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CAMINHOS DA APRENDIZAGEM
HISTÓRICA: RELAÇÕES DE GÊNERO E
SEXUALIDADES
Reitor:
Prof. Dr. Marcelo Augusto Santos Turine - UFMS
Vice-Reitora:
Profa. Dra. Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Esporte:
Prof. Dr. Marcelo Fernandes.
Direção da Faculdade de Ciências Humanas: 2
Profa. Dra. Vivina Dias Sol Queiroz
Coordenação do Curso de História:
Prof. Dr. Cleverson Rodrigues
Rede:
www.revistasobreontes.site
Coordenador
Everton Crema
Ficha Catalográfica
Estacheski, Dulceli Tonet; Moreira, Danilo Leite (org.)
Caminhos da Aprendizagem Histórica: Relações de Gênero e Sexualidades.
1ª Ed. Rio de Janeiro: Sobre Ontens/UFMS, 2021.
ISBN: 978-65-00-24360-4
Ensino de História; Relações de Gênero; Sexualidades
Sumário
APRESENTAÇÃO: GÊNERO, EDUCAÇÃO, ENSINO DE HISTÓRIA: POR UMA PRÁXIS NECESSÁRIA
Danilo Leite Moreira e Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski ........................................................ 7
O SOAR DOS VERSOS DE CONCEIÇÃO EVARISTO: EXPERIÊNCIAS E ATRAVESSAMENTOS A
3
POTÊNCIA DA SALA DE AULA
Adriana Martins de Paula Araújo e Luiz Gustavo Mendel Souza ................................................ 11
POR QUE ENSINAR A HISTÓRIA DAS MULHERES? EDUCAÇÃO, ENSINO DE HISTÓRIA E O DEBATE
DE GÊNERO
Alana Rasinski de Mello e Angela Ribeiro Ferreira...................................................................... 19
MULHERES, CASA E O LAR: ECONOMIA DOMÉSTICA E OS DISCURSOS DE FEMINILIDADE NO
BRASIL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Amanda de Lima de Almeida ...................................................................................................... 28
MÉLISSA ENTRE O REAL E O IDEAL: UMA PROPOSTA DIDÁTICA
Ana Maria Lucia do Nascimento ................................................................................................. 36
ENSINO DE HISTÓRIA, GÊNERO E HISTORICIDADE: UM OLHAR A PARTIR DE REVISTAS FEMININAS
Beatriz Rodrigues e Flávia Mantovani ......................................................................................... 46
O MAL QUE CAUSA O HOMEM DE BEM: UM OLHAR SOBRE O HOMEM BRANCO BRASILEIRO
Caroline Trapp de Queiroz e Flavio de Souza.............................................................................. 53
HELOÍSA MARINHO: AS EXPERIÊNCIAS QUE SE CONSTITUEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL SÃO A
FONTE DA VERDADEIRA APRENDIZAGEM QUE LÁ ACONTECE
Cláudia Sena Lioti e Márcia Marlene Stentzler ........................................................................... 60
PIBID E AS MULHERES NEGRAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA: RELATO DE UM ESTUDO
VIVENCIADO EM SALA DE AULA
Daiane da Silva Vicente e Marlane Leite da Silva ........................................................................ 69
O ENSINO DE HISTÓRIA E GÊNERO: REFLEXÃO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Darcylene Pereira Domingues e Rafaela Lima de Oliveira .......................................................... 76
MARIA LACERDA DE MOURA E SUBVERSÕES EM AMAI E... NÃO VOS MULTIPLIQUEIS
Fernanda Loch ............................................................................................................................. 84
DECOLONIALIDADE, GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Georgiane Garabely Heil Vázquez e Mariana Barbosa de Souza ................................................ 93
MENSTRUAÇÃO E LEITE MATERNO: CONCEPÇÕES MÉDICAS ACERCA DAS MANIFESTAÇÕES DO
CORPO FEMININO EM ERÁRIO MINERAL (1735) DE LUÍS GOMES FERREIRA NO SETECENTOS
Gessica de Brito Bueno e Christian Fausto Moraes dos Santos ................................................ 101
EVA PERÓN: ENTRE O SANTO E O PROFANO
Ivana Aparecida da Cunha Marques ......................................................................................... 110
A HISTÓRIA DAS MULHERES NO MEDIEVO: A REPRESENTAÇÃO FEMININA NO DECAMERÃO
(1348-1353) DE GIOVANNI BOCCACCIO (1313-1375)
José Carlos da Silva Ferreira ...................................................................................................... 116
ASPECTOS DO MUNDO FEMININO MARGINALIZADO NO TRATADO DO AMOR CORTÊS
(C.1186) DE ANDRÉ CAPELÃO (1150-1220) 4
Juliana Caroline de Souza Araújo .............................................................................................. 122
PUBLICIDADE, GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES DIDÁTICAS NAS PÁGINAS DA
REVISTA MANCHETE
Karen Aparecida de Oliveira Leal e Angela Ribeiro Ferreira ..................................................... 131
A LITERATURA DE FRANCISCO J.C. DANTAS COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DA HISTÓRIA:
TRABALHANDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Krishna Luchetti......................................................................................................................... 144
A VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS DO MARANHÃO OITOCENTISTA
Laura Elisa de Albuquerque Leite Alves e Nila Michele Bastos Santos ..................................... 152
EDUCAÇÃO E GÊNERO: SUJEITOS E SUAS REALIDADES
Leandro Cordeiro da Silva ......................................................................................................... 160
PSICOLOGIA E ERRÂNCIA FEMININA
Luciana Codognoto da Silva ...................................................................................................... 166
DESAFIOS EDUCACIONAIS: ENSINO REMOTO E A SEXUALIDADE FEMININA NA AMÉRICA
PORTUGUESA
Mariana Ponciano Ribeiro Rennó e Nataly Souza Silva............................................................. 173
“QUE SE CALEM!” (OS HOMENS): A DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO MISÓGINO POR CHRISTINE
DE PIZAN (1364-1430) NA OBRA A CIDADE DAS DAMAS (1405)
Maristela Rodrigues Lima .......................................................................................................... 180
200 ANOS DE ENCERRAMENTO DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO PORTUGUÊS: REFLEXÕES
SOBRE O PROCESSO INQUISITORIAL DE IZABEL MARIA DA SILVA NA VISITA DO SANTO OFÍCIO AO
GRÃO PARÁ E MARANHÃO (1763)
Marize Helena de Campos ........................................................................................................ 187
OS MANUAIS DE MODA COMO POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
E QUESTÕES DE GÊNERO NA SALA DE AULA
Marta Gleiciane Rodrigues Pinheiro e Jakson dos Santos Ribeiro ............................................ 195
POR UM ENSINO DE HISTÓRIA FEMINISTA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO PRÉ-
PANDEMIA
Miléia Santos Almeida ............................................................................................................... 204
O COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO UTILIZANDO OS PROCESSOS CRIMINAIS DE UNIÃO DA
VITÓRIA DENTRO DA SALA DE AULA
Milena Silvério Ferreira ............................................................................................................. 213
PROJETO JUNTANDO OS CACOS: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM ESTUDANTES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA 5
Rafael Sampaio de Queiróz ....................................................................................................... 219
CHRISTINE DE PIZAN (1363-1430) E A DESCONSTRUÇÃO DA MISOGINIA MEDIEVAL EM A CIDADE
DAS DAMAS (1405): ALGUNS ASPECTOS EDUCACIONAIS
Raiely Godoi Melo ..................................................................................................................... 225
O CORPO FEMININO NO BOLETIM GERAL DAS COLÓNIAS (1933-1945)
Rannyelle Rocha Teixeira .......................................................................................................... 233
OS NÓS DE PAULINO: REPRESENTAÇÕES E RESSIGNIFICAÇÕES DO PASSADO NA
CONTEMPORANEIDADE
Rebeca Nadine de Araújo Paiva ................................................................................................ 241
A HISTÓRIA E OS CORPOS MARCADOS NO TEMPO PRESENTE: UM DEBATE SOBRE OS DADOS
ACERCA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO LESTE MARANHENSE ENTRE OS ANOS DE 2000
A 2016
Rebecca Kauane Mourão Mendes ............................................................................................ 248
AS CONTRIBUIÇÕES DOS TRATADOS DE TROTULA DE RUGGIERO PARA A SAÚDE FEMININA DO
CONTEXTO MEDIEVAL E SUAS POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Luciano José Vianna e Rita de Cássia Rodrigues ....................................................................... 256
A CATEGORIZAÇÃO DE GÊNERO NOS BRINQUEDOS E A EDUCAÇÃO INFANTIL
Samara Rodrigues Pino ............................................................................................................. 264
REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO CONTO “MENTIRA DE AMOR”
Sandra Maria Costa dos Passos Colling e Thais Gaia Schüler .................................................... 274
AS MULHERES E A MOBILIZAÇÃO OPERÁRIA NA GREVE GERAL DE 1985 NO DISTRITO INDUSTRIAL
DE MANAUS
Vanessa Cristina da Silva Sampaio ............................................................................................ 283
QUESTÕES DE GÊNERO EM OUTRAS PÁGINAS DA HISTÓRIA: IMPRESA, GÊNERO E PRÁTICAS DE
DEFLORAMENTOS OCORRIDOS NA PRIMEIRA REPÚPLICA EM CAXIAS/MA
Veronica Lima de Amorim Matos e Jakson dos Santos Ribeiro ................................................ 288
O CONTEÚDO “GÊNERO” EM LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA
Walace Ferreira e Ester Torres da Silva..................................................................................... 297
6
APRESENTAÇÃO: GÊNERO,
EDUCAÇÃO, ENSINO DE HISTÓRIA:
POR UMA PRÁXIS NECESSÁRIA 7
Não mencionamos aqui nessa apresentação todos os textos que foram incluídos
no livro, mas convidamos a percorrer o sumário e perceber a diversidade
temática presente nele, o que evidencia as múltiplas possibilidades de pesquisa,
de ensino e de aprendizagem na área.
Esperamos que a leitura seja uma experiência profícua, experiência não como
algo que apenas ocorre em nossas vidas, mas como aquilo que nos toca
profundamente, nos afeta e nos move a agir em prol de uma educação realmente
libertadora e de um mundo onde as pessoas tenham direito de existir, onde
possam ‘ser’ sem medo.
10
Referências biográficas
Referências bibliográficas
RÜSEN, Jörn. O livro didático ideal. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,
Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de
História. Curitiba: UFPR, 2010.
ATRAVESSAMENTOS A POTÊNCIA
DA SALA DE AULA
Adriana Martins de Paula Araújo e Luiz
Gustavo Mendel Souza
Em entrevista para o programa Estação Plural, Conceição Evaristo exemplifica
seu conceito de “escrevivência” através da relação violenta da experiência
colonial brasileira. Para a autora a noção de “escrevivência” se aproximaria das
narrativas utilizadas pelas africanas e suas descendentes que contavam suas
histórias para adormecer os filhos da casa-grande. Na concepção de Evaristo,
as narrativas das mães-pretas não serviam apenas para ajudar adormecer os
filhos dos sinhôs, mas para despertá-los da cruel realidade (EVARISTO, 2017).
Tal modelo foi aderido pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), que
era composto pelos professores de História do Colégio D. Pedro II, ambos
criados em 1837 (ABUD, 2004, p. 29). O currículo de história do Brasil visava
atender a formação dos filhos da nobreza, enquanto o IHGB tinha o intuito de
arquitetar a identidade nacional. O livro didático “História Geral do Brasil” (1850)
foi elaborado por Francisco Adolfo de Varnhagem, membro do IHGB. Teve como
referência a obra de Karl Von Martius datada de 1847, que enfatizou a formação
étnica brasileira e na formação do seu povo através do branco, o negro e o
indígena (MATHIAS, 2011). Mas a o foco privilegiado foi direcionado na
participação do branco português europeu e na catequese jesuítica (ABUD,
2004, p. 30).
Esse modelo narrativo eurocentrado, patriarcal e cristão ficou em vigor até 1931,
é importante ressaltar que a reforma educacional de Francisco Campos retirou
do Colégio D. Pedro II a hegemonia da produção didática da História
direcionando ao Ministério da Educação, que elaborou. uma vertente
educacional para a formação da elite burocrática brasileira. Em 1942, com a
reforma educacional de Gustavo Capanema, a história do Brasil ganha um
caráter autônomo e assume a missão de ter um viés patriótico, atendendo as
demandas da ditadura getulista. Em suma o português é culpabilizado pelo
atraso do país, o indígena ganha uma áurea romântica de nobreza da terra e
resistência à escravidão e os negros são retratados como mão-de-obra escrava. 13
Entre as décadas de 60 e 70, o modelo da História Historicizante é retomado
como fórmula para o enaltecimento dos grandes eventos e grandes heróis
brasileiros, como exigência do governo ditatorial civil-militar. Com o processo de
redemocratização brasileira na virada dos anos 80 a história do Brasil vai
ganhando novos contornos, atendendo as demandas da constituição, buscando
uma formação cidadã que permita ao aluno mecanismos e instrumentos que o
permitam ler e compreender a realidade social.
Quando expandimos nossa análise para a questão racial e damos um foco maior
para o continente americano, vemos a gravidade da violência epistemicida
proporcionada pelo conceito de raça. O sociólogo peruano Hanibal Quijano
(2009) defende a ideia de que o pensamento moderno se estabeleceu através
da racialização dos povos não europeus. Quijano denomina de “colonialidade do
poder” a racialização dos povos enquanto classificação social. A
Modernidade/Racionalidade europeia tornou-se hegemônica através expansão
colonialista, tendo como seus principais pilares o capitalismo, o cristianismo e o
patriarcado. Diferente do colonialismo, que é a dominação política, econômica,
social, religiosa e militar das colônias, a colonialidade é um padrão de dominação
ideológico que impera culturalmente, mas, acima de tudo, na produção e na
destruição das formas de conhecimento. Contudo, essa dominação exerce
também um poder de aniquilação sobre culturas e sistemas que se desenvolve
por meio do apagamento da diversidade sócio-cultural dos povos, da língua e de 14
suas subjetividades. O “epistemicídio” é a ferramenta de produção em massa
do “outro”. Quijano aponta que a “colonialidade do poder” está amparada na
classificação social do “outro”, classificação esta que iniciaria na classificação de
gênero e, logo depois, raça. A Modernidade/Racionalidade eurocentrada teria
como outra face da mesma moeda a classificação social do restante do mundo,
a Racialidade. Seguindo esta mesma proposta, Walter Mignolo (2017) expande
a noção de “colonialidade” para o ser, onde o estabelecimento da
Racionalidade/Racialidade se faria através do assassinato das formas outras de
ser, ou seja, não haveria uma ontologia para além do centro mundial de produção
epistêmica, o norte global. Boaventura de Souza Santos (2009) demonstra que
a violência colonial produziu uma linha divisória do mundo entre norte e sul
epistêmico. A centralidade europeia se faria através dos canhões e das
baionetas, mas o estabelecimento se dará através do assassinato e o
silenciamento em massa das formas outras de conhecimento, colocando o sul
epistêmico muito além da “linha abissal”. Para além desta linha não há
racionalidade, é para lá que foram isolados e gerados todos os “outros” que não
estariam incorporados pelos sujeitos europeus. Desta forma, aniquilam-se os
corpos e exaltam-se as mentes racionais e racionalizadas, e por conseguintes
racializadas. Escraviza-se e expropria-se povos de terras invadidas e exploradas
e os povos e terras de além mar.
Em nosso caso os efeitos dos sileciamentos dos sujeitos outros - e que também
habitam em nós - encontram dentro das salas escolares através da ausência
destes sujeitos nos livros didáticos. Essa ausência não é sem propósito ou
gratuita e embora seja ecoada no silêncio ela é manifestada na ausência das
pigmentações das cores, na busca de verdades bem acabadas e esféricas, na
linguagem que não constitui e atravessa o corpo se centrando no peito, que se
expande para fora e não volta pra si, rompendo afetos, mentes e gerando patias
sócio-relacionais desnecessárias. Por isso que a crescente articulação dos
movimentos sociais é de extrema importância para uma democratização de um
ensino cidadão.
Por isso uma educação que se afaste da narrativa única do modelo hegemônico
patriarcal/cristão/eurocêntrico/branco/heteronormativo se faz necessário dentro
das salas de aula. Neste quesito, um clássico da pedagogia de Paulo Freire pode
ser reinterpretado pela leitura interseccional de Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge
(2021):
Essa escrita de vida, que mistura a tênue linha entre a ficção e realidade sem
que saibamos aonde começa uma e termina a outra, trouxe à tona histórias e
afetos ancestrais que muitos dos nossos alunos – e por que não interlocutores
na troca dos afetos escolares - companheiros de chão de escoa não sabiam que
estavam habitar seus copos e que de alguma forma ainda que silenciada gritava
em suas cores, aparências, linguagem, vestes e gostos.
É incrível pensar como o atravessamento de uma escrita preta, com lugar de fala
periférico, pode fazer ecoar as intersecções entre o “eu” e ou “outro”, para além
das limitações do tempo em sua divisão racional, mas também é importante
lembrar que para afetos não há tempo que os limite em continuar sendo.
Ouvir, um aluno contar as lágrimas que pôde ler uma história para mãe que faz
lembrar de sua própria história ancestral e ambos a se debulharem em lágrimas,
é fazer o movimento de uma escuta da dinâmica do encontro, daquela que não 17
se aparta, mas se envolve e se permite atravessar. É permanecer e (re)existir
para viver mesmo quando tudo que está lá fora grita para se conformar e
sobreviver.
Referências Biográficas
Referências Bibliográficas
SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Flecha no tempo. Rio de Janeiro: Mórula,
2019.
GÊNERO
Alana Rasinski de Mello e Angela
Ribeiro Ferreira
Nos dias de hoje, a palavra gênero carrega um estigma muito mais forte do que
no passado devido à grande onda conservadora que invadiu a política e a nossa
sociedade e por consequência, reflete em nossas escolas. Segundo Miguel
(2016, p. 595), no ano de 2014 começaram a ganhar mais destaque projetos de
lei contra a doutrinação marxista nas escolas e contra a ideologia de gênero. O
Movimento Escola sem Partido, tem como sua principal pauta combater a
“ideologia marxista nas escolas”. Porém, como o movimento conta com o apoio
dos setores mais conservadores da política como a chamada bancada
evangélica, outra pauta se uniu ao tema, o combate a “ideologia de gênero”.
“Na sua utilização mais recente, o termo “gênero” parece ter feito sua aparição
inicial entre as feministas americanas, que queriam enfatizar o caráter
fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava
uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo”
ou “diferença sexual.” (1995, p. 72)
Gênero vai além das diferenças biológicas entre homens e mulheres, ele traz
consigo toda as diferenças socialmente construídas e impostas a homens e
mulheres. 20
Até o século XIX o magistério primário era ocupado por uma maioria masculinas,
mas esta realidade mudou a partir do século XX quando boa parte dos
profissionais de educação desta faixa etária tornaram-se mulheres. Isto se deve
ao fato de que, depois de algum tempo, a visão sobre educação escolas
começou a mudar e o "ensino como uma extensão da função maternal"
(HAHNER, 2011, p. 467). Então, o número de professoras mulheres,
principalmente para os alunos mais jovens começou a crescer.
É importante ressaltar também que até determinado momento, o ensino era
dedicado apenas aos meninos de uma determinada classe social (elites). Boa
parte da população brasileira (não apenas as mulheres, mas as pessoas mais
pobres também), estavam excluídas da educação.
Podemos perceber então que, as mulheres passaram a fazer parte das escolas
como professoras e alunas. Mas será que elas também faziam parte do que era
estudado? Nas aulas de história, aprendemos sobre a contribuição das
mulheres? Ou discutimos sobre como elas viviam no passado? Sobre suas
conquistas?
Crocco, em seu texto “Making Time for Women’s History” discute sobre a história
das mulheres nas aulas de história. Crocco menciona que Lerner, em sua
dissertação afirmou que gostaria que a História das mulheres se tornasse parte
de todos os currículos de todos os níveis de educação. Que a história das
mulheres que está cada vez mais ganhando espaço nas pesquisas universitárias
também chegasse nas escolas.
Segundo Crocco, este desejo de Lerner, de ver a história das mulheres como
algo que mereça ser estudado, tem sido atingido na universidade onde estudos 22
deste tipo têm sido feitos de maneira bastante ampla, porém, quando
observamos a questão da história das mulheres nos níveis anteriores de ensino,
este quadro não se repete. Segundo a autora, não existem muitos materiais para
trabalhar sobre o assunto nas escolas secundarias dos Estados Unidos.
(CROCCO, 1997, p. 32).
Muitos fatores contribuem para este fato. Existe nas escolas uma pressão para
dar conta dos conteúdos canônicos já propostos para a aula de história. Definir
o que é importante ser ensinado para que os alunos possam responder a testes
padronizados, acabam por fazer com que a história das mulheres seja deixada
para segundo plano. Segundo Crocco:
Uma questão levantada pela autora, que é visível também em livros didáticos
brasileiros, é que quando, em alguns casos, é dado espaço para a história das
mulheres, esta aparece apenas como um apêndice (sidebars). Apresentada
desta maneira, segundo Crocco, a história das mulheres não se mistura com a
"verdadeira história" que é aquela que fala sobre economia e política, a história
dos “grandes homens” e dos “grandes acontecimentos”. Abordada desta
maneira, a história das mulheres permanece marginalizada. A autora fala que
apesar de ruim, esta apresentação nos livros didáticos ainda é melhor do que a
total ausência da história das mulheres.
Então, quais as razões pelas quais ensinar a história das mulheres no high
school (no caso do trabalho de Crocco)? Por que ensinar a história das mulheres
aqui, na realidade do nosso país? E como abordar este tema sem que a
professora ou professor precise renunciar ao conteúdo prescritos nos currículos?
É necessário que se encontre um equilíbrio, e não que se deva escolher entre
ensinar uma ou outra coisa.
É importante mencionar que autora frisa em seu texto que na história tradicional
dos "vencedores" e dos "grandes homens", além de excluir as mulheres, muitos
homens também são deixados de lado, geralmente os das classes mais baixas
já que esta história tradicional mencionada pela autora é bastante elitista.
Passar por essas mudanças não é algo necessário apenas no Brasil ou nos
Estados Unidos. A ausência das mulheres nos conteúdos da disciplina de
História é um problema que acontece em diversos lugares do mundo. E é de
diversos lugares do mundo que surge o questionamento do porquê isso
acontece.
Não há uma única resposta, segundo Pagés e Sant, para explicar por que as
mulheres são invisibilizadas na história. Os autores citam três fatores que podem
contribuir para este fato. Primeiramente, na escola se prioriza a história política.
As mulheres praticamente não aparecem como personagens nesta história. Elas
estão muito mais relacionadas a história social e, quase sempre, de maneira
anônima e as que aparecem são personificadas como princesas, bruxas ou
feministas. (PAGÉS; SANT, 2011, p. 131).
Um ponto que deve ser sempre lembrado quando discutimos o que se ensina
nas escolas é o papel do livro didático nas aulas, e como, o que, e de que forma
algo aparece nos livros pode ser relevante para o entendimento do aluno do que
é importante o suficiente para ser estudado na aulas de história.
Além disso, segundo Pagés e Sant, "el libro de texto es, a nuestro pesar, el que
determina la mayoría de selecciones de contenidos que se realizan en las aulas
de Historia y Ciencias Sociales." (2011, p. 131). Isto é, muitas vezes o livro
didático determina o que vai ou não ser ensinada em sala de aula. Então, usando
os conteúdos de um livro didático como exemplo, os autores demonstram como
estes levam em conta primeiramente a história política, depois a história
econômica. Desta forma, os livros acabam priorizando muito mais os
personagens masculinos do que os femininos já que são os homens que
aparecem mais na história política e econômica de um país. Inclusive no que diz
respeito as imagens dos livros pesquisados pelos autores, a maioria das pessoas
retratadas são do sexo masculino.
Outra questão é que incluir a história das mulheres em sala, além de tornar o
ensino de história mais amplo e “completo” abre espaço dentro das escolas para
que possamos questionar a desigualdade de gênero que existe em nossa
sociedade. Pois se a escola reflete a nossa sociedade, o fato de as mulheres
serem ignoradas na disciplina de história nos mostra como a sociedade trata as
mulheres.
Considerações finais 26
Referências biográficas
Referências
CROCCO, Margaret S. Making time for woman’s history... When you survey
couse is already filled to overflowing. Social Education, janeiro, 1997.
MAROLLA, Jesús. PAGÉS, Joan. Ralatos y memorias in el Cono Sur. Clío &
Asociados. 2015.
MELLO, Alana R. de. "Que sabe dos homens e das mulheres”: o Ensino de
História a partir da representação de gênero na Coluna do Jornal O Tibagi (1948-
1950)”. (Dissertação de Mestrado) Ponta Grossa, PROFHISTÓRIA-UEPG, 2020.
PAGÉS Joan; SANT, Edda. ¿Por qué las mujeres son invisibles em la enseñaza
de la historia? Revista Historia y memoria, n. 3, 2011.
Analisando esse clássico mito grego, uma das interpretações possíveis, é que
Penélope representaria um certo ideal de feminilidade principalmente ocidental,
de esposa fiel, que prezava por seu esposo e matrimônio. Essas características
preponderantes em Penélope na história, também tornam-se recorrentes nos
discursos comportamentais e morais voltados para formação e educação das
mulheres, sobretudo com a resinificação de lar e família decorrente da ascensão
burguesa entre o século XVIII e XIX.
“[...] conjunto de regras que só tem sentido nos gestos que a efetuam. Sempre
enunciada à maneira do dever ser, a civilidade visa transformar em esquemas
incorporados, em reguladores automáticos e não expressos de condutas as
disciplinas e censuras que ela enumera e unifica numa mesma categoria (...) a
civilidade deve, entretanto, anular-se como discurso proferido ou ouvido para
transformar-se num código de funcionamento em estado prático, feito de
adaptações espontâneas, subtraídas em grande parte à consciência, as
situações diversas com as quais o indivíduo pode ver-se confrontado.”
(CHARTIER, 2004, p. 49)
Dentro dessa perspectiva, pode-se perceber que a mulher, não deveria cuidar
somente da casa, do espaço físico em que morava com sua família, mas
principalmente manter o bem-estar e harmonia do seu lar, do espaço íntimo,
sentimental e privado de sua família.
Cabe aqui um importante adendo, de que à história das mulheres não se
circunscreve somente nas questões do lar e da família, pois as mulheres
produzem história para além dos espaços privados de seus lares. (ALMEIDA,
2020). Apesar de ser algo mais comum no cotidiano das mulheres das classes
abastadas entre o século XVIII, XIX e início do XX as preocupações com a casa,
matrimônio e o lar, não era incomum também que mulheres de classes mais 31
pobres, circulassem pelas ruas de maneira mais curriqueira, frequentassem
comércios e em alguns casos fossem as responsáveis pelo próprio sustento de
suas famílias, revelando um protagonismo histórico das mesmas na sociedade.
Essa preocupação com o lar e com a família, faz com que surja entre muitos
conhecimentos para possibilitar que a mulher, esposa e mãe desempenhasse
uma boa “gerência do seu lar”, a economia doméstica.
Apesar de ter surgido na Noruega no final do século XIX, foi nos Estados Unidos
que a economia doméstica ganha maior expressionalidade como área do
conhecimento acadêmica, bem como popularidade através de manuais, revistas
femininas e conferências sobre a temática.
Considerações finais
Por meio dos variados conhecimentos que faziam parte da economia doméstica,
conclui-se que a mesma reforçava a importância da atuação das mulheres como
mães e donas de casas, dando orientações e instruções com base em diferentes
áreas do conhecimento. Todavia, esses variados saberes acessados, nas
escolas, salões, cursos, impressos, permitiam também que essas mulheres
atuassem em outras áreas para além do espaço privado dos lares, mas que, em
simultâneo, não as tirassem totalmente do contato/comando de suas casas.
Referência biográfica
Referências bibliográficas
D’ INCAO, M, A. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE (org.). História das
mulheres no Brasil. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2017, p. 223-240.
LOURO, G, L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, M. (org.). História das
mulheres no Brasil. 10 ed. São Paulo: Contexto: 2017, p. 443-481.
Logo descobriria que se tratava das mélissas. O modelo ideal de mulher criado
pela sociedade grega. De modo geral, o livro me fez ver essas mulheres como
sendo as que se casavam ainda jovem permanecendo fiel ao seu único
companheiro até o fim da vida, “vivendo em silêncio no interior de sua casa,
administrando os seus bens, educando os filhos; proferindo o culto doméstico.
Sendo especializada no fiar e no tecer” (LESSA, 2004, p.9). Eram, em sua
maioria, de família de aristocrata, e por isso, a educação dessas mulheres era
específica, delimitada, insuficiente. Tradicionalmente, as meninas não saiam da
casa familiar, não se arriscavam sequer a transpor o umbral do gineceu – que
era um lugar especificamente feminino dentro da casa. Por isso, seu treinamento
se limitava a rudimentos de cozinha e tecelagem, ou mesmo a algumas noções
de músicas e aritmética (MAZEL, 1998, p.4).
Da mesma forma, muitas dessas mulheres eram inexperientes em várias áreas
da vida. Exemplo disso é a esposa de Isômaco. Ele testemunha no instante do
casamento a falta de inabilidade de sua companheira:
“Até os quinze anos ela viveu submetida a uma extrema vigilância a fim de que
não visse, não ouvisse e não perguntasse quase nada. Que mais podia eu 37
desejar: encontrar nela uma mulher que soubesse tecer, fiar a lã para fazer um
manto, que tivesse aprendido a distribuir suas tarefas às fiéis criadas? Quanto a
sobriedade, recebera excelente formação: ótima coisa, não é mesmo?”
(Xenofonte, L’économique, VII, 5).
Já as melissas têm seus traços físicos descritos nos vasos áticos da seguinte
maneira:
As mélissas é o perfil da mulher grega que por muito tempo foi propagado. Porém
é necessário que se frise isso: existe um princípio de que os ideais culturais de
uma sociedade não correspondem às suas práticas sociais (LESSA, 1997,
p.115), e é exatamente por isso que nos direcionaremos nessa análise
documental, para retomar um debate acerca desse molde feminino. Esse ideal
de passividade se aplica, em poucos casos, apenas a figura da mulher gyné –
as mulheres dos cidadãos - para qual foi direcionado esse modelo de
comportamento regido pela ideologia masculina, que se baseava em “um 38
conjunto de representações dos valores éticos e estéticos que norteiam o
comportamento social” (LESSA,1997, p.113).
Daí percebe-se que durante todo o processo de construção dos papeis sociais
dessas mulheres os homens usaram meios para propagar um modelo
comportamental feminino. Fábio de Souza Lessa, ao debater sobre isso, nos
apresenta duas exemplificações desses meios, o primeiro veículo de controle se
concentra nos textos escritos e o segundo, na documentação imagética.
No início do texto foi feita uma suposição de que a mélissa que conhecemos
através dos livros didáticos não corresponde aos aspectos sociais. Primeiro,
porque, ser mulher não é se encaixar numa categoria fechada, homogênea. Em
segundo lugar, podemos questionar esse ideal através de algumas fontes. Por
isso, no próximo tópico desse trabalho, analisaremos uma fonte textual e uma
fonte imagética.
Na Atenas Clássica as mulheres eram tuteladas, por isso não tinham sua
cidadania plena reconhecida, após o casamento, entretanto, elas passavam para
uma nova jurisdição e seu status agora era de “esposa de cidadão”
(CABALLERO, 1999, p. 125). Como resultado, por muito tempo excluiu-se as
mulheres como sujeitos ativos, subjugando-as muitas vezes ao âmbito privado.
Dessa forma “a palavra privado tinha o sentido, de ser privado de, daquele
âmbito em que o homem, submetido às necessidades da natureza, buscava a
sua utilidade no sentido de meios de sobrevivência” (FERRAZ JUNIOR, 1993, p.
27). Dessa forma o oîkos era o espaço privado feminino.
Para salientar a vida de “trabalho público” Brock, (1994, p.336) discute que se
aceitarmos que as mulheres tomavam apenas atitudes de reclusão,
chegaremos à conclusão de que estavam confinadas apenas ao oîkos. Porém,
através da leitura imagética, podemos perceber que há outras formas de
representações cotidianas, como observamos através de vasos áticos, que
mostram mulheres que trabalharam na agricultura (LESSA, 2004, p.36).
“Segundo R. Brock, as contribuições das mulheres na agricultura ateniense têm
sido concebidas como mínimas por dois motivos básicos: o primeiro consiste
na força do ideal de reclusão feminina ou da separação entre um mundo interior
feminino e um exterior masculino, enquanto o segundo diz respeito às poucas
evidências apresentadas pela documentação.” (BROCK, p. 342) 40
Por mais que ela seja tema de diversos trabalhos hoje em dia, já em seu tempo,
conduzia sobre si fama pela sua erudição. Toda sua escrita tornou-a um
expoente que reflete tanto a si mesma, quanto o contexto em que viveu. Sabe-
se que, por ser de família aristocrática, Safo não apoiou os regimes tirânicos que
tomaram conta do período arcaico, sendo em 590 AEC exilada na Sicília. Mas
um dos aspectos mais marcantes desse período, o processo de orientalização,
adentrou na sua compreensão de mundo e em como essa percepção foi
expressa através de seus escritos.
“Sinto que já não me queres, Átis, / e para os [braços de Andrômeda] alças vôo[”
/ E há muito tempo eu já te amava, ó Átis” (SAFO, 2017, p.40)
“Dizem uns que exércitos e uns que barcos / e uns que carros sejam o ser mais
/ belo sobre a terra negra - por mim seria o ser que se ama.” (SAFO, 2017, p.55)
42
43
Conclusão
Assim, diante da exposição e debate dos aspectos que compõe as faces
femininas das mulheres gregas, podemos voltar ao passado em busca de novas
percepções sobre elas. Não apenas utilizando como ferramenta a literatura, mas
fazendo uso também de vasos e das imagens que deles são extraídas. Sem
dúvidas isso aproximará muito nossos alunos do assunto proposto. 44
Vale ressaltar também que pode ser uma experiência riquíssima construir com
os alunos essas percepções sobre o feminino, inserindo-os dentro da pesquisa
e indagação historiográfica.
Referências biográficas
Fontes
Referências bibliográficas
CALAME, Claude. Eros na Grécia Antiga. Editora Perspectiva, São Paulo, 2013.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,
decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1993.
HILL B., “Para onde vai a História da mulher? História da mulher e História Social
– juntas ou separadas?” in: Varia História. Belo Horizonte, UFMG, 1995.
RICHTER, G.M.A. & HALL, L.F. Red-Figured Athenian Vases in the Metropolitan
Museum of Art. London/ New Haven: oxford University Press/ Yale University
Press, 2 vols, 1936.
TILLY, Louise A. “Gênero, História das mulheres e História Social.” In: Cadernos
Pagu: desacordos, desamores e diferenças. Campinas: PAGU/Unicamp, 1994,
v. 4, 31.
ENSINO DE HISTÓRIA, GÊNERO E
HISTORICIDADE: UM OLHAR A
PARTIR DE REVISTAS FEMININAS 46
No que diz respeito a educação, Tomas Tadeu da Silva aponta para os debates
de uma pedagogia feminista e a incorporação do gênero. Uma crescente teoria
feminista elabora uma crítica ao currículo preocupada com papel de gênero na
produção da desigualdade. O feminismo questiona a aparente neutralidade, em
termos de gênero, do mundo social. Na análise feminista, a ciência é masculina
e supõe uma separação entre sujeito e objeto, dominação e controle. Em suas
palavras:
A “literacia histórica” pensada por Peter Lee, em boa parte a partir dos trabalhos
de Jörn Rüsen sobre a consciência histórica, consiste em um pensamento
histórico, um modo próprio de interpretar, no qual a concepção de “historicidade”
é fundamental (LEE, 2011, p. 22). O autor aborda a historicidade como noção
que pressupõe não apenas relacionar passado e presente, mas também as
mudanças ao longo do tempo. Assim, na ideia de “historicidade”, para Lee, há
um elemento de mutabilidade das coisas, ou seja, a mudança como uma
constante. Historicidade, assim, se diferencia de “história”, que se define pela
ideia de “homem no tempo”, isto é, “falar que os seres humanos são no tempo e
estas ações referem-se a eventos do passado” (LEE, 2011, p. 42). Deste modo,
um pensamento histórico precisa, necessariamente, considerar não apenas as
coisas no tempo, mas a mudança das coisas no tempo.
A revista Capricho nasce como uma revista de fotonovelas em 1952 (na onda
dos folhetins existentes no Brasil pelo menos desde a segunda metade do XIX), 49
mas é na década de 1980, a partir de campanha publicitária de Washington
Oliveto, que é transformada em uma revista de consumo para adolescentes sob
o slogan “A revista da gatinha”, trazendo temas da cultura juvenil como moda,
sexualidade, relacionamentos. Esta fórmula marcou a descoberta do mercado
adolescente, trazendo assuntos relacionados a este universo, como, sexo,
camisinha, homossexualidade, pessoas famosas, etc. (BUITONI, 2009).
Considerações finais
Júlian Fúks no prólogo do livro Jamais o fogo nunca da escritora chilena Diamela
Eltit, do qual foi tradutor, lembrou o silenciamento da mulher e sua possibilidade
de fala/escrita. Em suas palavras: “a voz que fala para preencher o silêncio, a
voz que outros quiseram silenciar, não poderia ser diferente, é a voz de uma
mulher.” Essa mulher, que não pôde falar e/ou ser ouvida por décadas, séculos,
milênios, teve seu corpo, suas células e o próprio tempo, tomado de assalto pelo
conjunto da sociedade. “Tudo o que lhe resta é a voz, a possibilidade de indagar
o passado com obstinação e de ocupar com palavras o presente” (FÚKS, 2016).
Ocupar com palavras o presente diz bem sobre o intento deste artigo: pensar
sobre as questões de gênero não como algo pertencente exclusivamente ao
passado, o “ontem eterno” como dizia Jörn Rüsen, mas como pensamento que
reconstrói uma história no presente e para o presente.
As revistas analisadas aqui, tal qual as redes sociais como instagram, facebook,
twitter, destilam modos de vida, pensamentos e posicionamentos que são
considerados equivocadamente como superficiais, mas que são em realidade,
políticos, e envolvem questões que precisam ser problematizadas. As questões
de gênero e seus conteúdos históricos estão incrustrados nos textos, imagens e 51
vídeos que circulam por aí. Amiúde, eles carregam preconceitos que de tão
naturalizados, não os questionamos mais. Porém, é preciso vê-los e colocá-los
a falar. Acreditamos no papel da história e do professor de história em seu
potencial de orientação para uma vida prática e que respeite a diversidade
humana.
Referências biográficas:
Referências bibliográficas:
FÚKS, Julian. Prefácio. In: ELTIT, Diamela. Jamais o fogo nunca. Traduzido por
Julián Fúks. Belo Horizonte: Editora Relicário, 2017.
LEE, Peter. Por que aprender história? Educar em Revista. Editora UFPR:
Curitiba, n. 42, out./dez. 2011. p. 19-42.
Os homens brancos que fazem parte da classe média brasileira, ou acima desta,
são na maioria das vezes hipócritas. Isso não ser novidade é a parte mais leve
desse parágrafo, deixe-nos escurecer (porque olha onde esclarecer nos levou)
melhor o que temos com o típico cidadão de bem e todo o seu cinismo em cobrar
aquilo que nem ele mesmo é. Sobre ser branco, os estudos de Silvio Almeida
(2019) e Lia Vainer Schucman (2012) nos lembram que ser branco no Brasil é
diferente de ser branco na Alemanha ou nos EUA, por exemplo, pois são países
em que, em algum momento histórico, o debate em torno da “pureza racial” e da
“supremacia branca” atingiu o ápice da violência e, em contrapartida, da luta
pelos direitos civis.
“Aquilo que na mulher inspira respeito e não raramente temor é a sua natureza,
que é muito mais natural que a do homem, a sua mobilidade, a agilidade da
verdadeira besta fera, a unha felina que esconde, sob a luva perfumada, seu
egoísmo ingênuo, sua inépcia em ser educada, o seu ser intimamente selvagem,
o inconcebível, a ilimitada mobilidade de suas paixões e virtudes... o que inspira
piedade por esse felino perigoso que chamamos "mulher" é que ela é mais
sujeita a ;sofrer, mais sensível, mais amorosa e condenada às desilusões mais
que qualquer outro animal. Temor e piedade, eis os sentimentos que o homem
experimenta até agora diante da mulher, sempre com um pé na tragédia, cuja
desventura também entusiasma?” (NIETZSCHE, 2001, p. 165). 57
Dados do site “Mulheres na Pandemia” mostram que 72% das mulheres afirma
que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia; 41% das
mulheres que seguiu trabalhando durante a pandemia com manutenção de
salários afirmou trabalhar mais na quarentena; 40% das mulheres afirmou que a
pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa
em risco. Além disso, 58% das mulheres desempregadas são negras; 61% das
mulheres que estão na economia solidária são negras e 84% das mulheres
afirma ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento. Esses
dados culminam na triste realidade de um país que perde em média quatro
mulheres por dia, vítimas de feminicídio (LIMA, 2021). Assim, se no tópico em
que nos prontificamos a falar sobre os pais, falhamos em fazê-lo, afinal, como
geralmente se supõe, talvez eles tenham saído para comprar cigarro.
Escurecendo as ideias
O estilo de vida do cidadão de bem – seja o American way of life nos EUA ou a
classe média brasileira – tem como base a manutenção dos privilégios, não só
de gênero, como também de raça. Homens negros de periferia dificilmente
alcançarão esse estilo de vida e o conforto de não se darem ao luxo de aprender
algo que não seja com o intuito de complementar renda. O envelhecimento
precoce do jovem negro é uma realidade cruel, pois desde muito cedo ele ajuda
no cuidado da família, preocupando-se em ser educado, respeitoso, trabalhador,
e etc. Não deixando de lembrar o fato de jovens negros serem sempre
responsabilizados ainda criança ou adolescentes pelos seus atos, enquanto o
homem branco adulto quando erra “ainda está aprendendo”. Com isso, o
patamar “meritocrático” do padrão de vida imposto pela branquitude, será
sempre uma ilusão às possibilidades e quando finalmente consegue alcançar, é
tratado como impostor, desqualificado ou simplesmente não deveria estar
ocupando determinados espaços. Como bem defende o ministro da economia
Paulo Guedes, Bolsonaro e seus seguidores, o pobre não pode ter êxitos que
não sejam continuar em trabalhos braçais precários com baixa remuneração. De
acordo com a reportagem do dia 29/04/2021 do Correio Braziliense, o ministro
diz que: “ o programa (FIES) deu bolsa para quem não tinha a menor
capacidade. Não sabia ler, escreve”; “ Que as universidades estão em estado 58
“caótico”, e exemplificou: “Paulo Freire. Ensinando sexo para criança de 5 anos.
Todo mundo... maconha, bebida, droga. Dentro da universidade. Estado caótico.
Eu prevejo o mesmo fenômeno para a saúde”. “Fies bancou universidade até
para filho de porteiro ". O mesmo ministro que quando criticado pela
desvalorização do câmbio monetário e alta do Dólar, disse, segundo a
reportagem do jornal O Globo de 12 de fevereiro de 2020: “ que dólar alto é bom:
‘empregada doméstica estava indo para Disney, uma festa danada ”.
Portanto, nossos problemas enquanto nação estão nas mãos do homem branco
ou são o próprio homem branco. Pensar um novo conceito de ser homem
brasileiro, uma masculinidade mais afetiva e sem preconceitos é um dever
(urgente) moral das famílias e educadores, pois perdemos diariamente diversos
jovens que não se encaixam nesse modelo de vida ou passarão o resto de suas
vidas frustrados por não serem “homens de verdade”. É muito difícil seguir o
trecho bíblico de 1 Coríntios 16:13, já que a meritocracia foi uma das mentiras
mais cruéis criadas por essas terras. Preferimos encerrar o presente texto, com
esperança de dias melhores, com uma mensagem de resistência do Rap que
sempre foi marginalizado e sofreu muita repressão (como o negro e o indígena):
Onde estiver, seja lá como for, tenha fé porque até no lixão nasce flor.
Referências biográficas
Caroline Trapp de Queiroz, doutoranda em Educação pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Silvio de. O que é racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro;
Pólen, 2019.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob
o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
GLOBO. Guedes diz que dólar alto é bom: ‘empregada doméstica estava indo
para Disney, uma festa danada’. 12/02/2020. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/economia/guedes-diz-que-dolar-alto-bom-
empregada-domestica-estava-indo-para-disney-uma-festa-danada-24245365>.
Acesso em: 01 mai. 2021.
Entre os anos de 1920 e 1923, cursou o ensino médio por meio de um Curso
Normal de Formação de Professoras para o Primário no Colégio Metodista
Bennett, uma escola pioneira, fundada em 1920, no Rio de Janeiro. Este
estabelecimento escolar, desde a sua fundação, praticava uma metodologia
moderna para a época. Acreditamos que as experiências vividas por Heloísa
nesse período, como parte da experiência social, tenham contribuído
significativamente para as escolhas que faria no futuro quanto a sua formação
nos Estados Unidos.
“[...] fez curso de férias, no verão de 1925, no Peabody College for Teachers, e
dois anos no Senior College da Universidade de Chicago, de janeiro de 1926 a
março de 1928, especializando-se em filosofia e psicologia. Em março de 1928,
foi diplomada pela University of Chicago. Ao completar o curso, teve a surpresa
de ser a única distinguida com menção de Hornos for Excellence in the Senior
Colleges”.
Para construir este estudo, realizamos uma revisão bibliográfica em que nos
fundamentamos em obras deixadas pela própria Heloísa, e em outros estudos já
publicados sobre a intelectual, como os de Kuhlmann JR (2000; 2002); Leite
Filho (1998, 2008), Machado (2015), entre outros.
Machado (2015) afirma que, após chegar dos Estados Unidos da América,
Heloísa retornou ao colégio Bennet, a instituição onde ela se formou e que
facilitou a sua ida ao exterior para dar continuidade aos estudos. Lá passou a
atuar como docente no curso de Curso Normal de Formação de Professoras
para o Primário.
“Heloísa não era uma professora que sabia dar aula expositiva. Sua formação
americana e a pós-graduação na Europa deram características docentes pouco
comuns no Brasil. A biblioteca e os livros eram o centro de sua didática. A cada
tema do programa orientava as alunas com uma vasta bibliografia e solicitava
resumos e sínteses sobre o que os autores pensavam sobre os assuntos.
Associado a uma quantidade significativa de leitura, eram propostos trabalhos
práticos de observação direta de crianças em diferentes situações, podendo ser
em escolas, pré-escolas ou até na família das alunas. As sínteses das leituras e
as observações sobre as crianças vinham para os seminários em sala de aula.
Na verdade, sua prática docente, nos cursos de formação de professoras, nunca
dissociou pesquisa e ensino”.
Em 1937, Heloísa Marinho realizou uma pesquisa acurada sobre a influência dos
professores pré-primários na preferência alimentar das crianças, cujo título foi
“Da influência social na formação do gosto”. Este estudo contou com auxílio e
orientação do professor Lourenço Filho.
Machado (2015, p. 117), lembra ainda que além dos títulos supracitados “[...]
foram encontrados alguns artigos, resenhas, comentários, palestras, relatórios e
bibliografias escritas por Heloísa Marinho, que buscam divulgar suas
publicações e pesquisas na época”.
Era, portanto, uma nova percepção de educação para a criança pequena, uma
Educação Infantil em que o foco não fosse a preparação para o ensino primário,
fundamentada em metodologias focadas em acelerar o ritmo de aprendizagem
da criança, atropelando o seu desenvolvimento natural. Para Heloísa, “O Jardim
de Infância deve proporcionar à criança, meios de expressar livremente suas
experiências no convívio com as professoras e os colegas, na dramatização
espontânea, nas artes manuais e na música (MARINHO, 1952, p.11). Leite Filho
(2008), lembra ainda que Heloísa Marinho adotou pontos de vista progressistas,
críticos e inovadores acerca da Educação Infantil no Brasil:
Tanto Redin (1998), como Kuhlmann Jr. (2002) reiteram que Heloísa Marinho,
integrada com Anísio Teixeira e Lourenço Filho, formaram o grupo de intelectuais
pioneiros na busca por transformações na Educação Infantil no Brasil por meio
de suas ações, suas pesquisas e publicação de livros e artigos. A compreensão
da formação adequada do professor, da utilização de recursos diversificados
para melhor prepararem as aulas, e a valorização da educação pré-escolar
focada no desenvolvimento e no aprendizado integral e não puramente uma
preparação para uma próxima etapa escolar, são marcos de seu trabalho. Para
esta educadora:
“A educação pré-primária não permite indicar matérias a serem cumpridas em
tempo determinado. Não é possível demarcar programas rígidos,
essencialmente diferentes para os três períodos do jardim de infância. Dentro
das mesmas idades cronológicas de quatro, cinco e seis anos, são infinitas as
diferenças individuais. Experiências variadas que a própria criança adapta ao 66
nível de sua maturidade constituem o fundamento da educação. (MARINHO,
1952, p.44).
Considerações finais
Por fim, Heloísa Marinho destacou-se não apenas como coordenadora de cursos
de formação de professores pré-primários, mas, por encabeçar mudanças
necessárias para a melhoria e para a transformação da compreensão da
Educação para a infância no Brasil.
Referências biográficas
Referências:
SALA DE AULA
Daiane da Silva Vicente e Marlane Leite
da Silva
Este trabalho faz parte do subprojeto de História, “História e Direitos Humanos:
memória, condição feminina e resistência”, sendo este possibilitado pelo
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Essa temática
foi dividida em três módulos, com duração de seis meses cada um, iniciando-se
em agosto de 2018. No primeiro módulo intitulado “A literatura e o material
fílmico, para debater a questão dos Direitos Humanos na sociedade Brasileira”,
entre os objetivos, buscou-se sensibilizar – através de questões ligadas à
literatura e os Direitos Humanos – para a causa das mulheres. O segundo
módulo “O processo de construção, solidificação do machismo que provocou o
silenciamento e exclusão das mulheres na história”, abordou-se assuntos
referentes ao surgimento e atuação do Movimento Feminista; também
mencionamos em nossas intervenções a trajetória de figuras femininas que
tiveram um papel importante na construção histórica. Já no terceiro módulo,
denominado “Violências e condições históricas que construíram um lugar de
subalternidade para a mulher negra na história brasileira”, para tanto, essa
temática que corresponde a esse texto, possibilita uma compreensão da atuação
da mulher negra na sociedade brasileira.
“[...] aos negros, a partir de características como a cor da pele (a mais escura)
aliada aos aspectos sociais e culturais, associa-se não apenas a feiura, mas a
subalternidade e a invisibilidade. Entretanto, isso ocorre de maneira ambígua e
perversa: de um lado, o homem negro é rejeitado como desinteressante, de outro
enaltecido como potente e viril, ou ainda temido como violento. Já a mulher negra
é rejeitada pela cor, enquanto muitas vezes, especialmente a mulata, é vista
como disponível e sedutora, cujo atributo maior seria o de “ser quente”, mas
desprovida de desejo próprio e feita apenas para “servir” ao outro.” (RIBEIRO,
2004, p. 89)
Dessa maneira, percebe-se que as consequências da escravidão no Brasil são
extensas e complexas. Atinge todos os remanescentes, homens e mulheres.
Fatores como esses, ocorrem pelo motivo de após a abolição, não ter ocorrido a
inclusão da população negra como cidadã. Provavelmente, com o devido
reconhecimento, teria sido possível superar tais discriminações por causa da cor 72
da pele. Mas isso não garantiria que a mulher negra deixasse de sentir as
investidas do machismo.
Essa medida afeta as mulheres negras por serem a grande maioria no mercado
de trabalho doméstico. Isto acontece porque desde a escravidão elas
desempenharam um papel semelhante nas casas dos proprietários de escravos,
além de outras já apontadas. Por serem a maioria trabalhadoras dessas áreas
se evidencia a precariedade de sua situação. Outro exemplo que coloca em
evidência a realidade das mulheres negras antes e agora, é o fato de que desde
o processo de escravidão elas foram “sexualizadas”, visto que tinham a função
de reproduzirem, para que houvesse mais escravos, como já mencionado. Ainda
hoje elas são vistas como objeto sexual, como se pode perceber ao ouvir o
jargão popular, “da cor do pecado”.
Essa visibilidade é importante para que o racismo não se faça tão presente, e
que haja uma aceitação da cultura afro-brasileira. Para compreendermos
questões como essa que está sendo abordada, é interessante ter em mente o
que é “lugar de fala”. Isso seria exatamente como bem descreve Djamila Ribeiro,
uma forma de “romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado, um
movimento no sentido de romper com a hierarquia” (2019, p. 89), ou seja, o lugar
de fala é ocupado por quem durante muito tempo foi silenciado. Outra questão
interessante é entender, justamente, que ao falar pelo outro não estamos dando
voz a essas pessoas. Voz elas sempre tiveram, o que não tinham era espaço
para se pronunciarem, fato este que levou ao processo de silenciamento, que
atualmente buscam superar. A mesma autora, também traz outra discussão que
se relaciona com a primeira. Ambas interessantes, pois quando mencionado o
papel ocupado por quem hoje é protagonista de sua luta e história, não quer
dizer que outros indivíduos, que não fazem parte de determinado grupo
específico, falem a respeito.
Por mais importante que seja ter mais pessoas defendendo a causa de um
grupo, do qual não compartilhem características pessoais semelhantes, é
sempre bom dispor além do lugar de fala, a atenção, ocupando o lugar de escuta,
enquanto aqueles mais íntimos com a causa de manifesta, como por exemplo,
que mais mulheres negras falem de suas dores, lutas e vitórias.
Considerações Finais
74
É fundamental compreender a história do país onde vivemos, não apenas os
acontecimentos considerados grandiosos, mas também ter uma noção dos
ocorridos trágicos que permeiam os grandes momentos. E entender que a
história tem suas nuances e que elas nos mostram o que somos. Uma vez que
possibilitado o conhecimento de fatos como este – período da escravidão no
Brasil – é possível estabelecer uma conexão com as atitudes discriminatórias
que ainda precisam ser superadas.
Com esse estudo, direcionado a mulher negra no Brasil foi possível perceber
que ao longo da história elas foram marginalizadas, e que a sua luta é diferente
da mulher branca. E por terem sido silenciadas, as suas reivindicações
demoraram a serem ouvidas. Para que assim houvesse transformações na
sociedade, como a aceitação do que é ser negra. E para isso, é preciso estudar
a sua história em todas as instâncias, para que ocorra uma superação do
machismo e do racismo. E falar de racismo no Brasil, é difícil, porque
determinados indivíduos acreditam que não existe. E desta forma, é válido
ressaltar que a educação como agente transformador possibilita a difusão desse
estudo, com a sua devida importância que merece ser atribuída, destacando a
tomada de consciência sobre as diferenças que permeiam a sociedade e além
de tudo, o fortalecimento da empatia, como foi possível perceber nas
intervenções em sala de aula.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
CERQUEIRA, Daniel. et al. IPEA (org.). Atlas da Violência 2019. Brasil: Instituto
de Pesquisa Aplicada; Fórum brasileiro de Segurança Pública. 2019. Disponível
em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/19060
5_atlas_da_violencia_2019.pdf. Acesso em: 13 de outubro de 2019.
Ministério da Educação. BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Disponível
em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofi
nal_site.pdf>. Acesso em: 13 de nov. de 2019.
75
RIBEIRO, Djamila. Lugar de Fala. 1° Ed. São Paulo: Pólen, 2019.
SOUZA, Edileuza Penha de. Mulher negra: sua sexualidade e seus mitos. In:
QUINTAS, Fátima (org.). Mulher negra: preconceito, sexualidade e imaginário.
Ministério da educação, Governo Federal, Recife: INPSO-FUNDAJ, Instituto de
Pesquisas Sociais-Fundação Joaquim Nabuco, 1995. P. 10-21. Disponível em:
http://biblioteca.clacso.edu.ar/Brasil/dipes-fundaj/20121203110837/quintas.pdf.
Acesso em: 12 de outubro de 2019.
O ENSINO DE HISTÓRIA E GÊNERO:
REFLEXÃO NA BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR 76
O ponto que vamos destacar é o debate de gênero proposto por essa primeira
versão da BNCC e como esse tema foi desenvolvido atentando para a sua
inclusão ou exclusão no ensino de História. Observamos nas primeiras páginas 77
os princípios orientadores “sinalizar percursos de aprendizagem e
desenvolvimento dos estudantes” (BNCC, 2016, p.3). A temática de gênero já
aparece nesses princípios orientadores da base numa visão mais geral
englobando outras diferenças sociais que os estudantes devem:
Após apreciação da base fica evidente que a temática de gênero deve ser
discutida pelo professor de Educação Física no Ensino Fundamental, pois ela
aparece seis vezes como componente curricular obrigatório. Desta forma, o
assunto da diferença de gênero deve ser debatido por esse profissional que
segundo a BNCC pode “reconhecer as práticas corporais como elementos
constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos, identificando nelas os
marcadores sociais de classe social, gênero[...]” (BNCC, 2016, p.98). A
historiadora Guacira Louro em seu livro Gênero, Sexualidade e educação já
havia afirmado essa ocorrência no que ela denomina de “alfabetização corporal”:
“[..] algumas áreas escolares a constituição da identidade de gênero parece,
muitas vezes, ser feita através dos discursos implícitos, nas aulas de Educação
Física”. (LOURO, 2011, p.76). Portanto, fica evidente, segundo a base, o
professor de Educação Física por lidar com as práticas corporais fica
encarregado desse assunto ou melhor está capacitado segundo Louro (2011)
para “alfabetização corporal”. O professor deve realizar brincadeiras e jogos que
“reconheçam a diferença de gênero” (BNCC, 2016, p.99) e avalie os alunos
“independentemente do nível de desempenho, gênero ou qualquer outra
característica” (BNCC, 2016, p.111). Além disso, é delegado ao profissional
trabalhar as relações igualitárias e as discriminações entre os gêneros, mas não 78
indica as ferramentas necessárias.
O olhar do professor dessa disciplina está envolvido com o corpo dos estudantes
e aparentemente para esse documento gênero é um assunto somente corporal.
Dessa forma, esses licenciados são os responsáveis pelo debate e ao combate
de discriminações que possa ocorrer no âmbito escolar.
Deste modo, após essa breve análise sobre a BNCC comprovamos que a
construção histórica que está enraizada no conceito de gênero é praticamente
excluída do currículo e quase desnecessária ao professor de História. Porém,
acreditamos que o ensino de História deve acionar essa discussão ao longo de
todas as temáticas desenvolvidas na vida escolar do estudante, pois “o que fica
evidente, sem dúvida, é que a escola é atravessada pelos gêneros; é impossível
pensar sobre a instituição sem que se lance mão das reflexões sobre as
construções sociais e culturais de masculino e feminino” (LOURO, 2001, p.93).
Sendo assim, a escola como parte da sociedade também comporta essas
diferenças de gênero, que na maioria das vezes são silenciadas/escondidas.
A presente escrita não incluiu a análise do último documento da BNCC que deve
ser publicada logo, pois infelizmente acreditamos que a temática continue sendo
negligenciada como nas versões anteriores. Afirmamos isso visto que assunto 82
como “ideologia de gênero” ou similares estão atualmente muito presentes em
mídias sociais e impressa o que desqualifica completamente o assunto sem
minimamente conhecer a sua construção social e as concepções.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
CERRI, Luis Fernando. Didática da História: uma leitura teórica sobre a História
na prática. Revista de História Regional. Vol 15(2): 264-278, Inverno, 2010.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação &
Realidade, Porto Alegre, p. 71-99, 1990. Disponivel em:
<https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G
%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf>. Acesso em: 7 fevereiro 2014.
Fernanda Loch
Introdução
Em 1921, aos 34 anos, ela se mudou para São Paulo. Importante salientar que
a partir de 1912, Maria Lacerda de Moura continuou escrevendo, participando
ativamente de associações de operários e fazendo discursos nessas
organizações. Foram essas conferências, inclusive, que formaram contatos e
que estabeleceram pontes para mudança dela para São Paulo. (LEITE, 1984, p.
IX). Em São Paulo, a autora se inseriu nos movimentos de mulheres, sendo
convidada a se unir com Bertha Lutz, com quem fundou a Liga para a
Emancipação Intelectual da Mulher, precursora da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Outra coisa interessante a se mencionar, foi que Maria 85
Lacerda foi presidente da Federação Internacional Feminina entre 1921 e 1922,
criando nos estatutos da organização uma cláusula pioneira, que dizia “trabalhar
pela criação de uma cadeira de História da mulher, sua evolução e sua missão
social em todas as escolas femininas”. (LEITE, 1984, p. 82). Como professora,
queria inserir essa discussão feminista e a história das mulheres nas salas de
aula, o que se configura como uma subversão ao que se era ensinado nas
escolas.
“Por isso, repito: não sou advogado, não sou capitalista, não sou sacerdote, não
sou político, não sou académico, não sou comunista nem socialista, não
pertenço a nenhuma grei, embora todos os nomes batismais com que me 86
desfavorecem os críticos. (MOURA, 1932, p. 20).
E ela reitera essa ideia em vários momentos do livro, dizendo não se envolver
com nenhuma corrente ideológica. Isso nos ajuda a compreender, em partes, o
motivo de apagamento dessa figura que é a Maria Lacerda de Moura. Ela é
pouco conhecida e pesquisada porque não abraçou nenhum movimento, assim
como, nenhum movimento a abraçou, sendo que a corrente que ela mais foi ativa
e mais se identificou foi o anarquismo individualista. Então há a circulação da
bibliografia dela nesse meio, mas fora dele, é pouquíssimo conhecida.
Ela enxerga a prostituição como uma das principais bases da moral religiosa e
de toda uma construção social pautada no capital, no militarismo, no clericalismo.
Por identificar a prostituição como uma coluna central nessa sociedade, ela se
posiciona contra, não pelo fato da prostituta em si, mas da sociedade que
condiciona as mulheres a isso e aos moralistas que usam esse serviço e se
dizem “honrados”.
A autora critica a maternidade imposta, e argumenta que esse elemento faz parte
da dupla escravidão que a mulher sofre: a do lar e a do trabalho. Maria Lacerda
defende que a mulher não deve ser mãe antes de tudo, mas sim realizar-se na
sua plenitude. “A questão não é dogmatizar que a mulher, antes de tudo, é mãe
e deve ser mãe acima de tudo. Não. Todo individuo, homem ou mulher, deve
realizar-se, na plenitude das suas forças.” (MOURA, 1932, p. 184).
Assim, ela declara que as mulheres devem se recusar a dar munição para as
guerras exercendo uma maternidade consciente e uma greve dos ventres. Maria
Lacerda de Moura seguiu isso em sua própria vida, de fato, não teve filhos
biológicos, apenas dois filhos adotivos. Em 1912 adotou um sobrinho, Jair, e uma
órfã, Carminda. (LEITE, 1984, p. VIII). Jair, inclusive, deu muito desgosto à
autora posteriormente, porque se filiou aos integralistas em 1935. (LEITE, 1984,
p. 72).
Sobre as mulheres que não tem filhos, Maria Lacerda disserta o seguinte:
“Comer e Amar.
Será solucionado no dia em que a humanidade, pelos seus maiores, tiver a
noção consciente da responsabilidade de se reproduzir em qualidade e não em
quantidade.
O problema humano, sob o aspecto social, é um problema sexual.” (MOURA,
1932, p. 113).
Para Maria Lacerda de Moura, comer e amar são as duas ações fundamentais
do ser humano, e tudo gira em torno disso. E a frase “O problema humano, sob
o aspecto social, é um problema sexual” (MOURA, 1932, p. 113; 121; 122; 131;
165; 241) vai se repetir em vários outros momentos do livro e é de fundamental
importância na mensagem central desta obra e do pensamento da autora, no
sentido da emancipação da mulher, da desigualdade entre os sexos e no
“problema da natalidade”, da maternidade consciente. É importante notar
também que o discurso de se reproduzir em “qualidade e não em quantidade” é
muito comum nas concepções eugênicas. (STEPAN, 2005, p. 115-148).
Considerações finais
Maria Lacerda é muito subversiva em vários aspectos e neste artigo tivemos que
fazer recortes de alguns pontos principais da obra selecionada. Assim, desde
que começou a escrever, enfrentou julgamentos morais da própria família e da
sociedade. Preferiu não gestar uma criança e exercer uma maternidade adotiva,
contrariando o ideal de maternidade e de feminilidade da época. Sempre
discursou a favor da emancipação da mulher, da liberdade sexual, da realização
individual e assim buscou viver. Ou seja, tanto em sua vida privada e pessoal,
quanto nos seus escritos, é difícil pensarmos em algo que a autora não seja
subversiva.
Ainda que Maria Lacerda de Moura tenha tratado de maneira pioneira sobre a
educação e história das mulheres, por exemplo, ou acerca de questões centrais
do feminismo ainda hoje, são poucas as pesquisas que investigam a autora.
Como já mencionado anteriormente, ela é pouco conhecida por não ter
defendido nenhum movimento e esse é um fator que pode vir a explicar essa
escassez de trabalhos. É importante salientar que apenas em Amai e... não vos
multipliquei ainda há uma infinidade de eixos temáticos para a análise, assim
como outras obras a serem investigadas.
Ela faleceu em 20 de março de 1945, no Rio de Janeiro, com 57 anos. Teve uma
vida muito curta, porém intensa e que precisa ser lembrada. (MAIA; LESSA,
2019, p. 63-64).
Referências Biográficas
Referências Bibliográficas
MOURA, Maria Lacerda de. Amai e... não vos multipliqueis. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira Editora, 1932.
92
DECOLONIALIDADE, GÊNERO E
ENSINO DE HISTÓRIA: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA 93
Entre temáticas atuais que permeiam o ensino de história, não se pode olvidar
das que envolvem as discussões a respeito de gênero e das sexualidades.
Nesse sentido, buscamos refletir acerca da importância de tais pesquisas, a
partir da construção de um evento de extensão universitária no âmbito da
Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG, ofertado pelo Laboratório de
Estudos de Gênero, Diversidade, Infância e Subjetividades – LAGEDIS, em
parceria com o Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/UEPG) e que
teve como intuito debater questões de gênero e suas implicações diante da
decolonialidade.
A professora Joana Pedro chama atenção para as pesquisas que estão sendo
construídas na História. De acordo com Pedro (2005, p. 92):
Assim, este relato mostra-se também como uma desobediência epistêmica, que
apresentada por Quijano (1992 apud MIGNOLO, 2008, p. 288), pode ser
compreendido como
O evento foi liderado pelas mestrandas Mariana Barbosa de Souza, Marieli Rosa
e Micheli Rosa, com a participação da Professora Georgiane, responsável pelo
Núcleo de Pesquisas em Estudos de Gênero e também da professora Angela
Ribeiro Ferreira, co-coordenadora do LAGEDIS. A primeira etapa do curso
consistiu em leitura prévia do texto de América Latina e o giro decolonial, de
Luciana Ballestrin, publicado na Revista Brasileira de Ciência Política, em 2013,
enviado com antecedência aos participantes. Atribuímos a essa etapa quatro
(04) horas de desenvolvimento. No dia da realização do curso, realizamos uma
sessão de abertura, de no máximo 30 minutos, em que foram apresentados os
motivos da realização do curso, contexto e justificativa. Recebemos, no total,
cinquenta e sete inscrições. No dia do evento somamos mais duas horas de
trabalho contínuo e, ao final, a certificação foi emitida com 06 (seis) horas.
O curso foi amplamente divulgado por meio de mídias sociais, e-mails e outros
meios. Com isso, foram convidados alunos(as) que estão cursando bacharelado
e licenciatura em História, além de outros(as) interessados(as) como mestrandos
e doutorandos da área da História. O principal critério de inclusão de estudantes
oriundos das graduações foi a proximidade que o mestrado em História da UEPG
possui com os Cursos de Licenciatura e Bacharelado em História. O trabalho do
Núcleo de Pesquisas em Estudos de Gênero é tradicionalmente conhecido por
seu trabalho de vínculo com estudantes da graduação. A interface
graduação/pós-graduação é a regra no PPGH/UEPG via LAGEDIS, rompendo
desta forma certa ideia de “hierarquia” acadêmica entre alunos/as da graduação
e do mestrados.
Considerações finais
Referências biográficas
Referências bibliográficas
ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma história única. Trad. Julia Romeu. São
Paulo: Companhia das Letras, 2019.
100
MENSTRUAÇÃO E LEITE
MATERNO: CONCEPÇÕES MÉDICAS
ACERCA DAS MANIFESTAÇÕES DO 101
O manual de medicina Erário Mineral escrito pelo cirurgião Luís Gomes Ferreira,
no qual foi possível iniciar a discussão acerca da menstruação e do leite materno,
foi publicado em 1735 e reeditado em Lisboa e 1855, em 2002 foi reeditado em
parceria entre Centro de Estudos Históricos e Culturais da Fundação João
Pinheiro e a Editora Fiocruz, tendo sido organizado pela historiadora Júnia
Ferreira Furtado. Ele contém estudos críticos sobre o autor, o contexto histórico
do setecentos, as características da sociedade de Minas Gerais, bem como, no
segundo volume se encontram os doze tratados médicos, assinalando os
diagnósticos, receitas, remédios, sintomas de doenças e práticas cirúrgicas do
cirurgião-barbeiro (GUIMARÃES, 2016, p. 46).
Quase todos os ídolos do período bíblico são do sexo feminino, isso é nítido nas
estatuetas dos pilares do século VIII a VI a. C. conhecidas como “Astarte”, essa
era a deusa fenícia do amor e da fertilidade, a dea nutrix, a deusa nutritiva era
uma espécie de árvore com seios e consistia em um ritual em busca da fertilidade
e do alimento (FRYMER-KENSKY, 1992). No Egito Antigo a deusa- mãe
assumiu a imagem da Ísis, associada a vaca dadora de leite, árvore da vida e
também ao trono do faraó, em relação a esse último, subir ao trono real e sugar
o leite de Ísis significava que o faraó iria receber o alimento divino, esse leite
seria responsável por dar ao rei as qualidades necessárias para ele reger, esse
ato confirmaria e atestaria sua divindade (BARING e CASHFORD, 2005). E nas
principais civilizações do mundo antigo como as ilhas pré-Helênias de Creta e
Cíclades também havia ídolos femininos, com seios redondos nus e discretos, é
provável que elas tenham sido usadas na prática de um culto de afirmação ao
alimento da vida, ligados aos ritos de passagem como o nascimento e a morte
(RENFREW, 1991).
Curiosamente em Éfeso, a deusa Artemisa, estátua polimastia, por ser um
símbolo de abundância mamária, poderia ter sido inspirada em uma anomalia
física, na qual algumas mulheres tem mamilos supranumerários, dispostos em
fila, e essa situação levou a associação da mulher a outros mamíferos. Essa
concepção duradoura entre o corpo físico feminino, a natureza e o alimento 105
advêm de teorias que relacionam as mulheres ao reino das plantas e dos
animais, frequentemente originadas do pensamento e fantasia dos homens
(YALOM, 1997, p. 30). A escritura bíblica, escrita por alguns homens, delegou a
ação de amamentar à mulher, como condição natural e intimamente ligada à
mulher. O seio ligado aos primórdios do judaísmo é inerente ao próprio Deus,
pois o nome de Deus estava sempre associado a bençãos de fertilidade, e, desse
modo, é possível perceber que em outras regiões, como Israel, a fertilidade era
central nos primórdios dessa cultura, assim como, pelas religiões pagãs, e o seio
era celebrado abertamente entre elas (BIALE, 1997).
A figura das amas de leite existiu desde o mundo antigo, na sociedade grega
clássica já havia amas e na sociedade medieva há várias histórias e registros
onde a mãe confiava o próprio filho a ama. No século XIV, em alguns países da
Europa, acreditava-se que as crianças amamentadas pela bàlia ou ama de leite
herdavam as características mentais e físicas da pessoa que as amamentava, e
é por isso que os pais, que eram da classe médica urbana, sempre escolhiam a
ama que tivesse mais prudência, sempre na esperança de que ela não
transmitisse características indesejáveis aos filhos. A opinião entre os moralistas
era de que as amas de leite que eram, geralmente, de baixa condição, tinham
hábitos sujos ou cuidados de higiene duvidosos acerca de seus corpos (YALOM,
1997, p. 59). Do século V a.C. passando pela Idade média e ao longo do século
XVIII o leite e o sangue, produzidos pelo corpo feminino, então, foi investido de
forte aspecto simbólico, entendido ora como maléfico, ora como milagre divino,
o leite era entendido como composto a partir do sangue, servindo de alimento
para as crianças, tal como símbolo de fertilidade (PORTER e VIGARELLO, 2008,
In: CORBIN, COURTINE e VIGARELLO, 2008).
Na América Latina, nos anúncios de jornais do século XVIII, havia avisos sobre
serviços prestados por amas de leite, de fato, não era raro ter amas, e elas eram
formadas por imigrantes recém-chegadas e nativas americanas, e mais ao Sul
do país eram as escravas negras. Os seus serviços eram solicitados quando
após o parto a mãe necessitava se recuperar ou em substituição a mãe que havia
falecido (HOFFERT, 1988).
Referências biográficas
Referências bibliográficas
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. (Org) Carla Bassanesi. 7.
ed. –
São Paulo: Contexto, 2004.
MARTINS, L. Al-
C.P.; SILVA, P.J.C. & MUTARELLI, S.R.K. A teoria dos temperamentos: do co
rpus hippocraticum ao século XIX. Memorandum. 2008.
Disponível em :<
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a14/martisilmuta01.pdf>.
RENFREW, Colin. The Cycladic spirit. Thames and Hudson; First Edition,
December 31, 1991.
Para Delgado (2003), a memória tem funções limítrofes que se relacionam com
o estabelecimento e legitimação de identidades. Nela se encontram níveis e
esferas consolidadas, ou seja, lembranças evidentes ligadas às emoções, assim
como, componentes inconstantes e flexíveis, por intermédio dos quais é possível
a reestruturação dos fatos históricos.
Não obstante, de acordo com Teixeira (2013), que teceu uma pesquisa acerca 111
da produção Santa Evita, livro do jornalista Tomás Eloy Martinez, lançado no ano
de 1995, existem possibilidades interpretativas – periféricas e não ‘oficiais’, em
muitos casos – que passam ao largo desta lógica dicotômica.
Porém, esta é apenas uma das leituras possíveis de se fazer acerca de Eva
Perón, já que sobre ela não há coesão sem contradições, nuances e
sinuosidades. Silva (2014), por exemplo, analisou que a chamada Lenda Negra, 112
se trata de uma compreensão construída com a finalidade de dessacrar Evita,
contestar as informações sobre seu passado e ratificar o seu discurso
demagógico que, de acordo com tal apropriação, fora utilizado pelo peronismo
para forjar uma aproximação entre ela e os descamisados, que serviria como
instrumento de fortalecimento daquele projeto político.
Não obstante, por parte de Perón, a adoção definitiva deste conceito ocorreu
paulatinamente, diferente do que sucedeu com Eva, quem se valeu deste termo
de modo frequente e apaixonado. De acordo com ela, tal expressão não abrangia
apenas questões simbólicas, mas elementos materiais de existência, já que o
reconhecimento de um descamisado levava como critério o pertencimento do
sujeito ao povo. Segundo ela:
“Eu não sou mais do que uma mulher do povo argentino, uma descamisada da
Pátria, mas uma descamisada de coração, porque eu sempre quis me misturar
com os trabalhadores, com os idosos, com as crianças, com os que sofrem,
trabalhando lado a lado, coração com coração com eles para fazê-los querer
mais a Perón e para ser uma ponte de paz entre o general Perón e os
descamisados da Pátria (MUNDO PERONISTA, nº 04, setembro, 1951, p. 29).”
Para Avelino (2014), a origem humilde de Evita contribuiu para a potencialização 113
e sensibilização das ações sociais promovidas por ela, de modo que a primeira-
dama se converteu em mãe e conselheira dos necessitados, rezando por eles e
os ouvindo e norteando.
“Era o confronto estabelecido entre dois grupos heterogêneos, que surgiu nas
oportunidades mais desumanas e maléficas[...] Nos muros que ladeiam a
estação Retiro, não muito longe da residência presidencial onde Evita agonizava,
alguém pichou uma divisa de mau agouro: ‘Viva o câncer’ (AVELINO, 2014, p.
54).”
Para Siva (2004), naquela ocasião o presidente teve medo de ser ocultado pela
figura política crescente e central de Evita, a qual havia ganhado muitos
admiradores devotados. Deste modo, a aversão dos antiperonistas não se
justifica por uma possível cooptação de Eva pelo peronismo, mas,
contrariamente, devido à sua autonomia e interferência em questões político-
sociais.
“Era uma mulher atuante, que interferia; uma ‘ponte’ que leva o povo ao General
Perón. Eva Duarte de Perón não era mera coadjuvante, nasceu para ser atriz 114
principal da política argentina. Já que não se consagrou nos palcos da ficção,
firmar-se-ia nos palcos da realidade (SILVA, 2004, p. 27).”
Ela pode ser reconhecida como uma ‘ponte’ entre o povo e Perón, ou ainda, um
elemento de ligação que intermediava as exigências sociais e o Estado
peronista. De acordo com ela: “Sou uma ponte entre Perón e o povo. Passem
por mim” (ORTIZ, A., 1995, p. 168 apud SILVA, 2004, p. 35) (Tradução livre da
autora).
AVELINO, Yvone Dias. La madre dos descamisados. Eva Perón: vida e trajetória
política. Cordis. Mulheres na história, São Paulo, v. 2, n. 13, julho-dezembro,
2014.
SEBRELI, Juan José. Los Deseos Imaginarios del Peronismo. Buenos Aires:
Editorial Sudamericana, 2000.
SILVA, Ana Carolina Ferreira. Santa Evita e suas aparições. Juiz de Fora, 2004,
144 f. (monografia) – Universidade Federal de Juiz de Fora, 2004.
SILVA, Paulo Renato da. Memória e História de Eva Perón. Rev. Hist., São
Paulo, n. 170, janeiro- junho, p. 143-173, 2014.
Dentro desse contexto, devemos destacar autoras que não apenas vivenciaram
o mesmo, mas escreveram sobre este advento feminino. Joan Scott, por
exemplo, apresenta a História das Mulheres como um movimento no qual a
política esteve na base da sua consolidação. Em seu texto História das Mulheres
(1992), ela aponta o início do movimento e um dos seus primeiros impasses: se
desvincular, ou pelo menos ficar mais independente, do âmbito político. Para a
autora, com essa separação a História das Mulheres expandiu seus objetos de
estudo, suas discussões e passou a documentar a vida das mulheres no
passado, se tornando um campo com mais vigor (SCOTT, 1992, p. 64).
Sem espaço, as mulheres não eram vistas. “A presença da mulher foi sempre
complemento da presença do homem. O protagonismo feminino se mostrava
inexistente. Os nomes delas eram removidos, pois já aviam os nomes dos
homens como principais. Por tudo isso, os relatos delas eram ignorados, pois
são uma leve sombra dos homens” (PERROT, 1997, p. 22). Assim, escrever uma
história das mulheres hoje é romper com o ciclo de silêncio que durante muito
tempo foi gritante, em termos historiográficos.
Para compreender tais representações é essencial destacar que existe uma “(...)
apropriação dos discursos, isto é, a maneira como estes afetam o leitor e o
conduzem a uma nova norma de compreensão de si próprio e do mundo.”
(CHARTIER, 1988, p. 24.). Outros exemplos de representações são as próprias
personagens que narram as novelas. Como supracitado, elas são sete, sendo
todas entre dezoito e vinte e oito anos. Nas palavras do autor, a mais bem
resolvida, ou com maior maturidade, é Fiammetta, com vinte e oito anos. Alguns
adjetivos reforçam as representações do autor em relação ao mundo feminino
representado na obra: “delas, nenhuma havia transposto o 28º ano de idade,
nem era menor de 18. Todas eram ajuizadas e de sangue nobre; belas de
formas, prendadas de costumes, e de comportamento honesto. (BOCCACCIO,
2018, p. 39). Com essas características, a ideia de um mundo construído por
mulheres nobres fica evidente. A dignidade também aparece quando em seguida
ele relata que a honestidade de tais damas está protegida na sua narrativa. 120
Considerações finais
A obra é plausível de ser utilizada no ensino pelo fato de ser uma fonte histórica
rica em narrativas que auxiliam no entendimento de um período histórico tão
negligenciado como foi o da Idade Média. Assim, o Decamerão, enquanto fonte
primária, carrega consigo aspectos do seu contexto, como os cavaleiros, as
ordens religiosas, a peste e as mulheres. As representações sobre as mulheres
são importantes fontes de estudo, pois elas estão fundamentadas no caráter
verossímil da obra, uma vez que “as referências do universo narrado, embora
sejam principalmente literárias" ligam-se ainda ao cotidiano do autor e a
realidade das cidades-estados italianas daquele período.” (CAVALLARI, 2010,
p. 10). Desse modo, a história das mulheres também pode contribuir para o
ensino e a aprendizagem que dá voz as mulheres por séculos esquecidas na
história.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
SCOTT, J. História das Mulheres. In: BURKE Peter (org.). A Escrita da História:
novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1992.
CAPELÃO (1150-1220)
Juliana Caroline de Souza Araújo
Introdução
Constatamos, desse modo, que foi importante realizar uma avaliação crítica do
Tratado do Amor Cortês, uma vez que a atenção disponibilizada para a
perspectiva de André Capelão possibilitou uma aproximação à realidade dos
grupos sociais femininos marginalizados e não uma reprodução do pensamento
do autor da obra. Capelão estava vinculado à condessa Maria de Champagne
(1145-1198), filha de Leonor da Aquitânia (1122-1204) e do seu marido Luís VII
(1120-1180), rei da França (PERNOUD, 1984, p. 101-102; MARTÍNEZ, 2019, p.
149-150). Ele era um clérigo secular francês.
“Mas queira Deus que nunca se compre o amor como mercadoria. O amor é uma
dádiva graciosa que nasce apenas da magnanimidade do coração e da pura
liberalidade do espírito; por isso deve ser dado gratuitamente, banindo-se a
troca. [...] Se, no entanto, for descoberto que eles se dedicam ao serviço do amor
unicamente em vista do dinheiro, não caberá mais considerar sincero o
sentimento que demonstram: é um sentimento fingido” (CAPELÃO, 2000, p. 177-
178).
Ainda segundo André Capelão, as cortesãs esbanjavam enfeites e, por isso, não
eram constituídas por nenhuma virtude (CAPELÃO, 2000, p. 208). Os adereços
estavam ligados a elas e serviam para despertar a atenção dos rapazes
(FONSECA, K., FONSECA, P., 2010/2011). De acordo com a ideia seguinte: “Eis
que uma mulher sai-lhe ao encontro, ornada como uma prostituta e o coração
dissimulado” (Provérbios 7: 10). Assim, era predominante entre os homens de
Igreja a aversão ao poder de sedução e ao esbanjamento sexual dessas
mulheres, sendo confortante naturalizá-las como obscenas, libidinosas e
insuficientes de inteligência (FONSECA, 2012, p. 175-177).
De acordo com o escritor, era necessário evitar a prática do amor das cortesãs,
pois este é revestido pelo poder da sedução e conduz o homem nobre ao
pecado. Como ocorre com as mulheres prostitutas mencionadas anteriormente,
na perspectiva de Capelão os deleites do corpo em troca de presentes e dinheiro
são considerados comportamentos nefastos. O fragmento seguinte mostra essa
ideia. “Aliás, mesmo ocorrendo que uma mulher dessas se apaixone, não resta 128
dúvida de que seu amor é funesto para os homens: todos os que tenham bom
senso reprovam o comércio íntimo das cortesãs, e quem as frequenta perde a
boa reputação” (CAPELÃO, 2000, p. 208).
Considerações finais
Referência biográfica
Fontes
ALVES, Joana Catarina Machado. As Mulheres que fazem do seu corpo sua
vontade: a prostituição na Idade Média. In: Omni Tempore: atas dos Encontros
da Primavera 2018. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
2019. p. 33-70.
SCOTT, J. História das Mulheres. In: Peter Burke. (Org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas. Trad.: Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1992, p. 63-95.
PUBLICIDADE, GÊNERO E ENSINO
DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES
DIDÁTICAS NAS PÁGINAS DA 131
REVISTA MANCHETE
Karen Aparecida de Oliveira Leal e
Angela Ribeiro Ferreira
Os debates de gênero se consolidaram nos últimos anos dentro das ciências
humanas e representam um importante campo de pesquisa. Mesmo assim a
área vem sofrendo constantes ataques e silenciamentos. Prova disto são ações
contra professoras da, projetos como escola sem partido e a retirada do termo
“gênero” dos planos municipais e estaduais da educação, negando o livre ensino
e pesquisa da temática. Por isso seu estudo torna-se tão relevante neste
momento.
Partimos das reflexões de Joana Maria Pedro (2005), que diz que o termo gênero
é tributário dos movimentos sociais e carrega a carga de referir-se às
diferenciações sociais existentes entre mulheres e homens (plurais mesmo entre
si) a partir de construções culturais, econômicas, políticas e históricas. A própria
historiografia vinha sendo, até bem pouco tempo, responsável pela perpetuação
destas diferenças:
A Revista Manchete foi lançada em 1952 e encerrou as atividades nos anos 132
2000, desbancou no caminho a maior revista de circulação nacional “O Cruzeiro”
e conquistou o espaço de uma média de 200 mil tiragens semanais, com
reportagens especiais de assuntos densos acerca de política, segurança e
economia; outras com temas gerais como casamentos reais, concursos de miss,
carnaval ou a última moda em Paris.
Por esse variado repertório e por uma característica muito própria de estar
sempre se moldando ao governo que estivesse no poder, tal qual apresenta
Guesner Duarte Paduá (2013) no seu trabalho “Manchete, a cortesã do poder”,
a revista já foi alvo de várias investigações acadêmicas. Trabalhos, inclusive, na
própria perspectiva de gênero, como bem elucida o trabalho de Marlene de
Fáveri (2014) “O mundo é das mulheres - Heloneida Studart e o feminismo na
revista Manchete”. E ainda serviu de fonte e inspiração para tantos outros, a
exemplo: “Brasília: A representação do poder moderno. A desconstrução do país
passado e a construção do país futuro na narrativa jornalística” (SILVA, 2011);
“Aconteceu, virou Manchete” (ANDRADE; CARDOSO, 2001); “Ditadura militar e
propaganda política: a revista manchete durante o governo Médici” (MARTINS,
1999). E ainda outros. Nesses trabalhos encontramos perspectivas diferentes,
como estudos sobre a feminista Heloneida Studart, presa pelo AI-5 em 1969,
que contraditoriamente foi contratada pela revista, a mesma que apoiava e
divulgava campanhas do governo militar.
A publicidade, aqui entendida em seu completo, imagem e/ou texto que visam a
venda de um produto, ou melhor dizendo, de um padrão de vida:
Feminilidade x Masculinidade
As noções de feminino e masculino foram definidas como categoria de análise
para o trabalho por se tratar de uma ideia bastante presente nas peças
publicitárias. De maneira conservadora as mulheres são, geralmente, mostradas
como donas de casa preocupadas com a beleza e com o bem-estar da família,
só aparecendo fora dessa perspectiva quando colocadas no mercado de
trabalho como secretárias ‘sexys’.
Maternidade x Paternidade
É notório que família é um valor sempre em alta para publicidade, sendo um dos
preceitos mantenedores da moral e bons costumes do público conservador da
Revista Manchete. Nesta família arraigada na tradição, os papéis de pai e mãe
são muito bem desenhados. A função de formadora de cidadãos e gestora do lar
atribuída à mulher é amplamente divulgada nas peças publicitárias da revista
manchete.
Trabalho
As relações de trabalho demonstradas nas peças publicitárias podem ser vistas
em duas frentes: em primeiro vem o trabalho doméstico destinado às mulheres
e o trabalho fora de casa aos homens; em segundo temos os trabalhos
“inferiores” como secretárias destinados ao público feminino e os seus chefes
sendo homens.
Sexualidade
Uma ideia de mulher máquina, objeto de mesa, cama e banho pode ser 134
observada relacionada à maternidade, mas não se esquiva, já na década de
1970, da sexualidade. Na figura 1 a diferença é que a máquina de lavar roupa
irá fazer as vezes da mulher: lavar e manter as roupas em ordem para que a
esposa “[...] de carne, osso e amor” tenha tempo de cumprir sua função de objeto
sexual. Ela deveria, portanto, gerar prazer como uma das “suas” funções
domésticas. Não diferente a figura 2 mostra “Quando êle não consegue resistir
de longe a um cheirinho tão apetitoso...” possuindo uma dupla intenção como
demostra a fotografia que preenche a peça publicitária. É justamente a partir das
peças da década de 1970 que começamos a perceber uma maior
sexualização/erotização das mulheres como receita para venda de produtos.
Para tanto não basta o ensino de história das mulheres, ou de notas pequenas
de feitos femininos ao longo da história, como, por exemplo, os recorrentes “as
mulheres durante a segunda guerra mundial” ou “a participação das mulheres no
governo Vargas” é necessário “[...] reconhecer o processo histórico de exclusão
de sujeitos.” (COLLING, 2015, p.308). Ana Maria Colling (2015) destaca que para
um ensino efetivamente não sexista é fundamental atentar que a própria
dinâmica historiográfica e de ensino é intencional.
Figura 3 – Sanyo
137
1ª Parte:
• Apresentar a peça publicitária (figura 3, 4 e 5) aos/as estudantes, podendo
ser projetada ou de maneira impressa e iniciar um debate acerca da 140
composição dela. Quais são os personagens presentes? Quais cores
aparecem em destaque? É possível identificar na imagem qual produto se
trata?
• Iniciar a leitura da parte textual da peça, começando pela chamada “Uma
nova receita pela liberação da mulher” e questionar os estudantes sobre
o que eles entendem como “liberação da mulher” e como essa chamada
se relaciona com a imagem. Dar continuidade a leitura de maneira
integral, visando uma assimilação completa da argumentação. Também
vale destacar o estilo “jornalístico” que o texto assume e confrontar os/as
estudantes acerca dessa escolha, visando apontar o interesse em conferir
credibilidade ao produto e à argumentação.
• O professor ou professora pode destacar o trecho inicial da peça, onde:
“Até alguns anos atrás – não muitos – a maioria das mulheres aceitava como
sua responsabilidade máxima assumir a chefia de um reino de poucos metros
quadrados: o seu lar. Rotulada como uma perfeita dona de casa, uma boa parte
do seu talento e da sua vida eram absorvidos pelas mil e uma tarefas
desenvolvidas dentro dos limites das quatro paredes de uma cozinha. Agora,
recém liberada para um mundo que transpõem as barreiras impostas pela
escravidão das prendas domésticas, esgrima com o inevitável acúmulo de
funções.”
Considerações finais
Referências biográficas
Karen Aparecida de Oliveira Leal. Graduada em Licenciatura em História pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG.
Referências bibliográficas
HISTÓRIA: TRABALHANDO AS
RELAÇÕES DE GÊNERO NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Krishna Luchetti
Este trabalho tem por objetivo propor uma sequência didática mobilizando as
obras literárias de Francisco José Costa Dantas, “Coivara da Memória” (1991),
“Os desvalidos” (1993) e “Cartilha do Silêncio” (1997), como fonte para estudar
as relações de gênero no Brasil do início do século XX. Uma vez que esse autor
recria em suas narrativas o Sergipe da primeira metade dos anos 1900, partindo
muitas vezes da própria memória. Dessa forma, vê-se as tensões entre gêneros,
assim como o papel que se esperava que homens e mulheres do interior do
Nordeste assumissem naquela sociedade. Vale lembrar, que aqui vejo o
Nordeste enquanto uma construção histórica, sociocultural e política, tal como
indicou Durval Muniz de Albuquerque Júnior, em “A invenção do Nordeste”.
Sendo assim, para dar início a esta reflexão, lhes apresento Francisco Dantas,
como um homem que nasceu em Riachão do Dantas, interior do estado de
Sergipe, no ano de 1941. Dantas, cresceu nas fazendas de seus familiares,
muito próximo do avô materno que lhe serviu de inspiração para muitas de suas
obras literárias (DANTAS, 2013, p.194). Aos 30 anos, nosso autor cursou Letras-
Português na Universidade Federal de Sergipe, e seguiu sua formação
acadêmica até o doutoramento. Foi professor de Literatura na UFS, e como
escritor já publicou seis livros de literatura (TIBÉRIO, 2011, p.19).
Dado que, alguns temas podem parecer inadequados para alunos de uma faixa
etária mais jovem, visto o conteúdo mais “adulto” presente nas obras, foram
escolhidos os últimos anos do Ensino Médio regular, ou o Ensino Médio da EJA.
Seja devido a violência de algumas cenas, ou as referências a relações sexuais
entre os personagens nas obras. Além desses aspectos, é preciso levar em
consideração o linguajar da narrativa, que pode apresentar difícil compreensão
para leitores mais jovens, assim como para aqueles de outras regiões para além
do Nordeste brasileiro. Esse “sotaque” sergipano, apesar de apresentar um
possível entrave aqueles que não estão habituados com o falar da região, pode
ao mesmo tempo, proporcionar um debate muito interessante acerca dos “vários
falares” do Brasil.
Isto posto, vamos trabalhar tanto a forma com que foi escrita a narrativa, ao
elaborar uma relação interdisciplinar com a matéria de Português. Assim como
vamos trabalhar com o seu conteúdo, no que concerne das relações de gênero. 146
Para tanto, “É master trabalhar na perspectiva problematizadora, com
metodologias congruentes, apropriadas em relação à construção do
conhecimento histórico, tanto no horizonte da pesquisa científica, quando no
âmbito do saber escolar. Desafiar constantemente é uma das características do
ato de educar; do contrário, contribui-se para o obscurantismo, para o “silenciar”
de consciências.” (ECCO, 2007, p. 129).
Dos alunos será exigido que abordem alguns pontos, como por exemplo, um
resumo da situação tratada no trecho selecionado, qual o recorte espacial e
temporal que eles supõem (baseados nas narrativas, nas aulas e no livro
didático) que se passam na obra, e afins. Acredito que durante a dinâmica seja
importante que o professor lembre ao alunado que se trata de uma obra literária,
ou seja, da construção de um autor, e não necessariamente do “real”. Mas que
apesar disso, “As relações entre espaço e literatura, mapeamento e escrita, e
descrição e narração são tão complexas e numerosas quanto interessantes.”
(TALLY, 2019, p. 63).
Além de ter como ponto de partida o conhecimento dos próprios alunos acerca
do tema sobre relações de gênero, irei trazer para sala de aula o livreto “Sejamos
todos feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie. Essa autora nigeriana trabalha
justamente com as relações de gênero e machismos que vivenciou em seu dia
a dia, e traz alternativas para que sejamos, literalmente, todos feministas, a fim
de findar as diferenças gritantes entre os gêneros, assim como a violência e
subordinação intrincadas nessa relação. Dessa forma, irei mobilizar essa autora,
que trás uma linguagem simples para estimular a turma a pensar sobre o
assunto.
Portanto, indico que nas aulas que antecedam a dinâmica com o uso da literatura
de Dantas, sejam debatidas de forma contundente as questões de gênero ao
longo dos próprios conteúdos, deixando os alunos familiarizados com o tema. A
título de exemplo, o professor poderia trabalhar a participação das mulheres na
vida política na Primeira República, visto que esse é o recorte temporal abordado
nas aulas aqui propostas. Ou ainda, usar dos livros de Perrot e Adichie para
abordar e refletir sobre os tipos de subordinações forçadas em que as mulheres
do período estudado eram submetidas.
Logo, explicada a proposta de dinâmica, irei simular a mesma por meio deste
trabalho, para torná-la ainda mais viável de prática no âmbito escolar. Para
começar, lhes apresentarei possíveis trechos das obras que podem ser usados
em sala de aula, em um dos possíveis grupos de trabalho.
Supondo que um grupo pegou esse trecho, os alunos iriam ler, e discutir entre
eles a situação narrada pelo narrador literário, tentando ligá-lo as discussões
prévias em sala de aula acerca da temática, assim como suas leituras. Lhe serão
dados trinta minutos para ler, analisar e pontuar os aspectos demandados: se o
trecho trata de uma relação de gênero; que tipo de relação é essa; como a mulher
aparece no texto; qual o período em que se ambienta a narrativa; qual o espaço
em que se dá essa situação. Para posteriormente apresentar aos demais
colegas suas percepções acerca da passagem do livro. 148
Tal atividade iria se repetir também com o seguinte trecho da obra “Os
Desvalidos”, na qual trata da profunda violência vivenciada na década de 1920.
Nesse ponto, deve-se alertar a turma do conteúdo sensível, e novamente os
lembro de só realizar essa sequência didática, com alunos mais velhos, de 17
anos em diante. “Os desvalidos”, conta a história de Coriolano, que relembra o
passado com o amado tio Filipe, seu amigo Zerramo e outros personagens que
compõem sua vivência no sertão sergipano. Ao mesmo tempo que também são
narradas as memórias de Lampião e seu bando, e as diversas violências que
permeia a vida desses personagens desvalidos.
O narrador nos conta que “Arrebatado do punhal de Lampião pelo amor de Maria
Melona [ela foi membro do bando de Lampião, mas por amor salvou a vida de
Filipe do próprio capitão], no dia seguinte já em terras da Bahia, Filipe caiu na
mão da força volante [os homens que caçavam Lampião e o cangaço], que o
amarrou a nó-de-porco a dois passos da mulher desarvorada, que a gritos,
coices e dentadas, serviu de pasto a todo um batalhão, estuprada ante seus
olhos vidrados, para depois ser retalhada a facadas, oferecida de bandeja aos
urubus. Logo ela, a criatura mais direita e mais honrada desde mundo!”
(DANTAS, 1993, p. 216).
Tal trecho serve apenas como uma sugestão, assim como os demais
apresentados nesse artigo para se trabalhar as obras de Francisco Dantas em
sala de aula. Fiz essa escolha, justamente para denotar os sofrimentos
vivenciados pelas mulheres naquela sociedade e naquele período. E o caso da
personagem Maria Melona me parece emblemático, ela casou-se com Filipe
antes da tragédia acima. Porém, Coriolano, acabou por espalhar boatos, falsos,
de que Maria estivesse traindo Filipe, e por isso ela acabou sendo expulsa de
casa e como única opção se juntou ao bando de Lampião. Por fim, em um último
sacrifício pelo amado marido, Maria o salva da fúria de Lampião, e acaba tendo
este final no mínimo trágico.
Usando esses três trechos de base, pode ser feito um rico debate acerca das
questões de gênero, seja por parte da desigualdade, ou violência sofrida pelas
mulheres, e as posições por elas esperadas pela sociedade. Ou ainda, pelas
formas como elas resistem a esse tipo de opressão. Por fim, para finalizar a
sequência didática, proponho que o professor peça aos alunos para escreverem
os pontos que discutiram entre os grupos e acrescentarem se eles conseguem
ligar o que analisaram na obra literária com suas experiências no presente.
Assim, cada grupo teria 30 minutos para analisar cada um desses pequenos
trechos e responder aos pontos demandados, totalizando uma hora e meia para
tal atividade. Se seguindo a isso, seria realizado um breve debate acerca das
impressões de cada grupo acerca dos documentos analisados, e como eles
identificaram as questões provocadas pelo professor. Por fim, será entregue ao
docente em forma de tópico ou um pequeno texto, as impressões de cada grupo.
Para avaliação da atividade, sugiro ao professor perceber tanto o empenho do
alunado no debate e análise das fontes, quanto na elaboração dos tópicos.
A partir desde trabalho espero ter conseguido instigar meus pares a fazer uso da
literatura forjada por Francisco Dantas em suas aulas de História, ou até de
outras áreas. Afinal, buscando dar uma formação crítica em que os alunos
possam analisar e elaborar conhecimentos a partir de fontes, tenho em mente
que “A escolha dos materiais depende, portanto, de nossas concepções sobre o
conhecimento, de como o aluno vai apreendê-lo e do tipo de formação que lhe
estamos oferecendo.” (BITTENCOURT, 2004, p. 299). Portanto, o trabalho com
essa fonte literária buscou servir aos objetivos de discutir com afinco e
sensibilidade as questões relativas às desigualdades de gênero.
Referências biográficas:
Referências bibliográficas:
DANTAS, Francisco J.C. Cartilha do Silêncio. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
TALLY JR. Robert T. Topophrenia: Place, Narrativa, and the Spatial Imagination.
Indiana: Indiana University Press, 2019.
TIBÉRIO, Fabiana Francisco. Linguagem, estruturação literária e cosmovisão
em Francisco J.C. Dantas. Dissertação (mestrado em Letras). Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2011.
151
A VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES
AFETIVO-SEXUAIS DO MARANHÃO
OITOCENTISTA 152
No rol dos abusos a violência doméstica é uma que segue enraizada até hoje.
Por meio de uma construção patriarcal, meninas e mulheres foram ensinadas a
normalizarem essa violência, tal padrão comportamental foi-lhes imposto
baseado na objetificação feminina, na concepção de que uma mulher depende
majoritariamente de um homem e que, portanto, deve pertencê-lo. A veracidade
dessa informação se exemplifica a partir da investigação sobre o Maranhão
oitocentista, é possível perceber nas fontes do período que havia uma
dependência financeira, emocional e social por parte dessas mulheres, não
intencional, mas ainda assim constituída sob a ótica marginalizadora da
sociedade, que por muito tempo optou por invisibilizar e até anular a posição
dessas mulheres na História.
Desse modo, é imperioso, entendermos que a afetividade é tudo aquilo que afeta
o ser-humano gerando internamente sentimentos e emoções. São das
afetividades tantos os sentimentos negativos quantos positivos, que são
responsáveis por gerar influenciar comportamentos,
“Quanto maior é o amor com que alguém imagina a coisa amada afetada em
relação a si mesmo, mas se glorificará, isto é, mais se alegrará. [...]. Mas supõe-
se que este esforço ou apetite é contrariado pela imagem da própria coisa amada
concomitante à imagem daquele a quem a coisa amada se uniu. Assim, [o
amante] será afetado de Tristeza, concomitante à ideia da coisa amada como 153
causa e simultaneamente à ideia do outro, isto é, será afetado de ódio com
relação à coisa amada e simultaneamente com relação ao outro, que ele invejará
por se deleitar com a coisa amada.” (SPINOZA, 1677)
“Foucault (2001) afirma que a violência pode ser um instrumento utilizado nas
relações de poder embora sejam fenômenos distintos, estão diretamente
relacionados, e que a chave para a compreensão da violência é a forma como
se concebe o poder. Assim, a violência surge como recurso ou alternativa para
manter a estrutura de poder. (OLIVEIRA. CAVALCANTI, 2017)”
Deverás não existe uma definição específica para o termo “violência de gênero"
por isso a Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza uma concepção mais
abrangente do conceito de violência contra a mulher para abordar a temática,
entretanto é válido ressaltar que violência de gênero e violência contra a mulher
não são necessariamente sinônimos, pois este último é apenas um dos vários
aspectos da violência de gênero, que pode se caracterizar como todo e qualquer
tipo de ato danoso feito contra a mulher baseado no gênero dela, podendo ter
várias facetas desde agressões físicas até emocionais.
Em sua obra, Butler propõe que o gênero, o sexo e a identidade, são construídos
socialmente,
“[...] o gênero é sempre um feito, ainda que não seja obra de um sujeito tido como
preexistente à obra. [...] não há identidade de gênero por trás das expressões do
gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias
“expressões” tidas como seus resultados.” (BUTLER, 2003)
Ou seja, pela forma como o sujeito se apresenta, como ele se comporta, são as
repetições das ações ou gestos que lhes foi apresentado, no caso das mulheres
a sua construção social e sua posição de subserviência perante o masculino
propiciou que toda uma cadeia de violência baseada no seu gênero fosse criada
e normalizada dentro da sociedade patriarcal.
O percurso da pesquisa
Optamos por uma pesquisa exploratória com uma abordagem de caráter 155
qualitativo, ela seguirá a perspectiva fenomenológica, uma vez que a realidade
não é um objeto passível de ser explicada, mas sim interpretada, comunicada e
compreendida (GIL, 1999, p. 32), o estudo se concentra no entendimento da
dinâmica das relações afetivo-sexuais que produziram violências, nós utilizamos
somente dois procedimentos técnicos: A pesquisa documental e Bibliográfica.
Os documentos que servem de arcabouço para nosso projeto são as páginas
policiais dos jornais maranhenses do século XIX, a escolha dessas páginas se
deu pelo fato de que eram nelas que conflitos entre homens e mulheres que se
relacionavam de forma afetivo- sexual eram descritos, pois não eram raras as
vezes que tais desentendimentos precisavam da interferência de terceiros, no
caso a polícia, tabulamos o máximo de ocorrências encontradas nos jornais por
meio de palavras-chaves como mulher, desordem e polícia dentre outras, para
facilitar a busca por esses relatos.
A documentação é datada entre os anos de 1800 a 1899, uma vez que esse
período corresponde a uma importante fase da sociedade maranhense, sendo
registros extremamente ricos em informações historiográficas da época.
Entretanto, por se tratarem de fragmentos do todo, muitas vezes não sabemos
ao certo qual tipo de vínculo afetivo está sendo descrito neles, o que dificulta a
compreensão dos documentos, então é necessário uma análise minuciosa para
que possamos lê as entrelinhas dos jornais, a fim de entendermos tais relações.
O acesso aos dados documentais é feito pela própria internet, por meio de um
corpo de registros que podem ser encontrados de forma online na Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional, alguns exemplos dos jornais utilizados são:
Publicador Maranhense, A pacotilha e A Bandurra. Já parte da pesquisa que tem
como base os aspectos bibliográficos são feitos a partir dos referenciais teóricos
de gênero, afetividade e violência que se baseiam nos estudos e conceitos de
Judith Butler, Nila Michele B Santos, Hannah Arendt, respectivamente, e se dá
por meio de pesquisas por obras e artigos que tenham ligação com o projeto,
desse modo nos orientamos pela história cultural da sociedade que fornece
incontáveis pontos de vista diferentes.
Buscamos então nesse estudo, nos focar nas relações afetivo-sexuais entre
homens e mulheres que causaram eventos violentos o suficiente para que a
interferência de terceiros fosse necessária e consequentemente registrada nas
páginas policiais, apesar de que esse tipo de pesquisa documental se torna
complicada, visto que possuímos apenas fragmentos de todo o contexto, o que
acaba impossibilitando saber qual era o nível afetivo dos envolvidos, ou seja se
são ou não um casal. As páginas policiais dos jornais Maranhenses do século
XIX são essenciais para a pesquisa, pois são nesses documentos que podemos
encontrar os conflitos entre casais que precisaram da intervenção policial, um
exemplo disso é a edição de 19 de fevereiro de 1843 pelo jornal Publicador
Maranhense:
A grande dificuldade em encontrar mais casos nos jornais é que mesmo usando
palavras-chaves uma grande parcela deles se encontravam em um estado
deteriorado o que somado ao uso de uma linguagem mais arcaica prejudica
bastante a leitura e interpretação dos documentos.
Fundamentando-se no número limitado de casos encontrados é possível
perceber que mesmo quando abordados, esse era um tema tabu, em somente
1 dos casos que encontramos há uma determinada crítica ao homem que
cometia os atos violentos, essa era a edição de 14 de junho de 1825 do jornal
Argos da Lei:
157
“[...] Pergunto agora se também não é indecente e escandaso (além de cruel) o
despir-se uma mulher n’ uma praça e darem lhe surras e surras? E tanto peior,
que a praça em que se fazem taes sevicias, é habitada em rodas por familias
honestas, a cujo os olhos se deve roubar tão indigno epectaculo.”
Outrossim, em 7 dos jornais os nomes das mulheres não chegam a ser citados,
um exemplo disso, é um dos casos achados no jornal Publicador Maranhense
de 1 de setembro de 1851 explicita o seguinte trecho:
“Os soldados da 2.° companhia. 229 Pedro Antonio do Rego, conduzirão preso
ao quartel ás 9 horas da noite, por mandado do Inspector de quarteirão n 46
João Fernandes Barreto, o Soldado do meio Batalhão do Pianhy Vicente Jacaré,
por estar espancando uma mulher cuja o nome ignora-se, e ferir a um Soldado
do referido Batalhão que agia em socorro da dita mulher” (grifo nosso)
Considerações finais
Referências biográficas
Referências bibliográficas
GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
Segundo Miguel Arroyo (2011, p. 147), “são sujeitos de história, culturas, valores
e conhecimentos e exigem reconhecimentos.”. Por muito tempo a pluralidade
dos sujeitos foi ocultada pelos currículos de formação docente deixando essa
complexa diversidade ficar à margem sob um termo de uma identidade genérica,
a identidade escola e o famoso termo “aluno”. E como sujeitos exigem direitos
ao reconhecimento, sabendo que lhe são garantidos em diversos e diferentes
espaços; mas ainda nos encontramos numa sociedade de grande
conservadorismo, mesmo nomeada por muitos de sociedade liberal. Partindo
desse pressuposto as escolas reconhecem esses sujeitos, mas nunca na plena
forma de igualdade, fazendo com que esses sujeitos plurais permaneçam na
forma de submissão perante a sociedade.
Denominado como “kit gay” pelo atual governo Bolsonaro, o projeto “Escola sem
homofobia”, foi pensado e teve início através de um programa que visava
combater a violência contra LGBT+ nas escolas. A criação do projeto e toda
articulação percorreu o governo do PT, desde o ano de 2004. Embora toda
importância e relevância desse projeto que poderia impactar positivamente as
vidas dos alunos e alunas, sujeitos sendo eles marginalizados ou não; em 2011,
o projeto foi barrado e depois suspenso pelos representantes conservadores do
Congresso Nacional que tinham como premissa que o conteúdo presente no
projeto estimularia o “homossexualismo” – cabe aqui ressaltar que o uso desse
termo em lugar de ‘homossexualidade’ já demonstra desconhecimento e
preconceito das pessoas envolvidas na crítica à proposta educacional inclusiva.
Gênero também deveria ser uma categoria de estudo a ser incorporada nos
currículos e, visando a sua importância na sociedade como crítica e reflexiva e
na ciência como forma de pesquisa e análise. Já em relação à realidade das
universidades, a autora Joana Maria Pedro (2005), escreve sobre a entrada da
categoria de análise “gênero”, como uma de várias narrativas a se estudar na
história. Essa narrativa permite compreender que os pesquisadores e
pesquisadoras nos estudos de gênero observam as relações entre homens e
mulheres analisando a diferença em seus contextos históricos diversos. Tais
reflexões devem também ganhar o espaço escolar.
Referências bibliográficas:
SOARES, Wellington. Conheça o “kit gay” vetado pelo governo federal em 2011.
Nova Escola, 01 de fevereiro de 2015. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo- 165
federal-em-2011. Acessado em 27/04/2021.
PSICOLOGIA E ERRÂNCIA
FEMININA
Luciana Codognoto da Silva 166
Introdução
Metodologia
Por questões éticas, optamos em não revelar os nomes das participantes, bem
como do município onde ocorreu esta pesquisa, destacando apenas a sua
localização geográfica.
Resultados e Discussões
As experiências de nomadismo ou de errância, vividas por aqueles classificados
como “pessoas em situação de rua”, “trecheiros”, “andarilhos” e outros
transumanos distanciados da norma, recebem rotulações pelas quais seus
atores são equivocadamente reconhecidos e tratados socialmente. Via de regra,
são percebidos como “vagabundos, loucos, sujos, perigosos e coitadinhos” 169
(JUSTO, 1998), ou ainda, como “pilantras, aproveitadores, coitados, sofredores
e filhos desgarrados de Deus” (JUSTO, 2011).
Para Justo (2015), são muitas as condições que levam as pessoas em situação
de nomadismo a desancorar de uma vida territorializada. A busca por um
trabalho, o “fazer bicos”, a procura por serviços de assistência social para
completar a viagem e a condição financeira estão entre as principais. Mas
também, não podemos nos esquecer de três importantes aspectos: a busca por
uma situação melhor de vida, a fuga dos problemas gerados por uma vida
indesejada e o mais evidente – as relações interpessoais e afetivas, permeadas
por formação ou não de vínculos e um possível compartilhamento de histórias
de vida entre essas mulheres.
Acreditamos que um evento isolado, por mais desgastante que seja, não é, por
si só, o condicionante para a deserção, tal como apontam as pesquisas com
andarilhos e trecheiros, de Justo (2011), quanto com mulheres em situação de
rua, enfatizadas por Santos (2014) e Rosa e Brêtas (2015). Especificamente no
caso das mulheres trecheiras, observamos que tanto as histórias de vida de
Cristal quanto de Topázio foram marcadas por conflitos e divergências familiares
importantes, vividos em especial com as mães.
Considerações Finais
Referências biográficas
Referências bibliográficas
BRASIL. Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua. Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília, 2008, 16p.
TIENE, Izalene. Mulher moradora de rua: entre violências e políticas sociais. 172
Campinas: Alínea, 2004
DESAFIOS EDUCACIONAIS: ENSINO
REMOTO E A SEXUALIDADE
FEMININA NA AMÉRICA 173
PORTUGUESA
Mariana Ponciano Ribeiro Rennó e
Nataly Souza Silva
O presente texto tem por finalidade socializar a experiência do Estágio
Supervisionado Obrigatório vinculado ao Programa Residência Pedagógica,
financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) realizado no ano de 2020. Será abordado, em específico, o
desenvolvimento de uma sequência didática enquanto regência aplicada pelos
alunos do último ano do curso de História da Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP), campus Jacarezinho/PR. Serão evidenciados os desafios
encontrados durante esse processo, como o Ensino Remoto imposto devido à
pandemia da COVID-19, as novas tecnologias e plataformas como recursos
metodológicos e a temática de caráter sensível, que foi abordada.
“[...] esse espaço não pode ser substituído por plataformas digitais,
principalmente associadas aos interesses neoliberais, mercantis cujos valores
não são a educação que promove a emancipação humana, uma educação de
qualidade social. O ensino remoto deve ser uma ferramenta a ser utilizada
somente em momentos de exceções na educação básica, como o atual.” (PALÚ,
2020, p.101)
Mas esse espaço antropológico acaba que não oferecendo uma análise
completa sobre o ensino-aprendizagem dos estudantes e a eficácia das novas
práticas pedagógica propostas, por conta da ausência dos estudantes em muitos
dos espaços metodológicos utilizados. Outro fator que evidencia uma
problemática nesse espaço antropológico foi o déficit de políticas públicas na
formação do professor, denunciada no inicio das adequações dos calendários
escolares do ano de 2020 para o ensino remoto, pois a maioria não estava
preparada pra esse tipo de ensino (PALÚ, 2020, p. 94). Desse modo, Cordeiro
(2020, p. 10) aponta que “(...) nem todos os educadores brasileiros, tiveram
formação adequada para lidarem com essas novas ferramentas digitais,
precisam reinventar e reaprender novas maneiras de ensinar e de aprender”.
Para finalizar, é necessário reconhecer que nosso país ainda está longe de um
cenário ideal de educação com base no ensino remoto, dado que muitas escolas
e alunos enfrentam dificuldades sobre a conectividade e que o acesso a recursos
tecnológicos acaba se tornando privilégio apenas a algumas classes sociais,
bem como as metodologias e didáticas são um novo contexto que nem sempre
faz parte da realidade de todos os professores, que estão tentando se adaptar.
Porém, nem sempre isso se torna possível pela complexidade da nova situação
ou por falta de investimentos/recursos educacionais.
Referências bibliográficas
HARVEY, David et al. Coronavírus e a Luta de Classe. Brasil: Ed. Terra Sem
Amos, 2020.
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São
Paulo: Cortez, 2012.
SILVA, Diego L. S. Os memes como suporte pedagógico no Ensino de História.
Periferia, v. 11, n. 1, p. 162-178, jan./abr. 2019.
A obra A Cidade das Damas é marcada ao longo dos seus três livros pelo resgate
de mulheres valorosas e virtuosas, no entanto, só é possível esse resgate a partir
da memória, e é a partir dessa memória que Christine de Pizan constrói a
representação do feminino, desvinculando a antiga representação forjada pelos
grupos masculinos medievais, na qual tinha a mulher como um ser subalterno e
submisso.
Christine de Pizan era natural da Itália, no entanto, aos 4 anos mudou-se para o
Reino da França, onde cresceu em um ambiente intelectualizado. Frequentou a
biblioteca de Carlos V, o que facilitou seu acesso ao campo do saber, e ao
debruçar sobre os livros começou a questionar o seu lugar social, tornando-se
uma leitora ativa, criticando os livros que contradiziam os fatos (SOUZA, 2013,
p. 36). Seu pai, um grande astrólogo e astrônomo da corte real, influenciou a
permanecer nos estudos, indo contra a concepção masculina que temia o acesso
feminino as Letras. Contudo, foi aos 25 anos de idade que iniciou as suas
produções, levada pela dor da perda, desabafava por meio das suas baladas o
luto pelo seu marido, a qual conviveu por aproximadamente dez anos e teve três
filhos. (SOUZA, 2013, p. 20-23).
Na escrita cristiniana, segundo Calado, ela deixou registrado o seu “eu”, como
modo de dar voz às mulheres, visto que elas por muito tempo foram silenciadas
e deixadas no esquecimento, dado que, “a busca por esse espaço significante
na História constitui a essência da escrita feminina como meio de libertação
através da autonomia de expressão” (CALADO, 2006, p. 17). Isto é, a escrita
feminina no medievo foi o meio de desacorrentar as mulheres daquela sociedade
impregnada de calúnia e difamação, dando voz e vez para que elas pudessem
desconstruir essa cultura misógina, e ocupar o seu lugar de fala, que antes era
de domínio masculino. Mediante a isto, apresenta na sua obra mulheres
virtuosas, com o objetivo de resgatar a honra que foi deturbada pelas narrações
caluniosas dos homens, ao mencionar diversas mulheres míticas e religiosas, do
passado e da sua contemporaneidade, para fundamentar e valorar sua narração
(NERI, 2013, p. 75-76).
A obra A cidade das Damas foi dividida em três livros, em cada livro é marcado
com o diálogo de Christine com as três damas – Razão, Retidão e Justiça. Tendo
vista que Pizan inicia sua obra esclarecendo o que a fez a escrever uma obra
contra a cultura misógina, evidenciando o livro Mateolo, que atribuía as mulheres
as maiores mentiras, e levada pela inquietação e insatisfação, não apenas diante
desse livro, mas de tantos outros que já lera, ela busca no campo das Letras os
caminhos para contrariar e desmentir os discursos difamatórios (NERI, 2013, p.
76-77).
Já no primeiro livro, Christine inicia o diálogo com dama Razão, e a partir das
suas indagações levantará as paredes e os altos muros, e incita a pegar as
mesmas obras ditas caluniosas, e revertê-las ao seu favor, enquanto que dama 183
Retidão no segundo livro constrói as edificações das cidades, acolhendo ao logo
das narrações mulheres da família real francesa que são dignas de morar nesta
almejada cidade, e por fim, dama Justiça constrói as altas e fortificadas torres,
além de convidar a rainha dos céus, Nossa Senhora, a habitar e governar aquela
cidade. E, ao encerrar a missão, Christine volta-se a todas as damas, e esclarece
que aquele lugar é apenas para as mulheres virtuosas, e que todas continuem
nos caminhos bons.
Além disso, Pizan não entendia o porquê de tantos homens renomados e ilustres
se ocuparam em difamar e propagar mentiras sobre as mulheres, citando em
seu livro escritores renomados da época, como Ovídio e Cecco d’Ascoli, ambos
se dedicaram em suas obras a falar com tamanho desgosto sobre o feminino.
Diante de tantos escritos, a autora questiona se todos seriam verdadeiros, tendo
a possibilidade de estarem sendo equivocados, dado que, diante da mulher
medieval aquelas obras não passavam de uma imensa injustiça perante o seu
sexo, pois não representavam a realidade (PIZAN, 2012, p. 79-83). Posto isto, é
perceptível o quanto Pizan era consciente da sua posição enquanto mulher, e
como era contraditório todo aquele discurso.
Além disso, Pizan afirma que os homens cobram das mulheres uma constância
e bondade que eles não têm, tendo em vista que ao cometerem erros, justificam-
se com o pecar é humano, mas para as mulheres é inaceitável, julgando-as como
fracas e inconstantes, autoconferindo-se uma autoridade moral, nunca
reconhecendo a constância e a força da mulher, apenas atribuindo-lhes os piores
crimes (PIZAN, 2012, p. 239). E, se Pizan questiona o motivo de tantas mulheres
virtuosas terem permanecido em silêncio diante de tamanhas calúnias, a Dama
esclarece que essas mulheres depositaram suas contribuições para a ciência e
para as artes, portanto a missão de debater e combater os discursos misóginos
era de Christine (PIZAN, 2012, p. 261-262).
Considerações Finais
Em suma, estudar a Idade Média tendo como campo de pesquisa a História das
Mulheres é inovador e curioso. Recorte histórico por tanto tempo reduzido
apenas a imagem das três ordens – Clero, Nobreza e Campesinato -, hoje nos
mostra diversos campos possíveis de pesquisa, entre eles, o da mulher. Estudar
a mulher em um contexto em que o patriarcado tem seu monopólio é resgatar
por meio de registros escritos a representação de um indivíduo posto pelos
detentores do saber medieval como inferior e subalterno.
Referências
Fonte
PIZAN, Christine. A cidade das damas. Trad. Luciana Eleonora de Freitas
Calado Deplagne. Florianópolis: Editora Mulheres, 2012.
Referências bibliográficas
SOUZA, Daniele Shorne de. A cidade das damas e seu tesouro: o ideal de
feminilidade para Cristina de Pizán na França do início do século XV.
Dissertação de Mestrado em História – Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2013.
200 ANOS DE ENCERRAMENTO DO
TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO
PORTUGUÊS: REFLEXÕES SOBRE O 187
PROCESSO INQUISITORIAL DE
IZABEL MARIA DA SILVA NA VISITA
DO SANTO OFÍCIO AO GRÃO PARÁ
E MARANHÃO (1763)
Marize Helena de Campos
O Tribunal do Santo Ofício português foi um Tribunal Eclesiástico instituído em
1536 e extinto em 1821. Ao longo de quase 300 anos de sua vigência, foi uma
das instituições mais temidas em Portugal mantendo constante vigilância e
punição contra os considerados desviantes da fé católica e praticantes de
heresias e, ou, práticas pagãs. No âmbito do tema, trataremos aqui do processo
movido contra Dona Izabel Maria da Silva por supostas práticas de feitiçaria e
bruxaria e que se encontra alocado e disponibilizado online no site DigitArq do
Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Portugal. A escolha deste processo deve-
se ao fato de que, embora os principais alvos da Inquisição portuguesa tenham
sido os judeus, islâmicos e protestantes, os crimes sexuais (bigamia, adultério e
sodomia) e os crimes de heterodoxia (feitiçaria, pacto com o demônio e curas
supersticiosas) também constituíram fonte de preocupação. O caso envolvendo
Dona Izabel Maria da Silva, ocorrido em Belém do Pará em 1763 apresenta uma
rica e importante narrativa de rituais e práticas mágicas, bem como as
motivações dos elementos envolvidos explicitando a complexidade das redes de
sociabilidades na dinâmica social colonial do século XVIII. Finalizamos com uma
proposta de aplicação do tema no 7º ano do Ensino Fundamental.
Era o dia vinte e seis de outubro de 1763 quando Dona Jozepha Coelha
apresentou-se à Mesa Inquisitorial, instalada no Hospício de São Boaventura,
cidade de Belém do Pará para fazer uma acusação. Natural daquela cidade,
tinha “pouco mais ou menos” quarenta anos de idade e era casada com Antônio
Gomes, oficial de fazer meyas, com quem morava na Rua da Atalaya.
Perante o Inquisidor expôs um episódio que tinha como protagonista Dona Izabel
Maria da Silva.
188
Disse que há cerca de dez anos, encontrava-se em sua casa com Luiza de
Souza, casada com Onofre da Gaya, carpinteiro e Joanna da Gaya, casada com
Antônio José de Morais, soldado da Companhia do Capitão Domingos da Silva
Pinheiro, quando ali entrara a moça Ana Bazília, natural do Maranhão e
moradora em Belém, na Rua do Convento de Santo Antônio, a contar que
estando em casa de Dona Izabel Maria da Silva, casada com o referido Capitão
Domingos da Silva Pinheiro, da guarnição da Praça de Belém, vira, não se
lembra se de dia ou de noite, Dona Izabel entoar cantigas e que, logo no meio
da casa, apareceram dançando ao som de cantigas três pretinhos ou diabretes,
que saíram do canto da mesma casa, quando a mesma lhes fora perguntando
por palavras que ela não percebia, mas que lhe parecia Dona Izabel queria saber
e que os ditos pretinhos respondiam. Depois disto desapareceram, ficando Ana
Bazília assustada do que tinha visto e que, sem demora, fora contar o que vira à
Luiza de Souza e Joanna da Gaya que concluíram ser aquele o meio pelo qual
Dona Izabel sabia de “tudo o que se passava”, por ter familiaridade e tratamento
com os demônios e que era constante e público na cidade, e principalmente na
vizinhança, que ela tinha comércio e comunicação com uns xirimbabos ou
demônio e que por esta via sabia tudo o que queria saber.
Perguntada, ainda, se Dona Izabel Maria tinha bom entendimento ou era douda
e dizavizada ou se costumava tomar vinho ou outras bebidas, respondeu que a
achava bem entendida e que nada tinha de doida, porém tinha ouvido dizer que
algumas vezes tomava bebidas, mas que não perdia de todo o juízo e sobre o
tempo que conhecia Dona Izabel Maria, que opinião tinha dela acerca de sua
crença e vida e costumes, respondeu que a conhecia desde que “se entendia” e
que dela não tinha boa opinião, por ver que não ia a Missa nem “puxava” rezas
em sua casa, ressaltando que sua denúncia fora movida para o cumprimento do
que entendia ser sua obrigação e não pelo fato de ter-lhe ódio nem má vontade.
Três dias depois, quem compareceu à mesma Mesa foi a própria Dona Izabel
Maria da Silva.
Chamada perante o Inquisidor, disse chamar-se Izabel Maria da Silva, com “mais
ou menos” 55 anos de idade, casada com o Capitão Domingos da Sylva, do
Regimento da Praça de Belém, moradora na Rua de São João naquela
cidade. Disse que, havia anos, não se lembrava quando, somente que ainda se
achava solteira, viu uma mulher, que não lembrava o nome, viúva, natural de
Belém do Pará e moradora na Rua das Mercês, e já falecida, fazer uma sorte 189
chamada de “São João”, a qual consistia em molhar um copo de vidro com água
da noite do dito Santo e lançar dentro, no mesmo copo, um ovo quebrado, nele
fazendo uma cruz ao lançar de certo óleo no referido copo rezando-se um Padre
Nosso e uma Ave Maria ao dito santo para que mostrasse o que havia de suceder
a tal ou qual pessoa que se nomeasse e que, aprendendo este modo de fazer a
sorte as fizera e lançara em três anos sucessivos no dito dia de São João, dois
no estado de solteira e um já casada, sendo a sorte do primeiro ano para saber
que estudo havia de tomar um estudante, que não lembrava o nome, nem de
seu pai, nem de sua mãe, que também moravam na Rua das Mercês.
Segundo suas palavras, lançando a sorte na dita forma, lhe apareceu a figura de
uma Igreja e dentro dela um altar, em que se apresentava um sacerdote para
dizer missa, que ela vira clara e especificamente junto a mãe do dito estudante
que, de acordo com suas palavras, de fato veio a tornar-se sacerdote.
A “sorte” do segundo ano disse ao Inquisidor que foi para saber se uma moça,
de quem não lembrava o nome, nem de quem era filha, e que morava na Rua do
Limoeiro, haveria de se casar com um “mazombo” ou com um homem que viria
do Reino e, lançando ela a sorte, lhe apareceu e, claramente, viu um navio e a
moça, donde veio saber que havia de casar com homem do Reino, o que
segundo ela, assim sucedeu.
E sobre a sorte feita no terceiro ano, disse ter sido feita para uma moça chamada
Nazária, parda, filha de Maria parda e de pai incógnito, moradora na Vila de
Bragança, que também queria saber com quem havia de se casar, com um
homem do Reino ou com um homem “da terra”, e como no copo se não vira o
navio, logo soube que havia de se casar com um homem “da terra”, segundo
Izabel Maria, como assim sucedeu.
Concluiu que, era o que tinha para confessar e que havia deixado de fazer as
observações da sorte porque seu marido a repreendeu asperamente logo que
soube que as fazia, e que tinha ficado muito arrependida de tê-las feito, motivo
pelo qual pedia perdão e misericórdia à Meza e seus representantes
eclesiásticos.
Ao lhe ser dito que havia tomado muito bom conselho em se apresentar à Meza,
mas que convinha muito trazer todas as culpas a memória para fazer inteyra
confissão para desencargo de sua consciência e salvação de sua alma e assim
merecer a mizericórdia que a Santa Madre Igreja se costuma conceder aos bons
e verdadeyros confitentes, Dona Izabel Maria respondeu que não se lembrava
de mais nada, ante o que foi determinado que não se ausentasse se expressa
licença da Meza e que ali se apresentasse diariamente, exceto aos feriados, das
sete às onze horas da manhã, até que findasse sua causa, o que ela prometeu
cumprir.
Perguntada se sabia ou suspeitava o motivo pelo qual fora chamada, disse que
não. Perguntada se sabia de alguma pessoa que tivesse feito ou dito alguma
coisa contra a Santa Fé Católica e Lei Evangélica, ou se conhecia outra culpa
pertencente ao Santo Ofício e que devesse denunciar naquela Meza, disse que
não.
Outra versão foi apresentada dois dias depois, aos quatorze dias de dezembro
de 1763, por Joanna da Gaya, “mais ou menos” 20 anos de idade. Após os
juramentos e perguntas de praxe foi indagada se sabia ou suspeitava do motivo
pelo qual fora chamada perante aquela Meza, ao que respondeu não saber por
que fora chamada e que nenhuma pessoa havia lhe dito.
Perguntada de certas coisas que ouviu de dona Bazília, solteira, mulher branca,
natural do Maranhão respondeu que ouviu Ana Bazília contar que, estando com
Dona Izabel, a referida Dona Bazília, tivera na sua presença um pretinho que 191
saíra debaixo da cama da mesma Dona Izabel ao qual ela perguntara várias
cousas ao que lhe respondeu e que depois de dar as respostas às suas
perguntas desaparecera o que tudo disse Ana Bazília presenciara e outras mais
coisas, que ela testemunha já não tinha lembrança, concluindo Ana Bazília que
já sabia os meios que Dona Izabel tinha para saber tudo o que se passava, fosse
de dia ou de noite porque tudo perguntava aos pretinhos e eles tudo lhes
respondiam, porque era o demônio e que o dito caso o tinha visto de dia a dita
Ana Bazília e que isto era o que lhe tinha ouvido contar.
Perguntada se ouviu Ana Bazília dizer que Dona Izabel chamara por cantigas,
não só um, mas dois pretinhos mais e que todos três apareceram dançando ao
som das cantigas saindo do canto da casa em que estava Dona Izabel, Joanna
respondeu que não tinha essa lembrança. Perguntada se ouviu Ana Bazília
contar que Dona Izabel fora perguntando aos “tais pretinhos” o que deles queria
saber e que eles lhes respondiam, afirmou que não tinha lembrança disso e que
ouviu Ana Bazília falar em um pretinho e não três pretinhos.
Disse ainda que não lembrava se Ana Bazília tinha dito ter ficado assustada por
ter visto aparecer e desaparecer os ditos pretinhos e que conhecia Dona Izabel
desde que se lembra e não tinha dela boa opinião, porque não ouvia missa nem
em sua casa se ouvia couza que paresa religião e que geralmente é tida muita
maligna principalmente não estando o marido em casa como publicão os
próprios vizinhos e ela testemunha o tem ouvido assim contar a Luzia Machado
e Catarina da Costa, ambas suas vizinhas e geralmente a todos os vizinhos da
rua e que fez a denúncia sem motivos de ódio ou má vontade.
Por fim, naquele mesmo dia apresentou-se perante a Meza, Ana Bazília. Disse
ser solteira, de “mais ou menos de vinte e cinco anos de idade”, filha de Antônio
Sarayva, que foi soldado, e de Luzia dos Reis, natural da Vila de Tapuitapera do
Bispado do Maranhão, moradora em Belém, onde vivia de suas costuras.
Ana Bazília foi perguntada se sabia ou suspeitava o motivo pelo qual fora
chamada e se alguma pessoa a persuadira, respondeu que não. Perguntada se
sabia de alguma pessoa que obrasse, dissesse ou fizesse alguma coisa contra
a Santa Fé Católica, Lei Evangélicas ou cometesse outras culpas que
reconhecidamente pertenciam ao Santo Ofício e que devesse denunciar naquela
Meza, também disse que não.
Perguntada se sabia de alguma pessoa, que por meio de cantigas fazia aparecer
três pretinhos ou diabretes que sahirão do canto de huma caza e que estes se
pozessem a dansar no meyo da mesma caza e que tal pessoa lhes fosse
perguntando por palavras imperceptíveis aquilo que queria saber e que os ditos
pretinhos dessem suas resposta se depois desaparecessem e se certa pessoa
que presenciou todo o referido ficando naturalmente assustada de ter visto fosse
contar tudo a outras certas pessoas dizendo lhes que já sabia que aquele era o
meyo por onde a tal pessoa sabia tudo o que se pasava porque tinha
familiaridade e tratamento com os demônios a que dão o nome de xiribabos, 192
disse que não era sabedora de nada, nem de tais couzas tinha notícia algumas.
Por suas respostas, Ana Bazília fora outra vez interrogada e mandada para fora
da sala, depois de lhe ser lido todo o referido que declarou estava escrito na
verdade.
Referências Biográficas
193
Marize Helena de Campos é Professora do Departamento de História da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA e do Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de História (ProfHistória - UFMA). Possui Mestrado em
História Social e doutorado em História Econômica pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas - FFLCH / Universidade de São Paulo - USP. É
Investigadora Correspondente no Centro de Humanidades (CHAM) da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e
Universidade dos Açores, vinculada ao Grupo de Investigação "Cultura, história
e pensamentos ibéricos e ibero-americanos" Desenvolve atualmente o Projeto
de Pesquisa “Mulheres no Santo Ofício: elementos para a compreensão do
trabalho feminino nos séculos XVI e XVII em Lisboa segundo a documentação
inquisitorial”. As suas áreas de interesse são História das Mulheres, História da
Inquisição e Ensino de História.
Referências Bibliográficas
194
OS MANUAIS DE MODA COMO
POSSIBILIDADES
METODOLÓGICAS PARA O ENSINO 195
DE HISTÓRIA E QUESTÕES DE
GÊNERO NA SALA DE AULA
Marta Gleiciane Rodrigues Pinheiro e
Jakson dos Santos Ribeiro
O presente texto discorrerá sobre os manuais de moda como possibilidades
metodológicas para o ensino de História. Como também para discussão sobre
questões de gênero na sala de aula, pois os estudos que envolvem a moda vão
além da apresentação estética da mesma, mas como algo que nos possibilita a
entender a dinâmica social das sociedades e a influência alcançada por quem
as trajava determinada vestimenta, nas relações sociais, portanto a moda
funcionava e ainda funciona como uma significação simbólica acerca da
representatividade imposta pela roupa usada, seja de classe social ou de
gênero.
Ou seja, a História era apenas o que o senso comum define, simples estudos
que servem apenas para reconstruir fatos históricos (a disciplina que se decora
datas de acontecimentos), não permitindo a aproximação do historiador com o
objeto de estudo, pois segundo esses autores:
O uso dos manuais de moda na sala de aula é uma nova perspectiva no ensino
de História, possibilitando uma nova abordagem no ensino-aprendizagem, como
também mostrando a eles a importância dos documentos, sendo os mesmos são
de fácil acesso, disponibilizadas em sites como o da Biblioteca Benedito Leite,
de São Luís. Aliando também a utilização da tecnologia no ensino, facilitando a
consulta desses periódicos tanto pelos alunos como pelos professores, caso a
escola não possua uma estrutura tecnológica ou os próprios alunos, pode-se
converter em pdf e ser salvo no aparelho celular do professor e posteriormente
está mostrando para os alunos, assim, todos podem ter contato com essas
fontes.
Com isto, especulamos que os manuais de moda e jornais estão inclusos nessa
relação da construção social do que era ser mulher, como vestir-se e comportar-
se na Primeira Republica e a elegância da roupa trajada por esses homens
republicanos está além da estética, partindo disso, podemos perceber que a
moda funciona como fator social possuindo suas significações.
Com embasamento nessa afirmação percebemos que, aos poucos, a moda foi
ganhando espaço na sociedade burguesa. Esse fato é bem visível nos manuais
de moda. A mesma então funcionava e ainda funciona como uma significação
simbólica acerca da representatividade imposta pela roupa usada seja de classe
social ou de gênero. Desta forma, fica explicito que a moda e a publicidade
andavam lado a lado e mediante as representações e os discursos evidenciados
pelos periódicos, a imprensa difundia o que os interesses da elite, em prol da
moral e dos bons costumes. Ficando explicito o quão proveitoso e rico pode ser
o uso dos manuais de moda e a própria moda no ensino de História, a
diversidade de temáticas que podem ser trabalhadas pelos professores.
Levar esse debate para a educação básica é uma situação delicada, pois como
citado anteriormente existem pessoas/famílias que associam a temática com
ideias distorcidas sobre o assunto em questão, sendo os próprios líderes
políticos na atual dinâmica social, lamentavelmente, os principais
disseminadores desses preconceitos
“O discurso só existe por que se torna prática. Faz-se necessário deixar claro
que o que entendemos por tipicamente feminino e tipicamente masculino não
são imagens que correspondem a qualquer valor essencial, universal e
atemporal, mas a imagens construídas historicamente e que, desde a
modernidade, vêm sendo profundamente alteradas graças à simulação de
confusão entre fronteiras simbólicas do masculino e do feminino.” [FOUCAULT,
2003 apud SENA, CASTILHO, 2011, p.51].
E através da moda podemos perceber diversos fatores, uma vez que as roupas
nos permiti a revelação de costumes, práticas e histórias de uma sociedade,
além de ser uma vertente que nos permite uma análise inovadora da história
local, como é explicado Reis da Silva (2015):
Considerações finais
Por fim, percebemos que a moda é uma forma de expressão tendo a imprensa
como uma forte aliada, como as revistas e os jornais para a construção e
propagação desse fenômeno característico da modernidade. Dessa forma, o
texto buscamos estabelecer um diálogo educativo no âmbito do ensino de
história sobre gênero através dos manuais de moda, assim como as múltiplas
possibilidades do uso desses manuais para aprendizagem dos educandos e,
consequentemente, a importância das vestimentas para o estudo da História,
tendo em vista que esses trajes também são uma espécie de documento. A
moda, muito ao contrário do que grande parte das pessoas pensam não serve
apenas para estabelecer uma distinção de classe social, depois do estudo aqui
realizado podemos perceber que a moda vai além das aparências, é possível
notar a subjetividade das pessoas, a mesma funciona como um interlocutor entre
vários assuntos da sociedade como gênero, idade, cultura e profissão.
Referências bibliográficas
REIS, José Carlos. A escola metódica, dita “positivista”. p: 11 – 26. In. A História,
entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo. Editora: Ática S.A. 1996.
RÜSEN, 2010 apud ESTACHESKI, Dulceli de L. Tonet; ZARBATO, Jaqueline
Ap. M. ENSINO DE HISTÓRIA: ESTUDOS DE GÊNERO. In: Ensino de História
e Estudos de Gênero. 1ª Ed. Rio de Janeiro/Nova Andradina: Sobre
Ontens/UFMS, 2020.
PRÉ-PANDEMIA
Miléia Santos Almeida
São tempos muito difíceis para sonhadoras/es. São tempos difíceis para
professoras/es e estudantes que tiveram que se adaptar a um modelo de ensino
remoto emergencial que impede os afetos e aprofunda desigualdades, mas que
se tornou a única alternativa viável diante de uma pandemia que ceifou centenas
de milhares de vidas no Brasil. Para recordar as boas vivências nos espaços
presenciais antes que o covid19 mudasse radicalmente as nossas vidas,
enquanto aguardamos que seja absolutamente seguro o retorno às salas de
aula, esse trabalho procura analisar os resultados de uma experiência de ensino
de história das mulheres para turmas concluintes do ensino médio em 2019.
Como afirma bell hooks: “os professores progressistas que trabalham para
transformar o currículo de tal modo que ele não reforce os sistemas de
dominação nem reflita mais nenhuma parcialidade são, em geral, os indivíduos
mais dispostos a correr os riscos acarretados pela pedagogia engajada e a fazer
de sua prática de ensino um foco de resistência”. (2017, p. 36). Assim, em
tempos tão complicados para quem escreve e ensina História, enfrentando uma
epidemia de negacionismo, desvalorização intelectual, desigualdades e
violências estruturais, lecionar uma História feminista é um reduto de resistência.
Resultados
Vale ressaltar que o livro didático não pode nem deve ser o único recurso
pedagógico, e sim um auxílio metodológico. No entanto, muitas vezes, é o único
material ao qual a/o estudante de escola pública tem acesso. Para Susane
Oliveira, “sabemos que os livros didáticos não são os únicos culpados pela
veiculação de concepções de gênero sexistas e machistas. Neste sentido,
questioná-los em sala de aula ajuda a promover uma atitude de questionamento
e crítica diante da multiplicidade de saberes históricos que circulam no cotidiano
das/os estudantes. Assim, serão capazes de “ler o mundo” à sua volta, de
interpretar a sociedade, para que saibam se posicionar de forma consciente
diante da multiplicidade de informações que confrontam todos os dias”. (2014, p.
289) 208
Por sua vez, a internet tem representado o principal recurso de pesquisa para
realização de trabalhos avaliativos individuais e/ou em equipe, como a atividade
“Painel de História das Mulheres”, na qual equipes se organizaram para
pesquisar, produzir e apresentar um mural com fotografias e legendas sobre
mulheres em diferentes contextos da História.
Considerações finais
Referências biográficas
Referências bibliográficas
212
O COMBATE À VIOLÊNCIA DE
GÊNERO UTILIZANDO OS
PROCESSOS CRIMINAIS DE UNIÃO 213
Neste caso específico espera-se que os alunos e alunas dentro da sala de aula
criem empatia pelas mulheres, entendendo o quanto elas sofreram e sofrem
diversas violências, portanto desenvolvendo empatia histórica por elas.
Um dos processos mais tristes que se pode citar é de Margarida Lina, ela foi
abusada dentro de casa por seu padrasto, um parente até então próximo e de
extrema confiança da família, como se pode ver:
Sobre isso também é interessante frisar a organização da lei, como bem explica
a escritora Sandra Jatahy Pesavento, geralmente a constituição das leis para
que ocorra a justiça é um acordo para favorecer um lado, quase sempre os
grandes favorecidos por ela são os homens ou aqueles que ajudam a produzir a
mesma:
“A lei é, pois, fruto de uma vontade e de um acordo entre os homens, ou, pelo
menos, do comum acordo entre aqueles que a fazem. É resultado de uma
negociação entre seus autores em face de uma questão posta pelo convívio
social. Sendo determinação e vontade, é uma forma objetiva de normatização
da vida ou do controle social que pressupõe uma representação da sociedade
desejável. Ou seja, a lei dispõe, interdita, concede, tendo como referência
padrões que os homens estabelecem através da história”. (PESAVENTO, 2004,
p. 27).
Outro fator determinante, como muito bem é ressaltado pela Maria Augusta
Belucci, é que os processos criminais trazem uma versão do vencedor, por isso
a importância de ter professoras e professores capacitados e que compreendam
isso, para poder ajudar os/as discentes nesta análise mais complexa dos
inquéritos.
De acordo com a lei vigente nessa década o casamento deveria ser realizado,
não pelos sentimentos, mas sim como um entendimento entre o pai da vítima e
seu futuro marido para que ela fosse uma mulher considerada novamente
honrada. Conforme o processo, Alvino tinha concordado em casar-se com
Anair, no entanto chegando próximo a data do casório ele se desentendeu com
a moça recusando-se a participar do casamento, abandonando Anair grávida,
dessa forma se compreende o dinamismo desta violência, que aparece em
vários segmentos sociais e de diversos jeitos, afetando mulheres de todas as
idades.
O ensino da história pode mover ideias, transformar pensamentos e sem
sombras de dúvidas, mudar a realidade, principalmente daqueles e daquelas que
são injustiçadas pela sociedade. Por conseguinte fica nítido que os documentos
judiciários são um importante instrumento pedagógico na sala de aula na
tentativa de combater a violência contra as mulheres.
218
Referências biográficas
Referências bibliográficas
BÁSICA
Rafael Sampaio de Queiróz
O projeto Juntando os Cacos se desenvolveu com as turmas do ensino médio
na Escola Estadual Luiz Soares Andrade de Nova Andradina – MS, com a
finalidade de proporcionar e estimular os estudantes na compreensão da
pluralidade cultural e social, considerando que o ambiente escolar é propício
para abordagens destes temas, bem como para a manifestação de conflitos
relacionados a eles. O projeto foi voltado ao enfrentamento e à prevenção de
diversas práticas de preconceito e discriminação, tratando de questões como as
novas configurações familiares e o uso de substâncias psicoativas.
Um ponto nisto tudo que foi apresentado é a importância de que quanto mais as
pessoas se sentirem oprimidas, com receios e medos e adiar a sua própria 222
transformação, compreensão e aceitação, mais dolorosa e difícil serão as suas
vidas, é importante procurar entender o outro, e mesmo que à primeira vista os
termos sexo biológico, orientação sexual, identidade de gênero e sexualidade;
podem parecer similares, porém quando conhecemos cada um deles fica
evidente a diferença entre sexo e sexualidade, por exemplo e com isso não
condicionamos as pessoas com julgamentos baseados no senso comum e em
preconceitos herdados de gerações e por desinformação.
O ensino de História na escola passou a ser visto com outros olhos, a disciplina
causou um olhar de reflexão e desconstrução histórica e não apenas como um
trabalho com fatos e memórias sem entender o que eles trazem consigo, o
projeto de história justificou-se na intenção de compreender que diversidade é
uma construção social e isso significa que as distinções não existem em si
mesmas, elas são sempre produto da cultura, e esse produto cultural, foi o
objeto de estudo, onde pode ser analisado a questão de valores sociais e
também como a escola em seu PPP (projeto político pedagógico) aborda as
questões sociais.
Em suma, o ensino de História não pode ser transmitido ou visto como uma
simples repetição de fatos, mas sim com a dimensão verdadeira que se tem, na
qual as práticas sociais e o resgate de memórias sociais devem ser utilizadas
para uma maior compreensão das identidades individuais e coletivas, onde o
estudante começa a construir sua identidade e não apenas construir, mas refletir
sobre a mesma e assim se tornar membro ativo da sociedade no sentido de que
tem consciência de seu espaço e seu direito e também o espaço e direito do
outro e assim perceber a importância de se estabelecer relações sem julgarmos
tanto no passado quanto no presente, e assim educar o aluno para que possa
perceber-se como sendo parte integrante da história, não simples espectador do 224
ensino desta.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2005.
Joan Scott define gênero como: “um elemento constitutivo das relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” (DEPLAGNE, 2019, p. 31).
O “gênero” é construído de acordo com concepções culturais que levam em
consideração as diferentes relações sociais com base em verdades forjadas, e 226
delineiam os papéis e espaços sociais femininos e masculinos. Ser homem ou
mulher está diretamente ligado ao papel que a sociedade lhe impõe, e não
essencialmente as suas qualidades inatas. Essa forma determinada de
imposição adotada pela sociedade há muito tempo recaiu um grande peso sobre
os ombros femininos, que ainda hoje é carregado, mas que vem sendo
contrariado e ocasionou uma luta social, política e intelectual que visa retirar um
peso indevido da figura feminina.
O livro A cidade das damas é uma obra repleta de exemplos que comprovam a
participação ativa da mulher ao longo da história, e sua autora Christine de Pizan
é também um exemplo ímpar para as nossas considerações. Christine realizou
experimentações com as identidades femininas ao trazer diferentes histórias de
vida e quando se auto representou. Ela primou pela importância do jogo
simbólico, e esse recurso possui caráter moralizante, pois ao citar as mulheres
como sujeitos ela atrelou a elas características positivas (KULKAMP, 2020, p.
323). A autora mostrou a pluralidade de histórias de mulheres virtuosas, que não
foram seres estanques na sociedade. Ela mostrou que as mulheres podiam e
deviam construir espaços políticos de convivência (Idem, p. 325).
A obra de Pizan e o seu intuito em defesa das mulheres nasce por meio de um
grande questionamento que a perturbou durante a leitura de um livro de Mateolo,
onde ele ousava caluniar as mulheres. Indignada com as acusações e sendo
uma mulher tão sábia e louvável por seus feitos Christine foi agraciada pela
aparição de três damas celestiais – Razão, Retidão e Justiça – que a guiaram
na construção da cidade das damas. A construção da cidade aconteceu de
acordo com dois movimentos metafóricos: desconstrução dos argumentos
misóginos, escavando assim as bases da cidade e apresentação de mulheres
com histórias de vida virtuosas, construindo dessa maneira o edifício
(KULKAMP, 2020, p. 320). Neste texto iremos analisar a desconstrução da 228
opinião masculina acerca da educação feminina feita por Christine de Pizan na
obra A cidade das damas.
Christine colocou-se à disposição das damas para realizar o que foi proposto,
colocando-se como uma simples e ignorante estudante, mas admitindo ser
capaz de conseguir aprender tudo o que fosse necessário para a edificação da
cidade. Ao se colocar à disposição como uma estudante, já notamos que ela
mesma era um caso que ia de encontro ao que os homens afirmavam sobre a
intelectualidade feminina, pois Pizan foi uma mulher de alto grau intelectual e
dedicou sua vida a isso.
Vale ressaltar que a educação não se resumia ao letramento, mas estava ligada
a vários âmbitos da sociedade: a educação cavalheiresca, religiosa, intelectual,
entre outras, as quais Christine apresentou em sua obra e desconstruiu as visões
negativas acerca da mulher como agente dessas áreas.
“Mas dizei-me, ainda, se preferi, por que as mulheres não discutem diante de
tribunais, não instrui os processos, nem dão as sentenças? Dizem os homens
que teria sido pela má conduta de uma certa mulher em um tribunal.” (PIZAN,
2012, p. 90).
“Pode-se falar o mesmo da sábia, virtuosa e nobre rainha Branca, mãe de São
Luís, que, até seu filho ficar maior de idade, governou o reino da França, com
tanta nobreza e sabedoria, que nunca nenhum homem fez um governo melhor.
Pela sua grande experiência, continuou sendo chefe do conselho, e nada teria
feito sem ela e, até na guerra, acompanhava seu filho” (PIZAN, 2012, p. 94).
A dama Razão nomeou os exemplos dados sobre figuras femininas que
governaram com maestria como as grandes e profundas escavações da cidade,
legitimando a importância dos feitos dessas mulheres que serviriam de alicerce
para a fortaleza em construção. É notável também durante a argumentação da
dama a insistência em afirmar que essas mulheres citadas governaram muito
melhor que qualquer homem já visto, mostrando dessa forma a grandeza da 229
administração feminina.
“Certo, Dama, vós falais muito bem e concordo, plenamente, com o que dizeis.
Todavia, qualquer que seja a inteligência delas, todo mundo sabe que as
mulheres têm um corpo fraco, delicado e privado de força, e que são, por
natureza, covardes. Tais características, segundo o julgamento dos homens,
diminuem muito o valor e a autoridade do sexo feminino. Pois eles dizem que
mais corpo é imperfeito, mais o caráter é menor. Consequentemente, as
mulheres seriam menos dignas de louvor” (PIZAN, 2012, p. 96).
A dama respondeu:
“Cara filha, essa conclusão é errada e difícil de ser sustentada [...] Prometo-te,
bela amiga, que um corpo grande e forte não é garantia de uma grande virtude
e grande coragem [...] Vemos, frequentemente, homens grandes e fortes, mas
fracassados e vis, e outros pequenos e fracos que são ardis e vigorosos; o
mesmo acontece como outras virtudes” (PIZAN, 2012, p. 97).
Semíramis, esposa do rei Nino, foi uma dama grande em virtude, força e
coragem, era exemplar no exercício e prática das armas. Viúva ainda na sua
juventude governou com firmeza e disciplina, mantendo os territórios já
conquistados e conseguindo anexar novos ao seu império (PIZAN, 2012, p. 99).
Ela fundou novas cidades e realizou muitas obras, e segundo a dama Razão de
nenhum homem se descreveu tamanha coragem, e atribuiu a ela atos
extraordinários e dignos de serem lembrados, por isso nomeou-a como a
primeira pedra das fundações da cidade (Idem, p. 101).
“Mas, ensinai-me, ainda, por favor, se Deus, que lhes concedeu tantas graças
que honram o sexo feminino, não quis honrá-lo, privilegiando algumas delas com
virtudes, grande inteligência e saber. Desejo muito saber se seriam possíveis
tais habilidades, pois os homens afirmam que as mulheres são dotadas de fraca
capacidade intelectual” (PIZAN, 2012, p. 126).
Resposta:
230
“Filha, por tudo que te disse anteriormente, podes saber que é completamente o
contrário de tal opinião, e para te provar, com maior clareza, citar-te-ei alguns
exemplos. Vou repetir e não duvides do contrário, pois, se fosse um hábito
mandar as meninas à escola e ensinar-lhe as ciências, como o fazem com os
meninos, elas aprenderiam e compreenderiam as sutilezas de todas as artes e
de todas as ciências tão perfeitamente quanto eles” (PIZAN, 2012, p. 126).
Proba era uma cristã de grande inteligência. Dedicou-se fielmente aos estudos
e aprendeu as sete artes liberais, todas as disciplinas curriculares na Idade
Média. Tornou-se uma grande poetisa e rescreveu importantes poemas, como
os de Virgílio. Boccaccio também expressou sua admiração para com essa dama
(PIZAN, 2012, p. 130).
Considerações finais
Referências biográficas
Referências Bibliográficas
Fonte
PIZAN, Christine de. A cidade das damas. Trad. Luciana Eleonora de Freitas
Calado Deplagne. Florianópolis: Editora Mulheres, 2012.
Bibliografia
COSTA, Marcos R. N.; COSTA, Rafael F. Mulheres intelectuais na Idade Média:
entre a medicina, a história, a poesia, a dramaturgia, a filosofia, a teologia e a
mística. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.
DABAT, C. Rufino. Mas, onde estão as neves de outrora? Notas bibliográficas 232
sobre a condição das mulheres no tempo das catedrais. Cadernos de História,
UFPE Recife, v. 01, p. 23-68, 2002.
MACEDO, José R. A mulher na Idade Média. São Paulo: Editora Contexto, 2002.
O CORPO FEMININO NO BOLETIM
GERAL DAS COLÓNIAS (1933-1945)
Rannyelle Rocha Teixeira 233
O Boletim Geral das Colónias foi uma importante publicação que delineia
estratégias que visavam veicular um certo olhar sobre as realidades coloniais.
Além disso, pretende evidenciar a multiplicidade de aspectos de teor político,
social, religioso, cultural, principalmente racial e de gênero contra os povos
autóctones, assim, todo esse suporte procura abordar o papel dos atores sociais
sendo eles os nativos das colônias portuguesas, sobretudo as mulheres
africanas que fizeram parte da estrutura histórica da identidade e da alteridade
sofrida. Serão analisados materiais textuais e visuais entre os anos de 1933-
1945 que são relevantes para o entendimento da maneira como a língua esteve
a serviço da empreitada colonial. Visava “informar” e “esclarecer”, mas segundo
a perspectiva e interesse do regime. Iniciou-se com um título mais restritivo de
«Boletim da Agência Geral das Colónias», título que manteve durante 10 anos
até 1935, altura em que, num sentido mais lato, passou a designar-se «Boletim
Geral das Colónias». Em agosto de 1951, no Nº 314, o Boletim muda novamente
o seu nome para «Boletim Geral do Ultramar», título que se manterá até ao fim
da publicação. O Boletim Geral das Colónias/Ultramar foi o mais sistemático e
um dos meios de informação e comunicação de propaganda colonial entre os
anos de 1925 a 1970.
Fica claro que em todas as colônias o poder centrava-se nas mãos do seu
respectivo governador que em sua maioria era o homem colonizador branco.
Que na qualidade de agente e representante do Governo da República era
superior tanto na ordem civil quanto militar, e era também protetor dos
indígenas. Além de todas as amplas funções executivas, cabia ao Governador
a faculdade de legislar sobre todos os aspectos voltados para a colônia.
“As pretas trajam quási tôdas à europeia e não têm a elegância natural das
cabindanas. Se soubessem quanto perdem em macaquear as brancas! Não
conseguem parecer-se com elas, por mais que façam. Só sendo pura e
simplesmente pretas com seus trajos típicos, que substituíram a tanga primitiva,
elas poderão parecer bonitas, porque permanecem diferentes, inconfundíveis,
porque nos obrigam a olhá-las com outros olhos que não os nossos, com olhos
africanos”. [PAMPLONA, 1939, p. 286]
No entanto, entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais que
os olhos podem ver. A fotografia – para além da sua gênese automática,
ultrapassando a ideia de analogon da realidade – é uma elaboração do vivido,
o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma leitura do real
realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o
controle de um determinado saber de ordem técnica (MAUAD, 1996, p. 3).
As imagens são representações concretas de espaços, momentos ou pessoas
que passam uma mensagem que se faz através do tempo, a imagem serve
tanto para representar um documento quanto um monumento, como
testemunho direto ou indireto do passado.
A descrição da estrutura física dos nativos feita pelo autor faz uma alusão ao
corpo como fonte de linguagens de um povo, pois por meio dele se pode
transmitir uma mensagem seja ela positiva ou negativa.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
NA CONTEMPORANEIDADE
Rebeca Nadine de Araújo Paiva
A partir da disciplina Seminário de História Moderna e Contemporânea I, ofertada
pelo Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
no semestre experimental 2020.5, tivemos acesso à discussão sobre as imagens
produzidas sobre pessoas negras. Elencamos aqui como teórico basilar para
essa trajetória o pesquisador Achille Mbembe, o qual explica como o período
moderno fez surgir uma ciência colonial e, a partir dela, as representações dos
povos fora da Europa foram produzidas em uma perspectiva negativa, criando
uma primeira escrita sobre a África constituída por uma consciência ocidental do
negro (MBEMBE, 2018, p. 61).
Essa escrita reverbera até a atualidade, como aponta Anderson Oliva, nos livros
didáticos brasileiros, criando imagens negativas sobre os negros e sobre o
continente africano, contribuindo com a discriminação para com as pessoas
afrodescendentes em nosso país e no mundo (OLIVA, 2005, p. 93). Em
contrapartida, houve uma resposta à primeira escrita, sendo chamada de
segunda escrita e baseada em uma consciência negra do negro (MBEMBE,
2018, p. 65).
O primeiro contato com essa obra aconteceu por meio da pré-ONHB, evento
organizado pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), antecedendo
a conhecida ONHB (Olimpíada Nacional em História do Brasil), no ano de 2020.
A questão que trouxe a imagem tratava sobre maternidade e contrastava-a com
um quadro do início do século XX, nele estava uma mulher branca amamentando
um bebê em espaço público. Diante disso, logo foi possível relacionar a algumas
discussões tratadas em disciplina da universidade sobre o Brasil Imperial.
Outro apontamento feito por Guerra é sobre os usos de luz e sombra feitos pela
artista, trazendo em suas obras as pessoas negras fora dos lugares de sombra
aos quais lhe foram colocados na história da arte, por vezes questionando esse 244
lugar ou o evidenciando (SHMC I – ROSANA PAULINO: LUZ E SOMBRA –
TÓPICO 3, 2020). Na obra em questão, o busto negro ocupa o lugar central da
imagem e recebe o foco de luz e da câmera, ao contrário dos pequenos bonecos
que aparecem até um pouco desfocados. Desse busto também emanam as fitas
coloridas, de forma que a luz e as cores são colocadas como provenientes desse
corpo negro. Outra estratégia também utilizada para criar uma hierarquia entre
os elementos é a proporção existente entre eles, estando o busto negro em um
tamanho muito maior do que os bonecos, apresentando a mulher negra como
personagem principal da história que se quer retratar, levantando a discussão
sobre tantos corpos femininos que foram usurpados ao longo da história
brasileira.
Tendo uma produção fruto de inquietações individuais e que tratam sobre temas
sociais, étnicos e de gênero, ela entende que só teve alguns espaços alcançados
por estar na USP, pois o mercado não lhe daria atenção e, como já mencionado,
ela não se interessa por essas disputas. Paulino assinala que o preço pago por
essas escolhas é não vender muito, mas não se arrepende, pois seria muito ruim
viver uma vida sem fazer o que queria. Junto a esse preço que ela paga, existe
o pouco reconhecimento no meio artístico; em entrevista dada em 2018, afirma
que a primeira exposição com investimento e planejamentos que fez jus à sua
carreira foi a “Atlântico Vermelho – Padrão dos Descobrimentos”, a qual foi feita
fora do Brasil, na cidade de Lisboa, em Portugal (CARVALHO, TVARDOVSKAS,
FUREGATTI, 2018, p. 158). Atualmente, a artista participa ativamente de
diversas exposições, tendo obras em coleções públicas no Brasil, Chile e
Estados Unidos.
A obra escolhida para este trabalho não é um ponto fora da curva das produções 245
de Paulino e representa a inquietação sentida por essa artista negra. Em
documentário produzido pela Netflix, é apontado o fato de as mulheres negras
não terem suas demandas totalmente atendidas no movimento feminista ou no
movimento negro (FEMINISTAS: O QUE ELAS ESTAVAM PENSANDO?, 2018).
Nesse sentido, ela destaca sobre como a condição de mulher e negra infere nas
oportunidades no campo das artes visuais, devido a dificuldade de acesso a boas
escolas, as obrigações com a casa e filhos e, ainda, o enfrentamento do mercado
masculino, branco e eurocêntrico (TEIXEIRA, 2019).
Desse modo, Paulino se configura como uma das artistas que poderiam fazer
parte do conteúdo escolar descrito como “pálido” por Renata Santos, por
representar um conjunto de valores desse período histórico (SANTOS, 2019, p.
349). Esses valores são compreendidos em sua obra que traz uma
representação da mulher negra que, mesmo estando em condição de
subjugação por tantos anos, é ressignificada pela artista mostrando sua
grandiosidade e importância na formação do país.
Imergir na produção de Rosana Paulino foi uma experiência de grande valia para
perceber as questões norteadoras da disciplina. Sua trajetória, despreocupada
em ser bem recebida pelo mundo artístico e pelo mercado, tornou-a em uma
artista livre que consegue expor suas inquietações para sociedade. Sua
condição enquanto mulher e negra, junto dessa escolha de trajetória, dificultou
a chegada de seu reconhecimento, porém ela conseguiu abrir os caminhos para
as artistas mais jovens e está hoje em uma boa posição no cenário artístico,
dada a quantidade de obras em exposição.
Referências biográficas
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
SANTOS, Renata Aparecida Felinto dos. A pálida história das artes visuais no
Brasil: onde estamos negras e negros? Revista Gearte, v. 6, n. 2, p. 341-368,
2019.
TEIXEIRA, Marina Dias. Ser artista negra: o olhar de Rosana Paulino sobre
passado, presente e futuro. [S. l.]: SP-ARTE 365, 2019. Disponível em:
https://www.sp-arte.com/editorial/ser-artista-negra-o-olhar-de-rosana-paulino-
sobre-passado-presente-e-futuro/. Acesso em: 4 jul. 2020.
A HISTÓRIA E OS CORPOS
MARCADOS NO TEMPO
PRESENTE: UM DEBATE SOBRE OS 248
“Não obstante todas estas diferenças, que tornam, a vida da mulher mais ou
menos difícil, a responsabilidade última pela casa e pelos filhos é imputada ao
elemento feminino. Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do
espaço doméstico a mulher. Trabalhando em troca de um salário ou não, na
fábrica, no escritório, na escola, no comércio, ou a domicílio, como é o caso de
muitas mulheres que costuram, fazem crochê, tricô, doces e salgados, a mulher
é socialmente responsável pela manutenção da ordem na residência e pela
criações e educação dos filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de
renda encontradas no seio do contingente feminino, permanece esta identidade
básica entre todas as mulheres.” (SAFFIOTI,1987, p. 09).
Esse cenário torna o Maranhão um dos poucos estados que apresentou um 251
incremento percentual da violência letal contra mulheres brancas superior ao
relativo a mulheres pretas e pardas, por razões que merecem ser mais
investigadas. No que concerne às ocorrências de estupro registradas em 2014,
cujos números foram consolidados no 10° Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Desde 2009 o Código Penal Brasileiro prevê, no artigo 213, que o estupro
acontece quando há, com violência ou grave ameaça, “conjunção carnal ou
prática de atos libidinosos”, prevendo penas que variam de seis a dez anos de
prisão, podendo ser agravadas caso o crime resulte em morte, lesões corporais
graves ou for praticado contra adolescentes, no caso de menores de 14 anos, a
questão do consentimento é ignorada, o ato sexual será considerado estupro,
pois vítimas dessa idade não possuem o discernimento necessário para
consentir com a prática sexual, o mesmo acontece quando a vítima,
independentemente da idade, não tiver condições de consentir ou resistir ao ato
como, por exemplo, pessoas muito embriagadas ou desacordadas, cerca de
50% dos estupros são cometidos por companheiros (namorados, maridos etc) e
familiares, conhecidos da família representam pouco mais de 15% dos algozes
de mulheres, os vizinhos representam 3,7% dos agressores, os estupradores
são desconhecidos pela vítima em 31% dos episódios de violência sexual,
segmentando esses dados pela idade da vítima, as informações vão ficando
cada vez mais assustadoras.
A maioria das vítimas (83,7%) possui entre 18 e 59 anos de idade, sendo que a
margem que mais concentra a idade das vítimas é entre 24 e 36 anos, ou seja,
são mulheres jovens adultas que vivem relacionamentos afetivos que desbocam
no abuso físico, cerca de 1,4% das vítimas tinham menos de 18 anos na época
da agressão, já aquelas com mais de 60 anos de idade correspondem a 15%
das vítimas de violência doméstica.
Nesse contexto de violência que gerou a criação da Lei Maria da Penha que é
um grande avanço ao combate a agressões contra mulheres, que foi
impulsionado por uma mulher que sofreu na pele a ira do seu agressor.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
Sites :
LIMA, Samira Bueno e SÉRGIO, Renato. Dados de violência contra a mulher
são a evidência da desigualdade de gênero no Brasil.: Monitor da violência.
2019. Disponível em: <08032019>. Acesso em: 10 dez. 2020.
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/dados-de-
violencia-contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-desigualdade-de-genero-no- 255
brasil.ghtml
https://entretantoeducacao.com.br/educacao/educacao-combate-violencia-
contra-mulheres/
AS CONTRIBUIÇÕES DOS
TRATADOS DE TROTULA DE
RUGGIERO PARA A SAÚDE 256
FEMININA DO CONTEXTO
MEDIEVAL E SUAS
POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
Luciano José Vianna e Rita de Cássia
Rodrigues
Abordar a História das Mulheres, especificamente do período da Idade Média,
não é uma tarefa simples, levando em consideração que grande parte das
produções desse contexto foram elaboradas por homens. Entretanto, é possível
encontrar produções escritas pelas mãos femininas e, a partir delas, realizar
breves reflexões sobre a atuação feminina nesse contexto histórico. Nessa
perspectiva, o intuito deste trabalho consiste em apresentar brevemente as
propostas medicinais de Trotula de Ruggiero (1050-1097) presente em seus
tratados que eram dedicados majoritariamente para o cuidado com a saúde das
mulheres do século XI. A partir disso, observaremos as possibilidades de
trabalhá-lo no contexto da formação de professores.
De acordo com Joan Scott, “a importância das mulheres na história significa 257
necessariamente ir contra as definições de história e seus agentes já
estabelecidos como ‘verdadeiros’” (SCOTT, 1992). Nesse sentido, o estudo
sobre as mulheres possibilita o rompimento de uma história universal e a
desconstrução de concepções errôneas, tendo em vista que os discursos
femininos estavam silenciados na historiografia. Porém, é extremamente
necessário analisar as fontes com cautela, pois muitas informações sobre as
mulheres foram elaboradas a partir de uma perspectiva masculina.
Não obstante, é possível encontrar obras de autoria feminina e com elas obter
uma nova análise da história. “As mulheres da Idade Média, a quem senhores,
esposos e censores negam a palavra com tanta persistência, deixaram afinal,
mais textos e ecos do seu dizer do que traços propriamente materiais.”
(KLAPISCH- ZUBER, 1993). Dessa forma, é de grande importância o estudo das
fontes produzidas por mulheres, o que favorece a análise sobre o cotidiano e a
atuação feminina na sociedade, como é o caso da obra Sobre as doenças das
mulheres (século XI) de Trotula de Ruggiero, o que possibilita o conhecimento
acerca da História das Mulheres na Idade Média vinculado à História da
Medicina.
A obra Sobre as doenças das mulheres foi composta em pleno século XI no sul
da Itália, uma região de intensa circulação e trocas culturais, principalmente com
o mundo islâmico. Sua autora, Trotula de Ruggiero, foi silenciada da história
durante séculos, tanto que a obra em questão foi recentemente traduzida ao
português e agora está disponível para o público brasileiro. Sobre as doenças
das mulheres gira em torno da questão da saúde feminina e, portanto, apresenta
dois temas muito pouco trabalhados em termos de estudos medievais no Brasil,
a história das mulheres e a história da medicina medieval. A obra caracteriza-se
pela sua minuciosidade em relação aos cuidados com a saúde, e também porque
está voltada para o contexto infantil em algumas situações, como, por exemplo,
com os recém-nascidos. Desta forma, a obra está voltada completamente para
uma preocupação com a saúde feminina e, de forma específica, no contexto do
século XI, apresentando, portanto, uma forma de pensamento, de tratamento, de
complexidade e de trabalho com o corpo e a saúde feminina, inclusive
considerando a situação social das mulheres, fossem ricas ou fossem pobres,
sempre com a intenção de propor um comportamento equilibrado entre os
aspectos higiênicos, alimentares e de beleza para o universo feminino,
destacando, portanto, práticas e representações sobre a saúde feminina. 258
Assim sendo, “Trotula tornou-se ímpar por ter aliado a pesquisa e o ensino da
medicina à profissão de médica, ou seja, escreveu o seu próprio ensino.”
(SIMONI, 2010). As suas obras mais conhecidas são o De possionibus mulierum
ante, en e post partum (Sobre as doenças das mulheres antes, durantes e depois
do parto), denominado Trotula maior, e De ornatu mulierum (Sobre a beleza das
mulheres), o Trotula menor. Os assuntos trabalhados em sua obra são voltados
para a saúde feminina, como, por exemplo, a falta ou excesso de menstruações,
a infertilidade feminina, o excesso de suor, a disenteria, dor de dente, mau-hálito,
feridas na pele, doenças dos olhos e da garganta, sugestões para evitar e para
alcançar a gravidez, os cuidados durante o período da gravidez, formas de tornar
o parto menos dolorido, cuidados com o recém-nascido e os cuidados com a
mulher depois do parto.
Os cuidados com a saúde da mulher
“Porque as mulheres são por natureza mais frágeis que os homens, nelas as
doenças abundam com mais frequência, sobretudo em torno dos órgãos
reservados à função natural. Como esses estão posicionados em um lugar mais
íntimo, por pudor e pela fragilidade da sua condição, elas não ousam revelar ao
médico as aflições das suas enfermidades. Por tal motivo, eu, tendo compaixão
pela sua desventura e particularmente impulsionada pela solicitação de uma
certa senhora, comecei a ocupar-me diligentemente das doenças que muito
frequentemente molestam o sexo feminino.” (RUGGIERO, 2018).
Não obstante, Trotula mostrava-se muito além da sua época, pois tratava o corpo
feminino sem nenhum tabu ou preconceito, chegando ao ponto de instruir
receitas de como contrair a vulva para que, mesmo se violada, a mulher
parecesse virgem. (RUGGIERO, 2018). Ademais, abordava assuntos voltados
para a sexualidade e ressaltava a importância da menstruação, apontando que
a maioria das enfermidades eram decorrentes do desequilibro desse ciclo. Além
disso, contrariando os pensamentos vigentes no medievo, revelou que se tratava
de um equívoco atribuir a questão da infertilidade apenas às mulheres. O
fragmento seguinte apresenta essa ideia:
“Algumas mulheres têm o útero tão macio e viscoso que [o útero, e não as
mulheres] não retém o esperma recebido. Às vezes isso acontece por culpa do
homem, quando ele tem um sêmen muito inconsistente que, derramado no útero,
desliza para fora por conta da sua liquidez. Alguns homens têm os testículos
muito frios e secos, esses raramente ou nunca procriam porque o seu sêmen
não é propício para a reprodução.” (RUGGIERO, 2018).
Nessa passagem, Trotula afirma que o defeito também pode estar no sexo
masculino. Dessa forma, nota-se que, apesar de ter vivido em um contexto no
qual a presença de pensamentos misóginos era muito forte, ela destaca em seus 260
tratados um diálogo de zelo e defesa diante das mulheres. Vale ressaltar que ao
preocupar-se com o bem-estar do grupo social feminino, receitava dietas
restritas, modos de higiene para prevenir as enfermidades e tratamentos com
plantas naturais para o processo de cura, todos ensinamentos baseados nos
conceitos medicinais de Hipócrates (séc. III a. C) e Galeno (séc. II). Além disso,
prescreve receitas de banhos, cremes, massagens, entre outras formas de
embelezamento feminino, visto que para o corpo permanecer saudável deveria
existir harmonia entre os aspectos internos e externos.
Nesse sentido, pode-se considerar que Trotula de Ruggiero ocupou uma posição
de “ponte-síntese entre a tradição galênica e hipocrática e a medicina que
ganhava força no seu tempo, combinação de práticas orientais e ocidentais cada
vez menos voltada para as práticas mágicas e ou a intervenção divina e mais
direcionada à busca do equilíbrio entre a higiene, a boa alimentação e a beleza
para atender o universo feminino” (CALADO; SIMONI; DEPLAGNE, 2018),
enriquecendo, assim, os cuidado medicinais voltados para área consideradas
como a ginecologia e a obstetrícia.
Considerações finais
Uma das áreas do conhecimento que mais foi alterada com a reformulação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi a relacionada ao período medieval
e, consequentemente, o ensino de História. Sobre esta reformulação,
destacamos um tema presente na BNCC e que está voltado para o Ensino de
História Medieval: a história das mulheres (BNCC, 2018, p. 420-421).
Referências biográficas
Referências bibliográficas
Fonte
Bibliografia
AURELL, Jaume y BURKE, Peter. Las tendencias recientes: del giro linguístico
a las historias alternativas. In: Comprender el pasado. Una historia de la escritura
y el pensamiento histórico (Aurell, Jaume; Balmaceda, Catalina; Burke, Peter;
Soza, Felipe). Madrid: Ediciones Akal, 2013, p. 287-340.
SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: Peter Burke. (Org.). A Escrita da
História: Novas Perspectivas. Trad.: Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1992, p.
63-95.
Fonte: https://www.superlegalbrinquedos.com.br/
Fonte: https://www.superlegalbrinquedos.com.br/
Assim como a loja Superlegal no site da loja França o padrão de categorias não
muda, abaixo na figura 3, podemos ver que na aba das meninas há carrinhos
para bebês, e as sub abas ao lado, brinquedos de cozinha, maquiagem, etc.
Fonte: https://www.lojasfranca.com.br/
Fonte: https://www.lojasfranca.com.br/
Outra loja que também segue esse padrão de menina e menino é a Toy Mania,
como podemos ver na figura 5 as subcategorias da categoria meninas, inclui
brinquedos como bonecas bebês, roupinhas, casa, carro e cia.
Fonte: https://www.toymania.com.br/
Fonte: https://www.toymania.com.br
Já na figura 7 podemos perceber que a loja Ri happy diferente das demais
analisadas, possui uma postura neutra em relação a categorização dos
brinquedos, não os separando por gênero, mas sim por tipos de brinquedos. É
pertinente evidenciar que, a loja Ri Happy é conhecida como a maior rede
varejista de brinquedos do Brasil. Dessa forma, por ser uma loja tão conhecida,
a preocupação em se manter neutro sobre as relações de gênero e os 269
brinquedos pode se dar pelo fato de querer trazer uma imagem mais moderna
para loja.
Figura 7 – Subcategorias
Fonte: https://www.rihappy.com.br/
Desse modo, Louro (1997) nos diz que, a escola tem suas origens marcadas na
divisão, por ser tratar de um espaço já marcado pelas relações de gênero, as
brincadeiras escolares também são afetadas com esses problemas,
principalmente na Educação Infantil, onde o ato de brincar possui uma
importância fundamental para o desenvolvimento integral da criança tanto como
individuo como nos aspectos psicomotores.
A divisão de brinquedos pode ocasionar problemas na socialização entre as
crianças na sala de aula, seguiremos o conceito de Kishimoto (2001) de
brinquedo, esse sendo o material de suporte para as brincadeiras, muitas vezes
as crianças não participam de brincadeiras coletivas por considerarem certos
brinquedos coisas de meninas ou de meninos. Portanto, Kishimoto e Ono (2008)
a partir de uma pesquisa realizada entre 2005 e 2006 na Brinquedoteca da 271
Faculdade de Educação da USP, com crianças de 2 a 10 anos de idade,
puderam constatar uma preferência de brinquedos e brincadeiras de meninos e
meninas. Os espaços de brincadeiras de cozinha obtiveram registros da
presença de 78,26% das meninas que participaram da pesquisa e 21,74% da
presença de meninos. A boneca foi o item mais escolhido por meninas, enquanto
o carrinho foi o brinquedo que somente os meninos escolhiam. Lembrando que
em certos contextos uma brincadeira tipicamente definida como masculina pode
ser considerada feminina também, precisando levar em conta os contextos
sociais dessas variações de gênero.
Considerações Finais
A criança a partir do momento que está sendo gerada já possui uma expectativa,
tem suas atitudes e comportamento definidos pelo seu gênero,” meninas são
mais calmas e delicadas, usam rosa e brincam de boneca” “meninos mais
agitados e violentos, usam azul e brincam de carrinhos”, sendo assim para os
adultos os brinquedos se tornam mais uma das ferramentas de controle infantil.
Professores(as) também tiveram seus comportamentos definidos na infância,
por conta disso no espaço escolar muitas vezes eles inconscientemente
reforçam as diferenças de gênero entre os alunos nas práticas educacionais. Por
estes motivos trabalhar e problematizar as questões de gênero nas escolas
principalmente na Educação Infantil é essencial para o desenvolvimento das
crianças como indivíduos de uma sociedade. 272
Desse modo, Kishimoto e Ono (2008) perceberam em sua pesquisa que mesmo
quando as crianças já possuem uma concepção sobre gênero, muitas vezes elas
as transgredem com naturalidade, seja em brincadeiras coletivas quanto
individuais. O Educador(a) precisa se fazer presente nesses momentos de
brincar livre, para que possa incentivar a participação das crianças em
brincadeiras e atividades mistas lhes permitindo a liberdade de escolher e
experimentar, esse processo pode mudar a simbologia dos brinquedos e
brincadeira, que passariam a ser artefatos culturais de combate a uma educação
sexista. Como Louro (1997) explica ações como essas facilitam o educador(a) a
olhar para o sujeito que deseja transgredir as fronteiras de gênero
Referências biográficas
Referências bibliiográficas
DELGADO, Ana Cristina Coll. Infâncias e crianças: O que nós adultos sabemos
sobre elas? Revista Espaço Acadêmico. Nº34, 2004.
DIDONET, Vital. Um olhar histórico e antropológico sobre a infância e a cultura.
Revista Pátio Educação Infantil, Ano V - Nº 15, novembro de 2007 a fevereiro de
2008.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São
Paulo: Cortez, 2001.
Kishimoto, Tizuko Morchida, & Ono, Andréia Tiemi. (2008). Brinquedo, gênero e
educação na brinquedoteca. Pro-Posições, 19(3), 209-223.
273
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-
estruturalista. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
Considerações semelhantes são feitas por Keith Jenkins (2007) que afirma que
a história não tem alcance para apreender plenamente a complexidade do
passado, mas de considerar as múltiplas possibilidades não de uma
historiografia única, mas variegada no que concerne à sua abordagem, fontes e
olhares. Ainda que ficcional, a obra literária mantem sua relação com o real e
com o presente histórico por meio de representações simbólicas, fiel à sua
natureza mimética (SARAIVA, 2006). Embora a teoria de White (1995) seja muito
criticada no meio historiográfico, essa representou um importante momento
reflexivo acerca do fazer história e, sem dúvida, influente na historiografia e no
ensino contemporâneo.
O conto “Mentira de amor”, escrito por Ronaldo Correia de Brito, inicia
apresentando a protagonista Delmira afirmando que ela “[...] acostumou-se à
prisão domiciliar [...]” (2009, p. 99). Com esta pequena ‘entrada’ justifica-se a
ideia de articular, neste artigo, os elementos apresentados na narrativa e discutir
sobre interação entre fictício e imaginário, comunicação narrativa, o texto e o
contexto social, representação e a importância do leitor, pensando na 275
possibilidade de utilizar o texto literário deste conto para refletir sobre a mulher
e os problemas que cercam este universo, mesmo no século XXI.
É possível afirmar que a literatura é uma potência que nos ajuda a pensar e a
repensar nosso lugar político, social e cultural no mundo, permitindo outros
modos de viver e resistir. “Em Mentira de amor” a personagem não vê outra
possibilidade de encontrar novamente a liberdade se não agir também de forma
violenta. Na narrativa não se percebe uma perspectiva de busca de solução por
meio da justiça, nem apoio por parte da sociedade.
A mimese, para Paul Ricouer (2010), é uma representação da ação humana e 276
no conto “Mentira de amor”, recria o cenário de uma mulher em sofrimento, presa
pelo marido em sua casa, mas presa pelo passado por meio da morte da filha e
pela falta de coragem em tomar alguma iniciativa diante do que vive. Tudo isso
lhe fora roubado. No conto, é possível perceber o dentro e o fora, o passado e o
presente, a liberdade e a prisão, as possibilidades e as incapacidades.
Stuart Hall (1997) nos permite pensar na representação neste conto, através do
sentido, da linguagem e da cultura. A representação mostra a comunicação do
significado, a produção de sentido e a linguagem, expressa em signos e/ou
imagens, dos significantes. Tudo isso opera quando lemos este conto, além do
modo como nos leva a pensar em nosso contexto social.
Para Michel Foucault (1986), nada tem sentido fora do discurso. Não é sobre se
as coisas existem, mas de onde vem o sentido, que é objeto de conhecimento
dentro do discurso. Um corpo que tem saber e poder, sendo o saber ligado ao
discurso, constituído por falas e ações.
Este conto tem significado e é impactante pela forma como se vincula ao nosso
contexto e à nossa cultura: o contexto de um espaço machista, onde algumas
mulheres se encontram literalmente presas em suas casas e outras presas aos
seus destinos, obrigações, subserviências.
Como muitas mulheres da vida real, Delmira não vê alternativa para dar fim ao
seu suplício. Afinal, a vinda do circo havia reverberado em seus pensamentos, e
agora era sua a decisão que poderia modificar o futuro dela e de suas
filhas. Quando “Uma valsa de melodia conhecida tornava o querer desatino”
(BRITO, 2009, p. 108), pôde-se perceber o dilema final vivido por ela, entre o
medo da força de opressão do marido e a angústia pelo desejo de viver os
espaços das ruas da cidade, de viver.
Este viver que é social, que precisa dos espaços, mas principalmente do contato
e das relações entre as pessoas. O narrador nos conduz a estas conclusões.
Aqui, a literatura nos mostra o poder do social num pequeno conto carregado de
uma poética dramática. Georg Simmel trata da importância do conflito para a
construção da sociabilidade. Simmel (1983, p.122) pontua que “[...] se toda
interação entre os homens é uma sociação, o conflito – afinal, uma das mais
vívidas interações [...]”. O sociólogo afirma que o conflito é como uma mola
propulsora para desbloquear situações estáticas e cristalizadas adotadas por
uma sociedade. Esta construção também podemos visualizar em “Mentira de
amor” e, a partir do conto, podemos refletir sobre nosso papel na sociedade,
sobre o que vemos e vivemos na contemporaneidade. Quantas ‘Delmiras’
existem por aí? O que temos feito para contribuir com estas mulheres? O que há
de ‘Delmira’ em nós?
A literatura tem autonomia ficcional e não necessita ser engajada, mas o conto
“Mentira de amor” se apresenta, inclusive, como um texto que tem um
compromisso social. Ao leitor é possibilitado fazer uso do conteúdo do conto
conforme seu ponto de vista a partir da experiência de ‘viver’ a complexidade do
assunto em foco, o que pode promover o desenvolvimento da alteridade em
relação ao feminino e suas fragilidades.
O que fica é a certeza de que é preciso ler, “não para acreditar, nem para
concordar, tampouco para refutar, mas para buscar empatia com a natureza que
escreve e lê” (BLOOM, 2001, p. 25). O que se percebe é que, autor e leitor se
completam na medida em que realizam seu papel de ‘movimentar’ o texto
literário. Iniciando pelo autor que não pode somente esperar que um leitor-
modelo “exista, mas significa também mover o texto de modo a construí-lo”
(ECO, 2012, p. 40).
“O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois
ele é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador”
(CANDIDO, 2006, p. 47). Assim, como leitores, damos sentido ao conto “Mentira
de amor”. E, ao mesmo tempo, o conto reverbera em nosso cotidiano e
provocará, no mínimo ao leitor, senão em quem mais o rodeia, movimentos e
pensamentos em relação ao experimentado na leitura.
Como esta narrativa trata de uma mulher que vive à sombra do medo e opressão
de um marido violento, é impossível não recordar estudos de Simone de
Beauvoir sobre o feminino. Como leitora do conto reforço que “o prestígio viril
está longe de ser apagado: assenta ainda em sólidas bases econômicas e
sociais [...]” e é preciso pensar em como “a mulher faz o aprendizado de sua
condição, como a sente, em que universos se acha encerrada, que evasões lhe
são permitidas” (BEAUVOIR, 1980, p. 7). Há um universo dentro da leitura de
um conto, esperando que o leitor faça uso.
Considerações finais
Referências Biográficas
Referências Biobliográficas
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BLOOM, Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
BRITO, Ronaldo Correia de. Mentira de amor. In: Faca. São Paulo: Cosac Naify,
2009.
BRASIL, Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ministério da Educação:
Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base.
Acesso em: 28 de abril de 2021.
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: Notas sobre uma teoria
performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. 281
SARAIVA, Juracy Assmann. Por que e como ler textos literários. In: SARAIVA,
Juracy Assmann; MÜGGE, Ernani. Literatura na escola: propostas para o
ensino fundamental. Artmed: Porto Alegre, 2006. p. 27-44.
MANAUS
Vanessa Cristina da Silva Sampaio
A década de 1980 foi o período de grande ascenso da classe trabalhadora em
todo o Brasil. As ações da massa operária tiveram como objetivo, a construção
de um projeto emancipatório, pautados na dignidade e luta por melhores
condições de trabalho. Essa estratégia foi adotada por muitos trabalhadores e
no Amazonas não foi diferente. Nessa perspectiva, o objeto de investigação
deste breve trabalho é a greve geral no setor metalúrgico, ocorrida em 1985 no
Distrito Industrial de Manaus, destacando a ampla participação das mulheres na
mobilização do movimento paredista. A inserção das mulheres no processo de
trabalho fabril em Manaus, pode ser pensada como uma alternativa de
vislumbrar uma vida melhor, levando em consideração que muitas buscavam
independência financeira e viram no ramo industrial, o mecanismo mais fácil de
atingir esse objetivo.
Para melhor situar o leitor, o Distrito Industrial de Manaus faz parte do modelo
de Zona Franca de Manaus, dos quais priorizou o desenvolvimento industrial e
agropecuário da região amazônica. Foi inaugurado em 30 de setembro de 1968,
reunindo no ato o superintendente da Zona Franca de Manaus, Floriano
Pacheco, e o governador do Amazonas, Danilo Duarte de Mattos Areosa. Esta
data marcou também a aprovação do projeto da Beta S/A, fabricante de joias e
relógios que entrou para a história como o primeiro projeto industrial aprovado
para se instalar na Zona Franca de Manaus. A Beta não esperou pela
inauguração do Distrito Industrial para se instalar e adquiriu um terreno na zona
Centro-Sul de Manaus, onde funcionou até meados da década de 90. O Distrito
Industrial foi implantado inicialmente em uma área de 16.974.824.00 m2, situado
a 5km do centro de Manaus. Na década de 1980, a Zona Franca possuía um
total de 212 projetos industriais que estavam em funcionamento, oferecendo 47
mil empregos diretos. (Jornal do Comércio, 1980)
O cerco policial foi intenso no decorrer de toda a greve. Enquanto não houve
acordo, muitos trabalhadores e trabalhadoras acamparam na porta das fábricas,
passaram dias e noites, sob o sol e a chuva, com a intensão de pressionar os
empresários a voltar a mesa de negociações. As condições foram precárias,
enfrentando muitas dificuldades, repressão e intransigência patronal. Houve a
participação de todos, inclusive de operárias gestantes. Não havia distinção de
tratamento entre os grevistas, todos sofreram as mesmas penalidades e
sanções. Notando a forte resistência dos trabalhadores em greve, os patrões
voltaram a negociar apenas no dia 05 de agosto. Ainda intransigentes no quesito
econômico, foram cedidos alguns benefícios como, um aumento salarial
escalonado conforme a quantidade de funcionários por empresa, bem como a
estabilidade das gestantes e o direito a creche. Tal proposta foi levada em
Assembleia Geral para apreciação e discussão dos trabalhadores na madrugada
do dia 06 de agosto, sendo aprovada por unanimidade pelos operários,
encerrando a primeira greve geral no Distrito Industrial de Manaus após seis
longos dias. Uma das principais reivindicações não foi atendida, que versava
sobre a redução da jornada de trabalho, mas para a primeira experiência destes
trabalhadores, a conquista simbólica e ideológica foi maior que a econômica.
Referências biográficas
Referências bibliográficas
Outras fontes
DEFLORAMENTOS OCORRIDOS NA
PRIMEIRA REPÚPLICA EM
CAXIAS/MA
Veronica Lima de Amorim Matos e
Jakson dos Santos Ribeiro
O referido trabalho busca apresentar a utilização dos jornais como fonte para o
campo da pesquisa histórica, no compasso que estas constituem a realidade
social imprensa em periódicos, além disso propomos intersecionar a análise da
categoria de gênero como fio condutor desse estudo. Por esse viés, essa
abordagem será exemplificada na prática, ao evidenciar as problemáticas acerca
dos crimes de defloramentos denunciados em jornais, ao expor esse tipo de
violência sexual envolvendo homens e mulheres durante a Primeira República
no sertão maranhense. Uma perspectiva no qual pretende fomentar a discussão
sobre fontes documentais para o ensino de História.
Dessa forma, na visão de Scott, as relações sociais estão cercadas por símbolos
e significados, onde foram criados para formar a ideia de uma diferença sexual,
uma percepção imbricada dentro de uma compreensão universalizante, o
despertar da autora, nos faz refletir e questionar sobre os impactos das
construções representativas e entender como se constroem os significados
culturais para essas diferenças.
Carla Katy March, (2015) também nos convida a reavaliar sobre a utilização da
categoria de gênero, alertando que não é uma pauta exclusivamente para tratar
da história das mulheres, mas sim, que os homens também devem ser
compreendidos como “atores do gênero”, visto que, eles também são indivíduos
imersos nas representações sociais criados por meio de códigos normativos. “No
entanto, os homens não eram objetos de estudos como sujeitos subjetivos ou
como construções sociais[...]” (MARCH, 2015. p.59).
Baseado nas considerações citadas, para além da discussão sobre as fontes par
a pesquisa histórica, uma das premissas deste trabalho, é reforçar a discussão
sobre o sentido do conceito da categoria de gênero, abordando os atores desse
processo em meio aos condicionamentos do que é ser homem ou mulher no
recorte estabelecido, partindo dos estigmas culturais e sociais, sendo estes
identificados nos dramas dos crimes sexuais, sobretudo, o defloramento,
ocorridos em diferentes regiões do Brasil, na virada do século XX, inclusive na
região compreendida como o sertão maranhense.
Os jornais sulistas, foram subsídios para a autora, pois cumpriam com o papel
de divulgar os ideários de comportamentos dos sujeitos, carregado de
propagandas com as normas de conduta, visando formar novos homens e
mulheres correspondentes ao pregresso da nação, além disso, a conduta
feminina era ainda mais ressaltada, pois eram consideradas criadoras e
educadoras das novas e futuras gerações.
Nesses casos, não era apenas no Sul que a imprensa destacava esse tipo de
desordem, como denota os jornais utilizados neste trabalho como o Correio de
Codó e Jornal de Caxias, expressavam seus posicionamentos e denúncias
referentes ao crime, retomando dessa maneira, a ideia que a força da utilização
dos jornais como fonte, provém da natureza do mesmo, pelo fato de constituir a
realidade social evidenciadas em suas notas. Por esse viés, a seguir apresento
denúncias dos crimes de defloramentos ocorridos no sertão maranhense.
Essas situações não eram apenas na cidade de Caxias, quando nos debruçamos
sobre essas questões na cidade de Codó também aparecem esses elementos
ditos e entendidos como de casos de defloramentos, como denota o intrigante
caso, “Uma por ano. Acha-se a polícia, consta nas investigações das
‘brilhanturas’ do sr, Benedicto Firmino de Britto, em 1911 deflorou uma menor
[...] foi perseguido pela polícia que fugia”.
O artigo desse caso noticiado pelo jornal Correio de Codó, relata a sequência de
três atos de defloramentos contra menores, entre os anos de 1911, 1912 e 1913,
onde meninas sofreram violação da proteção que lhes cabiam. O infeliz acusado
Benedicto, há um tempo fugia da polícia, cometendo aos redores da cidade seus
atos de covardia.
As denúncias seguiam, pois, a última tentativa levou o acusado até a polícia,
além do mais, a existência da impunidade deixava as pessoas temerosas que
algo dessa natureza viesse acontecer novamente, receio encontrado nas falas
ecoadas no jornal correio de Codó, expressada pelo senhor Oliveira “Neste
andar ele irá longe se a impunidade o acarcoar”, ou seja, a impunidade ajudar
tornar possível a delinquência desse sujeito, dando jus o destaque da manchete, 294
uma em cada ano.
Considerações finais
Referências bibliográficas
DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Márcia (orgs). História dos homens no Brasil.
São Paulo: Ed. UNESP. 2013
Por outro lado, o livro “Sociologia para jovens do século XXI” tem somente dois
autores. Essa opção não indica por si que este livro didático seja melhor ou pior,
no entanto, a abrangência disciplinar dos autores será certamente mais restrita
do que se a obra fosse elaborada por um maior número de colaboradores e de
áreas distintas como se verificou no livro anteriormente abordado.
Pode-se dizer que, em ambos os livros didáticos, são referidos autores que são
os mais reconhecidos dentro dos temas tratados. Por exemplo, Simone de
Beauvoir que “(…) sacudiu a poeira dos meios intelectuais com a frase ‘nasce
mulher: torna-se mulher’” (LOURO, 2008, p. 17) é uma das referências para a
discussão elaborada pelos dois manuais.
Por sua vez, o livro didático “Sociologia para jovens do século XXI” utiliza as
análises de Joan Scott. O seu texto intitulado “Gênero: uma categoria útil de
análise histórica” é um referencial no que se refere à construção dessa categoria.
Como refere Louro (1995, p. 103), esse estudo de Scott terá representado “(…)
uma verdadeira ‘introdução’ ao conceito e às suas implicações para os
estudos históricos. A partir de suas colocações, passávamos a nos dar conta de
reflexões que ajudavam a conceitualizar gênero e começávamos a ensaiar
algumas de suas possíveis aplicações”. Assim se verifica que importantes
autores foram utilizados/citados nos dois livros didáticos, abrangendo o conceito
de gênero e seu desenvolvimento histórico e social. Esse desenvolvimento pode 301
ser verificado através dos conceitos centrais que ambos os manuais apresentam
e os principais temas abordados.
Já o livro didático “Sociologia para jovens do século XXI”, ao longo dos dois
capítulos, aborda os seguintes temas:
a) A relação entre sexo e gênero, tendo por base um debate sobre a relação
natureza e cultura;
b) Relações de poder, de dominação masculina, assimetria construída ao longo
da história;
c) Identidade de gênero;
d) Definição de gênero;
e) O papel das mulheres nas sociedades modernas;
f) Igualdade de condições;
g) Feminismo;
h) Feminismo Negro;
i) A questão do aborto.
a) Pessoas trans;
b) Heteronormatividade;
c) Homofobia;
d) Transfobia;
e) Recorte histórico;
f) Movimentos sociais.
Ao se listar todos os temas discutidos, nota-se a abrangência temática destes
manuais e também se observa que ambos focam em diversos assuntos em
comum.
Quanto aos exercícios, os primeiros apresentados têm como intuito uma breve
revisão do conteúdo e também suscitar o debate entre os alunos. Os demais são
questões retiradas do Enem ou da Unesp, com o claro objetivo de preparar o
aluno para o ingresso à universidade. E, por último, uma questão sugerindo
pesquisa e, assim, já os incentivando a procurar mais informações sobre os
assuntos debatidos.
Por sua vez, o livro didático “Sociologia para jovens do século XXI” apresenta
como recursos didáticos bastantes fotos de manifestações organizadas por
movimentos sociais feministas ou LGBT’s. Para além das fotos, também há
quadros complementares, com citações de pensadores, resumos de conceitos
ou questionamentos para o estudante refletir. Imagens de cartazes e
reportagens, sugestão de filmes, livros, links para pesquisas na internet, músicas
e jogos auxiliam no sentido de oferecer ao estudante ferramentas para as suas
próprias pesquisas e proporcionar que façam contato com o tema de forma
menos formal e fora do ambiente escolar, uma vez que podem acessar esses
recursos, por exemplo, a partir de casa.
Considerações finais
Referências biográficas
Bac. e Lic. Ester Torres da Silva, formada em Ciências Sociais pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Referências bibliográficas
CÉSAR, Maria Rita de Assis. “Gênero, sexualidade e educação: notas para uma
“Epistemologia””. In: Educar, n. 35, Curitiba, 2009, p. 37-51.
305
LOURO, Guacira Lopes. “Gênero, História e Educação: construção e
desconstrução”. In: Educação & Realidade, vol. 20, n. 2, Jul-Dez, 1995, p. 101-
132.
SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. In: Educação &
Realidade, vol. 20, n. 2, Jul-Dez, 1995. p. 71-99.
SILVA, Afrânio et al. Sociologia em Movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.
306
RESISTINDO!