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BUENO, André [org.] Cem Textos de História Chinesa.


Original: União da Vitória, 2009.
Reedição: Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ, 2022.
ISBN 978-85-912744-5-1

Disponível em: www.chinologia.blogspot.com


Proj. Ori: www.orientalismo.net

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Sumário
Apresentação ...................................................................................... 9
História ............................................................................................. 13
1.Shujing – Discursos de Yao ...................................................... 15
2.Chunqiu – Cronologia Histórica ................................................ 17
3.Liji – As Eras históricas ............................................................ 18
4.Hanfeizi – Abolir o passado ...................................................... 20
5.Sima Qian – Recordações Históricas......................................... 22
6.Liu Zhiji – A narração dos eventos ........................................... 24
7.Sima Guang – Descontinuidades temporais .............................. 28
8.Lu Tanglai – A compreensão da história ................................... 30
9.Ma Duanlin – A história como metáfora da realidade ............... 31
10.Kang Youwei – uma teoria sobre o futuro da história ............. 33
Filosofia ............................................................................................ 35
11.Yijing – o poder de domar do pequeno ................................... 38
12.Shujing – o “Grande Plano” .................................................... 41
13.Confúcio – Sabedoria é educação............................................ 44
14. Mozi – Contra a cultura .......................................................... 47
15. Laozi – a via é o desprendimento e a não-ação ...................... 49
16.Legistas – Shang Yang e a criação dos padrões corretos ........ 51
17.Sima Tan – a discussão sobre as seis escolas no Shiji ............. 54
18.Dong Zhongshu – a fusão do confucionismo e da cosmologia
no Chunqiu Fanlu ......................................................................... 56
19.Wang Chong – sabedoria e ceticismo...................................... 59

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20. As vias no budismo chinês ..................................................... 61
21. Hanyu – uma comparação entre confucionismo, daoísmo e
budismo ........................................................................................ 65
22. Zhuxi – o máximo supremo e a redenção de Confúcio .......... 67
23. Wang Fuzhi – resgatando a via............................................... 70
24.Mao Zedong............................................................................. 72
Política .............................................................................................. 76
25. Shujing – o Mandato Celeste .................................................. 79
26. Liji – como governar? ............................................................ 83
27. Hanfeizi – como um monarca deve agir? ............................... 85
28. Lisi e a queima dos livros ....................................................... 87
29. Lujia – o governo ideal ........................................................... 89
30.Sima Guang – a estrutura do poder imperial ........................... 91
31. Huang Zongxi – o verdadeiro interesse dos governantes ....... 93
32. Sun Yatsen – os poderes do povo ........................................... 97
33. Mao Zedong e a Democracia Socialista ................................. 99
34. Deng Xiaoping – um país, dois sistemas .............................. 100
35. Deng Xiaoping - coexistência pacífica e Taiwan ................. 103
Economia ........................................................................................ 106
36. Liji; Fengjian, ou o Feudalismo chinês ................................ 108
37. Mêncio – o sistema dos nove terrenos .................................. 110
38. Shang Yang – a importância da agricultura.......................... 112
39. Guanzi – as regulações ......................................................... 114
40.Sima Qian – da riqueza e do comércio .................................. 116

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41.Yantienlun ............................................................................. 119
42. Mao Zedong – o “Grande Salto” .......................................... 121
43. Deng Xiaoping e a Não-Contradição.................................... 124
Sociedade........................................................................................ 127
44. Liji - O que é Li (rito)? ......................................................... 129
45. Liji – O Nascimento ............................................................. 132
46. Liji - Funeral e Luto ............................................................. 136
47. Liji - Ciclo da vida ................................................................ 139
48. Liji – Anciãos ....................................................................... 143
49. Confúcio e os cinco deveres universais ................................ 146
50. Xiaojing – A piedade filial ................................................... 147
51. Guanzi e Mêncio – as classes sociais ................................... 151
52. Sima Guang – da conduta correta dos funcionários públicos
.................................................................................................... 152
53. Imperador Jing, de Han – sobre a corrupção ........................ 153
54. Fang Yizhi e os mercadores.................................................. 155
55. Uma canção camponesa........................................................ 156
56. Shijing – a labuta dos soldados............................................. 157
57. Luxi – um calendário campestre ........................................... 158
58. Mao Zedong – a análise das classes chinesas ....................... 160
A Mulher na China ......................................................................... 162
59. Ban Zhao – o Tratado das Mulheres ..................................... 164
60. Fang Zhongshu – o Livro da Alcova .................................... 167
61. Nu Lunyu – os Analectos Femininos ................................... 169

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62. Mercado das concubinas....................................................... 170
63. Cartas de Família de Zen Guofan ......................................... 173
64. Sobre o enfaixamento dos pés .............................................. 175
65. Mao Zedong e a questão da mulher na China....................... 179
66. Xinran e as “Boas Mulheres da China” ................................ 181
Religião .......................................................................................... 184
67. Shijing – apontamentos sobre o Céu .................................... 188
68. A criação – uma teoria do Huainanzi ................................... 190
69. A criação – o mito de Pangu ................................................. 191
71. O Deus da cozinha ................................................................ 193
72. Os Deuses do portão ............................................................. 194
73. Da Alma, Zhuangzi .............................................................. 196
74. Dedicação aos Antepassados, Shijing .................................. 198
75. Sobre Fantasmas, por Wang Chong ..................................... 200
76. Fantasmas, do Soushenji....................................................... 204
77. Imortalidade e o elixir da longa vida, por Gehong ............... 207
78. Os Fangshi, no Bowushi de Zhang Hua ............................... 209
79. Sobre a Imortalidade............................................................. 212
80. Criaturas bestiais, do Shanhaijing ........................................ 214
81. O Budismo chinês no Lankavatara sutra .............................. 217
82. A crítica ao Budismo chinês, de Hanyu ............................... 221
83. Sobre a existência dos demônios, de Hanyu ......................... 224
Visões dos Outros ........................................................................... 226
84. Lisi – Memorial para a manutenção dos estrangeiros .......... 229

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85. Sima Qian e os Xiongnu, no Shiji ........................................ 231
86. Fanye - uma descrição sobre os Romanos no Hou Hanshu .. 234
87. A resposta mongol a uma das primeiras missões católicas no
Oriente ........................................................................................ 235
88. A resposta do imperador Qing Qianlong ao embaixador
britânico Lorde Macartney ......................................................... 238
89. As viagens de Li Zhaoluo em Portugal ................................ 239
90. Mao Zedong – os imperialistas são tigres de papel .............. 241
91. A Teoria dos Três Mundos ................................................... 244
Arte, Cultura e Educação ................................................................ 247
92. Sobre a Música – Liji ........................................................... 248
93. Sobre a Escrita, de Cheng Yenyuan ..................................... 251
94. O significado da Arte, por Guoxi ......................................... 253
95. A apreciação da Literatura, do Wenfu .................................. 257
96. A revolução na Literatura, por Chenduxiu, e a nova arte
comunista, por Mao Zedong ....................................................... 258
97. Educação no Liji ................................................................... 261
98. Educação pelos clássicos no Liji .......................................... 264
99. Educação moderna, por Kang Youwei ................................. 266
100. Revolução Cultural ............................................................. 267
Cronologia ...................................................................................... 269
Referências ..................................................................................... 273
Tradução e adaptações .................................................................... 275

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Apresentação

Cem Textos de História Chinesa é, antes de tudo, um guia


sobre a história dessa civilização, mas através de suas próprias
vozes. Em português, temos vários “livros fontes” que cobrem
períodos diversos da história ocidental, e que serviram de
modelo para a construção deste nosso trabalho. No entanto,
nenhum deles ainda tinha se aventurado, diretamente, no
âmbito das culturas asiáticas. Algumas questões básicas foram
determinantes para isso – desde o desinteresse da academia até
mesmo a inexistência de especialistas habilitados a realizá-lo –
e o que pretendemos, portanto, é cobrir esta lacuna, ainda que
de modo bastante geral e introdutório.

O caso específico da história chinesa guarda, contudo,


dificuldades específicas; como podemos cobrir algo em torno
de 5 mil anos de existência em apenas cem textos? A história
ocidental pode ser dividida, classicamente, em períodos
razoavelmente delimitados, o que gera uma possibilidade
(mesmo que controversa) de determinar quais textos podem
expressá-los. A China, porém, não segue esta cronologia, e tal
tentativa – inserir marcos temporais ocidentais para
compartimentar seu desenrolar histórico e cultural – seria
totalmente artificial.

O que veremos nesta sucinta coletânea é uma tentativa de


apresentar a China por suas próprias vozes e meios, buscando
centralizar a apresentação dos textos em tópicos específicos.

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Inevitáveis omissões, bem como o critério de escolha, foram
organizados por mim, que irei explicar a seguir.

A dificuldade de um critério

Para construir uma apresentação geral, e ao mesmo tempo


reduzida, da história e da cultura chinesa, existem algumas
dificuldades prementes que se impõe em sua elaboração.

A primeira idéia seria de organizar uma apresentação por


autores, arrumados em ordem cronológica, o que
inevitavelmente resultaria num livro volumoso – o que não é,
de imediato, nossa proposta. O problema central deste método,
no entanto, é que os autores chineses falam, muitas vezes,
sobre assuntos diversos – um letrado poderia escrever tanto
sobre economia quanto poesia – o que nos levaria ou a escolher
um assunto que marca predominantemente a obra de um autor
ou, que reduziria seriamente a lista de escritores que
poderíamos utilizar.

O mesmo pode ser dito de uma apresentação organizada em


torno, especificamente, das obras. Como alguns livros são
almanaques de assuntos diversos, escolher um único tema que
representasse a obra seria, por vezes, descaracterizá-la. Além
disso, os aspectos temporais se impõem aqui como uma
condição de continuidade das obras. O Liji (Recordações dos
Rituais), por exemplo, é uma fonte de referência ao longo de
milênios na cultura, enquanto outras obras têm uma
importância somente contextual.

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Por esta mesma razão exposta acima, decidi não utilizar o
critério temporal, como havia comentado. A divisão por
marcos ocidentais – época antiga, medieval, moderna, etc – se
acoplam casualmente ao curso dos acontecimentos chineses,
mas não os definem de modo eficaz (a dinastia Tang, um dos
momentos brilhantes da era imperial ocorre, por exemplo,
durante as primeiras crises da era medieval na Europa);
poderíamos também utilizar as divisões dinásticas que a
própria história da China utilizou para organizar suas fases,
mas ainda assim, elas não dariam conta de representar a
continuidade de certos textos e autores na formação ideológica
da mesma.

Por fim, escolhi como método para apresentação dos textos a


divisão já consagrada em temas (história, economia, política,
etc.) que é um tanto estranha à tradição chinesa, mas que
facilitaria a compreensão ocidental sobre as visões de mundo
desta cultura. Ressalvas, porém, são necessárias. Lembremos,
antes de tudo, que o objetivo da coletânea é mostrar o
desenvolvimento geral desta civilização, o que implica em
descontinuidades temporais e intelectuais. Muitas vezes,
podemos ser levados a acreditar que a preeminência de textos
antigos denotaria certo imobilismo por parte desta civilização,
mas este é um engano tremendo. Logo na primeira seção,
História, veremos que o debate sobre as teorias para
compreensão da história evoluíram constantemente; assim
sendo, o fato dos chineses recorrerem a exemplos do passado
não implica, necessariamente, numa “não-evolução”, como
alguns autores ocidentais quiseram entender. Lembremos que

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até a metade do século 20 muitos currículos escolares
ocidentais ainda mantinham o estudo do grego, latim e dos
clássicos greco-romanos como disciplinas básicas.

Do mesmo modo, a apresentação em tópicos mantém a


possibilidade de propor as visões diversas que os autores
possuíam sobre os temas em questão. Citemos novamente o
caso do Liji; esta riquíssima fonte serviu de escopo para
inúmeras questões culturais envolvendo a ideologia chinesa, e
aparecerá em vários momentos de nossa coletânea; já o
Shanhaijing (Tratado das Montanhas e dos Mares) trata-se de
uma coletânea única e exclusiva de personagens, casos e temas
mitológicos, e sua aparição está circunscrita ao tema Religião.

Assim sendo, compreendo as limitações desta coletânea, mas


espero que ela sirva de guia para aqueles que pretendem iniciar
um estudo sério sobre a civilização chinesa. Em cada tópico,
uma breve apresentação explicará os pontos fundamentais da
escolha de cada texto, e o que eles pretendem. Ao fim, uma
cronologia e a bibliografia servirão de referência para os
interessados em prosseguir no exigente, porém recompensador,
caminho da Sinologia.

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História

Nesta seção inicial, buscaremos compreender a maneira como


os chineses entendiam a construção da História (shi). O
primeiro a preocupar-se seriamente com o assunto foi o sábio
Confúcio (-551-479), que editou os mais antigos clássicos da
literatura chinesa – o Tratado das Mutações (Yijing), dos
Poemas (Shijing), dos Livros (Shujing), da Música (Yuejing),
as Recordações Rituais (Liji) e as Primaveras e Outonos
(Chunqiu). Destes livros, dois tratam diretamente sobre a
história – o Shujing e o Chunqiu, sendo que o Liji ainda faz
largas referências à mesma. Neles, Confúcio lança o modelo de
escrita histórica que embasariam seus continuadores: o Shujing
é a recolha de grandes discursos e decretos, bem como de
detalhes biográficos dos grandes heróis chineses; já o Chunqiu
é uma seca cronologia de eventos, arranjados por datas e
marcos astronômicos, que precisou ser comentada,
posteriormente, para ser compreendida. Ambos os trabalhos
serviam de estofo para a discussão de tópicos éticos e morais
relativos à vida pública, política e social. Quase 3 séculos
depois, Hanfeizi (séc. -3), pensador de uma escola filosófica
extremamente radical, o Legismo, propunha o abandono do
pensamento histórico e dos exemplos do passado. Se suas
teorias serviram para a formação do novo império Qin, no
século - 3, não vingaram, porém, no campo da história. Sima
Qian (-145-85) é considerado o primeiro grande historiador
chinês de fato, organizando os métodos, teorias e modos de
apresentação da história chinesa. Seu livro, as Recordações

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Históricas (Shiji) é um marco na historiografia chinesa,
servindo de modelo para os autores posteriores. Quanto a
Liuzhiji (+661 +721), seu Compreendendo a História (Shitong)
seria o primeiro manual sobre redação e pesquisa histórica,
explicando os conceitos, termos e técnicas empregados na
confecção da mesma. Sima Guang (+1019 +1086) foi um
prolixo historiador e intelectual da época Song (+960 + 1279),
e seu Espelho do Governo (Zizhi Tongjian) é uma discussão
aprofundada sobre as eras históricas, a descontinuidade entre
cronologia, cultura e ideologia, bem como dos propósitos do
historiador. Em sua época, no entanto, prevaleceu a
interpretação histórica proposta por Zhuxi (1130+1200) em seu
Tongjian gangmu, grande filósofo daquele momento que, no
entanto, manteve a estrutura de escrita e interpretação proposta
pelo Chunqiu (e por esta razão, não incluída aqui). Lu Tanglai
(1137 + 1181) e Ma Duanlin (séc. 13) reincorporam, porém, as
discussões de Sima Guang, dando continuidade ao processo de
“desconstrução” das “certezas históricas”. Por fim, Kang
Youwei (1858 + 1927), pensador da época final do império
Qing, propunha uma interessante teoria de evolução histórica,
que previa a integração do mundo numa era futura.

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1.Shujing – Discursos de Yao

Examinando a Antiguidade verificamos que o Di Yao era


intitulado Fang-xun. Era respeitoso, inteligente, culto e
meditativo, de modo natural e sem esforço. Era sinceramente
cortês e capaz de toda complacência. A brilhante influência
dessas qualidades era sentida nas quatro partes da terra e
chegava ao Céu por cima e, por baixo, a terra.

Fez com que se distinguissem o capaz e o virtuoso. E daí


seguiu-se ao amor de todos nas nove classes de sua casta, que
tornou harmoniosa. Também ordenava e educava os habitantes
do seu domínio, tornando-se todos brilhantemente inteligentes.
Finalmente uniu e harmonizou milhares de Estados e assim se
transformam as gentes de barrete negro. O resultado foi a
concórdia universal.

Determinou a Xi e He, em respeitoso acordo com sua


observação dos vastos céus que calculassem e delineassem os
movimentos e aspectos do Sol, da Lua, das estrelas e dos
espaços zodiacais, entregando desse modo as estações à
observação do povo.

Determinou ao segundo irmão Xi, especialmente, que residisse


em Yu-i, no chamado Vale Claro, e ali recebesse
respeitosamente, como a um hóspede, o Sol nascente, e
ajustasse e organizasse os trabalhos da Primavera. “O dia –
disse – é de extensão média e a estrela está em Niao. Assim
poderás determinar exatamente a Primavera média. As

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criaturas distantes nos campos e os pássaros e animais
concebem e se juntam”.

A seguir ordenou ao terceiro irmão Xi que residisse em Nan-


jiao, na chamada Capital Brilhante, aí ajustando e organizando
a transformação do Verão e observando respeitosamente o
limite exato da sombra. “O dia – disse – está em sua maior
duração e a estrela está em Huo; assim poderás determinar
exatamente o Verão médio. As criaturas estão mais dispersas e
os pássaros e animais têm curtas penas e pelos e mudam suas
penugens”.

Ordenou separadamente ao segundo irmão He que residisse no


oeste, no chamado Vale Escuro, e ali convocasse
respeitosamente o Sol poente a fim de ajustar e organizar os
trabalhos completos do Outono. “A noite – disse – é de duração
média e a estrela está em Xu. As criaturas sentem-se cansadas e
os pássaros e animais têm suas penugens em bom estado”.

Mais tarde determinou ao terceiro irmão Ho que residisse na


região do norte, na chamada Capital Sombria, e ali ajustasse e
organizasse as mudanças do Inverno. “O dia – disse – está em
sua menor duração e a estrela está em Mao. Assim poderás
determinar exatamente o Inverno médio. As criaturas ficam em
casa e a penugem dos pássaros e animais é então abundante e
espessa”.

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2.Chunqiu – Cronologia Histórica

11º ano do Duque de Xiang, de Lu.

O Duque Chen assassinou o ministro Xieye.

Comentário: O Duque Chen, junto com dois ministros,


Kungning e Yi Huangfu, eram amantes da viúva Chi, de um
antigo servo do Duque Chen chamado Xia. Um dia, os três
pegaram uma peça de roupa íntima do cortesão e começaram a
fazer piadas.

Xieye os admoestou sobre isso, dizendo: se duques e ministros


fazem este tipo de brincadeira imoral, o povo não terá bons
exemplos, e logo vai fazer o mesmo. O Duque se envergonhou,
e prometeu não mais fazê-lo. No entanto, os ministros não
gostaram da reprimenda, e fizeram um complô, junto com
Chen, para assassinar Xieye, o que ocorreu logo.

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3.Liji – As Eras históricas

Quando reinava o grande Dao (na Idade de Ouro) o mundo era


propriedade comum (não pertencendo a nenhuma família
dominante), os governantes eram escolhidos de acordo com a
sua sabedoria e capacidade, havia paz e confiança mútua. Por
isso as pessoas não tratavam apenas os próprios pais como pais
e os próprios filhos como filhos. Os anciãos sabiam prezar a
sua ancianidade e os jovens sabiam usar o seu talento, os mais
moços tinham os velhos por quem olhar, e as viúvas
desamparadas, e os órfãos, e os mutilados e aleijados eram
tratados com carinho. Os homens tinham afazeres específicos e
as mulheres cuidavam dos lares. Como as pessoas não
desejassem ver seus bens desperdiçados, não tinham motivo
para os conservarem egoisticamente para si; e como as pessoas
tivessem energia mais do que suficiente para o trabalho, não
precisavam limitar-se a trabalhar só em proveito individual.
Por isso não havia malícia nem intrigas, nem ladrões nem
bandidos, e consequentemente não havia necessidade de cada
qual fechar a sua porta (ao cair da noite). Assim era o período
do Datung, ou a Grande Comunidade. Agora, porém, já não
reina o grande Dao e o mundo está dividido entre famílias
adversas (tornou-se propriedade privada de algumas famílias),
e as pessoas consideram como pais apenas os próprios pais e
como filhos apenas os próprios filhos. Cada qual entesoura
seus bens e trabalha apenas em proveito próprio. Estabeleceu-
se uma aristocracia hereditária e os diversos Estados
construíram cidades, cidadelas e fossos para sua defesa. Os
princípios da Li (regras sociais) e do direito funcionam como

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simples regras de disciplina; por meio de tais princípios os
cidadãos procuram manter a distinção oficial de governantes e
governados, ensina-se aos pais e filhos e irmãos mais velhos ou
mais moços e esposos e esposas a viverem em harmonia,
estabelecem-se obrigações sociais, e vive-se em grupos de
aldeias. Os mais fortes fisicamente e os mentalmente mais
vivos galgam posições de relevo, e cada um trata a sua própria
vida. Daí a malícia e os ressentimentos, resultando em guerras.
(Os grandes fundadores de dinastias como) Os Imperadores
Yu, Tang, Wen, Wu e Cheng, e o Duque Zhou, foram os
melhores homens desta época. Sem uma única exceção, foram
todos seis profundamente ciosos dos princípios da Li, mediante
os quais a justiça foi mantida, a confiança geral foi instaurada,
os erros e equívocos foram banidos. Um ideal de verdadeira
humanidade, ren, foi estabelecido, e cultivaram-se as boas
maneiras e a cortesia como sólidos princípios a serem seguidos
pelo povo. Qualquer autoridade que violasse tais princípios
haveria de ser denunciada como inimigo público e destituída
do cargo. Este se chama o Período da Xiaokang ou "o Período
da Paz Menor".

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4.Hanfeizi – Abolir o passado

Na antiguidade, quando os homens eram uns poucos e as


criaturas selvagens abundavam, apareceu um sábio com alguns
pedaços de madeira e armou algumas construções, que
serviram para as pessoas se guarnecerem dos lobos, tigres e
leões que os atormentavam. As pessoas estavam tão felizes que
o nomearam o rei do mundo, chamando-lhe de “o grande
construtor”. Naquela época as pessoas comiam frutas, verduras,
ostras e mexilhões. Mas os alimentos que armazenavam
apodreciam logo e muitos ficavam doentes, morrendo. Então
um sábio, juntando madeira, fez fogo e cozinhou os alimentos,
e a partir daí menos pessoas ficaram doentes. Este sábio foi
reverenciado como o homem do fogo.

Na época das grandes inundações, que arrasavam com


populações inteiras, Cun e Xia fizeram os canais que desviaram
as águas e assim evitaram terríveis calamidades. Não faz
muito, alguns reis cruéis foram destituídos por Tang e Zhou.

Agora vejam: se construíssemos cercas de madeira, ou


tivéssemos feito fogo na época das inundações, isso teria sido
completamente ridículo. Se alguém sugerisse fazer canais para
evitar as atrocidades dos reis violentos, também teriam sido
inúteis. Os sábios, na realidade, não tomam os sucessos do
passado e tentam aplicá-los nos dias de hoje; o que fazem é
analisar as necessidades atuais e atuar de modo apropriado.

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Havia um granjeiro em Zhou que arava terra, e em seu campo
havia um toco de árvore caído. Um dia, um coelho saiu
correndo do mato e se chocou contra o tronco, quebrando o
pescoço. Ao vê-lo, o granjeiro deixou o arado e se sentou no
tronco, esperando que outro coelho fizesse o mesmo. Só que
nenhum outro coelho bateu no tronco, no inverno ele não teve
o que comer porque descuidou de suas tarefas e terminou sendo
motivo de piadas para os vizinhos. Por isso eu digo: todos
aqueles que se valem das regras do passado para governar nos
dias de hoje, podem ser chamados com justiça de “Vigilantes
do tronco”.

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5.Sima Qian – Recordações Históricas

Busquei preservar e garantir a continuidade das antigas


tradições imperiais para que elas não fossem corrompidas ou
perdidas. Sobre a carreira dos grandes reis, eu pesquisei seus
começos e examinei seus fins; eu vislumbrei seus tempos
prósperos e observei seus declínios. Em todos estes casos, eu
os discuti e examinei, e o que fiz foi uma introdução geral a
história das três dinastias e aos anais de Qin e Han, vindo desde
a época do Imperador amarelo até os dias de hoje, que estão
organizadas nos doze anais básicos. Depois de tê-los posto em
ordem e os completado, em função de algumas diferenças na
cronologia de alguns períodos, em que as datas não estão
claras, eu as organizei nas tabelas cronológicas. Sobre as
mudanças nos ritos e na música, sobre a astronomia e o
calendário, sobre o poder militar, as montanhas e os rios,
espíritos e deuses, a relação entre o céu e a terra, as práticas
econômicas e suas mudanças ao longo do tempo, eu fiz os oito
tratados. (...) Para aqueles que serviram com espírito moral aos
seus senhores e governantes, para estes eu fiz as trintas casas
genealógicas. (...) para manter o nome daqueles que legaram
seu nome a posteridade do mundo, eu fiz as setenta biografias.
São assim cento e trinta capítulos, 526.500 palavras, o livro da
Grande História, compilado em ordem para reparar as omissões
e ampliar as seis disciplinas.* este é o trabalho de uma família,
designado para completar as variadas interpretações dos seis
clássicos e pôr em ordem a grande miscelânea de ditos das cem
escolas.

[...]
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Este é o parecer do historiador: o governo da dinastia Xia foi
marcado por bons augúrios, mas com o tempo deteriorou-se e
voltou a rusticidade e a decadência. Shang substituiu Xia, e
reformou seus defeitos por meio da virtude da piedade filial.
Mas esta piedade degenerou, e as pessoas dirigiram-se para o
mundo das superstições e espíritos. Então Zhou seguiu
corretamente, corrigindo esta falta por meio dos rituais e da
ordem. Mas os ritos se deterioraram porque caíram nas mãos
daqueles que os transformaram em um simples espetáculo.
Então, tornou-se necessário novamente acabar com este
espetáculo, reformar o mundo e buscar novamente um bom
destino. Este foi o caminho das três dinastias, e o ciclo
dinástico é um caminho que começa, termina e continua
sempre.

É óbvio então que nos final de Zhou e nos tempos iniciais de


Qin os ritos estavam deteriorados, e a ordem corrompida. Mas
o governo Qin falhou ao tentar corrigir estas falhas,
adicionando a elas leis e punições duríssimas. Este não foi um
grave erro?

Por isso, quando os Han chegaram ao poder, buscando


consertar as falhas de seus predecessores, e trabalhando para
corrigir o mundo e pô-lo em ordem, seus esforços seguiram
corretamente a ordem apropriada e determinada pelo Céu. Eles
ordenaram a corte em doze meses, coloriram as vestimentas e
as carruagens de amarelo e o restante o acompanhou.

23
6.Liu Zhiji – A narração dos eventos

Em escritos históricos que prezam a excelência, o mais


importante de todos é a narração dos eventos. Elas falam dos
méritos e das transgressões, recordam o que é bom e o que é
ruim, e de um modo que é elegante sem ser florido, e
substancial sem ser cru. Uma pessoa que as lê se sabe apreciar
seu sabor, se o faz três vezes por semana, esquece de seus
cansaços; se o faz cem vezes, nunca se satisfaz e deseja ler
mais. Se um bom escritor de história não merece ser chamado
de sábio, então, que título devemos lhe dar?

[...]

Em geral, há quatro formas de narrativa: há aquelas em que


registramos diretamente as habilidades e o caráter de uma
pessoa; há aquelas que só descrevem eventos de sua vida; há
aquelas no qual tudo é revelado pelos diálogos; e há aquela,
finalmente, em que tudo é revelado pelos comentários do
historiador.

Como por exemplo, no Tratado dos Livros, a virtude do


soberano Yao é louvada com a seguinte frase: “sincero e
cortês, e sustentando uma grande modéstia”, ou como no
comentário das Primaveras e Outonos sobre a aparência de Zu
taishu, descrito como “bonito e acessível”; como havíamos
dito, estas frases não necessitam de qualquer explicação: por
isso, elas representam o que chamamos de “habilidades e
caráter de uma pessoa”.

24
Novamente, temos o caso de uma passagem nos Comentários
de Zuo sobre Shen Neng, que foi traído, e pereceu por conta de
uma intriga de sua madrasta Liji; na história de Bangu, Qixin
assumiu o lugar de seu soberano, expôs-se ao perigo e morreu
quando estava cercado pelos Xiang. Aqui, os historiadores não
falaram de seus caracteres morais, mas sua lealdade e devoção
filial são aparentes; isso é que o chamamos de “descrever os
eventos da vida de uma pessoa”.

Novamente, temos um caso no Tratado dos Livros em que o rei


Wu, o último soberano de Shang, fez um juramento em que
“queimaria e assaria o leal e o bom. E ele matou sua esposa
grávida”; nos Comentários de Zuo, recorda-se a discussão de
Sui Kuai sobre o estado de Chu, em que ele declara: “labutem
nos carros de madeira e esfarrapem suas roupas para trazer
abaixo as colinas e os campos que estão cultivados”. Aqui
estão ausentes quaisquer comentários sobre o caráter ou
habilidades dos personagens, contudo, as palavras chamam a
atenção e o assunto foi exposto claramente. Isso se chama “o
que é revelado pelos discursos”.

Novamente, na biografia de Weiching, o grande historiador


Sima Qian disse que Suchien repreendeu uma vez seu general-
chefe por não recomendar ou usar seus homens
apropriadamente; no mesmo Livro de Han, há um elogio no
término da biografia de Xiaowen, que diz; “quando o rei de Wu
fingiu uma doença e não veio cortejar o imperador, este lhe
concedeu um tamborzinho e uma baqueta”. Estas são
informações retiradas de uma biografia ou de um anal, mas

25
foram separadas pelos historiadores, e é isso que chamamos de
“revelado pelos comentários do historiador”.

Assim, estes quatro tipos de narrativas – habilidades e caráter,


atos e eventos, discursos ou comentários – não são mutuamente
dependentes. Na verdade, se elas forem ajuntadas em uma
única narrativa, serão muitas as informações e o desperdício
será grande. Porém, ao longo dos clássicos e das histórias isso
ocorreu muitas vezes. Talvez apenas um ou dois de mais de dez
historiadores tenham obtido algum sucesso nesta questão.

Há duas regras para a economia de palavras na narração dos


eventos; uma, cortando as orações, a segunda, utilizando
menos palavras. (...) Cortar fora sentenças é fácil, mas cortar
fora palavras é difícil. Somente quando uma pessoa penetra no
sentido profundo da narrativa, ela pode falar sobre história. Se
as orações forem supérfluas e as palavras repetitivas, isso dará
origem a uma complexidade desnecessária e a uma escrita
caótica. (...) na narração dos eventos, uma pessoa hábil em
somar palavras desnecessárias, ou liberal com a descrição dos
acontecimentos, só faz perder tempo com coisas irrelevantes.
Mas se alguém busca extrair o essencial, ele sintetizará tudo
numa frase ou sentença. (...) Somente assim podemos separar o
supérfluo das narrativas, alcançando seu sentido profundo e
central. Separando este escolho, as flores se vão, mas as frutas
ficam; os restos serão limpos, o bagaço jogado fora e o sumo
será degustado.

Ah! Mas quem dera pudéssemos suprimir o supérfluo, e ir mais


profundamente até onde temos de ir! (...)

26
27
7.Sima Guang – Descontinuidades temporais
O texto de Sima Guang critica a idéia de continuidade histórica,
defendendo que as mudanças nos ciclos dinásticos podem ser dar por
razões variadas, e não apenas somente pela teoria do Mandato
celeste. Em suma, cada época deveria ser lida por meio de suas
próprias fontes, e as generalizações, evitadas.

Apesar das distinções que podemos fazer no fato de que uma


dinastia pode ser chinesa e outra estrangeira, uma humana e
outra tirânica, de diferentes tamanhos ou poderes, isto é
essencialmente o mesmo que acontece nos períodos de
desunião dos estados desde os tempos antigos. Como podemos
acreditar, assim, que um único estado pode ser considerado o
sucessor legítimo, e colocar os outros como falsos ou
usurpadores? Nós podemos considerar um estado o legítimo
sucessor apenas por ter tirado o poder das mãos de seus
predecessores? (...) Desde os tempos antigos as teorias sobre
legitimação dinástica não passam de discursos lógicos que
forçam os homens a aceitar sem questionar. Como legitimar a
ascensão de Qin? (...) Senhor imperador, este humilde servo
não pretende saber demasiadamente o que sejam as distinções
de legitimação ou continuidade, mas entende que cada estado
deve ser compreendido pelas suas próprias realizações. Zhou,
Qin, Han, Jin, Sui e Tang fizeram cada um, ao seu modo, a
unificação das nove províncias e transmitiram o trono aos seus
descendentes. E estes descendentes, com o tempo, perderam
seu poder e foram forçados a mover suas capitais, dando

28
continuidade ao ciclo de seus ancestrais, mantendo uma linha
de sucessão e esperando trazer novamente a restauração do
poder. E foram esses governantes que combateram para
manter-se no poder. Então, seu servo deve considerar estes
soberanos como legítimos filhos do céu. Ora, todos os outros
estados tinham aproximadamente o mesmo território, as
mesmas virtudes, empregavam os mesmos títulos e distinguiam
seus legisladores, e se formos tratá-los, deveríamos fazê-lo de
modo equivalente, tal como os antigos estados guerreiros, sem
qualquer tipo de favoritismo. Mas este caminho, porém, é uma
violência com os fatos e um desrespeito a verdade. Não
obstante, é necessário, quando um império assume o poder,
estabelecer algum tipo de cronologia para por em ordem a
sequência dos acontecimentos. Han passou o poder para Wei,
que passou para Jin; Jin passou para Sung, este para Chen, e
depois Sui o tomou para si; Tang venceu os últimos Liang, os
últimos Zhou, os Sui, e foi vencido pelo agora Grande Song.
Este procedimento é necessário para determinar o nome dos
títulos reais destas dinastias, e colocar os eventos num arranjo
cronológico que cubra todos estes estados. Este não é, contudo,
o procedimento correto para um estado ser honrado e o outro
depreciado, ou para determinar as distinções que legitimam ou
intercalam as dinastias em questão.

29
8.Lu Tanglai – A compreensão da história

Hu Qiuzi perguntou uma vez a Liezi porque ele gostava de


viajar. Liezi respondeu: “as pessoas viajam para ver sempre as
mesmas coisas; eu viajo para observar como as coisas mudam”.
Esta é a regra para observar e compreender a história. Muitas
pessoas, quando examinam a história, simplesmente olham os
períodos de ordem e acham que estão em ordem; olham os
períodos de desordem e acreditam que estão em desordem,
observam um fato e não sabem mais do que este mesmo fato os
diz. Mas isso é realmente apreciação histórica? Quem olha para
os acontecimentos de hoje observa coisas favoráveis e
perigosas, enxerga erros e acertos de todos os tempos. Abra,
porém, um livro diante de si mesmo. Imagine diante de você
milhares de coisas ocorrendo ao mesmo tempo, e você terá que
decidir qual delas é a que melhor representa o contexto. Se
você olha a história desse modo, seu conhecimento o favorece
em sua inteligência a perspicácia. Este é realmente o melhor
modo de ler a história.

30
9.Ma Duanlin – A história como metáfora da
realidade
O filósofo Xunzi disse, há muito tempo atrás: “se você
observar o caminho dos antigos reis-sábios, você verá que ele é
absolutamente óbvio, pois é o caminho dos últimos reis. O
cavalheiro estuda o caminho dos últimos reis e, e com os
discursos de cem reis de muito tempo atrás em suas mãos é
fácil iniciar uma discussão”. Então, se formos estudar as
instituições, examinar as leis e os estatutos, compreenderemos
amplamente e entenderemos, assim, que na verdade estaremos
buscando estudar os princípios confucionistas.

Após o tempo das Odes, das Histórias e das Primaveras e


Outonos, somente Sima Qian pode ser chamado de “bom
historiador”. Ele utilizou os anais e as memórias para descrever
os períodos de ordem e desordem, a ascensão e queda dos
estados, e os oito tratados relatam as matérias principais das
leis e instituições. Muitos tentaram depois empunhar o pincel e
escrever nas tábuas, mas nenhum alcançou tal nível. Mas,
desde o tempo de Bangu e depois, as histórias só cobrem uma
dinastia, muito serve apenas a distração dos leitores, e o
princípio de continuidade e desenvolvimento foi perdido.
Finalmente, porém, Sima Guang escreveu seu Espelho do
Governo, cobrindo quase 1300 anos de acontecimentos,
selecionando as narrativas de mais de setenta histórias
separadas, e as pôs assim na forma de uma obra só. Letrados
posteriores que leram suas páginas encontraram coisas do
passado e do presente nela. Mas Sima Guang era muito
detalhista em seus temas de ordem e desordem, de ascensão e
31
queda de dinastias, e seu tratamento para as leis e instituições
era bem delineado. Isso não se deve a nenhuma falta de
conhecimento de sua parte, mas a grande quantidade de
material que tinha a sua disposição, o que o forçou a focar sua
narrativa em determinados eventos, negligenciando outros.

Esta é minha consideração sobre os períodos de ordem e


desordem, na ascensão e queda de diferentes dinastias, que não
estão relacionados. O caminho de Qin para o poder, por
exemplo, não foi o mesmo de Han, e a queda de Sui é diferente
da queda de Tang. Cada período tem sua história, e ela é
suficiente somente para cobrir o período de uma dinastia, mas
não para correlacioná-la com as outras. (...) Então, para
entender as razões do gradual crescimento e a relativa
importância das instituições em cada período, devemos realizar
um estudo comparativo e compreensivo dos começos e fins,
para entender seu desenvolvimento, no que encontraremos
sérias dificuldades. A história política não depende, para sua
continuidade, ser necessariamente coberta, de modo amplo,
como no livro de Sima Guang, mas não é possível fazê-la
entendendo que as instituições passam obrigatoriamente por
uma continuidade histórica. Mas não é exatamente isso que os
letrados de hoje deveriam prestar atenção?

32
10.Kang Youwei – uma teoria sobre o futuro da
história
O significado das “Primaveras e Outonos” consiste na evolução
de três eras: a era da desordem, a era da ordem e a era da
grande paz. O caminho de Confúcio abarca as três sequências e
estas três eras. As três sequências são usadas para ilustrar as
três eras, e como isso pode ser estendido por cem gerações. O
tempo dos Xia, dos Shang e dos Zhou representa a sucessão
das três sequências, na qual podemos observar suas mudanças e
acréscimos. Pela observação da mudança destes tempos,
podemos saber como as mudanças operarão nas cem gerações
seguintes. Como muitas das coisas foram feitas para o povo no
passado, os reis seguintes não podem governar da mesma
maneira que a dinastia anterior; alguns dos defeitos existentes
no sistema anterior se desenvolvem e persistem, e cada dinastia
tem, então, que efetuar as modificações necessárias para
expurgar os erros antigos e criar um sistema novo. O curso da
humanidade progride de acordo com esta sequência fixa.
Aqueles que um dia foram clãs, depois tribos, transformaram-
se em nações. E das nações nasceu, então, a grande unidade.
Do mesmo modo, antigamente, surgiram os indivíduos que se
tornaram chefes tribais; depois, gradualmente se estabeleceram
as regras pelas quais estes podiam governar seu povo; ou seja,
da autocracia se evolui para o constitucionalismo; depois, do
constitucionalismo se evolui para o republicanismo. Do mesmo
modo, as relações entre marido e esposa, e entre pai e filho
foram gradualmente reguladas e definidas. Quando elas estão
presentes, as pessoas cuidam com cuidado e amor de sua

33
sociedade, e voltam gradualmente para o que se chama grande
unidade. O reverso disso conduz as pessoas ao individualismo
egoísta e a desordem.

Se há então a evolução da desordem para ordem, evoluiremos


da ordem para a grande paz. A evolução acontecerá
gradualmente, e as mudanças têm suas origens definidas. (...)
quando Confúcio redigiu as Primaveras e Outonos, ele analisou
a três eras. Durante a era da desordem, ele considerou o seu
Estado como centro, e os outros estados feudais como
estrangeiros. Na era da ordem ele considerou a China como o
centro, e os bárbaros de fora como estando fora do sistema. Na
era da grande paz, tudo e todos serão considerados parte do
sistema; quem está longe ou perto, grande ou pequeno, todos
serão um. Assim se pode aplicar o principio da evolução.

Confúcio nasceu na época da desordem. Agora, as


comunicações se estendem através do mundo todo, da Europa a
América, e o mundo se envolve na era da grande ordem. Irá
chegar o dia quando em toda terra, o pequeno e o grande, o
perto e o longe, serão apenas um. Não existirão mais nações,
distinções raciais, e os costumes serão sempre os mesmos. Esta
uniformidade é a era da grande paz. Confúcio sabia de tudo
isso com antecedência.

34
Filosofia

Talvez a parte mais rica da literatura antiga chinesa seja aquela


relativa as “jia” – escolas – que compunham o panorama
intelectual chinês, e quem tem o seu gênese numa época
imemorial. O costume de se afirmar que as origens do
pensamento chinês situam-se na época dos Estados
Combatentes (-481-221) é de certa maneira incorreta; o que
este período vê é o surgimento do pensamento ético, e a divisão
entre linhas de pensamento baseadas numa interpretação
alternativa do conceito de Dao (caminho, via). Antes destes
pensadores, a civilização chinesa já desenvolvia uma série de
concepções intelectuais cujos autores desconhecemos hoje,
mas que foram amplamente debatidas pelos antigos. A época
Han (-206 +221) experimenta a síntese de algumas dessas
linhas, como na figura de Dong Zhongshu, mas o pensamento
chinês, enquanto bloco, fragmenta-se em processos diferentes
de continuação. O daoísmo, por exemplo, tenderia a uma
particularização de seus aspectos religiosos (ver Religião),
conquanto o confucionismo seria debatido como doutrina de
Estado até recentemente. Uma apresentação destas escolas,
portanto, seria bastante extensiva, e nos centraremos em
apresentar, pois, suas propostas o que poderia ser entendido
como o Dao. De início, apresentaremos um texto do Tratado
das Mutações (Yijing), em que se preservaram antigas
concepções cosmológicas chinesas; do mesmo modo, um texto
do Tratado dos Livros (Shujing) nos concede um olhar geral
sobre a antiga sistematização das forças naturais. Confúcio (-

35
551 - 479), o primeiro dos sábios conhecidos nos tempos
clássicos, privilegiaria uma proposta baseada na tradição e na
educação; Mozi (séc -4), um antagonista do confucionismo,
defenderia a destruição da cultura clássica e uma espécie de
comunismo primitivo; Laozi (sécs. -6 -5?), o mítico fundados
do daoísmo, afirmava que o Dao era uma via de auto-
conhecimento, hermética, somente acessível pelo
desprendimento do mundo materialista; os legistas,
representados por Shang Yang (séc. -4) defendiam seu ponto
de vista baseado numa unificação do poder e dos costumes pela
lei e pela força. Estes pensadores antigos seriam pesados por
Sima Tan (séc. -2), pai do historiador Sima Qian
(curiosamente, seu texto dá um parecer favorável aos daoístas,
conquanto seu filho tornar-se-ia um ardoroso defensor de
Confúcio); Dong Zhongshu (séc. -2) inaugura a fusão entre o
ser humano confucionista e a escola cosmológica dos cinco
agentes, determinado uma interpretação nova para a ética,
política e mesmo para medicina; e Wang Chong (+ 27 + 91)
criaria as bases do ceticismo chinês. Este longo processo seria
adicionado pela presença do budismo, inicialmente recebido
como uma escola de pensamento, como veremos no texto
atribuído a Bodhidharma (séc. 5), mítico patrono do budismo
chinês; Hanyu (768 + 824), dos Tang, realiza uma comparação
entre confucionismo, daoísmo e budismo, e conclui pela
primazia da razão letrada; este ponto de vista seria referendado
pela tradição criada por Zhuxi (1130 +1200), o grande
reformador do confucionismo e estruturador de uma
cosmologia definitiva no pensamento chinês, a concepção do
Taiji (o Máximo Supremo); e por Wang Fuzhi (1619 + 1692),

36
um confucionista crítico disposto a retomar a consciência ética
de sua época. Estes movimentos seriam engolidos pelas crises
da modernidade na China, e o paradigma comunista chinês
proposto por Mao Zedong, no seu texto sobre a contradição, dá
um exemplo perfeito e acabado da síntese entre o pensamento
marxista ocidental e as teorias dialéticas de yin-yang propostas
pelo classicismo chinês.

37
11.Yijing – o poder de domar do pequeno

O poder de cativar do pequeno

A imagem do Vento, o Suave (Sun, em cima), soprando pelo


Céu (Tian, embaixo), sugere a pequena força cativando a
grande. Uma pessoa forte é impedida por entraves pequenos,
forçando-a a um compromisso. Um novo empreendimento
pode assim ser restringido. Só pela suavidade uma tal situação
poderá ter sucesso.

O Julgamento

O Poder de Cativar do Pequeno: sucesso. Do oeste, nuvens


espessas, mas não há chuva. A perspectiva da chuva sugere um
resultado frutífero, mas as nuvens não a liberam. Só pelo
"poder do pequeno" - amizade e métodos sutis - podemos
influenciar aos outros, ou aos acontecimentos.

A Imagem

O Vento soprando pelo Céu simboliza o Poder de Cativar do


Pequeno. Assim o homem superior refina seu caráter e
capacidades. Soprada pelas forças das circunstâncias, uma

38
pessoa pode fazer pouco de significado duradouro, mas as
condições permitem que nos expressemos abertamente em
coisas pequenas, para os que nos cercam. É preciso usar o
tempo para um auto-aperfeiçoamento.

As Linhas

Nove no fundo: retorno ao caminho reto. Sem desonra, fortuna:


Não se deve usar a força, mas retornar à posição e atitude
anteriores para esperar por tempos mais favoráveis. Agir de
maneira simples e em harmonia com a natureza dos tempos
traz a fortuna. Quem procurar um nicho, vai encontrá-lo.

Nove no segundo lugar: ele se deixa voltar ao caminho reto.


Fortuna: Ao avançar, encontra-se só. Junte-se a outros, que
estão tomando um rumo diferente. Assim é que se atingem
objetivos. Promoções à frente.

Nove no terceiro lugar: as rodas da carroça se quebram. Marido


e mulher brigam: Inconsciente dos problemas que se avultam,
procura-se avançar a qualquer custo, mas a situação não é de
molde a tolerar movimento, e há uma súbita disrupção. Mesmo
a simpatia dos amigos pode ser perdida e vê-lo-ão como
inconveniente e rude.

Seis no quarto lugar: pela sinceridade, o derramamento de


sangue é evitado. As ansiedades se desvanecem. Sem desonra:
A despeito das tendências prevalentes, você está perto do foco
dos acontecimentos e tem alguma influência. É preciso

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considerar a verdade nua e crua, e então tomar uma ação
eficaz. Se for sensível e honesto, poderá remendar a situação e
mesmo marcar um pequeno tento.

Nove no quinto lugar: se ele for sincero e leal em seus


relacionamentos, compartilhar da riqueza de seu próximo: O
comprometimento com as causas baseadas em simpatia comum
e necessidades comuns. A cooperação não-egoísta com os
outros é frutífera. A promoção e o reconhecimento são
prováveis.

Nove no alto: a chuva já caiu. Vem a paz: pode-se descansar,


seguro em sua virtude. Continuar como uma mulher traz o
perigo. A Lua está quase cheia. Se o homem nobre continua a
avançar, o infortúnio: As condições negativas já passaram. Mas
não é tempo para complacências, pois logo a Lua entrará em
minguante. Analogamente a eficácia dos princípios suaves,
"femininos", começa a diminuir, e os elementos hostis
persistem. Não tente medidas enérgicas. Mantenha uma atitude
impassível, e espere.

40
12.Shujing – o “Grande Plano”

No décimo terceiro ano o rei foi ao encontro do conde de Qi e


disse: “O conde de Qi, o Céu, trabalhando de modo invisível,
assegura a tranquilidade das pessoas mais humildes ajudando-
as a conformar-se à sua condição. Não sei como os princípios
invariáveis do seu método, ao assim agir, poderiam ser
expostos na devida ordem”.

O conde de Qi replicou: “Ouvi que na Antiguidade Guan


represou as águas que inundavam a terra e com isso
desorganizou a distribuição dos cinco elementos. Shang Di
encolerizou-se, em consequência, e não lhe deu o Grande Plano
com suas nove divisões e assim se permitiu que fossem
destruídos os princípios invariáveis do método celestial. Guan
foi conservado prisioneiro até a morte, e seu filho Yu ascendeu
ao trono e tentou a mesma empresa. O Céu deu-lhe o Grande
Plano com as nove divisões e os princípios invariáveis do seu
método foram expostos na devida ordem”.

“Dessas divisões, a primeira é chamada “cinco elementos”; a


segunda “atenção reverente para com as cinco coisas pessoais”;
a terceira, “fervorosa devoção para com os oito objetos do
governo”; a quarta, “uso harmonioso dos cinco divisores do
tempo”; a quinta, “estabelecimento e uso da perfeição real”, a
sexta. “uso discernido das três virtudes”; a sétima, “uso
inteligente dos meios para exame das dúvidas”; a oitava, “uso
meditado das diversas verificações”; a nona, “uso exortatório
das cinco fontes de felicidade e uso temeroso das seis
oportunidades de sofrimento”.

41
“Primeiro: dos cinco elementos, o primeiro é a água; o segundo
é o fogo; e o terceiro a madeira; o quarto o metal; o quinto é a
terra. A natureza da água consiste em molhar e descer. A do
fogo, em arder e subir. A da madeira, em curvar-se a alinhar-
se. A do metal, em amolecer e mudar. A da terra, em receber as
sementes e produzir a colheita. O que molha e desce se
converte em sal. O que arde e sobe se converte em amargo. O
que se curva e se alinha se converte em ácido. O que amolece e
muda se converte em acre. E da semeadura e colheita procede a
doçura”.

“Segundo: das cinco coisas pessoais, a primeira é o porte


corporal; a segunda a linguagem; a terceira, a vista; a quarta,
ouvido; a quinta, o pensamento. A virtude do pobre corporal é
a conduta respeitosa. A da linguagem, sua concordância com a
razão. A da vista a claridade. A do ouvido, a diferenciação. A
do pensamento, a perspicácia. A conduta respeitosa manifesta-
se na gravidade. A concordância com a razão, na ordem. A
claridade, no entendimento. A diferenciação, na deliberação. A
perspicácia, na sabedoria”.

“Terceiro: dos oito objetos do governo, o primeiro é o


alimento, o segundo a riqueza e os artigos do uso, o terceiro os
sacrifícios, o quarto as tarefas do Ministro de Obras Públicas, o
quinto as do Ministro da Instrução, o sexto as do Ministro da
Justiça, o sétimo as cerimônias que devem ser tributadas aos
hóspedes, o oitavo o exército”.

“Quarto: dos divisores do tempo, o primeiro é o ano do planeta


Júpiter, o segundo a Lua, o terceiro o Sol, o quarto as estrelas e

42
os planetas e espaços zodiacais, o quinto os cálculos do
calendário”.

43
13.Confúcio – Sabedoria é educação

Aquilo que o céu outorgou se chama Natureza. A harmonia


com essa natureza chama-se Caminho do Dever. A ordenação
desse caminho chama-se Instrução. Nem por um instante se
pode abandonar o caminho. Se pudesse ser abandonado, não
seria o caminho. A esse respeito, o homem superior, para ser
prudente, não espera até ver as coisas; nem para ser apreensivo
espera até ouvir as coisas. Nada há mais visível do que o
secreto. Nada mais manifesto do que o minúsculo. Portanto, o
homem superior cuida de si mesmo quando está sozinho.

Quando não há agitações de prazer, de cólera, de pesar ou de


alegria, pode-se dizer que a mente se encontra em estado de
Equilíbrio. Quando esses sentimentos se agitam e atuam em
seu devido grau, produz-se o que se pode chamar estado de
Harmonia. Esse Equilíbrio é a grande base da qual procedem
todos os atos humanos no mundo e essa Harmonia é o caminho
universal que todos eles devem seguir. Se existem em sua
perfeição esses estados de equilíbrio e da harmonia,
prevalecerá uma ordem feliz no Céu e na Terra e todas as
coisas serão estimuladas e florescerão.

“Que o homem superior atenha-se ao sistema do Meio, deve-se


ao fato de ser um homem superior e assim manter sempre o
Meio. Que o homem inferior atue contra o sistema do Meio,
deve-se ao fato de ser ele um homem inferior e não ter
cautela”. Disse o Mestre: “Perfeita é a virtude que está de
acordo com o Meio. Entre o povo, raros foram aqueles que
puderam praticá-la!"

44
[...]

Como é grande o caminho do sábio! Como a água que derrama,


produz e nutre todas as coisas e se eleva à altura do céu. A
grandeza completa! Abrange as trezentas regras de cerimônia e
as três mil regras da conduta. Espera o homem adequado, e
logo é encontrada. Por isso se disse: “Só pela virtude perfeita
pode converter-se em realidade o perfeito caminho, em todas as
suas direções”. Portanto, o homem superior honra sua natureza
virtuosa e investiga e estuda constantemente, procurando levá-
la à sua amplitude e grandeza, para não omitir nenhum dos
pontos mais estranhos e diminutos que ela abrange, e elevá-la à
maior altura e brilho, a fim de seguir o caminho do Meio.
Utiliza seus antigos conhecimentos e continuamente adquire
outros novos. Exerce honesta e generosa seriedade na avaliação
e prática de toda regra social.

[...]

Unicamente aquele que possui todas as qualidades sábias que


possam existir sob o Céu mostra-se rápido na compreensão,
claro no discernimento, de inteligência ampla, com um
conhecimento que tudo abrange, dotado para exercer o
governo, magnânimo, generoso, benigno e humilde, dotado
para exercer a indulgência, impulsivo, enérgico, firme e
constante, capaz de manter uma influência firme, apto, grave,
nunca desviado do meio e correto, digno de veneração, culto,
distinto, concentrado, investigador, capaz de exercer o
discernimento. Tudo abarca e é amplo, profundo e ativo como
uma fonte e mostra suas virtudes em tempo oportuno. Tudo

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abarca e é amplo como o céu. Profundo e ativo como a fonte,
parece-se com o abismo. É visto, e todo o povo o venera. Fala,
e todo o povo acredita. Age, e todo o povo o apoia.

46
14. Mozi – Contra a cultura

Ora, que é que o Céu preza e que é que o Céu abomina?


Indubitavelmente, o Céu deseja que os homens se amem e
auxiliem mutuamente, e reprova que se odeiem e hostilizem.
Como chegamos a esta conclusão? Simplesmente porque o Céu
ama e favorece toda a humanidade. E como sabemos que o Céu
ama e favorece a humanidade inteira? Porque o céu protege a
todos, e de todos aceita oferendas. Todos os países do mundo,
grandes ou pequenos, são cidades do Céu; todos os homens,
velhos ou moços, fidalgos ou humildes, são súditos celestes;
em verdade, todos eles apascentam bois e ovelhas, alimentam
cães e porcos e preparam vinho e bolos para sacrificá-los ao
Céu. Acaso não significa isto que o Céu protege a todos e de
todos aceita oferendas? Desde que é assim, como não
deveríamos pensar que o Céu deseja que os homens se amem e
auxiliem mutuamente? Logo, o Céu abençoará os que
procederem de acordo com esse preceito, e amaldiçoará os que
odeiam e prejudicam o próximo, pois foi dito que "a
adversidade há de ferir o assassino do inocente". Como
explicaríamos de outro modo o fato de recair sobre os
criminosos a maldição celeste? Logo, o Céu deseja o amor do
próximo e detesta o ódio ao próximo. [...]

E agora, que é o que o céu preza e que é que o Céu abomina? O


Céu deseja a justiça e detesta a injustiça... Como podemos
saber que o Céu abomina a injustiça e preza o direito? Porque o
mundo vive com o direito e, sem ele, perece; pelo direito, o
mundo enriquece; empobrecerá, se ele faltar; o direito gera a
ordem; a injustiça origina o caos. O Céu quer que o mundo
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viva, e detesta vê-lo perecer; quer vê-lo rico e não pobre;
deseja a ordem e condena a confusão. Eis como sabemos que o
Céu preza o direito e abomina a injustiça.

Como podemos saber que o Céu ama os homens? Porque os


ensina a todos. Como sabemos que os ensina? Porque os
defende a todos. Como sabemos que os defende a todos?
Porque aceita sacrifícios de todos. Como sabemos que aceita
sacrifícios de todos? Porque, na extensão dos quatro mares,
todos os homens alimentam com ervas, bois e carneiros, dão
cereais aos cães e porcos e preparam bolos e vinhos para
ofertá-los a Deus, nas alturas e aos espíritos. Por que todos se
queixam de que o Céu não lhe tem amor? Como já disse, o
assassínio de um inocente acarreta uma calamidade. Quem é o
assassino de um inocente? É um homem. Quem envia o
castigo? O Céu. Se o Céu não prezasse os homens, por que
puniria a morte de um deles? Logo, sei que o Céu ama os
homens. Obedecer ao poder celeste é aceitar a justiça como
padrão. Opor-se ao poder celeste é tomar por norma a força.

48
15. Laozi – a via é o desprendimento e a não-ação

O Dao

O caminho que não pode ser seguido não é o Caminho Perfeito.


O nome que não pode ser dito não é o Nome eterno.
No princípio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.
Para que possamos observar os seus segredos
devemos permanecer sem desejos.
Mas se em nós mora o desejo, a única coisa que
podemos contemplar
é a sua forma externa.
A casca que a essência oculta.
Esses dois estados existem para sempre inseparáveis.
Diferentes unicamente em nome.
Conjuntamente idênticos, unidos, integrados.
São chamados os mistérios!
Mistérios além dos mistérios.
O Portal que conduz a tudo aquilo que é sutil e maravilhoso,
ao recôndito segredo de todas as essências!

Encontro de Opostos
Todos no mundo reconhecem o belo como Belo e,
desta forma, sabem o que é o Feio.

49
Todos no mundo reconhecem o bem como o Bem e,
desta forma, sabem o que é o Mal.
Assim o ser e o não-ser geram-se mutuamente
O longo e o curto se delimitam. O alto e o baixo se
inclinam.
O tom e o som se harmonizam. O antes e o depois
seguem-se um ao outro.
Assim o sábio executa suas tarefas sem agir e transmite
ensinamentos sem usar palavras.
Todas as coisas agem, e ele não lhes nega auxílio.
Produz sem apropriar-se de coisa alguma.
Realiza sua tarefa e não pede gratidão.
E é justamente porque não se apega que o mérito
jamais o abandona e suas obras meritórias subsistem.

50
16.Legistas – Shang Yang e a criação dos padrões
corretos
A sofística e a sagacidade constituem um apoio à ilegalidade;
os festejos e a música são sinais de desregramento e
libertinagem; a simpatia e a benevolência constituem a mãe
adotiva das transgressões; o emprego e a promoção
representam oportunidades para a crueldade dos malfeitores. Se
a ilegalidade é incentivada, toma-se dominante; se existem
sinais de desregramento e libertinagem, tornar-se-ão prática
corrente; se existir uma mãe adotiva para as transgressões,
estas despertarão; se existirem oportunidades para a crueldade
dos malfeitores, esta nunca tem um fim. Caso estes oito fatores
se manifestem conjuntamente, o povo será mais forte do que o
governo; mas se forem inexistentes num estado, o governo será
mais forte do que o povo. Se este é mais forte do que o
governo, o estado será fraco; se o governo é mais forte do que
o povo, o exército é mais forte. Pois se existirem estes oito
elementos, o governante não poderá utilizar ninguém na defesa
e na guerra, o que resultará no desmembramento e ruína do
estado; mas se estes elementos não existirem, o governante
possuirá os recursos para a defesa e guerra, o que resultará no
desenvolvimento do estado e na conquista da supremacia.

Se forem empregados funcionários virtuosos, as pessoas


adorarão os respectivos familiares, mas se forem empregados
funcionários cruéis, o povo adorará os estatutos. Concordar
com, e responder aos apelos dos outros é tarefa dos virtuosos;
divergir de espiar os outros é tarefa dos malvados. Se os
virtuosos forem colocados em posições de destaque, as
51
transgressões permanecerão ocultas; porém, se forem
colocados os cruéis, os crimes serão punidos. No primeiro
caso, as pessoas serão mais fortes do que a lei; no último, a lei
será mais forte do que as pessoas. Se as pessoas forem mais
fortes do que a lei, manifestar-se-á ilegalidade no estado, mas
se a lei é mais forte do que o povo, o exército será mais forte.
Daí, afirmar-se: “Governar com boas pessoas conduz à
ilegalidade e ao desmembramento; governar com pessoas
malvadas conduz à ordem e ao poder”. Um país que ataca com
aquilo que é difícil, ganhará dez passos por cada ação que
empreender; um país que ataca com aquilo que é fácil perderá
uma centena de homens por cada dez que o abandonarem. Um
país que preza a força é definido como capaz de atacar com
aquilo que é difícil; um país que preza as palavras é definido
como capaz de atacar com o que é fácil. As pessoas consideram
fácil falar, mas difícil servir. Um estado em que, ao aplicar as
leis do país, as condições para o povo são difíceis, mas
facilitadas através do serviço militar, atacando com mais força,
ganhará dez pontos por cada ação que empreender; porém, um
estado em que, ao aplicar as leis do país, as condições para o
povo são fáceis e se tomam difíceis através do serviço militar,
atacando com as palavras, perderá uma centena de homens por
cada dez que o abandonarem.

[...]

Um governo estável é alcançado num estado com base em três


fatores. O primeiro é a lei, o segundo a boa fé e o terceiro os
padrões corretos. A lei é exercida em comum pelo príncipe e
respectivos ministros. A boa fé é estabelecida em comum pelo

52
príncipe e respectivos ministros. O padrão correto é fixado
apenas pelo príncipe. Se um governante de homens deixar de o
cumprir, existe perigo; se o príncipe e os ministros
negligenciam a lei e agem segundo os seus interesses pessoais,
a desordem será o resultado inevitável. Por conseguinte, se a lei
é estabelecida, os direitos e deveres esclarecidos e o interesse
pessoal não prejudicam a lei, então existe um governo estável.
Se a criação do padrão correto é decidida apenas pelo príncipe,
existe prestigio. Se as pessoas têm fé nas recompensas, então as
suas atividades alcançarão resultados; e se depositam fé nas
penalidades, então a malvadez não terá sequer inicio. Somente
um governante inteligente preza os padrões corretos e valoriza
a boa fé, não prejudicando, assim, a lei em nome de interesses
pessoais. Se proferir muitas palavras liberais, cortando, porém,
as recompensas, os seus súditos não serão úteis; e se emitir
ordens severas, umas atrás de outras, mas não aplicar as
penalidades, as pessoas desprezarão a pena de morte.

53
17.Sima Tan – a discussão sobre as seis
escolas no Shiji
O grande comentário do Tratado das Mutações diz: “há um que
movimenta tudo, mas é dele que vêm todas as escolas e teorias.
Elas têm o mesmo objetivo, mas seus caminhos são
diferentes”. As escolas yin-yang, os confucionistas, os moistas,
os lógicos, os legalistas e o daoístas, todos procuram por um
bom governo. Elas são simples de seguir e ensinam caminhos
diferentes, e algumas são mais acessíveis do que outras.

A escola yin-yang tem teorias que enfatizam demais as forças


naturais, ensinando que as coisas estão além do homem. Isso
faz com que as pessoas se sintam limitadas e medrosas. No
entanto, seu trabalho arruma de modo correto a fundamental
sucessão das quatro estações, e preenche uma necessidade
essencial de ordem.

Os confucionistas são muito vastos em seus interesses, mas não


se ligam ao que é essencial. Eles trabalham e estudam demais
para conseguirem sucessos pequenos, sua disciplina é difícil de
seguir e densa. Mas este é o caminho das regras de conduta
entre senhor e servo, entre pai e filho, as distinções apropriadas
entre marido e esposa, entre os anciãos e jovens, e das coisas
que não podem ser alteradas.

Os moístas são radicais demais em sua parcimônia, e por isso


seu caminho é difícil de ser seguido, assim como seus
ensinamentos são difíceis de aplicar. Mas sua ênfase na

54
agricultura e seus pontos de vista sobre frugalidade não podem
ser desprezados.

Os legalistas são duros e intransigentes. Mas, eles definiram


corretamente os direitos entre senhor e sujeito, entre superior e
inferior, e estas distinções não podem ser mudadas.

Os lógicos são homens de causa, que gostam de extrapolar a


razão e perder a verdade. Mas seu caminho distingue
claramente as diferenças entre os nomes e as realidades, e isso
é uma coisa que as pessoas em geral não conseguem entender.

Os daoístas ensinam uma vida de concentração espiritual e o


ato de se harmonizar coma natureza. Seus ensinamentos são
autossuficientes e abarcam todas as coisas. Seu método
consiste em seguir a ordem das estações da escola yin-yang,
em selecionar o que é bom do confucionismo e do moísmo, e
em adotar os pontos de vista críticos dos lógicos e dos
legalistas. Eles modificam suas considerações de acordo com a
época, e respondem às transformações do mundo adaptando-se.

Ao estabelecer costumes e práticas, ou decidir sobre casos


importantes, eles não fazem nada mais do que o apropriado ao
tempo e ao lugar. Seus princípios são simples e fáceis de
seguir; empreendem poucas coisas, mas conseguem bastante
sucesso.

55
18.Dong Zhongshu – a fusão do confucionismo e da
cosmologia no Chunqiu Fanlu
Juntos, os éteres (qi) do universo constituem uma unidade;
divididos constituem Yin e Yang; divididos em quatro,
constituem as quatro estações; (ainda mais) divididos,
constituem os cinco elementos. Estes elementos representam
movimento. O movimento deles não é idêntico. Por isso não
chamamos os cinco motores (Wuxing). Esses motores
constituem cinco poderes oficiantes. Cada um, por sua vez, dá
origem ao seguinte e é submetido pelo que se lhe segue. [...]

Tem o céu cinco forças, a saber: a madeira, o fogo, a terra, o


metal e a água. A madeira é o primeiro, e a água o ultimo, com
a terra no meio. Tal é sua sequência ordenada pelo céu. A
madeira dá origem ao fogo, o fogo dá origem a terra (cinzas), a
terra dá origem ao metal, o metal dá origem a água, e a água dá
origem a madeira. Tal é sua relação criadora. A madeira está à
esquerda, o metal à direita, o fogo adiante, a água atrás, e a
terra no centro. Esta é a ordem em que, como pais e filhos,
recebem o ser e o transmitem em reciprocidade. Assim, a
madeira o recebe da água, o fogo da madeira, a terra do fogo, o
metal da terra, e a água do metal. Enquanto os transmissores
todos são pais; enquanto receptores, todos são filhos. Confiar
constantemente no próprio pai a fim de prover para o próprio
filho é a via do céu.

Por conseguinte a madeira, enquanto árvore vivente, é


alimentada pelo fogo (sol); o metal, uma vez morto, é
sepultado pela água; o fogo se compraz na madeira, e a nutre

56
por meio da energia yang (solar); a água vence ao metal (seu
pai), mas o chora por meio da energia yin. A terra demonstra a
máxima lealdade no serviço do céu. Assim, as 5 forças
proporcionam uma norma de conduta para ministros leais e
para filhos devotos de seus pais...

O sábio, compreendendo isso, incrementa o seu amor e


diminuiu sua severidade, faz mais generoso seu auxilio aos
vivos e mais respeitoso seu cumprimento dos ritos funerários
pelos mortos, ajustando-se assim a norma estabelecida pelo
céu.

Como filho, cuida gostosamente de seu pai, o mesmo que o


fogo se compraz na madeira, e chora a seu pai, o mesmo que a
água vence ao metal. Serve ao seu soberano como a terra
reverencia ao céu. Assim, pode chamar-se um homem de força.
Exatamente igual que cada uma das cinco forças mantém seu
lugar próprio de acordo com sua ordem estabelecida, assim os
funcionários públicos, em conformidade com as 5 forças, se
esforçam ao máximo empregando suas faculdades em seus
deveres respectivos.

[...]

Quando se verte água no solo, esta evita partes secas e procura


as úmidas. Quando se põe fogo em um tronco, esse evita o
molhado e queima as partes secas. Toas as coisas rechaçam o
que é distinto e seguem o que é igual; por isso, quando dois qi
são semelhantes, completam-se; quando são diferentes,
repelem-se.

57
A prova disto é muito clara: afinar instrumentos musicais. A
nota Kung ou a Shang tocadas no alaúde serão respondidas por
notas Kung ou Shang de outros instrumentos de corda. Soam
por si mesmas.

Do mesmo modo, as coisas bonitas chamam outras coisas da


classe das bonitas, as repulsivas chama as repulsivas. Isto
provém do modo complementar pelo qual respondem as coisas
da mesma classe. As coisas chamam umas as outras, igual com
igual, como um dragão que traz a chuva, um leque abana o
calor, ou um lugar onde haja passado um exército estará cheio
de fogueiras. As coisas, bonitas ou feias, têm todas as suas
origens. Se crermos que constroem o destino, é porque nada
conhecemos de sua origem. Não há nenhum sucesso que não
dependa, em seu início, de algo anterior, a que responde porque
pertence a sua mesma categoria, e por isso se move.

Como se disse, quando se toca a nota Kung, outras cordas


reverberam por si mesmas em ressonância complementar; se
tratam de coisas comparáveis, afetadas de acordo com a classe
a que pertencem. São movidas por um som que não tem forma
visível, e quando os homens não vêem a forma acompanhando
o movimento e a ação, descrevem o fenômeno como um "soar
espontâneo". E onde quer que haja uma reação mútua sem nada
visível para explicá-lo, descrevem o fenômeno como
"espontâneo". Cada coisa está ligada mutuamente a outras, e
muda quando as outras mudam.

58
19.Wang Chong – sabedoria e ceticismo

Para o homem comum, os sábios de antigamente podiam


prever a boa ou a má sorte porque sabiam deduzir partindo de
coisas insignificantes e prever o resultado final partindo do
começo, iniciando por trivialidades do homem da rua para
chegar a comentar, por analogia, os assuntos mais importantes
da corte e por fim, penetrar nas coisas ocultas e invisíveis.
Assim, ele podia escrutinar fenômenos diversos para prever e
evitar as desgraças. Podia examinar o passado e supor o futuro.
Os homens ditos videntes não devem sua capacidade a dotes
excepcionais, mas sim a racionalização que efetuam baseando-
se na classificação das coisas.

[...]

Todo argumento que vá contra os fatos e que careça de provas


será incapaz de inspirar confiança nas pessoas, por mais
eloquente que seja sua expressão e por mais impressionante
que pareça ser.

[...]

Não há mais clara demonstração da verdade de um fato que


seus resultados e não há teoria mais sólida que aquela
corroborada pelas provas.

[...]

Ao comentar algo, sem concentração, sem clareza, ou


procedendo a avaliações baseadas em dados superficiais do que

59
se viu ou ouviu, sem submeter a questão a uma análise da
mente, significa simplesmente atuar sem base na reflexão.
Comentar algo, apenas com base no que se vê ou ouve, leva
inevitavelmente ao erro. Dar crédito ao erro e ao aparente é
confundir o certo com o equivocado. Para avaliar corretamente
as coisas, é necessário recorrer à reflexão, e não apenas às
impressões causadas pelos olhos e ouvidos.

60
20. As vias no budismo chinês

Há muitas maneiras de se entrar no Caminho, mas de uma


maneira geral elas pertencem a apenas duas espécies. Uma é a
Entrada Através da Razão e a outra é a Entrada Através da
Conduta. "Entrada Através da Razão" é a compreensão do
espírito do Budismo, conseguida com o auxílio do ensinamento
das escrituras. Nós obtemos então uma profunda confiança na
Verdadeira Natureza, que é a mesma em todos os seres
viventes. O fato de ela não se mani¬festar é devido à poeira
dos objetos externos e aos falsos pensamentos. Quando um
homem, abandonando o falso e se entregando ao verdadeiro,
pratica a meditação, descobre que não há nem eu nem outro e
que o vulgar e o sagrado são da mesma essência. Mantém ele
então confiança inabalável nisso e jamais se desvia. Não se
torna mais escravo de palavras, pois está em silenciosa
identificação com a própria Razão e livre da discriminação
conceitual; ele é sereno e não age. Eis a Entrada Através da
Razão.

Por "Entrada Através da Conduta" nós entendemos as Quatro


Condutas; nas quais todos os atos estão incluídos. Quais são as
quatro? 1) Saber se afastar do ódio; 2) Ser obediente às
condições; 3) Não desejar nada; 4) Estar em acordo com o
Darma.

O que significa "saber se afastar do ódio"? Aquele que se


disciplina no Caminho, ao se defrontar com condições
adversas, deverá pensar da seguinte maneira: - "Durante
incontáveis eras passadas eu me apeguei a detalhes

61
insignificantes da vida, desprezando o essencial; vagueei pelas
existências criando um sem-número de ocasiões para o ódio, a
hostilidade e as más ações. Embora violações não estejam
sendo cometidas presentemente, os frutos das más ações
cometidas no passado estão amadurecendo agora. Nem deuses,
nem homens poderiam me advertir do que se abate sobre mim.
Deverei me submeter de boa vontade e pacientemente a todos
os males que se abaterem sobre mim, sem jamais me lamentar.
Os Sutras dizem que jamais devo me afligir por causa do .mal
que se abate sobre mim. Por quê? Porque quando as coisas são
vigiadas por uma inteligência superior, os fundamentos da
causação são alcançados por ela.” Quando tais pensamentos
despertarem num homem, ele estará de acordo com a Razão,
porque ele faz o melhor dos usos do ódio, pondo-o a serviço de
seu avanço pelo Caminho. Eis o que significa "saber se afastar
do ódio".

Por "ser obediente às condições", entende-se o seguinte: não


existe nenhum eu nos seres, que são produzidos por condições
kármicas; a alegria ou o sofrimento que experimentamos
advém de nossas ações prévias. Se obtemos fortuna, honra,
etc., isso tudo é produto de nossas ações passadas que, em
virtude da causação, afetam nossa vida presente. Quando a
força dessas condições se esgota, os resultados que gozamos
voltam para o nada; por que então haveríamos de nos alegrar
com eles? Aceitemos ganhos e perdas como eles nos são
apresentados pelas condições; a Mente sabe que nada cresce e
nada diminui. O vento dos prazeres não nos abala, pois

62
silenciosamente permanecemos em harmonia com o Caminho.
Eis o que significa "ser obediente às condições".

"Não desejar nada" significa o seguinte: as pessoas do mundo,


em eterna confusão, por toda parte permanecem apegadas a
uma coisa ou outra; a isso nós chamamos desejo. O sábio,
entretanto, compreende a verdade e não é como o ignorante.
Sua mente descansa serenamente no não criado, enquanto seu
corpo se move de acordo com as leis da causalidade. Todas as
coisas são vazias e nada há de desejável a se procurar. Onde
quer que se encontre o mérito da claridade, certamente se
esconde o de mérito da escuridão. Este tríplice mundo em que
permanecemos juntos por tão longo tempo é semelhante a uma
casa em chamas; tudo o que tem corpo sofre e ninguém
conhece a paz. Como o sábio está totalmente compenetrado
dessa realidade, jamais se apega às coisas em mutação. Seus
pensamentos estão aquietados; de jamais deseja nada. Diz um
Sutra: - "Onde há desejo, só há sofrimento; onde não há desejo,
há alegria." Assim compreendemos que "não desejar nada" é
uma atitude que está de acordo com o Caminho. É por isso que
se ensina que não se deve desejar nada.

“Estar de acordo com o Darma" significa que a Razão a que


chamamos Darma é pura em sua essência e que essa Razão é o
princípio da vacuidade em tudo o que é manifestado; está ela
além da impureza e do apego; não há nem eu nem outro nela.
Diz um Sutra: - "No Darma não há seres viventes, pois ele está
livre da impureza dos seres viventes; não há eu no Darma, pois

63
ele está livre da impureza do eu." Se um sábio compreende essa
verdade, e confia nela, suas ações se tornarão "de acordo com o
Darma".

Como na essência do Darma nada se deseja, o sábio está


sempre pronto para praticar a Caridade sem lamentar seu
corpo, sua vida ou sua propriedade; em sua mente não há má
vontade. Como ele tem uma compreensão perfeita da natureza
tríplice do Vazio, está além da parcialidade e do apego. É
apenas movido pela necessidade de libertar os seres das
impurezas que ele toma forma semelhante à deles; entretanto,
ele não se apega à forma. Em suas vidas, essa é a fase de
benefício próprio. Ele, porém, sabe também como beneficiar os
outros e como glorificar a Via da Iluminação. O mesmo que se
dá com a Caridade se dá também com as outras cinco virtudes.
O sábio pratica as Seis Virtudes para afastar os pensamentos
confusos e não há nele nenhuma consciência de recompensas
que lhe possam caber em virtude de suas ações meritórias. A
isto se chama "estar de acordo com o Darma".

64
21. Hanyu – uma comparação entre
confucionismo, daoísmo e budismo
Um amor que abarca a todo o mundo se chama Humanismo.
Uma conduta que se conforma as prescrições deve se chamar
justiça. Se chama caminho a prática de ambos os preceitos. Se
chama virtude o fato de bastar-se a si mesmo sem esperar nada
de fora. Assim, o humanismo e a justiça são noções bem
determinadas, apesar da via e da virtude dependerem das
contingências. Por isso se distingue a via do sábio e a do vulgo,
a virtude fasta e a nefasta.

Em outros tempos, Laozi tentou denegrir o humanismo e a


justiça, sem conseguir. Ele as considerava pouco importantes,
devido ao seu estreito ponto de vista. (...) Laozi só viu o lado
mesquinho da humanidade, bem como só se preocupou com os
atos de injustiça; é normal, pois, que os considerasse pouco
importantes. [...] Mas agora os daoistas e os budistas querem
governar seus corações rechaçando as noções de pais, de
família, e de universo. Anulam leis imutáveis estabelecidas
pelo céu; seus filhos não respeitam os pais, os súditos não
respeitam os senhores, o povo não cumpre seus deveres. [...]
Os budistas seguem preceitos estrangeiros e bárbaros, e os
elevam acima dos ensinamentos de nossos antigos mestres e
reis; pouco falta para se converterem em bárbaros.

E quais eram os ensinamentos de nossos antigos reis? Que um


amor que abarca o mundo todo se chama humanismo; que uma
prescrição que segue o dever se chama justiça. O que se chama
caminho é a prática destes preceitos; e a virtude é bastar-se a si

65
mesmo sem necessidade de qualquer coisa de fora. (...) esta via
é fácil de explicar e compreender, este ensinamento e fácil de
por em prática. Se as pessoas o aplicam a si mesmas, tudo
frutifica sem problemas; se as pessoas o colocam em seu
coração, todos se tornam afáveis e serenos.

66
22. Zhuxi – o máximo supremo e a redenção de
Confúcio
Taiji (Máximo Supremo) é o Li (Princípio) do Céu, da Terra e
de todas as criaturas. Mas há um li para o céu, um li para a
Terra, um li para todas as coisas, e por fim, um li em cada uma
das coisas, dentro delas. Antes do Céu e da Terra, não havia
ainda um li dessas coisas. Quando se produz o yang, só há esse
li. Quando se produz o yin, ainda só há esse li.

[...]

Em termos de yang e yin, o yang dá o movimento (função) e


yin dá a quietude (base). Mas sempre há alternância entre
movimento e quietude, entre yang e yin, sem começo nem fim.
Então, é impossível diferenciá-los. Vamos nos ater ao ponto
inicial: antes do movimento há quietude, antes da função há
base, antes da percepção há o silêncio; mas se antes de yang
não há yin, ou se é preciso percepção para perceber o silêncio,
ou o movimento para atingir a quietude...; o que deve, então,
ser tomado como anterior e posterior? O que muda, hoje, é
resultado das alternâncias anteriores, e isso não pode ser
negligenciado.

[...]

O máximo supremo não é nada mais senão que o próprio


princípio. O máximo supremo é a fonte do principio do céu e
da terra e das miríades das coisas. Com respeito ao céu e a
terra, o máximo supremo esta nelas. Com respeito as miríades
de coisas, o máximo supremo está em cada uma delas. Antes

67
do céu e da terra existirem, ele assegurou a existência do
princípio. Este é o principio do movimento que engendra o
yang e o movimento que engendra o yin.

[...]

Em minha avaliação pessoal, quando os homens santos e sábios


dos tempos antigos ensinavam seus estudantes, não perseguiam
outro objetivo que dar-lhes a conhecer os princípios
fundamentais da justiça para que se dedicassem ao autocultivo
de sua personalidade e logo fizeram uso extensivo de seu
exemplo aos demais; não queriam que os estudantes pusessem
por escrito em artigos de linguagem culta o que haviam ditado
somente para conseguir fama ou proveito pessoal [...]
estudamos com o objetivo pessoal de conhecer as ideias dos
homens santos e sábios e, através destas, chegarmos a conhecer
as leis da natureza.

[...]

O sentimento de solicitude é solicito do começo ao fim; os


outros três [dos quatro sentimentos] são solicitude no começo,
mas terminam como consciência, cortesia e percepção moral,
respectivamente. Sem solicitude, esses três estão mortos,
porque a solicitude é a fonte da qual procedem os outros três.

Amor e reverência representam a ideia de dar vida, retidão e


sabedoria representam a ideia de reunir.

Na "investigação dos princípios", os princípios devem ser


buscados na própria pessoa. Eles não são nada menos que

68
amor, retidão, reverência e sabedoria. Olhe para todas as
inúmeras transformações e você não encontrará nada sem esses
quatro princípios. Você precisa apenas examinar os assuntos
comuns da vida diária e descobrirá que não há nada sem eles.
Quanto à sinceridade, é chamada de expressão da realidade da
existência dos outros quatro. Sinceridade é realidade, e
realidade significa o que uma coisa é.

Em termos de substância, realmente existem amor, retidão,


reverência e sabedoria. Em termos de funcionamento,
realmente há solicitude, consciência, respeito, e discernimento
moral; não pode ser que eles sejam falsificados. Procure no
universo e onde você pode encontrar amor falsificado, retidão
falsificada, reverência falsificada ou sabedoria falsificada?
Portanto, a sinceridade é definida como a expressão do fato de
que eles têm uma existência real e não são falsificados.

69
23. Wang Fuzhi – resgatando a via

Sem haver chegado à suma sabedoria, é impossível construir


um juízo acertado, e estaremos sempre limitados a averiguar
fenômenos aparentes, incapacitados de investigar e emitir
juízos próprios.

Sem escrutinar a natureza das coisas, a função reflexiva da


mente não pode surtir efeito adequado, e o resultado será
vacilar ante as tentações mundanas e deslizar para um caminho
vicioso. Deste modo, chegar à suma sabedoria e escrutinar a
natureza são métodos mutuamente complementares, e é preciso
dedicar energia simultaneamente para ambas.

[...] O Mundo consiste de coisas concretas. O Caminho (Dao),


é o Caminho das coisas concretas, e elas não podem ser assim
chamadas se não estão no Caminho. As pessoas costumam
pensar que, sem uma forma, algo não pode ser concreto.
Contudo, o que não é concreto simplesmente não está no
Caminho. O Sábio compreende isso melhor que os Educados, e
estes sabem distinguir tais coisas melhor do que as pessoas
comuns. No entanto, um homem ou mulher comuns podem
fazer coisas que os sábios não conseguem. Uma pessoa pode
ser ignorante do Caminho e segui-lo, mesmo sem saber o que é
concreto, ou reconhecer tais diferenças. Poucos são capazes de
compreender e afirmar que, sem o concreto, não há Caminho,
mas essa é a verdade.

Nos tempos antigos de caos e desordem, não havia trono à que


se curvar; nos tempos de Yao e Shun, não havia misericórdia

70
para os que sofriam, nem punição para os maus soberanos.
Durante Han e Tang, não existiam dinastias como as de hoje, e
as de amanhã não serão iguais também. Antes dos arcos não
havia flechas, e não existia arqueria; antes dos carros e cavalos,
não existia a condução; antes dos sacrifícios de bois e vinho, de
jade e seda, dos sinos, flautas e violas, não existiam nem ritos
nem música. Assim, não há pai que não seja filho, nem irmão
que seja mais velho sem um mais novo. Só existe as coisas em
potencial.

Portanto, quando algo não se concretiza, não é de fato algo


concreto, e esse não pode ser o Caminho. Essa é a verdade. [O
Caminho é concreto], Apenas as pessoas ainda não entenderam
isso. Os sábios de antigamente podiam administrar as coisas
concretas, mas não conseguiam compreender esse Caminho. O
Caminho significa [de fato] cuidar das coisas concretas.
Quando se cumpre esse Caminho, se atinge a virtude. Quando
o concreto está completo, nós chamamos isso de operação.
Quando as coisas concretas operam dentro de suas funções, nós
chamamos isso de transformação e combinação. Quando os
efeitos aparecem [se manifestam], nós chamamos isso de
realização.

71
24. Mao Zedong

No estudo de uma questão, é preciso livrar-se do subjetivismo,


de proceder a um exame unilateral e ser superficial. Ser
subjetivo é não saber encarar uma questão objetivamente, isto
é, de um ponto de vista materialista. Disso já falei em "Da
prática". O exame unilateral consiste em não saber encarar as
questões sob todos os aspectos, ou ainda, ver a parte e não o
todo, ver as árvores e não a floresta. Se assim procedermos, e
impossível encontrar o método de solucionar as contradições,
impossível desempenhar as tarefas da revolução, impossível
conduzir bem o trabalho a fazer, Impossível desenvolver
corretamente a luta ideológica no Partido. Quando Sunzi,
tratando da arte militar, dizia: "Conhece teu adversário e
conhece-te a ti mesmo e poderás, sem perigo, travar cem
batalhas", ele falava de duas partes beligerantes. Weizheng, sob
a dinastia dos Tang, compreendia, também ele, o erro de um
exame unilateral, quando dizia: "Quem ouve os dois lados,
ficará esclarecido; quem não ouve senão um lado permanecerá
nas trevas". Mas nossos camaradas, com frequência, vêem os
problemas de uma maneira unilateral e, daí, muita vezes
encontram obstáculos... Lênine disse: "Para conhecer realmente
um objeto, é preciso abranger e estudar todos os seus aspectos,
todas as ligações e "mediações". Jamais o conheceremos
integralmente, mas a necessidade de considerá-lo sob todos os
aspectos nos evita erros e embotamento". Devemos recordar
estas palavras. Ser superficial é não levar em conta as
particularidades da contradição em seu conjunto, nem das
particularidades de cada um dos aspectos, negar a necessidade

72
de penetrar no fundo das coisas e estudar minuciosamente as
particularidades da contradição, contentar-se em olhar de longe
e, após uma observação aproximada de alguns traços
superficiais da contradição, tentar imediatamente resolvê-la
(responder a uma pergunta decidir uma controvérsia, conduzir
um caso, dirigir uma operação militar). Tal maneira de
proceder causa sempre consequências desagradáveis... Encarar
as coisas de uma maneira unilateral e superficial é ainda
subjetivismo, porque, em seu ser objetivo, as coisas estão, de
fato, ligadas umas as outras e possuem leis internas; ora, há
pessoas que, em vez de refletir nas coisas como elas são, as
consideram de uma maneira unilateral, ou superficial, sem
conhecer suas ligações mútuas ou suas leis internas; este
método é, portanto, subjetivo.

[...]

A lei da contradição inerente às coisas e aos fenômenos, vale


dizer, a lei da unidade dos contrários, é a lei fundamental da
natureza e da sociedade e, portanto, a lei fundamental do
pensamento. Ela é o oposto da concepção metafísica do
mundo. Sua descoberta constituiu uma grande revolução na
história do conhecimento humano. Segundo o ponto de vista do
materialismo dialético, a contradição existe dentro de todos os
processos que se desenrolam nas coisas e fenômenos objetivos
e no pensamento subjetivo. Ela penetra todos os processos, do
princípio ao fim: é aí que estão a universalidade e o caráter
absoluto da contradição. Cada contradição e cada um de seus
aspectos têm suas respectivas particulares; é aí que residem o
caráter específico e o caráter relativo da contradição. Dentro de

73
determinadas condições há identidade dos contrários. Estes
podem, portanto, coexistir na unidade e se transformar um no
outro; é nisso igualmente que residem o caráter específico e o
caráter relativo da contradição. Entretanto, a luta dos contrários
é ininterrupta, ela existiu tanto durante sua coexistência quanto
no momento de sua conversão recíproca, onde se manifesta
com uma evidência particular. É aí agora que residem a
universalidade e o caráter absoluto da contradição. Quando
estudarmos o caráter específico e o caráter relativo da
contradição devemos prestar atenção na diferença entre a
contradição principal e as contradições secundárias, entre o
aspecto principal e o aspecto secundário da contradição.
Quando estudarmos a universalidade da contradição e a luta
dos contrários, devemos prestar atenção na diferença entre as
formas variadas de luta, senão cometeremos erro. Se, com o
término do nosso estudo, tivermos uma ideia clara dos pontos
essenciais acima demonstrados, poderemos combater
destruindo as concepções dogmáticas que transgridem os
princípios fundamentais do marxismo-leninismo e que
prejudicam nossa causa revolucionária, e nossos companheiros
experimentados estarão em condições de erigir a experiência
em princípios para evitar a repetição dos erros do empirismo.
Tal é a breve conclusão à qual nos conduziu o estudo da lei da
contradição.

[...]

A política "Que cem flores desabrochem, que cem escolas


rivalizem" visa a estimular o desenvolvimento da arte e o
progresso da ciência, bem como o desabrochar da cultura

74
socialista em nosso país. Nas artes, formas diferentes e estilos
diferentes podem desenvolver-se livremente; nas Ciências, as
escolas diferentes encarar-se-ão livremente. Seria, a nosso ver,
prejudicial ao desenvolvimento da arte e da ciência recorrer às
medidas administrativas para impor tal estilo ou tal escola e
proibir esse outro estilo, essa outra escola. O verdadeiro e o
falso em arte e ciência é uma questão que deve ser resolvido
pelo livre debate nos meios artísticos e científicos, pela prática
da arte e da ciência e não por métodos simplistas.

75
Política

O onipresente Confúcio foi, igualmente, o idealizador de um


conceito notável de estrutura política para a China Antiga. Em
sua visão, as dinastias chinesas recebiam do Céu (Tian – um
conceito de sistema ecológico–político) o poder para manter a
ordem no mundo, por meio da harmonia com a natureza e do
provimento do povo. Este poder se chamava “Mandato do
Céu”, e por esta razão os imperadores eram, igualmente,
nomeados como “Filhos do Céu”. Tal Mandato entendia,
igualmente, a defesa de uma ordem moral e de um conjunto de
obrigações que, se não fossem cumpridas, implicavam na
retirada do Mandato por parte do Céu – e, consequentemente, a
queda de uma dinastia. O discurso do Mandato aparece no
Shujing, mas no Liji, Confúcio também reproduz um diálogo
sobre o que consistiria a Arte de Governar. Foram os Legistas
os principais críticos deste pensamento político, pretendendo
uma centralização forte do poder político em torno do príncipe.
O texto de Hanfeizi nos dá uma idéia do que seria o poder do
novo imperador; já o texto de Lisi no apresenta a primeira
queima de livros da China, surgida em função desta
centralização, e da necessidade de se extirpar os pensamentos
diferentes. No entanto, a ascensão dos Han (-206) modifica
este painel, resgatando Confúcio, mas inserindo novas ideias
no plano das ideologias políticas. O texto de Lujia (séc. -3 -2) é
a sistematização de uma nova teoria política, que incorporava
confucionismo, daoísmo (ver Filosofia) e mesmo alguma coisa
do legismo. Dong Zhongshu foi um pouco mais além,

76
inserindo as relações de poder numa ordem cósmica e natural
tal como proposto por Confúcio, mas através de uma nova
análise, calcada na relação entre o confucionismo e as teorias
da escola cosmológica (ver Filosofia). As teorias de
legitimação de Dong são o cerne do poder imperial, embora
sejam pouco conhecidas. O texto de Sima Guang nos apresenta
a organização do poder imperial e administrativo na época
Han, que serviria de modelo para as dinastias posteriores.
Quanto ao texto de Huang Zongxi (1610 + 1695), este se
constitui numa crítica ao entendimento do que é o exercício da
política em seu tempo, denotando que a ideologia da
administração imperial não foi sempre aceita de modo tácito.
As crises que se sucederam no final do império chinês levaram
a criação de novas ideologias políticas, tal como a proposta por
Sun Yatsen (1866+1925), pai e criador da República Chinesa,
para a construção de um novo país e a superação do passado.
Suas teorias envolviam concepções de democracia, socialismo,
e mesmo da tradição chinesa. Já Mao Zedong (1893+1976)
compreendia o comunismo de um modo alternativo, buscando
adequado-o a realidade social da China. Deng Xiaoping
(1904+1997), mentor intelectual das mudanças modernas no
comunismo chinês, surge aqui como autor de duas direções
fundamentais para orientações política das gerações seguintes;
na primeira, com a concepção de Um país, Dois sistemas,
responsável por assimilar Macau e Hong Kong à China
comunista, respeitando, porém, certas peculiaridades de ambos
(este sistema seria empregado, igualmente, nas chamadas
Zonas Econômicas Especiais, pólos de rápida industrialização
que surgiram na China nas décadas de 1980 e 1990); no

77
segundo texto, os princípios da teoria da Coexistência Pacífica
internacional, dirigidos especificamente ao caso de Taiwan,
que a China espera reintegrar dentro das linhas propostas no
primeiro texto.

78
25. Shujing – o Mandato Celeste

Oh! O Deus que habita os Grandes Céus modificou os seus


decretos a respeito do seu grande filho e da grandiosa dinastia
de Yin. Foi o nosso rei investido nesse decreto. A felicidade
sem limites a ele está ligada e ilimitada é a nossa ansiedade; -
Oh! Como poderá ser o rei senão reverente?

Quando o Céu rejeitou e pôs termo ao decreto em favor da


grande dinastia de Yin, nele se encontravam muitos dos seus
antigos e sábios reis. O rei, entretanto, que deveria suceder-
lhes, o último de sua raça, procedeu de tal forma desde que
assumiu o mandato, que até chegou a manter os sábios na
obscuridade e os viciosos nos cargos. Os pobres, nessas
circunstâncias, carregando os filhos e conduzindo as mulheres,
erguerem aos Céus as suas lamentações. Fugiram, mas foram
novamente presos. Oh! O Céu teve compaixão do povo das
quatro regiões; o seu decreto favorecedor recaiu em nossos
zelosos fundadores. Que o rei cuidadosamente cultive a virtude
da reverência.

Analisando os homens da Antiguidade, vemos que existiu o


fundador da dinastia de Xia. O Céu guiou-lhe o espírito,
permitiu que os seus descendentes o sucedessem e os protegeu.
Ele se tornou familiar ao Céu e foi-lhe obediente. Com o passar
do tempo, entretanto, caiu por terra o decreto com o seu favor.
Assim também ora acontece, ao examinarmos o caso de Yin.
Houve a mesma orientação do seu fundador, que, corrigiu os
erros de Xia, cujos descendentes gozaram da proteção do Céu.
Ele também foi familiar e obediente ao Céu. Agora, porém, o

79
decreto em seu favor caiu por terra. Sobe hoje ao trono o nosso
rei, na juventude; que ele não desdenhe dos mais velhos e dos
experientes, porque se pode afirmar que eles estudaram a
virtuosa conduta dos antigos e amadureceram os seus
conselhos na contemplação do Céu.

Oh! Embora moço, o rei é o grande filho do Céu. Que ele


promova a plena harmonia do povo aqui da terra e seja a
benção dos nossos tempos. Que não ouse o rei ser omisso nesse
particular, mas sim, continuamente considere a perigosa
incerteza do devotamento do povo e, diante dela, fique cheio de
temor.

Que o rei advenha como vice - regente do Céu e assuma as


atribuições do governo, neste centro da terra. [...] Que o rei
primeiro subordine a si próprio os que foram administradores
dos negócios do nosso Zhou. Isso regulará as suas perversas
naturezas e eles progredirão cada dia. Que o rei faça da
reverência o remanso do seu espírito; ele deve conservar a
virtude da reverência.

Cumpre-nos, certamente, analisar as dinastias de Xia e Yin. Eu


não presumo que saiba nem digo: "A dinastia de Xia devia
gozar do favorecedor decreto do Céu, durante tantos anos”; não
presumo que saiba nem digo: "Ela já não poderia perdurar". O
fato, simplesmente, foi o seguinte: carecendo a mesma da
virtude da reverência, o decreto prematuramente caiu por terra,
com o seu favor. Analogamente, não presumo que saiba nem
digo: "A dinastia de Yin devia gozar do favorecedor decreto do
Céu precisamente durante tantos anos”; não presumo que saiba

80
nem digo: "Ela já não poderia perdurar". O fato, simplesmente,
foi o seguinte: carecendo a mesma da virtude da reverência, o
decreto prematuramente caiu por terra, com o seu favor. O rei
ora herdou esse decreto - o mesmo decreto, eu presumo, que
pertenceu àquelas duas dinastias. Que ele procure herdar as
virtudes dos seus meritórios soberanos; que o faça
especialmente no início das suas atribuições.

Oh! É como se fosse o nascimento de um filho, quando tudo


depende da instrução dos primeiros anos de vida, durante os
quais ele é capaz de assegurar a sua sabedoria futura, como se
ela fosse decretada. Ora, o Céu, poderá haver decretado a
sabedoria do rei; poderá haver decretado a sua boa ou má
fortuna; poderá haver decretado para ele um largo curso de
anos; não só sabemos que lhe compete, agora, dar início às
suas atribuições. Residindo nesta nova cidade, que o rei
cuidadosamente cultive a virtude da reverência. Quando se
devotar plenamente a essa virtude, poderá elevar as suas preces
aos Céus, solicitando um duradouro decreto em seu favor.

Que ele não ouse, como rei e em virtude dos excessos do povo
na transgressão das leis, governar com a violenta imposição da
morte; - quando o povo é dirigido com brandura, o mérito do
governo se torna patente. Compete-lhe, na qualidade de rei,
exceder a todos em virtude. Assim o povo o imitará por todo o
reino e ele será ainda mais ilustre.

Que o rei e os ministros trabalhem com mútua simpatia,


dizendo: "Recebemos o decreto do Céu e ele será tão grande
como os largos anos de Xia; - sim, ele não falhará aos largos

81
anos de Yin". Desejo que o rei, graças ao devotamento do povo
aqui da terra, receba o duradouro decreto do Céu.

82
26. Liji – como governar?

Confúcio estava sentado em companhia do Duque Ai, e o


duque perguntou: - "Qual é, em vossa opinião, a mais alta
condição do progresso humano?" Confúcio assumiu um ar
muito grave, e respondeu: - "É uma felicidade para o povo, que
Vossa Alteza me haja formulado essa pergunta. Farei o que
estiver ao meu alcance para responder bem: a mais alta
condição do progresso humano é o bom governo."

O duque: - "Posso indagar qual seja a arte do bom governo?"

Confúcio: - "A arte do governo consiste simplesmente em fazer


bem as coisas, ou seja, pôr as coisas em seus devidos lugares.
Quando o próprio governante procede “bem", o povo imita-o
naturalmente no bom procedimento. O povo apenas segue o
que o governante faz - pois se o governante não faz, como há
de o povo saber o que e como fazer?"

O duque: - "Falai com maior minúcia, dessa arte do governo”.

Confúcio: - "O marido e a mulher devem ter obrigações


diversas. Os pais e os filhos devem ter afeição uns pelos outros.
O rei e seus vassalos devem observar uma disciplina rígida.
Quando estas três coisas vão bem, tudo irá bem".

O duque: - "Podeis esclarecer-me um pouco mais quanto à


maneira de realizar essas três coisas, inepto como sou?".

Confúcio: - "Os governantes antigos consideravam o amor ao


povo como principal norma de governo, e a “Li” (Ritos, Regras

83
de Conduta) como principal norma segundo a qual reger o
povo que amavam. No culto à “Li” a noção de respeito é a mais
importante, e como símbolo máximo desse respeito a
cerimônia do casamento do soberano é a mais importante. A
cerimônia das núpcias reais é o símbolo máximo do respeito, e,
por ser o símbolo máximo do respeito, o próprio rei vai,
ostentando a sua coroa, saudar a princesa e acompanhá-la em
pessoa desde a casa dela, tão alto é o grau de parentesco que
ele atribui à noiva. O rei vai pessoalmente porque as relações
de família são consideradas inteiramente pessoais.
Negligenciar essas manifestações de respeito é desmerecer as
relações pessoais. Sem amor não haverá relações pessoais, e
sem respeito não haverá boas relações. Amor e respeito são,
assim, os fundamentos do governo.".

84
27. Hanfeizi – como um monarca deve agir?

Existem três princípios que todo o monarca deve observar, pois


trazem segurança para a nação e dignidade para sua figura;
caso contrário, ameaçam a existência de ambos. E quais são
estes três princípios? Primeiro, nunca compartilhar com
aduladores ou chegados a confiança que é dispensada aos
ministros dedicados que o informam sobre os fracassos, os
erros políticos, e as conspirações ocultas dos demais ministros;
porque, se souberem que estas informações podem chegar aos
ouvidos deste chegados, teriam então receio de falar a verdade,
e só diriam aquilo que pode agradar a estes aduladores. E o que
resultaria isso? Que os monarcas ficariam sem ministros fiéis e
de boa fé.

Segundo: os monarcas devem sempre premiar ou castigar


quando pensam que devem fazê-lo, sem necessidade de esperar
que os ditos chegados exaltem seus protegidos ou acusem a
quem lhes interessa; do contrário, estaria concedendo poder
demais a estes aduladores, e consequentemente, perdendo o seu
próprio.

Terceiro: nunca permitir que os ministros, que são os raios da


roda, levados pelo abandono de seu trabalho, convertam-se no
eixo do carro; ou seja, que o poder de vida e morte dos súditos,
de prêmio e castigo, acabe nas mãos dos ministros, pois isso
traria grande prejuízo. Estes são os três princípios que se deve
cumprir pontualmente; não fazer isso implica no perigo de
usurpação e morte. [...]

85
Se deve governar segundo as tendências dos homens. E quais
são estas tendências? Buscar e evitar, querer e aborrecer. Por
isso o sistema legal de premiar com o que desejam, e punir
com o que os aborrecem – este é m fundamento eficaz para a
lei, e, havendo lei, o governo será perfeito.

Para que o mandato dos monarcas seja cumprido, e acatadas


sejam suas proibições, temos que ter poder e autoridade; poder
absoluto para emitir e não emitir penas de morte, e autoridade
para submeter o povo. E o que devemos fazer para não
desacreditar o poder e não perder a autoridade? Primeiro:
nunca devem instaurar nem abolir leis, nem permitir punições
ou prêmios, senão por um critério fixo e claro; segundo, nunca
permita que seus ministros castiguem ou premiem, ou sua
autoridade ficaria abalada.

Por isso, se os monarcas tivessem claras suas ideias, escutariam


as propostas de seus ministros livres de preferências pessoais e
depois, fariam planos de governo livres de seus próprios
gostos. Verificariam exaustivamente se o que dizem os
ministros é verdade ou mentira, porque poderiam ser
enganados pelos maus ministros, e consequentemente, perder
parte do seu poder. Atuariam diante dos seus ministros
mostrando cautela e sabedoria porque, do contrário, sua
autoridade poderia ser ameaçada. Seriam justos como o céu e
misteriosos como os fantasmas na hora de agir, pois assim
seriam unânimes como o céu e intocáveis como os fantasmas.

86
28. Lisi e a queima dos livros

No passado, o Império passou por diversas dificuldades e


confrontos. Ninguém conseguia unificá-lo. Vários príncipes
reinavam ao mesmo tempo. Os letrados discutiam sempre as
mesmas coisas, e adiavam a solução dos problemas. Até hoje
eles usam falsas ideias para lançar confusão entre as pessoas e
desrespeitar as decisões do soberano.

Assim como o imperador submeteu à todos, eles também tem


que submeter a vossa majestade.

Afinal, quando eles estão na corte, escondem suas críticas, mas


discutem nas ruas suas ideias, encorajando a subversão. Assim,
se o imperador não tomar uma decisão séria contra isso, em
breve seu poder estará ameaçado.

Assim, vosso ministro propõe que os exemplares do Shujing e


do Shijing, bem como os livros das cem escolas, sejam
entregues aos funcionários para serem queimados. Aqueles que
elogiarem o passado, e denegrirem o atual regime, serão
executados junto com suas famílias.

[...]

Os cinco imperadores não imitaram uns aos outros, e as três


dinastias não seguiram o exemplo das anteriores. Cada dinastia
em sua forma de governar, e a de Qin é a atual. O imperador
fundou uma glória que vai durar dez mil gerações, mas os
letrados não entendem isso. Continuam invocando o passado
de Shun e das três dinastias. Quando os soberanos ouviam os

87
letrados, só havia guerra, mas agora o império foi pacificado.
As leis e as ordens emanam de um só poder unificado.

O povo trabalha na agricultura e no artesanato, os funcionários


estudam as leis e os métodos de governo; mesmo assim, os
letrados se conduzem do modo que querem, e utilizam as
histórias e o passado para bagunçar o presente e confundir o
povo. Por isso, seu ministro devotado manda avisar:

Um mês após este decreto, aqueles que não tiverem queimado


seus livros serão aprisionados e condenados a trabalhar na
grande muralha. Os livros permitidos serão apenas os de
medicina, adivinhação, agricultura e botânica. Os que quiserem
estudar as leis e o governo, devem se tornar funcionários
públicos.

88
29. Lujia – o governo ideal

Não há técnica mais perfeita que a não-ação e atitude mais


respeitosa do que a deferência. Como posso provar? Já se disse
que Shun governou o império, cantou a do “vento do sul”,
acompanhou a cítara de cinco cordas, e nada fez para governar,
senão acompanhar de modo sereno as coisas que aconteciam
no império, e assim tudo seguiu seu curso e se pôs em ordem.
O duque de Zhou se contentava em promover os ritos e a
música, acompanhava o sacrifício jiao para o céu e a terra e o
sacrifício wang para as montanhas e os rios, sem jamais
recorrer as armas nem usar sanções ou leis; e no interior dos
quatro mares, todos vinham depositar tributos aos seus pés,
bem como ele nem estava presente quando os Yuechang
vieram a corte com seus intérpretes. É assim que o não-agir é
agir.

O primeiro governante de Qin reforçou as punições penas,


inventou o suplicio do emparedamento a fim de por um freio
na delinqüência e na sedição. Edificou uma grande muralha
sobre as terras dos bárbaros rong e construir defesas contra os
nômades das estepes e os nativos das florestas ao sul. Lançou
campanhas contra os grandes Estados, e tomou os pequenos
reinos. Seu prestígio fazia tremer o universo. Seus exércitos
tomaram o império, e subjugaram os povos estrangeiros. Meng
Qian reprimiu os problemas internos, bem como Lisi impôs
impiedosamente a lei. Porém, por mais que Qin se impusesse
por meios militares, as revoltas aumentaram; por mais severa
que a lei fosse, o povo prevaricava ainda mais; quanto mais
cavalheiros e sábios foram perseguidos, mais cresceu o número
89
de inimigos. Não que Qin não desejasse impor a ordem, mas
eles não conheciam a justa medida, como provam suas
numerosas iniciativas e suas punições excessivas.

Um príncipe deve ser generoso e liberal, e deve preservar a via;


ele deve adotar uma conduta conciliadora e equânime, se
deseja controlar ao longe. O povo se aceitará sua autoridade,
bem como se submeterá a sua influência civilizadora.
Promovido por sua grandeza, ele influirá sobre todo o
território; admirarão seu governo, e ele não terá problemas com
as leis. As pessoas serão respeitosas quanto a suas sanções, e
zelosas sem a necessidade de recompensa. Estes são os
resultados que se consegue quando se apóia na impregnação da
virtude e na influência produtiva do que é correto e pacífico.

As leis e as regras servem para reprimir os violentos (...) [mas],


quando o pequeno imita o grande, as minorias se submetem as
maiorias, e assim se alcança a paz. Na capital, o príncipe deve
fornecer os modelos nos quais o povo deve se inspirar. Por
isso, um soberano deve sempre agir dentro das normas. [...] os
superiores influem nos inferiores como o vento dobra as ervas.
Quando um príncipe deve ir a guerra, os camponeses levam
para o campo suas couraças. O homem de bem rege os
inferiores se mostrando parcimonioso quando o povo é pródigo
e se mostra regrado quando o povo é dispendioso e debochado.
(...) Por isso que Confúcio disse: “transformar os hábitos e
mudar os costumes” seria como comandar cada família e cada
pessoa. Para isso, o príncipe deve simplesmente dar a si mesmo
como modelo para todos.

90
30.Sima Guang – a estrutura do poder imperial

O imperador (huangdi) era o chefe de Estado formal e chefe do


governo, e igualmente a ligação sagrado entre o homem e as
forças do universo. A princípio, todo o poder dentro do império
estava em suas mãos.

A burocracia regular e o serviço civil do império foram


dirigidos por três excelências (san gong: Três duques), que
eram o grande comandante (taiwei), a excelência sobre o povo
(situ: Ministro sobre o povo) e a excelência dos trabalhos
(sikong: Ministro dos trabalhos). Eram os conselheiros mais
antigos do imperador, e supervisionaram o governo do império
no conjunto. Seu nível era expressado nos termos de um salário
nominal de dez mil shi de grãos.

Abaixo das três excelências eram nove ministros (jiu qing),


com nível/salário de dois mil shi (zhong erqian shi). Estes
eram:

O ministro das cerimônias (Tai Chang: Grande Mestre de


cerimônias), responsável para o ritual e o cerimonial;

O ministro da casa real (guangluxun: Superintendente da casa


familiar imperial), responsável para a segurança imediata do
imperador e para seus assistentes na corte;

O ministro da guarda (wei wei: Comandante protetor),


responsável para a segurança dos palácios imperiais;

91
O ministro das estrebarias (taipu; grande cocheiro), responsável
pelos cavalos e as carruagens do imperador e pelas montarias
do exército;

O ministro da Justiça (ting wei: Comandante de justiça),


responsável para casos de corte de alto nível e apelações das
mais baixas jurisdições locais;

O ministro arauto (honglu: grande Arauto), responsável pelas


relações com estados não-Chineses;

O ministro do clã imperial (zong zheng: Diretor do clã


imperial), responsável pela observância e conduta dos
membros da casa de Liu;

O ministro de agricultura (da sinong: grande Ministro da


agricultura), responsável para as finanças gerais do império e
da distribuição pública dos grãos;

O ministro do tesouro (shao fu: Tesoureiro privado),


responsável para a casa familiar do imperador que inclui,
formalmente falando, o harém imperial, o escritório do
secretariado imperial e a Censura imperial.

92
31. Huang Zongxi – o verdadeiro interesse
dos governantes
Nos tempos pré-históricos, cada homem trabalhava para si
mesmo e por seus interesses particulares e não havia quem
pensasse no bem público, ou em combater um mal comum da
sociedade. Surgiram depois os reis, que trabalhavam pelo bem
Público e não pelo seu próprio bem. Combatiam o que era mau
para a Coletividade como um todo e não davam importância ao
que pudesse não ser bom para eles próprios. Eram os Reis,
assim, pessoas que trabalhavam mil vezes mais arduamente do
que o povo, sem benefício de si mesmos. Pouco invejável era
tal posição. Por isso, havia os que trabalhavam em benefício do
povo e nunca quiseram ser chamados reis, como Shuyu e
Wuguang, e outros soberanos que trabalhavam pelo bem do
povo como reis e depois passavam seus poderes a outros, como
Yao e Shun; e ainda outros que, feitos reis, foram forçados a
continuar sendo reis, como Yu. Era da natureza humana, tanto
antiga quanto moderna, não apreciar tal posição.

Os reis de tempos posteriores eram diferentes. Concentravam


em si mesmos o poder do governo e, tendo-o feito, julgavam
mesmo ser-lhes permitido retirar para si todos os proventos da
terra e lançar para os outros tudo quanto fosse desagradável e
oneroso; assim, o povo não conseguia trabalhar em seu próprio
benefício, ou para seu próprio bem, e os lucros da terra
tornavam-se propriedade particular de uma família. A
princípio, os reis sentiam-se constrangidos, mas depois
chegaram a perder esse constrangimento. A terra e o povo,
então, pertenciam a uma casa governante, e esse direito e
93
privilégio exclusivo era transmitido a seus filhos e aos filhos de
seus filhos. O primeiro imperador de Han deixou transparecer
esse modo de pensar ao dizer a um letrado:

"Achas maior ou menor do que o teu o meu êxito em minha


profissão?” Ser rei era uma profissão exercida, como todas as
outras, visando a ganhos. A diferença está nisto: nos tempos
antigos, o povo era o senhor e os reis eram os hóspedes; e era o
povo o objetivo do trabalho dos reis. Agora, os reis são os
senhores e o povo os hóspedes, e não há recanto da terra em
que o povo possa viver pacificamente a sua própria vida, tudo
por causa dos governantes. Assim, quando alguém deseja ser
rei, pouco se lhe dá sacrificar as vidas de milhões, ou tirar os
filhos dos pais, para que trabalhem em sua "propriedade
particular". Sem o menor estremecimento de consciência, diz
ele a si mesmo: "Estou edificando esta casa real para meus
filhos". E, quando alcança a realeza, não se importa de moer
ossos e medula do povo, nem de destroçar famílias no trabalho
e na servidão, a fim de que só ele possa gozar todas as pompas
e diversões de uma vida fácil. Sem escrúpulo de consciência
torna a dizer a si mesmo:

"Tenho ou não direito aos lucros de minha propriedade?".

Tornaram-se assim os reis os grandes inimigos do povo. Pois,


se não houvesse reis, poderia o povo trabalhar em seu próprio
benefício e por sua própria subsistência. Ó, é para esse fim que
os reis existem?

Nos tempos antigos, o povo amava os reis como a um pai e os


comparava ao céu. Era merecido. Hoje, o povo encara os reis
94
como seus inimigos e os chama "Aquela pessoa solitária".
Também isso é merecido. Ainda existem letrados de espírito
estreito que dizem ser eterna a relação principal entre rei e
súdito, a ponto de duvidarem da retidão com que Tang e Wu
derrubaram seus suseranos tirânicos Xie e Zhou e de se
inclinarem a desmerecer a história de patriotas como Boyi e
Shuqi, que recusaram servir um conquistador. Parecer-lhes-ia
que os ossos e a carne dilacerados de milhões de pessoas
tinham menos valor do que a cabeça de rato de um estrangeiro.
Poderão, em verdade, acreditar que o mundo inteiro exista para
o benefício particular de uma pessoa e uma família segundo o
coração do Criador?

Sábio foi, portanto, o Rei Wu (que se levantou para derrubar


um tirano), e Mêncio (que considerava justo, sob certas
circunstâncias, o povo encarar seu soberano como inimigo)
falou palavras de sábio. Os reis dos últimos tempos gostam de
envolver a realeza na capa sagrada de uma frase, "Como pai e
como o céu", por trás da qual o povo não tem o direito de
espreitar. Tais governantes consideram inconvenientes, no que
lhes diz respeito, as opiniões de Mêncio e gostariam de
destronar Mêncio de seu posto de culto. Aos letrados de
espírito estreito cabe a culpa de levá-los a assim pensar.

Se, contudo, fosse possível a um rei conservar sua propriedade


particular para todo o sempre, poder-se-ia compreender o
motivo egoísta que inspirava tal ação. Desde que o rei
considerava a terra como propriedade sua, igualmente natural
seria que outras pessoas desejassem obter o domínio dessa
mesma espécie de propriedade. O rei poderia colocar toda a sua

95
propriedade num cofre de ferro e trancá-lo fortemente. Mas, no
fim de contas, haveria apenas um homem ou uma família a
desejar guardá-la, havendo muitos desejosos de chegar a ela.
Em poucas gerações, e às vezes no próprio período da vida do
rei, corria o sangue de seus próprios filhos! As pessoas, em
geral, desejavam nunca haver nascido em uma família real, e o
Rei Yicong disse certa vez à seus jovens príncipes: "Por que
fostes condenados a nascer em minha família?" Que amarga
confusão de remorsos! Não basta isso para esfriar a ambição de
quem se lance a fundar uma dinastia?

Assim, se as funções de rei e ministros forem bem


compreendidas, ninguém desejará ocupar as posições de poder,
como no caso de Shuyu e Wuguang, nos tempos antigos. Se as
funções de rei e súdito não forem bem compreendidas, todos
terão o direito de querer o trono. Pode ser difícil compreender
devidamente as funções de rei e súditos, mas não deve ser
difícil pesar as vantagens e as desvantagens que existem entre a
glória temporária e uma ruína permanente.

96
32. Sun Yatsen – os poderes do povo

Quais são as novas descobertas no caminho do exercício


popular da soberania?

A primeira é o sufrágio, e este é o único método aceitável na


democracia moderna. Este método é suficiente para o povo
governar? Este poder único só pode ser comparado com
aquelas máquinas que, ao começarem a funcionar, nunca mais
podem ser paradas.

A segunda nova descoberta é o método do direito de reparação.


Quando o povo tem esse direito, ele tem o poder de parar a
maquina.

Estes dois direitos dão ao povo a possibilidade de controlar os


oficias e suas posições, elegendo-os ou removendo-os. (...) por
isso, o terceiro poder do povo se chama iniciativa. Se o povo
entender também que uma antiga lei não o beneficia mais, eles
têm o poder de propor e forçar o governo a alterar as leis,
criando novas e abolindo as antigas. Somente quando o povo
tem estes quatro poderes nós podemos dizer que uma
democracia é completa, e somente estes quatro poderes podem
levar o povo além, a uma real soberania popular.

Com o povo exercendo os quatro poderes para controlar o


governo, que métodos de governo podem ser utilizados para
alcançar uma performance ideal de governo? Um governo não
estará bem organizado se não contar com uma constituição de
cinco poderes. Um governo, inclusive, não estará completo e

97
nem poderá organizar um bom trabalho se não dispuser destes
cinco poderes. São eles: o executivo, legislativo, judiciário,
exames civis e censura. (...) Na separação dos poderes
governamentais, podemos dizer que a china de hoje tem a
separação dos três poderes, como nas modernas democracias.
A China praticou a separação da autocracia, dos exames civis e
da censura durante milênios. Os países ocidentais têm
praticado a separação entre legislativo, judiciário e executivo
durante séculos. No entanto, o sistema de três poderes
ocidental tem algumas imperfeições que não podem ser
perfeitamente aplicadas a china, ou dariam origem a uma serie
de abusos. Se nos combinarmos o melhor da china com o
melhor dos outros países, e nos guardamos contra qualquer tipo
de abuso, nos teremos os três poderes de governo ocidental –
legislativo, executivo e judiciário – adicionados do sistema
chinês de exames e censura e constituiremos um governo
perfeito de cinco poderes. Tal governo será o mais completo e
refinado do mundo, e seu governo, como tal, será realmente do
povo, para o povo e pelo povo.

98
33. Mao Zedong e a Democracia Socialista

Nosso Estado tem por regime a ditadura democrática popular,


dirigida pela classe operária e baseada na liderança dos
operários e camponeses. Quais são as funções dessa ditadura?
Sua primeira função é exercer repressão, internamente, sobre as
classes e os elementos reacionários, bem como sobre os
exploradores que se opõem à revolução socialista, sobre os que
minam os alicerces socialistas, isto é, solucionar as
contradições entre nós e nossos inimigos, internamente. Por
exemplo, deter, julgar e condenar certos elementos
contrarrevolucionários, e cassar, por tempo determinado, aos
latifundiários e capitalistas burocráticos, o direito de voto e a
liberdade de expressão - tudo isto entra no campo de aplicação
de nossa ditadura. Para manter a ordem na sociedade e
defender os interesses das massas populares, é igualmente
necessário exercer a ditadura sobre os ladrões, escroques,
assassinos, incendiários, bandos de fanfarrões e outros maus
elementos que perturbam claramente a ordem pública. A
ditadura tem uma segunda função, a de defender nosso país das
atividades subversivas e das eventuais agressões dos inimigos
externos. Neste caso, a ditadura tem por tarefa resolver, sobre o
plano externo, as contradições entre nós e nossos inimigos. O
objetivo da ditadura é proteger o povo, todo ele, no trabalho
pacífico que desempenha, e transformar a China em um país
socialista dotado de uma indústria, de uma agricultura, de uma
ciência, e uma cultura moderna.

99
34. Deng Xiaoping – um país, dois sistemas

O Governo chinês é firme em sua posição, princípios e


políticas acerca de Hong Kong. Nós nos declaramos, em
muitas ocasiões, sobre como a China pretende exercer sua
soberania sobre Hong Kong em 1997, e os sistemas sociais e
econômicos correntes em Hong Kong permanecerão
inalterados, seu sistema legal permanece basicamente
inalterado, seu modo de vida e seu estado como um porto livre,
de comércio internacional e centro financeiro permanecerão
inalterados, e ela poderá continuar mantendo ou estabelecer
relações econômicas com outros países e regiões. Nós também
declaramos repetidamente que, aparte a questão sobre
estacionar tropas lá, Beijing não nomeará os funcionários ao
governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
Esta política permanecerá inalterada também. Nós
estacionaremos um grupo para salvaguardar nossa segurança
nacional, e não interferir nos negócios internos de Hong Kong.
Nossas políticas com respeito a Hong Kong permanecerão
inalteradas durante cinquenta anos, e é isso que gostaríamos de
reafirmar.

Nós estamos procurando uma política de “um país, dois


sistemas''. Mais especificamente, isto significa que dentro da
República Popular de China, o continente com suas uma bilhão
pessoas manterá o sistema socialista, enquanto Hong Kong e
Taiwan continuam debaixo do sistema capitalista. Em recentes
anos, a China trabalhou duro para superar os equívocos da
“esquerda”, e formulou suas políticas relativas a todos os
campos em uma linha que tem como princípio proceder a partir
100
da realidade e buscar a verdade dos fatos. Depois de cinco anos
e meio as coisas estão começando a mudar. É contra esta base
de experiências negativas que nos propomos a resolver o caso
de Hong Kong e os problemas de Taiwan, permitindo dois
sistemas para coexistir em um país.

Nós discutimos a política de “um país, dois sistemas'' mais de


uma vez. Ele foi adotado pelo Congresso Popular Nacional.
Algumas pessoas estão preocupadas com o que poderia mudar.
Eu digo que não vai. O ponto crucial do assunto, o fator
decisivo, é se a política está correta. Se não for, mudará; caso
contrário não vai. Além disso, há alguém que pode mudar a
política atual de China de abrir para o mundo externo sem
revigorar a economia doméstica? Se isso fosse mudado, pelo
menos 80% da população chinesa recusariam, e nós
perderíamos o apoio das pessoas. Se nós agirmos corretamente
e conseguirmos o apoio do povo, a política não mudará.

Nossa política para Hong Kong permanecerá a mesma por


muito tempo, mas isto não afetará socialismo no continente. A
parte principal de China, temos que continuar debaixo de
socialismo, mas o sistema capitalista será permitido existir em
certas áreas, como Hong Kong e Taiwan. Abrimos várias
cidades no continente que deixaram entrar algum capital
estrangeiro, e que servirão como um suplemento à economia
socialista, ajudando a promover o crescimento das forças
produtivas socialistas. Por exemplo, quando capital estrangeiro
é investido em Shangai, não significa certamente que a cidade
inteira virou capitalista. O mesmo é verdade em Shenzhen,

101
onde socialismo ainda predomina. A parte principal do restante
da China continua socialista.

[...]

Devem ser estabelecidas algumas exigências ou qualificações


com respeito à administração de negócios de Hong Kong pelo
povo de Hong Kong. Deve ser requerido que os patriotas
formam o corpo principal de administradores, isso é, do
governo futuro da Região Especial de Hong Kong. Claro que
deveriam incluir outros chineses, como também é possível
convidar os estrangeiros como conselheiros. Mas o que é um
patriota? Um patriota é alguém que respeita a nação chinesa, e
sinceramente apóia a volta de Hong Kong para a terra mãe, e
desejam não prejudicar a prosperidade de Hong Kong e sua
estabilidade. Os que satisfazem estas exigências são os
patriotas, mesmo que eles acreditam em capitalismo,
feudalismo ou mesmo escravidão. Nós não exigimos que eles
estejam a favor do sistema socialista da China; nós só lhes
pedimos que amem a terra Mãe e Hong Kong.

Serão treze anos até 1997. Nós deveríamos começar o trabalho


agora para garantir uma transição suave e gradual. Primeiro,
devem ser evitadas flutuações ou retrocessos, e devem ser
mantidas a prosperidade e estabilidade de Hong Kong.
Segundo, devem ser criadas condições para uma transição
suave do governo para os residentes de Hong Kong. Eu espero
que o povo e todos os meios de vida em Hong Kong
trabalharão para este fim.

102
35. Deng Xiaoping - coexistência pacífica e Taiwan

Cinco princípios da coexistência pacífica, proposto por Zhou


Enlai:

a) respeito mútuo à soberania e integridade nacional,

b) não-agressão,

c) não intervenção nos assuntos internos de um país por parte


de outro,

d) igualdade e benefícios recíprocos e

e) coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e


ideológicos diferentes.

[...]

Deng Xiaoping:

Há dois assuntos principais no mundo hoje. Uma questão é a


paz mundial, o outro a relação entre Norte e Sul. Nós
acreditamos que existam muitos outros problemas também,
mas nenhum deles tem a mesma significação total, global e
estratégica como estes dois. No mundo atual o Norte é rico e
desenvolvido, enquanto o Sul é subdesenvolvido e pobre. E
falando relativamente, o rico está ficando mais rico e o pobre
mais pobre. O Sul quer acabar com sua pobreza e atraso, e o
Norte precisa de um Sul desenvolvido. Onde o Norte pode
achar um mercado para seus produtos se o restante de Sul
continuar subdesenvolvido? Os problemas maiores que estão

103
em frente dos países capitalistas desenvolvidos são o ritmo do
progresso deles e a continuidade do desenvolvimento. Nesta
conexão, há um outro lado na cooperação de Sul-Sul: promover
a cooperação de Norte-Sul.

Os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica pretendem um


modo mais apropriado de regular as relações entre as nações.
Outros modos – como “comunidade socialista”, “blocos
políticos” ou “esferas de influência'', por exemplo - conduzem
ao conflito, promovendo tensões internacionais. Olhando para
a história de relações internacionais, nós achamos que os Cinco
Princípios de Coexistência Pacífica têm um potencial de
aplicação bastante ampla. Nós poderíamos levar esta ideia mais
adiante. Estes princípios provavelmente poderiam ajudar a
resolver alguns dos problemas internos de nosso país. O
modelo “um país, dois sistemas'' como eu havia proposto,
conforme as realidades chinesas, para reunificar a nação, é
igualmente um exemplo da coexistência pacífica. Sobre a
questão de Hong Kong, alguns questionam porque nós estamos
permitindo que Hong Kong mantenha seu sistema capitalista
inalterado durante cinquenta anos. Os mesmos princípios se
mantêm para Taiwan. E como Taiwan é diferente de Hong
Kong, também pode manter seu exército. Chamados para o
reunificação de China com base do nos “Três Princípios
Populares”, as autoridades de Taiwan, para dizer o mínimo,
faltaram com um senso de realidade. É possível reunificar o
país sujeitando o continente, com seus um bilhão de pessoas,
para o sistema atual de Taiwan, com sua população de doze
milhões ou mais? Novamente nós aconselhamos as autoridades

104
de Taiwan a abandonar tal pensamento. Um meio deve ser
encontrado pelo qual um não passe por cima do outro. As um
bilhão pessoas no continente continuarão construindo o
socialismo, enquanto Taiwan pode ir em com seu capitalismo.
Beijing não enviará ninguém para Taiwan. Isso não seria um
caso de coexistência pacífica? Assim os princípios de
coexistência pacífica não só proveem uma solução boa para
assuntos internacionais, mas para problemas domésticos como
bem.

A questão de Taiwan é o obstáculo principal na melhoria das


relações entre a China e os Estados Unidos, e poderia
desenvolver até mesmo em uma crise entre as duas nações. Se
o modelo “um país, dois sistemas” for adotado, não só a China
será reunificada, mas os interesses dos Estados Unidos
permaneceriam incólumes. Há um grupo das pessoas nos
Estados Unidos hoje que, continuando a “doutrina Dulles”,
consideram Taiwan como um porta-aviões norte-americano, ou
como um território dentro da esfera norte-americana de
influência. Uma vez que a questão de Taiwan for resolvida pela
coexistência pacífica, o assunto será esquecido, e estas pessoas
deixarão de lado suas ilusões. Isso seria uma coisa muito boa
para a paz e estabilidade da região do Pacífico e do resto do
mundo.

105
Economia

O termo “economia” pode ser recente em chinês, mas a


concepção de administração pública é tão antiga quanto a
própria civilização. Os chineses sempre tiveram ciência de
como a sociedade era sustentada, e q questão do trabalho, do
valor e do comércio sempre foram de importância vital para o
Estado. No primeiro texto, o que veremos é uma apresentação
do sistema Fengjian – entendido muitas vezes no Ocidente
como “Feudalismo” – que existiu durante a época Zhou (-1027
-221). Veremos como se dava a divisão das terras, bem como a
distribuição dos títulos nobiliárquicos. Este texto do Liji bem
se prestaria a seção Política, mas o colocamos aqui para
entender como era articulada a produção agrícola e sua
supervisão. Este sistema foi substituído pela nova
administração imposta por Qin, no século -3, e doravante
mantido (apesar das discussões, inócuas, que ocasionalmente
surgiram para sua restauração). Mesmo assim, Mêncio (-372 -
289), eminente confucionista, propunha uma revitalização do
campo por meio de um sistema chamado “nove quadrados”.
Shang Yang (séc.-4), da escola legista propunha, no entanto, a
centralização das atividades agrícolas nas mãos do Estado.
Guanzi (séc. - 6? - o texto, porém, é posterior, parecendo tratar-
se do séc. -4), pensador que misturava tendências das duas
escolas, defendia igualmente uma regulação dos mercados por
parte das autoridades. Estes debates promoveram uma intensa
preocupação entre os governos posteriores com as questões
econômicas, transformando-as num problema institucional. O

106
relatório de Sima Qian, presente no Shiji, demonstra o extenso
controle sobre o desenvolvimento destas atividades. Do mesmo
modo, os Debates sobre o Sal e o Ferro (Yantienlun, séc. -1)
tratam, pela primeira vez, entre o conflito da livre iniciativa e
do monopólio do Estado. Os anais destas discussões seriam
referência até os tempos modernos para as questões
econômicas, quando finalmente foram revistos pela ideologia
comunista proposta por Mao Zedong. O comunismo chinês
seria uma interpretação alternativa do marxismo, adaptado a
realidade agrícola chinesa. O texto a seguir, que trata da
política do “Grande salto adiante”, apresenta esta perspectiva
de “aprendizado” do socialismo chinês. Um impulso à
modernidade industrial seria dado pela política das quatro
modernizações (indústria, agricultura, defesa e educação),
necessárias para superação de uma série de desastres
econômicos ocorridos nos fins dos anos 50 e inícios dos 60.
Por fim, Deng Xiaoping realiza uma grande reforma na
economia chinesa, adequando-a as leis do mercado e propondo
uma síntese inovadora de socialismo, globalização e
desenvolvimento.

107
36. Liji: Fengjian, ou o Feudalismo Chinês

Os Reis estabeleceram os graus de Nobreza:

Duque, Marquês, Conde, Visconde, Barão: cinco categorias de


Príncipes Feudais. Os Grandes Senhores de 1a. classe, ou
Ministros de Estado, e os de 2a. classe; e os Fidalgos de 1a., 2a.
e 3a. classe: cinco ordens.

O território do Mandatário do Céu ou Imperador estende-se por


mil li (500mt) quadrados. Os de um Duque ou marquês, por
cem li quadrados; os do Conde, por 70 li; os do Visconde e do
Barão por 50 li. Quem não chega a 50 li, não está ligado ao
Imperador. Depende de um Feudal e chama-se um Vassalo.

O território dos Duques Reais é como os dos Duques e


Marqueses. Os Grandes Senhores ou Ministros Reais de 1a, são
como Condes. Os de 2a. são como Viscondes e Barões. O
Fidalgo-Mor do Imperador tem a categoria de Vassalo.

O estatuto agrário: Cem hectares (mu) repartem-se por


agricultores superiores de 1a. que têm vencimento de nove
homens; os de 2a, que vencem por oito homens; os de 3a. por
sete; os de 4a. vencem por seis homens. Agricultores inferiores
vencem por cinco homens. O pessoal ordinário, conforme os
seus empregos, assim variam os salários.

Os fidalgos de 3a. dos Feudais equiparam-se aos agricultores


superiores. O seu vencimento chega para o seu pessoal
agrícola. Um fidalgo de 2a. tem o dobro do de 3a. Um fidalgo
de 1 a. tem o dobro do de 2a. O Representante regional de 2a.

108
tem o dobro do fidalgo de 1a. O Primeiro Ministro tem
vencimento de quatro Representantes regionais. O Príncipe
vence por dez Representantes regionais de 1a. ou Ministros. O
1o. Ministro de Estado de 2a. classe tem vencimento de 3
Representantes regionais, tendo o respectivo Príncipe Feudal
vencimento de dez Ministros. O 1o. Ministro de um Estado
Pequeno tem vencimento duplo dos Representantes regionais, e
o respectivo Príncipe, o de dez Primeiros Ministros. O lugar do
1o. Ministro equivale ao médio de um Grande Estado; o 2o.
Ministro equipara-se ao seu inferior; o 3o. equipara-se ao seu
Representante regional de 1a.

Num Estado Pequeno, o 1o. Ministro equipara-se ao 2o.


Ministro de um Estado Grande; o 2o. ao respectivo Grande
Senhor de 1a.; e o 3o. ao respectivo Grande Senhor de 2a.

Além disso, há os fidalgos de 2a. e de 3a., cada qual com um


terço do seu superior em categoria.

Em todo o Império, há Nove Províncias, tendo cada uma mil li


quadrados. A Província toma trinta dos Estados de cem li,
sessenta dos Estados de setenta li, e dos Estados de cinquenta
li, cento e vinte: num total de duzentos e dez Estados. Os
montes famosos e grandes lagos não se enfeudam. O restante
considera-se terreno baldio dependente. Das oito Províncias,
cada uma tem duzentos e dez Estados.

109
37. Mêncio – o sistema dos nove terrenos

O duque Wen de Tang enviou Pi Chan informar-se acerca do


sistema dos nove quadrados.

Disse-lhe Mêncio: Desde que o vosso soberano, desejando pôr


em prática um governo benigno, vos escolheu e confiou-vos
este encargo, deveis usar de todo o vosso empenho. O governo
clemente deve começar pela definição das fronteiras. Se elas
não forem demarcadas cuidadosamente, a divisão do território
em quadrados não seria exata, e a produção aproveitável para
os salários não seria distribuída com equidade. Eis porque os
soberanos opressores e os ministros impuros descuram
invariavelmente a demarcação dos limites. Quando estes são
definidos corretamente, a divisão dos campos e a
regulamentação dos salários são fáceis de determinar. Embora
o território de Tang seja estreito e reduzido, devem existir neles
homens de categoria superior e camponeses. Se não houvesse
indivíduos de classe elevada, não haveria quem governasse os
lavradores; se faltassem os lavradores, não haveria quem
sustentasse os homens de categoria superior. Aconselho-vos a
observar, em distritos puramente rurais, a divisão em nove
quadrados, um deles cultivado pelo sistema do auxílio mútuo;
nas terras centrais do Estado, instituí-se uma dízima a ser paga
pelos próprios lavradores. A partir dos supremos dignitários,
tenha cada qual o seu campo santo de cinquenta acres. Os
homens de posição inferior recebam os seus vinte e cinco
acres. Em ocasiões de morte ou de mudança, não haja
necessidade de sair do distrito. Nos campos de cada um deles,
os que pertencem aos mesmos nove quadrados oferecerão
110
espontaneamente o seu préstimo uns aos outros; deverão
ajudar-se mutuamente na vigilância e na guarda; e serão
obrigados a sustentarem-se uns aos outros, em períodos de
doença. Um li (500mt) quadrado abrange nove quadrados de
terra, e estes por sua vez contém novecentos acres. O quadrado
central consta dos campos públicos; oito famílias, cada qual
provida de cem acres, o cultivam juntas. E só depois de
realizada a tarefa comum, que poderão cuidar dos seus campos
privados. É por este meio que os camponeses se diferenciam
dos homens de categoria superior. Eis o esboço geral do
sistema. Cabe ao vosso soberano e a vós modificá-lo e adaptá-
lo com acerto.

111
38. Shang Yang – a importância da agricultura

No domínio dos assuntos internos relacionados com as pessoas,


não há nada mais difícil do que a agricultura. Dai que uma fácil
administração não os consiga induzir à mesma. O que se chama
de uma fácil administração? Quando os agricultores são pobres
e os comerciantes são ricos, quando as pessoas sagazes obtêm
lucros e os que buscam cargos itinerantes são numerosos. Pelo
que, os agricultores, apesar do seu trabalho extremamente
árduo, obtêm pouco lucro e, perante a carência deste,
encontram-se numa situação mais grave do que os
comerciantes e lojistas e toda a espécie de pessoas sagazes. Ao
lograr-se restringir o número deste último tipo, então, mesmo
que fosse esse o desejo, não se poderia evitar que um estado se
tornasse rico. Dai dizer-se: “Caso se pretenda enriquecer o país
através da agricultura, então, no limite das fronteiras, os cereais
devem ser prezados, os impostos para aqueles que não são
agricultores devem ser consideráveis e os direitos sobre o lucro
obtido nos mercados devem ser pesados, com o resultado de
que as pessoas são forçadas a possuir terra. Uma vez que
aqueles que não possuem terras são obrigados a comprar
cereais, estes serão prezados e aqueles que possuem terras
tirarão, assim, proveito. Quando aqueles que possuem terras
obtêm lucro, existirão muitos que se dedicarão [à agricultura].
Quando os cereais são prezados e o respectivo negócio não é
lucrativo, enquanto se impõem, além disso, pesados impostos,
as pessoas não falharão em suprimir os comerciantes e lojistas
e toda a espécie de gente sagaz, nem em dedicar-se a
exploração do solo. Pelo que a força do povo será

112
completamente exercida na exploração do solo. Daí que aquele
que organiza um estado deveria permitir que os soldados
detivessem a totalidade dos lucros nas fronteiras, e que os
agricultores detivessem a totalidade dos lucros do mercado. Se
a primeira situação ocorrer, o estado será forte e se a segunda
ocorrer, será rico. Por conseguinte, aquele que, no estrangeiro,
é forte em tempo de guerra e, na pátria, é rico em tempo de
paz, alcançará a supremacia. Uma vez que, se os cereais são
baratos, o valor do dinheiro é elevado, e os cereais baratos
representam agricultores pobres, e valores elevados de dinheiro
representam comerciantes ricos; e se as ocupações secundárias
não são proibidas, então (...).

113
39. Guanzi – as regulações

Duque Huan perguntou: "Por favor, me conte sobre o


regulamento estatal”.

Guan Zhong respondeu: “Há regulamentos para fazendas, para


homens, para lojas, para áreas rurais, para empreendimentos
públicos, para a moeda corrente, para os distritos, e para o
estado inteiro..."

Duque Huan disse: "Como eu posso regulá-los?"

Guan Zhong respondeu "Em cada aldeia, a quantia de terra de


fazenda, o número de trabalhadores e a quantia de grão
produzido devem ser averiguados. Do mesmo modo, em cada
distrito, o número das pessoas, a quantia de terras produtivas, o
consumo de grão, e os estoques de comida em um ano normal
devem ser determinados. Novamente, em cada aldeia, a
produção de cada ano realizada pelas mulheres deve ser
anotada, enquanto realiza-se estimativas anuais de acordo com
as quatro estações. E o registro dos estoques deve prever acima
e abaixo o necessário para a alimentação e vestimenta dos
habitantes, bem como devem ser observados o tipos de solo
disponíveis para o plantio.

Duque que Huan perguntou: “Por que devemos classificar as


terras"?

Guan Zhong respondeu: Há terra de todos os tipos; há terra


para bambu, para sândalo, e para árvores de amora; há terra
localizada em barreiros e pântanos; há terra que pode ser

114
inundada, satisfatória para prover peixes e tartarugas. Estes
quatro tipos de terra devem ser controladas e mantidas
cuidadosamente pelo governo. Os impostos devem ser fixados
de acordo com a produção, e rateados de acordo com os
homens ou a área disponível.

115
40.Sima Qian – da riqueza e do comércio

Nada sei com relação aos tempos pré-históricos anteriores a


Shennung, mas desde as dinastias Yin e Xia (depois do séc. -
22), durante o período debatido pelos documentos históricos, a
natureza humana sempre lutou por bons alimentos, roupas,
diversões e conforto físico e sempre teve tendência a orgulhar-
se da riqueza e da ostentação. Não importa que os filósofos
possam ensinar de modo diferente: não é possível mudar as
pessoas. Assim, os melhores homens deixam-nas à vontade; a
seguir, vêm os que tentam guiá-las; depois, os que moralizam a
seu respeito; depois, que procuram adaptar-se a elas; e, por fim,
os que entram na mesma porfia.

Em suma, Shansi produz madeira, cereais, linho, pelos de boi e


jades. Shantung produz peixe, sal, laca, sedas e instrumentos
musicais. Jiangnan (ao sul do Yangzi) produz cedro, zu
(madeira dura para a fabricação de blocos de impressão),
gengibre, canela, minérios de ouro e estanho, cinábrio, chifres
de rinoceronte, carapaças de tartaruga, pérolas e couros.
Lungmen produz pedra para tabuletas. O norte produz cavalos,
bovinos, carneiros, peles e chifres. Cobre e ferro são muitas
vezes encontrados por toda parte, nas montanhas, espalhados
como peões num tabuleiro de xadrez. É de tudo isso que o
povo da China gosta e tais artigos atendem às necessidades de
sua existência e das cerimônias para os mortos.

Os homens do campo os produzem, os atacadistas os trazem do


interior, os artesãos trabalham neles e os mercadores com eles
negociam. Tudo isto se verifica sem a intervenção do governo

116
ou dos filósofos. Cada qual faz o melhor que pode e utiliza seu
trabalho para obter o que quer. Assim, os preços procuram seu
nível, indo as mercadorias baratas para onde são mais caras e
dessa forma baixando os preços mais altos. As pessoas seguem
suas respectivas profissões e o fazem por sua própria iniciativa.
É como o fluir da água, que procura o nível mais baixo dia e
noite, sem parar. Todas as coisas são produzidas pelo próprio
povo sem que lho peçam e transportadas para onde há precisão
delas. Não é verdade que tais operações ocorrem naturalmente,
de acordo com seus próprios princípios?

O Livro de Zhou diz: “Sem os lavradores, não serão


produzidos víveres; sem os artesãos, a indústria não se
desenvolverá; sem os mercadores, os bens de valor
desaparecerão; e, sem os atacadistas, não haverá capitais e os
recursos naturais de lagos e montanhas não serão explorados”.
Nossos alimentos e nossas vestes vêm dessas quatro classes, e
a riqueza e a pobreza variam com o volume dessas fontes. Com
isso, em escala maior, beneficia-se um país; em escala menor,
enriquece-se uma família. São estas as inevitáveis leis da
riqueza e da pobreza. Os argutos têm bastante e poupam, ao
passo que os estúpidos nunca têm quanto baste...

Devem, portanto, primeiro estar cheios os celeiros antes que o


povo possa falar de cultura. O povo deve ter suficiente
alimento e boas roupas antes que possa falar em honra. Os bons
costumes e as delicadezas sociais provêm da riqueza e
desaparecem quando o país é pobre. Assim como um peixe
prospera num lago fundo e os animais gravitam para a selva
espessa, assim também a moral da humanidade vem como

117
efeito da riqueza. O rico adquire poder e influência, ao passo
que o pobre é infeliz e não tem para onde se voltar. Isto é ainda
mais certo com relação aos bárbaros. [...]

118
41.Yantienlun

Letrados: Entendemos que o modo de governar se baseia na


prevenção da frivolidade ao mesmo tempo em que promove a
moralidade, em terminar com a busca do beneficio egoísta e
desejar o caminho da benevolência e do trabalho. Quando se
enfatiza o beneficio, uma civilização floresce e melhoram os
costumes dos homens. Recentemente, o monopólio do sal e do
ferro, o imposto sobre licores e o tabelamento de preços foi
estabelecido em todo o país. Isto implica uma relação
financeira com o povo que mina sua natural honestidade e
corrompe seu espírito solidário. Como resultado, uns poucos
continuaram a exercer o fundamental (o cultivo da terra) e a
maioria fará o secundário (comercio e indústria). Quando o
artificial prospera a simplicidade declina. Quando o que e
secundário floresce, o básico decai. A ênfase no secundário faz
o povo decadente, a ênfase no básico mantém as gentes sem
sofisticações. Quando as pessoas não são sofisticadas, a riqueza
abunda; quando são extravagantes, tudo falta, e o frio e a fome
tem lugar. Nós propomos que os monopólios do sal, do ferro e
do licor, assim como o tabelamento, sejam abolidos. Deste
modo se revitalizara o básico e o povo deixara de praticar o
secundário. Assim, a agricultura voltará a prosperar. Isto é o
apropriado.

Ministro: Os antigos fundadores do nosso império assentaram


as bases para as ocupações primárias e secundárias. Facilitaram
a circulação de bens e criaram mercados e feiras para
harmonizar as demandas. Se junto gente de todas as classes, e
mercadorias de todos os tipos foram reunidas de modo que os
119
camponeses, comerciantes e trabalhadores puderam obter o que
necessitavam. Quando a troca de produtos era levado a cabo,
cada um voltava para sua casa. O Yijing diz: “facilite as trocas,
de modo que as pessoas não se vejam sobrecarregadas em seu
trabalho”. Isso se sucede quando os camponeses não contam
com suas ferramentas e mercadorias, e não conseguem obter o
mínimo conforto. Quando os camponeses carecem de suas
ferramentas e não podem vender com facilidade seus produtos,
do mesmo modo quando não existem mercadorias para
comprar, então a riqueza de todos decai. O monopólio do sal e
do ferro, bem como o mercado equitativo, foram estabelecidos
para melhorar a troca de riquezas acumuladas e para regular o
consumo de acordo com a necessidade. Por isso, é
desapropriado aboli-lo.

120
42. Mao Zedong – o “Grande Salto”

Nós estamos principalmente preocupados com a relação entre o


crescimento de indústria pesada, da indústria leve e a
agricultura, discutindo nosso caminho para a industrialização.
Tem-se afirmado que indústria pesada é a base da construção
econômica de China. Ao mesmo tempo, deve ser prestada
atenção completa ao desenvolvimento de agricultura e da
indústria leve.

Como a China é um país agrícola grande, com mais de 80% de


sua população nas áreas rurais, a agricultura tem que se
desenvolver junto com indústria, para só assim a indústria
assegurar matérias-primas e um mercado, e só assim é possível
acumular mais fundos por construir uma indústria pesada
poderosa. Todo o mundo sabe que indústria leve está ligada
estreitamente com a agricultura. Sem agricultura não pode
haver nenhuma indústria leve. Contudo, não tem ficado tão
claramente entendido que a agricultura proporciona para
indústria pesada um mercado importante. Porém, esta questão
será apreciada mais prontamente com o progresso gradual na
transformação técnica e modernização das necessidades da
agricultura com mais maquinaria, fertilizante, conservação de
água e projetos de energia elétrica, instalações de transporte
para as fazendas, como também combustível e material de
construção para os consumidores rurais. Durante o período do
Segundo e Terceiros Planos qüinqüenais, a economia nacional
inteira somente se beneficiará se nós pudermos alcançar um
maior crescimento em nossa agricultura, e assim poderemos
proporcionar consequentemente, um maior desenvolvimento da
121
indústria leve. Como agricultura e indústria leve desenvolvidas,
indústria pesada, os mercados e os fundos de investimento
crescerão mais rápido. Consequentemente o que pode parecer
ser um passo mais lento de industrialização não será na verdade
tão lento, e realmente pode ser até mesmo mais rápido. Em três
planos qüinqüenais, ou talvez um pequeno ou mais longo, a
produção de aço anual de China pode ser elevada a 20.000.000
toneladas ou mais, comparado com a produção do período de
pré-libertação, quando ela chegou a algo em torno de 900.000
toneladas em 1943. Isto alegrará as pessoas nas cidades e no
país.

Eu não proponho enfatizar questões econômicas hoje. Com


apenas sete anos de construção econômica atrás de nós, nós
falta ainda experiência e precisamos acumular isto. Nós não
tivemos qualquer experiência antes da revolução quando nós a
começamos, e só depois que nós levamos várias quedas, e
adquirimos experiência, nós ganhamos a vitória em âmbito
nacional. O que nós temos que exigir agora de nós mesmos é
ganhar experiência em construção econômica em um período
mais curto de tempo que nos levou ganhar experiência em
revolução, e não pagar um alto preço por isto. Alguns
acreditam que nós teremos que pagar, mas nós esperamos que
este preço não seja tão alto quanto o que durante o período de
revolução. Nós temos que perceber que há uma contradição
aqui - a contradição entre as leis objetivas de desenvolvimento
econômico de uma sociedade socialista e nosso conhecimento
subjetivo delas - que precisa ser solucionado no curso de
prática. Esta contradição também se manifesta como uma

122
contradição entre pessoas diferentes, quer dizer, uma
contradição entre esses em quem a reflexão destas leis
objetivas é relativamente precisa e esses em quem a reflexão é
relativamente inexata; também, esta é uma contradição entre as
pessoas. Toda contradição é uma realidade objetiva, e é nossa
tarefa refletir sobre isto e solucionar a questão do modo mais
adequado possível para todos nós.

123
43. Deng Xiaoping e a Não-Contradição

Deng: Não há nenhuma contradição fundamental entre


socialismo e uma economia de mercado. O problema é como
desenvolver as forças produtivas mais efetivamente. Nós
tínhamos uma economia planificada, mas nossa experiência
durante os anos provou que certas políticas econômicas
totalmente planejadas só ajudam até certo ponto o
desenvolvimento das forças produtivas. Se nós combinarmos
uma economia planejada com uma economia de mercado, nós
estaremos em uma posição melhor para liberar as forças
produtivas e acelerar crescimento econômico.

Desde a Terceira seção plenária do décimo primeiro encontro


do Comitê central do Partido, nós acentuamos a importância de
apoiar os Quatro Princípios Cardeais, especialmente o princípio
de manter ao sistema socialista, constantemente. Se nós formos
manter ao sistema socialista, é essencial para nós
desenvolvermos as forças produtivas. Nós, por muito tempo,
não resolvemos esta questão satisfatoriamente. Numa análise
final, deveríamos demonstrar a superioridade de socialismo em
um maior desenvolvimento das forças produtivas. A
experiência que nós ganhamos em cima dos acontecimentos
ocorridos com a estrutura econômica anterior mostrou que nós
não pudemos desenvolver as forças produtivas. Mas isso será
possível por que nós temos utilizado alguns métodos
capitalistas úteis. Está claro agora que a aproximação certa é
uma abertura para o mundo externo, combinando uma
economia planejada com uma economia de mercado e
introduzindo reformas estruturais. Esta corrida se opõe aos
124
princípios de socialismo? Não, porque no curso de reforma nós
teremos certeza de duas coisas: o setor público continuará
sendo predominante na economia; o outro é buscarmos o
desenvolvimento da economia para garantir uma prosperidade
comum, sempre tentando evitar as diferenciações. As políticas
de usar fundos estrangeiros e permitir o setor privado se
expandir não debilitarão a posição predominante do setor
público que é, como um todo, a característica básica da
economia. Ao contrário, as políticas são planejadas, na última
análise, para desenvolver as forças produtivas mais
vigorosamente e fortalecer o setor público. Conquanto o setor
público mantenha um papel predominante na economia de
China, a polarização pode ser evitada. Claro que, algumas
regiões e algumas pessoas podem prosperar antes que outros o
façam; então, eles poderão ajudar outras regiões e outras
pessoas a fazer gradualmente o mesmo. Estou convencido de
que os fenômenos negativos que podem ser achados agora na
sociedade diminuirão gradualmente e eventualmente
desaparecerão com o crescimento da economia, e nossos níveis
científicos, culturais e educacionais cresceram, assim como a
democracia e o sistema legal sairão fortalecidos.

Em resumo, a tarefa principal da China hoje é se lançar de


coração e alma na direção da modernização. Enquanto
aproveitamos as vantagens inerentes do socialismo, nós
também estaremos empregando alguns métodos capitalistas -
mas só os métodos para desenvolver o crescimento das forças
produtivas. É verdade que algumas coisas negativas aparecerão
neste processo, mas o que é mais importante é o progresso

125
agradável que nós pudermos alcançar, iniciando estas reformas
e seguindo esta via. A China não tem alternativa, senão seguir
esta estrada. É a única estrada é a prosperidade.

126
Sociedade

O desenvolvimento dos costumes e tradições sociais chinesas


é, de fato, impossível de ser coberto em sua duração milenar. A
construção dos hábitos chineses se deu (ou se dá, ainda) por
uma articulação ancestral que conjuga a importância da vida
comunitária e familiar num sentido gregário, em que o
indivíduo vê sua realização pessoal e social na integração com
a comunidade. As regulações, na vida chinesa, são então de
vital importância, e a atenção aos detalhes tornou-se uma
fixação desde a antiguidade. Eis a razão pela qual Laozi
propunha, por exemplo, o desprendimento destas regras, ou
Zisi (neto de Confúcio), propunha a justa medida das coisas.
Viver em sociedade, do ponto de vista chinês, é viver a
tradição. O que apresentaremos, pois, são uma série de facetas
desta vida chinesa, desde os tempos antigos. De início, do Liji,
temos a definição do conceito fundamental para a existência
desta civilização que é o Li, ou “rito”, mas que pode ser mais
bem compreendido como regras sociológicas de boa conduta e
convivência. Deste extenso manual, teremos ainda as seções
sobre nascimento, funeral e luto, o ciclo de vida dos meninos e
meninas, e sobre os anciãos. Veremos ainda o estabelecimento,
por Confúcio, do que seriam os cinco deveres sociais; no
Tratado da Piedade Filial (Xiaojing, séc.-1?), como essas
regras são observadas; em Guanzi e Mêncio, a aparição da
idéia de divisão em classes sociais, que se tornaria uma visão
básica de sociedade entre os chineses; veremos ainda a vida
dos funcionários no texto de Sima Guang, problemas com a

127
corrupção burocrática, as dificuldades dos mercadores, a vida
dos camponeses, o lamento dos soldados, um calendário
campestre e por fim, a análise da sociedade chinesa
empreendida por Mao Zedong nos primórdios da revolução
comunista.

128
44. Liji - O que é Li (rito)?

No começo, li (cultura) surgiu com a comida e bebida. O povo


assava milho e carne de porco, cortados à mão, em lascas de
pedra aquecidas. Cavavam buracos no chão, à maneira de
vasilhames, e bebiam diretamente nas conchas das mãos.
Modelavam em barro seus tambores e as baquetas, materiais
esses que parece terem-se provado à altura de seus cultos aos
espíritos. Quando morria alguém, os parentes subiam ao
telhado e gritavam bem alto, ao espírito: "Ahoooooo! Fulano,
quereis fazer o obséquio de voltar ao vosso corpo?" (Se o
espírito não voltava, e a pessoa estava realmente morta) então
assavam arroz cru e carne assada para oferendas, levantavam a
cabeça para o céu "a fim de ver longe" (wang) o espírito e
enterravam o cadáver. O elemento material descia então (à
terra) e o elemento espiritual subia (ao firmamento). Os mortos
eram enterrados com a cabeça na direção norte, e os vivos
tinham suas casas com o frontispício voltado para o sul. Tais
eram os costumes primitivos.

Antigamente os governantes não possuíam casas; moravam em


grutas escavadas ou em abrigos de madeira empilhada, no
inverno, e em ninhos feitos com ramos secos (na copa de
árvores) durante o verão. Não conheciam os usos do fogo;
comiam frutos e a carne de aves e animais, bebendo-lhes o
sangue. Não tinham sedas nem outros tecidos, vestiam-se com
penas e peles de animais. Mais tarde vieram os Sábios, que lhes
ensinaram a utilizar o fogo e a fundir metais em moldes de
bambu e a modelar o barro em vasilhas. Então construíram
galpões e casas com portas e janelas, e passaram a chamuscar e
129
fumegar e cozer e assar a carne em espetos, e fabricaram o
vinho e o vinagre. Começaram também a usar tecidos de fibras
e sedas, preparando as vestes para uso dos vivos e oferendas
aos mortos e cultos aos espíritos e a Deus. Tais práticas foram
também herdadas dos primórdios. Por isso, guardava-se o
vinho escuro no aposento interior, o vinho branco junto à porta
do sul, o vinho tinto no vestíbulo e o vinho mosto do lado de
fora. As oferendas de carnes eram então preparadas, e o tripé
redondo e o vaso quadrangular postos em ordem, e os
instrumentos de música - o qin, o sebo a flauta, o jing (pedra
musical suspensa por um fio e batida como gongo), os guizos e
tambores, tudo nos seus lugares, e a oração do sacrifício aos
mortos e a de resposta dos mortos eram cuidadosamente
elaboradas e lidas a fim de que os espíritos do céu e os dos
ancestrais pudessem baixar ao lugar do culto. Todas essas
práticas tinham o propósito de manter a devida distinção entre
governantes e governados, preservar o amor entre pais e filhos,
incutir a gentileza entre os irmãos, regular as relações entre
superiores e subalternos, e estabelecer de parte a parte as
condições de convívio entre marido e mulher, para que sobre
todos pairasse a bênção do Céu. Preparavam-se então as
lamentações do sacrifício. O vinho negro ou escuro era
empregado nas libações, e o sangue e o pêlo dos animais era
usado nas oferendas, e a carne crua colocava-se num vaso
quadrangular. Também se oferecia carne assada; abria-se uma
esteira no chão e cobriam-se os vasos com uma peça de tecido
rústico, e as indumentárias que se vestiam para a cerimônia
eram de seda. Os diversos vinhos, liu e jiu, carnes assadas e de
fumeiro, também se usavam nas oferendas. O soberano e a

130
rainha procediam ao oferecimento alternadamente, a fim de
que os bons espíritos pudessem baixar e eles se integrassem no
mundo oculto. Após os sacrifícios, propiciava-se então uma
festa aos hóspedes, dividindo os cães e porcos e as reses e
ovelhas da oferenda e distribuindo-os em vasilhames diversos.
A oração aos mortos proclamava a gratidão e lealdade dos
viventes, e a resposta dos mortos sugeria a sua contínua afeição
aos vivos. Tal era o grandioso e abençoado sentido da li. [...]

Li constitui, pois, para um soberano, a grande arma ou


instrumento de poder, com que conjurar os maus hábitos e os
começos de desordem, realizar sacrifícios e oferendas aos
espíritos, estabelecer os quadros da vida social, distinguir os
procedimentos do amor e do dever. É o meto pelo qual um país
se governa e se mantém firme a posição do governante. Pois se
o governo não é direito, a posição do soberano está ameaçada;
e quando a posição do soberano é ameaçada, seus oficiais de
maior autoridade tornam-se arrogantes e os de menor
autoridade começam a prevaricar. Vêem-se então criminosos
punidos com severas penas, mas a moralidade do povo assim
mesmo se corrompe e verifica-se uma ausência geral de bons
princípios. Com a falta de princípios generalizada, subverte-se
a ordem social; e com a subversão da ordem social os mais
aptos não poderão exercer devidamente seus ofícios. E quando
os criminosos são punidos com severas penas e a moralidade
do povo se corrompe, então os cidadãos já não serão fiéis a seu
soberano, ou partirão para outros países. A isto se chama "um
estado doentio".

131
45. Liji – O Nascimento

Quando a esposa vai dar à luz, chegado o mês de espera, irá


viver num aposento lateral. O marido mandará alguém duas
vezes por dia a informar-se dela. Sentindo-se movido a isso, ele
próprio irá informar-se. A esposa não se atrevendo a aparecer,
mandará a parteira que se encarregue de lhe responder.
Chegada a altura de nascer o filho, o marido de novo manda
alguém duas vezes por dia a informar-se. O marido, por
respeito, não entrará no aposento lateral.

Nascido o filho, se for menino, por-se-á um arco à esquerda da


porta; e se for menina, por-se-á uma toalha à direita da porta.
Passados 3 dias, começará a lavar-se a criança. Se for menino,
haverá exercício de tiro, mas não se for menina.

Quando nasce o filho herdeiro do Príncipe, este é avisado e


recebe o mensageiro com uma grande recompensa (um vitelo,
um carneiro e um porco). O servo encarrega-se de apresentar a
prenda. Três dias depois, tira-se à sorte o fidalgo que há de
andar com o menino. Quem teve a sorte, cumpre com o dever
de se purificar, e de manhã, veste-se fora da porta dos
aposentos, e toma depois o menino nos braços. O chefe dos
atiradores, com um arco de amoreira, atira seis setas ao acaso:
para o céu, para a terra e para os quatro pontos cardeais. O
criado recebe o menino e toma-o nos braços. O servo dá-lhe
bebida doce e oferece-lhe um molho de sedas.

A esposa do sorteado e a concubina de um representante da


região recebem ordens de alimentar a criança. Haverá dias

132
marcados para as pessoas se encontrarem com o menino. O
filho mais velho do Príncipe terá a prenda grande, o homem do
povo, um leitão; o fidalgo um porco, o representante da região,
a pequena prenda (uma ovelha e um porco), o filho herdeiro, a
prenda grande. Não sendo filho mais velho, as prendas
baixarão um degrau. Construir-se-á para o menino um aposento
especial dentro do Palácio. Escolher-se-á entre as matronas a
mais capaz, que terá que ser de grande coração, bondosa, de
natural afável, respeitosa, ponderada e de poucas palavras, para
ser a aia do menino. Uma segunda será a chamada "boa mãe", e
uma terceira será preceptora. Todas viverão nos aposentos do
menino. Toda a mais gente só com motivo poderá entrar lá.

Três meses depois, num dia escolhido, rapa-se o cabelo da


criança, deixando os carrapitos ao menino, e um tufo atado na
menina, ou senão uma madeixa à esquerda no menino e à
direita na menina. Nesse mesmo dia, a esposa apresentar-se-á
ao Pai com a sua prole. [...] A esposa, com o filho nos braços,
sai do aposento e fica de pé no limiar da porta, virada ao
Oriente. A mestra-escola presta-se e diz:

"A Mãe Fulana toma a liberdade de se aproveitar deste dia para


apresentar respeitosamente o seu menino". Responde o marido:
"Cuide-se de que tenha bons exemplos a imitar" Então o Pai,
tomando a mão direita do menino, exclama dizendo o seu
nome. A esposa responde: "estarei presente para o cumprir."
Depois, virando-se à esquerda, transmite o recado à Mestra. A
Mestra do menino então virando-se para um lado e outro,
anunciará a todas as esposas e mães o nome. A seguir a Esposa
dirige-se aos seus aposentos.

133
O marido participa o nome ao servo da casa. Este anuncia por
toda a parte aos homens. E escreve, dizendo: "Tal ano, tal mês,
tal dia, Fulana deu à luz". E arquivará. O servo participa ao
Secretário da freguesia, e este escreve em duas cópias, uma
para ficar na Administração da freguesia, outra para entregar ao
Secretário do Distrito ou Província, o qual a passará ao
Governador da Província, que a mandará arquivar no Governo
Provincial.

O marido vai então tomar parte na refeição oferecida pela


noiva aos sogros. Quando nasce o filho herdeiro, o Príncipe
lava o seu traje de Corte. E a Esposa faz o mesmo. Ambos de
pé na escadaria oriental se viram ao Ocidente. A segunda
mulher do pai, com a criança nos braços, sobe pela escadaria
ocidental. O Príncipe dá-lhe o nome, e desce. O filho legítimo e
o filho secundário ou bastardo são apresentados na sala
exterior. O Príncipe, impondo-lhe a mão na cabeça, dirá em
voz alta o seu nome. O resto da cerimônia é como antes, sem
omissões. No dar o nome a um filho, não deve entrar o mês
nem o dia, nem o Estado; nem um desgosto oculto. O filho do
conselheiro provincial e do Fidalgo não deve ter um nome
como o do Príncipe herdeiro.

Quando uma concubina vai dar à luz, chegado o mês de espera,


o marido manda alguém cada dia a informar-se. Nascido o
menino, passados três meses, lava-se a roupa e faz-se a
purificação de manhã, apresentando-o na sala interior. Ai o
marido recebe a mãe com as honras com que a recebeu pela
primeira vez em casa; depois de ele comer, levantando a mesa,

134
fará com que ela coma as oferendas, voltando depois à sua
condição de concubina.

Ao nascer um filho bastardo a um Duque, vai para o aposento


lateral. Lá, passados três meses, a mãe dele lava os seus
vestidos de visita, e apresenta-o ao Príncipe. A Mestra, que se
apresenta junto com o menino, mostrará as prendas do
Príncipe. O Príncipe dará o nome ao menino. Todos os outros
filhos, ele mandará que o Encarregado lhes ponha os nomes.

A gente do povo, como não tem dependências laterais nas suas


casas, chegado o mês de espera, o marido vai para os aposentos
comuns. No mais, pedir informações, e a apresentação do filho
ao pai, é igual sem nada de diferente.

Em vida do pai, o neto será apresentado ao avô, e o avô dar-


lhe-á o nome, com a cerimônia da apresentação do filho ao pai,
sem omissões. As pessoas que alimentam a criança, ir-se-ão
embora ao fim de três anos.

Apresentar-se-ão no Palácio do Príncipe que as recompensará.


O filho de um representante regional tem a sua ama. A esposa
de um fidalgo cria ela o filho. Do Fidalgo em comissão para
cima, até ao filho do representante regional, a apresentação é
por igual. [...]

135
46. Liji - Funeral e Luto

Quando a doença causa apreensões, esvazia-se tudo dentro e


fora. Tratando-se de um Grande, tiram-se os suportes dos
instrumentos de música. Sendo um Senhor, removem-se as
harpas e as guitarras. O doente é deitado na câmara, de cabeça
para o Oriente, debaixo da janela do norte. Desfaz-se a cama.
Tiram-se ao doente as vestes ordinárias, substituindo-as por
outras novas. Quatro homens pegam no doente. Toda a gente
da casa, homens e mulheres mudam de vestes. Aproxima-se do
nariz do doente um floco de cadarça, para se perceber quando
expira. Um homem não morre em mãos de mulheres, nem a
mulher morre em mãos de homens.

O Monarca e a Esposa morrem na câmara principal dos seus


aposentos. Também o Grande e a sua Esposa morrem na sua
Câmara principal Se a Esposa ainda não foi reconhecida pelo
Soberano, morre num dos seus aposentos secundários, donde se
transfere para a Câmara principal. A esposa de um Senhor
morre na Câmara principal.

Na evocação da alma, se o morto possuía florestas nos campos


ou nas vertentes, então o silvicultor, arruma a escada à parede.
Não tendo matas, é um criado ordinário que arruma a escada
(para subir ao telhado). Um criado inferior do morto, faz a
evocação. Quem faz a evocação põe traje de Corte. O Chefe de
Estado evoca-se com a túnica dos dragões; a esposa, com o
vestido dos faisões; um Grande, com a toga preta e a veste
inferior vermelha; a mulher dele, com o vestido branco sem

136
adornos; o Senhor com o seu barrete de peles próprio; a sua
esposa, com o vestido preto de orla parda.

O evocador sobe sempre pela ala esquerda do edifício, vai até


ao meio do telhado, e ali de pé na crista, virado ao norte, grita
três vezes. Depois enrola a veste e atira-a para diante,
apanhando-a um encarregado do vestiário. O evocador desce
junto ao arrebique do telhado a Noroeste. Se o morto estava de
visita a outro Estado, faz-se a evocação na Hospedaria do
Estado. Se estava em hospedaria particular, não há evocação.
Se estava numa herdade ou no campo, sobe-se à sua carruagem
e faz-se a evocação, de pé no cubo esquerdo do eixo.

A veste com que se faz a evocação, não deve ser a que vai
vestir o cadáver, nem que há de servir para a mortalha. Na
evocação de uma mulher casada, não se usa o vestido superior
que ela usou nas bodas. Nas evocações, o homem chama-se
pelo seu nome; a mulher, pelo nome que tomou aos 15 anos.
Faz-se um pranto, e depois a evocação, depois da qual se
procede aos ritos mortuários. Apenas o morto se finou, dão
gritos: os filhos, choram os irmãos, e as mulheres casadas
choram e saltam.

Posto o morto no seu devido lugar, o filho mais velho ajoelha


em frente; os Ministros e os Grandes, os Tios, irmãos, primos e
os filhos e filhas do defunto ficam de pé em frente. Os
encarregados e funcionários secundários, choram ao fundo da
escadaria da sala, de ar contrafeito. A Esposa fica à direita (do
morto). As mulheres oficiais do Príncipe defunto, as tias, irmãs
e primas, as filhas e netas, estão de pé à direita. As mulheres

137
dos dignitários de outro apelido, bem como as filhas e netas das
tias e das irmãs pranteiam na sala, de ar contrafeito. [...]
encerados os prantos, sela-se o caixão na câmara mortuária.
[...] Essa regra é agora observada universalmente desde os
príncipes reinantes e nobres até os gentis-homens e povo. No
caso do pai ser um nobre e o filho um simples gentil-homem, o
pai quando morre, é sepultado com as honras de um nobre,
porém recebe as homenagens de sacrifício como um simples
gentil-homem. No caso do pai ser um simples gentil-homem e
o filho ser um nobre, o pai, quando morre, é sepultado como
um simples gentil-homem, mas recebe as homenagens de
sacrifício com as honras de um nobre. A regra de um ano de
luto para os parentes é atribuída para os que têm título nobre,
todavia a regra de luto de três anos pelos pais é atribuída para
todos até o Imperador. No luto pelos pais há apenas uma regra,
e não há distinção entre o nobre e o plebeu.

138
47. Liji - Ciclo da vida

Para as Crianças capazes de tomar o alimento, se ensina a


servirem-se da mão direita. Se já podem falar, ao menino se
ensina a afirmar-se, à menina se ensina a ser submissa e
respeitosa. Ao menino dá se um tambor para o cinto, à menina
uma sedas para o mesmo. Aos seis anos, ensinam-se Música e
os nomes das ruas. Aos sete anos, meninos e meninas não se
servem da mesma esteira, nem comem juntos. Aos oito anos,
para entrar e sair de casa, ou ir para a mesa a comer e beber,
deverão ir atrás dos mais velhos, começando a se ensinar que
sejam deferentes. Aos nove anos, ensina-se-lhes a contar os
dias. Aos dez anos, irão ao mestre de fora, e viverão e
pernoitarão fora, aprenderão a escrever e contar. No vestir, não
terão casaco e calças de seda. Nos ritos seguirão os antigos.
Manhã e tarde aprenderão os deveres dos meninos, pedindo
respeitosamente para serem exercitados em ser sinceros e fiéis.
Aos treze anos, aprenderão a Música, a recitar poesias, e a
dança e cantos guerreiros. Chegados à adolescência,
aprenderão dança e esgrima, o tiro de arco e a condução. Aos
vinte anos recebem o barrete e começam a aprender os ritos e
regras de educação. Podem então vestir-se de peles e sedas.
Aprendem toda a dança e música de Xia, e a praticar a piedade
e a deferência. Aprenderão muito, mas não ensinarão nada,
nem mesmo em casa mostrarão o que sabem. Aos trinta anos
casa, e começará a lidar com as responsabilidades de um
homem. Aprenderá muito, sem abusar. Saberá ceder aos
amigos e ter em conta o parecer deles. Aos quarenta anos,
entrará para a administração pública, e aprenderá a emitir o seu

139
parecer conforme os casos, bem como os seus planos. Se for o
caso, cumprem-se; senão, põe-nos de lado. Aos cinquenta anos,
será promovido a Senador ou Grande Senhor, e exercerá cargos
no Governo. Aos setenta anos, renunciará aos negócios.
Quando os homens se cumprimentam, dá-se o lado esquerdo.

As meninas, aos dez anos deixam de sair à rua. A mestra ou aia


ensinar-lhes-á a serem condescendentes e submissas, a lidar
com o cânhamo, desenovelar os casulos da seda, a tecer e fiar,
e a aprender os trabalhos femininos, para fornecer os fatos. Ela
assistirá aos rituais, onde apresentará o vinho e os caldos e os
vasos do serviço, as conservas e os salgados. Aos quinze anos
receberá o gancho para o cabelo. Aos vinte anos casa. Havendo
então luto, casará aos vinte e três. Se houver pedido de
casamento e presentes, será esposa. Não havendo essas
formalidades, será concubina. Nos cumprimentos das
mulheres, tem primazia o lado direito.

[...]

O que faz de um homem um homem autêntico é o seu respeito


das cerimônias e boas maneiras. Estas começam por uma
atitude correta, modéstia e compostura nas feições e no olhar, e
bons modos ao falar. A atitude correta, a modéstia e
compostura nas feições e no olhar e os bons modos ao falar,
provam um respeito perfeito das boas maneiras, como exigem
os deveres de Príncipe e vassalo, o amor entre Pais e filhos, a
concórdia entre os adultos e os novos. Asseguradas estas três
coisas, as boas maneiras tornam-se uma realidade. Por isso,
depois da imposição do barrete viril é que o traje é completo.

140
Sendo o traje completo, é que a atitude pode ser bem correta, a
compostura nas feições e no olhar modesta, e haver bons
modos no falar. Por isso mesmo se diz que a imposição do
barrete viril é a primeira das cerimônias. Dai a importância que
lhe deram os santos Reis na antiguidade.

Outrora, para a cerimônia da tomada do barrete viril,


consultava-se pela aquileia sobre o dia e sobre as pessoas a
convidar, mostrando nisso o respeito ao rito da imposição do
barrete e o apreço dado às cerimônias. O apreço das cerimônias
é a base sólida do Estado.

Por isso se faz a imposição do barrete, no cimo da escadaria


principal ou do trono, para dar relevo à sucessão. Oferece-se
uma taça de licor no lugar dos hóspedes. Frequentemente
acrescenta-se uma escansão cheia, para orgulho de que está
promovido à idade adulta. Depois de imposto o barrete, dá-se-
lhe o cognome de adulto, a declarar que ele chegou à
virilidade.

Vai então visitar a Mãe, que o recebe com respeito. Depois


visita os irmãos, que também lhe fazem as devidas honras.
Sendo adulto, é tratado com o respeito correspondente. De
barrete preto e toga escura, vai à presença do Soberano,
fazendo a seguir visitas aos Ministros, aos Grandes Senhores e
aos veneráveis da freguesia, recebido sempre como adulto.

Ao elevá-lo à categoria de adulto, impõem-se-lhe os deveres de


adulto. Carregar com as responsabilidades de adulto é ser
amigo do Príncipe, ser respeitador do Príncipe, ser vassalo do
Príncipe, e cumprir com o respeito devido aos assistentes ou
141
ministros do Príncipe. Carregado com estas quatro obrigações
que terá de cumprir para com o Príncipe, será que a respectiva
cerimônia não é de se tomar na devida conta?

Só quando o comportamento piedoso, respeitoso, fiel e


obediente for perfeito, é que se pode ser um homem público.
Podendo ser considerado homem público, é que se pode ser um
governante. Por isso os Santos Reis respeitavam a cerimônia. E
assim se diz que a imposição do barrete é a primeira das
cerimônias. O rito da virilidade é da máxima importância. Por
isso os antigos apreciavam o barrete viril. E porque o
apreciavam, faziam a cerimônia entre os familiares, para
significar a importância que lhe davam. Apreciando-o assim,
não se atreviam a fazê-lo de qualquer modo. Ao fazer a
cerimônia entre os familiares, humilhavam-se a si, exaltando os
Antepassados.

142
48. Liji – Anciãos

Quanto ao tratamento dado aos idosos: o Senhor de Chu fazia-o


com as cerimônias de um jantar de festa; os Soberanos de Xia
com cerimônias de um jantar; os Príncipes de Yin com as
cerimônias de uma Ceia. Os Reis de Zhou restauraram e
usaram os três modos.

Os cinquentenários atendiam-se na freguesia; os sexagenários,


na capital; os septuagenários, no Colégio, e dava-se
conhecimento aos Príncipes feudais. Os octogenários
cumprimentavam o Imperador desde o seu lugar, sem mais. O
mesmo valia para os cegos. Os de noventa anos tinham alguém
encarregado de os receber.

Aos cinquenta anos tinham alimento especial. Aos sessenta


anos tinham carne para dois dias. Os de setenta anos tinham
dois pratos. Os de oitenta anos tinham acepipes e carinhos
permanentes. Para os de noventa, bebida e comida não lhes
saíam do aposento, acompanhando-os mesmo quando saram. O
sexagenário tinha subsidio anual. O septuagenário tinha
subsidio por estações. O octogenário tinha-o mensal; ao de
noventa anos era-lhe renovado dia a dia, isto é: a peça de
enrolar, o lençol, a esteira e o cobertor. Depois de morto, fazia-
se-lhe a mortalha.

Aos cinquenta anos começa-se a enfraquecer. Aos sessenta,


sem carne não se fica satisfeito. Aos setenta, sem sedas não se
aquece. Aos oitenta sem outra pessoa ao lado não se aquece.

143
Aos noventa, mesmo com outra pessoa (na cama) não se
aquece.

Os de cinquenta anos usam bengala em casa. Os de sessenta


usam-na na aldeia; os de setenta, na capital; os de oitenta na
Corte. Aos de noventa anos, se o Imperador lhes quer perguntar
qualquer coisa, vai ter com eles, levando consigo bons
acepipes.

Aos setenta anos deixa-se o serviço da Corte. Aos oitenta


pergunta-se-lhes pela saúde cada mês; aos noventa anos,
receberão vencimento dia a dia.

Aos cinquenta anos não se vai ao serviço público. Aos


sessenta, não terá que prestar ajudas a outros. Aos setenta não
tem que ajudar na recepção de hóspedes: Aos oitenta não toma
parte nos serviços de purificações e funerais.

Aos cinquenta, recebem-se os títulos de distinção. Aos sessenta


não se vai pessoalmente aos exercícios escolares. Aos setenta
renuncia-se às funções administrativas. Dos setenta anos para
cima, só tomarão a faixa preta em caso de luto.

Nas Três Dinastias sempre se atendeu à idade. O filho único de


um octogenário não era obrigado aos serviços públicos. Sendo
nonagenário, toda a família estava isenta dos serviços. O
mesmo para os cegos.

Em vida dos pais, o filho, sendo de idade, não era processado.


O Senhor de Chu tratava os idosos da Casa Reinante no Asilo
de Cima e os velhos do povo no Asilo de Baixo. Os Príncipes

144
de Xia tratavam os idosos do Governo no salão de Leste, e os
velhos do povo no salão ocidental. Os Senhores da dinastia Yin
tratavam os velhos do Estado no Ginásio da Direita, e os velhos
do povo no Ginásio da Esquerda. Na dinastia Zhou, os velhos
do Governo tratavam-se no Ajuntamento de Leste, e os velhos
do povo no Ginásio. Este Salão ficava no bairro ocidental da
Capital. [...]

Disse Mestre Zhi: "o filho piedoso, no tratamento dos idosos,


procura dar-lhes alegria e não se opõe aos seus desejos; alegra-
lhes os ouvidos e os olhos, e cuidará de que tenham aposentos
cômodos. Sustenta-os fielmente da sua comida e bebida. A
piedade filial é para toda a vida. E a vida que parece acabar,
não acaba, pois mortos os Pais, o filho piedoso continuará a
gostar do que eles gostaram e a respeitar o que eles
respeitaram. Faz-se isso com os cães e os cavalos, quanto mais
com os homens?"

No tratamento das pessoas de idade, os Cinco Patriarcas foram


exemplares. As Três Dinastias deram normas, além disso. Os
Cinco Patriarcas trataram os velhinhos exemplarmente: via-se
o espírito com que os tratavam, mas não deram normas. Ora o
que há de bom deve-se anotar para estimulo histórico. Assim
nas Três Dinastias deu-se exemplo, tratando os velhinhos, e
também se deixaram normas e ritual a cumprir, em vista do
exemplo para a história.

145
49. Confúcio e os cinco deveres universais

Cinco são os deveres da obrigação universal, e três são as


qualidades morais através das quais eles são cumpridos. Os
deveres são entre governante e governado, entre pais e filhos,
entre marido e mulher, entre parentes mais velhos e mais
jovens, e entre amigos. Estes são os cinco deveres da obrigação
universal. Sabedoria, compaixão e coragem – estas são as três
qualidades morais dos seres humanos reconhecidos
universalmente. Não importa de que maneira as pessoas
exercitam essas qualidades morais, o resultado é o mesmo.

146
50. Xiaojing – A piedade filial

Uma vez, quando Kung-ni (nome de casamento de Confúcio)


estava desocupado e seu discípulo Zang sentado junto dele,
fazendo-lhe companhia, disse o Mestre: “Shan, os antigos reis
possuíam virtude perfeita e uma regra de conduta que tudo
abrangia, e por meio delas se punham de acordo com tudo o
que existe sob o Céu. Mediante a prática dessa virtude, o povo
era levado a viver em paz e harmonia e não havia má vontade
entre superiores e inferiores. Sabes qual era?” Zang levantou-se
de sua esteira e disse: “Como poderia eu, Shan, que sou tão
desprovido de inteligência, ser capaz de sabê-lo?”

O Mestre disse: “Era a piedade filial. Pois bem, a piedade filial


é a raiz de toda virtude e o tronco do qual nasce todo
ensinamento moral. Senta-te de novo e te explicarei a questão.
Nossos corpos – cada fio de cabelo, cada fragmento de pele –
nós herdamos de nossos pais e não devemos atrever-nos a
danifica-los ou feri-los. Este é o começo da piedade filial.
Quando formamos nosso caráter mediante a prática da conduta
filial, para tornar famoso nosso nome nas idades futuras e
glorificar com isso nossos pais, este é o fim da piedade filial.
Começa com o serviço de nossos pais, continua com o serviço
do governante, e se completa pela formação do caráter”.

Na Ode Maior do Reino se diz:

‘Pensa sempre no teu passado,

Cultivando tua virtude’.

147
A piedade filial no Filho do Céu: Aquele que ama seus pais não
temerá incorrer no perigo de ser odiado por homem algum; e
aquele que venera seus pais não temerá incorrer no risco de ser
desprezado por homem algum. Quando o amor e a veneração
do Filho do Céu são assim ao máximo no serviço de seus pais,
as lições de virtude afetam todo o povo e se convertem num
modelo para todos, dentro dos quatro mares. Esta é a piedade
filial do Filho do Céu. No Marques de Fu se diz, a respeito dos
Castigados: “O homem Único será feliz e os milhões de
homens do povo dependerão daquele que assegura sua
felicidade”.

A piedade filial nos grandes funcionários e dignitários: Não se


atrevem a levar outras vestes que não as indicadas pelas leis
dos reis antigos, nem a falar outras palavras que não
sancionadas por sua linguagem, nem a exibir outra conduta que
a exemplificada por seus métodos virtuosos. Desse modo, não
sendo nenhuma de suas palavras contrárias a essas sanções e
nenhuma de suas ações contrária à sua conduta devida, não
brota de seus lábios uma linguagem excepcional nem se
descobrem em sua conduta ações excepcionais. Suas palavras
podem encher tudo sob o Céu e não se pode encontrar nelas
nenhum erro de linguagem. Suas ações podem encher tudo sob
o céu e não podem despertar insatisfação nem desgosto.
Quando estas três coisas – suas vestes, suas palavras e sua
conduta – são completas como devem ser, podem conservar
seus templos ancestrais. Esta é a piedade filial dos altos
dignitários e funcionários. No Livro de Poesia se diz:

‘Nunca está ocioso de dia nem de noite

148
A serviço do Único’.

A piedade filial entre os subalternos: Assim como servem a


seus pais também servem às suas mães e igualmente as amam.
Assim como servem a seus pais servem aos seus governantes e
igualmente os veneram. Amor se tributa principalmente à mãe
e veneração é que principalmente se tributa ao governante,
quando estas duas coisas são cultuadas no pai. Portanto,
quando servem ao governante com piedade filial, são leais.
Quando servem aos seus superiores com veneração, são
obedientes. Por não faltarem, em sua lealdade e obediência,
aqueles a quem servem, são capazes de conservar seus
vencimentos e posições e manter seus sacrifícios. Esta é a
piedade filial dos funcionários inferiores.

No Livro da Poesia se disse:

‘Levantando-te cedo e indo dormir tarde,

não desonras a quem te deu o ser’.

A piedade filial no Vulgo: Seguem o curso do Céu na mudança


das estações, distinguem as vantagens dos diferentes terrenos,
cuidam de sua conduta e são econômicos em seus gastos, para
poder alimentar os pais. Tal é a piedade filial no vulgo.
Portanto, desde o Filho do Céu até o homem comum nunca
houve ninguém cuja piedade filial carecesse de um princípio e
um fim em que não aparecesse a calamidade.

Ampliação da virtude perfeita: Disse o Mestre: “O ensino da


piedade filial pelo homem superior não exige que vá de família

149
em família e veja diariamente os membros de cada uma delas.
Seu ensinamento da piedade filial é um tributo de veneração a
todos os pais que existem sob o céu. Seu ensinamento da
submissão fraterna é um tributo de veneração a todos os irmãos
mais velhos que existem sob o céu. Seu ensinamento do dever
de um súdito é um tributo de veneração a todos os governantes
que existem sob o Céu”.

No Livro da Poesia se disse:

‘O soberano feliz e cortês

É o pai do povo’.

“Se não houvesse uma virtude perfeita, como poderia ser


reconhecida de modo tão geral pelo povo como de acordo com
sua natureza?”

150
51. Guanzi e Mêncio – as classes sociais

Agricultores (nung) são aqueles que devem começar a cultivar


a terra assim que a neve derreta; cavalheiros nobres e letrados
(shi) devem escutar e prestar atenção ao que os homens
comuns dizem, e julgá-los; mercadores (ku) são aqueles que
devem prestar atenção as baixas e altas dos preços e ir,
diariamente, ao mercado; Artesãos (kung) são aqueles
dedicados a dar forma e função aos produtos destes outros.

[...]

Antigamente, o rei Wen de Qi disse o seguinte: os camponeses


cultivaram para o governo um nono da terra; os descendentes
de oficiais eram assalariados; nas passagens e nos mercados, os
estranhos eram inspecionados, mas não foram taxados seus
bens: não havia nenhuma proibição com respeito às lagoas e
represas; as esposas e crianças de criminosos não eram
envolvidas na culpa deles. Havia os velhos, viúvas ou viúvos;
os velhos sem filhos, ou solitários; o jovem e os órfãos - estas
quatro classes são as mais destituídas entre as pessoas, e não
tem ninguém com quem eles possam contar os seus desejos e
anseios; o rei Wen, na instituição de seu benevolente governo,
fez deles os primeiros objetos de sua consideração maior, como
o Livro de Poesia diz, " O rico pode ter uma boa vida; Mas ai!,
para o miserável e solitário".

151
52. Sima Guang – da conduta correta dos
funcionários públicos
Na antiguidade, não havia um funcionário encarregado da
censura. Todos, desde os grandes dignitários, ministros e altos
oficiais, até os artesãos e mercadores, podiam expressar suas
censuras.

O cargo foi instituído durante o período Han. Um oficial era


escolhido para falar sobre o que era bom e do mau, das
qualidades e defeitos do povo e do governo imperial. Não era,
pois, um cargo importante?

O homem que o ocupa deve ser capaz de pensar nas grandes


coisas e deixar de lado os detalhes; deve dar prioridade a
questões urgentes e não se apressar como que pode esperar;
deve pensar exclusivamente nos interesses do país e não fazer
projetos pessoais. Quem anseia a glória é semelhante a quem
persegue seu próprio interesse, e a diferença entre ambos não é
grande.

Antes se escreviam os nomes dos funcionários investidos com


este cargo em tábuas de madeira. Temi que ao longo do tempo
estas tábuas se perderiam, de modo que a partir de agora seus
nomes devem ser gravados em pedra.

As pessoas das gerações futuras identificarão esses homens


dizendo “este era honesto, este era desonesto, este era justo,
este iníquo”. Quem pode não temer um juízo assim?

152
53. Imperador Jing, de Han – sobre a corrupção

O luxo das estátuas de pedra e das esculturas de metal


prejudica a agricultura. Os brocados e os bordados, os vestidos
de seda vermelha afetam os trabalhos femininos. Se a
agricultura é prejudicada, se passará fome. Se os trabalhos
femininos de tecer forem afetados, passaremos frio. Não é
frequente que se sofra de frio ou de fome se não forem
cometidas faltas graves.

Eu, o imperador, falo em pessoa: a imperatriz se ocupa agora


de criar vermes de seda. Temos feito isso para realizar as
oferendas aos antepassados de grãos e roupas apropriadas de
sacrifício produzidos por nós, e também para dar exemplo ao
império. Não aceitei presente algum, reduzi os salários dos
funcionários e diminui taxas e impostos.

É meu desejo que todo o império entenda a importância da


agricultura e da criação de seda, para que sempre haja
provisões acumuladas para sanar os males e calamidades que
possam sobrevir. Deste modo os poderosos não oprimirão os
débeis, os numerosos não ofenderam os exilados, os anciãos
terão vida longeva e os órfãos alcançaram a vida adulta.

Ao que parece, a colheita deste ano não foi abundante, e o povo


tem poucas provisões. De quem é a culpa? Acaso existem
homens iníquos e perversos ocupando cargos oficiais? Acaso
esses homens aceitam suborno e troca de favores, traindo o
povo com um pescador que ceva um peixe? Se os prefeitos,
que são altos oficiais, encobrem esta falta de autoridade que

153
lhes confere a lei e se associam a estes velhacos para
dedicarem-se juntos a bandidagem, sua conduta é
inqualificável.

Por este presente decreto, ordeno que todos os funcionários que


se mostrem atentos as obrigações próprias de seus cargos. Que
o primeiro ministro me dê a conhecer os casos de homens que
não cumprem os deveres impostos por sua função, que
favorecem e semeiam a desordem. Eles serão chamados a dar
conta de seus delitos.

Este decreto deve ser proclamado abertamente por todo o


império para que se entenda sem erro qual é minha intenção.

154
54. Fang Yizhi e os mercadores

Antigamente se falava da alegria dos mercadores, agora


falaremos de suas misérias. Ontem à noite fui de barco ao
bosque dos plátanos, para ver o vai e vem dos barcos dos
comerciantes. Ouvi sua conversa ao ar livre, todos diziam que
era difícil ser mercador nos rios e nos lagos. Este ano,
sobravam bandidos na região, e era impossível viajar a noite.

Como evitar isso? Ainda que não empobreçam comprando


barato e vendendo caro, diziam que é penoso ter que correr
léguas e léguas enfrentando o vento e as ondas. Ademais,
encontram ainda oficiais aduaneiros ferozes e exigentes, que
discutem ao menor detalhe e infligem pesadas multas.

À noite, por vezes, não abrem as barreiras das cidades, e os


mercadores, impotentes, são obrigados a ficar no meio das
rochas ou na beira d’água. Se pudessem levar ouro até a capital
e subornar o secretário geral do ministério e a outros, estes
oficiais rasos veriam que são muito pouco importantes.

155
55. Uma canção camponesa

Na primeira lua, começa a minha faina. Se o tempo está seco,


semeio a cevada e aveia, se chove ou neva, arranco as ervas
daninhas.

Na segunda lua, vou no barco à procura de terra úmida. Sopra


um vento tão frio que nem sinto as mãos. Estou coberto de
lama, esfarrapado. A terra úmida serve-me para fazer os regos
para o arroz.

Na terceira lua, ceifo as ervas ruins e semeio o arroz nos


campos para a Festa das Arvores. Ao nascer do Sol levanto-me
para a rega, e fico a velar até alta noite. Vigio dia e noite as
raízes do meu arroz.

Na quarta lua, trabalho sem parar, ceifo a minha seara, faço a


cava, rego com a nória. Levanto-me e acendo a minha lanterna,
ainda está escuro. Os camponeses disputam a água, que é rara.

Na quinta lua, faz bom tempo, mas depois chove. Ponho a


enxada ao ombro e vou para os campos. Nos quatro pontos
cardeais tudo se torna verde. Movo a roda para que a água suba
até ao meu campo.

Na sexta lua, os lavradores não têm um momento de descanso.


Passo o dia inteiro a arrancar o joio. O sol queima-me, o suor
corre-me dos ombros até aos pés. Quando tiro a camisa, as
espigas picam-me. Torno a vestir a camisa porque a pele me
arde. E o fidalgo que passa e me olha, diz: “Estes aldeões têm a
pele tão grossa que nem sentem o calor.”

156
56. Shijing – a labuta dos soldados

Ministro da guerra, nós somos as garras e os dentes do rei.

Por que você nos atirou nesse sofrimento, de modo que nós não
tivéssemos nenhum lugar para permanecer?

Ministro da guerra, nós somos aguerridos soldados do rei.

Por que você nos atirou nesse sofrimento, de modo que não
houvesse nenhum fim de nossas labutas?

Ministro da guerra, você agiu certamente sem discriminação.

Por que você nos atirou nesse sofrimento, de modo que nossas
mães tivessem que fazer todo o trabalho de cozinha?

157
57. Luxi – um calendário campestre

No primeiro mês da Primavera, os vapores do céu baixam e os


da terra sobem. Céu e terra estão em harmonia. As plantas
crescem e as flores desabrocham.

No segundo mês da Primavera, vem a chuva. Os pessegueiros


florescem. Cantam os verdelhões e os falcões metamorfoseiam-
se em pombas.

No último mês da Primavera, os influxos vitais atingem o


apogeu. Por toda a parte a vida jorra, rompe, fura, abre-se.

No primeiro mês do Verão, as rãs verdes coaxam, nascem as


lagartas, os melões incham, a serralha cria semente.

No segundo mês de Verão, chega o calor forte. O louva-a-deus


aparece, o lanieiro chama, e o cuco cala-se.

No último mês de Verão, levanta-se uma brisa suave. O grilo


instala-se nas fendas das paredes, os jovens falcões ensaiam os
primeiros voas, a erva ressequida desentranha-se em
borboletas.

No primeiro mês de Outono, vem o vento fresco. Cai o orvalho


branco, a cigarra do frio começa a cantar.

No segundo mês de Outono, levanta-se um vento violento.


Chegam os patos bravos e as andorinhas partem.

158
No último mês de Outono, as avezinhas entram na água e
tornam-se moluscos. É a altura em que florescem os
crisântemos amarelos.

No primeiro mês de Inverno, a água gela.

A terra está transida de frio. Os faisões entram na água e


tornam-se lagostas. Os arco-íris extinguem-se.

No segundo mês de Inverno, a água torna-se em gelo. A terra


estala. As aves noturnas calam-se, os tigres acasalam. O arroz
começa a medrar. Os veados perdem as suas armações.

No último mês de Inverno, os patos selvagens fogem para o


Norte. A pêga constrói o seu ninho. Os servos cortam o gelo e
amontam-no nas grutas para se refrescarem no Verão.

159
58. Mao Zedong – a análise das classes chinesas

Quem são nossos inimigos e quem são nossos amigos? Esta é


uma questão de importância primordial para a revolução. Se,
no passado, todas as revoluções na China não obtiveram senão
poucos resultados, o motivo essencial é que fracassaram em
unir à sua volta os verdadeiros amigos, para desfechar golpes
contra seus verdadeiros inimigos. O partido revolucionário é o
guia das massas e jamais a revolução pôde evitar o fracasso
quando esse partido orienta as massas por um caminho errado.
Para estarmos seguros de não as conduzir por um caminho
errado e levá-las à vitória na revolução, devemos velar
imperiosamente para nos unir aos verdadeiros amigos, para
desfechar os golpes aos verdadeiros inimigos. E, para distinguir
nossos verdadeiros amigos de nossos verdadeiros inimigos,
devemos empreender uma análise geral das condições
econômicas das diversas camadas da sociedade chinesa e de
sua atitude respectiva em relação à revolução.

Todos os senhores da guerra, os burocratas, os compradores e


os grandes latifundiários ligados aos imperialistas, da mesma
forma que essa fração reacionária dos intelectuais que deles
depende, são nossos inimigos. O proletariado industrial é a
força dirigente de nossa revolução. Nossos amigos mais
próximos são o conjunto do semiproletariado e da pequena
burguesia. Da burguesia média, sempre oscilante, a ala direita
pode ser nossa inimiga e a ala esquerda, nossa amiga; mas
devemos constantemente estar em guarda para que esta última
não venha desorganizar nossa frente. [...]

160
Aquele que se alista ao lado do povo revolucionário é um
revolucionário, enquanto o que se coloca ao lado do
imperialismo, do feudalismo e do capitalismo burocrático é um
contrarrevolucionário. Aquele que se coloca ao lado do povo
revolucionário apenas em palavras, mas age diferentemente, é
um revolucionário nas palavras; um perfeito revolucionário é o
que se coloca não só nas palavras, mas nas ações, ao lado do
povo revolucionário.

161
A Mulher na China

Pode parecer estranho dedicar um tópico sobre a questão da


mulher na China, quando ela poderia ser incluída na seção
Sociedade. No entanto, creio que isso reduziria em muito o
exame que o problema merece no caso chinês. A condição
feminina na China tem sido objeto de controvérsias milenares,
caracterizadas pela tentativa constante de imposição do
masculino sobre a sociedade. Assim sendo, a literatura chinesa
proporcionou peças diversas sobre este debate, que tanto
ressaltam a necessidade de enquadrá-la como um ser submisso
quanto defendem a sua liberdade como ser autônomo e
consciente. O primeiro destes documentos é o livro de Ban
Zhao (séc. +1), intelectual chinesa da época Han que escreveu
o Lições Femininas (Nujie), cujo teor dos trechos escolhidos é
predominantemente machista, baseando-se nos discursos do
Liji. Seu livro, porém, é objeto de discussão, posto que outros
trechos parecem contradizer esta postura. Do mesmo período,
no entanto, o Livro da Alcova (Fang Zhongshu) trata a mulher
como um ser responsável pelo equilíbrio cósmico, e que por
isso deveria ser tratada em pé de igualdade (e, dependendo da
situação, até mesmo como um ser superior em certos aspectos).
Os Analectos Femininos (Nu Lunyu, da época Song) são uma
tentativa posterior de estrutura um confucionismo feminino
inteiramente baseado na misoginia, ou seja, na submissão da
mulher. As três seleções seguintes: Mercado de concubinas,
cartas familiares e Enfaixamento dos pés são desdobramentos
mais recentes destas nefastas práticas machistas. O trecho de

162
Mao Zedong ilustra a proposta comunista em renovar a visão
da mulher na sociedade chinesa, mas o texto atual de Xinran,
As boas mulheres da China, revela que a modernidade preserva
muito ainda do preconceito e da desigualdade derivadas destas
épocas.

163
59. Ban Zhao – o Tratado das Mulheres

Humildade: No terceiro dia após o nascimento de uma menina,


os antigos observavam três costumes; primeiro, colocar o bebe
debaixo da cama; segundo, dar-lhe um caco de cerâmica
quebrada para brincar; terceiro, anunciar seu nascimento para
seus antepassados por meio de uma oferenda. Colocar o bebê
debaixo da cama indica claramente que ela é humilde e fraca, e
que deve considerar antes seus deveres para com os outros do
que para si mesma. O caco de cerâmica a ensina que deve
conhecer bem cedo seus ofícios, e trabalhar bastante para ser
conhecida como dedicada. O anúncio do nascimento aos
antepassados significa nitidamente que ela tem o dever
fundamental de dar continuidade a família, aos ritos e ao
serviço.

Estes três costumes antigos definiram os modos de vida de uma


mulher comum, bem como o que ela deve aprender dos ritos,
das tradições e das cerimoniais.

A mulher modesta serve, antes de tudo, aos outros; põe-se por


último, antes mesmo de si. Se faz algo de bom, não menciona;
se faz algo ruim, nunca o nega. Nunca deixa desonrar-se, e
resiste quando outros lhe falam ou fazem mal. Aparenta sempre
ser temerosa e medrosa. Quando uma mulher segue tais
preceitos, ela pode ser dita humilde, mesmo na frente dos
outros.

Uma mulher deve dormir tarde e acordar cedo para seus


deveres. Não deve recusar trabalhos fáceis ou difíceis. Deve ser

164
arrumada, laboriosa, cuidadosa e sistemática. Quando uma
mulher realiza estas coisas, ela pode ser dita dedicada.

Uma mulher deve ser correta na maneira de servir,


humildemente, ao seu marido. Deve proporcioná-lo paz de
espírito e tranquilidade, cuidando de seus casos. Não deve ser
bisbilhoteira, e não rir de modo idiota. Deve ser limpa, e
arrumar de modo higiênico os vinhos e a comida, bem como as
oferendas aos antepassados.

Quando uma mulher observa estes princípios, pode ser


considerada como continuadora dos deveres de adoração
ancestral.

Nenhuma mulher que observa estes três princípios caiu em


desonra ou teve má reputação. Se uma mulher não observar
estes princípios, como pode querer ser honrada? Como pode
evitar atrair desgraça para si mesma?

Marido e Esposa: O caminho da esposa e do marido estão


intimamente ligados, tal como yin e yang, e estão ligados desde
o tempo dos deuses e dos antepassados. Grandes são o Céu e a
Terra, os alicerces de todos os relacionamentos humanos. Por
isso As Recordações dos ritos (Liji) louvam a união entre
homem e mulher; e o Tratado das poesias (Shijing), na
primeira ode, manifesta os princípios desta união. Por isso
mesmo este relacionamento é um dos mais importantes.

Se um marido for indigno de sua esposa, então ele não pode


controlá-la; se uma esposa for indigna de seu marido, então ela
não pode servi-lo corretamente. Se um marido não controla sua

165
esposa, as regras de conduta nas quais se baseiam sua
autoridade são quebradas e abandonadas. Se uma esposa não
serve seu marido, o relacionamento apropriado entre homens e
mulheres não segue o curso natural das coisas, sendo então
negligenciados e destruídos. De fato, a finalidade destes dois
princípios – o controle da mulher e o serviço ao homem – é o
mesmo.

Examinemos agora os cavalheiros da época atual. Sabem


somente que suas esposas devem ser controladas, e que as
regras de conduta que manifestam seu poder devem ser
estabelecidas. No entanto, eles ensinam os meninos a lerem os
livros e a estudar a história. Mas eles não tem a menor ideia de
como os mestre e maridos devem ser seguidos, e quais ritos
para manter um relacionamento apropriado devem ser
seguidos. Ora, se apenas se ensina aos homens, e não as
mulheres, isso não ignora a relação essencial entre eles?

De acordo com os ritos, a regra para começar a ensinar as


crianças a ler fixa o seu inicio na idade de oito anos, e aos
quinze elas devem estar preparadas para o exercício da cultura.
Porque apenas os meninos, e não as meninas, podem seguir
este princípio?

166
60. Fang Zhongshu – o Livro da Alcova

O caminho do Homem e da Mulher: Assim falou o mestre da


Harmonia Inicial Primitiva:

Um elemento feminino e um masculino - yin e yang - isto é


para nós o caminho. Fecundar o essencial e chamá-lo a vida -
isto se transforma numa tarefa. Até onde não alcançam estas
verdades fundamentais! Por isso, o Soberano Amarelo fez
perguntas à Moça Simples e o velho Peng deu respostas ao rei
da Estirpe dos Shang-Yin. O soberano Amarelo perguntou a
Moça Simples;

- Perdi parte da minha energia vital e saí da harmonia. Não há


mais alegria no meu coração. Meu corpo tornou-se fraco e
vulnerável. Que devo fazer?

A Moça Simples respondeu:

A causa da fraqueza dos homens está somente no fato de que


aproveitam de forma abusiva de todos os caminhos do
relacionamento entre os elementos feminino e masculino.
Neste ponto, a mulher é superior ao homem, da mesma forma
quando o fogo é apagado pela água. Se você compreende isso e
sabe aplicá-lo, você se parecerá com as panelas apoiadas num
tripé em que são combinadas harmonicamente as cinco
tendências do paladar, fazendo com que surja uma sopa
deliciosa de carne e legumes. Quem está bem informado sobre
os caminhos dos elementos feminino e masculino desfrutará os
cinco prazeres; quem não os conhece e não segue encurtará a

167
própria vida. Quantos prazeres e alegrias ainda podem ser
desfrutados! Quem não dedicaria atenção a isso?

168
61. Nu Lunyu – os Analectos Femininos

Sobre o comportamento: A primeira coisa que uma mulher


deve aprender são os princípios do comportamento: pureza e
castidade. Se você for pura, a castidade a seguirá; se você for
casta, será honrada.

Não vire sua cabeça na rua nem olhe para os lados. Não mostre
seus dentes quando fala, não mova seus joelhos quando senta.
Não mova seu vestido quando se levanta, não demonstre
ostensivamente sua felicidade, nem reclame quando estiver
com fome.

Dentro ou fora de casa, homens e mulheres devem ser


arrumados em grupos separados. Não fique bisbilhotando o
outro lado do muro, e não vá muito além dentro da corte.
Esconda seu rosto quando olha alguma coisa. Ao sair, você
deve ser cobrir. Não dê seu nome a nenhum homem que não
seja aparentado. Não faça amizades com mulheres que não
venham de boa família. Somente por meios apropriados pode-
se ser uma pessoa apropriada.

169
62. Mercado das concubinas

Em Yangzhou, havia centenas de pessoas ganhando a vida com


atividades ligadas aos "cavalos magros" (alcunha do mercado
de concubinas). Nunca deveria alguém deixar que se soubesse
que estava à procura de uma concubina. Uma vez que isso
transpirasse, os agentes profissionais e intermediários, homens
e mulheres, enxameariam como moscas à volta de sua casa ou
estalagem, não havendo meio de mantê-los afastados. Na
manhã seguinte, o homem encontraria muitos deles à sua
espera, e o proxeneta que chegasse primeiro o carregaria,
enquanto os demais seguiriam atrás, à espera de sua
oportunidade.

Ao chegar à casa do "cavalo magro", o cliente seria servido de


chá logo que se sentasse. Imediatamente a agenciadora viria
com uma moça e ordenaria: "Kuniang (senhorita),
cumprimente!" A moça fazia uma vênia. A seguir, era dito:
"Kuniang, caminhe!" Ela caminhava. “Kuniang, volte-se!" Ela
se voltava, ficando de frente para a luz e seu rosto era
mostrado. "Desculpe, podemos ver sua mão?" A mulher
enrolava-lhe a manga e expunha o braço inteiro. Sua pele era
mostrada. "Kuniang, olhe para o cavalheiro." Ela olhava, com o
canto dos olhos. Seus olhos eram mostrados. "Qual é a idade da
Kuniang?" Ela respondia. Sua voz era mostrada. "Caminhe
mais um pouco, por favor." Desta vez, a mulher erguia-lhe as
saias. Seus pés eram mostrados. Há um segredo para julgar os
pés das mulheres. Quando se ouve o roçagar de suas saias ao
começar ela a andar, pode-se imaginar que tem pés grandes,
mas, se usar as saias relativamente altas e mostrar os pés ao dar
170
um passo para a frente, já se sabe que tem um par de pés
pequenos, de que se orgulha. "Kuniang, pode retirar-se."

Logo que a moça saía, outra vinha e a mesma coisa se repetia.


Costumeiramente havia cinco ou seis moças numa casa. Se o
cavalheiro decidisse ficar com determinada jovem, colocar-lhe-
ia no cabelo um alfinete de ouro ou outro ornamento; isto se
chamava “catai”. Se nenhuma lhe parecesse satisfatória, uma
gorjeta de algumas centenas de moedas era dada à agenciadora
ou às criadas da casa e outra casa lhe era mostrada. Quando
uma agenciadora completava o giro das casas com que
operava, outras agenciadoras vinham. Isto continuava por um,
dois, talvez quatro ou cinco dias. Era uma coisa sem fim e os
agentes nunca se cansavam. Mas, depois que alguém via
cinquenta ou sessenta moças, todas eram mais ou menos
parecidas, de cara pintada e vestido vermelho. É como escrever
letras; quando se fez o mesmo sinal cem ou mil vezes, não é
mais possível distingui-lo. O cliente não sabe o que decidir, ou
qual preferir, e acaba por escolher qualquer uma delas.

Depois de feita a escolha, confirmada pelo catai, a dona da casa


aparecia com uma folha de papel vermelho e um pincel de
escrever. No papel estavam escritos os itens: sedas, flores de
ouro, presentes em dinheiro e peças de pano. A dona
mergulhava o pincel em tinta e deixava-o pronto para que o
freguês preenchesse o total de peças e do presente em dinheiro
que estava disposto a dar para ter a moça. Se isso fosse
satisfatório, o negócio estava concluído e o cliente despedia-se.

171
Antes que chegasse à sua própria casa, já ali se achavam
tamborileiros, e músicos, carroçados de carneiro e vinhos tintos
e verdes. Num instante, papéis cerimoniais, frutas e pastéis
também chegavam, e os remetentes voltavam acompanhados
pelos músicos. Antes de terem andado um quarto de milha,
retornavam com a banda, cadeirinhas de toldo floridas,
lanternas florais, tachas, archotes de cabo, carregadores de
cadeirinhas, damas de honor, velas, mais frutas, e assados. O
cozinheiro chegava com uma carroçada de verduras e carnes, e
doces, seguido de toldos, toalhas de mesa, almofadas para
cadeiras, talheres de mesa, estrelas de longevidade cortinados
de cama e instrumentos de corda. Sem aviso prévio nem
mesmo sem pedido de aprovação, a florida cadeira de toldo e
outra cadeirinha destinada a acompanhar a noiva saía para
receber a nubente, com uma escolta de lanternas nupciais e
achortes de cabo. Num átimo, a noiva chegava. Subia e
realizava a cerimônia do enlace (curvando-se perante o noivo e
os hóspedes), sendo então levada a ocupar seu lugar à mesa de
jantar, já posta. Música e cantos começavam e havia muita
bulha em toda a casa. Tudo era eficiente e rápido. Antes do
Meio-dia, a agente pedia sua comissão, dizia adeus e corria em
busca de outros clientes.

172
63. Cartas de Família de Zen Guofan

Quando a noiva (nora) entra em nossa família, deve ser


ensinada a ir à cozinha e aprender a costurar, e também a
manejar a roda de tecer. Não se deve permitir que ela fique
ociosa, pelo fato de vir de um lar rico.

Já sabem a filha mais velha, a segunda e a terceira fazer seus


próprios sapatos? Eu gostaria de que as três filhas e a nora me
fizessem, cada uma, um par de sapatos por ano, como forma de
respeito, mas também de modo que eu pudesse ver seus
trabalhos de agulha. Também devem fazer roupas e meias com
pano de fabricação doméstica. Desse modo, poderei vigiar a
diligência ou a ociosidade das mulheres de nossa casa.

As famílias dos dignitários, hoje em dia, tendem a tornar-se


ociosamente ricas, vivendo em fausto. Dão maus exemplos.
Quando minhas três filhas estiverem crescidas, quero que se
casem em famílias cultas e simples da classe média, que não
precisam ser ricas.

Nunca se deve esquecer o plantio de verduras no quintal da


casa. A criação de peixes no lago do lado de fora de nossa
porta da frente dá a todo o ambiente uma sensação de
desenvolvimento e de vida. Criar porcos é também parte
importante da economia doméstica. Secam-se, após o outono,
alguns dos bambus do terraço traseiro? Por estas quatro coisas ,
podemos ver se uma família é ativa e operosa, ou se está
consumindo sua fortuna. Nenhuma dessas quatro coisas -
criação de peixes, de porcos, os bambus e as verduras pode ser

173
negligenciada. Em primeiro lugar, queremos manter a tradição
de parcimônia e industriosidade de nossos ancestrais e, em
segundo lugar, essas quatro coisas dão sensação de vida e
desenvolvimento. No momento em que se entra por uma porta,
pode-se sentir um frêmito de atarefada prosperidade. Gastar
com essas coisas algum dinheiro e trabalho vale inteiramente a
pena.

174
64. Sobre o enfaixamento dos pés

Não havia diferença entre os pés das mulheres e os dos homens


nos tempos antigos. O Zhouli (Ritos de Zhou) menciona o
ofício do "sapateiro", que tinha o dever de cuidar dos sapatos
de reis e rainhas. Cita tamancos vermelhos, tamancos pretos,
trançados de seda, vermelha e amarela, curvas negras, sapatos
brancos, sapatos de linho para uso cerimonioso, não
cerimonioso e caseiro, destinados a homens e damas de títulos.
Isto mostra que os sapatos de homens e mulheres eram da
mesma forma. Em gerações posteriores, os pequenos e
delgados sapatos arqueados das mulheres foram muito
apreciados por seu diminuto tamanho.

De acordo com pesquisas que fiz, o enfaixamento do pés


começou com Li Houcu, de Nantang (937 + 978). Tinha ele
uma camareira real chamada Yaoniang (Srta. Yao), notável por
sua esbelta beleza e suas danças. O soberano mandou fazer um
lótus de ouro, de seis pés de altura, adornado de pedras
preciosas, festões e borlas de seda. Esse lótus de ouro,
multicolor ficava no centro. Mandou a Srta. Yao atar os pés
com seda e acocorar-se em cima do lótus, para sugerir a forma
de uma lua crescente. Ela dançou no topo do lótus de meias
brancas, e fez piruetas sugerindo as nuvens (com as mangas
compridas). Muitas pessoas, então, começaram imitar seu
estilo. Foi esse o primeiro começo do enfaixamento de pés.

Esse costume não teve início antes da dinastia Tang. Por isso,
entre os poemas escritos por tantos poetas, cantando a beleza
das mulheres, descrevendo incessantemente com grande

175
interesse seu aspecto e gestos, a riqueza de seus adornos no
cabelo e cosméticos faciais, seus mantos e saias, a delicadeza
de seus cabelos, olhos, lábios, dentes, cintura, mãos e pulsos,
nem uma só palavra foi dita acerca de seus "pés pequeninos".
No Guofu diz-se: "Novo bordado de seda cobria-lhe o alvo
tornozelo e o arco de seus pés era como uma. linda fonte".
Caoshi (192+232) tem uma frase assim: "Ela usava sapatos
bordados para longas caminhadas". Li Bai (701+762) diz em
um poema: "Um par de tamancos denteados de ouro; dois pés
brancos; como geada". Han Zhiguang escreve: "Seis polegadas
de fina pele arredondada resplendem à luz". Tu Muzhi
(803+852) escreve: "Mede um pé menos quatro décimos de
polegada". O documento "Miscelâneas dos Segredo Han” diz,
descrevendo uma jovem escolhida para ser rainha: "Seus pés
mediam oito polegadas e seus tornozelos e arcada eram belos e
cheios". Tais menções de "seis polegadas" e "oito polegadas"
de pés brancos, macios e cheios mostram que os pés das damas
antes do período Tang não eram curvados para se
assemelharem à lua crescente.

O caso do Soberano Idiota Oriental de Ci (aprox. +500) pode


ser lembrado. Fez ele com que sua concubina real favorita a
Srta. Pan, pisasse em reproduções de flores de lótus feitas de
ouro e arrumadas no soalho e disse: "Uma flor de lótus de ouro
nasce de cada passo seu". Isto, porém, refere-se às reproduções
de flores de lótus que ela pisou, mas não quer dizer que fossem
lótus os seus próprios pés. Cuibu refere em seu livro sobre a
origem das Coisas, o Guqinchu, que havia sapatos com cabeças

176
de fênix, com duplas solas, mas não há indicação de que só se
referisse a sapatos de mulheres.

Na dinastia Sung, poucas mulheres enfaixavam os pés antes do


reinado de Yuanfeng (1078+1085). Mas, nos quase
quatrocentos anos que se seguiram, a partir da dinastia mongol
(1277+1367) até o presente, as modas e exageros antinaturais
desenvolveram-se firmemente e caíram em excessos.

Todas as mulheres antigas usavam meias. No dia em que a


Rainha Yang Gueifei morreu (aprox.+756) em Mahuai, uma
aldeã recolheu o pé de um par de suas meias bordadas. Exibiu-
o ao público, cobrando cem moedas de quem o tocasse. Li Bai
diz em um de seus poemas: "Seus pés são brancos como a
geada; ela não usa meias de canos pretos". Um dos nomes
dados às meias era chiku (estojo do tornozelo). Quando o
Imperador Gaozong (1127 + 1162) soube da morte de seu
primeiro-ministro, Qinguei, disse: "Agora, não preciso
esconder um punhal em minha chiku". Assim, as meias, ou
chiku, eram usadas tanto por homens quanto por mulheres. A
diferença é que as meias, nos tempos antigos, eram pregadas
solas, o que não se dá hoje. Nos tempos antigos, podia-se
caminhar de meias sem sapatos. Hoje, não podemos fazer
isso... Zao Zijian diz: "Move-se ela com passos leves. Suas
meias de seda ficam empoeiradas". Li Houzi escreve: "Ela
desce os degraus perfumados, de meias, trazendo na mão os
sapatos de fios de ouro". Tal, na verdade, é a diferença entre os
sapatos e meias antigos e os dos tempos modernos.

177
De saltos altos não encontro menção nos livros. Parecem ser
invenção moderna. Algumas damas de Wu faziam saltos de
sândalo, cobertos com fina seda rígida. Umas tinham saltos
escavados, trazendo dentro, escondido um saquinho com
perfume, para que deixassem um rastro aromático ao caminhar.
Isto é uma extravagancia monstruosa. Menciono tal coisa
porque os poemas das dinastias Sung e mongol não fazem
referência a isso, de modo que os poetas que queiram escrever
a respeito de beldades antigas sejam cautelosos neste ponto.

178
65. Mao Zedong e a questão da mulher na China

Na China, os homens são normalmente submissos à autoridade


de três sistemas (o poder político, o poder do clã, o poder
religioso). Quanto às mulheres, estão, além disso, submissas à
autoridade dos homens ou o poder marital. Essas quatro formas
de poder - política, do clã, religioso e marital - representam o
conjunto da ideologia e do sistema feudo-patriarcal e são as
quatro grossas cordas que prendem o povo chinês e, em
particular, o campesinato. Mostramos, anteriormente, como os
camponeses, nos campos, destruíram o poder dos
latifundiários. Este é o pivô, a cuja volta gravitam todas as
outras formas de poder. A eliminação do poder dos
latifundiários abalou os poderes do clã, religioso e marital....
No que se refere ao poder marital, sempre foi mais fraco nas
famílias dos camponeses pobres, onde a situação econômica
obrigava as mulheres a assumir uma parte maior no trabalho
que nas famílias das classes mais abastadas; daí terem, com
mais frequência, o direito de expressão e decisão nas questões
familiares. Durante os últimos anos, devido à ruína crescente
da economia rural, a própria base da autoridade do marido
sobre a mulher se viu minada. Recentemente, com o
aparecimento do movimento camponês, as mulheres
começaram, em muitos lugares, a criar associações de
camponeses; soara sua hora de erguer-se à frente, e o poder
marital se enfraquecia dia a dia. Breve, o conjunto da ideologia
e do sistema feudo-patriarcal vacilará diante da autoridade
crescente dos camponeses.

[..]
179
É de primordial importância para a edificação da grande
sociedade socialista levar as mulheres em massa a participar
das atividades de produção. O princípio “para trabalho igual,
salário igual” deve ser aplicado na produção. Uma verdadeira
igualdade entre o homem e a mulher é realizável apenas no
transcurso do processo da transformação socialista do conjunto
da sociedade.

180
66. Xinran e as “Boas Mulheres da China”

Respeitada Xinran,

Ouço todos os seus programas. Todo mundo na nossa aldeia


gosta deles. Mas não estou escrevendo para lhe dizer como o
seu programa é bom; estou escrevendo para lhe contar um
segredo. Não é bem um segredo, porque todo mundo na aldeia
sabe. Há um homem velho e aleijado aqui, de sessenta anos,
que comprou uma esposa recentemente. Ela parece muito nova.
Acho que foi raptada. Acontece muito disso por aqui, mas
muitas das garotas conseguem fugir mais tarde. O velho está
com medo de que a mulher fuja, por isso amarrou-a com uma
grossa corrente de ferro. A cintura dela está em carne viva por
causa do peso da corrente- o sangue escoa pela roupa. Acho
que ela vai morrer. Salve-a, por favor. Não mencione esta carta
no rádio de modo algum. Se os moradores da aldeia
descobrirem, expulsam a minha família daqui. Que o seu
programa fique cada vez melhor. Seu ouvinte leal, Zhang
Xiaoshuan. [...]

A carta que recebi do garoto Zhang Xiaoshuan foi a primeira a


apelar para a minha ajuda prática e me deixou muito confusa.
Informei o chefe da minha seção e perguntei o que devia fazer.
Ele sugeriu, com indiferença, que eu entrasse em contato com o
Departamento de Segurança Pública. Telefonei e contei a
história de Zhang Xiaoshuan. O policial do outro lado da linha
me disse que me acalmasse.

181
"Esse tipo de coisa acontece muito. Se todo mundo reagisse
como a senhora, morreríamos de tanto trabalhar. E de toda
forma é um caso perdido. Temos pilhas de relatórios aqui e os
nossos recursos humanos e financeiros são limitados. Se fosse
a senhora, eu pensaria bem antes de me envolver. Aldeões
como esses não têm medo de ninguém nem de nada. Mesmo
que fôssemos até lá, eles poriam fogo nos nossos carros e
espancariam os nossos oficiais. Eles fazem o impossível para
garantir que suas famílias se perpetuem, pois deixar de
produzir um herdeiro seria uma ofensa contra os ancestrais. [...]

"No interior" disse ele, "o céu está no alto e o imperador está
muito longe." Na sua opinião, a lei não tinha poder algum lá.
Os camponeses temiam apenas as autoridades locais, que
controlavam seus suprimentos de pesticidas, fertilizantes,
sementes e ferramentas agrícolas.

O policial tinha razão. No final, foi o chefe do depósito de


suprimentos agrícolas da aldeia que conseguiu salvar a garota.
Ameaçou suspender o suprimento de fertilizantes dos aldeães,
caso ela não fosse solta. Três policiais me levaram até o
povoado num carro da polícia. Quando chegamos, o chefe da
aldeia teve que abrir caminho para nós por entre os moradores,
que nos xingavam e sacudiam o punho na nossa direção. A
garota tinha só doze anos. Nós a tiramos do velho, que chorava
e praguejava amargamente. Não ousei perguntar pelo garoto
que me havia escrito. Eu queria agradecer, mas a polícia me
disse que, se descobrissem o que ele tinha feito, os aldeães
poderiam assassiná-lo e à sua família. Presenciando em
primeira mão o poder dos camponeses, comecei a entender

182
como, com o auxílio deles, Mao derrotou Chang Kai-chek e
suas armas britânicas e americanas

A menina foi mandada de volta para a família em Xining –


uma viagem de trem de vinte e duas horas, a partir de
Nanquim-, acompanhada por um policial e alguém da estação
de rádio. Apurou-se que os pais tinham contraído uma dívida
de quase dez mil iuanes tentando encontrá-la.

Não recebi nenhum elogio por salvar a menina, só críticas por


deslocar soldados, causar agitação entre as pessoas e
desperdiçar o tempo e o dinheiro da emissora. Fiquei abalada
com essas queixas. Havia uma garota em perigo e, ainda assim,
ir em socorro dela era visto como "exaurir as pessoas e drenar o
Tesouro”. Quanto valia, exatamente, a vida de uma mulher na
China?

183
Religião

Talvez este tópico seja o mais complexo de todos, posto que os


chineses nunca desenvolveram uma ideia de “religião”, tal
como conhecemos, que se constituísse num campo específico.
As classificações ocidentais usualmente empregadas para esta
questão não funcionam: afinal, talvez só o daoísmo pudesse ser
entendido plenamente como uma religião, posto que o
confucionismo defende a liberdade de crença e o budismo
possui credos tão díspares que vão do ateísmo ao panteísmo ou
ao politeísmo. Existe ainda uma religiosidade popular e
folclórica possivelmente inclassificável, posto que ela nunca
foi sistematizada (apenas o daoísmo a absorveu em alguns
aspectos). Em linhas gerais, portanto, o mundo das crenças
chinesas sempre foi lido por meios intelectuais, e tratado como
uma questão pessoal, exceto nos casos em que estas crenças
causavam desordem pública, tal como ocorreu algumas vezes
com o budismo, com o islã e com o cristianismo (este último,
causador da terrível revolta Taiping, +1851 +1864,
provavelmente a única guerra religiosa que aconteceu no país
até hoje). No mais, a morfologia das religiões chinesas pode ser
artificialmente classificada do seguinte modo; desde cedo, esta
civilização convive com uma crença politeísta riquíssima, em
que se alternam as visões de extinção da vida, continuidade da
alma ou mesmo de reencarnação. A intelectualidade
confucionista adotou o ponto de vista moral e ecológico
proposto por Confúcio, dirigindo a discussão das crenças para
o ponto de vista científico e cosmológico, e centrando suas

184
concepções na noção de Céu (Tian). Desta maneira, o material
mais farto que temos sobre mitologia provém das fontes
daoístas, conquanto o budismo adotou muitos dos seus pontos
de vista para achinesar-se, propondo em troca os desafios sutis
e profundos da metafísica e fazendo surgir, no país, a inédita
escola Chan (em japonês, Zen).

O que veremos, pois, é uma relação diversa (e não cronológica)


destes temas que podemos considerar “religiosos”. Primeiro, a
Noção de Céu proposta nos antigos textos confucionistas.
Depois, dois relatos sobre a criação do universo propostos no
Huainanzi (séc. -2) e no mito de Pangu. Note-se que, na China
Antiga, não havia um mito de criação como encontramos nos
povos do Oriente Próximo, Índia ou Ocidente. Os intelectuais
chineses tratavam a questão de modo bem simples: como
nenhum deles estava no momento da criação, então, não
poderiam saber como ela se deu. Acreditando ainda que o
universo é um mundo natural, não se viam, por conseguinte,
como desligados da natureza; e por conta disso, não havia
qualquer tipo de revelação ou “religação” que influenciasse seu
ponto de vista. Deste modo, as elaborações que ocorreram
neste sentido foram todas teoréticas e intelectuais, tal como
aparece no Huainanzi. Se haviam mitos nas épocas antigas,
eram tão pouco importantes que nenhum autor chinês se
preocupou em preservá-los como uma história autêntica. O
Mito de Pangu só surge, na história e na literatura chinesa, em
um período muito posterior aos tempos clássicos, e parece se
tratar de uma narrativa importada, cujo sentido está claramente
ligado ao problema da crença de um “início de tudo”. No

185
seguir, três relatos sobre divindades chinesas, apresentando um
caso de “divindades naturais” (no Huainanzi), de divindade
popular (O deus do fogão, responsável pelos relatórios
familiares perante a corte do Céu) e de divindade criada pela
tradição (Deuses do Portão). Depois, uma breve análise sobre a
concepção de alma em Zhuangzi (-369 -286), sobre os ritos
para os Antepassados (Shujing), a crítica mordaz do
confucionista e cético Wang Chong sobre a crença em
fantasmas, e seu contraponto nas Recordações de casos
espirituais (Soushenji, de Gan Bao, da época Tang). O tema da
Imortalidade, credo daoísta que defendia a possibilidade de
harmonizar-se com a natureza a tal ponto que a vida fosse
inteiramente preservada surge pela primeira vez, sistematizado,
no texto fundador de Ge Hong (O mestre que abraça a
simplicidade, ou Baopuzi, 284+364), embora se tratasse de
uma crença bem mais antiga. Histórias de feiticeiros e
alquimistas (os Fangshi) são igualmente contadas na Relação
das Coisas do Mundo (Bowushi, séc. +4?), almanaque de
coisas estranhas que se contrapunha as visões racionalistas dos
intelectuais confucionistas. Um terceiro texto, de Chang
Shiyuan (1755 +1824), mostra, porém, esta crítica filosófica a
crença na imortalidade. A primeira antologia de mitos e lendas
aparece no texto do Tratado das Montanhas e dos Mares
(Shanhaijing,), da época Han, que apresenta o sumário das
crenças mitológicas chinesas antigas e sua geografia
imaginária. Por fim, uma apresentação do Budismo chinês feita
pelos próprios, e a crítica implacável contra eles feita por
Hanyu, intelectual da época Tang. O último texto, do mesmo

186
Hanyu, nos apresenta uma visão sobre a questão da existência
dos demônios.

187
67. Shijing – apontamentos sobre o Céu

Céu é onisciente e onipresente.

Temei a ira de Céu e não vos entregueis à dissipação.

Temei para que o Céu não mude para convosco, e não ouseis
seguir os maus caminhos.

O majestoso Céu tem visão clara e prolonga-se onde quer que


vós ides.

O majestoso Céu vê tudo, como o sol, e alcança-vos em todas


as vossas vadiagens licenciosas. [...]

Sede reverentes! Sede reverentes! O Céu revelou a sua


vontade. O seu mandato não é fácil de conservar. Não digais
que o Céu está distante. Ele desce e sobe, interessando-se pelos
nossos afazeres, e examina diariamente todas as nossas ações.

[...]

O Céu abençoa, protege e envia felicidade.

Que o Céu vos proteja e vos estabeleça, tornando-vos


perfeitamente seguros. Se fordes verdadeiramente virtuosos,
que felicidade é que ele vos recusa? Ele faz-vos receber muitas
graças. Estas não numerosas, naturalmente.

[...]

O Céu criou as gentes e deu-lhes as suas aptidões.

188
Ao dar origem a todas as pessoas, o Céu ordenou que as suas
naturezas fossem independentes. Algumas começam bem, mas
poucas se conservam boas até à morte.

189
68. A criação – uma teoria do Huainanzi

Na época que o céu e a terra não tinham forma, esta foi


chamada de grande mistura, pois tudo era vasto, imenso,
obscuro e indistinto.

O dao começou nas imensidões do vazio. Ele engendrou o


tempo, que engendrou os sopros. Os sopros geraram os
contornos; sua dispersão iniciou a separação, e o que era leve e
fátuo deu origem ao céu. O que era grosso e pesado se
aglomerou para formar a terra. A reunião e a condensação do
leve e sutil foi rápida, mas a solidificação e a aglomeração do
pesado e denso foram delicadas. Assim é que o céu tornou-se
fixo, mas a terra não.

As essências do céu e da terra constituem o yin e o yang. As


essências condensadas de yin e yang constituem as quatro
estações. As essências dispersas nas quatro estações constituem
os dez mil seres.

190
69. A criação – o mito de Pangu

Estavam o céu e a terra mesclados como se fossem um ovo, e


dali de dentro nasceu Pangu. O céu e a terra levaram dezoito
mil anos para se separar; o yang, que era claro, foi se tornando
o céu e o yin, que era escuro, foi se tornando a terra. E em meio
a tudo isso, Pangu foi transformando-se, alcançando a
sabedoria do céu e a potencia da terra. Durante dezoito mil
anos o céu foi subindo e a terra descendo, e Pangu crescia
junto, e quando eles alcançaram o máximo de sua separação,
Pangu também atingiu seu tamanho final. Depois vieram os
três soberanos – do céu, da terra e dos homens. [...]

Estando Pangu – o primeiro que nasceu – a ponto de morrer,


todo seu corpo se transformou; seu hálito se transformou no
vento e nas nuvens; seu olho esquerdo o sol e a o direito a lua;
as quatro extremidades e os cinco membros nas quatro direções
e nos cinco cumes; o sangue nos rios azul e amarelo; os
tendões e as veias nas principais vias de comunicação da terra;
os músculos e a carne nas terras pantanosas; o cabelo e os
demais pelos do corpo nos astros e planetas; a pele nos prados
e bosques; os dentes e ossos nos minerais e nas pedras; o
esperma a coluna nas perolas e jades; a transpiração e o suor na
chuva e nos pântanos; e, por fim, as pulgas que haviam em seu
corpo se transformaram, despertadas pelo contato do vento, nas
pessoas e nos povos.

191
70. Huainanzi – Deuses dos espaços

O oriente pertence ao elemento madeira, cuja posse é do


imperador azul; com seu ajudante jumang, ele governa a
primavera, e leva um compasso na mão.

O sul, por sua parte, pertence ao elemento fogo, e é posse do


imperador vermelho; com seu ajudante “Brilho vermelho”, ele
rege o verão, e leva uma balança na mão.

O centro pertence ao elemento terra, e é lugar do imperador


amarelo; com seu ajudante, o “senhor do solo”, ele tem o
controle dos quatro pontos cardeais, e leva uma corda grossa
nas mãos.

O ocidente pertence ao elemento metal, e é lugar do imperador


branco; com seu ajudante, que se chama “colhedor de
colheitas”, ele governa o outono, e leva uma régua na mão.

O norte pertence ao elemento água, e é lugar do imperador


negro; com seu ajudante “preto-escuro”, governa o inverno, e
leva um peso na mão.

192
71. O Deus da cozinha

No último dia da duodécima lua

O deus do Lar volta para o Céu para contar o que viu cá na


Terra.

Antes de o queimarem e em fumo o tornarem toda a família lhe


dá de comer para que fique com o ventre farto.

Leitão bem assado, peixe mui gostoso, bolos aloirados, frutos


bem maduros,

O vinho um regalo, não se olha a despesas.

O deus do Lar esquece as querelas,

As palavras insolentes, as faltas de todos. Sobe ao Céu bêbado


e satisfeito.

O que é preciso depois é arranjar outro Deus.

193
72. Os Deuses do portão

Tendo o imperador Dong Taizong caído doente, um bando de


diabos fez durante toda a noite grande algazarra nos seus
aposentos. Mandou o soberano chamar os seus fiéis generais
Qiu Chubao e Hu Qingde, e disse-lhes:

- Durante dezenove anos conduzi os meus exércitos em todas


as direções, batalhando e fazendo a guerra; nunca conheci um
único malefício, e eis que me aparecem agora os diabos. Talvez
não acreditem, mas ouvi perfeitamente, nas últimas noites, os
diabos fazerem algazarra diante das portas de entrada dos meus
aposentos, atirarem tijolos e lançarem pedaços de telhas. De
dia, acaba tudo, mas de noite a algazarra recomeça.

Qiu respondeu:

- Fique Vossa Majestade descansada, esta noite montarei


guarda com Hu diante da porta do vosso palácio, para ver essas
diabruras.

O imperador aquiesceu a esta proposta. Ao cair da noite, Qiu e


Hu revestiram as suas armaduras, cobriram-se com os elmos e,
de arma em punho, foram postar-se diante da porta do palácio.
Durante toda a noite ninguém buliu e, essa noite, Taizong
dormiu em paz.

No dia seguinte de manhã, o imperador agradeceu-lhes


efusivamente, e desde esse dia começou a melhorar da sua
enfermidade. Sucedeu o mesmo na segunda noite de guarda e
nas seguintes. Como lhe custasse fatigar assim os seus bravos

194
generais, o imperador, convocou os ministros e dirigiu-se-lhes
nestes termos:

- Os meus dois generais estão fatigados de passarem a noite


sem dormir, de guarda à porta do meu palácio. Quero mandar
vir um artista que pinte um retrato fiel destes dois bravos para
colar à porta do palácio. Veremos se isso bastará.

Os ministros obedeceram, e os dois pintores fizeram o retrato


dos dois generais. Os retratos foram colados às portas e daí em
diante nunca mais se ouviu qualquer rumor à entrada do
palácio.

195
73. Da Alma, Zhuangzi

Considere o corpo humano com sua centena de ossos, as nove


cavidades externas e os seis órgãos internos, tudo completo.
Qual dessas partes prefere? Por acaso não gosta de todas
igualmente, ou tem sua preferência? Esses órgãos prestam
serviço de servos a mais alguém? Desde que os servos não se
governam, servirão eles de senhores e servos por turnos? É
inegável que existe uma alma para controlá-los. Porém,
tenhamos ou não fixado a verdadeira natureza dessa alma, isso
é coisa que pouco interessa à própria alma. Pois, uma vez
tomando conta da forma material, prossegue em seu curso até
exaurir-se. Consumir-se nos trabalhos e nos pesares da vida e
ser arrastada sem possibilidade de parar em caminho - não é
digna de pena? Trabalhar sem cessar a vida toda e depois, sem
viver para colher os frutos, esgotada pelo labor, partir para não
se sabe onde - não é uma razão para pesar? Os homens
afirmam que não há morte - de que adianta isso? O corpo se
decompõe e o espírito desaparece com ele. Não é motivo para
tristeza? O mundo pode ser tão estúpido a ponto de não
perceber isso? Ou serei eu somente o estúpido e os outros não?
[...] Certa vez eu, Zhuang, sonhei que era uma borboleta,
voando daqui para acolá, com todos os fins e propósitos de
uma borboleta. Só tinha consciência de minha felicidade como
borboleta sem saber que eu era eu. Depressa acordei e ali
estava eu, eu mesmo, na verdade. Agora não sei se eu era um
homem sonhando ser borboleta, ou se eu sou uma borboleta
sonhando ser um homem. Entre um homem e uma borboleta
há, naturalmente, uma distinção. A transição é chamada

196
transformação de coisas materiais. [...] “Todas as espécies vêm
de sementes. Certas sementes, caindo na água, tornam-se
lentilhas-d'água (...) tornam-se liquens (...) que produzem o
cavalo, que produzem o Homem. Quando o Homem envelhece,
torna-se semente outra vez".

197
74. Dedicação aos Antepassados, Shijing

Crescem bem cerrados os tributos (no solo), mas espalham os


ramos espinhosos. Por que o fazem há tantos anos? Para que
possamos plantar nosso milho e sacrificar milho; para que
nosso milho possa ser abundante e nossos sacrifícios de milho
abundantes. Quando nossos celeiros estão cheios e nossas
provisões são contadas por dezenas de milhares, faremos
apelos aos espíritos e preparamos grãos para as oferendas e
sacrifícios. Fazemos os representantes dos mortos sentarem e
pedimos-lhes para comer - assim procurando aumentar nossa
felicidade. Com conduta correta e respeitosa, os touros e os
carneiros todos puros, procedemos aos sacrifícios de inverno e
de outono. Algum esfolam (as vítimas); outros cozinham (sua
carne) ; outros preparam (a carne) ; outros ajustam (as diversas
partes). O que oficia as preces faz sacrifícios dentro do portão
do templo. E todo o serviço sacrifical é completo e brilhante.
Majestosamente chegam nossos progenitores; seus espíritos
gozam alegremente as oferendas; seus descendentes recebem a
benção - eles o recompensarão com grande felicidade, com
miríades de anos, com vida sem fim. Preparam o fogo com
todo respeito; preparam os tabuleiros que são enormes - alguns
para a carne assada, outros para o assado. As esposas que os
presidem ainda fazem reverências, preparando os numerosos
(menores) pratos. Os convivas e os visitantes passam a taça de
mão em mão. Cada fôrma segue a regra; cada sorriso e cada
palavra são como devem ser. Os espíritos chegam calmamente
e cobrem todos com grandes bênçãos - milhares de anos como
a recompensa (mais apropriada). Estamos muito cansados e

198
terminamos cada cerimônia sem um erro. O apto encarregado
das preces anuncia (a vontade dos espíritos) e procura o
descendente para transmiti-Ia - "tem sido fragrante seu
sacrifício filial e os espíritos apreciaram seu espírito e as
iguarias. Eles lhe conferem centenas de bênçãos; todas como
mais deseja, todas tão seguras como a lei. Você foi exato e
pronto; foi correto e cuidadoso; eles lhe conferirão até o mais
raro dos favores, em milhares e dezenas de milhares". As
cerimônias tendo assim se completado e os sinos e tambores
tendo dado o sinal, o descendente vai ocupar seu lugar e o
encarregado das preces anuncia - Os espíritos beberam até
fartar. - Os grandes representantes dos mortos levantam-se
então e os sinos e tambores escoltam sua retirada (com a qual)
os espíritos tranquilamente voltam (para o lugar de onde
vieram). Todos os servos, e as esposas que presidem, removem
(as bandejas e pratos) sem demora. Os tios e primos (do
sacrificante) todos se dirigem para um banquete privado. Os
músicos todos vão tocar e prestam seu auxílio serenante à
segunda bênção. As suas viandas são expostas; não há ninguém
que não se sinta satisfeito e sim todos estão muito contentes.
Bebem até fartar e comem até não quererem mais; grandes e
pequenos todos curvam as cabeças (dizendo) - “Os espíritos
apreciaram seus espíritos e iguarias e lhe darão vida longa.
Seus sacrifícios, todas suas oportunidades são completamente
dispensados. Possam seus filhos e seus netos jamais deixar de
perpetuar esses serviços!”

199
75. Sobre Fantasmas, por Wang Chong

Diz o povo que o fantasma de um morto tem consciência: pode


causar dano às pessoas. Pela analogia geral com os animais, um
homem morto não se torna fantasma e é incapaz de causar dano
aos vivos. O homem é um animal, e um animal é também um
animal. Se um animal não se torna fantasma quando morre,
como iria tornar-se fantasma um homem?

A vida do homem depende de seu espírito e esse espírito se


extingue quando ele morre. O espírito do homem (qi, ou
energia) vem de seu sangue e quando o sangue do homem,
após sua morte, lhe sai do corpo, o espírito, ou energia, se
exaure. A seguir, o corpo se decompõe e torna-se pó. A que se
apegaria o espírito para tornar-se fantasma? Às vezes,
comparamos um cego, ou um surdo, à vegetação comum, que
não pode ver nem ouvir. Ora, quando o espírito deixa um
homem, isso é algo mais sério do que a mera perda da visão ou
da audição.

Desde que teve começo o universo, milhões de pessoas têm


morrido, em tempos diferentes. O número dos que hoje vivem
é muito menor que o dos que morreram no passado. Se,
portanto, os mortos se tornassem fantasmas, deveríamos
encontrar um fantasma a cada passo. Se alguém vê fantasmas
junto a seu leito de morte, deveria vê-los aos milhões,
enchendo todas as ruas, os becos, os vestíbulos e os pátios, e
não apenas ver um ou dois fantasmas.

200
É da natureza das coisas que um fogo novo possa ser aceso,
mas não há fogo extinto que comece a arder de novo. Novos
seres humanos nascem, mas é impossível que um homem
morto volte a viver.

Se fosse possível reanimar um fogo já extinto, então eu estaria


inclinado a aceitar a suposição de que os mortos podem voltar
a receber contorno e forma. Pela analogia com o fogo extinto, é
claro que os mortos não podem viver de novo como fantasmas.

O que entendemos por fantasmas é serem eles os espíritos dos


mortos. Mas, se isto é correto, então, quando alguém vê um
fantasma, deveria ver somente o espírito nu, e não vestido de
túnica e cinto. Pois a roupa não é feita de espírito; quando
enterrada, decompõe-se juntamente com o corpo do morto. É
desarrazoado admitir que se conserve para que o fantasma a
use. É possível argumentar que o espírito de um homem
depende da energia de seu sangue e que essa energia
desapareça com a decomposição do corpo mas o espírito lhe
sobreviva para tornar-se fantasma. Claro é, porém, que à roupa
de um homem, feita de algodão ou seda, não se infunde essa
energia do sangue, da maneira por que isso ocorre ao corpo.
Como, então, poderá a roupa manter seu contorno e seu
formato? Assim, se admitirmos que, quando alguém vê a roupa
de um fantasma, isso provém da imaginação, também devemos
dizer que, quando alguém vê a forma de um fantasma, isso
igualmente provém da imaginação. E, portanto, o que é
imaginado não é o espírito de um morto.

201
A forma decorre da associação com o espírito, mas o espírito
também se torna consciente por associação com a forma
material. Não havendo fogo que arda por si só, como haverá
espírito consciente sem corpo? Quando pessoas falam e fazem
coisas ao lado de quem dorme, o adormecido não sabe disso.
Da mesma forma, quando se fazem coisas boas ou más na
presença de um caixão, o defunto não pode ter consciência
disso. Se, portanto, quem está simplesmente a dormir, com sua
forma corporal intacta, não pode ter consciência do que ocorre,
como será isto possível quando a forma corporal já estiver
decomposta?

Se alguém é atacado e ferido por outra pessoa, faz uma queixa


à autoridade e conta o fato aos outros, porque tem consciência.
Às vezes, alguém é assassinado e ninguém sabe quem foi o
assassino, ou as vezes nem mesmo se sabe do paradeiro da
vítima. Se a vítima morta tivesse consciência, por certo ficaria
encolerizada com o assassino e, consequentemente, seria capaz
de queixar-se às autoridades e dar-lhes o nome do criminoso;
ou poderia ir à sua casa e dizer à família onde se encontrava
seu cadáver. Como o morto não faz tal coisa, podemos concluir
que ele não tem consciência.

Um homem em boa saúde tem a mente em bom


funcionamento, mas, quando cai doente, sua mente se torna
confusa, porque seu espírito foi perturbado. A morte é, por
assim dizer, o extremo da doença. Se a mente de alguém já está
confusa e incoerente quando alguém se acha enfermo, ainda
mais o deverá estar quando ele estiver morto. Quando o
espírito é perturbado, a mente perde seu poder de

202
reconhecimento; isto deve ser ainda mais certo quando o
espírito se dispersa. Um homem morre como um fogo se
extingue. Um fogo extinto não produz luz e um homem morto
não pode ter consciência. Os dois casos são estritamente
comparáveis.

Se um homem não pode tornar-se fantasma, os mortos não


podem causar dano a ninguém. Como se prova isso? A força de
um vem de sua nutrição e, quando é forte, ele pode cometer
violência. Um doente, porém, não pode comer nem beber como
de hábito, torna-se gradativamente mais fraco, até morrer. Ora,
quando alguém está muito doente, não pode sequer denunciar
ou gritar contra um inimigo em seu quarto, ou impedir que um
ladrão lhe roube as coisas. Isso, em razão de sua condição de
enfraquecimento. A morte é o extremo dessa condição de
enfraquecimento. Como poderia, então, um fantasma fazer mal
a homens? Alguém pode sonhar que feriu ou matou uma
pessoa e, no dia seguinte; desperta e vê seu próprio corpo, e o
corpo da pessoa que sonhou ter matado, e não pode encontrar
quaisquer ferimentos. Ora, o sonho vem do espírito. Se o
espírito, num sonho, não pode causar dano real a ninguém,
como poderá fazê-lo o espírito de um morto.

203
76. Fantasmas, do Soushenji

Durante a dinastia Han, Hochang, de Jiujiang, inspetor da


prefeitura de Jiao, foi a terra de Gaoan, in Cangwu, a trabalho.
Quando a noite chegou, ele pernoitou no Pavilhão do Ganso da
neve. No meio da noite, uma mulher apareceu na entrada do
pavilhão, acordando-o, e contou-lhe a seguinte história:

“Eu sou Su O da vila de Xiu, na província de Guangxin. Perdi


meus parentes há muito tempo, e não tenho irmãos. Casei na
família Shi, da minha província, mas a desgraça me perseguiu,
e meu marido morreu. Eu tinha mais de duzentos tipos
diferentes e variados de rolos de seda, e uma serva de nome
Zhifu. Sozinha e sem recursos, não consegui suportar a
situação e fui até a província vizinha vender minhas sedas. Eu
aluguei uma carroça com um homem da minha terra chamado
Wangbo, pela qual paguei doze mil moedas. Andei com Zhifu
tentando vender as sedas, e neste último ano, no 20o dia do
quarto mês, cheguei a este pavilhão. Tendo andando sem eira
nem beira, todos os dias, sem um sentido definido; mas como
Zhifu teve uma dor de estômago violenta, resolvi entrar nesta
vila procurando ajuda e fogo par nos aquecer. O chefe da vila,
Gongshou, pegou uma adaga e veio conferir minha carroça. Ele
começou a perguntar: “de onde você veio? Onde está seu
marido? O que você tem aí? Você viaja sozinha?”. Respondi:
“E o que isso te interessa?”. Ele me agarrou pelo braço e disse-
me que “homens jovens gostam de garotas bonitas. Vamos nos
divertir juntos”. Aterrorizada, não pude ceder. Shou então me
matou com uma facada, e depois, matou Zhifu também. Matou
o boi da carroça, pôs fogo nela, vendeu minhas sedas, me
204
enterrando aqui, construiu a base do pavilhão por cima de
minha cova e ainda, realizou ritos e oferendas no pavilhão.
Enquanto não obtiver a minha reparação, não posso ir para o
Céu. Não tenho outra pessoa senão você a quem possa me
dirigir, por isso contei minha história”.

Chang disse: “eu precisaria achar seu corpo. O que pode servir
de evidência?”.

A mulher respondeu: “eu estou vestindo uma roupa branca


bordada, com sapatos verdes de seda. Ela não se corrompeu
ainda. Eu gostaria que você fosse, depois, até minha casa, na
minha terra, e enterrasse meus ossos junto com os do meu
marido”.

A escavação confirmou a história. Chang ordenou ao oficial


local que prendesse Gongshou, que confirmou a história sob
tortura. Chang foi até Guangxin descobrir mais sobre Su O, e
todo o caso foi corroborado. Os parentes de Gongshou também
foram todos presos.

Chang escreveu um memorial dizendo: “em casos ordinários de


assassinato, a punição não se estende aos familiares. Mas Shou
era um degenerado, que se beneficiou do crime e que se
escondeu da lei por mais de um ano. Somente uma vez a cada
mil anos uma coisa dessas pode acontecer sem que ninguém
saiba. Eu requisito que toda a família seja decapitada para
provar a existência dos fantasmas, e assim ajudar as regiões
inferiores na prática da justiça”.

O imperador aprovou o requerimento.

205
206
77. Imortalidade e o elixir da longa vida, por
Gehong
Os imortais nutrem seus corpos com drogas e prolongam sua
vida com a aplicação de ciências ocultas, as energias internas
não saem e os alimentos externos não entram no corpo. Ao
conseguirem estender sua existência e não morrer, seus corpos
antigos não se alteram. Se alguém conhece um destes caminhos
para imortalidade, isto não é considerado uma dificuldade.

De todas as criaturas da natureza, o ser humano é a mais


inteligente. Ele pode então compreender como se dá a criação e
utilizar as inúmeras coisas ao seu dispor, conseguindo obter
aquilo que Laozi chamava de “vida longa e estender a
existência”. Como sabemos que a melhor medicina pode
prolongar a vida, e levar a imortalidade, assim como a tartaruga
e a garça conseguem também a longevidade, quem souber
imitar estas disciplinas, conseguirá expandir sua vida
ilimitadamente. Aqueles que obtiveram o Dao estão habilitados
a morar entre as nuvens e acima do céu, tal como habitar e
nadar nos rios e nos mares.

Baopuzi disse: eu investiguei e li livros sobre nutrição da


natureza humana, e coletei fórmulas para estender a existência.
Eu pesquisei milhares de livros, e posso afirmar que a
conversão do cinábrio (mercúrio) e do ouro líquido são as mais
importantes. Estes dois elementos representam o ápice do
caminho da imortalidade. (...) O ouro liquido e o cinábrio
convertido, pois, podem penetrar nosso corpo, permeando o

207
funcionamento de todo o sistema sanguíneo e energético,
dispensando assim qualquer outro tipo de auxílio externo.

208
78. Os Fangshi, no Bowushi de Zhang Hua

Como era um grande interessado nos métodos de cultivo da


saúde, e grande conhecedor de técnicas alquímicas, o
imperador Wu da dinastia Wei convocou e congregou sábios
destas artes, tais como Zuo Yuanfang e Huatuo, e seus
seguidores, e não houve quem não acudisse ao seu pedido.

Eis aqui os fangshi que o primeiro soberano da dinastia Wei


congregou: Wangzhen, de Shangdang; Fengjunda, de Longxi;
Ganshi, de Ganlin; Lunusheng e Huatuo, também chamado de
Yuanhua, do país de Qiao; Dong yannian, Tangyu, (...). Dos
fangshi que haviam nos tempos de Wei, podemos destacar os
seguintes: Ganshi, de Ganling, que era especialista em técnicas
de respiração; Zuoci, de Lujiang, que era especialista em
técnicas sexuais, e Qiejian, de Yangcheng, que era especialista
de jejum, três homens que chegaram a viver seiscentos anos
cada um. Pois bem, tantos estes quanto os outros, similares,
foram congregados pelo imperador Wu em seu reino de Wei,
que evitou que partissem para outras cortes, dispersando-se.

Um deles, pois, era Ganshi. Uma vez, Caozhi perguntou qual


era o segredo para chegar, como ele havia chegado, a ser um
ancião com a aparência de um jovem. Ganshi o respondeu
assim: com meu mestre, Hanshiya, bastava ir até o mar do sul e
fazer ouro medicinal, do qual, uma vez, extraímos ao mar dez
mil jin; logo pescamos carpas, untamos uma delas com a
substancial medicinal e a deixamos em óleo fervente. Vimos
que, mesmo no óleo fervendo, ela nadava e se mexia daqui pra
lá, as vezes indo ao fundo e as vezes indo até a superfície,

209
como se estivesse nadando em um lago. A outra que não estava
untada com o ouro medicinal estava frita e pronta para comer.
Disse ainda que esta substância medicinal se achava a mais de
dez mil li de distancia e que era impossível encontrá-la se o
buscador não fosse pessoalmente.

E aqui estavam presentes também as teorias benéficas a saúde


do mestre daoísta boi azul, também chamado de Feng Junda,
tal como se transmitiu a Huanfu Long; - temos que fazer
exercícios físicos com frequência, cuidando de não fazer
pouco; devemos tomar cuidado também em não se exceder em
comer demais, ou em misturar alimentos diversos. Convém
deixar de lado as gorduras e sabores fortes, assim como o
vinagre e o sal; evitar também preocupações e desassossegos;
evitar as alegrias extremadas e as tristezas; manter-se afastado
da fama e das honrarias, bem como não abusar do sexo. Na
primavera e no verão, convém abrir-se e expelir, como no
inverno e no outono deve-se fechar e acumular. O imperador
Wu fez isso como indicado, e deu bom resultado.

Tal como recorre o imperador Wu em sua obra Dianlun, o rei


se Chensi (chamado Caozhi) escreveu o seguinte em seu livro
Biandaolun: meu irmão, o imperador, congregou os fangshi
mais importantes do mundo: Ganshi de Ganling, Zuoci de
Lujiang e Qiejian de Yangcheng. Ganshi é especialista em
técnicas de respiração, Zuoci em técnicas sexuais e Qiejian em
técnicas de jejum, e os tres chegaram vivos a idade de trezentos
anos. Mas tanto meu pai, o imperador, quanto o príncipe
herdeiro e meus irmãos se riem e não creem nestas coisas. Da
minha parte pude comprovar, porém, sem abandonar Qiejian

210
até mesmo para dormir, como era capaz de caminhar e de ter
uma vida normal depois de ter havido jejuado por mais de cem
dias – apesar que qualquer homem comum, ao contrário,
haveria morrido em menos de sete dias de abstinência total, o
que não ocorreu com Qiejian. Por outro lado, as práticas de
Zuoci englobam certam técnicas sexuais por meio das quais se
pode prolongar a vida, porém se não nos dedicarmos
inteiramente a elas, elas não surtirão efeito.

Finalmente, Ganshi chegou a velhice parecendo muito jovem.


Além deles, vieram muitos outros fangshi, que foram
reconhecidos como mestres – e assim, o soberano os colocou
ao seu redor.

211
79. Sobre a Imortalidade

Todas as coisas vivas deste universo morrem. Entre plantas,


aves, animais e insetos, uns nascem pela manhã e morrem à
tarde, uns têm o período de um ano de vida, e uns duram dez,
ou cem, ou mil anos. Mas todos morrem. A diferença está
simplesmente na extensão do tempo.

O mesmo é exato quanto ao homem. Quando está vivo,


trabalha e se ocupa com alguma coisa, e preocupa-se e planeja
como se fosse viver para sempre. Mas, quando seu espírito se
dispersa e ele morre, não consegue sequer que cresça carne
bastante para lhe cobrir os ossos brancos. A morte lhe chega
exatamente como chega às plantas, aves, animais e insetos.

Um homem educado tem consciência desse fato. Portanto, não


encara a vida e a morte como dependentes da existência ou
não-existência da forma corpórea, e sim do desenvolvimento
ou decadência de seu espírito de vida. Quando alguém está
perfeitamente bem de corpo, mas seu espírito vital se foi, pode
por certo ser tido como morto. Se, porém, o espírito de vida de
alguém se desenvolveu para encontrar expressão em princípios
de verdade e justiça, ou na literatura, torna-se ele então parte
do grande rio da vida deste universo. Está liberto, então, dessa
dependência de um corpo material.

Nos clássicos e na história encontramos os sábios antigos, que


morreram há muito tempo, mas cujas luzes brilham através das
eras como as estrelas e o sol. Posso em verdade dizer que esses
homens ainda estão vivendo conosco. Assim, ser o homem

212
mortal ou imortal depende inteiramente do próprio homem.
Todavia, todos os homens morrem e poucos realmente há que
se tornam imortais. O intelectual deveria decidir-se e confiar
em si mesmo.

213
80. Criaturas bestiais, do Shanhaijing

Durante uma prolongada viagem, Da Yu visitou nove


continentes e atravessou quatro mares, no entanto, nem todos
os lugares por onde passou eram acolhedores: na realidade,
algumas destas regiões eram habitadas por demônios hostis e
feras bestiais.

Na extremidade do Mar do Sul, havia uma região toda em


chamas, habitada por demônios de cara humana e corpos
peludos, monstruosos, que das suas bocas gigantescas
lançavam constantemente labaredas e fumo, atacando, assim,
os animais, as aves e mesmo os humanos.

Na costa do Mar do Sul havia, ainda, um país de homens-


crocodilos tendo os seus habitantes uma cabeça humana, a
bocarra dos crocodilos, o corpo coberto de densos pêlos pretos
e, mais estranho ainda, dois gigantescos pés virados para trás.
Se encontrassem alguém, primeiro lançavam uma terrível
gargalhada para depois saltarem sobre o desgraçado engolindo-
o por completo. Estes demônios vagabundeavam pelas florestas
levando com eles flautas de bambu que tocavam produzindo
uma melodia dolente.

Entre os países imaginários havia uns mais inacessíveis que


outros, tais como: o dos homens zarolhos - cujos habitantes só
tinham um olho localizado verticalmente no centro do rosto, o
dos homens dos peitos furados, o dos homens com três cabeças
- cujos habitantes podiam olhar em três direções ao mesmo
tempo e pronunciar simultaneamente três vozes diferentes.

214
No que se refere às feras bestiais, os países imaginários
possuíam numerosos e diversos gêneros, das quais só citaremos
aqui algumas.

Havia umas chamadas Qiong Qi, semelhantes aos tigres, mas


com duas asas gigantescas. Eram tão gananciosas quanto cruéis
e quando conseguiam capturar um ser humano começavam a
roê-lo pela cabeça e acabavam nos pés, engolindo mesmo todos
os seus ossos e cabelos.

Havia um gênero de raposas com nove caudas aparentemente


esbeltas e encantadoras, de focinho pontiagudo, pêlos dourados
e espessas caudas, mas que, na realidade eram extremamente
manhosas, podendo-se metamorfosear em terríveis criaturas,
transformando-se, por vezes, em figuras de lindas jovens que
atraíam os homens, devorando-os depois.

Nas florestas das montanhas do Norte da China havia um


gênero de borboletas vermelhas, do tamanho de elefantes, que
sobreviviam sugando o sangue de outros animais.

Uma outra fera bestial era um gênero de abelha venenosa de


cor preta que, quando esvoaçava, emitia um zumbido que se
transmitia a vários quilômetros de distância, sendo a sua picada
muito dolorosa e o veneno dela, mortal.

Em certas regiões meridionais vivia à beira dos lagos um


animal extremamente venenoso chamado Yu, que tinha apenas
três polegadas de comprimento mas uma carapaça tão dura
como uma tartaruga. Era um ser extraordinariamente sinistro e
cruel que habitualmente se escondia nos lugares sombrios

215
esperando a passagem de uma presa fácil. Se alguém passasse
pelas vicinalidades donde estava emboscado, o animal abria a
sua boca lançando um jato venenoso quer sobre a pessoa, ou no
seu reflexo, na água, causando-lhe assim uma morte violenta.
No entanto, graças à existência dum país adjacente a esta
região, cujos habitantes eram bons caçadores, e que apreciavam
comer a carne dos Yu conjuntamente com legumes, estes
animais estavam em vias de extinção e os humanos estavam
menos ameaçados.

Segundo umas lendas antigas, depois de dominar as águas, os


povos de todo o mundo passaram a respeitar Da Yu como o
salvador da humanidade, elegendo-o como o seu soberano.
Para se precaver da latente ameaça dos demônios hostis e das
feras bestiais aos seres humanos, Da Yu ordenou que todos os
lugares onde se produziam objetos de ferro e bronze tinham
que entregar uma determinada quantia das suas matérias-
primas para com estas se fundirem nove trípodes gigantescos
nos quais, baseando-se nas experiências e recordações de todas
as suas viagens, ele fez cinzelar todas as figuras de demônios e
feras bestiais assim como as suas regiões de origem de modo a
ajudar a humanidade a precaver-se melhor contra estes.

216
81. O Budismo chinês no Lankavatara sutra

Pela ausência do "eu" nas coisas tem-se entendido que, sendo


os elementos que formam os agregados da personalidade e seu
mundo objetivo caracterizados pela natureza do maya e
destituídos de qualquer coisa que possa ser chamada ego-
substância, são eles, portanto, não-nascidos e não têm natureza
própria. Como se poderia dizer que as coisas têm uma ego-
alma? Pela ausência do "eu" nas pessoas tem-se entendido que,
nos agregados que formam a personalidade, não há ego-
substância, nem coisa alguma que se assemelhe à ego-
substância ou que a ela pertença. O sistema mental, que é a
marca mais característica da personalidade, originou-se da
ignorância, da discriminação, do desejo e da ação; e suas
atividades se perpetuam pela percepção, pela apreensão e pela
adesão aos objetos como se fossem reais. A lembrança dessas
discriminações, desses desejos, adesões e ações armazena-se na
Mente Universal desde o tempo sem começo, e ainda está
sendo acumulada onde condiciona o aparecimento da
personalidade e de seu ambiente e produz mudança e
destruição de momento a momento. As manifestações são
como um rio, uma semente, uma lâmpada, uma nuvem o vento
a Mente Universal, em sua voracidade de tudo armazena; é
como um macaco que nunca repousa, como uma mosca sempre
à busca de alimento e sem preferências, como um fogo que
nunca se satisfaz, como um moinho de água que não pára de
girar. A Mente Universal, quando forçada pela energia-
costume, é como um mágico que faz com que apareçam e se
movam coisas e pessoas fantásticas. Completa compreensão de

217
tais coisas é necessária para que se compreenda a ausência do
"eu" nas pessoas.

Há quatro espécies de Conhecimento: Conhecimento Aparente,


Conhecimento Relativo, Conhecimento Perfeito e Inteligência
Transcendental. O Conhecimento Aparente pertence aos
ignorantes e simples de espírito, que se apegam à noção de ser
e não-ser e que se atemorizam ante o pensamento de ser não-
nascido. É produzido pela concordância da tríplice combinação
e se liga à multiplicidade de objetos, é caracterizado pela
atingibilidade e pela acumulação; é sujeito ao nascimento e à
destruição. O Conhecimento Aparente pertence aos traficantes
de palavras que folgam com discriminações, assertivas e
negativas.

O Conhecimento Relativo pertence ao mundo mental dos


filósofos. Surge da capacidade da mente para considerar as
relações que as aparências têm entre si e para com a mente que
as considera; surge da capacidade da mente para dispor,
combinar e analisar essas relações por meio de seus poderes de
lógica discursiva e imaginação, em razão dos quais é capaz de
penetrar no sentido e na significação das coisas.

O Conhecimento Perfeito pertence ao mundo dos


boddhisattvas, que reconhecem que todas as coisas são apenas
manifestações da mente; que claramente compreendem a
vacuidade, o não-nascimento e a ausência de "eu" de todas as
coisas; e que penetraram numa compreensão dos Cinco
Dharmas da dupla ausência do "eu" e na verdade da ausência
de imagem. O Conhecimento Perfeito diferencia as etapas do

218
boddhisattva e é o caminho e a entrada para o excelso estado da
auto-realização da Nobre Sabedoria.

O Conhecimento Perfeito (jnana) pertence aos boddhisattvas


que estão inteiramente livres dos dualismos do ser e não-ser, do
não-nascimento e da não-aniquilação, de todas as assertivas e
negativas, e que, em razão da auto-realização, obtiveram
penetrante visão das verdades da ausência de "eu" e da
ausência de imagem. Eles não mais discriminam o mundo
como sujeito à causação; consideram a causação que rege o
mundo como algo semelhante à cidade fabulosa dos
gandharvas. Para eles, o mundo é como uma visão e um sonho,
é como o nascimento e a morte do filho de uma mulher estéril;
para eles, nada evolve e nada desaparece.

Os sábios que amam o Conhecimento Perfeito podem ser


divididos em três classes: discípulos, mestres e arhats. Os
discípulos comuns são separados dos mestres enquanto, como
discípulos comuns, continuem a prezar a noção de
individualidade e generalidade; os mestres surgem dentre os
discípulos comuns quando, abandonando o erro da
individualidade e da generalidade, ainda se aferram a noção de
uma ego-alma em razão da qual saem espontaneamente para o
retiro e a solidão. Os arhats surgem quando o erro de toda
discriminação é verificado. O erro ao ser discriminado pelo
sábio revira-se em Verdade, em virtude da "reviravolta" que se
verifica dentro do mais profundo estado de consciência. A
mente, assim emancipada, entra na perfeita auto-realização da
Nobre Sabedoria.

219
No entanto, Mahamati, se asseveras que há uma coisa tal como
a Nobre Sabedoria, isso já não se sustenta, porque qualquer
coisa de que se assevere alguma coisa participa, por isso
mesmo, da natureza de ser e, assim, e caracterizada pela
qualidade de nascimento. A própria assertiva "Todas as coisas
são não-nascidas" destrói a verdade disso. O mesmo é exato
quanto às afirmações "Todas as coisas são vazias" e "Todas as
coisas não têm natureza própria"; ambas são insustentáveis
quando postas em forma de asserções. Quando, porém se
indica que todas as coisas são como um sonho e uma visão,
isso quer dizer que de um certo modo as coisas são percebidas
e de um outro modo não são percebidas; Isto é, na ignorância
são percebidas, mas no Conhecimento Perfeito não são
percebidas. Todas as assertivas e negativas, por serem
construções do pensamento, são não-nascidas. Mesmo a
asserção de que a Mente Universal e a Nobre Sabedoria são a
Realidade Última é uma construção do pensamento e, portanto
é não-nascida. Como "coisas", não há qualquer Mente
Universal, não há qualquer Nobre Sabedoria, não há qualquer
realidade última. A visão penetrante do sábio que se move pelo
reino da ausência de imagem e sua solidão é pura. Isto é, para o
sábio, todas as “coisas” são varridas e mesmo o estado da
ausência de imagem deixa de existir.

220
82. A crítica ao Budismo chinês, de Hanyu

Acabo de tomar conhecimento de que Vossa Majestade, tendo


ordenado aos bonzos para irem a Fongxiang buscar um osso do
Buda, se dispôs a subir a um pavilhão para ver o cortejo e que,
transportado dentro de um cofre, o osso vai penetrar no Palácio
Imperial.

Serei porventura muito estúpido, mas compreendo


perfeitamente que Vossa Majestade não deveria deixar-se
ludibriar pelo budismo. Vós não ordenastes esta pomposa
procissão para atrairdes os favores do Buda, mas simplesmente,
como o ano foi fértil e toda a gente se encontra satisfeita, Vós
pensastes em oferecer este espetáculo extraordinário para
reforçar o regozijo geral e divertir o povo da cidade. Não se
trata por certo de uma espécie de representação teatral que se
destina unicamente a divertir as pessoas. Como, com a
sabedoria augusta que Vos caracteriza, poderíeis Vós rebaixar-
vos até ao ponto de crerdes em semelhantes coisas?

Mas o povo é ingênuo e tacanho, fácil de induzir em erro e


persistente nas suas superstições. Se Vos vê agir como vos
propondes fazê-lo, julgará por certo que tendes realmente a
intenção de honrar o Buda.

Não tardarão as pessoas em queimar a cabeça e os dedos em


sinal de penitência, em despojar-se do seu vestuário, em
oferecer o dinheiro que possuem, em reunir-se em bandos às
centenas, e cada um, vendo o que fazem os outros, tratará de
fazer o mesmo e de se atualizar. Os usos serão abolidos, os

221
costumes negligenciados e tornar-nos-emos objeto de escárnio
do mundo inteiro.

Esta situação pode trazer-nos consequências graves. O Buda


afinal não passa de um bárbaro estrangeiro. Suponhamos que
era vivo ainda e que tivesse sido enviado em missão junto da
nossa corte; viria à capital, e Vossa Majestade recebê-lo-ia com
benevolência. Não teria obtido mais do que uma recepção na
sala de audiências, um festim ritual em honra do hóspede, a
oferta de uma túnica. Em seguida, uma escolta acompanhá-lo-
ia à fronteira, e seria tudo; nada se passaria que fosse
susceptível de perturbar as multidões.

Como compreender então, uma vez que morreu já há tanto


tempo, que se tenha dado ordem para introduzir no Palácio
Imperial Interdito um osso ressequido e podre, simples detrito
em composição? Vossa Majestade vai em pessoa ver coisas tão
abjetas, e não há um ministro para lhe apontar esta falta, um
censor para verificar tal inconveniência? Sinto verdadeira
vergonha por eles.

Venho suplicar a Vossa Majestade que mande devolver esse


osso a quem de direito; que o atirem à água, que se extirpe para
sempre a raiz de tais erros, a fim de cortar rapidamente os
desvarios do império e suprimir um tema de confusão para as
gerações futuras. Assim, o império inteiro poderá conhecer o
comportamento de um grande sábio, cuja visão se eleva acima
do comum, a uma altura inconcebível. Só então, na verdade,
tudo se restabelecerá, e poderemos todos regozijar-nos.

222
Se o Buda possui um poder sobrenatural e pode provocar
calamidades e exercer uma influência maléfica, rogo-lhe que
todas as desgraças, todos os infortúnios que ele possa provocar
recaiam inteiramente na minha pessoa: que o Céu seja
testemunha do que digo: sofrê-lo-ei sem me arrepender.

223
83. Sobre a existência dos demônios, de Hanyu

Às vezes ouvimos silvos nas vigas do telhado; vamos com uma


tocha e não vemos nada. Serão demônios? Não, demônios não
são audíveis. Às vezes cremos ver alguém de pé num canto;
são demônios? Não, porque demônios não são visíveis.

Às vezes nos sentimos como se fossemos golpeados ou


empurrados por algo. Tentamos agarrá-lo e só encontramos
vazio... Serão demônios? Não, os demônios não podem atuar.
Não tem forma visual nem audível, como teriam força para
atuar?

Então, se dizemos que os demônios não são ouvidos, não são


vistos nem tem força para atuar, isso não equivale a dizer que
não existem demônios? A isto eu respondo: a natureza possui
uma grande quantidade de elementos que tem forma e carecem
da faculdade de emitir sons: assim são a terra e a pedra.

A natureza possui, porém, numerosos elementos que tem a


faculdade de emitir sons e não tem forma: assim são o vento e
o trovão.

A natureza possui também elementos que tem forma e emitem


sons; assim são os homens e os animais.

A natureza, enfim, possui elementos que carecem de forma e


da faculdade de emitir sons: assim são os demônios e os
espíritos.

224
Mas, me dirão, sendo assim, como é possível que se produzam
fenômenos inexplicáveis que intervém na natureza e nos
assuntos humanos? Por dois motivos.

O estado normal dos demônios é vago e confuso, sem forma ou


som. Não obstante, quando os homens descuidam os preceitos
do céu, quando esquecem o bem público, quando desafiam as
leis da natureza, quando se rebelam contras as regras naturais
das relações humanas e desrespeitam a justiça imanente, os
demônios adotam uma forma, utilizam um som: sua resposta a
essa situação consiste em fazer que chovam sobre a
humanidade calamidades e desastres. Por isso todas as
desgraças se devem aos próprios homens. Uma vez que se
esgota seu impulso, os demônios voltam ao nada, que é seu
estado ordinário.

Também podemos dizer, então: o que é a natureza?

São as coisas que se manifestam mediante formas e sons, como


a terra e a pedra, o vento e trovão, o homem e o animal. Há
outras, no entanto, que não possuem forma ou som: são os
demônios e os espíritos. Há, finalmente, aquelas que não têm
forma nem som, mas não são desprovidos deles: são os
prodígios da natureza.

Sua interferência junto aos humanos é irregular. Devido a isso,


suas interferências juntos aos homens são tão propícias quanto
nefastas, assim como suas ações podem passar sem deixar
rastro algum e sem trazer alegria ou dor.

225
Visões dos Outros

A história chinesa é construída pela alternância de ciclos de


abertura e fechamento para o resto do mundo. A tradicional
xenofobia atribuída aos chineses não é verdadeira, mas
resultante de épocas distintas em que a presença estrangeira se
deu de forma invasiva, como foi o caso da dinastia Yuan -
Mongol (1271+1368), Qing (1644+1911) ou mesmo da
presença europeia após o século 19. Nestes intervalos, os
chineses cultivaram a noção proposta por Confúcio de que ser
chinês correspondia a compartilhar de sua cultura – viver do
campo, ter cidades, possuir escrita, ritos e literatura – o que os
opunha aos “bárbaros”, que eram nômades e que não
dispunham muitas vezes de cidades, escrita ou daquilo que
poderia ser considerado “literatura”. Essa divisão, no entanto,
não era excludente – mesmo Confúcio acreditava que os
“bárbaros” estrangeiros poderiam ser melhores do que os
chineses não-educados, e que estes referências para uma
concepção de cultura poderiam existir em outras civilizações
que não fossem a chinesa. A época Han (- 206 + 221) e Tang
(618+907), por exemplo, foram momentos em que as portas da
China estavam absolutamente abertas aos estrangeiros – como
hoje vemos, novamente, o mundo chinês abrir-se a presença de
outras culturas. Nesta seleção de textos, veremos um memorial
de Lisi, ministro da dinastia Qin que, mesmo sendo conhecido
por sua dureza e impiedade, defendia a valiosa contribuição
que a presença de estrangeiros poderia dar para o império. Em
Sima Qian, teremos o contraponto dos Xiongnu, temidos

226
bárbaros das estepes que seriam conhecidos no ocidente,
posteriormente, como Hunos. A ideia de que o conceito de
civilidade poderia ser aplicado a outros povos aparece na
descrição de Fanye (398+445), que escreveu o Livro da
Dinastia Han Posterior (Hou Hanshu), sobre a civilização
romana. A dominação mongol (Yuan) trouxe os primeiros
capítulos da intolerância e da prepotência em relação aos
estrangeiros (por mais que a suposta obra de Marco Pólo
insistisse no contrário), como aparece nesta carta endereçada
ao Papa, trazida por Frei Benedito da Polônia (séc. 13) após
seu retorno da China. O mesmo tom repete-se na época dos
Qing, também conhecidos como manchus, que constituíam
uma dinastia estrangeira na China, e que enviam esta missiva
pouco educada para o soberano da Inglaterra após a visita do
embaixador Macartney (1793). Nestes tempos difíceis, os
chineses não confiavam em seus governantes, e muito menos
nos estrangeiros europeus que lhes impunham toda sorte de
humilhações cotidianas. Ainda assim, um viajante chinês, Li
Zhaoluo, realiza um passeio pela Europa, trazendo boas
impressões de Portugal, como veremos a seguir. Após a
independência chinesa, os comunistas criam teorias para
compreender o período da Guerra Fria, que orientariam suas
ações diplomáticas ao redor do mundo. Inicialmente, Mao
Zedong trata as potências mundiais como imperialistas, no
texto “Tigres de papel”. Depois, os chineses elaborariam outra
teoria, mais pragmática e conveniente, que seria conhecida
como Teoria dos Três Mundos, propondo que a divisão do
planeta se dava entre o bloco Americano e Soviético, dos
países desenvolvidos aliados a uma dessas tendências, e do

227
mundo em desenvolvimento, do qual a China buscaria a
liderança.

228
84. Lisi – Memorial para a manutenção dos
estrangeiros
Os grandes ministros da casa real de Qin apresentaram, em
comum, uma solicitação ao rei de Qin dizendo: os súditos de
outros reinos vem a Qin oferecer seus serviços; em sua maior
parte, estão aqui com a missão de espionar. Rogamos que vossa
excelência expulse, sem demora, a todos os estrangeiros.

Antes de se efetuar esta medida, o conselheiro Lisi apresentou


o seguinte memorial:

Sabemos que alguns oficiais propuseram a expulsão dos


estrangeiros. Suponho que isso seja um erro. Os duques, reis, e
nossos ancestrais recorreram sempre a talentos estrangeiros.
Graças a eles, anexaram numerosas terras e venceram os
bárbaros do oeste. Seguindo seus conselhos, modificaram as
leis e transformaram seus costumes. Graças às novas leis, o
povo se tornou rico e prospero; o país, rico e poderoso. O povo
aceitou essas leis com alegria, e a nobreza se submeteu
aquiescente a elas. Até os dias de hoje, este país segue forte
graças as suas leis.

Considerando isso, como podemos expulsar os estrangeiros?


Que dano podem fazer eles?

Suponhamos que antigamente fossemos alijados da presença de


sábios e letrados estrangeiros, e que estes não fossem admitidos
no serviço do estado. O resultado seria que o nosso país não
teria hoje a riqueza e as vantagens que possui, nem gozaria de
sua fama, poder e grandeza. (...) as montanhas não expulsam a

229
terra que adere a elas, e por isso são altas. Os grandes rios e o
mar não desdenham dos pequenos córregos que aderem a eles,
e por isso são tão profundos. O soberano não se aparta dos
homens que vem até ele, e por isso sua virtude é tão radiante.
Assim como a terra não tem dois lados, não há país que não
tenha estrangeiros em seu povo; as quatro estações são
igualmente boas, os espíritos manifestam para que quiser sua
benéfica influencia. Porque praticavam esta doutrina, os
grandes reis da antiguidade não tinham rival.

Agora, alguns querem rechaçar o povo para que vá engrossar


as fileiras dos inimigos; querem expulsar os hospedes
estrangeiros para que vão servir aos príncipes rivais; querem
que os homens de valor retrocedam, por acreditar que não terão
valor algum aqui, e que não venham. Isso é, como diz o
provérbio, dar armas aos bandidos e os tesouros aos ladrões.

Existem muitos objetos que podem ser considerados preciosos


sem serem nativos; muitos homens que, sem ser desse país,
podem ser fiéis. Se agora exilarmos os estrangeiros, que irão
engrossar as fileiras dos inimigos, se diminuirmos nossa
população para aumentarmos a dos adversários, vamos
despovoar a nos mesmos e aumentar o ressentimento dos
estrangeiros contra nós. Se for assim, por mais que queiramos
evitar o perigo, não poderemos fazê-lo.

230
85. Sima Qian e os Xiongnu, no Shiji

Eles sempre se mudam à procura de água e pasto, e não têm


nenhuma cidade cercada ou habitações fixas, não se casam nem
praticam qualquer tipo de agricultura. Porém, as terras deles
são divididas em regiões debaixo do controle de vários líderes.
Eles não têm nenhuma escrita, e até mesmo promessas e
acordos são só verbais. Os pequenos meninos começam desde
cedo a aprender a montar em ovelhas e matar pássaros e ratos
com um arco e flecha; quando eles envelhecem, atiram em
raposas e lebres para comer. Assim todos os homens jovens
sabem usar um arco e agir como uma cavalaria armada em
ocasiões de guerra. É o costume deles agruparem os rebanhos
em tempos de paz e ganhar algum dinheiro, ou ficar caçando;
mas em períodos de crise eles levantam suas armas e vão em
expedições para saquear e pilhar. Isto parece ser a natureza
inata dele. Para armas de longo alcance eles usam arcos e setas,
e espadas e lanças para luta corpo-a-corpo. Se a batalha vai
bem eles avançam, senão se retiram, pois não consideram
vergonha recuar ou fugir do perigo. A única preocupação deles
é o ganho pessoal, e eles não conhecem nenhum tipo de decoro
ou retidão.

[...]

Quando um dos enviados de Han observou desdenhosamente a


maneira com os Xiongnu tratavam as pessoas de idade, Xing
Xinshuo (um eunuco a serviço dos Xiongnu) começou a
repreendê-lo. “De acordo com o costume Han”, ele disse,
“quando os jovens são chamados para servir no exército, tendo

231
que ir para as guarnições de fronteira, os pais velhos deles,
voluntariamente, não enviam de casa roupas limpas e comida
para provê-los?”

“Sim, eles o fazem”, admitiu o enviado Han.

“Para os Xiongnu, a guerra é seu grande negócio” se um velho


não é capaz de lutar, naturalmente melhor comida é dividida
entre os mais jovens. Assim, os jovens estão sempre dispostos
a lutar pelo seu povo, e pais e filhos podem viver em
segurança. Como você pode dizer, então, que os Xiongnu não
pensam nos velhos?”

“Mas entre os Xiongu”, continuou o enviado, “pais e filhos


dormem na mesma barraca. Quando um pai morre, os filhos
casam com as madrastas, e quando os irmãos morrem, os
outros irmãos se casam com as viúvas. Além disso, esta gente
deselegante nada sabe sobre chapéus e cintos, nem dos ritos ou
das leis”.

“De acordo com o costume Xiongnu”, disse Chung, “as


pessoas comem a carne dos animais domésticos e bebem seu
leite, usam suas peles, e os deixam pastara de um lugar para o
outro em busca de comida e água. Então, em tempo de guerra
eles praticam equitação e tiro, e em tempos de paz não tem
nada pra fazer. Suas leis são simples e fáceis de seguir; a
relação entre eles é informal e sincera, de modo que seu país é
mais fácil de administrar do que aquele governado por uma
pessoa. A razão pela qual eles casam madrastas com filhos ou
irmãos com cunhadas é porque odeiam ver seu clã desaparecer.
Entre os Xiongnu, o clã é tudo; e mesmo em tempos de crise,
232
eles continuam juntos. Na China, porém, tais relações
impróprias não existem, mas as pessoas de uma mesma família
se matam mesmo assim. Esta é, exatamente, a razão pela qual
existem tantas mudanças dinásticas na China. Além disso, entre
os chineses, o exercício da etiqueta e da cortesia gera mais
inimizades do que deveria ser; os luxos das casas e palácios
esvaziam os recursos da nação. Os homens tentam adquirir e
assegurar comidas e vestimentas, cada vez mais, se trancando
entre muros e fortificações. No entanto, embora o perigo as
ameace, elas não treinam para a guerra em tempos de paz, e só
ficam tentando ganhar dinheiro. Baste de baboseiras; ou você
acha que tem alguma autoridade só porque usa um chapéu?”

233
86. Fanye - uma descrição sobre os Romanos no
Hou Hanshu
O povo de Daqin (Roma) tem historiadores e intérpretes de
línguas estrangeiras, tal como os Han. As muralhas de suas
cidades são de pedra. Eles usam cabelo curto, vestem roupas
bordadas e deslocam-se em carros muito pequenos. Os
governantes desempenham suas funções durante um curto
espaço de tempo e são escolhidos entre os homens mais
valorosos. Quando as coisas não vão bem, são substituídos. O
povo de Daqin possui elevada estatura.(...) Vestem-se
diferentemente dos chineses. Sua terra produz ouro e prata,
todas as espécies de bens preciosos, âmbar, vidro e ovos
gigantes (ovos de avestruz). Da China, através de Anxi (Pártia),
eles obtêm a seda que transformam em fina gaze. Os mágicos
de Daqin são os melhores do mundo. Sabem engolir fogo e
fazer malabarismos com várias bolas. Os Daqin são honestos.
Os preços são tabelados e os cereais custam sempre barato. Os
silos e o tesouro público estão sempre repletos. O povo de Anxi
impede-os de comunicar-se conosco por terra; além disso, as
estradas são infestadas de leões, o que torna necessário viajar
em caravana e com escolta militar. Os Daqin primeiramente
enviaram emissários à nossa terra (em +166). Desde então,
seus mercadores têm feito frequentes viagens a Rinan
(Tonquim).

234
87. A resposta mongol a uma das primeiras
missões católicas no Oriente
[Nota: A carta a seguir, levada ao Papa por Frei Benedito da
Polônia, nos dá uma idéia da mudança de perspectiva do
mundo chinês, dominado pelos mongóis, em relação ao mundo
exterior. A nota da carta é severa: o oriente mongol é poderoso,
o ocidente deve saber seu lugar. A dinastia Yuan enviou esta
carta no séc. 13, por meio de um dos viajantes cristãos que
desejavam entabular conversações com o império; veremos,
contudo, que os Qing, quase quatro séculos depois, mantiveram
o mesmo tom em relação ao embaixador Macartney da
Inglaterra, construindo o cerne da xenofobia que assolou a
China como uma praga na época moderna. Note-se, porém, que
os argumentos de Guiuc são absolutamente claros e racionais
quanto à imposição de uma fé estrangeira, tendo em vista que
os mongóis lidavam com vários tipos de crenças e povos
diferentes, e possuíam um conhecimento sobre o mundo que os
europeus ignoravam].

Carta do Cã Guiuc (1257), dos mongóis ao papa:

A força de Deus, imperador de todos os homens, envia ao


grande Papa esta carta, autêntica e verdadeira. Aconselhando
sobre o modo de se estabelecer a paz entre nós e ti, Papa, e
todos cristãos, tu nos enviaste um embaixador conforme
ouvimos dele e constava em tuas cartas. Portanto, se quiseres
ter paz conosco, Papa, e todos os reis e governantes, não tardes,

235
de modo algum, vir até nós para estabelecer a paz, e então
ouvirás a nossa resposta ao mesmo tempo conhecerás a nossa
vontade.

No texto de tua carta, é dito que nós devemos ser batizados nos
tornar cristãos. A isso te respondemos com poucas palavras,
que absolutamente não compreendemos por que deveríamos
fazê-lo. Quanto ao outro ponto de que nos falavas na tua carta,
isto é, de que te maravilhas de tanta matança de homens,
sobretudo cristãos em particular de poloneses, morávios e
húngaros, respondemos do mesmo modo que também não
entendemos isso. Todavia, para que não pareça que queremos
deixar completamente sob silêncio o assunto, dizemos que se
deve responder-te do seguinte modo: porque, não obedeceram
nem à palavra de Deus, nem à ordem de Chingiscan e Cã e,
reunindo o grande conselho, mataram os embaixadores, por
isso Deus ordenou que os aniquilássemos e os entregou em
nossas mãos. De resto, se Deus não tivesse feito isso, que coisa
teria podido fazer um homem a outro homem? Mas vós,
homens do Ocidente, credes que só vós, cristãos, existis e
desprezais os outros. Como podeis saber a quem Deus concede
a sua graça? Nós, porém, adorando a Deus, na força de Deus
devastamos toda a terra do Oriente e do Ocidente. E, se essa
força de Deus não existisse, que poderiam fazer os homens?
Mas, se vós aceitais a paz e quereis entregar a nós vossas
forças, tu, Papa, juntamente com os poderosos cristãos, não
tardeis, de modo algum, a vir a mim para estabelecer a paz, e
então saberemos que quereis paz conosco. Se, porém, não
crerdes nesta missiva de Deus e nossa e não escutardes o

236
conselho de vir a nós, então saberemos com certeza que quereis
ter guerra conosco. Depois disso, o que acontecerá não
sabemos. Só Deus o sabe. Chingischan, primeiro imperador.
Segundo: Ochodaychan. Terceiro: Guiuchchan.

237
88. A resposta do imperador Qing Qianlong ao
embaixador britânico Lorde Macartney
Dominando o vasto mundo, tenho apenas um propósito em
vista, ou seja, manter controle absoluto e cumprir com as
obrigações de Estado. Objetos estrangeiros e caros não me
interessam [...] Não tenho necessidade dos manufaturados de
vosso país. [...] Cabe a vós, ó Rei, respeitar minhas opiniões e
manifestar ainda maior devoção e lealdade no futuro, para que,
através da perpétua submissão ao nosso trono, possais
assegurar paz e tranqüilidade a vosso país daqui por diante. [...]
Nosso Império Celestial possui todas as coisas em prolífica
abundância e não carece de nenhum produto dentro de suas
fronteiras. Não havia, portanto, nenhuma necessidade de
importar manufaturas bárbaras de fora, em troca de nossos
produtos. [...] Não esqueço a distância solitária de vossa ilha,
separada do mundo por extensões imensas de mar; tampouco
esqueço vossa escusável ignorância sobre os costumes de nosso
império Celestial. [...] Obedecei tremendo e não sejais
negligente!

238
89. As viagens de Li Zhaoluo em Portugal

Os indígenas têm pele asseada, pois amam a limpeza. Vivem


em casas de mais de um andar, providas de móveis e de
utensílios da melhor qualidade (...) As paredes são recaiadas
assim que a pintura envelhece um pouco (...) Os homens usam
roupas bem apertadas, jaqueta curta e calças. Para qualquer
negócio importante, acrescentam ao seu traje um outro, curto
na frente e longo atrás, como asas de cigarra. Os oficiais
colocam sobre os ombros coisas incrustadas na forma de
cabaça, e o ouro é mais nobre que a prata. Eles usam chapéus
redondos com bordas retas e fundo chato. A blusa das mulheres
também é estreita e curta. Elas não usam calças, mas vestem
saias, até oito ou dez, de pano as pobres, de seda as ricas.
Todas preferem os tecidos leves. As jovens mostram o peito, as
velhas o dissimulam. Elas não saem nunca sem um longo e
largo lenço sobre a cabeça, que chega até os joelhos. As ricas
acrescentam um véu negro, muito fino (...).

A maioria leva na mão um rosário, de pérolas ou de pedras


preciosas o dos ricos. As mulheres como os homens usam
sapatos de couro. Ninguém pode ter duas mulheres, do rei às
pessoas do povo. Não se pode casar de novo, a não ser após a
morte da esposa; esta pode fazer o mesmo se o marido morre.
Quando uma moça quer escolher um marido, a família do rapaz
começa pela avaliação do dote e só dá consentimento se se
considerar satisfeita. As famílias têm vergonha de não poder
casar as filhas, e para evitar isso estão prontas a arruinar-se.
Em contrapartida, pouco importa que o filho seja casado ou
não. Não há empecilhos para o casamento entre pessoas que
239
têm o mesmo nome de família. Somente quando são primos
isso constitui um obstáculo. Uma viúva pode juntar-se em
segundas núpcias com um sobrinho ou um doméstico. Os
parentes próximos devem obter a autorização prévia do chefe
da religião (...).

As mulheres vão orar no templo a cada sete dias. No


casamento, não se volta junto para a casa antes de ter escutado
o grande padre pregar a Lei. Se o rapaz e a moça têm a
intenção de se casar, os familiares e as casamenteiras devem
avisar o grande padre ou o chefe da religião que faz a
proclamação oficial para que todo mundo saiba. Caso haja um
compromisso secreto, é permitido ao rapaz e a moça declará-lo,
e ninguém pode contrariá-los, nem os pais nem as mães.

Se uma mulher conduziu-se mal e deseja arrepender-se, ela


entra no templo e solicita o perdão do monge. Este se senta em
uma espécie de nicho e, do lado, abre uma janelinha junto à
qual a mulher se ajoelha. Ela sussurra ao ouvido do monge
aquilo que se passou. Ele lhe prega a Lei e a declara liberada de
sua falta. Se alguma vez o monge revelasse o que ouvira seria
recriminado e condenado ao estrangulamento. Os rapazes e
moças que se tornaram culpados e temem a recriminação do
chefe da casa vão ao templo procurar o monge. Se ele os
considera liberados de suas faltas, adverte por carta o chefe da
casa, que não ousa recriminá-las de novo, não importando quão
grande seja sua cólera (...).

Não se muda de era quando o rei sobe ao trono, pois os anos


são contados com base na fé da doutrina do Senhor do Céu. O

240
ano começa sempre sete dias depois do solstício de inverso. Ele
se dirige em doze meses que não levam em conta os Ciclos da
Lua. E por isso que o mês é de trinta e um dias, pois se
considera que não é o caso de tomar como norma uma Lua que
empresta seu brilho do Sol (...).

Diante do rei ou seus chefes, os membros do exército ou as


pessoas do povo tiram o chapéu, se eles estão ao ar livre; em
recintos fechados, abaixam-se incontinenti e tomam nas mãos o
pé para beijá-lo; retiram-se em seguida, curvados e com a
cabeça baixa, dando vários passos para trás, arrastando a perna;
eles falam de pé, sem se ajoelhar.

Um filho que não vê seu pai há muito tempo tira o chapéu


antes de entrar e estreita contra si o corpo de seu Pai, que lhe
bate repetidamente nas costas com as duas mãos espalmadas.
Eles se beijam várias vezes na boca. Em seguida, o filho se
inclina, recua alguns passos arrastando a perna, depois fala de
pé (...) Amigos ou parentes que se encontram na rua
descobrem as cabeças (...) As moças ou mulheres obrigam-se a
receber os visitantes da família e a entretê-los conversando.
Quando elas saem com o marido ou um familiar de idade,
andam de mãos dadas. Pode ocorrer, assim, que um homem
leve duas mulheres pela mão (...) Faz parte de seus costumes
estimar os ricos e desprezar os pobres. Mesmo sendo primo, tio
ou sobrinho, uma pessoa, sendo pobre, não ousaria entrar ou
comer em uma casa rica (...).

90. Mao Zedong – os imperialistas são


tigres de papel
241
Como tudo no mundo tem natureza dúbia (é a lei da unidade
dos Contrários), da mesma forma o imperialismo e todos os
reacionários têm uma natureza dupla - são verdadeiros tigres e,
ao mesmo tempo, tigres de papel. No passado, a classe dos
senhores de escravos, a classe feudal dos grandes latifundiários
e a burguesia foram, antes de conquistar o poder, e algum
tempo depois, plenos de vitalidade, revolucionários e
progressistas; eram os tigres verdadeiros. Mas, na fase
posterior, como seus antagonistas - a classe dos escravos, o
campesinato e o proletariado - cresceram e se engajaram numa
luta contra eles, uma luta cada vez mais violenta, e as classes
dominantes se transformaram, pouco a pouco, em seu oposto,
tornaram-se reacionárias, retrógradas, tigres de papel. E, ao
final das contas, foram ou serão aniquiladas pelo povo. Mesmo
na luta de morte que lhe consagra o povo, estas classes
reacionárias, retrógradas, decadentes, mantinham, ainda, sua
natureza dupla. Em um sentido, eram tigres verdadeiros;
devoravam as pessoas, devoravam-nas aos milhões, às dezenas
de milhões. A luta popular atravessou um período de
dificuldades e provações, e seu caminho fez voltas e mais
voltas.

O povo chinês deveria consagrar mais de cem anos à luta para


liquidar o domínio do imperialismo na China, do feudalismo e
do capitalismo burocrático, e sacrificar dezenas de milhões de
vidas humanas, antes de alcançar a vitória, em 1949. Eis aí, não
eram tigres vivos, tigres de ferro, verdadeiros tigres? Mas, no
final das contas, transformaram-se em tigres de papel, tigres
mortos, tigres de queijo de soja. Eis aí os fatos históricos.

242
Quem não os viu? Quem deles não ouviu falar? Na verdade,
eles existem aos milhares, dezenas de milhares! Milhares e
dezenas de milhares! Assim, considerados em sua essência, do
ponto-de-vista do futuro e sob o ângulo estratégico, o
imperialismo e todos os reacionários devem ser julgados pelo
que são: tigres de papel. É nesse ponto que se fundamenta
nosso pensamento estratégico. De outro lado, são também
tigres vivos, tigres de ferro, verdadeiros tigres; devoram os
homens. É nesse ponto que se fundamenta nosso pensamento
tático

243
91. A Teoria dos Três Mundos

No momento, a situação internacional é, em sua maioria,


favorável aos países em desenvolvimento e aos povos do
mundo. Cada vez mais, a velha ordem baseada mo
colonialismo, imperialismo e hegemonismo está sendo
arruinada e abalada a suas fundações. As relações
internacionais estão mudando drasticamente. O mundo inteiro
está em turbulência e desassossego. A situação é de uma
“grande desordem debaixo de céu,” como nós o chinês
chamamos. Esta “desordem” é uma manifestação de todas as
contradições básicas do mundo contemporâneo. Está
apressando a desintegração e declínio das forças reacionárias
decadentes, e está estimulando o despertar e o crescimento das
forças emergentes dos povos.

Nesta situação de “grande desordem debaixo de céu,” todas as


forças políticas no mundo sofreram uma divisão drástica
causadas por um prolongado processo de lutas e conflitos. Um
número grande de países asiáticos, africanos e latino-
americanos alcançou independência um depois de outro, e eles
estão conseguindo um papel cada vez maior nos negócios
internacionais. Como resultado do aparecimento de social-
imperialismo, o campo socialista, que existiu durante um
tempo depois que Segunda Guerra Mundial, não teve uma
existência muito longa. Devido à lei do desenvolvimento
desigual de capitalismo, a coligação política do imperialismo
Ocidental está se desintegrando também. Julgando as
mudanças nas relações internacionais, o mundo hoje na
verdade consiste em três partes, ou três mundos que estão
244
interconectados e em contradição uns para com os outros. Os
Estados Unidos e a União soviética compõem o Primeiro
Mundo. Os países em desenvolvimento na Ásia, a África,
América Latina e outras regiões compõem o Terceiro Mundo.
Os países desenvolvidos entre os dois compõem o Segundo
Mundo.

As duas superpotências, os Estados Unidos e a União soviética,


estão buscando vaidosamente a hegemonia mundial. Cada um
deles tenta, ao seu modo, trazer os países em desenvolvimento
de Ásia, África e América Latina para debaixo do seu controle
e, ao mesmo tempo, tiranizar os países desenvolvidos que não
são seus partidários.

As duas superpotências são os maiores exploradores


internacionais e opressores de hoje. Elas são a fonte de uma
nova guerra mundial. Ambos possuem números grandes de
armas nucleares. (...) Nós defendemos que a proteção de
independência política é a primeira condição prévia para que os
países do Terceiro Mundo possam desenvolver sua economia.
Alcançando independência política, o povo de um país deu
apenas o primeiro passo, e eles têm que proceder para
consolidar esta independência, pois ainda existem forças de
sobra do colonialismo em casa, e ainda há o perigo de
subversão e agressão por parte do imperialismo e do
hegemonismo. A consolidação de independência política
necessariamente é um processo de lutas repetidas. Numa
análise final, independência política e independências
econômicas são inseparáveis. Sem independência política, é
impossível alcançar independência econômica; sem

245
independência econômica, a independência de um país está
incompleta e insegura.

Os países em desenvolvimento têm grandes potenciais por


desenvolver a economia deles independentemente. (...) Os
países do terceiro mundo exigem que as presentes relações
econômicas internacionais extremamente desiguais sejam
mudadas, e eles fizeram muitas propostas racionais de reforma.
O Governo chinês e o seu povo endossam calorosamente e
apóiam firmemente estas propostas dos países do terceiro
mundo.

246
Arte, Cultura e Educação

Nesta última seção, os aspectos da arte, da cultura e da


educação na China são abordados de acordo com algumas
visões teóricas. O significado da Música na China antiga é
analisado no texto do Liji – acredita-se que este fragmento seja
uma das poucas partes que restaram do Tratado da Música
(Yuejing), até hoje perdido. A música tinha um poder
transformador, e segundo Confúcio, era possível compreender
a mente das pessoas pela música que elas ouviam. Do mesmo
modo, a história da escrita nos é dada por Cheng Yenyuan,
bem como o sentido da arte é explicado pelo famoso pintor
Guoxi. O Manual da Escrita (Wenfu, por Luji, 261+303) trata-
se do primeiro trabalho de crítica literária na China, explicando
o surgimento de uma noção de literatura (wenxue). Tais noções
seriam, séculos depois, criticadas veementemente por
Chenduxiu (1880+1942) autor da China revolucionária, cujos
propósitos seriam de criar uma nova literatura popular (em
anexo, segue a visão de arte proposta no Assembleia de Yenan,
em 1927, sobre uma nova arte comunista). Por fim, o sistema
educacional proposto no Liji, bem como a educação pelos 6
clássicos, nos informam sobre os meios tradicionais de
educação na China, até o advento de propostas para a educação
moderna como a de Kang Youwei – permeados pelo desfecho
trágico da Revolução Cultural, que mesmo já superada,
galvanizou a sociedade chinesa por quase uma década em um
movimento de revisão cultural que visava, justamente, enterrar
o seu passado.

247
92. Sobre a Música – Liji

A Música brota do coração humano quando ele é tocado pelo


mundo exterior. Sob o impacto do mundo exterior, o coração
emociona-se e então se expressa por sons. Tais sons ecoam ou
combinam-se a outros, afinal produzindo uma riquíssima
variedade e quando os vários sons se tornam regulares, tem-se
o ritmo. A distribuição dos sons para diversão nossa, em
combinação com a dança militar (com achas e escudos) e a
dança civil (com longas plumas e caudas de raposas),
denomina-se música.

Música é a forma segundo a qual se produzem os sons, que


brotam do coração humano quando tocado pelo mundo
exterior. Assim, quando nele é tocada a fibra da tristeza, são
amargos e tristes os sons produzidos; quando é tocada a fibra
da satisfação, são langorosos e lentos os sons produzidos;
quando é tocada a fibra da alegria, são brilhantes e expansivos
os sons produzidos; quando é tocada a fibra da ira, são ásperos
e duros os sons produzidos; quando é tocada a fibra da piedade,
são simples e claros os sons produzidos; quando é tocada a
fibra do amor, são gentis e doces os sons produzidos. Estas seis
espécies de emoção não são normais: são estados produzidos
pelo toque do mundo exterior.

Por isso os reis da Antiguidade preocupavam-se com as coisas


capazes de afetar o coração humano: assim buscavam eles
orientar os ideais e as aspirações do povo por meio dos Ritos,
estabelecer a harmonia dos sons por meio da música, regular a
conduta social por meio do bom governo, e evitar a

248
imoralidade por meio do castigo. Ritos, música, e castigo, bem
como o governo, têm um objetivo comum - promover o
equilíbrio nos corações humanos e realizar os princípios da
ordem política.

A música brota do coração humano. Quando suscitadas, as


emoções exprimem-se por sons, os quais, ao assumirem forma
definida, constituem a música. Por isso a música de uma nação
próspera e feliz é tranquila e alegre, e o governo é ordeiro; a
música de uma nação atrapalhada manifesta insatisfação e
raiva, e o governo é caótico; e a música de uma nação destruída
mostra apenas tristeza e saudade do passado, e o povo é infeliz.
Eis como sempre encontramos governo e música em estreita
relação.

A clave de C (Dó) simboliza o rei; a clave de D (Ré) simboliza


o ministro; a clave de E (Mi) simboliza o povo; a clave de G
(Sol) simboliza os negócios do país; a clave de A (Lá)
simboliza a natureza. Quando se harmonizam as cinco claves,
não há sons discrepantes. Quando desafina a clave de C. a
música perde o seu fundamento e o rei descura os próprios
afazeres; quando desafina a clave de D, a música perde a sua
gradação e os ministros prevaricam; quando desafina a clave de
E, a música é triste e o povo sente-se desgraçado; quando
desafina a clave de G, a música é fúnebre e os negócios do país
complicam-se; quando desafina a clave de A, a música sugere
perigo e o povo passa miséria. Quando todas as claves
desafinam e se confundem, generaliza-se a discórdia e pouco
mais viverá a nação. [...]

249
As notas musicais brotam do coração humano, e a música está
em relação com os princípios da conduta humana. Por isso os
animais conhecem os sons mas não sabem as notas, e a plebe
conhece as notas mas não sabe música. Só o homem superior é
capaz de entender música. Assim, do estudo dos sons chega-se
à compreensão das notas musicais; do estudo das notas
musicais, chega-se à compreensão da música; e do estudo da
música chega-se à compreensão dos princípios de governo e
fica-se preparado para governar.

Portanto é impossível falar das músicas a uma pessoa que não


identifique os sons, impossível falar de música a uma pessoa
que não saiba as notas musicais. Aquele que compreende a
música acha-se muito perto de compreender a Ritos, e ao
homem que domine os Ritos e a música podemos chamar
virtuoso - porque virtude é domínio.

250
93. Sobre a Escrita, de Cheng Yenyuan

A pintura completa a cultura, ajuda nas relações humanas e


explora os mistérios do universo. Seu valor é igual ao estudo
dos seis clássicos e, assim como a rotação das estações, provém
da natureza, e não é algo dado somente pela tradição. Quando
os antigos soberanos receberam o mandato do céu, inscrições
em cascos de tartaruga e pinturas nos ossos de dragão
apareceram. Tais coisas têm ocorrido desde Yuxiao e Suiren.

Estes eventos foram gravados em jade e em álbuns de ouro.


Fuxi descobriu os hexagramas no rio Yung, e este foi o começo
dos livros e da pintura. Huangdi descobriu as palavras nos rios
wen e lo, e Qinshi huangdi reformou os ideogramas. Wenchang
criou as normas e por isso é o senhor da literatura; Cangjie foi
quem olhou alem os fenômenos celestes, e copiou as pegadas
dos passarinhos e as marcas dos cascos de tartaruga, fixando as
formas e a escrita dos caracteres. (...) durante este período, a
escrita não era substancialmente diferente das coisas que
representava, mas suas formas ainda eram muito cruas. A
escrita desenvolveu-se, então para expressar ideias, e a pintura
nasceu do desejo de representar formas. Esta era a intenção e o
propósito dos sábios.

No desenvolvimento da escrita, existem seis estilos básicos,


conhecidos como: escrita arcaica, estilo raro, escrita dos selos,
escrita ornamental, escrita sigilar e a escrita dos pássaros - esta
ultima utilizada em grandes faixas de pano. Esta é a ultima das
categorias de escrita.

251
Yenguanglu (384+456) disse: os propósitos dos desenhos são
três: capturar o princípio (li), como nos hexagramas;
representar idéias, como na escrita; desenhar formas, como em
desenhos.

252
94. O significado da Arte, por Guoxi

Ainda que muita gente saiba que pinto com um pincel, não se
dão conta de como é difícil pintar. No Zhuangzi se conta de um
pintor que, trabalhando, “tirou as roupas e sentou de pernas
cruzadas”. Esta é a verdadeira atitude de um artista. Deve
abrigar em seus sonhos alegria e felicidade. E se conseguir
desenvolver seu coração naturalmente, sincero, delicado e
honesto, imediatamente será capaz de compreender o aspecto
das lágrimas, os sorrisos e os objetos, sejam eles pontiagudos
ou oblíquos, dobrados ou inclinados; e em sua mente estará tão
clara que será capaz de refletir espontaneamente seu pincel.

Se diz que Gu kaiji, da dinastia jin, construía sempre um


pavilhão alto e isolado para pintar. Era verdadeiramente um
homem de visão ampla naqueles tempos antigos. Porque, sem
tais atitudes, se apoderariam do artista os pensamentos de
depressão, angústia, melancolia e este sofreria ante qualquer
coisa trivial.

Como poderia então pintar em tais condições, captar as formas


reais dos objetos e expressar suas emoções? Por exemplo: um
artesão que deseja fazer uma harpa encontra um excelente
tronco solitário no monte Iyang. Tendo destreza e conhecendo
os mistérios de sua arte, ainda que a árvore esteja presa a terra
por suas raízes, suas folhas e galhos sem corte, ele tem
claramente, em sua mente, a imagem de um alaúde terminado.
Um mestre como Lei tem este tipo de visão com seus materiais.
Mas um homem insensível e torpe com a mente alterada e o
corpo esgotado verá, diante de si, apenas cinzéis pontiagudos e

253
facas afiadas, e não saberá por onde começar. Como se pode
esperar que ele construa um alaúde de madeira com cinco notas
místicas que soe tão encantadoramente como os ventos puros e
os arroios ondulantes?

Os antigos diziam que a poesia era um quadro sem formas, e


que uma pintura era um poema com formas. Os filósofos têm
discutido este tema desde então, e foi este principio que me
guiou. Em minhas horas de ócio, repasso as poesias de Jin e
Tang, assim como a moderna, e tenho achado que algumas
destas incríveis linhas dão a plena expressão dos pensamentos
mais íntimos da alma humana, e que descrevem vivamente o
cenário que se desenrola a vista das pessoas. No entanto, a
menos que se viva em paz e se repouse tranqüilo, com as
janelas abertas, o escritório arrumado, o incenso queimando e
dez mil preocupações esquecidas, não sou capaz de pôr-me a
altura do humor e do significado destes belos versos, conceber
seus pensamentos excelentes e imaginar os sutis sentimentos
neles contidos. O mesmo ocorre com a pintura. Não é fácil
apreender seu significado. Quando estou receptivo e estou em
harmonia com o que me rodeia, tenho alcançado uma perfeita
coordenação entre a mente e a mão, então começo a pintar
livremente e fluidamente, segundo exigem as normas próprias
para a arte. No entanto, na atualidade, os homens se deixam
arrebatar pelos seus impulsos e sentimentos, e se apressam a
fim de completar uma obra.

[...]

254
Porque é que o sábio se sente feliz ao contemplar as paisagens?
Porque num retiro campestre o seu espírito amadurece; porque
os efeitos da luz nas águas o encantam; porque no campo
encontra sempre pescadores, lenhadores e eremitas, observa o
vôo dos grous, ouve o grito dos macacos. A poeirenta balbúrdia
do mundo, as casas acanhadas onde mal se respira - não há
nada que a natureza humana mais deteste. Busca, pelo
contrário (mas raramente encontra), a bruma, o chuvisco e os
espíritos errantes que assombram as montanhas.

O nevoeiro e as nuvens sobre as montanhas nunca se


assemelham de uma estação para a outra. As montanhas, na
Primavera, são calmas e convidativas, como se sorrissem. No
Estio, são frescas e viçosas, polvilhadas de orvalho. No
Outono, são claras e puras, graciosamente ordenadas. Durante
o Inverno, apresentam-se melancólicas e sonolentas.

A água é viva. As torrentes são as veias da montanha; a erva e


as árvores formam-lhe a cabeleira; o nevoeiro e a bruma são a
sua pele.

Quem não possa percorrer as montanhas e os lagos, que alegria


não terá em possuir uma paisagem pintada pela mão de um
artista! A poesia é uma pintura, assim como a pintura é uma
poesia sem palavras.

Só um tolo pode crer que para pintar basta adquirir habilidade


manual e utilizar o pincel de seda mais fino, a tinta preta de
mais belo tom, a seda ou o papel de melhor qualidade. Só será
verdadeiramente pintor aquele que souber meditar durante

255
anos, identificar-se com o objeto do seu estudo e tornar-se, ele
mesmo árvore, torrente, bruma e ave.

Quando no meu coração ressoa o universo, quando logro


alcançar o pleno acordo do meu espírito com minha mão, só
então começo a pintar, e sobre a seda que meu pincel acaricia,
o céu e a terra harmonizam-se e o homem é livre.

256
95. A apreciação da Literatura, do Wenfu

O uso da literatura consiste em comunicar todas as verdades.


Expandir os horizontes e fazer o espaço infinito. Serve como
ponte que cruza mil anos. Faz mapas de todos os caminhos e
trilhas para a posteridade, e é espelho das imagens dos antigos
veneráveis, para que as majestosas construções dos sábios reis
da antiguidade possam ser recriadas como novas.

Que suas vozes admoestadoras, levadas pelo vento desde um


tempo imemorial, seja ouvidas outra vez. Nenhuma região é
distante demais que não possa ser penetrada, nenhuma verdade
é tão sutil que não possa se tocada. como a bruma e a chuva
que alimentam, manifestando seus poderes de transformação
junto com os deuses e espíritos. Ela a literatura, faz duradoura
a virtude resplandecente do bronze e da pedra, e ressoando
como uma corrente eterna de melodias, de flautas e de cordas,
toca e segue sempre renovada.

257
96. A revolução na Literatura, por Chenduxiu, e a
nova arte comunista, por Mao Zedong
São três os princípios fundamentais para nosso exército
revolucionário: 1) destruir a literatura aristocrática, que nada
mais é senão uma literatura cheio de floreios e sem sentido, e
vamos construir uma literatura simples, expressiva e popular;
2) destruir os modelos antigos e clássicos da literatura, e
construir uma nova e sincera literatura realista; 3) destruir a
obscura e obtusa literatura da “floresta” (textos herméticos) e
construir uma limpa e clara literatura popular para sociedade.

Neste tempo de reforma, a literatura aristocrática, a literatura


clássica e a literatura de floresta devem ser rejeitadas. Mas qual
a razão par desprezar estes tipos de literatura? A resposta é que
a literatura aristocrática emprega floreados e depende de um
preparo prévio dos escritores, o que os faz perder as qualidades
de independência e auto-respeito; a literatura clássica exagera e
emprega palavra após palavra, mas perde o objetivo
fundamental de expressar emoções e descrições realísticas; a
literatura da floresta é difícil e obscura, e sua escrita não
benéfica a educação das massas. A forma destas tais literaturas
é a continua repetição de modelos prévios. Ela tem carne mas
não tem ossos, tem corpo mas não tem espírito. É um
ornamento que não tem uso atual. Com respeito aos seus
conteúdos, ela não vê nada mais do que reis, aristocratas, seres
espirituais ou fantasmas, sucessos ou insucessos particulares. O
universo, a vida e a sociedade estão muito além de sua
concepção. Estes defeitos são comuns nestas três formas de
narrativa.
258
[...]

No mundo de hoje, toda cultura, toda literatura e toda arte


pertencem a uma classe determinada e trazem em si uma linha
política definida. Na realidade, não existe a arte pela arte, a arte
acima das classes, nem a arte que se desenvolve além da
política ou independentemente dela. A literatura e a arte
proletárias fazem parte do conjunto da causa revolucionária do
proletariado; são, como dizia Lênine, "uma pequena roda e um
pequeno parafuso" do mecanismo geral da revolução.

A crítica literária e artística abrange dois aspectos: um,


político; o outro, artístico... E esses dois critérios, político e
artístico, que apresentam entre si? É impossível colocar política
sob o mesmo signo, da mesma forma que uma concepção geral
do mundo e os métodos da criação artística. Negamos a
existência, não só de um critério político abstrato e imutável,
mas também de um critério artístico abstrato e imutável; cada
classe, em cada sociedade de classes, possui seu critério
próprio, tanto político como artístico. Contudo, não importa
que classe, não importa que sociedade de classes, coloquemos
o critério político em primeiro lugar e o critério artístico em
segundo.... Quanto a nós, exigimos a unidade da política e da
arte, a unidade do conteúdo e da forma, a unidade de um
conteúdo político revolucionário e de uma forma artística tão
perfeita quanto possível. As obras que carecem de valor
artístico, por mais avançadas que sejam do ponto-de-vista
político, permanecem ineficazes. Somos, por nossa parte,
contrários às obras de arte que exprimem opiniões políticas
erradas e contrárias à tendência em se produzir obras ao "estilo

259
do slogan e do cartaz", onde as opiniões políticas são certas,
mas que se ressentem da força de expressão artística. Devemos,
em literatura e na arte, conduzir a luta nessas duas frentes.

260
97. Educação no Liji

A vontade de agir corretamente e a procura do que é bom


dariam a uma pessoa certa reputação, mas não as tornariam
capaz de influir sobre as massas. A adesão a homens hábeis e
sábios e a acolhida aos que chegam de países longínquos,
fariam uma pessoa capaz de influir sobre as massas mas não a
habilitariam a civilizar o povo. Para o homem superior, a única
maneira de civilizar o povo e instituir bons costumes sociais é
pela educação. Por isso os antigos soberanos consideravam a
educação como o elemento mais importante, em seus esforços
por implantar a ordem no país. [...] Só por meio da educação,
pois, tornar-se-á alguém insatisfeito com o que sabe; e só
quando tem de ensinar a outrem é que a gente dá-se conta da
incômoda insuficiência dos próprios conhecimentos.
Insatisfeita com o que sabe, a pessoa então percebe que é seu o
mal, e dando-se conta da incômoda insuficiência de seus
conhecimentos sentir-se-á impelida a aprimorar-se. [...]

O antigo sistema educacional era o seguinte: havia uma escola


primária em cada povoado de vinte e cinco famílias, uma
escola secundária em cada cidade de quinhentas famílias, uma
academia em cada território de duas mil e quinhentas famílias,
e uma universidade na capital de cada Estado (para a educação
dos príncipes e os filhos da nobreza e os melhores alunos das
escolas menos graduadas). Todo ano admitiam-se novos
estudantes, que no ano seguinte prestavam exames. No final do
primeiro ano, procedia-se a uma tentativa de verificar até que
ponto os alunos sabiam pontuar seus escritos e descobrir suas
vocações. No fim de três anos, procurava-se determinar os
261
hábitos de estudo dos alunos e sua vida grupal. No fim de cinco
anos investigava-se até onde iam os conhecimentos gerais dos
alunos e até que ponto eles haviam acompanhado os
preceptores. No fim de sete anos, observava-se como se
haviam desenvolvido as ideias dos alunos e que espécie de
amigos cada qual escolhera para si. A isto se dava o título de
Grau Menor. Ao cabo de nove anos era de esperar-se que o
aluno dominasse as várias matérias estudadas e tivesse uma
compreensão geral da vida, tendo outrossim firmado o próprio
caráter em bases de onde não pudesse retroceder. A isto se
dava o título de Grau Maior.

Apenas com este sistema educacional, entretanto, é possível


civilizar o povo e reformar a moral da nação, de maneira que
os cidadãos se sintam felizes e os habitantes de outras terras
gostem de visitar o país. Tal é o fundamento da Daxue, ou
educação superior.

[...]

Ao entrarem os novatos na universidade, ouvem soar um gongo


antes mesmo de desembrulharem os seus livros - como a
incutir-lhes disciplina para o estudo. É empregada a palmatória
ou bastão para reger-lhes o comportamento. Nenhum inspetor é
enviado à universidade, exceto na ocasião do Grande Sacrifício
aos antepassados reais, a fim de que os estudantes fiquem à
vontade para se desenvolverem. O preceptor os observa, mas
não lhes dá lições ininterruptas, a fim de que os estudantes
tenham tempo de meditar nos assuntos por si mesmos. Os mais
jovens devem ouvir e não fazer perguntas, reconhecendo a sua

262
posição. Estas sete coisas constituem os principais fatores do
ensino. Tal é o senão daquela passagem dos Documentos
Antigos, que diz: "Na universidade, aqueles que já têm uma
vocação estudam o que lhes diz respeito, enquanto que aqueles
que ainda não escolheram um ofício observam o que
pretenderão fazer mais tarde."

No regime educacional da universidade, há estudos regulares


(em aula) e estudos extracurriculares que os alunos realizam
em seus aposentos. Sem exercitar os dedos, não se pode
aprender a tocar com destreza um instrumento de cordas. Sem
uma ampla visão das coisas não se pode assimilar facilmente a
poesia. Sem estar familiarizado com os diversos trajes
cerimoniais não se pode apreender o estudo dos ritos. Sem
conhecer as várias artes (inclusive manejo de arco e flecha, e a
condução de veículos) não se pode apreciar o aprendizado
colegial. Por isso, na educação do homem superior (da elite
intelectual) dá-se a cada qual o tempo suficiente para aprender
coisas e cultivar coisas, tempo para repouso e para recreio.
Assim os estudantes passam a sentir-se no colégio como em
suas próprias casas e a estabelecer relações pessoais com os
professores, a prezar os amigos e a firmar convicção das
próprias ideias. Podem, então, afastar-se dos mestres sem dar
as costas ao estudo.

263
98. Educação pelos clássicos no Liji

Confúcio disse: Assim que entro num país, posso dizer


facilmente o seu tipo de cultura. Quando o povo é gentil e bom
e simples de coração, isto se demonstra pelo ensino da poesia.
Quando o povo é esclarecido e cioso de seu passado, isto se
demonstra pelo ensino da história. Quando o povo é generoso e
disposto ao bem, isto se demonstra pelo ensino da música.
Quando o povo é quieto e pensativo, com agudo poder de
observação, isto se demonstra pelo ensino da filosofia das
mutações (yijing, ou Livro das Mutações). Quando o povo é
humilde e respeitoso, sóbrio de costumes, isto se demonstra
pelo ensino da li (princípio da ordem social). Quando o povo é
culto na maneira de falar, ágil nas figuras e na linguagem, isto
se demonstra pelo ensino da prosa (Chunqiu, ou Livro das
Primaveras e dos Outonos). O perigo do ensino da poesia é que
o povo continua ignorante ou demasiado simplório; o perigo do
ensino da história é que o povo chegue a imbuir-se de falsas
lendas e narrativas; o perigo do ensino da música é que o povo
se se tornou extravagante; o perigo do ensino da filosofia é que
o povo fique desnaturado; o perigo do ensino da li é que os
rituais se tornem muito afetados; e o perigo do ensino do
“Livro das Primaveras e Outonos” é que o povo se deixe
contaminar pela confusão moral dominante. Se um homem é
gentil e bom e simples, mas não ignorante, decerto será
profundo no estudo da poesia; se um homem é esclarecido e
cioso do seu passado, mas não imbuído de falsas lendas e
narrativas, decerto será profundo no estudo da história; se um
homem é generoso e disposto ao bem, mas não extravagante

264
em seus hábitos pessoais, decerto será profundo no estudo da
música; se um homem é quieto e pensativo, com agudo poder
de observação, mas não desnaturado, decerto será profundo no
estudo da filosofia; se um homem é humilde e respeitoso e
sóbrio em seus hábitos, mas não afetado nos rituais, decerto
será profundo no estudo da li; e se um homem é culto na
maneira de falar, ágil nas figuras e na linguagem, mas não
contaminado pela confusão moral dominante, decerto será
profundo no estudo do Livro das primaveras e Outonos.

265
99. Educação moderna, por Kang Youwei

Quando um país se acha em tempos de paz, é necessário


conceder especial atenção para a elaboração de medidas para
desenvolver a inteligência do povo, promovendo com
recompensas substanciais as seguintes 4 classes de estudos: a
primeira se refere as disciplinas novas, que abarcam temas mal
conhecidos anteriormente, como a industria, o comercio, os
trens, a comunicação em sistemas elétricos, o correio, a
construção naval, a aeronáutica, as ciências jurídicas e
políticas, a pedagogia, a musica, a medicina, a meteorologia, a
mecânica, a geometria, a química, a acústica, a ótica,
matemática, eletricidade e o que lhe diga respeito; a segunda se
refere as engenharias modernas, algumas delas de grandes
dimensões como a construção de linhas férreas e a extensão de
redes elétricas, outras de pequenos tamanhos como a
fabricação de pequenos utensílios; se tratam principalmente de
estudos que contribuem ao progresso material da sociedade...; a
terceira se refere aos descobrimentos novos, que abarcam os
fenômenos estrelares e astronômicos, fenômenos
subterrâneos,...a aplicação criativa de materiais de feito
medicinal, e outros objetos que nunca foram conhecidos
antes...; a quarta se refere a conhecimentos novos, que abarcam
a fabricação de objetos ou materiais sintéticos mediante um
processo de decantar os elementos inúteis para conservar os
elementos uteis, e a aplicação dos mesmos processos ao estudo
da ciência política, pedagogia, tecnologia e música.

266
100. Revolução Cultural

Embora a burguesia tenha sido derrotada, ela ainda está


tentando usar suas idéias, sua cultura, os costumes e os velhos
hábitos das classes exploradoras para corromper as massas,
capturar suas mentes e tentar forçar seu retorno. O proletariado
deve fazer o oposto: deve encarar a burguesia de frente, no
campo ideológico, e usar idéias, sua cultura, hábitos e costumes
do novo proletariado e mudas a mentalidade das pessoas de
toda a sociedade. Nosso objetivo presente é esforçar-se para ir
de encontro e esmagar aquelas pessoas que estão seguindo a
estrada capitalista, para esmagar o burguês contra-
revolucionário, a ideologia burguesa e de todas as outras
classes exploradoras restantes; para modificar, também, a
educação, a literatura e a arte e todas as outras partes da
estrutura que não correspondem a base econômica socialista,
bem como facilitar o desenvolvimento e consolidação do
sistema socialista.

[...]

Certo numero de destes representantes [os revisionistas] estão


espalhados no comitê central, no partido, no governo e em
outros departamentos, tanto nos níveis centrais como nas
províncias, nas cidades dependentes do governo central e nas
províncias autônomas.

Todo o partido tem que manter em alto grau o estandarte


vermelho da revolução cultural proletária, mostrando-o sem
reservas frente as concepções burguesas e reacionárias das

267
chamadas “autoridades acadêmicas”, inimigas do partido e do
socialismo, e temos de criticar basicamente todas as ideias
burguesas e reacionárias nas ciências, na educação, no
jornalismo, na literatura, na arte, devemos enquadrá-las e
conquistar a direção de todos os setores da cultura. Para isso, é
indispensável criticar e ajuizar os representantes da burguesia
que se introduziram no partido, no governo, no exército e nos
diversos setores da cultura; é necessário depurá-los, ou mudá-
los para outros postos. Antes de tudo, temos que evitar de lhes
confiar a direção da revolução cultural; de fato, muitas dessas
pessoas todavia tem funções nessas atividades; isso se constitui
um perigo extremamente grave.

Os representantes da burguesia introduzidos no partido, no


governo, no exército e em diversos setores de toda cultura são
um punhado de revisionistas contrarrevolucionários; e quando
chegar o momento, não terão dúvida em se apoderar do poder
político e converter a ditadura do proletariado numa ditadura
da burguesia. Temos conseguido surpreender algumas delas,
mas muitas ainda estão escondidas; alguns ganham nossa
confiança, mas estão se preparando para nos dar o golpe [...]

268
Cronologia

Para notação das datas adotamos, neste livro, o sistema -/+ que
significam, respectivamente, a.C. e d.C., ou ainda, “antes da
era comum” e “depois da era comum”, posto que é uma
tendência, entre os especialistas da área, não realizar a
imposição de marcos religiosos como referências cronológicas,
guardando um certo cuidado neste ponto.

Dinastia Xia (2205 -1766?)

Dinastia Shang (1523 - 1027)

Dinastia Zhou Anterior (1027 - 771)

Dinastia Zhou Posterior (771 - 221)

Primaveras e Outonos (771 - 481)

Estados Guerreiros (481-221)

Dinastia Qin (221 - 206)

Dinastia Han Ocidental (-206 + 12)

Dinastia Xin (12 + 23)

Dinastia Han Oriental (23 + 221)

Dinastias do Sul e do Norte (219+580)

269
Dinastia Sui (581 + 618)

Dinastia Tang (618 + 907)

Cinco Dinastias (907 + 960)

Dinastia Song (960 + 1279)

Dinastia Yuan (1280 + 1368)

Dinastia Ming (1368 + 1644)

Dinastia Qing (1644 + 1911)

República da China (1911 + 1949)

República Popular da China (1949 em diante)

Eventos principais da Modernidade:

1793: Embaixada do Lorde Macartney.

1839+1842: 1ª Guerra do Ópio.

1850+1864: rebelião Taiping.

1856+1860: 2ª Guerra do Ópio.

1894+1895: Guerra Sino-japonesa.

1898+1900: Rebelião dos Boxers.

1898: Reforma dos Cem dias, liderada por Kang Youwei.

270
1911+1912: Fm do império, proclamação da República
Chinesa, com Sun Yatsen.

1912: Fundação do partido popular nacional, o Guomindang.

1921: Fundação do partido comunista.

1927: Massacre dos comunistas em Shanghai.

1934: A Longa marcha de Mao Zedong.

1937: Invasão japonesa.

1945: Fim da 2ª guerra; combates entre o Guomindang e o PC


recomeçam.

1949: proclamação da República Popular da China; o


Guomindang, derrotado, foge para Taiwan.

1950: Guerra da Coréia.

1956-57: Campanha das Cem Flores.

1958: Grande Salto para frente.

1960: Rompimento com a URSS.

1966: Revolução Cultural.

1976: Morrem Zhu Enlai, Zhude e Mao Zedong.

1977: Deng Xiaoping volta ao poder na China.

1981: Deng é efetivado como líder.

271
1989: Incidentes na praça Tiananmen.

1997: Morte de Deng Xiaoping; retorno de Hong Kong ao


controle chinês.

272
Referências

Cheng, A. História do pensamento chinês. Rio de Janeiro:


Vozes, 2009. - Anne Cheng é uma das mais conceituadas
sinólogas em atividade, e sua História do pensamento chinês é
uma das principais obras da atualidade.

Gernet, J. O mundo chinês. Lisboa: Cosmos, 1979. - Um dos


melhores manuais já escritos em todo mundo sobre a História
chinesa, cobrindo desde a antiguidade até a década de 70.
Abrangendo vários aspectos da cultura e da história chinesa,
sua leitura é fundamental.

Guerra, J. J. Livro dos cerimoniais (Liji). Macau: Jesuítas


Portugueses, 1983. - O Padre J. Guerra foi um dos poucos
sinólogos portugueses que dominou com maestria a língua
chinesa, dedicando-se a traduzir os clássicos confucionistas. As
Quadras de Lu é o outro título das Primaveras e Outonos, de
Confúcio. Este mesmo autor produziu traduções memoráveis
da obra de Confúcio, embora pouco divulgadas, que são:
Quadrivolume de Confúcio (contendo os textos básicos desta
escola), Mâncio (Mengzi), Escrituras Seletas (Shujing), Livro
dos Cantares (Shijing), Tratado das Mutações (Yijing), além de
um dicionário de chinês e um sistema de transliteração
universalista da língua chinesa, que infelizmente não vingou.

Joppert, R. O Alicerce Cultural da China. Rio de Janeiro:


Avenir, 1979 - R. Joppert é um dos poucos sinólogos de língua
portuguesa com uma formação completa na área. Seu livro é

273
um excelente manual de introdução à cultura chinesa antiga,
abrangendo aspectos diversos do pensamento, arte e cultura
material. Leitura fundamental.

Morton, W. S. China – História e Cultura. RJ: Zahar, 1986 -


Excelente manual de introdução a História da China. Um bom
guia para os que estão começando seus estudos em sinologia.

Spence, J. Em Busca da China Moderna. SP: Companhia das


Letras, 2000. - J. Spence é, também, um dos maiores sinólogos
da atualidade, navegando pela história cultural chinesa em seus
períodos mais recentes. Neste livro, o autor faz uma
apresentação vasta sobre o panorama da história chinesa nos
últimos séculos.

Vandermeersch, L. e Mirabel, J. Sabedorias Chinesas. Lisboa:


Instituto Piaget, 2003. – pequeno, porém excelente livro de
introdução a cultura chinesa.

Yutang, L. Sabedoria da Índia e China (2v.) Rio de Janeiro:


Pongetti, 1959. - Indispensável coletânea de textos clássicos
chineses e indianos. Alguns cuidados, porém, devem ser
tomados com a tradução.

Yutang, L. A Importância de Compreender. Rio de Janeiro:


Globo, 1962. – do mesmo gênero da anterior, mas organizada
em temáticas.

274
Tradução e adaptações

André Bueno: 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16, 17, 18, 19, 21, 22,
23, 24, 27, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 39, 41, 42, 43, 44, 52, 53, 54,
55, 57, 59, 60, 62, 66, 69, 70, 71, 77, 78, 79, 81, 84, 85, 86, 87,
89, 91, 93, 94, 95, 96, 99, 100.

Lin Yutang: 1, 3, 13, 14, 15, 25, 26, 31, 37, 40, 45, 50, 63, 64,
65, 74, 76, 80, 81, 92, 97, 98. (A Sabedoria de Índia e China,
1959; A importância de Compreender, 1964)

Alfred Doeblin: 12, 51, 75. (Pensamento vivo de Confúcio,


1945)

Ricardo Mário Gonçalves: 20. (Textos budistas e Zen Budistas)

Padre Jesus Guerra: 36, 46, 47, 48, 49. (Quadrivolume de


Confúcio, 1983 e Livro dos Cerimoniais, 1983)

Claude Roy: 56, 58, 72, 73, 83. (China em um espelho, 1979)

Xinran: 67. (Boas Mulheres da China, 2001)

Ildefonso Silveira: 88. (Franciscanos no Extremo Oriente,


2001)

André Levy: 90 (Cartas do Extremo Ocidente, 1997)

275
276
O presente volume é uma reedição da coletânea Cem
Textos de História Chinesa, um livro fonte que
pretende contar a história dessa civilização pelas suas
próprias vozes. Fragmentos selecionados de algumas
das mais importantes passagens da literatura nos
fornecem um quadro geral sobre as ideias principais e
as transformações que acompanharam a história da
China através dos milênios.

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