processo de construção de uma educação no sentido
emancipador e transformador, intenta-se a partir de reflexões sobre o Ensino
de História articulado a indústria cultural e a área do cinema, possibilidades de
anúncios na esfera educativa. Enquanto educadores e pesquisadores,
consideramos os espaços educativos na relação de saberes construídos e
tramados a partir das experiências e vivências dos sujeitos que compõem os
processos de ensino-aprendizagem.

Neste horizonte, considera-se pertinente refletir e (re)avaliar a postura docente,


sobretudo neste texto, no campo do Ensino de História, na busca por
fundamentos capaz de auxiliar uma proposta de cunho educativo pautado num
projeto de educação que conduza a um sentido mais crítico e problematizador.

Por sua vez, a contemporaneidade é marcada pelo rápido avanço tecnológico


que a cada dia impacta mais e mais a nossa sociedade. Juntamente a este
avanço, emergem com grande força os múltiplos temas sociais e lutas
históricas que estão presentes em todos os ambientes, tornando-se temáticas
provocantes a serem abordadas em sala de aula. Neste começo do século XXI
pensar o Ensino em História em conjunto com as temáticas sociais tornou-se
uma tarefa desafiadora para os educadores, pois, conforme Isabel Barca: “[...]
é tarefa complexa, e como sempre, polemica. É complexa porque não basta
passar a crianças e jovens o conteúdo que seus pais aprenderam, na escola e
fora dela, como pensamento único de um determinado grupo influente”
(BARCA, 2007, p.05).

Deste modo, é necessário hoje que o Ensino de História se reconstrua


incorporando em sua estrutura estas novas perspectivas de forma a abandonar
o eixo tradicional que se consolidou a História. Nas palavras da professora e
historiadora Carla Pinsky (2009) “a velha História de fatos e nomes já foi
substituída pela História social e Cultural” (p. 09). A autora acentua a
importância de promover debates reflexivos de novos temas e ferramentas em
sala de aula, assim, tornando a aula de História mais enriquecedora tanto para
o educador quanto para o educando. Para isto, Pinsky (2009) nos apresenta
como exemplo para novos objetos de pesquisa as biografias, os estudos de
gênero, direitos humanos, cultura, alimentação, corpo, história regional, meio
ambiente e ciência e tecnologia. Neta perspectiva, articular todos estes temas
ao Ensino de História significa ampliar os horizontes frente ao mundo social, na

174
medida em que permite aos alunos refletir sobre os conhecimentos construídos
no âmbito escolar em seu cotidiano.

Romper com a história tradicional e trazer para o contexto de sala de aula


ferramentas e temas emergentes no tempo presente é de caráter primordial e
suma importância no processo de formação dos educandos. Neste sentido,
Luiz Carlos Bento (2013) defende a concepção de uma prática de ensino que
utilize novos temas, para que os estudantes entendam e reflitam seu cotidiano,
o ambiente em que vivem e a si mesmos enquanto agentes históricos, pois:

“é na sala de aula que é constituído uma linguagem conceitual, forjada na


obtenção de conceitos e categorias históricas, que os alunos levam para o
convívio social, produzindo um aprendizado que torna-se fundamental em seus
cotidianos, constituindo-se numa das vias principais para a sua formação como
cidadãos. Portanto nesse contexto observamos que a escola, e em especial, o
profissional de História, exercem funções formativas importantíssimas para o
desenvolvimento de uma consciência histórica capaz de fazer com que os
indivíduos sejam capazes de se entender temporalmente e de pensar a
construção histórica de suas vidas de uma forma mais qualificada e
abrangente” (BENTO, 2013, p.07).

Viver em uma sociedade que processa turbilhões de informações por segundo


e, ao mesmo tempo, estudar uma área que se volta a um passado longínquo
parece antagônico, entretanto, não é. Muitas vezes os termos “História” e
“passado” são colocados como sinônimos, mas estudar História está para além
de apenas enxergar o passado como acontecimentos isolados de nomes e
datas que resultaram em dias comemorativos e feriados. Estudar História é um
processo de voltar ao passado a partir de questionamentos da vida pratica
cotidiana, por isso deve-se problematizar a realidade na qual educandos e
educadores estão inseridos para entender as raízes desse hoje que todos
estamos imersos. Nesta perspectiva, é papel social do professor de História
fomentar condições para que os educandos se coloquem dentro da História, e
busquem na mesma refletir sobre a realidade atual, assim assumindo um
compromisso sobre este passado.

Neste prisma, a partir dos novos temas propostos por Pinsky (2009), é possível
tencionar uma reflexão de novos sentidos para o ensino de História, através de
novos temas para serem abordados e explorados no contexto de sala de aula,
tendo em vista que “a sala de aula não é apenas um espaço onde transmite
informações, mas onde uma relação de interlocutores constrói sentidos”
(BITTENCOURT, 2004, p.57). Unir as diversas metodologias pertencentes ao
campo da História com o âmbito da sala de aula permite a travessia dos
saberes de educando a pesquisador, diminuindo as fronteiras entre o oficio do
historiador com os estudantes, os aproximando da pesquisa e abrindo um
leque de perspectivas de estudo sob a História, por meio de fontes históricas
variadas, visando grupos culturais exclusos e aos novos agentes históricos que
emergem. Neste caminho, Caimi (2015) defende a concepção de:
“potencializar nas crianças e adolescentes um sentido de identidade e

175
contribuir para o conhecimento e a compreensão de outros países e culturas do
mundo atual” (CAIMI, 2015, p.108 apud PRATS, 2006;2007). Construir o
conhecimento mutuo em sala de aula, por novos caminhos para o ensino de
história permite o desenvolvimento a identidade histórica e social, por meio da
identificação com o passado pelo presente, deste modo, Circe Bittencourt
(2004) afirma em seu livro O Saber Histórico em Sala de Aula que: “Ensinar
História passa a ser, então, dar condições para que o aluno possa participar do
processo do fazer, do construir a História” (p.57).

Nesta perspectiva, o consumo de filmes, séries, novelas e até a prática de ir ao


cinema tornou-se parte integrante da nossa vida social na atualidade. Estes
produtos são de grande apreço, principalmente quando falamos das gerações
mais novas que seu nível de imersão nestas obras é grande devido à alta
popularidade. Os filmes proporcionam para os espectadores adentrarem em
outras “realidades” que são representadas nas produções, eles plasmam
emoções, sentimentos, encantam e despertam grandes interesses.

Vale destacar que a compreensão do cinema enquanto fonte histórica só foi


possível pela abertura do campo historiográfico promovida pela Escola dos
Annales em 1929, que compreendem qualquer produto humano como um
vestígio do passado e fonte para os historiadores. Foi a partir da década de
1970 que o cinema passou a ser popularmente explorado como fonte histórica
pelos historiadores, porém, é somente na década de 1990 que esta área
ganhou maior destaque, na medida em que os pesquisadores começaram a
analisar as obras cinematográficas concatenando com a sua relação em seu
meio social.

Na mesma linha, Alexandre Valim (2012) salienta a importância significativa do


papel social desempenhada pelo cinema na construção de seu meio, ou seja,
as produções cinematográficas são responsáveis por tornar crível para seus
espectadores imersões em realidades representadas nas telas, assim, o
cinema proporciona experiencia de identificação com as ideologias e anseios
apresentados nos filmes, levando o público a encontrar semelhanças entre si
(mesmo que não haja) e o que é representado pelos personagens, permitindo
até, em certos casos, plasmar sentimentos de querer estar naquele universo
ficcional nos espectadores.

Compreendendo as produções cinematográficas e outros meios de


comunicação de massa enquanto produtos culturais de imenso impacto na
sociedade contemporânea, o cinema em especial destacou-se enquanto
agente social, revolucionando a arte, desde seu modo de produção e até o
formato de disseminação do conteúdo (KORNIS, 1992, p.237). O cinema e, em
decorrência, as produções fílmicas são responsáveis por proporcionar ao
espectador sentimentos e reflexões, elas são “uma realidade autônoma, cujo
valor está na fórmula que obteve para plasmar elementos não-literários:
impressões, paixões, idéias, fatos, acontecimentos, que são a matéria-prima do
ato criador (CANDIDO, 2000, p.33).

176
Dito isso, estas tecnologias cinematográficas não demoraram a chegar à sala
de aula, tornando-se mecanismos eficientes para auxiliar os professores. O
cinema é uma ferramenta que, se usado de forma crítica, reflexiva e construtiva
pelo professor, pode ser explorado de múltiplas formas para auxiliar no
percurso pedagógico. Além de ser um instrumento que permite usar do lúdico
de forma explicativa, ele também serve de base para fomentar discussões
acerca de variados temas históricos, como questionar o que é representado? o
que não é representado? qual a intenção do filme? quais personagens e
processos históricos são representados pela obra? como eles são
representados? Entre outras inúmeras questões discutíveis que podem ser
dimensionadas com os alunos.

Porém, deve-se ressaltar que o professor/professora de História deve ter


grande cautela em utilizar tais meios, principalmente no que confere a
representação histórica, pois, os filmes são visões de seus produtores
baseadas em pontos de vistas, ideologias, recortes, inclusão e exclusão de
elementos, em suma, transmite uma determinada perspectiva, não sendo uma
verdade única, o que deve ser deixado bem claro para os educandos. Sobre
este aspecto, Luiz Neto (2016) destaca que:

“Cabe ao professor de história fazer o papel de mediador entre o aluno e o


filme, demonstrando como esse é também um produto histórico, cujas
‘verdades’ devem ser relativizadas já que são construções imagéticas e
representam a realidade social de sua criação” (NETO, 2016, p.135)

Na mesma linha, Rosane Oliveira e Maria João (2019) no artigo O cinema no


ensino de história e a influência da indústria cultural cinematográfica discorrem
sobre alguns cuidados necessários no que tange aos cuidados que o educador
deve ter ao trabalhar com filmes em sala de aula, principalmente se tratando de
anacronismos e outras armadilhas. Nas palavras das autoras:

“Ao analisar um filme, em primeiro lugar, convém esclarecer que o autor


(diretor) trabalhou com um recorte da realidade, observou-a sob determinado
ângulo e fez escolhas. Em seguida, pode-se refletir sobre as formas de
narrativa, levando os alunos a observar as diferenças entre obras ficcionais e
documentários (por exemplo, as imagens, os diálogos, as legendas, as falas
em off etc.). Todos esses recursos revelam opções na maneira de contar uma
história” (OLIVEIRA; JOÃO, 2019, p.3).

Embora o cinema seja uma excelente ferramenta para ilustração e


compreensão através do seu formato audiovisual, deve-se atentar a estes
pontos. Ao se utilizar de tais ferramentas, elas devem ser apresentadas como
uma força motriz para discussões, para as críticas, para debates e
questionamentos, jamais como um “retrato” fidedigno do passado
(NAPOLITANO, 2010). Deste modo:

“O professor deve lembrar os alunos que o filme, a telenovela, o documentário,


o telejornal etc., são construtos sociais e, portanto, frutos de determinado

177
tempo e espaço. É preciso conhecer os detalhes e a circunstâncias em que
foram produzidos e de que forma as condições foram influenciadas pela
conjuntura que se vivia no período de produção da fonte” (OLIVEIRA; JOÃO,
2019, p.13).

Ainda que a prática educativa que vise tencionar filmes em aula demande uma
série de cuidados por parte do professor, ela é muito rica em sua proposta
tanto para o professor quanto para os alunos. Através dos filmes
(compreendendo-os como uma forma de representação e não retrato fidedigno
do passado) o Ensino de História torna-se mais lúdico, bem como aproxima os
alunos de um passado longínquo e, por vezes, difícil de se compreender,
através das tecnologias cinematográficas, possibilitando debates, críticas,
comparações com base no conteúdo estudado, além de servir como motriz a
criatividade e imaginação. A integração do cinema em sala de aula resulta em
uma importante interação entre o campo escolar e o dia a dia, para Lucia Prado
(2010):

“A educação pela arte cinematográfica é um dos grandes desafios dos


educadores porque mesmo sendo um meio de comunicação e expressão,
propicia uma melhor visão de mundo, colaborando na formação de jovens
conscientes, críticos e reflexivos, aproximando-o de sua comunidade” (PRADO,
2010, p.2).

Com a certeza da pertinente aproximação entre o Ensino de História e os


benefícios do Cinema como prática educacional, consideramos que a
educação, enquanto ação emancipatória, é o meio pelo qual podemos fomentar
criticidade através de diferentes meios. Deste modo, compreendemos que
viabilizar o cinema como mecanismo de ensino na escola é um importante
aspecto que propicia múltiplas possibilidades na prática educativa, tendo em
vista todos os elementos positivos que vem junto a este, como a incorporação
de meios tecnológicos que cercam o nosso cotidiano em sala de aula, de forma
a transformar as aulas de História.

Referências biográficas
Juliana Avila Pereira, mestranda no PPG História da Universidade Federal de
Pelotas – UFPel.

Thalis Figueiredo Sartorio, estudante de História Licenciatura da Universidade


Federal do Rio Grande – FURG.

Referências bibliográficas
BARCA, Isabel. A educação histórica numa sociedade aberta. Currículo sem
Fronteiras, Universidade do Minho, Portugal. v.7, n.1, p. 5 - 9, Jan/Jun. 2007.

BENTO, Luiz Carlos. O saber histórico e o ensino de história: uma reflexão


sobre as possibilidades do ensino escolar da História. FATO & VERSÕES
REVISTA DE HISTÓRIA. Campo Grande, MS. v. 5. n. 10, p.1 - 12. 2013.

178
BITTENCOURT, Circe Maria F. (org.). O saber histórico na sala de aula. 9.ed –
São Paulo: Contexto, 2004.

CAIMI, Flávia Eloisa. O que precisa saber um professor de história?. História &
Ensino. Londrina, PR. v. 21, n. 2, p. 105 - 124, jul./dez. 2015.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6


ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda. 2000.

KORNIS, Mônica Almeida. História e Cinema: um debate metodológico.


Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, pp. 237-250.

NAPOLITANO, Marco. Como usar o cinema na sala de aula. 4. ed. São Paulo:
Editora Contexto, 2010.

NETO, Luiz Araújo Ramos. Cinema e História: o uso de filmes no Ensino de


História. In: XVII Encontro Estadual de História – ANPUH-PB, v.17. n.1., 2016,
Paraíba. Anais eletrônicos [...] Paraíba: 2016. P. 135-144. Disponível em:
http://www.ufpb.br/evento/index.php/xviieeh/xviieeh/paper/viewFile/3238/2748.
Acessado em: 23 junho de 2022.

OLIVEIRA, Rosane Machado de. JOÃO, Maria Thereza David. O cinema no


ensino de história e a influência da indústria cultural cinematográfica. Revista
Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 07, Vol. 06, pp.
132-151. Julho de 2019. Disponível em:
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/cinema-no-ensino.

PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos temas nas aulas de história. – São
Paulo: Contexto, 2009.

PRADO, Lúcia Fernanda da Silva. Cinema como proposta educativa. In: V


EPEAL Pesquisa em Educação: Desenvolvimento, Ética e Responsabilidade
Social, 5., 2010, Alagoas. Anais eletrônicos [...] Alagoas: 2010. P. 1-9.
Disponível em: https://www.sociologialemos.pro.br/wp-
content/uploads/2019/03/CINEMA-COMO-PROPOSTA-EDUCATIVA.pdf.
Acessado em: 23 junho de 2022.

VALIM, Alexandre Busko. História e Cinema. in: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS,
Ronaldo (org.). Novos domínios da história. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

179
ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DE PODCASTS
Luara Alencar Francisco

Introdução
A priori, vivenciamos um momento da História em que as tecnologias e seus
desdobramentos impactam diariamente e diretamente nossa vida. Nesse
contexto, diferentes esferas da sociedade recebem influências da era digital,
seja o lazer, trabalho, política ou comunicação. Em vista disso, a educação, por
ser um elemento importante da coletividade, sofre impactos das mudanças e
imposições tecnológicas vigentes. Dessa maneira, as relações no ambiente
escolar são transformadas, adentrando novos itens na prática pedagógica,
como computadores com internet, datashow, televisão, smartphones e tablets,
como também, a escola passa a não ter mais domínio total no processo de
aprendizagem, uma vez que os discentes podem construir conhecimentos com
a variedade de materiais online. Segundo Selva Fonseca:

“A formação do aluno/cidadão se inicia e se processa ao longo de toda a sua


vida nos diversos espaços de vivência. Logo, todas as linguagens, todos os
veículos e materiais, frutos de múltiplas experiências culturais, contribuem com
a produção/difusão de saberes históricos, responsáveis pela formação do
pensamento” (FONSECA, 2003, p.164).

Assim, a formação da compreensão histórica permeia diferentes campos para


além da sala de aula e do livro didático. O professor conta com distintos
recursos e linguagens para gerar conhecimento crítico sobre o passado nos
alunos, por exemplo, as videoaulas, cinema, séries, músicas, sites de museus,
Google Maps, jogos e podcasts.

Nessa perspectiva, Serge Noiret aborda que as problemáticas da História


permeiam ainda o campo das tecnologias, e, dessa maneira, o historiador não
está restrito às questões do campo historiográfico, mas também, do eixo digital.
Por conseguinte, o ensinamento da História sofre impactos com essas
mudanças, e de acordo com o autor, “O ensino da história, passa agora em
parte ou no todo, pela tela do computador. Essas práticas se aninham no
interior da rede.” (NOIRET, 2015, p: 32-33). Logo, os professores ao instruir a
disciplina precisam estar cientes do contexto atual e da importância da
tecnologia na vida e na formação de saberes dos estudantes.

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) estabeleceu na Competência 5


que as TDIC (Tecnologias Digitais da Informação e Informação) devem ser
utilizadas de modo crítico e consciente na aprendizagem “para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas

180
e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (BNCC, 2018. p.
9). Dessa maneira, a BNCC impõe uma relevância de se pensar a docência
com as mudanças tecnológicas e suas novidades.

Entretanto, o uso das TDIC não substitui o papel do professor, ao contrário,


elas atuam de modo a ajudá-lo, sendo um complemento da aula, auxiliando na
construção de conhecimento. Não obstante, devido à liberdade de publicações
na internet, muitos conteúdos não possuem base científica ou reproduzem fake
news e, diante desse cenário, o educador detém um compromisso de filtrar os
materiais e guiar o estudante diante da infinidade de produções. Conforme
afirma o historiador Carlo Ginzburg

“O Google é, ao mesmo tempo, um poderoso instrumento de pesquisa histórica


e um poderoso instrumento de cancelamento da história. Porque, no presente
eletrônico, o passado se dissolve. Essa contradição já está modificando o
mundo em que vivemos e em que as gerações futuras viverão. Os conceitos de
presente e futuro se tornam mais frágeis. E de passado também. Ao menos, o
passado como os historiadores o viam.” (GINZBURG, 2010).

Nesse sentido, entende-se como a internet e como o Google, são instrumentos


poderosos para a pesquisa e aprendizagem histórica, porém, também são
instrumentos de cancelamento da História. Assim, é compreendido o destaque
do docente em ajudar os discentes a entender e reconhecer as potencialidades
e incapacidades das TDIC para formar o saber histórico.

Dito isto, esse artigo propõe discutir o uso de podcasts no ensino de História,
indicando as vantagens e desafios para colocá-los em prática. Para isso,
pautou-se nas pesquisas e análises feitas pela Iniciação Científica
Metodologias Ativas e Tecnologias no Ensino de História, da Universidade
Federal da Paraíba, que em 2020 e 2021 realizou levantamentos sobre o uso
de recursos tecnológicos, sobretudo podcasts, com professores e alunos de
escolas da rede pública e privada de João Pessoa, Paraíba.

Podcasts para o ensino de História


Entre as ferramentas tecnológicas que podem auxiliar a transmissão da
História encontra-se o podcast. Conforme Primo (2005), “o podcast é um
processo que emerge a partir da publicação de arquivos de áudio na internet”,
ou seja, o recurso faz parte da nova geração de internet denominada Web 2.0.
O termo corresponde à junção de duas palavras em inglês, sendo “pod” que
provém da palavra Ipod e “casting” que tem origem em “broadcasting”,
expressão que significa transmissão pública e intensa de elementos.

A presença de podcasts no Brasil remete a 2004 com o podcast Digital Minds,


produzido por Danilo Medeiros, no qual ficou conhecido como o primeiro
podcast do Brasil. Atualmente, a internet conta com um extenso catálogo de
programas e assuntos discutidos neles, como Ciências Humanas, Notícias,
Cultura Pop, Humor, Literatura, Ciências da Natureza, Artes e entre outros.
Nesse sentido, já é encontrado variados programas que discutem sobre

181
História e Historiografia com base científica e compromissada. A título de
exemplo, temos os podcasts: História em Meia Hora; História FM; Estudos
Medievais; Senta que lá vem História; PodHistória, PETcast História e HH
Magazine: Humanidades em Rede.
.
Dito isso, aliado ao acervo de programas sobre o conteúdo histórico,
encontram-se as vantagens de seu uso em sala de aula. A princípio, os
podcasts são encontrados nas maiores plataformas da internet, como Spotify,
Youtube e/ou Deezer, apesar destas conterem opções para pagantes, os
episódios podem ser escutados gratuitamente. Assim, verifica-se o fácil acesso
para utilizar a ferramenta, uma vez que basta ter um aparelho com internet
para escutá-lo, por outro lado, os podcasts também podem ser acessados por
arquivo de áudio, não necessariamente dependendo da rede, dessa maneira o
professor pode encaminhar o documento diretamente para os alunos. Em
síntese, é uma tecnologia de fácil manuseio e que se populariza cada vez mais,
podendo ser acessada via arquivo ou streaming.

Outro ponto interessante sobre o podcast é a abrangência de espaços e


tempos que o recurso possui para ser utilizado. Dessa forma, o estudante pode
escutar o áudio em diversos locais e em qualquer momento que quiser,
portanto, ao executar determinadas ações, também pode ocorrer o processo de
aprendizagem e fixação de um assunto histórico por meio desta metodologia.
Não obstante, o professor pode pedir para que os alunos gravem podcasts
sobre o conteúdo trabalhado em sala de aula, fomentando nos estudantes o
entendimento histórico e a ação de explicar e dialogar a respeito da temática. A
vista disso, entende-se que a ferramenta é capaz de ser utilizada de diversas
maneiras, cabendo aos docentes elaborarem, junto com os alunos, o melhor
jeito de se beneficiarem.

O uso de Podcasts no ensino de História em João Pessoa - Paraíba


Com vistas no uso de podcast como ferramenta didática para o ensino de
História, o Projeto Metodologias Ativas e Tecnologias no Ensino de História
buscou traçar análises, críticas e mapear os usos de tecnologias nas escolas
da capital paraibana, de modo a entender as tendências e desafios que
permeiam o uso de diferentes ferramentas didáticas na prática escolar. Para
tal, contou com a participação de 41 alunos e 6 professores, ambos de redes
de ensino públicas e privadas. A iniciação científica trabalhou com dois tipos de
levantamentos, sendo, um mapeamento básico e geral sobre o uso de
diferentes ferramentas tecnológicas, dentre elas o podcast, e outro, após o
contato com a ferramenta podcast, que abordasse o antes e depois do acesso
ao recurso.

A primeira investigação examinou características abrangentes, no sentido de


criar territórios para entender como o podcasting adentra na prática
pedagógica. De início, é válido salientar que 100% dos estudantes afirmaram
utilizar recursos tecnológicos para estudar em casa, nesse sentido, chama a
atenção para o fato de que esses instrumentos já estão bem difundidos entre
os jovens alunos, ou seja, independentemente de ações dos professores, os

182
discentes já utilizam desses aparatos para aprender. Em concordância, 78%
dos educandos declararam procurar conteúdos por conta própria na internet
com o intuito de estudar.

Por outro lado, ao serem questionados sobre o uso de podcasts, os resultados


foram baixíssimos, revelando que este ainda é pouco difundido como
ferramenta educativa. De exemplo, é notado o contraste entre a utilização das
gravações de áudio com as videoaulas, correspondendo a 2,4% e a 80,5%,
respectivamente. Assim, é visível que os estudantes estão utilizando
metodologias tecnológicas na aprendizagem, porém, há um predomínio do
recurso em vídeo e pouca adesão dos podcasts. Contudo, a temática histórica,
em específico, apresenta maior aderência dos instrumentos de áudio para o
conhecimento, contabilizando 12% dos entrevistados.

Ao se tratar dos professores, também foi evidenciado um menor


aproveitamento e utilização do podcasting na prática pedagógica. Ao serem
questionados sobre os recursos utilizados em sala de aula, tanto tecnológico
ou não, as respostas totalizaram 100% para o livro didático, 83,3% para sites
da internet e videoaulas e apenas 16,7% para podcasts. Por conseguinte,
verificou-se a predominância de outros recursos e a timidez das gravações de
áudio como ferramenta auxiliar na função docente. Todavia, os profissionais da
educação não devem ser unicamente responsáveis por esse quadro, em vista
do que, para a aplicação de metodologias tecnológicas, é imprescindível uma
estrutura adequada e uma formação que ensine a utilizar essas ferramentas na
aula.

Esse aspecto é evidenciado quando questionado sobre as maiores dificuldades


enfrentadas para pôr em prática esses métodos de ensino, e a pesquisa
constatou 100% dos educadores indicando para a falta de oficinas ou cursos
de formação sobre o uso de tecnologias em sala de aula, e 83% indicando a
falta de equipamentos fornecidos pela escola (como computador, projetor, rede
de internet) e insuficiência de tempo para analisar e preparar exposições
didáticas com aplicação de novas tecnologias e isso se dá, também, pela falta
de recursos financeiros para aquisição de equipamentos adequados e a
excessiva carga de trabalho.

A segunda etapa da execução do projeto tratou de identificar as reações dos


alunos após o uso de podcasts. Diante disso, os integrantes do projeto
conversaram com os professores participantes da ação para verificar os
assuntos trabalhados nas aulas de História e em seguida, escolheram um
episódio de podcasts para ser repassado aos alunos; nesse processo foi
necessário o levantamento de algumas gravações, até a aprovação do recurso
pelo docente.

Na fase seguinte, os podcasts foram propostos com a intenção de ser um


complemento da aula, no qual atuaria para fixação do conteúdo abordado pelo
professor em sala Deste modo, os alunos do 3° ano do ensino médio ficaram
com o episódio Getúlio Vargas - História em Meia Hora - e os alunos do 9° ano

183
do ensino fundamental escutaram o Cangaço - História em Meia Hora. Ambas
as gravações foram do programa História em Meia Hora, do historiador Vítor
Soares.

A escolha do programa levou em conta didática, tempo, bibliografia e o


possível interesse na turma com a gravação. Após a aplicação da ferramenta
como atividade didática complementar, um questionário avaliativo foi aplicado
junto aos alunos, com o intuito de identificar a relação de identificação e
aceitação do método de aprendizagem. Sobre os resultados, estes foram
favoráveis ao uso desse recurso na prática pedagógica, sendo evidenciado
com os dados obtidos. Em termos comparativos, antes da experiência, os
alunos foram questionados se aprendiam com os recursos digitais e 46,3%
afirmaram serem indiferentes e apenas 24,4% responderam “sim”. Contudo,
após a atividade, e ao serem questionados se o podcast ajudou a compreender
melhor o assunto das aulas, 100% alegaram positivamente, e 97,7%
declararam ser importante a utilização dessas ferramentas pelos professores.

Para explicitar com mais satisfação, foi requerido que os alunos escrevessem
em pequenas palavras o que eles achavam da experiência. De resposta,
obtivemos relatos como: “mais atrativa, porque eu acho que essa forma de
atividade consegue atrair mais alunos”; “Algo incrível porque envolve algo q
agente [sic] gosta parece mais fácil o assunto”; “Nas aulas de história não é
muito comum jogos e podcasts, mas sempre que a professora traz para a aula
é uma experiência muito boa!”; “Acho bem mais interativos e acaba nos
fazendo entender e compreender melhor o assunto”. Para além dos relatos dos
alunos, através desse levantamento identificamos o potencial educativo dos
podcasts e a carência e o desejo do uso de recursos tecnológicos na prática
pedagógica. Assim, conseguimos perceber que as TDIC no ensino são
consideradas importantes e atrativas pelos alunos e que a baixa adesão ao
processo podcasting em aula não provém da falta de potencial deste e sim do
desconhecimento da ferramenta e dos problemas estruturais.

Conclusão
As transformações sociais ocorridas pela tecnologia afetam diretamente a
esfera educacional, na medida em que impactam o cotidiano dos professores e
alunos e por meio dos recursos que são criados, nos quais podem auxiliar no
processo de aprendizagem. Tendo em vista esses aspectos, o docente conta
com diversos materiais de apoio, sejam vídeos, podcasts, filmes/séries, games,
Google Maps ou museus digitais; contudo, essas novas tecnologias não devem
ser definidas como substitutas do papel do educador, mas sim como
ferramentas, amparando a transmissão do conteúdo.

Assim, entre as TDIC encontra-se o podcast, gravação de áudio que se


popularizou nos últimos anos, sendo encontrada gratuitamente em diversos
streamings. Entretanto, independentemente das vantagens da ferramenta,
possuindo em destaque a liberdade de tempo e espaço, ela ainda possui sua
utilização de maneira tímida. Porém, a partir da experiência desenvolvida pelo

184
Projeto, vimos que o uso de podcast pode ser uma ferramenta auxiliar na
produção do conhecimento e do aprendizado.

De modo geral, apesar da diversidade disponível, o uso de tecnologias da


informação na prática pedagógica ainda é uma pauta recente, tendo poucos
estudos e ações realizadas sobre a temática. Tais aspectos se relacionam com
a falta de estrutura, amparo, instrução e conhecimento vivenciados por
professores e alunos, indicando que a popularização das TDIC na prática
pedagógica ainda precisa superar determinadas problemáticas de acesso e
conhecimento.

Referências biográficas
Luara Alencar Francisco, estudante de História da Universidade Federal da
Paraíba.

Referências bibliográficas
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 2018.

FONSECA, Selva. Didática e prática de ensino de história: experiências,


reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, 2013.

GINZBURG, Carlo. História na era Google, 2010. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=wSSHNqAbd7E

NOIRET, Serge. “História pública digital” in LIINC EM REVISTA, v. 11, n. 1,


maio, 2015, p. 28- 51.

185
HISTÓRIA NO SITE, SITE COMO HISTÓRIA:
ANÁLISES DO SIMPOHIS.BLOGSPOT.COM NO
MAXQDA
Luiz Gustavo Martins da Silva
No Encontro da ANPUH-RJ (2019), José D’Assunção Barros (2019, p. 1) define
fontes históricas como “tudo aquilo que, por ter sido produzido pelos seres
humanos ou por trazer vestígios de suas ações e interferência, pode nos
proporcionar um acesso significativo à compreensão do passado humano e de
seus desdobramentos no Presente”.

Sem as fontes e sua problematização não seria possível produzir


conhecimento histórico científico, pois “no fluir das fontes, a História encontra a
própria história” (BARROS, 2019, p. 9). A tipologia das fontes tradicionais –
“documentos textuais” – compreende memórias, crônicas, processos criminais,
jornais, cartas legislativas, obras de literatura e correspondências públicas e
privadas.

Além dos “documentos textuais” citados acima, Barros (2019, p. 15) entende
que “quando um site expõe virtualmente um texto, estamos diante da fonte
virtual, mas também da fonte textual”. Trata-se de um trânsito entre o virtual e o
impresso, e vice-versa, o qual se dá por um processo tecnológico: o
escaneamento.

A partir desse entendimento, defendemos que um site quando


convertido/importado em dados bibliográficos pode servir como fonte histórica.
Um site é, antes, um elemento da cultura digital e da cultura da convergência,
que, num sentido amplo, refere-se à “situação em que múltiplos sistemas de
mídias coexistem e em que o conteúdo passa por eles fluidamente” (JENKINS,
2015, p. 302).

Segundo Barros (2019, p. 3), os registros virtuais enquanto objetos de estudos


e abordados como fontes históricas, “devem ser vistos como possuidores da
mesma qualidade de fontes que os tradicionais documentos registrados no
suporte papel”.

Este texto aborda o SIMPOHIS como fonte virtual primária e investiga como os
trabalhos submetidas às edições do site tematizam a inserção das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação nas práticas pedagógicas de Ensino de
História. As análises feitas pelo MAXQDA indicam que o uso das TDIC se
associa majoritariamente ao nível da substituição da metodologia SAMR.

186
Por essa razão, defendemos a formação de um novo profissional de forma que
tais práticas possam se equilibrar para o nível da redefinição desse método, ou
seja, a passagem mais avançada da apropriação das TDIC no fazer docente e
na aprendizagem histórica.

A história do SIMPOHIS, o site-blogger como fonte


O SIMPOHIS, Simpósio Eletrônico Internacional em Ensino de História, é um
evento que começou a ser promovido na web em 2015. Criado por docentes de
Universidades Federais de Norte a Sul e a Sudeste do Brasil, o site
colaborativo, interativo e formador, volta-se para o Ensino e a Aprendizagem
Histórica. A maioria deles são membros do Laboratório de Aprendizagem
História, surgido em 2013 e integrado ao Departamento de Educação e
Pedagogia da UNESPAR (SIMPOHIS, 2022).

Há ainda três colaboradores: Leitorado Antiguo (UPE), Grupo Atrium (UFMS) e


Projeto Orientalismo (UERJ); e dois “Simpósios amigos”: Simpósio Eletrônico
de História e Educação CEDERJ/UAB Cantagalo e Seminário Eletrônico
Sexualidades e Gêneros em Perspectiva Histórica. Esse coletivo diverso e com
interesses em comum traz a visibilidade do evento a nível nacional e
internacional, “tendo marcado a presença de mais de mil participantes na
última edição” (SIMPOHIS, 2022).

Outras informações sobre a história do SIMPOHIS devem ser abordadas à luz


da história da Internet e da cultura da convergência, as quais podem ser
acessadas na aba “Quem somos”. Nela, está contida a memória virtual e digital
das edições anuais, e por isso podemos afirmar que no site se recupera
vestígios das ações humanas para a apreensão de seu passado e
desdobramentos no presente, especificamente de estudos históricos.

Analisar a estrutura do site se torna relevante, pois é a partir dela que os


usuários têm acesso aos textos e conteúdos digitais que podem lhes servir
como fontes. É nesse ambiente virtual que docentes podem atualizar suas
práticas pedagógicas ao ter conhecimento das discussões ali presentes. Cabe
destacar que o uso de fontes virtuais é um desafio contemporâneo para os
historiadores devido à vários fatores, em alguns casos, à natureza efêmera
dessa tipologia.

O SIMPOHIS esboça o ‘retrato da cibercultura’ em si. Segundo Pierre Lévy


(1999, p. 17), o termo indica o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais),
de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. Nesse sentido,
faz-se necessário compreender a emergência do SIMPOHIS.BLOGSPOT.COM
dentro dos quadros da Web 2.0 e da ampla gama de recursos e informações
do sistema global da rede de computadores, a Internet.

No quesito presença, uma das características marcantes do site é a sua


capacidade mobilizadora de interação dos participantes/usuários, na categoria
de ouvintes leitores, como se confirma nos comentários e nos e-books das sete

187
edições realizadas. Usando as tecnologias digitais, a comunicação interativa no
SIMPOHIS “acompanha e amplifica uma profunda mutação na relação com o
saber” (LÉVY, 1999, p. 172).

Defendemos que a “inteligência humana coletiva” (LÉVY, 1999) existente no


site aponta para uma comunidade virtual capaz de alavancar o conhecimento,
especializando seus usuários. A discussão em grande escala apresenta-se nas
edições, com geralmente seis mesas temáticas, que são passíveis de análises
qualitativa e quantitativa através de download, onde as informações são
convertidas em dados bibliográficos.

A partir desses apontamentos, podemos considerar que o site-blogger


SIMPOHIS é uma fonte histórica virtual na medida em que se torna suscetível
de análise pelo historiador. A sua conversão em fonte textual é um caminho,
mas não o único. Em vez de importar para o computador, tablet, celular,
notebook, etc, usando um software, o profissional pode proceder com a análise
no próprio ambiente virtual.

Segundo Barros (2019, p. 8) “para se fazer História adequadamente e dentro


do que se espera de uma historiografia científica, o que se precisa é assegurar
uma espécie de entrelaçamento” entre um problema e as fontes. O Problema-
Fonte, aqui, é o da acessibilidade digital. A fonte virtual abordada fornece
alternativas textuais através de imagens, contraste de cor, hiperlinks, frases
curtas, palavras simples, etc, permitindo que pessoas com deficiência e
experiência de navegação prejudicada possam navegar, interagir e contribuir.
Entretanto, há seções que carecem de aprimoramentos, como se pode ver na
imagem abaixo.

Imagem 1 – Avaliação de Acessibilidade


Fonte: https://asesweb.governoeletronico.gov.br/avaliar

188
A imagem 1 evidencia que o SIMPOHIS possui um percentual de
acessibilidade acima da média (73.64%), com exceção do avaliador de sintaxe
(palavras). As seções multimídia e formulários não apresentaram erros e
avisos, porém não se verifica no site mídias como audiodescrição e programas
de comando de voz para cegos. De todo modo, é possível afirmar que o site
cumpre uma função social, tecnológica e científica na formação e orientação
para o exercício da aprendizagem histórica.

Análise do SIMPOHIS no MAXQDA


A proposta da análise é investigar como os trabalhos submetidos às sete
edições do site tematizam a inserção das TDIC nas práticas pedagógicas de
Ensino de História. A atenção foi atribuída a outros objetos de estudos, entre
eles: HQs, filmes e séries, imagens, músicas, jogos eletrônicos.

A análise foi realizada no MAXQDA. Esse é um software proprietário e


“acadêmico para análise de dados qualitativos e métodos mistos de pesquisa e
está disponível para sistemas operacionais Windows e Mac. O MAXQDA
poderá auxiliá-lo na análise de todos os tipos de dados não estruturados, tais
como análise de conteúdo, entrevistas, discursos, grupos focais, arquivos de
áudio/vídeo/imagem, dados do Twitter entre muitas outras possibilidades”
(MAXQDA, 2022).

Os seguintes conceitos Substituição, Aumento, Modificação, Redefinição


(SAMR) foram aplicados no software como códigos. Esses são os mesmos
termos da metodologia criada por Ruben Puentedura em 2008.

A imagem 2 mostra as 4 interfaces do programa, onde lê-se os documentos


(retângulo preto), a lista de códigos e codificações (círculo vermelho e setas
verdes e marrom). Contudo, ela não é suficiente porque somente possibilita ver
as 9 fontes em PDF, a lista de códigos e seus totais, o total de 272 codificações
e os totais por cada documento. Na interface “Lista de codificação”, por
exemplo, vê-se o título dos trabalhos e em qual código eles foram atribuídos.

189
Imagem 2 – Interfaces MAXDA com documentos e códigos ativados
Fonte: MAXQDA, arquivo pessoal

SAMR é um método da escada de duas passagens, assim como uma


perspectiva de pesquisa, em que, na prática, a observação, análise e ação são
essenciais para o uso da tecnologia no ensino, inclusive de História. O SAMR
liga-se à questão de diferentes tipos de práticas pedagógicas associadas às
TDIC no ensino.

Imagem 3 – Metodologia SAMR


Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ZQTx2UQQvbU

Conforme a imagem 3, a metodologia consiste em duas grandes passagens,


subdivididas em quatro níveis. A primeira, é a do
aperfeiçoamento/enhancement, que compreende os níveis Substituição
(substitution) e Aumento (augmentation). Já a segunda etapa é a da

190
transformação/transformation, que envolve os níveis Modificação (modification)
e Redefinição (redefinition).

A substituição vincula-se à mudança de suporte, sem que com isso as práticas


pedagógicas sejam fundamentalmente alteradas. É o momento de proximidade
com as ferramentas digitais. Nesse nível, o uso de recursos como Kahoot,
Google Forms, QR Code, Google Sites, Padlet são sugestões para mudanças
do modo como os alunos interagem e acessam o material digital e o
conhecimento. Isso leva à passagem da substituição para o aumento, ou seja,
a recorrência das TDIC, mesmo que não se trata só da ferramenta em si.

Cabe aqui a seguinte situação hipotética para explicar os outros níveis do


método SAMR. Suponha que esteja ensinando o tema dos refugiados e
migrações. Nesse caso, proponha para os alunos a criação de mapas digitais
afim de demonstrar os fluxos de refugiados no Brasil, as cidades que os
abrigam e a sua inserção no mercado de trabalho. A partir disso, começa-se a
visualizar algo. Também os recomende a fazerem isso em duas camadas
diferentes de modo a perceberem as correlações entre o fluxo e a quantidade
de exilados e as cidades.

Em vez de propor para os estudantes a criação de mapas no sentido


tradicional, destaque que quer que eles os produzam para desenvolver uma
compreensão da história. Mas aqui a orientação é outra: diga, então, para
criarem mapas digitais de forma que eles possam interagir uns com os outros
em sites compartilhados. Nesse estágio, cada aluno ou grupo de alunos estará
mais interessado em certos aspectos da história. Por exemplo, alguns vão se
concentrar nos afluxos, outros no mercado, outros poderão se interessar mais
nas cidades com a intenção de identificar a presença de refugiados no seu
bairro, na sua cidade.

Essa prática pedagógica significa colocar os estudantes em diálogo com maior


profundidade e imersão, em que se usa os mapas digitais, “como porta de
entrada para uma prática social de exploração”. Trata-se de orientá-los no
sentido de se entenderem como historiadores, e “usem os mapas para
conversar uns com os outros, integrar as descobertas uns dos outros, construir
a prática que é mediada pelo uso social das ferramentas em um ambiente de
rede” (PUENTEDURA, 2017).

Nesse caso, tem-se uma mudança substancial ao alterar aquilo que os alunos
fariam individual para uma ação coletiva, em que, na prática, eles agem como
“mentores” uns dos outros envolvendo-se com a descoberta e exploração de
novas áreas. Segundo Puentedura, nesse ponto encontra-se a inserção da
TDIC nos níveis da modificação para a redefinição. Em outras palavras, em vez
do docente só levar para a sala de aula um vídeo do YouTube, uma HQ, a sua
proposta aos estudantes para produzirem uma playlist colaborativa no Spotify
adquire outra dimensão pedagógica.

191
De que forma os alunos podem entender como os historiadores pensam em um
nível mais profundo, com as ferramentas digitais? Como podem pesquisar
dados experimentais e fazer alguma análise real com base no que eles
entenderam? A redefinição é o nível mais avançado do método SAMR, visto
que a prática pedagógica tem como parâmetro a apropriação das TDIC com o
objetivo de romper com as concepções de tempo e espaço. Sobre isso,
Puentedura explica que:

“Umas das coisas que vejo na sala de aula que são muito bem sucedidas na
incorporação de ferramentas nos níveis de Modificação para Redefinição, é
que vejo alunos se encarregando de sua educação. São aulas em que os
alunos não fiquem apenas esperando que algo aconteça. São as salas de aula
onde os alunos estão dizendo – oh espere. Estamos fazendo isso, mas
também quero fazer outra coisa. E eu posso ver uma maneira de fazer isso!”
(PUENTEDURA, 2017).

Com objetivo, então, de investigar como os trabalhos do SIMPOHIS abordam


as TDIC no ensino, uma das análises realizadas foi a da comparação
quantitativa de grupos de documentos. Na imagem 4, vê-se uma tabela de
referência cruzada que apresenta os totais percentuais codificados. Por
exemplo, o código SUBSTITUIÇÃO teve 193 codificações/trabalhos, quer dizer,
a maioria dos trabalhos se situa nesse nível. Isso corresponde a 642.2% / 9 =
71,0%.

Ao passo que o nível mais alto da integração das TDIC no ensino, o código
REDEFINIÇÃO, apresenta um percentual muito baixo: 3,7%. São 10 trabalhos
que apontam de forma direta para essa perspectiva. Eles foram identificados a
partir da mesa temática “Mídias, Tecnologias e Fontes” promovida em abril de
2017. Logo, nesse ano os objetos de estudos desses trabalhos ligaram-se mais
ao nível da redefinição da metodologia de Puentedura.

Imagem 4 – Análise de comparação quantitativa de grupos de


documentos
Fonte: MAXQDA, arquivo pessoal

Não significa dizer que determinado trabalho não se adequa a outro conceito.
Por isso, é importante a análise da combinação simples de códigos, isto é,

192
como os objetos de estudos dos trabalhos combinam entre si. Na imagem 5, o
programa aponta 4 combinações de um total de 16 possíveis. Todas as
categorias (substituição + aumento + modificação + redefinição) combinam-se
em 55,6%, o que representa 5 frequências de combinações. Outras
combinações são: substituição + modificação (22,2%); substituição + aumento
(11,1%); substituição + aumento + modificação (11,1%).

Imagem 5 – Análise da combinação simples de códigos

Há que se destacar dois trabalhos que apontam a passagem da modificação


para a redefinição. O primeiro é “Luz, câmera e ação: o aluno como sujeito
operante no processo de ensino aprendizagem, produção de documentário”
(SIMPOHIS, 2017). Nele, percebemos que a prática pedagógica tem como
parâmetro as TDIC, ressaltando como os alunos podem produzir individual e
coletivamente e em articulação como novas áreas do conhecimento.

Por fim, o segundo trabalho “O Museu em sala de aula: relatos de experiências


com museus virtuais” (SIMPOHIS, 2017), apresenta a apropriação das TDIC no
ensino bem como enfatiza o rompimento com as concepções de tempo e
espaço, levando a uma metodologia imersiva.

Unlocked error: cultura digital e TDIC


Apropriar-se de softwares exige desbloquear erros, quer dizer, não deixar que
o programa execute por si só as análises da investigação. Ao examinar os
dados no MAXQDA, observamos que o tema da cultura digital não foi abordado
diretamente desde a emergência do SIMPOHIS em 2015. Os objetos de
estudos apresentados no site, afinal, são todos elementos da cultura digital e
da cultura da convergência.

Por que esse tema não foi abordado nas edições do evento? Como o termo
tem sido alvo de procura na Internet? Pelo Google Trends, tem-se um aumento
(tímido) de interesse de pesquisa e popularidade da cultura digital nos últimos 5
cinco anos no Brasil. O gráfico da imagem 6 mostra o interesse relativo ao
ponto mais alto no país entre julho de 2017 e julho de 2022. O valor de 100 é o
pico de popularidade do conceito cultura digital. A pontuação de 50 significa
que o termo teve metade da popularidade.

193
Imagem 6 – Interesse da cultura digital no Brasil (2017-2022)

Fonte: https://trends.google.com.br/trends/explore?date=today%205-
y&geo=BR&q=Cultura%20Digital

Os picos de interesse pelo tema são: 25 - 31 de março de 2018 (69); 17 - 23 de


maio de 2020 (75); 12 a 18 de setembro de 2021 (79); 20 a 26 março de 2022
(100), destacando-se Mato Grosso do Sul (100); Amazonas (91); Tocantins
(87); Pará (75); Ceará (74). Isso talvez indica que o tema, mesmo presente em
trabalhos acadêmicos (FANTIN; RIVOLTELLA, 2012), ainda requer ser mais
apresentado e debatido, inclusive dentro das abordagens historiográficas sobre
as TDIC.

Para Vani M. Kenski (2018), a cultura digital é emergente, temporal e atual.


Também é preferencialmente virtual, e transita em camadas distintas nesse
espaço, com práticas, valores, saberes, temporalidades. Uma de suas
características essenciais é a ruptura, pois a cultura digital migra entre
fronteiras, é internacional, rompendo com os conceitos de tempo linear, espaço
e território. Ora, aqui se situa o SIMPOHIS.BLOGSPOT.COM!

“integra perspectivas diversas vinculadas à incorporação, inovações e avanços


nos conhecimentos proporcionados pelo uso das tecnologias digitais e as
conexões em rede para a realização de novos tipos de interação, comunicação,
compartilhamento e ação na sociedade” (KENSKI, 2018, p. 1).

A professora explica acima sobre as várias abordagens da cultura digital. Ela


pode ser potencializada pelo Ensino de História, uma vez que é viabilizada pela
interatividade, intermedialidade, portabilidade e personalização das TDIC, que,
apropriadas de forma crítica, consciente e ética aproximam o aprendizado de

194
competências e habilidades conectadas aos desafios do mundo real, e centram
nos estudantes a construção do conhecimento, do protagonismo e da autoria.

Entretanto, Coelho, Silva e Silva (2022) analisam Projetos Pedagógicos de


Curso (PPCs) de Licenciatura em História do estado de Minas Gerais e
ressaltam o desencontro entre a formação docente e os espaços de
aprendizado. A amostragem indica que o processo formativo desses docentes
não tem acompanhado as inovações proporcionadas pelas TDIC. Os autores
corroboram com Kenski ao entenderem que (Coelho; Silva; Silva, p. 53), “há a
necessidade de formar um novo profissional docente que esteja presente e
preparado para dimensionar, programar e orientar a produção de ações
educativas a partir da apropriação das TDIC no fazer docente”.

Portanto, defendemos que a abordagem do SIMPOHIS como fonte virtual


primária contribui para a historicidade e história do site e o assunto acerca do
uso das fontes digitais no ofício do historiador. As análises feitas pelo MAXQDA
revelam que, apesar de poucos trabalhos apontarem a apropriação da TDIC no
nível da redefinição do método SAMR, é necessário se concentrar na formação
inicial e continuada de docentes alinhados aos novos espaços de aprendizado
de modo a inovar em suas práticas pedagógicas e na aprendizagem histórica,
pois, afinal, os estudantes estão cotidianamente imersos na cultura digital.

Referências biográficas
Ms. Luiz Gustavo Martins da Silva, historiador, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto, e
professor pesquisador no projeto CNPq Mídias, Tecnologias e História
(MITECHIS) da Universidade Federal do Tocantins.

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Acesso em: 09 jul. 2022.

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Parcerias, ANPUH RJ, 2019. Disponível em:
https://www.historiaeparcerias2019.rj.anpuh.org/. Acesso em: 25 jun. 2022.

FANTIN, Mônica; RIVOLTELLA, Pier Cesare. Cultura digital e escola: Pesquisa


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Paulo: Aleph, 2015.

KENSKI, Vani M. Verbete Cultura Digital. In: MILL, Daniel (org.). Dicionário
Crítico de Educação e Tecnologias e de educação a distância. Campinas:
Editora Papirus, 2018.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

195
MAXQDA. Disponível em: https://www.maxqda.com/brasil/software-analise-
qualitativa. Acesso em: 09 jul. 2022.

PUENTEDURA, Ruben R. How to Apply the SAMR Model. Disponível em:


https://youtu.be/ZQTx2UQQvbU. Acesso em: 08 jul. 2022.

PUENTEDURA, Ruben R. SAMR, the EdTech Quintet, and Shared Practices:


An Introduction. Hippasus, 2018.

COELHO, George; SILVA, Luiz Gustavo da; SILVA, Thálita da. Tecnologias
digitais, formação e ensino: uma análise dos PPCS de licenciatura em história
no Estado de Minas Gerais. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica (Recife.
Online), vol. 40, Jan-Jun, 2022. DOI: https://doi.org/10.22264/clio.issn2525-
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SIMPOHIS – Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História (2015-


2021). Disponível em: https://simpohis2022.blogspot.com/?m=0. Acesso em: 25
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https://trends.google.com.br/trends/explore?date=today%205-
y&geo=BR&q=Cultura%20Digital. Acesso em: 12 jul. 2022.

196
O USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TIC’S) PARA O ENSINO DA
HISTÓRIA: PERCEPÇÕES CRÍTICAS SOBRE O
USO DA CINEMATOGRAFIA E DA GAMIFICAÇÃO
NA DINÂMICA ESCOLAR
Maria Carleene Rufino Maciel

Introdução
O aluno contemporâneo não é o mesmo de décadas passadas. Trata-se de um
sujeito com relações fortemente mediadas por tecnologias digitais em rede.
Não por acaso, é denominado estudante multitarefas ou conectado. A
educação, nesse diapasão, precisa se atualizar e adequar aos novos cenários
e essa dinamização é imprescindível ao ensino da história.

Nesse contexto, o uso das TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação)


no ambiente escolar é de fundamental importância para que a educação se
adeque aos anseios da emergente Sociedade do Conhecimento.

Essas tecnologias fazem parte do cotidiano das pessoas, envolvendo recursos


que permitem a transmissão, registro e a organização de informações.
Produtos tecnológicos como telefones celulares, lousa digital interativa,
computadores, Internet, projetor multimídia, tablets, televisão fazem parte do
universo das TIC’s. Com o uso dessas tecnologias, o espaço e o tempo
deixaram de ser obstáculos à circulação da informação e da comunicação, e
assim cada vez mais encurtam a distância entre as pessoas e poupam o tempo
dos usuários (TARACHUK, 2015)

A disciplina de História é complexa e exige que os alunos “desconstruam” os


conhecimentos e que se confrontem com diferentes perspectivas face a um
mesmo acontecimento e a partir daí construam os seus próprios
conhecimentos. Muitas vezes, os alunos não conseguem compreender aquilo
que lhes é apresentado pois não conseguem perspectivar a informação da
mesma maneira que fazem quando jogam, vêem ou lêem conteúdos históricos.

Levando em consideração esse paradigma da atualidade, uma das principais


funções da TIC, no contexto escolar, é justamente criar um panorama de
adaptação da escola às mudanças e desenvolver uma maior abertura à
sociedade da informática (TARACHUK, 2015).

197
Estas novas gerações de estudantes tendem a revelar-se muitas vezes
altamente capazes de atuar com as tecnologias, revelando hábitos de vivência
digital muito superiores (amplos, diversificados e regulares) do que os seus
professores. Essa literacia informática tem de chegar também à sala de aula e
contribuir para o ensino desta disciplina tantas vezes apelidada de “difícil”,
“complicada” e “sem relação com o presente” (TRINDADE, 2011, p.1726).

Segundo Letícia Schneider Ferreira (2006) as produções cinematográficas de


caráter histórico são importantes veículos propagadores de representações do
passado, dirigidas a um grande público. Por se ater a diversos gêneros, como
aventura, drama e guerra, torna-se uma ferramenta de ensino excelente capaz
de dinamizar o ensino, pois revela diversos elementos constituintes de uma
determinada sociedade, culturais e econômicos.

Outrossim, a constante evolução tecnológica impõe novos desafios e avanços


para a educação, de forma que a gamificação também consiste em uma
possibilidade para conquistar os estudantes. Como aborda Martins et al.(2016,
p.306), “a tecnologia de ponta tem resultado em games com alto poder de
engajamento, capazes de prender a atenção dos estudantes e fazê-los
aprender de forma lúdica e natural”.

Nesse sentido, importante é debater, até que ponto o uso do cinema e dos
jogos podem ser importantes aliados do professor de história para dinamizar a
transmissão de conteúdo, de maneira a criar uma conexão entre a realidade do
aluno e da temática?

A fim de tentar responder a esse questionamento, bem como observar


criticamente a validade da utilização desses mecanismos no contexto
educacional para o ensino da história medieval, fez-se necessário o presente
estudo.

O uso das Tic’s para o ensino de história


As Tecnologias da Informação e Comunicação representam importante papel
no cenário da educação como ferramenta para auxiliar no processo de ensino
aprendizagem. Com as rápidas mudanças na sociedade, as formas de ensinar
também sofrem mudanças, tanto os professores como os alunos percebem que
muitas aulas tradicionais já estão ultrapassadas (TARACHUK, 2015).

Os adolescentes têm uma curiosidade insaciável de quem está desvendando o


mundo. Sabe-se que essas curiosidades são naturais da faixa etária em que os
jovens se encontram e que estão relacionadas à criatividade dos mesmos.

Nos tempos atuais, muitos pesquisadores buscam compreender melhor as


implicações do uso das mídias no processo de ensino e aprendizagem tendo
em vista as características das novas gerações de alunos, questionando a
forma como usam intensamente a tecnologia, como aprendem com ela as
estratégias que poderiam ser utilizadas para aperfeiçoar este processo
(TARACHUK, 2015).

198
Segundo Trindade (2011), novas tecnologias potencializam a consciência
crítica, permitindo aos alunos fazer uma ponte entre o passado e o presente. A
utilização do jogo garante, a partir da resolução de problemas, a construção
emocional do jogador, sendo uma forma de motivação à aprendizagem
(BUSARELLO,FADEL, ULBRICHT, 2014). Nesse sentido, o termo gamificação
aborda muito mais que a utilização de jogos em sala de aula, trata-se, pois, de
“um processo de melhoria de serviços, objetos ou ambientes com base em
experiências de elementos de jogos e comportamento dos indivíduos”
(BUSARELLO, FADEL, ULBRICHT, 2014, p. 15)

Estes recursos e ferramentas contribuirão, por conseguinte, para uma


aprendizagem mais inovadora. No entanto, para trabalhar com estes recursos é
necessário ao professor despender algum tempo, apostar na própria formação
profissional e procurar perceber o potencial destes recursos, adequando-os às
diferentes realidades educativas em que toma lugar a atividade docente
(DUARTE, 2013).

É preciso estar ciente que um filme ou qualquer outro recurso didático não
resolve os problemas no processo de ensino/aprendizagem por si só, mas
pode ser um material que se bem organizado e trabalhado pelo professor, pode
contribuir para bons resultados.

Alguns profissionais não trabalham com filmes ou qualquer recurso didático em


sala de aula, por estarem envolvidos ainda com um processo de
ensino/aprendizagem tradicional que tem como método principal à
memorização e com isso acaba se limitando a utilizar o livro como única forma
para compreensão dos processos históricos (LIMA, 2015), e assim, por muitas
vezes deixando a História como uma disciplina que trata apenas de questões
do passado.

O uso da cinematografia para o ensino de história


Lima (2015) traz alguns questionamentos sobre o porquê ainda não se
observar plenamente difundido o uso do cinema nas salas de aula de história.
O autor faz questionamentos importantes e que precisam ser desbravados,
como: por que o cinema ainda é tão pouco difundido nas salas de aula como
recurso didático? Como usar um filme e orientar os alunos sobre o modo
adequado de assistir e analisá-lo? Que filme escolher? Como encontrá-lo?

“Ensinar História é ir muito além dos fatos, das datas comemorativas ou até
mesmo do uso de questionário. O uso de uma personagem da história ou de
um tema ligado a ela não quer dizer que aquelas imagens sejam um retrato fiel
da verdade. Logo, o uso do cinema só é válido quando inteirado com a leitura e
contextualizado com a sociedade atual e o conhecimento da historiografia
corrente, propiciando o entendimento das entrelinhas, ou seja, decifrando o que
está implícito no filme” (NASCIMENTO, 2008, p.96).

Lima (2015) traz uma reflexão sobre a importância da utilização de filmes de


ficção e história pelo professor em sala de aula, por acreditar que estes

199
auxiliam no processo de ensino/aprendizagem, pelo fato de ser uma mídia que
está presente no cotidiano dos alunos, e com isso, através dos cuidados
metodológicos em sua utilização, possa fomentar discussões a partir dos
conteúdos trabalhados e vivenciados pelos educandos, de forma que o
processo informativo possua uma velocidade muito maior através das mídias
disponíveis.

De acordo com Prestes (2004, p.100) “as imagens que o cinema produz,
portanto, podem ser utilizadas como recursos a um dado estudo sobre
questões históricas, desde que possa fomentar discussões, a partir do ponto de
vista histórico e social”.

“Introduzir as imagens cinematográficas como material didático no ensino da


História não é novidade. Jonathas Serrano, […] procurava desde 1912
incentivar seus colegas a recorrerem a filmes. Segundo esse educador os
professores teriam condições, pelos filmes, de abandonar o tradicional método
de memorização, mediante o qual os alunos se limitavam a decorar páginas de
insuportável sequência de eventos [...] por intermédio desse recurso visual, os
alunos poderiam aprender pelos olhos e não enfadonhamente só pelos
ouvidos, ou massudas, monótonas e indigestas preleções” (BITTENCOURT,
2004, p.101).

O historiador ou professor de História analisando o cinema deverá passar por


um processo de reeducação do olhar, onde esta nova forma de ver possibilita
ler as imagens não como uma forma de ilustração, e nem tão pouco como
reconstrução ou ressurreição do passado, mas sim como uma forma de
representação social, ou seja, buscando compreender que as imagens
produzidas não são o real em si, mas sim uma construção do real elaborado de
acordo com as relações ideológicas de quem produz tais imagens, onde o
processo de representação social através do cinema envolve uma série de
elementos como a percepção, identificação, reconhecimento, classificação,
legitimação e exclusão (LIMA, 2015).

Nesse contexto, os profissionais da educação têm à disposição um recurso


metodológico diferenciado, de forma que a cinematografia como metodologia
ativa de ensino/aprendizagem, promove novas oportunidades de aprendizagem
e fomenta o interesse dos educandos pela disciplina História. No entanto, o
professor também deverá entender que o filme não é réplica do passado, mas
sim, uma interpretação do mesmo, em que se realiza um recorte de acordo
com a ótica de quem realizou a produção. Assim, a produção cinematográfica
deve ser utilizada com ressalvas, como meio de construção do pensamento
crítico e não como uma verdade absoluta.

A gamificação como metodologia ativa para o ensino de história


O termo gamificação é derivado da expressão inglesa gamification e ganhou
visibilidade na mídia nos últimos anos (MARTINS et al., 2016). Mastrocola
(2013) esclarece que o termo não é tão recente como se imagina. O conceito
gamification surgiu em 2003 e foi usado pela primeira vez por uma empresa

200
inglesa chamada Conundra para explicar a mistura de entretenimento com
experiência de compra, alcançando, a partir daí, a significação da
aprendizagem por meio de jogos.

A gamificação surge no cenário educacional brasileiro como uma ferramenta


capaz de combater a falta de interesse e a dispersão dos alunos em sala de
aula. A tecnologia de ponta tem resultado em games com alto poder de
engajamento, capazes de prender a atenção dos estudantes e fazê-los
aprender de forma lúdica e natural, devendo essa ferramenta ser incorporada
por escolas e professores dentro de um processo de adaptação das
tecnologias para a nova realidade dos alunos que é cada vez mais digital e
conectada, trazendo para esses personagens os mecanismos e as estratégias
pertencentes aos jogos, sejam aplicados mediante as resoluções
problemáticas, visando motivar os estudantes nas suas práticas de
aprendizagem (ARANHA, 2004).

Busarello, Ulbricht e Fadel (2014) concordam que a gamificação pode e deve


ser empregada em situações e atividades em que se é preciso instigar o
engajamento do indivíduo, afirmam ainda que a que na aprendizagem, a
gamificação favorece tanto para a motivação como para o desenvolvimento
cognitivo. Sua aplicação no ensino, inova com um habitante educacional único
com o benefício de prender a atenção do aluno e consequentemente a
absorção maior do conteúdo.

A gamificação propõe ao contexto de ensino aprendizagem estimular a


motivação e o interesse do aluno, o que proporciona uma maior qualidade
educacional, pois a partir disto, os alunos podem dedicar-se intensamente a
uma atividade a qual lhe desperta interesse e consequentemente um provável
envolvimento/engajamento, o que lhe proporcionará maiores chances de
sucesso quanto aos objetivos traçados (MARTINS et al., 2016).

“O conhecimento histórico não se limita a apresentar o fato no tempo e no


espaço acompanhado de uma série de documentos que comprovam sua
existência. É preciso ligar o fato a temas e sujeitos que o produziram para
buscar uma explicação. E para explicar e interpretar os fatos é preciso uma
análise, que deve obedecer a determinados princípios. Nesse procedimento,
são utilizados conceitos e noções que organizam os fatos, tornando-os
inteligíveis. Assim, o conhecimento histórico passa pela mediação de
conceitos” (BITTENCOURT, 2004, p.28).

A gamificação cria potencialidades no ambiente educacional, especialmente


depois do período pandêmico, que exigiu uma adequação rápida ao meio
digital e trouxe consigo a desmotivação dos alunos e professores, bem como, a
defasagem da construção cognitiva.

Uma das maiores dificuldades do docente de História está na ação de passar


os conteúdos determinados, pela existência da noção do tempo e espaço
trazendo uma necessidade de ligar o fato a temas na busca de explicações dos

201
assuntos narrados, sendo preciso realizações de análises obedecendo
regimentos.

E para melhorar essa dificuldade, os professores podem usar a gamificação


criando cenários, missões e desafios para os alunos cumprirem. A narrativa
dos games deve ser direcionada ao conteúdo que será ensinado, substituindo
as aulas e criando um espaço de imersão no conhecimento (MARTINS et al.,
2016).

No entanto, o uso dessa metodologia não é ilimitada, Deve se tomar cuidado


para se realizar um bom uso das tecnologias em sala de aula, cuidando para
não exagerar, para não fazer da aula um show de recursos midiáticos. Melhor
usar uma tecnologia de cada vez e usar inclusive tecnologias antigas como o
retroprojetor, juntamente ao videogame, a internet, e os jogos de tabuleiros
(SEFFNER, 2018).

Considerações finais
Trabalhar o conteúdo de História apropriando-se de recursos cinematográficos
e diferentes modalidades de jogos, como fomentador de questionamentos e o
pensamento crítico, leva para os alunos ao desenvolvimento de uma história
viva, de maneira a promover uma construção social significativa, estudando o
passado buscando compreender e estruturar o presente.

Entretanto, a utilização de filmes e jogos deve ser realizada com cautela. Um


filme ou um jogo não reproduz uma realidade, mas transmite uma veracidade
com base nas circunstâncias apresentadas, exigindo do professor um olhar
amplo e analítico do docente, com especificidade no que tange as imagens que
nas suas magnitudes não são reais, nem tão pouco uma réplica do passado.

O uso dos filmes e jogos devem ser incentivados não como substitutos de
aulas ou do livro didático, assim como este não deve ser substituto de qualquer
outro recurso didático, mas sim entendido como instrumento pedagógico eficaz,
onde através do cinema e da gamificação o professor-historiador pode mostrar
aos alunos a ideia de uma história como um processo vivo que é construído no
dia a dia de seus sujeitos sociais. Igualmente, devem ser analisados como uma
fonte de revitalização do ensino e da aprendizagem da História, diante de um
ensino tradicional, marcado pela utilização massante e exclusiva do livro
didático, bem como a transmissão unilateral do conhecimento, focada
unicamente no passado.

Referências biográficas
Maria Carleene Rufino Maciel é mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da
Universidade de Pernambuco/campus Petrolina e integrante do Spatio Serti –
Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina).
Atualmente está produzindo a dissertação intitulada provisoriamente “O ensino
de história medieval em duas escolas públicas de Petrolina-PE: percepções

202
críticas sobre a representação da mulher no medievo” no PPGFPPI sob a
orientação do Prof. Dr. Luciano José Vianna.

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ARANHA, Gláucio. O processo de Consolidação dos Jogos Eletrônicos Como
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MUNDIAL (1939-1945): PROPAGANDAS
NAZISTAS, QUADRINHOS E MEMÓRIAS DE
SOBREVIVENTES DO HOLOCAUSTO”
Matheus Ongaro Rodrigues Souza e Marisa Noda

Durante a pandemia do COVID-19, o ambiente escolar exigiu a migração para


o modelo remoto e híbrido. Desta maneira, professores e alunos tiveram de
adequar a rotina e o cronograma ao uso de novas tecnologias e plataformas;
para o professor e para a continuidade do ensino, a necessidade de se
atualizar, adequar e utilizar novos meios e metodologias foi de extrema
importância. Diante de dificuldades na estrutura das instituições de ensino
básico, o educador precisou se reinventar para que o novo ambiente escolar
não implicasse na depreciação e apagamento do professor, do ensino
presencial e dos avanços conquistados sobre os métodos do ensino tradicional.

Em meio ao ambiente de adaptação e reinvenção, surge a proposta que dá


título ao texto. Durante o ano de 2021 e 2022, alunos do curso de História da
Universidade Estadual do Norte do Paraná (Campus Jacarezinho/CCHE)
participaram do Programa Residência Pedagógica (RP). A participação no RP
oportunizou colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso
com uma proposta de formação que priorizou leituras e análises bibliográficas
direcionadas ao Ensino de História, utilização de fontes históricas em sala de
aula e orientação para o uso e adequação das ferramentas virtuais na prática
docente. Diante do contexto de formação e estágios remotos, priorizamos
relatar uma experiência de regência remota realizada no 3º ano do Ensino
Médio, que ganha destaque ao ser proposta e realizada de maneira remota e
síncrona; para a aplicação da regência foram utilizadas plataformas virtuais,
bibliografia e fontes históricas diferenciadas, como o uso e análise de uma HQ
e de propagandas nazistas na sala de aula remota virtual.

A regência teve como temática a Segunda Guerra Mundial, dando ênfase ao


holocausto e às memórias e relatos das vítimas do período por meio de
Histórias em Quadrinhos. A escolha da temática foi pensada a partir dos
objetivos dos residentes em utilizar plataformas virtuais, fontes orais e
iconográficas no modelo de ensino remoto, sem deixar de lado a participação
do aluno, buscando o distanciamento de recursos e leituras tradicionais que
podem ser considerados padrões dos currículos escolares. Seguindo plano
docente da professora preceptora da turma na disciplina de História, propomos
esclarecer dúvidas e falsas concepções sobre o nazismo e o holocausto, como

205
a recente ideia de que ambos não existiram; objetivamos construir
conhecimentos sobre o contexto focando os antecedentes políticos, sociais e
econômicos do conflito de 1939, também o antissemitismo e a escala do
nazismo e a perseguição aos judeus antes e durante o holocausto.

Com a proposta de trabalhar, na segunda parte da regência, com fontes orais e


quadrinhos de sobreviventes do holocausto, tivemos como objetivo promover a
compreensão da proporção de danos a diversos grupos considerados inimigos
pelo governo nazista, e trazer para a sala de aula uma fonte diferenciada de
narrativa de um sobrevivente do holocausto, que auxilia a compreensão acerca
do ocorrido e introduz os alunos à memória e oralidade como fonte histórica. A
seguir, serão relatadas atividades desenvolvidas em conjunto com a regência,
como planos de aula, observações da turma e atividades de conhecimentos
prévios e pós-aula, essenciais para o desenvolvimento e análise dos resultados
da proposta.

Para elaborar a proposta de aula, realizamos diversas leituras ligadas à


temática e também ao uso das ferramentas e o ensino remoto; leituras e
conhecimentos que foram orientados durante o desenvolvimento do programa,
textos que direcionam as fontes históricas e metodologias escolhidas pelos
residentes (fontes orais e iconográficas). Portanto, o referencial teórico vai além
da temática em si, ligando-se também às novas metodologias e ferramentas
que o professor teve que se utilizar para realizar as aulas no modelo remoto, ou
híbrido (posteriormente). Em relação ao tema específico da primeira parte da
aula, Segunda Guerra e o Governo Nazista, trabalhamos com o livro de
Laurence Rees, intitulado “Holocausto: Uma Nova História” (2018), em que o
autor trabalha as causas da perseguição aos judeus e o holocausto através de
uma extensa pesquisa e relatos de fontes orais de sobreviventes. Utilizando de
alguns capítulos da obra, os residentes puderam construir uma proposta que
incorporasse à temática a maneira com que o antissemitismo cresceu e se
tornou parte dos ideais do governo de Adolf Hitler, os resultados da
propaganda e perseguição nazista e como se sucedeu e veio ao fim o
holocausto. Também realizamos a leitura complementar de trechos dos livros
“A Segunda Guerra Mundial”, de Martin Gilbert (2014), e “O Que Resta de
Auschwitz”, de Giorgio Agamben (2008).

Para a segunda parte da aula trabalhamos o Holocausto especificamente,


trazendo características da propaganda nazista contra os judeus. Além do livro
de Laurence Rees, utilizamos trechos da obra de Zygmunt Bauman,
“Modernidade e Holocausto” (1998), e artigos que auxiliaram na incorporação
da fonte trabalhada no final da aula, “Maus: A História de um Sobrevivente”, de
Art Spiegelman (2009), com o conteúdo em sala de aula. Quando tratamos
especificamente da criação, funcionamento e horrores vividos nos campos de
concentração e extermínio, utilizamos da leitura do artigo “Os Campos de
Concentração Nazistas em Território Polonês e a Dinâmica de Mortes em
Massa do Holocausto”, de Ivo dos Santos Canabarro e Rafael Zimmermann
(2018).

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Analisamos outras experiências e relatos com o uso da fonte em sala de aula,
como no artigo intitulado “Uso da História em Quadrinhos Maus como Recurso
Didático no Ensino de História”, de Viviane Carneiro de Oliveira e Jaqueline
Oliveira de Araújo (2016); do artigo intitulado “Sangrando História: Os
Quadrinhos Maus e uma Narrativa do Holocausto a Contrapelo”, de Danilo
Nagib Queiroz, Débora El-Jaick e Márcio José de Melo (2017); e,
consequentemente, a própria obra em quadrinhos, selecionando trechos para
serem utilizados e analisados em sala, publicado pela Companhia das Letras
em 2009.

Para realizar as observações e, posteriormente, as regências, utilizamos o


ambiente virtual Google Meet: plataforma gratuita que oferece a possibilidade
de criação de uma sala de videoconferência, o envio do Link de convite aos
residentes e alunos e a autorização ou não do acesso de outros usuários. O
Google Classroom foi uma das plataformas mais utilizadas pelo professor para
divulgar o Link da aula, avisos e atividades assíncronas, e também para
permitir o diálogo remoto entre todos os envolvidos no processo educacional.
Foi através dessa plataforma que os residentes puderam aplicar e compartilhar
as atividades elaboradas com o uso do Google Forms.

Antes de aplicar a regência, a temática e os componentes da proposta de aula


dos residentes foram desenvolvidos e avaliados pela orientadora e pela
professora preceptora do colégio. Após esse processo, os residentes foram
orientados a construir uma atividade que pudesse coletar dados sobre quais
conhecimentos os alunos já dispunham acerca do tema, e o que gostariam de
saber sobre o mesmo. A partir dessa premissa, desenvolvemos uma “Atividade
de Conhecimentos Prévios”, através da plataforma Google Forms, com
perguntas direcionadas ao conteúdo proposto para a aula; a atividade contou
com perguntas, GIFS e exemplos de produções sobre o período. Com o
objetivo de distanciar o caráter “formal” de perguntas e respostas, a atividade
foi criada com aspectos de um jogo interativo, com iconografias, perguntas
relacionadas ao conhecimento prévio dos alunos, à produção cultural com a
temática da guerra e do holocausto; séries, filmes, livros e qualquer outra
produção nesse sentido.

A atividade foi disponibilizada alguns dias antes da aplicação da regência, o


que possibilitou, se fosse necessário, a mudança ou incorporação de novas
informações e temáticas à proposta de regência. Após a aplicação da regência,
a segunda atividade de avaliação de apreensão de conteúdo, foi compartilhada
com os alunos; no formulário, foram dispostas perguntas sobre a aula em si, as
causas do conflito, conhecimentos específicos sobre a guerra e o holocausto.
Com caráter e objetivo de propor uma atividade de avaliação, o formulário foi
fechado e a coleta de dados analisada e interpretada a fim de observar como
foi a recepção, resposta e impacto da aula nos alunos.

A regência foi dividida e aplicada em dois momentos distintos. A primeira parte,


trazendo a temática de contexto da guerra, causas do início do conflito e
informações e discussões sobre a figura e as ações de Adolf Hitler e o do

207
governo nazista; em um segundo momento, dedicado ao estudo da
perseguição aos judeus, nomeado como holocausto, seu início e
desenvolvimento, os atingidos e as memórias de sobreviventes, assim como a
apresentação e análise de fontes diferenciadas relacionadas à temática:
Histórias em Quadrinhos e propagandas antissemitas.

Durante a primeira aula, foram apresentadas as temáticas relacionadas ao


contexto histórico do período e da guerra, assim com os antecedentes do
holocausto, percorrendo desde o início e causa do conflito, até conteúdos mais
densos como as características do governo de Hitler, e os diversos
acontecimentos que auxiliam no entendimento mais intrínseco de como
pensava e atuava a frente nazista. Foram discutidas, na primeira parte da
regência, as diversas “causas” que deram início ao conflito. Os residentes,
desta maneira, objetivaram evitar uma visão única e simplista do
acontecimento em sua totalidade: criando uma fala que incorporasse as
disputas de território, a produção armamentista, o avanço da política
imperialista alemã e o revanchismo franco-alemão, e como estas temáticas
contribuíram para a explosão da segunda grande guerra. Ao final da
apresentação, os residentes trabalharam com as especificidades do governo
nazista e seus ideais, na tentativa de desenvolver os aspectos e
conhecimentos necessários para entender o período e o conflito em questão;
foi através desta última temática que construímos uma transição para a
temática da segunda aula.

Na segunda parte da regência, os residentes direcionaram o foco da aula para


a temática do holocausto e as memórias dos sobreviventes. Desde
conhecimentos básicos, como o significado da palavra holocausto, até o
funcionamento e desenvolvimento da perseguição aos judeus, o objetivo foi
pautado no trabalho com as fontes e assuntos mais recorrentes no estudo do
período e do conflito. A “Atividade de Conhecimentos Prévios” demonstrou que
os alunos tinham dificuldade nos conhecimentos básicos (primeira aula), mas
que conheciam minimamente a produção literária e cinematográfica sobre a
Segunda Guerra Mundial e sobre os sobreviventes por meio de filmes, séries e
obras como “O Diário de Anne Frank”. Foram trabalhadas em sala as fases que
recortam a perseguição aos judeus: o início da morte sistemática (Noite dos
Cristais, 1938), como o nazismo justificava tal perseguição e o uso da
propaganda neste sentido, a “Solução Final” e o funcionamento dos campos de
concentração e extermínio. Durante essa aula, a utilização das iconografias se
mostrou extremamente necessária, para que os alunos pudessem visualizar de
maneira mais significativa as características da perseguição e propaganda
nazista: a partir do antissemitismo e assimilação do povo judeu a animais
(ratos), tema principal da História em Quadrinhos “Maus” (2009).

Ao final da aula, os residentes puderam apresentar algumas das memórias e


relatos mais recorrentes no estudo do período, como o livro “O Diário de Anne
Frank” (2015) de maneira breve, e o quadrinhos “Maus” (2009), de Art
Spiegelman; deste último foi analisado um trecho do livro, além do
desenvolvimento de uma breve interação dos alunos: os residentes

208
questionavam e auxiliavam a análise dos aspectos tratados pelo quadrinho,
com os temas e informações da aula até então. Os alunos observaram a
temática retratada na obra e a maneira que o autor constrói e apresenta a
narrativa dos fatos, através da perspectiva de uma vítima do holocausto judia,
pai do quadrinista e jornalista.

Ao final das duas partes da regência, os residentes reservaram minutos que


poderiam ser utilizados para um debate, apontamentos ou solução de dúvidas
dos alunos. Com o ensino remoto, observou-se que a participação dos alunos
diminuíra consideravelmente, seja na presença das chamadas virtuais e em
sala, quanto no momento da regência em si; porém, ao final da segunda parte
da aula, os alunos utilizaram do espaço do debate para apresentar algumas
ideias e discutir brevemente o impacto do holocausto e a importância de se
estudar o período e o conflito.

Por se tratar de uma experiência remota e virtual, utilizando de plataformas e


ferramentas que não eram utilizadas com veemência anteriormente, devemos
analisar breve e parcialmente os resultados da experiência através do
aprendizado que as novas metodologias trouxeram para a realização do ensino
remoto e as implicações no Ensino de História. Também serão descritos, os
resultados da coleta de dados referente às atividades aplicadas antes e depois
da regência; ambas foram construídas com o objetivo de integrar a proposta da
regência, por isso, é imprescindível os resultados de ambas para a observação
do desenvolvimento da aula.

Devido à pandemia do COVID-19, o ensino teve de migrar ao modelo remoto,


síncrono e assíncrono, de maneira rápida afim de não obstruir ainda mais o
andamento do currículo escolar, e também das universidades e programas de
estágio. Não foi diferente com o Programa Residência Pedagógica e o colégio
concedente: os residentes acompanharam as aulas, desenvolveram atividades
e aplicaram regência de maneira remota e através de novas ferramentas e
plataformas virtuais. Para acompanhar o real resultado, os impactos positivos e
negativos, assim como as modificações e adaptações na prática docente, é
necessário tempo; observar, após o período pandêmico, as mudanças
ocorridas devido à implantação do modelo remoto e como a educação e o
Ensino de História podem reconsiderar metodologias e ferramentas que vieram
à tona neste período.

De maneira breve, a experiência de observações, atividades, intervenções e


regências demonstraram dificuldades que estão relacionadas tanto ao modelo
em si, quanto as modificações que foram sofridas devido à pandemia. Essas
dificuldades podem ser expressas através do acesso a esse modelo específico,
a rapidez com que foi incorporado e fatores externos ligados à sociedade em
geral. Exemplo disso é a dificuldade em acompanhar aulas online quando não
há os recursos necessários na instituição de ensino ou nas residências dos
alunos; a falta de familiaridade com as ferramentas e o modelo remoto; e ainda
a situação social e psicológica dos envolvidos no ensino, quando pensamos na
situação vivida pela sociedade, durante a pandemia.

209
A “Atividade de Conhecimentos Prévios” obteve um número de respostas
baixo, quando observado por meio da ferramenta de coleta de dados do
Google Forms: ao todo, foram coletadas 3 respostas, das quais pudemos
observar certa dificuldade no tema na primeira parte da regência, um
conhecimento básico sobre o tema da segunda parte e uma grande percepção
sobre as produções literárias e cinematográficas com a temática da aula. Com
o objetivo de auxiliar os residentes na construção da regência, esta atividade
não obteve respostas suficientes para que pudéssemos modificar os conteúdos
em vista das dificuldades que surgiriam com o formulário.

Já a “Atividade Avaliativa” obteve um maior número de respostas, a partir de


três possíveis causas. A primeira, é o o caráter avaliativo, ou seja, a
obrigatoriedade da atividade resultou em um número maior de participantes,
além de ter sido integrada a um dos tópicos da turma na plataforma do Google
Classroom. A segunda possibilidade está relacionada à participação dos
alunos, que foi se tornando cada vez maior com o decorrer das aulas e do
desenvolvimento do ensino remoto, e a volta dos estudantes para o meio
presencial através do modelo híbrido. Por último, podemos associar a um maior
número de respostas os resultados da regência em si, podendo ter sido a
causa de uma maior participação e interesse dos alunos, tendo em vista que
observamos repostas em comentários ao final da regência, no momento da
aula. O objetivo das atividades e da proposta de regência, além do conteúdo,
foi o de criar uma consciência crítica sobre a temática retratada (Segunda
Guerra Mundial e Holocausto) e a sociedade em que estão inseridos, quando
pensamos na importância de se estudar, por exemplo, as memórias dos
sobreviventes do período. Tanto na atividade avaliativa, quanto nos
comentários e relatos em aula, os alunos demonstram um sentimento de
repúdio às práticas nazistas, e o pensamento de que tal acontecimento não
deve ser repetido novamente. Ao todo, foram 11 respostas na atividade
avaliativa, número relativamente menor do que os alunos que estão
matriculados na turma, porém suficientemente satisfatório quando comparado
aos alunos que participam de todas as aulas no decorrer calendário escolar.

Ao longo da formação em licenciatura, somos incluídos em temáticas e


disciplinas que estão relacionadas diretamente à prática docente em si, como
em teorias, metodologias e práticas de ensino. Devido à carga de estudos em
educação, à diversidade de conteúdos e aos conhecimentos e experiências do
Residência Pedagógica, conseguimos executar uma prática docente que
engloba diversas metodologias, e, no caso de regências como esta, há a
possibilidade de se trabalhar com ferramentas tecnológicas virtuais e
plataformas que agregam nossa prática.

A experiência relatada está inserida em um contexto em que o professor


precisou, novamente, provar sua capacidade de adaptação como educador e
pesquisador; demonstrando também a importância da formação continuada, do
estágio, da leitura e elaboração de projetos e planos de aula para a graduação
de futuros professores, aptos a enfrentarem as diversidades e dificuldades que

210
o ensino pode apresentar. Além dessa prerrogativa, devemos memorar a
importância de uma formação que incorpore ao currículo do educador os
conhecimentos e habilidades para o trabalho com diversas fontes, ferramentas
e plataformas, sejam elas remotas e virtuais, síncronas ou assíncronas que
estejam ligadas à prática docente.

A regência remota sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, por meio


da utilização de quadrinhos e propagandas, foi construída durante os anos
finais da formação, estabelecendo uma oportunidade valiosa com
conhecimentos adquiridos ao longo do curso e especialmente no ínterim da
formação do Residência Pedagógica. Por último, a escolha temática não só
esteve ligada ao cronograma dos alunos, como também foi direcionada aos
objetivos de trabalho com fontes diferenciadas, sobre um período que deixou
marcas e discussões pertinentes até os dias atuais. Conclui-se que, apesar da
participação reduzida, efeito colateral da pandemia do COVID-19, a experiência
da regência remota obteve resultados parciais positivos.

Referências biográficas
Matheus Ongaro Rodrigues Souza, graduado em História pela Universidade
Estadual do Norte do Paraná.

Dra. Marisa Noda, professora da Universidade Estadual do Norte do Paraná.

Referências bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O Que Resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha.
Tradução Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.

ANDRADE, Débora El-Jaick; MALTA, Márcio José de Melo; MATTOS, Danilo


Nagib Queiroz. Sangrando história: Os quadrinhos Maus e uma narrativa do
holocausto a contrapelo. 4ª Jornada Internacional de Histórias em Quadrinhos.
São Paulo: USP, 2017.

ARAÚJO, Jaqueline Oliveira de; OLIVEIRA, Viviane Carneiro de. Uso da


história em quadrinhos Maus como recurso didático no Ensino de História. 3º
CONEDU. Rio Grande do Norte, 2016.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Tradução Marcus Penchel. 1.


Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

CANABARRO, Ivo dos Santos; ZIMMERMANN, Rafael. Os campos de


concentração nazistas em território polonês e a dinâmica de mortes em massa
do holocausto. VI Seminário Internacional de Direitos Humanos e Democracia.
2018.

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Trad. Alves Calado. Rio de Janeiro:
Editora Record, 2015. 48ª ed.

211
GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o
mundo. Tradução Ana Luísa Faria, Miguel Serra Pereira. 1. Ed. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 2014.

REES, Laurence. O holocausto: uma nova história. São Paulo: Vestígio, 2018.

SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2009.

212
UM PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO
SOBRE O USO DO JOGO: REMEMORANDO OS
BIOGRAFADOS DA BALAIADA/MA (1838-1841),
NO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL
Maykon Albuquerque Lacerda e Taylon Jefferson
da Silva Machado

Introdução
O presente texto visa ensejar algumas considerações pertinentes sobre o uso
do jogo de memória no ensino de História, bem como relatar o percurso
teórico-metodológico, do projeto-ação, intitulado: Rememorando os
Biografados da Balaiada/MA (1838-1841). Sendo este último, apresentado à
disciplina acadêmica de Prática na Dimensão Curricular no Ensino Médio,
ministrada no semestre 2019.1, e vinculada ao Curso de História/Licenciatura
da Universidade Estadual do Maranhão-UEMA/Campus Caxias, como pré-
requisito para a construção de um jogo didático-pedagógico no ensino de
história local.

Assim, o recorte temático, espacial e temporal do projeto-ação abordado partiu-


se de uma situação-problema, percebida no ensino de História escolar, do
município de Caxias, Maranhão. Em outras palavras, durante muito tempo, a
história foi associada a uma mera disciplina de memorização mecânica, logo,
isso tornou o ensino de história obsoleto, devido à ausência de novas práticas
pedagógicas docentes que atendessem às expectativas do alunado da
educação básica, especialmente, os discentes das escolas públicas. Uma vez
que:

“O ensino de História vive atualmente uma conjuntura de crise, que é


seguramente uma ‘crise da história historicista’, resultante de descompassos
existentes entre as múltiplas e diferenciadas demandas sociais e a
incapacidade da instituição escolar em atendê-las ou responder
afirmativamente, de maneira coerente, a elas” (NADAI, 1992, p. 144).

Dessa forma, sentiu-se a necessidade de inserir um jogo de memória no


ensino, tendo enquanto suporte pedagógico o uso de biografias nas aulas do
componente curricular de História da Rede Pública Estadual de Ensino do
Maranhão (Nível Médio). Porém, um dos grandes desafios encontrados na
feitura deste projeto-ação, foi a escassez de informações documentais
concernentes aos caxienses marginalizados socialmente, o que acabou

213
contribuindo pra com concepções errôneas constantemente reproduzidas pela
memória escrita e pelas disputas da tradição oral.

Dito isso, será se à atual historiografia caxiense/local ainda privilegia sujeitos


biografados tidos como “ilustres”, em detrimento de “pessoas comuns”
participantes da Balaiada/MA (1838-1841)? Ou melhor, como um jogo de
memória pode resgatar uma perspectiva social, historiográfica e histórico
escolar, de inclusão e valorização de sujeitos caxienses participantes da
Balaiada? Por sua vez, tida como revolta popular e regencial ocorrida no século
XIX, no Maranhão.

Nesse sentido, essa iniciativa de projeto-ação, por meio de um jogo lúdico e


didático a ser aplicado nas aulas de História do Ensino Médio (Rede Pública de
Caxias, Maranhão) é tencionalizado como uma forma de resgatar e descortinar
às lembranças, ou melhor, as memórias dos/as alunos/as sobre os
participantes da Balaiada, em prol de reconhecê-los e, ao mesmo tempo,
fomentar conteúdos locais, como é o caso da Balaiada, ainda pouco explorado
pelos docentes, até mesmo sendo negligenciado pelos livros didáticos de
História do Maranhão.

É claro, de modo específico, sempre a considerar a realidade cotidiana do


alunado caxiense, pois a partir disso, espera-se: identificar os biografados da
Balaiada no jogo de memória; refletir sobre os questionamentos referente aos
participantes da Balaiada, durante a aplicação do jogo proposto; deter saberes
existentes sobre o conteúdo Balaiada e sua relevância para o ensino de
história local junto aos/às alunos/as contemplados/as (jovens e adultos), a fim
de: “[...] sensibilizá-los para reflexão de suas vivências e experiências
cotidianas, buscando historicizar e problematizar o sentido atribuído às suas
identidades, valorizando o pensar crítico sobre si e sobre o outro, mudando ou
não, como sujeitos, a própria história” (ROCHA, 2016, p. 134).

Percurso teórico
Dando prosseguimento, um dos grandes questionamentos do professor de
História da educação básica, sobretudo, do ensino médio é: como fazer com
que nosso alunado goste e se envolva com a história? Uma tentativa trivial de
resposta a esta problemática em voga, é o distanciamento temporal e espacial
dos conteúdos da área de História. Por exemplo:

“[...] seria de difícil compreensão o conteúdo da história antiga da Mesopotâmia


em função dessa distância. Tal distanciamento seria um fator de desânimo e
desgosto pela aula de História e que, em função disso, o encantamento pela
história viria pela potencialidade de o ensino conseguir estabelecer relações
entre o conteúdo ensinado e a própria história vivida dos estudantes”
(GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 13).

Por isso, surge-se a necessidade de aguçar no alunado o gosto pelas aulas de


História, bem como seu envolvimento em atividades práticas de cunho
pedagógico, que permitam o processo de ensino-aprendizagem, com

214
resultados positivos. Assim, é salutar pensar em história local, com possíveis
conteúdos negligenciados pelo livro didático de História do Ensino Médio, pois
o ensino de história não pode estar preso a um livro didático meramente, e sim,
estar conectado constantemente com as demandas do tempo presente, ou
melhor dizendo: “Este ensino precisa trazer também a marca de intensa
autonomia intelectual do professor, que elabora atividades e vai com isso
montando seu programa, o que significa que vai expressando seu modo de
entender a história” (GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p. 32).

Desse modo, a escolha de um jogo didático voltado para o Ensino de História,


deve-se à sua relevância para o desenvolvimento humano, sobretudo, quando
inserido no processo escolar relacionado intrinsicamente ao brincar, ao
aprender e ao ensinar. Afinal, segundo Domingues (2022), o jogo é uma
eficiente estratégia pedagógica de dinamização de aulas, e de contraposição
às monótonas aulas tradicionais ainda vigentes, de assimilação passiva de
conteúdos determinados, sem uma dimensão critico-reflexiva. Nisso:

“A utilização de jogos como ferramenta pedagógica no ensino de História tem


sido cada vez mais frequente na escola básica. Duas razões se destacam
nesse contexto: em primeiro lugar, o fato de que há uma série significativa de
jogos que abordam temáticas históricas, aproximando a historicidade das
realidades dos alunos; em segundo, o grande apelo dos jogos – sejam eles de
computador, tabuleiro ou RPG – entre a juventude demonstra a necessidade
de pensar formas lúdicas de se ensinar História” (JUCHEM; PEREIRA, 2018, p.
1).

Com isso, infere afirmar-se que o jogo de memória tem como função maior,
justamente, aproximar a historicidade da Balaiada, como fato ocorrido, à
realidade do alunado do ensino médio de Caxias, Maranhão. Tendo
consequentemente, a forma de expressão e comunicação entre aluno-
professor a ser mais valorizado, e quando inserido adequadamente na aula de
História, tornar-se-á um belo exercício prazeroso. É claro, para isso é
imprescindível a aceitação do discente escolar, visto que:

“[...] é necessário perceber que os alunos demonstram boa receptividade à


atividade. Isto pode implicar que se inclua no programa o estudo de tópicos do
agrado dos alunos, ou que se negocie para que eles apresentem os resultados
do estudo do modo que lhes agrade. Ceder em alguns pontos, na negociação
com os estudantes, abre a possibilidade de que se possa ter a adesão deles às
nossas propostas em outros momentos. Um bom indicador de que a atividade
está produzindo efeitos de aprendizagem são os questionamentos do aluno,
quando reconhecemos que de modo espontâneo formulam perguntas, em
linguagem que demonstra que processaram às informações, vincularam com
seus interesses e produziram perguntas” (GIACOMONI; PEREIRA, 2013, p.
37).

215
E com esses efeitos e exposições acima, é salutar indagar-se o seguinte: mas,
afinal o que é um jogo? Conforme, o sociólogo holandês Johan Huizinga
(1990):

“[...] o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.


Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função
significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma
coisa ‘em jogo’ que transcende as necessidades imediatas da vida e confere
um sentido à ação” (HUIZINGA, 1990, p. 5).

Ou seja, o jogo é um elemento, ou melhor, uma prática de socialização inerente


ao ser humano. Marcado por um dinamismo e uma criatividade, que o
possibilita um conjunto de estratégias para seu funcionamento. Assim, na
atualidade, com a necessidade de se buscar novas linguagens para o
desenvolvimento de aprendizagens significativas é que o jogo passou a ser
resgatado como instrumento lúdico de ensinar e aprender. Desta maneira,
intencionalmente:

“[...] professores e pesquisadores da educação têm proposto e analisado


práticas de ensino adequadas às novas linguagens e tecnologias, buscando
construir aprendizagens significativas a partir de situações de interação; logo,
neste cenário, os jogos têm sido recuperados como estratégias de
transmissão/construção do conhecimento” (ANTONI; ZALLA, 2013, p. 149).

Pois com base na menção acima, fora aplicado o jogo de memória:


Rememorando os biografados da Balaiada/MA (1838-1841), mediante uma
situação de interação em uma das escolas da Rede Pública Estadual de
Ensino de Caxias, Maranhão, especificamente, para turmas do 2º ano do
Ensino Médio, onde pudera-se perceber um envolvimento dos/as alunos/as
com o jogo em questão, e contextualmente, com o conteúdo sobre a Balaiada,
ocorrida no Maranhão, durante o período regencial no Brasil (1831-1840). Dito
isso, na visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (PCN’s), tem-
se o seguinte:

“Na transposição do conhecimento histórico para o nível médio, é de


fundamental importância o desenvolvimento de competências ligadas à leitura,
análise, contextualização e interpretação das diversas fontes e testemunhos
das épocas passadas – e também do presente. Nesse exercício, deve-se levar
em conta os diferentes agentes sociais envolvidos na produção dos
testemunhos, as motivações explícitas ou implícitas nessa produção e a
especificidade das diferentes linguagens e suportes através dos quais se
expressam” (BRASIL, 1998, p. 22).

Sendo assim, fora alcançado os objetivos propostos pelo projeto-ação, no que


tange à análise crítica dos biografados da Balaiada, principalmente os
excluídos, pois se levou-se em consideração às expectativas e dificuldades dos
envolvidos na aplicação do referido jogo de memória. Logo, com as perguntas
reflexivas, e a memorização das fotografias dos biografados, os/as alunos/as

216
participantes em determinados momentos conseguiam relembrarem onde
encontrava-se a foto com relação à pergunta sobre o personagem histórico. E
isso infere compreender que a valorização do ensino de história local é fruto de
um pretenso rompimento de uma tradição escolar de cunho positivista ainda
vigente (COUTINHO, 2002). Pois de fato, em outros termos:

“[...] durante muito tempo o ensino de história não deu relevo as vivências dos
estudantes e, muito menos, promoveu a valorização de outros sujeitos nas
construções das histórias e isso, certamente, configurou um dos reforços – que
permeiam a História do ensino de história – de que a disciplina é algo
demasiadamente abstrato e, porque não, sem valor para a vida prática dos
educandos. Uma narrativa linear de fatos seletos, marcada por personagens
(heróis) e acontecimentos simbólicos, com causa e consequência e sem
relações de utilidade na vida cotidiana dos alunos, foi o que predominou nas
aulas de História [...]” (LAVILLE, 1999, p. 125).

Nessa perspectiva, os alunos/as caxienses enquanto sujeitos históricos são


capazes de identificar às relações sociais no seu próprio convívio, bem como
seu lugar social, para assim desenvolverem uma linha interpretativa-racional
concernente a história local, e suas temáticas conteudinais, como a
Balaiada/MA (1838-1841). Desse modo, autores como: Viriato Corrêa, José
Ribeiro do Amaral e Gonçalo de Magalhães em suas obras, retratam a
Balaiada enquanto: “[...] uma luta das hordas, da ralé, que cometeu a pilhagem
e o roubo, cujos líderes perturbaram o sossego e o paz na província. Considera
Luís Alves de Lima e Silva, um grande e valoroso soldado, que restabeleceu a
ordem na província” (BOTELHO, 2018, p. 171).

Ou seja, estes nomes da historiografia tradicional detinham um olhar


estereotipado sobre a Balaiada, desde o final do século XIX, pois a priori, todos
os autores citados partem de suas posições sociais e de um discurso
tendencioso ideologicamente, atrelado à história oficial. Logo, “O lugar social
do sujeito é uma das condições da construção discursiva, pois o discurso não é
uma produção independente das relações sociais, pelo contrário, nasce de
certo entendimento das suas contradições” (PALMA, 2011, p. 01).

Com base nisso, fora primordial levar a temática local para o espaço escolar,
instigando a participação e contribuição do alunado caxiense numa postura
crítico-reflexiva sobre o ensino de História e suas propostas de intervenções
em sala de aula, apesar da ausência e descaso por parte do Poder Público, em
não repensar a introdução da História de Caxias nos livros didáticos escolares
locais. Portanto, ainda é vigente no espaço escolar o discurso historiográfico
construído e aceitável, que se refere aos motivos que levaram grande parte da
população pobre do estado, numa conjuntura desigual e excludente, a
contrapor-se ao monopólio político da classe dominante no século XIX.

Assim, a historiografia agrega o gênero literário Biografia, pelo seu caráter


interdisciplinar, em especial, os “Grandes Homens”, visto que foram
testemunhas privilegiadas de seu tempo. Posteriormente, ampliando sua

217
dimensão aos sujeitos tidos enquanto “pessoas comuns” (oriundos das
camadas populares). Para reforçar isso, cabe destacar que, no que tange ao
uso de biografias em sala de aula:

“[...] em seu conceito mais simples, da história de uma vida em particular,


tomamo-la em sua função mais direta: fazer com que essa vida particular
espelhe o contexto histórico no qual viveu o personagem. Ou seja, a biografia
tem seu valor principal para a História como representação de um período
histórico” (SILVA, 2009, p. 27).

Nesse viés, o gênero biográfico como método de análise de um determinado


período histórico também pode ser integrado ao uso do jogo, sendo ambos
elementos de ensino e aprendizagem do conhecimento histórico, à luz de seu
público-alvo, no caso, os/as alunos/as do ensino médio, ou melhor, jovens tidos
como agentes participativos da sociedade, na qual devem ser formados
enquanto cidadãos críticos, criativos, autônomos e responsáveis.

Percurso metodológico
Adiante, o projeto-ação abordado, tendo como proposta o jogo de memória:
Rememorando os biografados da Balaiada/MA (1838-1841) no ensino de
história local, se desenvolveu a partir do aporte teórico de escritores referentes
a construção de jogos didáticos no ensino de história em sala de aula, que
direcionam seus estudos e pesquisas para o campo da História Local, no que
tange aos sujeitos biografados de cunho regional, sendo tanto os “sujeitos
ilustres”, quanto os ditos “sujeitos comuns” (BOTELHO, 2018).

Em vista disso, em um primeiro momento, fora feito um levantamento biográfico


dos personagens: Negro Cosme, Luís Alves de Lima e Silva, Vaqueiro
Raimundo Gomes, Balaio Francisco dos Anjos e o secretário Gonçalves de
Magalhães, para posterior correlação com o jogo didático de memória, onde o
mesmo fora construído da seguinte maneira:

Primeiro Passo: Elaboração do conteúdo do jogo/em grupo de 4 pessoas


deverão respectivamente: criar 20 perguntas sobre o conteúdo estudado
(Balaiada e seus principais biografados), com as respectivas respostas; As
perguntas devem ser feitas de forma subjetiva, para melhor assimilação e
obtenção de êxito nas respostas ditas; Selecionar as principais biografias
referentes à Balaiada (Negro Cosme, Luís Alves de Lima e Silva, Vaqueiro
Raimundo Gomes, Balaio Francisco dos Anjos e o secretário Gonçalves de
Magalhães); Escolher 5 imagens concernente aos 3 líderes populares e os 2
representantes do Estado (biografados pela historiografia), devido às regras e
para melhor entendimento do jogo de memória. Com acréscimos, para melhor
esquematização, a imagem abaixo (Figura 1) apresenta os perfis e os
questionários sobre os biografados relatados.

218
219
Figura 1: Perfis e questionários sobre os biografados da Balaiada/MA.
Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2019).

Ou melhor dizendo, os cinco biografados da Balaiada ora apresentados (Figura


1), foram escolhidos, a fim de se mesclarem os sujeitos comuns, dos ditos
ilustres vencedores da Balaiada e, ainda propagados pela tradicional
historiografia local e regional. Dito isso, em seguida, tem-se o:

Segundo passo: Produção de um painel pedagógico contendo o questionário


elaborado anteriormente (perguntas e respostas). Com os seguintes materiais
a serem utilizados: 1 folha de papel 40; 1 cartolina; 1 E. V. A ;1 cola branca; 1
cola quente; 2 metros de T. N. T; 1 fita decorativa; 1 folha de papel cartão.
Terceiro Passo: Seleção em pares das imagens dos biografados da Balaiada
(1838- 1841); Quarto passo: Realização da divisão dos grupos de alunos/as em
sala de aula; Quinto Passo: Explicação oral das regras do jogo pedagógico.
Sexto Passo: Aplicação do jogo de forma sistemática, pedagógica, dinâmica,
interativa e de cunho inclusiva.

A partir disto, no tocante à organização básica do jogo, cada grupo de


alunos/as deverão estudar o conteúdo previamente sobre a vida dos cincos
biografados propostos. Onde o representante de cada grupo irá se submeter a
um sorteio prévio e, conforme a pergunta sorteada, o mesmo terá que
respondê-la, caso não saiba a resposta correta, a mesma pergunta será
repassada adiante aos demais participantes.

Caso o líder sorteado acerte a pergunta, o mesmo terá que virar uma carta
referente ao biografado retratado. Posteriormente, o representante deverá abrir
outro envelope, e o mesmo procedimento ocorrerá, assim por diante, até o
término do último envelope. No entanto, se por ventura, o mesmo errar uma
pergunta contida no envelope sorteado, passará a vez ao próximo,
respectivamente. Adiante, com o término do último envelope abordado, aquele
líder grupal que detiver o maior número de questões acertadas, será tido
enquanto o vencedor do jogo de memória.

220
Considerações finais
Em suma, este jogo de memória ao ser aplicado no ensino de História local
possibilitará um ambiente de formação e aprendizagem histórica e, que
acolherá à diversidade de questionamentos, saberes e percepções, de modo
especial, a fomentar o respeito à pessoa humana, e aos seus direitos e
deveres garantidos pela cidadania plena e pelo Estado Democrático de Direito
(BRASIL, 2018), tal como o protagonismo dos/as alunos/as do ensino médio na
realidade escolar, reconhecendo-os como interlocutores legítimos sobre a
estrutura curricular, e às competências e habilidades especificas da área de
História, como um contributo para com o processo de ensino-aprendizagem.

Portanto, esta proposta lúdica poderá contribuir com o desenvolvimento de


ações inclusivas que envolvam toda a comunidade escolar (pais, alunos, e
professores) na execução do jogo de memória. Concomitantemente, à
absorção da temática Balaiada para melhor compreensão do século XIX, a fim
de se oportunizar uma nova perspectiva teórico-metodológica contemporânea e
renovadora no ensino de história local, precisamente da cidade de Caxias,
Maranhão.

Referências biográficas
Maykon Albuquerque Lacerda é mestrando em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão
(PPGHIST/UEMA), na linha de pesquisa memórias e saberes históricos. Pós-
graduando Lato Sensu (Especialização) em Ensino de História do Brasil:
Cultura e Sociedade pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (IESF).
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA). E membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão
sobre África e o Sul Global - NEÁFRICA (UEMA/Campus Caxias).

Taylon Jefferson da Silva Machado é mestrando em História pelo Programa de


Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão
(PPGHIST/UEMA), na linha de pesquisa memórias e saberes históricos. Pós-
graduando Lato Sensu (Especialização) em História da África, História do
Brasil, e História do Maranhão pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano
(IESF). Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA). E membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão sobre África e o Sul Global - NEÁFRICA (UEMA/Campus Caxias).

Referências bibliográficas
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BOTELHO, Joan. Conhecendo e debatendo a História do Maranhão. 2. ed. São


Luís: Gráfica e Editora Impacto, 2018.

221
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofin
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GIACOMONI, M. P.; PEREIRA, N. M. (orgs.). Jogos e ensino de História. 1.


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http://pensaraeducacao.com.br/rbeducacaobasica/wp-
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LAVILLE, Christian. Guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do


ensino de História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 19, n. 38,
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PALMA, Glória Maria. O lugar social e as condições de produção do sujeito


autor: Machado de Assis e Carolina Maria de Jesus. In: Momesso, Maria
Regina; Schwartzmann; Matheus Nogueira; Abriata, Vera Lucia Rodella;
Ferreira, Fernando Aparecido. (orgs.). Discurso e Linguagens: objetos de
análise e perspectivas teóricas. Franca - SP: Unifran, 2011, v. 6, p. 9-205.

ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. Uma Caixa de História Local nas mãos do
professor. In: GABRIEL, Carmem Teresa et al. Narrativas do Rio de Janeiro
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222
SILVA, Kalina V. Biografias. In: PINSKY. Carla B. (orgs.). Novos Temas nas
aulas de História. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

223
“UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA”:
EXPERIÊNCIAS DO USO DE FILMES COMO
RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO
REMOTO/HÍBRIDO DE HISTÓRIA
Miléia Santos Almeida

“Viver sem conhecer o passado é andar no escuro” é uma das muitas lições
que abrem e fecham o enredo do filme “Uma história de amor e fúria”,
animação de 2013, escrita e dirigida por Luis Bolognesi, cujo protagonista
imortal atravessa seiscentos anos de história do Brasil, do passado colonial de
resistência indígena a um futuro distópico em 2096, perpassando contextos
históricos como a revolta da balaiada e a resistência à ditadura militar
brasileira. Essa fórmula, por si só, já torna a obra mais do que indicada como
material de apoio didático nas aulas da educação básica, sobretudo, durante a
implementação do modelo de ensino remoto emergencial, que se impôs a
comunidade escolar como alternativa possível durante a pandemia de covid19,
e que demandou de professoras e professores o aprendizado de ferramentas
tecnológicas que diminuíssem a distância entre os/as estudantes e as salas de
aula.

Este texto se propõe a narrar uma experiência de educação histórica durante a


pandemia, a partir de atividades realizadas por meio de ferramentas do Google
(Meet, Classroom, Forms e YouTube) com estudantes das três séries do
ensino médio no interior da Bahia, tendo como recurso didático o filme Uma
História de Amor e Fúria. Além disso, possibilita o estímulo a um olhar
decolonial – perspectiva teórico-metodológica que busca romper com a
hegemonia do eurocentrismo no conhecimento ocidental – em sala de aula,
atendendo a propostas curriculares que, muitas vezes, não se consolidam na
prática escolar diante da falta de recursos e tempo hábil ao planejamento.
Como afirma Walter Mignolo “um dos objetivos da descolonialidade é
transformar os termos da conversa e não só seu conteúdo” (2017, p. 17),
afirmando um compromisso não somente acadêmico, mas um projeto político.

224
Fonte: Cena do filme Uma História de Amor e Fúria (2013). Reprodução.

Em Uma História de Amor e Fúria, somos conduzidos/as pela perspectiva em


primeira pessoa do herói protagonista (Selton Melo) durante a narrativa. A sua
jornada conecta passado e presente por meio das lutas sociais e políticas que
se colocam em seu caminho devido às forças maléficas de Anhangá, tendo
como fio narrativo a incansável busca pelo amor de Janaína (Camila Pitanga)
em todas as vidas obtidas graças ao dom da imortalidade. Inicialmente sob o
nome Abeguar, o guerreiro indígena tupinambá tenta salvar seu povo do
extermínio imposto pelos portugueses na colonização inicial da Baía de
Guanabara. Em sua próxima encarnação humana, como Manoel Balaio, ele
organiza uma revolta popular no Maranhão, contra o autoritarismo do governo
da província e os desmandos dos proprietários locais, de caráter antiescravista,
a balaiada (1838-1841). Num salto temporal, se torna Carlos Estrada (Cau),
jovem que se junta a uma organização de guerrilha durante a ditadura militar e,
após anos de prisão e tortura, se torna professor em uma favela carioca. No
futuro Rio de Janeiro (2096), dominada pelas milícias particulares e em meio a
uma grande escassez de água, o herói reencarna como JC, um jornalista que
publica sobre a desigualdade, mas não interfere na situação até descobrir a
verdadeira identidade de seu amor, Janaína. “A gente sempre está lutando por
alguma coisa” é mais uma frase que conecta os vários eventos históricos e a
jornada do protagonista, onde a resistência individual e por aqueles que ama
se torna uma luta coletiva e eterna.

É preciso considerar que o cinema e as produções audiovisuais (filmes, séries,


novelas, etc.), em sua maioria, não foram produzidos com o objetivo inicial de
serem adotados na educação histórica e, antes de se constituírem como um
recurso didático para a sala de aula, são uma fonte histórica que auxilia na
interpretação não somente do período ao qual se propõem representar em sua
narrativa, mas da própria época em que foram produzidos. Afinal, “a crítica não
se limita somente ao filme, integra-o no mundo que o rodeia e com o qual se

225
comunica necessariamente”. (FERRO, 2010, p. 32). Dessa forma, “Uma
história de amor e fúria”, lançado no turbulento ano de 2013 no Brasil, nasceu
em uma década onde inúmeros direitos sociais baseados na necessidade de
reparação histórica foram reivindicados e a criação de políticas públicas
afirmativas, ainda que tímidas e limitadas, permitiu a ocupação de espaços
outrora inacessíveis por populações historicamente excluídas e marginalizadas.
Nesse sentido, o uso de diferentes linguagens no ensino de história permite
aos/as docentes e discentes nas aulas a oportunidade não apenas de
incorporar metodologias ativas que ofereçam maior protagonismo estudantil,
mas a possibilidade de romper com “o perigo de uma história única” e com as
lacunas presentes nos livros didáticos, e o cinema em si exige de nós uma
postura crítica e problematizadora, como em relação às demais fontes
históricas”. (FONSECA, 2009, p. 157).

Vale ressaltar que o modelo de ensino remoto emergencial difere do modelo de


educação a distância. Adotado no contexto da pandemia de covid19 iniciada
em 2020, o primeiro combinava o uso de tecnologias e espaços virtuais de
forma síncrona – onde existe o intercâmbio entre o docente e as turmas de
discentes em tempo real, mediada por vídeo-conferências (aulas online) – e de
forma assíncrona – por meio da disponibilização de atividades, roteiros e
materiais digitais em plataformas que possam ser acessadas em horários
flexíveis. Por sua vez, a escola onde atividade foi desenvolvida, o Colégio
Estadual Manoel Macedo Cirilo, localizado na cidade baiana de São Desidério,
possui um alto percentual de estudantes oriundos da zona rural e/ou com
acesso reduzido à internet, o que dificultava bastante a frequência discente nas
aulas síncronas e, por isso, espaços como o Google Classroom foram
importantes não somente para receber e avaliar atividades, mas para a
disponibilização de materiais digitais. Além disso, materiais impressos eram
elaborados e ofertados no espaço físico da escola para estudantes sem acesso
mínimo às aulas remotas. Sem dúvida, esse processo foi bastante desgastante
para os/as docentes que precisaram realizar três tipos de planejamento e
obtiveram um retorno, muitas vezes, insatisfatório. A exibição do filme ocorreu,
portanto, nos momentos de aula síncrona, por transmissão do YouTube para o
Google Meet e com disponibilização do link e arquivo de vídeo para acesso em
outros períodos da rotina escolar. Como a atividade foi proposta em três séries
diferentes, ela foi realizada sempre após o desenvolvimento de um
determinado conteúdo (objeto do conhecimento) contemplado pela obra em
aulas expositivas, introduzindo a priori debates que envolviam categorias como
fonte histórica, sujeito histórico, tempo vivido e narrativa, que seriam
problematizadas em relação ao enredo do filme.

Como pontua Marcos Napolitano “é preciso que o professor atue como


mediador, não apenas preparando a classe antes do filme como também
propondo desdobramentos articulados a outras atividades, fontes e temas”
(NAPOLITANO, p. 15). A etapa seguinte do planejamento didático-pedagógico
do uso do filme correspondeu à disponibilização de um formulário do Google
Forms que mesclou questões objetivas (de múltipla escolha) e subjetivas
(dissertativas) acerca do enredo, personagens, narrativa e questões históricas

226
abordadas pelo filme, além de suas condições de produção. Formulários online
representam uma alternativa viável para realização de entrevistas, enquetes,
gamificação, testes, questionários, com retorno imediato. Analisaremos
algumas respostas oferecidas por meio desse questionário. Em função da
proposta sintética do texto, optamos por selecionar algumas declarações
somente de estudantes do 2º e 3º ano, que se repetiram ou se destacaram por
meio de uma análise qualitativa de conteúdo (BARDIN, 2011) e não
quantitativa. Observemos:

Fonte: Questionário em Formulário Google aplicado com estudantes do 2º e 3º


ano do Colégio Estadual Professor Manoel Macedo Cirilo (São Desidério-BA)

Em tempos de avanço do negacionismo científico e revisionismo histórico que


alcançam os/as jovens, sobretudo, por meio das redes sociais e plataformas
audiovisuais, é importante a ênfase nas condições de produção de uma obra
fílmica de ficção que possui um ou vários contextos históricos. Uma história de
amor e fúria é um filme de ficção que, embora lançado em 2013 e em formato
de animação, demandou seis anos de pesquisa e produção. Por isso, as
respostas relativas a esse processo em uma das questões propostas no
formulário e, observadas na imagem acima, se destacaram e oferecem
possibilidades de explorar tais aspectos das produções audiovisuais tanto
documentais quanto de ficção histórica. Analisar o filme enquanto um produto
de pesquisa documental e de construção de narrativa auxilia na percepção da
história não como um dado imutável e unidimensional, mas como produção de
conhecimento viva e plural.

227
Fonte: Cena do filme Uma História de Amor e Fúria. Reprodução.

“Nossos heróis não viraram estátua, morreram lutando contra quem virou”.
Essa frase, bastante citada pelos/as estudantes ao destacar momentos
marcantes da obra, abre uma série de possibilidades para a abordagem da
invisibilização de vários sujeitos e eventos históricos, assim como a validade
das homenagens feitas a nomes contraditórios como bandeirantes, militares,
políticos coronelistas, entre outros, presentes em monumentos, nomes de ruas,
praças e escolas. Inclusive, a escola estadual onde a atividade foi realizada
havia passado recentemente pela mobilização para substituição do nome de
seu patrono, anteriormente um dos generais presidentes na ditadura militar
brasileira: Presidente Médici e, agora carrega o nome de um ex professor e
membro da comunidade em que se localiza a escola. A ideia de uma “história
vista de baixo”, que rompe silêncios e apresenta sujeitos históricos
insubordinados, perpassa assim toda a produção e provoca a reflexão de quem
acompanha o enredo. No formulário, observamos que as cenas mais evocadas
pelos/as estudantes remetem aos processos de exclusão, opressão e
desigualdade que marcaram a história do país.

228
Fonte: Questionário em Formulário Google aplicado com estudantes do 2º e 3º
ano do Colégio Estadual Professor Manoel Macedo Cirilo (São Desidério-BA)

Vale ressaltar que algumas imprecisões históricas ou reforço de narrativas


hegemônicas despontam no enredo e devem ser problematizadas com os/as
estudantes, pois nenhuma obra é impassível de questionamentos, por mais
bem elaborada que seja. As imagens da antropofagia indígena e da
“aniquilação total da nação tupinambá”, por exemplo, carecem de um diálogo
mais profundo com os debates historiográficos e com as experiências das
etnias tupinambás contemporâneas que sobreviveram aos séculos de
genocídio e marginalização, utilizando das muitas maneiras de “suspender o
céu” ou como informa Ailton Krenak “da criatividade e da poesia que inspirou a
resistência desses povos” (2019, p. 14).

O enredo de “Uma história de amor e fúria” também abarca o contexto da


ditadura militar no Brasil. Como afirma Carlos Fico, “há muitas maneiras de se
contar a história do regime militar, todas praticadas pela crescente
historiografia sobre o período” (2007, p.167) e, nesse caso específico da
narrativa ficcional inspirada nos eventos históricos, o filme opta pelo foco nos
caminhos da resistência armada diante da escalada da repressão. Na atual
conjuntura política do Brasil, esse é um dos temas que provoca grande
insegurança aos docentes, enquanto conteúdo sensível, em função da aberta

229
perseguição ideológica nas escolas que foi imposta pelo avanço do
neoconservadorismo. No que se refere a esse processo no formulário aplicado,
destacamos que os posicionamentos encontrados nas respostas são de
compreensão da situação política do país e elaboração de uma consciência
histórica.

Fonte: Questionário em Formulário Google aplicado com estudantes do 2º e 3º


ano do Colégio Estadual Professor Manoel Macedo Cirilo (São Desidério-BA)

Por sua vez, vale a pena ressaltar os conflitos que o tema ainda provocado,
como podemos visualizar nas declarações abaixo. Apenas uma voz dissonante
demonstra discordância em relação a cena da “retomada revolucionária” em
um assalto a banco organizado por um movimento de guerrilha e resistência ao
governo ditatorial, revelando um tom de julgamento moral das ações dos
sujeitos do passado. Enquanto isso, na mesma turma, outro estudante observa
a mesma cena sob outra perspectiva, o que poderia gerar um debate
interessante em sala de aula.

Fonte: Questionário em Formulário Google aplicado com estudantes do 2º e 3º


ano do Colégio Estadual Professor Manoel Macedo Cirilo (São Desidério-BA)

Por fim, ressaltamos entre o horizonte de possibilidades descortinado pelo filme


“Uma história de amor e fúria”, a prerrogativa de se explorar as relações
temporais entre passado, presente e futuro. Afinal, a obra se encerra com a

230
mesma cena em que inicia, que naquele momento foi utilizada como elemento
de suporte para introduzir a história, mas também como forma de “conectar” as
ações humanas do passado e do futuro/presente e revelar suas continuidades.
Como afirma Marc Bloch, “tempo humano, em resumo, permanecerá sempre
rebelde tanto à implacável uniformidade como ao seccionamento rígido do
tempo do relógio” (BLOCH, 2002 p. 153). Nas respostas do questionário, essa
relação foi exemplificada.

Fonte: Questionário em Formulário Google aplicado com estudantes do 2º e 3º


ano do Colégio Estadual Professor Manoel Macedo Cirilo (São Desidério-BA)

“Ninguém pode ser feliz enquanto o seu povo caminha para o abismo” é mais
uma das frases que abrem e encerram a produção fílmica e, ao definir a
narrativa da obra também nos oferta a possibilidade de uma linguagem/fonte
para a educação histórica que não seja somente uma ilustração do passado,
mas uma ferramenta de desenvolvimento de uma consciência histórica que é
também emancipadora. Afinal, “Uma história de amor e fúria” aborda
abertamente o papel das ações humanas na transformação das estruturas,
entre vitórias e derrotas nas lutas dos/as marginalizados. E, ainda que um certo
pessimismo racional transpareça nas possíveis lições do filme, a sua principal
lição pode ter sido traduzida pelo educador Paulo Freire:

O que não é possível é estar no mundo, com o mundo e os outros, indiferentes


a uma certa compreensão de porque fazemos o que fazemos, de a favor de
que e de quem fazemos, de contra que e contra quem fazemos o que fazemos.
O que não é possível é estar no mundo, com o mundo e com os outros, sem
estar tocados por uma certa compreensão de nossa própria presença no
mundo. Vale dizer, sem uma certa inteligência da História e de nosso papel
nela (FREIRE, 2000, p.125).

231
Em tempos tão difíceis para sonhadores/as e, entre eles/as, professores/as e
estudantes de história, obras como “Uma história de amor e fúria” não são
apenas recursos didáticos ou documentos/monumetos, mas aliadas políticas
no processo de ensino. Devem ser problematizadas, contextualizadas e
ressignificadas, mas sobretudo, tem o poder de encantar, de incomodar e de
despertar o sentido da aprendizagem histórica como ferramenta de
interpretação e transformação do mundo em que vivemos e das relações
humanos nele. Afinal, a única forma de vencer Anhangá é não desistir do futuro
do nosso povo.

Referências biográficas
Msa. Miléia Santos Almeida, professora da Universidade Federal do Oeste da
Bahia (UFOB) e Secretaria de Educação da Bahia (SEC BA). Doutoranda em
História pelo PPGHis da Universidade de Brasília (UnB).

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Iguaçu/Pr, 1(1), pp. 12-32, 2017.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema em sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2003.

232
ELES NÃO USAM BLACK TIE: O FILME E O
ENSINO DE HISTÓRIA
Paulo Roberto de Azevedo Maia

O ensino de história tem avançado muito nos últimos anos em relação a


utilização de materiais audiovisuais como elementos de problematização de
aulas. Desde a década de 1970 quando Marc Ferro (1976) propôs uma maior
atenção do historiador para com o cinema, temos visto filmes surgindo como
objeto de análise, portadores de uma linguagem capaz de expressar o passado
de forma mais objetiva ou através de leituras mais subjetivas, complexas e
alegóricas. A proposta desse texto é refletir sobre um tema de relevância para
pensar o período de abertura política no Brasil e o papel que o cinema teve no
esforço de analisar a realidade de sua época. Portanto, quero levantar
possibilidades de pensar os filmes produzidos durante o período da abertura
política como forma de entender suas leituras do processo de luta democrática
que visavam o fim do regime autoritário no Brasil e a reação institucional a isso.
Desenvolver atividades didáticas nas aulas de história com esse tema pode
ajudar na forma como o aluno compreende a percepção dos cineastas sobre a
realidade histórica do seu tempo e como isso pode ser visto como um problema
a ordem instituída. Entre vários filmes que são citados, quero destacar Eles
Não Usam Black Tie, dirigido por Leon Hirszman em 1981, obra da
cinematográfica brasileira que tinha como tema as classes populares, em
especial o operariado, analisando sua proposta narrativa de intervenção
política em termos de luta de classes. Essa obra suscitou reações da censura o
que implica numa proposta de ensino de história que deve levar o aluno a
análise de material audiovisual, mas também de documentação do
departamento de censura federal.

Falar sobre filmes e como cineastas fazem a leitura do mundo é pensar em


imaginário. O estudo da produção cinematográfica durante a abertura política
no Brasil implica em refletir sobre o imaginário político da sociedade o que
pressupõe referenciais teóricos precisos. O conceito de imaginário é entendido
aqui como o faz Corneluis Castoriadis que vê o imaginário como criação e não
como reflexo, ou seja: “O imaginário de que falo não é imagem de. É criação
incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de
figuras/formas/imagens, a partir dos quais somente é possível falar-se de
alguma coisa”. (CASTORIADIS, 1978, p. 13)

A atuação do cinema foi importante no fortalecimento do imaginário, não por


criar as condições para formação de um público favorável as ideias
democráticas, mas por reforçar uma tendência já manifesta nas iniciativas do

233
governo de propor a abertura e da sociedade através das manifestações contra
o regime. Dessa forma, a atuação desses veículos na manipulação de
símbolos pode ser vista como faz Bazco:

“Exercer um poder simbólico não consiste meramente em acrescentar o


ilusório a uma potência “real”, mas sim em duplicar e reforçar a dominação
efetiva pela apropriação dos símbolos e garantir a obediência pela conjugação
das relações de sentido e poderio.” (BACZKO, 1985, p. 298)

A partir desse referencial teórico observamos a importância da mídia


audiovisual ao estabelecer sistemas simbólicos capazes de interferir na
sociedade. Os cineastas motivados pelo imaginário da abertura, auxiliaram, de
forma direta, no fortalecimento da luta democrática.

Uma brevíssima bibliografia


A questão do imaginário, das representações, da manipulação de símbolos por
parte da produção e leituras históricas objetivas do cinema são motivo de
estudo de alguns historiadores que se dedicaram a refletir sobre a produção
cinematográfica do período da abertura política no Brasil. Apresento alguns
trabalhos significativos para o tema.

De forma mais especifica, o trabalho A greve no cinema, o cinema na greve:


memórias dos metalúrgicos do ABC (1977-1991) de Maria Carolina Granato da
Silva (2008) apresenta um o embate entre a visão dos cineastas e a memória
dos trabalhadores sobre a greve do setor automobilístico na região do ABC em
São Paulo. Através da análise de vários filmes como A greve de março de
Renato Tapajós e Greve de João Batista de Andrade exemplifica como se deu
a produção e leitura da realidade no mesmo momento em que ela se passava,
quase assumindo um olhar jornalístico. As análises posteriores como do filme
Linha de montagem de Renato Tapajós, produzido em 1981, e ainda, próximo,
temporalmente, dos acontecimentos permitiu o resgate do discurso dos
protagonistas das grandes greves do ABC. Seguindo a intenção de refletir
sobre a produção cinematográfica e a formação da memória, o filme ABC da
greve de Leon Hirszman, obra inacabada que viria a ser conhecida do grande
público somente em 1991, está inserida nesse contexto e é um olhar
representativo da época.

Em uma perspectiva mais específica a dissertação A luta operária no cinema


militante de Renato Tapajós de Krishna Gomes Tavares (2011) desenvolve a
análise sobre a trajetória do cineasta engajado Renato Tapajós que depois de
sair da prisão pelo seu envolvimento na luta armada fez uma série de
documentários curtas numa parceria com o sindicato dos metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, culminado com o longa Linha de Montagem de 1981. A
intenção maior foi analisar a constituição de um cinema que auxiliasse na
formação política dos trabalhadores durante o período ditatorial.

Os trabalhos de Granito (2008) e Tavares (2011) são contribuições importantes


para o tema dessa pesquisa, ajudando a compreender o imaginário do operário

234
naquele período, no entanto, não avançam na compreensão das relações
desses filmes com o Estado e a mídia impressa já que não enfatiza a ação da
censura e a dos jornais e revistas o que é o objetivo desse trabalho.

Importante para pensar a questão da censura no Brasil é o livro de Inimá


Simões, Roteiro da Intolerância – A censura cinematográfica no Brasil (1999).
Nessa obra, o autor faz um estabelece um panorama da ação da censura
durante grande parte do século XX no Brasil, analisando os contextos e os
filmes censurados. Seu trabalho se inicia com o fim do Estado Novo e
prossegue até o fim da ditadura militar na década de 80, analisando a ação da
censura e de sua articulação interna, bem como a reação da sociedade civil.
Analisa, ainda, a ação da censura de filmes nacionais e estrangeiros
procurando destacar como o conteúdo, seja ele de natureza política ou moral,
ameaçava a ordem estabelecida. Assim como nas duas teses citadas, Inimá
Simões também não faz um trabalho sistemático de leitura dos pareceres da
censura ligados aos filmes que abordam o operariado, já que se trata de obra
de recorte temático bastante amplo e não tem como preocupação pensar a
imprensa.

Analisando documentos
O interesse em levar adiante a proposta de pensar sobre um filme que tem
como tema os trabalhadores e suas lutas políticas e que foi lançado no período
de abertura política está em resgatar uma parte da história do imaginário
político da época que mantém, de forma pouco sistemática, viva na memória
daqueles que viveram os últimos anos da ditadura civil-militar. Trata-se,
portanto, de fazer um trabalho de leitura de fontes diversas que vão da escrita
a fílmica até a análise de documentos oficiais e publicações da grande
imprensa.

Siegfried kracauer (1988), ao analisar o cinema expressionista alemão,


considerou a importância do contexto histórico no estudo dos filmes, devido ao
realismo impregnado na obra pelo seu próprio tempo. A análise fílmica deveria
acontecer de forma sistemática e detalhada com o esforço do historiador em
lançar a imaginação a serviço dos fatos. O filme Eles não usam Black Tie ao
ser objeto de estudos de alunos e professores deve ser analisado
minuciosamente, com o intuito de revelar o discurso explícito, as referências
diretas e as estratégias alegóricas desenvolvidas. A análise do contexto
histórico deve ser motivo de especial atenção, pois permitirá estabelecer
relações com a obra, bem como os impactos provocados na opinião pública e
na crítica especializada.

Partindo da premissa de que “um documento é sempre portador de um


discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente”
(CARDOSO & VAINFAS, 1977, p. 377), é necessário estar atento ao discurso e
suas minúcias.

Segundo Jacques Les Goff um documento é sempre um monumento e requer,


portanto, cuidados especiais. A leitura documental exige um rigor, respeitando

235
a carga de valores da época de sua produção, assim como da atualidade, mas
evitando a sacralização de seus conteúdos. Dessa forma, a análise de
documentos oficiais como é o caso dos pareceres da divisão de censura
federal, bem como outras fontes são de fundamental importância. Para tal é
necessário à utilização da documentação da sobre o cinema brasileiro
disponível na internet. O site “Memória da Censura Brasileira" disponibiliza
mais de cinco mil documentos que incluem processos de censura, material de
imprensa e relatórios do DEOPS de 175 filmes brasileiros e pode ser acessado
pelos alunos.

Explorando um tema: a censura


Parto do pressuposto de que a ação de movimentos da sociedade civil pró-
redemocratização e a iniciativa do general João Baptista Figueiredo de levar
adiante o processo de liberalização política colaboraram na constituição de um
imaginário da abertura que interferiu na tomada de decisões do departamento
de censura federal. A ação dos censores foi eficaz com muitos filmes sendo
censurados total ou parcialmente, mas ao mesmo tempo, a consciência de que
a ditadura civil-militar estava em declínio, fez com que seus trabalhos fossem
feitos com maior cautela e materiais que antes seriam proibidos, foram
aprovados para exibição. A reflexão sobre o filme Eles Não usa Black Tie deve
ser feita a partir do confronto de sua narrativa com a documentação do período,
mas precisamente, os pareceres da censura federal.

As produções cinematográficas do período 1978 – 1985 refletiram o


fortalecimento do espírito da abertura política ao levantar temas polêmicos e
vivenciados pela sociedade no período. Com uma produção cultural de massa
cada vez mais crítica não havia como o governo não se dar conta e até órgãos
como a divisão de censura federal passaram a ter mais cuidado no sentido de
não ferir as expectativas de democratização da sociedade ou mesmo os
propósitos do governo de levar adiante um processo de distensão que pode ser
considerado, para alguns, como uma forma de conservadorismo político. Um
exemplo dessa mudança no governo durante a abertura está no departamento
de censura federal que continuou a manter uma política de rigoroso controle
sobre a produção cultural brasileira, emitindo certificados de censura para a
televisão e para os filmes poderem ser exibidos nos cinemas nacionais ou
mesmo para sua exibição na televisão ou em festivais internacionais. A função
dos censores continuava praticamente a mesma, liberando ou proibindo os
filmes, ou ainda, determinando cortes para sua liberação. Verifica-se um alto
grau de profissionalização que a censura vai adquirindo ao longo do tempo. Os
censores, antes considerados despreparados e eternizados em contos
anedóticos que mostravam a incompetência do seu trabalho, passaram a ter
uma formação cada vez mais rigorosa a ponto de ter aulas de crítica
cinematográfica com grandes nomes da história e teoria do cinema no Brasil
como é o caso de Paulo Emílio Salles Gomes que em 1966 ofereceu, a pedido
do governo, um curso de crítica cinematográfica para os censores brasileiros.
Essa tendência só fez crescer na década de 70 e o que nos chama a atenção
está na mudança de perspectiva dos censores a partir da abertura política.

236
A preocupação com o tema do operariado, no período da Abertura Política,
está presente em filmes documentários como ABC da greve (1979) de Leon
Hirszman; Braços Cruzados, Máquinas Paradas de Roberto Gervitz e Sérgio
Toledo; Linha de Montagem (1982) de Renato Tapajós e o curta metragem
Greve de Joaquim Pedro de Andrade. Mas os trabalhadores não são
preocupação exclusiva da produção documentária, mas também nas obras de
ficção que trazem o tema do operariado como foco central. Eles não usam
Black Tie, sucesso do teatro de Arena no final da década de 50 e com roteiro
adaptado para o cinema pelo próprio autor da peça, Gianfrancesco Guarnieri,
trouxe de volta o tema das greves e os conflitos entre patrão e empregados,
trabalhadores conscientes e manipulados pelos patrões e o problema da falta
de consciência de classe dentro do âmbito familiar ao discutir a relação do filho
“pelego”, com o pai sindicalista. O tema do filme tinha um conteúdo explosivo
e progressista, principalmente se levarmos em conta o período, pois o país
ainda vivia uma ditadura, mas ele foi liberado pela censura federal que
considerava:

“O assunto é deveras tendencioso, contendo um estopim de pólvora, porém,


realidade, atualmente, existentes e impossíveis de silenciá-las sem esbarrar na
tão falada abertura política. Se alguma restrição houver será alardeada
incontinenti pelos interessados e, certamente, liberado mais tarde por outras
instâncias em consonância com o diálogo de inteiração política existente,
garantindo, destarte, uma promoção gratuita, além de, corroborar na elevação
dos malefícios de sua mensagem dirigida. Pelo exposto, quanto ao exame
censório com vistas às diversões públicas, cremos que, o mesmo, mostra-se
plausível à liberação para a chancela máxima: DEZOITO ANOS.” (DPF-DCDP-
Parecer nº 4925/80)

A grande novidade nesse tipo de parecer é o reconhecimento de que o


processo de abertura estava intervindo nos rumos das decisões de um órgão
que sempre teve papel importante na formulação de uma estratégia de
manipulação do governo. Não existia mais espaço para criação de um
imaginário alheio ao espírito de redemocratização. Se era intenção desse
órgão manter laços firmes com o autoritarismo, isso se daria de forma muito
mais sutil. O tema democracia e seus derivados não poderiam ser tratados de
qualquer forma, seria necessário estar atento às reações da sociedade.

A percepção de um imaginário da abertura através dos filmes, dos pareceres


da censura e da repercussão desses na mídia impressa é um caminho de mão
dupla, afinal, ao mesmo tempo em que o imaginário influencia a sociedade,
também é influenciado por ele, o que torna o confronto dessas narrativas mais
instigante na medida que os alunos poderão perceber uma certa dinâmica nas
relações políticas.

Considerações finais
O estudo do período da abertura política do regime civil-militar no Brasil é
importante devido ao momento que começa a estabelecer as bases do regime
democrático que estava por vir. Os alunos do ensino fundamental ou médio

237
podem, a partir da análise fílmica e de documentação, confrontar vários olhares
sobre o período e compreender as formas de articulação da luta pela volta da
democracia ao Brasil, mas também perceber como os discursos tem sua
relevância na medida que ameaçam a ordem estabelecida e, como podemos
perceber na narrativa do parecer da censura federal em relação a liberação do
filme Eles Não Usam Black Tie a publicidade disso pode ser avaliada como
mais perigosa do que a própria mensagem, uma vez que mais pessoas teriam
contato com a narrativa.

O ensino de História ao proporcionar aos alunos momentos de reflexão sobre


aspectos do imaginário de uma sociedade que está em processo de
liberalização política pode ajudar na construção de valores democráticos e a
análise fílmica feita no confronto com documentos oficiais oferece a
possibilidade de um estudo mais específico na análise do período.

Referências biográficas
Dr. Paulo Roberto de Azevedo Maia – Professor da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB)

Referências bibliográficas
AQUINO, Maria Aparecido de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-
1978), Bauru: EDUSC,1999.

BACZKO, Bronislaw, “Imaginação Social”, in Romano, Ruggiero (Dir.).


Enciclopédia Einaudi, Vol. 5. Anthropos – Homem. Lisboa: Imprensa/Casa da
Moeda, 1985.

CASTORIADIS, Cornélius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 3 ed. São


Paulo: Paz e Terra, 1982

CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Domínios da História: Ensaio de


Teoria e Metodologia. RJ: Editora Campus, 1997.

DEPARTAMENTO DA POLÍCIA FEDERAL, Divisão de Censura de Diversões


Públicas, Parecer nº 4925/80.

DUARTE, Celina Rabello. Imprensa e Redemocratização no Brasil: Um Estudo


de duas Conjunturas, 1945 e 1974-1978, dissertação de mestrado, Programa
de Estudos de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo: 1987.

FERRO, Marc. O filme: uma contra-análise da sociedade. História: novos


objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p. 199-215, 1976.

FICO, Carlos. Além do golpe: Versões e controvérsias sobre o golpe de 1964 e


a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004.

GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, São Paulo: Companhia das Letras,

238
2002.
_____________; HOLLANDA, Heloísa Buarque de; Ventura, Zuanir. Cultura
em Trânsito: da repressão a abertura, Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000.

KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do


cinema. Jorge Zahar, 1988.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. Editora


Contexto, 2003.

SILVA, Maria Carolina Granato da. O cinema na greve e a greve no cinema:


memórias dos metalúrgicos do ABC (1979-1991). Niterói: doutorado, 2008.

SIMÕES, Inimá Ferreira. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no


Brasil. São Paulo: Senac, 1998.

TAVARES, Krishna Gomes. A luta operária no cinema militante de Renato


Tapajós. 2011. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

239
ENSINO DE HISTÓRIA FRENTE ÀS
TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM OLHAR SOBRE A
PRÁTICA DOCENTE
Raimundo Denizar dos Santos Pires

O homem, ao longo dos tempos, construiu tecnologias capazes de mediar o


trabalho e intervir na natureza. Para muitos autores, tecnologias são
instrumentos situados na história e na cultura da sociedade para realizar suas
atividades produtivas. Trata-se de “diferentes equipamentos, instrumentos,
recursos, produtos, processos, ferramentas (...)” (KENSKI, 2009, p. 15).

Para Longo (1984), a “tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou


empíricos empregados na produção e comercialização de bens e serviços”.
Steensma (1996), define tecnologia como “um corpo de conhecimentos,
ferramentas e técnicas, derivados da ciência e da experiência prática, que é
usado no desenvolvimento, projeto, produção, e aplicação de produtos,
processos, sistemas e serviços”.

A sociedade contemporânea vive um momento de revolução da informação e


da comunicação fundamentadas em grande medida no desenvolvimento das
tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs), as quais conduzem a
novos contextos de produção, novas formas de relação, de modos de viver,
pensar e agir diferenciados de outros tempos.

Ao longo das últimas décadas, as tecnologias digitais da informação e


comunicação têm alterado nossas formas de trabalhar, de se comunicar, de se
relacionar e de aprender, perpassando também pela educação. Na educação,
as TICs têm sido incorporadas às práticas docentes como meio para promover
aprendizagens mais significativas, com o objetivo de apoiar os professores na
implementação de metodologias de ensino ativas, alinhando o processo de
ensino-aprendizagem à realidade dos estudantes.

O contexto atual requer um professor que não seja apenas um transmissor do


conhecimento, mas também um instigador dentro de uma sociedade que tem
demandado sujeitos críticos, competentes, criativos e flexíveis. Para Cortella
(2014) o professor passa a ser o agente mediador nesse processo.

É nesse cenário que abordaremos o ensino de História tendo como auxílio às


Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Repensar as práticas
pedagógicas, inserindo recursos tecnológicos nos remete a uma reflexão sobre
o ato docente. Onde por meio de softwares, sites educativos, filmes, músicas,

240
podcasts, dentre outros recursos digitais, constitui-se em estratégia de estímulo
à aprendizagem de forma lúdica, na qual o professor deve atuar como
mediador do ensino/aprendizagem.

Deixemos claro que o uso das Tecnologias Digitais de Informação e


Comunicação no ensino de História não impede o professor de continuar
utilizando outros meios didáticos, pelo contrário, serve como mais uma
metodologia a ser implantada no dia a dia da sala de aula. Quanto maior forem
os recursos, as ferramentas e os dispositivos utilizados pelo docente, melhor
será o aprendizado dos discentes.

Fonseca (2009), em estudos sobre o ensino de História, afirma que “ao


incorporar diferentes linguagens no processo de ensino de História,
reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares e a vida
social, mas também a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de
ensino e aprendizagem”.

O ensinar e o aprender com o auxílio da tecnologia é muito mais constante,


proporcionando um espaço real de aprendizagem entre o mundo físico e digital.
Viabiliza aos professores diversificadas formas de ensinar e aos alunos novas
formas de aprender; e para a disciplina de História favorece assimilação do
conteúdo, a criticidade, a criatividade, desde o início do planejamento da aula,
passando pela elaboração das propostas curriculares e até o registro curricular
dos alunos que concluem o ensino médio.

Ao adotar as TICs, objetivando o melhoramento das intencionalidades


pedagógicas, deve-se investir na inserção de cursos de formação norteada
para a utilização das tecnologias modernas, acompanhando, também, as
potencialidades e os conhecimentos prévios dos educandos, estabelecendo
uma rede de aprendizado recíproco. Porque o uso de tecnologias o aluno já
usa, transformar a tecnologia numa ferramenta de aprendizagem e não
somente de uma gama de informação, deve ser a principal finalidade.

Considerando esses fatores, pretende-se através deste artigo fazer uma


reflexão referente à importância da TICs no processo de ensino e
aprendizagem nas aulas de História, destacando os avanços, desafios e
dificuldades que é se fazer educação em nosso país.

A História tem sua origem nas investigações de Heródoto. A História que


pensamos seria então a reinterpretação do estudo da ação humana ao longo
do tempo. Através do estudo dos processos e dos eventos ocorridos no
passado. Esse estudo histórico começa quando os homens encontram os
elementos de sua existência nas realizações dos seus antepassados,
prosseguindo até as suas realizações no presente. (BLOCH, 1986).

Os historiadores usam várias fontes de informação para entender os processos


históricos contidas em filmes, músicas, revistas, jornais, entrevistas orais,
instrumentos patrimoniais, objetos arqueológicos, entre outros. Block (1986)

241
afirma que em sua evolução, a História procurou interpretar todo o contexto
social, político, cultural e econômico dentro das relações humanas. Bem como
o tempo (temporalidades históricas), os sujeitos históricos, o trabalho, o poder,
a cultura, a memória e a cidadania. É a ocasião de revisar mecanismos do
perceber e do agir.

Quando se fala que a História é construída por todos os sujeitos históricos, “o


sujeito não é homogêneo, na medida em que sua identidade está em um
constante processo de produção e sofre transformações, pois o sujeito se
encontra em um ambiente marcado pela heterogeneidade e por conflitos
sociais, sua identidade constitui-se pela inscrição dos sujeitos na exterioridade
social, é constituída pela relação de um com o outro. Com o discurso, o sujeito
tem sua unidade no caminho de uma contradição a outra; encontra-se entre o
‘eu’ e o ‘outro’, no espaço discursivo. Os sujeitos são marcados por
determinações sócio-históricas e são atravessadas por discursos de outrem,
com os quais se unem, e dos quais se diferenciam e/ou distanciam
(FERNANDES, 2012, p.41).

Consideramos que o ensino de História possibilita ao professor se engajar,


juntamente com os alunos, na construção do saber e do pensamento crítico.
Gauthier (1998) afirma que a ação do professor faz toda a diferença na
aprendizagem, e que embora ensinar seja um ofício exercido em quase todas
as partes do mundo, desde a Antiguidade, ainda se sabe muito pouco a
respeito dos fenômenos que lhe são inerentes, e foi no escopo de aprimorar
essa relação dicotômica ensino/aprendizagem, professor/aluno, que esse
trabalho foi desenvolvido, e claro levar o aluno o conhecimento sobre quem são
os sujeitos históricos importantes que conhecemos.

Sobre as metodologias e práticas no ensino de História, Martins (2008) afirma


que deve haver a preocupação em desenvolver a capacidade dos alunos em
relacionar fatos, confrontar os pontos de vista e explorar a diversidade das
fontes de pesquisa. Segundo Bittencourt (2009) é esta a “inovação que ocorre
aos objetivos” enfatizando o “papel do ensino de História para a compreensão
do ‘sentir-se sujeito histórico’ em sua contribuição para a formação de um
cidadão crítico” (p. 19).

Com isso, ensinar História passa a ser, então, dar condições para que o aluno
possa participar do processo do fazer, do construir a História. A História se
torna a disciplina que busca agrupar as mais diversas singularidades nas ações
do homem e com o resultado desse processo ela dá um sentido a esses fatos,
demonstrando-os com as suas interligações com o resto dos eventos que
fazem parte da vida humana.

Ao realizar esse processo o professor e o aluno poderão juntos levantar


problemáticas atuais que se interligam a outros momentos históricos. Esse
processo tornará a História para além de uma mera uma disciplina, auxiliará o
aluno a descobrir o seu papel social. A intenção é que ele desenvolva a
capacidade de observar, de extrair informações e de interpretar algumas

242
características da realidade do seu entorno, de estabelecer algumas relações e
confrontações entre informações atuais e históricas, de datar e localizar as
suas ações e as de outras pessoas no tempo e no espaço e, em certa medida,
poder relativizar questões específicas de sua época. (PCNs - Ensino de
História, 1998, In: FONSECA, 2008, p. 89).

Diante dos avanços tecnológicos que permeiam o mundo globalizado, é


sensato levar em consideração que a maioria dos alunos já nascem imersos ao
mundo digital, e que também aprendem em ambientes externos à escola.
Portanto, há um grande desafio por parte dos docentes, não só de inserir novas
tecnologias em sala de aula, mas também de desenvolver práticas
pedagógicas que promovam uma postura reflexiva sobre seu uso (SOUSA,
2009).

Nóvoa (1996, p. 17) diz que “[...] a inovação só tem sentido se passar por
dentro de cada um, se for objeto de reflexão e de apropriação pessoal”. Daí a
necessidade de buscar alternativas para utilizarmos as tecnologias como meio
para fazer o sujeito pensar, educar-se e aprender com os outros nas múltiplas
possibilidades de interação com o conhecimento.

Moran (2007, p.21) afirma que há um ganho para a educação com a inovação
tecnológica em sala de aula para fins didáticos: aumento da concentração,
engajamento, afetividade entre os pares, a socialização de estratégias de
pensamento, fortalecimento da memória de longo prazo, entre outras
possibilidades pedagógicas mais dinâmicas e criativa. “A educação precisa
encantar, entusiasmar, seduzir, apontar possibilidades e realizar novos
conhecimentos e práticas”.

As TICs são ferramentas que se forem bem planejadas são ferramentas que
podem ser muito úteis nos processos de ensino e aprendizagem dos alunos,
levando em consideração que o sujeito é um ser histórico, político e social que
já possui uma bagagem de conhecimentos trazidos do seu convívio familiar.
Para isso a escola desafia seus alunos a construírem seus conhecimentos e
habilidades e que possam se integrar junto com a sociedade, com seus
professores, seus colegas de sala e com sua própria família.

O professor que leciona História pode trazer jogos eletrônicos conhecidos dos
alunos para explicar conteúdos curriculares. Por exemplo, no jogo Assassin's
Creed os jogadores conseguem aprender sobre as sociedades secretas como
os templários, as Cruzadas, Roma Antiga e o Império Bizantino. No game Call
of Duty um fator que torna o jogo um dos mais indicados para quem deseja
aprender História é a passagem por cenários históricos como a Praça
Vermelha, o Palácio de Reichstag, Stalingrado e Berlim. E o jogo Europa
Universalis traz temas históricos relevantes da Idade Média, como as
expansões marítimas, conquistas e administração de impérios e o
desenvolvimento da Igreja Católica.

243
Em relação ao uso de filmes temos uma variedade enorme de produções que
abordam todos os períodos e acontecimentos históricos. Temos A Lista de
Schindler, um clássico do cinema que aborda o Holocausto; Adeus Lênin que
fala sobre a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha; 300 que
retrata a conhecida batalha de Termópilas, uma das várias travadas entre
gregos e persas durante as chamadas Guerras Médicas; o filme 1492: A
conquista do Paraíso conta as viagens de Cristóvão Colombo para a América
no contexto da expansão marítima e comercial dos séculos XV e XVI; o filme a
Guerra do Fogo retrata a vida do homem na pré-história, dando ênfase para a
descoberta do fogo; entre outras produções.

O docente objetivando levar ao aluno uma pesquisa sobre determinado


assunto em História pode-se utilizar sites específicos como o História Livre,
Café História, Aventuras na História, Descomplica, Brasil Escola, Mundo
Educação, Infoescola etc. Temos ainda as plataformas de compartilhamento de
vídeos para serem utilizadas pela docência, como por exemplo a mais famosa
delas, o Youtube.

A educação mediada pela tecnologia pode ser mais dinâmica e instigadora no


ensino de História, os docentes têm um papel muito maior do que apenas
ensinar o que está no planejamento, buscando vencer os conteúdos, mas sim,
desenvolver a capacidade de pesquisa, se constituindo também como
pesquisador.

A inserção da tecnologia na sala de aula pode ser comprovada na Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por referências explícitas e
implícitas sobre tecnologia, tais como:

- O domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção


moderna (art. 35);

- O incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao


desenvolvimento da ciência e da tecnologia (art. 43);

- A determinação de uma cultura profissional às diferentes formas de


educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia (art. 39).

Segundo Valente (1999), a prática pedagógica é uma forma de conceber


educação que envolve o aluno, o professor, os recursos disponíveis, inclusive,
as tecnologias digitais, a escola e seu entorno e todas as interações que se
estabelecem nesse ambiente de aprendizagem.

Os recursos de multimídia e computação gráfica, entre outros, constituem-se


em ferramentas de apoio para a tarefa do professor de História, possibilitando
novas formas de apreensão, uma vez que tais recursos despertam a atenção
dos alunos, tornando-os mais interessados e contribuindo para a melhoria da
aprendizagem, estabelecendo uma relação de interação com o conteúdo entre
professores e alunos.

244
Referências biográficas
Raimundo Denizar dos Santos Pires, graduado em História pela Universidade
Estadual do Ceará (UVA), especialista em Metodologia do Ensino de História
pela Faculdade Padre Dourado, especialista em Metodologia do Ensino de
Filosofia e Sociologia pela UniVitória.

Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Circe (org). O Saber histórico na sala de aula. 11. Ed., 3ª
reimpressão – São Paulo: Contexto, 2009 – (Repensando o ensino). Pp. 11-27.

BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da história, ou, O ofício de


historiador. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.
CORTELLA, M. S. Educação, escola e docência: novos tempos, novas
atitudes. São Paulo: Cortez, 2014.

FERNANDES, Cleudemar. Alves. Discurso e sujeito em Michel Foucault. São


Paulo: Intermeios, 2012.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História:


experiências, reflexões e aprendizados. 8. ed. Campinas: Papirus, 2009.
KENSKI. Educação e tecnologias. 2º ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.

NÓVOA, António. Relação Escola-Sociedade: novas respostas para um velho


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SOUZA, Carlos Henrique M. de. Tecnologias e novos modos de comunicação:


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VALENTE, J. A. (Org.) O computador na sociedade do conhecimento.


Campinas: Unicamp-nied, 1999.

245
TECNOLOGIA NO ENSINO: UMA AÇÃO QUE
PRECISA SER IMPLEMENTADA
Roseli Ap. Zuli Teixeira e Wagner P. de Souza

Resumo: Este registro tem como objetivo contribuir acerca do tema


Plataformas adaptativas, possíveis contribuições no desenvolvimento da
aprendizagem, desafios e aplicação no contexto educacional. Em meio a
demanda de um ensino que contemple o desenvolvimento de competências e
habilidades que permitam formar o cidadão capaz de tomar decisões e exercer
sua cidadania plenamente, o ensino adaptativo procura sanar lacunas na
aprendizagem através da personalização do ensino. A metodologia aplicada foi
a pesquisa bibliográfica qualitativa, tendo como aporte teórico, Moran (2015) e
Gomes (2013) em virtude das importantes contribuições relacionadas ao tema.
As pesquisas ocorreram através de acessos via internet à sites com
publicações pertinentes, utilizando como ferramenta o Google Scholar. As
plataformas adaptativas permitem mapear, monitorar e interpretar informações
através dos acessos realizados pelo estudante, e por meio do armazenamento
de dados oferece feedback ao aluno e ao docente, possibilitando intervenções
em possíveis lacunas na aprendizagem através da personalização do ensino,
atendendo a diferentes estilos de aprendizagem.

Introdução
O trabalho com a disciplina de história pode ser realizado de diversas
maneiras, ainda mais, como nos dias atuais em que a área tecnológica é um
fator marcante para se difundir o ensino. Pensando nisso, é que este trabalho
reflete sobre algumas questões de implementações do ensino em sala de aula
e que pode ser efetivado em qualquer área do conhecimento, inclusive, na
disciplina de história que é o foco temático da macrodiscussão.

Há muito, se tem travado uma luta na tentativa da transformação da escola


tradicional em uma escola que ofereça possibilidades do indivíduo se apropriar
de conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento integral. Pensamentos
enraizados na concepção do professor como centro do ensino e devoção às
aulas puramente expositivas, obstáculos e dificuldades de acesso à internet, têm
se apresentado como alguns dos entraves na transformação da educação
tradicional para a da era digital nos ambientes escolares. Porém, após a
Pandemia do Covid 19, onde fomos obrigados a nos adaptar às tecnologias
rapidamente, houve um vislumbre de que o trabalho com as tecnologias na
educação é possível. As transformações tecnológicas crescem a cada dia e
torna- se mais urgente levá-la aos espaços escolares, oferecendo aos
estudantes metodologias diversificadas e estimulantes, através de um

246
ambiente colaborativo que possibilite a personalização do ensino, imbuído de
contribuir para o desenvolvimento de habilidades e competências que
ofereçam maior possibilidade de sucesso a nível pessoal e profissional dos
estudantes.

Dentre as tecnologias emergentes na educação, as Plataformas adaptativas


surgem como ferramenta de ensino, sendo atualmente utilizadas por algumas
instituições de educação. A Big Data e Inteligência Artificial (IA) são
combinações empregadas nas Plataformas adaptativas, possibilitando um
rastreio da aprendizagem do aluno, identificando suas preferências, estilos de
aprendizagens, percepção dos pontos fortes e fracos, tendo como objetivo
potencializar o aprendizado individual de cada um. Podendo-se dizer que é:
“Um sistema de aprendizagem personalizada que adapta, inteligentemente, as
etapas de ensino em resposta ao progresso do aluno.” (COSTA, 2022, p. 03)

Este trabalho foi alicerçado em pesquisas de publicações bibliográficas


disponibilizadas por meios digitais, visando promover um maior entendimento
do tema Plataforma Adaptativa, sua composição, e implementação na
educação, fazendo uma reflexão de como o avanço tecnológico, associado aos
ambientes virtuais de aprendizagens (AVAs), colaboram com o
desenvolvimento de competências e habilidades atendendo as demandas
educacionais, bem como a importância do professor como mediador desse
processo, e o impacto dessa tecnologia no ensino aprendizagem, pois,

“As tecnologias permitem o registro, a visibilização do processo de


aprendizagem de cada um e de todos os envolvidos. Mapeiam os progressos,
pontam as dificuldades, podem prever alguns caminhos para os que têm
dificuldades específicas – plataformas adaptativas.” - (MORAN, 2015, p.10).

As tecnologias digitais estão em todos os setores da sociedade atual e são


consideradas ferramentas de impulsionamento das relações sociais, da
produção e compartilhamento de informações e da aprendizagem colaborativa.
E baseiam-se em três critérios.

“Apoia-se em redes informática, e a utilização da internet permite a atualização,


o desdobramento e a distribuição das informações de forma praticamente
instantânea, bem como a participação em comunidades de aprendizagem;
desenvolve-se por meio de tecnologia padronizada de internet, o que permite
disponibilizar toda a informação no computador do usuário; baseia-se na
aprendizagem em seu significado mais amplo.” (ROSENBERG, 2001, p. 03,
citado em TEIXEIRA. & LIMA, 2020)

Tornar as tecnologias acessíveis, bem como sua utilização para a


aprendizagem são demandas de uma escola do Século XXI. Convém
mencionar que a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, traz em seu
escopo através da Competência geral cinco (5) a necessidades do
desenvolvimento de habilidades digitais e ao uso da tecnologia nas escolas,

247
como base para a formação de um cidadão com conhecimentos, habilidades e
atitudes que atendam as diretrizes recém implementadas.

“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação


de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva.” Base Nacional Comum Curricular – (BNCC, 2018).

Além de promover o letramento digital a escola deve lançar mão da tecnologia


para potencializar a aprendizagem dos alunos. Mas como ocorre a
personalização do ensino? Como as plataformas adaptativas se diferenciam
das demais? Configurando-se com uma composição de Inteligência artificial
(IA) e Machine learning (Aprendizado de máquina) as Plataformas
adaptativas operam através de algoritmos que permitem ao computador
mapear as interações do aluno na plataforma, identificando e registrando
estilos e ritmos de aprendizagem de cada estudante, tempo utilizado para a
resolução das atividades, facilidades e dificuldades frente aos conteúdos, bem
como quais foram efetivamente assimilados ou não.

“Há hoje um grande avanço na análise dos metadados, na geração de


relatórios personalizados, no desenvolvimento de plataformas adaptativas e
aplicativos que orientam os professores sobre como cada aluno aprende, em
que estágio se encontra, o que o motiva mais.” (GOMES, 2013)

Para atender as diferentes demandas de aprendizagem, essas plataformas são


alimentadas com conteúdo em diferentes formatos como games, vídeos, textos
de revistas, exercícios, artigos, e-books, imagens, áudios etc., bem como com
dados do aluno, obtidos através da observação na sala de aula, da análise do
histórico de notas, do desenvolvimento de atividades e performance do
estudante, essas informações são processadas, gerando um relatório
personalizado, auxiliando os professores a atender as especificidades de cada
aluno, surgindo o ensino personalizado e adaptativo.

“Com os recursos das novas tecnologias digitais, pesquisas observam que


essa metodologia aplicada em plataformas adaptativas promovem a
personalização do ensino e conseguem atender às necessidades individuais de
cada aluno durante todo o processo de aprendizagem”. (COSTA, 2022, p. 03)

As plataformas adaptativas possibilitam o que é de mais ambicioso em uma


sala de aula tradicional, ou seja, são capazes de reconhecer as necessidades
individuais de cada estudante, acompanhando ritmos de aprendizagem,
fornecendo conteúdo de ensino adaptados a cada um, mostrando-se mais
eficiente para a aprendizagem significativa. Convém mencionar que essa
personalização do ensino, oferece ao aluno que apresenta alto índice de erro
nas atividades, um reforço com aulas e exercícios extras, abrindo para o
estudante novas e diferenciadas atividades para o aperfeiçoamento do
conteúdo. Pode-se dizer que plataforma adaptativa é: “Um sistema de

248
aprendizagem personalizada que adapta, inteligentemente, as etapas de
ensino em resposta ao progresso do aluno.” (COSTA, 2022, p.03)

Destaca-se nesse contexto o protagonismo do aluno, que munido de informação


prossegue com os estudos de acordo com sua realidade. O principal objetivo
dessas plataformas é disponibilizar e atender as demandas de ensino que se
adaptem às características individuais de cada aluno. Apesar de vivermos uma
era tecnológica, muita das salas de aula atuais apresenta um distanciamento
dessa realidade. Alunos frequentadores do modelo arcaico de educação,
sentem- se desmotivados, sendo dentre outros, um dos fatores de evasão
escolar, que reflete inclusive no índice de desenvolvimento do país.

Essas considerações visam sugerir que, precisamos garantir a


preparação de profissionais e cidadãos para lidar com os avanços e mudanças
atuais. Não é injusto dizer que a falta de incentivo e implementação tecnológica
nas escolas, exclui uma camada importante de cidadãos brasileiros, e o
fomento e o acesso à educação tecnológica são um item importante que
alavanca e colabora com o desenvolvimento humano pleno.

Alunos e professores, devem ser vistos como transformadores: o professor


como mediador e o aluno, como o aprendiz interessado em novas
possibilidades e com vontade de aprender. Porém, para que os ambientes
virtuais de aprendizagem cumpram seu papel, é preciso mencionar que devem
ser espaços democráticos, com a possibilidades de acesso aos mais diversos
interesses e interessados, além de oferecer uma aprendizagem colaborativa e
dinâmica calcada na ética e no uso consciente, sendo capaz de satisfazer os
pleitos de uma sociedade em evolução. Vale ressaltar, no entanto, que as
ferramentas sozinhas não são suficientes para promover uma transformação
educacional na sociedade, sendo necessário destacar que para que essa
transformação ocorra, a educação precisa fazer bom uso dos meios
disponíveis da atualidade, oferecendo inclusive capacitação dos professores
adequadamente. A partir dessa constatação, a empreitada basilar é, alavancar
a aprendizagem através do uso das tecnologias da informação.

O ensino adaptativo e a aprendizagem significativa


Adaptive Learning, também chamado de ensino adaptativo, é uma metodologia
educacional que interpreta e molda-se para atender as demandas e
necessidades individualizadas de aprendizagem de cada estudante,
considerando o ritmo e as dificuldades singulares de cada um, apresentando-
se como metodologia de personalização do ensino, através de ambientes
virtuais de aprendizagem (AVA). Essa abordagem de ensino direcionado aos
interesses do aluno, valorizando o que ele já domina e reforçando os pontos
frágeis, caracteriza-se em uma aprendizagem significativa. Quando o professor
faz uso dessa estratégia de ensino, o aluno fica mais motivado e se interessa
mais pelo conteúdo, pois consegue relacionar um fato a outro que ele já
conhece.

249
É importante salientar que o professor deve promover um aprofundamento dos
conteúdos disponibilizados na plataforma, levando para a sala de aula material
complementar com o propósito de oferecer aos alunos que ainda apresentam
alguma dificuldade de entendimento uma nova abordagem para uma
aprendizagem mais direcionada. Os dados obtidos através das interações do
aluno servem como base para a abordagem de novos conteúdos, apoiados nas
experiências anteriores. A evolução da aprendizagem do aluno vai ocorrendo
conforme suas interações na plataforma, que vai dando complexidade ao
conteúdo. Esses ambientes virtuais de aprendizagem são alicerçados na
inteligência artificial, o que possibilita o armazenamento de informações e
grande volume de dados e acesso e intercâmbio a diversas mídias, garantindo
um ensino diferenciado.

Sob o ponto de vista de Ferreira (2014) como citado em Aires, J. P., & Pilatti, L.
A. (2016). “[...] a personalização do ensino tem sido apontada como uma das
formas mais eficientes de garantir o aprendizado dos alunos.”

Outro fator importante no ensino adaptativo é a evolução da aprendizagem, se a


ferramenta verificar que o aluno ainda não consolidou a aprendizagem
trabalhada o sistema não avança para os próximos tópicos. No entanto, para a
plataforma atender os diversos tipos e estilos de aprendizagem ela precisa ser
alimentada pelo professor, com informações variadas como mídias
diversificadas, vídeos, podcasts, imagens, textos e jogos, bem como apresentar
uma estrutura que atenda o extenso volume de acessos simultâneos.

Considerações Finais
A escola precisa se adaptar e fazer jus à chamada “sociedade da informação”,
se desapegando das metodologias tradicionais, incorporando novas propostas
com as atuais exigências e demandas da sociedade. Falamos aqui de um
ensino voltado para a nova cultura digital, integrada à resolução de problemas,
a aprendizagem colaborativa, ao desenvolvimento de competências e
habilidades necessários e indispensáveis à prática da cidadania, a flexibilidade,
a tomada de decisões, ao desenvolvimento das relações interpessoais. Esse é
um grande desafio, porém inadiável à demanda da educação do Século XXI.

A personalização do ensino através das plataformas adaptativas colabora para


a efetivação dessa demanda, porém o papel do professor como mediador
desse processo é de fundamental importância, pois através dele a plataforma é
nutrida com material a ser disponibilizado para a sequência de aprendizado do
aluno. Por fim, tenho esperança que este registro coopere, não somente para
que o leitor conheça o conceito de Plataforma Adaptativa, mas também que
perceba que é possível fazer uso da tecnologia em sala de aula, usufruindo de
todos os benefícios que ela carrega, afim de desenvolver as competências e
habilidades indispensáveis para a aprendizagem significativa na formação do
estudante.

250
Referências Biográficas
Roseli Aparecida Zuli Teixeira – Mestranda em Tecnologias Emergentes da
Educação pela Must University, Graduação em Licenciatura Plena em
Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, Pós-
Graduação Lato Sensu em Ciências da Educação com Habilitação Infantil e
Alfabetização pela Faculdade Equipe Darwin – FTD, Professora na rede
estadual de ensino do estado de Mato Grosso.
Wagner Pereira de Souza é licenciado em Letras (Português/Literatura) pela
Universidade Federal de Rondônia/UNIR; Especialista em Língua Portuguesa,
Redação e Oratória pela Faculdade Estadual da Lapa/FAEL. Atualmente,
professor efetivo de Língua Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação de
Mato Grosso/SEDUC MT e mestrando pelo PPGLetras – Programa de Pós-
Graduação em Letras da UNEMAT.

Referências Bibliográficas
AIRES, J. P., & PILATTI, L. A. (2016). Aprendizagem significativa por meio do
ensino adaptativo. Revista ESPACIOS| Vol. 37 (Nº 29) Año 2016. Disponível
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em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-
praticas/aprofundamentos/193-tecnologias-digitais-da-informacao-e-
comunicacao-no-contexto- escolar-possibilidades. - Acesso em: 23 de abr. de
2022.

COSTA, D. Plataformas Adaptativas e o Ensino Personalizado. (2022) [e-book]


Flórida: Must University

MORAN, J. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação, hoje.


Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. (2015) Porto Alegre:
Penso, 27-45. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/moran/wp-
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acesso em: 21 de abr. de 2022.

MORÁN, J. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção mídias


contemporâneas. Convergências midiáticas, educação e cidadania:
aproximações jovens, (2015) – 2 (1), 15-33. -Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4941832/mod_resource/content/1/Artig
o - acesso em: 22 de abr. de 2022.

MORAN, Gomes, P. Entenda como funcionam as plataformas adaptativas.


Porvir–Inovações em Educação, (2013). Disponível em:
https://porvir.org/entenda-como-funcionam- plataformas-adaptativas/ - Acesso
em: 21 de abr. de 2022.

251
SILVA, Andressa Agnes de Assis. Plataforma adaptativa khan academy:
análise de estudo de caso. (2021) In Anais do Encontro Virtual de Documentação
em Software Livre e Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online
(Vol. 10, No. 1). Disponível em:
https://nasnuv.com/ojs2/index.php/CILTecOnline/article/view/780/267 - acesso
em: 22 de abr. de 2022.

TEIXEIRA, C. V.; DE LIMA, K. M. R.; DE OLIVEIRA, C. F.; & MOUTINHO, L. P.


(2021). Novas Formas de Aprendizagem: Utilização da Plataforma Adaptativa
Geekie Games. Brazilian Journal of Development, 7(4), 39765-39773. P.3.
Disponível em:
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21/04/2022 – Acesso em: 22 de abr. de 2022.

252
CONEXÕES DE EXPERIÊNCIAS NAS
PLATAFORMAS ADAPTATIVAS DE ENSINO NA
REDE PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO:
DESAFIOS E AVANÇOS NA ESCOLA ESTADUAL
PROFESSOR DJALMA GUILHERME DA SILVA
Simone Emi Kavasoko

Este trabalho tem como objetivo apresentar reflexões sobre os desafios da


escola pública na implementação do Laboratório de Informática para contribuir
na aprendizagem em ambiente virtual através da plataforma adaptativa.
Percebendo que todo ambiente escolar é heterogêneo, e a volta às aulas após
a pandemia do Covid 19, deparamos que a dificuldade deste retorno presencial
seria muito mais difícil do que imaginamos. Os estudantes passaram muito
tempo ociosos no ambiente familiar, muitas vezes somente na frente à
monitores eletrônicos, a rotina escolar se perdeu durante a pandemia e
atualmente estamos vivendo momentos em que os estudantes não querem
mais escrever e realizar leituras em material apostilado. Confrontamo-nos em
utilizar uma metodologia adequada com uma proposta de referencial teórico
diferenciada. Entendemos que enquanto instituição escolar, devemos ter
consciência que vivemos uma nova era de inclusão digital. E refletindo sobre
os direitos à Educação para todos, devemos pensar nessas habilidades e
desejos que eles possuem e trazer isso em benefício para nós educadores.
Contudo ainda sendo ligado à petição que inferimos à Secretaria de Estado de
Educação de Mato Grosso. Diante de todos estes enfrentamentos no ambiente
escolar e sabendo quais são as prioridades que cada escola brasileira
necessita em determinado momento, seria interessante as escolas públicas,
representado pelo diretor escolar que possuírem mais autonomia orçamentária
para o uso das verbas enviadas às instituições.

Introdução
O presente artigo visa discutir a utilização da tecnologia da informação e
comunicação (TIC) em tempos atuais, sabemos que os nativos digitais com
toda a facilidade em obter as informações via internet possuem protagonismo,
são autodidatas e imediatistas. Com toda essa necessidade em atender esses
estudantes e suas demandas faz-se necessário a implementação de
equipamentos tecnológicos nas escolas. Contudo, a maior dificuldade nas
escolas são a política pública brasileira que ainda não fazem o investimento
necessário para atender a demanda na Educação.

253
Nessa perspectiva, merece destaque o que afirmam alguns pensadores da
educação ao esclarecer que,

“As tecnologias educacionais tornam o colégio mais atrativo para os alunos,


fazendo com que as aulas não se tornem monótonas e cansativas, cria-se um
ambiente de educação facilitadora e inspiradora, onde o aluno está interligado
com o professor através de uma aula onde as informações, conhecimentos,
saberes andam interligados e assim facilitando o ensino/aprendizagem do
alunado e por esses motivos devia se fazer forte a utilização dessas
tecnologias auxiliadoras na metodologia educacional do professor.” (JARDIM;
CECÍLIO, 2013, p. 05)

Implementar laboratório de informática e o acesso à internet é uma tarefa


complicada em nossas escolas, pois muitas vezes não possuímos nem o
espaço físico. Entretanto, sabemos que ainda assim, com toda dificuldade
aprendemos na pandemia do Covid 19 que podemos utilizar o telefone móvel
como instrumento adaptativo no momento.

A pandemia do Covid 19 também nos trouxe inovação na Educação, fomentou


refletir sobre uma forma de retornarmos aos estudos, então, os professores
fizeram um breve curso em como dar aula online, fazer apostilas e postar na
plataforma de ensino. Aprendemos juntamente com os estudantes a partir de
sete anos de idade, cursando a segundo ano do Ensino Fundamental I a utilizar
essa ferramenta tecnológica desde silenciar áudio, compartilhar a tela, escrever
no chat e responder formulários mesmo distantes conseguiram realizar com
sucesso.

Percebemos que naquele momento poucos estudantes conseguiram fazer o


acesso para assistir/participar das aulas online, pois, a nossa realidade ainda é
bastante precária. Os motivos são bastante variados, encontramos desde
responsáveis de estudantes que não confiavam nos filhos que estariam
realmente estudando, falta de um dispositivo móvel e a grande maioria pela
falta de acesso à internet.

Junto a isso, é importante destacar as contribuições que com o uso da


tecnologia podem ser alcançadas, pois

“O educador além de estar ensinando pode criar um efeito benéfico de troca


com seus discentes, pois muitas vezes o professor estará em constante
aprendizado com seus alunos, percebendo que as tecnologias além de
facilitadoras do ensino, podem trazer um efeito de aproximação dos alunos
para com ele dentro de sala de aula, criando-se assim alunos mais
colaborativos em sala, fazendo com que um currículo formal e impessoal passe
a ser um currículo de exploração viva e de grande empolgação por parte dos
alunos.” (JARDIM; CECÍLIO, 2013, p. 10)

Diante de todos esses desafios podemos perceber que a tecnologia está


batendo à nossa porta, e temos que discorrer sobre como podemos possibilitar

254
aos nossos estudantes meios para o desenvolvimento cognitivo através de
plataformas adaptativas. O primeiro passo enquanto instituição escolar foi
enviar um projeto à Secretaria de Educação de Estado de Mato Grosso
solicitando televisores valendo-se do Projeto Conecta mais MT que a
Secretaria de Educação enviou para as escolas estaduais que desejassem
participar. Seguimos as orientações do guia para a elaboração do plano de
demandas de nossa escola e assim esperamos sermos comtemplados com
este projeto.

O presente trabalho desenvolveu a metodologia bibliográfica realizada a partir


do referencial teórico abordado na disciplina Desing de Interface Educacional
discorrendo sobre a utilização das Plataformas Adaptativas na escola.

Avanços e Limitação nas Plataformas de Adaptativas - Petição de smart


TV do Projeto Conecta mais MT à Secretaria de Estado de Mato Grosso
O pedido foi realizado pela Escola Estadual Professor Djalma Guilherme da
Silva, localizada na cidade de Sinop, estado de Mato Grosso-Brasil. Diante da
evolução tecnológica e pensando no ensino aprendizagem dos estudantes foi
elaborado um projeto apontando a necessidade na implantação de smart tvs
que proporcionará inovação nas práticas pedagógicas do professor e auxiliará
na aprendizagem dos estudantes através da otimização de recursos
metodológicos, visto que, as informações ocorrem de forma rápida e
globalizada.

É sabido que a aprendizagem ocorre de forma diferenciada e diversificada,


dessa forma, pensamos promover espaços de integração além de aulas
expositivas ministrados pelos docentes da nossa instituição, despertando nos
estudantes a curiosidade, satisfação e envolvimento com a cultura digital.
Através de cabeamentos via smartphones e notebooks o docente poderá
acessar diversas plataformas adaptativas, desenvolvendo aulas interativas até
mesmo com aulas de vídeo chamada promovendo diversas dinâmicas,
inclusive com convidados externos. Visualizamos uma aprendizagem
adaptativa em que, Brealey (2022) discorre que é uma metodologia de ensino
que proporciona que os estudantes possam adquirir seu conhecimento
respeitando seu ritmo em todo processo de aprendizagem.

A plataforma adaptativa tem como objetivo proporcionar o ensino


personalizado, buscando atender o estudante com todas as suas dificuldades,
promovendo tempo e recursos para que ocorra seu desenvolvimento cognitivo
através de programas de aprendizagem. Além de ser um método motivador de
ensino, pelo qual, a aula torna-se mais atrativa, provocando estimulação
necessária para que a aprendizagem se concretize espontaneamente.

O ambiente virtual de aprendizagem atrai os olhares dos estudantes,


desenvolvendo o desejo em apreender a aprender. A partir desse momento, a
construção do conhecimento se dá cada vez mais acelerada e interativa.
Ribeiro (2018) diz que não basta que o professor organize sua sala em grupos
ou em círculo esperando que dessa forma os estudantes estejam interagindo e

255
produzindo conhecimentos, as experiências devem ser estimulantes para que
as trocas se construam naturalmente, e só assim, com condições para a
progressão de suas habilidades, sem punições ou preconceitos que o
estudante terá sucesso em seu desenvolvimento.

A funcionalidade do professor reflexivo é conduzir seus educandos em uma


relação dialógica pelo qual o ensino aprendizagem ocorrerá aos pares, o
professor possibilita a transformação não somente da prática docente, contudo
de todo o contexto, fortalecendo a espaço de reflexão-ação entre os
educandos, utilizando-se de registros para avalia-los. Dessa forma, podemos
avaliar de forma solidária e cooperativa, podendo atribuir a avaliação em uma
perspectiva dialógica em todos os momentos de aprendizagem.

As dificuldades enfrentadas até o momento


Os estudantes retornaram à escola com muitas dificuldades após a suspensão
das aulas durante a pandemia e também desigualdades na aprendizagem,
pois, muitos não tinham acesso à internet ou nem possuíam nenhum
dispositivo móvel para utilizar durante as aulas online. A volta ao ambiente
escolar está sendo difícil, as condições financeiras e também emocionais
impactaram profundamente nas aprendizagens desses estudantes.
Conjeturando sobre as grandes variações acadêmicas destes educandos e nas
experiências emocionais, afetivas, enfim, pessoais de cada indivíduo,
ajuizamos por implementar metodologia diferenciada para atingir o máximo de
estudantes possíveis.

A escola procura refletir sobre os benefícios que as TICs podem proporcionar


aos nossos educandos a partir de ações desenvolvidas pela gestão escolar
com o Projeto Conecta mais MT, pensando em uma educação de qualidade,
com Laboratório de Informática, acesso à internet e professores com formação
em tecnologia e conhecimentos básicos em plataformas de aprendizagens.
Contudo, é de conhecimento que o orçamento dirigido à Educação ainda é
precário e bastante negligenciado por parte dos gestores públicos brasileiros.
Sendo vista como um alto custo orçamentário nos cofres públicos. Quando
teremos governantes que pensem na Educação como investimento? Enquanto
isso não acontece, procuramos dar nosso máximo no chão da escola,
começando pela insistência na adesão do Projeto Conecta mais MT.

Seria possível até adquirir alguns aparelhos eletrônicos, computadores ou


tablets se as escolas possuíssem mais autonomia orçamentária. Uma vez que
o orçamento detalha o valor que deve ser gasto em determinada área, isso
pode ajudar o gestor escolar na organização escolar. Mas quem está enviando
a verba às escolas não entende por exemplo: que no mês de outubro, falta
verba da alimentação para os estudantes, pois geralmente são organizados
lanches diferenciados durante toda semana. Que em meados do ano letivo, os
educandos já não possuem material escolar, que por muitas vezes a escola
que providencia. E assim vamos seguindo e tentando proporcionar o máximo
enquanto Escola.

256
E sabemos da dificuldade em sermos escola piloto no estado do Mato Grosso.
O desafio no momento é a implementação de computadores em nossa unidade
escolar, mas possuímos o acesso à internet, sendo possível utilizar dispositivo
móvel dos educandos em determinados momentos de aprendizagem. Dessa
forma, Freire (2017) fomenta que a Educação é para todos, independentes de
classe social ou posição geográfica, acreditando que ela transforma, cria
possiblidades de escolhas e modifica o ambiente em que vive. Mesmo vivendo
em época distante de toda tecnologia que vivenciamos no momento, ele já
dizia que a tecnologia jamais provocaria a desescolarização.

E ainda, reforçamos segundo Graf, Kinshk e Ives (2010),

“[...] as plataformas adaptativas de ensino são desenvolvidas tendo como


principal objetivo disponibilizar ferramentas de ensino que se adaptem às
características individuais de cada um.”

Ainda acrescido a essa questão, é proeminente destacar que,

“Assim como a evolução dos equipamentos, as escolas e universidades


também buscam constantemente recursos tecnológicos para criar um ambiente
mais dinâmico para os alunos e professores. Entre as maneiras de
proporcionar um ambiente mais atrativo está a inclusão da tecnologia em sala
de aula. Existem muitas formas de inserir a tecnologia em sala de aula como,
por exemplo, a adoção de ambientes virtuais, ferramentas de comunicação e
equipamentos como lousa digital, computadores e tablets. Estudos já apontam
que a inovação tecnológica inserida de forma contextualizada e alinhada com
as expectativas dos estudantes e educadores pode ter benefícios importantes
no desenvolvimento educacional.” (MOVPLAN, 2021, p. 01)

Sabendo de todas as vantagens na inclusão destas plataformas adaptativas e


pensando em acelerar a aprendizagens de nossos educandos estamos
determinados e decididos em passar por este momento após pandemia
acreditando veemente no ensino personalizado através destes métodos de
ensino.

Considerações Finais
Este trabalho teve como objetivo descrever as possibilidades de acesso à
plataforma adaptativa na Escola Estadual Professor Djalma Guilherme da Silva.
Acreditamos na Educação de qualidade para todos em nossa instituição
escolar. Visualizamos que em breve faremos uso de plataformas online de
ensino, deixando aos poucos as aulas expositivas e introduzindo aulas
adaptativas aos nossos educandos. Vale ressaltar que as mudanças assustam,
o medo e a insegurança são adjetivos presentes diante do novo. Percebe-se a
aflição dos professores tratando-se de metodologias adaptativas utilizando a
tecnologia ao nosso cotidiano escolar.

Entretanto, destacamos que a mudança da organização pedagógica ainda


pode estar distante em nossas práticas pedagógicas, pois acreditamos que a

257
preocupação maior ainda é a falta de investimento, ou a falta de autonomia
orçamentária para que os gestores possam utilizar a verba diante de seus reais
problemas, e a intencionalidade (do Estado) é em assumir as possibilidades
que este investimento pode proporcionar aos educandos de nosso estado.

Diante da realidade dos fatos, percebemos que os professores compartilham


as práticas pedagógicas defendidas por Freire, grande representante da
abordagem sociocultural, possibilitando momentos de interação,
desenvolvendo ações sobre o meio, desenvolvendo a partir dessas atitudes a
transformação...da palavra... do mundo!

Referências biográfica
Simone Emi Kavasoko possui Graduação em Licenciatura Plena em
Pedagogia. Especialização em Educação de Jovens e Adultos e
Psicopedagogia com Ênfase em Educação Especial. Mestranda em
Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University.
simoneyitino@hotmail.com

Referências Bibliográficas
COSTA, Deborah. (2022). Future Minds: como a era digital está mudando
nossas mentes, por que isso é importante e o que podemos fazer a respeito.
[e-book] Flórida: Must University.

FREIRE, Paulo. (2017). Do pensamento de Paulo Freire: para uma ação mais
humanizada do professor na educação à distância. [e-book] Flórida: Must
University. Paraná, PR: Editora Intersaberes.

JARDIM, Lucas Augusto; CECÍLIO, Waléria. A. G. Tecnologias educacionais:


aspectos positivos e negativos em sala de aula, 2013. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/7646_6015.pdf - acesso em: 07 de jun.
de 2022.

MOVPLAN, Entenda a importância da tecnologia em sala de aula, 2021.


Disponível em: https://movplan.com.br/blog/tecnologia-em-sala-de-aula/ -
acesso em: 07 de jun. de 2022.

RIBEIRO, Darcy. (2018). Educação como prioridade. [e-book] Flórida: Must


University. São Paulo, SP: Editora Global.

258
OS MEMES NUMA AULA DE HISTÓRIA
Thiago Augusto dos Santos

O presente texto visa apresentar a potencialidade do uso de memes no ensino


de História. Para isso, será relatada uma experiência desenvolvida numa aula
de História de uma escola pública do estado do Paraná com alunos do 3º ano
do Ensino Médio no ano letivo de 2022. Tal aula trouxe a linguagem dos
memes para dialogar com o contexto histórico estudado proposto no currículo.
Os memes fazem parte da cultura digital, presente na linguagem da internet há
um bom tempo, conhecido e compartilhado por “nativos” e "imigrantes digitais”
e de uso cada vez crescente, contínuo e popularizado em virtude das redes
sociais. Eles se caracterizam por imagens ou frases de personagens famosos
ou que ganharam um certo destaque na mídia em algum momento, com o
intuito de por meio da ironia, do humor apresentarem uma crítica ou fazer uma
brincadeira com determinada situação, a qual dada a velocidade da internet
acaba “viralizando”, se espalha, como também pode sofrer modificações sendo
ressignificado e, por sua vez, gerando outros memes e um novo ciclo de
compartilhamento e replicações.

O conceito de meme teve sua origem na Biologia a partir de Richard Dawkins


quando ele comparou a transmissão genética à transmissão cultural e
denominou de meme o replicador, uma unidade de transmissão cultural ou
unidade de imitação. Vale ressaltar que etimologicamente a palavra meme
provém do grego mimeme, termo relacionado a imitação e a memória. Assim,
aproxima-se também do caráter de imitação, replicação e viralização dos
memes transmitidos/reproduzidos na internet (DAWKINS, 2007).

Comumente, no início do ano letivo, nas primeiras semanas de aula são


realizadas revisões do ano anterior, as quais servirão de base para os
conteúdos da corrente série. Nesse sentido, o primeiro conteúdo de História
para o 3º ano do Ensino Médio conforme o planejamento da rede estadual foi
“A Primeira República no Brasil” e como conteúdos de revisão estudados
foram, “o fim do Segundo Reinado”, “A abolição da escravidão” e a
“Proclamação da República". Desse modo, ao fim do mês de março, após
estudarmos esse rol de conteúdo, foi realizada uma aula para revisão na qual
os alunos divididos em trios ou quartetos foram colocados para criarem memes
relacionados aos temas estudados.

Nesse sentido, os memes foram dispostos como uma ferramenta cultural capaz
de mobilizar a aprendizagem e o conhecimento histórico dos alunos, conforme
destacou a pesquisadora Irene Nakou no texto “Educação Histórica: o uso de
ferramentas culturais relacionadas com a diversidade de experiências e atitude

259
dos estudantes”, o uso que o público em geral faz da História por meio de
diferentes objetos e espaços que abordam o passado e possibilitam
experiências significativas, as quais, pelas diferentes ferramentas tanto
formalmente quanto informalmente, não suscitam por si só o desenvolvimento
da literacia histórica. Assim, faz-se importante perceber o uso que a sociedade
faz desse(s) material(is) e de que modo eles permitem lançar o olhar ao
passado e obter experiências de consciência histórica (NAKOU, 2007).

“Em consequência, podemos dizer que, quando abordamos o passado com


diferentes meios educativos, devemos tirar partido da natureza de todas as
ferramentas e utilizá-las de acordo com as concepções epistemológicas e
históricas contemporâneas, oferecendo aos estudantes, e ao público em geral,
a possibilidade de abordar, compreender e construir conhecimento e
consciência históricos que lhes permitam orientarem-se no tempo em termos
históricos” (NAKOU, 2007, p. 139-140).

Segundo a teoria de Jörn Rüsen, a consciência histórica é um conjunto de


operações mentais que os seres humanos interpretam suas relações com
tempo de modo que possam orientar sua vida cotidiana e consiste na
articulação de experiências e intenções a respeito do tempo (RÜSEN, 2001).

Além disso, ressalta o autor:

“A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para


tornar suas intenções de agir conformes com a experiência do tempo. Esse
trabalho é efetuado na forma de interpretações das experiências do tempo.
Essas são interpretadas em função do que se tenciona para além das
condições e circunstâncias dadas da vida” (RÜSEN, 2001, p. 59).

Dessa maneira, o uso dos memes na aula de História procurou trazer para o
ambiente a articulação entre passado e presente mediado pela temática
estudada. Como recurso didático, foi selecionado pelo professor dez imagens
de memes que são vistos e compartilhados no dia a dia, impressas e entregues
aos alunos em grupos de três ou quatro pessoas, solicitando-os criarem a partir
da imagem um meme relacionado aos temas estudados até o momento.
Optou-se pela impressão, devido às dificuldades com questões tecnológicas e
a gestão do tempo da aula, mas usando laboratório de informática ou os alunos
conseguindo acessar com celular um documento compartilhado, a atividade
poderia ser feita por meio de ferramentas digitais.

Para a aula, foi dividido os grupos e entregue um meme diferente para cada
grupo e um igual para todos. Foi reservado o tempo de 30 minutos para a
produção dos memes e 15 minutos para as explicações dos grupos. Os memes
utilizados continham como personagens: Willy Wonka da primeira versão do
filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, Nazaré Tedesco, Chico Buarque,
Joelma, Sandra Annenberg, esse último também, foi compartilhado com todos
os grupos.

260
Desse modo, a atividade proposta colocava os alunos na posição de
produtores de um discurso dando um sentido para aquelas imagens de acordo
com os temas estudados. Houve evidentemente alunos que não conheciam
alguns personagens, porém a atuação em pequenos grupos ajudava a resolver
essa situação.

Em relação ao meme com a Sandra Annenberg na bancada de telejornal, foi


entregue a todos os grupos para ao final, os alunos perceberem que de só um
meme podem surgir diversas criações, além de facilitar a produção em virtude
do cenário apresentado na imagem.

Dentre os memes produzidos pelos alunos relacionados ao tema da abolição


da escravidão tiveram sobre a Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre as
seguintes abordagens: com a imagem de Chico Buarque “sorrindo” e depois
“sério” a frase era, “sou filho de escravizados e nasci em 1871, ano da lei do
ventre livre”, “nasci depois do dia 28 de setembro, continuarei escravo”, ou
seja, a lei só teria valor para aqueles que nascessem a partir da data de
promulgação da mesma; com a imagem de Nazaré Tedesco “confusa” o meme
produzido demonstrava os mecanismos presentes na lei que não fazia a
pessoa imediatamente liberta, pois o filho da escravizada ficava com o
proprietário da mãe até os sete anos de idade quando poderia ser entregue ao
Estado o qual pagaria uma indenização ao proprietário ou permaneceria com o
proprietário até os 21 anos quando seria efetivada sua liberdade. No entanto,
isso não chegou a ocorrer porque a Lei Áurea foi assinada antes de completar
21 anos da Lei do Ventre Livre.

Com a imagem de Willy Wonka e a frase “fale mais sobre isso” foi usada a
seguinte frase: “Quer dizer que se não fosse a princesa Isabel a escravidão
não acabaria no Brasil”. O meme usava da ironia para evidenciar que grupos
sociais, a resistência à escravidão e o movimento abolicionista foram
importantes para a liberdade. Em outra imagem cuja personagem colocava a
mão na boca como lamento foi lembrado pelo grupo que no pós-abolição o
Estado não concedeu direitos e inclusão social à população liberta e seus
descendentes, além disso, limitava o exercício da cidadania, pois na Primeira
República tinha o direito a voto apenas homens alfabetizados maiores de 21
anos, ademais o Estado também não era obrigado a fornecer educação pública
à população na época.

As revoltas sociais e os movimentos de contestação também foram utilizados


nos memes. Em relação à Revolta da Vacina, a partir da imagem de uma
pessoa observando e depois fechando os olhos, o grupo ironizou os
argumentos das pessoas que recusam a tomar vacina nos dias de hoje e acha
que isso era a primeira vez que ocorria na história do Brasil. No momento da
apresentação desse meme, o grupo mencionou que os motivos da Revolta da
Vacina eram outros, que o governo a época não investia na conscientização da
população, vacina era uma novidade para o povo em geral e no contexto atual,
há informações, mas também há fake news e atuação de pessoas e grupos
contrários à vacinação. Assim, permite observar a relação, comparação e

261
análise de experiências em diferentes períodos de tempo, o diálogo passado e
presente.

Em relação às revoltas sociais no campo e na cidade, o meme utilizado foi de


uma casa pegando fogo ao fundo e uma menina no primeiro plano olhando
para o observador da imagem com um leve sorriso. O grupo descreveu assim:
“Quer dizer que na Primeira República a população era pacífica e não se
revoltava”, ou seja, contrastando o discurso de que o brasileiro é conformado e
pacífico. Sobre a Guerra do Contestado foi utilizado um meme com a cantora
Joelma numa primeira imagem “triste” e em outra “feliz”. Nele os alunos
interpretaram a cantora como a empresa que iria construir a ferrovia na região.
Na imagem triste seria porque iniciara uma guerra na região e na imagem
sorrindo porque o Estado brasileiro preferiu defender a empresa, enviando
exército e armamento contra a população da região do Contestado.

Em outro meme, um grupo lembrou-se das enchentes em Petrópolis-RJ que


ocorreram em fevereiro e março deste ano. A imagem mostrava uma mulher na
praia observando e a descrição utilizada foi, “família imperial brasileira que
recebe impostos de Petrópolis enquanto a cidade está inundada”. Ou seja, a
mulher que observava foi associada à família imperial brasileira, além disso, os
alunos construíram um meme no qual apresenta o diálogo entre passado e
presente, utilizado um fato que estava muito evidenciado na imprensa e nas
redes sociais no momento em que a atividade foi proposta.

A Proclamação da República também foi lembrada em alguns memes. Em um,


no qual a imagem mostrava uma personagem com os braços encolhidos e as
mãos abertas como se desse a entender, “não sei o que fazer”, “não sei o que
está acontecendo”. Os alunos desse grupo usaram a célebre frase do jornalista
Aristides Lobo: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava”. No momento da apresentação o grupo lembrou
que para a população mais pobre a mudança de regime político não implicava
em grandes mudanças sociais.

Em outro, a imagem era um casal na qual o homem observa uma mulher


passando e a companheira dele faz uma cara de desaprovação. Nele o grupo
relaciona cada personagem a grupos políticos e econômicos do Brasil, sendo o
homem identificado como a elite cafeeira brasileira, a mulher observada,
interpretada como a República e a mulher que acompanhava o homem,
interpretada como o Império. De modo que o significado atribuído foi da elite
que preferiu abandonar o Império e apoiar a mudança para a República.

De acordo com Araújo (2012):

“Os memes não são somente reproduzidos, mas sim reelaborados de acordo
com a situação e o contexto social vivido pelo sujeito. É um processo criativo
de receber e dar sentido a essas formas contextualizando-as, ou seja, cada
indivíduo utiliza o sentido do meme e o ressignifica continuamente em cada

262
replicação a fim de compartilhar novos enunciados e adquirir um determinado
capital social” (ARAÚJO, 2012, p. 17).

Conforme destacou Araújo é possível notar que a construção dos memes


durante a aula demonstrou a ressignificação das imagens, abordando a
historicidade e interpretando fatos do passado, bem como em alguns
momentos traçando paralelos com o contexto presente vivido. Também é
importante notar o fato de que essas imagens podem receber diferentes
interpretações e que o produtor precisa atentar se ela estará compreensível
para seu interlocutor. Após a elaboração dos memes, cada grupo foi convidado
a apresentar e explicá-los, compreendendo de um jeito mais divertido que as
criações deles tornaram-se novas fontes históricas, num sentido de fonte como
tudo aquilo produzido pelos seres humanos e que fazem referência a fatos
históricos, nesse aspecto, tornou-se prático o entendimento e a diferenciação
entre fontes primárias (testemunhas do passado e contemporânea ao fato
histórico) e fontes secundárias (registros do passado que chegam por pessoas
que fizeram suas reconstruções a partir de outras fontes). Dado o exposto,
pode-se concluir que o uso de memes em sala de aula contribuiu para a
mobilização da aprendizagem dos alunos, tornou a aula mais prática ao colocar
os alunos na posição de produtor de uma narrativa histórica, enfim o uso desse
recurso didático apresenta inúmeras potencialidades de modo que a atividade
relatada que pode ser aplicada em diferentes séries. Além disso, os memes
podem ser utilizados no ensino de História em diferentes momentos, como no
início de um conteúdo para avaliar os conhecimentos prévios dos alunos, como
também podem ser utilizados em questões de interpretação. Por fim, espera-se
que este texto contribua para os professores na sua prática docente a partir da
potencialidade desse objeto de estudo.

Referências biográficas
Me. Thiago Augusto dos Santos, professor de História da rede estadual de
educação do Paraná.

Referências bibliográficas
ARAÚJO, Juliana Xavier. Memes. A linguagem da diversão na internet. Análise
dos aspectos simbólicos e sociais dos Rage Comics. 2012. 86 f. Monografia
(Graduação em Comunicação Social/Jornalismo - UFRJ, Rio de Janeiro, 2012.

DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

NAKOU, Irene. Educação Histórica: o uso de ferramentas culturais


relacionadas com a diversidade de experiencias e atitudes dos estudantes.
Currículo sem fronteiras, v.7, n.1, p.137-159, Jan-Jun 2007.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência


histórica. Brasília: UNB, 2001.

263
DO UNIVERSO DOS QUADRINHOS A SALA DE
AULA: MAFALDA À AULA DE HISTÓRIA
Vitória D. Wingert e Jander F. Martins

Introdução
As histórias em quadrinho fazem parte do universo infantil há alguns anos,
normalmente as crianças são introduzidas a esse tipo de leitura, através dos
gibis da Turma da Mônica de Maurício de Souza e até mesmo os mangás
japoneses, e outros quadrinhos com temáticas infantis e juvenis, também
permeando o cotidiano do aluno, pois são presentes nos livros didáticos de
português, nas tiras publicadas em jornais, entre outros meios de divulgação
em massa. Conforme os anos escolares vão passando a metodologia de
ensino e os conteúdos vão mudando e o mundo das HQs, vai ficando
relacionado apenas como passatempo ou divertimento, sendo desassociado do
conhecimento escolar, principalmente nas disciplinas mais específicas, como
no caso da História, pois dão lugar ao conteúdo mais teórico e específico das
matérias.

Sendo assim, nesta pesquisa iremos propor o uso das tiras da personagem
Mafalda, criada por Quino, como forma de estimular a reflexão dentro da aula
de história, uma vez que o ensino com as histórias em quadrinhos justifica-se
pelo fato deste material estar presente no cotidiano dos alunos. As HQs visam
despertar a criatividade, provocar a sensibilidade, a sociabilidade, o senso
crítico e a imaginação criadora, pois possui uma linguagem simples, curta e é
apresentada em quadros coloridos. (OLIVEIRA, 2007). Além do mais, as HQs
constituem um valioso meio de comunicação em massa no qual reflete
questões relacionadas desde um simples cotidiano a valores morais, sociais,
culturais e éticos, não restringindo-se apenas ao âmbito da comicidade, mas
também configurando discursos do social, do político e do econômico.

A escolha pela personagem de Quino, Mafalda, se dá em primeiro lugar pela


popularidade da mesma, todos conhecem ou já leram uma vez, as
contestações dessa garotinha de seis anos, que detesta sopa e ama Beatles, e
está sempre se questionando sobre a realidade em que vive. Em segundo
lugar, a época de criação da personagem, nos anos 60 e todas as temáticas
que Quino aborda na HQ, como Guerra do Vietnã, capitalismo, comunismo,
direitos humanos, paz mundial, entre outros que retratam a época em que
foram produzidos e que podem ser grandes aliados no ensino de História.

Em face ao exposto, elegeu-se como problema deste trabalho: como as


histórias em quadrinhos de Mafalda podem auxiliar no ensino da disciplina de

264
História? Uma vez que, entendemos que o conhecimento histórico não está
restrito ao espaço acadêmico ou científico, e sim inserido nas mais diversas
práticas sociais cotidianas, como na escola, nas vivências familiares, nas
práticas religiosas, no conteúdo dos meios de comunicação, cinema e na
literatura.

O objetivo geral deste trabalho se caracteriza em propiciar a reflexão sobre as


possibilidades de uso das HQs da Mafalda como recurso didático nas aulas de
História. Para esta proposta de pesquisa, foi utilizado como marco teórico-
metodológico, a Análise de Conteúdo em Bardin (2004). Elegendo o
levantamento bibliográfico como um dos instrumentos colaboradores para a
realização da pesquisa por acreditar-se ser adequado neste processo
investigativo, pois Gil (2008, p. 50) também corrobora com as afirmações dos
autores anteriormente citados, visto a importância deste tipo de pesquisa
independente de sua natureza.

Do mesmo modo, recorrer-se-á à “pesquisa descritiva”, levando em


consideração os autores supracitados. Para Gil (2009, p. 28) este tipo de
pesquisa “[...] têm como objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento da relação entre
variáveis”. A base metodológica utilizada para a realização deste trabalho está
voltada inicialmente para uma revisão bibliográfica sobre o tema em pauta,
histórias em quadrinho da Mafalda e o ensino de História, pesquisando sobre
os fundamentos, métodos e propostas pedagógicas.

Esperamos que a presente pesquisa possa contribuir para a compreensão da


importância da consolidação dos quadrinhos como material didático nas aulas
de História, bem como seu uso de forma significativa em sala de aula.
Proporcionando momentos de análises e reflexões de como as práticas
educativas podem colaborar para uma aprendizagem significativa, objetivando
com que o aluno compreenda melhor a realidade que o cerca e reconheça-se
como sujeito histórico. Possibilitando a compreensão e ampliação de recursos
que podem ser utilizados em sala de aula.

Os quadrinhos em sala de aula


Trabalhar histórias em quadrinhos no campo escolar é uma forma significativa
e dinâmica para os incentivar a leitura, a escrita, criação, pesquisa, e
dramatização da vida (INÁCIO, 2003). A importância das histórias em
quadrinhos nas escolas é tratada por Araújo, Costa e Costa (2008, p. 29)
quando estes abordam que: [...]

Os quadrinhos podem ser utilizados na educação como instrumento para a


prática educativa, porque neles podemos encontrar elementos composicionais
que poderiam ser bastante úteis como meio de alfabetização e leitura saudável,
sem falar na presença de técnicas artísticas como enquadramento, relação
entre figura e fundo entre outras, que são importantes nas Artes Visuais e que
poderiam se relacionar perfeitamente com a educação, induzindo os alunos

265
que não sabem ler e escrever a aprenderem a ler e escrever a partir de
imagens, ou seja, estavam se alfabetizando visualmente.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) reafirmam a importância da


escola na formação de indivíduos competentes para a sociedade: [...] é
necessário que a escola garanta um conjunto de práticas planejadas com o
propósito de contribuir para que os alunos se apropriem dos conteúdos de
maneira crítica e construtiva‖ (BRASIL, 1997, p. 33). Mocellin (2009) destaca
também no âmbito brasileiro os intelectuais ligados a Escola Nova, ou História
Progressiva, estes buscavam a ruptura com o modo tradicional de ensino
centrado no professor como único detentor de conhecimento, encontraram no
cinema e nos meios de comunicação ferramentas para aproximar o conteúdo
de sala de aula com a sociedade em que o aluno está inserido, porém estas
medidas nunca foram implantadas na escola regular.

Vergueiro (2010), em suas pesquisas afirma que as HQs são válidos recursos
metodológicos, que podem enriquecer a prática pedagógica, pois as auxiliam
os alunos a ampliar a compreensão de conceitos e enriquecer vocabulário,
obrigando-os a pensar na informação e contextualizá-la, tem caráter
globalizador e também podem ser utilizadas em qualquer nível escolar. Ainda
segundo Vergueiro (2010), o professor ao selecionar o material a ser utilizado
em sala de aula, deve levar em conta os objetivos, a temática, a linguagem e o
desenvolvimento intelectual do aluno. De uma maneira geral, o importante
desta seleção é considerar as características dos diversos ciclos escolares. É
imprescindível, também, que o professor se familiarize com a linguagem deste
meio, conhecendo seu devido valor, para conseguir aproveitá-lo em sua
totalidade.

É importante destacar que sem o direcionamento correto das HQs em sala de


aula, não haverá nenhum benefício pedagógico, na utilização destas, pois os
alunos somente terão um olhar de entretenimento sobre o material. Neste
sentido destaca-se o papel do docente como mediador entre o conteúdo
didático e as HQs, pois um bom professor precisa utilizar-se de ideias
inovadoras para construir o saber histórico, sendo “promotor da união entre a
competência acadêmica (domínio dos saberes) e a competência pedagógica
(domínio da transmissão do saber)” (SCHIMIDT, 2006, p 56), fazendo
conexões do conteúdo com o cotidiano dos alunos e ter a “capacidade de
estabelecer uma espécie de comunicação individual com seu aluno, levando-o
a ter intimidade com o passado” (IDEM)

Os quadrinhos como fonte histórica


A partir da reestruturação da historiografia, com o advento da Escola dos
Annales, a noção do que pode ser usada como fonte histórica ampliou-se,
sendo assim pensamos que a história em quadrinhos, possa ser enquadrada
como uma fonte de pesquisa histórica, pois segundo Eisner; a história em
quadrinhos é precursora da criação cinematográfica. Contudo, o mesmo autor
critica a secundarização que, mesmo com a expressiva influência que os
Comics estenderam para diversos tipos de público, ainda se revela com o

266
número limitado de trabalhos sérios envolvendo-os (EISNER,1999). É um dado
preocupante, pois acaba relegando alguns estudos ao campo amador, intenção
esta que não seria muito rica para o mundo da arte sequencial. Além disto
Gaiarsa aborda que : “Os acadêmicos dizem que os desenhos famosos das
cavernas pré-históricas [...] que foram a primeira história em quadrinhos que já
se fez, eram um ensaio de controlar magicamente o mundo‟. Ora . . . estes
desenhos controlavam... a realidade e eram mágicos – sem mais.” (GAIARSA,
1970, p. 115).

A história em quadrinhos retrata a época em que foi produzida, bem como os


pensamentos e paradigmas de uma determinada sociedade, assim como
outros gêneros literários e o próprio cinema, segundo Barros (2010), não é
possível a um autor se isolar de sua época e de outras épocas; à sua própria
época ele é preso por um contexto que lhe impõe um tom; a todas as épocas
ele está preso por uma rede de leituras pela qual se deixa capturar. Mesmo
que resista a todas as influências autorais e se contraponha a todas elas – se
tal fosse possível – neste caso ele também estará se deixando construir pelo
contraste. Com esta complexidade poderemos perceber como, em relação à
História Cultural, devemos estar preparados para nos municiar de múltiplas
fontes, de modo a constituir uma série de conexões entre história e ficção, além
da apropriação de conceitos da linguagem das HQ’s, para conseguirmos extrair
mais informações e dialogar com este tipo de fonte.

Com mafalda em sala de aula


Para falarmos sobre a personagem Mafalda, precisamos também conhecer
seu criador, o cartunista Joaquín Salvador Lavado, nascido no dia 17 de julho
de 1932 na cidade de Mendoza, Argentina. Popularmente conhecido como
Quino, recebeu o apelido desde pequeno para diferenciá-lo de seu tio Joaquín
Tejón. Seus dois pais eram espanhóis de Andaluzia, mas ambos faleceram
quando Quino ainda era criança.

Mafalda foi criada por Quino no ano de 1963, para uma campanha de
publicidade de uma marca local de eletrodomésticos, e seu nome faz alusão a
marca para atender um pedido publicitário de uma empresa de
eletrodomésticos chamada Mansfield, com a especificação de que todos os
personagens deveriam ter o nome começado com a letra “M”. Quino lembra-se
de um filme chamado Dar la cara, baseado no romance de David Viñas, onde
aparece um bebê chamado Mafalda, e acha esse nome simpático e expressivo,
adotado-o para sua personagem principal. O cliente da marca, porém, recusa a
ideia e Mafalda é arquivada, retornando apenas em setembro 1964, no
semanário argentino Primera Plana , a partir daí continuou fazendo um enorme
sucesso e até hoje continua sendo a história em quadrinhos latino-americana
mais vendida do mundo. Em 1965, Mafalda começou a ser publicada no jornal
El Mundo e posteriormente na revista Siete Días Ilustrados''. Por decisão de
Quino, a última tirinha da Mafalda foi impressa em 25 de junho de 1973.
(QUINO, 2010).

267
São várias as publicações de Mafalda em português do Brasil: os gibis
“Mafalda” volumes 1 ao 10, o livro “Mafalda inédita”, o compilado de todas as
tirinhas “Toda Mafalda”, entre outros. Em Portugal, o compilado foi lançado
como “Toda a Mafalda” em comemoração aos seus 50 anos. Atualmente, as
histórias da Mafalda também estão disponíveis em formato digital (em
espanhol). (QUINO, 2010).

Mafalda é uma personagem, que retrata muito do contexto de sua criação,


através dela percebemos uma versão bem irônica dos acontecimentos não
somente da Argentina, país de origem do autor, mas também da própria
América latina, no conhecido contexto histórico no qual as mãos de ferro dos
governos ditatoriais dominavam o continente.

A expressão, como a fala da personagem, é bem significativa. Observemos sua


amiga inseparável, a liberdade. Esteticamente ela é representada como uma
personagem bem pequena, analogia óbvia nos tempos de ditadura, em que
Mafalda era elaborada. Esta sutileza, e algumas vezes profunda ironia
escancarada, traz-nos ricas análises através das tiras de Quino. Podemos
observar o olhar do autor diante aos fatos históricos ocorridos em seu país e na
própria América Latina e no mundo. Um exemplo disso transparece na tira a
seguir:

Fonte: QUINO, 2010.

Note-se aqui o recurso usado por Quino, a ausência de fala (no 3° quadrinho),
sugerindo sentido ao silêncio da garota que, no caso, remete o leitor ao grau de
estupefação diante a apresentação da Liberdade. Nesse caso, o silêncio não é
vazio (ORLANDI, 2007), mas carregado de sentidos. Para o quadrinho, a
ausência do traço característico da expressão oral, circunstância o não dito

268
como o silêncio que significa, deixando ao leitor o deleite de adivinhá-lo, no
conjunto dos demais traços expressivos do rosto de Mafalda. Somente um
gênero como as HQ, pode valer-se de um discurso com tal eloquência e
singularidade.

São os quadrinhos fazendo com que a História continue exercendo o que


FERRO (1983, p.12) chamaria de “uma dupla função, terapêutica e militante.”
Nessas funções encontramos uma postura missionária, que exalta a
magnificência de um passado glorioso e também a militância que denuncia e
defende, apaixonadamente, um ponto de vista. Para Umberto Eco (1969 apud
QUINO, 2010), para compreendermos a personagem Mafalda, devemos traçar
um paralelo entre ela e o norte-americano Charlie Brown, pois ambos são
crianças, que vivem na mesma época histórica, porém apresentam realidades
completamente diferentes.

Mafalda critica, ironiza e ridiculariza esse papel que ela não quer assumir. A
ironia é um instrumento que o autor utiliza para compor o humor que ultrapassa
a comicidade, leva a refletir sobre esse discurso aberto, no qual há uma
mensagem de contestação, revolta e que clama por mudanças.

De acordo com Hall (1999), o que marca a década de 1960 é a preocupação


com os grupos minoritários, transformando de alguma forma as culturas de
classe, gênero, etnia, raça e nacionalidade, as quais eram consideradas como
estruturas sólidas no passado. Essas transformações mudaram também as
identidades dos indivíduos abalando as estruturas. Em vários momentos temos
também um panorama sobre a pequena burguesia que está se formando em
toda a América-latina e os apelos de consumo desta sociedade: casa própria,
automóvel, televisão, o que nesta época era bastante comum nos países
subdesenvolvidos, demonstrando claramente a preocupação da classe média
de poder ter alguma coisa que lhe atribua distinção social e econômica, como
podemos ver nas seguintes tirinhas:

Fonte: QUINO, 2010.

269
Fonte: Quino, 2010

Além deste advento do poder de consumo e as questões das ditaduras na


América-latina, Mafalda apresenta questões como as dificuldades para pagar
as contas que as famílias tinham, aborda o imaginário quanto a Guerra Fria, o
desemprego, as dificuldades para manter um status social ligado à posse de
determinados bens de consumo. Sua família apresenta um caráter ambíguo ao
se identificar com o capitalista que explora, e sente receio em ser identificado
com o proletariado, assim como toda a pequena burguesia da época, e embora
deseje, nunca conseguirá o status de alta burguesia. Desta forma reforçamos o
potencial de fonte da HQ, pois a mesma nos apresenta o panorama
historiográfico da época que o produziu, como podemos ver nestas tirinhas que
abordam o imaginário relacionado com a Guerra Fria:

Fonte: Quino, 2010.

Quanto ao imaginário, é interessante ressaltar que cada sociedade possui seu


imaginário específico e variável, podendo este ser, individual ou coletivo. Desta
forma o que é realidade e o que é imaginário misturam-se e variam

270
dependendo de diversos fatores. (PATLAGEAN, 1998). Para Assunção (2004),
o imaginário é tão verdadeiro e real que ele utiliza o termo “vida concreta”. O
interessante das contestações de Mafalda é que elas não são apenas relativas
a Argentina, mas também sobre todo o contexto em que a América-latina está
envolvida, que é reflexo do cenário global.

Outro ponto que devemos ressaltar trata-se, do vestido da personagem,


Mafalda sempre se apresenta trajada com um vestido vermelho.

Fonte: QUINO, 2010.

Esta cor do vestido, sempre constante, remete-nos a uma ideologia atuante


nesse contexto ditatorial tão repressor das ditaduras. Vermelho é a cor da
bandeira comunista, a qual representa a revolução em busca da liberdade,
vinda da Revolução Francesa e da Revolução Russa, o sangue derramado da
oprimida classe operária. Todos estes pressupostos e dados históricos sobre
as décadas de 60 e 70, apresentadas por Quino, através de Mafalda,
constituem-se em uma ferramenta metodológica e uma fonte histórica
extremamente rica para ser trabalhada em sala de aula, principalmente na
disciplina de História.

Considerações finais
Este artigo se propôs refletir sobre a importância das Histórias em Quadrinhos
(HQs) como recurso didático nas aulas de História, bem como as
possibilidades de utilização desse recurso, no que diz respeito à personagem
Mafalda criada pelo cartunista Quino.

Como já visto, as tiras da Mafalda dialogam com seus vários contextos


históricos, tanto com o de sua produção quanto com aquele em que o aluno
está inserido. Se o olhar do estudante volve-se somente para o significante
sem mobilizar significados, os vários discursos presentes nas tiras não se
materializam nas leituras do aluno, para que estes possam compreender
melhor a momento histórico em que estas tirinhas foram criadas e como estas
representavam o imaginário e o contexto de sua época. A sala de aula
configura-se, portanto, como um espaço de produção e diálogo de diferentes

271
discursos e ideologias. Tanto os sujeitos alunos como o sujeito professor
alternam-se nesse posicionar axiologicamente.

Através das análises realizadas nos PCN, compreendemos que o professor de


História, tem o dever de fazer com que o aluno amplie a compreensão de sua
realidade, confrontando-a e relacionando-a, para que se torne um cidadão
crítico e atuante, percebendo-se como sujeito histórico. Para alcançar estes
objetivos é papel do professor, segundo os PCN, trabalhar com os meios de
informação que os alunos utilizam fora da escola como, cinema, fazendo-os
refletir sobre a carga ideológica que estes trazem e o que eles representam.
Esperamos que essa pesquisa tenha contribuído para a compreensão da
importância das Histórias em Quadrinhos como fonte histórica. Bem como
tenha conseguido refletir os possíveis usos e aspectos que podem ser
estudados dentro das mesmas. Possibilitando a compreensão da importância
do planejamento prévio das atividades, reforçando que o professor é na
verdade, um eterno pesquisador. Concluímos com uma frase de Paulo Freire
que se encaixa perfeitamente com estas considerações finais, “Sem a
curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não
aprendo nem ensino”.

Referências biográficas
Vitória Duarte Wingert: Mestra em Processos e manifestações Culturais;
Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social; Especialista em Mídias
na Educação; Historiadora e Professora.
Jander Fernandes Martins: Doutor em Processos e Manifestações Culturais;
Mestre em Processos e Manifestações Culturais; Especialista em TIC-EDU;
Pedagogo e Professor.

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