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A CHINA NO _ BRASIL ECOS E SOBREVIVENCIAS CHINESAS INFLUE José Roberto Teixeira Leite José Roberto Teixeira Leite A CHINA NO BRASIL Influéncias, marcas, ecos e sobrevivéncias chinesas na sociedade e na arte brasileiras FICHA CATALOGRATICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP Leite, José Roberto Teixeira, 1930- Ge A China no Brasil: influéncias, marcas, ecos sobrevivencias chinesas na sociedade © na arte bras lelras / José Roberto Teixcita Leite ~~ Campinas, St Editora da Unicamp, 1999. (Colegio Viagens da Vox) 1. Chineses no Brasil (Argentina, Chile ete.) 2. China 1 Sivilizacao, 3. Beasil - Civilizacdo - influeneine esteangeiris, 4, China - Vida e costumes sociais. tL Tale 20. CDD ~ 301.32851081 301.2430951 301.2981 ISBN 85-268-0436-7 390.09 Indices para cxtttoge sistemitico 3 Chineses no Brasil (Argentina, Chile etc) _301.32851081 2 China - Civilizagso. 303.2430951 3. Brasil - Civilizagdo ~ Influéncias estrangeiras 301.2981 4 China - Vida e costumes sociais 390.0951 Colegio Viagens da Vox Copyright © by Hditora da Unicamp, 1999 Nenhuma parte desta publicacdo pode ser gravada, armazenada em sistema eletrOnico, fotocopiada, reproduzida por ieios mecincee (ou outros quaisquer sem autorizacio previa do edie Geremte de produgio Carlos Roberto Lamari Assistente de producio, Blisabeth Regina Marchet Supervisio de produgio grifica Vlad Camargo Supervisto de edigio de textos Lucélia Curavieri Temple Preparagio de originais Valdis Pereira Gomes Revisit Wana de Albuquerque Mazen Patricia Leal Di Nizo Marcela Rodrigues Rossetto Bdivoragao elet nica Eanilson Tristio Silvia Helena P. C. Goncalves Capa Aduilton Clayton Santos Web designer Carlos: Leonardo Lamari Motive ds capa 4eque chinés comemoratvo da Maioridade, vendo-se Pedro ll, aos 15 anos, ent um mandarin ¢ uma dama chinest em seus tnjes Impresso nas Oficinas Grifieas da Edltora da Unicamp 1999 Editors da. Unicamp Caixa Postal 6074 Cidade Universitéria ~ Bardo Geraldo CEP 1308-970 ~ Campinas ~ SP — Prost Fone: (019)788 1015 ~ Fone/Fax: (019)788.1100 Internet: www.editora.unicamp.br Preambulo Introdugao. Parte 1 Parte 2 Parte 3 Usos ¢ costumes Mulheres, casamento e submissio Unhas compridas Pés pequeninos © cheiro, beijo chinés Comer, depois arrotar Rapapés € reveréncias Palanquins e cadeirinhas . Medicina simbélica Eclipses, cometas ¢ sinais cclestes Fogos de antficio Leques Comércio, agricultura e imigragao Relagées comercial Monjolos Arroz cha Seda Imigragao chines .. Arquitetura e paisagistica Introdugao ‘Telhados acachapadbos.... Telhas envernizadas ou zoomérficas Casa-grande do sitio do padre Inacio ... Nossa Senhora do 6 ..... Pavilhao da mae d’gua .... Jardins vagamente chineses SUMARIO 97 109 i 125 127 131 “135 137 143, 147 149 Parte 4 Escultura, pintura, artes decorativas Escultura Os ledes chineses do Embu ... Os altares “chineses” de Pernambuco ... Pintura irmao Charles de Belleville, alias Wei Chia-Lu Chinesices na pintura mineira Chinesices no Embu .... Sunqua ¢ © panorama chinés do Rio de Janeiro (Os anos brasilciros de Chang Dai-Chien Antes decorativa Caes de Fo Franciscanos Porcelana Mobilidrio Ourivesaria Texteis Apéndice Indios ou chineses?. A Lira Chinesa de Machado de Assis... Ideograma chinés e concretismo brasileiro ... A China vista por brasileit0s weno Chineses entrados no Brasil 1814-1872 ... Bibliografia 157 159 165 167 169 71 179 185 269 2077 PREAMBULO A China no Brasil — Influéncias, marcas, ecos € sobrevivéncias chinesas na sociedade e na arte brasileiras, que nasceu sob a forma de uma tese de doutoramento em Hist6ria da Arte submetida ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e agora apa- rece em livro sob a prestigiosa égide da editora da mesma Unicamp, enfeixa, num todo que se pretende harménico, duas 4reas do conhecimento nas quais se exercitam a atividade, 0 interesse ¢ a curiosidade do autor: a Historia da Arte Brasileira, seu campo prioritario desde 1955, ea Arte e a Civilizacao da China, que o fascinam nos dltimos 15 anos pelo menos. Titulo € subtitulo hao de por certo causar estranheza sobretudo naqueles, que s40 enorme maioria, para os quais nada de mais diferente e divergente, mais afastado no tempo € no espaco do que 0s dois paises; o autor nutre porém a esperanga, e talvez tenha a certeza, de que a leitura das paginas que seguem revelara insuspeitados pontos de contato ¢ mal pressentidas afinida- des entre duas sociedades, a chinesa ¢ a brasileira, a um primeiro exame to divorciadas; pon- tos de contato ¢ afinidades que decerto pesquisas em arquivos nao s6 no Brasil e em Portugal, mas também em Goa ¢ sobretudo em Macau, Cantao, Hong Kong, Beijing e Taipei — para os raros que possam decifré-los — virao no devido tempo confirmar, aprofundar e principalmen- te ampliar O problema das influéncias que a China exerceu sobre nosso pais tem sido ventilado de tempos em tempos por pequeno nimero de pesquisadores e estudiosos tanto nacionais quan- estrangetros, sendo justo destacar nesse setor, acima da de todos, a contnibuicao pioneira € em profundidade de Gilberto Freyre, desde o famoso Capitulo IX, “O Oriente e o Ocidente’, de seu livro Sobrados e mucambos, publicado em 1936 — que se tornaria o ponto de partida de todos os que, pelos préximos cingiienta anos, vieram a se interessar seriamente pelo tema. A maior parte dos que escreveram a respeito das relagdes culturais entre a China e 0 Brasil é formada por historiadores de arte que estudaram aspectos particulares da Arquitetura, da Escultura ¢ da Pintura, da Porcelana ¢ demais artes decorativas do periodo colonial, priorizando a produgio estética de regides como Minas Gerais, S40 Paulo, Bahia e Pernambuco. Sob tal aspecto, sio bem conhecidas as contribuicdes de, entre outros, Germain Bazin, Robert C. Smith, José Marianno Filho, Eldino da Fonseca Brancante, Luis Saia, Eugénie Miller Brajniko, Enrico Scieffer ¢ Jose Maria dos Santos Siindes, Houve tambem quem se voltasse para tpicos alheios ao campo da atividade artistica, pesquisando por exemplo a cultura do cha no Brasil, ou entao a imigracao chinesa em seus prés e contras, no que se convencionou chamar entre nds de A Questao Chinesa — casos de Lacerda Werneck, Salvador de Mendonga, Joseph Conrad, Carlos Francisco de Moura € poucos mais, Devem ainda ser destacadas, pelo copioso nimero de informacdes pertinentes que encerram (muito embora nao consagradas de modo especifico ao problema das rela¢Ges entre Brasil ¢ China), contribuigdes de autores como Charles R. Boxer, na extensa e preciosa série de livros que vem dedicando ha muitas décadas ao Império Ultramarino Portugués, Padre Manuel Teixeira, Luis Gonzaga Gomes, José Maria Braga ou Padre Benjamin Videira Pires — que escreveram abundantemente sobre os mais diferentes aspectos de Macau ¢ da vida dos portugueses na China — e, last nut least José Roberto do Amaral Lapa, cujo livro A Bahia e a carreira da {ndia esclareceu muitos pontos, até sua publicacao negligen- ciados, sobre os vinculos comerciais, administrativos € culturais que ao longo de todo 0 periodo colonial uniram Salvador, Goa e Macau. Se tais abordagens tinham ja sido feitas, cada uma delas enfocando um dado tépico dentro da problematica amplissima das influéncias exercidas pela velha China sobre 0 jovem Brasil, até o presente momento ninguém tentou estudé-las em conjunto, com vistas construcao de um cenario abrangente, para além das especializagdes ou das setorizagées, atento aquilo que, como escreveu © historiador britanico Eric J. Hobsbawn em A Era dos Impérios 1875-1914, con- siste em “localizar as raizes de nosso presente no solo do passado e, talvez sobretudo, ver 0 passado como um todo coerente e nao (como a especializacao hist6rica tantas vezes nos fora a vé-lo) como uma montagem de t6picos isolados: a historia de diferentes estados, da politica, da economia, da cultura ou outros”, Foi justamente tal necessidade, que sentiu 0 autor, de encarar 0 passado nao em estilhacos, mero cristal partido, e sim como um todo coerente, que 0 levou a se desvencilhar rapidamente do plano que em principio se impusera, restrito a0 Ambito de sua especializagao historico-esté- tica, para ampliar seu trabalho aos limites e as proporcdes em que afinal se concretizou. Porque a arte nao é algo separavel e isolado da sociedade, mas sim sua expressao sensivel e mais ele- vada, e quem possuir dessa um conhecimento maior e em profundidade hé de forcosamente compreender e sentir de modo muito mais intenso aquela. José Roberto Teixeira Leite S80 Paulo/Campinas, 1999 INTRODUCAO A CHINA NO BRASIL Nesse fim de década, ao mesmo tempo fim do século e do milénio, o nome China ha de, Por certo, suscitar nogdes confusas ¢ de qualquer modo significar muito pouco a 99,99% de nos brasileiros, acostumados a associd-lo a um pais nebuloso, tao desconhecido e quase tio remoto. quanto Marte ou a Lua. No entanto, nos cerca de trezentos anos que vio do comeco da colo- nizacao 4 Independéncia, durante os quais passou do estigio edénico em que o encontraram em 1500 os portugueses para se transformar— nio sem traumas de paraiso perdido — em pats ocidental, foi © Brasil sucessiva ou cumulativamente aborigene, lusitano — e por conseguinte também semita ¢ jé negro —,' africano, indiano e... chinés: chinés em numerosos usos ¢ cost. mes, em certos requintes da civilizagao material, em pormenores de arquitetura e artisticos; chines enfim em muitas formas de pensar, viver, agir e sentir, Com efeito, a0 longo de quatro séculos, do segundo tergo do século XVI até pelo menos o

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