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Ficha Bibliográfica
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José [org.]
Aprendizagens Históricas: história do ensino. União da Vitória/Rio de
Janeiro: LAPHIS/Edições especiais Sobre Ontens, 2018.
ISBN: 978-85-65996-55-6
Disponível em: www.revistasobreontens.site

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Apresentação
É com satisfação que nós do LAPHIS –Laboratório de Aprendizagem
Histórica da UNESPAR e do Leitorado Antiguo da UPE apresentamos esse
novo livro para vocês. Ele é resultado do nosso Simpósio Eletrônico de
Ensino de História realizado em Abril de 2018, que recebeu conferencistas
e cinco mesas diferentes ao longo de uma semana de intensos e ricos
debates.

Como parte integrante de nosso trabalho, ao final do evento produzimos


essa série de livros cheia de experiências, relatos e projetos para uma
aprendizagem histórica atualizada e enriquecedora. Cada volume traz uma
proposta diferente [e por isso, optamos sempre por produzir um ebook, e
não anais], que agregam nossos convidados, participantes, e todos
aqueles que desejam saber um pouco mais sobre as questões do Ensino
de História em nosso país.

Convidamos tod@s a leitura desse nosso novo volume, cuja temática


agrega pesquisadores de todos os cantos do Brasil, envolvidos na difícil –
mas edificante – tarefa de trabalhar a História.

Seja bem vind@ ao nosso livro!


Bons estudos!

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SUMÁRIO

A ESCOLA E SEU ENTORNO COMO FERRAMENTAS DE ENSINO DA HISTÓRIA


LOCAL: O CASO DO C.E. TÚLIO DE FRANÇA, p.6
Aristides Leo Pardo

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FEMININA NO BRASIL: DA EXCLUSÃO AO


PROTAGONISMO NO MAGISTÉRIO, p.14
Bruna Letícia Soares de Carvalho e Ediane Sena Almeida

O CURRÍCULO NAS ESCOLAS RURAIS EM FRANCISCO BELTRÃO/PR: UMA


ANÁLISE DA DÉCADA DE 1960 – 1970, p.20
Carla Cattelan

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NA SALA DE AULA, p.32


Carmem Lúcia Gomes De Salis

OS CAMINHOS DA HISTÓRIA: INSTITUIÇÕES ESCOLARES E EXPANSÃO


URBANA NO ITARARÉ (1986-1991), p.37
Cibele da Silva Andrade

PESQUISA E ENSINO DO CONTESTADO: CAMINHOS E DESCAMINHOS


ENTRE A ACADEMIA E A SALA DE AULA, p.47
Eloi Giovane Muchalovski

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO JESUÍTICO NO PERÍODO COLONIAL


BRASILEIRO E A NECESSIDADE DO LETRAMENTO DOS INDÍGENAS PARA A
SUA CONVERSÃO À FÉ CATÓLICA, p.55
Francisco Nazareno Brasileiro Dias

PROCESSO DE EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA: CONTROLE ACADÊMICO NO


SÉCULO XVIII E MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS NO SÉCULO XXI, p.58
Gabriel Irinei Covalchuk

MULHERES POLONESAS: UMA HISTÓRIA DE VIDA E ESCOLARIZAÇÃO, p.64


Isabelly Pietrzaki Pereira e Roseli B. Klein

OS DEGREDADOS DA TERRA BRASIL: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE


HISTÓRIA E A CIDADANIA, p.69
Ivanize Santana Sousa Nascimento e Antonio José de Souza

A HISTÓRIA DO CRISTIANISMO NOS COMPÊNDIOS DE HISTÓRIA


UNIVERSAL OITOCENTISTAS, p.78
José Petrúcio de Farias Júnior

ENSINO DA HISTÓRIA DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA E SUAS


LIÇÕES POLÍTICAS: OS CLÁSSICOS DA SAÚDE COLETIVA COMO FONTE,
p.85
Leonardo Carnut e Áquilas Mendes

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A INFLUÊNCIA DO FENÔMENO RELIGIOSO NOS PRIMÓRDIOS DA
EDUCAÇÃO FORMAL NA CIDADE DE SANTARÉM, p.95
Lidia Cristiany Alves Assunção e Yasmin Monique Sousa da Silva

O MÉTODO DA ANÁLISE DE DISCURSO NA LEITURA DO TEATRO GREGO,


p.99
Luiz Henrique Bonifacio Cordeiro

A EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNDO GREGO ANTIGO, p.104


Luiz Henrique Silva Moreira

“INDIVIDUALIDADES HISTÓRICAS”: ESMERALDA DE AZEVEDO E A ESCRITA


DE LIVROS ESCOLARES DE HISTÓRIA, p.111
Magno Francisco de Jesus Santos

O MÉTODO CARTESIANO E O ENSINO MILITAR FRANCÊS NO EXÉRCITO


BRASILEIRO: O CASO DA ESCOLA DE ESTADO-MAIOR, p.120
Marcus Fernandes Marcusso e Lívia Carolina Vieira

PROVOCAÇÕES A PARTIR DE LUCY MAYNARD SALMON, p.129


Mariana Dias Antonio e Renan Ramos Chaves

OS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE ESTUDOS SOCIAIS NO


BRASIL: EM BUSCA DAS MATRIZES ESTADUNIDENSES, p.137
Max Willes de Almeida Azevedo

A TENTATIVA DE DIVISÃO DO PARÁ E DE CRIAÇÃO DO ESTADO DE


CARAJÁS: POSSIBILIDADES TEMÁTICAS DE DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO
BÁSICA NO SUL DO PARÁ, p.147
Roberg Januário dos Santos e Jeremias Oliveira Santana

HISTÓRIA E MEMÓRIA NO OESTE PARANAENSE: ESTUDO PRELIMINAR


SOBRE OS GRUPOS ESCOLARES DE MEDIANEIRA (1952-1964), p.156
Sander Fernando de Paula e João Carlos da Silva

O PROCESSO DE CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES


DE SANTARÉM, p.165
Joanne da Silva Ribeiro e Silvia Eletícia Santos do Nascimento

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A ESCOLA E SEU ENTORNO COMO FERRAMENTAS DE ENSINO
DA HISTÓRIA LOCAL: O CASO DO C.E. TÚLIO DE FRANÇA
Aristides Leo Pardo

Introdução
Todo estabelecimento de ensino carrega consigo um nome, uma
história e pessoas que se empenharam para sua criação e
desenvolvimento ao longo de seu tempo de existência, assim como
diversos estudantes e ex-estudantes que são testemunhas de
diferentes tempos e de diferentes momentos da instituição, tornando-
se dessa maneira, agentes sociais de transformação não somente da
escola, como do meio que a cerca, incluindo ai, a sociedade em que
está inserida.

Criado na década de 1940, o Colégio Estadual Túlio de França, em


União da Vitória, Estado do Paraná, homenageia um antigo juiz de
direito e inspetor de ensino e foi pioneiro na educação ginasial e de
segundo grau na cidade (cursos hoje equivalentes ao fundamental II
e ao Ensino Médio respectivamente) e que viu nascer em seu
primeiro prédio, na área central da cidade, diversos outros
estabelecimentos educacionais, uma escola técnica, uma escola
normal e a primeira Faculdade da região, que ainda se encontra no
mesmo local, fazendo assim, do Túlio de França, uma importante
referência para a formação da sociedade local.

Partindo do seu local de fundação, no coração da cidade, do nome e


da atuação de seu patrono até a mudança para sua atual localização,
em 1952, nos limites da área central da cidade, ainda com chão de
terra batida e depois de lugares que marcavam em tempos passados,
as delimitações urbanas de vilas e povoados, como o cemitério e a
zona do baixo meretrício, temos elementos suficientes para subsidiar
uma história em constante mutação, não apenas do colégio em si,
mas do ensino local, da cidade como um todo, incluindo ai, suas
transformações urbanas, sociais e ideológicas

FIGURA 1: O Colégio Túlio de França na atualidade.


Fonte: Acervo do Autor

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Dr. Túlio de França: o patrono
Filho de Napoleão Marcondes de França e Francisca Olímpia Silveira
Marcondes, o menino João Túlio Marcondes de França nasceu aos
nove dias do mês de abril do ano de 1888, pouco antes da Abolição
da Escravatura brasileira, no antigo Porto União da Vitória, estado do
Paraná, (cidade dividida em duas, com Porto União ficando
catarinense e União da Fitória com o Paraná, após a Guerra do
Contestado, 1912-1916) e aprendeu as primeiras letras com
professor José Cleto da Silva, conhecido mestre local, que deixou seu
nome também na literatura e na política da região.

FIGURA 2: Dr. João Túlio Marcondes de França. Fonte: Melo Júnior


(1990, p. 28).

Ainda na tenra idade, João Túlio foi estudar em Curitiba,


posteriormente no Rio de Janeiro, até concluir o bacharelado em
direito, em 1912 na Faculdade de Direito de São Paulo, de onde
retornou para sua terra natal quatro anos mais tarde, já no fim do
calor dos conflitos do Contestado, para atuar nas funções de Juiz de
direito, conforme atesta Silva (2006, p. 159) ao afirmar que: “A 11
de agosto, de 1916, o Dr. João Túlio Marcondes de França, presta
promessa no cargo de Promotor Público da Comarca de União da
Vitória” e logo depois, acumula também o cargo de Inspetor da
Instrução Pública.

Homem das letras, Túlio de França publicou diversos livros de direito


e também se enveredou pelos caminhos da poesia, uma de suas

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grandes paixões, deixando algumas obras do gênero que só foram
ser conhecidas do público após sua morte.

FIGURA 3: Antigo uniforme do Colégio e pertences de Túlio de


França. Fonte: Acervo do Autor.

Sobre o ano de seu falecimento, dois autores divergem sobre o


assunto, embora ambos concordem que o passamento tenha se dado
em um distrito da cidade de Guarapuava, Estado do Paraná,
conforme pode ser visto em Silva (2006, p. 157) quando relata que:
“O Dr. João Túlio Marcondes de França, nascido em União da Vitória,
no ano de 1888, faleceu no Distrito de Pinhão, município de
Guarapuava, no ano de 1930”, opondo-se ao que diz Melo Junior
(1990, p. 29) ao afirmar que: “Estava em Guarapuava, nas Águas de
Santa Clara, em tratamento de saúde, quando faleceu em 17 de
fevereiro de 1931, aos 43 anos idade”. E é a data afirmada por este
último, que se encontra gravada em sua lápide, findando assim, este
impasse.

Outra curiosidade é que esta lápide que abriga os restos mortais do


Dr. Túlio de França, encontra-se nas dependências externas do
colégio que lhe presta homenagem, levada para lá com a
concordância da família.

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FIGURA 4: A lápide de Túlio de França nas dependências do colégio.
Fonte: Acervo do autor.

O Colégio Estadual Túlio de França


O Colégio Estadual Túlio de França foi o primeiro ginásio estadual de
União da Vitória e o primeiro colégio de segundo grau, e, conforme
indica Sebben (1992, p. 47) foi fundado na Praça Cel. Amazonas, no
ano de 1945, local de grande simbolismo, pois quando as cidades se
dividem devido a Guerra do Contestado, aquele lugar é o escolhido
para o recomeço da nova cidade, já que boa parte da rede hoteleira e
prédios administrativos ficara no quinhão pertencente ao estado de
Santa Catarina. Ali ainda pode ser visto a Catedral, o Grupo Escolar,
a antiga sede da prefeitura, entre outros lugares de memória em seu
entorno.

O Colégio passou por profundas mudanças com a lei 5692/71, vindo


congregar mais tarde, outras duas escolas tradicionais, a Escola
Normal Professora Amazília e Escola Técnica de Comércio Cel. Davi
Carneiro, que deram origem aos cursos de Formação Docente e
Técnicos (Meio Ambiente, Edificações), oferecidos até hoje pelo
estabelecimento.

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O mesmo edifício viu também nascer, a primeira instituição de ensino
superior da região, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI),
aprovada pela Lei Estadual nº 3001, de 22 de dezembro de 1956 que
ainda hoje funciona no mesmo local e passados mais de meio século,
mas agora, como Campus de União da Vitória da Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR), mas mantendo seu compromisso
com o desenvolvimento socioeconômico, cultural e científico da região
sul do Paraná e do norte de Santa Catarina, formando professores
para uma área de abrangência que compreende 22 municípios e uma
população estimada em mais de 300.000 habitantes.

FIGURA 5: Prédio em que o Colégio Túlio de França surgiu e que


hoje, ampliado, abriga o Campus da UNESPAR. Fonte: Arquivo do
autor.

Com o crescente público e o crescimento populacional não somente


da cidade de União da Vitória, como as demais da região, fez-se
necessário a construção de outro prédio que abrigasse o colégio e a
área escolhida foi além dos locais que marcavam os limítrofes
urbanos, o cemitério e o “baixo meretrício” e sobre o assunto, Martins
(2008, p. 86) diz que:

“União da Vitória teve que conviver com esse „problema‟ decorrente


de sua expansão ao ter entre o centro da cidade e um dos colégios
mais tradicionais da cidade, o Colégio Estadual Túlio de França, vários
pequenos bares de prostituição”.

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Esta nova construção que sedia o colégio até os dias atuais, começou
a funcionar no ano de 1952, quando a avenida principal da cidade
ainda nem calçamento havia, como pode ser observado na figura 5.
Com a decadência econômica sofrida pela cidade em decorrência do
sucateamento e depois, da desativação do transporte ferroviário, os
estabelecimentos de prostituição foram aos poucos encerrando suas
atividades ou mudando de lugar, fazendo com que mais alunos
fossem estudar no Túlio de França, pois muitas famílias não viam
com bons olhos, suas crianças tendo que passar por aqueles locais
“de perdição” e optavam por colocarem os mesmos em outros
colégios da cidade.

FIGURA 6: Prédio atual do Colégio na época de sua construção, em


1952. Fonte: Melo Júnior (1990, p. 39).

Considerações finais
Com os subsídios acima expostos é possível que utilizando a história
do colégio se inicie uma boa explanações sobre a história local e as
transformações sociais e urbanas em torno dela, assim como os
debates de questões como o crescimento desordenado das cidades,
as diferenças sociais, as lutas de classe, entre outros temas sempre
atuais

Com estas aulas é pretendido que o alunado conheça um pouco mais


sobre sua escola, quem foi seu patrono, seus feitos, o contexto da
criação da escola, a mudança de local da mesma, em que época, por

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que, como era o local antes e como está atualmente, de maneira que
o alunado se senta parte integrante desta contínua história,
valorizando o passado e a História Oral.

Desse modo, aprende-se a respeitar e compreender a realidade e o


processo histórico do lugar em que se vive, assim como suas
identidades culturais, pois o local, o regional, não está isolado do
resto do mundo, é uma fatia de um todo e, no caso de nossa região,
agentes históricos como os imigrantes, cuja cultura ainda é
preservada, o que não ocorreu com as dos escravos, índios e
tropeiros, que apesar de citados na historiografia local, pouco restou
de conhecimento sobre suas maneiras de viver.

Assim, conseguimos enfatizar no alunado, o sentimento de sujeito


histórico, como cidadão pensante e transformador do meio em que
vive e capaz de se posicionar diante das situações vividas em cada
momento pela sociedade que o cerca. Então, entender a paisagem,
no nosso caso, a escola como memória é, portanto, estabelecer uma
identidade mútua entre o indivíduo e o lugar, pois esta
inevitavelmente mediada pelas práticas sociais que contêm o
simbólico de cada lugar.

Embora esta experiência tenha sido aplicada apenas em duas turmas,


foi constatado o interesse por parte do alunado em buscar mais
informações acerca da história da cidade, assim como contar o que
foi aprendido para seus familiares, que curiosamente acabaram por
se interessar também pelo assunto e procurarem este que lhes
escrevem, atitude que dará origem a um projeto destinado a
comunidade com visitações em locais históricos e de memória para
que a preservação e o sentimento de pertencimento ultrapasse os
muros escolares e atinjam o coletivo, justificando assim o objetivo
dos estudos históricos.

Referências
Aristides Leo Pardo é Especialista em Geografia, História e Meio
Ambiente, pela FAVENI (2017) e em História: Cultura, Memória e
Patrimônio, pela UNESPAR/UV (2014), Historiador formado pela
mesma instituição (2014) e Bacharel em Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo, pela Faculdade de Filosofia de Campos –
FAFIC, (2007). Contato: tidejor@gmail.com

MARTINS, Ilton César. Cemitério Municipal de União da Vitória:


Representações de poder e fé in MARTINS, Ilton César; GOHL,
Jefferson William; GASPARI, Leni Trentin (org.). Fragmentos de
Memória, Trechos do Iguaçu: Olhares e Perspectivas de História
Local. União da Vitória: FAFIUV, 2008.

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MELO JUNIOR, Cordovan Frederico. União da Vitória - Nossa Escola,
Nossa História. Porto União: Uniporto, 1990.

SEBBEN, Ulysses Antônio. Um Estudo da História de União da Vitória.


Porto União: Uniporto, 1992.

SILVA, Cleto da. Apontamentos Históricos de União da Vitória (1768-


1933). Curitiba: Imprensa Oficial, 2006.

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FEMININA NO BRASIL: DA
EXCLUSÃO AO PROTAGONISMO NO MAGISTÉRIO
Bruna Letícia Soares de Carvalho
Ediane Sena Almeida

Esta pesquisa tem por objetivo realizar uma abordagem histórica da


educação escolar da mulher e o processo de feminização do
magistério. Para tanto, utilizamos como métodos, a pesquisa de
cunho bibliográfico com caráter exploratório e investigativo através
de análises e interpretação das informações. Partimos do pressuposto
que o modelo educacional brasileiro buscou reproduzir a educação
europeia, excluindo as meninas da educação formal. Seu acesso à
escola se deu a partir de leis que visavam e permitiram a criação de
escolas para meninas, a partir de então surgiram as primeiras vagas
das mulheres no magistério. Quarenta anos depois da criação das
escolas normais para formação de mestres é que elas tiveram acesso
e com o passar do tempo se tornaram maioria, mesmo porque era
uma das poucas profissões socialmente aceitas para as mulheres,
ademais os homens também se desinteressavam da docência devido
os baixos salários. Destacamos que apesar dos avanços, ainda
permaneciam excluídas do ensino secundário e somente com a
coeducação surgiram propostas que permitiram acesso aos níveis
mais elevados. Em contrapartida, conservadores preconceituosos
defendiam que a mulher era intelectualmente inferior ao homem.
Porém, prevaleceu o pensamento liberal que via na educação
feminina um potencial para o desenvolvimento do país.
Consequentemente, a participação da mulher no magistério cresceu
de forma acentuada, e apesar dos entraves seguiu enfrentando a
desigualdade na profissão, a diferença salarial e assumiu o
protagonismo na docência demonstrando toda a sua força.

Introdução
Esta pesquisa teve por objetivo realizar uma abordagem histórica da
educação escolar da mulher e o processo de feminização do
magistério. Bem como, demonstrar gradualmente em que parâmetros
sucedeu esta mudança de papéis, na qual as mulheres passaram a
assumir a docência, até então predominantemente masculina. Aranha
afirma sobre a educação na Idade Média:

“[...] as mulheres não tinham acesso à educação formal. A mulher


pobre trabalhava duramente ao lado do marido e, com ele,
permanecia analfabeta. As meninas nobres só aprendiam alguma
coisa quando recebiam aulas em seu próprio castelo. Nesse caso,
estudavam música, religião e rudimentos das artes liberais, além de
aprender os trabalhos manuais femininos.” [ARANHA, 2006:111]

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Desta forma, dependendo de suas situações econômicas, as mulheres
viviam à mercê das desigualdades sociais e escolares, tornando-se
dependentes de seus maridos, assumindo um posto de inferioridade e
não tendo um mínimo de instrução para que pudesse ter os mesmos
direitos na tomada de decisões.

Essa realidade começa a se desconfigurar a partir da fase pré-


republicana do final século XIX, o que nos sugere que com as ideias
inovadoras surge a coeducação, com intuito de oferecer a mesma
educação, independente do gênero [ARANHA, 2006]. É importante
salientar que desde a Antiguidade os educadores eram em sua
totalidade do sexo masculino.

A História da Educação formal no Brasil está associada a História da


educação europeia, tendo em vista que no século XVI seu início se
deu no contexto da colonização, com a chegada dos portugueses e
dos missionários religiosos que objetivavam não somente a catequese
dos colonizados, mas através do trabalho pedagógico manter a
unidade política.

Método
Este trabalho utilizou de pesquisas de cunho bibliográfico com caráter
exploratório e investigativo, visando analisar o processo da
feminização na educação escolar. Desenvolvendo as etapas de acordo
com a descrição seguinte: 1) Levantamento bibliográfico de
documentos escritos (tais como livros, artigos) que abordem a
educação feminina e sua evolução na sociedade; 2) Revisão de
literatura; 3) Análise e discussão das informações obtidas; 4)
Interpretação das informações, buscando salientar como essa
igualdade de direitos educacionais influenciou a sociedade.

Resultados e discussão
Os portugueses de forma a querer reproduzir o modelo de educação
europeu, passaram a excluir a participação das mulheres nesse
processo, educando prioritariamente os meninos indígenas, que
aprendiam a ler e escrever ao lado dos filhos dos colonos. Às
mulheres caberia o aprendizado da costura e das atividades
domésticas. De acordo com ARANHA [2006:195]“ escapavam a esta
situação de analfabetismo as meninas que eram enviadas, muito
jovens, para os conventos de Portugal ou das ilhas atlânticas”.Tal
recolhimento se dava com fins religiosos.

O acesso da mulher à educação, adquirido como direito, se deu


apenas com a lei de 15 de outubro de 1827, que permitiu a criação

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da escola de primeiras letras para meninas, consequentemente,
surgiram vagas para mulheres no magistério primário.

“Essas aulas deveriam ser ministradas por „senhoras honestas e


prudentes‟, das quais não se exigiriam grandes conhecimentos, uma
vez que, em aritmética, por exemplo, bastava ensinar as quatro
operações. O problema, porém, decorria da impossibilidade de
conseguir mulheres que tivessem o mínimo preparo, e, quando
tinham pelo menos um pouco, podiam não ser aceitas se não
soubessem as „artes da agulha‟”. [ARANHA 2006:229]

Em 1835 surgiram as escolas normais, como o intuito de melhorar a


formação dos mestres, os requisitos necessários para ingressar
nessas escolas eram: ter 18 anos, saber ler, escrever, ser brasileiro,
ter bons costumes e ser homem. Apenas 40 anos depois de fundada,
com a criação de uma sessão feminina, a mulher passou a ter acesso
a essa formação.

Segundo Durães [2011:468], “não se pode esquecer que as primeiras


Escolas Normais propriamente ditas, seminários para preparar
mestres leigos, são em grande medida resultado da influência
pestalozziana”. Com o passar do tempo, a participação feminina
tornou-se predominante nessa instituição, segundo Demartini;
Antunes [1993]:

“Em 1880 [...] as aulas passaram a ser mistas, mas havia entradas
diferentes para moças e rapazes. O número de matrícula geral de 1º
e 2º anos era de 61, dos quais 29 eram mulheres. O curso anexo
recebeu 127 matrículas, 55 rapazes e 72 moças, sendo que no 1º ano
havia 24 moças para 20 rapazes. A considerar esses números, nota-
se a partir daí o começo da feminização da frequência na Escola
Normal de São Paulo” [RODRIGUES, 1930, p.112 apud DEMARTINI;
ANTUNES 1993:6].

Tal feminização se deu porque o magistério era uma das poucas


profissões que as mulheres poderiam exercer sem serem rechaçadas
pela sociedade, pois estava associada a característica maternal.
Ademais, permitia conciliar as atividades domésticas com o trabalho.
Outro fator que podemos destacar seria que as mulheres aceitavam
os baixos salários do magistério primário com mais facilidade, por
geralmente não serem as responsáveis absolutas pelo sustento do
lar.

No que se refere ao ensino secundário as mulheres permaneciam


excluídas. Até mesmo as moças que tinham posses e se preparavam
em escolas particulares confessionais protestantes ou católicas, não

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conseguiam ingressar nos cursos superiores, devido ao fato de que o
ingresso nestes se dava mediante a aprovação em exames
preparatórios que eram destinados exclusivamente aos homens. De
acordo com Aranha [2006:230] “a primeira mulher a se matricular na
Faculdade de medicina do Rio de Janeiro foi Dona Ambrozina de
Magalhães, em 1881”.

Apenas no final do século XIX começaram a surgir rumores de uma


educação igualitária entre gênero. A coeducação propunha o acesso
das mulheres aos níveis educacionais até então destinados somente
aos homens. Em contrapartida, os conservadores temiam pela
emancipação feminina, considerando tal proposta como uma ameaça
a dissolução da família, os argumentos por estes utilizado não era a
importância do papel da mulher na sociedade, mas a inferioridade da
inteligência feminina que, portanto, deveria se limitar aos afazeres
domésticos.

Demonstrando dessa forma, que até então, o que limitara o acesso


das mulheres às instituições escolares não seria apenas o temor da
exposição feminina ao público, ou apenas sua emancipação, mas,
uma visão preconceituosa e machista herdada desde a antiguidade,
que subestimava o potencial feminino.

Entretanto, haviam também aqueles considerados mais liberais que


não dissociavam a educação das tarefas domésticas, defendiam que
as mulheres tivessem acesso a todos os níveis de educação para que
pudessem desempenhar bem as suas funções de esposa e mãe.
Compreendemos, nesse discurso, a subestimação da mulher de forma
menos acentuada, porém ainda muito machista, pois vê na educação
feminina um meio para alcançar benefício próprio, como uma forma
de “qualificação” da esposa.

Porém, destacamos Tobias Barreto e Tito Lívio de Castro, estes


defendiam a educação feminina como um fator de justiça social, e
ponto central para o desenvolvimento da sociedade brasileira
[ARANHA, 2006]. Finalmente surge na história, um discurso que
percebe a mulher como um potencial para o progresso do País.

Este discurso mais avançado ganha força, de forma que aos poucos
foram surgindo escolas voltadas para a educação feminina. “Em 1832
havia vinte escolas primárias femininas em todo o império, em 1873
apenas a província de São Paulo contava com 174 unidades”
[ARANHA, 2006:230].

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A participação da mulher no magistério crescia consideravelmente
com o passar do tempo, de forma que em 1895, as moças excediam
expressamente o número de formados pela escola normal:

“E ainda por se tratar de uma atividade mal remunerada, atraía, em


muitos casos os que podiam exercê-la como uma atividade paralela,
os que contavam com o apoio financeiro da família, ou então aqueles
que não haviam encontrado uma ocupação mais bem remunerada”
[DEMARTINI; ANTUNES, 1993:7].

No mais, apesar de serem maioria na docência, as mulheres ainda


eram vítimas de preconceito na própria profissão, com salários
inferiores aos professores e sem possibilidade de ascensão na
carreira. Embora as mulheres fossem tão bem qualificadas quanto os
homens destinavam-se a elas somente as vagas do ensino primário,
não chegando a cargos de direção. Tal diferença salarial era
justificada pelo fato de que estas teriam menos responsabilidades
civis que os professores.

No entanto, tentava-se compensar a diferença salarial através do


reconhecimento, seria uma “honra” ocupar o cargo de professora,
devido a importância do seu trabalho. Como descreve Demartini;
Antunes [1993], ao relatar o discurso proferido pelo Prof. José
Feliciano, catedrático da escola normal da capital, durante a
cerimônia de inauguração do edifício da praça da república em agosto
de 1984:

[sic]“Senhores e sobretudo excelentíssimas senhoras!


[...] Vós, em cujos intimos coroaveis palpita um coração de Mãe, um
coração de Esposa, um coração de Filha –, sabeis que a vós impede
hoje o melhor esforço em prol da regeneração de nossa especie.
Preparando-vos para tomar a vossos santos cuidados a cultura
completa de vossos filhos, a instrucção primeira dos tenros novedios
que tanto deveis estremecer, preparando-vos para ser Mães
integraes, Mães educadoras, para ser verdadeiras Mestras, hão de
bendizer-vos os seculos por vir, e haveis de colher os fructos, cujo
sabor divino é para algumas egrégias apreciarem.”[RODRIGUES
1930, p. 354apud DEMARTINI; ANTUNES, 1993, p. 8]

Considerações finais
Consideramos que apesar de o ingresso feminino nas instituições
escolares e consequentemente no magistério, ter se dado de forma
lenta e carregada de preconceito, este foi um grande passo para a
sociedade. A partir da “brecha” do desinteresse masculino pela
docência a mulher pôde demonstrar seu potencial e assumir o
protagonismo dessa profissão.

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Se a princípio foi dada a mulher a oportunidade de trabalhar, visando
a sua “fragilidade”, sensibilidade, paciência que o ensino primário
exigia, a feminização do magistério é a prova de que esta
demonstrou toda a sua força. Ainda assim, fica nítido que apesar de
serem a maioria na docência, as mulheres têm a contínua obrigação
de demonstrarem a sua capacidade intelectual para manter seu
espaço em postos educacionais mais valorizados.

Referências
Bruna Letícia Soares de Carvalho- É acadêmica do curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do
Pará (UFOPA) e Bolsista de Iniciação Científica do Grupo de Estudos e
Pesquisas HISTEDBR (História, Sociedade e Educação no Brasil). E-
mail: brunaleticia.soares13@gmail.com

Ediane Sena Almeida – É acadêmica do curso de Licenciatura Plena


em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). E-
mail: edianesena10@hotmail.com

Wilverson Rodrigo Silva Melo (Orientador) - É Mestre em História


pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorando em
História Contemporânea pela Universidade de Évora (UÉVORA).
Atualmente é Docente na Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA). E-mail: w.rodrigohistoriador@bol.com.br.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da


pedagogia: geral e Brasil.3. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2006.

DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri; ANTUNES, Fátima Ferreira.


Magistério primário: profissão feminina, carreira masculina. Cad.
Pesq., São Paulo, n. 86, p. 5-14, 1993. Disponível em:
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/934/939

DURÃES, Sarah Jane Alves. Aprendendo a ser professor(a) no século


XIX: algumas influências de Pestalozzi, Froebel e Herbart. Educação e
Pesquisa. v. 37, n. 3, p. 465-480, set./dez. 2011. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-
97022011000300002&script=sci_abstract&tlng=pt

19
O CURRÍCULO NAS ESCOLAS RURAIS EM FRANCISCO
BELTRÃO/PR: UMA ANÁLISE DA DÉCADA DE 1960 – 1970
Carla Cattelan

O texto apresentado é parte integrante da pesquisa de mestrado


intitulada “Educação rural no município de Francisco Beltrão entre
1948 a 1981: a escola multisseriadas” (CATTELAN, 2014). O
fragmento busca analisar o currículo ensinado na década de 1960 em
Francisco Beltrão no Sudoeste do Paraná, bem como conteúdos e
metodologias utilizadas nas escolas rurais.

As escolas rurais multisseriadas se organizaram na região a partir da


década de 1940, amparadas pela Colônia Agrícola Nacional General
Osório até 1957. A partir de 1952 o município de Francisco Beltrão se
emancipa e passa a ofertar a educação primária. Até o final da
década de 1950 dezenas de escolas rurais foram construídas e
mantidas em Francisco Beltrão.

A partir da aprovação da LDB, de 1961, o Governo do Estado do


Paraná, através da Secretaria da Educação e Cultura baixou o decreto
nº 10.290 no final de 1962, implantando o programa de
estudos/regimento para o ensino pré-primário e primário (grupos
escolares e casas isoladas). Para os grupos escolares primários foi
organizado um currículo com seis anos (1ª a 6ª serie). Já para as
casas escolares isoladas o currículo contemplava apenas quatro anos
(1ª a 4ª série). No texto introdutório do programa, o Secretário da
Educação e Cultura, Jacundino da Silva Furtado sustentou que:

“As disciplinas apresentadas no presente programa obedecem a uma


sistematização. Elas se completam, no entanto, com atividades
outras e se correlacionam intimamente, no intuito de
aperfeiçoamento individual dos educandos, em consonância com as
aspirações e possibilidades pessoais” (PARANÁ, 1963, p. 4).

O regimento tomou como base para a organização do ensino primário


do Paraná, a Lei Federal nº 4.024/61 (LDB de 1961), o Plano
Nacional de Educação e os resultados de estudos da Secretaria de
Educação e Cultura do Estado. A Secretaria de Educação e Cultura
consultou professores, diretores e inspetores do ensino primário,
sobre a necessidade de ampliar a duração do curso primário e torná-
lo mais eficiente em prol da população paranaense, visto que o
Paraná já havia atingido um certo grau de desenvolvimento que lhe
permitia ampliar o período da escolaridade e melhor prepará-lo para
o advento do desenvolvimento econômico (PARANÁ, 1963).

20
O documento estabeleceu que o ensino primário seria dado em seis
séries anuais nos grupos escolares, em cinco series nas casas
escolares e nas escolas isoladas seria ampliado de três séries para
quatro séries anuais. Ficou estabelecido que na 1ª série seria a partir
dos 6 (seis) anos que foi amparado pela Lei 4.024, no Art.26, onde
provia que, “o ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro
séries anuais. Parágrafo único. Os sistemas de ensino poderão
estender a sua duração até seis anos, ampliando, nos dois últimos, os
conhecimentos do aluno e iniciando-o em técnicas de artes aplicadas,
adequadas ao sexo e à idade” (BRASIL, 1961, p. 6). A portaria nº
110 de 1963 aprovou os programas de ensino para as escolas
isoladas do ensino primário do Estado entrando em vigor a partir do
mesmo ano.

Para atender a nova seriação proposta, o governo organizou


programas curriculares para os grupos escolares e casas escolares e
escolas isoladas. O conteúdo previsto para as disciplinas ensinadas de
1ª a 4ª séries, tanto nos grupos escolares como nas escolas isoladas
eram iguais conforme o quadro apresentado abaixo. Somente para as
casas escolares ou grupos escolares que haviam duas séries a mais, a
5ª e a 6ª séries, nestas seriam ensinadas matérias bases para o
ingresso ao ensino médio.

Quadro nº 1: Ensino primário, Programa para os grupos e


casas escolares e casas isoladas.

Disciplinas Conteúdo por série


Linguagem 1º Domínio de técnica de leitura oral; apontar
palavras; ler e escrever legível; expressão oral e
escrita: ortografia; gramática aplicada; ordenação de
palavras e formação de frases.
2° Expressão oral e escrita; composição de frases;
narração; vocabulário; gramática aplicada e
caligrafia.
3º Expressão oral e escrita; palestras espontâneas;
historias; redação de frases; narração; descrição;
reprodução e interpretação.
4° Leitura expressiva; expressão oral e escrita;
substantivos; adjetivos; numerais; pronomes;
preposições; canções folclóricas; redação de textos;
sentença; sujeito; substantivos; adjetivos; artigos;
numerais; pronomes, verbos; preposições;
conjunções; interjeições; pontuação; acentuação
entre outros.

21
Matemática 1º Quantidade; tamanho; posição; distância; tempo;
medidas; números; adição,; subtração; geometria
prática; etc.
2º Noção de quantidade; tamanho; volume;
numeração até 100; operações; contagens; frações;
numeração romana; números pares e ímpares;
composições; decomposição; unidade, dezena e
centena; moedas e cédulas; multiplicação e divisão;
linhas; problemas; cálculos; etc.
3º Milhões; operações; situação problema; cálculo;
número decimais; números ordinais; resolução de
problemas; frações; números mistos; equivalência de
frações; sistema de unidade e medida; etc.
4º Retomar os conteúdos da 3ª serie; ampliar as
operações e situações problemas; cálculo da área e
do perímetro; cálculo mental, unidade e medida; etc.
Estudos 1° Nome e sobrenome; cidade e estado; família;
sociais escola; data nacionais; hino e bandeira nacional;
sociedade; etc.
2° Escola; a localidade; município; datas nacionais;
símbolos nacionais e estaduais; direitos e deveres;
higiene; etc.
3º O Paraná; historia do Brasil; relevo paranaense;
expedições; planaltos; clima; produção agrícola;
proclamação da república; extrativismo; divisão
política brasileira; rodovias; ferrovias; aerovias;
governos; estados; etc.
4° O Brasil; divisão do globo terrestre; países dos
continentes; noção geral do mundo; período colonial;
bandeiras; Brasil império, reino, república; etc.
Ciências 1° Animais; vegetais; água; ar; tempo; firmamento;
naturais e saúde e vestuário; zelar pelos materiais; etc.
Higiene 2° Animais; vegetais; água; tempo; etc.
3° Animais; vegetais; água; astro; etc.
4° Homem; calor; som; eletricidade; gravidade;
maquinas; ar; etc.
Fonte: A partir de PARANÁ, 1962, p. 14 - 57.

Além dos conteúdos especificados no quadro, o programa trazia em


cada disciplina apresentada os objetivos de cada série para o ensino
dos conteúdos em cada disciplina. Enfatizava os hábitos que deviam
ser criados nos alunos com os conteúdos ensinados, o mínimo
essencial que o aluno deveria aprender em cada série e algumas
observações a respeito do trabalho com os conteúdos dispostos, em
alguns conteúdos específicos de certas matérias (principalmente

22
matemática e língua portuguesa). Também trazia orientações ao
professor de como elaborar as atividades e explicar o conteúdo.

Foi possível observar que, por anos as escolas isoladas estabeleceram


sua organização de ensino em quatro séries. A partir das análises já
feitas nos documentos disponíveis em Francisco Beltrão, percebemos
que a prática já vinha desde antes da década de 1950, ainda quando
as escolas eram administradas pela CANGO. Esta prática
multisseriada prevaleceu e se fortaleceu principalmente nas
comunidades da zona rural, já que em contraposição, no período, as
escolas urbanas eram organizadas na forma de grupos escolares com
classes seriadas.

Em 1964, a educação do Paraná entrou numa nova fase, pois, em


dezembro de 1964 foi sancionada a Lei n° 4.978 que estabeleceu o
Sistema Estadual de Ensino, complementando os documentos
elaborados nos anos anteriores. O art. 107 expressou as bases da
nova legislação nos seguintes termos:

“A organização geral de curso primário e dos seus currículos, a


fixação e seriação de disciplinas obrigatórias e das práticas
educativas, a amplitude e o desenvolvimento dos planos e programas
de ensino, a duração dos períodos anuais de aprendizagem, a forma
de ingresso e as condições de matrícula, o regime de promoções e as
formas de avaliação do aproveitamento dos alunos e da apuração do
rendimento escolar ficaram sujeitos os estabelecimentos de ensino
primário” [...] (PARANÁ, 1964, p. 24).

O parágrafo único do mesmo artigo complementou:

“Além do cumprimento dos planos e programas de ensino e das


demais exigências do Regulamento de Ensino Primário, constituirão
deveres de cada estabelecimento sujeito a legislação estadual do
ensino:

a) Assegurar a formação moral e cívica dos educandos;


b) Realizar atividades complementares de iniciação artística e
profissional;
c) Instituir orientação educativa e vocacional dos alunos, em
cooperação com a família;
d) Estimular a assistência social escolar e colaborar com os serviços
de merenda escolar, de saúde e higiene escolar” (PARANÁ, 1964, p.
25).

O artigo 55º determinava que todos os estabelecimentos de ensino


autorizados pelo Estado para o funcionamento ficavam sujeitos a

23
inspeção do poder público. Já o artigo 62º estabelecia que as
Inspetorias Auxiliares de Ensino, as Inspetorias Regionais de Ensino
vinculadas as Inspetorias de Ensino Primário exerceriam suas
atribuições de inspeção nas escolas isoladas de grau primário,
mantidas pelos municípios.

As escolas daquele período seguiam uma organização padrão,


determinada pela Secretaria de Educação Municipal. Todavia, ao
analisar a documentação percebi que dos anos de 1968 a 1970, não
traziam os conteúdos trabalhados, porém, apontavam que existia um
currículo básico ao ensino primário, que era seguido.

Ao analisar um boletim de 1970, oficializado pela portaria n° 12.087,


de 23 de novembro de 1967 da Secretaria de Educação e Cultura do
Paraná, destinado a organização da 1ª á 4ª série do ensino primário,
verificamos que a avaliação dos alunos foi feita a partir de conceitos,
conforme explicitado no documento abaixo:

Figura nº 1: Boletim escolar de 1970


Fonte: Acervo pessoal de Gilberto Cattelan.

Em Francisco Beltrão, a estrutura curricular, que apareceu nos


boletins de 1970 contemplou as disciplinas de: Português,
Matemática e Conhecimentos Gerais. Divididas por bimestre, o
boletim mostrou a nota semestral, talvez a professora tivesse certa
autonomia em relação a nota podendo fazer de forma bimestral ou

24
semestral. Além das disciplinas, o boletim ainda apresentava outros
itens que poderiam ajudar na avaliação das crianças tais como:
Realizar os trabalhos escolares; ter ordem no material; melhorar a
caligrafia; procurar melhorar a ortografia; chegar a escola
pontualmente, procurar ser mais assíduo.

Já o boletim de 1972 compreendeu as seguintes matérias: Português,


Aritmética, Conhecimentos Gerais e como complemento de nota, o
Comportamento e a Aplicação. Nas turmas de 4ª séries se fazia os
exames finais para o ingresso no Ginasial.

Figura nº 2: Parte interna do Boletim Escolar de 1972


Fonte: Acervo pessoal de Gilberto Cattelan.

Observo pelo boletim apresentado certa autonomia do professor em


relação as notas dos alunos, já que estas estavam representadas em
“anual” e “de exame”, subtendendo que o professor destinava uma
nota anual e mesmo assim o aluno, ao final do ano, faria os exames
finais. Foi possível perceber o acompanhamento da família, quanto as
notas escolares, mediante a assinatura do responsável.

De 1975 a 1978, de acordo com análises feitas na documentação


encontrada no arquivo da Secretaria Municipal de Educação de
Francisco Beltrão, pude organizar um quadro que contempla as
disciplinas ensinadas nas escolas primárias do período.

25
Quadro nº 2: Disciplinas constantes no currículo das escolas
primárias de Francisco Beltrão - 1975 a 1978.

Disciplinas Amplitude
Comunicação e Expressão  Português
 Leitura
Ciências  Iniciação a ciência
 Matemática
Integração social
Fonte: Dados Atas Escolares, 1975 – 1978.

Ao analisar as Atas Escolares de 1975 a 1978 identificamos que as


disciplinas contempladas no ensino primário do município, eram as
mesmas que foram fixadas pelo Conselho Federal de Educação como
núcleo comum, ou seja, Comunicação e Expressão, Ciências e
Integração Social. Isso fica evidenciado em um boletim de 1975.

Figura nº 3: Boletim Escolar de 1975


Fonte: Acervo pessoal de Noeli Nogueira.

O boletim apresenta as disciplinas da base comum: comunicação e


expressão, incorporando Português e Literatura; a área de Ciência
contemplava Matemática e Iniciação Científica e a Integração Social.
Ao observarmos o item 8 (oito) das observações que constam no

26
boletim, verifiquei que a avaliação “Educação Física e Educação
Artística foi efetuada no conceito comportamental”.

Já em 1979, segundo os registros das Atas Escolares do período


(disponíveis no acervo da Secretaria de Educação), as disciplinas
compreendiam: Português, Estudos Sociais, Matemática e Ciências. O
documento já indicava a valorização das disciplinas de Português e
Matemática, em detrimento de outras áreas.

Quanto aos conteúdos ensinados nas escolas, bem como a prática


pedagógica utilizada pelos professores, foi possível considerar o
seguinte: Ao observar e analisar os documentos escolares, como:
atas, boletins, dentre outros, a nível municipal não foi possível
perceber indícios da contemplação de outras áreas do conhecimento
nas escolas rurais multisseriadas além das previstas. Todavia ao
entrevistar os professores e observar as fotos, ficou claro, que as
aulas iam além da matemática, do português e das ciências
aplicadas. Os professores contemplavam as áreas de motricidade,
artes e outras disciplinas não previstas nos boletins.

Conforme indica a fotografia apresentada a seguir, os alunos faziam


aulas de Educação física. A fotografia deixa claro que as condições
para a efetivação desta disciplina não eram as melhores, porém os
professores adaptavam lugares e materiais para que esta prática
fosse incluída nos conteúdos e disciplinas trabalhadas.

Figura nº 4: Alunos fazendo educação física no potreiro – 1975


Fonte: Acervo pessoal de Irene Vieira.

27
Foi possível perceber, pela fotografia, um campo de futebol
improvisado, ao fundo com uma “trave” construída em madeira e o
chão com pouca grama, sugerindo o uso daquele espaço para a
prática esportiva. A turma mista composta por 21 alunos com idades
diferenciadas, não apresentava roupa apropriada para a prática
esportiva, nem mesmo o calçado, onde muitos podem ser vistos
usando chinelo ou descalços. Mas isso não era motivo para que as
professoras não trabalhassem a educação física e muito menos que
os alunos não tivessem a prática do esporte. A professora Lourdes
apontou que tinha que ter muita criatividade a gente criava em cima
do conteúdo (2012).

O professor Luiz Bedin, contou suas experiências frente aos


conteúdos, realizando experiências significativas para a aprendizagem
das crianças, unindo a teoria e a prática articulando-as ao conteúdo e
a vida dos alunos. Em um dos conteúdos trabalhados, conta que,
uniu família, alunos, escola e comunidade, através da explicação
sobre a plantação de pinhões.

“Aqui a gente fez uma plantação de pinheiros. Reunimos os pais e os


alunos e foi plantado o pinhão. Todos em linha. E hoje fazem 10 anos
que estamos comendo pinhão dos pinheiros que foram plantados
pelos alunos” (BEDIN, 2013).

O tema que foi abordado, juntamente com as devidas explicações, se


referia a árvore e a semente símbolos do Paraná. O professor Luiz
Bedin exibe a plantação de pinheiros, fruto de seu trabalho na escola.

Figura nº 5: Luiz Bedin na plantação de pinheiros – feito de 40 anos


atrás
Fonte: Carla Cattelan, 2013.

O projeto foi desenvolvido pelo professor, com ajuda da comunidade


e dos alunos. Na época foram plantados cerca de 140 pinhões, dos

28
quais após cerca de 40 anos resultaram em uma grande plantação,
localizada em frente a casa do professor Luiz, próximo a escola na
comunidade da Linha Liston.

O professor Luiz ainda relatou outras experiências feitas, como


metodologia e organização dos conteúdos, buscando a aproximação
dos conteúdos com a vida dos alunos.

“[...] fazia experiências em sala de aula. Na comparação com a


plantação de feijões, a gente fazia duas caixas, uma deixava
inclinada, plantava o feijão e outra para ver o progresso que a água
fazia nas roças. Então a gente e o aluno já saia aprendendo trabalhar
na roça, cuidando do terreno para não ter erosão [...]. Depois a
gente tirava um tempo na hora do recreio para brincar com eles,
então era uma família muito unida” (BEDIN, 2013).

O professor Luiz ainda acrescentou que a escola na época, participava


das Feiras Escolares promovidas pela prefeitura. A foto abaixo mostra
a primeira Feira Escolar.

Figura nº 6: Abertura da 1º Feira das Escolas do município de


Francisco Beltrão, 1977. Luiz Bedin com o Prefeito João Arruda
cortando a faixa.
Fonte: Acervo pessoal de Luiz Bedin.

Na ocasião Luiz Bedin com o Prefeito João Arruda cortando a faixa e


dando abertura da feira. A comunidade, as famílias e os alunos eram
convidados a prestigiar o evento.

“Uma época em que a gente plantava verdura tinha uma horta


escolar com verdura e com remédios. Quase todos os tipos de
remédios caseiros tinham na escola. Então os pais se reuniam ajudar
o grupo a preparar a horta, a preparar o terreno. Ai ficava a tarefa
para os alunos. A gente ia na casa da família tomar chimarrão e
visitar para ver se o aluno tinha feito a tarefa e se ele tinha dado

29
para preparar a horta em casa. Ai tinha um incentivo da prefeitura no
tempo do prefeito do João Arruda, tinha as feiras escolares em
Beltrão, daí a gente participava, levava todo o tipo de verdura e
pacotinhos de remédios, para vender na cidade. Ai este lucro era
beneficio da escola” (BEDIN, 2013).

Nas feiras escolares promovidas pela Prefeitura, as escolas


compartilhavam o que haviam ensinado, confeccionado e produzido
na escola. Era um espaço de troca de experiências.

Toda esta prática pedagógica e disciplinar remete a pensar, que a


educação rural multisseriada foi alicerçada em fatores que não
aparecem explicitamente na documentação disponíveis. Apesar da
pouca formação dos professores, estes desenvolveram e organizaram
as disciplinas de forma com que o conteúdo atendesse de fato as
necessidades dos alunos, não somente burocraticamente. Frente as
condições que dispunham, temos que considerar que os professores
realmente ensinaram bem mais do que estava previsto nos
currículos.

Referências
Carla Cattelan é doutoranda em Educação pela Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC. Mestre em Educação pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Francisco Beltrão -
UNIOESTE. Professora colaboradora no Colegiado de Pedagogia da
mesma instituição. Membro do grupo de pesquisa HISTEDOPR e
GEPHIESC. E-mail: carla.ccattelan@gmail.com

CATTELAN, Carla. Educação rural no município de Francisco Beltrão


entre 1948 a 1981: a escola multisseriadas. Francisco Beltrão-PR:
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 2014.
(Dissertação de Mestrado em Educação).

BEDIN, Luiz. Francisco Beltrão, entrevista concedida no dia: 30 de


Junho de 2013 á Carla Cattelan.

BOLETIM, Escolar. Gilberto Cattelan. Prefeitura Municipal de Francisco


Beltrão. Escola Duarte da Costa, Professora Elena Bednaski, Francisco
Beltrão, 1ª serie, 1970,

_________. Gilberto Cattelan. Prefeitura Municipal de Francisco


Beltrão. Escola Duarte da Costa, Professora Eva Bednaski, Inspetora:
AmaliaMarafon. Francisco Beltrão. 3ª serie, 1972.

30
_________. Noeli Nogueira. Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão.
Escola Carlos Gomes, Professora Carolina Teles Lemos, Francisco
Beltrão, 3ª serie, 1975.

BRASIL. Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes


de bases da Educação Nacional. Rio de Janeiro, 1961.

PARANÁ. Estado. Sistema Estadual de ensino. Lei Nº 4.978 de


05/12/64. Estabelece o sistema estadual de ensino. Palácio do
Governo: Curitiba, 1964.

_________. Estado. O ensino primário no Paraná: Nova Seriação e


programas para os grupos e casas escolares. Decreto nº 10.290 de
13/12/1962, que dispõe sobre o ensino primário no estado. Portaria
nº 109/63, que aprova os programas de ensino para os grupos e
casas escolares. Nº 09 Sec. Da Educação e Cultura. 1963.

_________. Estado. O ensino primário no Paraná: Nova Seriação e


programas para as escolas isoladas. Decreto nº 10.290 de
13/12/1962, que dispõe sobre o ensino primário no estado. Portaria
nº 110/63, que aprova os programas de ensino para as escolas
isoladas. Nº09 Sec. Da Educação e Cultura, 1963.

VIEIRA, Irene Vacari de Souza. Francisco Beltrão, entrevista


concedida no dia: 19 de setembro de 2013 á Carla Cattelan.

31
O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NA SALA DE AULA
Carmem Lúcia Gomes De Salis

O Livro didático de história se tornou um dos temas mais abordados e


problematizados dentro da área de pesquisa de Ensino de História.
Isso porque a partir de 1985, no período de redemocratização, o
governo federal lança um programa denominado Programa Nacional
do Livro Didático, cujo objetivo inicial era distribuir materiais
didáticos, de forma gratuita, para as séries iniciais de Ensino
Fundamental. Ao longo da década de noventa esse programa passa a
se estender para outras esferas e abarcar, também, as séries finais
do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Escolas do Campo e Educação
de Jovens e Adultos.

O objetivo do governo centrava-se em duas frentes principais: a


princípio garantir materiais didáticos de qualidade nas escolas, haja
vista, a formação, entendida enquanto deficitária, no período da
Ditadura Militar, onde se proliferou a chamada licenciatura curta.
Então, era necessário fornecer materiais que, viessem auxiliar esses
professores na prática da sala de aula para que pudessem dar vazão
a um ensino que atendesse aos anseios do novo momento político,
qual seja: a formação de um sujeito atento às ideias de cidadania e
que, ao final de sua trajetória escolar, se entendesse enquanto um
cidadão crítico e reflexivo. Por outro lado, temos, também, o anseio
de que o livro didático, fosse um poderoso auxiliar na tentativa de
unificação curricular, já que, em um país de tamanho continental,
cada região exercia sua própria organização curricular.

Fato é que, embora em um primeiro momento, os professores


tenham observado o Programa com certa desconfiança (haja vista a
experiência, nos governos anteriores, com relação a políticas
semelhantes, que buscavam determinar como e o que deveria ser
dado em sala de aula, utilizando o material didático como
instrumento de controle político e pedagógico), essa perspectiva vai
perdendo força a partir do momento em que os docentes começam a
se ver enquanto sujeitos ativos dentro do processo de seleção, já que
passam a compor o quadro avaliativo, assim como escolhem os
materiais a serem adotados pelas escolas.

A partir do Programa, portanto, o Livro passou a ser presença


constante na sala de aula e a relação que o professor estabelece com
esse material determina o tom das práticas desenvolvidas no
processo de ensino aprendizagem.

32
Tal presença constante tem suscitado uma série de trabalhos
acadêmicos cujo objetivo versa sobre a tentativa de compreender e
problematizar não somente a natureza desse material cultural
complexo, como também desvendar seu papel no processo de Ensino,
no nosso caso de História. Ou seja, cada vez mais historiadores,
inseridos na área de pesquisa de Ensino de História, dedicam-se
ultrapassar as análises formais do material, no que diz respeito a
questão textual, lacunas, erros, ou seja, sua construção narrativa,
para se dedicarem à pesquisas sobre a apropriação que professores e
alunos estabelecem com o livro no dia a dia escolar.

E é justamente neste aspecto que a pesquisa se desenvolve. Neste


sentido, temos por objetivo analisar as impressões e representações
que os alunos constroem em relação ao livro didático. Essas
pesquisas são relevantes porque, os estudos sobre o livro didático e
sua relação com a prática, sempre estiveram muito centrados na
figura do professor: como o professor o utiliza; como o escolhe; quais
os seus critérios as consequências dessas práticas no processo de
ensino aprendizagem. Relegar a um segundo plano o papel do aluno
enquanto sujeito do processo de ensino, parece-nos um equívoco.

É importante pensarmos essa relação para propormos ações que


façam mais sentido para os alunos. Precisamos conhecer as
representações construídas pelos mesmos ao longo de sua trajetória
escolar a respeito do material, para que possamos identificar qual a
percepção de História que advém dessa relação e apropriação e
assim, problematizarmos o lugar ocupado por esta na sua vida
prática. É importante ressaltar que identificar essa relação não é
determinante para entendermos a percepção de História que os
alunos constroem ao longo de sua vida escolar, já que esta é
moldada por inúmeros fatores, no entanto, se consubstancia em um
importante elemento. Neste sentido, torna-se fundamental entender
o que o aluno, sujeito do processo de ensino aprendizagem, pensa
sobre esse material que está cotidianamente presente nas aulas de
História. Caimi, cita um provérbio, que diz: “[...] para ensinar História
a João é preciso entender de ensinar, de história e de João”. (ROCHA,
2009, p. 71)

Tais inquietações foram imprescindíveis para que pudéssemos


desenvolver uma proposta de pesquisa focalizada nos alunos. No
entanto, destacamos que o vínculo construído pelo aluno com o
material didático, atrela-se à forma como o professor se apropria do
mesmo, portanto, embora o escopo seja o aluno, não podemos
relegar o papel do professor.

33
A pesquisa se desenvolveu a partir de questionários em 06 turmas de
Ensino Fundamental de duas escolas públicas de Guarapuava, sendo
05 de 9º ano e uma de 8º ano, totalizando 153 alunos. Foram
elaboradas questões objetivas e dissertativas, onde objetivou-se
explorar as impressões dos alunos. Foram escolhidas as séries finais,
porque esses já possuíam uma trajetória escolar de utilização do livro
e, por isso, poderiam, em tese, opinar com mais propriedade sobre o
assunto.

O livro didático, inquestionavelmente, ocupa um lugar central nas


aulas de História. De instrumento de ensino ele, na maior parte das
vezes, termina por ocupar, cada vez mais, um lugar de protagonista
no ensino. Isso se deve ao fato de que, a partir dos critérios de
avaliação do PNLD, o livro se torna cada vez mais atraente ao
professor e ao aluno também. São coloridos muito bem-acabados e
visualmente atrativos. Pelo seu formato interno, onde encontramos
narrativas que prendem a atenção do aluno, por suas atividades cada
vez mais elaboradas e a disponibilidade de documentos diversos.

Quando perguntados sobre o uso do livro na sala de aula, a maioria


respondeu que “era muito usado”. Pode até parecer em um primeiro
momento que essa resposta nos conduziria a uma negação do
material, mas, esse elo que se estabelece ao longo da trajetória
escolar, se mostrou bem contraditório, ao mesmo tempo que
definiam seu uso, como muito frequente, vários ressaltaram que sem
ele “não conseguiriam entender o conteúdo”.

O protagonismo desse material na sala de aula - muitas vezes é o


único material disponível para o aluno - somado à forma como o
professor se apropria dele para ministrar as aulas, geram, também,
uma dependência do aluno com relação a esse material. A
representação construída de aula de história atrela-se de forma
umbilical a presença ou ausência do Livro. Uma boa aula de história é
aquela em que ele consegue comprovar o que o professor diz, no
livro. Há uma perceptível insegurança do aluno se o livro não está
presente. Tanto é que, em casos onde o professor não o trabalha
rotineiramente, eles ressaltam que este deveria utilizá-lo com mais
frequência, pois, segundo os alunos quando não entendem a matéria,
recorrem ao livro, ou então, segundo suas próprias palavras: “o livro
ajuda a tirar dúvidas, se ele não é trabalhado, como faço?”

Essas ponderações nos dão alguns indícios de que é necessário


repensar o lugar ocupado pelo professor em sala de aula. Na medida
em que se antes sua função era “transmitir conhecimento”, ou
mediar o conhecimento, cada vez mais esse lugar vem sendo
ocupado pelo Livro. Pois, segundo os alunos: “ali tem o conteúdo do

34
mesmo que a professora explicou e se não entendem o conteúdo está
ali pra reler”, ou, “é um jeito de aprender melhor”, ou ainda, “porque
dá um conhecimento melhor”.

Dentro dessa perspectiva, o processo de entendimento da História,


objetivando o desenvolvimento do pensamento histórico, se desloca
da ideia de que é necessário problematizar os conteúdos, levando em
conta as ideias históricas dos alunos mediados pela figura do
professor, para outro lugar, qual seja, a ideia mecânica, quase
automática de que para aprender história basta ler o livro. Tal ideia,
presente nos alunos estudados, reforça um ensino pautado na
memorização, onde aprender História significa “decorar” os conteúdos
que irão “cair” na prova, perdendo de vista a noção de que o ensino
de História deve ser pautado pela ideia de sua utilidade para a vida
prática dos sujeitos.

Embora os materiais didáticos hoje, estejam cada vez mais distantes


dos manuais problemáticos da década de 80, ainda possuem seus
limites e, portanto, cabe ao professor o gerenciamento de seu uso na
sala de aula de forma que este não se torne “um uso mecânico”, mas
que sirva como ponto de partida para o desenvolvimento do
pensamento crítico do aluno. A apropriação do livro pelos alunos
como detentor de um saber que se sobrepõe às discussões em sala
de aula, torna-se preocupante na medida em que reforça a ideia de
que história é algo estanque presa ao passado, sem uma relação com
o presente dos sujeitos. Ou seja, compreender a história torna-se
uma operação não construída no processo de ensino aprendizagem,
mas sim fornecida pronta ou pelo professor ou pelo livro ou pelo dois.
Assim, ao comentar sobre o ensino tradicional calcado na
memorização de datas e fatos, Caimi, destaca que,

“Como decorrência disso, os estudantes desconhecem, em geral, o


papel crítico do raciocínio histórico e pouco compreendem em que
consiste uma explicação. É desejável, então, que eles exercitem a
resolução de problemas qualitativos e a explicitação de seu raciocínio,
numa perspectiva metacognitiva. Todavia, é improvável que
conquistem a facilidade para raciocinar historicamente a menos que a
estrutura da proposta de ensino acentue a relevância de tal
habilidade”. (CAIMI, 2014, p.170)

Tal perspectiva nos revela que no entendimento do aluno a História


está pronta e acabada (história verdade) dentro dos limites das
páginas do livro, que bem sabemos trata-se de uma narrativa
limitada e não isenta de intencionalidades.

35
Referências
Carmem Lúcia Gomes De Salis é professora Adjunta do departamento
de História da Universidade Estadual do Centro -Oeste(UNICENTRO)

ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. História escolar e memória


coletiva: como se ensina? Como se aprende?. In ROCHA, Helenice
Aparecida Bastos; MAGALHÃES, Marcelo de Souza; GONTIJO, Rebeca.
A Escrita da História Escolar: Memória e Historiografia. Rio de
Janeiro: FGV, 2009.

MAGALHÃES, Marcelo de Souza; ROCHA, Helenice Aparecida Bastos;


RIBEIRO, Jayme Fernandes; CIAMBARELLA, Alessandra (Org). Ensino
de História: usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: FGV,
2014.

36
OS CAMINHOS DA HISTÓRIA: INSTITUIÇÕES ESCOLARES E
EXPANSÃO URBANA NO ITARARÉ (1986-1991)
Cibele da Silva Andrade

Introdução
Esta pesquisa situa como as instituições escolares contribuíram para
a urbanização do bairro Itararé, abordando relações construídas na
vida cotidiana em torno e no espaço escolar, na cidade de Teresina
entre 1986 e 1991, período em que ocorreram tensões, como greves
e perca do ano letivo de 1990 nas escolas estaduais. Com uma
intensa migração de pessoas dos sertões piauienses à capital, situa-
se a estruturação dos conjuntos habitacionais, o estudo problematiza
as políticas direcionadas a fomentação de serviços sociais e
educacionais nestes espaços. O levantamento hemerográfico e a
análise dos textos foram do ano 1986 e para estudo os demais anos
ocorreu mediante leitura de pesquisas sobre o tema. Utilizando
também a documentos disponibilizados pela SEMPLAN- Secretaria
Municipal de Planejamento e Coordenação e pelo IBGE- Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.

Os documentos no presente relatório foram recolhidos nas


Secretarias de Educação Municipal e estadual, a fim de mapear as
escolas na região do Itararé. Entretanto, algumas dificuldades foram
tornando mais lento o processo de recolhimento das informações. A
lista solicitada em uma das secretarias demorou quatro meses para
ser deferida e entregue. Apenas o documento entregue pela
secretária municipal contava com os números de telefone das
escolas, contato necessário para dados referentes a de fundação das
instituições, apenas duas escolas disponibilizaram tal informação, a
necessidade de tal data refere-se à adequação ao recorte temporal.
Ambas as escolas que cederam tal informação foram construídas
após os anos 2000, portanto, não faremos referência às mesmas.
Através da leitura da dissertação “Do acaso aparente ao aparente
investimento: a situação do magistério e do atendimento ao aluno na
história recente da rede estadual de ensino do Piauí (1988-2000)”,
onde a pesquisadora utilizou levantamento hemerográfico do mesmo
jornal a que esta pesquisa recorre. Não se descarta a necessidade da
análise desses jornais, entretanto, esse motivo, pois como prioridade
a análise do ano 1986, e desencadeou outras prioridades, entre elas
a pesquisa em jornais laboratoriais, entre eles o jornal Calandragem
que está em processo de análise e não estará no atual relatório.

Revisão de literatura
A renovação no ângulo de observação da história política permite
compreender que, o político gera uma rede de acontecimentos que

37
não se restringem apenas ao estudo de uma lei ou de um sujeito
isoladamente, mas, sim a dinâmica de toda uma sociedade, segundo
Rémond apud Fontineles:

“O político toca a muitas outras coisas. Não é um fato isolado. Ele


está evidentemente em relação, também, com os grupos sociais e as
tradições do pensamento (RÉMOND, 1999, p. 58-59)....ela se adequa
aos propósitos deste trabalho por ser sob essa perspectiva de
política- que envolve o Estado e suas regras jurídicas, mas que
também dialoga e se confronta com a sociedade e com seus valores e
resistências internas.” (Rémond apud FONTINELES, 2003, p. 28)

Consideramos que, os acontecimentos que envolvem a


institucionalidade e o governo não se encerram apenas nos decretos
que regulamentam as instituições escolares da rede oficial de ensino
e na política habitacional dos conjuntos. Também provocam tensões
na sociedade, onde, de alguma forma, podem apresentar reações.

Referindo- se ao estudo de cidade Canevacci com base na


perspectiva antropológica da relação entre comunicação e
urbanização descreve : "... A cidade polifônica- significa que a cidade
em geral e a comunicação urbana em particular comparam-se
a um coro que canta com uma multiplicidade de
vozes autônomas que se cruzam.”: (CANEVACCI, 2004, p.17). Nesse
sentido, acontece na cidade múltiplas relações tudo fala um pouco
sobre a cidade, a cidade fala através do seu ordenamento, pois o seu
desenvolvimento foi consequência de ideias e perspectivas de outros
homens, logo o modo que se estrutura a cidade e o como as pessoas
a consomem torna-se dinamizado. Nessa pluralidade os sujeitos
internalizam os acontecimentos e desejam diversas possibilidades:

“A cidade, pois, já não como uma imagem do pensamento, mas como


uma imagem do inconsciente, do desejo, com suas camadas
superpostas, com seus rastros e ruínas. É esta a dimensão mais
profunda, sem dúvida, que Aragon descobre em seu passeio por
Paris, uma espécie de subterrâneo da memória e do desejo, em que a
cidade, na sua proliferação de objetos, signos e vestígios, remete a
um passado, com todos os futuros que ele soterrou” (PELBART, 2000,
p. 40.)

As entidades comunitárias, as associações de professores, os grupos


estudantis, são compreendidos aqui como sujeitos que desejam em
relação as condições de determinado momento, sobre mudanças para
aquele grupo ou aquela comunidade. Situando suas divergências
como grupos heterogêneos, mas, levando em conta seus desejos
compartilhados, como por exemplo, a reivindicação do 13º para todos

38
os docentes, uma condição que não existia naquela configuração de
cidade, entretanto, era desejada por significativa parte do corpo
docente.

Com base em (Fontineles, 2003) refletiremos sobre a expansão


educacional, tendo como concepção o modelo educacional adotado
pelo Brasil. O estudo em questão teve como objetos de estudo a
prolongada greve de professores em 1990 e de que forma a
implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério- FUNDEF no Piauí
possibilitou a melhoria no ensino público do estado, considerando
também as falhas permanentes nesse processo.

Discussão
A região que hoje é situada como o grande Dirceu no ano 1991, de
acordo com dados do IBGE, chegara a atingir a maior concentração
de pessoas por bairro em Teresina, com 46.287 habitantes,
correspondente a quase o dobro da população do segundo bairro
mais populoso, o Mocambinho, com 23.536 moradores. Tendo,
portanto, quase a metade da população total da zona Sudeste, que
correspondia à 89.048, ainda, sem contabilizar os conjuntos
construídos nas mediações, como: Comprida, Novo Horizonte,
Renascença e Redonda.

Os projetos relacionados à educação no Dirceu foram escassos. Na


Unidade Escolar Milton Brandão, onde foi implantado o Programa
Estadual de Alimentação Escolar (os irmãozinhos), o programa é uma
iniciativa do MEC, através da FAE. Que de acordo com a matéria
abrangeria todos os complexos escolares de Teresina. A iniciativa
ofertaria lanche para crianças de zero a seis anos que estivessem fora
da escola e que tivessem um irmão matriculado em alguma unidade
escolar. Apesar da oferta para pessoas de baixa renda que tal
programa apresentava tal medida não poderia ser ligada a melhoria
na qualidade de ensino, visto que as crianças beneficiadas não
estavam estudando. No encontro de Coordenadores ligados aos
órgãos da educação no Estado do Piauí, em 1986 é citado o programa
Pré- escolar, que acreditamos estar ligado ao Programa Nacional da
Educação Pré- Escolar, de 1981. O pré-escolar, através da creche
fora instalada no Dirceu para 196 crianças de até três anos. Tal
proposta representava a atribuição de projetos sob a educação de
crianças que estivessem nesse nível de educação, algo inovador se
comparado as décadas anteriores, e apenas em 1988, com a
Constituição Federal que se torna obrigatória a educação para
crianças de zero a seis anos. Como não era garantido através de leis
pouco foi encontrado sobre o programa que visava melhorar o
desempenho das crianças no processo de ensino.

39
O jornal o Dia no ano de 1986 apresenta diversas matérias sobre a
agitação que envolvia as instituições de ensino e os professores, em
referência ao estudo de (BOMFIM, 2000), (Fontineles, 2003),
apresenta o período de greves de 1987 a 1996, com um total de 18
neste recorte temporal. Com a análise de 1986 é possível acrescentar
tensões em torno da educação, embora não sendo greve, tal como
descreveu Bomfim, as paralisações realizadas pelos professores do
ensino particular no dia 16 de abril de 1986 e posteriormente a
paralisação dos professores do ensino público já reverberavam o
desgaste na educação - e como os professores se sentiam em relação
aos seus planos de trabalho. Apesar de o presente trabalho
considerar a definição de greve e paralisação de acordo com
(Bomfim, 2000), é necessário citar que no jornal O dia os termos
aplicados aos dias de paralisação geralmente recebem a titulação de
greve, embora não ocorresse uma continuidade na suspensão das
atividades. O efeito do Plano Cruzado sobre os salários influenciou
paralisações e greves.

“Essa indefinição no campo econômico manifestou-se principalmente


por meio de programas econômicos de muita repercussão midiática,
mas de pouca eficiência social, como o caso do Plano Cruzado,
implantado em 1986, que propunha o congelamento de preços,
levando significativa parcela da sociedade a se tornar fiscal do
Sarney, para combater aumentos abusivos de produtos…“
(FONTINELES, 2003, p. 33-34).

Sobretudo, a implantação do Plano Cruzado II, devido a ineficácia do


plano anterior, que acarretou a falta de diversos produtos no
mercado influenciou tensões entre servidores e empregadores.

Foi publicado no jornal O dia um comunicado da Federação Nacional


dos Estabelecimentos de Ensino- FENEN, com o título “Estatização do
Ensino, Anuidades e Plano Cruzado”. As greves no ensino particular
aconteceram a nível nacional, os donos de escolas alegavam o
desencadeamento de uma “evasão de professores” devido às
reivindicações que estes faziam sobre o reajuste salarial, que seria
impossibilitado pelo congelamento da anuidade escolar,
comprometendo o funcionamento dos estabelecimentos. Nesse
debate se envolveram professores, que alegavam que a diminuição
nos lucros da escola não levaria a sua existência no ano seguinte,
1987. São evidentes os diversos mecanismos a FENEN e parcela de
donos de estabelecimentos para pressionar o Governo Federal para
que ocorresse o reajuste da mensalidade escolar. Em matéria do dia
19 de novembro de 1986, foi anunciada a possibilidade de cerca de
85 mil alunos ficarem sem aulas no estado devido a possibilidade de

40
as escolas fecharem caso a anuidade não fosse reajustada em até
125%. De acordo com Vespasiano Galvão, presidente do Sindicato
das Escolas Particulares, no 1° grau a rede particular representava
10% e no 2º grau 33% e pré escolar- 90%. O que chama atenção é a
porcentagem que os estabelecimentos particulares representavam no
pré- escolar, chegando a 90%.

O interesse sobre a possível concessão de aumento da anuidade


passou a interessar não apenas os donos das escolas, mas, também
aos professores, que na reivindicação de melhores salários estavam
monitorando as negociações entre os estabelecimentos particulares e
os órgãos representantes do governo federal. Uma parcela de
estudantes se envolveu através de suas instituições, a União
Municipal dos Estudantes Secundaristas organizou uma manifestação
contra o aumento salarial e o aumento da anuidade, as negociações
para os estudantes poderiam avançar de forma mais rápida, como
uma soma de interesses de dois grupos que prejudicaria apenas os
discentes.

Na paralisação do dia 17 de abril de 1987 da rede oficial


acompanhava uma deliberação nacional realizada no 19º Congresso
Nacional de Professores, em janeiro, na cidade de João Pessoa,
organizado CPB- Confederação dos Professores do Brasil. Dentre os
levantamentos, abordou-se: a questão salarial, que estaria
estreitamente ligada com a reforma econômica implantada no início
do mesmo ano. A paralisação da rede oficial de ensino no Piauí trazia
como reivindicações: o piso de três salários, eleição direta para
diretores, equiparação salarial dos professores aposentados e os em
atividade e 13º salário para toda a classe. A paralisação foi
organizada pela APEP- Associação de Professores do Estado do Piauí e
pela CERMAP- Centro de Recreação e Estudos do Magistério
piauiense, atingindo o 1º e o 2º grau. Os professores representavam
uma classe do ponto de vista da formação que tinha respaldo ao
pensar a sociedade, é assim que é representado um dos temas que
foram discutidos no dia da paralisação, tendo como participante,
inclusive o secretário de educação municipal Eurivan Ribeiro. Um dos
debates e reivindicações era o regime de trabalho de 20 à 40 horas
semanais.

Sobre o ingresso nas escolas, no ano de 1986, ocorreu à divulgação


para concurso para três mil vagas, classe F, D e B. Na pesquisa de
(FONTINELES, 2003) quando questionava uma parcela dos
entrevistados sobre o concurso que fizeram para ingressar na rede
oficial de ensino os professores ficaram inquietos com tal
questionamento: “Entre aqueles que afirmaram terem ingressado por
meio do concurso público, alguns não souberam dizer como foi esse

41
concurso e demonstraram mal-estar quando foram abordadas essas
questões.” (FONTINELES, 2003, p. 74). Em matéria do dia 18 de
dezembro de 1986, caracterizaram como polêmica tal seleção, visto
que existiam reclamações em torno da validação de inscrições de
pessoas que não tinham concluído o curso pedagógico.

A atualização e a reformulação do Magistério, aprovado em além do


concurso público para professor efetivo anunciado em 1986,
reforçariam a saída desses professores para a rede oficial de ensino
de acordo com os donos de estabelecimentos particulares. De fato, o
Estatuto do Magistério garantiria uma valorização dos docentes, que
pode ter incomodado donos de escolas particulares, pois estes que
não pretendiam estabelecer tal valorização.

O ato de sanção foi simbolizado pela gratidão dos docentes para com
o governador Bona Medeiros:

“O Estatuto beneficia os professores com um piso salarial, regime de


trabalhos de 20 a 40 horas semanais, incorporação da regência no
cálculo da aposentadoria, criação da Classe “C” para o professor com
pós-graduação... gratificação pelo exercício do magistério em classes
especiais, paridades salariais de aposentados com o professor
efetivo.” (O DIA, 1986, p. 03)

A aprovação por parte da Assembléia Legislativa contou com emenda


do deputado Waldemar Macedo, membro do PFL, antecipando o
aumento salarial dos professores em dois anos de janeiro a junho de
87, sem a emenda o aumento aconteceria apenas em 1978, a
bancada do PMDB, da qual fazia parte o governador eleito alegou
inconstitucionalidade, entretanto a aprovação por essa bancada do
Estatuto é canalizada na imagem de Silva, que já havia construído
uma relação harmoniosa com a classe docente. Sobre o desgaste do
governo de Alberto Silva no seu segundo mandato, em que pese nas
tensões com os funcionários públicos, o que representaria a conquista
dos professores em novembro de 1987 entrou em decaída. Segundo
(FONTINELES, 2015, p. 81). “Várias greves sucederam-se a partir de
então: A primeira como já foi analisado, ocorreu em resposta à
cassação do Estatuto do Magistério, logo em 1987.” O governador
teve diante o magistério um desgaste nas suas relações com o
magistério, pois além dos diversos benefícios que a classe havia
adquirido com a aprovação do estatuto, a cassação de tais garantias
ocorreu no ano em que as parcelas do aumento estavam previstas
para acontecer.

42
Conclusão
A urbanização de Teresina foi gerada pelos movimentos migratórios e
política segregacionista, que se baseia na distância em que os
conjuntos habitacionais eram construídos dos pontos centrais da
cidade, dificultando o acesso a serviços públicos e privados, dentre
esses conjuntos o Itararé, que nos fins da década de 80 era o maior
bairro da capital, tornando baixas as condições de qualidade de vida.
Os investimentos na educação pública baseavam-se nas reformas da
estrutura escolar, em que pese no número de salas que eram
construídas. Os programas relacionados à educação eram escassos,
como o programa de alimentação escolar, ofertado para crianças que
estavam fora das escolas. Crianças de até três anos foram atendidas
no Itararé pelo Programa Nacional da Educação Pré- Escolar, de
1981. Acontecimentos políticos perpassaram ao governo e a classe
docente - atingiram a vida cotidiana dos alunos, pais e parentes de
alunos que ficaram sem aulas durante 187 dias em 1990. O desgaste
foi um processo contínuo, que antecede a década de 90. O
reconhecimento da ausência da valorização dos professores estava
exposta na pauta de reivindicações, que representavam condições
mínimas para o reconhecimento da atividade docente, dentre elas: o
13º salário, carga-horária pré estabelecida de 20 e 40 horas. A
cassação do Estatuto do Magistério representava o declínio dessas
conquistas, além do atraso nos salários e dos planos econômicos
falhos que ocasionaram o estopim da perca de um ano letivo na rede
estadual de ensino. Em 1986, o Plano Cruzado II, provocou tensões
entre servidores e empregadores, no âmbito público e privado, com a
paralisação de entidades de ensino particular decorrente do
congelamento da anuidade escolar. No período é notável o
desenvolvimento e o envolvimento nos acontecimentos por parte de
muitos sindicatos e associações, a proximidade com o regime militar
faz com que se estabeleça referência à democracia diante das
entidades, entretanto, é necessário considerar essas organizações
como grupos, visto as tensões, por exemplo, existentes no programa
de distribuição de leite por parte de associações comunitárias. Como
também é a efervescência de muitas associações, em 1986 fora
criada Foi criado a FAMCC- Federação das Associações de Moradores
e Conselhos Comunitários do Piauí.

Referências:
Cibele da Silva Andrade, graduanda em Licenciatura em História na
UFPI-Universidade Federal do Piauí. Participa do PIBIC- CAPES no
projeto OS Caminhos da história: instituições escolares e expansão
urbana no Itararé. (1986-2000), sob orientação da profª Dr. Claúdia
Cristina da Silva Fontineles.

43
BAENINGER, Rosana. Novos Espaços da Migração no Brasil: Anos 80
e 90.. In: XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2000,
Caxambu - Minas Gerais.

CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2016.

CANEVACCI, Massino. A cidade polifônica:ensaio sobre a antropologia


da comunicação urbana. São Paulo: Estúdio Nobel, 2004. p.09-17.

CARVALHO, Ana Maria Orlandina . O programa nacional de educação


pré-escolar. In: 16º COLE – Congresso de Leitura do Brasil, 2007,
CAMPINAS, 2007.

FONTINELES, Claudia Cristina da Silva. Do acaso aparente ao


aparente investimento: A situação do magistério e do atendimento ao
aluno na história recente da rede estadual de ensino Piauí (1988-
2000). Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências da
Educação, Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2003.

FONTINELES, Claudia. O recinto do elogio e da crítica: maneiras de


durar de Alberto Silva na memória e na história do Piauí. Teresina:
EDUFPI, 2015.

OLIVEIRA, Carlos Eduardo. A Geografia da Política Habitacional e da


Expansão Urbana em Teresina(PI): Reflexões e contrastes. 2012.
(Apresentação de Trabalho/Seminário).

Referências hemerográficas:
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ALAGADOS MUDAM-SE PARA BARRACAS NESTA SEMANA. O dia, 09
de abril de 1986, p.02.
ALAGADOS PEDEM PÃO, JUSTIÇA E TRABALHO. O dia, 19 de abril de
1986, p. 01.
ANUIDADE ESCOLAR SOBRE 66% . O dia, 04 de abril de 1986, p.01.
ANUIDADES ESCOLARES CONGELADAS. O dia, 05 de dezembro de
1986, p. 02.
ASSEMBLÉIA APROVA O AUMENTO DOS PROFESSORES. O dia, 28 de
novembro de 1986, p. 01.
ASSOCIAÇÕES DE MORADORES VÃO CRIAR UMA FEDERAÇÃO. O dia,
21 de fevereiro de 1986, p. 02.
CONCURSO PARA PROFESSOR INSCREVERÁ ATÉ DIA 16. O dia, 03 de
dezembro de 1986, p. 07.
CONCURSO. O dia, 18 de dezembro de 1986, p. 02.
DEZ MIL FICAM SEM AULAS. O dia, 10 de abril de 1986, p.07.
DOM MIGUEL DIZ QUE SEM TERRAS POVO PASSA FOME. O dia, 14
de fevereiro de 1986, p. 07.

44
EDUCAÇÃO INSCREVE ATÉ DIA 16 PARA O CONCURSO DE
PROFESSOR. O dia, 03 de dezembro de 1986, p. 01.
EDUCAÇÃO PRMOVE CENSO ESCOLAR. O dia, 14 de novembro de
1986, p. 04.
EM TEMPO. O dia, 11 de abril de 1986, p.02.
ESCOLA COBRA SEMESTRALIDADE COM AUMENTO. O dia, 12 de
dezembro de 1986, p. 01.
ESCOLA PARTICULAR AUMENTA PRESTAÇÃO EM 125%. O dia, 29 de
novembro de 1986, p. 01.
ESCOLAS E ALAGADOS. O dia, 23 de abril de 1986, p. 02.
ESCOLAS JÁ COBRAM AUMENTO DE 125%. O dia, 12 de dezembro de
1986, p. 07.
ESCOLAS NÃO ATUALIZAM O CARNÊ DAS MENSALIDADES. O dia, 17
de abril de 1986, p. 07.
ESCOLAS NÃO PODERÃO IMPOR AUMENTO DE 125%. O dia, 17 de
dezembro de 1986, p. 08.
ESCOLAS PARTICULARES VÃO FECHAR. O dia, 06 de novembro de
1986, p. 01.
ESCOLAS PÚBLICAS PARAM. O dia, 18 de abril de 1986, p. 01.
ESTATIZAÇÃO DO ENSINO, ANUIDADES E PLANO CRUZADO. O dia,
05 de novembro de 1986, p. 05.
ESTUDANTES VÃO PROTESTAR CONTRA AUMENTO NA ESCOLA. . O
dia, 11 de dezembro de 1986, p. 02.
GREVE NA REDE PÚBLICA E DEBATE SOBRE ENSINO. O dia, 16 de
abril de 1986, p. 07.
GREVE NAS ESCOLAS PÚBLICAS. O dia, 17 de abril de 1986, p. 07.
MAIS DE 80 MIL ALUNOS PODEM FICAR SEM ESCOLA. O dia, 19 de
novembro de 1986, p. 01.
MENSALIDADES DE ESCOLAS VÃO AUMENTAR. O dia, 22 de
novembro de 1986, p. 01.
NOTA DA APEP. O dia, 21 e 22 de dezembro de 1986, p. 02.
O PROBLEMA. O dia, 05 de dezembro de 1986, p. 01.
OITENTA MIL ALUNOS FICARÃO SEM AULA EM 87. O dia, 19 de
novembro de 1986, p. 07.
PROFESSOR ACHA QUE ESCOLA NÃO FECHA. O dia, 07 de novembro
de 1986, p. 01.
PROFESSOR NÃO VÊ RAZÃO PARA AS ESCOLAS FECHAREM. O dia, 07
de novembro de 1986, p. 07.
PROFESSOR PÚBLICO VAI PARAR. O dia, 12 de abril de 1986, p.01
PROFESSORES DA REDE PÚBLICA PARAM DIA 17. O dia, 12 de abril
de 1986, p.07.
PROFESSORES NA GREVE GERAL. O dia, 10 de dezembro de 1986, p.
05.
PROFESSORES PARAM AS ESCOLAS PARTICULARES. O dia, 10 de
abril de 1986, p.01.

45
PROFESSORES PARAM ESCOLAS PARTICULARES AMANHÃ E 6ª FEIRA.
O dia, 16 de abril de 1986, p. 07.
PROFESSORES PARAM ESCOLAS PARTICULARES. O dia, 10 de abril
de 1986, p.07.
PROFESSORES PÚBLICOS FAZEM UM DIA DE GREVE. O dia, 18 de
abril de 1986, p. 07.
PROFESSORES QUEREM ADIAR A ELEIÇÃO. O dia, 14 e 15 de
dezembro de 1986, p. 07.
PROGRAMA NÃO DÁ LEITE PARA CRIANÇA CARENTE NO ITARARÉ. O
dia, 05
de abril de 1986, p.07.
RAMEIRO DIZ QUE DÉFICIT HABITACIONAL ESTÁ CAINDO. O dia, 08
de fevereiro de 1986, p. 12.
REFORMA BENEFICIA 1.351 FAMÍLIAS NA CAPITAL. O dia, 18 de
janeiro de 1986, p. 7.
SANCIONADO NOVO ESTATUTO DO MAGISTÉRIO. O dia, 11 de
dezembro de 1986, p. 03.
SEM AUMENTO, PROFESSORES AMEAÇAM ABANDONAR ESCOLAS. O
dia, 10.

46
PESQUISA E ENSINO DO CONTESTADO: CAMINHOS E
DESCAMINHOS ENTRE A ACADEMIA E A SALA DE AULA
Eloi Giovane Muchalovski

O empreendimento de uma reflexão sobre a pesquisa e o ensino do


Movimento Sertanejo do Contestado ao mesmo tempo que é
repetitório é também necessário. Não são poucos os autores que já
atentaram para a necessidade de integrar a pesquisa sobre o conflito,
ocorrido no atual planalto serrano catarinense entre 1912 e 1916, e a
sua difusão no ensino básico. Contudo, da mesma forma que uma
intensa atividade acadêmica desconstruiu, e vem desconstruindo,
uma série de narrativas estereotipadas e preconceituosas acerca as
causas do conflito,bem como sobre os agentes sociais envolvidos, há
ainda um grande trabalho a ser realizado, de modo a fazer com que
as novas análises produzidas no âmbito da pesquisa acadêmica
cheguem até a sala de aula.

Neste texto, procuro realizar alguns apontamentos sobre os


descaminhos existentes entre o que já se produziu de conhecimento
na temática do Contestado e seu respectivo alcance aos educandos
de nível básico. Pondero acerca de aspectos que devem ser
observados quanto a abordagem do tema em sala de aula. Longe de
tentar constituir um manual de orientação para professores do ensino
fundamental e médio, minha reflexão objetiva apenas compartilhar a
experiência absorvida na formação acadêmica, incluindo um
significativo rol de leituras e atividades realizadas durante a pesquisa
de mestrado e os anos de interação com discentes e docentes do
ensino básico, incluindo a educação de jovens e adultos, e a
participação em debates com demais pesquisadores do Contestado.

A produção acadêmica sobre o Contestado


Desde o fim da expedição do general Setembrino de Carvalho, em
1916, e a posterior “limpeza” do sertão por piquetes de vaqueanos e
polícias do Paraná e Santa Catarina, obras sobre o conflito foram
produzidas de maneira muito intensa. Um ano após a retirada do
exército da região, o oficial militar Demerval Peixoto – sob o
pseudônimo de Clivelaro Marcial – publicou o primeiro de três
volumes da obra que é, até hoje, influente nas narrativas sobre o
Contestado, “A Campanha do Contestado” – trabalho posteriormente
compilado em único tomo publicado em 1920 e reeditado, novamente
em três volumes, em 1995 –. No texto, o autor inaugurou e construiu
uma série de elementos factuais e narrativos que persistem na
historiografia e incitam novos estudos, tornando-se objeto de
pesquisa de estudantes de pós-graduação – grupo do qual me incluo

47
– os quais partem das considerações do autor para investigar a
perpetuação de discursos carentes de comprovação.

No entanto, assim como Peixoto (1920), vários outros membros


oficiais militares produziram textos relatando, na visão do exército e
da elite coronelista da época, os confrontos entre a população
sertaneja e as forças públicas. Narrativas que rotularam os rebeldes
de bandoleiros e jagunços, os quais, possuídos de um grande
fanatismo, fizeram frente ao poderio da recém-criada República e ao
capital transnacional.

Coube ao próprio Exército Brasileiro, através de seus memorialistas,


construir a versão histórica oficial, impingindo uma visão
institucionalizada do conflito, objetivando evitar uma repercussão
negativa igual ocorrera com a ação militar na Bahia, quando Euclides
da Cunha, através de “Os Sertões” denunciou o despreparo e a
enorme violência exercida pelas tropas do governo sobre o arraial de
Canudos, fatigando milhares de pessoas.

Durante décadas, as obras dos historiadores de farda – termo


cunhado pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues (2001) – deram o
tom das observações daqueles que empenharam-se na produção
escrita sobre o movimento do Contestado. Apenas durante as
décadas de 1950, 1960 e 1970 é que novas observações e
metodologias fizeram avaliações de teor mais crítico, resultando em
trabalhos inovadores e que se tornaram clássicos para o tema.
Destaque para o expediente de Osvaldo Rodrigues Cabral e dos
sociólogos Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maurício Vinhas de
Queiroz e, principalmente, de Duglas Teixeira Monteiro.

Cada um destes estudiosos, contribui de maneira relevante para


encaminhamentos pontuais nas pesquisas que os sucederam. Cabral
(1960) foi fundamental na compreensão da atuação e trajetória dos
monges do Contestado, em especial do primeiro deles, João Maria de
Agostini. Pereira de Queiroz (1957) utilizou uma vasta documentação
até então negligenciada, incluído uma gama considerável de fontes
da imprensa. Material este que também foi utilizado por Vinhas de
Queiroz (1966), autor que desenvolveu resgate detalhado dos
acontecimentos, utilizando uma série de entrevistas com
sobreviventes, enriquecendo enormemente o trabalho produzido. Já
Monteiro (1974), ao contrário de seus colegas da sociologia,
desenvolveu uma reflexão menos cronológica dos eventos,
estabelecendo uma análise social que retirou da população sertaneja
o rótulo de fanáticos e jagunços, propondo uma interpretação muito
própria de movimento social, organizada por pessoas normais em
luta por objetivos claros e conscientes.

48
Apesar do importante direcionamento que a sociologia trouxe para a
compreensão do Contestado, inúmeros obras, com forte teor
preceituoso, continuaram a ser produzidas e utilizadas como material
didático. Muitas delas financiadas e publicadas por órgãos oficiais
e/ou ligadas a instituições de ensino superior, especialmente durante
a década de 1980.Por outro lado, foi também durante este mesmo
período, precisamente em 1984, que a educadora Marli Auras
publicou um dos mais importantes textos do tema, “Guerra do
Contestado: a organização a irmandade cabocla”.Fruto de sua
dissertação de mestrado na área da filosofia da educação, o livro deu
novo impulso na pesquisa acadêmica sobre o movimento. Vários
pesquisadores acabaram sendo influenciados pelo trabalho de Auras,
colocando o tema novamente em voga, impulsionados, por sua vez,
com o incremento na atividade de ensino superior após a queda do
regime militar no país em 1985 ea consolidação da democracia
através da promulgação da Constituição de 1988.

Anos depois, nos anos 2000, muito pelo estímulo dado à pesquisa
acadêmica, incrementado e fomentado pela criação de novos
programas de pós-graduação, a temática do Contestado foi objeto de
estudo das ciências humanas em diversas instituições universitárias
de todo o Brasil. Na História, a publicação do trabalho de Paulo
Pinheiro Machado (2004), reconhecidamente o mais completo e
problematizado estudo já produzido na área, guiou e sustentou a
superação das narrativas produzidas pelos textos memorialistas,
preenchendo importantes lacunas até então existentes.

Tal incremento da produção acadêmica, envolvendo não apenas


dissertações e teses, mas também a formação de importantes grupos
de pesquisas e a realização de continuados eventos, como o Simpósio
Nacional do Contestado, o qual vem sendo anualmente organizado
desde o ano de 2012 e que já está na sua quinta edição, têm
permitido a consolidação do Movimento Sertanejo do Contestado
como um importante e fortalecido tema de estudo histórico.

Os constantes debates e trocas de conhecimento entre diferentes


pesquisadores, suscita a urgente necessidade de levar este avanço
interpretativo também para a sala de aula do ensino fundamental e
médio, renovando e aprimorando os livros didáticos, os quais, em
suma maioria, não oferecem quantidade e qualidade de conteúdo na
temática, discutindo o Contestado, quando o fazem, como um
subtema de Canudos, negando ao movimento sertanejo do Sul a
condigna importância histórica.

49
No mesmo sentido, vê-se a premência de suprir o desconhecimento
do tema pelos próprios profissionais que atuam nas escolas do país,
assim como da própria região palco do conflito. A proximidade
territorial dos eventos não reflete positivamente na valorização do
Contestado como temática de ensino, tal qual como exemplo de
congregação de uma população em defesa de direitos negados no
ontem e no hoje. Nada obstante, este distanciamento narrativo entre
o espaço, o tempo e realidade atual, não é algo dado, definido pelo
acaso, e sim um objeto erigido ao longo dos anos através de uma
opressão política e discursiva que, historicamente, impeliu ao
movimento sertanejo um rótulo de revolta criminosa, passível de
vergonha e esquecimento.

Em recente artigo publicado na revista História Hoje, os professores


Eloy Tonon e Soeli Lima apresentaram resultados da pesquisa
realizada com profissionais da educação atuantes em 22 escolas da
rede estadual de ensino do Planalto Norte de Santa Catarina, em
municípios pertencentes à 26ª Gered/SC, especialmente sobre o
conhecimento destes acerca de ataques ocorridos a então vila de
Canoinhas durante a guerra. Em conclusão, os autores atentam para
“a necessidade da produção de materiais sobre o movimento do
Contestado que sejam acessíveis ao Ensino Fundamental (séries
finais)e ao Ensino Médio” (TONON e LIMA, 2016, p. 199),
constatando que a especialização do tema e a produção de vasto
material acadêmico ainda não alcançou em profundidade os
professores da rede básica, tão menos os estudantes.

A integração entre pesquisa e o ensino do Contestado


De fato, os importantes avanços interpretativos auferidos nos últimos
anos pelos pesquisadores ainda não refletiram enfaticamente sobre a
produção de materiais didáticos. Mesmo a formação de muitos
educadores não foi devidamente suprida com estes avanços. O que
tem embasado os profissionais no ensinamento acerca do conflito,
são cartilhas em alusão a datas comemorativas, geralmente
produzidas por jornais que, ora e outra, lançam cadernos sobre o
Contestado e que, na grande maioria, lamentavelmente, são
perpetuadores de uma série equívocos historiográficos já superados
pelas recentes pesquisas. Estes materiais, ao invés de contribuírem
para uma positivação do tema, acabam cooperando para uma maior
consolidação de estereótipos preconceituosos sobre a população
sertaneja remanesce.

Dentre os equívocos, posso citar a recorrente citação de que grande


parte dos revoltosos que participou do movimento foi constituída de
trabalhadores recrutados nos grandes centros urbanos do nordeste e
sudeste do país, e que, após o término da construção da Estrada de

50
Ferro São Paulo Rio Grande, foram abandonados pela empresa Brasil
Railway, integrando assim o contingente de “jagunços”. Esta
narrativa já foi a tempo descartada por Márcia Janete Espig (2008)
em sua tese de doutorado, comprovando que não há registros
contundentes sobre significativa utilização mão de obra oriunda de
outras regiões, tampouco de que estes ficaram no Contestado, mas
que a massa de trabalhadores foi recrutada entre a população local,
incluindo caboclos e imigrantes europeus.

Recentemente houveram iniciativas que produziram conteúdo


didático e paradidático sobre a Guerra do Contesto, sendo este
distribuído pela Secretaria Estadual de Educação e pelas Secretarias
Municipais. Nada obstante, “trata-se de um material que
frequentemente repete os preconceitos da antiga historiografia e da
crônica militar sobre os sertanejos, sendo desqualificados como
„fanáticos‟, „jagunços‟ e „ignorantes‟ “(MACHADO, 2017, p. 74).

Se é observável a negligência dos autores de livros didáticos quanto a


importância do movimento do Contestado para a história do Brasil, e
quiçá da América Latina, isto não é motivo para que o tema seja
simplesmente excluído do aprendizado dos alunos. Há possibilidades
de sua utilização não só na disciplina de história. A mobilização de
uma população em vasta área do planalto meridional, integrando
diversos ramos étnicos em prol de uma ideal igualitário de e bem
comum, é único e serve como mecanismo interpretativo para
diversas abordagens em sala de aula.

A participação ativa de mulheres com líderes dos redutos, liderando


combates, podem ser utilizadas para desconstrução de visões
machistas e valorização do papel da mulher na sociedade. A
organização das cidades santas, o papel atribuído a cada membro da
irmandade, apontam para uma abordagem que enfatize a
necessidade da organização coletiva, da prática da cidadania para o
bem comum, estimulando a colaboração mútua entre os alunos,
fazendo-os perceber a necessidade de práticas de equidade entre as
pessoas.O discurso de valorização da natureza, por exemplo, de
respeito aos indígenas, presente nos relatos sobre o monge João
Maria, oportunizam a elaboração de planos de aula que objetivem o
despertar ambiental e humanístico, valorizando a diversidade étnica e
a preservação da fauna e flora, tão necessário para a garantia de um
planeta sustentável.

Enfim, as possibilidades são variadas, contudo, de nada contribuirão


se antigos rótulos atribuídos aos revoltosos não forem desfeitos.
Nesse sentido, não só o cuidado com o tipo de material didático
utilizado é necessário, mas também com outros materiais de apoio,

51
como vídeos e imagens. Há uma infindável produção de conteúdos
distorcidos na internet, carregados de erros factuais e interpretativos
sérios e preocupantes. Dentre os materiais mais conhecidos está o
filme produzido na década de 1970 pelo cineasta Sylvio Back,
intitulado “Guerra dos Pelados”, o qual rotula a população sertaneja
de ignorante, incapaz de entender a modernidade no seu contexto.
Na obra, uma das personagens, interpretado pelo famoso ator
Estênio Garcia, passa boa parte do longa-metragem preparando-se
para lutar contra um dragão de ferro que cospe fogo, alusão ao
trem.Munido de um facão de madeira, a personagem é violentamente
atropelado pela locomotiva. Tal representação, expõe uma concepção
que objetiva desqualificar o caboclo no que tange sua capacidade de
compressão do mundo. O trem não era uma novidade para aqueles
sujeitos. Já haviam estradas de ferro em outras regiões.A população
tinha conhecimento da existência do tem devido ao grande fluxo que
o tropeirismo promovia, levando e trazendo informações sobre
assuntos em voga no Brasil e no mundo.

A ignorância da população, apontada pelos textos menos


problematizados como causa principal do conflito, é uma das
interpretações que também necessitam de uma releitura em sala de
aula. É necessário valorizar os saberes e a cultura cabocla na sua
essência,um jeito de viver desligado da lógica capitalista do acúmulo,
valorativo dos aspectos relacionados a um modo de sobrevivência
que serviu inclusive para o desenvolvimento da colonização europeia.
O discurso do progresso por meio do empreendimento do imigrante,
“trabalhador nato”, “disposto para o trabalho”, teve amparo no
conhecimento das populações nacionais sobre o cultivo da terra. A
cultura e o conhecimento do sertanejo localforam incorporados pelos
estrangeiros, fazendo existir, nas palavras de Machado (2004), um
acaboclamento dos imigrantes.

Portanto, como nos ensina Pires de Queiroz (2012, p. 104-105):

“Considerar a articulação entre teoria e prática, formação acadêmica


e contexto escolar é desenvolver, nos princípios da inter-
disciplinaridade, uma formação voltada para a análise crítica e
reflexiva do movimento e desenvolvimento dos processos políticos,
sociais, culturais e econômicos da sociedade”.

Considerações finais
Em artigo recente, Machado (2017) elencou quinze parâmetros e
balizas importantes para a formação de professores e para produção
de material didático sobre o movimento do Contestado. A maior parte
deles foram sinteticamente absorvidos e expostos durante esta breve
reflexão, outros, dos quais considero tão importantes quanto os

52
demais, são relevantes para pensarmos a valorização do Contestado
como um movimento que buscou questionar a ordem vigente, uma
guerra de um governo contra seu próprio povo, em que pessoas
lutaram e arriscaram-se em defesa de um ideal de igualdade, fazendo
frente às imposições autoritárias. Todavia, tanto pela brevidade que
este texto abordou um tema tão importante, como pelo fato de
reconhecer que minha contribuição não supri,nem de perto, a
totalidade do assunto, deixo, por fim, a sugestão de leitura do citado
artigo publicado pelo historiador Paulo Pinheiro Machado (2017),
servindo como fechamento e aprofundamento das singelas
ponderações aqui apresentadas.

Referências
Eloi Giovane Muchalovski é discente do Programa de Mestrado em
História e Regiões da UNICENTRO, membro do Grupo de Pesquisa
Estudos em História Cultural da UNICENTRO e participa do NUPHIS -
Núcleo de Pesquisa em História da Universidade do Contestado.

AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade


cabocla. Florianópolis: Editora UFSC: Assembleia Legislativa; São
Paulo: Cortez Editora e Livraria, 1984.

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a


atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Editora da
Unicamp, 2004.

_________. O Contestado na sala de aula. Cadernos do CEOM,


Chapecó (SC), v. 30, n. 46, 2017. Disponível em:
bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/3485

MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo


sobre o surto milenarista do Contestado. São Paulo: Duas Cidades,
1974.

PEIXOTO, Demerval (Clivelaro Marcial). Campanha do Contestado –


Episódios e impressões. Rio de Janeiro: Segundo Milheiro, 1920.

PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. La "Guerre Sainte" au Brésil: Le


mouvement messianique du "Contestado". São Paulo: Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1957.

PIRES DE QUEIROZ, Paulo Pires de Queiroz. A pesquisa e o ensino de


História: espaços/processos de construção de identidade profissional.
In: NIKITIUK, Sônia L. (Org.). Repensando o ensino de história. 8 ed.
São Paulo: Cortez, 2012.

53
RODRIGUES, Rogério Rosa. Os sertões catarinenses: Embates e
conflitos envolvendo a atuação militar na Guerra do Contestado.
2001. 115 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

TONON, Eloy; LIMA, Soeli. Guerra do Contestado e ensino de


História: sobre os ataques de sertanejos no município de Canoinhas
(1914-1916). Revista História Hoje, v. 5, n. 10, 2016. Disponível em:
rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/263

VINHAS DE QUEIROZ, Maurício. Messianismo e conflito social: a


guerra sertaneja do Contestado (1912-1916). Rio de Janeiro: Ed.
Civilização Brasileira, 1966.

54
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO JESUÍTICO NO PERÍODO
COLONIAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DO LETRAMENTO
DOS INDÍGENAS PARA A SUA CONVERSÃO À FÉ CATÓLICA
Francisco Nazareno Brasileiro Dias

O presente trabalho pretende fazer uma breve análise sobreo ensino


jesuítico no período colonial brasileiro e sobre a importância e
necessidade deste projeto educacional para a conversão dos índios ao
cristianismo, mais especificamente à fé católica.

A Companhia de Jesus, fundada na Europa em 1534 e reconhecida


oficialmente pela Igreja Católica em 1540, foi uma ordem religiosa
formada por padres chamados de jesuítas e que tinham por missão
catequizar e evangelizar as pessoas, pregando o nome de Jesus e a
obediência à doutrina da Igreja Católica.

No Brasil essa ordem religiosa foi de fundamental importância para


que o governo português conseguisse atingir os seus objetivos no
processo de colonização brasileiro, pois os jesuítas vieram ao Brasil
para realizarem o trabalho de catequização e conversão dos índios ao
cristianismo e para promover uma transformação radical na cultura
indígena brasileira. Tudo isso visando atender aos interesses dos
portugueses, que precisavam sobretudo pacificar os índios e habituá-
los ao trabalho produtivo.

Para a realização desses objetivos buscados pelos jesuítas se fazia


necessário o letramento dos indígenas, pois como os padres poderiam
pregar a fé católica se não conseguiam se comunicar com os
indígenas? Inicia-se então o projeto educacional jesuítico no Brasil,
uma vez que não seria possível aos jesuítas converter os índios sem
que estes soubessem ler e escrever.

A vinda dos jesuítas, em 1549, marca o início da história da educação


no Brasil. Em março de 1549 os primeiros jesuítas chegaram à
colônia brasileira juntamente com o primeiro Governador-Geral Tomé
de Sousa. Os jesuítas eram chefiados por Manuel da Nóbrega, que se
tornou o primeiro Provincial com a fundação da província jesuítica
brasileira em 1553.

Manuel da Nóbrega e seus companheiros jesuítas fundaram em


Salvador, em agosto de 1549, a primeira escola elementar brasileira.

Os jesuítas foram expandindo o seu trabalho educativo e em 1570,


vinte e um anos após a chegada ao Brasil, já haviam fundado cinco
escolas de instrução elementar (em Porto Seguro, Ilhéus, São

55
Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (no
Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).

A Companhia de Jesus instituiu um método educacional denominado


de Ratio Studiorum que prescrevia o currículo, a orientação e a
administração do sistema educacional a ser seguido pelos jesuítas.

O Ratio Studiorum tratava-se de uma coletânea de regras e


direcionamentos práticos a serem seguidos pelos padres jesuítas em
suas salas de aula. Funcionava como um manual prático que
apresentava a metodologia de ensino que deveria ser seguida pelo
professor em suas aulas.

O método educacional jesuítico previa os cursos elementar,


secundário e superior.

De acordo com Leonel Franca (1952) apud SHIGUNOV NETO e


MACIEL (2008, p.181):

“os estudos universitários organizados pelo Ratio Studiorum visavam


à formação profissional do homem, enquanto que os cursos
secundários tinham a finalidade de formar o humanista, o homem
para viver em sociedade.”

No Brasil os jesuítas elaboraram, tendo como base o Ratio


Studiorum, um plano de estudos adaptado as necessidades e
especificidades encontradas na colônia.

Nesse diapasão, o plano de estudos aplicado no Brasil funcionava da


seguinte maneira:

“Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino da


doutrina cristã, a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua,
em caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e de música
instrumental, e uma bifurcação tendo em um dos lados, o
aprendizado profissional e agrícola e, de outro, aula de gramática e
viagem de estudos à Europa.” (RIBEIRO, 1998, p. 21-22)

A atuação dos Jesuítas no Brasil colonial pode ser dividida em duas


fases: a primeira fase – primeiro século de atuação – foi a de
adaptação e construção do trabalho de catequese, conversão dos
índios à fé católica e a mudança dos costumes indígenas para se
adaptarem aos costumes dos brancos; já a segunda fase – segundo
século de atuação dos padres jesuítas – foi de consolidação,
desenvolvimento e extensão do sistema educacional implantado no
primeiro período.

56
A atuação educacional dos jesuítas não se restringiu apenas ao
ensino dos indígenas.O projeto educacional jesuítico no Brasil que
teve início com o trabalho de catequização e conversão dos indígenas
à fé católica ultrapassou esse propósito e os jesuítas passaram
também a se dedicar ao ensino dos filhos dos colonos e demais
membros da Colônia, atingindo até os filhos da classe burguesa.

Os padres jesuítas da Companhia de Jesus podem ser considerados


os primeiros e únicos educadores do Brasil colonial. Nesse sentido,
Azevedo (1976) faz os seguintes apontamentos:

“educadores, por vocação, mestres notáveis a todos os respeitos,


eles puderam exercer na colônia, favorecidos por circunstâncias
excepcionais, um verdadeiro monopólio do ensino, a que não faltava,
para caracterizá-lo, o apoio oficial que lhes deu o governo da
Metrópole, amparando-os, na sua missão civilizadora e pacífica, com
largas doações de terras e aplicações de rendimentos reais dotação
de seus colégios.” (Azevedo, 1976, P.36-37)

Finalizamos o presente trabalho ressaltando a importância do ensino


jesuítico para a vida da colônia brasileira e para a educação brasileira
de um modo geral, pois a vinda dos jesuítas, em 1549, marca o início
da história da educação do Brasil, história esta na qual a grande obra
dos jesuítas sempre ficará marcada, sobretudo no que diz respeito às
consequências que dela resultaram para a nossa cultura e civilização.

Referências
Francisco Nazareno Brasileiro Dias - graduado em Direito pela
Faculdade Luciano Feijão e graduando em Formação Pedagógica em
História pela UNOPAR.

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 5. ed. São Paulo:


Melhoramentos/INL, 1976. Parte 3: A transmissão da cultura.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a


organização escolar. 15. ed. Campinas: Autores Associados, 1998.

SHIGUNOV NETO, Alexandre; MACIEL, Lizete Shizue Bomura. O


ensino jesuítico no período colonial brasileiro: algumas discussões.
Educar em Revista, [S.l.], v. 24, n. 31, p. p. 169-189, jun. 2008.
ISSN 1984-0411. Disponível em:
<http://revistas.ufpr.br/educar/article/view/12806/8694>.
Acesso em: 28 fev. 2018.

57
PROCESSO DE EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA, CONTROLE
ACADÊMICO NO SÉCULO XVIII E MILITARIZAÇÃO DAS
ESCOLAS NO SÉCULO XXI
Gabriel Irinei Covalchuk

Introdução
Busco mostrar nesse texto a primeiro momento e de grosso modo,
como foi o processo de desenvolvimento da educação na Idade
Média, iniciando pelos moldes do cristianismo, passando pela
Patrística, Escolástica até a criação das Universidades. Em segundo
analiso dois documentos, o Authentica Habita e o Estatuto da
Universidade de Sorbone (1274), mostrando a preocupação do Rei
Fredeirico Barbaroxa com os mestres e alunos do „saber‟ e como era
regulada a vida dos estudantes universitários, comparando com uma
discussão atual, militarização das escolas.

Inicio da Educação Cristã


Podemos dizer que com o surgimento do Cristianismo, a educação e a
cultura ocidental tem novos rumos, o mestre (Jesus), seguido por
seus alunos (discípulos), já mostravam uma educação sem escola, no
entanto com uma figura chave (discente) onde ocorre o
desenvolvimento do processo educacional.

Com o passar o tempo e acontecendo a institucionalização da igreja


no século IV é realizado um nova estrutura de ensino, no entanto,o
conhecimento e aprendizagem iniciou com maior perspectiva já no
século III, onde os padres da igreja percebendo um necessidade é
uma legitimação de seus discursos começam a defesa de valores
éticos e morais cristão, o qual ficou denominada como Educação
Patrística. Esses espaços não eram a universitas (será explicada mais
a frente) do século XIII, mas era o encaminhamento para a mesma.

“A retomada da filosofia platônica fundamenta a necessidade da


criação de uma rigorosa ética moral, do controle racional das paixões
e a predileção pelo supra-sensível. A patrística auxilia a exposição
racional da doutrina religiosa, preocupando-se principalmente com a
relação entre fé e ciência, com a vida moral, com a natureza de Deus
e da alma”.

Diferente da base apenas pela fé, a Patrística utilizava-se de


argumentos racionais, não era o apenas Deus vult. Não podemos
dizer que era nula a existência dogmas pregado pelos Padres, mas
sim que é um conceito inovador para época, visto que a moral é
exposta e fundamentada por Tertuliano no século II, Bardaisan (154

58
d.C – 222) legitima toda cidade de Edessa com as leis do Messias,
mesmo assim havia a necessidade de uma propagação de ideias.

Podemos citar alguns representantes dessa educação, Clemente de


Alexandria, Orígenes e Tertuliano e Santo Agostinho (354-430), bispo
de Hipona. Santo Agostinho defende que para o homem chegar ao
verdadeiro conhecimento ou saber, é necessária a iluminação divina
para isso o mesmo deve desprender-se dos sentimentos carnais e
toda a materialidade para ir ao encontro de sua alma. O mestre, não
é um mero transmissor de conhecimentos, mas um facilitador da
aprendizagem.

Educação Escolástica
A educação escolástica se desenvolve no século IX e vai até o
Renascimento, surgindo durante o Renascimento carolíngio.O termo
„scholasticus‟, que significa „aquele que pertence a uma escola‟.
Utilizou-se da base da patrística, porém deixando mais de lado a
teologia em si, e preocupando-se com a formulação da filosofia cristã
e a prática especulativa. Essa „educação‟ deu outros rumos para o
sistema de ensino.

“A partir do século IX, sob a inspiração de Carlos Magno, o sistema


educacional apresenta-se organizado em três níveis: I - Educação
Elementar, ministrada pelos sacerdotes em escola paroquiais. Essa
educação tem por finalidade mais doutrinar as massas camponesas
do que instruí-las; II – Educação Secundária, ministrada nos
conventos; e III - Educação Superior, ministrada nas Escolas
Imperiais, onde eram formados os funcionários do Império”. (FILHO,
2010, p.20)

Carlos Magno fundou as escolas monacais, junto aos mosteiros,


catedrais, igrejas e as palatinas anexadas às cortes. Outro principal
ponto é a base do currículo educacional medieval, que ficou
conhecido como as “As Sete Artes Liberais”, dividas entre otrivium
(gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética,
geometria, astronomia e música).

Acreditavam que com esses ensinos iriam resgatar a experiência


humana esquecida e assim desenvolve-se um novo conceito de
educação.

O método de ensino era baseado na leitura (lectio) e interpretação de


textos, seguida de debates (disputatio) sobre os temas estudados.Os
conhecimentos ensinados nestes locais eram de suma importância
para o desenvolvimento das atividades econômicas burguesas, o que
levou esta classe social a lutar contra o monopólio do conhecimento

59
detido pela Igreja, por mais que possa parecer anacrônico, parece
que se encaixa perfeitamente aqui o conceito de „educação
libertadora‟ de Freire.

Surgimento das Universidades


Outro fato relevante é a criação das universidades, que na verdade
são criações eclesiásticas surgindo como extensões dos colégios
episcopais, mas podemos dizer que esse sistema educacional só ficou
mais complexo e teve destaque por volta do século XIII, tanto que
termo universitas era usado antes disso para designar associação ou
corporação de ofício.

“…Criada pelo Papado, a Universidade tem um caráter inteiramente


eclesiástico: os professores pertencem todos à Igreja, e as duas
grandes ordens que ilustram, no século XIII, Franciscana e
Dominicana, vão lá, em breve cobrir-se de glória, com um S.
Boaventura e um S. Tomás de Aquino; os alunos, mesmo aqueles
que não se destinam ao sacerdócio, são chamados clérigos, e alguns
deles usam a tonsura – o que não quer dizer que aí apenas se ensine
a teologia, uma vez que seu programa comporta todas as grandes
disciplinas científicas e filosóficas, da gramática à dialética, passando
pela música e pela geometria.” (PERNOUD.1996, p.98).

Percebemos que o conhecimento no final de Idade Média (seguindo a


definição clássica) já está funcionando institucionalmente. O que
percebemos é o inicio da educação bancada por uma Cristandade até
chegar à criação das Universidades, como afirma Pernoudos
professores são todos pertencentes à igreja, como esperar algo crítico
contra a mesma; repare que estamos falando de uma visão
unilateral, muito próximo do que está tentando ser imposto
atualmente, (militarização das escolas).

Authentica Habita (Posturas Autênticas)


A professora Terezinha Oliveira nos apresenta dois documentos
importante para a analise educacional da Idade Média.

“Authentica Habita (1155/58). Este documento foi editado pelo


imperador Frederico Barbaroxa (1122-1190). Nele, o Imperador do
Sacro Império Romano-Germânico (1152-1190) apresentou uma lei
que teria sido a primeira a defender os interesses dos homens de
saber - ou daqueles que se dedicavam ao conhecimento. O segundo é
o Estatuto da Universidade de Sorbone (1274), documento elaborado
no interior da própria Universidade e tinha como objetivo regular a
vida dos estudantes no lócus universitário”. (OLIVEIRA. 2009, p. 683)

60
Seguindo a orientação do texto da professora citada e percebendo
que realmente poucas pessoas conhecem a obra Authentica Habita
(Posturas Autenticas), resolvi colocar o documento na integra. Nela o
imperador Frederico Barbaroxa edita um decreto protegendo os
homens de/do saber.

“O imperador Frederico. Tendo havido um diligente exame dos


bispos, dos abades, dos chefes (generais) e de todos os juízes e de
próceres (grandes) do nosso palácio sobre isto, concedemos a todos
os alunos que iniciam (peregrinam) na causa dos estudos, e
principalmente aos mestres (professores) das divinas e sagradas leis
esse benefício da nossa piedade, a fim de que, nos lugares em que se
exercitam (praticam) os estudos das letras (literaturas), tanto os
mesmos quantos seus mensageiros (intérpretes) venham e habitem
seguros nos mesmos (lugares). De fato consideramos digno que,
como fazendo o bem mereçam o nosso louvor e a nossa proteção,
por uma especial dileção (afeto) defendamos de toda injustiça
(injustiça) a todos aqueles por cuja ciência o mundo é iluminado e a
vida dos súditos (sujeitos) é informada para que obedeçam a Deus e
a nós, ministros dele. Quem não se compadecerá deles? Tendo sido
expulsos pelo amor da ciência, pobres de bens se exaurem (esgotam)
a si mesmos, expõem suas vidas a todos os perigos, e – o que deve
ser tido como muito grave– sofrem (recebem) muitas vezes ofensas
(injúrias) corporais por porte de homens muito vis (sem valor), se
motivo algum. Por isso, decretamos esta lei geral e válida para
sempre, que ninguém de agora em diante seja encontrado tão audaz
que presuma produzir alguma injustiça (injúria) contra os alunos
(estudantes), nem provoque contra eles algum dano, por causa de
dívida de alguém da mesma província, o que de vez em quando
ouvimos ter sido feito por um perverso costume. A todos os que
negligenciarem conhecer esta sagrada lei e o tempo dela, se
descuidarem de reivindicar isto, os reitores dos lugares, será exigida
de todos (reitores) a restituição das coisas furtadas ao quádruplo, e,
aplicada a nota de infâmia pelo mesmo direito, percam eles para
sempre a sua dignidade (cargo). Mas, se alguém quiser mover ação
contra eles por algum negócio, pela opção dada aos alunos a respeito
desta situação, convém que os mesmos compareçam diante do
senhor, ou do seu mestre, ou do bispo da mesma cidade, aos quais
concedemos jurisdição para isso. Quem, porém, tentar levá-los a
outro juiz, mesmo que a causa seja justíssima, caia (sucumba) por
tal ímpeto. Ordenamos, contudo, inserir esta lei entre as
constituições imperiais sob o título “Não (há) filho a favor (ou em
lugar) do pai etc.” (Cod, 4,13 post 1.5)

A analise desses documentos deixa claros a importância dos homens


do saber e os alunos, já que o próprio imperador o busca defende-

61
los.Os homens do século XII trazem consigo a dúvida se o saber é
um dom divino ou é um fruto do conhecimento, essa ideias que
pariam sobre a mente dos mesmos vão levar a inúmeras definições
na posterioridade, pois nenhum decreto é inocente, não é apenas a
igreja defendendo o ensino, mas também o estado, tudo se trata de
um jogo de tensão e interesse. É de clara percepção o uso da
proteção do estudo para legitimar o governo, “para que obedeçam a
Deus e a nós, ministros dele”, é a defesa dos estudantes (futuros
homens do saber) não ataquem o estado nos seus escritos (corpos
dóceis).

Quando o conhecimento é realizado apenas com uma única visão e a


mesma é defendida juntamente com o estado, qualquer „Freire‟ e
levado a fogueira ou o DOPS-COD mesmo após ter falecido.

Estatuto da Universidade de Sorbonne


Os homens do século XIII já mais definidos vão desenvolver um
estatuto para regulamentar a vida dos alunos, tanto que nesse
período as universidades serão organizadas como um internato; os
discentes que moravam na „casa‟ deviam seguir os costumes
estabelecidos, não devendo transgredir os mesmos, mais ou menos
como quartéis onde a fala é: „você tem dois direitos, 1º você não tem
direito, 2º você deve renunciar seu primeiro direito‟, ou seja, siga o
que nós falamos e não questione; para que tudo corra bem.

“Ninguém seja recebido na casa (escola), a não ser que prometa


fidelidade, que se acontecer isso de o mesmo receber os livros da
comunidade, que como seus assim os observará fielmente, e de
modo algum os esquecerá nem os deixará guardado fora da escola, e
integralmente os devolverá em qualquer tempo em que forem
exigidos pela escola e quando acontecer de sair da vila.”
(Chartularium ... doc. no . 448. Trad. livre)

O aluno deveria ser fiel a escola, não questionando métodos de


ensino ou outros temas de estudo, o conhecimento prévio é deixado
de lado; os livros devem ser lidos e tomados como dogmas, pois
quem os escreveu (membros do clero) são os detentores do
conhecimento e seguem a iluminação divina descrita por Agostinho
de Hipona.

Outro ponto de destaque no documento é a relação com os que


discente de baixa condição financeira, como em qualquer época
existiam alunos pobre que necessitavam da ajuda eclesiástica para se
manter, mas não era tão gratuitamente essa „graça‟, os que recebiam
esse auxilio deveriam estar apto a ensinar e pregar as coisas da
igreja, caso contrário seria vetado do beneficio. Além de tudo para

62
conservar os bons hábitos da casa era utilizado penas em dinheiro
contra os que já não tinham nada.

Considerações finais
Embora os documentos sejam escritos em datas distintas, ambos
servem para mostrar a ambiência citadina e a estreita relação do
conhecimento com o poder. Podemos perceber que a educação cristã
no inicio era sempre reproduzida por uma visão unilateral e com
difícil abertura para questionamentos. O estatuto (pode ser melhor
debatido) regulamentava o que o estudante deve ou não fazer,
qualquer transgressão do mesmo implicava em severas penas,
fazendo com que reproduzam o querer de quem tem o exercício do
poder.

Esse controle do discente não é algo recente, mas sim um processo


histórico. Esse ideais de manipular quem futuramente irá nortear a
produção dos formadores de opinião não ficam preso apenas na
Europa, mas tem uma reflexão no Brasil; que embora tenha sonhado
com uma educação libertadora descrita por Paulo Freire, hoje
enfrenta sérios cortes e congelamento de gastos no ensino público,
tanto que a tendência agora é militarização das escolas públicas
consideradas „problemas‟ (e tendem a expandir por todo o território
brasileiro), ou seja, vamos medievalizar a educação, afinal de contas
a visão unilateral implica no ficar em total silêncio, bater continência,
e dizer sim senhor, pois pluralidade de pensamento pressiona os
„aristocratas do ensino‟.

Referências
Gabriel I. Covalchuk é acadêmico do 4º ano do Curso de Licenciatura
em História da UNESPAR, Campus de União da Vitória-PR e Bolsista
de Iniciação Científica da Fundação Araucária de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, vinculado ao projeto
Linguagens e Tecnologias no Ensino de História, desenvolvido pelo
LAPHIS sob orientação do professor Everton Carlos Crema e da
professora Dulceli de Lourdes Estacheski Tonet.

PERNOUD, Regine. Luz sobre a Idade Média. Publicações Europa-


América, 1996. pp. 98

FILHO, João Cardoso Palma, A Educação na Antiguidade In: Caderno


de formação de professores, educação, cultura e desenvolvimento.
UNESP – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

OLIVEIRA, Terezinha, Memória e História na Educação Medieval: Uma


análise da Autentica Habita e do estatuto de Sorbonne. Avaliação,
Campinas; Sorocaba, SP, v. 14, n. 3, p. 683-698, nov. 2009.

63
MULHERES POLONESAS: UMA HISTÓRIA DE VIDA E
ESCOLARIZAÇÃO
Isabelly Pietrzaki Pereira
Roseli B. Klein

Os imigrantes poloneses do estado do Paraná, no final do século XIX


e início do século XX, estabeleceram-se em colônias e criaram um
sistema organizacional que teve por base a família. As relações de
parentesco foram o ponto forte da sobrevivência desses grupos.
Nesses locais estruturaram os espaços de convivência, de lazer, de
escolarização, de produção e colheita comunitária, e de religiosidade
com o estabelecimento da Igreja católica.

Esse estudo realiza um resgate histórico do processo de escolarização


das mulheres polonesas no núcleo imigratório do município de São
Mateus do Sul, no estado do Paraná, nas primeiras décadas do século
XX. Leva em consideração o contexto social, econômico e histórico
desse período e a forte presença da religiosidade católica, inserida
também nas escolas em que essas mulheres frequentaram, gerando
assim, uma cultura escolar própria.

A pesquisa utiliza-se de uma metodologia de cunho bibliográfico,


exploratório, descritivo e com pesquisa de campo, seguindo a linha
da história e memória oral. Realizada sob o formato de entrevistas às
mulheres polonesas que estudaram nas décadas de 1940 e 1950, no
modelo de escola rural multisseriada.

Os núcleos imigratórios fundaram suas próprias escolas, porém, o


governo iniciou um processo de nacionalização. O Decreto Federal nº
406, de 4 de maio de 1938, proibiu o ensino em língua estrangeira,
extinguindo as escolas étnicas existentes, e as que restaram
perderam sua identidade. Nesse momento histórico, tornou-se
necessário uniformizar os saberes e inserir os imigrantes na cultura
brasileira, nacionalizando-os, “[...] Tornava-se imperioso construir
esse novo homem e à escola estava reservado um papel importante
nos ensinamentos físicos, morais, intelectuais e de higiene” (RENK,
2009, p. 39).

A princípio as crianças polonesas estudavam em escolas


multisseriadas privadas, organizadas pelos próprios pais e a
comunidade, que mais tarde passaram a instituições públicas por
consequência do processo de nacionalização. Funcionavam com uma
única professora para atender todas as séries. Ofertavam o ensino do
primeiro ao terceiro ano e a única maneira de prosseguirem os

64
estudos acontecia sob o deslocamento até a área urbana mais
próxima.

Um aspecto presente nesse modelo de escola, e citado pelas


entrevistadas, refere-se a imposição da disciplina no interior da sala
de aula. Os castigos aconteciam com muita frequência. Qualquer
movimento indesejado: copiar a tarefa de um colega, conversar, não
saber a resposta para alguma pergunta, entre outros, constituíam-se
motivos para as crianças se ajoelharem no grão de feijão ou de
milho, e também outras formas de repreensão. O relato de Chule
(2017) afirma essa prática quando assim se refere:

“Eu fiquei de castigo, eu, minha amiga e meu irmão. Em um dia a


professora fez umas perguntas, mas nós não sabíamos, então pediu
para pesquisarmos e respondermos no outro dia. No dia seguinte,
nós nos levantamos, arrumamos o material e fomos para a escola,
mas ficamos em um “matinho” escondidos até dar o horário da aula e
podermos voltar para casa. No outro dia não escapamos e a
professora “descascou bordoada em nós”, com régua, puxão de
orelha. A professora era muito ruim”. (CHULE, 2017).

O rigor disciplinar destacou-se nas escolas isoladas, norteado por um


ensino tradicional sem levar em conta as particularidades dos
educandos, impondo ordem e regras. Louro (1995) expõe que:

“[...] a instituição escolar, desde os primeiros tempos, buscou


disciplinar corpos e mentes de estudantes e mestres, ajustando-os a
novos ritmos, a uma outra lógica, a um outro espaço; construindo
maneiras de ser apropriadas, falas convenientes, olhares e gestos
adequados e decentes. Assim, a construção de um corpo
escolarizado, controlado e protegido, domado e dominado, parece ter
sido, e ainda ser, imperiosa para qualquer empresa educativa. Ontem
e hoje, de muitos modos, a escola constrói os corpos dos sujeitos e,
também de muitas formas, ela acaba por ser incorporada (ou
corporificada) por meninos meninas, homens e mulheres [...]”.
(LOURO, 1995, p. 176-177).

Percebe-se a religiosidade muito presente no ambiente escolar. As


entrevistadas relatam que as orações no interior da escola,
realizavam-se no início ou ao término das aulas, e foram
consideradas, por essas mulheres, como um fator essencial para a
vida. Essas pequenas comunidades polonesas estabelecidas em
regiões isoladas, no interior do Paraná, organizavam-se a partir da fé
católica. Essa realidade podia ser observada, por exemplo, quando as
pessoas se encontravam para as orações do terço e celebrações, as
novenas, os tríduos, enfim, essas reuniões proporcionavam vínculos

65
entre as famílias e a garantia da perpetuação da identidade polonesa,
assim como acontecia com as orações realizadas no interior das
pequenas escolas.

O processo de nacionalização instituído a partir de 1938, influenciou a


organização escolar, de acordo com Staniszewski (2014, p. 79) “[...]
nos programas do ensino primário e do ensino secundário era
obrigatório o ensino da história e da geografia do Brasil; estimulando
o patriotismo, utilizando os símbolos nacionais e comemoração das
datas cívicas”. Entoar o Hino Nacional ou o Hino Municipal fazia parte
da rotina escolar, como relatam as entrevistadas.

Quanto às disciplinas lecionadas, aprendia-se o português,


matemática, geografia e história. Usava-se um “guarda-pó” branco
como uniforme, esse era igual para as meninas e os meninos. A
evasão escolar apresentava-se muito elevada. As causas
relacionavam-se à falta de condições para ir até à escola devido às
longas distâncias, à morte de algum familiar, à conformidade em
estudar até o grau oferecido na área rural e principalmente, por ter
que abandonar a escola para auxiliar os pais na lavoura.

Das entrevistadas, sete mulheres relataram que gostariam de


prosseguir os estudos e somente uma disse não querer continuar,
devido aos castigos existentes. As profissões desenvolvidas, após
saírem da escola, geralmente relacionavam-se ao trabalho na
lavoura, com exceção de Souza (2017) que atuou como professora.

As mulheres deixaram transparecer que gostariam de ter prosseguido


seus estudos, ou terem alguma profissão desvinculada da vida do
campo. Porém, o ser mulher no início do século XX, significava ter um
casamento e uma família. Leva-se em conta que o contexto estudado
trazia uma herança cultural muito presente, onde o matrimônio era
quase uma questão de sobrevivência. Neste sentido, o casamento e
os filhos foram um destino comum a todas. Ser esposa e mãe
tornava-se o objetivo essencial da vida dessas mulheres. A vocação
de mães apresentava-se como um incentivo no interior das suas
famílias de origem e, também, uma proposta da religião a que
pertenciam e viviam ora na comunidade, ora ideologicamente
impregnada no interior da escola. A disciplina dos corpos e mentes, a
falta de incentivos, e condições para a continuidade dos estudos foi
significativo na vida e personalidade dessas.

Além disso, a partir dos relatos, percebeu-se que a pouca instrução


recebida foi muito importante para a vida das mulheres. Os
conhecimentos adquiridos, ainda como estudantes, as ajudaram no

66
dia-a-dia. A influência cultural da escola, família e comunidade
marcaram a vida dessas mulheres polonesas.

Mesmo com poucas condições, o ensino obtido ainda rende histórias


que são passadas de mães para os filhos, ressaltando o quanto a
educação torna-se importante para a constituição dos indivíduos.
Com este estudo, observa-se que oo ensino tem um significado
cultural e social, pois se estabelece de acordo com as expectativas de
determinada época e se molda a partir do contexto onde se insere. O
modelo educacional tratado ao longo do estudo (décadas de 1940 e
1950), foi disciplinador, com forte influência religiosa e muito
precário, fazendo com que essas alunas se conformassem com sua
condição de vida.

Resgatar a história da educação e as maneiras como ocorreu o ensino


em diferentes épocas, proporciona questionamentos em torno do
significado da educação e do modo como ela se efetiva nos dias
atuais, levando ainda a indagações sobre a educação emancipatória.

Referências
Isabelly Pietrzaki Pereira é acadêmica do 4º ano do Curso de
Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus
de União da Vitória e bolsista do Programa de Iniciação Científica
(PIC) com apoio da Fundação Araucária.

Profa. Dra. Roseli Bilobran Klein é professora adjunta do Colegiado de


Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus
de União da Vitória. Membro do Núcleo de Catalogação, Estudos e
Pesquisas em História da Educação (NUCATHE).

CHULE, A. M. L. Entrevista concedida a Isabelly Pietrzaki Pereira. São


Mateus do Sul (PR), 21 de maio de 2017. Gravação em Áudio.
(Entrevista).

LOURO, G. L. Educação e Gênero: a escola e a produção do feminino


do masculino. In: SILVA, L. H.; AZEVEDO, J. C. de (org.).
Reestruturação Curricular: teoria e prática no cotidiano da escola.
Petrópolis; Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

RENK, V. E. Aprendi falar português na escola! O processo de


nacionalização das escolas étnicas polonesas e ucranianas no Paraná.
DISSERTAÇÃO. 243 f. Curitiba; Paraná: UFPR, 2009. Disponível em:
<http://www.ppge.ufpr.br/teses/D09_renk.pdf>.

67
SOUZA, T. E. A. Entrevista concedida a Isabelly Pietrzaki Pereira. São
Mateus do Sul (PR), 5 de outubro de 2017. Gravação em Áudio.
(Entrevista).

STANISZEWSKI, R. S. Uma investigação sobre o ensino da


matemática nas escolas polonesas em São Mateus do Sul, Paraná.
DISSERTAÇÃO. 180 f. Curitiba; Paraná: UFPR, 2014. Disponível em:
<http://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36024>.

68
OS DEGREDADOS DA TERRA BRASIL: REFLEXÕES SOBRE O
ENSINO DE HISTÓRIA E A CIDADANIA
Ivanize Santana Sousa Nascimento
Antonio José de Souza

Se antes dos europeus pisarem aqui existisse a linguagem e a escrita


tal qual a conhecemos hoje com seus códigos, grafemas e fonemas,
como suas variações e tons e sotaques o que diriam nossos
ancestrais tupiniquins sobre o princípio da cidadania? E sobre a
modernidade, a vida, a representação do „eu‟ e a interação com os
„outros‟ e o meio? O meio que também é mundo subscrito por um
tempo onde a identidade individual é formada a partir da consciência
acerca da condição existencial, tanto no aspecto individual ou mesmo
como membro partícipe de distintas tribos, as mesmas tribos,
compreendidas na perspectiva do sociólogo francês Michel Maffesoli,
sobretudo, aquelas popularizadas pelo conceito de tribo urbana e seu
“vaivém constante que se estabelece entre a massificação crescente
e o desenvolvimento dos microgrupos” (1987, p. 8).

Esse prólogo que mais parece abstração vã, na verdade, trata-se de


um ensaio sobre o nosso momento histórico de visíveis contradições,
pois, ao passo em que nos deslocamos em direção às frenéticas
aglomerações, a fim de fazer parte da “estrutura complexa ou
orgânica” pós-moderna, também buscamos lograr, à custa de esforço
intransferível, a “própria salvação”, a partir do temor ao „outro‟, pois
o olhar sobre o „outro‟ faz aparecer as diferenças e,
consequentemente, elevam-se as trincheiras e distâncias entre as
diferenças, nesse contexto, onde, muitas vezes, apenas o igual é
salutar, admirável e favorável.

Isto posto, voltando à „imagem mental‟ circunscrita nos povos


indígenas,seriam eles cidadãos ou não? Diriam que seus legatários
vindouros, licença para a redundância, também são cidadãos? Mas,
afinal, o que faz de alguém ser um cidadão ao longo da história?

Pois bem,desde o domínio dos portugueses nas terras que vieram a


ser terras brasileiras,a cidadania europeia foi aproximada a expressão
grega polis, isto é: cidades-estados. Então, alicerçada na
compreensão da Grécia antiga, o conceito de cidadania europeia
estava emaranhado com o conceito de naturalidade, assim sendo,
cidadãos eram tão somente aqueles nascidos em território Grego.
Trata-se de uma imediação semântica também com o latim, posto
que civitatem significa cidade, fazer parte da cidade, compor sua
estrutura política e representar uma casta social (BARACHO, 1994).
Nessa perspectiva, os habitantes da „nova terra‟ (os povos

69
ameríndios) moravam na “cidade”, no entanto não participavam dos
seus negócios. Assim também os „outros‟,forçosamente trazidos como
“coisas” ou objetos (os negros africanos), moravam na “cidade”,
ainda assim, eram estrangeiros e não participavam dos negócios,
eram, negros e índios, os próprios negócios.

À vista disso, não havia uma compreensão de humanidade no negro e


no índio do passado, logo, não havia cidadania. Não eram pessoas,
apenas um sopro ínfimo de vida. A “cidade” era um espaço repleto de
expectativas e exigências, por certo, um pesado desafio colocado a
esses específicos sujeitos os quais eram impostos a “marca do
insólito, do diferente” (SOUZA, 1983, p. 26). Eram o que Ciampa
chama de “um outro outro” (1998, p. 79, grifo do autor).

Ser o diferente é ser o „outro‟. Ser o „outro‟ énão ter cidadania. Neste
sentido, “ser-no-mundo” como “alguém” de ascendência “fincada” na
África ou de alteridade indígena é ser vítima potencial de uma crônica
cruel, afinal a consciência da diferença por si atemoriza e é preciso
subjugá-la e, depois, é preciso incutir uma bestialidade para, assim,
poder traduzi-la, explicá-la, devastá-la, sufocando-a enquanto
realidade viva.

Então, para que não reste dúvida, o negro não é gente, logo não tem
cidadania. É mera mercadoria, vendida por metro e por tonelada.
Peças do além-mar, toneladas do outro lado do Atlântico, apenas
fôlego para o trabalho austero. “O valor do negro era medido por
metro, por quilo, na qualidade dos músculos, na idade, nos dentes,
no sexo, na saúde geral, no aspecto etc.” (Chiavenato, 1987, p.
123).

O índio é perversamente diferente, assim, é preciso torná-lo igual,


quer dizer, civilizado para apoderar-se do que é dele. Justifica-se,
pela sua provável indolência e obtusidade a necessidade de dominá-
lo. O „eu‟ branco queria o índio cristianizado, coberto pelo véu
civilizatório pela identidade legitimamente cidadã, por isso, “um índio
civilizado é um índio que foi civilizado por um branco civilizador”
(BRANDÃO, 1986, p. 8).

É importante destacar que o estudo da História do Brasil, no livro


didático, tem como marco inicial a chegada do homem primitivo na
América, que, durante a sua marcha evolutiva, constituiu as
estruturas tribais indígenas, tal qual os portugueses surpreenderam
quando aqui atracaram. Por isso, por volta do século XX, as
expressões artísticas brasileiras estiveram impregnadas de ufanismo,
com suas interpretações românticas e pacíficas do cruzamento entre
os portugueses e os índios nativos, vendo na “união do português

70
com a mulher índia”, uma bem-intencionada incorporação cultural,
econômica e social, visto que a mistura entre raças passou a ser
compreendida como um fenômeno único, original, e inteiramente
favorável à sociedade brasileira. No entanto, nossa identidade
nacional está fatalmente vinculada a essa história pelas marcas mais
hediondas.

A dispersão de grupos humanos, portanto a diáspora, termo


derivado, segundo Hall (2013, p. 31), do povo judeu, significando a
dispersão judaica entre outras nações, no Antigo Testamento, e as
trocas estabelecidas entre culturas por meio de mecanismos
interconectados não são características exclusivas da sociedade pós-
moderna. Afinal de contas, no passado também se organizaram
distintos entrecruzamentos, presentes, por exemplo, na permuta de
mercadorias por trabalho, naquilo que os livros de história ensinam
como sendo escambo, identificado nas “relações de trabalho”, entre
portugueses e índios, que eram usados em pequenas lavouras e na
exploração do pau-brasil, no início do século XVI, em troca de
bugigangas (apitos, espelhos, chocalhos). Enfim, são intercâmbios
igualmente aplicados e verificados nas relações de parentesco e
comércio dessas épocas decorridas.

Lamentavelmente, a gênese do Brasil ainda vem sendo alimentada


pela fabricação ideológica de um passado histórico, único e
homogêneo, onde os desbravadores portugueses eram enxergados
como um povo predisposto à miscigenação e desprovido de
preconceito racial. Na verdade, porém, o encontro entre brancos e
indígenas deu-se a partir de embates e resistências, em que os índios
se opuseram às consequências nocivas do contato com o branco, em
seus territórios. Em vista disso, muitas tribos e aldeias indígenas
foram arruinadas, tanto pela força militar dos brancos europeus,
como pelas enfermidades e a destruição dos seus recursos de vida e
cultura.

O fato é que, do hibridismo, quer dizer, “[...] da mistura de


elementos heterogêneos, delimitados e fixos” (SOUZA, 2016, p. 55),
entre o índio e o europeu, resultou, entre outras coisas, a
constituição de uma comunidade indígena doutrinada, afinal índio
dócil é um índio que foi “amestrado” por um branco civilizador, bem
como na opção pelo sistema de exploração colonial agrícola. Assim,
com a descoberta, aqui no Brasil, de metais ricos, como o ouro, a
mão de obra nativa deixou de ser opção viável, identificando os
povos africanos como mais aprimorados para “colaborarem” com os
interesses coloniais, por consequência, vários negros embarcaram
nos portos da costa africana para uma viagem longa rumo ao
desconhecido triste. Sendo assim, aquela colônia portuguesa se

71
compunha também pela presença maciça de negros/as escravos/as,
que integravam, junto com os índios, o último lugar na conjuntura
social e mantiveram-se inferiorizados nesta organização.

No entanto, há quem, referindo-se às culturas participantes da


composição identitária brasileira, recomende o entendimento do
sociólogo Gilberto Freyre e a presença de uma maleabilidade que
teria favorecido a mistura, produzindo, então, uma sociedade
miscigenada harmônica na contrariedade.

“Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na


verdade, [...], um processo de equilíbrio de antagonismos.
Antagonismos de economia e de cultura. A cultura européia e a
indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A
economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o
herege. O jesuíta e o fazendeiro. [...] O bacharel e o analfabeto. Mas
predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais
profundo: o senhor e o escravo” (FREYRE, 2004, p. 116).

Todavia, é preciso destacar a incorporação e a sutil ameaça


procedente da „democracia racial‟ ou pseudo-cidadania,
capciosamente diluída como teoria, no fragmento de Gilberto Freyre,
denotando uma aura de harmonia e proporcionalidade diante das
diferenças próprias às culturas indígena, europeia e africana,
pressupondo que as circunstâncias significativas da formação
brasileira aconteceram pelo genuíno esforço, por parte dos europeus,
em se adaptar a condições inteiramente estranhas, pondo-se em
contato amistoso com a cultura indígena, e sendo “amaciada pelo
óleo” da intervenção africana.Freyre, no entanto, equivocou-se, pois
para o “bicho negroide” passivo do barbarismo, tudo foi ranger e
cólera, sempre!

“A teoria da democracia racial, é preciso salientar, foi criada para


fundamentar uma homogeneização cultural e omitir as diferenças e
desigualdades sociais. Serviu para fortalecer a ideia de uma História
Nacional caracterizada pela ausência de conflitos [...]. Em sua face
mais perversa, essa mesma teoria serviu para dissimular as
desigualdades sociais e econômicas, e para justificar a situação de
miséria de grande parte da população: um povo mestiço, que carrega
os males de uma fusão de grupos selvagens indolentes (índios que
não queriam ser escravos e se rebelavam contra esse trabalho tão
digno para a grandeza da pátria) e de negros africanos submissos e
sem vontade própria, sem desejos de vencer na vida! A preguiça e a
indolência, frutos dessa mestiçagem democrática, eram, ou ainda
são, os responsáveis pela pobreza da maioria da população”
(BITTENCOURT, 2012, p. 199).

72
A partir dessa constatação, resta-nos ressaltar os malefícios e
prejuízos respingados imprudentemente nas relações raciais no
Brasil, em grande parte decorrentes da popularização da teoria da
democracia racial, que, na perspectiva de Gilberto Freyre (2004), é
verificada pela liberalidade presente no encontro pluriétnico, assim
como pela intercomunicação e até a fusão simétrica de tradições
diversas. Por isso os índios foram “domesticados para o
transcendental”, enquanto o homem branco misturava-se
“gostosamente” com as mulheres de cor, multiplicando-se por meio
dos filhos mestiços, e demonstrando o quanto estavam predispostos
a uma “colonização híbrida”. Assim, uma vez que, pelo contato do
homem branco português, se formou aqui uma sociedade agrária na
estrutura econômica, híbrida de índio e mais tarde de negro, ver-se
em uma democracia racial baseada na premissa de que a reunião das
etnias e culturas aconteceu de um modo exitoso, provocando a
formação de uma sociedade ausente de severas acomodações raciais
e sem agressivos preconceitos.

À vista disso, a Colônia Brasil é farta de outros tantos exemplos da


hierarquização que se fez pela mão astuta, traiçoeira e perniciosa.
Portanto, quem julgou lícito dividir o território brasileiro em lotes
hereditários? Quem eram os filhos herdeiros das capitanias e suas
grandes sesmarias? Eram os „filhos da terra‟ ou as „mãos pretas‟ do
arado? Por isso, a perder de vista os latifúndios, tal qual Garcia d‟
Ávila, filho de Tomé de Souza, perpetram a lastimável escravidão
também nos tempos modernos.Afinal, se no longínquo passado as
terras de norte ao sul da Bahia eram administradas pelos “olhos” da
Casa da Torre que não conheciam metade do seu império, apenas
determinavam ou prescreviam improbidades e truculências aos
degredados da cidadania.

Índios, negros, mulatos mestiços, raças bárbaras, vítimas da


opressão e dos efeitos da alienação. O que fazer? Como deixar „de
ser‟ expatriados e passar „a ser‟ como „eles‟ os tais “homens bons”?
Talvez hipnotizados pelo fetiche do branco, eles, o negro e o índio,
estivessem condenados a negar tudo aquilo que contradiga a
brancura e a possibilidade de se tornar “agente de civilização”, logo
“agente de cidadania”.

As ideias que sentenciaram as diferenças para o calabouço das


desigualdades foram bem acolhidas e introduzidas no Brasil no fim do
século XIX, permanecendo de maneira vigorosa até o fim da Primeira
República, em 1930. A ordem social consagrada vestiu o corpo nu
indígena com panos de algodão. As instituições travestidas de
cientificidades associavam o ex-cativo a “degenerescência NEGRA”,

73
“incorrigíveis malandros, viciados sub-homens que eram um perigo
para a moralidade pública” (Chiavenato, 1987, p. 234). As epidemias,
os transtornos psiquiátricos e a criminalidade eram todos oriundos de
uma nódoa repulsiva e rude de um ex-escravo, cidadão sem
cidadania.

Trata-se, portanto, de um “jogo de sinais-obstáculos que possam


submeter o movimento das forças a uma relação de poder”(Foucault,
1987, p. 124) e, assim, constroem pessoas, categorias sobrepostas,
consagra um sujeito biológico e culturalmente capaz de SER, viver
como parte de uma plena cidadania. O ápice do joguete é a
proximidade com a branquitude com o SER ALGUÉM, desse modo, os
que foram “marcados” pela exclusão e a diferença do NÃO-SER
precisam se metamorfosear nesse „outro‟. É uma “morte-e-vida”, ou
melhor, uma “morte-e-subvida. Nesse caso, terá poder aqueles que
atribuem “a si mesmos e aos outros significados que os tornem
sujeitos, sociedades e nações com nomes, símbolos e sinais de
diferenças” (BRANDÃO, 1986, p. 13).

Durante muito tempo, a inexistência de uma reflexão na educação


brasileira acerca das relações raciais, por exemplo, no planejamento
escolar, impossibilitou a promoção de relações interpessoais
respeitáveis e equânimes entre aqueles/aquelas que compõem o
cotidiano da escola.

“Com relação aos alunos negros, ressalta‐se que há uma nítida


associação entre apelidos e a referência à inscrição racial. Ao se
referir à cor da pele através dos apelidos, se destacam marcas
raciais, traços de identificação de um determinado grupo racial,
mecanismos que vão permitir o enquadramento do sujeito
objetificado. Alunos negros são constantemente reduzidos em sua
nominação a características e metáforas que possam circunscrevê‐los
racialmente” (GENTILI et al, 2011, p. 15).

Essa indiferença, no tocante à influência que o racismo, o preconceito


e as discriminações raciais têm nas diversas instituições educacionais,
favoreceu a afirmação dos fenótipos enquanto diferenças entre
negros e brancos, compreendidos como desigualdades naturais. Mais
do que isso, engendrou os negros de acordo com sinônimos chulos.
Por consequência, o silenciamento da escola com relação ao racismo
habitual não só atravancou a aprendizagem de alunos/as negros/as e
brancos/as nas escolas brasileiras, como também os embruteceu,
impedindo-os de serem pessoas verdadeiramente libertas das
hostilidades, dos preconceitos, dos estereótipos e dos estigmas, entre
outras mazelas.

74
“[...] a existência do racismo, do preconceito e da discriminação
raciais na sociedade brasileira e, em especial, no cotidiano escolar
acarretam aos indivíduos negros: auto-rejeição, desenvolvimento de
baixa auto-estima com ausência de reconhecimento de capacidade
pessoal; rejeição ao seu outro igual racialmente; timidez, pouca ou
nenhuma participação em sala de aula; ausência de reconhecimento
positivo de seu pertencimento racial; dificuldades no processo de
aprendizagem; recusa em ir à escola e, conseqüentemente, evasão
escolar. Para o aluno branco, ao contrário acarretam: a cristalização
de um sentimento irreal de superioridade, proporcionando a criação
de um círculo vicioso que reforça a discriminação racial no cotidiano
escolar, bem como em outros espaços da esfera pública”
(CAVALLEIRO, 2005, p. 12).

O diagnóstico apresentado pela autora remete-nos ao passado, onde


é possível identificar a precariedade da escolarização dos negros
brasileiros, pois é certo que, olhando para o passado, entendemos
aquilo que o presente revela com veracidade. Afinal, eram os
negros/as, sobretudo os/as africanos/as escravizados/as,
proibidos/as de aprenderem a ler e escrever, sendo impedidos/as de
frequentarem as escolas, quando estas existiam. E se tivessem a
permissão e o “privilégio” de terem os/as seus filhos/as acesso às
lições catequéticas dos jesuítas, seria apenas com o intuito de mantê-
los submetidos ao austero controle de seus senhores missionários,
portanto, um propósito muito distante de algo que objetivasse
efetivamente a mudança no destino dos cativos.

Assim, estabeleceu-se para os/as negros/as e mestiços/as um


processo contraditório de “inclusão e exclusão” à cidadania brasileira,
isso por intermédio da educação. Inclusão pelo princípio da igualdade
republicana, mas, na prática, imperavam as ressalvas, pois a
educação definia a instrução necessária para a participação efetiva da
cidadania, tal como o direito ao voto. Por não estarem os/as ex-
escravizados/as inseridos/as na cultura letrada, visto que não havia
um sistema escolar para todos, lhes era negada a real liberdade e
igualdade. Esse acesso diferenciado à cidadania brasileira significava,
entre outras coisas, a consolidação das desigualdades sociais. Diga-se
de passagem, desigualdades relativas à educação que tiveram como
consequência as dificuldades dos negros e seus descendestes de
encontrar sua dignidade a partir da conquista de um emprego, de
uma renda e maior qualidade de vida.

A Educação brasileira acumulou uma dívida altíssima em relação às


populações desterradas da plenitude cidadã, por isso, no que se
refere às relações étnico-raciais, a história e a educação sempre
estiveram interligadas ao processo de negação e afirmação

75
construídas para e pelos/as negros/as. Estes/estas não fazendo parte
do universo letrado não se resignaram com a exclusão que lhes foi
imposta, organizando movimentos de luta e resistência, ao longo da
história. Os negros conquistaram o direito ao trabalho livre, o direito
ao livre culto de suas religiões, o direito de constituir família, de viver
fora de tutelas.

A luta, contudo, assentou-se pelo viés da auto-afirmação e da honra


de ser negro/a.Assim, eis o momento em que a cultura de direitos se
amplia para uma Cultura de Direitos Humanos e reclamar pela
igualdade básica, a partir da compreensão de que a sociedade é
formada por sujeitos que pertencem a grupos distintos, possuidores
de cultura e história próprias e igualmente dignas, é se reconhecer
construtor da genuína cidadania.

Referências
Ivanize Santana Sousa Nascimento é professora de História da
Educação Básica do município de Itiúba/BA.
Antonio José de Souzaé Mestre em Educação e Diversidade pela
UNEB - Universidade do Estado da Bahia) e professor de História da
Educação Básica do município de Itiúba/BA.

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76
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Dissertação (Mestrado em Educação e Diversidade) – Universidade do
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SOUZA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro


brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

77
A HISTÓRIA DO CRISTIANISMO NOS COMPÊNDIOS DE
HISTÓRIA UNIVERSAL OITOCENTISTAS
José Petrúcio de Farias Júnior

Pretendemos investigar, no âmbito da produção de compêndios


brasileiros de História para a instrução pública secundária do Imperial
Colégio Pedro II, no século XIX, as estratégias discursivas que
permitiram o uso de versões instrumentalizadas da História Antiga,
mais precisamente após a Reforma de Couto Ferraz (1854).
Problematizaremos, em particular, as formas históricas que abordam
o processo de aceitação do cristianismo no Império Romano, sob a
administração de Constantino (306-337). Para isso, utilizaremos o
compêndio de “História Universal” de Pedro Parley (1857), traduzido
pelo desembargador Lourenço José Ribeiro, aprovado para uso das
escolas do império do Brasil após a reforma decretada por Couto
Ferraz, considerada por nós essencial por três motivos: primeiro por
se tratar de um esforço pela uniformização do ensino secundário em
escala nacional a partir da organização curricular implantada no
Imperial Colégio Pedro II; segundo, pelo controle e vigilância sobre
professores e produções didáticas, estabelecidos por meio da criação
de órgãos e cargos públicos com tais atribuições; terceiro, por
promover o ensino religioso, segundo a moral cristã, tanto no nível
elementar, quanto secundário, o que estabelece uma relação direta
com a escrita da história escolar, nosso objeto de investigação.

Trata-se de uma oportunidade para questionarmos sobre qual(is)


concepção(ões) de história e teoria(s) científica(s) subsidiou(ram) a
narrativa escolar; como a aceitação do discurso cristão pelo poder
imperial e a oficialização do cristianismo, no final do IV século, são
caracterizados nestas narrativas, isto é, como a história do
cristianismo de Constantino a Teodósio é exposta e organizada e
quais estratégias discursivas permitiram a construção de uma
memória em torno da história do cristianismo que se ajusta a
demandas políticas do momento histórico em que tal compêndio foi
escrito.

A implementação da instrução secundária no Brasil resultou, em


grande medida, da influência francesa em torno do processo de
escolarização. Pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, estabeleceu-
se que o Seminário de São Joaquim tornar-se-ia o Imperial Colégio
Pedro II e o regulamento de 31de janeiro de 1838 determinava que,
a exemplo do modelo francês, os estudos secundários adotariam um
currículo seriado, em que as áreas do saber e seus conteúdos seriam
distribuídos em função de seu nível de complexidade ao longo de 8
anos. Não só a estrutura organizacional escolar, mas principalmente

78
as ideias e costumes franceses inspiravam as elites brasileiras. D
Pedro II (apud BASTOS, 2008, p. 42), por exemplo, declarava ser a
França “a pátria de minha inteligência” e o Brasil “a pátria do meu
coração e do meu nascimento”. Além disso, no século XIX, era
comum que a escrita da História comprometida com a genealogia das
nações europeias aludissem às experiências político-culturais das
sociedades antigas gregas e romanas como ponto de partida para
compreender o processo civilizacional e o padrão cultural que
impulsionou o Ocidente. Isso explica a valorização dos estudos
clássicos nos programas de ensino da instrução secundária no Brasil.

É curioso observar que as aulas de latim perpassavam todas as séries


da instrução secundária, além disso, nos programas de ensino de
1850 e 1862, havia não só a disciplina de História Antiga, mas
também a de História Romana, as quais eram ministradas
separadamente. Para Funari (2008, p. 186-7), a relevância dos
conteúdos de História Romana se deve ao fato de que D. Pedro II e
sua corte eram fundamentalmente europeus, logo a ideia de
civilização pautava-se na cultura europeia que se identificava, por sua
vez, com as experiências político-culturais da Grécia, particularmente
da Roma Antiga, uma vez que não podemos nos esquecer de que o
Império do Brasil identifica-se, em muitos aspectos, com a Roma
Imperial, entre os quais destacamos o caráter aristocrático da gestão
pública, a presença da escravidão ou formas de patronato como base
das relações interpessoais, a manutenção da unidade político-
administrativa de um imenso território, a emergência do cristianismo
que se tornou religião oficial do Império bem como a legitimidade do
poder autocrático do “dominus” que pode ter inspirado o poder
moderador. Tal como nos informa Funari (2008, p. 187), este
conceito provém do latim, moderati, que remonta, por sua vez, a
autores latinos como Cícero, tal como se observa em sua descrição
de Deus como deus “qui regit, et moderatur, et mouet id corpus”
(Rep. 6,24-26 apud FUNARI, 2008).

Interessa-nos aqui salientar, para além da preocupação com a


formulação de programas de ensino, o fomento à educação religiosa,
já que as reformas educacionais posteriores a de Couto Ferraz
(1854), a saber: 1856, 1858, 1862, 1877, 1878 e 1882, reservaram
cadeiras específicas ao ensino religioso, tais como História Sagrada e
Doutrina Cristã, Instrução Religiosa ou Ensino de Religião, as quais
eram ministradas, em geral, no primeiro ano do secundário; nas
demais etapas escolares, consolidou-se a proposta de ensino de
História francesa, sistematizada posteriormente por Victor Duruy
(1865), em que, após a História Sagrada, segue-se ao estudo da
História Profana, dividida em Idade Antiga, Média, Moderna e

79
Contemporânea, e, após a incursão pela chamada História Universal,
migrava-se ao estudo da História Pátria.

Sob este aspecto, não é possível entender a Reforma de Couto Ferraz


(1854) desvencilhada das discussões educacionais correntes na
França, por isso defendemos que tal Reforma foi influenciada pela lei
Falloux (1850), em discussão na França, que pretendia conter o
avanço de uma formação educacional laica - solicitada pelos
republicanos franceses - na medida em que reconduzia os sistemas
de ensino ao controle das congregações religiosas. Trabulsi (2008, p.
130) nos informa que “desde a lei de Falloux até 1875, o lugar da
Igreja no ensino não vai parar de aumentar; a Igreja está presente
até na Universidade e, nos liceus, ensina-se religião”. Percebemos,
como já mencionamos, um movimento semelhante no Brasil.

No interior deste contexto, a escrita da História Antiga escolar,


particularmente, a História Romana e suas literaturas passam a se
conciliar com o cristianismo, sobretudo no âmbito político-cultural,
isto é, ensina-se uma moral antiga filtrada pela perspectiva judaico-
cristã. Assim, o estudo não só das fontes latinas, mas também da
Antiguidade converte-se num exercício para formar cristãos, já que
as narrativas escolares desqualificavam práticas religiosas não-
cristãs.

Circe Bittencourt esclarece que a ênfase em projetos educacionais


que valorizam o papel da Igreja na cultura escolar bem como o
fomento à disseminação das escolas privadas deriva da proeminente
atuação política de grupos fluminenses conservadores constituídos de
famílias produtoras de café e empenhadas, em sua maioria, na
manutenção da escravidão (2008, p.102). A pesquisadora acrescenta
que “o ensino público passou a ser vigiado pela moral religiosa
católica para evitar que os professores disseminassem doutrinas
„socialistas‟ ao invés de pregar a resignação à ordem desejada por
Deus” (BITTENCOURT, 2008, p. 102).

No tocante à escrita da história escolar, a década de 1850 que se


estende, a nosso ver, pelo menos até meados da década de 1870,
representa um território de diálogos e duelos entre a História sagrada
e a História civil ou profana. A narrativa histórica escolar aponta para
tentativas de conciliação entre o tempo laico e religioso e tal
abordagem resultou em formas de legitimação de sujeitos históricos
que ocupavam espaços de poder, além de situar a Igreja como
parceira inseparável do poder civil. Philippe Greiner nos adverte para
o fato de que a propagação de uma mensagem religiosa e as
atividades de uma Igreja nos currículos escolares têm
inevitavelmente repercussões políticas a partir do momento em que a

80
difusão desta mensagem não se circunscreve à esfera privada (2008,
p. 31).

Convém salientar que muitos tradutores dos compêndios de História


eram religiosos (fieis ou clérigos), além disso, o Colégio Pedro II,
assim como muitos liceus provinciais, contou com a presença de
professores religiosos em número significativo. Segue-se abaixo o
excerto em que Parley introduz suas audiências à história da Roma
Antiga

“A política de Roma era egoísta, o amor próprio a sua mola real. Os


Romanos tinhão como os Gregos, Persas, Egypcios e outras nações
antigas algumas noções de virtude e mostravão às vezes qualidades
nobres e generosas. Mas faltava-lhes, como a todas essas nações, a
verdadeira moralidade, aquella que Jesus Christo nos ensinou na
simples máxima: “Faze aos outros o que desejas que eles te fação!”
Como ellas, achava-se Roma privada daquela verdadeira religião, da
qual aprendeu o gênero humano, o que todo poder fundado na
injustiça há de ter mui curta duração. Por mais esplendido que o
fosse o império romano, estava longe de possuir uma verdadeira
gloria. Seu esplendor adquirido pelo roubo, seu grande renome
podião ofuscar as vistas de um gentio; mas para um christão tinhão e
têm pouco valor; ele considera essa magnificência como falsa e sem
fundamento.” (PARLEY, 1869, p. 240, grifo nosso)

Parley, neste excerto, demarca a superioridade da cultura cristã por


meio de uma implícita cadeia de negações em que costumes, valores
e princípios sociais são concebidos de maneira dicotômica, ou seja, a
partir de jogos binários (verdadeiro/falso; certo/errado). Para a
escrita da história escolar, tal binarismo incorpora uma função
instrutiva ou pedagógica na medida em que apresenta padrões de
moralidade e excelência pelos quais ações humanas passam a ser
julgadas; o que também implica, em contrapartida, o direito de ser
julgado e de julgar-se pelos padrões que são relevantes sob a ótica
do que é consensualmente aceito pelos cristãos como base para as
relações interpessoais (BARTH, 1998, p. 194). Nesse sentido, Parley
sinaliza, em sua narrativa escolar, as fronteiras culturais que
distinguem um cristão de um não-cristão por meio do
reconhecimento, manutenção e validação das dicotomias e diferenças
entre “nós” e o “outro”. O uso de qualificativos para caracterizar a
cultura cristã, no corpo da narrativa, objetiva, a nosso ver, reforçar o
triunfo do cristianismo no Império romano e seu reconhecimento
institucional como se observa no excerto abaixo:

“Foi Constantino Magno o primeiro imperador que se fez christão.


Começou a reinar no anno de 306 depois do Nascimento de Jesus

81
Christo e tranferio a séde do governo de Roma para Constantinopla.
A religião christã foi implantada pelos Apostolos em varias partes do
império; porém, ao principio soffrêrão os christãos atrozes
perseguições. Muitos foram açoutados, vários outros encarcerados e
milhares perdêrão a vida em tormentos horríveis. A despeito de tudo
foi sempre crescendo o seu numero, até que afinal o imperador
Constantino mandou que cessassem estas perseguições, fazendo-se
ele mesmo christão, no anno de 311. Conta-se que Constantino indo
um dia a cavalo à frente do seu exercito contra Maxencio, víra nos
céos uma cruz e nella escriptas as palavras: “Com este estandarte
serás vencedor”. É esta visão, que se supõe ter convencido o
imperador da verdade da religião christã e em virtude da qual ele se
resolveu a adopta-la como religião de Estado. Daquelle período em
diante a victoria do christianismo sobre a religião pagã estava certa.
Desappareceu ante a cruz a mythologia da Grecia e de Roma, os
ídolos do império do mundo cahirão quebrados pela força da verdade
do Evangelho. Muitos templos dos gentios se convêrterão em igrejas
e o povo, até então acostumado a curvar-se diante das estatuas de
Jupiter e de outros deosos fantásticos, ajoelhou com humildade aos
pés do signal da redempção. “ (PARLEY, 1869, p. 246)

Em primeiro lugar, o autor nos faz crer que Constantino foi convertido
ao cristianismo - o que ainda é objeto de muitas controvérsias na
historiografia - logo pretende-se mostrar que o discurso cristão passa
a ser autorizado, reconhecido e aceito pelo imperador romano. Em
seguida, o autor descreve a hostilidade com que os romanos se
relacionavam com os cristãos. De acordo com este enredo, os
cristãos são apresentados no interior de um ambiente caótico e
adverso que os oprime e vitima, porquanto “soffrêrão os christãos
atrozes perseguições. Muitos foram açoutados, vários outros
encarcerados e milhares perdêrão a vida em tormentos horríveis”. O
tom exagerado ou generalizante de tais contatos culturais é bastante
recorrente na narrativa histórica escolar que, nesse sentido, reproduz
a perspectiva da narrativa neotestamentária que, a nosso ver,
pretende evidenciar o caráter profético que permeia a ordem dos
acontecimentos, os quais incorporam uma conotação religiosa
edificante e apologética. A descrição deste cenário enunciativo
também aponta para uma construção discursiva de caráter mais
emocional do que analítico e este aspecto reforça a tentativa de
conciliação entre a história sagrada e a história civil, proposta por
Parley (1869).

Outro elemento que nos chama a atenção, no tocante ao processo de


escrita da narrativa histórica escolar, versa sobre o uso de “causas
sobrenaturais para explicar a vitória miraculosa do cristianismo no IV
século” (CUCHET, 2012, p. 41). O autor desconsidera as relações de

82
poder entre bispos e imperadores, cônsules, senadores ou
magistrados (cristãos ou não-cristãos) bem como as circunstâncias
históricas que possibilitaram a emergência e consolidação do discurso
cristão no Império, além de assumir o ponto de vista de autores
tardo-antigos cristãos, sobretudo Eusébio de Cesareia, como verdade
histórica.

A narrativa histórica não é construída a partir de um diálogo entre


diferentes fontes históricas e vertentes historiográficas. Em vez disso,
Parley centra sua narrativa em um acontecimento imprevisto e
miraculoso – “Constantino (...) víra nos céos uma cruz e nella
escriptas as palavras: Com este estandarte serás vencedor” e parte
de tal acontecimento para discorrer sobre o contexto histórico: “a
decadência do Imperio do Ocidente” (PARLEY, 1869, p. 245). Tal
perspectiva, a nosso ver, propõe o fortalecimento da crença cristã
bem como a legitimidade e superioridade da Igreja, além de endossar
a ideia de que Deus é um agente histórico.

Deduz-se, sob a ótica de Parley, que a ordem dos acontecimentos


não está dissociada da intervenção divina, já que o autor admite que
a Providência Divina está na origem dos processos históricos
(PARLEY, 1869, p. 242) , os quais não excluem feitos miraculosos e
mudanças políticas arquitetadas pela própria divindade. Está claro
que o autor pensa a história a partir de pressupostos teológicos e de
uma filosofia da História que tende a ler a História, como resultado do
triunfo progressivo de uma Igreja, despreocupada com questões
políticas e devotada exclusivamente à propagação do Evangelho, o
que não condiz a historiografia atual.

Sob este ponto de vista, entende-se que a vitória do cristianismo


decorre de uma espécie de acidente inesperado na história, que seria
ininteligível se não se considerasse a intervenção direta de Deus. Esta
percepção sobre a histórica apoia-se em dois tipos de crença: a
intervenção divina far-nos-ia compreender mais que o fato histórico
em si, pois contribuiria para dar sentido à ordem dos acontecimentos
– o que equivaleria à crença na ordem providencial – além de auxiliar
à compreensão do princípio ativo que impulsiona direta ou
miraculosamente os processos históricos – o que alude à crença na
ordem sobrenatural.

Em um país, onde o catolicismo era religião oficial, declarar-se cristão


significa compartilhar uma tradição espiritual com a qual a nação se
identifica. No século XIX, a concepção de nação e seus mecanismos
de diferenciação são pensados, por muitos intelectuais, sob a ótica da
fórmula: uma língua, uma cultura e um território; nesse sentido, a
nação se confunde frequentemente com uma religião única, como é

83
caso do Brasil oitocentista e a narrativa histórica escolar passa a
conceber a religião católica como um legado que serve de norma ao
presente. Assim a valorização do passado clássico permite pensar a
identidade nacional a partir de visões de mundo e expectativas sobre
a vida nos moldes dos Estados-Nacionais europeus, particularmente a
França, que são, por sua vez, requeridas pela elite brasileira.

Referências
José Petrúcio de Farias Júnior é professor adjunto da UFPI, líder dos
grupos de pesquisa Laboratório de História Antiga e Medieval (UFPI) e
História e culturas religiosas (UFPI),colaborador do Programa de Pós-
Graduação em História (UFPI) e Coordenador do Programa de
Doutorado Interinstitucional UFU-UFPI.

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Poutignat & STREIFF-FENART, Jocelyne (Org.). Teorias da etnicidade.
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Pedro II (1856-1892). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, v.12,
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84
ENSINO DA HISTÓRIA DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA E
SUAS LIÇÕES POLÍTICAS: OS CLÁSSICOS DA SAÚDE COLETIVA
COMO FONTE
Leonardo Carnut
Áquilas Mendes

Introdução
O estudo da Reforma Sanitária Brasileira (RBS), no âmbito das
ciências da saúde é um capítulo fundamental do que se considera
como o conteúdo essencial da área de “História da Saúde
Pública/Coletiva” (PAIM, 2008). Em que pese a relevância do tema,
há uma tendência em focar na trajetória normativa das Políticas de
Saúde em detrimento das escolhas políticas realizadas pelo
movimento sanitário na década de 70-80 (TEIXEIRA, 1998).

Tradicionalmente, há uma visão romântica, e até saudosista do


Movimento da Reforma Sanitária como fonte de inspiração socialista
que gradualmente se perdeu ao longo da implantação do SUS no país
(TESTA, 1995; CARNUT, 2017). Entretanto, por este conteúdo ser
pouco trabalhado nas graduações de saúde (CARNUT, MENDES,
MENDES, 2018), adentra-se muito superficialmente no intenso
cenário de disputa que fez com que a tese socialista, logo de partida,
fosse refutada em nome de uma ideologia política socialdemocrata
(AROUCA, 1975; OLIVEIRA, 1987; PAIM, 2008).

Assim, este ensaio tem como objetivo resgatar os argumentos sobre


a história da Reforma Sanitária Brasileira em dois autores de períodos
sócio históricos distintos, tidos como fontes essenciais para ajudar a
compreender as escolhas políticas realizadas e tirar lições para
qualificar o ensino da história da saúde coletiva/pública no âmbito
das profissões da saúde.

Percurso metodológico
Foi realizada uma análise de conteúdo (BAUER, 2000) de dois textos
de autores clássicos da Saúde Coletiva que analisaram a Reforma
Sanitária Brasileira em dois períodos distintos: a) um primeiro texto,
relacionado ao “período da reforma propriamente dita” (1987), do
sanitarista Jaime de Oliveira publicado na Revista Saúde em Debate
intitulado: „Para uma teoria da reforma sanitária: “democracia
progressiva” e políticas sociais‟, e, b) um segundo, relacionado ao
“período pós-reforma” (2008), do professor Jairnilson da Silva Paim
oriundo de sua tese de doutorado: „Reforma Sanitária e Revolução
Passiva no Brasil‟.

85
Para fins analíticos, tomou-se como unidade textual de análise os
excertos (BAUER, 2000) que versavam sobre aspectos políticos
fundamentais para compreensão da lógica do debate em direção à
perspectiva socialista. Nesse sentido, todos os textos foram lidos na
íntegra e deles extraídos esses excertos, que nesse estudo,
compuseram o “corpus” da análise. A partir de então, foi feita a
discussão dos argumentos apresentados pelos autores como forma de
reconstruir a história das escolhas políticas que obtiveram a
hegemonia nos membros da Reforma Sanitária para ressaltar a
importância desse conhecimento no ensino da história da saúde
coletiva/pública no Brasil (BADINELLI, JUNQUEIRA, 2012).

Primeira fonte - Oliveira: uma crítica contumaz, porém,


conciliatória
No calor da RSB, diversas teses foram sendo elaboradas, ao passo
que os reformistas, na tentativa de ler “o social” de forma mais
acurada, disputavam por uma “Teoria da Reforma Sanitária”. A
intenção era compreender melhor o momento social vigente e, a
partir dessas análises, guiar a luta política pela construção do direito
à saúde no Brasil.

Nesse bojo, emergiu o papel significativo de Jaime de Oliveira.


Oliveira é médico e fez mestrado em Ciência Política pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Trabalhou no
Departamento de Administração e Planejamento, ENSP/FIOCRUZ e
contribuiu para compreender o processo de Reforma Sanitária através
de duas obras fundamentais: „Interesses Sociais e Mecanismos de
representação: a Política de Saúde no Brasil pós-64‟ de 1983 e„(In)
Previdência Social: 60 anos de História da Previdência no Brasil‟ de
1986.

Oliveira (1987) era de uma corrente contra hegemônica sobre a tese


que guiaria o processo da Reforma Sanitária. Em um lado, havia
aqueles autores que apostavam na “institucionalidade estatal” tais
como Sonia Maria Fleury Teixeira (TEIXEIRA, 1998), Sérgio Arouca
(AROUCA, 1975), Roberto Passos Nogueira (NOGUEIRA, GOMES,
2012), e, de outro lado, os autores que criticavam a
institucionalidade estatal, tese na qual Oliveira era filiado.

Nas palavras do autor:

“[...] no meu entendimento, o conjunto de proposições que gira em


torna da ideia de Reforma Sanitária tem seu significado inovador
dado pelo fato de que estas proposições apontam numa direção que
se situa (e hoje pode situar-se) para além destas preocupações e de
suas autolimitações. Ou seja, “se situa para além dos esforços de

86
resolução de uma crise de legitimidade e fiscal do Estado”[grifo
nosso]. E, portanto, para além dos esforços de autoreprodução deste
Estado e das condições econômico-sociais e políticas que ele ajuda a
sustentar.” [Oliveira, 1987, p.203].

É possível perceber que, ao considerar uma análise para além da


“resolução”de uma crise de legitimidade (aí se referindo ao Golpe
Militar impetrado em 64 que promulgou um governo ilegítimo do
ponto de vista dos procedimentos democráticos burgueses) e da crise
fiscal (referindo-se ao período em que a economia brasileira sofre
uma inflação de 80% ao ano, o crescimento do produto nacional
bruto é baixíssimo 1,6% ao ano, e as taxas de investimento no país
são quase zero), Oliveira tem em mente a crítica ao Estado como
operador das mudanças defendidas pelos autores que apoiavam a
tese da institucionalidade.

Fiel à compreensão marxista do fenômeno, Oliveira vai resgatar a


noção de “democracia progressiva” advinda da elaboração
gramsciano-togliattiana de “passagem para o socialismo” na qual
conjuga a contradição “conquista do Estado” e a “Dissolução/Quebra
do Estado”. Nesse sentido, o autor demonstra que, sem a
compreensão crítica sobre o papel do Estado no asseguramento das
condições capitalistas de produção da saúde, não haverá a operação
de um plano de ação para Reforma Sanitária que avance em direção
ao socialismo. Quaisquer outras formas de atuação caíram na
contradição inerente da socialdemocracia (ou seja, realizar pequenas
„reformas‟, através da conciliação/negociação entre os interesses
bastante distintos das frações de classes).

“[...] o que queremos frisar é que a noção de guerra de posição /


democracia progressiva inclui a noção marxiana-lenista de “quebra do
Estado”. Com a diferença (vis à vis uma situação de guerra de
movimento) “de que esta “quebra” é pensada, aqui, como algo que
se realiza (tem que se realizar) anteriormente a tomada do poder
político do poder de estado”[grifo nosso].” [Oliveira, 1987, p.204].

As categorias “guerra de movimento” e “guerra de posição” permitem


conduzir a perspectiva de uma “democracia progressiva” em virtude
da organização de uma luta política pelo avanço na tomada de poder
do Estado. Assim, depreende-se da leitura do autor que a “guerra de
posição”, ou seja, o contínuo movimento de aparelhamento do Estado
com militantes da reforma sanitária (no caso do momento sócio
histórico em questão) representariam resistências concretas à forma
jurídica e política do Estado no processo de condensação de forças
que o leva em direção à sustentação da ordem capitalista. Em
contrapartida a „guerra de movimento‟ por fora do aparelho do

87
Estado, através da militância sanitária, deveria articular-se com
outras frentes setoriais a ponto de garantir unidade de luta política
suficiente para permitir a derrocada do Estado e formular as bases de
um novo modo de produzir. Como o autor aponta:

“Ou seja, “nos encontramos agora no núcleo da distinção entre


guerra de posição e guerra de movimento”[grifo nosso]. Uma vez
que, como se sabe, a primeira corresponde a uma proposição
estratégica orientada para os contextos nos quais o Estado capitalista
já adquiriu claramente sua forma “ampliada”. Ou seja, estendeu-se
aos aparelhos privados e se tornou hegemônico, dirigente, mais do
que meramente dominante e coercitivo” [Oliveira, 1987, p.205].

Nesse momento o autor assume que a posição dos sanitaristas a


época era na intersecção entre “guerra de posição” e “guerra de
movimento”. Em sua perspectiva, o alcance de uma “democracia
progressiva” só poderia ser realidade através do enfrentamento das
forças que operam o Estado (na sua perspectiva “ampliada”) em
destituir os elementos concretos (formas privadas de prestação da
saúde, representações sociais sobre a saúde pública e
mercantilização do trabalho em saúde) para congregar força social
suficiente em direção à“quebra” do aparelho do Estado.

“[...] a ideia de guerra de posição, e sua sucedânea (democracia


progressiva) apontam, conjuntamente, no sentido da necessidade de
promover, naqueles contextos, uma ação política, e ideológica
(moral, cultural) ampla, que inclui, além dos problemas (por si só
complexos) ligados à “quebra” do aparelho de estado, todo o
processo de luta pela hegemonia nos aparelhos, públicos e privados,
de hegemonia e coerção”. [Oliveira, 1987, p.205].

Assim sendo, Oliveira tece, em nossa opinião, a mais pesada crítica


ao movimento sanitário e a Saúde Coletiva na atualidade: a
desconstrução da política pública como realizadora das funções
sociais da saúde (ou como descrito por outros autores (CORREIA,
2015), como promotora de um “bem comum”). Em que pese a
realização dessa crítica contumaz, o autor percebia que as condições
objetivas do processo histórico naquele período encaminhavam a
ação política para em outro sentido. Nesse âmbito, Oliveira (1987)
interpela:

“[...] se as “políticas públicas” jogam um papel razoavelmente claro


como instrumento de manutenção e reprodução da ordem política e
econômica dadas, como devem ser encaradas, alternativamente, num
projeto de transformação radical, revolucionária (embora
“progressiva”) deste quadro?”[grifo nosso][Oliveira, 1987, p.206].

88
Assim, em uma tentativa de conciliar a teoria da Reforma na qual
elaborava com o “movimento do real”, Oliveira (1987) realiza sua
crítica ao movimento histórico: admitiu que a tese da
institucionalidade findaria por guiar o processo de Reforma Sanitária
e conduziu o debate afim de conjugar as duas propostas em uma
espécie de (sín)tese.

“a ideia de que a mera incorporação de novos (e mesmo


heterodoxos) atores ao “policy-making” governamental, “sem que
esta incorporação se faça acompanhar de uma problematização e um
enfrentamento dos temas básicos da “quebra” do Estado e da luta
pela hegemonia, apenas nos levará, na melhor das hipóteses, a
repor, de uma forma modernizada e atualizada, a estratégia
socialdemocrata de mera “ocupação” e gestão “humanizada”doEstado
capitalista”[grifo nosso],com as conhecidas consequências políticas
deste fato” [Oliveira, 1987, p.208].

Vive-se, hoje, as consequências políticas desse fato. Conforme


previsto por Oliveira (1987) amarga-se, hoje, o desmonte a passos
largos do SUS, especialmente no que tange a sua forma
eminentemente “pública” (MENDES, 2015; CARNUT, NARVAI, 2016).
Mais que uma síntese, Oliveira foi certeiro em combinar fidelidade
teórica e leitura apropriada do movimento da história. Não é de se
surpreender que essa combinação tenha repercussões tão
assustadoras para os estudantes e profissionais da saúde quando se
deparam com os acontecimentos atuais e a análise social de precisão
“cirúrgica” que foi feita por Oliveira nos (des) caminhos que o SUS e
suas políticas públicas tomaram ao longo desses 30 anos.

Segunda fonte - Paim: revisitando a Reforma Sanitária


Brasileira 20 anos depois
É largamente reconhecido no campo da saúde coletiva, a contribuição
à reflexão sobre a natureza e a trajetória do movimento da RSB por
parte do médico Jairnilson Paim. Atualmente, Paim é professor de
política de saúde do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, doutor em
saúde pública e mestre em medicina. Nos debates e reflexões críticas
acerca da implantação do SUS não se pode furtar das contribuições
que Paim vem propiciando ao campo.

Na realidade, esse autor, em seu livro que teve como fonte sua Tese
de Doutorado, „Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a
compreensão e crítica‟, 2008. Sua obra apresenta uma conclusão
relacionada à revisão do conceito de Reforma Sanitária e com
acirrados comentários sobre seus desafios futuros. De forma bem
crítica, Paim conclui “que a Reforma Sanitária representa uma

89
reforma social inconclusa, passando por diversos momentos de um
ciclo: era uma ideia que ia se plasmando na medida em que se
procedia a uma crítica ao sistema de saúde durante a ditadura”
[Paim, 2008, p.291].

Paim esclarece que a Reforma Sanitária foi originária de um


movimento ancorado no âmbito da sociedade civil, o que se deve
valorizar como um grande atributo para a assunção da saúde
enquanto um direito social. Contudo, ao longo dos anos 1990,
assiste-se ao afastamento dessa construção, associando-se de forma
muito intensa à luta institucional, especificamente num processo de
valorização do espaço no interior do Estado brasileiro. Paim
esclarece:

“Enquanto as inciativas anteriores de reforma da saúde estavam


ligadas ao Estado (com foco nos portos e centros urbanos), quando
não desencadeadas fundamentalmente pela ação estatal, a Reforma
Sanitária ou Reforma Democrática da Saúde, objeto desta
investigação nasceu da sociedade civil e só, posteriormente, partiu
para a conquista do Estado:...” [Paim, 2008, p.293].

É importante reconhecer os limites que as políticas públicas dispõem,


especialmente no contexto do capitalismo contemporâneo, em que o
Estado se vê cada vez mais associado aos interesses das reformas
neoliberais sob o ditame do capital. Tem sido frequente no Estado
brasileiro, a adoção de políticas econômicas restritivas, processos de
liberalização e abertura de mercados, com o avanço de privatizações,
em geral e na saúde em particular, especialmente ao longo dos anos
1990, 2000 e 2010.

Parte-se do pressuposto que o Estado não pode ser tomado como


algo externo ao capital, especialmente aos efeitos atuais da dinâmica
do capitalismo contemporâneo e sua crise com ataques aos direitos
sociais. Trata-se de considerar que a relação Estado-capital é
orgânica. Isto significa entender que não existe separação entre o
Estado e o capital, em que as relações entre eles não são somente
relações de exterioridade.

A Forma Estado deriva das contradições da dinâmica do capital


(CALDAS, 2015). Assim, o Estado não constitui mero resultado da
vontade da classe dominante, mas sim de um determinado modo de
produção e das relações sociais que lhe são inerentes. Daí,
entendermos os sentidos dascontrarreformas que o Estado capitalista
vem adotando no contexto do capitalismo financeirizado e seus
efeitos na saúde, em particular.

90
Assim, deve-se reconhecer a importante reflexão crítica de Paim
quando menciona o direcionamento estreito que o movimento da
Reforma Sanitária tomou, distanciando-se de um projeto societário
para aquele que privilegia o espaço de atuação no ambiente estatal.
Paim adverte que:

“[...] diversos estudos, investigações, ensaios, “position papers”,


debates e reflexões empreendidos sobre a RSB nas últimas décadas
fixaram-se na sua dimensão institucional, ou seja, no SUS,
negligenciando outros elementos fundamentais do projeto original.”
[Paim, 2008, p.293].

Assiste-se com perfeita clareza na atualidade um movimento de duas


vias que revela a problemática que indicamos. De um lado,
presencia-se um SUS cada vez mais distante de seu caráter
emancipatório – “civilizatório” e “socialista” - que o formou, de outro,
destaca-se uma retórica da Reforma Sanitária bastante afastada nos
propósitos políticos que tem conseguido formular, reforçada por
debates técnico-administrativos. Paim é enfático nesse propósito:

“Ainda assim, no final da década de oitenta, admitia-se que o


processo da Reforma Sanitária supunha o desenvolvimento
docapitalismo brasileiro e o percurso da sua superação para o
socialismo, bem como a conquista da cidadania plena e a
democratização da vida social. “O trem da história, porém, parece ter
seguido por outros trilhos”[grifo nosso]” [Paim, 2008, p. 293-294].

É interessante notar como essa breve passagem evidencia os rumos


frágeis que o Movimento da Reforma Sanitária seguiu, encerrando-se
no caminho institucional e setorial. Paim não poupa comentários
críticos a esse processo e chama atenção de todos do campo da
saúde coletiva para uma necessária reflexão crítica. Diz ele:

“[...] o confinamento da RSB à dimensão setoriale a submissão do


SUS às “manobras da política” [...], tornando-o refém do clientelismo
e do partidarismo,representam sérias limitações a exigir uma
avaliação crítica.”[Paim, 2008, p.296].

O desenvolvimento do SUS ao longo de sua existência de 30 anos foi


marcado por tensões no âmbito das políticas governamentais como
um todo, não restritas ao setor saúde. Vários aspectos vêm
enfraquecendo a capacidade de arrecadação do Estado brasileiro e
prejudicando, por exemplo, o financiamento do SUS (MENDES,
2016).

91
Sabe-se que o enfrentamento à essas medidas não podem passar por
uma luta apenas concentrada no âmbito do setor saúde. É preciso
reconhecer que o seu enfrentamento exige uma atuação mais ampla
de vários setores e de distintos seguimentos do movimento social não
restritos à saúde. Paim corrobora com essa visão e insiste no
seguinte alerta:

“[...] os resultados apresentados no presente estudo indicam que as


condições concretas em que a RSB foi implantada reduziram a sua
práxis a uma reforma parcial setorial, ilustrando algumas das
consequências da revolução passiva.” [Paim, 2008, p.300].

Paim não economiza nas suas palavras críticas e que devem servir de
reflexão dos jovens sanitaristas: “Mesmo não sendo pouco, o que se
desenvolveu no país foi uma reforma parcial de natureza setorial e
institucional traduzida pela implementação do SUS” [Paim, 2008,
p.302]. Ainda, esse autor acrescenta de forma enfática: “em linhas
gerais, esta é a tese defendida: a Reforma Sanitária Brasileira
reduziu-se a uma reforma parcial, inscrita nas suas dimensões
setorial e institucional com a implantação do Sistema Único de Saúde
(SUS). O resto é “retórica”[grifo nosso].” [Paim, 2008, p.309].

Não resta dúvida, que a contribuição crítica de Paim acerca do


sentido do caminho do movimento da Reforma Sanitária impulsiona
uma reflexão mais aprofundada dos limites de implantação da saúde
pública universal pela perspectiva do Estado e de uma restrição de
defesa da saúde ao campo setorial. Parece que o movimento deve ser
outro, isto é, apostar na inversão da lógica de trajetória desenvolvida
e fortalecer uma construção por uma via de tática radical, visando a
defesa de uma saúde popular.

Considerações Finais
O ensino da história tem como objetivo aprender com o passado para
iluminar as decisões do presente sobre o futuro. O futuro da Saúde
Coletiva e das forças sociais que defendem a saúde como direito
social depende das lições aprendidas com o reexame dos clássicos e
da história que registraram sobre esse movimento.

É possível dizer que os dois clássicos analisados convergem ao


relatarem que o movimento da Reforma Sanitária, nunca vislumbrou
uma “revolução” (não à toa se batizada como “reforma”). A tese
socialista foi abandonada gradualmente em função das condições
objetivas impostas eo Estado se tornou a aposta do movimento
restringindo-se a operação das políticas públicas no campo setorial.

92
Assim é possível dizer que sem um ponto de inflexão nessa história,
por meio minimamente de uma autocrítica ao processo histórico
construído e uma mudança tático-operacional que atue na raíz dos
problemas elencados, inevitavelmente o Estado, tomado pelo avanço
do neoconservadorismo, será primeiro a sucumbir o “direito à saúde”
a um “deve-se ter saúde”. Praticamente um mercado de
trabalhadores-empresas vendendo o risco de se viver.

Referências
Leonardo Carnuté Professor de Sociologia, Estudos Sociais e Pesquisa
Qualitativa da Faculdade de Odontologia da UFMG.
Áquilas Mendes é Professor de Economia Política da Saúde da
Faculdade de Saúde Pública da USP.

AROUCA, S. O dilema preventivista: Contribuição para a


compreensão e crítica da medicina preventiva. Rio de Janeiro, Editora
Fiocruz/Unesp.2003.

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farmacêuticas do século XIX e XX como fontes para o ensino da
história: um relato de experiência. EntreVer, Florianópolis, v. 2, n. 2,
p. 35-45, 2012.

BAUER, M.W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. BAUER,


M.W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som –
um manual prático. 8ª. Edição. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 2000, p. 189-217.

CALDAS, C.O. A teoria da derivação do Estado e do direito. São


Paulo: Outras Expressões, 2015.

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saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n.
2, p. 219-230, 2000.

CARNUT, L. Pensamento social em saúde na América Latina: a


contribuição de Floreal Antonio Ferrara à Saúde Coletiva no Brasil.
Projeto de Pós-doutorado – Universidade de São Paulo – Faculdade
de Saúde Pública. 2017.

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política marxista e Saúde Coletiva: percepção de trabalhadores em
um processo de (de)formação crítica. Anais VIII Encontro Brasileiro
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93
CARNUT, L.; NARVAI, P.C. Avaliação de desempenho de sistemas de
saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saúde e
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MENDES, Á. A saúde pública brasileira no contexto da crise do Estado


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financiamento da seguridade social e da saúde brasileira no
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compreensão e crítica [online]. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro:
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São Paulo: Cortez, 1989.

TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica de programação: o caso


da saúde. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Abrasco. 1995.

94
A INFLUÊNCIA DO FENÔMENO RELIGIOSO NOS PRIMÓRDIOS
DA EDUCAÇÃO FORMAL NA CIDADE DE SANTARÉM
Lidia Cristiany Alves Assunção
Yasmin Monique Sousa da Silva

Introdução
A presente pesquisa buscou dados históricos relativos ao surgimento
da educação formal de acordo com os moldes europeus na cidade de
Santarém através da figura da Companhia de Jesus, ordem religiosa
católica criada no período da Contrarreforma para catequização em
diversas partes do mundo.

Semelhante à todas as regiões brasileiras que tiveram influência


marcante da presença evangelística da ordem religiosa, Santarém
presenciou a doutrinação do povo indígena tupaiú, em que o
aprendizado milenar através das tradições orais e da socialização
entre seus membros através dos exemplos de afazeres domésticos foi
sendo substituído gradativamente pela modelo de educação
eurocêntrica, que buscava firmar as raízes colonizadoras da
metrópole portuguesa.

O que analisamos neste trabalho é o quanto isso fundamenta as


bases educacionais na atual cidade de Santarém, visto que a
Companhia de Jesus teve situações precárias ao firmar a missão na
região do Tapajós e o quanto isso refletiu na implantação da
educação formal quanto as bases históricas do aprendizado nesta
cidade.

Material e Métodos
A metodologia que buscou informações acerca das atividades
escolares movidas pelas ordens religiosas que iniciaram os
fundamentos da educação formal, conformes os moldes europeus, na
cidade de Santarém, foi a pesquisa bibliográfica e revisão
bibliográfica (análise de livros, artigos e resumos acerca do tema).
Houve a revisão da literatura de material acerca do tema entre o
período de 1661 a 1759 e, em linhas gerais, a compilação de
informações que denotavam o modo de vida educacional que esses
religiosos tiveram em Santarém.

Resultados e Discussão
Reforça-se que as noções de ensino e aprendizagem indígenas,eram
baseadas nos aspectos da oralidade e da observância dos costumes
dos mais velhos, nos afazeres da taba como um todo, cujas tradições
perpassavam de geração para geração, através da transmissão oral,
a narrativa dos mais velhos sobre sua ancestralidade, a imitação

95
quanto as atividades executadas pelos mais velhos, o que configura
que a aprendizagem se dava por meio da socialização entre os mais
velhos e os mais novos da tribo [NUNES, 2009].

Assim como nas outras regiões brasileiras, os indígenas que


habitavam pela região amazônica passaram por profundas
modificações em seus hábitos e em sua historicidade desde os
primeiros contatos com o homem colonizador e os primeiros
religiosos europeus que aqui desembarcaram: os jesuítas da
Companhia de Jesus.

Apesar do contato precoce do povo indígena tupaiús (ou tapajós) com


os exploradores portugueses e alguns religiosos, é somente em 1661
que vem a ser instalada a missão (redução) que deu início à cidade
de Santarém pelo padre João Felipe Bettendorf. Como reflexo disso,
“padre Bettendorf escreveu catecismos na língua nativa e cuidou de
„adaptar‟ os índios à vida e aos costumes cristãos” [COLARES,
2005:21].

No trabalho de conversão dos indígenas da região era firmado de que


os trabalhos seriam desenvolvidos a partir da catequese com os
meninos. Nessa metodologia eram inclusas a “música, teatro, dança,
persuasão e constrangimento” [DIAS, 2014:109]. A catequização não
apenas visava garantir a conversão ao sistema do catolicismo, mas
projetava garantir o completo domínio da Coroa portuguesa em
terras brasileiras:

“[...] os padres jesuítas com base nas experiências anteriores, foram


desenvolvendo os trabalhos de catequese junto aos índios do vale do
Amazonas e seus afluentes, introduzindo elementos do catolicismo
aos rituais indígenas como meio de catequizá-los” [DIAS, 2014:150].

Entretanto, a escassez de recursos com que o padre Bettendorf


levanta a missão, dificulta a implantação de uma escola propriamente
dita, e o que formado para o ensino é inicialmente voltada para o
ensino da elite, com colonos portugueses que ali se instalaram e
ainda

“De acordo com o Regimento Real de D. João III, os jesuítas estavam


incumbidos da conversão dos índios à fé católica pela catequese e
pela instrução. Nóbrega elaborou um plano educacional que previa o
aprendizado do português e da doutrina cristã, escolas de ler e
escrever, assim como o canto e a aprendizagem agrícola, seguido dos
estudos da gramática latina [...]” [COLARES, 2005:22].

96
A aldeia do povo tapajós ou tupaiú só foi experimentar um espaço
educacional propriamente dito em 1686, ano em que o padre João
Maria veio morar na aldeia e iniciou uma pequena escola, o que se
tornou a única fonte de educação formal até a elevação à categoria
de vila, em 1758.

“Com a criação do Diretório dos Índios em 1757, que retirava o poder


dos missionários de administrar as aldeias, teve início uma fase que
culminou com a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios,
em 1759. Pombal proibiu a escravidão indígena, transformou as
aldeias em vilas e criou uma legislação que estimulava o casamento
entre brancos e índios, tendo por objetivo a integração dos índios à
civilização”. [SYMANSKI, 2012:56].

Considerações Finais
Certamente, não há dúvidas da forte influência religiosa na questão
educacional em Santarém. Entretanto, apesar de ser uma das
missões mais importantes do Grão-Pará, a antiga missão dos tapajós,
atual cidade de Santarém teve um início precário dos registros da
educação formal e essa situação só veio a sentir uma modificação
após os decretos pombalinos estabelecidos na colônia determinarem
a expulsão da ordem jesuíta e a educação formal ficar a cargo de
iniciativas populares e, posteriormente, sob o gerenciamento do
governo da colônia.

Apesar disso, e determinados pelo contexto histórico colonizador


europeu, a Companhia de Jesus é de fundamental importância para a
recrudescimento da missão e fortalecimento educacional da atual
cidade de Santarém.

Referências
Lidia Cristiany Alves Assunção – É acadêmica do curso de Licenciatura
Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA).
Yasmin Monique Sousa da Silva – É acadêmica do curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do
Pará (UFOPA)
Wilverson Rodrigo Silva Melo (Orientador) - É Mestre em História
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorando em
História Contemporânea pela Universidade de Évora (UÉVORA).
Atualmente é Docente na Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA). E-mail: w.rodrigohistoriador@bol.com.br

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da


pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.

97
COLARES, Anselmo Alencar. A história da educação em Santarém:
das origens ao fim do Regime Militar (1661-1985). Santarém:
Instituto Cultural Boanerges Sena, 2005.

DIAS, João Aluizio Piranha. Educação colonial na Amazônia: a


pedagogia dos jesuítas e invenção do Sairé. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2014.

NUNES, Antonietta d‟Aguiar. Educação indígena no Brasil antes da


chegada dos europeus. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

SYMANSKI, Luís Cláudio Pereira. GOMES, Denise Maria Cavalcante.


Mundos mesclados, espaços segregados: cultura material,
mestiçagem e segmentação no sítio Aldeia em Santarém (PA). Anais
do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.20. n.2. p. 53-90. jul.- dez.
2012.

98
O MÉTODO DA ANÁLISE DE DISCURSO NA LEITURA DO
TEATRO GREGO
Luiz Henrique Bonifacio Cordeiro

O teatro configurou-se como importante ferramenta pedagógica para


os atenienses do século V a. C. A cultura e a política foram
determinantes para a produção textual das peças. Nesse sentido,
pode-se estudar as culturas políticas e os imaginários sociais
presentes no cotidiano ateniense da época. A observação dos
discursos políticos dos autores é fundamental nesse trabalho de
reconhecimento, uma vez que as questões do momento permeavam
a escrita e a recepção por parte do público. Importante também é
reconhecer o lugar antropológico do espaço do teatro, que ratificava
lugares sociais. Assim, a leitura crítica do teatro grego para um
estudo científico requer uma inter-relação com outras disciplinas,
como a antropologia, a sociologia e a linguística. Neste trabalho,
analisaremos as contribuições linguístico-culturais e metodológicas da
análise de discurso para uma apreensão mais intensa das
problemáticas lançadas pelas tragédias e comédias atenienses do
período clássico.

A tradição literária grega, como elemento constituinte de sua cultura,


esteve permeada por ideias e sentimentos presentes naquela
sociedade. Assim é que Romilly (1998, p. 10) afirma que "existe,
evidentemente, uma relação entre a evolução puramente exterior das
formas literárias e a renovação das ideias e dos sentimentos". Com
isso, essa autora consolida a concepção de que a trajetória histórica
do teatro em Atenas é parte da estrutura literária dos gregos antigos.
Soma-se a esta ideia a afirmação de Harvey J. Graff (1987, p. 15),
para quem toda literatura tem uma história e sem referência a essa
história não se pode prosperar em seu estudo e entendimento. Graff
(1987, p. 16) afirma que as bases de toda a literatura ocidental são
lançadas pelos gregos, para quem a natureza dos gêneros literários
era comunicativa, fazendo com que tivessem desde ali um caráter
universal. Nesse sentido, os gêneros literários gregos (não só a
tragédia e a comédia) sempre tiveram uma latente permuta com a
sociedade em que estavam inseridos; como afirma Romilly (1984, p.
14), "o ritmo que conduz a literatura grega é o da história, e esta
apresenta fases bastantes nítidas".Assim, as produções trágicas e
cômicas não tiveram um desenvolvimento linear, pois sofreram
alterações de acordo com fatores externos à produção.

Ao longo de todo o século passado, os estudos das obras literárias do


teatro ateniense do século V a. C. passaram por diversos estágios de
análise e gradativamente foram ampliando o foco das observações.

99
Esta trajetória dos estudos apontou caminhos teóricos e abordagens
diferentes, no decorrer do século, alterando o que se entendia por
função social do teatro. De todo modo, os estudos sobre a tragédia e
a comédia atenienses do período clássico exigem a consideração de
que essas obras são o que Aristóteles (“Poética”) chamou de
“mímesis” e que consideramos aqui como uma forma de
representação da realidade. A partir daí, utilizamos como um dos
caminhos possíveis para os estudos do teatro grego a metodologia da
análise de discurso.

Destas considerações definidoras do percurso dos dramas do teatro


grego, partimos a outras observações para, posteriormente,
seguirmos à consideração metodológica da análise de discurso. O
sociólogo francês Maurice Halbwachs (1990, p. 78), ao dimensionar a
condição social da memória, afirma que as memórias individuais têm
relação com a memória de um grupo, que deve ser concebida como
uma memória coletiva. Pioneiro em estudos sobre a memória nas
ciências sociais, esse autor apontou as contribuições da psicologia
social e defendeu a memória como um processo constituído
harmonicamente. A memória individual, para ele, não se constitui
sem o apoio na coletividade, ou seja, baseia-se em um sentimento de
grupo. Para esse autor, a memória individual sempre acompanha
alguma referência de um grupo: olhamos ao mesmo tempo com
nossos olhos e com os olhos dos outros. Assim, para Halbwachs, a
memória coletiva é prova da existência de um gérmen social nas
ações humanas. Nesse sentido, há na memória coletiva
"transformações [que] atuam muito mais diretamente sobre a vida e
o pensamento de seus membros" (HALBWACHS, 1990, p. 79, grifo
nosso).

Em desenvolvimento à concepção de Halbwachs, Michael Pollak


(1992, p. 210) caracterizou a memória como um objeto de lutas
políticas, à medida que emergem diferentes lembranças para os
mesmos acontecimentos. Para este autor, a memória então é passível
de um processo conflitivo, concepção oposta à de Halbwachs, para
quem o que há é um processo harmônico. No entanto, Pollak não
deixa de reconhecer a dimensão coletiva da memória, apontada
inicialmente por Halbwachs. No teatro grego, na memória coletiva e
no imaginário dos atenienses como um todo não é possível observar
um conjunto harmônico, de acordo com a concepção halbwachiana,
mas é possível delimitar que os discursos presentes no teatro são
reflexo de memórias coletivas.

Outro caráter fundamental do teatro que possui uma íntima relação


com a memória é a sua monumentalidade, fazendo com que ele
tenha servido como um lugar de memória; isto é, o teatro como um

100
todo, assim como as peças (tragédias e comédias) podem hoje serem
vistos como monumentos devido a fatores apresentados a seguir.
Como afirma Mota (2011, p. 52), "o teatro ateniense é ao mesmo
tempo um contínuo processo de sua atualização, experimentação e
monumentalização".

Assim, consideramos o teatro como um lugar de memória e,


consequentemente, um mecanismo de lembrança de tradições
culturais entre os atenienses no século V a. C. As tradições culturais
não permanecem rígidas ao longo do tempo, mas são permeadas e
metamorfoseadas a partir de novas interações sociais, políticas e
também culturais. Concebemos o lugar de memória como fomentador
de símbolos culturais que em sua forma original já não mais são
concebidos na prática. Dessa forma, o teatro colaborava para
perpetuar as lembranças dos valores tradicionais na pólis, ao
apresentar através do discurso ritos e símbolos.

Uma das ações funcionais do teatro em Atenas é ser uma projeção da


memória, o que Pollak (1992, p. 202) define como mecanismo que
suscita lembranças sobre valores, acontecimentos, lugares e
personagens; no caso dos gregos, o teatro suscitava eventos míticos
do universo dos helenos, além de tradições socioculturais específicas
da pólis. Como espaço de lembranças, o monumento projeta
acontecimentos e personagens com uma função pedagógica ou
denunciativa: nesse espaço da pólis, as lembranças visam não só às
festividades, mas à educação do cidadão presente no teatro de
Atenas. Como um espaço que reúne um elevado número de cidadãos,
o teatro é um importante mecanismo de poder que se alia ao discurso
de seus autores trágicos e cômicos.

A análise de discurso no teatro


Levamos em conta primeiramente que o "discurso" é uma prática de
linguagem que ratifica a relação necessária entre o homem e a
realidade social e natural; no entanto, não se pode considerá-lo como
uma transposição transparente dessa relação devido aos sentidos
promovidos pela ideologia, como afirma Eni Orlandi (2012). Assim,
essa autora concebe que o sujeito discursivo age a partir do
inconsciente, uma vez que este relaciona-se diretamente com a
ideologia. Todo discurso, para ser inteligível, necessita do que Orlandi
(2012, p. 43) define como interdiscurso, a memória do sujeito do
discurso, que está ligada às influências de ideologias nas
representações da cultura.A "formação discursiva", no viés trilhado
por essa autora, diz respeito ao processo de produção de sentidos e
tem relação com a direção política e ideológica do sujeito; isto é, as
palavras têm um sentido determinado pela escolha que se faz delas,

101
baseada no que fez elas serem escolhidas: é a determinação do que
pode e do que deve ser dito.

As formações imaginárias do discurso das tragédias e das comédias


demonstram que essas obras não são fechadas em si, mas estão
inseridas em um conjunto de relações bastante amplo. Para Eni
Orlandi (2012), os elementos constituintes das formações imaginárias
de um discurso exprimem relações de força dele para com outros – o
lugar de fala do discurso, que no caso específico refere-se ao Teatro
de Dioniso –, além da relação de sentidos – que é a interdependência
– e a antecipação – que é a influência dele sobre outros discursos.

Com estas proposições iniciais acerca do que compõe um discurso,


instrumentalizamos a execução da análise de discurso estruturada na
concepção defendida por Orlandi. Esta análise divide-se, em linhas
gerais, em quatro etapas:

I - O processo de identificação do discurso


É a parte inicial da análise de discurso e compõe o levantamento
inicial do que se trata no material a ser estudado: quem o produziu
(sujeito locutor), seu público (sujeito interlocutor), época, contexto
linguístico (natureza da linguagem), o objeto do discurso (juízos de
valor), o material simbólico (o processo de circulação da obra) e a
textualidade (enredo de que se trata o texto).
II - As condições de produção do discurso
Esta parte da análise refere-se à situação na qual ocorre a produção
do discurso e compõe: o elemento desencadeador (as implicações
político-culturais, ideológicas e/ou de outros vieses que
impulsionaram a produção do discurso), a relação de sentido
(contexto sociopolítico e afins), mecanismo de antecipação (signos de
linguagem, significados simbólicos de expressões e termos chave no
discurso), relação de força (lugar de fala do sujeito locutor) e
formação imaginária (base política, social e cultural).
III - O processo discursivo
Análise das componentes linguísticas formadas por implicações
históricas. Este processo é formado pela análise das seguintes partes:
interdiscurso (os recursos de mediação do discurso, isto é, outros
discursos de mesma temática no seu espaço-tempo), intradiscurso
(os subentendidos do discurso estudado), memória discursiva
(ideologias presentes no discurso, isto é, seus juízos de valor),
intertexto (a politização do texto do referido discurso), paráfrase
(argumentações utilizadas para ratificar os juízos de valor e o
intertexto), polissemia (contradições presentes no discurso) e
materialidade da polissemia (confronto do discurso com outros do
mesmo espaço-tempo).
IV - As ilusões referenciais do discurso

102
Esta parte é uma interpretação crítica e baseada nas outras partes da
análise de discurso. Refere-se aos ditos e aos não ditos do discurso;
do confronto dessas informações é possível observar a objetividade
do discurso com base na análise de discurso.

Com estas conceituações, apresentamos uma metodologia possível e


acessível ao trabalho com o teatro grego, tanto para o ensino quanto
para a pesquisa em História Antiga. É importante ressaltar que a
metodologia alia-se à historiografia sobre os temas de que se trata no
trabalho e que o próprio trabalho da análise de discurso para o ensino
da História Antiga é uma maneira de pesquisar, pois os conceitos da
análise de discurso que apresentamos leva o professor/pesquisador a
confrontar as informações que ele tem disponíveis acerca do tema e
dos objetos que analisa.

Referências
Luiz Henrique Bonifacio Cordeiro é docente EAD na UPE, mestre em
História Política pela UERJ e membro do Leitorado Antiguo (Grupo de
ensino, pesquisa e extensão em História Antiga).

ARISTÓTELES. Poética.Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,


n/d.

GRAFF, H. J. The Legacies of literacy: continuities and contradictions


in western cultures and society. Bloomington: Indiana University
Press, 1987.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Edições Vértice,


1990.

MOTA, M. Teatro Grego: novas perspectivas. In: ROCHA, S. (Org.).


Cinco Ensaios sobre a Antiguidade. São Paulo: Annablume, 45-66,
2011.

ORLANDI, E. Análise de discurso: princípios e procedimentos.


Campinas: Pontes Editores, 2012.

POLLAK, M. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos. N°


10. Vol. 5. Rio de Janeiro, 1992, p. 200-212.

ROMILLY, J. Fundamentos de Literatura Grega. Rio de Janeiro: Zahar


Editores, 1984.

ROMILLY, J. A tragédia grega. Brasília: Editora UnB, 1998.

103
A EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNDO GREGO ANTIGO
Luiz Henrique Silva Moreira

Após o fenômeno do Marxismo, se tornou praticamente impossível


não levar em conta conceitos como Classe e Luta de Classes ao se
desenvolver trabalhos em áreas referentes às Ciências Humanas.
Com a História o evento não foi diferente, ao passo que Marx em
certa instância provoca uma revolução historiográfica e acaba por
anunciar uma era de Filósofos da História e Historiadores Marxistas
que acabariam por revolucionar as ciências humanas como um todo.
Quando se relaciona os conceitos referentes às classes com conceitos
referentes a educação na Antiguidade, para além muitas outras
reflexões, nos deparamos com um fator curioso, partindo do
pressuposto de que a educação e ensinamentos eram voltados para
uma pequena parcela abastada da população, como durante todaera
gloriosa Atenas educou aqueles que pertenciam às classes ditas como
inferiores? O presente trabalho se propõe a responder esta
indagação, a partir de questões relativas a Filosofia Grega e ao Teatro
Grego. Entretanto, para conseguir responder a tal questionamento de
forma satisfatória, se torna necessário em um primeiro momento
definirmos o conceito de educação e explicitar alguns pontos no que
concerne ao transporte do conceito de classe de Marx às sociedades
antigas, visando evitar anacronismos e outras contradições.

A delineação do conceito de classe no mundo grego


Para dar conta da definição e aplicação do conceito de classes nas
sociedades do mundo grego, escolhemos o historiador marxista
britânico Geoffrey Ernest Maurice de Sainte Croix, que integra a
geração de historiadores marxistas e teóricos da história do século
XX, mas que talvez pela especificidade de sua pesquisa, acaba por
não ser tão utilizado no Brasil. Ao se referir à G.E.M. de Ste. Croix e a
outros marxistas de sua geração, o também marxista Perry Anderson
afirmou que “a exposição direta e a discussão sustentada de
conceitos marxistas num alto nível de rigor analítico no livro de Ste.
Croix não encontra paralelo na história de seus pares” (Apud Silva,
2009 p.1). Geoffrey de Ste. Croix, apesar de ter iniciado sua vida
acadêmica aos 40 anos, teve vários trabalhos importantes para o
estudo da História e Historiografia Antiga, como seu primeiro livro
'The Origins Of The Peloponnesian War' (1972), entretanto, no que
concerne ao tema do marxismo e a antiguidade clássica seu grande
trabalho foi o ganhador do "Deutscher Memorial Prize" em 1982,
escrito em 1981, que se trata do 'The Class Struggle In The Ancient
Greek World'. Essa obra, a qual faremos menção para delinear as
Classes no Mundo Grego Antigo, traz uma visão de como a
exploração do trabalho livre e o não-livre podem caracterizar uma

104
luta de classes propriamente dita e que, ao contrário do que afirmam
outros marxistas, não se necessita necessariamente de uma
consciência de classe, por parte dos mesmos, para ocorrer uma
disputa de classes. Deve-se ressaltar que o autor não excluí a
consciência de classe em si, mas apenas à aborda a partir, ou da
questão do status, ou da questão da virtude, como exemplo o autor
demonstra que mesmo entre os gregos que moravam na Pólis, sendo
essa um local mais urbanizado, e os gregos que moravam nas áreas
mais rurais as Chora, havia uma moral superior de um tipo simples
que organizava as classes mesmo em graus maiores ou menores da
mesma cultura (CROIX, 1981 p. 9).

"Eu não vou alegar que classe é uma entidade existente


objetivamente em seu próprio direito, como uma "Forma" Platônica, a
natureza a qual meramente temos que descobrir. A palavra vem
sendo utilizada por historiadores e sociólogos em tudo com diferentes
sentidos, mas eu acredito que a forma a qual Marx escolheu para
utilizar é a mais produtiva, para sua própria sociedade e para todas
antecedentes acima do nível primitivo, incluindo a sociedade Grega e
a Romana." (Tradução livre) (CROIX, 1981 p.32)

E Ste. Croix complementa que para ele:

"Classe em um conceito geral (distinguindo de um conceito particular


de classe) é essencialmente uma relação, e classe no senso de Marx
deve ser compreendido em uma conexão estreita com o seu conceito
fundamental de "As relações de produção": as relações sociais em
que homens entram no processo de produção, nas quais encontram
expressões legítimas para o amplo grau entre as relações de
propriedade ou relações de trabalho." (Tradução livre) (CROIX, 1981
p. 32)

A obra de Ste. Croix também alerta para outras categorias de classe


tidas como intermediárias, como os "pequenos trabalhadores livres" e
que também há variações dentro da própria 'classe', e que pela
dificuldade de definição acabou por ser tratada como uma 'sociedade
única' pelos historiadores e raramente problematizada.

O Teatro como instituição educadora das massas


Tendo em vista então que o mundo grego se organizava também em
um sistema de classes, mas que não era restrito ao espaço físico seja
em relação à Pólisou a Chora, pois como nos mostra Tucídides "Os
homens é que são as cidades, não os muros e nem os barcos sem
homens" (Apud FINLEY, 1988). Somos levados então à outra
indagação, à qual para responder nos remeteremos ao objetivo
principal do presente texto que é pensar a educação, o que une os

105
gregos? Ou melhor o que uniu o mundo grego, não pensando
somente nos gregos em si, mas também nos estrangeiros, as
mulheres, crianças e os escravos? Esses que por vezes se
encontravam em classes sociais quase que equivalentes.

Para responder a esse problema nos remeteremos ao primeiro


sentido do termo Lógos, que é derivado do verbo Légein, ou seja, a
linguagem (GOBRY, 1927). Era a linguagem que unia o mundo grego
e que dava luz ao conceito do ser civilizado.

Entretanto, como foi colocado anteriormente a questão central do


trabalho é responder como uma instrução com base no Lógos
abarcava as camadas, ou as demais classes que previamente nos
preocupamos em definir? Como se tornou possível tão acesso à
educação, novamente atentando que não no sentido formal o qual
conhecemos hoje, mas sim falando em 'conhecimento filosófico',
sendo que é de conhecimento notório que os debates acerca da
filosofia estavam restringidos aqueles com condições sociais para
mantê-los, ou seja, os nobres. Além dos vários artificies de
introdução de estrangeiros, trabalhadores não-livres e pequenos
trabalhadores livres, pretendemos debater a questão do Teatro como
instituição educadora da população, já que ao menos na Grécia
Clássica não se pensava diretamente na 'educação' aqui no sentido
de instrução da população como um todo, fato esse que só passa a se
alterar a partir da Época Helenística de acordo com Henri Marrou
(1973).

"Foi em Atenas, a cidade-estado democrática por excelência, que


produziu e, em sentido estrito, patrocinou a tragédia, uma forma de
arte que, em breve, após Homero, ocupou lugar de honra, acima de
toda a poesia, não apenas entre os Atenienses, mas entre todos os
Gregos em geral." (FINLEY, 1988 p. 86)

Apenas a partir desse pequeno trecho do Professor Finley já se torna


possível ampliar o debate acerca do teatro grego para o campo da
educação popular. Atenas se tornou democrática por excelência
devido ao fato da virada racional que ocorreu na mesma entre os
séculos VI e V a. C., virada racional essa que resulta de uma filosofia
humanista que surge com os Sofistas e com Sócrates. De acordo com
Gazolla (2001, p.17) se tem a encenação do primeiro drama trágico,
durante a tirania de Psístrato, como uma tentativa de popularizar seu
governo, de acordo com Albin Lesky (1989), Jacqueline de Romilly
(2011) e Pierre Grimal (2002), ocorreu em 534 a. C. a encenação do
primeiro drama trágico. Sendo assim, alargando um pouco mais o
debate, se torna possível compreender que o teatro e todo em

106
festival em volta do mesmo serviu como um mecanismo ideológico e
de instrução das outras camadas da sociedade.

É necessário antes de tudo levar em conta o que "ir ao teatro"


representava para os gregos e como tal atividade se denotava na
Atenas Clássica. As encenações ocorriam em festas anuais, em que o
Estado se encarregava de prever e organizar a apresentação, sendo
um dos altos magistrados da cidade quem devia escolher os poetas e
escolher, igualmente, os cidadãos da elite que se encarregariam dos
custos para o festival e para a encenação das peças. Durante o século
de Péricles, os mais pobres detinham o direito de cobrar uma
pequena ajuda econômica para que pudessem participar das
celebrações (ROMILLY, 2011, p.16-17). Tal constatação nos mostra
que não se tratava de um evento dedicado inteiramente aos ricos,
mas pelo contrário, era um evento para a Pólis, para demonstrar que
o povo também era parte da mesma, mas acima de tudo ensinar ao
povo o que significava ser parte da Pólis.

"O número de participantes activos nunca era inferior a 1000,


homens e rapazes, que dedicavam imenso tempo a ensaios prévios, e
o teatro, quando cheio, abrangia cerca de 14000 espectadores,
sentados em filas ascendentes, ao ar livre, olhando para o espaço de
dança (denominado orquestra, apenas um recinto circular livre e para
o palco que lhe ficava atrás, com um simples pano de fundo e
cenários rudimentares. Este esforço repetia-se todos os anos, mesmo
durante a Guerra do Peloponeso, e sempre com peças novas."
(FINLEY, 1988, p. 87-88)

Tendo em vista esses dados se torna possível falar em uma educação


filosófica para as massas, fato que se torna mais claro quando
paramos para pensar quem eram aqueles que escreviam tais peças.
Se tratavam de homens que tinham acesso aos debates filosóficos,
seja nos banquetes ou naÁgora, eram aqueles que competiam por
suas tragédias. Como Ésquilo, combatente de Maratona e Salamina,
que já tem sua primeira vitória em 484 com sua peça 'Persas', o fato
que se o mesmo era soldado também participava da vida política, e
por sua vez teve acesso à educação e o conhecimento filosófico da
época. Ou como o culto Sófocles, que devido à falta de vocação
política se dedica a tragédia. Esses dois grandes autores trágicos
servem de exemplo de como no começo os escritores trágicos eram
de uma camada da sociedade que teve acesso à um estudo formal,
filosófico, e refletiam tal fato em suas peças.

E o último, mas não menos importante, grande precursor da tragédia


que por ser de origem modesta foi por vezes ridicularizado e que
apresenta isso em sua arte, se trata de Eurípides que é um grande

107
exemplo de como até mesmo os mais modestos aprendiam com o
teatro a ponto de competir e ganhar, por mais que a carreira do
mesmo fosse muito contestada.

"Desse modo a tragédia teve a função de reorganizar


comportamentos, tendo em vista a Pólis, sendo assim, através da
tragédia o Ethos aristocrático que detinha pressupostos individualista
é reformulado, em prol das necessidades da cidade-estado que
exigiam compromisso e cooperação para que a democracia pudesse
se efetivar. Através do palco da tragédia sai de cena o Ethos da
literatura oral e cria-se o Ethos da literatura escrita, ou, o Ethos da
Pólis." (MOREIRA, 2017, p. 23)

Mas talvez o grande ponto que nos permita relacionar o teatro antigo
como uma instituição educadora das massas, é o fato de que a partir
de tal, a revolução humanista, que se inicia com os filósofos, abarca
toda a sociedade ao passo que distancia as explicações míticas dos
problemas sociais, e insere tais questões como relativas às
instituições citadinas, em certa medida é possível afirmar que nasce o
animal político de Aristóteles, ou Homem da Pólis.

Se deixa claro que se trata apenas do começo do tratamento de


meios culturais como instrumentos de educação e instrução das
massas, se deixa claro que aqui não se faz juízo de valor observando
que a maneira como tal instrumentação da cultura pode conter
objetivos de quem o faz, fato o qual Platão já atentou na antiguidade
ao negar os poetas em sua República ideal.

Mas não se pode negar que tanto no Mundo Grego, no Mundo


Romano e durante a era do Iluminismo o teatro foi um meio pelo qual
a moral social se moldou:

"(...) as tragédias de Séneca, por exemplo, e as de Eurípides


suscitaram, mesmo durante os séculos cristãos, reavaliações e até
crises de consciência que, sem elas, teriam sem dúvida tomado outro
curso. Em todos os tempos, o teatro foi um meio poderoso de acção;
serve de veículo a ideias e «mentalidades» que o palco propaga,
difunde e impõe com uma eficácia e um alcance maiores que os do
livro." (GRIMAL, 1978, p. 9)

Percebe-se então que tanto no Mundo Grego como no Mundo


Romano, estar civilizado esteve sempre relacionado ao idioma que se
falava, e por mais que houvesse vertentes populares da língua grega
e do latim, era no teatro que as pessoas eram apresentadas a
conceitos centrais do idioma e da sociedade em si, preceitos esses
que quando seguidos davam ao homem do mundo antigo a alcunha

108
de civilizado. Se admite que ao falar em teatro se fala apenas de uma
das instituições responsáveis por moldar o homem do mundo antigo,
mas que se vê como essencial quando se percebe que as outras
instituições de formação como exército ou a religião eram
demasiadamente descentralizadas, no sentido da ideologia pregada,
para lapidar o homem civilizado. Fato esse que muda a partir da
ascensão da religião cristã, no entanto, por mais que o cristianismo
centralize em si as outras esferas de poder e acabe por mudar o
conceito de ser civilizado por ser cristão, a religião não muda o teatro
que segue ensinando o povo e levando consigo preceitos filosóficos
que até os dias de hoje levam o homem a se questionar sobre o
mundo a sua volta.

Conclusão
O objetivo desse texto, como um todo, pra além de ajudar a alargar a
percepção do que se entende por Educação e Ensino, é mostrar que
mesmo sem o que temos por "consciência de classe", as sociedades
que antecederam a era industrial também se organizavam em graus,
o quais com a ajuda de Ste. Croix podemos perfeitamente chamar de
classe. E talvez a partir de uma visão mais Thompsoniana, buscou-se
mostrar como conceitos culturais sempre acompanham as questões
de classe.

Sendo assim se têm o intuito de sair do previsível, e pensar em


educação apenas em meios destinados ao cultivo do conhecimento,
pensar também em como se origina, cultiva e se modifica algo que
tomamos a liberdade de chamar de "conhecimento popular",
pensando assim como as massas se educam. Talvez a partir de então
buscando um exercício da consciência histórica de Jörn Rusen,
possamos refletir acerca da cultura de massa da sociedade em que
estamos inseridos, e que como aqueles de classes mais baixas, nessa
sociedade na qual ao contrário da grega já temos o debate acerca da
consciência de classe, acabam se educando e se é que se educam
realmente.

Referências
Luiz Moreira é graduando de História pela Universidade Estadual do
Paraná - Campus União da Vitória.

CROIX, G. E. M. Ste. The Class Struggle in the Ancient Greek World:


from the Archaic Age to the Arab Conquest. Ithaca, NY: Cornell
University Press

FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 2002.

109
GAZOLLA, Rachel. Para não ler ingenuamente uma tragédia grega:
Ensaios sobre aspectos do trágico. São Paulo, SP: Edições Loyola,
2001.

GRIMAL, Pierre. O TEATRO ANTIGO / Pierre Grimal; tradução de


Antônio M. Gomes da Silva. - Lisboa: EDIÇÕES 70, 2002.

GOBRY, Ivan. Vocabulário grego da filosofia / Ivan Gobry; tradução


Ivone C. Benedetti; revisão técnica Jacira de Freitas; caracteres
gregos e transliteração do grego Zelia de Almeida Cardoso. – São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

LESKY, Albin. A Tragédia Grega / Albin Lesky; tradução de J.


Guinsburg, Geral Gerson de Souza e Alberto Guzik. - São Paulo:
EDITORA PERSPECTIVA S. A., 1996.

MOREIRA, Luiz. Ἐνἀρχῇἦν ὁ λόγος: OS GREGOS ANTIGOS E A ARTE


DA PALAVRA. 2017. 49 f. Monografia (Graduação em História) -
Universidade Estadual do Paraná, União da Vitória, 2018.

ROMILLY, Jacqueline de. Compêndio de literatura grega / Jacqueline


de Romilly; tradução Leonor Santa Bárbara. Lisboa. Edições 70,
2011.
______. La tragedia griega / Jacqueline de Romilly; tradução de Jordi
Terré. - Madri: EDITORIAL GREDOS, S.A., 2011.

110
“INDIVIDUALIDADES HISTÓRICAS”: ESMERALDA DE AZEVEDO
E A ESCRITA DE LIVROS ESCOLARES DE HISTÓRIA
Magno Francisco de Jesus Santos

No final de 1915, a professora Esmeralda Masson de Azevedo,


formada pela Escola Normal Livre do Rio de Janeiro, apresentava a
segunda edição de seu livro escolar “Licções de História do Brazil”.
Tratava-se de uma obra de história voltada para o ensino primário e
que havia se tornado exitosa, no mercado editorial brasileiro do
alvorecer do século XX, com a venda de dois mil exemplares. As suas
lições sobre o passado nacional tinham se tornado um guia para os
professores que atuavam no ensino primário e um importante
instrumento para o fortalecimento dos valores cívicos, enaltecendo o
passado “da amada pátria”. Tais elementos podem ser elucidados
como um relevante indício acerca da concepção da história ensinada
e da didática da história (Rüsen, 2010) no alvorecer do século XX.
São frestas que possibilitam a problematização sobre o papel do
conhecimento histórico na formação de um sentimento patriótico
nacional.

Neste ensejo, o ensino primário se tornou uma questão central no


processo de reinvenção da nação brasileira. Combater as elevadas
cifras do analfabetismo, formar uma nova mentalidade urbana
respaldada nas políticas higienistas e fomentar o civismo eram
algumas das atribuições pensadas para o processo de escolarização
da infância brasileira. As escolas primárias passavam a ser
consideradas, por parte da intelectualidade nacional, como o espaço
privilegiado da disseminação das demandas de vanguarda:
nacionalismo, civilização e democracia (Santos, 2013).

Essa preocupação com a constituição de uma pedagogia moral está


presente em diferentes livros escolares publicados ao longo da
Primeira República. Se a escola era tida como espaço de formação de
novos cidadãos, os manuais escolares passavam a exercer a função
correspondente ao de guias na orientação dos sentimentos da
juventude. Assim, a civilização brasileira deveria emergir dos bancos
escolares, com a valorização da ordem e dos valores cívicos. Essa
atribuição era atinente a todas as disciplinas escolares. Todavia, a
história passava a exercer um protagonismo na disseminação dos
valores patrióticos e isso exigia um recondicionamento do papel da
história pátria.

Essas inquietações no âmbito pedagógico e moral estavam


articuladas com outra questão relevante: a consolidação do novo
regime. Era necessário construir o sentido da ruptura política, ou

111
seja, tornar visível a mudança de regime como uma reestruturação
do país. Nesse processo de reconstrução da identidade nacional, o
ensino da história tornava-se um instrumento oficial de invenção de
um passado nacional republicano. Como elucidam Marcelo Magalhães
e Rebeca Gontijo, nos livros escolares era possível perceber “o
sentido da história demarcando a inevitabilidade do novo regime”
(Magalhães, Gontijo, 2013, p. 83).

Desse modo, ao considerar o fato de “os conteúdos de ensino são


sempre saberes didatizados ou discursos recontextualizados” (Lopes,
Macedo, 2011, p. 108), torna-se salutar problematizar a escrita da
história de livros escolares de história por Esmeralda Masson de
Azevedo, vislumbrando questões como a explicitação das questões
pedagógicas atinentes ao ensino da disciplina e o diálogo com
diferentes âmbitos historiográficos, impressos ou imagéticos. Neste
sentido, esse artigo busca compreender as concepções pedagógicas e
na escrita da história para crianças. Essa discussão tem como fonte
privilegiada o livro escolar “Licções de História do Brazil” publicado
em 1913. Além disso, o documento será cotejado por outras fontes
como notícias publicadas na imprensa carioca e textos pedagógicos
dos primeiros decênios do século XX.

A professora, que no alvorecer do século XX, se tornaria uma


afamada autora de livros escolares, realizou a sua formação na
Escola Normal Livre do Rio de Janeiro no primeiro decênio
republicano. Nesse período, a referida escola passava por um
importante processo de reestruturação, adequando-se às demandas
pedagógicas e ao contexto da política republicana. De acordo com
Sônia Lopes e Sílvia Martinez, no emergir do novo regime, o diretor
da instituição solicitava a “autorização para que diversos professores
públicos de instrução primária assistissem aos trabalhos da escola
normal com o objetivo de aperfeiçoarem-se na prática de ensino e no
método intuitivo, largamente difundido nessa escola” (Lopes,
Martinez, 2008, p. 65).

Diante disso, Esmeralda de Azevedo teve a sua formação em uma


instituição tida como o centro irradiador do método intuitivo e da
modernização da educação brasileira. A Escola Normal Livre do
Distrito Federal era uma instituição escolar que possuía ampla
visibilidade no cenário da capital federal, com a exposição dos
resultados de suas avaliações e de suas festas cívicas. O cotidiano
escolar era apresentado como vitrine dos tempos de modernidade e
de inovação pedagógica. Um indício dessa exposição é a convocação
da então normalista “Esmeralda Masson para a realização de sua
avaliação de Mecânica no sábado, 4 de janeiro de 1896” (Diário
Oficial da União, 3 de janeiro de 1896).

112
A formação de professores primários passava a ser entendida pelas
autoridades vinculadas à educação como um problema nacional. Após
a conclusão do curso normal, Esmeralda de Azevedo passou a exercer
a profissão na qual atuou por mais de trinta anos, como “professora
pública da escola primária”. Em 1910, o Almanack Laemmert a
apresentou nesta condição, lecionando na “Rua Almirante Delamare,
310 e na Praça da República, 110”, além de relacioná-la entre os
integrantes do “conselho superior de instrucção pública, na Praça da
Acclamação, 140” (Almanack Laemmert, 1910, p. 988).

Possivelmente, em alguns momentos da trajetória profissional, a


referida professora conciliou sua prática docente com atividades de
administração educacional na Diretoria da Instrução Pública do
Distrito Federal. A atuação de Azevedo no âmbito do Conselho
Superior de Instrução do Rio de Janeiro é um indício relevante para a
compreensão da projeção da docente como uma personalidade no
âmbito educacional. Esse reconhecimento como intelectual da
educação coincide com o período no qual ela tinha iniciado a
publicação de seus primeiros livros escolares. Cinco anos depois, ela
havia deixado o cargo de conselheira, passando a atuar apenas na
docência da escola primária da Rua Alice, 29 (Almanack Laemmert,
1915, p. 721).

Esses elementos acerca da trajetória de formação e de atuação


profissional são relevantes para a compreensão de algumas questões
atinentes à concepção da autora sobre o ensino das diferentes
disciplinas escolares. O respaldo de sua escrita era a aplicabilidade do
método intuitivo nas diferentes disciplinas que integravam a estrutura
curricular das escolas primárias do Distrito Federal. Além disso, a sua
escrita de livros didáticos tinha como parâmetro as inquietações
vivenciadas em sala de aula, ou seja, a experiência docente tornou-
se um instrumento para a elaboração de estratégias atinentes ao
ensino primário. Essa perspectiva pode ser vislumbrada em
assertivas como a da apresentação do livro de história:

Na sessão “Duas palavras”, Esmeralda de Azevedo dialoga


diretamente com os professores do ensino primário, por meio da
exposição de dilemas sobre o ensino de história, o atendimento aos
programas, a operacionalização do método intuitivo e o cotidiano
escolar permeado pela elevada evasão. De acordo com as
prerrogativas do método intuito, o ensino deveria partir do simples
para o complexo, do concreto para o abstrato, do particular para o
coletivo, da realidade para a abstração e do empírico para o teórico.

Essa premissa basilar implicava em discussões acerca do momento


oportuno para iniciar o ensino da disciplina história, tida como uma

113
área mais complexa e abstrata. Afinal, quando as crianças estariam
preparadas para ter aulas sobre o passado? Esmeralda Masson de
Azevedo não velou suas preferências metodológicas e afirmou que a
disciplina deveria ser ensinada, com toda a sua complexidade, a
partir do curso médio do ensino primário (ou seja, a partir da terceira
série). Todavia, Azevedo não era uma intelectual que buscava
resguardar integralmente a aplicabilidade metodológica desprovida do
cotejo com a realidade vivenciada no cotidiano escolar. Pelo
contrário, as questões atreladas à experiência docente também
demandavam a busca de soluções para problemas enfrentados na
docência, entre os quais a evasão escolar ao longo do curso primário
elementar. Neste sentido, a aplicação do método, dentro dos cânones
pensados para o ensino primário, poderia resultar em um dano
maior: o aluno abandonar a vida escolar sem ter visto nenhum
conteúdo acerca da história pátria.

Para solucionar esse impasse, o livro “Licções de História do Brazil”


apresentava como parte introdutória “as mais rudimentares noções
sobre a história de nossa terra”. Sem a complexidade conceitual
exigida para o ensino obrigatório da história, o livro estimulava as
professoras do ensino primário a discutirem os episódios tidos como
imprescindíveis para a vida de um cidadão. Com isso, o livro com
141 páginas, foi dividido em três seções: uma inicial destinada ao
ensino primário elementar, uma parte final destinada aos cursos
médio e complementar do ensino primário. A terceira seção servia
para integrar as duas anteriores com uma breve apresentação das
chamadas “Individualidades históricas”.

Essa estrutura do livro, bem como a concepção da autora acerca do


papel atribuído a parte inicial da obra, possibilitam a compreensão de
questões relevantes atinentes ao ensino de história ao longo dos
primeiros decênios do século XX. Por meio dos conteúdos
apresentados no livro é possível entender o papel da disciplina na
construção de uma memória republicana e de seus heróis, a partir da
elucidação do papel do indivíduo; bem como a discussão sobre quais
seriam os conhecimentos históricos imprescindíveis para um cidadão
brasileiro. Desse modo, o livro de história escrito por Esmeralda de
Azevedo revela frestas relevantes para o entendimento do processo
de construção de uma cultura política republicana no âmbito
educacional. Ao discutir os usos do presente na escrita da história
escolar no primeiro decênio republicano, Marcelo Magalhães e Rebeca
Gontijo, expressam as incongruências atinentes ao que “parecia
impor-se diante das incertezas quanto ao futuro e da dúvida quanto
ao papel do passado. A transformação da experiência modificando a
relação entre passado, presente e futuro e, por conseguinte,

114
interferindo na escrita e no ensino da história” (Magalhães, Gontijo,
2013, p. 82).

A questão inicial da disciplina não era um episódio da chamada


história pátria, mas sim a concepção do que seria o brasileiro. Essa
concepção foi apresentada a partir da aproximação do alunado, por
meio de verbos na primeira pessoa do plural e de uma situação do
tempo presente. Da vivência no presente a autora elucidava o
elemento perceptível que aproximava o brasileiro do português (a
língua), bem como o que promovia o distanciamento (espaços
distantes). Neste sentido, apesar de existir vínculos perceptíveis que
uniam brasileiros e portugueses, estes deveriam ser tratados como
“outra gente”. Azevedo partia da vivência do aluno para o episódio
tido como o mito fundador do passado nacional: o descobrimento.

O mito de origem de 1500 seria a resposta para a inquietação do


tempo presente. O Brasil seria o resultado da atuação dos lusitanos
no novo mundo e do encontro entre a “civilização” e a “selvageria”. É
interessante como a autora constrói uma narrativa na qual promove
um completo distanciamento entre os alunos e os indígenas. Os
índios são tratados como um passado superado do Brasil, “selvagens
que viviam no Brazil”, moravam em árvores ou habitações toscas, ou
seja, mais próximos da natureza do que da civilização. Além disso, se
o outro português, vivente na outra margem do Atlântico falava a
mesma língua do brasileiro, o outro “selvagem” falava “uma língua
que nós não comprehendemos”. Apesar de terem experiências
históricas no mesmo espaço, não havia possibilidade de existir elos
identitários entre alunos e “selvagens”.

Espaço e tempo são questões relevantes no processo de construção


de uma imagem do que seria o brasileiro. Na escrita da história de
Esmeralda de Azevedo, ao olhar para o espelho, o aluno vislumbraria
dois espectros do passado nacional: um para ser lembrado, o
português “civilizado” que continuava a existir em um espaço
distante. O outro para ser esquecido, ou ser lembrada como uma
experiência superada, o “selvagem” com sua língua incompreensível,
prisioneiro do passado. Ao interpretar o passado nacional a partir de
uma perspectiva pautada na atuação lusitana como uma experiência
civilizadora, Esmeralda de Azevedo utiliza a língua como o elemento
de aproximação e distanciamento entre os sujeitos do passado e os
alunos do tempo presente. A obra era uma continuidade ou uma
reafirmação da proposta apresentada por Ruy Barbosa em 1882
(Barbosa, 1945), com a defesa do método intuitivo e a valorização da
língua. A experiência colonizadora era enlevada pela construção do
espaço e difusão da língua.

115
Na elucidação do processo de colonização, os portugueses foram
apresentados de forma diferenciada em relação a ingleses, franceses
e espanhóis. A língua, tida como disseminada na colônia, era
entendida como a evidência sobre quem seria o descobridor. Neste
sentido, a ideia de propagação da civilização lusitana estava atrelada
ao processo de difusão da língua portuguesa no território brasileiro.
Além disso, o conhecimento da língua indígena era entendido como
um instrumento de negociação, por meio da mediação dos jesuítas.

Além de ser um recurso de percepção dos laços de continuidade entre


Brasil e Portugal, a língua era apresentada por Esmeralda de Azevedo
como um instrumento de controle, uma eficiente arma de colonização
que superava o poderio das armas de fogo. Neste sentido, os jesuítas
foram apresentados como heróis da edificação de uma civilização no
Brasil, por serem conhecedores da língua portuguesa e do “tupy e
guarany”. O Brasil seria o espaço da atuação portuguesa na
construção de uma nação marcada pela tradição e pelo catolicismo.
Os episódios da história do Brasil eram narrados de um modo no qual
se tornasse explícito a proeminência do legado católico. Assim, o país
teria como marco inicial o dia da Santa Cruz, pois “foi numa terça-
feira, 22 de Abril de 1500, que os portuguezes descobriram o Brazil.
Hoje se festeja a descoberta no dia 3 de Maio, porque antigamente as
folhinhas estiveram atrazadas e o antigo 22 de Abril é o actual3 de
Maio” (Azevedo, 1916, p. 10).

As “Licções de História do Brazil” foram estruturadas a partir de


narrativas nas quais eram elencadas uma sucessão de episódios,
heróis e datas. O passado da nação era apresentado como um
panteão voltado para o culto da pátria (Gomes, 1996). Os heróis
emergiam como exemplo de homens e poucas mulheres que se
tornaram referências na formação das novas gerações. Neste sentido,
o referido livro coaduna com os elementos difundidos por intelectuais
republicanos acerca da difusão de uma cultura política republicana e
cívica. Os fatos elencados expressavam uma leitura apaziguadora do
passado, com a apresentação dos conteúdos tidos como basilares de
um cidadão. Diante disso, torna-se pertinente visualizar quais eram
os conteúdos que a professora Esmeralda de Azevedo considerava
imprescindíveis para a formação dos seus alunos, ou seja, no caso de
um abandono precoce da vida escolar, o que o aluno deveria saber
sobre a história de sua pátria.

Os episódios elencados por Esmeralda de Azevedo e tidos como


centrais explicitam quase exclusivamente os eventos políticos, entre
a chegada dos portugueses e os presidentes republicanos. A história
do Brasil tida como imprescindível para a formação das novas
gerações era compreendida como uma sucessão de fatos

116
protagonizados por homens da elite luso-brasileira. Apenas duas
mulheres foram apresentadas como sujeitos da história: a índia
Paraguaçu e a Princesa Isabel. No resto, a história era palco dos
homens, especialmente os brancos e europeus. Foram poucos os
sujeitos individuais oriundos das camadas populares que foram
levados ao palco da história elaborado por Azevedo. Pode-se afirmar
que se tratou de uma exceção, com a assertiva sobre o caboclo
Calabar e sua traição a pátria, ou seja, os atores das camadas
populares aparecem apenas como um ator coletivo, sem face e
desprovidos de nome, sendo tratados apenas por termos genéricos
como negros, índios ou selvagens. Em contrapartida, o livro reforça
alguns elementos de uma cultura política republicana por meio do
mito de Tiradentes, como o injustiçado e traído herói da República.

No livro escolar, o novo herói da nação foi apresentado como uma


pintura, com uma narrativa permeada de elementos simbólicos que
enalteciam as ideias de traição e sacrifício. Tiradentes teria sido o
suspiro idealista de uma república, sufocado pela ação do reino, que
por sua vez não foi aprovada pelo governo republicano. Da mesma
forma, o herói é apresentado como o próprio Cristo, que se sacrifica
por suas ideias e em defesa do seu povo. Era o mártir, celebrado e
imortalizado por meio de monumentos e da instituição na qual o país
poderia superar a barbárie: a escola. A efeméride elucidada pela
autora reforçava o modelo de cidadania (Leal, 2006), que aceitava a
morte pela pátria.

O governo republicano foi apresentado no livro como a solução dos


problemas nacionais, mas o país ainda seria permeado de caprichos
oriundos do povo. Apesar de já ter ocorrido o desterro da família
imperial e do povo estar no poder, o regime republicano tinha sofrido
com a revolta da armada, responsável por promover “dias de
angústias para o povo brasileiro” (Azevedo, 1916, p. 22). A história
continuava a expressar a sua lição para o povo que se encontrava no
poder: a ordem era o caminho para a edificação de uma nação
civilizada e a revolta era apenas um sinal da permanência do vício do
capricho. Para tornar a sua lição mais próxima dos cânones do
método intuitivo, a autora apresentou uma lista de individualidades
históricas que deveriam ser exemplos de cidadania.

A seção “Individualidades históricas” expressa a constituição de uma


galeria de heróis que deveriam ser cultuados no Brasil. As categorias
estabelecidas são significativas para a compreensão das virtudes
enaltecidas pela autora: catequese, luta contra o invasor, luta pela
liberdade do país ou dos negros, gestão pública e estudos. As
individualidades foram selecionadas de forma equânime,
contemplando os períodos colonial, imperial e republicano (foram

117
respectivamente 9, 12 e 8). Mais uma vez emergiu um cenário
permeado de atores masculinos, brancos e de origem europeia. As
exceções foram as presenças de Felipe Camarão e da princesa Isabel,
única mulher entre as individualidades. Outra questão relevante foi a
inserção de militares que lutaram contra os movimentos sociais do
período republicano, como o coronel Tamarindo que lutou na
chamada revolução de Canudos. Se Tiradentes era um herói por ter
lutado pela liberdade em tempos de monarquia, em tempos
republicanos os heróis eram os que sufocavam os movimentos
oriundos dos segmentos populares.

Referências
Magno Francisco de Jesus Santos é professor Adjunto do
Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em
História e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da
UFRN.

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AZEVEDO, Esmeralda Masson de. Licções de História do Brazil: para


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Macedo, 1916.

BARBOSA, Ruy. Reforma do ensino primário e várias instituições


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X, tomo I ao IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde,
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Paulo: Cortez, 2011.

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escolas normais no Rio de Janeiro do século XIX: Escola Normal do
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História da Educação. N. 14, 2008, p. 53-78.

118
MAGALHÃES, Marcelo de Souza; GONTIJO, Rebeca. O presente como
problema historiográfico na Primeira República em dois manuais
escolares. Revista História Agora. V. 2, n. 4, 2013, p. 81-101.

MUNAKATA, Kazumi. O livro didático como indício da cultura escolar.


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ROMERO, Sylvio. A história do Brasil ensinada pela biografia dos seus


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do conhecimento histórico. Brasília: UNB, 2010.

SANTOS, Magno Francisco de Jesus. Ecos da Modernidade: a


arquitetura dos grupos escolares sergipanos (1911-1926). São
Cristóvão: EDUFS, 2013.

119
O MÉTODO CARTESIANO E O ENSINO MILITAR FRANCÊS NO
EXÉRCITO BRASILEIRO:
O CASO DA ESCOLA DE ESTADO-MAIOR
Marcus Fernandes Marcusso
Lívia Carolina Vieira

A Escola de Estado-Maior do Exército (EEM) foi criada em 1905 e


tinha como principal objetivo fornecer aos oficiais do Exército
Brasileiro uma a instrução militar complementar superior que os
habilitasse para o serviço no Estado-Maior no Exército (EME). Os
primeiros anos de funcionamento da EEM foram marcados pela
estrutura física simples, pela frequência de poucos alunos e pela
influência do pensamento militar alemão. Tal cenário foi
consideravelmente alterado a partir de 1919, quando o governo
brasileiro contratou uma Missão Militar Francesa (MMF) para realizar
uma grande reforma no Exército Brasileiro. A EEM foi uma das
primeiras instituições militares a ser reorganizada pelos oficiais
franceses. O período de influência francesa, de 1919 a 1940, foi
marcado pela construção de um prédio escolar próprio, pelo aumento
de cursos, pela criação de diretorias, pela redação de manuais
próprios e pela capacitação de oficiais brasileiros para atuar como
instrutores e professores na própria EEM. A não renovação do
contrato com a MMF em 1940 marcou o fim da presença dos oficiais
franceses na estrutura do Exército e da EEM.

A chegada da Missão Militar Francesa causou grande impacto no


Exército Brasileiro, especialmente nas instituições militares de ensino.
Algumas das primeiras ações dos franceses se concentraram na
Escola de Estado-Maior, com a criação do regulamento de 1920 e a
presença maciça de professores e instrutores franceses no seu
quadro docente. Como visto, os conteúdos essencialmente militares
eram responsabilidade exclusiva dos oficiais da missão, assim como a
Direção de Estudos da EEM. O domínio também se manifestou na
definição da metodologia de ensino, pois a Escola de Estado-Maior, e
posteriormente as demais escolas, passaram a adotar os princípios do
pensamento cartesiano como método de ensino.

O método de ensino francês se baseava no pensamento do filósofo


René Descartes (1596-1650), especialmente no princípio de
explicação racional para a realidade, embasada por fundamentos
metafísicos. Descartes propunha o constante e sistemático uso da
razão para distinguir o verdadeiro e o falso e, consequentemente,
produzir conhecimento. Na primeira parte de sua obra O discurso do
método o filósofo afirma que “o poder de bem julgar e de distinguir o
verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom

120
senso ou razão, é por natureza igual em todos os homens.”
(DESCARTES, 2001, p.5). Portanto, a diversidade de opiniões não
discorreria de maior ou menor razão dos indivíduos, e sim do
caminho percorrido por essa razão até chegar a sua opinião, “pois
não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem.”
(DESCARTES. 2001, p.5).

Na segunda parte, Descartes destaca quatro preceitos da lógica


filosófica que deveriam ser rigorosamente observados no uso da
razão para a dedução de um conhecimento verdadeiro sobre qualquer
coisa. O primeiro era não aceitar algo como verdadeiro, sem
conhecê-lo, ou seja, evitar e precipitação e só incluir em nosso juízo
as coisas que se apresentassem “tão clara e distintamente a meu
espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.”
(DESCARTES. 2001, p.23). O segundo preconizava “dividir cada uma
das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse
possível e necessário para melhor resolvê-las.”(DESCARTES. 2001, p.
23). O terceiro determina que a ordem de condução dos
pensamentos deve começar pelos “objetos mais simples e mais fáceis
de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o
conhecimento dos mais compostos; supondo certa ordem mesmo
entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros.”
(DESCARTES. 2001, p.23). Por fim, é necessário realizar em tudo
“enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse
certeza de nada omitir.” (DESCARTES. 2001, p.23).

Assim, segundo Bellintani (2009), o pensamento cartesiano “é uma


ciência dedutiva que valoriza o experimento, pois é através dele,
nessa perspectiva filosófica, que se comprova a teoria.” (BELLINTANI,
2009, p. 304). O uso do cartesianismo para embasar ensino militar
francês gerou um método de ensino que propunha, em primeiro
lugar, a valorização da aplicação prática dos ensinamentos teóricos, o
que seria concretizado nas manobras e exercícios militares. Nos
estudos teóricos, o principio norteador é o nível de complexidade dos
conhecimentos, do mais simples para o mais complexo, sempre
acompanhado pelo uso constante da razão. A partir dessa base se
desenvolveram outros processos importantes para a formação militar
nos moldes franceses, como o comando, a instrução e a execução.

Pelegrino Filho, afirma que o método de ensino aplicado pelos oficiais


franceses nas instituições militares de ensino visava “a resolução dos
problemas militares. Nele, os fatores da decisão: missão, inimigo,
terreno e meios foram os principais instrumentos dos alunos para as
soluções e justificativas dos temas táticos, sempre
inéditos.”(PELEGRINO FILHO, 2005, p. 13). O autor afirma que a um
das principais consequências da autuação da MMF na EEM foi a

121
introdução dos chamados fatores da decisão militar (missão, inimigo,
terreno, meios) como “elementos universais para o estudo de um
problema táticos.” (PELEGRINO FILHO, 2005, p. 14). A aplicação
constante do método, especialmente, na resolução dos problemas
táticos reforçava seu uso e contribuía para a construção da doutrina
militar. Nesse processo, o autor destaca o importante papel de novos
mecanismos de estudo e avaliação, como os trabalhos em domicílio,
o estudo em grupo e as avaliações sem graus numéricos.

Vale fazer uma importante distinção entre as situações-problema nos


exercícios táticos e a metodologia de ensino chamada de “resolução
de problemas”, típica do ensino de ciências exatas, mas com recente
aumento de interesse por parte outras áreas do conhecimento.
Onuchi e Allevato, estudiosas dessa metodologia, ressaltam que o
método usado na EEM era comum nas publicações matemáticas, do
fim do século XIX e início do XX, e se caracterizava por um aspecto
limitado em comparação ao atual, pois ensinar a resolver problemas
significava “apresentar situações-problema e, talvez, incluir um
exemplo com uma resolução realizada a partir da aplicação de
alguma técnica específica.” (ONUCHIC; ALLEVATO, 2011, p.75).

No discurso de cerimônia de inauguração da EEM, em 1920, o general


Gamelin descrevia o método de ensino que seria ensinado pelos
membros das MMF nas escolas militares como “Método do caso
concreto”, pela qual seria ensinada a arte da guerra, especialmente
pela constante resolução dos casos de guerra. Gamelin afirmava que
não seriam copiados modelos prontos para resolver essas questões
táticas, e que a missão ensinaria a raciocinar progressivamente sobre
elas. Malan (1988) destaca as palavras do General Mangin, que
visitou diversos países latino-americanos em missão oficial, e
escreveu em relatório endereçado ao Ministro da Guerra da França,
datado de 6 de novembro de 1921: “o método de ensino adotado por
Gamelin na Escola de Estado-Maior, a adaptação ao território
brasileiro dos casos vividos na guerra, neles destacando as causas de
êxito ou de insucesso, buscando assim assentar uma tática nacional e
adequada ao Brasil.” (MALAN, 1988, p.118).

O Diretor de Estudos da EEM, o Coronel Baudouin também descreveu


o método cartesiano de ensino francês, na Conferência de abertura
dos trabalhos letivos de 1930:

“Em primeiro lugar, o ensino que vos será ministrado comportará


princípios imutáveis, consagrados pelos estudos e a experiência e
cujos fatores básicos são os quatro elementos – missão, terreno,
informações sobre o inimigo e meios disponíveis. Tais são os
leitmotivs que ouvireis todos os dias e dos quais não permitiremos

122
que vos liberteis. Por outro lado, indicar-vos-emos os processos de
execução, igualmente baseados na reflexão e na experiência, porém
variáveis de acordo com as circunstâncias e o temperamento do
Chefe. Daí resulta que em uma situação tática, a título de exemplo ou
de correção, será preciso não ver aí uma solução única e,
principalmente, não ver um esquema passe partout [chave mestra]
ser reproduzido em outra situação do mesmo gênero.” (BAUDOUIN,
1930, p.607).

A fala de Baudouin sintetiza os principais elementos descritos do


método descritos até aqui, mas também evidencia um paradoxo em
sua concepção. Ao elencar elementos universais de para os estudos
de tática o método descrito, inevitavelmente, incorre em uma
situação que Baudouin e Gamelin rechaçavam: a utilização de
estruturas de interpretação pré-concebidas. Vale ressaltar que apesar
de não se tratarem de soluções gerais, esse método de resolução de
problemas táticos geraria “respostas semelhantes” para “situações
semelhantes”, o que também contrariava a concepção apresentada
pelos altos oficiais da MMF.

Em sua autobiografia Leitão de Carvalho, aluno do curso de revisão


em 1921 e a época capitão, descrevia sucintamente as atividades
requisitadas pelos professores franceses, assim como o próprio
método:

“O estudo dos temas a resolver em domicílio, exigindo um exame


prévio de suas variadas questões, aconselhava o trabalho em equipe,
cujas vantagens eram evidentes, pois resultava dele um
conhecimento completo dos vários aspectos das questões,
habilitando, assim, a proceder à seleção das soluções mais acertadas.
Foram-se formando, em consequência, os grupos de estudo, espécie
de estados-maiores, que se entregavam ao trabalho coletivo.”
(CARVALHO, 1961, p. 40).

O trecho acima aponta para outro elemento importante do ensino


militar francês: o trabalho em equipe. Essa dinâmica de trabalho era
comum na EEM, principalmente nos exercícios de manobras sobre
cartas, embora sempre acompanhada de uma grande quantidade de
atividades individuais, especialmente nas destinadas à resolução em
domicílio.

Em relação ao ensino aplicado na EEM, Nelson Werneck Sodré


descreve detalhadamente, em suas memórias, os três anos de seu
curso, entre 1944 e 1946. Embora não se refira diretamente ao
recorte cronológico de nossa pesquisa, é possível afirmar que não
houve grandes mudanças nesse período, por duas razões simples: a

123
proximidade com o fim da atuação da MMF (1940) e a continuidade
de traços do ensino nos moldes franceses, em parte existente até os
dias atuais como vimos. A época, Sodré já era um intelectual
consideravelmente conhecido, com diversas publicações sobre a
História do Brasil. De acordo com suas memórias algumas, inclusive,
usadas no concurso de admissão e nas aulas do próprio curso de
estado-maior. Tal situação gerou irritação em alguns instrutores, que
tentaram diminuí-lo, em seu primeiro ano, em uma atitude com
“traços de anti-intelectualismo que se manifesta, por vezes, no meio
militar.” (SODRÉ, 1986, p.290).

Em seus primeiros dias na EEM, ao caminhar pelo saguão de entrada,


um oficial do terceiro ano do curso lhe saudava com a seguinte frase:
“Quarenta temas nos separam!”. O oficial-aluno veterano se referia
aos temas táticos que apresentavam as situações-problema a serem
resolvidas nas atividades de casa ou em sala. Para Sodré, o curso
consistia, basicamente, na resolução destes temas, o que o faz
considerar que a Escola de Estado-Maior não se destinava a “ensinar
a raciocinar”, mas a criar reflexos e a “ensinar a redigir ordens
resultantes desses reflexos. (...) Assim, na Escola de Estado-Maior,
resolvidos quarenta temas, as soluções futuras serão respostas
reflexas a situações gravadas. Raciocínio, nada, mas nada mesmo.”
(SODRÉ, 1986, p.254).

Tomemos como exemplo o trabalho de conclusão de estágio de tática


de armas, do curso de estado-maior elaborado pelo oficial-aluno Artur
Levy em 1937, quando ocupava posto de major. Trata-se da redação
de uma ordem, de uma decisão de um comandante militar em um
campo de batalha. As correções de trabalhos eram coletivas,
portanto, o instrutor faziam considerações iniciais, apresentava uma
possível solução para os problemas propostos e ao final expunha uma
conclusão sobre o desempenho dos oficiais-alunos. A correção ficou a
cargo do Capitão Aluízio de M. Mendes, provavelmente o instrutor da
aula, e começava com a seguinte introdução:

“De um modo geral as provas não são más. Denotam apenas falta de
conhecimento dos regulamentos de Artilharia e pouca leitura das
conferências fornecidas pelo Curso.Com um pouco mais de meditação
acerca das prescrições regulamentares e um estudo mais cuidadoso
das notas de aula, as questões propostas seriam rapidamente
resolvidas.” (LEVY, 1937, p.5).

As considerações evidenciam que as exigências do trabalho eram


razoavelmente simples, e dependiam de um conhecimento básico
sobre os regulamentos e as conferências.

124
A conclusão da correção não foi nem um pouco lisonjeira, como se
costumava falar. O capitão criticou o desempenho dos oficiais-alunos,
como podemos observar no trecho abaixo:

“As provas, APESAR DE JULGADAS COM EXCESSIVA BENEVOLÊNCIA,


ainda deixaram muito a desejar, não só pelo desconhecimento dos
regulamentos e notas do Curso, como também pela falta de
EDUCAÇÃO DA VONTADE que quase todos denotaram, em tomar
francamente um partido... Nota-se que em quase todas as provas,
lamentável INDECISÃO. Essa última atitude, principalmente na
guerra, é pior do que uma péssima decisão, tomada com a firme
resolução de executá-la até o fim.” (LEVY, 1937, p.10).

As duras palavras da conclusão ressaltam as habilidades requisitadas


no trabalho: a memorização de algumas determinações
regulamentares e dos conteúdos ministrados nas conferências, duas
fontes eminentemente teóricas, verbalistas e mnemônicas.

Ao abordar o método de ensino francês, adotado na época de seu


curso, Sodré (1986) afirma que o fato dos franceses chamarem o
método de “cartesiano”, se configurava como uma tentativa de
conferir ao trivial a complexidade do científico, de “dar cunho
científico a coisa muito mais simples, para fins de mero
envaidecimento.” (SODRÉ, 1986, p.255). Para ele, a única
semelhança com a complexa e inovadora filosofia cartesiana de
Descartes ficava por conta do exercício de “decompor para analisar”
diante de uma situação tática, ou seja, “análise do terreno, análise
dos meios, análise do inimigo, análise da missão, das quais se tira
conclusões e da relação de umas sobre as outras, corando-se com
uma decisão.” (SODRÉ, 1986, p.255).

A análise de Sodré evidencia uma crítica contundente a estrutura


curricular da EEM, e ao método de ensino-aprendizagem proposto.
Para ele, os estudos se baseavam em “pura memorização” de
conteúdos presentes em manuais, chamados a sua época de Vade
Mecum, que os oficiais-alunos recebiam no início do curso e que
deveriam estudar antes de tudo. Na prática, eram verdadeiros
“dicionários de organização, coma diferença de que, quem usa
dicionários, consulta-os nos momentos de necessidade e dúvida, e
quem usa os Vade Mecum, na Escola de Estado-Maior, deve trazer os
seus dados informativos de cabeça.” (SODRÉ, 1986, p.259).

O general Gustavo Moraes Rego Reis, aluno da EEM entre 1955 e


1958, rememorava, em depoimento cedido ao CPDOC em 1992, uma
conversa com o General Castelo Branco, quando foi servir no
Comando Militar da Amazônia logo após a conclusão do curso de

125
Estado-Maior. Na ocasião o comandante questionava o então major
sobre a documentação do curso, que ele descrevia como “os
famigerados polígrafos, temas táticos desenvolvidos na carta, com
situações que evoluem e sobre os quais são levantadas questões e
debatidos os ensinamentos a serem aprendidos.” (REIS, 2005. p.14).

Tratava-se, dos manuais referidos por Sodré e que, como vimos,


constam como material de ensino da EEM desde meados da década
de 1920. Reis os descrevia como uma “vasta papelada
mimeografada, muito bem elaborada como instrumento de trabalho,
mas sem qualquer finalidade prática posterior, salvo a cópia servil,
sem nenhum mérito.” (REIS, 2005. p.14). Por acreditar que tal
material não teria utilidade após o fim do curso, o então Major Reis
declarou que havia jogado fora toda aquela papelada após a
realização das provas, o que gerou, segundo ele, desconforto
imediato ao General Castelo Branco. Diante dessa situação incômoda,
veio a explicação:

“Enchi-me de coragem e expliquei que admitia aquele material


necessário apenas para adestrar-nos no hábito, na prática e, afinal,
na incorporação de um “método de raciocínio”, o chamado “Estudo de
Situação”, e na abordagem e solução de todo problema, em particular
no terreno tático. E mais, o entendimento, a real apreensão dos
princípios de guerra – economia de forças, segurança, surpresa,
iniciativa, unidade de comando, liberdade de manobra – conclui que
julgava ter aprendido a lição, prova é que jogara fora a papelada.
Castelo desanuviou a fisionomia, mas não comentou nada.” (REIS,
2005, p.15).

Esse trecho fornece subsídios para reforçar a crítica realizada por


Sodré, ao mesmo tempo em que permite atenuar parte desta.
Reforça-a, pois constata, anos depois, o caráter intensamente
mnemônico e não reflexivo do ensino na EEM, bem como sua pouca
utilidade prática para a vida militar “real”. Em contrapartida, as
considerações também se alinham com parte do discurso dos oficiais
da MMF, no tocante à incorporação do “método de raciocínio” e a
importância de apreensão dos “princípios de guerra”.

A abordagem de Sodré é muito diferente da maioria das memórias


analisadas por conta do evidente tom crítico em relação ao ensino
oferecido na EEM, em contraposição os frequentes elogios de outros
ex-alunos. A explicação é relativamente simples: sua capacidade
analítica e de construção de um pensamento crítico fora dos
tradicionais espaços de produção intelectual militar, marcados pelo
usual corporativismo elogioso. Geralmente, as críticas às Forças
Armadas, sejam em relatórios ou memórias, tendiam a ser omitidas

126
ou, em alguns casos, diluídas e suavizadas. Como vimos, enquanto
oficial-aluno da EEM, Sodré já figurava como estudioso de temas não
militares, o que o gabaritava como uma intelectual diferente dos
tradicionais historiadores militares. Sua produção tinha como base
metodológica o materialismo-histórico dialético, enquanto a maioria
dos historiadores militares se baseava no positivismo histórico, com
sua típica narrativa, falsamente neutra, dos acontecimentos.

De maneira geral podemos considerar que o método de ensino militar


francês aplicado desde o início de sua atuação na EEM apresenta
algumas características distintivas: 1) estrutura-se nos estudos de
casos e na resolução de situações-problemas propostas previamente,
que poderiam ser resolvidos individualmente em trabalhos
domésticos ou em atividades em grupo na EEM; 2) o método usado
para as resoluções continha elementos do chamado pensamento
cartesiano, especialmente os princípios de “decomposição em partes”
e de “crescente complexificação”; 3) A necessidade de memorização
de grande quantidade de conteúdos, geralmente compilados em
manuais de referência.

Referências
Marcus Fernandes Marcusso, Doutor em Educação (UFSCar),
professor efetivo de História (IFSULDEMINAS–Campus Inconfidentes).
Lívia Carolina Vieira, Doutora em Educação (UFSCar), professora
efetiva de História (IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes).

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127
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SODRÉ, Nelson. Werneck. Do tenentismo ao Estado Novo: Memórias


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128
PROVOCAÇÕES A PARTIR DE LUCY MAYNARD SALMON
Mariana Dias Antonio
Renan Ramos Chaves

“Mas a pergunta casual de uma amiga colocou a lâmpada de Aladim


em nossas mãos e abriu diante de nós um mundo desconhecido tão
grande como poderia se encontrar nos sete reinos. Ela perguntou
como poderia estudar história num quintal, e então, todo o passado
se abriu à nossa porta! Por que procurar por tesouros ocultos lá fora
quando a história do mundo estava espalhada em nosso quintal?
Perecia o pensamento de que tínhamos sempre colhido conhecimento
noutros lugares, –nós estudaríamos registros históricos num banco
de jardim, e procuraríamos resquícios arqueológicos na casa de
verão. Se Maomé não pudesse ir à montanha, a montanha poderia
passar o verão no quintal. O mundo ainda era nosso para explorar!”
[trad. nossa] [SALMON, 1915a, p. 4].

Lucy Maynard Salmon nasceu em Fulton, Nova Iorque, em 1853.


Advinda de uma das poucas famílias em que ambos os pais possuíam
nível superior, Salmon ingressa na Universidade de Michigan em
1871, se forma em 1876 e começa a lecionar em McGregor, Iowa. Em
1882 retorna a Michigan visando o título de mestre em História e em
1886 começa seu doutorado em Bryn Mawr, sob supervisão de
Thomas Woodrow Wilson. Salmon começaria a lecionar no Vassar
College em 1887 e ali permaneceria até sua morte, em 1927.
[NELSON, 1996; SPONGBERG, 2005]

A preocupação com o ensino de História se faz presente ao mais


breve olhar sobre suas publicações, entre as quais figuram „Education
in Michigan during the Territorial Period‟ (1885), „The Teaching of
History in Academies and Colleges‟ (1890) e „The Teaching of History
in the Elementary Schools‟ (1891), esta última tendo consagrado a
autora e culminado num convite da American Historical Association
(AHA) para compor o Committee of Seven em 1896 [NELSON, 1996].

Vários eventos vinculam a imagem de Salmon à AHA: ela foi uma das
primeiras mulheres filiadas à Associação (1883), a única mulher a
publicar no primeiro volume dos „Papers of the American Historical
Association‟ (1886) e a primeira mulher eleita para o Conselho
Executivo da Associação (1915). No entanto, esta trajetória de
pioneirismos não se deu sem atritos [SPONGBERG, 2005]. Um
exemplo seria o desabafo de Salmon numa correspondência pessoal,
onde alega não ter escrito uma única palavra no relatório
apresentado pelo Committee of Seven, „The Study of History in

129
Schools‟ (1899), senão os dois apêndices a ela creditados [NELSON,
1996].

Com a virada do século, Salmon volta sua atenção às fontes não


escritas e uma preocupação já existente com o cotidiano (como em
„Domestic Service‟, de 1887) se transforma numa preocupação com o
valor histórico dos objetos cotidianos. Tal transição também é
indissociável de sua mudança para a cidade de Poughkeepsie, em
1901, quando a historiadora abandona os dormitórios do Vassar
College e passa a vivenciar o ambiente doméstico [ADAMS & SMITH,
2006].

Para acompanhar sua nova epistemologia baseada em objetos,


Salmon desenvolveria uma pedagogia baseada em objetos. Dois
ensaios se apresentam como convites e manuais dessa pedagogia:
„History in a Back Yard‟ (1911) e „Main Street‟ (1914) [ADAMS &
SMITH, 2006]. Ambos os ensaios foram impressos de maneira
privada e só chegariam a amplo público postumamente, com a
publicação de „Historical Material‟ (1933) e „History and the texture of
modern life‟ (2001). Hoje, cópias digitais das impressões privadas
estão disponíveis no sítio <archive.org>. Mas como Lucy Maynard
Salmon poderia nos ajudar nas discussões contemporâneas sobre o
ensino de História?

Entre os desafios do professor de História encontramos a resistência


dos alunos quanto ao conteúdo histórico, demonstrado nas
constantes dúvidas sobre a aplicabilidade daquele conhecimento em
suas vidas e na visão de que cumprir tal disciplina seria uma mera
exigência burocrática “[...] sem maiores preocupações em relação às
possibilidades que o conhecimento histórico oferece para a
compreensão e para a intervenção no real” [AVELAR, 2012, p. 21].

As objeções desses alunos merecem certo crédito, sendo comum


encontrarmos textos que se debruçam na história da disciplina e de
seu ensino para mostrar tradições persistentes que ainda condenam
nossos estudantes a uma História glorificadora de nomes e datas,
sem uma clara apresentação do quão útil é a disciplina. Além de não
apresentar possíveis aplicações, devemos enfatizar que muitas vezes
os conteúdos de História sequer apresentam correspondência com o
cotidiano do estudante.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 (PCNs) já


demonstravam certas preocupações com este tipo de ensino,
fornecendo como eixo temático para as séries iniciais do primeiro
ciclo uma “História local e do cotidiano”, com a prevalência de
estudos comparativos que atentem para a variedade, permanência e

130
transitoriedade de costumes, organizações familiares e formas de
relacionamento diversas.

“A preocupação com os estudos de história local é a de que os alunos


ampliem a capacidade de observar o seu entorno para a compreensão
de relações sociais e econômicas existentes no seu próprio tempo e
reconheçam a presença de outros tempos no seu dia-a-dia” [BRASIL,
1997, p. 40].

É com o estudo do local e do cotidiano que Avelar [2012] salienta ser


possível oferecer os subsídios para que os alunos se percebam como
participantes ativos de um processo histórico, além de ser necessário
desenvolver uma “atitude pesquisadora”, motivando a busca com as
fontes e seu trato.

Concordamos com o autor e sua adição à preocupação apresentada


nos PCNs. Mais que um foco na alteridade, é nas séries iniciais que se
deve estimular a compreensão das causalidades e concausalidades
existentes em qualquer situação historicamente analisável, relações
sociais, tempo qualitativo, e com o processo de reconstrução e
interpretação do fato histórico. É aqui que Lucy Maynard Salmon nos
leva a pensar o ensino de História.

„History in a Back Yard‟ se inicia com o desabafo da autora a respeito


de uma viagem cancelada à Europa. Para Salmon, aquele
inalcançável um quarto de ano na Europa, com toda sua riqueza
cultural, seria mais proveitoso que três quartos de ano em qualquer
outro lugar, e assim somos apresentados à questão do tempo
qualitativo já na primeira página do ensaio. Embora abordado de
maneira subjetiva, o que facilita um exercício imaginativo com os
alunos, o tema é facilmente explorável de maneira intersubjetiva ao
pensarmos o tempo de aula e o tempo em casa (ambos
compartilhados por todos), e daí em diante fica o convite para outras
tantas temporalidades.

Uma pergunta casual romperia com o tédio e a frustração, dando


início a uma jornada histórica num dos lugares mais corriqueiros: o
quintal. Salmon desenvolve a narrativa do geral para o específico,
iniciando com uma descrição do espaço e suas delimitações.

“Nosso quintal é um paralelogramo com cerca de trinta pés de


largura e quatro vezes mais comprido. De um dos lados, uma cerca
de tábuas separa o quintal da propriedade ao lado, e naquela direção
uma série de cercas marca as divisões de propriedades privadas. Do
outro lado do nosso quintal o generoso proprietário e nosso genial
vizinho concordou em remover a cerca de divisão entre os dois

131
lugares, outros vizinhos naquele lado seguiram seu exemplo e assim
um parque verde se estende atrás de meio quarteirão. Na parte ao
fundo, uma cerca de tábuas muito alta separa nosso quintal daquele
que o encontra costas com costas e esconde de nossas vistas a horta
do vizinho dos fundos” [trad. nossa] [SALMON, 1915a, p.2].

A autora ironiza a aparente obviedade em se ter ou não ter uma


cerca, mas apresenta como esta questão pode revelar muito sobre as
mentalidades, propósitos e ações humanas. Os exemplos do ensaio
talvez pareçam datados: cercas de madeira, espigões, cercas vivas,
arame farpado; mas o sincretismo arquitetônico de nosso tempo nos
permite tratar a questão de maneira ainda mais plural. O que leva o
indivíduo a escolher a altura de seus muros? E o tipo de tijolo
utilizado? A escolha de lanças, cerca elétrica, arame farpado, cacos
de vidro ou nenhuma destas opções ao topo? Acabamento com
pedras, azulejos, grafiato ou sem acabamento? A escolha entre um
portão vazado ou não? Entre um portão de ferro, alumínio ou
madeira? Elétrico ou não? Basculante, deslizante ou pivotante?
Dentre as possíveis motivações figurariam preocupações de
segurança, estéticas, econômicas e práticas que nos remeteriam a
diferentes momentos na história de uma família ou de uma
comunidade. Com quantos muros e portões o aluno se depara no
simples trajeto até a escola? Sem contar os da própria escola!
Encontramos, pois, material para tratar de causalidades e
concausalidades por trás de ações humanas, entre muros que
simplesmente ficariam bonitos assim e muros onde a questão estética
dividiu espaço com limitações econômicas.

Mas e se construíssemos uma série com essas fontes? Talvez nos


coubesse questionar junto aos alunos os motivos de um bairro ter
tantas cercas elétricas e outro não ter nenhuma. Talvez nos coubesse
questionar junto aos alunos os motivos de alguns locais sequer terem
muros. E com isso, um estudo das relações sociais poderia se
desenvolver na sala de aula, contemplando um estudo do espaço
privado e do espaço público, da estratificação social e socioespacial,
do preconceito e do medo do outro. Talvez nos coubesse procurar
prédios históricos e pensar como se construíam muros em outras
épocas. Mudaram os juízos estéticos? Mudaram os materiais e
técnicas empregados? E se saímos do quintal para a rua, foi a convite
de Lucy Maynard Salmon, em outro de seus ensaios [SALMON,
1915b].

Adiante, „History in a Back Yard‟ compreende as flores e árvores que


enfeitam seu quintal. Talvez aquelas presentes em nossos quintais ou
na escola não revelem relações familiares, mas muitas nos trazem
inúmeros costumes e tradições que vão além de sua própria história.

132
Pensemos numa planta frequente nos quintais, jardins ou mesmo
crescendo de maneira oportunista em calçadas e terrenos: o boldo
(Plectranthus barbatus). Esta planta originária da Ásia teve sua
primeira descrição científica por Henry Charles Andrews [ANDREWS,
1797] e é tradicionalmente utilizada para tratar desordens digestivas
e hepáticas. Não seria difícil remeter ao comércio colonial de plantas
e ervas, ao desenvolvimento das ciências naturais ou mesmo aos
costumes e tradições brasileiras.

No próprio ato de nomear e significar as coisas ao seu redor o agente


histórico tece uma imensa malha de referenciais que outras plantas
permitem evocar. Entre os exemplos de Salmon temos jacintos e
narcisos, cujos nomes remetem a personagens da mitologia grega. Já
levamos nossos alunos a pensar quantos outros significados são
atribuídos às plantas? Quantas são plantadas pela sua beleza, pelo
seu aroma, para o consumo ou até pra espantar “mau olhado”? Já é
costumeiro explicarmos em aula de onde veio o nome do Brasil, pois
basta ampliar o escopo!

O ensaio de Salmon também trata das transformações no quintal,


evidenciando a evolução dos serviços urbanos, inovações tecnológicas
e mudanças nos costumes e no convívio. Novamente abundam as
possibilidades de trabalhar historicamente os mais corriqueiros
objetos: como se dá a manutenção e limpeza daquele espaço? Com
enxada ou cortador de grama? Com um balde ou uma limpadora a
vapor? Separa-se o lixo orgânico do reciclável? Se sim, a partir de
quando começou a coleta seletiva? Qual o objetivo de se criar um
serviço de coleta seletiva? Os objetos que se apresentam naquele
espaço sempre estiveram ali? E o que estava antes naquele espaço?
E em que espaço estavam antes aqueles objetos? Será que algumas
reformas não sinalizariam até mesmo certa ascensão econômica da
família? Novamente podemos sair do quintal e verificar se a rua foi
pintada, asfaltada ou sinalizada nos últimos anos, se a prefeitura
mudou o seu sentido, se lâmpadas ou postes de iluminação foram
instalados ou trocados, e para qualquer um destes itens, perguntar
como isso interfere na vida dos moradores. Talvez a própria escola
hoje tenha um sinal de wi-fi que não existia há alguns anos, não é
mesmo?

Quanto ao ensino de História nos Estados Unidos no fim do século


XIX, Salmon criticava o fato de a disciplina ser "[...] geralmente
ensinada 'porque todos devem saber algo da história do seu próprio
país,' mas nenhuma explicação é dada para tal assertiva, e
geralmente não há apreciação do valor educacional do estudo
histórico” [trad. nossa] [SALMON, 1899, p. 159-160].

133
O apelo a um patriotismo que muitas vezes substitui as explicações
mais plausíveis para fenômenos e acontecimentos históricos se
evidencia ao colocar o ensino de História brasileiro em perspectiva
histórica [Cf. AVELAR, 2012; BITTENCOURT, 2009], mas críticas a
essa abordagem já conseguiram garantir certo espaço entre
historiadores e professores. Salmon também se opunha ao fato da
"[...] História não ser estudada em conexão com outros conteúdos no
currículo, e que um uso servil do livro didático é frequentemente
empregado [...]" [trad. nossa] [SALMON, 1899, p. 167]. Estas
últimas críticas infelizmente nos parecem bem atuais.

Apesar de sua correspondência pessoal negar qualquer participação


na escrita de „The Study of History in Schools‟, uma lição importante
contida neste relatório justifica as provocações aqui levantadas. O
método histórico é amplamente usado nas mais diversas áreas e
ciências, desde a mera compreensão dos objetos e problemas
cotidianos até a vanguarda científica.

“O erudito investigador científico aprende a partir do cuidadoso


estudo do desenvolvimento de seu objeto; ele vê os sucessos e os
fracassos do passado e reconhece as contribuições duradouras que
surgiram de tempos em tempos em sua área de investigação [...]”
[trad. nossa] [THE COMMITTEE OF SEVEN, 1899, p. 33].

Ainda assim, é comum que historiadores e professores de História


encontrem dificuldades em justificar o valor e a aplicabilidade de sua
disciplina, usualmente apelando a bordões, definições que restringem
o escopo de aplicação do método histórico ou que turvam as
distinções entre a História e uma simples literatura de cunho
moralizante.

Para Avelar [2012, p. 156] “Tudo é histórico, podemos afirmar sem


maiores receios. Livros, imagens, computadores, música, quadrinhos,
todos estes podem ser instrumentos do processo ensino
aprendizagem.” Marcella Lopes Guimarães [2012] também propõe
um maior emprego do cotidiano no ensino de História, com atividades
que contemplam livros de receitas, álbuns de família, crônicas de
jornal e cultura material, por exemplo. Estes dois exemplos nos
mostram como as provocações de Lucy Maynard Salmon
permanecem atuais.

O leitor atento poderia apontar que o amadurecimento da pedagogia


de Salmon se deu durante os anos no Vassar College, lecionando
para o nível superior, e que as críticas ao uso servil do livro didático e
ao patriotismo vieram antes deste amadurecimento. Também poderia
apontar que muito da atenção da historiadora se debruçou sobre o

134
segundo grau, assim como a obra de Marcella Lopes Guimarães é
sugerida para o professor de ensino médio [CEDAC, 2015], enquanto
os PCNs tratam do local e do cotidiano nas séries iniciais. Ao invés de
pensar tais detalhes como contraditórios, procuramos pensar sua
complementaridade necessária, apontando possibilidades para
despertar o interesse histórico a partir de qualquer produção material
ou simbólica da existência humana. É com a percepção da
historicidade de seu cotidiano e da concretude das transformações
observáveis que o aluno pode, desde as séries iniciais, tomar ciência
de sua própria historicidade enquanto indivíduo.

Referências
Mariana Dias Antonio é licenciada em História pelo Centro
Universitário Dr. Edmundo Ulson, mestra e doutoranda em História
pela Universidade Federal do Paraná. Membro discente do “NEMED –
Núcleo de Estudos Mediterrânicos” (UFPR) e do grupo de pesquisa
“Cultura e Poder” (UFPR).
Renan Ramos Chaves é tecnólogo em Processamento de Dados pela
Faculdade de Tecnologia de Taquaritinga, especialista em
Administração Pública pelo Centro Universitário de Maringá e
especialista em Sociologia e Ensino de Sociologia pelo Centro
Universitário Claretiano.

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136
OS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE ESTUDOS
SOCIAIS NO BRASIL: EM BUSCA DAS MATRIZES
ESTADUNIDENSES
Max Willes de Almeida Azevedo

O presente texto tem como objetivo de identificar nos manuais de


formação de professores de Estudos Sociais quais as finalidades e
qual a ideia de avaliação os autores elaboraram para a disciplina.
Para tanto, tomamos como objeto de análise, os manuais de
formação de professores de Estudos Sociais datados de sua primeira
edição dentro do marco temporal entre os anos de 1960 e 1980. Os
manuais são importantes porque é através deles que os professores
não só têm a ideia sobre qual corrente seguir, como também saberão
o que empregar em suas práticas de ensino.

Com base nesses pressupostos, os procedimentos metodológicos,


caracterizaram o texto em pesquisa bibliográfica e análise histórica.
Organizamos a pesquisa bibliográfica com base no recorte temporal
estabelecido tanto em relação aos manuais de formação de
professores quanto às ideias acerca do ensino de Estudos Sociais no
Brasil. A análise histórica baseou-se na observação das fontes, na
interpretação e crítica dos dados levantados.

Com o objetivo de examinar os manuais de formação de professores


de estudos sociais, produzidos no Brasil entre o período de 1960 e
1980. Apresentaremos, uma análise acerca dos conteúdos,
definições, componentes curriculares, ensino e aprendizagem nos
Estudos Sociais e responderemos às questões referentes às matrizes
estadunidenses encontradas. Como mencionamos, totalizam-se
quinze livros analisados, vale ressaltar também, que cada manual foi
analisado de acordo com as suas especificidades.

Em que consistiam esses programas e quais as matrizes orientadoras


dos currículos, livros didáticos, manuais de formação e práticas de
ensino são informações desconhecidas para grande parte dos
investigadores da história da educação. Os que exploram o tema
demoram-se no período relativo ao regime ditatorial civil-militar que
importou, em larga escala, as teorias educacionais estadunidenses e
as implantou em diferentes níveis de ensino.

A esse respeito, informa a pesquisadora Elza Nadai – em seu artigo


intitulado Estudos Sociais no primeiro grau, publicado na revista Em
Aberto– que os principais conceitos incorporados no Brasil acerca da
disciplina Estudos Sociais foram produzidos pelos pesquisadores
norte-americanos John Michaelis e Jerome Bruner.

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John Michaelis traz em seu livro Estudos Sociais para crianças numa
democracia, editado no ano de 1970 pela editora Globo, que centra
as ideias nos valores e comportamentos democráticos a ideia de que
democracia é “um modo efetivo de viver, baseado em ideais
fundamentais e duradouros” (MICHAELIS, 1970, p.16). Ou seja, os
indivíduos são respeitados, tem dignidade, fazem escolhas e tomam
decisões, assumem responsabilidades e levam-nas a termo, exercem
e ajudam a preservar direitos inalienáveis e tem a oportunidade de
cooperar com os outros na construção de interesses comuns. E,
educação é “a formação integral do indivíduo, capacitando-o a
exercer o seu inalienável direito à liberdade” (MICHAELIS, 1970,
p.i).Portanto, segundo o pesquisador, asmetas, planejamentos,
processos e materiais de instrução, assim como a avaliação devem
estar coerentes com este tema.

Outros pontos importantes no livro são as características de


crescimento e as diretrizes a adotar para o melhoramento da
aprendizagem para os Estudos Sociais. Como também, as funções
dos Estudos Sociais, pondo em relevo os objetivos, os valores
democráticos e o comportamento democrático. O livro tem como
princípio orientar e apresentar ideias que contribuíssem para
desenvolver a autoconfiança e a faculdade criadora dos professores.

Já o livro do norte-americano Jerome Bruner, é produto de uma


reunião de trinta e cinco cientistas, em setembro de 1959, em Woods
Hoole, no Cabo Cod, onde estudiosos e educadores tinham como
objetivo discutir melhoramentos para o ensino de ciências nas escolas
primárias e secundárias dos Estados Unidos da América. Os principais
esforços haviam sido iniciados por físicos, matemáticos, biólogos e
químicos. Por outro lado, psicólogos educacionais voltaram sua
atenção, para o estudo da aptidão e realização e para os aspectos
sociais e motivacionais da educação, mas não se preocuparam
diretamente com a estrutura intelectual das atividades em classe.

Em relação aos conteúdos, foram analisados os capítulos de cada


manual. Em seguida, foi feito um banco de dados e um agrupamento
das ideias mais recorrentes em cada capítulo com o objetivo de
encontrar quais os elementos se destacavam. Dos quinze manuais
analisados, somou-se um total de 138 capítulos. Dentre eles,
sobressai-se o livro Estudos Sociais na Escola Primária, escrito por
Josephina de Castro e Silva Guadenzi com um total de 43 capítulos.
Esse destaque, se deve à elaboração da obra, pois, o objetivo do livro
é mostrar as peculiaridades de cada série do primeiro grau.

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Assim, torna-se um manual rico em detalhes, conteúdos e propostas
pedagógicas para os alunos de todas as séries de ensino no primeiro
grau.

Nos livros analisados, cerca de 33% dos capítulos tem, como item
principal, os conteúdos ensinados na disciplina, ou seja, 45 dos
capítulos analisados pertencem a esse grupo. Apesar de ser o
destaque na análise, esse elemento constitui, em média, cerca de
três capítulos por livro, por isso esse grande número nos
componentes relacionados aos conteúdos.

Em segundo lugar, em termos de frequência, estão os métodos de


ensino sugeridos para uso nos estudos sociais. Eles contabilizam 13%
do total de capítulos inventariados. Apesar de constituírem a segunda
classe de elementos mais frequentes, os métodos não estão
presentes em todos os livros analisados. No entanto, nos manuais em
que se fazem presentes, contabiliza-se cerca de três, chegando até
cinco capítulos nos livros em que estão contidos. Merece destaque o
manual escrito pelo pesquisador Ralph Preston (1965) intitulado
Ensinando Estudos Sociais na escola primária, onde disponibiliza sete
capítulos para tratar de métodos de ensino. Nessa obra, há grande
esforço para apresentar ao professor as inovações extraídas da
experiência norte-americana com as escolas experimentais.

Os recursos, que são os materiais que os autores dos livros sugerem


para aprimorar e facilitar o ensino dos alunos, estão em 8,5% dos
capítulos analisados. Vale ressaltar que, apesar de ser o terceiro
elemento mais expressivo, está presente apenas em nove manuais
analisados. Conceituação e planejamento são outros elementos que
se destacam na análise – fazem parte de 12% e 7%,
respectivamente. Importante perceber que, em relação à
conceituação, os autores dos livros mostram a importância da
definição da disciplina Estudos Sociais. Outra observação importante
é que todos os manuais dedicam, pelo menos, um capítulo para esse
componente. Em relação ao planejamento, apenas a metade dos
livros preocupa-se com esse item, destacando a pesquisadora
Francisca Alba Teixeira, pois, em seu livro, dedicou três capítulos
para esse componente.

A avaliação está presente em 65% dos manuais de estudos sociais


analisados. No entanto, apenas cinco livros tratam desse
elemento:Ensinando Estudos Sociais na Escola Primária, Estudos
Sociais na escola primária, Introdução Metodológica aos Estudos
Sociais, O ensino de Estudos Sociais no primeiro grau e Didática de
Estudos Sociais nas primeiras séries do 1 grau. A aprendizagem,

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presente em seis manuais analisados, faz parte de 4% do total de
capítulos analisados.

Em relação à atividade, presente em 5% do total analisado, está


presente em apenas dois livros; no entanto, os autores dão destaque
importante para esse elemento, colocando-o em 4 capítulos no livro
Estudos Sociais na escola primária e dois capítulos em Didática de
Estudos Sociais nas primeiras séries do 1 grau. Itens, como aluno,
ensino, formação (docente), fundamentos e histórico aparecem em
apenas 4,5%.

Com esses detalhes, podemos colocar em evidência o livro do norte-


americano Ralph Preston, intitulado Ensinando Estudos Sociais na
Escola Primária (1965), pois esse manual contém todos os
componentes analisados. Afirmamos, assim, que os autores dos
manuais de professores de Estudos Sociais observados, têm uma
grande preocupação em indicar quais os conteúdos da disciplina
devem ser ensinados. Os elementos considerados importantes para o
professor, como por exemplo, aprendizagem, ensino e planejamento
foram pouco citados nos livros.

Finalidades dos Estudos Sociais


Segundo André Chervel (1990), “o problema das finalidades da escola
é certamente um dos mais complexos e dos mais sutis com os quais
se vê confrontada a história do ensino” (CHERVEL, 1990, p.13). Ainda
para o pesquisador, a sociedade, a família e a religião
experimentaram, em determinada época da história, teve a
necessidade de delegar certas tarefas educacionais a uma instituição
especializada. A identificação, a classificação e a organização desses
objetivos ou dessas finalidades são uma das tarefas da história das
disciplinas escolares. Partindo desses pressupostos, descreveremos e
analisaremos a seguir as finalidades dos Estudos Sociais segundo os
autores dos manuais de formação de professores da referida
disciplina.

De acordo com as descrições sobre as finalidades, cada manual de


uma forma diferente, explicita o principal objetivo da disciplina
Estudos Sociais que é preparar o aluno para uma vida em sociedade.
Ou seja, as ideias defendidas nos livros é que o ensino da disciplina
gira em torna das relações humanas, que segundo Michaelis (1970),

“atenta-se para as maneiras de viver e de trabalhar em conjunto,


para a utilização do meio ambiente a fim de fazer frente às
necessidades humanas fundamentais, para os costumes, instituições,
valores e situações vitais – para a herança cultural e suas
características dinâmicas e evolutivas” (MICHAELIS, 1970, p.4-5).

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A partir disso, percebemos a ligação entre os manuais escritos no
Brasil durante o período descrito, e as argumentações do referido
pesquisador norte-americano. No entanto, os autores brasileiros não
trazem definições acerca do que seria as “relações humanas” no
Brasil. Apesar disso, concluímos, que o ensino de Estudos Sociais no
Brasil teria as mesmas finalidades da disciplina nos Estados Unidos da
América e, sendo o John Michaelis (1970) um dos principais
responsáveis pelas ideias elaboradas para o ensino de Estudos
Sociais.

Outro fator importante, para a análise das finalidades é a ideia de


democracia defendida por alguns autores dos manuais. Como por
exemplo, Peixoto (1965), defende que os objetivos dos Estudos
Sociais é

“Educar para uma democracia – educar para viver democraticamente,


isto é, em base de cooperação mútua, de respeito à integração
individual e responsabilidade social, constituem, pois, tarefa de relevo
na época atual” (PEIXOTO, 1965, p.19).

Para o teórico norte-americano, democracia é “um modo efetivo de


viver, baseado em ideais fundamentais e duradouros” (MICHAELIS,
1970, p.16). Ou seja, os indivíduos são respeitados, tem dignidade,
fazem escolhas e tomam decisões, assumem responsabilidades e
levam-nas a termo, exercem e ajudam a preservar direitos
inalienáveis e tem a oportunidade de cooperar com os outros na
construção de interesses comuns. Diante das afirmações
apresentadas pelos autores, podemos assegurar que a ideia de
democracia defendida por John Michaelis também seria a mesma dos
autores brasileiros?

A partir das ideias de finalidades dos autores apresentados,


concluímos que, o principal objetivo do ensino de Estudos Sociais no
Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980, é de que o aluno deve
aprender a viver em sociedade através das relações humanas, tanto
defendida pelo pesquisador norte-americano John Michaelis (1970),
tanto pelos autores dos manuais descritos. No entanto, a ideia de
democracia também defendida pelo autor mencionado e pelos
autores brasileiros não se cruzam, pois, Brasil e E.U.A. vivem
historicamente desafios diferentes dentro da sua sociedade.

Ideias sobre a avaliação da aprendizagem em Estudos Sociais


Uma das matrizes da arquitetura elaborada por André Chervel
(1990), acerca da disciplina escolar, a avaliação consiste em medir a
capacidade de absorção do conteúdo em determinado aluno. A partir

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dessa afirmação, e de acordo com as premissas elaboradas nesta
pesquisa, descreveremos e analisaremos os manuais a seguir.

Como podemos observar, apenas sete livros dos quinze analisados na


presente pesquisa descrevem o conceito de avaliação. Para os
autores, avaliar consiste em analisar o desempenho do aluno. Como
por exemplo descreve o autor Antônio Xavier Teles, segundo o
próprio,“avaliação é um último estágio de um processo complexo que
envolve outros comportamentos, como conhecimentos,
compreensões, aplicação, análise, síntese” (TELES, 1975, p.41). No
entanto, durante a avaliação é importante o uso de jogos, elaboração
de trabalhos, excursões, desenhos, como afirma Josephina Gaudenzi
em seu livro intitulado Estudos Sociais na escola primária “a avaliação
organizada e contínua consiste na conversação dirigida, trabalhos de
classe, jogos e outras atividades, além de entrevistas com os
professores e é tarefa exclusiva do professor” (GAUDENZI, 1962,
p.36).

Já a pesquisadora Pannutti (1976), vai além da avaliação direta entre


professor e aluno, segundo a autora, o aluno deve pratica a auto
avaliação com o objetivo de “colocar-se” dentro do grupo. Ou seja,
outros fatores também devem estar em evidencia para realizar a
avaliação do aluno, como os fatores mental e psicológico. Pois, para a
pesquisadora “a avaliação é uma auto-avaliação e um "colocar-se" de
cada indivíduo no grupo. Os diferentes aspectos do comportamento,
os componentes da personalidade, o desempenho e os interesses
serão objetos da avaliação” (PANNUTTI, 1976, p.19).

De acordo com o norte-americano Ralph Preston, a avaliação tem


como principal objetivo avaliar os conhecimentos, as habilidades e os
valores adquiridos pelo aluno. E, diferentemente de alguns autores
brasileiros, avaliar é trabalho exclusivo do professor. Pois, segundo o
autor, “avaliação do professor precisa avaliar o aproveitamento em
conhecimento e compreensão, em atitudes e comportamento, a
capacidade de aplicar o raciocínio científico aos problemas sociais e a
capacidade de utilizar os instrumentos dos Estudos Sociais”
(PRESTON, 1962, p.25).

De acordo com o que foi descrito em relação ao item avaliação,


podemos afirmar que tanto o conceito elaborado por André Chervel
como as ideias elaboradas pelos autores dos manuais analisados
estão diretamente ligadas. Os teóricos afirmam diretamente que o
principal objetivo da avaliação é testar a capacidade de aprendizagem
do aluno de acordo com os preceitos elaborados pelo professor em
sala de aula. Portanto, desde os anos de 1960 à década de 1990, do

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século XX, o quesito avaliação sofreu poucas mudanças em seus
fundamentos, princípios e finalidades.

Considerações Finais
Após a análise dos conceitos elaborados por Jerome Bruner (1968),
em seu livro O Processo da Educação afirmamos que, na
aprendizagem, a criança pode aprender qualquer coisa no seu estágio
de desenvolvimento. Na avaliação, a informação deve ser adequada à
tarefa. Portanto, ensino é a predisposição para aprender e explorar
alternativas. Pode-se ensinar um conteúdo para uma criança de
qualquer idade, desde que seja apresentado em termos da
visualização que a criança tem das coisas. Portanto, no ensino, o
aluno deve estar disposto a aprender e explorar as alternativas. Com
relação aos conteúdos, o autor determina que esses elementos estão
relacionados às informações transmitidas. No entanto, apesar de
contribuir, significativamente, para as ciências humanas, seus
estudos trouxeram mais resultados para as ciências naturais e
exatas.

Já na apreciação dos escritos de John Michaelis (1970), em seu livro


intitulado Estudos Sociais para crianças numa democracia, que
diferentemente do Bruner (1968), está diretamente ligado ao ensino
de Estudos Sociais. Concluímos que para o estudioso, a principal
finalidade dessa disciplina é proporcionar experiências que ajudem
cada criança a viver eficientemente na nossa sociedade democrática.
Democracia essa que, é um modo efetivo de viver, baseado em ideais
fundamentais e duradouros. Ou seja, os indivíduos são respeitados,
tem dignidade, fazem escolhas e tomam decisões, assumem
responsabilidades e levam-nas a termo, exercem e ajudam a
preservar direitos inalienáveis e tem a oportunidade de cooperar com
os outros na construção de interesses comuns.

Como a análise foi ordenada de acordo com os conceitos acerca da


disciplina escolar de André Chervel (1990), asseguramos que, para
Michaelis (1970), a História, Geografia e Educação cívica são os
principais componentes curriculares dos conteúdos que, por seu
turno, visam a programas que incluam materiais e atividades
referentes às relações humanas no lar, na escola, na comunidade. Em
relação ao elemento avaliação, para o pesquisador, avaliar consiste,
fundamentalmente, em responder a seguinte pergunta: “Em que grau
estão sendo alcançados os propósitos dos Estudos Sociais?” Portanto,
ensinar e aprender estão ligados ao objetivo de promover, no
educando, atitudes de um cidadão democrático e prepará-lo para ter
relações humanas dentro de sua comunidade.

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Tomado de posse dessas conclusões sobre os teóricos norte-
americanos descritos e posteriormente descrever e analisar os
manuais de formação de professores afirmamos que nos livros de
formação de professores de autores brasileiros, constatamos que
existia uma grande preocupação em estabelecer quais os conteúdos
deveriam ser ensinados para os alunos. Pois foi o tema de maior
relevância de acordo com os dezessete manuais de formação de
professores analisados. Nos componentes curriculares, a História
esteve presente em todos os manuais, no entanto, vale ressaltar que
em nenhum manual descrito este componente encontrou-se avulso.
Em algumas publicações, o encontramos junto somente da Geografia.

Em relação a avaliação, elemento que esteve presente em apenas


sete dos quinze manuais descritos nesta pesquisa, observamos que a
grande preocupação dos autores esteve em analisar o desempenho
da criança, através de meios que a estimulassem, como por exemplo,
jogos e trabalhos em classe.

Com essas descrições e análises, percebemos que nem todas as


ideias elaborados pelos teóricos norte-americanos foram apropriadas
pelos autores dos manuais de formação de professores de Estudos
Sociais nos anos de 1960 a 1980. Por exemplo, não foi incorporada o
conceito de democracia norte-americana para os brasileiros. Pois,
torna-se evidente as diferentes situações vividas na mesma época, ou
seja, os Estados Unidos da

América passavam por transformações sociais, igualdade racial, entre


outros, e, no Brasil, o país estava numa época de governos
ditatoriais, onde os cidadãos lutavam pela democracia e pela
liberdade de expressão. Já os pensamentos acerca das “relações
humanas” todos os autores apropriaram-se.

Portanto, o principal campo dos estudos sociais são as relações


humanas. Esta ideia, está vinculada nos manuais de formação de
professores produzidos no Brasil. Contribuindo assim, para um
melhor desenvolvimento dos alunos nas escolas brasileiras.

A partir dessas análises, concluímos que alguns dos conceitos


elaborados pelos intelectuais norte-americanos, de fato, foram
apropriados pelos autores de manuais de formação de professores de
estudos sociais brasileiros. No entanto, não podemos confirmar se o
John Michaelis e o Jerome Bruner foram os teóricos que
fundamentaram a instituição dos Estudos Sociais no Brasil. Pois, num
exame direto de conceitos, finalidades e das referências bibliográficas
dos referidos manuais, percebemos que existe uma grande
quantidade de teóricos não só norte-americanos como também

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brasileiros e europeus que foram apropriados para a elaboração das
descritas publicações brasileiras.

Referências
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Graduado
em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe,
graduando em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional
membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre História do Ensino
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146
A TENTATIVA DE DIVISÃO DO PARÁ E DE CRIAÇÃO DO
ESTADO DE CARAJÁS: POSSIBILIDADES TEMÁTICAS DE
DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA NO SUL DO PARÁ
Roberg Januário dos Santos
Jeremias Oliveira Santana

Introdução
O tema em tela está na órbita da divisão do Estado do Pará e, por
conseguinte da criação dos Estados do Tapajós e Carajás, onde o
primeiro se localizaria no Oeste do Pará e o segundo no Sudeste
deste mesmo Estado. As discussões aqui propostas surgiram do
projeto de pesquisa O embate fronteiriço paraense: a tentativa de
criação do estado do Carajás e sua recepção na cidade de Xinguara
(1989 – 2011), desenvolvido na Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará. Os frutos da pesquisa podem orientar novas leituras
do cenário socioeconômico e cultural de Xinguara, contribuindo para
inicialmente se pensar numa história em que os documentos
pesquisados e catalogados acerca da pretensa criação do estado do
Carajás possam permitir leituras históricas acerca da constituição de
uma cidade e Região com histórias marcadas pelo impacto de
grandes projetos econômicos, a exemplo do projeto Carajás, por
conflitos de terras (PEREIRA 2014)e fortes fluxos migratórios (SILVA,
2006) que acompanharam a chamada expansão das fronteiras da
sociedade brasileira para a Amazônia oriental (MARTINS, 2004).

A Nova República e as propostas separatistas na década de


1980
É importante perceber que no Brasil, desde a época do Império,
inúmeras propostas de divisão do território emergiram na cena
política, algumas destas propostas alcançaram resultado efetivo,
como é o caso dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Tocantins. É
notório observar que propostas para a continuidade desse processo
de divisão estão em curso, tendo como palco principal o Congresso
Federal do Brasil por meio dos projetos de lei que tramitam no citado
Congresso, sobretudo, voltados para a criação de novos estados e
municípios. No caso da Amazônia, deve-se lembrar dos processos de
redivisão do território ocorridos no século XX, como foi o caso da
criação do Território Federal do Acre, em 1902, além dos Territórios
do Guaporé (Rondônia), Amapá e Rio Branco (Roraima), todos em
1943, tendo por fim o caso do Tocantins, em 1988.

O discurso do parlamentar Asdrúbal Bentes citado na epígrafe deste


texto situa-se no contexto da chamada “transição democrática” que o
Brasil viveu em finais da década de 1980, período marcado pela saída
de cena do regime militar ditatorial e efervescentes debates políticos,

147
sobretudo, com os trabalhos da chamada Constituição cidadã de
1988, oportunidade em buscava-se ouvir a opinião pública associada
a emergência de diversos movimentos sociais, a exemplo de
trabalhadores, mulheres, índios, negros, camponeses, entre outros,
implicando de um modo ou de outro a ampliação da noção de
cidadania no país e a ideia de participação popular. A pauta de
direitos políticos e sociais foi uma marca neste contexto, gestando
um cenário de certas tendências nacionais e estatistas. A presença do
povo como ator político se fez manifestar ainda no movimento
“Diretas Já” que reivindicava reestabelecer, pelo Congresso Nacional,
as eleições diretas para Presidente da República. Segundo Reis
(2014) um movimento de grandes proporções que ganhou as ruas do
Brasil mediante grandes comícios em algumas capitais. O resultado
não foi o esperado em 1985, haja vista que a proposta não foi
efetivada, uma vez que mesmo sendo aprovada não atingiu o quórum
de votos necessários, ocorrendo eleição indireta para o cargo máximo
da política brasileira à época.

Ao se pronunciar “E é bem melhor que o Brasil se divida entre seus


próprios filhos do que separar-se em outros pequenos países”, o
parlamentar reverberou a ideia de anseio do povo e
concomitantemente posicionou o ideário separatista como atitude
patriótica, contrapondo a possível ideia antinacionalista com a
justificativa de dividir apenas internamente sem comprometer a
continuidade da soberania do país. O texto foi escrito em um
momento prévio às eleições presidenciais de 15 de novembro de
1989, oportunidade em que ocorreram as primeiras eleições diretas
após a ditadura militar, o que impulsiona a pensar que o discurso em
torno da criação dos estados do Tapajós e Carajás no Pará estavam
sendo inseridos no momento em que ideia de opinião pública e
vontade popular eram amplificadas na sociedade brasileira.

Dois acontecimentos emancipacionistas fomentaram a reabertura das


discussões sobre a criação de novos Estados no Brasil: a criação dos
Estados do Mato Grosso do Sul e do Tocantins. Primeiro, ressalta-se
que às vésperas da década de 1980 foi criado o estado do Mato
Grosso do Sul, desmembrado do estado do Mato Grosso em 1979,
oportunidade em que o Governo Brasileiro atendia a um pleito um
tanto quanto antigo desta parte do país que reivindicava separação
muito em função da distância do Mato Grosso e proximidade com São
Paulo, ponto pelo qual foram instaladas fazendas de gado e uma
ferrovia ligando Bauru a Corumbá. Em 1943, Getúlio Vargas criou um
território federal na divisa do Paraguai, assim criando o território de
Ponta Porã que foi extinto pela Constituição de 1946. Com o
crescente distanciamento entre a população mais ao Sul e o Mato

148
Grosso, foi criado o Mato Grosso do Sul, com capital em Campo
Grande.

Segundo, o outro Estado criado, desta feita na década de 1980, foi o


Tocantins, situado no norte do estado de Goiás. Desde o século XIX
que a ideia de criar o território do Tocantins começou a ser ventilada,
chegando a ser proposta a criação da Província da Boa Vista do
Tocantins, em 1863, pelo Visconde de Taunay, deputado à época pela
Província de Goiás. Na década de 1970, lideranças políticas voltaram
a propor a criação do estado do Tocantins, desta feita, o deputado
Siqueira Campos apresentou uma emenda ao projeto de lei que
criava a fusão entre os territórios da Guanabara e do Rio de Janeiro.
Em 1977 o mesmo parlamentar apresentou projeto para criação de
um Estado no Norte com aprovação na Câmara Federal, mas o
projeto não foi a frente. Segundo Cavalcante (2003) a retomada da
proposta de criação do Tocantins na década de 1980 foi resultado da
criação do estado do Mato Grosso do Sul em 1977, bem como do
momento de transição democrática e pelos princípios de
autodeterminação e representação dos povos. Sobre as bandeiras de
melhor administrar e integrar o Estado ao desenvolvimento nacional,
as lideranças do norte goiano encontram um momento propício para
mobilizar a população em torno da criação do Tocantins, ponto pelo
qual foi criada em Brasília, no ano de 1981, a Comissão de Estudos
do Norte Goiano (CONORTE), com o objetivo de buscar o
desenvolvimento do norte de Goiás e a criação de uma nova unidade
federativa, bem como outras entidades, como o Comitê Pró-Criação
do Estado do Tocantins. As entidades pró-Tocantins conseguiram algo
em torno de 70 mil assinaturas e entregaram para a Assembleia
Constituinte, como um tipo de emenda popular. Logo em seguida, o
deputado Siqueira Campos entregou emenda com a mesma natureza
à Assembleia que foi votada e aprovada no ano de 1988. Siqueira
Campos tornou-se o primeiro governador do Estado.

A criação do estado do Tocantins esteve no conjunto dos projetos de


redivisão do território do Brasil por ocasião da Constituinte de 1988,
quando várias propostas emancipacionistas foram apresentadas. De
acordo com Manuel Correia de Andrade (1997), cerca de oito
propostas emancipacionistas tramitaram à época, mas só uma
conseguiu ser aprovada, justamente a do Tocantins. As outras
propostas em curso eram: No Sul, existia o movimento para criação
do Estado da Campanha do Sul, com possibilidades da cidade de
Pelotas se tornar a capital; No Brasil Meridional ocorriam os debates
em torno de um possível estado de Iguassu, compreendendo parte
dos territórios do Paraná e Santa Catarina, com o discurso
progressista amparado por um comércio internacional com o
Paraguai, proximidade ao porto de Paranaguá e da hidrelétrica de

149
Itaipú; no Sudeste, a proposta de criação do estado do Triangulo
Mineiro, região pecuarista e de potencial agrícola, projetando a cidade
de Araxá como futura capital, este enfrentou forte oposição de Minas
Gerais; no Sul da Bahia, observa-se a tentativa de criação do estado
de Santa Cruz, com base nas antigas capitanias de Ilhéus e Porto
Seguro, baseadas na economia do cacau e no crescimento de
cidades, como Itabuna, o projeto separatista enfrentou oposição da
classe política baiana.

Além do mais, no Nordeste observa-se a tentativa criação do estado


do São Francisco às margens do maior rio nordestino e com possível
capital na cidade de Barreiras, um território nas proximidades das
Minas, Pernambuco e situado na Bahia. No Maranhão surgiu a
proposta de criação do estado do Sul do Maranhão, território de
crescente pecuária e plantios de soja, próximo à rodovia Belém-
Brasília, a possível capital seria a cidade de Imperatriz. No Norte, dois
projetos de maior fôlego emergiam: primeiro a proposta de criação
do estado do Tapajós, no Oeste do Pará, com possível sede na cidade
Santarém, situado às margens do maior rio do mundo, o Amazonas,
o território do estado proposto compreende uma faixa de terra até o
Suriname; segundo, a proposta de criação do Estado de Carajás no
Sul e Sudeste paraense esteve impulsionada pela presença de um
projeto de exploração mineral, o projeto Carajás, com ferrovia que
liga à São Luís do Maranhão, ainda em seu território a represa de
Tucuruí e área de expansão da pecuária impulsionaram a perspectiva
autonomista, com possível capital sediada na cidade de Marabá.
Outros territórios possuíam ideias separatistas com menor
intensidade, mas que eram ventiladas, como no sul do Piauí existia a
ideia de criação do estado da Gurguéia; no Mato Grosso do Sul, a
ideia do estado do Pantanal e no norte do Mato Grosso, sul do
Amazonas e Pará, registra-se a ideia do estado de Aripuanã.

Relação do projeto de pesquisa com a educação básica


Socialmente o projeto de pesquisa O embate fronteiriço paraense: a
tentativa de criação do estado do Carajás e sua recepção na cidade
de Xinguara (1989 – 2011) possui relevância, pois além dos discentes
do Curso de História da Unifesspa, a cidade ganhará com os
resultados da pesquisa, pois os professores da rede básica de ensino
poderão incluir nos seus planos de ensino conteúdos de história local
a partir das fontes pesquisadas, bem como poderão também
desenvolver pesquisas, aulas de campo ou informar aos estudantes
acerca dos espaços e fontes para a história da cidade, uma vez que a
coordenação do projeto colabora com projetos ligados ao Programa
de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica – PAPIM/Unifesspa,
fazendo deste diálogo do PAPIM um canal para trabalhar junto aos

150
professores(as) da cidade um tema tão recorrente no local e pouco
explorado, estudado e debatido no cenário escolar local e regional.

Sabendo da importância das fontes históricas para o metier do


historiador, cabe ressaltar o fato de muitas cidades, especialmente
aquelas mais contemporâneas, possuírem versões de suas histórias
um tanto quanto apressadas e simplistas, com base em notas
biográficas ou relatos de origem simplificadores da complexidade
social destes espaços. Os professores do ensino básico,
especialmente do ensino fundamental II acabam se ressentindo por
não terem material para trabalharem a história da cidade em suas
aulas de História e quando trabalham apenas fazem uso de pequenos
textos ou apostilas curtas fornecidas pela Secretaria de Educação.
Estes materiais narram a história da cidade mediante três etapas:
origem, emancipação política e evolução, procedimento que recai na
chamada história etapista, aquela alavancada por meio de etapas de
sucessão temporal compreendida em bloco homogêneo, em que
ocorre uma explicação linear, harmônica e livre de adversidades e
diferenças. Além do que, esse tipo de história acaba sendo
apresentado aos moldes tradicionais diante da atual conjuntura dos
estudos históricos e suas frequentes renovações teórico-
metodológicas. Daí a narrativa geralmente recai sobre fatos, datas e
homens ilustres que são postos enquanto marcos definidores do
lugar. A ideia deste projeto é contribuir para a mudança deste cenário
permitindo o acesso dos professores às fontes, as leituras e aos
resultados da pesquisa, operando a construção de um novo tipo de
história local e regional, pautada em estudo científico e compromisso
com o entendimento de questões basilares da história da Amazônia
oriental.

Ainda em relação à história local, a pouca produção historiográfica


sobre o município e a inexistência de material didático para uso nas
escolas provocam certo desconhecimento da história local, entendida
aqui como a história de cidades ou de pequenas regiões que
expressam a trajetória da comunidade e sua dinâmica no cotidiano.
Uma das mais enfáticas respostas dos professores da educação
básica, quanto ao não trabalho com a história local, remete-se ao
desconhecimento de subsídios (fontes) e caminhos (temas) para o
trato com as questões locais. Nesse sentido, pretende contribuir para
que os professores(as) possam ter acesso ao relatório final do projeto
no sentido que produzam reflexões e conduzam estas reflexões até
os seus alunos(as) para que eles estudem a história do lugar por um
outro viés, que não aquele que reforça a eminente progressão da
capital do boi gordo, atributo que escamoteia as contradições e
conflitos gerados pela pecuária e latifúndio na região.

151
“A Unifesspa, desde a sua fundação, assumiu o compromisso e o
desafio de promover a formação de profissionais em nível superior
para atuarem na região, oferecendo serviços educacionais de
qualidade que permitam que os alunos por ela formados se
transformem em cidadãos conscientes e profissionais competentes,
agindo em prol da sociedade onde estão inseridos”.

Evidências da atualidade e relevância do tema


“Na noite desta quinta-feira, 15, cerca de 100 pessoas da sociedade
civil organizada, políticos e empresários se reuniram em plenária na
câmara municipal de Parauapebas, para apresentar a Associação pro-
Estado do Carajás de Parauapebas A.M.P.E.C.” (CARAJÁS, O JORNAL,
16/12/2016).

Como se pode observar na matéria jornalística acima citada, o


movimento favorável à criação do Estado de Carajás no Sul e Sudeste
paraense continua vivo e pulsando, pois, os seguimentos políticos,
empresários e fazendeiros da região não desistiram da proposta.
Segundo a matéria jornalística, a intenção da reunião era coletar
novas ideias e propostas para a elaboração de um novo projeto de
criação do estado do Carajás. A matéria em tela evidencia claramente
que os ideais em torno da criação do Estado de Carajás ainda
circulam fortemente no seio de segmentos da região, inclusive estas
mesmas elites buscam atualizar seus meios de propaganda conforme
seu tempo, pois no caso da reunião de Parauapebas registra-se o fato
de ter sido apresentado um aplicativo para android intitulado “sim
Carajás”.

Ainda em 2013, dois anos depois do plebiscito de 2011, a qual a


proposta de criação dos Estados do Tapajós e de Carajás foi rejeitada
pela maioria da população paraense, o Deputado Federal à época,
Giovanni Queiroz (PDT-PA), propôs uma emenda à Constituição N °
297, de 2013, com vistas à “acrescenta o § 5º ao art. 18 da
Constituição da República Federativa do Brasil, para definir o conceito
de população diretamente interessada para os casos de
desmembramentos, visando à criação de novos estados”. O Deputado
Giovanni Queiroz sempre foi um dos principais entusiastas do
movimento separatista e demonstrou com esta PEC o avivamento e a
não desistência da criação do estado do Carajás. A intenção do
Deputado Federal era fazer com que a população do território
interessado no desmembramento de outro Estado tivesse a primazia
de decidir sobre a separação, sem necessariamente depender do
restante da população de outras partes do Estado de origem. Tal
finalidade da PEC só evidencia mais uma estratégia pró-Carajás
frente ao motivo da derrota no plebiscito de 2011, pois os

152
“carajaenses” atribuem a derrota aos votos da população de Belém e
regiões conexas.

Estas situações expostas acima imputam relevância à investigação


proposta neste projeto, bem como sua atualidade, pois além de
contribuir para problematizar uma proposta regional de
desmembramento estadual, o tema desta pesquisa tende a se tornar
um farol a aclarar questões maiores que perpassam questões fulcrais
relativas à redivisão dos Estados brasileiros, haja vista que, conforme
Cigolini e Nogueira (2012, p.3-4):

“As propostas de leis, se aprovadas, fariam com que o espaço


brasileiro fosse dividido em 41 unidades políticas, sendo
acrescentadas as já existentes as seguintes: Araguaia, Aripuanã,
Gurguéia, Juruá, Madeira, Marajó, Maranhão do Sul, Mato grosso do
Norte, Norte de Minas, Rio Negro, São Francisco, São Paulo do Leste,
Solimões, Uirapuru e Xingu”.

Nestes termos, observa-se que se encontram em curso várias


propostas separatistas, notadamente reivindicadas mediante
situações específicas de cada região. Há de se notar que ocorre uma
concentração das propostas de novas unidades da federação nas
regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste, áreas que notadamente tem
registrado a expansão de atividades econômicas e produtivas nas
últimas décadas, a exemplo da proposta de criação do Estado do
Carajás com atividades agropecuárias e mineradoras. Deve-se
observar neste cenário histórico de redivisão dos Estados os
apontamentos de Martins (2001, p.279):

“Os argumentos para a transformação dessas regiões em estados


(ver mapa 2), de um modo geral, são semelhantes e respondem às
peculiaridades regionais. Com exceção do estado do Tocantins, não
se encontrou unanimidade em torno dos movimentos pró-
emancipação dos demais estados. Essa é uma das causas das
derrotas desses movimentos: o conflito de interesses no seio das
elites”.

Considerando o que diz Martins, na citação acima, o projeto de


pesquisa proposto possui relevância acadêmica e social, pois, como já
citado neste texto, a pesquisa tende a contribuir para a formação
histórica sobre a cidade e região dos discentes do curso de História
de Xinguara, dada a fecundidade do tema; além do que, através da
pesquisa a sociedade local poderá compreender sobre os caminhos e
descaminhos do projeto de criação do Estado de Carajás,
perscrutando o papel das elites e suas ações neste processo; o papel
das instituições e como estas estiveram articuladas entre si, além de

153
investigar quais as tensões e conflitos que permearam este processo;
quais as disputas se deram entre políticos, instituições e outros
seguimentos da sociedade do Sul e Sudeste do Pará? Quais as
formulações e reformulações do projeto de criação do estado
Carajás? Estas questões são parte do reportório que embasa a
pesquisa.

Referências
Roberg Januário dos Santos: Doutorando em História pelo Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará.
Professor efetivo do curso de História do Instituto de Estudos do
Trópico Úmido, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
Esta publicação é fruto das reflexões teóricas realizadas no âmbito
dos Projetos de pesquisa: O Embate Fronteiriço Paraense: a tentativa
de criação do Estado de Carajás e sua recepção na cidade de
Xinguara - PA (1989 2011).

Jeremias Oliveira Santana: Graduando em História, curso de História


do Instituto de Estudos do Trópico Úmido, Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Pará.

ANDRADE, Manuel Correia de. As Raízes do Separatismo no Brasil.


Recife. Editora Universitária da UFPE, 1997.

CAVALCANTE, Maria do espírito Santo Rosa. O discurso autonomista


do Tocantins. Goiânia. Ed. da UCG, 2003.

CAZZOLATO, José Donizete.O embate paraense e a agenda territorial.


Primeiro Seminário Internacional Estado, Território e
Desenvolvimento: contradições, desafios e perspectivas Salvador
(BA), 4 a 6 de junho de 2012.

CIGOLINI, Adilar Antônio. Territorialização e a criação de novos


estados no Brasil.Revista electrónica de geografía y ciências
sociales Universidad de Barcelona. Vol. XVI, núm. 418 (10), 1 de
noviembre de 2012.

MARTINS, José de Souza. A vida privada nas áreas de expansão da


sociedade brasileira, in Lilia Moritz Schwarcz(org.), História da vida
privada no Brasil, Volume 4, [1a. edição: 1999], 3a. reimpressão,
Companhia das Letras, São Paulo, 2004.

PEREIRA, Airton dos Reis. Ocupações e conflitos de Terra no sul do


Pará (1975-1990). In: CAVALCANTI, Erinaldo. A História e suas
escrita: narrativas e documentos. Recife: Ed. Da UFPE, 2014.

154
SILVA, Carlos Henrique. O Pará aos Pedaços: projeto de criação dos
estados do Carajás e Tapajós no contexto da fronteira de
acumulação. Dissertação de mestrada apresentado ao Programa de
Pós-Graduação em geografia Humana, Universidade de São Paulo.
2015.

SILVA, Idelma Santiago da. Migração e Cultura no Sudeste do Pará:


Marabá ( 1968-1988). Dissertação de Mestrado em História.
Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2006.

155
HISTÓRIA E MEMÓRIA NO OESTE PARANAENSE: ESTUDO
PRELIMINAR SOBRE OS GRUPOS ESCOLARES DE MEDIANEIRA
(1952-1964)
Sander Fernando de Paula
João Carlos da Silva

O presente artigo discute a história e memória da educação de


Medianeira/PR, durante o período de colonização da região oeste do
Paranáentre 1951 a 1964. Neste contexto será analisada o
surgimento do primeiro grupo escolar denominado Grupo Escolar
Miguel Matte, posteriormente, Grupo Escolar Joaquim Oliveira Franco,
que deu origem ao primeiro colégio estadual do município. Por
intermédio de depoimentos de ex-professoras e alunos é possível
compreender a história destes grupos escolares e sua importância no
processo de desenvolvimento educacional da região.

Introdução
O campo da história da educação pouco temse apropriado da
memória para examinar os acontecimentos históricos. Explicar o
passado, prenhe dos acontecimentos humanos, em função do
presente, talvez seja essa a principal função social do pesquisador.
Mediante suas fontes, o desafio do historiador consiste a rigor dar
significado as atitudes, valores, intenções e convenções que fazem
parte das ações humanas. O desafio do historiador da educação
consistirá num esforço constante em fazer suas fontes falarem sobre
os homens, sobre a sociedade que as produziu. Como nos alerta Bosi,
(1997) a memória não é sonho, é trabalho.

Como o Historiador em educação identifica a memória? Como ele


difere a memória, individual ou coletiva da simples lembrança ou
ainda da imaginação, sendo que esta última pode comprometer o
trabalho de pesquisa? Para Pollak (1992) deve-se primeiramente
entender que memória são os acontecimentos vividos pessoalmente e
em segundo são os acontecimentos que o autor chama de “vividos
por tabela”, ou seja, são os acontecimentos que a pessoa vivenciou
junto com o grupo social no qual ele está inserido.

O autor ainda adverte que a memória pode ser “acontecimentos dos


quais a pessoa nem sempre participou, mas que, no imaginário,
tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível
que ela consiga saber se participou ou não” (1992, p.201).

Também cabe ao pesquisador compreender que memória e história


não são sinônimas. Assim como o passado, a memória não é a
história em si e sim um objeto de estudo da história, um recurso que

156
o historiador possui para a compreensão dos acontecimentos do ser
humano em sociedade. Ou seja, é através da memória em suas mais
diversas terminologias que podemos encontrar as respostas para os
acontecimentos do passado.

Para Le Goff (1990) o estudo da memória social, ou seja, aquela que


transmite a identidade e a história coletiva de uma sociedade é um
dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da
história. A memória está ora em retraimento, necessitando ao
pesquisador uma análise mais aprimorada ora em transbordamento,
quando o pesquisador necessita filtrar o que é relevante dentro do
contexto.

No sentido da valorização da memória educacional, os estudos sobre


a história da educação temse intensificado na região oeste do Paraná
nos últimos anos mediante esforços de pesquisadores e grupos de
estudo voltados para a compreensão e preservação dos fenômenos
educacionais presentes na história da colonização da região. Contudo
ainda existe muito campo de investigação inexplorado.

Para Sbardelotto (2009) o território da atual mesorregião Oeste do


Estado do Paraná foi ocupado por brasileiros em data relativamente
recente se comparada à ocupação brasileira das demais regiões do
Estado. Ou seja, tanto a ocupação quanto a pesquisa difere da nossa
região comparada com outras do Brasil. O estudo da história
educacional regional ainda caminha a passos lentos, tanto em relação
ao período anterior como posterior à ocupação brasileira. Neste
contexto se fez necessário um estudo sobre a história da educação de
Medianeira e sua relação com a colonização da região oeste
paranaense.

O grupo escolar representou naquele momento a esperança da


civilização, uma instituição com caraterísticas urbanas, tinha uma
finalidade cívica, moral e instrumental, uma escola renovada nos
métodos, nos processos de ensino, nos programas, na organização
didático-pedagógica. Conforme Souza:

“Não apenas os elementos da cultura escrita e científica que são


mitificados, mas também a escola como lugar, sua arquitetura, suas
finalidades, suas práticas, seus profissionais-missionários: tudo a
tornava um lugar especial um templo sagrado, um lugar para ser
respeitado e reverenciado. Para a escola convergiam os valores e os
símbolos mais significativos para a boa parte da sociedade brasileira,
a síntese mais lapidada compreendendo a ciência, a moram, os
valores cívico-patrióticos, os progressos da nação” (SOUZA, 1998,
p.276-277).

157
Neste texto pontuamos alguns elementos históricos acerca a
escolarização no Oeste do Paraná, considerando a relação entre
História-Memória como lócus de reconstrução da historia da educação
local e regional.

A colonização de Medianeira
Apesar da colonização do Oeste paranaense iniciar no final do século
XX na região de Foz do Iguaçu, foi somente a partir de 1940 que teve
maior expressividade. Para Priori (2012) a perspectiva da busca do
desenvolvimento e progresso do país, esteve fomentado
principalmente a partir do movimento denominada „Marcha para o
Oeste‟ durante o governo de Getúlio Vargas, (1930-1945).

Para Silva (2017) essa ocupação aconteceu com maior intensidade


entre os anos de 1940 e 1970, mediante o estabelecimento dos
colonos vindos do sudoeste do Paraná e, mais tarde, com a vinda de
italianos e alemães procedentes do Rio Grande do Sul e do Oeste
catarinense.

A colonização do município de Medianeira ocorreu no início da década


de 50. Os primeiros pioneiros, em sua maioria descendentes de
italianos e alemães vieram dos estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul com a promessa de terras férteis e uma vida melhor,
incentivados pela empresa colonizadora Bento Gonçalves Ltda.
(BIESDORF; ROHDE, 1996).

Além da força de trabalho e esperanças de uma vida melhor, essas


famílias trouxeram uma herança, uma memória social herdada da
sociedade onde viviam. Cada grupo trouxe consigo elementos de sua
cultura e de seus costumes que foram misturados e incorporados na
vivência das pessoas da cidade, caracterizando, dessa forma, o modo
de viver existente até hoje (MEDIANEIRA 2015).

Nos anos seguintes as primeiras famílias já aqui fixadas, precisavam


construir uma estrutura social inserindo nessa “nova vida” os
elementos essenciais como igreja, mercearia e escola. Emer (1991)
afirma que uma das preocupações fundamentais das famílias nas
frentes de ocupação e colonização no Oeste do Paraná, após a criação
das condições primeiras de subsistência, era com a escola, a
escolarização, a educação de seus filhos.

Ainda segundo o autor é fundamental levar em conta que a demanda


por educação é proporcional à necessidade sentida pela sociedade.
Quanto mais desenvolvida é uma sociedade, e mais complexas são as
relações sociais que estabelecem. Quanto mais ciência e tecnologia

158
são utilizadas nas máquinas, equipamentos e instrumentos de
trabalho, maior é a necessidade sentida pela população por mais
educação (EMER, 2012).

O Grupo Escolar Miguel Matte


Medianeira em 1952 era ainda um vasto território de mata
derrubada, cheiro de fumaça do capim queimado e terra lavrada e
algumas casas construídas, sempre há muitos metros de distância
uma das outras. Provenientes das cidades do sul e em sua maioria
descendentes de europeus, esse colonos tinham a preocupação em
comum, a educação dos filhos. Na ocupação e colonização do Oeste
do Paraná, a Casa Escolar Particular mais comum foi a Escola dos
colonos. Este tipo de escola originou-se da própria índole dos
descendentes de imigrantes europeus (EMER,2012).

A primeira professora a lecionar oficialmente em Medianeira foi Elza


Biesdorf. Sua nomeação aconteceu pelo decreto de lei nº 80 de 1 de
setembro de 1952. Elza lecionou durante dois anos e a sala de aula
onde atuava recebeu o nome de Grupo Escolar Miguel Matte.

Segundo depoimento da professora Elza Biesdorf no livro “O Resgate


da Memória de Medianeira” as primeiras lições para os alunos dos
colonizadores de medianeira aconteceram na primeira Igreja Católica
construída. “A primeira sala de aula improvisada, surgiu na igreja
local, na Avenida Bento Munhoz da Rocha, hoje Avenida Brasília e
localizava-se onde é atualmente o Banco do Brasil. Encostava-se os
bancos da igreja e colocava-se a mesa com dois bancos rústicos, um
quadro-negro e a cadeira da professora” (1996 p 273).

Em torno de 30 alunos compareciam as aulas, onde era ensinadas


lições de português e matemática. Na época, medianeira era distrito
de Foz de Iguaçu e para a efetivação do grupo escolar era exigido um
número mínimo de alunos, então até os mais novos iam às aulas a
fim de completar esse percentual (BIESDORF; ROHDE, 1996).

Para Emer (1991) era muito comum à participação dos pioneiros no


processo educacional e muitas vezes as contribuições eram conjuntas
com os órgãos governamentais. “Os grupos sociais não esperavam
que o poder público resolvesse o problema da educação, eles
construíam sua escola, contratavam seu professor e produziam sua
educação, mesmo que fosse apenas das primeiras letras” (p 215).
Em 1953 houve um aumento de famílias vindas do sul com o intuito
de colonizar as terras de medianeira e em consequência o número de
crianças também aumentou. Não havia condições de permanecerem
na Igreja Católica local. A colonizadora Industrial Agrícola Bento
Gonçalves LTDA construiu então uma estrutura de madeira com duas

159
salas de aulas e denominou o primeiro grupo escolar fixo. Segundo
Biesdorf; Rohde (1996) a nova escola contava com duas salas de
aulas grandes, carteiras novas de estilo rústico, estrado com mesa
para a professora, quadro negro e janelas arejadas.

É possível perceber uma articulação entre a companhia colonizadora,


responsável pelos colonos pioneiros e o governo municipal na
manutenção do grupo escolar. Ficou a cargo da construtora o terreno
e a construção da estrutura e a cargo da prefeitura o pagamento da
professora. Há neste contexto grande semelhança às etapas da
escola dos pioneiros discutida nos estudos de Ivo Oss Emer
intitulado: “Desenvolvimento histórico do Oeste do Paraná e a
construção da escola”.

O ensino na nova escola, porém, era feito em uma sala de aula


apenas com todas as classes reunidas, pois só havia uma professora
lecionando. Na sala havia o primeiro, segundo e terceiro ano. Quando
o número de alunos começou a aumentar, foi nomeado outro
professor, na época trabalhador da TH. Marinho, construtora da
estrada federal para ajudar a professora Elza Biesdorf (BIESDORF &
ROHDE, 1996).

Ainda segundo as autoras o torneiro mecânico, Graciano Galvan,


lecionava para o primeiro ano meio período, contudo como a
prefeitura de Foz do Iguaçu não pagava o salário para mais de um
professor, coube à colonizadora Bento Gonçalves o pagamento deste.
Mais tarde Graciano foi substituído pela professora Vilma Bonatto e
esta assumiu a o grupo escolar em 1954 quando a professora Elza
Biesdorf se desligou do cargo por motivos de saúde.

Grupo Escolar Joaquim Oliveira Franco


Para Silva, (2009) existem fontes específicas para o estudo de um
autor ou ainda de um professor excepcional e ainda existem fontes
para o estudo de uma instituição local, uma escola, um lugar, um
ambiente. Segundo o autor na história local e especifica de uma
escola, estão dispostos todos os problemas conexos à história desse
local, não obstante eles ganhem significação somente quando
colocados em contraste com outros locais.

Neste pensamento que surge as primeiras pesquisas com relação ao


Grupo Escolar Joaquim Oliveira Franco que mais tarde se tornaria o
mais antigo colégio Estadual do município e sua importância na
formação educacional, cultural e social no desenvolvimento da
sociedade medianeirense.

160
Medianeira teve seu desmembramento de Foz do Iguaçu e elevado à
autonomia de Distrito em 31 de julho de 1952 pela Lei n.º 99/52 e se
tornou Município oficialmente em 28 de novembro de 1961 pela Lei
Estadual n.º 4245 de 25 de julho de 1960, publicadas em 28.02.60
(MEDIANEIRA, 2017).

Em 1962 a pedido do Governo do Estado, a Construtora Bento


Gonçalves doou um terreno de 4.200 M para a construção do
primeiro colégio estadual. Contudo como a construção do colégio
levaria tempo e era necessário o início das atividades letivas foi
decidido que as aulas seriam no clube social da cidade, conhecido
como Clube Social União Medianeirense.

Com a implantação da escola, foi nomeada a primeira Diretora pelo


decreto N 4.364 de 28 de setembro de 1962, sendo a senhora Geni
Leite Pierezan responsável do cargo. Em 15 de dezembro de 1962 o
município abriu concurso público para a contratação de seis
professoras e servidores.

O estado do Paraná, seguindo o exemplo da maioria das unidades


federadas, aprovou, por sua Assembleia Legislativa, a Lei Estadual
n.º 4.978, de 5 de dezembro de 1964, sancionada pelo então
governador Ney Braga.

Lurdes Brunhera Bogoni, professora aprovada no concurso municipal


de 1962 diz em depoimento como foi ingressar como
professora.“Antes de iniciarmos as aulas para as crianças, fizemos
um curso preparatório de oito dias em Foz do Iguaçu. Quem levava
as professoras recém-admitidas era a mulher do prefeito da época na
camionete da prefeitura. Durante o período em que lecionamos no
Clube União quem pagava nosso salário era a prefeitura de
Medianeira. Quando fomos para a nova escola ai o Governo do estado
pagava nossos salários”.

Dentro das dependências do Clube havia 4 turmas de 1º a 4º séries


separadas em cada canto do local. Lá era lecionado o básico para as
crianças e o material que era usado ficava a cargo das professoras e
da prefeitura em arrumar. “Eu lecionava para o segundo ano e para
auxiliar no ensino fui até uma serraria e pedi para cortar pequenos
cubos de madeira onde eu escrevi os números e letras. Era uma
forma de ensinar da época” conta Lurdes.

Ignez Lorençon, dona de casa conta em depoimento como eram as


aulas no Joaquim Oliveira Franco em 1962, ano em que foi aluna. “No
primeiro ano que estudei cada turma ficava num canto do clube.

161
Tínhamos uma cartilha que aprendíamos português e matemática e
minha professora era a senhora Ana ladi Garcia”.

Como as dependências do clube não tinham a infraestrutura para


comportar um colégio era necessário à ajuda da comunidade para
muitas coisas inclusive a comida do recreio. “Na hora do recreio eles
sempre davam para a gente leite para beber. Era aquele leite que
vinha em pó e como não havia fogão no clube, a dona Maria que era
responsável pela comida ia até a casa vizinha, que sedia o fogão para
fazer o leite. Nós quando podíamos levávamos um pedaço de pão e
bolacha, mas eram tempos difíceis e nem sempre tínhamos. O clube
era de madeira e alto do chão e íamos debaixo do clube brincar”.

Até junho de 1963 a escola levou o nome de Grupo Escolar Joaquim


Oliveira Franco, até que em reunião com professores foi mudado o
nome para Grupo Escolar de Medianeira. Logo no segundo semestre
de 1963 inicia-se a construção do novo colégio e em fevereiro de
1964 a escola passou a funcionar em seu próprio prédio com 4 salas
de aula. Secretaria e 4 banheiros. “Entramos para lecionar e não
havia nem portas e nem janelas e o quadro negro era apoiado em
cima de duas cadeiras. Contudo demos o primeiro passo para a
fundação do Colégio estadual Marechal Arthur Costa e Silva” conta
Hilegarde Maria Rohde, professora e escritora.

A partir dessas informações e constatações, é possível concluir que


no período de ocupação do Oeste do Paraná, os núcleos populacionais
pioneiros buscaram alternativas para o problema da escolarização,
construíram sua escola, a partir de seu próprio contexto social (EMER,
1991).

Ainda segundo o autor a criação dos grupos escolares estaduais


(nesse caso do Grupo Escolar Joaquim Oliveira Franco), mantém uma
relação com o desenvolvimento material das localidades: “Os grupos
escolares estaduais só foram criados junto ou em períodos anteriores
próximos à criação de novos municípios da década de 1950. Em
outros termos, significa dizer que, depois da produção, o Estado
impôs sua presença, primeiramente pelo fisco e outras formas
coercitivas, e só depois, muito lentamente, retribuiu com serviços,
numa conduta tipicamente capitalista, idêntica à classe social que lhe
dava sustentação política” (p. 240).

Conclusão
Como percebemos a pesquisa sobre as instituições de ensino da
Região Oeste do Paraná são fundamentais na compreensão do papel
da educação dentro do meio social. Também já podemos
compreender a importância dos estudos realizados sobre a memória

162
dessas instituições e, graças aos trabalhos de grupos de pesquisas e
a dedicação de pesquisadores um grande número de estudos já está
disponível estimulando e fortalecendo novas abordagens.

Pesquisar estes grupos escolares é trabalho árduo e minucioso, isto


porque as fontes necessárias muitas vezes estão concentradas na
memória dos personagens, das pessoas que vivenciaram uma época.
Cabe ao historiador analisar e problematizar essas memórias, essas
fontes, decifrando e comparando-as com as manifestações sociais na
qual estavam inseridas. Não são simples fontes que estão ali,
guardadas, são momentos importantes na vida de pessoas,
momentos de personagens que integraram um grupo social, que
participaram de um momento histórico. Ainda há muito trabalho para
ser feito em relação à pesquisa em história da educação, contudo
essa tarefa deve ser enfrentada de modo coletivo, integrando
pesquisadores e sociedade, meio acadêmico e cultura popular, todos
juntos num único objetivo: o conhecimento.

Referências
Sander Fernando de Paula é Graduado em História. Aluno do
Mestrado em Educação/ Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
Cascavel /Pr.Linha de pesquisa: História da educação.

João Carlos da Silva é Doutorado em Educação pela Faculdade de


educação/UNICAMP. Pós-doutorado pela Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia/UESB. Atualmente é professor no Colégio de
pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, UNIOESTE, Campus de Cascavel. É membro do
Grupo de pesquisa HISTEDOPR- História, sociedade e educação no
Brasil - GT Oeste do Paraná, Cascavel. Atua na área de Educação,
com ênfase em História da Educação, nos temas: questões teórico-
metodológicas da história da educação, história da escola pública,
instituições escolares, fontes e arquivos.

BIESDORF, Elza; ROHDE, Hilegarde Maria. Resgate da Memória de


Medianeira. Curitiba: CEFET, 1996.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade - Lembranças de velhos. São


Paulo: A Queiroz, 1997.

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construção da escola. Rio de Janeiro: FGV/Instituto de Estudos
Avançados em Educação/Departamento de Administração de
Sistemas Educacionais, 1991.

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LE GOFF, Jacques, 1924 História e memória. Campinas, SP: Editora


da UNICAMP, 1990.

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Municipal de Educação de Medianeira, 2015-2025. 2015. Disponível
em:
<http://www.medianeira.pr.gov.br/arquivos/educacao/pme/pme.pdf/
>. Acesso em: 12 fev. 2017.

MEDIANEIRA. Prefeitura municipal de Medianeira, Histórico, 2017.


Disponível em: <http://://www.medianeira.pr.gov.br/>. Acesso em:
02 jan. 2017.

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Maringá: Eduem, 2012. A história do Oeste Paranaense. pp. 75-89.

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pesquisa em história da educação da atual mesorregião oeste do
Paraná. Educere et Educare, v. 4, n. 7, p. 273-291, 2009.

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Região Oeste do Paraná: alguns apontamentos. Revista de
Humanidades, v. 32, n. 1, p. 47-57, 2017.

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como objeto de pesquisa. Educere et Educare, v. 4, n. 8, p. 213-231,
2009.

SOUZA. Rosa Fátima de.Templos de civilização: um estudo sobre a


implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo.
São Paulo: EDUNESP,1998.

Depoimentos:
Hilegarde Maria Rohde entrevista em 24 de janeiro de 2017
Ignes Lorençon entrevista em 24 de janeiro de 2017
Lurdes BrunheraBogonientrevista em 25 de janeiro de 2017

164
O PROCESSO DE CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DOS GRUPOS
ESCOLARES DE SANTARÉM
Joanne da Silva Ribeiro
Silvia Eletícia Santos do Nascimento

Introdução
No início da República, o ensino era repassado por um modelo
memorístico e repetitivo, onde a educação sofria coma falta de
infraestrutura e profissionais qualificados. Com a chegada dos Grupos
Escolares, a educação tomou novos rumos. Sua arquitetura, sua
metodologia de ensino incorporou um novo modelo de educação no
século XIX, pois, para o governo Republicano, a educação era vista
como o alicerce para superar os problemas da sociedade brasileira.
Dito isto, o objetivo desse trabalho é analisar bibliograficamente
como surgiu e como se deu o processo histórico educacional dos
grupos escolares em Santarém.

Desse modo, para que se estude a história dos Grupos Escolares de


Santarém, é necessário que se empreenda um resgate na trajetória
educacional, buscando entender sua forma de organização. Para
embasar este trabalho, utilizamos os autores Fonseca (1998),
Fonseca (2006), Colares (2005), Colares (2006), Macêdo (2013),
Vasconcelos (2015), França (2016) e Costa e Corrêa (2016).

Portanto, a educação é de fundamental importância para garantir


condições adequadas de vida e igualdade entre os seres humanos,
assegurando a participação em sociedade. Segundo Costa e Corrêa
(2011), embora o tempo dos grupos escolares tenha acabado, é
preciso analisar que essas instituições de ensino não acabaram: eles
foram aprimorados com o aperfeiçoamento do sistema de ensino.

Contexto Histórico dos Grupos Escolares no Pará


A História das instituições de ensino no estado do Pará deu-se no
início do período colonial, com a chegada dos religiosos no estado.
Como enfatiza Vianna [1987]:

“[Sic] A primeira phase da instrucção publicado Pará[...], pertenceu


exclusivamente à influencia religiosa [...]os mercenairos
(mercedários) em 1640; os jesuítas em 1653; os religiosos de Beira e
Minho, em 1706; os religiosos da Piedade em 1749; [...] os frades
tornaram-se únicas fontes de instrucção na capital e no interior.”
[VIANNA,1987, p. 4 apud COSTA;CORRÊA, 2016, p.319].

No estado do Pará, os grupos escolares foram implementados pela


primeira vez em 1899, com o Decreto nº 625 de 2 de janeiro de

165
1899, promulgado pelo então governador José Paes de Carvalho. O
decreto estabelecia o ensino primário público, o qual era ministrado
em escolas isoladas e grupos escolas. De acordo com França [2016]:

“[...] as escolas isoladas foram classificadas em elementares e


complementares. As primeiras delas, com duração de 3 anos de
estudos, poderiam ser criadas nas cidades, vilas e povoações, com
mais de 20 alunos em idade escolar. Já as segundas poderiam ser
instaladas nos distritos da capital, nas cidades e vila do interior com
mais de 50 alunos. As escolas complementares compreendiam dois
cursos: um médio e o outro superior, cada um deles com dois anos
de duração. De acordo com o regulamento, as matérias das escolas
elementares compreendiam leitura e escrita, noções de coisas,
cálculo de aritmética sobre números inteiros e frações, sistema
numérico, noções de gramática, geografia e desenho. Já o curso
médio das escolas complementares abrangia leitura e escrita,
aritmética até proporções [...] além de conteúdos, ensinava-se ainda
a educação física, a qual compreendia noções de higiene, prática de
exercícios, jogos e brincadeiras ao ar livre” [FRANÇA, 2016, p. 353].

A legislação previa que os grupos fossem instalados em distritos


escolares e em sedes de municípios, onde o poder público pudesse
oferecer condições adequadas para seu funcionamento, sendo que
uma das exigências seria a disponibilidade de terrenos amplos para a
edificação.

Nesse contexto, tanto na capital, como no interior do Pará, os grupos


escolares foram criados no enfoque republicano de ordem e
progresso, a qual se alastrou por todo o Pará.

Estes grupos deveriam ser instalados em vilas com maior povoação,


portanto, o objetivo não era somente ligado a necessidade de ensino
da localidade, mas no seu desenvolvimento. Com isso, a criação dos
grupos escolares possibilitou o desenvolvimento de muitas vilas,
tendo em vista que entre 1901 e 1907, foram 34 grupos escolares
construídos, o que nos leva a observar um alto investimento no setor
educacional, apesar das dificuldades estruturais e governamentais no
século XX, em virtude da fase inicial do regime republicano.

“Embora em 1907 algumas localidades mais ao sul do estado já


fossem bastante povoadas, as cidades escolhidas para sediar os
grupos escolares posem ser considerados pontos estratégicos por
terem o acesso mais fácil pelo rio, pois, no início do século XX, o
estado ainda não era interligado por estradas e avenidas: o único
meio de tráfego era o marítimo. Por isso, somente algumas regiões

166
foram privilegiadas com a implantação desse projeto [...]” [COSTA;
CORRÊA, 2016, p. 331].

Contudo, o primeiro grupo escolar do estado do Pará foi criado no


interior, especificamente na cidade de Alenquer, em 10 de julho de
1899, originou-se do conjunto de escolas públicas isoladas,
elementares e complementares, que ainda estavam em
funcionamento na cidade.

Outro Grupo Escolar construído que recebeu destaque, foi José


Veríssimo criado em 7 de setembro de 1901 na capital do Estado, e
de acordo com França [2016] “foi instalado em prédio próprio
construído de acordo com as exigências da higiene e da Pedagogia”.

Segundo Costa e Corrêa [2016], na administração do Governo do


Estado do Pará, Augusto Montenegro, conseguiu manter o sistema e
ensino, de forma que estes atendessem as normas do projeto
nacional dos grupos escolares, chegando a ser construídos 26 grupos
durante seu governo, que em comparação com seu antecessor João
Coelho, onde o mesmo não construiu nenhum grupo escolar, pois
interrompeu a construção dessas obras, devido aos indícios da crise
da borracha.

“[...] no governo de Augusto Montenegro a construção de grupos


escolares se acelera, chegando a ser construídas 26 unidades,
contudo, na administração de João Coelho há um estacionamento
dessas obras, não tendo nenhuma construção. Esse episódio coincide
com o fenômeno da fragilização da economia do Estado ocorrido em
consequência principalmente da crise da borracha [...]” [COSTA;
CORRÊA, 2016, p. 331-332].

O autor relata que mediante a crise financeira houve inúmeros cortes


no orçamento do Estado, ocasionando a demissão de funcionários e a
extinção de várias instituições, sendo que 7 grupos foram extintos,
em virtude da grande soma e recursos que dependiam para seu
funcionamento.

Com o Governo de Eurico Valle, em 1929 começaram a ser criadas


novas estruturas e consequentemente novos métodos educacionais,
as quais iam além da criação e reformas de prédios. Segundo Costa e
Corrêa [2016]:

“[...] no momento em que são percebidas as deficiências materiais


dos estabelecimentos de ensino, logo também são notadas mudanças
no paradigma do sistema educacional. Desse modo, acompanhando
as inovações determinadas pelo regime do Estado Novo de 1937, os

167
prédios públicos das escolas e a forma de conduzir o ensino e seu
interior são modificados visando a formação para o profissionalismo,
característica do pensamento desenvolvimentista impregnado pela
nação” [COSTA;CORRÊA, 2016, p. 336].

Buscava-se assim, a integração do ensino Paraense no movimento da


Escola Nova, que vinha disseminando a proposta de uma educação
tecnicista, que tinha como único objetivo, a formação para o mercado
de trabalho.

Grupos Escolares em Santarém


As primeiras escolas primárias começaram a surgir em Santarém a
partir de 1848, quando a mesma ganhou status de cidade.

Segundo Colares [2006], no início do século XIX, há os primeiros


registros da educação formal. No ano e 1800, foi construída a
primeira escola primária masculina e posteriormente em 1849, a
escola feminina. Porém, estas escolas tiveram um curto
funcionamento.

“Há registros que em 1875, Santarém tinha oito estabelecimentos de


ensino, sendo que seis eram destinadas ao público masculino, onde
era ensinada Gramática Portuguesa, Língua Inglesa e Francesa;
Latim; Aritmética e Geografia Geometria, História Antiga e Moderna e
Mythologia; Escrituração Mercantil; Filosofia Racional e Moras;
Retórica, Poética e Literatura Clássica; Desenho música e Dança,
duas ao público feminino, que era ensinado primeiras letras; Costura-
Bordados; Gramática Portuguesa; Língua Francesa; Aritmética,
Geografia e História; Desenho, Piano e Dança” [FONSECA, p. 5-6
apud COLARES, 2005, p. 37].

Segundo Macêdo [2013], no dia 03 de maio de 1900, Santarém foi


agraciada com a instalação de um Grupo Escolar, que de início,
funcionou no Solar Barão de Santarém, isso no governo de José Paes
de Carvalho.

Para homenagear um padre franciscano muito dedicado à educação


da juventude Santarena, em 1936, a instituição recebe seu nome,
“Frei Ambrósio”, com isso, houve a mudança no nome da instituição,
que antes era denominado Grupo Escolar de Santarém, passando
então, a ser chamado Grupo Escolar Frei Ambrósio. Como enfatiza
Vasconcelos [2015]:

“Criada durante a Gestão do Governador Paes de Carvalho, [...]. O


nome da escola é uma homenagem a um ilustre Sacerdote
franciscano – Ambrósio Philipsenburg – nascido em 01 de outubro de

168
1880, cidade de Essen, Alemanha, que contribuiu muito com a
educação na cidade e pelo ensino religioso” [VASCOCELOS, 2015, p.
102].

Segundo Fonseca [2006], Frei Ambrósio era um Sacerdote alegre e


piedoso, causando fascínio e sendo admirado por todos,
principalmente pelas crianças, pois por meio destas, a admiração por
Ambrósio alcançava os seus lares, ganhando também a admiração
dos jovens e adultos. Com isso, alcançava seu objetivo religioso,
atraindo mais seguidores à sua religião.

“[...] Frei Ambrósio meteu mãos à obra, começando, como era


lógico, a olhar para os meninos, pobres na sua quase totalidade,
certo de que, através destes, chegaria aos seus pais. Fundou a
associação de São Luíz Gonzaga [1917], o Colégio São Francisco [...]
e a banda musical infanto-juvenil “Sinfonia Franciscana” (1918) [...]
atraiu grande quantidade de meninos [...]. Frei Ambrósio sabia como
atrair e cativar as crianças: eram os passeios ao Irurá, eram os
teatrinhos no “Salão Concórdia” e depois no “Palco São Francisco” por
ele construído, eram as “peladas” de futebol no terreno do convento
(antigo estágio Elinaldo Barbosa”) onde também a garotada podia
livremente empinar papagaio [...]” [FONSECA,2006, p.85].

Segundo Vasconcelos [2015], a escola foi instalada no velho


Sobradão até 1919, e logo após, em 1932, mudou-se para o morro
da Fortaleza que permanece até hoje, com novas edificações. O
mesmo está localizado em uma colina, onde funcionava um forte
construído por portugueses no período Colonial, e posteriormente foi
denominada “Fortaleza dos Tapajós”. Esta tinha como objetivo
combater invasores e sobretudo, funcionava como base de apoio a
religiosos e missões promovidas por estes. Essa Fortaleza também
serviu como suporte para movimentos populares como a cabanagem.
Por não dispor de uma estrutura adequada, a mesma começou a se
deteriorar, deixando de ser útil para fins militares.

“[...] entre 1900 e 1919 a escola funcionou no antigo Solar do Barão


de Santarém [...], depois passou a funcionar na Rua Siqueira
Campos, espaço onde, atualmente, encontra-se a Escola Estadual de
Ensino Médio Rodrigues dos Santos. Em 1932, a Escola Frei Ambrósio
tem novo endereço, agora situado na rua Joaquim Braga, nº 36, no
Centro de Santarém. O antigo Grupo Escolar funcionou durante 19
anos no Solar de Santarém, 13 anos onde está a atual Escola
Rodrigues dos Santos e hoje tem prédio próprio. [...] um Forte
construído pelos Portugueses [...]” [VASCONCELOS, 2015, p. 102].

169
Segundo Fonseca [2006], o Grupo Escolar era dividido em dois
cursos: Elementar e o Complementar, que juntos tinham a duração
de seis anos. A grade curricular da instituição dispunha de disciplinas
variadas, sendo que, uma disciplina específica instruía “lições de
coisas”, ou seja, um ensino de notório saber, onde se ensinava
tarefas do cotidiano, como corte e costura, bordados, aulas de
etiqueta e etc.

As provas eram repassadas de forma escrita e também oralizadas, e


para se evitar qualquer forma de benefício, nunca eram ministradas
por professores da própria classe, mas sim, por profissionais que não
tinham ligação com o educandário.

“No período [...] 1925 a 1927, o ensino escolar abrangia seis anos,
divididos em dois cursos: O Elementar (4 anos) e o complementar (2
anos). Este curso final compunha-se das seguintes disciplinas:
Português, Aritmética (com Álgebra), Geometria, Geografia, Ciências,
História Natural, Lições de Coisas História do Brasil, Desenho,
Educação Física e Instrução Moral e Cívica” [FONSECA, 2006, p. 198-
201].

Fonseca [1998] enfatiza que de início o Grupo Escolar de Santarém


funcionou com muitos altos e baixos, e somente quando sua direção
foi assumida em 1919, pelo Dr. Anísio Lins de Vasconselos Chaves, o
Grupo Escolar se organizou. Porém, este, ao ficar descontente com a
falta de apoio do Estado, afastou-se em 1921 de seu cargo, passando
a Direção ao professor José Rodrigues Colares, que faleceu logo em
seguida, com isso, a Direção do Grupo Escolar de Santarém ficou nas
mãos da professora Pérola, enviada de Belém. Foi neste período que
o Grupo Escolar de Santarém ficou abandonado pelo governo do
Estado, causando uma grande evasão escolar, onde os alunos
migravam para as escolas particulares.

Fonseca [1988], relata que em 1925, o Governador Dionísio Bentes,


nomeia a professora Joaquina Caldeira à Diretora da instituição, a
qual desempenha um excelente trabalho, atraindo novamente os
alunos ao Grupo Escolar Frei Ambrósio. Grupo este, que em 1943,
volta a ser denominado somente Grupo Escolar de Santarém, pois o
governador Magalhães Barata, não simpatizava com os Franciscanos.

“Em 1925, diante do trabalho dinâmico desenvolvido pela professora


Joaquina Caldeira, nomeada pelo governador Dionísio Bentes, as
salas de aula da antiga escola recomeçaram a encher-se, propiciando
seu retorno à condição de grupo escolar. [...] em 1943, entretanto, o
governador Joaquim de Magalhães Barata revogou o ato de seu
antecessor, fazendo retornar a antiga denominação de Grupo Escolar

170
de Santarém. É que o governador Barata não simpatizava com os
Franciscanos de Santarém, que frequentemente se contrapunham a
certos arbitrários de mandatário do Estado” [FONSECA, 1998, p. 78-
79].

Somente em 1951, mediante os apelos de ex-alunos com cargos de


chefia, o educandário volta a ser denominado Grupo Escolar Frei
Ambrósio.

“Oito anos mais tarde, em 1951, valendo-se das homenagens


póstumas que seriam tributadas a Frei Ambrósio[...] um grupo
escolar de ex-alunos, liderados pelo vereador Osman Bentes de
Souza e Prefeito Santino Sirotheau Correa, conseguiu que, a partir
daquele dia memorável, 14 de abril de 1951[...], o velho grupo
escolar retomasse o nome de Frei Ambrósio[...]” [MACÊDO, 2013].

Segundo Fonseca [2006], a Escola Frei Ambrósio contava inicialmente


com uma matrícula de 192 alunos. Porém, com o descaso, quanto ao
pagamento de salários, foi rebaixada a condição de escola agremiada
no período de 1921 a 1925. A escola funciona em Santarém até os
dias atuais, sendo que, passou por tristes momentos em virtude da
deterioração do prédio, contudo, recentemente passou por uma
ampla reforma, tornando-se a mais antiga escola em funcionamento
da cidade, com 117 anos. A mesma oferece os ensinos fundamental,
médio e educação de jovens e adultos.

Considerações Finais
Ao explorar as obras supracitadas anteriormente, podemos observar
o amplo processo de instalação dos Grupos Escolares no Pará, com
ênfase na cidade de Santarém-PA.

Tivemos a compreensão a cerca do assunto de que a adoção do


modelo de ensino dos Grupos Escolares surgiu com intuito da
consolidação do movimento republicano após a Proclamação da
República em 1889, com o objetivo de levar o país a um alto nível
educacional adotado por inúmeros países na Europa. Fez-se
necessário o uso de recursos avançados, professores qualificados e
uma grande estrutura para as construções de escolas, o que fez com
que o governo disponibilizasse de um alto investimento.

Nesse contexto, observa-se uma educação voltada para a sociedade


elitizada. Há quem diga que o ensino ministrado nessas instituições,
era mais satisfatório do que o atual.

Dessa forma, em Santarém foi instalado em 1900, seu primeiro


Grupo Escolar, que veio com o objetivo de suprir as necessidades

171
educacionais do município, uma vez que o mesmo não dispunha de
escolas secundárias. Com a implantação do Grupo Escolar de
Santarém que posteriormente tornou-se Grupo Escolar Frei Ambrósio,
a sociedade Santarena foi agraciada com um ensino que não deixava
a desejar os da capital.

Esperamos que este artigo possa contribuir nas pesquisas sobre a


história da Educação (Ensino) em Santarém, assim como possa
ajudar alunos e pesquisadores a terem novos e outros referenciais
teóricos sobre a temática. Outrora, ressaltamos que esta pesquisa
ainda está em andamento, e reconhecemos que há a necessidade de
maior aprofundamento da temática, devido à limitada disposição de
materiais que abordam o assunto, no entanto, seguimos neste
exercício da produção narrativa sobre a relação da História Regional
com a História da Educação (Ensino) na Amazônia.

Referências
Joane da Silva Ribeiro é acadêmica do curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Email: joanejaqueline@gmail.com

Silvia Eleticia Santos do Nascimento é acadêmica do curso de


Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do
Pará (UFOPA). Email: nsilviaeleticiasantos@yahoo.com.br

Wilverson Rodrigo Silva Melo (Orientador) é Mestre em História pela


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorando em
História Contemporânea pela Universidade de Évora (UÉVORA).
Atualmente é Docente na Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA). Email: w.rodrigohistoriador@bol.com.br.

COLARES, Anselmo Alencar.A História da Educação em Santarém:


das origens ao fim do regime militar (1661 – 1985).Santarém, PA:
Vitória Régia,2005.

COLARES, Maria Lília Imbiriba Sousa. Panorama da Educação em


Santarém. Revista HISTEDBR. Rondônia: UNIR, 2006, n. 23, p. 95 a
113.

COSTA, Renato Pinheiro da; CORRÊA, Paulo Sérgio de Almeida. A


institucionalização do ensino no estado do Pará e as reformas
educativas materializadas no Grupos Escolares). IN: ESTACIO,
Marcos André Ferreira; NICIDA, Lucia Regina de Azevedo (orgs).
História da Educação na Amazônia. Manaus: EDUA, UEA edições,
2016, p. 319 -346.

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Santarém, PA: Gráfica Brasil, 1998.

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FRANÇA, Maria de Perpétuo Socorro Gomes De Souza Avelino de.


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1905). IN: ESTACIO, Marcos André Ferreira; NICIDA, Lucia Regina de
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173
ORGANIZAÇÃO

174
175

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