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ATENA NEGRA

MARTIN BERNAL

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ATENA NEGRA
Martin Bernal

2
© Martin Bernal, 1987
Publicado pela primeira vez em 1987 pela Free Association Books, Londres

Tradução

Coletivo de Estudantes do Rio de Janeiro

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NOTA INTRODUTÓRIA

Essa tradução é resultado de um desafio. Desafio de trazer para as pessoas da universidade


um livro “proibido” no Brasil. “Proibido” porque ninguém queria traduzir um livro onde a
África era a origem da Europa e do Ocidente. Esse alerta importante nos foi dado por um
docente que reclamava mais atenção para a África e para o Oriente. Que passamos nossas
vidas na universidade sem conhecer as civilizações mais antigas do mundo, e que
acreditamos que podemos falar da África, da China, da Índia, sem se preocupar se estamos
certos ou errados. Por isso, nasceu esse projeto coletivo, de fazer uma tradução desse livro,
que nunca tinha sido feita antes, que ajudou a revolucionar a compreensão que temos da
África no mundo. Junto com as pesquisas que vem da África agora, mudando a própria
historiografia, chega o livro Atena Negra, que esperamos se disseminar entre todas as
pessoas que acreditam eum uma nova história. É uma tradução pública, coletiva e
independente, onde queremos levar acesso público ao saber.

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Sumário
Prefácio e agradecimento ..................................................................................................................................................................................................... 9
Transcrição e fonética .......................................................................................................................................................................................................... 13
Egípcio ............................................................................................................................................................................................................................... 13
nomes egípcios .............................................................................................................................................................................................................. 14
cóptico ............................................................................................................................................................................................................................... 14
semita................................................................................................................................................................................................................................. 14
Vocalização ...................................................................................................................................................................................................................... 14
grego ................................................................................................................................................................................................................................... 15
nomes gregos ................................................................................................................................................................................................................. 15
MAPAS E GRÁFICOS .............................................................................................................................................................................................................. 16
Tabela cronológica ................................................................................................................................................................................................................ 24
Introdução ................................................................................................................................................................................................................................. 26
Contexto histórico ........................................................................................................................................................................................................ 32
Proposta de perfil histórico..................................................................................................................................................................................... 37
"Atena Negra", volume I: resumo dos argumentos ...................................................................................................................................... 40
Documentos e provas arqueológicas. Componentes egípcios e semitas ocidentais da civilização grega: resumo do
volume II ............................................................................................................................................................................................................................... 51
Resolveu o enigma da Esfinge e outros estudos da mitologia egípcio-grega: resumo do volume III .................................. 67
1. O modelo antigo na antiguidade ................................................................................................................................................................................ 75
Os Pelasgianos ............................................................................................................................................................................................................... 75
Os íons ............................................................................................................................................................................................................................... 80
Colonização ..................................................................................................................................................................................................................... 81
Colonizações na tragédia grega ............................................................................................................................................................................. 83
Heródoto .......................................................................................................................................................................................................................... 90
Tucídides .......................................................................................................................................................................................................................... 91
Isócrates e Platão ......................................................................................................................................................................................................... 92
Aristóteles ........................................................................................................................................................................................................................ 96
Teorias da colonização e posterior empréstimo cultural no mundo helenístico .......................................................................... 96
Ataque de Plutarco a Heródoto ............................................................................................................................................................................. 99
O triunfo da religião egípcia .................................................................................................................................................................................... 99
Alexandre filho de Amon ....................................................................................................................................................................................... 100
2. Sabedoria egípcia e transmissão grega da Alta Idade Média ao Renascimento.............................................................................. 113
O assassinato de Hipácia........................................................................................................................................................................................ 113
Declínio da religião pagã-egípcia ....................................................................................................................................................................... 113
Cristianismo, estrelas e peixes............................................................................................................................................................................ 115
Relíquias da religião egípcia: Hermetismo, Neoplatonismo e Gnosticismo .................................................................................. 118
Hermetismo - grego, iraniano, caldeu ou egípcio? .................................................................................................................................... 121
Hermetismo e Neoplatonismo sob o Cristianismo primitivo, Judaísmo e Islamismo .............................................................. 128

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Hermetismo em Bizâncio e na Europa Ocidental cristã ......................................................................................................................... 131
Egito durante o Renascimento............................................................................................................................................................................ 132
Copérnico e o Hermetismo ................................................................................................................................................................................... 135
Hermetismo e Egito no século 16 ...................................................................................................................................................................... 135
3. O triunfo do Egito nos séculos XVII e XVIII ........................................................................................................................................................ 143
Hermetismo no século XVII .................................................................................................................................................................................. 143
Rosacrucianismo: Egito antigo em países protestantes ......................................................................................................................... 145
Antigo Egito no século XVIII................................................................................................................................................................................. 148
O século 18 : a China e os fisiocratas ............................................................................................................................................................... 150
O século 18 : Inglaterra, Egito e os maçons .................................................................................................................................................. 150
França, Egito e "progresso": a disputa entre os Antigos e os Modernos ........................................................................................ 153
Mitologia como uma alegoria da ciência egípcia........................................................................................................................................ 156
A expedição ao Egito ................................................................................................................................................................................................ 157
4. Hostilidade em relação ao Egito no século XVIII ............................................................................................................................................. 164
A reação cristã ............................................................................................................................................................................................................ 164
O "triângulo": Cristianismo e Grécia contra o Egito ................................................................................................................................. 166
A aliança entre a Grécia e o cristianismo ....................................................................................................................................................... 168
O "progresso" contra o Egito ............................................................................................................................................................................... 168
Europa: um continente "progressista" ........................................................................................................................................................... 170
"Progresso" .................................................................................................................................................................................................................. 170
Racismo .......................................................................................................................................................................................................................... 172
Romance ........................................................................................................................................................................................................................ 174
Ossian e Homero........................................................................................................................................................................................................ 175
Helenismo romântico .............................................................................................................................................................................................. 177
Winckelmann e Neo-Helenismo na Alemanha ............................................................................................................................................ 179
Göttingen ....................................................................................................................................................................................................................... 181
5. Lingüística romântica A ascensão da Índia e a queda do Egito. 1740-1880............................................................................ 191
O nascimento do indo-europeu .......................................................................................................................................................................... 192
Apaixonar-se pelo sânscrito................................................................................................................................................................................. 193
Linguística Romântica Schlegeliana ................................................................................................................................................................. 195
O renascimento oriental ........................................................................................................................................................................................ 197
A queda da China ....................................................................................................................................................................................................... 200
Racismo no início do século 19 .......................................................................................................................................................................... 201
De que cor eram os antigos egípcios?.............................................................................................................................................................. 202
O renascimento nacional do Egito moderno ................................................................................................................................................ 205
Dupuis, Jomard e Champollion ........................................................................................................................................................................... 208
Monoteísmo egípcio ou politeísmo egípcio .................................................................................................................................................. 213
Percepções populares do antigo Egito nos séculos 19 e 20.................................................................................................................. 219
Elliot Smith e o "difusionismo" ........................................................................................................................................................................... 221
Jomard e o mistério das pirâmides ................................................................................................................................................................... 222
6. Ellenomania, 1 A queda do modelo antigo. 1790-1830 ...................................................................................................................... 233

6
Friedrich August Wolf e Wilhelm von Humboldt ...................................................................................................................................... 234
As reformas de Humboldt na educação .......................................................................................................................................................... 236
Os pró-helenos............................................................................................................................................................................................................ 238
Os gregos sujos e os dórios ................................................................................................................................................................................... 240
Figuras de Transição, 1: Hegel e Marx ............................................................................................................................................................ 241
Figuras de transição, 2: Heeren .......................................................................................................................................................................... 243
Figuras de transição, 3: Barthold Niebuhr .................................................................................................................................................... 244
Petit-Radel e o primeiro ataque ao modelo antigo ................................................................................................................................... 250
Karl Otfried Müller e a derrota do modelo antigo ..................................................................................................................................... 251
7. Ellenomania, 2 Transmissão dos novos estudos clássicos para a Inglaterra e afirmação do modelo ariano. 1830-
1860 .......................................................................................................................................................................................................................................... 261
O modelo alemão e a reforma educacional na Inglaterra ...................................................................................................................... 262
George Grote ................................................................................................................................................................................................................ 267
arianos e helenos ....................................................................................................................................................................................................... 269
8. Afirmação e declínio dos fenícios. 1830-1885 ................................................................................................................................................. 276
Os fenícios e o antissemitismo ............................................................................................................................................................................ 276
Que raça eram os semitas? ................................................................................................................................................................................... 277
As inferioridades linguísticas e geográficas dos semitas ....................................................................................................................... 280
Os Arnolds .................................................................................................................................................................................................................... 282
Fenícios e ingleses, 1: a concepção inglesa ................................................................................................................................................... 284
Fenícios e ingleses, 2: a concepção francesa ................................................................................................................................................ 285
"Salambo" ...................................................................................................................................................................................................................... 287
Moloch ............................................................................................................................................................................................................................ 289
Os fenícios na Grécia: 1820-1880...................................................................................................................................................................... 290
Gobineau e sua imagem da Grécia .................................................................................................................................................................... 291
Schliemann e a descoberta dos "micênicos" ................................................................................................................................................ 292
Babilônia........................................................................................................................................................................................................................ 293
9. A solução final da questão fenícia. 1885-1945 ................................................................................................................................................ 298
O Renascimento Grego ........................................................................................................................................................................................... 298
Salomon Reinach ....................................................................................................................................................................................................... 300
Júlio Beloch................................................................................................................................................................................................................... 302
Victor Bérard ............................................................................................................................................................................................................... 304
Akhenaton e o Renascimento Egípcio ............................................................................................................................................................. 308
Arthur Evans e os "minoanos" ............................................................................................................................................................................ 309
Anti-semitismo em seu auge. 1920-1939 ...................................................................................................................................................... 310
Arianismo no século XX.......................................................................................................................................................................................... 311
O alfabeto domesticado: o ataque final aos fenícios................................................................................................................................. 314
10. A situação pós-guerra O retorno ao amplo modelo ariano. 1945-1985 ................................................................................. 321
A situação depois da guerra ................................................................................................................................................................................. 322
Desenvolvimentos em Estudos Clássicos. 1945-1965 ............................................................................................................................ 324
O modelo de origem indígena ............................................................................................................................................................................. 326

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Contatos com o Mediterrâneo oriental ........................................................................................................................................................... 326
Mitologia ........................................................................................................................................................................................................................ 329
Língua ............................................................................................................................................................................................................................. 330
Ugarit............................................................................................................................................................................................................................... 331
Disciplinas acadêmicas e a ascensão de Israel ............................................................................................................................................ 331
Cyrus Gordon .............................................................................................................................................................................................................. 332
Astour e "Hellenosemítica"................................................................................................................................................................................... 334
JC Billigmeier: O sucessor de Astour? .............................................................................................................................................................. 336
Uma tentativa de compromisso: Ruth Edwards......................................................................................................................................... 337
O retorno dos fenícios da Idade do Ferro ...................................................................................................................................................... 339
Naveh e a transmissão do alfabeto ................................................................................................................................................................... 339
O retorno dos egípcios? .......................................................................................................................................................................................... 343
O modelo antigo revisto ......................................................................................................................................................................................... 345
Conclusão ................................................................................................................................................................................................................................ 349
Apêndice Eram os Filisteus Gregos?................................................................................................................................................................... 352
Glossário .................................................................................................................................................................................................................................. 356
Bibliografia ............................................................................................................................................................................................................................. 361

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Prefácio e agradecimento
A história de fundo da Atena negra é longa e complicada e, na minha opinião,
suficientemente interessante como estudo da sociologia do conhecimento para merecer ser
abordada na íntegra. Aqui só posso traçar um breve esboço disso. Minha especialidade é
Estudos Chineses; há quase vinte anos tenho ensinado sobre a China, pesquisando tanto as
relações intelectuais entre a China e o Ocidente no final do século XIX e início do século XX
quanto a política chinesa contemporânea. A partir de 1962, fiquei cada vez mais
preocupado com a Guerra da Indochina e com a quase total ausência na Grã-Bretanha de
estudos sérios da cultura vietnamita. Senti-me compelido a estudá-la pessoalmente, tanto
para dar minha contribuição ao movimento contra a repressão americana naquele país,
quanto por seu próprio valor, pois é uma civilização fascinante e atraente, ao mesmo tempo
totalmente mista e bastante distinta. De muitas maneiras, então, o Vietnã e o Japão - eu
havia estudado sua história - serviram de modelos para a Grécia.
Em 1975, tive uma crise de meia-idade, cujos motivos pessoais não são de interesse
particular. Mas politicamente, estava ligado ao fim da intervenção americana na Indochina
e à consciência de que a era maoísta na China estava chegando ao fim. Agora me parecia
que o principal foco de perigo e interesse no mundo não era mais a Ásia Oriental, mas o
Mediterrâneo Oriental. Essa mudança me levou a focar na história judaica. Os dispersos
componentes judeus de minha ascendência teriam causado pesadelos aos especialistas
encarregados de aplicar as leis de Nuremberg e, embora satisfeito com essas frações de
parentesco judaico, não prestei muita atenção a elas, nem a devotei à cultura judaica. . Foi
neste momento que senti o fascínio - à maneira romântica - desta parte das minhas
"raízes". Comecei a mergulhar na história judaica antiga e - encontrando-me na periferia -
as relações entre os israelitas e os povos vizinhos, em particular os cananeus e os fenícios.
Sempre soube que este último falava línguas semíticas, mas foi uma surpresa chocante
descobrir que o hebraico e o fenício eram mutuamente inteligíveis e que linguistas sérios
os tratavam como dialetos de uma única língua cananéia.
Durante esse tempo, comecei a estudar hebraico e descobri o que me parecia inúmeras e
surpreendentes semelhanças entre ele e o grego. Dois fatores me inclinaram a não aceitá-
los como coincidências aleatórias. Primeiro, tendo estudado chinês, japonês e vietnamita,
além de um pouco de chichewa - língua bantu falada na Zâmbia e no Malawi -, percebi que
essa taxa de paralelismo não é normal entre línguas sem contatos. uma com a outra. Em
segundo lugar, agora eu também era capaz de perceber que o hebraico/canaanita não era
apenas a língua de uma pequena tribo do interior isolada nas montanhas da Palestina, mas
também era falado em todo o Mediterrâneo - onde quer que os fenícios navegassem e se
estabelecessem. Portanto, não vi razão para que o grande número de palavras importantes
com som semelhante e significado semelhante em grego e hebraico - ou pelo menos a
grande maioria daquelas que não tinham raízes indo-européias - não fossem emprestadas
do grego cananeu / Fenício.
Neste ponto, conduzido pelo meu amigo David Owen, deixei-me influenciar fortemente
pelos trabalhos de Cyrus Gordon e Michael Astour sobre os contactos gerais entre as
civilizações semítica e grega. Além disso, Astour me convenceu de que as lendas em torno
da fundação de Tebas pelo fenício Cadmo continham um núcleo de verdade. Como ele, no

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entanto, rejeitei as lendas da colonização egípcia como devaneios totais ou como casos de
identidade equivocada, acreditando que - o que quer que os gregos tivessem escrito - os
colonos na verdade falavam semitas.
Durante quatro anos trabalhei nessas linhas de pesquisa e estava convencido de que
pelo menos um quarto do vocabulário grego poderia ser rastreado até as origens semíticas.
Isso, junto com os 40-50 por cento que parecem ser de origem indo-européia, ainda deixou
um quarto a um terço do vocabulário grego sem explicação. Fiquei então inseguro se
deveria considerar esta fração irredutível convencionalmente como "pré-helênica" ou se
deveria postular uma terceira língua externa, seja de origem anatólia ou - como eu preferia
- de origem hurrita. Quando comecei a examinar essas linguagens, elas praticamente não
me forneceram nenhum material promissor. Não foi até 1979, lendo aqui e ali em uma
cópia do Dicionário Etimológico Copta de Černy , que consegui ter uma ideia do Antigo Egito
Antigo. Quase imediatamente, percebi que esta era a terceira linguagem externa. Em
poucos meses, passei a acreditar que etimologias plausíveis derivadas do Egito podem ser
encontradas para outros 20-25% do vocabulário grego, bem como para a maioria dos
nomes de deuses e topônimos gregos. Considerando as raízes indo-européias, semíticas e
egípcias juntas, agora eu estava convencido de que - com mais pesquisas - explicações
plausíveis poderiam ser fornecidas para 80-90 por cento do vocabulário grego, a maior
proporção que se poderia esperar em qualquer idioma. Portanto, não havia mais
necessidade do elemento "pré-helênico".
No início da minha pesquisa tive que enfrentar o seguinte problema: por que diabos, se
tudo é tão simples e óbvio como você afirma, ninguém nunca percebeu antes? Encontrei a
resposta quando li Gordon e Astour. Ambos abordaram o Mediterrâneo Oriental como um
todo cultural, e Astour mostrou que o antissemitismo explicava por que o papel dos
fenícios na formação da Grécia era negado. Depois de encontrar o componente egípcio, a
questão de "por que não pensei primeiro nos egípcios" surgiu de forma aguda. Era tão
óbvio! O Egito foi de longe a maior civilização do Mediterrâneo oriental durante os milênios
em que a Grécia foi formada. Os autores gregos escreveram extensivamente sobre dívidas
com a religião egípcia e outros aspectos dessa cultura. Além disso, o fato de eu não ter me
perguntado esse problema parecia ainda mais embaraçoso quando você considera que meu
avô era um egiptólogo e que quando criança eu tinha um forte interesse pelo Egito antigo. É
claro que deve ter havido inibições culturais muito profundas que impediram o Egito de ser
associado à Grécia.
Nesse ponto, comecei a examinar a historiografia sobre as origens da Grécia, para
verificar se os gregos realmente acreditavam que haviam sido colonizados pelos egípcios e
fenícios e que haviam tirado grande parte de sua cultura de suas colônias, bem como de
períodos posteriores de estudo, no Levante.
Mais uma vez, tive uma grande surpresa. Surpreendeu-me descobrir que o que eu havia
começado a chamar de "modelo antigo" só havia sido desmantelado no início do século XIX,
e que a versão da história grega que me ensinaram - longe de ser tão antiga quanto os
próprios gregos - havia desenvolvido apenas nas décadas de 1840 e 1850. Astour havia me
ensinado que as atitudes historiográficas em relação aos fenícios eram profundamente
influenciadas pelo anti-semitismo; foi, portanto, fácil para mim estabelecer uma ligação
entre a proibição de influências egípcias e a explosão do racismo do norte da Europa no

10
século XIX. O esclarecimento dos vínculos com o Romantismo e com as tensões entre a
religião egípcia e o cristianismo levou muito mais tempo.
A tese exposta em Atena negra , entre um evento e outro, levou mais de dez anos para se
desenvolver. Durante esse tempo, tenho sido um incômodo público tanto em Cambridge
quanto em Cornell. Como o Velho Marinheiro, esperei que transeuntes inocentes
despejassem sobre eles minhas ideias ainda meio grosseiras. Minha dívida com esses
"convidados do casamento" é muito grande, mesmo que seja apenas por sua escuta
paciente. Mas agradeço-lhes ainda mais as excelentes sugestões que me deram que -
embora só tenha podido agradecer a algumas delas - foram inestimáveis no meu trabalho.
Mas, mais importante, quero agradecê-los pelo entusiasmo que demonstraram pelo
assunto e pela confiança que me deram ao confirmar, assim, que não era loucura desafiar a
autoridade de tantas disciplinas acadêmicas. Eles provaram acreditar no que eu disse e me
convenceram de que, embora algumas de minhas ideias estivessem aparentemente erradas
em detalhes, o caminho que eu havia tomado era o certo.
A gratidão que devo aos especialistas é de outro tipo. Eu não apenas os cruzei ao longo
do meu caminho. Eu os seguia até seus antros e os atormentava com pedidos de
informações elementares e explicações sobre as razões que motivaram suas ideias ou que
estavam na base de noções convencionais. Enquanto eu abusava de muito do seu precioso
tempo e às vezes perturbava algumas de suas crenças mais queridas, eles geralmente eram
corteses e prestativos, muitas vezes se esforçando a meu favor. A ajuda dos “convidados do
casamento” e especialistas foi central e essencial para o projeto. De muitas maneiras, todo o
trabalho me parece mais um esforço coletivo do que individual. Uma pessoa certamente
não era capaz de lidar com todos os diferentes campos. Mesmo com essa massiva ajuda
externa, é inevitável que ele não tenha conseguido atingir plenamente a precisão esperada
de um estudo monográfico. Também estou plenamente consciente de que não consegui
entender ou assimilar adequadamente muitos dos melhores conselhos que recebi.
Nenhuma das pessoas que mencionarei abaixo é, portanto, de forma alguma responsável
pelos muitos erros de fato ou de interpretação que o leitor descobrirá. No entanto, o crédito
por este trabalho pertence a eles.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos homens e mulheres sem a ajuda dos quais,
de apenas um deles, nunca teria conseguido concluir este trabalho: Frederic Ahl, Gregory
Blue, o saudoso e saudoso Robert Bolgar , Edward Fox, Edmund Leach, Saul Levin, Joseph
Naveh, Joseph Needham, David Owen e Barbara Reeves. Em proporções variadas, eles me
deram as informações, conselhos, críticas construtivas, apoio e incentivo que foram cruciais
para estes volumes. Todos eles são pessoas muito ocupadas que trabalham em seus
próprios projetos importantes e muito interessantes. Estou mais emocionado do que posso
expressar por todo o tempo que dedicaram ao meu trabalho, muitas vezes apresentado a
eles quando ainda estava em uma fase muito primitiva.
Também quero agradecer aos seguintes homens e mulheres - e expressar por escrito
minha gratidão àqueles que agora estão mortos - pelo tempo e trabalho que gastaram em
meu auxílio: Anouar Abdel-Malek, Lyn Abel, Yoël Arbeitman, Michael Astour, Shlomo
Avineri, Wilfred Barner, Alvin Bernstein, Ruth Blair, Alan Bomhard, Jim Boon, Malcolm
Bowie, Susan Buck Morse, Alan Clugston, John Coleman, Mary Collins, Jerrold Cooper,
Dorothy Crawford, Tom Cristina, Jonathan Culler, Anna Davies, Frederik de Graf, Ruth
Edwards, Yehuda Elkana, Moses Finley, Meyer Fortes, Henry Gates, Sander Gilman, Joe

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Gladstone, Jocelyn Godwin, Jack Goody, Cyrus Gordon, Jonas Greenfield, Margot
Heinemann, Robert Hoberman, Carleton Hodge, Paul Hoch, Leonard Hochberg , Clive
Holmes, Nicholas Jardine, Jay Jasanoff, Alex Joffe, Peter Kahn, Richard Kahn, Joel
Kupperman, Woody Kelley, Peter Khoroche, Richard Klein, Diane Koester, Isaac Kramnick,
Peter Kuniholm, Annemarie Kunzl, Kenneth Larsen, Leroi Ladurie, Philip Lomas, G eoffrey
Lloyd, Bruce Long, Lili McCormack, John McCoy, Lauris Mckee, Laurie Milroie, Livia Morgan,
John Pairman Brown, Giovanni Pettinato, Joe Pia, Max Prausnitz, Jamil Ragep, Andrew
Ramage, John Ray, David Resnick, Joan Robinson, Edward Said, Susan Sandman, Jack
Sasson, Elinor Shaffer, Michael Shub, Quentin Skinner, Tom Smith, Anthony Snodgrass,
Rachel Steinberg, Barry Strauss, Marilyn Strathern, Haim Tadmor, Romila Thapar, James
Turner, Steven Turner, Robert Tannenbaum, Ivan van Sertima , Cornelius Vermeule, Emily
Vermeule, Gail Warhaft, Gail Weinstein, James Weinstein e Heinz Wismann. Um
agradecimento especial vai para aqueles entre eles que, contestando fortemente o que eu
estava tentando fazer, de bom grado me ofereceram sua ajuda muito válida e muito útil.
Também gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos os do Departamento de
Governo da Universidade de Cornell, que não apenas toleraram, mas também incentivaram
meu compromisso com este projeto, tão distante dos interesses adequados a um
departamento universitário que estuda assuntos de governo. E também gostaria de
agradecer a todos os habitantes de Telluride House pelos muitos anos de hospitalidade e
estímulo intelectual que me deram e que me levaram a voltar ao meu novo campo de
estudo. Também sou muito grato a todos os membros da Cornell Society for the
Humanities, onde passei um ano muito feliz e muito frutífero em 1977-78.
Tenho uma grande dívida com meu editor, Robert Young, por sua fé no projeto e pela
constante ajuda e incentivo que me deu. Ao mesmo tempo, quero agradecer a Ann Scott,
que editou o texto, pela enorme quantidade de trabalho que dedicou a este volume, pela
paciência e pela maneira perfeitamente harmoniosa com que melhorou muito a qualidade
do texto. sem ferir meu amor-próprio. Também tenho uma dívida profunda com dois
leitores de nível acadêmico, Neil Flanagan e Dr. Holford-Strevens, e Gillian Beaumont, pela
revisão do texto. Posso confirmar ao leitor que muitos erros, inconsistências, expressões
infelizes que ainda espreitam no livro não são nada em comparação com a profusão que
apareceu no texto antes de seu tratamento especializado. Apesar das frustrações
envolvidas nessa limpeza dos estábulos de Augias, todos foram extraordinariamente
pacientes e educados comigo. Também gostaria de agradecer a Kate Grillet por desenhar o
primeiro esboço dos mapas e tabelas e pela extraordinária habilidade que ela teve em
interpretar minhas orientações apressadas e imprecisas. Também sou grato à minha irmã,
Sophie Bernal, pela ajuda que me deu na compilação da bibliografia e por seu talento alegre
e paciente para encontrar propriedades.
A dívida incalculável é para com minha mãe, Margaret Gardiner, que me deu as bases da
educação e da autoconfiança. Mais especificamente, ele me forneceu os meios para
completar este volume e me deu uma valiosa ajuda editorial na redação da Introdução.
Agradeço a minha esposa, Leslie Miller-Bernal, por seus úteis julgamentos e críticas, mas
acima de tudo por me fornecer aquela calorosa base emocional que só pode fundamentar
um empreendimento intelectual tão vasto. Finalmente, gostaria de agradecer a Sophie,
William, Paul, Adam e Patrick por seu amor e por me manter tão firmemente enraizado nas
coisas que realmente importam.

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Transcrição e fonética

Egípcio

A grafia usada nas palavras egípcias é a convencional aceita pelos egiptólogos modernos. A
única exceção é o sinal 3 usado para representar o "abutre ou o duplo > aleph ", muitas
vezes impresso como duas vírgulas uma sobre a outra.
No entanto, o som exato de 3 estava em egípcio arcaico e foi transcrito em alfabetos
semíticos como r , l , ou mesmo n . Esse valor consonantal foi mantido pelo menos até o
segundo período intermediário, no século XVII a.C.
No egípcio tardio, parece que se tornou um > aleph e, posteriormente, como com o r do
inglês do sul, limitou-se a modificar as vogais adjacentes. O sinal 3 é o primeiro sinal
alfabético usado pelos egiptólogos.
Egípcio > ı corresponde a semítico > aleph e yōd . > Aleph é encontrado em muitas línguas,
e em quase todas as afro-asiáticas. É uma oclusiva glotal antes das vogais, semelhante à
oclusiva glotal do dialeto London Cockney em palavras como " bo > le " ou " bu > e " ( garrafa
, manteiga ).
Egípcio < ayin , que também ocorre em muitas línguas semíticas, é um aleph sonoro ou
pronunciado . A forma egípcia parece ter sido associada às vogais "atrasadas" o e u .
No egípcio arcaico, o sinal w , escrito como um pintinho de codorna, pode ter tido um
valor puramente consonantal. No egípcio tardio, a forma da língua que teve a maior
influência sobre o grego, parece ter sido frequentemente pronunciada como uma vogal, o
ou u .
O sinal egípcio transcrito como r foi mais frequentemente transcrito como l em semítico
e grego. No egípcio tardio, como no caso do 3, parece que enfraqueceu para se tornar um
mero modificador dos sons das vogais.
A letra egípcia e semítica traduzida no alfabeto latino como ḥ parece ter sido
pronunciada como um h enfático .
O ḫ egípcio e semítico representa um som semelhante ao ch in loco . Em tempos
posteriores foi completamente confundida com a letra š .
A letra egípcia h parece ter representado o som ḫ y . Também se confundiu com a letra š.
A letra aqui transcrita como s foi transcrita como s e z .
š foi pronunciado como sh ou skh . Em tempos posteriores passou a ser confundido com
ḫeh.
ḳ representa um k enfático . Um pouco contra minha vontade, segui a prática comum dos
semitas e usei q para representar o mesmo som em semita.
A letra t provavelmente foi originalmente pronunciada como t y . No entanto, mesmo no
egípcio médio foi confundido com t .
Da mesma forma, d era frequentemente alternado com d .

13
nomes egípcios

Os nomes dos deuses egípcios são vocalizados de acordo com a transcrição grega mais
comum - por exemplo, Amon para > lmn.
Os nomes reais geralmente seguem a versão de Gardiner (1961) de nomes gregos para
os faraós mais conhecidos, por exemplo Ramessēs.

cóptico

A maioria das letras do alfabeto copta vem do grego e, portanto, as mesmas transcrições
são usadas. Seis letras extras derivadas do demótico são transcritas da seguinte forma:

semita

As consoantes semíticas são transcritas de forma relativamente convencional. Algumas


dificuldades já foram mencionadas acima em relação ao egípcio. Além destes, os seguintes
problemas são encontrados:
Em cananeu o som ḫ fundiu-se com ḥ . Nesse caso, as transcrições às vezes refletem o ḫ
etimológico em vez do ḥ posterior . ṭ é um t enfático .
O som árabe geralmente transcrito como th aqui é escrito como t y . O mesmo se aplica a
dh / d y .
Uma letra encontrada em ugarítico e correspondente ao árabe Ghain é aqui transcrita
como ǵ .
k é escrito q em vez de ḳ , como em egípcio.
A letra semítica Tsade , quase certamente pronunciada ts , é escrita como ṣ .
Em hebraico, a partir do 1º milênio aC, a letra Shin é escrita como š . Em outros lugares,
no entanto, é transcrita simplesmente como s , e não š , pois questiono a antiguidade e a
distribuição desta última pronúncia ( ver Bernal, 1990, pp. 102-105). Isso, no entanto,
causa confusão com Samekh , que também é transcrita como s . O pecado é transcrito como
¶.
Nem dagesh nem begadkepat são indicados na transcrição. Isso por questões de
simplicidade e também por dúvidas sobre sua distribuição e ocorrência na Antiguidade.

Vocalização

A vocalização massorética da Bíblia, concluída nos séculos IX e X d.C., mas que reflete
pronúncias muito mais antigas, é transcrita da seguinte forma:

14
As vogais reduzidas são renderizadas:

Acentuação e cantilação geralmente não são marcadas.

grego

A transcrição de consoantes é a ortodoxa.

υ é transcrito como y . As vogais longas η e ω são escritas como ē e ō, e quando isso é


significativo o α é traduzido como ā. O acento geralmente não é marcado.

nomes gregos

É impossível ser consistente na transliteração dos nomes gregos, pois alguns são tão
conhecidos que devem ser dados em sua forma latina - Tucídides ou Platão - em oposição à
forma grega Thoukydidēs ou Platōn. Por outro lado, seria absurdo latinizar as formas de
nomes de pessoas ou lugares pouco conhecidos. Assim, os nomes mais conhecidos são
dados em sua forma latina e os demais são simplesmente transliterados do grego. Tentei
sempre que possível seguir a tradução de Pausânias de Peter Levi, onde, na minha opinião,
é mantida a atitude mais equilibrada. No entanto, isso não significa que muitas vogais
longas sejam marcadas na transcrição dos nomes.

15
MAPAS E GRÁFICOS

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18
19
20
21
22
23
Tabela cronológica
modelo ariano Creta modelo ariano Grécia Modelo antigo revisado BC

3300

3200

3100

Minoano antigo I Minoano antigo I 3000

Helladic antigo I Helladic antigo I

2900

2800

2700

2600

MA II EA II MA II , EA II 2500

2400

2300

MA III EA III MA III , EA III 2200

Vinda dos gregos?

2100

MM Os MM I Mentḥotpe / Radamanto, senhor de Creta e Beócia? 2000

primeiros palácios

EM I Senwosre / Ḥpr K 3 R <

Vinda dos gregos? Cecrops, senhor da Ática? 1900

1800

Destruição dos prédios MM III Invasão dos Hicsos

MM III Danaus e Cadmo 1700

EM III Primeiro poço túmulos

Primeiro poço túmulos MT I A

Introdução do alfabeto Erupção de Tera

MT I A 1600

ET I A

ou micênico I A

MT I B

MT I B Erupção de Tera? 1500

MT II Erupção de Tera?

conquista micênica ET/Mic.. II MT II

conquista micênica de Creta

senhorio egípcio 1400

Última destruição dos palácios cretenses ET/Mic.. III ET/Mic.. III

Invasão de Pelops?

ET/Mic.. IIIB _ ET/Mic.. III B ET/Mic.. III B 1300

24
Tebas destruída Tebas destruída

guerra de Tróia guerra de Tróia guerra de Tróia 1200

invasão dórica Retorno dos Heraclids

Micenas destruídas Micenas destruídas

ET/Mic. IIIC _ ET/Microfone. IIIC _ ET/Microfone. III C Filisteus 1100

migrações jônicas Migrações iônicas Hesíodo 1000

900

Corinto governada pelos Bacchiadi Corinto governada pelos Bacchiadi

Homero

Introdução do alfabeto? Reformas de Licurgo

Homero Esparta 800

Primeiras Olimpíadas Primeiras Olimpíadas

Estabelecimento de colônias

Estabelecimento de colônias na Itália e na Sicília

na Itália e na Sicília 700

Hesíodo

Primeira influência

oriental As reformas de Sólon 600

Atenas

Os persas conquistam a Anatólia Os persas conquistam a Anatólia

invasões persas da Grécia invasões persas da Grécia 500

Heródoto Heródoto

Guerra do Peloponeso Guerra do Peloponeso

Sócrates Sócrates 400

Platão, Isócrates Platão, Isócrates

Ascensão de Alexandre, o Macedônio Ascensão de Alexandre, o Macedônio

Aristóteles Aristóteles

25
Introdução
Aqueles que conseguem fazer essa invenção fundamental
de um novo paradigma são quase sempre muito jovens ou
recém-chegados ao campo governado pelo paradigma que
modificam.
THOMAS KUHN , A estrutura das revoluções científicas

Se uso esta citação de Thomas Kuhn, é na tentativa de justificar a presunção de escrever


sobre temas muito distantes do meu campo original, já que sou especialista em história
chinesa. De fato, argumentarei que as mudanças de concepção que proponho aqui, embora
não sejam paradigmáticas no sentido estrito da palavra, são, no entanto, fundamentais.
Esta obra de três volumes trata de dois modelos de história grega: um que concebe a
Grécia como essencialmente europeia ou ariana; o outro que o vê como levantino, na
periferia das áreas culturais egípcias e semíticas. Eu os chamo de "modelo ariano" e
"modelo antigo". O modelo antigo era a concepção convencional entre os gregos do período
clássico e helenístico, segundo a qual a cultura grega teria surgido após a colonização, por
volta de 1500 aC, dos egípcios e fenícios, que civilizaram os nativos. Além disso, ainda mais
tarde, os empréstimos das culturas do Oriente Próximo foram numerosos e frequentes para
os gregos.
É uma surpresa para muitos saber que o modelo ariano, no qual a maioria de nós foi
educada para acreditar, só se desenvolveu durante a segunda metade do século XIX. Em sua
forma primitiva ou "ampla", o novo modelo negava a existência de assentamentos egípcios
e questionava os assentamentos fenícios. O que chamo de modelo ariano "extremo", que
prosperou durante os dois picos do antissemitismo das décadas de 1890 e 1920 e 1930,
chegou a negar a influência cultural fenícia. De acordo com o modelo ariano, teria havido
uma invasão do Norte - não documentada na tradição antiga - que teria subjugado a cultura
local "Egeu" ou "pré-helênica". A civilização grega é, portanto, concebida como resultado da
fusão entre os helenos de língua indo-europeia e os nativos escravizados. Precisamente
porque o modelo ariano era um artefato, decidi intitular este primeiro volume A invenção
da Grécia antiga . 1785-1985 .
Acredito que devemos voltar ao modelo antigo, mas com algumas revisões; Portanto,
chamo o modelo que proponho no segundo volume de Atena Negra de "modelo antigo
revisado". Aceita que há uma base para a realidade nas histórias da colonização egípcia e
fenícia da Grécia incluídas no modelo antigo. No entanto, retrocede um pouco o início, para
a primeira metade do segundo milênio a.C. Também concorda com o antigo modelo de
conceber a civilização grega como resultado das fusões de culturas produzidas por essas
colonizações e subsequentes empréstimos de culturas de o Mediterrâneo oriental. Por
outro lado, o modelo ariano aceita, mas para submetê-lo à verificação, a hipótese de
invasões - ou infiltrações - do Norte por povos de língua indo-europeia que ocorreram em
determinados períodos durante o quarto ou terceiro milênio aC. No modelo antigo, ele
afirma, no entanto, que esses povos primitivos falavam uma língua relacionada ao indo-

26
hitita que deixou poucos vestígios no grego e que, em qualquer caso, não pode ser usada
para explicar os muitos elementos não indo-europeus da língua posterior.
Se estou certo em pedir a rejeição do modelo ariano e sua substituição pelo modelo
antigo revisado, será necessário não apenas repensar os fundamentos fundamentais da
"civilização ocidental", mas também reconhecer a penetração do racismo e " "chauvinismo
continental" em todo o nosso mundo, historiografia ou filosofia da escrita da história. O
modelo antigo não tinha deficiências "internas" sérias ou fraquezas no poder explicativo.
Ele foi rejeitado por razões externas. Para os românticos e racistas dos séculos XVIII e XIX
era bastante intolerável que a Grécia, concebida não apenas como o epítome da Europa,
mas como sua pura infância, fosse o resultado da mistura entre europeus nativos e
colonizadores africanos e semitas. O modelo antigo, portanto, teve de ser rejeitado e
substituído por algo mais aceitável.
O que se entende aqui por "modelo" e "paradigma"? Tentar defini-lo é de pouca
utilidade; devido à sua inevitável imprecisão de uso e ao fato de que as palavras só podem
ser definidas com outras palavras, esses termos não oferecem uma base sólida sobre a qual
construir. No entanto, é necessário fornecer algumas indicações do significado em que se
destinam. Por "modelo" entendo geralmente um esquema reduzido e simplificado de uma
realidade complexa. Tal transposição inevitavelmente distorce - como diz o provérbio
italiano: tradutor traidor . No entanto, padrões, como as próprias palavras, são necessários
para quase todas as formas de pensamento ou fala. No entanto, deve-se sempre lembrar
que os modelos são artificiais e mais ou menos arbitrários. Além disso, assim como
diferentes aspectos da luz podem ser explicados como ondas e partículas, outros
fenômenos podem ser concebidos de duas ou mais maneiras diferentes, ou seja, usando
dois ou mais modelos diferentes. Normalmente, porém, um modelo é melhor ou pior que
outro se for capaz de explicar as características determinantes da “realidade” investigada.
Portanto, é útil pensar em termos de competição entre modelos. Por "paradigma" quero
dizer simplesmente padrões generalizados ou estruturas de pensamento aplicadas a
muitos ou a todos os aspectos da "realidade" como concebida por um indivíduo ou
comunidade.
Todo desafio fundamental para uma disciplina tende a vir de fora. Por costume, os
alunos são introduzidos aos poucos em seu campo de estudo, como nos mistérios
desvendados aos poucos; de modo que, quando vierem a ver todo o seu argumento,
estejam tão integralmente imbuídos de preconceitos e padrões de pensamento que é muito
improvável que sejam capazes de questionar as premissas básicas. Essa incapacidade é
especialmente evidente nas disciplinas que tratam da história antiga. A razão, dir-se-ia, é,
em primeiro lugar, que envolvem aprender línguas difíceis, processo inevitavelmente
autoritário: a lógica de um verbo irregular ou a função de uma partícula não podem ser
questionadas. Ao mesmo tempo, ao expor as regras linguísticas, os professores também
fornecem outras informações históricas e sociais que tendem a ser dadas e recebidas com a
mesma atitude de espírito. A passividade intelectual do aluno é potencializada pelo fato de
que essas línguas costumam ser ensinadas na infância. Embora isso facilite o aprendizado e
dê aos estudiosos tão treinados um sentimento incomparável pelo grego ou hebraico, eles
tenderão a aceitar um conceito, palavra ou forma como tipicamente grego ou hebraico, sem
exigir uma explicação quanto à sua função específica ou origem.

27
A segunda causa de inibição é o medo quase religioso, ou verdadeiramente religioso, que
se sente ao se aproximar da cultura clássica ou judaica, considerada a fonte da civilização
"ocidental". Há, portanto, certa relutância em usar analogias "profanas" que oferecem
modelos para seu estudo. Uma grande exceção a isso tem sido no folclore e na mitologia
onde, desde a época de James Frazer e Jane Harrison, na virada do século XIX, muito
trabalho comparativo foi feito. Quase tudo isso, no entanto, permaneceu dentro dos limites
estabelecidos na década de 1820 pelo homem que destruiu o modelo antigo, Karl Otfried
Müller. Ele pediu aos estudiosos que estudassem a mitologia grega em relação à cultura
humana em geral, mas sua oposição ao reconhecimento de qualquer empréstimo específico
do Oriente era inflexível. 1
Esta situação encontra-se mais extrema no campo das línguas e nomes. Desde a década
de 1840, a filologia indo-europeia, ou o estudo das relações entre as línguas, está no centro
do modelo ariano. Então, como hoje, os indo-europeus e filólogos gregos mostraram uma
extraordinária relutância em ver qualquer conexão entre o grego, por um lado, e o egípcio e
o semítico, as duas principais línguas não indo-europeias do Mediterrâneo Oriental na
Antiguidade, por outro. . Não há dúvida de que se egípcio, semítico ocidental e grego
tivessem sido as línguas de três grandes tribos contíguas no Terceiro Mundo de hoje, teria
havido extensos estudos comparativos, após os quais a maioria dos linguistas teria
concluído que com probabilidade havia um distante relação entre as três línguas e que
houve inúmeros empréstimos, e presumivelmente outros empréstimos culturais, entre os
três povos. No entanto, dado o profundo respeito que se sente por gregos e judeus, esse
tipo de trabalho comparativo grosseiro é considerado inadequado.

O leigo não pode ter aquele controle de detalhes, conquistado com paciência e esforço
lentos, que os especialistas têm. Sem uma compreensão completa da complexidade
subjacente, eles tendem a ver correspondências simplistas em semelhanças superficiais.
Isso não significa, no entanto, que os não-profissionais estejam errados por necessidade.
Heinrich Schliemann, o magnata alemão que primeiro cavou em Tróia e Micenas, na década
de 1870, fez conjunções ingênuas, mas frutíferas, entre lendas, documentos históricos e
topografia, mostrando que, embora os historiadores gostem de acreditar que assim seja, o
óbvio nem sempre é falso.
Outra tendência entre os profissionais é confundir o que eu chamaria de ética de uma
situação com sua realidade. Embora seja evidente que o especialista que passou a vida
inteira dominando um tópico deve saber mais do que um recém-chegado apressado, isso
nem sempre é verdade. Este último às vezes tem a vantagem da perspectiva, da capacidade
de ver o tema como um todo e de recorrer a analogias externas relevantes. Isso leva à
situação paradoxal de que, embora os amadores geralmente não consigam avançar o
conhecimento dentro de um modelo ou paradigma, eles são os melhores quando se trata de
questioná-los. As duas descobertas mais importantes nos estudos arqueológicos desde
1850 - a descoberta dos micênicos e a decifração de sua escrita linear B - foram feitas por
amadores: Schliemann, de quem acabei de mencionar, e Michael Ventris, que era um anglo-
grego arquiteto.
No entanto, mesmo que conceitos de novidade fundamental muitas vezes venham de
fora, isso certamente não significa que todas as propostas que vêm deles sejam corretas ou
úteis. A maioria não é, e eles são justamente rejeitados como estranhos. A discriminação

28
entre diferentes tipos de desafios radicais coloca dois problemas difíceis. Quem deve fazê-
lo? Como isso deve ser feito? Claro, o primeiro grupo a consultar seriam os especialistas.
Eles possuem o conhecimento necessário para avaliar a plausibilidade e uso de novas
ideias. Se, como foi o caso de Ventris quando decifrou a Linear B, a maioria deles aceita uma
nova ideia, seria tolice contestar seu veredicto. No entanto, sua opinião negativa não pode
ser considerada com o mesmo respeito incondicional, pois, embora possuam as habilidades
necessárias para fazer um julgamento, também têm interesse direto no assunto. Eles são os
guardiões do status quo acadêmico, tendo feito um investimento intelectual e muitas vezes
emocional nele. Em alguns casos, para defender sua posição, estudiosos afirmam que a era
heróica dos amadores, outrora necessária em seu campo, acabou. Assim, mesmo que sua
disciplina tenha sido fundada por não-profissionais, eles não podem mais dar sua
contribuição. Por mais plausível que possa parecer a ideia de um leigo, é inerentemente
impossível que seja verdade.
Assim como "a guerra é um assunto muito sério para ser deixado para os militares", a
opinião do leigo informado, como certamente a do profissional, é necessária para julgar a
validade dos novos desafios que têm sido rejeitados pelos estudiosos da área . Embora este
último geralmente saiba mais do que o público, houve casos que provaram o contrário.
Tomemos por exemplo a teoria da deriva continental, proposta pela primeira vez pelo
professor AL Wegener no final do século XIX. Durante grande parte do início do século XX ,
a relevância do "óbvio entrelaçamento" entre a África e a América do Sul, as duas margens
do Mar Vermelho e muitas outras costas foi negada pela maioria dos geólogos. Hoje, ao
contrário, é universalmente aceito que os continentes se separaram. Da mesma forma, as
propostas de abandono do padrão-ouro, apresentadas pelos populistas americanos nas
décadas de 1880 e 1890, foram denunciadas pelos economistas acadêmicos da época como
completamente impraticáveis. Nesses casos, parece que o público estava certo e os
acadêmicos errados. Portanto, embora a opinião profissional deva ser estudada com
cuidado e tratada com respeito, ela nunca deve ser tomada como a última palavra.
Como o leigo informado será capaz de distinguir entre um inovador radical fora da
disciplina e um excêntrico? Entre um Ventris decifrando um silabário cretense e um
Velikovski escrevendo sequências de eventos e catástrofes em total contraste com todas as
outras reconstruções da história? Em última análise, um júri de leigos deve confiar em seu
próprio julgamento subjetivo ou estético. No entanto, existem algumas pistas úteis a seguir.
O excêntrico - ou seja, aquele que tem uma explicação coerente, mas cujas hipóteses não
despertam imediatamente o interesse dos acadêmicos mainstream - tende a acrescentar
fatores desconhecidos e incognoscíveis às teorias dos profissionais: continentes perdidos,
homens do espaço, colisões planetárias etc. Às vezes, é claro, esse tipo de hipótese é
espetacularmente vingado pela descoberta dos fatores desconhecidos postulados. Por
exemplo, os misteriosos "coeficientes" hipotetizados por Ferdinand de Saussure para
explicar anomalias nas vogais indo-européias foram descobertos em laringas hititas. Antes
disso, porém, a teoria permanecia inverificável e, portanto, sem interesse.
Por outro lado, os inovadores menos imaginativos tendem a remover em vez de
adicionar. Ventris subtraiu a desconhecida língua Egeu, que se supunha estar escrita em
Linear B, deixando apenas um contraste direto entre duas entidades conhecidas, Homérico
e Grego Clássico e o corpus das tabuinhas em Linear B, criando assim, instantaneamente,
todo um novo campo.

29
Argumento que o renascimento do antigo modelo de história grega proposto neste
trabalho pertence a esta segunda categoria. Não adiciona novos fatores desconhecidos ou
incognoscíveis. Em vez disso, subtrai dois introduzidos pelos defensores do modelo ariano:
(1) os povos "pré-helênicos" que falam línguas não indo-europeias, dos quais deriva todo
aspecto inexplicável da civilização grega; e (2) aquelas misteriosas doenças "Egiptomania",
"barbarofilia" e interpretatio graeca que, como afirmam os "arianistas", teriam iludido
tantos entre os antigos gregos - aliás inteligentes, equilibrados e informados - com a crença
de que os egípcios e os fenícios tinham desempenhado um papel central na formação de
sua cultura. Essa "ilusão" era tanto mais surpreendente quanto mais se considerava que
sua vítima não tirava dela nenhuma satisfação étnica. A subtração desses dois fatores e a
retomada do modelo antigo deixa as culturas e línguas grega, semítica ocidental e egípcia
em comparação direta, gerando centenas, senão milhares de hipóteses-previsões
verificáveis como : na cultura x , deve-se espere encontrar seu equivalente na cultura y .
Tais hipóteses podem iluminar aspectos de todas as três civilizações, mas especialmente
aquelas áreas da cultura grega que não podem ser explicadas com base no modelo ariano.
O modelo antigo, o modelo ariano e o modelo antigo revisto têm em comum um
paradigma, o da possibilidade de difundir a língua ou a cultura através da conquista.
Curiosamente, isso contrasta com a tendência predominante na arqueologia hoje, que
enfatiza os desenvolvimentos indígenas. Esta tendência influencia a nova concepção da
pré-história grega tal como surge a partir do modelo recentemente proposto de origem
autônoma. 2 Atena Negra , no entanto, concentra-se na competição entre os modelos
antigos e os arianos.
Os séculos XIX e XX foram dominados pelos paradigmas do progresso e da ciência. A
crença dominante no mundo da cultura é que a maioria das disciplinas deu um salto
quântico para a "modernidade" ou "verdadeira ciência", seguido por avanços cumulativos
no conhecimento. Na historiografia do antigo Mediterrâneo oriental, tais "saltos" são
encontrados no século XIX; a partir de então, os estudiosos tenderam a acreditar que seu
trabalho era qualitativamente melhor do que qualquer coisa feita anteriormente. Os
sucessos tangíveis da ciência natural durante esse período confirmaram a verdade dessa
crença nesse campo. Estendê-la à historiografia, porém, é uma operação com bases menos
seguras. Os destruidores do modelo antigo e os construtores do modelo ariano, no entanto,
se consideravam "científicos". Para esses estudiosos alemães e britânicos, as histórias da
colonização e civilização egípcias da Grécia violavam a "ciência racial" com a mesma
monstruosidade com que as lendas de sereias e centauros quebravam os cânones da
ciência natural. Com igual gesto, eles os desacreditaram e os descartaram.
Por cento e cinquenta anos, os historiadores afirmaram ter um "método" análogo aos
usados nas ciências naturais. De fato, as maneiras pelas quais os historiadores modernos
diferem dos "pré-científicos" são muito menos certas. Os melhores historiadores anteriores
eram muito conscientes, usavam verificações de plausibilidade e buscavam consistência
inerente. Eles também citaram e avaliaram suas fontes. Em comparação, os historiadores
científicos dos séculos XIX e XX foram incapazes de dar demonstrações formais da "prova",
ou estabelecer leis históricas sólidas. Além disso, hoje a acusação de "metodologia
incorreta" é usada para condenar não apenas o trabalho incompetente, mas também o
trabalho indesejado. A acusação é injusta porque pressupõe falsamente, ao contrário, a
existência de estudos metodologicamente corretos.

30
Considerações desse tipo levam à questão do positivismo e sua necessidade de "prova".
Provas ou certezas são muito difíceis de obter, mesmo nas ciências experimentais ou na
história registrada. Nos campos de que trata este trabalho, é inquestionável: tudo o que se
pode esperar encontrar é maior ou menor plausibilidade. Em outras palavras, é enganoso
ver uma analogia entre o debate acadêmico e o direito penal. No direito penal, porque a
condenação de uma pessoa inocente é muito pior do que a absolvição de um infrator, os
tribunais corretamente exigem provas "além de qualquer dúvida razoável" antes de chegar
a uma condenação. Mas nem as noções convencionais nem o status quo acadêmico têm os
direitos morais de uma pessoa acusada. Os debates nessas áreas não devem, portanto, ser
julgados com base em evidências , mas apenas com base na plausibilidade competitiva .
Neste artigo, não tenho a possibilidade e, portanto, não tentarei provar que o modelo
ariano está "errado". O que proponho, em vez disso, é mostrar que é menos plausível do
que o modelo antigo revisado e que este oferece um contexto mais frutífero para pesquisas
futuras.
pré -história do século XX foi assombrada por uma forma particular dessa busca por
evidências, que chamo de positivismo arqueológico . Essa é a falácia de que tratar "objetos"
necessariamente torna "objetivo"; é a crença de que as interpretações da evidência
arqueológica são tão tangíveis quanto os próprios achados arqueológicos. Essa fé eleva
hipóteses baseadas na arqueologia ao status de "científica" e desvaloriza informações sobre
o passado que vêm de outras fontes - lendas, topônimos, cultos religiosos, línguas e
distribuição de dialetos linguísticos e scriptori. Neste trabalho argumenta-se que todas
essas fontes devem ser tratadas com muita cautela, mas a evidência documental que elas
nos fornecem não é categoricamente menos válida do que as fornecidas pela arqueologia.
A ferramenta preferida dos positivistas arqueológicos é o "argumento baseado no
silêncio" - a crença de que se algo não foi encontrado, isso significa que não pode ter
existido em quantidades significativas. O argumento parece útil naqueles poucos casos em
que os arqueólogos não conseguiram encontrar, em uma área pequena, mas muito bem
escavada, algo que o modelo dominante havia previsto. Por exemplo, por cinquenta anos,
acredita-se que a grande erupção em Tera tenha ocorrido durante o período de cerâmica
minóica do início do final I B, mas apesar das extensas escavações nesta pequena ilha, nem
um único fragmento dessa cerâmica apareceu por baixo. escória. Isso sugere que seria útil
reconsiderar a teoria. Mas mesmo neste caso, no entanto, alguns vasos desse tipo ainda
podem aparecer, e sempre há problemas na definição dos estilos cerâmicos. Em quase toda
arqueologia - como nas ciências naturais - é virtualmente impossível "provar" a ausência.
Pode-se talvez argumentar que esses ataques são dirigidos contra homens de palha ou,
pelo menos, homens mortos. "Arqueólogos modernos são refinados demais para serem
positivistas", ou "nenhum estudioso sério hoje acredita na existência, muito menos na
importância, de" raça "." Ambas as afirmações talvez sejam verdadeiras, mas o que defendo
aqui é que arqueólogos modernos e historiadores antigos da área ainda trabalham com
modelos feitos por homens que eram grosseiramente positivistas e racistas. Portanto, é
muito implausível supor que tais modelos não foram influenciados por essas ideias. Isso
por si só não falsifica os modelos, mas - dado o que agora nos parecem as circunstâncias
duvidosas de sua criação - eles devem ser cuidadosamente reexaminados e a possibilidade
de que existam alternativas igualmente válidas ou melhores deve ser seriamente
considerada. Em particular, se puder ser demonstrado que o modelo antigo foi rejeitado

31
por razões extrínsecas, sua substituição pelo modelo ariano não pode mais ser atribuída a
qualquer superioridade explicativa deste último. É, portanto, legítimo colocar os dois
modelos em concorrência ou tentar conciliá-los.

Neste ponto, talvez seja útil fornecer um esboço do restante desta Introdução. Em um
projeto tão vasto como o que estou tentando realizar aqui, certamente é útil fazer um
resumo dos argumentos, juntamente com algumas indicações sobre os documentos
fornecidos para apoiá-los. Por essas razões, incluí uma lista dos capítulos que compõem
este livro. Os problemas que a exposição de minhas teses acarreta são ainda mais
complexos pelo fato de que minhas visões sobre o contexto mais amplo em que os
argumentos da Atena negra são colocados às vezes diferem das noções convencionais. Em
seguida, escrevi um esboço esquemático do pano de fundo histórico que abrange os últimos
doze milênios do antigo mundo ocidental. Este resumo é amplamente seguido por um perfil
histórico do segundo milênio aC, período que a negra Atena trata em particular, a fim de
esclarecer o que eu acho que “realmente aconteceu” contra as noções que outros têm sobre
o assunto.
Em seguida, vem um resumo do primeiro volume em si, A Invenção da Grécia Antiga ,
seguido por descrições um pouco mais detalhadas do conteúdo dos outros dois volumes da
série. Uma lista do segundo volume, Documents and Archaeological Evidence, é incluída
neste ponto para demonstrar que há fortes argumentos a favor de um renascimento do
modelo antigo no contexto das evidências arqueológicas, linguísticas ou outras que temos
disponíveis. Esbocei então uma descrição do conteúdo que pretendo para o terceiro
volume, O Enigma da Esfinge , a fim de mostrar os interessantes resultados obtidos pela
aplicação do antigo modelo revisado a problemas da mitologia grega que antes pareciam
inexplicáveis.

Contexto histórico

Antes de indicar os tópicos abordados nesses três volumes, pode ser útil dar uma
impressão geral de minhas concepções gerais sobre o contexto histórico desses tópicos,
especialmente quando eles se afastam das noções convencionais. Como a maioria dos
estudiosos, acredito ser impossível decidir entre as teorias da monogênese ou da
poligênese da linguagem humana, ainda que seja a favor da primeira. Por outro lado, o
trabalho recente de um pequeno mas crescente número de estudiosos me convenceu de
que existe uma relação genética entre as línguas indo-européias e as da "superfamília"
linguística afro-asiática. 3 Também aceito a visão tradicional, embora contestada, de que
uma família linguística se origina de um único dialeto. Acredito, portanto, que um povo que
falava proto-afro-asiático-indo-europeu deve ter existido em algum momento. Essa língua e
cultura devem ter se fragmentado há muito tempo. A possibilidade posterior seria talvez o
período Mousteriano, 50-30.000 anos pP (antes do Presente), mas também poderia ter
acontecido antes. O terminus ante quem é determinado com base no fato de que as
diferenças entre indo-europeu e afro-asiático são muito maiores do que dentro de cada
grupo; na minha opinião, a fragmentação deste último pode ser datada do 9º milênio aC

32
Vejo a expansão do afro-asiático como a expansão de uma cultura - estabelecida por
muito tempo no Vale do Rift da África Oriental - que ocorreu no final da última glaciação
entre o 10º e 9º milênio aC Durante as eras glaciais, a água estava aprisionada nas calotas
polares e as chuvas eram muito menos frequentes do que hoje. O Saara e o deserto da
Arábia também eram maiores e mais inabitáveis do que são hoje. Com o aumento da
temperatura e das chuvas nos séculos que se seguiram, grande parte dessas regiões se
transformou em savanas onde afluíam os povos das regiões vizinhas. Entre estes, os mais
bem sucedidos foram, na minha opinião, os povos de língua proto-afro-asiática do Rift. Eles
não só tinham uma técnica eficaz para caçar hipopótamos usando arpões, como também
possuíam gado domesticado e técnicas de plantio e colheita. Atravessando a savana, os
povos de língua chadica chegaram ao lago Chade; os berberes, o Magrebe; os proto-
egípcios, Alto Egito. Povos de língua proto-semita se estabeleceram na Etiópia e foram até a
savana árabe (mapa 1; gráfico 1).
Com a seca prolongada do Saara durante o 7º e 6º milênio aC, houve movimentos do
oeste e leste e também do Sudão em direção ao vale do Nilo egípcio. Também defendo - mas
aqui estou em minoria - que teria havido uma migração semelhante da savana árabe para a
Baixa Mesopotâmia. A maioria dos estudiosos acredita que esta área foi habitada pela
primeira vez por sumérios ou proto-sumérios e depois foi infiltrada por semitas do deserto
apenas durante o terceiro milênio. Argumento que durante o sexto milênio o discurso
semítico se espalhou, juntamente com a chamada cerâmica Ubaid, na Assíria e na Síria, até
ocupar mais ou menos aquela região do Sudoeste Asiático onde o semítico ainda é falado
hoje (mapa 2). Na minha opinião, os sumérios chegaram à Mesopotâmia vindos do
nordeste no início do quarto milênio. De qualquer forma, sabemos agora pelos primeiros
textos que pudemos ler - os de Uruk que datam de cerca de 3.000 aC - que o bilinguismo
semito-sumério já estava bem estabelecido. 4
Poucos estudiosos contestariam a ideia de que foi na Mesopotâmia que o que chamamos
de "civilização" foi composto pela primeira vez. Com a possível exceção da escrita, todos os
elementos que a compunham – cidade, irrigação agrícola, metalurgia, arquitetura em pedra,
rodas para veículos e roda de oleiro – já existiam antes e em outros lugares. Mas uma vez
coroado pela escrita, esse agenciamento permitiu uma grande acumulação econômica e
política que podemos conceber utilmente como o início da civilização.
Antes de discutir a ascensão e disseminação dessa civilização, talvez seja útil considerar
a fragmentação e o desenvolvimento separados das línguas indo-européias. Na primeira
metade do século 19, acreditava-se que o indo-europeu se originou em certas montanhas
da Ásia. À medida que o século avançava, este Urheimat , ou pátria original, foi movido para
o oeste, até que mais tarde foi acordado que o proto-indo-europeu seria falado pela
primeira vez por nômades em áreas ao norte do Mar Negro. , atestada nesta região por
volta do 4º e 3º milénio aC Aparentemente, os possuidores desta cultura material
espalharam-se para oeste até à Europa, para sudeste até ao Irão e Índia, e para sul até aos
Balcãs e na Grécia.
O padrão geral de expansão da Ásia Central ou das estepes foi desenvolvido antes da
decifração do hitita, ou seja, antes da descoberta de que era uma língua indo-européia
primitiva e que, portanto, se sabia da existência de toda uma família linguística da Anatólia.
Devo talvez acrescentar que para os linguistas as línguas "anatólias" não incluem aquelas
que, como o frígio e o armênio, embora faladas na Anatólia - Turquia moderna - são

33
claramente indo-europeias. As línguas anatólias propriamente ditas - hitita, palico, lúvio,
lício, lídio, lemniano, provavelmente etrusco e talvez cariano - colocam uma série de
problemas à concepção tradicional das origens das línguas indo-européias (mapa 3). É
geralmente admitido que o Proto-Anatólio teria se separado do Proto-Indo-Europeu antes
que este se desintegrasse. No entanto, é impossível especificar o intervalo de tempo entre
os dois eventos, que pode variar de 500 a 10.000 anos. De qualquer forma, a diferença é
suficiente para convencer muitos linguistas a fazer uma distinção entre indo-europeu - que
exclui as línguas da Anatólia - e indoittita, que inclui ambas as famílias ( ver gráfico 2).
Se, como muitos linguistas históricos supõem, não apenas o indo-europeu, mas também
o indoittita começou ao norte do Mar Negro, como e quando os falantes de línguas da
Anatólia entraram na Anatólia? Alguns estudiosos argumentam que isso teria ocorrido
durante o terceiro milênio quando, como indicam as fontes mesopotâmicas, ocorreram
invasões bárbaras nesta área. Com muito maior probabilidade, tais invasões seriam as de
povos de língua frígia e proto-armênia. É quase inconcebível que um período de algumas
centenas de anos, antes da mais antiga atestação do hitita e do palico, seja suficiente para
explicar a notável diferenciação entre indo-europeu e anatólio e dentro desta última
família. Os achados arqueológicos para o terceiro milênio são muito fragmentários, mas
não há uma ruptura óbvia na cultura material que possa esclarecer uma deriva linguística
tão imponente. No entanto, não se deve confiar demais no argumento baseado no silêncio;
uma influência da cultura da Anatólia durante o quinto e quarto milênio não pode ser
totalmente excluída.
Uma possibilidade mais atraente é a hipótese proposta pelos professores Georgiev e
Renfrew. 5 Segundo ela, o indo-europeu - eu preferiria o indoittita - já teria sido falado no
sul da Anatólia por aqueles que produziram as grandes culturas neolíticas do oitavo e
sétimo milênio, incluindo a famosa de Çatal Hüyük na planície de Konia . Segundo Georgiev
e Renfrew, a língua chegou à Grécia com a disseminação da agricultura por volta de 7.000
aC, época em que a arqueologia identifica uma ruptura significativa na cultura material
dessas áreas. A língua das "civilizações" neolíticas da Grécia e dos Bálcãs no quinto e quarto
milênios teria sido, portanto, um dialeto do indoittita. Portanto, parece útil aceitar a
proposta do professor americano Goodenough, a saber, que a cultura nômade Kurga foi
derivada do sistema agrícola misto dessas culturas balcânicas e, portanto, derivou deles
sua própria linguagem. 6 Desta forma, postulando que a cultura kurga de língua indo-
europeia retrocedeu nos Balcãs e na Grécia sobrepondo-se a uma população de língua indo-
hitita, é possível conciliar a hipótese de Georgiev e Renfrew com as dos indo-ortodoxos -
europeus.
A hipotética expansão dos afro-asiáticos, que ocorreu com a expansão da agricultura
africana no nono e oitavo milênios a.C., e a dos indoititas, que se difundiu com a agricultura
do sudoeste asiático no oitavo e sétimo milênios, explicariam em certa medida aquelas que
aparecem como diferenças fundamentais entre as costas norte e sul do Mediterrâneo. As
migrações ocorriam em grande parte por via terrestre, pois as viagens marítimas, embora
já possíveis pelo menos a partir do 9º milênio, eram arriscadas e cansativas. À medida que
a navegação melhorou no quinto e quarto milênio, a situação foi amplamente revertida.
Embora os nômades continuassem a migrar por terra, particularmente pelas planícies, o
transporte e as comunicações do quarto milênio aC até o desenvolvimento das ferrovias no
século XIX dC eram geralmente mais fáceis na água do que na terra. Durante esse longo

34
período, rios e mares forneceram conexões, enquanto territórios foram isolados por
desertos sem rios ou montanhas. Tal padrão de sucessão histórica - primeiro terra, depois
mar - explicaria o paradoxo geral de que trata este livro: a flagrante contradição entre as
semelhanças culturais muito evidentes encontradas em populações de todo o Mediterrâneo
e a divisão linguística e cultural fundamental entre seu norte e costas sul. 7
A civilização se espalhou muito rapidamente da Mesopotâmia no quarto milênio. A ideia
de escrever parece ter sido considerada na Índia e em muitas partes do Mediterrâneo
oriental antes mesmo de ser codificada em sua terra natal. Sabemos que os hieróglifos
foram desenvolvidos no Vale do Nilo por volta do terceiro quartel deste mesmo milênio e,
apesar da falta de comprovação, parece provável que os hieróglifos hititas, bem como os
protótipos dos silabários levantino, cipriota e anatólio, foram formado antes da chegada à
Síria, por volta do início do terceiro milênio, da civilização sumério-semita em pleno
desenvolvimento, com sua escrita cuneiforme regular.
A civilização egípcia é claramente baseada nas ricas culturas pré-dinásticas do Alto Egito
e da Núbia, cujas origens africanas são indiscutíveis. No entanto, a vasta influência
mesopotâmica, evidente nos achados da pré-dinástica e da primeira dinastia, deixa pouco
espaço para dúvidas de que a unificação e fundação do Egito dinástico, por volta de 3250
aC, foi desencadeada por desenvolvimentos no leste. A mistura cultural foi ainda mais
complicada pelos laços linguísticos fundamentais e, como argumentarei, culturais entre o
Egito e o componente semítico fundamental da civilização mesopotâmica.
próspero III seguiu após o milagroso quarto milênio . Os arquivos recentemente
descobertos de Ebla na Síria, datados de cerca de 2500 aC, descrevem um concerto de
estados ricos, letrados e refinados que se estendem do Curdistão ao Chipre. Sabemos pela
arqueologia que nesta época a civilização se estendeu ainda mais - até a cultura Harrapan,
que se estendeu do Indo ao Afeganistão, e as culturas do Cáspio, do Mar Negro e do Egeu
que trabalhavam com metais. As civilizações semi-suméricas da Mesopotâmia estavam
intimamente ligadas por um roteiro e cultura comuns. Os da periferia, embora igualmente
"civilizados", mantiveram suas próprias linguagens, roteiros e identidades culturais. Em
Creta, por exemplo, há uma influência cultural considerável do Levante no início do período
cerâmico Minoano I , na virada do terceiro milênio. No entanto, a escrita cuneiforme não se
tornou a escrita dominante e Creta nunca foi incorporada à civilização siro-mesopotâmica.
Além da distância, as razões mais plausíveis para isso parecem ser a resiliência da cultura
nativa e o fato de que Creta estava culturalmente a meio caminho entre as esferas de
influência semítica e egípcia. Essa dupla relação com o Levante e a África se reflete nas
descobertas arqueológicas. Em Creta e em outras partes do Egeu, muitos objetos egípcios e
siríacos foram encontrados. Por volta de 3.000 aC, como no Oriente Próximo, o cobre
começou a ser misturado com arsênico para produzir bronze; a roda do oleiro foi
introduzida; e há semelhanças notáveis entre os sistemas de fortificação das Cíclades e os
do mesmo período encontrados na Palestina. Os arqueólogos Peter Warren, professor de
Bristol, e Colin Renfrew, professor de Cambridge, nos pedem para acreditar que esses
desenvolvimentos ocorreram de forma independente, sem qualquer influência direta das
mesmas mudanças que ocorreram anteriormente no Oriente Próximo e sem os contatos
indubitáveis entre os dois regiões tiveram alguma influência. 8 Acho isso muito implausível.
Parece muito mais provável que os desenvolvimentos no mar Egeu tenham ocorrido como

35
consequência de contatos feitos através do comércio levantino, assentamentos levantinos e
iniciativas locais em resposta a esses estímulos.
Sabemos que no terceiro milênio grande parte do mundo que fazia uso do bronze
também possuía escrita, ou escrita cuneiforme ou outras escritas locais. No entanto, não há
vestígios de escrita no Egeu deste período. Com que seriedade, então, o "argumento
baseado no silêncio" deve ser levado neste caso? Existem algumas considerações válidas
contra isso. Primeiro, os climas da Grécia e da Anatólia são muito menos apropriados para
a preservação de tabuletas de argila e papiros do que os climas do Oriente Médio ou do
noroeste da Índia. Mesmo nessas regiões áridas, muitas vezes é difícil encontrar provas
documentais. Até a descoberta das tabuinhas de Ebla em 1975, não havia nenhum
documento que comprovasse a existência da escrita durante o terceiro milênio. Agora
sabemos que a Síria naquela época possuía uma classe de letrados instruídos e que homens
vinham do Eufrates para estudar nas escolas de Ebla.
Um outro argumento sugere que a escrita existia no Egeu já no início da Idade do
Bronze. Mesmo que o linear A, o linear B e os silabários cipriotas, encontrados a partir do
segundo milênio, pareçam compartilhar um protótipo comum e ao mesmo tempo revelar
tão grandes divergências que, por analogia com os desenvolvimentos historicamente
observados dos sistemas de escrita, levariam muitos séculos para ocorrer. Os "dialetos" de
escrita documentados parecem indicar que a forma original existiu no terceiro milênio, e
também nos permitiria supor que seu desenvolvimento ocorreu no quarto milênio: um
período de tempo plausível, portanto, para que isso tenha sido possível. Finalmente,
argumentei em outro lugar que, o mais tardar, o alfabeto chegou ao Egeu em meados do
segundo milênio. 9 Se assim fosse, parece plausível supor que a sobrevivência dos silabários
demonstra que eles já estavam bem estabelecidos nessa região. Desta forma, portanto, de
acordo com os documentos, eles podem ser considerados existentes no terceiro milênio.
A civilização do início da Idade do Bronze entrou em colapso no século 23 aC No Egito,
esta época foi distinguida como o Primeiro Período Intermediário. Na Mesopotâmia houve
a invasão dos Guti pelo Norte. Todo o mundo civilizado foi dilacerado por invasões
bárbaras e revoltas sociais, talvez causadas por uma súbita deterioração do clima. Foi
nesses anos que a Anatólia foi invadida por grupos que acredito serem identificados com os
povos de língua frígia e proto-armênio. Na Grécia continental, neste e nos séculos seguintes,
houve uma destruição generalizada no final do período da antiga cerâmica Helladic II , o
que plausivelmente estava relacionado a uma invasão "ariana" ou "helênica" da Grécia, mas
também poderia ser o resultado da invasão egípcia. invasões e colônias que remontam ao
início do Império Médio. Três séculos depois, houve outra destruição, embora menos
devastadora, no final do período Heládico III , por volta de 1900 aC, por uma das causas
acima, ou por ambas.
Se postularmos esse grau de contato entre o Egeu e o Oriente Próximo, no terceiro
milênio, é provável que algumas das palavras, alguns topônimos e cultos religiosos de
origem egípcia e semítica discutidos neste trabalho tenham sido introduzidos nessa época
no Egeu. Na Grécia continental, é menos provável que tenham sobrevivido à desordem das
invasões e infiltrações do Norte. Em Creta e nas Cíclades, não afetadas por tais distúrbios, e
que talvez fossem em grande parte semitas, no entanto, é mais provável que esses
elementos culturais tenham se perpetuado.

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Devo repetir neste ponto que a hipótese que acabamos de apresentar não é o tema deste
trabalho, mas apenas minha maneira de perceber seu pano de fundo histórico. Assim,
embora eu discuta muitos dos problemas linguísticos no segundo volume, e já tenha escrito
em outro lugar sobre alguns outros aspectos, não posso aqui fornecer documentação
exaustiva para apoiar esta hipótese. 10

Proposta de perfil histórico

Atena Negra concentra-se nos empréstimos culturais gregos do Egito e do Levante no 2º


milênio aC, ou, para ser mais preciso, ao longo dos mil anos de 2100 a 1100 aC Algumas
dessas trocas podem ter ocorrido antes, e outras mais tarde, também ser levado em
consideração. As razões para escolher este período de tempo específico são, em primeiro
lugar, que este acaba por ser o período em que a cultura grega foi formada e, em segundo
lugar, que era impossível para mim descobrir, em documentos ou fontes do Oriente
Próximo. ou etimológico grego, indicações de qualquer empréstimo anterior.
A hipótese que proponho é que, embora pareça ter havido uma influência mais ou
menos contínua do Oriente Próximo sobre o Egeu durante este milênio, ela teria sofrido
variações consideráveis de intensidade, dependendo do período. O primeiro "pico"
conhecido dessa influência foi o século 21 . Foi então que o Egito se recuperou do colapso
do Primeiro Período Intermediário e o chamado Império do Meio foi formado pela nova XI
dinastia. Isso não apenas reuniu o Egito, mas também atacou o Levante e, de acordo com
evidências arqueológicas, teve contatos de longo alcance que foram muito além, incluindo
certamente Creta e talvez a Grécia continental. A sucessão de faraós negros do Alto Egito,
todos chamados Mentḥotpe, teve o deus falcão e touro Mn t wo Mont como seu patrono
divino . Foi durante o mesmo século que os palácios cretenses foram construídos; e os
primeiros vestígios do culto do touro, representado nas paredes dos palácios, datam deste
período, culto que foi central na mitologia grega sobre o rei Minos e Creta. Portanto, parece
plausível supor que esses desenvolvimentos cretenses, direta ou indiretamente, refletissem
a ascensão do Império Médio egípcio.
Não muito longe da Tebas grega, em direção ao norte, há um grande monte,
tradicionalmente chamado de "túmulo de Amphion e Zetus". O eminente arqueólogo T.
Spyropoulos, um dos últimos a escavá-lo, descreve-o como uma pirâmide de terra
escalonada com uma coroa de tijolos, na qual havia um túmulo monumental, agora
saqueado. Ele data a cerâmica e as poucas jóias encontradas nas proximidades do antigo
período da cerâmica Helladic III - convencionalmente colocada por volta do século 21 . Com
base nesses documentos, na tecnologia refinada usada para drenar o vizinho Lago Kopais -
um feito datável por volta dessa época - e no considerável corpo de literatura clássica que
estabelece conexões entre esta região e o Egito, Spyropoulos postula a existência nesta
região. de uma colônia egípcia na Beócia. 11 Há também outra documentação para apoiar
sua hipótese, que será citada em volumes subsequentes de Atena Negra .
Entretanto, é interessante notar que de acordo com uma antiga tradição referenciada
por Homero, Amphion e Zetus foram os primeiros fundadores de Tebas, e que o outro
fundador da cidade, Cadmus, chegou do Oriente Próximo muito depois de sua primeira
cidade. havia sido destruído. Como as pirâmides egípcias, a tumba de Amphion e Zetus

37
estava associada ao sol e, como essas, a Tebas grega tinha associações estreitas com uma
esfinge. Além disso, estava de alguma forma relacionado com o signo do zodíaco de Touro,
e muitos estudiosos traçaram paralelos entre o culto do tebano e do touro cretense. Nada é
certo, mas há fortes indícios que ligam o túmulo e a primeira fundação de Tebas, direta ou
indiretamente, ao Egito da XI dinastia.
Enquanto em Creta o culto do touro foi dominante por mais seiscentos anos, o Egito
abandonou o culto real de Mont com a ascensão da XII dinastia, pouco depois de 2000 aC A
nova dinastia teve como patrono o deus Amon, natural do Alto Egito. . Acredito que a
maioria dos cultos de carneiros encontrados ao redor do Egeu, e geralmente associados a
Zeus, foram derivados da influência desse período, tirando tanto de Amon quanto do culto
de carneiro/cabra de Mendēs no Baixo Egito. .
Heródoto e autores posteriores escreveram extensivamente sobre as vastas conquistas
de um faraó a quem ele chama de Sesōstris, cujo nome foi identificado com Sn-Wsrt ou
Senwosret, o nome de alguns faraós da 12ª dinastia. Mas essas alegações de Heródoto
foram tratadas com escárnio especial. O mesmo tratamento foi reservado para lendas
antigas sobre expedições de longo alcance realizadas pelo príncipe etíope ou egípcio
Memnōn, cujo nome poderia derivar de > lmn-mh 3 t (escrito Ammenemēs por autores
gregos posteriores), também o nome de outros importantes faraós de a XII dinastia. Ambos
os ciclos lendários parecem agora encontrar confirmação na leitura recente de uma
inscrição de Memphis descrevendo as conquistas por terra e mar de dois faraós da 22ª
dinastia, Senwosret I e Ammenemēs II . Há também uma semelhança interessante entre
Hˇpr k 3 R < , o nome alternativo de Senwosret, e Kekrops (Cecrops), o lendário fundador de
Atenas que algumas fontes antigas dizem ser egípcio. 12
A próxima onda de influência, sobre a qual a tradição é muito vaga, ocorreu durante o
período dos hicsos. Os hicsos, cujo nome vem do egípcio Ḥḳ 3 Ḥ 3º , "Senhores de terras
estrangeiras", eram invasores do Norte que conquistaram e governaram pelo menos o
Baixo Egito de cerca de 1720 a 1575 aC. os hicsos eram predominantemente da língua
semítica.
A primeira revisão do modelo antigo que proponho é admitir que houve, durante o
quarto e terceiro milênios, invasões ou infiltrações da Grécia por povos de língua indo-
europeia vindos do Norte. A segunda revisão que quero propor é que o desembarque de
Danaus na Grécia está localizado próximo ao início do período hicso, ou seja, por volta de
1720 aC, não próximo ao seu final - em 1575 ou mais tarde - conforme relatado nos antigos
cronógrafos. Desde a antiguidade tardia, os autores têm visto ligações entre os registros
egípcios da expulsão dos odiados hicsos da décima oitava dinastia, a tradição bíblica do
'Êxodo do Egito' dos israelitas e as lendas gregas da chegada de Danaus a Argos. Segundo a
tradição grega, Danaus era egípcio ou sírio, mas é definitivo que ele tenha vindo do Egito
após ou durante a luta com seu gêmeo Egito, cuja origem é óbvia. Esta associação tripla
parece plausível e, por alguns arqueólogos, foi colocada em coincidência com as evidências
arqueológicas. Desenvolvimentos recentes em datação por radiocarbono e
dendrocronologia, no entanto, tornam impossível localizar novos assentamentos na Grécia
no final do período hicsos. Por outro lado, tanto esses novos dados quanto as evidências
arqueológicas de Creta concordam em datar o desembarque no final do século XVIII ,
depois nos "princípios" do período.

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Os cronógrafos antigos variam em suas datas de chegada de Cadmus e sua "segunda"
fundação em Tebas. Eu também associaria essas lendas aos hicsos, embora possam se
referir a períodos posteriores. A tradição grega associava Danaus à introdução da irrigação
e Cadmus à introdução de certos tipos de armas, o alfabeto e alguns rituais religiosos. De
acordo com o modelo antigo revisado, a irrigação parece ter vindo com uma onda de
migração anterior, mas outros empréstimos, incluindo a carruagem de guerra e a espada,
ambos introduzidos no Egito no período hicsos, chegaram pouco depois ao Egeu. Na
religião, os cultos introduzidos neste estágio parecem ter se centrado em Poseidon e Atena.
Argumento que o primeiro deve se identificar com Seth, o deus egípcio das terras selvagens
ou do mar, a quem os hicsos eram devotados, e com o semítico Yam (mar) e Yahwe. Atena
era a Nēit egípcia e provavelmente a semítica < Anåt, também aparentemente reverenciada
pelos hicsos. Isso não significa negar que outros cultos de divindades, como Afrodite e
Ártemis, foram introduzidos nesse período.
De acordo geral, a língua grega teria sido formada durante os séculos 17 e 16 aC Nela, a
estrutura e o léxico indo-europeus básicos são combinados com um vocabulário de vida
culta não-indo-europeia. Estou convencido de que muito disso é plausivelmente derivado
do semítico egípcio e ocidental. Isso se encaixaria bem com um longo período de
dominação por conquistadores egípcio-semitas.
Em meados do século XV , a dinastia XVIII formou um poderoso império no Levante e
recebeu homenagem do Egeu. Muitos objetos da 18ª dinastia foram encontrados nesta
região . Na minha opinião, essa foi mais uma enxurrada de influência egípcia, e
provavelmente foi nessa época que o culto a Dioniso - tradicionalmente considerado
"tardio" - seria introduzido na Grécia. Especificamente, aceito a antiga tradição segundo a
qual os cultos de mistério de Elêusis a Deméter foram formados neste período. 13 No início
do século XIV aC, creio que houve outra invasão da Grécia, a dos pelópidos ou aqueus da
Anatólia, que introduziram novos estilos de fortificação e talvez corridas de carros; mas
isso não afeta diretamente meu projeto.
No século XII aC, houve outra ruptura histórica mais perturbadora. Na antiguidade, o
que hoje chamamos de 'invasão dórica' era muito mais conhecido como o 'retorno dos
Heraclids'. Os invasores certamente vinham das franjas do noroeste da Grécia, áreas que
haviam sido menos influenciadas pela cultura palaciana micênica que eles destruíram. É
fascinante que eles mesmos se autodenominassem "Heraclids", e que afirmassem ser de
origem divina e descendentes de Heracles, e também se gabassem dos ancestrais egípcios e
fenícios das famílias reais que haviam sido substituídas pelos Pelópides. Não há dúvida de
que os descendentes desses conquistadores, os reis dóricos das eras clássica e helenística,
acreditavam que descendiam dos egípcios e fenícios. 14
No volume II abordarei o que na minha opinião pode ser definido como a "Egiptização"
da sociedade espartana entre 800 e 500 aC, e no volume III também abordarei a introdução
dos cultos órficos egípcios no século VI aC Origem fenícia da polis ou cidade-estado e sobre
a "sociedade escravista" durante os séculos IX e VIII na interpretação marxista. Também
espero, um dia, trabalhar na transmissão da ciência, filosofia e teoria política egípcias e
fenícias dos fundadores gregos dessas disciplinas, a maioria dos quais estudou no Egito e
na Fenícia. A Atena Negra , no entanto, está essencialmente preocupada com o papel
desempenhado pelos egípcios e semitas na formação da Grécia durante a Idade do Bronze
Médio e Final.

39
"Atena Negra", volume I: resumo dos argumentos

O primeiro volume de Atena Negra trata do desenvolvimento do modelo antigo e do


modelo ariano, e o primeiro capítulo, The Ancient Model in Antiquity , trata das atitudes dos
gregos, nos períodos clássico e helenístico, em relação ao seu próprio passado remoto .
Leva em consideração os escritos de autores que afirmaram o modelo antigo, fizeram
menção às colônias egípcias em Tebas e Atenas e forneceram detalhes sobre a conquista
egípcia de Argólida e a fundação fenícia de Tebas. Discuto o que vários "críticos de fontes"
dos séculos XIX e XX argumentam, a saber, que o modelo antigo teria sido fabricado apenas
no século V aC, e cito evidências iconográficas e outras referências anteriores para mostrar
que a estrutura conceitual já existia para vários séculos.

O capítulo 1 dá atenção especial às Súplicas de Ésquilo , que descreve a chegada de Danaus


e suas filhas a Argos. A tese que defendo, com base em várias etimologias, é que uma
influência egípcia está bastante documentada no peculiar léxico da tragédia, e isso indica
que Ésquilo esteve em contato com tradições muito antigas. Em particular, afirmo que o
tema em si é baseado em um jogo de palavras entre caminhadas (ios) (suplicante) e hicsos;
enquanto, em outro nível, a ideia de que os colonizadores vieram do Egito como suplicantes
pode ser entendida como um alento ao orgulho nacional dos gregos. Uma tentativa
semelhante de mitigar o golpe pode ser vista no Timeu , no qual Platão reconhece uma
antiga relação "genética" entre o Egito e a Grécia em geral, e em particular entre Atenas e
Sais, a principal cidade na borda noroeste do Delta. De maneira bastante implausível, no
entanto, atribui prioridade temporal a Atenas.
Como alguns outros gregos, Ésquilo e Platão parecem se sentir ofendidos pelas lendas
da colonização, pois colocam a cultura helênica em uma posição inferior à dos egípcios e
fenícios, em relação aos quais a maioria dos gregos da época parece ter sentido uma aguda
ambivalência. Os egípcios e os fenícios eram desprezados e temidos, mas ao mesmo tempo
profundamente respeitados por sua antiguidade e por sua antiga religião e filosofia, que
haviam preservado bem.
Que tantos gregos superassem suas antipatias e transmitissem essas "tradições [sobre a
colonização] tão pouco reconfortantes para o preconceito nacional" impressionou muito o
historiador do século XVIII William Mitford, e isso pareceu-lhe reforçar sua afirmação de
que "em características essenciais, tais tradições parecem indiscutíveis”. Antes de Mitford,
ninguém havia questionado o modelo antigo, então não havia necessidade de ele formular
uma defesa. Tais razões de "preconceito nacional" talvez ajudem a explicar por que
Tucídides não menciona essas lendas, que certamente eram conhecidas por ele.
No restante do Capítulo 1 discutimos algumas das equivalências estabelecidas entre
deuses específicos e rituais específicos do Egito e da Grécia, e também a crença geral de que
os egípcios eram as formas mais antigas e que a religião egípcia era a original. Somente com
o desejo de retornar às formas antigas e corretas se pode explicar por que, a partir do
século V o mais tardar, os deuses egípcios começaram a ser venerados com seus nomes
egípcios e segundo o ritual egípcio em toda a Grécia, no Oriente Mediterrâneo e além, tarde
em todo o mundo romano. Foi somente após o colapso da religião egípcia, no século II d.C.,
que outros cultos orientais, em particular o cristianismo, começaram a substituí-la.

40
O capítulo 2 , Sabedoria Egípcia e Transmissão Grega da Alta Idade Média ao Renascimento ,
considera a atitude dos Padres da Igreja em relação ao Egito. Após a aniquilação do
neoplatonismo, descendente helênico pagão da religião egípcia, e do gnosticismo, sua
contraparte judaico-cristã, os pensadores cristãos domesticaram a religião egípcia
transformando-a em filosofia. Esse processo foi identificado com a figura de Hermes
Trismegisto, uma versão heemerizada ou racionalizada de Thoth, o deus egípcio da
sabedoria; e numerosos textos associados a Thoth, escritos nos últimos séculos da religião
egípcia, foram atribuídos a ele. Se Trismegisto precedeu Moisés e a filosofia moral bíblica
por data era uma questão debatida entre os Padres da Igreja. A opinião de autoridade de
Santo Agostinho foi firmemente expressa em favor da prioridade e, portanto, da
superioridade de Moisés. Seguindo a tradição clássica, os Padres estavam, no entanto,
unidos na crença de que os gregos haviam aprendido em grande parte sua filosofia dos
egípcios - embora os egípcios pudessem, por sua vez, ter aprendido a sua na Mesopotâmia e
na Pérsia. De qualquer forma, ao longo da Idade Média, Hermes Trismegisto foi visto como
o fundador da filosofia e cultura não-bíblicas, ou seja, "dos gentios".
Essa crença continuou durante todo o Renascimento. O renascimento dos estudos
gregos no século XV produziu um amor pela literatura e língua gregas e identificação com
os gregos, mas ninguém jamais questionou que os gregos haviam sido alunos dos egípcios,
em quem havia um interesse igual, se não mais apaixonado. . Os gregos eram admirados
por preservar e transmitir uma pequena porção de sabedoria antiga: até certo ponto, as
técnicas experimentais de homens como Paracelso e Newton foram desenvolvidas para
recuperar o conhecimento perdido egípcio e hermético. Alguns textos herméticos
permaneceram acessíveis ao longo da Alta e Baixa Idade Média, muitos outros foram
encontrados em 1460 e levados à corte de Cosimo de 'Medici em Florença, onde foram
traduzidos por seu principal estudioso, Marsilio Ficino. Esses textos, e as ideias neles
contidas, tornaram-se centrais para o movimento neoplatônico iniciado por Ficino, que
estava no centro do humanismo renascentista.
Embora a matemática de Copérnico seja derivada da ciência islâmica, seu
heliocentrismo talvez tenha sido inspirado pelo renascimento, no ambiente intelectual
hermético em que se formou, do conceito egípcio de um sol divino. No final do século XVI , o
defensor de tais ideias, Giordano Bruno, foi mais explícito e foi muito além do respeitável
hermetismo neoplatônico-cristão de Ficino. Aterrorizado pelas guerras de religião e pela
intolerância cristã, Bruno defendeu um retorno à religião original ou natural, a do Egito, e
por isso foi queimado na fogueira da Inquisição no ano de 1600.

E com isso chegamos ao Capítulo 3 , O Triunfo do Egito nos Séculos XVII e XVIII . A influência
de Bruno continuou mesmo após sua morte. Ele parece ter tido contato com os fundadores
dos misteriosos e indescritíveis Rosacruzes, cujos cartazes anônimos fascinaram muitos no
início do século XVII . Os Rosacruzes também concebiam o Egito como a fonte da religião e
da filosofia. Supõe-se geralmente que em 1614 os textos herméticos foram desacreditados
pelo grande erudito Isaac Casaubon, que provou para sua satisfação que eles não
provinham da mais remota antiguidade, mas eram pós-cristãos. Desde o século XIX, essa
tese foi aceita como axiomática, e até mesmo por estudiosos "rebeldes" como Frances
Yates. Neste capítulo, no entanto, tento explicar por que estou inclinado a aceitar a tese
formulada pelo egiptólogo Sir Flinders Petrie, segundo a qual os textos mais remotos datam

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do século V aC Qualquer que seja a data real, a crença de que Casaubon destruiu o
credibilidade dos textos, é errôneo. O hermetismo continuou a ser uma força importante ao
longo da segunda metade do século XVII e manteve uma influência considerável mesmo
depois disso. É verdade que com o declínio da crença na magia entre as classes altas no
final do século XVII , até os textos herméticos perderam o interesse.
Embora os textos herméticos tivessem menos apelo aos pensadores iluministas, o
interesse e a admiração pelo Egito não diminuíram. Em geral, o século XVIII foi um período
de classicismo, caracterizado pelo desejo de ordem e estabilidade; geralmente, portanto,
Roma era preferida à Grécia. Ao mesmo tempo, para favorecer o distanciamento do
feudalismo e do cristianismo supersticioso do passado europeu, aumentou muito o
interesse por outras civilizações não europeias. De longe, os mais influentes foram os do
Egito e da China. Ambos foram concebidos como tendo sistemas de escrita superiores que
representavam ideias, não sons; ambos tinham filosofias profundas e antigas. Mas seu
aspecto mais atraente parece ter sido o de serem racionalmente governados, sem
superstição, por corpos de homens recrutados por sua moralidade e obrigados a passar por
um rigoroso processo de educação e iniciação.
De fato, o clero egípcio sempre atraiu pensadores conservadores, pelo menos desde a
época em que Platão o tomou como modelo para seus Guardiões. No século XVIII , esta
linha de pensamento foi retomada pelos maçons; mas mesmo na Idade Média parece que os
maçons estavam particularmente interessados no Egito, pois, segundo a tradição antiga, o
consideravam o lar da geometria e da alvenaria. Com o surgimento da Maçonaria
especulativa no século XVIII , a inspiração foi retirada do Rosacrucianismo e de Bruno para
fundar uma "dupla filosofia". Envolvia religiões supersticiosas e obtusas para as massas,
mas, para os esclarecidos, um retorno à pura religião natural do Egito, dos escombros dos
quais todas as outras religiões foram criadas. Os maçons, entre os quais se incluíam quase
todas as figuras significativas do Iluminismo, concebiam sua religião como egípcia; seus
próprios signos, como hieróglifos; suas próprias lojas, como templos egípcios; e eles
mesmos, como um clero egípcio. A admiração dos maçons pelo Egito sobreviveu até mesmo
ao declínio do interesse entre os estudiosos. Com alguma medida de auto-ironia, os maçons
mantiveram o culto até hoje, uma anomalia em um mundo onde se acredita que a história
"real" tenha começado com os gregos.
A culminação da Maçonaria radical - e sua ameaça mais aguda à ordem cristã - ocorreu
durante o período da Revolução Francesa. Aqui, a ameaça política e militar foi
acompanhada por um desafio intelectual contido na obra do grande erudito francês Charles
François Dupuis. A tese de Dupuis era que a mitologia egípcia - que, seguindo Heródoto, ele
interpretou como idêntica à grega - era essencialmente feita de alegorias dos movimentos
das constelações e que o cristianismo era apenas um emaranhado de fragmentos
incompreendidos dessa grande tradição.

A hostilidade contra o Egito no século 18 é o assunto do Capítulo 4 . A ameaça egípcia ao


cristianismo naturalmente provocou uma resposta; A imolação de Giordano Bruno e o
ataque de Casaubon à antiguidade dos textos herméticos podem ser entendidos como
exemplos primordiais dessa reação. No entanto, a situação voltou a agravar-se no final do
século XVII com a reorganização e tentativa de radicalização da Maçonaria. A ameaça
representada por esse Iluminismo radical pode explicar a mudança brusca de atitude de

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Newton em relação ao Egito. Em seus primeiros trabalhos, ele seguiu seus mestres
neoplatônicos de Cambridge no respeito demonstrado por este país, mas as últimas
décadas de sua vida foram dedicadas a tentar minimizar a importância do Egito,
antecipando sua data de fundação para um pouco mais cedo. a Guerra de Tróia. Em relação
a Newton estava a ameaça à sua concepção de ordem física com suas implicações políticas e
teológicas - uma divindade com hábitos regulares e uma monarquia constitucional "Whig".
A ameaça era o panteísmo, que envolvia um universo animado sem necessidade de um
regulador e até mesmo de um criador.
Esse tipo de panteísmo remonta, além de Spinoza e Bruno, aos neoplatônicos e ao
próprio Egito. A primeira e clara refutação da ameaça representada pelo Iluminismo radical
- e a primeira vulgarização do projeto newtoniano "whig" em ciência, política e religião - foi
formulada em 1693 por Richard Bentley, amigo de Newton e grande classicista cético. Uma
das maneiras pelas quais Bentley atacou seus inimigos, e os de Newton, foi usando a tática
de Casaubon. Ele usou seu rigor crítico para desacreditar as fontes gregas sobre a
antiguidade e a sabedoria dos egípcios. Ao longo dos séculos XVIII e XIX , encontraremos,
portanto, uma aliança de fato entre o helenismo e a crítica textual, por um lado, e a defesa
do cristianismo, por outro. A turbulência causada por helenistas ateus ocasionais como
Shelley e Swinburne era irrelevante em comparação com a ameaça representada pela
Maçonaria Egípcia.
Newton havia se limitado a tentar rebaixar o Egito do cristianismo; ele não procurou
aumentar o valor da Grécia. Em meados do século XVIII , no entanto, alguns apologistas
cristãos começaram a usar o paradigma emergente do "progresso", com a suposição de que
"mais novo é melhor", para promover os gregos em detrimento dos egípcios. Essas
correntes de pensamento logo se fundiram com outras duas que estavam se tornando
dominantes no mesmo período: o racismo e o romantismo. O capítulo 4 , portanto, também
traça um perfil do desenvolvimento do racismo baseado na cor da pele na Inglaterra do
final do século XVII , ao lado da crescente importância das colônias americanas, com suas
políticas gêmeas de extermínio de nativos americanos e escravidão de negros africanos.
Esse racismo permeou o pensamento de Locke, Hume e outros pensadores ingleses. Sua
influência - e a de novos exploradores europeus de outros continentes - foi relevante na
Universidade de Göttingen, fundada em 1734 por Jorge II , Eleitor de Hanôver e Rei da
Inglaterra, que formava uma ponte cultural entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. Não
surpreende, portanto, que o primeiro trabalho "acadêmico" sobre a classificação racial
humana - que naturalmente colocava "brancos" ou, para usar seu novo termo,
"caucasianos", no topo da hierarquia - tenha sido escrito em 1770 por Johann Friedrich
Blumenbach , professor em Göttingen.
A universidade lançou as bases da organização moderna por disciplinas de estudos. Na
mesma década, outros professores de Göttingen começaram a publicar histórias não mais
de indivíduos, mas de povos e raças e suas instituições. Esses projetos "modernos", em que
se combinavam meticulosidade de estudo e um método crítico de análise de fontes, talvez
seja útil concebê-los como um aspecto acadêmico do novo interesse romântico pela
etnicidade, então vigente na sociedade alemã e britânica . O romantismo do século XVIII
não era apenas uma crença na primazia do sentimento e uma crença na inadequação da
razão. A estas associava-se um sentimento de paisagens - sobretudo se são selvagens,
remotas e frias - e uma admiração pelos vigorosos e virtuosos povos primitivos, em certo

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sentido forjados por tais paisagens. Tais sentimentos muitas vezes combinados com a
crença de que, como a paisagem e o clima da Europa são melhores do que os de outros
continentes, os europeus também devem ser superiores. Essas ideias foram apoiadas por
Montesquieu e Rousseau, mas criaram raízes mais sólidas na Grã-Bretanha e na Alemanha.
No final do século XVIII , o "progresso" tornou-se o paradigma dominante, onde o
dinamismo e a mudança eram mais valorizados do que a estabilidade, e o mundo começou
a ser concebido através do tempo e não do espaço. O espaço, no entanto, permaneceu
importante para os românticos pelo interesse que tinham na formação local de povos ou
"raças". Acreditava-se, portanto, que uma raça mudava de forma à medida que passava
pelas diferentes épocas, mas sempre mantendo uma essência individual imutável. A
comunicação real deixou de ser percebida como algo que acontece por meio da razão e
pode atingir todo homem racional. Agora era concebido como fluindo através do
sentimento e atingindo apenas aqueles que estavam relacionados entre si por parentesco,
"sangue" ou uma "herança" comum.

Voltando ao tema do racismo. Muitos dos antigos gregos compartilhavam um sentimento


muito semelhante ao que hoje chamaríamos de nacionalismo: desprezavam outros povos e
alguns, como Aristóteles, até lhe deram uma dignidade teórica ao reivindicar uma
superioridade dos helenos com base na posição geográfica da Grécia. Foi um sentimento
temperado pelo respeito muito sincero que muitos autores gregos sentiam pelas culturas
estrangeiras, em particular a do Egito, Fenícia e Mesopotâmia. Mas, de qualquer forma, a
força desse "nacionalismo" da Grécia antiga era insignificante em comparação com a onda
de etnicidade e racismo, ligada aos cultos da Europa cristã e do Norte, que submergiu o
Norte da Europa com o movimento romântico. do século XVIII . O paradigma das "raças",
intrinsecamente desiguais em dotes físicos e mentais, foi aplicado a todos os estudos
humanos, mas sobretudo à história. Agora era considerado indesejável, se não desastroso,
que as raças se misturassem. Para ser criativa, uma civilização tinha que ser "racialmente
pura". Tornou-se assim cada vez mais intolerável que a Grécia - concebida pelos
românticos não apenas como a epítome da Europa, mas como sua pura infância - pudesse
ser o resultado da mistura de europeus nativos e colonizadores africanos e semitas.

Capítulo 5 , Lingüística Romântica. A ascensão da Índia e a queda do Egito. 1740-1880 ,


começa com um esboço das origens românticas da linguística histórica e da paixão pela
Índia antiga, na virada do século XVIII , em grande parte produzida pela percepção de uma
relação fundamental entre o sânscrito e as línguas européias. O capítulo também examina o
declínio da China na estimativa dos europeus à medida que a balança comercial virou a
favor da Europa e os britânicos e franceses lançaram ataques cada vez mais em larga escala
contra a China. Argumento que esses fatores produziram uma mudança na imagem da
China de uma civilização refinada e esclarecida para uma sociedade cheia de drogas,
sujeira, corrupção e tortura. O antigo Egito, que no século XVIII era visto como um paralelo
muito próximo da China, sofreu os mesmos efeitos gerados pela necessidade de justificar a
crescente expansão europeia para outros continentes e os maus-tratos infligidos aos povos
indígenas. Ambos foram rejeitados nos tempos pré-históricos para servir de base sólida e
inerte para o desenvolvimento dinâmico das raças superiores, os arianos e os semitas.

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Apesar do declínio da reputação do Egito, o interesse pelo país continuou ao longo do
século XIX. De fato, em certo sentido, tornou-se ainda maior com a explosão de
conhecimento sobre ela que se seguiu à Expedição Napoleônica de 1798, cuja consequência
mais importante foi a decifração de hieróglifos por Jean François Champollion. No capítulo,
investigo algumas das intrincadas motivações de Champollion e sua trajetória acadêmica
em relação à tradição maçônica e a relação triangular entre o antigo Egito, a Grécia antiga e
o cristianismo. Aqui é suficiente notar que, no momento de sua morte, ele se tornar o
campeão do Egito antagonizou tanto o establishment cristão quanto o establishment
acadêmico, que recentemente se tornou, e com veemência, helenístico. De fato, após um
entusiasmo inicial, a decifração de hieróglifos foi negligenciada por um quarto de século.
Quando foi revivido no final da década de 1850, os estudiosos estavam divididos entre a
atratividade do Egito e a ingenuidade do trabalho de Champollion, por um lado, e o intenso
racismo da época, por outro. Na década de 1880, os acadêmicos passaram a conceber o
Egito como um beco sem saída, culturalmente estático e estéril.
Durante o século XIX, alguns matemáticos e astrônomos, "seduzidos" pelo que lhes
parecia a elegância matemática das pirâmides, chegaram a pensar que uma sabedoria
antiga superior estava depositada nelas. Eles foram classificados como loucos por sua tripla
ofensa contra o profissionalismo, o racismo e o conceito de "progresso", as três crenças
cardeais do século XIX. Entre os estudiosos "sérios", a reputação dos egípcios permaneceu
baixa. No final do século 18 e início do século 19 , os estudiosos românticos concebiam os
egípcios como essencialmente mórbidos e sem vida. No final do século XIX, uma nova
imagem começou a surgir, oposta, mas igualmente depreciativa. Os egípcios passaram a ser
vistos de acordo com a concepção européia contemporânea dos africanos: brincalhões,
amantes do prazer, infantilmente jactanciosos e essencialmente materialistas.
Outra maneira de olhar para essas mudanças é assumir que, após a ascensão da
escravidão negra e do racismo , os pensadores europeus estavam preocupados em manter os
negros africanos o mais longe possível da civilização européia . Enquanto homens e
mulheres, na Idade Média e no Renascimento, tinham dúvidas sobre a cor dos egípcios, os
maçons egiptófilos tendiam a vê-los como brancos. Os helenomaníacos do século XIX
começaram então a duvidar de sua brancura e a negar que os egípcios tivessem sido
civilizados. Foi apenas no final do século XIX, quando o Egito foi completamente despojado
de sua reputação filosófica, que suas afinidades africanas puderam ser restabelecidas. Note-
se que em cada caso a separação necessária entre negros e civilização sempre foi claramente
demarcada . No entanto, apesar do triunfo do helenismo e da liquidação do Egito nos
círculos acadêmicos, o conceito do Egito como o "berço da civilização" nunca desapareceu
completamente. Além disso, a difundida admiração mística e excêntrica pela religião e
filosofia egípcias permaneceu uma constante irritação para os praticantes "sérios" da
egiptologia. Duas correntes dessa "contradisciplina", "difusionismo" promovido por Elliot
Smith, e a longa tradição de "piramidologia" são discutidas neste capítulo.

O capítulo 6 é intitulado Ellenomania , 1 . A queda do modelo antigo . 1790-1830 . Embora o


racismo sempre tenha sido uma das principais fontes de hostilidade ao modelo antigo e
tenha se tornado o principal suporte do modelo ariano, foi acompanhado por um ataque à
relevância do Egito pelos cristãos no século XVIII e início do século XIX . da religião ou
"sabedoria" do Egito. Esses ataques cristãos lançaram dúvidas sobre as afirmações dos

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gregos sobre a importância do Egito e aumentaram a criatividade independente da Grécia
para minar a do Egito. De fato, é muito significativo que o modelo antigo tenha sido
questionado pela primeira vez entre 1815 e 1830, pois foram anos de intensa reação contra
o racionalismo maçônico, que se acreditava operar nos bastidores da Revolução Francesa, e
anos de romantismo e renascimento cristão, tendências que uma vez combinadas com a
noção de progresso, considerando que o cristianismo se identificava com a Europa,
poderiam cooperar com um movimento pró-helênico em apoio à luta dos "jovens" gregos,
cristãos e europeus, contra os "velhos »turcos, asiáticos e infiéis.
Na década de 1820, Karl Otfried Müller, professor de Göttingen, usou as novas técnicas
de crítica textual para questionar todas as referências antigas à colonização egípcia e minar
as que envolviam os fenícios. Eles também começaram a usar tais técnicas para atacar
todas as fontes que relatavam sobre gregos que estudariam no Egito. O modelo antigo
colocava uma barreira à nova crença de que a cultura grega era essencialmente européia e
que a filosofia e a civilização se originaram na Grécia; essa barreira foi "cientificamente"
removida antes mesmo de haver aceitação geral do conceito de família linguística indo-
europeia.

O título do Capítulo 7 é Ellenomania , 2 . Transmissão dos novos estudos clássicos para a


Inglaterra e afirmação do modelo ariano . 1830-1860 . Ao contrário dos antigos, os
proponentes do modelo ariano acreditavam firmemente no "progresso". Os vencedores
eram vistos como mais avançados e, portanto, "melhores" do que os perdedores. Assim,
apesar das aparentes anomalias de curto prazo, a história - agora concebida como uma
biografia das raças - consistiu no triunfo de povos fortes e vitais sobre os fracos e
enfraquecidos. As "raças", formadas pelas paisagens e climas de suas pátrias, mantiveram
essências permanentes ao mesmo tempo que assumiam novas formas a cada nova época.
Para esses estudiosos, além disso, ficou claro que a maior "raça" da história mundial era a
européia ou ariana. Só ele tinha, e sempre teria, a capacidade de conquistar todos os outros
povos e criar civilizações dinâmicas avançadas - em oposição às sociedades estáticas
governadas por asiáticos ou africanos. Era possível que alguns europeus marginais, como
eslavos e espanhóis, se deixassem conquistar por outras "raças", mas tal dominação -
diferentemente da conquista de "raças inferiores" pelos europeus - jamais poderia ser
benéfica ou permanente.
Esses paradigmas de "raça" e "progresso", com seus corolários associados, "pureza
racial" e o conceito de que os únicos ganhos benéficos eram os das "raças mestras" sobre as
raças sujeitas, não podiam tolerar o modelo antigo. As refutações de Müller das lendas da
colonização egípcia na Grécia foram, portanto, rapidamente aceitas. O modelo ariano - após
o sucesso de Müller - foi construído no marco dos novos paradigmas. Muitos fatores
ajudaram a encorajá-lo: a descoberta da família linguística indo-europeia, que logo levou à
concepção dos indo-europeus ou arianos como uma "raça"; o postulado plausível de uma
pátria nativa indo-européia na Ásia Central; a necessidade de explicar que o grego era
basicamente uma língua indo-europeia. Além disso, exatamente na mesma época, início do
século 19 , houve intenso interesse histórico pela queda do Império Romano do Ocidente,
subjugado pelos alemães no século V d.C., e pelas conquistas arianas na Índia no segundo
milênio aC. A aplicação do modelo da conquista nórdica à Grécia era, portanto, óbvia e
muito atraente: a hipótese era que conquistadores vigorosos tivessem vindo de pátrias

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adequadamente estimulantes ao norte da Grécia, onde os aborígenes "pré-helênicos"
teriam sido minados pela natureza branda do sua pátria. E mesmo que o grande número de
elementos não indo-europeus na cultura grega não pudesse ser conciliado com o ideal de
completa pureza ariana dos helenos, a noção de conquista nórdica ainda tornava a
inevitável mistura racial o mais indolor possível. E, claro, os mais puros e nórdicos entre os
helenos foram os conquistadores, como convém a uma raça superior. Os povos do mar
Egeu pré-helênicos, por sua vez, às vezes eram vistos como marginalmente europeus, mas
ainda caucasianos; desta forma, até os nativos foram salvos da contaminação com o
"sangue" africano ou semítico.

A questão do "sangue semita" nos leva ao Capítulo 8 , A Afirmação e Declínio dos Fenícios .
1830-1885 . KO Müller, na década de 1820, havia negado que os fenícios tivessem qualquer
influência sobre a Grécia, mas era extremo em seu romantismo e à frente de seu tempo na
intensidade de seu racismo e antissemitismo. Em certo sentido, então, até os fenícios
lucraram com o declínio dos egípcios, pois agora as lendas da colonização egípcia podem
ser explicadas como se referindo a eles. Consciente ou inconscientemente, todos os
pensadores europeus concebiam os fenícios como os judeus da antiguidade - como
mercadores "semitas" astutos. A concepção dominante da história mundial no século XIX
era a de um diálogo entre arianos e semitas. Os semitas criaram a religião e a poesia; a
conquista ariana trouxera ciência, filosofia, liberdade e tudo o mais que valesse a pena. Esse
reconhecimento limitado dos semitas correspondia ao que poderíamos chamar de um
estreito "vislumbre de fortuna" que se abriu entre o desaparecimento do ódio religioso aos
judeus e o início do anti-semitismo "racial". Na Inglaterra, onde se misturaram tradições de
antissemita e antissemitismo, a admiração pelos fenícios era considerável, pois seu
comércio de tecidos, exploração e aparente retidão moral apareciam, tanto para
estrangeiros quanto para ingleses, quase vitorianos. A concepção oposta dos fenícios - e
outros semitas - como lascivos, cruéis e traiçoeiros sempre permaneceu, e era geralmente
prevalente no continente.
Esse ódio aos fenícios, vistos como "ingleses" e orientais, foi particularmente acentuado
nas obras do grande historiador romântico francês Jules Michelet. As concepções de
Michelet sobre os fenícios foram ainda mais difundidas graças ao romance histórico de
Flaubert Salambò , publicado em 1861, que teve imensa popularidade. Salambò continha
descrições vívidas de Cartago no fundo de seu declínio, que reforçavam vigorosamente os
já difundidos preconceitos anti-semitas e anti-orientais. Mas ainda mais incriminadora foi a
brilhante e macabra descrição feita ali do sacrifício de crianças no Moloch. Ter criado uma
conexão tão sólida no público entre a maior abominação bíblica e os cartagineses ou
fenícios tornou muito difícil defendê-los, e durante as décadas de 1870 e 1880 sua
reputação desmoronou ainda mais rapidamente do que a dos judeus.

E com isso chegamos ao Capítulo 9 , A Solução Final da Questão Fenícia . 1880-1945 . Com
reputação semelhante e com a ascensão do antissemitismo na década de 1880, o ataque aos
fenícios foi prolongado e particularmente feroz em relação aos seus contatos lendários com
(e influência sobre) os gregos, que agora gozavam de status semi-divino.
Uma década depois, na década de 1890, dois artigos curtos, mas extraordinariamente
influentes, foram publicados por Julius Beloch, um alemão que lecionava na Itália, e por

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Salomon Reinach, um judeu alsaciano assimilado que vivia no centro da sociedade culta e
do mundo acadêmico de Paris. . Ambos reconheciam Müller como precursor e
argumentavam que a civilização grega era puramente européia, enquanto os fenícios, além
da transmissão do alfabeto consonantal, em nada contribuíram para a cultura helênica.
Embora, nas duas décadas seguintes, muitos estudiosos relutassem em aceitar essa
posição, os fundamentos do que chamo de "modelo ariano extremo" estavam firmemente
estabelecidos na virada do século XIX. Havia, por exemplo, uma diferença marcante entre a
reação que ocorreu na década de 1870 à descoberta da civilização micênica por Schliemann
e a reação, em 1900, às comunicações de Arthur Evans sobre a civilização cretense de
Cnossos. No primeiro caso, vários estudiosos sugeriram inicialmente que os achados, bem
diferentes dos da Grécia clássica, poderiam ser fenícios. Isso foi então vigorosamente
negado nas décadas seguintes. No século XX, ao contrário, a cultura de Cnossos foi
imediatamente rotulada com o novo nome de "minoica" e considerada "pré-helênica";
certamente não semita, embora tradições antigas sustentassem que Creta era.
A eliminação definitiva da influência fenícia sobre a Grécia - e sua completa rejeição
como "miragem" - ocorreu apenas na década de 1920, com o crescimento do
antissemitismo causado pelo papel imaginário ou real desempenhado pelos judeus na
Revolução Russa e na Revolução Comunista. Terceira Internacional. Nas décadas de 1920 e
1930, todas as lendas da colonização fenícia da Grécia foram rejeitadas, assim como as
evidências da presença fenícia no Egeu e na Itália nos séculos 9 e 8 aC A origem fenícia de
muitos nomes e palavras gregas, proposta em precedência, foi completamente negada.
Nessa época, todos os esforços foram feitos para limitar a importância do único
empréstimo irrefutável da cultura semítica, o alfabeto. Em primeiro lugar, deu-se grande
ênfase à suposta invenção de vogais que, segundo se dizia, eram essenciais para um
alfabeto "verdadeiro", e sem as quais, sugeria-se, o homem seria incapaz de pensar
logicamente. Em segundo lugar, o local do empréstimo foi transferido para Rodes, depois
para Chipre e, finalmente, para uma suposta colônia grega na costa síria. E isso não só
porque agora parecia mais característico dos gregos "dinâmicos" trazer de volta o alfabeto
do Oriente Médio do que recebê-lo passivamente dos "semitas", como afirmavam as lendas,
mas também porque o conceito de empréstimo parecia implicar mistura social, e a
contaminação racial que teria acarretado para os gregos era inaceitável. Terceiro, a data da
transmissão foi adiantada para cerca de 720 aC, época que, para evitar qualquer risco, é
posterior à criação da polis e ao período formativo da cultura grega arcaica. Isso colocou
um longo período de analfabetismo entre o desaparecimento das escritas lineares,
descobertas por Evans, e a introdução do alfabeto, permitindo assim uma dupla vantagem:
Homero tornou-se o cego - e quase nórdico - bardo de uma sociedade analfabeta. , e entre
nos períodos micênico e arcaico estabeleceu-se um compartimento estanque, uma era de
"idades das trevas". Dessa forma, os testemunhos dos gregos sobre sua história mais
remota ficaram ainda mais desacreditados junto com o modelo antigo.
Na década de 1930, o positivismo foi enfraquecendo nas ciências "duras", mas ganhou
força além de suas fronteiras em certas disciplinas periféricas, como lógica e história
antiga. Nos estudos clássicos, a solução do problema fenício aparecia assim "científica" e
definitiva: doravante a disciplina poderia ter prosseguido cientificamente ou, como
diríamos agora, ter sido definido um paradigma. Qualquer estudioso que ousasse negar isso
era banido como incompetente, infundado ou excêntrico. A força dessa posição é

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demonstrada por sua sobrevivência por uns bons trinta anos depois que as consequências
do anti-semitismo foram reveladas em 1945; uma revelação que minou profundamente os
fundamentos do anti-fenismo. A longo prazo, porém, houve um recuo do modelo ariano
extremo, e esse processo é descrito no Capítulo 10 , A situação do pós-guerra . O retorno ao
amplo modelo ariano . 1945-1985 .
É provável que a fundação de Israel tenha tido mais influência na reabilitação dos
fenícios do que o Holocausto. Desde 1949, os judeus - ou pelo menos os israelenses - têm
sido cada vez mais aceitos como europeus por direito próprio, e agora é óbvio que falar
uma língua semítica não os desqualifica da proeza militar. Além disso, a década de 1950
também testemunhou um rápido crescimento do orgulho judaico nas raízes semíticas.
No contexto desse processo - e talvez porque lhes era impossível aceitar o exclusivismo
tanto do judaísmo quanto do sionismo - Cyrus Gordon e Michael Astour, dois grandes
semitas, passaram a apoiar a ideia de uma civilização semítica ocidental como um todo e
criticar o modelo ariano extremo. Gordon, que conhece as línguas do antigo Mediterrâneo
oriental melhor do que qualquer pessoa viva, sempre considerou sua missão ser capaz de
demonstrar as interconexões entre as culturas hebraica e helênica. Em sua pesquisa, Ugarit,
um antigo porto na costa síria, e Creta são identificados como pontes. Ele também viu
ligações com a Bíblia e Homero nos mitos cananeus transmitidos a Ugarit nos séculos XIV e
XIII aC e traduzidos nos anos quarenta e cinquenta do século XX; a monografia sobre o
assunto, que publicou em 1955, destruiu sua reputação de estudioso "sério", mas fascinou
alguns historiadores gerais e alguns do público leigo. Pouco depois, Gordon ofendeu ainda
mais os ortodoxos ao ler como semíticas as inscrições cretenses no Linear A. Ele
imediatamente encontrou uma enxurrada de objeções, que foram quase todas rejeitadas
por pesquisas subsequentes. A maioria dos estudiosos, no entanto, ainda não aceita sua
interpretação. Quando Ventris, alguns anos antes, havia decifrado Linear B como grego, a
novidade foi bem recebida, pois confirmou a ampla disseminação geográfica e a
profundidade histórica da cultura grega. Mas aceitar que o Linear A e, portanto, a
civilização minóica, eram de língua semítica perturba qualquer noção de singularidade
helênica e, portanto, europeia.
Os proponentes das noções convencionais ficaram igualmente, se não mais, perplexos
com Hellenosemitica , o trabalho de longo alcance de um aluno de Gordon, Michael Astour,
publicado em 1967. É uma série de estudos sobre surpreendentes paralelos entre a
mitologia semítica ocidental. a grega, que revela conexões de estrutura e nomenclatura
muito próximas para serem explicadas apenas como manifestações semelhantes da psique
humana. Além do desafio colocado por este tema principal, Astour fez outros três ataques
fundamentais. Primeiro, o próprio fato de ele ter escrito o livro perturbou o status quo
acadêmico. Enquanto um classicista da disciplina dominante podia lidar com o Oriente
Médio em relação à Grécia e Roma, o contrário não era tolerado. Acreditava-se que um
semitista não tinha o direito de escrever sobre a Grécia. Em segundo lugar, Astour
questionou a primazia absoluta da arqueologia sobre outras fontes da pré-história - mito,
lenda, linguagem e nomes - ameaçando assim o status "científico" da história antiga.
Terceiro, ele havia esboçado uma sociologia do conhecimento em relação aos estudos
clássicos que traçavam ligações entre os desenvolvimentos dos estudos e os da sociedade.
Chegou a sugerir uma conexão entre antissemitismo e hostilidade aos fenícios,
questionando ainda mais a noção de constante avanço cumulativo do conhecimento. Mas a

49
pior ameaça estava implícita em sua mensagem fundamental, a saber, que as lendas de
Danaus e Cadmus continham um núcleo de realidade.
Tantas heresias não poderiam ficar impunes. Astour ficou tão confuso com seus críticos
que parou de trabalhar no campo que havia aberto com tanto entusiasmo. Seu trabalho,
como o de Gordon, também teve efeitos profundos: juntamente com o número crescente de
artefatos levantinos, encontrados no Egeu em locais do final da Idade do Bronze e do início
da Idade do Ferro, subverteu o modelo ariano extremo. Parece justo dizer que, em 1985, a
maioria dos pesquisadores que trabalhavam nessa área recaíram no amplo modelo ariano.
Ou seja, eles aceitam a possibilidade de assentamentos semitas ocidentais na Idade do
Bronze não apenas nas ilhas, mas também no continente, pelo menos em Tebas. Eles
também acreditam que a influência fenícia na Idade do Ferro na Grécia começou bem antes
do século VIII aC, provavelmente já no século X.
Por outro lado, Gordon e Astour, apesar de sua audácia intelectual, não desafiaram o
próprio modelo ariano. Nenhum deles havia considerado a possibilidade de um
componente semítico maciço no vocabulário grego; tampouco, tão preocupados com os
semitas, exploraram a possibilidade de colonização egípcia da Grécia e a hipótese de que a
língua e a cultura egípcias tivessem desempenhado um papel igual ou ainda mais central na
formação da civilização grega.
Houve algumas tentativas de ressuscitar as tradições da influência egípcia sobre a
Grécia. Em 1968, Siegfried Morenz, um egiptólogo da Alemanha Oriental, publicou um
importante trabalho sobre o assunto e sobre suas ramificações mais amplas envolvendo a
Europa como um todo, que infelizmente recebeu pouco interesse fora da Alemanha. A
hipótese de uma colônia egípcia em Tebas, apresentada pelo Dr. Spyropoulos, foi enterrada
em uma escuridão decente. Os estudiosos atacaram seu namoro, evitando qualquer
referência à sua conclusão "excêntrica". 15 Na maioria das vezes, as únicas pessoas que
consideraram influências egípcias relevantes na Grécia encontram-se à margem ou fora da
vida acadêmica; homens como Peter Tompkins - que escreveu sobre uma ampla gama de
tópicos jornalísticos, bem como publicou Os Segredos da Grande Pirâmide , cuidadosamente
escrito, mas com títulos ousados - e o estudioso afro-americano GGM James, cujo fascinante
livrinho Stolen Legacy apóia plausivelmente a hipótese de empréstimos maciços do Egito
que se fundiram na cultura e filosofia gregas. A invenção da Grécia antiga termina com a
previsão de que, embora demore mais para quebrar o modelo ariano amplo do que o
modelo extremo, no início do século XXI aceitaremos uma forma revisada do modelo
antigo.

As seguintes seções da Introdução contêm uma quantidade considerável de discussão


técnica e não são necessárias para a compreensão deste volume. Recomendo, portanto, aos
leitores cujo interesse principal seja a historiografia, irem diretamente ao início do
primeiro capítulo.

50
Documentos e provas arqueológicas. Componentes egípcios e semitas ocidentais da civilização
grega: resumo do volume II

volume II de Atena Negra compara as vantagens relativas oferecidas pelos dois modelos em
relação a algumas das diferentes disciplinas, ou meios, de reconstrução histórica: as fontes
documentais da época, arqueologia, topônimos, linguagem e cultos religiosos. A introdução
ao volume é uma comparação da plausibilidade implícita dos dois modelos.
Com a possível exceção do conhecimento do antigo Egito, é claro que os proponentes do
modelo antigo tinham mais conhecimento sobre o segundo milênio aC do que os
proponentes do modelo ariano. Estes últimos, porém, não basearam suas pretensões de
superioridade na quantidade de informações, mas em seu "método científico" e
objetividade, ambos conceitos questionados em A Invenção da Grécia Antiga . Sobre o
problema da objetividade, destaca-se que, enquanto os autores gregos estavam divididos
entre o desejo de acrescentar mais profundidade histórica à sua cultura e o desejo de ser
superior em todos os sentidos aos seus vizinhos, os estudiosos do século XIX não sofriam
de tal ambivalência. Pelo contrário, eles tinham todo o interesse em elevar a Grécia
européia e em rebaixar os egípcios africanos e os semitas fenícios. Isso por si só tornaria
um estranho ao assunto inclinado a acreditar que os Antigos eram mais "objetivos" do que
os historiadores do século XIX e início do XX .
Além disso, melhores possibilidades de acesso à informação e maior objetividade não
significam, por si só, que o modelo antigo tenha um valor explicativo maior do que o
modelo ariano. Como argumentei e reiterei na conclusão deste volume, este último não
deve ser rejeitado simplesmente porque as razões que inspiraram sua construção são
agora consideradas suspeitas. Por exemplo, se os estudiosos do século XIX se deliciaram
com afrescos históricos da invasão ariana da Índia e da formação do sistema de castas
baseado na cor da pele, isso não diminui a utilidade desse esquema como explicação
histórica. No entanto, devemos lembrar que na Índia, ao contrário da Grécia, existiam
antigas tradições de invasão.

O capítulo 1 de Documentos e Evidências Arqueológicas traça a documentação sobre o


período e sobre a área de que tratamos. No segundo milênio aC, o Mediterrâneo oriental
não era analfabeto: os egípcios e os levantinos já escreviam há séculos; Creta já usava seus
próprios hieróglifos e o linear A, que também era usado nas Cíclades. Além disso, a
probabilidade de que o Linear B tenha se desenvolvido no leste da Grécia durante a
primeira metade do milênio é muito grande. Também argumento que grande parte do
Mediterrâneo oriental usava alfabetos já no século XV aC.16 Não apenas a escrita era,
portanto, difundida, mas, ao contrário dos formuladores do modelo ariano, agora somos
capazes de ler a maioria de suas formas.
Dito isto, os documentos sobre as relações entre as diferentes regiões culturais do
Mediterrâneo Oriental permanecem muito escassos. A recém-descoberta inscrição de Mit
Rahineh em um bloco sob uma estátua colossal fornece detalhes de expedições egípcias de
longo alcance por terra e mar durante o século 20 aC . primeiro faraó da 18ª dinastia,
acredita-se ser originário de ḥ 3 w Nbw, uma região estrangeira que foi plausivelmente
identificada com o Egeu. A tradição parece confirmada pelo desenho egeu de algumas de
suas joias. Embora pareça que seu filho Amōsis tenha proclamado alguma forma de

51
soberania sobre ḥ 3 w Nbw, nada mais se saberá sobre isso por mais de um século.
Qualquer que seja a natureza da relação entre Amōsis e ḥ 3 w Nbw, é claro que no final do
período hicsos e no início da 18ª dinastia, houve um certo intercâmbio de populações. O
nome P 3 Kftı > wy, "o cretense", ocorre nessa época no Egito, e egípcios e levantinos
aparecem na lista de nomes cretenses encontrados em um papiro egípcio da época. Esta
imagem de uma população radicalmente mista no sul do Egeu do século 17 aC é confirmada
pelos afrescos de Tera e por nomes pessoais posteriores encontrados em inscrições em
Linear A e B.
Os registros egípcios de contato com o Egeu são muito mais abundantes para os séculos
15 e 14 aC de soberania sobre Creta e além, e que esse direito foi renovado muitas vezes
nos cem anos seguintes . Logo após o estabelecimento dessa relação, documentos e
pinturas egípcias indicam uma mudança de poder em Creta e, de acordo com os achados
arqueológicos de Cnossos, oferecem pistas para uma conquista micênica dos minóicos
nessa época. Os textos egípcios neste ponto param de se referir a Kftı > w no Egeu e o
substituem por Tı > n 3 ou Ta-na-yu. A identificação com os Danaans e a Grécia é quase
certa com base em uma inscrição do século XIV que fornece topônimos de Ta-na-yu, muitos
dos quais foram plausivelmente identificados com topônimos em Creta e na Grécia. Da
mesma época há também uma carta enviada pelo rei da cidade fenícia de Tiro ao faraó, na
qual se faz referência a um rei de Da-nu-na, país que bem poderia estar na Grécia.
Há referências a contatos entre o Levante e o Egeu no século XIV , tanto em ugarítico
quanto em Linear B. Mercadores ugaríticos negociavam com Creta, e acredito que o nome
pessoal Dnn encontrado em Ugarit é "Danaus" e é uma indicação de presença dos gregos
naquele porto. As tabuinhas Linear B mostram que em Creta e no Peloponeso havia uma
sociedade e economia palacianas de língua grega muito semelhantes às do Oriente Próximo
na época. Na análise linguística, as inscrições Linear B revelam que muitos dos
empréstimos semíticos reconhecidos já estavam presentes no grego do século XIV . Como
argumentado, estes são geralmente encontrados nas áreas semânticas "ideologicamente
sólidas" de bens de luxo que podem ter sido importados por mercadores semitas. No
entanto, eles também incluem chitōn, um termo comum para "vestir", e chrysos (ouro), um
metal que teve importância cultural fundamental na Grécia desde o final da Idade do
Bronze. Além disso, existem numerosos nomes pessoais do tipo "Egípcio" ou "Tirio", e
assim por diante. Tudo considerado, os documentos indicam contatos próximos e mistura
de populações de um tipo que estaria de acordo com o modelo antigo. Por outro lado, eles
também poderiam concordar com o modelo ariano, e não há evidências documentais de
colonizações lendárias.

O capítulo 2 é sobre arqueologia. Começa com os prováveis vestígios de influências do


Império Médio na Beócia na virada do segundo milênio. Grande parte do capítulo, no
entanto, é dedicado à datação da grande explosão que ocorreu em Tera, uma ilha localizada
a 110 quilômetros ao norte de Creta. Sabemos que essa erupção de todo o centro da ilha foi
muitas vezes maior do que a gigantesca que ocorreu em Krakatoa em 1883. Quando a
erupção de Krakatoa quebrou janelas a centenas de quilômetros de distância, produziu
tsunamis que varreram o Oceano Índico - e desde então a poeira que se espalhou pelo
mundo contribuiu para o desenvolvimento do Impressionismo e afetou o clima de todo o
Hemisfério Ocidental - o impacto da explosão de Tera deve ter sido colossal. De acordo com

52
as noções convencionais, acredita-se que tenha ocorrido ao mesmo tempo que a destruição
ocorrida em Creta, que também estava associada à chegada dos gregos micênicos à ilha, por
volta de 1450 aC, que antes dessa destruição em Creta a cerâmica é do estilo minóico tardio
I B e, apesar de intensa pesquisa, nunca foi encontrado sob os depósitos vulcânicos de Tera.
Alguns arqueólogos então separaram os dois eventos, argumentando que a erupção
ocorreu cerca de cinquenta anos antes da destruição micênica, ou seja, por volta de 1500
aC.
Acredito que a explosão tenha ocorrido ainda mais cedo, em 1626 aC, com base para a
precisão desta data na dendrocronologia: no caso específico, na contagem de anéis nos
troncos de pinheiros ( cone de cerdas ) no sudoeste dos Estados Unidos. Explosões da escala
Krakatoa deixam sinais de geadas de verão e crescimento atrofiado de árvores perto da
linha de inervação por muitos anos. Agora, desses pinheiros antigos não há evidências de
erupções que abalaram o mundo nos séculos XVI e XV aC, mas há evidências de uma que
ocorreu em 1626. Este também foi um ano ruim para os carvalhos na Irlanda. Tal "efeito
Krakatoa" poderia ter sido causado por outro evento sísmico maciço em qualquer outro
lugar do mundo, mas dado o problema de documentar a erupção do Tera, a identificação
parece provável. 18 Há, no entanto, outras evidências para apoiar uma data anterior ou
posterior. Embora os gases vulcânicos pareçam ter distorcido algumas datações por
radiocarbono para materiais encontrados logo abaixo do nível de destruição, aqueles para
plantas de vida curta - que fornecem as únicas informações precisas - apontam para uma
data próxima ao século XVII e não ao século XV . 19
Na China, a queda de Jie, o último imperador da dinastia Xia, foi acompanhada por
eventos extraordinários - uma neblina amarela, geadas no verão, o desvanecimento do sol e
três sóis ao mesmo tempo - que foram todos plausivelmente explicados como
consequências de a nuvem de pó Tera. O problema que surge imediatamente, porém, é a
data da queda de Jie. Não pode ter acontecido no século XV : alguns historiadores o situam
no século XVI , outros antes do século XVIII. Compilações baseadas na cronografia antiga -
que remonta ao século III aC - e nos achados arqueológicos, no entanto, indicam uma data
do século XVII . 20
Outra evidência de uma data anterior vem do Egito, onde o século 15 está muito bem
documentado. Seria surpreendente se um evento na escala da explosão de Tera, que
certamente afetou o baixo Egito, não tivesse sido registrado de alguma forma. Além disso,
como vimos, parece que Creta enviou missões fiscais ao Egito precisamente nessa época,
por volta de 1450. Por outro lado, praticamente não existe documentação egípcia para o
século XVII , o que tornaria mais fácil explicar a ausência de qualquer menção à explosão. A
imensa escala da catástrofe me permite fazer uma exceção à minha oposição geral ao
"argumento baseado no silêncio". No entanto, reconheço que esse tipo de argumento é
inerentemente fraco. Além disso, datações dendrocronológicas, radiocarbono e "chinesas"
estão sujeitas a dúvidas. No entanto, dada a extrema fraqueza dos argumentos a favor de
uma data do século XV , as quatro fontes combinadas fazem 1626 aC parecer muito mais
plausível.
Como há pouca dúvida de que a erupção ocorreu durante o período minóico tardio I A,
alguns ajustes futuros são necessários para as datas absolutas de alguns períodos.
Cambridge Ancient History fornece um esquema cronológico usando periodização padrão
com base na mudança de estilos de cerâmica:

53
Médio Minoano III , 1700-1600; Tarde Minoan I A, 1600-1500; Tarde Minoan I B,
1500-1450.

O que propomos aqui é:

MM III , 1730-1650; MTIA , 1650-1550 ; MT I B, 1550-1450.

Uma revisão dos períodos cerâmicos cretenses também exigiria um para os da Grécia
continental, que se basearam nos períodos minóicos e permanecem mais ou menos
relacionados a eles. Isso implicaria, em particular, uma mudança na data dos túmulos dos
poços - descobertos em Micenas por Schliemann - desde o final do século XVII até o início
do mesmo. Mas neste caso aumentam as dificuldades para o modelo antigo, segundo o qual
as colonizações que iniciaram a época heróica teriam sido consequência da expulsão dos
hicsos do Egito no século XVI . A datação do século XVI , no entanto, conflita com a ausência
de achados arqueológicos cretenses que testemunham uma destruição geral significativa
durante esse período, e é muito improvável que os colonizadores egípcios tenham apenas
duplicado a ilha.
Essas inconsistências com os achados arqueológicos explicam uma das principais
revisões do antigo modelo proposto na Atena negra . O modelo antigo revisado sustenta
que os assentamentos semíticos egípcios e ocidentais no Egeu começaram no final do
século 18 aC, quando os hicsos assumiram o controle do Baixo Egito, e não na década de
1570, quando seu poder nesta área entrou em colapso. Se, por um momento, a revisão é
aceita, surge imediatamente a pergunta: por que os Antigos, com seu respeito pelos tempos
antigos, se aproximaram da data dos desembarques? Um dos motivos pode ser o desejo de
associá-los à expulsão dos hicsos do Egito e ao êxodo dos israelitas, que provavelmente
ocorreu no início do século XVI . Outro fator poderia ser uma subestimação, no desejo de
parecer sereno e razoável, pois não há razão para acreditar que tal motivação fosse menor
na Antiguidade do que é hoje. Finalmente, os sentimentos "patrióticos" e o trocadilho
Hikesios / Hyksos podem ter tido sua influência. Era menos ofensivo ao orgulho grego ver
os recém-chegados como refugiados ou suplicantes no final do período hicso do que como
conquistadores que chegaram perto do início desse período.
Existem evidências arqueológicas que concordam muito bem com a hipótese de uma
invasão hicsa do Egeu logo após sua chegada ao Egito. No final do século XVIII houve a
destruição de todos os palácios de Creta, seguida da sua reconstrução de forma
ligeiramente, mas significativamente diferente. Há, portanto, uma demarcação
convencional para esta ruptura entre o período inicial e tardio dos palácios; as mudanças
incluem a introdução da espada, dos túmulos dos poços e do motivo do grifo real - todos
elementos que já existiam no Levante e que se tornaram importantes na Grécia micênica.
Um selo encontrado no nível de destruição em Cnossos mostra um rei bárbaro barbudo
com uma forte aparência micênica.
Do ponto de vista artístico, há semelhanças marcantes entre os objetos do mar Egeu do
período Minóico III / Médio Heládico III e objetos do período hicsos e início da dinastia 18
encontrados no Egito. Acredita-se geralmente que o fluxo cultural se deslocou do Egeu para
o Egito; no entanto, algumas dúvidas surgem devido aos primeiros levantinos de muitos
dos objetos, motivos e técnicas micênicos mais característicos. Na minha opinião, a

54
analogia mais frutífera para essa grande mistura de culturas - pelo menos - materiais ao
redor do Mediterrâneo oriental nos séculos XVIII e XVII aC é que com a Pax Tartarica do
século XIII dC Os governantes mongóis produziram uma fusão de técnicas chinesas e artes. ,
persa e árabe, introduzindo traços um do outro e quebrando as convenções mais rígidas.
No caso dos hicsos, postulo que tradições há muito estabelecidas, como as do Egito e Creta,
foram rapidamente revividas com pequenas modificações, enquanto na Grécia continental,
que carecia de tal tradição, o eclético "estilo internacional hicsos" durou muito mais tempo.
A hipótese de uma conquista de Creta pelos hicsos cananeus-egípcios e o
estabelecimento de colônias mais ao norte no final do século XVIII forneceriam um
esquema plausível para incluir os achados arqueológicos que mencionei. As tumbas de
Micenas, cheias de novas armas e outros objetos mostrando influência estrangeira,
principalmente minóica e do Oriente Próximo, poderiam ser apenas as sepulturas dos
novos conquistadores. Frank Stubbings, professor de história antiga em Cambridge,
argumentou a mesma coisa em seu artigo sobre sepulturas de poços na Cambridge Ancient
History , enquanto aceitava uma datação do século 16 e assegurava aos leitores que os
invasores hicsos não teriam efeito duradouro sobre a cultura. 21 Desde que o artigo
apareceu na década de 1960, surgiram novos documentos em apoio à sua posição
minoritária. Descobertas recentes em Tel e Daba < a, no Delta Oriental, quase certamente o
local de Avari, a capital dos hicsos, revelaram uma cultura material composta, semita-
ocidental-egípcia, que mostra claras semelhanças com a das tumbas dos poços. 22
As continuidades dos estilos cerâmicos em Micenas, a partir da Idade do Bronze Médio,
parecem indicar a sobrevivência, num nível social relativamente baixo, de uma cultura
anterior. E precisamente isso indicaria a evidência linguística conforme interpretada pelo
modelo antigo revisado. E isso também estaria de acordo com as descrições dos nativos
pelasgos que se tornariam Danaans ou atenienses graças ao ensino dos recém-chegados. É
necessário insistir, no entanto, que esta não é a única interpretação dos achados
arqueológicos que pode ser dada. Mesmo após as descobertas de Tel e Daba < a, é sempre
possível argumentar que a cultura material micênica foi consequência do aumento da
riqueza e do poder dos líderes nativos do Egeu que importavam objetos e artesãos
estrangeiros; ou que os mercenários gregos voltaram do Egito enriquecidos e com a
experiência de novos estilos. Embora não haja evidência linguística, ou qualquer autor
antigo, para apoiar essas interpretações, a maioria dos arqueólogos contemporâneos
também são defensores.
Como já mencionei, há também uma escola de pensamento que concebe a mudança
radical que ocorreu nessa época na cultura material grega como resultado de uma invasão
duradoura e sem intercorrências. De qualquer forma, há poucas razões para duvidar que os
arqueólogos tenham sido fortemente influenciados por argumentos não arqueológicos.
Inevitavelmente, a maioria dos estudiosos, que negam que tenha havido algum
assentamento hicso, foi influenciada pelo modelo ariano dentro do qual eles trabalham. Da
mesma forma, a minoria que acredita em assentamentos foi influenciada pelas lendas que
formaram o modelo antigo. Em ambos os casos, fica muito claro que os próprios objetos
não impõem uma configuração intelectual única. Sob circunstâncias favoráveis, a
arqueologia pode fornecer informações importantes e fascinantes sobre a densidade
populacional, o tamanho do assentamento ou a economia local, mas é uma ferramenta
muito monótona para responder às perguntas da Atena Negra por conta própria.

55
O Capítulo 3 , Nomes de Rios e Montanhas , é o primeiro em Atena Negra a focar em palavras
emprestadas. Começa então com uma discussão das correspondências fonéticas
estabelecidas entre egípcio, semítico e grego. Aqueles entre egípcios e semitas foram
identificados com alguma precisão; das poucas palavras emprestadas apuradas e das
centenas de nomes próprios transcritos em outras línguas também podemos deduzir muita
informação sobre as correspondências entre estes e o grego. De tudo isso é evidente que a
gama de correspondências fonéticas era muito ampla; por exemplo, a grande variedade de
maneiras pelas quais palavras ou nomes egípcios ou semíticos podem ser transcritos para o
grego é surpreendente. Essas variações podem ser explicadas em parte pelas dificuldades
de percepção auditiva e reprodução de sons estrangeiros, em parte pelo empréstimo por
meio de diferentes dialetos regionais ou terceiras línguas. A principal causa dessas
divergências, no entanto, parece ser o longo período de tempo em que os empréstimos
ocorreriam. No período entre 2100 e 1100 aC - do qual tratamos principalmente - todas as
três línguas, e o egípcio em particular, sofreram mudanças fonéticas. Portanto, argumento
que é possível que a mesma palavra ou nome tenha sido emprestado duas ou mais vezes
com resultados diferentes. A analogia mais útil que pode ser encontrada é aquela com os
empréstimos do chinês da língua japonesa, que ocorreram em um período de tempo
semelhante, ou seja, cerca de um milênio; neste caso, porém, o sistema de escrita nos
permite ver qual era a palavra original, e são as diferentes "leituras" japonesas ou
pronúncias do caractere chinês que indicam os diferentes empréstimos.
Nem o sistema de escrita egípcio nem o semítico ocidental indicam vogais. Tentativas
podem ser feitas para reconstruí-los a partir da vocalização copta e massorética da Bíblia,
bem como das transcrições cuneiforme, grega e outras. Muitas etimologias devem, no
entanto, ser reconstruídas com base apenas na estrutura consonantal. Isso cria - junto com
a ampla gama de equivalências evidentes entre as próprias consoantes - um número
extraordinário de possíveis correspondências fonéticas entre palavras e nomes egípcios,
semíticos e gregos. Por outro lado, o fato de os fenômenos poderem ser facilmente
imaginados não tem nada a ver com a probabilidade de sua ocorrência. Há também sólidos
argumentos externos a favor de empréstimos massivos. Mesmo sem considerar o modelo
antigo, há proximidade geográfica e temporal e evidências arqueológicas e documentais
que atestam contatos próximos. A tudo isso acrescenta-se o fato de que os estudiosos que
aplicaram o modelo ariano nos últimos cento e sessenta anos não conseguiram explicar
50% do vocabulário grego e 80% dos nomes próprios em termos indo-europeus ou
ingleses. Línguas da Anatólia supostamente relacionadas com 'pré-helênicas'.
Nestas circunstâncias, acredito que vale a pena procurar etimologias egípcias ou
semíticas de formas gregas, mas o mais estritamente possível. Primeiro, não faço nenhuma
tentativa de substituir etimologias indo-européias universalmente aceitas, embora algumas
delas talvez estejam incorretas; a maioria das novas etimologias que proponho neste
trabalho não tem ortodoxia para competir. Mas mesmo nesses casos, deve-se ter extrema
cautela. Do ponto de vista fonético devemos nos limitar às correspondências consonantais
que são realmente atestadas, mesmo que a ocorrência de outras seja muito provável. Da
mesma forma, não deve haver metátese - inversões da ordem consonantal. A única exceção
a esta regra é a troca do líquido l e r entre a segunda e a terceira posição. Isso é tolerado
porque é muito comum em todas as três línguas, especialmente em egípcio e grego.
Portanto, parece legítimo derivar o grego mártir (testemunha) do egípcio mtrw

56
(testemunha), ou pyramis (pirâmide) do egípcio p 3 mr (o túmulo ou a pirâmide). Para
evitar derivações espúrias, o principal controle é a semântica, que impõe correspondências
próximas de significado.
Nesse sentido, a área de topônimos é aquela em que os estudiosos que aplicam o modelo
ariano têm sido particularmente negligentes. Qualquer vaga correspondência fonética
entre um nome grego e um anatólio era considerada suficiente para conectá-los,
independentemente de se referirem a uma ilha, uma montanha, um rio ou uma cidade, e
sem levar em conta circunstâncias geográficas ou lendárias.
Esse desleixo levou os mais rigorosos a evitar completamente o assunto. Nesta área,
nada substituiu ainda o trabalho muito impreciso do classicista alemão A. Fick, publicado
em 1905. Essa lacuna surpreendente é a consequência inevitável da quase completa
incapacidade dos estudiosos arianos de explicar os topônimos do Egeu com base no indo-
europeu . Tudo o que os arianistas podem fazer é explicar por que eles não podem explicá-
los, e então se limitam a chamá-los de 'pré-helênicos'.
Os arianistas atribuem grande importância aos elementos toponímicos - (i) ssos e -
nthos, aos quais nenhum significado jamais foi atribuído, e que eles presumem "pré-
helênicos". Essa classificação, definida pela primeira vez pelo linguista clássico alemão Paul
Kretschmer, foi desenvolvida pelo classicista americano j. Haley e o arqueólogo Carl Blegen,
que argumentou que a distribuição desses topônimos corresponderia a assentamentos do
início da Idade do Bronze; além disso, como os invasores teriam chegado no início da Idade
do Bronze Média, tais elementos teriam sido indicadores de povoamentos pré-helênicos.
Do ponto de vista arqueológico, esta teoria é muito frágil, uma vez que as correspondências
concordariam igualmente com os sítios da Idade do Bronze Final e os locais da Idade do
Bronze inicial. O aspecto toponímico é igualmente fraco. Mesmo antes de Haley e Blegen
anunciarem sua teoria, Kretschmer havia admitido que os sufixos poderiam estar ligados a
raízes indo-européias e, portanto, seriam em si indicadores de presenças pré-helênicas - é
claro, desde que o modelo ariano seja aceito. Como os sufixos também aparecem no final de
elementos radicais semíticos e egípcios, eles são tão ineficazes quanto indicadores de um
substrato indígena quando operam dentro do modelo antigo.
Dadas essas flagrantes inadequações, pode ser uma surpresa que a hipótese de Blegen e
Haley continue a ser tratada com tanto respeito. A explicação é que em um campo tão
estéril como a toponímia grega antiga, nem mesmo lixo pode ser jogado fora. De acordo
com o modelo antigo revisado, -nthos tem muitas origens diferentes, sendo as duas mais
comuns nasalizações simples perto de dentes e na frente do sufixo egípcio -n t r (santo); -
(i) ssos pareceria um final Egeu característico, que permaneceu em uso pelo menos até o
final da Idade do Bronze.
Como eu disse, o Capítulo 3 trata dos nomes de rios e montanhas. São esses topônimos
que tendem a ser os mais persistentes em cada país. Na Inglaterra, por exemplo, a maioria
deles é celta e alguns até parecem ser pré-indo-europeus. A presença de nomes de
montanhas egípcios ou semitas indicaria, portanto, uma penetração cultural muito
profunda. Tomemos, por exemplo, Kēphisos ou Kāphisos, o nome de rios ou córregos
encontrados em toda a Grécia, para os quais nenhuma explicação foi proposta. Eu derivaria
de Kbḥ, um nome de rio egípcio comum que significa "fresco", com a adição do sufixo -isos.
A concordância semântica é excelente: Kbḥ está claramente relacionado às palavras ḳ b ( b )
(fresco) e ḳ bḥ (purificar). O grego Kēphisoi era frequentemente usado para rituais de

57
purificação. ḳ bḥ tinha um significado acessório: "lago com jogo". Isso concordaria bem com
o grande Kopais, um lago raso que na tradição grega tem muitas conexões egípcias e que é
alimentado por um rio Kēphisos. Que eu saiba, essa etimologia nunca foi proposta.
A etimologia do nome do rio grego Iardanos - que se encontra em Creta e no Peloponeso
- do semítico Yardēn ou Jordânia, antes da formulação do modelo ariano extremo, era
universalmente aceita. Mesmo Beloch e Fick tiveram que admitir que essa derivação era
"tentadora" e não poderia fornecer nenhuma outra alternativa. No entanto, foi negado ao
longo do século XX. Outra etimologia semítica amplamente reconhecida antes do final do
século XIX é a do elemento toponímico grego sam-, como em Sam os, Sam otracia, Sam ikon,
que sempre se refere a lugares colocados no topo, da raiz semítica √ smm (alto ) . Isso
também foi esquecido ou negado. Outras derivações propostas neste capítulo requerem
uma discussão mais aprofundada.

No Capítulo 4 trato dos nomes das cidades. É mais comum que estes sejam transmitidos de
cultura para cultura do que nomes de características naturais da paisagem. No entanto, o
número insignificante de nomes de cidades indo-europeias na Grécia e o fato de que
derivações egípcias e semíticas plausíveis podem ser encontradas para a maioria delas
indicam uma intensidade de contato impossível de explicar em termos de comércio. Um
dos encontros consonantais mais comuns em nomes de cidades gregas, por exemplo,
origina-se do radical Kary (at). Seria plausível explicá-lo a partir da palavra semítica
ocidental comum para cidade - qrt - vocalizada de muitas maneiras em diferentes nomes de
cidades, incluindo Qart-, Qårêt ou Qiryåh / at. É, de fato, um dos topônimos fenícios e
hebreus mais comuns, encontrados em Cartago e em muitas outras cidades.
Aqui dou exemplos que demonstram um paralelo próximo entre o uso de Kary- e o da
palavra grega comum para cidade, polis . Entre estes, o mais interessante é o das figuras de
cariátides colocadas ao redor do túmulo de Cecrops, o lendário fundador de Atenas, em um
pórtico do templo de Atena Polia. "Filhas da cidade" pareceria, portanto, uma explicação
mais plausível para esse nome do que "sacerdotisas de Ártemis de Karyai na Lacônia" ou
"fadas de nogueira", que são as únicas explicações dadas hoje. Existem muitas variações da
raiz Kary-, entre elas eu ineludo Korinthos (Corinto).
Perto de Corinto, no istmo, ficava a cidade de Mégara. Pausanias, o guia turístico grego
do século II d.C., explicou o nome como se significasse "caverna" ou "câmara subterrânea".
Uma palavra semítica ocidental com exatamente o mesmo significado aparece no topônimo
ugarítico Mǵrt e no bíblico M e < åråh. Essas origens parecem mais plausíveis para os nomes
gregos inexplicáveis de cidades ou topônimos nas proximidades das cidades, Mégara e
Meara.
Não se sabe se os egípcios tinham uma longa tradição de touradas, ou seja, lutas entre
touros. A luta - e a arena em que ocorreu - foi chamada de M t wn. Em Homero, a palavra
mothos - mothon acusativo - significava "clamor de batalha" e "combate entre animais";
enquanto mothōn poderia significar "dança licenciosa, uma melodia para flauta" ou
"menino atrevido". M t wn era um topônimo egípcio comum; Mothōne, Methōne ou
Methana eram igualmente frequentes na Grécia. Todos esses lugares estão localizados em
baías que poderíamos descrever como teatrais. Não é por isso estranho que tenha sido
encontrada uma moeda de Mothone que representa o seu porto como teatro, estabelecendo
assim uma ligação clara com o M t wn.

58
A etimologia tradicional de Mykēnai (Mycenae) deriva a palavra de mykēs , "cogumelo".
Uma candidatura mais plausível parece derivar de Maḥăneh , "acampamento", ou Ma ḫ
ănayim, "dois acampamentos", um topônimo comum no semita ocidental. E novamente,
antes do surgimento do modelo ariano extremo, por acordo geral o topônimo da cidade
grega Thēbai foi derivado do cananeu têbåh (arca, baú) que por sua vez derivou do egípcio
tbı > o dbt (caixa, estojo). Essas duas palavras eram frequentemente confundidas com outra
palavra, provavelmente relacionada, db 3 (barco de vime, rush ark) e db 3 t (caixão,
santuário, templo) e depois (palácio). Db 3 , escrito Tbo ou Thbo em copro, era um nome de
cidade em egípcio. É interessante, no entanto, que seu uso para a capital do sul do Egito,
que os gregos chamavam de Thēbai, não esteja documentado. Também pode ter sido usado
para a capital dos hicsos, Avari. Se assim for, D b 3 / Thēbai pode ter se tornado um termo
ou nome grego para a "capital egípcia", que foi atribuída à Tebas egípcia quando a XVIII
Dinastia estabeleceu sua capital lá. De qualquer forma, não há razão para duvidar que o
nome da cidade grega veio do semita ocidental tēbåh e do grupo de nomes egípcios
mencionado acima.

O Capítulo 5 é dedicado a uma cidade, Atenas. Argumento que tanto o nome da cidade,
Athēnai, quanto o da divindade, Athēnē ou Athena, derivam do egípcio ḥt Nt. Nos tempos
antigos, Atena era consistentemente identificada com a deusa egípcia Nt ou Nēit. Ambos
eram divindades virgens de guerra, tecelagem e sabedoria. O culto de Nēit teve seu centro
na cidade de Sais, no Delta ocidental; os cidadãos de Sais sentiam uma afinidade especial
com os atenienses. Sais era seu nome profano; o título religioso da cidade era ḥt Nt (templo
ou casa de Nēit). Este nome não é atestado em grego ou copta, mas o elemento toponímico
ḥt- é transcrito como At- ou Ath-. Também era muito comum que as palavras egípcias
tivessem o que se chama de vogais protéicas na frente da primeira consoante. Nesse caso, a
probabilidade de que Nt tenha sido precedido por uma vogal é aumentada pelo nome <
Anåt, dado a uma deusa semítica ocidental muito semelhante; parece, portanto, legítimo
propor uma vocalização do tipo At (h) anait para ḥt Nt. 1 A falta de i em Athēnē, Athānā no
dialeto dórico e A-ta-na no Linear B, parece ser um problema. No entanto, o dórico e o ático
possuem as variantes Athēnaia e Athānaia, enquanto a forma homérica completa é
Athēnaiē. E como o -t final foi descartado tanto no grego quanto no egípcio tardio, a não
ocorrência da letra em Athenai e Athenē é de se esperar.
Se a correspondência fonética for boa, a correspondência semântica é perfeita. Como eu
disse, os Antigos concebiam Nēit e Athena como dois nomes da mesma divindade. No Egito
era comum que uma divindade fosse chamada pelo nome de sua casa, e isso explicaria a
confusão grega entre o nome da deusa e o de sua cidade. Por fim, há a afirmação de Carace
de Pérgamo, do século II d.C., de que "os habitantes de Sais chamavam sua cidade de
Athenai", e isso faria sentido se usassem ḥt Nt como nome de Sais. 23
No restante do Capítulo 5 , consideramos as ligações iconográficas entre Nēit e Athena.
Nēit, desde a era pré-dinástica, era simbolizado como um escaravelho em uma vara, e
depois se desenvolveu em um escudo em forma de 8, muitas vezes acompanhado de armas.
Esse simbolismo parece estar na origem da chamada "deusa do escudo" encontrada em
Creta minóica, que por sua vez geralmente está relacionada a uma placa de calcário pintada
encontrada em Micenas mostrando os braços e o pescoço de uma deusa espreitando por
trás de um 8 Agora, esta imagem tem sido vista como uma representação primitiva de

59
Palladio, uma panóplia de armaduras e armas associadas ao culto de Palas Atena, bem
como à própria deusa. Desta forma é possível traçar um desenvolvimento iconográfico - do
Egito no quarto e terceiro milênios, passando por Creta e Micenas no segundo , até a
conhecida deusa do primeiro milênio - que corresponde precisamente à lendária
associação entre Nēit e Atena e à relação etimológica entre eles. Além disso, o culto estatal
ateniense da deusa Atena atingiu sua plenitude precisamente na época
- em meados do século VI - em que Amásis, o faraó saita do Egito, estava promovendo seu
culto em outras partes do Mediterrâneo oriental.
Sais estava na fronteira entre o Egito e a Líbia, e às vezes também era parcialmente líbio,
o que explica a descrição minuciosa de Heródoto da associação entre Atena e Líbia.
Também é claro que este primeiro grande historiador grego acreditava que os egípcios e
alguns líbios eram negros. Por outro lado, as primeiras representações gregas de Atena são
as de Micenas, em que os membros da deusa são pintados de acordo com a convenção
minóica - retirada do Egito - de representar os homens como vermelho/marrom e as
mulheres como amarelo/branco. . Na verdade, é a conjunção entre as origens egípcio-líbias
de Nēit/Athena, a consciência de Heródoto da conexão entre os dois e sua descrição dos
egípcios como negros que inspirou o título desta série.

O capítulo 6 trata exclusivamente de Esparta. Entendo este topónimo como pertencente a


um grande grupo, que inclui variantes como Spata e Sardes, e que se encontra em toda a
bacia do mar Egeu. Acredito que todos derivam direta ou indiretamente do topônimo
egípcio Sp ( 3 ) (t) (nomos) ou «distrito com capital próprio». No antigo e médio egípcio o
sinal do "abutre", representado aqui como 3 , era ouvido como um líquido r / l ; no egípcio
tardio, esse signo limitava-se a modificar as outras vogais. No Egito, o Sp ( 3 ) (t) por
excelência localizava-se perto de Mênfis e era dedicado a Anúbis, o chacal, mensageiro da
morte e guardião dos mortos. Sustento que essa conexão persiste pelo menos para Sardes e
Esparta; A cultura espartana ou lacônica está cheia de associações caninas. E entre estes, o
outro nome de Esparta, Lakedaimōn, que pode ser explicado plausivelmente como um
"espírito uivante/mordente", um epíteto inteiramente apropriado para Anúbis e um elenco
exato de Kanōb/pos, K 3 < Inpw, "espírito de Anúbis", nome da foz mais ocidental do Nilo.
No mito grego, Kanōpos tinha associações estreitas com Esparta, e acreditava-se que ambos
eram entradas para o mundo subterrâneo. Por isso, investigo também a importância
religiosa na Lacônia da contraparte grega de Anúbis, Hermes, e a relação especial que os
espartanos tinham com os canídeos, com o mundo subterrâneo e com a morte, traços que,
estou convencido, podem ser rastreados à 'Idade do Bronze.
A última seção do capítulo é dedicada às influências egípcias na Idade do Ferro de
Esparta. O fato de que muito do vocabulário político tipicamente espartano pode
plausivelmente ter sido derivado do egípcio tardio está relacionado à tradição de que o
legislador espartano Licurgo visitou o Oriente e o Egito para estudar suas instituições. Além
disso, a hipótese de uma influência cultural egípcia em Esparta é reforçada pelo aspecto
surpreendentemente egípcio da arte espartana arcaica. Tudo isso está ligado à crença dos
reis espartanos em sua própria descendência dos Heraclids e, portanto, dos egípcios ou dos
hicsos; e isso também poderia explicar anomalias, do ponto de vista do modelo ariano,
como a construção de uma pirâmide no Menelaion, o santuário "nacional" espartano, e a

60
carta que um dos últimos reis espartanos escreveu ao sumo sacerdote de Jerusalém
proclamando que estava ligado a ele por parentesco.

O capítulo 7 leva o leitor de volta à linguística, com um resumo dos argumentos a favor e
contra a relação genética entre as línguas afro-asiáticas e indo-europeias. Aqui sou
fortemente a favor da posição minoritária assumida por AR Bomhard, AB Dolgopolskii,
Carleton Hodge e outros linguistas que acreditam que deve ter havido uma protolíngua
comum para ambas as famílias. Eu também acredito que também pode ter havido
empréstimos dos semitas e egípcios antes da desintegração do proto-indo-europeu na
virada do terceiro milênio. Ambas as conclusões complicam muito minha tarefa; no
entanto, como as semelhanças entre palavras egípcias e semíticas ocidentais, por um lado, e
palavras gregas, por outro, não podem ser atribuídas apenas a empréstimos do segundo
milênio, elas podem ser o resultado não apenas de coincidência, mas de relações genéticas
ou genéticas. de empréstimos que ocorreram muito antes. A melhor maneira de verificá-los
é ver se palavras semelhantes são encontradas em teutão, céltico e tocariano - línguas
remotas do Oriente Médio e, portanto, relativamente improváveis de terem emprestado do
afro-asiático. Mas mesmo com essas linguagens, você nunca pode ter certeza.

O Capítulo 8 é intitulado Traços Comuns nas Línguas do Antigo Oriente Próximo , incluindo o
Grego . Desde a descoberta do indo-europeu, a linguística histórica tem se preocupado
amplamente com as ramificações e diferenciações das famílias linguísticas. Onde as
semelhanças foram percebidas entre línguas vizinhas, mas não "relacionadas", esses
Sprachbunden geralmente foram atribuídos a antigos "substratos" subjacentes a línguas
sucessivas. Nos últimos anos, no entanto, alguns linguistas começaram a analisar a
convergência linguística entre línguas adjacentes sem parentesco genético: ou seja,
mutações linguísticas que ocorrem através das fronteiras linguísticas. Tomemos, por
exemplo, o r francês das classes refinadas, difundido no alemão e pouco pronunciado na
afetação das classes altas inglesas. Ou a tendência de substituir o passado distante simples
por um passado presente composto, que parece ter se espalhado do francês para os
dialetos adjacentes do alemão, italiano e espanhol. Essas mudanças não apenas indicam
contatos próximos, mas também refletem o grande prestígio cultural e político da França
entre os séculos XVII e XIX , quando ocorreram essas mudanças linguísticas.
O Capítulo 8 trata da possibilidade de que processos semelhantes tenham ocorrido no
antigo Oriente Próximo. Argumenta-se, por exemplo, que embora a mudança de s inicial
para h inicial tenha ocorrido em muitas línguas, incluindo o galês, sua ocorrência em grego,
armênio e iraniano deve estar relacionada à encontrada na língua contígua da Anatólia.
Línguas semíticas como cananeu e aramaico. Esse desenvolvimento parece ter ocorrido no
segundo milênio, pois não é encontrado em línguas mais antigas da região, como eblaíta,
acadiano, hitita. Além disso, em textos ugaríticos que datam dos séculos XIV e XIII , esse
processo parece ter começado, mas não concluído.
Outro desenvolvimento do segundo milênio foi o do artigo definido, um traço que não é
tão comum nas línguas do mundo como se poderia supor. É atestado apenas nas línguas
indo-européias e afro-asiáticas e, em qualquer caso, o artigo definido é uma forma
enfraquecida do demonstrativo original. Ainda assim, isso não exclui que o conceito possa
ter sido um empréstimo. O artigo definido aparece pela primeira vez em egípcio tardio, no

61
que parece ser o registro coloquial da língua no século XVI aC Não existe na poesia ugarítica
ou bíblica, mas está presente na prosa fenícia e bíblica. Se levarmos em conta o império
egípcio no Levante nos séculos XV e XIV , parece plausível sugerir que esse
desenvolvimento - e outras mudanças linguísticas tipicamente "cananeus" - ocorreram
como consequência da influência egípcia.
A Grécia, por sua vez, parece ter desenvolvido o artigo definido um pouco mais tarde.
Não há vestígios disso nos textos Linear B, e poucos vestígios em Homero; está, no entanto,
presente na prosa muito antiga da Idade do Ferro, e o fato de o artigo grego ser usado de
algumas maneiras peculiares ao grego e aos cananeus sugere que a ideia pode ter sido
emprestada do Levante. Como se sabe, o latim não tem artigo definido, mas todas as línguas
que dele descem o têm; é, portanto, provável que tenha sido difundido no latim vulgar
presumivelmente devido à influência de seu uso no grego, púnico e aramaico, as línguas
mais influentes, em ordem decrescente, depois do latim, no Império Romano. A
disseminação do artigo definido nas línguas teutônicas e eslavas ocidentais pode ser
documentada historicamente.
É somente com a hipótese de uma relação genética entre afro-asiáticos e indo-europeus,
e de traços regionais produzidos pela convergência, que se podem explicar "coincidências",
como a notável semelhança entre o hebraico ha (artigo) e o grego formas nominativas da
palavra, ho e hē . Tanto o afro-asiático quanto o indo-europeu tinham um *se demonstrativo
. Tanto o grego quanto o cananeu parecem ter transformado o s- inicial em h-, e ambos
desenvolveram artigos definidos a partir de demonstrativos. Pode ter havido uma
influência direta ou "contaminação" das formas semíticas para as gregas, mas estas últimas
estão muito bem enraizadas no indo-europeu para serem consideradas um empréstimo.
Uma tendência de convergência ainda mais complexa é encontrada na mutação do a , ā
ou > a longo em muitos contextos fonéticos, o que ocorreu na maior parte da região na
segunda metade do segundo milênio. No Egito e em Canaã, transformou-se em um longo ō.
Mas no ugarítico do norte do Levante, no lício do sul da Anatólia e no jônico do leste da
Grécia - mas não nos outros dialetos gregos onde o ā longo permaneceu - tornou-se ē longo.
Essa distribuição de ō e ē corresponde bem à conhecida divisão política desse período
entre os impérios egípcio e hitita e suas esferas de influência. É de particular interesse
porque atravessa as fronteiras linguísticas, genéticas e históricas do semita e do grego
ocidentais. Essas mudanças generalizadas do segundo milênio aC são uma indicação de
uma frequência de contatos no Mediterrâneo oriental que geralmente não é reconhecida, e
também são uma indicação da influência política e / ou cultural do Egito e Canaã.

Labiovelars em semítico e grego é o tema do capítulo 9 . Labiovelars são sons como qu- em
que um velar como k ou q é seguido por um arredondamento dos lábios ou um w . Há um
consenso geral de que tais sons existiam no proto-indo-europeu, mas não há um acordo
geral quanto à sua existência no protosemítico. Os labiovelars, no entanto, são comuns em
todas as restantes línguas afro-asiáticas e semíticas da Etiópia. Neste capítulo, argumento
que, em muitos aspectos, é muito mais útil reconstruir o protosemítico com base em
algumas línguas semíticas do sul da Etiópia do que partir do árabe, como é feito hoje. Em
particular, afirmo - documento com exemplos tirados dessas mesmas línguas - que o
semítico asiático teve labiovelars e o semítico ocidental os manteve por um longo período
do segundo milênio. Como também se admite que os labiovelares gregos teriam mudado

62
em meados do mesmo milênio, argumento que alguns empréstimos do semítico para o
grego ocorreram quando ambas as línguas possuíam os labiovelares; alguns depois que o
grego já os havia abandonado, mas os semíticos ocidentais ainda os mantinham, e alguns
quando haviam desaparecido de ambas as línguas. Portanto, se um nível considerável de
contatos entre as culturas semíticas ocidentais e gregas for postulado antes do
desaparecimento dos labiovelares - ou seja, antes de meados do segundo milênio aC -
alguns problemas inexplicáveis da etimologia grega podem ser resolvidos. E isso também
esclarece o quanto o modelo antigo revisado pode contribuir para a reconstrução de
formas primitivas em egípcio e semítico usando o abundante material grego.
Disso, neste resumo do conteúdo, posso citar apenas dois exemplos. A primeira é a da
famosa cidade fenícia conhecida como Gublu (m) em eblaite e acadiano, G e bal em hebraico
e Jebeil em árabe. Levando em conta minha crença sobre a retenção de labiovelares no
semítico ocidental, acho plausível postular uma pronúncia primitiva * G w e b (a) l que
poderia explicar essas variantes. Em contraste, o nome grego da cidade é Byblos ou Biblos.
Este enigma pode ser resolvido assumindo que o nome era conhecido no Egeu antes de
meados do segundo milênio. Como se sabe que na maioria dos dialetos gregos g w i tornou-
se bi após o desaparecimento dos labiovelars, parece plausível sugerir que o nome * G w eb
(a) l estava em uso em grego como * G w ibl enquanto este a língua ainda possuía
labiovelari e que, portanto, seguindo as mutações fonéticas normais, tornou-se Biblos ou
Byblos.
O segundo exemplo é o nome enigmático de Deméter. A partir de fontes etíopes e
semíticas ocidentais é possível reconstruir as formas primitivas * g w e e * g way , que
significavam "terra" ou "vale largo". Se esta palavra tivesse sido introduzida no grego antes
do desaparecimento labiovelar e tivesse sofrido mutações fonéticas regulares, g we teria
que se tornar * de . Isso pode explicar por que a deusa mãe terra grega era chamada
Dēmētēr e não * Gēmētēr, um problema que atormenta os estudiosos há dois milênios. Mas
outros problemas são colocados pela vocalização e pelo fato de o nome nunca aparecer no
Linear B; no entanto, na ausência de uma alternativa, esta explicação permanece plausível,
e também é reforçada pela existência da rara palavra gyēs (medida de terra). Gyēs
pareceria ser um empréstimo do cananeu para o grego depois que os labiovelars gregos
desapareceram, mas antes que a mutação fonética ocorresse no cananeu. Finalmente, após
o desaparecimento dos labiovelars de ambas as línguas, o grego gaia e gē (terra), que não
têm explicação em indo-europeu, parecem ter sido emprestados do cananeu gay e > , que no
"construído" ou forma modificada é pronunciada gê > .

Os capítulos 10 e 11 tratam de palavras emprestadas do semítico ocidental e do egípcio.


Aqui vou discutir os dois capítulos juntos. Ambos se referem à sintaxe, ou ordem das
palavras na frase. Discutimos, por exemplo, os usos semelhantes do artigo definido no
cananeu tardio - em fenício e hebraico - e em grego. Em outros lugares, a morfologia ou
modificação das palavras é considerada; mas grande parte dos dois capítulos é dedicada à
análise de empréstimos lexicais.
Começamos aqui com a morfologia, ou modificação de palavras com base em número,
gênero e caso, tempo verbal e assim por diante. Com exceção do hitita, o grego é a língua
indo-européia mais antiga atestada, o grau de "decadência" morfológica que é encontrado
lá é, portanto, muito notável. Como, embora preservando o sistema verbal indo-europeu

63
original em grego, os substantivos tinham apenas cinco casos, enquanto o latim, atestado
pela primeira vez mais de mil anos depois, tinha seis, e o lituano, documentado por escrito
apenas na época moderna, manteve todos os oito casos que são postulados para o proto-
indo-europeu. A perda morfológica sofrida pelo grego parece indicar intensos contatos com
outras línguas, e isso concorda com as mutações lexicais documentadas e enfraquece o
modelo de origem indígena. No entanto, isso pode ser explicado tanto em termos do
modelo ariano quanto naqueles do modelo antigo, que, diferentemente do modelo de
origem indígena, pode explicar esse nível de contatos.
O tópico principal desses dois capítulos, no entanto, é o dos empréstimos. Como já
mencionei, o componente indo-europeu do léxico grego é relativamente pequeno. Por
exemplo, línguas como o eslavo eclesiástico e o lituano, atestadas pela primeira vez dois mil
anos depois do grego, têm uma proporção consideravelmente maior de raízes com formas
relacionadas em outras línguas indo-européias. Além disso, o contexto semântico em que as
raízes indo-européias ocorrem no grego é muito semelhante ao coberto pelas raízes anglo-
saxônicas em inglês. Essas raízes fornecem a maioria dos pronomes e preposições; a
maioria dos substantivos e verbos básicos da vida familiar, mas não da política; agricultura
de subsistência, mas não a agricultura comercial. Em contraste, o léxico da vida urbana,
luxo, religião, administração e abstração não é indo-europeu.
Tal configuração geralmente reflete uma situação duradoura em que os falantes da
língua - ou línguas - que fornecem as palavras da alta cultura controlam os usuários do
léxico elementar, como na relação entre anglo-saxão e francês em inglês; entre bantos e
árabes na criação do suaíli; ou entre vietnamitas e chineses na formação dos vietnamitas
modernos. Configuração menos comum é a encontrada em turco e húngaro, em que os
conquistadores adotaram o vocabulário refinado dos nativos. Nesses casos, no entanto, os
turcos e húngaros mantiveram suas próprias palavras, ou palavras mongóis, para
tecnologia e organização militar. Em grego, no entanto, as palavras para a carruagem de
guerra, a espada, o arco, a marcha, a armadura, a batalha, etc., não são indo-europeias. O
grego, portanto, como representado no modelo ariano, não se assemelha a idiomas do tipo
turco. Para aceitar o modelo ariano, portanto, é necessário postular que o grego é uma
língua tipologicamente única. O modelo antigo, em vez disso, colocaria o grego, junto com o
inglês e o vietnamita, na categoria mais comum de idiomas mistos semelhantes.
Vamos agora considerar cada um dos dois capítulos por si mesmos. O capítulo 10 trata
de empréstimos gregos do semita ocidental. Nesta área posso contar não só com os estudos
realizados antes do triunfo do modelo ariano, mas também com os de estudiosos que nas
últimas duas décadas, cautelosamente mas em bases sólidas, restauraram algumas das
etimologias anteriores e acrescentaram algumas novos. . Apesar desse processo, porém,
ainda estamos longe da situação que existia antes da afirmação do modelo ariano. Por
exemplo, como mencionei acima, o embargo aos empréstimos semíticos nunca incluiu
especiarias orientais e artigos de luxo. Mas as propostas de etimologias igualmente
plausíveis avançadas pelos semitas para áreas semânticas mais sensíveis, como bōmos da
båmåh - que significavam "lugar de eminência" ou "altar" - ainda são rejeitadas por
unanimidade pelos classicistas.
Outros exemplos de etimologias semíticas ocidentais para termos religiosos que
avançamos neste capítulo incluem o grego haima , uma palavra que em Homero, além do
significado geral de "sangue", também implica supersentido de "espírito" e "coragem". Os

64
dois primeiros significados são refletidos na ciência grega, na qual haima era considerado
um equivalente de "ar", e não de "água", como se poderia esperar. Tem sido argumentado
que haima deriva do cananeu ḥ ayîm (vida); na religião cananéia, o sangue era concebido
como a fonte da vida. Como segundo exemplo, há a conhecida raiz semítica √qds (sagrado);
do ponto de vista semântico, isso concorda muito bem com aquela constelação de palavras
gregas que gira em torno de kudos , que significa "glória divina". Também é interessante
notar que qds no sentido de "separado, impuro" parece estar refletido no grego kudos
(abjeto) e kudazō (insultar). Outra constelação de palavras com significados religiosos,
aquela em torno das palavras naiō (habitar) e naos (morada, templo ou santuário), parece
derivar da raiz semítica √nwh, que tem as mesmas conotações gerais e específicas. A
derivação de nektar de um semita * niqtar (vinho defumado ou perfumado, etc.) foi
amplamente aceita antes que o modelo ariano extremo fosse estabelecido, e recentemente
foi revivido pelo professor Saul Levin.
Passando ao léxico abstrato, encontramos a raiz grega kosm , da qual derivamos não
apenas nosso "cosmos", mas também "cosméticos". Por significado fundamental tem o de
"distribuir" ou "colocar em ordem". A raiz semítica √qsm abrange o domínio semântico
"dividir, pôr em ordem e decidir". Ou, sēm cananeu (traço, sinal, nome) parece ter sido
emprestado em grego duas vezes: primeiro, como sēma (sinal, traço, penhor) e depois -
provavelmente da forma sēm - como schēma (forma, figura, configuração) . Também na
política existem constelações semelhantes de palavras, como por exemplo o grego deil-
(infeliz, infeliz) e doul- (cliente) ou (escravo) que poderiam derivar do cananeu dål ou dal
(dependente, reduzido) ou (pobre); enquanto o grego xenos (estrangeiro, estrangeiro)
parece derivar do semítico ocidental √śn ›(ódio, inimigo).
Na esfera militar encontramos etimologias como phasgan- (espada) ou (lâmina) da raiz
semítica √psg (cleave) e harma (carro de guerra) ou (guincho), da raiz semítica √ ḥrm
(rede). Finalmente, existem algumas palavras gregas básicas que parecem ter etimologia
semítica: por exemplo, mechri ( s ) (até) parece derivar da raiz semítica √m ḫ r (estar na
frente, encontrar). É verdade que nenhuma dessas derivações é certa, mas todas são mais
ou menos plausíveis. Na ausência de etimologias indo-européias que possam competir com
estas, e à luz de todos os documentos e evidências que sustentam a influência semítica na
Grécia do 2º e 1º milênios, elas devem ser seriamente consideradas.
O mesmo vale para as etimologias egípcias propostas no Capítulo 11 . Ao contrário do
estudo das etimologias semíticas, a pesquisa sobre palavras emprestadas do egípcio ao
grego nunca se desenvolveu seriamente. A razão simples é que os hieróglifos só foram
decifrados quando o modelo antigo estava começando a perder o pé. Na década de 1860,
quando os primeiros dicionários do egípcio antigo foram publicados, o modelo ariano
estava tão fortemente estabelecido que a comparação entre os dois léxicos era
absolutamente impossível no mundo acadêmico. A única exceção foram as tentativas
corajosas e frutíferas de comparar palavras gregas com palavras coptas feitas pelo abade
Barthélemy no século XVIII . Hoje, com apenas as três anomalias de baris (um tipo de barco
pequeno), xiphos (espada) e makar- (abençoado), nenhuma palavra grega importante
recebeu uma etimologia egípcia, e para as duas últimas palavras mais partes até
questionaram isto. Dois artigos curtos apareceram em 1969 coletando e atestado algumas
palavras de origem obviamente exótica, com origens egípcias plausíveis; mas, como no caso
das palavras semíticas ocidentais, ainda havia a possibilidade de que elas tivessem sido

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transmitidas por meio de comércio ou contato casual e, portanto, também fossem
aceitáveis para o modelo ariano. Em 1971 saiu um trabalho ainda mais negativo que
negava algumas das etimologias egípcias aceitas e questionava outras. 24
Já salientei a importância do léxico militar. A derivação de xiphos do egípcio sft (faca,
espada) é, portanto, muito significativa. Temos duas etimologias, uma semítica e uma
egípcia, para as duas palavras que em grego significam espada. Ambos de origem não indo-
européia reconhecida; e a espada era a nova super-arma do "heróico" final da Idade do
Bronze. Outros exemplos dignos de menção aqui incluem makar- , que deriva do egípcio m
3 < ḫ rw (voz verdadeira), título dado aos mortos abençoados que passaram pelo
julgamento. Outros termos jurídicos gregos parecem ter etimologias egípcias igualmente
plausíveis; e já conhecemos a derivação do mártir de mtrw ( testemunha). A raiz tima-
(honra) encontrada tanto na linguagem militar quanto na legal talvez deriva de um egípcio
* dı > m 3 < , atestado em demótico como tym 3 < e que significa tornar verdadeiro, justificar.
Na política, embora exista uma raiz indo-européia generalizada e fundamental √reg que
significa "lei, domínio" ou "rei" e que se encontra no rajá indiano , no gaulês rix , no latim
rex e no irlandês rí , em grego as palavras antigas para rei não tinham nada a ver com isso,
mas eram ( w ) anax e basileus . A primeira, que será discutida no Capítulo 1 deste volume,
parece derivar da fórmula egípcia < n . dt (que ele viva para sempre!) usado após os nomes
dos faraós vivos. No grego arcaico, o basileu não era um rei, mas um funcionário
subordinado ao ( w ) anax . Em egípcio p 3 sr (o oficial) tornou-se um título comum do vizir.
Foi encontrado transcrito em acadiano como pa-ši-ia- ( ra ). Como p e b não eram distintos
no egípcio tardio, e o r egípcio era muitas vezes traduzido como l em grego, não há
dificuldade fonética que impeça a concordância semântica perfeita.
A origem egípcia da palavra grega sophia (sabedoria) é descrita no Capítulo 1 do Volume
II . Todas essas etimologias, nas áreas de poder, abstração, vida refinada, concordam com
aquela configuração sugerida pelo modelo antigo que implica governantes egípcios sobre
uma população nativa menos desenvolvida. Como no caso do semita, porém, outras
palavras emprestadas sugerem uma penetração ainda mais profunda na vida grega. Não há
razão para duvidar que o grego chēra (viúva) deriva do egípcio h 3 rt , ou que a partícula
gar deriva da partícula egípcia grt , que tem a mesma função e posição sintática. Como eu
disse, os t 's finais foram descartados tanto no egípcio tardio quanto no grego.
A conclusão de Documentos e Evidências Arqueológicas é que as evidências documentais
e arqueológicas, embora tendam a apoiar o modelo antigo em relação ao ariano, não são
conclusivas. Por outro lado, aqueles extraídos de línguas e nomes de todos os tipos são
claramente a favor da plausibilidade intrínseca da tradição antiga, uma vez que a escala e a
centralidade dos empréstimos lexicais e nominais indicariam uma influência cultural
egípcia maciça e prolongada na Grécia. Embora o caso dos japoneses mostre que
empréstimos em tão grande escala podem não ser necessariamente consequência da
conquista, conquista e colonização são as condições usuais em que ocorrem. Relevos
linguísticos, portanto, oferecem forte suporte para o modelo antigo.
Se considerarmos juntos a evidência documental, a evidência arqueológica e os achados
linguísticos, de forma alguma o modelo ariano poderia ter um valor heurístico superior. Se
a hipótese - expressa no primeiro volume de Atena Negra - for então demonstrada de que a
substituição do modelo antigo pelo modelo ariano pode ser explicada em termos da
Weltanschauung do início do século XIX, não há necessidade de continuar usando este

66
último . Em suma, como já disse em outra parte deste livro, o Volume I mostra que o
modelo ariano foi "concebido em pecado". O Volume II mostrará que falhou.

Resolveu o enigma da Esfinge e outros estudos da mitologia egípcio-grega: resumo do volume


III

O terceiro volume de Atena Negra é uma tentativa de usar o modelo antigo revisado para
lançar luz sobre alguns aspectos da religião e mitologia gregas que não foram explicados
até agora e, sobretudo, sobre os nomes de personagens heróicos e divinos. Os capítulos
estão organizados de acordo com o que parece ser a ordem cronológica de chegada na
Grécia dos vários cultos; como tudo o mais nesta área, no entanto, a sequência é muito
incerta.

O capítulo 1 trata da influência religiosa mais remota que se pode discernir nas origens do
culto cretense do touro, cujo nascimento é contemporâneo da fundação dos palácios da
ilha. A influência é a do culto real ao deus falcão/touro Mn t wo Mont sob a 11ª dinastia, no
século 21 aC muito improvável que haja continuidade com o culto do touro documentado
na Anatólia no sétimo milênio. Além disso, Creta montanhosa não pode de forma alguma
ser considerada um país por natureza favorável à pecuária. Além do súbito aparecimento
do culto do touro na ilha, a coincidência de tempos, o que se sabe sobre a expansão da
influência egípcia durante os reinados dos vários faraós da 11ª dinastia chamada
Mentḥotpe, e as evidências arqueológicas sobre os contatos entre o Egito e Egeu nesta
época, existem registros lendários que indicam uma influência egípcia em Creta durante
este período. Acredito que os nomes do deus Mn t we do faraó Mentḥotpe estão ambos
refletidos no nome que as lendas gregas atribuem a um antigo juiz, legislador e
conquistador das ilhas gregas, Radamanthus, nome que pode plausivelmente derivar de um
egípcio * Rdi M (a) n t w, «Mnt t w dá». Radamanto também foi o padrasto guerreiro de
Héracles, e ensinou o herói a atirar com arco; Mn tt w também era o deus da arte do arco.
Mn t w foi associado à deusa R < t, cujo nome, como sabemos de fontes mesopotâmicas, foi
vocalizado como Ria . Esta parece ser uma origem plausível do nome da deusa Rhea, que
desempenhou um papel central na religião cretense.
O culto de Mn t w não foi o único culto egípcio de touros a chegar ao mar Egeu. Acredito
ser plausível associar a figura lendária de Minos, primeiro rei e legislador de Creta, com
Mēnēs - ou Mina, como Heródoto o chamava - primeiro legislador e faraó do Egito, datado
por volta de 3250 aC do culto do touro de Apis em Memphis. Outro culto egípcio do touro -
chamado Mnevis pelos romanos - foi plausivelmente derivado de uma forma egípcia *
Mnewe. Este culto estava associado a "paredes sinuosas" desde a época do Império Antigo,
centenas de anos antes da construção dos palácios cretenses. Temos assim uma tripla
coincidência: no Egito havia dois cultos de Touro associados aos nomes Mina e Mnewe; o
primeiro era o nome do fundador da dinastia real, e o segundo estava ligado a "muros
sinuosos"; em Creta havia um culto de touros associado ao fundador Rei Minos e com um
labirinto! A tradição grega, muito clara a este respeito, sustenta que por ordem de Minos o
labirinto foi copiado de um original egípcio pelo grande artista e arquiteto Dédalo.
Tentativas de derivar o nome labirinto de uma suposta palavra lidia labrys que significaria

67
"machado" parecem menos plausíveis do que a etimologia proposta pelos egiptólogos por
volta da década de 1860 - e negada pelos do século XX - que remonta a um topônimo
egípcio reconstruído * R - pr-r-ḥnt, nome do local onde ficava o grande labirinto egípcio
descrito por Heródoto e outros autores antigos.
Os cultos taurinos, derivados não só do de Mn t w, mas também dos de Mina, Mnevis e
Apis, estavam presentes em toda a Grécia, mas foram superados pelos dedicados aos bodes
e carneiros. No início ou por volta do início da XII dinastia, o culto real egípcio mudou: do
culto do falcão / touro Mn t wa culto do carneiro Amon. Como já foi dito, com base em
relevos epigráficos foi demonstrado que os faraós da XII dinastia chamados > Imn-m-ḥ 3 te
Sn Wsrt, plausivelmente para serem identificados com os grandes conquistadores Memnōn
e Sesōstris da tradição grega, empreenderam expedições de longo alcance no Mediterrâneo
Oriental. Defendo, portanto, no capítulo 2 , que os cultos oraculares generalizados do
carneiro/bode, encontrados em toda a bacia do Egeu, começaram a ser introduzidos logo
após assumirem uma posição predominante no próprio Egito durante o século XX aC. Amon
e Osíris e, no Egeu, com Zeus e Dionísio, que eram vistos como seus equivalentes gregos.
A confusão natural entre carneiros e cabras foi agravada pelo fato de que o culto
oracular da cidade do Delta, conhecido pelos gregos como Mendēs, estava associado a uma
espécie de carneiros muito bem dotados que - fato constrangedor para símbolo de
fertilidade - era foi extinto. Nos séculos posteriores, o carneiro foi representado de forma a
induzir Heródoto a descrevê-lo alternadamente como bode ou carneiro. Dodona, no
noroeste da Grécia, era por admissão geral o oráculo mais antigo desse tipo; segundo
Heródoto e outros autores gregos, o oráculo foi ali fundado por influência dos oráculos de
Siwa, oásis do deserto, e de Tebas, sede do culto oracular de Amon. A arqueologia
confirmou paralelos notáveis entre Dodona e Siwa. Além disso, o culto de Amon em Siwa foi
associado à divindade Ddwn, que parece ser a origem do nome inexplicável Dodona.
A confusão entre Zeus e Dionísio foi particularmente grande em Creta - onde Zeus
deveria ter morrido - e na periferia norte da Grécia, de Dodona, a oeste, à Frígia e Trácia, a
leste. Estas regiões, aparentemente particularmente conservadoras, e também por outras
razões, parecem ter preservado um culto indiferenciado que foi substituído por cultos mais
específicos introduzidos ou desenvolvidos posteriormente. Muitos centros de culto, no
entanto, como o de Zeus em Olímpia, preservaram elementos da camada anterior. Ao final
da seção sobre cultos de carneiro/cabra, considerarei os paralelos entre a representação da
paixão ou drama de Osíris na religião egípcia e as origens do teatro grego. É surpreendente
notar que na Grécia a tragédia, que era essencialmente religiosa, estava associada tanto a
Dionísio quanto ao bode, tragos .

capítulo 3 de The Solved Sphinx Riddle é chamado de Beleza e trata da deusa Afrodite.
Tradicionalmente seu nome foi derivado da palavra aphros (espuma); nenhuma explicação
foi proposta para o sufixo desconhecido -ditē. A imagem da era clássica da deusa subindo
da espuma mostra que a tradição é antiga. No entanto, essa etimologia me parece mais um
jogo de palavras ou uma etimologia popular; o verdadeiro quase certamente deriva do
egípcio Pr W 3 d yt (casa de W 3 d yt). Esse nome, dado a duas cidades - uma no Delta do
Nilo, mais tarde conhecida pelos gregos como Boutō/os, e outra no Alto Egito, chamada
Afroditópole - demonstra a identificação de W 3 d yt com Afrodite. Já mencionei, em relação
a Atena, a associação entre divindades e suas moradas que existia entre os egípcios; neste

68
caso, no entanto, o uso de Pr W 3 d yt como um nome foi atestado. Do ponto de vista
fonético existem alguns problemas, pois não há outro caso em que o r em pr tenha sido
preservado; mas se fosse, a afixação de um prefixo "protético" a/i teria sido automática. De
qualquer forma, a derivação de * aPr-W 3 d yt é certamente melhor do ponto de vista
fonético do que a de aphros .
Do ponto de vista semântico, as razões para derivar Afrodite de Pr W 3 d yt são de fato
muito fortes. W 3 d yt era uma deusa da fertilidade e estava associada ao novo crescimento
das colheitas após o Dilúvio, assim como Afrodite estava com a primavera e o amor juvenil;
W 3 d yt também foi associado às cobras que apareceram naquela estação. Acontece que
um dos artefatos egípcios mais interessantes encontrados em Creta do período minóico é a
base de uma estátua de um sacerdote de W 3 d yt. Além disso, os hieróglifos são tão
irregulares que sugerem que foram esculpidos no lugar. O achado, de qualquer forma,
indica que na época o culto existia na ilha. É, portanto, surpreendente que existam várias
imagens desse período representando uma bela e tentadora deusa segurando duas cobras.
Alguns estudiosos tentaram estabelecer ligações entre essas imagens e Afrodite. Este culto
parece ter florescido no final do período minóico médio; seria, portanto, plausível traçar
grosseiramente a introdução da deusa naquela onda de influências egípcio-levantinas-
minóicas que ocorreram em torno do período da invasão hicsos, ou seja, no final do século
XVIII e início do século XVII aC

A La Bella segue o Capítulo 4: e a Fera . Este é o assunto de Seth ou Sutekh, o deus a quem
se acredita que os hicsos sejam devotados. Na teologia egípcia, Seth era a divindade do
exterior, dos desertos e seus habitantes selvagens e imprevisíveis, e, segundo Plutarco, ele
também era o deus do mar. Aparentemente, há todas as razões para supor que, assim como
é possível identificar a conquista dos hicsos com a permanência bíblica no Egito, o Set dos
hicsos foi o Yawhe dos israelitas, Deus dos desertos, vulcões e mares tumultuosos. Na
mitologia ugarítica, o inimigo do deus da fertilidade Ba < al era Yam, "mar", que assim se
tornaria outra contraparte semítica. Nos tempos helenísticos, Sete foi traduzido como
Tifão, mas, ao contrário de todos os outros deuses egípcios, faltava-lhe uma contraparte
divina grega. A razão para isso parece óbvia: naquela época, Seth como uma encarnação do
mal não podia ser equiparado a uma divindade respeitável.
Por outro lado, os únicos grandes deuses gregos que não tinham uma contraparte
egípcia era Poseidon. Argumento que essas duas fileiras soltas precisam ser refeitas. Ambos
os deuses lidavam com o mar, terremotos, caça, carros e cavalos; ambos eram geralmente
mal-humorados. Enquanto os hicsos eram muito dedicados a Seth, Poseidon era o deus
mais mencionado nas tabuinhas lineares B cretenses e micênicas gregas. Formas
alternativas, com um t , como um Poteidōn, levaram os indo-europeus a identificar o nome
com a raiz √pot, "poder". No entanto, é difícil conectar o sufixo -d (e) ōn a dios (divino).
Para alguns que aplicam o modelo antigo, a alternância s/t sugere a letra semítica ṣ ade ,
que parece ser uma forma de ts .
A etimologia que proponho para Poseidon é p 3 (w) ou Pr Sidon, "aquele que é de Sidon"
ou "casa de Sidon". Sid, deus patrono de Sidon, derivou seu nome da raiz √ṣwd, "caçar". Ele
era uma divindade da caça, pesca, carruagens e do mar; a concordância semântica é,
portanto, perfeita. No entanto, a dificuldade implícita nessa derivação é que ela requer uma
forma egípcio-semítica de um tipo que não foi atestada até hoje; Posso, portanto, propor a

69
etimologia apenas provisoriamente. Mas seja aceitável ou não, acredito poder mostrar
paralelos surpreendentes entre Seth e Poseidon, de particular interesse justamente porque
no período clássico as duas divindades não eram identificadas. As semelhanças entre os
dois deuses e seus cultos não podem, portanto, ser atribuídas a uma "Egiptização"
posterior.

Capítulo 5 , The Terrible Twins , trata de Apollo e Artemis. No Egito, o sol era adorado de
muitas maneiras diferentes: como Ra, como Aton, o disco solar, e como ḫ prr e Tm, o jovem
sol da manhã e o velho sol da tarde, respectivamente. Foneticamente, o único problema que
uma derivação de Apollo de ḫ prr apresenta é que muito raramente ḫ é transcrito como ø.
Um empréstimo semelhante seria possível, por outro lado, apenas se o culto tivesse sido
introduzido em uma idade tardia e viesse através do fenício, em que ḫ se funde com ḥ mais
doce, muitas vezes traduzido em grego como ø. No entanto, há duas pistas a favor dessa
hipótese. A época tardia é sugerida pelo fato de que o nome Apolo não é atestado no Linear
B, e a transmissão fenícia da vocalização CaCoC que indica que o nome passou pela
"mutação cananéia" de ā > para ō.
Do ponto de vista semântico, a derivação de Apolo de ḫ prr pareceria muito boa. Ḫ prr
foi identificado com ḫ rm 3 ḥt, o grego Harmachis, "Hórus do sol nascente". Hórus foi
identificado com Apolo pelo menos desde a época do poeta Píndaro, no século V , e que ele
esteja tão ligado ao alvorecer das origens é muito apropriado para Apolo, que foi concebido
como eternamente jovem. O mito central sobre Hórus era o de sua luta vitoriosa com Seth,
que se manifestara a ele na forma de um monstro aquático. Na Grécia um dos principais
mitos de Apolo era o de Delfos, no qual o jovem deus, acompanhado de sua irmã Ártemis,
havia matado o Píton. Argumento que Delphi, como adelphos (irmão), vem de uma palavra
semítica que significa "casal" ou "gêmeo". O título de Apolo, Delphinios, é uma duplicata de
outro, Dydimos, "gêmeo", e a "gêmea" de Apolo parece essencial à sua natureza.
Os historiadores modernos da religião grega estão abandonando a ideia de que a irmã
gêmea de Apolo, Artemis, era exclusivamente uma deusa da lua. Acredita-se agora que ela
era uma virgem e deusa caçadora da tarde e da noite. Nos tempos helenísticos, Ártemis era
vista como uma contraparte da deusa egípcia gato B 3 stt, que era identificada com a lua. No
entanto, B 3 stt também tinha um aspecto combativo e, como tal, acreditava-se que ele
havia contribuído para a destruição dos inimigos de Hórus. A este respeito, ela foi
concebida como uma leoa e identificada como a contraparte feminina de Ra e Tm, deus do
sol da tarde. Ḫ prr e Tm juntos constituíam os aspectos gêmeos de ḥr 3 ḥtwy, "Hórus de
(dois) horizontes", que era o equivalente a Ra. A consorte de Tm, Tmt/B 3 stt, parece ter
desfrutado de alguma independência, e a partir de meados do terceiro milênio estava
relacionada às duas deusas leoas associadas a "Hórus dos (dois) horizontes". No Egito, o
maior monumento a Hórus era a Esfinge de Gizé. Embora o monumento seja um único leão,
uma dedicatória colocada ao lado dele no final do século XV , mais de mil anos depois de
sua construção, refere-se a Ḥr 3 ḥtwy e Ḥr (ı > ) Tm, que quase certamente se refere ao
mesmo Tm . Foneticamente, uma forma feminina * Ḥrt Tmt ofereceria uma boa etimologia
de Ártemis. A correspondência entre um -t egípcio final e um -is grego final é comum; o t
medial teria caído durante o desenvolvimento normal do egípcio, e a vocalização de Ḥr
como (Ḥ) ar é amplamente atestada, assim como a modificação do egípcio para ø. A

70
gemelaridade de Apolo e Ártemis é, portanto, a mesma que existe entre ḫ prr e Tm, entre o
sol da manhã e o da tarde.
No restante do Capítulo 5 investigamos as razões para a troca de sexo, e também os
paralelos, entre Apolo e Ártemis e Cadmo e Europa, cujos nomes derivam do semítico
√qdm (leste) e √ < rb (oeste e noite) . Os cultos e mitos da Tebas grega são de particular
importância nesse sentido, pois, estando também associados à Esfinge, enriquecem essa
intrincada rede de conexões que os ligam a esse aspecto da religião egípcia. Sustento que a
Esfinge de Tebas pode ser identificada como a natureza selvagem e leonina de Europa e
Ártemis; mas uma conexão ainda mais estreita entre as duas esfinges nos é oferecida pelo
enigma proposto pela Esfinge grega: "Qual ser tem apenas uma voz, às vezes tem dois pés,
às vezes três, às vezes quatro, e é mais fraco quando atinge seu clímax? " ". A resposta de
Édipo dizia respeito à vida do homem, mas o enigma pertence a toda uma constelação de
enigmas - encontrados em todo o mundo - muitos dos quais se referem à fraqueza do sol
pela manhã e à noite, e ao seu aparecimento ao meio-dia. Acredito que à luz da dedicação
da Esfinge egípcia ao sol da manhã e da tarde, o paralelismo é muito notável.

Apesar do aparecimento muito tardio do nome de Apolo, a interação das influências


egípcias e semíticas me leva a acreditar que esse ciclo de mitos solares foi introduzido
durante o período hicsos. Por outro lado, parece que os mistérios de Elêusis, objeto do
capítulo 6 , chegaram muito tarde. Os antigos cronógrafos, por sua vez, geralmente
concordavam que os cultos de Deméter e Dionísio haviam chegado à Ática na segunda
metade do século XV . Isso parece inteiramente plausível, apesar do fato de que a origem do
nome Deméter pode ser datada no início do segundo milênio (ver acima, p. 77). O final do
século XV , após as conquistas de Tutmōsis III , foi um período de grande poder para o
Egito, durante o qual, ao que parece, os cultos de mistério de Ísis e Osíris já estavam bem
estabelecidos no Egito e no Levante. Como placas de majólica do tipo que foram colocadas
sob os cantos dos templos, datadas do reinado de Amenófis III (1405-1367), foram
encontradas em Micenas, não tenho dificuldade em aceitar a possibilidade de que o culto
eleusino da Grécia arcaica tenha sido o descendente de um culto fundado pelos egípcios
setecentos anos antes. De fato, uma das muitas razões pelas quais esse culto era
absolutamente único na Grécia era que - como era o caso dos templos egípcios - tinha um
clero oficial, composto por dois clãs cujos membros, nos tempos helenísticos, certamente
acreditavam ter ascendência. egípcios.
Nos mistérios egípcios de Osíris havia Ísis em busca de seu marido/irmão assassinado, a
deusa que remontava seu corpo, e o triunfo de seu filho Hórus sobre Seth, o assassino de
seu pai. À primeira vista, a história de Elêusis parece muito diferente. Nele Deméter foi em
busca de sua filha Perséfone, sequestrada por Hades, deus do submundo. Ele encontrou
Perséfone, mas, não conseguindo libertá-la, entrou em greve impedindo o crescimento
sazonal natural das plantações. Finalmente, foi estipulado um pacto segundo o qual
Perséfone passaria metade do ano com Hades e metade com sua mãe. Essas diferenças não
são suficientes para nos convencer a não levar em conta o antigo testemunho de que os
mistérios gregos vieram do Egito.
Enquanto no Egito Osíris era o centro do mito, Ísis era a protagonista; na Grécia, não há
dúvida de que Dioniso estava por trás de Deméter. Além disso, na verdade não havia uma,
mas duas mulheres nos mistérios egípcios. Ísis tinha sua irmã/duplo Néftis como

71
companheira constante, que não só foi em busca de Osíris e celebrou seu luto, como
também se casou com seu assassino, Seth. Dessa forma, correspondia simetricamente às
ambiguidades de Perséfone, que tinha aspectos amorosos e infernais. Acima de tudo,
porém, as amplas variações encontradas nesses ciclos de mitos gregos e egípcios
demonstram que não se deve tentar extrair muito das diferenças entre eles, dado o grande
número de paralelos precisos entre os dois cultos de mistério.
No capítulo 6 há também uma revisão dos estudos sobre o assunto publicados no século
XX, começando com a obra de Paul Foucart, que, graças à pesquisa detalhada que realizou
sobre Elêusis e seu considerável conhecimento de egiptologia, alcançou a convicção que a
antiga tradição da origem egípcia do culto era irrefutável. Não há dúvida, no entanto, que o
cerne dos mistérios de Elêusis era a busca da imortalidade e a crença paradoxal de que ela
só poderia ser alcançada através da morte. Acreditava-se que através da iniciação nos
mistérios se passava por uma morte simbólica para "renascer" como imortal; essa
concepção era comum em todo o antigo Oriente Próximo, mas era predominante no Egito.
Todos os autores antigos concordaram, portanto, que Pitágoras, Orfeu, Sócrates, Platão e os
outros que trataram da imortalidade da alma aprenderam sobre isso no Egito.
A preocupação com a imortalidade pessoal era central para o orfismo, um aspecto da
religião grega que talvez tenha sido introduzido no período arcaico, centenas de anos após
o final da Idade do Bronze, período do qual a negra Atena lida principalmente . No entanto,
acredito que as semelhanças entre o orfismo e os cultos dionisíacos e eleusinos justificam
sua presença no terceiro volume. O nome Orfeu parece derivar da forma egípcia ( > I) rp < t
(príncipe herdeiro), transcrita em grego como Orpais. ( > I) rp < t era o título conferido ao
deus egípcio comumente conhecido como Geb: divindade da boa terra - da flora e fauna que
a recobriam - e do submundo. Isso concorda tanto com a função de Orfeu como
harmonizador da natureza quanto com seu interesse pelo interior da terra. Geb estava
intimamente relacionado com Osíris, que às vezes era considerado seu filho e por quem foi
amplamente substituído como senhor do submundo. Em muitos aspectos, Orfeu e Dionísio
parecem duplicar um ao outro igualmente, embora com alguma hostilidade entre si.
Acontece que a sociedade egípcia era bastante intolerante com a homossexualidade, e é
difícil encontrar o menor paralelo direto com esse aspecto do caráter de Orfeu. No entanto,
é interessante notar que o substantivo ( > I) rp < t é uma forma feminina. Ainda mais
significativo é o fato de que ( > I) rp < t foi escrito com um ovo em função de determinante, o
que parece estar relacionado ao ovo cosmogônico colocado por Geb sob a forma de um
ganso, muitas vezes sem intervenção feminina. Novamente há um paralelo surpreendente
com a Grécia, pois um ovo primitivo também esteve na origem da cosmogonia órfica.
Apesar da grande antiguidade de Geb, é provável que o culto órfico tenha sido
introduzido na época tardia. Não há, por exemplo, menção a Orfeu e sua cosmogonia na
Teogonia de Hesíodo , e a vocalização de ( > I) rp < t como Orpais / Orfeu também parece
tardia. Parece provável, portanto, como muitos antigos e modernos suspeitaram, que
mesmo que Orfeu seja talvez muito antigo, Orfeu foi estabelecido no século VI em estreita
conexão com o pitagorismo, e que a associação com ( > I) rp < t foi uma tentativa para dar ao
novo culto o carisma da antiguidade. No entanto, é impossível decidir se a reforma
começou na Grécia ou no Egito. A importância que a metempsicose - a transmigração das
almas - teve para o orfismo e o pitagorismo, e o consequente vegetarianismo, também eram
comuns entre os sacerdotes egípcios nos tempos helenístico e romano. É impossível dizer

72
quão antigas eram essas formas de abstinência, mas, levando em conta o conservadorismo
geral da religião egípcia, é possível que elas remontassem ao Império Antigo. Por outro
lado, eles também podem ter sido incentivados por reformas posteriores.
Há também ligações entre Orfeu e o Livro dos Mortos . No Novo Reino e mais tarde, o
livro era um guia para a alma, conduzindo-a pelos perigos do submundo até a imortalidade,
e muitas vezes era enterrado ao lado do cadáver mumificado. Na Grécia e na Itália, feitiços e
hinos gravados em folha de ouro eram colocados ao lado dos corpos dos devotos de Orfeu.
É interessante notar a este respeito que uma versão do Livro dos Mortos se refere aos
"livros de Geb e Osíris".
Nos tempos clássicos, acreditava-se comumente que Orfeu era de alguma forma de
origem trácia, mas que havia aprendido seus mistérios no Egito. Nos tempos antigos, a
estreita ligação entre Pitágoras e o Egito era aceita por todos. As notáveis semelhanças
etimológicas e culturais entre as formas egípcias e as formas órfica e pitagórica parecem,
portanto, muito fáceis de explicar em termos do modelo antigo. Devo acrescentar que seria
possível para um arianista admitir a origem egípcia desses aspectos "tardios" sem, no
entanto, prejudicar seu modelo como um todo. É significativo, no entanto, que tão poucos o
façam.
A conclusão de The Solved Riddle of the Sphinx reitera minha concepção geral de que as
etimologias e os paralelos culturais que são o assunto do livro devem ser vistos em
contexto. As comparações feitas ali não são entre a religião grega e, digamos, a religião
algonquina ou tasmaniana, separadas por tantas distâncias de espaço e tempo. São
comparações entre dois sistemas localizados na mesma área do Mediterrâneo e ao longo
dos mesmos milênios. Além disso, os próprios gregos dos períodos clássico e helenístico
afirmavam que sua religião vinha do Egito, e Heródoto chegou a especificar que os nomes
dos deuses, com uma ou duas exceções, eram todos egípcios. O material do terceiro volume,
quando considerado em conjunto com a seção sobre Atena e Hermes no volume II , mostra
que se compararmos a religião grega com o Egito e os cananeus, longas seções do que antes
parecia ser um mistério total tornam-se compreensíveis. Mais importante, muitas novas
questões surgem e centenas de hipóteses testáveis são geradas. Como disse no início da
Introdução Geral deste trabalho, é precisamente isso que distingue a inovação radical
lucrativa da excentricidade estéril. O propósito cognitivo de Solved The Sphinx's Enigma é o
mesmo dos outros dois volumes: abrir novas áreas de pesquisa para mulheres e homens
muito mais qualificados do que eu. O objetivo político da Atena negra é , escusado será
dizer, menosprezar a arrogância cultural europeia.

Notas
* A convenção usada para denotar formas hipotéticas, mas não atestadas, de uma palavra ou
nome.

1 Ver Capítulo 4 , nn. 143-144.


2 Ver abaixo e Cap. 10 , nn. 7-9.
3 Para uma discussão dessa literatura, ver pp. 66 ss. e vol. II .
4 Bernal (1980). Para as tabuinhas de Uruk, G. Pettinato (comunicação pessoal, Cornell, 3 de

dezembro de 1985).
5 Ver mais adiante, Capítulo 10 , n. 7-9.
6 Goodenough (1970).

73
7 Bernal (1989).
8 Warren (1965, p. 8); Renfrew (1972, pp. 345-348).
9 Bernal (1983a, 1983b; ver também 1987).
10 Bernal (1980).
11 Spyropoulos (1972; 1973).
12 Bernal (1985a, pp. 73-74).
13 Veja vol. III .
14 Heródoto, As histórias , VI .53-5.
15 Buck (1979, p. 43) cita a hipótese de Spyropoulos, mas a refuta. Symenoglou (1985) em sua

extensa bibliografia não cita os artigos em que Buck faz suas críticas. Sem mencionar a forma
piramidal ou qualquer ligação com o Egito, critica a datação de Spyropoulos (pp. 273-274). Helck
(1979) ignora completamente o trabalho de Spyropoulos.
16 Bernal (1987).
17 Farag (1980).
18 La Marche e Hirschbeck (1984, p. 26). Em carvalhos irlandeses: comunicação pessoal de MGL

Baillie a P. Kuniholm. Atenas, abril de 1985.


19 Michael e Weinstein (1977, pp. 28-30).
20 Para a correlação com a China, ver Pang e Chou (1985, p. 816). Para namoro com Shang, veja

Fan (1962, p. 24). Para uma datação revisionista mais avançada, veja. Keightly (1978); para uma
mais remota, ver Chang (1980, pp. 354-355).
21 Stubbings (1973, pp. 635-638).
22 Bietak (1979).
23 C. Müller (1841-1870, vol. III , p. 639).
24 Hemmerdinger (1969); McGready (1969); Pierce (1971).
25 Sobre Foucart e as reações à sua obra, ver Capítulo 5 , n. 45.

74
1. O modelo antigo na antiguidade
Como os egípcios chegaram ao Peloponeso e o que fizeram
para se tornar rei daquela parte da Grécia já foi contado nas
crônicas de outros autores. Então não vou acrescentar
nada, mas vou mencionar alguns tópicos que ninguém mais
considerou ainda.
HERDOTO , As histórias , VI. 55 1

A maioria de nós foi ensinada a considerar Heródoto o "pai da história", mas mesmo
aqueles que, de acordo com Plutarco, o consideram o "pai da mentira" acham difícil
argumentar que ele mentiu sobre a existência dessas crônicas. Sua declaração não era
inverificável sobre povos remotos. Afirmava algo que seus leitores poderiam facilmente
verificar se ainda não estivessem cientes disso. Deixando de lado por enquanto a questão
do que realmente aconteceu mais de um milênio antes de Heródoto escrever suas Histórias
, o que ele diz sugere fortemente que no século V aC havia uma crença geral de que a Grécia
foi colonizada pelo Egito. . Neste capítulo, espero demonstrar que as visões de Heródoto
sobre os assentamentos egípcios e fenícios, mesmo quando tratadas com condescendência
e zombaria pela maioria dos classicistas e antiquários modernos, eram convencionais não
apenas em seu tempo, mas também em todo o período arcaico e na Antiguidade tardia.

Os Pelasgianos
Antes de analisar as visões dos gregos durante o período clássico sobre essas e outras
hipotéticas invasões, seria útil considerar suas ideias sobre a população que anteriormente
habitava a Grécia. E isso porque, na opinião deles, essa foi a base sobre a qual atuaram as
influências do Oriente Próximo. E aqui encontramos o espinhoso problema da mais
conhecida das populações nativas, os Pelasgians ou Pelasgians, um nome usado de forma
diferente por vários autores gregos. De acordo com Homero, na Guerra de Tróia havia
Pelasgians em ambos os lados. No exército de Aquiles, composto por helenos e aqueus,
acreditava-se que alguns eram habitantes do "Pelasgic Argos", que, é claro, acreditava-se
estar localizado na Tessália. 2 Por outro lado, os guerreiros de Hipotes, o Pelasgian, que
vieram de Larisa, também lutavam por Tróia. 3 A provável derivação do nome da cidade
Laris (s) a é do topônimo egípcio R - 3 ḥt, "Entrada nas terras férteis", que provavelmente
foi usado para Avari, capital dos hicsos, localizada nas terras férteis de o Delta do Nilo
oriental. 4 A concordância semântica entre Laris (s) ae R- 3 ḥ é excelente. Além disso, o
epíteto homérico para os dois Larisai diferentes era eribolax (de solo profundo). 5 Como
aponta Estrabão, um geógrafo do século I a.C. e d.C., todos os principais Laris gregos
estavam localizados em solos aluviais. 6
Se adotarmos a colonização dos hicsos como hipótese de trabalho, é surpreendente
notar que a acrópole do Argos peloponeso, cidade que se acredita ter sido fundada por
Danaus e com a qual ele tinha muitas conexões culturais, se chamava Larisa. 7 Além disso,
em outra parte de sua Geografia , Estrabão afirma que em grego argos significa "terra

75
plana". 8 Isso concordaria convenientemente com a etimologia de Larisa de «Entrada nas
terras férteis», nome da capital dos hicsos. No entanto, argos também significava
"velocidade" e "cão" ou "lobo", e ambos os conceitos foram refletidos na mitologia e
iconografia da cidade do Peloponeso. O significado nuclear da palavra era "brilhante" ou
"prata". 9 Isso concorda bem com > Inb ḥd, "Muralha de Prata", o nome mais frequentemente
usado para Mênfis, a capital do Baixo Egito. 10 Essas triplas conexões entre os Pelasgians,
Larisa e Argos são reforçadas pela existência de um Pelasgic Argos na região dos dois
Larissai documentados na Tessália. 11
Homero definiu o grande e antigo oráculo de Zeus em Dodona no Épiro como "Pelasgic",
um epíteto também usado por autores posteriores. 12 Os pelasgos aparecem em outros
lugares da lista homérica dos povos cretenses, que também inclui os aqueus, os
eteocretenses, os chidoni e os dórios. 13 Hesíodo - ou talvez Cécrope de Mileto - afirmou que
"três tribos helênicas se estabeleceram em Creta, os Pelasgoi, os Aqueus e os Dórios". 14
Muito mais tarde, Diodorus Siculus afirmou que os Pelasgians se estabeleceram em Creta
depois dos Eteocretesi, mas antes dos dórios. 15
A primeira menção, ainda que não remonte a Hesíodo, que, segundo o modelo antigo,
viveu no século X aC, coincide com a lista homérica. Neste último, os pelasgos eram distintos
dos eteo ou "verdadeiros" cretenses, considerados não-helênicos, talvez anatólios, mas
mais provavelmente da língua semítica. 16 Além disso, Homero não mencionou Danai ou
Argives em Creta. Esses fatos, juntamente com a conotação geral de "nativos" associada ao
nome, dariam plausibilidade à hipótese de que os pelasgos foram os primeiros habitantes
de língua grega ou helênica da ilha. A ordem de sequência em Hesíodo seria, portanto,
cronológica: os pelasgos teriam chegado à ilha antes da invasão aqueia do século XIV e da
invasão dórica do século XII . Em ambas as listas, os Pelasgians parecem ser equivalentes
aos Danaans.
Outra pista de que os pelasgos cretenses eram helênicos pode ser encontrada na ligação,
estabelecida por vários estudiosos, entre pelasgos e filisteus, que se estabeleceram na
Palestina no século 12 aC Com base em uma vasta tradição bíblica, acreditava-se que os
filisteus tinha vindo de Creta. A equação entre * Pelasg e * Pelast geralmente foi explicada
postulando uma parada final "pré-helênica" original que os gregos teriam ouvido como g e
os povos de língua egípcia e semítica como t . Além de minhas suspeitas sobre a existência
de pré-helenos, é muito difícil construir uma consoante a meio caminho entre g e t .
Há, no entanto, outra maneira pela qual as duas palavras podem ser associadas. Em
1951, Jean Bérard fortaleceu os laços entre eles, chamando a atenção para a variante
Pelasgikon / Pelastikon encontrada no grande dicionário de Hesíquio do século V e no
scholium ou comentário sobre a Ilíada , XVI . 233. 17 Essas variantes mostram que é possível
confundir as formas escritas de г e T. Se, como defendo em outro lugar, o alfabeto grego
está em uso desde o século XV aC, tal erro poderia explicar não apenas essas variantes
textuais mas o próprio nome do Pelasgoi, que poderia derivar de * Pelast, vocalização
reconstruída da forma cananéia. 18 (O desenvolvimento do nome Hébridas a partir de uma
leitura errônea do Hebudes original nos oferece uma analogia.) 19 Embora a natureza da
língua ou línguas filistéias ainda seja muito incerta, os candidatos mais prováveis são os da
Anatólia Ocidental, como o lídio ou o grego. Este último parece-me muito mais provável. 20
Portanto, se houver uma equação entre pelasgos e filisteus, o que é possível, e se os filisteus

76
falarem grego, o que é provável, isso aumentaria ainda mais a probabilidade de que os
pelasgos cretenses falassem uma língua helênica.
Como Homero, Hesíodo parece ter acreditado que havia Pelasgians em Phthia na
Tessália. 21 E em sua opinião eles também existiam na Arcádia, onde o homônimo Pelasgo
foi definido como autóctone. 22 No século VI ou V aC, Acusilau se referiu a toda a Grécia ao sul
da Tessália como "Pelasgia". No século V , Ésquilo estendeu-o para incluir o norte da Grécia.
23 Enquanto isso, Heródoto havia escrito várias passagens interessantes, mas muito

confusas, sobre os pelasgos. Segundo ele, embora tivessem vivido por toda a Grécia, eram
ancestrais apenas dos jônios e não dos dórios, que eram "helênicos". Ele argumentou que a
língua pelásica não era grega, baseando sua hipótese na observação de que em duas
cidades do Helesponto consideradas pelásicas a língua era estrangeira. Povos como os
atenienses, que se acreditava terem sido pelasgos antes de se tornarem helenos, então
mudariam de idioma. 24
Além de Atenas, os lugares que Heródoto associou aos pelasgos eram Dodona, a costa do
Peloponeso e Lemnos, Samotrácia e todo o noroeste do mar Egeu. 25 A descoberta moderna
em Lemnos de uma estela em uma língua semelhante à etrusca parece oferecer suporte à
opinião de Heródoto, e também há todas as razões para supor que as línguas anatólias
também fossem faladas nas cidades do Helesponto que ele mencionou. 26
Em geral, a imagem que Heródoto nos oferece dos pelasgos parece muito semelhante à
desenhada por Tucídides uma geração depois. De acordo com ambos, os pelasgos
constituíam a maior parte, se não toda, da população primitiva da Grécia e do Egeu, e a
maioria deles foi gradualmente assimilada pelos helenos. 27 Segundo Heródoto, essa
transformação ocorreu após a invasão de Danaus, que ocorreu, em sua opinião, por volta de
meados do segundo milênio a. dos deuses. Diodoro menciona que Cadmo teria ensinado aos
pelasgos o uso das letras fenícias. 28 Além disso, a tradição de que Cécrope, fundador de
Atenas, era egípcio provavelmente era corrente no tempo de Heródoto. Na obra deste
último, apesar de afirmar que os atenienses, ao contrário dos argivos e dos tebanos, eram
autóctones, ou seja, aborígenes, encontramos esta passagem interessante:
Quando o que hoje chamamos de Grécia [Ellas] foi ocupado pelos pelasgos, os atenienses, um povo pelasgico,
foram chamados de kranaoi. Durante o reinado de Cecrops, eles adquiriram o nome Cecropidi. Quando
Erechtheus sucedeu Cecrops, eles mudaram o nome para atenienses. 29

A ideia de que os pelasgos eram a população nativa, convertida a um grego maior pelos
invasores egípcios, aparece ainda mais claramente nas tragédias de Ésquilo e Eurípides,
escritas mais ou menos na mesma época das Histórias de Heródoto. Segundo ambos, os
Pelasgians eram os indígenas que Danaus conheceu e oprimiu em Argolis:
Danaus, pai de cinquenta filhas, chegou a Argos e fixou residência na cidade de Inaco e em toda a Grécia [Hellas]
estabeleceu a lei que todos os povos que até então se chamavam pelasgos deveriam tomar o nome de Danai. 30

Para Ésquilo, os pelasgos se identificam claramente com os helenos de então, além disso,
ele define anacronicamente os costumes dos primeiros como helênicos. 31
No primeiro século aC e dC, Estrabão compilou muitas das fontes sobre os pelasgos,
acrescentando-lhes um relato detalhado de uma migração pelasgiana da Beócia para a
Ática. 32 No século II d.C., Pausânias menciona os Pelasgos em Atenas, Corinto, Argos, Lacônia

77
e Messênia, embora se acreditasse que este último vinha da Tessália. 33 No entanto, ele
destaca o vínculo que existia entre eles e os Arcádios. Acreditava-se que Pelasgo era o
ancestral dos Arcádios, e Pausanias cita Asio di Samo, um poeta do século VI : "E a terra
negra produziu Pelasgo que se iguala aos deuses". 34
Que significado pode ser extraído dessas referências díspares? Encontrar consistência
nele não era um problema apenas para autores antigos como Heródoto ou Estrabão. A
mesma dificuldade tem atormentado os estudiosos modernos. Como disse o estudioso do
século XIX Niebuhr, fundador da história antiga moderna, "o nome deles era talvez uma
qualificação de nacionalidade: pelo menos, as explicações dadas pelos gregos são
absurdas". 35 Um século depois, Eduard Meyer, que dominou a historiografia antiga no final
do século XIX, era igualmente assustador. 36 Outros historiadores do nosso século tentaram
evitar o problema simplesmente dizendo que os pelasgos eram um elemento significativo
da população primitiva da Grécia. 37
Certamente é difícil encaixar os pelasgos no modelo ariano de conquista helênica do
Norte. Alguns autores, como o pioneiro do modelo ariano no século XIX, Ernst Curtius, os
consideravam um povo "semi-ariano" conquistado por uma minoria de arioelles
superiores. 38 Isso concorda muito bem com o que Heródoto relata sobre os pelasgos do
nordeste do mar Egeu, onde as línguas da Anatólia eram faladas. Essa hipótese, no entanto,
torna difícil explicar por que, se os pelasgos eram tão bem lembrados, não havia memória
de sua conquista pelos helenos. Tucídides também alude aos pelasgos e outros como povos
"helenizados" por "fusão" gradual com os "filhos dos helenos", que se originaram de Ftioti,
perto da Tessália. 39
Outra forma de contornar o problema é a adotada por William Ridgeway, governante da
arqueologia clássica no final do século XIX, e pelos estudiosos Erst Grumach e Sinclair Hood
em nosso século. Eles argumentam que a conquista helênica foi lembrada na tradição como
"retorno dos Heraclids" e "invasão dórica", e foram na verdade movimentos tribais de
norte a sul durante o século XII aC 40 Este esquema concorda com Heródoto, que liga os
dórios aos helenos e os jônios aos pelasgos. Há um pequeno problema em fazer coincidir o
que se transmite sobre a helenização dos atenienses "pelágicos" com a forte tradição de
que Atenas nunca foi conquistada pelos dórios. Mas essa dificuldade desaparece diante do
"fato", aceito pela maioria dos historiadores do século XIX, e por quase todos os
historiadores do século XX, de que os construtores predóricos da civilização micênica
falavam grego. A única maneira pela qual a "invasão dórica" pode ser ligada à "conquista
ariana" é, portanto, dizer que foi a última de uma série de ondas migratórias. No entanto,
isso não avança a compreensão da primeira chegada de povos de língua grega ou
"protogênicos" na Grécia.
Como pode ser visto nas referências a autores gregos acima, mesmo o modelo antigo
encontra dificuldades em relação ao problema dos pelasgos. Para aqueles que propõem o
modelo antigo revisado hoje, a melhor solução é seguir a corrente principal da
historiografia do século XIX - estudiosos como Grote e Wilamowitz-Moellendorff -
afirmando que Pelasgi era um nome genérico atribuído a nativos ou aborígenes. 42 No
entanto, eu diria que se aplicava principalmente aos povos indígenas de língua indo-
européia, colonizados e de certa forma assimilados culturalmente pelas invasões egípcio-
fenícias. Isso estaria de acordo com as descrições de Ésquilo e Eurípides dadas acima.
Danaus ordenando que os Pelasgians se tornassem Danai representaria, portanto, sua

78
adoção da civilização do Oriente Próximo. A ideia de assimilação também estaria de acordo
com a transformação dos atenienses, talvez por Cécrope e Erecteu, de pelasgos em jônios.
Portanto, se o modelo antigo for aplicado, não se tem o problema que os seguidores do
ariano encontram quando tentam explicar por que os autores clássicos viam os pelasgos
tanto como os habitantes originais "bárbaros" da Grécia quanto como helênicos para
alguns. extensão. . Também é surpreendente que em tempos posteriores houvesse uma
tendência a associar os pelasgos a lugares remotos como Arcádia, Épiro e as margens
extremas da Tessália. Nesse caso, eles poderiam muito bem ser concebidos como
'protogregos' parcialmente não assimilados. (Uma possível analogia seria a distinção
imprecisa entre os vietnamitas do delta do Rio Vermelho e os muong das montanhas ao sul,
cuja língua e cultura são como as dos vietnamitas, mas com uma dose muito menor do
massivo empréstimo cultural de China, no entanto, nenhum documento para apoiar esta
hipótese especulativa.) Também sabemos que os Arcádios, pelo menos no final do período
micênico, falavam grego. Parece também que Arcádia estava particularmente cheia de
influências egípcias e semíticas. 43 Isso poderia ser explicado postulando uma assimilação
lenta, mas completa nesta região. Assim como os galeses, que resistiram ao domínio
romano, mantiveram muitos empréstimos latinos e o cristianismo romano, os arcadianos
teriam mantido tradições culturais mais altas às quais haviam resistido anteriormente. A
isso pode-se objetar, no entanto, que eles foram chamados de "pelasgianos" simplesmente
por causa de seu tradicionalismo posterior.
Os Arcádios não foram os únicos gregos a preservar elementos da cultura micênica até o
final da Idade do Ferro. O mesmo pode ser dito dos jônios e dos eólios. A grande exceção
foram os dórios, e isso levanta a questão da natureza da cultura dórica ou do norte ou
noroeste da Grécia, de onde se supunha plausivelmente que eles tinham vindo. Há poucas
razões para duvidar da presença de influências religiosas egípcias e semíticas em todo o
norte da Grécia e na Trácia. Existem também ligações específicas entre o centro oracular
mais importante e talvez o mais antigo da região, o "Pelasgian" Dodona, e o oráculo egípcio-
líbio de Amon no oásis de Siwa ou o grande oráculo de Amon em Tebas, que serão
discutidos .no volume III .
Além disso, os líderes dóricos se autoproclamaram "Heraclids", ou seja, descendentes
dos colonizadores Danao-Egípcios, que substituíram as últimas dinastias Tantálidas ou
Pelópidas, que aparentemente chegaram da Anatólia no século XIV . É claro que os reis
dóricos continuaram orgulhosos de sua ascendência egípcio-hicsos até o final da era
helenística. 44 No entanto, nenhum palácio micênico foi encontrado no noroeste da Grécia.
Portanto, parece plausível supor que, em geral, a região foi menos influenciada pelo Oriente
Próximo do que o resto da Grécia. Além disso, o "retorno dos Heraclids" alardeado pelos
dórios, além de afirmar a descendência legítima de Danaus, também pode ter tido aspectos
sociais e nacionais revolucionários. Vários arqueólogos notaram um renascimento da
cultura material pré-micênica e heládica média após a destruição dos palácios micênicos.
Portanto, é possível que a era micênica tenha terminado devido a invasões de dórios não
assimilados que estavam associados - pelo menos em algumas áreas - ao apoio de
camponeses apenas parcialmente assimilados que viviam na economia palatina. 45
Em suma, as referências aos pelasgos na Grécia continental concordam razoavelmente
bem com o modelo antigo. Segundo ele, "Pelasgians" era apenas um nome dado aos gregos
nativos não assimilados. Uma ideia que não seria incompatível com os primeiros pelasgos

79
helênicos em Creta. 46 A grande dificuldade com o modelo antigo revisado, por outro lado,
reside no fato de que Heródoto afirma explicitamente que, em sua opinião, os pelasgos não
falavam grego. Aparentemente, ele baseia essa afirmação inteiramente em evidências
relacionadas ao nordeste do Egeu. Portanto, pode-se sugerir plausivelmente que, neste
caso, 'pelasgianos' foi usado apenas no sentido amplo de 'nativos'. Uma confusão
semelhante em muitos autores antigos e modernos aparentemente surge da tentativa de
unificar esses povos díspares.

Os íons
Os jônios eram uma das duas grandes tribos da Grécia; o outro eram os dórios. Nos tempos
clássicos, os jônios viviam ao longo de uma faixa que se estendia pelo Egeu central, da Ática
à "Jônia", na costa da Anatólia. Eles tinham fortes tradições: de ter colonizado territórios no
Oriente antes da chegada dos dórios, e de ter vivido em toda a Grécia antes das invasões.
Heródoto, quase certamente baseado em uma tradição mais antiga, ligou os pelasgos aos
jônios: 47
Os jônios, por todo o tempo em que viveram no Peloponeso a região hoje chamada Acaia, antes de Danaus e Xuto
chegarem ao Peloponeso (segundo as histórias dos gregos) eram chamados de Pelasgi Egialei (do litoral) […]. Os
ilhéus […] também já povo pelásgico, mais tarde chamado de jônios pela mesma razão que os jônios da
Dodecápolis que vieram de Atenas. 48

Os Íons da Ática e os da Jônia, localizados nas costas da Anatólia, ostentavam muito de suas
antigas origens nativas. Ninguém nega que I (a) ōn, que é encontrado no Linear B como ia-
wo-ne, é o mesmo que o semítico ocidental Yåwån, o assírio Yawani ou Yamani, o persa
Yauna e o demótico egípcio Wynn. Todas as palavras que significam "grego". No entanto,
todos os principais estudiosos acreditam que o nome Ion é grego, embora não tenha uma
etimologia indo-européia. 49 A origem mais plausível dessa constelação de palavras e dos
nomes dos nativos Aoni e Ianti encontrados pelos lendários invasores fenício-egípcios da
Beócia parece ser o egípcio > Iwn (ty (w)) (arqueiros, bárbaros). 50 Esta palavra não só é
atestada mais de mil anos antes das outras, mas tem uma etimologia óbvia de > iwnt (arco) e
> iwn (pilar ou tronco de árvore).

O fato de os textos egípcios tenderem a aplicá-la a outros povos africanos e não a


utilizarem para os gregos, para quem os egípcios tinham outros nomes, não invalida essa
derivação. O uso indiscriminado do nome inglês 'índios' aplicado a povos completamente
diferentes demonstra como é fácil transferir termos para definir 'nativos' ou 'bárbaros'. No
nosso caso, sabemos que os povos de língua semítica ocidental usaram termos
surpreendentemente semelhantes para os gregos já na virada do primeiro milênio aC Nilo e
as pessoas que viviam lá eram St, transliterado como Seth em grego e Sutekh em acadiano.
No volume III será argumentado que Seth era o equivalente de Poseidon. É, portanto,
surpreendente notar que na Grécia do século V era do conhecimento geral que o pai de Ione,
o lendário epônimo do qual o povo tomou seu nome, era um provocador e encrenqueiro
chamado Xoutos, um nome que poderia ser derivado foneticamente de São João. A ligação
semântica entre os dois é reforçada pelo fato de Poseidon ser o santo padroeiro dos jônios.
51

80
Assim, o modelo antigo revisado pode oferecer etimologias plausíveis dos nomes Xutus
e Ion, e explicações sobre as relações próximas entre Pelasgians e Ionians que os autores
antigos perceberam. Em geral, esse modelo pode nos permitir começar a entender esses
dados que, para muitos estudiosos brilhantes que tentaram entendê-los em termos do
modelo ariano, permaneceram uma confusão insolúvel.

Colonização
Ao tratar das tradições de colonização grega, acho útil dividi-las em três categorias.
Primeiro, há as tradições vagas, para não dizer inconsistentes, sobre figuras lendárias como
o rei Inaco em Argos ou Amphion e Zetus em Tebas. Em segundo lugar, há aqueles sobre
Cecrops na Ática ou Radamanto em Creta e na Jônia que foram tema de debate na
Antiguidade. Terceiro, havia as histórias contadas sobre Cadmo, Danaus e Pélope, que eram
geralmente aceitas. Como mencionei acima, acredito que, por motivos de orgulho cultural,
os gregos tendiam a menosprezar a extensão da influência e colonização do Oriente
Próximo. Estou certo também de que todas as lendas contêm núcleos interessantes de
verdade histórica, e que o grau de obscuridade pode ser explicado em termos de idade:
quanto mais recente a colonização, mais clara a imagem. Este volume tratará
principalmente das tradições em torno de Danaus e Cadmus, já que as colonizações mais
recentes foram o campo de batalha na época que marcou a queda do modelo antigo e o
triunfo do ariano.
Devemos primeiro considerar a colonização de Tebas por Cadmus. Este foi o baluarte
em que se baseou o antigo modelo, pois foi vigorosa e amplamente atestado, e também
graças ao fato de o respeito pelos fenícios, semitas, ter durado mais tempo, e por várias
décadas, do que o dos egípcios, africanos . No mundo anglófono, os estudos clássicos sobre
o Cadmus foram predominantemente influenciados por um artigo publicado em 1913 por
AW Gomme. Este autor argumentou que a colonização cadmeana e, por implicação, todas as
outras colonizações foram inventadas por historiadores "racionalistas" no início do século
V , pouco antes de Heródoto. 52 Uma posição tão extrema sempre foi difícil de defender e
agora é insustentável de qualquer maneira. Primeiro, há a implausibilidade inerente de que
lendas tão detalhadas, variadas e antipatrióticas tenham surgido repentinamente e em
lugares diferentes em um século V tão intensamente nacionalista. Em segundo lugar, há a evidência
pictórica: um fragmento de um vaso em relevo do século VII representa a Europa em trajes
orientais, e há outras representações semelhantes dela e das Danaides. 53
O argumento central, no entanto, nos vem da literatura. Embora seja verdade que
Homero não menciona a colonização, não há razão para que o faça. Seus poemas épicos,
embora quase certamente contenham material de épocas anteriores, tratam do fim da era
micênica, não de seu início, que remonta a várias centenas de anos antes. A Ilíada está cheia
de referências aos Danai e Cadmei, cujos epônimos, Danaus e Cadmus, teriam sido
instantaneamente reconhecidos pelos gregos posteriores como originários do Egito e da
Fenícia. Homero e Hesíodo mencionam Europa, que sempre foi concebida como irmã ou
parente próximo de Cadmus, como "filha da Fênix". Relutante em admitir que isso pudesse
ter alguma conexão com a Fenícia, Karl Otrfried Müller e outros críticos de fontes

81
apontaram, corretamente, que phoinix tem muitos outros significados e não está
necessariamente conectado com o Levante. 54
No entanto, dado o frequente uso homérico de Phoinix no sentido de "fenícios", e a
posterior identificação universal de Europa e Cadmus com a Fenícia, esse argumento
parece ser um pouco confuso, especialmente se soubermos que Hesíodo definiu Phoenix
como o pai de Adonis, cujo parentesco fenício é inquestionável, pois seu nome deriva do
cananeu > ådôn (senhor). 55 De fato, a partir do momento em que Gomme escreveu seu
artigo, foi publicado um fragmento do Catálogo de Mulheres de Hesíodo, no qual Europa é
descrita como a filha do "nobre fenício", e seu sequestrador, Zeus, a carrega pelas "águas
salgadas". . 56 Isso confirma que a história de Europa, que os escoliastas em seus
comentários sobre a Ilíada , XII .292, atribuíram tanto a Hesíodo quanto ao poeta Baquílides
do século V , já existia na época da primeira.
Quanto a Danaus, Hesíodo declara que ele e suas filhas cavaram poços para a cidade de
Argos e também alude a laços de parentesco com o Egito. Há também um fragmento de um
épico perdido, Danaide , que descreve as filhas de Danaus enquanto se armam nas margens
do Nilo. 57 Portanto, se alguém quiser duvidar da antiguidade das fontes de Ésquilo,
Eurípides e Heródoto, outras fontes supõem que as tradições sobre Danaus e Cadmo
remontam a tempos épicos.
Para esclarecer o assunto de nosso discurso, talvez seja útil neste ponto considerar as
diferentes datas dos dois grandes poetas épicos, Homero, e seu, aproximadamente,
contemporâneo Hesíodo. Os Antigos tendiam a colocar Hesíodo antes de Homero e a
colocá-los ambos entre 1110 e 850 aC, em todo caso definitivamente antes da primeira
Olimpíada de 776. 58 Hoje, os estudiosos tendem a derrubar essa ordem. Eles colocam
Homero entre 800 e 700 aC e Hesíodo por volta do último século. A base desse avanço na
datação é que desde a década de 1930 é uma noção convencional que o alfabeto só foi
introduzido no século VIII . Como o estudioso contemporâneo George Forrest escreveu:
Hesíodo, como Homero, viveu em um período de transição entre a composição oral e escrita. De fato, parece
provável que um dos dois tenha sido o primeiro, ou um dos primeiros, a confiar ao manuscrito sua própria
versão de uma longa tradição oral. 59

No entanto, mesmo os classicistas de hoje tendem a datar a introdução do alfabeto fenício


na Grécia no século 9 ou final do século 10 aC. Alguns semitistas colocam a introdução do
alfabeto cananeu no século 11 , enquanto eu sustento que a transmissão deve ter ocorrido
antes 1400 AC 60 Para desafiar a cronologia antiga, a base alfabética pareceria, portanto,
precária. Outras razões para adiantar a datação de Homero são: na Ilíada os bens mais
refinados vêm da Fenícia; a Odisseia menciona os fenícios no Egeu. Assim, uma vez que se
acreditava que eles chegaram já no século IX , Homero - se é que houve um indivíduo com
esse nome - não poderia ter vivido antes disso. 61 No entanto, este argumento foi
desenvolvido antes das recentes descobertas arqueológicas, que indicam que os fenícios
estiveram presentes no Egeu a partir do século X , senão do final do século XI . Esses novos
registros concordam com a forte hipótese histórica de que o pico da expansão fenícia foi
alcançado entre 1000 e 850 aC 62
Outra razão para colocar Homero no final do século 8 ou 7 é que a Odisseia está em
grande parte no oeste da Grécia, e tem sido argumentado que os gregos não poderiam ter
conhecido o Mediterrâneo central antes de sua colonização da Sicília e da Grécia. A Itália

82
ocorreu no século VIII 63 . Eu acredito que é de muitas maneiras útil considerar este epos
como uma versão grega do Livro Egípcio dos Mortos , e notar que tanto na cosmologia grega
quanto na egípcia as ilhas ocidentais do pôr-do-sol estavam associadas ao submundo e aos
reinos astrais da Terra. os mortos 64 . Mesmo sem esta hipótese, é no entanto claro que
durante a Idade do Bronze o comércio micênico para o Ocidente foi considerável e que os
gregos, mesmo que não estivessem diretamente envolvidos, devem ter conhecimento do
comércio fenício com o Mediterrâneo ocidental durante o século XI . século 10 e 9 séculos .
As razões dadas para colocar Hesíodo depois de Homero são, em primeiro lugar, que se
acredita que Hesíodo
não pertence aos poetas heróicos […] ele é sempre pessoal e de seu tempo em sua visão […]. Hesíodo pertence
inteiramente à Idade do Ferro, ao seu presente e, mais especificamente, ao mundo grego arcaico dos séculos VIII e
VII a.C.

Argumenta-se também que, sendo a Teogonia de Hesíodo claramente baseada em modelos


do Oriente Próximo e de tipo que só se desenvolveu após 1100, estes podem ter sido
introduzidos na Grécia somente após 800 aC, quando, como se supõe, era uma colônia
grega estabelecida em Al Mina, na costa síria. 66 A Teogonia de Hesíodo pertence a um tipo
geral que pode ser encontrado em todo o Oriente Médio desde o terceiro milênio, e não há
razão para duvidar que uma forma, ou formas, tenha existido na Grécia micênica. 67 A versão
de Hesíodo, no entanto, parece conter peculiaridades que talvez possam ser mais bem
explicadas em relação às tradições que datam da virada do primeiro milênio. 68 A existência da
colônia grega de Al Mina está, no entanto, em séria dúvida, e parece plausível que Hesíodo e
seus contemporâneos estivessem em contato com a última dessas teogonias espalhadas
por toda a Fenícia, da qual, afinal, Hesíodo talvez tenha importado sua vinho favorito. 69
Tudo considerado, as razões para questionar as antigas tradições na datação de Homero
e Hesíodo parecem muito fracas. Parece razoável aceitar como hipótese de trabalho a
opinião geral do período clássico e helenístico segundo a qual Hesíodo precedeu Homero, e
o primeiro teria escrito no século X e o segundo na virada do século IX . Qualquer que seja a
data atribuída a eles, no entanto, parece não haver razão para duvidar de que traços das
lendas da colonização egípcia e fenícia aparecem nas tradições gregas mais antigas que
foram transmitidas.

Colonizações na tragédia grega


Embora existam referências a colonizadores egípcios e fenícios em outras peças do
período, focarei aqui em uma peça cujo tema central é a colonização da Grécia continental:
As Suplicantes de Ésquilo . Com concordância geral, é considerado como a primeira parte e
o único sobrevivente de uma trilogia ou tetralogia, cujos outros títulos, acredita-se, teriam
sido Os egípcios , As Danaides e uma comédia satírica, Amimone . No entanto , graças a Le
supplici e escritos subsequentes sobre mitos e lendas, o tema geral do ciclo é claro.
Io, filha do rei Inaco de Argos, era amada por Zeus. Hera, em um de seus muitos ataques
de ciúmes, transformou Io em uma novilha e a atormentou por mutucas. Io fugiu para
muitos lugares e acabou se estabelecendo no Egito, onde deu à luz o filho de Zeus, Epaphos.
Os descendentes de Epaphos e seus cônjuges incluíam Líbia, Poseidon, Belus, o rei Agenor

83
de Tiro - pai de Cadmus e Europa - e os irmãos gêmeos Danaus e Egypt. 70 Danaus teve
cinqüenta filhas e o Egito cinqüenta filhos. Os irmãos brigaram, mas depois houve um
casamento em massa; durante a primeira noite, com uma exceção, as filhas de Danaus
mataram os filhos do Egito. Danaus posteriormente obteve o trono de Argos. As várias
versões da história diferem muito, particularmente quanto a quais dessas ações ocorreram
no Egito e quais em Argos.
Os suplicantes descrevem um episódio desta história, a chegada a Argos das filhas de
Danaus como suplicantes fugindo do Egito e as más intenções dos filhos do Egito. A Argos, o
rei do lugar, Pelasgo, confiou o santuário de Zeus Ichesio "o suplicante" às Danaides. Um
arauto enviado do Egito e seus filhos chega e arrogantemente ordena que as filhas de
Danaus sejam devolvidas. Pelasgo, com vigoroso patriotismo helênico, recusa. O drama
termina quando os planos são feitos para a acomodação de Danaus e suas filhas em Argos
com Pelasgo e seu povo.
Talvez ainda não se entenda até que ponto os estudos modernos desse drama e da
trilogia estão impregnados de política. Os positivistas românticos alemães e estudiosos
posteriores insistiram que este é o primeiro drama de Ésquilo a ser transmitido - ou, nesse
caso, de qualquer outra pessoa. Esta datação factual veio a constituir uma pedra de toque
dos estudos clássicos modernos:
Até agora, os estudiosos consideraram Le supplici como o primeiro drama de Ésquilo; se agora concordarmos em
colocá-lo em uma data posterior, isso anularia qualquer tentativa de estudar literatura. 71

No entanto, um papiro publicado em 1952 agora oferece fortes indícios de que a trilogia
pode ter ganhado um prêmio em 464-463 aC e, portanto, é obra da maturidade do trágico.
72 Isso está de acordo com a alta consideração com que esse drama foi mantido na Atenas

dos séculos V e IV . Um classicista contemporâneo, Alan Garvie, mostrou com efeito


devastador o vazio dos argumentos apresentados em apoio a uma datação precoce baseada
na análise da métrica, do vocabulário e da estrutura dramática. 73 O que então causou o
constante descrédito de que gozava por causa de sua "imaturidade"? A razão mais plausível
é que ele se considerava indigno da maior tragédia grega no florescimento de sua arte por
ter tratado de um assunto que poderia sugerir que os egípcios teriam se estabelecido no
Peloponeso.
Houve tentativas igualmente persistentes de menosprezar os aspectos egípcios do
drama, aspectos que em tempos posteriores se tornaram argumentos tão importantes em
apoio ao modelo antigo. Por exemplo, embora se acredite que Io seja originário de Argos, a
maioria das fontes concorda que era apenas um ancestral remoto do Egito e Danaus. Os
dois irmãos e seus filhos foram, portanto, egiptizados, se não puramente egípcios, e as
Danaides são explicitamente descritas como "negras". 74 A tendência dominante entre os
estudiosos, no entanto, tem preferido que apenas o scholiaste possa ser interpretado
duvidosamente como afirmando que os gêmeos eram filhos do mesmo ego. O próprio
escoliaste afirma ainda que toda a ação da trilogia ocorreu em Argos. Esta versão tem sido
preferida a todas as outras fontes, algumas das quais afirmam que todos os eventos
ocorrem no Egito, enquanto todos - incluindo os versos da Danaid citados acima - trazem as
Danaides do Egito. 75

84
Apesar dessas críticas aos estudiosos arianos, não há dúvida de que Ésquilo estava cheio
do que poderíamos chamar de nacionalismo helênico e estava preocupado em minimizar o
impacto de qualquer invasão. Durante sua vida, ele passou pelo período que marcou o
ponto culminante das guerras persas. Como um aristocrata ateniense, em 492 aC, ele
participou da batalha decisiva de Maratona que impediu uma grande invasão persa. Sua
tragédia Os persas expressaram abertamente as paixões xenófobas de sua geração. Em Le
supplici ele os apresenta de forma um pouco velada:
Você aí! O que você quer? Que arrogância o levou a desonrar esse reino pelasgiano dessa maneira? Você
realmente acredita que veio para um reino de mulheres? Para um bárbaro lidando com os helenos, você
realmente exagera no orgulho. 76

Nessa atmosfera de chauvinismo apaixonado, pareceria mais plausível supor que Ésquilo
tendia a menosprezar, em vez de exagerar, os componentes egípcios do ciclo mítico. Há
bastante material no próprio texto para sustentar tal hipótese, mas para demonstrá-la devo
antecipar algumas conclusões e recorrer a métodos de análise que geralmente reservo para
o segundo e terceiro volumes desta obra.
É possível classificar grosseiramente os elementos de cada lenda de acordo com seu
valor histórico. Os menos úteis são os motivos comuns a todas as narrativas populares em
todos os lugares: no nosso caso, um elemento como a história das cinquenta filhas que se
casam e matam cinquenta filhos. Outros temas folclóricos também se repetem em outros
lugares, mas em lugares significativos. Os informantes egípcios de Diodorus Siculus lhe
disseram que os gregos haviam transferido o local original de Io do Egito para Argos. 77
Michael Astour mostrou como a história de Io, Zeus e Hera se assemelha à de Agar na
Bíblia. Este último, cujo nome parece derivar do semítico √hgr (perambular), foi amado e
engravidado por Abraão e expulso para o deserto por sua ciumenta esposa Sara. Ela quase
morreu, mas Deus ofereceu seu descanso em um oásis, onde Agar deu à luz Ismael, que era
meio homem e meio animal. Astour também cita uma passagem interessante em Jeremias:
"Uma bela novilha é o Egito, mas um moscardo do Norte pousou nela", sugerindo que o
público do profeta israelita estava ciente da lenda. Para Astour, esses dois lugares bíblicos
atestam a influência semítica nas lendas em torno da colonização de Danaus. 78
Mas há indícios ainda mais fortes de influências da mitologia egípcia. Por exemplo, em
Le supplici ( verso 212), Danaus invoca "o pássaro de Zeus" e o coro responde invocando "os
raios salvadores do sol". Os comentaristas não puderam deixar de notar o notável paralelo
com o falcão do sol de Amon-Ra, o equivalente egípcio de Zeus, mas eles tentam minimizar
seu significado chamando-o de "Egiptização", dando-lhe uma aura de um elemento tardio e
superficial. 79 Em outra parte, na tragédia, é feita menção a um "submundo" ou
"subterrâneo" Zeus, que acolhe os mortos, e de outro Zeus que julga as más ações dos
homens no submundo. Isso lembra notavelmente o julgamento egípcio dos mortos
realizado por Osíris, e não é de surpreender que tenham sido encontrados paralelos entre
isso e passagens da Odisseia nas quais há amplo acordo de que são "órficos" e, portanto, em
última análise, egípcios. 80
Essas referências são sugestivas. No entanto, o valor histórico documental "mais forte"
encontrado nas lendas nos vem dos nomes próprios. Neste ponto é necessário me referir à
obra recente do classicista e crítico literário Frederic Ahl. Este último investigou a grande
complexidade dos autores clássicos e afirmou a necessidade de abordar seus textos como

85
faríamos, digamos, com Finnegans Wake . Em sua opinião, deve-se evitar impor-lhes um
sentido unívoco grosseiro ou "monista", como fizeram muitos classicistas. Na prática,
defende, deve-se investigar essa densa rede de trocadilhos, anagramas e paralelos
estruturais que conferem ao texto sentidos múltiplos e muitas vezes contraditórios,
permitindo múltiplas "leituras". Os trocadilhos também não devem ser tomados de ânimo
leve, mas considerados como elementos reveladores de conexões e verdades profundas, se
não sagradas. 81
Não há dúvida de que os suplicantes recompensam tal tratamento. Garvie acena com a
cabeça
o uso de palavras que pelo som ou pela forma sugerem uma dessas razões. Em Supplici 117 βοῠνιν significa
"terra montanhosa", mas sugere "terra de vaca", [a raiz bou- significa "gado"] enquanto Aπiαν refere-se a Api, o
equivalente egípcio de Epaphos (cf. 262). Isso é mais do que apenas um jogo de palavras. Origina-se da ideia de
que um nome não é apenas um fato convencional, mas pertence intimamente à coisa que representa. 82

Garvie então aponta paralelos específicos entre o nome Epafo e a raiz ephap-, que aparece
com frequência na tragédia e que tem dois significados, "agarrar" e "acariciar". Há também
epipnoia , que significa tanto o sopro suave de Zeus que impregna Io quanto a tempestade
que mais tarde na ação ameaça as Danaides. 83 Mas além destes e Apia (n), outra conexão
com o nome Epafo foi sugerida por Jean Bérard: o nome > Ip.py era o de dois ou três faraós
hicsos e era convencionalmente traduzido em grego como Ap (h) ōphis. 84 Como assinala
Astour, a diferença na vocalização pode ser explicada pelo fato de que o egípcio tardio, no
final do segundo milênio, sofreu uma mutação vocálica para > o. 85 Isso poderia indicar que o
nome Ep a phos teria sido introduzido antes dessa época, minando assim a tese da
'Egiptização'.
O topônimo Apia, raramente usado fora de Le supplici , geralmente significa Argos, mas é
usado em outros lugares para definir todo o Peloponeso. É plausivelmente relacionado a
apios (distante) ou apiē gaiē (terra distante) em Homero. 86 No entanto, é improvável que
essa seja sua origem, e então o Apia tem muitas outras associações. Era óbvio para os
antigos - e desde 1911 também é reconhecido pelos estudiosos modernos - que o nome se
refere à Abelha Abelha do Egito e, portanto, está associado à novilha Io e seu filho egípcio,
Epapos. 87 O culto do boi Apis em Mênfis remonta à 1ª dinastia, mas atingiu o auge da sua
influência após o século XVIII . A forma egípcia original do nome é Ḥpw. 88 Ḥp ou Ḥpy era o
nome de um dos filhos de Hórus, que tem parte destacada no Livro dos Mortos e cuja
responsabilidade especial era a de guardião do Norte. 89 Aos olhos dos egípcios, ele teria,
portanto, sido associado à Grécia. À primeira vista, pode parecer muito complicado
conectá-lo ao Apia grego; no entanto, em Os Suplicantes , encontramos esta passagem:
A terra em que estamos é a terra de Apia, e desde os tempos antigos leva esse nome em homenagem a um
médico. Apis, vidente e médico, filho de Apolo, veio aqui das distantes praias de Naupacto e purgou esta terra de
todos os monstros mortais para o homem que a Terra, profanada pelos crimes sangrentos do passado, levantou
por si mesma - flagelos cheios de raiva, um enxame maligno de cobras. Para esses flagelos, com a arte médica,
com feitiços ele encontrou uma cura para aliviar toda a terra argiva. 90

Deve-se notar que, no panteão egípcio, ḥpy era o guardião da jarra canópica que continha o
intestino delgado, e no Livro dos Mortos uma de suas principais funções na proteção dos
mortos era matar demônios na forma de cobras. . 91 Apolo era geralmente equiparado ao pai

86
de ḥpy, Hórus. As intrincadas relações cruzadas desse paralelismo o tornam amplamente
plausível. No entanto, ao contrário da origem aparentemente antiga do nome Epafo, o nome
Apis, pelo menos neste contexto, teria sido mais recente. O nome Apia não ocorre em
Homero, e a história de seu epônimo narrada acima aparece apenas nesta passagem e não
parece pertencer a uma tradição maior.
A Epafo e a Apia não estão sozinhas. Em The Supplices , a maioria dos nomes tem fortes
conotações egípcias, das quais darei apenas alguns exemplos. Inachus, agora geralmente
considerado como o nome mais argivo da tragédia, pretende ser rei de Argos e pai de Io.
Mais tarde, tornou-se o principal rio de Argos e, como tal, muitas vezes contrastava com o
Nilo. No entanto, no século XVIII , a atitude era muito diferente. O ousado e brilhante erudito
Nicolas Fréret, por exemplo, contando com Eusébio, Pai da Igreja, afirmou, com certa
dúvida, para ser honesto, que Inaco era um colonizador egípcio. 92 Fréret afirmou que o
nome era comum no Oriente Médio e significava "homens famosos pela força e coragem";
ele também citou o termo bíblico > ă nåq transcrita Enak ou Enach no grego dos Setenta, e a
palavra grega anax , anaktos (rei).
O nome > ă nåq é ambíguo. Foi usado para os senhores de Qiryat > Arba < , que parecem
ser hititas, mas geralmente se referiam aos filisteus altos e poderosos que, como muitos
concordam, acredita-se que tenham vindo do Egeu. 93 Como a palavra (w) anakt aparece
tanto em frígio quanto em grego, > ă nåk pode ser derivado dela. Além da dúvida desta
etimologia, o problema é que, com base em indicações claras, Qiryat > Arba < teria sido
fundada no século XVII ou XVIII aC 94 Mas se, como acredito, os filisteus eram
predominantemente de língua grega, primeira palavra também pode ser derivada da
segunda. 95
No entanto, Fréret desconhecia a raiz egípcia de √ < n ḫ , o que teria fortalecido muito sua
tese. O significado básico era "vida", como no famoso símbolo ankh , mas tinha uma ampla
gama de significados estendidos. A fórmula < n ḫ d t (que ele viva para sempre) era a
fórmula típica que foi usada após o nome dos faraós vivos, e isso a torna uma etimologia
plausível do grego (w) anax , (w) anaktos (re) que não tem indo- Nota de origem europeia. 96
Outro uso de < n ḫ é no sentido de "caixão", que parece ser a etimologia do grego Anaktoron ,
o relicário sagrado que era fundamental nos mistérios de Elêusis.
Mais relevante, no que nos diz respeito aqui, é o uso de < n ḫ na expressão mw < n ḫ para
descrever a água "viva". Anaktos é usado da mesma maneira e especificamente no verso do
épico perdido Danaide , ποταμοῠ Νείλοιο ῎Aνακτος , "do rio Nilo real / vivo". O Nilo era conhecido
por sua fertilidade e seus poderes de dar vida. Além disso, segundo o mitógrafo Apolodoro,
que provavelmente viveu no século I d.C., a mãe do Egito e de Danaus, que era irmã do Nilo,
chamava-se Anchinoē. A possibilidade de este nome derivar de uma forma egípcia * < n ḫ
nwy (águas vivas ou vida aquática) é aumentado por variantes do nome como Anchirrhoēo
Anchirhoē: rhoē significa "corrente ou fluxo" em grego. 97
A existência, tanto em egípcio quanto em grego, dessas peculiares constelações
semânticas agrupadas em torno dos conceitos de realeza, caixão e água corrente pareceria
reduzir as chances de coincidências aleatórias a quase zero. Além disso, o triplo serviço
realizado por Inaco como rei, progenitor e rio e os frequentes contrastes entre ele e o Nilo,
que nos são relatados, sugeririam paronomasias complexas ou trocadilhos entre egípcios e
gregos semelhantes aos indicados acima entre ḥpw / ye Api / Apia. Também neste caso,
apesar do uso de ῎Aνακτος na epopeia, que nem Homero nem Hesíodo usem o nome Inaco e

87
que este use outro nome para o pai de Io são pistas que parecem sugerir uma elaboração
posterior.
O nome da filha de Inaco, Io, foi derivado do verbo ienai (perambular), que
corresponderia aproximadamente à etimologia de Agar de √hgr (perambular). 98 Existem,
no entanto, etimologias egípcias e semíticas igualmente evidentes. Comentaristas
modernos reconhecem o trocadilho óbvio implícito na sequência > Iώ "eu" ῎Iων "jônico" e ῎Iον
"roxo". 99 A origem egípcia da palavra jônio já foi proposta acima. A dupla etimologia do
mesmo nome Io parece derivar em primeiro lugar do egípcio > i < ḥ (lua), que no dialeto
boaírico do copta aparece como iōh. 100 De acordo com algumas tradições, além disso, iō era
uma palavra do dialeto que significava "lua" em Argos. Conectadas a isso - como Ahl aponta
- estão as associações entre I e Ísis, esta última, na religião egípcia muito tardia, estava
associada à lua. Ahl também nota as conexões lunares, com chifres e feminilidade, que se
somam na "vaca". 101 É aqui que encontramos a segunda e, na minha opinião, etimologia
egípcia fundamental de Io: aquelas de > iḥt (vaca) - plural > iḥw - e > iw 3 (gado doméstico de
chifres longos).
Entre os nomes dos descendentes de Io consideramos o de Epaphos. Líbia - do falecido
egípcio Rb - é na minha opinião uma forma de Atena. 102 Muitos estudiosos fizeram o nome
de seu filho Belo derivar do semítico √b < l, tanto no sentido geral de "senhor" quanto no
sentido específico do deus de mesmo nome. 103 O nome Phoenix está claramente associado à
Fenícia. 104 Paradoxalmente, Agenor, rei de Tiro, é o único membro da família a ter um nome
grego que significa "viril" ou "bravo". A etimologia do nome Egito é óbvia. Originalmente, Ḥ
(t) -K 3 -Ptḥ, "Templo do espírito de Ptah", era o nome da capital do Baixo Egito, Memphis.
No final da Idade do Bronze, no entanto, parece ter sido de uso comum no sentido de
"egípcio" em todo o Mediterrâneo oriental, e o nome pessoal Ai-ku-pi-ti-jo é mencionado na
Grécia micênica. 105
O nome do gêmeo e rival do Egito, Danaus, aparece na Linear B como Da-na-jo, mas
apresenta um problema muito mais complicado e fascinante. Nenhuma figura conhecida da
história ou mitologia egípcia tem esse nome. No entanto, tem uma longa associação com o
Egeu, que provavelmente remonta ao terceiro milênio. 106 Da-na-ne é atestado na linear A; T >
em 3 anos ta-na-yu aparece como um nome egípcio para a Grécia do século XV , e D 3 -ı > n
estava em uso já no século XIII . 107 Astour traçou sua raiz para a raiz semítica √dn (n) (juiz),
que aparece em nomes como Dan > el ou Daniel, e também afirma que os Danai, cujo
epônimo era Danaus, eram tribos de língua semítica, chegaram, na sua opinião, na Grécia
no final da Idade do Bronze, provavelmente da Cilícia, que ficava no sudeste da Anatólia. 108
Embora admitindo que possa haver conexões entre os vários povos chamados Dani/a ou
Tani/a no Mediterrâneo oriental, e acreditando que a Cilícia e o Egeu meridional foram em
grande parte semitizados durante grande parte da Idade do Bronze, prefiro seguir esses
estudiosos que argumentam que o Dnnym, que apareceu mais tarde na Cilícia, e a tribo
bíblica de Dan vieram do Egeu, e não o contrário. 109 No entanto, as colonizações que
consideramos aqui vieram bem antes, e todas as lendas sobre elas insistem que Danaus foi
um imigrante na Grécia.
O nome Dan- é certamente cercado por um rico e antigo tecido de trocadilhos em
egípcio, semítico ocidental e grego. Gardiner lembra que já no século XI aC o topônimo D 3 -
in ou Dene foi escrito com o determinante ou pictograma de um velho curvo, e o associa ao
egípcio tnı > , em um período posterior escrito tnı > - no período em que d , t e t eram

88
pronunciados da mesma forma - significando "velho" e "cansado". Por isso, ele o chama de
"país cansado". 110 É, portanto, interessante notar que os traços mais notáveis de Danaus em
As súplicas e outros lugares são a velhice tardia e a fadiga. Ele também era conhecido como
um sábio juiz e legislador que colonizou a Argólida, e ele e suas filhas eram particularmente
conhecidos por sua estreita associação com a irrigação. Seu nome poderia, portanto,
derivar de uma forma egípcia * dn ı > w (alocador ou irrigador), de dn ı > (alocar, irrigar), que
está claramente relacionada ao semítico √dn (n) (juiz). Parece-me que a rede de
trocadilhos aqui é muito densa para nos permitir distinguir quem veio primeiro: o povo
Danai do Egeu ou o colonizador egípcio-semita Danaus, irrigador, legislador, distribuidor
de terras.
Se as conclusões que podem ser tiradas do nome de Danaus são inevitavelmente
ambíguas, as lendas sobre sua luta com o Egito têm sido vistas, pelo menos desde o século
III aC, como uma indicação inequívoca de que ele era um chefe hicsos expulso do Egito em a
época do ressurgimento nacional que ocorreu sob a dinastia XVIII . 111 A esse respeito,
devemos considerar o nome grego de Os suplicantes , Hiketides , que está claramente ligado
a Hikesios (o Suplicante), o epíteto central de Zeus, o deus que domina o drama do começo
ao fim. 112 O epíteto ou epiclese Hikesios, que é bastante estranho, foi usado ocasionalmente
em outros lugares, particularmente no sul da Grécia, e pertence a um aspecto geral do deus
que é a proteção de estranhos. 113 Também é interessante notar que as duas peças
intituladas Hiketides se referem a Argos, uma cidade mais tarde particularmente associada
à colonização dos hicsos. 114 Hikesios lembra muito o egípcio ḥ ḳ 3 h 3 st, que no século III aC
foi traduzido em grego como hicsos.
Dada a paronomásia geral e generalizada, ou trocadilhos, encontrada no drama - como
mostrado acima -, parece que Ésquilo e suas fontes estavam cientes do duplo sentido
implícito em um drama que faz parte de uma trilogia sobre a luta entre Egito e Danaus , e
especificamente na chegada a Argos deste último que veio do Egito. Também parece
razoável supor que "hicsos" fosse o significado primário e que a ideia de "suplicante"
derivasse dele. A ampla difusão apurada de Zeus Hikesios, no entanto, indicaria que o
trocadilho era antigo e que é muito improvável que tenha se originado em Ésquilo.
Também é quase indubitável que representar sua chegada como uma onda de
refugiados, que foram recebidos com sentido de hospitalidade pelos nativos e que depois se
tornaram governantes, foi muito mais satisfatório para o nacionalismo helênico do que
uma representação em termos de conquista. Certamente teria ajudado a aliviar a tensão
entre a tradição antiga e o orgulho nacional. Se houve ou não uma colonização hicsos de
Argos no segundo milênio aC é uma questão que será discutida no volume II . Aqui me
limitarei a argumentar que o tema de As súplicas , e a grande quantidade de material
egípcio encontrado nele, demonstram que Ésquilo e suas fontes, datando pelo menos da
época da escrita da Danaid no século VII ou anterior , acreditava que assim tinha acontecido.
Por fim, resta-me dizer que Le supplici não é a única tragédia que se refere à colonização:
muitas das tragédias que tratam de Tebas mencionam a origem fenícia de Cadmo. Em Le
Fenicie , de Eurípides, por exemplo, o coro de mulheres fenícias chega - justamente porque
Cadmo era natural de Tiro - para testemunhar a queda de sua dinastia. 115 Novamente, há
uma pista a favor da crença geral nas lendas do século V aC 116

89
Heródoto
O exemplo mais surpreendente dessa crença nos vem de Heródoto, que escreveu suas
grandes Histórias por volta de 450 aC O tema principal é a relação entre a Europa - pelo
qual ele geralmente se referia à Grécia - Ásia e África. Uma relação que, em sua opinião, era
de semelhanças e diferenças, de contatos e conflitos; e, durante suas longas jornadas no
Império Persa, da Babilônia ao Egito, e ao longo de suas fronteiras norte e oeste, do Épiro à
Grécia e ao Mar Negro, ele fez muitas perguntas sobre esses assuntos.
A citação no início deste capítulo mostra que Heródoto não escreveu nenhuma descrição
das colonizações, como ele acreditava que outros haviam feito. Ao mesmo tempo, porém, a
passagem deixa claro que ele estava convencido de que a colonização havia ocorrido.
Histórias abundam com referências a eles:
O templo de Atena [em Lindos de Rodes] foi fundado pelas filhas de Danaus que desembarcaram na ilha
enquanto fugiam dos filhos do Egito. 117 […] O filho de Agenore, Cadmus, em busca de Europa, parou lá [em Tera]
e […] deixou alguns fenícios lá. 118

Heródoto não estava tão interessado nos assentamentos em si, mas em como eles
introduziram as civilizações egípcias e fenícias na Grécia.
E também terei o cuidado de não falar sobre os mistérios de Deméter, que os gregos chamam de Tesmoforia,
exceto até onde me é permitido dizer: foram as filhas de Danaus que introduziram esta cerimônia do Egito,
ensinando-a às mulheres pelasgias. . 119 […] Os fenícios que chegaram com Cadmo […] depois de se
estabelecerem neste país, introduziram muitas noções novas, entre as quais a mais importante foi a escrita, uma
arte que, na minha opinião, era até então desconhecida dos gregos. 120

Em outra passagem, ele liga a introdução da civilização do Oriente Próximo a figuras


culturais ligadas a figuras militares ou políticas. No entanto, esse processo continuou
mesmo após a colonização inicial:
Agora me parece que foi Melampus quem introduziu o nome de Dionísio na Grécia, junto com os sacrifícios em
sua homenagem e a procissão de falos. No entanto, ele não entendeu completamente a doutrina, nem a
comunicou em sua totalidade: foram sábios que vieram depois dele para dar-lhe um desenvolvimento perfeito.
No entanto, foi Melampus quem introduziu a procissão do falo, e é de Melampus que os gregos aprenderam os
ritos que agora realizam. Melampus, a meu ver, foi um sábio que adquiriu a arte da adivinhação e introduziu na
Grécia, com poucas modificações, algumas coisas que aprendera no Egito, inclusive o culto a Dioniso […]. Parece
provável que Melampus tenha aprendido o culto de Dionísio de Cadmo e das pessoas que vieram com ele da
Fenícia para o país agora chamado Beócia. Os nomes de quase todos os deuses vieram do Egito para a Grécia [grifo
meu]. Pelas pesquisas que fiz, sei que vieram de fora, e parece muito provável que tenham vindo do Egito. De
fato, os nomes de todos os deuses são conhecidos no Egito desde o início dos tempos […]. Essas práticas,
portanto, e outras que discutirei mais adiante, os gregos tiraram do Egito […]. Nos tempos antigos, os pelasgos,
como sei pelo que me disseram em Dodona, ofereciam sacrifícios de todos os tipos e rezavam aos deuses, mas
sem qualquer distinção de nome ou denominação - pois ainda não conheciam nada do tipo. Os deuses os
chamavam com a palavra grega theoi - "ordenadores" [...]. Muito mais tarde os nomes dos deuses foram
introduzidos na Grécia e os pelasgos os aprenderam [...] depois de um certo tempo, foram interrogar o oráculo
de Dodona (o mais antigo e, na época, o único oráculo da Grécia) por aconselhar se era apropriado adotar os
nomes que vieram de fora para aquele país. O oráculo respondeu que eles fariam bem em usá-los. A partir de
então, portanto, os pelasgos adotaram os nomes dos deuses em seus sacrifícios, e dos pelasgos os nomes
passaram para os gregos. 121

Heródoto também não limitou a introdução de ideias do Oriente Próximo apenas aos
colonos. A descrição que ele dá das origens egípcias e líbias do oráculo de Dodona no Épiro,

90
baseada em narrativas das sacerdotisas daquele templo e sacerdotes da Tebas egípcias, é
em termos de mitos que não têm conexão com Danaus ou Cadmus. 122
Como já mencionei, no século II aC, Heródoto foi acusado por Plutarco de ser "o pai da
mentira", e hoje os estudiosos que operam dentro do modelo ariano, particularmente
desdenhosos de sua "credulidade", tendem a considerá-lo com indulgência,
condescendência. No entanto, ele não se baseou apenas em lendas quando derivou
costumes gregos do Oriente em geral e do Egito em particular: 123
Jamais poderei admitir que cerimônias semelhantes realizadas na Grécia e no Egito sejam resultado de pura
coincidência - se assim fosse, nossos ritos teriam sido mais gregos em caráter e menos recentes em origem.
Tampouco posso admitir que os egípcios derivaram este ou outros costumes da Grécia. 124

Parece, portanto, que Heródoto usou a razão em vez da fé cega na tradição, e o método da
plausibilidade competitiva, que pareceria inteiramente apropriado para tal argumento.
Aqui, no entanto, não estamos interessados em saber se suas conclusões estão certas ou
erradas, apenas que ele acreditou nelas, e ao fazê-lo foi relativamente convencional. Esta
última afirmação parece ser validada pelas referências mais antigas às colonizações e pela
aceitação das ideias que Heródoto tinha sobre elas pela grande maioria dos autores gregos
posteriores. Essa aceitação é de particular importância se levarmos em conta o apaixonado
chauvinismo grego da época e o desconforto ou aversão que os gregos sentiam por
tradições que os tornavam culturalmente inferiores aos egípcios ou fenícios, povos ainda
muito presentes. Talvez seja por esses motivos que Heródoto parece permanecer na
defensiva, não tanto quanto à existência de colonizações, mas quanto à extensão dos
empréstimos do Egito e da Fenícia. E é essa inquietação que nos leva ao segundo grande
historiador grego, Tucídides, que viveu de 460 a 400 aC.

Tucídides
Os críticos do início do século XIX extraíram muito do "silêncio" de algumas fontes sobre a
colonização, e é claro que o historiador que eles tinham em mente era Tucídides. Este
último, na introdução de sua história, não menciona Cadmo ou Danaus, embora trate da
invasão da Grécia por Pélope, vindo da Anatólia. Tucídides afirma ainda que ao mesmo
tempo "Caros e fenícios habitavam a maioria das ilhas" e também se refere aos Danaans e
"Cadmeid" como o antigo nome da Beócia. 125 Ele também descreve os reis pré-helópides de
Argos como descendentes de Perseu, considerado por Heródoto um "puro egípcio" e um
"assírio". 126 No entanto, ele não menciona Cadmus ou Danaus, ou suas invasões.
Dadas as frequentes referências à colonização encontradas em Heródoto e nas tragédias
escritas nas décadas anteriores, Tucídides deve necessariamente conhecer essas tradições
e, se as omitiu, certamente foi por decisão consciente. É altamente improvável que ele
chegasse a tal decisão, pois estava de posse de fontes que as negavam. Se assim fosse, ele
certamente teria incluído tais fontes tanto para aumentar sua reputação como historiador
quanto porque, como argumentarei mais adiante, as invasões foram ofensivas à sua
concepção histórica. Uma explicação mais branda seria que, como historiador
conscientemente "crítico", ele estava relutante em lidar com lendas não verificáveis. A força

91
desse argumento, no entanto, é diminuída quando se considera que ele menciona o mito
ainda mais remoto de Heleno, filho de Deucalião - o sobrevivente do Dilúvio. 127
Uma das razões pelas quais Tucídides desfrutou de tal favor ao longo dos últimos três
séculos é que sua concepção histórica era "progressista". 128 Segundo ela, quanto mais se
aproximava do presente, maior e mais eficaz se tornava a organização política. Por isso, ele
tendia a minimizar as conquistas micênicas e acentuar a instabilidade dessa sociedade e o
caos das "idades das trevas" subsequentes. Isso, por exemplo, ajuda a explicar por que ele
nega que Homero tenha tido qualquer concepção dos helenos como um povo per se. 129 De
acordo com Tucídides, a história havia amadurecido para o poder sem precedentes de seus
dois protagonistas, Atenas e Esparta, e sua vida então passou a ser abraçada, e seu trabalho
para descrever "a maior reviravolta na história dos helenos, que também influenciou uma
grande parte do mundo não helênico e, pode-se dizer, toda a humanidade”. 130
Tal jactância extraordinária era incompatível com a ideia de que a Guerra de Tróia
envolvera os helenos como povo. Aceitar a colonização teria um efeito ainda mais
destrutivo em sua concepção global da história. As distâncias percorridas, a escala das
operações e as enormes consequências a longo prazo das lendárias invasões teriam
mostrado a natureza essencialmente pequena da guerra do Peloponeso, engrandecida
apenas pela história que Tucídides conta sobre ela.
Um fator inibitório ainda mais importante do que poderíamos chamar de "chauvinismo
temporal" era seu nacionalismo - uma palavra que uso expressamente. Tucídides fez uma
distinção rígida entre helenos e "bárbaros"; toda a sua obra é um hino à singularidade das
realizações gregas, mesmo as destrutivas. A ideia, portanto, de que os egípcios, a quem os
atenienses podiam agora vencer, ou os fenícios, que eram a arma mais terrível do poder
militar persa - a frota - tivessem desempenhado um papel decisivo na formação da cultura
grega incomodava claramente os contemporâneos. de Tucídides.
Tal atitude explicaria por que Tucídides, o "historiador crítico" que rejeitava as lendas,
poderia mencionar Heleno, uma figura puramente nacional, mas não estrangeiros
civilizadores como Danaus ou Cadmus, ou o Cécrops egípcio. (Se o desejo de remover
lendas ofensivas pode ou não dar impulso à própria atitude crítica é algo que será discutido
nos capítulos IV e VI ). guerras, início do século V , com a expansão do poder grego que se
seguiu: a partir desta época, o ódio e o desprezo pelos bárbaros são encontrados, em graus
variados, entre a maioria dos gregos. Em tal clima, seria pelo menos compreensível que os
autores gregos tendessem a menosprezar as lendas da dívida cultural com o Oriente
Próximo. Por exemplo, é mais fácil entender por que uma concepção que quer que seja
nativa tenha substituído todos os indícios de uma ligação entre Cécrops e o Egito, ou por
que Tucídides omite completamente as lendas a seu respeito, mais do que é fácil entender
por que o Os gregos tiveram que inventar "novas" histórias de colonização e civilização
estrangeiras.

Isócrates e Platão
No início do século IV , o destacado porta-voz do pan-helenismo e do orgulho cultural grego
era o orador ateniense Isócrates. Em um famoso panegírico, proferido nas Olimpíadas de
380 aC, ele apelou aos espartanos e atenienses para que abandonassem suas diferenças e

92
se unissem a uma união pan-helênica contra a Pérsia e os bárbaros. Com nova segurança
cultural, ele proclamou:
A nossa cidade [Atenas] ultrapassou tanto o resto da humanidade em pensamento e fala que seus alunos se
tornaram mestres do mundo inteiro. Deve-se a isso se o nome de "Helenos" não indica mais um povo, mas força
de intelecto e se o título de "Helenos" se aplica mais àqueles que estão unidos a nós pela cultura do que pelo
sangue. 131

A arrogância dessa afirmação é surpreendente quando se considera que muitos gregos


cultos, incluindo Eudoxo, o maior matemático e astrônomo do século IV , ainda sentiam a
obrigação de estudar no Egito. 132 Não é à toa que Isócrates também tratou da colonização:
Nos tempos antigos, todo bárbaro que estava em desgraça presumia governar as cidades gregas, Danaus [por
exemplo], um exilado do Egito, ocupava Argos; Cadmo, vindo de Sidon, tornou-se rei de Tebas. 133

É importante notar que, apesar da clara aversão de Isócrates às invasões, ele nunca
questiona sua historicidade. Sua ambivalência a esse respeito, porém, era ainda maior. Em
seu Busiride , ele deu uma descrição muito lisonjeira do Egito. Em parte, esse discurso foi
apenas um tour de force retórico , o pedido de desculpas de um rei mítico mais conhecido
por seu costume de matar estranhos. No entanto, para ser convincente, a oração teve que
apelar para noções convencionais, e também apresentar aspectos de grande seriedade. A
terra do Egito e seu povo foram descritos lá como os mais sortudos da terra, mas em
primeiro lugar a obra era um elogio a Busiride, o legislador mítico, e à constituição perfeita
que ele havia elaborado para o Egito. 134
Isócrates admira o sistema de castas, o governo nas mãos dos filósofos e o rigor da
paideia (educação) transmitida pelos sacerdotes/filósofos egípcios que produz o anēr
theōrētikos (homem contemplativo), o homem que usa sua sabedoria superior para o bem
de o Estado. 135 A divisão do trabalho permite a "ociosidade", scholē , que por sua vez
produziu scholē , "cultura". Mas acima de tudo, ele insiste, a filosofia foi, e só poderia ter
sido, um produto do Egito. 136 O termo parece estar em uso há algum tempo entre os
pitagóricos egípcios, talvez a partir do século VI , mas sua primeira aparição certa é em
Busiris. 137
De fato, não há incoerência lógica em Isócrates entre essa atitude de profundo respeito
pelo Egito e sua xenofobia apaixonada. Ele não nega a colonização, que pelo menos desde a
época de Heródoto foi atribuída ao transplante da religião egípcia para a Grécia. Além
disso, o hino que ele ergue ao triunfo cultural de Atenas e Grécia refere-se apenas ao
presente. Não faz reivindicações sobre o passado. No entanto, um contraste pode ser
discernido entre as duas posições. Em um nível superficial, pode ser explicado pelo fato de
que os bárbaros com os quais ele lidava eram principalmente os persas e os fenícios, estes
últimos porque formavam a maior parte da frota persa e porque o patrono de Isócrates, o
tirano Evágoras, havia conquistado o território dos fenícios, sobre o qual Salamina de
Chipre dominou. Além disso, por volta de 390 aC, quando Busiride foi escrito , uma tríplice
aliança foi feita contra a Pérsia entre Evagora, Achōris, faraó do Egito e Atenas. 138
Na minha opinião, porém, os dois pontos de vista podem ser integrados em um nível
mais fundamental, pois fazem parte da tentativa de Isócrates de unir Atenas e Esparta
contra a Pérsia. Não há dúvida de que no final da Guerra do Peloponeso, na virada dos
séculos IV e V , os atenienses ficaram fascinados com a constituição de Esparta, que havia

93
sido tão eficaz como inimiga. Isso levou os estudiosos que operam dentro do modelo
ariano, como o grande classicista alemão do século XIX Wilamowitz-Moellendorff, a postular
a existência de uma política lacedemônio , e a argumentar que se Isócrates fez de Busíris
seu ideal, isso aconteceu porque Heródoto afirmou que os espartanos deviam suas
instituições ao Egito. 139 Charles Froidefond, um estudioso francês moderno, contesta isso
argumentando que Busiris não se parece em nada com a Política Lacedemônio escrita por
Xenofonte, já que Isócrates especifica que para os espartanos os empréstimos do Egito
foram apenas parciais, e como os aspectos militares que haviam mais impressionados de
sua geração são atribuídos a Licurgo. Mas foi só mais tarde, no século II dC, que Plutarco
afirmou que Licurgo tinha sido um imitador do Egito. 140
Concordo com Froidefond que não há necessidade de postular uma *política
lacedemônio . Por outro lado, sabemos que no "período do pós-guerra" os atenienses se
interessaram particularmente pelos segredos da vitória espartana. Além disso, os
estudiosos que operam dentro do modelo antigo não têm dúvidas de que as histórias sobre
os empréstimos institucionais do Egito a Esparta, e especialmente na era da Licurgia, eram
atuais no final do século IV , pois eram verdadeiras . Ou seja, a tradição é confirmada não
apenas pela natureza de certos aspectos da sociedade espartana, mas pelas fortes
influências egípcias na arte arcaica espartana e pelas muitas etimologias egípcias tardias
plausíveis dos nomes de instituições especificamente espartanas. 141
Isócrates insistiu que os espartanos não haviam aplicado o princípio egípcio da divisão
do trabalho e que sua constituição não atingiu a perfeição do modelo egípcio, sobre o qual
ele havia escrito: "filósofos que lidam com tais assuntos e que conquistaram os mais alta
reputação preferem a forma de governo egípcia a qualquer outra ». 142
A quem Isócrates se referia? Froidefond postula plausivelmente que foram os
pitagóricos e que Isócrates extraiu de suas concepções de "política egípcia", e até mesmo de
seus escritos sobre ela. 143 Basta a engenhosidade do grande arianista para negar as fortes
tradições antigas - às quais Heródoto se refere e que autores do período posterior nos dão
na íntegra - que atestam a existência de uma pessoa chamada Pitágoras e uma de suas
escolas fundadas em o conhecimento adquirido durante seus longos estudos no Egito. E, no
entanto, foi feita uma tentativa de negá-lo. 144 Em todo caso, Isócrates foi muito explícito
sobre isso: "Durante uma de suas visitas ao Egito tornou-se um estudioso da religião
daquele povo e foi o primeiro a trazer a filosofia para os gregos". 145
Outra possibilidade menos provável é que pela palavra "filósofos" Isócrates quis dizer
seu grande rival Platão e sua obra, a República. 146 Geralmente acredita-se que foi escrito
entre 380 e 370 aC, ou seja, depois de Busiride , este de cerca de 390. Acredita-se também
que o trabalho foi o resultado de muitos anos de pensamento e ensino e que rascunhos
anteriores também podem ter existido. 147 O mais provável, porém, é que se dê prioridade
ao Busiride . No entanto, há semelhanças notáveis entre esta e a República de Platão . Neste
último, também, encontramos uma divisão de trabalho baseada em castas governadas por
Guardiões esclarecidos, produzida por seleção cuidadosa e educação rigorosa. Platão era
claramente hostil à turbulência da política democrática em Atenas e tal modelo era,
portanto, consolador.
Até que ponto pode estar relacionado com o Egito? Além das semelhanças com Busiris ,
que é explicitamente egípcio, sabemos que o Egito, onde Platão esteve por algum tempo,
provavelmente por volta de 390 aC, foi um interesse central em suas obras posteriores. 148

94
No Fedro , Platão faz Sócrates declarar que "foi ele [Theuth-Thoth, o deus egípcio da
sabedoria] quem inventou os números, a aritmética e a geometria [...] e, mais importante,
as letras do alfabeto" . 149
Em Filebo e Epinomides, Platão também trata com mais detalhes de Thoth como o
criador da escrita, e mesmo da linguagem e de todas as ciências. 150 Em outras obras, Platão
elogia a arte e a música egípcias e se declara a favor de sua adoção na Grécia. 151 Para dizer a
verdade, a única razão para duvidar de que sua República seja baseada no Egito é que ele
nunca a afirma no texto. Essa omissão, no entanto, tem uma explicação antiga. Como seu
primeiro comentarista, Crantore escreveu apenas algumas gerações depois de Platão:
Os contemporâneos de Platão zombavam dele dizendo que ele não era o inventor de sua república, mas que a
copiara de instituições egípcias. Ele deu tanta importância a tal zombaria que atribuiu a história dos atenienses e
atlantes aos egípcios para que eles dissessem que os atenienses em certa época do passado realmente viveram
sob tal regime. 152

Diante de tantas evidências a favor de uma derivação egípcia, os primeiros estudiosos


modernos ainda associavam a república de Platão ao Egito. Como disse Marx: "A República
de Platão, no que diz respeito ao desenvolvimento da divisão do trabalho como princípio
formador do Estado, é apenas uma idealização ateniense do sistema de castas egípcio ". 153
Popper, que odeia Platão, adoraria poder liquidá-lo em um pacote com os egípcios. No
entanto, escrevendo em uma era ariana mais sistemática, mesmo sabendo da acusação de
Crantore, ele a limitou às notas e parece perplexo com a observação de Marx. 154 Alguns
estudiosos a favor de Platão denunciaram fortemente a ideia de que ele era a favor de um
sistema de castas do tipo egípcio. A maioria simplesmente omite qualquer menção ao Egito
em relação à República. 155
No Timeu e Crítias , Platão menciona as maravilhas da civilização perdida da Atlântida e
seu colapso em chamas. No volume II , argumentarei que isso se refere à destruição
vulcânica de Tera em 1626 aC e que os atlantes são um amálgama de povos nórdicos: os
hicsos, que invadiram o Egito em meados do segundo milênio, e os "povos do mar". "que eles
atacaram no final daquele milênio. O que nos interessa aqui, porém, é como Platão
concebeu as relações históricas entre Grécia e Egito.
Como mencionei na Introdução, havia uma tradição, muito difundida, mas atestada
apenas em épocas tardias, segundo a qual Atenas foi fundada por Cécrops, o egípcio que
veio da cidade de Sais, localizada no Delta ocidental. Havia também a tendência de
identificar Nēit, deusa daquela cidade, com Atena. 156 Na famosa passagem sobre o mito da
Atlântida, Platão atribui a Crítias a história de que quando Sólon, o grande legislador
ateniense, foi a Sais no início do século VI , quando era a capital do Egito, foi tratado como
um parente graças à relação especial que os saiticos sentiam que tinham com os atenienses.
Foi-lhe até concedida uma entrevista com os anciãos dos sacerdotes egípcios, e um deles,
depois de confrontar Sólon com as famosas palavras “Ó Sólon, Sólon, vocês gregos são
sempre crianças. Nunca houve nada como um grego antigo», prosseguiu dizendo que Atena
fundou Atenas antes de Sais, e não vice-versa. 157 E explicou que a razão da ignorância deste
fato pelos atenienses e, em geral, pela ignorância dos gregos sobre seu próprio passado, era
que a cultura grega havia sido periodicamente destruída por catástrofes de fogo e água, que
não tinham sobrado. memória da antiga glória de Atenas. No Egito, ao contrário, graças à
sua posição favorável, as instituições foram preservadas. 158

95
Para Platão, portanto, se alguém quisesse retornar às antigas instituições atenienses,
teria que retornar ao Egito. Desta forma, ele está unido a Isócrates, pois ambos defendiam
uma aliança pan-helênica de Atenas e Esparta e elogiavam a constituição egípcia que era
uma versão mais pura da lacedemônio. Quanto mais se aprofundavam nas verdadeiras
raízes helênicas da Grécia, mais se aproximavam do Egito . Uma razão para isso é que tanto
Isócrates quanto Platão argumentaram que grandes legisladores e filósofos como Licurgo,
Sólon e Pitágoras trouxeram a sabedoria egípcia para a Grécia. Além disso, Isócrates e
Platão acreditavam nas colonizações de Pélope, Cadmo, Egito e Danaus e parecem
concordar com Heródoto que os "bárbaros" trouxeram consigo uma importante bagagem
cultural. 159 Mesmo no que diz respeito à fundação de Atenas, Platão participou a tal ponto
do modelo antigo que aceitou que havia uma relação cultural "genética" entre ele e Sais.
Assim, apesar de sua ambivalência, se não hostilidade à ideia em si, as duas principais
figuras intelectuais do início do século IV aC foram forçadas a admitir a importância crítica
da colonização estrangeira e os subsequentes empréstimos culturais maciços do Egito e do
Levante. formação da civilização helênica que ambos amavam com paixão.

Aristóteles
Aristóteles não só foi discípulo de Platão, como também estudou na Academia com Eudoxo
de Cnido, o grande matemático e astrônomo que, segundo se conta, passara dezesseis
meses no Egito com a cabeça raspada estudando com aqueles sacerdotes. 160 Aristóteles
também sofreu a forte influência de Heródoto em relação ao Egito, e teria ficado fascinado
por aquele país. Embora às vezes ele destacasse a grande antiguidade das civilizações
iraniana e mesopotâmica, sua opinião ponderada parece ter sido a de que os egípcios eram
o povo mais antigo. 161 Aristóteles era igualmente contraditório sobre o difusionismo. Em
suas obras, ele às vezes declara sua crença na invenção independente por diferentes
culturas, outras vezes afirma que os egípcios criaram o sistema de castas e, portanto, "o
Egito foi o berço da matemática porque a casta sacerdotal desfrutava de grande ociosidade,
scholē ". 162 Em sua opinião, os sacerdotes haviam inventado as mathēmatikai technai (as
artes matemáticas), que incluem geometria, aritmética e astronomia, que os gregos
estavam dominando. 163 De fato, sua admiração pelo Egito vai além da de Heródoto em um
aspecto. Enquanto este último acredita que os egípcios desenvolveram a geometria, a
ciência-chave, por razões práticas - medir a terra depois que os limites foram lavados pela
enchente do Nilo - Aristóteles afirma que ela foi desenvolvida teoricamente por sacerdotes.
164

Teorias da colonização e posterior empréstimo cultural no mundo helenístico


Entre muitas coisas, é claro, Aristóteles também foi o professor de Alexandre, o Grande. 165
Com a extraordinária conquista macedônia do Império Persa, em 330 aC, houve uma
grande onda de interesse entre os gregos por todas as civilizações orientais e em particular
pela do Egito. Foi nos anos imediatamente seguintes à conquista que o sacerdote egípcio
Manetho escreveu em grego uma história do Egito, na qual expunha o esquema das trinta e

96
três dinastias que continua a ser a base da historiografia do antigo Egito. 166 Foi também
nessa época que Hecateu de Abdera formulou a opinião de que as tradições da expulsão dos
hicsos do Egito, o êxodo dos israelitas e o desembarque de Danaus em Argos eram três
versões paralelas da mesma história:
Os nativos do país acreditavam que, a menos que mandassem os estrangeiros embora, seus problemas nunca
seriam resolvidos. E imediatamente os estrangeiros foram expulsos do país e os melhores e mais ativos deles
formaram gangues e, como alguns dizem, desembarcaram na Grécia e em outras regiões; seus senhores eram
homens notáveis, entre eles Danaus e Cadmus. Mas a maioria deles foi soprada pelos ventos em direção ao que
hoje chamamos de Judéia, que não fica longe do Egito, e era bastante desabitada naquela época. Os colonos
foram liderados por um homem chamado Moisés. 167

Parece que foi com base nessa crença - e naquela expressa por Heródoto que os ancestrais
dos reis espartanos remontavam aos colonos hicsos - que, em certa data, por volta de 300
aC, Areio, rei de Esparta, escreveu em Jerusalém , começando assim:
Para Onias, Sumo Sacerdote, olá. Veio à luz um documento que prova que os espartanos e os judeus são
parentes, pois ambos são descendentes de Abraão. 168

No período helenístico, as referências à colonização egípcio-fenícia são muito frequentes


para serem dadas aqui na íntegra. Se houve debates, não foram sobre a existência de
desembarques de povos, mas sobre aspectos específicos: a nacionalidade de seus líderes, os
pontos ou datas de partida. 169
A tensão entre o orgulho cultural grego e o respeito pelas civilizações antigas parece ter
aumentado consideravelmente com as extraordinárias conquistas de Alexandre antes de
330 aC Isso fica evidente, por exemplo, nas reações a Zenão de Chitione, o fenício que
fundou o estoicismo no final do século III século aC Seus rivais o chamavam
desdenhosamente de "pequeno fenício", mas um aluno escreveu sobre ele:
Com grande esforço você fundou uma grande escola nova,
Pai casto de liberdade sem moderação,
E se seu país natal fosse a Fenícia, [...]
Quem pode zombar de você? De lá também não veio Cadmo, Aquele que deu à Grécia seus livros e a arte de
escrever? 170

Diodorus Siculus, que escreveu no século I aC, por volta do início de sua monumental
Bibliotheca Historica , expressa a mesma confusão, senão esquizofrenia, sobre os
"bárbaros" que civilizaram a Grécia, quando escreve:
Os primeiros povos que discutiremos serão os bárbaros, e não porque os consideremos mais velhos que os
gregos, como argumentava Éforo, mas porque desejamos expor os fatos a respeito deles desde o início, para que
não precisemos, a começar por os vários relatos que os gregos fazem dela, interpolam nas diferentes narrativas
de sua história mais antiga qualquer evento relacionado a outro povo. 171

No quinto volume de sua obra, Diodoro cita o historiador do ródio Zenão, que afirmava que
os gregos - ou o misterioso Eliadi que veio de Rodes - trouxeram cultura para os egípcios,
mas um grande dilúvio varreu toda a memória disso, apenas como os atenienses,
esqueceram que Atenas era mais velha que Sais:
E foi por motivos como esses que muitas gerações de homens mais tarde acreditaram que Cadmo, filho de
Agenore, foi o primeiro a trazer as letras do alfabeto da Fenícia para a Grécia. 172

97
Sempre tirando presumivelmente de Zenão, Diodoro passa a especificar quanto Danaus
quando Cadmus deixou vestígios em Rodes, onde eles pararam enquanto iam colonizar a
Grécia. 173 Como a crença de Platão na prioridade de Atenas sobre Sais, o esquema de Zenão
é uma forma invertida do modelo antigo e não uma forma interna do modelo ariano. Não há
menção de uma invasão da Grécia pelo norte, e o esquema também mantém uma relação
"genética" entre a cultura e a civilização grega e egípcio-fenícia. A ideia de que foi a Grécia
que civilizou o Egito era demais até mesmo para os arianos mais ardentes. Professor
Oldfather, tradutor moderno de Diodorus, observa sobre este assunto:
O livro I , passim , expõe os títulos adiantados pelos egípcios sobre a maior antiguidade de sua civilização: as
contra-afirmações dos gregos aqui expostas são jactância vazia. 174

A principal vertente do trabalho de Diodoro é sua crença de que o Egito e, em menor grau,
outras civilizações orientais foram a fonte da civilização mundial:
E como o Egito é o país onde a mitologia situa a origem dos deuses, onde segundo o que se transmite foram
feitas as primeiras observações dos astros e onde, além disso, são transmitidos muitos atos notáveis realizados
por grandes homens, iniciaremos nossa história com os acontecimentos relativos ao Egito. 175

Não só Diodoro faz referências frequentes à colonização de Tebas e Argos por Cadmo e
Danaus, mas, por volta do início de sua obra, ele dedica grande espaço aos saiticos, que
afirmavam que Cecrops e outros antigos reis atenienses eram egípcios, e a os seus
argumentos plausíveis sobre uma relação especial entre Atenas e Egito. 176
Esta última colonização não foi aceita por todos nos períodos helenístico e romano, mas
a crença nas colonizações do Peloponeso ocidental e de Tebas parece ser universal. O Guia
da Grécia de Pausânias, escrito no século II d.C., está repleto de referências a eles:
O povo de Troizene [em Argolis] diz que o primeiro humano a existir neste país foi Oros, que na minha opinião é
um nome egípcio, e certamente não grego. 177 Há outra estrada que sai de Lerna e leva direto para o mar, para o
que eles chamam de Nascimento; aqui um pequeno santuário de Poseidon do Nascimento ergue-se sobre o mar.
Próximo a ele estão os desembarques onde Danaus e seus filhos teriam desembarcado pela primeira vez em
Argólida. 178

A conexão entre esses desembarques lendários e o nascimento é fascinante, assim como o


fato de Poseidon ser o principal deus dos micênicos e Seth - a quem vejo como sua
contraparte egípcia - o principal deus dos hicsos: 179
Na minha opinião, os Nafplio foram em tempos anteriores egípcios que chegaram a Argólida com a frota de
Danaus e três gerações depois se estabeleceram em Nafplio, perto de Nafplio, filho de Amimone. 180 Quando
Cadmo marchou sobre [a Tebaida] com um exército fenício e eles [os Ianti e os Aoni] perderam uma batalha, os
Ianti fugiram imediatamente naquela mesma noite, mas os Aonis levantaram um apelo ritual para Cadmus
permitir que eles ficassem e casar com seus fenícios. 181

A relação entre os nomes Tanti e Aoni, o nome Ioni e o egípcio > lwn (tyw ') (bárbaros) já foi
discutido aqui ( ver pp. 97-98). 182 Não há dúvida, portanto, de que Pausânias estava
convencido da realidade da colonização e que acreditava que em sua época, o século II d.C.,
ainda restavam muitos sinais diretos dela.

98
Ataque de Plutarco a Heródoto
Com o século II d.C. estamos testemunhando o que mais se aproxima de um ataque crítico
ao modelo antigo. Que vem em um longo ensaio, daquele prolífico autor Plutarco, intitulado
Sobre a malícia de Heródoto . Nele, Plutarco faz muitas acusações contra Heródoto,
incluindo a de ser "pró-bárbaro":
Ele diz que os gregos aprenderam com os egípcios as procissões e feriados nacionais, bem como o culto dos doze
deuses; o mesmo nome de Dionísio, diz ele, foi dos egípcios que Melampo o aprendeu, e depois o ensinou aos
outros gregos. E os mistérios e ritos secretos associados a Deméter eram as filhas de Danaus que os trouxeram
do Egito […]. E isso ainda não é o pior. Ele traça a linhagem de Heracles até Perseu e diz que Perseu, de acordo
com a narração persa, era um assírio; "E os líderes dos dórios", diz ele, "está provado que eram de puro sangue
egípcio [...]"; e não só está ansioso por provar a existência de um Héracles egípcio e um fenício, como diz que o
nosso Héracles nasceu depois dos outros dois e quer tirá-lo da Grécia e torná-lo estrangeiro. No entanto, entre os
homens eruditos do passado nem Homero nem Hesíodo […] jamais mencionaram um Héracles egípcio ou
fenício; eles só conheciam um, nosso Héracles, que é ao mesmo tempo beócio e argivo. 183

Plutarco certamente acreditava que seu público ficaria escandalizado com as ideias de
Heródoto sobre esses assuntos, mas é interessante notar que ele cita apenas autores
antigos sobre a questão de Héracles e que não aborda diretamente a colonização de Danaus
e Cadmus. Se levarmos em conta o profundo conhecimento e apreço pela religião egípcia
que Plutarco expressa em seu Sobre Ísis e Osíris , e sobretudo a convicção que ele tinha
sobre a identidade essencial com a religião grega, há sérias razões para duvidar que o
próprio Plutarco estava incrédulo sobre as alegações de Heródoto sobre as origens
estrangeiras de grande parte da cultura grega. Parece mais provável que o ataque de
Plutarco à "barbarofilia" de Heródoto fosse apenas uma ferramenta a ser usada na crítica
mais geral de que ele estava movendo. Também é fascinante notar que nenhum dos
detratores modernos do modelo antigo jamais apoiou essa escrita. Uma das razões, como
escreveram dois tradutores, é que
este ensaio ofendeu os amadores de Heródoto e ao mesmo tempo perturbou os admiradores de Plutarco, para
quem é difícil acreditar que um autor amável e de boa índole pudesse escrever com uma malevolência tão feroz
a ponto de se expor a acusações semelhantes às que ele mudou-se para Heródoto. 184

Mais importante ainda, os estudiosos modernos mostraram-se ansiosos para confiar em


fontes "antigas" em vez de fontes "tardias", por esse significado - uma vez que viveram ou
vivem no século 19 ou 20 dC - autores que escreveram após o século 5 dC Essa preferência é
influenciado pelo fato - se não baseado nele - de que na Grécia clássica tardia e helenística a
maior massa de evidências é a favor tanto da colonização quanto da derivação da religião
grega da egípcia. Antes de tratar disso, porém, teremos que considerar a influência da
religião egípcia na Grécia nos tempos helenístico e romano.

O triunfo da religião egípcia


Entre os gregos e outros povos do Mediterrâneo, o movimento que levou ao culto dos
deuses sob seus nomes egípcios começou bem antes das conquistas de Alexandre e do
sincretismo do período helenístico. No início do século V aC, o poeta Píndaro havia escrito
um hino a Amon , que começava com as palavras "Amon rei do Olimpo". Este culto da

99
variante líbia do Amon egípcio era típico de Tebas, terra natal de Píndaro. 185 Mas ele
também era forte em Esparta, e Pausânias escreveu sobre o santuário de Amon em Afiti de
Esparta:
Os lacônios aparentemente recorreram ao oráculo líbio mais do que qualquer outro na Grécia desde o início.
Amon não é mais honrado pelos amoníacos líbios do que pelos afitas. 186

É impossível dizer o que Pausânias quis dizer com "desde o princípio". Em todo caso, deve
ter sido antes do final do século V que o irmão do grande general espartano Lisandro se
chamava Líbis porque a família tinha uma relação tradicional com os basileis (reis ou
sacerdotes) dos amonianos, e o próprio Lisandro consultou seu oráculo. 187 No século IV ,
Am(m)on começou a ser venerado em Atenas, e uma das trirremes sagradas da cidade foi
dedicada a ele. 188

Alexandre filho de Amon


Alexandre, o Grande, como se vê, se considerava filho de Amon. Após a conquista do Egito,
ele foi até o interior do deserto para consultar o grande oráculo do deus no oásis líbio de
Siwa. O oráculo lhe disse que ele era o filho do deus, e isso explica por que as moedas de
Alexandre depois o representam como um Amon com chifres. 189 Os historiadores modernos
chamam de calúnia os muitos testemunhos que, em seu último ano de vida, Alexandre
vestiu e exigiu homenagem, disfarçado de vários deuses e deusas, e "até desejou que
alguém se curvasse ao chão diante dele, acreditando que Amon era seu pai, e não Philip.' 190
Então, quem era o filho de Amon? De acordo com a mais antiga tradição egípcia, Osíris
era filho de Rá. Com o surgimento do culto de Amon, durante a XII dinastia, as duas
divindades fundiram-se em Amon-Ra. Nos últimos anos do Novo Reino, uma união mística
foi identificada entre Rá e Osíris. 191 A confusão absoluta entre Amon e Dionísio encontrada
em Diodorus Siculus, ou em sua fonte do século II aC, o alexandrino Dionísio Skytobrachion,
pareceria, portanto, encontrar precedentes na teologia egípcia. 192 Mas parece certo que
Alexandre se via como essa divindade sincrética, ao mesmo tempo Amon e seu filho.
Não há dúvida de que as conquistas reais de Alexandre aumentaram a importância dos
mitos sobre as vastas expedições civilizatórias orientais de Dionísio ou - como Diodoro o
chama - de Osíris, cujos vestígios podem ser encontrados na tradição egípcia desde a 18ª
dinastia ou mesmo desde os primórdios do Império Médio. 193 Mesmo na Grécia, como
apontou James Frazer, o padrão havia sido traçado por Eurípides antes do nascimento de
Alexandre. 194 A relação de Alexandre com Dioniso foi forçada e ele sentiu uma certa
competição com o deus, pelo menos uma vez que suas conquistas foram realizadas. 195
Quando ele chegou a Nisa nas montanhas do noroeste da Índia e foi informado pelos
habitantes de sua associação com o deus, ele relatou ter
ele estava pronto para considerar verdadeiro o relato das viagens de Dioniso; e ele também estava pronto para
acreditar que Nisa havia sido fundada por Dioniso, e nesse caso ele já havia chegado ao ponto alcançado por
Dioniso, e teria ido ainda mais longe do que ele. 196

Há também rumores não confiáveis de suas viagens pela Índia "em imitação dos ataques
báquicos de Dionísio". 197 Não há dúvida sobre a atenção política e cultual que ele dedicou

100
aos seus muitos drinques, e a missão civilizadora de Osíris/Dioniso fornece um pano de
fundo de fundamental importância para a compreensão das atividades de Alexandre neste
campo. Sua identificação como filho de Amon, paralelo e rival de Dionísio, foi, portanto,
central para seu projeto de vida. Os historiadores arianos preferiram demorar-se na leitura
de Xenofonte por Alexandre e sua identificação e rivalidade com Aquiles, e sem dúvida
esses são fatores significativos em sua decisão de invadir a Ásia. Mas eles eram menos
importantes do que sua missão religiosa essencialmente egípcia. Se seu corpo foi queimado
no Egito e não na Grécia ou na Pérsia, isso não pode ser atribuído apenas à arrogância de
seu general Ptolomeu, que o sucedeu como governante do Egito. Isso mostra a centralidade
daquele país na vida de Alexandre e na imagem que ele tinha de si mesmo. 198
Ptolomeu e seus sucessores, até a Cleópatra de César e Antônio, fizeram grande uso da
religião egípcia, tanto para ganhar respeito e afeição de seus súditos egípcios, quanto para
se dar poder cultural nas negociações com os outros estados que surgiram de os
fragmentos do império, por Alessandro. 199 No entanto, isso não é suficiente para explicar a
vasta expansão da religião egípcia nesse período; expansão que foi chamada de "a
conquista do Ocidente pela religião oriental". 200
A deusa-mãe egípcia Ísis, por exemplo, era adorada em Atenas desde o século V , não
apenas pelos egípcios que ali residiam, mas também pelos nativos atenienses. 201 Já no
século II aC, havia um templo de Ísis perto da Acrópole, e Atenas oficialmente encorajou
seus bens a adotar os cultos egípcios. 202 Mesmo em Delos, ilha particularmente dedicada a
Apolo, oficializaram-se os cultos de Ísis e Anúbis, decisão que não dependia em nada do
reino ptolomaico que já havia perdido o controle da ilha. 203 E com a chegada do século II dC,
Pausânias, que não faz menção a outros cultos orientais, dá notícias de templos ou
santuários egípcios em Atenas, Corinto, Tebas e muitos lugares em Argólida, Messênia,
Acaia e Fócida. 204
Vale a pena notar que a Grécia foi apenas parcialmente afetada pelos efeitos dessa onda
que se espalhou por todo o Império Romano. 205 Por exemplo, os santuários mais
importantes descobertos em Pompéia e que datam de 79 dC - ano em que a cidade foi
destruída pela erupção do Vesúvio - eram "egípcios". Tibério havia banido a religião egípcia
- e a judaica - da própria Roma. Mas tais cultos logo foram restaurados e imperadores
posteriores, notadamente Domiciano e Adriano, foram apaixonadamente devotados aos
deuses egípcios. 206 Este último até tentou transformar Antínoo, seu favorito, em um deus
egípcio e, de muitas maneiras, seu extraordinário jardim de delícias em Tivoli, a leste de
Roma, pode ser considerado um complexo funerário egípcio dedicado ao seu amante
divino. 207 Marco Aurélio, Septímio Severo, Caracala, Diocleciano e outros imperadores
visitaram o Egito e todas as evidências apontam que todos respeitavam a religião e a
cultura egípcias. 208 Quaisquer que fossem seus sentimentos pessoais, tal atitude era
aparentemente politicamente necessária, dado o papel central da religião egípcia em todo o
império.
Mas tanto entusiasmo acabou provocando uma reação. Dois estudiosos holandeses
contemporâneos, Smelik e Hemelrijk, que corajosamente tentaram reunir exemplos da
hostilidade grega em relação à cultura egípcia, tiveram muito mais facilidade no caso de
Roma. O ponto fraco do brasão egípcio era o culto dos animais. Cícero, por exemplo,
considerou-o uma estranheza "naquela nação dos egípcios, uma das mais incorruptas, que
preserva documentos escritos de eventos com muitos séculos de idade". 209 Juvenal e

101
Luciano, poetas satíricos de um período posterior, foram implacáveis em seus ataques a
essa zoolatria e ao Egito em geral. 210
A maioria dos autores considerou este culto simbólico e alegórico, concepção expressa
em termos mais claros no Su Ísis e Osíris de Plutarco. A obra também é reconhecida por
estudiosos que trabalham no modelo ariano como a única fonte de importância na religião
egípcia; além disso, o progresso da egiptologia tem confirmado cada vez mais as
interpretações que propõe. 211
Plutarco expõe em detalhes uma imagem geral da religião egípcia que parece ter sido
comum entre os gregos aprendidos pelo menos desde o século IV aC Segundo ela, a zoolatria
e a superstição óbvia da religião egípcia eram apenas uma aparência alegórica para as
massas. : Os sacerdotes e/ou os iniciados sabiam que na realidade a zoolatria e os mitos
fantásticos escondiam abstrações profundas e uma compreensão profunda do universo. No
Su Ísis e Osíris a filosofia religiosa do Egito não se preocupa principalmente com o mundo
material e efêmero do "tornar-se", marcado pelo nascimento e decadência, mas com o
domínio imortal do "ser" que se manifesta especialmente em números, geometria e
astronomia.
Tudo isso, é claro, se assemelha notavelmente às idéias de Platão, dos pitagóricos e dos
órficos, e não apenas no conteúdo, mas muitas vezes na própria forma das palavras usadas
para descrevê-los. Estudiosos dos séculos XIX e XX , portanto, viram esta obra de Plutarco
como o principal exemplo do que eles chamaram de interpretatio graeca , cuja melhor
definição é a seguinte:
O observador grego era geralmente incapaz de entender a religião egípcia de dentro. O obstáculo inicial foi a
ignorância do egípcio. Às vezes, um paralelo por equivalência ou uma explicação baseava-se em um mal-
entendido de um fenômeno egípcio, ou em uma modificação introduzida no equivalente grego. Todo desvio,
radical ou mínimo, contribuía para o desprendimento da verdadeira imagem. 212

Um importante estudioso moderno dedicou um livro inteiro a essa "miragem" grega do


Egito. 213 Essa interpretatio ou axioma germânico - segundo o qual a religião e a filosofia
egípcias seriam necessariamente cruas e superficiais - encontra-se em dificuldade diante de
homens de inteligência soberba como Eudoxo, que, segundo todas as fontes, conviveu com
os sacerdotes e aprendeu egípcio, e claramente sentia grande respeito e entusiasmo pela
cultura egípcia. As fraquezas fundamentais do esquema moderno, no entanto, são a falta de
autoconsciência crítica e o sentimento positivista de Besserwissen , do "melhor
conhecimento" dos Antigos. E isso é verdade até mesmo para os queridos gregos, que eram
superiores em todos os aspectos de sua cultura, exceto em escrever sobre história antiga
ou em sua compreensão da relação entre a Grécia e outras culturas.
Para os contemporâneos de Plutarco e pensadores posteriores que seguiram o modelo
antigo, as impressionantes semelhanças entre a descrição de Plutarco da religião e filosofia
egípcias e as descrições de Platão e dos pitagóricos não apresentavam nenhuma
dificuldade. Eles eram pura consequência do fato de que - como todos sabiam - Platão,
Pitágoras e Orfeu haviam tirado suas idéias do Egito. Além disso, Plutarco também
argumentou que havia ligações mais fundamentais entre as religiões egípcia e grega. Sobre
Ísis e Osíris é dedicado a Clea, a quem escreve:

102
Que Osíris é idêntico a Dionísio, quem mais do que você pode saber, ó Clea? De vocês, que estão à frente das
donzelas inspiradas [devotas de Dionísio] de Delfos e foram consagradas por seu pai e sua mãe nos ritos
sagrados de Osíris.

Em seguida, fornece detalhes sobre as semelhanças entre os cultos egípcios e délficos. 214 No
geral, neste trabalho Plutarco identifica Dioniso três vezes com Osíris. 215 Embora não seja
tão explícito sobre a identificação de Ísis com Deméter, não há dúvida de que ele está
igualmente certo.
Há, por exemplo, muitos paralelos detalhados entre suas descrições das desventuras de
Ísis em Biblos e aquelas descritas em Elêusis no Hino . Homérico a Deméter . E isso é
frequentemente visto pelos estudiosos arianos como um exemplo claro da interpretatio
graeca de Plutarco . 216
E assim também pode ser neste caso. Em vez disso, argumentarei que é provável que o
Culto de Mistérios de Elêusis, ao qual o hino está claramente ligado, tenha se originado no
Egito, como acreditavam os Antigos. 217 Mas mesmo que o hino não tivesse ligação com
Elêusis, há evidências arqueológicas que mostram que em Elêusis Ísis foi identificada com
Deméter já no século IX , ou seja, antes da datação convencional do hino. 218 Em todo caso,
não há razão para duvidar de que Plutarco vê Ísis e Deméter como manifestações da
mesma divindade. Em suma, é claro que Plutarco acredita, por um lado, que grande parte
da filosofia grega foi introduzida no Egito e, por outro, que há uma unidade fundamental
entre as religiões egípcia e grega e, além disso, argumenta que a primeira é mais pura. e
mais puro, mais antigo.
Essa concepção da religião egípcia desempenha um papel central nos dois principais
"romances" do século II dC, Os Etíopes de Heliodoro e As Metamorfoses ou O Asno de Ouro de
Apuleio. Em sua história edificante romântica e moral, centrada em uma heroína etíope
bela e virtuosa, mas não negra, Eliodoro expressa grande admiração pelos etíopes e seus
gimnosofistas (filósofos nus ou gurus). Os etíopes , no entanto, tratam em particular do
Egito e da superioridade moral de sua religião. Também destaca o interesse apaixonado
que os sacerdotes gregos tinham por ela, que a viam como a chave para seus próprios
cultos. Descrevendo a certa altura os sacerdotes de Delfos bombardeando um visitante
egípcio com perguntas, o autor escreve:
Em suma, eles não ignoraram nem mesmo um dos aspectos interessantes do Egito, pois não há país no mundo
que os gregos gostem de ouvir mais. 219

O asno de ouro de Apuleio é antes uma sátira, mas com um núcleo sério em que trata dos
mistérios egípcios e das figuras de Ísis, senhora dos disfarces e das transformações, atrás
das quais se vislumbra Osíris/Dioniso. No clímax do livro, a deusa anuncia ao herói:
Assim, os frígios, os primeiros de todos os povos, chamam-me Pessinuntia, mãe de todos os deuses. E os
atenienses, que surgiram de seu próprio solo, me chamam de Minerva Cecropea, e os ciprianos, lançados à praia
pelo mar, me chamam de Vênus Pafia; os cretenses, povo de arqueiros, me chamam de Diana, Dictinna; e os
sicilianos trilíngues, Proserpina; para os eleusinos sou Ceres, a antiga deusa; para outros, Juno; para outros,
Bellona e Hécate e Ramnusia. Mas os etíopes, que todos os dias são iluminados pelos primeiros raios do deus sol
em seu nascimento, juntamente com os africanos e os egípcios, que se sobressaem porque possuem a doutrina
original, honram-me com seus próprios ritos e me dão meu nome verdadeiro de Ísis Regina. 220

103
A crença de que a religião e os ritos egípcios eram os originais e "verdadeiros" tornou
redundantes as formas gregas e outras locais, e isso explica o abandono maciço desta
última. Como o filósofo neoplatônico Jâmblico escreveu no final do paganismo, no século 4
dC:
Pense antes que, como os egípcios foram os primeiros a serem permitidos a participação dos deuses, os deuses
quando são invocados têm prazer nos ritos egípcios. 221

As repetições e citações frequentes neste capítulo são determinadas pela necessidade que
tenho de reiterar a convencionalidade para o mundo antigo de uma estrutura de ideias que
é altamente não convencional nos estudos clássicos modernos. E o próprio fato de ser tão
pouco frequentado deixa claro que os proponentes do modelo ariano são incapazes de citar
extensivamente em apoio de seu argumento. O que defendo neste capítulo é que após o
século V aC - o único período do qual nos chega conhecimento substancial desse povo - os
antigos gregos, embora orgulhosos de si mesmos e de suas recentes conquistas, não
conceberam suas próprias instituições políticas, a própria ciência, filosofia ou religião como
originária. Em vez disso, eles os fizeram derivar - através das antigas colonizações e dos
estudos de gregos expatriados em tempos posteriores - do Oriente em geral e do Egito em
particular.

Notas
1O texto refere-se às monarquias de Argos e Esparta. Para a crença dos reis espartanos em seus
próprios ancestrais hicsos, veja vol. II .
2 Ilíada , II . 681. Para uma lista quase completa de referências clássicas aos Pelasgians, veja F.

Lochner-Hüttenbach (1960, pp. 1-93).


3 Ilíada , II. 841; X .429 e XVII .290.
4 Uma identificação foi tentada, com base em inscrições, pelo professor Bietak, que dirigiu as

escavações de Tel e Daba < a (Avari) (1979, p. 255). Os problemas fonéticos colocados pela
derivação de Laris (s) a de R- 3 ḥt não são grandes. A inicial egípcia r era tipicamente traduzida em
grego como l . Médio egípcio 3 , o duplo > aleph , foi transcrito em semítico como r . Laringais
mediais como ḥ muitas vezes desapareceram, e há muitos exemplos do som final do t egípcio
traduzido como - é em grego. Para mais detalhes e paralelos fonéticos, ver. volume II .
5 Ilíada , II. 841 e XVII . 301.
6 Strabo, Geografia , XIII .621, citado juntamente com outras referências às ligações entre

Laris(s)ai e lama, solo rico e Pelasgi por KO Müller (1820, p. 126).


7 Para as associações entre Danaus e Larissa e Argos, ver Pausanias, Guide to Greece , II.19.3 ( ver

Frazer e Levi na Bibliografia).


8 Estrabão, Geografia , VIII .6.9.
9 Ver Ahl (1985, pp. 158-159).
10 Up > Inb ḥd, veja Gauthier (1925, vol. I , p. 83) e Gardiner (1947, vol. II , pp. 122-126). O nome da

capital hitita, Khattus ou Khattusas, também significava "prata". É impossível dizer se os nomes
gregos e anatólios eram derivados de nomes egípcios muito mais antigos ou se derivavam da cor da
cidade ou das muralhas da cidadela.
11 Ilíada , II . 681.
12 Ilíada , XVI . 233. Para uma discussão mais aprofundada de Dodona, ver vol. III .
13 Odisseia , XIX . 175.

104
14 Egímio , fr. 8, em Branco (1914).
15 ver 80.1.
16 No geral, aceito os argumentos de C. Gordon (1962a-b, 1966, 1968a-b, 1969, 1970a-b, 1973,

1975, 1980, 1981), com todo o respeito a Duhoux (1982, p. 232) . Para tentativas implausíveis de
etimologias para "eteocretese", ver Duhoux, pp. 16-20. A palavra * eteos em si não tem etimologia
indo-européia. Uma derivação plausível seria do egípcio ı > t , atestado em demótico, e em copta
como eiōt , que significa "cevada". i > tm ı > t em egípcio médio e tardio, literalmente "cevada em
cevada", significa "realmente cevada" e presumivelmente se refere à semente ou grão. Em grego
encontramos o termo eteokrithos (cevada boa e genuína). Para a relevância e seriedade dos
trocadilhos nas civilizações antigas, veja abaixo. Seja ou não Eteokrētes um trocadilho com
eteokrithos , ı > t pareceria uma etimologia plausível de *eteos . No entanto, há uma certa
contaminação com o egípcio ı > t (y) e o copta eiōt , "ancestrais". Esta parece ser a origem do nome
do clã Eteoboutadēs, os sacerdotes hereditários do templo de Atena Polia em Atenas.
17 J. Bérard (1951, p. 129) e Lochner-Hüttenbach (1960, p. 142). Sobre a origem cretense dos

filisteus, veja o Apêndice.


18 WF Albright (1950, p. 171); sobre a transmissão inicial do alfabeto, ver Bermi (1987).
19 Sobre a influência da escrita nas línguas faladas, ver Lehmann (1973, pp. 178 e 226) e Polomé

(1981, pp. 881-885).


20 Consulte o Apêndice.
21 Fr. 16, Grandi Eoiai (White, 1914, p. 264).
22 Estrabão, Geografia , V.2.4 .
23 Acusilao, fr. 11, citado em Ridgeway (1901, vol. I , p. 90). Em outros lugares, no entanto, ele

restringe o significado de Peloponeso, como fez Éforo no século IV , veja Apolodoro, Bibliotheca , II .
1.1. Sobre Ésquilo, veja Os Suplicantes , 251-260.
24 Heródoto, As histórias , I .58 e II .50.
25 Ibid, II .50-55; IV . 145; VII .94. Para outros resumos de seus pontos de vista sobre os pelasgos,

veja Abel (1966, pp. 34-44) e AB Lloyd (1976, pp. 232-234). Sobre os atenienses do período pré-
arcaico como « Pelasger und Barbaren », ver Meyer (1892, vol. I , p. 6).
26 M. Pallottino (1978, pp. 72-73).
27 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I .3.2.
28 Heródoto, As histórias , II .50-55 e Diodoro, Bibliotheca Historica , III .61.1.
29 Heródoto, As histórias , VIII .44. Sobre Cecrops como egípcio, ver vol. II . Para tal crença em

Erechtheus, veja Diodorus, Bibliotheca Historica , I. 29.1 e o scholium de Aristide, Panathenaicus ,


XIII.95 , citado em Burton (1972, p. 124). A ideia predominante era de que ele era indígena.
30 Eurípides, Arquelau (perdido), fragmento, citado em Strabo, Geografia , V .2.4.
31 Os suplicantes , 911-914.
32 Estrabão, Geografia , V.2.4 . e IX.2.3 .
33 Pausanias, Guia da Grécia , I.28.3 ; III . 20,5; IV . 36,1; VIII . 1.4-5 e 2.1.
34 Pausanias, Guia da Grécia , VIII .1.4.
35 Niebuhr (1847, vol. I p. 28).
36 Meyer (1928, vol. II , pt. I , p. 237).
37 Para um compêndio de visões modernas, ver Abel (1966, pp. 1-6).
38 Ver Capítulo 7 , n. 59.
39 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I .3.2.
40 Ridgeway (1901, vol. I , pp. 280-292); Grumach (1968/9, pp. 73-103, 400-430); Hood (1967,

pp. 109-134).
41 Heródoto, As histórias , I .58.
42 Ver Grote (1846-1856, vol. II , pp. 350 e segs.); Gobineau (1983, vol. I , p. 663); Wilamowitz-

Moellendorff (1931, vol. I , pp. 60-63).


43 Ver Bérard (1894); Capítulo 9 , n. 33.

105
44 Veja adiante e vol. II .
45 Sandars (1978, p. 185); Snodgrass (1971, pp. 180-186); Ward (1973).
46 Consulte o Apêndice.
47 Heródoto, As histórias , I .58. Abel (1966, p. 13) aponta que essa informação é introduzida pela

partícula gar (per) e isso indica que Heródoto estava se referindo a algo que fazia parte das noções
convencionais e que não foi sua descoberta pessoal.
48 Heródoto, As histórias , VII .94-95.
49 Chantraine (1968-1975, vol. I , p. 475b); T. Braun (1982, pp. 1-4).
50 A letra grega ipsilon exigia um "espírito" inicial ou um ' h . Seria, portanto, impossível ter um

formulário * Yantes. Uma confirmação adicional da etimologia egípcia parece vir de outro nome que
os gregos deram aos povos primitivos - e que também está particularmente associado à Ática -
Paion. Os estudiosos geralmente concordam que deve ser considerado semelhante a Iōn ou Iaōn,
mas eles não conseguem entender o mecanismo presumivelmente "pré-helênico" para o qual
haveria uma relação entre essas palavras; ver Bibliografia, Cromey (1978, p. 63). A fonte poderia
simplesmente ser explicada pelo egípcio p 3 iwn (o bárbaro).
51 Sobre Xutus, ver Heródoto, As histórias , VII. 94; VIII .44 e Pausanias, Guia da Grécia , VII. 1.2.

Sobre Poseidon como patrono dos jônios, veja Farnell (1895-1909, vol. IV , pp. 10-11, 33-34 e
passim ). A incerteza sobre a sibilante inicial em Xutus e Zeto, este último provavelmente outra
variante de Set, talvez tenha origem na confusão com o cananeu Ṣid - deus do mar e da caça - e com
a raiz semítica √ sṣwd (caça), atividade que foi de importância central para Seth e Poseidon. O
último nome às vezes era escrito Poteido / an. V edi vol. III .
52 Borrachas (1913). Para uma descrição de sua influência contínua, ver Muhly (1970b,

particularmente p. 40) e R. Edwards (1979, p. 65, no. 63).


53 Ver R. Edwards (1979, p. 77, nº 70).
54 KO Müller (1820-1824, vol. I , pp. 113-121).
55 R. Edwards (1979, p. 77, nº 70); Chantraine (1968-1975, vol. I , p. 21). A raiz semítica ocidental

encontrada pela primeira vez no eblaíta adana parece vir do egípcio ı > dn (w) (delegado,
governador).
56 Merkelbach e West (1967, fr. 141 e 143).
57 Catálogo de mulheres , fr. 16 e citado em Strabo, Geography , VIII. 6.8 e fr. 17. Sobre o fragmento

do Danaide , ver Kinkel (1877, fr. 1) e R. Edwards (1979, p. 75).


58 Marmo Pario, 1.11.44-5 e Heródoto, As histórias , IV .53. Para uma revisão da datação antiga ,

veja Taciano, I.3 . Para um estudo sobre a datação antiga dos dois poetas, ver Jacoby (1904, pp. 152-
158).
59 Forrest (1982, p. 286). Para uma boa revisão da literatura antiga e uma bibliografia da

literatura moderna sobre Hesíodo e suas datas, veja GP Edwards (1971, pp. 1-10, 200-228). Para
uma discussão mais aprofundada de Homero, ver Capítulo 6 , n. 3 abaixo. Para uma discussão sobre
a datação mais avançada da transmissão , ver Capítulo 9 , nn. 74-91.
60 Para todas essas datas e suas implicações políticas, ver Bernal (1987; 1990).
61 Sobre este tema muito difundido, ver Finley (1978 [trad. It. 1962], pp. 32-33). Referências aos

fenícios levaram alguns estudiosos a argumentar que a Odisseia foi composta consideravelmente
mais tarde que a Ilíada (Nilsson, 1932, pp. 130-137; Muhly, 1970b). Muhly (p. 20, n. 6) observa que
essa teoria já havia sido proposta na Antiguidade (Longinus, De sublimitate , IX .13).
62 Ver Albright (1950, pp. 173-176; 1975, pp. 516-526); Cross (1974, pp. 490-493; 1979, pp. 103-

104; 1980, pp. 15-17; Sznycer (1979, pp. 89-93); Naveh (1982, pp. 40-41); Helm ( 1980, pp. 95-96,
126).
63 Finley (1978 [trad. It. 1962], p. 33).
64 Veja vol. III .
65 Finley (1978 [trad. It. 1962], p. 33).
66 Forrest (1982, pp. 286-287).

106
67 Walcot (1966, p. 16) aceita essa possibilidade.
68 Ibidem, pp. 27-53. Vale a pena notar que Zeus, embora nunca tenha sido confundido com
Marduk na Grécia, foi muitas vezes identificado com Am (m) on. É, portanto, bem possível que as
teogonias que o colocam no centro tenham sido retiradas do Egito do segundo milênio. Sobre a
importância da minimização do Egito e da Fenícia por Walcot, ver Capítulo 10 , n. 33.
69 As obras e os dias . Não há razão para duvidar que Biblinos signifique "originalmente de

Bi/yblos".
70 A ideia de que os suplicantes pertencem a uma trilogia foi apresentada pela primeira vez por

AW Schlegel
em 1811. V edi Garvie (1969, p. 163). Para os temas da tragédia, ver Apollodorus, Bibliotheca , II.1.3 .
e III.1.1., Nonno ( Dionisiache , II.679-698 , III.266-319 ) e o scholiaste em Le Fenicie de Eurípides .
Todas essas obras estão resumidas claramente em R. Edwards (1979, pp. 27-28). Ver também
Garvie (1969, p. 163). Para referências à história de Amimon, ver Frazer (1921, vol. I , p. 138, no. 2).
71 Earp (1953, p. 119), citado por Garvie (1969, p. 29).
72 Garvie (1969, pp. 1-28).
73 Ibidem, pp. 29-140.
74 Os suplicantes , I. 154. Para uma discussão disto, ver Johansen e Whittle (1980, vol. II , p. 128).
75 Scholiaste em Hekabe 886 . Veja o artigo em Pauly Wissova , IV , 2, 1094-1098 . Para sua

ambiguidade, ver Garvie (1969, p. 164, n. 3).


76 Os suplicantes , I. 911-914.
77 Diodorus, Bibliotheca Historica , I .24.8. É claro que seus informantes identificaram Io com Isis.
78 46,20 Astour (1967a, pp. 86-87, 388).
79 Johansen e Whittle (1980, vol. II , p. 171).
80 Veja v. 155-158, 228-234, 822-824. Vedi Johansen e Whittle (1980, vol. II , p. 184).
81 Ver Ahl (1985, especialmente pp. 17-63).
82 Garvie (1969, pp. 71-72). Heródoto, Le contos , IV .199, escreve que a palavra bounos (colina) -

que, embora seja o termo comum para montanha no grego moderno, é rara na língua clássica - vem
de Cirene, localizada no país que hoje chamamos de Líbia. Vedi Garvie (1969, p. 71) e Johansen e
Whittle (1980, vol. II , pp. 105-106). Parece-me legítimo associar a palavra, pelo menos ao nível do
jogo de palavras, com a raiz egípcia √bn, que se encontra na palavra wbn (o nascente, como o sol) e
bnbn (ponta ou pico) ou ( colina primordial). Ver AB Lloyd (1976, pp. 318-319).
83 Garvie (1969, p. 72).
84 J. Bérard (1952, p. 35).
85 Astour (1967a, p. 94). Johansen e Whittle, (1980, vol. II , p. 45) citam, sem fornecer a referência,

uma objeção de JR Harris quanto à quantidade desta vogal que, se levarmos em conta as distorções
sofridas na mudança fonética e na empréstimo putativo , parece muito fraco. Os próprios Johansen
e Whittle falam de um certo "negligência da quantidade nas etimologias de Ésquilo" (p. 105). A
principal acusação de Harris, no entanto, é baseada em razões puramente ideológicas, a saber, que a
ligação entre Epafo e Apofi "não faz sentido".
86 Ilíada , I. 270; III.49 e Odyssey , VII.25 ; XVI.18 , citado em Johansen e Whittle (1980, vol. II , p.

105).
87 Para conhecimento antigo sobre este assunto, ver , por exemplo, Fréret (1784, p. 37). Para

moderno, veja Sheppard (1911, p. 226).


88 Vercoutter (1975, col. 338-350).
89 Von Voss (1980, col. 52-53).
90 Os suplicantes , 260-270.
91 Von Voss (1980, col. 52-53); Budge (1904, vol. I , p. 198).
92 Dupla etimologia, citada em Eusebius, Chronicorum . Para as complicações apresentadas pelo

texto de Eusébio, ver AA Mosshammer (1979, pp. 29-112). Edição de vídeo também Fréret (1784, p.
20). Veja acima, n . 8-10, sobre os muitos significados diferentes do mesmo nome Argo.

107
93 nº 13.22.33; Deut. 1: 28, 2: 10-21, 9: 2; Gius. 11: 21-2, 14: 12-15, 15: 14 e 15: 13-14; Jud. 1: 20.
Sobre os filisteus, veja o Apêndice. Gobineau (1983, vol. I , p. 663) acredita que Inaco e anax
derivam do semita < ǎnåq .
94 Em Num. 13:22 é especificado que Hebron - que foi provavelmente o nome posterior de Qiriat >

Arba - foi fundada sete anos antes de Zoan, que parece ser Avari, a capital dos hicsos, fundada no
século XVII aC ou mais cedo.
95 Freret (17 , p. 7). A derivaçao de> ‹ Nq «colar», ou talvez «pescoço»), diríamos uma
etimologia popular.
96 Os aspectos fonéticos do empréstimo serão detalhados no vol. II .
97 Apollodorus, Bibliotheca , II.1.4 . Sobre as variantes, Frazer (1921, vol. I , pp. 134-135). A ideia

de água "vida", ou "água viva" ou corrente, é certamente natural. Ocorre no pensamento grego
posterior como ὓδωρ ξῶν , e com força ainda maior na tradição judaica e cristã. Encontra-se, por
exemplo, no hebraico (Levítico 14: 5, 6 e passim ). Ver também Daniélou (1964, pp. 42-57) .
Para outras complicações latinas da relação entre eu e seu pai Inaco (água do rio), as palavras
flumen e os fulmen (relâmpago) de seu captor Zeus, nas Metamorfoses de Ovídio, ver Ahl (1985, pp.
144-146).
98 Ver Astour (1967a, p. 86).
99 Johansen e Whittle (1980, vol. II , p. 65).
100 Aceito o argumento formulado por TT Duke (1965, p. 133).
101 Ahl (1985, pp. 151-154). Sobre as raízes egípcias e gregas da identificação de Ísis com a lua, ver

Hani (1976, p. 220).


102 As origens egípcias de Atena, como as do marido da Líbia, Poseidon, são mencionadas na

Introdução; eles serão discutidos com mais detalhes no vol. II .


103 Meyer (1892, vol. I , p. 81) citado em Astour (1967a, p. 80). Meyer argumenta que a

vocalização de Bēlos indica que o nome não poderia ter vindo do cananeu ba < al , mas deve derivar
do aramaico b e < ē l e, portanto, deve ser posterior. No entanto, a mutação de Bālos para Bēlos
também pode ter ocorrido em grego.
104 As complexidades das raízes egípcio-semíticas e da palavra phoinix serão discutidas no vol. II .
105 Astour (1967a, p. 81).
106 Em dois textos paralelos que datam de cerca de 2500 aC, um vindo da cidade siríaca de Ebla e

outro do sítio mesopotâmico de Abu Salabikh, encontramos os dois nomes Am-ni e DA-ne ki
referindo-se a dois lugares, que c 'é concordância nos textos, que parecem referir-se à região oeste
(Pettinato, 1978, p. 69, num. 186). O autor me sugeriu (comunicação pessoal, março de 1983) que o
primeiro pode se referir à cidade cretense de Amnisos, cujo nome é agora atestado tanto no Linear
B quanto no egípcio do segundo milênio. Neste caso - ou mesmo se Am-ni fosse um termo genérico
para "o Ocidente", que em egípcio e > imn - o país de Da-ne poderia se referir a Creta.
107 Ver Helck (1979, pp. 31-35); Gardiner (1947, vol. I , pp. 124-126). Para uma discussão mais

aprofundada dessas questões, ver vol. II .


108 Astour (1967a, pp. 1-80).
109 Ver Gordon (1962b, p. 21); Yadin (1968); Arbeitman e Rendsburg (1981) para uma revisão da

literatura sobre o assunto e para alguns novos tópicos importantes.


110 Gardiner (1947, vol. I , p. 126); Morenz (1969, p. 49). A raiz tni (envelhecer) pareceria a

origem, através dos eufemismos comuns em torno da ideia de morte, da raiz grega> ~ θν , que
aparece em thanatos e alhures e significa "morrer", mas com conotações que referir envelhecer.
Para a confusão egípcia entre velhice e morte, veja Hornung (1971, tradução inglesa 1983, pp. 151-
153).
111 Para dúvidas sobre esta tradição ver acima, pp. 53-55.
112 Johansen e Whittle (1980, vol. II , p. 5).
113 Farnell (1895, vol. I , pp. 72-74); AB Cook (1925, vol. II , pt. 11, pp. 1093-1098).
114 A outra é a de Eurípides.

108
115 Os fenícios , 202-249. Para outras peças, consulte Le Baccanti e Friso , fr. 819 e 820.
116 Para uma revisão geral, ver R. Edwards (1979, pp. 45-47).
117 Heródoto, As histórias , II. 182.
118 Ibid., IV . 147.
119 Ibid, II . 171.
120 Ibid, V .58.
121 Ibid, II .49-52. Sobre recentes tentativas meticulosas de refutar isso, ver Froidefond (1971, pp.

145-169); AB Lloyd (1976, vol. II , pp. 224-226).


122 Heródoto, As histórias , II .55-58.
123 Plutarco, De Herodoti malignitate . Para os estudiosos modernos que começaram a levar

Heródoto a sério nos últimos quinze anos, ver AB Lloyd (1976).


124 Heródoto, As histórias , II .49.
125 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I .8.
126 Heródoto, As histórias , VI .53-54.
127 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I .3.2.
128 Ver , por exemplo, Snodgrass (1971, p. 19).
129 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I.3.2 ; para uma discussão sobre isso, veja Strabo,

Geography , VIII. 6.6. A fórmula καθ῍Έλλάδα χαί μέσος ῍Aργος (por toda a Hélade e Argos médio) é
frequentemente usado para designar a Grécia na Odisseia , I .343-344; IV . 726, 816; XV .80.
130 Tucídides, História da Guerra do Peloponeso , I .1.
131 Panegyricos , 50. Para o contexto da oração, veja Bury (1900, pp. 540-541, 568-569). Edição de

vídeo também Snowden (1970, p. 170), que a aprecia como um sinal da falta de racismo entre os
gregos.
132 Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos , VIII .86-89; de Santillana (1963, pp. 813-815).
133 Comenda de Elena , X. 68.
134 Busiride , 30. Com todo o respeito a Smelik e Hemelrijk (1984, p. 1877), e sua ostensiva atitude

anti-egípcia.
135 Busiride , 16-23.
136 Busiride , 28.
137 Ver Cícero, Tusculanae disputationes , V. 3.9; a derivação da palavra sophia do egípcio sb 3

(ensino, conhecimento) será discutida no vol. II .


138 Bury (1900, p. 541); Gardiner (1961 [trad. It. 1971], p. 336) e Strauss (1987). O nome

Salamina - dado aos portos abrigados de Chipre e Salamina, uma cidade não muito longe de Atenas
a oeste - deriva claramente do semita salam (paz), que é encontrado hoje no topônimo árabe Dar es
Salam (Porto da Paz). . Atenas acabou sendo o membro menos confiável da liga.
139 Wilamowitz-Moellendorff (1931, vol. I , pp. 243-244; vol. II , p. 116, n. 3).
140 Plutarco, De Ísis ..., 10; Lykourgos , 4; Froidefond (1971, pp. 243-246). Na nota 77 ele confessa

que Estrabão - século I - também menciona a dívida de Licurgo com o Egito.


141 Veja vol. II .
142 Busiride , 18.
143 Froidefond (1971, p. 247).
144 Heródoto, As histórias , II .81. Para uma confirmação posterior, veja Diógenes Laércio, Vidas dos

Filósofos , VIII. 2-3. Para uma tentativa de negação, ver Delatte (1922, p. 152 e outros lugares).
145 Busiride , 28. Isocrates, trad. inglês por Norlin, pág. 119.
146 Ver , por exemplo, a tradução de Norlin, p. 112, n. 1.
147 Ver discussão em Froidefond (1971, pp. 240-243).
148 Para uma revisão das controvérsias entre os estudiosos arianos sobre se Platão esteve ou não

no Egito, ver Froidefond (1971, p. 269, No. 24) e Davis (1979, p. 122, No. 3). No entanto, vale a pena
notar que, como Davis aponta: "a tradição quase nunca é explicitamente contrariada pelas fontes

109
clássicas". Também vale a pena notar que muito do ceticismo sobre a visita de Platão ao Egito é
encontrado nas obras de Hopfner, especialmente (1940-1941).
149 Fedro , 274D.
150 Filebo , 16C; Epinomide , 986E-987A.
151 Davis (1979, pp. 121-127).
152 Citado em Proclus, in Timeu , LXXVI (it. Trans. Of Festugière, 1966-1968, vol. I , p. 111). A

narrativa platônica da lenda atlante será tratada mais adiante.


153 Marx (1867-1905 [trad. It. 1975], vol. I , lib. I , pt. IV , p. 448).
154 Popper (1950 [trad. It. 1974], vol. I , pp. 309-310, n. 27).
155 Sobre o primeiro, ver AE Taylor (1929 [trad. It. 1968], pp. 428-463). Sobre este último, ver ,

por exemplo, Lee (1955, Introdução).


156 Heródoto, As histórias , II . 29, 62; Platão, Timeu , 21E. Para detalhes sobre a verdadeira relação

entre Sais e Atenas, ver vol. II . Edição de vídeo também Bernal (1985a, pp. 78-79).
157 Timeu , 22B.
158 Timeu , 23A. É possível que aqui Platão tenha realmente transmitido uma tradição antiga. O

conteúdo das lendas do desastre será discutido no vol. II . Também é possível que houvesse uma
paronomasia, ou trocadilho, sagrado, no sentido de que o padre ao dizer Atenas queria dizer ḥtNt, o
nome religioso - e, portanto, o mais antigo - de Sais. V edi Introdução e vol. II . Ver também Bernal (
1985a , p. 78).
159 Sobre Isócrates, ver n. 133 acima. Para Platão, veja Menessenus , 245D.
160 Veja n. 132 acima.
161 Meteorologia , I .14.351b, 28.
162 Metafísica , I.1.981b .
163 Céu , II.14.298 . Para tentativas modernas de tirar a astronomia da lista, veja Froidefond (1971,

p. 347, nº 35).
164 Froidefond (1971, p. 350, n. 61).
165 James (1954, pp. 112-130) argumenta que essa posição deu a Aristóteles acesso às bibliotecas

egípcias, o que por sua vez poderia explicar a quantidade e variedade quase incríveis de assuntos
dos escritos de Aristóteles. Essa hipótese, e a mais geral segundo a qual a conquista grega do
Oriente Médio teria sido semelhante à dos árabes um milênio depois, no sentido de que eles
apreenderam e helenizaram/arabizaram grande parte da cultura anterior, mas perderam o resto ,
ainda que muito difícil de verificar, é digno de séria consideração.
166 H.-J. Thissen (1980, col. 1180-1181).
167 Citado em Diodorus, Bibliotheca Historica , XL 3.2.
168 Esta carta é citada tanto em I Macabeus XII : 20-22 como em Josefo, Antiquitates , XII.226 . O

professor Momigliano, que acredita na autenticidade da maioria dos documentos contidos em Os


Macabeus, argumenta que esta carta é apócrifa. Como opera dentro do modelo ariano, é natural que
considere absurda a ideia de uma relação entre judeus e espartanos (1968, p. 146). Rawson (1969,
p. 96) é igualmente incrédulo. Tampouco se refere ao trabalho meditado de E. Meyer sobre a
questão (1921, p. 30) em que a autenticidade da carta é aceita e vinculada à obra de Hecateo.
Klausner (1976, p. 195) não tem dúvidas quanto à autenticidade. Edição de vídeo também Astour
(1967a, p. 98).
169 Para um debate sobre a origem egípcia ou fenícia de Cadmo, ver Pausânias, IX.12.2 . Sobre o

contraste das datas estabelecidas pelos antigos cronógrafos para os desembarques do Cadmus, ver
R. Edwards (1979, p. 167).
170 Zenodotus, citado em Diógenes Laércio, VII.3 e 30.
171 Diodorus Siculus, Bibliotheca , I.9.5-6 .
172 Ibid, V .57.1-5.
173 Ibid, V .58.
174 Comentário sobre a tradução da Bibliotheca Historica de Oldfather , vol. III , pág. 252-253.

110
175 Diodorus Siculus, Bibliotheca , I.9.5-6 .
176 Ibid, I. 28-30.
177 Pausanias, Guia da Grécia , II.30.6 .
178 Ibid, II.38.4 .
179 A identificação de Poseidon com Seth foi mencionada na Introdução; será discutido em

detalhes no vol. III .


180 Pausânias, Guia da Grécia, IV .35.2.
181 Ibidem, IX .5.1.
182 Veja n. 50 acima.
183 De Herodoti malignitate , 13-14.
184 Comentário sobre a tradução de De Herodoti malignitate por L. Pearson e FH Sandbach, em

Plutarch's Moralia (Cambridge, Mass., 1931-1935), p. 5.


185 Pausanias, Guia da Grécia , IX .16.1.
186 Ibid, III . 18.3. Este oráculo será discutido no vol. III .
187 Ibid .
188 F. Dunand (1973, p. 3); S. Dow (1937, pp. 183-232).
189 Arriano, Anábase de Alexandre , III.3.2 ; Lane-Fox (1980 [trad. It. 1981], pp. 208, 216-217). Nos

chifres, veja as semelhanças marcantes entre uma moeda alexandrina e um período anterior de
Cirene, uma colônia grega na costa da Líbia, e representando Amon, em Lane-Fox (1980 [trad. It.
1981], pp. 207-208). ). As moedas de Cirene às vezes representavam Amon de uma forma que
sugeria "um toque de sangue negro". Vedi Seltman (1933, p. 183).
190 Arrian, Anabasi , IV . 9,9; Lane-Fox (1980 [trad. It. 1981], p. 396).
191 Hornung (1971 [trad. It. 1983], pp. 93-95).
192 Diodorus Siculus, Bibliotheca , III . 68-74. V edi vol. III para uma discussão desta importante

forma de sincretismo na religião grega e especialmente na cretense.


193 Diodorus Siculus, Bibliotheca , I .17.3- I .20. Para a ligação entre Osíris, o civilizador navegador,

e Dionísio, ver também Plutarco, De Ísis... , 13, 365B. Helck (1962, col. 505) nega que a lenda das
conquistas de Osíris tenha qualquer fundamento na tradição egípcia. Como escreve J. Hani (1976, p.
44), "é curioso notar" que Helck omitiu o Hino a Osíris no Louvre, que se refere a essa tradição. Não
me surpreende encontrar esse tipo de omissão naquele bastião do modelo ariano que é a
enciclopédia Pauly Wissowa .
194 Le bacanti , 13-20, ver discussão em Frazer (1921, pp. 324-325).
195 Arrian, Anabasi , IV .9.5, 10.6; VII .20.1.
196 Ibid, V.2.1 .
197 Ibid, VI .27.2.
198 Lane-Fox (1980 [trad. It. 1981], pp. 128-130; sobre o estilo egípcio de seu cortejo fúnebre, ver

pp. 519-520).
199 Ver Parke (1967, pp. 222-230). Para uma visão arianista muito mais extrema, veja Wilcken

(1928; 1930). Sobre a carreira de sucesso de Wilken no Terceiro Reich, ver Cânfora (1980, p. 136).
200 Você vê também Hani (1976, p. 8), para uma bibliografia desse processo. Uma longa série de

volumes editados por MJ Vermaseren é dedicado a este mesmo tema ( Études préliminaires aux
religions orientales dans l'empire romain , Leiden 1961).
201 Zucker (1950, pp. 151-152); Froidefond (1971, p. 228); Dunand (1973, p. 5).
202 Pausanias, Guia da Grécia , I.41.4 ; Dunand (1973, pp. 13, 99).
203 Dunand (1973, p. 89).
204 Pausanias, Guia da Grécia , I.41.4 ; II.3.3 ; II.32.6 ; III.9.13 ; III.14.5 ; III.18.3 ; IV.32.6 ; VIL. 25,5;

X .32.9.
205 Para a difusão do culto de Ísis, por exemplo, ver a extensa, mas incompleta bibliografia de J.

Leclant (1972, 1974).


206 Smelik e Hemelrijk (1984, pp. 1931-1938).

111
207 Ver Lambert (1984, especialmente pp. 121-127 e 157-160).
208 Smelik e Hemelrijk (1984, pp. 1943-1944).
209 Cícero, De republica , III . 9.14.
210 Smelik e Hemelrijk (1984, pp. 1965-1971).
211 Veja - um exemplo entre muitos - os hinos mencionados por Plutarco em que Osíris é referido

como aquele "que está escondido nos braços do sol" (54.372B) e as alusões egípcias ao abraço do
espírito de Ra e do espírito de Osíris. Hani (1976, p. 219) escreve sobre o assunto: «Mais uma vez
podemos ver a confiabilidade das informações fornecidas por Plutarco».
212 Griffiths (1980, col. 167). Vale a pena notar que Griffiths desaprova a desconfiança excessiva

de estudiosos como Froidefond em relação às fontes gregas sobre a civilização egípcia.


213 Froidefond (1971).
214 Plutarco, De Ísis ..., 35.364E. Existem muitas outras fontes que indicam uma conexão

particularmente estreita entre o deific e a religião egípcia neste trabalho e em outros. V edi
Jeanmaire (1951 [trad. It. 1972], p. 383); Hani (1976, p. 177). Edição de vídeo também Eliodoro, Os
Etíopes , II . 28.
215 13, 356B; 28, 362B.
216 Griffiths (1970, pp. 320-321).
217 Veja Clemente de Alexandria, Protreptico , II.13 .
218 Snodgrass (1971, pp. 116-117).
219 Heliodoro, Os Etíopes , II .27.3.
220 Apuleio, O Asno Dourado , XI . 5.
221 Jâmblico, Mistérios do Egito , VII. 5.3: citado em T. Taylor (1821, p. 295).

112
2. Sabedoria egípcia e transmissão grega
da Alta Idade Média ao Renascimento

Neste capítulo, trato da sobrevivência do antigo Egito após a queda de sua principal
civilização. Em primeiro lugar, a sobrevivência da religião egípcia, tanto dentro como fora
do cristianismo, encontra-se em seitas heréticas, como a dos gnósticos, e na tradição
hermética, decididamente pagã. Muito mais difundida do que essas continuações diretas,
no entanto, foi a admiração geral pelo antigo Egito por parte das elites educadas. O Egito,
embora subordinado às tradições cristãs e bíblicas em matéria de religião ou moral,
colocou-se claramente na origem de toda sabedoria "gentia" ou secular. É por isso que
antes de 1600 ninguém jamais havia questionado a crença de que a civilização e a filosofia
gregas se originaram do Egito ou que foram transmitidas principalmente através da
colonização egípcia e do subsequente estudo do Egito pelos gregos.

O assassinato de Hipácia
Em 390 dC, o templo de Serápis e a grande biblioteca adjacente de Alexandria foram
destruídos por um tumulto de cristãos; vinte e cinco anos depois, a brilhante e bela
matemática e filósofa Hipácia foi cruelmente assassinada na mesma cidade por um bando
de monges instigados por São Cirilo. Esses dois atos de violência marcam o fim do
paganismo egípcio e o início da "idade das trevas" cristã. 1
Não é de surpreender que os estudiosos que operam dentro do modelo ariano prefiram
ignorar o fator cristão e ver esses eventos como um ressurgimento do fanatismo oriental-
egípcio contra o racionalismo helenístico. 2 Mas, deixando de lado a implicação absurda de
que os europeus não podem ser fanáticos, essas duas explicações - isto é, que as multidões
fanáticas eram cristãs e egípcias - não são mutuamente exclusivas. A partir do século IV , o
Egito era uma província ardentemente cristã do Império Romano, se não a mais ardente.

Declínio da religião pagã-egípcia


O que aconteceu? A religião egípcia desmoronou com notável rapidez entre 130 e 230 dC
Mas por que o coração do paganismo se converteu ao cristianismo e antes e com maior
fervor do que todas as outras províncias romanas? Isso se relaciona com o problema maior:
por que todo o mundo pagão se converteu ao cristianismo? Para os historiadores cristãos
este evento não é um problema: é claro, quando os egípcios, ou qualquer outro povo, viram
a luz da "verdadeira religião", eles abandonaram seu paganismo idólatra. Para
historiadores sem tal compromisso com a fé, o fenômeno é menos fácil de explicar.
No sentido mais amplo, pode-se argumentar que com a anomia e o colapso das
estruturas locais tradicionais que ocorreram nos impérios helenístico e romano, surgiu
uma tendência natural ao monoteísmo, um reflexo celestial dos impérios mundiais
terrestres. Isso seria demonstrado em primeiro lugar pela enorme expansão do judaísmo

113
- graças a um forte trabalho de proselitismo - por todo o Mediterrâneo depois de 300 aC Em
meados do século I dC, de fato, os judeus constituíam entre 5 e 10 por cento da população a
população do Império Romano. 3 Em 116-117, no entanto, houve uma enorme revolta entre
os judeus da Diáspora, muito maior do que as mais famosas dos Zelotes e de Bar Kokhba
que ocorreram na Judéia em 66-70 e 132-135 respectivamente.
A revolta da diáspora foi seguida por uma repressão genocida em Chipre, Cirene e
especialmente Alexandria, que destruiu completamente a brilhante cultura do judaísmo
helenizado. 4 Mesmo antes disso, embora os judeus constituíssem uma proporção
considerável da população do Egito, o judaísmo ainda era muito estrangeiro para absorver
a cultura egípcia. Como os indianos e chineses nos impérios coloniais dos séculos 19 e 20 , ou
os judeus dos tempos medievais e modernos na Europa Oriental, os judeus do Egito
serviram como intermediários entre os governantes gregos e o povo egípcio. E, em todos
esses casos, foi muito útil para os governantes manterem a tensão entre os nativos e os
estrangeiros , a classe média estrangeira. Para o resto do século II e além, a eliminação dos
judeus, portanto, significou que o cristianismo - que em qualquer caso tinha laços menos
estreitos com um determinado povo - não teve rivais sérios entre as religiões que faziam
proselitismo.
Parece plausível supor que a religião egípcia desmoronou junto com a do estado
faraônico e da nacionalidade egípcia. Este argumento tem alguma validade, mas também
apresenta alguns problemas. A partir de 700 aC, o Egito foi governado na maior parte do
tempo por estrangeiros; alguns, como os etíopes e os gregos ptolomaicos, haviam
governado seus grandes impérios a partir do Egito, mas os persas eram semelhantes aos
romanos ao considerar o Egito como uma província - muito especial. A maioria dos
governantes considerava o bom relacionamento com a religião egípcia essencial para o
controle do país. É verdade que os persas às vezes perseguiam a religião egípcia, mas em
geral também colaboravam com ela. 5 A atitude bastante favorável de seus sucessores
macedônios foi descrita no capítulo 1: a religião egípcia floresceu e se expandiu ao longo do
período, atingindo seu auge na primeira metade do século II dC Essa tendência histórica
torna ainda mais surpreendente o colapso posterior. De fato, se a perseguição estrangeira
tivesse sido o fator crucial, o colapso teria sido muito mais provável no século VI ou IV aC,
sob o domínio persa, do que no século II dC, quando a religião egípcia desfrutou do favor
imperial romano.
Os Ptolomeus no Egito, semelhantes aos mongóis e manchus na China, enquanto se
apresentavam como seus campeões, estavam muito conscientes dos perigos de uma
absorção pela cultura local. Eles estavam, portanto, determinados a preservar sua cultura e
governar através dos gregos. Cleópatra VII , a rainha de Antônio e César, foi a primeira - e
última - da dinastia a aprender egípcio. Os sacerdotes egípcios, portanto, enquanto
colaboravam objetivamente com os novos governantes estrangeiros, como haviam feito
com seus predecessores, tentaram manter-se à margem e, em certa medida, continuaram a
representar o "nacionalismo" egípcio. No século II dC, no entanto, após quatrocentos anos
de domínio grego, os governantes romanos e as classes altas egípcias e macedônias -
incluindo os sacerdotes - haviam se fundido em uma civilização helênica comum com uma
religião egípcia. No entanto, o mesmo entusiasmo dos imperadores romanos pela religião
egípcia e sua "internacionalização" parece ter enfraquecido as posições dos sacerdotes
como defensores do Egito.

114
Não há dúvida de que, com os séculos III e IV d.C., a hostilidade contra a religião antiga
assumiu uma base de classe precisa e o cristianismo representou inicialmente os pobres e
depois as classes médias contra os ricos. É, portanto, possível – apesar da bem divulgada
austeridade do estilo de vida sacerdotal – que a imensa riqueza dos templos e a exploração
dos pobres pelos sacerdotes tenham causado ressentimento. 6 Assim, a partir do século II , o
cristianismo, embora vindo da Palestina e conscientemente internacional, acabou por
representar os pobres e as classes médias egípcias contra as classes altas helenizadas e
cosmopolitas que seguiam uma religião pagã egípcia.

Cristianismo, estrelas e peixes


Há poucas razões para duvidar que esses fatores sociais e nacionais tenham desempenhado
um papel decisivo na destruição da religião egípcia organizada. Mas parece que se tratava
de tensões ou rachaduras lentas e de longo prazo, em vez de problemas agudos e, além
disso, no século II , surgiram dois novos aspectos. Em primeiro lugar - como sustenta a visão
convencional com razão - havia a presença do cristianismo, monoteísta e universal a tal
ponto que o judaísmo jamais poderia ter sido, e com excepcional entusiasmo e capacidade
de organização. Em segundo lugar, havia a crença geral de que o velho mundo estava
chegando ao fim e uma nova era estava prestes a começar.
Messianismo ou milenarismo é a crença na chegada iminente de uma nova ordem ou
milênio de harmonia e justiça em que o Messias e os santos vão marchando . Esta é uma
resposta frequente a ansiedades de todos os tipos, mas especialmente à conquista militar e
à dominação econômica e cultural por estrangeiros. De fato, a ideia de que alguma força
externa virá de cima para exterminar e derrubar os atuais governantes ilegítimos, de modo
que "os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros", tem sido fundamental para o
judaísmo, pelo menos desde os dias de Cativeiro babilônico no século VI aC É claro, porém,
que esse sentimento se intensificou após cerca de 50 aC e foi muito relevante para os
duzentos anos seguintes. Além disso, a premonição do apocalipse não se limitava aos
judeus. A crise pode ser parcialmente explicada como consequência de inúmeras mudanças
políticas e econômicas. Houve o sucesso sem precedentes dos romanos na unificação do
Mediterrâneo, as ferozes guerras civis entre os senhores da guerra romanos e, finalmente,
em 31 aC, o estabelecimento do Império Romano - muitas vezes descrito como o início de
uma nova era - sob Augusto.
Para os judeus, havia o fator adicional de mudança na política romana de uma amizade
inicial com eles como aliados contra seu inimigo comum, os gregos selêucidas, que
governavam a maior parte do sudoeste da Ásia, para a neutralidade, para manter o
equilíbrio de poderes, para hostilidade, uma vez que os reinos helenísticos foram
esmagados e todo o Império foi transformado em um condomínio romano-grego. O
messianismo há muito era central para a tradição judaica. O primeiro Messias na Bíblia foi
Ciro, o rei da Pérsia que libertou os judeus - pelo menos aqueles que queriam sair - do
exílio na Babilônia. 7 O messianismo judaico, ao que parece, manteve a esperança de que a
libertação pudesse vir do Oriente e, em particular, dos partos, os novos governantes da
Pérsia, que também governavam a Mesopotâmia, com sua vasta população judaica, e que
também tinham 'eles, como os judeus, travaram uma guerra de independência contra os

115
selêucidas. Além disso, há pouca dúvida de que os levantes de 115 e 116, claramente
vivenciados pelos participantes em termos messiânicos, foram concomitantes ao grande
ataque de Trajano à Pártia naqueles anos. 8
Talvez valha a pena repetir que entre 50 a.C. e 150 d.C., o messianismo e a ideia do
alvorecer de uma nova era não se limitaram aos judeus, nem podem ser explicados em
função das mudanças na política romana mencionadas acima. Outro elemento foi a
transição astrológica da era de Áries para a de Peixes. Sem entrar na discussão de quando e
por quem a precessão dos equinócios foi descoberta, não há discordância de que ela era
amplamente conhecida por volta de 50 aC . mudou-se de Áries para Peixes.
É somente nessa concatenação de mudanças políticas, econômicas, sociais e astrológicas
que se pode entender a Écloga IV de Virgílio , escrita em 40 aC, que em seus primeiros versos
afirma:
Agora […] o grande curso dos séculos começa de novo […]. E você, doce Lucina, sorria ao nascimento de uma
criança sob a qual a raça de ferro chegará ao fim e uma nova prole dourada surgirá em todo o mundo! Seu Apollo
agora é rei!

Virgílio passa então a homenagear o pai da criança, Pólio, que se tornou cônsul, por ter
introduzido "uma idade gloriosa"; mas a história se repetirá e haverá uma nova guerra de
Tróia e outros grandes eventos históricos. 10 Com o embaraço moderno com o que parece
ser um prenúncio do advento de Cristo, a maioria dos classicistas usou sua abordagem
monista para argumentar que aqui estamos lidando apenas com figuras poéticas que
cercam o nascimento do filho de um amigo. Pareceria muito mais plausível supor que o
poeta - como poeta - empregou vários níveis diferentes de significado: o nascimento do
filho de Pólio; o início de uma era de paz sob o domínio de seu patrono e de Pollione,
Augusto. As palavras também parecem indicar o advento de uma nova divindade jovem. E
eles certamente se referem a uma mudança de idade cósmica ou astral que só pode ser a
nova era de Peixes.
As estrelas são frequentemente associadas a grandes líderes messiânicos, de Ciro, que
fundou o Império Persa no século VI aC, ao líder rebelde chinês do século VIII dC An Lushan.
11 É particularmente surpreendente a frequência com que as estrelas aparecem em

associação com os principais líderes durante o período de crise de 50 aC a 150 dC: do


cometa que representa o espírito de Júlio César à estrela de Belém, à estrela associada ao
novo deus de Adriano, Antínoo; enquanto o último líder messiânico da resistência judaica
era conhecido - pelo menos por seus inimigos - como Bar Kokhba, "filho de uma estrela". De
fato, o velho rabino Akiba, o prudente e são fundador do judaísmo moderno, que
experimentou a derrota catastrófica e a destruição de Jerusalém em 70 dC, e se adaptou às
circunstâncias, estava tão entusiasmado com os primeiros sucessos de Bar Kokhba que
pensar - citando Números 24:17, "uma estrela surgiu da linhagem de Jacó" - que este foi o
início da nova era. 12
De cima Ísis e Osíris de Plutarco, sabemos da extrema importância que foi dada aos
movimentos astronômicos, concebidos como signos do mundo ideal das estrelas e da
geometria, e a ideia de uma relação integral, pelo menos na religião egípcia tardia, entre as
estrelas e do. Também sabemos que os astrônomos do Egito helenístico estavam
interessados na precessão dos equinócios. Durante o século II d.C., ao que parece, a
influência sobre o imaginário da precessão foi duplicada graças a uma extraordinária

116
coincidência astronômica. 13 Para explicar: o Egito antigo tinha diferentes sistemas de
calendário. Os dois "anos" mais usados eram: um baseado em um calendário civil de 365
dias; o outro "ano de Sothis" está relacionado com o surgimento da estrela Sirius, que
anunciou o início das inundações do Nilo. 14 Como o ano astronômico tem pouco menos de
365,25 dias, o ano civil viria um dia antes a cada quatro anos. Os dois coincidiam apenas
uma vez a cada 1460 anos, e essa coincidência foi observada no ano 139 dC! Assim chegou
aos sacerdotes egípcios, tão interessados nas estrelas, uma dupla mensagem sobre o fim de
uma era.
Em 130 d.C., o imperador Adriano e seu jovem amante Antinous, em Ermopoli que era
seu principal local de culto, tiveram longas consultas com os sacerdotes de Thoth, a
divindade da sabedoria e das medidas. Pouco tempo depois, Antinous foi encontrado morto
afogado no Nilo; de acordo com uma tradição egípcia fundamental, Osíris também foi
afogado. 15 O infortúnio pretendia ser - e ainda permanece - um mistério. No entanto, hoje
concorda-se que foi um sacrifício voluntário, feito para evitar alguma catástrofe. 16 É certo
que Adriano imediatamente proclamou Antínous o novo Osíris, e o culto que ele próprio
promoveu foi um sucesso que, embora de curta duração, parece se estender além do círculo
de seu patrono imperial.
Se Antinous pretendia ser o novo salvador da nova era é pura especulação. Não há
dúvida, porém, de que os cristãos conceberam assim seu novo Osíris, Jesus. Certamente
havia muitos outros aspectos tradicionais de Cristo, mas neste ponto eu gostaria de
apresentar uma nova imagem sagrada, a do peixe. O peixe não ocupava um lugar especial
na tradição religiosa egípcia ou judaica. No Egito, certos peixes eram associados a alguns
deuses, e em alguns "nomoi" ou distritos particulares do Egito algumas espécies de peixes
eram adoradas e consideradas tabu. Além disso, em tempos posteriores, surgiram lendas
de que os peixes comiam o falo de Osíris, e a palavra bwt (peixe), escrita nesta forma,
poderia significar "abominação". No entanto, não se pode argumentar em nenhum sentido
que o peixe tenha desempenhado um papel central na religião egípcia. 17
Além do caso duvidoso do deus filisteu Dagon, os peixes não parecem ter conotações
religiosas no Antigo Testamento. 18 No Novo, pelo contrário, desempenham um papel
importante. Alguns dos principais discípulos eram pescadores, e ali abundam imagens de
pesca. Há o milagre dos dois peixes e dos cinco pães. E, ainda mais notável, no Evangelho
segundo João, Cristo dá aos discípulos peixes como a Eucaristia. 19 Esse tema, e a ideia de
que o peixe era central na Última Ceia, eram imagens atuais da iconografia do cristianismo
primitivo. 20 No sentido da transubstanciação, Cristo não era apenas pão ou trigo como
Osíris, ele era também um peixe ou - como é igualmente frequentemente representado -
dois peixes. Como escreveu Tertuliano, esse brilhante pensador do cristianismo primitivo,
por volta do ano 200: "Nós, peixinhos, conforme a imagem do nosso Iχϑύς (peixe, em grego)
nascemos na água". 21
Essa crença explica o uso do símbolo do peixe para representar Cristo e os cristãos,
muitas vezes atribuído ao acróstico em ᾽Iχϑύς , ou seja, ᾽Iησοῦς Χ ριστὸς ϑεοῦ Υἰὸς Σωτήρ (Jesus
Cristo Filho de Deus, Salvador). O símbolo, no entanto, já é atestado antes do aparecimento
da grafia da palavra, e parece cada vez mais provável que o acróstico seja uma explicação
do símbolo e não o inverso. Curiosamente, as representações cristãs de peixes aparecem
pela primeira vez em Alexandria no início do século II . Em resumo, há poucas razões para
duvidar que, apesar do simbolismo igualmente forte baseado no carneiro-cordeiro Áries

117
em torno de Jesus, o uso de um peixe - ou, mais especificamente, dois peixes, como no signo
do zodíaco - mostra que os primeiros cristãos se viam, e eram vistos, como seguidores de
uma nova religião da nova era de Peixes.
Mas vamos recapitular - no século II d.C., além das pressões nacionais, econômicas e
sociais de longo prazo que se exerceram sobre a religião egípcia, a extraordinária
coincidência da transição da era de Áries para a de Peixes e a conclusão do ciclo do ano de
Sothis e o ano civil vieram para criar uma poderosa força autodestrutiva que minou os
próprios fundamentos astronômicos da religião. Além disso, a religião egípcia não apenas
continha um profundo sentimento de ciclicidade, mas era baseada nos conceitos de
nascimento, morte e renascimento. Inclusive incluía a possibilidade de que os deuses,
embora dotados de longevidade, não fossem necessariamente imortais. Como o professor
Hornung escreve:
Podemos, portanto, supor que a possibilidade de uma era sem Deus estava muito mais profundamente enraizada
na consciência dos egípcios do que as poucas alusões claras a ela sugerem. Uma expressão idiomática como m
drw ntrw , "no reino dos deuses", nos vários sentidos de "enquanto os deuses estiverem lá", pode ser encontrada
nos textos dos templos greco-romanos [...] a escatologia é apenas [...] a esfera dos feitiços mágicos. 22

É neste contexto que se deve ler o Lamento que se encontra num dos Textos Herméticos:
Chegará o tempo em que ficará claro que os egípcios honraram a divindade com uma mente piedosa e cultos
assíduos em vão. Todo o seu santo zelo se tornará inútil. Os deuses deixarão a terra e retornarão ao céu; eles
abandonarão o Egito; esta terra, outrora o lar da religião, será viúva de seus deuses e deixada em privação.
Estrangeiros afluirão ao país, e não só deixaremos de tratar de cultos religiosos como, ainda mais
dolorosamente, se estabelecerá na forma de supostas leis, sob pena de punição, que todos devem abster-se de
atos de piedade ou culto. para os deuses […]. Os citas ou índios, ou outros vizinhos igualmente bárbaros, se
estabelecerão no Egito.

No entanto, como em muitas profecias bíblicas e em muitos apocalipses, a "malícia" dos


inimigos da verdadeira religião será derrotada pela
Senhor e Pai […] e pelo demiurgo do Único Deus […] que a submergirá em uma inundação ou a consumirá com
fogo ou a destruirá com doenças pestilentas […]. E então ele restaurará o mundo à sua beleza primitiva […]. E
esse será o renascimento do mundo: uma renovação de todas as coisas boas e uma restauração solene da
própria Natureza. 23

Este conceito de periodicidade, de nascimento e morte seguidos de um renascimento,


oferecerá um link para os aspirantes a restauradores da religião egípcia durante o
Renascimento e o Iluminismo. Ao mesmo tempo, porém, devemos considerar sua
sobrevivência em várias metamorfoses na antiguidade tardia e no cristianismo primitivo.
Em um sentido geral, a religiosidade fervorosa do povo e a sutil filosofia e teologia que os
gregos atribuíam aos sacerdotes egípcios continuaram mesmo no início do cristianismo.
Além disso, tanto na doutrina quanto na organização da Igreja, todo o cristianismo - e não
apenas o egípcio - foi profundamente influenciado pela religião egípcia.

Relíquias da religião egípcia: Hermetismo, Neoplatonismo e Gnosticismo


Além de mencionar os notáveis paralelos entre Jesus e Osíris e o Tamuz da Mesopotâmia,
divindades da vegetação que são mortas, lamentadas e ressuscitadas milagrosamente, não

118
tratarei em detalhes do fascinante tema das sobrevivências específicas no cristianismo das
religiões mesopotâmica e egípcia. , pois nos afastaria demais do assunto deste livro. 24 O que
nos interessa aqui são os resquícios da religião institucional egípcia e sua sobrevivência à
margem do cristianismo ortodoxo.
De 150 a 450 d.C., o Egito passou por um período de grande incerteza e diversificação
política e religiosa. Os grupos que nos interessam aqui tendiam a acreditar que se poderia
atingir a divindade individualmente ou entrando em seitas esotéricas, e que para isso era
necessário um período de rigorosa iniciação mística. E entre os elementos-chave disso
estavam os terríveis juramentos de sigilo. Tais grupos também tendiam a ser hostis à
"publicação" de escritos explícitos, acreditando que a verdadeira sabedoria só poderia ser
transmitida na relação direta entre mestre e discípulo, isoladamente e por um longo
período de tempo. Eles estavam convencidos de que era difícil descrever o inefável em
palavras, especialmente por escrito, e insistiam na importância do mistério. É
extraordinariamente difícil descrevê-los e, mesmo que fosse possível, tentar tornar seu
pensamento compreensível envolveria uma distorção radical dele. No entanto, é necessário
fornecer pelo menos um esboço de alguns conceitos gerais. 25
A Antiguidade Tardia era obcecada pelo número três: encontra-se em Hermes
Trismegisto e na Trindade cristã. 26 Entre os grupos que nos interessam - os Herméticos, os
Neoplatônicos e os Gnósticos - havia trindades de dois tipos básicos. A primeira, à qual a
forma cristã pertence, apresentava um deus pai, um filho que era o intelecto ativador do pai
e uma terceira força que mediava entre os dois. 27 Uma segunda variante mais comum foi
baseada no conceito de um "deus oculto" por trás do demiurgo ou criador adorado por
judeus, cristãos e outros. Os dois deuses foram concebidos como distintos ou misticamente
unidos: o Deus Oculto, "o Bom" ou o Primeiro Princípio do pensamento platônico, era
pensamento puro, em oposição à ação do criador. O terceiro membro da trindade era o
mais variável - sendo concebido como a "alma do mundo", "mente de deus", etc., ou mesmo
como a matéria animada do mundo ou do universo - mas tinha a função essencial da
dialética de mediar entre os outros membros da trindade e ao mesmo tempo mantê-los
distintos.
Paradoxalmente, o fato de o primeiro deus estar oculto e inefável foi alegado para
justificar a idolatria. Como o homem só podia compreender o finito, e o Deus Oculto era
infinito, ele só podia ser percebido parcialmente. Como Máximo de Tiro, um sofista do
século II , escreve:
Deus [...] maior que o tempo e a eternidade e todo fluxo do ser, é inominável para qualquer legislador, inefável
para toda voz, não visto por todos os olhos. Mas nós, incapazes como somos de conceber Sua essência,
recorremos à ajuda de sons, nomes e imagens, ouro batido, marfim e prata, plantas e rios, picos de montanhas e
riachos, ansiando por conhecê-Lo.

E continuando - em um espírito que, aliás, pode ser atribuído diretamente a John Locke -
usa essa ideia como argumento para a tolerância religiosa:
Deixe o homem saber o que é divino, deixe-o saber; isso é tudo. Se um grego é induzido a se lembrar de Deus
pela arte de Fídias, um egípcio pelo culto dos animais, outro homem por um rio, outro pelo fogo - não estou
zangado com sua discordância; basta que saibam, que amem, que se lembrem. 28

119
Hermetismo, Neoplatonismo, Gnosticismo eram filosofias "duplas" que reservavam a
superstição para as massas e o verdadeiro conhecimento ou gnosis para a elite. No entanto,
a gnosis " não era primariamente conhecimento racional [...] poderíamos traduzi-la como
"intuição", pois a gnosis implica o processo intuitivo de conhecer a si mesmo". 29
Através da educação e dos exercícios morais e religiosos, os poucos esclarecidos
puderam aproximar-se do Bem, da Causa Primeira, escondido das massas que nada viam
além do demiurgo. A introspecção e o elitismo estavam ligados a outro aspecto
inteiramente estranho ao judaísmo e ao cristianismo ortodoxos - a crença na divindade
real, ou pelo menos potencial, do homem. Minha opinião pessoal é que essa crença deriva
da crença egípcia de que na morte o faraó se tornou Osíris. Na religião egípcia tardia, essa
crença foi "democratizada" para que, com abnegação, boa educação e conhecimento dos
procedimentos corretos, cada pessoa pudesse ter o potencial de ser Osíris e se tornar
imortal. Em um nível mais profundo e indistinto, acredito que possa ser rastreado até a
distinção entre o deus pastor transcendente dos israelitas, um povo pastoril, e a ideia de
panteísmo e divindade imanente que se tinha entre os egípcios, um gente agrícola. Nesta
última concepção, Deus poderia estar em tudo, inclusive no homem.
A idéia de que o homem pode se tornar Deus leva facilmente da religião, na qual os fiéis
rezam por ajuda, conselhos, etc., à magia, na qual ele pode ter controle pessoal sobre ela.
Como diz o neoplatônico Plotino: "Os deuses devem vir de mim, não eu deles". 30 Essa forma
de pensar vai além da igualdade com Deus, chega à ideia de poder sobre Ele – a ponto de
conceber que é o homem que faz Deus .
Mas voltemos agora às estrelas. Eles desempenham um papel central em todas essas
"fantasias de poder". Embora existissem vários modelos astronômicos, o mais influente foi
o desenvolvido pelo astrônomo Ptolomeu, que viveu no Egito no século II d.C., justamente
no período de transição entre a religião antiga e os novos cultos. Segundo Ptolomeu, o sol, a
lua, os planetas e as estrelas "fixas" giravam em torno da Terra em suas próprias esferas.
Portanto, para alcançar o mundo ideal era preciso transcendê-los. O hermetismo e o
neoplatonismo também continham concepções muito egípcias e não-cristãs da pré-
existência das almas e da metempsicose, ou a transmigração das almas de um corpo para
outro. Esse processo envolvia a passagem além das esferas, e as novas formas eram, até
certo ponto, moldadas pela conjunção das estrelas e planetas no momento do nascimento.
32

Em sua esplêndida análise política dos gnósticos, a estudiosa Elaine Pagels mostra
simpatia por eles como defensores da liberdade e oponentes da rigidez, hierarquia e
repressão da Igreja Ortodoxa. Enquanto os gnósticos tinham muitos professores, muitos
textos e evangelhos, e desafiavam a autoridade eclesiástica, a igreja oficial era controlada
pelos bispos, limitada dentro dos ensinamentos aprovados e permitida apenas os quatro
evangelhos canônicos. Pagels, no entanto, não extrai muito do fato de que os gnósticos
eram aparentemente mais ricos do que os cristãos ortodoxos, e que, embora em princípio a
gnosis fosse oferecida a todos, o estudo dela exigia riqueza e tempo livre. 33 Nesse contexto,
o padre Festugière, que dominou os estudos herméticos e gnósticos entre 1920 e 1980,
distinguiu entre o que chama de hermétisme savant e hermétisme populaire , opondo assim
a filosofia dos textos herméticos, por um lado, à magia e às ciências ocultas associado ao
hermetismo, por outro. No entanto, como outros historiadores apontaram, "astrologia,
alquimia e magia eram disciplinas misteriosas cuja prática era reservada para a elite". 34 Um

120
exemplo extremo disso foi a grande filósofa neoplatônica e matemática Hipácia, que não
podia ser imaginada como uma classe superior e elitista. Mesmo no plano teológico, a
"dupla filosofia" dos gnósticos - e dos neoplatônicos e dos herméticos - é intrinsecamente
desigual. Apesar de sua hierarquia, manipulação da autoridade dos textos e repressão, a
igreja oficial afirmava uma fé única para todos os crentes.
A falta de organização formal nessas três escolas e o individualismo necessário para um
sistema de crenças que enfatizasse a introspecção seriam perfeitamente adequados à
situação após o colapso da religião institucional egípcia. A religião politeísta egípcia, no
entanto, nunca teve a unidade teológica e organizacional dos monoteísmos que o
substituíram. Além disso, com base em certas indicações, parece que pelo menos um
"proto-hermetismo" existia bem antes do século II dC.
Para resumir o argumento até aqui. As três escolas de pensamento que emergiram dos
escombros da religião egípcia foram o Hermetismo, o Neoplatonismo e o Gnosticismo. Os
herméticos permaneceram desafiadoramente egípcios; os neoplatônicos eram mais
helenizados e concentravam sua devoção no "divino Platão", enquanto os gnósticos se
consideravam cristãos. Havia, é claro, conflitos e rivalidades - às vezes acalorados - tanto
entre as três escolas quanto dentro de cada uma. E, no entanto, não apenas se
assemelhavam na forma, mas os praticantes de cada um trocavam entre si e liam as obras
uns dos outros. 35

Hermetismo - grego, iraniano, caldeu ou egípcio?


Não há razão para duvidar que o Hermetismo foi o primeiro dos três e que teve uma
influência decisiva na formação dos outros dois movimentos. 36 Além disso, todos
concordam que o Hermetismo resumia em si as influências gregas, judaicas, persas,
mesopotâmicas e egípcias. Mas como há uma acalorada controvérsia sobre a extensão e
profundidade de tais influências, é necessário considerar o assunto à luz da sociologia do
conhecimento antes de examinar o que acredito serem as raízes essencialmente egípcias do
hermetismo. A questão da relação entre o hermetismo e o pensamento egípcio antigo é
certamente altamente política. Como Bloomfield, um historiador de literatura e arte,
escreveu em 1952: "Os estudiosos flutuaram de um extremo ao outro na questão dos
elementos egípcios presentes no hermetismo". 37 E a questão de sua datação também está
ligada a isso. AG Blanco, especialista em hermetismo, escreve: "Aqueles que sustentam que
o Corpus [hermético] é de origem egípcia também são os mais propensos a afastar a
datação dos documentos ao longo do tempo". 38
As duas figuras-chave neste debate foram Reitzenstein e Festugière. Reitzenstein na
virada do século passado escreveu volumosas obras sobre hermetismo e inicialmente
argumentou que o hermetismo era de inspiração egípcia. No entanto, com o avanço do
século - e do modelo ariano extremo - mudou de opinião a ponto de, em 1927, argumentar
que era essencialmente iraniano, portanto ariano. 39 Desde a década de 1930 até
recentemente, o campo foi dominado pelo padre Festugière, que "foca sua atenção
sobretudo nas influências gregas encontradas na Hermética ", e rejeitou a ideia de qualquer
relação entre eles e o culto de mistério egípcio . 40

121
À primeira vista, parece razoável admitir considerável influência egípcia em uma
tradição cuja literatura foi escrita por egípcios, provavelmente em demótico ou copta, no
Egito antes do colapso da religião egípcia organizada. 41 Além disso, embora fontes antigas
se refiram a influências iraniana-zoroastrianas e caldeus-mesopotâmicas, ninguém no
período romano questionou a ideia de que o hermetismo era em essência o que afirmava
ser - egípcio.
E quero enfatizar que muito está em jogo nesta questão. Não só o hermetismo está
integralmente ligado ao gnosticismo e ao neoplatonismo, mas, como mostrou o padre
Festugière, está intimamente relacionado ao platonismo como um todo. E também há fortes
semelhanças entre o Hermetismo, a teologia do Evangelho de São João e algumas das
epístolas de São Paulo. 42 Se, como geralmente se admite, essas conexões são muito
próximas, tanto a datação quanto a "Egiptianidade" dos Textos Herméticos assumem
importância crucial. Se os Textos são anteriores ao cristianismo e são predominantemente
egípcios, somos apresentados a outra possível origem do que tem sido geralmente
considerado como elementos gregos e platônicos da teologia cristã. Também seria muito
difícil refutar como delírio causado pela egiptomania ou interpretatio graeca a descrição
"platônica" e "pitagórica" que Plutarco nos dá da religião egípcia. Se pudesse ser
demonstrado que os Textos são ainda mais antigos, seria muito difícil negar a antiga
concepção segundo a qual Platão e Pitágoras tiraram suas idéias do Egito.
Muito do estudo moderno sobre a datação dos Textos Herméticos ainda se move dentro
de um quadro conceitual estabelecido pelo grande Isaac Casaubon, crítico textual francês e
protestante do século XVII . Casaubon atacou a ideia predominante em sua época de que os
Textos eram uma coleção muito antiga de sabedoria egípcia. Usando técnicas para datar
textos latinos desenvolvidos no final do século XVI , ele argumentou que as semelhanças
teológicas entre o Corpus Hermeticum e São João e São Paulo, e a estreita relação entre
hinos e salmos herméticos, indicavam claramente que a Sagrada Escritura antecedeu o
hermético Texto:% s. E da mesma forma, as semelhanças com Platão - especialmente com o
que era então a obra mais lida de Platão, o Timeu - devem ter sido emprestadas deste
último; em todo caso, notou Casaubon, não havia menção a Hermes Trismegisto em Platão,
Aristóteles ou outros autores antigos. 43
Estudiosos modernos que operam segundo o modelo ariano e não dentro da estrutura
conceitual de Casaubon limitaram-se a fazer pequenas mudanças em sua tese. Em primeiro
lugar, não é problemático para eles derivar a teologia do Novo Testamento do pensamento
platônico e, em menor grau, eles estão mesmo dispostos a admitir influências iranianas ou
mesmo indianas remotas no hermetismo. Dessa forma, o modelo ariano permite que os
estudiosos adiem a datação dos Textos Herméticos para o século III aC, ou seja, para
qualquer data posterior a Platão. Por exemplo, nas palavras de Festugière:
Essas alusões [ao culto de Thoth] não nos permitem concluir que na época dos faraós os templos do Egito
mantinham em seus arquivos uma coleção de obras atribuídas ao deus Thoth. Pelo contrário, parece que desde a
época dos Ptolomeus havia uma literatura hermética grega. 44

Outros nem sequer aproveitaram esta oportunidade, preferindo datar os Textos como
contemporâneos das obras gnósticas e platônicas dos séculos II e III dC.
No entanto, muitos investigaram a possibilidade de que a tradição hermética remonta
ao século III a.C. Na década de 1920, o historiador alemão Kroll argumentou que a sociedade

122
descrita nos Textos Herméticos, que se supunha datar do século II d.C., era na verdade
aquela do Egito helenístico e não do Egito romano, e era definitivamente uma sociedade
onde os templos ainda estavam em pleno funcionamento. 45 Na década de 1930, à luz da
descoberta e edição de novos textos astrológicos herméticos, Franz Cumont, o grande
historiador do mitraísmo iraniano e do paganismo tardio, adotou a tese de Kroll. E, além
disso, destacou que as pistas astronômicas contidas nos textos astrológicos indicavam o
século III aC, mas foi ainda mais longe, a ponto de afirmar:
Os primeiros astrólogos greco-egípcios não inventaram a disciplina que se orgulhavam de ensinar ao mundo
helênico. Eles usaram fontes egípcias que datavam do período persa e que, por sua vez, eram pelo menos
parcialmente derivadas de antigos documentos caldeus. Traços desse substrato primitivo ainda sobrevivem em
nossos textos muito posteriores, pedregulhos erráticos transportados para solos mais recentes. Quando neles
encontramos menção ao “rei dos reis” ou “sátrapas”, não estamos mais no Egito, mas no antigo Oriente […].
Podemos nos limitar a observar que, ao que tudo indica, os sacerdotes autores da astrologia egípcia
permaneceram relativamente fiéis à antiga tradição oriental. 46

É verdade que Cumont era um historiador da religião persa e que, para alguns europeus do
norte do final do século 19 ou início do século 20 , os iranianos eram mais "arianos" do que
os gregos. Mas isso não diminui significativamente a plausibilidade da hipótese de que
partes do Corpus Hermeticum , que foi claramente composto em épocas diferentes, são
anteriores não apenas a Alexandre, o Grande, no final do século IV , mas também a Platão,
cinquenta anos antes. 47 A tese de Cumont coloca um sério problema ao modelo ariano, pois
implica ou que as idéias de Platão coincidiam com as do hermetismo oriental-egípcio ou
que vieram do Egito, como afirmava o antigo modelo.
A mesma noção de origem persa coloca problemas na medida em que as ideias de Sólon,
Pitágoras e outros, que se acredita terem visitado o Egito antes da conquista persa daquele
país em 525 aC, são muito semelhantes às de Platão e Plutarco. , e isso torna uma origem
egípcia ainda mais provável do que uma persa. Quanto à questão da importância relativa
das idéias egípcias e "orientais", é possível - e de fato provável - que as influências
mesopotâmicas sobre o Egito fossem consideráveis muito antes do século VI aC e devem ter
se intensificado durante as ocupações persas. Foi talvez durante essas ocupações que a
maior parte da influência zoroastrista veio. Acredito, portanto, que, além do notório
conservadorismo e chauvinismo dos sacerdotes egípcios, a evidente continuidade das
concepções gregas da religião egípcia antes e depois das conquistas persas torna plausível
argumentar que Cumont exagerou a incidência da influência "oriental" sobre a religião do
Egito no início do período ptolomaico, que, apesar das conquistas estrangeiras, parece ter
permanecido fundamentalmente egípcia.
No entanto, os argumentos de Cumont em favor da datação dos estratos mais primitivos
dos Textos Herméticos para o período persa encontram confirmação nas obras anteriores
de Sir Flinders Petrie, o brilhante e excêntrico fundador da egiptologia moderna no final do
século XIX e início do século XX . Petrie havia argumentado, com base no contexto histórico, que
pelo menos algumas passagens dos Textos Herméticos eram datáveis ao período persa e
que a crise da religião egípcia começou justamente nesse período. Ele também argumentou
que o Lamento profetizando a proibição da religião egípcia - citado nas pp. 135-136 - já
existia muito antes da proibição cristã do paganismo em 390 dC. E ele também apontou que
uma datação anterior teria sido mais apropriada para referências a índios e citas como
estrangeiros típicos. Outros Textos referem-se a estrangeiros que "invadiram recentemente

123
o país"; isso dificilmente se aplica à conquista grega, muito menos à romana. Também
menciona um rei egípcio - o último deles reinou entre 359 e 342 aC 48
As teses de Petrie foram consideradas escandalosas pelos estudiosos, que
imediatamente perceberam que todo o modelo ariano estava em jogo. Como o professor
Walter Scott, um especialista helenista em hermetismo, escreveu em 1924: "Se tais
datações se provassem corretas, seguir-se-ia necessariamente um bouleversement de todas
as concepções comumente aceitas da história do pensamento grego". Documentos e
depoimentos que questionavam o modelo ariano, portanto, não foram considerados em
detalhes e no mérito, mas acabaram esmagados sob o próprio modelo. As teses de Petrie
não foram ouvidas por serem consideradas indignas de resposta: "Mas os argumentos com
que ele tenta corroborar seu namoro não merecem atenção séria." Finalmente, e com
incrível imprudência, Scott afirmou a superioridade dos estudos clássicos sobre outras
disciplinas menores: em que não tem uma orientação». 49
Não há dúvida de que Petrie sabia muito mais grego do que Scott egípcio. De qualquer
forma, Scott apenas explicitou a hierarquia que permaneceu implícita desde os dias da
subordinação da egiptologia aos estudos indo-europeus na década de 1880. Nesse caso,
isso significava que não era possível para os egiptólogos ter algo a dizer sobre o hermético
Textos desde que os helenistas os consideravam gregos. Conjectura e competência,
reivindicando o monopólio, fortaleceram-se mutuamente.
Além dos argumentos específicos de Petrie, o aspecto central que sustenta uma datação
anterior da porção mais antiga dos Textos é que todos os estudiosos concordam que
Hermes e Thoth egípcio são a mesma coisa. Casaubon, o desmistificador dos Textos do
século XVII, não negou que um antigo sábio chamado Hermes Trismegisto pudesse ter
existido. Da mesma forma, os autores modernos dificilmente podem negar a existência do
deus Thoth da sabedoria. O que está em questão é a antiguidade dos Textos e da figura do
sábio Hermes Trismegisto.
No entanto, não é fácil traçar demarcações claras entre a tradicional veneração de
Thoth, seu culto, definido conforme o caso iraniano ou helênico, no período helenístico e a
filosofia dos textos herméticos. Os professores Stricker e Derchain mostraram
recentemente em detalhes que o elemento egípcio no Corpus é muito mais relevante do que
Festugière e outros estudiosos que operam no auge da moda do modelo ariano poderiam
ter imaginado. 50 Além disso, a ideia dos “Escritos de Thoth” é reconhecidamente muito
antiga. Ocorre com frequência no Livro dos Mortos , que foi difundido durante a 18ª dinastia.
O padre Boylan - que escreveu um livro sobre Thoth na década de 1920 - menciona uma
referência aos "escritos de Thoth que estão na biblioteca" que datam da 19ª dinastia. 51
Plutarco e Clemente de Alexandria, autor do cristianismo primitivo, referem-se aos
"Escritos de Hermes". 52 Embora seja possível que a versão dinástica tenha pouca
semelhança com o Corpus posterior , acredito que os estudiosos tenham sido muito
precipitados em negar qualquer conexão entre ele e o último.
Descobertas recentes também contribuíram para datar aspectos do Corpus Hermeticum
que anteriormente se acreditava terem sido introduzidos apenas na época romana. O nome
D ḥwty < 3 , < 3 , < 3 (Thoth Três Vezes o Maior) foi encontrado em Esna no Alto Egito, onde
ocorre a partir do século III aC, e D ḥwty p 3 < 3 , pág . 3 < 3 , pág . 3 < 3 (Thoth, o Três Vezes
Maior), Hermes Trismegisto, foi lido em textos demóticos de Saqqara, não muito longe de
Mênfis, datados do início do século II aC Estes últimos estavam entre os documentos de um

124
sacerdote associado a Thoth. Em outro achado desta coleção, O Tesouro de Hor ,
encontramos a tradição segundo a qual Thoth foi o pai de Ísis, antes atestada apenas nos
Textos Herméticos. 53 Esses dois vínculos com o Corpus Hermeticum foram encontrados
juntamente com outros escritos que os vinculam à chamada cosmogonia hermopolita, que
estava associada e enraizada no culto muito popular de Thoth e seu pássaro sagrado, o íbis.
Estima-se, por exemplo, que existam 10.000 íbis em Saqqara a cada ano. 54 Acredita-se
geralmente que o culto de Thoth atingiu grande expansão na era ptolomaica, mas no Livro
dos Mortos , mil anos antes, Thoth já era uma divindade muito poderosa muito invocada. 55
Tudo considerado, não há razão para duvidar que o culto de Thoth do período ptolomaico
estava firmemente enraizado na tradição antiga.
A principal razão para marcar uma ruptura absoluta entre o culto antigo e o hermetismo
posterior foi a filosofia abstrata "platônica" deste último. Negar que os egípcios fossem
capazes de pensamento filosófico e abstrato é um dos argumentos-chave do modelo ariano
e, portanto, carrega consigo um grande peso ideológico. Esta pode ser a única razão pela
qual a evidência de que os egípcios podiam pensar em termos de religião abstrata,
publicada há oitenta anos, foi recebida com tão pouca atenção. Esta prova nos vem de um
texto geralmente chamado de Teologia Mefítica , que remonta ao segundo ou terceiro milênio.
Descreve uma cosmogonia segundo a qual Ptah, deus local de Memphis, e sua emanação
Atum eram os seres primitivos. Ptah criou o mundo em seu coração, sede de sua mente, e o
realizou através da linguagem, o ato da palavra. Isso, apesar de o padre Festugière e o
padre Boylan se apressarem em negá-lo, assemelha-se notavelmente ao logos platônico e
cristão , a "Palavra" que "já era, a Palavra morava com Deus, e o que Deus era, a Palavra era,
a Palavra, portanto, estava com Deus". Deus no princípio, e por meio do Verbo todas as
coisas vieram a existir ». 56
Depois de traduzir e publicar a Teologia Mênfita , o egiptólogo James Breasted escreveu:
A referida concepção do mundo oferece fundamento suficiente para sugerir a ideia de que os conceitos
posteriores de nous e logos , que até agora se pensava terem sido introduzidos de fora no Egito em data muito
posterior, já estavam presentes nesta era remota. . . A tradição grega sobre a origem da filosofia de alguém no
Egito, portanto, sem dúvida contém mais verdade do que se quis admitir nos últimos anos.

E então continuou assim:


O hábito, tão prevalente em tempos posteriores entre os gregos, de interpretar filosoficamente as funções e
relações dos deuses egípcios [...] já havia começado no Egito antes do nascimento dos filósofos gregos mais
antigos; e não é impossível que a prática grega das interpretações de seus próprios deuses tenha recebido um
primeiro impulso do Egito. 57

A função desempenhada por Thoth nessa cosmogonia era ser o coração de Ptah - Hórus era
sua linguagem. Essa tradição da ligação entre Thoth e o coração ainda pode ser encontrada
dois mil anos depois no Tesouro de Hor . O estudioso que editou a edição, John Ray,
corretamente aponta a associação entre coração e intelecto sobre a qual se acreditava que
Thoth presidia. 58 Em outras teologias, entretanto, Thoth foi o inventor da escrita, o
iniciador da matemática e senhor dos feitiços; era o ato divino da fala que relacionava os
deuses entre si e com os homens, e até mesmo o criador do mundo. 59
O fato de Thoth ser um grande comunicador foi um elemento decisivo no sincretismo
entre ele e Anúbis, o chacal protetor dos mortos, guia das almas e mensageiro da morte.

125
Mas ainda mais importante foi que Thoth e Anubis desempenharam papéis intimamente
interligados durante o julgamento dos mortos. E os dois estavam intimamente associados
na mesma função mesmo nos Textos das Pirâmides, que datam do terceiro milênio, e foi
encontrada uma imagem sincrética das duas divindades que remonta à dinastia XIX , ou seja, ao
século XIII aC. um culto formal de Ermanubi não apareceu na religião egípcia até a era
ptolomaica. 60 A relação entre este último desenvolvimento e a existência de Hermes na
religião grega, um deus que resumia em si as funções de Thoth e Anubis, não é clara. No
entanto, embora pareça que a combinação original começou no Egito, há poucas razões
para duvidar que a forma sincrética ptolomaica tenha sido derivada da religião grega.
Com todos esses múltiplos aspectos, Hermes Trismegisto poderia desempenhar todas as
funções na teologia ou "dupla filosofia" discutida na p. 139. Como pai dos deuses e intelecto
supremo, ele poderia ser o Deus Oculto; como ativador do intelecto ou do enunciado, ele
poderia ser o demiurgo; como comunicador, poderia ser o Espírito Santo conectando e
separando os outros dois. Finalmente, ele poderia ser o mensageiro ou guia que conduz as
almas à imortalidade e lhes explica as maravilhas do universo. A tradição dominante
posterior, no entanto, deixou claro que Hermes tinha sido um filósofo e professor de moral.
Nesse ponto encontramos a questão da euemerização de Hermes, sua transformação de
deus em sábio. Muitos estudiosos acreditam que seja um processo muito tardio. Mas
mesmo neste caso há precedentes de um período anterior. Platão, no início do século 4 aC,
refere-se a Theuth ou Thoth como o inventor da escrita, números e astronomia, etc. Além
disso, Teuth/Thoth aparece tanto como um deus quanto como um sábio. 61 Cinquenta anos
depois, Hecateus de Abdera descreve Hermes/Thoth como um grande inventor humano. 62
Fortes traços de sua precoce evemerização e racionalização também podem ser
encontrados na Fenícia. No primeiro século dC, um fenício, Filo de Biblos, resumiu e traduziu
para o grego algumas das obras de um antigo sacerdote, Sanchunation, que, segundo ele,
viveu antes da Guerra de Tróia. 63 Após a fundação da filologia clássica, no início do século XIX,
os escritos de Fílon sobre religião e mito da antiga Fenícia foram desacreditados como
devaneios helenísticos. Na década de 1930, no entanto, a descoberta de surpreendentes
paralelos entre a mitologia de Fílon e a dos textos ugaríticos que datam do século XIII aC
produziu uma mudança acentuada de opinião. Semitistas como William Albright e Otto
Eissfeldt tendiam a situar a Sanchunation na primeira metade do primeiro milênio, enquanto
alguns dos materiais que ele usava seriam derivados do segundo. 64 Ainda mais recentemente,
o professor Baumgarten desafiou a tradição antiga e dois dos principais especialistas na
área em nosso século, alegando uma datação muito posterior. Isso é possível, em primeiro
lugar, porque nem tudo em Philo pode ser explicado por referência ao material ugarítico e,
em segundo lugar, porque Baumgarten considera axiomático que todo pensamento
racional e científico em Philo tem origens gregas. E isso, por sua vez, é possível porque ele
acredita que os classicistas provaram que a razão e a ciência começaram na Grécia. 65 Assim,
um argumento circular por essência - pode não ter havido ciência ou razão pré-grega, uma
vez que não havia ciência ou razão pré-grega - é usado para argumentar que o euemerismo
de Fílon deve ser grego e posterior.
Antes de prosseguir, preciso fazer algumas distinções. O primeiro tipo de evemerismo, a
abstração não personalizada das forças naturais, parece estar presente no pensamento
egípcio desde os tempos mais remotos. Isso certamente é verdade para a cosmogonia de
Hermópolis, que foi relacionada a Thoth e à cosmogonia de Taautos descrita por

126
Sanchunation. 66 A abstração é indicada pelo fato de que nenhuma das Ogdóades
Hermopolitanas - os oito deuses da cidade de Ermópolis, ou seja, os quatro pares de seres
ou forças a partir dos quais o universo foi criado - teve templos ou cultos, mesmo que às
vezes fossem equiparado aos deuses que os tinham. 67
O segundo tipo de evemerismo - a transformação de deuses e deusas em sábios, heróis,
heroínas mortais - é um fenômeno mundial, e a tradição generalizada de chamar os
principais deuses de primeiros reis do Egito remonta pelo menos ao tempo do cânone de
Turim . , lista de reis datada do século XIII aC 68 No Levante, parece que essa tradição estava
ligada ao surgimento da monolatria e do monoteísmo por volta da virada do primeiro milênio
aC; a razão para isso é simplesmente que cultos exclusivos são incapazes de tolerar até
mesmo divindades menores. Em Gênesis , por exemplo, encontramos bastante evemerismo
na transformação em patriarcas do que parecem ter sido divindades menores, como
Enoque e Noé. E o Gênesis , como se vê, teria sido escrito e compilado no início do primeiro
milênio. Além disso, de Renan no século XIX a Albright no século XX , estudiosos argumentaram
que a religião fenícia se prestava muito bem a uma análise Evemerista. 69 Parece, portanto,
razoável aceitar - literal ou metaforicamente - aqueles estudiosos que ligam Evemero, o
Evemerizer original, a Sidon, e concordar com Albright e Eissfeldt quando colocam
Sanchunation e Mochos - cuja cosmogonia sidônia foi preservada pelo tardio neoplatônico
Damaskios - antes do século 6 aC
A cosmogonia de Sanchunation foi claramente baseada nas obras perdidas de Taautos.
No entanto, Taautos também foi mencionado na obra de Philo como um herói cultural
fenício que inventou as letras do alfabeto. 71 Em outros lugares, ele aparece como Hermes
Trismegisto - primeira menção do nome em grego - ou como o secretário e astuto ministro
do herói divino Cronos, na narrativa totalmente euemerizada da vida e das aventuras deste
último. 72
Thoth também aparece na Bíblia. No Livro de Jó, que remonta ao século VI aC ou mais
tarde, encontramos os versos:
Quem colocou sabedoria em ṭḥwt?
Quem deu o intelecto a śekwî?

Em seu comentário autoritário sobre o Livro de Jó, o professor Marvin Pope escreve sobre
isso da seguinte forma:
JGE Hoffmann provavelmente estava certo quando interpretou ṭḥwt como se referindo ao próprio deus Thoth. A
grafia consonantal corresponde muito de perto à forma predominante do nome durante a dinastia XVIII ( d
ḥwty), quando o culto de Thoth estava no auge e se espalhou na Fenícia […]. Filo de Biblos traduz a pronúncia
fenícia como Taaut (os), que poderia refletir a forma t āḥût […]. O que Hoffmann sugere sobre śekwî, ou seja,
estar ligado ao nome copta do planeta Mercúrio (souchi), parece preferível à dúbia ligação com "galo". O
onisciente, astuto Thoth-Taautos, inventor do alfabeto e fundador de todo conhecimento, foi identificado pelos
gregos e romanos com Hermes-Mercúrio sob o título de Hermes Trismegisto/Termaximus. 73

Vale ressaltar que ṭḥwt foi infundido com conhecimento pelo Senhor e, portanto, era um
sábio, um exemplo de toda sabedoria, e não um deus. Assim, a menos que, como
Baumgarten, alguém tome uma posição de princípio contra qualquer racionalidade pré-
grega, pode-se dizer que há uma massa esmagadora de evidências que podem ser atestadas
tanto na cultura egípcia quanto na fenícia a transformação pela euemerização dos deuses.

127
heróis muito antes da enorme influência grega sobre o Egito no século IV aC E mais, isso é
especialmente verdadeiro no caso de Thoth e Hermes Trismegisto.
Deixe-me resumir meu argumento até agora. O neoplatonismo e o gnosticismo
floresceram particularmente no Egito e entre os egípcios mais ou menos helenizados após
o colapso da religião egípcia institucional. Existindo ou não uma irmandade ou culto
hermético do século II ao IV d.C., as idéias herméticas desempenharam uma função
formativa - assumindo um papel central - para tais filosofias e heresias, e seus devotos. O
culto de Thoth sempre foi importante na religião egípcia, mas tornou-se cada vez mais por
volta do final do segundo milênio. A ideia dos “escritos de Thoth” é antiga e é provável que
por volta do segundo milênio existissem tais escritos. No entanto, o Corpus Hermeticum ,
como chegou até nós, parece representar a religião egípcia em crise e conter conceitos
iranianos e mesopotâmicos. Portanto, é improvável que haja algum texto anterior à
primeira invasão persa de 525 aC É evidente que o Corpus é heterogêneo e que
provavelmente contém materiais escritos em um longo período, do século VI aC ao século II
dC Apesar de ser relativamente tarde, é muito provável que o Corpus contenha conceitos
religiosos e filosóficos muito mais antigos e que seja fundamentalmente egípcio. Já
mencionamos as influências iranianas e caldeus acima. Há também influências gregas
indubitáveis, pelo menos nos textos posteriores. Acredito, porém, que sejam difíceis de
identificar, pois as filosofias pitagórica e platônica também tinham uma forte dependência
da religião e do pensamento egípcio.

Hermetismo e Neoplatonismo sob o Cristianismo primitivo, Judaísmo e Islamismo


No final do século IV , o gnosticismo havia sido amplamente erradicado da Igreja Ortodoxa.
O neoplatonismo pagão sobreviveu um pouco mais, mas também desapareceu antes da
conquista muçulmana do Egito em 630 dC A figura de Hermes Trismegisto como epítome
do conhecimento, no entanto, sobreviveu tanto no cristianismo quanto no islamismo. O
evemerismo agora se tornara essencial. Como Jean Seznec, o grande historiador do século
XX sobre as sobrevivências pagãs na Renascença, apontou, o evemerismo desfrutou de um
"renascimento extraordinário" no início da era cristã. 74 Como acontece com todas as outras
religiões derivadas do monoteísmo cananeu, a Igreja Cristã usou o euemerismo para
menosprezar e domesticar os deuses pagãos enquanto lhes permitia sobreviver na nova
religião. Nēit/Athena foi incorporada na forma de Santa Catarina, Hórus/Perseu como São
Jorge e Anúbis/Hermes como São Cristóvão. 75 No entanto, é significativo que Thoth-
Anúbis/Hermes tenha permanecido fora da Igreja, sob o disfarce do sábio Hermes
Trismegisto, epítome da sabedoria egípcia e oriental.
A relação entre Hermes e o cristianismo sempre foi de equilíbrio precário,
principalmente no que diz respeito à questão da precedência temporal. No terceiro século, o
pai da igreja Lactâncio afirmou que Hermes viveu antes de Moisés; Santo Agostinho, por
outro lado, afirmou que, embora a astronomia egípcia e outras ciências exatas tenham se
desenvolvido muito cedo, não havia ensino moral no Egito até a época de Trismegisto, que
era um pouco posterior a Moisés e aprendeu com eles e com o patriarcas bíblicos. Aqui,
como em muitos outros campos, Agostinho elabora aquela ortodoxia que perduraria até o
século XVIII : a sabedoria bíblica veio antes - tanto no sentido de precedência quanto de

128
importância - da sabedoria hermética do Egito, mas esta era a fonte de toda sabedoria dos
"gentios" e especificamente dos gregos. 76
No Islã, Hermes Trismegisto foi euhemerizado e identificado com Idris, um profeta
franco que aparece no Alcorão . Também nesta tradição, ele era visto como o "pai dos
filósofos", como "aquele que é dotado de sabedoria tríplice". Em outras tradições islâmicas,
era concebido como uma tríade de sábios, um dos quais havia vivido, no Egito, antes do
dilúvio, e os outros dois após o dilúvio, sendo que um deles era babilônico e o outro,
novamente, egípcio. Este último era visto como um herói cultural que havia inventado
todas as artes e ciências, especialmente a astronomia, a astrologia, a medicina e a magia.
Além disso, embora se tenha argumentado, com plausibilidade, que sua influência - ou a do
Egito - teve efeito especialmente nessas áreas, houve um hermetismo islâmico primitivo
que não foi estudado em profundidade, em parte, é claro, devido à a extrema
impenetrabilidade dos textos. 77
As vastas conquistas islâmicas dos séculos VII e VIII , que se estenderam da Pérsia à
Espanha, deram grande importância e prosperidade aos judeus. Apesar de animada por um
poderoso espírito de racionalidade e igualdade, a religião judaica também possuía cultos
esotéricos e uma "dupla filosofia" desde antes do cristianismo. Os essênios e outras seitas
que viveram no deserto da Judéia desde o século II aC estavam convencidos de que
verdades desconhecidas aos sacerdotes de Jerusalém e ao povo comum lhes haviam sido
reveladas; sabemos, por exemplo, que eles usaram o Livro de Enoque e outros escritos
apocalípticos. Além de tratarem da astrologia e de outros métodos de predição, parece
também que foram participantes desse misticismo - atestado em fase mais desenvolvida só
mais tarde - que girava em torno das imagens do Trono de Deus e da Carruagem com que
Elias e os místicos podiam ascender ao céu. 78 A relação indubitável entre essas seitas e o
cristianismo tem sido - e será sem fim - uma questão de debate, mas menos atenção tem
sido dada aos paralelos e possíveis relações causais entre as tendências das seitas judaicas
em favor do celibato e do comunismo. , da vida no deserto e os do monaquismo cristão
como se desenvolveu no deserto egípcio. 79 Os dois grupos certamente compartilhavam uma
visão populista, messiânica e uma tendência à violência.
Um paralelo mais próximo ao pensamento dos herméticos e neoplatônicos das classes
altas pode ser encontrado nas obras maciças de Filone d'Alessandria. No círculo de Fílon,
formado por judeus egípcios ricos e helenizados do primeiro século d.C., havia o desejo de
sincretizar a sabedoria do Antigo Testamento com o pensamento egípcio-platônico através
da interpretação mística, esotérica e alegórica.
Filo até menciona a existência de uma comunidade sectária chamada de "Adoradores de
Deus". 80 O próprio Philo permaneceu uma figura importante no desenvolvimento do
pensamento médio e neoplatônico, e sua mistura de platonismo e judaísmo tem
ressonâncias fascinantes com a encontrada no cristianismo. No entanto, o judaísmo rico,
culto e helenizado que ele representava foi destruído para sempre na supressão da revolta
de 116 dC que ele mesmo promoveu.
Embora Filo tenha morrido antes da destruição do Templo de Jerusalém em 70 dC, sua
vida na diáspora foi essencialmente uma vida de sinagoga e, nesse sentido, assemelhava-se
à do judaísmo posterior. Mesmo nessa sociedade rabínica, prosaica, democrática e farisaica,
havia tendências esotéricas e místicas nos primeiros séculos da Era Comum, definidas
como "gnosticismo judaico" pelo professor Gershom Scholem. Nos escritos dessas

129
tendências encontramos algumas concepções tipicamente judaicas, como o Trono e a
Carruagem, e o significado místico e numerológico das letras do alfabeto hebraico ou do
texto bíblico. Mas a maioria dos elementos-chave do Hermetismo, Neoplatonismo e
Gnosticismo também são encontrados: o conceito de homem como a medida de todas as
coisas, as oito esferas ou firmamentos que podem ser transcendidos e as tendências
mágicas. 81
O misticismo também é atestado no judaísmo nos séculos VIII e X. Por exemplo, um
purista sectário judeu caraíta ou do século 10 estava familiarizado com citações de Filo. No
entanto, o professor Scholem adverte que:
no entanto, não se deve deduzir disso que houve uma influência contínua que durou até este momento, muito
menos até o momento da formulação da Cabala na Idade Média. Paralelos específicos entre exegese cabalística e
filônica devem ser atribuídos às semelhanças dos respectivos métodos exegéticos, que naturalmente
produziram resultados idênticos de tempos em tempos. 82

E ao fazê-lo ele levanta um problema geral que reaparecerá neste capítulo: a possibilidade
de sobrevivência e continuidade de místicos secretos apesar da hostilidade geral e
perseguição específica por longos períodos de tempo. Por um lado, tais grupos deixam
poucos vestígios de si mesmos, mesmo quando são mais ativos; por outro lado, como
argumentou Scholem, eles costumam usar os mesmos textos e as mesmas técnicas
exegéticas. A hipótese da invenção independente, portanto, muitas vezes parece mais do
que sustentável. No nosso caso, uma hipótese de invenção independente parece bastante
extrema. Além disso, quando consideramos a transmissão de tantos outros elementos da
cultura judaica - não apenas a religião ortodoxa, mas também o folclore - ao longo desses
séculos, não vejo razão para duvidar que tradições contínuas de misticismo possam ter
existido. O próprio Scholem traça um desenvolvimento do misticismo judaico do Egito e da
Palestina à Babilônia nos séculos VIII e IX , retornando ao Mediterrâneo no Egito e na Itália
no décimo , até o hassidismo alemão nos séculos XI e XII . 83
Devemos aqui continuar a traçar este esboço da história da Cabalá, uma vez que se
entrelaçou intimamente com o Hermetismo durante o Renascimento. Muito do misticismo
cabalístico da Provença e da Espanha nos séculos 12 e 13 pode ser explicado pela sobrevivência
do hermetismo e seus descendentes dentro do cristianismo e do islamismo; a novos
desenvolvimentos nessas culturas; a situação peculiar da Catalunha e Languedoc; à
intensidade da perseguição sofrida pelos judeus nesse período e, como argumentava o
professor Scholem, à leitura mística dos mesmos textos em período de crise.
Durante os séculos XII e XIII , Languedoc esteve em estado de turbulência criativa, tendo
sido durante séculos uma sociedade rica e culta na fronteira entre o cristianismo e o
islamismo e, na perspectiva do judaísmo, na junção entre os judeus sefarditas que viviam
na o mundo islâmico e os Ashkenazis da Europa cristã. Os habitantes do Languedoc eram
capazes de uma certa objetividade em relação a formas específicas de religiões e de
transcendê-las. Isso explica até certo ponto por que a cristalização da mais radical das
heresias do cristianismo europeu, a dos albigenses ou cátaros, ocorreu nesta região. Era
uma heresia em que havia duas classes de fiéis: os Credentes comuns e os Perfecti . Estes se
desprenderam da vida cotidiana no mundo material para se entregarem à contemplação
espiritual, tendo como ideal último a separação completa da matéria e o jejum até a morte.
A luta pela salvação do catarismo entrelaçou-se com a da região para se salvar da

130
dominação do norte da França e dos reis de Paris, que se proclamavam campeões do
catolicismo e justificavam a expansão de seu poder central como uma cruzada contra os
hereges. No entanto, não há dúvida de que o Catarismo e os Perfecti , cuja espiritualidade
era considerada benéfica para toda a comunidade, gozavam de grande favor popular. 84
Embora claramente uma religião de duas ordens, que compartilhava algumas das
crenças das tradições místicas que discuti acima - como a transmigração de almas - o
catarismo era muito mais distintamente dualista em uma modalidade que é
convencionalmente interpretada como iraniana, zoroastrista ou maniqueísta. As forças de
Deus e Satanás, bem e mal, espírito e carne, são concebidas como forças cósmicas de igual
energia e em conflito perpétuo. Isso é muito diferente da visão panteísta e antropocêntrica
das tradições herméticas. 85 No entanto, mesmo que os dois movimentos existissem em toda
a Europa, a ascensão contemporânea do catarismo e cabalismo no Languedoc em Provence
é surpreendente e indica algo extraordinário no ambiente social e cultural. É difícil
acreditar que eles não se influenciaram, e isso parece particularmente verdadeiro para a
estrutura social. Assim como os Perfecti foram mantidos e protegidos com intensa devoção
pelos Credentes , parece que os rabinos místicos cabalísticos também foram mantidos por
suas comunidades para obter os benefícios espirituais que sua santidade trouxe. Mas
enquanto os cátaros foram impiedosamente exterminados pelos católicos franceses, os
inimigos dos cabalistas entre os judeus não podiam recorrer a tal sistema e o movimento se
espalhou para a Espanha, onde floresceu como um elemento esotérico, mas relativamente
respeitável dentro do judaísmo espanhol até a expulsão. dos judeus da Espanha procurados
por Fernando e Isabel em 1492.
A Cabalá é explicitamente esotérica - de fato, o estudo dela era geralmente limitado a
judeus observadores e educados (homens) que completaram quarenta anos. Rejeita tanto o
historicismo da comum leitura "superficial" da Bíblia quanto a racionalidade da ortodoxia
que favorece uma leitura "interior" do texto que, acredita-se, revelaria uma luta mística
cósmica na qual o bom judeu tendem a reconstituir a luz primordial quebrada no momento
da criação. De muitas maneiras, o cabalismo é uma extensão da leitura talmúdica ortodoxa:
o mistério é abordado através de um estudo intensivo que inclui o significado e a
numerologia das letras da Bíblia. Mas vai além dessas coisas e chega à contemplação do
Trono, da Carruagem de fogo e, sobretudo, do Nome de Deus, e tudo isso leva ao êxtase. A
Cabalá também contém todas as formas fundamentais que vimos no Hermetismo e seus
descendentes: as trindades, os conceitos de um Deus absconditus ou intelecto, de um logos
ou verbo ativador e de um espírito mediador; as oito esferas ou firmamentos que o místico
bem praticado pode transcender; e o homem visto como a medida de todas as coisas e às
vezes até como o criador de Deus. Esse conjunto de conceitos, nos primeiros séculos da
existência da Cabala, levou à astrologia, à medicina, à magia, pelos quais os judeus eram
famosos em toda a Europa na idade Média. 86

Hermetismo em Bizâncio e na Europa Ocidental cristã


O neoplatonismo, pelo menos do tipo nominalmente cristão, sobreviveu no Império
Bizantino, como se vê, e passou por uma renovação durante a época que foi chamada de
Renascimento Bizantino do século XI . Psellus, a figura dominante do neoplatonismo, é

131
conhecido por se interessar tanto pela filosofia hermética quanto pela magia. Um estudioso
de nossos tempos, o professor Zervos, escreveu:
Não sabemos quantas obras sobre literatura hermética compuseram Psellus. A única que resta é uma glosa
sobre Pimander […]. Tendo reivindicado a influência do Gênesis na formação das doutrinas cosmogônicas de
Pimandro , Psellus afirma que todas as concepções helênicas de Deus são influenciadas por modelos orientais.
Ele justifica essa superioridade do Oriente sobre a filosofia grega observando que Porfírio [o neoplatônico do
século III dC] tinha ido a um sacerdote egípcio, Anebon, para receber ensinamentos sobre a causa primeira. 87

Aqui encontramos, como em Agostinho, a seguinte hierarquia: a Bíblia, depois a sabedoria


egípcia e oriental, e a Grécia; onde o interesse é colocado no elemento central. Como
algumas obras de Psellus foram trazidas para a Itália no século XV , pode-se deduzir que elas
foram preservadas em Constantinopla através de todos os turbulentos eventos dos últimos
quatrocentos anos do Império Bizantino. E isso, por sua vez, demonstra a importância que
ali foi atribuída ao neoplatonismo e ao hermetismo.
A crença de que o Egito era um centro de magia poderoso, se não o mais poderoso,
sobreviveu à conversão ao cristianismo da Europa Ocidental. Na tumba pagã de Childerico,
que morreu em 481 e foi pai de Clóvis, o primeiro rei cristão da França, foram encontrados
escaravelhos e uma cabeça de touro bárbaro com um disco solar na testa, identificado
como abelhas. 88 Cerca de trezentos anos depois, o grande selo de Carlos Magno
representava a cabeça de Serápis, o falecido Júpiter egípcio. 89
Embora - como em qualquer outra atividade cultural - o interesse pelos Textos
Herméticos tenha diminuído ao mínimo durante a "idade das trevas" e o início da Idade
Média, ele não morreu completamente. Não há dúvida, porém, de que os pensadores
medievais estavam mais interessados na magia hermética e na astrologia do que na
filosofia do hermetismo. No entanto, um texto filosófico havia permanecido em circulação
desde sua tradução para o latim no século II , o Asclépio. 90 O número de cópias feitas nos
séculos XI e XII indica que o interesse por ele teria, de fato, crescido durante o que foi
chamado de Renascimento da Europa Ocidental do século XII . 91 Também é difícil acreditar
que o florescimento do humanismo nos séculos seguintes não tenha sido afetado pela
influência de Asclépio e dos poucos outros textos neoplatônicos disponíveis.

Egito durante o Renascimento


Os historiadores do início do século XX tendiam a retratar o Renascimento como grego e,
embora influenciado por Platão, até certo ponto "puro" até o final do século XV , quando o
neoplatonismo foi introduzido. 92 O interesse pelo Egito e pelo Oriente foi, no entanto,
constitutivo de todo o movimento desde o início. Nunca se repete o suficiente que, assim
como para Shakespeare os gregos antigos eram apenas levantinos briguentos, e não
semideuses, os estudiosos, artistas e patronos italianos do Renascimento se identificavam
com os gregos, mas não concentravam seu interesse na Grécia. Péricles, ou sobre os deuses
do Olimpo. O que os interessava era retomar onde a antiguidade pagã havia parado. Como o
filósofo e historiador David Hume escreveu com sensibilidade do século XVIII, "o
conhecimento, na época de seu renascimento, estava vestido com as mesmas roupas não
naturais que usava na época de seu declínio entre os gregos e romanos". 93

132
No centro dessa "decadência" estavam o respeito pelo Egito e pelo Oriente, a admiração
pelo elaborado estilo "oriental" e a obscuridade dos escritos dos neoplatônicos e a paixão
pelo mistério egípcio e oriental. E é precisamente das tradições neoplatônica e hermética
que o Renascimento extraiu sua concepção mais característica, a do potencial infinito do
homem, e a crença de que o homem é a medida de todas as coisas. Mesmo no século XIV e
início do XV , épocas concebidas pelos historiadores do século XIX e os do nosso século como
"viris", havia um enorme respeito pelos egípcios.
Com o início do século XV , os estudiosos italianos formaram uma ideia completa do
papel central que os textos herméticos e egípcios desempenharam naquele conhecimento
antigo que desejavam reviver. Há algum tempo os estudiosos sabiam de Asclépio e o tinham
lido, e foi justamente então que os textos herméticos árabes começaram a ser traduzidos
para o latim. Além disso, com o aumento dos contatos entre a Itália e a Grécia, os escritos
neoplatônicos e herméticos de Psellus e outros promotores do Renascimento bizantino
tornaram-se disponíveis. 94 Em 1419, uma cópia da Hieroglyphica , uma obra sobre
hieróglifos do final do século V , escrita por Horapollo, natural do Alto Egito, foi trazida para
a Itália e traduzida. 95 O autor combina uma correta interpretação de um certo número de
signos "com as mais grotescas razões alegóricas para os significados". 96 A obra teve imensa
popularidade e confirmou a crença de que os hieróglifos eram a escrita de mistérios,
superiores aos alfabetos, pois se acreditava que um signo comprimia múltiplos significados
dentro dele sem a carga fonética da linguagem mundana. Em geral, os hieróglifos e os
quebra-cabeças que se acreditava conterem assumiram enorme importância no início do
século XV ; veja, por exemplo, a famosa medalha representando um olho alado
explicitamente egípcio desenhado pelo grande pintor, arquiteto e teórico da arte Leon
Battista Alberti, que às vezes é considerado um representante do início do Renascimento
"incontaminado". 97
Acreditava-se que o uso dos hieróglifos pelos sacerdotes egípcios estava ligado ao uso
que faziam das alegorias e ao significado alegórico que Plutarco e outros autores gregos
atribuíam aos mistérios. Como vimos, os estudiosos do século passado e deste insistem que
os gregos "incompreendidos". E eles acreditam que até os pensadores da Renascença
entenderam mal. Como o historiador de arte Wind escreveu sobre alguns deles no início
deste século,
seu interesse estava menos nos cultos de mistério originais do que em sua adaptação filosófica. Essa restrição,
no entanto, não foi apenas resultado de um bom julgamento: foi antes por uma sorte, porque lhes veio de uma
falsa interpretação histórica; na verdade, eles partiram do pressuposto de que a interpretação figurativa fazia
parte dos mistérios originais. 98

Acredito que a interpretação do século XV era correta, pelo menos no que diz respeito à
religião egípcia tardia. Em todo caso, os italianos do Renascimento nunca questionaram sua
verdade.
A paixão renascentista pelo Egito originou-se principalmente de sua antiga reputação
como um país onde os mistérios e as iniciações sagradas foram estabelecidos pela primeira
vez. Além disso, com a possível exceção dos zoroastrianos da Pérsia e dos caldeus, dos
quais havia apenas uma vaga concepção, os egípcios eram vistos como a origem de toda
arte e conhecimento; apesar de todo o sentimento de progresso atribuído a eles pelos
historiadores românticos, os homens da Renascença estavam fundamentalmente

133
interessados no passado. Eles buscaram as fontes - e assim olharam para além do
cristianismo para a Roma pagã, para além de Roma para a Grécia; mas atrás da Grécia
estava o Egito, como disse Giordano Bruno no século seguinte: "nós gregos conhecemos a
grande monarquia das letras e da nobreza, o Egito, por parentes de nossas fábulas,
metáforas e doutrinas". 99
Em todo caso, para que não pensemos que Giordano Bruno era atípico, ou pertencia a
uma geração que havia sido "corrompida" pelo renascimento do neoplatonismo, deixe-me
citar Frances Yates sobre a fundação da escola neoplatônica em que as atitudes em relação
Egito e Grécia antes desta fundação:
Por volta de 1460, um manuscrito grego foi trazido da Macedônia para Florença: foi trazido por um monge, um
dos muitos agentes empregados por Cosimo de 'Medici para coletar seus manuscritos. Continha uma cópia do
Corpus Hermeticum […]. Embora os manuscritos platônicos já estivessem reunidos e estivessem apenas
esperando para serem traduzidos, Cosimo ordenou a Ficino que os colocasse de lado e traduzisse imediatamente
a obra de Hermes Trismegisto antes de enfrentar os filósofos gregos […]. O Egito veio antes da Grécia, Hermes
antes de Platão. O respeito renascentista por tudo o que era antigo […] e, portanto, mais próximo da verdade
divina, resultou na tradução do Corpus Hermeticum antes da República Platônica e do Simpósio . 100

As novas traduções tornaram-se o principal estudo da renascida Academia Platônica


fundada pelo grande tradutor, homem de letras e filósofo Marsilio Ficino, em sua vila em
Careggi, perto de Florença. E o mesmo aconteceu em outras academias que surgiram em
todas as principais cidades italianas e, posteriormente, em toda a Europa. Embora essas
academias fossem conscientemente modeladas de acordo com as de Platão em Atenas, seus
membros acreditavam que elas foram construídas no modelo de um sacerdócio de templo
egípcio ideal. Todas as academias europeias tinham como razão de ser a eleição de novos
membros . Nas academias de Roma nos séculos XV e XVI , por exemplo, tais eleições
envolviam complexos aparatos rituais. 101 O rito de elevação à categoria de "imortal"
celebrado na Academia Francesa e em outras remonta aos mistérios e iniciações sagradas
para conferir imortalidade inventados no Renascimento com base em evidências da
antiguidade tardia e que se acreditava - na minha opinião, com razão - em última análise,
derivam do antigo Egito. 102 Mas os escritores do Renascimento retiraram dos neoplatônicos
muito mais do que suas formas de organização. Eles foram além do neoplatonismo, ao
próprio Platão, a Pitágoras, a Orfeu, ao Egito, buscando sua filosofia, ciência, magia.
No final do século XV , o pensamento neoplatônico fundiu-se com o da Cabala através da
obra de Pico della Mirandola, pensador e místico. A "magia espiritual" de Pico conseguiu
combinar os dois sistemas de modo que eles até ofereceram validação ao cristianismo com
base na interpretação mística de hieróglifos egípcios e letras e números hebraicos. 103 O Pico
teve uma enorme influência na época, particularmente entre os Borgias, que
encomendavam obras de arte em glória da religião egípcia e sobretudo da Abelha Abelha,
que consideravam seu símbolo. Muito mais importante a longo prazo, porém, foi a
formulação clara que Pico deu da concepção egípcia segundo a qual o homem como "
mágico ", como resume Frances Yates, "usa a magia e a cabala para agir sobre o mundo,
para controlar através da ciência o seu próprio destino". 104
Esta e outras fusões semelhantes de tradições egípcias e judaicas - que, como
mencionado acima, estavam relacionadas - reapareceram no final do século XVI ,
particularmente na obra do filósofo Tommaso Campanella. O Cabalismo também continuou
a ser uma importante fonte de inspiração para a magia e a ciência dos séculos XVI e XVII. 105 No

134
entanto, como Frances Yates apontou, a Cabala nunca foi definida como prisca theologia , ou
seja, teologia antiga ou primária, pelo motivo de pertencer à tradição bíblica e não à dos
gentios. Para os pensadores da Renascença que desejavam transcender o cristianismo, não
havia alternativa senão o Egito. 106

Copérnico e o Hermetismo
De acordo com os estudos recentes de Copérnico, Frances Yates afirmou em 1964:
Copérnico não se move na concepção do mundo de Tomás de Aquino, mas na do novo neoplatonismo, dos prisci
theologi com Hermes Trismegisto à frente, elaborado por Ficino. Pode-se dizer que esse interesse tão vivo pelo
sol foi, do ponto de vista psicológico, o principal estímulo que induziu Copérnico a realizar os cálculos
matemáticos relativos à hipótese da posição central do sol no sistema planetário; ou que ele tentou tornar sua
descoberta aceitável apresentando-a no contexto dessa nova atitude. É provável que, se não ambas, uma ou
outra dessas hipóteses seja verdadeira. 107

Embora, como disse, os Textos Herméticos fossem marcados pelo sistema geocêntrico
ptolomaico, eles continham potencial para outras cosmologias, inclusive a baseada em uma
luz central. Há também referências repetidas à santidade especial do sol concebido como
fonte de luz e às vezes como um segundo deus que governa o terceiro deus, o mundo
animado e todas as suas criaturas vivas. 108 Os Textos, portanto, compartilhavam a
importância central que no antigo Egito era atribuída ao sol como a principal divindade e
força vivificante.
Muito aconteceu no campo dos estudos copernicanos desde que Frances Yates escreveu
o texto acima, e houve tentativas de mitigar as possibilidades perturbadoras que ele sugere.
Algumas objeções, como a do professor Rosen, historiador da ciência, foram orientadas de
acordo com a imagem convencional do desenvolvimento científico como uma sucessão de
saltos heróicos dados por grandes homens que conduziram das trevas à luz. Para Rosen,
portanto, Copérnico não era "nem platônico, nem neoplatônico, nem aristotélico, era
copernicano". 109 Mais significativamente, alguns estudiosos recentes mostraram que os
modelos matemáticos de Copérnico eram amplamente baseados em fontes islâmicas,
particularmente as obras do século XIII de Naṣīr ad-Din aṭ-Tūsī, e as de Ibn ash Shāṭir, do XIV.
110 Nelas, porém, não encontramos o verdadeiro heliocentrismo; a ideia veio a Copérnico

muito antes de ele desenvolver a prova matemática. Argumentou-se que Copérnico extraiu
seu heliocentrismo de Regiomontano, um estudioso de meados do século XV . Os
argumentos técnicos propostos não desmerecem o fato de que se Regiomontano abriu
caminho para o heliocentrismo isso pode ser devido à sua cultura formada em meio ao
neoplatonismo de meados do século XV . Verdade ou não, isso não afetaria a verdade do que
o professor Yates disse. 111

Hermetismo e Egito no século 16


Acredita-se que os Textos, uma vez traduzidos, geraram uma decepção. Isso é negado pela
história bibliográfica dos Textos. Como o professor Blanco deixou claro:

135
Entre 1471 e 1641 a tradução de Marsilio Ficino teve 25 edições; a de Patritius tinha seis; a edição bilíngue do
Frate De Foix teve duas reimpressões; o Asclepius teve quarenta edições; O comentário de J. Faber Stapulensis
sobre Pimander saiu em quarenta edições; a de Rosellius em seis; O comentário de J. Faber Stapulensis sobre
Asclépio teve onze edições etc. 112

A bibliografia também nos diz algo sobre a disseminação do interesse na Grécia e no Egito.
Por exemplo, George Eliot, no auge do romantismo vitoriano, deu uma representação vívida
do interesse renascentista pelas ruínas da Atenas pagã. 113 Mas isso é um anacronismo. Dos
séculos XV ao XVII , os europeus ocidentais mostraram um interesse muito maior em viajar
para o Egito do que para a Grécia: os editores de uma recente coleção de reimpressões
afirmam que, entre 1400 e 1700, mais de 250 descrições do 'Egito feitas por viajantes
ocidentais . 114
Em alguns círculos, de fato, ter viajado ao Egito, às fontes do conhecimento, deu
legitimidade àqueles que tentaram refutar noções convencionais. Um exemplo mais típico
disso, no início do século XVI , foi o grande e original médico e engenheiro de minas
Paracelso, que afirmou - e talvez fosse falso - ter estado no Egito e chamar a medicina que
praticava de hermética. Com ele, porém, estamos apenas no início de uma tradição,
continuada até Newton, na qual os cientistas justificavam o uso do experimento como
forma de recuperar a sabedoria do Egito e do Oriente que gregos e romanos não
conseguiram preservar. 115
Vale lembrar que nos últimos 150 anos a Renascença foi vista como um dos dois picos
da cultura europeia, um pico um pouco mais baixo que a Atenas do século V.
Consequentemente, os estudiosos dos séculos XIX e XX encontraram considerável
dificuldade e constrangimento ao discutir a admiração que o Renascimento sentia pelo
Egito e pelo Oriente. Por exemplo, mesmo que os deuses fossem nomeados por seus nomes
latinos, eles eram considerados essencialmente egípcios. Veja Jean Seznec, o mais
importante estudioso de sobrevivências pagãs na Antiguidade em nosso século, quando
escreve sobre os manuais ilustrados dos deuses pagãos:
Mas em nossos manuais [livros de ilustrações] extraordinário destaque é dado às divindades dos cultos
orientais, especialmente no de Cartari. E sobretudo é dado às divindades egípcias [...] já tivemos ocasião de notar
em Picator o mesmo espaço inusitado e até desproporcional que é dado às divindades orientais. Isso se deve, em
nossa opinião, a uma influência da época - a dos "hieróglifos" que atraíram a atenção dos humanistas para o
Egito e o Oriente em geral. 116

E mais adiante:
Nossos manuais, em sua evidente preferência pelas divindades orientais às olímpicas - preferência estimulada
pela egiptomania e gosto pelos enigmas típicos da época [...]. Quanto a Mercúrio, ele é uma espécie de mago com
um boné pontudo. Pequenos seres alados, que parecem emergir de um poço, agarram um caule de seu enorme
caduceu em torno do qual se contorcem quatro cobras; outros pequenos putti semelhantes parecem escorregar e
cair de volta. Que figura é essa que não pertence, como observa Yriarte, nem a Roma, nem à Grécia, nem à
Assíria, nem à Pérsia? Lembra tanto Hermes, guia das almas no submundo, ou psicopompos , quanto o egípcio
Thoth, que ensina as almas a subir gradualmente ao conhecimento das coisas divinas. 117

E não são apenas os historiadores convencionais que preferem se distanciar desse aspecto
"ingrato" do Renascimento. Frances Yates, que não foi apenas a iniciadora dos estudos do
hermetismo renascentista, mas que ainda ocupa uma posição de destaque lá, e lutou pelo
estudo de heresias de todos os tipos, nunca desafiou os próprios fundamentos do modelo

136
ariano. Ao analisar detalhadamente a enorme e frutífera influência do hermetismo egípcio
na Itália dos séculos XV e XVI , parece que às vezes sente a necessidade de reafirmar aos
leitores que não é tão heterodoxa a ponto de acreditar nos homens sobre os quais escreve
neste livro. grande simpatia. Há comentários frequentes como: "Esse enorme erro histórico
estava destinado a produzir resultados surpreendentes". 118 Na minha opinião, esta
descrição é muito mais adequada ao modelo ariano!
É certo que no século XVI o hermetismo e o interesse pelo Egito se desenvolveram como
uma parte respeitável da alta cultura renascentista. No entanto, se levarmos em conta a
história posterior, deve-se admitir que o produto mais importante do hermetismo da
época, Giordano Bruno, o grande defensor de Copérnico, foi uma exceção. Bruno foi
saudado pelos historiadores da ciência dos séculos XIX e XX como um pioneiro e mártir da
ciência e da livre investigação intelectual, mas Frances Yates o colocou firmemente na
tradição hermética. Bruno foi excepcional por ir além de seus predecessores e
contemporâneos. Apesar de seu entusiasmo, a maioria dos primeiros herméticos, honesta
ou desonestamente, manteve dentro dos limites do cristianismo, aqueles limites
estabelecidos por Santo Agostinho que exigia manter a filosofia egípcia e aqueles que os
gentios derivaram dela mais tarde e, portanto, inferiores. sabedoria. Bruno, no entanto, foi
além do cristianismo, mas também do judaísmo, até chegar ao paganismo egípcio.
Mas não deduza que a suficiência da magia caldéia surgiu e deriva da cabala judaica; porque os hebreus são
internatos para excrementos do Egito, e nunca há alguém que possa fingir com alguma verossimilhança, que os
egípcios tenham tirado deles qualquer princípio digno ou indigno. Por isso nós gregos [com quem os gentios
parecem significar] conhecemos a grande monarquia da literatura e da nobreza, o Egito, por parentes de nossas
fábulas, metáforas e doutrinas. 119

O contexto social desse radicalismo foi, na década de 1570, a incapacidade da Contra-


Reforma de superar os limites do catolicismo e de sanar a fratura que se produzira no
cristianismo ocidental e que deu origem às guerras de religião das quais se originou.
sangrado Europa do final do século 16 . Bruno tentou se associar com estadistas
relativamente tolerantes que buscavam um compromisso. O paradoxo é que isso foi
acompanhado por seu extremo radicalismo intelectual e teológico. Para alcançar a paz
espiritual e física, Bruno acreditava que era necessário transcender o cristianismo não
apenas intelectualmente, mas também politicamente. Como disse Frances Yates, este é «[…]
o significado puramente “egípcio” do hermetismo de Bruno segundo o qual a religião
hermética egípcia não se configura como uma prisca theologia precursora do cristianismo,
mas como a única religião verdadeira”. 120
Que Bruno tenha ultrapassado os limites do cristianismo e tenha sido queimado na
fogueira pela Inquisição por suas crenças não é suficiente para nos fazer exagerar sua
excentricidade na Itália do século XVI . Se levarmos em conta a paixão pelas fontes e a crença
de que a precedência no tempo é superioridade, o passo entre afirmar que o Hermetismo
precedeu o Cristianismo e proclamar que o transcendeu não é tão longo. No entanto,
enquanto o equilíbrio entre a Bíblia e o Cristianismo, por um lado, e o Egito e os Textos
Herméticos, por outro, era delicado e em sutis flutuações, a relação entre este e a Grécia
Antiga era mais acentuada. O ceticismo de Erasmo em relação à datação dos Textos
Herméticos, por exemplo, parece ter se baseado mais no desejo de proteger o cristianismo
do que em afirmar a precedência da Grécia. 121 Após a Reforma, o calvinista Lambert Daneau

137
recorreu mesmo à reputação de mestres gregos de que gozavam os egípcios para provar a
superioridade de Moisés e da tradição bíblica também para fins de "filosofia natural", que
era mais ou menos o que mais tarde seria chamado de "ciência". Citando fontes antigas,
Daneau veio a corroborar a tradição segundo a qual os egípcios aprenderam astronomia
com os "sírios". E ele também pôde mostrar que este último teria um homem instruído
chamado Moschos, que neste momento não hesitou em chamar Moisés. Desta forma,
Moisés teria ensinado astronomia aos egípcios e, portanto, aos gregos. A tradição de
identificar Moisés com Moschos continuou no final do século 18 . 122 E neste ponto não se
tratava mais de questionar a superioridade do conhecimento egípcio sobre o grego.
Para concluir este capítulo com um exemplo familiar. Os gregos que Shakespeare pinta
traiçoeiros e intrigantes remontam a uma imagem bem enraizada na tradição medieval
tardia e não atípica no tempo do dramaturgo. Como tentei demonstrar neste capítulo, a
maioria dos pensadores da Renascença acreditava que o Egito era a fonte original e criativa
e a Grécia um difusor posterior de alguma sabedoria oriental e egípcia, e a veracidade do
modelo antigo não foi questionada.

Notas
1 Gibbon (1776-1788 [trad. It. 1967], vol. II , pp. 1031-1033, 1816). Vale a pena notar que a primeira biblioteca dos
Ptolomeus foi destruída acidentalmente pelo exército de Júlio César. A segunda, no entanto, ainda era a maior do mundo
na época.
2 Ver , por exemplo, Baldwin Smith (1918, p. 169).
3 Juster (1914, vol. I , pp. 209-211, 253-290).
4 Juster (1914, vol. I , p. 211); Baron (1952, vol. II , pp. 93-98, 103-108).
5 Heródoto, As histórias , III .27-43.
6 Sobre a grande riqueza dos templos egípcios e os muitos escravos que possuíam, ver Cumont (1906 [trad. It. 1967], pp.

115-144).
7 Esdras 1: 2-4.
8 Neusner (1965, vol. I , pp. 70-73).
9 Para duas concepções opostas a esse respeito, ver de Santillana (1969); Neugebauer (1950, pp. 1-8).
10 Virgil, Eclogues , IV.4-10 .
11 Pulleybank (1955, pp. 7-18).
12 Ver Finkelstein (1970, p. 269).
13 Ver especialmente o cap. XLI-XLV , 367C-369C. Acredita-se por convenção que Hiparco, que viveu no Egito no século

II aC, descobriu o fenômeno.


14 Gardiner (1961 [trad. It. 1971], pp. 66-67); von Beckarath (1980, pp. 297-299).
15 Ver Griffiths (1970, p. 34). O copta tem um termo interessante, hasie , que Černy deriva do antigo ḥ sim (glorificado

afogado). E isso claramente se relaciona com essas lendas. A raiz grega hosio- (sagrado, livre de contaminação) parece
derivar desta última em vez da raiz indo-européia √es (ser). Isso será discutido com mais detalhes no vol. III .
16 Lambert (1984, pp. 126-142).
17 Gamer-Wallert (1977, pp. 228-234); Griffiths (1970, pp. 342-343, 422-423).
18 Embora Dågôn pareça estar relacionado com o grego drakōn (peixe) ou (dragão), tem sido tradicionalmente

identificado com o hebraico dåg (peixe). No entanto, Dågån significa "semente", e há também um antigo deus semítico
chamado Dagan, que parece ter destaque na Ebla do terceiro milênio (Pettinato, 1979, pp. 269-274). É claro que os dois
nomes se prestavam a brigas verbais. No entanto, os israelitas não consideravam o peixe sagrado ou tabu.
19 João 21: 1-14.
20 Baldwin Smith (1918, pp. 129-137).
21 De Batismo , E. Para mais informações sobre peixes em "água viva" no pensamento paleo-cristão, ver Daniélou (1964,

pp. 42-57). Em outro nível, Tertuliano talvez estivesse aludindo ao fato de que a constelação de Peixes segue ou nasce de
Aquário (o "Portador da Água").
22 Hornung (1971 [trad. Eng. 1983], p. 163).
23 Corpus Hermeticum , II . 326-328.
24 Para o que ainda é uma excelente revisão do assunto, ver Dupuis (1795 [trad. It. 1982], vol. I , pp. 75-322). Aspectos

dos paralelos são discutidos no Capítulo 8 .

138
25 A tentativa de reduzir o Hermetismo e as filosofias que o cercam a um sistema tem sido feita por vários estudiosos -

em particular por j. Kroll - que tem infinitamente mais conhecimento da área do que eu. No entanto, como as disciplinas
modernas geralmente dependem de distinções cada vez mais sutis, os subusuários até agora derrotaram os
generalizadores. Vedi Blanco (1984, pp. 226-228).
26 Para uma revisão do conceito de "três" na Antiguidade Tardia e no Renascimento, ver Wind (1980 [trad. It. 1985], pp.

47-60).
27 Des Places (1984, p. 2308).
28 Hobein (vol. II , p. 10), citado em Wind (1980 [trad. It. 1985], pp. 268-269).
29 Pagels (1979, p. XIX ).
30 Porfírio, Vita Plotini , X.
31 Des Places (1975, pp. 78-82).
32 Veja Platão, República , XI .
33 A importância dada às mulheres em sua teologia e entre os próprios gnósticos concorda bem com a liberdade

conquistada pelas mulheres da classe alta na Antiguidade tardia. Vedi Pagels (1979, pp. 48-69) . Da mesma forma, não há
dúvida de que o status social das mulheres era tradicionalmente muito mais alto no Egito do que em Canaã ou na Grécia.
Pagels (pp. 63-64) cita o professor Morton Smith, que argumenta plausivelmente que as atitudes cristãs em relação às
mulheres tornaram-se mais rígidas à medida que o elemento social que representava a religião mudou das classes mais
baixas - nas quais as mulheres, como necessárias à economia familiar, desfrutavam certa igualdade - nas classes médias,
onde as mulheres eram confinadas em casa.
34 White (1984, p. 2242).
35 Ver , por exemplo, a literatura hermética culta - às vezes encadernada no mesmo volume - encontrada na biblioteca

gnóstica de Nag Hammadi (Blanco, 1984, pp. 2248-2249, 2252). Para uma bibliografia recente sobre o Hermetismo e sua
relação com outras escolas, ver Blanco, pp. 2243-2244. Para exemplos da relação entre neoplatonismo e hermetismo, ver
Des Places (1975, pp. 336-337); Dieckmann (1970, pp. 18-25).
36 Para uma bibliografia sobre a influência do Hermetismo no Gnosticismo, ver Blanco (1984,
p. 2278, n. 102). Para a influência do neoplatonismo, ver Des Places (1975, pp. 76-77; 1984, p. 2308).
37 Bloomfield (1952, p. 342), citado em Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 15, n. 4).
38 Blanco (1984, p. 2264).
39 Blanco (1984, p. 2272). Curiosamente, embora Elaine Pagels não mencione a influência do pensamento egípcio, ou

mesmo hermético, sobre o gnosticismo em seu excelente livro popular sobre o assunto, ela encontra espaço para
especular - com base em pequenos pedaços de documentação - sobre a possibilidade de uma influência ( 1979, pp. XXI-
XXII ). Edição de vídeo também Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], p. 3).
40 Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 15, n. 4). Para revisões de estudos herméticos no século XX e uma bibliografia das

obras de Festugière sobre o assunto, ver Dieckmann (1970, pp. 18-19); Bianco (1984, pp. 2268-2279).
41 Sobre a hipótese de que os textos gnósticos foram originalmente escritos em copta, ver Doresse (1960, pp. 255-260).
42 Blanco (1984, p. 2273).
43 Para um resumo do trabalho de Casaubon, ver Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 459-464); Blanco (1984, pp. 2263-

2264). A técnica de negar a existência de uma coisa porque não é atestada na literatura transmitida será discutida mais
adiante.
44 Festugière (1944-49, vol. I , p. 76).
45 Kroll (1923, pp. 213-225).
46 Cumont (1906 [trad. It. 1967], pp. 22-23).
47 Para o papel histórico e o trabalho de Cumont, ver Beck (1984, pp. 2003-2008).
48 Petrie (1908, pp. 196, 224-225; 1909, pp. 85-91). A hipótese de Petrie e minha aceitação dela são baseadas na

plausibilidade e não na certeza. É possível que no final do século II d.C. os autores tenham deliberadamente situado seus
escritos no período persa, como parece ter feito Heliodoro em seu romance Os etíopes . No entanto, a falta de ostentação, a
complexidade e coerência da configuração dos Textos Herméticos, o reconhecimento universal da sua antiguidade e o
claro propósito ideológico daqueles que tentaram atribuir-lhes uma data mais recente, tornam muito provável uma data
mais antiga. .
49 Scott (1924-1936, vol. I , pp. 45-46).
50 Stricker (1949, pp. 79-88); P. Derchain (1962, pp. 175-198). Vedi Griffiths (1970, p. 520) e Morenz (1969, p. 24).
51 TG Allen (1974, p. 280); Boylan (1922, p. 96 - não dá data). Edição de vídeo também Baumgarten (1981, p. 73).
52 Plutarco, De Iside ..., 61, 375F. Clemente de Alexandria, Stromata , VI . 4.37. Para uma discussão sobre Plutarco sobre

isso, veja Griffiths (1970, pp. 519-520).


53 Sobre a inscrição de Esna, ver M.-T. e P. Derchain (1975, pp. 7-10). Sobre Saqqara, ver Ray (1976, p. 159). Edição de

vídeo também Morenz (1973, p. 222).


54 Ray (1976, pp. 136-145).
55 TG Allen (1974, p. 280).
56 João I : 1. Sobre aqueles que negam isso, ver Festugière (1944-1949, vol. I , p. 73); Boylan (1922, p. 182).

139
57 Breasted (1901, p. 54). GGM James (1954, pp. 139-151) está plenamente consciente do significado da teologia

memphita . O grego νόοϛ (a mente como se manifesta em pensamento e percepção) parece derivar do egípcio nw ou nw 3
(ver, olhar), que também é a origem de νοεω (perceber, observar).
58 Veja o epíteto p 3 nb np 3 ḥ 3 ty (o senhor do coração), que Ray considera "enigmático" (1976, p. 161). Thoth também

foi concebido como o coração de Ra (Budge, 1904, vol. I , pp. 400-401).


59 Budge (1904, vol. I , pp. 400-401).
60 Textos das Pirâmides , 1713 C. V edi Griffiths (1970, p. 517). Para atestados mais antigos, veja Hani (1976, pp. 60-61).
61 Para uma compilação dessas referências, ver Froidefond (1971, pp. 279-284).
62 Jacoby (1923-1929, vol. III , p. 264); fr. 25, 15, 9; 16, 1.
63 Fragmentos da obra de Filo foram citados pelo Padre da Igreja Eusébio no século III dC em sua Praeparatio

Evangelica , I.9.20-29 e I.10 .


64 Albright (1968, pp. 194-196, 212-213); Eissfeldt (1960, pp. 1-15). As raízes mistas semíticas e egípcias da

cosmogonia de Taautos serão discutidas no vol. III .


65 Baumgarten (1981, pp. 1-7, 122-123). No vol. III Tentarei mostrar que muitos dos nomes que aparecem em Filo, e que

não podem ser explicados com base em etimologias ugaríticas ou semíticas, têm etimologias egípcias plausíveis.
66 Albright (1968, p. 225). Baumgarten (1981, pp. 108-119) também vê paralelos próximos entre as duas cosmologias.
67 Budge (1904, vol. I , pp. 292-293); Hani (1976, pp. 147-149). P. Derchain (1980, col. 747-756).
68 Gardiner (1961, [trad. It. 1971], pp. 58-59).
69 Renan (1868, p. 263); Albright (1968, p. 223). Sobre outros, ver Baumgarten (1981, p. 92, n. 94).
70 Albright (1968, p. 193); Eissfeldt (1960, pp. 7-8). Edição de vídeo também Baumgarten (1981, pp. 107-110). Sobre o

evemerismo na cultura cananéia e sua influência na Grécia, ver G. Rosen (1929, p. 12).
71 Jacoby (1923-1929, vol. III , p. 812, 15-17). Ver também Baumgarten (1981, p. 69).
72 Jacoby (1923-1929, vol. III , p. 810, 2-5). Ver também Baumgarten (1981, p. 192).
73 Papa (1973, p. 302). Não aceito sua exclusão monista do galo, que na religião egípcia tardia parece ter alguma

associação com o culto de Thoth. A conexão crucial entre Thoth, Anubis e Hermes e o planeta Mercúrio será discutida no
vol. II .
74 Seznec (1953, p. 12).
75 Ver Devisse (1979, pp. 39-40); Morenz (1969, p. 115).
76 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 27-31).
77 Blanco (1984, pp. 2253-2258).
78 Scholem (1974 [trad. It. 1990], p. 11). Sobre os manuscritos do Mar Morto, ver Gaster (1964).
79 Festugière (1961-1965, especialmente vol. I ).
80 Scholem (1974 [trad. It. 1990], p. 11); você vê também Sandmel (1979).
81 Scholem (1974 [trad. It. 1990], pp. 8-30).
82 Ibidem, pág. 9.
83 Ibidem, pp. 30-42.
84 Lafont et ai . (1982, págs. 207-268).
85 Scholem (1974 [trad. It. 1990], p. 45).
86 Ibidem, pág. 31.
87 Zervos (1920, p. 168). Veja este trabalho também para uma bibliografia sobre Psellus.
88 A história desses escaravelhos é um belo exemplo do modelo ariano em ação. A tumba de Childeric, com seus ricos

bens funerários, foi encontrada em 1653 e, embora alguns objetos tenham desaparecido rapidamente, a maior parte dos
bens funerários logo foi publicada com ilustrações de Jean-Jacques Chiflet, um proeminente médico interessado em
arqueologia. No século XIX, os objetos passaram por muitas vicissitudes. Embora parte do tesouro esteja agora guardado
no Cabinet des Mèdailles em Paris, os estudiosos modernos só puderam contar com publicações dos séculos XVII e XVIII .
Em geral - e nos casos em que os objetos ainda são possuídos para poder compará-los com ilustrações - os estudiosos
modernos têm uma excelente opinião sobre a precisão dessas primeiras observações. No entanto, Dr. Dumas, o último a
escrever sobre o assunto, rejeita a atribuição, devido a Chiflet, da cabeça do touro a Api e escreve que não há necessidade
de ir em busca de origens egípcias e mesmo romanas. , uma vez que tais cabeças são encontrados entre os citas, os persas
e os hititas. Ele também aponta com razão que também existem exemplos citas "mais ou menos semelhantes" (1976, pp.
42-43). As razões para mencionar os hititas, cuja cultura anatólia havia desaparecido mais de mil anos antes, só podem
ser o peso bárbaro de sua arte e o fato de serem de língua indo-europeia. Se levarmos em conta que Childerico foi durante
a maior parte de sua vida um cliente dos romanos, que passou um período na corte de Átila na Hungria, e que a religião
egípcia teve influência, até o final do século V , sobre as províncias setentrionais do império tardio naquelas áreas que
hoje são Alemanha, Áustria e Hungria (Selem, 1980; Wessetzky, 1961), além do fato de que para o cristão Carlos Magno
Serápis isso importava, não há nada de escandaloso na ideia de que possa haver foram uma influência egípcia. No entanto,
o tom do escândalo reaparece quando o Dr. Dumas examina o relatório de Chiflet sobre os escaravelhos egípcios
encontrados na tumba. Na sua opinião, foi uma asneira: «Tendo de lidar com moedas de prata, algumas das quais
perfuradas, Chiflet tinha reproduzido, para comparação, alguns exemplares da sua colecção, mas também alguns

140
escaravelhos. No século XVIII , o estudioso beneditino Bernard de Montfaucon (um dos maiores eruditos de seu tempo)
incluiu esses escaravelhos por desatenção, considerando-os moedas de francos [...] este erro se repetiu devido à
autoridade de que gozava Montfaucon. Foi assim que se descobriu que o túmulo de Childerico continha cerca de vinte
escaravelhos egípcios!" (1976, p. 6) Mas por que, em sua opinião, seus predecessores teriam se deparado com uma cadeia
de erros tão improváveis? Existem, de fato, razões ideológicas muito fortes pelas quais os estudiosos dos séculos 19 e 20
gostariam de remover os escaravelhos. Os reis francos de origem germânica que fundaram a monarquia francesa são
muito queridos pelo coração da direita francesa. Não é coincidência que o símbolo da França de Vichy fosse o francisque ,
o machado duplo reto - um exemplo brilhante do qual foi encontrado no túmulo de Childeric. A presença de escaravelhos
egípcios em tal santuário do vigor bárbaro ariano nórdico era aqui intolerável.
89 Seznec (1953, p. 55).
90 Blanco (1984, p. 2260); Wigtil (1984, pp. 2282-2297).
91 Festugière (1945, vol. I , pp. XV - XVI ; vol. II , pp. 267-275). Scott (1924-1936, vol. I , pp. 48-50); com todo o respeito a

Dieckmann (1970, pp. 30-31), que parece desconhecer essas cópias e os aspectos herméticos do humanismo do século XV
.
92 Blunt (1940 [trad. It. 1966], pp. 20-21).
93 Quoted in Wind (1980 [trad. It. 1985], p. 13).
94 Blanco (1984, pp. 2256-2260).
95 Dieckmann (1970, pp. 27-30); Iversen (1961, p. 65); Seznec (1953, pp. 99-100) e Boas (1950).
96 Gardiner (1927, p. 11).
97 Ver Wind (1980 [trad. It. 1985], pp. 283-238); Dieckmann (1970, pp. 32-34), e com todo o respeito a Blunt (1940

[trad. It. 1966], pp. 1-22).


98 Wind (1980 [trad. It. 1985], p. 10).
99 Bruno, Espaço , Disque. III , em Diálogos Italianos , pp. 799-800.
100 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 25-26); há um anacronismo na escolha do Simpósio e da República como exemplos.

Para o Renascimento, bem como para a Antiguidade tardia, o texto mais conhecido de Platão foi o Timeu , que, ao
contrário dos outros dois, continha referências explícitas à sabedoria egípcia.
101 Wind (1980 [trad. It. 1985], p. 11, n. 26).
102 A hipótese segundo a qual tais mistérios e iniciações teriam existido no Império Médio, senão no Antigo, será

formulada no vol. III .


103 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 105-135); Dieckmann (1970, pp. 38-44).
104 Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 135).
105 Ibid, pp. 389-428.
106 Ibidem, p. 105.
107 Ibidem, p. 175; você vê também Rattansi (1973, pp. 149-166); Kuhn (1970 [trad. It. 1978], pp. 139 e segs.).
108 Festugière (1945-1954, vol. II , p. 319), citado em Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 50-51).
109 E. Rosen (1970; 1983).
110 Para uma revisão dessa influência, ver Swerdlow e Neugebauer (1984, pp. 41-48). Sou muito grato ao Dr. Jamil Ragep

por sua ajuda nesta parte do livro.


111 Ver Swerdlow e Neugebauer (1984, pp. 50-51). A influência do Hermetismo na astronomia não terminou com

Copérnico. Um século depois, o grande astrônomo Kepler mergulhou em profundos estudos do neoplatonismo e do
neopitagorismo. Vedi Haase (1975, pp. 427-438) ; Fleckenstein (1975, pp. 519-533). O hermetismo de Bruno e dos
cientistas do século XVII será discutido mais adiante.
112 Blanco (1984, p. 2261).
113 Eliot (1864, cap. VI ).
114 Ver Sauneron et ai . (1970-1971, Introdução). Edição de vídeo também Khattab (1982).
115 Hill (1976, p. 3); Rattansi (1963, pp. 24-32).
116 Seznec (1953, p. 238).
117 Ibidem, pp. 253-254.
118 Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 19).
119 Veja n. 99 acima.
120 Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 380).
121 Ibid, pp. 185-188.
122 Daneau (1578, p. 9), citado em Manuel (1983, p. 6). Consegui traçar essa conexão até Warburton (1736-1739, vol. III

, p. 398). Edição de vídeo também McGuire e Rattansi (1966, p. 130), que traçam a gênese dessa associação ao estudioso
frísio Arcerius em uma nota de sua tradução de De vita Pythagorae de Jiamblicus , publicada em 1598. Eles também
observam que ele estabelece uma ligação entre Moschos e Mochos ( ver acima no.70). Tais suposições não são tão loucas
quanto parecem. Certamente havia uma tradição de que o Egito recuperaria seu conhecimento da "Síria", que agora
podemos entender razoavelmente como Fenícia, Síria e Mesopotâmia. Além disso, não há objeção substancial em
relacionar Moschos ao hebraico ou aramaico Môšeh, pois šîn às vezes era transcrito para o grego como sch e a desinência -

141
os é claramente uma desinência de substantivo grego. Isso não significa que os israelitas tivessem conhecimento
"científico" comparável - muito menos superior - ao dos egípcios. Além disso, as transcrições š > sch estão atrasadas; isso
poderia fornecer suporte fonético para a hipótese de que essas tradições remontam ao período helenístico, época em que
era difundida a crença de que os judeus eram grandes astrônomos ( ver Teofrasto, Peri Euseb ., 1.8, citado em M. Sterra
[1974, vol. .I , pág. 10]). Edição de vídeo também Momigliano (1975, pp. 85-86).

142
3. O triunfo do Egito nos séculos XVII e XVIII
Neste capítulo tratarei da continuidade do Hermetismo no século XVII . Embora a maioria
dos estudiosos modernos tenha argumentado que o Corpus Hermeticum foi desacreditado
pela crítica textual de Casaubon, acredito que dificilmente afeta sua reputação. No curto
prazo, os textos continuaram a ser acreditados, e o eclipse que sofreram no século XVIII foi
consequência de um distanciamento geral dos intelectuais da magia e não da crítica
específica. Além disso, a perda de interesse pelo hermetismo não significou nenhuma perda
de respeito pelo Egito. No final do século XVII foi estabelecida uma associação entre o antigo
Egito e o Iluminismo radical; O Egito foi usado para minar o cristianismo e o status quo
político. A imagem do Egito permaneceu central para os maçons, que dominaram a vida
intelectual do século XVIII . Desta forma, o Egito - muitas vezes ligado a esse outro império
muito duradouro, a China - manteve uma grande reputação no que diz respeito à sua
filosofia e ciência, mas sobretudo no que diz respeito ao seu sistema político, que durou até
a desintegração da ordem política. intelectual nas décadas de 1780 e 1790.

Hermetismo no século XVII


Giordano Bruno foi queimado vivo em Roma em 1600. Sua morte, no entanto, teve menos
efeitos duradouros significativos para o hermetismo do que o trabalho de Isaac Casaubon, o
estudioso protestante moderado que em 1614 refutou a antiguidade dos Textos
herméticos. De acordo com Frances Yates, o aspecto surpreendente do empreendimento de
Casaubon é que chegou tão tarde a aplicar aos Textos Herméticos aquelas técnicas
filológicas de crítica textual que já estavam disponíveis desde o final do século XV . Mas se
considerarmos a necessária seletividade de aplicação dessas técnicas e os usos políticos e
ideológicos a que foram usadas posteriormente, não me surpreende tanto que, no final do
século XVI , a ameaça que os Textos representassem não apenas para o catolicismo, mas
para O cristianismo geralmente encorajava um estudioso a examiná-los com uma atitude
hostil. 1
Casaubon demonstrou as semelhanças filosóficas, teológicas e até textuais entre os
Textos Herméticos, as obras de Platão e passagens do Novo Testamento. Ele argumentou
que os textos egípcios devem ter sido derivações, em primeiro lugar porque nenhuma
referência foi feita a eles na Bíblia ou em Platão, Aristóteles ou outros autores antigos; em
segundo lugar, uma vez que os textos se referiam a instituições tardias e citavam autores
helenísticos. 2 A crítica de Casaubon tem efeito devastador apenas sobre seu próprio
objetivo, a imagem do Corpus como obra de um único homem, que teria escrito esses textos
mais de mil anos antes da era cristã. Os descendentes, por ideologia e filologia, de
Casaubon, porém, não responderam às objeções apresentadas por Ralph Cudworth na
década de 1670, a saber: que a presença de material posterior não desmerece os Textos
como fontes sobre a sabedoria egípcia, pois eram escrito " antes que o paganismo egípcio e
a linhagem de seus sacerdotes estivessem completamente extintos ». 3
ainda os seguidores modernos de Casaubon prestaram atenção à hipótese proposta por
Flinders Petrie, que argumentou com base em fundamentos históricos específicos que os
Textos são uma coleção relativamente heterogênea e que foram escritos entre os séculos VI

143
e II aC . , as inegáveis semelhanças entre os textos herméticos, as obras de Platão e os
parágrafos "platônicos" do Novo Testamento podem ser facilmente explicadas em termos
de uma descendência comum da religião egípcia tardia e das idéias fenícias,
mesopotâmicas, iranianas e gregas atuais em todo o Mediterrâneo oriental durante o
período.
A referência a Erasmo, no final do capítulo anterior ( ver p. 161), mostra que o ataque de
Casaubon como um "humanista cristão" não era inteiramente novo para a ideia de que o
hermetismo poderia ser a fonte do cristianismo. No entanto, a história da revelação de
Casaubon é uma contrapartida filológica perfeita para o mito da história da ciência no
século XIX e início do século XX, do qual já mencionamos: o heróico gênio científico
solitário que se eleva acima de sua idade para transformar as trevas da superstição à luz da
ciência e da razão.
Infelizmente, porém, neste caso o hermetismo e a paixão pelo Egito continuaram a
florescer ao longo do século XVII . E Frances Yates também insinua a confusão entre mito e
realidade quando escreve: "Esse namoro foi demolido de uma só vez"; mas no parágrafo
seguinte continua: "O efeito explosivo da descoberta de Casaubon não foi imediato." E,
pouco depois, muda novamente o tom, afirmando:
No entanto, embora outros fatores tenham atuado fortemente contra as tradições renascentistas no século XVII ,
a descoberta de Casaubon deve ser reconhecida, em minha opinião, como um dos fatores, e um fator importante,
na libertação dos pensadores do século XVII da magia. 5

É verdade que no início do século XVII o filósofo e matemático Marin Marsenne usou a
datação de Casaubon para atacar o misticismo hermético do mago elisabetano Robert
Fludd, mas é difícil argumentar que essa crítica textual teve uma influência decisiva na
sociedade em geral. 6 Pareceria mais plausível dizer, colocando os bois na frente da carroça,
que a crença na magia esmoreceu no final do século XVII por razões sociais, políticas e
econômicas de longo alcance; e que esse declínio foi um dos fatores da gradual perda de
interesse pelos Textos Herméticos.
Se a crítica de Casaubon teve ou não efeito sobre o pensamento do século XVII como um
todo, não teve efeito sobre o hermetismo daquele século. Alguns estudiosos, como Kircher,
ignoraram completamente Casaubon; outros, como os platônicos de Cambridge,
enfrentaram suas críticas, mas também argumentaram que os Textos ainda continham
materiais antigos e valiosos.
O objetivo da imolação de Bruno era proteger a Igreja de um desafio direto. O interesse
católico no Egito era forte demais para ser sufocado e o antigo Egito tornou-se a obsessão
de uma das figuras intelectuais e culturais mais influentes da Roma do século XVII : o jesuíta
alemão Athanasius Kircher. Kircher era um cristão hermético que lidava com várias coisas,
como astrologia, harmônicos pitagóricos e Cabala. 7 Ele não tinha dúvidas sobre a remota
antiguidade de Hermes Trismegisto, acreditando que ele havia vivido na época de Abraão, e
também estava perfeitamente disposto a aceitar as prefigurações egípcias de Cristo. Como
ele escreve:
Hermes Trismegisto, o egípcio, que primeiro instituiu os hieróglifos, tornando-se assim o príncipe e pai de toda a
teologia e filosofia egípcias, foi o primeiro e mais antigo entre os egípcios [...]. A partir daqui, Orfeu, Museu, Lino,
Pitágoras, Platão, Eudosso, Parmênides, Melisso, Homero, Eurípides e outros aprenderam o direito sobre Deus e
as coisas divinas. 8

144
Além de estar interessado no Egito como um lugar de prisca theologia , Kircher também se
interessou por ele porque o considerava o lar da prisca sapientia , a "sabedoria original" ou
"filosofia", muito da qual os gregos não conseguiram preservar. Ele se correspondeu com
Galileu sobre um critério universal de medida que naturalmente deveria ter sido o dos
egípcios e usou a posição de poder que desfrutava com o papado para enviar seus agentes
ao Egito para determinar esse critério com base nas medidas da Grande Pirâmide. . 9 Seu
maior empreendimento - ao qual dedicou toda a sua vida e seus extraordinários talentos
linguísticos - foi a tentativa de desvendar os segredos dos hieróglifos que em sua concepção
eram não apenas o repositório da sabedoria antiga, mas a escrita ideal. Baseado em
Orapollo, Kircher acreditava que os hieróglifos eram puramente simbólicos e, portanto,
muito superiores a qualquer alfabeto. Embora não tenha tido sucesso em sua tentativa de
decifrar as inscrições egípcias, percebeu que o copta era descendente da língua antiga e
poderia ter fornecido - apesar da suposta falta de correspondências fonéticas da escrita
hieroglífica - uma ajuda para decifrar. Assim, justamente no momento em que o copta
morria como língua falada, Kircher, em Roma, fundou seu estudo de forma sistemática. 10

Rosacrucianismo: Egito antigo em países protestantes


Os protestantes também continuaram interessados no Egito e no Hermetismo. Os
indescritíveis rosacruzes, que surgiram na Alemanha, França e Inglaterra no século XVII ,
parece que, como Bruno - com quem também pode ter havido ligações - eles promoveram
uma religião "verdadeira" para a elite. Seu objetivo, ao que parece, teria sido evitar a
hostilidade sangrenta entre católicos e protestantes que irrompeu com consequências tão
horríveis na Guerra dos Trinta Anos que devastou a Alemanha de 1618 a 1648. 11 Como os
herméticos do século XVI , os rosacruzes, ou aqueles que afirmavam falar em seu nome,
eram defensores de uma sociedade dirigida por uma elite de homens iluminados,
detentores de verdadeiros conhecimentos mágicos e científicos. E também nisso eles
refazem a sucessão agora familiar que vai do clero egípcio às irmandades pitagóricas na
Academia Platônica. Frances Yates argumenta a esse respeito e com plausibilidade que esse
conceito rosacruz estava na origem daquele "colégio invisível" concebido pelos fundadores
da Royal Society na Inglaterra na década de 1650. 12
Com a liberdade de imprensa durante a Commonwealth, a década de 1650 testemunhou
um surpreendente renascimento do interesse pelo hermetismo. Como o historiador
Christopher Hill escreveu: "Mais livros místico-químicos e paracelsianos foram publicados
na década de 1650 do que em todo o século anterior". 13 Ao atacar as elites eclesiásticas e
acadêmicas do poder, unidas entre si, o hermetismo tornou-se aliado do radicalismo
político e religioso. 14
Com a Restauração de 1660, porém, muitos pensadores se envolveram na corrente
contrarrevolucionária e abandonaram seu radicalismo. Além disso, o rei prudentemente
estabeleceu seu domínio sobre a ciência tornando-se patrono da Royal Society, assim como
já era chefe da Igreja estabelecida. A fermentação hermética durante os anos da
Commonwealth, no entanto, deu um impulso considerável aos desenvolvimentos
subsequentes da ciência reconhecida. Agora, o hermetismo tendia a ser associado a uma
forma especial de milenarismo que se desenvolveu na Inglaterra do século XVII , centrada na

145
necessidade de aperfeiçoar ou recuperar todo o conhecimento; isso foi visto como uma pré-
condição necessária para o advento de um novo milênio. 15
Os platônicos de Cambridge, que se reuniram em torno de Henry More e Ralph
Cudworth, também vieram desse meio hermético e milenar. 16 Como mencionei acima, esse
grupo, que floresceu das décadas de 1660 a 1680, conhecia bem a refutação crítica de
Casaubon, mas ainda mantinha o valor dos Textos Herméticos por conterem elementos da
prisca sapientia . Como não viam razão para atribuir os aspectos "platônicos" do
hermetismo à Grécia, na opinião deles a função essencial dos gregos era a de transmissores
parciais da sabedoria antiga. Como Mais escreveu:
A escola de Platão […] concorda bem com o erudito Pitágoras,
Trismegiste egípcia, e o rolo antigo,
Da sabedoria de Chaldee, tudo o que o tempo rasgou,
Mas Platão e Plotino profundo restauram. 17
(A escola de Platão [...] concorda bem com Pitágoras o erudito,
Com o egípcio Trismegisto, e a antiga linhagem
Da sabedoria caldéia, e todo esse tempo destruiu,
Mas Platão e o profundo Plotino a restauram.)

O aluno mais conhecido dos platônicos de Cambridge foi sem dúvida Isaac Newton, embora
continue a ser debatido amargamente até que ponto é útil considerá-lo um hermético. 18
Não há dúvida, porém, de que também ele, como afirma Frank Manuel, o moderno
historiador da cultura, "não ficou nada abalado com a revelação de Casaubon". 19
Além disso, aceitando ou não a ideia de uma prisca theologia , ele certamente acreditava
em uma prisca sapientia egípcia , que ele acreditava ser sua missão recuperar. Por exemplo,
uma medição precisa da circunferência da Terra era essencial para sua teoria da gravitação.
Até onde ele sabia, nenhuma medição precisa de um grau de latitude havia sido feita
recentemente. Ele podia, portanto, confiar apenas nos cálculos do matemático e astrônomo
helenístico Eratóstenes, e estes não estavam de acordo com sua teoria. Ele então especulou
que Eratóstenes, apesar de ter vivido no Egito, não conseguiu preservar com precisão as
medidas antigas. Neste ponto, tornou-se necessário para Newton encontrar o comprimento
exato do côvado egípcio original; com base nisso, ele poderia ter calculado o do estádio
egípcio, que, segundo os autores clássicos, se baseava em uma relação com o grau
geográfico.
No início do século XVII , Burattini, um italiano que trabalhava para Kircher, e John
Greaves, um inglês com interesses semelhantes, passaram anos tentando obter medidas
precisas da Grande Pirâmide. (Desde os tempos antigos acreditava-se - e talvez com razão -
que a pirâmide continha unidades perfeitas de comprimento, área e volume, bem como
proporções geométricas como π e a "seção de ouro" ϕ.) Quando Greaves retornou à
Inglaterra, ele publicou seus resultados na íntegra e foi nomeado professor de astronomia
em Oxford; Newton usou os cálculos de Greaves para deduzir que a Pirâmide foi construída
com base em dois valores cúbicos diferentes. Um deles apresentava uma aproximação do
valor do côvado que ele necessitava mais próximo do que o transmitido pelos gregos,
embora ainda não concordasse com sua teoria. E isso talvez se devesse ao fato de que as
medidas da base da pirâmide feitas por Greaves e Burattini eram imprecisas, pois ambos
não conseguiram penetrar a barreira de entulho que se acumulava ao seu redor. Tinha que
chegar em 1671, quando o francês Picard mediu com precisão um grau de latitude no norte

146
da França, para que Newton finalmente pudesse demonstrar sua teoria geral da gravidade.
20

Este problema de medição é apenas um exemplo da crença de Newton na prisca


sapientia do antigo Egito. Ele também estava convencido de que a teoria atômica, o
heliocentrismo e a gravidade eram conhecidos pelos egípcios. 21 Como ele escreveu em uma
das primeiras edições de seu Principia Mathematica :
Era opinião muito antiga daqueles que se aplicavam à filosofia que as estrelas fixas eram imóveis nas partes
mais altas do mundo; que sob eles os planetas giravam em torno do sol, e que a terra, como os outros planetas,
descrevia uma órbita anual em torno do sol […]. Os egípcios foram os primeiros observadores dos céus e talvez
tenham sido eles que difundiram essa filosofia. De fato, foi deles e das nações ao seu redor que os gregos, um
povo mais dedicado ao estudo da filologia do que da natureza, extraíram as primeiras e mais fundamentadas
noções de filosofia; e nas cerimônias das vestais podemos reconhecer o espírito dos egípcios, que mantinham os
mistérios além da capacidade do rebanho comum escondidos sob o véu dos ritos religiosos e símbolos
hieroglíficos. 22

Nesta passagem encontramos significativamente resumidas as concepções convencionais


do século XVII sobre as questões que nos preocupam. Ficam expressas claramente a
admiração e o respeito que Newton tinha pelos antigos egípcios, que ele considerava os
maiores cientistas e filósofos. Se levarmos em conta sua atitude juvenil, é surpreendente
constatar que ele dedicou os últimos anos de sua vida a tentar defender a tese exposta em
seu The Chronology of Ancient Kingdoms Amended . Nele, ele argumentou que a civilização
egípcia foi fundada pouco antes da Guerra de Tróia e que o grande Sesōstris não era outro
senão o Shishak da Bíblia, que invadiu a Judéia após o tempo de Salomão. Do ponto de vista
de Newton, essa cronologia reduziu os egípcios relativamente entre os últimos a chegar e,
assim, os tornou inferiores à tradição bíblica muito mais antiga. Mas Newton estava
preocupado apenas em afirmar a prioridade dos israelitas e não desejava negar que o Egito
era a fonte da sabedoria grega. Após a datação do Egito, ele veio para demolir todas as
cronologias gregas e levar os gregos ainda mais adiante. 23 No próximo capítulo,
argumentarei que tal tentativa pode ser melhor compreendida no quadro da reação que
cristãos moderados e deístas como Newton se opuseram ao que uma historiadora de ideias,
Margaret Jacobs, chamou de Iluminismo radical.
Mas antes de chegarmos ao Iluminismo radical e à reforma da Maçonaria, vale a pena
considerar as crenças renascentistas tardias sobre os fenícios, tão importantes na lenda
maçônica, como foi Hiram, meio fenício, que construiu o Templo de Jerusalém, que é um
símbolo do mundo e está no centro dos rituais e crenças da Maçonaria. Devemos ter em
mente que enquanto os egípcios permaneceram um mistério fechado nos hieróglifos, a
expansão do estudo do hebraico que ocorreu entre os estudiosos cristãos após a Reforma
levou em um tempo relativamente curto a perceber que hebraico e fenício eram dialetos
mutuamente inteligíveis. línguas da mesma língua. 24 Assim, mesmo antes de o alfabeto
fenício ser lido pela primeira vez pelo abade Barthélemy em meados do século XVIII , os
estudiosos já tinham uma ideia relativamente clara da língua fenícia.
Claro, geralmente se acreditava que o hebraico era a língua original da humanidade, a
língua de Adão, antes da Torre de Babel. Houve, portanto, uma intensa busca por palavras
hebraicas em outras línguas, especialmente nas européias, busca que recebeu algum
estímulo pela descoberta do que os estudiosos hoje chamariam de coincidências notáveis
entre palavras. Algumas, de fato, podem resultar de puro acaso, mas, como disse na

147
Introdução, acredito que outras resultam da relação genética entre línguas afro-asiáticas e
indo-européias, enquanto outras derivam de empréstimos de cananeus ou fenícios
introduzidos em grego, em etrusco ou em latim. 25
Os fenícios eram vistos como o veículo pelo qual o hebraico ou outras culturas e línguas,
que agora chamaríamos de semitas, se espalharam pela Europa. Jean Bodin, um teórico
político do século XVI , usou evidências linguísticas, por exemplo, para apoiar sua tese de
que todas as civilizações e línguas se espalharam a partir da caldeia. Ele concebeu as
invasões de Danaus e Cadmus como etapas essenciais nesse processo e argumentou que
todos os gregos se originaram na Ásia, Egito ou Fenícia. 26 Mas, embora Bodin permanecesse
um respeitado pensador político, no final do século XVII , suas teorias filológicas e similares
logo foram superadas pelo trabalho de estudiosos como Joseph Scaliger e Isaac Casaubon -
homens que não especulavam sobre conexões com o hebraico e que ainda hoje pertencem
ao cânone dos estudos clássicos. O huguenote Samuel Bochart, estudioso igualmente
erudito e cauteloso, no entanto, não pertence a ela. Na década de 1640, com base na
hipótese correta de que hebraico e fenício eram essencialmente a mesma língua, Bochart
realizou uma investigação sobre topônimos semitas plausíveis da bacia do Mediterrâneo,
que ainda hoje é insuperável. Ele também realizou pesquisas aprofundadas sobre
empréstimos cananeus em grego e latim, que só deixaram de ser considerados oficiais na
década de 1820. 27

Antigo Egito no século XVIII


Newton é uma figura central. Vindo de um mundo de astrologia, alquimia e magia, ele
deixou um mundo onde estes não eram mais respeitáveis. Essa mudança, é claro, também
reflete a transformação social, política e econômica do final do século XVII , que acompanhou
o triunfo do capitalismo na Inglaterra e na Holanda e do estatismo na França. Nesse novo
mundo, não havia espaço para o hermetismo, pelo menos em sua forma antiga, mas isso
não significava um declínio no entusiasmo pelo antigo Egito. Entusiasmo que realmente
culminou no século entre 1680 e 1780. Por exemplo, o romance mais conhecido do início
desse período, o Telêmaco de Fénelon, publicado em 1699, tem como protagonista um
príncipe grego - Telêmaco, filho de Ulisses - mas está cheio de observações sobre a riqueza
material, grande sabedoria, filosofia e justiça dos egípcios. Em contraste específico, destaca-
se a inferioridade dos gregos, apesar de terem sido favorecidos pelo faraó Sesōstris que,
graças à sua benevolência, lhes deu as leis. 28
A metade do século XVIII marcou o auge da egitofilia. Como disse um escritor francês em
1740:
As únicas coisas mencionadas são as antigas cidades de Tebas e Mênfis, o deserto da Líbia e as cavernas da
Tebaida. O Nilo é tão familiar para muitos quanto o Sena. E suas cataratas e bocas fazem até os ouvidos das
crianças zumbirem. 29

O autor presumivelmente pertencia à reação cristã contra o Egito ( ver Capítulo 4 ). Nesse
período, no entanto, autores eurocêntricos, posteriormente aclamados como pioneiros nos
séculos 19 e 20, também prestaram homenagem ao Egito. O erudito Giambattista Vico, ativo em
Nápoles no início do século XVIII e que, graças à sua concepção romântica, eurocêntrica e

148
historicista da história, tornou-se um herói para os estudiosos do século XIX, era em muitos
aspectos hostil aos egípcios. Como católico piedoso, ele excluiu explicitamente os judeus da
história profana e datou sua história desde a Criação. Os egípcios, em sua opinião, eram
apenas um dos primeiros povos pós-diluvianos. No entanto, eles desempenharam um papel
central em seu pensamento. De fato, ele afirmou que seu esquema de história do mundo
dividido em três eras foi baseado na história egípcia que nos contou Heródoto: a era dos
deuses, heróis e homens. Em sua opinião, essas três fases foram acompanhadas por três
tipos de "linguagem": a hieroglífica, a "simbólica" e a "pistolare". Ele também discutiu e
aceitou o mito de Cadmus, que remontava ao Egito. 30 Montesquieu também foi forçado a
admitir que "os egípcios foram os melhores filósofos do mundo". 31
A opinião dominante e mais em voga na França e na Inglaterra, como sugere a citação
francesa acima, seria inequivocamente entusiasmada com o Egito. Por exemplo, um dos
dramaturgos ingleses mais conhecidos do século XVIII foi Edward Young, e não é de
surpreender que sua série de peças egípcias tenha recebido muito pouca atenção nos
séculos seguintes. Em 1752, Edward Gibbon, de quinze anos, mostrou seu entusiasmo pelo
Egito escrevendo seu primeiro ensaio histórico sobre a "era de Sesōstris". 32
Essa opinião favorável e a reiterada crença de que a cultura grega vinha do Egito e da
Fenícia resultaram em um campo renovado de estudos não místicos. Em 1763, o inteligente
abade Barthélemy, decifrador do palmirense e fenício, apresentou um estudo intitulado
Réflections générales sur les rapports des langues égyptienne phénicienne et grecque . A
primeira hipótese correta que ele fez ali, com base em Kircher - de quem, no entanto,
considerou o resto da obra fantástica - foi que o copta era uma forma do antigo egípcio. Ele
também identificou a família de línguas que mais tarde seria conhecida como "semítica" e
que ele chamou de "fenícia". Sobre esses dois fundamentos, estabeleceu que o egípcio,
embora não semita, estaria relacionado com a família semítica. É verdade que alguns dos
exemplos lexicais aduzidos por ele se revelam falaciosos hoje, pois sabemos que algumas
palavras coptas derivam de empréstimos semíticos já introduzidos no egípcio tardio. No
entanto, as principais linhas de seu argumento, baseadas na semelhança entre pronomes e
traços gramaticais, são irrepreensíveis. Nesse sentido, então, Barthélemy foi um pioneiro
do que hoje chamaríamos de estudos afro-asiáticos.
Barthélemy admitiu que não conseguiu descobrir paralelos gramaticais semelhantes
entre o copta e o grego. No entanto, ele acreditava na colonização e civilização da Grécia
pelos egípcios e argumentava que "é impossível que nessa troca de idéias e bens, a língua
egípcia não tenha participado da formação do grego". 33 Ele então forneceu uma lista de
etimologias do egípcio ao grego, vários dos quais - como o copta hof , demótico ḥ f que dá
em grego ophis (cobra) - parece plausível hoje. 34
Os linguistas não foram os únicos estudiosos a afirmar a prioridade e a centralidade do
Egito. A obra mais difundida sobre mitologia antiga no século XVIII , a do abade Banier, deu
continuidade à tradição clássica e renascentista de derivar os deuses gregos e romanos dos
egípcios. 35 No final do século, Jacob Bryant tentou dar continuidade ao trabalho de Bochart,
mas salientou que este não havia conseguido por completo seu intento porque havia
deixado de lado o componente egípcio das línguas e mitologias de Roma e da Grécia . 36
Bryant, por sua vez, tentou explicar sua origem em termos de uma cultura "amônica" que
conteria elementos egípcios e fenícios. Apesar dos muitos aspectos fantásticos de seu
trabalho, acredito que sua abordagem foi fundamentalmente correta, mas falhou porque o

149
egípcio ainda não havia sido decifrado e ele não recorreu ao copta. De qualquer forma, seu
A New System or an Analysis of Ancient Mythology , publicado em 1774, foi recebido com
enorme respeito no final do século XVIII e foi uma fonte importante para os poetas
românticos e especialmente para Blake. 37
As mesmas concepções dominaram a história da filosofia. Já mencionei que
eurocêntricos como Montesquieu consideravam os egípcios os maiores filósofos. Mesmo
Jacob Brucker, cuja enorme história da filosofia é uma crítica sustentada de Platão, seus
mestres egípcios e seu esoterismo e dupla verdade, não conseguiu tirar o título de
"filósofos" dos egípcios. 38

O século 18 : a China e os fisiocratas


No final do século XVII , houve um renascimento da confiança na Europa. A derrota dos
turcos pelos poloneses, que ocorreu não muito longe de Viena em 1683, foi seguida pela
rápida reconquista austríaca da Hungria. A estes foi adicionado o avanço dos russos em
direção ao Mar Negro; a ameaça turca foi assim removida da Europa. A partir de agora
seriam os europeus que avançariam por terra e mar contra os asiáticos. Com essa certeza,
as figuras dominantes do Iluminismo, em sua oposição ao feudalismo e ao cristianismo
tradicional, agora se sentiam livres para mostrar preferências por culturas não europeias.
E, de longe, os mais favorecidos foram Egito e China, que eram vistos como muito
semelhantes, se não diretamente relacionados. Essas duas civilizações não eram vistas
apenas como utopias antieuropeias - como a Turquia, a Pérsia e a terra dos hurons - às
quais se poderia atribuir uma aura de nobreza vaga e genérica para usá-las na sátira e na
crítica à Europa. Egito e China tiveram um significado muito maior, pois ofereceram dois
exemplos positivos de civilizações superiores e mais refinadas. 39 Ambos eram vistos como
civilizações capazes de enormes conquistas materiais, filosofias profundas e sistemas de
escrita superiores.
O aspecto mais atraente, no entanto, era o modelo de sistema administrativo.
Acreditava-se que nas duas sociedades as funções administrativas eram desempenhadas
com racionalidade e sem superstição por corpos especiais de homens recrutados por sua
moralidade e sabedoria, submetidos a um rigoroso processo de iniciação e educação. Os
fisiocratas franceses, de atitude laica, sentiam-se, por exemplo, mais próximos dos
chineses: gostavam de imaginar Luís XV como imperador chinês e eles próprios como
eruditos mandarim. Sob seus auspícios, a China exerceu considerável influência cultural
sobre a França e, em meados do século XVIII , muitas das reformas políticas e econômicas
voltadas à racionalização e centralização seguiram os modelos chineses. 40

O século 18 : Inglaterra, Egito e os maçons


Enquanto os fisiocratas se voltavam para a China, os maçons, de atitude mais mística, e que
incluíam algumas das principais figuras do Iluminismo, preferiam o Egito. Toda a história
da Maçonaria é confusa; duplamente confusa é a história antes de sua reorganização no
início do século XVIII : ela deve ser extraída de escritos posteriores que foram

150
deliberadamente distorcidos para criar uma cronologia mitológica. No entanto, um acordo
pode ser alcançado em uma parte dela. Os maçons eram originalmente sociedades secretas
de pedreiros que trabalhavam em catedrais e outros grandes edifícios na Europa medieval.
Em grande parte do continente, eles morreram após a Reforma e as guerras religiosas; eles
sobreviveram na Grã-Bretanha, mas assumindo um caráter bem diferente através da
admissão de cavalheiros nas sociedades e do surgimento do que foi chamado de
"maçonaria especulativa". 41 No entanto, mesmo antes dessa mudança, ocorrida no século
XVII , já havia um interesse especial pelo Egito entre os maçons.
No Etimologias , escrito nos primeiros vinte anos do século VII pelo enciclopedista e
historiador cristão Isidoro de Sevilha, são citados Heródoto e Diodoro Sículo que
afirmavam que a geometria foi inventada pelos egípcios para medir campos após o
desaparecimento das fronteiras devido à plena do Nilo. Para Isidoro, a geometria era
apenas uma das sete artes, mas para os maçons era de importância central, pois se
identificava com a própria alvenaria. 42 Além disso, em vários manuscritos maçônicos
medievais é feita referência à obra de Euclides que teria ajudado a fundar a maçonaria no
Egito em nome dos governantes egípcios. 43 Antes de rejeitar essa estranha história, é
preciso lembrar que Euclides parece ter passado toda a sua vida no Egito. 44
Os fenícios, que na Bíblia estão firmemente associados aos egípcios - ambos são
definidos como filhos de Cam - formaram o núcleo da mitologia maçônica. Hiram Abif, o
mestre construtor meio fenício do Templo de Salomão, provavelmente pertencia à lenda
maçônica já no século XVI . 45 Assassinado, segundo se conta, imediatamente após a
conclusão do templo, Hiram certamente já se tornara uma figura central semelhante a
Osíris no momento em que a Maçonaria foi reformada no início do século XVIII .
Como já disse, Frances Yates vislumbra uma conexão, através de Giordano Bruno, entre
os herméticos renascentistas e os rosacruzes do século XVII . E outra ligação entre estes e os
maçons foi identificada na pessoa de Elias Ashmole - fundador do Ashmolean Museum em
Oxford - que pediu para ser admitido entre os Rosacruzes, tendo já sido, como se sabia,
iniciado na Maçonaria. 46 Frances Yates também mostrou as semelhanças fundamentais
entre os Rosacruzes e os maçons no uso de medidas e proporções de edifícios como o
Templo de Salomão ou a Grande Pirâmide para simbolizar a estrutura do universo e no
desejo de criar uma irmandade de illuminati que poderia guiar o mundo para uma vida
melhor, mais tolerante e pacífica. 47 Por outro lado, Yates não conseguiu estabelecer essa
ligação, identificada por estudiosos posteriores, entre essa tradição e o milenarismo que se
disseminou nessas correntes. Muitos milenaristas acreditavam que havia necessidade de
uma recomposição do conhecimento antes do advento do Milênio. 48 A erudita teria,
portanto, sido a parteira da escatologia. É dessas escolas de pensamento, ao que parece,
que a "revolução científica" inglesa do final do século XVII evoluiu .
O interesse das classes nobres pela cultura maçônica aumentou nas décadas de 1670 e
1680. A expansão da Maçonaria - como a ascensão contemporânea de cafés e clubes de
cavalheiros - bem como fatores contingentes como a reconstrução massiva de Londres
após o Grande Incêndio de 1666 refletiu as mudanças nas classes altas, tanto as comerciais
urbanizadas quanto as proprietárias, e os primórdios do que poderíamos chamar de
atividade subpolítica ocorrendo fora da Corte na época da Restauração. Durante o reinado
do católico Jaime II , de 1685 a 1688, e após a Revolução Gloriosa que ocorreu em 1688,
houve um renascimento do radicalismo; alguns dos sobreviventes da Commonwealth da

151
década de 1650 foram até revividos. Nesse movimento, que Margaret Jacobs, como já disse,
chamou de Iluminismo radical, o puritanismo e o milenarismo bruto do período inicial
foram substituídos por outros que incluíam deísmo, panteísmo e ateísmo.
Nas décadas de 1660 e 1670, o ateísmo era principalmente associado a Thomas Hobbes.
A ideia política que ele expressava no Leviatã perturbava menos que seu ateísmo, que se
baseava no atomismo e materialismo de Demócrito e se inspirava naquela tradição
epicurista melhor expressa nas obras de Lucrécio. Ao mesmo tempo, o ateísmo crescia na
Holanda. A longo prazo, porém, a filosofia mais influente que emergiria neste país em
meados do século XVII foi o panteísmo do grande filósofo judeu Spinoza, influenciado tanto
pela Cabala quanto por Giordano Bruno. 49
Na década de 1680, uma nova força intelectual igualmente radical emergiu da tradição
hermética e rosacruz na Inglaterra. O novo movimento defendia uma filosofia dual que
permitia à elite transcender as disputas religiosas das massas. Destes, deveria ter sido
tolerado que praticassem suas superstições particulares, mas o poder político e intelectual
deveria ter permanecido firmemente nas mãos de poucos esclarecidos.
Tal atitude era perfeitamente compatível com a sociedade inglesa do século XVIII . O
Iluminismo radical, no entanto, incluiu pensadores como John Toland, que não apenas
extraiu o conceito de prisca theologia das tradições dos Rosacruzes e Maçons , mas também
leu Bruno. Da visão cosmológica hermética e egípcia deste último, Toland extraiu as ideias
da matéria animada e do espírito do mundo, ideias que levaram ao panteísmo e até ao
ateísmo. Muito antes, o próprio Newton havia hesitado, em particular, sobre a questão da
passividade ou atividade da matéria, mas o newtonianismo não era apenas uma teoria
científica. Também incluía uma doutrina política e teológica coerente baseada no conceito
de matéria passiva, enquanto o movimento pretendia vir apenas de fora. Caso contrário, do
ponto de vista teológico, o universo não teria necessidade de um criador ou "Grande
Arquiteto", muito menos de um "relojoeiro"; e politicamente, a Inglaterra não precisaria de
um rei - Toland estava perfeitamente ciente das implicações republicanas de suas idéias. 50
John Toland esteve entre as personalidades centrais que contribuíram para constituir as
lendas, ritos e teologia da Maçonaria especulativa; tudo isso, com a fusão dos vários grupos
maçônicos e rosacruzes que ocorreu em 1717, foi padronizado em um corpus canônico. 51 A
essa altura, porém, os newtonianos que foram aceitos pela oficialidade haviam assumido a
liderança do movimento. Mesmo personalidades ousadas como William Whiston, assistente
de Newton e mais tarde sucessor em Cambridge, que ao contrário de seu mentor
proclamava abertamente seu arianismo - ou seja, a crença de que Cristo não era de
natureza divina - "desprezou e lutou ativamente" Toland e suas ideias. 52 Alguns aspectos do
Iluminismo radical sobreviveram na Maçonaria oficial. Manteve o elitismo essencial da
dupla filosofia e - em uma nova forma - também preservou seu neoplatonismo. Como era o
caso naquela tradição, as pessoas comuns, e até mesmo a maioria dos maçons, seguiam
uma fé parcial, mas as posições mais altas transcendiam o cristianismo.
Para os maçons, assim como para os herméticos, o nome do Deus Oculto era muito
sagrado ou carregado de poder mágico para ser revelado até mesmo aos níveis mais baixos,
os aprendizes da Maçonaria. Este nome era Jabulon que - podemos adivinhar - é um nome
triplo em que a primeira sílaba Ja representa Yahwe, o Deus de Israel, e a segunda Bul
representa o deus cananeu Ba < al. 53 O sobrenome vem de > On, o nome hebraico da cidade
egípcia > Iwnw, conhecida em grego como Heliópolis e agora um subúrbio do Cairo.

152
Segundo os autores clássicos, Heliópolis era um dos principais centros de conhecimento
onde, por exemplo, Eudoxo havia estudado. 54 Para os maçons, era, portanto, o epítome da
antiga sabedoria esotérica. 55 Além disso, mais significativamente, a cidade era um dos
principais centros do culto solar e estava particularmente associada a Ra, que - como
mencionei na p. 123 - da XVIII dinastia foi associado a Osíris. Os Textos Herméticos referem-
se repetidamente à cidade perfeita fundada por Hermes Trismegisto que está intimamente
associada ao sol; e Città del Sole, ainda que usada como expressão por Giordano Bruno, no
entanto, tornou-se mais conhecida graças à utopia escrita por seu contemporâneo
Tommaso Campanella. 56
A cidade de Campanella é povoada pelos Solari, homens puros e religiosos em vestes
brancas, claramente modeladas nos egípcios; os edifícios formam um modelo ideal do
universo, do sistema heliocêntrico dos planetas. 57 Lembre-se neste ponto que a ideologia
maçônica centrou-se no conceito de edifícios sagrados simbolizando o universo. Na Cidade
do Sol, Moisés, Cristo, Maomé e outros grandes mestres são reverenciados como magos,
mas a cidade é governada por Hermes Trismegisto, que é sacerdote do sol, filósofo, rei e
legislador. 58 Neste caso, portanto, a alegação maçônica de extrair suas tradições do antigo
Egito tem uma base de verdade. Através dos Textos Herméticos, Bruno, Campanella, Toland
e/ou seus amigos, pode-se traçar uma linha que vai da última sílaba do nome de seu deus
inefável até > Iwnw, centro do culto de Rá no Baixo Egito.
O mistério ascendente de Jabulon - com ritos que foram escalonados, desde os judaico-
cristãos, aos cananeus-fenícios até os de Osíris, reservados aos iniciados - não significa que
a centralidade do Egito para os maçons estivesse oculta. Os templos maçônicos eram
muitas vezes construídos no estilo egípcio - e é claro que a arquitetura tinha um significado
particular para a Maçonaria - e isso mostra que as "lojas" eram de fato concebidas como
templos egípcios. Os símbolos que os decoram são os hieróglifos puramente lógicos do
século XVIII . (Alguns, como a pirâmide e o olho, ainda aparecem no Grande Selo [o brasão]
dos Estados Unidos e na nota de dólar, e são derivados diretamente do Egito.) Portanto, não
há dúvida de que os maçons conceberam eles mesmos como sucessores dos Guardiões de
Platão e daqueles que os modelaram, os sacerdotes egípcios.
Enquanto a tendência de se identificar com o Egito e alguns dos símbolos religiosos veio
de tradições anteriores, o conhecimento geral do Egito difundido entre os maçons do
século XVIII foi extraído dos estudos da época. Antes de analisar as novas fontes de
informação, porém, gostaria de considerar os desenvolvimentos intelectuais que
ocorreram na França nesse campo.

França, Egito e "progresso": a disputa entre os Antigos e os Modernos


Na Europa, o conceito de "progresso" existe desde o século XVI , quando as pessoas
começaram a ter consciência de possuir produtos e invenções que os antigos não possuíam
- açúcar, papel, impressão, moinhos de vento, bússolas, pistola de pó, etc. - todas as coisas
que foram introduzidas da Ásia. Mas durante as devastadoras guerras religiosas, de 1560 a
1660, foi difícil para tal consciência se espalhar ou se firmar. O século que vai de 1660 a
1770, porém, foi uma época de grande expansão econômica e desenvolvimento científico e
técnico, e de maior concentração do poder político. Certamente não foi por bajulação que

153
Perrault e os "Modernos" na França compararam o tempo de Luís XIV ao de Augusto, e
consideraram o esplendor e a moral de seu tempo superiores aos dos Antigos -
especialmente os dos heróis bárbaros homéricos. 59
O culto de Luís XIV como o Rei Sol foi estabelecido quando o rei atingiu a maioridade em
1661 e parece ser parte da tentativa de criar um culto nacional em torno do qual todos os
católicos e protestantes franceses pudessem se reunir. 60 Esse culto real, ou alegoria,
expresso na tríplice manifestação divina de Apolo, Héracles e Deus Criador, aproveitou-se
claramente da juventude do rei e do fim das guerras civis da Fronda. Ela desempenhou um
papel central no esplendor e refinamento de Versalhes e serviu ao propósito político de
"silenciar" a nobreza com espetáculos e prazeres naquela que era considerada a corte mais
esplêndida da terra. 61 Como um jovem Apolo, Luís era patrono das artes, assim como
Héracles era poderoso na guerra. Ele era um sol tradicional com uma Journée ritual sua, que
começava com uma alavanca cerimonial (subindo) e terminava com um coucher igualmente
formal (indo para a cama, pôr do sol); mas ao mesmo tempo era um sol copernicano, em
torno do qual os planetas giravam. O culto também tinha aspectos alquímicos. O
historiador moderno Louis Marin mostrou que o uso de fogos de artifício e poeira lançados
no ar acima de um corpo de água que refletia o brilho da luz, um evento central de seus
shows, provou que Louis, como o sol, ele era dotado da capacidade de fundir com os quatro
elementos e transcendê-los. 62
No entanto, embora essa combinação de alquimia, adoração solar e a deificação de um
monarca associada ao sol pareça muito egípcia, não consegui encontrar nenhuma conexão
direta. Por outro lado, sabemos por Voltaire que Luís foi identificado com Sesōstris, entre
outros monarcas da Antiguidade. 63 Ao descrever os esplendores do antigo Egito, durante os
reinados de Luís XIV e XV , os escritores franceses também precisavam ter algum arrière
pensée de sua própria sociedade.
Isso nos traz de volta à disputa que dominou a vida intelectual do século XVIII : a Querelle
des Anciens et des Modernes . Como mencionei acima, a questão era se os Modernos eram
agora moral e artisticamente superiores aos Antigos; ponto central da questão eram as
qualidades morais e artísticas da epopeia homérica. Vale lembrar que Homero foi
concebido pelos antigos gregos como o "pai fundador" de sua própria cultura. Do século XV
ao início do século XVII , os egípcios representaram a verdadeira Antiguidade, mas ao mesmo
tempo a autoridade do Egito foi usada por inovadores para desafiar as antigas autoridades
de Aristóteles, Galeno, etc. Nesse sentido, portanto, o Egito tinha o que poderíamos chamar
de uma imagem dupla. Na França do final do século XVII e início do século XVIII , o aspecto
progressista era dominante: o Egito, identificado com a França de Luís XIV , estava
claramente do lado dos Modernos.
Fénelon, autor de Telêmaco , era um personagem instável demais para se permitir
escolher publicamente um ou outro lado. Ele amava Homero e admirava a simplicidade dos
gregos, mas, como eu disse, os elogios que ele faz à riqueza e superioridade cultural da
civilização egípcia de Sesōstris, em relação à da Grécia homérica, claramente o
distanciaram de Madame Dacier, tradutora do ' Ilíada proclamando a eterna perfeição
moral e artística de Homero. 64
Abbé Terrasson, por outro lado, confiou muito mais nos Modernos. Ele nasceu em uma
família católica talentosa, e seu pai parece ter sido parte das preocupações milenares que
dominaram a ciência inglesa do século XVII . Ele tinha, de fato, feito seus filhos estudarem

154
para que "apressassem o fim do mundo". Jean Terrasson tornou-se padre e figura de
destaque na vida intelectual francesa da década de 1690 até sua morte em 1750. 65 Como
professor de grego e latim no Collège de France, e ocupando dois cargos-chave, um na
Académie Française e outro na na Académie des Inscriptions et Belles Lettres, ele dominou
os estudos de história antiga na França do início do século XVIII . Sua extensa crítica à Ilíada ,
publicada em 1715, colocou-o na vanguarda dos defensores dos Modernos. 66
Terrasson também ganhou fama como tradutor de Diodorus Siculus, o comentarista
preciso e favorável do Egito e da colonização da Grécia. Mas ele era mais conhecido por um
romance publicado em 1731: Sèthos, bistoire ou vie tirée des monuments: anedotas de
l'acienne Égypte . Com uma ficção bastante transparente, Terrasson proclamou-a obra de
um alexandrino desconhecido do século II d.C. do romance Os Etíopes , este último talvez
realmente escrito no século II d.C.
O herói de Terrasson, Sèthos, é um príncipe egípcio nascido um século antes da Guerra
de Tróia. No século 13 aC, havia de fato dois faraós chamados Sety - traduzido em grego
como Sethōs - e a data tradicional da Guerra de Tróia era 1209 aC. Aparentemente,
Terrasson tomou o nome de Manetho, o historiador egípcio da era ptolomaica, que tinha
usado para o grande faraó Ramessēs II , filho de Sethōs I. O fato de o nome e a data serem relativamente
precisos mostra que os estudiosos do século XVIII às vezes podiam fazer uso lucrativo de fontes
clássicas para reconstruir a história egípcia. 67 A estrutura do romance, porém, é literária e
assemelha-se à do Telêmaco de Fénelon ; assim, trata das aventuras e educação de um
jovem príncipe de alto astral. Mas também reflete as histórias contadas por Diodoro sobre
as conquistas civilizadoras de Osíris. Depois de passar por várias e misteriosas iniciações,
Sèthos viaja para a África e Ásia fundando cidades e estabelecendo leis, para depois se
retirar para uma irmandade de iniciados. 68
Como Telêmaco , Sèthos contém muitas observações sobre as glórias da civilização
egípcia e, com força ainda maior do que isso, insiste na grande superioridade do Egito
sobre a Grécia. Terrasson descreve a academia de Memphis como muito melhor do que a de
Atenas e detalha as artes e ciências nas quais os egípcios superaram os gregos. Usando
citações clássicas, ele demonstra que os fundadores da política, astronomia, tecnologia e
matemática, os gregos estudaram no Egito. Ele também afirma que havia paralelos estreitos
entre a mitologia e os ritos gregos e os dos egípcios, e que os gregos derivaram as formas
do Egito. 69 Em sua opinião, o principal meio de transmissão cultural havia sido o uso dos
gregos para estudar no Egito. Também menciona as atividades colonizadoras de Cadmus e
Danaus, e é significativo que conecte firmemente os fenícios às glórias da civilização
egípcia. 70
Sèthos imediatamente se tornou a fonte maçônica mais credenciada de informações
sobre o Egito. À medida que a Maçonaria se espalhava pela Europa e América do Norte, o
livro foi traduzido para o inglês e o alemão e foi publicado em inúmeras edições ao longo
do século XVIII . Muitas peças e peças foram extraídas dele, principalmente maçônicas, a
mais conhecida das quais é A Flauta Mágica . Tanto o libreto de Schikaneder quanto a
partitura de Mozart estão repletos de simbolismo egípcio-maçônico. 71 Por mais de um
século o romance foi usado abertamente como fonte para a história maçônica, e ainda
continua sendo a principal fonte de ritos e lendas para a Maçonaria. A tradição da primazia
do Egito permaneceu tão importante para ele que a Maçonaria nunca cedeu à moda

155
popular ou acadêmica sobre o assunto. Como disse um autor maçônico em uma era de
extremo pró-helenismo, como a década de 1830:
Todos os historiadores antigos e modernos concordam que o Egito foi o primeiro berço das ciências e das artes,
e que os povos daquela época extraíram dele seus princípios políticos e religiosos. Como o erudito Dupuis
mostrou: «Semelhante a uma árvore tão antiga quanto o mundo, o Egito ergueu sua magnífica cabeça no caos da
eternidade e enriqueceu todas as partes do mundo com seus produtos. Ele impulsionou suas raízes para a
posteridade em diferentes formas e sob várias aparências, mas com uma essência constante que chega até nós
através de sua moral, religião e ciência ». 72

Mitologia como uma alegoria da ciência egípcia


A ideia de que a mitologia é uma interpretação alegórica de eventos históricos ou
fenômenos naturais reservados às massas, que são capazes de apreender apenas uma
verdade parcial, estava profundamente enraizada na Antiguidade. Pertencia àquele
conceito geral de dupla verdade ou filosofia a que muitas vezes nos referimos.
Consequentemente, foi também a forma predominante de interpretar o mito desde o
Renascimento até ao final do século XVII .
Frank Manuel descreveu com acuidade a forma como esta interpretação foi rejeitada e
superada no decurso da mudança de atitude a favor do senso comum ocorrida no século
XVIII . Alguns mitógrafos do século XVIII, como Fréret e Abbé Banier, comportaram-se como
os evemeristas gregos de dois mil anos antes e tentaram interpretar os mitos como
narrativas desajeitadas de verdades literais. 73 Acreditava-se agora que os mitos tinham
sido tomados literalmente pelos antigos, assim como os povos contemporâneos de outros
continentes pareciam fazer.
Essa mudança estava ligada ao crescente sentimento de "progresso", e à tendência cada
vez mais difundida - que começou com o escritor Fontenelle, que viveu entre os séculos XVII
e XVIII - de ressuscitar a analogia - expressa na Antiguidade por santo 'Agostinho - entre
história humana e o crescimento da criança desde a infância até a maturidade. 74 Com uma
inversão completa da concepção anterior do mito como um conjunto de signos ocultos de
uma civilização superior, passou a ser visto como uma expressão poética da infância da
humanidade, que deveria ser avaliada não por seu conteúdo verídico, mas como fonte de
informações sobre a psicologia humana.
Apesar de toda essa atividade, a interpretação alegórica do mito como expressão da
antiga sabedoria dos sacerdotes egípcios sobreviveu e floresceu entre os maçons e os
rosacruzes. Manuel indicou como ele foi ressuscitado impresso nas imensas e imensamente
chatas obras de Court de Gebelin. 75 Mas estamos muito mais interessados nas obras do
erudito e revolucionário Charles François Dupuis.
Como apontou o grande historiador da ciência Giorgio de Santillana, não é por acaso que
Dupuis é tão pouco conhecido hoje. Suas crenças continuam a representar um desafio
consistente tanto para o cristianismo quanto para a concepção da Grécia como o início da
cultura. É por isso que ele e sua obra tiveram que ser enterrados. 76 Dupuis foi um cientista
brilhante, inventor do semáforo, e também atuou na política durante a Revolução Francesa.
Sua grande reputação como estudioso e o empenho que colocou em tentar moderar os
princípios revolucionários fizeram dele uma escolha natural como diretor de atividades

156
culturais durante o Diretório, de 1795 a 1799. Foi então presidente do corpo legislativo no
Consulado e no após o período napoleônico.
O trabalho mais famoso de Dupuis foi o maciço Compêndio da Origem de Todos os Cultos ,
publicado em 1795. Ele argumentou que todas as mitologias e religiões poderiam ser
rastreadas até uma única fonte, o Egito. Além disso, ele acreditava que quase todos os mitos
foram fundados em um dos dois seguintes princípios: o milagre da reprodução sexual e os
intrincados movimentos das estrelas e outros corpos celestes. Em sua opinião, o mito,
embora expresso em termos espetaculares ou fantásticos, continha uma verdade científica
intrínseca que só poderia ser explicada em termos de ciência. Grande parte de sua
gigantesca obra consiste em uma cuidadosa comparação entre mito e astronomia, uma
ciência que - infelizmente para os proponentes do modelo ariano - ele conhecia muito
melhor do que qualquer classicista que viria depois dele. Dupuis tinha dois temas
principais. Uma foi sua crítica ao cristianismo: ele demonstrou com abundância de
fundamentos que os Evangelhos estavam enraizados no pano de fundo mitológico do
Oriente Próximo. Em sua opinião, a religião foi construída a partir dos escombros de
alegorias sacerdotais incompreendidas. Seu segundo tema escolhido foi a explicação dos
mitos gregos - que, seguindo Heródoto e a tradição antiga, ele acreditava serem
fundamentalmente egípcios - em termos de astronomia. Aqui também ele destacou uma
série de correspondências surpreendentes, ou coincidências, entre mitos como os doze
trabalhos de Hércules e os movimentos estelares anuais nas doze casas do zodíaco.
Frank Manuel acha Dupuis interessante, mas no final das contas absurdo. 77 De
Santillana, ao contrário, tinha uma opinião completamente diferente:
A obra de Dupuis já contém praticamente tudo o que será descoberto posteriormente na astronomia arcaica. Ele
só tinha as fontes clássicas para trabalhar; ele não tinha um texto oriental correto, e quanto a outras partes do
mundo ele só podia ter relatos ocasionais de viajantes [...] com essas ferramentas insuficientes, ele chegou a
resultados que parecem escapar aos pesquisadores modernos. Seu conhecimento dos pré-socráticos é muito
mais extenso do que o que se pode obter da obra de Hermann Diels, esta bíblia dos estudos atuais, e além disso
não cai em conjecturas erradas. Seu Compêndio pode ser considerado extremo, mas é fundamentado, coerente,
impressionante. 78

Nos vinte anos seguintes à publicação, as opiniões de Dupuis tiveram enorme influência e
foram vistas como um paralelo ideológico e teológico ao desafio político colocado pela
Revolução Francesa. A resposta cristã ao seu ataque crítico será examinada no capítulo 5 ,
juntamente com o desafio que lhe está associado, o do lado helenístico à sua concepção da
Grécia como continuação do Egito. Concepção que se expressa, por exemplo, na seguinte
afirmação: "O Egito pode ser considerado a mãe de todas as teogonias e a fonte de todas as
histórias que os gregos receberam e enriqueceram, pois não parece que inventaram muito".
79

A expedição ao Egito
Quer Dupuis tenha desempenhado ou não um papel direto na decisão de ir ao Egito, não há
dúvida de que sua presença como importante figura político-intelectual reflete a atmosfera
geral de egitofilia que caracterizou os círculos em torno de Napoleão antes de 1798. ano da

157
grande expedição . Sabe-se que ele influenciou a decisão de penetrar até o Alto Egito, que
em sua opinião era o berço da cultura egípcia e, portanto, da cultura mundial. 80
De fato, os planos para a colonização do Egito foram feitos muito antes da Revolução, na
década de 1770, no auge do entusiasmo maçônico pelo Egito. Embora houvesse motivos
políticos e econômicos importantes para a expedição, não há dúvida de que entre os
motivos importantes estava também a ideia de que a França poderia reviver o "berço da
civilização" que Roma havia destruído e o desejo de compreender os mistérios egípcios. 81
É incerto se Napoleão também era maçom. É certo, no entanto, que ele tinha um
profundo interesse pelas coisas maçônicas, e que havia muitos maçons nas fileiras
superiores de seu exército, e que, além disso, a Maçonaria "prosperou em excesso" durante
seus anos de poder. 82 Fica claro também que ele tirou o símbolo imperial, a abelha, do
Egito, provavelmente através de fontes maçônicas. 83 Mesmo seu comportamento inicial no
Egito é uma indicação dessa influência: ele tentou, por exemplo, transcender o cristianismo
e aparecer como um defensor do islamismo e do judaísmo, e fez uma visita conveniente à
Grande Pirâmide e teve uma experiência mística. 84
A própria expedição marca um ponto de virada fascinante nas atitudes da Europa em
relação ao Oriente. De muitas maneiras, a prospecção meticulosa, desenhos, mapas, o
roubo de objetos culturais e monumentos para embelezar a França, foram um excelente
exemplo desse padrão regular de estudo e objetivação através da investigação científica
que se tornou característico do imperialismo europeu. do "orientalismo" do século XIX, tão bem
descrito por Edward Said. 85 Por outro lado, muitos vestígios das atitudes mais antigas em relação
ao Egito ainda estavam vivos, e entre os cientistas que fizeram parte da expedição havia
uma crença generalizada de que no Egito eles poderiam aprender fatos essenciais sobre o
mundo e sua própria cultura e além dos exotismos que complementavam o conhecimento
ocidental - e a dominação - da África e da Ásia.
Por exemplo, o matemático Edmé-François Jomard fez medições minuciosas das
pirâmides e prospecção do Egito com base em fontes antigas que afirmavam que as
medidas de comprimento egípcias eram baseadas no conhecimento preciso da
circunferência do mundo, e que a Grande Pirâmide - como é dito nas págs. 167-169 em
relação a Newton - incorporou frações específicas de latitude. Quando Jomard publicou
suas descobertas em 1829, já uma era de helenismo apaixonado, as surpreendentes
correspondências que ele havia descoberto foram rejeitadas por supostas imprecisões. À
luz de medições recentes e mais precisas, suas conclusões parecem muito mais críveis. 86
Mesmo em 1798, o neo-helenismo e o romantismo já eram forças significativas. Apesar
de seus interesses maçônicos, Napoleão era muito filho de seu tempo: ele se imaginava, é
claro, como Alexandre - um Alexandre muito grego - e carregava consigo as Vidas paralelas
de Plutarco para encontrar modelos clássicos. Ele também possuía uma cópia da Ilíada ,
cujo herói, Aquiles, havia sido a inspiração de Alexandre. O mais interessante a esse
respeito era que ele tinha uma cópia do Anabasis de Xenofonte , que descreve uma sucessão
de episódios em que os europeus gregos abrem caminho por fileiras muito maiores de
asiáticos de todos os tipos. Este texto adequado tornou-se uma "bíblia" para o imperialismo
do século XIX e início do século XX , embora tenha demorado algumas décadas para substituir
os discursos democráticos de Demóstenes e a Ilíada como texto canônico para iniciar os
estudos gregos. 87

158
As outras leituras de Napoleão nos fornecem uma amostra perfeita do gosto romântico
da época. Havia os poemas de Ossian, cujo significado central para o movimento romântico
será discutido no próximo capítulo. Finalmente, havia a Bíblia e os Vedas em sânscrito , que
representavam a nova moda romântica da Índia antiga, que discutiremos no Capítulo 5. 88
A posição de Napoleão era, como sempre, de contraste dramático, mas o fato de ele estar
situado em uma zona intermediária entre o modelo antigo e o novo paradigma de
"progresso" com o helenismo romântico que o acompanhava era muito típico da época.
Schikaneder e Mozart ainda podiam celebrar a sabedoria egípcia na Flauta Mágica ,
composta em 1791, mas isso ocorreu na remota Viena. As coisas eram muito diferentes na
Europa Ocidental. Já em 1780, Edward Gibbon poderia mencionar, medindo
cuidadosamente a ordem de precedência, "teologia egípcia e a filosofia dos gregos", e antes
disso ele havia queimado seu ensaio "inicial" sobre Sesōstris, argumentando que "em uma
idade mais Não pretendo mais conectar antiguidades gregas, judaicas e egípcias, perdidas
em uma nuvem distante, umas às outras. 89
Na mesma década, outro estudioso proeminente deu um passo na mesma direção. O
trabalho do abade Barthélemy sobre a decifração do fenício e sobre a comparação entre
copta, hebraico e grego já foi mencionado; em 1788, no final de sua longa vida, publicou o
que se tornaria sua obra mais conhecida, a Voyage du jeune Anacharsis . Este livro, que
conta a história de um jovem príncipe cita através da Grécia do século IV , era um romance
erudito e carregado de notas muito próximo em estilo ao Sèthos do qual, assim como de
Telêmaco , ele se inspirou. 90 O sucesso de Anacharsis igualou-se ao de Sèthos : saíram mais
de quarenta edições em francês e foi traduzido em oito línguas. 91 Mas a inversão que dá à
situação na Grécia é fascinante. Enquanto Telêmaco, o inocente jovem nórdico de Fénelon,
chega da Grécia no refinado Egito, Anacarsis chega da virtuosa Cítia na Grécia em um
período de refinamento e decadência, mesmo que o país ainda seja a sede de uma grande
civilização.
Enquanto glorificava a Grécia, Barthélemy estava firmemente enraizado no modelo
antigo para ignorar a função civilizadora do Egito e da Fenícia. Na introdução do romance,
ele descreve os egípcios chegando como legisladores para civilizar os gregos primitivos.
Seguindo Fréret, ele data essa chegada não apenas ao tempo de Cécrope, Cadmo e Danaus,
mas remonta a trezentos anos antes, ao século XX aC, ao tempo de Inaco e Foroneu, que a
tradição grega tendia a considerar pelasgos ou autóctone. Também é interessante que ele
antecipa a hipótese apresentada setenta anos depois - na década de 1850 - pelo grande
semita Ernest Renan, a saber, que o caráter semita severo e seu monoteísmo severo foram
forjados pelo sol do deserto. Barthélemy argumenta que o sol deslumbrante do Egito e a
sombra profunda que se opõe a ele em contraste produziram a simplicidade severa do
pensamento e da arte egípcia, enquanto a luz brilhante da Grécia produziu algo mais leve e
vital:
E assim os gregos, uma vez saídos de suas florestas, não viam mais objetos através de um véu medonho e escuro.
E os egípcios na Grécia gradualmente suavizaram as expressões severas e orgulhosas de suas pinturas. Os dois
grupos, agora formando um único povo, criaram uma linguagem que crepitava com frases vivas. Revestiam suas
velhas opiniões com cores que mudavam sua simplicidade, mas as tornavam mais sedutoras. noventa e dois

Tal concepção coloca Barthélemy no que agora podemos ver como uma fase de transição.
Isto é, por um lado, ele aceitou a concepção romântica neo-helenística de Winckelmann de

159
que os egípcios eram rígidos, formais e de alguma forma mortos, e os sorridentes gregos
infantis. Por outro lado, não conseguia conceber as coisas à maneira do século XIX, que exigia
absoluta pureza racial e linguística dos gregos. É por isso que ele não parece ter dificuldade
em aceitar as descrições de colonização que aparecem no modelo antigo. 93
Não só Anacarsis foi uma grande oportunidade de fuga literária durante a Revolução
Francesa, mas foi provavelmente a obra histórica mais influente sobre a Grécia no auge do
pró-helenismo na França. O livro inglês mais influente, uma enorme História da Grécia ,
escrito pelo amigo de Gibbon, William Mitford, é mais diretamente um trabalho acadêmico.
Mitford ficou muito menos impressionado com a Grécia do que Barthelemy. Como um
conservador consistente, ele rejeitou a ideia de "progresso" e não tinha certeza de que a
Grécia havia superado o Egito e o Oriente Próximo; na verdade, ele geralmente preferia o
último. Como ele escreveu no primeiro volume de sua História , que permaneceu uma obra
canônica sobre o assunto desde sua publicação em 1784 até a década de 1830:
A Assíria era um império poderoso, o Egito, um país altamente populoso governado por uma forma de governo
altamente refinada, e Sidon, uma cidade opulenta, rica em manufaturas e extenso tráfego comercial quando os
gregos, ignorantes das artes mais óbvias e necessárias, é disse, eles se alimentaram de bolotas. No entanto, a
Grécia foi o primeiro país da Europa a emergir da barbárie; e essa vantagem parece dever-se inteiramente às
comunicações rápidas e fáceis que mantinha com as nações civilizadas do Oriente. 94

Mitford também concordou com a tese da colonização grega sustentada no modelo antigo:
Parece que em tempos muito remotos algumas revoluções no Egito, cujas razões são muito pouco conhecidas
por nós, forçaram uma grande parte dos habitantes a buscar assentamento em terra estrangeira. Creta talvez
devesse sua civilização e forma de governo a esses eventos. Algumas tradições da Grécia Antiga, entre as mais
bem corroboradas, referem-se ao estabelecimento de colônias egípcias na Grécia; tradições tão inconvenientes para
o preconceito nacional e tão perfeitamente adequadas a toda a história conhecida que parecem, em suas
circunstâncias essenciais, indiscutíveis [grifo meu]. 95

O argumento de que tradições ou lendas são plausíveis se difundidas, coincidem com


outras tendências históricas e com informações de diversas fontes e vão contra o interesse
de quem as relata tem sempre uma grande força. No entanto, é interessante notar que não
há defesa prévia do modelo antigo. E isso porque a coruja de Minerva voa apenas ao
entardecer, ou seja, as crenças tradicionais só adquirem uma formulação quando são
ameaçadas. Como muitos outros defensores do status quo, Mitford argumentou que todos
os estudiosos sérios concordavam com sua posição e acreditavam como ele nas origens
orientais da civilização grega. Mas ele admitiu que um estudioso "mais superficial", Samuel
Musgrave, havia argumentado que a cultura grega era indígena. 96 É para esse tipo de
pensamento que agora voltaremos nossa atenção no Capítulo 4 .

Notas
1 Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 433); você vê também Dieckmann (1970, pp. 104-105).
2 Scott(1924-1936, vol. I , pp. 41-43); Blanco (1984, pp. 2263-2264).
3 Cudworth (1676, p. 320), citado em Yates (1964 [trad. It. 1969], p. 462); Dieckmann (1970, pp. 105-7). Para mais

noções de platônicos e hermetismo de Cambridge, ver Rattansi (1973, pp. 160-165); Patrides (1969, pp. 4-6). Estudiosos
que escreveram antes de Frances Yates não parecem ter entendido quão significativos eram seus interesses herméticos.
Vedi Cassirer (1932) e Colie (1957).
4 Ver acima, Cap. 2, n. 48.

160
5 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 429-430). Edição de vídeo também Blanco (1984, p. 2264); Scott (1924-1936, vol. I , p.

43).
6 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 465-481); Blanco (1984, p. 2264); sobre Fludd e os hieróglifos, ver Dieckmann (1970,

pp. 76-77).
7 Veja Godwin (1979); Iversen (1961, pp. 89-90); Dieckmann (1970, pp. 97-99).
8 Kircher (1652, vol. III , p. 568), citado em Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 449-450).
9 Tompkins (1978, p. 30). É uma tragédia que o livro brilhante e rigoroso de Tompkins tenha sido despojado de seu

aparato crítico. Ver também Iversen (1961, pp. 94-96) .


10 Gardiner (1927, pp. 11-12); Iversen (1961, pp. 90-98).
11 Sobre a possibilidade de tal conexão, ver Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 439-447); Dieckmann (1970, pp. 71-75).
12 Yates (1972 [trad. It. 1976], pp. 202-27); ver também Dieckmann (1970, pp. 103-104).
13 Hill (1976, p. 8).
14 Hill (1968 [trad. It. 1981], pp. 280 e segs.); Rattansi (1963, pp. 24-26).
15 Sobre a influência do milenarismo, que também é muito importante nesses círculos, ver Popkin (1985, pp. XI - XIX ).

Não cobri a literatura sobre o assunto, mas tenho certeza de que alguém deve ter estabelecido a conexão entre esse tipo
de milenarismo e a tentativa cabalística de recuperar – através do estudo – a luz que se estilhaçou no momento da criação.
16 Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 455-465); Popkin (1985, p. XII ).
17 Bullough (1931, p. 12), citado em Patrides (1969, p. 6). Sobre Cudworth e os hieróglifos, ver Dieckmann (1970, pp.

105-107).
18 Para argumentos a favor, ver Rattansi (1973, pp. 160-165). Para aqueles contra, ver McGuire (1977, pp. 95-142).
19 Manuel (1974, pp. 44-45).
20 Tompkins (1978, pp. 30-33).
21 Ver McGuire e Rattansi (1966, p. 110).
22 Para complicações bibliográficas, ver Westfall (1980 [trad. It. 1990], vol. I , pp. 463 e segs.). Ver também Pappademos

(1984, p. 94).
23 Shishak situa-se agora no século IX aC Para uma discussão exaustiva dos detalhes, ver Manuel (1963, especialmente

pp. 101-102). Ver também Westfall (1980 [trad. It. 1990], vol. II , pp. 849-858) ; Iversen (1961, p. 103).
24 Friedrich (1951, p. 4) acreditava que a relação entre fenício e hebreu era semelhante àquela entre holandês e alto-

alemão. Albright (1970, p. 10) chamou o hebraico de "uma variante dialetal do cananeu". Menahem Stern escreve (1974,
p. 12): "Já que praticamente não há diferença entre o hebraico e a língua fenícia."
25 Este tópico será discutido em detalhes no vol. II .
26 Bodin (1945, p. 341).
27 Bochart (1646).
28 Fénelon (1699, lib. II ).
29 Citado em Charles-Roux (1929, p. 4).
30 Vico já havia formulado os fundamentos dessa tese em 1721, quando ela apareceu em seu De constantia jurisprudentis

(Conclusão). A comparação com os sistemas de escrita aparece na primeira edição de sua Scienza nuova ( ver lib. IV , cap.
III ) publicada em 1725. Para a discussão de Cadmus, ver De constantia , cap. XVII . Ver também Dieckmann (1970, pp.
119-124) . Tenho uma dívida de gratidão com Gregory Blue por essas referências.
31 Montesquieu (1748 [traduzido. 1965], 15.5).
32 Gibbon (1794, vol. I , pp. 41-42). Para mais informações sobre o entusiasmo do século XVIII pelo Egito, ver Iversen

(1961, pp. 106-123).


33 Barthélemy (1763, p. 222).
34 Barthélemy (1763, p. 226). Para uma avaliação hostil deste artigo, ver Badolle (1926, pp. 76-78).
35 Banier (1739).
36 Bryant (1774, especialmente vol. I , p. XV ).
37 Frye (1962 [trad. It. 1976], pp. 205-207); FM Turner (1981, pp. 78-79).
38 Braun (1973, pp. 119-127); Pocock (1985, pp. 19-23).
39 Já em 1712, de la Croze tentou relacionar os dois sistemas de escrita. Ver sua carta citada em Barthélemy (1763, p.

216) . As tentativas mais famosas foram as feitas por de Guignes (1758) e JT Needham (1761).
40 Não é de surpreender que esse campo altamente fértil tenha recebido muito pouca atenção dos historiadores dos

séculos XIX e XX . Mas veja Pinot (1932); Maverick (1946); Appleton (1951) e Honor (1961 [trad. It. 1963]). Schwab
(1950) é profundamente enganador a esse respeito; ver abaixo, Cap. 5 , nn. 7-10.
41 RF Gould (1904, pp. 240-245).
42 Knoop e Jones (1948, pp. 64-66).
43 Para uma extensa discussão desses manuscritos, ver Gould (1904, pp. 262-285).
44 Ver Lumpkin (1984, p. 111).
45 Isso é indicado pelo fato de que o artesão se chamava Hiram Abif na tradução da Bíblia feita por Coverdale na década

de 1540. O nome não aparece na versão King James do início do século XVII .

161
46 Gould (1904, p. 243).
47 Yates (1972 [trad. It. 1976], p. 251). Essas duas crenças também foram centrais para os Cavaleiros Templários, que
praticavam o culto do Palazzo della Rupe, que pretendia substituir o Templo. Eles também se concebiam como uma elite,
transcendendo as diferenças religiosas das pessoas comuns - neste caso, aquelas entre o cristianismo e o islamismo. Eles
estiveram ativos desde 1118 até que, considerados hereges, a ordem foi dissolvida pelo rei da França, após a queda do
Acre em 1314, seu último bastião na Palestina. Os maçons se consideram descendentes dos Templários (Steel-Maret,
1893, p. 2).
48 Popkin (1985, pp. XII - XIII ).
49 Sobre Spinoza e sua influência sobre os neoplatônicos de Cambridge, ver Colie (1957, pp. 66-116).
50 Jacob (1976 [trad. It. 1980], pp. 160-196; 1981, especialmente pp. 151-157); Manuel (1983, pp. 36-37); Força (1985,

pp. 100, 113).


51 Manuel (1983, p. 36). O desconforto que os maçons sentirão em tempos posteriores sobre o importante papel

desempenhado por Toland na reforma da Maçonaria é revelado pela omissão de seu nome nas obras históricas mais
atuais sobre a Maçonaria.
52 Force (1985, p. 100).
53 Knight (1984, pp. 236-240).
54 Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos , VIII . 90.
55 Tompkins (1978, p. 214).
56 Sobre isso , ver Yates (1964 [trad. It. 1969], pp. 69-71).
57 Ibidem, pp. 401-403.
58 Ibidem, pp. 396-403.
59 Para as complexidades da controvérsia , ver Farnham (1976, pp. 171-180); Fuhrmann (1979, pp. 107-128);

Simonsuuri (1979, pp. 1-45).


60 Para tentativas anteriores de fundir os dois cultos, ver Farnham (1976, p. 39). Para outras tentativas de estabelecer

feriados religiosos nacionais, veja Bloch (1924 [trad. It. 1973], pp. 280-288).
61 Alguns pensadores estavam cientes do maior esplendor da corte manchu do imperador Kang XI (Honra, 1961 [trad.

It. 1963], pp. 19-23, 108).


62 Marin (1981, pp. 408-409).
63 Voltaire (1768 [trad. It. 1971], cap. XXXII , p. 384).
64 Fuhrmann (1979, p. 114). Farnham (1976, p. 177) exagera sua dedicação a Homero e os Antigos.
65 Beuchot (1854, pp. 169-171).
66 Terrasson (1715).
67 Manetho foi citado por Josefo em Contra Apionem , I .98 .
68 Terrasson (1731). Para uma avaliação totalmente hostil de Sèthos , ver Badolle (1926, pp. 275-276). Edição de vídeo

também Iversen (1961, pp. 121-122). Para uma discussão sobre isso no contexto do tema Bildungsroman do século XVIII ,
ver Honolka ( 1984 , pp. 144-154).
69 Terrasson (1731, especialmente livro II ).
70 Ibid, lib. VII , pág. 4.
71 Chailley (1971); Nettl (1957). A outra fonte principal de A Flauta Mágica foi Über die Mysterien der Ägyptier de Ignaz

von Born, no Journal für Freymaurer , vol. Eu (1784). Vedi Iversen (1961, p. 122); Honolka (1984, p. 144). Em 1773,
quando tinha dezessete anos, e antes de se tornar maçom, Mozart escreveu a música incidental para uma peça de Gebler
intitulada Thamos , König von Ägypten (Thamos, rei do Egito), também baseada em Sèthos . Vedi K. Thomson (1977, pp.
24-31); Honolka (1984, pp. 142-144). Além de seus méritos intrínsecos, a sobrevivência de A Flauta Mágica - apesar de
um libreto bastante inadequado para o período romântico - parece se dever ao fato de ser a primeira grande obra em
alemão. Nos anos imediatamente seguintes à primeira apresentação não houve objeção ao tema. Goethe escreveu uma
continuação em 1795. V edi Iversen (1961, p. 122).
72 Reghellini de Schio (1833, pp. 7-8).
73 Manuel (1959, pp. 85-125).
74 Ibidem, pp. 44-45.
75 Ibid, pp. 245-258.
76 De Santillana (1963, p. 819).
77 Manuel (1959, pp. 259-270).
78 De Santillana (1963, p. 819).
79 Dupuis (1795 [trad. It. 1982], vol. I , p. 14). Ele citou Taciano, um cristão assírio do século II que escreveu um Discurso

aos gregos no qual mencionava a magia persa, o alfabeto fenício, a geometria egípcia e a historiografia (Capítulo 1 ).
80 Augus (1822, p. 10).
81 Charles-Roux (1929, p. 13; 1937, p. 2). Outro fator - embora "menor" - foi a tradição da infeliz expedição de São Luís

ao Egito durante as Cruzadas.


82 RF Gould (1904, p. 451); Beddarides (1845, pp. 96-140).

162
83 Ver Iversen (1961, p. 132).
84 Madelin (1937, pp. 235-237). La Décade égyptienne (1798, vol. I , pp. 1-4); Tompkins (1978, pp. 49-50).
85 Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 85-95).
86 Tompkins (1978, pp. 45-51, 201-206).
87 Sobre as deficiências de Xenofonte como escritor e de Anábase como texto usado para introduzir a língua grega, ver

Pharr (1959, pp. XVII - XXXII ). O equivalente latino de Xenofonte é De bello gallico de Júlio César .
88 Madelin (1937, vol. II , p. 248).
89 Gibbon (1794, pp. 41, 137). Para seu constante anti-semitismo, ver Pocock (1985, p. 12).
90 Para uma comparação com Sèthos , ver Badolle (1926, p. 275).
91 Badolle (1926, pp. 397-398).
92 Barthélemy (1788, pp. 2-5). Sobre as concepções de Fréret, ver Capítulo I , n. noventa e dois.
93 Barthélemy (1788, p. 62).
94 Mitford (1784, vol. I , p. 6). Sobre a influência do trabalho histórico de Mitford, ver FM Turner (1981, pp. 203-207).
95 Mitford (1784, vol. I , p. 19). Sabemos agora que a civilização cretense de palácios foi formada muito antes das

"revoltas egípcias" mencionadas por Mitford, que talvez se refira ao período hicsos.
96 Musgrave (1782, pp. 4-5).

163
4. Hostilidade em relação ao Egito no século XVIII

Aproximamo-nos agora do cerne deste volume e das origens das forças que acabaram por
derrubar o modelo antigo e levaram à substituição do Egito pela Grécia como linha de
frente da civilização europeia. Vou me concentrar em quatro dessas forças: a reação cristã,
o surgimento do conceito de "progresso", o desenvolvimento do racismo, o helenismo
romântico. Todos estão conectados uns aos outros; na medida em que a Europa pode se
identificar com o cristianismo, a "reação cristã" se manifesta como a continuação da
hostilidade européia e a intensificação da tensão entre a religião egípcia e o cristianismo.
Com relação à questão do "progresso", argumento que, uma vez que se tornou o
paradigma dominante, esse conceito prejudicou o Egito por duas razões. Devido à sua
grande antiguidade, o Egito encontrava-se numa posição atrasada em relação às
civilizações posteriores; enquanto sua longa e estável história, que antes era motivo de
admiração, agora se tornava motivo de desprezo tão estático e estéril. A longo prazo,
podemos ver que o aumento do racismo e a necessidade de denegrir todas as culturas
africanas também prejudicarão o Egito; durante o século XVIII , no entanto, a ambiguidade
da posição "racial" do Egito permitiu que seus partidários afirmassem que ele era "branco"
em essência e origem. A Grécia, ao contrário, se beneficiou do racismo, imediatamente e em
todos os aspectos; e foi rapidamente visto como a "infância" da "dinâmica" "raça europeia".
Racismo e "progresso" puderam assim se unir na condenação da estagnação
egípcia/africana e no elogio do dinamismo e da mudança greco/europeu. Essas avaliações
estavam em perfeita concordância com o Romantismo em seus primórdios, que não apenas
sublinhava a importância das características geográficas e nacionais e as diferenças
categóricas entre os povos, mas concebia o dinamismo como um valor supremo. Além
disso, os estados gregos eram pequenos e muitas vezes muito pobres, e seu poeta nacional
tinha sido Homero, cujo épico heróico combinava lindamente com a paixão romântica do
século XVIII pelas baladas nórdicas, muitas das quais escorriam de sangue, como a Ilíada .
Também neste caso, quanto à língua, havia uma relação especial com o norte da Europa,
prejudicada apenas pela posição geográfica da Grécia no sudeste do Mediterrâneo e pelo
modelo antigo que acentuava sua estreita associação com o Oriente Médio. Em suma,
enquanto o Egito, juntamente com a China e Roma, foram os modelos do Iluminismo, a
Grécia tornou-se aliada dessa corrente emocional e intelectual, de menor, mas crescente
importância no século XVIII , que foi o Romantismo.

A reação cristã
Vale a pena sublinhar neste ponto que, durante a maior parte dos quase dois mil anos que
nos interessam, a tensão ou "contradição" entre o cristianismo e a "dupla" filosofia egípcia
não foi - no sentido leninista ou maoísta - "antagonista". Como movimentos limitados à
elite, o Hermetismo e a Maçonaria não sustentavam o status quo social, político ou mesmo
religioso. Por outro lado, as reivindicações de exclusividade dos monoteísmos judaico-

164
cristãos e islâmicos tornam difícil tolerar qualquer forma de heterodoxia, e houve períodos
de amarga rivalidade entre as duas tradições.
A destruição implacável e sangrenta do gnosticismo e do neoplatonismo pela Igreja
primitiva foi mencionada no capítulo 2 . Nos séculos 15 e 16 , no entanto, a Igreja geralmente
tolerava ou mesmo encorajava o platonismo e o hermetismo. A sentença de morte de Bruno
não foi surpreendente, considerando os flagrantes ataques que ele fez à tradição judaico-
cristã e seu apelo ao retorno à religião egípcia. Além disso, a queima de Bruno não foi
seguida por uma proibição do estudo do Egito, mas pelo incentivo, com financiamento
maciço, do que Frances Yates chama de "hermetismo reacionário" de Athanasius Kircher
ou, para dizer com mais indulgência, uma "Egiptologia". ' sancionada pela Igreja que
resultou na fundação de estudos coptas por Kircher. 1 Embora o hermetismo e o
rosacrucianismo fossem muitas vezes influentes nos círculos intelectuais do norte da
Europa, eles não desempenharam um papel importante na violência que ocorreu durante a
Guerra dos Trinta Anos na Alemanha, ou durante as revoltas da Fronda na Alemanha. lutas
monárquicas na Inglaterra e na Holanda. Conflitos religiosos entre católicos e protestantes
ou entre Igrejas Altas e Baixas tinham pouco ou nada a ver com o Hermetismo.
O neoplatonismo e o hermetismo, como já disse, eram muitas vezes filosofias adotadas
pelos moderados como tentativas de transcender as furiosas batalhas religiosas da época.
Da mesma forma, o ateísmo atomístico associado a Thomas Hobbes cresceu em uma
atmosfera de desespero diante do conflito entre diferentes formas de religião. Assim, por
exemplo, na Inglaterra das décadas de 1660 e 1670, homens moderados como Ralph
Cudworth, que se preocupavam com dois inimigos principais, a superstição católica e o
entusiasmo puritano, viam o platonismo como um antídoto para ambos. 2 Além da
possibilidade de transcender as disputas sectárias que ela oferecia, a doutrina nela
implícita, afirmando a existência de uma luz imanente da vida no mundo, minava as
pretensões dos entusiastas - ou crentes inspirados - ao monopólio do espírito santo.
Cudworth também acreditava que os perigos do ateísmo decorrentes da identificação
egípcio-platônica entre espírito e matéria, ou entre Criador e Criação, eram menos agudos
do que aqueles decorrentes do ateísmo atomista e mecanicista hobbesiano. 3
Newton se formou intelectualmente nessa atmosfera e é nesse contexto que devemos
ver a admiração juvenil pelos egípcios mencionada no capítulo anterior. Sua atitude em
relação ao Egito mudou, no entanto, drasticamente na década de 1690 e os últimos anos de
sua vida foram dedicados a obras cronológicas, das quais a mais importante é A Cronologia
dos Reinos Antigos Alterados . Nele, como mencionado nas pp. 168-169, Newton provou com
base na Bíblia e na astronomia que as alegações de antiguidade feitas pelos egípcios e
outros povos tinham sido grosseiramente exageradas e que os israelitas existiam muito
antes de todos os outros.
O biógrafo mais recente de Newton, o professor Westfall, chama a Cronologia de um
"trabalho de tédio colossal" e acredita que nele Newton "produziu um livro desprovido de
qualquer argumento aberto e nenhuma forma aberta". A única explicação que Westfall
pode apresentar para este trabalho é que ele escondeu uma mensagem deísta. 4 Mas o
mesmo poderia ser dito para a maioria das obras de Newton, e não acredito que tal
propósito seja razão suficiente para o imenso esforço que ele investiu em sua Cronologia .
De fato, pode-se argumentar que é a obra mais ortodoxa que Newton já escreveu: William
Whiston, que poderíamos chamar de consciência deísta de Newton, atacou ferozmente a

165
Cronologia , assim como o ateu francês Fréret. 5 Além disso, como aponta Westfall, Newton
foi cooptado com sucesso pelo establishment no final de sua vida . Em minha opinião,
portanto, é mais útil considerar a Cronologia como uma consequência do que um
historiador intelectual moderno, Professor Pocock, chama de "uma inversão completa na
tentativa de Cudworth de mostrar que o pensamento antigo estava naturalmente de acordo
com a teologia cristã".
Pocock atribui isso em parte à "influência de Spinoza"; afirmação problemática, pois,
como mostrou um historiador, o professor Colie, Cudworth, já na década de 1670, estava
plenamente ciente do pensamento de Spinoza, e sua grande obra The True Intellectual
System of the Universe continha um ataque às posições spinozianas. 6 Isso não significa
negar que o panteísmo de Spinoza continuou a enfraquecer a possibilidade de um
platonismo cristão, após a publicação da obra de Cudworth em 1679. Os novos fatores após
a Revolução Gloriosa de 1689, porém, foram Toland e o Iluminismo radical. Tudo
considerado, acredito que o trabalho tardio de Newton e sua datação mais avançada da
antiguidade dos egípcios e outros povos antigos devem ser vistos geralmente como uma
defesa "respeitável" deísta e cristã contra o Iluminismo radical e o uso que este fez do a
antiguidade do Egito e do Oriente. Como havia acontecido com Giordano Bruno no século
XVI , a coexistência pacífica entre o cristianismo, a religião esotérica egípcia e a filosofia, que
durou grande parte do Renascimento, quebrou na década de 1690 e os cristãos retaliaram.

O "triângulo": Cristianismo e Grécia contra o Egito


A defesa do newtonianismo levou a uma aliança entre os estudos gregos e o cristianismo;
assim chegamos ao argumento central deste volume, que não é tanto o conflito binário
entre o Egito e a Bíblia, mas a relação triangular entre o cristianismo, o Egito e a Grécia.
Durante os primeiros séculos da era cristã, o principal conflito foi entre cristãos e pagãos.
Como a cultura dominante do Mediterrâneo oriental nessa época era helênica, com uma
religião baseada no Egito, tanto para cristãos quanto para pagãos - os mais influentes eram
os neoplatônicos - as distinções entre Egito, Oriente e Grécia pareciam relativamente
tênues. Judeus como José e padres da Igreja como Clemente de Alexandria e Taciano, por
outro lado, elaboraram argumentos polêmicos válidos contra os gregos, destacando a
ascensão tardia e a pouca profundidade histórica de sua civilização em comparação com a
dos egípcios, dos fenícios , caldeus, persas e assim por diante e, claro, os israelitas. E eles
também enfatizaram os empréstimos culturais maciços de povos mais velhos que
enriqueceram a Grécia. 7

A possibilidade de opor os gregos aos egípcios, aos caldeus e outros em defesa do


cristianismo só se tornou real com o Renascimento. Já assinalei que, no início do século XVI ,
a hostilidade de Erasmo ao hermetismo estava essencialmente ligada à sua defesa do
cristianismo e da religião contra a magia. Erasmo, no entanto, também era um defensor da
latinidade pura e do estudo do grego. 8
Ao longo das mesmas décadas, os alemães começaram a notar as semelhanças
marcantes entre sua própria língua e o grego. Substantivos em ambas as línguas tinham
quatro casos em vez de seis em latim. Tanto o grego quanto o alemão usavam o artigo

166
definido e faziam uso extensivo de partículas e preposições com verbos. Após a Reforma e a
ruptura com o catolicismo romano, a relação tornou-se ainda mais estreita graças à nova
imagem do grego e do alemão como as duas línguas do protestantismo. Lutero lutou contra
a Igreja de Roma usando o Novo Testamento em grego. O grego era uma língua cristã
sagrada que os protestantes poderiam chamar plausivelmente de mais autenticamente
cristã do que o latim. Com a propagação da Reforma para a Inglaterra, Escócia e
Escandinávia, a sensação de que os povos de língua teutônica eram "melhores" e mais
"viris" do que nações de língua românica como França, Espanha e Itália, e que suas línguas
eram geralmente superior ao latim e em pé de igualdade com o grego. Segundo um autor
inglês do século XVII :
Nossa língua já foi um dialeto do teutão e, embora então em sua infância, não era tão grosseira, mas cheia de
promessas, sendo rica e abundante de significados e agregando raízes e palavras radicais e, portanto, como o
grego capaz e apto, por difusão dessas mesmas raízes, a uma ramificação de derivações e compostos, muito além
do poder do latim e dos dialetos que ele gera. 9

Durante os séculos XVI e XVII , os estudos gregos floresceram nas escolas e universidades
protestantes. É surpreendente notar, por exemplo, quantos dos principais helenistas
franceses do século XVII - incluindo Isaac Casaubon e Madame Dacier, de quem discutirei
quando chegar ao culto de Homero - foram educados como huguenotes. 10 Se o grego foi
usado para atacar a superstição do catolicismo romano, não foi tão longo o passo que
levaria a usá-lo contra a magia egípcia. No entanto, a crítica de Casaubon à antiguidade dos
Textos Herméticos não consistiu em opor uma Grécia racional a um Egito mágico e
supersticioso. Em vez disso, foi o uso de métodos críticos de leitura de textos gregos que
desacreditou a antiguidade e, portanto, o valor da sabedoria egípcia.
Um método semelhante foi usado setenta anos depois por Richard Bentley. Conhecido
em vida como o odiado e tirânico Mestre do Trinity College Cambridge, Bentley é, no
entanto, um herói na história dos estudos clássicos como o descobridor do digamma , ou
melhor, do fato de que o som w , representado como ‚ em alguns alfabetos gregos, existia na
língua homérica e em outros dialetos gregos, nos quais não foi escrito. Bentley chegou a
isso com grande engenhosidade, observando que, em alguns casos, palavras que começam
com uma vogal não cancelam a vogal ao se fundirem com as sílabas anteriores. Bentley é
ainda mais respeitado por sua rigorosa crítica filológica que, embora não particularmente
popular em sua época, lhe deu a reputação de maior classicista inglês de todos os tempos. 11
Richard Bentley também foi o primeiro a popularizar a física newtoniana e a formular
suas implicações teológicas e políticas: ou seja, assim como a matéria não pode se mover,
mas precisa de um deus - geralmente hábitos muito regulares - para criar e preservar o
universo, um rei é necessário em uma monarquia constitucional Whig. Bentley expôs essa
teoria em 1692, por ocasião da primeira série de sermões ou palestras organizadas pelo
famoso químico anglo-irlandês Sir Robert Boyle contra "infiéis notórios, isto é, ateus,
deístas, pagãos, judeus e maometanos". 12 Bentley mal mencionou os dois últimos, sua
atenção foi claramente direcionada aos três primeiros e especialmente ao Iluminismo
radical. E parece que ele estava particularmente preocupado com o uso que John Toland,
um pensador radical e pioneiro da Maçonaria, fez do conceito bruniano de matéria
animada, uma ideia de ancestralidade egípcia que os radicais precisavam para atacar a
física newtoniana. Parece também que Bentley e o ambiente ao seu redor estavam cientes

167
do republicanismo de Toland. Toland certamente estava ciente da interdependência entre
suas próprias concepções físicas e políticas. 13
Bentley usou a enorme inteligência e erudição clássica com que foi dotado não apenas
para desenvolver o sistema newtoniano e suas implicações, mas também para questionar a
confiabilidade e a datação das fontes gregas que relatavam a sabedoria e a astronomia do
Egito e do Oriente. 14 Assim, procurou privar Toland e os radicais de uma de suas mais
poderosas fontes de legitimidade.
O que mais nos interessa aqui, no entanto, é a aliança entre Newton e Bentley e a
combinação da nova ciência e da filologia clássica com o propósito de defender o status
quo. É irônico que esses dois homens, que sempre se mantiveram à beira do arianismo e do
deísmo, embora ainda não os tenham ultrapassado, tenham se tornado dois dos mais
eficazes defensores do establishment cristão . 15

A aliança entre a Grécia e o cristianismo


Uma aliança mais ortodoxa entre o cristianismo e a Grécia é encontrada na obra de John
Potter, o companheiro mais jovem de Bentley na Wakefield Grammar School, mais tarde
arcebispo de Canterbury. Em 1697 Potter publicou quatro volumes sobre as instituições
políticas e a religião da Grécia, uma obra que, com edições subsequentes, permaneceu
canônica até ser substituída pelo Dicionário do Dr. Smith em 1848. 16 Baseando-se em uma
tradição que remontava pelo menos a Lucrécio, Potter afirma não apenas que Atenas, ao
contrário do resto da Grécia, nunca havia sido conquistada pelos bárbaros, mas também
que a cultura e as instituições gregas eram derivadas de Atenas. 17 Desta forma, é-lhe
possível separar a Grécia do Oriente Próximo sem questionar as fontes antigas sobre as
invasões.
Uma tensão semelhante também está presente em sua maneira de lidar com a religião
grega. Enquanto tenta dar a Trácia igual importância, ele admite que a religião foi derivada
do Egito, mas continua a tratá-la como puramente grega. 18 Ao longo do século XVIII ,
especialmente entre os apologistas cristãos, tentativas semelhantes foram feitas para
conciliar o desejo de menosprezar o Egito e elevar a Grécia com a incapacidade de
enfrentar o modelo antigo.

O "progresso" contra o Egito


Os proponentes do Iluminismo radical, embora recorrendo à antiguidade do Egito e da
Mesopotâmia para fundamentar sua posição, aparentemente se sentiam, como os
Modernos na França, "progressistas". A longo prazo, porém, o Egito estava destinado a
perder terreno para os proponentes do novo paradigma do "progresso". A transformação
subsequente disso pode ser vista no contraste entre o ataque de Newton na década de
1710 à prioridade temporal do Egito e do Oriente e a abordagem muito diferente do bispo
William Warburton na década de 1730. Warburton concebeu seu The Divine Legation of
Moses como um instrumento de uma luta contra os deístas, os spinozistas e os panteístas,
cuja oposição ao cristianismo remontava, em sua opinião, aos neoplatônicos. 19 Ao atacar o

168
Iluminismo radical, Warburton deu assim um tom progressivo à defesa do cristianismo. Sua
posição, nas palavras de Pocock, é a seguinte:
Longe de ver a filosofia moderna, com seu ceticismo, como uma ameaça à religião, ele estava muito inclinado a
acreditar que somente na modernidade a filosofia alcançou santidade e moderação compatíveis com a fé. Mesmo
a irreligião dos tempos modernos - que ele identificou com a Reforma radical [Iluminismo] de Jacob - apareceu
para Warburton como um renascimento arcaico de formas "antigas" de filosofar. 20

A concepção de Warburton da religião egípcia, no entanto, era regressiva e não muito


distante da de Newton. Escrevendo na década de 1730, ele não podia negar que a religião
egípcia havia sido um monoteísmo sublime, mas argumentou que desde então havia caído
em idolatria atroz. Expressando o que Frank Manuel chamou de "um sentimento de
solidariedade com o clero do Egito digno de um bispo", ele culpou os políticos pela
corrupção. 21 Aos olhos de Warburton, porém, a prioridade não era uma vantagem. Ele
derrubou a cronologia de Newton, mesmo que isso o colocasse ao lado de deístas notáveis
como William Whiston e ateus como Nicolas Fréret. 22
Para Warburton, o fato de os gregos terem vindo mais tarde os tornou melhores. Eles
haviam superado seus mestres. Embora forçado a admitir que os gregos aprenderam os
nomes dos deuses e seus ritos dos egípcios, ele negou enfaticamente que fossem os
mesmos deuses. 23 Afirmou também que Pitágoras, apesar de ter estudado no Egito por
vinte e um anos, só havia formulado seus teoremas quando voltou para a Grécia. A partir
disso, ele afirmou que os egípcios não tiveram a capacidade de expressar hipóteses em
abstrato - uma ideia canônica que sobrevive até hoje.
Uma ambivalência semelhante em relação ao antigo Egito foi expressa por Jacob
Brucker, o grande historiador alemão de meados do século XVIII . Não tendo a oportunidade de
negar a vasta tradição antiga segundo a qual os egípcios haviam sido filósofos, Brucker
argumentou, no entanto, que seria melhor chamá-los de "teógonos", inventores e
manipuladores de alegorias. Em sua opinião, a verdadeira filosofia tinha apenas começado
com Sócrates. O triunfo de Sócrates, segundo Brucker, foi - nas palavras do professor
Pocock:
tendo abandonado a tentativa de conhecer a natureza, considerando-a com um ceticismo reverente, e levando a
filosofia a se concentrar em seu próprio objeto: a descoberta de verdades morais que levam à percepção do
verdadeiro deus. 25

No entanto, essa "filosofia" anticientífica foi traída por Platão, que infelizmente havia
estudado com os pitagóricos na Sicília e com os sacerdotes no Egito. De acordo com
Brucker, Platão reimportou a alegoria, a poesia e o esoterismo, coisas das quais os jônios e
Sócrates tentaram romper. 26 Desta forma - marcando uma ruptura categórica altamente
improvável entre Sócrates e seu devotado discípulo e biógrafo Platão - Brucker pôde
afirmar a superioridade dos gregos e ao mesmo tempo manter a antiga ideia de que todos
os tipos de platonismo estavam integralmente ligados ao tradição egípcia.

169
Europa: um continente "progressista"
As derrotas sofridas pelos turcos na década de 1680 e a aceitação geral da física
newtoniana transformaram a imagem que a Europa tinha de si mesma. No mundo pós-
newtoniano, escritores como Montesquieu - cuja referência aos egípcios como grandes
filósofos foi mencionada acima - começaram a contrastar a "sabedoria" oriental com a
"filosofia natural" da Europa. 27 E isso foi escrito por Montesquieu em 1721; à medida que o
século avançava, o conceito de superioridade europeia se consolidava cada vez mais com o
crescimento do progresso econômico e industrial e com a expansão para outros
continentes.
No entanto, essa posição difere daquela que ocorrerá com o triunfo do imperialismo
europeu no século XIX, na medida em que nenhum europeu do século XVIII poderia afirmar
que a Europa havia se criado. Além disso, argumentava-se que a Europa estava agora mais
avançada do que qualquer outro continente e, nesse sentido, pode-se encontrar um estreito
paralelo com a concepção que a Grécia helenística tinha de si mesma em relação às
civilizações mais antigas. Há, por exemplo, a passagem frequentemente citada do
Epinomides de Platão , ou de um de seus alunos, no qual, após uma descrição laudatória da
astronomia egípcia e siríaca, ele segue: "E deve-se notar que tudo o que os gregos adquirem
como estrangeiros eles em última análise, transformá-lo em algo mais bonito ». 28
A alegação de que alguma qualidade inefável seja adicionada a técnicas, conceitos ou
estilos estéticos importados frequentemente se repete em nações culturalmente periféricas
como Inglaterra, Alemanha, Japão, Coréia ou Vietnã. Deve-se manter o orgulho cultural
mesmo que o empréstimo estrangeiro seja tão grande que não possa ser negado, ou no caso
de o empréstimo contradizer uma hierarquia de superioridade cultural ou "racial". 29 Como
escreveu o popular escritor Oliver Goldsmith em 1774, em sua História da Terra - e,
surpreendentemente, parafraseando Epinomides : [na Europa]". 30

"Progresso"
Costuma-se dizer que no século XVIII a formulação mais clara da ideia de "progresso" é
aquela dada por Condorcet no Esquisse d'une table historique des progrès de esprit humain ,
escrito em 1793. No entanto, a maioria das ideias que Condorcet lhe propôs já havia sido
formulado anteriormente no discurso Sur les progrès successifs de esprit humain , proferido
em 1750 pela jovem Anne-Robert Turgot, de dezenove anos. Depois de se tornar ministro
das Finanças de Luís XVI , Turgot esteve próximo dos mais importantes fisiocratas e foi um
promotor das idéias econômicas chinesas. Mais tarde, ele foi definido como o fundador da
economia política. Com base nesse discurso e esboços de obras históricas inacabadas, suas
ideias sobre "progresso" são muito claras. 31
Tais ideias são importantes por si mesmas e pela relação que mantêm com as
concepções de Turgot e seus contemporâneos sobre os egípcios, os fenícios e os gregos. De
acordo com o novo paradigma, essas civilizações deveriam ser vistas em ordem ascendente
de mãos dadas com o "progresso" do espírito humano. Mas, como em todos os esquemas de
evolução histórica - em particular o hegeliano e o marxista - acredita-se que cada etapa é
inicialmente benéfica e "progressiva" e depois cai em decadência e finalmente se encontra

170
em oposição às novas forças . Para Turgot, portanto, Egito e China haviam desempenhado
um papel pioneiro no início: "estavam dando grandes passos em direção à perfeição". 32
Egípcios e chineses eram considerados matemáticos, filósofos e metafísicos.
Infelizmente, em ambas as civilizações, essas "ciências" foram solapadas pela superstição e
pelo dogmatismo sacerdotal. Enquanto o bispo Warburton havia tentado por
"solidariedade clerical" desculpar os padres a esse respeito, intelectuais como Turgot e
Condorcet estavam felizes por ter sido oferecida outra oportunidade para se enfurecer
contra eles, desde então, como no mundo moderno, se a decadência foi a culpa que poderia
principalmente ser atribuída aos sacerdotes. 33 Turgot, porém, discordava dos fisiocratas,
que admiravam a China de seu tempo, ao declarar este país condenado ao passado; e essa
parte do esquema "progressista" o aproximou - ou o manteve - muito próximo da velha
ideia regressiva dos egípcios como um povo que havia possuído - provavelmente
recebendo dos israelitas - de uma religião pura e verdadeira , que haviam perdido.
Além disso, segundo Turgot, o declínio deveu-se ao despotismo dos governos dos
egípcios e dos chineses. Assim como Montesquieu, no entanto, que atribuiu os bons
governos desses países aos efeitos de refinamento moral da irrigação, Turgot também
argumentou que os governos egípcio e chinês não eram tão ruins quanto o clima quente
dessas áreas deveria ter determinado, ou como eles estavam em de fato as formas
maometanos de governo. 34 Como Brucker e a maioria dos pensadores do século XVIII ,
Turgot incluiu os pitagóricos, os neoplatônicos e, implicitamente, o próprio Platão entre a
decadente metafísica asiática. 35 Em sua opinião, os estágios mais elevados do progresso do
espírito humano começaram com a lógica de Aristóteles e encontraram continuidade direta
em Bacon, Galileu, Kepler, Descartes, Newton e Leibniz. 36 Quanto à Grécia, embora
encorajado pela liberdade e desunião do país, Turgot acreditava que "somente depois de
muitos séculos os filósofos apareceriam na Grécia". 37
Para Turgot, a verdadeira glória helênica estava na poesia, que derivava diretamente da
riqueza da língua grega. E essa riqueza foi produzida porque:
Os fenícios, que habitavam uma costa árida, fizeram-se agentes de intercâmbio entre os povos. Seus navios se
espalharam por todo o Mediterrâneo. Eles começaram a revelar nação a nação; astronomia, navegação, geografia
ajudaram a se aperfeiçoar. As costas da Grécia e da Ásia Menor estavam cheias de colônias […]. Da mistura entre
essas colônias independentes e os antigos povos da Grécia, juntamente com os restos de sucessivas invasões
bárbaras, formou-se a nação grega [...] e através dessas múltiplas misturas se formou essa linguagem rica,
expressiva e harmoniosa, a linguagem de todas as artes. 38

Esse repúdio casual dos egípcios em favor dos fenícios é uma indicação de atitudes futuras
sobre a importância destes últimos. Por outro lado, as afirmações de Turgot refletem a
pesquisa linguística da época, que já mencionamos em relação a Barthélemy. Além disso, o
esquema proposto por Turgot parece ser um reflexo das origens da língua francesa, que
surgiu de uma mistura de línguas celta, latina e germânica. 39 No entanto, isso não afeta sua
plausibilidade competitiva frente à imagem igualmente subjetiva do grego como uma
língua um tanto "pura", semelhante à idealizada germânica. O conceito de pureza é
altamente improvável, não apenas por razões geográficas e históricas, mas também por
razões linguísticas, como aponta Turgot.
Turgot e seus contemporâneos, ao proclamar e formular a nova visão de "progresso",
conservaram, no entanto, um sentimento de respeito pelos egípcios e fenícios e nunca

171
questionaram as lendas que afirmavam seu papel colonizador e civilizador na Grécia. 40 No
entanto, a introdução do paradigma "progressista" acabou sendo fatal para a reputação dos
egípcios. Sua antiguidade - que antes era um de seus pontos fortes - era agora um peso
morto.
Em contraste com a queda dos egípcios, o status dos gregos aumentou em importância.
Antes de chegarmos a isso, porém, devemos considerar as duas forças que ajudaram a
reação cristã e o paradigma "progressista" a minar o modelo antigo: o racismo e o
romantismo.

Racismo
Todas as culturas abrigam, até certo ponto, preconceitos positivos, ou mais frequentemente
negativos, em relação aos povos de aparência incomum. No entanto, a intensidade e a
difusão do racismo colonial norte-europeu, americano e outros desde o século XVII excedem
em muito a norma de que precisa de uma explicação especial.
É difícil dizer se o racismo de uma forma incomum existia antes do século XVI , época em
que os europeus do norte entraram em contato frequente com povos de outros continentes.
Nas primeiras baladas anti-semitas sobre o suposto assassinato de Little Sir Hugh , não
parece que os judeus perversos fossem vistos como pessoas particularmente de pele
escura. 41 É de fato possível que, devido ao influxo de franceses e italianos após a conquista
normanda, a pele escura gozasse de status elevado, e as baladas mais antigas às vezes
contrastassem a pobre loira e a rica morena. Por outro lado, não há dúvida de que a
"donzela loura" é vista como moralmente superior; as baladas sobre as duas irmãs, que
parecem ter antecedentes escandinavos muito remotos, contrastavam a irmã má, a morena,
com a boa, a loira. 42
Mesmo no século 15 , não há dúvida de que havia ligações claras entre a cor da pele
escura, maldade e inferioridade. Esta foi a época em que os ciganos recém-chegados eram
temidos e odiados por sua pele escura e suposto vigor sexual. 43 Se essa preocupação e
aversão ao "outro" de pele escura foi ou não de intensidade excepcional no norte da Europa
medieval, é geralmente aceito que depois de 1650 um racismo mais acentuado se
desenvolveu e aumentou de intensidade à medida que a colonização da América do Norte
progredia , que envolvia as duas políticas associadas de extermínio de nativos americanos e
escravidão para africanos. Políticas que tanto colocavam problemas morais às sociedades
protestantes, onde a igualdade de todos os homens diante de Deus e a liberdade pessoal
eram valores centrais que só o racismo forte poderia afrouxar.
O autor clássico mais citado na justificativa da escravidão foi Aristóteles, que teorizou
extensivamente a favor dela. Se ele foi apelado para isso foi porque seu trabalho estava
imbuído da crença de que os gregos eram inerentemente superiores aos outros povos:
Os povos que vivem em regiões frias e europeus são cheios de coragem e paixão, mas carecem de habilidades
práticas e intelecto; por esta razão, embora permaneçam geralmente independentes, carecem de coesão política
e capacidade de governar os outros. Por outro lado, os povos asiáticos têm intelecto e capacidade prática, mas
carecem de coragem e força de vontade; por isso eles permaneceram em cativeiro e submissos. O povo helênico,
ocupando uma posição geográfica intermediária, é dotado de todas essas qualidades e, portanto, continuou a ser
livre, a ter as melhores instituições políticas e a poder governar por meio de uma única constituição. 44

172
Assim, Aristóteles vinculou a "superioridade racial" ao direito de escravizar outros povos,
especialmente aqueles "com predisposição à escravidão".
Percepções semelhantes de diferenças "raciais" também parecem centrais para o
pensamento de John Locke, o filósofo do final do século XVII , Whig pela posição política. Não
há dúvida de que Locke, que esteve pessoalmente envolvido na propriedade de escravos
nas colônias americanas, era o que hoje chamaríamos de racista, assim como David Hume,
o grande filósofo do século XVIII . Aberto ao debate é se essas atitudes também influenciaram
suas respectivas filosofias, mesmo que os argumentos apresentados por Harry Bracken e
Noam Chomsky em favor da existência de uma ligação entre os dois pareçam muito
plausíveis. 45
A constante difamação dos nativos americanos por Locke era essencial para sua visão
política; de fato, os países habitados por povos indígenas eram necessários para fornecer
terras incultas a colonos ingleses ou outros. A possibilidade de tal colonização foi
necessária como prova do argumento de que é oferecida aos homens a escolha de se
associarem ou não ao Contrato Social, com todas as suas manifestas desigualdades. 46 Locke
recusou-se a justificar a escravização de pessoas da mesma nacionalidade, limitando-se a
definir a labuta (trabalho servil) qualquer tipo de trabalho que pudesse parecer escravidão.
Para ele, como para muitos pensadores da época, a escravidão só se justificava se
resultasse da captura, como alternativa a uma morte merecida em uma guerra justa. 47 Os
ataques da Europa cristã aos idólatras africanos e americanos, por exemplo, foram
classificados como “guerras justas”, já que estes não defendiam suas propriedades, mas
apenas “terras incultas”. Locke também tinha a curiosa, mas conveniente, crença de que
africanos e americanos não praticavam agricultura e, em sua opinião, qualquer direito à
propriedade da terra se originava do cultivo. 48 Nesse esquema geral, justificava-se a
captura de escravos africanos pelos europeus. Além disso, a própria existência de escravos
africanos em grande número levou à crença de que eles eram "escravos naturais" no
sentido aristotélico.
Na década de 1680, acreditava-se amplamente que os negros eram apenas um elo
superior aos grandes macacos - também originários da África - na "grande cadeia de seres".
49 Esse modo de pensar foi facilitado pelo nominalismo de Locke: ele rejeitou a validade

objetiva das "espécies" considerando-as apenas conceitos subjetivos. Ele era


particularmente cético em relação à categoria desconfortável de "homem":
E imagino que nenhuma das Definições da palavra homem , que temos hoje, nem das Descrições desse tipo de
Animal, sejam tão perfeitas e exatas a ponto de satisfazer uma pessoa de mente analítica cuidadosa, muito
menos o consenso geral. 50

Essa posição está em forte contraste não apenas com o bíblico "E Deus fez o homem à sua
imagem", mas também com Descartes quando ele insiste em uma distinção categórica entre
animais não pensantes e homem pensante. Parece, portanto, que o empirismo vem para
remover uma barreira (embora leve) contra o racismo, mesmo que não haja ligação
necessária entre empirismo e racismo. 51
Para recapitular: é certo que Locke e a maioria dos pensadores de língua inglesa do
século XVIII , como David Hume e Benjamin Franklin, eram racistas; eles expressaram
abertamente a opinião popular de que a coloração escura da pele estava ligada à
inferioridade moral e mental. No caso de Hume, o racismo transcendeu tanto sua religião

173
que ele foi pioneiro na ideia de que não haveria uma única criação do homem, mas muitas
criações diferentes, já que 'essa diferença uniforme e constante não poderia ter ocorrido
em países e épocas tão diferentes, se a natureza não havia feito uma distinção original entre
essas raças de homens”. 52 A centralidade do racismo para a sociedade europeia desde o
início do século XVIII é demonstrada pelo fato de que essa concepção "poligenética" da
origem do homem continuou a se desenvolver no início do século XIX, mesmo após o
renascimento cristão daqueles anos.
O racismo não tinha um contorno tão claro na França do século XVIII . No entanto, o
modelo aristotélico - e pseudoplatônico - de determinismo climático e topográfico das
raças que havia permeado a obra de Jean Bodin no século XVI foi revitalizado por
Montesquieu no século XVIII. 53 Estas, em 1721, tornaram-se famosas graças às suas Cartas
Persas . Por um lado, ele usou os persas da classe alta para criticar e satirizar a Europa, por
outro lado, ele estava incorporando a imagem da Europa como um continente "científico" e
"progressista". E essa primazia foi explicada como consequência de seu clima temperado
benéfico. No entanto, suas visões pró-europeias e sua hostilidade em relação à África e à
Ásia foram expressas mais claramente no Spirit of Laws , publicado em 1748. 54
No Contrato Social , publicado em 1726, Rousseau atacou violentamente qualquer
justificativa da escravidão. Por outro lado, ele próprio era um adepto da escola do
determinismo geográfico e acreditava que a virtude e a capacidade política de um povo
dependiam do clima e da topografia. Ele era eurocêntrico e é notável que ele mostrasse
muito pouco interesse no Egito e na China. Esse é um traço que persistiu mesmo entre os
românticos, cujas predileções quase sempre se dirigiam ao norte enevoado e montanhoso
da Europa, que era visto como a própria sede da virtude humana.

Romance
Depois da defesa do cristianismo e da ideia de “progresso”, o racismo foi, na minha opinião,
a terceira grande força que contribuiu para a rejeição do modelo antigo; o quarto foi o
Romantismo. Para resumir, o Romantismo afirma, em contraste com o Iluminismo e a
tradição maçônica, que a razão é inadequada para abordar os aspectos importantes da vida
e da filosofia. O romantismo está preocupado com o local e o particular, em vez do global e
do geral. E para recorrer a uma simplificação, grosseira mas útil, pode-se estabelecer um
contraste entre o Iluminismo do século XVIII, com seu interesse pela estabilidade e
ordenação do espaço, e a paixão romântica pelo movimento, pelo tempo e pelo
“desenvolvimento progressivo” da história. . Exemplos extraordinários das realizações do
Iluminismo são o relevo geográfico das costas do mundo, o ordenamento sistemático das
espécies naturais por Lineu e a constituição americana, que se acredita durar para sempre.
Além das extraordinárias conquistas das ciências naturais durante o período de
dominação romântica, entre 1790 e 1890, houve também um enorme interesse pela
história, e em ambos os campos o principal modelo utilizado foi o da 'árvore'. As árvores,
encontradas na evolução darwiniana, na linguística indo-européia e na maioria das obras
historiográficas do século XIX, constituem a imagem romântica ideal. Eles estão enraizados
em seu próprio solo e nutridos por seus climas particulares, enquanto ao mesmo tempo
estão vivos e crescendo. Eles progridem e nunca voltam a regredir. Semelhante à imagem

174
da história como uma biografia mencionada acima, as árvores têm um passado simples, um
presente e um futuro ramificados e complexos. No entanto, a imagem da árvore tem seus
inconvenientes quando usada para a descrição da história europeia e grega; Voltarei a este
tópico mais tarde. 55
Deve-se ter em mente que, apesar da enorme influência de Rousseau, o Romantismo
nunca foi tão forte na França quanto na Grã-Bretanha e na Alemanha, e é nessas regiões
que devem ser buscados novos desenvolvimentos do movimento.
Primeiro, a Alemanha: Durante a primeira parte do século XVIII , a Alemanha passou por
uma de suas mais agudas crises de identidade nacional. Em forte contraste com a França,
Holanda e Inglaterra, por mais de um século após o fim da Guerra dos Trinta Anos em 1648,
houve contínua devastação militar, fragmentação política e atraso econômico naquele país.
Nesse mesmo período, a afirmação militar e cultural da França levava a pensar que poderia
se tornar uma “Nova Roma”, capaz de absorver toda a Europa. 56 A língua e a cultura das
cortes alemãs, incluindo a de Frederico, o Grande, na Prússia, eram francesas; a maioria dos
livros publicados na Alemanha na primeira metade do século era em latim ou em francês.
Havia, portanto, o razoável temor, expresso por Leibniz e os patriotas do período seguinte,
de que o alemão jamais se tornaria uma língua capaz de ser usada para o discurso filosófico
e cultural; na verdade, poderia até desaparecer no francês, como acontecera com o dialeto
germânico falado pelos governantes francos da França. A cultura alemã e o povo alemão
pareciam estar em perigo mortal. 57
Por parte dos românticos alemães, a resposta mais significativa a essa crise foi a
tentativa de devolver os alemães às suas raízes culturais e criar uma autêntica civilização
alemã baseada em solo e povo alemães. De acordo com essas novas concepções românticas
e progressistas, os povos passaram a ser vistos em seus contextos geográficos e históricos.
O gênio da raça ou espírito, enraizado como estava na terra e em seu povo, mudava de
forma de acordo com o espírito da época ou, para usar uma palavra criada na década de
1780, Zeitgeist ; mas um povo sempre manteve sua essência imutável. A figura mais
influente ligada a esse aspecto do movimento romântico foi Johann Gottfried Herder, que
também foi importante em relação ao neo-helenismo e ao desenvolvimento da linguística.
Quanto a si mesmo, Herder sempre se manteve dentro dos limites universalistas do
Iluminismo, convencido de que todos os povos, não apenas os alemães, deveriam ser
encorajados a descobrir e desenvolver seu próprio gênio. 58 No entanto, o interesse pela
história e pelos particularismos locais, o desprezo pela racionalidade ou "razão pura" que
se manifestam nas concepções de Herder e de outros pensadores alemães do final do
século XVIII e início do XIX , incluindo Kant, Fichte, Hegel e os Schlegels, forneceram uma base
sólida para o chauvinismo e o racismo dos dois séculos seguintes.

Ossian e Homero
As duas essências mais puras de uma "raça", acreditava-se, eram a linguagem e as canções
populares. Os últimos, como som, eram temporais, não espaciais. Eles não eram estáveis,
mas móveis, se não "vivos", e eram pensados para comunicar sentimentos, não razão. Além
disso, eles eram percebidos como expressões não apenas de um povo inteiro, mas de seu

175
período mais característico e vital, de sua "infância" ou estágio primitivo. Neste ponto,
portanto, focaremos nossa atenção em canções e baladas populares.

Para o movimento alemão, o maior impulso para o estudo das canções folclóricas e do épico
em sua ligação com um determinado povo veio da Grã-Bretanha ou, mais precisamente, da
Escócia. O Ato de União com a Inglaterra em 1707, a derrota do Old Pretender em 1715, e
seu filho Bonnie Prince Charlie em 1745, e a destruição da cultura gaélica das Terras Altas
impuseram um realinhamento radical do antigo nacionalismo. Os escoceses da classe alta,
falantes de inglês, logo desenvolveram uma inofensiva sublimação literária do
nacionalismo, na qual o culto do simples, do atrasado e do remoto era acompanhado pela
nostalgia da inocência perdida. 59 As principais expressões artísticas foram danças genuínas
ou fabricadas e canções populares.
De longe, a produção mais influente desse movimento foi a falsificação literária
perpetrada por James MacPherson: um ciclo épico gaélico, atribuído a um suposto poeta do
século III , Ossian, que narra os feitos heróicos de seu pai. I canti di Ossian foi publicado em
1762 e, embora logo denunciado como falso, permaneceu o poema mais lido na Europa nos
cinquenta anos seguintes. É mencionado acima ( ver p. 183) que estava entre os livros de
Napoleão no Egito. Mesmo antes de Ossian , o bispo Percy havia publicado suas Relíquias da
Poesia Inglesa Antiga . Esta coleção de autênticas baladas inglesas e escocesas das zonas
fronteiriças entre os dois países teve também uma forte influência em toda a Europa,
especialmente na Alemanha, onde inspirou Herder a promover um novo movimento de
recolha e publicação de canções folclóricas. 60 O movimento folclórico fundiu-se na
Alemanha com o Sturm und Drang promovido por Goethe em seus romances ( Romane em
alemão - daí o ticismo romano ).
Durante grande parte dos últimos anos do século 18 , Ossian foi considerado melhor que
Homero. Isso não significa, no entanto, que Homero não era popular. Homero tinha um
lugar muito especial na Grécia antiga: ele era "o Poeta" e seus poemas épicos eram centrais
para toda a educação grega e para o próprio significado de ser grego. 61 Em Roma, a cultura
grega foi ensinada a partir de Homero. Na Renascença - apesar da predominância da
tradição platônico-egípcia - o interesse por Homero foi considerável, especialmente entre
os estudiosos protestantes, que tinham um apego particular ao grego como língua sagrada
e não romana. Como Tanneguy Le Fèvre, um dos principais estudiosos huguenotes e pai de
Anne Dacier, escreveu em 1664:
Os antigos - geógrafos, poetas, retóricos, teólogos, médicos, filósofos morais e até generais - consideravam
Homero a fonte suprema de sabedoria em cada uma de suas profissões. 62

A própria Madame Dacier traduziu Homero para o francês e foi uma defensora dele contra
os Modernos e o público em geral, que em sua opinião nutria preconceitos sobre o poeta.
Ela e seu marido fizeram uma conversão bem paga e oportuna ao catolicismo pouco antes
de o protestantismo ser banido, uma conversão difícil de conciliar com suas preocupações
morais e altos princípios. No entanto, parece que ele encontrou uma maneira de aliviar a
tensão permanecendo fiel à paixão secular de seu pai por Homero.
Em 1714, Madame Dacier publicou Des Causes de la corrupção du goût , que teve enorme
influência. No ensaio, ele atacou os modernos, como Terrasson, que criticaram Homero e os
gregos por serem muito primitivos e grosseiros em comparação com povos civilizados,

176
como os franceses modernos e os antigos egípcios. Em sua opinião, Homero tinha sido o
poeta mais velho e havia expressado os sentimentos de uma época incorrupta, mas para
torná-lo o mais velho ela foi forçada a negar a importância não apenas da civilização
egípcia, mas também da "judia". 63 Madame Dacier e os Antigos, no entanto, não
conseguiram estabelecer os gregos na França, o centro do Iluminismo. Como Voltaire
escreveu em meados do século: "Parece-me que os gregos não estão mais na moda e que
isso já era verdade no tempo de M. e Mme Dacier". 64
As coisas eram diferentes em outros países. O estudioso e visionário italiano
Giambattista Vico, que escreveu na década de 1720, concebeu Homero como a soma da
"sabedoria poética" nas duas primeiras épocas de seu modelo histórico, o "divino" e o
"heróico". 65 Na década de 1730, Thomas Blackwell, escocês de Aberdeen e professor de
MacPherson, o criador de Ossian, chamou Homero de poeta primitivo e os gregos de
infância da Europa. 66
O novo conceito de "infância", que se desenvolveu muito rapidamente no século XVIII ,
surge na intersecção de "progresso" e Romantismo. A infância foi concebida como um
período de emoção e sentimento anterior ao período da racionalidade, mas também como
uma idade desprovida da sexualidade e corrupção da idade adulta. Foi também o período
da potencialidade, olhando para o futuro e não preso ao passado. O desenvolvimento do
conceito de infância, portanto, acompanhou o desenvolvimento do Romantismo e o
conceito de "progresso". Para a imagem dos gregos como crianças, a autoridade clássica era
a de Platão no Timeu , no qual, como já mencionei, é relatado um velho sacerdote egípcio
que diz a Sólon: “Vocês gregos são sempre crianças; não existe grego antigo [...]. Vocês são
sempre jovens de alma, cada um de vocês. Porque […] você não tem uma única crença de
que é antigo”. 67
Para estudiosos antigos, estudiosos medievais e renascentistas, tal afirmação era
completamente depreciativa. Mesmo os modernos do século XVIII podiam acusar os gregos
de serem infantis e superficiais. Com o surgimento do conceito de "progresso", essa
acusação poderia ser, e foi, dirigida à vantagem dos gregos.

Helenismo romântico
Muitas vezes se acredita que, como a Grécia faz parte do mundo clássico, o estudo e a
admiração por aquele país devem ser considerados uma forma de classicismo. No século
XVIII , porém, acreditava-se muito mais utilmente que o helenismo pertencia ao campo
romântico. Os senhores do Iluminismo preocupavam-se em impor ordem, regularidade e
estabilidade a vastas regiões. No mundo de sua época, eles tendiam a se interessar por
"grandes coisas" e a concentrar seus esforços de reforma na França, Rússia e Prússia. Na
Antiguidade, eles preferiam estados poderosos que duraram por longos períodos, como
China, Egito e Roma. Como classicistas, eles lêem principalmente autores latinos, mas
autores gregos pouco ou nada. Na década de 1790, no entanto, as classes altas começaram a
ler Homero no original. A mudança de ênfase da razão para o sentimento foi, portanto,
associada a uma mudança de atenção da Roma imperial para a Grécia homérica e clássica.
Os românticos buscavam avidamente pequenas comunidades virtuosas e "puras" em
lugares remotos e frios: Suíça, norte da Alemanha e Escócia. Se levassem em conta o

177
passado, sua escolha natural era a Grécia. Ela se prestava bem ao conceito de pequenez, e
os estados que uma vez a compuseram, com algum esforço de imaginação, poderiam ser
chamados de virtuosos. Suas deficiências em outros aspectos poderiam ser
temporariamente ignoradas, mesmo que a longo prazo isso se tornasse difícil. De muitas
maneiras, a destruição do modelo antigo e a afirmação do modelo ariano também podem
ser interpretadas como uma tentativa de impor esses ideais românticos de distância, frieza
e pureza a esse candidato altamente inadequado, a Grécia. 68
O romantismo existia desde o início do Iluminismo, e no muito cosmopolita III Conde de
Shaftesbury, aluno de Locke, a "sensibilidade" - combinada com o culto da beleza e da
forma - estava associada ao neo-helenismo. 69 Então, na década de 1730, o pró-helenismo
romântico britânico cresceu graças à associação entre Homero e Escócia estabelecida por
Blackwell, mencionada na p. 202. Na mesma década, foi fundada a Sociedade de Amadores .
Esta empresa, como o próprio nome indica, começou como um clube social para jovens
ricos, mas tornou-se mais séria ao se envolver na importação de estátuas clássicas da Itália
para decorar as casas e parques da nobreza britânica. Em 1750, expandiu suas atividades
encomendando um inventário abrangente e preciso das antigas obras de arte ainda
existentes em Atenas. Esta comissão reflete o novo grande entusiasmo pela arte grega, que
os europeus ocidentais até então só viam em cópias romanas. Ao mesmo tempo, nobres
ousados começaram a estender seus Grand Tours da Itália ao Levante, que incluía a Grécia.
70 Eruditos iluminados podiam estudar as verdades gerais do mundo lendo livros no

conforto de seus quartos.


Mas isso não foi suficiente para os românticos, tão interessados no sentimento e na
particularidade dos lugares. Eles queriam encontrar, e até cheirar, os documentos e ruínas
originais da época e do lugar que desejavam estudar. 71 Na década de 1750, por exemplo,
Robert Wood partiu para Troad - a região ao redor de Tróia - e leu a Ilíada in situ . Em seu
Essay on the Original Genius and Writings of Homer , publicado em 1775, Wood concebeu
Homero como o produto de um povo particular em uma paisagem particular. Embora - ao
contrário dos românticos posteriores - ele ainda sustentasse que Homero tinha sido um
homem, ele se baseou na antiga tradição de Homero cego para enfatizar seu analfabetismo.
A imagem que Wood deu de Homero era muito "ossiânica", ou seja, a de um bardo
primitivo e quase nórdico, um poeta infantil não só da Grécia, mas de toda a Europa. 72
Em meados do século, o clima romântico, o eurocentrismo e o conceito de "progresso"
ajudaram a criar um entusiasmo considerável para os gregos na Grã-Bretanha, que
pareciam atender a todos esses critérios. James Harris, o gramático inglês - que, é
importante notar, tratou da língua falada - odiava os orientais e considerava os romanos
culturalmente inferiores. Em contraste, ele adorava os gregos e, em 1751, escreveu sobre
eles:
No curto espaço de pouco mais de um século, eles se tornaram tão grandes estadistas, guerreiros, oradores,
historiadores, médicos, poetas, críticos, pintores, escultores, arquitetos e (em última análise) filósofos que não se
pode deixar de acreditar que a "Idade de Ouro" um evento providencial em honra da natureza humana para
mostrar a que perfeição a espécie humana poderia ascender. 73

Assim, o conceito de "gregos divinos" já estava formulado. O fato de o desenvolvimento dos


gregos ter sido tardio e rápido não era mais considerado um sinal de superficialidade, mas
de extraordinária grandeza.

178
A partir de 1767, os britânicos começaram mesmo a afirmar a superioridade dos gregos
sobre os egípcios. Como outro estudioso de Aberdeen, William Duff, escreveu naquele ano:
Na Grécia as ciências progrediram rapidamente e atingiram um alto grau de perfeição […] se os egípcios foram
inventores, isso prova que eles eram engenhosos, mas os gregos provaram possuir um gênio superior […]. As
artes e as ciências são conhecidas dos chineses há muitos séculos […] e ainda assim eles não as desenvolveram.
74

O classicista Samuel Musgrave levou uma vida indecorosa e - como dissemos no último
capítulo - Mitford o chamou de um dos estudiosos mais "superficiais". No entanto,
Wilamowitz-Moellendorff concedeu-lhe uma menção honrosa em sua História da Filologia
Clássica. 75 Em 1782, Musgrave publicou uma dissertação sobre mitologia grega na qual
argumentava que a cultura grega era indígena e até mesmo negava a vasta tradição de que
a religião grega era derivada do Egito. Ele chegou a essa conclusão com base em uma
referência indireta extraída de Luciano, um prolífico sofista e satírico do século II dC, e as
diferenças entre os nomes dos deuses egípcios e gregos mais conhecidos. 76 Como vimos,
porém, os argumentos de Musgrave foram decisivamente refutados por Mitford. Uma nova
etapa nesse aspecto do modelo antigo teria sido marcada na Alemanha.

Winckelmann e Neo-Helenismo na Alemanha


Em meados do século XVIII , o maior defensor da juventude e pureza dos gregos era o
alemão Johann Joachim Winckelmann. Trabalhador e homem de caráter obsessivo,
Winckelmann aprendera grego por conta própria numa época em que a arte grega dos
séculos XVI e XVII praticamente desaparecera. Para estar perto das obras de arte gregas que
amava, mas nunca tinha visto, converteu-se ao catolicismo e passou a maior parte de sua
vida em Roma como padre e especialista em arte em nome de refinados cardeais.
Winckelmann rejeitou a ideia de que os gregos tivessem o monopólio da filosofia. 77 A
glória deles consistia em algo que importava muito mais para ele: a estética. Já em 1607, o
grande erudito renascentista Scaliger havia tentado estabelecer uma periodização da arte e
da poesia gregas em quatro estágios, com a qual Winckelmann reconhecia sua dívida. 78 De
muitas maneiras, porém, o esquema de Winckelmann parece mais próximo do conceito
típico de sua época de uma história em etapas, e em particular do esquema que aparece no
Progrès de esprit humain de Turgot , segundo o qual havia três estágios na história. , muito
semelhantes às formuladas oitenta anos depois por Auguste Comte e definidas por ele
como teológicas, metafísicas e científicas. 79 A História da Arte na Antiguidade , de
Winckelmann, publicada em 1764, foi a primeira tentativa de integrar a história da arte à
história da sociedade como um todo. Segundo Winckelmann, a arte egípcia limitou-se a
chegar ao estágio primitivo, em que o artista era obrigado a concentrar a atenção no
estritamente essencial. 80
A arte egípcia - assim ele articulou sua tese - era imperfeita porque não poderia ser de
outra forma. O desenvolvimento havia sido bloqueado por circunstâncias sociais e naturais
desvantajosas: com um exemplo muito antigo de discriminação racial moderna contra os
antigos egípcios, Winckelmann, baseando-se em uma declaração de Aristóteles,
argumentou que os egípcios eram principalmente pessoas com pernas tortas e nariz

179
arrebitado. 81 Eles, portanto, não tiveram acesso a belos modelos artísticos. Contra todas as
fontes clássicas, e até certo ponto também contra Montesquieu, ele argumentou que a
situação geográfica do Egito era desvantajosa e não propícia ao desenvolvimento de uma
alta cultura. Ele também argumentou - contra Heródoto, Plutarco, Diodoro e outros autores
antigos que haviam destacado a alegria e a dor apaixonadas - que os egípcios eram
pessimistas e incapazes de paixões.
Em um nível, essa crença refletia a visão dominante de que, se tantos povos em outros
continentes desistiram de lutar diante do avanço europeu, foi por causa do efeito
debilitante que o meio ambiente teve sobre eles e porque eram por natureza fracos e
passivos. 82 Em outro plano, era um juízo valorativo da preocupação muito real com a morte
típica dos egípcios que poderia ser interpretada, segundo o paradigma "progressista", como
reflexo do fato de que o Egito sempre esteve predestinado a ser superado .de civilizações
mais "vitais". 83
Winckelmann não apreciava a arte grega apenas porque ela veio mais tarde na
sequência histórica. Como um Philhellene apaixonado, ele amava todos os aspectos de sua
imagem da Grécia, reconhecendo a liberdade e a juventude como as duas essências
dominantes. 84 Em sua opinião, a Grécia sintetizava a ideia de liberdade, enquanto a cultura
egípcia havia sido bloqueada em seu desenvolvimento por seu regime monárquico e
conservador e era o símbolo de uma autoridade rígida e estagnação - todas as coisas que,
por sinal, não eram Europeu. As cidades-estados gregas - assim pensava ele - possuíam a
liberdade sem a qual é impossível criar uma grande arte. Winckelmann e seus seguidores
adoravam essa liberdade e juventude por seu frescor e vitalidade. Ele insistia em enfatizar
a graça suave da arte grega, a "nobre simplicidade" e a "grandeza serena" da cultura grega
como um todo, que em sua opinião eram consequência do clima uniforme. Além disso, um
aspecto central de seu amor pela Grécia era seu interesse apaixonado pela
homossexualidade grega. O próprio Winckelmann era homossexual, e aquela corrente
fundamental de interesse homossexual na Grécia que ainda se encontra no helenismo
moderno continuou a ser associada a ele. 85
Enquanto a interpretação de Winckelmann do mundo grego como liberal, sereno e
amante da juventude permaneceu um tema central do helenismo posterior, no mesmo
século XVIII havia outras imagens da Grécia. A crença nas qualidades trágicas e "dionisíacas"
da cultura grega, que culminou nas obras de Nietzsche no final do século XIX, já era evidente
entre os pensadores do século XVIII , bem como em poetas do início do século XIX , como
Hölderlin e Heine. 86 Outra corrente do helenismo foi a admiração pelos austeros e
autoritários dórios. No entanto, todas essas escolas de pensamento do final do século XVIII e
início do século XIX encontraram um denominador comum na percepção da relação entre
Egito e Grécia. O Egito representou um estágio inicial, inferior e estranhamente morto da
evolução humana que o gênio europeu da Hélade havia elevado a um nível
qualitativamente mais alto e mais vital.
O efeito que o trabalho de Winckelmann teve na Alemanha foi o de um choque elétrico.
Como o historiador da era clássica Rudolph Pfeiffer escreveu:
Houve uma ruptura com a tradição latina do humanismo e desenvolveu-se um humanismo completamente novo,
um verdadeiro e novo helenismo. Winckelmann foi o iniciador, Goethe quem o completou, Wilhelm von
Humboldt, em seus escritos linguísticos, históricos e pedagógicos, foi o teórico. Finalmente, as ideias de

180
Humboldt encontraram realização prática quando ele se tornou Ministro da Educação da Prússia e fundou a
nova Universidade de Berlim e o novo ginásio de humanidades. 87

Goethe, a quem também foi atribuída a fundação do Romantismo, definiu exuberantemente


o século XVIII como o "século de Winckelmann". 88 Na década de 1930, em um clima mais
sombrio, Miss Butler, a aguda germanista inglesa, concebeu Winckelmann como o iniciador
do que ela chamou de "a tirania da Grécia sobre a Alemanha". 89

crise de identidade alemã do século XVIII , além do desejo de retornar às raízes autênticas da
germanidade, foi o neo-helenismo. Já discuti essa percepção de uma "relação especial"
entre grego e alemão que há muito se formava, e a posição que o grego ocupava na cultura
protestante como antagonista do latim católico. No século XVIII , eram Paris, a "Nova Roma",
e o francês, uma língua românica, que representavam uma ameaça para a Alemanha. Além
do renascimento dessa antiga aliança cultural entre gregos e alemães, havia mais uma
razão para a Alemanha se identificar como Nova Hélade. Na década de 1770, tornou-se
cada vez mais claro que a Alemanha tinha potencial para ser um grande centro cultural; no
entanto, isso não se refletiu na política. As guerras de Frederico, o Grande, convenceram os
contemporâneos de que a Prússia era incapaz de unificar a Alemanha e que o Império
Austríaco era igualmente incapaz. Essa combinação de força cultural, fraqueza política e
desunião parecia indicar que, se a Alemanha fosse incapaz de se tornar uma nova Roma,
poderia ser uma nova Hélade.
Durante as décadas de 1760 e 1770, o maior dramaturgo da época, CM Wieland,
escreveu várias peças sobre a Grécia. 90 Goethe era fascinado pela Grécia e na meia-idade fez
tentativas frequentes, mas vãs, de aprender grego. 91 Herder também tinha uma admiração
apaixonada pela liberdade e criatividade artística de Atenas, que expressou escrevendo
sobre poesia grega e tentando persuadir Goethe a retomar o estudo da língua. 92 Esses
pensadores e artistas não eram obcecados pela Grécia como Winckelmann e os neo-
helenistas do século XIX . Não há dúvida, porém, de que a Grécia antiga e a relação íntima que
se percebia entre ela e a Alemanha moderna estava se tornando cada vez mais central na
vida cultural alemã, especialmente nas academias recém-fundadas.

Göttingen
Winckelmann é universalmente reconhecido como o fundador da história da arte, e Goethe
certamente o aceitou como um estudioso sério. No entanto, ele não parecia aceitável para o
novo tipo de acadêmico "profissional" que começava a surgir na Alemanha do final do
século XVIII , particularmente em Göttingen, o embrião de todas as universidades modernas,
profissionais e diversificadas posteriores. Foi fundado em 1734 por Jorge II , rei da
Inglaterra e eleitor de Hanôver, e amplamente financiado; sendo recém-fundada, conseguiu
escapar a muitas das restrições feudais e escolásticas que persistiam em outras
universidades. Graças às ligações que tinha com a Grã-Bretanha, tornou-se um dos canais
de comunicação do romantismo escocês, bem como das ideias filosóficas de Locke e Hume,
cujo racismo já foi mencionado acima ( ver pp. 198-199). 93
É justo dizer que, embora o profissionalismo e a exclusividade fossem a forma distintiva
dos estudos em Göttingen, o princípio unificador fundamental era a etnicidade e o racismo.

181
E isso foi consequência não apenas dos contatos acadêmicos com a Inglaterra, mas, mais
importante, da opinião dominante na sociedade educada na Alemanha. 94 Embora os
professores de Göttingen se vangloriassem de seu alto nível de estudos e de seu próprio
distanciamento, é inevitável que se deixassem influenciar por escritores "populares" como
Winckelmann, Goethe e Lessing.
O eurocentrismo havia marcado destaque entre as ideias de um dos fundadores da
universidade, Kristophe August Heumann. Como pioneiro do novo profissionalismo,
Heumann fundou uma revista acadêmica, "Acta Philosophorum"; no primeiro número
deste, publicado em 1715, ele argumentou que os egípcios, embora versados em muitos
estudos, não eram "filosóficos". Essa afirmação - que seus contemporâneos Montesquieu e
Brucker não ousaram fazer - era surpreendente e ousada quando vista à luz da antiga forte
associação entre o Egito e a filosofia. 95 A distinção categórica que Heumann estabeleceu
entre "artes e estudos" egípcias e "filosofia" grega é bastante difícil de entender, se
levarmos em conta que sua definição desta última era "a pesquisa e o estudo de verdades
úteis fundadas na razão". 96 No entanto, graças à sua imprecisão, essa distinção tornou, e
ainda faz, a afirmação de que os gregos foram os primeiros "filósofos" quase impossível de
refutar.
É verdade que mesmo nos tempos antigos encontramos a afirmação de que apenas os
gregos eram capazes de pensamento filosófico; Clemente d'Alessandria o atribui a Epicuro,
mas depois demonstra sua extrema implausibilidade. 97 Encontramos também a afirmação,
em Epinomides , citada nas pp. 194-195, que os gregos sabem deixar tudo "mais bonito". 98
No entanto, eles não diminuem a audácia de Heumann em contestar a imponente tradição
antiga e moderna que manteve o Egito e o Oriente como sedes da sabedoria e da filosofia.
Há poucas razões para duvidar que as idéias de Heumann a esse respeito estivessem
conectadas com seu nacionalismo e eurocentrismo alemães. Ele argumentou que a filosofia
também deveria ser escrita na Alemanha, e ele mesmo tentou fazê-lo, e isso em um
momento em que isso era inédito. Ele também foi um determinista climático antes mesmo
de Montesquieu. 99 Em sua opinião, a filosofia surgiu na Grécia porque não poderia ter
florescido em climas muito quentes ou muito frios; somente os habitantes de países
temperados como Grécia, Itália, França, Inglaterra e Alemanha poderiam criar a verdadeira
filosofia. 100
As idéias de Heumann sobre a origem grega da filosofia, juntamente com suas idéias
sobre a atitude filosófica da língua alemã, precederam os tempos em mais de cinquenta
anos. Seu trabalho sobre a história da filosofia foi eclipsado pelas obras maciças de Brucker
nas quais o autor, como vimos, ao assumir uma posição de compromisso, não negou aos
egípcios o título de "filósofos". 101 A influência de Heumann, no entanto, permaneceu em
Göttingen; não surpreende, portanto, que Dietrich Tiedemann, o primeiro de uma nova
onda de historiadores da filosofia na década de 1780, tenha estudado nessa universidade.
102 Para essa escola étnica e "científica", como para todos os autores que trataram do

assunto posteriormente, tornou-se axiomático que a "verdadeira" filosofia tivesse


começado na Grécia.
Durante esta década, os estudos históricos sofreram uma revolução, especialmente em
Göttingen. Um de seus professores, Gatterer, iniciou o projeto de escrever não a história
dos reis e das guerras, mas a história como uma "biografia" dos povos. Outro, Spittler,
estudou as instituições como expressões de determinados povos e, ao mesmo tempo,

182
modelos que os moldaram. 103 De importância ainda maior foi o trabalho do historiador e
antropólogo Meiners, posteriormente reconhecido pelos nazistas como o fundador da
teoria racial. Entre 1770 e 1810, Meiners introduziu e desenvolveu o conceito de Zeitgeist ,
ou espírito dos tempos. 104 Provavelmente desconhecendo o trabalho de Vico sobre assuntos
relacionados, Meiners argumentou que cada época e lugar tem uma mentalidade particular
determinada por sua posição geográfica e suas instituições. 105
Talvez tenha sido exagerado negar que tal atitude estivesse completamente ausente nos
historiadores de períodos anteriores, mas não há dúvida de que, após a década de 1780,
tornou-se impossível para qualquer historiador sério julgar uma ação ou afirmação sem
levar em conta os aspectos sociais e sociais. contexto histórico. Intimamente ligada a este
desenvolvimento está outra das inovações de Meiners - a "crítica das fontes".
Implicava que o historiador avaliasse as diferentes fontes históricas com base no autor e
no contexto social, e baseando sua interpretação principalmente ou exclusivamente em
fontes confiáveis. Meiners criticou autores anteriores, como Brucker, por aceitar fontes
históricas de forma indiscriminada e acrítica, em vez de escolher aquelas que revelavam o
"espírito da época" em que foram escritas. 106
Este era um método que se prestava bem ao novo espírito "científico" de Göttingen e à
tradição já manifestada em Galileu, que sustentava que "uma razão necessária, uma vez
encontrada, destrói completamente mil razões prováveis". Este critério provou ser muito
útil nas ciências experimentais; no entanto, como Giorgio de Santillana apontou,
assim que saímos do território da verificação direta e contínua - o que Galileu chama expressamente de
julgamento - e tomamos esse critério como guia filosófico para a explicação, os perigos começam a se
apresentar. 107

Os procedimentos de Meiners, que teriam dominado a historiografia dos séculos XIX e XX ,


seriam considerados essenciais ao historiador, pois o distinguem do cronista: é inevitável
que devamos dar pesos diferentes a fontes diferentes. O perigo surge da falta de
consciência crítica para consigo mesmo e da consciência de que, ao negligenciar ou rejeitar
algumas fontes por serem consideradas “não condizentes” com a época em estudo, o
historiador pode impor qualquer modelo que decida escolher. E isso aumenta aquele
elemento da historiografia que é puro reflexo da época e dos interesses do historiador. No
caso do final do século XVIII , a situação foi agravada pela certeza de "saber mais" que
caracterizava os historiadores "modernos". Eles estavam convencidos de que, ao contrário
dos estudiosos de épocas anteriores, seus trabalhos eram objetivos. Além disso, Meiners e
seus colegas insistiram em confiar na "qualidade" de suas fontes, e não na quantidade ou
em sua plausibilidade análoga.
No que diz respeito às áreas examinadas pela negra Atena , a recusa desses
historiadores em aceitar as informações contidas no número, divulgação e plausibilidade
das fontes históricas abriu caminho para a negação do modelo antigo. As muitas referências
antigas à colonização egípcia e fenícia e os empréstimos culturais subsequentes não podem
ser descartados como 'tardios', 'crédulos' ou 'não confiáveis'. Além do mais, os estudiosos
agora podiam usar o fato de que muitos textos antigos se contradiziam, ou iam contra os
cânones recém-formulados das ciências naturais, para desacreditar qualquer coisa de que
não gostassem. No entanto, se o modelo antigo não caiu por mais quarenta anos, isso se
deveu em parte à extraordinária influência que a tradição teve na mente das pessoas e em

183
parte ao fato de não haver fontes antigas de boa qualidade que pudessem questioná-lo. .
Uma vez derrubado o modelo antigo, os estudiosos foram obrigados a confiar no que
chamavam de “dissidência tácita” ou “refutação com base no silêncio” daqueles autores
antigos que, por qualquer motivo, deixaram de mencionar a colonização. . 108
Apesar dos vínculos entre a "crítica das fontes" e o novo espírito científico, é importante
notar que esse método não se originou na França positivista ou na Inglaterra empírica, mas
na Alemanha romântica. Por exemplo, o próprio Meiners usou as novas técnicas críticas
para escrever a história romântica "progressista" dos povos que ele dividiu
categoricamente entre brancos, bravos, livres etc., e negros, feios etc. O espectro variou de
chimpanzés através dos hotentotes e outros para os alemães e celtas. 109
Uma hierarquia racial mais cautelosa e sistemática foi formulada por JF Blumenbach,
professor de história natural em Göttingen. Seu De Generis Humani Varietate Nativa ,
publicado em 1775, foi a primeira tentativa de um estudo "científico" das raças humanas
sobre o tipo do que Linnaeus havia feito algumas décadas antes na história natural.
Blumenbach, no entanto, não poderia aplicar aos humanos a definição de Linnaeus de
espécie, ou seja, uma população que pode se reproduzir e gerar descendentes férteis. Ele
não era progressista e não acreditava na poligênese: a teoria que nega a tradição bíblica de
uma única criação do homem e, em vez disso, sustenta que as diferentes raças foram
criadas separadamente. Blumenbach acreditava em uma única criação de um homem
perfeito. De fato, sua explicação do que ele considerava importantes diferenças "raciais"
seguiu o modelo eurocêntrico formulado pelo naturalista Buffon nas primeiras décadas do
século. Buffon havia argumentado que os tipos normais de espécies encontradas na Europa
haviam degenerado em outros continentes devido a condições climáticas desfavoráveis: os
indivíduos se tornaram muito grandes, muito pequenos, muito fracos, muito fortes, muito
coloridos, muito desbotados etc. 110
Blumenbach foi o primeiro a popularizar o termo "caucasiano", que usou pela primeira
vez na terceira edição de sua grande obra, publicada em 1795. Para ele, a raça branca ou
caucasiana era a primeira, a mais bela, a o mais rico dos talentos, e todos os outros, os
chineses, os negros, etc., foram produzidos pela degeneração. Blumenbach justificou o
curioso nome "caucasiano" por motivos "científicos" e "raciais", pois acreditava que os
georgianos eram o mais belo povo da "raça branca". Mas havia outras razões também. Em
primeiro lugar, a crença religiosa - divulgada por Vico no século XVIII - segundo a qual se
poderia acreditar com razão que o homem havia chegado depois do dilúvio e, como se
sabia, a Arca de Noé havia pousado no monte Ararat, no sul Cáucaso. 111 E havia também no
romantismo alemão a tendência, cada vez mais proeminente, de situar as origens da
humanidade - e, portanto, dos europeus - nas montanhas a leste e, portanto, não mais nos
vales dos rios Nilo e Eufrates, como eles acreditavam, os antigos. Como disse Herder:
"Subimos as montanhas com dificuldade até o topo da Ásia".
Herder situou a origem do homem no Himalaia, enquanto a crença de que a humanidade
- pelo menos em sua forma mais pura, os arianos - veio das terras altas da Ásia permaneceu
um aspecto dominante da pesquisa romântica até o final do século XIX. origens. 112 Uma das
vantagens da teoria da origem asiática era que ela colocava os alemães mais próximos do
que outros europeus ocidentais das origens mais puras da humanidade; no entanto, isso
teria se beneficiado mais no século XIX.

184
Na época em que escrevia, Blumenbach era convencional no sentido de incluir os
"semitas" e os "egípcios" entre seus caucasianos. No entanto, ainda que não tenha
conseguido traçar com precisão sua origem, é claro que já existia algum tipo de vínculo que
ligava especificamente o Cáucaso aos arianos, outro termo novo que começou a ser usado
na década de 1790. 113 O O Cáucaso foi tradicionalmente o local da cruel tortura de
Prometeu, considerado uma figura simbólica da Europa. Ele não era apenas filho de Jápeto,
plausivelmente identificado com o bíblico Jafé, o terceiro filho de Noé e antepassado dos
europeus, mas a ação heróica que ele realizou para o bem e por pura abnegação - o roubo
do fogo para ajudar humanidade - acabou sendo vista como tipicamente ariana. Gobineau
acreditava que Prometeu era o ancestral da principal família dos brancos e, ainda no século
20 , o ultra-romântico Robert Graves chegou a sugerir que o nome Prometeu significa
"suástica". 114
Na década de 1780, porém, outro professor de Göttingen, AL Schlözer, tentou definir
uma família linguística "jafética" que incluísse a maioria das línguas posteriormente
classificadas sob o nome de indo-europeu. Esta tentativa falhou, mas ele veio a definir uma
família "semita". 115 Os estudos semíticos em Göttingen, no entanto, foram dominados por
seu professor, JD Michaelis, que combinou o papel do maior erudito hebreu da época com
um forte anti-semitismo. 116
Como ficará claro agora, no período de 1775 a 1800, Göttingen não apenas elaborou
muitas das formas institucionais que as universidades teriam mais tarde, mas aquele
quadro intelectual de maneiras pelas quais a pesquisa e a publicação para as novas
disciplinas profissionais foram desenvolvidas por seus professores. Em uma empresa tão
eminente, não há dúvida de que no centro do fermento intelectual estava a Filologia
clássica, mais tarde renomeada com o nome mais majestoso e moderno de
Altertumswissenschaft ou "ciência da antiguidade". 117
O campo era dominado por Christian Gottlob Heyne, que entrara na classe professoral
da cidade por casamento, tornando-se cunhado de Blumenbach. Desde a sua nomeação em
1763 até à sua morte em 1812, Heyne foi uma figura central tanto na cidade como na
Universidade. Dirigiu a biblioteca, que logo se tornou uma das melhores da Europa, e foi um
dos principais proponentes de uma profissionalização "moderna" e rigorosa das disciplinas
acadêmicas. 118 Promoveu os Seminários Seculares, inspirados no método socrático, e foi
aqui que se elaborou a crítica das fontes.
Sem surpresa, um dos alvos mais frequentes da crítica de fontes foi o modelo antigo,
juntamente com quaisquer referências favoráveis ao Egito que apareciam nos textos
gregos. 119 A comparação entre a crítica das fontes e o uso da análise fatorial na demografia
e na medição da inteligência pode ser útil. Stephen Gould escreve sobre isso:
virtualmente todos os seus procedimentos surgiram como justificativas para teorias particulares da inteligência.
A análise fatorial, apesar de seu status de matemática dedutiva pura, foi inventada em um contexto social e por
razões específicas. E, embora seus fundamentos matemáticos sejam indiscutíveis, o uso persistente feito dele
como ferramenta para aprender a estrutura física do intelecto o envolveu desde o início em profundos erros
conceituais. 120

Heyne, quando era um jovem bibliotecário em Dresden, conheceu Winckelmann. Uma vez
que se tornou um acadêmico "profissional", criticou os escritos de Winckelmann, mas não

185
há dúvida de que foi profundamente influenciado pelo apaixonado neo-helenismo deste
último. 121 Como escreveu Rudolf Pfeiffer:
Foi a influência de Winckelmann que distinguiu os estudos de Heyne e seus amigos e alunos daqueles de outros
estudiosos contemporâneos. 122

O historiador da ciência Steven Turner lida extensivamente com este tema em seu
importante trabalho sobre a transformação dos eruditos alemães tradicionais Gelehrte em
acadêmicos "profissionais":
Por meio de Heyne, o neo-humanismo teve um efeito revigorante semelhante sobre a filologia clássica e sua
"imagem pública". Ao longo de sua carreira, Heyne se esforçou para forjar novos vínculos entre os estudos
filológicos na escola e nas academias e as correntes do neo-helenismo estético e do classicismo weimariano que
estavam se formando fora da academia. 123

Heyne expressou melhor o que poderíamos chamar de "positivismo romântico". Como


Frank Manuel escreveu:
Seu rigor científico era impecável, suas edições dos textos seguiam a grande tradição, mas, apesar dos carismas
do rigor erudito, o espírito que animava Heyne e gerações de Gelehrte alemão era o mesmo helenismo romântico
que possuía seus colegas literatos no século XVIII . . . 124

Heyne era fascinado por viagens ao exterior e povos exóticos. Considerando a importância
de se casar com a filha do professor na vida acadêmica alemã, o fato de Blumenbach ser seu
cunhado foi menos significativo do que o fato de ambos os sexos de Heyne estarem
envolvidos em viagens não europeias. Um dos dois, Heeren, será discutido no Capítulo 6 ; o
outro, muito mais conhecido no século XVIII , foi Georg Forster. Ele havia navegado com o
capitão Cook e escrito uma descrição da viagem ao redor do mundo. Nele, o radicalismo
político e a aversão a todas as formas de exploração - mesmo de não-brancos - eram
acompanhados de uma recusa em questionar a possibilidade de poligênese. Heyne e
Forster se adoravam e tinham uma correspondência próxima, que era principalmente
sobre climas tropicais e antropologia. 125
Heyne não tinha nenhum interesse particular no cristianismo. No entanto, quando, após
1789, as posições se polarizaram, ele se envolveu apaixonadamente em atividades voltadas
para a manutenção do status quo. Suas veementes denúncias da Revolução Francesa
certamente não podem ser explicadas a ela apenas como uma reação de raiva contra Georg
Forster, que não apenas foi a Paris para participar da Revolução, mas abandonou sua
esposa - a filha de Heyne - por amor. amiga, Caroline, filha do semitista Michaelis. 126
Sua fúria também encontra razão em seu interesse direto em manter o status quo
hanoveriano e alemão, o que em nada contradiz sua capacidade de colaborar com as forças
de ocupação francesas para proteger sua amada universidade. Portanto, é bastante
apropriado que tantos alunos e seguidores de Heyne tenham trabalhado para a Prússia na
luta contra a França e as ideias revolucionárias. Tudo considerado, Heyne, o reconhecido
fundador da Altertumswissenschaft , mais tarde transposta para a Grã-Bretanha e a América
como a nova disciplina chamada Clássicos , era um produto típico de Göttingen - com seu
desejo de reforma em vez de revolução, seus profundos interesses na etnia e raça , sua
vasta cultura. Além disso, tanto o fundador quanto a própria disciplina compartilhavam a
atitude reacionária contra a Revolução Francesa e o desafio que ela representava para a

186
ordem e a religião tradicionais, e um interesse pelas diferenças e desigualdades entre as
diferentes raças. Eles também compartilharam o romantismo apaixonado e o neo-
helenismo dos círculos progressistas alemães no final do século XVIII .

Notas
1 Ver Capítulo 3 , n. 7; Iversen (1961, pp. 5, 89-99); Blanco (1984, pp. 2263-2264); Godwin (1979, especialmente pp. 15-

24).
2 Colie (1957, pp. 2-4); Pocock (1985, p. 12).
3 Pocock (1985, p. 13). Isso não significa que os platônicos de Cambridge não estivessem interessados em Spinoza, mas

no que, na opinião deles, era seu ateísmo panteísta ou "ilozóico" (Colie, 1957, pp. 96-97).
4 Westfall (1980 [trad. It. 1990], vol. II , p. 861).
5 Ibidem ; Manuel (1959, pp. 90-95).
6 Pocock (1985, p. 23); Colie (1957, p. 96).
7 Veja Josefo, Contra Apionem ; Clemente d'Alessandria, Stromata . Em Taziano, você vê também Capítulo 2 , n. 76.
8 Veja acima, cap. 2, não. 121.
9 Hare (1647, pp. 12-13), citado em MacDougall (1982, p. 60).
10 Para uma revisão da historiografia sobre essa ligação entre o protestantismo e os estudos gregos, ver Lloyd-Jones

(1982b, p. 19).
11 Pfeiffer (1976, pp. 143-158); Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], pp. 76-79). Acredita-se geralmente que

o digamma é uma letra antiga, uma vez que não existe no alfabeto fônico, que se tornou comum na Grécia no final da
Guerra do Peloponeso em 403 aC Argumento (em Bernal 1987; 1990) que o alfabeto jônico é muito mais antigo do que os
alfabetos dóricos que continham o digamma, e que a letra foi, portanto, introduzida no alfabeto grego por volta de 1000
aC - muito mais tarde do que por volta de 1600, ao qual traço a data de transmissão do alfabeto como tal. Com isso, não
quero negar a descoberta de Bentley do fonema w , embora acredite que algumas das elisões perdidas possam ser uma
consequência do empréstimo grego, ou pelo menos reflexões ou consciência, de um semita ou egípcio < ayin . V edi vol. II .
12 Bentley (1693).
13 Jacob (1981, p. 89).
14 Bentley (1693). Para mais noções de Bentley e das "Boyle Lectures", ver Pfeiffer (1976, pp. 146-147).
15 Para as implicações deístas das próprias Boyle Lectures de Bentley, ver Force (1985, pp. 65-66). Para mais dúvidas

sobre a sua ortodoxia, ver Westfall (1980 [trad. It. 1990], vol. II , p. 664). Havia, é claro, cristãos que se opunham tanto a
Newton quanto a Bentley; ver Força (1985, p. 64).
16 Potter (1697); BH Stern (1940, p. 38, nº 49); Smith (1848). Para alguns ramos posteriores da aliança entre a Grécia

antiga e o cristianismo, ver Bernal (1986, pp. 11-12).


17 De rerum natura , VII . Como mencionado acima, Lucrécio era um epicurista. Sobre o nacionalismo ou chauvinismo

grego desta escola, ver Capítulo 1, n. 170.


18 Potter (1697, lib. I , pp. 1-3; lib. II , pp. 1-2).
19 Warburton (1739, vol. IV , p. 403). Para mais noções sobre Warburton e Egito, ver Dieckmann (1970, pp. 125-128);

Iversen (1961, pp. 103-105).


20 Pocock (1985, p. 11).
21 Manuel (1959, pp. 69, 191-193).
22 Warburton (1739, vol. IV , pp. 5-26); Manuel (1959, pp. 107-112).
23 Warburton (1739, vol. IV , pp. 229-241).
24 Para uma bibliografia sobre Brucker, ver L. Braun (1973, p. 120).
25 Pocock (1985, p. 22).
26 Ibid.
27 Montesquieu (1721, cartas 97, 104, 135), citado por Rashed (1980, p. 9).
28 Epinomida , 987D.
29 Ver , por exemplo, o movimento Kokusai (essência nacional) que surgiu como reação à rápida ocidentalização do

Japão nas décadas de 1870 e 1880 (Pyle, 1969, pp. 69-70); Teters (1962, pp. 359-371).
30 Goldsmith (1774, vol. II , pp. 230-231).
31 Turgot (1808-1815, vol. II , pp. 52-92, 255-328).
32 Ibidem, pp. 55, 315.
33 Manuel (1959, p. 69).
34 Montesquieu (1748 [trad. It. 1965], lib. XVIII , cap. VI ). É claro que isso está em contradição direta com a subsequente

"teoria hidráulica" - sugerida por Marx e desenvolvida por Wittfogel - de que o controle da água levaria ao "despotismo
oriental". Ao contrário dos pensadores dos séculos XIX e XX , Montesquieu tinha ao seu lado o exemplo da Holanda.

187
35 Turgot (1808-1815, vol. II , pp. 65, 253, 314-316). Em outro lugar (p. 71) ele escreve: «Platão semeou flores; o

encanto da sua eloquência embelezou até os seus erros». Sobre a persistência de uma ideia de Platão como um poeta
sedutor ao invés de um filósofo até o final do século XIX, ver Wismann (1983, p. 496).
36 Turgot (1808-1815, vol. II , pp. 276-279).
37 Ibidem, pág. 70.
38 Ibidem, pp. 66-67.
39 Ver Capítulo 3 , nn. 33, 34.
40 Turgot (1808-1815, vol. II , pp. 330-332).
41 Child (1882-1898, vol. III , pp. 233-254). Essa falta de interesse pela cor dos judeus contrasta fortemente com a

reconstrução do período de Walter Scott em Ivanhoe , na qual a cor escura de sua pele é repetidamente enfatizada. O
romance, é claro, foi escrito no início do século XIX, quando havia um interesse obsessivo pelas diferenças "étnicas" ou
"raciais".
42 Para uma revisão geral das atitudes medievais em relação aos negros, ver Devisse (1979,
pt. I ). Ver também Child (1882-1898, vol. I , pp. 119-121) .
43 Child (1882-1898, vol. III , pp. 51-74).
44 Política , VII.7 .
45 Bracken (1973, pp. 81-96; 1978, pp. 241-60). Edição de vídeo também Poliakov (1973 [trad. it. 1976], pp. 152-153).
46 Ver , por exemplo, Locke (1689, lib. V , p. 41).
47 Locke (1689, lib. IV ).
48 Locke (1689, livro V , pp. 25-45); para uma discussão sobre isso, ver Bracken (1973, p. 86).
49 Jordan (1969, p. 229).
50 Locke (1688 [trad. It. 1971], lib. III ), citado e discutido em Jordan (1969, pp. 235-236). Para outros exemplos do

racismo de Locke, ver Bracken (1978, p. 246).


51 Ver Bracken (1978, p. 253).
52 Nota de rodapé a Of National Characters , citada em Jordan (1969, p. 253); Bracken (1973, p. 82); Popkin (1974, p.

143) e SJ Gould (1981, pp. 40-41).


53 Para a referência ao pseudo-Platão, ver Epinomida , 987D. Sobre Bodin, ver Capítulo 3 , n. 26.
54 Ver , por exemplo, Montesquieu (1748 [trad. It. 1965], lib. VIII , p. 229).
55 Para um ataque crítico mais amplo às imagens de árvores, ver Bernal (1989).
56 Em certa medida, a conquista cultural francesa da Europa durante o século XVIII foi compartilhada pelos italianos,

geralmente reconhecidos como os melhores pintores e músicos, e ainda de grande tradição científica.
57 Ver Blackall (1958, pp. 1-35).
58 Berlin (1976, pp. 145-216); Iggers (1968, pp. 34-37).
59 Trevor-Roper (1983 [trad. It. 1987]).
60 Berlim (1976, pp. 145-216).
61 Para uma descrição do papel de Homero na cultura grega clássica, ver Finley (1978 [trad. It. 1962], pp. 19-25). O

título "o poeta" dado a Homero pode ser ligado à derivação plausível de seu nome do egípcio ḥ m (w) tr , copta hmēr
(feitiço, ato (re) da fala).
62 Le Fèvre (1664, p. 6), citado em Farnham (1976, p. 146).
63 Dacier (1714, pp. 10-12), citado em Simonsuuri (1979, pp. 53-55). Edição de vídeo também Farnham (1976, pp. 171-

179).
64 Voltaire (Carta a M. Damilaville, 4 de novembro de 1765), citada sem data em Santangelo (1984, p. 6).
65 Vico (1730). Para discussões sobre isso, ver Manuel (1959, pp. 154-155); Simonsuuri (1979, pp. 90-98).
66 Ver Blackwell (1735); Simonsuuri (1979, pp. 53-55).
67 Timeu , 22B. Apesar dos problemas colocados por uma datação remota da palavra ı > d (criança) e por uma datação

tardia de p 3 (artigo il), a etimologia mais plausível da palavra grega pais , paidos é p 3 ı > d (a criança ). A raiz indo-
européia * pu o * embora pareça muito menos provável. O egípcio ı > d é quase certamente a origem do sufixo grego -ad
(filhos) e dos patronímicos -ides .
68 Sobre o primeiro uso do termo "helenismo romântico", ver H. Levin (1931). Ver também BH Stern (1940, p. VII ).
69 Simonsuuri (1979, pp. 104-106). Shaftesbury também era hostil ao Egito e aos hieróglifos.
70 St Clair (1983, p. 176). Ver também Jenkyns (1980, pp. 8-9); BH Stern (1940); Simonsuuri (1979, pp. 133-142).
71 Para uma descrição vívida desse processo e das consequências que ele pode produzir, ver a descrição do historiador

Michelet dada por Edmund Wilson (1940 [it. 1974]).


72 Jenkyns (1980, pp. 8-9); Turner (1981, pp. 138-140); Simonsuuri (1979, pp. 133-142); Wilamowitz-Moellendorff

(1927 [trad. It. 1967], p. 79).


73 Harris (1751, p. 417).
74 Duff (1767, pp. 27-29).
75 Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], p. 80).

188
76 Musgrave (1782, especialmente pp. 4-5). Esta dissertação aparece emparelhada com outra em que ele critica a

Cronologia de Newton.
77 Winckelmann (1764 [trad. It. 1961], p. 152).
78 Ibidem, pág. 231.
79 Turgot (1808-1815, vol. II , pp. 256-261). Edição de vídeo também L. Braun (1973, pp. 256-261); Comte (1830-1842

[traduzido. 1967]).
80 Para uma crítica devastadora dessa concepção ridícula, ver Jean Capart (1942 [trad. It. 1953], pp. 88-124). Para uma

discussão das idéias confusas de Winckelmann sobre hieróglifos, veja Dieckmann (1970, pp. 137-141).
81 Tais ideias não se limitavam a Aristóteles. Veja , por exemplo, os retratos muito pouco lisonjeiros dos egípcios na

hidria cretense que ilustram a lenda de Busiris (Boardman, 1964 [trad. It. 1986], pl. 11 e p. 149). Ao apontar que Busiride
tem seguidores de negros e que o próprio Busiride em outro vaso também é representado como negro, nem Boardman
nem Snowden (1970,
p. 159) mencionam o fato de o "herói grego Héracles" ser representado como um negro africano com cabelo
encaracolado! Isso é algo com o qual o modelo ariano é completamente incapaz de lidar. Sobre as razões pelas quais
Héracles deveria ter sido concebido dessa maneira, ver vol. III .
82 Winckelmann (1764 [trad. It. 1961], livros I e II ). Edição de vídeo também Iversen (1961, pp. 114-115). Sobre

predecessores britânicos que mantinham as mesmas convicções gerais, ver BH Stern (1940, pp. 79-81).
83 Ver Capítulo 5 , nn. 155-156 para "o modo egípcio de morte" no século 19.
84 Ver Butler (1935, pp. 11-48); com todo o respeito a Pfeiffer (1976, p. 169).
85 Ver Jenkyns (1980, pp. 148-154); FM Turner (1981, pp. 39-41).
86 Ver Butler (1935, pp. 249-300); Kistler (1960, pp. 83-92).
87 Pfeiffer (1976, p. 170).
88 Citado por Pfeiffer (1976, p. 169).
89 Butler (1935, pp. 11-48).
90 Ver Clark (1954).
91 Trevelyan (1981, p. 50); Lloyd-Jones (1981, pp. XII - XIII ).
92 Trevelyan (1981, pp. 50-54); Butler (1935, pp. 70-80); Pfeiffer (1976, p. 169).
93 L. Braun (1973, p. 165).
94 Sobre o Romantismo na Alemanha do final do século XVIII , veja acima; sobre racismo, ver Gilman (1982, pp. 19-82).
95 Três das quatro primeiras referências à filosofia estão associadas ao Egito. Como mencionado acima (Cap. 1 , n. 136),

Isócrates a derivou especificamente daquele país. A dificuldade que os estudiosos modernos têm em reconhecer isso pode
ser vista em Malingrey (1961), que constantemente traduz philosophia como a "civilização" do Egito. Ver Froidefond
(1971, pp. 252-253).
96 Citado em L. Braun (1973, p. 111) por Heumann (1715, p. 95) que não pude consultar.
97 Stromata , I.4 . Sobre o chauvinismo epicurista e a possibilidade de estar ligado à rivalidade com os estóicos

"fenícios", ver acima, n. 17.


98 Veja n. 28 acima.
99 Sobre a escassa consideração que se tinha pela língua alemã no início do século XVIII , ver acima, n. 57.
100 Heumann (1715, vol. I , p. 637), citado em L. Braun (1973, p. 113).
101 Veja nos. 24-26 acima.
102 Ver Tiedemann (1780); L. Braun (1973, pp. 165-167).
103 Veja Fome (1933); Butterfield (1955, especialmente p. 33); Marino (1975, pp. 103-112).
104 Marino (1975, pp. 103-112); L. Braun (1973, pp. 165-167).
105 Sobre o conhecimento da obra de Vico que ocorreu na Alemanha do século XVIII e sobre o fato de sua influência ter

sido negada, ver Croce (1947, vol. I , pp. 504-515). Ver também Momigliano (1966c, pp. 253-276) .
106 Meiners (1781-1782, vol. I , p. XXX ), citado em L. Braun (1973, pp. 175-176).
107 De Santillana (1963, p. 823).
108 Ver abaixo, Cap. 7 , n. 25.
109 Meiners (1781-1782, vol. I , pp. 123-124, 1811-1815); você vê também Poliakov (1973 [trad. it. 1976], pp. 190-191).
110 Baker (1974, pp. 24-27); Jordan (1969, p. 222); Bracken (1973, p. 86); Gerbi (1973, pp. 3-34).
111 Sobre Vico e a população mundial pós-diluviana, ver Manuel (1956, pp. 154-155).
112 Herder (1784-91 [trad. It. 1971], lib. VI , p. 2 e lib. X , pp. 4-7), citado por Harris-Schenz (1984, p. 28). O explorador

Georg Forster, muito associado a Göttingen, acreditava que os "brancos" vinham do Cáucaso (Forster, 1786).
113 Arya é, obviamente, um termo antigo das línguas indo-européias e grego. Seu primeiro uso moderno parece ser

atribuído a Sir William Jones (1794, seção 45).


114 Gobineau (1983, p. 656); Graves (1955 [trad. It. 1979], p. 133).
115 Moscati et al . (1969, pág. 3). A ideia de que havia uma relação entre hebraico, aramaico e árabe também era corrente

na Antiguidade e foi considerada pelos estudiosos muito antes de Schlözer. Ver , por exemplo , as referências a Barthélemy
no capítulo anterior.

189
116 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 204-205).
117 Ver RS Turner (1985).
118 Para uma breve bibliografia sobre Heyne, ver Pfeiffer (1976, p. 171, no. 5).
119 Ver , por exemplo, o ataque, liderado por Heyne, à autenticidade da Ilíada , IX .383-384, para a qual elogia as riquezas

da Tebas egípcia, ver P. Von der Mühll (1952, p. 173).


120 S. Gould (1981, p. 238).
121 Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], p. 92-94).
122 Pfeiffer (1976, p. 171).
123 RS Turner (1983a, p. 460).
124 Manuel (1959, p. 302).
125 Sobre Forster e Heyne, ver Leuschner (1958-1982, especialmente vol. XIV ; sobre a antropologia de Forster, ver vol.

VIII , pp. 133, 149-53); Harris-Schenz (1984, pp. 30-31).


126 Sobre a veemência de Heyne e a questão pessoal a ela ligada, ver Momigliano (1982, p. 10). Sobre a ideia de que

Göttingen havia escolhido um "caminho do meio" entre os extremos da revolução e da reação, ver Marino (1975, pp. 358-
371). Sobre a hostilidade da escola de Göttingen à Revolução, ver Capítulo 6 , nn. 9-16, adiante. Outro motivo que Forster
teve para ir a Paris foi o desejo de estudar línguas indianas para se preparar para uma viagem à Índia. Sobre isso e seu
envolvimento no Romantismo, ver Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], p. 59). Após a morte de Forster, Caroline
trabalhou com Friedrich Wilhelm Schlegel, tradutor de Shakespeare e sânscrito, com quem se casou mais tarde. Depois de
se divorciar dele, ela se casou com o filósofo Friedrich Wilhelm Schelling. A sua fama está hoje confiada à sua
correspondência, que nos oferece retratos vívidos dos primeiros românticos alemães (Nissen, 1962, pp. 108-109).

190
5. Lingüística romântica
A ascensão da Índia e a queda do Egito. 1740-1880
Voltaremos agora à decadência do modelo antigo que, embora influenciado por fatores de
fundo semelhantes e por muitas das mesmas forças sociais e intelectuais, deve, no entanto,
ser distinguido do surgimento, cerca de vinte anos depois, do modelo ariano. O capítulo
começa com o fascínio pelo sânscrito e outras línguas indianas que surgiram no último
quartel do século XVIII , e como isso influenciou a compreensão das relações entre as
diferentes línguas europeias. Na década de 1830, isso levou a uma percepção geral da
família linguística indo-européia que, na atmosfera racista da época, rapidamente se
transformou no conceito de raça indo-europeia ou "raça ariana". A paixão pela Índia
também levou este último a substituir o Egito no papel de ancestral exótico da Europa. Mas
agora a linhagem neste caso não era mais concebida como uma transmissão de filosofia e
razão, mas como uma genealogia romântica de "sangue" e parentesco.
Voltando ao modelo antigo, após a década de 1780, a intensificação do racismo e a nova
crença na importância central da "etnia" como princípio de explicação histórica tornaram-
se cruciais na elaboração de diferentes percepções do antigo Egito. Os egípcios foram
progressivamente separados dos nobres caucasianos e sua natureza africana e "negra" foi
cada vez mais enfatizada. A ideia de que eles poderiam ter sido os ancestrais culturais dos
gregos - o epítome e a pura infância da Europa - tornou-se assim intolerável. Houve
também uma nova crise entre a mitologia egípcia e o cristianismo após a publicação das
obras de Dupuis, o que representou uma espécie de retaliação ideológica ou teológica ao
ataque que a Revolução Francesa havia feito à ordem social. É somente neste contexto que
se pode compreender a conturbada carreira de Champollion durante os anos da reação
entre 1815 e 1830. Embora seja um bonapartista declarado revolucionário e entusiasta,
Champollion desacreditou algumas das teorias dos partidários de Dupuis com uma de suas
primeiras descobertas, tornando-se assim aceita pela Igreja e pela nobreza da Restauração
que, aliás, também acolheu a decifração dos hieróglifos. Por outro lado, a preeminência que
ele atribuiu ao Egito sobre a Grécia e suas posições políticas enfureceu os estudiosos
helenísticos e indianos, que fizeram todo o possível para bloquear sua carreira acadêmica.
Pouco antes de sua morte prematura em 1831, Champollion desafiou a ortodoxia cristã
ao propor uma datação ainda anterior do Egito. Quando ele morreu, ele havia antagonizado
tanto cristãos quanto helenistas, e a egiptologia, apesar de continuar até certo ponto o
fascínio popular e o respeito maçônico pelo Egito, sofreu um declínio acentuado nos vinte
anos seguintes. Uma lenta recuperação começou apenas na década de 1850. Entre 1860 e
1880 houve um período de tensão entre, por um lado, a atitude encarnada por Champollion
e, por outro, o racismo dominante e a paixão pela Grécia; depois de 1880, no entanto, a
egiptologia tendeu a se conformar e subordinar-se à disciplina dominante, os estudos
clássicos.
Desde então, sempre houve algumas vozes discordantes que afirmaram que a civilização
egípcia teria de fato, pelo menos parcialmente, possuído a alta religião, filosofia e ciência
que os antigos atribuíram a ela. A concepção predominante, no entanto, sempre foi aquela
segundo a qual os egípcios, apesar de terem disposição para as técnicas, não haviam sido
"realmente civilizados", e o respeito que os gregos demonstravam por sua cultura era fruto

191
de uma ilusão. As discrepâncias entre esta "linha oficial", os monumentos egípcios que
chegaram até nós e os testemunhos antigos levaram ao surgimento de várias
contraculturas ou contradisciplinas.
Duas delas são discutidas ao final do capítulo: a primeira é a teoria do "difusionismo"
promovida pelo anatomista e antropólogo físico Elliot Smith. Argumenta que os imigrantes
asiáticos fundaram a civilização egípcia e a espalharam para a Europa e o resto do mundo.
A segunda é a escola dos "piramidologistas", cujos seguidores mais cautelosos argumentam
que as grandes pirâmides são construídas com base nos projetos de arquitetos que tinham
um conhecimento muito refinado de astronomia e matemática. O Capítulo termina com
uma discussão sobre as possibilidades de um futuro encontro entre essas duas "heresias" e
a egiptologia ortodoxa.

O nascimento do indo-europeu
A linguagem sempre foi destaque entre os interesses dos românticos. Na opinião deles, as
línguas são peculiares, ou seja, relacionadas a um determinado lugar, paisagem e clima. São,
portanto, concebidas como expressão de um povo específico e, como tal, a serem
apreciadas. Herder era obcecado pela linguagem, e especialmente pela linguagem falada.
Sob a influência do entusiasmo inglês por Homero, de Blackwell e do filósofo místico
alemão Hamann, Herder negou a primazia do pensamento e da razão sobre as palavras;
assim, ele se opôs à predileção do Iluminismo por sinais visuais, como hieróglifos egípcios
ou caracteres chineses, que se acreditava expressar ideias universais sem os grilhões da
fonética particular. Para Herder e os românticos, o objetivo principal da linguagem não era
transmitir a razão, mas expressar sentimentos, razão pela qual admiravam tanto o grego
quanto o alemão. Como vimos, em meados do século XVIII o grego era apreciado não como
veículo da filosofia, mas por suas qualidades poéticas. 1
Esse interesse predominante pela língua por parte de Herder e dos demais românticos
foi importante para a formação da filologia histórica. E a influência romântica também
pode ser encontrada nos dois principais modelos utilizados por esta disciplina - a árvore e
a família - modelos de forte apelo estético e progressivo que logo ganharam ampla
popularidade nas ciências e estudos filológicos ao longo do século XIX. Na linguística
histórica, a hipótese de uma fase inicial simples com sucessivas ramificações e divergências
- por meio de mudanças regulares, embora pontuais e diagramáticas - mostrou-se muito
útil para os primórdios da nova disciplina. Por outro lado, árvore e família não permitem
"refazer os passos" ou conceitos de mistura e convergência, tendem intrinsecamente à
teleologia, à suposição de que a linguagem tem sua própria natureza fundamental implícita
em seus primórdios que não é influenciada por contatos posteriores . 2 Antecipando a
discussão que será objeto dos capítulos 7 e 8 , podemos nos limitar aqui a observar que foi
principalmente por essas razões que a filologia histórica se viu morrendo no final do século
XIX.
Antes que isso acontecesse, no entanto, a filologia era um dos campos mais vitais da vida
intelectual. Já mencionamos, em relação ao Abbé Barthélemy e aos desenvolvimentos
ocorridos em Göttingen, a definição, feita por Schlözer, da família linguística semítica. Em
1820, estudiosos - em particular o dinamarquês Christian Rask e o discípulo de Herder,

192
Franz Bopp - passaram a definir sistematicamente a relação entre a fonética e a morfologia
da maioria das línguas européias. 3
Essa façanha estava claramente ligada à nova taxonomia racial sistemática. Como os
caucasianos teriam vindo das montanhas da Ásia, acreditava-se que as línguas europeias
tinham a mesma origem. É significativo que, como os alemães eram considerados os mais
puros entre os caucasianos, pois seriam os últimos a deixar Urheimat ou sua terra natal, a
língua alemã também era considerada mais pura e mais antiga que outras línguas da
mesma família. O nome alemão para a família linguística recém-definida tornou-se assim
Indogermanisch (indo-germânico) - um termo cunhado pelo indianista alemão HJ Klaproth
em 1823. 4 O próprio Franz Bopp, no entanto, concordou com estudiosos de outros países
que preferiam "indo-europeu" , usado pela primeira vez por Thomas Young em 1816. 5

Apaixonar-se pelo sânscrito


O prefixo "indo" estava ligado à nova paixão pela Índia e pelo sânscrito. Em seu fascinante
livro The Eastern Renaissance , publicado em 1950, Raymond Schwab, um intelectual
francês do início de nosso século, destaca o crescente interesse pelas culturas e línguas
antigas da Índia e do Irã após a penetração colonial britânica e francesa no subcontinente.
Tal como acontece com muitos outros desenvolvimentos intelectuais e artísticos no século
XIX, o primeiro a introduzir a ideia de um "renascimento oriental" foi o linguista e
romântico apaixonado Friedrich Schlegel. Em seu Über die Sprache und Weisheit der Indier
Schlegel escreve que
O estudo da literatura indiana exigiria ser abraçado por estudiosos e patronos semelhantes àqueles que na Itália,
nos séculos XV e XVI , de repente deram origem a uma apreciação ardente da beleza da cultura clássica e em tão
pouco tempo passaram a atribuir para ele importância tão predominante que a forma de toda sabedoria e
ciência, e quase a própria forma do mundo, foi alterada e renovada pela influência desse conhecimento desperto.
6

O título de Schwab, The Eastern Renaissance , é tirado do título de um capítulo de um livro


de Edgar Quinet, publicado em 1841. Quinet e, mais tarde, Schwab partiram de dois
pressupostos muito semelhantes. De acordo com a primeira delas, o novo orientalismo
teria sido uma superação do neoclassicismo. 7 Uma modificação disso - ou seja, a afirmação
de que o orientalismo, aliado ao medievalismo, teria superado o classicismo - era uma
hipótese possível, ainda que implausível, na década de 1840. No final do século XIX, porém,
com o triunfo de Grécia e de Roma, e o abandono da Índia antiga, tal hipótese tornou-se
completamente insustentável, e que foi ressuscitada por Schwab é um exemplo de mero
interesse antiquário.
O segundo conceito subjacente à ideia de Renascimento oriental pertence à categoria de
mitos típicos da história da ciência em que homens heróicos extraem luz, ordem e ciência
das trevas, confusão e superstição. Supõe-se que antes da era romântica homens e
mulheres não tinham ideia do “Oriente”, e que realmente não se importavam, até que foi
descoberto no final do século XVIII . É verdade que na era do Iluminismo o Egito às vezes era
considerado parte do Ocidente e não do Oriente. Por outro lado, como tentei demonstrar em
alguns capítulos anteriores, há um interesse intenso pelo Egito e pela China, e um

193
conhecimento considerável sobre as duas civilizações, bem antes de 1750. E, ainda que
menos central que o Egito e a China entre os interesses dos pensadores do Iluminismo,
mesmo a Índia era conhecida no século XVII e início do XVIII . Os brâmanes indianos eram
menos admirados do que os sacerdotes egípcios ou os estudiosos chineses, mas, no
processo geral de crítica às instituições e religiões europeias, muitas vezes
desempenhavam o papel de equivalentes funcionais.
É claro que os estudiosos indianos sempre conheceram sua própria língua clássica, o
sânscrito, e eram conhecidos no Ocidente desde o final do século XVII . 9 Disso surgiu a
impressão geral, explicitamente formulada por Sir William Jones em 1786, de que o
sânscrito, com grego e latim,
tanto no que diz respeito às raízes verbais quanto às formas de gramática, tem afinidades mais fortes do que
aquelas que poderiam ter ocorrido acidentalmente; tão forte, de fato, que nenhum filólogo poderia analisar as
três línguas sem estar convencido de que se originaram de uma fonte comum, que talvez não exista mais. Há
uma razão semelhante, embora não tão convincente, para supor que o gótico e o celta, embora fundidos com
uma linguagem muito diferente, tenham a mesma origem do sânscrito. 10

Estudiosos alemães e britânicos do século XIX rejeitaram a ideia de que suas próprias línguas
pudessem ser o resultado de uma mistura impura. Além disso, esta formulação admirável e
concisa - fundada como é, e vale a pena notar, na plausibilidade - formou desde então a
base da filologia indo-europeia e de todas as outras formas de filologia histórica.
A descoberta da relação linguística implicou que a partir de agora a língua e a cultura
indígenas pudessem ser consideradas tanto exóticas quanto familiares, se não ancestrais.
Essa ideia surgiu porque, apesar da cautela de Jones a esse respeito - ele havia
argumentado que o sânscrito e as línguas européias provavelmente tinham um ancestral
comum desconhecido -, acreditava-se que o próprio sânscrito era a língua indo-européia
original. Tal conexão, juntamente com a ideia - recebida da tradição indiana - de que os
brâmanes eram descendentes dos conquistadores arianos que viriam das terras altas da
Ásia Central, encaixava-se perfeitamente na crença dos românticos alemães de que a
humanidade e os caucasianos haviam originou-se nas montanhas da Ásia central. 11 Tais
ideias foram a grande força que provocou o extraordinário entusiasmo por todos os
aspectos da cultura indiana que se alastrou na Inglaterra das décadas de 1790 a 1820. No
curto prazo, no entanto, Jones teve ainda mais influência através da literatura do que
através da linguística, e sua traduções de poesia indiana foram recebidas com entusiasmo
em toda a Europa. 12 Os "poetas do lago" ingleses foram movidos pela poesia indiana, e
Goethe, em 1791, escreveu: "Basta mencionar Shakuntala [um poema indiano traduzido
por Jones] e eu disse tudo". 13 Recorde-se também que, em 1798, Napoleão tinha consigo um
exemplar dos Vedas durante a expedição ao Egipto. 14
A consequência acadêmica de tal entusiasmo foi o estabelecimento de numerosas
cátedras de sânscrito e a criação de uma base disciplinar que, em aliança com os estudos
germânicos que agora se tornaram Indogermanisch , poderia ameaçar o monopólio do latim
e do grego como as únicas línguas antigas. 15 Isso não quer dizer que o sânscrito e a
germânica fossem um sério desafio para esta última, mesmo que estudiosos como KO
Müller, na década de 1820, e Salomon Reinach, na década de 1890, sentissem a ameaça. 16
Para começar, os novos estúdios acadêmicos tinham seus centros na Grã-Bretanha e na
França, ambos com interesses coloniais na Índia. No entanto, a pesquisa na Grã-Bretanha

194
logo se esgotou e mesmo na França o sânscrito e o estudo da Índia antiga ficaram atrás da
dedicação entusiástica dos românticos alemães. As figuras dominantes do campo estavam
na Alemanha Friedrich von Schlegel e seu irmão Wilhelm. Este último tornou-se o primeiro
professor de sânscrito da Universidade de Bonn. Mesmo um homem menos apaixonado
como Wilhelm von Humboldt agradeceu a Deus por permitir que ele vivesse o suficiente
para conhecer o Bhagavad Gita. 17

Linguística Romântica Schlegeliana


Vinte anos antes, em 1803, a paixão de Schlegel pela Índia havia sido ainda menos contida:
"Tudo, absolutamente tudo é de origem indiana". 18 Schlegel também foi o primeiro a
insistir, apesar da tradição bíblica da Torre de Babel e de muitos pensadores posteriores,
na poligênese das línguas. Especificamente, ele argumentou que havia uma distinção
categórica entre a família indo-européia e outras línguas, e criticou duramente William
Jones e seus contemporâneos por afirmar a existência de relações entre as línguas indianas
e semíticas. 19
Embora ele não o tenha formulado, o conceito de raça ariana também pode ser
rastreado até Schlegel. Nele a paixão romântica e a convicção da superioridade da raça
índia antiga foram suficientes para superar a absoluta falta de provas documentais e
fornecer uma resposta simples ao que agora se tornara "o problema egípcio", a saber: como
os africanos poderiam produzir tal uma alta civilização? Segundo Schlegel, a resposta foi
que o Egito havia sido colonizado e civilizado pelos índios. E ele estava tão confiante em sua
teoria que citou a magnificência da arquitetura egípcia como prova da grandeza da raça
indiana. 20 A noção das origens indianas do Egito manteve sua força ao longo do século XIX, e
a reencontraremos em Gobineau.
Apesar de seu interesse pela raça, Schlegel nunca perdeu de vista a centralidade da
linguagem. Ele distinguiu dois tipos de línguas - as línguas "nobres", isto é, as línguas
flexionadas, e as menos perfeitas que não tinham inflexão. Os primeiros tinham origem
espiritual, enquanto os últimos eram originalmente "animais". 21 Somente com a inflexão
típica das línguas de origem indiana, assim acreditava, poderia ser alcançado o
conhecimento claro e penetrante ou o pensamento elevado e universal. 22
É surpreendente que Schlegel não fosse altamente considerado pelos nazistas. A razão é
que ele não era anti-semita por visões políticas - ele era um defensor da emancipação
judaica - ou por atitude pessoal; na verdade, ele se casou com a filha do famoso filósofo
judeu Moses Mendelsohn. 23 E também elogiou "a altivez e a energia do árabe e do
hebraico". Mas, continuou ele, "eles, no entanto, atingiram o ponto mais alto possível de sua
ramificação particular". 24 E às vezes ele até afirmava que eles eram meio híbridos entre as
linguagens "espirituais" e "animais". 25 Mesmo isso, porém, não os impediu de encontrar
uma posição em uma categoria inferior. Schlegel também acreditava que a cultura judaica
havia sido influenciada pelos egípcios - que, como você deve se lembrar, receberam sua alta
civilização dos índios. 26 Além disso, como Friedrich Schlegel foi um dos primeiros a
encontrar uma ligação entre língua e raça, é claro que suas ideias sobre a poligênese das
línguas também estavam ligadas à atitude da época em relação à ideia de poligênese da
cara. 27

195
Ao abrir caminho para as raças ariana e semítica, Schlegel certamente estava à frente de
seu tempo. Foram necessários mais quarenta ou cinquenta anos para que tais idéias fossem
levadas a sério: no contexto social, as forças do anti-semitismo racial ainda não eram
suficientemente fortes; enquanto, se considerada em seu mérito intrínseco, a concepção de
Schlegel apresenta grandes inconsistências. 28 Ele insistiu que há uma distinção categórica
entre o uso de afixos - a adição externa de sufixos ou outras partículas à palavra - e a flexão,
na qual a "raiz" da palavra é modificada de dentro para fora, em sua própria certo. opinião,
orgânico. 29 Infelizmente para a superioridade indo-européia, esta é precisamente a maneira
pela qual as línguas semíticas são flexionadas, e o próprio termo "raiz" é retirado da
gramática hebraica. 30 Os estudiosos que vieram depois dele foram, portanto, forçados a
colocar as línguas semíticas ao lado das indo-europeias no nível superior. Ao mesmo
tempo, a sugestão de Barthélemy na década de 1760 de que havia uma relação única e
fundamental entre as línguas "fenícia" e copta raramente foi levada a sério durante o século
XIX. Além disso, a ideia de uma "superfamília" linguística semito-hamítica ou afro-asiática,
incluindo semítica e egípcia e outras línguas africanas, não será aceita até depois da
Segunda Guerra Mundial. 31
Outra grande modificação da teoria de Schlegel pelos linguistas em meados do século XIX
dizia respeito à questão do "progresso". Schlegel contribuiu significativamente para
transformar a filologia da história das línguas na interpretação da linguagem como força
ativa no processo histórico. Em parte, seu pensamento também incluía o conceito de
"progresso". No entanto, suas ideias eram antiquadas na medida em que ele acreditava que
as línguas indianas "espirituais" eram regressivas. Ou seja, embora fossem perfeitos no
momento de sua formação, haviam sofrido mais ou menos um processo de decadência.
Entre as línguas "animais", por outro lado, houve "progresso" na medida em que se
tornaram mais complexas. 32 Mas os estudiosos que vieram depois dele, mais envolvidos no
paradigma "progressista", também tiveram que modificar suas ideias a esse respeito e
explicar a superioridade e inferioridade das línguas em função das posições relativas que
elas ocupariam na evolução .
Estudiosos ingleses e franceses estavam igualmente confiantes de que as línguas indo-
europeias eram superiores a todas as outras. Mas como eles mesmos falavam línguas com
um grau de inflexão relativamente baixo, não mostraram muito entusiasmo pelas ideias de
Schlegel nessa área, pois davam a entender que o sânscrito, o grego, o latim e o alemão
eram as únicas línguas adequadas para a filosofia e religião. Em contraste - e apesar das
modificações mencionadas acima - os estudiosos alemães compartilharam ou aceitaram a
nova teoria de Schlegel. Wilhelm von Humboldt, por exemplo, também viu um progresso
que levaria de línguas afixadas e aglutinantes para línguas flexionadas, e para ele também a
diferença entre elas era categórica. 33
Wilhelm von Humboldt foi um gênio de vastos interesses que, entre muitas outras
coisas, lançou as bases da linguística basca e malaio-polinésia. No entanto, como já
mencionado, ele tinha uma paixão particular pelo sânscrito. Ele acreditava, por exemplo,
que essa língua, com seu vasto e intrincado sistema de inflexão, era muito melhor que o
chinês, que é uma língua "isolante" e tem um grau de inflexão menor que até mesmo o
inglês. Em seu brilhante ensaio sobre o chinês, escrito na década de 1820, Humboldt foi
forçado a admitir que, embora as palavras não fossem flexionadas, o chinês, como veículo
do pensamento lógico, poderia se igualar às melhores línguas indo-europeias. 34 Por outro

196
lado, ele argumentou, porém, que a falta de inflexão "impede a livre ascensão do
pensamento", que precisava ser guiado por formas gramaticais. 35 Assim, não era apenas a
escrita chinesa que era estática, mas também a língua falada, na opinião dos românticos
alemães, carecia de toda a força emocional que agora se exigia da linguagem.
Presumivelmente devido à falta de inflexão de suas próprias línguas, os românticos
ingleses e franceses não parecem ter formulado esse argumento.
A equação entre flexão e liberdade resume a distinção que os românticos percebiam
entre a rígida sinofilia do Iluminismo e seu próprio amor livre pelo parentesco indiano. 36
Na década de 1820, a limitada admiração de Humboldt pelo chinês e pelo estudo de outras
línguas não europeias foi suficiente para marcar Humboldt como pertencente a uma
geração mais velha. Os mais jovens, sem qualquer ligação com o Iluminismo, eram mais
rigorosos: tratavam quase exclusivamente de indo-europeus.

O renascimento oriental
Quinet e Schwab argumentavam que esse novo desenvolvimento dos estudos indianos era
apenas o centro de um "renascimento oriental" mais geral - que para Schwab estava muito
justamente ligado ao romantismo - e ligava esse movimento às grandes decifrações do século
XIX. 37 É verdade que a decifração do cuneiforme foi iniciada no ano de 1800 pelo estudioso
e romântico de Göttingen GF Grotefend que leu os nomes dos reis persas, mas neste
capítulo tentarei mostrar que a decifração muito notável do os hieróglifos não se
originaram do Romantismo e do Renascimento Oriental, mas foram amplamente
influenciados pela tradição egípcio-maçônica e pelo espírito científico da Revolução
Francesa. 38
Se Schwab argumentou que o Renascimento Oriental estava relacionado com a fundação
do "Orientalismo" como uma disciplina acadêmica, ele estava pelo menos parcialmente
certo. O árabe, que havia sido uma língua de alta cultura no início da Europa medieval,
continuou a ser ensinado de tempos em tempos. No entanto, teve que chegar a 1799, com a
nomeação de Sylvestre de Sacy como o primeiro professor da École de Langues Orientales
Vivantes, iniciativa associada à Expedição ao Egito, para que o árabe adquirisse uma
posição regular entre as disciplinas acadêmicas modernas. Não há dúvida de que de Sacy,
tanto como professor da nova disciplina arcana, o Orientalismo, quanto como defensor da
monarquia, se encaixa muito bem no novo modelo conceitual romântico do Renascimento
oriental. 39 Enquanto a França precisava do árabe para a expedição egípcia e para a
conquista da Argélia, iniciada em 1830, a Alemanha não precisava dele; o interesse pelo
árabe era, portanto, muito baixo naquele país. Além disso, como apontou Edward Said, o
orientalismo herdou grande parte do ódio tradicional ao islamismo visto como inimigo do
cristianismo . 40 Nesse contexto, é importante notar que a década de 1820, uma década
crucial para a formação do orientalismo, foi dominada pela Guerra da Independência Grega
entre gregos cristãos, por um lado, e turcos e egípcios muçulmanos, por outro. No entanto,
restavam razões linguísticas e religiosas pelas quais as culturas semíticas eram
consideradas, se não exatamente iguais, pelo menos em pé de igualdade com as culturas
arianas ( ver Capítulo 8).

197
A Renascença Oriental não incluiu a China. Do século XVI ao final do XVIII , muitos jesuítas
tinham um bom conhecimento do chinês; graças às suas traduções e inúmeros relatos de
viagem, os europeus puderam ter ideias bastante precisas sobre a China. 41 Em Paris,
embora com algumas interrupções, foi a partir dessa época que se ensinou chinês. Mas não
foi até o final do século 19 que as cátedras regulares foram estabelecidas em outros países
europeus. É particularmente notável que, enquanto a primeira cátedra de sânscrito foi
estabelecida em Berlim em 1818, os estudos chineses na Alemanha permaneceram em uma
situação precária até a virada do século. Em 1898, um sinólogo francês escreveu: "A
Alemanha e a Áustria não tiveram esse lugar de destaque na sinologia que lhes pertence em
outros ramos dos estudos orientais". 42

Embora depois da década de 1880, os estudiosos alemães passaram a dominar a


egiptologia, durante o período da Renascença Oriental os acadêmicos alemães mais ligados
às tendências oficiais não queriam nada com a nova disciplina. A hostilidade dos
orientalistas franceses em relação a Champollion será descrita mais adiante. Aqui basta
assinalar que Raymond Schwab intitula uma parte de seu livro «O preconceito a favor do
Egito» e nele escreve: «Esta concepção do Egito como a primeira e essencial influência
oriental sobre o Ocidente é completamente errônea. De fato, o Egito dos estudiosos foi um
fenômeno relativamente tardio, que só ocorreu no século XIX”. 43 E em nota esclarece o que
quer dizer, a saber, que "a paixão do século XIX pelo Egito substituiu a paixão pela Índia". 44
Tais alegações são enganosas e, de muitas maneiras, é difícil saber por onde começar.
Em primeiro lugar, havia a hostilidade dos orientalistas em relação ao Egito e a lentidão
com que a egiptologia veio a ser fundada como disciplina. Em segundo lugar, como vimos, o
Egito foi concebido como "a influência oriental essencial sobre o Ocidente", e esse conceito
existia desde a antiguidade, muito mais tempo do que qualquer interesse comparável na
Índia. Em terceiro lugar, embora houvesse uma curiosidade considerável sobre o Egito na
primeira metade do século XIX, o país era visto como exótico e estrangeiro - ou seja, muito
diferente da posição cultural ancestral da Europa que o Egito havia desfrutado antes. E é
justamente nessa posição que ela foi substituída pela concepção romântica da Índia.
Em suma, é claro que o orientalismo acadêmico, principalmente na Alemanha, mas
também em outros lugares, começou com limites bem definidos. As únicas regiões do
Oriente pelas quais os primeiros orientalistas mostravam respeito eram a Ásia Central,
vista como o Urheimat montanhoso da Europa , e a Índia, vista como a pátria da linhagem da
qual os europeus podiam aprender sobre suas origens. No final do século XIX, o respeito por
esses dois países também desapareceu.
Edward Said e R. Rashed mostraram que o Orientalismo, em um nível fundamental e
desde seus primórdios, combinava um interesse pelas sociedades asiáticas com um
desprezo por elas e a crença de que os "orientais" eram incapazes de analisar e sistematizar
suas próprias culturas. 45 Os estudiosos orientalistas tentaram ao mesmo tempo exaltar as
antigas civilizações de outros continentes e menosprezar seus desenvolvimentos e
continuações medievais e modernas. 46 As ciências ocidentais podiam se apropriar
completamente de outras civilizações antigas porque os habitantes modernos desses
países, argumentava-se, eram eles próprios intrusos de data recente ou, em sua decadência,
haviam "perdido" a alta cultura de seus ancestrais. As civilizações mais recentes, que era
impossível dominar da mesma forma, foram rejeitadas ou ignoradas - mesmo que, e em

198
quase todos os casos, tenha sido apenas através delas que os europeus conheceram as
antigas. Mas , acima de tudo, e apesar da esmagadora evidência em contrário, afirmava-se que
apenas os europeus tinham um verdadeiro sentido da história. 48
Não queremos questionar as extraordinárias conquistas dos primeiros orientalistas ou
seus grandes e duradouros resultados. No entanto, o desenvolvimento do orientalismo não
implicou apenas uma ampliação de horizontes, como argumentaram Quinet e Schwab. De
muitas maneiras, também implicou um estreitamento da imaginação e uma intensificação
do sentimento de superioridade inata e categórica da civilização européia. O orientalismo
serviu para distanciar e reificar culturas não europeias, agrupando suas características
muito diferentes em uma categoria geral de "oriental", apenas porque não eram europeias.
Tais culturas têm sido vistas como "exóticas" e consideradas inertes ou passivas contra o
dinamismo europeu. De fato, desde o século 19 tornou-se literalmente impensável para os
europeus que os povos de outros continentes pudessem ser tão "científicos" quanto eles, ou
que asiáticos e africanos pudessem ter contribuído profundamente para fazer a Europa. 49
As únicas exceções aparentes foram o antigo Irã e a Índia, mas foram concebidos como
pertencentes à família indo-européia. E, como tal, passaram a ocupar o nicho dos
"ancestrais exóticos" anteriormente ocupados pelo Egito e pela Caldéia. Gobineau, por
exemplo, tinha certeza de que "as nações do Egito e da Assíria devem ser colocadas muito
atrás dos homens de Industan". 50
É claro que o estabelecimento do orientalismo como disciplina institucional deve - pelo
menos na Inglaterra e na França - estar associado à enorme expansão do colonialismo e
outras formas de dominação sobre a Ásia e a África que estavam em curso na época. Eles
não apenas precisavam de um conhecimento sistemático dos povos não europeus e das
línguas que falavam para controlá-los, mas o conhecimento de suas civilizações,
apropriando-se de suas culturas e organizando-as em categorias, garantia que os próprios
nativos só pudessem conhecer sua civilização. através do estudo que os europeus fizeram
dela. E isso, desde que o declínio do colonialismo direto começou em meados do século XX ,
forneceu mais um laço para ligar as elites coloniais aos países metropolitanos, fator de
crescente importância que garantiu a manutenção da hegemonia cultural europeia. 51
Raymond Schwab mostrou com perspicácia quão freqüentes são os temas românticos-
orientais na cultura do século XIX . No entanto, sua crença de que este é um fenômeno novo
na arte européia é completamente enganosa. O interesse por outros continentes precede
em muito o entusiasmo do século XVIII pelo Egito, Abissínia e China descritos acima. Além
disso, o estabelecimento, no século XIX, de disciplinas acadêmicas orientais arcanas aliviou
os polivalentes eruditos do desagradável dever de enfrentar as civilizações orientais em pé
de igualdade e tratá-las com respeito. Ao contrário dos artistas e políticos dos séculos XVII e
XVIII que levaram o Egito e a China muito a sério, os do século XIX limitaram-se a colecionar porcelana
chinesa ou introduzir temas românticos exóticos em sua literatura e arte.
Essas mudanças no clima intelectual e acadêmico estão relacionadas a configurações
nacionais específicas de colonização europeia e expansão em outros continentes. Por
exemplo, nos séculos XVII e XVIII , o desenvolvimento inicial dos estudos da antiguidade
indiana deveu-se à necessidade de a Companhia das Índias Orientais compreender seus
súditos e aliados "nativos". É igualmente significativo que a romantização da Índia tenha
sido obra dos alemães, que não tinham interesse direto no subcontinente. Também na
Inglaterra, o indianista mais eminente de meados do século XIX foi Max-Müller, que recebeu a

199
nomeação sob pressão do embaixador prussiano, barão Christian Bunsen, e que
permaneceu muito alemão durante todos os cinquenta anos em que ocupou a cátedra.
Línguas indianas em Oxford. 52

A queda da China
A queda historiográfica da cultura indiana, como a dos antigos semitas, só ocorreu no final
do século XIX. Aqui vamos lidar com a virada do século e a degradação dos chineses e
egípcios. O triunfo completo do racismo e do "progresso" e o "retorno" romântico à Europa
e ao cristianismo ocorreu no momento em que os industriais europeus começavam a
substituir os bens de luxo chineses, como móveis, porcelana e seda, por produtos próprios.
O ganho que a Europa obteve não foi apenas a satisfação cultural. À medida que a Grã-
Bretanha entrou no mercado chinês com o algodão de Lancashire ou o ópio indiano, a
balança comercial pendeu para a China e a vantagem comercial da Europa logo foi seguida
por iniciativas militares.
De 1839 - quando os britânicos foram à guerra para proteger seu comércio de ópio de
uma proibição oficial chinesa - até a virada do século, Grã-Bretanha, França e outras
"potências" empreenderam ataques sucessivos à China para espremer concessões cada vez
maiores. As forças que levaram a uma transformação da imagem ocidental da China foram
a necessidade de justificar tais ações e exploração, o verdadeiro colapso social que ocorreu
na China – em grande parte consequência da pressão europeia – juntamente com o racismo
geral e o “Retorno à Europa”. Como modelo de civilização racional, a China passou a ser
vista como um país imundo onde floresciam a tortura e a corrupção de todos os tipos. Com
ironia obscena, os chineses foram especialmente acusados de serem usuários de ópio.
Tocqueville, escrevendo na década de 1850, achava incompreensível que os fisiocratas do
século XVIII tivessem tanta admiração pela China. 53
O declínio da reputação da China também é perceptível na linguística. Como língua
isolante, o chinês - junto com o copta e, até certo ponto, o inglês - não se encaixava
facilmente no esquema evolutivo de Humboldt, que traçava o progresso de línguas
aglutinantes para línguas flexionadas. Por um tempo ele brincou com a ideia de que o
chinês poderia ser a língua de uma criança e, portanto, a língua infantil da humanidade,
mas depois a rejeitou. 54 Em meados do século, homens como o grande linguista indo-
europeu August Schleicher mostraram menos hesitação; sua hipótese era uma hierarquia
evolutiva de três estágios, do chinês isolado ao turânico aglutinante (turco e mongol),
culminando nas línguas semíticas flexionadas e indo-européias. 55
O barão Christian Bunsen, angustiado por sua ambivalência em relação ao Egito, não
hesitou em relação à posição linguística e, portanto, histórica do chinês. Em sua opinião, o
Sinismo (China) foi o estágio mais primitivo da história mundial; foi seguido pelo
Turanismo e depois pelo Camismo (Egito). Depois veio o dilúvio e o início da história
verdadeira, que consistia na dialética entre semitas e indogermanos. 56 Foi assim que, na
base "científica" oferecida pela linguística histórica, Egito e China foram expulsos da
história e empurrados de volta para seu passado antediluviano. Como já assinalei, as
relações entre raça e língua eram muito próximas durante o século XIX. O rebaixamento por

200
posição linguística da China e do Egito foi, portanto, acompanhado por um rebaixamento
anatômico e racial de seus povos.

Racismo no início do século 19

O extraordinário desenvolvimento do racismo no início do século XIX levou a uma


classificação "racial" cada vez mais degradada de chineses e egípcios. Apesar da reação à
Revolução Francesa e ao renascimento cristão, uma das áreas-chave em que o cristianismo
não conseguiu recuperar suas posições foi a da unidade da humanidade. A poligênese
também voltou à moda, após um declínio na década de 1820, enquanto os anos de 1800 a
1850 foram em geral um período de intensa atividade gasto na pesquisa das bases
anatômicas das diferenças raciais que, como todo europeu culto "sabia", realmente
existiam. 57 O fato de esta pesquisa não ter dado um resultado preciso foi algo que não
influenciou a opinião geral a esse respeito, ainda que possa ter convencido, no entanto,
alguns estudiosos mais prudentes a continuar usando a linguagem como critério para
explicar o que em sua opinião eram as desigualdades flagrantes entre os diferentes povos.
Seja qual for a forma, o novo princípio da etnicidade permeou todas as áreas da vida e da
cultura. 58
Um viajante renascentista, Andrea Corsalis, definiu os chineses como "da nossa
qualidade". 59 Os autores dos séculos XVII e XVIII os consideravam principalmente como
pertencentes a uma raça distinta, mas não necessariamente inferior. 60 Na época das guerras
do ópio, porém, em meados do século XIX, os chineses haviam se tornado racialmente
desprezíveis. Como uma canção de ninar publicada no Punch em 1858 colocou:
John Chinaman nasce um ladino,
As leis da verdade ele despreza;
Sobre tão grande bruto quanto pode
Carregar a terra é John Chinaman.
Cante Yeh, meu grosseiro John Chinaman
Cante Yeo, meu teimoso John Chinaman.
Nem o próprio Cobden pode tirar a proibição
Pela humanidade colocado em John Chinaman.
Com seus pequenos olhos de porco e suas grandes tranças,
E sua dieta de ratos, cães, lesmas e caracóis,
Tudo parece ser jogo na frigideira
Do alimentador desagradável John Chinaman.
Cante chá de mentira, meu astuto chinês,
Sem lutador, meu covarde John Chinaman,
John Bull tem uma chance - deixe-o, se puder
Abre um pouco os olhos de John Chinaman. 61

estudiosos do século XIX . Mas não importa quantas divisões da humanidade os novos
antropólogos inventassem, as raças "amarelas" sempre ficavam no meio, abaixo dos
brancos e acima dos negros. Mais importante, os chineses estavam agora sendo
condenados pelo que o Iluminismo considerava admirável, sua estabilidade. Segundo o
Barão Cuvier, o grande naturalista da primeira parte do século: «Esta raça estabeleceu
impérios poderosos na China e no Japão […] mas a sua civilização há muito parece
estacionária». 62 Para o pioneiro dos racistas, o conde de Gobineau, as tribos amarelas

201
têm pouco vigor físico e tendem à apatia […] a ter desejos sutis, uma vontade mais teimosa do que extrema […].
Em tudo eles tendem para a mediocridade. Eles entendem facilmente o que não é muito alto ou muito profundo
[...]. Os amarelos são pessoas práticas no sentido estrito da palavra. Não sonham e não apreciam teorias.
Inventam pouco, mas sabem apreciar e adotar o que sabem usar. 63

Vale lembrar que Gobineau só ficou com má fama porque era visto como um antecedente
de Hitler. No século 19, embora alguns possam discordar de suas ideias, ele era visto como
um estudioso excêntrico, mas respeitável. A nova posição racial dos chineses era agora
suficiente para excluí-los da concepção romântica de uma história mundial dinâmica e não
deixar dúvidas de que o "chines" era medíocre.

De que cor eram os antigos egípcios?


A posição racial dos antigos egípcios era muito mais precária do que a dos chineses por
duas razões: os estudiosos tinham opiniões divergentes sobre sua "raça", e até então eles
haviam sido colocados em uma posição intermediária entre o apogeu da brancura. abismo
de abandono. Para Cuvier,
a raça negra […] é caracterizada por uma tez negra, cabelos crespos ou lanosos, um crânio comprimido e um
nariz achatado. A projeção da parte inferior do rosto e os lábios grossos o aproximam claramente do povo
macaco: as hordas em que se agrega sempre permaneceram no estado mais completo de barbárie. 64

Já para Gobineau,
a variedade preta é a mais baixa e está na parte inferior da escala. O caráter animal de suas formas básicas
determina seu destino desde o momento da concepção. Nunca se desvia dos campos intelectuais mais limitados
[...]. Se suas faculdades de pensamento são medíocres ou mesmo inexistentes, possui no desejo e,
conseqüentemente, na vontade uma intensidade muitas vezes terrível. Possui sentidos que se desenvolveram
com um vigor desconhecido para as outras duas raças: primeiro, paladar e olfato. E é justamente nessa ânsia de
sensações que se encontra o traço mais notável de sua inferioridade. 65

Para tratar os negros tão mal quanto os europeus os trataram ao longo do século XIX, era
necessário que os negros se transformassem em animais ou, na melhor das hipóteses, em
seres sub-humanos; o nobre caucasiano era incapaz de lidar dessa maneira com outros
seres humanos por direito próprio. Essa inversão de valores prepara o terreno para o
aspecto racial, e fundamental, do "problema egípcio": se tivesse sido cientificamente
"provado" que os negros eram biologicamente incapazes de civilização, como poderia o
antigo Egito - localizar inadequadamente o que era como no continente africano? 66 Havia
duas, ou melhor, três soluções. A primeira foi negar que os antigos egípcios fossem negros; a
segunda era negar que os antigos egípcios tivessem criado uma civilização "verdadeira"; a
terceira, só para ter certeza, era negar ambas. E este último foi preferido pela maioria dos
historiadores dos séculos 19 e 20 .

A que "raça", então, os antigos egípcios pertenciam? Tenho sérias dúvidas sobre a utilidade
do conceito de "raça" em geral, pois é impossível obter qualquer precisão anatômica a esse
respeito. Além disso, mesmo que seja aceita como uma hipótese puramente polêmica, sou
ainda mais cético quanto à possibilidade de encontrar uma resposta neste caso específico.
As pesquisas sobre o assunto costumam revelar muito mais sobre a predisposição dos

202
pesquisadores do que sobre a questão em si. No entanto, estou convencido de que, pelo
menos nos últimos sete mil anos, a população do Egito foi composta de tipos africanos, do
sudoeste asiático e mediterrâneos. Também está claro que quanto mais ao sul você vai,
quanto mais você sobe o Nilo, mais negra e mais negróide a população se torna, e tem sido
por esses sete mil anos. Como afirmei na Introdução, acredito que a civilização egípcia foi
essencialmente uma civilização africana e que o elemento africano foi mais forte durante os
Antigos e Médios Reinos, antes da invasão dos hicsos, do que se tornou mais tarde.
Também estou convencido de que muitas das mais poderosas dinastias egípcias que
residiram no Alto Egito - a I , XI , XII e XVIII - eram compostas por faraós que poderíamos
definir muito utilmente como negros. 67
A natureza estritamente africana da civilização egípcia não é, no entanto, decisiva para
nossa presente discussão, que diz respeito às ambiguidades na forma como a posição racial
dos egípcios é percebida . Nos tempos clássicos, os egípcios eram vistos ao mesmo tempo
como negros, brancos ou amarelos; Heródoto os descreve como "de pele negra e cabelos
crespos". 68 Por outro lado, as imagens de Busiride nos vasos tendem a representá-lo como
caucasiano, embora sua comitiva seja composta por negros e brancos. 69
O professor Jean Devisse expressou surpresa com o grande número de negros que
aparecem nas representações cristãs dos egípcios. 70 Mostrou também que no século XV ,
época em que eram muito admirados, os egípcios estavam "escurecidos". Parece também
que havia uma relação entre a negritude e a sabedoria egípcia. Muitas pinturas medievais e
renascentistas retratam um dos magos - presumivelmente um egípcio - como um homem
negro. 71 Por outro lado, as imagens renascentistas de Hermes Trismegisto o representam
como um europeu, embora às vezes com traços vagamente orientais. 72
Na Inglaterra, o fato de o nome cigano (egípcio) ter sido dado a pessoas do noroeste da
Índia atesta que no século XV os egípcios eram vistos como o arquétipo dos povos de pele
escura. 73 A interpretação talmúdica de que "a maldição de Cam" (pai de Canaã e Mizraim,
"Egito") era a negritude foi difundida no século XVII . 74 Por outro lado, essa combinação de
crescente racismo e crescente respeito pelos antigos egípcios, típica do final do século XVII ,
tendia a branquear sua imagem. Bernier, autor de Nouvelle division de la terre par les
différentes espèces ou races qui Habitent , publicado em 1684, afirmou que os egípcios
pertenciam à raça branca. 75
Há poucas razões para duvidar de que muitos maçons eram racistas. Estando direta ou
indiretamente envolvidos no comércio de escravos e sendo menos ligados à monogênese
do que os cristãos ortodoxos, eles tendiam a ignorar sua própria tradição antropocêntrica e
o princípio maçônico de que "todos os homens são irmãos de nascimento". E dada a
importância que o Egito tinha para eles, era necessário que fizessem uma separação
drástica entre os negros "animais" e os nobres egípcios. Na Flauta Mágica , por exemplo,
Mozart estabelece um contraste marcante entre o lascivo mouro Monostatos e o filósofo
egípcio Sarastro. 76 De fato, se observarmos a ênfase atribuída aos benefícios da colonização
egípcia, um dos temas centrais do Sèthos , e o forte contraste que nele e em muitos outros
escritos do século XVIII se estabelece entre os pelasgianos "comedores de bolota" , antes da
chegada dos egípcios, e as glórias da civilização grega, depois de sua chegada, pode-se
pensar que essas são, pelo menos até certo ponto, justificativas para as façanhas realizadas
pelos europeus na época.

203
Na segunda metade do século XVIII , surgiram também tendências que visavam trazer os
egípcios de volta à África, tendências relacionadas ao entusiasmo pela Etiópia expresso
pelo Dr. o romance de Rasselas . 77 Mesmo que a lenda medieval sobre o reinado do padre
Gianni, o aliado cristão da Europa além das fronteiras do Islã, tivesse sido atribuída a
diferentes regiões da África, a Etiópia, um remoto reino montanhoso cristão, era uma
candidata à melhor. Além disso, a Etiópia tinha ligações plausíveis com o antigo Egito.
Vale esclarecer, porém, que o nome "Abissínia" foi usado justamente para evitar a
"Etiópia", com suas indeléveis associações com a negritude. A primeira edição americana
do romance de Johnson, publicada na Filadélfia em 1768, foi intitulada The History of
Rasselas Prince of Abyssinia: An Asiatic Tale (sic!). O barão Cuvier equiparou a Etiópia ao
conceito de negro, mas classificou os abissínios - como colonizados pelos árabes - como
caucasianos. 78 A distinção é sutil demais para ser eficaz. O grande explorador escocês James
Bruce, atraído pela visão da Abissínia/Etiópia e pela busca das nascentes do Nilo,
conseguiu fazer ideias mais precisas. Para ele, os habitantes das montanhas etíopes eram
negros e - em geral - bonitos. Suas fascinantes descobertas encorajaram os admiradores do
Egito, primeiro ele próprio, e depois o conde de Volney, viajante e sábio , e Dupuis e
Champollion a enfatizar a importância do Alto Egito ou da própria Etiópia como fontes da
civilização egípcia. 79
Apesar do evidente encanto romântico daquele país, os alemães não se deixaram levar
pela moda etíope. Suas fantasias extraeuropeias sempre permaneceram fixas na Ásia, e se
ligavam o Egito à África negra, faziam isso para denegri-la. A aversão de Winckelmann ao
aparecimento dos egípcios já foi dita; a citação a seguir esclarece o quão negativo, em sua
opinião, era o vínculo entre a África e o Egito:
Como encontrar um vislumbre de beleza em suas figuras, quando todos ou quase todos os originais que os
inspiraram tinham formas de africanos? Ou seja, eles tinham, como eles, lábios carnudos, mentes pequenas e
evasivas, contornos achatados e vazios. E não só como os africanos, mas também como os etíopes, eles muitas
vezes tinham nariz chato e pele escura […] Portanto, todas as figuras pintadas nas múmias têm rostos morenos.
80

E atitudes semelhantes são encontradas na Inglaterra e na França. Charles de Brosses, por


exemplo, que escreveu quase nos mesmos anos que Winckelmann, argumentou que os
antigos egípcios se assemelhavam aos negros modernos, pois sua zoolatria - que para os
maçons, seguidores de uma tradição que remontava pelo menos a Plutarco, era alegórica -
mais não era nada além de "fetichismo negro". 81 A concepção predominante no final do
século XVIII , porém, era a de Mozart e seu libretista Emanuel Schikaneder em A Flauta
Mágica : os egípcios não eram negros nem essencialmente africanos. Da mesma forma, para
Herder, com sua grande admiração pelo Oriente, os egípcios eram um povo asiático. 82 Lord
Monboddo, antropólogo e pioneiro dos estudos raciais, famoso por incluir o orangotango
na espécie humana, tinha grande admiração pelos egípcios. 83 Blumenbach colocou os
egípcios, junto com os árabes e judeus, entre os caucasianos. 84 Algumas décadas depois,
Cuvier os viu como "provavelmente" brancos.
As línguas etíopes dominantes são semíticas, e esta parece ser a razão pela qual a
posição dos abissínios como pertencentes à raça superior era de fato mais certa do que a
dos egípcios. 85 Com a enorme massa de representações pictóricas dos antigos egípcios à
disposição dos europeus durante a primeira metade do século XIX, e que os mostravam como

204
uma população completamente miscigenada, eles tendiam a considerá-los cada vez mais
africanos e negros.
Em meados do século XIX, Gobineau reviveu o esquema bíblico - ou, para ser mais preciso,
talmúdico - e classificou os egípcios como hamitas e basicamente negros. Portanto,
pareceu-lhe conveniente aceitar a teoria de Schlegel de que a "civilização" egípcia - na
medida em que Gobineau pudesse admitir que existia - teria surgido de assentamentos de
colonos "arianos" da Índia. 86 Mas antes de chegar a afirmar isso, foram necessárias duas
soluções de compromisso que tentaram conciliar a negritude dos egípcios com o auge de
sua civilização. A primeira era a mesma que havia sido alcançada para a Índia com um
acordo geral, a saber, que os egípcios "puros" originais eram brancos, mas posteriormente
se misturaram consideravelmente com outras raças, e essa mistura ou miscigenação foi a
principal causa de sua decadência. 87
A segunda solução de compromisso, proposta no início do século XIX pelo antropólogo WC
Wells, era exatamente o oposto. Wells estava ligado ao movimento humanitário e se
opunha ao racismo e à poligênese extremos, ele também defendia que era necessário
melhorar as condições da raça negra. Embora aceitando a correlação entre cor e grau de
civilização, ele argumentou que era a civilização que determinava a cor, e não o contrário.
Ele observou, por exemplo, que a arte egípcia antiga mostrava pessoas que eram
claramente negróides, mas os egípcios modernos não eram negros. Então, ele argumentou,
era possível que a pele deles tivesse clareado à medida que a civilização avançava. 88
Wells, escrevendo em 1818, demonstra a mudança total que o clima intelectual sofreu
desde o Iluminismo. A noção de uma alta civilização do antigo Egito foi descartada diante
de um triunfo tão completo do “progresso” que transcendeu até mesmo a própria imagem
bíblica da permanência: “Pode o etíope mudar sua pele ou o leopardo suas manchas?” 89 De
duas maneiras, Wells estava certo. Primeiro, no final do século 18 e início do século 19, os
egípcios mais velhos eram vistos como negros - veja, por exemplo, as famosas
representações da Esfinge sendo medidas por cientistas franceses após a expedição. 90 Em
segundo lugar - quer Wells estivesse ciente disso ou não - o Egito, em 1818, estava no início
de um "renascimento nacional".

O renascimento nacional do Egito moderno


Aqui lidamos com um assunto que pareceria completamente fora do tópico na história da
reputação egípcia antiga. No entanto, como no caso do "cachorro que não latia à noite"
naquela história de Sherlock Holmes, o fato de que o renascimento egípcio não influenciou
os estereótipos raciais dos estudiosos nos diz algo muito significativo sobre eles.
O Egito fazia parte do Império Turco desde o século XVI . Os turcos, no entanto,
governaram através dos governantes anteriores, os mamelucos, um corpo de escravos
originários principalmente do Cáucaso que formavam o setor mais formidável do exército e
controlavam o Egito desde o século XIII . A história dos mamelucos é muito sangrenta; as
alturas do poder mudavam com frequência. No final do século XVIII , no entanto, a produção
agrícola e o comércio, o comércio e a manufatura atingiram um nível que fez do Egito um
país próspero no contexto mundial. 91

205
O governo mameluco e o senhorio turco foram severamente enfraquecidos pela
conquista napoleônica de 1798, que havia sido amplamente alcançada pela manipulação
das divisões de classe, religião e etnia da sociedade egípcia. Em 1808 - após muita confusão
após a retirada francesa e a intervenção britânica - os britânicos foram expulsos e
Mohamed Ali, um general albanês das forças turcas, assumiu o poder. Alguns anos depois,
ele mandou massacrar os mamelucos e tornou-se vice-rei, praticamente independente dos
turcos.
Mohamed Ali iniciou uma modernização da economia e da sociedade egípcia, liderada
pelo estado centralista, que só pode ser comparado ao de Pedro, o Grande, na Rússia, ou ao
imperador Meiji, no Japão. A terra dos mamelucos e cobradores de impostos foi confiscada
e distribuída diretamente aos camponeses, que agora pagavam uma combinação de aluguel
e impostos ao Estado. Enormes projetos de irrigação e cultivo em larga escala de algodão e
açúcar para o comércio foram iniciados. Além disso, com a ajuda de especialistas
estrangeiros, foram construídas fábricas modernas para o processamento desses produtos,
mas, como na Rússia e no Japão, as indústrias mais importantes eram os arsenais
destinados a equipar um exército moderno e torná-lo independente de armamentos
estrangeiros. 92 Pode-se argumentar, com alguma razão, que esse programa também teve
efeitos prejudiciais na medida em que tornou o país muito dependente do algodão e
construiu uma classe rica de proprietários de terras comerciais cuja influência acabou por
minar o desenvolvimento nacional. No curto prazo, no entanto, o programa foi
surpreendentemente bem-sucedido. Na década de 1830, o Egito, em capacidade industrial
moderna, perdia apenas para a Inglaterra. 93
Com esses fundamentos políticos e econômicos, Mohamed Ali começou a criar um
império ultramarino. Seu exército moderno conquistou muitas possessões turcas no oeste
da Arábia e, em 1822, seus generais conquistaram o Sudão. Mas Mohamed Ali também
olhava para o norte, para a Síria e a Grécia: como também eram súditos do Império
Otomano, muitos gregos viviam na região do Delta e muitos deles atuavam nos novos
setores comerciais da economia. Depois que Mohamed Ali chegou ao poder, muitos outros
gregos vieram para se juntar ao exército, bem como para participar do boom econômico. 94
Com o início da Guerra da Independência Grega, em 1821, o sultão turco, desesperado,
deu a Mohamed Ali o pashalik ou províncias de Creta e Morea (como era chamado o
Peloponeso na época) com a comissão de exterminar os rebeldes. Por quatro anos, os
egípcios foram incapazes de lançar uma invasão porque foram repelidos pela habilidosa e
feroz frota grega. Em 1825, porém, os egípcios, aproveitando-se de um motim dos
marinheiros gregos que não haviam recebido pagamento, conseguiram desembarcar um
exército disciplinado sob o comando do filho de Mohamed Ali, Ibrahim. Essa força
conseguiu esmagar a feroz resistência das guerrilhas gregas, mas apenas com uma
repressão cada vez mais cruel. Ibrahim então mudou-se para o norte, para Missolungi, onde
os patriotas gregos foram sitiados pelos turcos.
A chegada das forças superiores egípcias inclinou a balança a favor dos turcos, e este
centro da revolução grega foi tomado, mas somente após uma defesa heróica que,
juntamente com a morte de Byron ali, foi crucial para convencer os governos da Europa a
se unirem. em torno das posições de estudantes e artistas pró-helênicos que apoiam a
causa grega. A revolta grega tornou-se assim um conflito continental entre a Europa, por
um lado, e a Ásia e a África, por outro. 95 Para alguns, uma Turquia em declínio era muito

206
menos ameaçadora do que o Egito para a Grécia e a Europa. Como escreveu o chanceler
austríaco Metternich, refletindo sobre a possibilidade de o Egito obter completa
independência da Turquia, "veríamos assim a realização do que tantas vezes foi anunciado
como o maior perigo para a Europa - uma nova potência africana". 96
Para evitar tal possibilidade, os governos britânico e francês tentaram colocar o Egito
contra a Turquia. Eles também tentaram persuadir Mohamed Ali a se retirar da Morea e
forçar o governo turco a conceder-lhe o Pashalik da Síria em troca. Em 1827, equipes navais
britânicas, francesas e russas destruíram as frotas turcas e egípcias em Navarino; A
independência grega foi assim assegurada. Foi alcançado um acordo pelo qual os egípcios
se retiraram do Peloponeso e libertaram seus escravos gregos. Apesar dessa humilhação e
derrota, Mohamed Ali foi designado para a Síria; assim continuou sua expansão econômica
e militar.
Durante a década de 1830, os egípcios assumiram o controle da Síria e iniciaram uma
modernização do país e a criação de uma nova base de poder lá. Ao mesmo tempo,
Mohamed Ali e seu filho Ibrahim conseguiram impor o domínio colonial em Creta. A
população da ilha sofreu enormes perdas durante os ferozes combates entre gregos e
turcos durante a Guerra da Independência Grega: a única trégua relativa havia sido imposta
pelo exército de Ibrahim no período de dezoito meses em que controlava. em direção ao
Peloponeso. 97
Após a derrota de Navarino em 1827, os cristãos cretenses novamente se levantaram
sob a proteção das frotas européias. A Inglaterra, no entanto, não queria perturbar muito o
equilíbrio e, em 1829, Mohamed Ali foi autorizado a restabelecer seu domínio na ilha.
Depois de três anos de relativa calma, os cretenses cristãos, insatisfeitos por serem
submetidos aos muçulmanos enquanto os outros gregos eram independentes, levantaram-
se novamente, mas a revolta foi brutalmente reprimida. A partir de 1834, foi imposta uma
regra colonial estrita, na qual nenhum favoritismo foi concedido aos muçulmanos, e as
relações foram estabelecidas com a grande população grega do Egito. A economia foi
restaurada e desenvolvida para benefício mútuo de Mohamed Ali e dos cretenses. As
doenças foram mantidas sob controle e a riqueza e a população aumentaram ao mesmo
tempo. Após décadas de desgoverno turco, esse período aparecerá como uma idade de
ouro para a ilha. 98
Em 1839, Mohamed Ali declarou sua independência da Sublime Porta e invadiu a
Turquia. Cinco dias depois, o sultão morreu e, pouco depois, a frota turca se amotinou e se
juntou aos egípcios. A ameaça do Mediterrâneo oriental ficar sob o controle de não-
europeus era terrível demais para ser contemplada e, em uma demonstração incomparável
de unidade até a Revolta dos Boxers na China, sessenta anos depois, Áustria, Inglaterra,
França, Prússia e Rússia vieram em auxílio da Turquia. . Mohamed Ali foi forçado - sob
ameaça de bloqueio naval - a entregar o norte da Síria e Creta, e mais uma vez se tornar um
vassalo dos turcos. 99
A nova ordem imposta prejudicou ainda mais a economia egípcia do que a que se seguiu
aos acordos de Navarino. Durante a década de 1830, a autarquia centrada no Estado de
Mohamed Ali havia sido enfraquecida pela penetração comercial européia; após a
imposição da nova ordem, em 1839, a economia egípcia foi forçada a recuar na direção do
modelo tradicional turco. Essa regressão a deixou completamente indefesa diante da
penetração dos industriais europeus que enfraqueceram e muitas vezes destruíram a

207
indústria egípcia. 100 Os descendentes de Mohamed Ali, no entanto, mantiveram
considerável riqueza e poder até a derrota política e militar infligida a eles pelos britânicos.
De fato, após a imposição do domínio britânico em 1880, o Egito sofreu um colapso ainda
mais sério de sua economia moderna. 101
Que este episódio da história moderna seja tão pouco conhecido certamente não é
surpresa. Não se enquadra no paradigma de uma expansão europeia ativa para um mundo
exterior passivo. O Império Egípcio do século 19 lembra aquelas histórias igualmente
sombrias dos sucessos de curta duração dos Cherokees nos Apalaches, dos Maoris na Nova
Zelândia e dos Chineses na Califórnia. É um exemplo de não-europeus derrotando europeus
em seus próprios jogos, apenas para serem forçados a perder. 102 Onde o estereótipo racial
da superioridade europeia natural falhou, foi necessária uma intervenção artificial para
restaurá-lo.
Se esses acontecimentos nos preocupam, é porque não há menção ao maior império
egípcio desde o tempo de Ramsés II nas obras contemporâneas da história antiga . E é ainda mais
curioso que precisamente na época em que os egípcios controlavam vastas áreas da Grécia,
a invasão de Danaus, o egípcio, começasse a ser negada, pelo menos em parte citando o
"caráter nacional". 103 Até certo ponto, pode-se explicar que não pudemos ver nenhuma
anomalia nisso como uma questão de cobertura da mídia da época. Embora os relatórios
oficiais notassem a relativa eficiência e benevolência do regime egípcio, na imprensa
popular os massacres envolvendo os egípcios foram equiparados aos massacres muito mais
generalizados cometidos por turcos e gregos cristãos. Além disso, a imagem de Neri no solo
da Grécia foi considerada particularmente atroz. 104
Que os estudiosos da história antiga não tenham feito menção, em geral, aos sucessos
egípcios em seu tempo e, em particular, às conquistas na Grécia, não é algo que possa ser
explicado simplesmente citando como razão os eventos recentes não interesse em
historiadores profissionais, ou que o advento do Islã marcou uma ruptura completa na
história egípcia. Os historiadores do início do século XIX operavam no auge da era romântica,
na qual se acreditava que os povos tinham uma essência e características permanentes. Por
exemplo, naquela época não havia hesitação em associar os godos e vikings pagãos aos
cristãos ingleses e aos triunfos alemães do século XIX. A razão para esta duplicidade de
comportamento é claramente o racismo. Não era conveniente na época, e mesmo em
retrospecto, que historiadores convencidos da inferioridade racial categórica dos africanos
admitissem que os egípcios pudessem formar exércitos heróicos e vitoriosos - ainda que
sob o comando de europeus renegados como Mohamed Ali e Ibrahim - em um par com os
de Napoleão, Wellington ou Blücher.

Dupuis, Jomard e Champollion


Desde o início, o racismo foi um fator importante no trabalho de difamação dos egípcios e
na liquidação do modelo antigo. Depois de 1860, tornou-se o fator dominante. Nas décadas
de 1820 e 1830, no entanto, a antiga rivalidade entre a religião egípcia e o cristianismo
continuou a desempenhar um papel significativo. Já discuti a ameaça que Charles François
Dupuis, tanto em sua qualidade de conselheiro cultural de regimes revolucionários quanto
em seu Compêndio da Origem de Todos os Cultos , representou para o cristianismo. No livro,

208
Dupuis expôs a hipótese, corroborada por extensa e detalhada documentação, de que o
cristianismo teria surgido de uma incompreensão dos escombros da alegoria astronômico-
religiosa egípcia.
Tal modo de pensar tornou-se anátema após a Revolução Francesa e aquele
renascimento cristão que veio a se constituir como um bastião necessário da ordem social.
Não foram apenas os grosseiros reacionários que se escandalizaram com Dupuis, mas
também os "apologistas críticos" do cristianismo. Coleridge declarou-se um "berkeleyano"
depois de lê-lo. A defesa de Berkeley contra os ataques críticos à historicidade dos
Evangelhos consistiu em argumentar que, se aceitarmos que toda história é mito, os
Evangelhos tinham a credibilidade de qualquer outro texto. 105 Assim como Newton, Bentley
e Whiston sentiram medo diante de Toland e do Iluminismo radical, os Illuminati do início
do século XIX também se sentiram ameaçados por Dupuis. O ex-presidente dos EUA John
Adams, por exemplo, era obcecado por isso. Em 1816, ele escreveu a seu amigo Thomas
Jefferson para lhe dizer que, em vez de gastar dinheiro com missionários, "deveríamos
projetar uma empresa que traduza Dupuis em todas as línguas e ofereça uma recompensa
de diamante a qualquer homem ou grupo de homens que possa dar as melhores respostas.
ao trabalho dele ». 106 Os diamantes deveriam ter sido entregues a Jean François
Champollion.
A intensidade do terror despertado por Dupuis e a Maçonaria Egípcia, com seus vínculos
com a Revolução Francesa, juntamente com as complexas relações triangulares entre
Cristianismo, Grécia e Egito Antigo, são fatores que se manifestam na tortuosa carreira de
Champollion. Champollion, em si a antítese da Renascença Oriental, deve, em muitos
aspectos, ser visto como a culminação do Iluminismo maçônico. Parece que ele descobriu
sua missão de decifrar hieróglifos na mesma época de sua adolescência, quando se tornou
maçom; aos vinte anos, já dominava hebraico, árabe e copta para se preparar para essa
tarefa. 107
A decifração era agora possível graças às muitas cópias disponíveis de novos textos,
incluindo a recém-descoberta Pedra de Roseta, na qual o mesmo texto foi gravado em
grego, demótico e hieróglifos. No entanto, como comentou Gardiner, Champollion "sempre
esteve inclinado a revisitar sua própria teoria incompatível do caráter puramente
simbólico dos hieróglifos". 108 Que ele acabou por superá-lo, esclarece que, embora o
impulso maçônico fosse necessário para que ele chegasse à decifração, isso só poderia ter
ocorrido no momento em que o declínio do ideal egípcio e o triunfo da linguística
romântica começaram ao mesmo tempo . Somente neste ponto foi possível libertar-se
daquele princípio maçônico central segundo o qual os hieróglifos seriam puramente
simbólicos sem qualquer função fonética.
Outra ironia foi que a primeira descoberta substancial de Champollion, que ocorreu em
1822, deve ter sido a datação do zodíaco Dendera para o período romano, que Edmé-
François Jomard, um seguidor de Dupuis e eminente cientista após a expedição, havia
traçado em vez disso. de volta a muitos milênios aC 109 A ajuda que isso parecia dar ao
cristianismo resulta de um relatório do embaixador francês em Roma sobre as reações do
papa, que teria dito:
[Com este] importante serviço prestado à religião, "Ele [Champollion] humilhou e derrotou o orgulho dessa
filosofia que afirma ter descoberto no zodíaco de Dendera uma cronologia mais antiga que a das Sagradas

209
Escrituras". O Santo Padre então pediu que o senhor Testa, um homem muito erudito no estudo da Antiguidade,
lhe explicasse detalhadamente os argumentos com base nos quais o senhor Champollion estabelece: (1) que este
zodíaco foi construído na época de Nero; e (2) que não há nenhum monumento anterior a 2.200 aC, ou seja,
anterior ao tempo de Abraão, de modo que, de acordo com nossa fé, restam pelo menos dezoito séculos de
escuridão através dos quais apenas a interpretação de as Sagradas Escrituras. 110

Essa ajuda contra a ameaça representada por Dupuis explica a surpreendente mudança de
atitude em relação a Champollion e seu irmão mais velho, ambos odiados por serem
jacobinos e partidários de Napoleão, manifestados após 1822 pelos nobres ultras , bem
como por Luís XVIII e Carlos X ; e também explica o patrocínio substancial que Champollion
recebeu de um regime que ele detestava. Prudentemente, ele restringiu o escopo de suas
descobertas históricas às dinastias pós-hicsas, então datadas de 2200 aC, nunca
questionando assim a primazia da Bíblia. Mas enquanto isso lhe rendeu o apoio dos
defensores do cristianismo, a ênfase que ele colocou nos triunfos egípcios de uma época
muito antes da primeira civilização grega incitar o ódio dos helenistas. Por um tempo, ele
conseguiu romper a aliança entre o cristianismo e o helenismo.
Champollion tinha muitos inimigos nos círculos acadêmicos, incluindo egiptólogos rivais
como Jomard, cuja datação do zodíaco ele havia refutado, e o romântico e conservador
Sylvestre de Sacy, fundador do Orientalismo. A espinha dorsal da resistência, que o
manteve fora da Académie e do Collège de France, era, no entanto, composta por helenistas
como Jean Antoine Letronne e Raoul Rochette, que agora se tornaram apaixonadamente
anti-egípcios. 111 No entanto, em 1829, o patrocínio régio e a plausibilidade e utilidade de
sua decifração lhe renderam adeptos suficientes entre os acadêmicos, e Champollion
ganhou o reconhecimento que lhe era devido. Então, na atmosfera liberal que se seguiu à
Revolução de Julho de 1830, Champollion sentiu-se à vontade para publicar suas
conclusões de que o calendário egípcio, e portanto a civilização egípcia, datava de 3285 aC e
isso serviu para unir cristãos e helenistas contra ele; após sua morte em 1831, a egiptologia
praticamente desapareceu por um quarto de século, enquanto seus inimigos orientalistas e
helenistas continuaram a dominar a vida acadêmica francesa. A extrema ironia foi mesmo
que sua oração fúnebre foi lida não por seu amigo e patrono Dacier, secretário permanente
da Académie, mas pelo sucessor de Dacier, seu principal inimigo de Sacy. 112
Foi apenas no final da década de 1850 que as traduções dos textos egípcios foram
consideradas confiáveis pelos estudiosos da história antiga. Essa ausência de qualquer
consideração séria da egiptologia, entre 1831 e 1860, é de grande importância para o tema
deste livro, pois foi nesse período que o modelo antigo, fundado no Egito, foi destruído e o
modelo ariano, baseado na Índia . Um bom exemplo desse processo e do declínio geral da
reputação do antigo Egito é encontrado no Middlemarch de George Eliot , que, embora
escrito na década de 1860, é uma reconstrução precisa da vida intelectual por volta da
década de 1830. para o antigo Egito do velho estudioso Casaubon caracteriza seu
obscurantismo. O jovem Ladislaw, ao contrário, recém-chegado do centro do Romantismo,
a comunidade alemã de Roma, não critica Casaubon porque não levou em conta a recente
decifração de Champollion. Ele o trata com desprezo porque não leu as obras da nova
filologia alemã e precisamente porque se interessa pelo Egito. 113
Durante as décadas de 1810 e 1820, os chefes oficiais da comunidade alemã em Roma
eram Barthold Niebuhr - o grande historiador de Roma e, por um tempo, um ministro
prussiano no Vaticano - e seu secretário e sucessor Christian Bunsen. Ambos eram

210
totalmente a favor do Romantismo e da nova paixão pela etnicidade. Além disso, junto com
Alexander e Wilhelm von Humboldt, eles pertenciam àquele punhado de estudiosos
alemães que na década de 1820 se deixaram convencer pela decifração de Champollion. No
entanto, eles também tinham sérias reservas sobre a cultura egípcia. Em 1833, Wilhelm
von Humboldt, como organizador do novo museu nacional de Berlim, insistia que os
objetos egípcios, em um museu destinado ao enriquecimento cultural do público, embora
de interesse dos estudiosos, não pudessem ser colocados no mesmo nível que o Kunst , que
significa antiguidades gregas e romanas e arte renascentista. 114
Christian Bunsen havia estudado em Göttingen, e mais tarde se tornou embaixador da
Prússia na Grã-Bretanha em um período crítico, na década de 1840. Aprendeu hieróglifos e
foi um defensor da egiptologia, nas décadas de 1930 e 1940, contra "seus compatriotas".
Ele manteve a disciplina viva durante seu tempo de maior infortúnio, mas apenas ao custo
de transformar o Egito antigo em um objeto de estudo estrangeiro. 115 Quando propôs pela
primeira vez trabalhar na língua egípcia, escreveu a Niebuhr que "se sentia repulsivo". 116
Descrevendo uma viagem à Villa Albani, perto de Roma, ele observou: "Nada de belo ou
grego podia ser admirado, mas tudo o que havia de egípcio nela era identificado". 117
O apoio que Bunsen deu ao egiptólogo alemão Reichardt Lepsius e ao egiptólogo e
assirólogo inglês Samuel Birch lhe rendeu um lugar permanente de honra na história da
egiptologia. O pequeno Dicionário de Hieróglifos de Birch - o primeiro de seu tipo em
qualquer idioma - foi publicado em 1867 apenas como um apêndice à segunda edição do
quinto volume da obra maciça de Bunsen sobre o lugar do Egito na história universal. Foi
justamente por esses volumes que o aspecto egiptológico da carreira multifacetada de
Bunsen se tornou conhecido principalmente durante sua vida e por pouco tempo após sua
morte.
Embora tenha escrito seu trabalho na década de 1840, Bunsen afirmou ter desenvolvido
as idéias fundamentais sobre o assunto muito antes de decifrá-lo, quando estudava em
Göttingen em 1812. Essas idéias deveriam, portanto, ser rastreadas até o mundo intelectual
de Heyne, que Bunsen conhecera. , e de Blumenbach, com quem estudara. Em sua teoria,
porém, há traços claros de desenvolvimentos intelectuais posteriores; a idéia, por exemplo,
de que a raça egípcia era uma versão africana da raiz comum das raças aramaica (semítica)
e indo-germânica. Bunsen afirmou que
a civilização da humanidade se deve principalmente a duas grandes famílias de nações cujo parentesco é um fato
comprovado além de qualquer possibilidade de erro, assim como sua separação nos tempos antigos. O que
chamamos de história universal parecia-me necessariamente ser a história de duas raças [...] destas, na minha
opinião, a indo-germânica marca a principal corrente da história; O aramaico a atravessa e forma os episódios
do drama divino. 118

Em outros lugares, ele formula o mesmo conceito em outras palavras: "Se os judeus semitas
são os sacerdotes da humanidade, os arianos heleno-romanos são, e sempre serão, seus
heróis". 119
A percepção dessa desigualdade entre as duas "raças mestras" será discutida mais
adiante; aqui vale apenas ressaltar que, apesar da tese anterior de Schlegel de que as duas
famílias linguísticas são absolutamente distintas, a ideia de uma origem comum de arianos
e semitas ainda era aceitável na década de 1840. Tornou-se menos aceitável à medida que o
século avançava, mas persistiu até o ápice do antissemitismo que se dará nas décadas de

211
1920 e 1930. 120 Bunsen, que considerava seu aparato conceitual de acordo com as novas
informações trazidas pela obra de Champollion, via claras ligações entre os semitas, e
ligações significativas entre esses e indo-europeu. 121
Grande parte do livro de Bunsen lida com cronologia. Em sua sequência, Bunsen integra
fontes clássicas e bíblicas com novos dados egípcios e astronômicos. A conclusão a que
chega segue a de Champollion: o calendário egípcio começa em 3285 aC Por outro lado, as
datas que ele usa para a história universal não têm relação com esse sistema e hoje seriam
consideradas bastante fantásticas. Bunsen pertencia à nova geração de cristãos fervorosos;
em sua opinião, a história mundial havia passado por três estágios antes do Dilúvio:
Sinismo, 20-15.000 aC; Turanismo, 15-14000 aC; e o Camismo, 14-11000 aC 122
Essa sequência histórica - da China à Ásia Central, ao Egito e finalmente à Europa - foi
muito diferente daquela exposta no primeiro rascunho de sua obra, que consistia em três
etapas: o Oriente, depois os gregos e romanos e, finalmente, no o terceiro estágio, as nações
teutônicas. Se as duas sequências forem comparadas, elas parecem muito semelhantes à
ideia de Humboldt de "progresso" de línguas aglutinantes para línguas flexionadas, ou ao
grande curso hegeliano de "fases da história mundial", ambas visões concebidas mais ou
menos na mesma época. Na concepção de Hegel, assim como o sol se move do Oriente para
o Ocidente, o Estado ou Idéia universal também se move do intuitivo, o "despotismo
teocrático" da Mongólia e da China, para a "aristocracia teocrática" da Índia e a "monarquia
teocrática" da Pérsia; enquanto o Egito é um ponto de transição entre o Oriente e o
Ocidente. Esses diferentes momentos juntos compõem a primeira fase da humanidade, que
Hegel compara explicitamente à infância. 123 A segunda fase, a adolescência da humanidade,
é marcada pela Grécia, na qual a liberdade ética aparece pela primeira vez. A terceira fase é
a de Roma e o clímax final é alcançado no mundo germânico.
É digno de nota que Hegel trata extraordinariamente pouco do Egito neste seu modelo, e
se ele o coloca acima da Índia, isso só pode ser um expediente para manter a direção geral
da Idéia universal do Oriente para o Ocidente. Em suas Conferências de História da Filosofia
, realizadas entre 1816 e 1830, ele dedica alguma atenção ao pensamento chinês e indiano,
mas trata do Egito apenas quando aborda as origens da filosofia grega. 124 A história em
fases em que as culturas orientais foram substituídas pelas europeias foi, portanto, a raiva
na Alemanha do início do século XIX.
Voltando a Bunsen, seu ario-semitismo e a crença de que o Egito é a fonte remota da
civilização o colocam firmemente no início do século XIX; no curso de sua vida (1791-1860)
tais idéias foram perdendo terreno até se tornarem inaceitáveis nos círculos acadêmicos
depois de 1880. Embora Bunsen e seus contemporâneos concebessem os chineses e os
egípcios como pioneiros da civilização, Bunsen estava muito atrás deles em seu passado
antediluviano. Para ele, como para quase todos os historiadores de meados do século XIX, a
verdadeira história consistia no diálogo entre arianos e semitas. Como resultado, Bunsen
negou categoricamente as lendas gregas de assentamentos egípcios no Egeu.
Como muitos de seus contemporâneos, ele admitiu que a mitologia grega continha
algumas influências semíticas; no entanto, com base nos estudos alemães mais recentes, ele
acreditava que eles eram indiretos. De acordo com sua hipótese, os hicsos, que eram
semitas, teriam sido chamados de Peleset ou Pelasgoi depois de serem expulsos do Egito no
século 16 aC. Alguns teriam se estabelecido em Creta e no sul do Egeu, expulsando os
arianos que viveram muito lá. 'ilha. Esses ilhéus arianos levariam os nomes de seus

212
expulsores e depois se estabeleceriam na Grécia continental, onde se tornariam os
ancestrais dos jônios. Teriam sido estes que, sujeitos à influência semítica, teriam
introduzido na Grécia fragmentos da cultura do Oriente Próximo. 125
Com essa intrincada e laboriosa hipótese - que não se baseava em nenhuma fonte antiga
- Bunsen procurou conciliar tanto as lendas gregas de assentamentos semitas quanto as
evidentes influências semíticas na Grécia, preservando ao mesmo tempo a pureza helênica
ariana. Mas aqui já estamos caminhando para a era do anti-semitismo, da qual trataremos
nos capítulos 8 e 9 ; neles discutiremos em detalhes essas diferenciações entre egípcios e
fenícios, por um lado, e jônios e dórios, por outro.
Neste ponto é importante notar que o conhecimento da língua egípcia só se tornou
disponível para estudo comparativo muitas décadas depois que os estudiosos já haviam
desistido da ideia de que os egípcios haviam colonizado a Grécia, ou que a cultura egípcia
teve uma influência significativa. arquipélago grego. Estudiosos da Renascença ou do
Iluminismo, que teriam dado qualquer coisa para poder fazer um estudo comparativo da
língua egípcia, não conseguiram fazê-lo. Em contraste, os estudiosos do final do século XIX ,
embora possuíssem as ferramentas, estavam convencidos de que qualquer comparação
detalhada seria inútil. Na década de 1840, a língua e a cultura egípcias eram vistas como
produtos de uma raça mais atrasada e categoricamente inferior, inerentemente incapaz de
fazer contribuições à grande civilização ariana e às línguas nobres da Índia, Grécia e Roma.

Monoteísmo egípcio ou politeísmo egípcio


Às vezes foi dito que uma das principais razões para o declínio da reputação do Egito foi a
decepção com o conteúdo dos textos egípcios depois de lidos. No entanto, isso não é
verdade para Champollion, cujo entusiasmo pelo Egito cresceu com o passar dos anos. Com
o ressurgimento dos estudos egiptológicos no final da década de 1850, os egiptólogos se
sentiram divididos entre, por um lado, a admiração por Champollion - o reconhecido
fundador de sua disciplina - e a aceitação da reverência que ele demonstrava pelo 'Egito, e,
por outro lado, , o ethos romântico-positivista predominante que implicava desprezo e
condescendência para com aquela cultura. Embora esse conflito possa parecer
incongruente, o ponto-chave a partir do qual essa tensão se originou foi o da natureza da
religião egípcia. Como o historiador das religiões Karl Beth escreveu em 1916:
Monoteísmo ou politeísmo? Este tem sido o grande problema da egiptologia desde a descoberta dos primeiros
textos egípcios. A visão geral que ofereço aqui mostra que ambas as respostas têm sua própria justificativa;
também mostra que os defensores de um ou outro conceito os usam como fórmulas de propaganda, mas
nenhum conceito pode caracterizar a verdadeira individualidade da religião egípcia. 126

Se, como você argumentou plausivelmente, o corpus de textos egípcios pode ser lido em
ambos os sentidos, qual era - ou qual é - a questão então? Em essência, parece ser uma
continuação do antigo conflito entre a religião egípcia e o cristianismo. Se a religião egípcia
fosse monoteísta, poderia ter sido considerada a base ou origem do cristianismo. No final do
século 19 , no entanto, a questão racial era mais proeminente. Se a religião egípcia fosse
monoteísta, isso estaria em contraste com o monopólio ario-semita da civilização.

213
Emmanuel de Rougé e Heinrich Brugsch, as principais figuras da segunda onda da
egiptologia nas décadas de 1860 e 1870, concordavam com Champollion e com a tradição
hermética e platônica que ele tinha por trás, ao acreditar que a religião egípcia pura era
sublime e essencialmente monoteísta. Como disse de Rougé: «predomina uma única ideia, a
de um único Deus primevo; em toda parte e sempre é esta Substância Única, que consiste
em si mesma, um Deus inacessível”. 127
Brugsch foi nomeado para a cadeira de Egiptologia em Göttingen, o primeiro professor
do assunto desde a morte de Champollion. Ele também argumentou que os egípcios eram
originalmente monoteístas. E inicialmente Sir Peter le Page Renouf, o mais importante
egiptólogo da Inglaterra, também era da mesma opinião. 128 No entanto, quando saiu a
segunda edição de suas Conferências sobre a Origem e o Crescimento da Religião , em 1880 ,
Renouf mudou de ideia e negou ter afirmado: "os egípcios partiram do monoteísmo". 129
Para aqueles que buscam razões intrínsecas, como o moderno egiptólogo e historiador da
egiptologia Eric Hornung, essa mudança de opinião decorreu de um maior conhecimento
do antigo Egito. 130 Acho mais útil considerar a rejeição do monoteísmo egípcio como parte
de um processo no curso do qual o racismo e o helenismo romântico, ideias dominantes
nos institutos de estudos clássicos e história antiga, passaram a dominar a egiptologia.
A etapa intermediária desse processo é identificada em uma passagem da obra do
professor Lieblein, escrita em 1884. Nela, Lieblein tenta conciliar a antiga concepção de um
monoteísmo egípcio com as novas teorias linguísticas e históricas, e chega a um
compromisso de solução de acordo com para o qual os egípcios poderiam ter um proto-
Deus ou nenhum Deus:
Tudo considerado, é possível, e até provável, que a ideia de Deus tenha se desenvolvido em um período
linguístico anterior ao indo-europeu. O futuro talvez consiga encontrar documentos que sustentem esta
hipótese. A ciência das línguas foi apenas parcialmente capaz de reconstruir a língua indo-européia pré-
histórica. Talvez ele também possa reconstruir o semítico pré-histórico e o camítico pré-histórico, e dessas três
línguas pré-históricas, cuja relação original não é apenas conjectura, mas está começando a ser demonstrada, e
talvez, eu disse, com a ajuda do tempo, ele também poderá extrair um parentesco ainda mais remoto, que,
continuando a analogia, também poderíamos chamar de noahitica. Nesse ponto, é muito provável que palavras
que expressem a ideia de Deus também sejam encontradas nessa linguagem pré-histórica, mas também é
possível que nessa linguagem pré-histórica a ideia de Deus nunca tenha se manifestado. 131

Para Lieblein, portanto, os egípcios foram relegados a um passado remoto e primitivo. Os


últimos vestígios de respeito platônico, hermético e maçônico pelo Egito foram expulsos do
mundo acadêmico. Alguns anos depois, um ataque em grande escala à antiga egiptologia foi
lançado pelo egiptólogo francês Maspero, que descreveu a situação assim em 1893:
No início de minha carreira, em breve serão vinte e cinco anos, eu acreditava, e por muito tempo argumentei, de
acordo com Brugsch, que os egípcios, em seu período inicial, chegaram à noção de unidade divina e que daí
derivaram todo um sistema religioso e uma mitologia simbólica [...] esse foi o período em que eu ainda não havia
tentado decifrar os textos religiosos e, portanto, me limitei a reproduzir os textos de nossos grandes mestres.
Quando fui forçado a enfrentá-los diretamente [...] tive que admitir que eles mostravam muito pouco daquela
profunda sabedoria que outros viram lá. Não posso ser acusado de querer menosprezar os egípcios e estou
convencido de que eles foram um dos grandes povos da humanidade, um dos mais originais e criativos, mas
sempre permaneceram semi-bárbaros [...]. Inventaram, produziram e, sobretudo, prometeram muito nas artes,
nas ciências e na indústria, mas sua religião tem a mesma mistura de grosseria e refinamento que se encontra no
resto. 132

214
O que é significativo nesta declaração de um liberal francês e herdeiro do Iluminismo não é
a descrição que ele dá dos egípcios, o que parece ser bastante justo, mas a ideia implícita de
que havia outras civilizações, presumivelmente indo-europeias e cristãs, totalmente
refinado e desprovido de qualquer barbárie. 133 Em outra passagem da mesma passagem, no
entanto, Maspero mostra suas características racistas com absoluta clareza:
O tempo, que tanto mal fez a outras nações, mostrou-se muito favorável aos egípcios. Poupou-lhes os túmulos, os
templos, as estátuas e mil pequenos objectos que eram o orgulho da sua vida doméstica e, por isso, levou-nos a
julgá-los com base nas coisas mais belas e graciosas que produziam e, por fim, convenceu-nos a colocar os seus
civilização no mesmo nível que os romanos ou os gregos. Mas se você olhar mais de perto, o ponto de vista
muda; para resumir, Thothmes III e Ramessēs II se parecem mais com Mtesa da África central do que com
Alexandre ou César. 134

O argumento de que as aparências não devem nos levar a quebrar as leis "científicas" do
racismo também é interessante como indicativo da ruptura completa que ocorreu, na
opinião de estudiosos do final do século XIX, entre os períodos científico e pré-científico. Para
Maspero e seus contemporâneos, o antigo Egito foi uma descoberta moderna. Qualquer
coisa escrita antes da expedição napoleônica e da decifração de Champollion não tinha
importância.
E também, Maspero continua:
A maioria de seus mitos o Egito tem em comum com as tribos mais selvagens do Velho e do Novo Mundo. O
egípcio possuía um espírito de metafísica sutil, que foi capaz de demonstrar quando o cristianismo lhe forneceu
um argumento digno de seus poderes sutis. 135

Pode-se pensar também que, uma vez despojados de civilização, religião e filosofia, ainda
podem ser concedidos um pingo de metafísica aos egípcios. A enxurrada de racismo, no
entanto, também não poderia tolerar isso. Dez anos depois, em 1904, o egiptólogo inglês
Wallis Budge acrescentou:
Os egípcios, sendo por essência um povo africano, possuíam todas as virtudes e vícios que caracterizam as raças
norte-africanas em geral; de fato, não se pode argumentar, nem por um momento, que um povo africano possa
produzir metafísica no sentido moderno da palavra. Em primeiro lugar, nenhuma língua africana é adequada
para dar expressão a especulações teológicas e filosóficas, e mesmo o sacerdote egípcio das mais altas
realizações intelectuais não teria sido capaz de transpor um tratado de Aristóteles para uma linguagem que seus
colegas sacerdotes, sem ensinando, eles podiam entender. A própria construção da língua tornaria isso
impossível, sem falar nas ideias dos grandes filósofos gregos que pertencem a esferas de pensamento e cultura
completamente alheias aos egípcios. 136

estratagema comum do século 19 de justificar o racismo de alguém com base linguística,


Budge acaba sendo sutil! É verdade que nada semelhante a Aristóteles é atestado no
pensamento egípcio, mas Budge usa essa ausência para afirmar implicitamente que há uma
distinção categórica entre o pensamento grego e o egípcio como um todo. Se ele tivesse
usado Platão como exemplo, tal afirmação não teria sido possível.
Em outro lugar, Budge refuta a tese de Brugsch de que a palavra egípcia mais comum
para expressar a ideia de "divino", ntr , é idêntica ao grego ϕύσις e à natureza latina :
É difícil entender como o eminente egiptólogo poderia ter tentado comparar a concepção de Deus que um povo
africano semi-civilizado poderia ter formado com a de nações cultas como Grécia e Roma. 137

215
Há, sem dúvida, alguma ligação entre tanto desprezo, a ocupação britânica do Egito e a
aversão que os britânicos sentiam pelos habitantes daquele país. Depois de 1880, com
exceção da Irlanda e da Somalilândia, o Egito tornou-se a mais turbulenta das possessões
britânicas. A identificação de Budge com o imperialismo fica clara pela dedicação de sua
grande obra Os Deuses dos Egípcios a Lord Cromer, que supervisionou a destruição da
indústria manufatureira egípcia como o "Regenerador do Egito".
Os estudiosos alemães certamente não ficaram atrás dos britânicos e franceses em seu
ceticismo em relação aos egípcios. Ao questionar o monoteísmo de Lieblein, seguiram-se
críticas explícitas e desprezo por qualquer um que pensasse ter possuído uma sabedoria
antiga. 138 Além disso, na década de 1880, alguns egiptólogos começaram a compartilhar
com os indo-europeus o conceito de pureza linguística ariana. Assim era a situação em
1883, nas palavras do professor A. Bezzenberger, editor da revista mais autorizada de
estudos indo-europeus, Beiträge zur Kunde der indogermanischen Sprachen :
Muitos acreditam que o Egito teve uma influência muito significativa na Grécia. No entanto, não houve a menor
confirmação documental dessa hipótese do ponto de vista da linguagem. Dada a gravidade do assunto, tal
confirmação é absolutamente necessária. Eu então me voltei para Herr Dr. Adolph Erman [que mais tarde se
tornaria o reitor da egiptologia alemã] e pedi que ele coletasse e discutisse os supostos empréstimos egípcios em
grego. Erman, que tem um bom – embora pesado – senso de humor, respondeu: “Em teoria, deveria ser um
prazer para mim aceitar sua proposta – infelizmente me parece que falta o requisito mais importante: os
próprios empréstimos. . Existem inúmeros empréstimos "supostos" nas obras de egiptologia. Mas, tanto quanto
posso entender, não consigo ver uma única de que tenhamos certeza ». 139

Erman admitiu que algumas palavras egípcias que designavam objetos egípcios haviam
sido usadas em grego, mas não eram empréstimos verdadeiros. Na edição seguinte da
revista, Erman foi desafiado sobre o assunto. Sua resposta ao desafio foi fazer duas
concessões:
Eu nunca afirmei que não havia palavras emprestadas egípcias em grego. Limitei-me a dizer que não havia
nenhum caso seguro para mim. Não acredito que os nomes de objetos egípcios que aparecem aqui e ali em
autores gregos devam ser considerados como empréstimos reconhecidos. 140

A segunda concessão foi admitir que a palavra βᾰρις (pequena embarcação), que claramente
deriva do egípcio tardio e demótico br (pequena embarcação), havia sido assimilada ao
grego. Mas, assim terminou, desafiadoramente:
Depois disso, tudo o que resta é essencialmente negativo; há poucas "palavras transpostas pela cultura" e
provavelmente apenas um empréstimo, βᾰρις , e isso é tudo. A visão convencional de que houve uma profunda
influência egípcia na Grécia não leva aos mesmos resultados. Não tenho dúvidas de que colegas de mente aberta
podem encontrar substancialmente mais, como eu poderia. Neste caso, porém, devo lembrá-los que em um
sistema de escrita em que as vogais não são marcadas, e com um vocabulário em que os significados são muito
precários, com um pouco de boa vontade podemos encontrar a origem egípcia de cada palavra grega […]. Esta é
uma atividade recreativa que fico feliz em deixar para os outros. 141

Embora essa atitude fosse típica entre os egiptólogos da época, e será mais tarde, deve-se
admitir que a atitude de condescendência para com os antigos egípcios que se encontra em
Erman era famosa entre os egiptólogos. Alan Gardiner relata a seguinte história sobre ele:
Certa vez, Erman pediu a Maspero que fizesse uma compilação de um trecho dos Textos das Pirâmides , dos quais
existia uma série de moldes em Paris. Uma vez recebida a colação, Erman escreveu a Maspero: "Que pena que,
mesmo neste período antigo, os egípcios não soubessem escrever corretamente!". O comentário cáustico de

216
Maspero - não comunicado a Erman, nem é preciso dizer - foi: "Que pena que os egípcios do Reino Antigo não
tivessem lido a gramática de Erman!" 142

Apesar do extremismo de Erman, acho justo dizer que essa atitude essencialmente racista
de ceticismo e desprezo pelas conquistas dos egípcios foi predominante na egiptologia
durante a fase de dilúvio do imperialismo entre 1880 e 1950. No entanto, também seria um
excesso. de simplificação dizer que esta era a única atitude. Mais adiante neste capítulo
discutiremos a resistência a essa concepção que surgiu à margem ou fora da vida
acadêmica, ainda que sejam encontradas exceções dentro da própria disciplina. Foi durante
esse pico de racismo que foi alcançado durante a primeira década do século XX que o
professor James Henry Breasted publicou Memphite Theology , que discuti no Capítulo 2 . A
concepção do mundo que ali aparece, concluiu Breasted:
oferece razão suficiente para sugerir que as noções posteriores de nous e logos , que até agora se pensava terem
sido introduzidas de fora no Egito em uma data muito posterior, também estavam presentes em uma idade tão
precoce. A tradição grega que viu a origem da filosofia no Egito contém, sem dúvida, muito mais verdade do que
se quis admitir nos últimos anos.

E assim continuou:
O hábito, que em tempos posteriores será predominante entre os gregos, de interpretar filosoficamente as
funções e relações dos deuses egípcios [...] já havia começado no Egito antes mesmo do nascimento dos filósofos
gregos mais antigos; e não é impossível que a prática grega de oferecer interpretações dos próprios deuses
tenha recebido seu primeiro impulso do Egito. 143

Essa conclusão parece ter sido imposta a ele pelo próprio texto e, além disso, parece
anômala mesmo no próprio contexto do pensamento de Breasted. Anos depois, em seu The
Development of Religion and Thought in Ancient Egypt , Breasted escreveu nos termos
usuais de racismo linguístico:
O homem egípcio não possuía a terminologia para a expressão de um sistema de pensamento abstrato, nem
desenvolveu a capacidade de criar a terminologia necessária, como o homem grego. Ele pensava em imagens
concretas. 144

Uma exceção ainda mais marcante às modas que predominavam na academia na virada do
século XIX foi a obra do classicista francês Paul Foucart, que tinha um conhecimento
considerável do Egito e cujo filho Georges era um egiptólogo. O trabalho meticuloso que
Foucat realizou sobre os cultos de mistério de Elêusis o levou não apenas a concluir que
esse culto havia sido introduzido no Egito, mas também a formular uma defesa precisa do
modelo antigo, que será discutido no próximo capítulo.
No entanto, Foucart coloca um problema para a ortodoxia do século XX: seu trabalho sobre
inscrições de Elêusis é de tão alto padrão que é considerado indispensável pelos estudiosos
da área que vieram depois dele. Para isso, eles tendem a distinguir entre o epigrafista
brilhante e o teórico confuso. Como disse um deles: "Não se pode deixar de lamentar
sinceramente que um erudito de tal importância tenha uma opinião tão errônea". 145
Apesar de tais aberrações ou heresias, não há dúvida de que durante os primeiros dois
terços do século XX os estudiosos mais "sérios" não levaram os egípcios muito a sério. No
entanto, é interessante notar que houve uma mudança na imagem pejorativa que se tinha
deles. A maioria dos estudiosos do século XIX aceitou a ideia, defendida por Winckelmann e

217
outros, de que os egípcios eram um povo antigo e estranhamente morto. Uma vez
firmemente estabelecido o paradigma do "progresso" e a analogia entre história e biografia,
os egípcios foram empurrados na direção exatamente oposta. Começaram a ser vistos
ainda crianças, e acabaram fazendo com que ocupassem um nicho muito parecido com
aquele em que se instalaram os despreocupados gregos de Winckelmann. Em sua
Gramática Egípcia , publicada em 1927 e geralmente aceita como a "bíblia" da egiptologia
moderna, Alan Gardiner escreveu:
Apesar da reputação de sabedoria filosófica atribuída aos egípcios pelos gregos, nenhum povo jamais foi mais
avesso à especulação e mais devotado aos interesses materiais; se prestavam exagerada atenção aos ritos
fúnebres, era porque sentiam que estava em jogo a continuação das ocupações e dos prazeres terrenos,
certamente não por curiosidade sobre o porquê e o onde da vida humana.

Mais tarde, ele descreveria os egípcios como "um povo amante do prazer, gay, artístico e
inteligente, mas desprovido de profundidade de sentimento e idealismo". 146
Dessa forma, tanto a velha reputação de profunda sabedoria quanto a velha reputação
de passividade e melancolia foram completamente derrubadas. No entanto, os egípcios
permaneceram categoricamente inferiores aos europeus. Em outros lugares, Gardiner
admitiu, no entanto, que havia alguma pressão que os egiptólogos sentiram: "Estudiosos
clássicos do passado não aderiram voluntariamente à ideia da dependência da Grécia da
civilização egípcia". 147
Dada a centralidade e a força dos estudos clássicos nas universidades, não havia nada
que os egiptólogos pudessem fazer, em sua pequena disciplina periférica, para se opor, se
quisessem, à difamação do Egito. Poucos, se houver, o fizeram. Quase todos eles receberam
uma educação clássica completa antes de iniciar seu campo. Gardiner refletiu claramente
os pontos de vista da maioria de seus colegas quando escreveu: "A suposta dependência da
filosofia grega da filosofia egípcia acaba, em um exame mais atento, ser pura fantasia". 148
A negação da existência de uma filosofia egípcia e a suspeita da religião egípcia
dominaram a egiptologia até a década de 1960. Hornung, por exemplo, fala de "meio século
de abstinência" de considerar o problema da natureza fundamental da religião egípcia. 149
Houve, é verdade, um ou dois outros estudiosos, como Margaret Murray, que continuaram
a levar a sério a religião egípcia, mas por estudiosos sérios eles foram considerados à
margem da egiptologia. 150
A ortodoxia, após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, começou a rachar. Em 1948, o
abade Etienne Drioton, diretor geral do Serviço de Antiguidades Egípcias, começou a ver
uma religiosidade genuína na literatura de sabedoria egípcia e a considerar a possibilidade
de um monoteísmo antigo. 151
A partir da década de 1960, essa atitude mais aberta começou a se firmar, especialmente
na França e na Alemanha. Nesses países, retomou-se a possibilidade de que os egípcios
realmente tivessem sua própria espiritualidade e originalidade. De fato, alguns egiptólogos,
como o alemão Hellmut Brunner, clamam por uma "nova imagem do Egito", e Brunner
também argumenta que no final do terceiro milênio o Egito deu um salto qualitativo
intelectual e espiritual. 152 Apesar dessa nova flexibilidade, a distância entre a disciplina de
egiptologia e o que poderíamos chamar de suas "contraculturas" ainda é considerável.

218
Percepções populares do antigo Egito nos séculos 19 e 20
Antes de passar a examinar as contracorrentes na periferia da cultura acadêmica que se
opõem à concepção predominante da vida intelectual e espiritual egípcia, quero considerar
a atitude em relação ao Egito na sociedade em geral. Acredita-se geralmente que, como
consequência da Expedição Napoleônica, houve um período de egiptomania no início do
século XIX. E, de fato, essa ideia se encaixa bem nesse esquema geral, melhor formulado por
Raymond Schwab, segundo o qual os romântico-positivistas foram os primeiros europeus a
ter verdadeira consciência do mundo exterior. Tal concepção, por sua vez, deriva da ideia
de que a única relação adequada entre a Europa e os demais continentes é uma relação de
clara superioridade, aquela que só ocorreu no século XIX. No entanto, a ideia convencional de
que houve um período de egiptomania contém um elemento de verdade, e havia de fato
muita curiosidade sobre o Egito no início do século XIX.
No entanto, como vimos, havia um interesse considerável no Egito, e um conhecimento
considerável dele, muito antes desse período. 153 Além disso, o Egito exerceu muito mais
influência na Europa do século XV ao XVIII do que durante o século XIX . Também é certo que a
"Egiptomania" do século XIX era mais fraca que a "indomania", e insignificante em
comparação com a "Helenomania" ou paixão pela Grécia que subjugou o Norte da Europa e
a América ao mesmo tempo. Além disso, a Grécia parecia para a maioria das pessoas um
ancestral reverenciado e amado, enquanto o Egito agora era percebido como
essencialmente estrangeiro e exótico.
No entanto, é verdade que em toda a Europa havia um intenso interesse nas publicações
da expedição francesa e nos resultados de novas explorações e descobertas. 154 Não é de
surpreender que tais descobertas se concentrassem principalmente em pirâmides e
tumbas. Na segunda metade do século, surgiram as traduções do livro egípcio que guia a
alma, o Livro da Jornada , geralmente conhecido como o Livro dos Mortos . Tudo isso
aumentou a impressão geral do Egito como um reino escuro e morto, e como tal foi dado
um reino que foi muito importante nos anos intermediários e finais do século XIX - o da
morte. Estilos egípcios apareceram em todos os cemitérios da Europa e América do Norte.
155 Além disso, durante as décadas de 1860 e 1870, a mumificação se espalhou para os

Estados Unidos. Embora este desenvolvimento seja frequentemente atribuído às crescentes


exigências de higiene das sociedades urbanas, ainda é interessante comparar o modo de
morte americano (egípcio) com o uso generalizado da cremação - o modo grego - que foi
adotado na mesma época. Europa. 156 Isso deve ser atribuído à maior influência da
Maçonaria nos Estados Unidos?
A Maçonaria permaneceu uma grande fonte de respeito pelo Egito. A arquitetura, os
símbolos e os rituais maçônicos continuaram - e ainda continuam - a seguir suas próprias
tradições egípcias, em vez dos ditames da moda acadêmica. 157 Nos Estados Unidos, na
década de 1820, a Maçonaria, o Egito e os hieróglifos foram fundamentais para a fundação
do mormonismo e tiveram grande influência sobre os escritores americanos da segunda
metade do século XIX. Os romances de Melville - especialmente Moby Dick - estão repletos de
símbolos e hieróglifos egípcios, e a mesma influência é sentida na Letra Escarlate de
Hawthorne . 158
Embora muito influentes também na Europa, os maçons aqui se limitaram a cultivar seu
interesse pelo Egito apenas em relação à vida interior e espiritual. Tal como acontece com o

219
resto das classes média e alta europeias, os maçons estavam muito mais preocupados com
a helenomania dominante. Outros grupos menores também continuaram a atribuir ao Egito
uma posição central em suas crenças: os Rosacruzes, entendidos tanto como o núcleo
interno dos maçons quanto como uma organização espiritual separada, mantinham e
mantinham o Egito no centro e origem de suas crenças. Os místicos suecos dos séculos XVIII
e XIX e, posteriormente, teosofistas e antroposofistas também atribuíram ao Egito uma
posição central. 159
na primeira metade do século 19, os santos-simonianos eram um grupo muito mais
influente. Esses discípulos do pioneiro "socialista" e proto-positivista Claude Henri Count
de Saint-Simon seguiram uma típica concepção tripartite da história mundial, na qual a
terceira e última "época do sistema positivo" envolveria a unificação do mundo. Esta
unificação teria exigido a abertura de vias de comunicação em todo o mundo e para Saint-
Simon, como para Napoleão, o Egito era a ponte entre o Oriente e o Ocidente. 160 Assim,
tanto o próprio Saint-Simon quanto seu sucessor Prosper Enfantin estavam
particularmente preocupados com aquele país, não apenas do ponto de vista espiritual,
mas também prático.
Enfantin chegou ao Egito em 1833 com um grupo de discípulos que incluía engenheiros,
médicos, empresários e escritores. O novo regime francês de Louis Philippe havia
concedido sua aprovação oficial, considerando-os como uma segunda expedição francesa
de caráter intelectual e científico. No entanto, Enfantin também tinha uma missão mística a
cumprir: como "pai", ele se casaria com uma misteriosa "mãe" do Oriente. A implicação
prática, porém, foi o projeto de construção do Canal de Suez. Desenvolvendo o imaginário
implícito no ato de cavar um canal, e levando à auto-paródia da crença geral de que a
dominação dos europeus sobre os não-europeus era de alguma forma um ato
heterossexual, Enfantin escreveu: «Suez é o centro do trabalho de nossa vida. Realizaremos
o ato pelo qual o mundo espera poder proclamar que somos homens! ». 161 O canal foi
construído por um membro desse grupo, Ferdinand de Lesseps, mas terá que esperar até a
década de 1860. Egito procurado por Mohamed Ali; seu projeto reviveu assim a imagem
despertada pela Expedição Napoleônica - ou seja, a França despertando o Egito, a antiga
fonte de civilização. 162
Foi nessa atmosfera saintsimoniana que o neto de Mohamed Ali, Ismail, encomendou a
Verdi, o compositor do Risorgimento italiano, a criação de uma ópera nacional egípcia, Aida
. O enredo da obra - idealizado pelo egiptólogo francês Auguste Mariette, que trabalhava
para o governo egípcio - glorificava o Egito antigo à maneira ocidental. A diferença com o
século XVIII é muito clara: enquanto Mozart glorifica os sacerdotes, guardiões da sabedoria e
da moralidade do Egito, Verdi coloca seus sacerdotes em oposição a Aida e seu amante
Radamés. 163
Aida se tornou um grande sucesso em toda a Europa. A continuação de uma visão
favorável do Egito - visto como branco em sua essência e fonte de civilização - caracterizou
a França e a Itália acima de tudo, mas também se encontra na arte da Inglaterra e dos
Estados Unidos. 164 Juntamente com a egiptofilia da segunda geração dos egiptólogos, nas
décadas de 1860 e 1870, essa visão difundida explica a atitude defensiva ou desafiadora,
mencionada acima, que se encontra nas declarações de estudiosos da década de 1880,
como Maspero e Erman. Eles, como os classicistas, mas ao contrário do público em geral,
tinham uma concepção global e sistemática e podiam entender a ameaça que uma imagem

220
muito favorável do Egito poderia representar para a singularidade da civilização grega e da
europeia como um todo.

Elliot Smith e o "difusionismo"


Duas outras ameaças às noções convencionais, no entanto, vieram de dentro do próprio
mundo acadêmico. Consideraremos primeiro aquele que de fato se colocou em segundo
lugar por data, pois, pelo menos até agora, teve uma influência menos séria na egiptologia.
Foi colocado pelas ideias do "difusionista" Elliot Smith. Nascido na Austrália em 1871,
Smith se formou na faculdade de medicina e foi para Londres, onde se tornou um
proeminente anatomista. Em 1901, foi nomeado professor de anatomia no Cairo, onde
estabeleceu uma escola de medicina. Durante os oito anos seguintes, ele ficou fascinado
pelo Egito do passado - não apenas por sua antropologia física, mas por sua cultura. 165 Foi
durante esse período que ele se convenceu de que o Egito havia sido a fonte da civilização
do Oriente Próximo e da Europa.
Elliot Smith era um homem que pertencia aos seus tempos racistas. Assim, embora não
pudesse evitar o fato de que a maior parte da população egípcia sempre foi muito
semelhante à do resto da África Oriental, ele estava convencido de que "na época das
Pirâmides" - o Reino Antigo - havia uma contribuição decisiva de asiáticos de crânio largo -
não-semitas. 166 Em sua opinião, essa mestiça migraria então pelo Mediterrâneo para chegar
ao norte da Europa, trazendo para lá a cultura megalítica cujos impressionantes
monumentos eram, em sua opinião, um reflexo das pirâmides. Esta parte das teorias de
Elliot Smith é agora completamente insustentável, pois a datação por carbono mostrou que
a cultura megalítica européia começou mais de mil anos antes da era das pirâmides. 167
As teorias de Elliot Smith foram recebidas com interesse pelo público britânico, porque,
em primeiro lugar, o "difusionismo" era bem adequado ao imperialismo contemporâneo;
segundo, os egípcios não seriam africanos; terceiro, Smith era um anatomista. A anatomia
era considerada uma ciência "sólida", enquanto disciplinas como história e arqueologia não
gozavam desse status. Os antigos historiadores profissionais e egiptólogos eram
naturalmente muito mais cautelosos. Que eu saiba, não houve tentativa de incorporar as
duas teorias em suas disciplinas acadêmicas. Smith, no entanto, não teve problemas sérios
até que ele ampliou o escopo de sua teoria ao afirmar que o Egito tinha sido não apenas a
fonte da cultura européia, mas também mundial. Encontrou origens egípcias nas pirâmides
do México e nas técnicas de mumificação do Peru e nas ilhas do Estreito de Torre, perto da
Nova Guiné.
Paradoxalmente, essa parte de suas teorias hoje é muito melhor do que a das culturas
megalíticas da Europa. Por um lado, o desenvolvimento da arqueologia e da datação por
carbono mostraram que as culturas do Sudeste Asiático que usavam metais e as culturas
neolíticas da Europa são consideravelmente mais antigas que as do Egito, invalidando
assim as teorias de Smith sobre essas áreas. Por outro lado, o maior número de indícios
disponíveis de uma influência africana na América pré-colombiana após 1000 a. a
possibilidade de influência egípcia indireta sobre essas civilizações muito posteriores. 168
Na época, porém, o segundo grande livro de Elliot Smith, The Ancient Egyptians and the
Origin of Civilization , publicado em 1923, atraiu ataques de conservadores que se

221
apegavam às concepções românticas da importância das peculiaridades locais, e de racistas
radicais que consideravam apenas civilização que se originou dos puros arianos. E houve
confrontos ainda mais violentos com os liberais que então começavam a transformar a
antropologia de bastião racista - onde antropólogos sem grande risco se dedicavam a
apoiar impérios - em uma ferramenta que poderia trazer o relativismo cultural de volta à
Europa. Durante a década de 1920, no entanto, a batalha não foi desigual. Elliot Smith teve
o apoio da maioria dos acadêmicos em sua disciplina, e seus alunos conquistaram posições
importantes na antropologia física. Ele até conseguiu converter WHR Rivers, um dos
fundadores da antropologia social, às suas crenças. Deve-se notar também que naqueles
anos nenhum antropólogo social poderia reivindicar ser superior a Smith. 169 E, mais
importante, ele tinha boas relações com os Rockefellers, cujas fundações, nas décadas de
1920 e 1930, ofereceram financiamento considerável para a egiptologia e a antropologia.
Com todos esses recursos, Elliot Smith estava muito bem colocado na academia. 170
No entanto, o conjunto de forças dispostas contra ele provou ser muito poderoso. Rivers
morreu prematuramente em 1922; Elliot Smith em 1937, apenas sessenta e seis. Mesmo
que tivessem vivido mais, suas ideias, em tão estreita ligação com o racismo, certamente
não teriam sobrevivido à forte reação antirracista que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.
No entanto, ainda se encontra a ameaça que Elliot Smith representou para a antropologia,
numa fase muito delicada do desenvolvimento da disciplina: é o arrepio ou a careta, sinais
necessários de ortodoxia ou "competência" no campo, que acolhem qualquer menção do
seu nome ou da palavra "difusionismo".

Jomard e o mistério das pirâmides


Embora os egiptólogos e historiadores antigos geralmente se oponham a qualquer intruso
que se aventure em seu território, eles travaram uma luta menos intensa a esse respeito do
que a dos antropólogos. E isso talvez seja porque Elliot Smith nunca ousou tocar a
linguagem sancta sanctorum dos romântico-positivistas. O que mais os preocupava era a
segunda ameaça à egiptologia, destinada a durar muito mais do que o "difusionismo". Esta
foi uma heresia acadêmica que estava enraizada na antiga concepção de que os egípcios
possuíam uma sabedoria superior, que os gregos seriam incapazes de aprender e preservar
em sua totalidade.
Esta ideia foi revivida no início do século XIX pelo trabalho do arquirrival de Champollion,
Edmé-François Jomard, matemático e topógrafo ligado à Expedição Napoleónica, que já
conhecemos. Jomard comparou os resultados de suas pesquisas da Grande Pirâmide de
Gizé e sua localização geográfica com descrições antigas do significado matemático das
medidas da pirâmide. Isso o convenceu de que os antigos egípcios deviam possuir um
conhecimento preciso da circunferência da Terra a ponto de basear nela suas próprias
unidades lineares de medida. Esta era uma posição que o colocava firmemente ao lado de
Dupuis. Algumas críticas detalhadas foram feitas à sua obra, mas na atmosfera maçônica do
Império Napoleônico suas concepções foram levadas com grande seriedade. Tendo
conseguido acesso ao topo do mundo acadêmico antes da Restauração, Jomard manteve
sua posição depois. 171

222
Apesar do golpe na reputação de Jomard da datação do zodíaco Dendera, suas ideias
sobreviveram e foram muitas vezes redescobertas ao longo do século XIX. 172 As divergências
entre essa escola heterodoxa e a egiptologia acadêmica tornaram-se perceptíveis depois
que ela se tornou uma disciplina universitária na década de 1860, e agudas depois que ela
aceitou a supremacia dos estudos clássicos na década de 1880. estabeleceu um debate
formal entre as duas. E isso em primeiro lugar, graças ao princípio de que nenhum grupo
dotado de poder acadêmico jamais se prestaria a conferir "dignidade" a estranhos dessa
maneira; segundo, porque os dois grupos falavam linguagens disciplinares diferentes;
línguas que de fato refletiam as diferenças entre Champollion e Jomard. Os egiptólogos
eram principalmente filólogos que aplicavam as novas técnicas da linguística aos materiais
escritos egípcios. Os hereges, por outro lado, eram matemáticos, topógrafos e astrônomos,
muito poucos dos quais conseguiram dominar a língua egípcia. Por outro lado, os
egiptólogos do século XIX foram incapazes de seguir, muito menos refutar, os argumentos
técnicos dos hereges.
A luta foi desigual desde o início, pois os hereges lutaram contra os dois principais
paradigmas do século XIX - "progresso" e racismo. Se estivessem certos, um antigo povo
africano ou semi-africano teria possuído melhor matemática do que qualquer europeu até
o século XIX. Em um nível mais banal, os hereges, sem a disciplina e as sanções típicas do
conhecimento acadêmico formalmente organizado, às vezes tendiam a cair em devaneios
religiosos. E essa tendência foi agravada pela real dificuldade em explicar as
surpreendentes conquistas que os hereges encontraram na matemática e na astronomia
dos antigos egípcios. Isso os levou às vezes a recorrer a explicações em termos de revelação
divina. E isso, por sua vez, encorajou a crença de que as pirâmides continham profecias
divinas. 173 Tudo isso junto serviu para desacreditar a "piramidótia", como passou a ser
chamada.
Outra séria desvantagem para os hereges era o fato de que os estudos clássicos e a
linguística gozavam de um status mais elevado do que a matemática na Alemanha e na
Inglaterra do século XIX . Na França, com suas Écoles Polytechniques, a situação era muito
mais equilibrada, e aqui os egiptólogos, ao que parece, talvez estivessem sofrendo pressões
que os predispuseram a considerar teorias na tradição jomardiana. No século 19, por
exemplo, Maspero foi forçado a admitir que estava convencido pelos argumentos
detalhados do astrônomo Sir Norman Lockyer, que havia argumentado que os templos
egípcios haviam sido cuidadosamente construídos para fins astronômicos. 174 O que é
surpreendente, no entanto, é que tantos homens - incluindo astrônomos excelentes e
renomados como o professor Piazzi Smyth, o astrônomo real da Escócia, e Sir Norman
Lockyer - tenham arriscado ou desistido de suas carreiras para perseguir essas ideias. No
caso de Piazzi Smyth, isso pode ser parcialmente explicado em termos de obsessão
religiosa, mas também no caso dele, como no de Lockyer, parece que a principal motivação
foi o entusiasmo pela elegância matemática das correspondências. 175
Para os "piramidologistas" o maior revés sofrido foi a deserção de Flinders Petrie,
mencionada nas pp. 142-143 pela datação muito antiga que ele deu aos Textos Herméticos.
Petrie tinha experiência como engenheiro e agrimensor, além de entusiasmado com as
ideias de Smyth e outros sucessores de Jomard; em 1880 pôde ir ao Egito equipado com os
melhores instrumentos para verificar por si mesmo a exatidão das medições feitas
anteriormente.

223
Suas conclusões foram inconclusivas. Por um lado, ele admitiu que a Grande Pirâmide
havia sido alinhada aos pontos cardeais com muito mais precisão do que qualquer outro
edifício do período posterior, e que as medidas da célula interna demonstravam um
conhecimento do valor de π em 22/ 7 e dos triângulos pitagóricos. Em geral, também ficou
surpreso com a habilidade técnica e matemática investida na construção da pirâmide. Por
outro lado, ele discordava de Piazzi Smyth quanto ao comprimento do côvado usado na
construção, e não aceitava a hipótese de Smyth de que o edifício incorporasse uma medida
precisa do ano. 176 Além disso, dadas as mudanças que estavam ocorrendo na egiptologia na
década de 1880, e a profissionalização geral das disciplinas acadêmicas e outros campos de
pesquisa que ocorreram entre 1880 e 1960, as teorias dos "piramidologistas" foram
empurradas para a nova categoria de excentricidade ou pseudociência.
Com seus esplêndidos levantamentos topográficos e o desenvolvimento de tipologias
para a classificação de diferentes estilos de cerâmica, Petrie se tornou o fundador não
apenas da arqueologia egípcia, mas de toda arqueologia moderna. Mais tarde homenageado
com o título de baronete, foi cooptado para a egiptologia acadêmica, à qual prestou apoio
essencial. No entanto, as relações nunca foram muito fáceis. 177 Ele teve que esperar por
uma cátedra de um doador fora do mundo acadêmico, e permaneceu um homem isolado
até o fim de sua longa vida em 1942.
A deserção de Petrie não interrompeu a investigação das pirâmides e outras
construções egípcias para provar a crença de que elas poderiam revelar uma sabedoria
antiga mais elevada. Lockyer continuou a desenvolver suas idéias sobre o refinado
conhecimento astronômico revelado pelos edifícios egípcios; idéias que foram retomadas
no século XX por outros estudiosos, principalmente o agudo amador Schwaller de Lubicz.
Seus livros, publicados nas décadas de 1950 e 1960, tiveram grande sucesso,
particularmente nos círculos místicos, mas também entre o público em geral. 178
Enquanto isso, em 1925, uma nova e mais precisa prospecção das pirâmides havia sido
feita pelo engenheiro JH Cole, o que confirmou muitas das afirmações feitas pelos
"piramidologistas" da época anterior - mesmo as de Jomard, que, aparentemente, ele teria
chegado a estimativas relativamente precisas dos comprimentos das unidades de medida
egípcias graças à concomitância de dois erros. A imprecisão das medidas foi compensada
pelo fato de Jomard não ter percebido que a pirâmide deveria ter uma culminação ou
pirâmide no topo. Além disso, desde a década de 1920, houve duas deserções significativas
de acadêmicos "sérios" que se mudaram para posições "piramidológicas". O primeiro deles
foi Livio Catullo Stecchini, um italiano que estudou na Alemanha e obteve um doutorado em
sistemas de medição antigos em Harvard. Em alguns estudos publicados nas décadas de
1950 e 1960, Stecchini demonstrou, com alguma plausibilidade, que os egípcios teriam um
conhecimento muito preciso das medidas globais e que esse conhecimento teria sido
aplicado no Egito e em outros lugares com extraordinária precisão. 179
A segunda conversão à crença em uma sabedoria antiga superior foi muito mais
espetacular: foi a de um dos maiores, senão o maior, dos historiadores da ciência
renascentista, Giorgio de Santillana. Depois de escrever um importante livro sobre Galileu,
Santillana começou a se interessar pela tradição hermética egípcia; então, mais tarde na
vida, ele leu o Compêndio da Origem de Todos os Cultos , de Dupuis, e ficou chocado com o
argumento de que grande parte da mitologia antiga é de fato uma alegoria da astronomia
científica. Santillana, porém, foi além de Dupuis e do Egito a ponto de afirmar a existência

224
de um conhecimento ainda mais antigo, cujos vestígios seriam encontrados nos mitos de
todo o mundo, e que, usando a precessão dos equinócios, datou antes 6000 a.C.
Apesar da altíssima reputação de Santillana, Hamlet's Mill - o livro em que ele e um
colega alemão mais jovem expuseram essa teoria - não foi aceito por nenhuma editora
universitária e foi publicado por uma editora comercial. Isso significava que nenhum
estudioso respeitável era obrigado a considerar esse trabalho. 180 Além disso, Santillana,
tendo ido longe demais, diminuiu sua própria eficácia como defensor da escola de Dupuis e
Jomard, e sua obra - junto com as de Stecchini e Tompkins - poderia ser contada entre as de
"marginalidade tola". isso permitiu ou mesmo forçou os acadêmicos ortodoxos a ignorá-lo.
Graças à influência da arqueologia, os antigos egiptólogos e historiadores tendiam a ter
um punhado de matemática e ciência agora mais do que cinquenta ou cem anos antes.
Muito poucos deles, no entanto, tinham essa combinação de tempo, vontade e
especialização necessária para enfrentar as mesmas questões técnicas que Schwaller de
Lubicz, Stecchini ou Santillana haviam tratado. Ao longo dos últimos trinta anos, a
tendência dessas duas disciplinas tem sido se basear nas refutações feitas por outro grande
velhinho da história da ciência, o professor Otto Neugebauer, cujo nome tem um poder
quase tântrico entre os defensores da ciência. quo.
A gama de interesses de Neugebauer é surpreendente. Já foi mencionado aqui em
relação a Copérnico, mas suas pesquisas mais conhecidas são aquelas sobre a ciência da
antiguidade. Aqui ele provou ser mais liberal do que a maioria de seus colegas e, como ele
foi rápido em admitir a influência da ciência islâmica em Copérnico, ele também
demonstrou algumas influências mesopotâmicas significativas na matemática e astronomia
gregas. 181 Ele também publicou vários trabalhos sobre astronomia egípcia em colaboração
com egiptólogos ortodoxos, mas neles, em forte contraste com sua maneira de lidar com a
Mesopotâmia, ele revela que compartilha a atitude condescendente e desdenhosa em
relação ao Egito e o hermetismo de seus colaboradores. 182 De fato, em todas as suas obras
Neugebauer insiste que os egípcios nunca tiveram nenhuma ideia original ou abstrata. Os
alinhamentos precisos das pirâmides e templos, e o uso de π, são todos explicados como
resultado de algum talento prático e não de pensamento profundo; leia um exemplo aqui:
"Ainda se afirmou que um exemplo contido no papiro de Moscou forneceu o cálculo correto
da área de um hemisfério, mas o texto também admite uma interpretação muito mais
primitiva, que é preferível " [itálico meu] . 183 É interessante que Neugebauer não retome a
discussão das ideias da escola da pirâmide. Ele apenas os denuncia:
Supõe-se que constantes matemáticas importantes, por exemplo um valor exato de π, e profundo conhecimento
astronômico são expressos no tamanho e orientação deste edifício. Essas teorias estão em franca contradição
com qualquer conhecimento bem fundamentado fornecido a nós pela arqueologia e estudos egiptológicos sobre
a história e os propósitos das pirâmides. 184

Ele então recomenda aos interessados no que ele admite ser "os problemas históricos e
arqueológicos muito complexos relacionados às pirâmides" que leiam os livros de Edwards
e Lauer sobre o assunto. 185
O arqueólogo Edwards, especialista no Egito, não aborda os "piramidologistas" e seus
cálculos. O topógrafo e arqueólogo Lauer, em vez disso, tratou disso, apesar da oposição
dos egiptólogos, que se declararam "espantados com a importância dada à discussão de
teorias que nunca tiveram crédito no campo da egiptologia". 186

225
Uma vez dito tudo, deve-se admitir também que havia uma certa contradição na obra de
Lauer. Por um lado, ele admitiu que as medições realmente têm algumas propriedades
notáveis; que neles encontramos razões como π e φ, a "seção áurea", e os triângulos de
Pitágoras derivados com base nessas razões; e que estes geralmente correspondem ao que
Heródoto e outros autores antigos afirmaram sobre o assunto. 187 Por outro lado,
denunciava as "fantasias" de Jomard e Piazzi Smyth; ele atacou, de forma muito
implausível, a reconstrução do côvado de Jomard; ele argumentou que as fórmulas e a
extraordinária precisão sideral com que as pirâmides foram alinhadas eram meros
resultados de "empirismo intuitivo e utilitário". 188
A contradição entre aceitar a extraordinária precisão matemática da Grande Pirâmide e
a "certeza" de que os gregos foram os primeiros "verdadeiros" matemáticos marca todos os
escritos de Lauer sobre o assunto. E a tensão se torna ainda mais intolerável quando se
considera que muitos dos aspectos extraordinários da pirâmide foram transmitidos aos
gregos e que eles acreditavam que os egípcios foram os primeiros matemáticos e
astrônomos. Finalmente, permanece o problema de que tantos matemáticos e astrônomos
gregos estudaram no Egito. A tentativa honesta de Lauer de superar essas dificuldades é a
seguinte:
Mesmo que até agora nenhum documento matemático esotérico egípcio tenha sido descoberto, sabemos, se
acreditarmos nos gregos, que os sacerdotes egípcios tinham muito ciúmes dos segredos de sua própria ciência e
que eles eram dedicados, assim nos diz Aristóteles: à matemática. Parece, portanto, razoavelmente provável que
eles também estivessem de posse de uma ciência esotérica construída pouco a pouco no segredo dos templos
durante os longos séculos que separam a construção das pirâmides, por volta do ano 2800, das vésperas do
pensamento matemático grego no século XIX. século VI aC para a geometria, a análise de edifícios famosos como
a Grande Pirâmide teria tido um lugar de destaque nas pesquisas desses sacerdotes; e é bastante concebível que
eles tenham conseguido descobrir nele, talvez muito depois de construído, qualidades aleatórias que
permaneceram totalmente insuspeitadas pelos construtores. 189

Lauer foi quem descobriu que o arquiteto Imhotep, da III dinastia, realmente existiu,
enquanto anteriormente era considerado apenas uma lenda egípcia tardia. Lauer escavou
alguns dos soberbos edifícios projetados por eles em Saqqara. Ele também dedicou toda a
sua vida a admirar as extraordinárias conquistas alcançadas nas pirâmides. É difícil
entender por que ele hesitaria diante da solução mais simples, acreditaria nos gregos e
aceitaria, junto com o egiptólogo alemão Brunner, a ideia de que haveria um Achsenzeit , ou
"era axial", por volta de 3.000 a.C. séculos depois, durante na terceira e quarta dinastias, um
conhecimento refinado da matemática teria surgido, e alguns aspectos desse conhecimento
teriam sido incorporados à Grande Pirâmide. Tradições disso teriam sido preservadas
pelos egípcios do período seguinte e depois contadas aos gregos que visitaram o Egito. 190
Por que diabos - se deixarmos de lado os argumentos racistas e grosseiramente
"progressistas" - tudo isso seria mais improvável do que a ideia de que os gregos teriam
sido capazes de um salto intelectual por volta do século IV aC? De fato, em apoio a esta
segunda hipótese, não há nada que se aproxime de construções tão complexas como as
pirâmides e da tradição coerente do desenvolvimento de uma matemática superior entre
os egípcios.
No auge do imperialismo, no entanto, tal perspectiva não era possível para os estudiosos
convencionais. É claro, no entanto, que Lauer estava muito preocupado a esse respeito e,
em última análise, parece ter sofrido o constrangimento das forças sociais. Aceitar a

226
resposta mais simples o tornaria um excêntrico, como Jomard e Piazzi Smyth. Ele, portanto,
preferiu atribuir as sutis relações matemáticas da Grande Pirâmide e a proeminência que
tinham na tradição antiga ao mero acaso; mais tarde, os sacerdotes egípcios descobririam e
explorariam essas relações.
No entanto, a solução de Lauer também concedeu a alguns egípcios do período posterior
uma capacidade de pensamento relativamente avançada. E assim continua:
Ao longo dos três mil anos de sua história, o Egito, portanto, preparou gradualmente o caminho para os
estudiosos gregos que - como Tales, Pitágoras e Platão - vieram ao Egito para estudar e depois até ensinar você,
como Euclides na escola de Alexandria. . Mas foi graças ao espírito filosófico dos gregos, que souberam sintetizar
o tesouro acumulado pelo positivismo técnico dos egípcios, que a geometria atingiu o estágio de verdadeira
ciência. 191

Como Lauer poderia ter certeza, em contraste com os autores antigos que insistiam na
espiritualidade e ascetismo dos sacerdotes egípcios, que a sabedoria egípcia secreta - sobre
a qual ele não tinha nenhum documento - não era nada além de "positivismo técnico"? É
difícil não ver nisso um artigo de fé respeitado por todos aqueles que trabalharam dentro
dos limites do modelo ariano.
Os egiptólogos anônimos que desaprovavam Lauer discutindo as teorias dos
"piramidologistas" estavam basicamente certos. Ao lutar contra os "piramidologistas",
Lauer acabou se parecendo com eles - ou pelo menos aceitando tantos argumentos deles
que sua defesa da ortodoxia foi desnecessariamente trabalhosa.
Lauer não estava sozinho em tais dificuldades. Abbé Drioton, mencionado acima porque
admitia a espiritualidade egípcia, escreveu: «Não se deve prestar atenção [...] às repetidas
ilusões de Charles Piazzi Smyth quando afirma que as medidas da Grande Pirâmide
revelariam uma misteriosa ciência dos antigos egípcios". 192 E em outro lugar ele escreveu
que os egiptólogos, por não prestarem atenção aos "piramidologistas", são tratados como
"ingênuos, cegos e teimosos trapaceiros de uma ciência cujos procedimentos silenciosos
foram perturbados". 193 Havia outras pistas de que os egiptólogos "respeitáveis" às vezes
sentiram pressão de fora - ou do próprio material que manipulavam? - e eles brincaram
com heresias por períodos mais curtos ou mais longos. 194 Nessa importante escaramuça
entre o modelo antigo e o modelo ariano, acredito que o modelo antigo - com algumas
modificações - passará a prevalecer. Entretanto, é certo que o campo ainda segue
essencialmente a tradição linguística de Champollion, como foi transformada por Maspero,
Erman e outros estudiosos do final do século XIX e início do século XX , que concordaram sua
disciplina com o Romantismo predominante. positivismo, e também é certo que a escola de
matemática e topografia de Jomard ainda permanece inteiramente marginal.

Notas
1 Herder de fato escreveu extensivamente sobre o Egito e sobre hieróglifos. No entanto, como diz Liselotte Dieckmann:
"Toda essa longa discussão sobre o Egito serve ao único propósito de mostrar que o Cântico da Criação foi nacionalizado
no Egito" (1970, p. 153; ver também pp. 146-154). Sobre a atitude do século XVIII em relação ao grego como língua
puramente poética, ver Capítulo 4 , n. 38.
2 Para uma crítica da abordagem tradicional, ver Masica (1978, pp. 1-11). Edição de vídeo também Scollon e Scollon

(1980, pp. 73-176).


3 Sobre Rask e Bopp, ver Pedersen (1959, pp. 241-258).
4 Sobre o indo-germânico, ver Meyer (1892, pp. 125-130), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 209, n. 35).

227
5 Sobre indo-europeu , ver Siegert (1941-1942, pp. 73-99), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 209-210, n. 36). Sobre

o uso de indo-europeu por Bopp, ver Introduction to Bopp (1833), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 210, n. 36)
e Pedersen (1959, p. 262, n. 2) .
6 Schlegel (1808, p. X ).
7 Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], p. 11); Rashed (1980, p. 10).
8 Como exemplo, ver o seguinte, escrito por Sir William Jones em 1784: "Desde que o Egito tem sido a grande fonte de

conhecimento para as partes ocidentais do globo, e a Índia para as mais orientais " (1784, p. 387) . No catálogo da
biblioteca de Göttingen, feito com base em critérios estabelecidos por Heyne nas décadas de 1760 e 1770, a mitologia
egípcia foi colocada sob o título "ocidental". Em determinado momento, no século XIX , foi transferido para a seção
"oriental".
9 Boon (1978, pp. 334-348); Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], pp. 27-33). A descrição que ele dá é a de uma "pré-

história" em vez de uma disciplina científica "real".


10 Jones (1786, p. 34); ver também Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], pp. 33-42).
11 Ver Thapar (1975; 1977, pp. 1-19). Ver também Leach (1986).
12 Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], pp. 51-80).
13 Ibidem, pp. 195-197.
14 Ibidem, pág. 59 e ver acima, Cap. 3 , n. 88.
15 Ibidem, pp. 78-80.
16 Veja abaixo, Cap. 6 e 9 .
17 Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], p. 59).
18 Carta a Ludwig Tieck, 15 de dezembro de 1803 (Tieck, 1930, p. 140), citada em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p.

207).
19 Schlegel (1808, p. 85); ver Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], p. 175); Timpanaro (1977, pp. XXII-XXIII ). Sobre

minha crença de que Jones estava certo e Schlegel - e mais tarde Bopp - estavam errados sobre isso, ver Introdução, p. 13 e
vol. II .
20 Schlegel (1808), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 208).
21 Schlegel (1808, pp. 60-70). Edição de vídeo também Timpanaro (1977, pp. XXI-XXIII ).
22 Schlegel (1808, pp. 68-69); ver também Rashed (1980, p. 11).
23 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 207).
24 Schlegel (1808, p. 55).
25 Timpanaro (1977, p. XIX ).
26 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 207).
27 Timpanaro (1977, pp. XX-XXI ).
28 Veja abaixo, Cap. 7 e 8 .
29 Schlegel (1808, pp. 41-59); Timpanaro (1977, p. XIX ).
30 Timpanaro (1977, p. XIX ).
31 Sobre a família linguística afro-asiática, ver Introdução e vol. II . Sobre Barthélemy, ver Capítulo 3 , n. 34 acima.
32 Schlegel (1808, pp. 55-59).
33 Humboldt (1903-1936, vol. IV , pp. 284-313). Vedi Sweet (1978-80, vol. II , pp. 403-404) . Em sua resenha de Sweet, o

professor Lloyd-Jones observa que Humboldt nem sempre é consistente a esse respeito (1982a, p. 73).
34 Humboldt (1903-1936, vol. V , pp. 282-292).
35 Ibidem, pág. 293. Schlegel também fez uma comparação semelhante entre as duas línguas (1808,

pp. 45-50).
36 Ver as cartas de Humboldt, reimpressas em Schlesier (1838-40, vol. V , p. 300) e em van Sydow (1906-1916, vol. VII ,

p. 283). Ver também Sweet (1978-1980, vol. II , pp. 418-425) .


37 Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], pp. 482-486).
38 Sobre Grotefend e seus sucessores, ver Pedersen (1959, pp. 153-158); Friedrich (1957, pp. 50-68).
39 Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 130-137). Há um erro de impressão na pág. 131: "1769" deve ler 1799.
40 Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 63 e segs).
41 Veja Cordier (1904-1924).
42 Cordier (1898, p. 46).
43 Schwab (1950 [tradução inglesa 1984], pp. 24-25). Schwab compartilhava muitos dos preconceitos dos homens sobre

os quais escrevia. Sua aversão ao Egito é refletida ao longo do livro.


44 Ibidem, pág. 488, que cita o escritor russo VV Bartold.
45 Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 128-52); Rashed (1980, pp. 10-11).
46 Ver Rahman (1982, pp. 1-9).
47 Nos casos das civilizações islâmica, indiana e chinesa, os empréstimos de suas formas posteriores são evidentes.

Mesmo os indiscutíveis sucessos ocidentais na leitura e compreensão de línguas escritas em cuneiforme teriam sido

228
impossíveis sem a continuidade das culturas persa, hebraica e árabe. Para o uso da cultura hermética e copta de
Champollion em sua decifração de hieróglifos, veja abaixo.
48 É absurdo negar o título de "historiador" a Sima Qian e aos subsequentes autores e compiladores de histórias

dinásticas chinesas, ou ao grande Ibn Khaldun e subsequentes "historiadores" muçulmanos. Para uma discussão sobre
isso no contexto islâmico, veja Abdel-Malek (1969, pp. 199-230). Uma sobrevivência da ideia de que apenas os arianos
podem escrever a história é encontrada naqueles que argumentam que apenas os hititas, que eram falantes indo-
europeus, inventaram a história no antigo Oriente Médio. Ver , por exemplo, Butterfield (1981, pp. 60-71) .
49 A influência da África e da Ásia na Europa antiga é o tema deste livro. Espero no futuro trabalhar em influências não

europeias subsequentes. Para a Europa como o único continente "científico", ver Rashed (1980).
50 Gobineau (1983, vol. I , p. 221).
51 Said (1974 [trad. It. 1991], especialmente pp. 85 e segs.).
52 Chaudhuri (1974).
53 Tocqueville (1856 [trad. It. 1981], p. 241). Para uma excelente revisão dessa transformação, veja Blue (1984, p. 3).
54 Humboldt (1826; 1903-1936, vol. V , p. 294).
55 Schleicher (1865), citado em Jespersen (1922, pp. 73-74).
56 C. Bunsen (1848-1860, vol. IV , p. 485). A ideia de que a verdadeira história não existe no Oriente remonta pelo menos

a Hegel.
57 Sobre as tentativas oficiais do cristianismo de recuperar terreno nessa área, ver Curtin (1964, pp. 228-243). Sobre

aqueles que afirmavam a poligênese no século XIX, ver Gould (1981, pp. 30-72). Edição de vídeo também Curtin (1971, pp.
1-33).
58 Veja mais tarde o Capítulo 6 , para o uso feito por Niebuhr e outros historiadores.
59 Cordier (1899, p. 382).
60 Ver , por exemplo, Bernier (1684), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 149).
61 «Punch», 10 de abril 1858, citado em Dawson (1967, p. 133) e Blue (1984, p. 3). [É oferecida uma tradução que capta

o espírito: John Cin-Chinese nasceu um delinquente, / Ele despreza a verdade, ele mente pelo sistema; / A besta, a mais
feia que erra neste mundo, / John Cin-Chinese desordena esta terra. / Su canta, cin-ciun-cian, cruel Cin-chinês, / Su canta
cian-ciun-cin, cabeça chinês-chinês, / O mundo te baniu, e Cobden, ele mesmo, / Ele não te redimirá: porque a proibição
não perdoa.// Olhos de porquinho, rabo de porco,/ E dieta de cachorros, ratos, caracóis, todos os animais/ Parece-lhe
delicadeza,/ Ele devora toda porcaria. // Beba chá de lichia, chinês-chinês astuto, / Fuja, chinês-chinês covarde, / John
Bull lhe dará refrigerantes - você pagará as contas, / John Bull abrirá seus olhos - meu chinês-John . [Ed.]
62 Cuvier (1817 [tradução inglesa 1831], vol. I , p. 53), citado em Curtin (1971, p. 8).
63 Gobineau (1983, vol. I , pp. 340-341).
64 Cuvier (1817 [tradução inglesa 1831], vol. I , p. 53), citado em Curtin (1971, p. 8).
65 Gobineau (1983, vol. II , pp. 339-340).
66 Gobineau escreve: "Não preciso acrescentar que a palavra honra, bem como o conceito de civilização que a inclui, são

completamente desconhecidos tanto para Gialli quanto para Neri" (1983, vol. I , p. 342).
67 Veja Introdução.
68 Heródoto, As Histórias , II . 104.
69 Ver Capítulo 4 , n. 81 acima.
70 Veja Devisse (1979, pt. I , p. 43 para representações cristãs primitivas; pt. II , pp. 82-84).
71 Devisse (1979, pt. II , pp. 136-194).
72 Ver Yates (1964 [trad. It. 1969], página de rosto e figs. 3-5).
73 Para os paralelos entre as imagens de Neri e Zingari , veja Child (1882-1898, vol. III , pp. 51-74). O fato de haver uma

confusão considerável nessa área é demonstrado pela representação tradicional inglesa da cabeça de um turco como a de
um africano negro. Ver acima, Cap. 4 , nn. 42-50.
74 Essa tradição e seu uso no século XVII são discutidos por Jordan (1969, p. 18).
75 Bernier (1684), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 149).
76 Gilman (1982, pp. 61-69).
77 Johnson (1768). Edição de vídeo também Moorehead (1962, p. 38). Cinquenta anos depois, Coleridge ainda brincava

com a ideia da Abissínia como centro de um Oriente idealizado. Vedi Shaffer (1975, pp. 119-121) .
78 Cuvier (1817 [tradução inglesa 1831], vol. I , p. 53), citado em Curtin (1971, pp. 8-9).
79 Ver Hartleben (1909, vol. II , p. 185); Bruce (1795, vol. I , pp. 377-400); Volney (1787,
pp. 74-77); Dupuis (1795 [trad. It. 1982], vol. I , p. 73).
80 Winckelmann (1764), citado em Gilman (1982, p. 26).
81 De Bross (1760). V edi Manuel (1959, pp. 184-209). Ao longo do século XVIII , ou mesmo no século XX , não consigo

encontrar uma referência que sugira o pensamento óbvio de que mesmo "fetiches negros" podem ter funções simbólicas
ou alegóricas. Vedi Horton (1967; 1973). Tal é a força do racismo!
82 Herder (1784 [trad. It. 1971], vol. I , p. 43).
83 Ver Rawson (1969, pp. 350-351); Jordan (1969, p. 237).

229
84 Ver Blumenbach (1865, pp. 264-265).
85 Curtin (1971, p. 9).
86 Gobineau (1983, vol. I , p. 347). Sobre a teoria de Schlegel, veja abaixo.
87 Jordan (1969, pp. 580-581).
88 Wells (1818, pp. 438-441), citado em Curtin (1964, p. 238).
89 Jeremias 13: 23.
90 Ver a reprodução como folha de rosto em Diop (1974) e em Tompkins (1978, p. 76).
91 Gran (1979, pp. 11-27).
92 Abdel-Malek (1969, pp. 23-64); Gran (1979, pp. 111-131).
93 Abdel-Malek (1969, p. 31).
94 Sabry (1930, pp. 80-82); St Clair (1972, pp. 232-238).
95 Sabry (1930, pp. 95-97); St Clair (1972, pp. 240-243).
96 Citado em Sabry (1930, p. 135).
97 Ibidem, pág. 396.
98 Ibidem, pp. 395-401.
99 Ibidem, pp. 405-541; R. e G. Cattaui (1950, pp. 138-216).
100 Abdel-Malek (1969, pp. 32-46).
101 Ibid, pp. 47-64.
102 Tocqueville diante dos inegáveis sucessos econômicos e sociais dos Cherokees justificou seu racismo atribuindo seu

progresso ao grande número de mestiços entre eles (1835-1840 [trad. It. 1982], vol. III , p. 142). Vedi Gobineau (1983, vol.
I , p. 207, nota de rodapé). A grande exceção a esse padrão é o Japão, que em escala e poder dificilmente poderia se
encaixar no sistema colonial, e que deve ser visto em conjunto com aquele peixe muito maior que é a China. No entanto, os
óbvios sucessos japoneses sempre foram explicados como uma espécie de "trapaça". E até a Segunda Guerra Mundial
insistiu-se, com base em estereótipos raciais, que os japoneses eram fisicamente incapazes de lutar contra os europeus
ocidentais.
103 Ver abaixo, Cap. 7 , n. 27.
104 Veja , por exemplo, o negro em atitude de triunfo, de pé atrás da figura de uma Grécia branca de peito nu na famosa

pintura de Delacroix intitulada Grécia expira nas ruínas de Missolungi .


105 Leia Dupuis, "Carta a Thelwall", 19 de novembro de 1796; Berkely, "Letter to Poole",
1 de novembro de 1796 e "To Thelwall", 17 de dezembro de 1796. Esta seção e as seguintes seguem de perto Bernal
(1986, pp. 21-23).
106 4 de novembro de 1816, citado em Manuel (1959, p. 278).
107 Hartleben (1906, vol. I , p. 140). Iversen (1961, p. 143) observa a reconciliação do rei com Champollion, mas não a

explica.
108 Gardiner (1927, p. 14).
109 Sobre a interpretação de Jomard do zodíaco, ver Tompkins (1978, p. 49. Sobre a possibilidade de que realmente

representasse uma tradição muito mais antiga, ver pp. 168-175).


110 Carta de Montmorency-Laval, 22 de junho de 1825, em Hartleben (1909, vol. I , p. 228).
111 Ver , por exemplo, as cartas de Champollion ao Abbé Gazzera, 29 de março e 19 de agosto de 1826; e seu diário

datado de 18 de junho de 1829 (Hartleben, 1909, vol. I , pp. 304, 348; vol. II , pág. 335); você vê também Marichal (1982,
pp. 14-15).
112 Marichal (1982, p. 28); Leclant (1982, p. 42).
113 Middlemarço . George Eliot transmitiu uma esplêndida mensagem dupla ao escolher o nome incomum Casaubon. Ele

certamente estava ciente de que o mictório era ao mesmo tempo um estudioso do passado e um pioneiro e os novos
estudos marcados pelo ceticismo.
114 Humboldt, Gegen Aenderungen des Museumsstatuts , 14 de junho de 1833 (1903-1936, vol. XII ,

pp. 573-581), citado em Sweet (1978-80, vol. II , pp. 453-454).


115 F. Bunsen (1868, vol. I , p. 224). Isso se deveu em parte ao fato de que seria necessário aprender copta.
116 F. Bunsen (1868, vol. I , p. 254).
117 "Carta a sua irmã Cristina", 28 de dezembro de 1817, em F. Bunsen (1868, vol. I , p. 137).
118 F. Bunsen (1868, vol. I , p. 244); C. Bunsen (1848-1860, vol. I , pp. I , IX ).
119 C. Bunsen (1848-1860, vol. I , p. 210).
120 Ver , por exemplo, o tom belicoso de R. Brown (1898). Para desenvolvimentos posteriores, ver abaixo, Cap. 9 , n. 4.
121 Sobre a plausibilidade de tais concepções à luz da mais recente massa de informações, ver a Bibliografia sobre o

assunto no vol. II .
122 C. Bunsen (1848-1860, vol. IV , p. 485).
123 Hegel (1840 [trad. It. 1941], pp. 272-281).
124 Hegel (1833 [trad. It. 1930-34], vol. I , pp. 136-167, 220-221).
125 C. Bunsen (1848-1860, vol. IV , pp. 440-443).

230
126 Beth (1916, p. 182).
127 De Rougé (1869, p. 330), citado em Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 18). Segundo Budge (1904, vol. I , p.
142), Champollion Fiçeac, o devotado irmão mais velho de Jean-François, acreditava na existência de um monoteísmo
egípcio. Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 18) usa a frase significativa "ele já havia proposto". Isso pressupõe que
a disciplina moderna da egiptologia deveria ter sido completamente desvinculada de sua "pré-história" e que tudo nela
era uma nova descoberta.
128 Brugsch (1891, p. 90), citado em Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 22) e Renouf (1880,

p. 89). Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 23).


129 Prefácio à segunda edição, citado em Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 19).
130 Ibid, p. 24.
131 Lieblein (1884), citado em Budge (1904, vol. I , pp. 69-70).
132 Maspero (1893, p. 277).
133 É digno de nota que esse interesse esclarecido por uma civilização não-europeia persistiu quando o filho de Maspero,

Jean, tornou-se um proeminente sinólogo. Jean morreu lutando pela Resistência na Segunda Guerra Mundial.
134 Maspero (1893, p. 277).
135 Ibid .
136 Budge (1904, vol. I , p. 143).
137 Ibidem, p. 68. Sobre a derivação do grego ῎ανθος (flor), mas originalmente (crescimento) de ntr , ver vol. II .
138 Ver Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], pp. 24-32).
139 Bezzenberger (1883, p. 96).
140 Erman (1883, p. 336); o desafio veio de Weise (1883, p. 170).
141 Erman (1883, pp. 336-338). Claro, eu argumento que a razão pela qual é tão fácil encontrar correspondências entre

palavras gregas e egípcias é que entre 20 e 25 por cento do vocabulário grego é na verdade derivado do egípcio!
142 Gardiner (1945-1955, p. 23).
143 Ver Capítulo 2, n. 57.
144 Ibid .
145 Kern (1926, p. 136, nº 1).
146 Gardiner (1927, pp. 4, 24). Vale a pena apontar que os egípcios de Gardiner eram categoricamente diferentes dos

gregos de Winckelmann na medida em que careciam de poesia e espiritualidade. A egiptologia do final do século 19 e
início do século 20 estava muito relutante em reconhecer a sofisticação da literatura egípcia. Edição de vídeo também a
recente discussão do Conto "prosaico" de Sinube ( Baines, 1982). Da mesma forma, havia uma tendência a definir a
"literatura de sabedoria" egípcia como utilitária e não religiosa. Tendência que foi abandonada nos últimos vinte anos.
Vedi RJ Williams (1981, p. 11).
147 Gardiner (1942 [trad. It. 1953], p. 58).
148 Ibidem, p. 69).
149 Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], p. 24).
150 Murray (1931; 1949). Vedi Černy (1952, p. 1).
151 Drioton (1948a).
152 Brunner (1957, pp. 269-270). Ver também bibliografia em Hornung (1971 [tradução inglesa 1983], pp. 28-29).
153 Curl apresenta esse argumento (1982, p. 107).
154 Ver Iversen (1961, pp. 131-133); Curl (1982, pp. 107-152); Tompkins (1978, pp. 37-55).
155 Curl (1982, pp. 153-172).
156 Farrel (1980, pp. 162-170). Não trata da possível influência da Maçonaria na "Egiptização" dos costumes funerários

americanos. Seria interessante, por exemplo, considerar a influência do esplêndido funeral maçônico de George
Washington. Pode ser inevitável que os estudiosos, como todos os outros, venham a maltratar seus predecessores, mas
ainda é triste que o professor Farrel seja tão desdenhoso de Jessica Mitford (p. 213), que foi a iniciadora desse importante
campo e da qual ele roubou o título.
157 Mayes (1959, p. 295); Wortham (1971, p. 92).
158 Brodie (1945, pp. 50-53); Franklin (1963, pp. 70-79); Irwin (1980). Isso não significa negar a importância dos

hieróglifos na literatura européia do século XIX ( ver Dieckmann , 1970, pp. 128-137); Limito-me a dizer que eles
desempenharam um papel mais central nos Estados Unidos.
159 Iversen (1961, p. 121).
160 Manuel (1956, pp. 155-156); sobre a centralidade do Egito no pensamento de Swedenborg, ver Dieckmann (1970,

pp. 155-160); sobre teosofia, ver Blavatsky (1930 [trad. it. 1953]; 1931).
161 Abdel-Malek (1969, p. 190). Pousada. 4 nessa página, ele cita uma carta de Jean Dautry na qual este escreve: "Nem

em suas obras publicadas, nem nas inéditas, Saint-Simon nunca menciona o Canal de Suez, mas certamente deve tê-lo
referido em seu conversas sobre comunicações transoceânicas.
162 Abdel-Malek (1969, pp. 189-198). Para uma imagem visual do despertar, veja o medalhão de bronze cunhado em

comemoração à publicação de La Description de l'Égypte , datado de 1826. O reto representa a redescoberta do Egito: uma

231
rainha egípcia é removido o véu; ao lado está uma figura de pé da Gália, representada por um general romano vitorioso. O
versículo mostra uma série de deuses e deusas egípcios. Esta imagem é reproduzida na capa de Curl (1982).
163 Ver Abdel-Malek (1969, p. 302); Curl (1982, p. 187). Verdi também foi convidado a compor um hino nacional egípcio.
164 Curl (1982, pp. 173-194).
165 Black (1974, pp. 4-6).
166 Smith (1911, pp. 63-130).
167 Isso não exclui, no entanto, a possibilidade de que monumentos que datam do terceiro milênio - como Silbury Hill -

ou do segundo milênio - como as últimas etapas de Stonehenge - tenham sido influenciados por desenvolvimentos no
Egito e na orientação mediterrânea.
168 Isso não significa negar a natureza fundamentalmente local da agricultura americana e das civilizações que se

basearam nela, ou a possibilidade de que a mumificação atestada no deserto do Atacama possa remontar ao quarto
milênio e, portanto, ser indígena. Por outro lado, também é muito provável que as culturas americanas - pelo menos a
partir da civilização olmeca, sediada no leste do México e que remonta ao início do primeiro milênio - tenham recebido
influências africanas consideráveis; ver Van Sertima (1976; 1984). Para documentação igualmente indispensável da
influência do Leste Asiático na América, ver Needham e Lu (1985). Para uma refutação das influências extracontinentais
na América pré-colombiana, ver Davies (1979). Ele é particularmente hostil à ideia de que houve iniciativa e influência
africanas (pp. 87, 93). Embora seja certo que o difusionismo foi muito influenciado pelo imperialismo, neste caso se diria
que o isolacionismo deve estar relacionado à crença de que somente a Europa, o "continente universal", é capaz de
conectar os demais continentes.
169 Langham (1981, pp. 134-199).
170 Elkin (1974, pp. 13-14); Langham (1981, pp. 194-199).
171 Jomard (1829a; 1829b); você vê também Tompkins (1978, pp. 44-51).
172 Ver acima, n. 109.
173 Ver Tompkins (1978, pp. 93-94).
174 Ibidem, p. 169.
175 Ibid, pp. 77-146.
176 Ibidem, pp. 96-107.
177 Petrie (1931); Tompkins (1978, p. 107).
178 Schwaller de Lubicz (1958; 1961; 1968). Edição de vídeo também Tompkins (1978, pp. 168-175).
179 Sticks (1957; 1961; 1978).
180 Ver de Santillana (1963); de Santillana e von Dechend (1969). Sobre a precessão dos equinócios, ver Capítulo 2 , n. 9.
181 Ver Neugebauer (1945). Sobre Copérnico, ver Capítulo 2, nn. 110-111.
182 Neugebauer e Parker (1960-1969). Sobre desprezo, ver , por exemplo, Neugebauer (1957 [trad. It. 1974], pp. 94-96).
183 Neugebauer (1957 [trad. It. 1974], p. 102).
184 Ibid, p. 122.
185 Ibid .
186 Lauer (1960, p. 11).
187 Ibid, p. 10.
188 Ibid, pp. 4-5; 13-14; 21-24. Sobre a questão do côvado, ver Tompkins (1978, p. 208).
189 Lauer (1960, pp. 1-3).
190 Brunner (1957, pp. 269-270). Não especifica as pirâmides de que trata.
191 Lauer (1960, p. 10).
192 Drioton e Vandier (1946, p. 129), citado em Lauer (1960, p. 4).
193 Drioton, Prefácio de Lauer (1948), citado em Tompkins (1978, p. 208).
194 Ver Brunner (1957); Brunner-Traut (1971).

232
6. Ellenomania, 1
A queda do modelo antigo. 1790-1830

Este capítulo é quase inteiramente dedicado aos desenvolvimentos intelectuais que


ocorreram no norte da Alemanha, o norte protestante, durante um período de quarenta
anos. O prazo pode parecer curto, mas abrange a Revolução Francesa, as conquistas
napoleônicas, o crescendo do nacionalismo alemão contra os franceses, os anos de reação e
o estabelecimento da Prússia como um estado alemão dominante e centro de atração para
todo nacionalismo alemão. . .
É precisamente neste período crítico que a nova Philologie ou Altertumswissenschaft
(ciência da antiguidade) se estabelece como uma disciplina de vanguarda no sentido
moderno. Foi, de fato, o primeiro a estabelecer uma rede meritocrática diminuta de
relações aluno-professor, seminários ou departamentos capazes de manobrar para garantir
a maior parcela possível de financiamento estatal, e revistas especializadas escritas em
jargão profissional para levantar uma barreira entre os profissionais da disciplina e os
público leigo.
Defendo que os desenvolvimentos acadêmicos e intelectuais devem ser vistos em
conjunto com os sociais e políticos. É interessante notar que algumas das principais
personalidades do campo da linguística e da história, como Humboldt e Niebuhr, também
desempenharam um papel ativo não apenas no estabelecimento da nova disciplina, mas
também na fundação do novo sistema universitário em em geral. E também foram políticos
importantes no cenário nacional.
É muito significativo que o período de sua maior influência política tenha coincidido
com as reformas que o governo prussiano se sentiu obrigado a fazer após a derrota
catastrófica infligida a Jena em 1806 pelos exércitos napoleônicos. O desenvolvimento e a
ampla difusão da nova Altertumswissenschaft , que Humboldt colocou no centro de seu
conceito de Bildung (formação cultural e moral), deve ser vista como uma dessas reformas.
Humboldt e seus amigos conceberam o estudo da "Antiguidade em geral e dos gregos em
particular" como um meio de reconstruir a integridade da vida dos estudantes e do povo
em sentido amplo, opondo-se à fragmentação produzida pela sociedade moderna. Em um
sentido mais imediato, Humboldt e outros conceberam os estudos clássicos como um meio
de promover uma reforma "genuína", pela qual, através da Alemanha, eles poderiam ter
evitado uma revolução semelhante à francesa que tanto os horrorizou. Desde o seu início,
portanto, a Altertumswissenschaft na Alemanha – como seu equivalente, Classics , na
Inglaterra – foi entendida por seus promotores como uma “terceira via” entre reação e
revolução. Na realidade, serviu como suporte do status quo. As instituições educacionais e a
Bildung clássica com que foram infundidas tornaram-se os pilares da ordem social
prussiana e alemã do século XIX.
O núcleo central da Altertumswissenschaft era a imagem do homem grego, divino, como
capaz de arte e filosofia. Também era necessário que os gregos - como queria a imagem
idealizada dos alemães - fossem integrados ao seu solo natal, e fossem puros. O modelo
antigo, com suas várias invasões e frequentes empréstimos culturais e as consequências

233
implícitas da mistura racial e linguística, tornou-se cada vez mais intolerável. É somente
nesse contexto político e social que é possível compreender o ataque que um dos primeiros
produtos do novo sistema, Karl Otfried Müller, fez à autoridade das fontes do modelo
antigo.
Em 1821, um ano após a publicação de Orchomenos und die Minyer , o livro no qual ele
expôs seus argumentos, a Guerra da Independência Grega estourou e a Europa Ocidental
foi dominada por uma onda de pró-helenismo. Nesse clima de helenomania antiasiática e
antiafricana, a defesa do modelo antigo tornou-se quase impensável; paradoxalmente, o
único defensor notável que ele encontrou foi o grande estudioso da história antiga Barthold
Niebuhr, que trabalhou tanto para introduzir o romantismo e o racismo na historiografia.
Após a morte de Niebuhr em 1831, tornou-se difícil, se não impossível, para estudiosos
"sérios" argumentar que os egípcios haviam colonizado a Grécia ou desempenhado um
papel importante na formação da civilização grega.

Friedrich August Wolf e Wilhelm von Humboldt


Tendo considerado a "queda" do Egito, devemos agora nos voltar para a "ascensão" da
Grécia. Friedrich August Wolf, o aluno mais conhecido de Christian Gottlob Heyne, estudou
em Göttingen por apenas dois anos, de 1777 a 1779. Mas graças a essa experiência, e ao
Zeitgeist , ele se tornou em muitos aspectos o expoente mais completo do positivismo
romântico. 1 Foi discípulo de Winckelmann, fiel à crença no desenvolvimento histórico por
etapas, apaixonado pela Grécia. Como patriota alemão, foi profundamente influenciado pelo
movimento de autenticidade e pela importância que atribuiu ao Volkslied (canção popular e
poesia). Ele também se considerava um seguidor da tradição romântica nos estudos
homéricos, que foi discutido na discussão de Madame Dacier e Vico, e nesse campo estava
convencido de que tinha uma afinidade especial com Bentley. 2
Wolf uniu todas essas tendências. Trabalhando no contexto de uma análise textual
detalhada, ele chegou a conceber a Ilíada e a Odisseia como um produto da infância da raça
grega e, implicitamente, europeia. Com base em tais sentimentos e na antiga tradição de
que Homero era cego, Wolf chegou à crença de que os dois épicos foram compostos
oralmente, muito antes de os gregos possuírem um alfabeto. 3 Em sua opinião, os dois
poemas eram longos demais para serem obra de um bardo analfabeto. Eles devem,
portanto, ter sido criados por vários poetas populares e depois reunidos em uma
compilação ou, como ele acreditava, escritos na Atenas do século VI . A partir dessas
hipóteses, Wolf chegou à perfeita conclusão romântica: os épicos homéricos não deveriam
ser considerados a obra de um único autor, mas o produto da infância do Volk
grego/europeu como um todo. 4
Muitas dessas idéias vieram dos escritores escoceses e de Robert Wood, o amador
romântico que - como você deve se lembrar - havia lido a Ilíada in situ . Mas a competência
de Wolf como crítico textual e a dignidade de professor universitário deram-lhes uma
autoridade acadêmica essencial no novo mundo do conhecimento "profissional". 5 Deve-se
dizer também que, pelo menos no papel, o rigor científico de Wolf parece ser bastante
tênue. Embora seja um trabalho muito estimulante, seus Prolegomena ad Homerum foram

234
considerados "um trabalho apressado", e o corpus de seus escritos "não parece muito em
uma biblioteca". 6
O trabalho de Wolf está todo na esteira da Altertumswissenschaft que ele mesmo havia
estabelecido. Quando se matriculou na Universidade de Göttingen em 1777, ele se
autodenominou "estudante de filologia", o que na época era um sinal de uma atitude
radical. 7 Mais tarde, porém, definiu o estudo dos textos clássicos - acompanhados pela arte
clássica e pela arqueologia - Altertumswissenschaft , ou "ciência da antiguidade". Wolf foi
considerado o fundador, embora tenha derivado claramente a forma disciplinar de seu
professor Heyne e o conteúdo, em última análise, de Winckelmann, enquanto o nome foi
retirado do novo léxico de ciência e progresso difundido na Alemanha por Kant. 8 A maior
aptidão de Wolf era o ensino, e como professor em Halle na década de 1780, ele
popularizou a nova disciplina e o seminário como método de ensino e base institucional
para pesquisa. A fama de Wolf foi assegurada por sua amizade com o jovem aristocrata
prussiano Wilhelm von Humboldt.
Antes de examinar essa relação e as extraordinárias consequências culturais e
institucionais que teve, gostaria de considerar por um momento as posições políticas tanto
do helenismo romântico quanto do positivismo de Göttingen. Como estou argumentando,
havia uma relação estreita entre eles. Os partidários de ambos se viam como
"progressistas" e eram a favor de pequenos estados "livres". Havia, no entanto, uma
ambiguidade considerável sobre o significado de "livre". Além disso, quando chegou à
prova da Revolução Francesa, quase todos aqueles que compartilhavam dessas ideias e
sentimentos se afastaram dela, assustados com a ameaça que representava para o
privilégio, por sua violência e pelo que lhes parecia uma maneira "não natural" ou
"inorgânico" para alcançar a "liberdade". É preciso ter em mente esse pano de fundo para
entender as reformas que planejaram e empreenderam posteriormente.
Wolf e Humboldt tornaram-se amigos íntimos nos anos 1792-1793, no auge da
Revolução. A partir de suas discussões, Humboldt compôs um Skizze ou esboço, Über das
Studium des Altertums und des Griechischen insbesondre. 9 Embora inédito em vida, foi lido e
criticado por Wolf e pelo grande poeta, dramaturgo e filósofo Schiller. O projeto também
assumiu grande importância, pois expressava as ideias que Humboldt mais tarde tentaria
colocar em prática quando se tornasse ministro da Educação da Prússia.
Para Humboldt havia dois fatores que justificavam a centralidade atribuída ao estudo da
Antiguidade na educação geral. Havia, em primeiro lugar, razões estéticas óbvias para
estudar os gregos, argumentou ele, mas muito mais importante era a fé de que, conhecendo
os homens da Antiguidade intocados pela alienação, uma nova sociedade de homens
melhores. Tal estudo deveria, portanto, estar no centro da Bildung , ou formação cultural e
moral. Com a típica preocupação romântica com o desenvolvimento e a formação
progressiva ao longo do tempo, Humboldt valorizava o estudo dos Antigos não tanto como
um objetivo, mas como um processo. Ele acreditava que compreender o complexo
desenvolvimento orgânico da Antiguidade de alguma forma ampliaria e fortaleceria os
poderes criativos do aluno. 10
É possível que ele originalmente pretendia que esta Bildung fosse destinada a toda a
população. Na verdade, porém, tornou-se a marca de uma elite meritocrática. 11 E nesse
sentido, um desafio para a aristocracia. Seu objetivo era reformar a Prússia no contexto da
cultura alemã, evitando os horrores da Revolução Francesa. Über das Studium des Altertums

235
foi escrito durante o julgamento de Luís XVI , sobre o qual Humboldt escreveu na época:
"esta pena de morte e esse julgamento horrível deixaram manchas que nunca poderão ser
apagadas". 12 Na França, as classes altas leram Anacharsis de Barthélemy como uma fuga das
tensões e horrores da Revolução, e não há dúvida de que o estudo dos gregos também
ofereceu uma fuga para Humboldt e seu amigo Schiller. 13 Mas era muito mais; o estudo e a
imitação dos gregos, em sua opinião, eram formas de transcender os extremos da revolução
e da reação. Da mesma forma, na famosa série de cartas de Schiller sobre a Educação
Estética do Homem , a quinta carta, que tratava do caos da Revolução Francesa, era seguida
pela sexta, que tratava da função harmonizadora derivada do estudo dos gregos. 14

As reformas de Humboldt na educação


Objetivamente, por mais subjetivas que fossem suas posições políticas, Humboldt e Schiller
ajudaram a defender o status quo. Foi justamente a esse tipo de radical inofensivo que a
monarquia prussiana se voltou após a humilhação sofrida por seu governo tradicional e seu
querido exército após a derrota catastrófica infligida por Napoleão em Jena em 1806. Em
1809, entre outras reformas empreendidas para Enfrentar o desafio de França
revolucionária, Humboldt recebeu a tarefa de reorganizar o sistema de educação pública.
Na base da nova estrutura, ele colocou o conceito de Bildung , que em sua opinião teria
dado nova vida ao povo alemão após as derrotas esmagadoras. No ensino superior, ele
conscientemente rejeitou o modelo das Écoles Polytechniques francesas, que favorecia a
matemática e as ciências naturais, e preferia escolas nas quais um conceito muito mais
amplo de Wissenschaft era ensinado . Obviamente, o novo currículo prussiano teria contido
matemática, história e línguas entre as principais disciplinas. No entanto, as prioridades de
Humboldt ficam claras para nós pelo fato de que nos primeiros cinco anos nenhuma
matemática foi ensinada em sua principal criação, a Universidade de Berlim. 15
O estudioso mais eminente que Humboldt recrutou para Berlim foi Wolf, que, como
vimos, introduziu o seminário que dali se espalhou para a Prússia, depois para a Alemanha
e além. Esse sistema, que insiste em que o aluno aprenda ativamente por meio de sua
própria pesquisa, parece oferecer aos alunos muito mais liberdade e mais oportunidades
para serem originais do que a aula acadêmica tradicional. Embora essa forma de ensino
tenha produzido grandes conquistas científicas nos últimos 180 anos, é claro que ela
também pode ser usada, e é usada, como uma ferramenta eficaz para controlar tanto a
escolha quanto a maneira de lidar com os temas acadêmicos.
O método do Altertumswissenschaft seguido por Wolf foi inspirado no de Heyne e na
escola de Göttingen. Ele rejeitou o que, em sua opinião, era a busca conceitual abstrata de
universais típicos do Iluminismo, preferindo um confronto direto com o particular e uma
crítica meticulosa das fontes. Completamente alheio ao que, em retrospectiva, poderíamos
ver como seu intenso romantismo, ele foi capaz de escrever: “Toda a nossa pesquisa é
histórica e crítica não das coisas que esperamos, mas dos fatos . As artes certamente devem
ser amadas, mas a história deve ser reverenciada.' 16
Essa abordagem simplista dominou o campo da historiografia e dos estudos clássicos
desde então. Humboldt, pelo menos em seus últimos anos, foi muito mais perspicaz. Em seu
ensaio A tarefa do historiador , ele reconheceu que a compreensão do passado requer muito

236
mais do que uma descrição externa. O que era necessário era um equilíbrio adequado entre
"observação racional" ( beobachtender Verstand ) e "imaginação poética" ( dichtende
Einbildungskraft ). O historiador, porém, ao contrário do poeta, deve subordinar sua
imaginação à investigação da realidade e "deve necessariamente ceder ao poder da forma,
tendo constantemente em mente as ideias que lhe servem de leis". 17 No século XIX, tais ideias
certamente incluíam as "leis científicas da raça".
Humboldt também tentou abordar as dificuldades da relação entre sujeito e objeto na
investigação histórica, investigação que ele acreditava só ser possível graças a um
sentimento de afinidade semelhante ao que existia entre a Alemanha e a Grécia Antiga.
Escrever uma história da antiguidade era, portanto, possível. Ao mesmo tempo, porém,
acreditava-se que os gregos transcendiam a história. Como escreveu em outro ensaio:
Nosso estudo da história grega é, portanto, uma questão muito diferente de outros estudos históricos. Para nós,
os gregos se desvinculam do círculo da história. Se isso for levado em conta, o fato de seus destinos fazerem
parte da cadeia geral de eventos é de menor importância para nós. Não seríamos capazes de reconhecer nossa
relação com eles se ousássemos aplicar a eles os critérios válidos para o resto da história mundial. O
conhecimento dos gregos não é apenas agradável, útil ou necessário para nós - certamente não; só nos gregos
encontramos o ideal do que gostaríamos de ser e produzir. Se cada parte da história nos enriqueceu com sua
sabedoria ou experiência humana, o que podemos extrair dos gregos é, em certo sentido, mais do que terreno -
quase divino. 18

A concepção de Humboldt da qualidade transcendente da história grega foi acompanhada


por uma ideia da língua grega. Em sua opinião, não era uma Ursprache ou "língua original"
como o sânscrito, mas uma língua em perfeito equilíbrio entre vitalidade juvenil e
maturidade filosófica, que refletia aquela dupla atitude em relação à estética e à filosofia
que era atribuída aos gregos desde a década de 1780 19 _
A importância central da língua, sua relação fundamental com a nação e o caráter
nacional, e o fascínio romântico por esses três aspectos, são tópicos que já foram
mencionados. 20 Humboldt, que embora multifacetado era fundamentalmente um linguista,
tendia a considerar a linguagem como uma variável fixa essencialmente independente. 21 A
natureza da língua grega foi de importância decisiva para ele. Além disso, como sempre - ou
pelo menos desde o século XV - o interesse pela língua grega andou de mãos dadas com o
interesse pela língua alemã. 22 Com o crescimento do nacionalismo alemão ocorrido no auge
da guerra de libertação contra Napoleão em 1813-14, houve uma glorificação da língua
alemã, cuja principal virtude, ao contrário do francês, teria sido a de ser uma língua echt
(autêntico ) e rédea (pura). 23
Muito antes disso, em seu Skizze de 1793, Humboldt havia argumentado que a
excelência do grego consistia precisamente no fato de não ser contaminado por elementos
estrangeiros. Assim , o grande linguista, particularmente fascinado pelas complexidades das
misturas linguísticas, suspendeu suas faculdades críticas diante do grego, assumindo a
"pureza" da língua como artigo de fé. Essa noção intrinsecamente implausível teria sido
considerada absurda antes do triunfo do helenismo romântico, mas, com algumas
distinções, tornou-se canônica na Altertumswissenschaft e nos estudos clássicos modernos.
Desde então, apenas nomes de bens de luxo claramente orientais foram isentos do embargo
total imposto aos empréstimos de línguas afro-asiáticas.
Humboldt e os outros românticos, embora insistindo na infinita variedade de sociedades
e na ausência de universais proclamados pelo Iluminismo, acreditavam, no entanto, que

237
havia uma direção geral determinada por uma ordem interna, uma força ou um ser
supremo. 25 Os gregos foram concebidos como se tivessem transcendido o caos mundano e
estivessem mais próximos do melhor inefável. Em certo sentido, portanto, os próprios
gregos eram o universal humano.
Precisamente por isso, e por sua suposta transcendência das leis históricas e
linguísticas, os gregos vieram a se colocar no centro da Bildung , por meio da qual os jovens
líderes da Alemanha viriam a se compreender e se reconstruir. Foi com propósitos
equivalentes que a Altertumswissenschaft e os Clássicos se espalharam pelo resto da Europa
e seus ramos: apesar do aparato científico, o papel que os estudos clássicos
desempenharam na formação da classe dominante continuou a ter maior importância do
que a investigação histórica ou a linguística. . Enquanto o pró-helenismo do início do século
XIX - mesmo sendo totalmente racista - tinha tanto aspectos radicais quanto reacionários, a
disciplina dos estudos clássicos foi conservadora desde o início. As reformas educacionais
em que foi dado um lugar de destaque foram tentativas sistemáticas de evitar ou impedir a
revolução. 26

Os pró-helenos
Para entender a queda do modelo antigo na década de 1820, devemos começar por
considerar o ambiente político geral e ideológico em que essa mudança ocorreu. Um fator
decisivo foi o movimento pró-helênico, que no século XIX serviu como o que poderíamos
chamar de "ala radical" do movimento romântico. O pró-helenismo tendia a compartilhar a
rejeição romântica da industrialização urbana, o universalismo e a racionalidade do
Iluminismo e da Revolução Francesa. Por outro lado, enquanto as principais tendências do
romantismo se voltavam para o passado medieval e para o cristianismo - especialmente
católico - os pró-helenos eram às vezes céticos na religião ou ateus e radicais na política. 27
Quando jovens, por exemplo, Hegel e Friedrich Schlegel amavam os gregos, mas à medida
que envelheciam e se tornavam cada vez mais conservadores, eles se voltavam para o
cristianismo. 28 A esquerda hegeliana, incluindo Marx, manteve o interesse apaixonado do
jovem Hegel pela Grécia.
As razões para esse entusiasmo radical parecem óbvias. Comparados a Roma - ou
mesmo Egito ou China - os estados gregos eram de fato modelos de liberdade. Além disso,
essa tensão dentro do movimento romântico continuou. Tanto o renascimento do sistema
escolar público , no qual os futuros líderes se tornariam cavalheiros cristãos estudando
clássicos pagãos, quanto o movimento destinado a criar um cristianismo indo-germânico
ou helênico podem ser vistos como tentativas de fundir essas duas alas do romantismo.
movimento. 29
A experiência da Revolução Francesa e o triunfo da reação depois de 1815 causaram
muitas decepções amargas entre os românticos da classe alta. No entanto, o amor pela
liberdade renasceu - embora apenas de forma alienada - com a eclosão da Guerra da
Independência Grega em 1821, e os alemães foram a nação que se envolveu mais rápida e
profundamente. De fato , seu movimento de apoio aos gregos foi o único centro importante do
liberalismo na Alemanha: mais de trezentos alemães foram lutar na Grécia e foram apenas
a ponta do iceberg de um movimento que envolveu dezenas de milhares de pessoas,

238
principalmente estudantes e acadêmicos. 31 Muitos franceses e italianos também partiram,
apoiados por numerosos comitês pró-helênicos, e houve um forte movimento também nos
Estados Unidos. Embora apenas dezesseis norte-americanos tenham chegado à Grécia, os
sentimentos pró-helênicos generalizados despertados pela guerra deram grande impulso
às fraternidades "helênicas" - aquelas marcadas com uma letra grega - dos Estados Unidos.
A outra grande influência nas organizações estudantis americanas veio das ligas estudantis
alemãs de queima de livros ressuscitadas entre 1811 e 1819 pelo excêntrico professor e
promotor de educação física "pai" Jahn para apoiar o nacionalismo romântico da guerra de
libertação. As ligas estudantis de ambos os países mantiveram a atitude chauvinista, fortes
preconceitos anti-intelectuais e o culto da força física desejado por seus fundadores. 32
Os britânicos também se envolveram profundamente na causa grega. Vimos que os
poetas ingleses e escoceses se interessavam apaixonadamente pela Grécia desde meados
do século XVIII . Quando o friso do Parthenon, os chamados mármores de Elgin , foi exposto
em Londres em 1807, havia um desejo por arte grega pura que nunca havia sido vista antes.
33 Henry Fuseli viu aquelas bolinhas de gude e gritou "Qvei gregos eram tei, qvei gregos

eram tei!" 34
Fuseli, cujo nome original era Fiissli, o pintor e historiador de arte suíço, viveu em
Londres, onde difundiu as ideias de Winckelmann. A paixão pela Grécia e o ódio pelo Egito
parecem ter tido igual intensidade nele. Na sua opinião, a Grécia era "aquela costa feliz
onde, livre dos hieróglifos arbitrários, paliativos da ignorância, de um instrumento de
despotismo ou de um pesado monumento ao sono eterno que era, a arte emergia em vida,
movimento, liberdade". 35
Vale a pena notar, no entanto, que a ideia de uma Grécia emergindo do Egito implica
uma aceitação do modelo antigo que mais tarde os pró-helenos terão muita relutância em
admitir. Embora Fuseli fosse estrangeiro, suas opiniões sobre a Grécia não se afastavam
muito da opinião geral educada do primeiro quartel do século XIX.
Com o início da guerra em 1821, o entusiasmo pela Grécia cresceu para um frenesi.
Como Shelley escreveu:
Somos todos gregos. Nossas leis, nossa literatura, religião, artes, todas têm suas raízes na Grécia. Não fosse a
Grécia […] ainda seríamos selvagens e idólatras […]. A forma humana e a mente humana chegaram à perfeição
na Grécia; perfeição que imprimiu suas imagens naquelas produções imaculadas das quais um único fragmento é
suficiente para desesperar a arte moderna e que tem propagado impulsos que nunca podem cessar, através de
milhares de canais operando manifesta ou imperceptivelmente, para dar força e prazer aos homens até que a
extinção da própria raça humana. 36

Hellenomania foi muito bem lançada!


Apesar da eloquência apaixonada de Shelley e sua morte dramática por afogamento
quando estava prestes a partir para a Grécia, o poeta pró-helênico mais famoso da era
romântica foi Byron. Não é por acaso que ele veio da Escócia: as ligações entre aquele país
nórdico e a Escócia já foram apontadas no século XVIII . No início do século XIX , tais laços
envolviam não apenas Byron, mas também Sir Walter Scott, arauto do renascimento
medieval , e também a invenção de uma fictícia tradição sentimental nacional contra a qual
até Scott se opunha. 37 Embora um libertino vivo da era da Regência, Byron forneceu a
ligação entre o romantismo escocês e a Grécia. Uma década antes da revolta ele já havia

239
proclamado a necessidade da independência grega, e coroando tudo - com sentimentos
contraditórios, mas essencialmente românticos - foi à guerra para morrer ali. 38
Em toda a Europa Ocidental, a Guerra da Independência Grega foi vista como a luta
entre o vigor juvenil da Europa e a decadência, a corrupção e a crueldade asiáticas e
africanas:
Os bárbaros de Gengis Khan e Tamerlão renasceram no século XIX. Uma guerra até a morte foi declarada contra
a religião e a civilização da Europa. 39

Mesmo no século XVIII , o domínio turco sobre a Grécia e os Bálcãs começou a ser
considerado antinatural: uma consequência da conquista de uma raça superior por uma
raça inferior. Será lembrado que Christian Bunsen colocou os "turânicos" ou turcos entre os
chineses e os egípcios em sua hierarquia histórica de raças. No século XIX, acreditava-se que
a dominação dessa raça estava destinada ao fim e que, em qualquer caso, nunca poderia
levar a nenhum avanço da civilização.
Na virada do século, esse princípio foi aplicado sistematicamente a toda a história; as
idéias que foram mantidas sobre o domínio árabe e berbere da Espanha ofereceram um
exemplo claro de tal mudança. Antes de 1860, os britânicos e norte-americanos tinham
uma atitude simpática para com os mouros, pois o islamismo era menos pernicioso para
eles do que o catolicismo. Na virada do século, as motivações "raciais" transcenderam as
religiosas; portanto, a dominação árabe da Espanha começou a ser considerada estéril e
"condenada ao fim" por todos os seus oitocentos anos, em sua maioria prósperos. 40
A intensificação de sentimentos raciais semelhantes, causada pela Guerra da
Independência Grega, teve assim um efeito direto sobre o modelo antigo, pois primeiro os
egípcios e depois os fenícios passaram a ser percebidos como "racialmente" inferiores; as
lendas que se referiam não apenas à sua colonização, mas à civilização da "hélade sagrada"
tornaram-se não apenas desagradáveis, mas paradigmaticamente impossíveis. Como as
histórias de sereias e centauros, elas tiveram que ser rejeitadas, pois iam contra as leis
biológicas e históricas do século XIX. E as objeções a essa tradição encontraram força ainda
maior em outro aspecto que caracterizou a mudança ocorrida na passagem do Iluminismo
ao Romantismo. Como o Iluminismo atribuía grande importância ao refinamento cultural
progressivo, não era um grave insulto aos gregos se sua civilização fosse atribuída à
colonização egípcia e fenícia. Os românticos, por outro lado, enfatizavam a natureza e as
distintas essências nacionais permanentes; era, portanto, intolerável insinuar que os
gregos tivessem sido mais primitivos do que os africanos e os asiáticos.

Os gregos sujos e os dórios


Os pró-helênicos estavam mais interessados nos gregos clássicos do que em seus heróicos,
mas supersticiosos, cristãos e imundos "descendentes", a quem alguns apressadamente
chamavam de "eslavos bizantinos". 41 Os pró-helenos buscaram a essência pura da Grécia
antes que ela fosse contaminada pela corrupção oriental. Assim que chegaram à apoteose -
como vimos com Humboldt e Shelley - os próprios gregos antigos começaram a se revelar
um pouco abaixo dos novos e exaltados critérios. Critérios que cada vez mais exigiam
pureza cultural, linguística e, em última instância, "racial". Já na década de 1790, Friedrich

240
Schlegel havia encontrado tais modelos de perfeição nos espartanos, ou no grupo tribal
maior ao qual pertenciam, os dórios. Elizabeth Rawson, historiadora da imagem moderna
de Esparta, descreveu em que termos Schlegel escreveu sobre eles:
Desde o início, foi usada para eles uma linguagem semelhante à usada por Winckelmann para os gregos em
geral; eles falam de seu Milde Grossheit , "grandeza serena"; de fato, comparados aos jônios, mais facilmente
orientalizados, eles constituem o ramo mais antigo, mais puro e mais autenticamente helênico, ao qual se devem
duas atividades essenciais do espírito grego, a música e a ginástica. 42

Observe que Schlegel e muitos outros autores posteriores consideram esses dois aspectos
não-verbais, irracionais e - eu quase diria - "alemães" da cultura grega como os aspectos
essenciais. O nascimento da tragédia de Nietzsche , publicado em 1872, obra que atribui
particular valor à música dionisíaca e à paixão trágica em relação à razão apolínea, tem sido
muitas vezes visto como uma ruptura radical com a concepção de Winckelmann da
"grandeza serena" dos gregos. Na verdade, pertence a uma tradição alemã que remonta,
através dos poemas de Heine da década de 1840, a Heyne e ao dramaturgo Wieland no
século XVIII . 43
Durante os séculos 19 e 20 , o culto alemão (e identificação com) os dórios e lacônios
continuou a crescer até atingir o pico durante o Terceiro Reich. 44 No final do século XIX, alguns
escritores völkisch (populistas, nacionalistas) concebiam os dórios como arianos puro-
sangue do norte, talvez da própria Alemanha, certamente muito próximos dos alemães em
sangue e caráter arianos. 45
Tal entusiasmo não se limitou à Alemanha. Como John Bagnell Bury escreveu em sua
História da Grécia , publicada em 1900, e ainda em uso por ser considerada um clássico:
Os dórios tomaram posse do rico vale da Eurota e, mantendo seu estoque puro da contaminação com sangue
estrangeiro, submeteram todos os habitantes […]. A qualidade preeminente que distinguia os dórios [...] era o
que chamamos de "caráter" e foi na Lacônia que essa qualidade pôde se desenvolver e se desenvolver
plenamente, pois aqui, aparentemente, os dórios permaneceram nos dórios mais puros. 46

Curiosamente, Bury - como muitos dos classicistas britânicos mais proeminentes na virada
do século 19, incluindo John Pentland Mahaffy e William Ridgeway - eram de ascendência
protestante irlandesa. Todos estavam entusiasmados com a ideia do puro sangue nórdico, e
talvez germânico, dos dórios. Além de participar do racismo geral do período, fica claro que
na relação entre os teutões ingleses e os irlandeses, considerados “marginalmente
europeus”, eles viam uma analogia com a relação entre os dórios e as populações a eles
submetidas, os nativos pelasgos e os hilotas. 47 Ridgeway era um racista totalmente
consistente que, embora sua família vivesse na Irlanda por duzentos anos, gabava-se de
que "não tinha uma única gota de sangue gaélico nas veias". 48 No início deste século, os
espartanos - os "verdadeiros" gregos - eram, portanto, considerados racialmente puros e
até certo ponto nórdicos. A situação não era tão extrema no início do século XIX, mas é então
que as várias pressões começam a aumentar.

Figuras de Transição, 1: Hegel e Marx


Outro pré-requisito para examinar o ataque franco ao modelo antigo que ocorreu na
década de 1820 é considerar os pensadores que viveram na virada do período em que a

241
mudança ocorreu. Escolhi três exemplos para isso: Hegel e Marx; AHL Heeren; Barthold
Niebuhr.
Hegel nasceu em 1770 e atingiu o auge de seu poder e influência na década de 1820;
mas ele não foi aceito pelos filólogos, que, graças ao seu poder, conseguiram mantê-lo fora
da Academia Prussiana por anos. No entanto, ele teve uma posição central na filosofia
alemã da época, e também teve uma profunda influência sobre os historiadores românticos.
Também não há dúvida de que Hegel era típico de seu tempo. Ele amava a Europa ou, como

disse, a zona temperada; respeitava as montanhas da Ásia e da Índia; ele odiava o Islã e
tinha um total desprezo pela África. 50 Como a trajetória que ele traçou para o Espírito do
Mundo ia de leste a oeste, ele foi forçado a dizer que o Egito, estando mais a oeste, era mais
avançado que o leste da Índia. 51
As verdadeiras visões de Hegel parecem emergir em suas Lectures on the History of
Philosophy , que ele deu entre 1816 e 1830. Nelas, ele se deteve no pensamento chinês e
indiano, mas tocou o Egito de passagem apenas em relação às origens da filosofia. Grego: 52
É, portanto, inegável que Pitágoras trouxe do Egito a imagem de sua ordem, que consistia em uma comunidade
estritamente fechada para fins de educação científica e ética […]. Naquela época, o Egito era considerado um país
de civilização avançada, e isso realmente se comparava com a Grécia: essa civilização já se revelava na
ordenação das castas, que pressupõe a divisão do trabalho humano em vários ramos, técnico, científico,
religioso, etc. . . Além disso, porém, não se deve pedir aos egípcios grandes conhecimentos científicos, nem
acreditar que Pitágoras extraiu deles sua ciência. Aristóteles diz apenas ( Metafísica , I ) que "a matemática
surgiu primeiro no Egito, porque lá essa liberdade foi deixada à casta sacerdotal". 53

E em outro lugar Hegel escreveu:


Encontramo-nos entre os gregos como em nossa própria casa devido sobretudo ao fato de que eles nos
aparecem em seu mundo como em sua casa: estamos unidos pelo espírito comum de apego à pátria [...]. Os
gregos, sem dúvida, receberam mais ou menos da Ásia, Síria e Egito, as sementes substanciais de sua religião,
sua cultura, sua ordem social; mas foram capazes de anular tanto o que havia de estranho nessa origem, e assim
transformá-lo, elaborá-lo, derrubá-lo, enfim, torná-lo outra coisa, que tudo o que eles, como nós, apreciam,
reconhecem, amam, é precisamente o que é essencialmente eles. 54

Seguindo a tradição estabelecida por Epinomides , ele admitiu, portanto, os empréstimos


maciços, mas argumentou que os gregos os transformaram qualitativamente. 55
A tese de Hegel segundo a qual o Oriente é a infância da humanidade e a Grécia sua
adolescência é naturalmente muito semelhante às ideias do jovem hegeliano Karl Marx. 56
Ele argumentou que somente na Grécia o indivíduo havia cortado o cordão umbilical que o
ligava à sua comunidade e se transformou de Gattungswesen (ser pertencente a uma
espécie) em zōon politikon (animal político/habitante da cidade). Com seu amor ao longo
da vida por ela, Marx aceitou inteiramente a ideia predominante de que em todos os
aspectos de sua civilização a Grécia havia sido categoricamente diferente - e superior - de
tudo o que havia acontecido antes na história. 57 Mas Marx foi mais longe - como Shelley
havia feito, e com a mesma clareza - e chegou a afirmar que a Grécia superava em muito sua
própria posteridade. No entanto, tal afirmação trouxe consigo um problema: a Grécia veio
assim a se opor à corrente do progresso. Na tentativa de encontrar uma solução, Marx
escreveu na introdução aos Grundrisse , um rascunho preparatório de O Capital :

242
Para a arte sabe-se que certos períodos de seu florescimento não estão absolutamente relacionados com o
desenvolvimento geral da sociedade, nem, portanto, com a base material [...]. Por exemplo, os gregos
compararam com os modernos, ou mesmo Shakespeare.

No entanto, ele estava ciente do paradoxo implícito na afirmação de que "na sua forma
clássica, na forma que marca a época [...] algumas de suas manifestações importantes [...]
estágio de evolução artística".
Marx prosseguiu argumentando que a mitologia era impossível uma vez superada pela
realidade, como acontecera com os triunfos da indústria capitalista. Mas ele estava
convencido de que a mitologia só era possível em uma determinada sociedade, com suas
próprias formas sociais distintas:
A arte grega pressupõe a mitologia grega, ou seja, a natureza e as próprias formas sociais já elaboradas pela
imaginação popular de forma artística inconscientemente. Este é o material dele. Não qualquer mitologia, isto é,
não qualquer elaboração artística involuntária de naturan […]. A mitologia egípcia nunca poderia ter sido o
fundamento ou a matriz da arte grega. 58

Minha interpretação dessa passagem obscura, no que diz respeito ao tema deste livro, é a
seguinte: mesmo na década de 1850, quando escreveu os Grundrisse , Marx estava
suficientemente ciente do modelo antigo para ter de considerar a possibilidade de que a
mitologia grega - e portanto a arte - não se originou nas relações sociais da Grécia, mas no
Egito. Se ele aceitasse isso, sua tese perderia todo o sentido. 59 E ele viveu em uma época em
que todos estavam firmemente convencidos de que a Grécia estava categoricamente à
parte, distinta e superior ao Egito. A destruição do modelo antigo ofereceu assim à sua
geração aquela liberdade em relação a esse problema que Hegel não poderia ter. Para Marx
era possível negar completamente a influência egípcia na Grécia.

Figuras de transição, 2: Heeren


AHL Heeren nasceu em 1760, dez anos antes de Hegel, mas sobreviveu a ele por onze anos,
morrendo em 1842. Ele era genro de Heyne, e foi um proeminente professor de história em
Göttingen nas décadas de 1820 e 1830. desenvolvimentos técnicos, ele foi detalhado da
maneira usual de Göttingen. Como seu sogro, Heyne, e seu cunhado, Georg Forster, Heeren
era fascinado pelas explorações do século XVIII e em sua obra -prima, Ideen über die Politik,
den Vehrkehr und den Handel der vornehmsten Völker der alten Welt , ele aproximou tais
explorações da África e do Oriente Próximo a escritos antigos sobre o assunto.
As conclusões a que chegou sublinhavam a importância de Cartago, da Etiópia e do
Egito, e - embora em tom apologético, uma vez que tinha grande admiração pela Grécia - o
obrigavam a manter o modelo antigo para explicar os surpreendentes paralelos que via
entre esses culturas e a grega. 60
Heeren não foi bem tratado por seus contemporâneos que teriam influenciado a
posteridade. Humboldt o considerava "um homem bastante desbotado", e hoje é conhecido
sobretudo pela caricatura implacável que o poeta Heinrich Heine faz dele em seus
Reisebilders. 61 Heeren foi punido pelos românticos não apenas pelo tema que havia
escolhido, mas também por se envolver no modelo antigo por muito tempo. Somente
historiadores negros o lêem hoje. 62

243
Figuras de transição, 3: Barthold Niebuhr
A reputação de Niebuhr teve mais sorte do que a de Heeren. Ele é universalmente e
justamente reconhecido como o fundador da historiografia antiga moderna. Mas do ponto
de vista deste livro, o que lhe interessa é que ele se manteve dentro dos limites do modelo
antigo. Debruçar-me-ei um pouco sobre Niebuhr porque ele representou o pensamento
alemão avançado na virada do século XVIII e pela enorme influência que teve na maneira
como o século XIX entendia a história antiga e o “método” histórico correto. E é graças a ele
que vamos entender o quão impregnados eles eram, os dois, de romance e racismo.
Também incluí Niebuhr entre as figuras de transição porque, embora tenha feito
importantes contribuições às forças intelectuais e ideológicas que derrubaram o modelo
antigo, quanto a ele, ele aderiu a ele até o fim de sua vida. É possível que o tenha feito por
forte espírito conservador, ou por razões de rivalidade pessoal ou profissional. Os
argumentos pungentes que ele apresentou em apoio ao modelo antigo sugeririam o
contrário.

Barthold Niebuhr, nascido em 1776, originou-se de uma vasta linhagem teutônica. A família
era frísia de cultura alemã e viveu em Holstein e depois na Dinamarca. Seu pai, Carsten
Niebuhr, era um famoso viajante que viajou pelo Oriente, e foi funcionário da corte
dinamarquesa e da Universidade de Göttingen. Ele também era um anglófilo e a primeira
língua estrangeira que o menino aprendeu foi o inglês. Quase único em sua geração,
Barthold estudou na Grã-Bretanha. Carsten Niebuhr também encorajou seu filho a estudar
não apenas latim e grego, mas também árabe e persa. As bases culturais de Barthold eram,
portanto, extraordinariamente amplas. Tal prodígio foi tomado sob a proteção de vizinhos
educados, incluindo o erudito de Homero, Voss e o poeta romântico MC Boie, ambos
produtos de Göttingen. 63
Barthold se correspondia com Heyne; ambos eram da opinião de que ele deveria estudar
em Göttingen. Carsten Niebuhr preferiu enviar o menino para a Universidade de Kiel, uma
cidade dinamarquesa na época; isso poderia ter aberto uma carreira pública para ele na
Dinamarca. De Kiel foi por um ano para Edimburgo; Ele então passou seis anos em
Copenhague servindo com sucesso como funcionário público e se especializando em
finanças, enquanto continuava seus estudos, que agora se concentravam na história
romana. Em 1806, ingressou no governo prussiano, que estava nas últimas pernas,
contribuindo para as reformas que ajudaram a sobrevivência da monarquia. Embora tão
ocupado, ele nunca desistiu de seus estudos e em 1810-1811 escreveu seu Römische
Geschichte , logo reconhecido como o fundamento da historiografia moderna e "científica"
do mundo antigo. Em seguida, em 1816, foi enviado como representante da Prússia em
Roma, onde permaneceu até 1823. Posteriormente, retirou-se para a vida privada em Bonn,
onde, embora intensamente interessado pela política, dedicou a maior parte de seu tempo
aos estudos até sua morte, que o pegou aos cinquenta e quatro anos, no início de 1831.
Niebuhr era principalmente um historiador de Roma. As razões desse interesse foram
investigadas pelo historiador da sociedade intelectual Zvi Yavetz. Yavetz observa que o
quadro reconstruído pelo historiador literário EM Butler no início deste século em seu
grande livro A Tirania da Grécia sobre a Alemanha requer alguns esclarecimentos. Embora,
como reconhece Yavetz, a associação especial com a Grécia tenha durado muito tempo, e foi

244
a partir do final do século XVIII que a Grécia obcecou os alemães, e sua imagem continuou a
ter uma influência predominante sobre os poetas e 'progressistas' do século XIX No século XX,
os grandes historiadores conservadores e liberais alemães focalizaram Roma - em sua
ascensão e não em sua decadência - que identificaram com a Prússia. 64 Niebuhr, no entanto,
também tinha um grande interesse na Grécia.
Vale a pena insistir um pouco na posição ideológica geral de Niebuhr. O estudioso
finlandês Seppo Rytkönen descreve Niebuhr como um homem que "encontrou seu próprio
caminho entre o Iluminismo e a Restauração"; No entanto, a definição de "Iluminismo" de
Rytkönen é tão ampla que inclui não apenas Montesquieu, mas Burke e o conservador
alemão Möser. 65 Seu conceito de "Restauração" é proporcionalmente restrito. Ele se limita a
considerar apenas os absurdos poéticos e indofílicos de Heidelberg, excluindo a tradição
muito mais temível de Göttingen, à qual ele, como era evidente, pertencia.
O grande classicista Arnaldo Momigliano, cuja figura domina a história dos estudos
clássicos, sempre se preocupou em dissociar sua disciplina do romantismo e do
nacionalismo alemães. Ele argumenta que o pensamento de Niebuhr tem suas raízes nos
economistas britânicos - nem mesmo britânicos. 66 Cita o protegido de Niebuhr, F. Lieber, a
quem Niebuhr havia dito que a maioria de seus amigos britânicos eram Whigs e que os
Whigs haviam salvado a Inglaterra em 1688. 67 Como a maioria dos amigos de Niebuhr na
Grã-Bretanha eram homens pertencentes à Índia Oriental Company, que conheceu seu pai,
Carsten, sua convicção política não é surpreendente.
A Revolução Gloriosa de 1688 foi, para Niebuhr, o modelo de mudança política com um
mínimo de desordem. Em sua juventude, ele acreditava que tal evento só poderia ocorrer
entre as raças nórdicas superiores; quando ele atingiu a meia-idade, no entanto, ele
também perdeu a fé no último. Frances Bunsen, esposa do secretário de Niebuhr, Christian
Bunsen - mais tarde Barão Bunsen - que conheceu Niebuhr intimamente depois de 1816,
descreveu-o como o mais rígido reacionário e ultra-conservador. Ele escreveu que
geralmente era "sua inclinação a confiar nos governos em vez dos povos governados". 68
Esses foram os princípios pelos quais Niebuhr agiu, e eles se manifestaram no desprezo que
ele sentiu pelo "Pulcinella" italiano quando ele foi muito além de seus deveres de ajudar os
austríacos, como funcionário prussiano, a reprimir a revolta dos carbonários em Nápoles
em 1821. 69 De fato, parece muito provável que sua morte prematura tenha sido acelerada, se não causada, pelo terror que sentiu diante das
revoluções francesa e belga de 1830 . era reacionário, também segundo os critérios da
época da contra-revolução, e que isso influenciou seu trabalho como historiador após essa
data.
Deve-se, portanto, entender que ele já era um conservador consciente em 1811, quando
escreveu seu Römische Geschichte ? Rytkönen acredita que a ideologia de Niebuhr parece
mais conservadora do que realmente era, enquanto Momigliano observa as "simpatias
democráticas" iniciais de Niebuhr e o apoio que ele deu à libertação dos servos na
Dinamarca e na Prússia. 71 De fato, as simpatias de Niebuhr pela Revolução Francesa foram
muito tênues e de curta duração em uma época em que tais simpatias estavam na moda. 72
De fato, que suas ideias conservadoras sempre foram fundamentais, parece confirmado
pelo fato de serem as de seu pai. Carsten Niebuhr nunca gostou da agitação francesa e
política de qualquer tipo. As duas coisas combinadas, então, o aterrorizavam. Vindo de uma
família camponesa, Carsten tinha grande simpatia pela classe camponesa de sua terra natal,
Dithmarsch, e isso, é claro, fazia parte do romantismo da época; em Barthold esses

245
sentimentos foram reforçados por Boie, amigo de Carsten, que reconciliou a atividade nos
círculos poéticos com o apoio apaixonado pela autêntica liberdade "alemã" e oposição ao
Iluminismo francês. 73
De acordo com Momigliano, as ideias de Niebuhr continham uma "mistura de atitudes
conservadoras e liberais bastante incomum na Europa continental", e isso "derivava de sua
experiência na Grã-Bretanha". No entanto , essas idéias, ao que parece, eram as de seu pai e sua
origem e eram bastante românticas. Quando jovem, Niebuhr parece ter pensado não
apenas que o campesinato nórdico era digno da autêntica liberdade tradicional, mas que
poderia ser um bastião contra as forças revolucionárias e católicas. 75 Uma combinação
semelhante de ideias era certamente corrente na Grã-Bretanha, mas também na Alemanha
e na Escandinávia; Não haveria, portanto, razão para contradizer a historiografia oficial que
define Niebuhr como romântico e conservador. 76
Ninguém jamais comparou Niebuhr a Adam Smith, Bentham ou James Mill. O pensador
britânico a quem ele se referia era Burke. Como ele escreveu na introdução à terceira
edição de seu Römische Geschichte , "Nenhum dos fundamentos do meu julgamento político
pode ser encontrado em Montesquieu ou em Burke". 77 Os estreitos paralelos entre Niebuhr
e Burke são aceitos por praticamente todos os autores - com exceção de Momigliano - da
Baronesa Bunsen e do conservador nacionalista alemão do século XIX Heinrich von
Treitschke aos historiadores modernos Witte e Bridenthal. 78 Como exemplo do espírito
iluminado de Niebuhr, o professor Momigliano afirma que foi para Edimburgo porque, ao
contrário de Londres, havia uma universidade. Essa razão prática certamente pode ter
influenciado sua decisão, mas Niebuhr disse a um amigo que estava indo para a Escócia
para aprender a língua ossiana! 79
Embora permanecendo consistentemente romântico, até cerca de 1810 Niebuhr era um
reformista conservador a favor de reformas para salvar a Dinamarca e a Prússia da
revolução. (É nesse contexto que deve ser visto seu apoio à libertação dos servos.) Por tais
idéias, ele às vezes foi atacado por conservadores extremistas com os quais se juntou mais
tarde. 80 Rytkönen, por exemplo, afirma que Niebuhr estava ligado ao Iluminismo por sua
falta de relativismo histórico e sua crença em uma natureza humana a-histórica. Em outros
lugares, no entanto, ele afirma que inicialmente Niebuhr compartilhou o conceito
romântico de crescimento e desenvolvimento que mais tarde seria obscurecido por um
tradicionalismo , um conceito de "estase" muito diferente da ordem racional permanente a
que o Iluminismo aspirava. 81
Além disso, as comparações interculturais de Niebuhr sempre permaneceram dentro de
limites muito estreitos. A comparação central em seu pensamento - aquela entre a Roma
dos primeiros séculos e seu amado Dithmarsch nativo - só foi possível porque ele concebeu
os dois povos como puros e autênticos e como produto de seus respectivos ambientes. E
mesmo neste caso seguiu a atitude predominante do Romantismo. Em nenhum caso,
porém, ele aceitou o universalismo, o deísmo ou o ateísmo, e a crença na razão do
Iluminismo, muito menos na liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução. Além disso,
o apoio que deu ao Romantismo não se limitou ao seu trabalho como historiador. Como
mencionado no capítulo 5 , ele presidiu a comunidade alemã de Roma na época em que este
era o foco do Romantismo. 82
Que influência o romantismo e o conservadorismo de Niebuhr tiveram em suas obras
históricas? Primeiro, como Humboldt, ele entendia o estudo da Antiguidade em sentido

246
amplo – que ainda chamava de Philologie – como um caminho para a Bildung e um meio de
promover a ideia de pátria. 83 Seu método era o dos críticos das fontes de Göttingen, "uma
combinação de crítica racional e reconstrução imaginativa baseada em análise textual,
analogia e intuição". 84 Ou, segundo o rumor muito favorável sobre ele na décima primeira
edição da Encyclopaedia Britannica : "Ele introduziu a inferência no lugar da tradição
desacreditada e demonstrou a possibilidade de escrever a história". 85 Como as tradições
foram "desacreditadas" não é dito, mas fica claro que as menos confiáveis eram aquelas que
iam contra os cânones da ciência do início do século XIX - incluindo o ramo racial. Esse
aspecto do método de Niebuhr pode ser rastreado até o argumento crucial expresso por
Momigliano, a saber, que Niebuhr foi o primeiro a desafiar os grandes historiadores antigos
em seu próprio terreno. Gibbon também havia se limitado a começar de onde Tácito havia
parado, mas Niebuhr escreveu sobre Roma nos primeiros séculos, um período já coberto na
íntegra por Tito Lívio e outros. 86
Niebuhr levou as ideias de Humboldt sobre a necessidade de inferência e imaginação um
passo adiante. Um historiador intelectual do início do século 20, GP Gooch, cita uma de suas
palavras: "Sou historiador porque sou capaz de construir um quadro completo a partir de
alguns fragmentos separados, e uma vez que sei onde faltam partes e como preenchê-las, o
vazios ninguém poderá acreditar o quanto do que parece perdido pode ser restaurado”. 87
Mesmo se expressa em termos positivistas, a de Niebuhr é uma confissão honesta e parece
caber a todos os historiadores. No entanto, é difícil entender como, se seu método continha
uma medida tão grande de subjetividade, ele poderia ser proclamado o primeiro
historiador "científico" e afirmar que levou a disciplina a um plano categoricamente
superior, acima dos historiadores. como Heródoto, Tucídides, Sima Qian, Tácito, Ibn
Khaldun, Voltaire e Gibbon! Todos eles, pelo menos, escreveram claramente!
Quais foram as contribuições específicas de Niebuhr? Na época, e até agora, o aspecto
mais conhecido de seu trabalho era - com todo o respeito a Rytkönen e Momigliano - a
hipótese de que a história romana havia sido tirada de antigos cantàri perdidos ou poemas
épicos. Como muitos autores apontaram, a ideia de Niebuhr deriva claramente da crença
romântica na centralidade da canção folclórica que estaria na origem das nações. 88 Como
ele concebe Niebuhr como um produto do Iluminismo escocês, não é de surpreender que o
professor Momigliano tenda a menosprezar a importância do "cantàri". Para ele, a inovação
mais importante na obra de Niebuhr está em um segundo argumento: a natureza do direito
agrário e do Ager Publicus . Momigliano mostra que Niebuhr chegou às suas ideias sobre o
assunto graças a informações sobre a Índia que aprendeu com os amigos escoceses de seu
pai. 89 Momigliano admite, no entanto, que o motivo de Niebuhr para estudar esse assunto
partiu de sua ideia de que os revolucionários franceses em sua reforma agrária - ainda que
muito branda - fizeram mau uso dos precedentes romanos. Como o próprio Niebuhr
admitiu, ele escreveu para refutar "o sentido louco e detestável dado à lei agrária por uma
gangue de criminosos". 90
Para Niebuhr Roma, como a Grã-Bretanha, era um modelo de como os conflitos internos
poderiam ser resolvidos gradual e constitucionalmente. Ao desenvolver essa ideia, ele
introduziu sua terceira grande nova teoria, a saber, que patrícios e plebeus não eram
apenas classes diferentes, mas raças diferentes. A ideia de que as diferenças de classe se
originaram em diferenças raciais - que Niebuhr aplicou também a outras situações - já
havia sido usada na França. Neste país, a crença de que a nobreza descendia dos francos

247
germânicos, enquanto o terceiro estado seria composto por nativos galo-romanos,
desempenhou um papel significativo no desenvolvimento das revoluções de 1789 e 1830.
su Niebuhr é o sistema de castas indiano, que se acreditava originar-se da conquista ariana
e destinava-se a manter a pureza dos conquistadores.
Foi Niebuhr, no entanto, quem deu a essa teoria a marca acadêmica necessária, e ele é
creditado por introduzi-la. O grande historiador romântico francês Michelet "já em 1811"
saudou o descobridor do princípio étnico na história em Niebuhr. 91 E esta foi também a
mensagem que seu discípulo inglês Dr. Arnold, o famoso diretor de Rugby, havia recebido
de Niebuhr. 92 Apesar das dúvidas sobre o "cantàri", o Ager Publicus , a origem racial das
classes romanas e outra teoria sua sobre a origem nórdica dos etruscos, o autor anônimo
do verbete sobre Niebuhr na edição de 1911 da Encyclopaedia Britannica escreveu:
Mesmo que qualquer conclusão positiva de Niebuhr fosse refutada, sua afirmação de que ele foi o primeiro a
tratar a história romana de acordo com o espírito científico permaneceria ilesa, e os novos princípios que ele
introduziu na pesquisa histórica não perderiam sua importância.

Um desses "novos" princípios foi o romântico-positivista, defendido por Göttingen, de


estudar os povos e suas instituições em vez de indivíduos. Niebuhr, no entanto, foi ainda
mais admirado por introduzir o conceito de raça na história:
Com sua teoria de que as disputas entre patrícios e plebeus surgiram de diferenças raciais originais, ele chamou
a atenção para a imensa importância das distinções etnológicas e contribuiu para o ressurgimento dessas
divergências como fatores na história moderna.

Além disso, Niebuhr foi inflexível sobre a conveniência da pureza nacional e racial:
Parece ser no curso da história mundial que a conquista e as várias misturas devem fundir inúmeras raças
originais […]. Raramente, porém, um determinado povo ganhará com tais misturas. Alguns sofrem a perda
irreparável de uma nobre civilização nacional, da ciência, da literatura. Mesmo um povo menos instruído
dificilmente poderá admitir que os refinamentos assim importados - que, aliás, poderiam ter alcançado sozinhos,
se apropriados ao seu gênio - compensam a perda de seu caráter original, de sua história nacional e das leis
hereditárias. 93

Portanto, não é de surpreender que Ulrich Wilcken - um antigo historiador que teve uma
carreira próspera sob o nazismo - tenha conseguido celebrar Niebuhr como "o fundador da
historiografia crítico-genética". 94 Em uma carta escrita aos pais em 1794, quando tinha
dezoito anos, Niebuhr descreveu os efeitos deletérios da mistura racial, e não há dúvida de
que essa ideia romântica de etnia foi fundada no que ele acreditava serem diferenças físicas
e raciais fundamentais . Nesse período, pelo menos, ele acreditava na poligênese:
Argumento que devemos fazer um uso muito cauteloso das diferenças de linguagem na teoria racial e ter muito
mais consideração pela conformação física [...] [a raça é] um dos elementos mais importantes da história que
ainda precisa ser investigado - um elemento isto é, de fato, a primeira base sobre a qual toda a história se funda e
o primeiro princípio do qual ela procede. 95

A preferência de Niebuhr pelo racismo físico em vez do racismo "linguístico" pode muito
bem ter vindo de seu pai e, através dele, dos britânicos engajados no Oriente. Essa posição
o colocou muito além de Humboldt e da tradição da qual seu secretário, Bunsen, e o grande
semitista e historiador francês Ernest Renan foram posteriormente defensores, que
insistiam em que as diferenças manifestadas entre os povos não eram determinadas pela

248
conformação física, mas pela adequação de o idioma. 96 O racismo físico era essencial para o
princípio de Niebuhr da natureza racial das classes, já que classes diferentes e até castas
diferentes falam a mesma língua. É importante notar o quão fiel ele foi a esse princípio e
também à ideia da indesejabilidade da mistura racial.
Niebuhr fundiu o romantismo e o racismo da década de 1790. E foi uma aliança fácil. De
muitas maneiras, Rasse (raça) ou Geschlecht (gênero) nada mais eram do que termos
"científicos" no lugar dos termos românticos Volk (povo) ou Gemeinschaft (comunidade).
Em sua formulação clássica do historicismo e do relativismo progressivo em Ideas for the
Philosophy of the History of Humanity , publicado em 1774, Herder insistia que o Volk era a
fonte de toda verdade. 97 Este conceito para o século XIX é aquela "verdade racial" que
suplanta todas as outras. 98
Apesar da coincidência fundamental entre Romantismo e racismo, há uma contradição
entre o ideal romântico de autenticidade racial e o direito racialista de conquista por uma
raça superior. A apreciação juvenil de Niebuhr pelos povos atrasados - a saber, os alemães -
que desenvolvem culturas indígenas não se estendeu a raças menores, não-europeias. Em
1787, aos onze anos, era a favor dos austríacos - por quem não tinha grande amor - e contra
os turcos, e em 1794, o pior insulto que conseguira arquitetar para a França revolucionária
fora "Novo Tartária ». 99 Em 1814, ele pediu a unidade europeia e cristã para combater o
Islã, e em algumas palestras que ele deu no final de sua vida, ele teria dito:
A dominação européia naturalmente favorece a ciência e a literatura, juntamente com os direitos da
humanidade. Tentar impedir a destruição de um poder bárbaro seria um ato de alta traição contra a cultura
intelectual e a humanidade. 100

A ocasião para esta defesa do imperialismo foi uma próxima conquista européia do Egito.
Como os irmãos Humboldt e Bunsen - mas ao contrário da maioria dos classicistas e
orientalistas alemães - Niebuhr aceitou a decifração de Champollion. Isso lhe permitiu
criticar o grande FA Wolf, que "investigara a antiguidade da escrita entre os gregos de
forma completamente independente do desenvolvimento dessa arte no Oriente"; tal visão
unilateral, de acordo com Niebuhr, dependia do "preconceito [de Wolf] contra a remota
antiguidade dos textos escritos no Oriente". 101
Niebuhr, que também tinha contatos com Roma, seguiu o compromisso com a Igreja que
Champollion havia aceitado quanto à datação. 102 Ele, portanto, traçou a história egípcia para
2200 aC, uma data que foi então assumida para a invasão dos hicsos. No entanto, e
revelando assim a arrogância cultural, racial e temporal, ou a Besserwissen , do método
crítico, desde um desastre para a historiografia do mundo antigo, afirmou que as treze
dinastias anteriores aos hicsos que nos foram transmitidas se eles foram inventados pelos
egípcios, que "deveriam se contentar em ter uma história tão antiga que remontasse à era
de Abraão, em vez disso, eles queriam ascender ainda mais alto de acordo com o espírito
das nações orientais". 103
Outra formulação de um estilo romântico-racista foi a distinção categórica que ele fez
entre os gregos livres e criativos e os egípcios, que, "como muitos povos oprimidos, eram
muito avançados nas artes, enquanto sua cultura intelectual permanecia atrasada". 104 E
também criticou os fenícios por sua falta de raízes. Esse pecado capital contra o cânone
romântico foi naturalmente usado contra os judeus até o triunfo do sionismo romântico, e

249
não há dúvida de que Niebuhr compartilhava do crescente antissemitismo de seu meio
social. 105
No entanto, como eu disse, Niebuhr sempre se manteve dentro dos limites do modelo
antigo. Em seu ataque crítico a Wolf, ele escreveu:
Embora admitindo o abuso intolerável que foi feito da influência exercida pelas nações orientais sobre os gregos
[...] Wolf negligencia muito o fato de que houve relações entre a Grécia e o Oriente e que, embora tenham se
tornado independente em um período posterior, os gregos foram influenciados e educados pelas nações
orientais. 106

Niebuhr acreditava que o mito do assentamento egípcio de Cecrops em Atenas refletia de


alguma forma a influência egípcia naquela área, como era o caso das lendas de Danaus e
Egito em Argólida. Ele não tinha dúvidas sobre a fundação de Tebas por Cadmus. 107 Ao fazer
tais afirmações, por outro lado, ele assume um certo tom defensivo, talvez atribuível à
influência de Wolf e de suas ideias e, na década de 1820, às do seguidor de Wolf, Karl
Otfried Müller. Voltarei a Müller depois de considerar o primeiro ataque ao modelo antigo
no século XIX, o do abade Petit-Radel.

Petit-Radel e o primeiro ataque ao modelo antigo


Petit-Radel era um estudioso que tinha grande interesse pelas artes e arquitetura. Em 1792
emigrou para Roma, já o centro da estética romântica, e na Itália se apaixonou pelas ruínas
pré-romanas. Seguindo uma antiga tradição, ele os chamou de "ciclopeus", vendo neles uma
irregularidade e, portanto, uma "liberdade" que não era encontrada na arquitetura egípcia
ou oriental. 108

Estudando a recorrência desses edifícios, ele se convenceu de que uma civilização européia
comum havia se estabelecido tanto na Itália quanto na Grécia antes da chegada dos egípcios
e fenícios. 109
Em 1806, Petit-Radel apresentou uma comunicação, Sur l'igine grecque du fondateur
d'Argos , ao Institut de France em Paris. A sua tese baseava-se na datação muito remota
proposta por Dionísio de Halicarnasso, historiador grego do século I d.C., para um povoado
árcade na Itália, que Petit-Radel ligava aos edifícios ciclópicos. Petit-Radel também atacou
Fréret e Barthélemy, partidários do modelo antigo, em relação ao nível cultural dos gregos
nativos na época em que os egípcios teriam se estabelecido. Em apoio de suas opiniões, ele
afirmou que a arquitetura ciclópica datava de antes da chegada dos egípcios e que, pela fé
romântica, os gloriosos gregos nunca poderiam ter sido tão atrasados.
Além disso, Petit-Radel questionou especificamente as tradições de que os reis Inaco e
Foroneus de Argos eram egípcios. 110 Ele mostrou que tais tradições eram muito fracas na
Antiguidade - e isso é verdade - e que mesmo entre as figuras nebulosas do período
lendário essas duas pareciam particularmente obscuras. O tom em que a comunicação é
redigida suscita algumas dúvidas quanto ao vigor de sua audácia: o que ele disse, conforme
se depreende de algumas pistas, foi muito bem-vindo ao seu público parisiense. 111 A
comunicação aparentemente foi bem recebida, e Petit-Radel passou a desempenhar um
papel eminente na vida acadêmica da Restauração.

250
Karl Otfried Müller e a derrota do modelo antigo
Enquanto Petit-Radel tentou contornar as fontes antigas e o modelo antigo, o primeiro
desafio direto a estes veio de Karl Otfried Müller. De um modo geral, não há dúvidas sobre a
influência romântica nos estudos e na vida de Müller. No início do nosso século, Rudolf
Pfeiffer, historiador dos estudos clássicos, definiu Müller "aquela figura radiante de um
jovem estudioso feliz", enquanto para o sóbrio historiador intelectual inglês GP Gooch ele
era "o Shelley do Renascimento moderno, o jovem Apolo do panteão dos historiadores". 112
Müller pertencia à primeira geração daqueles que estudaram no sistema educacional de
Humboldt. Nascido na Silésia em 1797, estudou em Breslau, capital da região, freqüentando
o novo seminário que havia sido estabelecido no modelo berlinense. Seu professor,
Heindorf, era um aluno de Wolf que havia se afastado do Mestre, e o próprio Müller
trabalhou por um ano com Wolf em Berlim. Apesar de não amá-lo, seus escritos são, no
entanto, permeados pela influência de Wolf.
Para ambos, as palavras-chave foram os termos kantianos Prolegomena e Wissenschaft.
113 Adotando a postura progressista e científica de Wolf, Müller enfatizou o pioneirismo de

sua pesquisa, acreditando que ele seria superado pelo esforço coletivo de futuros
estudiosos. Embora ele fosse deferente em relação ao futuro, ele era, no entanto, arrogante
em relação ao passado. As únicas obras anteriores a ele que ele considerou dignas de
atenção favorável foram as publicações de Göttingen e os escritos de estudiosos
monarquistas franceses , como Petit-Radel e o grande inimigo de Champollion, o classicista
Raoul Rochette. Com tanto desprezo em seu corpo, Müller era um exemplo perfeito dos
filólogos profissionalizados do século XIX que desprezavam a atitude generalizante dos
eruditos do século XVIII ou Gelehrte que vieram substituir. 114
A tese de Müller era um trabalho de história local na ilha de Egina. Embora parcialmente
inspirada nos mármores de Egina recentemente trazidos para a Alemanha, a tese era um
exemplo perfeito de positivismo romântico. Primeiro, como Gooch apontou, essa história
local inicial da Grécia antiga se assemelhava ao exemplo mais antigo de história local sobre
a Alemanha: o trabalho sobre Osnabriick do conservador romântico Justus Möser. 115 Em
segundo lugar, Egina é uma ilha - um espaço perfeitamente finito que se presta a um grande
estudo detalhado. Mas ainda mais significativo é que era habitada por dórios e estava
localizada em frente a Atenas, a principal cidade dos jônios "corruptos".
Graças a este trabalho, e muito jovem, Müller obteve uma cátedra em Göttingen. O que,
com uma frase surpreendentemente hebraica, ele definiu "o lugar dos lugares para mim". 116
A partir de então, sua posição acadêmica - ao contrário de muitos de seus contemporâneos
- foi assegurada. Recebeu dinheiro e reconhecimento do governo de Hanôver e de outros
estados alemães até sua morte prematura, mas romântica, que ocorreu devido a uma febre
em Atenas em 1840. 117
Apesar de seu profissionalismo, o campo de estudos de Müller era prodigioso. Ele foi
capaz de avançar a filologia de acordo com os ditames aprovados na época e, além de
produzir uma importante obra sobre os etruscos, também pôde escrever volumosas obras
sobre arte e arqueologia antigas. 118 As obras que se tornaram os pilares da
Altertumswissenschaft , no entanto, foram Geschichte hellenischer Stämme und Städte ,
publicada entre 1820 e 1824, e Prolegomena zu einer wissenschaftlichen Mythologie ,
publicada em 1825. O ataque ao modelo antigo foi explícito em ambas as obras. . O primeiro

251
volume de seu Geschichte , intitulado Orchomenos und die Minyer , começa com uma citação
de Pausanias:
Os gregos têm a tendência de se maravilhar com as obras dos outros em detrimento das suas próprias;
Historiadores famosos explicaram as pirâmides egípcias em detalhes minuciosos sem fazer a menor referência
ao tesouro de Minia [a Orchomenus] ou às muralhas de Tirinto, certamente obras não menos maravilhosas. 119

A citação é crucial: ela direciona a atenção do leitor para os Minî, que segundo Müller
teriam sido uma tribo de invasores nórdicos semelhantes aos dórios, e ao mesmo tempo
denuncia o que em sua opinião teria sido a obsessão recorrente dos gregos ,
posteriormente definida em termos de patologia como "Egiptomania" e "barbarofilia". 120
Eram distúrbios cujo principal sintoma era a "ideia delirante" de que os egípcios e outros
"bárbaros" não europeus possuíam culturas superiores, das quais os gregos teriam tomado
empréstimos maciços.
Müller tinha inimigos em duas frentes: por um lado, o modelo antigo e o uso feito pelos
maçons e Dupuis; de outro, a indofilia de Schlegel e o grupo de românticos de Heidelberg
que se reuniram em torno dos filósofos e mitólogos místicos Creuzer e Görres. Enquanto
Schlegel tinha visto o Egito como uma colônia indiana, Creuzer - que também via
semelhanças inexplicáveis entre as religiões indiana e grega, especialmente no simbolismo
de ambas - passou a argumentar, sem qualquer apoio de fontes, que os sacerdotes indianos
teriam alguma forma trouxe sua filosofia para a Grécia. 121 Embora - diferentemente das
amostras do modelo antigo - tenham sido mais influentes na Alemanha após 1815, os
indófilos não puderam citar nenhuma fonte específica em apoio a essa ideia de transmissão
que permitiu a Müller um ataque crítico. 122
Ao lidar com o modelo antigo, Müller frequentemente mencionava Verbindungen
(combinações) e Verknüpfungen (ligações) entre o sacerdócio grego e o bárbaro. Tais
ligações, argumentou ele, eram indicativas de relações fundamentais entre os vários
sistemas religiosos e mitológicos. Segundo Müller, foram esses contatos "tardios" que
criaram a falsa impressão de que a Grécia havia derivado sua religião, mitologia e
civilização em bloco do Oriente Próximo, e aqui sua principal técnica para remover o que
em sua opinião eram sobreposições tardias consistia precisamente do "argumento baseado
no silêncio". 123 Em princípio, ele reconhecia que tradições antigas genuínas geralmente
apareciam apenas em fontes "tardias" - na verdade, ele mesmo às vezes confiava em tais
fontes. Para negar a autenticidade de uma lenda, ele precisava, portanto, de um critério
adicional: a saber, que deve ter havido uma forte razão na época para inventar tal lenda. 124
Na prática, no entanto, a mera falta de atestado foi vista como evidência esmagadora,
especialmente quando Müller dirigiu seus ataques ao modelo antigo. Na verdade, ele e seus
sucessores usaram Homero e Hesíodo não como poetas de assunto amplo, mas como
enciclopédias. Assim, a expressão comum "desconhecido para Homero" não foi usada no
sentido de "não atestado no corpus homérico que nos foi transmitido", mas para significar
"não existia no tempo de Homero".
A segunda técnica usada por Müller para demolir o modelo antigo foi a dissecção ou
análise: uma técnica que, como ele afirmava, teria servido para retificar o que ele
acreditava ser uma tendência geral ao sincretismo do mundo antigo. 125 Sendo um defensor
do particularismo romântico em oposição ao universalismo iluminista, ele argumentou que
"a separação é, portanto, uma das principais tarefas do mitólogo". 126 Assim reduzidos às

252
especificidades locais, os mitos mais antigos poderiam, portanto, aparecer enraizados no
solo da Grécia. Müller, no entanto, reconheceu a necessidade de traçar "combinações", não
do tipo "tardio" ou sacerdotal já mencionado, mas daquelas que foram encontradas
remontando aos modelos cultuais e mitológicos difundidos pelas raças conquistadoras.
O principal exemplo desse processo foi a associação existente, em sua opinião, entre
Apolo e os dórios - o culto de Apolo, assim acreditava Müller, se espalharia com as
conquistas dóricas. Tal interpretação era típica da crença romântica geral de que a
vitalidade flui de norte a sul, e não vice-versa. 127 Desta forma, Müller poderia argumentar
que se alguém encontrou cultos, mitos ou nomes semelhantes na Grécia e no Oriente
Próximo, eles devem ter sido gregos; enquanto se eles foram encontrados na Grécia e
Trácia, ou na Grécia e Frígia, regiões nordeste da Grécia, foi deles que eles vieram. 128 E o
mesmo acontecia dentro da própria Grécia: se traços semelhantes eram encontrados tanto
ao norte quanto ao sul do país, eles quase sempre vinham do norte. Além disso, se cultos ou
nomes eram difundidos na Grécia ou no Egeu, eles devem ter sido indígenas e não uma
consequência de uma introdução por estrangeiros.
O primeiro ataque de Müller foi contra as lendas em torno de Cecrops e sua suposta
colonização de Atenas e da região do Lago Kopais na Beócia, que incluía Orchomenus, a
cidade que deu o título ao primeiro volume de seu Geschichte. 129 Tais tradições foram
atestadas apenas em "época tardia", e isso satisfez a primeira condição de Müller para
defini-las espúrias. Havia também estreitas relações entre os gregos em geral, e Atenas em
particular, e a XXVI dinastia do Egito, 664-520 aC, cuja capital era Sais, cidade irmã de
Atenas, e isso cumpria sua segunda condição. Além disso, Müller destacou que as principais
fontes da lenda eram: um livro que Pausanias chamou de falsificação; e histórias contadas a
Diodoro pelos egípcios, que foram, portanto, desacreditados pelo manifesto interesse
próprio. 130 Mas, além disso, Heródoto, que acreditava firmemente em assentamentos
estrangeiros em outras áreas, acreditava que Cecrops era indígena. 131 Por fim, Müller citou
Menesseno, em um dos diálogos de Platão, para confirmar que os atenienses teriam sido de
sangue puro, ao contrário dos tebanos e dos peloponésios, colonizados pelos orientais. 132
Ao questionar as lendas que cercam a conquista de Argólida por Danaus, Müller, no
entanto, não se referiu a esta passagem; apenas mostrou discrepâncias genealógicas que
apareceram no ciclo mítico. Ele argumentou ainda que Danaus não poderia ter sido egípcio,
pois era o epônimo dos Danaans que eram claramente gregos. 133 Ele admitiu, no entanto,
que "enquanto a origem egípcia de Cécrope é um mero sofisma histórico, a de Danaus é um
mito genuíno". 134 E ele certamente não podia deixar de admitir isso, pois ele estava ciente
dos versos do épico Danaide que mencionavam as filhas de Danaus. 135 No entanto, isso não
garantiu dignidade histórica às lendas, dado o "fato" de que a direção geral do fluxo cultural
era de norte a sul, e dada "a aversão dos egípcios a qualquer tipo de viagem e navegação".
136

Müller admitiu que as lendas em torno de Cadmus apresentavam dificuldades ainda


maiores. Em primeiro lugar, diziam respeito aos fenícios, que na sua opinião eram "um
povo ativo de mercadores mais [...] velhos que os egípcios xenófobos e fanáticos". 137 No
entanto, convencido da permanência das características nacionais, achava inconcebível que
os mercadores marítimos tivessem conquistado o sertão tebano. As lendas em torno de
Cadmo as refutaram separando as supostas colônias fenícias na Beócia das do mar Egeu.
Ele então refutou as lendas sobre os antigos - em oposição aos "tardios" - assentamentos

253
fenícios em Samotrácia e Tasos no norte do Egeu, uma vez que Heródoto acreditava que o
antigo culto dos cabiri praticado lá era pelásgico.
Nesse ponto, mesmo que não admitisse, Müller estava em apuros, pois os estudiosos dos
séculos XVII e XVIII sabiam que o nome Cabiri vinha do semita kabir (grande) - os gregos os
chamavam de Megaloi Theoi e os romanos Deuses Magni . 138 Müller preferiu derivar o nome
do grego kaiō (queimar), estabelecendo uma ligação com as indubitáveis associações entre
culto e metalurgia. Ele também notou uma conexão entre Cadmo e Cadmilus, um dos Cabiri,
e observou que o último era adorado perto de Tebas. No entanto, em vez de interpretar o
culto praticado em ambos os lugares como originário do Oriente Próximo, ele recorreu à
"prova" de que o Egeu era pelasgico para argumentar que o culto e o nome de Cadmo em
Tebas tinham vindo do mesmo "substrato". " e, portanto, eles não tinham nada a ver com a
Fenícia. 139
Na época, esse argumento confuso e enganoso não teve mais sucesso do que o ataque de
Müller aos indófilos e, como foi o caso deste último, suas opiniões sobre os fenícios só se
tornaram predominantes no século XX. Em 1882, por exemplo, o grande classicista e indo-
europeu Hermann Usener refutou a tentativa de Müller de refutar a "agora óbvia influência
do Oriente Médio". 140 Müller obteve maior sucesso com os egípcios. FC Movers em seu Die
Phönizier , publicado na década de 1840, tentou recuperar as lendas sobre Danaus
avançando como argumento de que as ligações entre Danaus e os hicsos o tornavam semita
e não egípcio; mas foi amplamente desacreditado e, em 1840, não foi mais permitido
aceitar qualquer história sobre a origem egípcia de Cécrops. 141 Depois de Müller, portanto,
todos os estudiosos "respeitáveis" operaram com base no que chamo de "modelo ariano
amplo", na crença de que, embora a presença de assentamentos fenícios na Grécia
continental fosse mais ou menos possível, era, no entanto, certo de que nunca houve
egípcios.
A maioria dos historiadores que vieram depois dele, e alguns de seus contemporâneos,
consideravam Müller essencialmente um romântico por causa da distinção categórica que
ele fazia entre a cultura grega e outras. Em Orcomenos rejeitou a acusação e, depois de se
desculpar por ter tratado a mitologia grega como se fosse toda mitologia, afirmou que a
Grécia fazia parte do mundo e que, portanto, a mitologia grega tinha a mesma base que a da
humanidade em geral. 142 O que ele objetava era a crença na colonização e o empréstimo
global de religião e mitologia do Oriente. Ele estava convencido de que havia provado que
tais crenças não eram históricas, embora fossem ilusões enganosas para todas as pesquisas
históricas anteriores.
Nos Prolegômenos , Müller dirigiu um apelo eloquente aos estudiosos para que
realizassem o que ele não conseguiu fazer e investigassem todas as mitologias para obter
conhecimento sobre a grega. 143 A escola antropológica dos classicistas de Cambridge James
Frazer e Jane Harrison, que floresceu no início de nosso século, nunca ultrapassou os
limites impostos por Müller. 144 O que ele havia proibido era qualquer relação especial entre
os mitos gregos e orientais. De fato, como ele mesmo disse, "todo o livro se opõe à teoria de
que a maioria dos mitos é importada do Oriente". E continuou com um esplêndido exemplo
de positivismo romântico:
Para poder supor isso mesmo de um único [mito], é necessária uma prova específica ou de que existe uma
concordância interna tão grande que só pode ser explicada por transplante, ou, em segundo lugar, que esse mito

254
é completamente desprovido de raízes no solo da tradição local, ou, por fim, que o transplante seja expresso na
própria lenda. 145

A exigência de "prova específica", em oposição à plausibilidade competitiva, é duvidosa em


qualquer ramo do conhecimento. Em uma área tão nebulosa como a das origens da
mitologia grega, é então um absurdo.
O jogo de segunda mão de Müller consistia em atribuir a tarefa de solicitar tal "prova"
aos próprios proponentes do modelo antigo. Como o estudioso Paul Foucart disse no início
deste século, seria mais razoável pedir provas daqueles que questionam o consenso dos
Antigos sobre a colonização do Oriente Próximo do que daqueles que o apoiam. 146 Se o blefe
de Müller foi tão bem sucedido é porque seu público, durante e depois da Guerra da
Independência Grega, não esperava outra coisa. Uma vez que Müller apoderou-se dos
"picos" acadêmicos dos quais poderia exigir "provas" daqueles que questionavam seus
argumentos, a destruição do modelo antigo estava assegurada.
Müller admitiu que um dos melhores métodos para distinguir elementos históricos em
mitos ou lendas era a etimologia, especialmente a etimologia dos nomes. 147 Quanto a ele,
porém, não conseguiu fazer muito progresso aplicando esse método à Grécia e, após
algumas débeis tentativas, exclamou:
Mas infelizmente! A etimologia ainda é uma ciência em que a conjectura cega é mais praticada do que a
investigação metódica, e na qual, no desejo de explicar tudo muito cedo, nossos trabalhos muitas vezes dão
origem à confusão em vez de esclarecimento. 148

Esse fracasso explica por que, como dizem dois de seus admiradores modernos, "na obra de
Müller, a filologia geralmente está subordinada à mitologia". 149 É típico, no entanto, que
Müller tivesse fé no progresso da ciência: «e contudo […] não é loucura esperar que
soluções de maior importância venham dessas pesquisas». 150 Infelizmente para o modelo
ariano, a filologia indo-européia não conseguiu, nos últimos cento e sessenta anos,
contribuir de alguma forma para explicar o mito e a religião da Grécia. Este estado de coisas
está em contraste marcante com as centenas de etimologias plausíveis de derivação
semítica e egípcia. 151 Muitos deles, inclusive os de Tebas, Cadmo, Cabiri e do elemento Sam -
em Samotrácia - também eram conhecidos por Müller, mas raramente se dirigia a eles
diretamente, preferindo refutá-los à impressão. 152
Chegamos agora à próxima recepção de Müller e suas ideias. Ele foi admirado em sua
época; ele foi o primeiro a quem a Universidade de Göttingen dedicou uma placa
comemorativa em 1874, e nos últimos anos do século 19 ele foi considerado um pioneiro da
história antiga "moderna". 153 Em sua História da Filologia Clássica , publicada em 1921, o
grande Wilamowitz-Moellendorff, após mencionar o nome de Müller, disse: "a ciência dos
últimos cinquenta anos se dedicou a reconquistar historicamente a vida antiga em toda a
sua amplitude". 154
Vale notar que tal afirmação - além da imagem de colonização que evoca - atribui a
Müller, conforme a convenção da história da ciência, o papel do herói que transforma caos
e escuridão em ordem e luz e cria um novo campo científico. E no campo da mitologia, essa
imagem dele já estava bem estabelecida durante sua vida. Duas obras, The Mythology of
Ancient Greece and Rome , de Thomas Keightley, publicada em 1831, e o Classical Dictionary
of Greek and Roman Biography , Mythology and Geography , de William Smith , lançado entre

255
1844 e 1849, ecoaram seus novos métodos. O historiador dos estudos clássicos FM Turner
define Keightley e Smith como "sérios comentaristas britânicos dos mitos clássicos", 155
enquanto os círculos oficiais de estudiosos da mitologia continuam a aceitar a definição de
Müller de seu método como "científico": para eles ele é o "Sério " e "escrupuloso" fundador
de sua disciplina. 156
Nos últimos vinte anos, no entanto, classicistas conhecidos mostraram maior
sensibilidade aos aspectos mais questionáveis de Müller. Rudolf Pfeiffer, por exemplo,
admitiu que os dois grandes volumes Die Dorier são "mais um hino solene à excelência de
tudo o que é dórico do que uma narrativa da história". 157 Momigliano, na tentativa de
enfatizar os aspectos racionais de sua própria disciplina, acentua a importância de Niebuhr,
cujo romantismo ele tenta negar, mas omite Müller de seus muitos retratos de classicistas
do século XIX. 158
O aspecto mais surpreendente para nós da obra de Müller é que ela se baseava
inteiramente em materiais tradicionais que sempre estiveram à disposição dos estudiosos
e não incluíam algumas das expansões do conhecimento produzidas desde o século XIX. E
certamente não lhe foi possível levar em consideração a leitura do cuneiforme ou as
descobertas arqueológicas de Schliemann, pois ocorreram após sua morte. No entanto, ao
contrário de Heyne e Heeren, ele não tinha nenhum interesse particular na exploração do
século XVIII ; e, ao contrário de Humboldt, Niebuhr e Bunsen, ele ignorou os
desenvolvimentos sensacionais na disciplina que ocorreram entre 1815 e 1830. Não há
indicação de que ele tenha prestado atenção à decifração de Champollion, e sua hostilidade
à Índia significava que, apesar dos contatos teve com os irmãos Grimm e outros indo-
europeus, ele não aplicou a nova linguística indo-europeia à sua pesquisa. Tudo isso
significa que a destruição do modelo antigo ocorreu inteiramente pelo que os historiadores
da ciência chamam de razões "externas". O modelo antigo não foi abandonado devido a
novos desenvolvimentos no campo, mas porque não se encaixava na visão de mundo
predominante. Para ser mais preciso, era incompatível com os paradigmas de raça e
progresso do início do século XIX.

Notas
1 Ver a este respeito o Capítulo 4 , nn. 123, 124 acima.
2 Ver acima, Capítulo 4 , nn. 63-67. Sobre Wolf e Bentley, ver Wilamovitz-Moellendorff (1927 [trad. It.

1967], p. 79).
3 Não há dúvida de que na antiguidade Homero era considerado um performer oral; esta tradição é reforçada pela

etimologia egípcia mais plausível de seu nome, ou de uma palavra geral para poeta que se baseia no conceito de "a arte da
enunciação". Ver acima, Cap. 3 , n. 61. Wolf não abordou os problemas associados à origem do alfabeto grego. Sua hipótese
a esse respeito foi compartilhada pelos promotores do modelo ariano extremo no século XX. Acredito que, apesar das
indubitáveis associações com a oralidade, os poemas épicos são documentos escritos refinados que vêm de uma longa
tradição literária. Mais sobre Homero no Capítulo 1, n. 59 acima. Para uma discussão dos estudiosos do século XX e meus
argumentos a favor da datação da introdução do alfabeto grego em meados do segundo milênio aC, bem antes de Homero,
ver Bernal (1987; 1990).
4 Lobo (1804); você vê também Pfeiffer (1976, pp. 173-177); FM Turner (1981, pp. 138-139).
5 Sobre os Scots and Wood, ver Capítulo 4 , nn. 71-72 acima. Sobre profissionalização, ver RS Turner (1983a; 1985).
6 Monro (1911, p. 771).
7 Ver Pfeiffer (1976, p. 173).
8 Ver acima, Capítulo 4 , nn. 122-123.
9 Humboldt (1793).
10 Ibid; você vê também Sweet (1978-1980, vol. I , p. 126).
11 Sobre as primeiras concepções de Bildung de uma ideia para as massas, ver Hohendahl (1981, pp. 250-272). Para os resultados

seguintes, veja RS Turner (1983b, p. 486).

256
12 Carta, 6 de fevereiro de 1793, em Humboldt (1841-52, vol. V , p. 34), citado em Sweet (1978-80, vol. I , p. 131). Para

mais informações sobre o assunto, ver Seidel (1962, pp. XIX-XXIX ).


13 Ver acima, Capítulo 3 , n. 91. Com todo o respeito a Wilamowitz-Moellendorff, que atribui muito de seu sucesso às

referências oblíquas aos contemporâneos franceses nele contidas. No entanto, ele admitiu (1927 [trad. It. 1967], p. 94)
que o romance fornece uma boa imagem da Atenas clássica.
14 Schiller (1795 [trad. It. 1970], pp. 13-16, 16-26). Sobre o suposto "caminho do meio" de Göttingen entre os extremos

revolucionários e reacionários, ver Marino (1975, pp. 358-371).


15 Sweet (1978-80, vol. II , p. 46).
16 Wolf (1804, p. XXVI ), citado com plena aprovação por Pfeiffer (1976, p. 174).
17 Humboldt (1903-36, vol. IV , p. 37). Para uma discussão mais aprofundada desta passagem, ver Iggers (1968, pp. 56-

62); Sweet (1978-80, vol. II , pp. 431-440).


18 Humboldt (1903-36, vol. III , p. 188).
19 Ver acima, Cap. 4 , n. 102.
20 Ver acima, Capítulo 4 , nn. 57-58; Capítulo 5 , nn. 1-3.
21 RL Brown (1967, pp. 12-13); Humboldt (1903-1936, vol. IV , p. 294).
22 Ver acima, Cap. 4 , n. 9.
23 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 123). Sobre o poeta Klopstock, a esse respeito, ver p. 119. Há uma tradução do

discurso de Fichte sobre esse assunto em RL Brown (1967, pp. 75-76).


24 Humboldt (1903-36, vol. I , p. 266).
25 Iggers (1967, p. 59). Idéias desse tipo se repetem em Hegel e em muitos outros pensadores contemporâneos.
26 A única objeção possível a isso é o aspecto utópico do conceito original humboldtiano de Bildung ( ver acima, n. 11). O

professor Canfora (1980, pp. 39-56) argumenta que houve uma "usurpação" direitista dos estudos clássicos na virada do
século XIX. Seu ponto de partida, porém, é o uso jacobino da Antiguidade. Respeitando as noções convencionais do Norte
da Europa, não incluo esta tradição na dos Altertumswissenschaft/Clássicos .
27 Outra possível rota de fuga conservadora era, claro, o "Leste" e a Índia. Ver acima, Cap. 5 , nn. 6-36. Esta seção segue

de perto Bernal (1986, pp. 24-27).


28 Highet (1949, pp. 377-436); St Clair (1972, pp. 251-262).
29 Sobre as escolas públicas , ver abaixo, Capítulo 7 , nn. 4-10; sobre o cristianismo ariano, ver Capítulo 7 , nn. 38-42.
30 Sobre a intensidade dessa alienação e o interesse pelo Mediterrâneo nesses ambientes antes da Guerra da

Independência da Grécia, ver M. Butler (1981, pp. 113-137).


31 St Clair (1972, pp. 119-127).
32 Ibidem, pp. 334- 7. A grande exceção a isso foi a ΦBK, que foi fundada antes das demais e sempre manteve um
caráter muito diferente. Sobre o "pai" Jahn, seus exercícios físicos e queima de livros, ver Mosse (1964 [trad. It. 1968], pp.
14-15). FR Stern (1961, pp. 1-25).
33 Sobre a influência do friso do Parthenon na apreciação da arte grega e da própria Grécia na Grã-Bretanha dessa

época, ver St Clair (1983, pp. 166-202).


34 Haydon (1926, p. 68).
35 Knowles (1831, p. 241).
36 Shelley (1821, Prefácio).
37 Em Madame Bovary , de Flaubert, ambientada na década de 1820, a heroína havia lido Scott e se tornara um culto a

Mary Stuart (cap. VI ). Sobre a invenção da tradição, ver Trevor-Roper (1983 [trad. It. 1987], pp. 19-44).
38 St Clair (1972, pp. 164-84).
39 Courrier Français , 7 de junho de 1821, p. 2b, citado em Dimakis (1968, p. 123).
40 Para a primeira dessas visões, ver Borrow (1843); Irwing (1829) e os muitos trabalhos de Prescott sobre a história

espanhola. Para a interpretação 'racial' subsequente, ver Hannay (1911).


41 Veja Fallmarayer (1835); e St Clair (1972, especialmente pp. 82-84).
42 Rawson (1969, p. 319).
43 Kistler (1960); EM Butler (1935, pp. 294-300).
44 Ver Rawson (1969, pp. 338-343). Ver as constantes referências aos dórios como modelos em Speer (1969 [trad. It.

1971], especialmente pp. 60, 155).


45 Rawson (1969, pp. 330-343).
46 Bury (1900, p. 62).
47 Cartledge (1979, p. 119) cita uma nota marginal do professor Wade-Geary que se refere a Motone, uma cidade da

Messênia conquistada pelos espartanos, chamando-a de "o Ulster da Irlanda Messênica". O próprio Cartledge usa a
analogia em outro lugar (p. 116), mas em um sentido anti-inglês/espartano.
48 Ridgeway também escreveu livros sobre história e baladas escocesas (Conway, 1937). Edição de vídeo também

Stewart (1959, pp. 17-18).


49 Michelet foi um de seus alunos.
50 Hegel (1840 [trad. It. 1941], vol. I , pp. 206-220).

257
51 Ibidem, pp. 272-279.
52 Hegel (1833 [trad. It. 1930-1934], vol. I , pp. 220-221.
53 Ibidem, pág. 220.
54 Ibidem, pág. 168.
55 Ver acima, Cap. 4 , n. 28.
56 Para uma discussão mais aprofundada, ver Bernal (1989).
57 Marx (1939 [trad. It. 1968], vol. II , pp. 94-148).
58 Ibidem, vol. Eu , pág. 39-40.
59 Embora eu esteja convencido de que a grande maioria dos temas mitológicos gregos veio do Egito e da Fenícia, é

igualmente claro que sua seleção e tratamento eram caracteristicamente gregos e, nessa medida, refletiam a sociedade
grega.
60 Ver especialmente Hecren (1824 [tradução inglesa 1832-1834], vol. I , pp. 470-471; vol. II , pp. 122-123).
61 Humboldt para sua esposa Caroline, 18 de novembro de 1823, em von Sydow (1906-1916, vol. VII , pp. 173-174).

Edição de vídeo também Heine (1830-1831, vol. II , p. 193).


62 Ver , por exemplo, Hansberry (1977, pp. 27, 104, 109).
63 C. Bunsen (1859, pp. 30-35); Witte (1979, pp. 17-19).
64 Yavetz (1976, pp. 276-296).
65 Rytkönen (1968, pp. 21, 222). Edição de vídeo também Witte (1979, p. 191).
66 Momigliano (1980, p. 567).
67 Momigliano (1982, p. 8).
68 C. Bunsen (1859, pp. 336-337, 340); F. Bunsen (1868, vol. I , p. 195).
69 Witte (1979, p. 136). Carta à Sra. Hensler, 17 de março de 1821.
70 Rytkõnen (1968, pp. 280-282); C. Bunsen (1859, pp. 485-489).
71 Rytkönen (1968, p. 220); Momigliano (1982, pp. 8-9).
72 Witte (1979, p. 21); C. Bunsen (1859, pp. 38-41).
73 Witte (1979, p. 18).
74 Momigliano (1982, p. 7).
75 Também deixou claro que estes últimos eram o mal menor; ver C. Bunsen (1859, p. 125).
76 Fueter (1936 [trad. It. 1970], pp. 558 e segs.); Gooch (1913, pp. 16-17); H. Trevor-Roper (1969).
77 Veja pág. XIII , citado em Rytkönen (1968, p. 306).
78 F. Bunsen (1868, vol. I , p. 337). Para outros, ver Witte (1979, p. 185) e Bridenthal (1970, p. 98).
79 Carta a Moltke, 9 de dezembro de 1796, citada em Bridenthal (1970, p. 98).
80 Witte (1979, p. 167).
81 Rytkönen (1968, pp. 67, 219).
82 Ver Capítulo 5 , n. 115.
83 Veja suas cartas para Altenstein, 4 de janeiro de 1808 e para Schuckman, 2 de maio de 1811; ver Witte (1979, p. 20) e

Rytkönen (1968, pp. 175-176).


84 Witte (1979, p. 185).
85 Artigo anônimo da Encyclopaedia Britannica sobre Niebuhr, nona edição, 1911.
86 Momigliano (1966d, pp. 6-9). Pallottino (1984, p. 15) aponta com razão que Mitford e Giuseppe Micali, historiador da

Itália antiga, anteciparam os métodos históricos "modernos" de Niebuhr.


87 Citado sem referência por Gooch (1913, p. 19).
88 Bridenthal (1970, p. 2); Fueter (1936 [trad. It. 1970], p. 558); Witte (1979, p. 82); Trevor-Roper (1969). O argumento

do professor Momigliano de que Niebuhr poderia até estar certo (1957, pp. 104-114) de modo algum diminui a
importância da influência romântica. Lays of Ancient Rome de Macaulay , publicado em 1842, foi baseado na hipótese de
Niebuhr.
89 Momigliano (1982, pp. 3-15).
90 Citado em Momigliano (1982, p. 9).
91 Michelet (1831a [trad. It. 1958], vol. I , p. XI ).
noventa e dois Ver Capítulo 7 , nn. 7-10.
93 Niebuhr (1828-1831 [tradução inglesa 1847-1851], vol. I , pp. XXIX-XXXI) .
94 Wilken (1931), citado em Witte (1979, p. 183). Sobre Wilken no período nazista, ver Cânfora (1980, p. 136).
95 Carta de Kiel, em C. Bunsen (1868, pp. 35-40).
96 Ver acima, Capítulo 5 , nn. 56-58. Edição de vídeo também , Cap. 8 , nn. 24-28.
97 Ver Iggers (1968, p. 30); Shaffer (1975, p. 85).
98 Veja a citação do sábio Sidonia em Disraeli's Tancred , vol. III , Cap. 1: "Tudo é raça, não há outra verdade". / "Porque

inclui todos os outros", disse Lord Henry. / "Você disse isso."


99 Ver Witte (1979, p. 20).

258
100 Ver Rytkönen (1968, p. 182); Niebuhr (1847 [tradução inglesa 1852], lição VII , pt. I , vol. I , pp. 98-99). Alguns anos

antes, Niebuhr havia expressado o desejo de estabelecer colonos europeus na Ásia: "Imagino colônias alemãs em Bitiaia
etc." Ver sua carta a Mme Hensler, 16 de agosto de 1821, em C. Bunsen (1859, p. 410 ) .
101 Niebuhr (1847 [tradução inglesa 1852], lição XX , vol. I , pp. 222-223).
102 Ver acima, Capítulo 5 , nn. 111-112.
103 Niebuhr (1847 [tradução inglesa 1852], lição V , vol. I , p. 77; ver também lição VII , pp. 97-99).
104 Niebuhr (1847 [tradução inglesa 1852], lição VI , vol. I , pp. 83-84).
105 Ver , por exemplo, sua carta a Mme Hensler, 17 de março de 1821, em C. Bunsen (1859, p. 405).
106 Niebuhr (1847 [tradução inglesa 1852], lição XX , vol. I , p. 223).
107 Ibidem, p. 117.
108 Hoefer (1852-77, vol. VIII , col. 721-725).
109 Também é possível que esses edifícios 'ciclópicos' tenham uma origem comum na Anatólia. As muralhas e portões de

Micenas e outras cidades e fortificações micênicas parecem ser a consequência de uma onda de influência da Anatólia que
na lenda está associada à conquista de Pélope no século XIV aC Os etruscos, que, segundo uma antiga tradição, teriam
vieram do noroeste da Anatólia. Acredito, portanto, que este estilo foi introduzido após a maior influência egípcia exercida
sobre a Grécia, no início do final da Idade do Bronze, mas antes da influência fenícia nos séculos X e IX .
110 Para uma discussão sobre a Inaco, ver Capítulo 1, nn. 93-97.
111 Ver Petit-Radel (1815).
112 Pfeiffer (1976, p. 186); Gooch (1913, pp. 16-17); Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], pp. 112-115)

descreve-o em termos semelhantes.


113 Ver o título de Miller: Prolegomena zu einer wissenschaftlichen Mythologie ; traduzido para o inglês por Leitch (1844)

como Introdução a um Sistema Científico de Mitologia . Para uma discussão sobre isso, e sobre o uso desses termos por
Kant, veja Neschke-Hetschke (1984, p. 484).
114 Veja RS Turner (1983a).
115 Gooch (1913, p. 35).
116 Donaldson (1858, p. VII ).
117 Ibidem, pp. VII - XXXIX . É extraordinário que Müller não tenha sido demitido junto com seus amigos e colegas -

incluindo os irmãos Grimm - "os sete de Göttingen" que em 1837 protestaram contra os atos antiliberais do rei de
Hanôver.
118 Seu trabalho sobre os etruscos ganhou o prêmio oferecido pela Academia Prussiana: "Prêmio para aqueles que

explicam e mostram criticamente a natureza e a constituição da formação cultural da nação etrusca". Vedi Donaldson
(1858, p. XXII ). Além de refletir a etruscomania que ocorreu na virada do século XVIII , promovida em particular pelos
Bonapartes, que de alguma forma se concebiam como etruscos, alguns alemães passaram a se identificar com esse povo
antigo ( ver Poliakov, 1973 [trad. It. 1976], pp. 85-86; Borsi, 1985). Niebuhr argumentou, em sua primeira edição, que os
etruscos vieram de um lugar ao norte dos Alpes, e isso explicaria o interesse da Academia Prussiana. Observe também o
interesse pela Bildung etrusca , sobre a qual praticamente nada se sabia.
119 Pausânias, Guia da Grécia , XI .36.3.
120 Plutarco havia usado o termo philobarbaros , para atacar Heródoto. Ver acima, Cap. 1,
n . 183. Outro termo moderno equivalente é interpretatio graeca ; para uma análise notavelmente equilibrada desses
conceitos, ver Griffiths (1980). Sustento que o nome Minî - atestado nas ricas planícies da Beócia ("a terra do gado"), na
Messênia e no Peloponeso - vem do egípcio mn ı > w que significa "pastor" ( ver vol. II ).
121 Sobre a indofilia, ver acima, Capítulo 5 , nn. 6-17. Edição de vídeo também Creutzer (1810-1812); Momigliano (1946,

pp. 152-163, [trad. It. 1966], pp. 75-90). Para uma breve bibliografia sobre Schlegel, Creutzer e Görres, ver Feldman e
Richardson (1972, pp. 383, 389).
122 Para uma crítica de Creutzer, ver Müller (1825, pp. 331-336); para uma crítica de Dupuis, veja Müller (1834, pp. 1-

30).
123 Sobre o "argumento baseado no silêncio", ver Introdução, p. 11.
124 Müller (1825, pp. 128-129).
125 Ibid . Certamente existiu na Antiguidade, mas não vejo razão para duvidar de que também havia forças mais ou

menos equivalentes voltadas para a diferenciação.


126 Müller (1825, pp. 221).
127 Ibid, pp. 232-234.
128 Ibid, pp. 239-240.
129 Sobre a possibilidade de a colonização de Cecrops representar a influência egípcia que chegou à Grécia com

expedições na época da XII dinastia, ver vol. II . Edição de vídeo também Introdução, pág. 24.
130 Müller (1820-1824, vol. I , pp. 106-108).
131 Sobre Heródoto e outras povoações que ele menciona, ver acima, Capítulo 1, nn. 117-124; em Cecrops, veja As

histórias , VIII . 44.

259
132 Menesseno , 245.CD; Müller (1820-4, vol. I , p. 107). Sobre a distinção entre a "pureza" ateniense e as conquistas

orientais de outras partes da Grécia, ver acima, Cap. 4 , n. 18.


133 Para minhas opiniões sobre o nome Danaus, veja o Capítulo 1, nos. 107-110.
134 Müller (1820-24, vol. I , p. 109).
135 A este respeito , ver acima, Cap. 1, n. 57.
136 Müller (1820-1824, vol. I , p. 112).
137 Ibidem, pp. 108, 113.
138 Heródoto, II .51. O senhor Casaubon tinha conhecimento desta ligação com os Cabiri ( ver Middlemarch , cap. XX ).

Edição de vídeo também Astour (1967a, p. 155); Dupuis (1795 [trad. It. 1982], vol. I , p. 95).
139 Müller não fez menção ao fato de Heródoto ( III .37) sugerir uma conexão entre os Cabiri e o culto de Ptah, o deus

egípcio da metalurgia.
140 Usener (1907, p. 11). Para um estudo interessante de Usener, veja Momigliano (1982, pp. 33-48).
141 Sobre Movers, ver abaixo, Cap. 8 , n. 86.
142 Müller (1820-1824, vol. I , p. 122).
143 Ibid, pp. 282-283.
144 Apesar da obscuridade de suas publicações sobre as influências do Oriente Próximo na mitologia grega, Jane

Harrison (1925, p. 84) havia visto além desses limites ao confrontar o brilhante semitista Robertson-Smith - que graças à
formação religiosa de origem conseguiu permanecer dentro do escopo do amplo modelo ariano e, assim, argumentar que
houve de fato influências do Oriente Próximo na Grécia - e o classicista Frazer, que era a favor de paralelos antropológicos
muito menos arriscados: "Robertson-Smith, exilado por heresia, havia viu a estrela oriental; em vão, nós, víboras clássicas
surdas, tapamos os ouvidos e fechamos os olhos. Mas ao som daquelas palavras mágicas "Golden Branch", as bandagens
caíram de nossos olhos, nossos ouvidos se abriram - e ouvimos e entendemos ».
145 Müller (1825, p. 285).
146 Foucart (1914, pp. 2-3). Para outros aspectos de Foucart, ver acima, Cap. 5 , n. 145; e vol. III .
147 Müller (1825, pp. 285-286).
148 Ibidem, p. 290.
149 Feldman e Richardson (1972, p. 417).
150 Müller (1825, p. 290).
151 Ver Introdução e vols. II e III .
152 Ver Astour (1967a, pp. 128-158); R. Edwards (1979, pp. 64-114).
153 Ver Nissen (1962, pp. 12, 117).
154 Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], p. 151).
155 FM Turner (1981, p. 79).
156 Feldman e Richardson (1972, pp. 416-418). Edição de vídeo também bibliografia em FM Turner (1981, p. 79). Turner

também leva Müller muito a sério.


157 Pfeiffer (1976, p. 187).
158 Para uma tentativa de justificar isso, ver Momigliano (1982, p. 33).

260
7. Ellenomania, 2
Transmissão dos novos estudos clássicos para a Inglaterra e
afirmação do modelo ariano. 1830-1860

A primeira metade deste capítulo é dedicada à transmissão da obra de Müller para a


Inglaterra. Esse processo deve ser visto no contexto da introdução da
Altertumswissenschaft na Inglaterra e do estabelecimento da disciplina chamada Clássicos ,
na crença de que a contemplação de todos os aspectos da vida dos gregos e romanos
deveria ter um efeito educacional e moral benéfico. nas crianças que estavam destinadas a
se tornarem os governantes da Grã-Bretanha e do Império.
clássicos tornaram-se o centro do sistema escolar público reformado e dominaram as
universidades. Essas reformas foram promovidas por Thomas Arnold - Doutor Arnold - e
outros primeiros reformadores vitorianos que viam na educação e na cultura acadêmica
alemã uma "terceira via" que rompeu com a estagnação da Inglaterra conservadora e whig,
evitando ao mesmo tempo o radicalismo francês. Não há dúvida, porém, de que, como no
caso de Humboldt e seus colegas na Alemanha trinta anos antes, os reformadores ingleses
tinham muito mais medo da revolução do que da reação. Isso, no entanto, não os poupou
dos ataques dos conservadores.
Connop Thirlwall e George Grote, os dois que haviam questionado a defesa de Mitford
do modelo antigo, pertenciam a duas facções ligeiramente diferentes da elite reformadora.
Ambos admiravam muito o trabalho de Müller, mas evitavam seu radicalismo iconoclasta.
Thirlwall não concordou em rejeitar as lendas sobre os assentamentos fenícios, enquanto
Grote, cortando o nó górdio, recusou-se completamente a especular sobre a veracidade das
lendas dos gregos sobre seu passado. Apesar dessas diferenças de atitudes, seu trabalho,
com efeito combinado, foi desacreditar as tradições de colonização e acentuar a
criatividade independente dos gregos, que agora eram considerados semidivinos. E isso foi
naturalmente bem aceito pela opinião pública, que se tornava cada vez mais pró-helênica e
desdenhosa de todas as culturas não europeias.
A segunda parte do capítulo 7 trata da reconciliação entre indofilia e estudos indo-
europeus, por um lado, e pró-helenismo e Altertumswissenschaft , por outro. Após a
demolição do modelo antigo por Müller, foi relativamente fácil preencher o vazio restante
com o modelo da conquista indo-européia do Norte. Nesse caso, diferentemente da
destruição do modelo antigo, havia uma boa explicação interna para a mudança: a
necessidade de explicar a base indo-européia do grego. Além disso, não há dúvida de que os
estudiosos alemães e ingleses foram particularmente atraídos pelas ideias da invasão
nórdica, que se adequavam bem ao racismo predominante e às teses de Niebuhr sobre a
teoria étnica. Também não há dúvida de que a paixão da época pela Índia ajudou a chamar
a atenção dos europeus para as invasões arianas do subcontinente do Norte. Não foi
preciso muita imaginação para transpor essas invasões - atestadas na tradição indiana -
para a Grécia, onde não restou nenhuma evidência de tal conquista.

261
O modelo alemão e a reforma educacional na Inglaterra
Como Isócrates disse sobre os atenienses e os gregos no século IV aC, os alemães do início do
século XIX dC estavam convencidos de que eram os "educadores intelectuais da
humanidade". 1 E essa foi uma autoavaliação aceita pela maioria dos europeus e norte-
americanos "progressistas". A filosofia e o sistema educacional alemães forneceram uma
mediana entre as tradições fracassadas, por um lado, e a Revolução Francesa e o ateísmo,
por outro. Como a historiadora literária Elinor Shaffer escreve:
A crítica alemã era erudita e técnica, inadequada para servir de manual de um movimento operário [...] além
disso, era suscetível a muitas interpretações, entre as quais, implicitamente, um projeto de reforma revisionista
de dentro que deixava as instituições eclesiásticas e políticas praticamente intacto e poder real onde estava
antes. A partir da década de 1830, o conhecimento da cultura acadêmica européia mais avançada foi usado na
Inglaterra como uma varinha para chicotear o establishment acadêmico anglicano […]. A natureza dessa maneira
de pensar nos diz muito sobre os dois lados do romantismo político e ainda mais sobre a natureza do
compromisso vitoriano. De certo ponto de vista, pode ser entendido como um grande monumento intelectual à
hipocrisia burguesa. 2

Na França, essa moda germânica foi melhor representada pelo filósofo e político popular
Victor Cousin, cuja carreira floresceu sob o grande regime burguês de compromisso de Louis
Philippe . Cousin instituiu a educação primária francesa no modelo prussiano e, como
Humboldt, a quem muito admirava, reservou um lugar especial no sistema educacional
para os antigos e os gregos em particular. Ele também tinha uma fé ardente na distinção
categórica entre a filosofia primitiva e "espontânea" do Oriente e as filosofias "reflexivas"
dos mundos pagão e cristão. 3
Enquanto alguns dos reformadores ingleses estavam prontos para a Bildung Prussiana
quase tão logo ela estava sendo formulada, o poder da conservação foi capaz de frear a
"germanização" da educação por muitas décadas. Na verdade, só poderia começar no
segundo terço do século, após a pressão exercida pelos círculos não-conformistas e
industriais sobre a criação das novas universidades, e depois que se tornou evidente a
necessidade de reforma das escolas públicas e de Oxbridge. Mesmo depois da reforma,
porém, os seminários não se firmaram, e os professores foram impedidos pelas faculdades
e pelos sentimentos liberais difundidos entre os reformadores de estabelecer uma
autocracia de tipo alemão. 4 Além disso, na Inglaterra, a Bildung do sistema alemão foi
levada muito mais a sério do que a pesquisa que envolvia. É surpreendente que Jowett, o
principal classicista da segunda metade do século XIX, tenha deixado uma impressão
duradoura em seus alunos, mas, ao mesmo tempo, como estudioso, ele foi muito menos
competente do que muitos de seus predecessores não reformados. 5 A produção de
pesquisa nas universidades inglesas foi ínfima em relação à produzida pela formidável
cátedra alemã. 6
O estudo do latim como língua e a leitura dos antigos tinham sido centrais no currículo
básico das universidades medievais. Na Inglaterra, a importância relativa desses aspectos
da educação cresceu durante o século XVIII , à medida que o interesse pela religião e pela
teologia declinava e por causa do desprezo pela matemática demonstrado por alunos cada
vez mais aristocratas. Além disso, como vimos, depois de 1780 houve um maior interesse
pelo grego. O conhecimento do latim sempre distinguiu as classes altas; agora era o grego
que marcava os eleitos. No entanto, a utilidade primordial dos Clássicos - o estudo de todos

262
os aspectos da Antiguidade como aprendizado intelectual e moral para a elite - surgiu
apenas na primeira metade do século XIX, sob influência direta ou indireta do modelo
alemão.
Entre seus promotores, a figura mais proeminente foi Thomas Arnold, mais conhecido
como o promotor daquele híbrido improvável, o "Cavalheiro Cristão". Diretor de Rugby,
com grande interesse pela reforma universitária, teve enorme influência nos últimos dez
anos de sua vida, de 1832 a 1844. Como Humboldt e Cousin, Arnold pertencia ao que
poderíamos chamar de centro combativo, odiando um tempo a revolução e a reação. 7
Central em todas as suas ideias de reforma, destinadas a preservar o melhor da tradição,
era seu amor pela Alemanha: ele conheceu Bunsen em Roma em 1827 e os dois
rapidamente fizeram amigos. Embora achasse o ceticismo histórico de Niebuhr um pouco
preocupante, ele se tornou um fervoroso admirador e escreveu um resumo popular da
Römische Geschichte. 8 Arnold também compartilhou o entusiasmo de Niebuhr pela raça
como um princípio primário da explicação histórica, e sua palestra inaugural como Regius
Professor of Modern History em Oxford em 1841 foi dedicada a esse assunto. 9 O doutor
Arnold e seu filho Matthew são particularmente significativos graças à sua capacidade de
sentir a moda de seu tempo; deram voz e fortaleceram sentimentos que já estavam
presentes na opinião da moda. 10
Um grupo muito mais original de estudiosos emergiu de Cambridge. E que havia espaço
para reforma nesta universidade Whig ligeiramente mais flexível é demonstrado pelo fato
de que o exame Classical Tripos do tipo "global" moderno foi instituído lá em 1822. Foi
através de Cambridge que as novas disciplinas acadêmicas alemãs e a
Altertumswissenschaft veio introduzido na Inglaterra. As figuras-chave que lidaram com
isso foram dois amigos íntimos da escola e da faculdade, Julius Hare e Connop Thirlwall.
Hare ficou na Alemanha quando criança, onde aprendeu alemão e nasceu com um
entusiasmo pela cultura alemã que duraria por toda a vida, e que ele transmitiu a Connop
Thirlwall. Hare e Thirlwall, juntamente com o matemático William Whewell, foram muito
ativos na primeira tentativa de fundar a Cambridge Union . Depois que a sociedade de
debates estudantis foi fechada em 1817, por ser considerada subversiva, Whewell e
Thirlwall se dedicaram a aprender alemão com Hare. Quando deixou a universidade no ano
seguinte, Thirlwall não apenas aprendera alemão, mas também lera Römische Geschichte de
Niebuhr . Ele logo partiu para Roma, onde se juntou à comunidade alemã e formou uma
amizade com Bunsen, que "teve uma influência muito importante em sua vida". 11
Ao retornar à Inglaterra, Thirlwall traduziu São Lucas , um difícil tratado teológico de
Schleiermacher, um teólogo romântico e "ariano" preferido por Humboldt e Bunsen. 12 Isso
causou um pequeno escândalo entre o clero conservador que se opunha à teologia alemã,
mas isso não impediu Thirlwall de retornar ao seu colégio , Trinity, e tomar as ordens
religiosas exigidas. Em 1827, junto com Hare, começou a traduzir Römische Geschichte de
Niebuhr ; um volume saiu em 1828, um segundo três anos depois, mas sua extraordinária
paciência e devoção se esgotaram e o terceiro volume permaneceu inacabado.
Em 1830, Thirlwall e Hare entraram em contato com uma pequena, exclusiva e secreta
sociedade estudantil, os Apóstolos , que havia sido fundada como um clube social cristão
dez anos antes. Eles contribuíram para transformá-lo e dar-lhe aquele caráter metafísico-
liberal particular que - com alguns desvios - sempre manteve. Os dois encorajaram os
"irmãos" mais jovens a cultuar os poetas românticos e a cultura acadêmica alemã. 13

263
Segundo um dos membros da sociedade, eleito em 1832, "Coleridge e Wordsworth eram
nossas principais divindades, e Hare e Thirlwall eram considerados seus profetas"; outra
fonte afirmou que "Niebuhr era para eles um deus que por muito tempo moldou seus
sentimentos". 14 O ethos romântico do grupo foi fortalecido em 1833 pela morte de Hallam,
um jovem brilhante amado por Thirlwall e muitos de seus irmãos; seu culto, simbolizando
a perda de sua juventude e beleza, foi imortalizado no poema In memoriam de Tennyson e
permaneceu central para a Sociedade pelos próximos quarenta anos.
Não há dúvida de que Thirlwall se via como o Sócrates do grupo, ciente de que estava
treinando as melhores mentes da geração jovem no sentimento romântico e no
pensamento cético. Tendo assim difundido pelos Apóstolos em particular, e pelo Zeitgeist
em geral, o ceticismo romântico tornou-se o ethos do que o historiador social
contemporâneo Noel Annan chamou de "a aristocracia intelectual" ou a "nova inteligência".
15 A reputação socrática de Thirlwall foi reforçada por sua posição a favor da admissão de

dissidentes religiosos aos diplomas universitários de Cambridge. Abandonado por Hare e


traído por Whewell, ele foi forçado a renunciar ao seu cargo de companheiro . No entanto,
sua cicuta não era tão amarga quanto ele tinha amigos Whig em lugares altos: ele foi
imediatamente premiado com um benefício conspícuo no East Riding que lhe permitiu
escrever sua História da Grécia .
Em 1840, Thirlwall foi nomeado bispo de St Davids, a sede mais antiga do País de Gales.
Isso deve ser visto no contexto de uma série de movimentos pró-alemães que incluíram a
nomeação do Doutor Arnold como Professor Regius e a missão especial de Bunsen à
Inglaterra, em nome do governo prussiano, para promover seu grande projeto religioso -
com notável implicações - pretendia unir as igrejas luterana e anglicana. O projeto tomou
forma tangível na fundação de um bispado evangélico conjunto em Jerusalém, e foi essa
iniciativa que finalmente impulsionou o futuro Cardeal Newman ao catolicismo. Sua
conversão oferece um exemplo claro da divisão dentro do movimento romântico entre o
amor "progressista" pela Grécia e pela Alemanha e a paixão "reacionária" pelo ritual cristão
e pela Idade Média que poderia direcionar os incautos a caminho de Roma.
Como bispo, Thirlwall apoiou o liberalismo da "nova inteligência" e sua ala eclesiástica, a
Igreja Ampla . Nisso ele estava muitas vezes sozinho, e sua primeira ação surpreendeu seus
pares. Ele foi o único bispo a votar pelos direitos civis dos judeus. As motivações para essa
postura corajosa foram mistas, combinando o liberalismo sincero com a crença de que a
assimilação seria o caminho mais rápido para a conversão. (A conversão dos judeus era, de
fato, um dos principais propósitos do bispado evangélico de Jerusalém. ) além de crianças e
crianças.
Com todo o seu corajoso liberalismo – que culminou em um discurso de extraordinária
eloquência que esmagou aqueles que se opunham ao movimento pela libertação da Igreja
Anglicana do Estado – vale ressaltar que Thirlwall sempre permaneceu um romântico e um
contra-revolucionário. Seu Primitiae , uma coletânea de ensaios escritos aos onze anos de
idade, recebeu elogios enjoativos da "Anti-Jacobin Review" e foi dedicado ao bispo Percy,
compilador daquelas Reliques of Ancient British Poetry , um livro que, como vimos, foi
decisivo para o interesse demonstrado pelos românticos pelas baladas tanto na Grã-
Bretanha quanto na Alemanha. Então, durante a década de 1820, Thirlwall e Hare
reverenciaram Wordsworth e Coleridge, então em sua fase extremamente reacionária. Ele
também estava aterrorizado com o perigo revolucionário que parecia ver nas Filhas de

264
Rebecca - galesas que se vestiam de mulheres para incendiar as odiadas cabines de pedágio
- e durante a Guerra Civil Americana, por mais que deplorasse a escravidão. , achou ainda
mais alarmante a perspectiva de "dominação por uma democracia militar em que os mais
desprezíveis dominam". 17 Além disso, ele foi dominado pelo que seu amigo Thomas Carlyle
descreveu como "as apreensões mais frenéticas da ameaça francesa". 18 Considerando tudo,
as visões políticas de Thirlwall parecem muito próximas às de Bunsen, Thomas Arnold e do
jovem Niebuhr.
A História da Grécia de Thirlwall , em oito volumes que começaram a aparecer em 1835,
foi a primeira grande obra em inglês a incorporar os resultados dos estudos alemães. Foi
também o primeiro a substituir o enorme Mitford History , publicado entre 1784 e 1804. Os
ataques ao conservador Mitford, que era altamente cético em relação às conquistas da
civilização dos gregos, no entanto, começaram dez anos antes, durante a guerra.
Independence, em jornais publicados em 1824 e 1826. O primeiro, que veio de Thomas
Babington Macaulay, foi uma crítica feroz às concepções reacionárias anti-atenienses e pró-
espartanas extremas que ele atribuiu a Mitford. Acima de tudo, porém, Macaulay se opôs ao
fato de Mitford ter tratado os gregos como qualquer pessoa comum: como Shelley, ou
Schiller e Humboldt na Alemanha, Macaulay estava convencido de que os gregos estavam
acima de tais formas de análise. Como ele mesmo disse, quando pensava na Grécia, adorava
"esquecer a exatidão do juiz e entregar-se à veneração dos fiéis". 19
O segundo ataque veio em 1826 de George Grote, um jovem banqueiro radical. Grote
lera Mitford com mais precisão do que Macaulay e admitira que não era prospartano e que
- como Aristóteles - era a favor de constituições mistas. Grote, no entanto, se opôs ao que
em sua opinião era um preconceito pró-inglês de Mitford e sua incapacidade de reconhecer
a natureza especial da Grécia que, na opinião de Grote, decorreu de suas próprias
instituições livres: aristocracia aberta que na prática se identifica com ela) que devemos
essa inteligência aguda e essa diversidade de talentos individuais que constituem o encanto
e a glória da história grega ». E passou a formular um argumento de círculo vicioso de que a
Grécia merecia um tratamento especial, uma vez que sua posição especial já estava
institucionalizada. Ele também destacou "o extraordinário interesse que a marca clássica
da educação inglesa dá a todas as memórias da Grécia". 20 Ambos os críticos concordaram,
portanto, que a Grécia antiga deveria ser colocada além dos limites normais da pesquisa
histórica. Macaulay então passou para outras coisas, mas Grote continuou sua missão e
vinte anos depois ele lançou sua própria história maciça da Grécia.
Thirlwall apareceu mais cedo, no entanto. A comparação usual é que, enquanto o
desprezo conservador de Mitford pela democracia grega faz de seu trabalho "um panfleto
de propaganda de cinco volumes" para o Partido Conservador, ao qual a História de Grote
respondeu com um desafio radical, o trabalho de Thirlwall parece manter uma visão
equilibrada. 21 Sobre o assunto que nos interessa, no entanto, o contraste é entre o ataque
de Thirlwall e Grote ao modelo antigo e a defesa dele por Mitford. Como vimos no Capítulo
3 , estudiosos anteriores, ao aceitarem o modelo antigo, nunca precisaram justificá-lo. Na
década de 1780, no entanto, Mitford sentiu-se compelido a formular uma defesa da visão
ortodoxa de que a Grécia seria colonizada pelos egípcios e fenícios. Havia todos os motivos
para acreditar - assim ele argumentara - nos registros da colonização grega, já que eram tão
detalhados e difundidos, e porque era muito improvável que os gregos tivessem inventado
histórias que fossem contra seus próprios interesses. 22

265
Contra essa tese plausível, Thirlwall resumiu os argumentos de Müller, sem no entanto
mencionar seu nome. Ele então acrescentou um comentário fascinante sobre as motivações
de Müller:
Em um período relativamente tardio - aquele que se seguiu ao surgimento da literatura histórica entre os gregos
- há uma crença comum tanto entre o povo quanto entre os cultos, ou seja, que em épocas de antiguidade muito
remota, antes do nome e domínio do Se os pelasgos tivessem deixado o campo para o da raça helênica, alguns
estrangeiros teriam sido conduzidos por diversas causas às praias da Grécia e teriam estabelecido colônias,
fundado dinastias, construído cidades e introduzido artes úteis e instituições sociais antes desconhecidas dos
nativos mais cruéis . A mesma crença foi então quase universalmente adotada pelos estudiosos dos tempos
modernos [...]. E não era preciso pouca audácia para arriscar uma única dúvida sobre uma verdade sancionada
por aquela autoridade e sustentada por um antigo costume que a tornava propriedade indiscutível da mente
coletiva. E talvez nunca tivesse sido questionado, se as inferências dele extraídas não tivessem levado a uma
investigação escrupulosa dos fundamentos sobre os quais se apoiava [grifo meu]. 23

Thirlwall não especifica quais foram essas inferências, mas, se considerarmos o trabalho de
Müller, é difícil ver alternativas para inferências românticas e raciais. Tal afirmação de
alguém que esteve em contato próximo com estudiosos alemães é importante, porque
implica que se recorreu à investigação crítica não porque houvesse inconsistências formais
nas lendas - como o próprio Müller argumentou no caso de Danaus -, mas porque seu
conteúdo era desagradável. E Thirlwall continuou:
No entanto, uma vez que esse espírito foi despertado, verificou-se que as histórias atuais desses antigos
assentamentos deixavam margem para dúvidas razoáveis, não apenas pelos aspectos maravilhosos que exibiam,
mas também pelo fato ainda mais suspeito de que com o passar do tempo pareciam crescer em número e na
exatidão dos detalhes conhecidos, e quanto mais se volta, menos se ouve falar deles, até que, se consultarmos os
poemas homéricos, perdemos todos os vestígios de sua existência. 24

Como Müller antes dele, Thirlwall não conseguiu encontrar nenhum argumento contra o
modelo antigo entre os autores gregos mais antigos e, portanto, foi forçado a se contentar
com "argumento baseado no silêncio". Para isso, ele afirmou ver "uma dissidência tácita"
nos autores gregos e acreditava que as lendas eram "refutadas pelo silêncio dos mais
antigos poemas e historiadores gregos". 25
Com um verdadeiro espírito "apostólico", Thirlwall geralmente era capaz de ver dois ou
mais lados de uma questão, mas nisso ele parece estar dividido entre as conclusões
radicais, mas convincentes de Müller e a ortodoxia que Niebuhr havia defendido. Para isso
escreveu: "parece possível e até necessário escolher um caminho mediano entre velhas e
novas opiniões". Seu compromisso era o comum - egípcios, não ! Fenícios, talvez? - e negou
a veracidade das lendas em torno da origem egípcia de Cecrops e Danaus por motivos
raciais: "colonizadores de puro sangue egípcio, que cruzam o Egeu e fundam cidades
marítimas, tudo isso não condiz com o que conhecemos de personagens nacionais". 27
Observe que "puro" e aquele "marítimo"! Thirlwall escolheu suas palavras com muito
cuidado, para evitar ser contrariado pelas façanhas contemporâneas de Mohamed Ali e
Ibrahim, mas esse racismo sistemático demonstra com que facilidade a ideologia pode
transcender os fatos. 28
Por outro lado, Thirlwall aceitou as lendas em torno de Cadmus e dos fenícios, não só
sobre a colonização das ilhas, mas também da Beócia. Outra razão para distingui-lo dos
racistas e antissemitas do final do século XIX e do século XX é que, enquanto um verdadeiro
romântico que falava em termos de “sangue” e “raça”, na década de 1830 ele insistia que:

266
Em si, é de pouca importância que um punhado de egípcios ou fenícios tenha ou não se misturado com a
população da Grécia. O que torna esta pesquisa interessante é o efeito que se acredita que a chegada desses
estrangeiros teve sobre o estado da sociedade em seu novo país. 29

Tal falta de preocupação com a pureza era muito menos aceitável oitenta anos depois.

George Grote
A História de Thirlwall logo foi ofuscada pela de George Grote, publicada em 1846. Os dois
homens tinham sido quase contemporâneos em Charterhouse, e Grote afirmou que nunca
teria começado seu projeto se não soubesse sobre o de Thirlwall. Thirlwall, por sua vez,
aceitou com surpreendente cordialidade ser expulso do outro. 30 Momigliano observou as
semelhanças entre o círculo de Thirlwall e o dos banqueiros radicais em torno de Grote:
“ambas as empresas eram avessas à Mitford, estudavam alemão e foram atacadas pela
Quarterly Review. Ambos visavam a liberalização dos hábitos políticos e intelectuais
ingleses e queriam que eles se baseassem em sólidos princípios filosóficos ». 31
Mas Momigliano chega a afirmar que haveria uma diferença fundamental: enquanto
Thirlwall e Hare queriam introduzir a filosofia romântica da história e substituir os estudos
empíricos realizados em Oxbridge, Grote era ele próprio um empirista e um positivista. 32
De fato, a distinção entre os dois não deve ser exagerada. Muitos utilitaristas
compartilhavam com os românticos uma paixão pela Grécia, que nas décadas de 1830 e
1840 era compartilhada por mulheres e homens de todos os matizes de opinião, exceto por
reacionários radicais. (Momigliano cita John Stuart Mill a esse respeito, mas a paixão
helênica do pai utilitarista de Mill - que fez seu filho ensinar grego aos três anos de idade! -
é ainda mais reveladora.) 33 A admiração de Grote pela polis grega , por exemplo, é parece
em muitos aspectos semelhante ao de Rousseau. E, de fato, como aponta Momigliano, "sua
simpatia pelos pequenos estados o levou mais tarde a realizar um estudo aprofundado da
Suíça". 34 Por outro lado, como radical e utilitarista, Grote era naturalmente simpático ao
espírito científico que, na década de 1830, se articulava na França no positivismo de Comte.
Grote estava, portanto, em condições de solicitar "provas" da historiografia da Antiguidade
com mais consistência do que Niebuhr e Müller, e também deplorou o que acreditava ser "a
licença alemã para especular". 35
Momigliano argumenta que Grote, tendo estabelecido uma clara distinção entre a Grécia
histórica e a lendária, "rompeu com KO Müller e seus admiradores ingleses". 36 No entanto,
Müller também começou sua Pro legomena afirmando que há "um limite bastante preciso"
entre os dois. 37 Além disso, tanto Müller quanto Grote seguiram Wolf ao acreditar que a
escrita não existia na Grécia antes do século VIII e que não havia ensino sacerdotal, como
havia no Oriente. As ligações com os tempos mais remotos eram, portanto, muito tênues. 38
Além disso, ambos concordavam que, embora houvesse alguns elementos históricos no
mito, não adiantava pensar em um núcleo de pura realidade sobre o qual se sobreporiam
elementos míticos; os dois elementos tiveram de ser concebidos como integrados desde o
início. 39 A esse respeito também, portanto, a distinção entre historiadores groteses e
românticos não parece tão grande quanto supõe o professor Momigliano. Havia, no
entanto, uma diferença importante entre Grote e os românticos alemães, que concebiam a
Grécia como a infância da Europa: como radical e não conservador, ele não lamentou o fim

267
da era mitopoética. Assim como James Harris, o gramático de um século antes, a paixão de
Grote era o florescimento tardio e repentino da democracia ateniense e, como vimos, o que
mais lhe interessava era refutar o ceticismo conservador de Mitford sobre as instituições
gregas. 40
Momigliano também argumenta que Grote era estritamente neutro na questão da
historicidade dos mitos gregos: apenas que ele exigia "provas colaterais" antes de aceitá-
los. 41 Além da inadequação de tal exigência de 'prova', a neutralidade de Grote a esse
respeito é gravemente duvidosa, pois o tom de sua discussão sobre o conceito de
historicidade é cético, se não zombeteiro. Ele cita, por exemplo, o historiador e mitógrafo
do século XVIII Jacob Bryant, que argumentou que era impossível levar a sério as histórias de
povos que acreditavam em centauros, sátiros, ninfas e cavalos falantes. 42
A tese de Bryant parece plausível. Não se deve esquecer, no entanto, que cada período
tem crenças gerais que épocas posteriores considerarão absurdas. O que defendo é que o
que acreditamos serem crenças falaciosas em centauros ou outras criaturas míticas são
menos enganosas - para os argumentos que estamos considerando - do que os mitos do
século XIX sobre raça, características nacionais imutáveis, vantagem da pureza e efeitos
deletérios. mistura - e, sobretudo, o estatuto semidivino dos gregos que os faz transcender
as leis históricas e linguísticas. Mesmo com toda a cautela que devemos ter diante das
evidências antigas, deve-se ter maior suspeita das interpretações que foram dadas nos
séculos XIX e XX .
Momigliano argumenta que, graças à sua "neutralidade", as opiniões de Grote sobre a
mitologia não foram invalidadas por descobertas arqueológicas posteriores que parecem
confirmar as evidências lendárias. 43 Tal justificação é inválida se, como defendo, as suas
opiniões fossem céticas. Além disso, tal ceticismo parece mais justificável em Grote do que
em seus sucessores do século: depois de queimados em Tróia, Micenas, Cnossos, e assim
por diante, seria de esperar que eles ao menos dessem o benefício da dúvida às tradições
que não foram contestadas em a 'Antiguidade. Pareceria um ato de prudência, por exemplo,
manter pelo menos como hipótese de trabalho a ideia de que a Beócia tinha uma relação
especial com a Fenícia, ou que os lendários Sesōstris e Memnon - os faraós egípcios
chamados Senwosret e Ammenemes - haviam embarcado em no Mediterrâneo oriental no
século 20 aC, em vez de descartá-las como absurdas, apenas para ser humilhado sempre que
evidências arqueológicas ou epigráficas foram encontradas para confirmá-las. 44
No entanto, o desprezo de Grote por uma tradição que não preenchia os requisitos de
"prova" teve imensa influência. Sua insistência - junto com Müller - de que a Grécia deveria
ser considerada completamente isolada do Oriente Médio até que se prove o contrário
provou ser uma ferramenta útil para expulsar do seio da Academia os hereges que pecaram
contra o modelo ariano. 45 Da mesma forma, ao iniciar a história grega com as primeiras
Olimpíadas em 776 aC, Grote confirmou fortemente a impressão de que a Grécia clássica
era uma ilha no espaço e no tempo. A civilização grega foi concebida como se tivesse vindo
do nada, como se tivesse surgido totalmente armada de uma forma muito mais do que
humana.
A História de Grote rapidamente se tornou um clássico para os estudiosos, não apenas na
Inglaterra, mas na Alemanha e em outros lugares da Europa continental. 46 Por mais
interessante que possa ser o manejo do mito por Grote, não foi considerado satisfatório por
outros historiadores que ainda se sentiam compelidos a expressar opiniões sobre os

268
primeiros séculos da história grega. Eles geralmente seguiam a posição de compromisso de
Thirlwall: isto é, embora de acordo com as lendas gregas houvesse tanto invasões egípcias
quanto fenícias, os resultados "científicos" da linguística agora indicavam que a língua
grega era pura e indígena. A História da Grécia de Sir William Smith , que se tornou o
clássico dos livros didáticos ingleses sobre o assunto desde sua publicação em 1854 até a
década de 1880, demonstrou as dificuldades dessa posição:
A civilização dos gregos e o desenvolvimento de sua fala trazem todos os sinais de uma criação doméstica, que
provavelmente foi pouco perturbada por influências estrangeiras. Mas as tradições dos gregos levariam a uma
sentença contrária. Era opinião comum entre eles que os pelasgos haviam sido resgatados da barbárie por
estrangeiros vindos do Oriente, que se estabeleceram no país e introduziram os primeiros elementos de
civilização entre os habitantes rudes. Muitas dessas tradições, no entanto, também não são lendas; mas derivam
das especulações filosóficas de uma época posterior. 47

Se levarmos em conta as raízes ideológicas do conceito de "pureza" da língua grega,


discutida no capítulo 4 , é interessante notar que a própria língua, algumas décadas depois,
foi utilizada como fundamento "científico" para negar o modelo antigo. Como Thirlwall,
Smith havia se comprometido aceitando o assentamento cadmeo-fenício, mas rejeitando as
lendas da colonização egípcia.
Enquanto os românticos desde o século XVIII brincavam com a ideia de uma origem
nórdica dos gregos, os ataques ao modelo antigo de estudiosos como Samuel Musgrave,
Karl Otfried Müller e Connop Thirlwall insistiam na origem nativa dos gregos e na as
afinidades entre helenos e pelasgos. Na década de 1850, a família linguística indo-européia
e a raça ariana tornaram-se "fatos" reconhecidos. Graças a uma teoria racial bem
desenvolvida e ao conceito de uma pátria original ariana localizada em algum lugar nas
montanhas da Ásia, a imagem das origens gregas foi completamente transformada.

arianos e helenos
Niebuhr, Müller e os indo-europeus: foram eles que forneceram todos os elementos
necessários para a construção do modelo ariano. Niebuhr tornara legítima a rejeição de
fontes antigas e introduzira na história antiga os modelos franceses e indianos de conquista
do Norte. Müller havia removido o modelo antigo da Grécia. Mas maior influência teve o
trabalho de linguistas que estabeleceram a relação entre grego e sânscrito e revelaram que
o grego era uma língua indo-europeia. Era necessário, no entanto, dar uma explicação
histórica dessa relação e emprestar-se o modelo das conquistas nórdicas da Ásia Central. É
necessário, portanto, fazer uma distinção clara entre o abandono do modelo antigo, que só
pode ser explicado em termos externos - ou seja, como consequência de pressões políticas
e sociais - e a afirmação do modelo ariano, que teve forte motivações - ou seja, que os
desenvolvimentos internos da própria disciplina desempenharam um papel importante na
evolução do novo modelo.
Também quero reiterar que os modelos antigo e ariano não são mutuamente exclusivos.
De fato, durante grande parte do século XIX os dois modelos coexistiram no que chamo de
modelo ariano amplo. Segundo ela, argumentava-se que os gregos, surgidos após a
conquista indo-européia dos pré-helenos, seriam por sua vez conquistados por anatólios e
fenícios, e que estes teriam deixado traços culturais significativos. Quanto a mim, em meu

269
modelo antigo revisado, argumento que também é possível que tenha havido antigas
invasões ou infiltrações na bacia do Egeu por povos de língua indo-europeia antes das
colonizações egípcias e semíticas ocidentais. 48 Tomados como um todo, porém, os
proponentes do modelo ariano sempre se preocuparam com a hierarquia racial e a pureza
racial, e a ideia de colonização fenícia ou egípcia sempre lhes foi desagradável.
Havia, no entanto, uma grande desvantagem no novo modelo ariano: a falta de atestado
antigo. Tucídides menciona movimentos de tribos durante os quais os helenos do norte da
Grécia se mudaram para o sul e foram absorvidos por outros povos. A datação que sugere é
obscura, mas esclarece que esse processo ainda não havia ocorrido na época da Guerra de
Tróia; isso deixa sem explicação as origens dos Danaans, os Argives e os Aqueus e muitos
outros gregos. 49 Problemas semelhantes de datação muito avançada também invalidam a
outra possível tradição de conquista do Norte - o retorno dos Heraclids ou a invasão dos
Dórios - segundo a qual tribos do noroeste da Grécia se espalhariam para o sul e
conquistariam a maior parte do Peloponeso e grande parte do o sul do mar Egeu.
As tradições concordam em referir esses eventos após a Guerra de Tróia, que teria
ocorrido por volta de 1200 aC. Se eles são então interpretados como uma "invasão ariana",
isso significa que Agamenon, Menelau e a maioria dos heróis homéricos não poderiam ter
sido gregos . Esse era um preço que poucos helenistas estavam dispostos a pagar, mesmo
antes da decifração da Linear B mostrar que o grego era falado na Grécia muito antes da
Guerra de Tróia. 50 Surgiu a possibilidade de que a invasão dórica fosse apenas a última de
uma série de invasões - mas o problema da falta de tradições sobre a primeira conquista
permanece.
Ernst Curtius, o devotado colega mais jovem de Müller, admitiu que não havia nenhuma
fonte antiga sobre a conquista ariana e que, em suas palavras, "o conceito de autoctonia se
desenvolveu entre eles [os gregos] de acordo com a maior variedade de tradições". 51 Mas a
Filologia era agora uma "ciência" e estava acima de tais coisas; a falta de fontes antigas não
preocupava os novos historiadores. Em uma frase citada por Theodor Mommsen, o grande
historiador de Roma da segunda metade do século XIX, argumenta-se: "a história deve
finalmente fazer uma limpeza de todas essas fábulas que, embora se digam história, nada
mais são do que improvisações". 52
Se levarmos em conta o surgimento dos estudos indo-europeus, a importância assumida
pelo modelo indiano de invasão ariana e a destruição do modelo antigo por Müller, a
aplicação do modelo ariano à Grécia parece tão óbvia que explica por que foi na verdade,
um processo geral nas décadas de 1840 e 1850. Portanto, é difícil saber a quem deve ser
dado o crédito. Os candidatos mais prováveis, porém, são os irmãos Curtius; infringindo a
lei do direito de primogenitura, vamos lidar com Georg, o mais novo.
Georg Curtius nasceu em Lübeck em 1820, estudou em Bonn e Berlim e foi professor em
Praga (antigamente um grande centro de linguística), Kiel e Leipzig. Em suas muitas obras,
ele aplicou os novos princípios da linguística indo-européia ao grego. A sua investigação
decorreu sobretudo no campo da gramática comparada e da componente indo-europeia em
grego; em ambos os campos, dedicou-se a detectar as mutações fonéticas elegantes e
regulares com base nas quais uma grande parte do grego pode ser derivada de um
hipotético proto-indo-europeu. 53 Durante a década de 1850, Georg Curtius estabeleceu um
critério sólido além do qual sempre foi difícil ir. É assim que o lexicógrafo H. Stuart Jones

270
descreveu a situação na década de 1920, em seu prefácio à nona edição do dicionário
grego-inglês mais credenciado, o de Liddell e Scott:
Após cuidadosa consideração, decidiu-se que a informação etimológica deveria ser reduzida ao mínimo. Basta
uma olhada no Dictionnaire étymologique de la langue grecque de Boisacq para perceber que as especulações dos
etimologistas raramente estão isentas de conjecturas; e que o progresso da filologia comparada desde os dias
em que G. Curtius (cujo Griechische Etymologie é a principal fonte de que Liddell e Scott extraíram) limpou o
campo de muito lixo, embora não tenha produzido uma construção sólida. 54

E isso é tão verdadeiro hoje quanto era quando ele o escreveu em 1925. Grande parte do
lixo era naturalmente semita, ou seja, impossível de tolerar na década de 1920. 55
Se Georg Curtius estabeleceu uma ligação linguística entre a Grécia e os indo-europeus,
seu irmão mais velho Ernst a definiu historicamente. Ernst Curtius nasceu em 1814.
Estudou em Bonn e Göttingen, onde se relacionou com Müller. De 1836 a 1840 ele estava
na Grécia, e estava com Müller quando ele morreu. Curtius escreveu uma descrição
histórica detalhada do Peloponeso e obteve uma cátedra em Berlim; mais tarde foi
professor em Göttingen, de 1856 a 1868; ele então assumiu o cargo de professor em
Berlim, onde passou os últimos vinte anos de sua vida. 56
Ernst Curtius compartilhou com Müller a paixão pela paisagem grega e seus
monumentos, arqueologia e arte. A dela foi, portanto, a primeira grande história da Grécia
escrita por alguém que realmente esteve naquele país. Além disso, Curtius manteve a
concepção romântica de seu mentor em relação à Grécia. Como aponta Wilamowitz-
Moellendorff, ele "continuou a professar e pregar a crença em seu ideal inalterado". 57 Ao
contrário de Müller, porém, ele se envolveu no novo entusiasmo pelos indo-europeus e
arianos, e seu romantismo se estendeu a eles.
Essa visão permeia sua História da Grécia , cujo primeiro volume foi publicado em 1857.
Curtius aceitou a ideia dos linguistas de que deve ter havido um Urheimat indo-europeu em
algum lugar nas montanhas da Ásia Central; a partir daqui, assim como os arianos
invadiram o sul para conquistar a Índia, os helenos teriam descido para a Grécia. Ao
contrário dos antigos e seus predecessores, no entanto, Curtius enfatizou a distinção entre
pelasgos e helenos: "Os tempos dos pelasgos estendem-se para o segundo plano - um vasto
período de monotonia: impulso e movimento foram primeiro impressionados por helenos
e seus filhos. ; e com a sua chegada começa a história ». 58
Essa concepção pareceria paralela à distinção entre ariano e não-ariano. De fato, Cúrcio
concebeu os pelasgos como uma primeira onda de arianos inferiores que chegaram à
Grécia através da Anatólia e do Helesponto, que deixaram vestígios de sua passagem na
Frígia. As invasões helênicas subsequentes teriam sido menores em tamanho, mas, "mesmo
que em menor número, graças às suas habilidades mentais superiores […] eles foram
capazes de mesclar elementos dispersos […] fazendo-os progredir para um
desenvolvimento superior". 59 Já mencionamos as semelhanças entre os nativos predóricos
de Esparta e Messênia e os "arianos marginais" irlandeses nas pp. 275-276. 60 A hipótese
histórica de Curtius de que os helenos arianos conquistaram os pelasgos semi-arianos tem
a vantagem de combinar dois traços ideológicos vantajosos - a conquista do Norte por uma
raça superior e a preservação da pureza racial essencial.
Os novos invasores eram, portanto, bastante nórdicos. Um de seus grupos "pegou a rota
terrestre cruzando o antigo portal das nações no Helesponto: passou pela Trácia chegando

271
às regiões alpinas do norte da Grécia e lá, nos cantões das montanhas, desenvolveu sua
própria vida social peculiar de comunidade [...] sob o nome de Dori ». 61 A razão para esta
descrição pitoresca da vida montanhosa isolada em "cantões" - que torna os dórios quase
suíços - parece ser a antiga necessidade romântica de derivar o caráter de um povo da
paisagem de sua terra natal. Para os partidários dessa teoria era um embaraço saber que os
atenienses "moles", precisamente os jônios, foram formados na dura Ática, enquanto os
espartanos viviam no luxuriante vale da Eurota.
Curtius foi muito mais conciso sobre as origens dos jônios, apenas observando que eles
vieram diretamente da Frígia para a costa leste do mar Egeu. 62 A tradição grega afirmava
claramente que o Jônio da Anatólia havia sido colonizado por Jônios da Grécia apenas no
século 11 , mas Niebuhr havia questionado os Antigos a esse respeito. Assim, Curtius
apoiou-se na autoridade dos novos estudos quando negou a tradição e argumentou que os
gregos viveram naquela região muito antes. Concluindo esta parte de seu livro, ele afirmou
que suas migrações separadas diferenciaram os dórios dos jônios: assim, "as bases desse
dualismo que permeia toda a história desse povo foram lançadas". Dóricos e jônios, no
entanto, eram racialmente unidos: "um profundo senso de parentesco os atraiu um para o
outro". 63
Mas acima de tudo, os sentimentos místicos de Curtius em relação aos arianos eram
baseados na linguagem:
As pessoas que souberam desenvolver de forma tão original o tesouro comum da língua indo-germânica […]
foram os helenos. Seu primeiro empreendimento histórico é o desenvolvimento dessa linguagem, e é um
empreendimento artístico. Uma vez que, acima de todas as línguas irmãs, o grego deve ser considerado uma
obra de arte [...] se a gramática de sua língua fosse a única coisa que restasse dos helenos, bastaria como um
testemunho pleno e válido dos extraordinários dons naturais de essas pessoas […]. A língua como um todo
assemelha-se ao corpo de um atleta bem treinado, no qual cada músculo, cada tendão está plenamente
desenvolvido, sem nenhum traço de intumescência, matéria inerte, e onde tudo é poder e vida. 64

Esta língua "pura", no entanto, deve ter sido totalmente formada nas montanhas do norte
antes de sua descida para a Grécia. Para Curtius este primeiro treinamento foi
particularmente necessário, pois acreditava que as línguas tinham uma relação direta com
a paisagem: "Uma classe de sons geralmente prevalecerá nas colinas, outra nos vales, outra
ainda nas planícies". 65 Era impensável que um objeto de beleza e pureza como a língua
grega pudesse ter se desenvolvido no Mediterrâneo; e ainda mais impensável que poderia
ser o resultado da mistura com os egípcios e os semitas.
Curtius certamente admitiu que nos tempos antigos os fenícios haviam negociado com a
Grécia e introduzido algumas novas invenções lá. Ele alegou, no entanto, que eles haviam
sido expulsos pelos jônios mais dinâmicos. E ele estava convencido de que a "ciência racial"
havia provado que as lendas da colonização egípcia e fenícia eram absurdas:
É inconcebível que os próprios cananeus, que recuaram com medo em todos os lugares diante do avanço dos
helenos, especialmente quando entraram em contato com eles, quando estavam longe de seu próprio país; e que,
como nação, eram desprezados pelos helenos a ponto de estes considerarem vergonhosa a união matrimonial
com eles em localidades de população mista, como Salamina ou Chipre; é inconcebível, repetimos, que tais
fenícios tenham fundado principados entre a população helênica. 66

As implicações anti-semitas dessa passagem e a atitude muito diferente em relação aos


fenícios que existiam na Grã-Bretanha na época serão discutidas no próximo capítulo.

272
Quanto a Curtius, a refutação que ele fez das lendárias referências aos fenícios é, em certo
sentido, semelhante e tão pesada quanto a de Bunsen. De acordo com Curtius, a tradição
grega de assentamentos fenícios nasceu ou de uma confusão natural entre fenícios e jônios
que viajaram e aprenderam costumes estrangeiros, ou do "fato" de que Caria havia sido
chamada de Phoinikē e que os cários, aparentemente, teriam foram uma espécie de gregos
orientais. 67 A única exceção que ele admitiu foi Creta, onde, em sua opinião, era possível
que os verdadeiros fenícios tivessem se estabelecido em grande número, mas nunca
minaram os nativos pelasgos lá. 68 Na década de 1850, com a ilha ainda sob domínio turco,
isso não parecia improvável; foi somente após a descoberta da civilização 'minoica' por
Evans em 1900 que Creta se tornou um território precioso demais para ser deixado para os
fenícios.
Gostaria de concluir este capítulo com uma pequena participação. Já mencionamos
acima, sobre a imagem dos espartanos como irlandeses de Ulster, ao temível e fanático
William Ridgeway. No início do nosso século, ele era a figura dominante em Cambridge no
campo da história grega primitiva. 69 Em seu The Early Age of Greece , publicado em 1901,
ele fornece sua genealogia intelectual referindo-se a "quatro historiadores cujo ceticismo e
mente equilibrada ainda não foram questionados: Niebuhr, Thirlwall, Grote e E. Curtius" . 70
Ninguém pode duvidar de seu ceticismo em relação às teorias de que não gostavam. Por
outro lado, não há dúvida de que todos - com a provável exceção de Grote - eram racistas e
românticos com um amor apaixonado por suas imagens pessoais da Grécia. Ficará claro
agora que é sua mente equilibrada, sua calma de julgamento e objetividade que desejo
questionar.

Notas
1 Sobre esta declaração de Isócrates, ver Capítulo 1, n. 131. A citação vem de C. Bunsen; ver F. Bunsen (1868, vol. I , p.
111).
2 Shaffer (1975, p. 25).
3 Primo (1841, pp. 35-45). Cousin aparentemente desenvolveu sua ideia fundamental sobre o "ecletismo" e sobre o

papel central de Platão inspirado nas ideias de Combes-Dounous, cuja obra remonta ao início do século; ver Wismann
(1983, pp. 503-507). Embora relutante, Combes-Dounous não podia negar que Platão havia retomado a ideia da
imortalidade da alma do Egito e do Oriente. Vedi Combes- Dounous (1809, especialmente, vol. I , p. 141). Na década de
1830, agora era mais seguro para Cousin atribuí-lo ao gênio grego.
4 Bunsen, Letter to Arnold, 4 de março de 1836 (F. Bunsen, 1868, vol. I , pp. 420-422). Sobre a autocracia professoral

prussiana, ver RS Turner (1983a; 1985).


5 Ver Lloyd-Jones (1982a, pp. 16-17).
6 Ver carta de HG Liddell (pai de Alice e autor do primeiro grande dicionário grego-inglês) para HH Vaughan, 18 de

dezembro de 1853, citado em Bill (1973, p. 136).


7 Conceito formulado por Bolgar (1979, pp. 327-338).
8 Ele achou os alemães menos atraentes. Veja sua carta a Bunsen, segunda-feira de Páscoa de 1828, em F. Bunsen (1868,

pp. 316-319) .
9 Ver T. Arnold (1845, pp. 44-50). A raça também foi o único princípio histórico que pode ser discernido na obra de

Vaughan, o aluno mais brilhante de Arnold, que se tornou professor em Oxford; ver Bill (1973, pp. 182-185).
10 Ver Bill (1973, pp. 8-10).
11 Veja anônimo em Thirlwall na Encyclopaedia Britannica (1911) e JC Thirlwall (1936,
pp. 1-24).
12 Para saber mais sobre Schleiermacher, veja Shaffer (1975, pp. 85-87 e outros). Para sua crença em um cristianismo

ariano, veja o Capítulo 8 , nn. 29-30.


13 JC Thirlwall (1936, pp. 56-57).
14 Merrivale (1899, p. 80), que não encontrei, citado em JC Thirlwall (1936, p. 57); Brookfield (1907, p. 8).
15 Ver Annan (1955, pp. 243-287); P. Allen (1978, p. 257).
16 Thirlwall (1936, p. 200); F. Bunsen (1868, vol. I , p. 601).
17 Thirlwall (1936, p. 165). Isso não seria uma má descrição da situação em 1987!

273
18 Citado em Thirlwall (1936, p. 164).
19 Macaulay (1866-1871, vol. VII , pp. 684-685), citado em Jenkyns (1980, p. 14). Veja a discussão interessante em FM
Turner (1981, pp. 204-206) .
20 Grote (1826, p. 280). Ver FM Turner (1981, pp. 207-208) .
21 Citado em Thirlwall (1936, p. 97); FM Turner (1981, pp. 203-216); Momigliano (1966b,
pp. 57-61).
22 Sobre estes temas, ver acima, Capítulo 3 , nn. 94-95.
23 C. Thirlwall (1835, vol. I , p. 63).
24 Ibidem, pág. 64.
25 Ibidem, pág. 67.
26 Ibidem, pág. 71.
27 Ibidem, pág. 74.
28 Sobre as atividades egípcias no Egeu na época, ver acima, Cap. 5 , nn. 91-99.
29 C. Thirlwall (1835, vol. I , p. 74).
30 JC Thirlwall (1936, pp. 98-101).
31 Momigliano (1966b, p. 61).
32 Ibid.
33 Ibidem, pág. 60; Pappe (1979, pp. 297-302).
34 Momigliano (1966b, p. 61).
35 Ibidem, pág. 62.
36 Ibidem, pág. 63.
37 Miller (1825, p. 59).
38 Ibidem, pp. 249-251; Grote (1846-1856, vol. II , pp. 157-159, 182-204).
39 Müller (1825, p. 108); Grote (1846-1856, vol. II , p. 477).
40 FM Turner (1981, pp. 90-91); Momigliano (1966b, pp. 56-74).
41 Momigliano (1966b, p. 63). Para uma discussão sobre o método de investigação mitológica de Grote e a influência de

Müller sobre ele, ver FM Turner (1981, pp. 87-88).


42 Grote (1846-1856, vol. I , p. 440).
43 Momigliano (1966b, pp. 63-64).
44 Para uma bibliografia sobre os achados cananeus e fenícios em Tebas, ver R. Edwards (1979, p. 132, n. 145); Porada

(1981). Sobre as expedições da XII dinastia, ver Farag (1980, pp. 75-81). Para minhas idéias sobre isso, ver Introdução
(pp. 23-24) e vol. II .
45 Refere-se à forma como foram tratados Paul Foucart, Victor Bérard, Cyrus Gordon, Michael Astour, Saul Levin, Ruth

Edwards e outros.
46 Momigliano (1966b, pp. 64-67).
47 Smith (1854 [trad. It. 1968], p. 15).
48 Veja Introdução, pág. 17-26. O modelo antigo revisado será discutido mais detalhadamente no vol. II .
49 Tucídides, História ..., 1.3.
50 Ver acima, Cap. 1, nn. 39-41.
51 Curtius (1857-1867 [trad. It. 1877-1892], vol. I , p. 26).
52 Citado sem referências específicas por Pallottino (1978, p. 37). Para uma descrição interessante da posição cética de

Mommsen e da oposição de outros a ela, veja Gossman (1983, especialmente pp. 21-41).
53 Ver Sandys (1908, vol. III , p. 207).
54 Stuart-Jones (1968, p. X ).
55 Para uma discussão mais aprofundada sobre isso, ver vol. II .
56 Ver Sandys (1908, vol. III , pp. 228-229).
57 Wilamowitz-Moellendorff (1927 [trad. It. 1967], p. 133).
58 Curtius (1857-67 [trad. It. 1877-1892], vol. I , p. 27).
59 Ibidem, pág. 30.
60 Ver acima, Capítulo 6 , nn. 46-47).
61 Curtius (1857-67 [trad. It. 1877-1892], vol. I , pp. 30-31). Não consigo encontrar nenhuma menção específica a isso,

mas parece altamente provável que Curtius e outros estudiosos alemães vissem semelhanças entre alemães e dórios, por
um lado, povos terrestres com moralidade superior e, por outro, seus "primos" marítimos, os ingleses/jônicos, pessoas
cheias de talentos, mas pouco confiáveis.
62 Ibidem, pág. 31.
63 Ibid.
64 Ibidem, pág. 20.
65 Ibidem, pág. 19.
66 Ibidem, pág. 41.

274
67 Ibidem, pp. 41-43. Sobre a hipótese de Bunsen, ver Capítulo 5 , n. 125. A única menção em Homero ao conceito de

"bárbaro" - isto é, não grego - é em referência aos cários ( Ilíada , II.867 ).


68 Curtius (1857-67 [trad. It. 1877-1892], vol. I , pp. 58-61).
69 Para um retrato vívido, veja Stewart (1959, pp. 16-18).
70 Ridgeway (1901, vol. I , p. 88).

275
8. Afirmação e declínio dos fenícios. 1830-1885

Chegamos assim a um estágio intermediário na consolidação do modelo ariano: a


participação dos egípcios na formação da Grécia havia sido negada, enquanto a dos fenícios
ainda era geralmente admitida. Neste capítulo e no seguinte, defendo que a força essencial
por trás da rejeição das tradições sobre a forte influência fenícia na Grécia primitiva foi o
surgimento do antissemitismo racial - em oposição ao religioso. E isso aconteceu porque se
sentiu corretamente que os fenícios eram culturalmente muito próximos dos judeus.
No período intermediário em questão, porém, a situação se complicou devido a outra
comparação que se estabeleceu entre o passado e o presente - aquela entre os ingleses e os
fenícios, os orgulhosos príncipes mercadores e empresários do passado. Tal identificação
foi aceita tanto pelos britânicos quanto por seus inimigos - os franceses, no início do século
XIX, e os alemães, no final. Havia, portanto, maneiras diferentes de tratar historicamente os
fenícios em ambos os lados do Canal da Mancha: os britânicos tendiam a admirá-los,
enquanto os continentais eram mais ou menos violentamente hostis. O interesse dos
franceses pelos fenícios aumentou com o aumento do engajamento colonial e militar tanto
no Líbano (a antiga Fenícia) quanto no norte da África (a nova). A hostilidade francesa em
relação aos fenícios atingiu seu auge no romance histórico de Flaubert, Salambò , uma
representação vívida do luxo e crueldade de Cartago no século III aC, que era imensamente
popular.
Salambò também tratou de forma espetacular o tema do horrível ritual dedicado a
Moloch, que envolvia o sacrifício dos primogênitos e que é tão frequentemente referido na
Bíblia. Assim espetacularmente reproposta por Flaubert, a associação dos cartagineses e
dos fenícios, com essa abominação extrema tornou difícil até mesmo para estudiosos
britânicos e judeus se tornarem campeões desses povos.
As três últimas seções do Capítulo tratam, em primeiro lugar, de Gobineau, que
concebeu a Grécia como uma cultura amplamente semitizada e, portanto, corrupta;
segundo, a descoberta de Schliemann da civilização "micênica" da Idade do Bronze e as
discussões que se seguiram sobre a natureza linguística e racial de seu povo e governantes.
O que me interessa em particular a esse respeito é a crença generalizada de que toda essa
cultura era fortemente "semitizada".
O terceiro e último argumento é a influência que a decifração do cuneiforme e a
descoberta, primeiro, de que os assírios e babilônios eram de língua semítica e, segundo, de
que os sumérios eram de língua não-semita, tiveram na historiografia do Mediterrâneo
oriental. Ao atribuir aos sumérios todos os aspectos da civilização mesopotâmica, os anti-
semitas, que na década de 1890 já dominavam a historiografia antiga, puderam
reconfirmar sua lei geral segundo a qual os semitas eram essencialmente não-criativos.

Os fenícios e o antissemitismo
Sempre houve pontos de coincidência entre o ódio religioso e a hostilidade étnica contra os
judeus. É igualmente verdade, no entanto, que durante o século XIX houve uma mudança de

276
ênfase do tradicional Judenhaß cristão (ódio aos judeus) para um anti-semitismo "racial"
moderno. A transição foi um processo complicado que ocorreu em momentos diferentes
em lugares diferentes. Na Alemanha, por exemplo, a distinção entre as duas formas de ódio
era mínima, e antes da Revolução Francesa isso era conhecido apenas nos círculos
maçônicos e iluministas. A Judenhaß renasceu no início do século XIX, e as sementes do
antissemitismo cresceram rapidamente, com a volta ao cristianismo e o terror das
consequências revolucionárias do Iluminismo, que na mente dos reacionários estava
intimamente associado ao racionalismo judaico.
As mudanças que ocorreram na camada mais educada da elite foram apenas a ponta do
iceberg em relação a todas as classes dominantes alemãs. Wilhelm von Humboldt e sua
esposa Caroline, por exemplo, frequentavam círculos judaicos antes da Revolução, mas
Caroline, no final de seus anos, mostrou tanta animosidade contra os judeus que ganhou o
reconhecimento nazista como pioneira do antissemitismo. O próprio Humboldt, embora
defendendo a extensão dos direitos civis aos judeus, escreveu em 1815: «Gosto dos judeus
em massa ; em detalhe , evito-os com cuidado». 1 Não há dúvida, no entanto, que a situação
se tornou muito mais grave nas décadas de 1870 e 1880, e que muitos dos liberais mais
proeminentes, como Wilamowitz-Moellendorff e Mommsen, e outros como Nietzsche, se
opuseram veementemente à intensificação da -Semitismo.
Na França - onde havia muito menos judeus - o duplo vínculo estabelecido entre o
racionalismo judaico e o Iluminismo, e entre a Revolução e a concessão de direitos civis,
criou desde então uma associação estável entre judeus e correntes republicanas da política
francesa. Isso também significava que os judeus eram odiados mais violentamente pelos
monarquistas e católicos na França do que em outros países europeus. Por outro lado, os
liberais e "progressistas", embora muitas vezes participassem do novo racismo e anti-
semitismo, às vezes viam os judeus como o bastião externo da república; Os judeus,
portanto, tinham aliados importantes na sociedade francesa e muitas vezes no governo.
Na Inglaterra, de onde os judeus foram expulsos até a década de 1650, existiam em
teoria tanto tendências pró-semitas quanto anti-semitas. Havia também uma tradição
medieval inglesa que fazia os judeus descenderem de Sem filho de Noé e antepassado dos
judeus, e não de Jafé, antepassado dos europeus. Mas havia também a visão puritana da
Inglaterra como a nova Jerusalém, que sobreviveu até hoje graças ao comovente hino de
William Blake. 2 Essas tradições - e a importante função que os judeus desempenharam na
fundação da supremacia colonial e financeira inglesa no final do século XVII e XVIII - fizeram
com que, como na França, a transformação da Judenhaß em antissemitismo ocorresse
lentamente, e que este país ofereceu aos judeus uma extraordinária "janela de
oportunidade" em meados do século XIX. Conversos como Disraeli tiveram a chance de
chegar ao mais alto cargo do governo - o que era impossível antes, mas que será depois - e
os judeus praticantes obtiveram direitos civis, bem como uma aceitação social que não
ocorreria mais até os anos 1950 ou 1960.

Que raça eram os semitas?


Apesar de ter visto que o termo "caucasiano" estava relacionado através de Prometeu ao
"jafético", em oposição ao "semita", seu inventor JF Blumenbach o introduziu apenas na

277
terceira edição de sua grande obra De Generis Humani Varietate Nativa , publicada em
1795. Sabemos que sua primeira concepção da raça branca superior incluía também árabes
e judeus, e nesse sentido muitos autores ingleses entenderam o termo caucasiano até o
final do século XIX. 3 Na década de 1840, por exemplo, Disraeli descreveu Moisés como "em
todos os aspectos um homem de um modelo caucasiano consumado" e, ao mesmo tempo,
escreveu que os judeus europeus não poderiam ter suportado todo o sofrimento infligido a
eles se não fossem " do sangue não misturado do Cáucaso »; e mais tarde, na década de
1870, George Eliot falou dos judeus como os "caucasianos mais puros". 4 E mesmo na
Alemanha, Christian Lassen, um aluno de Schlegel violentamente anti-semita, não negou
aos judeus o status de caucasianos. 5
Nas mesmas décadas, no entanto, novas atitudes foram se desenvolvendo. O professor
Robert Knox, o anatomista, é famoso por dar empregos aos saqueadores de túmulos Burke
e Hare. Ele supostamente exigia que cadáveres frescos fossem dissecados e reclamou que
aqueles que os dois lhe traziam eram sempre muito velhos e mortos. E ele estava, portanto,
feliz em aceitar as novas vítimas de seus assassinatos. Burke e Hare foram enforcados, mas
Knox, embora proibido de praticar anatomia, continuou sua carreira para se tornar um
pioneiro da propaganda racista. Parafraseando o sábio Sidonia que no Tancred de Disraeli
diz: "tudo é raça, não há outra verdade", Knox argumentou em 1850 que "a raça é tudo, e
isso é um fato, o mais notável, o mais global que a filosofia já anunciou. A raça é tudo:
literatura, ciência, arte - em uma palavra, a civilização depende disso ». 6
Knox se alegrou com as oportunidades de genocídio que se abriram para o homem
branco: "Que campo de extermínio está diante das raças celto-saxônica e sarmática
[eslava]!". 7 Ele chamou “o judeu” de “um híbrido estéril”; acusou todos os judeus de sempre
serem um povo de parasitas não criativos:
Mas onde estão os fazendeiros judeus, os mecânicos [e] os trabalhadores judeus? Por que diabos o judeu se opõe
ao artesanato? Não tem poder inventivo, nem mentalidade mecânica ou científica? [...] E então comecei a
investigar o assunto e percebi [...] que os judeus que seguiam uma vocação não eram realmente de origem
judaica, mas nasceram de pai judeu e mãe saxônica ou celta: desde o verdadeiro judeu nunca mudou desde o
início da história transmitida [...] o verdadeiro judeu não tem ouvido musical, não tem amor pela ciência ou
literatura, não tem interesse em pesquisa, etc. 8

É claro que Knox passou do ódio religioso aos judeus ao anti-semitismo racial moderno.
Embora - como o historiador do anti-semitismo Leon Poliakov apontou - tais argumentos
raciais fossem novos para a Grã-Bretanha, pensadores de vanguarda como Darwin e
Herbert Spencer (criador do darwinismo social) operavam em linhas muito semelhantes, e
Darwin citou Knox com aprovação. 9
Mas voltemos à França. Em 1856, o grande semitista Ernest Renan reclamou que "a
França acredita muito pouco em raça, e isso é porque a raça desapareceu quase
completamente de sua mente [...] isso [interesse pela raça] só poderia surgir em um povo
como o Tedeschi, que ainda se preocupa muito com suas raízes primordiais”. 10 Pode ser
que essa comparação entre a Alemanha e a França faça sentido; no entanto, os franceses
também se interessaram pela raça. Já na década de 1 50 a ideia de uma “raça semita” havia
sido incorporada ao novo racismo. Já mencionei a teoria, baseada na linguística, da história
como diálogo entre arianos e semitas; Michelet, um discípulo francês de Niebuhr, concebeu

278
a história como uma luta racial até a morte. Já em 1830 ele havia escrito em sua História de
Roma :
Não é sem razão que a memória das guerras púnicas permaneceu tão popular e tão viva. Não foi apenas uma luta
para decidir o destino de duas cidades ou dois impérios; foi uma luta para decidir qual das duas raças, a indo-
germânica ou a semítica, dominaria o mundo [...]. Por um lado, o gênio do heroísmo, da arte e do direito; por
outro, o espírito da indústria, navegação e comércio […]. Os heróis lutaram - implacavelmente - seus vizinhos
industriosos e traiçoeiros. Eram trabalhadores, ferreiros, mineiros, mágicos. Eles adoravam ouro, jardins
suspensos, construções mágicas [...]. Eles construíram com ambições titânicas torres que as espadas dos
guerreiros quebraram e destruíram da terra. 11

Esta passagem deve ser lida em dois níveis, os quais mais tarde adquiririam grande
importância. Primeiro, o nível da luta racial entre arianos e semitas; segundo, as palavras
"vizinhos pérfidos" sugerem a expressão "pérfido Albion", a definição francesa de
Inglaterra. Não há dúvida de que Michelet estava pensando nas guerras napoleônicas de
sua época. Assim, se a heróica França havia sido derrotada pela revolução industrial
inglesa, a comparação com as guerras púnicas continha uma promessa de redenção. E esta
analogia refletia a percepção de uma relação estreita entre a Inglaterra e os semitas em
geral - e os fenícios em particular - o que explica em certa medida a imagem positiva que os
britânicos tinham dos judeus, de que acabamos de falar e à qual vai voltar. muitas vezes.
Encontraremos as idéias de Michelet sobre os fenícios em Gobineau e Flaubert. Por
enquanto, no entanto, continuaremos a considerar o desenvolvimento do antissemitismo
racista na França, cujo exemplo mais claro vem da obra de Émile Louis Burnouf. Burnouf foi
um eminente helenista - foi diretor da escola francesa em Atenas -, um sânscrito e um
entusiasta das ligações entre as línguas indo-europeias. Ele também era primo de Eugène
Burnouf, um dos fundadores dos Estudos Indianos na França e o herói de La Renaissance
Oriental de Schwab . Émile Burnouf, escrevendo na década de 1860, descreveu a raça
semítica da seguinte forma:
Um verdadeiro semita tem cabelos lisos com pontas enroladas, nariz muito adunco, lábios carnudos e salientes,
extremidades grandes, canelas finas e pés chatos. Além disso, pertence às raças occipitais: isto é, às raças em que
a parte de trás da cabeça é mais desenvolvida que a testa. É de crescimento rápido, que se completa aos quinze
ou dezesseis anos. Nessa idade, as fissuras do crânio, que contém os órgãos da inteligência, já se juntaram e, em
alguns casos, até se juntaram. A partir desse momento, o crescimento do cérebro pára. Nas raças arianas, esse
fenômeno, ou processo semelhante, nunca ocorre no curso da vida. 12

Segundo Burnouf, a raça semítica era uma mistura de raças brancas e raças amarelas. Seu
contemporâneo Gobineau, o feroz reacionário mais tarde reconhecido como o pai do
racismo europeu, tinha uma concepção ainda mais complicada dos judeus e semitas. O
conde de Gobineau estava dividido entre seu apoio conservador à Igreja e seu entusiasmo
pela nova teoria racista. Este conflito apresentou-lhe todo tipo de dificuldades, sendo a
maior delas o problema da criação única ou múltipla do homem. Poliakov o chama com
razão de "monogenista na teoria e poligenista na prática", já que Gobineau concebeu as três
raças - branca, amarela e preta - como espécies separadas. 13 Também em nível pessoal, ele
estava dividido entre um pai nobre e rígido e uma mãe "aventureira". Daí talvez as imagens
sexuais explícitas que ele usa quando fala de raça. 14 Em sua opinião, 'brancos' são
essencialmente 'homens', enquanto 'negros' são 'mulheres'. Apesar da repugnância que
sentia por eles, considerava "o elemento negro [...] indispensável ao desenvolvimento do

279
gênio artístico em uma raça, pois vimos que explosões de [...] vivacidade e espontaneidade
são intrínsecas a sua alma, e quanta imaginação, espelho da sensualidade, e o desejo de
coisas materiais o predispõem». 15
A mesma tensão se reflete na concepção histórica global de Gobineau, que é um híbrido
entre a Bíblia e o novo indo-europeísmo. Em sua opinião, as três raças representadas pelos
filhos de Noé - Ham, Shem e Jafet - originaram-se em Sogdiana, ou região semelhante da
Ásia Central, e, como os Três Porquinhos, partiram em busca de sorte. 16 Os camitas foram
os primeiros a ir para o sul. Tendo fundado algumas civilizações e tentado manter seu
sangue puro, os hamitas haviam se mestiçado irreparavelmente cruzando com os negros
nativos inferiores. 17 Os próximos a sair foram os semitas. Embora também tentassem
manter a pureza de sua linhagem, acabaram sendo fortemente poluídos pelo sangue negro;
e isso foi em parte derivado de contatos diretos com negros, mas mais frequentemente de
contatos com os "mulatos" Camiti. 18 Somente os jaféticos, ou arianos, permaneceram no
Norte e mantiveram sua pureza.
Na obra de Gobineau, que em seu conjunto é um lamento pela pureza perdida, porém, a
mistura foi essencial para sua hipótese básica. Graças a isso, as características boas e ruins
de uma raça podem ser explicadas. Ele atribuiu, por exemplo, o que ele amava nos judeus -
suas proezas de luta e o bom cultivo da terra - ao seu sangue semita, mas sua habilidade
para o comércio, amor ao luxo, crueldade, uso de mercenários e assim por diante eram
todos devidos. à influência camítica. 19
Em 1856, seu patrono, Alexis de Tocqueville, escreveu-lhe para consolá-lo pela lentidão
com que sua obra foi recebida na França. Como seu amigo em comum Ernest Renan,
Tocqueville pensou que o livro encontraria melhor recepção na Alemanha, onde havia
"entusiasmo pela verdade abstrata", e ele tranquilizou seu protegido dizendo-lhe que o
trabalho "retornaria à França especialmente através da Alemanha". . 20 De fato, o livro foi
reimpresso imediatamente após a conquista alemã da França em 1940.

As inferioridades linguísticas e geográficas dos semitas


Por muito tempo, judeus e fenícios foram considerados, com razão, intimamente
relacionados. Muito antes de Barthélemy decifrar o alfabeto fenício em meados do século
XVIII , estudiosos como Samuel Bochart no século XVII estavam plenamente conscientes de
que o hebraico e o fenício eram dialetos da mesma língua. 21 Na década de 1780, as duas
línguas, juntamente com o árabe, o aramaico e o etíope, foram incluídas no título de
"línguas semíticas". Muitos estudiosos do início do século 19, que reagiram à tradição bíblica
de que o hebraico era a língua de Adão e de toda a humanidade antes do colapso da Torre
de Babel, negaram firmemente que fosse uma língua perfeita e original. Agora era
concebido como primitivo; Humboldt, por exemplo, insistia que deveria ser ensinado em
ginásios exatamente por isso. 22 Vimos no capítulo 5 que Friedrich Schlegel chamou as
línguas semíticas de a forma mais elevada de linguagem "animal", mas, como a flexão era
considerada a pedra de toque das línguas "espirituais" superiores, não havia como evitar o
fato que as línguas semíticas eram línguas flexionadas por excelência. 23 Portanto, quando
Humboldt e os outros criaram hierarquias linguísticas mais ou menos "progressivas", o
semítico teve que ser colocado no degrau mais alto ao lado do indo-europeu. Essa situação,

280
que refletia a relativa tolerância dos judeus na Europa do início do século XIX, forneceu uma
base para a concepção acadêmica da história "verdadeira" como um diálogo entre arianos e
semitas.
Os racistas fisiológicos percebiam os semitas como "femininos" e "estéreis" -
superficialmente inteligentes e imaginativos, mas fundamentalmente incapazes de
pensamento ou ação criativa. Ernest Renan, em desacordo com seu amigo Gobineau, seguiu
a corrente mais antiga da tradição romântica que acreditava que as incapacidades de
determinados povos dependiam de razões essencialmente linguísticas. Reconhecido
universalmente como o maior especialista da França em línguas semíticas, Renan tinha um
interesse peculiar no que ele acreditava serem as inadequações do semítico. Expressando-
se com a prolixidade dos eruditos alemães que tanto admirava, escreveu:
A unidade e simplicidade da raça semítica é encontrada nas próprias línguas semíticas. A abstração lhes é
desconhecida, a metafísica é impossível. Sendo a linguagem a matriz necessária das operações intelectuais de
um povo, um idioma quase nu de sintaxe, desprovido de variedade na construção, sem as conjunções, que
estabelecem relações tão delicadas entre os elementos do pensamento, revelando suas qualidades externas em
cada objeto, ela seria especialmente adequado às inspirações eloquentes dos videntes e à representação de
impressões fugidias, mas rejeitaria qualquer filosofia e qualquer especulação puramente intelectual. Imagine um
Aristóteles ou um Kant com tal instrumento. 24

A outra razão para a inferioridade semítica de Renan era geográfica. Aos europeus, que
viviam em clima chuvoso (ele era bretão), foi dada uma natureza delicada e multifacetada.
Os semitas, que vieram do deserto com seu sol impiedoso e nítidas distinções entre luz e
sombra, tornaram-se simples e fanáticos:
A raça semítica parece-nos incompleta devido à sua simplicidade. Comparado com a família indo-europeia, é,
ouso dizer, o que o desenho é para a pintura ou o canto gregoriano para a música moderna. Falta aquela
variedade, aquela altura, aquela superabundância de vida que é necessária para a perfectibilidade. 25

Por outro lado, essa simplicidade e intensidade foram as fontes da religião que os semitas
deram ao mundo; e Renan acreditava que era sua missão trazer a ciência, que era ariana,
para a religião, que era semítica. 26 Daí seus estudos filológicos e raciais sobre as origens do
cristianismo. No entanto, não se deve pensar que a religião por si só é suficiente para
colocar os semitas em pé de igualdade:
A raça semítica é, portanto, reconhecida quase apenas por suas características negativas. Não tem mitologia,
épico, ciência, filosofia, ficção, artes plásticas, vida civil; em tudo há uma total ausência de complexidade, sutileza
ou sentimento, exceto pela unidade. Não tem variedade em seu monoteísmo. 27

A atitude de Renan é crucial, não só porque o extraordinário reconhecimento público de


que gozava indica que ele estava formulando ideias difundidas, mas também pela posição
dominante que ocupou nos estudos semíticos, bíblicos e fenícios. Isso significa que ele ao
mesmo tempo refletia e centralizava a opinião popular e as atitudes dos estudiosos dessas
disciplinas. 28 Há, de fato, paralelos notáveis entre a atitude de Renan em relação às línguas
semíticas e no que Humboldt, Niebuhr e Bunsen sustentaram em seu trabalho de
divulgação da egiptologia. Em ambos os casos, parece que os estudiosos temiam ser
acusados de muita simpatia por seu objeto de estudo. Qualquer suspeita implícita de
traição à Europa era certamente injustificada, pois o próprio fato de submeter uma cultura
não-europeia a um estudo "científico" a chamava qualitativamente inferior, exótica e inerte.

281
Renan, porém, insistia que os semitas não eram como os outros não-indo-europeus, sobre
29

os quais ele não tinha nada de bom a dizer. Os semitas tinham boas qualidades que,
segundo ele, tinham em comum com os ingleses; e sua hostilidade para com ambos, ao
contrário da de Michelet, era moderada. Em sua opinião, ambos os povos possuíam "uma
grande retidão de espírito e uma invejável simplicidade de coração, um requintado
sentimento de moralidade". 30

Os Arnolds
Os contrastes entre Thomas e Matthew Arnold oferecem um exemplo instrutivo das
mudanças que ocorreram no racismo inglês durante o século XIX. Thomas Arnold nas
décadas de 1820 e 1830 foi absorvido nos conflitos entre as culturas teutônica e gaélica -
incluindo a galo-romana - e em particular nos conflitos entre ingleses, franceses e
irlandeses. Ele se orgulhava de ser conhecido como "o mais teutônico dos teutões, o
odiador celta, doutor Arnold". 31 Seu filho Matthew, nas décadas de 1850, 1860 e 1870,
favoreceu tanto os irlandeses quanto os franceses, convencido de que havia superado a
estreiteza de seu pai. 32 Atento aos novos avanços da linguística, foi um defensor sistemático
dos indo-europeus e dos arianos. Ele amava todos eles. De fato, colocando-se à frente de
outra escola de pensamento inglesa de meados do século XIX, era também um entusiasta dos
ciganos. Esse povo de fala indo-europeia era agora visto um pouco como os gregos de
Winckelmann, como primos arianos, alegres, encantadores, ineptos, infantis - mas em certo
sentido filosóficos. Em suma, eles eram o lado leve da cultura indo-européia. 33
Matthew Arnold admitiu que Renan, depois de seu pai, foi a maior influência intelectual
em sua vida. 34 Ele havia aceitado a crença de Renan - compartilhada pelos pensadores mais
avançados da época - de que o divisor de águas fundamental na história mundial estava
entre helenos e judeus, entre arianos e semitas. No entanto , ele se deparou com um problema
que não afetou os racistas europeus: ele foi forçado a aceitar a acusação, feita por eles, de
que os ingleses tinham qualidades em comum com os semitas. Além disso, como já disse, a
Grã-Bretanha tinha uma tradição pró-semita que se fortaleceu particularmente com o
surgimento da burguesia em meados do século XIX. Muitos vitorianos se viam como
patriarcas bíblicos, ostentando sua diligência, parcimônia, prudência, respeito pela forma e
- acima de tudo - seu senso de justiça rígida.
Arnold foi atormentado por essa afinidade, que superou as barreiras linguísticas e
raciais. Sua explicação para essa anomalia foi que o espírito "judaico" dos ingleses era
principalmente uma consequência da Reforma e do Puritanismo. Ou seja, a divisão entre
helenos e judeus era a mesma que esteve no centro da guerra civil, da prolongada luta
entre as Igrejas Alta e Baixa , entre Igreja e Capela (Igreja Anglicana e capelas das seitas
dissidentes), entre o Norte industrializado e o Sul agrícola. 36 Como Renan, Matthew Arnold
afirmou reconhecer muitas virtudes na tradição "judaica"; no entanto, ele convidou os
ingleses a dar as costas ao filistinismo burguês dos puritanos de seu tempo e olhar para os
gregos. Os gregos - segundo a tradição maior, a de Winckelmann - eram em sua opinião
espontâneos, leves, artísticos e serenos. Mas - sendo um homem do século XIX - a essas
qualidades Arnold também acrescentou clareza de pensamento e uma atitude única em
relação à filosofia. Ao se voltar para o espírito helênico, a Inglaterra poderia ter se juntado

282
ao progresso de seus vizinhos europeus. O apelo final de Arnold, expresso em seu famoso
ensaio Culture and Anarchy , foi a corrida: «O helenismo é um desenvolvimento indo-
europeu. O judaísmo é um desenvolvimento semita. A Inglaterra é uma nação indo-
europeia. Portanto, parece natural que seja parte do movimento helenístico ». 37
Embora o helenismo vitoriano seja um movimento vital e complexo com muitas faces,
não há dúvida de que todas as imagens da Grécia, após a publicação de Cultura e anarquia
em 1869, foram desenvolvidas em relação ou reação à reformulação arnoldiana do neo-
helenismo alemão . Enquanto o amor do Dr. Arnold pela Grécia estava entrelaçado com seu
protestantismo, teutonismo e anti-semitismo, o helenismo de seu filho estava
explicitamente ligado à visão da raça indo-européia ou ariana em perpétua luta com os
semitas, ou ao conflito entre "culturas "valores e valores burgueses. E nisso ele
naturalmente seguiu um caminho bem trilhado. Em teoria - como Michelet, Renan e outros
- ele aceitou o que Bunsen havia expressado da seguinte forma: "Se os judeus semitas são
os sacerdotes da humanidade, os arianos heleno-romanos são, e sempre serão, seus
heróis". 38 Todos estes, porém, sabiam que, ao conceder religião aos semitas, lhes davam
demais. Como Matthew Arnold observou em uma carta para sua mãe:
Bunsen costumava dizer que nossa grande tarefa era nos livrar de tudo que era puramente semítico no
cristianismo para torná-lo indo-germânico, e Schleiermacher que no cristianismo havia realmente muito mais
Platão e Sócrates do que Josué no cristianismo do que nós, nações ocidentais. e de Davi; em geral, Papa trabalhou
na direção dessas ideias de Bunsen e Schleiermacher e talvez tenha sido o único inglês de valor a fazê-lo. 39

Sem querer menosprezar o pioneirismo do Dr. Arnold nesse sentido, vale lembrar que em
1825 Thirlwall havia traduzido São Lucas de Schleiermacher , que continha muitas dessas
idéias. Além disso, na França, Victor Cousin havia proclamado a natureza helênica do
cristianismo já em 1818. 40
Embora nem sempre seja capaz de culpar os pais pelos pecados de seus filhos, é
interessante notar que, durante a década de 1870, o filho de Bunsen, Ernest, inventou uma
forma ariana de adoração ao sol baseada nas tradições bíblicas, na qual Adão era ariano e a
serpente semítica. ! 41 Antes do final do século, houve muitas e variadas tentativas de criar
um cristianismo germânico ou ariano. Destes, o mais bem sucedido foi criado por Paul
Lagarde, um acadêmico marginal, semitista e nacionalista alemão apaixonado. Lagarde
afirmou que Jesus tinha sido um "judeu ariano" da Galiléia que havia sido crucificado pelos
"judeus semitas" da Judéia. Para piorar as coisas, outro judeu, Paulo, assumiu o
cristianismo e o perverteu; era, portanto, necessário despojar a verdadeira religião ariana
de suas conseqüências semíticas. Lagarde era um antissemita ardente que defendia a
necessidade da destruição do judaísmo e do exílio dos judeus em Madagascar; mais tarde
este foi um dos projetos de Hitler. O movimento de Lagarde foi definido com argumentos
convincentes como uma das fontes do nazismo. 42
Na Inglaterra, as coisas nunca chegaram a tal crueza. No entanto, no final do século,
havia um desejo de despojar os semitas de sua única contribuição para a humanidade. Em
Tess dei d'Urberville , de Thomas Hardy, publicado em 1891, um dos temas principais é o
conflito entre a vitalidade perene da verdadeira Inglaterra saxã, representada pelo condado
de Wessex, que é seu coração, e a decadência dos descendentes franceses do
conquistadores. O germanismo de Hardy, no entanto, também estava associado ao
helenismo, que em sua opinião era uma força que se opunha ao semitismo e ao filisteu da

283
nova burguesia. O herói, Angel Clare, quer voltar para sua terra natal e se casar com uma
garota de pura ascendência saxônica. Ao mesmo tempo, ele também possui as qualidades
dionisíacas de um dos gregos de Winckelmann: adora dançar, comer e beber e geralmente
enlouquece pelo campo feliz. O pai e os irmãos de Angel são semitas arquetípicos: morais,
íntegros e sem nenhum contato com a natureza e a vida. Hardy descreve assim o momento
em que ocorre o conflito:
Angel teve uma vez a infeliz ideia de dizer ao seu pai [...] que seria melhor para a humanidade se a Grécia fosse a
fonte da religião da civilização moderna e não a Palestina, e a dor de seu pai era tão absoluta que não permita
que ele conceba que poderia haver uma milésima parte de verdade, quanto mais meia ou uma verdade inteira,
nessa frase. 43

Nisso, pelo menos, embora não compartilhando seu amor pelos gaélicos, Hardy se juntou a
Matthew Arnold e Renan.

Fenícios e ingleses, 1: a concepção inglesa


Apesar da associação entre ingleses e semitas, ninguém comparou os ingleses aos árabes
ou aos etíopes. Os "semitas" que eles tinham em mente eram os judeus e/ou os fenícios, e
nesta parte do capítulo consideraremos a identificação com os fenícios. Enquanto a tese de
Michelet sobre a guerra perpétua entre indo-europeus e semitas se baseava no conflito
entre Roma e Cartago, as semelhanças entre Cartago e Inglaterra eram muito claras em
ambos os lados do Canal para os leitores do século XIX. Muitos vitorianos tinham
sentimentos positivos em relação aos fenícios como mercadores de tecidos sóbrios que
faziam um pouco do comércio de escravos em seu tempo livre e espalhavam a civilização
com um bom lucro. William Gladstone, por exemplo, que veio de tal ambiente comercial, foi
um ardente defensor dos fenícios. 44 E isso pode parecer estranho se levarmos em conta sua
paixão pelos valores aristocráticos de Homero, seu amor pela Grécia européia e seu ódio
pela Turquia asiática. 45 Esses entusiasmos, no entanto, eram compatíveis entre si na década
de 1840, época em que o futuro rival de Gladstone, Disraeli, proclamava a superioridade da
raça semítica. E novamente em 1889, o altamente respeitado historiador G. Rawlinson
publicou uma história favorável da Fenícia descrevendo os fenícios como "as pessoas que
em toda a antiguidade têm mais em comum com a Inglaterra e os ingleses". 46
Havia também uma crença generalizada - bastante razoável - de que os fenícios haviam
chegado à Cornualha para trocar mercadorias por estanho, e Matthew Arnold
aparentemente acreditava que isso deveria ser visto como uma fonte primária do judaísmo
inglês. Em seu famoso poema que começa com as palavras " Algum grave comerciante tírio
[...]" (Um sério comerciante tírio [...]), o fenício recua timidamente diante da nova raça
mestre grega, "os despreocupados jovens mestres de as ondas". O fenício é então expulso
do Mediterrâneo e empurrado para o Atlântico e a Grã-Bretanha. A mesma simpatia pelo
fenício condenado à derrota é encontrada cinquenta anos depois em Death by Water , que
faz parte de The Wasteland, de TS Eliot :
Flebas, o Fenício, morto há duas semanas,
Ele esqueceu o grito das gaivotas e o swell da onda
E lucro e prejuízo.

284
Uma corrente submarina
Ela roeu seus ossos em sussurros. Subindo e afundando
Cada estágio da velhice e juventude passou
Direto no redemoinho.
Gentio ou Judeu
Tu que viras o leme e olhas contra o vento,
Considere Phlebas, que já foi bonito e alto como você. 47

O terreno baldio pertence à era "pós-Bérard", que discutirei no próximo capítulo. No


entanto, é indicativo daquela persistente atitude anglo-saxônica que tendia a perceber
relações entre as atividades marítimas e financeiras dos ingleses e as dos fenícios. A
ambiguidade em relação à natureza semítica dos fenícios também é reveladora: se os
semitas eram a própria imagem do parasitismo e da passividade, então os fenícios - que se
dedicavam às atividades marítimas, manufatureiras e comerciais, em vez de "financiar"
como os judeus - eles não poderiam ter sido propriamente semitas.
Em seus anos extremos, Gladstone sentiu a necessidade de defender seus amados
fenícios da agora infame acusação de serem semitas: "Sempre acreditei que os fenícios
eram basicamente uma linhagem não-semita". 48 Com o início do século XX, de fato, a
Inglaterra estava alcançando o resto da Europa em termos de antissemitismo, e as atitudes
em relação aos fenícios tornaram-se ainda mais complexas. A crença de que a Grã-Bretanha
poderia ter um relacionamento especial com os semitas marginais tornou-se cada vez mais
suspeita. Buscar tal relacionamento, como Sherlock Holmes pretendia fazer durante seu
retiro na Cornualha, agora era considerado um sinal de excentricidade. Por outro lado, a
mesma acusação de excentricidade implica que, pelo menos em parte, ainda se tenha um
certo apego à ideia e aos fenícios; atitudes muito diferentes em relação a eles, entretanto,
desenvolveram-se na Europa.

Fenícios e ingleses, 2: a concepção francesa


A analogia implícita - e em última análise lisonjeira - que Michelet estabelece entre os
franceses e os romanos, e entre os ingleses e os cartagineses, já foi mencionada acima. Em
outro lugar, no entanto, ele foi explícito:
O orgulho humano se personificou em um povo, a Inglaterra. O que acontece quando os bárbaros (normandos e
dinamarqueses) se transplantam para esta poderosa ilha onde se engordam com as riquezas da terra e os
tributos do mar? Os reis do mar e do mundo, sem lei nem limite, misturam em si a severidade selvagem do pirata
dinamarquês e a arrogância feudal do "Senhor" filho dos normandos [...]. Quantos Tiro e quantos cartagineses
terão de ser somados para chegar à insolência da titânica Inglaterra? 49

A ferocidade por trás dessa analogia é melhor compreendida se lermos as referências que
ele faz aos fenícios: "Os cartagineses, como os fenícios de quem descendem, parecem ter
sido um povo duro e triste, sensual e ganancioso, aventureiro sem heroísmo". Depois desse
esplêndido exemplo de falar à nora para que a sogra entendesse, ele continua dizendo que
"em Cartago, além disso, a religião era atroz e cheia de práticas horríveis". 50
As infames analogias entre os ingleses e os fenícios em geral, e os cartagineses em
particular, permaneceram em voga no pensamento francês durante todo o século XIX. O
contraste entre as visões inglesa e francesa é encontrado no fato de que quando Gladstone

285
disse que os fenícios não eram semitas, ela quis dizer que eles eram melhores que os
judeus. Para a maioria dos autores franceses e alemães, no entanto, eles eram muito piores.
Nesse sentido, seria útil considerar as atitudes de Gobineau em relação aos fenícios. Ele é
importante por duas razões: ele teve uma influência considerável no pensamento francês e
alemão, bem como em Matthew Arnold, e ele parece ter expressado, de forma extrema,
muitas ideias que seus amigos como Tocqueville e Renan compartilhavam, mas não
ousavam tornar público.
A posição dos fenícios na teoria de Gobineau das três invasões de hamitas, semitas,
iaféticos ou arianos era complexa. A Bíblia claramente os colocou como descendentes de
Cam, mas, como vimos no capítulo 3 , pelo menos no século XVII os estudiosos já estavam
cientes das relações muito próximas entre fenícios e hebreus. 51 Para Gobineau, no século XIX,
essa afinidade linguística era crucial e angustiante. Essa poderosa combinação de tradição
bíblica, sua relutância em aceitar uma relação muito próxima entre a língua sagrada e a dos
fenícios, e sua atitude ambivalente - mas em muitos aspectos positiva - em relação aos
judeus o forçaram a representar os fenícios como hamitas e não semitas . A única maneira
de Gobineau reconciliar as fontes bíblicas com as linguísticas era, portanto, recorrer à pura
falsificação. Em 1815, o grande semita alemão Wilhelm Genesius havia dividido as línguas
semíticas em três subfamílias: (1) aramaico e siríaco; (2) cananeu, que incluía hebreu e
fenício, e do qual derivou o púnico; (3) arábica, do qual derivou o etíope. 52 Em outros
lugares, no entanto, Genésio havia afirmado que o fenício havia se espalhado para os
numerosos mercados e colônias fenícias, e Gobineau citou esta página para argumentar que
Genésio havia classificado as línguas semíticas em quatro categorias:
O primeiro inclui o fenício, o púnico e o líbio, dos quais derivam os dialetos berberes; o segundo, hebraico e suas
variantes; o terceiro […] aramaico […] o quarto, árabe. 53

Além da separação do fenício do hebraico, a aberração linguística dessa classificação é que


Gobineau relaciona o fenício com as línguas berberes. Nenhum semita, então ou agora, os
aceitaria como línguas semíticas. No entanto, essas duas violações foram necessárias para
que sua teoria pudesse definir os fenícios como camíticos, segundo o esquema bíblico. Ou
seja, sua natureza inicial de "branco" lhes foi concedida para definir um certo grau de
civilização, mas uma vez que os semitas chegaram do nordeste, os fenícios tornaram-se
praticamente "negros" e, portanto, foram responsáveis pela corrupção dos judeus : “Ao
tempo de Abraão, a civilização camita estava em pleno florescimento, tanto por suas
perfeições quanto por seus vícios”. 54
Gobineau dedicou muito mais tempo aos vícios do que às perfeições. No início de sua
obra, e usando as imagens de ratos e doenças que os nazistas aplicarão aos judeus,
Gobineau fez a si mesmo a pergunta retórica: em toda parte? Não, pelo contrário, a sua
corrupção foi o principal instrumento do seu poder e da sua glória». 55 Até que ponto
Gobineau tinha a Inglaterra em mente quando escreveu isso? Ele conhecia bem o inglês e
frequentemente citava fontes inglesas, e havia dedicado seu Essai sur inégalité des racer
humaines ao rei de Hanôver e da Inglaterra. No entanto, é interessante notar que em todas
as suas viagens ao redor do mundo, da Escandinávia à Pérsia ao Brasil e muitos outros
lugares, ele nunca cruzou o Canal para ir à Inglaterra. Além disso, Gobineau observa um

286
estranho silêncio em relação ao país que dominava o mundo de sua época, e isso contrasta
com seu entusiasmo efervescente pela Alemanha.
De acordo com seu patrono Tocqueville, Gobineau obviamente aprovava o sentimento
anglo-saxão de superioridade categórica sobre os nativos americanos e os negros da
América do Norte; e ele foi igualmente sarcástico sobre a hipocrisia em torno da
escravidão. 56 Ele estava muito mais preocupado e enojado do que as leis de imigração
americanas e, a esse respeito, comparou desfavoravelmente Nova York a Cartago, que pelo
menos havia sido fundada por nobres famílias cananéias. Além disso: «Carthage tinha
conquistado tudo o que Tiro e Sidon tinham perdido. Mas Cartago não acrescentou nada à
civilização semítica, nem conseguiu impedir sua ruína final”. 57 Em outros lugares, Gobineau
comparou as funções mercantis de Tiro e Sidon às de Londres e Hamburgo, e as funções
manufatureiras às de Liverpool e Birmingham. 58 A analogia entre anglo-saxões e cananeus,
e sua aversão a ambos, deve parecer clara. Obviamente, porém, ele detestava os camitas e
os semitas impuros tanto quanto eles mereciam. Em sua opinião, os fenícios do período
posterior eram o resultado de uma mistura de "mulatos" hamitas e semitas, em que
naturalmente os últimos sendo mais "brancos" eram superiores. Mas a trágica ironia para
ele foi a de descobrir ao longo da história que as raças "pretas" e "femininas" inferiores
conquistaram e corromperam as raças "brancas" e "masculinas". Para isso os fenícios
haviam criado cidades nas quais o luxo e o esplendor incríveis se misturavam com
costumes bárbaros; para não falar dos repugnantes ritos religiosos, que incluíam a
prostituição e o sacrifício humano, coisas - assegurou a seus leitores - que "as raças brancas
nunca praticaram". 59 Em seu modo de governo, os fenícios não eram tão nobres e livres
quanto os "brancos", mas dominavam ou por meio de déspotas ou plebes democráticas. 60
Mas o pior de tudo era Cartago, desprovida de história e fundada depois que os hamitas já
haviam degenerado completamente e, portanto, expostos a uma influência africana ainda
maior. 61 Para ele, a chegada dos semitas representou um grande avanço, mas também eles
se deixaram seduzir pela cultura "negra". Em geral, a atitude de Gobineau em relação aos
judeus parece dividida. Às vezes ele afirmava que eles haviam preservado algo de sua
natureza branca; às vezes, que os judeus se transformaram de pastores marciais em
mercadores efeminados. 62 Mas o pior de tudo, eles contrataram outros povos como
mercenários. E sobre essa prática ele escreveu:
Uma das principais características da degradação dos hamitas e a causa mais evidente de sua queda […] foi a
perda de sua coragem como guerreiros e a prática de não mais participar das atividades militares. Esse
escândalo, enraizado na Babilônia e em Nínive, foi ainda pior em Tiro e Sidom. 63

"Salambo"
Em 1830, descrevendo a revolta dos mercenários cartagineses após sua derrota na
Primeira Guerra Púnica de 241 aC, Michelet deu a mesma mensagem. Com base em fontes
clássicas - principalmente o historiador grego Políbio - ele forneceu um relato vívido do
motim de um exército extraordinariamente misto etnicamente liderado por um negro,
Matho, e um grego, Spendius. Os mercenários foram derrotados após campanhas de
extraordinária violência e crueldade em que muitos deles e muitos de seus oponentes
cartagineses foram mortos em cenas de horror excepcional. 64

287
O texto de Michelet tornou-se a base do romance Salambò de Gustave Flaubert . Por
muito tempo o exotismo do "Oriente" fascinou Flaubert. Ele esteve no Egito e, depois do
sucesso de Madame Bovary , pensou em escrever um romance sobre aquele país chamado
Anúbis. 65 Em algum momento, antes de março de 1857, ele mudou de ideia e decidiu usar
apenas o lote que finalmente se tornou Salambò . O estudioso italiano LF Benedetto sugeriu
que ele abandonaria Anubis porque Théophile Gautier havia publicado um romance sobre o
antigo Egito no mesmo ano. Mas nem Bento XVI nem os outros "flaubertianos" conseguiram
especificar o que levou Flaubert a escolher seu novo tema. 66
Embora não mencionado em sua correspondência, a resposta parece ser o "Motim dos
índios", que eclodiu em fevereiro daquele ano. A Grã-Bretanha - o grande império dos
fenícios modernos - graças à sua própria ganância e brutalidade, e graças ao uso de gordura
de porco ou de vaca para lubrificar os cartuchos a serem lambidos pelos soldados,
conseguiu a difícil tarefa de se unir contra si mesma em revoltam mercenários hindus e
muçulmanos. Desde o início ficou claro que o "motim" seria combatido com excepcional
ferocidade e crueldade de ambos os lados. A analogia entre Inglaterra e Cartago estava,
portanto, em Salambò desde o início.
Em maio de 1861, quando Flaubert se convenceu de que o livro estava pronto para os
amigos, convidou duas figuras famosas da Paris literária, os irmãos Goncourt, para assistir
a uma leitura com o seguinte programa:
1. Começo a gritar às quatro horas, ou seja, por volta das três.
2. Às 7, jantar de Páscoa. Você será servido: carne humana, cérebros civis, clitóris de tigre
fritos em manteiga de rinoceronte.
3. Após o café, a gritaria púnica recomeça até que os ouvintes se despenquem. 67

Baudelaire, poeta da decadência , era muito amigo de Flaubert enquanto escrevia o


romance, e Salambò é justamente um estudo sobre a decadência. 68 Do ponto de vista das
classes altas francesas da década de 1850, Flaubert havia escolhido o aspecto mais
decadente (os mercenários) da cidade mais decadente (Cartago) e do povo mais decadente
(os fenícios). Ou, dito de outra forma, representava a acumulação de todos os opostos da
sociedade branca, masculina e boa: uma salada de frutas étnica de mercenários liderados
por um negro e um grego traidor de sua raça; contra os cartagineses, vistos como uma
mistura repugnante de negros, hamitas e semitas; em um cenário tropical exuberante que
incluía padres, eunucos, mulheres sensuais e corruptoras; todos envolvidos em um conflito
cruel e temeroso.
Havia, como eu disse, materiais históricos autênticos sobre os quais tal representação
poderia ser construída. Flaubert reforçou suas leituras de Michelet e Políbio com uma
viagem ao sítio de Cartago; mas, além disso, e fator muito mais importante, utilizou
materiais produzidos pelos mais recentes estudos orientais franceses, especialmente os de
Renan. Com base nisso, ele tomou conhecimento da estreita relação cultural entre todos os
povos de língua cananéia e também usou informações bíblicas sobre os israelitas e seus
vizinhos para aprofundar o escasso material disponível sobre os fenícios e cartagineses. 69
Benedict, escrevendo em 1920, mostrou que a reconstrução de Flaubert resistiu ao teste
de estudos posteriores. 70 Embora Bento XVI tenha ensinado no Instituto de Filologia
Clássica de Roma, que era extraordinariamente antissemita, e escrito em um período de
intenso racismo e antissemitismo geral, muito do que ele diz parece verdade ainda hoje. 71

288
Onde, no entanto, na minha opinião Flaubert estava completamente enganado, estava
implícito em duas de suas ideias. Uma era que Cartago no século III aC era de alguma forma
típica da cultura oriental; e, portanto, Cartago não só mereceria o genocídio infligido pelos
romanos noventa anos depois, mas havia pouca razão para objeção moral à destruição
colonial de civilizações não-europeias no século XIX. (E aqui também encontramos outra
razão para abandonar o novo projeto sobre o antigo Egito, uma civilização não
suficientemente rica em vícios e crueldades para os propósitos estabelecidos por Flaubert.)
A outra ideia implícita era que, na opinião de Flaubert, os europeus - com a possível
exceção dos britânicos - eram incapazes de tais coisas. Na realidade, os romanos superaram
em muito os cartagineses em termos de luxo e violência, e os macedônios certamente não
foram menos. Descendo especificamente, a guerra mercenária cartaginesa do século III a.C.,
com sua componente revolucionária, foi certamente comparável à guerra dos romanos -
menos de duzentos anos depois - contra os exércitos de escravos liderados por Espártaco,
que foram derrotados e exterminados com tantos horrores. 72 A própria sociedade em que
vivia Flaubert, a França do Segundo Império, infligia uma violência incrível aos povos da
China e da Indochina e, mais ainda, à Argélia. De certa forma, além disso, a exploração, o
luxo e a corrupção da Cartago de Salambò eram muito semelhantes aos aspectos
encontrados na Paris de Flaubert, como é descrito às vezes tão vividamente nos romances
de Émile Zola. 73
Salambò foi um grande sucesso. Quando Flaubert tentou retratar realisticamente a vida
burguesa francesa em Madame Bovary , o livro foi mutilado pela editora e o autor foi
julgado por "insultar a moralidade pública". Salambò era muito mais escabroso em todos os
aspectos, mas fez dele uma celebridade na alta sociedade parisiense e permitiu que ele
mantivesse relações amistosas com a família imperial. 74 Flaubert descobrira uma mina
literária; seu "realismo" aplicado ao "Oriente" permitia aos leitores desfrutar de suas
próprias emoções sexuais e sádicas sem perder seu senso de superioridade cristã branca
inata e categórica. O romance também confirmou a urgência da missão civilizadora da
França de salvar os povos de outros continentes de sua própria crueldade e maldade. 75

Moloch
Flaubert deu particular ênfase a um aspecto hediondo da cultura cartaginesa que não se
encontrava nem entre os romanos nem entre os europeus do século XIX: essa forma
particular de sacrificar crianças com corte na garganta ou holocausto ou ambos. Seguindo a
tradição exegética da época, ele a interpretou como um sacrifício ao terrível deus Moloch.
Foi então estabelecido que a raiz √mlk neste caso não se referia a uma divindade, mas ao
nome do próprio sacrifício. 76 Em Cartago acreditava-se que as vítimas deviam ser filhos de
famílias governantes, mas Flaubert, com base em fontes clássicas, relatou que alguns ricos
obtinham substitutos dos pobres e escravos. 77 Aqui, enquanto acrescentava detalhes
horríveis de sua própria cunhagem, ele se baseava em historiadores gregos e romanos;
Escavações posteriores em Cartago e em muitas de suas colônias, que desenterraram
centenas de urnas dedicadas ao deus Baal, cheias de ossos de crianças queimados, parecem
confirmar sua reconstrução. 78

289
Não há dúvida de que tanto na tradição judaica quanto na cristã o sacrifício de crianças
era visto como a abominação suprema. O enorme sucesso de Salambò na França e no resto
da Europa - em parte devido à representação de Moloch que foi dada ali - trouxe de volta
esse sentimento bíblico de repulsa com força extraordinária. Esse sentimento levou muitos
a uma condenação total da sociedade que tinha tais práticas, e forneceu fortes argumentos
a todos aqueles que odiavam Cartago e os fenícios, juntamente com os vínculos associativos
que tinham com judeus e ingleses.
Também não há dúvida de que tais sentimentos se estenderam ao mundo acadêmico.
Em nosso século, quase todos os historiadores de Cartago e da Fenícia tiveram que levar
em conta Flaubert. 79 Do lado judaico, Salambò e o destaque dado a ele por Moloch parecem
ter obtido o resultado de ressuscitar e intensificar o ódio religioso e bíblico aos cananeus e
suas abominações e de induzir até mesmo judeus não religiosos e assimilados a manter
distâncias com cananeus e fenícios.
Em 1870, o principal inimigo de Cartago e da Inglaterra mudou. A França entrou na
guerra franco-prussiana como um império e emergiu como uma república, enquanto o rei
da Prússia emergiu como imperador da Alemanha. Muitos alemães se convenceram de que
agora o manto do Sacro Império Romano e da própria Roma havia caído sobre seus
ombros. Já no século XVIII é relatado que Herder havia dito que Cartago era tão calibrada por
suas abominações que só merecia comparações com um chacal que a loba romana teria
destruído; no final do século XIX, a merecida destruição da cidade era agora uma banalidade.
80 A predestinação da destruição infligida a ela pelos romanos foi enfatizada. A frase

"Cartago, destruída pelos romanos, nunca foi reconstruída" - aliás, falsa - tornou-se, ao que
parece, lugar-comum. 81
Durante as duas Guerras Mundiais, este princípio - o princípio da solução final - foi
estendido em propaganda à Inglaterra e, na realidade, aos judeus, com o Holocausto. 82 Com
isso, porém, estou antecipando o período de intenso anti-semitismo racial que ocorreu
após a década de 1880; aqui consideraremos as atitudes que o século XIX teve em relação à
ideia de assentamentos fenícios na Grécia.

Os fenícios na Grécia: 1820-1880


KO Müller, que negou o papel dos fenícios na formação da Grécia, era provavelmente anti-
semita. 83 Como vimos, porém, sua refutação da lenda de Cadmo não foi aceita por todos na
época. De fato, com o declínio da admiração pelos egípcios, o interesse e o respeito pelos
fenícios aumentaram. Reflexo dessa mudança foi a publicação, na década de 1840, de Die
Phönizier por FC Movers, obra em volumes gigantescos baseada na compilação de todas as
referências bíblicas e clássicas a esse povo. Como Julius Beloch no século XIX e Rhys
Carpenter no século XX - cujas carreiras discutiremos no próximo capítulo - os Movers
tendiam a atribuir o dinamismo dos fenícios às influências nórdicas, e sobretudo à
influência dos assírios. 84 Como muitos historiadores posteriores, ele tinha uma grande
admiração por esse povo brutalmente culto, muitas vezes representado como "não
exatamente semita", apesar do que sua linguagem puramente semítica parece indicar. No
século 19, a proeza militar dos assírios foi atribuída a influências "brancas". 85 Por outro lado,
se os semitas perderam crédito no norte e no leste, eles o ganharam no sul. Quanto à

290
presença dos fenícios na Grécia, os Movers não só aceitaram todo o crédito que lhes foi
dado pelos Antigos, como também lhes concedeu o que concederam ao "egípcio" Danaus.
Tal posição pode ser justificada até certo ponto quando se considera a real complexidade
da cultura mista do Baixo Egito durante o período hicsos. No entanto, como disse seu
admirador Michael Astour, Movers havia entendido o problema "mais por intuição do que
com a ajuda de fontes à sua disposição". 86 Devemos, portanto, julgar sua conclusão do
ponto de vista historiográfico - e, nesse sentido, ela se presta bem à época seguinte ao
declínio dos egípcios e anterior à dos fenícios.

Gobineau e sua imagem da Grécia


Este é também o período em que devemos situar a atitude de Gobineau em relação às
origens da Grécia. Como vimos, ele operava dentro dos limites do modelo ariano, mas na
década de 1850 ainda era um modelo muito "amplo" que também admitia influências
semíticas. Ele analisou os gregos da seguinte forma:
1. Helenos - Arianos modificados por elementos amarelos, mas com grande
preponderância de essência branca e algumas afinidades semíticas.
2. Aborígenes - Eslavos / Celtas saturados com elementos amarelos.
3. Trácios - Arianos misturados com celtas e eslavos.
4. Fenícios - Hamitas Negros.
5. Árabes e Judeus - Semitas muito mistos.
6. Filisteus - semitas, provavelmente mais puros.
7. Líbios - Hamitas quase negros.
8. Cretenses e outros povos insulares - Semitas semelhantes aos filisteus. 87

O suficiente para confundir até o racista mais empedernido! Gobineau, porém, não se
deixou desanimar, ainda que lhe fosse impossível ser condizente com uma situação tão
complicada.
E isso não é dito para desacreditá-lo completamente. Se você traduzir "raça" como
cultura, não há dúvida sobre a realidade de algumas dessas misturas variáveis. Gobineau
estava certo ao dizer: "nenhum país, em suas épocas primitivas, tem tais convulsões
étnicas, tais deslocamentos súbitos e múltiplas imigrações". 88 Sua teoria também tem um
valor explicativo muito maior do que o modelo ariano extremo. Ele acreditava que os
aborígenes gregos haviam sido invadidos do norte pelos "titãs" arianos no terceiro milênio
aC; mais ou menos na mesma época, no entanto, eles também foram invadidos do sul pelos
cananeus, a quem ele considerava árabes e judeus semitas e fenícios negros. 89 Ele também
confiou em Movers para acreditar que os fenícios haviam tirado sua civilização da Assíria,
na qual havia elementos brancos. 90
Dada a corrupção do sangue grego dos fenícios negros, a questão de haver ou não
colônias egípcias na Grécia não era muito importante para Gobineau. Ele também aceitou
os resultados de estudos recentes que negavam a existência de tais colônias. 91 Além de
seguir a teoria de Schlegel de que a grandeza da civilização egípcia decorreu da colonização
indiana, ele também acreditava que a bastardização racial da população egípcia - que
incluía muitos elementos negros e até negróides - havia dado ao país sua natureza estática

291
e passiva. 92 Para Gobineau, a história grega havia sido uma luta entre a arianidade do
espírito grego, que encontrou sua sede ao norte de Tebas, e o espírito semita do sul, ambos
encontrando reforço em seus primos raciais fora do país. 93 Dessa forma, as tradições sobre
Cadmo e Danaus ou a ideia de excelência dos dórios não lhe causavam nenhum problema. 94
Vale a pena notar, no entanto, que, apesar de seu entusiasmo pelo caráter e pelas
instituições dos helenos arianos, Gobineau estava convencido de que a Grécia antiga como
um todo havia sido completamente "manchada de preto" e "semitizada". Ele estava entre
aqueles que argumentavam que os gregos modernos eram tão mestiços que não podiam
mais ser considerados descendentes dos antigos. De fato , sua crença na influência fenícia sobre
a Grécia era parte de sua crença mais geral de que o sul da Europa seria irreparavelmente
"semitizado" e que apenas os povos germânicos do norte manteriam sua pureza "branca". 96
Nisso, porém, ele estava claramente em minoria. Embora começasse a compartilhar seus
pontos de vista sobre a superioridade ariana, a maioria dos europeus do norte não estava
pronta para desistir da Grécia e de Roma.
Tudo considerado, a relutância em acreditar em assentamentos fenícios estava
crescendo. Vimos no capítulo anterior como Grote evitou o problema; como Bunsen e
Curtius contornaram o problema das lendas; e como William Smith e George Rawlinson
jogaram com ambiguidades quanto a eles. 97 Outros, porém, embora não tentassem ir além
de Gobineau, não viam motivos para duvidar do modelo antigo no que dizia respeito aos
fenícios. Como Gladstone escreveu em 1869:
uma continuação do argumento em relação aos fenícios revelou com muito mais clareza e detalhes o que eu só
me permitia suspeitar ou aludir, e dá a essas pessoas, se estiverem certas, uma função muito influente na
formação do nação grega. A descoberta, se é verdade, dessas fortes influências semíticas, tanto na Grécia de
Homero quanto em épocas anteriores em que elas operavam, abre uma nova perspectiva sobre a história do
mundo antigo. 98

Schliemann e a descoberta dos "micênicos"


Claro, Gladstone era principalmente um político e não um acadêmico; suas idéias, portanto,
não estavam inteiramente atualizadas. No entanto, vale a pena notar que ele fez tais
alegações pouco antes de Schliemann fazer suas surpreendentes descobertas de Micenas e
Tirinto na década de 1870. O próprio Schliemann afirmou ter "visto o rosto de Agamenon",
e que os restos encontrados eram de heróis homéricos, que de curso eram gregos.
Inicialmente, no entanto, suas descobertas tiveram o efeito exatamente oposto. Eles
fortaleceram os defensores da influência fenícia significativa na Grécia.
Os achados micênicos certamente eram muito diferentes de qualquer noção anterior de
arte grega, e havia um consenso geral de que eram feios. Várias hipóteses foram então
feitas: que eram bizantinas, góticas ou - as mais comuns - orientais; e, se assim for, ou
resultado de importação, ou produzido na Grécia por artesãos orientais ou seus aprendizes
gregos. 99
A conclusão óbvia era que eram vestígios dos colonos fenícios cuja tradição grega
narrava. Como o eminente historiador alemão Max Dunker escreveu em 1880:
O exame dos monumentos mais antigos em solo grego nos forneceu evidências da extensa atividade comercial
fenícia nas costas do país; não apenas os objetos encontrados dentro desses monumentos, mas os próprios

292
monumentos falam inquestionavelmente a favor da influência e, portanto, da presença dos fenícios na Grécia.
Existem outros vestígios, sinais e restos de assentamentos fenícios em solo grego e de influência fenícia sobre os
gregos. A própria tradição grega nos fala da cidade e do poder que o filho de um rei fenício ali fundou. Este é o
único exemplo de povoado mencionado na tradição, mas podemos provar que havia toda uma série de colônias
fenícias nas costas da Hélade [grifo meu]. 100

No entanto, outros estudiosos alemães, como o historiador grego Adolf Holm, discordaram.
Holm, que por sua própria admissão concebeu os gregos como "um tipo de humanidade de
grandeza absoluta", seguiu a "mais recente revisão científica dos materiais tradicionais" de
Ernst Curtius. Na década de 1880, ele expôs suas ideias sobre o dilema enfrentado pelos
estudiosos:
Ultimamente tem havido uma forte reação contra a teoria popular segundo a qual os fenícios exerceram uma
forte influência sobre a Grécia, uma reação que é justificável em si mesma, mas nem sempre relevante. A
verdadeira razão pela qual a presença dos fenícios na Grécia é contestada é que queremos contestar a idéia de que
os gregos possam estar em dívida com os fenícios por valores significativos . Acreditamos ter provado que a ampla
influência atribuída a eles […] é fruto de pura fantasia. Mas por que relutar em admitir a existência, pelo menos,
de assentamentos fenícios na Grécia, sempre que há suporte para critérios históricos considerados válidos em
outros casos? Os fenícios estiveram lá uma vez, mas sua influência foi insignificante [grifo meu]. 101

compromisso adotado por estudiosos como Connop Thirlwall na década de 1830 e Frank
Stubbings na década de 1960. anos de máxima expansão do imperialismo e anti -
Semitismo, de 1885 a 1945, período que foi também o da profissionalização da arqueologia
clássica.
O tom que prevaleceria ao longo desse período já estava definido. Como um autor
colocou na primeira edição do The American Journal of Archaeology , em 1885:
Os fenícios, até onde sabemos, não trouxeram ao mundo uma única idéia frutífera […] suas artes […] dificilmente
merecem ser chamadas assim; em sua maioria, eram um povo mercante. Sua arquitetura, escultura, pintura
eram completamente sem imaginação. Sua religião, até onde sabemos, apelava apenas aos sentidos. 103

Babilônia
Na década de 1880, no entanto, apareceu um novo tipo de "semita" menos repreensível.
Desde o início do século houve um grande interesse pelas antigas ruínas da Mesopotâmia, e
já se mencionou a simpatia que homens como Movers e Gobineau tinham pelos assírios, um
povo que conquistou e massacrou de uma forma muito "não "maneira" semítica. ". Além
disso, nos anos de 1840 e 1850 houve a decifração gradual dos caracteres cuneiformes com
os quais foram escritos os dialetos persa antigo, assírio e babilônico do acadiano, e a antiga
língua suméria não-semita. A decifração produziu grande entusiasmo entre os estudiosos,
que aumentaram à medida que começaram a ler textos acadianos que apresentavam
surpreendentes paralelos com a Bíblia. 104 Com a crescente secularização das décadas de
1870 e 1880, tais textos foram aceitos como pano de fundo histórico do Antigo Testamento.
Além disso, eles foram usados para confirmar a crença de que a cultura dos semitas
ocidentais - os judeus e os fenícios - era, como sempre se espera dos semitas, em essência
derivada e tinha vindo da civilização babilônica que era muito mais antiga. Essa tendência
se fortaleceu ainda mais na década de 1890, quando se estabeleceu, com satisfação geral,
que a civilização mesopotâmica havia sido criada não pelos semitas, mas pelos sumérios, e

293
que "quando os semitas apareceram na Babilônia, a civilização estava em pleno
desenvolvimento ." 105
Estudiosos que por várias razões desejavam evitar dar crédito aos fenícios começaram a
atribuir elementos semíticos irredutíveis das culturas grega e outras culturas europeias aos
assírios e babilônios. 106 Mais uma vez, infelizmente, permaneceu o problema de que a via
normal de transmissão teria que ser por via marítima, através da Fenícia – ou pelo menos o
norte da Síria. De fato, desde o final do século XIX houve uma tendência a atribuir influências
orientais na Grécia à Anatólia, cujas populações "asiáticas" eram não-semitas. A tradição
antiga não relata contatos dos gregos com a Ásia Menor; no entanto, foi desta região que
Pélope deveria ter partido para conquistar grande parte do sul da Grécia. De acordo com o
modelo antigo, no entanto, essa conquista foi consistentemente colocada após as de
Cadmus e Danaus, e Pélope não foi creditado com nenhuma inovação cultural - além das
corridas de bigas. Depois que se descobriu em 1912 que a língua do antigo império anatólio
dos hititas estava relacionada ao indo-europeu, a tradição da conquista de Pélope foi
retomada com grande entusiasmo pelos orientalistas alemães. Tanto estes como os
classicistas tentaram atribuir muito mais crédito aos anatólios do que à influência
"oriental" na Grécia. Por exemplo, o classicista e historiador britânico P. Walcot, cuja
importante obra Hesíodo e o Oriente Próximo foi publicada em 1966, dedica o primeiro
capítulo aos hititas e o segundo aos babilônios; no entanto - em contraste marcante com os
egípcios e os fenícios - nem um nem outro é mencionado na Antiguidade como fontes da
mitologia e religião gregas. 107 Nos anos abrangidos pelo capítulo seguinte - de 1885 a 1945
- a pouca atenção que havia por parte dos estudiosos às influências orientais na Grécia
concentrou-se na transmissão da influência babilônica para a Grécia por terra, deixando de
fora a Síria, e seguindo a preferência dos estudiosos alemães por transporte terrestre em
vez de marítimo e comunicações. É a partir deste período que trataremos agora.

Notas
1 Humboldt para Caroline, 29 de fevereiro de 1816 (von Sydow, 1906-1916, vol. V , pp. 194-195), citado em Sweet
(1978-1980, vol. II , p. 208).
2 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 54-70, 253-256).
3 Ver Capítulo 4 , nn. 113-114.
4 Disraeli (1847, lib. III , Cap. 7 ; lib. V , Cap. 6 ); Eliot (1876, lib. V , Cap. 40).
5 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 213-214).
6 Knox (1862, p. 1), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 255-256).
7 Citado em Curtin (1971, p. 16). Edição de vídeo também Curtin (1964, pp. 375-380).
8 Knox (1862, p. 1), citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 255).
9 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], pp. 256-260).
10 Carta a Gobineau, 26 de junho de 1856, citada em Boissel (1983, pp. 1249-1250).
11 Michelet (1813a [trad. It. 1958], lib. II , Cap. 3 ).
12 Burnouf (1872, pp. 318-319).
13 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 257). Sobre a imagem que Gobineau dá de Amarelos e Pretos, ver acima, Cap. 5 , nos.

63-65.
14 Ver Gaulmier (1983, pp. LXXII-XI ).
15 Citado em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 258). Sobre a relação que o século XIX reconheceu entre todos os

desviantes da norma branca, masculina, adulta - não-brancos, crianças, lunáticos, mulheres - ver Gilman (1982, pp. 1-18).
16 Para uma exposição geral da tese de Gobineau, ver Poliakov (1973 [trad. It. 1976],
pp. 258-260).
17 Gobineau (1983, pp. 349-363).
18 Ibidem, pp. 364-478.
19 Ibidem, especialmente pp. 415-417.
20 Carta de 30 de julho de 1856, citada em Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 261).

294
21 Sobre Barthélemy, ver Capítulo 3 , n. 24; sobre Bochart, ver Capítulo 3 , n. 27.
22 RL Brown (1967, p. 57).
23 Ver Capítulo 5 , n. 25.
24 Renan (1855), citado em Gaulmier (1978, p. 48). Muito disso é mencionado em Rashed (1980,

p. 12). Edição de vídeo também Said (1978 [trad. it. 1991], pp. 150-151). É interessante que Renan escolha um grego e um
alemão como exemplos de verdadeiros filósofos europeus. Ele estaria em apuros se tivesse mencionado Locke e Hume,
que escreveram principalmente em inglês, uma língua isolada.
25 Renan (1855), citado em Gaulmier (1978, p. 47).
26 Sobre a ideia de Renan de que ao estudar a cultura semítica ele de alguma forma a estava criando, ver Said (1978

[trad. It. 1991], p. 148).


27 Renan (1855); citado em Gaulmier (1978, p. 47); você vê também Faverty (1951, p. 169).
28 Ver Faverty (1951, pp. 167-174); Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 145-158).
29 Ver acima, Capítulo 5 , nn. 117-120. Este é, naturalmente, o tema de Said (1978 [trad. It. 1991]).
30 Renan (1958, p. 359). Que eu saiba, Renan nunca abordou os problemas que tais paralelos representavam para sua

teoria do determinismo climático. É improvável que os britânicos tenham desenvolvido tais características graças ao sol
escaldante!
31 Citado em Faverty (1951, p. 76).
32 Ver Faverty (1951, especialmente pp. 111-161).
33 Ver M. Arnold (1906). O grande construtor do mito romântico dos ciganos no século XIX, George Borrow, interessou-

se muito pela língua deles e de outros povos indo-europeus orientais, como os armênios (1851, cap. 27, 47 ). As
descrições de Borrow do filósofo natural cigano Jasper Petulengro (1857, cap. 9 ) eram muito populares na Inglaterra
vitoriana e eduardiana; ver Borrow (1851; 1857). O culto cigano britânico não foi aceito na Alemanha. Quando se tratava
do Holocausto, sua língua indo-européia não oferecia proteção melhor aos ciganos do que sua língua germânica, o iídiche,
oferecia aos judeus.
34 Ver Faverty (1951, p. 167).
35 Ibidem, pp. 162-185.
36 Sobre o "helenismo" de Matthew Arnold como um fator importante no declínio da Grã-Bretanha no final do século XIX

e início do século XX , ver Wiener (1981 [trad. It. 1985], pp. 62-78).
37 M. Arnold (1869 [trad. It. 1946], p. 69). Observe o uso da palavra saxônica crescimento e o dinamismo implícito no

movimento . Sobre as ligações entre helenismo e arianismo, ver Hersey (1976).


38 Ver acima, Cap. 5 , n. 119.
39 Russel (1895, vol. I , p. 383).
40 Para saber mais sobre Schleiermacher na Inglaterra, ver Shaffer (1975, especialmente pp. 85-87). Sobre Primo, ver

Gaulmier (1978, p. 21).


41 Poliakov (1973 [trad. It. 1976], p. 341). Há um paralelo interessante com isso no século XX: a progressão do racismo

"suave" de Kenneth Clark para o racismo "duro" de seu filho.


42 Ibidem, pp. 338-340; Mosse (1964 [trad. It. 1968], pp. 50 e segs.); FR Stern (1961, pp. 35-52). Muitas das ideias de

Lagarde eram extensões das de Renan.


43 Hardy (1891 [trad. It. 1970], Cap. 25).
44 Gladstone (1869).
45 Ver FM Turner (1981, pp. 159-170); Lloyd-Jones (1982a, pp. 110-125).
46 Rawlinson (1889, p. 23).
47 M. Arnold (1906, p. 25). Estas eram muito semelhantes às palavras do contemporâneo de Arnold, Ernst Curtius, ao

escrever sobre o "recuo" dos semitas. Ver acima, Cap. 7 , n. 6. Edição de vídeo também
TS Eliot, em The wasteland - Death by water .
48 Citado por Evans (1909, p. 94). Evans, que a essa altura já via minoanos não-semitas em todos os lugares, inclusive na

Fenícia, concordou com o Grande Ancião, Gladstone.


49 Michelet (1831b, p. 68).
50 Michelet (1831a [trad. It. 1958], pp. 177-178).
51 Ver Capítulo 3 , n. 27.
52 Gesenius (1815, p. 6). A classificação das línguas semíticas é na verdade um tema muito discutido que se tornou ainda

mais complexo hoje após a descoberta de várias outras línguas semíticas antigas e modernas. Para uma discussão mais
aprofundada de meus pontos de vista sobre isso, ver Bernal (1980). No entanto, nunca houve qualquer razão para dúvida
sobre a identificação de Genésio do fenício com o hebraico em vez de com as línguas berberes.
53 Gesenius (1815, p. 4); Gobineau (1983, pp. 380-381).
54 Gobineau (1983, p. 388).
55 Ibidem, pág. 149.
56 Ibidem, pág. 1135.
57 Ibidem, pág. 1141.

295
58 Ibidem, pág. 396.
59 Ibidem, pp. 369-372.
60 Ibidem, pp. 399-401.
61 Ibidem, pp. 401-405.
62 Ibidem, pp. 413-417.
63 Ibidem, pp. 378-379, 379, n. 2.
64 Michelet (1831a [trad. It. 1958], pp. 203-211).
65 Ver Benedict (1920, pp. 21-39); A. Green (1982, pp. 28-31). Para uma discussão crítica desse fascínio, ver Said (1978

[trad. It. 1991], pp. 191 e segs.). Como assinala Jean Bruneau (Flaubert, 1973, vol. II , p. 1354): «De todas as obras de
Flaubert, Salambò é sem dúvida a menos estudada. Não há boa edição, e a sua génese é pouco conhecida». Edição de vídeo
também a bibliografia de Bruneau sobre o assunto.
66 Benedict (1920, p. 39); A. Green (1982, p. 28); Starkie (1971, p. 14). O que afirmo, a saber, que o Grande Motim

despertou o interesse de Flaubert por este assunto e permaneceu em sua mente como um importante paralelo moderno,
não busca de forma alguma desacreditar importantes paralelos entre Salambò e a Revolução Francesa de 1848 revelados
pelo Dr. Green; ver A. Green (1982, pp. 73-93).
67 Carta, início de maio de 1861, citada em inglês por Starkie (1971, p. 22).
68 Ibidem, pp. 20-22.
69 Ibidem, pp. 58-59.
70 Veja Bento (1920). Para o anti-semitismo desta escola, que foi dominada por Julius Beloch, veja abaixo.
71 Concordo aqui com o professor Lloyd-Jones. V edi Wilamowitz-Moellendorff (1927 [tradução inglesa 1982], p. 103, nº

405).
72 Michelet, que tinha gostado de descrever os horrores da guerra mercenária, descreve a terceira guerra servil muito

categoricamente. Omite completamente os seis mil escravos crucificados alinhados ao longo da estrada de Cápua a Roma
após a vitória romana (1831a [trad. It. 1958], vol. II ,
pp. 198-203).
73 Embora Zola só tenha publicado Nana em 1880, ele começou a escrever romances realistas sobre a vida e a corrupção

em Paris já na década de 1860.


74 Ver Starkie (1971, pp. 23-26).
75 Ver Said (1978 [trad. It. 1991], pp. 192 e segs).
76 Isso foi estabelecido por Eissfeldt (1935). Edição de vídeo também Spiegel (1967, p. 63); ARW Green (1975, pp. 179-

183).
77 Flaubert (1862, Cap. 13 ). Os muitos ramos crucialmente importantes deste tópico foram, por razões óbvias, pouco

estudados. Eles merecem ser tratados em detalhes; infelizmente não é possível para mim fazer isso aqui.
78 Ver Benedict (1920, pp. 196-215); Spiegel (1967, pp. 62-63); ARW Green (1975, pp. 182-183).
79 Ver Harden (1964 [trad. It. 1964], p. 105); Herm (1975, pp. 118-119); Warmington (1960 [trad. It. 1968], p. 164) é

muito hostil a Flaubert.


80 Citado por Herm (1975, p. 118). Embora não tenha motivos para duvidar, não consegui encontrar o original. Vedi

Kunzl (1976, pp. 15-20).


81 Ver Lohnes e Strothmann (1980, p. 563). Os autores comprometem-se, em princípio, a citar fontes alemãs sempre que

possível.
82 Após a queda do Império Alemão em 1918 e a ascensão de Mussolini em 1922, a identificação de Mussolini do

fascismo com a Roma Antiga trouxe de volta à Itália a identificação do inimigo, a Inglaterra, com Cartago. Vedi Cagnetta
(1979, pp. 92-95).
83 Ver , por exemplo, Müller, 1820-1824, vol. Eu , pág. 8.
84 Movers (1841-1850, vol. II , pt. I , pp. 265-302).
85 Ibidem, pp. 300-303, 420.
86 Ver Astour (1967a, p. 93).
87 Gobineau (1983, vol. I , pp. 664-665).
88 Ibidem, pág. 663.
89 Ibid .
90 Ibid, pág. 367.
91 Ibidem, pág. 662.
92 Ibidem, pp. 420-463. Sobre Schlegel a este respeito, ver Capítulo 5 , n. 20.
93 Gobineau (1983, vol. I , pp. 660-685).
94 Gobineau encontrou maiores problemas para explicar Ulisses, a suma da Grécia semítica, que veio do norte de Ítaca

(ibid., P. 661).
95 Veja os artigos que escreveu sobre o assunto, citados em Gaulmier (1983, p. LXX ).
96 Gobineau (1983, vol. I , pp. 716-932).

296
97 Sobre Bunsen, ver acima, Cap. 5 , n. 125; sobre Curtius, Cap. 7 , nn. 67-68; sobre Smith, Cap. 7 , n. 47; e Rawlinson

(1869, pp. 119-120).


98 Gladstone (1869, p. 129).
99 Gardner (1880, p. 97); Vermeule (1975, p. 4).
100 Dunker (1880 [tradução inglesa 1883], vol. I , p. 59).
101 Holm (1886-1894 [tradução inglesa 1894], pp. 47, 101-102).
102 Sobre Thirlwall, ver Capítulo 7 , nº. 29; sobre aparas, ver Cap. 10 , n. 24 abaixo.
103 Marsh (1885, p. 191).
104 Ver Friedrich (1957, pp. 59-69).
105 Winckler (1907, p. 17). Edição de vídeo também T. Jones (1969, pp. 1-47). Para minhas opiniões sobre isso, ver

Introdução, pp. 13-14.


106 Ver , por exemplo, Reinach (1893, pp. 699-701). Veja também as notas do próximo capítulo.
107 Walcot (1966, pp. 1-54).

297
9. A solução final da questão fenícia. 1885-1945

Este capítulo trata de como o modelo ariano se consolidou e como a influência egípcia e
fenícia no processo de formação da Grécia foi completamente negada. Que a influência
fenícia foi negada é um fato a ser visto claramente em relação ao forte anti-semitismo do
período, e em particular com os dois picos ou paroxismos que atingiu nas décadas de 1880
e 1890 e 1920 e 1930. judeus europeus para a Europa Ocidental e se cristalizaram em
torno do caso Dreyfus ; o segundo foi uma continuação do papel crucial desempenhado
pelos judeus no comunismo internacional e na Revolução Russa, e durante as crises
econômicas das décadas de 1920 e 1930.
Na década de 1890, no contexto dos estudos clássicos, as primeiras transmissões contra
as tradições da colonização fenícia foram disparadas por um judeu francês assimilado,
Salomon Reinach, e por um alemão exilado na Itália, Julius Beloch. Seguiu-se uma calmaria
durante a qual o grande estudioso francês Victor Bérard conseguiu difundir com sucesso
suas idéias em apoio a uma penetração semítica fundamental na Grécia entre o público
profano - mas não entre seus colegas classicistas -.
No mesmo período, porém, as sensacionais descobertas de Arthur Evans em Creta, e a
diferenciação que ele estabeleceu entre os 'minóicos' e os povos de língua semítica, antes
considerados nativos da ilha, estimularam o interesse pelo 'pré-helênico'. Egeu. Todos os
aspectos da cultura grega que não podiam ser explicados em termos indo-europeus foram
atribuídos a este misterioso povo "minoano", permitindo assim que a Grécia fosse
culturalmente auto-suficiente e eliminando a necessidade de explicar certos
desenvolvimentos em termos de influências do Oriente Próximo. .
Na década de 1920, a recusa em admitir qualquer influência semítica no Egeu resultou
em uma tentativa notavelmente bem-sucedida de diminuir a importância do único
empréstimo fenício que não podia ser negado: o alfabeto. De fato, em 1939, os partidários
do modelo ariano extremo agora dominavam o campo a tal ponto que qualquer um que
ousasse sugerir que as lendas sobre os fenícios na Grécia poderiam conter um núcleo de
verdade arriscava perder sua dignidade acadêmica.

O Renascimento Grego
Foi somente na década de 1880 que as idéias de Schliemann sobre a nacionalidade dos
"micênicos" começaram a ser aceitas, e suas descobertas começaram a ser rotuladas como
européias; o defensor mais ativo dessa nova classificação foi o arqueólogo grego C.
Tsountas.
Uma vez independentes, os intelectuais gregos dedicaram-se ao heróico esforço de
restaurar o país ao seu passado "helênico". Topônimos clássicos foram revividos e edifícios
turcos, venezianos e até bizantinos foram demolidos para trazer à luz as ruínas antigas. Ao
mesmo tempo, não foi fácil para os gregos do século XIX afirmar que o povo grego sempre foi
semelhante à imagem idealizada dos atenienses do século V. Argumentou-se então que o
gênio helênico, sendo constantemente moldado por seu passado e pelo clima e paisagem da

298
Grécia, assumiria formas diferentes, mas ao mesmo tempo preservando sua essência
nacional. Se esse clima for levado em conta, não é de surpreender, portanto, que Tsountas
estivesse entusiasmado com as novas descobertas, que poderiam ser interpretadas como
prova de que o gênio grego não se limitou à sua forma clássica, mas assumiu outras formas
igualmente genuínas.
Tsountas estava convencido de que as ruínas micênicas eram vestígios dos antecedentes
gregos da civilização clássica e negou firmemente que tivessem algo a ver com o Oriente.
“Esta arte indígena, de caráter distinto e homogêneo, deve ter sido forjada por um povo
forte e talentoso. Acreditamos que era de origem helénica ». 1 Em outras ocasiões, porém,
ele também tentou fundamentar sua tese. Em 1891, o American Journal of Archaeology
publicou um trecho de um de seus artigos:
As conclusões do Dr. Tsountas são desfavoráveis à origem asiática da civilização micênica. Seus principais
argumentos são os seguintes: (1) a representação das divindades pode ser explicada com base nas idéias gregas;
(2) em Micenas e Tirinto não foram encontrados peixes comestíveis, mas ostras são encontradas: os gregos de
Homero não eram ictiófagos, mas nas línguas arianas há uma palavra para designar ostras; (3) os micênicos
estão relacionados, por um lado, com os italiotas e outros arianos e, por outro, com os gregos do período
histórico cuja civilização é uma continuação da deles; (4) o tipo de casa micênica é adequado para climas
chuvosos e foi importado do norte. 2

O erro contido no primeiro ponto já foi mencionado na Introdução, e será tratado com
profundidade nos outros três volumes desta obra. O segundo ponto é muito vago para
merecer ser verificado. O terceiro é um argumento circular, e em todo caso foi
completamente superado pela descoberta da civilização "minoica" em Creta. É difícil dizer
em que o quarto se baseia, já que os telhados inclinados ocorrem em toda a Síria e os
telhados planos eram os mais comuns na área do Egeu durante a Idade do Bronze.
Considerando tudo, poucos historiadores ou arqueólogos de hoje levariam esses
argumentos a sério, mesmo que todos aceitassem as conclusões que Tsountas
evidentemente tirou deles.
Não é que as tradições de influência semítica tenham sido repentinamente rejeitadas. No
nível popular, prevalecia o bom senso. Um livro americano publicado em 1895 continha o
seguinte:
O cerne da realidade em todas essas lendas é talvez este - que os europeus receberam os elementos primários de
sua cultura do Oriente, e isso aconteceu de duas maneiras: primeiro, através do estabelecimento direto de raças
semíticas na Grécia na época. dos fenícios; e segundo, através dos gregos orientais, que se estabeleceram nas
costas da Ásia Menor, em Creta e Chipre, e talvez no Baixo Egito, e entraram em contato com povos de raça
semítica ou semi-semita [...] e transmitiram os germes destes culturas a seus parentes na Grécia européia. 3

Em 1898, Robert Brown, um estudioso independente, estava agora plenamente consciente


da situação a que havia chegado. Ele atacou os "arianistas", que durante um século
"ignoraram ou negaram quase completamente a existência daquela grande massa de
evidências de influência semítica que, como afirmam os seguidores da teoria ario-semita, é
encontrada em toda parte na Hélade". 4 É interessante que o ponto de vista de Brown, de
fato aceitável por grande parte do século XIX, agora parecia excêntrico e que seu livro sobre
leitura hoje parece ter sido escrito por um homem na defensiva.

299
Salomon Reinach
A partir da década de 1880, a atmosfera intelectual européia foi transformada após o
triunfo do anti-semitismo racial na Alemanha e na Áustria, e o crescimento acentuado que
também teve em outros lugares. Esta mudança foi naturalmente devido a muitas causas, a
mais significativa das quais foi a migração em massa de judeus da Europa Oriental para a
Europa Ocidental e América. Eles foram usados como bode expiatório para o sofrimento
dos trabalhadores urbanos para induzir os trabalhadores e camponeses a se identificarem
com os capitalistas e latifundiários contra esses "alienígenas". O processo de secularização
e perda da fé ocorrido no final da década de 1850, bem como o sucesso de outros tipos de
racismo, também contribuíram para o antissemitismo.
A onda de racismo estava ligada ao imperialismo e ao sentimento de solidariedade
nacional que estava sendo construído nos países metropolitanos contra os bárbaros
"indígenas" não europeus. Paradoxalmente, as décadas de 1880 e 1890 foram também as
décadas em que a Europa e a América do Norte alcançaram o controle total do mundo. Os
povos indígenas da América e da Austrália foram em sua maioria exterminados, e os da
África e da Ásia foram totalmente subjugados e humilhados; não havia razão para o
"Homem Branco" ter qualquer consideração política. Nesse sentido, o antissemitismo pode
ser visto como um luxo europeu supérfluo, a ser tolerado apenas quando não houver mais
inimigos externos.
Essa, então, era a situação em 1892 quando um francês de vasta erudição, Salomon
Reinach, escreveu sobre as obras de Tsountas: "essas idéias estão no ar". 5 E no ano seguinte
ele mesmo publicou um artigo fundamental baseado neles. O fato de Reinach estar
defendendo "essas ideias" mostra que elas não eram mais domínio exclusivo dos
românticos. Salomon Reinach e seus ilustres irmãos não poderiam ser menos românticos.
Eles vinham de uma família rica de judeus assimilados parisienses; Renan e outros
intelectuais da moda eram visitantes regulares da casa paterna. A atitude dos irmãos em
relação ao judaísmo era complexa. Nenhum deles recebeu educação religiosa; eles
acreditavam que tanto o judaísmo quanto o cristianismo eram superstições ultrapassadas.
Por outro lado, Salomon preocupou-se com a preservação da cultura judaica e foi durante
muitos anos membro coadjuvante da Revue des Études Juives . Com seu irmão Joseph, ele foi
ativo no caso Dreyfus em firme oposição aos realistas católicos que atuavam nas asas do
novo antissemitismo na França. 6
Salomon Reinach era um estudioso com uma extraordinária amplitude e profundidade
de interesse. Entre estes, o principal era voltado para as novas disciplinas, arqueologia e
antropologia. Apesar de ter conhecimento da Índia e do Oriente Próximo, o foco principal
de sua atenção era a grande massa de novas informações arqueológicas que vinham do
norte, centro e oeste da Europa. Como ele sempre argumentou com inflexibilidade que não
há ligação entre linguagem e tipo físico, seus escritos do início da década de 1890 foram
uma dupla declaração de independência: a Europa da miragem oriental e a arqueologia
"científica" e a antropologia da filologia e suas associações românticas . Em Reinach
podemos ver tanto as virtudes quanto os vícios da arqueologia e da filologia clássica do
século XX em ação: as virtudes são o bom senso e o ceticismo, enquanto os vícios são o
requisito da prova - imposta aos adversários -, data posterior e desprezo para os Antigos.

300
Seu longo artigo Le Mirage Oriental foi um duplo ataque à Índia e ao Oriente Próximo
semita. Para usar uma analogia militar do tipo preferido pelo próprio Reinach, o
rebaixamento da China, Egito e turcos foi alcançado graças a uma nova aliança indo-
europeia-semita. Na década de 1820, apenas KO Müller, de quem Reinach disse estar
"sempre à frente de seu tempo", teve a coragem de deixar de lado os antigos aliados da
Europa. 7 Por volta de 1885, a conquista européia do mundo estava tão completa que essa
coragem tornou-se lugar-comum e podia se dar ao luxo de deixar de lado até os índios e
semitas.
Quando a história da evolução das ciências históricas no século XIX for contada, será justo assinalar que foi no
período de 1880 a 1890 que - primeiro timidamente e depois cada vez mais com uma certeza que se confirmou
pelos fatos - uma reação contra a miragem oriental : a reivindicação dos direitos da Europa contra as
reivindicações da Ásia sobre a idade das trevas das primeiras civilizações. 8

Reinach atacou os índios românticos em três pontos. Primeiro, mostrou que as tentativas
de encontrar ligações entre as mitologias indiana e grega falharam. Em segundo lugar,
quanto à língua, citou o jovem linguista Ferdinand de Saussure, que havia desenvolvido
uma das ideias dos chamados neogramáticos (manifestaram uma atitude geral de revolta
contra os antigos estudiosos). Reinach argumentou que Saussure havia destronado o
sânscrito de sua posição como a língua indo-europeia mais antiga e pura; o proto-indo-
europeu deveria ser identificado, segundo Saussure, como um europeu, ligado
especificamente ao lituano. Este desenvolvimento está relacionado com o deslocamento
progressivo dos Urheimat da família linguística proto-indo-europeia para as estepes da
Ucrânia e mesmo para o Báltico. 9 Em todo caso, como terceiro argumento, Reinach
argumentou que os povos de língua indo-europeia, se tivessem sido uma "raça", foram
fisicamente absorvidos pelos povos indígenas da Europa e que as grandes culturas pré-
históricas da Europa Ocidental foram essencialmente indígena. 10
As razões externas para a hostilidade de Reinach ao racismo ariano e sua confiança nas
capacidades assimilativas da Europa são óbvias. Mais difícil explicar as razões de seu
ataque crítico às influências semíticas. Haveria aparentemente uma ligação com o desejo de
garantir a própria identidade cultural como europeu assimilado, privando-se
consequentemente de qualquer herança cultural semita. E em parte também pode ser
devido ao desejo implícito na nova cultura secularizada de distanciar os judeus europeus
dos fenícios e cartagineses, como vimos no capítulo sobre Moloch. Além de qualquer
afirmação de sua integridade, o apoio que deu aos estudos judaicos talvez tivesse um duplo
propósito, o de "preservar a ciência matando", atitude que permeou toda a ciência do século
XIX.
Reinach negou "absolutamente" que houvesse qualquer influência semítica ou "Cushitic"
(egípcia) na Europa até o final da "idade do metal". No entanto, ele admitiu que com o início
do comércio fenício, que remonta ao século 13 aC, "a civilização ocidental tornou-se […] até
certo ponto .. tributária da civilização oriental". 11 No entanto, ele afirmou que os
fundamentos da civilização permaneceram resolutamente indígenas. Ele também estava
convencido de que as grandes civilizações pré-históricas da Europa haviam influenciado as
do Oriente e, se os estudiosos tivessem um pouco mais de audácia, essa "transição da
defensiva para a ofensiva" teria sido bem-sucedida. 12 Reinach concordou com Tsountas que
a civilização micênica era européia, juntamente com outras culturas muito semelhantes

301
encontradas ao redor do Mediterrâneo e do Mar Negro; em sua opinião, aliás, as diferenças
temporais e locais explicavam-se pela sucessiva sobreposição de diferentes tribos "da
mesma linhagem que atingiram diferentes graus de cultura". 13

Júlio Beloch
Apesar de seu radicalismo, desde que admitiu a existência de influências semíticas após
1300 aC, Reinach não havia feito um retorno completo ao KO Müller. Isso aconteceu no ano
seguinte, em 1894, com Julius Beloch, em um pequeno artigo de enorme influência, Die
Phoeniker am aegäischen Meer. 14 Beloch também era um alemão que vivia em Roma. Lá
lecionou na universidade durante cinquenta anos, de 1879 a 1929, e, como Humboldt,
Niebuhr e Bunsen, adorava viajar pela Itália catalogando seus monumentos; como eles, ele
permaneceu "impermeável à cultura italiana". 15
Apesar de seu sucesso como professor e da enorme massa de publicações, parece que
Beloch se considerava um fracasso condenado ao exílio. Parece que Mommsen, o grande
historiador de Roma, o manteve fora da vida acadêmica alemã. Outra razão pela qual
Beloch não conseguiu encontrar uma posição satisfatória na Alemanha é que ele era
suspeito, com ou sem razão, de ser judeu. Apesar - ou mais provavelmente graças a - essa
suspeita, ele não era apenas um ardente nacionalista alemão, mas também um ávido anti-
semita. Seu anti -semitismo também se estendeu ao seu trabalho como historiador: "Um
negro que fala inglês não é por isso um inglês, e um hebreu que falava grego era tão pouco
grego quanto um alemão que fala alemão agora é alemão". 17
Julius Beloch escreveu copiosamente sobre a história italiana e grega; é lembrado e
respeitado sobretudo por ter introduzido os métodos da estatística moderna na história
antiga. 18 Esta aplicação de um método de tratamento "sólido" a dados "moles" - se não
líquidos - foi acompanhada por um conceito rígido de exigência de prova, uma análise
ultracrítica de fontes antigas e uma paixão por datações mais avançadas ao longo do tempo.
E tudo isso também foi acompanhado pelo que na Introdução chamei de "positivismo
arqueológico", ou seja, uma fé absoluta na arqueologia como a única fonte "científica" de
informação sobre a Antiguidade. E isso, por sua vez, ligado à crença, baseada em uma briga
implícita, de que lidar com objetos nos torna de alguma forma "objetivos". E Beloch e seus
sucessores mostraram pouca sensibilidade ao fato de que as interpretações arqueológicas
podem ser igualmente suscetíveis às influências subjetivas de interpretações de
documentos, materiais linguísticos ou mitos.
O professor Momigliano, em seu ensaio sobre Beloch, refere-se aos "conflitos implícitos
entre seu liberalismo e seu nacionalismo [...] entre seu racismo e seu culto aos números". 19
Embora não negue essas contradições implícitas, no entanto, estou convencido de que elas
geralmente são "não antagônicas". Se a exigência positivista da prova está incluída em seu
"culto dos números", então esses "conflitos implícitos" foram a base dos estudos clássicos
nos séculos XIX e XX . Estes são a substância do "método historiográfico genético-crítico" pelo
qual um homem de direita como o historiador do mundo antigo Wilcken elogiou Niebuhr. 20
Embora Beloch tenha sofrido ataques críticos de colegas mais liberais como Mommsen e
Wilamowitz-Moellendorff - como Momigliano faz hoje - suas ideias eram apenas uma
versão extrema daquelas implícitas na disciplina como um todo. Deixando de lado por um

302
momento a forma como trata os semitas, poucos classicistas discordariam de seu conceito
de que "a ciência não tem nada a ver com mera possibilidade", ao qual frequentemente
acrescentam, como ele já fazia, a palavra "provavelmente". 21
Como a maioria dos classicistas do século XX, Beloch não conhecia nenhuma língua
semítica. No entanto, citando estudos alemães então recentes, ele se sentiu capaz de negar
empréstimos fenícios na língua grega e topônimos, por mais "sedutoras" que as
correspondências pudessem parecer. Por exemplo, até mesmo negou a relação
anteriormente amplamente reconhecida entre o Jordão e o nome do rio Iardanos,
encontrado em Creta e Elis; ou entre o Monte Tabor em Israel e o Monte Atabírio em Rodes.
22 Eduard Meyer - ele próprio um robusto nacionalista alemão - conheceu-o a este respeito.

Meyer se assemelhava a Adolf Holm em alguns aspectos, pois, embora também fosse
radical em expurgar a Grécia de influências semíticas, ele não negava os assentamentos
fenícios no Egeu. Ele poderia, portanto, ser citado como capaz de objetividade a esse
respeito. 23 Beloch seguiu KO Müller ao atribuir referências gregas e do Oriente Próximo a
origens cúlticas comuns a contatos que ocorreram nos períodos clássico tardio e
helenístico. 24
De outro estudioso, Beloch tirou a ideia de que os fenícios não teriam ensinado os
gregos a construir navios, pois, como se acreditava, não há empréstimos semíticos na
terminologia náutica grega. Seguiu-se que não era possível que tivessem chegado ao Egeu
muito cedo. 25 Este argumento é duas vezes mais enganador. Em primeiro lugar, a presença
de fenícios no mar Egeu, digamos, no segundo milênio não significa que os primeiros gregos
não tivessem navios; acontece que há vários étimos semíticos bastante plausíveis de
termos náuticos gregos que não têm raiz indo-européia conhecida. Enquanto todos
admitiam a origem egípcia de baris (barco a remo), Beloch e seus contemporâneos não
consideravam a possibilidade de que outras raízes egípcias existissem nessa área
semântica. Na realidade, precisamente essas raízes podem explicar um número igualmente
grande de termos, o que bem coincidiria com o fato de que as primeiras representações
detalhadas de barcos do mar Egeu, que aparecem nos murais de Tera que datam de meados
do segundo milênio, são claramente do tipo egípcio. 26
Beloch também argumentou que os fenícios eram muito inexperientes na navegação e
seus barcos eram pequenos demais para ousar enfrentar o mar aberto. Embora pudessem,
portanto, percorrer a costa do norte da África, não teriam conseguido chegar ao Egeu antes
do século VIII aC indica que ousaram. 27 Aqui, como a maioria dos arianistas extremistas,
Beloch naturalmente preferiu atribuir qualquer influência oriental que não pudesse ser
evitada à Anatólia - ou pelo menos passar por ela - e à rota terrestre.
Geralmente, um critério para distinguir os seguidores do modelo ariano extremo
daqueles do modelo amplo é sua atitude em relação a Tucídides. Estes não se sentem à
vontade com a "Egiptomania" de Heródoto e com a interpretatio graeca , mas têm profundo
respeito por Tucídides. Tucídides não menciona nenhuma colônia egípcia na Grécia
continental; no entanto, ele fala de assentamentos fenícios nas ilhas gregas e ao redor das
costas sicilianas. Beloch negou sua existência, exigindo "provas" arqueológicas das
evidências antigas "infundadas", embora difundidas, sobre eles. 28 Sua maior preocupação,
porém, eram as frequentes referências de Homero à Fenícia (ou fenícios) e a Sídon (ou
Sídoni). Como Müller, Beloch tentou menosprezar o primeiro conjunto de referências
apontando que em grego phoinix tinha muitos significados diferentes; ele resolveu as

303
referências irredutíveis aos fenícios postulando que eles pertenciam à camada mais recente
de poemas épicos que, em sua opinião, e seguindo Wolf e Müller, eram o resultado de
acréscimos sucessivos e não de um único ato criativo. Beloch negou firmemente que
existissem referências aos fenícios no núcleo dos poemas, e motivou essa crença ao citar a
ausência dos fenícios na lista de aliados bárbaros de Tróia na Ilíada , lista que, em sua
opinião, também englobava a Anatólia e o Egeu. . 29 Isso lhe permitiu argumentar que os
fenícios não poderiam ter chegado ao Egeu antes do final do século VIII e, portanto,
desempenhar um papel significativo na formação da civilização grega.
Um historiador belga moderno, Guy Bunnens, escreveu sobre os homens que fundaram
o arianismo extremo:
Lendo seus trabalhos, não se pode deixar de pensar que nem sempre foram governados apenas pela
objetividade científica. Reinach e Autran [um estudioso francês com opiniões semelhantes] se esforçaram para
reservar um lugar no passado mais remoto para os povos que dominaram a política mundial de seu próprio
tempo: isto é, para os europeus. Eles alegaram que era incrível que nações tão importantes hoje não tivessem
desempenhado nenhum papel no passado. Era, portanto, necessário "afirmar os direitos da Europa contra as
reivindicações da Ásia". O pano de fundo histórico no final do século 19 e início do século 20 explica essas novas
teorias. Este foi o momento em que o colonialismo das potências europeias foi triunfante [...]. E havia outro fator
não científico. No final do século XIX, uma grande corrente de anti-semitismo se produziu na Europa,
particularmente na Alemanha e na França [...] essa hostilidade contra os judeus se estendeu no campo da
historiografia àqueles outros semitas, os fenícios. 30

Victor Bérard
Curiosamente, a tendência descrita por Bunnens na época era visível para os mais
exigentes. Em 1894, ano em que Beloch publicou seu artigo, Victor Bérard publicou seu
volumoso De L'igine des cultes arcadiens , que deu uma interpretação exatamente oposta da
relação entre os gregos e os fenícios.
liceu parisiense e à École Normale por meio de bolsas de estudo . Em 1887 foi lecionar na
escola francesa em Atenas e durante três anos esteve envolvido em escavações na Arcádia,
a província arquetípica rústica e arcaica do centro montanhoso do Peloponeso; ele viajou
extensivamente nesta província remota e por toda a Grécia e os Balcãs. Bérard era um
homem de extraordinária energia e determinação - ele não apenas conseguiu continuar sua
carreira acadêmica, mas também publicou muitos livros sobre os Balcãs, o Oriente Próximo
e a Rússia de sua época, além de dirigir uma revista política, a Revue , para vários anos. de
Paris . Mais tarde foi eleito senador pelo colégio do Jura. Apesar de ser radical na política,
tinha uma ligação particular com a marinha francesa e sentia fortemente o fascínio do mar.
31

Ele atribuiu os dois temas de seu primeiro livro sobre os cultos da Arcádia a duas
revelações que lhe chegaram enquanto vivia naquela província. A primeira foi que, onde
seu trabalho pôde ser verificado por meio de inspeção no local ou arqueologia, Pausanias
provou ser extraordinariamente preciso. Pode parecer estranho que Bérard tenha ficado
surpreso com essa descoberta, considerando que a veracidade daquele guia turístico do
século II acabava de ser espetacularmente confirmada pelas descobertas de Schliemann em
Micenas e Tirinto, que ocorreram precisamente nos locais indicados por Pausanias como
dignos de Atenção. No entanto, o espírito acadêmico de Besserwissen , melhor encarnado
por Reinach e Beloch, não é facilmente perturbado. Pausânias, como muitos outros

304
historiadores e geógrafos antigos, continuou a ser tratado com aquela condescendência que
é considerada apropriada para crianças. De qualquer forma, Bérard estava convencido de
que, se Pausanias afirmava ter visitado um sítio, ele o havia feito, e depois o descreveu com
precisão; isso encorajou os franceses a acreditarem também em outros autores antigos. 32
Bérard também estava ciente de que os cultos arcadianos não eram helênicos. Isso não
foi objeto de controvérsia, pois Arcádia sempre foi associada aos pelasgos. O que o
surpreendeu, e chocou seus colegas, foi a conclusão a que chegou: aqueles cultos eram
semitas. No final da década de 1880, era de fato axiomático que, como povo marítimo, os
fenícios não tivessem ido para o interior, e Beloch se limitou a sistematizar a crença geral
de que a influência fenícia na Grécia era muito tardia. Mas ambas as suposições foram
violadas pela ideia de que fortes influências semíticas foram encontradas em uma província
do interior proverbial por seus costumes arcaicos.
Bérard tinha plena consciência da incongruência. Convencido de suas conclusões,
começou a examinar a ortodoxia à qual havia ofendido e a buscar analogias modernas. Isso
o levou a fazer uma declaração que citarei na íntegra, pois resume perfeitamente o tema
principal da Atena negra . Tendo que justificar a presença fenícia em uma região pobre,
remota e interior como a Arcádia "Pelasgic", escreveu:
muitos europeus hoje vão entre os pelasgos, entre povos não menos remotos ou selvagens, e com pouca
vantagem mesmo neste caso, quando vão descobrir as Arcádias africanas. O gosto pela viagem e pela aventura
não é monopólio de um determinado período ou de uma raça, assim como a extraordinária dispersão dos
semitas no mundo contemporâneo não é sem precedentes [...]. É verdade que os viajantes modernos têm duas
razões que os sidônios aparentemente não tinham, ou pelo menos não tinham em igual medida: curiosidade
científica e zelo religioso. A comparação entre os pelasgos e os congoleses modernos pode parecer
surpreendente. No entanto, deve-se estar atento a duas ideias preconcebidas, ou melhor, a dois sentimentos
sobre os quais pouco se reflete e que são quase inconscientes: […] nosso chauvinismo europeu , e o que
poderíamos chamar, sem muita irreverência, nosso fanatismo grego . De Strabo [o geógrafo do século I ] a [Carl]
Ritter [o geógrafo do início do século XIX que estudou em Göttingen], todos os geógrafos nos ensinaram a
considerar nossa Europa como a terra favorita de todos, única e superior a todas. beleza […] elegância das
formas e força da civilização […]. Pode ser que essa maneira de ver o mundo influencie grande parte de nossos
pensamentos mais habituais, a despeito de nós mesmos e quase sem nosso conhecimento. Vamos colocar a
Europa de um lado e a África e a Ásia do outro - e no meio, um abismo. Quando falamos de influências asiáticas
em um país europeu não podemos nem imaginar […] que os bárbaros ousaram chegar até nós. A dura realidade,
no entanto, nos obriga a admitir que sim, às vezes eles nos invadiram. Algumas pessoas até afirmam que o berço
de nossos primeiros ancestrais estava longe da Europa, no centro da Ásia. Mas para com nossos pais arianos
temos a indulgência dos bons filhos, pois, mesmo vindos da Ásia, certamente não eram asiáticos; eles eram indo-
europeus, para sempre. Em contraste, uma invasão semítica de nossa Europa ariana da Ásia repele todos os
nossos preconceitos. Quase parece que a costa fenícia estava mais longe de nós do que o planalto iraniano. Como
se as invasões árabes em todo o Mediterrâneo também tivessem sido uma oportunidade única, uma
oportunidade infeliz [...] que não devemos supor nem por um momento que possa se repetir. Que os fenícios
estivessem em Cartago e possuíssem metade da Tunísia é algo que só diz respeito à África. Que os cartagineses,
por sua vez, tenham conquistado a Espanha e três quartos da Sicília é bom porque é sempre África, por assim
dizer. Mas quando encontramos vestígios fenícios em Marselha, Preneste, Kythera, Salamina, Thasos e
Samotrácia, na Beócia e Lacônia, em Rodes e Creta, não queremos ocupações reais, como na África; estamos
falando apenas de desembarques temporários e simples feitorias […]. Se pronunciamos as palavras fortalezas ou
possessões fenícias , apressamo-nos a acrescentar que eram apenas povoações costeiras. Tal chauvinismo
europeu torna-se um verdadeiro fanatismo quando encontramos estrangeiros não na Gália, Etrúria, Lucânia ou
Trácia, mas na Grécia. No início deste século, toda a Europa se levantou [contra essa ideia] […] o generoso pró-
helenismo de 1820 não está mais na moda. Mas pode-se dizer que o sentimento não mudou muito […]. Só
podemos conceber a Grécia como a terra dos heróis e deuses. Sob arcadas de mármore branco […]. Em vão
Heródoto nos diz que tudo vem da Fenícia e do Egito. Sabemos o que pensar do querido velho Heródoto. Embora
a arqueologia nos forneça evidências indiscutíveis da influência oriental todos os dias e em todos os estados
gregos há vinte anos, ainda não podemos tratar a Grécia como uma província oriental como Cária, Lícia ou
Grécia. Chipre por causa de tudo isso. Se em nossa geografia separamos a Europa da Ásia, em nossa história

305
separamos a história grega do que chamamos de história antiga. De seus materiais e monumentos tangíveis, no
entanto, vemos que os gregos […] foram alunos da Fenícia e do Egito, e vemos que eles tomaram emprestado do
Oriente semítico até o alfabeto; no entanto, recuamos com desânimo diante da hipótese sacrílega de que suas
instituições, seus costumes, religiões, rituais, idéias, literatura e toda a sua civilização primitiva também
poderiam ter sido herdados do Oriente. ]. 33

Curiosamente, apesar de sua coragem, Bérard - ao contrário de seu contemporâneo,


Foucart - não ousou propor seriamente a influência egípcia, nem ousou desafiar aquele
sancta sanctorum , a língua grega.
Fiquei emocionado ao descobrir essa formulação clara das crenças que regem meu
trabalho expressas no auge do imperialismo e no momento em que o modelo ariano
extremo ganhava terreno. No entanto, esse fato em si parece colocar em dúvida meu
método de explicar esses desenvolvimentos nas disciplinas acadêmicas com base em
causas externas - isto é, com base na influência de desenvolvimentos sociais e políticos
externos a elas e à atmosfera intelectual geral. Para superar esse problema, acredito ser útil
considerar o campo dos estudos acadêmicos em três níveis: o pensamento de estudiosos
individuais; as oportunidades que eles têm para ensinar e publicar; e os desenvolvimentos
gerais das disciplinas. Acredito que a sociologia do conhecimento só pode fazer previsões
aproximadas quanto às atitudes e comportamentos que ocorrerão no primeiro nível. Será
um pouco melhor no segundo nível; mas será encontrado em terra própria apenas no
terceiro e mais geral nível.
O caso em questão pertence ao primeiro e segundo nível. Na minha opinião, um Bérard
alemão teria sido impossível, e um inglês, improvável. Schliemann oferece um exemplo
claro dos limites românticos dentro dos quais um alemão, mesmo o mais criativamente
radical, poderia pensar em tais assuntos. Em vez disso, Gladstone, Frazer e Harrison
exemplificam os limites relativamente mais amplos possíveis na Grã-Bretanha. Somente um
herege profissional e um brilhante antropólogo da religião semítica como Robertson Smith
poderia começar a ir além deles. Foi só na França - com a suspeita do arianismo alemão que
se espalhou depois de 1870 - e só entre os republicanos - com o ódio que sentiam pelo anti-
semitismo monarquista e católico - que tais pensamentos puderam ser pensados. Pode-se
até dizer, à maneira romântica, que a origem regional de Bérard foi importante, no sentido
de que no Jura francês e suíço havia uma forte tradição de individualismo secular e radical
a ponto de a "grande tríade" de anarquistas sociais, Proudhon, Bakunin e Kropotkin
tomaram essa região como modelo. 34 Também é importante que Bérard não fosse um
acadêmico "puro": os dois mundos externos do jornalismo e da política lhe ofereciam uma
perspectiva mais ampla. Traços semelhantes também são dignos de nota no caso de
Schliemann e Gladstone.
Este último fator é crucial no que diz respeito ao segundo nível. Somente aquele ou ela
que goza de uma posição mais ampla do que a do herege acadêmico pode ter alguma
esperança de poder publicar suas idéias "infundadas". No século XIX e início do XX , a academia
conformista não tinha o quase monopólio das publicações "respeitáveis" que as disciplinas
ortodoxas têm hoje graças às editoras universitárias, que permitem aos acadêmicos ignorar
as teorias publicadas por outros canais. Mesmo assim, no entanto, era difícil para
acadêmicos não-conformistas e acadêmicos de fora ganhar uma audiência.
Se ultrapassamos os limites da ortodoxia acadêmica, encontramos também outra
desvantagem, no sentido de que é difícil para um estudioso sem um quadro disciplinar,

306
"que segue seu próprio caminho", saber onde parar. Dado que, seja como for, ele será mal
julgado, perdido por perdido, podemos ceder à tentação de "contá-lo como é", sem levar em
conta os preconceitos do público. Este tipo de erudito pode facilmente ir além dos limites
do que é aceitável para os ortodoxos particularmente abertos, mas também além do que é
útil para o desenvolvimento rigoroso de suas idéias.
Bérard, por exemplo, desenvolveu uma teoria na qual argumentava que por trás do
Mediterrâneo grego havia um Mediterrâneo fenício e que por trás da Odisseia grega havia
um fenício. 35 Essa hipótese precipitada forneceu aos "estudiosos sérios" uma arma ideal
para desacreditá-lo junto com suas ideias. No entanto, no curso de sua extensa e meticulosa
pesquisa sobre o assunto, ele descobriu um grande número de etimologias semíticas
plausíveis de topônimos gregos e também estabeleceu o útil princípio do "duplo"
toponímico. Ou seja, em situações em que dois topônimos aparentemente diferentes foram
usados para o mesmo lugar ou para um lugar próximo, ele argumentou que esses nomes
eram simplesmente palavras semíticas e gregas para denotar a mesma coisa. Tomemos, por
exemplo, a ilha de Kythera, a sudeste do Peloponeso. Em 1849 foi encontrada uma
inscrição mesopotâmica que remonta ao século XVIII aC; Heródoto escreve que o templo de
Afrodite Urânia foi ali fundado pelos fenícios; Afrodite era frequentemente retratada com
uma coroa na cabeça. 36 Bérard observou que o nome do principal porto da ilha era
Scandeia, que, como disse o lexicógrafo grego mais antigo, Hesíquio, significaria "um tipo
de penteado para a cabeça". Bérard então apontou que Kythera, o nome da ilha e sua
principal cidade, desprovida de qualquer etimologia indo-européia, poderia plausivelmente
derivar da raiz semítica √ktr que é encontrada no hebraico keter ou kōteret , "coroa ou
tiara". 37
Apesar da natureza muito plausível deste e de muitos outros paralelos toponímicos e
cúlticos, os ortodoxos conseguiram refutar Bérard e toda a sua obra devido à evidente
impossibilidade de que Odisseu fosse um fenício. Quando ele morreu em 1931, seu nome
tornou-se sinônimo de excentricidade nos círculos acadêmicos. Houve, no entanto, uma
espécie de movimento clandestino que continuou a compartilhar essas ideias "de maneira
velada". Além disso, seus livros foram amplamente lidos e apreciados pelo público em
geral, entre os quais o sentimento expresso por Gobineau cinquenta anos antes, de que
Ulisses era até certo ponto semita, parece ter sido difundido. Bérard foi particularmente
afortunado na Grã-Bretanha, onde ainda persistia certa identificação e afeição pelos
fenícios, e sua influência deixou um rastro permanente na literatura com o Ulisses de James
Joyce, que trata dos judeus, não dos gregos .
No entanto, Bérard não conseguiu impedir o esmagamento do arianismo extremo nas
disciplinas acadêmicas e, neste terceiro e mais significativo nível, a sociologia do
conhecimento pode ser usada com alguma precisão. Estou convencido de que a política e a
sociedade europeias, de 1880 a 1939, estavam tão impregnadas de racismo e anti-
semitismo, e os estudos clássicos eram tão centrais para os sistemas escolásticos e sociais
que - independentemente de fontes históricas e evidências arqueológicas - teria sido
impossível mudar a imagem da Grécia antiga no sentido que Bérard teria gostado. Somente
após o declínio do colonialismo e a deslegitimação oficial do racismo e do antissemitismo,
entre 1945 e 1960, foi possível começar a afetar os modelos da história antiga que os
fundaram.

307
Akhenaton e o Renascimento Egípcio
Bérard e Foucart não fazem menção um ao outro em suas respectivas obras. É provável,
como pura hipótese, que isso tenha acontecido porque ambos sentiram que uma heresia
era suficiente - teria sido excessivo defender tanto os egípcios quanto os fenícios. É claro,
porém, que com o surgimento do antissemitismo e da hostilidade para com os fenícios, o
espaço de tolerância para os egípcios aumentou. Os egiptólogos profissionais agora
aderiam à ortodoxia que pregava a inferioridade categórica dos egípcios, mas entre o
público profano eles eram considerados tão exóticos que não representavam mais
nenhuma ameaça à civilização européia.
A figura do rei herético Akhenaton foi admirada em particular. Tal como Amenophis IV ,
este faraó da dinastia XVIII , no século XIV aC, rompeu com o culto familiar e dinástico de Amon e
dos outros deuses e tentou estabelecer um monoteísmo baseado no disco solar, ı > tn, Aton.
De Aton ele tomou o novo nome de Akhenaton. Ele mudou a capital de sua localização
tradicional, Tebas, para um novo local, agora conhecido como El Amarna. Pouco depois de
sua morte, no entanto, a reforma foi interrompida, o culto de Amon foi restabelecido e a
capital foi trazida de volta a Tebas. El Amarna, destruído e abandonado, permaneceu um
local ideal para a arqueologia e quando, na década de 1880, foi escavado por Flinders Petrie
e um perfil dos eventos que constituíram essa tentativa de reforma foi reconstruído, grande
entusiasmo se espalhou por toda a Europa. .
Os egiptólogos foram particularmente cuidadosos em atribuir credenciais arianas, ou
pelo menos nórdicas, a ele e à sua nova religião. Petrie argumentou que essa religião se
originou no reino do norte de Mitanni, que era da língua hurrita. Dali, argumentou ele,
vieram o avô, a mãe e a esposa de Akhenaton. 38 Tais crenças - ou formas modificadas delas -
permaneceram populares nos cinquenta anos seguintes, como pode ser visto na seguinte
citação de um egiptólogo que conseguiu transformar as reformas de Akhenaton em uma
questão racial: "Não se deve esquecer que o faraó tinha sangue estranho nas veias. E, por
outro lado, aqueles a quem ele se dirigia, mesmo se fossem pessoas cultas, ainda eram
egípcios supersticiosos ». 39
Agora é geral e razoavelmente aceito que, se os membros da família real da 18ª dinastia
eram estrangeiros, eles eram núbios. É igualmente provável que tenham vindo do Alto
Egito, e seus retratos parecem ser negros. 40 Quanto à nova religião, argumenta-se que o
culto de > itn derivaria de um culto semítico de > dn, > adon (senhor). No entanto, mesmo
neste caso, concorda-se que a reforma religiosa pode ser explicada plausivelmente como
um desenvolvimento egípcio autóctone; a hipótese de que se originou em Mitanni
pretendia claramente explicar a impossibilidade "racial" de que os egípcios, como um povo
africano "estático", pudessem empreender uma reforma drástica - e em uma direção que
até mesmo os cristãos deveriam ter reconhecido como positivo. 41
Por outro lado, o entusiasmo por Akhenaton e sua reforma - mesmo por parte daqueles
que se resignaram a reconhecê-lo como egípcio - parece indicar que outras forças estão em
ação. Uma delas foi o renascimento da antiga crença de que todos os judeus, ou somente
Moisés, haviam aprendido sua religião no Egito. Os estudiosos foram cautelosos sobre isso,
mas a existência de um monoteísmo no século 14 aC em um país vizinho tornou bastante
natural derivar dele o monoteísmo de Israel. Alguns estudiosos até acreditavam que o culto
de Aton era superior ao judaísmo: "Nenhuma outra religião no mundo está mais próxima

308
do cristianismo do que a fé de Akhenaton". 42 O cristianismo, em última análise, poderia,
portanto, ter vindo não dos semitas, mas de um ariano verdadeiro ou honorário. É nesse
contexto que devemos situar o monoteísmo de Moisés e Freud, escrito no final da década de
1930. Freud, porém, propunha exatamente o oposto dos admiradores de Akhenaton. Para
mitigar o intenso anti-semitismo da época, parece que ele esperava exonerar o judaísmo e
os judeus da responsabilidade pelas repressões realizadas pelo monoteísmo cristão,
fazendo-o recair sobre Akhenaton e os egípcios. 43

Arthur Evans e os "minoanos"


Pouco depois da virada do século, um novo fator teve que ser incluído no debate científico:
a civilização "minoica" de Creta. Isso foi revelado pelas sensacionais descobertas de Arthur
Evans em Cnossos na década de 1890, e outras escavações imediatamente realizadas em
outras áreas da ilha. Uma vez entendido que a cultura micênica era, em muitos aspectos,
uma forma degradada da cultura cretense, a identificação linguística da antiga cultura
cretense naturalmente assumiu uma importância decisiva. No período clássico, parece que
o uso egípcio do nome Kftîw mudou de "cretense" para "fenício", e parece também que os
gregos também designaram os "minoanos", assim como os fenícios, com o nome de fenícios
. 44 Isso sugeriria uma conexão semítica. No entanto, foi aceito, pelo menos nos tempos
helenísticos, que a principal língua da antiga Creta era o fenício. Lucius Septimius, por
exemplo, escreveu no século 4 dC que quando um terremoto em 66 dC trouxe à luz
documentos cretenses antigos, o imperador Nero chamou os semitas para interpretá-los. 45
Como vimos no capítulo 7 , Ernst Curtius estava disposto a admitir a existência de
assentamentos semitas consideráveis em Creta, enquanto negava que os pelasgos locais
tivessem sido totalmente subjugados. 46 O próprio Arthur Evans acreditava que havia uma
relação entre os antigos cretenses, a quem ele agora chamava de "minoanos" - do nome do
lendário rei Minos de Creta e do difundido topônimo Minoa - e os fenícios; embora vale
lembrar que ele concordou com Gladstone que os fenícios não seriam semitas puros, e
sentiriam influência do mar Egeu. 47
Evans nasceu em 1851 e, embora tivesse estudado em Oxford e Göttingen, pertencia a
uma geração anterior de mentes abertas. Ele aceitou a possibilidade de influências
semíticas e até líbias em Creta e, portanto, no Egeu como um todo. O termo "minóico" que
ele cunhou, no entanto, encorajou a consideração de Creta como uma cultura unitária
inteiramente separada das civilizações do Oriente Médio. Era, portanto, fácil para a opinião
acadêmica concordar com a conclusão de que a língua minóica não era helênica nem
semítica; nem, apesar da enorme quantidade de objetos egípcios encontrados em todos os
níveis de escavação em Creta, poderia ser considerado egípcio. Em vez disso, pensava-se
que "minoano" estava relacionado a várias línguas da Anatólia e que, portanto, era indo-
europeu, ou não-indo-europeu, dependendo de como este último fosse definido.
A mesma determinação foi provar que os minoicos não eram semitas "racialmente".
Como um estudioso escreveu em 1911, descrevendo um conhecido afresco minoico:
O copeiro pode ser um indício de sua constituição física, cabelos pretos crespos, nariz reto, crânio alongado;
quanto a mim, recuso-me a acreditar que este belo rapaz seja semita ou fenício, como ele propôs. Sabemos que

309
essas pessoas tinham talentos extraordinários, especialmente seu senso de forma, e que eram capazes de um
desenvolvimento muito rápido. 48

A essa altura, os minoicos eram vistos como os mais civilizados dos pelasgos. A linha de
pensamento predominante foi formulada por dois historiadores da Ásia Ocidental:
Provavelmente não houve descoberta de maiores consequências para nosso conhecimento da história mundial
em geral, e de nossa cultura em particular, do que a descoberta de Micenas por Schliemann, e as descobertas
posteriores que se seguiram, culminando nas descobertas de Arthur Evans em Cnossos. É claro que tais
descobertas são de extraordinário interesse para nós, pois nos revelaram os primórdios e o florescimento inicial
da civilização européia de hoje. Os ancestrais de nossa cultura não são os egípcios, nem os assírios, nem os
judeus [observe a omissão dos fenícios, mesmo que apenas como uma possibilidade!] Mas os helenos; e eles, os
gregos arianos, derivaram muito de sua civilização do povo pré-helênico que habitava aquela terra antes deles.
49

Tudo agora dependia dos pré-helenos!


Já mencionei o antigo compromisso de que, embora fosse possível que os fenícios
tivessem vindo para a Grécia, isso não importava, pois não tiveram efeito sobre o
desenvolvimento da civilização grega. Apesar da força crescente do modelo ariano extremo,
ainda havia centros de resistência no modelo ariano amplo que seguia essa linha e incluía o
próprio Evans, Wilhelm Dörpfeldt, antigo colega de Schliemann e brilhante arquiteto e
agrimensor, e o grande estudioso Eduard Meyer. Sustentavam, com Tucídides, que os
fenícios realmente estiveram na ilha, e talvez também em Tebas. 50 Tal pensamento era
intolerável para a geração mais jovem que havia chegado à maturidade depois de 1885.
Como JB Bury escreveu em 1900, o principal historiador britânico da Grécia em nosso
século - que também foi um grande liberal - em sua História da Grécia , uma obra que ainda
hoje é um clássico: "Os fenícios, sem dúvida, tinham centros comerciais espalhados aqui e
ali na costa e no interior da ilha, mas não há razão para pensar que os cananeus vieram
para se estabelecer em solo grego ou introduziram sangue semita em a população da Grécia
». 51 Observe o uso das duas palavras-chave, romântico e racista, "solo" e "sangue"! Tais
atitudes sobreviveram na Segunda Guerra Mundial e além.

Anti-semitismo em seu auge. 1920-1939


A atmosfera tornou-se ainda mais azeda na década de 1920. O anti-semitismo se
intensificou em toda a Europa e América do Norte seguindo o papel central, tanto
imaginário quanto real, desempenhado pelos judeus na Revolução Russa. Sempre houve
banqueiros e financistas judeus culpados por crises econômicas e frustrações nacionais;
agora, com o partido bolchevique, a imagem anteriormente vaga de uma conspiração
judaica para subverter e derrubar a ordem e a moral cristãs parecia tomar forma visível. 52
Tais sentimentos não se limitavam à Alemanha ou a extremistas vulgares como os
nazistas. Em todo o norte da Europa e na América do Norte, o anti-semitismo tornou-se a
norma na "boa" sociedade, e a "boa" sociedade incluía as universidades. Um historiador
social moderno, o professor Oren, forneceu recentemente uma reconstrução detalhada do
pano de fundo histórico que levou, durante a década de 1920, à imposição de cotas
restritas para reduzir o número de estudantes judeus na Universidade de Yale e nas
escolas. Não há razão para supor que o que ele descreve não se aplica a outras faculdades e

310
universidades nos Estados Unidos e - de forma mais desorganizada - também na Grã-
Bretanha. 53
É verdade que na década de 1930 havia classicistas de valor antifascista cujo amor pela
liberdade grega foi acompanhado pela oposição à tirania nazista e fascista. Mas vimos que o
pró-helenismo sempre teve conotações arianas e racistas, e que os estudos clássicos
sempre mantiveram preconceitos conservadores. Portanto, não há razão para duvidar que
a filologia clássica como um todo compartilhasse o anti-semitismo dominante. Um exemplo
da atmosfera da época no campo dos estudos clássicos pode ser sentido na carta a seguir,
encontrada em 1980 na mesa do professor Harry Caplan, professor de Cornell, e por muitos
anos o único professor judeu de filologia clássica a ser titular nas universidades. do Ivy
Leaque :
Meu caro Caplan, gostaria de seguir o conselho do professor Bristol e exortá-lo a se dedicar ao ensino médio. As
oportunidades para garantir uma vaga na faculdade , sempre muito limitadas, atualmente são poucas e
provavelmente serão ainda menores. Eu certamente não quero encorajar ninguém a esperar um cargo
universitário. Há, além disso, um preconceito muito sensível contra os judeus. Pessoalmente, não concordo com
isso, e tenho certeza de que isso é verdade para todo o nosso corpo docente. Mas vimos tantos judeus bem
treinados não conseguirem marcar uma consulta e tivemos que nos conscientizar desse fato. Lembro-me de
Alfred Gudeman e EA Loew - ambos estudiosos brilhantes de fama internacional, mas incapazes de obter uma
posição universitária. Acho errado encorajar alguém a se dedicar aos mais altos níveis de conhecimento se seu
caminho está bloqueado por um inegável preconceito racial. Isso está associado a todos os meus colegas do
departamento de estudos clássicos que me autorizaram a colocar sua assinatura no final desta carta. (assinado)
Charles E. Bennet, CL Durham, George S. Bristol, EP Andrew [27/3/1919] Ithaca. 54

Em tal atmosfera, não é de surpreender que as disciplinas acadêmicas acentuassem tanto a


separação completa da Grécia do Oriente Próximo quanto o ceticismo em relação à ideia de
que a Fenícia poderia desempenhar uma função cultural positiva no Mediterrâneo.

Arianismo no século XX
Apesar do início de um novo ataque ao racismo, houve um aumento do racismo ariano não
apenas entre a infame extrema direita, tipificada pelos nazistas, mas também nos principais
círculos acadêmicos. Até o grande estudioso marxista da pré-história, Gordon Childe, foi
participante, tendo dedicado um livro inteiro aos arianos, Os arianos , em cujo prefácio ele
conectou linguagem e raça no sentido físico: "Línguas indo-européias e suas hipotéticas A
língua materna tem sido em todos os lugares ferramentas de pensamento
extraordinariamente delicadas e flexíveis [...]. Segue-se que mesmo os arianos devem ter
sido dotados de dons mentais extraordinários, mesmo que não tivessem uma alta cultura
material ». Childe também falou de "uma certa unidade espiritual" daqueles que têm uma
linguagem comum. E ele explicou a superioridade do espírito ariano com o seguinte
exemplo: "Quem duvidar disso faria bem em comparar a nobre narrativa gravada por [...]
(ariano) Dario na rocha em Behistun com o auto-enfático e vulgar glorificação que se nota
nas inscrições de Assurbanipal ou Nabucodonosor (semitas) ». 55
Um racismo igualmente grosseiro permeia a primeira edição da Cambridge Ancient
History , publicada por Bury e seus colegas em 1924. Pretendido como um modelo da
"nova" historiografia "objetiva", é um trabalho coletivo em que diferentes especialistas
tratam cada um de seus próprios campo específico. Rapidamente conseguiu ganhar

311
estatuto canónico e tornou-se um modelo que hoje se aplica às mais diversas regiões e
culturas do mundo. A seção introdutória da obra é dominada pelo conceito de raça. No
primeiro capítulo, John Myres, professor de história antiga em Oxford, proclamou sua
posição semelhante à tradição étnica Niebuhriana da historiografia antiga:
Os povos antigos chegam ao cenário da história [...] segundo uma certa ordem [...] cada um deles com uma
dotação de acordo com a parte que ali atuará [...] a história pressupõe que esse personagem já tenha se formou
na incubadora do passado mais remoto: o seguinte esboço pretende descrever como os homens alcançaram tais
qualidades de constituição e temperamento. 56

Aceitando a concepção tripartite comum das raças humanas, Myres descreveu "os
mongóis" como "parasitas", "infantis" e como "um quadrúpede, visto de trás"! Após essa
alusão jocosa à sua covardia, Myres, não satisfeito com seu bolo, também quer sua esposa
bêbada e, portanto, argumenta que sua psicologia de grupo é de um tipo muito "especial"
que "não leva em grande consideração a vida humana [... ]. O mongol, que é quase
desumano na sua habitual apatia, pode revelar uma fúria quase equina quando provocado
pelo pânico ou maus tratos». 57 Os negros estranhamente se dão bem com menos, embora "o
negro" seja descrito como tendo "uma mandíbula de aparência carnívora" e "grande força
física". 58
no capítulo que dedica aos "semitas" também reflete as atitudes da época. Os semitas
eram fundamentalmente diferentes dos arianos; havia algo errado com eles. Cook acusou-
os de estarem sujeitos a extremos de otimismo e pessimismo, ascetismo e sensualidade.
Eles possuíam grande energia, entusiasmo, agressão e coragem, mas nenhuma
perseverança, pouco senso cívico ou lealdade nacional, e pouco interesse no valor ético das
ações: "O sentimento pessoal é a fonte da ação, não o senso comum, ou a moral”. 59
Há um contraste marcante entre os semitas "antiéticos" de Cook e os semitas "morais"
de Renan sessenta anos antes. Isso parece refletir tanto a introdução dos árabes na
amálgama dos "semitas" quanto o medo das hordas bolcheviques, lideradas por judeus,
seguindo seu profeta judeu, Karl Marx. Cook estava, por outro lado, mais próximo de Renan
quando argumentou que não havia pensamento discursivo entre os semitas: "Nos profetas
hebreus e no Alcorão de Muhammad encontramos exaltação, eloquência e imaginação ao
invés de exatidão lógica, pensamento coerente e compreensão global [...]. O pensamento
não avança passo a passo, nem consegue ser desapegado e objetivo ». 60
Essa maneira de pensar continuou muito além da Segunda Guerra Mundial e formou a
base da distinção, introduzida pelo arqueólogo, historiador da arte e filósofo da história
antiga Henri Frankfort, entre o pensamento "mitopéico" dos antigos egípcios, semitas e do "
selvagens modernos" em oposição ao pensamento "racional" dos gregos e europeus que
vieram depois deles. 61 Uma distinção categórica desse tipo, é claro, minimiza o pensamento
"mitopéico" que existe em grande medida também na sociedade moderna; é ainda
invalidado pela "precisão objetiva" alcançada pelos mesopotâmios e egípcios em suas
medições de espaço e tempo, e pelo papel que as medições tiveram na vida desses povos.
Voltando à concepção de Cook sobre os semitas, como aparece na Cambridge Ancient
History , eles eram, em sua opinião, "mediadores, que copiavam modelos estrangeiros [...],
remodelavam o que adotavam [...] e deixavam sua marca sobre o que redistribuíram». 62
Aqui, paradoxalmente, encontramos algo que lembra notavelmente a tradição de
Epinomides , segundo a qual os gregos teriam "aperfeiçoado" tudo o que tiraram de outras

312
culturas. 63 No entanto, para Cook, os gregos - junto com os pré-helenos - não deveriam mais
ser concebidos dessa maneira. Eles foram os iniciadores de sua própria cultura.
As concepções básicas dos estudiosos que fundaram a Cambridge Ancient History podem
ser vistas nesses capítulos introdutórios. Está claro para você que tudo agora dependia dos
pré-helenos. Durante a década de 1920, tanto os estudiosos de Cambridge quanto outros
estudiosos "modernos" fizeram um esforço determinado para descobrir o máximo possível
sobre esses pré-helenos e seu relacionamento com os próprios helenos. Foi nessa década
que o grande estudioso sueco Martin Nilsson começou a demonstrar as ligações entre a
mitologia da Grécia clássica e a iconografia das civilizações minóica e micênica. Uma vez
que tais vínculos foram estabelecidos, ele não pôde mais aceitar a atitude tolerante de
Evans e dos estudiosos da geração anterior aos contatos minóicos e micênicos com o
Oriente Médio. Acreditava-se agora impossível que houvesse contatos fundamentais
através do Mediterrâneo oriental durante a Idade do Bronze. As dificuldades que essa
negação encontrou diante das semelhanças manifestas entre a arquitetura e as culturas
materiais de Creta, Egito e Síria eram insignificantes em comparação com o que estava em
jogo, que nada mais era do que a integridade e pureza da própria civilização grega. 64
Vimos que desde os últimos anos do século XIX a crença generalizada era de que a língua
das línguas faladas pelos pré-helênicos seria de alguma forma “asiática” ou anatólia. Com a
década de 1920, à medida que a leitura hitita começava e as inscrições lídio, lício e carie
vinham à tona, tornava-se cada vez mais difícil sustentar tal hipótese, pois era impossível
encontrar paralelos com elementos não gregos presentes na língua grega . No entanto, essa
parecia a única orientação possível e, em 1927, foi aplicada à tentativa de identificar
geograficamente os pré-helenos. Num artigo escrito, segundo a nova moda oficial da
colaboração a quatro mãos, por um arqueólogo, Carl Blegen, e um classicista, J. Haley, os
autores retomam do linguista alemão Paul Kretschmer a hipótese de que em dois
elementos toponímicos helênicos , -i(s) sos e -nthos, pode-se reconhecer uma relação com
os elementos -ssa e -nda presentes na Anatólia. Isso indicava, argumentaram os autores,
que todos os topônimos semelhantes se originaram da antiga camada pré-indo-europeia. A
sua outra tese - nomeadamente a de que a distribuição destes e de outros topónimos
gregos não helênicos corresponderia à dos povoados do início da Idade do Bronze -
concordava bem com a hipótese de que a invasão dos indo-europeus teria ocorrido no
início do séc. Idade Média. de bronze. 65. _ _ _ _ _
A documentação produzida pelos dois autores em apoio às correspondências
arqueológicas e toponímicas não teve grande peso. Eles próprios admitiram que os
topônimos também poderiam corresponder à área da cultura micênica no final da Idade do
Bronze. 66 Seus argumentos linguísticos eram ainda mais instáveis. Primeiro, os sufixos
toponímicos geralmente têm um significado: -ville (cidade), -ham (aldeia), -bourne
(córrego), -ey (ilha), etc. Os sufixos -s (s) os e -nthos são aplicados a características
geográficas de todos os tipos e, portanto, permitem supor origens heterogêneas. Em
segundo lugar, como afirmou em nossos dias o professor Laroche, um linguista que estuda
as línguas da Anatólia, os sufixos -ssa etc., eles podem ser explicados como hititas ou lúvios
e não como pré-helênicos. 67 Mesmo esse argumento pode ser superado se acreditarmos
que há uma estreita semelhança entre as línguas anatólias e pré-helênicas - difícil, mas
possível. Nesse ponto, porém, surgiu um obstáculo intransponível, formulado por Paul
Kretschmer em trabalhos posteriores, mas que estavam disponíveis antes de Blegen e

313
Haley publicarem os seus. E este era o fato de que tais sufixos às vezes eram ligados a raízes
indo-européias. 68 Portanto, embora possam ser muito antigos em algumas circunstâncias,
não poderiam ser considerados indícios da língua e cultura da população do Egeu antes da
chegada dos gregos de língua indo-europeia. 69 É um sinal revelador da fragilidade dos
estudos toponímicos da Grécia antiga que o artigo de Blegen e Haley, apesar de seus erros
fundamentais, possa ter se tornado um clássico ao qual se referem os estudantes que
estudam o assunto.
A obra de Blegen e Haley ilustra a incapacidade dos estudiosos de enfrentar o problema
dos 'pré-helenos', apesar de tanto depender deles. Permaneceram essenciais se era
impossível que o Egito e a Fenícia tivessem uma influência fundamental na formação da
Grécia. Foi por esta razão que no final dos anos 20 e início dos anos 30 houve uma
intensificação dos ataques contra os fenícios. A natureza não-semita dos minoicos era agora
tão certa que a antiga identificação entre minoanos e fenícios poderia agora ser revertida
em uma direção sugerida por Bunsen e Curtius no século XIX; agora pode-se dizer que
sempre que os mitos gregos mencionavam os fenícios, na verdade eles se referiam aos
minoicos. 70

O alfabeto domesticado: o ataque final aos fenícios


A figura dominante no apogeu do modelo ariano extremo foi o arqueólogo americano Rhys
Carpenter, grande admirador de Julius Beloch e oponente da miragem oriental enquanto
ele viveu. Em 1930, as lendas do assentamento fenício na Grécia foram amplamente
desacreditadas, e quase todas as etimologias semíticas de nomes e palavras gregas foram
banidas. Apenas o alfabeto fenício permaneceu. O poeta e romancista Robert Graves
também podia se gabar de uma origem ariana, mas não importa o quanto tentassem, os
estudiosos não podiam ignorar o fato de que as letras gregas eram semelhantes em
aparência às letras semíticas, soavam muito semelhantes e, em sua maioria, tinham nomes
correspondentes: alfa / < alep (ox); bēta / bêt (casa), e assim por diante. No final dos
cananeus, eles tinham significados óbvios, mas não faziam mais sentido em grego. 71
Portanto, mesmo que os novos estudiosos se sentissem à vontade para refutar os
numerosos e unânimes testemunhos antigos que afirmavam que os gregos haviam
recebido o alfabeto dos fenícios, não poderiam deixar de admitir sua origem semítica.
Com base em um grande corpo de escritos antigos sobre o assunto, a introdução do
alfabeto deve ser atribuída a Danaus, que veio do Egito, ou Cadmus, que veio de Tiro. Isso a
datava em meados do segundo milênio a.C. Havia, no entanto, também uma passagem nos
escritos de José, o apologista judeu, na qual ele afirmava - no curso de um discurso anti-
grego em que atacava especificamente os gregos por sua falta de profundidade cultural -
que para eles era apenas uma maneira de se gabar afirmar que haviam aprendido as cartas
de Cadmo. Na verdade, argumentou Joseph, na época da Guerra de Tróia eles eram
analfabetos. 72 Não é por acaso que a versão de José foi a preferida pelos helenistas
românticos, pois estava de acordo com a imagem de Homero como um bardo analfabeto. A
maioria dos estudiosos, no entanto, preferiu aceitar a ideia com a qual os autores antigos
concordavam, pois a autenticidade das lendas em torno da fundação de Tebas por Cadmo
não foi questionada até o final do século.

314
Uma data tão remota, no entanto, não era aceitável para Reinach e Beloch. Beloch
avançou, para o século XIII ou XII , a época da transmissão, uma época em que ele acreditava
que a influência fenícia começaria. 73 E ele propôs o século VIII como a data dos primeiros
contatos, e em apoio a isso formulou quatro argumentos. Primeiro, ele argumentou que não
havia inscrições gregas anteriores ao século VII ; segundo, ele afirmou que a única
referência à escrita que aparece em Homero era obscura, e era possível que o poeta e seu
público não entendessem o conceito de leitura; em terceiro lugar, ele argumentou que a
rota da Fenícia para a Grécia passava por Chipre, que havia ignorado o uso da escrita até a
época de Alexandre; e quarto, ele argumentou que os nomes das letras se assemelhavam ao
aramaico em vez das formas fenícias e que, portanto, o alfabeto havia sido emprestado
depois que o aramaico se tornara dominante em todo o Levante no final do século VIII . 74
A dúvida do primeiro argumento de Beloch, que é o argumento baseado no silêncio, já
foi e será discutido em outro lugar em Atena Negra . Sobre o segundo ponto, embora Beloch
e muitos estudiosos posteriores nos assegurem que essa referência não é importante, não
há dúvida de que Homero pelo menos uma vez menciona sēmata lygra (sinais fatais) que
são claramente "escritos". 75 A falta de um alfabeto em Chipre foi consequência das
condições locais, o que fez com que a ilha não sentisse seus efeitos no momento em que o
alfabeto foi transmitido do Levante para o Egeu. Mas isso não nos dá nenhuma indicação de
quando a transmissão ocorreu. Finalmente, já vimos que Beloch não conhecia nenhuma
língua semítica; ao afirmar que os nomes das letras gregas refletem as pronúncias
aramaicas, ele estava errado. O ō nas letras iōta e rhō reflete uma mudança fonética que
ocorreu em cananeu, mas não em aramaico.
De qualquer forma, as idéias de Beloch sobre o alfabeto não foram levadas a sério por
seus contemporâneos e, durante o primeiro quarto de nosso século, o debate sobre a data
de introdução do alfabeto tornou-se ainda mais flutuante do que antes. modelo ariano e o
modelo ariano extremo como um todo. Provável causa de tais incertezas foi a influência
que semitistas e judeus tiveram no campo da epigrafia semítica, essencial para qualquer
namoro sério. Não há dúvida, porém, de que a tendência geral era de adiantar a data da
transmissão, pelos mesmos motivos que levaram a afirmar-se o modelo ariano extremo,
sem esquecer o agora habitual e crescente desejo positivista de "prova", bem como o desejo
de dar à arqueologia e à história antiga o que se acreditava ser a precisão das ciências
naturais.
A tendência de adiantar a data veio à tona em 1933, quando o professor Rhys Carpenter,
um arqueólogo por sua própria admissão não relacionado à epigrafia, propôs uma data por
volta de 720 aC para a introdução do alfabeto na Grécia. A razão que ele deu foi dupla: isto
é, que as letras gregas mais antigas se assemelhavam às fenícias do século VIII ; e que não foi
encontrada nenhuma inscrição grega anterior a essa data, ou seja, "argumento baseado no
silêncio". 76 Esse avanço foi apenas uma das três tentativas de Carpenter de minimizar a
importância da introdução do alfabeto e tornar menos provável que outros empréstimos
culturais significativos estivessem associados a ele. Outra tentativa foi estabelecer uma
distinção categórica entre alfabetos consonantais e vocalizados. A invenção das vogais foi
atribuída - na minha opinião erroneamente - aos gregos. 77 Insinuando claramente que
acreditava que as vogais estavam muito além das habilidades semíticas, Carpenter falou
sobre "aquela criação da inteligência grega aguda, as vogais", creditando assim aos gregos a
invenção do primeiro alfabeto "verdadeiro". 78

315
A terceira tentativa de Carpenter foi mover o local do empréstimo o mais longe possível
da Grécia continental. Ele sugeriu Creta, Rodes e mais tarde - o mais implausível de todos
pela razão que acabei de propor acima, ou seja, que o uso do alfabeto foi ignorado - Chipre.
No final da década de 1930, o arqueólogo Sir Leonard Woolley provou, para satisfação de
Carpenter, que existia uma colônia grega em Al Mina, na costa síria, no século VIII ; portanto,
ele apresentou a ideia de que os gregos poderiam ter aprendido o alfabeto aqui. 79 Apesar da
frouxidão dessa hipótese - e da total falta de inscrições gregas arcaicas dentro de oitocentos
quilômetros daquele local - os classicistas e arqueólogos, incluindo Carpenter, aceitaram
entusiasticamente Al Mina como o local da transmissão. 80
Por que Carpenter, que havia feito tanto fetiche da necessidade de atestado, ser tão solto
quando chegou a hora? Uma razão era que, em sua opinião, era mais adequado aos gregos
"dinâmicos" trazer o alfabeto de volta à sua terra natal, em vez de recebê-lo passivamente.
A segunda razão foi ainda mais maliciosa por intenção. Sua eminente sucessora no campo
da epigrafia, a professora Lilian Jeffery, resumiu o assunto da seguinte forma:
O segundo ponto foi bem esclarecido pelo professor Carpenter: somente em um assentamento bilíngüe de longa
data dos dois povos, e não em um ocasional feitor semita em algum lugar da área grega, o alfabeto de um povo
poderia ter sido feito exatamente no outro. . 81

Esta reconstrução imaginativa assume como axiomático que a colonização semítica foi
categoricamente mais "ocasional" do que a dos gregos, uma afirmação para a qual há pouca
evidência antiga, e sobre a qual ver a discussão de Bérard nas pp. 267-268. 82 No entanto, a
razão para insistir na pequena escala e na natureza transitória dos assentamentos fenícios
tem um forte aspecto ideológico: tais deveriam ser para que a Grécia continuasse a ser a
infância e a quintessência racialmente pura da Europa. Por medo de que alguém pense que
estou exagerando, gostaria de repetir a passagem já citada por Bury, escrita justamente
sobre a transmissão do alfabeto:
Os fenícios, sem dúvida, tinham centros comerciais espalhados aqui e ali na costa e no interior da ilha, mas não
há razão para pensar que os cananeus vieram para estabelecer casas em solo grego ou introduzir sangue semita
na população da Grécia. 83

Era necessário que a transmissão do alfabeto tivesse ocorrido fora da Grécia, caso contrário
exigiria assentamentos fenícios significativos e, portanto, mistura "racial".
Voltando à questão do tempo de transmissão: por que diabos Rhys Carpenter insistiu
em uma data do final do século VIII que poderia ter sido - e de fato foi - falsificada por
descobertas posteriores? A primeira vantagem que lhe oferecia era poder explicar por que
os fenícios, essencialmente "passivos", haviam navegado para o oeste: haviam sido
empurrados para lá pelos assírios, que só alcançaram influência significativa na costa
fenícia em meados do século VIII . Já vimos a preferência que se tinha pelos assírios como
apenas "parcialmente semitas" ao lidar com Movers e Gobineau. 84 Mas, mais importante, a
datação tardia significava que qualquer influência que os fenícios tivessem na Grécia, ela
não entrou no período formativo do país, mas somente após o estabelecimento da polis e o
início da colonização grega - duas instituições que de outra forma teriam poderia ter sido
interpretado como fenício. 85

316
Se sua hipótese fosse questionada, Rhys Carpenter reconhecia que a datação tardia
pressupunha uma difusão e uma diversificação extraordinariamente rápidas do alfabeto,
não apenas em todo o Egeu, mas também na Itália e na Anatólia. No entanto, ele respondeu:
Na minha opinião é pior que absurdo. É anti-grego e, portanto, impensável que ele [o alfabeto] tenha
permanecido por uma quantidade considerável de tempo entre essas pessoas intensamente ativas em um estado
conhecido, mas não utilizado, de suspensão passiva. O clima grego realmente faz maravilhas em um alfabeto
jovem; quase o vemos crescer. 86

Além das imagens românticas - clima, árvores, juventude, crescimento - a passagem ilustra
a força e a continuidade da tradição, já presente em Humboldt, que quer que todas as leis e
analogias normais sejam suspensas quando se trata dos antigos gregos e que é não é
correto - se não impróprio - julgá-los como você faria com qualquer outra pessoa.
Nem todos os estudiosos se deixam levar pela retórica de Carpenter. Hans Jensen, por
exemplo, o estudioso de alfabetos mais conhecido em nosso século, continuou a apoiar uma
datação por volta do século X ou XI . 87 Mas o único a questionar diretamente a hipótese de
Carpenter foi o semitista americano BJ Ullman, que - em um artigo que Carpenter não citou
- havia proposto anteriormente uma datação para o século XII ou anterior. Ullman
concordou que muitas letras gregas se desviavam das formas encontradas nas inscrições
fenícias ou moabíticas, mas em sua opinião elas derivavam de tipos levantinos anteriores, e
não de tipos posteriores, e afirmou que um alfabeto é tão antigo quanto sua letra. Ele
identificou as letras da inscrição fenícia mais antiga, a que aparece no sarcófago de Airam,
rei de Biblos, como muito semelhantes às do século IX , mas disse que nos casos em que as
letras eram diferentes, as mais antigas se aproximavam mais às formas gregas. 88
Em sua resposta a Ullman, Carpenter assumiu implicitamente a posição oposta - que um
alfabeto deve ser considerado tão recente quanto sua letra posterior. Ou seja, concentrou a
atenção no K e M , cujas formas gregas lembram as fenícias posteriores. 89 Embora isso não
respondesse diretamente aos argumentos de Ullman sobre as letras "mais antigas", Ullman
não conseguia lidar com o vigoroso estilo forense de Carpenter, o Zeitgeist anti-semita e o
poder dos estudos clássicos e semíticos. De fato, os classicistas acolheram com entusiasmo
as conclusões de Carpenter. Eles confirmaram a crença, inerente ao núcleo romântico da
disciplina, de que Homero (ou os Homeros) eram analfabetos. A descoberta de Evans da
existência da escrita em Creta, e a evidência de sua existência na Grécia continental, de fato
produziu alguma perplexidade entre eles. Ainda se poderia argumentar plausivelmente -
embora erroneamente - que as escrituras lineares morreriam com a destruição dos
palácios micênicos; A datação muito avançada de Carpenter era, portanto, bem-vinda, pois
incluía necessariamente uma longa série de "idades das trevas" analfabetas durante as
quais um Homero ou um Homero plebeu cantaria com vigor nórdico bárbaro.
Curiosamente, foi durante a década de 1920 que o professor Milman Parry começou o
estudo do épico folclórico sérvio para mostrar que a Ilíada e a Odisseia poderiam ter sido
compostas sem escrita. 90
Que Carpenter garantisse a existência de uma era de "idade das trevas" analfabeta e
impenetrável era outro atrativo para os partidários do modelo ariano. A quebra de
continuidade cultural que isso implicava permitiu diminuir a importância do que os gregos
do período clássico e helenístico escreveram sobre seu passado remoto. E isso completou a
refutação não apenas do modelo antigo, mas também do amplo modelo ariano.

317
De acordo com o espírito da época, os classicistas, portanto, deixaram-se conquistar por
Carpenter. Onde Beloch falhou na década de 1890, Carpenter - usando argumentos muito
semelhantes - teve sucesso na década de 1930. A maioria dos semitistas fez correções ao
longo das linhas ditadas pela disciplina hegemônica, mas alguns - particularmente os
judeus - ficaram menos felizes. Ullman não foi persuadido, e junto com outros - em
particular o professor Tur-Sinai da Universidade de Jerusalém - continuou a acreditar que
era óbvio que o alfabeto grego não poderia ter sido derivado do fenício da Idade do Bronze,
mas originado de uma escrita cananéia mais antiga. . 91
De 1938 a 1973 não houve mais nenhuma crítica séria à datação avançada estabelecida
por Carpenter para o empréstimo do alfabeto. Minimizar sua importância serviu para
remover o último obstáculo sério ao estabelecimento do modelo ariano extremo; com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial, classicistas e antiquistas estavam agora convencidos
de que suas disciplinas haviam entrado na era científica. Para colocar em termos modernos,
um paradigma havia sido estabelecido. Não era mais "tolerável" que um "estudioso"
pudesse apresentar a ideia de que influências egípcias e fenícias significativas haviam
contribuído para a formação da Grécia. Quem fez isso - enquanto era possível - foi expulso
da comunidade acadêmica, ou pelo menos rotulado de "excêntrico".

Notas
1 Tsountas e Manatt (1897, p. 326).
2 Frothingham (1891, p. 528).
3 Van Ness Myers (1895, p. 16).
4 R. Brown (1898, p. IX ).
5 Reinach (1892b, p. 93), citado em Reinach (1893, p. 724).
6 Obituário, Revue Archéologique , 36 (1932) e o artigo anônimo sobre Reinach na Encyclopaedia Judaica .
7 Reinach (1893, p. 543).
8 Ibidem, pág. 541.
9 Reinach (1892b; 1893, pp. 541-542). Para a eleição do lituano, da linguística histórica e dos neogramáticos de

Saussure, ver Pedersen (1959, pp. 64-67, 277-300).


10 Reinach (1893, pp. 561-577).
11 Ibidem, pág. 572.
12 Ibidem, pág. 704.
13 Ibidem, pág. 726.
14 Beloch (1894).
15 Momigliano (1966a, p. 247).
16 Ibidem, pp. 259-260.
17 Beloch (1893, vol. I , p. 34, n. 1).
18 Lloyd-Jones (1982c, p. Xx).
19 Momigliano (1966a, p. 258).
20 Ver acima, Cap. 6 , n. 94.
21 Veja a surpreendente conjunção dos dois em Beloch (1894, p. 114).
22 Beloch (1894, p. 126).
23 Ibidem, pág. 125.
24 Ibidem, pág. 128.
25 Ibidem, pág. 112.
26 Para termos cananeus ver , por exemplo, byblinos (cordame), ligado ao nome da cidade Byblos; >> ēlåh, elatē (remo) de
> ēlåh / ēla t (árvore grande, poste); gaulos (vaso, vaso) de qullåh (vaso). Na minha opinião, Chantraine (1928, p. 18)

exclui muito rapidamente o indo-europeu * ku (m) bara (eixo, eixo) como a etimologia de kubern- (leme). No entanto,
talvez também haja influência do radical semítico √kbr (grande). Chantraine admitiu a possibilidade de uma etimologia
egípcia de baris , mas - escrevendo na década de 1920 - negou empréstimos semitas e atribuiu a maioria das palavras
marítimas que não podiam ser explicadas em termos indo-europeus a "pré-helenos" ou "herança mediterrânea". Para
etimologias egípcias, ver vol. II . Para imagens de barcos egípcios, veja as pinturas murais descobertas em Tera,

318
reproduzidas em Thera and the Aegean World: Papers present in the Second International Scientific Congress, Santorini,
Grécia, agosto de 1978 (editado por C. Doumas, Londres, 1979).
27 Ver Bass (1967); Helm (1980, pp. 95, 223-226).
28 Beloch (1894, pp. 124-125).
29 Ver acima, Cap. 1, nn. 58-68; Beloch (1894, p. 112).
30 Bunnens (1979, pp. 6-7).
31 Armand Bérard (1971, pp. VII - XVIII ).
32 Bérard (1894, pp. 3-5).
33 Ibidem, pp. 7-10.
34 Kropotkin (1899 [trad. It. 1968], pp. 256 e segs.).
35 Bérard (1902-1903; 1927-1929).
36 Heródoto, As histórias , I. 105.
37 Bérard (1902-3, vol. II , pp. 207-210); Astour (1967a, p. 143). Nenhum dos dois acreditava em uma influência egípcia

significativa, portanto, ambos não perceberam que Skandeia - que não tem etimologia indo-européia - provavelmente
deriva do egípcio s ḫ mty (a dupla coroa do Egito), que, juntamente com o artigo p 3 - , foi transcrito em grego como
presente . Acredito que muitos, se não a maioria, dos duplos de Bérard estão de fato entre egípcios e semíticos, em vez de
gregos e semíticos.
38 Petrie (1894-1905, vol. II , pp. 181-183).
39 Weigall (1923, p. 69).
40 Gardiner (1961 [trad. It. 1971], pp. 159-160).
41 King and Hall (1907, pp. 385-386).
42 Weigall (1923, p. 127).
43 Freud (1939 [trad. It. 1977]).
44 Vercoutter (1953, pp. 98-122); Helck (1979, pp. 26-30).
45 Evans (1909, p. 109). Ele deu razões para sua aceitação da crônica de Septímio; você vê também Gordon (1966, p. 16).
46 Cap. 7 , n. 68.
47 Ver acima, Cap. 8 , n. 48. Sobre a invenção de Evans do termo "Minoan", ver 1909 (p. 94).
48 Stobart (1911, p. 32), citado em Steinberg (1981, p. 34).
49 King and Hall (1907, p. 363).
50 Ver Dörpfeldt (1935, pp. 366-394); E. Meyer (1928-36, vol. II , pt. II , pp. 113-122).
51 Bury (1900, p. 77). Esta passagem permanece na terceira edição, revisada por R. Meiggs em 1951 (p. 77).
52 Ver , por exemplo, Baron (1976, pp. 168-171).
53 Oren (1985, pp. 38-63).
54 Cornell Alumni News , 84, 9 de julho de 1981, p. 7. Sou grato ao Dr. Paul Hoch por esta referência.
55 Childe (1926, p. 4).
56 Myres (1924, p. 3).
57 Ibidem, pp. 21-23.
58 Ibidem, pp. 26-27.
59 SA Cook (1924, p. 195).
60 Ibidem, pág. 196.
61 Frankfurt (1946, pp. 3-27); para uma esplêndida discussão desse tema do pensamento europeu do final do século XIX

e início do século XX, ver Horton (1973, pp. 249-305).


62 SA Cook (1924, p. 203).
63 Esta tese é formulada em Barnard (1981, p. 29).
64 Nilsson (1950, p. 391).
65 Blegen e Haley (1927, pp. 141-154).
66 Ibidem, pág. 151.
67 Laroche (1977?, p. 213).
68 Kretschmer (1924, pp. 84-106).
69 Para uma discussão detalhada desses "elementos", ver vol. II .
70 Ver Capítulo 5, n. 125; Capítulo 7 , n. 68. Para a confusão entre fenícios e minóicos, ver Burns (1949, p. 687).
71 Para uma bibliografia das tentativas alemãs de provar isso, ver Jensen (1969, p. 574). Edição de vídeo também

Waddell (1927); Graves (1948, pp. 1-124); Georgiev (1952, pp. 487-495).
72 Josefo, Contra Apionem , I. 11.
73 Veja acima n. 11.
74 Beloch, (1894, pp. 113-114).
75 Ilíada VI . 168-169.
76 Carpenter (1933, pp. 8-28).

319
77 Sobre minha crença de que o alfabeto grego foi formado inicialmente a partir de um alfabeto semítico que usava

vogais, pelo menos para a transcrição de sons estrangeiros, ver Bernal (1987; 1990).
78 Carpenter (1933, p. 20).
79 Woolley (1938, p. 29).
80 Ver Jeffery (1961, p. 10, no. 3).
81 Ibidem, pág. 7.
82 Ver acima, n. 33.
83 Bury (1900, p. 77). Ver acima , n. 51.
84 Ver Capítulo 8 , nn. 83-85.
85 Sobre minha hipótese de que houve uma forte influência fenícia no Egeu, pelo menos desde o século X , e que a polis

grega e a sociedade escravista como um todo são derivadas da Fenícia, ver Bernal (1989).
86 Carpenter (1938, p. 69).
87 Jensen (1969, p. 456).
88 Ullman (1934, p. 366).
89 Carpenter (1938, pp. 58-69).
90 Parry (1971).
91 ZS Harris (1939, p. 61). Para os deslocamentos de datas feitos por Albright em relação às inscrições muito

importantes no sarcófago de Ahiram, para avançar a datação em consonância com a predominante, ver Garbini (1977, pp.
81-83). Edição de vídeo também Bernal (1987; 1990); Tur-Sinai (1950, pp. 83-84).

320
10. A situação pós-guerra
O retorno ao amplo modelo ariano. 1945-1985

Com este Capítulo chegamos a fechar o círculo. Comecei este volume expressando
preocupações sobre o presente, mas ao longo do livro tenho certeza de que elas são tão
perturbadoras quanto possível. Neste ponto, espero que o leitor que está principalmente
interessado no mundo de hoje receba alguma compensação pelo trabalho árduo dos nove
capítulos anteriores. Espero também que ele esteja convencido da importância que a
história e a historiografia têm para o mundo contemporâneo.
Este capítulo contém duas histórias. Na minha opinião, a primeira se aproxima de um
final feliz: é a história do movimento, à frente do qual estão principalmente estudiosos
judeus, que visa eliminar o anti-semitismo da historiografia do mundo antigo e dar aos
fenícios o devido crédito pela função central que desempenharam na formação da cultura
grega. Nos termos que usamos aqui, tais estudiosos estão perto de restabelecer o amplo
modelo ariano.
Sem analisar detalhadamente os fatores internos da disciplina implícitos nessa
mudança, podemos dizer que do ponto de vista dos fatores externos, se a reputação dos
fenícios foi restaurada com sucesso, isso se deve a duas pré-condições, que ocorreram. . A
primeira foi a reintegração dos judeus na vida européia; a segunda é a grande importância
que a cultura judaica atribui às atividades intelectuais e o respeito que ela tem pelos
estudos acadêmicos. Uma consequência da primeira foi a remoção das barreiras
conceituais do anti-semitismo que impossibilitavam o reconhecimento das realizações dos
fenícios e cananeus; a segunda implica que mesmo um número muito pequeno de
estudiosos judeus que lidam com esses tópicos pode ter uma forte influência no status quo
acadêmico.
A segunda história contida no capítulo 10 diz respeito à rejeição da tradição de
colonização egípcia da Grécia durante a Idade do Bronze; o fim deste movimento ainda não
está à vista. Alguns estudiosos alemães estão tentando reavaliar a tradição da colonização
egípcia, mas não há um movimento amplo dentro da cultura acadêmica que vise restaurar a
reputação do antigo Egito a esse respeito. Além disso, os egípcios, ao contrário dos fenícios,
não têm campeões "naturais". Os egípcios islâmicos têm sentimentos de profunda
ambivalência em relação ao Egito antigo, ainda mais agudos pelos usos que governos
corruptos e pró-ocidentais fazem de sua imagem para promover uma ideia não árabe do
Egito moderno. Talvez por isso - mas mais provavelmente porque aceitam a enorme
influência dos estudos ocidentais a esse respeito - os estudiosos egípcios não questionaram
a ortodoxia quanto ao papel do antigo Egito e não investigaram sua influência no exterior.
Os únicos a defender o antigo Egito foram pequenos grupos de negros americanos e da
África Ocidental. Mas eles também estão mais preocupados em provar que o antigo Egito
era realmente africano e negro do que em confirmar sua influência na Grécia. E ainda que
se interessem por tal influência, têm dado mais atenção à transmissão cultural através dos
períodos de estudo passados pelos gregos ao Egito e ao que concebem como saque e

321
apropriação global da filosofia e das ciências egípcias que se seguiram à conquista do
Alexandre.
Um fator inibitório ainda mais forte que impediu a restauração do aspecto egípcio do
modelo antigo foi o fato de que, ao contrário dos campeões dos fenícios, esses estudiosos
negros muitas vezes estão fora do mundo acadêmico. A maioria dos escritos sobre o que
GGM James chamou de Legado Roubado - isto é, as conquistas culturais egípcias roubadas
pelos gregos -, portanto, circulou apenas entre amigos ou apareceu apenas em edições
limitadas, rapidamente esgotadas graças a um público interessado e apaixonado. No
entanto, esses escritos não são considerados estudos sérios por acadêmicos, e nem sequer
são catalogados por bibliotecas. Como prova disso, basta dizer que estudei esses temas por
oito anos antes de perceber que essa literatura também existia.
Depois de conhecê-lo, porém, encontrei-me com a alma dividida. Por um lado, minha
formação me levou a desconfiar da falta de tantos atributos acadêmicos necessários; por
outro lado, descobri que minha posição intelectual estava muito mais próxima da literatura
dos negros do que da historiografia ortodoxa da Antiguidade.
E meus sentimentos parecem importantes para mim. Deve haver outros estudiosos que
ficaram chocados com a revelação do papel desempenhado pelos fenícios na formação da
Grécia e os aspectos políticos que levaram à sua negação, estudiosos que começaram a
questionar não apenas o modelo ariano extremo, mas também o amplo 1. E pelas centenas
de discussões que tive sobre esse assunto, sei que as objeções ideológicas ao modelo antigo
não podem mais ser expressas em público. No privado ainda pode ser acreditado, mas
estou convencido de que mesmo essa atitude - por mais comum na sociedade em sentido
amplo - não é encontrada com frequência no mundo acadêmico liberal.
Parece, portanto, que o modelo ariano resiste principalmente graças à sua própria
tradição e inércia acadêmica. Nenhuma dessas duas forças deve ser subestimada; no
entanto, eles enfraqueceram após alguns desenvolvimentos internos que mostram que as
civilizações da Idade do Bronze eram muito mais avançadas e cosmopolitas do que se
pensava anteriormente e que, em geral, as evidências antigas são mais confiáveis do que as
reconstruções recentes. Se levarmos em conta esses desenvolvimentos internos e externos
da disciplina, estou convencido de que mesmo o amplo modelo ariano se torna
insustentável e que em algum momento, no início do século XXI , o modelo antigo será
restaurado.

A situação depois da guerra


A Segunda Guerra Mundial e a revelação pública do Holocausto retiraram a legitimidade do
antissemitismo e do racismo, mas levou muito tempo para que o valor da igualdade racial
fosse institucionalizado. Na prática, tanto na Europa quanto na América do Norte, o
antissemitismo permaneceu dominante em grande parte da sociedade, incluindo a
academia, apesar do papel proeminente desempenhado por estudiosos judeus que
buscaram refúgio na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Muitas universidades americanas
continuaram a excluir judeus ou a impor cotas restritas em sua admissão até o final dos
anos 1950 e início dos anos 1960. 1 As instituições britânicas são menos fáceis de descrever,
como foi o caso do antissemitismo no período entre guerras, embora pareça provável que a

322
situação tenha sido muito semelhante. No entanto, a partir do final da década de 1950,
estudantes e acadêmicos judeus foram totalmente aceitos nas principais universidades.
Esse processo também ocorreu nos estudos clássicos e, desde 1970, muitas das figuras
mais proeminentes no campo são judeus.
O preconceito racial contra africanos e asiáticos foi - e é - uma barreira muito mais dura.
A Suprema Corte americana esperou até meados da década de 1950 antes de começar a se
mover contra a discriminação racial em uma base legal, e foi apenas na década de 1960 que
a maioria - certamente não todos - os
negros americanos tiveram o direito de votar. . No entanto, essas reformas políticas e legais
não mudaram outros aspectos da situação dos negros e sul-asiáticos. Alguns imigrantes
negros e não europeus conquistaram boas posições econômicas nos países industrializados
durante o longo boom econômico que durou de 1945 a 1973, mas as disparidades entre as
corridas eles permaneceram os mesmos, ou pioraram. Com a depressão econômica das
décadas de 1970 e 1980, os não-europeus perderam mais e mais rápido do que os brancos
na Europa e na América do Norte.
A historiografia também foi afetada pelos efeitos dos eventos no Terceiro Mundo, que
discutirei mais adiante. Aqui me parece justo dizer que o estabelecimento e a expansão
militar de Israel depois de 1949 ajudaram a reduzir o antissemitismo muito mais do que a
revelação das consequências do antissemitismo que culminaram no Holocausto. De sua
parte, os brancos geralmente não ficaram muito incomodados com a independência
indiana de 1947 ou com o "vento de mudança" da década de 1950, quando a Grã-Bretanha
e a França acharam adequado conceder independência política às suas colônias tropicais.
De qualquer forma, o neocolonialismo garantiu a manutenção do poder econômico dos
países metropolitanos. Além disso, os graves problemas dos países quase independentes,
ou recém-independentes, e a forma racista com que a mídia lidava com eles, continuaram a
confirmar o dogma de que apenas os brancos são capazes de se autogovernar. Ainda mais
importante do nosso ponto de vista, no entanto, foi a manutenção da hegemonia cultural
europeia: não houve uma mudança real na compreensão e no ensino da história. O
"chauvinismo europeu" denunciado por Victor Bérard ainda estava florescendo. Até o final
da década de 1960, por exemplo, o único curso do Terceiro Mundo ministrado para o
exame Cambridge History Tripos era sobre 'A Expansão da Europa'.
No entanto, houve mudanças significativas, principalmente o extraordinário sucesso
econômico do Japão. Isso foi acompanhado pela reunificação da China e sua transformação
em uma grande potência que, depois de 1970, o Ocidente cortejou como possível aliado
contra os russos. Na década de 1930, Hitler havia concedido aos japoneses o status de
"arianos honorários"; em 1960 essa ideia dele foi geralmente aceita. Durante os anos
setenta, os chineses também começaram a receber essa honra, e parece que agora existe
uma maneira de os ocidentais perceberem os asiáticos orientais como, em certo sentido,
diferentes, mas iguais. Os índios também receberam um pouco mais de respeito quando o
subcontinente se recuperou dos horrores da secessão. Por outro lado, a imagem do
romântico xeique árabe mudou para a dos pomposos príncipes do petróleo e dos
"terroristas" palestinos. Todo o antigo ódio cristão ao Islã ressuscitou e se voltou contra os
árabes e - ao contrário da admiração que a Europa tinha pelos persas no século XIX - o Irã
islâmico é descrito em termos diabólicos. Além disso, apesar da independência, a África e

323
sua diáspora ainda são vistas como sem esperança e os negros ainda são considerados a
forma mais baixa de humanidade.
Eu listei esses estereótipos grosseiros aqui não porque eles são aceitos pela maioria dos
acadêmicos - alguns certamente são -, mas porque todos nós, com exceção dos
muçulmanos, mas incluindo muitos asiáticos e africanos, somos de alguma forma
influenciados por eles. Muitos dos movimentos do Terceiro Mundo, dos quais a Negritude é
um exemplo, aceitaram a presunçosa ideia européia de que somente os europeus podem
pensar analiticamente; como resultado, muitos intelectuais negros e pardos tenderam a
negar sua própria inteligência analítica e a se refugiar no conjunto das qualidades
"femininas" da comunidade: calor afetivo, intuição e criatividade artística - qualidades que,
é interessante notar, Gobineau ele estava pronto para reconhecer os negros. Em outras
palavras, não foram apenas os gentios brancos que acharam fácil aceitar o mito do "milagre
grego" e a conseqüente superioridade categórica da civilização "ocidental". No entanto,
houve algumas deserções desse consenso geral, que discutiremos mais adiante neste
capítulo.

Desenvolvimentos em Estudos Clássicos. 1945-1965


Mesmo no século 19, alguns historiadores cautelosos deixaram alguma abertura em seu
trabalho, alegando que as fronteiras linguísticas e raciais nem sempre coincidiam -
enquanto continuavam a tratá-las como se fossem idênticas. 2 Depois de 1945, essa se
tornou a única abordagem aceitável; os estudiosos agora sempre lidam com divisões
linguísticas em vez de raciais. Por outro lado, enquanto a guerra prejudicou o racismo, a
ciência saiu triunfante. A passagem do tempo conferiu, portanto, uma legitimidade cada vez
maior ao modelo ariano extremo, pois quase ninguém duvidou que não fosse a "verdade
científica" alcançada graças à arqueologia e outros métodos modernos. O antigo modelo,
não mais concebido como uma hipótese coerente a ser abordada e superada criticamente,
havia entretanto se desintegrado em um conjunto de lendas ridículas que "ninguém hoje"
poderia pensar em levar a sério.
Os debates sobre os primórdios da história grega, sempre combatidos e apaixonados,
agora se davam quase inteiramente dentro do modelo ariano extremo. Discutiu-se muito
sobre o momento em que os helenos chegariam à Grécia: até a década de 1950 uma
minoria significativa de estudiosos afirmava, à luz das lendas em torno do "retorno dos
Heraclids" e da invasão dórica, que os arianos teriam migrou para o sul apenas no final da
Idade do Bronze. Apesar da refutação esmagadora infligida a essa teoria pela decifração do
Linear B por Michael Ventris e a revelação de que a língua escrita nele era o grego, algumas
pessoas obstinadas continuaram a manter essas ideias até a década de 1970. 3
Concorda-se que esta decifração é o maior desenvolvimento dentro do campo desde a
época das descobertas de Schliemann e Evans e, como no caso de Schliemann, foi obra de
um amador. Michael Ventris, que era um arquiteto, tentou decifrar o corpus publicado de
textos Linear B de forma criptográfica, assumindo que eles foram escritos na língua dos
misteriosos pré-helenos. Em 1952, porém, tentou compará-los com os gregos, o que lhe
permitiu decifrá-los.

324
Gostaria agora de retornar a um tema que abordei na introdução deste volume. Por que
diabos essas duas novas descobertas foram feitas por dois estranhos ? No caso de
Schliemann, havia sua ingenuidade e fé nos Antigos, coisas que os estudiosos da época
eram aconselhados a evitar a todo custo. Ventris também foi ingênuo ao comparar o corpus
do Linear B com o grego, em vez de com alguma língua anatoliana obscura mal
compreendida ou com alguma mistura artificial de elementos pré-helênicos encontrados
no grego. 4 Havia também o fato de que Linear B representava o grego de uma forma de
extrema grosseria: lê-lo como grego significava violentar todas as sutilezas que os
classicistas passaram a vida inteira procurando.
A ideia de que nenhum classicista jamais poderia ter chegado a ele é reforçada se
considerarmos uma comparação com o silabário cipriota: foi usado em Chipre até o
período helenístico para representar o grego e era quase igual ao Linear B em uma
aproximação grosseira da fonética grega. Foi decifrado por George Smith, que sabia pouco
de grego, e por Samuel Birch, que, embora um helenista competente, era no entanto
essencialmente um egiptólogo e assiriólogo e, portanto, com aquela familiaridade com
conexões distantes que é necessária para esse tipo de trabalho. 5 Essa tese - de que os
helenistas são refinados demais para tal obra, pelo menos em seus estágios iniciais - voltará
à tona no segundo volume de Atena Negra , quando tento identificar empréstimos egípcios
e semíticos em grego com base em correspondências que parecem aceitáveis para a maior
parte dos linguistas comparativos, mas de atroz crueza para os helenistas.
Quando você considera a ameaça que eles representavam para o profissionalismo, é
surpreendente que os resultados da Ventris tenham sido aceitos de forma tão rápida e
calorosa. 6 Isso pode ser parcialmente explicado por seu charme pessoal; com sua astúcia de
pedir a um classicista sério, essencialmente conservador, como John Chadwick, que
colabore com ele; e descobrindo mais evidências para apoiar sua interpretação em tabletes
recém-descobertos. Por outro lado, não há dúvida de que os classicistas, uma vez
considerados a questão, consideraram a nova decifração como uma confirmação do modelo
ariano extremo, pois estendia tanto o escopo temporal quanto o geográfico dos gregos.
Havia, no entanto, algumas falhas para estragar a beleza do todo. A primeira delas foi que o
nome do deus Dionísio foi encontrado em uma tabuinha na Linear B. Na tradição grega,
acreditava-se geralmente que Dionísio havia chegado tarde; os classicistas, portanto,
argumentavam que seu culto viria ou se desenvolveria no século VI ou VII aC O aparecimento
do nome no século XIII trouxe tudo de volta quase à data proposta pelos antigos - o século XV
. Isso era muito confuso e, mesmo que ninguém pudesse negar a atestação do nome, a
maioria dos estudiosos continua apoiando a antiga orientação.
Mais séria, porém, foi a descoberta de nomes pessoais semíticos e egípcios no Linear B e
muitos dos empréstimos semíticos reconhecidos que designam bens presumivelmente
exóticos - especiarias, ouro e assim por diante; palavras que a partir de 1920 se acreditava
ter sido introduzida pelos fenícios após sua suposta chegada no final do século VIII .
Também neste caso a incongruência com o modelo ariano extremo não foi percebida pelos
helenistas até que foram os semitistas que o apresentaram a eles. Em um sentido geral, a
decifração fortaleceu o modelo ariano extremo e encorajou os estudiosos a continuarem
olhando para o norte em busca das origens da invasão. Durante a década de 1950, formou-
se um consenso em torno da hipótese de que os proto-gregos de língua indo-europeia

325
haviam chegado à bacia do Egeu no final do período cerâmico antigo heládico II ,
aproximadamente por volta de 2200 aC.

O modelo de origem indígena


Os únicos estudiosos que aceitam a leitura do Linear B como grego e ao mesmo tempo
rejeitam a ideia da invasão helênica são os que propõem o que chamam de “modelo de
origem nativa”. Liderados pelo grande ancião da história antiga na Bulgária, Vladimir
Georgiev, e um arqueólogo eminente, mas ultra-isolacionista, Colin Renfrew, eles negam
que o indo-europeu tenha sido trazido para a Grécia de uma pátria ao norte do Mar Negro.
argumentam que o proto-indo-europeu nunca foi mais do que um amontoado de dialetos
falados em toda a Anatólia e nos Bálcãs, um dos quais era o grego falado na Grécia. 7 Esse
modelo faz parte do paradigma isolacionista ou antidifusionista que tem sido dominante na
arqueologia e na antropologia desde a década de 1940; esse domínio parece estar ligado a
uma reação contra o colonialismo, do qual o difusionismo é claramente um reflexo
acadêmico. 8 Lingüistas e classicistas, no entanto, parecem menos dispostos do que esses
outros estudiosos a abandonar o conceito de difusão, uma vez que muitas vezes oferece
uma explicação satisfatória das relações internas de uma família linguística conhecida.
Linguistas e classicistas também recorreram ao forte argumento de que, como a difusão
por conquista ou migração desempenhou um papel importante na história transmitida, não
haveria razão para supor que a pré-história fosse significativamente diferente a esse
respeito.
O modelo de origem indígena representa um retorno à posição de Karl Otfried Müller
nas décadas de 1820 e 1830, antes do desenvolvimento do modelo ariano. Como no caso de
Müller, seus partidários também são de ideias decididamente nórdicas e européias, e são
ainda mais hostis do que os arianistas às tradições de colonização do Oriente Próximo no
final da Idade do Bronze Médio. Mas como nega a colonização e não inclui um substrato
linguístico pré-helênico, o modelo de origem nativa é incapaz de fornecer qualquer
explicação para os elementos não indo-europeus do grego; esta fraqueza que tem sido
frequentemente explorada pelos defensores do modelo ariano. 9 No entanto, os adeptos do
modelo de origem indígena, talvez por operarem dentro do paradigma dominante na
arqueologia, sentem-se capacitados para ignorar essa falta aparentemente fundamental. E
como tanto esse modelo quanto o ariano excluem a possibilidade de assentamentos de
povos vindos do Oriente Próximo, o embate entre os dois não é de relevância direta para o
argumento da Atena negra , onde o foco está no conflito entre o modelo antigo e modelo
ariano.

Contatos com o Mediterrâneo oriental


Até meados da década de 1960, o ódio aos fenícios parecia ter aumentado. Rhys Carpenter
empurrou com suas campanhas para adiar as datas de transmissão do alfabeto e limitar o
alcance da colonização fenícia, e suas propostas foram aceitas com consentimento geral. 10 A
possibilidade de uma colonização em Tebas foi negada com consenso geral. De fato, a

326
interpretação mais decididamente ariana da lenda cadmeana, a do estudioso francês F.
Vian, foi publicada em 1963. 11 Muitos autores continuaram a negar ou pelo menos
minimizar a extensão dos contatos no Mediterrâneo oriental; em 1951, o antiquário inglês
R. Meiggs, em sua revisão da obra de Bury, sentiu-se autorizado a escrever:
Parece que há uma massa coerente de evidências literárias que atestariam relações estreitas durante a Idade do
Bronze entre micênicos e fenícios, ou outros semitas. Infelizmente, esses depoimentos são menos coerentes e
menos convincentes do que parecem […]. Mais grave, por outro lado, é a crescente dúvida de que qualquer povo
do Oriente Próximo nunca tenha alcançado o Egeu ou o Mediterrâneo ocidental durante a Idade do Bronze. 12

À medida que a massa crescente de provas acumuladas sobre os contactos entre o Egeu e o
Levante, começou a aventar-se a hipótese de terem sido fruto da iniciativa dos gregos:
«Depois do fim do MM [Médio Minóico] II , e ao longo Na última parte do segundo milênio,
apenas os marinheiros, mercadores e artesãos da Grécia micênica podem, com razão,
orgulhar-se de ter formado os laços entre o Egeu e o Oriente”. 13 Pelas razões mencionadas
nos capítulos 8 e 9 , muitos semitistas pareciam relutantes em estudar a história fenícia e, de
fato, até a década de 1960, ela foi deixada principalmente para classicistas e pró-helenos.
Em 1961, o estudioso libanês D. Baramki reviveu a teoria - avançada por Evans na virada
do século e por Woolley nas décadas de 1920 e 1930 - segundo a qual as realizações
positivas dos fenícios eram atribuíveis a uma infusão de sangue ariano; enquanto DB
Harden, um classicista de formação, em seu The Phoenicians , publicado em 1962, aceitou a
ideia de um controle micênico do mar durante a Idade do Bronze. 14
À luz das novas descobertas arqueológicas que atestam tais contatos, e do fato de que a
direção do fluxo de influência parecia ser de leste para oeste, houve reações não apenas
contra teorias que negavam qualquer contato, mas também contra aquelas que atribuiu tais
contatos inteiramente à atividade dos micênicos e mais tarde dos gregos. O grande
estudioso americano William Foxwell Albright, decano dos estudos semíticos até sua morte
em 1963, alegou o século IX ou mesmo o século X como uma data provável da colonização
fenícia. 15 O antiquário australiano William Culican, em uma obra de grande audácia,
enfatizou a centralidade, originalidade e influência do Levante durante o segundo milênio,
evitando cuidadosamente o modelo antigo e a questão de saber se os semitas ocidentais
tiveram ou menos uma profunda e influência duradoura na civilização grega. 16
Além disso, a negação da tradição cadmeana, o elo fraco do modelo ariano extremo,
continuava a suscitar dúvidas. O grande classicista marxista George Thompson, em 1949, e
seu colega RF Willetts, em 1962, argumentavam que os Cadmei eram uma tribo semítica
que vinha da Fenícia para Creta e depois para Tebas. 17 Ainda na década de 1960, os
historiadores libaneses D. Baramki e Nina Jidejian também acreditavam que havia um
assentamento fenício em Tebas, embora argumentassem que isso teria ocorrido durante a
Idade do Ferro. 18 Alguns historiadores foram mais longe, aceitando não apenas as lendas de
Cadmee, mas também as lendas de Danaean. O classicista G. Huxley, em seu Creta and the
Luvians , publicado em 1961, apoiou essas hipóteses; no entanto, como o título de seu livro
indica, ele estava mais interessado na conexão com a Anatólia, certamente mais digna, do
que naquelas com o Egito e o Levante. Também é interessante notar que o livro foi
publicado em particular. 19 Um desdobramento ainda mais surpreendente foi a publicação,
no ano seguinte, no segundo volume da terceira edição de Cambridge Ancient History , do
capítulo The Rise of Mycenean Civilization , obra do arqueólogo clássico Frank Stubbings. 20

327
Nela, Stubbings aceitou o modelo antigo a ponto de sustentar a hipótese de uma invasão do
Egito e fundações de principados hicsos na Grécia; ele também afirmou que essa
interpretação foi confirmada por evidências arqueológicas recentemente descobertas que
atestam a influência do Oriente Próximo e do Egito na Grécia no início do período micênico.
21

Um arqueólogo clássico foi ainda mais longe. Emily Vermeule, professora do assunto em
Harvard, apresentou a possibilidade de que a civilização micênica tenha mantido contato
com o Egito e a Fenícia ao longo de sua existência. Em 1960, descrevendo as causas do
colapso, ela escreveu o seguinte:
é claro que não foram os micênicos que desapareceram, mas a civilização micênica. A força dessa civilização
dependia em grande parte do contato frutífero com Creta e o Oriente, a partir da época dos túmulos dos poços
[os primeiros túmulos descobertos por Schliemann em Micenas]. Quando o contato se rompe, a cultura micênica
se afasta tornando-se cada vez mais estéril a ponto de não ser mais reconhecível. 22

Vale lembrar que tais ideias não eram e não são de forma alguma típicas. A maioria dos
arqueólogos e historiadores britânicos modernos da Grécia micênica - Chadwick,
Dickinson, Hammond, Hooker, Renfrew e Taylour, por exemplo -
argumentam que a civilização micênica foi o resultado do desenvolvimento indígena. Os
empréstimos culturais gregos óbvios do Oriente Próximo e da África são vistos como sendo
introduzidos por meio de iniciativas gregas: o retorno de mercenários, comércio e até
turismo ao Oriente Médio. 23
Tendo descartado completamente a possibilidade de influências egípcias ou cananéias
na cultura e língua gregas, o oficial acadêmico poderia, portanto, usar esse "fato" para
atacar as hipóteses de invasão baseadas na tradição grega e paralelos arqueológicos.
Stubbings, ao lidar com os hicsos, tentou contornar o problema:
Que a egiptização mais massiva não se seguiu à sua chegada é perfeitamente compatível com o que sabemos
sobre os hicsos no Egito. Eles haviam introduzido pouco a ela além de novas técnicas militares e formas de
organização; eles não representavam um movimento de massa de uma população, eles eram antes uma casta
guerreira [...] eles não introduziram nenhuma nova linguagem. 24

Na minha opinião, esta análise da influência dos hicsos no Egito apresenta alguns
problemas. Sabemos muito pouco sobre o período hicsos. A longo prazo, no entanto, não há
dúvida de que durante o período de dominação estrangeira, apesar do ressurgimento do
nacionalismo e da cultura egípcia sob a XVIII Dinastia, houve uma transformação cultural
significativa. Stubbings parece certo quando define os hicsos como uma casta guerreira;
mas, como os mongóis, que perturbaram as culturas da Eurásia, os hicsos teriam sido
culturalmente formadores na transmissão de outras civilizações - a semítica no Egito, a
"minoica" e a egípcia na Grécia, e assim por diante. No entanto, a Grécia, que carecia da
longa tradição de civilização do Egito, era muito mais sensível às mudanças; é, portanto,
provável que os hicsos como um todo tenham tido uma influência maior no Egeu.
Historigraficamente, por outro lado, a posição de Stubbings era um retorno à hipótese
de Connop Thirlwall da década de 1830, e Adolf Holm da década de 1880, segundo os quais,
embora a presença de muitos egípcios e semitas na Grécia, isso não importava, pois eles
não teve efeito a longo prazo. Ao romper com o racismo cru do período 1885-1945,
Stubbings, como seus antecessores, rejeitou firmemente o antigo modelo.

328
A evidência arqueológica "recente" em que Stubbings baseou sua hipótese não foi
suficiente para abalar o modelo ariano extremo que estava tão profundamente enraizado.
Durante os anos sessenta, no entanto, foram feitas algumas novas descobertas que têm
particular relevância em relação à importância relativa dos levantinos e dos gregos no
Mediterrâneo oriental. Em 1967, o arqueólogo marinho George Bass publicou seu relatório
sobre um navio do final da Idade do Bronze encontrado durante uma escavação na região.
Embora afirmando que o navio mercante, que afundou no cabo Gelidonya, no sul da
Turquia, era siríaco, Bass não chegou a sugerir que isso teria sido uma indicação de que
qualquer forma de navegação na época era cananéia. Com base nesta e em outras
evidências, ele argumentou que era evidente que o comércio levantino tinha sido de
importância central durante o final da Idade do Bronze. 25 Isso desvalorizou suposições
amplamente aceitas, mas infundadas, sobre a existência de talassocracias não-semíticas,
minóicas ou micênicas e, finalmente, destruiu o argumento, usado por Beloch, de que os
navios fenícios não teriam conseguido chegar ao Egeu antes do século VIII .
Em 1963 e nos anos seguintes, no Kadmeion ou palácio real de Tebas, em uma camada
datada de cerca de 1300 aC, foram encontrados em grande número objetos do Oriente
Próximo, incluindo trinta e oito selos cilíndricos. 26 A maioria dos arqueólogos mostrou
cautela, mas essa descoberta, em uma cidade tão intimamente ligada à Fenícia pela
tradição, naturalmente levantou a possibilidade de que as lendas de Cadmee pudessem
conter uma parte da verdade. A descoberta também forneceu argumentos para um
questionamento radical dos aspectos antifênicos do modelo ariano. 27 Ainda na década de
1960, a pesquisa de historiadores da arte sobre os muitos motivos e técnicas comuns ao
Oriente Próximo e ao Egeu no final da Idade do Bronze mostrava a existência de contatos
próximos; e a direção de influência, durante a primeira parte desse período, parece indicar
que tais motivos e técnicas viajavam de leste a oeste. 28
Curiosamente, os arqueólogos clássicos e do mar Egeu não mostraram hostilidade
aberta a essa pesquisa. 29 Por outro lado, não há dúvida de que a evidência arqueológica da
influência do Oriente Próximo tem sido geralmente subestimada e, em contraste, a grande
quantidade de cerâmica micênica encontrada no Levante desde o final da Idade do Bronze
tem sido amplamente interpretada como uma indicação de Presença grega, senão
colonização, na região. 30 Embora Michael Astour e alguns dos críticos semitas se oponham a
essa hipótese, aceito que aparentemente houve uma influência grega considerável no
Levante ao longo dos séculos XIV e XIII . No entanto, também parece correto chamar a
atenção para a ambiguidade dos critérios aplicados pelos estudiosos quando confirmam
essa influência, mas negam a dos semitas ocidentais no Egeu. 31

Mitologia
Vale ressaltar que os helenistas se sentem menos desnorteados com as evidências de
contatos entre as culturas materiais das duas civilizações do que com as evidências que
atingem as duas áreas consideradas mais fundamentais: mitologia e linguagem. No campo
da mitologia, houve duas maneiras de lidar, sempre dentro do modelo ariano, a crescente
massa de evidências sobre os surpreendentes paralelos entre as formas do Egeu e as do
Oriente Próximo. A primeira e mais satisfatória delas foi a abordagem "antropológica",

329
patrocinada por Karl Otfried Müller, e cujos pioneiros na virada do século foram dois
classicistas de Cambridge, James Frazer e Jane Harrison: ela pressupõe a interpretação
desses paralelos como manifestações coincidentes da psique humana. Dessa forma, é
possível obscurecer as semelhanças entre os mitos e cultos gregos e os do Oriente Médio,
afogando-os em um dilúvio de obras que traçam paralelos no mundo do universo. 32 O outro
método principal é aquele mencionado nas pp. 340-341, adotado por dois classicistas
contemporâneos, o professor Walcot e o professor West. Consiste em atribuir influência
oriental aos índios, iranianos, hititas, hurritas e babilônios, em ordem decrescente de
conveniência. 33
Uma terceira técnica, a do classicista e mitógrafo americano Professor Fontenrose,
consiste em combinar os dois métodos anteriores e em postular a existência tanto de
universais como de empréstimos ocorridos ao longo do caminho por terra. 34 Ainda outro
método, que busca resolver o problema colocado pelos estreitos paralelos que podem ser
vistos entre a Grécia e a cultura semítica ocidental de Ugarit, consiste em postular a
existência de colônias gregas na cidade siríaca e a transmissão para a Grécia de mitos e
histórias semíticas por colonos. 35 Em todos esses métodos, o truque é explicar esses
paralelos de todas as maneiras possíveis, exceto aquela formulada no modelo antigo - ou
seja, a colonização da Grécia pelos egípcios e fenícios.

Língua
Ao longo deste volume, enfatizei como a linguagem é o sancta sanctorum do modelo ariano.
Não só se encontra aqui a crença romântica de que a linguagem é a expressão fundamental
da singularidade espiritual de um povo, mas também se trata da posição especial que a
linguagem ocupa como objeto de uma disciplina acadêmica. A capacidade de usar a língua
grega é uma condição sine qua non para fazer qualquer reivindicação no campo, e é
principalmente através do processo necessariamente autoritário de ensinar a língua que os
alunos aprendem as limitações da disciplina. Não surpreende, portanto, que, embora tenha
havido, no campo da cultura material, um considerável relaxamento da proibição imposta
às influências do Oriente Próximo, e embora algo tenha se movido no campo da mitologia,
no que se refere à linguagem a proibição de admitir influências afro-asiáticas fundamentais
ainda é rigidamente mantida. Mais uma vez, estudiosos "respeitáveis" atribuem os
elementos irredutivelmente orientais do vocabulário grego a fontes indianas, hititas,
hurritas, babilônicas, semíticas ocidentais e egípcias, nesta precisa ordem descendente de
conveniência. 36
Existem, no entanto, dois estudiosos americanos modernos, Saul Levin e John Pairman
Brown, que, tendo bons conhecimentos de grego e hebraico, trabalharam, com grande
cautela e solidez, para restabelecer alguns empréstimos cananeus na língua grega. Para o
pouco que os classicistas conhecem de seu trabalho, Levin é refutado porque argumenta
que existem ligações genéticas entre as línguas semítica e indo-européia, posição que se
tornou anátema desde a época em que o modelo ariano extremo foi estabelecido - e para os
mesmas razões que motivaram este modelo. 37 O trabalho de Brown, publicado
principalmente em periódicos de estudos semíticos, é simplesmente ignorado. 38 Essa é
justamente a forma tradicional de lidar com obras que oferecem resultados irrefutáveis.

330
Também houve o reconhecimento forçado de que a introdução dos empréstimos
admitidos encontrados na Linear B remonta à Idade do Bronze. No entanto, o trabalho mais
amplamente reconhecido e elogiado sobre empréstimos semíticos em grego foi um libreto
do linguista francês E. Masson que limita empréstimos confirmados a palavras que
designam objetos materiais atestados no pequeno corpus de inscrições fenícias, excluindo
aqueles encontrados em ugaríticos. ou na Bíblia. 39 O pequeno número de empréstimos
permitidos foi, portanto, ainda mais reduzido.

Ugarit
No entanto, uma reação ao arianismo estava surgindo. Antes de alcançá-lo, porém, devemos
considerar o principal desenvolvimento interno da disciplina que enfraqueceu o modelo
ariano extremo: a descoberta da civilização ugarítica. Ugarit, um porto na costa síria, foi
escavado com grande precisão após sua descoberta em 1929. Quase imediatamente,
durante a primeira campanha arqueológica, um grande número de tábuas de terracota
encontradas em camadas que datam do século XIV ao XIII aC Algumas estavam em o
acadiano, a língua franca do final da Idade do Bronze; outros, no entanto, traziam uma
escrita cuneiforme desconhecida. A decifração foi muito rápida, e por dois motivos:
primeiro, porque ao contrário de outras formas de cuneiforme, esta era alfabética;
segundo, porque a língua era uma forma até então desconhecida de semita ocidental muito
próxima do cananeu.
Essa "nova" linguagem tem sido de grande utilidade para os linguistas. A maioria dos
textos são baratos e fornecem informações valiosas sobre a estrutura e o comércio de um
grande shopping center. Outros se relacionam com lendas e rituais, e estes últimos foram
de extraordinária importância devido aos surpreendentes paralelos tanto com as histórias
da Bíblia quanto com a mitologia grega. E isso causa imensos problemas ao modelo ariano
extremo, cuja crença central é a de uma separação categórica entre gregos arianos e
levantinos semitas.

Disciplinas acadêmicas e a ascensão de Israel


Os estudos helênicos não foram diretamente influenciados pela fundação e expansão
militar de Israel, embora esses dois eventos oferecessem uma clara demonstração de que
um povo de língua cananéia não era ipso facto incapaz de conquistar ou estabelecer suas
próprias colônias no exterior. O efeito imediato sobre a maioria dos historiadores judeus
foi restringir o escopo de seus estudos à Palestina, negligenciando a diáspora. Da mesma
forma, havia uma tendência crescente de enfatizar as distinções e não as semelhanças entre
os israelitas e seus vizinhos fenícios e cananeus, limitando assim a possibilidade de fazer
estudos comparativos de grande importância. 40
A fundação do Estado de Israel, no entanto, teve uma influência indireta decisiva. Ele
renovou o orgulho dos judeus por seu judaísmo secular. Além disso, ao estabelecer dois
pólos de interesse - o religioso e o laico nacionalista - permitiu maior margem de manobra
dentro da tradição judaica. Alguns estudiosos conseguiram explorar esse novo cenário para

331
se tornarem independentes e, no campo que nos interessa aqui, os dois estudiosos mais
importantes, Cyrus Gordon e Michael Astour, atuam na América. Ambos são judeus e muito
conscientes disso, embora permaneçam fora das tendências oficiais religiosas e sionistas. O
que motiva o trabalho de Gordon parece ser um impulso de assimilação. Mas não
assimilação no sentido de estudiosos como Reinach, que queriam que os judeus se
conformassem à cultura cristã ou helênica. Para Gordon, ao que parece, a assimilação é uma
relação de igualdade em que ambas as partes, conscientes e orgulhosas de suas raízes,
criam uma civilização mais rica. 41 As ideias de Astour são semelhantes, mas parece que há
um elemento mais forte de pansemitismo em sua obra e uma relutância em admitir que
havia criatividade em povos de língua indo-europeia ou de língua egípcia.

Cyrus Gordon
Cyrus Gordon é um linguista brilhante e um dos maiores semitistas vivos. Embora seus
inimigos tenham lutado para substituí-lo, sua Gramática Ugarítica continua sendo o
trabalho canônico sobre a primeira língua semítica descoberta neste século. No entanto,
nos últimos trinta anos ele permaneceu à margem da vida acadêmica e a maioria dos
estudiosos o considera um excêntrico. Isso se deve em parte ao fato de que não são pecados
ou erros de omissão - para os quais o mundo acadêmico é muito brando -, mas de
dedicação, considerados pecados irreparavelmente graves. Além disso, suas tentativas de
provar a existência de influências fenícias ou mesmo judaicas antigas na América estão tão
distantes das noções convencionais que parecem ridículas. Isso significa para ele que todas
as suas obras originais podem ser descartadas com desacato, e de fato foram. 42
Uma ameaça muito mais séria e imediata ao status quo acadêmico, no entanto, são as
tentativas de Gordon de encontrar ligações entre a cultura semítica e grega. Em sua
opinião, havia duas pontes entre eles consistindo de Ugarit e Creta. Com base em sua
extensa pesquisa sobre Ugarit, ele escreveu uma monografia, publicada em 1955, intitulada
Homer and the Bible . Na conclusão do trabalho afirmou que "as civilizações grega e judaica
eram duas estruturas paralelas construídas sobre as mesmas fundações localizadas no
Mediterrâneo oriental". Embora isso fosse relativamente semelhante às ideias expressas
por Evans na virada do século, não era tolerável para os estudiosos que operavam de
acordo com o modelo ariano extremo. Como Gordon descreve, a reação ao seu trabalho foi
nitidamente dividido: alguns dos revisores foram pródigos em elogios, mas outros foram desdenhosos. Mas
acima de tudo isso estava claro: eu não era mais um estudioso quieto que os especialistas aceitavam como outro
especialista. Eu havia me tornado um pacificador acadêmico e, ao mesmo tempo, um estudioso cujos escritos e
palestras começaram a atrair um público mais amplo. 43

Aqui, como no caso de Victor Bérard cinquenta anos antes, havia uma divisão entre a
opinião secular, com suas 'preferências em massa' por combinações simples e vastas, e a
opinião profissional com suas preferências por 'cabelos divididos em quatro'. Os
profissionais exigem tópicos estreitos e isolados adequados à pesquisa individual e à
"propriedade privada" do conhecimento. Comparados a Bérard e Gordon, outros
especialistas se sentiram ameaçados, justamente pela plausibilidade do argumento que
contrariava o status quo acadêmico.

332
Para o leigo, a ideia de ligações estreitas entre a Grécia homérica, Ugarit e a Palestina
bíblica pode parecer perfeitamente plausível se levarmos em conta sua proximidade
histórica e geográfica, e especialmente se considerarmos o descrédito em que o nazismo
colocou a ideia. os arianos eram categoricamente distintos e superiores. Para os
profissionais, as coisas "não eram tão simples" e os leigos que desconheciam a situação
detalhada na literatura especializada não tinham o direito de questionar os especialistas.
Infelizmente, por mais que os acadêmicos gostariam que isso fosse verdade - já que seu
status e sustento estão em jogo - o óbvio nem sempre é falso! Às vezes, se você pensar bem,
pode descobrir que o leigo sabia mais do que os profissionais: mencionei na introdução o
caso da deriva continental.
Creta, o segundo elo entre os semitas e os gregos, na opinião de Gordon, era uma
questão ainda mais candente. Impressionado com a decifração do Linear B por Ventris,
Gordon prosseguiu com a hipótese - criticada na época, mas agora geralmente aceita - de
que os sinais do Linear A, o sistema de escrita linear que precedeu B e foi usado pelo menos
desde a civilização minóica em uma Nessa fase, eles tinham o mesmo valor fonético que os
de B. 44 Seguindo esse princípio, Gordon foi capaz de ler várias palavras semíticas e
discernir estruturas de sentenças semíticas na escrita mais antiga. Para tanto, partiu da
hipótese de que, como no linear B, havia pouca distinção entre oclusivas surdas e sonoras (
p e b ; t e d ; keg ) . Além disso, para seu vocabulário, ele também extraiu tanto do semítico
ocidental quanto do acadiano. Em 1957, Gordon publicou os resultados preliminares de sua
leitura de Linear A na altamente respeitada revista Antiquity ; na década de 1960, ele
desenvolveu suas idéias sobre o Linear A e as leituras semíticas das inscrições posteriores
de Eeteocretes escritas no alfabeto grego. 45 Os procedimentos que ele adotou eram
geralmente considerados ilegítimos, mas encontraram confirmação espetacular em 1975
com a descoberta do eblaite, uma língua semítica ocidental do terceiro milênio aC O eblaite
combina arcaísmos acadianos com traços encontrados em ugarítico e cananeu. 46
O trabalho de Gordon sobre os paralelos entre Homero e a Bíblia, bem como seu
trabalho no Linear A, foi considerado "questionável". É interessante, no entanto, que
Gordon encontrou apoio imediato de dois estudiosos sul-africanos brancos e "ingleses", e
isso, na minha opinião, pode ser explicado por forças externas à disciplina ou ideológicas.
Enquanto, depois de 1885, a maioria dos norte-europeus e americanos se sentiram livres
para expressar seu antissemitismo, os africânderes, devido à sua tradição fundamentalista,
tinham tanto amor quanto ódio pelos judeus. 47 Essa combinação se transformou em
antissemitismo à medida que seu racismo se sistematizou e seguiu sua aliança com a
Alemanha nazista. 48
Por outro lado, os sul-africanos "ingleses" nunca puderam ignorar a ameaça
representada pela não-Europa e, assim, mantiveram a ambivalência do século XIX em
relação aos judeus. Além disso, eles tinham uma necessidade específica de encontrar uma
explicação para as enormes ruínas de pedra do Zimbábue, que dão nome ao país hoje.
Antes mesmo que a datação por carbono dos anos sessenta estabelecesse a data entre os
séculos XV e XVI d.C., já era evidente que essas ruínas eram obra do povo Shona, que ainda
vive na região. Mas tal conclusão era impossível, pois os estereótipos raciais proibiam a
crença de que os africanos fossem capazes de tais feitos; esses edifícios foram então
atribuídos aos fenícios. 49 Nesse sentido, portanto, na África Austral foram preservados os
sentimentos positivos que se tinha na época vitoriana pelos fenícios; esse parece ser um

333
dos fatores que determinaram a abertura de espírito dos classicistas sul-africanos sobre o
assunto em questão.
No entanto, os dois estudiosos sul-africanos posteriormente retiraram seu apoio e
assumiram posições mais ortodoxas em relação ao Linear A, favorecendo uma atitude de
agnosticismo e a ideia de conexões com as línguas da Anatólia. Essa mudança deve ser vista
à luz das amargas reações que ocorreram entre os helenistas europeus contra a
possibilidade de conexões semíticas, reações que vieram em particular do colaborador de
Ventris, John Chadwick, decano dos estudos linguísticos micênicos. Nem no artigo sobre o
Linear B escrito para a Cambridge Ancient History , nem em seus pesados Documents in
Mycenaean Greek , Chadwick faz qualquer menção ao trabalho de Gordon no Linear A,
muitos dos quais foram publicados em jornais reconhecidos. Curiosamente, Chadwick
afirma especificamente que essa omissão em sua bibliografia "não deve ser interpretada
como uma crítica". No entanto, a importância da hipótese de Gordon - não apenas na
interpretação do Linear A, mas também na natureza da escrita, linguagem e sociedade
micênicas - torna a omissão altamente significativa. 50
Até agora, pelo menos, o destino de Gordon tem sido o de muitos radicais. Mesmo agora
que o modelo ariano extremo, que Gordon havia transgredido na década de 1950, está
começando a entrar em colapso. E embora agora se reconheça que o Linear A pode ser lido
com os valores fonéticos do Linear B; que houve línguas semíticas "mistas"; que há palavras
semíticas em Linear A e Eeteocretese, e que não há nenhuma razão intrínseca para que elas
não sejam semíticas, continua a ser negado que elas sejam semíticas e que Gordon merece
qualquer crédito por sugerir isso. 51
Embora em muitos aspectos Cyrus Gordon seja um pária acadêmico, sua habilidade
linguística e didática fez com que seus alunos - principalmente judeus - sejam os mais bem
dotados de sua geração e que agora se tornaram uma força significativa nos estudos
semíticos na América. Uma das lições que eles aprenderam é o custo que aqueles que não
acompanham devem pagar, e apenas um deles publicou em Creta. 52 No entanto, a maioria
deles mantém uma concordância básica com suas ideias e está convencida de que o papel
dos cananeus e dos fenícios tem sido sistematicamente negligenciado. 53 Não há dúvida de
que sua influência contribui para minar o status quo acadêmico e que, nos Estados Unidos,
pode levar a uma recusa em aceitar a predominância dos estudos clássicos sobre os
estudos semíticos, nunca antes questionada.

Astour e "Hellenosemítica"
No curto prazo, no entanto, o colega de Gordon, Michael Astour, teve uma influência muito
maior. Astour esteve em Paris nos anos 30, onde foi aluno do decifrador ugarítico francês,
Charles Virolleaud; ele havia sido influenciado por Bérard e, em particular, declarou-se
convencido da verdade fundamental das referências fenícias nos mitos cadmeianos. De
1939 a 1950, Astour foi internado em campos de prisioneiros soviéticos; passou os seis
anos seguintes em uma cidade da Sibéria, onde pôde, em seu tempo livre e superando
grandes dificuldades, continuar sua pesquisa sobre as relações greco-semitas. Em 1956, ele
deixou a União Soviética para a Polônia e aqui, no ano seguinte, ele leu o primeiro artigo de
Gordon sobre a Linear A. Pouco depois, mudou-se para os Estados Unidos, onde Gordon

334
conseguiu um cargo em seu departamento na grande universidade judaica de Brandeis. 54
Em 1967, publicou Hellenosemitica , livro que reúne importantes estudos sobre os ciclos
míticos de Danaus e Cadmus e sobre o que chama de "heróis da cura", que incluem Jasão e
Belerofonte. Nessas obras, ele procura demonstrar semelhanças detalhadas entre os mitos
gregos, ugaríticos e bíblicos, tanto na estrutura quanto na nomenclatura, e nesse sentido
segue e supera a obra de Bérard.
Como já mencionei, outros estudiosos, como Fontenrose e Walcot, durante o final dos
anos 1950 e início dos anos 1960 identificaram paralelos detalhados entre a mitologia
grega e do Oriente Próximo, mas nunca duvidando de que as formas gregas eram derivadas.
55 Por que o trabalho de Astour foi considerado muito mais escandaloso? Primeiro,

transgrediu em nível formal, pois desafiou a hierarquia acadêmica; isso era um reflexo do
poder respectivo das duas disciplinas. Embora os classicistas tivessem discutido
anteriormente os paralelos orientais da mitologia helênica, era bem diferente e inaceitável
para os orientalistas se pronunciarem sobre a Grécia.
Havia também objeções fundamentais ao trabalho de Astour. Estudiosos como
Fontenrose e Walcot haviam encoberto visões abrangentes da mitologia mundial -
incluindo Índia, Irã e assim por diante - e deram preferência, se possível, a fontes menos
ofensivas. Por outro lado, o fato de Astour ter derivado nomes gregos de nomes semíticos
não estava apenas invadindo o terreno sagrado da língua, mas também estabelecendo
conexões entre semitas ocidentais e gregos tão próximas e específicas que são inquietantes.
Além disso, dois dos ciclos míticos tratados - o Cádmio e o Danaico - diziam respeito à
colonização da Grécia pelos povos do Oriente Próximo, e Astour argumentou com
plausibilidade que eles poderiam conter um núcleo de verdade histórica. A quarta parte da
Hellenosemitica foi ainda mais provocativa na medida em que tratava da sociologia do
conhecimento, e o perfil que oferecia da história e ideologia dos estudos clássicos e da
arqueologia clássica serviu de base para todos os escritos posteriores sobre o assunto,
incluindo este volume. Dessa forma, Astour injetou o relativismo em disciplinas que antes
eram impermeáveis às forças do probabilismo e da incerteza que vinham transformando
outras disciplinas desde a década de 1890.
Astour - com todo o respeito a Ruth Edwards e outros - provou que havia ligações
fundamentais entre a mitologia semítica ocidental e a mitologia grega. 56 Mas isso é apenas
parte do propósito que se propõe. Como os Movers e outros estudiosos do amplo modelo
ariano de meados do século XIX, Astour está convencido de que a imagem de colonização
fornecida pelo modelo antigo é substancialmente correta, exceto que este atribuiu aos
egípcios o que eram essencialmente conquistas dos semitas ocidentais. Em geral, ele afirma
que "não apenas o fenício era falado em diferentes partes da Grécia micênica, mas toda a
civilização micênica era essencialmente uma cultura periférica do antigo Oriente, sua
extensão mais ocidental". 57
Embora tenha destacado a presença de empréstimos linguísticos no Linear B, que
provaram influências semíticas significativas que ocorreram antes do século XIV aC, Astour
não procurou outros exemplos em outras fases do desenvolvimento da língua grega. Além
disso, ele nunca considerou a possibilidade de influências culturais egípcias; ou, em geral,
uma influência do Oriente Próximo que poderia explicar a maior parte dos elementos não
indo-europeus na língua, topônimos e nomenclatura da Grécia que permitiriam, assim,

335
dispensar o substrato hipotético dos pré-helenos. No entanto, Astour mudou
permanentemente a historiografia do antigo Mediterrâneo.
Hellenosemitica teve vendas excepcionais. No entanto, as críticas foram tão hostis que a
Astour interrompeu todas as pesquisas sobre o assunto. Os críticos encontraram sua
orientação em um dos poucos estudiosos com o conhecimento necessário para discutir o
trabalho de Astour, JD Muhly, um arqueólogo americano que conhecia grego e acadiano.
Muhly argumentou que « Hellenosemitica é uma profunda decepção. Em vez de uma
reconsideração do problema, à luz da profusão de material novo, o leitor é servido uma
rechaufagem das teorias de Victor Bérard ». 58 Na opinião de Muhly, Astour não havia
provado nada sobre a relação entre os gregos e o Levante durante a Idade do Bronze. Ele
argumentou ainda que, quando Astour atacou os excessos antifênicos de estudiosos como
Beloch na década de 1890, ele estava na verdade construindo um espantalho cujas
concepções eram bem diferentes das dos classicistas modernos. No entanto, a força desse
argumento foi enfraquecida por outra afirmação de Muhly: "Não pretendo defender os
absurdos sobre a civilização do Oriente Próximo que foram e ainda são publicados por
eminentes classicistas" [grifo meu]. 59
A segunda afirmação de Muhly deve ser tomada como vale a pena, porque Beloch ainda
goza de amplo respeito em alguns círculos de sua disciplina e porque há muito pouco a
escolher entre seu antifenismo na década de 1890 e o de Rhys Carpenter na década de
1950. 60 Sobre por outro lado, Muhly estava perfeitamente correto quando apontou que a
maioria dos classicistas modernos não compartilha o racismo e o anti-semitismo que era
endêmico entre seus mestres, ou entre os mestres de seus mestres. No entanto, ele pediu a
seus leitores que engolissem a ideia implausível de que o modelo ariano extremo havia
surgido puro, não contaminado pelo Zeitgeist em que se formou ou pelas concepções -
agora consideradas inaceitáveis - de quem o criou.
Três anos depois, em 1970, Muhly voltou ao ataque em um artigo intitulado "Homero e
os fenícios". Nele, baseando seu argumento nas noções convencionais descritas
anteriormente neste capítulo, ele argumentou que não havia evidência arqueológica da
presença fenícia no Mediterrâneo anterior ao século VIII , e que os objetos levantinos
encontrados nos níveis do A Idade do Bronze chegara lá como objetos trazidos por gregos
que haviam sido mercenários, ou por mercadores, ou mesmo como bric-à-brac trazidos por
turistas. Ele então afirmou que os fenícios de Homero eram aqueles conhecidos por
Homero em seu tempo, que na opinião de Muhly era o século VIII , mas não eram
contemporâneos da Guerra de Tróia ou do final do período micênico. Desta forma Muhly
reafirmou em termos claros e apaixonados os argumentos de Beloch e Rhys Carpenter que
sustentavam que a influência fenícia na Grécia havia sido tardia e superficial. 61 Voltaremos
mais adiante à mudança parcial de opinião que Muhly teve na década de 1980.

JC Billigmeier: O sucessor de Astour?


Embora Astour não tenha tido uma grande influência imediata nos estudos clássicos, seu
trabalho provocou alguma resposta das antiguidades. Em 1976, uma curta tese de
doutorado (PhD) de JC Billigmeier, intitulada Kadmos and the Possibility of a Semitic
Presence in Helladic Greece , foi aprovada na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara.

336
Na verdade, a tese era mais ousada do que o título sugere, pois não apenas aceitava o
trabalho de Astour sobre as lendas em torno de Cadmo e Danaus, mas também levava em
consideração as tradições de origem egípcia de Danaus. Billigmeier também reconfirmou
algumas das etimologias semíticas aceitas de palavras e topônimos gregos e reviveu várias
daquelas descartadas durante o século XIX. 62
Sete anos depois, em 1983, foi anunciado que uma pequena editora holandesa publicaria
o trabalho de Billigmeier em forma de livro. No último momento, porém, o livro prometido
foi retirado e não apareceu desde então. Sem conhecer os detalhes do caso, é impossível
dizer algo definitivo - em qualquer caso, o curso dos acontecimentos parece o mesmo, que
no final as editoras são "desencorajadas" de publicar livros em apoio a essa heresia
acadêmica específica. 63 Saul Levin, por exemplo, escreveu:
A busca por um editor disposto levou muito mais tempo do que minha pesquisa, e foi tão desagradável quanto as
buscas foram emocionantes. A experiência me ensinou a esperar um ano ou mais e então receber nada melhor
do que uma carta de rejeição com uma breve explicação, ou nenhuma explicação. 64

Esta é uma boa descrição da minha própria experiência, enquanto Cyrus Gordon publicou
todos os seus livros mais recentes em uma pequena editora cujo proprietário é um membro
da família. Ruth Edwards, que discutirei abaixo, agradece a sua editora "por concordar em
publicar o trabalho em um período que se mostrou muito difícil". 65 Essa tendência revela a
maneira como os acadêmicos que defendem o status quo, graças ao controle das editoras
universitárias, e à influência sobre as editoras comerciais, conseguem "manter altos níveis
de pesquisa" - como diriam - ou , em outras palavras, para forçar a oposição à ortodoxia
através da repressão.

Uma tentativa de compromisso: Ruth Edwards


Nenhum classicista achou que valeu a pena - ou, talvez, foi capaz? - fazer uma defesa
exaustiva de sua posição diante do desafio que veio de Gordon e Astour. Por outro lado,
nenhum estudioso tentou formular um compromisso pelo qual os aspectos positivos das
pesquisas dos dois semitistas pudessem ser incorporados ao campo da disciplina
"respeitável". Quem fez isso foi Ruth Edwards, uma estudante de Stubbings, convencida das
conquistas dos hicsos. A tese de Ruth Edwards foi concluída em 1968, mas o livro só foi
publicado dez anos depois. A obra Kadmos, o Fenício , é de importância central para os
temas que tratamos.
Na atitude, Edwards é crítico de Astour. Ele ataca duramente as conexões que
estabeleceu com base em paralelos mitológicos, pois, argumenta ele, muitos são vagos;
baseiam-se em leituras duvidosas de textos ugaríticos; datam de diferentes épocas, ou são
simplesmente fruto de motivos folclóricos comuns. 66 Ela também é cética quanto às
etimologias que ele estabeleceu, devido à área de incerteza que é inevitável quando se trata
de alfabetos semíticos ocidentais puramente consonantais. Por outro lado, ela também é
dura com os críticos das fontes que negam a antiguidade das lendas de Cadmo e Danaus:
como nenhum autor grego as questionou, Edwards aponta, os críticos de fontes só podem
confiar na dúvida. "Argumento baseado no silêncio". E então ele passa a mostrar que as
lendas da colonização fenícia são de fato muito antigas. 67

337
Em geral, o Dr. Edwards argumenta que todas as lendas devem ser tratadas com
extrema cautela e que, na medida do possível, motivos folclóricos comuns não devem estar
entre os fatores considerados. Mas ela está convencida de que as lendas sobre Cadmo e
Danaus contêm elementos micênicos genuínos e também concorda com Astour ao
argumentar que os testemunhos oferecidos pelas lendas não são mais subjetivos do que
aqueles que nos chegam de outras fontes. Ou, em suas palavras:
Aqueles que nos exortam a deixar de lado as lendas e focar em outras fontes às vezes sentem que essas outras
fontes são de alguma forma mais objetivas do que as tradições. Mas é necessário enfatizar que a arqueologia, a
linguagem e os documentos são objetivos apenas dentro de limites muito estreitos; na realidade, eles só o são na
medida em que se tornam objeto de mera observação e descrição dos dados. Assim que eles exigem
interpretação, um elemento subjetivo entra em jogo. Este é um ponto a ser esclarecido particularmente no que
diz respeito à arqueologia: o mesmo conjunto de artefatos, os mesmos níveis de destruição podem ser
interpretados de maneiras diferentes por diferentes arqueólogos. Além disso, as interpretações arqueológicas
também tendem a seguir certas modas. No início deste século, por exemplo, no campo da pré-história na Grã-
Bretanha havia o costume de atribuir certas mudanças na cultura material às invasões; hoje, essa ideia é
geralmente rejeitada em favor de explicações baseadas na ideia de desenvolvimentos indígenas. Da mesma
forma, no campo da pré-história grega pode-se ver que até a década de 1890 havia uma tendência a interpretar
muitas criações da Idade do Bronze como obra dos fenícios ou outros orientais [...] e como logo após a hipótese
cretense se tornou quase universal aceito e, como atualmente, há uma tendência a enfatizar a independência da
Grécia continental. As outras fontes, portanto, não são em si objetivas para fins de reconstrução da pré-história ;
eles estão sujeitos às mesmas limitações que são impostas à tradição lendária. O estudioso da pré-história
sempre trabalha com base em materiais imperfeitos e ambíguos e não há […] nada fundamentalmente ilógico ou
infundado no uso de evidências lendárias, desde que se tenha consciência do que está fazendo. 68

Assim, embora aceitando que há um núcleo histórico nas lendas cadmee - e,


implicitamente, nas danaeanas - Edwards não tem certeza se elas se referem a uma
colonização hicsa do século XVI ou a um assentamento comercial do século XIV . Ele também
acredita que as lendas sugerem uma fundação cadmean em Tebas de Creta ou do Oriente
Próximo, e prefere o último caso. 69 Mas - seguindo seu professor, Stubbings, e a "tradição
Thirlwall" de que "embora seja possível que tenha havido invasões semíticas, isso não faz
diferença" - ela esclarece que a única coisa de que tem quase certeza é que houve nenhuma
migração em grande escala para a Grécia:
em grande escala de pessoas do Oriente tivesse ocorrido na Grécia micênica , seria de esperar encontrar
vestígios mais específicos em achados arqueológicos ou alguns vestígios em documentos orientais. Mas não há
evidência desse tipo, e nenhuma ajuda vem de materiais linguísticos, dado que (com todo o respeito a Astour) os
semitismos que ocorrem em grego são comparativamente poucos e podem ser explicados como emprestados. 70

Cabe destacar aqui o uso do "argumento baseado no silêncio" no caso da arqueologia e a


circularidade do argumento linguístico, que em certo sentido se formula assim: "É inútil
buscar etimologias de palavras gregas que datam de volta ao Oriente Próximo, pois não há
documentação de contatos prolongados entre as duas culturas. E como há tão poucos
empréstimos linguísticos em grego, não pode ter havido nenhum contato significativo […]
».
No entanto, apesar da cautela e do desejo de manter Gordon e Astour a uma distância
cautelosa, não há dúvida de que Ruth Edwards foi profundamente influenciada por seu
trabalho. É surpreendente que Billigmeier, que ignorava inteiramente a tese de Edwards,
tenha trabalhado em linhas semelhantes. No geral, o trabalho deles é uma pista para mim
de que o modelo ariano extremo está entrando em colapso. Edwards e Billigmeier admitem

338
que o antissemitismo da época influenciou a historiografia sobre os fenícios. Além disso - e
novamente Edwards segue Stubbings, seu professor - ambos argumentam que as lendas
são uma fonte legítima de informação sobre a pré-história.

O retorno dos fenícios da Idade do Ferro


Enquanto Astour e seus sucessores ressuscitaram os fenícios ou cananeus da Idade do
Bronze, também houve tentativas de realocar os fenícios para o início da Idade do Ferro
Egeu. Os artigos do classicista belga D. van Berchem sobre os Sanctuaires d'Hercule-
Melqart: contributo à l'étude de l'expansion Phénicienne en Méditerranée , publicados em
1967, mostram a extensão, profundidade e antiguidade da influência fenícia no
Mediterrâneo em o início do primeiro milênio aC 71 Então, em 1979, um importante trabalho
sobre a expansão fenícia foi publicado por outro estudioso belga, Guy Bunnens. Nele o
autor mescla a tradição filofônica francófona com a autoconsciência difundida no mundo
acadêmico dos anos sessenta e com a análise política a que Astour submeteu os estudos
clássicos. 72
Em 1980, o feudo acadêmico de Muhly, a Universidade da Pensilvânia, também foi
infectado. A tese de um de seus alunos, PR Helm, lista as inúmeras evidências arqueológicas
recém-descobertas que indicam uma presença fenícia no mar Egeu desde o século X aC E
em um parágrafo que sugere as dificuldades encontradas quando um aluno chega a
conclusões contrárias ao profundo idéias enraizadas de seu professor, Helm escreve:
Não se pretende com isso sugerir que a teoria de um monopólio marítimo do Oriente Próximo - rejeitada como
modelo de comércio do Egeu Oriental no final da Idade do Bronze - deva ser revivida para descrever as
condições existentes no final da Idade do Ferro. Tampouco propõe voltar aos "dias em que os estudiosos viam
mercadores fenícios em toda parte no século VIII trazendo suas mercadorias para a Grécia e instruindo os
gregos nas mais altas artes da civilização". Há evidências suficientes para apoiar o fato de que Atenas e os outros
estados gregos nessa época estavam regularmente envolvidos em empreendimentos marítimos. O que queremos
sugerir é, em vez disso, que o comércio oriental estava principalmente, se não exclusivamente, nas mãos de
comerciantes de Chipre (e provavelmente também das costas do Levante) [em outro lugar, ele escreve que os bens
cipriotas eram "na verdade de origem fenícia". ] Que negociava regularmente com o sudeste do mar Egeu e
ocasionalmente com as Cíclades, Eubéia e Ática [grifo meu]. 73

Agora, em meados da década de 1980, o próprio Muhly está mudando sua postura. Em um
trabalho publicado em 1984 - aparentemente sob pressão de novas evidências
arqueológicas - ele encontra uma enorme influência semítica ocidental na Grécia micênica.
74 No entanto, apesar de sua reviravolta e das conclusões de Helm, ele teimosamente

mantém sua própria ideia sobre o problema da presença fenícia no Egeu durante o início da
Idade do Ferro. 75

Naveh e a transmissão do alfabeto


Não é de surpreender que a "revolta" dos semitas tenha sido mais bem-sucedida em
abordar a fraqueza do modelo ariano, o alfabeto; como vimos, as críticas dirigidas ao
modelo extremo nas décadas de 1950 e 1960 claramente ligadas ao renascimento da
autossuficiência judaica após o estabelecimento de Israel. Além disso, quanto ao alfabeto, o

339
desafio veio do próprio Israel. Durante a década de 1940, o professor Tur-Sinai, semitista e
epigrafista da Universidade de Jerusalém, continuou a se opor à datação muito recente de
Rhys Carpenter; então, em 1973, houve um novo começo graças a um artigo precursor de
um arqueólogo que se tornou um epigrafista, Joseph Naveh, intitulado Algumas
considerações epigráficas semíticas sobre a antiguidade do alfabeto grego . 76 Baseando-se
apenas na epigrafia, Naveh argumentou que a direção incerta das primeiras inscrições
gregas se assemelhava não à tendência regular da direita para a esquerda do alfabeto
fenício, mas às irregularidades do alfabeto cananeu que o precedeu. Da mesma forma, as
formas de algumas letras gregas, notadamente A e Σ, não eram fenícias, mas eram
semelhantes às do período anterior. Naveh argumentou ainda que as primeiras formas
gregas H e O eram idênticas às formas cananéias e não às fenícias, e que Δ, E , N , Ξ, Π, O , P e
talvez ϙ , embora não, idênticas às formas mais antigas Semitas, eles poderiam derivar mais
plausivelmente das formas cananéias posteriores do que das fenícias. 77
Naveh percebeu que essa hipótese teria encontrado algumas dificuldades com K e M ,
cujos primeiros exemplos se assemelham a formas fenícias que datam de 850 aC, em vez de
formas mais antigas. As explicações encontradas foram bastante trabalhosas e, apesar das
complicações, ele se convenceu de que as letras mais antigas e o corpus de evidências
indicavam definitivamente uma data anterior à padronização do alfabeto fenício. Uma vez
que aceitou - erroneamente na minha opinião - a datação avançada estabelecida por
Albright pouco depois de 1000 a. de padronização, e fixou a data de transmissão para ser
cinquenta anos antes, por volta de 1050. 78
O artigo de Naveh foi publicado no The American Journal of Archaeology , no qual seus
Carpenters e Ullman haviam publicado. No entanto, como tantas vezes acontece quando
alguém se atreve a questionar radicalmente as ortodoxias acadêmicas, quase não houve
reação. O eminente sucessor de Rhys Carpenter em Oxford, Dr. L. Jeffery, limitou sua crítica
a breves comentários como : um problema (e sua tese está errada quando ele acredita que as
formas sem cauda de mu e psi são mais antigas) ». 79 Tomados como um todo, tanto ela
quanto seus colegas continuaram a confiar no "trabalho fundamental de Rhys Carpenter":
embora agora, depois que as inscrições gregas que datam do século VIII foram descobertas,
eles tendem a pensar em termos de 800 em vez de a de 700 aC 80 Aliás, esta admissão
remove um dos principais suportes da tese de Carpenter - a necessidade de recorrer aos
assírios para empurrar os fenícios para o oeste. Também retira uma de suas principais
razões para provar que a influência fenícia viria após a formação da polis grega .
A situação é muito diferente entre os semitas. O professor Kyle McCarter, estudioso
bíblico e epigrafista, aluno e colega do grande sucessor de Albright, o professor Frank
Cross, que é o mais eminente estudioso da epigrafia semítica em Harvard, tentou encontrar
um compromisso entre Naveh e Carpenter, concluindo com esta declaração indecisa:
Embora seja possível que os gregos tenham começado a experimentar o alfabeto fenício já no século 11 aC, por
algum motivo eles não desenvolveram uma tradição verdadeiramente independente até o início do século 8 . O
sistema grego é, portanto, melhor definido se for descendente de um protótipo fenício de cerca de 800 aC 81

Acredito que McCarter esteja certo quando estabelece dois prazos para o empréstimo do
alfabeto. Onde ela é descaradamente enganosa, no entanto, é ao afirmar sua própria
ortodoxia e sua própria aparente aceitação da de Carpenter. De fato, McCarter aceitou a

340
hipótese de Naveh - porque o que mais seriam os "experimentos" alfabéticos, senão um
empréstimo anterior do alfabeto? Por outro lado, o dilema de McCarter é um problema
geral, e muitos semitistas tendem cada vez mais a borrar sua datação da transmissão do
alfabeto, remontando-a a um período que oscila entre 1100 e 750 aC 82
Outros semitistas, no entanto, retrocederam ainda mais. Cross está assumindo um tom
cada vez mais assertivo em relação aos classicistas. Como eu disse em 1975, demonstrando
com sucesso a relação intrínseca entre a datação avançada da transmissão alfabética e o
modelo ariano extremo:
Do ponto de vista do orientalista, alguns argumentos típicos dos classicistas a favor de uma datação tardia do
empréstimo não têm mais validade: (1) o argumento de que os fenícios não estavam presentes no Ocidente no
século VIII ou mais tarde é simplesmente falso, um exemplo clássico da falácia implícita em argumentum e
silentio . Os fenícios estiveram em contacto com as ilhas e costas do Mediterrâneo ocidental a partir do século XI
[…]; (2) A teoria de que teria havido uma longa era das trevas do analfabetismo na Grécia está aparentemente
desmoronando […]. Para o orientalista esta teoria parece muito precária […]; ( ) A ideia amplamente
compartilhada de que a escrita grega foi emprestada imediatamente antes das inscrições mais antigas (agora
datadas da segunda metade do século VIII aC) está errada […]. Devemos postular um período considerável de
tempo decorrido entre a época do empréstimo da escrita e sua primeira aparição nas inscrições gregas mais
antigas que conhecemos para explicar a distância entre as formas mais antigas de escrita grega e qualquer ponto
na sucessão de tipos de escrita do proto-cananeu ao fenício linear […]; ( ) Nenhuma teoria da escrita grega se
sustentará por muito tempo se não oferecer uma explicação adequada dos traços arcaicos (isto é,
tipologicamente antigos) presentes no alfabeto de Creta, de Tera e de Melo. Estou muito inclinado a acreditar
que os fenícios no Ocidente, e não os gregos no Oriente, foram os principais agentes da difusão inicial do
alfabeto. 83

As crenças de Cross foram reforçadas ainda mais por descobertas recentes em Israel,
principalmente a de um alfabeto completo do século XII a.C. encontrado na vila de Izbet
Sartah, perto de Tel Aviv, cujas letras são muito mais semelhantes às do alfabeto grego ou
romano do que fenícios posteriores. 84
No entanto, ainda existem estudiosos da epigrafia semítica que estão assustados com
essa audácia e que se apressaram de alegria com a recente descoberta de uma inscrição em
Tell Fekheriye, a cerca de duzentos quilômetros da fronteira turco-síria. Uma vez que as
letras desta inscrição - datadas com alguma incerteza em bases não epigráficas de meados
do século IX - têm muitas características "pré-fénicas", argumenta-se que as características
arcaicas encontradas no alfabeto grego mais antigo poderiam ter sido transmitidas muito
atrás. 85 Mas mesmo esses estudiosos admitem que a costa levantina e seu interior imediato
já escreviam no século IX com as letras fenícias normais. Para que um alfabeto grego do tipo
Tell Fekheriye chegasse à Grécia, teria que contornar a Fenícia, a região mais rica e
prestigiosa do Oriente Próximo na época. A implausibilidade de tal hipótese apenas reforça
o poder do conservadorismo e os interesses nele envolvidos.
Apesar deste pequeno jogo de mãos, não há dúvida de que a tendência geral hoje é a
favor de datas mais antigas para a transmissão do alfabeto, e datas em torno do século X são
agora relativamente comuns mesmo entre aqueles que se declaram contrários à hipótese
de Naveh . 86 Houve tentativas de mover a datação para antes do século XI . Em 1981, Robert
Stieglitz, aluno de Gordon, publicou um artigo no qual argumentava que Naveh é muito
minimalista quando levanta a hipótese de que o alfabeto seria transmitido apenas na
última data possível antes da formação do alfabeto fenício. No entanto, Stieglitz mostrou
que evidências de escritos ugaríticos tardios indicam a presença de um alfabeto fenício de
22 letras já em 1400 aC posse de um alfabeto antes da Guerra de Tróia. Ele, portanto,

341
argumenta que o alfabeto foi transmitido através de uma população eteocreta de língua
semítica na Creta do século XIV . 87
Em 1983, propus uma datação ainda mais antiga para a transmissão, com base em uma
nova descoberta em Kāmid el Lōz, no vale Bek <a no Líbano , que situa claramente o chamado
alfabeto semítico do sul no século XIV aC . escrituras, das quais os alfabetos etíopes são os
únicos exemplos sobreviventes hoje, ocorrem em todo o deserto árabe e sírio. Uma das
diferenças mais significativas do alfabeto cananeu de 22 letras e seus descendentes - que
incluem fenício, aramaico e o derivado do aramaico, o alfabeto árabe moderno - é que os
scripts semíticos do sul têm até 30 letras por representar todas as consoantes de árabe e
proto-semita. Os professores Röllig e Mansfeld, dois semitas e epigrafistas alemães,
argumentaram plausivelmente, com base na descoberta de Kāmid el Lōz, que o alfabeto
cananeu teria derivado de um alfabeto semítico anterior do tipo semítico do sul. 89
Em 1902, o semita alemão Praetorius havia destacado as notáveis correspondências
visuais e fonéticas entre as letras do tamúdico e do safaítico - dois dos alfabetos semíticos
do sul mais arcaicos, não usados em cananeu - e as chamadas "letras novas" Φ, Χ , Ψ, Ω,
colocado no final do alfabeto grego. Eles se repetem em muitas das mais antigas inscrições
gregas, mas sua origem não foi descoberta. Praetorius argumentou que essas letras eram
derivadas de um alfabeto mais antigo do tipo semítico do sul. Embora alguns estudiosos,
incluindo Sir Arthur Evans e o grande semitista francês René Dussaud, tenham admitido
tais semelhanças, a hipótese foi abandonada nas décadas de 1920 e 1930. 90 As razões para
isso, ao que parece, foram, por um lado, a incompatibilidade entre essas ideias e o modelo
ariano extremo, por outro, o positivismo arqueológico dominante nas últimas décadas que
levou os estudiosos a solicitar provas de existência em data remota . dos alfabetos semíticos
do sul.
Agora que sua presença foi atestada em tempos muito antigos, é na minha opinião o
momento propício para reabrir o debate. Apresentei a hipótese de que os alfabetos da
Anatólia, do Egeu e outros - e silabários derivados alfabeticamente presentes no
Mediterrâneo - originam-se de um alfabeto em uso no Levante que remonta a antes de ser
desenvolvido nas cidades fenícias dos séculos XV e XIV aC. o alfabeto cananeu de 22 letras. 91
Se essa hipótese fosse aceita, isso significaria um retorno puro e simples ao modelo antigo,
às posições de Heródoto e outros autores antigos - com exceção de Josefo - segundo os
quais o alfabeto foi introduzido na Grécia por Cadmo ou de Danaus em meados do segundo
milênio aC Esse retorno também destruiria a ideia de uma idade das trevas do
analfabetismo; enquanto a existência de alfabetização desde antes da Guerra de Tróia, por
sua vez, fortaleceria a confiança na confiabilidade das evidências escritas pelos gregos na
era clássica sobre seu passado da Idade do Bronze - em particular, as tradições de
colonização.
As críticas à datação avançada da transmissão do alfabeto semítico para a Grécia são
apenas um aspecto do ataque geral ao modelo ariano extremo como um todo. Não há
dúvida de que, com a reviravolta de Muhly, o núcleo ativo da oposição a uma presença
semítica ocidental no Egeu em uma data muito precoce entrou em colapso. Isso não quer
dizer, no entanto, que não haja também uma dose considerável de inércia que funcione a
favor do modelo ariano extremo. É surpreendente, neste contexto, que a última edição de
Cambridge Ancient History , volume III , parte I - The Middle East and the Aegean World,
Tenth to Eighth Centuries BC - contenha capítulos sobre Assíria, Babilônia, Urartu, o neo-

342
Estados hititas da Síria e Anatólia, Israel e Judéia, Chipre e Egito, mas nenhum capítulo
sobre a Fenícia, que era a potência dominante no Mediterrâneo na época.
Embora o volume tenha saído em 1982, seu planejamento, no entanto, representa o
estado alcançado pelos estudos muito antes desse repensar da questão inicial no final da
década de 1970. A bibliografia sobre influências orientais na Grécia, por exemplo,
compilada pelo classicista oxoniano Oswyn Murray em 1980, mostra dolorosamente quão
pouco trabalho foi feito sobre esse assunto crucial. E, como seria de esperar, a maioria dos
autores faz referências vagas à Babilônia e prefere a teoria da "ponte de terra", evitando
assim a Fenícia. O próprio Murray é um participante da tendência de abandonar o modelo
ariano extremo e parece muito mais aberto sobre o problema da influência fenícia. No
entanto, ele também data essa influência no período seguinte a 750 aC, enquanto tanto o
apogeu da Fenícia quanto a adoção pelos gregos de instituições fenícias, como cidade-
estado e colonização, ocorreram antes desse período. noventa e dois

O retorno dos egípcios?


Quer tais ideias, ou as de Naveh ou Cross, sejam aceitas ou não, o fato de serem debatidas
significa que o monopólio paradigmático do modelo ariano extremo foi quebrado. Portanto,
acredito que, apesar da onda conservadora e do racismo revivido da década de 1980, o
ataque ao modelo ariano extremo provavelmente terá sucesso em um tempo relativamente
curto. A batalha para restaurar o antigo padrão e posição dos egípcios, por outro lado,
levará mais tempo. O único acadêmico aceito no mundo que apoiou a hipótese sobre a
presença de colônias egípcias na Grécia e sobre os empréstimos culturais de gregos que
teriam estudado no Egito em período posterior é o egiptólogo Siegfried Morenz, da
Alemanha Oriental. Morenz, um estudioso apreciado e muito produtivo, conhecido
sobretudo por seus trabalhos sobre a religião egípcia, publicou em 1969 uma obra muito
importante intitulada Die Begegnung Europas mit Ägypten . O livro trata de muitos dos
tópicos que este volume também trata. No entanto, é fundamentalmente diferente da Atena
negra por algumas razões importantes: não constrói uma hipótese comparável ao modelo
antigo ou ao modelo ariano; ele se recusa expressamente a formular uma sociologia do
conhecimento, embora o autor esteja aparentemente ciente de algumas das forças em jogo.
93 Além disso, Morenz não considera a possibilidade de empréstimos linguísticos

significativos, nem menciona empréstimos gregos da cultura semítica ocidental. No


entanto, afirma a existência de contactos culturais significativos entre a Grécia e o Egipto,
sobretudo através de Creta. 94 Ele também afirma explicitamente que as lendas em torno de
Danaus contêm um "núcleo histórico". 95 Morenz continua repetindo que "os gregos não só
conheceram os deuses egípcios no Egito (por exemplo, como artesãos e comerciantes em
Naucrati) [uma colônia fundada pelos gregos no Egito no século VI ], mas também por conta
própria território". 96 Ele também está convencido de que Platão estudou no Egito e que sua
formação é baseada na experiência direta. 97
Quando se leva em conta as forças sociais, intelectuais e acadêmicas em jogo, não é
surpresa que a poderosa combinação de audácia e rigor meticuloso de Morenz tenha
provocado uma resposta tão fraca. A obra foi escrita com a colaboração de estudiosos
suíços e publicada no Ocidente. No entanto, não parece ter tido uma influência particular na

343
egiptologia da Alemanha Ocidental representada pelo professor Helck, um especialista,
forte em intelecto e poder acadêmico, das relações entre o antigo Egito e o mundo exterior.
O trabalho de Morenz não foi traduzido para inglês ou francês e, até onde sei, é pouco
conhecido fora da Europa Central de língua alemã .
Die Begegnung Europas mit Ägypten não teve efeito sobre o único outro grupo de
estudiosos que acredita que o Egito teve uma grande influência cultural na Grécia:
estudiosos negros americanos. Enquanto os semitistas, em sua maioria judeus, lutaram
contra o modelo ariano extremista das margens da academia, os defensores americanos
dos egípcios, em sua maioria negros, desafiaram o modelo ariano de posições totalmente
fora do sistema.
Apenas um número muito pequeno de acadêmicos negros, principalmente Frank
Snowden, o mais eminente professor do assunto na principal universidade negra, Howard,
conseguiu fazer carreira no campo dos estudos clássicos. E dedicaram-se em particular a
colher aqueles poucos méritos que o modelo ariano concede aos negros, ao mesmo tempo
em que aceitavam suas proibições: a recusa de considerar um componente negro na
cultura egípcia e elementos formativos afro-asiáticos na civilização grega. 98 Outros
estudiosos, mais conscientes do grau em que o racismo havia permeado todos os aspectos
da cultura europeia e norte-americana, mostraram maior sensibilidade. O pioneiro nesse
tipo de pesquisa foi George GM James, professor que leciona em uma pequena faculdade do
Arkansas . Em 1954, James publicou um livro chamado Stolen Legacy: Os gregos não eram
os autores da filosofia grega, mas o povo do norte da África, comumente chamado de egípcios
. Não tratou das origens da Grécia durante a Idade do Bronze, mas, baseando-se
principalmente em fontes antigas, mostrou até que ponto os gregos admitiram que
emprestaram sua sabedoria dos egípcios durante a Idade do Ferro. 99
Com argumentos um pouco menos rigorosos, James também argumentou que os
egípcios eram negros. A obra terminou com um comovente apelo a uma mudança de
consciência do povo negro:
Isso significa uma verdadeira emancipação mental, na qual os negros serão libertados das correntes das falsidades
tradicionais , que durante séculos os obrigaram a uma prisão de sentimentos de inferioridade, humilhação,
insultos, por parte de todo o mundo [grifos seus ] . 100

Tive que insistir duas vezes para que uma cópia de Stolen Legacy fosse aceita pela
biblioteca da universidade em Cornell, onde foi então colocada em uma pequena biblioteca
escolar. Não é reconhecido como um livro decente . Nem foi lido fora da comunidade negra.
101 Nos círculos intelectuais desta comunidade, no entanto, ele é muito apreciado e tem sido

muito influente.
Stolen Legacy está geralmente ligado à escola de pensamento iniciada pelo físico nuclear
senegalês Cheikh Anta Diop, que agora está desaparecido. Diop foi um prolífico autor de
obras sobre o que, em sua opinião, é a relação de solidariedade entre a África negra e o
Egito. No curso de sua pesquisa, ele assumiu a veracidade do modelo antigo para a história
grega e das teorias contidas em Stolen Legacy . Os assuntos de sua pertinência, porém,
foram as grandes conquistas da civilização egípcia; a sistemática difamação dos egípcios
por estudiosos europeus; a confiança de que os egípcios, como Heródoto havia
especificado, eram negros. 102 Em um interessante ensaio analítico, o estudioso negro

344
contemporâneo Jacob Carruthers dividiu os estudiosos negros do assunto em três escolas.
A primeira é a dos "velhos colecionadores", que
sem nenhuma preparação particular, mas empenhados com dedicação sincera em desenterrar verdades sobre o
passado dos povos negros e destruir a grande mentira da inferioridade histórica e cultural dos negros, eles
coletaram todos os dados disponíveis e espremeram tanto a verdade quanto as circunstâncias permitido. 103

O segundo grupo, que inclui George Washington Williams, WEB Dubois, John Hope
Franklin, Anthony Noguera e Ali Mazrui se limitaram
argumentar que os negros ajudaram a construir a civilização egípcia junto com outras raças. Os pertencentes a
essa tendência são totalmente subservientes à historiografia europeia [...] e, além disso, exigem o
reconhecimento da participação dos negros no mundo grego antigo, conceito que, se bem entendido, é correto,
mas que na maioria das vezes esses "intelectuais negros" não entendem no sentido correto. 104

Carruthers vê o terceiro grupo como uma extensão dos "velhos colecionadores". Inclui
Diop, Ben Jochannan e o chanceler Williams. Na sua opinião, eles "desenvolveram as
técnicas multidisciplinares necessárias para dominar os fatos do passado africano, e este é
o elemento necessário para a fundação de uma historiografia africana". 105
Não há dúvida, no entanto, de que a era dos "velhos acumuladores" já passou e que a
maioria dos negros não será mais capaz de aceitar a conformidade com as disciplinas
acadêmicas brancas de homens e mulheres como o professor Snowden. No entanto, apesar
dos apelos à unidade exigidos pelas posições conflitantes dos intelectuais negros, suspeito
que a batalha entre o segundo e o terceiro grupo de Carruthers continuará por muito
tempo.
No final da década de 1980, pelo que vejo, o debate sobre a questão da natureza "racial"
dos antigos egípcios continua entre os estudiosos negros. Por outro lado, não há uma
divisão séria entre eles na questão da alta qualidade da civilização egípcia e o papel central
que desempenhou na formação da Grécia. Além disso, há uma certa hostilidade entre eles
em relação à cultura semítica, especialmente onde se acredita que tenha influenciado o
Egito. Por outro lado, enquanto os estudiosos brancos - com exceção de Morenz - estão
cada vez mais dispostos a admitir que os semitas ocidentais desempenharam um papel
substancial na criação da cultura grega, há uma relutância muito maior entre eles em
admitir a influência fundamental que o Egito teve sobre ela. 106 Um aspecto do meu trabalho
é a tentativa de conciliar essas duas atitudes hostis.

O modelo antigo revisto


Vale a pena notar que acho mais fácil colocar a mim mesmo e minha promoção do modelo
antigo revisado dentro de estudiosos negros do que dentro da ortodoxia acadêmica. Na
minha opinião, eles pertencem à segunda categoria de Carruthers, os estudiosos que ele
chama de "intelectuais negros". Apraz-me encontrar-me na excelente companhia de
Dubois, Mazrui e outros que, embora não representem os antigos egípcios como
semelhantes aos africanos ocidentais de hoje, concebem o Egito como essencialmente
africano.

345
Isso é uma indicação do isolamento a que são condenadas as ideias que formam o pano
de fundo deste volume no mundo acadêmico. No entanto, acredito que o escândalo que o
modelo antigo revisado causa entre os classicistas e entre alguns antiquários de hoje é um
fenômeno temporário. Por que estou convencido disso? Em primeiro lugar, acredito que a
desintegração do modelo ariano extremo e a introdução da investigação de influências fora
da disciplina e do relativismo na história antiga estão tendo efeitos geralmente subversivos
sobre o status quo como um todo. No entanto, a razão fundamental pela qual estou
convencido de que o modelo antigo revisado terá sucesso em um futuro relativamente
próximo é que nos círculos acadêmicos liberais os pressupostos políticos e intelectuais do
modelo ariano desapareceram em grande parte.
Desde a década de 1940, tanto o racismo quanto o antissemitismo perderam sua
respeitabilidade devido às políticas "raciais" e "antissemitas" da Alemanha nazista. Desde
então, o antissemitismo teve que se tornar mais complexo e subterrâneo. O racismo
também se tornou mais torturante desde que o Terceiro Mundo começou a emergir.
Fatores igualmente importantes, que remontam à década de 1960, foram a perda de fé dos
círculos liberais na mística da "ciência" e a profunda suspeita do positivismo.
Consequentemente - exceto talvez no campo da linguagem - a afirmação do modelo ariano
extremo de ser cientificamente comprovado por especialistas não é mais suficiente para
protegê-lo do senso comum.
À medida que avançava em minha pesquisa, pessoas de fora dos campos em
consideração muitas vezes me diziam que achavam minhas hipóteses históricas mais
convincentes do que as propostas pelo oficial acadêmico. Eles não conseguiam entender
por que as colonizações que a tradição nos legou deveriam ter sido improváveis; por que a
língua grega nunca deveria ter sido tratada como qualquer outra língua e por que não
poderia ter sido fortemente influenciada pelo egípcio e pelo semita ocidental; por que os
gregos não deveriam ter tirado sua religião do Egito, como Heródoto e outros gregos
antigos afirmam, ou por que cientistas e filósofos gregos não poderiam ter aprendido sua
ciência e filosofia no Egito. Em suma, a razão de ser racista e científica do modelo ariano já
não oferece adereços respeitáveis. Sem eles, vai cair. No entanto, este é o assunto da
Conclusão.

Notas
1 Cren (1985, pp. 173-286).
2 Ver , por exemplo, Holm (1886-1894 [tradução inglesa 1894], vol. I , p. 13).
3 Ver Grumach (1968-1969); Capuz (1967).
4 Para uma descrição da decifração, ver Chadwick (1973a, pp. 17-27).
5 Friedrich (1957, pp. 124-131).
6 Chadwick (1973a, pp. 24-27).
7 Georgiev (1966; 1973, pp. 243-254); Renfrew (1973, pp. 265-279). Para uma revisão de minhas próprias opiniões

sobre isso, ver Introdução, pp. 16-21.


8 Isso não significa que todos os defensores do paradigma isolacionista sejam anticoloniais, ou que todos os

difusionistas sejam hostis ao colonialismo.


9 Crossland e Birchail (1973, pp. 276-278).
10 Ver Carpenter (1958; 1966). Edição de vídeo também Snodgrass (1971, pp. 18-23).
11 Via (1963).
12 Bury (1900, terceira ed. Rev. Por R. Meiggs 1951, p. 66).
13 Kantor (1947, p. 103).
14 Baramki (1961, p. 10).
15 Albright (1950; 1975).

346
16 Culican (1966).
17 Thomson (1949, pp. 124, 376-377); Willetts (1962, pp. 156-158).
18 Baramki (1961, pp. 11, 59); Jidejian (1969, pp. 34-37, 62).
19 Huxley (1961, especialmente pp. 36-37). Edição de vídeo também mais tarde, n. 64-65.
20 Stubbings (1973, vol. II , pt. I , pp. 627-658). A primeira publicação deste ensaio é de 1962.
21 Ibidem, pp. 631-635.
22 Vermeule (1960, p. 74), citado em Astour (1967a, p. 358).
23 Ver Chadwick (1976); Dickinson (1977); Hammond (1967); Hooker (1976); Renfrew (1972) e Taylor (1964). A

melhor formulação dessa concepção aparece em Muhly (1970b, pp. 19-64). A mudança em suas posições será discutida
mais adiante. Vermeule (1964) tinha as mesmas ideias, mas ela também mudou muito de posição desde então.
24 Stubbings (1973, p. 637). As mudanças que ocorreram no Egito incluíram o desenvolvimento do que por acordo geral

é uma nova língua: o egípcio tardio; além do uso generalizado do bronze e da introdução do cavalo, a carruagem de
guerra, a espada, o arco composto e o shaduf (um poste com contrapeso para puxar água de poços).
25 Bass (1967); sobre seu relatório preliminar, ver 1961 (pp. 267-286).
26 Symeonoglou (1985, pp. 226-227).
27 Para uma revisão destes, ver R. Edwards (1979, pp. 132-133).
28 Para uma bibliografia sobre o assunto, ver R. Edwards (1979, p. 118, nos. 122-123).
29 Sobre a obra de Stevenson Smith ver as resenhas de Mellink (1967, pp. 92-94) e Muhly (1970a, p. 305).
30 Ver , por exemplo, Akurgal (1968, p. 162); Stubbings (1975, pp. 181-182).
31 Ver Astour (1967a, pp. 350-355).
32 Veja , por exemplo, o trabalho do professor de GS Kirk.
33 Ver Walcot (1966); Oeste (1971).
34 Ver Fontenrose (1959).
35 Webster (1958, p. 37).
36 Ver Szemerenyi (1964; 1966; 1974); Mayer (1964; 1967). Para uma discussão mais aprofundada de seu trabalho, ver

vol. II .
37 Ver Levin (1968; 1971a; 1971b; 1973; 1977; 1978; 1979; 1984). Por seu trabalho sobre as duas famílias, 1971a.

Como mencionei na Introdução (p. 74), houve um ressurgimento substancial nos últimos anos da ideia de uma relação
genética entre afro-asiáticos e indo-europeus.
38 Ver Brown (1965; 1968a; 1968b; 1969; 1971).
39 Ver Masson (1967); para elogios, ver , por exemplo, Rosenthal (1970, p. 338).
40 Existem, é claro, exceções importantes; especialmente as obras de Cassuto (1971) e Spiegel (1967).
41 Veja a seção autobiográfica em Gordon (1971, pp. 144-159).
42 Ver Cross (1968, pp. 437-460); Friedrich (1968, pp. 421-424), Bunnens (1979, pp. 43-44); Davies (1979, pp. 157-

158). Para minhas idéias a respeito, ver Capítulo 5 , n. 168.


43 Gordon (1971, p. 157).
44 Ibidem, pág. 158. Sobre essa hipótese inicial, ver Chadwick (1973a, pp. 387-388).
45 Ver Gordon (1962a; 1963a; 1966; 1968a; 1968b; 1969; 1970a; 1970b; 1975; 1980; 1981). Edição de vídeo também

Astour (1967b, pp. 290-295). Sobre o Eteocretese, ver acima, Cap. 1, n. 16.
46 Ver Dahood (1981a; 1981b); Garbini (1981); Gelb (1977; 1981); Keinast (1981).
47 Ver Gordon (1971, p. 161).
48 Isso não impediu que os líderes africanos redescobrissem suas afinidades com os antigos israelitas, agora que

acharam conveniente firmar uma aliança com o Israel moderno.


49 Ver Chanaiwa (1973).
50 Ver Chadwick (1973b, vol. II , pt. I , pp. 609-626; 1973a, pp. 595-605).
51 Ver , por exemplo, Duhoux (1982, pp. 223-233).
52 Ver Stieglitz (1981, pp. 606-616).
53 Ver Neiman (1965, pp. 113-115); Sasson (1966, pp. 126-138).
54 Astour (1967a, pp. XII - XVII ).
55 Ver acima, n. 33. Um pouco mais tarde, Kirk (1970 [trad. It. 1980]) retomou muitos dos mesmos temas.
56 Sobre as objeções de Edwards, ver 1979 (pp. 139-161). A senhora faz algumas críticas válidas sem, no entanto,

destruir todo o seu argumento.


57 Astour (1967a, pp. 357-358).
58 Muhly (1965, p. 585).
59 Ibidem, pág. 586.
60 Sobre a admiração moderna, ver Capítulo 9 , n. 18.
61 Muhly (1970b, pp. 19-64).
62 Billigmeier (1976, especialmente, pp. 46-73).

347
63 O editor era JC Gieben de Amsterdã e o livro seria intitulado Kadmos and Danaos : A Study of Near Eastern Influence on

the late Bronze Age Aegean .


64 Levin (1971a, p. IX ).
65 R. Edwards (1979, p. X).
66 Ibidem, pp. 139-161.
67 Ibidem, pp. 17-113. Sobre seus argumentos específicos, ver Capítulo 1, nn. 52-57.
68 Ibid pp. 201-203.
69 Ibidem, pp. 172-173.
70 Ibidem, pág. 171, n. 182.
71 Van Berchem (1967, pp. 73-109, 307-338).
72 Bunnens (1979, especialmente pp. 5-26).
73 Helm (1980, pp. 97, 126).
74 Muhly (1984, pp. 39-56).
75 Muhly (1985, pp. 177-91).
76 Tur-Sinai (1950, pp. 83-110, 159-80, 277-302); Naveh (1973, pp. 1-8). Sobre a obra de Bundgard na década de 1960,

obra original, mas que não teve influência, ver Bernal (1990).
77 Naveh (1973, pp. 1-8).
78 Para a datação da inscrição no século XIII aC, ver Garbini (1977); Bernal (1985b; 1987; 1990).
79 Jeffery (1982, p. 823, no. 8).
80 Ibidem, pág. 832.
81 McCarter (1975, p. 126).
82 Ver , por exemplo, Millard (1976, p. 144).
83 Cross (1979, pp. 108-111). Apesar de aceitar quase tudo o que se afirma nesta esplêndida exposição, não concordo

com ele quando diz estar convencido da extraordinária antiguidade dos alfabetos de Creta, etc., ver Bernal (1987; 1990).
84 Cross (1980, p. 17).
85 Ver Millard e Bodreuil (1982, p. 140); Kaufman (1982); sobre sua diversão presunçosa, veja pp. 142, 144, n. 18.
86 Ver , por exemplo, Burzachechi (1976, pp. 82-102).
87 Stieglitz (1981, pp. 606-616).
88 Bernal (1983a; 1983b).
89 Röllig e Mansfeld (1970, pp. 265-270).
90 Evans (1909, pp. 91-100); Dussaud (1907, pp. 57-62).
91 Ver Bernal (1983a; 1983b; 1985b; 1987; 1990).
noventa e dois Ver Murray (1980, pp. 300-301, 80-99). Sobre os empréstimos gregos dessas instituições, ver Bernal (1989).

Volume III , t. II da Cambridge Ancient History , a ser publicada, conterá artigos sobre os fenícios. No entanto, acredita-se
que o volume abrange apenas um período de tempo do século VIII ao VI . O significado da omissão dos fenícios do vol. III ,
T. I é negar a importância da influência fenícia na Grécia antes de 750 aC
93 Morenz (1969, p. 44; na língua, ver p. 20, 175).
94 Ibid, pp. 38-39.
95 Ibidem, pág. 49.
96 Ibidem, pp. 56-57.
97 Ibidem, pp. 44-48.
98 Snowden (1970).
99 James (1954).
100 Ibid, p. 158.
101 Só me foi indicado pelo Dr. James Turner após muitos anos de pesquisa neste campo.
102 Diop (1974; 1978; 1985a; 1985b). Vedi especialmente 1974 , pp. XII-XVII . Para minhas idéias sobre este assunto, ver

Capítulo 5 , nos. 65-90.


103 Carruthers (1984, p. 34).
104 Ibidem, p. 35. Vedi Dubois (1975, pp. 40-42; 1976, pp. 120-17) ; JH Franklin (1974); Nogueira (1976).
105 Carruthers (1984, p. 35). Ver Diop (1974; 1978; 1985a; 1985b); Ben Jochannan (1971); e C. Williams (1971).
106 Além de Morenz, há duas ou três exceções. A aceitação de Billigmeier dos mitos em torno dos Danaus egípcios foi

mencionada acima ( ver nº 62). Ainda mais significativos são os indícios de que o professor Vermeule está considerando a
possibilidade de influências egípcias relevantes na Grécia. Veja a referência que ele faz (1979, pp. 69-80 ) às semelhanças
fundamentais entre as crenças egípcias e gregas sobre a morte.

348
Conclusão
É absurdo tentar resumir este livro em uma dúzia de parágrafos, quando mesmo as
centenas de páginas anteriores em que tentei formular algumas das complexidades desse
tema vasto e ramificado talvez devam ser definidas pela expressão chinesa "olhar flores
enquanto cavalga."
Na Introdução, formulei como vejo a história da Ásia Ocidental e do Norte da África em
geral nos últimos dez mil anos e - mais detalhadamente - intercâmbios culturais em todo o
Mediterrâneo Oriental durante o segundo milênio aC sobre o tema do volume I , The
invenção da Grécia antiga , ou seja, a mudança dos modelos pelos quais as origens da
civilização grega eram percebidas. Antes de prosseguir, porém, gostaria de repetir que o
modelo antigo e o modelo ariano não são necessariamente incompatíveis. De fato, como o
modelo antigo revisado que aqui proponho, como o próprio nome indica, é uma forma do
modelo antigo, ele aceita alguns aspectos do modelo ariano, incluindo a crença central de
que em certa época um número significativo de indo- Povos de língua europeia chegaram à
Grécia vindos do Norte. Por outro lado, não há dúvida de que na prática houve uma
rivalidade considerável entre os dois modelos, e é justamente essa rivalidade que procurei
analisar aqui.
O núcleo principal do livro começou com uma descrição das maneiras pelas quais os
gregos do período clássico helenístico e os gregos pagãos do período posterior, do século V
aC ao século V dC, conceberam seu próprio passado remoto. Tentei reconstruir sua visão de
como seus ancestrais seriam civilizados pelos egípcios e fenícios e a influência subsequente
que adquiriram através de períodos de estudo no Egito. Tentei também mostrar a relação
ambivalente entre o cristianismo e a tradição bíblica judaica, por um lado, e a religião e
filosofia egípcias, por outro: apesar dos muitos séculos de rivalidade no poder e no
progresso, não há dúvida de que em ambos lados, até o século XVIII , a fonte de toda a
filosofia e conhecimento dos "gentios", inclusive dos gregos, era vista no Egito; e que os
gregos conseguiram preservá-los pelo menos em parte. O sentimento de perda que isso
gerou e o impulso de buscar recuperar essa sabedoria perdida estiveram entre os
principais motivos do desenvolvimento da ciência no século XVII .
Passei a mostrar como a ameaça que a filosofia egípcia representava para o cristianismo
tornou-se aguda no século XVIII . Os maçons, que fizeram grande uso da imagem da
sabedoria egípcia, estiveram no centro do Iluminismo e do ataque que ele lançou à ordem
cristã. E foi em oposição à noção de "razão" do século XVIII defendida pelos egiptófilos que
se desenvolveu o ideal grego de sentimento e perfeição artística. Além disso, o
desenvolvimento do eurocentrismo e do racismo, contemporâneos ao progresso da
expansão colonial, levou a conceber a falácia de que só os homens que vivem em climas
temperados - isto é, os europeus - seriam realmente capazes de pensar. Então os antigos
egípcios que - embora de cor incerta - viviam na África perderam sua posição como
filósofos. Eles também foram afetados pelo estabelecimento do novo paradigma
"progressista", eles que viveram em um passado tão distante.
Assim, no final do século XVIII , acreditava-se não apenas que os gregos haviam sido mais
sensíveis e artísticos que os egípcios, mas também filósofos melhores. Proponho a ideia de
que os gregos não foram concebidos apenas como comparações de toda sabedoria e

349
sensibilidade, mas para alguns intelectuais contra-revolucionários inteligentes o estudo da
cultura grega foi concebido como uma forma de reconstruir a integridade dos homens
alienados da vida moderna e até mesmo restaurar a harmonia social em contraste com a
Revolução Francesa. Os Estudos Clássicos, como os conhecemos hoje, foram criados entre
1815 e 1830 - período intensamente conservador. No mesmo período, houve também a
Guerra da Independência Grega, que uniu toda a Europa contra os tradicionais inimigos
islâmicos da África e da Ásia.
Esta guerra - e o movimento pró-helênico nascido em apoio à luta pela independência -
trouxe à tona a já poderosa imagem da Grécia como o epítome da Europa. Os antigos gregos
eram agora considerados "perfeitos", como um povo que transcendeu as leis da história e
da linguagem. Agora era considerado um ato profano estudar qualquer aspecto de sua
cultura como se faria com as culturas de outros povos. Além disso, com a ascensão de um
racismo acalorado e sistemático; no início do século 19 , a antiga noção de que a Grécia era
uma cultura mista e que havia sido civilizada por africanos e semitas tornou-se não apenas
abominável, mas anticientífica. Assim como as histórias dos "gregos crédulos" sobre sereias
e centauros seriam desacreditadas, também as lendas afirmavam que os gregos haviam
sido colonizados por raças inferiores. Paradoxalmente, quanto mais o século XIX amava os
gregos, menos respeitava seus escritos e sua história.
Na minha opinião, a destruição do modelo antigo é inteiramente consequência das
forças sociais listadas aqui, e dos usos que os europeus do norte do século XIX usavam os
gregos antigos. É minha convicção que nenhuma força dentro da disciplina acadêmica - ou
progresso no conhecimento da Grécia antiga - pode explicar essa mudança. Dito isto, aceito
que a identificação da família linguística indo-européia, um desenvolvimento que - embora
inspirado no romantismo - ainda era um processo interno, e o fato indubitável de que o
grego era fundamentalmente uma língua indo-europeia deram uma grande contribuição
para o estabelecimento do modelo Ariano. Mas mesmo neste caso, as mesmas forças sociais
e intelectuais que desmantelaram o modelo antigo na década de 1820 tornaram-se ainda
mais intensas nas décadas de 1840 e 1850 e, portanto, desempenharam um papel
importante na determinação daquela imagem cada vez mais "nórdica" da Grécia antiga que
era formado no final do século XIX. Ao mesmo tempo, a sensação de que apenas os homens
do século XIX eram capazes de pensar "cientificamente" deu aos estudiosos - principalmente
alemães - a coragem de rejeitar antigas descrições da remota história da Grécia e criar
novas descrições de sua própria invenção, sem qualquer respeito pelos Antigos.
Com o acirramento do racismo, durante o século XIX, houve também uma crescente
aversão aos egípcios, que não eram mais vistos como ancestrais culturais da Grécia, mas
como um povo essencialmente estrangeiro. Uma disciplina inteiramente nova poderia,
portanto, desenvolver-se, a egiptologia, que estudou essa cultura exótica e ao mesmo
tempo manteve e fortaleceu a distância do Egito das civilizações "verdadeiras" da Grécia e
de Roma.
O status do Egito declinou com a ascensão do racismo na década de 1820; a dos fenícios
declinou com a ascensão do antissemitismo racial na década de 1880 e entrou em colapso
quando o antissemitismo atingiu seu pico entre 1917 e 1939. ou empréstimos linguísticos
do Egito ou da Fenícia e que as lendas da colonização eram graciosas tolices, assim como as
histórias de estudiosos gregos que estudariam no Egito. De fato, tais crenças sobreviveram

350
aos anos de 1945-1960, embora seus pressupostos ideológicos, racismo e antissemitismo,
tenham sido geralmente desacreditados na comunidade acadêmica.
Desde o final da década de 1960, no entanto, o modelo ariano extremo teve que sofrer
ataques pesados, principalmente de judeus e semitistas. O importante papel
desempenhado pelos cananeus e fenícios na formação da Grécia antiga é agora cada vez
mais reconhecido. No entanto, a atribuição tradicional de grande parte da civilização grega
ao Egito continua sendo negada; e nos estudos gregos - o último bunker do Romantismo e o
modelo ariano extremo - qualquer discurso de influências afro-asiáticas significativas sobre
o grego é decretado absurdo.
O principal argumento que tentei formular ao longo deste livro é que o modelo antigo foi
destruído e substituído pelo modelo ariano não por deficiências internas, não porque o
modelo ariano pudesse explicar algo melhor ou mais plausível, mas porque fez a história da
Grécia e suas relações com o Egito e o Levante estão de acordo com a visão de mundo do
século XIX e, especificamente, com o racismo sistemático do século. Desde então, os conceitos
de "raça" e superioridade europeia categórica que formavam o cerne desta
Weltanschauung foram desacreditados moral e heuristicamente, e seria justo dizer que o
modelo ariano foi concebido - pelo menos deveria parecer nós hoje - em pecado e erro.
Insisto, porém, que tal concepção em pecado, ou mesmo em erro, não necessariamente a
invalida. O darwinismo, criado na mesma época e por muitas das mesmas razões
"indecentes", permaneceu uma teoria heurística muito útil. Poder-se-ia legitimamente
argumentar que Niebuhr, Müller, Curtius e os outros eram "sonâmbulos" no sentido que
Arthur Koestler deu ao termo - para definir homens que fazem descobertas "científicas"
úteis por razões e propósitos estranhos que não serão mais aceitos em as épocas seguintes.
Tudo o que afirmo para este volume é que ele estabeleceu um problema que merece uma
resposta. Ou seja, se as origens dúbias do modelo ariano não o tornam falso, ainda assim
questionam sua intrínseca superioridade sobre o modelo antigo. É por isso que o próximo
volume desta série tratará da competição entre os dois modelos como ferramentas eficazes
para a compreensão da Grécia Antiga.

351
Apêndice
Eram os Filisteus Gregos?
A plausibilidade de uma ligação entre os dois nomes étnicos Pelasgos e Peleset ou Filisteus
foi discutida no Capítulo I. Portanto, seria útil considerar as conexões entre os filisteus e
Creta. 1 Ninguém duvida que o povo que os egípcios chamavam de Prst veio do noroeste,
mas é muito debatido se eles vieram de Creta e das ilhas ou do interior da Anatólia.
O Dr. Sandars, um arqueólogo britânico, argumenta que os textos egípcios indicam que
os primeiros (os filisteus) chegaram ao Levante por terra. Isso indicaria uma invasão da
Anatólia em vez de uma invasão do Egeu. Também em um texto egípcio, os Prst estão
associados aos Trš, que parecem ser os troianos ou Tyrsénoi do noroeste da Anatólia. 2 Na
Bíblia, os princípios filisteus são conhecidos como s e rånîm , título que pode vir do neo -
hitita Sarawanas / Tarawanas ou do grego tyrannos (daí o nosso tirano), que se supõe ser
emprestado do lídio. O capacete do gigante filisteu Golias é chamado qôba < , que pode
derivar do hitita kupa ḫḫ i , que tem o mesmo significado. 3 O próprio nome de Golias foi
relacionado ao nome lídio Aliates. 4 Por fim, o historiador lídio Xanto relata que um herói
lídio, Mopso, teria ido da Lídia para os filisteus. 5 Todos esses testemunhos são usados como
uma pista de que os filisteus teriam vindo da Anatólia e não de Creta.
No entanto, esses argumentos não têm a força que parecem. Se levarmos em conta as
atividades dos gregos em Chipre e Panfília e Cilícia, localizadas no sul da Anatólia, neste
período, ou seja, finais dos séculos XIII e XII , não há razão para que alguns deles não tenham
chegado por terra. Segundo o poeta Callino, que escreveu no século VII aC, "povos liderados
por Mopsus [um herói grego da Guerra de Tróia] atravessaram o Touro e, embora alguns
tenham permanecido na Panfília, os outros se dispersaram na Cilícia e também na Síria
chegando tanto quanto na Fenícia ». 6 Esta narrativa é notavelmente reminiscente da
inscrição de Ramsés III escrita no início do século XII aC:
quanto aos países estrangeiros, eles concordaram em um lote em suas ilhas. E de repente as terras estavam em
movimento, devastadas pela guerra. Nenhum país resistiu às suas armas: Hatti [Anatolia Hitita Central], Qode
[Cilícia], Karkemesh [Alto Eufrates], Arzawa e Alashiya [Chipre], foram cortados, uma tenda foi colocada em
Amur [Síria]. Sua liga foi [formada por] Prst, T kr, Šklš, Dnn e Wšš. 7

Observe que Ramsés III acreditava que a conspiração havia começado "nas suas ilhas", o que
sugeriria o Egeu, a Sicília ou mesmo a Sardenha. Isso também parece indicar a presença dos
PRSTs nesta última campanha 'Povos do Mar'.
Também vale a pena notar que os PRSTs estão aqui relacionados com os T kr, que
também se estabeleceram na Palestina e que é possível que tenham sido associados ao
herói grego Teucro. O nome Šklš está quase certamente ligado à Sicília e Dnn a Danuna e ao
Danai. Os Trš não estão listados nesta ocasião. 8
A palavra Srnm , que significa "princípios", aparece nos textos ugaríticos demonstrando
assim que, existindo ou não laços anatólios, a palavra s e rånîm era corrente no Levante
antes das invasões e não pode ser diretamente relacionada aos anatólios presentes entre os
invasores "Povos do Mar". 9 Qôba < pode ser relacionado ao hitita kupa ḫḫ i , mas os hititas
aparecem com frequência na Palestina bíblica, e há poucas razões para duvidar de que os
hititas influenciaram os dialetos cananeus falados lá. 10 O uso da qôba < também não se

352
limitou aos filisteus. Astour apontou que esse tipo de toucado também foi usado por Saul,
os egípcios, os babilônios, os mercenários de Tiro e até o próprio Yahwe. 11 Uma conexão
entre Golias e Aliates é possível, mas segundo o Livro de Samuel Golias pertencia ao R e på >
îm de Gate, que na opinião de J. Strange, um moderno estudioso do assunto, é possível que
eles eram cananeus. 12 Essa sugestão me parece improvável. Em vez disso, parece mais
provável que, como no caso do semita ocidental Ditanu e dos titãs gregos, o R e på > îm
fossem espíritos gigantescos dos mortos. 13 É possível, portanto, que o título R e på > îm se
refiram apenas à estatura de Golias; o nexo Golias/Aliates é, portanto, uma possibilidade.
O argumento mais forte a favor de uma migração da Anatólia continua sendo a tradição
da Lídia, segundo a qual Mopso, o Lídio, iria da Lídia para Ashkelon, colocado nos filisteus.
Como vimos, no entanto, também havia tradições sobre expedições lideradas por um
Mopso grego e outros heróis gregos, através da Anatólia e Chipre até o Levante. A aparente
confirmação das lendas sobre o Mopso grego vem da descoberta em Caratepe na Cilícia de
uma inscrição bilingue em hieróglifos hititas - ou luvianos - e fenícios, datando do século VIII
a.C. Refere-se a um reino de Dnym e a um antepassado chamado Muksas em luviano e Mps
em fenício. 14 Confusamente, o nome étnico sugere um assentamento grego, enquanto o do
fundador da dinastia é uma indicação de um anatólio, o que daria suporte à lenda anatólia.
Há, portanto, indicações de que elementos da Anatólia estavam presentes no Levante na
época das "invasões dos Povos do Mar" nos séculos XIII e XII aC
A evidência da presença de pessoas de língua grega é ainda mais forte. Primeiro, há a
tradição consistente de que os filisteus vieram de Kaphtôr, Creta ou do sul do Mar Egeu. 15
Há também referências a mercenários chamados K e rētî e P e lētî, que são sempre
mencionados juntos e às vezes comparados aos filisteus. Eles geralmente estão associados
a Davi, que não apenas lutou contra os filisteus, mas também em favor deles. 16 Vale a pena
notar que o hebraico continha nomes perfeitamente apropriados para os povos da
Anatólia: Hitti, os hititas que aparecem frequentemente, Tŭbal, Mešek e Tîrås - este último
também pode corresponder ao Trš dos egípcios e, portanto, dos troianos. No entanto, os
filisteus não estavam relacionados a nenhum deles, mas repetidamente e especificamente a
Kaphtôr. Parece, portanto, não haver razão para duvidar das ligações bíblicas entre os
filisteus e Creta.
Do ponto de vista arqueológico, é surpreendente que a chamada "cerâmica filistéia",
encontrada principalmente em áreas associadas aos filisteus bíblicos, seja produzida
localmente, mas se assemelha ao estilo conhecido como micênico III C I B. Os exemplos mais
semelhantes vêm de Tarso, da Cilícia, de Chipre e de Cnossos, Creta. Além disso, não há
dúvida de que o estilo se originou no Egeu e que outras regiões onde foi encontrado
correspondem às evidências de assentamentos gregos nesse período. 17 O fato de a cultura
filistéia, do século XII ao X , revelar uma forte influência egípcia não surpreende quando se
leva em conta a proximidade do Egito e o fato de muitos "Povos do Mar" terem sido
recrutados como mercenários na tropas egípcias. Assim, as evidências escritas e
arqueológicas que estabelecem uma ligação entre os filisteus e o mar Egeu concordam em
uma extensão que é rara, se não única. No entanto, a Dra. Dotha, uma arqueóloga
israelense, em seu extenso trabalho sobre os filisteus, admite que sua cultura material veio
do mar Egeu, mas insiste que eles eram ilírios, trácios ou anatólios; tudo menos gregos. 18
Se nos basearmos na provável hipótese de que a maior parte dos filisteus se originou em
Creta e no Egeu e fez cerâmica micênica, torna-se extremamente provável que eles

353
falassem grego. Embora um eeteocretese não-helênico tenha sobrevivido em Creta até o
período helenístico, como mencionado acima, sabemos pelo Linear B que o grego era a
língua dominante na ilha por um século antes da primeira referência ao primeiro.
Há também outras indicações de que os filisteus estavam associados à Grécia. Os textos
assírios referem-se a um certo Iama-ni ou Ia-ad-na, duas formas diferentes que significam
"grego", que tomou o trono da cidade filistéia de Ashdod e se rebelou contra a Assíria em
712 aC. ou um líder local. 19 Mas mesmo que tenha sido claramente estabelecido que os
filisteus foram rapidamente semitizados, o problema de Ia-ma-ni poderia ser resolvido com
base na hipótese de que alguns filisteus influentes do século VIII eram de ascendência grega.
Após a invasão cita do século VII e as deportações neobabilônicas do sexto , parece que o
nome "Filisteu" foi parcialmente substituído por gazan ( < azzåtî ) e asdodite ( < ašdôdî ), das
duas principais cidades da região . Por volta de 400 aC, Neemias condenou o casamento
entre judeus e mulheres Ashdod e falou da "língua de Ashdod", > ašdôdît , como "uma
ameaça à língua dos judeus", Y e hûdît. 20 O significado do último termo é incerto, mas como
tanto o aramaico quanto o hebraico eram falados pelos judeus nessa época, é improvável
que Neemias estivesse se referindo a uma língua semítica ocidental. Por outro lado, o grego,
que estava se espalhando rapidamente por todo o Mediterrâneo oriental, parecia ser uma
ameaça muito mais provável. Não há palavra bíblica para "grego" como idioma. Portanto,
parece plausível propor que por > ašdôdît Neemias quis dizer "grego" - o que seria, portanto,
outra indicação das ligações entre gregos e filisteus.
Outra indicação de contatos entre os filisteus e a Grécia durante esse período é que por
volta de 400 aC Gaza era a única cidade a leste de Atenas que cunhava dinheiro com base
em pesos áticos. No entanto, vale a pena notar que eles continham inscrições em letras
fenícias - algumas até inscrições que diziam Yhd (judeu) ou Yhw (Yahweh) - e uma imagem
de figura sentada que parece ser o deus de Israel. 21 Outras moedas daquela cidade trazem a
inscrição MEINΩ , que se acredita estar relacionada a Minos em Creta. 22
Apesar da feroz defesa de Jafa e Gaza contra Alexandre, a helenização subsequente da
região foi muito mais completa do que as que ocorreram na Fenícia ou na Judéia. Como
Victor Tcherikover, o grande historiador do período helenístico sugere implicitamente, isso
parece indicar uma propensão para a cultura grega. 23 Estevão de Bizâncio, por exemplo,
que escreveu no século V d.C., afirma que o deus Marne, adorado em Gaza, era Zeus
Cretogene, "nascido em Creta". 24
Resumindo: a analogia mais próxima com a invasão dos "Povos do Mar" parece ser a das
Cruzadas. Ondas de invasores nórdicos vieram por terra e mar em um momento de grande
confusão; gangues que se enfrentavam em busca de despojos e terras para colonizar. Os
cruzados eram principalmente de língua românica, mas de diferentes nacionalidades
dialetais, mesmo que incluíssem alemães e ingleses. Da mesma forma, os "povos do mar"
parecem ter sido compostos de diferentes grupos linguísticos, que incluíam tanto pessoas
de língua grega quanto de língua anatólia. Portanto, é provável que, se outros grupos
fossem talvez anatólios, os filisteus fossem predominantemente gregos. Até que o Linear B
fosse decifrado como grego, a conexão entre os filisteus e Creta não era embaraçosa; era
fácil pensar neles como pré-helenos. Se os estudiosos desde 1952 se recusaram a admitir a
forte evidência ligando os filisteus aos gregos, isso só pode ser explicado em termos da
concepção dos filisteus dos séculos XIX e XX como exatamente o oposto dos helenos - como
inimigos da cultura.

354
Notas
1 Ver Capítulo 1, nn. 17 e 18. Vedação também Macalister (1914, p. 2); Mazar (1971, p. 166), ambos citados em Joffe
(1980, p. 2).
2 Sandars (1978, p. 145). Não entrarei aqui na questão dos penteados representados tão vividamente nos relevos

egípcios, pois eles não dão indicações claras quanto à origem egeia ou anatólia do usuário.
3 Barnett (1975, p. 373).
4 Albright (1975, p. 513).
5 Barnett (1975, pp. 363-366). Para uma abordagem mais cética, ver Astour (1967a, pp. 53-67; 1972, pp. 454-455).
6 Citado em Strabo, Geography , XIV 4.3. Astour (1972, pp. 454-455) aponta com razão a extraordinária confusão quanto

às tradições migratórias de vários Mopsoi e Lídios gregos.


7 Citado em Astour (1967a, p. 11); Sandars (1978, p. 119).
8 Ver Gardiner (1947, vol. I , pp. 124-5). Sobre o Danai, ver Capítulo 1, nn. 106-111.
9 Astour (1972, p. 457).
10 Ver Rendsburg (1982).
11 Astour (1972, p. 458).
12 Estranho (1973).
13 Lipinsky (1978, pp. 91-97); Papa (1980, pp. 170-175). Edição de vídeo também Atena Negra , vol. III .
14 Ver Astour (1967a, pp. 1-4). Para uma discussão da relação fonética entre Muksas e Mps, ver vol. II e Bernal (1990).
15 Amós 9: 7; Ger. 47: 4; Gn 10: 14; com texto alterado, Ez. 25: 1517; Zef. 2: 4-7.
16 Veja 2 Sam. 15: 18-22; 1 Sam. 27. Sobre as relações de David com os filisteus, com todo o respeito por J. Strange

(1973).
17 Ver M. Dothan (1973); Muhly (1973); Popham (1965); T. Dothan (1982, pp. 291-296); Snodgrass (1971, pp. 107-109)

e Helck (1979, pp. 135-146).


18 T. Dothan (1982, pp. 20-22, 291-296). A senhora dá muita importância ao fato de que "coroas de penas" ou cabelos

endurecidos do tipo usado pelos PRSTs não são atestados na Grécia. No entanto, eles nem mesmo são atestados nos
Balcãs ou na Anatólia ocidental. Além disso, o T(t)kr e o Dnn, que certamente devem ter vindo da Grécia, seguiam o
mesmo estilo. Ver Sandars (1978, p. 134).
19 Para uma revisão recente disso, ver Helm (1980, p. 209).
20 Neemias 13: 23-24.
21 Su Yhd, J. Naveh (comunicação pessoal, Jerusalém, junho de 1983); sobre Yhw, ver Seltman (1933, p. 154).
22 Gardiner (1947, vol. I , p. 202).
23 Tcherikover (1976, pp. 87-114).
24 Gardiner (1947, vol. I , p. 202). Acredito que Marne deriva do egípcio M 3 nw, a misteriosa "Montanha do pôr-do-sol

no oeste", um nome que poderia ser aplicado a Creta. O topónimo Mnnws, que remonta ao Império Novo, que foi
plausivelmente, embora não definitivamente, identificado com Minos e Creta, também poderia derivar disso. Vedi
Vercoutter (1953, pp. 159-182); mais sobre isso no vol. II .

355
Glossário
ACADICO
Língua semítica da antiga Mesopotâmia, fortemente influenciada pela Suméria, que por sua
vez influenciou. Foi substituído pelo aramaico em meados do 1º milênio aC

POSTAGEM OU AGLUTINAÇÃO
Adicione prefixos, sufixos ou infixos às palavras, sem afetar suas raízes. Esses processos
dizem respeito a linguagens não incluídas entre as flexionadas ou isolantes. As mais
conhecidas entre as línguas afixadoras são as altaicas, cujos exemplos centrais são o turco e
o mongol, mas esta família pode incluir outras línguas muito distantes no espaço como o
japonês e o húngaro.

Afro-asiático
Uma 'superfamília' linguística, também conhecida como Hamito-semita, consistindo de
várias famílias linguísticas, incluindo berbere , chadic , egípcia , semítica e kushita oriental,
meridional e central.

ANATÓLICO
Indo - Línguas hititas mas não indo-europeias da Anatólia. Eles incluem o hitita , o paleo, o
lúvio, o lício, o lídio e provavelmente o cário e o etrusco.

ARAMAICO
Língua semítica ocidental, originalmente falada em algumas áreas do que hoje é a Síria, e
mais tarde se tornou a língua franca dos impérios assírio, neobabilônico e persa. Substituiu
os dois dialetos cananeus , a saber, o fenício e o hebraico , do Mediterrâneo oriental em
meados do primeiro milênio aC Foi por sua vez substituído pelo grego e pelo árabe, embora
ainda sobreviva em algumas aldeias remotas.

ARIANO
Termo usado para descrever falantes do ramo indo-iraniano da família de línguas indo-
europeias . Eles parecem ter invadido o Irã e a Índia durante a primeira metade do segundo
milênio aC No final do século XIX o termo começou a ser usado para designar a "raça" indo-
européia como um todo.

ARMÊNIO
Língua indo- européia de um antigo povo da Anatólia oriental. Às vezes foi considerado que
é particularmente próximo ao grego. Mas como os textos mais antigos transmitidos datam ,
no máximo, do século IV d.C., é provável que as semelhanças sejam consequência da
influência grega ou de contatos comuns das duas línguas com o semítico.

ASSÍRIO
Língua do antigo reino do norte da Mesopotâmia, cujas origens remontam a meados do
terceiro milênio aC Originalmente era um dialeto do acadiano .

BERBER

356
As línguas faladas pelos habitantes originais do noroeste da África. Eles ainda são falados
nas áreas remotas ou montanhosas do norte da África, das regiões desérticas ocidentais do
Egito ao Marrocos.

BOAIRICO
dialeto copta falado originalmente na região ocidental do Delta; mais tarde, tornou-se a
língua comum de todo o Egito cristão.

CANANEO
Língua semítica, fortemente influenciada pelo egípcio , falada no sul da Síria-Palestina entre
1500 e 500 aC, quando foi substituída pelo aramaico . O fenício e o hebraico são os mais
conhecidos dos dialetos cananeus posteriores. O termo "canaanita" também é usado para
descrever a cultura material do final da Idade do Bronze Síria-Palestina, cerca de 1500-
1100 aC.

CÁRIA
Região do sudoeste da Anatólia cuja língua era provavelmente anatólia, mas também pode
ser que não fosse indo-hitita . Há inscrições em cario a partir do século VI aC

COPT
A língua e a cultura do Egito cristão. Falado até os séculos 15 e 16 dC, continua a ser a língua
litúrgica dos cristãos do Egito. Escrito no alfabeto grego, com algumas letras adicionais
derivadas do demótico , é a forma posterior da língua egípcia .

DEMÓTICO
A rigor, demótico é a escrita derivada de hieróglifos e hieráticos , usada no Egito após o
século VII aC A palavra também é usada para descrever a linguagem desse período.

DEFINIDO
Elemento na representação hieroglífica de uma palavra que define seu significado ao
contrário do som.

EBLA
Antiga cidade siríaca cuja escavação começou na década de 1970. Por volta de 2500 aC era
um império com uma vasta rede comercial que se estendia por toda a região sírio-palestina.
Eblaite era uma língua semítica independente que pode ser considerada a ancestral dos
cananeus .

JUDAICO
Dialeto cananeu falado nos reinos de Israel, Judá e Moabe entre 1500 e 500 aC Por razões
religiosas é muitas vezes considerado como uma língua distinta, como de fato se tornou
graças ao desaparecimento dos outros dialetos cananeus.

EGÍPCIO
Termo usado para definir não o dialeto árabe falado no Egito hoje, mas a língua do antigo
Egito, que era uma língua afro- asiática independente . É dividido em egípcio antigo, falado

357
durante o Reino Antigo, de cerca de 3.250 a 2.200 aC; e em egípcio médio, falado durante o
Império Médio, de 2200 a 1750 aC, e que permaneceu a língua oficial pelos mil e
quinhentos anos seguintes. É esta linguagem que é referida quando "egípcio" é usado sem
qualquer outra especificação. O egípcio tardio foi falado a partir do século XVI , mas não se
tornou comum nos escritos até a virada do milênio. Foi o egípcio tardio, como argumento,
quem teve a maior influência sobre o grego. Nos estágios posteriores, demótico e copta ,
veja acima.

EGÍPCIO-PAGANISMO
Termo I cunhado para definir a religião pagã dos períodos helenístico e romano, que
enfatizava a centralidade e originalidade da religião egípcia entre as religiões politeístas.

ELÁDICO
Termo usado para três períodos cerâmicos da Grécia continental, que se aproximam
aproximadamente dos períodos cerâmicos minóicos de Creta.

ELÁDICO ANTIGO
Período de cerâmica cretense da Idade do Bronze, cerca de 3000-2000 aC

ELÁDICO MÉDIO
Período cerâmico da Grécia continental compreendendo um período de cerca de 2000 a
1650 aC

ELÁDICO TARDE OU MICENAIO


Período cerâmico da Grécia continental, de cerca de 1650 a 1100 aC

ERA COMUM
Termo usado por não-cristãos em geral e por judeus em particular, para evitar o sectarismo
implícito na expressão AD, Anno Domini, ou AD, depois de Cristo.

FRIGORÍFICO
Língua falada na Frígia, uma região do norte da Anatólia, mas não anatólia , mas indo -
europeia e intimamente relacionada com o grego.

HEROGLIFICAÇÃO
Escrita egípcia atestada a partir do final do 4º milênio. Consiste em signos fonéticos
representando letras, letras duplas, letras triplas e determinantes que indicam a categoria à
qual pertence o significado da palavra.

INDOEUROPEU
Família linguística que inclui todas as línguas europeias - exceto basco, finlandês e húngaro
- as línguas iranianas e do norte da Índia e o tocariano . O frígio e o armênio , embora
falados na Anatólia, não são línguas anatólias , mas indo-européias .

INDOITIDADE
Superfamília linguística que inclui as famílias anatólia e indo-européia .

358
HITITA
Império da Anatólia Central que floresceu durante o 2º milênio aC A língua era anatólia . Foi
escrito em cuneiforme.

LÍCIA
Região Sul da Anatólia. A língua lícia era anatólia e era descendente indireta dos hititas .
Inscrições alfabéticas em data Lícia do século 5 aC

LÍDIA
Região Noroeste da Anatólia. A língua lídio pertencia à família da Anatólia .

LINEAR A
Silabário usado em Creta e em outros lugares antes de os gregos se estabelecerem na ilha.

L INEARE B
Silabário derivado do linear A , atestada na Grécia micênica e em Creta por volta de 1400
aC, mas provavelmente já em uso antes dessa data.

IDIOMAS FLEXÍVEIS
Línguas como o grego, o latim e o alemão, que dependem muito da flexão ou mudança da
forma da palavra, ou morfologia, para produzir significado.

IDIOMAS ISOLANTES
Idiomas como chinês e inglês com um grau de inflexão relativamente baixo que dependem
principalmente da sintaxe ou posição da palavra na frase para produzir significado; o
termo se opõe às línguas flexionadas e às línguas afixadas .

MICENÉU
Termo usado para definir a cultura material da Idade do Bronze, descoberta pela primeira
vez em Micenas, e depois estendida à cultura grega do final da Idade do Bronze.

MINOANO
Termo - que Arthur Evans derivou de Minos, o lendário rei de Creta - aplicado às culturas
de Creta que datam de antes da chegada à ilha dos povos de língua grega, e a três períodos
cerâmicos , definidos pelo próprio Evans.

PERÍODO CERÂMICO
Um período de tempo reconstruído por arqueólogos com base em estilos de cerâmica.

TERA
Ilha vulcânica localizada a setenta milhas ao norte de Creta. Durante o segundo milênio aC
ocorreu uma grande erupção, cuja datação convencional é de cerca de 1500-1450 aC. Em
vez disso, afirmo que a erupção ocorreu cento e cinquenta anos antes, em 1626 aC

TOCÁRIO

359
Língua indo-européia falada durante o primeiro milênio dC em Sinkiang, uma "região
autônoma" do oeste da China, agora uma língua turca. Tocharian tem alguns traços em
comum com as línguas indo-européias ocidentais que não estão presentes nas línguas indo-
arianas. Assim, fornece-nos informações importantes sobre a natureza do indo-europeu
primitivo.

URRIT
Nome de um povo que viveu no leste da Anatólia durante o segundo milênio aC A língua era
anatólia e foi escrita em cuneiforme.

360
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