Você está na página 1de 418

RESUMO

Esta tese analisa o processo de formação social, política e econômica das vilas auríferas do
sertão da Bahia na primeira metade do século XVIII. Pretendeu-se sanar uma lacuna
historiográfica que invisibilizou a participação da Bahia no circuito do ouro no século XVIII.
Buscamos estudar as vilas do ouro como um espaço formado a partir dos valores e da arquitetura
institucional e política das sociedades típicas do Antigo Regime ibérico. O estudo revelou que
o espaço estudado criou suas próprias hierarquias sociais, as quais estavam alicerçadas no
exercício do poder local em um constante jogo de interação com a monarquia pluricontinental.
Dessa forma, assegurou as práticas de auto-governo, a reprodução das hierarquias costumeiras
e o exercício do poder local.

Palavras-chaves: Império ultramarino Português, capitania da Bahia, sertão, vilas auríferas,


sertanistas;
ABSTRACT

The sertão and the empire: The Gold villages in the captaincy of Bahia (1700-1750)

Hélida Santos Conceição

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História,


Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos à obtenção do título de Doutor em História Social.

This thesis analyzes the process of social, political, and economic formation in the gold mining
towns of the Bahian interior during the first half century of the eighteenth century. It attempts
to fill a historiographical gap that renders invisible Bahian participation in the eighteenth-
century gold mining circuit. We study gold mining towns as a space originating from the values
of the institutional and political architecture of the Iberian Ancient Regime. The study reveals
that the space under investigation created its own particular social hierarchies, which were
based in the exercise of local power in a constant juggling act with a pluricontinental Monarchy.
In this way, the practices of self-governance, the reproduction of customary hierarchies and the
exercise of local power were ensured.

Keywords: Overseas Portuguese Empire, captaincy of Bahia, sertão, backlands, gold mining,
frontiersmen
Para Beatriz Dantas,
companheira inseparável dessa e de muitas outras vidas.
À Marcos Costa e Silva, in Memorian.
Agradecimentos

Construir e escrever este estudo foi sem dúvida uma feliz aventura. Nem os episódios sombrios
que se abateram sobre o Brasil nos últimos tempos, conseguiram me fazer duvidar sobre o quão
importante tem sido, dia após dia, exercer o ofício de historiador. A circulação pelos espaços
institucionais de pesquisa, seja no Brasil ou em Portugal, foram fundamentais para o
amadurecimento desse trabalho. Aqui, gostaria de dedicar um pouco da minha gratidão aos
diversos amigos e colegas de profissão com quem construí laços pessoais e profissionais ao
longo desses anos.

Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao meu orientador, Antônio Carlos Jucá de Sampaio
por ter aceitado orientar uma tese sobre o sertão baiano. A nossa convivência foi preenchida de
grandes momentos de aprendizado, reflexões e critérios imprescindíveis para a construção das
principais proposições desta tese. No caminhar de quase cinco anos tive a felicidade de termos
nos tornado aliados na feliz empreitada do oficio do historiador. Espero que essa tese tenha
correspondido às suas expectativas e agradeço pelo cuidado, amizade, paciência e extrema
competência com a qual foi me guiando nos meandros do século XVIII.

Agradeço aos professores João Fragoso, Angelo Carrara, Erivaldo Neves e Thiago Krause pelo
aceite em participar da banca de defesa e pelas contribuições propostas. Todos os seus trabalhos
são grandes inspirações para essa tese.

À Capes, agradeço a concessão de uma bolsa de doutorado sanduíche que me permitiu ficar
entre abril e agosto de 2017 nas cidades de Lisboa, do Porto e Coimbra. A estadia nos arquivos
portugueses foi imprescindível para o levantamento documental que possibilitou entender
muitas das questões que essa tese propõe.

Ao Prof. Dr. Pedro Cardim, agradeço pela co-orientação no exterior e pela temporada de
acolhimento como pesquisadora visitante no CHAM - Centro de Humanidades da Universidade
Nova de Lisboa. No CHAM encontrei valiosas referências para o amadurecimento intelectual
deste trabalho. Não posso deixar de mencionar as excelentes conversas com Roberta Stumf e
com o professor José Vicente Serrão do Departamento de História do ISCTE, Instituto
Universitário de Lisboa.

Agradeço também a todo o corpo docente do Departamento de Ciências Humana – DCH-IV-


campus de Jacobina, da Universidade do Estado da Bahia pela liberação das minhas atividades
docentes entre 2014 e 2018.

A todos os professores do NECC – Núcleo de estudos em Cultura e Cidade, em especial a


Washington Drummond e Valter Gomes Santos de Oliveira que com sua sensibilidade ímpar
me cedeu raríssimos registros fotográficos da cidade de Jacobina para ilustrar essa tese.

Os professores com os quais cumpri créditos durante o primeiro ano do doutorado trouxeram
fundamentais contribuições para o desenvolvimento teórico dessa pesquisa. Em especial o prof.
João Fragoso que passou a ser um interlocutor privilegiado, uma grande inspiração e com o
qual eu aprendi a ver as sutilezas do funcionamento de uma sociedade de tipo de Antigo
Regime.
Igualmente agradeço a todos os integrantes do grupo de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos,
pela agradável convivência e o aprendizado proporcionado ao longo desses anos.
Especialmente, Victor Oliveira com quem passei maravilhosos momentos na cidade do Porto
em 2015, e que fez as árvores genealógicas inclusas nesse trabalho; Tiago Gil ofertou um curso
indispensável sobre como construção e uso de banco de dados com fontes históricas; Roberto
Guedes com seu grande senso de humor me trouxe questões cruciais quando esta tese era ainda
um projeto. À Thiago Krause, sempre tão solícito e competente em diversos momentos me
esclareceu dúvidas e me enviou importantes documentos. A todos vocês muito obrigada.

Com Phillipe Moreira dividi a atenção do nosso orientador, por isso agradeço o incentivo, o
cuidado e as horas de conversas sobre temas historiográficos, mas sobretudo, os longos
desabafos sobre os nossos processos de produção. É um guia e um irmão que trago comigo pra
sempre.

Carolina Perpetuo Correa foi de uma cumplicidade maravilhosa quando cursamos os créditos
das disciplinas no IFCS. Os nossos almoços às terça-feira tornaram-se momentos inesquecíveis.
Nossa amizade até hoje reverbera seja no Rio de Janeiro, em Lisboa ou em Salvador.

Aos amigos e parceiros do grupo de pesquisa EHCAR – Economia, Hierarquia e Costumes no


Antigo Regime, em especial a Isabelle de Matos Pereira de Mello, Beatriz Porto, Lucimeire
Oliveira, Elissa Hadassa, Janaína Perrayon, Camila Rabello, Suelen Anjos, agradeço as
excelentes observações todas as vezes nas quais submeti partes desta tese para serem discutidas
em nossas reuniões mensais. Esse grupo de pesquisa tributário do ART deu-nos tônus
historiográfico e tem sido uma das melhores oportunidades de continuidade de nossas
pesquisas.

Pablo Antônio Iglésias Magalhães, com o qual divido o apreço pelo ofício de historiador e que
lá nos idos de 2009 me deu os primeiros caminhos da pesquisa com fontes coloniais. Com sua
extrema argúcia e erudição esteve pronto a mover mundos e fundos por esta pesquisa.
Presenteou-me com livros e documentos importantíssimos, resolveu enigmas de paleografia,
foi meu guia em diversos arquivos, em especial no APEB, esteve sempre ao meu lado sendo
um parceiro de longas tardes à base de café e epifanias historiográficas. Pode ser clichê, mas
não tenho palavras para descrever a minha dívida de gratidão contigo.

Um agradecimento especial a todos os historiadores que me cederam documentos e outras


informações arquivísticas: Fabricio Lyrio em 2011 me indicou os primeiros caminhos desta
pesquisa. Eudes Gomes me enviou de Lisboa um documento chave sobre o sertanismo. Márcio
Roberto Alves dos Santos foi de uma generosidade ímpar, disponibilizando-me uma farta
coleção documental sobre o sertão baiano. Marcelo Loureiro foi de uma grande gentileza e
inteligência quando teceu comentários importantes sobre um dos capítulos dessa tese. E como
não podia deixar de ser, o grande mestre, o professor Erivaldo Fagundes Neves com quem
divido a inspiração das pesquisas sobre o sertão, foi sempre tão gentil e solícito, recebendo-me
em sua casa, me presenteando com livros e mapas. Seus trabalhos foram guias imprescindíveis
para esta pesquisa.

A todos os funcionários dos arquivos nos quais fiz pesquisa, agradeço a disponibilidade e a
colaboração. Em especial, Sônia de Lima, chefe do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro por tanto comprometimento e gentileza com as minhas dúvidas e demandas.
Com Raul Macedo eu só tenho a comemorar a vitória que foi concluir essa pesquisa que
começamos juntos lá em 2011, quando ainda ele era meu orientando de iniciação científica. Em
uma missão de pesquisa ele encontrou os documentos paroquiais da freguesia da Jacobina velha
e juntos construímos uma parte do banco de dados usada em alguns capítulos. Hoje é um amigo
para toda a vida, meu porto seguro em Jacobina.

Em Lisboa tive o privilégio de conviver com amigos que marcaram pra sempre a minha vida:
Carlos Manoel Pimenta, Raphael Martins Ricardo, Rômulo Góis, Fábio Rocha, Christina Nana,
Mariana Boscariol, Xé Pizarro, Ricardo Bernardes, Clélio Gonçalves Antônio Castro Nunes,
Nelson Fragoso, me proporcionaram incríveis momentos de alegria e conforto por entre as ruas
e bares de Lisboa, em especial o “Água de beber”, bar brazuca que era o nosso local de encontro
preferido.

Amizades muito especiais se forjaram entre a Bahia, o Rio de Janeiro e Lisboa: Aqui quero
expressar minha enorme gratidão à Maria Sarita Mota por ter me acolhido em seu mundo. Os
vínculos e momentos que nos unem são impossíveis de serem descritos em tão poucas linhas.
Por todo o ano de 2014 eu tive o privilégio de morar no seu apartamento das Laranjeiras no Rio
de Janeiro, podendo desfrutar de um conforto e tranquilidade necessários para cumprir com os
créditos do primeiro ano do doutorado. O tempo que passei no apartamento da rua Alice selou
nossos destinos. Aquele foi um lugar de cultivo de alegria, aprendizado e muita historiografia.
Em uma palavra: predestinação. Para além do Rio, a sua casinha de Lisboa também foi minha
casa, onde tive o privilégio de conviver com Fernando Pina a quem agradeço os maravilhosos
jantares e uma convivência mágica. Você Sarita, é um lugar de generosidade no qual me renovo
e me emociono.

Agradeço imensamente aos anos de amizade cultivados com Gislene Almeida e Rodrigo
Araújo, amigos filósofos de longas datas com os quais dividi a emoção de ter um pouco da
Bahia em Lisboa. O verão de 2017 com vocês foi realmente inesquecível.

Apesar de tantas viagens meus amigos da Bahia estavam sempre aqui para me receberem e
comemorar minhas pequenas vitórias. Sheila Gomes minha amiga de sempre, me entende
melhor do que eu mesma e sempre soube o quão importante para mim era fazer esse doutorado.
Agradeço em especial a Daniela Leal, amiga do coração, companheira de juventude e como boa
“carpinteira do universo” cuidou de mim e da minha casa cada vez que precisava cumpri mais
uma empreitada de viagem. Tantas outras vezes precisei da alegria e empolgação que os
encontros com Dora Diamantino e Thais Bonini me proporcionaram sempre com muito vinho
e renovação dos votos de amigas feministas. Com Elmo Amaral e seu violão “toca Raul” sempre
momentos especiais.

Na belíssima cidade do Porto, às margens do rio Douro deixei meu coração sob os cuidados de
Henrique Bandeira Coelho, o meu amor, o meu maior presente de todos. Dois anos de uma
história lindíssima cheia de travessias atlânticas que me deu a oportunidade de ter vivido com
uma original família portuguesa. Essa tese acaba para que nossa história continue por outros
caminhos. Muita gratidão à família Bandeira Coelho da qual hoje faço parte, em especial a
Albertina, que me deu colo, carinho e proteção e a quem só posso agradecer devotando toda a
minha admiração.

Não posso deixar de agradecer à minha original família baiana, também conhecida entre nós
como a casa dos Ingongos. Minha mãe Simone e meu pai Jariomar que me trouxeram os valores
imprescindíveis para uma vida justa, correta e ética. Meus irmãos Júnior e Cíntia, meus queridos
tios Verena e Carlos Félix, Bira e Maria Clara que mesmo sabendo que sou uma viajante
contumaz me amam e me valorizam mesmo com todas as minhas ausências.

À Beatriz Dantas minha filha amada, parte de mim, minha melhor obra e a quem dedico essa
tese por ter tido a resiliência de resignificar minhas tantas ausências e viagens enquanto eu
andava pelo mundo do século XVIII.

Por fim, dedico essa tese ao povo brasileiro que nos últimos anos tem sofrido grandes golpes,
os quais deixaram marcas terríveis na sociedade brasileira. O desmonte do Estado democrático
de direito tem provocado gravíssimos danos à educação pública e a produção científica no
Brasil. Fazer essa tese de doutoramento me pareceu ser ainda um dos muitos caminhos possíveis
no entendimento das hierarquias sociais e das lógicas desiguais que nos acompanham ao longo
da nossa história.
LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS, TABELAS E QUADROS

FIGURAS

Figura 1: Detalhe do Desenho incluso na "Derrota das Minas de Jacobina para as do Rio das
Contas" de Joaquim Quaresma Delgado, 1731 ..................................................................... 51
Figura 2: Detalhe da “Planta da commarca do Ceará Grande...” ........................................... 55
Figura 3: Sinal indicando novos descobrimento incluso na “Derrota das Minas de Jacobina para
as do Rio das Contas” de Joaquim Quaresma Delgado, 1731................................................ 68
Figura 4: Mapa de ocupação da Freguesia da Jacobina de acordo com os róis de desobriga de
1718 e 1720. ...................................................................................................................... 105
Figura 5: Antiga Igreja Matriz de Santo Antônio da Jacobina localizada na cidade de Campo
Formoso............................................................................................................................. 120
Figura 6: Igreja Matriz de Santo Antônio da Vila de Jacobina ............................................ 122
Figura 7: Fólio de abertura do livro de casamentos da Freguesia de Santo Antônio da Jacobina
.......................................................................................................................................... 139
Figura 8: Fólio contendo assento de casamento do livro da Freguesia de Santo Antônio da
Jacobina ............................................................................................................................. 141
Figura 9: Detalhe do mapa da Comarca da Jacobina com indicação aproximada da Casa de
registro das entradas das Minas de Jacobina - segunda metade do século XVIII ................. 174
Figura 10: Igreja da Missão franciscana do Bom Jesus da Glória na atual cidade de Jacobina
.......................................................................................................................................... 195
Figura 11: Vista panorâmica da cidade de Jacobina com o Rio Itapicurú-mirim e as serras ao
fundo ................................................................................................................................. 195
Figura 12: Praça da matriz para onde foi realizada a transferência da vila em 1724 ............ 198
Figura 13: Mapa da Comarca da Jacobina da segunda metade do século XVIII .................. 232
Figura 14: Mapa de jurisdição da Comarca de Jacobina, século XVIII ............................... 233
Figura 15: Mineiro bateando no rio Itapicuru-mirim no centro de Jacobina ........................ 251
Figura 16: Rio do ouro no centro de Jacobina ..................................................................... 252
Figura 17: Mapa dos ribeiros de exploração do ouro na vila de Jacobina, 1721-1723 ......... 275
Figura 18: Ramo da família por descendência de Antônio Antunes Leal ............................ 355
Figura 19: Descendência do capitão Pedro Barbosa Leal .................................................... 360
Figura 20: Árvore genealógica do coronel Pedro Barbosa Leal........................................... 363
GRÁFICOS

Gráfico 1: Livres e Escravos na freguesia da Jacobina – 1718 ............................................ 123


Gráfico 2: Livres, escravos e forros na freguesia da Jacobina – 1720.................................. 124
Gráfico 3: Casamentos registrados no livro da freguesia de Jacobina, 1682-1757 ............... 142
Gráfico 4: Casamentos registrados no livro da freguesia de Jacobina por décadas e condição
social, 1682-1757 ............................................................................................................... 144
Gráfico 5: Perfil dos donos de bateias por sexo – 1723 ....................................................... 261
Gráfico 6: Perfil da mão de obra escrava de acordo com a lista de mineiros de 1723 .......... 262

TABELAS

Tabela 1: Mapa de População das Freguesias do Sertão de cima - 1759.............................. 108


Tabela 2: Mapa de População das Freguesias do Sertão de Baixo - 1759 ............................ 108
Tabela 3: Chefes de domicílios com títulos e posse de escravos na freguesia da Jacobina em
1718................................................................................................................................... 126
Tabela 4: Chefes de domicílios com títulos e posse de escravos na freguesia da Jacobina em
1720................................................................................................................................... 126
Tabela 5: Domicílios com a presença de casados e sem cônjuge na freguesia de Jacobina em
1718 e 1720 ....................................................................................................................... 130
Tabela 6: Domicílios da freguesia de Jacobina de acordo com sua composição em 1718 e 1720
.......................................................................................................................................... 131
Tabela 7: Composição dos domicílios por quantidade de residentes, casados, sem cônjuge e
escravos – 1718 ................................................................................................................. 132
Tabela 8: Composição dos domicílios por quantidade de residentes, casados, sem cônjuge,
forros e escravos – 1720..................................................................................................... 133
Tabela 9: Composição dos domicílios próximos aos ribeiros de mineração – 1718 ............. 134
Tabela 10: Composição dos domicílios próximos aos ribeiros de mineração – 1720 ........... 135
Tabela 11: Noivos Forasteiros por anos escolhidos ............................................................ 148
Tabela 12: Naturalidade das noivas na freguesia de Jacobina – 1704-1750 ......................... 152
Tabela 13: Naturalidade dos noivos reinóis na freguesia de Jacobina – 1704-1750 ............. 153
Tabela 14: Casamentos de homens reinóis por décadas - 1700-1750 .................................. 154
Tabela 15: Padrão de posse de escravos por proprietários de bateia em 1723 ...................... 263
Tabela 16: Posse de escravos por proprietários de bateias – 1723 ....................................... 264
Tabela 17: Proprietários de bateias por condição social e posse de escravos ....................... 269
Tabela 18: Lista dos ribeiros de ouro onde foram feitas a arrematação de datas de mineração –
1721................................................................................................................................... 273
Tabela 19: Ribeiros, mineiros e escravos de bateia fiscalizados pelos capitães de Jacobina em
1723................................................................................................................................... 276
Tabela 20: Quintos arrecadados referentes aos anos de 1720-1721 ..................................... 309
Tabela 21: Valores pagos na arrematação de Datas de Mineração de S. Majestade em Jacobina
em 1721 ............................................................................................................................. 309
Tabela 22: Arrecadação dos quintos de ouro aos referente as minas de Jacobina em 1722 .. 309
Tabela 23: Relação de todo ouro que entrou na Casa da Moeda da Bahia desde 19 de julho a 27
de setembro de 1725 .......................................................................................................... 311
Tabela 24: Ouro que entrou para ser fundido na Casa da Moeda da Bahia 1725 – 1732 ...... 311
Tabela 25: Valores dos quintos em réis remetidos à coroa relativos às minas de Jacobina, Rio
de Contas e Minas Novas de 1723 a 1735. ......................................................................... 313
Tabela 26: Quintos do ouro das minas da Bahia, 1736-1757............................................... 330

QUADROS

Quadro 1: Indivíduos que assinaram o termo de criação da vila de Jacobina em 24 de junho de


1722 na Missão do Saí ....................................................................................................... 188
Quadro 2: Oficiais da câmara, nobreza e povo que assinaram a nova ata de fundação da vila de
Jacobina em 05 de junho de 1724, no arraial da Missão do Senhor Bom Jesus da Jacobina 198
Quadro 3: Representações feitas pelas câmaras do sertão da Bahia, século XVIII ............... 223
Quadro 4: Relação de ouvidores da comarca de Jacobina – 1737-1798............................... 238
Quadro 5: Fontes de recrutamento das ordenanças previstas na legislação .......................... 271
Quadro 6: Confirmação de Patentes das Ordenança da Vila de Jacobina no Registros Geral das
Mercês ............................................................................................................................... 280
ABREVIATURAS

ABN – Anais da Biblioteca Nacional.


ACSF – Arquivo do Convento Franciscano da Paróquia de Santo Antônio de Campo Formoso
AHEX - Arquivo Histórico do Exército
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino.
ANAIS/APEB – Anais do Arquivo Público e do Museu do Estado da Bahia
ANRJ – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia
ASCMS – Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador
AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra
BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal.
CCA – Coleção Conde dos Arcos
DH – Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
IANTT- Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
MHN – Museu Histórico Nacional
NECC – Núcleo de Estudos em Cultura e Cidade
RGM – Registro Geral das Mercês
TSO – Tribunal do Santo Ofício
Sumário
Introdução .......................................................................................................................... 14
A formação econômica e social das vilas auríferas do sertão da Bahia: renovando perspectivas
e abordagens..................................................................................................................... 14
Os capítulos da tese .......................................................................................................... 32

Capítulo I - Os sertões baianos no Império ultramarino português ................................ 38


1.1 As expansão das fronteiras do litoral para o sertões ..................................................... 42
1.2 O gado e o ouro .......................................................................................................... 52
1.3 As sesmarias ............................................................................................................... 58
1.4 A abertura da mineração baiana .................................................................................. 66
1.5 Moradores versus sesmeiros nas terras da Jacobina ..................................................... 76

Capítulo II – As Freguesias do Sertão ............................................................................... 97


2.1 Fontes paroquiais e o estudo da história social no sertão ........................................... 109
2.2 A freguesia de Jacobina e seus moradores ................................................................. 118
2.3 A espacialização dos domicílios na freguesia de Jacobina ......................................... 128
2.4 Casamentos, hierarquias e trajetórias sociais ............................................................. 138
2.5 Migrar e casar: forasteiros e suas escolhas matrimoniais no sertão ............................ 150

Capítulo III - As vilas auríferas na capitania da Bahia .................................................. 159


3.1 Antes da vila, os quintos: A chegada do superintendente nas minas de Jacobina e Rio de
Contas ............................................................................................................................ 166
3.2 O circuito das vilas mineradoras: Jacobina, Rio de Contas e Minas Novas ................ 181
3.2.1 Fundação e transferência da vila de Jacobina ....................................................... 182
3.2.2 A transferência da vila do sítio da Missão do Saí para a Missão do Bom Jesus ..... 191
3.2.3 A vila das minas do Rio de Contas ......................................................................... 204
3.2.4 Minas Novas de Araçuaí: questões para um debate sobre o poder local ................ 210
3.3 A comunicação política das câmaras do sertão no século XVIII: o centro e a periferia
....................................................................................................................................... 218
3.4 A contribuição monetária das câmaras do sertão ....................................................... 224
3.5 Governando a periferia: a criação da comarca da Jacobina ........................................ 228

Capítulo IV – Hierarquias sociais e poder local ............................................................. 248


4.1 Trabalho escravo e mineração ................................................................................... 252
4.2 Hierarquias sociais e os mineiros da Jacobina ........................................................... 259
4.3 Sob o poder das patentes: capitães de ordenanças e a mineração em Jacobina ........... 269
4.4 “Falsidades e velhacarias”: os litígios entre os mineiros nos distritos da Jacobina ..... 282

Capítulo V – A arrecadação fiscal nas vilas auríferas da capitania da Bahia ............... 298
5.1 Formas de arrecadação do direito régio dos quintos nas minas baianas – 1720 a 1727
....................................................................................................................................... 302
5.2 As casas de fundição................................................................................................. 316
5.3 Os descaminhos do ouro ........................................................................................... 331
Capítulo VI – Um sertanista entre dois mundos: a trajetória de Pedro Barbosa Leal . 343
6.1 A família Barbosa Leal dos dois lados do Atlântico .................................................. 350
6.2 Entre o litoral e o sertão ............................................................................................ 361
6.3 De senhor de engenho a sertanista: os primeiros passos ............................................ 364
6.4 Notícias sobre as decantadas minas de prata de Melquior Dias Moréia ..................... 373

Considerações Finais........................................................................................................ 396


Referências ....................................................................................................................... 400
1. fontes manuscritas........................................................................................................ 400
1.2 Documentos impressos ............................................................................................. 404
2. Fontes bibliográficas .................................................................................................... 405
2.1 Relações, Notícias, memórias e Crônicas históricas ................................................. 405
2.2 Livros, artigos e teses ............................................................................................... 406
14

Introdução

A formação econômica e social das vilas auríferas do sertão da Bahia: renovando


perspectivas e abordagens

Os sertões da América lusa devem ser estudados como parte do império ultramarino
português, no que pese o fato de a maior parte dos estudos baianos que investigaram os aspectos
políticos, econômicos, sociais e demográficos da capitania da Bahia pouco conseguiram olhar
para além das fronteiras da cidade de Salvador e seu Recôncavo. A ideia subjacente a essas
análises era de que o nordeste e sobretudo a Bahia estava intrinsecamente vinculada à rede
atlântica por conta quase exclusivamente da dependência mercantil do açúcar, do tabaco e
consequentemente do tráfico. Estes aspectos teriam fomentado um encadeamento de produção
econômica estruturante de toda a sociedade colonial. 1 Estes estudos praticamente naturalizaram
a imagem de que a história da Bahia resumia-se às dinâmicas inerentes a Salvador e seu
Recôncavo, áreas privilegiadamente ativas desde o século XVI nas trocas mercantis do império
marítimo português.2
Em contraposição à importância atribuída às praças marítimas da América portuguesa,
no geral, e da capitania da Bahia, em particular, os sertões foram por sua vez, constantemente
definidos como lugares incógnitos, distantes, perigosos e escassamente povoados.
Diferentemente do litoral as terras do interior foram vistas como vastos territórios à margem
dos processos de conquista e ocupação, portanto, um constante desafio para as autoridades
coloniais e por consequência para os poderes do centro.
No século XVIII devido aos achados de aluviões auríferos, a presença de portugueses
e luso-brasílicos no interior tornou-se mais expressiva. Aqueles descobrimentos induziram uma
ocupação crescente nos sertões dos Cataguases, do Caeté, do Rio das Velhas, do Serro do Frio

1
Para citar os mais importantes: SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo:
Perspectiva, 1979; Id. Segredos Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial. São Paulo. Cia. das Letras,
1988; MATTOSO, Katia de Queirós. Bahia, século XIX. Uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1992; BARICKMAN, B. J. Um Contraponto Baiano. Açúcar, Fumo, Mandioca e Escravidão no
Recôncavo, 1780 – 1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; RISÉRIO, Antônio. Uma História da
Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2004. LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia.
São Paulo, ed. Nacional, 1968.
2
SOUSA, Avanete Pereira de. A Bahia no Século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:
Alameda, 2012; KRAUSE, Thiago. A formação de uma nobreza ultramarina: coroa e elites locais na Bahia
seiscentista. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2015, 402p.; SOUZA, Evergton Sales (org.),
MARQUES, Guida (coord.), SILVA, Hugo Ribeiro da (org.) Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica.
Salvador/Lisboa: CHAM, EDUFBA, 2016, 343p.
15

e do Rio das Mortes, locais onde simultaneamente foram descobertas minas entre 1697 e 1704.3
Na Bahia as informações sobre o descobrimento de minas ocorreram em 1701 no governo de
D. João de Lencastre, assinalando possibilidades de exploração não só de ouro, mas também de
prata e salitre. Tais acontecimentos provocaram um reordenamento do espaço territorial e
político do sertão.
Em estudo pioneiro sobre as minas do Brasil, João Pandiá Calógeras incluiu a Bahia
na era dos descobrimentos auríferos e apontou: “É pouco conhecida a história do ouro na Bahia,
e o pouco que se sabe parece um simples capítulo dos feitos da energia paulista.” 4 Precisa é a
sua observação, pois o circuito do ouro baiano ficou relegado a compor uma parte da história
do bandeirantismo, construída como uma narrativa enaltecedora dos descobrimentos feitos por
paulistas, aos quais atribuía-se a expertise de encontrar ouro em abundância nos leitos dos rios,
auxiliados por indígenas escravizados e bandos armados constantemente usados para fazer
jornadas nas brenhas dos sertões.5 Ao final de sua narrativa sobre o ouro baiano, João Pandiá
Calógeras assegurou que:
Sabe-se da existência de numerosas jazidas auríferas nesta circunscrição
política do Brasil, mas os arquivos baianos ainda não foram devassados de
modo a permitir se reconstitua a história do seu descobrimento, a não ser para
as mais recentes, com menos de meio século de descobertas.6

A questão posta por esse autor ainda mantém sua validade e pertinência, considerando-
se o fato de que pouco se escreveu sobre o tema.7 Sua reflexão sugere ainda que a resposta para
essa lacuna poderia residir no devassamento dos documentos baianos, ao oferecer um panorama
completo sobre as riquezas das minas baianas no século XVIII.
De fato seria plausível pensarmos que devido à regionalização dos arquivos brasileiros,
a maior parte da documentação sobre o ouro poderia ser encontrada nos arquivos públicos

3
RESENDE, M. E. Lage de. “Itinerários e interditos na territorialização das Geraes.” In: RESENDE, M. E. L. de.
VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica;
Companhia do Tempo. 2007, p. 25-53
4
CALOGERAS, João Pandiá. As minas do Brasil e sua legislação. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. 1904, p.
75.
5
Conquanto a qualidade dos trabalhos de Charles Boxer sobre as descobertas do ouro no Brasil e suas relações
com o império português na primeira metade do século XVIII, ele peremptoriamente atribui aos paulistas a façanha
das descobertas: “Os descobridores e pioneiros paulistas não foram os únicos a ficar na posse de exploração
auríferas. Uma vaga de aventureiros e de desempregados vindos de todos os cantos do Brasil e até de Portugal
convergiu rapidamente para Minas Gerais, através dos poucos trilhos praticáveis por entre as florestas,
conduzindo-os respectivamente da Baía, Rio de Janeiro e São Paulo.” Cf.,. BOXER, Charles. O império Marítimo
Português. Lisboa, Edições 70. Copyright. [1969]. p. 160.
6
CALÓGERAS, op. cit., 1904, p. 79.
7
Aqui vale a ressalva de que os volumes II e VI das Memórias Históricas e Políticas da Bahia de Inácio Accioli
editado por Braz do Amaral possui uma farta documentação sobre o sertanismo e suas relações com as descobertas
de ouro no interior da Bahia. Cf. SILVA, Ignácio de Cerqueira Accioli e. Memórias históricas e políticas da Bahia.
Anotado por Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial, 6 v, 1925.
16

baianos, seja em Salvador ou no interior. Entretanto, no que respeita ao presente estudo, a


documentação alocada nas instituições baianas, pouco ou quase nada contribuíram para a feitura
desta tese. As fontes mais importantes para o tema foram localizadas nos arquivos do Rio de
Janeiro, Lisboa e Coimbra, aspecto que pode ter contribuído sobremaneira para a ausência de
trabalhos voltados para o tema em questão. A insuficiente documentação serial nos arquivos
baianos trouxe algumas dificuldades para a pesquisa, mas não impossibilitou a realização de
um estudo sobre a formação de um circuito aurífero na Bahia setecentista.
A advertência de Calógeras talvez tenha aguçado a curiosidade do professor Frederico
Edelweiss8, o qual escreveu em 1950 um artigo introdutório sobre a história da mineração na
Bahia. De acordo com o que argumenta Edelweiss, por muito tempo a historiografia ignorou
que a parte setentrional da capitania de Minas Gerais pertencia à Bahia tendo sido povoada por
muitos homens baianos que para lá acorreram com o descobrimento das minas. 9 Além disso, o
autor afirmou que os sertanistas baianos criadores de gado foram igualmente descobridores de
minas, homens que povoaram o “planalto mineiro” e portanto a narrativa histórica deveria fazer
jus à contribuição desses para a vultuosidade do circuito aurífero baiano. Ao fazer um pequeno
histórico das três principais vilas mineradoras, quais sejam, Jacobina, Rio de Contas e Minas
Novas, seu artigo teve a preocupação de destacar os descobrimentos de minas e a contribuição
que esse circuito minerador trouxe em termos de arrecadação dos quintos. A novidade trazida
no artigo foi um cômputo dos quintos enviados à coroa entre os anos de 1723 e 1743.10 Essa
tabela foi replicada em alguns estudos, muito embora não haja referências às fontes que foram
utilizadas para chegar aos quantitativos apresentados. Entretanto, pode-se supor que ele buscou
nas correspondências enviadas pelas autoridades baianas, sobretudo nas décadas de 1720 até
1740, as informações referentes a arrecadação dos quintos e dos direitos das entradas e
passagens pertencentes aos distritos minerais.11

8
EDELWEISS, Frederico. “Os primeiros vinte anos da extração de ouro documentada na Bahia”. In: ANAIS do
Primeiro Congresso de História da Bahia. IV Volume. 1950, p. 171-180.
9
Conforme apontou Angelo Carrara o povoamento da região das Minas Gerais iniciou-se por volta de 1674,
quando os baianos se deslocaram para aquela região em busca de pastos para suas criações de gado. Cf.,
CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais. Produção Rural e mercado interno de Minas Gerais. 1674-1807.
Juiz de Fora. Editora UFJR. Conselho editorial (2003-2006), p. 52.
10
Neste trabalho Frederico Edelweiss realizou uma pesquisa nos documentos do Arquivo Público da Bahia e
propôs uma sistematização dos valores dos quintos que pudessem atestar a produção do ouro baiano. Conquanto,
o texto não indique as fontes que utilizou para computar os quintos, é possível que tenha feito um levantamento
nas correspondências dos vice-reis com Lisboa, as quais indicavam as remessas de ouro pelas frotas. Na pesquisa
realizada no APEB não encontrou-se nenhum fundo específico que tratasse do registro dos quintos.
11
A coleção Conde dos Arcos localizada no Arquivo da Universidade de Coimbra possui cópias de época da
correspondência dos governadores e vice-reis do Estado do Brasil, através dos quais pode-se fazer um
levantamento sistemático sobre o envio dos quintos do ouro. Cf. Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção
Conde dos Arcos. Livro Governo Baía: 1720-1728, VI–III-1-1-11; Livro Governo Baía, 1729-1735, VI–III-1-1-
12;
17

Virgílio Noya Pinto12 em 1979 produziu um inovador estudo sobre o ouro do Brasil
no século XVIII. Seu trabalho foi considerado um dos mais confiáveis em termos de estimativas
para a produção e remessas do ouro brasileiro para Portugal, pois além de inovar sobre o tema
– inserindo as relações mercantis do Brasil nas trocas atlânticas – elaborou uma exaustiva
análise da correspondência consular francesa localizada em Lisboa. A contribuição deste autor
para o presente estudo aparece quando ele inclui a Bahia no circuito produtor do ouro no século
XVIII, concomitante com a produção das Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Logo na
introdução do tópico “O ouro na Bahia” ele afirmou o já conhecido argumento difundido em
outros trabalhos sobre o tema: “A descoberta e a produção do ouro na Bahia permanecem ainda
um capítulo nebuloso na história da mineração brasileira.”13 Com o intuito de sanar essa lacuna,
apresentou dados esparsos sobre a produção do ouro baiano,14 não oferecendo uma série
sistemática sobre a capitania, a não ser para os anos de 1739 a 1750, quando os registros
passaram a ser mais regulares e as Minas Novas de Araçuaí e Fanado tiveram mais produção
do que as antigas lavras de Jacobina e Rio de Contas. De acordo com seus apontamentos na
década de 1750 aquelas minas já estavam em declínio e por isso não contribuíam
significativamente para a arrecadação régia. Por conta da inexistência de dados confiáveis sobre
os quintos de Jacobina e Rio de Contas, Noya Pinto concluiu que as mesmas tiveram uma rápida
fama, sendo o seu período áureo estabelecido entre os anos de 1718-1730.
Mais recentemente, Albertina Vasconcelos estudou a economia escravista mineradora
na região da Chapada Diamantina da Bahia.15 Esta pesquisa contemplou as vilas de Jacobina e
Rio de Contas, empenhando-se em compreender a administração e controle da coroa portuguesa
sobre a produção, taxação e circulação do ouro. Uma das vertentes norteadora da pesquisa foi
a forma pela qual a coroa buscou superar eventuais dificuldades para suprir a mão de obra
escrava nas regiões mineradoras, sem colocar em risco a produção açucareira dos engenhos.

12
PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio Anglo-Português. Companhia editora nacional. São
Paulo, 1979. Leonor Freire Costa [Et. ali.] nos fornece uma rica e criteriosa análise comparativa entre as fontes
utilizadas e os valores quantificados para a produção e remessa do ouro do Brasil para Portugal para apontar as
lacunas nas séries compiladas por Noya Pinto e Michel Morineau. No escopo desta introdução não tem-se a
pretensão de aprofundar tal debate, pois o faremos na medida em que interessa ao esse presente estudo, no capítulo
V da tese. Cf.: COSTA, L.F.; ROCHA, M.R.; SOUSA, R.M. O Ouro do Brasil. Imprensa Nacional-Casa da
Moeda. Lisboa, 2013. MORINEAU, Michel. Incroyables gazettes et fabuleux Métaux. Paris-Cambridge, Maison
de Sciences de l’Homme-Cambridge University Press, 1985.
13
PINTO, Virgílio Noya. op. cit. 1979, p. 81.
14
Os dados referentes a produção baiana e aos quintos remetidos foram retirados do trabalho de Inácio Accioli.
Cf. SILVA & AMARAL, op. cit.
15
VASCONCELOS, Albertina Lima. Ouro: Conquistas, tensões, poder, mineração e escravidão – Bahia do
século XVIII. Dissertação (Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1998.
18

O trabalho de Albertina Vasconcelos teve o mérito de articular duas faces de uma


mesma moeda. Em primeiro plano, percebeu que no século XVIII a economia de subsistência
do sertão baiano não esteve limitada a posição de abastecedora de produtos para as regiões
mineiras, posto que também esteve integrada aos vários complexos econômicos de produção
da colônia voltados para o mercado externo. Em segundo, a autora corrobora que a
historiografia sobre a mineração na Bahia foi restrita e parcial, já que as fontes utilizadas pelos
estudos anteriores eram incompletas ou insuficientes para esmiuçar toda a complexidade da
economia aurífera baiana.
Contudo, o trabalho de Albertina Vasconcelos, como todos os outros aqui citados,
insere-se numa tradição historiográfica que enfatizou uma visão esquemática e dicotômica
consubstanciada na oposição metrópole-colônia. Para a autora, a política absolutista e
mercantilista da coroa, constantemente exercida sobre a população colonial, produziu um
cenário de tensões e conflitos que marcaram profundamente a formação social e política do
Brasil. Essa seria a explicação para o constante clima de instabilidade e insegurança que
dominava o cotidiano da colônia. O texto está engajado com um tom de denúncia à exploração
mercantilista impetrado pela coroa portuguesa nas áreas coloniais. O aporte teórico e
metodológico utilizado pela autora pressupõe uma relação de subordinação a-histórica entre a
coroa portuguesa e os espaços coloniais, supondo a existência de um projeto pronto e acabado
para administrar os distritos mineradores nas diversas regiões do território colonial. Enfim, ao
subtrair as dinâmicas de negociação entre os poderes do centro e os poderes locais, tal
perspectiva demonstrou uma análise limitada das práticas administrativas da monarquia nos
territórios da América portuguesa.
Tendo em vista o caráter restrito dos trabalhos apresentados, o presente estudo propõe
novas questões para a pesquisa histórica sobre o espaço econômico do ouro na capitania da
Bahia. O objetivo foi perceber a formação social e econômica dos sertões baianos através dos
mais recentes aportes conceituais e metodológicos trazidos pela historiografia luso-brasileira.
Privilegiou-se a plasticidade da arquitetura institucional e administrativa do direito ibérico, para
analisar a complexidade histórica das áreas sertanejas que integravam o império português.
Na historiografia brasileira o uso do conceito de império aparece em substituição a
uma visão esquemática da relação metrópole-colônia. Tal conceito possibilitou uma apreensão
mais complexa da monarquia portuguesa em relação com suas áreas de conquista,
desmistificando a concepção de uma “monarquia centralizada e absolutista”, em favor de
19

interações variadas entre o poder central e os poderes locais.16 Ademais, incorpora as demais
possessões ultramarinas, privilegiando as interações entre elas e os seus efeitos no conjunto
dessa dinâmica imperial. A dimensão imperial das conquistas portuguesas presta-se a
“explicitar a multiplicidade das experiências de conquista e colonização na Época Moderna.”17
Para Pedro Cardim e Susana Miranda nos séculos XVI e XVII os sentidos do uso do termo
“império” estaria ligado à capacidade expansiva da coroa portuguesa. No âmbito da península
Ibérica, para além do uso propagandístico da ambição imperial das coroas portuguesa e
hispânica, há que ressaltar o uso do termo para o reforço de uma “autorepresentação de cada
uma dessas entidades políticas.” 18 Os autores também identificam que juntamente com o termo
“império” usava-se o termo “conquista” para referir-se a todos os domínios ultramarinos,
mesmo aqueles que, a rigor, não tinham sido conquistados.
Mais recentemente esse império e suas áreas de conquistas, principalmente na
América, tem sido analisados a partir do funcionamento da arquitetura corporativa e
polissinodal da península Ibérica. A historiografia luso-brasileira tem aprofundado a
investigação sobre a constelação de pactos e poderes que conferiam à coroa e as áreas das
conquistas um caráter especial na negociação política. Desse modo, o conceito de monarquia
pluricontinental,19 tomada como uma hipótese de trabalho, compromete-se com a percepção
sobre como a coroa portuguesa e as suas elites nas conquistas conseguiram equilibrar seus

16
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; CAMPOS. Adriana, (orgs.)
Nas rotas do império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa:
IICT. 2006, p. 9-10.
17
BICALHO, Maria Fernanda. “Modos de governar o império: à guisa de introdução...”. In: BICALHO, Maria
Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar: Ideias e práticas políticas no Império Português.
Séculos XVI a XIX. São Paulo, Alameda, 2005. 2ª ed., p.14.
18
CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Munch. “A expansão da Coroa portuguesa e o estatuto político dos
territórios.” In: FRAGOSO, João. GOUVEA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial (1580-1720). 1ª edição. Rio de
Janeiro. Civilização Brasileira, 2014, p.76-78.
19
O conceito de monarquia pluricontinental foi proposto pela primeira vez por Nuno Gonçalo Monteiro e tem sido
replicado e refinado nos trabalhos de João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa, como também em teses de
doutorado e artigos, respectivamente. cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo F. “A “tragédia dos Távoras”. Parentesco,
redes de poder e facções políticas na monarquia portuguesa em meados do século XVIII.” In: FRAGOSO, João e
GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs.) Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos XVI-
XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 317-342; FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima.
“Monarquia pluricontinental e repúblicas: algumas reflexões sobre a América lusa nos séculos XVI-XVIII.”
Tempo. Niterói, v. 14, n. 27, dez/2009, p. 36-50._________. (orgs). Na trama das redes: Política e negócios no
Império Português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010. p.13-40. FRAGOSO, João.
“Poderes e mercês nas conquistas americanas de Portugal (séculos XVII e XVIII): apontamentos sobre as relações
centro e periferia na monarquia pluricontinental lusa.” In: __________. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Um reino e
suas repúblicas no Atlântico. Comunicação política entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio
de Janeiro, civilização Brasileira. 1ª edição, 2017. p. 49-99. MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas
faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira
setecentista. c. 1711- c. 1756. Rio de Janeiro, Mauad X: Faperj, 2012. KÜHN, Fábio. “Administração na América
portuguesa: a expansão das fronteiras meridionais do império (1680-1808).” In: Revista de História São Paulo,
Nº 169, Julho/Dezembro 2013, p. 53-81.
20

interesses a partir do caráter concorrencial e polissinodal desta monarquia. Nesta acepção, o rei
como cabeça do corpo social, “era capaz de articular as jurisdições das várias partes que
compunham o conjunto do corpo social, seja no reino, seja no ultramar.”20 Assim, a noção de
uma monarquia pluricontinental permitiu um entendimento mais amplo da organização social
e política do sertão baiano e de suas instituições (freguesias, câmaras, ordenanças, comarca),
todas elas pautadas nos modelos da arquitetura institucional da monarquia católica portuguesa.
A investigação no amplo escopo documental mostrou que o território do interior da
capitania da Bahia fazia parte do corpo político da monarquia. A edificação das principais
câmaras do sertão, leia-se, a principal instância de organização política da comunidade, ocorreu
na primeira metade do século XVIII. Nestas câmaras atuavam os indivíduos mais proeminentes
da localidade e ali tinha-se um espaço privilegiado para o exercício de suas prerrogativas de
autogoverno. Foi através destas instituições que os moradores peticionaram inúmeras vezes à
coroa, em uma constante dinâmica de negociação de seus direitos costumeiros. A análise
proposta remete-se aos vários espaços de poder, à construção das hierarquias sociais e da
economia costumeira, aspectos definidores do funcionamento das vilas do ouro nos sertões
baianos. Essas vilas, localizadas na periferia do império, construíram canais de comunicação
com a coroa, operaram pactos políticos, consolidando ao seu modo suas hierarquias
costumeiras. Portanto, o conceito de monarquia pluricontinental serviu como aporte
fundamental para amplificar a noção de pertencimento da área de estudo à dinâmica imperial e
por outro lado perceber as configurações específicas dos poderes locais.
Desde o século XVII diversas localidades do sertão da Bahia já possuíam uma relativa
ocupação demográfica em função das fazendas, sítios e roças de subsistência instaladas
principalmente à beira dos caminhos e sobretudo, no vale do rio de São Francisco. Nas décadas
iniciais dos setecentos, atestado pela grande circulação de pessoas, esse povoamento sofreu um
influxo significativo em função das áreas mineradoras, constituídas em integração às sedes das
freguesias, mais tarde tornadas vilas. Essas áreas com maior densidade populacional,
consolidaram-se como influentes áreas de povoamento, os quais mantiveram-se ativos, mesmo
depois do rush da exploração aurífera.
A descoberta de ouro e a autorização da coroa permitindo a exploração das minas em
1720, engendrou transformações de ordem social, política e econômica na vida das populações
assentadas ou itinerantes que viviam nos sertões da Bahia. A elevação de alguns povoados à
condição de vilas foi sem dúvida um aspecto relevante para o entendimento desse processo,

20
FRAGOSO, op. cit., 2017, p. 49.
21

visto que proporcionou um novo estatuto político ao território sob a jurisdição das câmaras
recém criadas. Ademais, estas circunstâncias impactaram os habitantes dessas povoações,
sobretudo no que diz respeito às dinâmicas de regulação da vida cotidiana. À coroa interessava
sobremaneira o assentamento de moradores no sertão, por isso, a regulação da vida eclesiástica,
civil e judicial, apresentou-se como um projeto de efeito prolongado, assegurando para a
monarquia a consecução de seus interesses em núcleos de povoamento. Tais ações visavam
contribuir para o afastamento dos grupos de indígenas, quilombolas e foragidos da justiça,
populações indesejáveis que não colaboravam para o projeto de conquista e ocupação
permanente dos espaços.
Na década de 1720, três importantes câmaras no sertão baiano foram edificadas:
Jacobina (1722), Rio de Contas (1725) e Minas Novas (1730). Sento Sé e Pambú, áreas do Rio
de São Francisco dedicadas à criação de gado, foram elevados à condição de julgados e
estiveram subordinados ao termo da vila de Jacobina. A exploração do ouro nestas áreas
mobilizou a coroa no sentido de prover a organização político-territorial daquele espaço, além
disso, ficou claro que havia a necessidade de implantação de um aparelho judicial e de um
sistema de arrecadação fiscal que assegurasse a hegemonia da administração portuguesa nas
áreas de mineração. Em 1734 a comarca da Bahia da parte do Sul foi criada por ordem régia,
mas seu efetivo funcionamento deu-se somente em 1742 quando foi enviado um ouvidor para
a vila de Jacobina, sede da dita comarca.
Este estudo analisa a formação de um circuito21 minerador, localizado em um território
descontínuo em termos de ocupação, conquista e povoamento. O que caracterizou esse circuito
foi a fundação das vilas do sertão baiano – Jacobina, Rio de Contas e Araçuaí - e sua posição
estratégica que oportunizou o trânsito de indivíduos entre as vilas, seguindo as novas frentes de
exploração de ouro. A vila de Jacobina foi um importante entreposto do mercado do gado que
vinha do Piauí, pois era a principal vila que conectada à vila do Rio de Contas, permitia o fluxo
mercantil do gado até a região das Minas Gerais. A vila de Minas Novas, localizada mais ao
sul da capitania da Bahia, já na fronteira com as Minas Gerais, seria a zona onde houve mais
intensamente trânsito entre os mineradores de ambas as capitanias. Além do mais na
documentação emitida tanto pela coroa quanto pelo governo da capitania, encontram-se
referências sobre “as minas dos sertões dessa capitania”, indicando que a administração colonial

21
Para Márcio Roberto dos Santos na documentação sobre os limites do sertão colonial a noção de circuito
compreendia um contorno, “uma linha imaginaria que limitava a superfície de ocupação”, conquanto isso não
significasse que o espaço estivesse plenamente povoado. cf., SANTOS, Marcio Roberto Alves dos. Fronteiras do
sertão baiano: 1640-1750. 2010. Tese (Doutorado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p. 371.
22

buscava uma uniformidade administrativa e fiscal no que tange as decisões do governo daquele
território. A ideia de circuito também faz referência ao tratamento dispensado pelo vice-rei
Vasco Fernandes César de Meneses ao circuito dos descobrimentos nos rios do sertão. Seu
governo foi particularmente ativo nessa questão, como pode-se inferir da seguinte passagem de
uma carta enviada à coroa em 1728:
Senhor. Em carta de doze de agosto do ano passado dei conta a vossa
Majestade da entrada e conquista que mandei fazer no sertão desta capitania
desde as minas do Rio das Contas até o rio Pardo, rio Verde e cabeceiras do
de São Matheus, pondo na presença de V. M. as razões que a isso me
persuadiram todas pertencentes ao serviço de V. M. aos interesses da sua real
fazenda, e ao aumento deste estado, por ser aquele sertão como seguram todos
os paulistas e em vários roteiros, a jóia mais precisa do Brasil não só pela
capacidade do país para toda a lavoura, e criação de gado, se não também pela
certeza que todas tem da abundância de ouro, pedras precisos, e outros metais
[...]22

A ideia de um circuito minerador tributário de entradas e descobrimentos faz jus ao


trânsito de inúmeros agentes luso-brasílicos que foram fundamentais na ocupação e
povoamento das vilas auríferas baianas. Estes espaços estiveram ocupados por indivíduos que
produziram diversos modos de reiteração das hierarquias sociais, do exercício do auto governo
e da criação de canais de negociação junto à coroa. A noção de um circuito minerador, considera
que as vilas do ouro constituíram-se em função de interações espaciais, econômicas e
jurisdicionais entre si, no que pese alguns fatores que não permitiam de todo a integração entre
as vilas abarcadas nesse estudo, como por exemplo, as diversas estratégias de resistência das
populações indígenas ao processo de conquista em curso.
A baliza temporal deste estudo compreende a primeira centúria do século XVIII, por
ter sido o período de maior intensidade da prospecção aurífera. Em 1701, durante o governo de
D. João de Lencastre, confirmou-se o descobrimento de ouro em Pindoboaçu, próximo ao local
onde seria criada a vila de Jacobina. Em 1757 encerrou-se de vez as atividades da Real Casa de
fundição, erigida na sede da vila em 1727 para fazer a arrecadação do direito régio dos quintos
do ouro. Ademais, esses marcos temporais apontam para o período de maior intensidade da
economia aurífera, além de coincidir com a instalação das instituições que inseriu o sertão como
território pertencente à arquitetura corporativa e polissinodal típica de uma sociedade de Antigo
Regime.
****

22
IHGB. DL 865.1 – Livro de provisões e cartas de S. M. e do secretário de Estado a que se respondeu o vice-rei
do Brasil – 1727-1728. Sobre a conquista do gentio bárbaro no sertão do rio das Contas, rio Verde, cabeceiras
do de São Matheus e novos descobrimentos de ouro naquele continente de que vão amostras. fls. 31
23

Cláudia Damasceno Fonseca em estudo sobre a formação do território da capitania de


Minas Gerais, constatou que ao longo dos setecentos o que prevalecia era um “caráter urbano”,
posto que as vilas mineiras eram vistas como “núcleos de civilização”, “lócus de vida social e
religiosa”, enfim, as povoações de Minas Gerais constantemente foram associadas a um modelo
de ocupação que rapidamente evoluiu para um complexo urbanístico colonial.23 No que pese a
diferença numérica e a relevância econômica das vilas edificadas nos sertões do Cataguases,
mais tarde, capitania de Minas Gerais, o que chama atenção é que à medida em que essa
ocupação foi sendo consolidada, esta capitania deixou de ser referida como sertão, e suas vilas
e arraiais passaram a ser vistas como partes de uma malha urbana, aparentemente integrada e
interconectada através de variados tipos de instituições civis e eclesiásticas: “Pouco a pouco, a
região mineradora foi perdendo sua denominação original, afastando-se progressivamente da
categoria de sertão.”24 Tal afirmativa é um indicio de que os estudos voltados para as Minas
Gerais desempenham a tarefa de demarcar a historicidade desse espaço como o celeiro aurífero
e urbano do Brasil colonial. Às outras capitanias, por exemplo, Bahia, Mato Grosso e Goiás,
nas quais igualmente ocorreu prospecção de ouro, continuaram nesse universo discursivo, em
uma posição marginal em relação à opulenta Minas colonial.
Para isso contribuiu a irregular espacialização das vilas do interior baiano, que via de
regra estavam a grandes léguas de distâncias uma das outras, assim como da cidade da Bahia,
além da notoriedade de espaços ‘vazios’, ou seja, zonas de fronteiras não completamente
conquistados pelos luso-brasílicos às populações indígenas.25 Tais aspectos foram fortemente
considerados para continuar designando as áreas do interior baiano como sertão. Essa questão
aponta para uma série de inquietações, a partir das quais, pretende-se demonstrar que muito
embora a ocupação do sertão da Bahia tivesse ocorrido com diferenças significativas em relação
às Minas Gerais, o seu ritmo de conformação como território político foi modulado guardando
traços do ordenamento jurídico das instituições da monarquia pluricontinental lusa.
Contudo, é sempre curioso constatar, que no caso da Bahia, mesmo com o avanço dos
ritmos da conquista e da ocupação territorial, continuou-se a atribuir ao interior desta capitania
o epíteto de sertão. No entendimento coevo das autoridades régias, a capitania Cabeça do

23
A autora critica esse aspecto da “espontaneidade” atribuído à criação das povoações em Minas Gerais, pois em
diversas situações a coroa apoiou a iniciativa de particulares nos empreendimentos de conquista e fundação de
povoações, no entanto, a continuidade e desenvolvimento destas iniciativas e a elevação de seu estatuto, dependia
do reconhecimento da Coroa. Cf., FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas D’El rei: Espaço e poder nas
Minas setecentistas. Trad. Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 32-49.
24
Ibidem, p. 50.
25
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. 2010. Tese (Doutorado em
História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010. 433p.
24

Estado do Brasil estava dividida em quatro grandes áreas: cidade (Salvador), Recôncavo, sertão
e capitanias anexas. Ao longo do século XVIII o uso do termo sertão foi usado para denominar
a parte ocidental da Bahia, porém não havia um só sertão. Como em muitos outros lugares do
império, (os sertões de Angola, por exemplo) o interior desconhecido, longe do litoral, era
constituído por seus muitos sertões, no plural. Isso porquê cada área já conquistada tornava-se
um marco de referência, uma fronteira, indicando que os seus sertões estavam para além
daquele ponto. O interior da capitania da Bahia durante os setecentos, continuou sendo
designado como sertão, mesmo abrigando em seu território jurisdições eclesiásticas e civis, tais
como freguesias, vilas e a comarca.
Ao sertão baiano restou a imagem de um espaço de produção da economia de
subsistência, destinada a alimentar as regiões mineradoras, sobretudo as Minas Gerais, após a
descoberta do ouro. Assim o sertão baiano enquanto espaço de investigação historiográfica foi
relegado ao lugar de objeto de uma história regional, portanto, quando observado em suas
especificidades, desconectado da história do império português, por aparentemente não se
relacionar de forma direta com os fluxos econômicos que ocorriam no ultramar. 26 A ideia
consolidada é a de que o sertão seria uma hinterland, imagem recorrentemente construída, a
partir da qual concebe-se esse espaço como uma área afastada, periférica, mas que mantinha
vínculos mercantis com o centro principal, ou seja Salvador.27
Estes vínculos foram concebidos como parte complementar de um sistema que tinha
sua centralidade na plantation açucareira – primordialmente alimentando os engenhos com
produtos de subsistência e em maior escala com gado, oriundos dos currais localizados às
margens do rio de São Francisco. No início do século XVIII, o sertão continuaria a serviço do
abastecimento das urbes mineiras, principal espaço da produção aurífera. Tendo em conta essa
perspectiva analítica, o sertão, portanto, com suas largas fronteiras e ocupação descontínua, não
estaria investido de possibilidades para ser pensado como um espaço vinculado à arquitetura
institucional da monarquia. Entretanto, esta investigação propõe que o sertão fez parte do

26
Sem querer simplificar o debate, ressaltam-se que os trabalhos de Erivaldo Fagundes Neves e de Márcio Roberto
dos Santos que dimensionaram as dinâmicas e ritmos de ocupação de importantes áreas dos sertões baianos. Os
trabalhos de ambos os historiadores foram importantes balizas para essa tese, com os quais dialogaremos em
diversos capítulos e que poderão ser apreciados pelo leitor.
27
A definição de umland, hinterland e vorland foi usado pelo historiador Russell – Wood, para tratar das relações
entre centros e periferias. Tais conceitos são referenciados em recente artigo por Avanete Pereira Souza, para
definir, justamente a partir da posição central da cidade de Salvador, a importância e conexões desta com os outros
territórios com os quais mantinha vínculos de várias ordens, sobretudo econômico e político. Ver: SOUZA,
Avanete Pereira. “A centralidade/capitalidade econômica de Salvador no século XVIII.” In: SOUZA, Evergton
Sales (org.), MARQUES, Guida (coord.), SILVA, Hugo Ribeiro da (org.) Salvador da Bahia: retratos de uma
cidade atlântica. Salvador/Lisboa: CHAM, EDUFBA, 2016, p. 99-125.
25

império ultramarino, uma vez que nesse espaço foram negociadas a implantação das instituições
da monarquia como resultado imediato da exploração do ouro.
Importa aqui inquirir os motivos não só da chamada decadência do rápido surto
minerário baiano, como também questionar essa visão. Se considerarmos o fato de que as minas
baianas estiveram ativas por toda a primeira metade do século XVIII, tanto quanto o período
áureo das Minas Gerais, não parece recomendável ignorar a sua dinâmica e funcionamento
ainda mais se considerarmos o fato de que a Bahia foi responsável por 16,1% das remessas de
ouro remetidas para Lisboa entre 1720 e 1807, ficando atrás do porto do Rio de Janeiro que no
mesmo período enviou 76,6% e a frente de Pernambuco, que participou com a cota ínfima de
2,8%.28 Os consideráveis descaminhos, apontado como um dos motivos para a efemeridade das
minas da Bahia, devem ser vistos ao contrário, como um fator que demonstra a permanência
desse fenômeno, revelando-se como um indício da importância e participação da Bahia na
produção do ouro. Como se demonstrará mais adiante, outros fatores também deverão ser
considerados para uma leitura mais atenta do que significou esse fenômeno na primeira metade
dos setecentos. Faltou à historiografia, portanto, integrar ao período aurífero colonial uma
leitura mais aprimorada do significado da mineração na Bahia.
A chave para o entendimento sobre a economia aurífera não está em quantificar apenas
os valores dos quintos que foram enviados para Portugal. Os quintos apesar de importante
indicativo da pujança das minas, indicam apenas uma parcela da extração que foi possível ser
computada pela fiscalidade régia. Em outras palavras, no decorrer desta pesquisa ficou claro
que não era possível mensurar a o impacto do circuito aurífero no sertão baiano somente a partir
dos valores registrados pela arrecadação dos quintos. Seguir por essa via seria ignorar a parte
mais importante daquele fenômeno, ou seja, o sentido de transformação interna que a área em
estudo passou durante a primeira metade do século XVIII. Isso quer dizer que os locais onde
houve exploração sistemática de minérios tornou-se um território que abrigou instituições
eclesiásticas, civis e judiciais, profundamente conectados à “arquitetura político-jurídica”29 da
coroa portuguesa.
Um momento marcante desse processo foi sem dúvida em 1720 quando a coroa
concedeu permissão para que as minas de ouro fossem exploradas. A partir disso verificou-se
uma série de determinações tomadas pela coroa, mas advindas de consultas e sugestões

28
COSTA, Leonor Freire. [et. ali], 2013. p. 60.
29
CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Munch. “A expansão da Coroa portuguesa e o estatuto político dos
territórios.” In: FRAGOSO, João. GOUVEA, M. de Fátima. Coleção o Brasil Colonial. (1580-1720). 1ªedição.
Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2014. p. 52.
26

emanadas do governo do Estado do Brasil sediado na Bahia – nomeadamente em consultas


feitas aos vice-reis e ao Conselho Ultramarino - para manter ao nível do possível, um controle
sob os fluxos econômicos, esferas políticas e jurisdicionais dos distritos do sertão baiano. Não
obstante, nos momentos iniciais tais ações fossem motivadas pela preocupação em administrar
a exploração aurífera em prol da fiscalidade régia. A médio e longo prazo, a criação de um
aparato administrativo criou novas esferas de vinculação daquele espaço ao arcabouço político
e governativo do império português, dotando aquele espaço de identidade política.
A instituição de um aparato político-administrativo no sertão - justiça, câmaras e
fiscalidade – permitiu atribuir novos sentidos aquele território, sobretudo mediante a
capacidade de interlocução entre poder local e o central. Esse jogo de interações, manteve-se
além das negociações em torno da política fiscal, ou seja, não girava exclusivamente em torno
da arrecadação dos quintos. Isso proporcionou aos próprios moradores um sentido mais
profundo e duradouro de auto-representação política, conquanto esta identidade tivesse que
conviver com às diversas instabilidades próprias das vilas mineradoras. A coroa atuou muitas
vezes mediante a apreciação de lógicas internas prevalecentes entre os moradores das minas,
percebendo particularidades, reformulando as regras do jogo, à medida em que os
acontecimentos se sucediam. Essa capacidade de adaptação auxiliou a coroa e seus oficiais
régios na formulação de novos expedientes para potencializar os resultados da experiência,
muitas vezes aventureira e fluída, da exploração aurífera.
Para entender tal fenômeno, precisou-se recuperar algumas dimensões importantes
desse processo. A primeira delas foi a criação de instituições baseadas em modelos
corporativos, que funcionaram como elementos integradores do território à monarquia
pluricontinental. Isso incluiu a fundação de vilas com câmaras e oficiais; casas de fundição,
aparato fiscal de arrecadação dos direitos dos quintos régios; companhias de ordenanças e
profissionais como a Tropa de Dragões com soldados pagos; e por fim a criação da comarca da
Bahia da Parte do Sul destinada a administrar a justiça régia. Essas unidades políticas
manejaram importantes vias de comunicação política com o governo da capitania, mas também
com a coroa, possibilitando ao longo de seu processo de amadurecimento a formação de uma
sociedade hierarquizada aos moldes do Antigo Regime. As decisões da coroa foram tomadas
com base em negociações que envolviam uma rede extensa de agentes, nomeadamente, os
funcionários régios, os sertanistas e a população fixa e/ou itinerante que vivia naquele território.
Em segundo plano, mas não menos importante, percebeu-se que os antigos arraiais que
serviram no início como acampamentos de mineradores, sofreram um processo de adensamento
populacional e propiciou a consolidação das futuras vilas. Estas se conectavam com rotas e
27

estradas que serviram por onde se desdobravam intensos fluxos mercantis. Em meados do
século XVIII os registros de passagens e pontos de arrecadação fiscal estavam fixados
estrategicamente e ligavam a cidade de Salvador até o sertão do rio de São Francisco e Minas
Gerais. Mais uma vez, demonstra-se que o ouro fomentou um circuito mercantil que alcançava
as redes ultramarinas de produção econômica, mesmo que a maior parte estivesse capilarizada
internamente em suas fronteiras.
O conjunto documental utilizado neste estudo revelou que os indivíduos envolvidos
nas explorações de minas dominavam as peculiaridades ambientais nas quais estavam imersos:
largas distâncias, ‘espaços vazios’ e escassamente habitados, ‘eficiente’ domínio sobre o
território e capacidade de resistência às populações indígenas que lhes eram hostis. Os
mineradores foram exímios descobridores de novas frentes de exploração, mas também, consta
que sabiam sobreviver com outros tipos de economia, como a criação de gado, as roças e as
culturas de subsistência, mais do que isso, conseguiam lidar com a hostilidade ambiental do
semiárido baiano.
Existia uma imensa variedade de interesses que mobilizavam os homens em
expedições de descobrimentos. No que pese o fato de que a grande maioria desses eram a “arraia
miúda” da mineração, outros indivíduos, no entanto, mantiveram posições singulares ao serem
providos em nome da coroa a postos de destaque no governo das minas. Esses homens, também
conhecidos como ‘práticos do sertão’, serão tratados neste estudo pelo epíteto de sertanistas.
Esses homens que passaram anos em diligências sertanejas, guardavam especiais habilidades
militares e políticas e conseguiram efetivamente instalar, como emissários dos vice-reis e da
coroa, condições particulares de governo e ordem nos distritos auríferos. Esta situação na
década de 1720 foi particularmente evidente em Jacobina e Rio de Contas, mas também na
década de 1730 em Minas Novas do Araçuaí. Além disso eles possuíam um vasto conhecimento
sobre o território, o que lhes permitia viver por muitos anos em incursões de descobrimento,
mas também imersos nos principais zonas de mineração, assegurando a arrecadação dos quintos
ao mesmo tempo que produziam interessantíssimos relatos sobre o modo de vida local.
Vários trechos desses relatos produzidos in loco pelos sertanistas, traziam aspectos da
dinâmica de extração aurífera, demonstrando a lógica de produção da economia interna
associada ao exercício do poder local. Estas narrativas registraram o espírito aventureiro dos
mineradores, revelando contornos inerentes à maldita ambição do ouro. Outrossim,
explicitaram a densidade das redes de informações, respaldadas pelo traquejo de muitos anos
de conhecimento do sertão. Não raro encontramos correspondências trocadas entre o vice-rei,
Vasco Fernandes César de Menezes, os sertanistas e a coroa, os quais atestavam as experiências
28

de indivíduos que passavam anos a sertanejar em diligências de descobrimento de minas. No


geral aquelas jornadas lhes permitiam conseguir mercês régias que lhes reforçassem a posição
face ao exercício do poder local, por isso esses indivíduos agiam em nome de constituir um
capital material, mas também simbólico, reiterando as lógicas inerentes ao ambiente em que
viviam. Possuíam profundo interesse em reforçar suas posições com base em valores de honra
e prestígio, aportados no ineditismo de suas descobertas.
Um fato curioso que aponta para essa tendência foi a propagação no tempo, ao menos
por mais de 150 anos, do famoso roteiro de Belquior Dias Moreia, o Moribeca. Em 1609 este
indivíduo havia pretensamente descoberto minas de prata na região de Sergipe D’El Rei,
ocasião na qual teria elaborado um roteiro contendo as especificações dos descobrimentos. Em
1753, um sertanista chamado João da Silva Guimarães alegou ter encontrado a verdadeira serra
branca, local onde estariam localizadas as minas de prata descobertas em 1609 por Moribeca.
Apesar de noticiar o feito ao governo da capitania, não havia consenso sobre a existência de
prata no local e mais ainda, se com o novo descobrimento ter-se-ia resolvido o famoso o
mistério das minas de prata. A pretensa utilização de fragmentos do tal roteiro, servia somente
como um argumento retórico para valorizar alguns descobrimentos junto às autoridades.
Impressiona a persistência de uma memória coletiva de mais de um século acerca do roteiro do
Moribeca, nunca revelado em toda a sua exatidão.
Igualmente importante foram as táticas coletivas dos mineradores que ao invés de
fazerem revoltas e insubordinações, provocavam um deslocamento em massa para outros sítios
quando as condições de exploração e a fiscalização não lhes eram favoráveis. Dessa forma
podiam sair em busca de outros leitos de rios, para muitas vezes de forma clandestina, continuar
retirando ouro ou mesmo diamantes. Esta tendência marcou a dinâmica exploratória das minas
baianas e sobretudo em Araçuaí, zona de fronteira com Minas Gerais, explica o porquê de haver
uma constante alternância dos locais de mineração, impactando diretamente a arrecadação dos
quintos.
Quando havia problemas ecológicos ou intempéries naquela região, era forte a
propensão dos mineradores de saírem em busca de outros locais para continuarem explorando,
ou fugirem para Serro do Frio, região de fronteira entre Bahia e Minas Gerais. Era comum o
constante deslocamento de trabalhadores de uma capitania para outra e particularmente o Serro
do Frio exercia uma força concorrencial de atração dos mineradores em algumas circunstâncias
estimulados por políticas de abatimento da taxa de pagamento dos quintos do ouro. A
conhecida inimizade entre o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses e D. Lourenço de
Almeida, então governador das Minas Gerais, acirrava as disputas pela hegemonia política
29

local. Ainda na década de 1740, o Serro do Frio oferecia a possibilidade de explorar


diamantes.30
Com relação à Minas Gerais, procurou-se destacar algumas dinâmicas que marcaram
os diferentes ritmos de exploração e ocupação dos distritos minerais nas duas capitanias. Foi
possível perceber e discutir em diálogo com a documentação, a produção de discursos por parte
das autoridades baianas visando justificar a baixa arrecadação do quintos. Na visão dessas
autoridades o baixo nível de profissionalização técnica dos trabalhadores, (com especial
atenção para os que mineravam na Bahia), os longos períodos de estiagem, a revolta e desordem
constante nas minas, enfim, uma série de motivos eram constantemente utilizados como
justificativas para convencer a coroa de que a atribulada arrecadação fiscal era resultante dessas
situações.
Procuramos sob múltiplos pontos de vista refletir sobre a questão dos descaminhos e
da arrecadação dos quintos. De uma forma ou de outra, veremos quais foram as estratégias
utilizadas pelos moradores dos distritos minerais para burlar os quintos. Ante os vultuosos
investimentos para abrir lavras, receber datas registradas e depender de aportes sofisticados
para escavar morros, os mineradores baianos preferiram continuar separando o ouro dos
cascalhos, atuando de forma mais independente, afinal ‘de grão em grão a galinha enche o
papo.’ Para isso contribuiu sobremaneira a largueza do sertão e a abundância de caminhos. Tais
aspectos do ambiente sertanejo, analisados nesta tese, influenciaram em larga medida a
dinâmica mineradora e isso pode ser inclusive acompanhado nas diversas correspondências
trocadas entre os vice-reis do Estado do Brasil, o Conselho Ultramarino e o rei D. João V (1707-
1750).
Buscou-se nesse trabalho questionar a invisibilidade historiográfica do circuito
aurífero baiano. Subsidiado por um corpus documental ainda inédito, o estudo dedica-se a
esmiuçar por perspectivas não correntes na historiografia quais foram as dinâmicas de formação
social das áreas mineradoras do sertão baiano. Dessa forma nos documentos do Projeto Resgate,
levantou-se todas as consultas e correspondências trocadas entre o governo da Bahia e a coroa
nas quais foram mencionados variados assuntos sobre as vilas de Jacobina, Rio de Contas e
Minas Novas durante a primeira metade do século XVIII.
Na Coleção Conde dos Arcos, custodiada no Arquivo da Universidade de Coimbra,
foi possível pesquisar as provisões, ordens régias, alvarás e notícias no período de 1720-1735
enviadas pelo governo da Bahia para Lisboa. Nos documentos Históricos da Biblioteca

30
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Baía: 1729-1735- Cota –
VI–III-1-1-12, f. 292.
30

Nacional pode-se rastrear provisões, ordens e bandos ou seja a correspondência interna que foi
enviada pelos governadores e vice-reis para outros indivíduos da capitania, majoritariamente
para os homens das ordenanças.
No arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encontrou-se a mais original
de todas as fontes que subsidiam esse estudo. Vale a pena contar o percurso realizado para
chegar ao documento. No ano de 1885, Capistrano de Abreu publicou na Revista da Secção da
Sociedade de Geographia de Lisboa no Brazil a transcrição de um documento que viria a ser
uma das mais famosas cartas escritas por um sertanista. O documento é um minucioso relato
feito pelo coronel Pedro Barbosa Leal em 11 de novembro de 1725 e foi endereçada ao vice-
rei Vasco Fernandes César de Meneses. Esta mesma carta foi publicada nos Documentos
Interessantes para História de São Paulo e frequentemente é a versão mais conhecida.31
Entretanto na introdução à transcrição da carta, Capistrano de Abreu deixou algumas pistas
sobre a vida do coronel Pedro Barbosa Leal. Em suas palavras:

Antes de terminar, algumas palavras sobre o Coronel Pedro Barbosa Leal.


Nasceu na Bahia pelo meado do século XVII, de uma das mais nobres famílias
daquele tempo. Foi encarregado de diversas comissões importantes, entre as
quais a de examinar as minas de salitre do rio S. Francisco e de inaugurar a
vila de Jacobina. Encontramo-lo em processos e demandas com os frades
de S. Bento e a casa da Torre por causa de terras, e com o Capitão Manoel
Francisco dos Santos Soledade, por tê-lo prendido em Jacobina. Parte do
processo com este existe no Instituto Histórico, e contém notícias bem
interessantes sobre as bandeiras da Bahia. [grifo nosso] Morreu pelo ano
de 1734 pouco mais ou menos. Era um dos maiores proprietários da Bahia,
muito considerado, homem de confiança dos vice-reis Câmara Coutinho, (o
Braço de Prata), de D. João de Lencastre e do Conde de Sabugosa, os quais
todos em cartas que lhe escreveram e andam anexas ao processo contra
Soledade mostram-lhe estima e afeição muito significativas. Valeria a pena
escrever a sua biografia, para a qual no Instituto Histórico e na Biblioteca
Nacional existem muitos documentos; mas isto é trabalho que só pode ser feito
na Bahia, especialmente em S. Amaro, em cujos cartórios deve existir o seu
inventário, ou quaisquer outras fontes de informações.32

31
“Carta do Coronel Pedro Barbosa Leal ao conde de Sabugosa, vice-rei do Estado do Brasil sobre as várias
incursões realizadas no sertão da Bahia em busca de minas metálicas, desde o pretenso descobrimento das de prata
por Belquior Dias Moreia – de 22 de novembro de 1725.” 22/11/1725. DI, São Paulo, v. XVI, p. 59-98, 1895.
Márcio Roberto dos Santos levanta dúvidas sobre a originalidade de uma versão manuscrita da mesma carta
encontrada na Torre do Tombo. Cf. IANTT. Manuscritos do Brasil. Livro 7, fólios 62-70v e 194-199. Não tivemos
a oportunidade de consultar a versão do documento na Torre do Tombo citado por Márcio Roberto, entretanto,
uma outra versão manuscrita foi encontrada por mim no arquivo do IHGB, juntamente com outros documentos
relativos ao governo do conde de Sabugosa. O documento encontrado no Rio de Janeiro é o original, possui a
assinatura autografa de Pedro Barbosa Leal e provavelmente foi a partir desse manuscrito que Capistrano de Abreu
fez sua transcrição. Esses pormenores serão apresentados no capítulo VI da tese.
32
ABREU, Capistrano. “Robério Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos”. In: Revista Da Sociedade
de Geographia de Lisboa no Brazil. Rio de Janeiro, 1885, p. 15. Agradeço a José Eudes Arrais Barroso Gomes
por ter me enviado de Lisboa esse texto de Capistrano de Abreu em 2012, quando eu ainda estava tateando na
documentação para esta pesquisa.
31

O conhecimento deste texto foi fundamental para essa pesquisa, uma vez que o
documento que Capistrano de Abreu indicou na introdução à transcrição da carta realmente
estava custodiado no arquivo do IHGB. Essa fonte é o sonho de documentação de qualquer
historiador. Nos seus 694 fólios constam valiosos documentos anexados por Pedro Barbosa
Leal à época em que atuou como superintendente das minas de Jacobina. Na verdade o
documento que encontra-se no IHGB é uma cópia de época do processo original e integra a
coleção de 26 volumes de códices manuscritos relativos à administração da família César de
Meneses no Brasil. Esses documentos foram oferecidos ao IHGB pelo Conde de São Lourenço
no ano de 1867 e foi submetido a análise do conselheiro Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro
que indicou a aquisição desse valioso conjunto documental.33 No seu parecer, o conselheiro
constatou que o referido códice integrava a coleção da correspondência oficial do governo do
Conde de Sabugosa, assim como de outros integrantes da família César de Meneses que
serviram como governadores do Estado do Brasil. Além disso, ele destacou:

Como parte integrante desses documentos concernentes à administração do


vice-rei César de Menezes, pode ser contemplado o volume contendo o
traslado do processo feito ao coronel Pedro Barbosa Leal, em consequência
das graves acusações que lhe assacou o capitão mor Francisco dos Santos
Soledade, superintendente das minas de Jacobina.34

O processo foi aberto em 1730 no Tribunal da Relação em Salvador pelo capitão Manoel
Francisco dos Santos Soledade, contra o coronel Pedro Barbosa Leal. O requerente acusava o
coronel de tê-lo prendido e esbulhado seus bens quando ele estava fazendo seus negócios de
exploração de minas em Jacobina. No entanto, para provar que o autor do processo era um
embusteiro, o coronel Pedro Barbosa Leal não somente descreveu os seus passos como
superintendente das minas nos cinco anos que passou no sertão, como também anexou sua farta
correspondência com os governadores gerais que assumiram o governo do Estado do Brasil e
com os quais ele mantinha estreitos vínculos de amizade, sobretudo D. João de Lencastre e
Câmara Coutinho. Na década de 1720 o maior volume de correspondências foram trocadas
sobretudo com o vice-rei, o Conde de Sabugosa e outros indivíduos que faziam parte das
companhias de ordenanças do sertão – capitães, coronéis e assistentes. Nesse processo também

33
Parecer do Com. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro sobre a compra, por parte do IHGB da manuscritos
pertencentes ao Conde de S. Lourenço, portugueses, entre os quais constam: 3 vols. Da Academia Brasílica dos
esquecidos e correspondência do vice-rei do Brasil Vasco Fernandes Cesar de Menezes. RIHGB Tomo 30, pte.2,
1867 [16/05/1867], p. 478-480.
34
Idem. p. 479.
32

encontra-se anexada as quatro listas de moradores que permitiu vislumbrar a ocupação


demográfica da freguesia e da sede da vila de Jacobina, respectivamente: dois róis de desobriga
e duas listas com o quantitativo de donos de bateias e seus escravos que lavravam nas datas de
mineração dos ribeiros de Jacobina. Certamente, tais informações estavam registradas nos
livros da câmara da vila, os quais não existem mais, entretanto, graças a astúcia desse sertanista
que ao incluir as tais listas no processo, possibilitou que os nomes dos moradores fossem
legados para a posteridade. A riqueza dessa peça documental enriqueceu as análises aqui
empreendidas, pois trouxe a possibilidade de problematizar as interpretação correntes sobre a
demografia e o modo de funcionamento das hierarquias sociais na maior freguesia do sertão
nas décadas iniciais do século XVIII.
Portanto, esta tese apoia-se nos fluxos construídos entre a coroa, o governo da capitania
e os poderes locais, que simultaneamente condicionaram por toda a primeira metade do
setecentos, a vida social e política nas vilas onde se localizavam os distritos auríferos do sertão
baiano.

Os capítulos da tese

Os capítulos apresentados são o resultado das leituras possíveis de um conjunto


escolhido de fontes, que guardavam uma grande diversidade de informação e estavam
espalhados em arquivos do Brasil e de Portugal. Não foi possível realizar pesquisa no arquivo
da cidade de Jacobina, onde em tese poder-se-ia encontrar documentação para o período
colonial. Décadas de uma política irresponsável, no que tange a conservação de seus arquivos,
resultou na perda total dos livros produzidos pela câmara nos setecentos, os quais seriam de
inestimável contribuição para esta e outras pesquisas. Uma rara exceção é o Arquivo Municipal
da cidade do Rio de Contas, que ainda possui registros do século XVIII e já subsidiaram alguns
trabalhos sobre a região. Por esta razão, este trabalho guiou-se em larga medida pelas fontes
produzidas pelo governo da capitania da Bahia, e pelas notícias e informações produzidas por
agentes régios envolvidos no governo dos distritos minerais da Bahia. Essa foi a maneira que
encontramos para sanar a deficiência de séries documentais para a área de estudo. Mediante
esta situação, concluiu-se que o melhor a se fazer era seguir o ritmo da comunicação entre os
governadores gerais, vice-reis e outros agentes atuantes nos espaços de negociação com a coroa,
dessa maneira, o fundo do Arquivo Histórico Ultramarino custodiado pelo Projeto Resgate,
guardou a maior e mais sistemática documentação sobre a área de estudo. Entretanto,
documentos encontrados em outros arquivos, tais como no setor de manuscritos da Biblioteca
33

Nacional do Rio de Janeiro, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e no Arquivo da


Universidade de Coimbra, agregaram novas informações e auxiliaram no entendimento de
muitas especificidades do tema de estudo. Dessa forma, explica-se o porquê da necessidade de
reunir documentos espalhados por diversos arquivos no Rio de Janeiro, em Lisboa e em
Coimbra.
O capítulo I propõe problematizar como a descoberta do ouro alavancou uma longa
disputa pela posse de terras entre os Guedes de Brito, antigos sesmeiros da região, e os
moradores de Jacobina. A recente criação da câmara teve papel fundamental na ação política
dos moradores da vila e de seus distritos. Mobilizados em nome de um governo do bem comum
reivindicaram junto à coroa seus direitos de súditos, recorrendo à graça régia com vistas a
impedir a continuação do pagamento de foros cobrado pelos sesmeiros. Os moradores alegaram
possuir direitos de uso e ocupação das terras nas quais os mesmos vinham a décadas fazendo
suas roças. Este evento teve múltiplas repercussões para a vila de Jacobina, uma vez que o
processo feito pelos moradores arrastou-se ao longo de todo o século XVIII.
Fundamentalmente, aquela disputa de terras, levantou questões até então inéditas para os
envolvidos, colocando em evidencia as transformações ocorridas na vila de Jacobina em função
da força legitimadora da ordem natural do governo e da função máxima do rei que era preservar
a justiça.
No capítulo II buscou-se apresentar dados demográficos da imensa freguesia de
Jacobina que se estendia, segundo Afonso Costa “do rio de São Francisco desde a cachoeira de
Paulo Afonso e seguindo à direita até a altura dos Montes Altos, vinha ter às minas do rio das
Contas e aos sertões da Cachoeira”.35 A quantificação demográfica partiu da utilização de fontes
paroquiais registradas na Igreja Matriz de Santo Antônio da Jacobina. Foram computados os
indivíduos presentes em dois róis de confessados produzidos nos anos de 1718 e 1720. Estas
duas listagens populacionais formam uma imagem, ainda que parcial, da composição
populacional da freguesia e da vila de Jacobina. Deve-se mencionar o quão especiais são essas
duas listas, pois o fato é que quase não há, se é que existem, dados populacionais referentes a
primeira metade do século XVIII para os sertões da capitania da Bahia. Por estes documentos,
foi possível quantificar os indivíduos e fazer um mapeamento do vocabulário social utilizado
na designação dos paroquianos. Nos dois róis estão presentes as qualidades sociais típicas de
sociedades de Antigo Regime, tais como: patentes das ordenanças; o designativo de dona, que
serviam para ressaltar mulheres importantes da comunidade; a condição de escravo, forro e

35
COSTA, Afonso. Vida eclesiástica. In: Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo, 31 de agosto de 1952,
p. 4
34

assistente, ou seja, qualidades que marcaram a existência e os lugares sociais dos indivíduos
naquela comunidade. Tratou-se esses designativos como mais um demonstrativo da dinâmica
social da vila e não como aspectos redutores das hierarquias sociais, complexificando assim
noções vagas como a de sertanejo, colono ou luso-brasílico.
A partir das listas computou-se os livres e escravos que residiam nos fogos, o tamanho
das famílias, os forros e a presença de agregados nos domicílios. Neste capítulo utilizou-se
ainda o livro de casamentos da freguesia de Jacobina entre 1686 e 1757. Esta fonte tornou
possível mapear a dinâmica matrimonial nos diversos segmentos da população da freguesia.
Assim, percebeu-se que o sertão da Bahia foi também o destino de homens naturais do reino,
que sob diversas circunstâncias, escolheram fixar-se naquela terra, construindo vínculos
familiares com mulheres naturais da Bahia.
O capítulo III versa sobre a edificação das vilas de Jacobina (1722), Rio de Contas
(1725) e Minas Novas (1730), povoações que conformavam o circuito minerador no sertão
baiano. A vila de Jacobina ocupou relevante posição administrativa, por ter sido designada
como cabeça da comarca da Bahia da parte do Sul, motivo pelo qual também discute-se os
expedientes de criação dessa comarca que abrangia em seu espaço jurisdicional de mais de 200
léguas de sertão. Minas Novas e Rio de Contas igualmente estavam localizadas
estrategicamente por serem pontos de passagem para as minas de Itacambira e as Minas Gerais.
Apesar da considerável distância entre estas vilas, mas também em relação à Salvador, as
mesma se consolidaram com câmara e oficiais, possuíam contratos que asseguravam as rendas
a serem aplicadas na construção de edifícios públicos e, como parte integrante do corpo político
da monarquia, estavam sujeitas a interações e negociações com o rei. O ponto central dessa
discussão foi demonstrar que a criação da comarca de Jacobina ocorreu em decorrência da
formação de um espaço econômico do ouro naqueles distritos. Outrossim, significou mais um
passo em direção a ingerência da monarquia sob os termos que compunham as vilas auríferas,
uma vez que seus moradores passaram a ser amparados por um aparelho judicial composto por
oficiais que respondiam diretamente à administração central.
O capítulo IV faz uma análise da demografia e do perfil socioeconômico dos
trabalhadores das minas de Jacobina, com a intenção de compreender as hierarquias sociais que
os caracterizava. Através dos registros sobre a distribuição das datas de mineração, relativos
aos anos de 1721 e de 1723, pode-se levantar os nomes dos mineradores, suas qualidades de
cor (pretos, negros, pardos), a quantidade de escravos que cada um possuía e as atividades (roça
ou bateias) nas quais os cativos estivessem empregados. Os capitães das ordenanças de Jacobina
foram arrolados nessas duas listas, isso possibilitou investigar a participação desse indivíduos
35

na fiscalização das atividades de bateias, mais frequentes nos primeiros anos da exploração do
ouro. As patentes das ordenanças revelou-se como uma plataforma de ascensão social e
exercício do poder local. Além de fiscalizarem as atividades nas datas de mineração, os capitães
prestavam serviços ao governo do Estado do Brasil, fortalecendo a rede clientelar do vice-rei.
A proximidade e os interesses que grassavam os capitães e os mineradores permitia, sempre de
forma ambivalente, negociações com a administração da capitania, mas também com a coroa.
O capítulo V empenha-se a deslindar as diversas negociações da coroa para prover a
arrecadação fiscal nas vilas de Jacobina, Rio de Contas e Minas Novas. Demonstra como foi o
processo de implantação e o funcionamento das duas casas de fundição no sertão baiano, criadas
em meados da década de 1720 e em funcionamento até 1735. Após um intervalo de quase 15
anos as fundições voltaram a ter atividade entre os anos 1750-1757. O sistema de arrecadação
dos quintos continua sendo um tópico controverso para o circuito minerador do sertão, já que,
a única documentação que registrou com alguma fiabilidade o envio dos quintos do ouro foi a
correspondência havida entre o vice-rei e a Coroa. Buscou-se reconstruir por essas fontes os
valores da arrecadação dos quintos, com o intuito de oferecer uma referência alternativa aos
dados compilados por Frederico Edelweiss, praticamente uma das poucas referências sobre o
assunto.36 Por outro lado, como já se afirmou, esta investigação aposta na ideia de que não se
pode avaliar o amplitude do circuito aurífero somente através da contabilidade dos quintos
enviados ao reino. Desse modo, entende-se que o tema da fiscalidade é um dos assuntos mais
paradoxais em termos de mensuração sobre a extração do ouro na sociedade colonial, sobretudo
para regiões onde o registro dessa produção, nos primeiro anos, não foi realizado de forma
sistemática. Por outro lado, sabe-se que os descaminhos de metais e pedras preciosas foram
reiterados por práticas ilícitas cada vez mais sofisticadas, mas que levantam pistas sobre as
peculiaridades sociais de cada região. Contudo, apesar disso, o sistema social de arrecadação
dos quintos nas vilas mineradoras foi um elemento forte o suficiente para modificar
profundamente as relações entre o reino e o largo interior dos sertões da Bahia.
O capítulo VI é dedicado ao coronel e sertanista Pedro Barbosa Leal, importante
explorador de caminhos, agenciador e interlocutor da rede clientelar do vice-rei Vasco
Fernandes César de Meneses no sertão baiano. Os sertanistas foram figuras chave como
representantes da coroa e do governo do Estado do Brasil nas vilas mineradoras. Dada as
configurações sociais da área de estudo, arrisca-se a dizer que esse foi um fenômeno peculiar

36
EDELWEISS, Frederico. “Os primeiros vinte anos de extração de ouro documentada da Bahia.” In: Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia. Anais do Primeiro Congresso de História da Bahia. Volume IV. Salvador.
Tipografia Beneditina. p. 171-180.
36

na Bahia. O coronel Pedro Barbosa Leal foi na década de 1720 nomeado superintendente dos
distritos minerais de Jacobina e Rio de Contas, permanecendo por cinco anos no sertão em
diligências de descobrimentos. Filho primogênito do capitão Pedro Barbosa Leal, um imigrante
português que instalou-se como um remediado lavrador de cana de açúcar e tabaco no
Recôncavo baiano, Pedro Barbosa, o filho, fez uma carreira ascendente e quando faleceu no
ano de 1734, era um dos homens mais ricos da Bahia.
A quantidade de documentos reunidos sobre esse indivíduo permitiu reconstruir com
riqueza de detalhes aspectos de sua vivência e dos anos que passou no sertão quando ali
representava os interesses do governo da capitania, e por consequência, das designações régias.
Além disso, o que importa destacar, é que sua trajetória foi citada por alguns pesquisadores,37
mas consideramos que não foi investigada o suficiente, vide o desconhecimento, ou falta de
interesse dos autores em aprofundar a visão de mundo desse sertanista através dos
importantíssimas notícias que ele nos legou sobre a exploração e conquista do sertão baiano.
Um desses documentos foi produzido em 1725 fruto de uma consulta do vice-rei ao coronel
sobre a viabilidade da instalação das casas de fundição em Jacobina e Rio de Contas. Para além
de informar com extrema argúcia as rotas de descaminhos do ouro da Bahia nas trocas que se
faziam por gado nos caminhos dos sertões até o Piauí.38 O outro documento, igualmente enviado
em resposta a uma consulta feita pelo ao Conde de Sabugosa, trata-se de uma longa missiva
escrita em 1730, sobre a melhor forma de arrecadação dos quintos no sertão. 39 Ademais, uma
grande motivação para recompor a trajetória desse sertanista, foi o fato de que grande parte dos
documentos que permitiram um olhar mais aprofundado sobre o sertão da Bahia foram reunidos
por ele, quando entre os anos de 1730 e 1732, no já citado processo impetrado pelo capitão
Manuel Francisco dos Santos Soledade no Tribunal da Relação da Bahia.
A tese aqui apresentada foi o resultado de questionamentos historiográficos, mas
sobretudo pessoais. Quando Giovanni Levi afirma que fazer história é construir perguntas
globais para respostas locais, não acreditamos que essa seja uma operação fácil.40 Conhecer

37
RAE FLORY, Jean Dell. Bahian Society in the Mid-Colonial Period: The Sugar Planters, Tobacco Growers,
Merchants and Artisans of Salvador and the Reconcavo, 1680-1725. Tese de Doutorado, inédita, University of
Texas, 1978; SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras dos sertões baianos: 1640-1750. Tese (Doutorado
em História). Programa de Pós Graduação em História Social. FFLCH- USP, 2010. IVO, Isnara Pereira. Homens
do caminho: Trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa. Século XVIII. Vitória da
Conquista, edições UESB, 2012.
38
Fundação Biblioteca Nacional. Acervo Manuscritos. S/data. II – 31, 25,9.
39
IHGB. DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e secretário de Estado ao conde de Sabugosa.
fls.11.
40
LEVI, Giovanni. “O trabalho do historiador: pesquisar, resumir, comunicar.” Tempo, Niterói, v. 20, p. 1-20,
2014. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
37

profundamente o local, não é uma questão de compilar informações de fontes e a partir delas
montar uma narrativa. Talvez seja retomar as infinitas causalidades que pertencem àquele lugar.
Quisemos fazer isso ao cercar parcialmente a formação social do sertão na primeira metade do
século XVIII, interpretando-o como parte do corpo político da monarquia pluricontinental. Por
essa abordagem aquele espaço tornou-se um local de produção de novas experiências e
sociabilidades. Privilegiou-se a heterogeneidade dessas experiências, os modos de reiterar as
hierarquias sociais, suas agências, tanto quanto, as escolhas e possibilidades dos homens que a
viveram. Com isso pretendeu-se contribuir com os estudos históricos sobre os sertões da
capitania da Bahia, revendo abordagens, ampliando as fontes documentais, trazendo novas
constatações para repensarmos não somente a história social dos sertões, mas as variadas
lógicas de funcionamento da sociedade baiana no Antigo Regime.

77042014000100208&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 nov. 2018. Epub 28-Out-2014.


http://dx.doi.org/10.5533/TEM-1980-542X-2014203606.
38

Capítulo I - Os sertões baianos no Império ultramarino português

A história da formação social e econômica dos sertões coloniais foi escrita tendo em
vista o ‘avanço’ dos portugueses ou dos luso-brasílicos nascidos do intercurso sexual entre
europeus e mulheres nativas. Desde os enclaves portugueses do litoral, sertanistas,
missionários, mamelucos, curraleiros e aventureiros realizaram expedições de reconhecimento
em direção aos limites ocidentais da América. Com a pretensão de escravizar índios, criar gado,
achar ouro ou obter qualquer tipo de lucro, numa ação de constante desbravamento do interior,
os paulistas, filhos mestiços de portugueses e índias, dirigiram suas atividades para os sertões
da América Lusa.41 Tais incursões, abriram caminhos por entre acidentes geográficos, bacias
hidrográficas, matas e serras, explorando e interagindo com o conhecimento indígena,
rompendo barreiras e aumentando mais ainda suas percepções sobre o clima, a vegetação, e
principalmente, os modos de sobrevivência no ambiente tropical.
Temas como bandeirantismo, missões religiosas, abertura de caminhos, recebimento
de sesmarias, criação de gado, conflitos entre portugueses e nativos, aparecem como um
discurso dominante na escrita historiográfica sobre a conquista dos sertões coloniais. O
descobrimento do ouro aluvional no século XVII foi interpretado como um desdobramento
inevitável desse processo. Assim, esse mito de origem, produzido entre o século XIX e o início
do século XX, constituiu-se através de uma narrativa valorativa sobre o protagonismo paulista
na ampliação das fronteiras no território da América Portuguesa.42
O historiador Russel-Wood bem nos lembrou: “Sertão não era uma palavra neutra.”43
Os contextos nos quais a palavra aparece nas fontes coevas, remetem-nos a diversas conotações
personificadas a partir do lugar do caótico, do não civilizado, potencialmente perigoso e hostil
por ser habitado por populações de não cristãos e por demandar um conhecimento geográfico,
o qual os conquistadores pouco ou nada dominavam. Do ponto de vista do poder político, o

41
ABREU, João Capistrano. Capítulos de História Colonial. (1500-1800). Brasília: Conselho Editorial do Senado
Federal. 1907. [1998]. 226p.; HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. 3º ed. São Paulo. Companhia
das Letras, 1994.
42
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. Companhia Editora Nacional.
São Paulo – Rio de Janeiro – Recife – Porto Alegre. 1940. 1ª edição. TAUNAY, Afonso E. História Geral da
Bandeiras paulistas. Typ. Ideal. HL CANTON, São Paulo 1924; RODRIGUES, José Honório. “Afonso Taunay e
o revisionismo histórico.” In: Revista de História, v. 17. n. 35. 1958. p. 97-106. Acesso em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/107059/105629; Mais recentemente ver o artigo de Marina
Machado no qual aceita a tradição historiográfica paulista sem questionar a construção a posteriori do termo
bandeirantes. Cf. MACHADO, Marina Monteiro. “Duas gerações de caminhos pelos sertões: Fernão Dias Paes e
Garcia Rodrigues Paes.” In: MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente; MACHADO, Marina. (orgs.) Em terras
Lusas: Conflitos e Fronteiras no Império Português. Vinhedo, ed. Horizonte, 2013. p. 23-53;
43
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Histórias do Atlântico Português. Organização Ângela Domingues; Denise A.
Soares de Moura. 1ª ed. São Paulo. Ed. Unesp, 2014, p. 280-302.
39

sertão era o lugar que desafiava as possibilidades de administração da justiça, da cristandade e


da disciplina. Assim entendido, o sertão era a ausência de limites. Por sua topografia
desconhecida e geografia imprecisa, era constantemente o lugar daqueles que fugiam ao
controle civilizatório, importante dimensão para a administração colonial. O sertão era o lugar
dos índios, gentios bravos que precisavam ser controlados, pois eram vistos como uma ameaça
aos interesses dos conquistadores. As missões religiosas e a catequese deveriam, portanto,
promover a “civilização” das populações indígenas.
Nessa acepção, o sertão também era um lugar, ao mesmo tempo, de “refúgio e
oportunidade”. Para aqueles que fugiam da inquisição, da justiça ou da opressão, “que evitavam
processos civis ou criminais”44, refugiar-se no sertão era uma estratégia comumente utilizada.
Isso se aplicava aos colonos que para lá iam tentar a vida, mas também a escravos fugidos e
mestiços. Os potentados do sertão eram “homens influentes do interior cujo capital residia
essencialmente no gado, viviam e agiam ao seu bel-prazer, espalhando terror com seus homens
de confiança e exércitos privados, e desafiando a autoridade.”45 Esse cenário, por vezes
explorado na historiografia, reiterou os marcos interpretativos para pensarmos a paisagem
humana e geográfica dos sertões.
Desde o século XVII o sertão abrigou em boa parte de suas terras uma economia
agropastoril complementada com o surgimento de uma economia mineradora, em franco
processo de desenvolvimento nas primeiras décadas do século XVIII. José Newton Menezes
aponta o quanto é relevante para a historiografia perceber a diversidade e complexidade da
produção econômica nas zonas de mineração. Importante ponto de vista a ser ressaltado sobre
a capitania de Minas Gerais, uma vez que a partir da década de 1970, esta capitania veio
despertando o interesse dos pesquisadores em função do “fausto aurífero.”46 A perspectiva de
análise desse capítulo, entretanto, vai no sentido inverso: se a Bahia sempre foi vista como uma
região abastecedora das urbes mineiras, agora procura-se perceber o sertão baiano como um
espaço que abrigou uma sociedade baseada na exploração aurífera, mas que para subsistir de
forma mais duradoura, manteve-se implicada na geografia imperial portuguesa.
A descoberta do ouro na capitania da Bahia inseriu o território do sertão no mapa da
administração da monarquia pluricontinental, pois transformou as relações existentes entre os
diversos agentes que passaram a se relacionar naquele espaço: a coroa, o governo do Estado do

44
Ibid., p. 280.
45
Ibid., p. 281.
46
MENESES, José Newton Coelho. “Introdução.” In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz
Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do
Tempo. 2007, p. 273-277.
40

Brasil, os sesmeiros, as populações indígenas, os moradores, os homens de negócios, enfim,


uma gama de agentes que tiveram oportunidade de atuar nas várias esferas de uma sociedade
baseada em princípios corporativos. A edificação das vilas do ouro no sertão da Bahia com a
criação de um governo civil, conferiu aos moradores estatutos jurídicos diferentes por criar
mecanismos de interação entre os poderes locais47 e a monarquia pluricontinental.48 Apesar de
ser ainda um conceito em construção, a ideia de uma monarquia formada por territórios
distribuídos em diversos espaços do ultramar, daí o uso do termo pluricontinental, apresenta-se
como uma categoria operativa que busca refletir sobre a capacidade de gestão dessa monarquia,
que através das suas diversas jurisdições negociava com os territórios que compunham o seu
corpo social. Dessa forma, “por se tratar de um sistema político baseado numa concepção
corporativa e polissinodal de sociedade, tal monarquia baseava-se numa constelação de poderes
concorrentes em cuja posição cimeira estava a Coroa.”49 Na historiografia brasileira, João
Fragoso tem sido um dos principais autores a propor e refinar o uso desse conceito como
hipótese de trabalho válida para interpretar as interações entre a monarquia lusa e suas
conquistas. Esta tese é uma tentativa de trazer novos elementos para aprimorar as análises sobre
a interação política negociada entre o reino e as conquistas no sertão baiano. Uma vez que foi
no interior dessa monarquia de competência pluricontinental, que se operou por inúmeras
possibilidades a prerrogativa do auto-governo, do poder concorrencial e polissinodal, elementos
referenciadores da formação histórica das vilas auríferas no sertão baiano.
Os antecedentes da formação socioeconômica daquele espaço estavam alicerçadas na
ocupação de roças voltadas para a economia de subsistência e criação de gado. Antes do rush
da mineração, os sítios, roças e currais, dominavam a paisagem dos povoados. Em sua maioria
os indivíduos retiravam o seu sustento destas pequenas propriedades. Para além disso, o
imaginário social daqueles moradores, talvez não fosse muito além da satisfação material de
suas necessidades e uso mais costumeiro dos bens econômicos. A mineração acelerou o
processo de delineamento político daquele território, tal processo completou-se com a criação

47
CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Munch. “A expansão da Coroa portuguesa e o estatuto político dos
territórios.” In: FRAGOSO, João. GOUVEA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial. (1580-1720). 1ª edição. Rio de
Janeiro. Civilização Brasileira, 2014. p. 51-54.
48
FRAGOSO, João. “Poderes e mercês nas conquistas americanas de Portugal (séculos XVII e XVIII):
Apontamentos sobre as relações centro e periferia na Monarquia Pluricontinental Lusa.” In: ________, João;
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. (orgs.) Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicações políticas entre
Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 49-99.
_____________, João e GOUVEA, Maria de Fátima. Na trama das redes: Política e negócios no Império
Português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p.17-21.
49
FRAGOSO. op. cit., p.49.
41

da Comarca da Jacobina em 1734 e colocou em cena novas circunstâncias que alteraram a


existência coletiva dos moradores da região dos sertões da Jacobina.
Ao longo deste capítulo, buscou-se relativizar os postulados de uma tradição
historiográfica que ajudou a consolidar a imagem de que a dinâmica social e territorial dos
sertões foi um processo perfeitamente acomodado à história regional. A opção adotada foi
analisar sequencialmente o conjunto de ações que transformaram a dinâmica espacial do
território nas três primeiras décadas do século XVIII. Demonstra-se que os acontecimentos não
foram fenômenos isolados, antes disso, foram transformações ocorridas em interação política
com a coroa, muito embora estivessem intimamente ligadas a uma complexa correlação de
forças existentes entre os diversos agentes históricos e os poderes do centro. Esse movimento
irregular e dinâmico contribuiu para modular e conectar o espaço do sertão ao corpo político da
monarquia.
O território compreendido como o sertão baiano adquiriu vasta conotação diante da
profusão de agenciamentos ligados aos interesses da coroa, mas que resvalavam nos diversos
níveis da ocupação dos espaços territoriais, econômicos, políticos e sociais. Estas relações
foram construídas de forma não apriorística ou programada, muito pelo contrário, deram-se
com base em conflitos, disputas e violências, mas não obstante, deixando espaço para a
consecução de pactos que visavam reiterar os interesses em jogo. O importante é perceber esse
movimento sempre por uma via de mão dupla.
A coroa facultava a todos o direito universal de explorar jazidas minerais, contanto
que houvesse o recolhimento dos quintos de todo o ouro extraído.50 A necessidade de fiscalizar
a extração de ouro ao longo da primeira metade do século XVIII, fosse em veios aluvionais ou
lavras, também demandou instituir nos distritos minerais estruturas político-administrativas,
leia-se câmaras municipais, casa de fundição e comarca, visando incorporar aquelas áreas ao
arcabouço político da monarquia, ao fim, o resultado foi a garantia do exercício da autoridade
política local como fruto de negociações com a monarquia. Os caminhos do sertão foram
progressivamente incorporados à dinâmica econômica da capitania através da economia do
gado e do ouro, da distribuição de sesmarias e do indulto régio que permitiu a mineração. Tais
acontecimentos foram momentos distintos na história da ocupação do sertão, entretanto todos
esses processos quando postos em relação, revelam a formação histórica de um espaço
significativo do interior da capitania da Bahia, conhecido como o sertão das Jacobinas.

50
PRADO Jr. Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Ed. Brasiliense. São Paulo, 8ªedição, 1965, p. 169.
42

1.1 As expansão das fronteiras do litoral para o sertões

O império português compreendia o território do reino na península ibérica, mas


também as outras regiões nas ilhas Atlânticas (Açores), na África e no Oriente. De acordo com
João Fragoso e Nuno Monteiro em nenhuma dessas áreas assistiu-se a uma expansão territorial
tal como aconteceu no interior da América lusa. É imperioso destacar que a expansão da
ocupação portuguesa se consolidou nos espaços pertencentes às populações ameríndias, sob a
tutela do direito europeu e avançando sobre territórios que formalmente pertenciam à
Espanha.51
O magnifico trabalho de Tamar Herzog oferece uma percepção inovadora ao conectar
os processos de formação das fronteiras da península ibérica com o movimento de expansão na
América. Esse processo de expansão não foi o resultado imediato do trabalho dos súditos em
busca da consolidação territorial dos estados ou impérios, ou mesmo, de acordos efetivados
entre interesses locais e a coroa. Ao contrário disto, ela considera que a ampliação das fronteiras
teria sido “o resultado de procedimentos muito mais multifacetados que permitiram aos actores
definir-se, e ao mesmo tempo, reclamar o território.”52 Em sua visão as divisões territoriais que
se deram na Península Ibérica e nas conquistas foi o resultado complexo de indivíduos em
“milhares de interações diárias.”53
Capistrano de Abreu dedicou boa parte de seu trabalho Capítulos de História Colonial,
para falar sobre o povoamento do interior. Não admira que a formação social do sertão fosse
um dos mais relevantes e complexos capítulos do nosso passado colonial. A extensa narrativa,
cheia de exemplos e personagens habilmente destacados de fontes históricas, indicam serem a
conquista e conhecimento dessas áreas fruto de reiteradas ações e entradas ao interior do
território. Tais experiências foram se consolidando entre os séculos XVI e XVIII com agentes,
formas e objetivos que variavam de acordo com o momento e o lugar.
Para Capistrano, foi o gado vacum a alternativa viável de povoamento do sertão.
Instalados às margens das principais bacias hidrográficas, principalmente nas do rio de São
Francisco, os currais trataram de adensar o povoamento e modular uma organização social com

51
Cf. FRAGOSO & MONTEIRO. p. 16.
52
Tamar Herzog propõe outras analises para esse fenômeno, apesar da historiografia consolidada no século XIX,
à luz das necessidades de embasamento do estado-nação, tentar explicar esse fenômeno a partir de categorias
narrativas que visavam naturalizar a expansão territorial, ocorrida nos séculos anteriores, como uma ação dos
súditos empenhados em expandir territorialmente a soberania dos seus estados ou império. A autora questiona o
pressuposto historiográfico de que os limites do espaço geográfico brasileiro tivessem sido concebidos como
resultado direto e a longo prazo desse processo histórico. Cf. HERZOG, Tamar. Fronteiras da posse: Portugal e
Espanha na Europa e na América. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018, p. 26.
53
HERZOG, Tamar. op. cit., p. 26.
43

características próprias da vida sertaneja. A Bahia e Pernambuco aparecem como as regiões


mais ricamente assentadas na economia pecuarista. “Nem o Parnaíba teve poder para conter a
onda invasora: Pastos bons foi povoado por baianos, e até meados do século XVIII teve
comunicações exclusivamente com a Bahia.”54 Ao lado das fazendas de gado, missionários
formavam aldeamentos indígenas desde a década de 1670, sob a auspício de importantes
sesmeiros. O estabelecimento de currais e missões jesuíticas, atreladas aos potentados da Casa
da Torre e da Casa da Ponte, foram uma das formas de exercer o poder e o controle, ainda que
parcial, sobre terras e gentes do sertão. Às margens do rio São Francisco e dos seus afluentes
(principalmente na barra do rio das Velhas), formaram-se os entroncamentos interligando
permanentemente a capitania da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, estabelecendo
imprescindíveis marcos de colonização para a economia da região nordeste. O ouro, portanto,
completou essa dinâmica de ocupação irregular das áreas ainda escassamente povoadas do
interior. Para Capistrano de Abreu esse processo foi o coroamento da colonização,
influenciando de forma entusiástica a “psicologia dos colonos.”55
Para Sérgio Buarque a busca por ‘caminhos’ animou o movimento dos colonos.
Especialmente dedicado à enaltecer e nobilitar a saga aventureira dos paulistas, esse historiador
atribuía aos bandeirantes a proeza de terem aprendido com os nativos (e bem, diga-se de
passagem), a ler os sinais e rastros que indicavam as direções e caminhos. Segundo afirmou,
foi essa “Influência (sic) que viria animar, senão tornar possíveis, as grandes empresas
bandeirantes.”56 Sem dúvida, esses caminhos, formados por picadas estreitas adaptados aos
sistemas de marcha dos índios, foram sendo utilizados e alargados nos primórdios da expansão
e levaram colonos do planalto do Piratininga ao alto São Francisco para instalarem-se com
currais e fazendas de gado. Importa aqui destacar o caráter não fixo e dinâmico destes caminhos,
como apontou Buarque de Holanda, em uma leitura inteligente e perspicaz das instabilidades
inerentes às sendas utilizadas nos primórdios da expansão territorial.
Conforme notou Sérgio Buarque a respeito dos usos dos caminhos, a falta de utilização
de algumas dessas trilhas por conta de um acidente geográfico, ou mesmo de uma intempérie
natural, poderia fazer com que outras picadas fossem abertas possibilitando a mudança nas
rotas. Dessa forma, “cada viagem tomaria, de certo modo, a aparência de uma exploração nova,
de um novo trabalho de engenharia.”57 Destarte a importância histórica destas experiências e o

54
ABREU, op. cit.,p. 133.
55
Ibid, p.155.
56
HOLANDA. op. cit.,p. 21.
57
HOLANDA. op. cit.,p. 33.
44

seu caráter modulador dos trânsitos culturais entre europeus e ameríndios no séculos XVI e
XVII, percebe-se obviamente, que tais experiências não ficaram restritas somente aos paulistas.
Na Bahia o conhecimento do interior e o desbravamento de seus sertões deram-se
também desde o século XVI, quando colonos ávidos por prestar serviços à sua majestade
fizeram incursões motivados pelas mesmas ambições que mobilizaram paulistas. Desde o
século XVI já haviam expedições ao longo dos rios Mucuri, Jequintinhonha e rio Doce,
seguindo em direção à capitania de Ilhéus mais ao Sul, com o objetivo de encontrar jazidas
minerais e pedras preciosas.58 Foi Gabriel Soares de Souza, senhor de engenho na Bahia, que
empreendeu uma mudança significativa, reorientando o roteiro das viagens.59 Retornando este
à corte em 1584, conseguiu mercê régia para realizar uma entrada partindo da cidade da Bahia.
Deixou seu engenho no Recôncavo, subiu o rio Paraguaçu e seguindo em direção ao vale do
São Francisco no sentido do norte da capitania, alcançou as serras da Jacobina em direção a
Morro do Chapéu. Tinha como principal interesse encontrar minas de ouro e prata. No entanto
numa localidade chamada Gorugueia, houve um conflito entre índios rivais e a tropa que o
acompanhava, seus homens acabaram se dispersando e Gabriel Soares morreu desamparado no
sertão. Parece que só um mineiro integrante de sua expedição sobreviveu, e conseguindo voltar
à Bahia, foi fiel testemunha daquela perdição.60 A expedição de Gabriel Soares, no final do
século XVI, incitou a ambição de muitos homens a se aventurarem sertão adentro.
Belchior Dias Moreia, primo de Gabriel Soares de Souza, foi outro súdito que preparou
uma expedição e se encaminhou para as serras de Jacobina, fazendo caminho pelo Rio Itapicurú
e depois de oito anos retornou à sua casa no Rio Real. Ao longo do seu percurso, ele não só
descobriu ouro, prata, pedras preciosas e salitre, como também fundou povoados. No seu
retorno empreendeu uma viagem a Portugal para declarar ao rei “os haveres que tinha achado,
pretendendo mercês, e ou por que julgaram altas as mercês ou por que julgassem que por ser
natural do Brazil não merecia nem uma atenção”61 foi levado preso para a cidade da Bahia só
conseguindo liberdade depois de dois anos e de pagar uma multa para o governador. Morreu

58
Certamente os sertões ao sul da capitania eram passíveis de incursões pela facilidade de navegação até a capitania
de Ilhéus, onde a partir do rio Doce se poderia acessar o interior. O frei Simão de Vasconcelos em 1668 descreveu
essas empreitadas de conquistas no século XVI. Cf. VASCONCELOS, Simão. Noticias curiosas e necessárias
das cousas do Brasil. Lisboa, na officina de Joam da Costa, 1668.
59
Cf. FREIRE, Fellisbello. História territorial do Brazil. Vol. 1: (Bahia, Sergipe, Espírito Santo). Rio de Janeiro:
Typ. do Jornal do Commercio de Rodrigues & C, 1906, p. 71-79.
60
LEAL, Pedro Barbosa. Carta ao Vice-rei Conde de Sabugoza em 22 de novembro de 1725. Transcrita em
ABREU, Capistrano. “Robério Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos.” in: Revista Da Sociedade
de Geographia de Lisboa no Brazil. Rio de Janeiro, 1885, p. 14-21;66-78;
61
LEAL, op. cit., p. 17-18.
45

sem revelar o seu roteiro, não deixando descendentes com apreço para continuar as descobertas
de minas.62
A maioria destes roteiros resultaram de expedições adventícias, sem conhecimentos
elaborados sobre o ambiente, com parcos recursos, dispêndio de vidas, fazendas e até do erário
régio, com resultados ainda mais incipientes.63 Contudo, deixaram importantes marcos no
imaginário social e político ao colaborarem com um acúmulo e aprimoramento de informações
necessárias sobre o espaço geográfico das conquistas.
Em 1698 chegou ao Conselho Ultramarino uma representação de um autor anônimo
com detalhes minuciosos sobre o estado das missões no sertão da Bahia. Nessa informação, o
autor indicou quais seriam, à época, os três caminhos que ligariam a cidade da Bahia aos sertões
do Rio de São Francisco:

A sair da Cidade da Bahia, ou de suas circunferências, se abrem três caminhos


mais comuns para aqueles dilatadíssimos sertões: Chama-se um a estrada da
Costa, por se ir encostando a ela pela parte do mar.; o 2° o caminho da mata,
ou do sertão do meio. O 3° pela Água Fria da Cachoeira, buscando a Pindá, e
mais em breve o caminho do sertão de cima.64

O caminho da estrada da costa seguia margeando o mar, distava 60 léguas até Sergipe
Del Rei por onde se alcançava o São Francisco. Essa era uma rota já conhecida e segundo
observou o autor, aquele caminho estava assistido por muitos sacerdotes em casas de missões
e capelas. Esse é o caminho até hoje vigente para quem vai de Salvador em direção à Sergipe
pelo litoral norte da Bahia. A segunda opção, chamada de “caminho da mata ou do sertão do
meio”, estava distante 100 léguas da cidade de Salvador e atravessa três freguesias: Itapicuru,
Lagarto e Itabaiana, (segundo o autor, dois anos mais tarde se acrescentou a freguesia de
Geremoabo). Além dessas, havia mais quatro capelas de particulares e cinco missões jesuíticas
– Nossa Senhora do Socorro, Canabrava, Saco dos Morcegos, Natuba e Manguinhos. Os
franciscanos também administravam mais dois aldeamentos estabelecidos ao longo do
caminho, em Santo Antônio e outro na Santíssima Trindade.
Por fim, a terceira opção seria a saída pela vila de Cachoeira, passando pelas freguesias
de São Gonçalo do Amarante (Tiúba) e São José das Itapororocas, buscando uma localidade

62
Estas informações foram retiradas da carta que o sertanista e coronel Pedro Barbosa Leal enviou ao vice-rei
Conde de Sabugosa em 1725. A originalidade desta fonte e os possíveis desdobramentos das informações contidas
nesta narrativa serão deslindados no capítulo VI, dedicado a analisar a trajetória deste sertanista.
63
Cf. SILVA & AMARAL, op. cit., Vol. 6, p. 12.
64
ABN, “Informação sobre o estado das missões nos sertões da Bahia e de Pernambuco”, s.d.: “Consulta do
Conselho Ultramarino sobre o estado das missões do sertão da Bahia e informando acerca dos remédios
apresentados para evitar os danos provenientes da falta de párocos e missionários”, vol. XXXI, 1909. p. 23.
46

conhecida como Tocas (Tocós) e Pindá,65 e a partir daí seguiria até o sertão de cima.66 Após
alcançar essas povoações chegava-se a um lugar chamado Travessia, onde por falta de água,
não havia habitantes, mas a partir do qual “se seguem adiante os dilatadíssimos e fertilíssimos
territórios chamados Jacobina nova e a velha, ambas mui numerosamente povoadas e ambas
tão grandes em circuito, que podem competir na largueza com um reino.” (grifo nosso)67 No
mesmo documento, o secretário do Conselho Ultramarino que recebeu a “Informação”, teria
feito uma correção sobre as rotas indicadas, apontando que seriam sete e não três os caminhos
interligando a cidade de Salvador às margens do Rio de São Francisco: “Jacaré, Jeremoabo,
Vaza Barris, Jacobina, Morro do Chapéu, Rumo e Peroasú.”68 A intenção do autor ao informar
as freguesias e aldeamentos, talvez tenha sido a de privilegiar os caminhos mais usados, já que
haviam, em tese, outras possibilidades dos colonos acessarem os locais sertão a dentro.
No século XVIII com o notório interesse que as minas da Jacobina e do Rio de Contas
adquiriram perante a Coroa e o governo da Bahia, reiterou-se uma precisa necessidade de não
só conhecer, mas, sobretudo, dominar os caminhos. Para isso seria necessário produzir um
conjunto de informações que viabilizasse o deslocamento seguro – isso quer dizer, com menos
risco de vida e custos - entre o litoral e o sertão. Foi por esse motivo que no ano de 1720 a junta
interina de governo encomendou ao mestre de campo e engenheiro Miguel Pereira da Costa
uma viagem para elaborar um relatório apontando o roteiro de caminhos da cidade da Bahia até
o arraial do Mato Grosso, nas imediações da barra do rio das Contas. Erivaldo Neves republicou
e analisou o roteiro, mostrando que o principal intuito da expedição aos arraiais mineiros era
“verificar suas condições de defesa em hipotético ataque estrangeiro, por considerar a

65
Por um documento escrito pelos moradores de Jacobina em 1800, no qual eles narram a trajetória de Antônio
Guedes de Brito no sertão, pode-se ler: “há mais de 150 anos mandou Antônio Guedes de Brito, morador na Bahia
uma bandeira pelo sertão de Jacobina, a qual chegou ao Morro do Chapéu, lugar distante d’aqui 20 léguas para
poente, e recolhendo-se a bandeira, sem que tivesse algum encontro com o gentio, tirou das largas terras que
compreendem, perto de 200 léguas, duas sesmarias uma chamada da Pinda para baixo e outra da Pinda para cima.”
Os moradores alegaram que a parte chamada Pinda pra cima não foi aproveitada pelo mestre de campo, por não
servir para criação de gado. É impossível hoje precisar o exato local ao qual os documentos se referem como sendo
o lugar da “Pinda”, mas faz-se importante destacar que em meados do século XVII esse caminho já tinha sido
utilizado para acessar o sertão e chegar à Jacobina e ao Rio de São Francisco. AHU, Bahia. Eduardo Castro de
Almeida. Cx. 107, doc. 20798-20801.
66
“Informação”, op. cit., p. 25.
67
Essa curiosa observação sobre Jacobina que consta no documento é intrigante, pois como será visto adiante, as
duas povoações - a Jacobina velha (atual cidade de Campo Formoso) e a nova (atual cidade de Jacobina) já eram
referidas dessa forma pelo menos 20 anos antes da edificação oficial da vila na sua primeira localidade, próxima
à missão do Saí. Atesta também a antiguidade do povoamento da região, demonstrando que Jacobina não era
somente um ponto de passagem, mas um local onde precocemente houve fixação de moradores. Ibid, p. 25
68
Ibid, p. 22.
47

proximidade do litoral, em relação as jazidas do rio das Velhas, em Minas Gerais, então no auge
da produção.”69
No final dessa sua jornada, Miguel Pereira da Costa andou 105 léguas, retornou
bastante doente, mas entregou a 15 de fevereiro de 1721 ao vice-rei Vasco Fernandes César de
Meneses, recém chegado à cidade da Bahia, seu relatório intitulado Viagem das Minas do rio
das Contas. Concluiu que as minas estavam resguardadas contra possíveis invasões de nações
estrangeiras. Pelos detalhes registrados no documento e pelas despesas que indicou serem
precisas para percorrer os caminhos da costa do mar até o sertão, não lhe parecia plausível que
as minas, pelo menos as do rio das Contas, próximas já a Minas Gerais, fossem de fácil acesso.
Em carta enviada no dia 20 de agosto de 1724, Vasco Fernandes comunicava ao rei D.
João V, que o mestre de campo chegou do sertão “a esta cidade não só imóvel dos braços e
pernas, mas totalmente paralítico e com toda impossibilidade o achei quando tomei posse deste
Governo; melhorou alguma cousa com os remédios que lhe aplicarão mas não se restituiu a sua
perfeita saúde”70, após o relato sobre a situação de saúde do mestre de campo, comunicou ao
rei que lhes havia concedido autorização para passar ao reino, além de um ano de soldo
adiantado, dinheiro necessário para que a viagem fosse realizada, conforme lhes fora
representado. O vice-rei fez questão de enfatizar que caso o rei não concordasse com o
adiantamento de um ano dos soldos, que ele haveria de custear com a sua fazenda, “o que farei
com grande gosto por conhecer o préstimo e capacidade e desinteresse que concernem no dito
mestre de campo.”71 Por essa passagem percebe-se o valor do empenho feito por Miguel Pereira
da Costa na sua diligência ao sertão.72
Na década seguinte, o sertanista Joaquim Quaresma Delgado foi destacado para
empreender uma outra jornada seguindo os rumos das principais localidades e zonas de minas
e criação de gado do sertão.73 Ao longo de quatro anos (1731-1734) fez inspeções em “Jacobina,

69
NEVES, Erivaldo Fagundes e MIGUEL, Antonieta (orgs.). Caminhos do Sertão: ocupação territorial, sistema
viário e intercâmbios coloniais dos Sertões da Bahia. Salvador, Arcádia, 2007, p. 25-58. Outra publicação do
documento encontra-se em Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 17, p. 37-59, abr. 1843. O manuscrito havia sido oferecido pelo Coronel
Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva, sócio correspondente do IHGB e autor da obra “Memórias históricas e
políticas da Província da Bahia”.
70
Cf. ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva. Memórias Históricas e políticas da província da Bahia. Anotado
por Braz do Amaral. Bahia: Imprensa oficial do Estado, 1925. Vol. 2, p. 365.
71
Ibid, p. 365.
72
Ibid, p. 365.
73
Os conhecidos roteiros de Joaquim Quaresma Delgado foram publicados na íntegra por Felisbello Freire em
1906. Por conta da indicação de desenhos que constavam no texto da sua transcrição tivemos certeza que o referido
autor teve acesso ao documento original. De fato isso aconteceu pois localizamos o roteiro original de Quaresma
Delgado no Arquivo do IHGB como parte do “Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil, e do que
nele obrou o exímio Sr. Conde de Sabugosa no tempo de seu governo.” Erivaldo Neves e Antonieta Miguel na
obra Caminhos do Sertão republicaram a transcrição feita por Felisbello Freire, porém não seguiram a mesma
48

Rio de Contas, Minas Novas e Médio são Francisco.”74 Na verdade Quaresma Delgado
produziu um conjunto de roteiros que demarcavam os caminhos entre as vilas mais importantes
do sertão. A primeira parte do roteiro ele chamou de Derrota da cidade da Bahia para Minas
da Jacobina. Nesta parte, ele descreveu as distâncias entre os pousos, as propriedades nas quais
os viandantes poderiam reabastecer, descansar e seguir viagem. Ao chegar em Jacobina, o
sertanista observou ser toda ela cercada de um cordão de serras que corriam de norte a sul e de
leste a oeste, imprimindo minuciosa descrição acerca da primeira visão que um viajante tinha
quando adentrava à aquela vila. Não custa nada notar que até hoje a cidade encontra-se
espacializada por entre este belo conjunto de serras, tal qual descreveu Quaresma Delgado.
As outras partes do roteiro de Quaresma Delgado incluíam os caminhos que partiam
de Jacobina ao Rio de Contas, chamado de Derrota das Minas da Jacobina para as do rio de
Contas75, Derrota de Rio das Contas para as Minas novas do Arasuahi76, já em território de
fronteira e mais tarde incorporado à capitania de Minas Gerais. Ele também percorreu as rotas
do rio de São Francisco, onde abundavam fazendas de gado. Esta derrota ele chamou de
“Derrota das cabeceiras do rio Verde até a sua barra e dahi ao arraial dos Morrinhos e dele
correndo o Rio de S. Francisco até a barra do rio Paramirim e da dita barra pelo Paramirim
acima até a Fazenda do riacho de Santa Apolônia e da fazenda correndo a parte direita a oeste
a buscar a serra e por ela acima até o brejo das Carnahybas e deste a sahir na estrada da
Bahia na fazenda das Barrocas77. Assim o sertão era um espaço portador de dualidades, quando
analisado sob a ótica da produção de diferentes documentos. Estes roteiros podiam transparecer
uma imagem de estabilidade e regularidade em termos de sua ocupação fundiária e
demográfica, entretanto não podemos esquecer que aquele espaço era coetaneamente lido a
partir de uma situação de constante instabilidade, com ocupação populacional rarefeita, onde
predominavam agrupamentos dispersos e itinerantes, como os quilombolas e indígenas, que
sem sombra de dúvida davam o tom da paisagem sertaneja.

ordem de apresentação daquele autor. O trabalho de recompilação dos roteiros do sertão foram acrescidos de notas
explicativas e mapas com as indicações dos caminhos. Importante destacar o valoroso trabalho de espacialização
geográfica feito pelos autores, o que incluiu um geo-referenciamento das antigas localidades em suas atuais
posições. No caso específico do roteiro de Quaresma Delgado, os autores informaram em nota explicativa que
somente após a edição do livro está finalizada é que foi localizado no IHGB (Arquivo 2.4.8) os originais referentes
ao roteiro. Respectivamente: FREIRE, op. cit., p. 501-532; NEVES, op. cit., p. 59-125. Ver também o excelente
artigo de Marcio Roberto Alves dos Santos analisando o roteiro. cf. SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. “Os
relatos de reconhecimento de Quaresma Delgado.” In: Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 24, nº 40. jul/dez 2008.
p.689-706.
74
NEVES & MIGUEL. op. cit., p. 59.
75
NEVES & MIGUEL. op. cit., 80-87.
76
Ibid, p. 92-104.
77
Ibid, p. 108-120.
49

O sertanista também incluiu não somente os topônimos dos povoados, roças e fazendas
que demarcavam o caminho, como também indicou o nome dos seus moradores e proprietários.
Os rios, como não podiam deixar de ser, também figuravam como significativos pontos de
referências, demonstrando-se o quão viável era percorrer os caminhos dos sertões tendo em
conta a orientação feita a partir das suas bacias hidrográficas. Naquele contexto, quais foram
as motivações que teriam levado Quaresma Delgado a incluir em seu roteiro, informações tão
particulares, tais como os nomes dos sítios e de seus proprietários?
Fernanda Bicalho e Renata Araújo afirmam que a década de 1730 foi um momento de
importante inflexão no império ultramarino português, sobretudo porquê tornou-se notável uma
política de expansão territorial. Para isso contribuiu a presença de oficiais régios, missionários,
engenheiros e pode-se acrescentar aqui, os sertanistas, homens igualmente dispostos a servir ao
rei. Todos esses agente ajudaram a fomentar uma “nova cultura do território.”78 Somente desta
forma compreende-se a estratégia de conhecer e devassar os chamados ‘caminhos do sertão’.
Ademais, incluir no roteiro o nome dos moradores proeminentes era uma maneira de
tornar conhecidos aqueles indivíduos perante o governo da capitania. Era notório que o governo
precisava identificar as propriedades e seus donos ou rendeiros, de forma a traçar um aparato
logístico - pontos de rede - que servissem de suporte para o ir e vir de pessoas, muitos deles
oficiais a serviço da administração – ouvidores, oficiais das ordenanças, sertanistas - para
garantir uma melhor logística do ir e vir sobre o território. Este aspecto torna-se nítido quando
analisamos a comunicação interna dos governadores na Bahia, a qual revela a necessidade que
estas autoridades régias possuíam de estar em constante comunicação com sua rede clientelar,
que incluía não só nos ‘potentados’ locais ou os oficiais das ordenanças, mas também os
sertanistas (Capítulo VI).
Na ilustração 01 temos um raríssima representação de um arraial de mineiros no sertão
da Bahia. A referida localidade ficava a algumas léguas de distância da vila de Rio de Contas e
através do desenho, pode-se identificar aspectos recorrentes da paisagem dos arraiais
mineradores no sertão. Em primeiro lugar, a presença de uma pequena igreja, certamente
erguida em devoção a algum santo particular e às expensas dos moradores, as casas, as serras e
os rios que compõe as indicações de orientação para quem por ali estivesse de passagem. A
referida paisagem foi assim descrita por Quaresma Delgado:

78
BICALHO, Maria Fernanda; ARAÚJO, Renata Malcher de. “O ouvidor como ladrilhador: O papel dos oficiais
régios na urbanização do Brasil, século XVIII.” In: BICALHO, Maria Fernanda. ASSIS, Virgínia. M. A.; MELLO,
Isabele de M. P. (orgs.) Justiça no Brasil Colonial: Agentes e Práticas. São Paulo: Alameda, 2017.p. 243. Outros
aspectos levantados pelas autoras no artigo supracitado, serão abordados no Capítulo III, destinado a analisar a
edificação das vilas dos sertões baianos.
50

[...] e daqui ao Bom Jesus uma légua ficam atrás duas casas no caminho e um
riacho este e que vai correndo por detrás do Bom Jesus e vai pelo arraial
abaixo. E este sitio tem uma baixa entre a Serra de Leste e a Lomba que vai
correndo por entre duas partes que para outra parte faz o mesmo saco e por
esse arraial dito há bastantes moradores que são mais de sessenta casas, e terá
este de comprido mais de meia légua por onde está trabalhando esta figura.79

Nas primeiras décadas do século XVIII, por conta das descobertas de ouro, assim como
antigos arraiais foram edificados em vilas, os antigos caminhos foram transformados em
estradas reais e outros foram abertos, como foi o caso da estrada feita pelo sertanista Pedro
Barbosa Leal ligando a vila de Jacobina à do Rio de Contas. Essas ações ocorreram em virtude
da necessidade da instalação de postos de registros e passagens nos quais eram se passavam
carta de guia para as tropas de comboieiros, os mineiros e os homens de negócios que
comerciavam entre os portos do litoral e os arraiais do sertão.
Márcio Roberto dos Santos aposta que a ligação entre Jacobina e Rio de Contas foi
feita para conectar as minas da Bahia às regiões pecuárias de Sergipe e Piauí com as Minas
Gerais. Segundo sua estimativa, dos caminhos do Rio das Contas acessava-se “os núcleos
mineradores de Tocambira (Itacambira) e do vale do Araçuaí (Minas Novas).”80 De fato, ele
tem ter razão se pensarmos que Pedro Barbosa Leal, responsável por abrir esse caminho,
conhecia muito bem a região de Tocambira, lugar no qual ele passou depois de dar forma aos
arraiais mineiros anteriormente citados. Ainda assim ele conhecia a rota de descimento do gado
vindo do Piauí, chegando inclusive a descrever as trocas mercantis do gado pelo ouro, conforme
veremos em outro momento desta tese. De todo modo, penso que estas Derrotas deram
subsídios para a construção de estradas e o estabelecimento de rotas oficiais, tendo sido
inclusive constantemente utilizada pela administração para fazer descer o ouro do sertão para
os portos do litoral, quando o mesmo era arrecadado sob a forma dos quintos.

79
DELGADO, Joaquim Quaresma. “Derrota das Minas da Jacobina para as do Rio das Contas.” Arq. 2.4.8 - Index
de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-
1737. Manuscrito, 472fls.
80
Sobre os principais caminhos do sertão baiano ver o exímio trabalho de mapeamento realizado por Márcio
Roberto Alves do Santos em sua tese de doutorado. O mapa apresentado por ele indica as rotas e os anos em que
as mesmas foram abertas, possibilitando uma mirada cronológica da abertura desses roteiros, além de uma visão
geral da dinâmica de circulação entre os diversos caminhos que conectavam os sertões baianos desde meados do
século XVII. Cf. SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras dos sertões baianos: 1640-1750. 2010. 433f.
Tese (Doutorado em História). Programa de Pós Graduação em História Social. Universidade de São Paulo, 2010.
p.161-174.
51

Figura 1: Detalhe do Desenho incluso na "Derrota das Minas de Jacobina para as do Rio das Contas" de Joaquim Quaresma
Delgado, 1731

Fonte: IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito,
fls.120.
52

1.2 O gado e o ouro

Alguns pesquisadores recentemente investigaram as dinâmicas mercantis e culturais


que se estabeleceram nas rotas que ligavam as regiões mineiras aos currais da Bahia,
consideradas como as principais zonas abastecedoras dos arraiais mineradores. No que pese a
importância dessas rotas e da real e significativa participação da Bahia no fornecimento de
víveres e de produtos agrícolas para o sustento dos mineiros, principalmente na primeira metade
do século XVIII, considero que há que se questionar dois aspectos sempre presentes nessas
interpretações. O primeiro diz respeito à uma falsa ideia de hierarquia política e econômica que
se atribuiu quando se trata de abordar as relações entre Minas Gerais e Bahia. Nos estudos
consultados81, percebe-se quase sempre a reiteração da posição de Minas Gerais como
importante centro prospector de minérios, com seus arraiais e vilas estruturados com
instituições políticas e eclesiásticas, enquanto que a Bahia esteve sempre na posição de
capitania dos currais ou como lugar de entrada de mão de obra escrava via tráfico. Essa leitura
ignora que o sertão baiano abrigou vilas com organização civil e eclesiástica, com dinâmicas
próprias de povoamento e ocupação dos espaços, que inclusive, antecedeu a própria ocupação
das regiões mineiras.
Estes aspectos são ainda mais relevantes quando se considera a presença das missões
religiosas e doações de sesmarias desde o século XVII. Assim como em Minas Gerais, a
paisagem econômica do sertão baiano estava caracterizada pela forte relação econômica entre

81 Raphael Freitas Santos em sua tese de doutorado de 2013, estudou os circuitos mercantis entre as Minas Gerais
e os currais da Bahia. Seu trabalho assume claramente o ponto de vista mineiro para na análise das rotas entre as
duas capitanias. Claramente sua opção é corroborada pela inclusão de cartas topográficas produzidas a partir do
território mineiro. No que pese sua abordagem dos fluxos econômicos estabelecidos entre Minas e Bahia, seu texto
parece sugerir a todo momento que a Bahia são os seus currais, enquanto Minas Gerais fica com o status de
capitania, conforme pode-se ver nesta passagem: “desde as primeiras décadas do século XVIII, diversas
localidades da capitania de Minas Gerais estiveram interligadas a partir dos Caminhos dos Sertões e currais da
Bahia.” Cf. SANTOS, Raphael Freitas. Minas com Bahia: mercados e negócios em um circuito mercantil
setecentista. 2013, 371f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2013, p. 80; IVO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trânsitos
culturais, comércio e cores nos sertões da América portuguesa - século XVIII. Edições UESB. Vitória da
Conquista, 2012; CARRARA, Angelo Alves. Minas e currais. Produção rural e mercado interno de Minas Gerais,
1674-1807. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2007, 364 p; uma resenha crítica sobre o livro de Angelo Carrara
encontra-se em: MENZ, Maximiliano M. Revista de História, 158 (1º semestre de 2008), 303-307. Afonso Costa
também é tributário dessa ideia, “A sesmaria importava na existência do curral e o curral obrigava o sesmeiro ao
fornecimento de rezes para as tropas. Daí resulta a afirmativa de que a colonização das terras da Jacobina, ou o
seu povoamento, tivera origem nos currais e em consequência da invasão holandesa. [...] nem se diga que pela
influência das minas tiveram tais terras e seu descobrimento, colonização, povoamento.” Cf. COSTA, Afonso.
“De como nasceu, se organizou e vive a minha cidade.” Anais do IV Congresso de História Nacional. IHGB. Rio
de Janeiro. Departamento de Imprensa nacional. 1951 , p. 191.
53

as minas e os currais. Além disso o comércio de mercadorias entre o norte de Minas e a parte
meridional da Bahia (Minas Novas de Araçuaí e Fanado) proporcionou um intenso fluxo
econômico, demonstrando que a paisagem mineira também estava organizada em torno da
produção para a subsistência concomitantemente à exploração mineral. Em segundo lugar, a
economia do gado não se sobrepôs à produção do ouro, elas estiveram juntas durante todo o
século XVIII, esses são aspectos incontornáveis para o entendimento da paisagem humana e
ambiental dos sertões no período. A diferença é que não foram os currais ou fazendas com
criações de gado, estabelecidos desde meados dos seiscentos, que propiciaram o surgimento e
organização das vilas, mas sim a prospecção aurífera, fenômeno que elevou a importância
política daquelas áreas.
Contudo, não podemos subestimar a força que a criação de gado teve desde o início da
sua ocupação. Para início de conversa, lembremos das reflexões de Capistrano de Abreu sobre
o povoamento na colônia. Para Capistrano, a produção agrícola dos engenhos de açúcar e roças
de tabaco estavam asseguradas mediante a facilidade de escoamento via rios navegáveis, tal
característica possibilitava o transporte e garantia a manutenção econômica dessas atividades.
Nas terras do interior, entretanto, a solução foi diversa. A ocupação territorial e o
aproveitamento econômico dispensava a proximidade com o litoral pois ocorreu a partir da
criação do gado vacum em larga proporção.
O gado bem se acomodava às terras que eram, a princípio, impróprias para o cultivo
da cana; além disso, podia ser cuidado com mão de obra diminuta e pouco especializada,
garantindo alimentação farta com o mínimo de investimento. 82 Esse foi um expediente
usualmente utilizado pelos maiores sesmeiros da Bahia, que justificavam os seus pedidos pela
necessidade de possuir pastos para o gado. Por outro lado a criação de bovinos amenizava as
dificuldades impostas na exploração das longínquas terras concedidas em sesmarias, pois elas
podiam ser arrendadas a terceiros ou até ‘povoadas com gado’, segundo o princípio coevo de
uso da propriedade fundiária.
Nota-se que a cidade de Salvador era extremamente dependente do fornecimento de
gado que vinha dos seus sertões, tanto para a alimentação dos seus moradores, quanto para as
atividades ligadas ao fabrico do açúcar. O couro curtido era um dos principais produtos
derivados da indústria agropastoril. Essa matéria-prima foi extremamente requisitada para a
fabricação de diversos utensílios de uso cotidiano, mas o grosso de seu beneficiamento era
utilizado para acondicionar o tabaco que saía embarcado de Salvador para os portos do

82
ABREU. op. cit., p. 71.
54

Atlântico sul. Antonil, por exemplo, estima que no início do século XVIII a produção girava
em média de 27 mil rolos de tabaco, se somados os da Bahia, Pernambuco e Alagoas. Por esse
dado, pode-se ter uma noção do quanto de couro era necessário para acondicionar o tabaco.
Antonil também anotou que existiam mais de 500 currais próximos às margens dos rios dos
sertão baiano. Só no rio de São Francisco, haviam mais de 106, número certamente superado
pelos pastos de Pernambuco que passavam de 800 currais.83
As regiões criadoras de gado no rio de São Francisco, Pernambuco, Sergipe D’El Rei,
Piauí, Parnaguá e Maranhão intercomunicavam-se com as vilas auríferas baianas,
principalmente Jacobina e Rio de Contas, mas também com Morro do Chapéu. Estes locais
eram pontos de descanso quase obrigatórios das boiadas para depois passarem por Jacobina e
descerem margeando o São Francisco em direção às Minas Gerais. Segundo o roteiro mapeado
por Márcio Roberto dos Santos acerca dos caminhos do sertão baiano, existia uma rota que
ligava o Piauí ao São Francisco, passando por Sento Sé e Juazeiro, desse ponto o caminho
chegava em Jacobina de onde se seguia para a cidade da Bahia, ou avançar a oeste passando
por Morro do Chápeu até a Vila de Barra e no sentido sul até a barra do Rio das Velhas, já na
fronteira entre Bahia e Minas Gerais.84 O gado normalmente descia para a cidade da Bahia
passando por Jacobina, daí a posição importante desta localidade como entreposto comercial
de reses, justamente nas terras que pertenciam as famílias dos Guedes de Brito e Garcia
D’Ávila. Antonil descreveu a posição estratégica de Jacobina no comércio do gado e no
fornecimento de mão de obra, inclusive indígena, para conduzir as boiadas do sertão até
Salvador.
Constam as boiadas que ordinariamente vem para o Brasil de cem, cento e
cinquenta, duzentas e trezentas cabeças de gado e destas quase cada semana
chegam algumas a Capoame, lugar distante da cidade oito leguas, aonde tem
pasto e aonde os marchantes as compram e em alguns tempos do ano há
semanas em que cada dia chegam boiadas. [...] Quem quer que entrega a sua
boiada ao passador para que a leve da Jacobina, v.g., até Capoame, que é
jornada de quinze ou dezasseis até dezassete dias, lhe dá por paga do seu
trabalho um cruzado por cada cabeça da dita boiada e este corre com os gastos
dos tangedores e guias e tira da mesma boiada a matalotagem da jornada. 85

83
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa: Alfa, 1989 [1711], p.
157-162.
84
Ver o mapa intitulado: “Caminhos principais do sertão baiano - 1640-1750.” SANTOS, op. cit., p. 162.
85
ANTONIL, op. cit., p. 161
55

Figura 2: Detalhe da “Planta da commarca do Ceará Grande...”

Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. Planta da Comarca do Ceará grande, e sequito pello certão athe a Cidade da Bahia de Todos os Santos. [S.l.: s.n.], 1801. 1 mapa
mss, il. col. <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1304801_34/mss1304809_13.htm>Acesso em: 14 set. 2015.
56

A figura 02 é um detalhe do mapa de Vilhena, no qual pode-se ver os dois locais onde
se erigiram a vila de Jacobina. No canto esquerdo superior do mapa está indicado o Recôncavo
e as principais bacias hidrográficas que serviram como rotas de orientação para os viajantes. A
indicação da capitania do Piauí na outra margem do rio de São Francisco (canto esquerdo
inferior), demonstra a interligação de circuitos mercantis dessas areas. Note-se também,
indicado na parte superior do mapa ao centro, o arraial do Bom Jesus, próximo à vila do Rio de
Contas, que foi representado por Quaresma Delgado quando ele passou por lá em 1731 e já
mostrado na figura 01.
Por um outro documento da época, uma carta escrita provavelmente no ano de 1725,
tem-se riquíssimas informações sobre os caminhos do sertão. Esse documento trata-se de uma
resposta dada a uma consulta feita pelo vice-rei acerca de quais seriam os melhores locais para
erigir as casas de fundição para quintar o ouro de Jacobina e Rio de Contas. O documento indica
que ouro e gado eram as principais mercadorias transacionadas no sertão, pois o ouro em pó era
uma das moedas correntes. O autor do documento, o coronel Pedro Barbosa Leal, à época
superintendente das vilas de Jacobina e Rio de Contas, ofereceu uma relevante informação
sobre a negociata do gado e do ouro:
[...] advertindo que este descaminho é o mais certo e o mais natural por que
da capitania do Piauí e Paranaguá entram todos os gados que sustentam as
Minas Gerais, e como os ditos gados se reduzem a ouro, os mesmos
condutores dos gados hão de ser os transgressores do ouro em pó; E se deve
considerar que é huma das maiores partidas do ouro a importância dos gados
que há de orçar, ao menos, regulando-se cem boiadas a duzentas cabeças em
cincoenta arrobas de ouro.86

Nota-se por essa passagem – para além de uma longa discussão sobre o descaminho
do ouro, que será tema do capítulo V - que uma cabeça de gado na década de 1720 custava 10
oitavas de ouro, ou seja quase 12$000 reis.87 Em 1711 Antonil estimou que na cidade da Bahia
se podia comprar uma rês por 4$000 a 5$000 réis. Em Jacobina o preço girava em torno de
2$500 a 3$000 réis no princípio do século XVIII e nos currais do S. Francisco “os que tem
maior conveniencia de venderem o gado para as minas o vendem na porteira do curral pelo
mesmo preço que se vende na cidade.”88 O valor informado por Barbosa Leal não está
superestimado. O mestre de campo e Engenheiro Miguel Pereira da Costa afirmou que 10$000

86
BNRJ, Manuscritos - II-31,25,009. LEAL, Pedro Barbosa. Representação questionando as ordens de erigir duas
casas de fundição, uma em Jacobina e outra em Rio das Contas, explicando que isto não evita o descaminho do
ouro, e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Bahia: [s.n.]. 11 f., Original.
87
Esse valor foi alcançado com a seguinte conta: 50 arrobas de ouro convertido em oitavas vale 4.096 oitavas e
dividido por 20.000 rezes = 10.24 oitavas por cabeça. Uma oitava de ouro valia 1$200 réis.
88
ANTONIL, op. cit., p. 162
57

réis era quanto custava cada cabeça de gado em todo o caminho do sertão. 89 Essa informação
confirma portanto o valor médio de 10 oitavas por cada rês, podendo-se conjecturar o quanto a
exploração de ouro inflacionou os preços no sertão. Pode parecer que 20.000 cabeças de gado
sejam quantidades exorbitantes para o período. No entanto, como foi visto linhas atrás, Antonil
indica que desciam até a cidade da Bahia boiadas de centenas de reses. De todo modo, o que
interessa aqui é demonstrar que essa observação indica um traço marcante da exploração
aurífera no sertão da Bahia que é a complementariedade da produção de ouro e gado, como
fatores dinamizadores do espaço econômico das vilas. De fato, a mineração foi um forte
dinamizador mercantil dos distritos auríferos e obviamente o negócio com o gado não deixou
de acontecer, pois ao longo de todo o século XVIII o intercâmbio mercantil entre o gado e o
ouro foi retroalimentado pelos criadores, assim como pelos comboieiros e sobretudo pelos
homens de negócios que vendiam suas mercadorias nas minas (capítulo V).
Portanto, antes de encerrar essa seção, destaca-se que a interação entre os negócios do
gado e do ouro por todo o espaço já conhecido do sertão estava marcado pela coexistência de
currais e locais de minas. Esta característica da ocupação do território foi notada pelo coronel
Pedro Barbosa Leal na década de 1720 ao escrever a seguinte observação: “Pela parte do sertão
se acha o mesmo continente povoado com as minas do Rio de Contas, minas de Tocambira,
Serro do Frio e Minas Gerais, ao redor dos quais e por entre elas se achão povoados muitos
currais de gado.”90
Essa referência é muito importante para os acontecimentos que serão analisados nas
páginas seguintes, pois a presença de criadores e sitiantes na Jacobina era uma realidade antes
do surto aurífero. Aquelas terras, que tinham sido doadas em sesmarias a importantes homens
da capitania no século XVII, foram sendo ocupadas e povoadas por muitas famílias através do
sistema de arrendamentos, o que possibilitou a presença de pequenos proprietários e sua
distribuição por diversos sítios. A maioria dessas propriedades se destinavam a fins pecuaristas
e a uma pequena produção de autoconsumo, que alimentava o mercado regional, ainda que o
sertão, nesse período, tivesse uma economia incipiente se comparada com as plantations
açucareiras. Essa população sertaneja mantinha vínculos de clientela e de arrendamento com os
grandes sesmeiros, vínculos estes que se mantiveram ao longo do século XVII, em função da
presença dos sítios e currais. No início dos setecentos, a proliferação dos descobrimentos de

89
NEVES & MIGUEL. op. cit., p. 35.
90
Uma cópia de época e várias outras noticiais sobre os descobrimentos de minas e conquista do sertão encontra-
se custodiado pelo IHGB na coleção Família César de Meneses. Cf. IHGB. Arquivo 2.4.8. Index de várias notícias
pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito,
472f, fl153v.
58

minas foi o ponto de virada para que os moradores do sertão contestassem a legitimidade dos
foros pagos aos antigos sesmeiros, em especial à família dos Guedes de Brito.

1.3 As sesmarias

A propriedade da terra era uma das bases de reprodução econômica e política das
sociedades no Antigo Regime, de modo que a incorporação de sesmarias serviram
simultaneamente para sedimentar o poder e prestígio daqueles que conseguiam receber tais
doações, como também prestou-se a ampliação das fronteiras do império ultramarino português
para além dos enclaves do litoral.
A demarcação e distribuição de terras a partir do sistema de sesmarias teve sua origem
em Portugal no reinado de D. Fernando I e foi regulamentada através da lei de 26 de julho de
1375. De acordo com o livro das Ordenações Filipinas: “Sesmarias são propriamente as datas
de terras, casais ou pardieiros, que foram, ou são de alguns senhorios, e que já em outro tempo
foram lavradas e aproveitadas e agora o não são.”91 Esse sistema foi instituído “para estimular
o povoamento de áreas incultas ou conquistadas dos árabes que ocupavam a península Ibérica,
para desenvolver a agricultura e dinamizar a produção de alimentos em Portugal.”92 Segundo o
Dicionário da terra e do território português, na América, a Coroa portuguesa estabeleceu um
sistema jurídico que fosse capaz de regulamentar a colonização.93 Não obstante, questiona-se a
eficácia da legislação portuguesa na resolução de conflitos envolvendo os direitos dos sesmeiros
oficiais, que possuíam documentos de concessão, e os posseiros, ocupantes das terras através
do sistema de assentamento em pequenos sítios.
A concessão de sesmarias no interior da América portuguesa foi um dos elementos
estruturantes para a demarcação e divisão territorial das vastas porções de terras nas fronteiras
abertas para a conquista do interior. A distribuição de terras na capitania da Bahia teve seu
início logo após a criação do governo geral. Não obstante tais doações fossem realizadas mais
próximas do litoral, em torno dos rios Paraguaçu e Jaguaripe, assegurando assim a fixação dos
primeiros colonos e a montagem de uma economia agrária escravista baseada nos engenhos de
açúcar, já em meados do século XVI, a distribuição de terras dirigiu-se para o norte em direção

91
Ordenações Filipinas, Livro Quarto, Titulo XLIII, p. 822
92
NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma Comunidade Sertaneja: Da sesmaria ao Minifúndio. 2ª edição revista e
ampliada. Salvador: Edufba; Feira de Santana: UEFS. 2008, p. 63.
93
MOTA, Marcia. 28/12/2013. “Sesmarias (Brasil)”. In: SERRÃO, José Vicente; MOTTA, Márcia; MIRANDA,
Suzana Münch. (dir), e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português. Lisboa: CEHC-IUL. (ISSN:
2183-1408). Doi: 10.15847/cehc.edittip.2013v028
59

ao Rio Real e avançou algumas léguas para as terras do sertão. Em 1563, por exemplo, Thomé
de Souza recebeu uma sesmaria de oito léguas na costa e cinco para o sertão. Essa sesmaria
terminava a duas léguas do sul do rio Itapicuru94. A conquista de Sergipe, no norte da Capitania
da Bahia, em 1590, certamente contribuiu para o aumento dessas concessões que seguiam o
curso do rio Itapicuru. Se no século XVI a dinâmica de concessão de terras no litoral se fez
mais intensa, no entanto, no alvorecer do XVII, o sertão foi alvo dos peticionários e a coroa por
sua vez, necessitava de interessados que favorecessem o alargamento das fronteiras das
conquistas. Entre um pedido e uma concessão, havia a possibilidade de utilização de mão de
obra indígena - baseado na lei de proteção aos índios-, na expansão dos currais de gados e na
apropriação por via legal das terras que, sertão adentro95, estavam localizadas entre o
Recôncavo e os limites do rio São Francisco.
Voltando ao final dos seiscentos, naquele período entre os oficiais da coroa, era
opinião corrente de que já não havia quase terras devolutas que não tivessem sido concedidas
em sesmarias. Em janeiro de 1699, Manuel Roiz de Souza e Luiz da Costa Sepúlveda deram
entrada em uma petição para receber terras de uma légua de largo e três de cumprido, entre os
rios Vaza-Barris e Itapicuru. O Procurador da Coroa e Fazenda, concedeu parecer favorável à
concessão aos peticionários, mas, com clarividência, anunciou:
[...] duvido muito em que nesta parte esteja ainda tanta terra para se dar de
sesmarias, mas como se concede sem prejuízo de terceiros e ficando os
suplicantes obrigados a cultivá-las e aproveitá-las dentro dos termos da lei,
aliais que bastem-se possam dar logo sem ser necessário julgar por desertas.96

A conjectura do procurador, expressava nada mais, nada menos, do que a opinião


corrente no período: As mais importantes famílias da nobreza da terra souberam aproveitar-se
do sistema de sesmarias e trataram de monopolizar as terras mais férteis e acessíveis,
principalmente as destinadas à produção de cana e instalação de engenhos de açúcar,
perpetuando a dependência daqueles que não tinham acesso às mesmas. Com isso, propiciavam
o aumento de suas propriedades logrando êxito com mais pedidos de sesmarias e concentrando
ainda mais a estrutura fundiária. Francisco Carlos Teixeira da Silva sublinha que nas sociedades
de Antigo Regime adquirir de terras significava ter poder. Em suas palavras:

94
Segundo Fellisbelo Freire as concessões de terras ao norte da capitania da Bahia, ou seja, em direção à Sergipe,
tendiam a ser maiores do que aquelas que se localizavam ao sul. Em geral possuíam três léguas de extensão,
enquanto que as do norte podiam chegar a 20, 50 ou mais léguas. Cf. FREIRE, op. cit., 17-23.
95
Capistrano de Abreu afirma que o sertão baiano compreendido “desde o rio São Francisco até o sudoeste do
Maranhão” era conhecido como sertão de dentro. O sertão de fora era o de Pernambucano que se estendia “desde
Paraíba até o Acaracu no Ceará”. ABREU, op. cit., 1998, p. 205.
96
Arquivo Nacional. Códice 427, vol. 2 (1690-1714). f. 138 v;
60

“ter terras significava poder, embora consegui-las já fosse, o fato em si, prova
de prestígio, pois os mecanismos de doação que decidiam entre algumas
braças ou várias léguas eram acionados por laços políticos, familiares e
clientelísticos e, foram efetivamente os responsáveis pela criação de uma nova
aristocracia.”97

Para Teixeira da Silva, o processo de concentração fundiária era inerente à estrutura


da sociedade que se formou aqui na América, reiterada pela insistência dos grandes
proprietários na manutenção dessa concentração, utilizando-se, para isso, o poder político, o
prestígio, mas também os laços familiares que permitiram a conservação e o aumento das
propriedades através do sistema de casamentos e heranças. O outro mecanismo associado à
rentabilidade do uso dessas terras era o seu arrendamento. É ainda Teixeira da Silva que bem
explica esse mecanismo: “O foro era a expressão universal, na colônia, de transferência do
sobre-trabalho de um segmento para outro, em decorrência de um mecanismo extra econômico:
a concentração fundiária.”98
Quando o Alferes Gabriel Barbosa Lobato, morador na cidade da Bahia, fez sua
petição em 1692, requerendo 25 léguas de terra entre o Rio Piranhas e o Jaguarary nos sertões
do Ceará, ele alegou “não possuir terra alguma para acomodar seus gados, que os tem em terras
do coronel Francisco Dias D'Ávila em que lhe paga todos os anos 22 mil réis de renda, de que
lhes resulta grande perda de sua fazenda.”99 Percebe-se, nesta como em tantas outras petições,
que o motivo alegado pelo alferes para conseguir sesmarias, era o prejuízo que tinha com a
obrigação de pagar rendas aos D’Ávilas. Por outro lado, deixou claro que havia um vínculo de
dependência no ato do arrendamento das terras. Na impossibilidade de cultivar as terras, o
arrendamento afigurava-se como uma saída para amealhar algum rendimento, assim como
manter as terras ocupadas. Nas margens do rio de são Francisco, esta solução foi amplamente
utilizada pelos senhores da Casa da Torre.
Entre os anos de 1652 e 1655 o capitão Garcia D’Ávila, Mathias Cardoso, João Peixoto
Viegas, Bernardo Vieira Ravasco, o padre Antônio Pereira e Antônio de Brito Correia (pai do
mestre de campo Antônio Guedes de Brito), receberam terras no sertão. O secretário de Estado
Bernardo Vieira Ravasco por exemplo, havia recebido por carta de 7 de junho de 1655, uma
sesmaria de 10 léguas encostadas nas “serras de Jacobina contadas pela parte do oeste, as quais
se contarão d’onde acabam as terras dadas a Luis de Figueiredo que começa donde o padre

97
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez: Crises de subsistência e política econômica
no Brasil Colônia. (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). 1990. 416f. Tese (Doutorado em História).
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1990. p. 320.
98
Ibid., p. 337.
99
AN. Códice 427, vol. 2 (1690-1714). fls. 45.
61

Antônio Pereira se introduziu sem títulos do governo”. A carta informa ainda que “caso não
sejam capazes de cultura as 10 léguas confrontadas” 100, mais terras poderiam ser tomadas a
qualquer parte da serra e campos que se seguirem às serras de Jacobina desde onde estavam
localizadas as primeiras aldeias de índios, vizinhas às mesmas serras, seguindo pelo oeste até
as margens do rio de São Francisco. Por este e outros documentos podemos ver que a maior
parte das terras doadas no sertão eram habitadas, em sua maioria, por populações indígenas,
aldeadas ou não. Entretanto para o favorecimento dos sesmeiros as doações foram feitas com
limites imprecisos, facilitando assim a expansão de tais sesmarias.
Mais de uma década depois desse parecer, ainda encontramos a prática de pedir
sesmarias em sociedade com outros. Na cópia do livro da Secretaria de Estado do Brasil101 onde
constam esses registros, encontramos outros casos de consócios que chegam a envolver até 20
peticionários sob o comando de um homem proeminente. Exemplar foi a petição impetrada em
1690 pelo tenente Matias Cardoso de Almeida que juntamente com mais 20 homens, solicitaram
320 léguas quadradas nas nascentes do rio Pardo até o rio Doce, o que suscitou a seguinte
observação do Provedor mor da Fazenda Real:
Porém todas as experiências tem mostrado que de se conceder tão grande
número de léguas de terras a grandes companhias resultou sempre servir a ser
o domínio de um ou dois nomeados nas petições das ditas companhias a
recebê-los de compra, doação, ou outro, sem nela se ter feito benefício, sem
cultura alguma e da sua mão arrendam e venderem os sítios, de que os mais
vassalos de sua majestade, digo, hão mister para suas criações em fraude da
disposição das leis das sesmarias, que só permitem se deem a cada um as terras
que conforme as suas possibilidades e cabedais puder cultivar e povoar no
termo limitado de cinco anos, sem o que as não poderá vender nem arrendar
porém como lhes fica fácil satisfaçam a esta condição da lei; com meterem
quaisquer cabedais de gados em muitas dilatadas terras, fica sendo inevitável
o prejuízo dos mais vassalos, comprarem, ou arrendarem os sítios, para que
tinham mais direito para se lhes darem como se tem feito muitas vezes aos que
não necessitam de tão grande número de terras, nem as podem pousar, ou
aproveitar; e por esta causa essa parecem se devem dar a cada um
separadamente as léguas de terra que puder aproveitar, com condição de as
não poderem alhear e nem passar a outro algum domínio, com consorciação
de se darem logo a outro, e com as insígnias, cláusulas e obrigações da lei,
sem prejuízo de terceiro.102

Em 1676, o desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio, havia sido designado para


produzir um parecer sobre a situação das sesmarias baianas. No famoso documento são
explicitados os mecanismos de distribuição de terras no Recôncavo e nos sertões da Bahia. No

100
Bernardo Vieira Ravasco, Carta de 7 de 1655, 10 léguas de terra. Cf. FREIRE, Fellisbelo. p. 32.
101
AN. Códice 427, 2 v.
102
AN. Códice 427, v. 2 (1690-1714). fls. 46v-47;
62

caso do Recôncavo, lugar onde se deu as primeiras ocupações, as terras doadas em geral não
ultrapassavam quatro léguas e a maioria delas achavam-se muito bem distribuídas, de modo
que cada um dos proprietários possuía a quantidade de terras “que precisamente lhe é necessária
para a lavoura que faz, e sua fábrica, sem haver algum que nesta parte tenha terras
supérfluas.”103
Já com as terras distribuídas em sesmarias no sertão, locais onde havia uma outra
correlação de forças, a situação figurou de forma bastante diferente, pois a “notável demasia e
excessiva desigualdade”104 foram os critérios de distribuição das datas. O parecer do
desembargador revelara a cobiça dos peticionários que foram favorecidos por terem sido os
primeiros a requererem as doações. Ele ressaltou que mesmo antes de se descobrirem as terras,
os requerentes faziam pedidos baseados em marcos imprecisos de rios e serras já citados em
petições de outros signatários. Além disso, tratavam de utilizar as ditas terras com gados e
pastos, não favorecendo a efetiva ocupação e povoamento. Por estes motivos, o parecer do
desembargador foi taxativo ao afirmar serem nulas as tais distribuições de terras, apontando
quatro as razões para isso. Primeiro, era contra a vontade da coroa que a maior parte das terras
estivessem concentradas nas mãos de 10 ou 12 pessoas das mais ricas daquela capitania, tal
situação impedia a distribuição de porções menores de terras para outros vassalos, que com
mais ânimo poderiam ocupá-las e cultivá-las, produzindo mais frutos para Sua Majestade.
Segundo, muitos daqueles peticionários também requereram terras nas capitanias de
Sergipe D’El-Rei e em Pernambuco, no entanto, não citaram em suas petições que foram
agraciados com terras nestas capitanias, caso houvesse sido enunciado, certamente seria um
fator restritivo para a concessão de mais terras, além das que eles já possuíam. Em terceiro, e
aí reside o motivo fundamental para serem declaradas nulas, era o fato de as mesmas não terem
sido cultivadas no prazo estabelecido de quatro anos. Ainda assim, alguns venderam as terras,
amealhando lucros com esses negócios. Por fim, as terras foram usadas basicamente para pastos
e gados, contrariando as leis de Sua Majestade, que estipulava serem os pastos áreas comuns,
não estando restrito ao usufruto de particulares, pois isso incorreria em gravíssimas penas para
quem assim procedesse.

103
AHU, Bahia. Luísa da Fonseca. Cx. 23, Doc. 2737 - 2738. Esse parecer é amplamente discutido por Márcio
Roberto Santos, inclusive divergindo da avaliação feita por Maria Fátima de Melo Toledo acerca do
posicionamento que o desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio teve com relação à redistribuição das
sesmarias e a reavaliação das concessões a cada período de 50 ou 60 anos. Márcio Roberto em sua análise coaduna
com a radicalidade do parecer do desembargador. Cf. SANTOS, op. cit. 198-201; TOLEDO, Maria Fátima de
Melo. Desolado sertão: a colonização portuguesa do sertão da Bahia. (1654-1702). Tese (Doutorado em História
Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 156-157.
104
AHU, Bahia. Luísa da Fonseca. Cx. 23, Doc. 2737 - 2738.
63

A concentração de doações nas mãos de poucos homens e a impossibilidade real de


cultivá-las teria servido para promover o comércio das ditas terras e a acumulação fundiária,
pois eram arrendadas ou vendidas a terceiros, fortalecendo de forma inequívoca uma rede de
dependentes, que aumentava o poder dos grandes proprietários. Em suas palavras:
Porque quais hão de ser os vassalos (e com maior dificuldade os do Brasil)
que se atrevam e resolvam a ir fazer povoações em terras incultas e bravias, e
essas de particulares, sem as poderem cultivar, se não fazendo-se colonos dos
senhorios delas, e aonde para maior dificuldade os conchavos e arrendamentos
costumam ser imoderados. E é isto tanto assim que alguns dos que têm tão
largas sesmarias sem que ainda haja Povoações só de Colônias que fizeram
em algumas partes de suas datas, tem a três e quatro mil cruzados de renda,
além dos grandes lucros que tiram das que ocupam com gados próprios.105

Dessa forma, o diagnóstico do desembargador não poderia ser mais preciso, posto que
os grandes proprietários conseguiram acumular e manter imensas porções de terras no sertão
através da compra, doação ou herança familiar, portanto, a combinação de vínculos políticos e
parentais, como já foi dito, apresentava-se como uma estratégia bastante utilizada pelos homens
que queriam assegurar amplos domínios territoriais. Esse foi o caso dos Ávilas e dos Guedes
de Brito, que possuíam mais de 400 léguas de terras no sertão.
Na “Memória das pessoas que possuem grandes sesmarias nas capitanias deste estado
conforme as suas declarações e informações que se tomou”106 anexa ao parecer, podemos
confirmar os traços estruturantes da manutenção das grandes concessões de terras no sertão.
Percebe-se que todos os signatários afirmaram terem herdado terras de seus antecessores, além
das doações do governador da capitania, como recompensa por terem sido dos primeiros que
começaram a penetrar os sertões. No geral alegavam terem domesticado o gentio bravo, aberto
caminhos com sítios e currais, beneficiando assim outros moradores. Por fim, alegavam ainda
serem dos mais nobres e antigos moradores da terra, sendo homens de fábrica e cabedal, e caso
se fizesse novamente a repartição de datas, afirmavam que “se lhes devem ter respeito na forma
sobredita.”107
A lista indicou os 13 maiores sesmeiros da Bahia. Encabeçava a lista Gaspar Roiz
Adorno, um dos “primeiros povoadores que começaram a penetrar no sertão”108 e que declarou
possuir 44 léguas de terras; o capitão Francisco Barbosa Leal, tio paterno do coronel Pedro
Barbosa Leal, também foi outro morador chamado a declarar as suas 14 léguas de terras,
recebidas do governador Afonso Furtado como recompensa por ter feito guerra ao gentio bravo

105
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2737 - 2738.
106
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2740.
107
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2740.
108
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2740.
64

que infestava aquelas terras. Havia ainda aqueles que receberam sesmarias em ação conjunta
com outros signatários, apesar dos associados não terem sido nomeados na dita declaração. Este
foi por exemplo o caso do capitão Sebastião Barbosa de Almeida, que informou possuir com
mais sete pessoas, setenta léguas de sesmarias. O coronel Francisco Gil de Araújo, até aquele
ano, possuía “12 léguas que se lhe deram e a cinco pessoas mais109”. Como é óbvio, o Capitão
Gárcia D’Ávila figurava como um imemorial sesmeiro, declarando possuir juntamente com
seus filhos mais de 400 léguas de terra, incluindo aí as partes do rio de São Francisco, até o rio
do Salitre. Esse caso dispensa comentários. João Peixoto Viegas, “homem de negócios e senhor
de engenho vianês”110 foi outro listado pelo desembargador sindicante e declarou possuir 30
léguas de terra do rio Jacuípe até o Paraguaçu, além de outras sesmarias que “não se podem
averiguar ao certo as léguas que são, mas se acorriam em mais de cento e vinte léguas.”111 Por
último, e para não cansar o leitor, citemos o caso do mestre de campo Antônio Guedes de Brito,
que ao declarar suas 111 léguas de sesmarias recomendou que se devia haver respeito a ele e a
seu primo Lourenço de Brito de Figueiredo, por terem sido seus pais e avós dos moradores que
principiaram a penetrar o sertão, gastando considerável fazenda na domesticação de gentios e
na abertura de caminhos. Em suma, todos possuíam um gênero de discurso afinado com os
propósitos da conquista, argumento legitimador das doações. Como pode-se inferir, devido às
exorbitantes extensões de terras, tornava-se quase impossível efetivar a demarcação dos limites
de cada doação, e menos ainda fomentar o efetivo povoamento sob o controle e rigor do poder
dos sesmeiros.
Como será visto adiante, a querela entre os moradores de Jacobina e D. Joana Guedes
de Brito, a herdeira do mestre de campo, teve como um dos argumentos, precisamente a
antiguidade dessas doações de terras. Assim, fica claro que esta lista apontava as principais
famílias que elegeram a concentração fundiária como uma das estratégias para a manutenção
de suas riquezas, o que não invalidou a possibilidade dessa posição ser contestada.
Em recente artigo, Carmen Alveal112 demonstrou que a partir da década de 1690 a
coroa editou uma série de ordens régias para delimitar as concessões de terra, num esforço de

109
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2740.
110
Thiago Krause discute com profundidade as relações familiares e as estratégias de reprodução da nobreza baiana
ao longo do século XVII. Cf. KRAUSE, Thiago. A formação de uma nobreza ultramarina: coroa e elites locais
na Bahia seiscentista. 2015. 402f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: 2015, p.130.
111
AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Cx. 23, Doc. 2740.
112
ALVEAL, Carmen M.O. “Transformações na legislação sesmarial, processos de demarcação e manutenção de
privilégios nas terras das capitanias do norte do Estado do Brasil.” Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 28, no
56, p. 247-263, julho-dezembro.
65

contemplar aspectos não previstos nas Ordenações Filipinas. Esse movimento já vinha se
delineando anteriormente, mas foi no reinado de D. Pedro II que pode-se perceber um
movimento por parte da coroa com alterações na legislação sesmarial. Em síntese, essas
mudanças previam um maior controle na distribuição e no tamanho das terras doadas em
sesmarias. Além disso, para as capitanias do Norte do Estado do Brasil113, buscou-se implantar
o pagamento de um foro anual, ou seja, uma renda destinada à coroa que deveria ser paga de
acordo com o tamanho da propriedade. Apesar da tributação não ter sido aplicada à capitania
da Bahia, mesmo assim, as mudanças na legislação foram sentidas e a sindicância do
desembargador certamente contribuiu para isso.
Em 1731 a coroa interferiu na concessão de sesmarias, onde existissem minas ou
mesmo nos caminhos próximos aos distritos minerais. Dessa forma foi estabelecido o limite de
meia légua em quadra para a doação de terras. Também seria necessário consultar a câmara das
vilas as quais pertenciam as ditas terras e as que fossem dadas às margens dos rios caudalosos
que se precisasse de barra para atravessar, não deveriam ser doadas em mais do que uma
margem.114 Nesta provisão régia nota-se a preocupação em se regular a doação de terras em
sesmarias nos distritos das minas. Não foi somente o tamanho das terras concedidas que
diminuiu, houve também a estipulação de novos critérios que condicionaram as doações.
Certamente a descoberta de ouro interferiu nisso. Essa provisão foi enviada ao governo da Bahia
diz muito acerca do impacto da abertura das minas em terras que antes tinham sido doadas de
sesmarias.
No entanto, nas duas primeiras décadas do século XVIII, os debates em torno da
autorização da mineração nos sertões da Bahia, nomeadamente em Jacobina e Rio de Contas,
já indicavam a irredutibilidade da economia aurífera que então tomava proporções preocupantes
para a coroa e o governo da capitania. É com base nesse episódio iniciado nos anos de 1720,
que pretende-se aproximar das circunstâncias que instituíram um novo quadro de relações entre
os moradores de Jacobina, os sesmeiros e a coroa. É isso será discutido nas páginas a seguir.

113
“Termo utilizado para se referir às quatro capitanias litorâneas, localizadas no norte do antigo Estado do Brasil:
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande (do Norte) e Siará Grande.” Cf. ALVEAL, Carmen. 2014. “Capitanias do Norte
(Brasil), in J. V. Serrão, M. Motta e S. M. Miranda (dir), e-Dicionário da Terra e do Território no Império
Português. Lisboa: CEHC-IUL. (ISSN: 2183-1408). Doi: 10.15847/cehc.edittip.2014v023. Disponível em:
https://edittip.net/category/capitanias-do-norte-brasil/. Acessado em: 14/06/2018.
114
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia. 1729-1735. VI–III-
1-1-12. Doc. 267, f.205v.-206.
66

1.4 A abertura da mineração baiana

A coroa durante boa parte do século XVII mantinha vastos interesses nas buscas por
metais preciosos, sobretudo no que dizia respeito à exploração da prata, nas quais esperava-se
resultados efetivos. No início do século XVIII esse anseio tornou-se um fato real e
incontornável, muito embora, quando os primeiros arraiais auríferos começaram a ganhar
contornos de densas aglomerações urbanas e as notícias de minas se espalhavam pelos quatro
cantos do império, não havia consenso sobre os reais benefícios que poderiam advir com a
exploração mineral.
Quando em 1711, a obra de André João Antonil veio à tona, não demorou muito para
que as autoridades portuguesas embargassem a sua circulação. No reino, vivia-se um clima de
instabilidade política com a Guerra de Sucessão da Espanha, mas também nas conquistas com
a presença espanhola no Rio da Prata e colônia do Sacramento. Além disso, havia a constante
ameaça de invasões estrangeiras que rondavam os portos do litoral, o que induziu à proibição
do texto.115 De todo modo, as informações sobre as minas trazidas na obra de Antonil, poderiam
colocar em perigo as principais praças coloniais, de maneira que o Conselho Ultramarino achou
mais prudente vetar sua circulação. A obra também favorece o ponto de vista dos senhores de
engenho, ao apoiar-se na grandeza da sociedade do açúcar, por conta disso, o jesuíta não via os
descobrimentos minerais como fator tão favorável para o engrandecimento da sociedade
colonial.
Nos 20 anos que precederam à abertura das minas baianas, o tema foi objeto de
constante debate entre as autoridades da capitania. Entre as descobertas de ouro de aluvião e a
abertura oficial das minas, houve um lento e complexo processo que envolveu a Coroa, os
ministros do Conselho Ultramarino, os oficiais da administração da capitania e os mineiros que
faiscavam nas recém-descobertas lavras minerais.
Em 21 novembro de 1708, o governador Luiz César de Menezes enviou ordens
expressas ao capitão-mor de Jacobina, Antônio de Almeida Velho,116 para que verificasse as

115
Cláudia Atallah discute o cenário político da península ibérica do início dos setecentos para contextualizar a
envergadura da obra de Antonil e sua posterior proibição. Cf. ATALLAH, Cláudia. Da Justiça em Nome d’El Rey:
Justiça, ouvidores e Inconfidência no Centro-sul da América Portuguesa. Ed. UERJ: Rio de Janeiro, 2016. p.53-
60.
116
O capitão-mor Antônio de Almeida Velho era antigo morador e proprietário de terras no sertão. Foi
administrador da Fábrica de Salitre no governo de D. Rodrigo da Costa. Este governador enviou carta em 29 de
agosto de 1705 advertindo ao capelão da aldeia de Jacobina, Manuel de Barros de Afonseca, que não se obstasse
de entregar 20 ou 30 índios ao capitão-mor Almeida Velho, para que estes fossem empregados nos trabalhos do
salitre. Ao final da carta, o governador adverte que: “E quando vossa mercê obre o contrário neste particular, será
preciso expulsá-lo desta aldeia por faltar às obrigações do seu cargo, e às que tocam ao serviço do dito senhor.
67

notícias que lhes chegavam sobre a ocorrência de muitas pessoas minerando e descobrindo
algumas catas de ouro no sítio onde residia um tal de Bento Pereira de Melo. Em seguida,
recomendou ao capitão-mor que:

[...] ponha todo o cuidado em examinar se esses homens andam mesmo nessa
diligência e achando ser certa esta notícia mande entupir as cavas que tiverem
feito, prendendo a todos os que puder achar, tomando-lhes o ouro que tiverem
e as ferramentas com que trabalharem, remetendo-me assim ouro como [as]
ferramentas [e] fará uma memória, com toda a clareza, do que pertencer a cada
um.117

Em 08 de novembro de 1710 o governador expediu mandato de prisão contra o coronel


Bernadino Cavalcanti de Albuquerque, o sargento-mor Fernão Pereira de Macedo e também
contra mais pessoas que estavam na companhia destes indivíduos fazendo averiguações nas
minas localizadas nas terras de D. Izabel Maria Guedes de Brito.118 Nas duas primeiras décadas
do século XVIII, a atuação das autoridades para tentar reprimir os descobrimentos foram feitas
com punições e prisões exemplares, que visavam evitar que a extração do ouro se alastrasse.

[Transcrição]

Para o Noroeste 4 [léguas] do norte da vila do Rio das Contas verá V.Ex.a uma
serra assinalada, a que chamam do paramerim, que é aonde se tira, ou esta as
minas da prata, segundo a melhor informação, que tirei de várias pessoas, e
do M.e de Campo Pedro Leolino Mariz que só este pode falar no particular de
dar informação, pois a estimativa é grande, e dela faço tanto conceito, como
se fora observação minha. Para Leste da igreja do Bom Jesus antes do rio das
Contas verá V.Ex.a um sinal da forma seguinte que é um descobrimento novo,
que anda toda a gente do d.o arraial nele, e me dizem que com m.ta conta, e
segundo a informação, que da dta. paragem tirei, não pode haver erro de
consideração do vivo ao pintado.

DHBN. Correspondência dos Governadores. 1705-1711. Vol. XLI, Rio de Janeiro. Typografia Baptista de Souza,
1938, p. 123.
117
DHBN. Correspondência dos Governadores. 1705-1711. Vol. XLI. Rio de Janeiro. Typografia Baptista de
Souza, 1938, p. 232-233.
118
É possível que essa ordem decorresse do conflito das terras que envolvia os mineiros e D. Joana Guedes de
Brito. Cf. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Correspondência dos Governadores Gerais (1705-1711).
Vol. XLI. Rio de Janeiro. Typografia Baptista de Souza, 1938, p. 285.
68

Figura 3: Sinal indicando novos descobrimento incluso na “Derrota das Minas de Jacobina para as do Rio das Contas” de Joaquim
Quaresma Delgado, 1731

Fonte: IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito,
fls.128.
69

A demarcação dos novos descobrimentos servia como uma espécie de mapa das minas
para os homens que se aventuravam em expedições pelo sertão. No documento de 1731
mostrado acima, Quaresma Delgado reproduziu o sinal que era usado pelos mineiros para
demarcar os novos descobrimentos. Certamente esse e outros sinais eram conhecidos em vários
lugares do sertão “[...] verá V. Ex.ª hum sinal da forma seguinte que é um descobrimento novo,
que anda toda a gente do dito arraial nele, e me dizem que com muita conta, e segundo a
informação, que da dita paragem tirei, não pode haver erro de consideração do vivo ao
pintado.”119
As primeiras notícias sobre os ribeiros de ouro no sertão da Jacobina chegaram ao
conhecimento das autoridades em princípios do ano de 1701. Entretanto, relatos sobre os
descobrimentos e andanças feitos por Belquior Dias Moreia, quase cem anos antes, já eram
conhecidos tanto pela coroa, quanto pelos governadores gerais. O sertanista e coronel Pedro
Barbosa Leal no ano de 1725 não deixou de registrar que durante o governo de Roque da Costa
Barreto, D. Rodrigo de Castelo Branco havia sido enviado pelo rei para verificar minas entre
Itabaiana e Sergipe D’El-Rei, refazendo o roteiro das minas de prata pretensamente encontradas
por Belquior Dias Moreia. Impossibilitado de seguir nesse empreendimento, enviou seu
cunhado, o tenente Jorge Soares de Macedo e João Peixoto Viegas. Entretanto, daquela
expedição não surtiu nenhum efeito, posto que não conseguiram encontrar as famosas minas.120
D. João de Lencastre, ao tempo do seu governo, resolveu delegar ao coronel Pedro
Barbosa Leal para seguir pelo Rio Real e Itabaiana (em Sergipe D’El Rei), antigos roteiros de
Belquior Dias Moreia, para certificar-se da existência de prata naquelas região. Antes de partir
para sua viagem tomou informações com João Alves Coutinho que havia vivido anos nas índias
de Espanha e lhe assegurou que já tinha passado por Itabaiana e lá não havia prata alguma, pois
aquele metal só dava a pelo menos 40 léguas de distância do mar. Entrando no sertão ele passou
pelas serras do Picarassa (atual Monte Santo), mas depois de instruir-se sobre o melhor caminho
com um antigo morador do sertão de nome João Calhelha, seguiu para a Jacobina nas
imediações do rio Salitre, onde estabeleceu em 1697 a fábrica de salitre. De Jacobina, as
primeiras notícias de achado de ouro foram enviadas, em 1701 pelo capitão Antônio Alvres da
Silva, que era morador na sua fazenda em Pindabassú (atual Pindobaçu) e descobrindo nove

119
IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo
do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, fls.128.
120
Em 22 de novembro de 1725 o coronel Pedro Barbosa Leal escreveu uma longa carta para o vice-rei Vasco
Fernandes César de Menezes na qual relatou os princípios dos descobrimentos de minas no sertão baiano desde as
entradas de Gabriel Soares de Souza até suas incursões no sertão das Jacobinas na década de 1720. Neste relato
ele recupera a memória de mais de cem anos de tentativas de descobrimento de minas. A quantidade de
informações e minúcias trazidas nesse documento serão apresentadas no capítulo VI desta tese.
70

ribeiros de ouro, “se adiantou em socavar aquele ribeiro do Pindoboassú e outros mais e
achando-lhe ouro deu parte ao excelentíssimo Senhor D. João de Lencastre.”121
Quando soube das notícias das minas, D. João de Lencastre escreveu em carta para o
coronel Pedro Barbosa Leal, dizendo-lhes que “se as minas forem de rendimento havemos de
ir lhe dar forma conveniente para melhor arrecadação dos quintos reais.”122 Esse trecho
demonstra o interesse do governador D. João de Lencastre para certificar-se do potencial dos
achados minerais. Logo em seguida foram enviadas ordens para João Pereira Pimentel, Damião
Cosme de Farias e Manoel do Rego Pereira seguirem de verificação das ditas minas. Estes três
indivíduos continuaram na exploração dos ribeiros em Pindoboassú e encontraram ouro e cobre,
enviaram em seguida as amostras pelo coronel Barbosa Leal que naquela ocasião, estava
incumbido de administrar a fábrica de salitre. Estas informações indicam a participação de
Pedro Barbosa Leal nos negócios dos descobrimentos desde as primeiras notícias das minas de
Jacobina, conforme será melhor explorado no capítulo VI. A carta de D. João de Lencastre
fornece bons indícios sobre o fato do sertanista, com sua experiência e conhecimento daqueles
sertões, ter sido designado 20 anos depois para dar forma à arrecadação dos quintos e
distribuição das datas nas minas de Jacobina.
Em 1711, apenas dez anos após os descobrimentos, o Conselho Ultramarino requisitou
que o provedor-mor da Fazenda Real emitisse um parecer sobre a viabilidade de franquear as
minas da Jacobina. O provedor emitiu suas considerações fundamentando-se nas condições
efetivas de arrecadação de proventos para a Fazenda Real. Antes de mais nada, o provedor-mor,
acompanhado pelos ministros do Conselho Ultramarino, corroborava com a opinião corrente
entre os senhores de engenho e plantadores de cana e tabaco que tentavam assegurar a
reprodução econômica de suas plantations. Em outras palavras, o oficial régio via como
prejudicial a concorrência que as minas faziam ao atrair grande contingente de mão de obra.
Naquelas circunstâncias, as alegações para manterem as minas fechadas giravam em
torno de quatro principais argumentos: a inviabilidade de conseguir mão de obra escrava sem
que os engenhos e fazendas de cana fossem afetados; o fato das ‘novas minas’, que é como se
referiam às minas de Jacobina, ficarem muito próximas do litoral, se comparadas com as antigas
(estavam referindo-se às minas de São Paulo), o que poderia acarretar o despovoamento das
fazendas com gravíssimos danos à Fazenda Real; na visão dos conselheiros, as minas eram
acessíveis por causa da facilidade dos caminhos, o que despertaria a cobiça de nações
estrangeiras; além disso, naquelas circunstâncias considerava-se que os principais ganhos da

121
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, p. 58
122
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, p. 58v
71

coroa advinham dos gêneros de açúcar e tabaco, muito mais do que das minas, que deixavam
para Sua Majestade a pouca quantidade de arrecadação, uma vez que as minas não tinham
significativos rendimentos, ou mesmo que a má administração delas, não permitia que os parcos
quintos, até então registrados na Casa da Moeda da Bahia, justificassem a abertura da
mineração. 123
Em 16 de julho de 1711, após receber a informação do provedor-mor, o rei enviou
outra provisão para o governador-geral Pedro de Vasconcelos, solicitando relatos mais precisos
sobre a conveniência de exploração das minas. D. João V estava ciente do crescente
povoamento no entorno de Jacobina, das prisões que se mandou fazer aos maiores exploradores
dela e apontou, revelando certa preocupação, que parecia impossível evitar as continuadas
investidas que se afiguravam naqueles descobrimentos. Dessa forma, o rei solicitou que o
governador ouvisse “em junta ou pelo modo que vos parecer, os oficiais da câmara e as mais
pessoas prudentes e da governança”124 para tudo lhes dar conta, e enquanto isso, mantivesse o
impedimento de explorarem as ditas minas.
O governador D. Pedro de Vasconcelos remeteu a provisão régia para que o senado da
câmara da cidade da Bahia se pronunciasse. Em 18 de junho de 1712, o senado replicou não ser
conveniente a continuidade dos ditos descobrimentos, pois seria a total ruína dessa capitania. A
câmara e o governador mostraram-se de acordo e Pedro de Vasconcelos informou que
atendendo às circunstâncias do presente e tendo em vista a insuficiente infantaria da praça da
cidade da Bahia, além de “haver dela as ditas minas oitenta léguas de distância, com vários
caminhos, que lhe facilitam as entradas, os quais muito dificultosamente se poderão evitar:
entendo que ainda que as ditas minas fossem de grande rendimento, só convém ao serviço de
V. Majestade, que por hora se não bula nelas.”125
A câmara de Salvador além de não apoiar a abertura das minas baianas, ainda arranjara
alguma forma de tirar partido da situação. Em julho de 1715 os oficiais da câmara receberam
uma carta de agradecimento do rei D. João V por terem instituído a cobrança das dízimas e
direitos dos escravos que saíam dos portos de Salvador para as minas, por tal iniciativa, dizia o
rei, que os oficiais por este serviço eram merecedores de honra e assegurou que:
[...] e pareceu-me dizer-vos que nesta consideração lhe mando agradecer o
zelo, pronta obediência e boa vontade com que se houveram na aceitação da
dízima, e direito dos escravos que vão para as minas, como deles se esperava

123
AHU, Bahia, Avulsos, Cx.7, Doc. 544.
124
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 8, Doc. 664.
125
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 8, Doc. 664.
72

por fiéis e honrados vassalos cujo serviço fica na minha real lembrança para
atender muito as que tocar em benefício comum desses moradores.126

Naquele momento, ainda não se sabia ao certo sobre as potencialidades de exploração


dos veios auríferos de Jacobina. O movimento inicial, consistiu na cata de ouro efetuados nos
ribeiros próximos aos sítios onde viviam os moradores com suas roças e criação de gado. Ou
então, o que parecia ser bastante plausível, era a dificuldade da Coroa para administrar as minas
da Bahia, no momento mesmo em que paulistas e emboabas disputavam a ferro e fogo a
proeminência na exploração das minas de São Paulo. Além disso as notícias de desgoverno e
violências que recorrentemente chegavam ao conhecimento do rei e dos seus conselheiros fazia
com que a Coroa hesitasse em abrir mais uma frente de mineração. A expectativa de
franqueamento das minas gerou insurgências e descontrole nas duas primeiras décadas do
século XVIII, ao que a Coroa respondia, com ordens régias e tentativas de punição daqueles
que estavam minerando.
Um das atitudes drásticas que o Conde de Vimeiro tomou foi expedir um bando para
a companhia de ordenança de Jacobina que era formada pelo capitão-mor Antônio Pinheiro da
Rocha, pelo capitão da ordenança Francisco de Brito Vieira e o de cavalos Domingos Pereira
Maciel, para que os três atuassem juntos “proibindo a todos os lavradores de mantimentos que
há na mesma Jacobina, não vendam, nem deem nenhuns aos ditos minerantes, para que a falta
deles, os faça largar os lugares, em que estiverem minerando, e retirar-se”127 caso isso não fosse
obedecido os mesmos deveriam ser presos e enviados à cidade da Bahia.
Essas iniciativas na verdade foram pontuais e não resultaram em uma solução
satisfatória para instalar ordem nos recentes distritos minerais, se é que isso seria possível.
Naquele período o que mais preocupava as autoridades era o surto de violência que grassavam
nas minas. A ausência de indivíduos com autoridade delegada pelo vice-rei e reconhecida pelos
mineiros, agravava o quadro de instabilidade da região. Se fazia necessário enviar
representantes da administração da capitania que promovesse a organização e distribuição das
datas nos locais onde se extraia ouro. Resultava disso que qualquer desentendimento, podia
acabar em mortes e emboscadas.
Na visão da administração central, era urgente que a vila fosse instalada, “porque era
imprescindível cuidar-se das minas e do imposto dos quintos, que trariam resultados imediatos
em pecúnia.”128 Adriana Romeiro analisou as dificuldades que a coroa enfrentava e os

126
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia: Ano 1715-1719.
Cota – VI–III-1-1-10. Doc. 40. F. 30-30v.
127
DHBN. Portarias (1718-1719). Vol. XLV, Rio de Janeiro, Typ. Baptista de Souza, 1942, p. 270.
128
“Carta régia de 10 de outubro de 1721.” Apud COSTA, Afonso. 1951, op. cit., p. 270.
73

insucessos transcorridos, quando nomeou funcionários régios para prover a administração das
Minas Gerais. Foi o que aconteceu em 1702 quando o desembargador e superintendente José
Vaz Pinto foi expulso das minas, depois de uma série de atritos com paulistas. Este episódio, e
alguns outros, revelam “a grande dificuldade em enfraquecer os poderes privados locais e, mais
que isso, a venalidade que contaminava os ministros designados pelo rei.”129 Os magistrados
não tinham a força necessária para coagir os moradores, além disso, não foi incomum esses
funcionários se beneficiarem dos descaminhos do ouro. Importa muito avaliar até que ponto,
naquelas circunstâncias, o movimento desencadeado nas minas de São Paulo, tanto quanto os
constantes conflitos entre paulistas e emboabas, levantaram dúvidas na coroa quanto às
condições reais de proceder à abertura das minas baianas em Jacobina e Rio de Contas.
Por carta enviada para o vice-rei, Marquês de Angeja, em 17 de agosto de 1717, S.
Majestade diz: “que sou informado que a terra de Jacobina que dista dessa cidade setenta léguas
pelo sertão dentro é povoada há muitos anos de moradores com muitos currais de éguas e
gados.”130 A carta informava que na Jacobina havia aldeias de índios administradas pelos
missionários franciscanos, com vigaria que se estendia até a barra do Rio de São Francisco,
sendo composta por 1.500 fogos. A coroa também estava ciente de que naquelas partes,
encontravam-se minas de bom ouro e cristais brancos que riscam, o que despertou a sanha de
muitos paulistas que para lá tinham descido. O monarca ainda advertia o vice-rei sobre os
benefícios e conveniências de se fundar vilas no interior, tal qual havia recentemente ocorrido
no Recôncavo, onde se erigiram as vilas de Sergipe do Conde, da Cachoeira e Jagoaripe, “E
também na capitania de Sergipe D’El-Rei com a fundação das vilas de Santa Luzia, Santo
Amaro das Brotas e do Lagarto, mostrando a experiência seguir-se da sua criação grande
utilidade.”131 Portanto, interessava à Coroa ouvir de forma imediata a opinião do vice-rei, o
Marquês de Angeja, sobre a viabilidade de se constituir uma ou duas vilas com magistrados
naquele sertão para melhor administrar a justiça e a vida civil.
Em abril de 1718, a carta-resposta do Marquês de Angeja já inicia com uma queixa
sobre a postura de descaso ou “pouca conta” – nas palavras do vice-rei - dos ministros do
Conselho Ultramarino, no que dizia respeito às suas representações e a dos seus antecessores
sobre as minas de ouro da Jacobina. O vice-rei foi enfático ao dizer que desde o tempo do

129
ROMEIRO, Adriana. “A Guerra dos emboabas: novas abordagens e interpretações.” In: RESENDE, M. E. L.
de. VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte:
Autêntica; Companhia do Tempo. 2007. p. 537.
130
Carta de S. Majestade D. João V para o Marquês de Angeja. In: ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva.
Memórias históricas e políticas da Bahia. Anotado por Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial, v. 2, 1925.
p. 352.
131
Ibid., p. 352.
74

governador D. João de Lencastre, circulavam informações sobre as potencialidades das minas


da Jacobina e a exploração que lá estava em curso. Nesta ocasião ele teria, inclusive, remetido
ao rei “dois grãos de ouro que se tirarão na mesma Jacobina que por serem os maiores que
tinham vindo à Casa da Moeda os computei por conta da Real Fazenda.”132 Na mesma ocasião,
reiterou que deu “larga conta do que tocava a mesma Jacobina e importância daquele sítio e em
uma carta que falava das cousas de Sergipe D’El-Rei e do ouvidor geral daquela capitania.”133
A opinião do Marquês era favorável à criação da vila no sítio das minas. Pelas
informações constantes nessas correspondências, percebe-se que quase 20 anos após os
primeiros registros de achados de ouro, tornava-se inadiável instituir uma câmara e um governo
civil nos sertões. Essa inclusive foi uma reivindicação dos moradores de Jacobina, segundo
pode-se ler em uma carta régia na qual D. João V concede aos moradores a mercê de mudar o
sitio onde tinha ocorrido a primeira edificação da vila.134
Entre os anos de 1712 e 1719, não encontramos mais documentos no Conselho
Ultramarino que façam referências à questão da proibição das minas. A situação, no entanto,
não havia sido colocada sob controle. A proporção de pessoas que chegavam a Jacobina só
tendia a aumentar, assim como os conflitos e violências que começaram a ser noticiados na
cidade da Bahia. A Coroa e o governador faziam o que podiam, mas de pouco adiantavam os
bandos e editais que avisavam sobre a proibição de se extrair ouro, o que colocava em xeque as
tentativas para resolver os conflitos de interesses que apareciam entre os agentes locais, os
oficiais régios e os moradores do sertão.
Em 10 de agosto de 1719, o governador geral D. Sancho de Faro e Souza, Conde de
Vimeiro, escreveu longa missiva ao monarca, retomando as questões políticas acerca das minas.
Ele insistiu para que a Coroa aceitasse receber o quinto que os moradores das minas queriam
pagar, “por que neste distrito se acham dois para três mil homens de pouca vergonha, e de
grande ambição e de tão pouca obediência que se lançam os bandos e se não observam mais
que aquela hora em que se publicam.”135 Não havia exageros nas tintas do governador, vide o
fato de que antes da criação da vila foram registrados 532 crimes por armas de fogo. 136 Naquele
ínterim, o governador recebeu por um capitão de cavalos uma representação dos moradores da
freguesia de Jacobina, que se deslocou do sertão até a cidade da Bahia, especialmente para tratar
da situação das minas. De acordo com a descrição do governador D. Sancho de Faro e Souza,

132
Ibid., p. 352.
133
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., vol. 2, p. 352.
134
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 21, Doc. 1935.
135
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 12, Doc. 1038.
136
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 20, Doc. 1834.
75

era urgente que se providenciasse a cobrança dos quintos, para tentar remediar a situação de
desgoverno que se instalara com a chegada de mais pessoas à região.

Este homem me figura o mesmo que já me haviam dito outros, que as minas
são inevitáveis porque se os moradores da freguesia se sujeitam os mais que
são volantes, foragidos e diversas castas de gente que de nenhuma maneira
que V. M. se fazem domáveis; e nesta impossibilidade, não sei que haja
resolução para que S. M. perca o quinto que lhe toca, pois em senão cobrar
nada se remedeia.137

Nas duas décadas que antecederam a abertura das minas ocorrida em 05 de agosto de
1720, o processo de exploração aurífero já estava em curso. Significativo número de mineiros
então faiscavam nos leitos dos rios Itapicuru, Ribeiro das Figuras, Ribeiro do Ouro Fino,
Ribeiro das Almas e Rio de Contas. O indulto autorizou os moradores da Jacobina a extrair
ouro foi expedido logo no início do governo de Vasco Fernandes César de Menezes, 138 que
permaneceu no cargo de vice-rei do Estado do Brasil durante 15 anos. Ao chegar à Bahia, Vasco
Fernandes tinha urgência em fazer o reconhecimento do território, estabelecer um controle da
mineração na capitania e fundar vilas. Sua atitude resoluta contrasta com o tratamento anterior
que o governo geral havia dado à situação das minas, mas se aproxima do tipo de interesse que
D. João de Lencastre tinha nos negócios do sertão em fins do século XVII.
Conforme foi demonstrado, as provisões do governo da Bahia subsidiaram expedições
de reconhecimento dos caminhos para as minas. Da mesma forma, as ordens régias definiram
os limites de doações de sesmarias e a liberalidade de D. João V concedeu indulto de abertura
da mineração em Jacobina. Entretanto, as rápidas transformações que ocorreram nos distritos
minerais de Jacobina tiveram impactos na forma como o sistema de ocupação da terra estava

137
AHU, Bahia. Avulso. Cx. 12, Doc. 1038
138
Vasco Fernandes César de Menezes, I conde de Sabugosa, nasceu em 16 de outubro de 1673, foi o filho
primogênito de Luiz César de Menezes e de D. Mariana de Lencastre. Vasco Fernandes serviu como vice-rei e
capitão general do Estado da Índia entre 1712-1717, após retornar para o reino, foi provido para exercer o mesmo
posto no Estado do Brasil (1720-1735). Por mercê de El Rei D. João V recebeu o título de Conde por carta passada
a 19 de setembro de 1729. Cf. SOUZA, D. Antonio Caetano de. História genealógica da casa Real Portugueza.
Tomo IX, Regia officina Sylviana, e da Academia Real. Lisboa. 1742. p.76-79. Nuno Gonçalo Monteiro
demonstrou que após o fim da guerra de Restauração (1640-1668) a aristocracia da dinastia de Bragança viveu até
as últimas décadas do século XVIII um longo período de estabilidade e coesão no que se refere as principais casas
titulares. No início do reinado de D. Pedro II as vias de elevação à primeira nobreza do reino foram mais estreitas.
Seu estudo sobre a elite titular o levou a concluir que “uma das raras vias de acesso à Grandeza era os vice-reinados
na Índia ou no Brasil, pois na fase mais restritiva (1671-1760), cerca de metade dos títulos foram criados em
remuneração daqueles serviços.” Dessa forma, Vasco Fernandes pode elevar sua casa à primeira grandeza do reino
tendo prestado anos de serviços à monarquia. Nesta tese, a referência a ele com o título de ‘Conde de Sabugosa’,
será usada somente quando estivermos tratando de acontecimentos posteriores a 1729, estando em consonância
assim com o período a partir do qual ele começou a assinar os documentos com essa titulação. Cf. MONTEIRO,
Nuno G. F. Elites e poder: entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Coleção Análise Social. Lisboa, 2003. p. 86-
89
76

organizado. As evidências dessas transformações podem ser verificadas através da petição dos
moradores das minas da Jacobina encaminhadas a D. João V em 1730.139 Com a dita
representação, os moradores desejavam a intervenção da coroa para deixarem de pagar rendas
à sesmeira D. Joana Guedes de Brito, pelas terras nas quais décadas antes eles haviam ocupado
como sitiantes e roceiros. Esta representação apoiava-se na legitimidade da fundação da vila,
no pagamento dos quintos régios e na força corporativista que emergiu com a criação da câmara
de vereadores.

1.5 Moradores versus sesmeiros nas terras da Jacobina

O historiador Erivaldo Fagundes Neves em seu trabalho sobre estrutura fundiária no


Alto Sertão da Bahia, dedicou-se a sumariar os modelos interpretativos da história agrária no
Brasil, assim como a evolução do direito agrário feudal na Península Ibérica e a transposição
desse arcabouço jurídico para os territórios do além-mar. Neves colocou em perspectiva
histórica as diversas legislações e arranjos régios que alteraram os expedientes do uso e da
propriedade da terra no período colonial.
Sua ênfase sobre a história da ocupação das terras do Alto Sertão da Bahia no século
XVIII e XIX nos ajuda a compreender, mesmo que em parte, a disputa por terras no sertão das
Jacobinas, entre o rio Jacuípe e o Itapicuru, pois essa área foi uma das que foram doadas em
sesmarias para os Guedes de Brito. Conforme afirmou Erivaldo Neves, a mineração foi um dos
fatores responsáveis pela atração de considerável contingente populacional para o interior e tal
dinâmica gerou maior “demanda por terras”, o que teria levado a coroa a limitar as dimensões
de doações de sesmarias. Em suas palavras:

A mineração atraiu considerável contingente populacional para o interior da


colônia, com ampliação, de modo significativo, da demanda por terras, o que
induziu novamente o governo metropolitano a limitar as dimensões de
sesmarias.140

Dessa forma, pela carta régia de 27 de dezembro de 1695, as áreas de concessões


estariam limitadas a no máximo quatro léguas de comprimento por uma de largura, o que
comparado às extensões de terras doadas no litoral, era uma área considerável. Dois anos depois
em 1697, as doações estariam restritas a somente três léguas de comprimento por uma de

139
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 54, doc. 4723.
140
NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura fundiária e dinâmica mercantil. Alto sertão da Bahia, séculos XVIII e
XIX. Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS. 2005. p. 90
77

largura. Em 20 de janeiro de 1699 outra provisão teria excepcionalmente mantido sesmarias de


muitas léguas, caso as mesmas estivessem sendo aproveitadas para cultivos pelos sesmeiros
originais ou por seus arrendatários. Erivaldo Neves afirma que, ainda de acordo com a provisão
régia de 1699, é possível depreender que denunciantes de sesmarias incultas poderiam gozar de
transferência “breve e sumária” das áreas sem cultivos, com a ressalva de que os sítios não
poderiam exceder as três léguas de comprimento e uma de largo ou “légua e meia em quadro”.
Teria sido essa provisão, segundo Erivaldo Neves, que permitiu a manutenção das terras de
Guedes de Brito ao longo de gerações, mas também a brecha que facilitou aos mineradores de
Jacobina fazerem o mesmo nas cabeceiras do Itapicuru, já no domínio da neta Joana da Silva
Guedes de Brito.”141
Analisando a quantidade de sesmarias concedidas no interior durante as primeiras
décadas do século XVIII, percebemos para o caso de Jacobina e, certamente, para as áreas mais
cobiçadas do sertão baiano, que a relação entre a descoberta e exploração sistemática de ouro e
o aumento dos pedidos de terras precisam ser vistos com mais cautela. Curiosamente, vejamos
os dados que Márcio Roberto dos Santos encontrou para doações de sesmarias nas últimas
décadas do século XVII e início do século XVIII. Entre os anos de 1640 e 1689, ao todo 77
doações foram efetivadas. Na última década do século XVII, entre 1690 e 1699, período em
que se iniciaram as expedições de sertanistas em busca de riquezas minerais e que pode ser
considerado como de transição, ocorreram 26 doações. Entre os anos de 1700 e 1709 (7), 1710
e 1719 (0), 1720 e 1729 (1), 1730 e 1739 (6), 1740 e 1750 (1), portanto, na primeira metade do
século XVIII e no período de maior vultuosidade para a exploração do ouro, somente 15
sesmarias foram doadas no sertão da Bahia.142 Dessa forma, esses números indicam um forte
declínio na concessão de sesmarias no sertão mediante a conjuntura da mineração. Além disso,
a exploração do ouro não estava atrelada ao tipo de empreendimento agrícola que justificasse
um pedido ou mesmo concessão de uma sesmaria com várias léguas de extensão.
A dinâmica de exploração mineral obedece a outra lógica de uso dos recursos do
território, quais sejam, o esgotamento da capacidade de extração aurífera de uma área que, logo
em seguida, será abandonada em busca de outra. Essa, sem dúvida, não era a lógica obedecida
pelos solicitantes de sesmarias, muito pelo contrário, pode-se perceber que mesmo se tratando
de pequenos sesmeiros, estes desejavam muito mais edificar uma fazenda ou um sítio com
produção rentável e estabelecer-se com roças e criações de gado. Portanto deve-se rever essa
ideia acerca da qual a descoberta do ouro no sertão atraiu mais pedidos de terras, até por que,

141
NEVES, 2005, op. cit., p. 90-91.
142
SANTOS, 2010, op. cit., p. 208.
78

diante da exagerada distribuição que ocorreu no século XVII, como havia sido observado pelo
procurador da coroa, muito dificilmente ainda houvesse terras disponíveis para novas
concessões.
Nas primeiras décadas do século XVII, a doação de sesmarias funcionou como um
reconhecimento oficial da coroa que premiava a nobreza da terra por serviços prestados,
significando mais uma clara demonstração de influência e prestígio desses homens junto a coroa
e ao governo da capitania, do que a efetiva capacidade daquelas elites em ocupá-las. Mesmo
que algumas dessas doações não tivessem sido confirmadas pela monarquia, ou mesmo que as
terras tivessem sido requeridas somente por se tratar de uma fronteira aberta, sabia-se da
impossibilidade de efetivamente povoar as terras como mandava o regimento sesmarial, por
isso muitos sesmeiros trataram de arrendar sítios e fazendas ou investir na formação de currais.
Esse foi o caso das terras dos Ávilas, mas também dos Guedes de Brito. Vejamos sucintamente
a genealogia familiar deste último.
Em 21 de abril de 1609, Antônio Guedes recebeu terras com dimensão de seis léguas
nas cabeceiras do Rio Real. A carta de sesmarias indicava que a doação situava-se entre “as
nascenças do Rio Real e Rio Pragoay no sertão e limites do caminho por onde passou
Christovão de Barros, indo à guerra do gentio de Sergipe nos limites acima e campos de
Jabebiry seis léguas de terras a saber.”143 A referência para essa doação eram as terras de
Belchior Dias Moreia, tanto ao norte, na extensão de três léguas, até o rio Paraguay, quanto ao
sul, por onde se estendiam outras dez léguas, em direção ao Rio Real até a divisa da capitania
da Bahia com Sergipe D’El-Rei. Desnecessário dizer o quão imprecisos eram esses limites,
situação que não favorecia as demarcações de terras. Em 21 de junho de 1609, Guedes de Brito
ampliou suas sesmarias, recebendo mais de 10 léguas entre o Rio Inhambupe e Itapicuru.
Depois, em data não especificada, ele conseguiu mais 8 léguas de terras “no sobejo das dadas
a Francisco Roiz Godinho entre os Rios Sergipe e de São Francisco.”144 Em 1612, ele recebeu
uma sesmaria de 5 léguas de terras no rio Itapicuru-mirim nas cabeceiras das terras de Afonso
da França e de seu genro Domingos Barbosa, e depois, no mês seguinte, confirmou-se mais
outra doação de 10 léguas no rio Paraguy.145 Antônio Guedes de Brito, filho único e legítimo
de Antônio de Brito Correia146 e de Maria Guedes, nasceu na Bahia em 13 de fevereiro de 1627

143
FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brasil. Edição fac-similar. Salvador: secretaria da cultura e
Turismo, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1998. p. 28
144
Synopsis das sismarias registradas nos livros existentes no Archivo da Thesouraria de fazenda da Bahia.
Publicações do Archivo Nacional. João Alcides Bezerra Cavalcante (dir.). Rio de Janeiro, Officinas Graphicas do
Archivo Nacional. 1931, Vol. XXVII, p. 38.
145
Synopsis das sismarias... Vol. XXVII, p. 40.
146
Filho de Belchior Maciel Aranha e de Isabel de Brito
79

e foi nomeado o primeiro possuidor do morgado, constituído em verba testamentária pelo seus
pais. Sua família está entre os primeiros moradores da capitania a correr os sertões da Bahia,
‘pacificando’, leia-se, combatendo índios e abrindo estradas. Antônio Guedes de Brito contraiu
núpcias com a viúva Guiomar Ximenes de Aragão, filha de Mateus Lopes Franco e de Leonor
Ximenes de Aragão. Com esta não teve filhos mas com Serafina de Sousa, filha de Manuel de
Sousa Dormudo e de Maria Correia, teve uma filha, Isabel Maria de Guedes de Brito, após
legitimada passou a ser sua herdeira universal.
O vice-rei Conde de Óbidos nomeou em 1667, Guedes de Brito como capitão da
Companhia de infantaria no terço do mestre de campo Nicolau Aranha Pacheco, vago com a
ausência de D. Martinho de Mascarenhas.147 Ao ser provido a carta patente enumera o valor,
prática e disciplina militar, tendo ele servido por 23 anos como capitão de companhia de
ordenança. No mesmo ano em 10 de outubro de 1667, ele foi nomeado sargento-mor do terço
do mestre de campo Álvaro de Azevedo. A 31 de janeiro de 1671, passou a ser mestre de campo
do terço de Luiz Freire de Souza. Em 1675, com a morte do governador Afonso Furtado, fez
parte da junta do governo geral.148
Além das patentes, Guedes de Brito herdou o ofício de tabelião, pertencente a seu pai
e avô. Sua família era proprietária de muitas léguas de terras entre os rios Jacuípe e Itapicuru.
Tal qual os homens nobres de seu tempo, Guedes de Brito tinha forte vocação militar e serviu
em diversas ocasiões na defesa da terra, inclusive contra invasões externas, como foi o caso da
holandesa. Sua folha corrida incluía empréstimos de dinheiro para o socorro da capitania de
Pernambuco, a serviço das tropas em defesa das capitanias do norte ofereceu sustento às forças
baianas através dos seus currais. Sua participação também se fez presente na guerra contra os
nativos no sertão da Bahia.
Além da prestação de serviços militares, ele dispunha de seus gados, farinhas, escravos
e cabedais para combater índios e mocambos, requisitos básicos no alargamento das fronteiras
das conquistas e instrumentos imprescindíveis para os pedidos de mercês, patentes militares e
terras. Portanto, ao mesmo tempo que requisitava sesmarias e as recebia em doação ou por
compra, Guedes de Brito aumentava sua capacidade de auxiliar o Estado do Brasil e disso
também se beneficiava como integrante da nobreza da terra.

147
COSTA, Afonso. “Guedes de Brito, o povoador.” Anais do Arquivo público do Estado da Bahia. Vol. XXXII,
Bahia 1952, p. 319-320.
148
Para a trajetória política e familiar dos Guedes de Brito desde o século XVII na elite política baiana ver
KRAUSE, op. cit., p.124-130.
80

Os seus investimentos no sertão concentravam-se em criação de gado e na formação


de aldeamentos, como o dos paiaiases, próximo ao Saí, local que sediou a primeira instalação
da vila de Jacobina. Sua filha Isabel casou-se com o coronel Antônio da Silva Pimentel,
importante sesmeiro do sertão, falecido em 1706. A casa dos Guedes de Brito possuía terras
entre os rios Itapicurú, Salitre e São Francisco chegando até a fronteira com as Minas Gerais,
suas terras eram limítrofes com as imensas sesmarias dos Garcia D’Ávila.
No tocante à região entre o rio Jacuípe e Itapicuru, Antônio de Brito Correia e seu filho
Antônio Guedes de Brito, em 26 de outubro de 1652, recebeu entre Tayasú e Caguagoé todas
as terras e demais serras que para qualquer rumo correr. Por outra doação, em 2 de março de
1655, recebeu terras com 6 léguas de comprimento e largura. A carta de concessão indica que
entre os rios Jacuípe e Itapicurú até suas nascentes, esses signatários tinham “toda a terra que
se achar, com todos os sacos, enseadas, voltas, recantos, águas, matos, e salinas” na banda norte
do mesmo rio, nas cabeceiras do Caguagué, indo pela Varge do Tiuiu a sesmaria abarcava mais
seis léguas de largo e comprimento, indo pelo Itapicuru acima até sua nascente.149
Em 22 de agosto de 1663, juntamente com Bernardo Vieira Ravasco – na época
secretário de governo do Estado do Brasil – recebeu mais terras nas nascenças do rio Itapicuru
até o rio de São Francisco, “e por ele acima tantas léguas quantas há da própria nascença do
Paraguaçu, e dela a do Itapicuru, com todos os matos, pastos e enseadas.”150 No documento de
doação, estava previsto reservar a cada aldeia uma légua de terras para suas lavouras, já que o
principal intento para se conceder as datas seria a conservação dos índios. Segundo observação
de Afonso Costa, teria sido precisamente nessas sesmarias que mais tarde seria erguida a vila
de Santo Antônio da Jacobina (1724), depois de ser transferida do sítio da Missão do Saí onde
se deu sua primeira instalação em 1722 (Capítulo III).
Na declaração de sesmarias feita por Antônio Guedes de Brito por ocasião da vinda do
desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio, ele declarou que possuía 111 léguas de terra,
havida por herança, compra e sesmarias. O historiador Erivaldo Neves notou que Antônio
Guedes de Brito, na declaração de sesmarias, não informou em sua totalidade as terras que
possuía, tendo omitido “os territórios dos sertões do Rio de Contas, rio Pardo e médio São
Francisco, até as nascentes dos rios das Velhas.”151 Essas fazendas se estendiam desde a

149
Antônio de Brito Correia e seu filho Antônio Guedes de Brito. Carta de 02 de março de 1655. FREIRE, op. cit.
p. 31
150
COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive minha cidade.” In: Anais do IV Congresso de História
Nacional. Departamento de imprensa nacional. Rio de Janeiro, vol. IX, 1951, p. 197.
151
NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade Sertaneja: Da sesmaria ao minifúndio. Um estudo de História
regional e local. 2ª. Edição revista e ampliada. Salvador – EDUFBA. Feira de Santana-UEFS editora. 2008, p. 67.
81

nascença do rio Itapicuru, nas imediações de Jacobina, até o Rio de Contas e Paramirim, onde
ficam as serras da Tromba e das Almas, assim como nas margens do rio São Francisco e dos
rios das Velhas, Pardo, Araçuaí e Doce, já na fronteira entre a Bahia e Minas Gerais.
Pode-se constatar que ao mesmo tempo em que o arrendamento significava uma
estratégia para a ocupação de vastas extensões, poderia se tornar, igualmente, um ponto de
conflito, quando não havia acordo sobre o pagamento de foros das terras ocupadas, ou mesmo
quando os arrendatários questionavam o direito dos sesmeiros. Assim, Guedes de Brito
declarava:
Acima destas fazendas do Itapicuru-mirim pedimos, meu pai e eu, ao conde
de Castel-Melhor, no Caguague ou Caguaguera, até a serra Tuiuiuba, uma
sesmaria com oito léguas de largo. E em 2 de março de 1665 pedi, na mesma
Caguague, junto ao Itapicurú e por ele acima até as suas nascenças, uma com
seis léguas de largo por haverem muitos matos, e serras, com que se não fazia
toda a distância habitável, e logo as povoei de meus próprios currais, e de
alguns deles me lançaram fora o Capitão Antônio Guedes de Paiva e outros
mais, de quem tenho dado força e que me tem confessado e corro atualmente
pleito com eles sobre a restituição das ditas terras.152

O sistema de arrendamento a pequenos proprietários foi uma condição imprescindível


para a ocupação dos territórios do sertão. Afonso Costa afirmou que: “A verdade é que Jacobina
veio dos currais, ou melhor dito, da criação de gado para o fornecimento da carne aos exércitos
e à população da cidade e do Recôncavo”153, Costa não deixa de ter razão, contudo, a sua
interpretação sobre o povoamento no sertão soa um tanto ufanista e está direcionada para
valorizar e imortalizar Antônio Guedes de Brito e João Peixoto Viegas como os grandes
obreiros da colonização.
Depois da fundação da Vila de Jacobina e da consequente instalação da câmara de
vereadores em 1722-24, uma nova correlação de forças configurou-se em Jacobina. A
propriedade de terra via doação de sesmarias não se mostrou propriamente como o único
determinante para a ocupação daquele vasto território, pois, como já foi dito, os sesmeiros por
si só não sustentavam a real e necessária ocupação dos sítios. É possível que nas primeiras
décadas do século XVIII, o ímpeto de reconhecer territórios e se apoderar deles via sistema de
sesmarias já tivesse perdido o fôlego, uma vez que o grosso desse território já havia sido
virtualmente apossado entre as décadas de 1670 e 1690, porém não povoado.

152
COSTA, Afonso. “Guedes de Brito, o povoador.” Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia. Vol. XXXII,
Bahia, 1952, p. 324. Nesse texto está inclusa a transcrição da carta de sesmarias de Guedes de Brito, com a
indicação equivocada de que a mesma foi doada em 1767.
153
COSTA, Afonso. op. cit., 1951, p. 199
82

Por outro lado, as poderosas famílias da nobreza baiana preferiam ocupar os postos da
política local na câmara da cidade de Salvador do que manter-se fazendo incursões nos sertões.
Esse foi mesmo o caso do mestre de campo Guedes de Brito. Ao que parece, o interesse no
controle das terras do sertão irá retornar com maior força quando ocorreu a descoberta das
minas de ouro. Nessas circunstâncias, coube aos roceiros e lavradores questionar o poder desses
sesmeiros sobre as terras de Jacobina, mostrando através do conflito, que seus poderes não eram
infinitos e inquestionáveis. Na década de 1720 esses moradores começaram a reivindicar a
legitimidade da ocupação daqueles sítios, alterando a compreensão que até aquele momento se
tinha sobre a lógica da ocupação e propriedade da terra.
A irrestrita distribuição de sesmarias que ocorreu no século XVII virou um problema
de múltiplas dimensões para a coroa, os sesmeiros e os moradores. O lugar de enunciação era
distinto para cada um: se, para a coroa, a distribuição de sesmarias no sertão durante o século
XVII cumpriu com a função de remunerar as elites senhoriais pelos serviços da conquista, no
XVIII, o poder central foi obrigado a reduzir ou quase extinguir as doações, com isso tentava
administrar os desequilíbrios existentes entre as enormes áreas concedidas a uns poucos,
regulando de maneira mais equitativa as dimensões das sesmarias após detectar a
impossibilidade dos sesmeiros de cultivá-las e povoá-las, ações que eram o maior objetivo do
sistema sesmarial.
Para os sesmeiros a questão era continuar sustentando a legitimidade dos seus direitos
de propriedade sobre as terras, com provas de que eram senhores imemoriais e por tabela,
obrigar os moradores a continuarem pagando as rendas relativas aos sítios ocupados. Ao que
parece, no caso das terras da Jacobina, eles conseguiram manter os arrendamentos até
as décadas de 1720, quando entraram em querela com os moradores que se recusavam a
continuar pagando as rendas. Naquele momento foi justamente o aparecimento do ouro e as
transformações que se deram com o início da mineração, que desestabilizou esses acordos. Para
os arrendatários, lavradores, roceiros e mineiros, que alegavam terem ocupado aquelas terras,
fizeram seus sítios e concordaram em pagar as rendas, a situação mudou não somente com o
ouro, mas também com a fundação da vila. A instalação de uma câmara de vereadores
'transforma-os', digamos assim, em súditos e não mais em simples arrendatários ou posseiros
do sertão.
José Vicente Serrão e Márcia Motta apontaram que a questão do domínio do território
era um importante paradigma para o Império português. Segundo os autores, “A terra e o
território tornam-se assim elementos centrais do processo de colonização, entendida aqui a
83

palavra tanto no sentido das dinâmicas políticas concebidas pelas autoridades de Lisboa, como
no sentido das dinâmicas de crescimento intrínsecas à própria colônia.”154
É fato que a soberania sobre o território era a parte que cabia à monarquia, dessa forma
se materializava a integração dos espaços ao conjunto do império, no que pese também a
implantação de um aparelho judicial e fiscal como as câmaras e comarcas. Entretanto no que
diz respeito a operacionalização dessa soberania, a forma mais imediata se dava a partir da
coadunação de interesses da esfera pública com a privada, ou seja concedendo a particulares o
acesso à terra.
Antes de adentrar nas especificidades das disputas envolvendo a coroa, os sesmeiros e
os moradores, gostaríamos de sublinhar, concordando com Serrão e Motta, a natureza
conflituosa presente na ocupação territorial na América Lusa. Para os autores, o conflito era
inerente às tessituras de integração do território, diante da convergência ou da divergência de
interesses dos múltiplos atores envolvidos. Em outra reflexão, Márcia Motta assegurou ser
possível perceber a dimensão do conflito transposto em boa parte dos discursos presentes nas
cartas de sesmarias. Esses documentos tinham a função de reificar como “mito de origem”, a
primazia da ocupação das terras. Essas cartas, conforme poderá ser visto no caso das terras de
Jacobina, poderiam ser usadas em situações de litígios como documentos que expressariam a
legitimidade da propriedade da terra, ou seja, como “marco zero” da ocupação.
Por último, quando ambos os litigantes constroem o marco zero de sua cadeia
sucessória tendo como base cartas de sesmarias, o jogo de poder entre ambos
é também o embate entre interpretações diversas sobre a ocupação originária
de seus ascendentes. Nos dois lados dos conflitos, é necessária a reconstrução
(no tempo) da ocupação territorial empreendida por aqueles identificados
como os primeiros ocupantes, sesmeiros originais da terra em litígio.155

A análise de Márcia Motta se aplica perfeitamente ao litígio ocorrido entre os


moradores de Jacobina e a sesmeira D. Joana Guedes de Brito, única herdeira da casa dos
Guedes de Brito, conforme veremos na reconstituição dos fatos.156 A petição feita por João Dias

154
MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente. “Terra, Território e Conflito no Brasil setecentista. Uma
Introdução.” In: MOTTA, Márcia; MACHADO, Marina (Org.); SERRÃO, José Vicente. (Org.) Em terras Lusas:
conflitos e fronteiras no Império Português. 1ª. ed. São Paulo: Horizonte, 2013. v. 1. 320p.
155
Ver texto MOTTA, Márcia. “Sesmarias e o mito da primeira ocupação.” Justiça & História (Impresso), Rio
Grande do Sul, v. 4, n.7, p. 01-17, 2004.
https://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_gau
cho/revista_justica_e_historia/issn_16765834/v4n7/doc/03_x20MxE1rciax20M_x20Menendesx20Mottax20for
matado.pdf Acessado em 26/10/2017. A versão digital do texto possui numeração de páginas diferentes da
impressa. Como consultei o texto na versão digital, optei por citar a paginação de acordo com o texto disponível
na internet.
156 A causa litigiosa entre os moradores de Jacobina e os herdeiros dos Guedes de Brito durou de 1729 até 1801
quando foi nomeado um juiz privativo para resolver a longa querela entre os demandantes. De todo modo as várias
etapas dessa disputa podem ser consultadas nos seguintes documentos: 1734, outubro, 15, Bahia. Carta do ouvidor
84

como representante dos lavradores e mineiros da vila da Jacobina e o processo que se seguiu
até as últimas instâncias do Tribunal da Relação da Bahia, é bastante emblemático para
discutirmos os valores e argumentos defendidos por sesmeiros e posseiros, no amplo campo de
disputas inerentes à história da ocupação da terra no Brasil. Por outro lado, avisamos ao leitor,
que nossa intenção é antes de mais nada perceber como o processo de disputa territorial
fomentou entre os moradores, apesar de uma e outra situação, a formação de um sentimento de
pertencimento ao corpo político da monarquia.
O conflito teve seu início em 1729, poucos anos após a edificação da câmara de
Jacobina (Capítulo II), quando os moradores fizeram uma petição ao senado da vila, solicitando
que os oficiais fizessem uma ação no sentido de impedir D. Joana Guedes de Brito de lhes fazer
as cobranças e execuções das rendas dos sítios nos quais eram moradores. A sesmeira havia
aberto um processo contra os moradores, por esses estarem se recusando a pagar as rendas.
Após encaminhar o dito requerimento à câmara, o senado da mesma reuniu-se e elaborou uma
petição contendo 21 itens, os quais expunham minuciosamente os vexames e excessos que o
povo da vila vinha sofrendo com os desmandos dos sesmeiros. Para isso elegeram a João Dias
como representante dos lavradores e mineiros da vila de Jacobina, para que ele estivesse à frente
do processo. Entre os anos de 1730 e 1736 os moradores deixaram de pagar as rendas, o que
suscitou por parte da sesmeira ações violentas de despejos e execuções das dívidas.
Pelo que pode-se perceber nos autos do processo, João Dias era um dos que estava
ainda lutando na justiça para não ser executado nas rendas que deveriam ter sido pagas aos
sesmeiros, acontece que mesmo antes do processo chegar ao seu fim, Manuel de Saldanha
enviou soldados à casa de João Dias os quais “violentamente lhe meteram as portas e janelas
dentro levando a casa do suplicante a escala com notável destroço e perdas sensível e

geral da comarca da Bahia, José dos Santos Varjão ao rei [D. João V] comunicando a posse de legitimidade das
terras das Minas da Vila de Santo Antônio da Jacobina. Anexo: 2 documentos. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 49, Doc.
4327; 1736, Março, 17, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V sobre o pedido de João Dias
e como procurador dos moradores e roceiros do continente das Minas da Vila de Santo Antônio da Jacobina para
que suspenda a execução que intenta Dona Joana da Silva Guedes de Brito numa causa de sesmarias. Anexo: 11
documentos. Avulsos, Bahia, Cx. 54, Doc. 4723; PARECER do Conselho Ultramarino sobre o requerimento de
Joana da Silva Guedes de Brito possuidora de umas terras na vila de Santo Antônio da Jacobina. Anexo: 10
documentos. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 54, Doc. 4721; Brasil – Baía. [ant. a 1799, janeiro, 30] Representação da
Câmara da Jacobina contra os vexames e violências praticados pelos procuradores de D. Francisca Joanna Josefa
da Câmara, viúva de Manuel de Saldanha da Gama Guedes de Brito, na cobrança de rendas das terras dadas de
sesmaria no sertão da Jacobina a Antônio Guedes de Brito, havia mais de 150 anos, n’uma extensão de 300 legoas,
e das quaes só cultivara 15 fazendas na margem do rio de s. Francisco, pretendendo Manuel de Saldanha e depois
sua mulher, receber rendas das restantes apesar de nunca terem cumprido, a seu respeito, as obrigações impostas
aos sesmeiros. AHU, Eduardo Castro e Almeida. Cx. 122, Doc. 24,117-24.123; Baía – Jacobina. 1800, agosto, 10.
Representação da Câmara da Jacobina contra as violências praticadas pelos procuradores de Manuel de Saldanha
casado com D. Joana Guedes de Brito, herdeiros de uma sesmarias concedidas a Antônio Guedes de Brito, em
terras situadas na comarca da jacobina e sobre as quais havia pendentes uma ação judicial. AHU, Eduardo Castro
e Almeida. Cx. 107. Doc. 20798-20801.
85

recolhendo se o suplicante a sua casa e vendo o irreparável destroço que se lhe tinha feito.”157
Indignado com a situação, João Dias retornou à vila e tentou revidar a força a ação truculenta
dos soldados, mas não conseguiu pois “como o suplicado é poderoso e valido das governanças
se acha esta justiça impedida de seu direito.”158 Manoel de Saldanha também registrou uma
carta executória no tabelionato da vila no valor de 128$948 réis, referente às custas do processo
e aos anos nos quais o arrendatário esteve inadimplente. Até os 360$56 réis referentes aos
jornais dos soldados que vieram remetidos da cidade da Bahia para cobrar a dívida, deveriam
ser pagos pelo réu.159
Essa ação violenta por parte de Manoel de Saldanha foi o estopim para o início do
processo. Os moradores enviaram uma petição juntamente com a representação de João Dias,
a mesma registrada nos livros da câmara, e deu origem ao pedido de suspensão das rendas. No
início da petição os moradores utilizam uma fórmula retórica concernente com o status de auto
representação política. Assim eles afirmaram:
[...] dizem os moradores do continente destas minas da Jacobina no assinado
que junto oferecem que para bem de sua justiça e certos requerimentos que
tem, querem os suplicantes expor a sua queixa pelos itens, abaixo declarados
para em virtude deles vossas mercês como administradores da república darem
conta a sua majestade, que Deus guarde, e proverem com sua retíssima justiça
o que pedem por ser bem comum.160

O documento segue expondo as reivindicações dos suplicantes, os quais diziam


estarem sendo vexados e executados por D. Joana Guedes de Brito e seus procuradores, a
pagarem rendas das terras nas quais mineram e tiram o sustento com suas fábricas e escravos.
Caso de não cumprissem com tal acordo, teriam suas dívidas executadas pelo padre Manoel da
Costa Soares, representante de João de Mascarenhas e de D. Joana da Silva Guedes de Brito.
Eles reconheceram que tinham pago as rendas durante anos, por que não estavam corretamente
informados das leis e por “serem homens pouco práticos nessa matéria”161, e só tardiamente

157
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4723.
158
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4723.
159
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4723.
160
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4721. Essa petição integrava, juntamente com outros documentos, os autos
que fez o Doutor Corregedor da comarca da Bahia Pedro Gonçalves Cordeiro que foi notificado a expedir uma
certidão sobre as terras onde foi edificada a vila em 1724. Assim ele assegurou que as datas nas quais se erigiram
a vila da Jacobina estavam desimpedidas por elas não pertencerem a senhorio algum. E que, naquela vila, “se
achava estabelecida uma Casa Real de Fundição, na qual paga-se toda a pessoa que funde ouro de cinco oitava.”
Quando emitiu a certidão ele era Desembargador da Casa de Suplicação da Cidade da Bahia, mas um antigo
conhecido dos moradores da vila, pois em 1724 foi o responsável pela transferência da sede da vila da Missão do
Saí (Campo Formoso) para o sítio da Missão do Bom Jesus da Glória (Jacobina).
161
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4721.
86

chegaram a tomar conhecimento dos reais decretos que versavam sobre os direitos régios em
terras minerais, tal qual era válido para as Minas Gerais.
Afirmaram ainda que, entre os anos de 1721 e 1728, o Coronel Pedro Barbosa Leal
havia sido designado pela coroa para franquear as minas. Esse coronel havia estabelecido um
acordo com os mineiros, pelo qual pagava-se o quinto de três oitavas e meia por bateias,
entretanto, após a criação da Casa Real de Fundição e “como leais vassalos de vossa
majestade”162, passaram a pagar o quinto de cinco oitavas por bateias, além de pagarem uma
oitava por cada cabeça de boi e meia oitava por cada carga nos registros de entrada das ditas
minas, três oitavas por cargas de fazenda, meia oitava por cargas de molhados e duas oitavas
por escravo novo levado para as minas. Auto intitulavam-se como bons súditos e por isso, não
deixavam de pagar também o donativo das fintas. Informaram serem igualmente explorados
pelos “tratantes”, que costumavam cobrar preços exorbitantes nas mercadorias. Denunciavam
ainda que era tal o excesso dos sesmeiros, que executaram o capitão Francisco Correa de Abreu,
tomando-lhes dois escravos e colocando-os para serem vendidos em praça pública por 60$000
mil reis, além das violências e execuções que intentaram fazer contra João Dias, mesmo quando
já estava correndo litígio sobre a causa.
Inteligentemente eles alertavam que caso continuassem as ditas execuções, os
sesmeiros estariam lesando a Fazenda Real, pois os moradores diante das circunstâncias não
teriam condições de continuar a pagar os quintos. Como suplicantes, portanto, não reconheciam
a senhorio algum e sendo as ditas minas patrimônio de Sua Majestade, a quem pertencia todas
as terras. Demonstrando um conhecimento sobre as situações de outras minas, atestavam que
nas Minas Gerais, Rio de Contas e Minas Novas de Tocambira não se pagavam rendas das
terras, direito do qual os moradores da Jacobina também deveriam gozar. A intenção dos
suplicantes era questionar a posição de D. Joana Guedes de Brito, afirmando que as ditas terras
não tinham sido doadas em sesmarias, mas sim compradas de um paulista chamado Marcelino
Coelho. Os moradores insistiam na argumentação de serem eles os descobridores e verdadeiros
povoadores “com suas fábricas de escravos, e à custa de suas fazendas as descobriram com
bastante risco de suas vidas, de gentio e outros mais inconvenientes que passavam nos ditos
descobrimentos.”163
Ainda assim, lembravam que na Jacobina, àquela altura, achava-se estabelecida vila
com administração da justiça para o regime das terras e que os sesmeiros exigiam até que lhes
pagassem foros pelas casas que são construídas na vila. O poder e desmando de D. Joana

162
AHU, Bahia, Avulsos, Cx.. 54, Doc. 4721
163
AHU, Bahia, Avulsos, Cx.. 54, Doc. 4721
87

Guedes de Brito era tanto que ela se utilizava de “grandes valimentos” que há na cidade da
Bahia, para levar vantagem e empatar a causa que com os moradores possuía, além de continuar
oprimindo-os, mesmo estando a causa ainda em litígio. No último item, eles reclamaram que
tinham direito a trinta léguas em redondeza da vila para erigir seus “logradouros de cortações e
plantas para suas fábricas”164, lembrando que tais requisitos atendiam ao princípio do bem
comum.
No documento ainda foi registrado que os pretos irmãos da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário estavam construindo uma igreja na vila com provisão do Arcebispo, no
entanto, os suplicados por carta precatória expedida pela Ouvidoria Geral do Cível da Bahia
tentaram embargar a obra. A construção da igreja certamente foi um dos fatores de desgosto
dos moradores, já que eles possuíam nos arredores da vila somente a igreja da Missão de Bom
Jesus, que também foi construída pelos pretos. A reclamação dos vereadores faz sentido, pois
a Igreja Matriz da freguesia de Santo Antônio estava distante daquela localidade três dias de
viagem, localizada no antigo sítio onde foi primeiramente edificada a vila, ou seja, próxima à
missão do Saí, atual cidade de Campo Formoso.165 Esse trecho revela o quanto os herdeiros dos
Guedes de Brito pretendiam interferir na dinâmica local, em nome de manter uma legitimidade
imemorial de posse da terra. As lógicas que orientavam as partes são radicalmente diferentes e
esses tipos de conflitos não revelam somente uma recusa dos moradores em efetivar o
pagamento das rendas, mas uma recusa em não serem impedidos de exercerem o bem comum,
transmutado em um senso de justiça que partia do entendimento costumeiro sobre seus direitos
de súditos. Essencialmente para os mineiros, gente simples e pouco prática nas leis, como eles
mesmos disseram, a doação de sesmarias que havia acontecido a 60 ou 70 anos antes não
assegurava o direito à propriedade, pois esta era uma temporalidade remota que, certamente,
naquele contexto de disputa, passou a não fazer sentido para aquela comunidade. Por outro lado,
a retórica dos moradores evidencia uma constante referência ao reconhecimento de S.
Majestade como senhor daquelas terras. O soberano aparece naquele momento, como
autoridade máxima a quem eles endereçavam as suas súplicas via expressão de um sentimento
amoroso de pertencimento à monarquia.
Ao final da petição solicitaram aos vereadores que interviessem para suspender as
expropriações e vexações as quais estavam sendo submetidos, pelo menos, até que a causa fosse

164
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4721.
165
Na década de 1730 havia outra igreja na vila que foi construída por José da Silva Pimentel e passou a ser matriz
em 1757. Pela reclamação dos moradores é possível que se recusassem a frequentar um templo feito por um parente
dos Guedes de Brito.
88

finalmente decidida. Em seguida, pediam os suplicantes “que vossas mercês (o senado da


câmara) da parte de El Rei nosso senhor na primeira frota que se oferecer para Portugal deem
conta junto com esta e com os mais documentos que protestam ajuntar para a prova do que
relatam à sua majestade.”166 No final do documento, está inclusa a resolução da câmara,
registrada em seu livro a 5 de dezembro de 1729, reiterando a suspensão da cobrança das rendas
em apoio aos moradores e contrariando solenemente os interesses de D. Joana Guedes de Brito
e seus procuradores.
Em 1732, o monarca D. João V fez consulta ao ouvidor da Bahia solicitando o seu
parecer sobre a matéria. Assim em 1734, o ouvidor José dos Santos Varjão enviou à coroa sua
apreciação da lide. Impressiona bastante a acuidade das observações feitas pelos ministros
atuantes no ultramar sobre a complexa teia que envolvia os direitos de propriedade na colônia.
As autoridades de justiça tinham ciência dos abusos dos sesmeiros, que aproveitavam-se das
dificuldades das demarcações para alegarem possuir por título de sesmarias enormes extensões
de terras concedidas com base em limites imprecisos. Dessa situação incorria danos e prejuízos
aos direitos régios, não somente pela discórdia e litígio recorrente, mas também pelos danos
advindos das incertezas sobre as posses, que ocasionavam confusão sobre a jurisdição dos
territórios.
Esse era por exemplo o caso das terras de Jacobina, posto que até aquele momento não
haviam sido realmente demarcados os distritos que pertenciam ao termo da vila. Essa
imprecisão dava margem para que os litigantes, cada um alegando suas verdades, disputassem
o direito sobre as terras. Pra resumir, o ouvidor disse ser favorável a súplica dos moradores até
que a pretendida suspensão das execuções fosse decidida por tribunal superior. Ele ainda
ressaltou que “a petição sobre os despejos de terras produz também efeito suspensivo”167,
porém, também deveria ser assegurado à sesmeira continuar buscando por recursos em outros
juízos, “visando meios que de direito lhe forem permitidos para assegurar a importância dos
que se lhe julgar no caso que haja vencimentos.”168
Quando finalmente em 17 de março de 1736 o Conselho Ultramarino se manifestou,
este sugeriu que o rei consultasse o Chanceler da Relação da Bahia, o qual deveria chamar
ambos os litigantes para ouvir seus requerimentos. Recomendou ainda que a suplicada, D. Joana
da Silva Guedes de Brito, apresentasse os títulos referentes às suas terras, “e mandando V.
Magde, suspender na execução que se fez aos supp.es; até a decisão da sentença da maior alçada,

166
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4721.
167
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4721.
168
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4723.
89

por que para se fazer esta suspenção há suficiente motivo nesta informação do ouvidor geral da
comarca da mesma cidade da Bahia.”169
O parecer dos conselheiros aceitou a exposição do ouvidor da Bahia, (ratificado pelo
Procurador da fazenda e pelo Procurador da coroa), devido aos motivos bem fundamentados
que serviu de orientação para a suspensão das execuções. Até que se tirassem melhores
informações sobre a matéria em questão, os moradores ganhavam tempo para irem protelando
o pagamento das rendas. O argumento que mais pesou na causa a favor dos moradores foi o
testemunho do ouvidor, que entrevendo o lado dos mais ‘humildes’ acatou a alegação das terras
serem incultas e povoadas pelos ditos lavradores e não pela sesmeira. Em dezembro de 1736
D. João V expediu provisão a favor dos moradores suspendendo as execuções e obrigatoriedade
de pagar as rendas, de acordo com as informações que haviam chegado ao Conselho
Ultramarino.
Na verdade, Jacobina não era uma exceção no universo conflituoso de disputa de
terras, as quais alegadamente tinham sido doadas de sesmarias. O problema maior estaria
justamente na indeterminação dos limites. O descobrimento das minas forçou uma situação na
qual era desejável que a demarcação fosse feita. Durante muitas décadas vigorou a inexatidão
e desconhecimento pelas autoridades da capitania dos territórios doados em sesmarias no século
XVII. Somente em 1737 o vice-rei e governador do Estado do Brasil, André de Melo e Castro,
o conde das Galveias, publicou um edital notificando os moradores sobre a circunscrição do
termo do distrito mineral da vila de Jacobina. Este edital foi uma das peças inclusa no processo
a pedido de João Dias. A demarcação do termo da vila se apoiava na necessidade de evitar que
os moradores burlassem o pagamento da capitação, com alegações de que seus escravos
trabalhavam em sítios fora dos distritos minerais. Entretanto, a delimitação de 20 léguas de
comprido por 6 ou 7 de largo partindo da fazenda Tabuleiro do capitão mor Francisco
Gonçalves (que ficava na entrada das serras) até onde o rio Aipim se encontrava com o rio
Itapicurú, serviu de artifício para os moradores apontarem que suas casas e roças estavam dentro
dos limites da vila, terras que não reconhecia senhorio algum, a não ser o de Sua Majestade.
A defesa feita pela herdeira dos Guedes de Brito apoiava-se em argumentos já bastante
recorrentes. O primeiro deles era o de terem sido seus antepassados os primeiros “descobridores
e povoadores” do sertão da Jacobina e que as terras onde se fundou a vila teriam sido dadas de
sesmarias em 1655 e 1663, sendo falsa a alegação de que aqueles moradores tinham principiado
a descobrir tais sítios, antes de seu pai e avô. Acrescentou ainda que:

169
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 4723
90

Assim é falso dizerem os suplicantes das terras que os antecedentes da casa


da suplicada tinha e possuía muitos anos antes que fossem nascidos os
suplicados, pois nenhum tem idade de oitenta e dois anos e menos chega a
setenta e quatro anos de idade, sendo que ainda que tivessem, pouco concluía
por que nenhum deles é bem nascido nesta América ou filho daqueles sertões,
mas sim de Portugal donde vieram já desta crescidos e chegara a tempo que
já havia muitos anos que os antecessores da casa tinham título e estavam de
posse daquelas terras170.

Ou seja, o princípio pelo qual eles buscaram defender seus direitos sobre a propriedade
da terra, estava alicerçado sobre o entendimento de que ter recebido carta de sesmaria
comprovava a primazia da antiguidade e da conquista. Esse argumento, relembra Márcia Motta,
estava presente na interpretação coeva que se atribuía a carta de sesmaria. Ao analisar diversos
processos de litígio acerca de antigas doações de sesmarias, Motta percebeu que “a utilização
da carta de sesmaria como ponto inaugural da ocupação territorial reatualiza – em cada litígio
– a legitimidade dessa concessão régia.”171 Portanto, sob a carta de sesmaria, construiu-se o
argumento de que a ocupação tinha sido efetivada.
O mais interessante é flagrar nessa passagem do documento a indicação de que os
suplicantes não eram bem nascidos nesta América, entendimento que decorria da naturalização
das hierarquias e desigualdades sociais legitimadoras da ordem no Antigo Regime. O que
sobressai na defesa é a recorrência ao estatuto social da casa dos suplicados, tributária de uma
tradição familiar advinda desde os tempos das conquistas. Além do mais, quando eles apontam
que os suplicantes não eram naturais da terra, e sim forasteiros, tendo vindo de Portugal já
crescidos, revela-se uma pista interessante sobre a composição populacional da vila de
Jacobina. Em uma vila no meio do sertão, certamente ser português não era um dado que
passasse despercebido, o que nos leva a pensar sobre os motivos que levaram aqueles forasteiros
a se instalarem por lá.
Decerto, não seria exagerado notar que a procura do ouro foi um dos principais
motivos do influxo de estrangeiros que foram parar naquelas terras. De acordo com os assentos
de casamento da freguesia, pode-se constatar uma presença significativa de portugueses, que se
casaram com mulheres naturais da freguesia de Jacobina nas décadas de 1720 e 1730 (capítulo
III). Certamente a presença de reinóis na vila, que ocupavam as melhores posições dentro da
hierarquia social, permitiu àquela comunidade um manejo retórico para sensibilizar a
liberalidade régia.

170
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, doc. 4721.
171
MOTTA, Márcia. op. cit., 2004, p. 04.
91

Naquelas circunstâncias, o atendimento da súplica dos moradores de Jacobina


representou uma via de mão dupla para os interesses, tanto da coroa, quanto da câmara da vila.
Por um lado, era oportuno para o rei reforçar o controle sobre a exploração das minas de
Jacobina, mas também de reafirmar os laços de lealdade entre centro e periferia, operando o
princípio corporativo da autonomia político-jurídico (iurisdictio) dos corpos sociais,
“atribuindo a cada um o que lhes é próprio e garantindo a cada qual o seu estatuto.” 172 Dessa
forma, respeitava-se a autonomia da câmara como membro do corpo social da monarquia,
reiterando sua capacidade de auto-organização. A câmara com seu requerimento acionava um
dos dispositivos intrínsecos à função essencial do rei, que era “a de manter as jurisdições dos
restantes corpos políticos no equilíbrio estabelecido pela constituição (natural) da
sociedade.”173 Diante do conflito entre direitos particulares e bem comum, o que eles invocaram
junto à Coroa foi o princípio régio da justiça distributiva, através da concessão de uma graça
real que era a suspensão das rendas.
A política de concessão irrestrita de terras, que teve seu curso no século XVII,
favoreceu as principais famílias da capitania, no entanto, décadas depois, no início do século
XVIII já em contexto diverso, a exploração do ouro redefiniu as circunstâncias de
governabilidade, gerando uma outra capilaridade administrativa nas terras do interior. Tal
mudança foi perceptível sobretudo com a política instituída no rei D. João V de fundar vilas e
comarcas nos sertões do Estado do Brasil. Naquele momento, as periferias das conquistas
apareceram como uma nova questão para a coroa, mas sobretudo para os representantes da
administração régia na capitania da Bahia. A mineração, tanto quanto, a formação de vilas com
câmaras no sertão, imprimiu novos comportamentos políticos aos moradores. Nos locais onde
se erigiu vila com magistrados, a inteligibilidade das noções sobre organização social, justiça e
princípios do bem comum certamente começaram a se esboçar no campo da prática social. É
notório que a câmara passou a expressar as insatisfações dos moradores no que diz respeito as
matérias de justiça.
As sesmarias eram uma mercê régia. A distribuição de terras às mais nobres famílias
no século XVII ocorreu como recompensa aos feitos prestados nos anos iniciais das conquistas.
A memória desses serviços estava ainda presente nos argumentos da herdeira dos Guedes de
Brito, no entanto, os moradores se viram espoliados em seus direitos e acionaram a justiça régia,
enquanto que D. Joana apelou para a Relação do Cível. António Manuel Hespanha afirma que

172
HESPANHA, Antonio Manuel. As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal – séc.
XVII. Livraria Almedina. Coimbra, 1994. p. 300-301.
173
Ibid. p. 278
92

as atribuições de “graças”, com passar do tempo, tiveram a tendência de integrar-se nos


domínios da funcionalidade das “secretarias de Estado”174. Por esse mecanismo as benesses
régias poderiam se converter, como foi o caso do conflito em questão, em uma querela de
justiça. Hespanha ressalta que um ato gracioso poderia perder sua natureza de graça, de benesse
e se transformar em matéria de justiça, se quando levada a cabo viesse a prejudicar terceiros.
Estas observações parecem pertinentes para o caso analisado.
Por outro lado, do ponto de vista jurisdicional, a coroa não deixou de reconhecer a
soberania da sesmeira nas terras onde havia sido fundada a vila de Jacobina, pois mesmo as
terras destinadas às sesmarias deveriam ter área reservada para a instituição do termo da vila.
Isso explica a argucia dos moradores ao reivindicarem seus direitos, apoiando-se na
prerrogativa de cumprimento com suas obrigações de vassalos. Acatar a reivindicação dos
“mais humildes”, nas palavras do Conselho Ultramarino, significava defender, mesmo que
temporariamente, os interesses da Fazenda Real, assegurando a arrecadação dos quintos e dos
direitos de passagens nos registros que se colocavam nos caminhos entre a cidade da Bahia e a
principal vila aurífera do sertão.
Denotava também o fortalecimento do princípio do bem comum, claramente
anunciado na petição que os mineiros fizeram à câmara da vila. Devemos também lembrar que
a própria elite política da vila possuía largos interesses na suspensão das rendas, uma vez que
os seus oficiais faziam parte daquela sociedade e viam nesse espaço de representação política
um canal por onde intentavam defender a prerrogativa do autogoverno, em uma postura
claramente corporativa.
Uma das peças do processo ilustra explicitamente a posição da câmara em relação às
intenções da herdeira dos Guedes de Brito. Em 09 de junho de 1730, ela conseguiu um despacho
do vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, que foi transcrito nas folhas 34 verso e 35 do
livro de registro da câmara. O teor do documento acusa João Dias Correia (o procurador dos
moradores) de ser homem revoltoso e com pretexto de ser mineiro e por vingança de ter sido
intimado a pagar as rendas a sesmeira, aliciou os mais roceiros “que andam na governança
daquela vila em câmara”. A sequência do despacho relata ainda que os oficiais da câmara não
permitiram o embargo da construção da igreja impetrado pela sesmeira, conforme se pode ver
a seguir:
[...] e sem embargo desta litigiosa pendencia, não pode a suplicante executar
ordem alguma que alcance nesta ouvidoria geral do cível que a dita câmara o
não impeça, porque achando a suplicante hum precatório desta ouvidoria geral
do cível para embargar a nova obra de uma igreja, que sem licença da

174
HESPANHA, op. cit., 1994, p. 284.
93

suplicante se principiava a edificar, e juntamente hum despacho de sua


excelência ao mesmo fim, a dita câmara abruptamente mandou continuar na
dita obra abusando dos meios que o direito permite a suplicante para confirmar
da sua parte e domínio das suas terras. E pedindo assim que [di]ante por seu
procurador vista daquele despótico mandato lhe foi negado como tudo consta
dos documentos juntos.175

Dessa forma, eles usavam do seu poder como oficiais, não reconhecendo os embargos
que ela impetrava, mas também restringindo o acesso dela ao livro de registro da câmara, com
vistas a garantir a autonomia daquela instituição diante do processo em curso. No entendimento
dos oficiais da câmara, a ação de D. Joana Guedes de Brito contrariava o consenso da
administração local, cujo objetivo maior era preservar o bem comum da república. Essa situação
que perdurou por alguns anos, incomodava a autonomia camarária e caso fosse aceita
enfraqueceria o poder político dos oficiais, poder este que estava em fase de gestação, uma vez
que devemos considerar a recente instalação da câmara e do exercício dos seus agentes.
Para conseguir que seu procurador tivesse acesso ao livro, ela recorreu ao vice-rei
Vasco Fernandes César de Meneses. Ele expediu despacho ordenando segundo as regras do
direito que os vereadores da vila dessem acesso ao livro, caso contrário, seriam castigados com
régulos e transgressores da lei, expressões bem condizentes com o perfil de governação daquele
vice-rei. Depois de recebido o despacho, não se sabe ao certo se a suplicada conseguiu seu
intento, mas a ordem do vice-rei foi registrada no livro em 25 de julho de 1730.
Em 1755 já no reinado de D. José I uma nova provisão régia, endereçada ao ouvidor
da comarca da Bahia da parte do Sul ou comarca de Jacobina, alterou a situação entre sesmeiros
e moradores. Nesta provisão a coroa levou em conta as diversas “contendas e litígios que lhes
moveram os chamados sesmeiros”176 pelas disputas de terras no sertão da Bahia, Piauí e
Pernambuco. D. José I por provisão de 1755 resolveu abolir e cassar as ordens e sentenças que
haviam sobre as tais disputas de terras, em suma, o rei anulou as antigas sentenças para fazer
novas doações para os sesmeiros, concedendo-lhes as terras que eles tinham cultivado por si ou
por seus criadores, “ainda que essas se achem de presente arrendadas a outros colonos das quais
se não devem incluir as que outras pessoas entraram a rotear e cultivar ainda que fosse a título
de aforamento ou arrendamento por não serem dadas as sesmarias.”177
Ao nosso ver a provisão não deixa muito claro quais as terras que estavam em
condições jurídicas de serem novamente doadas, muito embora, isso não queira dizer que a

175
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 54, Doc. 472.
176
Essa provisão encontra-se anexa à representação que os moradores fizeram à câmara de Jacobina em 1795.
AHU, Bahia, Eduardo Castro e Almeida, Cx. 107, Doc. 20.801.
177
AHU, Bahia. Eduardo Castro e Almeida, Cx. 107, Doc. 20.801.
94

regulamentação não favorecesse a causa dos sesmeiros, pois as terras ocupadas por
arrendatários poderiam ser incluídas nas novas doações. A provisão estabelecia também o limite
de 3 léguas de comprido por uma de largo para as novas sesmarias concedidas, e indicava o
desembargador Manuel Sarmento, ouvidor do Maranhão para realizar a demarcação das terras,
que seria feita as custas dos mesmos sesmeiros. A diligência começaria no Piauí e depois
passaria a comarca da Jacobina. Por outro lado, a provisão é realmente centrada na questão
entre sesmeiros e povoadores, demonstrando o peso e importância da querela que expunha a
hierarquia costumeira da sociedade colonial. Não poderia haver igualdade de tratamento em
uma sociedade organizada em torno da naturalização das diferenças de status e de dignidade.178
Enfim, ao final desta resolução pode-se ler que os sesmeiros teriam preferência sobre
terras já cultivadas por si ou seus procuradores e as mais que pedirem desde que estivessem
incultas. Os povoadores teriam preferências sobre as que foram cultivadas às suas custas,
“pedindo de sesmaria ainda [as terras] que lhes forem dadas de aforamento ou
arrendamento”179, esta cláusula se fosse cumprida poderia beneficiar os roceiros de Jacobina.
Erivaldo Fagundes Neves afirma que mesmo após esta provisão Manuel de Saldanha da Gama,
herdeiro das terras, conseguiu reestabelecer a cobrança das rendas, mesmo tendo os moradores
embargado todas as sentenças que tinham sido favoráveis aos sesmeiros. 180
Esse conflito atravessou todo o século XVIII, e em 1795 encontramos mais um abaixo
assinado dos moradores endereçado à câmara. Neste solicitavam a atuação do seus oficiais no
sentido de novamente remeter à coroa as queixas das violências e despejos que os herdeiros dos
Guedes de Brito, sem forma de justiça, vinham fazendo contra os moradores e roceiros das
terras de Jacobina. A nova representação sumariava a história das disputas desde que as
pretensas sesmarias haviam sido doadas em 1655. Dessa forma sintetizava os mesmos
argumentos apresentados pela representação feita na década de 1730, contudo citava o fato de
que os moradores tinham sido beneficiados com a provisão régia de D. João V, mas que no
reinado de D. José, a sesmeira havia recebido um juizado privativo para julgar as causas e que
esse juizado havia dado ganho de causa para os sesmeiros. Como é óbvio, D. Joana Guedes de
Brito já havia morrido, no entanto, seu marido Manoel de Saldanha contraiu núpcias com

178
Sobre essa discussão ver: RAMINELLI, Ronald; BICALHO, Maria Fernanda. “Nobreza e cidadania dos Brasis.
Hierarquias, impedimentos e privilégios na América Portuguesa.” In: XAVIER, Ângela Barreto; SILVA, Cristina
Nogueira da. (orgs.) O governo dos outros. Poder e diferença no Império Português. ICS. Lisboa, 1ª edição,
setembro de 2016. p. 387-408.
179
AHU, Bahia. Eduardo Castro e Almeida, Cx. 107, Doc. 20.801.
180
NEVES, op. cit., 2005, p. 148.
95

Francisca da Câmara e continuaram insistindo em cobrar as rendas e usar de violentos meios


para despojar os moradores das propriedades.
Nesse interessante e rico documento, a câmara como representante dos moradores
apelou para a coroa novamente intervir junto às suas causas, pois após várias gerações,
continuaram impetrando despejos e violências com vistas a executar o pagamento das rendas
atrasadas. Antes de concluir este capítulo, cabe ressaltar um aspecto notável na representação
dos moradores de 1795. Nesse texto pode-se flagrar diversas expressões retóricas que
reatualizam os sentimentos de súditos dos moradores do sertão. Expressões que revelam na
cultura escrita aspectos do sentimento amoroso pela monarquia. Essa dimensão é especialmente
notável quando faziam referência a D. João V, ao qual eles se referiam como “Sua Magestade
o senhor D. João V de feliz e sempre saudosa memória”181. Em outra passagem da representação
pode-se ler:
Neste tempo foi a corte o réu da lide pendente, João Dias Rego e levou (como
é notório por tradição constante) representações da câmara as quais
apresentando a S. Mag.de foi servido o Piíssimo, Clementíssimo soberano
promulgar a vista dos autos o decreto, pelo qual se aprova a existência da lide,
e nele determinou, possuído unicamente do amor do seu povo, e conhecendo
a malícia dos sesmeiros, que não pudessem cobrar sem sentença de superior
alçada. E se não tivéssemos a desgraça, desgraça, que todo Portugal chora! De
falecer, veríamos felizmente terminados os nossos trabalhos, e partido o cetro
de ferro, com que a casa dos Saldanhas nos oprime há tantos anos.182

A maneira em como os moradores se referiam a D. João V, demonstra que ao longo


das décadas o sentimento de pertencimento à monarquia foi interiorizado de forma eficiente,
aprofundando os vínculos entre súditos e Coroa. Ou seja, por mais que Jacobina fosse uma
dentre tantas outras vilas incrustradas nos longínquos territórios do império, ela foi reconhecida
pelo monarca, que recebeu um súdito como representante dos moradores da vila. Embora não
saibamos detalhes da viagem de João Dias ao reino, é certo que sua viagem foi um ato de grande
importância (considerando os custos financeiros), mas o maior ganho foi certamente simbólico,
já que tratava-se de agir em prol de uma questão vital para a sobrevivência do corpo político
local. Tal reconhecimento expresso na carta dos moradores 60 anos depois, são o testemunho
de um sentimento de gratidão para com o reinado de D. João V, demonstrando a força dos atos
do soberano, incorporados na memória coletiva.
O historiador Erivaldo Neves teve acesso aos arquivos particulares da Casa da Ponte,
e indicou que o processo levou quase um século em pendências, resultando ao fim, com ganho

181
AHU, Bahia. Eduardo Castro e Almeida, Cx. 107, Doc. 20.798.
182
AHU, Bahia. Eduardo Castro e Almeida, Cx. 107, Doc. 20.798.
96

de causa para os herdeiros dos Guedes de Brito. Entretanto, essa análise pretendeu observar
aspectos da gestação política dos agentes, muito mais do que os termos de legitimidade da posse
fundiária das terras onde se erigiu a vila da Jacobina. De outro modo, pareceu importante lançar
luzes sobre o nascente protagonismo político implícito na representação dos moradores, que na
década de 1730, revelou a especial atuação da câmara da vila passados poucos anos após sua
edificação.
Dessa forma, a pretensão desse capítulo foi mostrar como a abertura da exploração das
minas foi um evento de dimensões ambivalentes no sertão da Jacobina. Por um lado, no discurso
das autoridades da capitania, a corrida do ouro despertou a sanha dos exploradores, tendo
provocado a afluência de muita gente para o sertão, por outro, foi justamente a necessidade de
dar forma à arrecadação fiscal que condicionou a criação da câmara. Para isso, foi necessária a
intervenção constante do vice-rei Vasco Fernandes e sua rede clientelar que, apoiado nas
companhias de ordenanças, pode dar suporte, nomeadamente ao processo de organização social
e fiscal nos distritos das minas, fortalecendo também as práticas de poder local.
Do ponto de vista econômico, e essa é uma importante matéria, o ouro que alimentava
o fluxo comercial do Atlântico Sul foi usado no tráfico negreiro e intensificou nos portos
baianos o comércio com navios da Carreira da Índia. De acordo com Antônio Jucá de Sampaio,
nos portos baianos entravam artigos como porcelanas, seda e têxteis indianos e em troca
levavam ouro que em parte era usado para compra de cativos na África.183 Assim a abertura da
mineração nas vilas baianas ampliou a arrecadação fiscal da Fazenda Real, possibilitou a
circulação e cunhagem de moedas, movimentando do sertão para o atlântico, e em várias outras
direções, as relações mercantis da capitania da Bahia. Nesse processo as vilas de Jacobina e Rio
de Contas entraram no fluxo de trocas mercantis e no mapa da governabilidade do império. A
abertura da mineração e a fundação das vilas refletiu a posição da coroa em assegurar a
arrecadação fiscal e consolidou estruturas administrativas com vistas a garantir a expansão de
novas áreas de colonização. Por outro lado, a corrida do ouro na década de 1720, gerou um
fluxo populacional ascendente nas áreas mineradoras, incrementada demograficamente pelo
tráfico e pelos reinóis que emigraram para a América,184 e sobretudo estabeleceram-se nas
freguesias do sertão, espaços jurisdicionais que antecederam a criação das vilas e indicativos
do ritmo de povoamento e fixação populacional.

183
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “A curva do tempo: as transformações na economia e na sociedade do
Estado do Brasil no século XVIII.” In: FRAGOSO, João. GOUVÊA, Maria de Fátima. Coleção O Brasil Colonial.
1720-1821. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 314.
184
SAMPAIO, op. cit., 2014, p. 321.
97

Capítulo II – As Freguesias do Sertão

O artigo clássico de Angelo Carrara sobre estimativas populacionais na América


portuguesa para o final dos quinhentos e meados dos seiscentos, traz aportes relevantes para
questionar os números apresentados por Félix Contreiras Rodrigues e Roberto Simonsen. Estes
autores elaboraram estimativas populacionais históricas com base em números apresentados
por cronistas. Angelo Carrara percebe que a relação entre fluxo econômico e populacional,
constitui-se como uma relevante chave interpretativa para dimensionar, na medida do possível,
a distribuição demográfica da população colonial. Para isso deve-se considerar três importantes
variáveis: “a população portuguesa, a economia açucareira, responsável pela quase totalidade
da demanda de escravos africanos, e a capacidade de incorporação de índios à sociedade
colonial.”185 No que pese o argumento do autor, chamamos atenção para a existência de uma
considerável produção de tabaco no século XVII186, assim como a produção de alimentos e a
pecuária, que também utilizava mão de obra africana e indígena, ainda que nesse período se
configurasse como uma demanda menor.
As consideráveis lacunas de registros paroquiais conhecidos para os séculos XVII e
XVIII, concorreram para as insuficientes estimativas sobre a natureza e as formas da ocupação
demográfica na América Portuguesa. Mesmo com a expansão da rede paroquial no século
XVIII, os dados ainda se mostram insuficientes para promover uma confiável sistematização
estatística. A saída para esse estado de coisas muitas vezes foi buscada fazendo-se arranjos e
diálogos entre diferentes categoriais documentais, através dos quais buscou-se potencializar as
fontes paroquiais com registros notariais, tais como os testamentos e inventários. A composição
das freguesias baianas até o momento foi muito pouco estudada pela historiografia, entretanto,
os raros estudos disponíveis privilegiaram as áreas litorâneas devido a densidade da rede
paroquial e do fluxo econômico do açúcar e do tráfico. As freguesias sertanejas localizadas na
periferia desses polos ficaram bastante prejudicadas em função da criação tardia das paroquias,
da debilidade evidente em se registrar sistematicamente os fregueses e, por fim, da escassez dos
livros paroquiais que em muitos casos não foram conservados até os dias atuais.

185
CARRARA, Angelo Alves. “A população do Brasil, 1570–1700: uma revisão historiográfica.” In: Revista
Tempo. 2014, v.20, p. 4.
186
Cf.: FIGUEIROA-REGO, João de. “Escravos do fumo”. Notas sobre a escravatura no contexto tabaqueiro:
Bahia, Costa da Mina e Angola (séculos XVII ‑XIX).” In: LUXÁN, Santiago de; FIGUEIRÔA ‑ RÊGO, João de;
ROZALEN, Vicent Sanz. (orgs.) Tabaco e escravos nos Impérios Ibéricos. CHAM, Lisboa, 2015. pp. 87-108.
98

Percebe-se mais acentuadamente que os estudos de demografia para as vilas auríferas


da capitania de Minas Gerais são mais abundantes do que para a Bahia.187 O sertão da Bahia
ainda carece de estudos mais sistemáticos sobre demografia, sobretudo de pesquisas que
analisem as relações possíveis de serem extraídas dos arquivos paroquiais. A maior incidência
desse tipo de fonte encontra-se nas freguesias de Salvador e do Recôncavo açucareiro,
permitindo algumas inflexões sobre os laços de parentesco e compadrio. Para a Bahia um dos
poucos trabalhos recentes com assentos paroquiais foi realizado por Thiago Krause que estudou
quatro freguesias baianas no século XVII. Sua investigação esteve focada majoritariamente na
população cativa, o que lhes permitiu rastrear em muitos casos a origem dos batizandos, suas
classificações de cor (crioulos, mulatos, etc.), a grande incidência de ilegitimidade entre os
filhos de cativas, a presença de mães solteiras e sobretudo a pouca relevância do matrimônio
para a constituição de famílias escravas.188
Esse capítulo se propõe a apresentar, mesmo que de maneira limitada, a dinâmica
demográfica na freguesia de Jacobina na primeira metade do século XVIII, na qual foi possível
levantar informações sobre a hierarquia social costumeira, as escolhas matrimoniais e
recuperar, quando foi possível em alguns casos, as trajetórias sociais de alguns indivíduos.
O povoamento do sertão e a presença da igreja católica, segundo afirmou o padre João
de Barros, inicia-se com a catequese, desdobra-se em missões e completa-se com as
freguesias.189 Enquanto a missão buscava converter larga população de infiéis, a freguesia
alimentava a fé dos moradores, além de cumprir a tarefa de administrar os sacramentos que
marcavam os principais momentos da vida de um católico: o momento de nascer, de casar e de
morrer. O batismo, o casamento e o óbito eram assim registrados na forma de assentos no livro
da paróquia, base física da freguesia, onde o padre ou vigário realizava a cura das almas.
Estudioso do clero oitocentista baiano, o historiador Cândido da Costa e Silva afirmou que

187
Dentre outros, ver também: BERGAD, Laird W. Escravidão e História econômica: demografia de Minas
Gerais 1720-1888. Tradução Beatriz Sidou. Bauru, São Paulo, EDUSC, 2004, p. 145-196; Ver o anexo 5
“População da capitania de Minas Gerais, 1766, 1776, 1786, 1808.” in: CARRARA, Angelo Alves. Minas e
Currais. Produção rural e mercado interno de Minas Gerais. 1674-1807. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2007, p. 328-
329; MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão. O espaço econômico do ouro e sua
elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista. c. 1711- c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad X:
FAPERJ, 2012. 336p.
188
KRAUSE, Thiago. “Compadrio e escravidão na Bahia seiscentista.” In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto;
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; Arquivos paroquiais e História social na América Lusa, séculos XVII e XVIII:
Métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. 1ª edição, Rio de Janeiro: Mauad X,
2014. p. 279-300. No que pese a excelente contribuição metodológica dos organizadores do livro, vale dizer que
o supracitado artigo é o único que aborda uma capitania do nordeste açucareiro, visto que a maioria dos artigos
que compõe a coletânea estão centrados nas paroquias do Rio de Janeiro.
189
BARROS, Pe. Miguel de. A religião na Bahia. Diário Oficial do Estado da Bahia. Ed. Especial do Centenário,
1923, julho, p. 35. in: SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a messe: O clero oitocentista na Bahia.
Salvador, SCT, Edufba, 2000. p. 52
99

através da relação entre clero e fiéis a igreja se corporifica, “e o lugar por excelência em que
essa relação se exercita é a paróquia.”190
No Antigo Regime a relação dos indivíduos com a paróquia191 foi um marco
fundamental. Quando se diz que alguém é ‘natural de’, segundo o Dicionário de Bluteau,
significa dizer “Aquele que é natural desta ou daquela terra, que nasceu nela.”192 Ademais, em
Portugal, a qualidade de natural estava profundamente ligada aos vínculos de nascimento sob a
jurisdição de uma igreja ou paróquia, o que atesta a importância política do governo
eclesiástico. Ainda seguindo Bluteau, encontramos a designação de ‘fidalgo natural’, que
indicava que alguém era filho ou descendente de um padroeiro de determinada igreja ou
mosteiro, e podiam dessa forma, se aproveitar dos bens ou rendas que os pais tinham deixado
para essa igreja.
Parece que os pais dos ditos naturais, quero dizer, os padroeiros, que fundaram
alguma igreja, ou mosteiro, e que se tinham por senhores dele, em forma, que
não só gozavam do Padroado, mas das rendas e fazendas que lhe aplicavam,
eram os que propriamente se chamavam fidalgos naturais.193

Dito isso, cabe enfatizar a importância da criação das paróquias como uma jurisdição
que organizava o espaço social e dava a direção espiritual nas conquistas. As paróquias e
freguesias estavam subordinadas a uma Diocese ou Arcebispado e conferiam uma fixação de
normas, regras e limites aos fregueses, inclusive demarcando a origem e naturalidade destes. A
freguesia era a jurisdição espacial do governo eclesiástico. Tal como aparece no dicionário de
Bluteau, paróquia ou freguesia têm o mesmo sentido: “Freguezia. A Igreja paroquial. O lugar
da cidade, ou do campo, em que vivem os fregueses.194
A disseminação dos registros paroquiais, mesmo em Portugal, resultou de um longo
processo de aprendizagem e aceitação, mas depois de incorporados foram usados em larga
escala. Segundo Gouveia, “Registrar (sic) os baptismos, os casamentos e as mortes tornou-se
um hábito rotineiro, mas precioso.”195 O mais revelador dessa prática é que: “O domínio do
número significava o domínio do indivíduo” 196, pois controlar quem nascia, onde, quando e de
quem eram filhos, tanto quanto quem os apadrinhavam, o local deste nascimento e o pároco

190
SILVA, Cândido da Costa e. op. cit., p. 51.
191
Paróquia: Igreja matriz em que há pároco. Cf. BLUTEAU, Raphael: Diccionario da língua portugueza.
Reformado, e acgrescentado por Antônio de Moraes Silva. Tomo II, Lisboa, 1759, p. 161.
192
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez e latino. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua
Magestade. 1716, Tomo V. p. 684.
193
BLUTEAU, op. cit., 1716, Tomo V, p. 685.
194
BLUTEAU, op. cit., 1716, Tomo IV, p. 206.
195
GOUVEIA, Antônio Camões. “A Igreja.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António Manuel.
História de Portugal. Vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998 [1993]. p. 261.
196
GOUVEIA, op. cit., 261.
100

que fez o registro, constituía-se como tarefa essencial para realizar o enquadramento dos
indivíduos.
D. Sebastião Monteiro da Vide, vigário do Arcebispado de Lisboa chegou na Bahia
em 1702 para assumir a direção da vida espiritual da colônia. Em 1707 organizou um Sínodo
Diocesano que resultou nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. A publicação
das Constituições Primeiras visava adequar a atuação da igreja às especificidades da vida na
colônia, inclusive no que respeita à sua ordem política, religiosa e moral,197 já que a presença
da escravidão e de populações indígenas, implicava adequar a atuação da igreja à complexa
composição demográfica dos locais onde havia uma jurisdição eclesiástica.
No documento Notícias ao Arcebispado da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide
apontava que a limitada arrecadação das dízimas e côngruas, a pouca quantidade de padres e
paróquias e as distâncias havidas entre estas em tão dilatado território eram as principais
inconveniências que comprometiam o trabalho espiritual da igreja. De acordo com o seu
diagnóstico a “distância do lugar e dificuldade dos caminhos”, resultavam em restrições para
que os fiéis pudessem receber adequadamente os sacramentos e ofícios divinos. 198 Em sua
súplica, ele legou uma descrição do estado rarefeito das paróquias, afirmando haver em todo o
arcebispado mais de 600 léguas de território, onde existiam 38 igrejas fora da cidade de
Salvador, sendo que 20 destas estavam no Recôncavo, 6 na parte do sul e 12 na parte do norte.
Segundo seus cálculos se dividíssemos, portanto, as tais freguesias em partes iguais, cada uma
delas teriam 20 léguas de território para assistir.
Em se tratando de freguesias afastadas do litoral, o agravo era ainda maior. Este estado
de coisas demonstrava o quão difícil era ser católico no sertão. Ademais, parecia ser muito
custosa a labuta dos padres para conseguir manter as práticas de administração dos sacramentos.
Segundo o diagnóstico, devido as distâncias e a escassez de paróquias e párocos, era comum
protelar o batismo dos recém-nascidos (que deveria ser realizado até oito dias após o seu
nascimento) dado o perigo da criança morrer no meio do caminho, pois muitas vezes tinham
que deslocar-se por dias para chegar à igreja matriz; da mesma forma se davam com os
enfermos que passavam para o outro lado da vida, sem que contudo se pudesse administrar os
sacramentos, pois quando os párocos chegavam “ou estão mortos ou destituídos de sentido que

197
GOMES, Paulo de Tarso. “Fontes primárias da história da educação no brasil: a primeira edição de «As
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia – 1707».” in: Revista HISTEDBR. On-line, Campinas, n. 30,
p.313-321, jun.2008 - ISSN: 1676-2584, p. 315.
198
DA VIDE, D. Sebastião Monteiro. “Notícias do Arcebispado da Bahia para suplicar a Sua Magestade em favor
do culto divino e salvação das almas.” in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro,
1891. Tomo 54, Parte I. p. 331.
101

apenas dão matéria para uma absolvição condicional e esses tais já não estão capazes de receber
por viático o santíssimo sacramento.”199 Os deslocamentos dos padres para socorrer seus fiéis
em momentos específicos, além de extenuantes podiam comprometer outras atividades, como
a missa dominical. Resultava disso que muitos eram enterrados nos campos ‘como brutos’, sem
dizer missa ou confissão, sem cruz que lembrasse que ali jazia um católico.
Ainda de acordo com o diagnóstico de D. Sebastião Monteiro da Vide, a falta de
vizinhança na freguesia, ou seja, as distâncias ocasionadas pela ocupação rarefeita “resulta mais
não terem uns fregueses notícias dos outros por viverem distantes entre si.”200 A consequência
mais nefasta do isolamento dos domicílios estava na inobservância com relação aos preceitos
do casamento, que fazia com que as uniões informais e a bigamia fossem uma constante, já que
os contraentes podiam se arranjar em mais de um casamento, sem ameaça de quem os
denunciasse. O que dizer então dos escravos, estes entregues às suas práticas pagãs e feitiçarias
exercitavam “huma familiar comunicação que com o demônio tem, respondendo à suas
perguntas e declarando-lhes alguns segredos”201 ou invocando os mortos em cultos de eguns.
Sabemos que africanos e crioulos, em processos de mestiçagem e trocas culturais refizeram
sincreticamente uma série de práticas religiosas na colônia.
Entretanto na visão dos governadores a situação seria um pouco diferente do quadro
diagnosticado pelo Arcebispado da Bahia. No ano de 1716 o rei D. João V recomendava que a
cada ano os prelados elegessem dois religiosos para irem em missão ao sertão às custas
inclusive da Fazenda real. Ao receber a carta, o Marquês de Angeja foi enfático ao afirmar:
“nas minas tanto não há falta de sacerdotes e padres que antes abundam em tanto número que
proverá Deus se conseguisse, e achasse meio de os expulsar: o que falta nas minas é bom
sacerdote, e bons religiosos.”202 Continuava sua explicação dizendo que nas minas abundavam
frades de todas as ordens, muitos tinham sido expulsos certamente por má conduta pois eram
frequentes as queixas e denúncias feitas contra padres gananciosos que cobravam propinas
exorbitantes para administrar os sacramentos. O então vice-rei terminou sua carta dizendo que
os pastores espirituais de que se fazia necessário nas minas deveriam ser clérigos muito bem
escolhidos e aprovados. Mediante isso achava que a solução mais viável previa que S.
Majestade ordenasse a criação de mais paróquias com despesas custeadas pela Fazenda Real,

199
DA VIDE, op. cit., p. 334.
200
DA VIDE, op. cit., p. 335.
201
SILVA, Cândido da Costa e. op. cit., p. 61.
202
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia 1715-1719. VI–III-
1-1-10. Doc. 90. fls. 60v.-61v.
102

já que a população daquelas povoações não era muito inclinada à piedade, duvidando que
houvesse quem contribuísse para a edificação de capelas.
O rosário de lamentações descritos por D. Sebastião Monteiro da Vide abrangia grande
parte das obrigações que deveriam ser cumpridas pelos fiéis e padres, mas que estavam
comprometidas pela insuficiência de paróquias. Por Alvará de 11 de abril de 1718, D. João V
criou mais 20 paróquias, contemplando localidades nas quais não havia até então assistência
espiritual, o resultado disto foi de certa forma a redefinição da política missionária. Conforme
apontou Cândido Costa e Silva as missões já se encontravam rendidas diante do fato de que
tornar os índios cristãos significava incorporá-los à sociedade colonial. No sertão das Jacobinas
desde o final do século XVII, confirma-se a presença de missionários permanentes para a
administração do gentio da terra. As missões de Nossa Senhora das Neves do Saí (1697) na
atual cidade de Campo Formoso, possuía 150 almas administradas por franciscanos. Nas
imediações do Rio de São Francisco estava a Nossa Senhora do Pilar em Pambú (1702) e o
aldeamento de São Francisco, localizado em Curral dos Bois (1702). São Gonçalo, no Rio
Salitre (1705), administrada pelos padres do Hábito de São Pedro estava sem missionário,
segundo registrou Antônio Caldas em 1759.203 A de Nossa Senhora das Grotas em Juazeiro,
próxima ao Rio São Francisco (1706), pertenciam pouco mais ou menos 100 almas e por fim,
a Missão do Bom Jesus (1706) contava com 100 almas e ficava nas imediações onde foi erguida
a Vila de Jacobina. Estas missões foram confiadas a franciscanos e outros religiosos e se
estabeleceram nas terras dos sesmeiros Garcia D’Ávila e Guedes de Brito.204 Antônio Caldas
observou ainda que as aldeias iam se despovoando e os índios se dispersando por causa do
aumento da circulação de pessoas e o incremento do comércio ocorrido em função das minas
de ouro:
[...] porque servindo-se os viandantes dos índios por estipendio que lhes
contribuíam para conduzirem as boiadas de gado de um e outro gênero, foram
ficando diminutas de tal sorte que chegaram a desertar aldeias inteiras,
principalmente aquelas que ficavam vizinhas as estradas que vão para os
sertões e minas.205

203
CALDAS, José Antônio. Notícias geral desta capitania da Bahia, desde o seu descobrimento até o presente ano
de 1759. Ed. Fác-simile. p. 57-70.
204
COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive a minha cidade.” Anais do IV Congresso de História
Nacional. IHGB. Rio de Janeiro. Departamento de Imprensa nacional. 1951, p. 229;
205
CALDAS, op. cit., 1759, p. 61.
103

Esta seria a razão pela qual em meados do século XVIII em toda a capitania da Bahia,
não se acharem mais do que 35 aldeias.206 De outra forma, muitos núcleos populacionais foram
instaladas nas imediações das missões religiosas, como ocorreu com a sede da vila de Jacobina
instalada na Missão do Saí em 1722 e depois transferida para o sítio da Missão do Bom Jesus
em 1724. Essa proximidade pode sugerir que havia contato entre os índios missionados e a
população que residia na freguesia e depois tornada vila.207 A ocorrência de casamentos de
gentios da terra entre si, mas também com escravos, registrados no livro da Matriz de Santo
Antônio de Jacobina desde o ano de 1686 até 1757, atestam a relação entre a missão, a paroquia
e a vila, conforme veremos adiante.
A presença de africanos também influenciou de diversas formas as práticas religiosas
no sertão. Segundo Vanicléia Silva, a ressignificação dos objetos e ritos cristãos por parte de
africanos e seus descendentes produziu um catolicismo negro nas terras coloniais. Não à toa no
sertão das Jacobinas, quatro africanos foram denunciados por feitiçaria por fazerem bolsas de
mandingas.208 A presença de africanos na vida social e religiosa do sertão era recorrente. Na
documentação que embasou essa pesquisa, notou-se o uso da expressão gentio da guiné, como
designativo de africanos que estavam integrados à dinâmica produtiva da região das minas.
Outro sim, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos mantinha atuante presença na
vida religiosa de Jacobina, a ponto de terem iniciado a construção de uma igreja nas imediações
da vila, sendo tal fato citado nas atas da câmara de vereadores, conforme vimos no capítulo I.
Os róis de desobriga de 1718 e 1720 anotados pelo pároco na igreja matriz da freguesia
de Jacobina, permitiram uma melhor compreensão da espacialização populacional dessa
freguesia. O mapa 01, apresentado a seguir, espelha o resultado do adensamento demográfico
na freguesia já nas duas primeiras década dos setecentos. A cartografia da ocupação revela os
desdobramentos de um avanço espacial não contínuo, porém organizado em pontos
estratégicos, como no entorno das vilas de Jacobina e Rio de Contas. O georeferenciamento das
localidades apontadas nos róis de desobriga trouxeram novas margens de interpretação para a
ocupação demográfica do sertão. No rol de 1718 foram listadas 113 localidades, enquanto que

206
José Antônio Calda apresenta uma relação das aldeias da capitania da Bahia, ver: “Relação de todas as aldeias
pertencentes a esta Capitania da Bahia com distinção das comarcas em que existem e debaixo de cuja administração
estão.” Cf., CALDAS, op. cit., 1759, p. 51-61.
207
Cláudia Damasceno afirma que nos primeiros anos de descobertas auríferas em Minas Gerais o maior interesse
dos paulistas para fazer entradas aos sertões era para aprisionar índios, no entanto com as descobertas das lavras
essas se tornaram mais rentáveis do que vender escravos indígenas. Dessa forma a mineração também teve impacto
nas práticas de aprisionamento dos índios nos sertões. Além disso ela notou um dado corroborado por essa pesquisa
ao constar que nas primeiras décadas do século XVIII, a porcentagem de mão de obra indígena nas minas de ouro
já era bastante reduzida. Cf. DAMASCENO, Cláudia. Arraiais e Vilas D’El rei... op. cit., p. 62-63.
208
SILVA, Vanicléia S. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico: Século XVIII. 2008. 256f. Tese (Doutorado
em História). Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008.
104

no rol de 1720 verificou-se a existência de 90 topônimos, os quais, pela forma como foram
arrolados na fonte, não permitiu diferenciar os tipos de ocupação, se fazendas, engenhos, sítios,
arraiais, etc. No ano de 1720, moradores de 90 localidades diferentes estiveram na igreja matriz
de Jacobina para cumprir com o preceito da confissão. Márcio Roberto do Santos analisando o
roteiro de Joaquim Quaresma Delgado apontou um total de 141 ocorrências que indicavam a
presença de “propriedades territoriais (fazendas de gado e engenhos)” 209 e outras formas de
“ocupação econômicas (criação de gado, engenhos, venda de mantimentos, etc.)”210 verificados
por quaresma Delgado ao longo do roteiro percorrido no sertão baiano e mineiro. A construção
do mapa apresentado a seguir, confirma a antiguidade da ocupação de importantes áreas da
freguesia de Jacobina e que na década de 1720, já era possível perceber o adensamento
populacional indicado no roteiro de Quaresma Delgado em 1731. Provavelmente os pousos
destinados ao descanso dos viajantes, os currais, os engenhos, as fazendas de gado e roças,
foram paulatinamente transformando-se em núcleos com maior densidade populacional, ainda
que isso não significasse uma ocupação demográfica ostensiva, mas indicativa de um processo
em curso. Observe-se no mapa a densidade populacional formada nos entornos da bacia
hidrográfica do rio Itapicuru, local onde desenvolveu-se na década de 1720 o principal espaço
econômico da exploração aurífera na vila de Jacobina.

209
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. “Os relatos de reconhecimento de Quaresma Delgado.” in: VARIA
HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 24, nº 40: jul/dez 2008, p. 699-700.
210
Ibidem.
Figura 4: Mapa de ocupação da Freguesia da Jacobina de acordo com os róis de des
106

O mapa apresentado foi produzido com base no georeferenciamento dos topônimos


declarados pelos moradores quando foram à igreja se confessar nos anos de 1718 e 1720.
Apresenta uma representação cartográfica da freguesia da Jacobina e a relevância desta
jurisdição eclesiástica no delineamento do processo de ocupação dos territórios sertanejos. A
freguesia era uma realidade perceptível para os moradores, pois estava marcada pela
convivência com os párocos e pela materialidade da igreja matriz. Em 1734 a comarca da Bahia
da parte do Sul ou comarca de Jacobina foi criada com base na extensão territorial da freguesia,
conquanto abrigasse oficialmente os termos das vilas de Rio de Contas e também das Minas
Novas. O passo para a criação da comarca foi extremamente importante para a integração
daquele território à administração da coroa, mais apesar da relevância daquela jurisdição que
cuidava da justiça, a comarca mais parecia uma abstração por estar “muito longe de qualquer
concretude para as pessoas comuns”211, conforme observou Angelo Carrara em seu estudo
sobre os sertões das Minas Gerais e que nos pareceu pertinente para entender também os sertões
baianos.
Outra representação cartográfica contribui para uma percepção mais clara do que
significou o povoamento em curso na primeira metade do século XVIII. A referência é a Figura
13 intitulada “Mapa da comarca da Jacobina da segunda metade do século XVIII” apresentado
no capítulo III com a denominação de “Comarca da Jacobina dividida pelo campo iluminado
de cor capital”212 que ilustra do território da comarca, mas que inclui em sua representação
informações da jurisdição da freguesia. Por esse mapa pode perceber como o espaço
jurisdicional da comarca se sobrepõe sobre o espaço da freguesia, denotando uma aproximação
espacial entre as jurisdição eclesiástica e civil. Pela representação da Figura 13 é possível
identificar a demarcação de 31 pequenas capelas ou oratórios pertencentes a particulares, onde
também se realizavam sacramentos. Pode-se ainda visualizar 5 igrejas matrizes localizadas nas
seguintes circunscrições civis: Jacobina, vila Nova da Rainha, vila Nova do Rio de Contas, Vila
do Urubu e Vila da Barra do Rio Grande. A representação cartográfica aponta ainda outras 26
capelas indicadas no mapa supracitado através de um pequeno desenho, onde consta somente o
topônimo da povoação, não sendo possível inferir as circunstâncias de sua construção ou o
santo de devoção. Geralmente essas capelas eram erguidas em propriedades de potentados
locais ou por uma população que as ocupava nos dias de festas e procissões específicas. Nelas
não havia um pároco que administrasse os ritos ou celebrasse a missa dominical, entretanto era
possível haver, por exemplo, a celebração de casamentos de pessoas importantes da região. O

211
CARRARA, Angelo Alves. Minas e currais... op. cit., p. 51.
212
Ver capítulo III, seção 3.5 Governando a periferia: a criação da comarca da Jacobina.
107

fato das mesmas estarem espalhadas por 26 povoados e bem distribuídas nas imensidões das
terras dos sertões, podia indicar a força de um catolicismo popular nas terras do sertão. Por
outro lado, cabe notar um fato extremamente curioso: todas as capelas que aparecem na Figura
13, estão indicadas na senda da Estrada Real, demarcada por linhas em amarelo. Portanto,
recomenda-se considerar a ‘cartografia das freguesias’, para perceber que as ermidas foram
possivelmente a base para se constituírem em freguesias até o final do século XIX. Por fim,
uma última observação sobre o mapa. Neste, tanto as bacias hidrográficas do sertão, quanto os
trechos da Estrada Real, são dignos de nota, pois os rios e seus afluentes serviam para orientar
os viajantes e conduzir pessoas e mercadorias pelos caminhos que interligavam o litoral ao
sertão.
No caminhar do século XVIII, em 1758, a coroa entendia que não havia mais sentido
manter os jesuítas assistindo aos índios e o resultado foi a transformação das aldeias em vilas,
as quais deveriam ser assistidas daquele momento em diante por párocos. De acordo com a
carta régia de 1758 enviada a José Botelho de Matos, Arcebispo da Bahia, a coroa se pronunciou
com a justificativa de que já havia suficiente número de clérigos que pudessem assumir a
direção espiritual dos índios aldeados. Fabricio Lyrio analisa muito bem a decisão da coroa e
conclui que o objetivo era “promover a completa assimilação das antigas missões à autoridade
diocesana.”213
Hei por bem que em cada uma das aldeias de Índios, que novamente mando
erigir em vilas e lugares e nas mais em que de novo se forem aldeando os
referidos índios, em lugar de cada uma das paroquias, com que até agora
administravam os religiosos da Companhia de Jesus com a denominação de
missões, constituais uma Paroquia com título de vigaria, que fareis servir
interinamente, até me dares conta, como se pratica nas igrejas novamente
eretas.214

Em 1760, apenas dois anos após o envio dessa ordem régia, fez-se um levantamento das
freguesias da Bahia e da população residente nas comarcas pertencentes à jurisdição do governo
geral. O documento traz um levantamento circunstanciado dos moradores nas freguesias e
aponta os núcleos de povoamento já consolidados no sertão de cima e no sertão de baixo,
designações através das quais a administração colonial dividia as áreas do interior baiano. De
acordo com o levantamento realizado em 1759, viviam no governo do Arcebispado da Bahia
205.142 almas, desses 76.962 indivíduos residiam nas 34 freguesias sertanejas. O documento
ainda informa que essa contagem populacional excluía os clérigos regulares, freiras, pagãos e

213
SANTOS, Fabricio Lyrio. Da Catequese à civilização: Colonização e povos indígenas na Bahia (1750-1800).
2012. 315 f. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós Graduação em História, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2012, p. 155.
214
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 136, doc. 10523.
108

menores de sete anos, como é obvio também excluíam populações indígenas. De qualquer modo
nos interessa perceber que a população contabilizada que vivia no sertão significava 37,5% do
total de moradores. Os 10.153 fogos localizados no sertão representavam 35,4% do total do
Arcebispado que contabilizavam 28.612 fogos.215
Tabela 1: Mapa de População das Freguesias do Sertão de cima - 1759

Freguesia Fogos Almas


Santo Antônio do Pambú 93 1019
São João do Jeremoabo 250 1822
Sento Sé 243 2023
Santo Antônio da Vila da Jacobina 287 2212
Santa Cruz da Chapada 286 2117
N. S. da Conceição da Água Suja 464 4132
Santo Antônio do Curvelo 348 2864
N. S. do Bom Sucesso e Almas 286 1982
Santo Antônio da Tocambira 188 1328
N. S. da Conceição dos Morrinhos 217 2123
Santo Antônio do Urubu de Cima 362 3425
S. Pedro da Vila do Fanado 427 4218
N. S. da Conceição do Rio Pardo 288 1924
Santa Ana do Caetité 147 1018
Santo Antônio do Rio das Contas 663 3223
Santo Antônio da Jacobina 321 3120
Total 4.870 38.550
Fonte: BNRJ: Documento 48. I-29,19,48

Tabela 2: Mapa de População das Freguesias do Sertão de Baixo - 1759

Freguesia Fogos Almas


São João das Itapororocas 312 5017
Santa Ana do Camisão 91 540
São João da Agua Fria 376 2363
Divino Espírito Santo do Inhambupe 228 1482
N. S. de Nazareth do Itapicuru de Cima 182 1728
Nossa Senhora dos Campos do rio Real 228 1722
Nossa Senhora da Piedade do Lagarto 317 2342
Santo Antônio e Almas da Itabaiana 230 1764
Santo Antônio do Urubu de baixo 138 1018
S. Antônio da vila Nova Rio Real 126 1013
Jesus Maria José S. Gonçalo do Pé do 162 1162
Banco
Nossa S. do Socorro da Contiguiba 486 3120

215
BNRJ. “Rellacam das comarcas pertencentes a jurisdição deste governo geral da Bahia, e das Villas pertencentes
a cada huma nas mesmas comarcas.” Bahia, 25/01/1760. Documento 48. I-29,19,48.
109

N. S. da vitória da cidade de Sergipe Del 312 2247


Rei
Santa Luzia da Estância 246 1786
Nossa senhora da abadia 339 2874
N. S. do Monte do Itapicuru da Praia 318 1880
Santo Amaro da Ipitanga 622 4722
Santa Ana e Santo Antônio dos Tucanos 180 1734
Total 4.893 38.514
Fonte: BNRJ: Documento 48. I-29,19,48

As tabelas acima espelham o resultado do adensamento da rede de freguesias


sertanejas na década de 1760. Demonstra ainda o alcance do governo eclesiástico em grande
medida mobilizado pela ocupação que grassou os sertões baianos na primeira metade dos
setecentos. Torna-se evidente que os fatores de exploração econômica motivadas pela abertura
das minas, intensificou ainda mais a fixação de moradores no sertão.
No curso da segunda década do século XVIII, a administração eclesiástica, apesar de
parecer frágil, já se fazia presente no cotidiano da vida das populações sertanejas. A presença
de pequenas capelas na senda dos caminhos e a proliferação de freguesias, denota que não só
os bens materiais circulavam nas rotas, a troca imaterial e a preocupação com o espiritual
também estava presente durante as viagens. A ideia de que no sertão a vida eclesiástica estaria
reduzida à presença das missões em função da catequese indígena, ao nosso ver, deve ser
flexibilizada diante dos dados apresentados aqui. Os dois róis de confessados de 1718 e 1720,
ao deixar registrado as diversas procedências dos paroquianos, permitem cogitar que uma
substantiva população vinda dos mais distantes recônditos do sertão, fizeram questão de
comparecer à igreja matriz da freguesia de Jacobina para cumprir com o preceito da confissão.
Na próxima secção abordaremos as especificidades e a composição populacional apresentada
nos róis de desobriga.

2.1 Fontes paroquiais e o estudo da história social no sertão

De acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia216, todos os


cristãos, de ambos os sexos, com idade acima de sete anos, que fossem capazes de cometer
pecado, tinham a obrigação de se confessar no período da quaresma ao pároco de sua freguesia
ou a outro confessor que possuísse licença para tal, sob pena da excomunhão. A obrigação da
confissão se iniciava no dia de cinzas até o domingo de Páscoa, após isso, os párocos eram

216
VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra, Real Colégio das
Artes e da Companhia de Jesus. 1720 [1853]. Edição do Senado Federal. 2007. p. 70
110

responsáveis por fazer uma declaração por um rol, que possuía força de carta declaratória, com
uma certidão dos que cumpriram o dito sacramento. O rol de confessados ou rol de desobriga
deveria ser também registrado pelos escrivães das câmaras das vilas, ficando ainda em seu
poder a certidão dos declarados, portanto, tinha força social nas freguesias. Os párocos eram os
‘juízes das almas’, os quais deveriam agir com bondade, ciência e prudência para saberem
distinguir a qualidade dos pecados, as diferenças e circunstâncias deles. Tal prerrogativa os
colocava em situação privilegiada diante das comunidades que estavam sob seus cuidados
espirituais. Através do preceito da confissão, os párocos mantinham um significativo
reconhecimento das vicissitudes e dos principais momentos da vida dos seus paroquianos.
No caso das cidades e vilas, o Rol deveria ser organizado arrolando-se as ruas, casas e
fazendas nas quais residiam os fregueses, isso era válido sobretudo para municipalidades
organizadas em várias freguesias. No caso das vilas e mais locais distantes das principais
cidades, as Constituições Primeiras orientavam que os padres “assentem os lugares, rios,
fazendas e os nomes delas: e debaixo do título da dita rua, ou fazenda assentarão cada casa de
per si, lançando uma risca entre casa, e casa, e assentarão separadamente cada pessoa, que nela
vive, por seu nome, e sobrenome.”217 Os menores de sete anos não estavam sujeitos ao preceito
da confissão, mas os homens e mulheres em idade púbere deveriam ser citados no rol. Os
fregueses que estivessem ausentes de suas freguesias tinham igualmente a obrigação da
confissão nos vinte dias seguintes, ou então poderiam se confessar em outra paróquia, sob pena
de serem excomungados, e se continuassem incorrendo no erro, pagariam multa. Os párocos
deveriam possuir licença aprovada pela Sé Apostólica para receberem a confissão, caso
contrário, a mesma seria considerada nula e sem validade, ficando sujeitos a prisão, suspensão
e mais penas.
Este preâmbulo introdutório presta-se a um melhor entendimento acerca das condições
e especificidades da produção do principal corpus documental que subsidia a escrita deste
capítulo. Aqui a proposta é trabalhar dois tipos de registros oriundos da freguesia de Jacobina.
Primeiramente, os supracitados dois róis de desobriga, anotados pelo pároco da freguesia nos
anos de 1718 e 1720. 218 As listas enumeram os chefes dos domicílios, suas esposas, filhos,
escravos e agregados. O segundo conjunto documental diz respeito ao livro de casamentos da

217
VIDE, Sebastião Monteiro da. op. cit., p. 62
218
As listas encontram-se anexas ao seguinte documento, IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. Autos de
justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco dos Santos superintendente das conquistas e o Coronel
Pedro Barbosa Leal. Salvador, 30 de outubro de 1730. 694f “Rol das pessoas que satisfizeram ao preceito na
confissão e sagrada comunhão este presente ano de mil e setecentos e dezoito nesta matriz de Santo Antônio da
Jacobina.” “Rol das pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão e sagrada comunhão nesta Matriz de Santo
Antônio da Jacobina esta quaresma de mil e setecentos e vinte.” fls.123-145.
111

freguesia, o qual contém os assentos de matrimônio referente aos anos de 1682-1756. Tais
registros tornaram perceptíveis as alianças e vínculos estabelecidos entre livres, escravos, índios
e forros.219 Portanto, os assentos aqui apresentados levantaram muitas questões referentes as
configurações sociais da maior e principal freguesia do sertão. Nesse sentido, dentro dos limites
do que foi possível averiguar, priorizou-se a demografia, as relações de parentesco e as
trajetórias de alguns moradores e fregueses da paróquia de Jacobina.
Antes de proceder à análise dos dados trazidos por estas fontes, faz-se necessário tecer
algumas observações sobre a origem desses róis de desobriga. Em 1730, o capitão das
conquistas Manoel Francisco Soledade abriu um processo no Tribunal da Relação da Bahia
contra o coronel Pedro Barbosa Leal. O peticionário alegava ter sido injustamente preso pelo
coronel Pedro Barbosa Leal, o qual também havia feito o sequestro dos bens do dito Manoel
Francisco. Este indivíduo havia se envolvido em negócios escusos com mais outros dois
mineiros de Jacobina, por conta de uma folheta de ouro. Para defender-se das acusações, o réu,
o coronel Pedro Barbosa, elaborou um auto de justificação, no qual anexou como prova de sua
inocência os róis de confessados relativos aos anos de 1718 e 1720. Os róis haviam sido
solicitados ao pároco da freguesia assim que ele chegou à Jacobina, pois na época atuava como
superintendente das minas e fazia-se necessário averiguar os moradores e seus escravos, de
acordo com o que declarou no seu auto de justificação:
Provará que o Réu assim que chegou a Jacobina para melhor averiguação das
arrecadações da Fazenda Real pediu ao vigário da Jacobina os Róis das
desobrigas de todo o continente de Sua Freguesia que compreende todas
as minas da dita Jacobina, assim para saber os moradores da dita Freguesia
como para constar de todos os escravos que cada um tinha, e é certo e sem
dúvida que na Lista e Rol dos Párocos se compreendem todas as pessoas que
estão obrigados ao preceito da Igreja e remetendo o dito Pároco ao Réu os
Róis do ano de mil e setecentos e dezoito e de mil e setecentos e vinte que se
acham em poder do Réu para a seu tempo os mostrar, pelos quais não consta
nem podia nunca constar que se tomasse o Autor a Rol nem a escravo seu
algum nem a coisa sua [...] (grifo nosso)220

Como fica exposto no trecho acima, o objetivo do coronel Pedro Barbosa Leal ao
anexar as referidas listas de fregueses, ou seja, os róis de desobriga do ano de 1718 e 1720 era
comprovar que o autor do processo, o dito capitão Manoel Francisco Soledade não se
encontrava na freguesia de Jacobina antes do ano de 1722, contrariando a argumentação do
capitão de que ele estava com seus escravos nos distritos minerais da vila de Jacobina há alguns

219
Arquivo do Convento de São Francisco [ACSF]. Campo Formoso, Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia
de Jacobina, anotados na Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756.
220
IHGB, LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, fls. 40v
112

anos. Estas listas estão organizadas de acordo com os locais de residência ou procedência que
os fregueses informaram no momento em que foram à igreja matriz realizar a confissão. Os
moradores foram registrados a partir da indicação dos topônimos de acordo com o domicílio,
seguindo uma clara hierarquia na anotação da composição dos fogos. Em primeiro lugar,
aparece o nome e prenome do chefe do domicílio, seguido do nome e prenome da esposa - que
sempre vem indicada depois do chefe com o designativo “e sua mulher” -, filhos homens, filhas
mulheres, escravos, escravas e por fim, os assistentes. Cabe observar que a lista de 1720
apresenta com maior clareza os vínculos entre os moradores, quando são esposas, filhos,
escravos ou assistentes, uma vez que raramente os sobrenomes do casal ou mesmo dos filhos
são os mesmos. Na impossibilidade de comparar esses Róis de desobriga com outros assentos
paroquiais, como por exemplo assentos de batismos, escolheu-se tratar os dados a partir das
indicações trazidas pelo pároco no documento. Os róis, entretanto, não registraram a condição
de cor dos indivíduos, nem as nações dos cativos, não permitindo aferir quais deles eram
africanos ou crioulos. Não deveria ter sido uma obrigação do padre fazer esse tipo de anotação,
o que por outro lado, não impede que se esboce traços da hierarquia social da freguesia.
Outra observação relevante para o emprego deste documento, como fonte válida para
mensurar a demografia da freguesia de Jacobina, é perceber os que estavam circulando pelas
minas por causa da exploração aurífera. Nos topônimos anotados nos róis fica claro que as
localidades referenciam um vasto território, ainda impreciso até aquele momento, mas que
compreendia segundo pontou Afonso Costa “toda a extensão de terras que, partindo do rio de
São Francisco desde a cachoeira de Paulo Afonso e seguindo à direita até a altura dos Montes
Altos, vinha ter às minas do rio das Contas e aos sertões da Cachoeira, finalizando com
Sergipe,”221 ou seja, um amplo espaço de mais de 300 léguas, comumente designado como o
sertão das Jacobinas.
Surpreende também a quantidade de escravos que se fizeram presentes nos róis de
desobriga, o que permitiu mensurar a média de escravos presente nos domicílios. As
Constituições Primeiras previam “que todos os senhores mandem seus escravos a Matriz para
se desobrigarem desde o princípio da Quaresma até o Espirito Santo: e não o fazendo assim,
havemos por condenado a cada um, que for remisso em cumprir com esta obrigação, em cinco
tostões por cada vez, os quais aplicamos para as obras, e fábrica da Sé;”222 Se a obrigação da
arrecadação não fosse cumprida, seria ao menos, em tese, o padre vigário, que as pagaria de sua

221
COSTA, Afonso. “Vida Eclesiástica. (História da Jacobina).” Jornal do Commercio - Rio de Janeiro, Domingo,
31 de agosto de 1952, p. 4.
222
VIDE, Sebastião Monteiro da. op. cit.,, p.38.
113

casa. Provavelmente tal punição não era corrente, mas é bastante plausível que os padres
admoestassem os senhores a comparecessem à desobriga com os seus escravos, sob a pena de
serem multados, afinal, eram práticas como essas que lembravam aqueles indivíduos suas
obrigações em uma monarquia católica.
Assim, o estudo aqui empreendido considera que o sertão das Jacobinas no início da
década de 1720, viveu o seu ápice populacional em relação à última década do seiscentos, uma
vez que o aumento da extração aurífera atraiu uma substantiva população de cativos, que até
então não existia na região, já que a economia agro-pastoril não demandava tantos escravos
como a aurífera. Apesar de não ter variáveis para mensurar o envio de escravos africanos do
porto de Salvador para Jacobina, sabe-se que a exploração do ouro afetou diretamente o tráfico
atlântico e que diversas praças mercantis, sobretudo Salvador e Rio de Janeiro, receberam um
significativo número de escravos em função do rush do ouro.223 Portanto, toda e qualquer
estimativa para o crescimento populacional de uma região com tais contingências deve levar
em conta essas especificidades.
De todo modo, essas limitações não impedem de lembrar o quanto esta fonte é preciosa
e inédita, uma vez que não são conhecidos outros documentos da mesma natureza para o
levantamento demográfico de uma freguesia do sertão baiano para as décadas iniciais do século
XVIII. Além disso, conhecer a população do sertão pelos nomes e quantidades de livres e
escravos é sem dúvida uma imprescindível contribuição para os estudos com fontes paroquiais
na América Lusa.
A maioria dos trabalhos sobre dinâmicas populacionais partem da análise de registros
de batismos para mensurar a estimativa de crescimento natural da área estudada. No caso do
sertão da capitania da Bahia, assentos paroquiais para a primeira metade do século XVIII, se é
que existem, não foram ainda compilados, o que a uma primeira vista poderia gerar um
problema metodológico que inviabilizaria estimativas demográficas para a área de estudo. No
entanto, após muito refletir, percebemos uma característica incontornável para o exame
demográfico das áreas de mineração. A ausência de fontes paroquiais que atestassem os
batismos não inviabilizou de todo a feitura de estimativas populacionais, pois nas áreas de

223
A impossibilidade de computarmos o tráfico interno diz respeito a ausência dos livros que registraram os
passaportes de envio de escravos de Salvador para as minas. Entretanto em 1722 o vice-rei Vasco Fernandes
dobrou o valor com o qual cada escravo era taxado quando saía de Salvador em direção às minas, a taxa passou de
4$500 réis para 9$000. Isso foi uma ação digna de nota no documento intitulado: “Memória de algumas coisas
mais principais executadas por ordem do Ex.mo senhor Conde de Sabugosa, Vice-rei do Brasil, em todo o tempo
do seu governo, não só a respeito da segurança, e defensa desta praça da Bahia, se não também em utilidade, e
aumento da fazenda real.” Cf. IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do
que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito. 472fls.
114

minas temos uma população flutuante e recém imigrada, vinda dos enclaves do litoral, de
Portugal, das ilhas Atlânticas e muito mais significativa ainda, os africanos recém chegados
através do tráfico de escravos. Portanto ter assentos de batismos, não daria conta de responder
às questões pertinentes à dinâmica econômica de Jacobina, uma vez que, o que importa nessa
análise, é a presença de pessoas e não necessariamente o fato delas terem nascido lá. É óbvio
que os batismos apresentam importantes traços das relações sociais, principalmente a formação
de famílias livres e cativas e o crescimento natural da população, além de explicitar os
parentescos rituais presentes nas relações do compadrio. Além disso os batismos ajudam
entender a circulação de pardos e forros em suas trajetórias de mobilidade social, entretanto,
para os objetivos que se pretende aqui alcançar, insistimos na expressiva representatividade do
Rol de desobriga por registrar a população adulta, em idade laboral e sobretudo, o quantitativo
de escravos que estavam sob a posse de senhores livres e forros.
De outro modo, não pode-se deixar de observar o seguinte aspecto: Quando o pároco
da matriz de Jacobina anotou os confessados nos anos de 1718 e 1720, ele o fez antes da
cobrança dos quintos por escravos de bateias nos distritos mineiros, já que a arrecadação fiscal
somente foi implantada de forma regular após a abertura oficial da mineração no ano de 1722.
Isso significa que não havia de modo explícito ou intencional interesse dos moradores em
sonegar informações sobre quantitativos de escravos. Daí resulta que mesmo sendo uma
estimativa, dada as peculiaridades de Jacobina, estes registros possuem um valor de
representatividade muito factível, pois em uma sociedade católica de Antigo Regime, não
devemos duvidar que deixar de cumprir o preceito da confissão significasse infringir o segundo
mandamento da Igreja, que ordenava o fiel a confessar pelo menos uma vez por ano. O ato de
não confessar acarretaria, na pior das hipóteses em excomunhão e pagamento de multas. Ainda
assim, o medo de sofrer sanções sociais por descumprir um mandamento, caso não se
expurgassem os pecados cometidos, era um dado que não passaria despercebido na
sociabilidade coletiva. Daí a relevância da análise desta fonte, a partir da qual pudemos perceber
inequivocamente o acréscimo populacional que a freguesia da Jacobina teve no começo da
década de 1720.
Durante a construção do banco de dados com as informações destas duas listas,
tivemos dúvidas sobre as condições de elaboração dos Róis de desobriga. A dúvida era se as
listas foram anotadas na Igreja Matriz de Santo Antônio da Jacobina – localizada próxima a
Missão do Saí, na atual cidade de Campo Formoso - ou se ela reunia o rol de desobriga de outras
paroquias, posto que no documento constam localidades nas quais havia paróquias, como as do
Rio Itapicuru, São Francisco e a de Pambú, todas elas fundadas nos anos iniciais do século
115

XVIII. Observando com mais atenção a anotação do padre, tanto para o Rol de 1718, quanto
para o de 1720, constam as seguintes informações:
Todas as pessoas conteúdas no rol atrás exceto as abaixo declaradas
satisfizeram ao preceito anual da confissão e sagrada comunhão nesta Matriz
de Santo Antônio da Jacobina [n]esta quaresma de mil e setecentos e dezoito.
O Vigário Jozeph Monteyro, O Coadjutor Jacome Correa Franco. Tem mais o
Padre Vigário no rol velho de 1720 nove escravos. (grifo nosso) 224

Todas as pessoas conteúdas no rol acima satisfizeram ao preceito anual nesta


Matriz de Santo Antônio da Jacobina [n]esta presente quaresma de mil e
setecentos e vinte passa na verdade Bahia dezessete de outubro de mil e
setecentos e vinte o vigário Jozeph Monteyro. (grifo nosso)225

Estas anotações sugerem que os moradores da freguesia deslocaram-se até a igreja


matriz, próxima à Missão do Saí, (atual cidade de Campo Formoso) para cumprirem a desobriga
da confissão. Os mineiros instalados próximos aos locais das lavras, podem ter ido cumprir com
a confissão na igreja de Santo Antônio que foi erigida em 1705 e para onde seria transferida a
nova sede da vila em 1724. Diante disso, depreende-se duas hipóteses: a primeira é que as
pessoas deslocaram-se de seus sítios de residência para se confessarem no período da quaresma,
o que implicava em um grande afluxo de pessoas na sede da igreja matriz em um curto espaço
de tempo. A segunda hipótese é que os indivíduos que compareceram à matriz já estavam em
Jacobina, e ao se confessarem informaram ao padre os seus sítios originários de residência,
resultando na ampla enumeração de diferentes topônimos nos róis.
Acredita-se serem ambas as hipóteses válidas, implicando em algumas inferências que
devem ser apresentadas. A igreja matriz de Santo Antônio da Jacobina, ao longo da primeira
metade do setecentos, funcionou como um polo atrativo para a população que se espraiava pelas
povoações adjacentes. Por isso supondo que os fregueses se dirigiram para a sede da freguesia
e que as distâncias percorridas não eram poucas, tendo em vista, por exemplo, que os locais
estavam espalhados por distâncias que variavam de 3 até 20 léguas ou mais, infere-se que houve
uma migração sazonal desta população para os locais de mineração. Nesse contexto, é possível
que nem todos os moradores dos domicílios tenham se deslocado para realizar a confissão, o
que pode produzir uma estimativa incerta sobre a quantidade de residentes nos fogos. 226 Em
alguns casos essa identificação é passível de ser feita, em outros nem tanto, pois a forma como
o padre registrou os nomes e sobrenomes deixaram algumas dúvidas. Por esse motivo, tornou-

224
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, p. 155.
225
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, p. 142v.
226
Não foi possível conferir quantos moradores simultaneamente aparecem no Rol de 1718 e de 1720, em parte
por que os nomes muitas vezes não coincidem, mas também por que essa comparação não responderia a questões
fundamentais sobre a demografia da área de estudo.
116

se ainda mais complexa a tarefa de identificar e seguir a trajetória dos escravos, embora em
alguns casos a identificação dos senhores possibilitasse acompanhar algumas poucas trajetórias,
de todo modo, torna-se inverossímil confirmar com grande certeza, os que aparecem
simultaneamente nas duas listas.
Apesar disso, em se tratando da população de livres, foi possível obter informações
mais completas e até perscrutar algumas trajetórias, pois muitos indivíduos, tiveram seus nomes
e sobrenomes anotados, além dos títulos que possuíam, tais como, patentes das ordenanças e o
designativo de dona227, para o caso das mulheres. Acrescente-se a esse quadro, o fato de que
alguns sujeitos declaram diferentes locais de residência, levantando a hipótese de que haviam
se instalado em locais distintos no espaço de apenas dois anos. Esta é uma relevante
peculiaridade para a compreensão das dinâmicas populacionais no período colonial e atesta a
“cultura do nomadismo” conforme sugeriu Sérgio Nadalin em artigo sobre as diretrizes para
pensar a história da população colonial.228
Uma fonte coeva de 1721, escrita pelo mestre de campo e engenheiro Miguel Pereira
da Costa para inteirar o vice-rei sobre a situação dos descobrimentos de ouro na região das
minas do Rio de Contas, fornece um ótimo exemplo da interação e mobilidade que guiava
exploradores na geografia dos sertões. Em seu interessantíssimo relato, ele expressou com
bastante realismo essa constante transumância dos que viviam de descobrimentos e catas nos
ribeiros. Chegando em Rio de Contas ele topou com uns paulistas que junto a outros homens
brancos e seus escravos formavam um grupo de 18 pessoas. Eles andavam em comboio com
cavalos carregados de mantimentos e ferramentas. Contaram para Miguel Pereira que vinham
das minas do rio de Contas Pequeno (rio Brumado), local no qual havia ficado outros
companheiros depois de terem feito suas entradas e demais descobrimentos. Após isso,
passaram por um riacho de “meia pataca”, de onde retiravam em média 160 réis em ouro por
dia/mineiro. O relato continua:
E como esta pinta mostrava um grande rendimento, deixaram o riacho
confrontado, e voltavam para a sua rancharia a refazerem-se de mantimentos;
e que por aquele caminho ser asperíssimo, e muito cheio de morros, incapaz
de cavalos para as conduções, vinham entrar por esta parte abrindo nova
picada, por ser de menos morraria, e mais fácil condução, e iam plantar roças

227
Quem melhor definiu o uso do designativo de dona no espaço social das paroquias foi João Fragoso, para quem
o título auferido às mulheres indicava o pertencimento destas às famílias mais proeminentes da terra, uma vez que
tal designação era concedida pelos párocos locais, como uma deferência às freguesas, ou seja, era uma cortesia,
um “título” produzido através das regras de reconhecimento intrínseco a comunidade. FRAGOSO, J. “O capitão
João Pereira Lemos e a Parda Maria Sampaio: notas sobre hierarquias rurais costumeiras no Rio de Janeiro do
século XVIII.” In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro & ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Exercícios de micro-
história. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2009, P. 167-171.
228
NADALIN, Sérgio Odilon. “A população no passado colonial brasileiro: mobilidade versus estabilidade.” In:
TOPOI, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 222-275.
117

de milho em capão de mato, que perto tinham visto; e enquanto este


mantimento se punha capaz de lhes servir, para entrarem a minerar, se
empregariam em outros descobrimentos, ou sairiam para fora.229

Esse relato é uma pequena amostra da fluidez e deslocamento que impelia os mineiros
a constantemente se mudarem de um lugar a outro. Trata-se de um comportamento habitual dos
exploradores que viviam ao sabor dos achados nos ribeiros e fixados em um sítio ou outro,
somente enquanto esperavam suas roças temporárias renderem algum fruto para o sustento de
poucos meses. Esse relato não difere muito do que ocorria nos primeiros momentos da
mineração em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Cuiabá e Paraná. Nos ribeiros do sertão da
Bahia, em situação semelhante, indivíduos já inteirados da geografia aurífera estavam em
constante deslocamento, para melhor aproveitamento do potencial exploratório do ouro
aluvional. Em todo caso, mesmo havendo uma referência aos sítios de origem, o deslocamento
foi a tônica da ação daqueles que estavam sendo movidos pela atividade de mineração.
A título de ilustração, vamos tentar acompanhar o caso do Alferes Antônio de Siqueira,
morador da Jacobina. No rol de 1718 foi registrado como Antônio de Siqueira Sesmas (de
acordo com o registro que o pároco fez no rol), morador em Jatobá, sem cônjuge e no dia em
que foi a igreja levou consigo seis escravos e dois assistentes de nome Francisco de Souza e
Ignácia Reimoa. No rol de 1720, o mesmo Alferes residia em Mutuca acompanhado de seus 5
escravos: Manoel, Ignácio e João foram declarados como escravos de sua fazenda; José e Teresa
igualmente escravos, aparecem listados em 1718, mas não no Rol de 1720. Ignácia Reimoa
aparece em 1718 assistindo na casa do Alferes, mas em 1720 ela já estava residindo no Brejo,
na casa de Domingos de Souza, ao lado de Teresa (escrava do Alferes) e na companhia de
Francisco de Souza, filho de Domingos de Sousa, o mesmo que apareceu como assistente na
casa do Alferes Antônio de Siqueira. Como se não bastasse, a mesma Ignácia em 1723, estava
com três escravos, declarados como trabalhadores de roça, residindo na missão do Bom Jesus.
O que aconteceu nos cinco anos entre 1718 e 1723, não podemos saber ao certo, mas podemos
supor que ela tenha conseguido uma carta de alforria e com seus pecúlios tenha comprado os
três escravos que foram declarados como seus. Os exemplos são múltiplos, mas aqui fica só
uma hipótese de mudança de condição social, como também de oportunidade de deslocamento,
que variavam com as circunstâncias e condicionamentos de exploração dos ribeiros de ouro.

229
COSTA, Miguel Pereira. “Viagem das minas do Rio das Contas.” In: NEVES, Erivaldo Fagundes e MIGUEL,
Antonieta (orgs.). Caminhos do Sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos Sertões
da Bahia, Salvador, Arcádia, 2007, p.39.
118

O caso do Alferes e da mulher Ignácia, assistente em sua residência, denotam que a


mobilidade geográfica e a ascensão social eram duas características que apontam para escolhas
estratégicas dos indivíduos. Por se tratar de uma área de mineração, onde o influxo migratório
era oscilante, é possível considerar que muitos dos que lá estavam não eram moradores
permanentes e que poderiam estar em trânsito ou com residência temporária nos distritos das
minas, fato corroborado pela quantidade de domicílios sem cônjuge e com uma quantidade
significativa de escravos.
De um modo ou de outro, passaremos agora a apresentar os dados que foram
computados nos róis de 1718 e 1720, sempre comparando as duas listas. O livro de casamentos
será analisado à parte, devido à impossibilidade de cruzarmos todos os dados das duas fontes,
pois em muitos casos os nomes não coincidem devido à forma em como foram anotados pelos
párocos. Seria muito arriscado juntar em um único banco de dados ambos os assentos, pois o
período abrangido por cada lista é diferente, assim como o modelo de feitura das informações
poderiam nos induzir a erros, especialmente em relação à mensuração demográfica. Nosso
objetivo, portanto, foi buscar partir de duas fontes paroquiais - de natureza e perfis
diversificados, mas não excludentes - examinar aspectos diferenciados e inter-relacionados à
dinâmica demográfica da freguesia. Os róis de desobriga foram usados para perceber a presença
de homens e mulheres, assim como de livres, escravos e forros e a espacialização dos domicílios
na freguesia em dois anos. Buscou-se através desses dado perceber o impacto da mineração na
região. Já os assentos de casamentos que abrangem um período de seis décadas, possibilitaram
perscrutar as alianças parentais, o estabelecimento de vínculos, o vocabulário social e a
imigração portuguesa para o sertão da Bahia.

2.2 A freguesia de Jacobina e seus moradores

Até o início do século XVIII o sertão baiano seria assistido por quatro freguesias. Duas
delas estavam em territórios sergipanos, pois Sergipe D’El Rei era capitania anexa da Bahia:
N. Sra. da Piedade da vila do Lagarto e Sto. Antônio da vila Nova do Rio de São Francisco. As
outras duas, em solo baiano, eram a de S. José das Itapororocas (1657) e N. Sra. de Nazaré da
Vila do Itapicurú de Cima (1679). No sertão de cima, havia somente a freguesia de Santo
Antônio da Jacobina (1657/1683)230 com sede em Campo Formoso e a de S. Francisco das

230
Cândido da Costa e Silva apresentou uma relação completa das freguesias do Arcebispado de São Salvador da
Bahia no período de 1549/1889 e indicou ser a freguesia de Santo Antônio da Jacobina, a primeira a ser criada no
sertão de cima datada em 1657. Já Afonso Costa, no texto “Vida Eclesiástica (História de Jacobina)” afirmou que
a freguesia velha, como era conhecida a freguesia de Jacobina, foi criada entre os anos de 1683-1686, na ocasião
119

Chagas da Barra do Rio Grande (1697), ambas serviam as populações distribuídas por mais de
300 léguas.231 Conforme assegurou Afonso Costa, a freguesia de Jacobina (Campo Formoso)
foi a 27ª criada na Bahia provavelmente seu funcionamento como paroquia tenha sido iniciado
na década de 1680 durante o governo do 2º Arcebispo D. frei João da Madre de Deus, que
chegou na Bahia em 20 de maio de 1683. A igreja matriz de Santo Antônio da Jacobina atuava
ao lado da missão franciscana de Nossa Senhora das Neves no sítio do Saí (Jacobina velha,
atual cidade de Campo Formoso). A outra missão de Bom Jesus da Glória, provavelmente
também assistida pela paróquia estava localizada onde foi criada a segunda sede da vila na atual
cidade de Jacobina. A sede da freguesia foi responsável pela administração do sacramentos aos
cristãos dispersos pelas sertanias que se estendiam até as margens do Rio São Francisco. Nesse
território, a presença das missões de Nossa Senhora do Pilar em Pambú (1702), a de São
Francisco localizada em Curral dos Bois (1702), a missão de São Gonçalo (1705), nas
proximidades do rio Salitre e a de Nossa Senhora das Grotas em Juazeiro, asseguravam
especialmente a catequese indígena, mais do que a assistência espiritual dos fregueses.
O livro de casamentos utilizado nessa pesquisa estão arquivados no Convento de São
Francisco, na cidade de Campo Formoso e os primeiros registros remontam ao ano de 1682.
Conforme percebe-se ao longo deste capítulo, mesmo que a freguesia tenha sido criada em
meados do século XVII, a mesma só começou a operar nos últimos anos da década de 1680.
Abaixo apresentamos uma imagem da igreja matriz da Jacobina velha dedicada a Santo Antônio
e atualmente localizada na cidade de Campo Formoso.

do governo do Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus. Respectivamente, SILVA, Candido da Costa e. Os
segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2000. p. 67-73; COSTA, Afonso. “Vida
Eclesiástica. (História de Jacobina)”. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo, 31 de agosto de 1952, p.
4. Agradeço imensamente a Valter de Oliveira o envio desta fonte.
231
SILVA, Cândido da Costa e. op. cit., p. 54.
120

Figura 5: Antiga Igreja Matriz de Santo Antônio da Jacobina localizada na cidade de Campo Formoso

Fonte: IBGE. Série: Acervo dos municípios brasileiros 1957. Antiga Igreja Matriz de Santo Antônio: Escolas Reunidas José de Anchieta: Praça da Bandeira: Campo
Formoso, [S. l.]. Editor: [s. n.]. Ano: 1957
121

Nos idos de 1705, Antônio da Silva Pimentel casado com D. Isabel Maria Guedes de
Brito, legítima herdeira da família, pediu autorização à coroa para erguer uma igreja nas terras
das sesmarias de sua família. Essa igreja estava próxima à missão do Bom Jesus da Glória e já
contava com um significativo povoamento mineradores nas serras e nos leitos dos rios próximos
ao povoado. A coroa concedeu a mercê e a igreja foi edificada tendo também Santo Antônio
como padroeiro. No alvará estavam especificadas as obrigações do solicitante:

[...] hei por bem conceder-lhe licença para erigir a dita igreja, e lhe faço mercê
do padroado dela, em que lhe nomeará clérigo para pároco, sendo aprovado e
à satisfação do arcebispo daquele Estado, com declaração de que será obrigado
o dito Antônio da Silva Pimentel a consigna-la nos seus bens e fazendas
segura, assim o que for necessário para côngrua do pároco, como para fábrica
da igreja, sem em tempo algum concorrer para isso a Fazenda Real.232

Antônio da Silva Pimentel argumentava que a utilização da igreja servia para


administrar os sacramentos aos índios paiaiases que já estavam “pacificados” e viviam na
povoação junto com os brancos. A igreja foi construída onde seria edificada o centro da vila em
1724, próxima ao rio do Ouro fino e foi elevada em 1752 à condição de matriz da freguesia da
vila de Santo Antônio de Jacobina. Ainda hoje funciona como a igreja principal da cidade,
localizada na praça Castro Alves, em meio as serras que estão na entrada de Jacobina.
A criação desta igreja tinha motivações políticas, pois representava uma disputa de
força entre os Guedes de Brito e o coronel Garcia D’Ávila, sesmeiro que dominava as terras
próximas ao rio Salitre.233 Os assentos paroquiais que embasam a demografia de Jacobina foram
registrados em sua igreja matriz, ou seja, na sua primeira sede paroquial, na atual cidade de
Campo Formoso (Figura 05).

232
Não encontramos o documento original nem do pedido e nem da concessão da mercê solicitada por Antônio da
Silva Pimentel, por isso usamos a citação que fez Afonso Costa em um artigo publicado no Jornal do Commercio
em 1952. COSTA, Afonso. op. cit., 31 de agosto de 1952, p. 4.
233
O capítulo III apresenta os motivos que levaram a transferência da sede da vila de Jacobina, edificada em 1722
nas proximidades das terras do coronel Garcia D’Ávila. Este sesmeiro parecia não se importar com o fato da sede
da freguesia ficar situada em suas terras, entretanto quando a vila foi edificada, entrou com um requerimento junto
à coroa alegando os inconvenientes daquela fundação nas imediações das missões indígenas sob seu controle.
122

Figura 6: Igreja Matriz de Santo Antônio da Vila de Jacobina

Fonte: http://estoriasdeantigamente.blogspot.com.br/2014/06/fotos-antigas-de-jacobina.html, consultado em 04 de abril de 2018.


123

De acordo com os róis de desobriga consultados, a população total da freguesia de


Santo Antônio da Jacobina em 1718 era de 1.492 pessoas, distribuídas por 113 locais, composta
por 1.067 homens (71,5%) e 425 mulheres (28,5%). Essa população incluía livres, escravos e
forros, residiam em propriedades de diversos tipos e tamanhos, tais como grandes fazendas
destinadas a pecuária, sítios com roças de subsistência e pequenos núcleos com maior
concentração de casas e construções.234 Pelo Gráfico abaixo vemos que nos termos da freguesia
a população de livres era de 527 pessoas e haviam 965 escravos, ou seja, a média era de 2
escravos para cada pessoa livre.

Gráfico 1: Livres e Escravos na freguesia da Jacobina – 1718

1200
1.067

1000

800
698
População

600

425
400 369
267

200 158

0
Livre Escravo Total
Condição Social

Sexo Masculino Sexo Feminino

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata 5, Doc.
15. fls. 143 a 155.

234
Todas as tabelas foram construídas com base nos seguintes documentos: IHGB. LEAL - Lata 5, Doc. 15. Autos
de Justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco dos Santos, superintendente das conquistas e o
Coronel Pedro Barbosa Leal. Salvador, 30 de outubro de 1730. 694f; entre os fólios 113 a 155 constam quatro
listas de população para a Vila de Jacobina e o sertão: Rol das pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão
e sagrada comunhão este presente ano de mil e setecentos e dezoito nesta matriz de Santo Antônio da Jacobina.
Rol das pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão e sagrada comunhão nesta Matriz de Santo Antônio da
Jacobina esta quaresma de mil e setecentos e vinte. Lista das datas que se deram das quais se devem as dízimas
a saber. Lista das bateias dos mineiros da Jacobina Companhia do Capitão Constantino Gomes Victoria no ano
de mil e setecentos e vinte e três.
124

O Rol de 1720 registrou 2.113 pessoas, das quais 1.421 eram homens (67,3%) e 692
mulheres (32,7%,), residentes em 88 localidades.235 Observando a condição social percebe-se
que os livres conformavam 820 pessoas (38,8%), enquanto os escravos eram 1.257 (59,4%) e
36 forros (1,7%). Especialmente o registro de forros no Rol de 1720, faz com que essa
informação, registrada de forma notável pelo vigário Joseph Monteiro, aponte a condição na
qual aqueles indivíduos viviam, já que, em alguns casos aparecem como agregados em algumas
residências, mas em outros, constituem domicílios independentes. Diante desses dados, pode-
se calcular que a taxa de crescimento da população sofreu um acréscimo de 41,6%, o que
significa dizer que em dois anos, mais 621 moradores passaram a circular pelos distritos
minerais de Jacobina. Este súbito aumento populacional, era sabido em várias partes da
capitania da Bahia e tornou-se fonte de preocupação para o governo do Estado do Brasil,
conforme foi discutido no capítulo I.

Gráfico 2: Livres, escravos e forros na freguesia da Jacobina – 1720

1600
1421
1400

1200

1000
População

861
800 692

600 546
396
400 274
200
14 22
0
Livre Escravo Forro Total
Condição Social

Sexo Masculino Sexo Feminino

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata
5, Doc. 15. fls. 123-143.

Russel-Wood demostrou que em Minas Gerais a necessidade específica de mão-de-


obra masculina em idade adulta para a extração de ouro, criou uma sociedade na qual a

235
Interessante notar, que alguns locais somem da lista de população, enquanto outros aparecem com muito mais
gente morando em sítios que não tinham sido listados anteriormente em 1718.
125

desproporção demográfica entre homens e mulheres, brancos e negros, escravos e libertos


fossem radicalmente diferentes do ritmo de crescimento populacional das plantations do
nordeste. Em Minas Gerais entre 1698 e 1717 em torno de 2.600 escravos entravam por ano
nas vilas mineiras, entre 1717-23 foram de 3.500-4.000 e entre 1723-1735 esse número subiu
para 5.700-6.000 escravos anuais. Como o fluxo de escravos acompanhava a demanda aurífera,
entre 1739-1741 chegou-se ao auge de 7.360 escravos, tendo esses números sofrido uma baixa
no início da década de 1750, na qual ele apontou a soma de 5.900 e 4.500 nos finais da
década.236
É fato que o ritmo de entrada de escravos em Jacobina nem de longe chegou a ser tão
vultuoso como em Minas Gerais, onde o tráfico interprovincial via porto do Rio de Janeiro
alimentou constantemente a necessidade de braços para as minas. A título de comparação, em
1718 o distrito de São José nas Minas Gerais possuía aproximadamente 10% (1.393) a mais de
escravos do que a Vila de Jacobina em 1720 (1.257). Dessa forma percebe-se que o quantitativo
de cativos de Jacobina, praticamente se equipara em números absolutos aos escravos registrados
em São José.237 Nessa vila entre os anos de 1717-18 e biênio de 1719-20, a taxa de escravos
ficou relativamente estável, tendendo ao declínio, só revelando um salto significativo em 1728,
ou seja, uma década mais tarde. Contrariamente em Jacobina no biênio 1718-1720, a população
escrava subiu, mesmo em face de eventuais dificuldades em conseguir cativos e transportá-los
dos portos do litoral para o sertão. Esse parece ser um índice considerável, o que deve ter
movimentado a extração aurífera nos veios da região.
Um dos maiores desafios desta análise diz respeito ao padrão de formação e ocupação
dos domicílios de Jacobina. Na ausência de assentos batismais, torna-se muito dificultoso dizer
com precisão o tipo de vínculos que uniam as pessoas em torno do mesmo domicílio, pois além
do casal, seus filhos e escravos, outros moradores eram presença constante nos fogos. Em 1718
havia 241 chefes de famílias listados no Rol, desses, 32 (13,3%) domicílios eram chefiados por
indivíduos (a grande maioria de homens) proeminentes na freguesia, por terem patentes nas
ordenanças. Para uma tomada inicial, separou-se nas duas listas a pessoas que apareceram com
patentes ou outros títulos e a quantidade de escravos sob sua posse, conforme podemos ver na
tabela a seguir:

236
RUSSELL-WOOD, A.J.R. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Trad. Maria Beatriz de Medina. Civilização
Brasileira: Rio de Janeiro, 2005, p. 164.
237
RUSSELL-WOOD, op. cit., 2005, p. 399.
126

Tabela 3: Chefes de domicílios com títulos e posse de escravos na freguesia da Jacobina


em 1718

Título Quantidade Total de Escravos %


moradores no
domicílio
Capitão de cavalos 1 8 6 3,3
Dona 1 12 11 6
Tenente 1 10 9 4,9
Ajudante 2 12 10 5,5
Capitão-mor 2 17 13 7,2
Licenciado 2 14 11 6
Assistente 3 5 2 1,1
Sargento-mor 3 25 18 9,9
Padre 4 29 23 12,7
Alferes 6 46 24 13,2
Capitão 7 84 54 29,8
Total 32 262 181 100

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata 5, Doc.
15. fls. 143 a 155.

Tabela 4: Chefes de domicílios com títulos e posse de escravos na freguesia da Jacobina


em 1720

Total de %
moradores no
Título Quantidade domicílio Escravos
Assistente 1 5 3 1,37
Sargento-mor 1 19 14 6,4
Capitão-mor 2 45 39 17,8
Licenciado 2 23 16 7,3
Padre 4 38 32 14,6
Capitão 8 87 64 29,3
Alferes 9 79 50 22,9
Total 27 296 218 100

Fonte: Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata 5,
Doc. 15. fls. 123-143.

Por essas duas tabelas vemos que em 1718 os moradores mais proeminentes da
Jacobina (32), portanto, a elite em termos de prestígio, possuíam juntos 181 (18,7%) do total
de 965 de cativos que moravam na freguesia de Jacobina. A única mulher que aparece na tabela
acima e com o designativo de Dona foi Maria Phelisbella Jozepha da Purificação que chefiava
um domicílio com 11 escravos (8 homens e 3 mulheres) em uma propriedade no sítio do
Genipapo. Neste lugar residiam mais outros dois indivíduos, o sargento-mor Domingos Alvrez
127

Casado, sem cônjuge mas com seus 13 escravos, e Bento Veloso com outros 6 cativos.
Certamente todos se conheciam. No entanto, em 1720 a mesma Dona Maria Phelisbella aparece
na lista de moradores já casada com Manoel de Figueiredo Mascarenhas, residindo ainda no
Genipapo e com uma casa onde aparecem 27 pessoas. Certamente esse matrimônio acrescentou
ainda mais proeminência aos noivos, pois o plantel de escravos cresceu substantivamente.
Já em 1720, o percentual de escravos sob a tutela de indivíduos de prestígio não
apresentou uma alteração significativa, tendo o grupo até sido reduzido (passou de 32 para 27),
mas a concentração de escravos aumentou, assim como a quantidade de dependentes. Dessa
forma os 27 moradores proeminentes possuíam 218 escravos, ou seja 17,3% do total da mão de
obra cativa, e mantinham 13,25% ou 296 indivíduos da freguesia sob relações pessoais de
clientela, se acrescermos a essas relações além dos escravos, os filhos, esposas e assistentes em
suas casas. De todo modo o que as tabelas acima indicam é uma tendência que aponta que o
influxo populacional concentrou nas mãos de uns poucos uma maior quantidade de cativos e de
dependentes.
O que chama atenção nas duas tabelas é a força social dos capitães na freguesia, pois
eram um grupo maior e controlavam boa parte da mão de obra escrava, além disso eram os
responsáveis por fiscalizar as lavras de ouro e por isso serão analisados no capítulo IV.
Entretanto uma observação deve ser feita: o que está a ser flagrado é um momento de
aprofundamento das hierarquias sociais costumeiras. A vila ainda não tinha sido efetivamente
criada e alguns dos capitães que aparecem na tabela acima tinham grandes áreas de lavras sob
sua circunscrição, o que poderia claramente reforçar a força de sua rede clientelar. Ainda assim
na lista de 1718 dos 8 capitães, 4 deles eram casados com mulheres que receberam a designação
de Donas, o que reforça o reconhecimento social que possuíam.
Em 1718, o sargento-mor Antônio Pinheiro da Rocha, casado com D. Mariana de Brito
vivia com seus 6 escravos no sitio chamado Paulista. Na lista do ano de 1720 ele já havia sido
provido no posto de capitão-mor da freguesia e notificou ao pároco que estava vivendo sítio
das Bananeiras, bem próximo ao centro da vila, com seus 19 escravos. Sua patente foi
reconhecida pelo rei D. João V no mesmo ano em que foi provido, isso com certeza aumentava
ainda mais sua posição de prestigio no exercício do poder local.238 Da mesma forma pode-se
constatar que outro casal formado pelo capitão-mor João Ferreira da Costa e Margarida da
Silva, moradores na Varge, eram senhores de 11 escravos no ano de 1718. Na lista de 1720,
declararam possuir 20 escravos e 1 assistente como domiciliados em sua casa. O casal não

238
IANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 11, f.213v
128

arrolou filhos, portanto caso eles tivessem deveriam ser menores ou então não compareceram
à igreja para se confessar naqueles dois anos.
A comparação feita entre alguns nomes que se repetem nos dois róis, permitem com
segurança afirmar que dentre a elite de Jacobina houve uma tendência ascendente no aumento
da mão de obra escrava no espaço de dois anos. É possível que a chegada de novos trabalhadores
para as minas tenha influenciado tanto no padrão de posse de escravos, quanto na possibilidade
de alforria de muitos que lá estavam. Os casos apontados mostram que houve um aumento na
quantidade de escravos na posse dos homens mais proeminentes. Mas por outro lado é válido
considerar que as vezes era mais interessante para um morador, já estabilizado nas minas,
alforriar ou vender seus escravos por um preço vantajoso para os recém chegados do que reter
consigo a mão de obra. Sabemos que a estimativa de vida útil de um escravo não ultrapassava
os dez anos, os que sobreviviam dificilmente estariam em totais condições físicas para o
trabalho. Assim, com a produtividade comprometida depois de alguns anos de duras fainas na
mineração, poderia ser mais vantajoso para o proprietário vender o escravo do que arcar com
os altos custos e baixos benefícios de sua manutenção. Ademais, a venda de escravos também
era uma forma de obter o ouro, já que a maior parte dos pagamentos eram feitos com ouro em
pó.
É bom lembrar que de acordo com os róis de desobriga não se sabe quantos escravos
dos que foram arrolados na lista estavam sendo utilizados na mineração, por isso a análise sobre
o uso de mão de obra escrava nas minas será feito no capítulo IV, quando oportunamente serão
apresentadas essas estimativas feitas a partir da lista dos mineiros e datas de mineração. No
item seguinte veremos a distribuição dos moradores pelos domicílios e dessa forma
contemplaremos a quantidade de escravos e parentes em cada domicílio.

2.3 A espacialização dos domicílios na freguesia de Jacobina

Deseja-se aqui contabilizar a quantidade de domicílios e de moradores que perfaziam


os casados e os sem cônjuge nos dois anos analisados. Uma observação importante deve ser
feita com relação à classificação de indivíduos casados e sem cônjuge e a forma como eles
aparecem nas listas. Por ser uma área de mineração, onde o fluxo de pessoas era altamente
instável, supõe-se que muitos dos que compareceram à igreja matriz para se confessarem
poderiam ser casados, mas não estavam acompanhados de suas esposas. Essa hipótese apoia-se
no fato de que se compararmos as listas, percebe-se alguns indivíduos arrolados com suas
esposas em 1718, enquanto na outra lista, o mesmo indivíduo pode aparecer sem o seu cônjuge.
129

Este pormenor permite inferir que os mesmos poderiam estar de passagem nas minas, ou
mesmo, por estarem envolvidos nas atividades de exploração, poderiam não residir
permanentemente na vila, mas compareceram à igreja somente para se confessarem não levando
consigo a sua família, mas acompanhados de seus escravos da mineração. Esses dados
explicariam a grande quantidade de indivíduos sem a companhia de esposas, mas com um
número significativo de escravos que o acompanharam no dia da confissão.
Esse foi por exemplo o caso de Joseph Barbalho Corte Real,239 que no ano de 1718
residia no sítio da Missão, localizado bem no centro do arraial da Jacobina, com seus 17
escravos e apareceu sem cônjuge para cumprir o mandamento da confissão. Logo abaixo dele,
o padre registrou o nome de seu irmão Francisco de Negreiros Corte Real, que também residia
no sítio da Missão com outros 34 escravos. Outros três irmãos também aparecem no Rol: João
de Negreiros, Francisco de Negreiros e Domingos de Negreiros, juntos possuíam 30 escravos
arrolados como pertencentes à sua casa. Em 1718 aparece no Rol outro parente da família, um
tal de Benedito de Negreiros, residente na Mutuca com seus 4 escravos. Na lista de 1720 ele
continuava no mesmo sítio possuindo apenas 2 escravos. João Pereira de Negreiros residente
na missão com 2 escravos aparece citado da mesma forma nos dois róis. Entretanto Francisco
de Negreiros Corte Real que em 1718 possuía 30 escravos (26 homens e 4 mulheres), aparece
em 1720 apenas com Joseph, ou seja, o que foi feito dos outros 29 cativos? Somente os irmãos
Francisco de Negreiros e Joseph Barbalho Corte Real, moradores já apresentados nas linhas
anteriores, juntos possuíam 47 cativos. Apesar de não termos nenhuma informação que
comprove serem eles negociantes de cativos, desconfio que esses distintos senhores estavam
no centro da vila vendendo escravos, pois seus nomes não aparecem nem nas listas de repartição
de datas e nem no recenseamento de mineiros de 1723. Ao que parece, a família Negreiros tinha
parentela em Jacobina e Francisco de Negreiros Corte Real, pode ter aproveitado a nova safra
exploratória para realizar negócios com o trato de escravos em Jacobina. Ele era casado desde

239 A Família Negreiros descende de antiga família que veio do Arcebispado de Braga no começo do século XVI.
Jorge Esteves e Dorotéa Fernandes, se estabeleceram como senhores de engenho na vila de São Francisco de
Sergipe do Conde, no recôncavo da Bahia. A família, Negreiros, Barbalho e Franca, estavam unidas via laços de
casamentos ao longo de várias gerações. Segundo Jaboatão, Luiz Barbalho de Negreiros casou-se com Luiza da
Franca Corte Real ou Luiza Soares Franca Corte Real e tiveram 7 filhos. Seu primeiro filho foi Francisco de
Negreiros Corte Real, que a 7 de outubro de 1697 se casa com a viúva Antônia de Araújo de Aragão. A primeira
herdeira desse casal, Luiza da Franca Corte Real se casa com Sebastião da Rocha Pita. O sexto filho do casal Luiz
Barbalho e Luiza foi José Barbalho Corte Real não aparecem com vínculos de casamento na Genealogia do Frei
Jaboatão. Cf. JABOATÃO, Fr. Antônio de S. Maria. Genealogia baiana ou Catálogo Genealógico. Revista do
IHGB. 1946. p. 89 e 90.
130

1697 com a viúva Antônia de Araújo de Aragão, mas no Rol de Desobriga não aparece essa
indicação.
Essa inferência sobre o caso de Francisco de Negreiros também nos serviu para
refletirmos sobre a ausência de cônjuges nos róis. Dessa forma, como dissemos, nem sempre o
fato de não constar o nome do cônjuge denota ser o indivíduo solteiro, por isso na base de dados
adotamos a denominação de “sem cônjuge”, como categoria mais apropriada do que ‘solteiro’.
Outra conclusão é que a migração e a mineração explicam também o caráter amplamente
majoritário não só da população escrava, como também da população livre. A presença de
muitos homens sem suas esposas, reflete em parte, o caráter temporário de sua passagem pelas
minas de Jacobina, dinâmica essa bem própria de locais de mineração.
Dito isso, buscaremos agora refletir acerca do perfil dos domicílios a partir de duas
variáveis: primeiro tendo em vista o significativo aumento na quantidade de domicílios nos dois
anos analisados, e depois os termos de sua espacialização, com vistas a perceber os locais de
maior concentração populacional.
Nos róis verifica-se um aumento total de 46% no número de domicílios nos termos da
freguesia, passando de 241 para 352 fogos computados. Acontece que o termo da freguesia era
bastante amplo territorialmente, por isso torna-se importante pensar as condições desse
incremento populacional e as áreas com maior concentração de pessoas. Como ponto de partida
pode-se visualizar através da tabela 05 que nos dois anos o aumento substantivo ocorreu nos
domicílios que indicavam a presença de casais. Estes sofreram um acréscimo de 60,6% e os
sem cônjuge subiu em um ritmo menor, 36,7%.

Tabela 5: Domicílios com a presença de casados e sem cônjuge na freguesia de Jacobina


em 1718 e 1720

Total de
Ano Casados % Sem Cônjuge % Domicílios
1718 94 39% 147 61% 241
1720 151 43% 201 57% 352

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718 e 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3
Lata 5, Doc. 15. fls. 123 a 155.

A análise dos 352 domicílios registrados no Rol de desobriga, para o referido ano de
1720, verifica-se a presença de 94 filhos, dos quais 66 eram homens e 28 mulheres. Dos 20
fogos que indicaram a presença de filhos, nenhum deles possuía mais do que quatro, em sua
maioria do sexo masculino. Sabe-se que os menores de sete anos não estavam obrigados ao
preceito da confissão, mas de todo modo isso indica não serem as famílias extensas, ou até
131

mesmo, que a maioria dos fogos não eram constituídas por famílias parentais, dada a
sazonalidade da área de estudo. Outro dado relevante aponta que nos domicílios com filhos,
nenhum dos chefes possuía cônjuge e 8 desses eram comandados por mulheres. Uma dessas
chefes era Ignes Martins, moradora no Itapicuru, que dividia sua casa com o mineiro João de
Andrade (não sabemos a relação de parentesco), o filho deste, duas escravas, dois sobrinhos e
mais os 8 escravos dela. Sem dúvida uma intricada composição residencial e familiar. Já na
casa de Maria Pereira de Brito, em um sítio chamado Brejo, ela residia sem cônjuge e com seus
4 filhos homens e mais 7 escravos. A hipótese mais atraente parece ser a ausência dos maridos,
possivelmente envolvidos com atividades de exploração, venda de gado ou outros negócios,
que demandavam longos períodos fora de suas residências. Em alguns domicílios, encontramos
parentes coabitando e a lista de 1720 é mais precisa na indicação desses indivíduos. Em 32
deles residiam 44 pessoas, as quais tinham vínculos de parentesco direto com o chefe da casa.
Desses, 26 eram homens, a maioria eram de primos e sobrinhos, aparecendo 1 genro. As 18
mulheres eram em sua maioria mães, irmãs e sogras dos chefes. No caso de parentesco ritual
só encontramos o caso de Simoa, afilhada do preto Manoel Rodrigues e morador no Caem.

Tabela 6: Domicílios da freguesia de Jacobina de acordo com sua composição em 1718 e


1720
Ano Topônimos240 Casado S/cônjuge Parente Filho Filha Escravo Escrava Assistente
1718 113 94 147 99 51 37 690 266 9
1720 91 151 201 88 86 44 849 382 58

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718 e 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3
Lata 5, Doc. 15. fls. 123 a 155.

De acordo com a tabela 06 observa-se que as famílias não eram muito extensas, se
mensuradas a partir da quantidade de filhos que apareceram registrados nos Róis. A uma
proporcionalidade entre escravos e parentela, aponta nos dois anos a razão era de 5 escravos
por cada membro familiar que compunha o domicílio. A tabela 07 e 08 demonstra mais
minunciosamente a composição dos domicílios registrados nos róis, revelando que a maioria
deles possuía entre 3 e 5 moradores. Esse padrão domiciliar dominou a paisagem de ocupação
da região de Jacobina e esteve relacionada com a formação de pequenas propriedades dedicadas
a produção agropecuária. Nas listas de moradores alguns domicílios são indicados sem chefes
de família, somente constam o nome dos escravos, mas como não houve indicação destes serem

240
Os topônimos referem-se as localidades que foram indicadas pelos moradores e anotadas pelo pároco. Note-se
que de 1718 a 1720, reduziu-se a quantidade de locais, mas isso não significa que os mesmos tenham desaparecido,
mas sim que os moradores podem ter mudado de lugar de habitação.
132

casados, incluiu-se esses escravos na categoria ‘sem cônjuge’. Houve cinco recorrências com
esse tipo de informação, em quatro delas aparece somente o nome dos escravos e seu local de
residência. Na lista de 1720, os escravos de Manuel Martins foram à igreja se confessar, mas
ao que parece sem a presença do seu senhor. Não é demasiado exagerado que no contexto de
uma vila mineradora, não necessariamente os escravos viviam em coabitação com seus
senhores. Muitos deles passavam dias longe de casa, catando ouro em lavras antigas e pagando
ao seu senhor um jornal de meia oitava por dia. A fina percepção que teve o coronel Pedro
Barbosa Leal sobre essa prática, está contida no seguinte trecho de uma carta escrita por ele e
enviada ao vice-rei o Conde de Sabugosa.

Nem ainda dentro das Minas se pode dar legitima arrecadação na extração do
ouro, porque se deve considerar que sendo muito os mineiros que tiram ouro
são poucos os que tem lavras abertas, e certa por que os mais deles trazem os
seus negros a faiscar, isto é dizer aos negros que lhes hão de dar cada dia meia
oitava de ouro de jornal, e que vão trabalhar donde quiserem. Estes faiscadores
vão pelas lavras velhas onde na lavagem sempre fazem jornal, e outros se
metem por entre as serras, e por entre as brenhas, e pelos córregos que não
estão conhecidos, e os vão escalando e dando suas escavações donde tiram
ouro, fazendo os seus jornais e vem aos sábados dar conta aos seus patronos,
e lhes fica o mais ouro para o seu comércio. Muitas vezes se passam quinze
dias que seu senhor não sabem deles;241

Tabela 7: Composição dos domicílios por quantidade de residentes, casados, sem


cônjuge e escravos – 1718

Quantidade Domicílios
de residentes
por Total de A B C D E Total de
domicílio Domicílios Casados Resident Filhos, Escravos Escravas dependentes
es Sem Parentes, C+D+E
cônjuge assistentes
1 7 0 7 0 0 0 0
2 18 7 11 4 7 1 12
3 43 15 26 22 31 15 68
4 28 12 16 11 49 11 71
5 32 9 23 12 85 23 120
6 24 10 14 11 68 31 110
7 19 11 8 18 57 28 103
8 14 7 7 10 62 20 92
9 16 6 10 21 77 24 122
10 13 4 9 18 63 32 113
11 8 6 2 20 36 18 74
12 7 3 4 21 36 17 74
13 4 3 1 6 26 13 45
14-18 5 1 4 3 51 20 74
Acima de 24 3 0 3 17 50 14 81
Total 241 94 143 194 698 267 1159

241
IHGB: DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e secretário de Estado ao conde de Sabugosa.
“Sobre se rematarem por contrato os quintos das Minas desta capitania.” fls. 04
133

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata
5, Doc. 15. fls. 143 a 155.

Tabela 8: Composição dos domicílios por quantidade de residentes, casados, sem


cônjuge, forros e escravos – 1720

Quantidade Domicílios
de residentes
por Total de A B C D E F Dependen
domicílio Domicílios Casados Sem Filhos, Forros Escravos Escravas tes
cônjuge agregados C+D+E+F
e outros Total
1 10 0 10 0 0 0 0 0
2 62 24 38 17 3 17 2 33
3 49 21 28 21 3 40 10 74
4 49 23 26 32 5 55 30 122
5 48 21 27 47 6 91 28 172
6 27 15 12 24 4 64 29 121
7 28 15 13 30 6 75 39 150
8 10 4 6 16 1 34 14 55
9 13 6 7 12 1 55 28 96
10 13 2 11 18 0 61 37 116
11 9 4 5 15 0 51 20 86
12 6 3 3 12 2 29 18 61
13-15 13 7 6 26 1 87 47 161
16-18 7 1 6 18 0 66 29 113
19-21 6 5 1 21 4 55 28 108
Mais de 22 5 3 2 2 0 81 37 120
Total 355 154 201 311 36 861 396 1588
Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718 e 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3
Lata 5, Doc. 15. fls. 123 a 143.

Na tabela 07 fica mais evidente que os domicílios com poucas pessoas (entre 2 e 5
moradores) foram mais frequentes do que aqueles com extensa parentela e nelas os chefes
declararam ter esposas. As casas que possuíam entre 13-15 moradores conseguiam
proporcionalmente agregar mais quantidade de dependentes, inclusive de escravos,
demonstrando um poder de concentração econômica. Estas sem dúvidas tratavam-se de
propriedades maiores e certamente voltadas mais para atividades agropecuárias do que de
mineração.
A análise baseada no recorte geográfico, mostra que a proporção de casados e sem
cônjuge nos sítios localizados perto das minas, revelam mais uma nuance da realidade de
coabitação nos domicílios. Por exemplo, na tabela de domicílios de 1718, percebe-se que os 14
topônimos próximos às áreas de mineração, possuíam 66 domicílios, desses, 52 (78,8%),
aparecem somente o chefe sem uma indicação de esposa e somente 14 (21,2%) fogos eram
constituídos por casais. Para uma melhor estimativa, os chefes sem cônjuge possuíam 240
escravos e os casados 57, totalizando 297 cativos, ou seja, eles concentravam 30,7% da
134

população cativa da região. Assim dos 147 domicílios em que o chefe aparece sem a esposa em
1718, 52 estão perto dos ribeiros de mineração e representam 35,3% das casas registradas pelo
padre. Estes dados informam que uma parte significativa dos moradores estavam lá sem a
presença de suas famílias ou em residências com muito mais homens do que mulheres,
indicando que a hegemônica presença masculina estava diretamente ligadas em função das
atividades da mineração.
Além da concentração de mais homens solteiros do que de mulheres, a intensa
presença escrava nos locais próximos às minas, atesta a irregular ocupação demográfica, tão
característica desses distritos no auge do processo de exploração aurífero. Russell-Wood chama
a atenção para essa mesma especificidade nas vilas de Minas Gerais: “Uma característica
demográfica particular de Minas Gerais na época colonial era a intensa concentração de
escravos em áreas pequenas, em termos de espaços, mas com elevado potencial produtivo.”242
Pode-se afirmar que essa peculiaridade também se fez presente em Jacobina.
Das 52 casas nas quais os chefes não possuíam esposa, o sítio do Itapicuru, próximo
ao rio de mesmo nome, concentravam-se o maior número de residências, com 12 fogos, nos
quais moravam 37 escravos e mais 70 pessoas. Apesar disso, a Missão, próxima ao centro da
vila, foi o local que apareceu com 88 residentes, conformando o percentual de 20% do total de
moradores que estavam perto dos ribeiros, sendo que deste, 69 eram de escravos.

Tabela 9: Composição dos domicílios próximos aos ribeiros de mineração – 1718

Total de
Topônimo Casados S/Cônjuge Escravos moradores
Cachoeira 1 3 20 31
Caem 2 2 12 19
Canavieira 1 5 30 50
Figuras 1 7 24 41
Genipapo - 3 28 31
Itapicuru 6 6 37 70
Jacomaohá - 2 8 10
Malhada - 1 8 9
Missão 1 9 69 88
Ouro fino 1 2 12 18
Palmar - 8 31 40
Vargea 1 4 18 24
Total 14 52 297 431

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718. IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata
5, Doc. 15. fls. 123 a 155.

242
RUSSELL-WOOD. op. cit., 2005, p. 165.
135

Tabela 10: Composição dos domicílios próximos aos ribeiros de mineração – 1720

Total de
Topônimo Casados S/Cônjuge Escravos Forros moradores
Cachoeira - 2 13 - 17
Caem 4 2 20 2 28
Canavieira 4 2 9 1 16
Figuras - 9 49 4 62
Genipapo 2 2 37 1 42
Itapicuru 9 12 78 - 100
Jacomaohá 3 8 18 2 31
Malhada da Pedra 3 3 9 - 22
Missão 5 24 122 - 151
Ouro fino 2 7 46 - 55
Palmar - 10 52 - 62
Riacho do Brito 3 4 11 1 19
Varge 1 1 23 - 25
Volta do Itapicurú 8 6 20 - 34
Total 44 90 494 12 664

Fonte: Rol de pessoas que satisfizeram ao preceito da confissão... 1718 e 1720. IHGB. LEAL – DL 970.3
Lata 5, Doc. 15. fls. 123 a 143.

Se compararmos os valores absolutos de moradores nos sítios demonstrados acima


vemos que 233 indivíduos a mais passaram a circular nos principais sítios onde havia
mineração, portanto estamos falando de um aumento de 54% no período de dois anos. No sítio
da Missão, próximo ao aldeamento indígena e no centro do arraial, local com uma grande
concentração de residentes, foi também um dos mais afetados pelo afluxo de pessoas em dois
anos. Em 1718 haviam 88 moradores com seus 69 escravos, dois anos após, em 1720, o número
de pessoas que informou ao padre estarem residindo na Missão subiu para 151, com a presença
de 122 escravos. Como foi dito, os Róis de 1718 e 1720 não repetem os mesmos locais, mas
pela lista das datas de mineração, pudemos selecionar no Rol de confessados os sítios onde se
poderiam encontrar atividades de lavras. A concentração de homens livres e escravos em áreas
específicas nas quais havia mais atividade de mineração foi um fator relevante para o perfil
populacional de Jacobina. Em 1720 haviam no total 568 (73,5%) de homens, com 228 (40,1%)
livres e 340 (59,9%) escravos, residentes nos domicílios mostrados na Tabela 10.243 O
quantitativo de mulheres era de 204 (26,5%), as livres 48 (23,5%) e escravas 156 (76,5%), a
população masculina superava em 35,9% a feminina, ou seja, era quase três vezes superior, não
se diferenciando muito de outras áreas de mineração com recente povoamento.

243
Escolhemos analisar a composição populacional por sexo e condição social do ano de 1720 por ser a
amostragem mais completa.
136

Na Missão, o capitão Gaspar Alvares da Silva, homem solteiro, assistente pessoal do


Coronel Pedro Barbosa Leal e pertencente a uma das mais extensas famílias que encontramos
em Jacobina, residia com mais 15 pessoas. Nos antecedentes de sua família, encontramos o
capitão Antônio Alvares Silva, filho de Manoel de Oliveira Porto, fazendo um dos primeiros
descobrimentos de minas nos ribeiros de Pindobaçu em 1701, ainda no tempo do governo de
D. João de Lencastre. Essa informação faz até mais sentido, quando observa-se a quantidade de
pessoas com o sobrenome Alvares, envolvidas no trabalho com minas. Dos indivíduos
identificados, encontram-se Silvestre Alvares de Carvalho, João Alvares Barreiros e seu irmão
Antônio Alvares Barreiros, todos como chefes de extensos domicílios, com 16 a 20 pessoas.
Dentre os moradores, um casal de forros e 6 assistentes aparecem vinculados às suas casas, e o
interessante é que esses assistentes mantinham o sobrenome ‘Alvares’, não possuindo mais
nenhum outro.
Esse foi o caso do assistente Fradique Alvares, que em 1721 arrematou duas datas de
mineração no Ribeiro das Jabuticabas. Na primeira data ele pagou duas oitavas e na segunda,
se consorciou com Francisco de Morais e pagou duas oitavas e meia e $200 réis por 40 braças.
Nesse mesmo ribeiro, o capitão Gaspar Alvares da Silva, também tinha arrematado lavras.
Fradique Alvares ao mesmo tempo que tinha suas bateias onde empregava quatro escravos -
Ignacio, Mathias e João Gomes, não sabemos o nome do quarto - também trabalhava no serviço
da casa do coronel Manoel de Figueiredo Mascarenhas (o mesmo que Joaquim Quaresma
Delgado encontrou em 1731 e homem de confiança do vice-rei). Acontece que na casa de
Fradique havia também uma mulher assistente, que por sua vez possuía um escravo de bateia.
Parece que as relações de dependência se estabeleciam em cadeia. O coronel Manoel de
Figueiredo Mascarenhas, além de ter tido uma vida longa, manteve por muitos anos uma relação
de proximidade com a família Alvares. Em 7 de novembro de 1749, ele assinou como primeira
testemunha o assento de casamento de Catarina Alvares, filha legítima de Antônio Alvares
Barreiros e moradores em Morro do Chapéu.244
As fazendas e povoados estabelecidos na região do rio de São Francisco foi outra zona
de povoamento que apareceu nos róis. Na lista de 1720, 414 moradores indicaram 28 locais de
residência distribuídos em 49 fogos: 15 (30,6%) formado por casais, os outros 34 (69,4%) foram
se confessar sem declarar cônjuge. Nessas residências foram indicadas a presença de 105
(25,3%) livres, com 34 (8,2%) filhos e 12 (2,9%) parentes. Os escravos somavam 309 (74,6%),
sendo 216 (69,9%) homens e 93 (30,1%) de mulheres cativas. O perfil de ocupação territorial

244
Arquivo do Convento de São Francisco [ACSF]. Campo Formoso: Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia
de Jacobina, anotados na Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756. 90 fls.
137

e o padrão de formação domiciliar, a depender da localidade, está claramente explicitado no


Rol. Entre o povoamento nos arredores das lavras de Jacobina (827) e dos arraiais nas margens
do rio de São Francisco, há claramente duas diferenças: A primeira pode ser logo percebida na
lista, pois em cada arraial do São Francisco, abaixo do topônimo há poucas famílias indicadas,
em muitos casos só aparece 1 ou 2 unidades familiares. A segunda diferença está no padrão de
constituição dessas famílias, que normalmente indica a presença do chefe, de sua esposa, filhos
e logo depois os escravos, dando a entender ser ali uma só unidade produtiva. Em muitos dos
casos a presença de parentes é uma constante, tal como foi declarado na casa de Domingos
Pereira Brandão, morador em Barra do Salitre, com sua esposa Maria Damasia, sua mãe Maria
Brandoa e os seus oito “escravos da fazenda” (exatamente como está na fonte). Em Tamandoá
por exemplo, encontramos uma casa onde vivia o casal Manoel Rodriguez e Úrsula dos Reis,
nela também residia seu genro Manoel Barbosa, casado com Antônia da Costa. Eles indicaram
ter somente 1 escravo de nome Antônio. Desses locais próximos ao rio de São Francisco, Barra
do Cento Sé era o mais povoado, 84 dos seus moradores aparecem na lista. Era lá que vivia o
capitão Martinho Soares, sem esposa e com seus 6 filhos e 11 escravos. Sua vizinha Apelônia
dos Santos era a chefe de uma casa singularmente feminina, senhora de 7 escravos, vivia na
companhia de suas 3 filhas, um casal de escravos, Antônia e Alexandre e mais 5 escravas. Uma
composição bastante divergente das residências mais próximas à Jacobina, tal qual foi
apresentado anteriormente.
Portanto, os róis de confessados revelam alguns traços daquele povoamento. Em
primeiro plano o padrão de ocupação era rarefeito, disperso e itinerante, contudo havia uma
maior concentração de homens livres e escravos e próximos aos locais das lavras. A migração
e transumância dos indivíduos em busca dos melhores sítios de mineração determinava o alto
índice de domicílios sem casais formalmente registrados ou com pouca presença de filhos.
Segundo bem afirmou Sérgio Nadalin: “As regiões de mineração, pelo menos nas suas fases
iniciais, eram percorridas por garimpeiros que mal acampavam para logo seguir adiante – mas,
às vezes, deixavam atrás de si, arremedos de povoados.”245 As casas chefiadas por mulheres
também eram poucas, 6 em 1718 e 25 em 1720. Os dois róis de desobriga utilizados para
dimensionar a distribuição populacional em 1718 e 1720 serviu como uma espécie de ‘retrato
instantâneo’ da freguesia de Jacobina, apesar de sabermos que muitas questões não puderam
ser respondidas apenas por essa fonte. Deve-se lembrar também que naquele momento a
mineração ainda não havia sido formalmente autorizada pela coroa, apesar de sabermos que a

245
NADALIN, op. cit., p. 232.
138

exploração já andava em curso, fator que condicionou a criação da vila em 1722. Contudo, nota-
se uma ocupação regulada pela instabilidade demográfica, em expansão ao sabor das novas
frentes econômica da mineração e seu efeito de arraste.246 Portanto a principal característica de
Jacobina na década de 1720 foi ser uma área de fronteira aberta, com uma jurisdição eclesiástica
em via de consolidação, para além do exorbitante território daquela freguesia. Os parcos
registros sobre o modo de vida itinerante que os homens levavam, indicam com clareza estas
circunstâncias. Eles chegavam de diferentes lugares do império ultramarino e estabeleciam
moradia no arraial de acordo com as circunstâncias e seus interesses naquela nova área de
mineração. Esse será o assunto do próximo item.

2.4 Casamentos, hierarquias e trajetórias sociais

O outro conjunto documental originário dos assentos paroquiais da freguesia de


Jacobina foi o Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de Santo
Antônio do Sertão da Jacobina. Nesse livro foram registrados 414 assentos realizados em
diferentes capelas do termo da freguesia entre os anos de 1682 e 1757.247 O referido livro
encontra-se custodiado no convento de São Francisco, na paróquia da Igreja Matriz de Santo
Antônio na atual cidade de Campo Formoso (antiga Jacobina velha). Esta inédita documentação
é o único livro que atesta algum tipo de registro paroquial referente à freguesia da Jacobina nas
últimas décadas do século XVII e primeira metade do século XVIII.248
Antes de adentramos na apreciação qualitativa dos assentos, desejamos dizer algumas
palavras sobre a natureza e organização do livro.249 Em primeiro lugar, nota-se na primeira

246
Estudando o sistema de formação do mercado interno colonial do Perú, Assadourian constrói um esquema
interpretativo baseado na formação de um espaço econômico que se auto realiza através de uma dinâmica própria.
Seguindo o curso desse sistema interpretativo, Assadourian pressupõe que a economia mineradora possui uma
“grande capacidade de arraste econômico inter-regional de curta e larga distancia, tanto sobre setores produtivos
já desenvolvidos no sistema primitivo, como sobre novos setores suscetíveis de desenvolvimento.” Cf.
ASSADOURIAN, C. S. “La producción de la mercancia dinero em la formación del mercado interno colonial.”
In: Revista Economía, Vol. 1, Nº 2, 1978, p. 11.
247
Arquivo do Convento de São Francisco [ACSF]. Campo Formoso: Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia
de Jacobina, anotados na Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756. Meus mais sinceros
agradecimento a Raul Macedo que foi fundamental na confecção do banco de dados com os assentos matrimoniais.
248
Os outros livros que estão custodiados no Convento de São Francisco são do final do século XVIII e possuem
assentos de casamento, de batismo e de óbito. Apesar da relevância desse conjunto documental, que merece uma
pesquisa mais acurada e sistematizada, a análise desses assentos não foram incluídos, por extrapolarem o recorte
temporal desta tese.
249
Algumas das observações realizadas nesta seção foram inspiradas na excelente metodologia inclusa no texto de
Roberto Guedes, no qual ele dedica sua análise à feitura dos livros de batismo da Sé do Rio de Janeiro, observando
sobretudo como as transformações sociais engendraram novas maneiras de organizar os livros de registros
paroquiais na principal freguesia carioca. Cf. GUEDES, Roberto. “Livros paroquiais de batismo, escravidão e
qualidades de cor (Santíssimo Sacramento da Sé, Rio de Janeiro, Séculos XVII e XVIII).” In: FRAGOSO, João.
et. al., op. cit., p. 127-186.
139

página do livro um termo de abertura, seguido da assinatura do vigário Antônio Velho da


Gama250 e datado de “setembro 2 de 1674”. Ainda na mesma folha registra-se outras duas datas
as quais compreenderiam o período dos assentos: Localizada no canto direito consta a anotação
“Campo Formoso – B 1682-1756”. Provavelmente é uma indicação colocada a posteriori, já
que logo abaixo pode-se claramente ler “1682-1751”. Esta sim possivelmente foi uma anotação
original. O livro possui um texto de abertura bastante ilegível e não localizou-se termo de
fechamento. Tem 90 fólios os quais trazem assentos fora da ordem cronológica, vide o fato de
alguns assentos relativos à década de 1720 estarem nas últimas páginas do livro. Provavelmente
durante o restauro, os fólios foram acomodadas sem atentar-se para a sequência original na qual
o mesmo estava organizado. O livro encerra os registros no ano de 1756, entretanto, no fólio
15, há um assento de casamento datado de 08 de novembro de 1757. O livro registrou os
matrimônios até 1756 pois no ano seguinte em 1757, a freguesia foi desmembrada e a igreja da
vila de Jacobina recebeu o título de paróquia, tendo iniciado suas atividades em 1758.
O livro contém assentos de livres, escravos, índios e forros, não havendo separação
entre os registros. Muitos dos casamentos não foram feitos na igreja matriz mas em outras
capelas, nas quais padres licenciados administraram os sacramentos e posteriormente foram
transcritos no livro da freguesia.

Figura 7: Fólio de abertura do livro de casamentos da Freguesia de Santo Antônio da


Jacobina

250
Antônio Velho da Gama, cônego da Sé na Bahia e serviu de clérigo geral em Pernambuco na década de 1664.
Encontramos uma petição assinada por ele contestando o pagamento de imposto sobre o tabaco que seria usado
para sustentar a infantaria de Recife. AHU, Avulsos, (BG), Cx. 1, Doc. 70.
140

Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de
Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, fls. 01

As más condições de legibilidade do livro não permitiu inserir no banco de dados todos
os registros. Entretanto, entre fólios com tinta repassada e deteriorados parcialmente pelas
traças e pelo tempo, e devido ao fato de que o livro havia sido restaurado (não se sabe quando,
nem como), foi possível contabilizar a existência de 414 assentos. Desses, somente 310 foram
aproveitados e pelo menos alguns registros estavam completamente legíveis e os quais foram
transcritos integralmente. Ademais, constata-se que ao longo das décadas, os assentos
tornaram-se cada vez mais completos, permitindo-se conhecer com mais detalhes o perfil dos
indivíduos que foram a igreja sacramentar tão importante momento de suas vidas. Abaixo uma
imagem de um dos melhores fólios do livro:
141

Figura 8: Fólio contendo assento de casamento do livro da Freguesia de Santo Antônio


da Jacobina

Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de
Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, fl. 43.
142

Ao longo da década de 1740 os registros tornaram-se mais completos se comparados


com os primeiros assentos. Talvez a presença de um padre visitador em junho de 1742, tenha
inegavelmente influenciado a qualidade dos assentos que deveriam ser feitos conforme
mandava as Constituições Primeiras. Pode-se inferir isso a partir da anotação deixada por ele
no fólio 62 do livro, onde consta a seguinte advertência:
Vistos em visitação o pároco cuide em mandar assinar as duas testemunhas
principais que assistem a administração dos sacramentos nos fins de cada
termo como já foi advertido pelo padre visitador [Ign]Jardim, Matriz de Santo
Antônio da Jacobina. Junho 13 de 1742; Padre João da Costa Coelho,
Visitador.251

O livro possui grafias diferentes e pelas assinaturas pudemos também contabilizar a


quantidade de padres que assinaram os registros, demonstrando a passagem dos párocos na
região, mas também revelando a cartografia de outras capelas ligadas ao termo da freguesia. O
vigário Joseph Monteiro foi o religioso que mais tempo esteve na freguesia tendo realizado 78
dos 310 registros, outros 63 padres, vigários e frades também realizaram casamentos em 30
locais diferentes, incluindo fazendas, oratórios, capelas e casas de particulares. O gráfico abaixo
demonstra a realização dos matrimônios por década:

Gráfico 3: Casamentos registrados no livro da freguesia de Jacobina, 1682-1757

350
310
300

250

200

150 132

100

45 45
50 28 34
9 17

0
1682-16851704-17071711-17191721-17291730-17391740-17491750-1757 Total

Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na
Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, 90 fls.

251
Livro de casamentos... fls. 61v.
143

A quantificação demonstra que entre 1682 e 1719 a incidência de casamentos não foi
muito alta, sendo possível contabilizar apenas 55 uniões. As duas décadas seguintes
compreendidas entre 1720 até 1740 demonstram uma alta na dinâmica matrimonial, esse por
acaso foi o período no qual o termo da freguesia mais recebeu forasteiros devido a exploração
do ouro e de outras atividades econômicas. Já afirmamos páginas atrás que na década de 1720
a quantidade de homens superava em 3 vezes a de mulheres, desequilíbrio demográfico que
pode ter refletido na pouca quantidade de matrimônios, pois muitos deles podiam estar somente
de passagem não ficando tempo suficiente para estabelecerem vínculos familiares. De 1740 até
1749 os registros matrimoniais cresceram substancialmente, ou seja, eles triplicaram em relação
as duas décadas anteriores à exploração aurífera, tendo decaído novamente no período seguinte,
1750-1757. Alguns fatores podem explicar esse súbito aumento dos registros. Em primeiro
lugar, dado o estado de deterioração do livro, pode-se considerar que entre as décadas de 1680
até 1739 os casamentos estejam sub representados, portanto, o problema estaria associado às
condições físicas da documentação, repercutindo na impossibilidade de tabulação total dos
dados. É fato que os registros a partir da década de 1740, estavam em melhor estado de leitura,
por isso foram computados em sua quase totalidade.
A segunda hipótese explicativa para o súbito aumento de matrimônios na década de
1740, pode ter sido o resultado da conjugação de alguns fatores, tais como: declínio do rush da
mineração, a permanência de homens que tiveram oportunidade de se estabelecer e de efetivar
casamentos, o crescimento demográfico natural, a presença de mulheres disponíveis em idade
matrimonial na freguesia, enfim, todas as variáveis podem ter contribuído para a expansão do
mercado matrimonial. Afinal, como vimos nas seções anteriores, na década de 1720 a
desproporção entre homens e mulheres disponíveis era considerável, não havendo portanto
muitas hipóteses de consórcios. Supondo então que esse desequilíbrio diminuiu na década de
1740, a quantidade de mulheres da freguesia, filhas das famílias já estabelecidas, permitiu o
aumento dos casamentos. Identificou-se 103 mulheres ou 33% naturais da freguesia de
Jacobina, ou seja, nasceram e cresceram no local, desse total 40 delas casaram-se entre 1741 e
1749, portanto, representavam 38% ou mais de um terço das noivas que oficializaram suas
uniões. Dessa perspectiva só nos resta considerar a década de 1740 como a que possui melhor
amostragem para perscrutarmos as hierarquias, o vocabulário e as transformações sociais
vividas pelos homens e mulheres daquela sociedade. Em áreas de expansão de fronteiras e
ocupação relativamente recente era comum a presença de noivas oriundas de outras localidades,
mesmo que esse quantitativo fosse consideravelmente menor que o dos noivos.
144

Gráfico 4: Casamentos registrados no livro da freguesia de Jacobina por décadas e


condição social, 1682-1757

250 236

200

150

95
100

48
50 35 39
25
1710 16 17
432 1 1 613 4 4 8 1 49
0
1682-16851704-17091711-17191721-17291730-17391740-17491750-1757 Total

Livres Escravos Indios Forros


Fonte:
Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na
Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756

O gráfico acima foi sistematizado tendo em vista a condição social dos noivos.
Escolhemos essa metodologia pois nos assentos foi a condição social dos homens que mais
frequentemente foi registrada pelo pároco. Destrinchando os casamentos por décadas
percebemos que os consórcios de “índio da terra”, expressão que aparece na documentação,
foram mais expressivos no final do século XVII. Outro dado que chama a atenção, mas já
esperado, é que os noivos índios aparecem em sua maioria casando com mulheres da mesma
condição social, entretanto em se tratando de mulheres índias da terra, algumas delas se casaram
com homens de outra condição social. Foi por exemplo o que aconteceu com 1707 com Isabel
Dias. Sua mãe era uma índia da terra e seu pai Miguel Dias, escravo do coronel Garcia D’Ávila
importante sesmeiro e tutor de missões religiosas na região. Isabel contraiu núpcias com Félix
dos Reis Teixeira, livre, natural da freguesia de São Miguel de Cotegipe. Os consórcios
matrimoniais de índios foram poucos, não sendo possível inferir o que determinava as escolhas
matrimoniais, sobretudo por que com o passar dos anos os registros de casamentos desse
segmento foram desaparecendo do livro. Isso não significa dizer que os índios não estivessem
interagindo naquela sociedade, entretanto seus arranjos matrimoniais podem não ter sido
registrados na igreja matriz da freguesia, visto que havia capelas dos aldeamentos indígenas no
sertão, nas quais deveriam-se fazer as celebrações e receberem os sacramentos.
O casamento dos escravos constitui-se em uma importante dimensão daquela
sociedade, pois atestam espaços de atuação e protagonismo dentro dos limites impostos às suas
145

sociabilidades. Russell-Wood afirma que vários fatores internos desencorajavam os casamentos


escravos nas áreas de mineração.252 Segundo observou, os custos com o sacramento
matrimonial e com os documentos necessários tornavam muitas vezes impossível para um
escravos consagrar a união. Depois havia o fato de que eles preferiam investir seus pecúlios em
alforria e não em casamento. Os senhores também atuavam no sentido de desestimular o
casamento escravo, pois preferiam os homens solteiros para as atividades de mineração. A
mobilidade inerente às atividades e a inadequação do trabalho infantil eram outros aspectos que
não favoreciam a formação de famílias cativas. Por essas razões é que já era esperado um baixo
número de casamentos entre a escravaria.
Contudo, como bem observou Sheila de Castro Farias,253 apesar dos limites postos
pelas hierarquias e contingências sociais, como é óbvio, os cativos estavam em dinâmicas
relacionais com todos os outros segmentos sociais. Comumente os assentos paroquiais não
deixaram de transparecer essas relações, não importando se eram de caráter privado -
apadrinhamento, clientelismo; ou na esfera pública – trabalho ou alforrias - até por que tais
distinções não estavam separadas no cotidiano colonial. Nos casamentos entre cativos a
tendência foi a união de indivíduos da mesma condição jurídica, e isso também deve ser lido
como uma estratégia política em uma sociedade escravista. Algumas exceções ocorreram, mas
pouco significativas.
No gráfico apresentado computamos 48 casamentos nos quais os noivos eram
escravos, desses somente 7 foram realizados com noivas forras ou índias, ou seja, de uma
condição social diferente. Aqui destaco que tal diferença de condição jurídica não
necessariamente refletia-se como um canal de ascensão social. No ambiente das minas, os
livres, forros e cativos trabalhavam lado a lado. Além disso, o padrão de posse da mão de obra
escrava era baixo e muitos escravos passavam dias a faiscar longe dos olhares de seus senhores,
portanto, no mundo do trabalho havia certa autonomia de mobilidade da mão de obra escrava.
Mesmo aqueles que trabalhavam na roça ou com gado, não viviam confinados nas propriedades
senhoriais, de modo que no sertão a dinâmica escravista possuía suas próprias idiossincrasias.
Apesar dos forros estarem em uma posição mais privilegiada no que concerne à sua condição
jurídica, não acredito que na prática possuíssem melhores expectativas de vida do que os
escravos. Os róis de confessados demonstram que muitos forros viviam como assistentes nas

252
RUSSEL-WOOD, op. cit., p. 157-187.
253
A autora faz uma importante revisão historiográfica acerca do debate do protagonismo escravo em voga na
décadas de 1980 e 1990. Nos furtaremos de entrar nesse debate pois ele excede os objetivos propostos. Cf.
FARIAS, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano Colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. 2ª reimpressão. p. 289- 354
146

casas de seus ex-senhores, portanto mantinham ali relações de dependência e clientela. 254
Entretanto ainda resta apontar mais um detalhe: Casar com índia ou forra significava ter filhos
livres. Nesse sentido, esses homens, mesmo que permanecessem escravos, constituíam uma
família forra/livre.
No caso das mulheres, foram contabilizadas 45 noivas escravas. Somente 3 delas
conseguiram consolidar união com homens de condição social diferente, nesse caso dois eram
índios da terra, um era forro. Dos 48 noivos escravos pudemos saber a naturalidade de 18 deles:
gentio da Guiné (12), Angola (1) e da Costa da Mina (5). No caso das noivas, 24 delas eram
gentio da Guiné e 2 da Costa da Mina. Na altura do casamento nem todas eram escravas, tendo
sido apresentadas nos assentos como forras ou “escrava que foi de”. Dentre as testemunhas foi
possível perceber que os senhores compareceram à celebração nupcial, indicando a
proximidade das relações sociais entre senhores e escravos. Ressalte-se que a presença dos
senhores era um indicio de mais uma das práticas costumeiras, pois demonstrava o apoio àquela
união, muito embora as Constituições não colocasse a presença dos senhores como condição
obrigatória para o matrimônio entre escravos.
Registrou-se também homens da elite da freguesia comparecendo em alguns desses
casamentos. Em 1732, três escravos do capitão José Pinho de Melo contraíram núpcias com
duas outras suas escravas e uma forra, e nesta ocasião estava presente o capitão-mor Francisco
Xavier de Sá. Em 1749, os escravos João e João Pedro, ambos designados como ‘gentio da
Guiné’ e pertencentes a João Xavier Correa, contraíram núpcias no mesmo dia respectivamente
com Maria e Maria Rosa, elas também escravas do mesmo senhor. No assento constava a
presença do coronel Manoel de Figueiredo de Mascarenhas, indivíduo dos mais ilustres da vila.
Esses são alguns dos exemplos de que pessoas importantes da localidade testemunharam os
sacramentos de gente de condição inferior. A princípio, duas possibilidades emergem dessa
observação: Ou eles possuíam vínculos com os escravos, ou então com os senhores destes. De
um modo ou de outro, considera-se essa relação como uma via de mão dupla, pois aos escravos
também interessavam relações com senhores.
Além da naturalidade, da qualidade jurídica (livres, escravo, índio da terra, forro),
havia um vocabulário ou qualidade social associado à cor e origem que também foi registrado
nos assentos: crioulo, preto, pardo. Esses foram termos distintivos, no geral atribuídos por
pessoas de categoria social superior (o pároco), que funcionavam como dispositivos para a
configuração de novas classificações sociais, não eram portanto, um designativo de auto

254
Veremos mais detidamente esse aspecto no capítulo IV.
147

identificação. Dentre os casos existentes, um deles merece uma menção por trazer um dado
inédito. Marcela, crioula, escrava do Capitão Domingos Alvares Dias, casou em 1750 com
Antônio Dias Cabocolo (caboclo?), filho legítimo de [ilegível] Nunes Dias e de Joana
Cabocolo, nascido na Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, em Sergipe D’El Rei. Cabocolo
era uma alcunha da mãe que foi legada ao filho, de todo modo, o nome pode ser uma referência
a cabloco. Para Deborah de Magalhães Lima, caboclo “é também uma categoria de ‘mistura
racial’ e refere-se ao filho do branco e do índio”, uma expressão coloquial, muitas vezes
utilizada para definir identidades regionais estereotipadas.255 Contudo, caboclo também é uma
forma de referir-se a sertanejo, que guarda parentesco com índios, o que pareceu ser mesmo o
caso. De qualquer forma a melhor definição para o caboclo e para as outras palavras de distinção
de cor é pensá-los como categorias de classificações sociais, complexas, ambíguas e construídas
historicamente.
Para o caso dos livres, outras formas de distinção foram conformando a posição social
dos indivíduos. Os livres aparecem casando cinco vezes mais do que os escravos, sendo visível
que em todas as décadas analisadas, as taxas de casamentos desse segmento superaram as
uniões realizadas pelos índios, escravos e forros, confirmando que são os que mais desejaram
ter uma união aos moldes da igreja.
Os assentos de casamentos demonstraram ser a fonte mais confiável para avaliarmos
a presença de forasteiros em Jacobina. Dos 410 assentos, 145 apontaram a naturalidade dos
noivos, e desses, 114 eram naturais de outras freguesias e 31 haviam nascido na freguesia de
Jacobina. Dessa informação pode-se concluir a forte presença de forasteiros que escolheram
consolidar vínculos no sertão. A Tabela 11 indica a incidência de casamentos dos forasteiros
por anos escolhidos.256 Nessa amostra não foram incluídos os indivíduos da Guiné e da Costa
da Mina, porque como é suposto, os naturais da África eram escravos e não escolheram por
livre e espontânea vontade irem para o sertão da Jacobina ganhar a vida. Entre os anos de 1740
e 1749 dos 40 casamentos onde os noivos eram de fora, 21 deles se realizaram com mulheres
naturais da freguesia de Jacobina.

255
De acordo com Deborah de Magalhães Lima na Amazônia, caboclo é um termo de classificação social genérico.
“O caboclo é uma categoria de classificação social empregada por estranhos, com base no reconhecimento de que
a população rural amazônica compartilha um conjunto de atributos comuns.” A autora defende que o termo é mais
uma categoria analítica, uma abstração conceitual, utilizada para fazer referência a certos tipos de pessoas na
sociedade. Mas a categoria não exprime a complexidade do grupo social, este sim formado por pessoas e relações
reais na sociedade. Cf. LIMA, Deborah de Magalhães. “A construção histórica do termo caboclo sobre estruturas
e representações sociais no meio rural amazônico.” In: Novos Cadernos NAEA. vol. 2, nº 2 - dezembro 1999. p.8.
256
Os anos foram definidos a partir do primeiro e último registro que aparece no banco de dados.
148

Tabela 11: Noivos Forasteiros por anos escolhidos

Anos Noivos Porcentagem


1704-1709 14 12,4 %
1713-1719 9 7,9 %
1721-1726 22 19,3 %
1730-1739 20 17,5 %
1740-1749 40 35,0 %
1750 9 7,9 %
Total 114 100%
Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na
Igreja de Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, 90 f.

Tendo em conta a presença de forasteiros na localidade, concordamos com Sampaio


quando afirma que: “O matrimônio era, portanto, resultado de uma estratégia bem-sucedida de
inserção social.”257 A afirmação do autor diz respeito aos homens de negócio da praça mercantil
carioca, vide o fato de muitos deles serem reinóis, contudo a importância estratégica do
casamento para os forasteiros em Jacobina, revelou-se como um aspecto presente na
consolidação de vínculos sociais na freguesia. Ainda parafraseando Sampaio, casar
“representava enraizar-se, inserir-se de forma permanente na sociedade colonial”, sendo um
dos eixos estruturantes de reiteração das hierarquias locais, conforme veremos a seguir.
Novas informações sobre os contraentes começaram a aparecer no livro, demonstrando
mudanças nas dinâmicas locais ao longo das décadas. O vocabulário social utilizado pelos
párocos para designar os nubentes revela as maneiras pelas quais certas atribuições tornaram-
se designativos diferenciadores nas hierarquias locais. Convém sublinhar que não existe uma
regra para a emergência de certos designativos, pois eles são frutos das contingências locais,
sendo gerados como marcos diferenciadores intrínsecos àquele lugar. No caso da freguesia de
Jacobina, vemos que para além das patentes nas ordenanças e do título de Dona, nos assentos
constou também a informação para os nubentes de filho legítimo e filho natural, denotando a
partir dos anos de 1720 mais um diferenciador de condição social, portanto, todas essas
classificações importavam na hora de postergar para a eternidade os enlaces matrimoniais.
A primeira vez que a condição de filho legítimo apareceu nos assentos foi em 09 de
agosto de 1723, quando o capitão Antônio Pinheiro da Rocha, filho do capitão-mor da freguesia
e seu homônimo, tomou como esposa Dona Isabel da Rocha, uma das 4 filhas (todas possuíam
o título de Donas) do alferes Francisco Rabelo Rabelinho, morador no sítio Jaguarari e chefe

257
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Batismos, casamentos e formação de redes: os homens de negócio
cariocas nas fontes paroquiais setecentistas.” In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto e SAMPAIO, Antônio. et.
Al. Arquivos paroquiais e História Social da na América Lusa. 1 ed. Rio de Janeiro: MAUAD X, 2014, p. 194.
149

de uma tradicional família do sertão da Jacobina. Outros 52 assentos expressaram a qualidade


de filhos legítimos para designar a condição de filiação dos noivos. A chegada de muitos
portugueses no sertão foi um dos fatores que influenciou a inclusão do designativo de filhos
legítimos nos assentos, demarcando em sua maioria casamentos realizados entre as melhores
famílias da freguesia. Não é por acaso que dos 52 assentos onde consta essa informação, 18
deles são de homens reinóis. A condição de ser filho legítimo passou a ser visto como algo
prestigioso já que também começou a aparecer como uma condição para as noivas. Das 65
mulheres livres que tiveram algum designativo incluído no assento, 38 eram de filhas legítimas
que por sua vez contraíram matrimônio com outros 19 filhos legítimos. Apesar dessa qualidade
está mais ligada às famílias de elite, houve dois casos nos quais a situação apareceu em outra
configuração social. Em 18 de abril de 1746 na capela de São José do Açuruá, Vicente da Silva,
crioulo forro e filho legítimo de Bernardo de Abreu e Maria da Silva casou-se com Feliciana,
escrava de Manuel Lopes e filha de Bárbara, igualmente sua escrava. Em 1749, Joana Dias da
Rocha, crioula forra, filha legítima de Ventura Bezerra e de Maria Dias da Rocha, também
contraiu núpcias com um noivo (o qual infelizmente não possível identificar o nome), mas esses
dois casos são emblemáticos da utilização do demarcador de filho legítimo, não entre famílias
de elite, mas para ex-escravos que ascenderam socialmente.
Por outro lado, a designação de filho natural também se fez presente como designativo
dos nubentes, porém com uma incidência menor, pois somente 3 noivos tiveram essa condição
anotada pelo pároco, enquanto que no caso das noivas esse índice subiu para 11 casos. Em um
desses casos a noiva Isabel Maria da Conceição, natural e moradora da freguesia de Jacobina,
filha natural do coronel Pedro Barbosa Leal e de Apolônia Pereira, contraiu núpcias em 26 de
julho de 1740 com Domingos Gonçalves Marinho, português do arcebispado de Braga. Foi uma
surpresa descobrir que quando o coronel Pedro Barbosa Leal passou por Jacobina deixou lá
uma filha fruto de um “coito danado” ou uma relação adulterina.258 Muito significativo que ela
apareça como filha natural e não bastarda. Não temos certeza se naquela altura em que andou
como superintendente das minas de Jacobina, o coronel Pedro Barbosa Leal ainda era casado
ou se já havia ficado viúvo. Se fosse viúvo, ela seria realmente natural, caso contrário o simples

258
Segundo Victor Oliveira o “coito danado” era uma expressão utilizada para designar uma relação sexual entre
pessoas que possuíam impedimentos para casar. Este autor discute com bastante propriedade a relação entre as
famílias de elite com os filhos ilegítimos e a forma como a reprodução da hierarquia familiar, com vistas a manter
as condições sociais e econômicas da família, estaria vinculada ao longo de várias gerações à forma de transmissão
dos bens aos seus herdeiros. Além disso faz uma excelente discussão sobre as normativas constantes nas
Ordenações Filipinas em relação aos direitos de herança entre filhos ilegítimos, naturais e espúrios. Cf.
OLIVEIRA, Vitor Luiz A. Retratos de Família: sucessão, terras e ilegitimidade entre a nobreza da terra de
Jacarepaguá, séculos XVI-XVIII. Dissertação (Mestrado História Social) Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2014. p. 106-126.
150

registro como natural já era uma vantagem, já que a bastardia tinha um grande peso social.
Infelizmente não sabemos se ela herdou algum tipo de dote do seu afamado pai, talvez a herança
tenha sido imaterial, já que mesmo sendo uma filha natural, Isabel Maria conseguiu casar-se
com um homem reinol, portanto um bom casamento. Para isso pode ter contribuído o fato dela
ser descendente de um dos homens mais reputados dos sertões da capitania da Bahia, tendo sido
inclusive o fundador da vila. Na próxima e última sessão que encerra este capítulo atentaremos
justamente para os casamentos que uniram noivos reinóis às mulheres naturais da freguesia de
Jacobina.

2.5 Migrar e casar: forasteiros e suas escolhas matrimoniais no sertão

A imigração reinol formou um tecido social indispensável à construção do Império


ultramarino, conquanto, a vinda de portugueses para as possessões coloniais causou forte
impacto nas pequenas vilas e cidades que forneceram os homens que escolheram viver no
ultramar.259 Da mesma forma, a vinda desses homens para o Brasil interferiu nas escolhas
matrimoniais, algo possível de ser percebido, sobretudo entre as famílias da elite, que preferiam
casar suas filhas com os forasteiros. Isso ocorreu para o caso da Bahia seiscentista, que
aceitavam os portugueses recém imigrados que queriam inserir-se na nobreza da terra. Os
trabalhos de Rae Flory e Thiago Krause, demonstram que a açucarocracia baiana absorveu em
suas bases esses imigrantes ou forasteiros, vindos em sua maioria do Norte de Portugal e de
Lisboa e aqui tornaram-se proprietários de terra, ricos lavradores e até senhores de engenho.260
Os bem sucedidos casavam-se com as filhas da elite baiana e adentravam nas principais
instituições do poder local, como a câmara e a Santa Casa de Misericórdia. Particularmente os
negociantes no fim do século XVII, conseguiram acesso aos postos das tropas auxiliares e nas
ordenanças de Salvador.
Mas nem sempre essa era a regra. Antônio Carlos Jucá de Sampaio, em artigo já aqui
citado, afirmou que muitos portugueses se consolidaram no Rio de Janeiro eram negociantes

259
POLÓNIA, Amélia. Vila do Conde: um porto nortenho na expansão ultramarina quinhentista. Ph.D. diss.,
Universidade do Porto: FLUPP, 1999.
260
A tese de Rae Flory foi pioneira ao demonstrar as trajetórias de sucesso e ascensão social para os forasteiros,
especialmente através dos casamentos com mulheres pertencentes as principais famílias da nobreza da terra na
Bahia. Cito em especial as trajetórias de João Lopes Fiuza e Pedro Barbosa Leal, casos analisados
minunciosamente por esta autora. Conclusões semelhantes chegou Thiago Krause em sua tese de doutorado,
demonstrando a abertura da elite baiana para os forasteiros, que não via problemas nas atividades de mercancia e
estabelecia alianças parentais com os recém chegados reiterando dessa forma a manutenção política do grupo de
elite, inclusive no tocante à questão do crédito. Respectivamente: RAE FLORY, Jean Dell. Bahian Society in the
Mid-Colonial Period: The Sugar Planters, Tobacco Growers, Merchants and Artisans of Salvador and the
Reconcavo, 1680-1725. Tese de Doutorado, inédita, University of Texas, 1978, p. 117-124. KRAUSE, Thiago.
op. cit., p.74-96
151

ou homens de negócios. Sampaio destaca que justamente por causa da grande circulação
inerente aos seus comércios, muitos deles não estabeleceram laços de casamentos no Rio, ou
ao menos, nos assentos de casamento, não constava a menção à profissão dos noivos. De todo
modo, na praça mercantil carioca as estratégias matrimoniais dos homens de negócio se deram
em função da reprodução das redes mercantis. Para Sampaio, devido às barreiras impostas pela
nobreza da terra para incorporar os negociantes, “estes optaram por constituir suas próprias
melhores famílias, através de uma política consciente de alianças via matrimônios.” 261
As principais capitanias costeiras eram o destino preferido dos imigrantes reinóis, pela
abundância de terras, onde podiam tornar-se meeiros ou lavradores em importantes canaviais,
casar-se com filhas de proprietários já estabelecidos, ou mesmo viver às custas de seu trabalho
como oficiais mecânicos ou negociantes. Logo que podiam, remediavam suas necessidades
comprando um ou dois escravos iniciando aí uma trajetória de êxito.
Apesar de terem mais oportunidades de prosperarem nas cidades litorâneas, na
primeira metade do século XVIII uma parcela desses imigrantes pobres se aventurou pelo
interior, aproveitando-se das novas frentes de exploração econômica proporcionada pelo ouro
e pelo comércio entre os portos do litoral e os sertões. Obviamente que os parcos conhecimentos
sobre a natureza hostil de áreas desconhecidas, além da ameaça de negros aquilombados e de
populações indígenas ainda não conquistadas, constituíram-se como importantes entraves para
o incremento desses fluxos migratórios, mas nem por isso, as lonjuras do sertão deixaram de
receber levas desses imigrantes. Charles Boxer observou que nos séculos XVII e XVIII a
maioria desses homens vinham do norte de Portugal da região conhecida como “Entre Douro-
Minho”, de Lisboa e das Ilhas atlânticas da Madeira e dos Açores. As ilhas do Atlântico
possuíam mais habitantes do que suas terras poderiam comportar, apesar dos açoreanos terem
marcado forte presença no Rio de Janeiro na década de 1630262, o nordeste também foi um
destino escolhido para a transmigração de camponeses. Boxer afirmou que uma testemunha
ocular aventou que todos os anos mais de dois mil homens portugueses chegavam em navios
provenientes de Viana, Porto e Lisboa, e aportavam na Bahia, em Pernambuco e no Rio de
Janeiro.263

261
Apesar desse quadro, especialmente na freguesia da Candelária, o autor percebeu a recorrente incidência da
participação dos negociantes nos batismos, sejam como pais ou padrinhos, atestando mais uma nuance das
estratégias dessa elite mercantil na formação de redes comerciais. Cf. SAMPAIO, op. cit., p. 197.
262
João Fragoso aposta na ideia de que os provenientes das ilhas atlânticas puderam montar suas próprias casas
nas conquistas ultramarinas, uma vez que tal possibilidade era limitada no reino devido ao sistema de transmissão
de heranças via morgadio, cf. FRAGOSO, op. cit., 2009. p. 164.
263
Em mais de um trabalho, Charles Boxer sublinha que a Corte em março de 1720 induziu a Coroa a promulgar
um decreto que limitava a vinda de reinóis para as conquistas. Contribuiu para esta deliberação o drástico
despovoamento de algumas regiões do reino, ocasionada pela recente guerra e pela descoberta de ouro no Brasil.
152

Os aventureiros que conseguiram estabelecer-se no interior, desde o final do século


XVII, fixaram-se nas áreas onde existiam currais e pequenos arraiais com população que vivia
às custas de criação de gado e lavouras de subsistência. A análise dos assentos de casamentos
registrados na freguesia de Jacobina atesta a presença de homens que se estabeleceram na região
desde o século XVII, buscando ali o esperado êxito que alimentava a imigração reinol para o
novo mundo.
Sem dúvida a presença portuguesa nas áreas periféricas teve relevância demográfica e
social. Esse fenômeno, portanto, não foi exclusivo das cidades mais importantes do litoral,
como Salvador, Recife e Rio de Janeiro que logo no início da conquista já operavam suas
sociabilidades a partir de portos com ramificações no Império ultramarino. No livro de
casamentos já aqui apresentado foram identificados um total de 55 arranjos matrimoniais entre
os anos de 1704 e 1757 consolidados entre homens reinóis com 31 mulheres naturais da
freguesia de Jacobina.

Tabela 12: Naturalidade das noivas na freguesia de Jacobina – 1704-1750

Naturalidade Noivas
Freguesia de Santo Ant. da Jacobina 31
Arcebispado da Bahia 4
Rio de São Francisco 1
Freguesia de Santo Amaro (Recôncavo) 1
Freguesia de Itabaiana (Sergipe d’El
Rei) 2
Freguesia do Porto 1
Não identificado 15
Total 55
Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de
Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, 90f.

Ainda que modesta, essa amostra confirma que o sertão da Bahia, na primeira metade
do setecentos, foi o destino de naturais do reino que se estabeleceram formando famílias. Com
certeza houve mais casamentos que seguiam esse padrão, no entanto não foi possível computá-
los aqui devido ao avançado estágio de deterioração do livro de assentos matrimoniais. Dos 414
assentos do livro, 221 não informam a naturalidade do noivo ou então estão ilegíveis, o que

Cf: BOXER, Charles R. O Império Marítimo português. 1415-1825. Lisboa. Edições 70. LDA. Trad. Inês Silva
Duarte. [1969]. P. 171-172; BOXER, Charles R. A idade de Ouro do Brasil. Dores e crescimento de uma sociedade
Colonial. São Paulo. Companhia Editora Nacional. 1963. p. 30-33.
153

dificulta a ampliação da análise. De qualquer forma esta amostra tem a intenção de flexibilizar
as interpretações correntes de que somente aventureiros se dirigiam para o sertão em busca das
lavras de ouro e mostrar que havia uma tendência de fixação portuguesa nas áreas sertanejas na
primeira metade do século XVIII. O quadro abaixo indica a naturalidade dos noivos forasteiros:

Tabela 13: Naturalidade dos noivos reinóis na freguesia de Jacobina – 1704-1750

Naturalidade Noivos
Lisboa 7
Porto 5
Braga 25
Ilhas 9
Outros 9
Total 55
Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de
Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, 90f.

Os casamentos chamam a atenção por demostrar que havia intenção de consolidação


de vínculos dos imigrantes reinóis na vila de Jacobina. Apesar da impossibilidade de
rastreamento das trajetórias de todas as famílias, os registros deixam entrever que os noivos
estabeleceram união com mulheres das famílias de elite, até por que a disponibilidade de
mulheres livres não era muito alta no período. Identificou-se 7 noivos forasteiros que casaram-
se com mulheres filhas de homens com patentes das ordenanças de Jacobina (capitão-mor e
coronel), ou seja, chefes das melhores casas264 da freguesia265 com patentes reconhecidas pela
monarquia. Do ponto de vista inverso, seria plausível conceber que a elite local preferia casar
suas filhas com moços reinóis para garantir a reprodução das hierarquias costumeiras. Foi nesse
tipo de união onde mais apareceram testemunhas com patentes das ordenanças, dado que
corrobora serem casamentos qualificados socialmente. Antônio de Almeida Velho, um antigo

264 O conceito de casa é aqui tomada de empréstimo de João Fragoso, quando este autor a define como sendo um
“conjunto formado por parentelas, aliados, moradores, agregados e escravos.” A casa estava também associada a
auto-governo “como espaço estrutural no qual existia um chefe e, sob sua tutela uma família extensa constituída
por consanguíneos, parentes rituais, clientes criados e agregados;” Respectivamente: FRAGOSO, João. “Nobreza
principal da terra nas repúblicas de Antigo Regime nos trópicos de base escravista e açucareira: Rio de Janeiro,
século XVII a meados do século XVIII.” In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial.
1720-1821. Vol. 3, 1° Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2014. p. 161. FRAGOSO, João. “O capitão João
Pereira Lemos e a Parda Maria Sampaio: notas sobre hierarquias rurais costumeiras no Rio de Janeiro do século
XVIII.” In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Exercícios de micro-história. Rio de
Janeiro: ed. FGV, 2009. p. 162.
265
Detectamos apenas um caso onde o noivo reinol, Joseph da Cunha da Vide, possuía já a patente de capitão-mor
quando consagrou seu matrimônio em 1731, ou seja, certamente ele já estava estabelecido no local, entretanto
nada mais foi possível saber sobre seu matrimônio, devido ao avançado estágio de deterioração da folha onde
estava registrado o seu assento de casamento. Cf. ACSF. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina... fl. 72v.
154

capitão-mor da freguesia já era defunto, quando em 1722 suas duas filhas naturais, Teodoria de
Almeida e Francisca de Almeida, contraíram no mesmo dia consócio matrimonial com dois
portugueses, um deles era natural do Porto e o outro da cidade de Lisboa. Não sabemos se elas
levaram dotes, mas certamente o nome do pai ajudou nesse arranjo matrimonial. Voltaremos a
esse caso mais a adiante.
Esses dados são uma pequena amostra das práticas de consolidação de imigrantes
portugueses no sertão, não obstante, muitos acorreram para aquela localidade esperando auferir
riquezas com a extração do ouro, conquanto também fossem motivados pelo interesse no
comércio e na criação de gado. A mensuração dos casamentos por décadas, indicam o crescente
número de forasteiros que foram casando, mas também confirma a constante chegada de reinóis
entre 1720-1750, justamente no período mais intenso da mineração. Notas-e que à medida em
que foram estabelecendo laços, tornavam-se um ponto de rede para a vinda de outros
imigrantes.
Tabela 14: Casamentos de homens reinóis por décadas - 1700-1750

Anos Total
1700-1709 2
1710-1719 3
1720-1729 14
1730-1739 11
1740-1749 21
1750 4
Total 55
Fonte: ACSF. Campo Formoso – Bahia. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de
Santo Antônio do Sertão da Jacobina. 1682 -1756, 90f.

Entre 1720 e 1749 ocorreram mais casamentos como o resultado do crescimento da


importância econômica e política da vila. Em alguns casos foi possível rastrear parcas
informações sobre a vida de indivíduos reinóis que se casaram no sertão. Cabe ressaltar que só
encontramos um processo de habilitação matrimonial, os famosos “banhos”, que estava anexo
ao processo de crime de bigamia em tese cometido por um português de Braga.266 O acesso a
esse tipo de documentação traria valiosas informações sobre o histórico dos contraentes. 267 É

266
IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 028/08642
267
Lucimeire da Silva Oliveira tem ressaltado a validade dos “banhos matrimoniais” ou ‘habilitações
matrimoniais” na recuperação de trajetórias sociais de homens de negócio na praça mercantil carioca. Segundo a
autora os banhos fornecem um conjunto de informações tais como filiação, locais de moradia, estado matrimonial,
profissão, nascimento, local de batismo e etc. Sendo firmados também por testemunhas. Cf., OLIVEIRA,
Lucimeire da Silva. “Para além da praça mercantil: notas sobre laços de parentesco e alianças matrimoniais dos
homens de negócio da praça do Rio de Janeiro setecentista.” In: FRAGOSO, João, et. al., op. cit., p. 259-277.
155

possível que nas lonjuras do sertão, a necessidade de apresentar todas as certidões necessárias
para conseguir as dispensas dos impedimentos matrimoniais não fosse uma exigência
rigorosamente seguida pelos padres, ainda mais se tratando de forasteiros. Sheila de Castro
Farias aposta na hipótese de que na maioria dos casos bastava que os interessados
apresentassem testemunhas “fidedignas e residentes”268 para que os párocos aceitassem fazer o
casamento. Realmente não há dados suficientes sobre essa prática em Jacobina, mas é certo que
em muitas situações houve “flexibilidade” da igreja para com os noivos e a análise dos casos
de crime de bigamia informa sobre o caráter dessa prática no sertão.
Ao chegar na América por volta de 1760, Amador da Costa Vilaça, no auge dos seus
28 anos, natural da freguesia de Santa Cecília de Vilaça do Arcebispado de Braga, “que vive de
seu oficio de carapina”269 (carpinteiro) foi estabelecer residência na freguesia de Jacobina.
Pretendendo ter o estado de casado solicitou ao pároco Joseph Monteiro certidão de
desimpedimento. A inquirição foi realizada na própria vila onde o justificante era residente e
fiado nas declarações de outros portugueses, que afirmaram saber “por ouvir dizer” que o
justificante era solteiro, livre e desimpedido quando chegou à América. A cumplicidade corria
à solta nessas horas e revelam a base de uma rede de solidariedade típica entre os imigrantes
reinóis. Entretanto em 1767, Amador da Costa foi denunciado ao Santo Ofício por ter contraído
núpcias novamente após desembarcar na América. De acordo com a denúncia, ele era casado
com Ana Maria do lugar do Cousso de Santa Cecília de Sequeira, também no Arcebispado de
Braga. Sua mulher vivia pobremente “e tem dois filhos; e o dito seu marido, o denunciado
Amador da Costa, ausentou-se “por ser homem mal (sic) certo e vagabundo” de acordo com a
descrição que fez João Francisco Álvares. O crime de bigamia foi descoberto meio por acaso,
quando um outro português morador de Jacobina enviou uma carta para seu pai Custódio
Barbosa, na qual escreveu: “Não deixo de ficar admirado, do que V. Mce me manda dizer ser
casado na freguesia de santa Maria de Sequeira, Amador da Costa; ao mesmo tempo, que
também, cá se casou, mas terá o S.to Of.io em que se ocupar, são misérias dos homens.”270 Em
1768 deu-se a abertura do processo que correu nas freguesias do reino e na de Jacobina. A
primeira testemunha inquirida foi justamente Amador Barbosa Braga, que havia enviado a carta
para seu pai Custódio Barbosa, na qual continha o trecho transcrito acima. Todas as testemunhas
ouvidas na inquirição confirmaram, “por ser público”, a versão de que ele havia contraído

268
FARIAS, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano Colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. 2ª reimpressão. p. 58-61.
269
IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 028/08642, fls.07.
270
IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 028/08642, fls.04.
156

matrimônio com Maria José do Nascimento há pelo menos seis anos. E que já fazia hum ano,
“pouco mais ou menos”, que Amador da Costa deixou sua mulher grávida e havia se ausentado
da Jacobina, com medo de ser descoberto. O resultado final da inquirição foi o mandato de
prisão nos cárceres do Santo Ofício. Não sabemos se Amador da Costa de fato cumpriu sua
pena, até porquê, espertamente, tomou chá de sumiço e ninguém sabia do seu paradeiro.
O homem de negócios Antônio Silveira Leal, português, natural dos Açores, casou-se
com Teodora Maria do Espírito Santo em 26 de janeiro de 1723. No início da década de 1720
ele viajou para o Brasil e logo depois foi exercer o ofício de tabelião na vila de Jacobina. Em
1759 foi denunciado por Domingos Duarte Meira, natural e morador da Cidade da Bahia, que
contou para os comissários do Santo Ofício que o dito Silveira Leal contraiu núpcias pela
segunda vez na vila de Jacobina, quando sua primeira esposa Rosa Maria Clara ainda era viva.
O crime de bigamia foi descoberto por que Rosa Maria, a primeira esposa, intentando mandar
seu filho para a Bahia, enviou uma carta de Lisboa na qual tinha escrito “Ao meu marido o
senhor Antônio Silveira Leal”271. A carta seria entregue por um negociante que vivia em
Salvador e conhecia Silveira Leal. Depois da denúncia, como era de praxe, foram ouvidas
testemunhas na vila de Jacobina, todos atestaram o casamento e a vida marital do tabelião com
a esposa baiana, com a qual tivera 4 filhos. O resultado foi o mesmo do caso anterior, o acusado
deveria ser preso nos cárceres do Santo Oficio sem que houvesse sequestro de bens.
Ao que parece os processos de bigamia muitas vezes não resultavam em maiores danos
aos contraventores. Os reiterados casos, as largas e penosas distâncias, os custos das
inquirições, e, sobretudo, a propensão certeira de muitos homens reinóis contraírem segundas
núpcias na América, eram fatores que dificultavam as diligências do Santo Ofício, tornando as
vezes impossível a execução das penas. Conquanto muitos desses casos não resultassem em
sérios danos, nem todas as histórias tiveram um desfecho aparentemente favorável. Uma dessa
histórias foi a de Pedro Gomes Porto.272 Esse foi o único caso no qual o acusado se apresentou
diretamente aos inquisidores e contou sua história. Através dela pode-se ver os detalhes das
trajetórias de milhares de imigrantes que fugindo muitas vezes da pobreza do reino, vinham
para a América em busca de melhores condições de vida. Pedro Gomes Porto era sapateiro,
havia se casado na cidade do Porto com Ana da Silva com quem viveu maritalmente por 9 anos.
O casal teve duas filhas que morreram de tenra idade e mais um filho que sobreviveu. Achando-
se muito pobre, juntou suas economias e resolveu vir embarcado para o Brasil. Passou um ano
vivendo de seu ofício em Salvador e de lá, aproveitando-se do surto do ouro foi se estabelecer

271
IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 288647
272
IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 9854.
157

na vila de Jacobina, onde “tratava das minas”. Lá passou seis ou sete anos, quando chegaram
dois moços naturais da terra de sua primeira mulher, dizendo-lhe que ela havia morrido. Ele,
acreditando nas recentes notícias trazidas do Porto, passou a considerar-se solteiro. Foi nesse
interim que o capitão das ordenanças João Vieira de Barros sugeriu-lhes o casamento com
Teodosia de Almeida, sua cunhada e filha natural do capitão-mor Antônio de Almeida Velho.
Tendo ido à cidade da Bahia tratar do seus negócios, Pedro Gomes contou à mesa inquisidora
que descobriu ser sua primeira mulher ainda viva e resolveu apresentar-se para declarar sua
culpa, aliviar sua consciência e salvar sua alma. De lá, seguiu em um navio para Lisboa onde
apresentou-se ao Santo Ofício, recebendo autorização para retornar a Cercosa Vouzela, no
Bispado de Vizeu, afim de juntar-se à Ana da Silva, sua primeira mulher. Nada mais foi possível
saber de Pedro Gomes, mas é certo que Teodósia deve ter ficado desolada, após ser deixada por
seu marido.
Os processos de bigamia oferecem uma rica exposição sobre a vida desses personagens
anônimos, que só apareceram aqui porquê infringiram um importante sacramento católico.
Pode-se perceber na leitura das inquirições das testemunhas, todas portuguesas, sem exceção,
as estreitezas das redes de contato, as formas como as notícias eram sabidas e como se
desencadeavam os elos de comunicação. Além disso, as testemunhas não eram escolhidas ao
acaso, precisavam ter vindo da mesma região que o réu e eram pessoas respeitáveis na
localidade.
Para terminar gostaríamos de mencionar uma trajetória de ascensão e sucesso de um
português em Jacobina. A história de José da Cunha da Vide, natural da Freguesia de Santos,
na cidade de Lisboa, é um dos muitos casos que ilustram a trajetória ascensional nos sertões da
Bahia. Em 1728 ele foi provido pelo vice-rei no posto de capitão-mor da freguesia de Jacobina
no lugar de Manoel Lopes Chagas, que em 1723 deixou vago o posto pois retirou-se para as
Minas Gerais, diga-se de passagem, sem autorização do governo da capitania. Em 1731 Da
Vide contraiu núpcias com uma noiva natural de Jacobina.273 Em 1732 recebeu provisão régia
para continuar no oficio de tabelião, escrivão da câmara, órfãos e almotaçaria da vila de
Jacobina, tendo pago pelo ofício o valor de 20$500 réis.274 Continuou no cargo até o ano
seguinte e em 1735 enviou pelo Conselho Ultramarino sua folha corrida de prestação de
serviços ao rei.275 A presença de portugueses no sertão com certeza não era um acontecimento

273
Os assentos de casamentos não permitiu a identificação do nome de sua mulher, dado o avançado estado de
deterioração da documentação. Cf. ACSC. Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina... fl. 72v.
274
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vol. LXXVII - Provisões, Portarias e nomeações (1731-1732).
Rio de Janeiro: Typografia Baptista de Souza, 1939, p. 173
275
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 32, doc. 2952; Cx. 52, Doc. 4543.
158

incomum, vide o fato de que estes exemplos citados permitem afirmar que houve oportunidades
para os imigrantes reinóis estabelecerem-se nas instituições locais como a câmara da vila, as
companhias de ordenanças e a exploração de ouro.
Essas inferências pretenderam demonstrar a riqueza dos registros paroquiais e a
multiplicidade de vínculos possíveis de serem apreendidos nos róis de confessados, em alguns
processos de bigamia, mas também a partir de um único livro de assento de casamentos.
Procurou-se explicitar a posição dos indivíduos no momento em que realizaram um dos mais
fundamentais sacramentos, não deixando de considerar as características estruturais que
condicionavam escolhas matrimoniais numa sociedade de Antigo Regime. A investigação das
trajetórias, revelam as alianças estabelecidas, sobretudo como as famílias de elite pretendiam
consolidar ou fortalecer vínculos entre si, reiterando assim as hierarquias costumeiras através
do prestígio advindo do casamento de mulheres baianas com noivos reinóis.
Entre a “arraia miúda”, ou seja, escravos, forros, pretos e pardos, pode-se aventar que
os casamentos eram endógenos às suas condições sociais, ou sejam, muitas vezes previstos nas
lógicas inerentes ao mundo da escravidão. Verificou-se que 20% dos casamentos de escravos
eram feitos entre indivíduos que possuíam o mesmo senhor. A formação de família escrava, em
tese ofertava mais segurança para os senhores, ainda mais em uma zona de produção de ouro,
onde os escravos saíam para faiscar por dias sem que se tivessem um controle efetivo dos seus
donos. Os assentos de casamentos da freguesia de Jacobina demostram que a dinamização das
atividades econômicas trazidas com a mineração tornou complexas as sociabilidades na vila e
passada a fase de maior rush da mineração, o mercado matrimonial se alargou, entretanto
continuou reproduzindo hierarquias costumeiras típicas de uma sociedade calcada nos valores
do Antigo Regime. A análise dos casamentos revelou uma sociedade de fronteira que aos
poucos buscou modos de estabilizar-se, mas sem nunca deixar de ser uma área do império
português, ou seja, marcada pelo trânsito de indivíduos das mais diversas latitudes. O capítulo
seguinte, aborda o processo de criação da câmara de Jacobina, tanto quanto a importância na
edificação de outras duas vilas auríferas no sertão baiano: Rio de Contas e Minas Novas. As
vilas citadas formaram o espaço econômico do ouro e o que tornou possível o estabelecimento
de instituições administrativas e jurisdicionais que asseguravam os canais de negociação com
a coroa através do exercício do poder local.
159

Capítulo III - As vilas auríferas na capitania da Bahia

As cidades e vilas coloniais constituíram-se como um dos pilares da presença


portuguesa na América. A fundação de centros urbanos no litoral cumpriu com a função de
defender as principais praças mercantis das conquistas, assegurando a vitalidade das suas
atividades portuárias e a fixação da população citadina que atuava na vida política da república.
A urbanização do império luso contou com ritmos e dimensões diferentes nos seus vários
espaços. Condições geográficas, políticas e sócio-culturais interferiram na dinâmica de
construção de feitorias e cidades, modulando de forma diversa os núcleos povoadores. 276
As principais urbes litorâneas da América portuguesa, notadamente Salvador, Rio de
Janeiro e Recife, resguardadas as suas particularidades locais, desenvolveram-se a partir de
interações comerciais, institucionais e políticas com outras cidades do império ultramarino tal
como Lisboa, Luanda, Goa e Macau. A cidade de Salvador, estabelecida como sede do
Governo-geral desde 1549, constituiu-se como o epicentro político, econômico e social,
tornando-se nos séculos seguintes a principal cidade da monarquia lusa depois de Lisboa, e
maior cidade do mundo abaixo da linha do Equador. No século XVIII, juntamente com o Rio
de Janeiro, figurava como um dos dois maiores portos do Atlântico Sul. A capital da América
portuguesa era ponto de paragem para a rota de comércio com as Índias e o Oriente mantendo
duradouros vínculos como entreposto comercial com outras possessões na África, na Índia e na
China.277 Por sua proeminência geográfica e econômica, mas também pela uniformidade
institucional e legislativa que estas câmaras guardavam com os concelhos do reino, foram
estudadas por terem sido importantes centros políticos e mercantis.278
Sabemos que as instituições portuguesas que regiam a vida citadina também foram
trasladadas para os trópicos. O debate historiográfico tem sublinhado a autonomia das câmaras
municipais na Época Moderna em contraposição a um efetivo controle da coroa sobre os
concelhos. Os estudos de António Manuel Hespanha estimularam uma abordagem mais

276
BICALHO, Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Civilização Brasileira. Rio de
Janeiro, 2003, p. 166-167.
277
Sobre a cidade de Salvador e os vários aspectos de sua formação social e demográfica desde o século XVI ao
XX. Cf. AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador. Editora Itapuã, 3ª edição, 1969.
Sobre a participação da Bahia na carreira da Índia ver: AMARAL LAPA, J. A Bahia e a carreira da Índia.
Companhia Editora nacional. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1968.
278
Dentre outros, cf. KRAUSE, op. cit., 2015; SOUZA, Avanete Pereira. A Bahia no século XVIII: Poder político
Local e atividades econômicas. São Paulo: Alameda, 2012; FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas D’El
rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Trad. Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.
160

centrada na emanação “natural do sistema de poder das comunidades locais” 279, construído
sobre o direito costumeiro. Nas conquistas ultramarinas manteve-se uma relativa uniformidade
dos concelhos, paróquias e ordenanças, tal como existiam no território continental da monarquia
portuguesa. No ultramar as câmaras, estavam organizadas como cidades e vilas, que em geral
divergiam das do reino em termos de importância geo-política e das rendas que administravam.
Essas câmaras eram compostas por um juiz-presidente, (geralmente o vereador mais velho era
provido nesse ofício), dois vereadores e um procurador. Nas vilas coloniais, a presença de um
juiz de fora letrado designado pela coroa foi excepcional, surgindo somente no final do século
XVII, ficando restrita às câmaras mais importantes.
Nas décadas iniciais do século XVIII, em locais distantes das cidades litorâneas, uma
excepcional quantidade de câmaras foi edificada especialmente em função das atividades
minerais. Àquela altura, o interior da América portuguesa não era conhecido pelos seus limites,
mas por estar sempre além das fronteiras estabelecidas e aquém da capacidade dos colonos de
conhecer, povoar e ocupar. Nos relatos coevos, encontramos um amplo espectro de referências
de que esse sertão era um lugar hostil, habitat de grupos indígenas dispersos e itinerantes, muito
embora conectado através dos caminhos dos gados e dos currais. 280
Nas primeiras décadas dos setecentos, os povoados e arraiais localizados no sertão
passaram por significativas transformações, vindo a serem elevados à condição de vilas. Diante
desse quadro, pareceu-nos legítimo construir uma outra interpretação acerca dos fenômenos
sociais e econômicos que se deram nos núcleos populacionais sertanejos.
A persistência da exploração aurífera possibilitou a formação de um aparato político
administrativo fundamental para o enraizamento das instituições da Coroa. Isto permitiu que o
sertão baiano fosse integrado de forma permanente à administração política da monarquia
pluricontinental, garantindo o funcionamento de um extenso circuito de produção econômica
através do fluxo mercantil do ouro e do gado. Mas não só isso, a fundação das vilas criou as
condições para a existência de poderes locais, em constante negociação com a coroa. O

279
HESPANHA, Apud Monteiro, Nuno Gonçalo. “Os Concelhos e as comunidades”. in: História de Portugal: O
Antigo Regime (1620-1807). Vol. IV. Editorial Estampa, 1998, p. 270.
280
Esdras Arraes fez um consubstanciado levantamento das jurisdições civis e eclesiásticas criadas nas capitanias
do norte com base na existências de antigos currais. O autor parte do pressuposto de que a formação histórica do
que ele nomeia de ‘rede urbana’ foi constituída a partir da economia pastoril, que guardava estreitas relações com
o povoamento do sertão. Segundo concluiu, “formou-se nos “Certoens” do Norte um sistema urbano composto
por dezenas de vilas e uma cidade, criando estreitas relações entre o território e o ultramar.” Ou seja, seu estudo
reitera a ideia do nordeste como uma área primordialmente voltada para a criação de gado, perspectiva que esta
tese pretende flexibilizar, sem obviamente ignorar a dimensão econômica dessa cultura agro-pastoril. Ademais
atribuímos o caráter urbano, especialmente das vilas dos sertões baianos, à economia aurífera e não a criação agro-
pastoril. Ver: ARRAES, Esdras. “Curral de reses, curral de almas: Introdução à urbanização dos “Certoens” das
capitanias do Norte (séculos XVII-XIX).” in: Rev. Inst. Estud. Bras., São Paulo, n. 58, p. 51-77, jun. 2014.
161

compartilhamento de poderes era uma tônica nas sociedades de Antigo Regime e, por essa via,
articulavam-se os poderes concorrentes. Essa autoridade negociada deixava brechas através das
quais modulava-se o poder local. Esse aspecto foi frequentemente negligenciado nos estudos
sobre as vilas auríferas baiana. Albertina Vasconcelos em seu estudo sobre a mineração baiana
percebeu a presença da arquitetura institucional portuguesa no território do sertão como uma
via inexorável de opressão da coroa contra os súditos.
A Bahia colonial viveu sob o signo de uma constante tensão, uma síndrome
de crise e de medo. A fragilidade e a fluidez das instituições, aliadas à
fragmentação do território, contribuíram para esse clima de permanente
instabilidade e opressão.281

Os estudos de João Pandiá Calógeras282 e Frederico Edelweiss283 associam as


descobertas minerais à ação de bandeirantes e portanto não dimensionaram o impacto da criação
das vilas sertanejas. Os textos de Afonso Costa284 no que pese a relevância do conjunto de
fontes apresentadas sobre a fundação da câmara da vila de Jacobina, também não oferece uma
a perspectiva integradora do processo de entrada do sertão no mapa da administração
portuguesa. Antes disso, o referido autor mostra-se contrário à ideia de que a mineração não
teria concorrido para a criação da vila. Em suas palavras:
A mineração não teria, em absoluto, concorrido para a criação da vila e
implantação da justiça na Jacobina, senão que tudo decorrera da marcha
natural e evolutiva dos fatos, numa terra que se mostrava amparada em
probabilidades econômicas mais largas, através das minas e da exploração
agro-pastoril.285

Esse trabalho parte da perspectiva oposta. Pelos motivos apresentados, pretendemos


demonstrar que foi justamente a mineração que desencadeou a mais significativa mudança
naquele espaço. A abertura da mineração elevou o estatuto dos arraiais do sertão, fazendo com
que o mesmo se tornassem, de uma forma diversa do que ocorreu no século XVII, um espaço
com jurisdição civil.
Um outro fator que contribuiu para o processo a contribuição das câmaras e do poder
local no processo de efetivação da conquista. Essa perspectiva alinha-se de certo modo com as

281
VASCONCELOS, op. cit., p. 35.
282
CALOGERAS, João Pandiá. As minas do Brasil. op. cit., p. 75-79; EDELWEISS, Frederico. Os primeiros 20
anos da exploração de ouro documentada na Bahia. Anais do primeiro Congresso de História da Bahia. IV vol.
Salvador: tipografia beneditina, 1950, p. 171-180.
283
EDELWEISS, Frederico. Os primeiros 20 anos da exploração de ouro documentada na Bahia. Anais do
primeiro Congresso de História da Bahia. IV vol. Salvador: tipografia beneditina, 1950, p. 171-180.
284
COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive minha cidade.” In: Anais do IV Congresso de História
Nacional. Departamento de imprensa nacional. Rio de Janeiro, vol. IX, 1951.
285
COSTA, op. cit., p. 204.
162

conclusões demonstradas na tese de Márcio Roberto dos Santos.286 Este autor revisou a matriz
historiográfica que tem como pressuposto o avanço contínuo e integrador da expansão luso-
brasileira sobre o território americano. De acordo com sua investigação, o processo de ocupação
territorial dos sertões baianos sofreu recuo em diversos momentos, pois as zonas de ocupação
dos luso-brasileiros287 constantemente recebiam as pressões externas das áreas Tapuias ainda
não conquistadas. As noções de reversibilidade e descontinuidade do avanço colonizador foram
percebidas pelo autor, pois a fronteira configurava-se como um dado incontornável, uma
realidade concreta para os luso-brasileiros e as populações indígenas. As fronteiras também
foram marcadas pela forte militarização advinda dos dois lados, entretanto, com grandes
desvantagens para as populações nativas.
Para melhor clarificar os tipos de apropriação do território, o autor assim definiu as
quatro categorias essenciais para a ocupação do espaço:
A segmentação, para fins da compreensão teórica, da instalação luso-brasileira
no sertão baiano possibilita identificar e caracterizar quatro momentos: A
exploração reúne as primeiras ações de investigação do espaço, que se deram
por meio de entradas sertanistas ocorridas já a partir do século XVI. A
conquista está relacionada às guerras pelo apossamento de terras, movidas
contra antigos ocupadores indígenas, e à implantação dos primeiros enclaves
luso-brasileiros nos espaços conquistados. A ocupação se dá através do
estabelecimento das unidades territoriais, entre as quais os arraiais, as
fazendas de gado pioneiras e as missões religiosas estão entre as principais. A
territorialização, por fim, diz respeito à efetiva fixação dos instrumentos
jurídico-políticos e ideológicos de controle do espaço e, portanto, de definição
da soberania portuguesa sobre as áreas ocupadas. Regiões coloniais e
territórios consolidados emergem do complexo e diversificado processo de
territorialização dos sertões.288

Os objetivos do presente estudo inscrevem-se no interior da categoria de


territorialização trazida pelo autor. Interessa investigar a complexidade das relações que
envolviam a coroa, o governo da capitania, os potentados do sertão (alguns deles sertanistas),
os mineiros (livres e escravos) e as populações indígenas nos territórios constituídos nas vilas
e nos distritos minerais que compunham seus termos. Desejamos perceber as agências e os
esforços desses atores, que quando orientados por interesses divergentes, atuaram em diversos
momentos para assegurar o usufruto das áreas conquistadas. Não concordamos com a simples
ideia de expansão contínua e irreversível, seja das jurisdições de governo ou dos agentes

286
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. 2010. Tese (Doutorado em
História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010.
287
O autor usa a categoria de luso-brasileiros para referir-se às populações que ocuparam os sertões coloniais.
288
SANTOS, Márcio Roberto. op. cit., p. 394.
163

individuais naquele território, pois, ainda por boa parte da primeira metade do século XVIII, o
sertão baiano continuou a ser visto como uma conquista. E exatamente por isso, comportou
uma gama heterogênea de modos de atuação desses agentes. Tais aspectos nos parecem
essenciais para entendermos a administração de um território vasto e complexo como eram os
sertões baianos no século XVIII.
No que pese a robusta análise que Márcio Roberto dos Santos fez sobre a formação
territorial do sertão baiano, penso que o autor minimizou os reflexos da presença institucional
do aparato político-civil da coroa na ocupação do sertão. Sua pesquisa tende a dimensionar uma
formação histórica que parecia em grande medida passar ao largo da ação da monarquia. Para
ele, esse processo foi uma das etapas tardiamente instauradas após as ocupações populacionais
efetivadas pelos arraiais, fazenda pecuárias e missões religiosas. Entretanto, tendo em
consideração os contextos analisados ao longo dessa investigação, insistimos ainda na
existência de pactos que foram sendo moldados entre a monarquia e as ações particulares.
Segundo António Manoel Hespanha “Todo espaço colonial é, de facto, um espaço de pactos.
De muitos e incontáveis pactos.”289 Assim aquela sociedade se reproduzia moldada em relações
clientelísticas, com base nesses pactos, na economia da graça, na concorrência de poderes, mas
também na arquitetura política das instituições típicas de uma sociedade do Antigo Regime.
Na realidade, busca-se neste estudo perceber os agentes como “sujeitos do corpo
político”290 atuando com estratégias de negociações com os poderes do centro. Sem esse
elemento não é possível perceber a fundamental consolidação do espaço e da fronteira no
interior do território. Quando reduz-se a escala de observação, percebe-se que os quatro
elementos interagiam dinamicamente em proporções significativas, pois seguiam os critérios
definidos na complexidade das ações cotidianas. A idealização de um espaço de fronteira e a
sua transferência para a realidade concreta é uma operação difícil de ser realizada diante dos
múltiplos fatores que orientavam a ação dos agentes históricos. Partindo desse pressuposto e
pretendendo afunilar o olhar sobre essas práticas, é que esse estudo considera que todas as
categorias acima citadas interagiam de forma dinâmica e oscilante.
À vista disso, a mineração baiana foi um elemento novo, levando a Coroa a reorganizar
a até então frágil presença das instituições coloniais no sertão. Se por um lado contemporizou
a ambição de homens dispostos a agenciar-se em explorações de minas, teve como efeito

289
HESPANHA, Antônio Manuel. “Porque é que foi “portuguesa” a expansão portuguesa? ou O revisionismo nos
trópicos.” Conferência proferida na sessão de abertura do Colóquio “O espaço atlântico de Antigo Regime: poderes
e sociedades”, org. pelo CHAM-FCSH-UNL/IICT, Lisboa, 2 a 5 de Novembro de 2005. p. 11.
290
Idem, p. 11.
164

reverso o aumento dos descaminhos dos quintos do ouro. Se a conquista de áreas recentes
incentivou o combate aos índios não aldeados, também recebeu como resposta a pressão dos
grupos Tapuias que resistiam ao avanço colonial. Se o governo estabeleceu modos de
fiscalização das minas, baseado no uso do poder de coação dos homens proeminentes, também
favoreceu margens de autonomia aos potentados dos sertões, agentes imprescindíveis nas redes
clientelares das ordenanças, permitindo-lhes igualmente agir nas brechas do sistema.
Objetivamente, a mineração ao longo do XVIII criou uma constante interação entre os poderes
do centro e os poderes locais que ora atuavam em prol de seus interesses, ora faziam acordos
com o governo colonial e com a monarquia.
Na primeira metade do século XVIII o sertão baiano estava dividido em sertão de
baixo e sertão de cima. Em 1759, esses dois territórios possuíam 34 freguesias, 5 vilas e 2
julgados. Para além desse espaço estavam as vilas do Recôncavo e das capitanias anexas de
Ilhéus e Sergipe D’El Rei. Apesar disso, o interior baiano não foi qualificado como uma
capitania com extensa malha urbana, mas sempre referido como sertão, epíteto que pareceu
fazer jus ao seu destino de ser capitania dos currais, como já foi referido em outro momento. A
investigação acerca da fundação das vilas nos sertões da Bahia, pretende perceber e agregar a
ocupação desses espaços, como uma etapa relevante do processo de urbanização e ocupação do
interior da América Portuguesa.
A câmara da vila de Jacobina (1722) foi a segunda câmara edificada no interior da
Bahia.291 Analisando as décadas de funcionamento destas câmaras, percebeu-se que estas
instituições estavam em sintonia com o desempenho de suas funções como representantes do
poder local e dos interesses da república. Por outra via, foram esses pactos e as possibilidades
de negociação que permitiram às câmaras manterem-se ativas por todo o setecentos. Essas vilas
estavam a consideráveis distâncias da cidade de Salvador, marco de referência que deixa ainda
mais evidente a sua posição periférica na geografia baiana. Este foi um dos aspectos que sem
dúvidas colaborou para autonomia local e permitiu, com ritmos e variações concernentes às
suas dinâmicas, a longevidade das atividades na gestão do bem comum.
Um indício que demonstra a vitalidade do poder local foi a reiterada capacidade de
diálogo com o centro, feita através de representações enviadas à coroa em momentos
importantes para a manutenção da harmonia social da comunidade. O resultado desse
habilidoso jogo de representações foi o seu papel de transformar os moradores do sertão em

291
A primeira foi a câmara da vila de Itapicuru em 1718, não muito distante do recôncavo baiano foi estabelecida
no território denominado sertão de baixo, podendo ser considerada como uma vila boca do sertão, pois localizava-
se à entrada dos caminhos que levariam ao sertão de cima.
165

súditos de sua majestade. Esses e outros condicionantes foram percebidos como estruturantes
para a vitalidade das relações entre centro e periferia durante todo o Antigo Regime. Dessa
forma deve-se considerar que a preocupação da coroa na edificação dessas vilas, diga-se de
passagem, uma prerrogativa régia, apontam para a incorporação de elementos condizentes com
o caráter corporativo e polissinodal do exercício do poder, fortalecendo e organizando a
presença da monarquia aos moldes de uma sociedade de Antigo Regime.
Esse capítulo, portanto, dedica-se a demonstrar a importância da criação dos concelhos
camarários nas vilas auríferas do sertão baiano - Santo Antônio da Jacobina, Rio de Contas e
Minas Novas - que conformaram durante a primeira década do setecentos o circuito minerador
baiano. Demonstra-se também a capacidade da coroa em se fazer presente nos múltiplos e
complexos territórios que conformavam a natureza pluricontinental da monarquia. No momento
em que a exploração do ouro já era um fato inconteste, a coroa juntamente com o vice-rei, tratou
de estabelecer os contornos administrativos a serem implantados no espaço das minas baianas,
para o qual concorreu o delineamento de sua auto representação política.
Como poderá ser visto pelo leitor, algumas circunstâncias condicionaram a abordagem
que vamos fazer sobre a edificação dessas vilas. A vila de Jacobina teve tratamento privilegiado,
pois foi a que nos legou mais documentos, inclusive as duas atas que registraram o primeiro
momento da sua fundação em 1722 e depois a transferência realizada em 1724. Devido à
documentação subsidiária, pudemos também rastrear informações sobre a composição dos seus
oficiais. Outros fatores, tais como ter sediado em 1727 uma casa de fundição e ter sido
designada como a cabeça da comarca da Bahia da parte do Sul, também colaborou para uma
significativa produção documental que transitou no Conselho Ultramarino e permitiu algumas
inferências sobre o impacto provocado pela sua criação. Infelizmente os livros da câmara não
sobreviveram até os dias atuais e a ausência dessa documentação não permitiu vislumbrar com
mais detalhes a dinâmica política de sua atividade camarária. De todo modo, em linhas gerais,
percebeu-se que o funcionamento das câmaras no sertão seguiam, aos moldes de sua conjuntura
local, o mesmo marco institucional de outras câmaras do Império.
A vila de Rio de Contas foi criada logo após a de Jacobina. O ato de edificação foi
realizado pelo coronel Pedro Barbosa Leal, seguindo ordens expressas do governo da Bahia
para assentar a câmara e recolher os quintos relativos à exploração das minas. Apesar da pouca
quantidade de bateias que oficialmente laboravam nos leitos dos rios próximos ao povoado,
aproximadamente 700 na década de 1720, esta vila teve menor expressão econômica e política
se comparada à de Jacobina. Aspecto considerado a partir da disponibilidade da documentação,
166

mas que não diminuiu em nada sua participação na formação de um espaço econômico regional
de exploração aurífera na Bahia.
Na década de 1730, abundavam notícias sobre as descobertas de ouro no vale do rio
Araçuaí (Minas Novas), inaugurando uma nova frente de conquista nos limites entre o sertão
baiano e o mineiro.292 Para assegurar o novo espaço conquistado, o vice-rei Vasco Fernandes
César de Menezes enviou o coronel e sertanista Pedro Leolino Mariz para atuar naquela região
como intermediário entre os mineradores e o governo da capitania. Aspectos da organização do
poder naquela região serão também analisados, contudo, pode-se perceber na documentação
que o funcionamento em Minas Novas divergiu sobremaneira daquilo que ocorreu em Jacobina
e Rio de Contas, sobretudo devido à delegação de poderes que permitiu ao superintende das
minas, o coronel Pedro Leolino Mariz, exercer alto nível de influência e autoridade na região.
Ademais, Minas Novas deve ser analisada por outros ângulos. A região foi alvo de
intenso conflito de jurisdição entre as capitanias da Bahia e Minas Gerais e as disputas não
envolviam somente os governadores de ambas as capitanias, (o governador D. Lourenço de
Almeida era um desafeto declarado do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses) mas
também potentados e mineradores que faziam verdadeiros poderes paralelos em prol de
demarcar suas posições e interesses. Aquele distrito minerador abrigou também uma casa de
intendência do ouro e uma casa de fundição, ambas as instituições legaram informações acerca
dos ritmos da arrecadação fiscal, mas também das relações de poder exercidas no governo local.

3.1 Antes da vila, os quintos: A chegada do superintendente nas minas de Jacobina e Rio
de Contas

Entre os anos de 1731 e 1734, o mestre de campo Joaquim Quaresma Delgado, a


serviço do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, fez uma longa jornada de viagem aos
sertões da Bahia, interessado em conferir as rotas e caminhos nos circuitos das explorações de
minas. Após sua viagem, ele entregou o roteiro dos caminhos que ligavam a cidade da Bahia
até a vila de Jacobina, seguindo para a vila de Rio de Contas até Minas Novas de Araçuaí. Este
roteiro denominado de Derrota293, e já referenciado no capitulo I desta tese, indicou com

292
Márcio Roberto dos Santos corrobora a percepção de que o caminho aberto por Pedro Barbosa Leal ligando as
vilas de Jacobina à vila de Rio de Contas, teria permitido o avanço de luso-brasílicos para o sul em direção as
minas de Tocambira (Itocambira) e Minas Novas, conectando as regiões mineradoras da Bahia com Minas Gerais.
SANTOS, op. cit., 2010, p. 180.
293 O documento original desta Derrota encontra-se na coleção Família Cesar de Meneses custodiado no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Tudo indica ser o documento original pois possuí desenhos feitos pelo mestre
de campo, especificamente uma representação do sitio do Bom Jesus em Rio de Contas além de um símbolo
copiado pelo mestre de campo que indicava novos descobrimentos nos rios pelos quais ele passou. Cf. IHGB.
167

demasiada gama de detalhes os caminhos de acesso aos três principais distritos de exploração
de minas. Em sua detalhada descrição, não deixou de citar as bacias hidrográficas, as serras, os
locais com águas e pastos, além da existência de casas e currais, em alguns casos indicando até
o nome dos proprietários encontrados ao longo dos caminhos. Estas referências, tanto quanto
alguns aspectos da vegetação e locais de extração de ouro, funcionavam como demarcadores
para o governo da capitania ter ciência da espacialização das rotas do sertão.
As informações trazidas por Quaresma Delgado sobre os entornos da vila de Santo
Antônio da Jacobina revelam características e localizações dos sítios de residência dos
moradores dos distritos das minas que integravam a paisagem social da vila. O viajante que
seguisse da cidade da Bahia em direção à Jacobina, em uma das últimas etapas do roteiro, já na
altura do rio do Peixe, poderia “passar mais adiante meia légua, [onde] há um rancho que aí
está em um largo que aqui tem seu pasto, mas não tem água e aqui é mais conveniente pousar
em tempo que as não haja, que sempre aqui passarão os cavalos melhores.”294 Seguindo 2 léguas
e meia do rio do Peixe, o viajante chegaria ao local conhecido como volta do Itapicuru-
Mirim295, rio que nasce no Piemonte da Chapada Diamantina, e nos arredores do qual se
estabeleceu a vila de Jacobina. Pela indicação de Quaresma Delgado haviam dois ranchos “que
fica do pé do mesmo rio”, e distavam em torno de 1 légua e meia um do outro. Seguindo 5
léguas e ¼, o viajante encontraria o rancho da Tapera, no qual residia João Dias, 296 com uma
casa e um curral onde se criava gado nas partes de várzeas. Após esse rancho tinha a Sapucaia,
local onde estava a casa de registro das estradas, ali também havia um curral de gados pela
abundância de águas e pastos.
A sede da vila de Jacobina, a partir de 1724, ficava distante 2 léguas e meia da Tapera,
e entre um e outro lugar, haviam “umas casas de moradores e, algumas roças”. Antes de chegar
à sede da vila, passava-se por um riacho chamado de Casa de Telha, logo adiante outra casa
próxima a um riacho conhecido como Taboca. Seguindo por mais ¼ de légua à frente, passava-
se pelo riacho da Bananeira e “mais outro quarto de légua adiante o riacho de Ouro Fino, que é
já dentro da vila.297

Arquivo 2.4.8. MENEZES, Vasco Fernandes Cezar. Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e
do que nele obrou o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, 472pg.
294
DELGADO. Joaquim Quaresma. Derrota da Cidade da Bahia para as Minas de Jacobina, Rio de Contas, e
Minas Novas, e as mais viagens seguintes... op. cit., p. 71
295
O rio Itapicuru-mirim é o principal rio da cidade de Jacobina.
296
João Dias foi o mineiro que no ano de 1729 impetrou uma representação contra a sesmeira D. Joana Guedes de
Brito em nome dos moradores de Jacobina. A representação já analisada no capítulo I buscava impedir a
continuidade da cobrança de pagamento de foros pela ocupação das terras que a sesmeira reivindicava como suas.
297
Atualmente, esse riacho é conhecido como rio do Ouro e fica muito próximo à Praça da Matriz (Praça Castro
Alves) onde está localizada a Igreja da Vila de Santo Antônio da Jacobina, que começou a ser construída em 1705
168

Em seu roteiro, Quaresma Delgado, descreveu o que viu ao chegar à sede da vila de
Jacobina em 1731: “Tem uma rua arruada leste oeste, com casas de uma banda e da outra,
ficando-lhe o rio à parte de sudoeste e terá desde o rio de Ouro Fino até a missão dos padres e
metade e um quarto de léguas.”298 No local chamado arraial das Filgueiras, distante 4 léguas da
vila, ele contou que havia trabalhadores imbuídos na atividade de tirar ouro. Situação
semelhante sucedia-se no sítio de Jaboticabas, distante 2 léguas e meia da vila e onde residia o
coronel Manoel de Figueiredo Mascarenhas, e segundo a observação do mestre de campo
“Neste (sic) sítio se tem tirado bastante ouro e tirará havendo água por toda esta distância até a
vila em vários córregos de serras que o tem.”299 Quando da passagem do mestre de campo por
Jacobina, a sede da vila já tinha sido transferida da Jacobina velha próxima à Missão do Saí
(Campo Formoso) para o Sítio da missão do Bom Jesus da Glória (atual cidade de Jacobina).
No entanto, a Igreja Matriz de Santo Antônio da Jacobina, não acompanhou a transferência da
vila, tendo continuado próxima ao Saí (Campo Formoso).300
Na década anterior, tão logo chegou à Bahia em 1720, o vice-rei Vasco Fernandes
percebeu a possibilidade de canalizar as riquezas que corriam nos ribeiros de ouro dos sertões
para os cofres da Fazenda Real, encarando isso como um projeto pessoal, não somente como
cumprimento de um dever de ofício. A estreiteza de vínculos com sertanistas foi uma das
tônicas da administração desse vice-rei em relação com a exploração de ouro no sertão baiano.
Estes indivíduos, providos em patentes de ordenanças e experientes em matérias de sertão,
prestaram importantes serviços nos distritos das minas e tornaram-se os olhos, ouvidos e braços
do vice-rei nos mais distantes arraiais mineiros. Através de um significativo volume de
correspondências vislumbra-se interessantes aspectos do cotidiano do governo nas minas. Para
a discussão que interessa nesse momento, pontua-se que entre os anos de 1720 e 1725, este
vice-rei manteve estreitos contatos com o coronel Pedro Barbosa Leal. Nos anos seguintes,
entre 1729-1735, período final do seu governo, foi com o coronel Pedro Leolino Mariz que
Vasco Fernandes estabeleceu intenso diálogo e pôde manter-se informado dos acontecimentos
nas Minas Novas de Araçuaí.
A análise da comunicação política desse administrador colonial, percebe-se o quanto
o vice-rei era rigoroso na exigência do cumprimento de suas ordens. Nos anos iniciais de sua

às custas de Antônio da Silva Pimentel, após obter autorização da Coroa para este intento. Cf. COSTA, Afonso.
Vida eclesiástica. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo, 31 de agosto de 1952, p. 4.
298
DELGADO. Joaquim Quaresma. op. cit., p. 72
299
DELGADO. Joaquim Quaresma. op. cit., p. 73
300
Afonso Costa corrobora essa informação: “Campo Formoso servia de sede da freguesia de S. Antônio da
Jacobina e aí ficava a igreja matriz, bem o disse Francisco Vicente Viana.” Cf. COSTA, Afonso. op. cit., 1952, p.
4.
169

administração, uma das prioridades era estabelecer a ordem e o bom governo dos povos. Na
correspondência administrativa com sua rede clientelar, ele costumava ser bastante enfático no
que concerne às suas expectativas e aos detalhes de como deveriam ser executados os seus
projetos, isso quase sempre conferiu um tom peculiar às suas correspondências. Em uma carta
enviada ao coronel Barbosa Leal, ele resumiu os planos políticos, intrínsecos aos seus anseios
particulares para as minas. Os despachos, provisões, bandos e editais, atestam um esforço de
organização administrativa e econômica do sertão, denotando como a Coroa e o vice-rei
possuíam grandes interesses no ouro. O indulto régio de franqueamento das minas foi um
evento particularmente decisivo para a constituição das vilas.

Voltando vossa mercê dos descobrimentos em que anda, irá para a parte da
freguesia a examinar os riachos, e as serras, em que estão as três betas de ouro,
e agradeço a Vossa mercê mandar desentupir a Mina de cobre para me remeter
as suas amostras, relação dos ribeiros, serras, e lavras: e suponho que assim
este trabalho, como a isenção com que Vossa Mercê se há nesta, e nas mais
matérias pertença a Sua Majestade o remunerá-la, contudo, sempre me
reconheci obrigado à sua atenção, porque deste projeto precisamente me há
de resultar a maior vaidade (grifo nosso).301

Esta passagem explicita que quando em 23 de novembro de 1720 Vasco Fernandes


assumiu o governo geral do Estado do Brasil, ele trazia como uma das suas principais
incumbências administrativas o estabelecimento de alguma ordem civil e econômica nas
regiões das minas baianas. A criação das três vilas no sertão – Jacobina (1722), Rio de Contas
(1725) e Minas Novas (1729), tanto quanto a divisão da comarca da Bahia em duas ouvidorias,
da Bahia e da Parte do Sul - conformavam-se como inadiável remédio para os desmandos e
insolências, que por conta do aparecimento do ouro, sobretudo de aluvião, que incitou a
incontrolável movimentação de todo tipo de gente para o interior.
Conforme foi dito, no início da década de 1720, a exploração do ouro estava
confirmada nas minas de Jacobina e Rio de Contas. As Minas Novas próxima aos rios de
Araçuaí e Fanado foram locais descobertos somente por volta de 1729. Por esse motivo, as
câmaras de Jacobina e Rio de Contas foram as primeiras a serem edificadas. Essa região já
estava ocupada com sitiantes desde o século XVII, que ali viviam de suas roças, fazendas e
criações de gado, (conforme demostrou-se no capítulo I), portanto a implantação de uma
estrutura de governo, de certa forma, encontrou nos moradores já assentados um lastro de
acomodação que permitiu, no momento em que as câmaras foram edificadas, espaços de

301
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Carta dos Governadores (1720-1722), Rio de Janeiro,
Typografia Baptista de Souza, Vol. XLIV, 1939, p. 147.
170

negociação política imprescindíveis, tanto para moradores, quanto para a coroa. Já em Minas
Novas do Araçuaí a situação foi um tanto diferente, uma vez que aquela região passou por um
processo de conquista para o estabelecimento dos mineiros, já que foi preciso combater com
violência a presença de grupos indígenas.
Em 2 de dezembro de 1720 o vice-rei expediu ordens para o desembargador Luiz de
Siqueira da Gama nomear “duas pessoas que o possam acompanhar, com as ocupações de
escrivão e meirinho”302 e seguir as instruções necessárias para o estabelecimento dos quintos e
edificação da vila de Jacobina. Por estas Instruções303, o desembargador deveria partir o quanto
antes e lá chegando, cumpria chamar à sua presença o ainda atuante capitão-mor Antônio
Pinheiro da Rocha, um dos homens mais respeitados e experientes da localidade. Eles deveriam
proceder ao reconhecimento das minas e informar sobre as pessoas que trabalhavam nelas e a
forma como lavravam, com fins de efetivar a arrecadação dos direitos dos quintos. A Instrução
também trazia uma importante recomendação: o magistrado deveria delimitar o distrito da vila,
“para se separar da comarca desta cidade [da Bahia], assinalando distrito para a comarca que se
há de dar ao novo magistrado e vila, dando-lhe toda a mais forma de república bem
ordenada.”304 Portanto, na origem da vila, está também proposta a delimitação jurídica da
comarca da Bahia da Parte do Sul que seria efetivamente criada em 1734, e sua ouvidoria
estabelecida em 1742 já no governo do conde das Galveas. Para esta recém criada comarca foi
nomeado o Dr. Manoel da Fonseca Brandão como seu primeiro ouvidor.
Entretanto, os planos do vice-rei de enviar um magistrado ao sertão foram frustrados,
pois trinta léguas após iniciar sua jornada, o desembargador Luís de Siqueira adoeceu no
caminho e foi obrigado a retornar à Salvador. Foi necessário que o vice-rei desse conta à coroa
da malograda expedição e tentasse encontrar outra solução para a questão. É notório, como
afirmou Schwartz, o fato dos desembargadores relutarem em sair do conforto da cidade de
Salvador para executar diligências nas longínquas paragens do sertão.305 A escassez de comida
e alojamento, além dos riscos de ataques e violências que dominavam os caminhos do interior
agravavam ainda mais as dificuldades da viagem. Além disso, em se tratando da matéria de
reconhecimento de minas, talvez o desembargador não fosse a pessoa mais apropriada, visto

302
Carta do Vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes para o Desembargador Luiz de Siqueira da Gama, a 2 de
dezembro de 1720. Apud COSTA, 1951, p. 265.
303
Instruções de que há de usar o desembargador Luís de Siqueira da Gama na diligência que ora vai fazer em
Jacobina. 04 de dezembro de 1720. Apud COSTA, 1951, p. 265-267.
304
Ibidem, p. 266. Esta passagem indica que já em 1720, havia uma clareza sobre a necessidade de criação de uma
comarca voltada para a jurisdição do sertão, a qual teria por sede a vila de Jacobina, local onde residiria o ouvidor.
305
SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial. O tribunal superior da Bahia e seus
desembargadores. 1609-1751. São Paulo. Cia das Letras, 2001.p. 208.
171

que o exercício de funções burocráticas passava longe das habilidades necessárias para lidar
com os homens de vida rude que ali viviam.
Diante de tal infortúnio, o vice-rei não deixou de tirar vantagem da situação. Por carta
disse ao rei que se achava “perplexo por algum tempo”, pois, sendo as notícias tão confusas e
contraditórias sobre haver ou não ouro na Jacobina, ele resolveu não mais encarregar
magistrado para tal diligência e sim “mandar uma pessoa inteligente a fazer este exame sobre
o qual assentará minha resolução.”306 A escolha do vice-rei recaiu sobre o coronel Pedro
Barbosa Leal e conforme veremos ao longo deste trabalho, a atuação desse coronel foi relevante
para o cumprimento das expressas ordens que eram enviadas pela maior autoridade do governo
do Estado do Brasil.
Da perspectiva dos altos funcionários da coroa, mas também das elites da terra, os
mineiros e povos do sertão eram em geral pessoas aventureiras, insolentes e dispostas a usar de
todo tipo de violência para defender seus interesses nas áreas das minas. No sertão eram
constantes os assaltos, assassinatos, roubos de gado e ouro, ataques efetuados por negros
aquilombados e índios hostis. Na visão coeva, os moradores do sertão, gente pouco instruída e
violenta, viviam ao sabor da sordidez, da ambição, o que tornava o local das minas um lugar
onde a insegurança era a regra. A despeito disso, quando se fez necessário, essa gente soube
requisitar, de acordo com o entendimento que tinham de seus direitos, que a coroa intermediasse
conflitos jurisdicionais.307
Comumente aparecem nas correspondências dos governadores ordens expressas para
que se prendam capitães, sargentos e auxiliares das ordenanças, pessoas de reconhecido status
social, por estarem de uma forma ou de outra infringindo as leis de Sua Majestade. Nem os
padres e religiosos escapavam à ambição que o ouro despertava, e não resguardavam o padrão
ilibado de conduta que se esperava dos eclesiásticos. O ouro virava a cabeça de qualquer um.
Em ordem expressa ao coronel Pedro Barbosa Leal, o vice-rei, a pedido do reverendo padre
provincial do Carmo, solicitava que ele remetesse preso alguns religiosos daquela ordem, que
andavam esparsos pela Jacobina sem licença de seu superior.308
Mas voltando ao processo de abertura das minas, em 1721 o coronel Pedro Barbosa
Leal foi provido por ordem régia de acordo com as recomendações do vice-rei, como

306
Carta do Vice-Rei Vasco Fernandes César de Menezes para sua Majestade em 20 de fevereiro de 1721. Apud
COSTA, Afonso. 1951, p. 268.
307
Conforme apresentamos no capítulo I o protagonismo da câmara e dos moradores no que diz respeito às disputas
de terra com D. Joana Guedes da Silva.
308
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, volume XLIV – Carta dos Governadores (1720-1722), Rio de
Janeiro, Typografia Baptista de Souza, 1939, p. 135.
172

superintendente de todos os distritos minerais do sertão. À época as descobertas ainda estavam


restritas aos ribeiros de Jacobina e Rio de Contas. Nessa diligência, o coronel deveria
encaminhar a arrecadação dos quintos desde o ano de 1720, organizar a extração do ouro, fazer
a repartição das datas e criar as vilas. Portanto, já na origem do processo de criação destas vilas
nota-se a peculiaridade de terem sido edificadas por um sertanista, já que por norma cabia a um
magistrado essa tarefa. O imprevisto que impediu a comitiva do ouvidor da Bahia de cumprir
sua missão no sertão, tornou-se favorável ao vice-rei, pois através da atuação do coronel
Barbosa Leal, ele pôde formar uma rede de alianças nas minas da Bahia.
As relações de confiança e clientela eram pré-requisitos importantes para o
estabelecimento de vínculos entre as elites no Antigo Regime, por isso a escolha do coronel
Pedro Barbosa Leal não foi fortuita. De acordo com a retórica da época, o coronel possuía as
virtudes essenciais que o credenciavam para exercer as atribuições de superintendente das
minas. Nobreza, inteligência, conhecimento político, experiência e capacidade técnica eram
seus atributos. Além disso, sua patente de coronel lhe conferia autoridade e habilidade para
comandar homens e usar da força de coação, certamente necessária, para controlar uma
sociedade nada pacífica. Ao chegar às minas ele deveria aferir o número de pessoas que lá
estavam, cobrar os quintos que até então não tinham sido recolhidos, nomear um guarda-mor
para repartir as datas, um tesoureiro para recolher os quintos e um escrivão para registrar o que
se recolhesse. O vice-rei, ao nomear o coronel Pedro Barbosa Leal, escreveu:
Havendo já nela notícias mui confusas e opostas umas às outras, em ordem a
haver ou não haver ouro na mesma Jacobina e por me parecer justo fazer todo
o exame de matéria de tanta consideração, antes de executar o estabelecimento
da vila e seu magistrado, me resolvi a encarregar esta diligência ao coronel
Pedro Barbosa Leal, em quem não só concorrem zelo, atividade e
desinteresse, mas todos os demais atributos que o fazem digno da
confiança que faço da sua pessoa (grifo nosso), lhe ordeno parta prontamente
para a dita Jacobina.309

No dia 06 de agosto de 1721, com a prerrogativa de exercer um poder quase que ilimitado
no governo das minas, ele se encaminhou em marcha saindo da vila de Cachoeira em direção ao
sertão. O caminho já era conhecido por Pedro Barbosa Leal em 1721, pois alguns anos antes ele
tinha ido ao sertão sob a incumbência de D. João de Lencastre, para servir de administrador da
Fábrica de Salitre, localizada às margens do rio de mesmo nome.
Ao chegar em Jacobina, publicou um bando informando sobre o indulto régio
autorizando a mineração e a obrigação de recolher os direitos régios sobre o ouro. O coronel

309
COSTA, op. cit., 1951, p. 204-205.
173

levava consigo um cofre com três chaves e um livro de registro. Depois de nomear as pessoas
idôneas para os cargos de tesoureiro, escrivão e guarda-mor, entregou cópia das chaves do cofre
e o livro de registro a cada um deles, para tomar assento e guardar todo o ouro que se arrecadasse,
cobrando mais ou menos pro-rata de cada bateia. Após executar tais diligências, ele deveria se
retirar para as minas do Rio de Contas, para igualmente proceder.
De acordo com o recorte do mapa na Figura 09, é possível ter uma ideia do caminho
que Barbosa Leal percorreu com sua comitiva quando se dirigiu à Jacobina. A linha em amarelo
demarca o caminho da estrada real - ampliada por ele quando construiu o caminho que ligava
Jacobina a Rio de Contas - e onde também ele sugeriu colocar o registro de entrada e saída das
minas, (no sítio do Sapucaia, conforme indicado na seta) como se pode verificar pelo trecho da
carta a seguir:
E porque o território, povoação e minas da Jacobina se estende por larga
distancia mui divididas as lavras umas das outras com duas estradas gerais que
saem da Jacobina com distância de vinte léguas de uma a outra sem que por
nenhum direção nem circunstancia as pudesse usufruir uma a outra senão
muito ao largo e longe da Jacobina, me resolvo a pôr casa da administração e
registro na estrada real que saí da Missão do Bom Jesus pela qual concorrem
todas as minas e lavras que se acham da banda do Itapecuru grande e para
parte do sul;310

Na mesma carta informou que o guarda-mor não poderia acudir a todo o distrito das
minas “pela grande distância em que fica (sic) em [para] se fazer qualquer coisa a sua
assistência”, pois as lavras eram distantes umas das outras. Ele sugeriu que a nomeação de um
outro superintendente, a exemplo de Minas Gerais, o que tornaria possível manter este oficial
com seu escrivão, assistindo na estrada e na vila, enquanto o guarda-mor ficaria na outra parte
da estrada real, fazendo o registro de entrada e saída do ouro. Enquanto continuava em Jacobina
aguardando as ordens do vice-rei, cumpriria ele a diligência de fiscalização das estradas,
juntamente com o escrivão. Ao final, ele anunciou: “Logo despachei o guarda-mor com o
escrivão e o tesoureiro para a dita estrada donde se há de fabricar a casa do registro e eu vou
para o lugar referido mandar dar princípio a casa da câmara e cadeia.”311

310
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338
311
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 15, Doc. 1338
174

Figura 9: Detalhe do mapa da Comarca da Jacobina com indicação aproximada da Casa de registro das entradas das Minas de Jacobina
- segunda metade do século XVIII

Fonte: Arquivo do Exército: COMARCA DA JACOBINA DIVIDIDA PELO CAMPO ILUMINADO DE COR CAPITAL – Colorido, nanquim, aquarela, tinta colorida, com
escala em léguas, com seta norte, papel canson, bom estado, medindo 35,5 cm x 28 cm 0249 02.02.249 BA
175

Foi primordial para o coronel anunciar-se como autoridade naqueles distritos,


publicando em 15 de fevereiro de 1722, um edital sobre a os direitos régios da quinta parte
sobre o ouro e demais mercadorias que entravam e saíam das minas. 312 Por esse edital, foi
estabelecido que de cada cinco oitavas, os mineiros deveriam pagar uma oitava de todo ouro
que tirassem. Além disso, determinava que toda pessoa que entrasse para comerciar “gados,
farinhas, e todos os mais gêneros comestíveis, e bebidas, fazendas, secos, e de todos os mais
gêneros, e mercadorias de que fizerem comércio”313 deveriam também pagar os quintos.
Sabedor de que nas minas, o grosso do comércio se fazia mediante troca de mercadorias por
ouro em pó, o edital ordenava que o ouro que se recebia por pagamentos também deveria ser
quintado. Portanto, quem entrasse para negociar estaria obrigado a declarar as mercadorias
transacionadas e o ouro recebido em pagamento, pelo qual se recolheria o quinto. Esse
procedimento deveria ser seguido na chegada e na saída das ditas minas, tanto para os que se
dirigiam ao Recôncavo, quanto para os que seguissem subindo para o sertão do Rio São
Francisco ou para o Piauí.
O caminho da estrada real que se fazia da vila de Jacobina até a vila do Rio de Contas
está indicado na Figura 09 apresentada acima. Era pra lá que o coronel deveria seguir com sua
comitiva para proceder às averiguações necessárias naquelas minas e edificar a vila de Nossa
Senhora do Livramento do Rio de Contas. Na missiva enviada em 8 de agosto de 1722 para
Vasco Fernandes, ele indicou ter confeccionado um mapa das serras de Jacobina, para que o
vice-rei à distância, pudesse formar uma noção, ainda que não muito precisa, do território que
compreendia os ribeiros das lavras. Assim Pedro Barbosa Leal informou que:

Ofereço a V. Excelência o breve e tosco mapa e a brevidade do tempo me


permitiu, que se não dirige mais que tão somente a que V. Excelência forme
algum conceito da figura que faz o território das serras de Jacobina para ver a
direção que levo na forma das casas da arrecadação ou do registro, e como
tiver tempo feita toda a diligência mandarei outro mapa com melhor
prospectiva, mais claro, e com mais distinção314.

Alguns dias depois, em 22 de agosto, por outra carta escrita do sítio dos Corgos, ao
usar a palavra “petipé”315, ele deixou pistas de que possuía habilidades com escalas de

312
O edital publicado por Pedro Barbosa Leal foi uma das primeiras tentativas de normatizar a arrecadação fiscal.
Como esse é o assunto do capítulo V, Só nos interessa aqui demonstrar os acontecimentos que marcaram os anos
anteriores à fundação da vila e só tangencialmente apontar as primeiras medidas que o coronel implantou quando
chegou à Jacobina.
313
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 15, Doc. 1338.
314
Projeto Resgate: Avulsos, Bahia, Cx.. 15, Doc. 1338.
315
Segundo a definição no dicionário de Bluteau, petipé “escala, ou régua dividida em certas partes
geometricamente para tomar medidas de edifícios, &c. também vem nos mapas divididos arbitrariamente, e cada
176

representação cartográfica. Apesar de reclamar de que dispunha de pouco tempo para indicar
as lavras e as fazendas da Jacobina, este trecho fornece um indício significativo sobre a
confecção de mapas do sertão nas primeiras décadas do século XVIII,316 e sobre qualidades
técnicas que esse coronel possuía para transmitir informações precisas e detalhadas para o
governo do Estado do Brasil.
O capitão-mor Manoel Lopes entregará a V. E. o mapa desta Jacobina, que
pouco tempo me não deu lugar a por todo debaixo da regra do compasso pelo
petipé, mas vais certo em quanto a figura das serras e a altura em que estão, e
por ele e pela informação que já mandei a V. E. poderá o mestre de campo
engenheiro reduzi-lo a sua perfeição. As linhas azuis mostram os rios e as
vermelhas os caminhos e estradas principais, não se podem numerar os rios
por serem inumeráveis nem se pode mostrar os arraiais das lavras por ficarem
entre as serras embaixo delas como também as fazendas de Jacobina que são
muitas e as não pude numerar por não ter tempo e só as do Rio de São
Francisco vão todas as que se acham pela margem dele, nem a falta de papel
capaz para o fazer deu lugar a se fazer como eu desejava. (grifo nosso) 317.

Convém fazer algumas observações acerca da indicação de um possível mapa do sertão


da Jacobina produzido em 1721. Nos arquivos pesquisados no Brasil não encontramos nenhum
mapa com indicação de autoria do coronel Pedro Barbosa Leal, o mesmo não encontra-se anexo
às missivas que estão no AHU. Entretanto, por um trecho de uma carta de 15 de dezembro de
1723, encontramos indícios de que parte das notícias foram enviadas para Lisboa, tal como está
indicado no trecho da resposta à carta escrita pelo vice-rei: “e conforme o que vi na planta que
Vossa Mercê mandou, julgo ser mais a propósito aquele sítio para a dita vila, e na nomeação
dos seus oficiais, praticará Vossa Mercê o mesmo que fez na Jacobina.” Em parágrafo seguinte
ele continua: “O diário, e mais papéis que Vossa Mercê me mandou logo que chegou a esse Rio
de Contas, remeti a Sua Majestade.” A partir desta passagem, inferimos que a tal planta e diário
poderiam estar nos arquivos portugueses, nomeadamente na seção de mapas do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, entretanto não foi possível encontrar qualquer mapa atribuído ao
sertanista baiano. Finalmente o mistério do mapa talvez tenha sido esclarecido através do trecho
de uma outra carta enviada por Vasco Fernandes a Pedro Barbosa Leal na qual ele indica que
devolveu ao coronel os ditos papéis, por lhe serem os originais.

O mapa que vosso mercê me remeteu o dei ao Mestre de Campo Engenheiro


[Miguel Pereira da Costa] para o reduzir e agradeço a vosso mercê o trabalho

divisão representa uma certa extensão de milhas, ou léguas, para se saber as distancias das terras tomando o
intervalo delas com o compasso, e aplicando-se ao petipé. Cf. PETIPÉ. In: BLUTEAU, Rafael. Diccionario da
Lingua Portugueza. Acrescentado por Antonio de Moraes Silva. Tomo II. Lisboa, 1789, p. 196.
316
BNRJ. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas e provisões. 1721-1722. Vol. XLV. p. 157.
317
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338.
177

que teve nesta diligência, e tornam a ir os documentos que vosso mercê


mandou e lhe pertencem por serem originais. Deus guarde a Vosso mercê,
Bahia e Dezembro quatro de mil e setecentos e vinte e cinco. Vasco Fernandes
Cesar de Menezes// Para o Coronel Pedro Barbosa Leal.318

Ter encontrado esse mapa poderia ter sido uma das incríveis contribuições deste
trabalho, mas como não foi possível, seguimos conhecendo o sertão através da minuciosa
narrativa do coronel Barbosa Leal. Ao chegar à Jacobina ele buscou reconhecer o terreno,
conversar com fazendeiros e mineradores, identificar as serras e ribeiros de onde se extraíam
ouro. Foi assim que procedeu a escolha do melhor sítio para a construção da casa de
administração e dos pontos de registro de entrada e saída das minas, indicando o lugar mais
adequado para erigir as sedes das vilas de Jacobina e depois a vila de Rio de Contas. Nos
primeiros meses que estava naqueles distritos, Barbosa Leal manteve ativa correspondência
com o vice-rei. Estas cartas eram frequentemente enviadas por emissários que saíam do sertão
em direção à Salvador, muitas vezes levando o ouro arrecadado dos quintos e também os papéis
onde se narravam os acontecimentos das minas. Havia uma grande pressão por parte da
administração régia para que fosse recolhido os quintos devidos à Fazenda Real desde o ano de
1720. Pelo que pode-se entrever das cartas do coronel, ele precisava ir pessoalmente nas lavras,
ao encontro dos mineiros para coagi-los a pagar.
[...]vim correndo examinando todas as minas, lavras e ribeiros trazendo em
minha companhia o guarda-mor, seu escrivão e tesoureiro com o cofre, por
que me resolvi a vir pessoalmente principiar a cobrança dos ditos quintos pelas
lavras, por entender ser de maior efeito a minha presença na consideração de
estarem todos renitentes em pagar os quintos e quererem somente fazer uma
convença que os desobrigasse deste encargo, mas sem embargo de todas as
contrariedades que de longe me anunciavam a vista se reduziam a pagar o
quinto[...]319

Em 1721, para assessorar Pedro Barbosa Leal, o vice-rei emitiu uma portaria
nomeando Gaspar Pereira Ferraz para guarda-mor das minas, esse indivíduo era juiz ordinário
da vila de Cachoeira - local de atuação do regimento comandado pelo Coronel Barbosa Leal –
desde, pelo menos, o ano de 1710. O guarda-mor deveria ser homem de extrema confiança do
superintendente das minas, uma vez que sob sua responsabilidade ficavam os quintos
arrecadados - que deveriam ser remetidos para a Casa da Moeda de Salvador -, por isso ele
possuía a chave do cofre. Além desse ofício, devido à sua experiência nos assuntos de
administração da justiça, ele exerceu a função de juiz ordinário, tirando devassa de conflitos

318
IHGB. LEAL. DL 970.3. Lata 5, Doc. 15 Autos de justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco
dos Santos superintendente das conquistas. Salvador, 30 de outubro de 1730. fls. 101
319
Projeto Resgate. Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338
178

havidos entre os mineiros e prestando contas sobre a matéria para o vice-rei. Em verdade,
Gaspar Pereira Ferraz era cunhado de Pedro Barbosa Leal e foi designado para seguir em sua
comitiva ao distrito das minas. Em 1732, foi recompensado com a patente de coronel,
utilizando-se para isso, do prestígio que Barbosa Leal possuía junto ao vice-rei. Seu filho,
Francisco Barbosa Leal Souto Maior, em 1734, igualmente beneficiou-se do prestígio dos
parentes, quando recebeu a patente de tenente-coronel na vila de Cachoeira.320
É certo que os métodos de fazer com que os mineiros pagassem os quintos não
deveriam ser lá muito pacíficos, mas é certo que houve uma expressiva arrecadação nos
primeiros anos em que ele estivera correndo as minas do sertão. Somente relativos aos quintos
devidos de 1720 a 1722 foi arrecadado o montante de 1.211 oitavas. Larga é a narração sobre
as estratégias do coronel para fazer os mineiros depositar nos cofres do guarda-mor parte do
ouro retirado das lavras de Jacobina e Rio de Contas. Para não cansar o leitor, ficaremos por
aqui, pois este é assunto do capítulo V.
Enfim, após instituir a arrecadação fiscal em 1721, a providência seguinte do coronel
foi mobilizar os moradores e deliberar a criação da vila de Jacobina. Para isso, seria necessário
escolher a casa que serviria de câmara, conforme instruções do vice-rei, pois assim se poderia
tomar correições, devassas e diligências judiciais. Seria ainda necessário tomar outras
providências:
A casa da Câmara e cadeia se fazem precisas, e assim deve vossa mercê ir
cuidando na criação de uma e outra cousa, concorrendo os povos para o seu
estabelecimentos: pois com ele se utilizarão todos e será conveniente ir-se
cuidando assim em sujeitos para esse magistrado, como em pessoas para
ocuparem os postos, e no Rio das Contas se há de fazer um, ou dois
Regimentos com algumas tropas de cavalos havendo capacidade para uma e
outra coisa. Bahia 27 de janeiro de 1722. 321

A instituição das câmaras das duas vilas foi instruída através de farta correspondência
entre o vice-rei e o sertanista. Apesar das consideráveis distâncias entre as vilas do sertão e a

320
Portaria para Gaspar Pereira Ferraz exercer a ocupação de Juiz ordinário para ir tirar devassa nos distritos da
Jacobina sobre os culpados e os demais que contém a portaria. 9 de agosto de 1721. Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional. Portarias 1720-1721. Vol. LXIX. p. 257-258; Em 1726 Vasco Fernandes César de Menezes
escreveu uma carta ao Coronel Pedro Barbosa Leal respondendo a este sobre um seu pedido para conceder patente
de Coronel a Gaspar Pereira Ferraz, o vice-rei escreveu: “Como os pedidos que vossa mercê aponta para este
regimento pertencem ao Coronel Miguel Calmon, e os que não são como vossa mercê costuma fazer o mesmo que
fizeram os alferes sem embargo de que não quero compreender neste número ao dito Miguel Calmon por
reconhecer a sua sinceridade, contudo busco pretexto de o ouvir sobre esta matéria e será este tal que lhe não
fique lugar de duvidar na partilha, por não ficar obrigado a responder pelas consequências que do contrário
se seguirem. E pode vossa mercê está certo de que Gaspar Pereira e seu filho hão de ser acomodados. Bahia e
junho, 27 de 1726. Vasco Fernandes Cesar de Menezes.” (grifo nosso) In: Documentos Históricos da Biblioteca
Nacional, Vol. LXXIII. Cartas para a Bahia, Typ. Baptista de Souza, 1726. p. 15-16.
321
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, volume XLIV. Carta dos Governadores (1720-1722), Rio de
Janeiro, 1939, p. 210
179

cidade de Salvador, o tempo médio entre o envio e recebimento de correspondências era


normalmente de 30 dias. Isso permitiu que Vasco Fernandes recebesse várias cartas, sobre
diversos assuntos e as respondesse em tempo hábil para que suas instruções fossem seguidas.
Em boa parte dessas cartas a questão da arrecadação dos quintos era assunto de urgência, e
muito embora as câmaras ainda não tivessem sido edificadas, restava como solução, pelo menos
nos dois primeiros anos, que o coronel Barbosa Leal garantisse a arrecadação fiscal.
Estes procedimentos tentava criar uma certa adequação juntos aos mineiros sobre a
necessidade de corresponder aos anseios da coroa mediante o pagamento fiscal, enquanto isso,
o poder central, respondia com uma política de estruturação política e civil. Situação semelhante
figurou nas Minas Gerais, conforme pode-se depreender da avaliação feita por Pablo Meneses
e Oliveira em seu artigo acerca das negociações feitas pelas câmaras em torno dos valores dos
quintos devidos à S. Majestade. Ele ressaltou que ao longo dos setecentos as câmaras
conseguiram produzir um espaço de negociação com Lisboa, a partir de dois aspectos
fundamentais. Em suas palavras:
A primeira seria a internalização do pensamento político corporativista, o qual
permitiu que as câmaras remetessem suas representações à cabeça do reino, o
Rei, com o objetivo de manter a harmonia do corpo social. A segunda estaria
na experiência de governo que se construiu nas Minas.322

Nas minas dos sertões baianos a situação de vulnerabilidade e desenfreada exploração


também produziu uma conjuntura de instabilidade que demandava pactos e aliança entre os
potentados locais e a coroa. Em uma monarquia corporativa e polissinodal, tal qual era a
portuguesa, criar câmaras era a mais justa forma de promover a justiça e o bem comum,
corrigindo assim os desequilíbrios que porventura ameaçassem a ordem social. Por extensão
esse modelo seguiu para as conquistas e é nesse sentido é que compreendemos o empenho da
coroa, em especial no reinado de D. João V, para nas primeiras décadas do século XVIII
transformar em vilas os arraiais e povoações onde já se desenvolvia fortemente atividades
auríferas.
Havia por parte da administração da capitania uma constante preocupação em sugerir
procedimentos que viabilizassem a instauração de um corpo político nas minas. Um bom
exemplo disso foi a precisa recomendação do vice-rei para que fossem indicados os homens
mais aptos da localidade para serem providos nas ordenanças. As patentes recebidas, para além
de todo o prestígio que suscitava, tinha também a função implicar os potentados locais na rede

322
OLIVEIRA, Pablo Menezes e. “As câmaras em Minas Gerais no século XVIII. Entre enquadramentos
administrativos e desventuras tributárias.” In: Revista História. Dossiê Câmara Municipal: Fontes, formação e
historiografia do poder local no Brasil Colônia e Império. Ano 5, Vol. 1, N. 1, 2014, p. 119.
180

clientelar do vice-rei, pois seriam esses que mais tarde cumpririam com o oficio de fiscalização
dos mineiros, assegurando a arrecadação dos quintos e a mínima ordem nas minas. Essa era
uma via de mão dupla, pois criava espaços de nobilitação local permitindo aos homens mais
proeminentes o reconhecimento de sua importância e valor perante os centros políticos de
decisão, ou seja, a coroa no reino, e o vice-rei, que respondia pela administração ultramarina.
Desta feita, coube ao coronel Pedro Barbosa Leal proceder a indicação dos indivíduos
proeminentes da localidade para assumir os principais ofícios da república. Muito embora esta
prerrogativa estivesse expressa nas ordens do vice-rei, é certo que na prática, os arranjos
costumeiros deveriam ter falado mais alto em termos de organização do corpo político da vila.

Sem embargo de que ainda se não ache estabelecida a casa que há de servir de
Câmara, contudo proporá Vossa Mercê sujeitos capazes, e idôneos para
servirem as ocupações de juízes, vereadores e escrivães e mais oficiais, porque
enquanto aquela não se estabelecer poderão ajuntar em alguma parte para
tomarem conhecimento das causas, e mais dependências que lhe tocam, e da
mesma sorte proporá vossa Mercê pessoas para os postos de coronel, tenente-
coronel, sargento-mor e mais oficiais da ordenança que nesse distrito se devem
criar.323

As conclusões trazidas por Pablo Menezes e Oliveira no artigo citado, reverberam para
a análise que pretende-se empreender para as vilas auríferas do sertão baiano. Ele afirmou que
para a coroa havia um “tatear inseguro” sobre como administrar os distritos minerais, isso
correspondia ao fato de que muito embora houvessem instituições governativas consolidadas
no império, tais como eram as câmaras e ouvidorias, a coroa não tinha uma total previsibilidade
sobre o destino das áreas das minas. Foi dessa maneira que “a coroa assentou seus pilares ao
mesmo tempo na acumulação de ‘experimentações’ administrativas, como também em sua
tradição política.”324 Essa tradição política calcada na arquitetura do Antigo Regime precisou
sofrer adaptações, contudo não deixou de promover com eficiência a longevidade da atividade
camarária e inseriu o sertão baiano no mapa da administração da monarquia.325

323
Carta que se escreveu ao Coronel Pedro Barbosa Leal sobre vários particulares. Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional, volume 44 – Carta dos Governadores (1720-1722), Rio de Janeiro, Typ. Baptista de Souza,
1939, p. 211.
324
OLIVEIRA, Pablo Menezes e. “As câmaras em Minas Gerais no século XVIII. Entre enquadramentos
administrativos e desventuras tributárias.” in: Revista História. Dossiê Câmara Municipal: Fontes, formação e
historiografia do poder local no Brasil Colônia e Império. Ano 5, Vol. 1 – N. 1, 2014, p. 98.
325
Cf. SUBTIL, José. “Os poderes do centro.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António Manuel.
(coord.) História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998 [1993], Vol. IV, p. 163-164.
181

3.2 O circuito das vilas mineradoras: Jacobina, Rio de Contas e Minas Novas

Atualmente é consenso na historiografia a relativa uniformidade que as instituições


locais existentes no território da monarquia portuguesa possuíram durante o Antigo Regime.
No geral, os estudos têm ressaltado a autonomia local, a capacidade de auto-regulação e as
“esferas bem definidas de legitimidade.”326 Estas estruturas concelhias foram transpostas para
o ambiente das conquistas, e mesmo com variações no tamanho de suas áreas de jurisdição e
de sua importância econômica, constituíram-se à semelhança das portuguesas, inclusive no que
concerne ao poder de influência das oligarquias locais.
Se em Portugal os municípios não foram criados por decreto, mas legados através dos
séculos por vínculos comunitários e senhoriais e assim, mais tarde, absorvidos pela monarquia,
na América a constituição política de uma cidade ou vila, dependia de uma provisão régia que
lhes autorizasse. Não raro, muitas das povoações que foram edificadas em vilas com câmaras e
oficiais foram requisitadas por seus moradores, ou seja, tem em sua origem a marca do princípio
da liberalidade régia, que concedeu tal mercê aos povos.
O tema dos poderes locais e das câmaras é vastíssimo de modo que não conseguiríamos
facilmente esgotá-lo, assim o que importa aqui é salientar as especificidades das três vilas que
conformaram um circuito aurífero no sertão baiano. A criação das câmaras no interior demarcou
a consolidação da presença de instituições coloniais em um território que vivia sob disputas
internas. A guerra contra os índios hostis ameaçava a vida dos moradores e impedia a expansão
de novas frentes de exploração do ouro. Eram comuns as notícias de assaltos e retaliações que
os grupos indígenas faziam aos assentamentos dos colonos. Os moradores reclamavam com o
governo da capitania e se protegiam como podiam das ameaças de grupos externos. Dessa
forma, a criação das câmaras aparece também como uma reivindicação dos moradores. A
formalização dessas instituições locais, para além das freguesias, que as antecedeu,
possibilitaria a organização de companhias de ordenanças, de um corpo de oficiais responsáveis
em alguma medida pela defesa dos moradores e dotaria a povoação de um rendimento próprio,
que poderia ser aplicado na construção de prédios públicos ou serem usados para o
melhoramento da infraestrutura urbana.
A instalação de um aparelho político-institucional nos distritos auríferos respondeu
aos anseios do controle fiscal e organizacional das áreas de mineração. Entretanto, essa política

326
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os concelhos e as comunidades.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA,
António Manuel. História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998 [1993], Vol. IV, p.
270-281.
182

não ficou resumida apenas a essa questão, pois como foi dito, havia a necessidade da coroa em
estabelecer vínculos com os poderosos locais. Antes mesmo da coroa efetivar o controle sobre
os distritos mineiros constata-se a presença de mecanismos de exploração anteriores a chegada
efetiva das instituições metropolitanas. Conforme observou Cláudia Atallah para o caso das
Minas Gerais, essas circunstâncias criaram um ambiente social indelevelmente marcado pela
tônica da “negociação e conflito” que marcaria profundamente as relações entre a coroa e os
súditos mineiros.327

3.2.1 Fundação e transferência da vila de Jacobina

No dia 24 de junho de 1722 foram convocados a comparecerem “os moradores deste


sítio e seus arredores, que nele habitam e tem suas fazendas, e alguns mineiros, e estando junto
os demais deles, pessoas das mais nobres, ricas e das mais autorizadas”328 residentes no sítio
do Saí, sede da Freguesia de Santo Antônio da Jacobina, próxima à missão de Nossa Senhora
das Neves, para dar-se o ato de edificação da vila. No ato inaugural de sua criação, além do
escrivão das diligências de Jacobina, João Alves de Lima e do coronel Pedro Barbosa Leal,
fizeram-se presentes 28 indivíduos, dentre eles vereadores, moradores e mais mineiros.
A criação de uma câmara, ato institucional que transformava a localidade em uma parte
do corpo político da monarquia, só poderia ser feita mediante a autorização régia. Esse ato tinha
suas implicações e seguia rituais não menos significativos para os dois lados do atlântico. Um
desses era o ato de agradecimento para com a misericórdia régia por ter provido junto aos seus
súditos a oportunidade de exercerem as suas prerrogativas de autogoverno. Assim, a criação
de uma câmara era antes um espaço de distinção, o qual eram exigidos pelos moradores, como
“um sinal vivido e simbolicamente poderoso das aspirações mais profundas dos emigrantes,
para que mantivessem em seus novos lugares de moradia, suas identidades como membros das
sociedades europeias as quais eles estavam ligados.”329
No dia 22 de julho de 1722 apenas um mês após a elevação do arraial em vila, os
oficiais da câmara enviam o seguinte documento ao rei D. João V.
Dignou-se V. Mag.de por sua Real Grandeza e piedade ordenar a Vasco
Fernandes César de Meneses, vice-rei e capitão general deste Estado

327
ATALLAH, op. cit., 2014, p. 101.
328
Ata de criação e ereção da Vila de S. Antônio de Jacobina, em 24 de Junho de 1722. Transcrito em COSTA,
Afonso. op. cit., 1951, p. 272.
329
GREENE, Jack P. “Tradições de governança consensual na construção da Jurisdição do Estado nos impérios
europeus da Época Moderna na América.” In: FRAGOSO, João. & GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das
redes. Política e negócios no império português, século XVI-XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2010.
Apesar do autor fazer referência ao processo de formação das colônias inglesas, penso que a observação também
é pertinente para o caso analisado.
183

mandasse criar no distrito desta Jacobina uma vila com seu magistrado para
os seus moradores viverem mais ajustados ao serviço de Deus e leis de V.
Mag.de o que executou com tanto zelo e prontidão que ficam todos estes povos
rogando tão alta, e piedosamente de V. Mag.de; E nós os oficiais da câmara
por nós em nome dos sobreditos povos, humildes e agradecidos retificamos e
prometemos utilidade e obediência que devemos, como bons e leais vassalos
de vossa V. Mag.de. Protestando obedecer e observar tudo o que Vossa Mag.de
nos for mandado de seu real serviço. A pessoa de vossa real Mag.de guarde
Deus muitos anos como seus leais vassalos havemos mister. Vila de Santo
Anto. de Jacobina, 22 de julho de 1722.330

A carta vinha assinada por cinco recém nomeados oficiais camarários: o juiz Miguel
Teles Barreto; os vereadores André Roiz Soares, Belquior Barbosa Lobo, Pedro Alvares
Brandão; e pelo procurador do conselho Francisco da Costa Nogueira.
Durante o processo de edificação da câmara, o vice-rei tratava de manter-se à par dos
acontecimentos de Jacobina. Sua rede de informantes era bastante eficaz, o que deduz-se pelo
tom e conteúdo de suas correspondências. Em carta enviada ao juiz da câmara, o coronel Miguel
Teles Barreto, o vice-rei ordenou que este se informasse sobre os excessos cometidos pelo
tabelião Custódio Nobre, que vinha “escandalizando as partes no acrescentamento dos
salários”, ou seja, certamente cobrando mais propina do que deveria para passar as certidões
para os demandantes. Em outubro de 1722, Custódio Nobre de Sampaio pagou 1$600 réis e foi
provido no ofício de tabelião público do judicial e notas,331 além de exercer também por um
ano o oficio de escrivão de órfãos e almotaçaria, ou seja, este indivíduo tinha sob seu controle
o tabelionato da vila, onde ele poderia auferir avultados rendimentos pela emissão de certidões
e outros documentos. Como escrivão de órfãos tinha certamente acesso a informações e a
custódia de bens oriundo de partilhas e heranças. Como almotacé ainda controlava a questão
do abastecimento e da regulação dos preços dos gêneros comercializados no termo da vila.
Mathias Fernandes de Carvalho recebeu provisão para ser o escrivão da câmara332 e Felipe
Pereira de Magalhães foi nomeado para inquiridor e contador.333
A estrutura da câmara de Jacobina era composta por 3 vereadores, um juiz ordinário,
um procurador do conselho e um escrivão, que eram assessorados nos assuntos de minas pelos

330
AHU. Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1301.
331
Provisão da serventia do Ofício de tabelião Público do Judicial, e Notas, Escrivão dos Órfãos, e da Almotaçaria
da Vila de Santo Antônio da Jacobina concedida a Custódio Nobre Sampaio. Documentos Históricos da Biblioteca
Nacional. Provisões. 1722-1725. Rio de Janeiro. Typografia Baptista. Vol. XLVI, 1939. p.154.
332
Provisão de serventia do Ofício de Escrivão da câmara da Vila da Jacobina concedida a Matias Fernandes de
Carvalho. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Provisões. 1722-1725. Rio de Janeiro. Typografia
Baptista. Vol. XLVI, 1939. p. 185
333
Provisão de serventia do Ofício de Inquiridor, Contador, e Distribuidor da câmara da Vila da Jacobina concedida
a Felipe Pereira de Magalhães. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Provisões. 1722-1725. Rio de
Janeiro. Typografia Baptista. Vol. XLVI, 1939. p.190.
184

coronéis e capitães, oficiais das ordenanças, aos quais cabiam o governo militar da vila e sem
dúvida as patentes foram providas nos homens mais respeitáveis da vizinhança. Eles recebiam
diretamente do vice-rei ordens, bandos e cartas, as quais deveriam ser cumpridas para o bom
governo de sua majestade nos distritos auríferos. Em 1725 foi confiado ao coronel Manoel de
Figueiredo Mascarenhas a responsabilidade sobre a boa ordem da comunidade:
Recomendo muito a vossa Mercê o sossego desses moradores e espero que
com o seu respeito e prudência os reduza a uma tal obediência que não haja
entre eles a menor desordem pelas consequências que do contrários resultam
todas em desserviço de Sua Majestade, que deus guarde, a que todos devemos
atender e Vossa Mercê com alguma especialidade por se achar nesse distrito
encarregado do governo militar dele.334

No ano de 1722, o lugar escolhido pelo coronel Barbosa Leal e com o qual os
moradores se conformaram foi o terreno que estava entre a missão de Nossa Senhora das Neves
do Saí e o boqueirão das serras, local onde hoje se encontra a cidade de Campo Formoso e que
ficou conhecida como ‘Jacobina Velha’. Estas terras ficavam próximas ao caminho que conduz
ao sítio das Caraíbas e à Igreja de Santo Antônio, matriz da dita freguesia, garantindo o governo
eclesiástico dos povos.
A sede da vila principiava na baixa onde ficava o casario da aldeia para a parte do
sueste, também ficava próximo de lugares com águas e que possuíam bons ares, item importante
para o desenvolvimento das edificações que se fariam no espaço urbano. Outro motivo
enunciado para a escolha do lugar era a alegada comodidade para “os moradores da dita vila e
mais pessoas que a ela vierem comerciar e tratar de outros negócios e de seus pleitos pudessem
largar seus cavalos a pastar e poderem ter suas criações.”335 Existia ainda a preocupação de que
o sítio escolhido tivesse material necessário, nesse caso, pedras para executar as obras e as
construções de edifícios indispensáveis à administração da municipalidade. Deveria ser um sítio
aberto e livres de serras, por onde pudessem transitar carros e outras carruagens para a condução
de mantimentos e víveres que abastecessem a população local.336 A vizinhança com a estrada
real por onde desciam os gados da capitania do Piauí e Rio de São Francisco, também fora um
dos fatores que contribuiu para a escolha do sítio. Na verdade, esses elementos favoráveis, ou
melhor, a conclusão de ser esse o sítio mais indicado, já haviam sido anteriormente anunciados
por Pedro Barbosa Leal, quando ele justificou para o vice-rei a escolha do lugar.
E me regalvo a pôr a vila no sítio da Missão do Saí de Nossa Senhora das
Neves por ficar vizinho à estrada geral das boiadas do Piauí, Rio de São

334
Carta para o Coronel Manuel Figueiredo de Mascarenhas. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional.
Cartas para a Bahia. 1724-1726. Rio de Janeiro. Typografia Baptista. Vol. LXXII, 1940, p. 213.
335
Ata de criação. In: COSTA, Afonso. op. cit. 1951, p. 273
336
Ata de criação...COSTA, Afonso. op. cit.1951, p. 273.
185

Francisco e mais sertão que se vem buscar o pé da serra da Jacobina aonde se


faz feira de gados pelos moradores da mesma Jacobina de que hoje se sustenta
não só a povoação dos moradores, se não todas as minas: e porque por esta
estrada entram e saem os moradores e tratantes e saírão todos os que
comerciam e mineram nas minas que há e se espera haver do dito Rio de
Itapicuru Grande da parte do norte, sendo este sítio da Missão do Saí de mais
vizinhos e o mais apto a conveniência dos moradores dela e mais sítio e de
melhores servidões e por que fica juntamente no meio do termo que há de ter
a dita vila; portanto dista deste lugar ao Rio de São Francisco como desta para
a parte do sul até as últimas serras e termo da freguesia da Jacobina e termo,
digo ficando ao pé da serra da Jacobina em distância de duzentas braças pouco
mais ou menos aonde podem concorrer de todo termo quer por dentro das
serras, quer por fora delas; e de todos os sítios e território que o lugar acho ser
este o mais próprio para a vila por todas as circunstancias e o mais principal
por ser a parte de maior comércio pela vizinhança da dita estrada geral para
fazer crescer e confirmar e neste lugar da vila precisa e necessariamente há de
haver oficial e casa de registro, por que guarda mor não pode acudir de uma e
outra parte pela grande distância em que fica em se fazer qualquer coisa a sua
assistência naquela parte da outra estrada e minas.337

Na perspectiva deste coronel, como representante dos interesses de Sua Majestade,


toda atenção se voltava para evitar os descaminhos do ouro e obviamente assegurar os ganhos
da Fazenda Real, desígnios imprescindíveis para o sucesso daquela empreitada. Por isso, sua
insistência para instalar a sede administrativa da vila próxima à estrada geral, onde também
seria colocada a casa de registro. Além disso, o trecho acima revela a importância do caminho
das boiadas, complementar à economia mineradora, ambas de toda sorte faziam parte da
manutenção econômica dos moradores do sertão.
Em relação ao comércio do gado, há muitas referências sobre o caminho das boiadas
que passavam por Jacobina e, descendo pelo sertão, entravam na cidade da Bahia e seu
Recôncavo via feira de Capoame. O sítio da Missão do Saí indicado pelo coronel, era um desses
pontos que integrava a rota de negócio do gado. Esse negócio constituía muito mais do que uma
operação de compra e venda, havia ali um mercado que era composto de elementos que
ultrapassavam o “mecanismo de oferta-procura-preço”, como definiu Polanyi. Esse mercado é
aqui entendido como um local onde acontecia movimento de troca de mercadorias, “conforme
índices que podem ser determinados pelos costumes, pelo governo, pela lei ou pela própria
instituição de mercado,”338 estava enraizado na dinâmica e cultura dos moradores e portanto
não podia ser desprezado no momento em que estava sendo decidido o local de implantação da
vila.

337
Projeto Resgate. Avulsos, Bahia, Cx.. 15, Doc. 1338.
338
POLANYI, Karl. A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro. Contraponto,2012. p. 184-
185.
186

Aliás, deve-se ressaltar que o coronel sabia que o aparecimento do ouro tinha
impactado as operações de compra e venda do gado. Além de ser senhor de engenho em
Cachoeira, o coronel Barbosa Leal possuía suas fazendas de gado no sertão do Piauí, portanto
além de poder observar in loco a dinâmica do mercado de gado, era conhecedor no assunto das
rotas de gado que desciam do Piauí e Paranaguá para abastecer as minas.339 Ademais, se fosse
instalada naquele sítio, a vila ficaria situada em ponto equidistante tanto do Rio de São
Francisco quanto dos limites do termo da freguesia de Jacobina. Portanto, como está
demonstrado na passagem acima, o caminho das boiadas, o mercado do gado, a quantidade de
moradores já estabelecidos, a proximidade da sede da freguesia onde estava a igreja matriz da
Jacobina e o conhecimento que o coronel já possuía sobre a localidade, foram os motivos que
levaram-no a eleger o sítio do Saí como local estratégico para edificação do centro da vila.340
Como emissário da coroa, tentou conciliar os costumes locais com as questões da arrecadação
fiscal. Não seria exagerado supor que a instalação da vila em local próximo a um aldeamento,
intencionava dispor da mão de obra indígena, pertencente à missão franciscana do Saí, para a
construção dos prédios públicos que abrigariam a câmara, o registro e a casa de fundição,341
que deveriam logo mais serem instaladas.
A experiência indicava que o uso da mão de obra indígena era corrente naqueles
sertões, ainda mais quando tratava-se de um local de mineração, onde não agradava aos
senhores dispor de seus escravos para empregá-los nas obras públicas. Primeiramente, porque
os lavradores e mineiros não possuíam muitos escravos, ademais, a mortalidade era alta e a
conhecida ambição das lavras impedia os senhores de facilmente abster-se do trabalho dos
escravos nas minas, para emprestá-los na realização de obras públicas. Nessa situação, restava,
como dizia ele:

339
BNRJ, Manuscritos - II-31,25,009. LEAL, Pedro Barbosa. “Representação questionando as ordens de erigir
duas casas de fundição, uma em Jacobina e outra em Rio das Contas, explicando que isto não evita o descaminho
do ouro, e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Bahia: [s.n.].” 11 f., Original.
340 Por carta régia de 24 de janeiro de 1700 o rei ordenava ao governador D. João de Lencastre que as minas de
Salitre ficassem sob a responsabilidade de Pedro Barbosa Leal, conforme trecho a seguir: “deixando-a inteiramente
ao seu arbítrio, ordenando-se-lhe, que as fábricas estabelecidas por Pedro Barboza, no rio Pauqui, e Jacobina Velha
se ponham em perfeição, e que todo o salitre, que se obrar, se recolha em um armazém aonde esteja guardado do
tempo, dando-se conta nas ocasiões de frota da quantidade, que em cada safra se fez, e da sua despesa, e que sendo
possível, para facilitar a condução, cada um dos moradores dos currais do sertão dê um rocim para ela, para assim
se evitar os grandes gastos com as novas aldeias[...]”. Por esta passagem fica evidente que o coronel escolheu
levantar a vila em sítio já conhecido e no qual ele andou 20 anos antes para estabelecer a extração do salitre. Cf.
ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da Bahia. Anotado por Braz do Amaral.
Salvador: Imprensa Oficial, v. 2, 1925. p. 217.
341
A Casa de fundição de Jacobina foi estabelecida a partir da provisão de 5 de janeiro de 1727, no sítio das Almas,
na vila de Jacobina. REQUERIMENTO de Domingos Ferreira Correia ao rei [D. João V] solicitando provisão
para continuar na serventia do ofício de escrivão da Real casa da Fundição das Minas de Jacobina. AHU-Baía, Cx.
29, doc. 16; AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 34, Doc. 3074.
187

[...]meterem-se os índios e índias das missões de Jacobina a trabalhar na dita


obra para chegar e dar os materiais e para todo o mais serviço dando-se lhe o
sustento por conta da Fazenda Real, e dando-lhe no fim da obra sua farda para
o seu vestuário e só assim se fará com mais brevidade.342

Caso não fosse possível utilizar-se largamente do trabalho dos índios, “se pode
também conduzir com as índias que são costumadas a carregar,”343 informou Pedro Barbosa
Leal ao vice-rei acerca da conveniência de utilizar mão de obra nativa para a edificar a casa de
fundição.
Quando o primeiro ato de instalação da câmara foi feito, o termo de criação registrou
as assinaturas dos indivíduos que estiveram presentes na cerimônia. Cruzamos os nomes
daqueles que aparecem na ata com outras 4 listas de população344 e pudemos rastrear o perfil
socioeconômico, a posse de escravos, as patentes e os ofícios nos quais alguns foram providos.
Estes indicadores apontam para a conformação das hierarquias sociais que estruturavam as
sociabilidades daquele arraial que estava sendo transformado em vila. Abaixo, segue o Quadro
01, com informações sobre os indivíduos que assinaram o termo de edificação da câmara.

342
BNRJ, Manuscritos. S/data. Doc. II – 31, 25,9
343
BNRJ, Manuscritos. S/data. Doc. II – 31, 25,9
344
As listas encontram-se anexas ao seguinte documento. IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. Autos de
justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco dos Santos superintendente das conquistas e o Coronel
Pedro Barbosa Leal. Salvador, 30 de outubro de 1730. 694f.
188

Quadro 1: Indivíduos que assinaram o termo de criação da vila de Jacobina em 24 de


junho de 1722 na Missão do Saí

NOME OFICIO/PATENTE SÍTIO DE ESCRAVOS VALOR DA


RESIDÊNCIA ARREMATAÇÃO DE
DATAS DE
MINERAÇÃO/LOCAL345
João Alves de Escrivão das --- --- ---
Lima diligências de
Jacobina
Pedro Barbosa Coronel, Fundador da --- --- ---
Leal Vila.
Miguel Teles Coronel; Juiz da Mocambo 17 escravos, ¾ e meio e quarenta
Barreto Câmara da Nova Vila 3 incapazes por réis//Ribeiro da Jacobina
de Jacobina velhos, 3/4 e 80 Réis/Ribeiro de Santo
2 de menoridade Inácio
12 de bateia 4/8 e hum e quarto//Ribeiro do
Itapecurú
Domingos Segundo Juiz, Cachoeira 5 escravos ---
Pereira Maciel Capitão de Cavalos 3 de bateia

Pedro Álvares Terceiro Vereador Missão 2 escravas ---


Brandão
Francisco da Homem branco, Lamarão 9 escravos, ---
Costa viúvo, idade de 70 1 assistente
Nogueira anos, procurador do
Conselho
André Primeiro vereador; Saco 14 escravos, ---
Rodrigues Sargento-mor, casado 2 assistentes
Soares com Maria;
Mathias Escrivão da Câmara --- --- ---
Fernandes de
Carvalho
Belchior Segundo vereador; --- 9 escravos, 3/8/ Ribeiro do Ouro fino
Barbosa Lobo Capitão de Cavalos 8 de bateia
Companhia do
Capitão Inácio
Cardozo no sítio do
Cahen,
Francisco Licenciado, Guarda- Palmar 9 escravos, 3/8/ Ribeiro do Ouro fino
Prudente Mor e Tenente 7 de bateia
Cardoso Coronel Companhia
do Capitão Inácio
Cardozo no sítio do
Cahen, almotacé das
execuções.
Antônio Capitão-mor da Bananeira 19 escravos 1/8/ no Sítio da Varge
Pinheiro da Freguesia de
Rocha Jacobina, casado com
D. Mariana de Brito
Francisco de Capitão da Cachoeira 8 escravos ---
Brito Vieira Companhia de

345
Em média cada mineiro arrematava uma data de mineração de 30 braças, pelas quais pagava ¾ de oitava e 80
réis. Os quintos nas minas de Jacobina eram pagos por bateias dando por cada uma o valor de 3 oitavas e meia,
incluindo também os escravos de roças e mais mercadores. O mesmo se procedeu quando houve os descobrimentos
das minas de Rio de Contas e Tocambira, que também foram administradas pelo superintendente o coronel Pedro
Barbosa Leal.
189

ordenanças de
Jacobina
Antônio Juiz ordinário da Vila Itapicurú 12 escravos, ---
Fernandes de Jacobina, casado 1 assistente
com Felliçia de
Araújo
Bento da Silva Alferes na --- 6 escravos de 3/8 no Ribeiro das Figuras
de Oliveira Companhia do bateia 3/8 no Ribeiro do Palmar
capitão Antônio
Moniz Barreto,
Português de Braga
Felisardo --- Brejo 6 escravos ---
Ribeiro 1 assistente
Manoel Pinto --- Coqueiro 4 escravos 3/8 no Ribeiro do ouro fino
de Araújo 3 de bateia
Tomás Vieira Capitão Cachoeira 3 escravos ---
Leitão
João --- Itapicuru 4 escravos de ---
Gonçalves de roça
Souza
Domingos Ajudante na Itapicuru 10 escravos 3/8 no Ribeiro do Palmar
Rodrigues de Companhia do 9 de bateia
Miranda Capitão Inácio
Cardozo no sítio do
Cahen
Paulo Nunes Sargento mor --- --- ---
de Aguiar
Inácio Faleiro --- --- --- ---
Velho
Eusébio de --- Itapicuru 3 escravos ---
Souza Diniz
Hilário Viegas --- --- --- ---
Domingos --- --- --- ---
Mendonça
Joaquim de Sargento da Praça da --- --- ---
Brito Carvalho Bahia na Companhia
de Teodósio Manuel
de Lima
Miguel --- --- --- ---
Correia de
Aragão
Antônio --- Barrocão 19 escravos Arrematou a data de Sua
Marques 13 de bateia Majestade no Ribeiro do
Nogueira Jacomaoha por ¾ e 80 reis
E Ribeiro do Santo Inácio ¾
e 80 reis
Antônio --- --- --- ---
Duarte de
Siqueira

FONTE: COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive minha cidade. In: Anais do IV Congresso de
História Nacional. Vol. 9, Departamento de Imprensa nacional: Rio de Janeiro, 1951. p.271-274; IHGB. LEAL.
DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. Autos de justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco dos Santos
superintendente das conquistas e o Coronel Pedro Barbosa Leal. Salvador, 30 de outubro de 1730.

O Quadro 01 permite uma visão geral do perfil dos indivíduos presentes na primeira
edificação da vila, assim como do seu corpo de magistrados. Como não são conhecidos os livros
190

da câmara, só foi possível rastrear algumas informações sobre aqueles que tiveram seus nomes
registrados na ata. Dos 28 presentes, 12 deles possuíam patentes nas ordenanças,346 o que indica
a proeminência que tais homens tinham naquele local. Fazia parte da concepção social da época
prover nas ordenanças os homens mais reputados da terra, pois possuíam méritos e eram
considerados aptos a colaborarem com a coroa para manter a ordem social através do exercício
da força e da coação. Sobretudo no sertão, o governo dos povos e a estruturação do bem comum
estava associada não a um estado natural de coisas, mas ao contrário, era o resultado de um
esforço constante de promoção da ordem através da punição e do controle social militarizado.
Por essa razão, a presença de homens com patentes não somente reforçava o prestígio
individual, como também fortalecia o poder da câmara junto ao governo da Bahia. Não poucas
vezes, o vice-rei necessitou do apoio destes indivíduos para fazer cumprir suas ordens. Por isso
que em Jacobina, assim como em outras partes da monarquia pluricontinental, imperava a
lógica dos elegíveis serem recrutados entre os mais nobres da terra para o exercício de cargos
camarários, isto acrescentava mais status e privilégios, sobretudo para aqueles que já possuíam
destacada posição local.
Com relação aos locais de residência verificou-se que somente o vereador Pedro
Miranda de Brandão efetivamente morava na missão do Saí. Os demais estavam instalados em
sítios ou arraiais que eram próximos das lavras e ribeiros de ouro, nos arredores da missão de
Bom Jesus, local para onde foi transferida a sede da vila em 1724. Por esta observação, torna-
se plausível inferir que naqueles anos o deslocamento de pessoas entre os arraiais era constante,
sobretudo em uma área onde a mineração era feita basicamente de forma aluvional. Muitos dos
que lavravam deveriam ficar por semanas afastados de suas residências, somente ocupados nos
descobrimentos e exploração dos ribeiros. Isso também deveria valer para os capitães das
companhias responsáveis por fiscalizar as atividades dos mineiros nos diversos ribeiros em que
se extraia ouro.
Pode-se perceber que a quantidade de escravos por proprietário não era alta, porém a
grande maioria dos que tinham cativos declarou que usavam quase todos eles nos serviços de
bateias. Apesar dessa lista ser apenas uma pequena amostra daquela sociedade, se comparada
com a lista de moradores e seus escravos arrolados no Rol de Confessos de 1718 e 1720347, vê-
se claramente que a prática corrente era empregar quase todos os cativos, quando não todos,

346
Não incluo nessa análise o coronel Pedro Barbosa Leal, pois estando em diligências não fez parte do corpo
político da câmara.
347
Os Róis de desobriga de 1718 e 1720, anotados pelo pároco da igreja matriz de Santo Antônio da Jacobina foi
analisado no capítulo II.
191

nas atividades de bateias. Dos indivíduos listados na ata, encontram-se 11 pessoas para as quais
confirma-se a posse de escravos. Juntos eles possuíam um total de 94 escravos, o que daria uma
média de 8 escravos por senhor. A exceção era o coronel Miguel Teles Barreto, que por ser um
dos mais proeminentes, possuía 17 escravos, número significativo em relação aos outros. Além
disso, 7 deles tinham participado da arrematação de datas, ou seja, participavam ativamente do
negócio das minas.
Apesar da câmara ter sido instituída em 22 de junho de 1722, o ato de nomeação dos
seus integrantes já tinha sido efetivado pelo vice-rei desde abril do mesmo ano, conforme se
verifica pela provisão emitida.348 Como era de praxe recompensar o serviço dos leais súditos, o
sargento Joaquim de Brito Carvalho foi provido por Sua Majestade em 23 de julho de 1726 no
posto de capitão-mor da freguesia de Jesus Maria José da Capitania de Sergipe d’El Rei, como
recompensa por ter acompanhado o superintendente Pedro Barbosa Leal por onze meses nas
diligências de Jacobina, “havendo-se com muito zelo e prontidão, sem embargo da fragosidade
das serras em que teve muito trabalho e algum risco.”349 Francisco Barbosa Leal foi também
nomeado como almotacés da câmara, mas não consta sua assinatura na ata350, ele era filho do
guarda-mor Gaspar Pereira Ferraz e mantinha vínculos de parentesco com Barbosa Leal,
conforme indicado neste capítulo.

3.2.2 A transferência da vila do sítio da Missão do Saí para a Missão do Bom Jesus

Em 1723, apenas um ano após a edificação da vila, o coronel Garcia de Ávila Pereira,
importante sesmeiro da região, apelou junto à coroa que a sede de Jacobina havia sido erigida
em suas terras. Os moradores e mineiros instalados no povoado próximo à missão de Bom Jesus
da Glória (Jacobina nova), distante aproximadamente 18 léguas do sítio da Missão de Nossa
Senhora das Neves do Saí (Jacobina velha), também endossaram a reclamação do coronel. De
acordo com os motivos alegados tanto pelo sesmeiro quanto pelos mineiros, não pareceu que a
escolha daquele lugar realmente tivesse levado em conta ser o “mais apto à conveniência dos
moradores.”351 A petição solicitando a transferência da vila demonstra que os moradores, o

348
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Senado da Câmara Bahia. 1696-1726. Consultas do Conselho
Ultramarino Bahia. 1673. Rio de Janeiro. Divisão de obras raras e publicações. Vol. LXXXVII, 1950. p. 167-168.
349
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas, Patentes e Provisões. 1725. Rio de Janeiro. Typografia
Baptista. Vol. LXXIV, 1946. p.204.
350
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Senado da Câmara Bahia. 1696-1726. Consultas do Conselho
Ultramarino Bahia, 1673. Rio de Janeiro. Divisão de obras raras e publicações. Vol. LXXXVII, 1950. p. 170-171.
351
De acordo com as notícias que Pedro Barbosa Leal havia enviado ao vice-rei, contando sobre o sucedido nos
meses em que andava em Jacobina. AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 15, Doc. 1338
192

sesmeiro e o coronel Pedro Barbosa Leal fundamentavam-se em princípios diferentes acerca do


lugar mais adequado para a edificação da vila. A questão incidia basicamente sobre dois fatores.
A sede foi instalada em proximidade com a estrada real, o que permitiria às autoridades o
controle fiscal das transações com ouro e gado; ademais, o sítio da missão do Saí estava nas
terras do coronel Garcia de Ávila Pereira, declarado inimigo político de Pedro Barbosa Leal e
com o qual este possuía demandas jurídicas.
Na petição enviada à coroa em 1723, o coronel Garcia de Ávila Pereira informou ao
rei sua insatisfação com a sede da vila estar próxima à missão do Saí, administrada por padres
franciscanos. Nessa localidade existia também uma igreja que havia sido construída às suas
expensas. A petição denunciava o grande prejuízo em que ficou o sesmeiro com relação à
administração dos índios sob sua tutela, pois foram obrigados a serem deslocados da barra do
rio Salitre, junto ao rio de São Francisco, local onde sempre assistiram, “para [a] Jacobina, junto
da estrada onde já nos tempos passados estiveram alguns índios fugidos e, pelos roubos que
faziam, foram mandados lançar fora e estes mesmos roubos continuarão cabalmente se seguir
a dita mudança.”352 Prejudicial também foi ter mudado a rota do caminho por onde descia o
gado para a Bahia, pois, com o intuito de fazê-lo passar pela vila, foi aberto um trecho de estrada
em suas terras. A mudança, conforme informou, provocava um atraso de dois ou três dias de
viagem na condução das boiadas. De acordo ainda com o peticionário, o lugar da sede da vila
era despovoado e reduto de fugitivos. Segundo pode-se depreender, o peticionário não desejava
que houvesse interferência da coroa ou de outras autoridades do governo nas áreas onde
estavam suas terras, pois assim podia resguardar poder absoluto, preservando o seu arbítrio de
sesmeiro e administrador dos aldeamentos indígenas. A instalação de um governo com câmara
e magistrados parecia trazer-lhe problemas e inconvenientes, pois isso contrariava os seus
interesses em relação à administração das suas propriedades, ameaçadas pela presença de
mineiros e pelas contingências necessárias para se proceder à arrecadação fiscal. Esta foi uma
atitude precavida do coronel Garcia de Ávila Pereira, já que, os Guedes de Brito, em 1730,
tiveram sérios problemas com os moradores e a recém instalada câmara de Jacobina, que
mediante as novas circunstâncias, contestou o senhorio daqueles sesmeiros.
Diante de tais requerimentos e súplicas, o rei decidiu considerar as demandas do
coronel Garcia de Ávila Pereira, mas, antes de fazê-lo, consultou o vice-rei para saber qual era
sua opinião. A solução encontrada por Vasco Fernandes foi enviar o desembargador Pedro

352
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 17, Doc. 1484. Não foi possível averiguar se a transferência da aldeia de índios
realmente ocorreu em função da edificação da vila, mas vale ressaltar a força do argumento utilizado pelo sesmeiro
para convencer o rei da inviabilidade de manter a vila em suas terras.
193

Gonçalves Cordeiro, ouvidor geral da comarca da Bahia, para verificar a situação após a criação
da vila no sítio do Saí. Na carta a qual informou sua decisão, o vice-rei avaliou o dito ouvidor
com as seguintes virtudes: “ainda que moço, tem prudência, capacidade e letras.”353 Ao ver-se
embaraçado nessa querela, o vice-rei não podia nem desobedecer ao rei, muito menos
desmerecer os serviços dantes realizados pelo coronel Pedro Barbosa Leal. Vasco Fernandes
possuía uma refinada habilidade política para lidar com situações de conflito e após receber a
comunicação do ouvidor da Bahia, escreveu a seguinte passagem em uma carta dirigida ao
coronel Pedro Barbosa Leal:
Por aviso que tive do ouvidor geral da comarca, acompanhado de vários
requerimentos, mandei transferir a vila daquele para outro sítio mais
acomodado, porque me não pareceu justo deixar de admitir esta pretensão
ainda que fosse só com as aparências de comodidade.354

Lendo a extensa correspondência entre eles, pode-se perceber que para o vice-rei não
era grave encaminhar a transferência da vila, desde que o novo lugar atendesse aos interesses
dos moradores e que estes ficassem pacificados. Esta era uma condição fundamental para
assegurar o pagamento dos quintos, estes sim, de suma importância para a Fazenda Real.
O despacho do vice-rei recomendava ao magistrado procurar outro local para vila,
tanto quanto para dar forma jurídica à câmara, instruindo os seus oficiais nas leis municipais, o
que parecia ser necessário, dada a condição neófita desta governança. Segundo a visão do vice-
rei, essa diligência seria didática, pois faltava autoridade da câmara para se tirar devassas junto
aos moradores que infringiam as leis, uma vez que “nos seus oficiais não há aquela coação que
baste para sujeitar os delinquentes” e, portanto, mandava “que os oficiais de milícias, não só
daquele regimento, mas de todos os demais circunvizinhos, lhes obedeçam e sigam suas
ordens.”355 O desmando da situação era tal que até o juiz ordinário, o coronel Miguel Teles
Barreto, um dos homens mais proeminentes da localidade, foi implicado em processos no
Tribunal da Relação por cometer crimes e desmandos. Retirou-se fugido de Jacobina, sem que
se soubesse o seu paradeiro.356 Isso para não falar dos impropérios cometidos por vários
religiosos envolvidos em escândalos morais e de procedimentos duvidosos.

353
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. op. cit., 1946, p. 293.
354
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas de Ofício. 1717-1723. Cartas para a Bahia. 1723-1724.
Vol. LXXI, Typografia Baptista de Souza, 1946, p. 283.
355
Após consulta nos Documentos Históricos da BNRJ não encontramos a Provisão de 15 de fevereiro de 1724 na
qual o vice-rei ordena a ida do desembargador para Jacobina, por isso citamos o documento transcrito em Afonso
Costa. Cf. COSTA, op. cit., 1951, p. 278.
356
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas, patentes e provisões. 1725. Vol. LXXIV, Typografia
Baptista de Souza, 1946, p. 165.
194

Logo em fevereiro de 1724, o ouvidor Pedro Gonçalves Cordeiro iniciou sua viagem,
partindo da cidade da Bahia em direção à Jacobina com ordens expressas do vice-rei, o qual
“deferindo ao requerimento repetido, e enfadonho daqueles moradores que há muito lidam
como vossa mercê sabe, com aquela pretensão,”357 desejavam a trasladação da vila. Assim a
sede foi novamente edificada próxima ao sítio da missão do senhor Bom Jesus da Glória em 05
de junho de 1724. O ouvidor geral da comarca da Bahia entendeu ser aquela localidade a melhor
“por ficar em o meio das minas, com muitas convenções para os litigantes, por poderem se
recolher às suas casas em o mesmo dia em que tivessem de tratar das suas demandas e
procurassem seu recurso.”358 Além disso, na missão do Bom Jesus, havia mais de trinta e tantos
moradores, sem contar com a aldeia de índios, e uma igreja, que possibilitava aos mesmos ouvir
missa e “assistirem aos ofícios divinos, e ser o lugar mais frequentado de gente com uma estrada
comum para o rio de São Francisco, Arraial e Minas Gerais.”359

357
Documentos Históricos. op. cit., Vol. LXXI, 1946, p. 292.
358
As atas de criação e o auto de traslado da vila de Jacobina foram publicadas pelo historiador jacobinense Afonso
Costa (1885-1955). Funcionário público federal dedicou boa parte de sua vida aos estudos históricos e
genealógicos, tendo inclusive reeditado o catalogo genealógico de Frei Jaboatão. Escreveu um longo ensaio sobre
a história da vila de Jacobina da colônia ao Império. Realizou pesquisas durante muitos anos nos arquivos do Rio
de Janeiro, a exemplo da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual era sócio.
Quando da pesquisa para a tese encontrei na BNRJ uma cópia do século XIX da primeira ata de fundação da vila
de Jacobina. Cf. BNRJ. Termo de criação e ereção da vila de Santo Antônio da Jacobina. 1805. I – 31, 30,44. Não
nos foi possível localizar sua versão original ou uma cópia de época do auto de trasladação da vila, por isso
utilizamos a versão transcrita no texto de Afonso Costa. Cf. COSTA, Afonso. 1951, op. cit., p. 279-283.
359
COSTA, Afonso. op. cit., 1951, p. 281
195

Figura 10: Igreja da Missão franciscana do Bom Jesus da Glória na atual cidade de
Jacobina

Fonte: Igreja da Missão, Jacobina, Anos 1930, fotografia de Juventino Rodrigues, Acervo Digital
NECC-UNEB.360

Figura 11: Vista panorâmica da cidade de Jacobina com o Rio Itapicurú-mirim e as


serras ao fundo

Fonte: Panorâmica da Enchente, Jacobina, fotografia de Osmar Micucci, 1957, Acervo Digital NECC-
UNEB.

360
Agradeço a Valter Oliveira a concessão dos incríveis registros fotográficos apresentados nesta tese.
196

Nestas circunstâncias seriam construídas casas para audiência, câmara e cadeia;


mandou-se também levantar o pelourinho, “o que logo se executou com a aclamação dos
mesmos moradores”, em cujo terreno serviria de praça e lugar público. Em frente à praça, havia
um monte no qual seria colocada uma forca “para que com o horror dela se não cometesse
delitos e servisse de terror dos mesmos delinquentes.”361 Todas essas obras ocorreriam às custas
dos moradores, que haviam suplicado esta mercê a Sua Majestade. O ouvidor ordenou que todas
as pessoas que até então não tinham feito o pagamento para as ditas obras, que o fizessem
doando voluntariamente o que quisessem, sendo a câmara responsável por fazer a devida
cobrança e arrecadação. A câmara tiraria rendas a partir da aferição de pesos, quartas, côvados
e talhos de marchanteria, que poderiam correr por sua conta ou por arrendamentos. Esse
despacho não deveria incidir nas rendas auferidas nos quintos ou nos ganhos da Fazenda Real
com as lavras.
Nessa ocasião foi registrado no livro da câmara de Jacobina os limites da sua
jurisdição, demarcando que seu termo se estendia a norte até a Capitania de Sergipe Del Rei;
na direção sudeste, seguindo para o Recôncavo, aquela comarca iria até os limites com a vila
de Cachoeira e Maragogipe, a sul se encontrava com a capitania de Ilhéus até a “pancada do
mar”; na fronteira de Minas Gerais seguia até o Rio das Mortes e com Pernambuco até as ilhas
que ficavam no meio do Rio de São Francisco para a parte da Bahia.362 A nova edificação da
vila traria ainda impactos em outras freguesias. Vinculada ao senado dela ficariam as freguesias
de Santo Antônio do Pambú – com escrivão - e de Santo Antônio da Jacobina (próxima à missão
do Saí)363, as freguesias de Santo Antônio do Urubú.364 A freguesia de N. S. do Bom Sucesso
do Arraial365 também deveria ter escrivão, o qual, com livro rubricado pelo juiz da câmara de
Jacobina, poderia fazer testamentos.

361
COSTA, Afonso. op. cit., 1951, p. 282.
362
BNRJ. Divisão de Manuscritos. Ofícios sobre os Limites de Jacobina (BA). CEHB 6383. I-31,29,17
363
Em 1770 os moradores da Freguesia de Santo Antônio da Jacobina (atualmente Campo Formoso) fizeram um
abaixo assinado no qual requisitaram ao rei que transformasse o seu arraial em vila. Para isso alegaram que viam-
se prejudicados pelo fato de terem que se deslocar até a sede da vila de Jacobina, distante 22 léguas, para resolver
suas demandas de justiça. Os moradores ainda denunciaram os abusos cometidos pelos oficiais de justiça da
Jacobina que cobravam custas exorbitantes para dar cumprimento as causas. Especialmente eles denunciaram os
almotacés que ficavam com “a terça parte das ditas condenações e as ditas custas se fazem por se querer dar essa
conveniência aos oficiais de justiça e mais pessoas porque as fazem as pessoas arranjadas, estabelecidas em bens.”
Ainda reclamavam dizendo que muitas vezes suas causas corriam à revelia, deixando-os prejudicados pois como
o caminho até a matriz da vila de Jacobina era dificultoso, os moradores não conseguiam acompanhar os processos.
Por estes e outros motivos os requerentes informavam que o arraial tinha condição de ser transformado em vila,
pois haviam mais de 65 casas de telhas e mais de 80 homens “capazes de servirem na república”, conforme atestou
os padres da dita freguesia. Ver: ACCIOLI & AMARAL. Vol. 2, p. 357.
364
A Freguesia de Santo Antônio do Urubu compreendia o Rio de Contas até fazer divisão com as vilas de
Cachoeira e Maragogipe e Ilhéus ao sul.
365
Que englobava os sertões até o rio das Mortes até fazer divisa com Minas Gerais.
197

O ouvidor ainda tratou de estabelecer que os moradores das duas freguesias nomeadas
deveriam eleger os oficiais da câmara todos os anos. Quando providos os dois juízes serviriam
pelo mesmo tempo que os oficiais da câmara que os tivessem eleito e “levariam cartas e
provimentos passados pelos ditos oficiais da câmara anuais.”366 Os juízes desses julgados não
poderiam estabelecer devassa judicial, somente prender criminosos, se pegos em delito
flagrante, e deveriam, nesses casos, serem remetidos para a cadeia de Jacobina. A ata ainda
instruía que a câmara possuía a regalia para nomear trienalmente avaliadores e partidores dos
bens dos órfãos, tanto quanto escrivães. No caso das freguesias essa eleição seria anual,
podendo ser renovada. Pelas instruções percebe-se o quanto a câmara tinha centralidade e força
em relação as freguesias que compunham o seu termo, dotando os oficiais de poder sobre um
vasto território e sua população. Em resumo, sob o poder da câmara de Jacobina, ficariam
submetidos os oficiais dos julgados, os quais deveriam agir em consonância com a autoridade
que lhes fora atribuída.
O termo produzido pelo ouvidor estava de acordo com as normativas políticas e
jurisdicionais da monarquia portuguesa no Antigo Regime e dotava as forças locais de
prerrogativas de governo, de legitimidade baseada no prestígio, na honra, mas também na
superioridade econômica e social.367 O quadro a seguir demonstra o perfil dos oficiais da
câmara, nobreza e povo que testemunharam a trasladação da vila. Pela lista a seguir percebe-se
que os oficiais continuaram os mesmos do ano de 1722, com a diferença de que nessa nova
cerimônia, outros moradores se fizeram presentes para atestar os termos que dariam forma à
administração da república.

366
COSTA, Afonso. op. cit., 1951, p. 284.
367
HESPANHA, António Manuel. Poder e instituições na Europa do Antigo Regime: Colectânea de Textos.
Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 1984, 541p. p. 69-71.
198

Figura 12: Praça da matriz para onde foi realizada a transferência da vila em 1724

Fonte: Praça da Matriz III, fotografia de Juventino Rodrigues, anos 1930, Acervo Digital NECC-UNEB.

Quadro 2: Oficiais da câmara, nobreza e povo que assinaram a nova ata de fundação da
vila de Jacobina em 05 de junho de 1724, no arraial da Missão do Senhor Bom Jesus da
Jacobina

NOME OFICIO/ SÍTIO DE ESCRAVOS ARREMATAÇÃO DE


PATENTE RESIDÊNCIA DATAS DE
MINERAÇÃO/LOCAL
Miguel Telles Coronel, Juiz da Mocambo 17 escravos, ¾ e meio e quarenta
Barreto Câmara da Nova 3 incapazes por Réis//Ribeiro da Jacobina
Vila de Jacobina velhos, 3/4 e 80 Réis/Ribeiro de
2 de menoridade Santo Inácio
12 de bateia 4/8 e hum e quarto//Ribeiro
do Itapecurú

Domingos Capitão de Cavalos Cachoeira 5 escravos


Pereira Maciel Vereador 3 de bateia
André Sargento-Mor, Saco 14 escravos
Rodrigues casado com Maria; 2 Assistentes
Soares Vereador
Pedro Álvares Vereador Missão 2 escravas
Brandão
Francisco da Procurador do Lamarão 9 escravos
Costa Nogueira Conselho Homem 1 assistente
branco, viúvo, idade
de 70 anos;
199

Inácio Leite Escrivão da Câmara Assume como escrivão da


câmara
Francisco Licenciado, Guarda- Palmar 9 escravos Pagou 3/8 de ouro por uma
Prudente Mor e Tenente 7 de bateia; data no ribeiro do ouro fino
Cardoso Coronel Companhia
do Capitão Inácio
Cardozo no sítio do
Cahen, almotacé das
execuções.
João de Souza --- --- ---
Arnaud
Cristovão Sargento-mor na Cahen 14 escravos Pagou 3/8 de ouro por uma
Ribeiro de Companhia do 13 de bateia data no Ribeiro do ouro fino
Novaes Capitão Inácio
Cardozo
Manoel Lopes Mineiro; Capitão; Cahen 13 de bateia Pagou 3/8 de ouro por uma
Chagas ajudante na data no Ribeiro do ouro fino
arrecadação dos
quintos.
Gaspar Alvares Capitão Canavieira 6 escravos Pagou 2/8 de ouro por uma
da Silva data no Ribeiro das
Jabuticabas
Bento da Silva Alferes na 6 de bateia Pagou 3/8 de ouro por uma
Oliveira Companhia do data no Ribeiro do Palmar
capitão Antonio
Muniz Barreto
Manoel de --- Missão do bom 3 escravos ---
Araújo Costa Jesus 2 de bateia
Manoel --- Aboboras 5 escravos ---
Rodrigues
Brandão
Diogo da Costa Tenente na --- 2 escravos de bateia ---
Feijó Companhia do
Capitão Domingos
Pereira Lobo
Domingos Capitão Ouro Fino 5 escravos Pagou 3/8 no Ribeiro do
Pereira Lobo ouro fino
Francisco --- Missão 12 escravos Pagou 2/8 no Ribeiro da
Nunes Ferreira Jabuticabas
Manoel da --- --- 5 escravos Pagou ¾ e oitenta réis
Costa Souza 4 de bateia Ribeiro de Santo Inácio
1 incapaz 15 braças por meia oitava
junto com Francisco
Coelho no Ribeiro do Brito
José Gomes --- Brejo 2 assistentes ---
Coelho
Domingos --- Missão 2 escravos ---
Ferreira
Monteiro
João Rodrigues --- Missão do Bom 6 escravos de ---
Brandão Jesus fazenda de gado e
roça
Francisco de --- ---
Sousa do
Sacramento
Manoel --- Barra do Cento Sé 3 escravos ---
Ferreira
José Ferreira --- Missão 1 escravo ---
Velho
200

Francisco Mineiro Itapecurú 1 escravo ---


Pereira
Manoel José --- --- --- ---
Manoel de --- Minas da 3 escravos ---
Souza Tocambira
Jeronimo --- --- --- ---
Fialho Pereira
Fonte: COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive minha cidade.” In: Anais do IV Congresso de
História Nacional. Vol. 9, Departamento de Imprensa nacional: Rio de Janeiro, 1951. p.279-284. Documentos
Históricos da Biblioteca Nacional; IHGB. LEAL – DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. Autos de justificação em que são
partes o capitão Manoel Francisco dos Santos superintendente das conquistas e o Coronel Pedro Barbosa Leal.
Salvador, 30 de outubro de 1730

De acordo com o Quadro 02, quando da reinstalação da vila, os principais homens que
estavam na câmara mantiveram-se nos ofícios, indicando que a mudança foi realmente em
função dos inconvenientes do antigo sítio. A missão do Bom Jesus de fato era mais próxima
dos ribeiros de ouro, circunstâncias que atendiam ao perfil ocupacional e sócio econômico dos
representantes da câmara, mas sobretudo dos moradores. Em termos de posse de escravos,
verifica-se que juntos possuíam 143 escravos, sendo que 62 foram declarados como de bateia,
embora esse quantitativo subestime o número exato de escravos que cada um tinha. Para o ano
de 1720, encontramos 1.257 escravos declarados no rol de desobriga do pároco da igreja de
Jacobina. Tomando esse número como referência, verifica-se que os que assinaram a ata de
fundação da vila, sendo os homens mais proeminentes da Jacobina, possuíam 11,3% de todos
os escravos registrados nesse período. Pode não parecer uma quantidade significativa, contudo
Jacobina era uma área de mineração com um baixo padrão de posse de escravos, a maioria dos
mineiros possuíam 1 ou 2 escravos de bateias, o que fornece uma boa medida do poder
econômico representado pelos indivíduos que possuíam acima de 5 escravos.
Em se tratando de uma área de mineração, já era esperado que os oficiais da câmara
também mantivessem atividades nas minas. Dos que se fizeram presentes na reinstalação da
vila, 9 deles arremataram datas de mineração, informação que praticamente se repete nos dois
quadros, mesmo que não fossem as mesmas pessoas. O fato de aparecer na ata o nome dos
mineiros indica que eles desejavam inserir-se, ou ver-se representados na câmara, pois são ali
qualificados não exatamente como da nobreza, mas como povo, também parte do corpo político
da vila. Essas informações, mesmo que esparsas, sugerem um quadro social e econômico da
elite política, mas também da ‘arraia miúda’ de Jacobina nos anos iniciais da década de 1720.
Os dois momentos de edificação da vila foram registrados em atas,368 com a diferença
de que a primeira foi feita por um sertanista e a segunda por um magistrado régio, por isso são

368
COSTA, Afonso. 1951, op. cit., p. 271-274; 279-284.
201

significativamente diferentes os termos de sua concepção. Apesar de ambas destacarem as


motivações pontuais para a instalação de uma instituição da monarquia nos sertões do Estado
do Brasil, o texto da primeira ata resumiu-se a apontar que a criação da vila demarcava a
necessidade dos moradores em viver como vassalos, pois precisavam da administração da
justiça e dos sacramentos. Sua retórica deixa transparecer as queixas imediatas dos moradores
em relação as dificuldades que possuíam quando necessitavam acionar as instâncias da justiça
para resolver conflitos. Consta da ata que os moradores precisavam ir até a vila de Cachoeira
para demandarem suas questões de justiça, “com notável moléstia e descômodo seu, risco de
suas vidas e pessoas.”369
A segunda ata, redigida por um magistrado régio instruído nas leis do reino incluiu no
registro de trasladação a demarcação do território que ficaria sob a jurisdição da câmara da vila,
e igualmente prescrevia o papel dos oficiais e os termos de funcionamento da vida civil. Nesta
ata consta que o termo da vila da Jacobina compreendia as freguesias de Pambú, Santo Antônio
da Jacobina e Urubú, indo desde o Rio das Contas até fazer divisão com a vila de Cachoeira e
a capitania de Ilhéus, incluía também a freguesia de Bom Sucesso do arraial até a divisa com o
Rio das Mortes em Minas Gerais. Ao norte fazia divisa com a comarca de Sergipe D’El-Rei,
daí era limitada até o rio Jacuípe. Enfim, na delimitação do território ainda constava a
observação de que a jurisdição da vila compreendia “os sertões que estão por povoar”, ou seja,
não havia uma total clareza sobre os limites territoriais que englobava o termo da vila. Somente
na década de 1740, quando a comarca de Jacobina foi criada, é que os conflitos de jurisdição
com o Rio de São Francisco, e com a câmara da vila do Príncipe da comarca do Serro do Frio,
colaboraram para melhor definir esse território. Apesar da indicação trazida na ata, os oficiais
camarários não teriam fôlego para administrar tamanha extensão territorial.
Essa segunda ata revela aspectos significativos sobre a presença de um magistrado a
serviço do rei, instaurando uma instituição civil, ato transformador do espaço do sertão em
território integrante da monarquia pluricontinental. As fontes que atestam a ocupação
demográfica de Jacobina revelam que haviam muitos portugueses residindo no local. Estima-
se que esses homens naturais do reino, mesmo que viessem de pequenos concelhos, chegavam
nas conquistas instruídos em uma cultura política moldada no funcionamento das instituições
camarárias. Esse arcabouço de experiências de autogoverno, teve sua dose de influência no que
diz respeito ao modo em como esses sujeitos se comportaram na convivência coletiva, e no
entendimento sobre a autonomia político jurídica dos corpos sociais em suas relações com a

369
COSTA, Afonso. 1951, op. cit., p. 272.
202

cabeça desse corpus, ou seja, o rei. Santos e Pereira chamam atenção para um importante
aspecto dos atos de edificação dos municípios no Brasil colonial:

Ou seja, criar/fundar um município era muito mais que o mero arranjo


de uma pequena povoação. Como ato capital de colonização, ele se
revestia de uma complexa fundamentação jurídica, e mesmo teológica,
estando acompanhado de diversos procedimentos simbólicos.370

Com isso não se quer dizer que o funcionamento da república ocorria de forma
perfeita, muito pelo contrário. Nos anos seguintes à fundação das vilas, ainda assim, fazia-se
necessário que houvesse frequentes visitas do ouvidor geral da Bahia para realizar correições e
diligências tanto em Jacobina, quanto em Rio de Contas. Era consenso a extrema desordem que
se vivia no sertão, portanto, uma das maiores preocupações das autoridades era conter a
incivilidade dos seus moradores e a criação das câmaras e posteriormente da comarca, foram
passos decisivos para aproximar a justiça régia do poder local. Entretanto, a justiça só poderia
ser bem executada com a reiteração de uma autoridade maior que incorporasse de forma
inolvidável o poder régio. Esta era a função simbólica, mas também real do ouvidor da Bahia,
já que os juízes ordinários das recém fundadas câmaras só poderiam resolver conflitos de
primeira instância.
Mais uma vez a questão que resvalava na diligência dos ouvidores eram a relutância
que eles possuíam de viajar até o sertão, e o costume de sempre requerer acrescentamento de
salários para realizar as viagens. No ano de 1725, o ouvidor geral Pedro Gonçalves Cordeiro
pedia acrescentamento de salários para a viagem que era penosa e cansativa. O provedor da
Fazenda Real, José de Carvalho Sales foi chamado em consulta para dar seu parecer sobre a
questão.
“O suplicante [ouvidor] já foi em correição às ditas vilas e o grande zelo, a
incansável prevenção de V. Exa. lhe tem ordenado frequente todos os anos a
mesma diligencia [para] evadir os insultos e para devassar os criminosos para
que o temor do castigo faça reprimir aqueles habitantes as insolências e
flagícios com que até agora andavam tão absolutos que fazendo-os iníquos
(sic) e cruéis juízes em causa própria decidirão as suas vinganças e contendas
desde o ano de 1712 até o de 1720 com mais de setecentas mortes
violentas.”371

Apesar da justiça ser uma das prioridades da coroa para bem conter as incivilidades
dos moradores do sertão, esta matéria dependia enormemente da boa vontade dos magistrados,

370
SANTOS, Antonio Cesar de Almeida; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. "Para o bom regime da república:
ouvidores e câmaras municipais no Brasil colonial". Revista Monumenta, vol. 3, n° 10. Curitiba, inverno/2000. p.
07.
371
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., vol. 2, p. 367.
203

em um mundo em que as distancias e dificuldades de locomoção eram um dos agravantes para


efetivar as correições que as vilas careciam. Além do mais parecia que os moradores do sertão
não eram os únicos a cometerem infrações.
Quando em 1725 o desembargador Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira da comarca da
Bahia retornou à vila de Jacobina para realizar uma correição, ele envolveu-se em uma
complicada contenda com o escrivão da câmara Ignácio Leite. Por ironia do destino, o que ficou
mais marcante nessa correição não foi exatamente a atuação dele junto às contas da câmara da
vila, mas um processo no Tribunal da Relação que resultou da passagem desse desembargador
por Jacobina. As minúcias da contenda envolvendo o desembargador e o escrivão Ignácio Leite,
demonstram aspectos relevantes do funcionamento da justiça e dos abusos de poder cometidos
pelos ministros régios. As incoerências e o favoritismo político não passaram despercebidos
aos olhos dos secretários do Conselho Ultramarino, no entanto o corporativismo e a morosidade
dos processos de justiça, não impediram que o escrivão acusado de jurar em falso contra o
desembargador, passasse mais de dois anos preso na cadeia de Salvador, sem ter juiz que
aceitasse pegar o seu processo ou testemunha que se pronunciasse em sua defesa.
O processo envolvendo o ouvidor e o escrivão começou justamente quando o doutor
Pedro Gonçalves Cordeiro passou pela vila de Jacobina para proceder a correição. Na ocasião,
o escrivão Ignácio Leite viu que dois moradores da vila tinham arrematado em um pregão
público um mulatinho que estava sendo vendido pelo juízo dos defuntos e ausentes pelo preço
de 140$000 réis. Durante o pregão, dois moradores da vila tinham dado lance para arrematar o
escravo, entretanto, no mesmo dia o escrivão encontrou o escravo na casa onde estava
hospedado o ouvidor. Questionado sobre o preço dado no lance, este lhe afirmou ter pago o
valor acima referido. O escrivão teria alertado de que 140$000 réis por aquele escravo era muito
caro e que ele não valia mais do que 120$000 réis. Apesar disso o desembargador insistiu em
ficar com o escravo alegando que não era pra ele, mas sim para um irmão seu que era religioso
no Carmo.
Em 1727 quando o Chanceler da Relação foi tirar a residência do dito ouvidor,
convocou Ignácio Leite para testemunhar e este denunciou que o doutor Pedro Cordeiro havia
arrematado o escravo para si sem respeitar a forma de pregão público. Esse depoimento lhe
custou uma acusação de falso testemunho contra um magistrado, que naquele período estava
sendo nomeado para Ministro da Relação.
Os detalhes do processo revelam os caminhos do arbítrio e da justiça na colônia. A
palavra do desembargador teve mais peso que a do escrivão, já que não conseguiu contar com
nenhuma testemunha para depor a seu favor, pois estavam “atemorizadas do respeito do
204

desembargador não depuseram a verdade.”372 Sem ter a quem recorrer para sua defesa, foi
condenado a seis anos de degredo para a Índia, mas por pouco não foi embarcado, devido à
clemência do vice-rei, que além de ter-lhes concedido esmola, não autorizou seu degredo
aguardando a resolução do pedido de vistas que o preso havia requerido junto ao rei. Decorrido
um tempo, o escrivão conseguiu embargar a sentença solicitando que se tirasse carta de
inquirição para ser realizada na vila de Jacobina, contudo, só encontrou recusas e pessoas
temerosas que mais uma vez não quiseram testemunhar a seu favor, por temer o poder que o
ouvidor possuía.
Em fevereiro de 1731 o rei enviou consulta ao Conselho Ultramarino para que este se
pronunciasse sobre o pedido do réu de ser remetido e sentenciado em Lisboa. O parecer do
secretário Manoel Caetano Lopes de Lavre tem passagens bastantes explícitas sobre o jogo de
influência e corporativismos que orientavam a atuação dos magistrados. Suas palavras
assumem, nessa circunstância, um tom de denúncia:
O suplicante se tinha queixado a V. Mag.de pelas dificuldades que houve para
se lhe nomear juiz para o livramento, por ordem de V. Mag.de o conseguiu,
mas não pode vencer o respeito da adulação que enfim senhor é causa de um
ministro da Relação tratada por seus companheiros onde ele preside, que para
ficarem na liberdade de seus excessos, como a experiência tem mostrado a V.
Mag.de castigado.373

Após apelar para a clemência e piedade de Sua Majestade, sua pena foi reduzida a
quatro anos de degredo na África, para onde embarcou depois de ser solto da prisão na cidade
da Bahia. Não conseguiu-se mais acompanhar a história do escrivão Ignácio Leite, mas esse
episódio parece emblemático, pois demonstra o quanto os oficiais da justiça tinha prerrogativas
ilimitadas no exercício de sua função e contraditoriamente um enviado para instaurar a justiça
foi o mote de uma ação de claro favorecimento por parte do corporativismo dos seus colegas
magistrados.

3.2.3 A vila das minas do Rio de Contas

Nos sertões baianos foi frequente o envio de expedições para constatar a real existência
das minas e suas potencialidades. Desde o final do século XVII o governo da capitania apoiava
ou até mesmo financiava essas bandeiras. Os líderes dessas expedições eram homens reputados
junto ao governo, com um certo conhecimento da arte de sertanejar e dispostos a prestarem
serviços régios. Houve também expedições técnicas comprometidas a fazer ou mesmo

372
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 39, Doc. 3602.
373
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 39, Doc. 3602.
205

confirmar roteiros para torná-los oficiais. Este foi o caso da viagem do mestre de campo Miguel
Pereira da Costa em 1721. Ele partiu com sua comitiva da vila de Cachoeira em direção aos
distritos das minas do rio das Contas. Ao chegar no arraial do Mato Grosso, lugar que seria a
última parada de sua jornada, ele observou “ser ali a rancharia maior dos mineiros daquele
distritos, onde todos tem suas casas de palha, e aqui aportam todos os vivandeiros com seus
comboios.”374 Seu roteiro constitui-se na primeira descrição minuciosa sobre um arraial375 ou
acantonamento formado por paulistas e outros forasteiros que se juntavam em torno dos leitos
do rio Brumado também conhecido por rio das Contas Pequeno.
É este sítio do Mato Grosso, a primeira parte em que se ajuntou gentes
naqueles distritos, no princípio de seus descobrimentos, e assim ficou sendo
ali o maior concurso, ou uma como (sic) povoação d’aqueles homens, em que
se estabeleceram: deste sítio destacavam alguns a fazer seus descobrimentos
e experiências, que tendo-lhe conta decampavam dele para tal paragem
descoberta, e nela formavam sua nova rancharia; ficando, porém, naquele
acantonamento do Mato Grosso a maior parte deles, que ainda se conserva, e
é uma feira continua dos víveres que cada comboio leva.376

O lugar ganhou fama por conta da história de descobrimentos feitos pelo coronel
Sebastião Raposo Tavares, famoso sertanista de São Paulo e com a reputação de homem
violento. No ribeiro do rio Brumado ele estabeleceu um arraial com seus escravos, índios e
‘mocambas’, chegando a ter sob seu poder mais de 130 bateias. Miguel Pereira da Costa
conversou com antigos moradores do lugar e estes lhe contaram que Raposo Tavares havia
conseguido fazer por sua fábrica “seguramente mais de quarenta arrobas de ouro.” 377 A
descrição do mestre de campo reforça a imagem de que Raposo Tavares foi um dos primeiros
paulista com força e cabedal para assentar arraial nos sertões baianos. Não precisamos recuperar
toda a trajetória desse paulista, mais importa aqui perceber a maneira como sua passagem ficou
marcada na memória coletiva do local: “como era poderoso, com o temor conservava o seu
respeito e despótico império.” Temeroso de que com a chegada de outros paulistas sua primazia

374
Relatório de Miguel Pereira da Costa ao Vice-rei do Brasil. in: NEVES & MIGUEL, op. cit., p. 40.
375
Cláudia Damasceno fez uma instrutiva análise do que ela chamou de “léxico da ocupação” nos sertões de Minas
Gerais. O levantamento dos termos utilizados para designar as áreas que paulatinamente foram sendo ocupada
pelos colonos é bastante rico em significado dos contornos que tais ocupações foram tomando. Dentre os termos
analisados pela autora, destaca-se aqui o sentido atribuído às denominações de “lugar”, “sítio” e “arraial”. Segundo
Damasceno estas designações referem-se a “lugares ocupados de maneira estável, porém mais circunscritos. O
termo lugar é, algumas vezes, empregado para designar uma povoação que não tem o título de vila, e neste caso,
funciona como um sinônimo de arraial.” Esta era a situação do arraial do Mato Grosso, mas também de Jacobina,
antes da elevação à condição de vila. Cf. DAMASCENO, op. cit., 2011, p. 78.
376
Note-se na documentação o uso dos termos acantonamento e rancharia, utilizados por Miguel da Costa Pereira
para referir-se ao acampamento dos mineiros que fizeram os primeiros descobrimentos nas imediações dos distritos
do rio da Contas. A utilização dessas designações devem ser observada nos documentos, pois trazem pistas sobre
os estágios e as várias condições de ocupação das zonas de mineração. Cf. NEVES & MIGUEL, op. cit., p. 40.
377
NEVES & MIGUEL, op. cit., p. 42.
206

podia ser posta em causa, Raposo Tavares “se ausentou com os seus pelo mato dentro para esses
sertões”. No ano seguinte, em 1722, soube-se por uma carta do vice-rei que o mesmo havia sido
morto e seus escravos que andavam dispersos pelo sertão foram confiscados e arrematados por
1:400$000 réis, dinheiro que foi remetido para a fazenda real. O vice-rei enviou um
destacamento de homens para mandar trazer do sertão mais uns 20 escravos que ainda andavam
dispersos.378
O relatório do mestre de campo confirmou as notícias correntes na cidade da Bahia
sobre as potencialidades das minas do rio das Contas e o ajuntamento de gente na localidade.
Quando Pereira da Costa chegou às minas detectou existirem mais de “setecentos trabalhadores
entre bateias e almocafres”, e se fosse contabilizado os novos descobrimentos somavam-se mais
de 2.000 pessoas. A composição daquela gente variava entre paulistas, mineiros do Serro do
Frio, mulatos e negros, todos gente de “pequena esfera”. Um detalhe não pode passar
despercebido na sua descrição. O mestre de campo notou que o exercício da autoridade perante
os habitantes dos arraiais era tarefa árdua, embora o governo da capitania buscasse apoio nos
homens mais proeminentes da localidade:
[...] nem o capitão-mor daqueles distritos tinha poder coercitivo com que
executar as ordens do Governador Geral d’este estado, nem as que me eram
preciso encarregar-lhe, em virtude das que do mesmo Governo levara; e assim,
viviam ali todos voluntários, sem receio, obediência ou temor, uns roubando
e outros matando.379

Sem dúvidas as autoridades não estavam alheias a certas preocupações correntes no


que diz respeito ao governo das áreas de mineração. Em primeiro lugar havia a defesa das
populações indígenas às tentativas dos colonos em ocupar aqueles territórios. Em segundo
plano a concorrência que os régulos do sertão faziam à ordem social e consequentemente ao
poder da coroa. A falta de leis, governo e justiça que os submetessem era um problema que
urgia solução imediata. Essa solução foi dada diante de um acordo entre a coroa e os homens
que manejavam a arte de sertanejar, para que estes trabalhassem em prol da justiça e em nome
de Sua Majestade.380 Na década de 1720, devido às informações que a coroa já possuía sobre
as circunstâncias da exploração do ouro nos sertões da América, não era mais o temor das
invasões estrangeiras que comprometia a segurança das minas, mas a instabilidade inerente aos
locais de mineração que dificultava um efetivo governo dos povos. Diante desse quadro, os

378
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 16, Doc. 1365.
379
NEVES & MIGUEL, op. cit.p. 43.
380
Essa importante questão será analisada mais detidamente no capitulo VI, quando será abordada a estratégica
interação entre os sertanistas e o governo colonial.
207

indultos régios oficializando a mineração e a criação das vilas, foram ações encadeadas para
minimizarem as turbulências e insultos se cometiam no interior da colônia. Nesse sentido a
descrição de Miguel Pereira da Costa sobre Sebastião Raposo Tavares é emblemática, pois
demonstra o amplo poder desses homens nos locais de recente descobrimentos e onde os liames
da justiça régia ainda não tinha sido implantados.
Em 31 de outubro de 1721 a coroa oficializou a mineração em Rio de Contas, meses
após o relatório de Miguel Pereira da Costa ser entregue ao governo da Bahia. O vice-rei em
1722 escreveu à coroa dizendo que não bastava conceder aos povos o indulto da mineração para
a boa consecução da arrecadação fiscal, tal como ocorreu em Jacobina. Vasco Fernandes foi
enfático ao afirmar:
Mas para que aqueles quintos se possam por em boa arrecadação, será
convenientíssimo erigir-se uma vila, com o seu magistrado, em hum daqueles
sítios, que parecer mais cômodo, cuja diligência não porei em execução sem
especial ordem de V. Mag.de.381

No que dependia de sua jurisdição, Vasco Fernandes agiu rapidamente, por isso
ordenou que o superintendente Pedro Barbosa Leal provesse guarda-mor, tesoureiro e escrivão
para por em ordem a arrecadação dos quintos devidos pelos mineiros desde o ano de 1721. Essa
diligência foi feita com sucesso e o vice-rei informou na mesma carta que havia chegado 600 e
tantas oitavas de ouro do Rio de Contas.382
Cláudia Damasceno afirmou que durante a guerra dos Emboabas nas Minas Gerais, o
provimento dos ofícios para fiscalização da minas foi feito privilegiando os paulistas, primeiros
descobridores que “reivindicavam o monopólio de exploração das minas e pretenderam ser os
únicos a beneficiar-se das nomeações para os postos administrativos.”383 Com frequência estes
homens também ganhavam patentes, as quais segundo afirmou a autora, eram títulos meramente
honoríficos. Para o caso da Bahia, acredita-se que a concessão dessas patentes possuíam
objetivos muito mais amplos, pois serviam de plataforma inicial de uma carreira de ascensão
social, como também legitimava o poder de mando daqueles que a possuíam. Embora isso nem
sempre fosse uma regra para as patentes mais baixas na hierarquia das ordenanças, tais como
cabo, soldado e alferes, mas mesmo estes ‘soldados rasos’ cumpriam com a função de dar
suporte aos capitães e coronéis na administração e controle fiscal das minas.
Em 1724, após sair de Jacobina, o superintendente dirigiu-se para o arraial do Mato
Grosso, local onde proximamente foi instituída a vila com o nome Nossa Senhora do

381
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 16, Doc. 1365.
382
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 16, Doc. 1365.
383
DAMASCENO, op. cit., 136-137.
208

Livramento das Minas do Rio de Contas. 384 As despesas com a casa da câmara e cadeia
deveriam correr por conta dos moradores como reconhecimento perante o rei de suas obrigações
de súditos.
[...] vos parecia dizer-me convém muito se erija logo no Rio das contas uma
vila com o seu magistrado, não só pelo que respeita à boa arrecadação dos
quintos, mas pelo que toca a se evitarem os distúrbios, e desordens que
cometem aqueles moradores como refugiados, e esta mesma resolução serviu
de remédio à Jacobina, onde já não há insultos, e se prendem os que cometem
delitos, e no estabelecimento da dita vila nunca se fará muita despesa, porque
o sítio para a casa da câmara e cadeia o dará qualquer terceiro, e para as
despesas concorrerão os mesmos moradores [...]385

Em 19 de janeiro de 1725, já depois de constituída a vila e a arrecadação dos quintos


dos primeiros anos, o vice-rei prontamente informava que o coronel Barbosa Leal teria voltado
para a cidade da Bahia, “depois de ter aberto um caminho da Jacobina para o Rio das Contas,
donde estabeleceu uma vila com o seu magistrado, e pôs em forma a cobrança e a arrecadação
dos quintos daquelas minas.”386 Este trecho ficou conhecido como Estrada Real e integrava as
rotas de abastecimento desde o Rio de São Francisco, as minas baianas e as Minas Gerais. A
estrada servia sobretudo para escoar o ouro retirado dos distritos de Rio de Contas. Foi nesta
que Barbosa Leal sugeriu instalar a casa de registro, passagem obrigatória para as minas.
Na mesma carta, Vasco Fernandes ainda ressaltou que o coronel trouxera “quatro mil
e tantas oitavas de ouro” relativas aos quintos do ano de 1724. Essa notícia certamente
correspondia ao que era esperado da diligência do superintendente, pois nos ribeiros do rio das
Contas existiam mais de 800 bateias no trabalho da mineração. Ainda assim o número de
trabalhadores não parecia ser suficiente para fazer prosperar como deveriam as minas daquele
distrito, já que havia muito ouro de beta. Esta carta tinha como finalidade assegurar à coroa
sobre o sucesso da missão de edificação das vilas, confirmando o processo em curso de instituir
os principais pilares da administração colonial nas conquistas do sertão.
Em 1745, apenas 20 anos após a constituição da vila, os moradores receberam a visita
de correição do ouvidor da comarca da Bahia da Parte do Sul. Nessa ocasião aproveitaram para

384
A vila de Rio de Contas e seu termo foi objeto de estudo de Kátia Almeida em sua tese de doutorado. A autora
dedicou-se a analisar com maior propriedade o mundo da escravidão e o emprego da mão de obra nas atividades
de subsistência local. Almeida aponta informações relevantes para os eventos que concorreram para a edificação
desta vila, por este motivo, nesta tese, optou-se por somente sumariar de forma breve a importância da fundação
da vila de Rio de Contas, já que a mesma fez parte do circuito aurífero do sertão baiano. Cf. ALMEIDA, Kátia
Lorena Novais. Escravos e Libertos nas Minas do rio de Contas- Bahia, século XVIII. 2012, 255f. Tese.
(Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2012. p. 25-36.
385
ACCIOLI & AMARAL. Vol. VI, op. cit., p.80.
386
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 20, Doc. 1832.
209

fazer uma representação à S. Majestade, solicitando a trasladação de sua sede, alegando que o
sítio não era conveniente “pela má situação em que se acha.”387 Os povoados nas áreas minerais
careciam de mínimas condições de salubridade e a incidência de doenças tais como malária e
outras enfermidades com frequência ocorriam de forma epidêmica. 388
Na ordem para transferência da vila foram estabelecidas diretrizes para a organização
da nova sede. Segundo a carta régia, o novo local deveria ser cômodo para os moradores, com
bons ares, provimento de lenha, água e próximo de algum arraial já estabelecido. As orientações
seguiam o padrão de criação de outras vilas fundadas sob a égide da coroa portuguesa no interior
da colônia. A carta régia, pelos detalhes que traz, aponta para a institucionalização do termo
municipal, ordenado a partir de uma racionalização do uso dos espaços públicos de maneira a
contemplar “o desejo do controle institucional de um determinado território.”389 Nisso consiste
a importância e também o diferencial da presença de um ouvidor para instruir o ordenamento
jurídico e territorial, muito embora, nem sempre isso significasse o cumprimento estrito do que
estava indicado nos documentos de edificação das vilas.
É necessário pontuar que a mineração provocou o desenvolvimento de redes de vilas
e comarcas na América portuguesa e a coroa, muito embora nas primeiras décadas dos
setecentos tenha deixado tal tarefa a cargo dos sertanistas e outros emissários, após passada a
fase mais inicial, tomou para si as rédeas do processo. As vilas dos sertões da capitania da Bahia
foram criadas seguindo essa dinâmica e naquele contexto entende-se que muitas vezes a ação
dos sertanistas não seguiam o rigor institucional desejado pela coroa, o que explica a trasladação
das vilas de Jacobina e Rio de Contas, após sua fundação.
A ordem régia de 02 de outubro de 1745 especificava que a nova sede deveria ter uma
praça no meio da qual se levantasse pelourinho, “casa da câmara, audiência, cadeia e mais
oficinas públicas.”390 Havia de ter lugar para edifício da igreja, “capaz de receber suficiente
número de fregueses,”391 uma vez que a administração dos sacramentos era um dos aspectos
que integrava a vida da comunidade. Ainda assim, determinava que as casas com seus quintais
deveriam ser dispostas em linhas retas, conservando-se todas no mesmo perfil no exterior,
muito embora no seu interior cada morador poderia dispor as construções conforme suas
conveniências.

387
AMARAL & ACCIOLI, Vol. VI, op. cit., p. 80-81.
388
Segundo Lycurgo Santos Filho o local tinha muita incidência de malária e outras febres que assolavam os
moradores. Cf. SANTOS Filho, Lycurgo. Uma comunidade rural do Brasil antigo: aspectos da vida patriarcal
no sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX. São Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 5-6.
389
SANTOS & PEREIRA, op. cit., p. 11.
390
AMARAL & ACCIOLI, Vol. VI, op. cit., p. 80-81.
391
Idem
210

Quando Teodoro Sampaio chegou do Rio de Contas em 1906, a vila contava com mais
de 300 prédios e sua população não ultrapassava 2.000 almas. Ele descreveu que o lugar para
onde a vila havia sido transferida contava com bons ares e estava situada à esquerda do rio
Brumado sendo a vila “composta de bons e sólidos edifícios, casas térreas e sobrados, caiados
e envidraçados, formando sete ruas, largas, planas e longas, dois largos, Capim e Sant'Anna, e
duas bonitas praças a da Matriz e Rosário.”392 Além disso, “na praça da Matriz acha-se a igreja
paroquial do Santíssimo Sacramento, e no do Rosário uma outra igreja do nome da praça.” Suas
observações sugerem que o plano especificado na carta régia de 1745 foi executado pelos
moradores. Ademais, notou que a vila parecia guardar a fama proporcionada com a opulência
do ouro, mas que teria estacionado e decaído com a decadência das minas.
A exploração econômica das minas não perdurou por todo o século XVIII com a
mesma opulência de suas primeiras décadas, entretanto a região proporcionou outras formas de
fixação dos moradores nos distritos da minas. Segundo Kátia Almeida, as roças de “mandioca,
cana, feijão e milho” juntamente com a economia de gado, proporcionaram uma cultura de
subsistência que permitiu a permanência dos moradores, mas também a continuidade da vida
civil e eclesiástica instaladas na região em função dos descobrimentos minerais. A sessão
seguinte demonstra como esse processo ocorreu em Minas Novas, já na fronteira entre a Bahia
e Minas Gerais.

3.2.4 Minas Novas de Araçuaí: questões para um debate sobre o poder local

Os paulistas Domingos Dias do Prado e Sebastião Leme registraram as primeiras


descoberta de ribeiros de ouro nas cabeceiras do rio de São Matheus em 1727. Após descobrir
o rio Manso, Sebastião Leme do Prado seguiu o rio Araçuaí e o Itamarandiba, subindo para o
norte até encontrar o rio Fanado,393 a partir desse ponto seguiu suas margens onde achou
“avultada porção de ouro misturado com areia, e cascalho superficial”394, dando-lhe o nome de
“Bom Sucesso”. O rio fazia barra com o Araçuaí e os descobridores paulistas, por um acordo
notificaram o achado ao governo da Bahia. Segundo Accioli, esse foi um acordo realizado entre
Sebastião Leme, Francisco Dias do Prado e Domingos Dias do Prado.395

392
SAMPAIO, Teodoro. O rio de São Francisco e a Chapada diamantina. São Paulo: Escolas Profissionais do
Lyceu do Sagrado Coração, 1906, p. 120.
393
Segundo Ignacio Accioli, o rio Fanado tem esse nome “por ser falhada a pinta de ouro.” Cf. ACCIOLI &
AMARAL, op. cit., Vol. 6, p. 60.
394
Ibidem
395
“[...] sucedendo porém que na Itacambira se achasse Francisco Dias do Prado, e Domingo Dias do Prado, com
outros também paulistas, e constando-lhes que Leme se avizinhava, para repartir as datas do seu descoberto,
211

Tal como aconteceu em Jacobina, a coroa autorizou a exploração das minas em 03 de


agosto de 1729, para que logo fossem arrecadados os quintos. Nesta ocasião foram enviados
para a Casa da Moeda de Salvador o valor de 14.119 marcos, três onças, duas oitavas e 24 grãos
de ouro. A criação da vila de Minas Novas próxima ao rio de Araçuaí é um dos capítulos mais
controversos do período da mineração baiana. Nesta seção, tentaremos mostrar os conflitos de
interesses que se sucederam após a notificação dos achados de ouro na região. Mesmo assim, a
questão não se esgota por aqui. Na origem da criação da câmara de Minas Novas, pode-se
entrever um flagrante conflito de jurisdição. A câmara respondia à jurisdição da Bahia,
entretanto a maior parte da população que andava no arraial era composta de homens das Minas
Gerais. A vila foi edificada pelo ouvidor da comarca do Serro do Frio em 02 de outubro de
1730, por ordem do vice-rei Vasco Fernandes e recebeu o nome de Vila de Nossa Senhora do
Bom Sucesso, no entanto nos documentos sempre era referida pelo topônimo de Minas Novas
do Araçuaí, alusão aos novos descobrimentos feitos nos leitos do rio Araçuaí, afluente do rio
Jequitinhonha.
Claudia Damasceno incluiu Minas Novas no seu estudo sobre as vilas e arraiais
mineiros. De acordo com a autora: “Os limites setentrionais de Minas haviam sido estabelecidos
pelo conde de Assumar, em 1721. Porém, isso não impediu que as autoridades baianas
cobiçassem esta nova e promissora zona mineradora.”396 O argumento utilizado por Damasceno
não me parece forte o suficiente para se afirmar que Minas Novas pertencia territorialmente às
Minas Gerais, ainda mais por se tratar de uma região de fronteira, sabemos o quanto a
imprecisão dos limites torna arriscado considerar esses marcos de referências como pontos
confiáveis de atribuição territorial do termo de uma vila. Como ela mesma reconheceu,
“segundo as ordens régias, o concelho ficaria subordinado, do ponto de vista administrativo e
militar, ao vice-rei da Bahia.”397 De fato, este argumento, reconhece que entre os anos de 1730
a 1757, Araçuaí teve um governo atrelado à Bahia, inclusive por que nos primeiros anos da
década de 1740, o ouvidor Manoel da Fonseca Brandão anexou a vila à jurisdição da Comarca
da Jacobina. Outra importante dimensão que deve ser considerada para que Minas Novas tenha
feito parte do circuito da mineração baiana foi a presença ostensiva do superintendente das
minas, o coronel Pedro Leolino Mariz, importante aliado do vice-rei na garantia dos interesses
baianos e do exercício do poder local naquela região.

sairam-lhe ao encontro com o povo da sua comitiva em maio de 1728, e conseguiram enfim que se manifestasse o
descoberto das novas minas ao governador da Bahia, por um termo entre eles feito.” ACCIOLI & AMARAL, op.
cit., Vol. 06, p. 61.
396
DAMASCENO, op. cit., p. 170
397
Ibidem.
212

Alguns acontecimentos envolvendo a atuação deste superintendente permite perceber


um fato notável nos distritos auríferos baianos: devido às distâncias havidas entre Salvador e
os locais das minas, a administração destas ficou a cargo desses superintendentes, muito embora
a vila tenha sido edificada com câmara e oficiais. Isso ocorreu em Jacobina e Rio de Contas na
década de 1720, assim como em Minas Novas na década de 1730. O próprio vice-rei, portanto,
utilizou-se dessa prerrogativa para fazer valer o governo nas localidades. Ele sabia que tais
contingências impunham a necessidade de uma autoridade negociada com uma rede clientelar,
que o tinha em uma ponta, enviando despachos, ordens, bandos e provisões, enquanto na outra
estavam os sertanistas, atuando de acordo com as condições locais. Parece-nos relevante
contemplar esta perspectiva, para examinarmos alguns aspectos do exercício do poder local nas
Minas Novas de Araçuaí.
Após a confirmação das descobertas de ouro próximos ao Rio de São Matheus, o vice-
rei enviou em fins de julho de 1728 o coronel e sertanista Pedro Leolino Mariz, para exercer o
cargo de superintendente Geral das Minas Novas de Araçuaí. Pode-se localizar na
documentação consultada – Secretaria de Estado, Conselho Ultramarino - uma farta
correspondência mantida por toda a década de 1730 entre o sertanista, o vice-rei e a coroa. Em
17 de maio de 1729 o rei D. João V mandou uma resolução na qual determinou “que por hora
se conservem estas minas na jurisdição desse governo da Bahia, e que o ouvidor do Serro do
Frio, atenha também inteiramente no mesmo distrito com subordinação a vós.”398
Pedro Leolino Mariz assumiu em Araçuaí, uma posição semelhante àquela que o
coronel Pedro Barbosa Leal havia desempenhado nos anos anteriores nas minas de Jacobina e
Rio de Contas. Em 1738, Mariz acumulava o posto de mestre de campo, comandante das minas
e sertão da capitania da Bahia, superintendente geral das águas e terras minerais delas, e nestas
de Araçuaí, Intendente geral do ouro, Provedor da Fazenda Real e do governo das minas e sertão
da capitania. 399 Nessas cartas encontram-se elementos úteis para o entendimento das diretrizes
do governo nos distritos auríferos. Aliás, Cláudia Damasceno já havia chamado atenção para o
fato de que “devido à sua situação periférica, a fundação de Minas Novas não foi apenas uma
consequência da expansão da zona de mineração, mas também das relações de poder entre os
diferentes representantes da coroa na colônia e principalmente entre os governadores das
capitanias.”400

398
AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1729-1735. VI–III-1-1-12, fl. 75
399
Conforme consta na abertura de um termo que o superintendente fez em nome do Sargento Mor José da Silva
de Miranda que reivindicava perante a coroa a exclusividade do oficio de tabelião do público, judicial e notas da
vila de Nossa senhora do Bom Sucesso. Cf. AHU, Avulsos, Bahia, cx. 66, Doc. 5570.
400
DAMASCENO, Cláudia. Arraiais e vilas D’el Rei... p.173.
213

Na década de 1720, sertanistas baianos fizeram ações de conquistas deste território


com o objetivo de aprisionar índios, abrir caminhos e descobrir reservas minerais.401 Entre as
décadas de 1730-1750, Bahia e Minas Gerais disputaram a vila de Bom Sucesso das Minas
Novas de Araçuaí, região limítrofe entre as duas capitanias. Nessa querela estava evidente que
cada capitania queria pra si as vantagens econômicas de ter mais uma vila do ouro sob sua
jurisdição. Essa situação pode ser analisada sob diferentes escalas e perspectivas. Em primeiro
lugar, havia uma forte disputa administrativa entre os governadores de Minas e Bahia. O então
vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes possuía uma pública inimizade com o governador
das Minas Gerais, Dom Lourenço de Almeida. Foram frequentes as trocas de acusações e as
estratégias usadas por ambas as partes para manter o controle daquele território de fronteira.
Enquanto Vasco Fernandes criava uma Tropa de Dragões com o apoio de seus
correligionários, D. Lourenço concedia, sem a permissão régia, um abatimento de 8% nos
quintos, para atrair os mineiros de Araçuaí para o Serro do Frio. 402 Havia também um conflito
de jurisdição envolvendo a comarca do Serro do Frio e a de Jacobina. O terceiro e mais
importante nível desse conflito, estava inscrito na disputa cotidiana e vis-a vis entre os
habitantes daqueles distritos. Os arraiais das minas, pela sua complexidade, configuravam-se
como uma espécie de micro cosmos da sociedade de Antigo Regime. Diferentes qualidades de
homens reiteravam os vários níveis de hierarquias, suas agências determinavam as condições
de poder e barganha diante de alguma divergência ou conflito social. O que estava em jogo não
era somente a criação das câmaras, mas também a gestão da economia que dependia das
posições ocupadas pelos indivíduos, sobretudo, os que estavam providos pela coroa, possuindo
prerrogativas régias. Estas prerrogativas foram constantemente utilizadas quando havia a
iminência de conflitos e insurreições que poderiam colocar em risco os interesses de sua
majestade, o bem comum e a harmonia dos povos. Os eventos analisados a seguir, nos fornecem
indícios sobre o exercício do poder local, curiosamente realizado à margem da câmara e dos
seus oficiais.
Após a confirmação dos descobrimentos de ouro, o governo da Bahia proveu o coronel
Pedro Leolino Mariz no posto de superintendente geral das minas. Desde 1708 ele já sertanejava
pelas longínquas paragens do sertão e fora provido no cargo de coronel com jurisdição de uma

401
SANTOS, Márcio Roberto. Fronteiras... p. 77.
402
AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1729-1735. VI–III-1-1-12, fls. 234
214

área de 260 léguas de longitude e 40 de latitude, segundo informou em sua folha de serviços.403
Em seu histórico contava com o combate ao gentio de corso, a expansão da santa fé, o
cumprimento de mandatos de justiça, arrecadação dos dízimos, bandeiras e conquistas no rio
Pardo, enfim, uma longa e frutuosa empresa pelos sertões às custas de sua vida e fazendas, e é
claro em busca de recebimento de mercês. Quando em 1728 chegou às Minas Novas, levava
consigo um regimento que o instruía sobre as suas obrigações de vassalo. Ali ele incorporava a
prerrogativa tão presente numa sociedade polissinodal de ser um representante direto dos
interesses do rei, portanto, “fundado nesta razão entrei a exercer pleno poder da minha
incumbência, dispondo todos os meios, que me pareceram aptos a fundar, conservar, e ampliar
uma nova colônia.”404 Estas concepção de servir à coroa operando pactos entre o povo e o rei,
com frequência estava expressa nos tons das cartas enviadas por Leolino Mariz. Antonio
Manuel Hespanha, deixa ainda mais clara essa relação entre pactos e serviços quando observou
o que Maurizio Fioravanti escreveu sobre as formas de poder no Estado Moderno:
Por isso, este carácter negociado, permanentemente negociado, dos poderes e
das jurisdições conheciam-no os reinos metropolitanos; como também o
conheciam, por uma natural tendência, as elites – estamentais, municipais ou
mesmo nativas para garantirem, em nome de todo o povo, privilégios comuns,
funcionando como intermediários e pactando-os tanto com o rei como com o
povo.405

Logo no início de seu governo como superintendente das minas, Pedro Leolino Mariz
ainda acumulava o cargo de Provedor da fazenda, competindo a ele a arrecadação dos dízimos
do termo da vila. Esse foi um dos motivos pelos quais ele entrava em rota de colisão com os
potentados de Minas Gerais, sobretudo com os contratadores dos registros e passagens daquelas
minas. De acordo com o que informou em carta endereçada a D. João V, ele estava fazendo
prosperar as minas com a instalação dos postos de registros e a casa de fundição que foi
construída sob sua supervisão. Sua primeira providência foi informar aos mineiros sobre a
obrigação de pagar os quintos e convocando os principais homens do arraial tratou de
estabelecer a arrecadação observando “a ordem praticada nas mais minas desta capitania.”406
Assim estabeleceu o pagamento de quatro oitavas por bateia. Da mesma forma, tratou de

403
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 14. Agradeço a Márcio Roberto Alves dos Santos a
disponibilização dos documentos coletados por ele para sua pesquisa, dentre os quais encontrei esses manuscritos
que permitiram entender os jogos de poder em Araçuaí.
404
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
405
HESPANHA, 2005, Apud. Maurizio FIORAVANTI, “È possibile un profilo giuridico dello Stato moderno”,
Scienza e política. Per una storia delle dottrine, 31(2004), p. 39-48.
406
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 38, doc. 3466.
215

colocar os registros das entradas dos caminhos, publicou edital para proceder a arrematação das
passagens dos rios, as aferições e renda da cadeia, tudo em função do aumento da Fazenda real.
Entretanto a situação nunca era das mais favoráveis, pois de acordo com sua versão
dos fatos, vendo o trabalho que ele fazia, logo cresceu o interesse dos homens das Minas Gerais
que queriam, sob a custódia do governo daquela capitania, tomar conta do arraial. Em suas
palavras: “Mas quando cuido ter feito um serviço grato, e relevante a vossa majestade, se
levanta tal borrasca que me impossibilita para tudo pois ao mesmo tempo que fabrico o edifício
lhe estão arruinando os alicerces.”407
A questão teve início quando o mestre de campo Braz Esteves Lemes chegou em
Araçuaí para fazer-lhes concorrência, competindo com seu poder dentro das minas. Alegou que
Braz Esteves queria chamar o ministro da jurisdição de Minas Gerais para resolver a pendência
sobre a autoridade local. Mariz tinha sido designado pelo vice-rei da Bahia. Sabedor disso, Braz
Esteves organizou um motim contra o superintendente, arregimentando os descontentes com a
instituição da Casa de fundição que passou a funcionar em 1730. A ação foi orquestrada e
fizeram uma sublevação tentando inclusive queimar o arraial. Pedro Leolino Mariz conseguiu
conter a insubordinação, tendo usado dos recursos da Casa de fundição para pagar a escolta dos
revoltosos até Salvador. Tudo isso com anuência do vice-rei.
Sete meses se passaram e outra intromissão dos homens das Minas Gerais ocorreu no
lugar. Dessa vez foi Manuel Rodrigues Costa, administrador dos contratos da Gerais que
chegou até o superintendente solicitando que o mesmo lhe passasse certidão para colocar
registros e passagens naquelas minas. Tendo o contratador visto seu pedido recusado por
Leolino Mariz, retirou-se para as Minas Gerais e enviou seu representante para novamente
consumar a implantação dos registros. Desta vez o procurador possuía uma carta expedida pelo
governador de Minas Gerais e uma licença régia que o autorizava a cumprir seu intento.
Contudo, Mariz era extremamente ligado ao vice-rei Vasco Fernandes e cabia a ele manter a
hegemonia do governo da Bahia naqueles territórios. Vendo-se embaraçado com a questão e
não querendo provocar uma nova insubordinação, ele permitiu que se colocassem o registro do
contratador das Minas Gerais, entretanto não retirou “os que tinha posto pela real fazenda.” 408
Pouco tempo antes de Mariz publicar o novo edital informando que havia recebido
ordem do vice-rei para quintar o ouro “na forma da lei”, ou seja, colocar em funcionamento a
Casa de fundição, soube que o povo estava se amotinando contra ele. A insatisfação do povo
chegou ao conhecimento do superintendente e para proteger-se do tumulto, por precaução

407
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
408
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
216

armou três esquadras. Na noite de 19 de junho de 1730, o povo se amotinou, “recusando pagar
o quinto do ouro”. Após desbaratar o amotinamento com os 30 soldados armados e pagos com
os recursos da Fazenda real, com a anuência do vice-rei, Leolino Mariz fez uma devassa e
apesar de só ter achado um culpado, concluiu que “a plebe teve impulso poderoso para o
motim.”409
Após esses acontecimentos, chegou nas minas o cunho da Casa de fundição, assim
como o ouvidor do Serro do Frio. Nas palavras certeiras de Leolino Mariz: “um e outro causou
a retirada de muitos; aquele de quem tinha posto o seu ouro em salvo, este de quem tinha motivo
para temer a sua justiça.”410 O próprio vice-rei queixou-se junto à coroa sobre os procedimentos
do ouvidor, pois este havia sido excessivo em suas correições, tendo prendido moradores que
já estavam estabelecidos com casas, roças e lavras.411 Isso na sua opinião assustava os demais
mineiros e colocava em risco a estabilidade do lugar, fazendo com que muitos se retirassem
para as Minas Gerais. Enquanto isso, o governador D. Lourenço de Almeida havia instituído
um desconto no qual se pagava o quinto a 12% e na Casa da Moeda a oitava era comprada a
1.320 réis! O argumento de Mariz seguia o do vice-rei sobre os motivos dos quintos terem
decaído em Araçuaí, uma vez que a oferta do governador das Minas Gerais atraiu com mais
força os mineiros para lá.
O governo da Bahia fazia muitos esforços para evitar a debandada dos mineradores.
Segundo estimou o vice-rei, nos distritos das minas haviam em torno de mil pessoas já
estabelecidas, mas ele sabia que a população podia ser bem mais numerosa, devido à constante
transumância dos moradores. É curioso notar que a fixação dos moradores nos limites das vilas
era uma preocupação constante, depois das descobertas de diamantes no Serro do Frio, foi ainda
maior a fuga de gente para as partes da região diamantífera.412 Realmente pode-se confirmar
que os valores dos quintos das minas baianas possuem muitas oscilações de um ano para o
outro, contribuiu para isso as mudanças no sistema de arrecadação, mas também a cíclica
transumância dos mineradores.
Outra característica dos recém fundados arraiais era a carestia dos preços, sejam de
gêneros comestíveis ou mesmo das propinas cobradas em diferentes circunstâncias. Em 1731,
o Procurador da coroa e Fazenda indignado com os preços das propinas dava conta ao rei que
os vigários instalados na vila cobravam preços exorbitantes para administrar os sacramentos. A

409
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
410
Ibidem.
411
AHU, Avulsos Bahia, Cx.36, Doc. 3317.
412
AHU, Avulsos Bahia, Cx. 39, doc. 3562.
217

desobriga custava meia oitava de ouro por cada escravo e homem branco, custos muito acima
do que era cobrado nas Minas Gerais. A atitude dos religiosos estava causando sérias
inquietações aos povos.413
A câmara da vila não possuía de todo força para manter a situação estável, muito
embora essa câmara tivesse sido criada, a vila estava imersa em uma série de poderes paralelos.
A própria criação da Tropa dos Dragões414 é um bom exemplo disso. Apesar do vice-rei contar
com o apoio da coroa para a manutenção da Tropa, sua criação gerou uma intensa troca de
acusações entre o vice-rei e o governador das Minas Gerais.415 Sendo um contingente de
soldados pagos, D. Lourenço de Almeida acusava Vasco Fernandes de gastar o erário da
Fazenda real com a manutenção da Tropa. Em verdade, o aliciamento da tropa fortalecia a
posição de Pedro Leolino Mariz, importante aliado de Vasco Fernandes na garantia de que nas
Minas Novas se mantivessem a hegemonia dos baianos e pudesse ser usada para conter
tentativas de insurreição do povo. Essa iniciativa foi obviamente atacada por D. Lourenço de
Almeida que por várias cartas comunicou a D. João V sobre a impertinência dessa tropa paga
com os recursos da coroa.
Do ponto de vista dos baianos, de fato a tropa era uma estratégia para manter a
vigilância em um local que era um verdadeiro barril de pólvora e no qual as autoridades régias,
por exemplo, os ministros que serviam na ouvidoria, praticamente não possuíam poder para
resolver conflitos. Colaboravam para isso dois motivos: a Comarca de Jacobina, ouvidoria à
qual Minas Novas estava submetida, ainda não tinha sido criada, somente o foi em 1734 e
passou a funcionar efetivamente em 1742. Os ouvidores do Serro do Frio, devido à ação de
bloqueio criada pelo próprio Mariz em nome do governo da Bahia, tinham dificuldades para
operar correições naquele território e quando isso ocorreu, foram repreendidos pelo vice-rei
pela forma em como agiam. Por trás destas questões, estava mais uma vez a tentativa de evitar

413
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 39, doc. 3562.
414
A criação e manutenção da tropa de Dragões de Araçuaí será objeto de discussão do capitulo V. De qualquer
forma no documento assinalado o vice-rei resume os motivos de sua criação. AHU, Avulsos Bahia, Cx.39, doc.
3590.
415
Em maio de 1730 o rei D. João V escreveu uma carta para Vasco Fernandes, solicitando esclarecimentos sobre
a criação da Tropa dos Dragões em Araçuaí. O motivo da carta foi uma representação que D. Lourenço de Almeida
fez à coroa contra o vice-rei, na qual dizia haver muitos descaminhos de ouro nas Minas Novas e condenando a
criação da Tropa de Dragões. Vasco Fernandes não deixou por menos e na longa resposta enviada à coroa, afirmou:
“e é lastima que não bastem tantos estímulos para este fidalgo se abster das suas artificiosas representações
mentindo nelas a V. Mag.de”, disse ainda que D. Lourenço permitiu que se erigisse uma casa de fundição falsa
que ficou em funcionamento por quase quatro anos, e que tais acusações eram fruto do seu “depravado e
escandaloso orgulho.” A lista de troca de acusações é grande, não sendo possível esmiuçar neste capítulo todas as
implicações dessa disputa. Cf. AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1729-1735, VI–III-1-1-12, fls. 191.
218

maiores intromissões de autoridades pertencentes à rede de aliança do governo das Minas


Gerais.
Nota-se, dessa forma, um outro nível de disputa envolvendo a comarca de Jacobina e
a do Serro do Frio. Manoel da Fonseca Brandão, ouvidor da Jacobina, nomeado em 1742,
anexou a vila de Araçuaí à jurisdição de sua comarca. Dessa forma a vila deveria ser corrigida
por ele, o que causava imensos transtornos ao corpo de oficias da câmara e aos moradores, pois
os mesmos teriam que se deslocar até Jacobina para demandar seus pleitos. Em 1744 os oficiais
da câmara da comarca da vila do Príncipe escreviam à coroa:
Costuma V. Mag.de dar a todas as cidades e vilas notáveis termos, e isto para
dote e patrimônio das cabeças de comarcas como para maior reputação e
esplendor das principais povoações que as ajudem a suportar os encargos dos
concelhios.416

Os moradores reclamavam que o ouvidor da Jacobina tinha usurpado a vila de Minas


Novas de Araçuaí para sua jurisdição, o que teria provocado o empobrecimento da vila do
Príncipe, pois havia ficado somente com uma câmara, a qual era a cabeça da dita comarca.
Segundo a representação dos camaristas, Minas Novas do Araçuaí era “filha primogênita desta
comarca e a sua ouvidoria”417. Em outro trecho se referem a Araçuaí como sendo “a menina
dos olhos” e que Sua Majestade “desculpará a justa dor da filha de se ver separada dos braços
da mãe que a sustentava.”418 Eles alegavam que a vila do Príncipe foi povoada pelos primeiros
homens instalados em Araçuaí e no final do documento advertiam ao rei sobre os pleitos que
os oficiais (o ouvidor e juiz de fora) fariam contra a Fazenda real, pois a diminuição de sua área
de jurisdição, acarretava na redução dos emolumentos. Por essas e tantas outras questões é
Araçuaí é um dos paradoxos do espaço econômico do ouro baiano.

3.3 A comunicação política das câmaras do sertão no século XVIII: o centro e a periferia

Maria Fernanda Bicalho em reconhecido trabalho sobre a cidade do Rio de Janeiro,


refere-se a uma característica recorrente das câmaras no ultramar: A reiterada comunicação
feita diretamente com a coroa. Conforme bem observou: “Independente dessa mediação, as
câmaras coloniais foram pródigas em utilizar canais de comunicação direta com o monarca. Era

416
AHU, Minas Gerais, Cx. 45, Doc. 78.
417
AHU, Minas Gerais, Cx. 45, Doc. 78.
418
AHU, Minas Gerais, Cx. 45, Doc. 78.
219

frequente recorrerem ao dispositivo das petições ou representações ao rei como via de resolução
dos problemas e conflitos nos distantes territórios do ultramar.”419
Mesmo as câmaras mais longínquas desfrutavam dessa prerrogativa, e como tal prática
era disseminada, aproveitaram-se dela para sentirem-se mais próximas da monarquia. Essa foi
uma via por onde se expressavam as queixas e o rei era chamado para arbitrar alguma situação
de conflito, ou no mais simples dos casos, conceder alguma mercê humildemente requisitada
pelos seus quase sempre pobres vassalos. Assim, não era incomum que os moradores fizessem
representações ao rei solicitando um alívio em relação ao pagamento de algum tributo. Nas
vilas auríferas da Bahia durante a primeira metade do século XVIII, estas representações se
fizeram presentes em algum momento de sua atividade camarária, nomeadamente, os pedidos
dos moradores para que a coroa aliviasse o pesado tributo dos quintos. Esse foi um dos temas
mais frequentes na historiografia das câmaras no ultramar e aqui será brevemente abordado
nessa seção.
As representações enviadas pelas câmaras também expressam a demandas que estas
possuíam em terem suas questões locais reconhecidas pela coroa. Jack P. Greene, estudando a
tradição de governança das colônias inglesas, já havia chamado atenção para o duplo
significado das consultas que as diversas localidades faziam à coroa. Para ele tais consultas
“significavam que as populações locais iriam, com mais boa vontade, tanto reconhecer a
legitimidade da jurisdição das agências particulares da colonização como contribuir para os
custos locais.”420 Diferentemente da acepção das treze colônias americanas, que tentavam no
novo mundo “assegurar os direitos herdados enquanto cidadãos ingleses”, na América
portuguesa, o que vigorou foi um misto entre bem comum e prerrogativas de autogoverno
baseado no reconhecimento de suas capacidades de negociação com a coroa.
Ronald Raminelli, em artigo recente, mostra que a intensidade da comunicação política
das câmaras ultramarina atesta a maior ou menor interferência da coroa nas questões locais. Por
esse ângulo, e conforme aventou o autor, as câmaras menores possuíam maior autonomia do
que aquelas localizadas em importantes cidades do império.421 O monarca frequentemente era
o destinatário dominante, ao qual a maioria das câmaras escrevia diretamente, essa sem dúvida

419
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Civilização Brasileira:
Rio de Janeiro, 2003, p. 352.
420
GREENE, Jack P. “Tradições de governança consensual na construção da Jurisdição do Estado nos impérios
europeus da Época Moderna na América.” In: FRAGOSO, João. & GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das
redes. Política e negócios no império português, século XVI-XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2010.
p. 100.
421
RAMINELLI, Ronald. “Poder político das câmaras.” In: FRAGOSO, João. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Um
reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicação política entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e
XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017. p.374.
220

foi uma relevante característica desta comunicação política. Nesse sentido penso que esse
aspecto ressoava com maior efeito nas câmaras menores, dada a posição periférica das mesmas
na geografia da monarquia. No geral, a capacidade de manter uma interlocução direta com sua
Majestade gerava ânimo nos súditos ao sentirem que receberam a atenção régia, reiterando os
vínculos de vassalagem. Para as câmaras menores terem seus pedidos atendidos eram uma
espécie de renovação do votos de amor e fidelidade, não obstante se almejasse resolver
problemas típicos da ordem da administração local.
Assim, de acordo com a documentação do AHU, realizou-se um levantamento das
representações que as três vilas atrás analisadas fizeram à coroa ao longo do século XVIII. A
câmara de Jacobina representou nove vezes perante a coroa, em média com duas representações
por década, com exceção da década de 1750, na qual foram feitas somente três representações.
Algumas dessas representações já foram discutidas no capítulo I, sobretudo aquelas referentes
à disputa de terras havida entre os moradores e os sesmeiros. Em termos de comunicação com
a coroa, a câmara de Rio de Contas foi a que teve menor expressividade, representando apenas
duas vezes no espaço de 75 anos. A vila de Bom Sucesso das Minas Novas enviou seis
representações à coroa entre os anos de 1740 e 1765. Após este período, não buscou-se outras
petições, pois à mesma deixou de fazer parte da jurisdição da Bahia. Por fim, houve também
requerimentos individuais, que iam desde pedidos de confirmação de patentes, recebimento de
alguma mercê régia ou serventia de ofícios, como foi o caso dos oficiais da casa de fundição.
Assim, a análise da correspondência emitida pelas três principais vilas auríferas do
sertão, percebe-se que o maior fluxo da comunicação concentrou-se na primeira metade dos
setecentos logo após a edificação das câmaras. Os temas foram diversos mas pode-se enquadra-
los nas questões da administração local: transferência da sede da vila; providências contra o
abusos cometidos por poderosos sesmeiros; requerimentos dos lavradores sobre manutenção de
suas roças, etc. A vila de Rio de Contas demandou em dois casos específicos: em 1768
solicitando provisão para propor uma causa na ouvidoria geral do crime da cidade da Bahia
contra dois oficiais do campo da vila de Jacobina pelos distúrbios e excessos causados e outro
referente a construção da cadeia pública. Causa estranheza não haver requerimentos sobre a
mineração. No caso da câmara de Minas Novas deu-se o inverso, o tema predominante no curto
período na qual esteve sob a jurisdição do governo da Bahia foram requerimentos relativos às
questões fiscais.
No caso da vila de Jacobina, algumas das principais representações já foram analisadas
pois se referiam a casos já apresentados anteriormente. Entretanto de modo geral faz-se
necessário uma apreciação mais ampla das referidas comunicações. O primeiro ponto a ser
221

observado é que os camaristas recorriam à interferência direta de sua majestade quando já se


havia esgotado os recursos de apelações às justiças da colônia, muito embora também o
fizessem quando sentiam-se injustiçados diante das decisões tomadas no âmbito do Tribunal da
Relação. Esse comportamento foi visto no caso emblemático da disputa de terras com os
Guedes de Brito. Outra circunstância na qual isso se repetiu encontra-se expresso no
requerimento de pedido de intercessão régia remetido em 14 de novembro de 1763, no qual os
moradores auto denominados como “mineiros e lavradores de mandioca” se diziam vexados e
prejudicados em suas culturas de roças por causa dos estragos que os gados da fazenda dos
herdeiros de Paulo Nunes Aguiar faziam às suas plantações.422 Indicavam no requerimento os
prejuízos advindos com a destruição das plantações por que as mesmas eram destinadas a
sustentação dos moradores, impedidos de continuar a mineração devido as condições
climáticas. Duas coisas chamam a atenção nesses documentos: a primeira é a auto denominação
de “mineiros e moradores” utilizado pelos requerentes, indicando que mesmo na década de
1760 a mineração era ainda uma atividade econômica em evidência. Não menos importante
era a relação estabelecida entre a súplica e a utilidade da mesma para assegurar “o bem comum
desta república” pois “sobre todos os interesses deve prevalecer a observância das leis régias e
municipais” que eram sólidas, mas que foram “laceradas” fosse pelo suplicado ou pelas
instâncias dos acórdãos de justiça que favoreceu os ditos herdeiros do potentado criador de
gados.
Outras petições dirigidas ao monarca, visavam conter abusos de autoridade local. Em
1766 uma emblemática súplica solicitava a prorrogação por mais três anos do tempo de
exercício do ouvidor José Joaquim de Almeida e Araújo, justamente em observação ao fato de
que a presença de um oficial régio equilibrava os campos de conflitos entre os direitos
particulares e os interesses coletivos.423
Para encerrar esta seção, cumpre observar as seis suplicas trazidas pelos oficiais
camarários da vila de Minas Novas, compreendidas entre 1740 e 1756, período no qual esteve
sob a jurisdição do governo da Bahia. Embora as petições tenham sido poucas, elas estavam
concentradas em apenas 16 anos apontando uma frequência razoável na correspondência. Em
dezembro de 1744 duas petições foram enviadas ao rei na mesma semana, ambas queixando-se
da opressão do regime de captação, da inutilidade e despesas da Tropa dos Dragões (criada no
governo do Conde de Sabugosa), além de informar sobre a pobreza dos seus moradores e outras

422
Interessante notar a persistência da identidade de mineiros, mesmo após ter diminuído a intensidade da
exploração mineral. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 152, Doc. 11613.
423
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 256. Doc. 11915.
222

lástimas.424 Apesar da desconfiança das autoridades do governo da Bahia acerca do discurso de


miséria recorrente nas petições que as vilas minerais faziam ao rei, parece válido considerar
que esse tipo de súplica foi mais presente em Minas Novas, não sendo replicada em Jacobina
ou Rio de Contas. É obvio que cada localidade tinha suas mazelas, e através delas a coroa
poderia verificar a disposição e diferenças dos conflitos locais.
No caso de Minas Novas alguns motivos concorriam para tamanha lamentação, mas o
principal deles talvez tenha sido o fato de que aquela vila era uma zona de fronteira entre a
Bahia e as Minas Gerais, daí decorre o importante conflito de jurisdição que durou quase três
décadas, além do mais, a composição da câmara influenciava na natureza da queixa. Com isso
deseja-se apontar que a maior ou menor presença de homens das Minas Gerais nos ofícios
camarários pesava na hora da formulação da retórica acerca das mazelas que padeciam. Mesmo
como hipótese, fica a advertência de que esta correlação de forças deve ser considerada para o
entendimento da retórica presente nas petições. Quando a câmara estava com o povo oriundo
das Minas Gerais o tom de desgosto e lamúria era mais forte, pois era clara a disputa que havia
entre homens mineiros e baianos pela hegemonia local. Em algumas passagens indica-se os
excessos que alguns poderosos faziam, privilegiando os seus aliados em detrimento do povo
em geral. Os distritos minerais desta vila estavam próximos do Rio de Araçuaí e Jequitinhonha,
locais onde foram estabelecidas não só as lavras, como também os registros de passagens. O
superintendente das minas Pedro Leolino Mariz, instalado na localidade desde o ano de 1730,
não só exercia forte influência representando os interesses baianos, como controlava grande
parte dos recursos que circulavam em forma de tributação e contratos. Essas contingências
interferiam no discurso dos camaristas.
Em suma, as missivas alegavam a pobreza dos moradores, a impossibilidade de arcar
com os valores da capitação, apontavam os valores exorbitantes que os párocos cobravam para
a desobriga (meia oitava por escravo, enquanto que nas Minas Gerais se cobrava 8 tostões por
escravo e 12 por homem branco)425, acusavam ser a Tropa dos Dragões mais um fator de
opressão, pois além das violências dos seus soldados a mesma gerava uma despesa
desnecessária à Fazenda real posto ser necessário honrar o soldo dos 25 homens que a
compunham.426
Notável foi a resposta do vice-rei à consulta que sua majestade lhes fez para saber se
realmente procedia tão lastimoso estado entre aqueles moradores. O Conde das Galveas

424
AHU, Minas Gerais, Cx. 44, Doc. 122 e 123.
425
AHU, Minas Gerais. Cx. 40, Doc. 38.
426
AHU, Minas Gerais. Cx.44, Doc. 122.
223

informou que precisava averiguar a real condição da vila através de uma consulta ao
superintendente dela, ou seja, Pedro Leolino Mariz. Mas se mostrou favorável a esmola de 700
oitavas de ouro do donativo que estava empenhado nos cofres daquele senado. 427 Enfim,
aquelas representações forneceram interessantes informações sobre a dinâmica interna das
vilas, pois a exposição dos conflitos que lhes eram inerentes, permitia ao rei conhecer um pouco
mais dos seus súditos. Abaixo apresentamos o quadro das principais reclamações encontradas
no AHU da Bahia e de Minas Gerais.
Quadro 3: Representações feitas pelas câmaras do sertão da Bahia, século XVIII

Câmara Ano Assunto


Jacobina 22, julho de 1722 REPRESENTAÇÃO Sobre Lavras de ouro das minas; e que
não se execute escravos que estiverem ocupados em tirar
ouro;
Jacobina 20, maio de 1725 SOLICITAÇÃO dos moradores e representação do coronel
Garcia de Ávila Pereira.
Jacobina 03, julho de 1754 SOLICITA providências contra os abusos cometidos por
Garcia de Ávila Pereira da casa da torre e António Guedes
Pereira aos moradores desta vila.
Jacobina 16, agosto de 1756 CARTA dos oficiais da Câmara da vila da Jacobina ao rei
[D. José] para que aceite a ajuda em ouro que este povo envia
para o Reino.
Jacobina 16, janeiro de 1762 REQUERIMENTO dos oficiais da Câmara da vila de
Jacobina, em que pedem ao rei, que se conserve a Casa da
Fundição naquela vila, e que aquele povo não pague renda
dos sítios e rendas que cada um cultiva para seu sustento.
Jacobina 14, novembro de 1763 REQUERIMENTO dos mineiros e lavradores de mandioca
no Jacomoá das Roças, termo da vila de Jacobina, ao rei [D.
José] solicitando que em benefício da cultura da mandioca,
prevaleçam as leis municipais estabelecidas, uma vez que os
agricultores tem de proteger as suas culturas da destruição a
que estão sujeitas pelo gado.
Jacobina 30, abril de 1766 REPRESENTAÇÃO do juiz e oficiais da Câmara da vila de
Santo António de Jacobina ao rei [D. José] solicitando que
se renove o cargo de ouvidor Geral daquela Comarca, a José
Joaquim de Almeida e Araújo.
Jacobina 14, novembro de 1770 REPRESENTAÇÃO dos Moradores da Freguesia Velha de
São António da Jacobina, Terço da vila de Jacobina, ao rei
[D. José] solicitando que se mande criar uma vila no arraial
da Matriz de Santo António da Jacobina, ficando a ela
sujeitos os julgados do Cento-se e Pambû.
Jacobina 19, Janeiro de 1799 REPRESENTAÇÃO da Câmara do Sertão de Jacobina,
queixando-se das violências praticadas pelos procuradores
de D. Francisca da Câmara, viúva de Manuel de Saldanha.
Rio de 05, dezembro de 1768 REQUERIMENTO do juiz ordinário da Vila Nova de Nossa
Contas Senhora do Livramento das minas do Rio de Contas
Gregório de Oliveira Guimarães e mais vereadores da
mesma vila ao rei [D. José] solicitando provisão para
poderem propor uma causa na ouvidoria geral do crime da
cidade da Bahia contra dois oficiais do campo da vila de
Jacobina pelos distúrbios e excessos causados na mesma vila
nova de Nossa Senhora do Livramento

427
AHU, Minas Gerais. Cx. 40, Doc. 38.
224

Rio de 15, maio de 1800 CARTA da Câmara da vila de Nossa Senhora do Livramento
Contas do Rio de Contas ao príncipe regente [D. João] sobre à
construção de uma nova cadeia na sobredita vila.
Minas 31, dezembro de 1740 Representação dos oficiais da vila solicitando a suspensão
Novas de do pagamento do quinto, devido a pobreza dos seus
Arassuaí habitantes.
Minas 01, junho de 1743 REQUERIMENTO dos oficiais da Câmara da vila de Nossa
Novas de Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas do Arassuahy,
Arassuaí em que pedem um foral para o senado e a suspensão da
contribuição do quinto pelos moradores da vila em
decorrência da falta de ouro.
Minas 22, dezembro 1744 Representação dos oficiais expondo as dificuldades
Novas de econômicas dos seus habitantes e a arbitrariedade praticada
Arassuaí na repartição das terras minerais e solicitando providencias
regias neste sentido.
Minas 30, dezembro de 1744 Representação, expondo a pobreza do povo da referida vila
Novas de e solicitando o alivio total do imposto de capitação, assim
Arassuaí como providencia regias para a sua contribuição a Tropa dos
Dragões.
Minas 27, abril de 1756 Representação, do estado social e econômico da região das
Novas de Minas Novas de Araçuaí.
Arassuaí
Minas 22, julho de 1765 Representação que fizeram os moradores daquele distrito
Novas de pretendendo a restituição da sua sujeição ao governo da
Arassuaí Bahia e a Comarca daquela cidade da Parte do Sul.

Fonte: Projeto Resgate. Arquivo Histórico Ultramarino. Avulsos Bahia e Minas Gerais.

3.4 A contribuição monetária das câmaras do sertão

Além da responsabilidade de assegurar o pagamento dos quintos, as câmaras tinham


outras responsabilidades monetárias para com a coroa. O pagamento de impostos, sob a forma
de dízimas, contribuições (por motivos específicos) e donativos compunham o conjunto das
responsabilidades financeiras que as câmaras e os cidadãos da república deveriam honrar
perante sua majestade. O valor dessas contribuições pode ser visto como um indicativo da
opulência econômica das câmaras, mensurado a partir da capacidade de efetivamente cumprir
compromissos financeiros e por isso serem recompensadas com mercês por parte do rei. Ao
longo do século XVIII as câmaras do sertão foram convocadas a pagar contribuições monetárias
à coroa. Estas somas foram arrecadadas na forma de donativos e dízimas. As outras formas de
arrecadação eram os contratos das entradas e passagens dos rios, os quais foram cedidos pela
coroa em benefício e aumento dos rendimentos da câmara.
Em 06 de abril de 1727 o rei ordenou por carta que as câmaras da Bahia contribuíssem
com um avultado donativo para os casamentos reais. O valor de 3 milhões e 200 mil cruzados
deveriam serem pagos por até 20 anos e repartido pelas mais vilas e capitanias anexas. As
câmaras sob a jurisdição da Bahia ficaram responsáveis pela contribuição de 40 mil cruzados
225

anuais. A vila de Jacobina pagou 16:000$000, sendo sua contribuição anual de 800$, Rio de
Contas 10:000$000 pagando 600$ a cada ano; em setembro de 1753, quando o conde de
Atougia enviou o resultado da conferência do donativo quitado, verificou-se que Jacobina devia
649$979 réis, enquanto a vila do Rio de Contas ainda faltava comparecer com 5:221$674 réis,
essa diferença parece-nos bem emblemática sobre a capacidade da câmara de Jacobina em arcar
com a sua contribuição monetária perante a Coroa.428
Após o terremoto de 1755 a coroa determinou que as câmaras do império deveriam
fazer contribuições com vistas a reconstruir a cidade de Lisboa afetada fortemente por aquela
catástrofe. O senado da câmara da Bahia deveria arcar com a contribuição de 3 milhões de
cruzados para a reconstrução da cidade de Lisboa, “pela natural correspondência, que todas as
partes do corpo político tem sempre com a sua cabeça, e pelos interesses, que se seguiram a
todos.”429. Foi estipulado que o pagamento do donativo seria feito no decurso de 30 anos com
a contribuição de cem mil cruzados por ano, para o qual concorreriam todas as câmaras da
capitania da Bahia. A câmara de Jacobina foi convocada a comparecer com a contribuição de
500$000 réis e a de Rio de Contas 400$000 a cada ano. A distribuição dos valores corresponde
à capacidade de pagamento de cada câmara, mostrando assim não somente a proeminência de
umas em relação às outras, mas também sua capacidade de arrecadação do donativo. A cidade
de Salvador arcaria com o maior valor, Sergipe D’El Rei 2:800$00, Cachoeira 1:800$00, Santo
Amaro 800$00, Maragogipe 666$000, Jaguaripe 466$666, Sergipe do Conte (atual São
Francisco do Conde) 450$000, Camamú 400$00, Cayrú 166$000, Boipeba 50$333, Porto
Seguro 120$000, Ilhéus 163$333, Abadia 133$333, Agua-fria 333$333. As vilas do sertão:
Itapicurú 3 mil cruzados, Urubu 200$000. Pelo valor da contribuição de cada câmara, percebe-
se que na década de 1750 Jacobina continuava a ser a vila mais proeminente do sertão. Só
perdendo em importância para as vilas do Recôncavo.430
A câmara de Jacobina muitas vezes rivalizava com outras vilas adjacentes, como
aconteceu em 1734 quando a vila de Juazeiro, no sertão do Rio de São Francisco, representou
ao rei contra os oficiais de Jacobina, pois estes estavam impedindo que o rendeiro que havia
arrematado o contrato de passagem do rio de São Francisco pudesse exercer os direitos de
cobrança sobre aquela parte do rio. A coroa acabou por decidir a favor do arrematante dos
direitos de passagem e ordenou que o vice-rei repreendesse severamente os oficiais de Jacobina

428
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., Vol. 02, p. 397.
429
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., Vol. 02, p. 184.
430
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., Vol. 02, p. 189-190.
226

que haviam notificado o rendeiro.431 O que estava em causa era que a câmara de Jacobina
pretendia alargar ao máximo a jurisdição de sua vila, muitas vezes até competindo com o poder
de outras vilas adjacentes. Durante todo o século XVIII, Jacobina tentou manter partes do rio
de São Francisco e das Minas Novas de Araçuaí já próximo ao rio de São Matheus, em sua zona
de influência. Essa disputa ficou mais evidente após a criação da comarca da Bahia da Parte do
Sul, assunto da próxima seção.
Para terminar essa análise, deseja-se retomar uma emblemática carta enviada em 1725
pelo o vice-rei Vasco Fernandes a D. João V, na qual foi noticiado o efeito positivo com a
instalação da justiça e com a edificação da vila no distrito das minas de Jacobina. O vice-rei
informou que havia enviado o ouvidor da comarca da Bahia ao sertão para proceder a devassas
de casos ocorridos antes da instalação da câmara, apesar de ter sido advertido que o ouvidor
poderia ser impedido de adentrar na vila, tal situação não ocorreu, tendo ele conseguido realizar
devassas de crimes e delitos ocorridos na década anterior. Dessa empreitada resultou na prisão
de sete pessoas acusadas de crimes de mortes, outros tantos foram dissuadidos a seguirem as
leis de S. Majestade. Nas palavras do vice-rei:
[...] depois de haver justiça naquela terra, é esta máxima se praticava até agora,
na maior parte deste sertão; e para que V. Mag.de conheça a grande utilidade
que se segue em haver vilas nele, que se deem as mãos umas às outras, saiba
que na dita Jacobina, foram mortas com armas de fogo, quinhentas e trinta e
duas pessoas, desde o ano de mil setecentos e dez, até o de mil setecentos e
vinte um, tempo em que se estabeleceu aquela vila, e de então até agora, só
sucederam duas mortes casuais [...]432

Essa passagem parece emblemática para apontar as implicações advindas com a


instalação das câmaras como instituição fundamental para a vitalidade entre o centro e suas
periferias. Nesse sentido, a concepção que as autoridades régias tinham sobre a elevação dos
arraiais em vilas nos distritos mineradores, seguiam a ordem do pensamento social e político
do medievo. Esta interpretação concebia o mundo a partir de uma ordem universal que abrangia
todos os homens e as coisas, orientados para um o objetivo comum (último) que era o criador.
O mundo físico era explicado a partir desse telos, essa causa final que o transcendia e portanto
qualquer proposta política precisava partir do reconhecimento dessa ordem de coisas.
O pensamento medieval entendia que cada parte desse corpo cooperava para o
equilíbrio do todo, para sua realização como destino cósmico. Cada unidade era então definida
em virtude do arranjo das partes, com vistas de um fim comum. Isso não comprometia o fim

431
ACCIOLI & AMARAL, op. cit., Vol. 2 p. 363.
432
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 18, Doc. 14.
227

comum, transcendente, ao contrário, pressupunha “a especificidade e irredutibilidade dos


objetivos de cada uma das ordens da criação e, dentro da espécie humana, a de cada grupo ou
corpo social”.433 Ligado a essa ideia havia a noção da indispensabilidade de todos os órgãos
sociais, logo, não havia poder político simples, puro, pois todo o poder era compartilhado com
o corpo social. A autonomia político-jurídica (iurisdictio) dos corpos sociais não deveria
destituir a articulação natural desse corpo, daí advém que entre a cabeça (o rei) e a sociedade
(o corpo) deveria existir instancias de intermediação. A função da cabeça (caput) deveria
representar externamente a unidade e manter a harmonia entre todos os seus membros,
“atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio,” e “garantindo a cada qual o seu estatuto (foro,
direito, privilégio),” ou seja realizar a justiça se confunde com a manutenção da própria ordem
social e política. À ideia de autonomia funcional depreende-se a de autogoverno, a partir da
qual concebe-se o poder de se fazer leis e estatutos, de constituir magistrados, de modo mais
geral, inclui-se a de julgar conflitos e emitir comandos.
Como já foi expresso aqui, procuramos ver na instalação das câmaras aspectos da
doutrina política corporativa, que advoga que “não é o pacto que fundamenta o direito, mas é
antes este que fundamenta a obrigatoriedade dos pactos.”434 Portanto é a natureza limitada dos
poderes que obrigava a pactuar. Em virtude dessa função constitucional do direito, toda a
atividade política estava submetida ao modelo ‘jurisdicionalista’, ou seja, a atividade dos
poderes superiores está orientada para a resolução de um conflito entre esferas de interesses,
assim tais conflitos são resolvidos com o poder fazendo justiça, “ou seja, atribuindo a cada um
o que, em face da ordem jurídica, lhes compete.”435 Foi com base nessa concepção corporativa
de sociedade que se deu uma disseminada reprodução política, a qual vimos está presente no
universo relacional dos agentes que participaram da edificação das três vilas aqui estudadas.
Uma última palavra, esse processo histórico demonstrou a posição estratégica dessas câmaras,
pois de diferentes maneiras serviram como centros urbanos propulsores do circuito de
exploração aurífera na Bahia. A formação do aparelho judicial e as inter-relações entre poder
local e poder central, assim como as especificidades e a natureza da implantação dos aparelhos
da justiça nos territórios dos sertões é o tema do próximo item.

433
HESPANHA, Antonio Manuel. & XAVIER, Ângela Barreto. “A representação da sociedade e do poder”. In:
__________& MATTOSO, José. (coord.) História de Portugal: O Antigo Regime. Vol. IV, Editorial Estampa,
1998. p. 114.
434
Ibidem, p. 115.
435
HESPANHA, op. cit., 1998, p. 115.
228

3.5 Governando a periferia: a criação da comarca da Jacobina

Na década de 1720, o Conselho Ultramarino já discutia a importância de separar


juridicamente o território do sertão da alçada da comarca da Bahia sediada em Salvador. A
criação de uma nova ouvidoria foi sugerida pelo vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses
por carta enviada a D. João V em 24 de janeiro de 1725. Nesta missiva, considerava-se
conveniente a criação do lugar de ouvidor geral para administrar as vilas de Jacobina, Rio de
Contas e aquelas que estavam às margens do Rio de São Francisco. Ele julgava necessário
fazer-se a separação judicial do sertão devido às distâncias, o aumento demográfico vivido no
período e a necessidade de aproximar os moradores da justiça régia. Em suas palavras: “E torno
a fazer presente a V. Mag.de, que na multiplicação de vilas, e justiças consiste não só a
obediência do sertão, mas o evitar-se mortes, e mais insultos que por falta acontecem nele.”436
No mesmo ano, por carta enviada à Lisboa, o ouvidor geral da Bahia Pedro Gonçalves Cordeiro,
engrossava o coro do vice-rei reiterando a necessidade de separar o sertão da comarca da Bahia,
com a criação de uma ouvidoria própria. Para isso concorreu o fato de que ele próprio havia ido
criar novamente a vila de Jacobina, atestando a importância de erigir câmaras, confirmando que
havia muito ouro e assinalando que com a assistência dos ministros se poderia colocar os
moradores em sossego.437
No ano seguinte, o rei enviou uma carta consulta na qual pedia informações sobre as
distâncias e a quantidade de moradores que efetivamente haviam naqueles arraiais. A resposta
do vice-rei foi informava 140 moradores em Jacobina e em seus distritos minerais “com muitas
pessoas agregadas a eles” e em circunferência de 25 a 30 léguas “tem bastante povo”. No Rio
de Contas segundo haviam 17 famílias, mais outros 300 num raio de três a quatro léguas. Nas
imediações do Rio de São Francisco, se achavam “muito grossas famílias e moradores”
excedendo a quantidade de 250 habitantes. Diante dessa descrição, o Conselho Ultramarino
claramente argumentou que destarte as grandes distancias das povoações em relação aos centros
mais povoados, a quantidade de moradores não justificava a criação de uma ouvidoria em
separado da comarca da Bahia.438 Obviamente o vice-rei, àquela altura, possuía uma informação
defasada sobre a quantidade de moradores no sertão, principalmente porque estava recém
chegado às terras baianas e ainda não havia tido tempo suficiente para se inteirar da realidade
dos sertões da capitania. Finalmente, por resolução régia de 10 de dezembro de 1734, foi criada
a comarca da Jacobina, já no final do governo do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses.

436
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 21, Doc. 1842
437
AUC. CCA. Livro Governo da Baía. 1720-1728, VI–III-1-1-11. fls. 234v-235v
438
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 25 doc. 2313.
229

No ano de 1737 o bacharel Manoel de Almeida Matoso havia sido nomeado para o cargo,
entretanto, consta que o mesmo tenha se recusado a assumir alegando as imensas dificuldades
que encontraria no exercício de ouvidor em terras tão remotas.439
Nos seis anos seguintes a ouvidoria não teve um magistrado que respondesse
exclusivamente por ela e por isso esteve a cargo de oficiais da provedoria da Fazenda dos
defuntos e ausentes, órfãos e resíduos, subordinada à comarca da Bahia. É de supor que nesses
interregno a administração da justiça fosse lenta e imprecisa, situação atestada pelo segundo
ouvidor que quando tomou posse em 1743 deixou registrado que os moradores do sertão
padeciam de enormes prejuízos, pois precisavam recorrer aos juízes ordinários nomeados pelas
câmaras das vilas para resolução de querelas e litígios.
Seria então necessário mais cinco anos para que a comarca fosse servida de um ouvidor
nomeado. Em 1742, portanto, 8 anos após a criação da ouvidoria, o bacharel Manoel da Fonseca
Brandão que tinha sido Juiz de fora da Vila de Mourão foi provido por ordem régia para ser
ouvidor da comarca da Jacobina novamente criada. Juntamente com a função de ouvidor ele
acumulou os cargos de superintendente das terras minerais, auditor geral da gente de guerra e
juiz das justificações com alçada no cível e crime.
Após a posse no ano de 1742, encarregou-se de redigir de próprio punho o Termo de
criação da comarca de Jacobina440 enviado ao rei via Conselho Ultramarino em 04 de fevereiro
de 1743. A vila de Jacobina por sua localização estratégica e importância econômica foi
designada como a cabeça da comarca da Bahia da Parte do Sul, fixando-se como o local de
residência do ouvidor régio e dos seus oficiais, tais como o escrivão, o tabelião e o meirinho
que o auxiliava na resolução das questões dos moradores. As vilas de Nossa Senhora do
Livramento do Rio das Contas e a de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas de
Araçuaí, apesar das distâncias havidas entre elas, lhes ficaram anexas, pois faziam parte dos
distritos minerais do sertão da Bahia. Nas imediações do rio de São Francisco, as vilas de Barra
do Rio Grande do Sul e Santo Antônio do Urubú de Cima também ficaram sob a jurisdição da
ouvidoria. Da mesma forma foram criados os julgados de Santo Antônio do Pambú e Sento Sé.
Na década de 1740, quando a ouvidoria entrou efetivamente em funcionamento, a relação entre
território e jurisdição foi uma questão constantemente discutida entre os ouvidores e o Conselho

439
Este bacharel exerceu a função de ouvidor-geral na vila das Alagoas, cargo para o qual tinha sido nomeado em
1720 e ocupou até 1726. Não conseguiu-se averiguar o motivo pelo qual em 1737 ele recusou assumir a ouvidoria
de Jacobina, mas de acordo com vários documentos do Conselho Ultramarino, pode-se ver que ele teve problemas
com o desembargador que lhe foi tirar residência. Cf. AHU, Alagoas, Cx.1, Doc. 15; AHU, Alagoas, Cx. 1, Doc.
42.
440
TERMO de criação da Comarca de Jacobina feito pelo desembargador Manuel da Fonseca Brandão.
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 75, doc. 6225.
230

Ultramarino, já que as vilas e seus termos foram paulatinamente incorporados à jurisdição da


comarca mediante o alcance do ouvidor para executar sua função.
Assim, no caso do sertão baiano, nomeadamente, nos territórios interconectados às
vilas de Jacobina, Rio de Contas e Minas Novas de Araçuaí, o processo de expansão da
economia sertaneja – ouro e gado - fez-se acompanhado da necessidade de instalar uma
jurisdição administrativa que fixasse e organizasse tanto a justiça, quanto a soberania régia. O
mesmo pode ser dito sobre a intenção de incorporar as povoações que margeavam o rio de São
Francisco, onde estavam localizados os mais importantes currais da Bahia, à jurisdição da
ouvidoria da Jacobina. Nestes termos, expansão econômica, o aumento populacional, as
consideráveis distâncias destas vilas em relação à cidade de Salvador, eram fatores que
atrapalhavam a boa administração da justiça, dando margens para ações dos juízes não letrados
que atuavam nas vilas, e exerciam uma prática costumeira de caráter quase particular na
resolução de conflitos. Esses foram aspectos decisivos para a implantação do aparato judicial
régio em áreas periféricas, pois a ideia de governo só pode materializar-se face a existência de
um território, que por sua vez estivesse cumprindo sua função útil de ser habitado e ocupado
por populações econômica e culturalmente a ele vinculado.
Na Figura 13, tem-se uma representação intitulada “Comarca da Jacobina dividida pelo
campo iluminado de cor capital”. Note-se, que Jacobina foi representada em função dos limites
com as outras comarcas que lhes faziam fronteira. Caio Adan441 aponta que as ouvidorias de
Ilhéus e Porto Seguro foram estabelecidas em 1763, destarte a incógnita da autoria e ano de
confecção do mapa, só o fato das outras comarcas terem sido incluídas na representação
cartográfica, já é um indício de que provavelmente a representação é posterior a 1763, e teve a
intenção de demonstrar a composição jurisdicional das comarcas baianas. Em meados dos
setecentos o governo da capitania da Bahia estava divido em cinco comarcas, a saber: Bahia
(1548), Sergipe D’El Rei (1696), Jacobina (1734/1742), Ilhéus (1763), Porto Seguro (1763).
Por outro lado, a produção desse tipo de representação, tem o apelo de indicar que naquele
momento havia a intenção de produzir representações cartográficas as quais indicassem as
possíveis conexões entre território e jurisdição. Os diferentes ritmos de povoamento influenciou
a criação das ouvidorias e correspondiam às áreas nas quais a capitania estava dividida. O mapa
aponta ainda os caminhos da estrada real (em amarelo) e os povoados, vilas e ermidas (pontos
em vermelho) estabelecidos ao longo dessas estradas. Demonstra ainda, que na segunda metade

441
ADAN, Caio Figueiredo Fernandes. Colonial comarca de Ilhéus: soberania e territorialidade na América
Portuguesa (1763 -1808). 2009, 192f. Dissertação (Mestrado em História) faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2009, pp. 61.
231

do século XVIII, havia uma consolidada ocupação populacional e uma promissora integração
econômica propiciada pelos trechos da estrada real em relação com as bacias hidrográficas.
Portanto, em meados da década de 1760, a ouvidoria da Jacobina, representada pela Figura 13,
já era uma realidade política e jurisdicional, atestada pela presença de um magistrado régio
provido no ofício de ouvidor. Na Figura 14 pode-se visualizar o mapa georeferenciado da
jurisdição da comarca de Jacobina com as vilas e julgados que lhes ficavam anexas.
Figura 13: Mapa da Comarca da Jacobina da segunda metade do século XVIII
Figura 14: Mapa de jurisdição da Comarca de Jacobina, século XVIII
234

O conceito de território é sumamente importante para a investigação do processo de


criação de jurisdições. Segundo Antônio Manoel Hespanha para se fazer uma história político-
administrativa é preciso recuperar as relações entre espaço e poder. Ambas as “entidades
categoriais” em suas existências reais possuem uma historicidade. O espaço, portanto, deve ser
apreendido não somente por sua produção econômica, mas valorizando-se os níveis da atuação
humana nesse espaço. Assim o sentido investido na noção de espaço geográfico passa a
incorporar a produção de uma mentalidade social, cultural e ideológica que dissemina os
“valores sociais e políticos dominantes e na constituição duma certa imagem da ordem
social.”442 Além disso a divisão política do espaço também constituí um instrumento de poder,
na medida em que certos grupos sociais se apropriam desse aparelho político para perpetuar seu
poder e excluir hierarquicamente outros grupos. Importante ressaltar que cada grupo possuía
características e capacidades próprias para gerir o espaço como aparelho político, assim
Hespanha entende que:
A tecnologia política exigida pela organização de largos espaços não está, por
exemplo, ao alcance de grupos sociais que exercem sem dificuldade o poder
sobre pequenas áreas, o que é importante para compreender a influência da
variação da dimensão das circunscrições políticas do poder político e o caráter
funcional que esta variação pode ter nos quadros da luta pelo poder.443

A ênfase na capacidade diferenciada de grupos para gerir o espaço como circunscrição


política remete ao conceito de ‘pluralidade dos espaços’, outra importante dimensão quando se
estuda os espaços das conquistas. Portanto, seguimos a noção de território-político definido por
Hespanha como sendo “correspondente ao assentamento espacial da unidade política
tradicional, ou seja, ao espaço habitado por uma comunidade que reconhece a mesma
autoridade política e que vive sob o mesmo estatuto.”444 Esta definição de território é utilizada
de modo operativo para entender como o sertão da Bahia torna-se um território a mais no mapa
da governabilidade da monarquia pluricontinental.
Esta é uma realidade específica que interessa inspecionar: como um certo espaço
geográfico, com suas especificidades ambientais, torna-se território? O sertão baiano na
primeira metade do século XVIII, foi um espaço que passou por transformações, ou seja, foi
historicamente construído. O ponto inicial desse processo foi a edificação de vilas com as suas
câmaras que deu forma a instituições civis, o passo seguinte foi a criação comarca da Jacobina,
atos que indubitavelmente transformou partes do sertão em um território-político jurisdicional.

442
HESPANHA, op. cit., 1994, p. 87.
443
HESPANHA, op. cit., 1994, p. 87-88.
444
HESPANHA, op. cit., 1994, p. 89.
235

Acontece que este território deve ser pensado em termos de espaços não contíguos, povoado
por diversos agentes que não estavam nas malhas dos aparelhos judiciais da coroa, portanto,
contingências que acabavam por interferir na concepção e na própria execução da justiça.
O primeiro magistrado régio nomeado para a ouvidoria da Jacobina, ressaltava a
preocupação em assistir aquelas vilas devido a necessidade de “castigar a ferocidade dos
delinquentes, tanto para a satisfação da justiça, como para a conservação da república e exemplo
de outros.”445 É certo que a nova comarca tinha por função levar o direito e a justiça do rei ao
sertão da Bahia, mas também sua funcionalidade dependia da partilha de poderes e da
autonomia política e jurídica dos corpos sociais, já que o poder não residia apenas nas mãos do
soberano. Portanto, a função do rei era estabelecer e garantir a justiça, aspectos fundamentais
para o equilíbrio e harmonia entre todas as partes do corpo social, como bem observou Nuno
Camarinhas:
É através da justiça que cada corpo recebe aquilo que lhe pertence; é pela
justiça que cada corpo garante seu estatuto (os seus privilégios, os seus
direitos). Fazer justiça é a forma por excelência que permite a manutenção da
ordem estabelecida.446

Esta harmonia só poderia ser dada por que cada corpo social engendrava sua jurisdição,
que lhes garantia o autogoverno e a possibilidade de resolver seus conflitos e seguir leis
concernentes com a dimensão e circunstâncias a serem resolvidas. Entretanto, para além da
análise sobre a arqueologia dos poderes nas sociedades de Antigo Regime, não podemos
esquecer que no século XVIII houve um expressivo aumento do aparato judicial régio, ou seja,
a criação de vilas e comarcas decorreu inevitavelmente da crescente importância econômica e
demográfica que novas áreas vinham adquirindo no contexto da expansão colonial para o
interior.447

445
TERMO de criação da Comarca de Jacobina. Cf. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 75, Doc. 6225
446
CAMARINHAS, Nuno. Juízes e administração da Justiça no Antigo Regime: Portugal e o Império colonial,
séculos XVII e XVIII. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. 2010, p. 18.
447
Mafalda Soares e Antônio Castro Nunes tocam em questões sensíveis ao estado da arte da historiografia sobre
o aparelho judicial na América lusa, inclusive o seu processo tardio e experimental, se comparado às colônias
espanholas. Por outro lado, dentre as inúmeras contribuições, apontam que os estudos sobre as comarcas são em
sua maioria circunscritos às capitanias abarcando um curto espaço de tempo e priorizando as relações entres
aquelas e os principais espaços de poder, sediados em Lisboa, na Bahia ou no Rio de Janeiro. A crítica é muito
pertinente, sobretudo por que a dinâmica interna da espacialização do aparelho judicial se perde, quando não se
examina o conjunto da implantação das comarcas. A essa crítica ainda acrescentaríamos a observação de que antes
de se realizar balanços comparativos, faz-se necessário aprofundar os estudos sobre as comarcas mais periféricas,
uma vez que a complexidade da aplicação da justiça e da forma de atuação dos ouvidores em cada espaço
jurisdicional, especialmente os criados no século XVIII, exige um olhar bastante criterioso sobre a historicidade
dos territórios quando transformados em jurisdição. Cf. CUNHA, Mafalda Soares da; NUNES, Antônio Castro.
“Territorialização e poder na América portuguesa. A criação de comarcas, séculos XVI-XVIII.” Tempo (Niterói,
online), Vol. 22 n. 39.p.001-030, jan-abr., 2016
236

O recém nomeado ouvidor verificou os diversos abusos e irregularidades cometidos


pelos juízes ordinários no exercício de suas funções. Tal fato era notório e a necessidade de dar
provimento as irregularidades foi registrado no Termo de criação da comarca de Jacobina,
como uma forte justificava para a criação daquela ouvidoria. De acordo com o diagnóstico
descrito no Termo, os cartórios andavam em desordens, as devassas não eram feitas de forma
adequada, os inventários e arrecadações estavam em situação irregular, pois os ditos juízes
levavam exorbitantes somas no pagamento de suas diligências. Como se não bastasse,
inventariavam bens que já tinham sido inventariados, “com o falso pretexto de que os primeiros
inventários não estavam jurídicos, com o que consumiam cabedais de muitas casas que com
este escandaloso modo ficaram destruídas.”448 Irregularidades referentes à partilha legal dos
bens oriundos de heranças e testamentos eram uma das questões que estavam no centro das
preocupações do ouvidor. Verificando que os juízes locais – ordinários e de vintena – muitas
vezes não faziam de forma correta a arrecadação dos bens dos órfãos e ausentes, o ouvidor
registrou no Termo que em cada uma das vilas e julgados anexas à comarca deveria haver
escrivães para dar pública forma à partilha de bens e heranças.
[...] a respeito dos testamentos que por falta de provisão ficam sem execução
as vontades dos testadores e também por que as distâncias e despesas não
permitem o reduzi-los a pública forma perante as justiças desta vila e menos
irem os tabeliães dela aqueles distritos, pois de qualquer modo viriam a
importar as despesas uma grande parte da herança; me pareceu muito
conveniente, não só ao serviço de deus mas ao de S. Magde. facultar aos
escrivães destes julgados o poder de aprontarem testamentos e fazer
procurações bastantes a exemplo também dos escrivães da Barra do Rio
Grande, Pilão Arcado, dos da Ordenação Livro 1, ttº 78, parag. 20. Para de
alguma forma se ver o dano que por esta falta resulta, ficando os bens dos
testadores em mãos de pessoas que os usurpam faltando lhes os sufrágios que
deixam destinados para benefício de suas almas.449

O Termo ainda apontava para os que morriam abinstestados e que tinham seus bens
usurpados por aqueles que logo os podiam tomar, privando assim seus herdeiros, inclusive os
que estavam no reino e em outras partes de tomarem posse das heranças. Por todos os motivos
acima destacados, a inexistência de oficiais régios que provessem a justiça “impossibilitam as
partes e seu recurso as justiças desta vila e a estas lhe embaraçam a providência de oportuno
remédio para conhecimento, não só das matérias crimes e cíveis, mas também da boa
arrecadação dos bens dos órfãos e ausentes.”450 Estas condições favoreciam uma série de

448
TERMO de criação da Comarca de Jacobina feito pelo desembargador Manuel da Fonseca Brandão.
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 75, Doc. 6225.
449
TERMO de criação da Comarca de Jacobina... AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 75, doc. 6225.
450
TERMO de criação da Comarca de Jacobina... AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 75, doc. 6225.
237

irregularidades que foram verificadas pelo ouvidor quando de sua chegada ao sertão. Dessa
forma, as distâncias que impossibilitavam tanto os ouvidores da cidade da Bahia em ir ao
interior fazer correições e devassas, quanto os moradores de recorrer à justiça para resolver suas
causas, apresentavam-se como legítimas justificativas para a criação daquela jurisdição.
A questão das distâncias entre as vilas do sertão e entre essas e a cidade da Bahia,
também serviram de justificativa para que o ouvidor Manoel da Fonseca Brandão fizesse
petições ao rei para conceder-lhes acrescentamentos de salários. É neste documento que ficou
também ficou registrado um dos motivos pelo qual o primeiro ouvidor nomeado no ano de 1737
recusara a assumir o cargo:
E porque neste lugar novamente ereto militava mais justificada escusa, assim
por ser mais pobre, que todos os da América, como pelos dilatados longes,
que encerra [o que não militava em algum dos sobreditos lugares, em que não
havia tanta falta de providência] por cujo motivo se escuzara já o Bel. Manoel
de Almeida Matozo, que no ano de mil setecentos e trinta e sete fora provido
nesta criação, temendo sem dúvida as asperezas do sertão, e as grandes
despesas que eram precisas, para discorrer a Comarca, motivo por que se fazia
digno de maior atenção para se lhe estabelecer ordenado maior.451

Essas petições, recorrentes entre os recém nomeados, faziam parte do rito de


provimento dos ouvidores, que com frequência citavam os requerimentos das mercês
anteriormente concedidas aos seus antecessores e estabeleciam uma clara estratégia de
manutenção de certos privilégios nos vencimentos. Os motivos citados pelos ouvidores eram
muito parecidos, em geral apoiavam-se na sua pobreza, nos altos custos de manter-se em terras
com tamanha carestia, além disso, enfatizavam que eram preciso muito dispêndio de despesas
“pelo que se fazia preciso a ele suplicante levar todo o gênero de provimento para tão largas
jornadas, as quais por obrigação do cargo devia repetir em cada hum ano.”452 Em sua
perspectiva, alegava que o lugar era muito despovoado e portanto seus emolumentos não
chegavam para suprir suas despesas. Acrescentou também, o que era uma constatação real e
renitente, que eles tinham que viajar por caminhos despovoados, desertos e sem abrigo onde
pudessem passar a noite. Enfim, toda a sorte de penúrias eram comumente alegadas nas petições
desses magistrados, pouco habituados às intempéries ambientais dos trópicos. Especialmente
no caso dos sertões tinham que lidar com os riscos de sofrerem violências por parte de bandos
armados, índios hostis, quilombolas ou toda a sorte de bandoleiros que andavam pelos
caminhos.

451
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, Doc. 6081
452
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, Doc. 6081.
238

Na petição enviada em 1742, ou seja, antes de embarcar para o Brasil, o recém


nomeado ouvidor solicitou 600$000 réis de ajuda de custo e 60$000 réis de aposentadoria para
prover as despesas de sua viagem e deslocamento até a vila de Jacobina. Tinha como base o
aumento de salários anteriormente consentido aos ouvidores das comarcas do Rio de Janeiro,
São Paulo, Paranaguá e Espírito Santo que na ocasião de ter ido criar aquela comarca havia
recebido 400$000 réis. Aos conselheiros do rei pareceram-lhes exageradas as alegações de
Manoel da Fonseca Brandão e como a sede da comarca estava localizada no lugar das minas de
Jacobina, o Conselho Ultramarino deferiu-lhes o mesmo ordenado dos ouvidores das outras
comarcas sediadas em vilas auríferas, por isso foi-lhe concedido somente a ajuda de custo de
500$000 mil réis e nenhuma aposentadoria às custas da Fazenda real.453 Ao ouvidor Marcelino
Gouveia, nomeado no triênio seguinte a ajuda de custo de apenas 250$000 mil réis foi bem
mais modesta.454
Uma rápida análise do Quadro 04 fornece uma ideia geral de como foi o provimento
de bacharéis para a ouvidoria da comarca. Entre os anos de 1737 e 1798, 10 bacharéis foram
nomeados para Jacobina. Como pode ser verificado, dois deles se recusaram a assumir o cargo
e por alguns períodos a comarca ficou sem ouvidor, ou seja, as nomeações não seguiram um
ritmo regular de nomeações trienais e entre os anos de 1755-1760, 1770-1787 a ouvidoria ficou
vaga. Houve também um caso excepcional do ouvidor José Joaquim de Almeida e Araújo que
foi reconduzido ao cargo a pedido dos oficiais e moradores das três principais câmaras da
comarca.

Quadro 4: Relação de ouvidores da comarca de Jacobina – 1737-1798

Ouvidor Cargo Ano de Cargo de Observações


exercido nomeação nomeação
anteriormente para posterior
Jacobina
Manuel de Ouvidor das 1737 Primeiro nomeado
Almeida Matoso Alagoas em para a criação desta
1720. comarca no ano de
1737, porém recusou-
se.
Manoel da Fonseca Juiz de Fora de 7 de junho de Desembargador Primeiro ouvidor que
Brandão Mourão em 1742 da Relação da efetivamente
1736. Bahia em 1749 assumiu a comarca.
e do Rio de
Janeiro em
1752.

453
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, Doc. 6081.
454
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 89, Doc. 7273.
239

Francisco Juiz de fora de 1747 Desembargador Foi mandado


Marcelino de Campo Maior da Relação da recolher-se a corte e
Gouvêa em 1737. Bahia em 1752. em 1758 retorna
juntamente com
outros ministros para
uma missão especial
no Ultramar.
Henrique Correia Juiz de fora de 1750
Lobato Castelo da Vide
Manoel Coelho de Juiz de fora do 1753 Foi despachado
Castro Crato ouvidor da Bahia,
não aceitou e em
1754 foi nomeado
Desembargador na
Índia.
Joaquim José de Juiz de fora das 1755 Desembargador
Andrade vilas de da Relação da
Chamusca e Bahia em 1758
Ulme com e logo após é
posse 1743; nomeado para
Juiz do crime de Secretário do
Coimbra em Conselho
1748. Ultramarino.
José Joaquim de Foi o único Desembargador Foi o único ouvidor
Almeida e Araújo ouvidor da Relação da reconduzido ao cargo
reconduzido Bahia em 1770. por dois triênios a
ao cargo entre pedido dos
1760 até 1766 moradores das Vilas
de Barra, Urubu e
Jacobina.
João Franco Juiz de fora da 20 de
Lourenço Vila de setembro de
Cachoeira 1770.
João Manoel 23 de agosto
Peixoto de Araújo de 1787
José da Silva 10 de
Magalhães dezembro de
1798
Fontes: Frei Luiz de São Bento. Cathalogo Alfabetico dos ministros de letras que servirão nestes Reynos de
Portugal e Algarve, seus domínios e conquistas ultramarinas, relações e tribunaes... desde o ano de 1723 athe o
presente de 1763... BNL, Cód. 1077; Idem. BNL, Cód. 1079, fls. 265; ANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês
de D. João V, liv. 25, f.153;

A nomeação de ministros régios dispostos a prestar serviços no ultramar, comumente


era acompanhada de uma política de compensação monetária, mas também em termos de
ascensão na carreira. Isso pode ser verificado para o caso dos quatro ouvidores que foram servir
na comarca da Jacobina entre as décadas de 1740 e 1770 e que após cumprir o período de
serviço foram nomeados para o Tribunal da Relação da Bahia ou mesmo foram ser ouvidores
em comarcas de outras capitanias. Desse aspecto decorre que no caso das comarcas recém
criadas na primeira metade do século XVIII, observa-se que para além de vigorar um modelo
‘jurisdicionalista de governo’, onde o oficialato régio possuía atribuições definidas pelo direito,
esses mesmo funcionários, quando de sua recente nomeação para áreas ainda com pouca ou
240

nenhuma organização civil, atuavam em um universo muito fluído e talvez por isso precisassem
supervalorizar junto à coroa a sua competência para aplicar a justiça em áreas de conquistas.
Este aspecto revela-se imprescindível para uma leitura mais aberta e flexível dos modos em
como a administração central e as áreas periféricas funcionaram na monarquia
pluricontinental.455
Por este prisma, entende-se que havia uma casuística que imperava na atuação desse
oficialato nas áreas periféricas, por outro lado, o exercício da justiça não se podia fazer sentir
sem que houvesse instrumentos técnicos, administrativos e jurídicos que a nível local puderam
ser delineados juntamente com instituições aos moldes das que haviam no reino, e que via de
regra, tinham de adaptar o seu funcionamento aos interesses e necessidades específicas. A
coexistência das três ordens jurídicas, ou seja, do direito secular comum de tradição
romanística, do direito canônico e do direito secular próprio (do reino) alimentava a
ambivalência de possibilidades para a resolução de conflitos que a priori não estavam decididos
a partir de regras fixas, portanto previsíveis de antemão.456 Em outras palavras, só é possível
entender a presença de um aparato jurídico do reino em áreas periféricas, quando se considera
a existência de brechas através das quais tornava-se possível buscar soluções para situações não
previstas, ou seguindo “a ideia de particularismo das situações locais.”457 Esta é uma das
vertentes de análise de António Manuel Hespanha, quando afirma:
No entanto, o modelo de ordenamento jurídico proposto pelo direito comum
europeu não punha grandes obstáculos doutrinais às tensões centrífugas da
realidade colonial. Pelo contrário, fornecia uma série de princípios doutrinais
e de modelos de funcionamento normativo que se acomodavam bem a uma
situação como a do sertão brasileiro.458

Disto resulta que a prevalência de um direito comum na colônia deu margem para que
os magistrados e oficiais menores no exercício de suas funções, buscassem harmonizar e
resolver como lhes parecia questões de ordem prática. Isso não significa dizer que houvesse
consenso entre os autoridades e moradores, uma vez que os abusos dos juízes e interpretações
distorcidas, também foram alvo de queixas e reclamações advindas das câmaras ou mesmo de
representações do povo das vilas. Tal circunstância pode ser evidenciada quando a presença do
ouvidor interferia claramente no funcionamento da câmara, ou mesmo quando se tratava de

455
Cf. HESPANHA, A. M. As vésperas do Leviatã. op. cit., 1994. p. 38
456
HESPANHA, António Manuel. “Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro.”
In: PAIVA, Eduardo França. (org.) Sociedades, Culturas e formas de governar no mundo português (Séculos XVI-
XVIII). São Paulo: Anablume, 2006. p. 21-41.
457
HESPANHA, op. cit., 2006, p. 36.
458
HESPANHA, op. cit., 2006, p. 40.
241

resolver questões nevrálgicas, como era por exemplo, o uso econômico do fundo dos bens dos
órfãos para se proceder corretamente à partilha de bens.
A exploração do ouro, aliado a outras fluxos comerciais, ocasionou em algum nível o
aquecimento dos circuitos mercantis e de acumulação econômica das vilas mineradoras. Não à
toa o foco do primeiro ouvidor ao chegar em Jacobina foi passar a limpo o dinheiro depositado
no fundo dos órfãos e ausentes que estava sendo emprestados a juros de forma desordenada.
Em 1743, logo após se estabelecer na vila de Jacobina, o Manoel da Fonseca Brandão procedeu
a uma correição nos cartórios da câmara.459 Vale notar que esse foi o único documento
encontrado que indica uma correição realizada pelo ouvidor. Ele notificou que havia encontrado
muitos inventários em grande desordem e que os juízes ordinários não tinham muito zelo nos
procedimentos com os bens dos órfãos e ausentes. Além disso, como era corrente, percebeu que
os juízes usavam, leia-se, desencaminhavam os recursos do fundo, emprestando o dinheiro a
juros de forma inapropriada. Diante de tal mazela, resolveu prover “de remédio fazendo com
efeito repor a eles o que tinha embolsado de mais contra de que manda o regimento dado para
os livros de órfãos deste estado em maio de 1731.”460 Ao final de sua correição, havia revisto
hipotecas e escrituras, além dos 120 inventários encontrados em total desordem. Sem dúvidas,
fora feito um grande esforço por parte do magistrado para logo na sua chegada fazer funcionar
a ouvidoria e ao mesmo tempo assegurar que os juízes das vilas obedecessem os regimentos
que instruíam o exercício do cargo. Em 1746, outra tentativa de intervenção do ouvidor resultou
em um pedido à coroa para que todo o gado que entrasse nas vilas fossem taxados em meia
pataca, no caso de Jacobina seria em prata, “por correr ali este dinheiro” e no Rio de Contas em
ouro, com vista a aumentar o saldo das contas destinadas a construção das casas de cadeias das
vilas e também aumentar a arrecadação fiscal da câmara. Não surpreende que o ouvidor
quisesse uma cadeia pronta e em funcionamento que pudesse receber os presos acusados em
devassas.461
Na década de 1740, outros aspectos demonstram as dificuldades de organização da
jurisdição da comarca como decorrente dos impasses entres diferentes esferas de poder, mas
também do desconhecimento que o recém nomeado ouvidor tinha sobre a realidade concreta da
América.462 Como foi dito, logo após sua nomeação o magistrado Manoel da Fonseca Brandão,

459
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 77, Doc. 6378.
460
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 77, Doc. 6378.
461
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 86, doc. 7076.
462
Respondendo a uma consulta régia, o conde das Galveas enfatizava o desconhecimento que os ouvidores tinham
sobre a América ao fazer demandas de ampliação de suas jurisdições quando ainda estavam em Portugal. Cf. AHU,
Avulsos, Bahia, Cx. 73, Doc. 6156.
242

reiteradamente enviou requerimentos à coroa com o intuito de estender a alçada da sua


ouvidoria. Em 09 de maio de 1742 enviou um requerimento ao rei no qual pretendia anexar à
comarca da Jacobina as vilas do Itapicuru e Rio Real, localizadas no sertão de baixo, distantes
da vila de Jacobina o mesmo que estava da cidade da Bahia. No requerimento insistia na
necessidade de aumentar o território de jurisdição de sua comarca, posto que a ampliação desta
jurisdição dava-lhe mais poderes para intervir junto a outras localidades. O pedido de anexação
repetia o já conhecido argumento de que: “em função das frequência de delitos que cometem
naquele país homens facinorosos e destemidos que o habitam; que ficam sem castigo, por não
poder chegar aí o ouvidor da cidade da Bahia por causa da longa necessidade que padeciam
aqueles povos na falta de administração da justiça.”463 O pedido foi endossado por uma
declaração do ouvidor Pedro Gonçalves Cordeiro, o qual concordava com a ideia de unir as
vilas do Itapicurú à comarca de Jacobina, uma vez que o ouvidor da Bahia tinha muita
dificuldade em ir aquelas vilas fazer correições, padecendo os seus moradores de grandes danos
por causa disso.464
O rei D. João V solicitou que o Conde das Galveas emitisse seu parecer sobre a
validade do pedido. Emblemática foi a resposta do vice-rei que alegou que o dito ministro “tem
debaixo da sua jurisdição mais terras do que compreende em si todo o continente de
Espanha”465, e apesar disso, “ainda quer mais, persuadindo-se que pode ir fazer correição, até
naquelas vilas, que senão adjudicam a sua comarca, como é a do Itapicuru e Rio Real, que não
estão mais vizinhas, por que só tem a diferença de estarem menos distantes.”466 Em seguida
aconselhou que não aumentasse a jurisdição do recém nomeado ouvidor, sendo tal pedido
interpretado como uma ambição de interferir na alçada da ouvidoria da Bahia. O vice-rei ainda
chamou a atenção de que o ouvidor não teria condições de assistir a todas as vilas que estavam
no sertão, sobretudo por que quando ele estivesse na vila de Minas Novas do Araçuaí, já na
fronteira com Minas Gerais, seria impraticável sua ida as vilas do Itapicuru e Rio Real, distantes
mais de 200 léguas daquela.
O conde das Galveas certamente estava ciente do que havia se passado uma década
antes na disputa havida entre o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses e o governador das
Minas Gerais D. Lourenço de Almeida, em torno da hegemonia de um e outro governador sobre
a região de fronteira entre as duas capitanias. Por isso, também chamou atenção para a provável

463
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, D. 6079.
464
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, D. 6079.
465
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, D. 6079.
466
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 72, D. 6079.
243

impossibilidade do ouvidor, sediado na vila de Jacobina, conseguir fazer correições em Minas


Novas do Araçuaí. Aliais, sobre a atuação do ouvidor da Jacobina em Minas Novas faz-se
importante registrar sobre a impossibilidades do magistrado instalado em Jacobina deslocar-se
para cobrir a região de fronteira entre a Bahia e Minas Gerais. O mais comum foi o ouvidor do
Serro do Frio dirigir-se até Minas Novas para fazer as correições. Tal situação foi delineada
assim que deu-se o descobrimento de ouro na região pelos irmão Domingos Dias do Prado e
Sebastião Leme do Prado. Nessa ocasião, conquanto não houvesse ainda sido criada a comarca
da Jacobina, o vice-rei Vasco Fernandes tentava impedir que o ouvidor do Serro do Frio fizesse
diligências na região, pois ele sabia das intenções dos oficiais de Minas Gerais de exercer
ingerência sobre aquela nova zona de povoamento. Por uma carta enviada em 1728, Vasco
Fernandes ameaçava claramente as intenções do ouvidor do Serro do Frio de entrar em uma
área que ele considerava jurisdição da Bahia, leia-se, vinculada ao seu território.
Entendo que o dito ouvidor a vista do que lhe digo e de um papel que lhe
remeti do qual vai a cópia inclusa se absterá de uma pretensão totalmente
oposta a razão e quando assim o não faça responderá a V. M. pelas
consequências que se seguem que não são para desprezar.
E para que cesse toda a dúvida resolverá a Vossa Mag.de o que for servido
vendo a planta, papel feito pelo coronel Pedro Barbosa Leal e os mais
documentos que remeto que todos conferem com o que geralmente dizem os
práticos e inteligentes atendendo a que esta capitania ficou mui dissipada com
a divisão que fez o Conde de Assumar e Vossa Mag.de mandou observar. 467

Em junho de 1742, Manoel da Fonseca Brandão o primeiro ouvidor nomeado para


Jacobina enviou requerimento ao Conselho Ultramarino e à coroa para ampliar os territórios
sob sua jurisdição. Naquela circunstâncias o ouvidor ainda nem se encontrava no Brasil quando
requereu os pedidos de anexação de arraiais do Rio de São Francisco à comarca que iria assumir.
Mas de qualquer forma, tais requerimentos são elucidativos em como os magistrados queriam
ao máximo potencializar o exercício do seu poder quando assumiam cargos de justiça no
ultramar. No requerimento alegava que a vila de Barra do Rio Grande e suas anexas que
margeavam o rio de São Francisco serviam de refúgio para ‘delinquentes’ que ali se se
escondiam para “se darem por seguros no denso daqueles sertões”. Ele apoiava seu
requerimento na conclusão de que os ouvidores da comarca de Pernambuco não conseguiam
fazer ali correição, e sendo a dita vila e suas anexas “contiguas ao termo da vila de Jacobina”
ele requeria em nome “do sossego e quietação dos povos [...] e do serviço de V. Mag de. [...]

467IHGB. DL 865.1. Livro de provisões e cartas de S. M. e do secretário de estado a que se respondeu o Vice-rei
do Brasil, 1727-1728. fls. 54v.
244

muito conveniente que aqueles povos fossem corregidos”.468 Para reforçar ainda mais a
legitimidade do seu pedido, insistia que tais correições só poderiam ser feitas por ele e seus
sucessores, pois estavam mais próximos do rio de São Francisco “por lá ficarem vizinhos.”469
Mais uma vez a coroa enviou o requerimento do novo ouvidor para o conde das
Galveas pronunciar-se sobre a questão de tão delicada complexidade. A resposta do então vice-
rei é bastante cética quanto a eficácia na criação de mais vilas ou aumento das jurisdições. Os
pedidos do ouvidor iam totalmente contra o arbítrio do vice-rei que naquela ocasião escreveu
para Lisboa, informando seu ponto de vista:
[...] E receio muito que se este ministro lá for, e começar a inquirir, e devassar
de culpas sepultadas há tantos anos, que sucederá naqueles distritos o mesmo
que vimos suceder há muito pouco tempo na comarca do Ceará pertencente a
capitania de Pernambuco, que por semelhante causa ficou quase despovoada;
e se eu hei de dizer o que entendo, não me parece bem que este novo ouvidor
queira tomar tanto sobre si, que nos ponha na suspeita, que é mais com intento
de se aproveitar, que de correger.470

Sob outra perspectiva, percebe-se que a vila de Barra ficava localizada na capitania de
Pernambuco, ou seja, o ouvidor queria ultrapassar os limites de sua alçada até a capitania
vizinha, por alegar que sendo esta vila e seu termo, mais próxima do sertão da Bahia, seria
legítimo que a comarca da Jacobina ficasse responsável por sua jurisdição. O conde das
Galveas, atento as justificações do ouvidor, retrucou que de fato a vila de Jacobina ficava
distante do rio de São Francisco 60 léguas e que passando suas margens, a vila de Barra estava
a 200 léguas de Olinda, cabeça da comarca de Pernambuco, mas que a vila de Cabroró,
igualmente distante, tinha sido corrigida pelo ouvidor das Alagoas, que era a segunda comarca
de Pernambuco. Diante de tal fato, o vice-rei questionou se realmente um ouvidor da Bahia,
alegando mais proximidade, teria legítima alçada sobre um território que pertencia a outra
capitania. Seu argumento apoiava-se na prática do ouvidor de Alagoas em fazer correição nas
vilas do rio de São Francisco, questionando que o mesmo ouvidor também tinha a possibilidade
de fazer as correições na vila de Barra. E complementava:
[...] que dificuldade pode haver, para que não venha também a vila da
Barra do Rio Grande, o que suposto desejara saber, qual é de ser o limite
da correição do novo ouvidor, por que as razões que alega para a fazer,
se podem verificar em toda aquela grande extensão; e só lhe falta pedir
a v. Mag.de lho queira estender até o Grão-Pará.471

468
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 73, Doc. 6114.
469
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 73, Doc. 6114.
470
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.73, Doc. 6156.
471
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 73, Doc. 6114.
245

A preocupação do vice-rei pareceria legítima, pois o requerimento do ouvidor parecia-


lhes uma maneira de aliciar e subtrair a ordem dos governos, pois se assim o fosse, aquelas vilas
estariam uma vez sujeitas ao governo da Bahia e outra ao de Pernambuco. O que parece
impensável ao vice-rei do Estado do Brasil era um ouvidor de comarca colocar em cheque ou
gerar ambiguidades na ingerência política de territórios pertencentes a capitanias distintas. De
fato, como pode-se verificar nos documentos produzidos posteriormente, as vilas de Barra do
Rio Grande do Sul e Sento Sé respondiam ao governador de Pernambuco, não obstantes
estivessem sob a correição do ouvidor da Jacobina. Tal conflito atravessou todo o século XVIII
e só teve resolução em 1806. Durante estas décadas foram inúmeros os conflitos de jurisdição
nestas vilas, o que levanta hipóteses interessantes a serem investigadas.
Por um episódio ocorrido em 1766, ou seja, apenas duas décadas após o efetivo
funcionamento da comarca, pode-se perceber que os moradores aprovavam a presença de um
ouvidor régio fiscalizando a atuação dos juízes ordinários que atuavam nas vilas e nos julgados.
Entre dias de 23 e 30 de abril de 1766 os oficiais das câmaras das vilas de Jacobina 472, São
Francisco das Chagas do Rio Grande do Sul473 e vila de Santo Antônio do Urubu474 enviaram
uma representação ao rei solicitando que o ouvidor José Joaquim de Almeida e Araújo fosse
reconduzido ao cargo por mais um triênio. De acordo com o pedido dos moradores e oficiais
das três câmaras da comarca, desde do mês de outubro de 1758 a comarca de Jacobina estava
sem oficial régio. Quando a ouvidoria ficou vaga, o juiz ordinário da vila do Rio de Contas
assumiu interinamente o lugar do magistrado, até que outro oficial fosse provido no cargo. Por
um período de seis anos outras pessoas leigas desempenharam o principal lugar de oficial da
justiça nos sertões baianos.
As câmaras alegaram nas representações que esta situação foi extremamente
prejudicial para comarca, pois reduzia as vilas a um tal estado de incivilidade que se viu
“desprezadas as justiças de sua majestade, usurpados os reais direitos e em todas as vilas
finalmente existiam bandos e parcialidades.”475 Segundo os camaristas, tal situação só foi
resolvida com a chegada do novo ouvidor, ao qual pediam que tivesse o seu triênio renovado
em nome dos seus bons métodos de governo. Este ouvidor conseguiu pôr em ordem a
arrecadação dos diretos dos donativos, dos subsídios voluntários e das entradas, empenhando-
se pessoalmente em regular os fundos dos órfãos e suas heranças, que antes andavam em

472
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.156, Doc.11915.
473
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.20, Doc. 1749.
474
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.156, Doc. 11914
475
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.156, Doc. 11915.
246

descaminho. É de notar a ação orquestrada na qual as três câmaras alegaram os bons serviços
prestados pelo magistrado e não hesitaram em notificar a coroa sobre o bom procedimento
daquele oficial régio. Tal situação parece ser excepcional diante de outras circunstâncias nas
quais eram comuns os embates envolvendo os oficias régios e os poderosos locais. Os
vereadores preferiram a presença enérgica desse ouvidor do que a permanência de um substituto
local, provido interinamente e não versado de forma satisfatória na prática da justiça. Esta
situação, por fim, demonstra o espaço de negociação que tramitava em o poder local e a
monarquia, quando os moradores avaliavam, de acordo com sua experiência e entendimento
comum, o que era melhor para a condução do bom governo da república.
Os estudos dedicados a Minas Gerais, já tem enfatizado o peso da produção aurífera
na institucionalização desses espaços, não sem antes, uma devida atenção à propensão revoltosa
e insubordinada das vilas mineiras.476 Entretanto, no caso da Bahia, tal aspecto ainda não foi
devidamente explorado pela historiografia, sobretudo, destaca-se a falta de atenção em como o
espaço econômico do ouro e a demarcação dos territórios concorreu para a implantação do
aparelho civil e judicial em áreas periféricas. Portanto, a formação de um espaço econômico do
ouro baiano foi incontornável para a demarcação do território do sertão no mapa da
governabilidade e da implantação dos dispositivos do autogoverno e da justiça concretizados
mediante a criação de vilas e sua comarca.
Ao fim da primeira metade do século XVIII esse aparelho judicial estava estruturado
de forma hierárquica tendo na sua base as câmaras municipais, onde atuavam os vereadores e
juízes ordinários e que possuíam uma alçada limitada para a resolução de conflitos. Acima das
câmaras existiam as comarcas sob a responsabilidade dos ouvidores que tinham poder de julgar
apelações e agravos dos juízes ordinários remetendo para a o Tribunal da Relação (da Bahia ou
do Rio de Janeiro) as causas que excedessem sua alçada. Acima deste Tribunal estava a Casa
da Suplicação, instância que operava em Lisboa e que resguardava a decisão final sobre
processos expedidos nas colônias.477
António Manuel Hespanha apontou que o pluralismo da ordem jurídica do direito
europeu durante o Antigo Regime modulou em muitos aspectos as formas em como a justiça e
o direito comum eram exercidos nas áreas coloniais. Nesse sentido, fazer valer o direito nas
conquistas não significava estabelecer uma soberania unilateral, eminentemente derivada do
aparato jurídico do direito português, mas sim, representava um esforço de conciliação de

476
Dentre outros, DAMASCENO, op. cit., 269-298.
477
PAIVA, Yamê Galdino. Ouvidores e administração da Justiça no Brasil colonial. O caso da comarca da
capitania da Paraíba. (C.A. 1687-C.A. 1799). In: RJUAM, nº33, 2016-I, p. 79-95.
247

interesses e partilha de poderes, antes de tudo negociável com os múltiplos atores necessários
para a atuação de um modelo de administração régia em áreas de recente colonização.
Desse modo, este capítulo buscou analisar a criação das vilas no circuito aurífero da
Bahia, assim como a lenta e complexa implantação da comarca da Jacobina. Os aspectos
fundamentais que balizaram esta abordagem foi a natureza da documentação produzida pelos
ouvidores acerca da sua área de jurisdição e os raros documentos que mostraram como a
população local se relacionou com a presença de um ouvidor. Nas décadas de 1740 a 1760
assiste-se aos momentos precípuos da implantação do aparato judicial e a finalização do
processo de edificação das vilas. Nas décadas iniciais de implantação da ouvidoria, foi
necessário solucionar questões relativas a eleição de juízes ordinários, nomeação de oficiais,
realização de devassas e sobretudo a definição dos territórios de atuação do ouvidor. Para sanar
tais questões o bacharel Manoel da Fonseca Brandão, primeiro ouvidor, produziu um regimento
que estipulou os termos de funcionamento da ouvidoria, tanto quanto a função dos oficiais que
atuariam nas áreas de jurisdição da comarca. Estas resoluções, via de regra, transitavam entre a
coroa, o governo da capitania e o Conselho Ultramarino, contudo, no plano prático, a demora
das respostas muitas vezes contribuíam para uma relativa margem de autonomia dos ouvidores.
As representações do primeiro magistrado para anexar território à sua área de
jurisdição revelam claramente que território e jurisdição eram efetivamente categorias em
construção, inclusive por que o território dos termos das vilas e consequentemente da comarca
não tinha limites muito claros, sendo na maioria das vezes uma abstração dependente da
capacidade do ouvidor em cobrir sua área de atuação. Por esse motivo, a sobreposição de
jurisdições gerou em momentos específicos episódios de conflituosos entre os ouvidores de
Jacobina e as vilas do Rio de São Francisco, em outros houve conciliação de interesses, como
no caso do pedido de recondução do ouvidor José Joaquim de Almeida e Araújo.
Por fim, diríamos que entender a importância do circuito exploratório do ouro baiano,
requer uma análise de como este movimento econômico foi incontornável para a demarcação
do território do sertão e isso definiu sua inserção no mapa da governabilidade do império e da
implantação dos dispositivos de justiça. Isto só foi possível mediante a elevação daquele
território ao estatuto de comarca. Ressalta-se que esse aspecto não foi ainda devidamente
estudado pela historiografia e lança luzes sobre os artifícios de implementação e negociação da
justiça régia em áreas periféricas.
248

Capítulo IV – Hierarquias sociais e poder local

A vila de Jacobina no sertão baiano, conforme foi demonstrado no capítulo precedente,


foi mais um dos espaços nos quais deu-se a ampliação e reprodução dos traços que marcaram
a América lusa no raiar do século XVIII. Neste ambiente, existia, portanto, um governo da
república com sua câmara de vereadores governando em nome do bem comum, súditos
buscando oportunidades de prestar serviços à coroa, um mercado imperfeito onde a formação
de um espaço econômico foi dinamizada pela extração de ouro, roças e criação de gado. Esta
sociedade estava ainda organizada em torno de alguns princípios, tais como, a posse de títulos
de distinção (principalmente patentes nas companhias de ordenanças), a possibilidade de ocupar
posições estratégicas na localidade ou mesmo constituir aliados entre seus vizinhos. Somado a
isso, tinha na posse e exploração da mão de obra escrava, um dos principais fatores distintivos
de recriação das suas hierarquias sociais ou costumeiras.
Tendo esse cenário como ponto de partida, este capítulo propõe esquadrinhar as relações
entre o poder local e a dinâmica de suas hierarquias sociais a partir de três vertentes: a dinâmica
de atuação dos mineiros livres e escravos, a distribuição desta mão de obra nos diversos locais
onde ocorria a prospecção de ouro e a análise de um conflito em torno de uma folheta de ouro
encontrada nos ribeiros de Jacobina. Os trabalhadores das minas estavam constantemente sob
fiscalização dos capitães das companhias de ordenança da freguesia de Jacobina. A estes
indivíduos competia a obrigação de produzir listas com informações sobre os mineiros e seus
escravos, acompanhar o guarda-mor no recebimento do pagamento dos quintos por bateias,
assim como assegurar a ordem nos distritos sob sua responsabilidade. Portanto, os capitães
atuavam no front da mineração e sendo sua presença indispensável para evitar tumultos e
violências, não seria exagerado dizer que dadas as circunstâncias de uma vila aurífera em
processo de consolidação, estava em suas mãos a maior força de exercício do poder local.
Segundo Angelo Carrara, a demarcação destes distritos eram úteis à administração justamente
por conta da “tarefa de cobrança de impostos.”478 Conquanto isso fosse útil, há que compreender
que essa tarefa enchia os capitães de prerrogativas de mando local, aspecto muito relevante para
área em estudo.
A última seção desse capítulo dedica-se a descrever uma emblemática contenda
ocorrida entre alguns mineiros na vila de Jacobina. Em 1721 três mineradores, Manuel Mendes

478
CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais: Produção rural e mercado interno de Minas Gerais 1674-1807.
Juiz de Fora. Ed. UFJF, 2007. p. 50.
249

Fagundes, Manuel Lopes Chagas e Constantino Gomes Vitória, (estes últimos, providos como
capitães das ordenanças da vila) envolveram-se em uma contenda em torno de uma folheta de
ouro. À época, o coronel Pedro Barbosa Leal havia acabado de chegar a Jacobina para exercer
o posto de superintendente dos distritos minerais da Bahia. Depois de proceder a uma devassa
entre os envolvidos, o superintendente descobriu que o capitão Manoel Francisco dos Santos
Soledade havia usurpado a tal da folheta dos mineiros, após ter hospedado um deles em sua
casa. Por conta dessa embrulhada, Manoel Francisco foi preso e teve seus bens confiscados.
Não conformado com sua prisão e já passado 8 anos do ocorrido, Manoel Francisco deu entrada
em uma causa contra o coronel Pedro Barbosa Leal alegando ter sido alvo de perseguição.
O caso da folheta de ouro roubada deu origem a um processo no qual foram partes o
autor, o capitão Manoel Francisco dos Santos Soledade e o réu, o coronel Pedro Barbosa Leal.
O réu redigiu um auto de justificação com o intuito de comprovar a falsidade das alegações do
capitão Manoel Francisco dos Santos Soledade. Neste auto foram anexadas duas listas nas quais
foram registrados os nomes dos mineiros em atividade em Jacobina. Pedimos licença ao leitor
para explicar a pertinência desses documentos. O primeiro chama-se Lista das datas que se
derão das quaes se devem as dizimas a saber.479 Esta relação apresenta o nome dos mineiros
que pagaram por datas de mineração em 1721. A outra relação trata-se da Lista das bateas dos
mineyros da Jacobina e foi feita em 1723. Como superintendente das minas, o coronel Pedro
Barbosa Leal tinha que reportar-se ao governo da capitania informando a situação e evolução
dos trabalhos de mineração. Nessas listas estavam discriminados os trabalhadores de bateias,
seus escravos, os arrematantes de datas de mineração, os valores pagos por cada uma delas,
enfim, informações necessárias sobre o funcionamento das atividades extrativas de Jacobina.
Em 22 de fevereiro de 1722 o coronel Pedro Babosa Leal escreveu para o vice-rei
Vasco Fernandes, uma carta na qual informava sobre a produção das lista dos moradores dos
distritos das minas. Vale ressaltar a pertinência desses documentos produzidos a partir da
realidade in loco dos distritos da vila. Nota-se também que a raridade dessas listas, que formam
um inédita peça documental por se tratar de uma espécie de recenseamento dos mineiros muito
rara para a área em estudo. A produção desse tipo de levantamento populacional foi mais
comum na segunda metade do século XVIII durante a administração do Marquês de Pombal.
Dito isso, cabe um esclarecimento sobre as condições de composição das listas, registradas em
uma correspondência enviada por Pedro Barbosa Leal para o vice-rei.

479
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. fls. 113v-123.
250

Com esta remeto a vossa excelência as listas dos moradores e mineiros das
duas companhias que há neste distrito da Jacobina, e por elas verá Vossa
Excelência os que vivem de minerar, os que vivem de roças, os que estão em
fazendas, e os que tratam de negócio, e vão as listas com toda a distinção.480

O trecho acima foi retirado de uma carta que o coronel enviou ao vice-rei em 1722.
No entanto as listas as quais ele referiu-se não encontram-se anexadas à missiva que consta no
fundo documental do AHU. Além dessas listas de moradores, para a felicidade desta
historiadora que vos escreve, ele “ordenou aos capitães das companhias de todo o distrito da
Jacobina fizessem listas de todas as pessoas moradoras forasteiras declarando os escravos que
cada um tinha e em que serviços se ocupavam.”481 Depois indicou o objetivo de mandar fazer
as listas pelas companhias de ordenanças:
Provará que mandando o Réu pelas referidas companhias fazer listas por todas
as lavras e tomar a Rol as bateias, assim para a contribuição dos quintos que
pagavam como por respeito da dizima que cada um mineiro era obrigado a
pagar na forma do Regimento Geral das Minas [1702] cuja lista se fez em o
ano de mil e setecentos e vinte e três de que se acha a cópia em poder do
Réu.482

As listas começaram a ser confeccionadas em 1721, sendo ampliadas para incluir a


informação de outros mineiros em 1723. As listas de 1723 foram produzidas por Francisco das
Neves, escrivão da administração do guarda-mor das minas de Jacobina, a partir das
informações dadas pelos capitães das ordenanças, pois cada um deles possuíam áreas onde
exerciam sua jurisdição fiscal.483 Assim, percebe-se a força social dos capitães na vila
mineradora. Por estas duas listagens, pode-se compilar dados demográficos imprescindíveis no
conhecimento da experiência social e econômica dos capitães e trabalhadores das minas de
Jacobina.
Convém também destacar que não foi possível encontrar documentação semelhante
para as outras vilas que integravam o espaço econômico da mineração na Bahia. Por esse
motivo, a análise sobre os mineradores e seus escravos ficou restrita à vila de Jacobina.
Pretende-se em linhas gerais perceber alguns traços daquela sociedade e conforme apontou
Antônio Carlos Jucá de Sampaio “trata-se de uma sociedade baseada numa produção mercantil,

480
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, doc. 1338.
481
IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. fls. 41.
482
Ibidem.
483
Cada mineiro estava obrigado a pagar 3 oitavas e meia por escravo de bateia. Esse sistema perdurou até o ano
de 1728 quando foi instituído o regime de arrecadação fiscal pela casa de fundição.
251

com uma estrutura social fortemente hierarquizada, e cuja reprodução ao longo do tempo
depende essencialmente de mecanismos que lhes são internos.”484
Abaixo podemos ver duas imagens, apesar de serem registros do século XXI, apontam
sobre a persistência da atividade de mineração em Jacobina.
Figura 15: Mineiro bateando no rio Itapicuru-mirim no centro de Jacobina

Fonte: Garimpando II, Jacobina, autoria de Lindenício Ribeiro, Data não identificada, Acervo Digital
NECC-UNEB

484
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. Na encruzilhada do Império: Hierarquias sociais e conjunturas econômicas
no Rio de Janeiro. (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.p. 40.
252

Figura 16: Rio do ouro no centro de Jacobina

Fonte: Rio do Ouro, Jacobina, fotografia de Juventino Rodrigues, anos 1940, Acervo Digital NECC-UNEB.

4.1 Trabalho escravo e mineração

Em uma sociedade mineradora, ouro e escravos são os pilares essenciais da produção


econômica. A descoberta do ouro nas Minas Gerais afetou diretamente o preço dos escravos
que chegavam dos portos africanos e se dirigiam aos arraias mineiros. Os escravos vindos de
Luanda chegavam às Minas Gerais tanto por via marítima, pelo porto do Rio de Janeiro, quanto
pelo caminho geral do sertão da Bahia, incluindo a rota pelo rio de São Francisco. Carlos
Leonardo Kelmer Mathias chama a atenção para esse fluxo que denotava por si só “a integração
do espaço econômico do ouro através do tráfico de escravos.”485 Na Bahia, conquanto a
mineração tivesse sido tardia e em escala bem menor, deve-se notar a observação de Schwartz
quando afirmou que os senhores de engenho, por conta das minas, queixavam-se do aumento
dos preços dos escravos, alegando que os comerciantes preferiam vender os melhores cativos
para os mineiros, pois recebiam o pagamento com ouro e não em caixas de açúcar. A queixa de
que a abertura da mineração provocou a ruína da agricultura foi uma constante no discurso da

485
MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua
elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista. c.1711-c.1756. Rio de janeiro: Mauad X:
FAPERJ, 2012, p. 96.
253

açucarocracia nas primeiras décadas do XVIII. Os senhores de engenho reclamavam da


escassez da mão de obra e dos altos preços 486 cobrados pelos comerciantes, ao passo que o
preço das caixas de açúcar estavam em baixa. Contudo, Schwartz reitera que apesar da
historiografia brasileira ter uma tendência a apontar de forma sequencial o ciclo do açúcar,
seguido pelo ciclo do ouro, foi o açúcar o principal produto de exportação em todo o período
colonial.487 A insistência na vitalidade do açúcar como o principal produto da economia
colonial, diga-se de passagem, era um ponto de vista prioritariamente defendido pelos senhores
de engenho.
Na década de 1720 a utilização de moedas de ouro ou mesmo ouro em pó (ou seja, não
quintado) para o tráfico transatlântico era uma realidade, apesar da proibição do seu uso nesse
comércio. Em 12 de janeiro de 1725, o vice-rei Vasco Fernandes enviava carta a coroa
informando sobre a proibição efetivada sob as ordens régias para evitar a remessa de ouro para
a feitoria de Ajudá na costa ocidental africana, a qual ele advertia que só com panos e búzios a
Fazenda real receberia grandes prejuízos “conforme o que me participa o segundo diretor
Francisco Pereira, apontando que só com ouro se podia evitar tão grande dano”488, ou seja,
mesmo o tráfico na costa da Mina tinha sido alterado em suas transações com o advento do
ouro.
Antônio Carlos Jucá de Sampaio também chamou a atenção para o impacto direto que
o advento da exploração do ouro teve no preço dos escravos e dos alimentos. Nas praças
escravistas baianas um escravo adulto chegou a ser valorizado em mais de 200%, no Rio de
Janeiro este índice atingiu o patamar de valorização de 135%. Dessa forma “a viragem secular
significa, de fato, uma mudança no patamar dos preços coloniais.” 489 Laird Bergad sistematizou
séries de preços de escravos em Minas Gerais nos século XVIII e XIX e confirmou a tendência
de altos preços da mão de obra para as duas primeiras décadas dos setecentos em função da
pouca disponibilidade de braços e da abundância de ouro e diamantes. Nas décadas de 1730 e
1750, houve grandes flutuações, mas depois de meados do XVIII a tendência foi a queda dos

486
Laird Bergad aponta um conjunto de pesquisas que utilizou-se de dados sobre o preço dos escravos nos Estados
Unidos. Para o Brasil não existem dados seguro como séries de preços, lacuna que a investigação de Bergad buscou
preencher. Cf. BERGAD, Laird W. Escravidão e História econômica: demografia de Minas Gerais 1720-1888.
Tradução Beatriz Sidou. Bauru, São Paulo, EDUSC, 2004. p. 239 e segts.
487
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-1835. São Paulo:
Companhia das letras. 1998. p. 166-167
488 IHGB. DL 56.1-3. MENEZES, Vasco Fernandes Cesar de. 3v. Códices de registro de cartas régias, provisões

e requerimentos de S. Majestade e do secretário de Estado a que respondeu o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes
Cesar de Menezes, conde de Sabugosa. 1724-1726. fls. 10v
489
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “A curva do tempo: as transformações na economia e na sociedade do
Estado do Brasil no século XVIII.” IN: FRAGOSO, João. GOUVÊA, Maria de Fátima. Coleção O Brasil Colonial.
1720-1821. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 309.
254

preços até a crise de 1780 que marcou o auge da depressão mineira.490 Nas primeiras duas
décadas do XVIII viu-se, portanto, uma conjuntura favorável para a transferência de cativos das
plantações e engenhos para a mineração. No caso específico das vilas de Jacobina e Rio de
Contas, estima-se que conseguir bons escravos para o trabalho nas minas não deveria ser uma
operação tão simples assim. Por conta da centralidade da economia aurífera, adquirir cativos
estava diretamente condicionado à variação dos preços e também à capacidade dos mineiros
em pagar pela mão de obra. As distância que as vilas possuíam em relação aos portos também
mostrou-se como um dos fatores que deve ser levado em consideração para o fluxo de escravos
que adentravam as zonas das minas.
Na representação de 22 de julho de 1722, os moradores da Jacobina solicitavam ao rei
a mercê de não terem seus escravos executados para o pagamento de suas dívidas
particulares.491 A principal preocupação dos mineiros incidia sobre os cativos que se ocupavam
de tirar ouro. Alegavam que “e faltando os escravos aos mineiros, ficam inúteis as minas sem
os vassalos se aproveitarem das mercês de V. Mag. de.”492 Na representação dos oficiais da
câmara em nome de todos os mineiros da Jacobina, verifica-se um correto diagnóstico acerca
de uma situação que acometia os lugares de mineração nos anos iniciais: o insuficiente número
de escravos e a mortalidade que grassava os trabalhadores. As queixas da câmara eram reais,
pois a maioria dos mineiros de Jacobina possuía um ou dois escravos, portanto, um número
muito baixo de cativos, o que tornavam os senhores extremamente dependentes do rendimento
das bateias. No mais é preciso lembrar que esse pedido de não serem executados em suas
fábricas era uma tentativa de equipará-los aos plantadores de cana e senhores de engenho, que
possuíam esse privilégio. Apesar de não termos dados sobre as operações de compra e venda
de cativos, não é demais lembrar, que assim como os senhores de engenho, os mineradores
também viviam endividados.
No início da década de 1720 o coronel Pedro Barbosa Leal informava para o governo
da Bahia que as técnicas de extração mineral em Jacobina naquele período inicial eram bastante
rudimentares, o que demandava uma grande quantidade de trabalhadores, para que se
conseguisse atingir uma significativa produção aurífera. A combinação de insuficiência técnica
e pouca mão de obra disponível, implicava em uma baixa arrecadação dos quintos. Os mineiros
estavam fazendo descobrimentos basicamente nos leitos dos rios, nos quais eles colocavam
escravos para fazerem catas nos cascalhos e separar o ouro nas bateias.

490
BERGAD, Laird W. op. cit., p. 246-247.
491
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1301.
492
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1301.
255

Russell-Wood afirmou que as técnica de extração durante o século XVIII,


permaneceram muito rudimentares, o que explicaria a propensão dos mineiros em exaurir as
minas de aluvião usando basicamente as bateias.493 Carolina Marotta Capanema assume
posição contrária ao desmontar os discursos construídos no século XVIII acerca da insuficiência
técnica dos mineiros. Capanema através das leituras dos tratados sobre mineração, constatou a
existência de uma racionalidade intrínseca às condições sociais e culturais nos distritos
minerais. Essa racionalidade, muitas vezes, fazia com que o uso de máquinas fosse ponderado
preferindo-se o uso da força humana nas atividades de minerar. De acordo com a referida
historiadora “A história da mineração também nos mostra que as crises de produção não foram
ligadas apenas à aplicação de técnicas adequadas à exploração, mas também ao contexto
socioeconômico de cada período.”494
A situação predominante em Jacobina era o uso de força humana extensiva, com o
empenho do uso de bateias para separar o ouro dos cascalhos, fato corroborado inclusive pela
Lista dos mineiros da Jacobina, na qual a mão de obra empregada na mineração foi contada e
referida como ‘escravos de bateias’. No ano de 1723 nos ribeiros de Jacobina foram
contabilizadas “625 bateias líquidas”495, o que na avaliação do coronel Barbosa Leal à época
superintendente das minas, ainda era pouco, diante da abundância do ouro nas serras. O seu
diagnóstico foi: “por que se nestes ribeiros se tiram oitavas de ouro, nas serras se tiram arrobas
e eu o que posso fazer é animar aos mais com o exemplo de romper a primeira serra.” 496
De todo modo, não é possível afirmar categoricamente como a alta nos preços dos
escravos impactou o mercado de compra e venda no sertão. Faltam-nos dados primários para
estimar os preços dos cativos e os que aparecem nos trabalhos já realizados são pontuais, não
sendo suficientes para realizar estimativas dessas operações mercantis. Albertina Vasconcelos,
em sua pesquisa sobre escravidão e economia do ouro nas vilas de Jacobina e Rio de Contas,
levantou nos inventários e processos de cobrança de dívidas, informações sobre o preço de
cativos.497 Os diferentes valores encontrados nos inventários apontam para uma economia que
oscilava entre a retração e a expansão.

493
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2005.
494
CAPANEMA, Carolina Marotta. A natureza política das minas: mineração, sociedade e ambiente no século
XVIII. 2013. 233f. Tese. (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. Belo Horizonte. 2013. p. 120-121.
495
Lista das Bateias do mineiros da Jacobina... 1723. op. cit., LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, fls.123
496
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, doc. 1338
497
Durante a pesquisa não foi possível encontrar inventários ou transação de compra e venda de escravos, que
pudessem informar sobre o valor de africanos ou crioulos nas minas de Jacobina. Por isso, para a primeira metade
do século XVIII, serão utilizadas as informações coletadas nos inventários de Rio de Contas. Por serem no período
as duas maiores áreas de mineração do sertão, pode-se supor que os valores não diferiam muito para a compra de
256

Esse quadro parece mais verossímil para uma vila pequena, onde a proximidade
existente entre senhores e seus cativos poderiam condicionar a compra de escravos e o preço
das alforrias. Duvidamos que houvessem grandes lotes de escravos indo de Salvador à Jacobina
ou Rio de Contas, o mais provável é que a venda de cativos em sua maioria fosse feita em
pequenas quantidades, a varejo, por acordos firmados na base da confiança. A documentação
mostra que muitos mineiros e homens de negócios iam e vinham constantemente a Salvador e
nesse trânsito lhes eram encomendados a compra ou venda de escravos e “outros trastes”. Esse
foi o caso de Félix Barbosa Leal, que encomendou uma negra para ser vendida por Manoel
Francisco Soledade, quando este se retirou para as minas de Jacobina.498 Em outro momento,
nos deteremos mais nessa história.
Em uma sociedade onde o mercado era regulado continuamente por relações parentais
e políticas, os vínculos pessoais e de clientela interferiam nas operações de compra e venda de
cativos.499 Por outro lado, os ritmos e montantes da produção aurífera condicionavam a
circulação de ouro em pó, moeda usada para adquirir escravos, podendo também ter interferido
no volume de operações realizadas.
No inventário de João Pereira do Amaral de 1727, “um gentio da Costa da Mina foi
estimado em 150$000 réis, ao passo que uma roça com engenhoca, plantação de canas e
mandiocas, com casas e senzalas valia 100$000 réis.”500 Em outro inventário, um escravo
crioulo de nome José de Carvalho foi avaliado em 180$000 réis, ao passo que um escravo com
profissão podia custar bem mais. O preto forro Inácio Dias em 1747 abriu um processo para a
devolução de uma escrava chamada Inês de nação covana, a mesma foi vendida por 200 oitavas
de ouro em pó (não quintados), o que equivalia a 300$000 réis e reivindicava ainda mais uma
outra cativa que era costureira e valia 205$000 réis.501 Em 1732, Luíza, também costureira foi
avaliada em 250$000 réis.502 Os preços variavam muito, pois dependiam de algumas condições,
como sexo, idade, habilidades laborais, etnia e também as oscilações do mercado, que variavam
a partir da retração ou expansão da exploração do ouro. Um crioulinho de 1 ano foi avaliado
em 35$000 enquanto outro de 2 anos podia valer 40$000. Um moleque de 10 anos, vaqueiro,
foi avaliado em 45$000, mas outras crianças como Maria crioulinha, valia 72$000. De toda

cativos. Além disso, o constante fluxo comercial existente entre os dois lugares, assegura que os dados são factíveis
para apreendermos o valor de um cativo em Jacobina. Cf., VASCONCELOS, Albertina Lima. op. cit., p. 275- 306.
498
LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, fls. 41v
499
FRAGOSO, J.L.R. ALMEIDA, C.M.C.; SAMPAIO, A.C.J. Conquistadores e negociantes: História de elites
no Antigo Regime nos Trópicos. América Lusa, Séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007. p. 20
500
VASCONCELOS, Albertina Lima. op. cit., p. 286
501
Ibidem
502
VASCONCELOS, Albertina Lima. op. cit., p. 291
257

sorte, Albertina Vasconcelos aponta que “um escravo que fosse um bom mineiro 503” podia
chegar a valer 170$000 réis a prestação. A autora chama a atenção para a disparidade de valores
dos cativos, pois em se tratando de inventários ou processos de cobrança de dívidas, os preços
poderiam oscilar em função dos interesses de avaliadores e credores.
Em 1721, Cristovão Ribeiro de Novais arrematou na praça pública de Jacobina uma
negra por 64 oitavas de ouro, o equivalente a 96$000 réis. No mesmo pregão, outro mulatinho
de apenas 6 meses foi vendido a Francisco da Costa Duarte por 20 oitavas e ¾ de ouro, o
equivalente a 31$125 réis.504 Era de supor que o ritmo acelerado da mineração tenha demandado
mais mão de obra escrava e que seu alto índice de crescimento esteja ligado mais a compra de
cativos do que a reprodução endógena.505
Albertina Vasconcelos verificou em consulta realizada no Livro de Passaportes e
Guias506 registrados entre os anos de 1718-1728 e 1759-1763, que foram expedidas 1.618
autorizações para o transporte de 20.976 escravos pelos caminhos dos sertões. Desses total
foram enviados 10.690 através do Rio de Janeiro para as minas do ouro. Para Jacobina foram
expedidas 14 autorizações para o transporte de 39 escravos, para Rio de Contas os número
foram um pouco maiores, 40 autorizações para 116 escravos. Parece válida a conclusão de
Vasconcelos ao considerar que tais registros são “infinitamente pequenos se considerarmos os
desvios, a sonegação de direitos e a própria falta ou lacuna documental,”507 que deixou de
apresentar dados para 30 anos. Fica claro que esses parcos registros não são significativos face
a quantidade de escravos encontrados nas estimativas populacionais já apresentadas no capítulo
II deste estudo. Kátia Lorena Novais Sampaio informou que 575 africanos entraram na vila de
Rio de Contas entre os anos de 1724-1750.508 De acordo com suas estimativas até a década de
1750, nessa vila a maioria dos escravos eram originários do tráfico atlântico, período no qual a
intensa exploração do ouro demandava a compra de cativos adultos. Esse cenário começou a
mudar após a década de 1760 quando os dados apresentam um movimento crescente de
escravos nascidos no Brasil. Diante dessas interpretações, presume-se que na vila de Jacobina

503
VASCONCELOS, Albertina Lima. op. cit., p. 292.
504
LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15, fls. 83
505 Sabemos que a atividade com a mineração era fortemente dependente do tráfico de escravos, muito mais do
que da reprodução endógena de cativos. Entretanto, não conseguimos localizar documentos que atestem a entrada
de africanos escravizados para as minas do sertão da Bahia, sobretudo para as vilas de Jacobina e Rio de Contas.
Optamos por incluir os dados apresentados por Albertina Vasconcelos e Kátia Almeida, pois fazem referências
em suas pesquisas para a entrada de africanos em Rio de Contas para os anos de 1748/1749. Cf. VASCONCELOS,
op. cit., p. 266-267; ALMEIDA, op. cit.,
506
APEB. Livro de passaportes e guias (1718-1763). Seção Colonial.
507
VASCONCELOS, Albertina Lima. op. cit., 1998, p.229.
508
SAMPAIO, Kátia Lorena Novais. op. cit., 2012. p.70
258

tenha havido uma significativa presença de escravos africanos, contudo, no âmbito desta
pesquisa não encontrou-se fontes que atestem numericamente.
A interação entre livres e escravos era uma constante no ambiente das minas, nas quais
o deslocamento era fundamental no trabalho de escravo faiscadores ou mesmo naqueles que
atuavam em locais fixos com o uso de bateias. Tal dinâmica podia em certas circunstância ser
bastante diversa do trabalho desenvolvido nas propriedades e engenhos de açúcar no
Recôncavo. Em uma área de plantation o controle do plantel sem dúvida era maior e a
mobilidade em muitos casos mais restrita.
No sertão as características da produção agropecuária e depois com o ouro condicionou
outras lógicas ao trabalho escravo. A própria natureza laboral na mineração favorecia o contato
cotidiano entre pessoas de status sociais diferentes. Isso imprimiu contornos diversos para a
análise da população cativa e suas dinâmicas de interação, pois não é exagero supor que livres
e escravos estavam atuando lado a lado na mineração. Deve-se também reiterar a posição da
vila de Jacobina como uma conhecida área de produção agropecuária. Sem dúvida, a mineração
afetou, ainda que momentaneamente, o uso de escravos nas tradicionais atividades de roças e
currais ligadas sobretudo à unidade familiar. Fogem ao escopo desse trabalho a análise dos
dízimos para averiguar a capacidade produtivas das roças, (se é que existem registros
sistemáticos para tal arrecadação), contudo não descarta-se a ideia de que esvaecido o rush
mineratório foram as pequenas unidades familiares, em uma área de fronteira aberta, que
sustentaram o grosso da economia da imensa freguesia de Jacobina. Angelo Carrara defende
essa ideia para as áreas produtoras de alimentos em Minas Gerais, quando afirmou que:
os que ocupam as fronteiras agrícolas em Minas a partir dos meados do século
XVIII são ou antigos habitantes dos distritos mineradores em busca, nas novas
áreas, de melhores condições de existência, ou lavradores que começam a
estabelecer uma articulação econômica com algum novo centro consumidor.
509

A demanda por novos trabalhadores para as minas sem dúvida transformou a estrutura
tradicional da propriedade escrava existente nos distritos da mineração. Nesse sentido em
termos de avaliação da hierarquia social é novamente Angelo Carrara que sintetiza importante
observação ao perceber que em Minas Gerais os “roceiros e pequenos lavradores” ansiavam
por aumentar sua propriedade escrava, pois isso era visto como um status social cobiçado.
Segundo Cararra: “Era o escravismo que possuía a maior capacidade de produzir uma
hierarquia de valores e, portanto, conferir lastro às moedas morais.”510 Tal comportamento

509
CARRARA, Angelo, op. cit., p. 257.
510
CARRARA, Angelo, op. cit., p. 264.
259

estava mais arraigado entre os pequenos proprietários, que cobiçavam ostentar o “título de
senhor de escravos.”511
Por outro lado, em certas situações poderia ser mais interessante para um morador já
estabilizado nas minas vender seus escravos por um preço vantajoso para os recém chegados
do que reter a mão de obra consigo. Ademais, a venda de escravos também era uma forma de
obter o ouro, já que a maior parte dos pagamentos eram feitos com ouro em pó. Sabe-se que a
estimativa de vida útil de um escravo na mineração não ultrapassava os dez anos, os que
sobreviviam dificilmente estariam em totais condições físicas para o trabalho. 512 Assim, com a
produtividade comprometida depois de alguns anos de duras fainas na mineração, poderia ser
mais vantajoso para o proprietário vender o escravo do que arcar com os altos custos e baixos
benefícios de sua manutenção. Conforme bem apontou Russel-Wood: “Diversamente (sic) de
uma fazenda, uma região aurífera é um patrimônio condenado ao esgotamento.”513 Em primeiro
lugar as áreas mineradoras exigiam um alto custo de investimento inicial, muitas das vezes de
alto risco, o que ocasionava uma atividade econômica com grandes índices de insegurança,
mobilidade exagerada e demasiadamente volátil. Estas aspectos devem ser considerados para a
análise da demografia nas áreas de mineração, portanto, o investimento econômico e os lucros
esperados condicionavam diretamente o uso da mão de obra. Na próxima secção demonstra-se
a presença desses trabalhadores nas atividades de bateias, a partir dos poucos rastros que eles
deixaram quando de sua passagem nas minas.

4.2 Hierarquias sociais e os mineiros da Jacobina

No início da década de 1720, o sertão baiano era uma área que estava recebendo muitos
forasteiros. As mesmas teias de negócios que levavam gado e outras mercadorias, traziam a
mão de obra de livres e escravos que ocupavam os leitos dos rios do ouro.514 Portugueses vindos
de diversas partes do reino e das ilhas atlânticas, paulistas apelidados de “brancos de pequenas
esfera”, africanos da Guiné e de outros enclaves negreiros da África ocidental, índios,

511
CARRARA, Angelo, op. cit., p.264.
512
A fonte informa a existência de escravos inválidos, tema que será abordado ainda neste capítulo. Russel-Wood
seguindo a observação de José Vieira Couto o qual empreendeu uma viagem às Minas Gerais em 1800, dizia que
um senhor poderia contar com 50% de mortalidade de seus escravos após dez anos e que os sobreviventes estariam
fisicamente incapazes de trabalho pesado. Cf. RUSSEL-WOOD, op. cit., 2005, p. 175.
513
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. p. 160
514
De acordo com Júnia Furtado, “Comboieiros eram aqueles que viviam, prioritariamente, do transporte de negros
do litoral para o interior”. Ver a designação que esta autora traz para tratantes, viandantes e comboieiros. Júnia
Furtado, “Teias de negócio: Conexões mercantis entre as minas do ouro e a Bahia, durante o século XVIII” In:
Nas rotas do Império: Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português, ed. João Fragoso et. Al.
Vitória: EDUFES, 2014, 151-175
260

mamelucos, mulatos e mestiços, levas de anônimos, uma “arraia miúda” exercendo a atividade
de mineração ou faiscando em um ou outro lugar, chegavam em busca do sonho do eldorado.515
Tem-se ciência sobre a impossibilidade de mensurar demograficamente uma região aurífera,
entretanto, os parcos registros que foram deixados sobretudo para a vila de Jacobina, permitem
ensaiar algumas questões sobre as hierarquias costumeiras em uma área de recente formação e
povoamento. Não são conhecidas listas de mineiros ou estimativas populacionais para as vilas
de Rio de Contas e Minas Novas do Araçuaí. Por conseguinte, a proposta de análise inscreve-
se no contexto de uma vila mineradora em um limitado recorte temporal, a partir de informações
lacunares, mas que podem informar outros estudos para espaços de fronteira aberta, como foi o
caso da vila de Jacobina.
A desproporção demográfica entre homens e mulheres, livres e escravos, adultos e
crianças, são aspectos que precisam ser considerados no entendimento das peculiaridades e
hierarquias sociais que grassavam as vilas minerais. Uma vez que esse primeiro vulto
explorador se esvanecia, o padrão de ocupação populacional também foi adequando-se ao ritmo
de desaceleração dos descobrimentos.
A Lista das Bateias dos mineiros da Jacobina de 1723, foi confeccionada em função
do sistema de pagamento dos quintos. Na lista computou-se a presença de 236 pessoas em plena
atividade de mineração, juntos possuíam a quantidade de 854 escravos, desses, 589 eram de
bateias. Nas propriedades agrícolas localizadas nos entornos da vila, haviam 250 escravos que
cuidavam das roças e currais. Na lista os indivíduos foram arrolados a partir de sua condição
(livres, forros e escravos), qualidade social (patentes, ocupações), condição de cor (pardos,
negros e pretos), e em seguida foram anotadas a quantidade e ocupação dos escravos que
pertencia a cada senhor (bateias, trabalhos com roça, gado e outros não especificados). As
mulheres (livres e escravas) e os escravos menores e incapazes, também foram distinguidos na
referida lista.

515
NEVES, Erivaldo Fagundes. “Almocafres, bateias, e gente da pequena esfera: o ouro no povoamento e
ocupação econômica dos sertões da Bahia.” Rev. Inst. Geogr. Hist. Bahia, Salvador, v. 101, p. 123-146, 2006.
261

Gráfico 5: Perfil dos donos de bateias por sexo – 1723

13,50%

86,50%

Homens (204) Mulheres (32)

Fonte: Lista das Bateias do mineiros da Jacobina no ano de 1723. IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc.
15, fls.117v – 123

O Gráfico 5 apresenta um total de 236 proprietários de bateias, a desproporção em


termos de homens (204) e mulheres (32) no ano de 1723 era alta, confirmando as dissonâncias
demográficas de áreas de mineração. Conquanto, apesar dos homens serem presença ostensiva
na população das minas, mulheres e crianças também estavam envolvidas nas atividades dos
ribeiros. Das 32 mulheres indicadas na propriedade de bateias, 04 foram designadas pela
ocupação de mineira (02), faíscadora (01), roceira (01), juntas possuíam 58 escravos. Destes 22
homens e oito mulheres empregados nas bateias, os de roça eram 12, hum escravo foi
qualificado como incapaz, nove estavam empregados em outras atividades e dois eram menores.
Esses dois “moleques de bateia” eram escravos de Paula Dias, filha da parda Antônia Dias e
estavam juntas explorando ouro em Malhada da Pedra, sítio onde também residiam. As outras
28 mulheres foram arroladas na lista sem qualquer ocupação. Outras cinco mulheres eram
forras, das quais quatro eram pretas e apenas huma apareceu como negra. Antônia Dias foi a
única da lista referida como parda, 26 apareceram sem o designativo de cor, dentre elas a forra
Simoa Pereira.
Luiza da Silva casada com Domingos Soares Franco moradora em Barrocas e mãe de
Maria e Rosa foi a proprietária que mais tinha escravos. Além dos cinco cativos de bateias e
hum empregado em outros serviços, ela tinha agregada a si uma preta forra, ocupada de bateia.
Somente duas mulheres apareceram com a indicação de ‘mineira’ uma delas era Sebastiana
Calhelha e outra que na lista veio designada de “Uma preta forra (em companhia de João
Velho)”. Izabel da Silva outra preta forra, foi a única marcada como faíscadora, possuía hum
262

cativo. Certamente ela não era a única, pois a atividade de faiscar, ou seja, de sair à cata de ouro
nas lavras velhas dos leitos dos rios era uma constante nas áreas de mineração. Segundo Russell-
Wood os escravos faiscadores gozavam de liberdades físicas e podiam com mais desenvoltura
juntar ouro em pó para comprar sua carta de alforria. Estes faziam acordos com seus senhores
de entregar-lhes uma determinada quantia de ouro por semana, com isso o senhor isentava-se
da responsabilidade de sustentá-los e eles usufruíam da liberdade de deslocar-se nos distritos
mineiros. Esse pode ter sido o caso da preta forra Izabel, não sabe-se ao certo, mas a
possibilidade dela ter juntado algum pecúlio como faíscadora concretizou seu desejo de
liberdade. Suspeitamos que Izabel tinha sido escrava do capitão Francisco de Souza da Silva,
pois ela aparece logo abaixo do nome do citado na Missão do Bom Jesus.

Gráfico 6: Perfil da mão de obra escrava de acordo com a lista de mineiros de 1723

Escravos
1,80%

12,60%

16,60%

68,90%

Bateia (589) Roça (142) Outros (108) Incapaz (15)

Fonte: Lista das Bateias do mineiros da Jacobina no ano de 1723. IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc.
15, fls.117v – 123

Já seria esperado que em uma vila mineradora 69% da mão de obra escrava estivesse
empregada nas atividades de bateias. Diferente das listas de população (Róis de desobriga
analisados no capítulo 2), as quais faziam referência ao termo da freguesia de Jacobina, portanto
abrangia um território muito maior, esta lista de 1723 indica a presença escrava no termo da
vila, portanto oferece uma estimativa muito precisa da distribuição da mão de obra em Jacobina.
263

Tabela 15: Padrão de posse de escravos por proprietários de bateia em 1723

Porcentagem Quantidade Porcentagem


Escravos Proprietários de escravos
01-02 128 54,9% 160 18,8%
03-05 57 24,5% 219 25,6%
06-09 32 13,7% 222 26%
10-14 10 4,3% 120 14%
15-19 4 1,7% 68 8%
24 1 0,4% 24 2,8
41 1 0,4% 41 4,8%
Total 233 100% 854 100%
Fonte: Lista das Bateias do mineiros da Jacobina no ano de 1723. IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc.
15, fls.117v – 123;

A análise da Tabela 15 indica que 54,9% dos proprietários possuíam entre 1 e 2


escravos, ou seja, a informação computada nessa lista confirma a observação do coronel
Barbosa Leal que engrossava o coro dos mineiros, informando ao vice-rei a pouca quantidade
de escravos disponíveis em relação às potencialidades das minas. Em suas palavras:
[...] porém se agora se lhes fizer algum favor se animarão muitos a vir
minerar destas minas, e todas as vezes que crescer o número dos
mineiros, se aumentarem em escravos será muito maior o rendimento
porque as minas são certas as faisqueiras muitas; as serras tem em si
muito ouro e só faltam operários, que a rompam, e trabalhem o que os
mineiros pobres com poucos escravos não podem fazer;516

Nos anos iniciais da mineração a disponibilidade de cativos era pequena e grandes


planteis era um fenômeno raro para aquela realidade. Percebe-se também que os mineiros com
poucos escravos, entre 1-2, utilizavam 82% de sua mão de obra nas atividades de mineração,
pois muitos eram faiscadores e exerciam a atividade de forma individual ao lado de seus cativos.
Esse quantitativo cai para 64,8%, entre os proprietários que possuíam entre 3-5 escravos; do
total de 219 cativos pertencentes a 57 mineiros, 142 estavam ocupados em batear. Portanto, os
pequenos plantéis indicam uma atividade mineradora mais modesta do que a existente em
Minas Gerais. Essa é a especificidade da região e vale a pena ser notada. Apenas um único
mineiro declarou ter um plantel considerável.
Na lista não havia indicação daqueles que exerciam ofícios urbanos, mas supõe-se que
os escravos sem indicação de trabalho de bateia, estivessem ocupados em serviços domésticos
ou como artesãos e ganhadores no centro da vila. Outra lacuna na fonte diz respeito à ausência
de informações para a origem dos cativos, no caso de alguns deles serem africanos ou crioulos.

516
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 16, Doc. 1378.
264

Apesar da vila está situada nas proximidades de missões franciscanas, naqueles anos iniciais da
década de 1720, também não há referências a índios, mamelucos ou gentios da terra nas
atividades de mineração. O que consta nos registros é o designativo de ‘negros’, e ‘preto’,
considera-se que ‘negro’ podia corresponder à ‘negro da terra’ e ‘preto’ estava sendo usado
como designativo para os africanos. Dos proprietários que tiveram sua cor indicada 4 eram
negros e 10 eram pretos. Negro pode ser também um designativo para negro da Guiné.
A Tabela 16 permite visualizar mais detidamente a posse de escravos de acordo com
a ocupação declarada dos proprietários, distinguindo, quando foi o caso, suas patentes. Assim
os dados indicam que a concentração de escravos nas mãos de poucos indivíduos foi um aspecto
marcante da hierarquia social nos primórdios da mineração em Jacobina. Em contraste aqueles
que detinham individualmente menos cativos, eram numericamente mais expressivos.

Tabela 16: Posse de escravos por proprietários de bateias – 1723

Escravos de Média
Ocupação Quantidade bateia Total de escravos
Sem designação 171 379 597 3,4
Mineiro 37 45 46 1,2
Capitão 8 42 47 5,8
Ajudante 4 25 35 8,7
Roceiro 4 1 12 3
Padre 3 17 18 6
Alferes 2 21 30 15
Capitão de Cavalos 2 11 13 6,5
Capitão-Mor 1 13 13 13
Coronel 1 12 17 12
Faiscador 1 1 1 1
Sargento-Mor 1 13 14 14
Tenente 1 2 2 2
Tenente-coronel 1 7 9 9
Total 237 589 854 3,6
Fonte: Lista das Bateias do mineiros da Jacobina no ano de 1723. IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc.
15, fls.117v – 123;

A fonte indicou a ocupação dos proprietários de bateia, permitindo delinear um perfil


social conjugando títulos que os designavam com a quantidade de escravos empregados
diretamente na mineração. O que chama atenção de imediata na Tabela 16 é o emprego da quase
totalidade dos cativos nas atividades de bateia. A excessão está para aqueles que se declararam
como roceiros, somente este grupo de ínfimas quatro pessoas, empregavam hum escravo nas
minas e todo o resto, ou seja 11, em atividades de roça. Ainda é possível visualizar que 21
265

proprietários com patentes eram donos de 146 (25%) do escravos de bateia e 180 (21%) dos
escravos totais arrolados na lista. Pode não parecer muito, mas diante daquela realidade de
escassez de cativos e se contabilizarmos a capacidade produtiva dessas bateias, veremos que
era um número substancial para o aproveitamento das datas. Em outras palavras, os homens
com patentes de fato foram os mais abastados da vila, pois controlavam os postos da república,
defendiam seus interesses na mineração e também concentravam a maior quantidade de
escravos. Certamente o inverso também é verdadeiro, ou seja, a lógica daquela sociedade dizia
que cabia aos mais proeminentes os cargos da câmara, os postos de oficiais e portanto o
prestígio. Esta era um elite de pequena monta, que não investia seu capital produtivo em outra
atividade que não fosse a mineração, por isso praticamente inexistiam escravos seus em
atividades de roça.
Estes dados apontam para uma concentração econômica nas mãos de reduzidas
pessoas, que agregavam ao prestígio social a possibilidade de concentrar trabalhadores nas
bateias. Estima-se que este número esteja sub representado, pois na lista existem indivíduos que
estão citados, no entanto não aparece a indicação de patente, por isso achamos melhor não
incluí-los na contabilidade acima. Por exemplo, o coronel Manoel de Figueiredo Mascarenhas
já citado em outros momentos deste estudo, possui 17 escravos de roça mas essa informação
não aparece na lista. Os outros 37 que declarados como mineiros detinham 45 escravos, mas a
grande maioria possuía apenas 1 cativo;
Aqueles que não tiveram a ocupação declarada e nem possuíam patentes perfaziam a
grande maioria dos donos de bateias, mas em geral a média de posse de escravos era muito
baixa, 3,4 e possuíam entre 1-4 escravos, quase nunca extrapolando essa faixa. Os pequenos
proprietários eram os que investiam tanto em roças, quanto no ouro, mas mesmo assim
possuíam poucos escravos. Esse cenário explica parcialmente a baixa arrecadação dos quintos
que tanto atormentava os oficiais que atuavam em nome da Fazenda real. A arrecadação fiscal
estavam diretamente atrelada à capacidade de produção, que por sua vez dependia dos mineiros
em possuir e empregar mais mão-de-obra nas datas, pois era cobrado por escravo de bateia,
aspecto determinante no período estudado. Por outro lado, a concentração de 589 escravos nas
atividades de bateia, demonstra a tentativa de aproveitar ao máximo a utilização de mão-de-
obra disponível.
Pela Lista é possível relacionar várias pessoas a partir dos seus sobrenomes, mas não
é possível afirmar o vínculo parental entre elas. Esta hipótese fica mais evidente quando
seguirmos a ordem na qual foram arroladas os nomes das pessoas, pode-se perceber que estes
foram anotados de acordo com alguns vínculos entre os indivíduos. Por exemplo, Constantino
266

Gomes Vitória e Antônio Gomes Vitória são evidentemente da mesma família e estão
fiscalizando escravos de bateia no ribeiro da Jacobina. Os irmãos Antônio Ferreira e Inácio
Ferreira são donos de 1 escravo de bateia, que deve trabalhar em dobro para sustentar dois
senhores. Pedro, preto forro e sua mulher juntaram esforços e adquiriram um escravo que lhes
produzia renda, eles também aparecem juntos na lista.
Tal como a mulher de Pedro, na Lista de bateias de 1723 algumas pessoas não tiveram
sequer o privilégio de ter seus nomes inscritos e isso ocorreu no caso de três mulheres e hum
homem. Apesar de serem forros os seus nomes não foram incluídos na lista, somente foi
indicado o nome do chefe da casa onde eram agregados. O que isso pode significar? Vejamos
os casos. Um casal de pretos, agregados na casa de Francisco Nunes Ferreira são referidos como
“Hum preto e sua mulher agregados”. Na casa de João Velho, mineiro, morador em canavieiras
e extraindo ouro nos ribeiros próximos de sua residência tinha “Huma preta forra em companhia
do dito que minera.” Essa preta que provavelmente chama-se Pascoa de Flores, estava em sua
companhia desde 1720, pois foi à igreja se confessar, o que permitiu que o padre anotasse seu
nome. Agregada à Luiza da Silva, casada em 1718 com Domingos Soares Franco e moradora
em Barrocas aparece “huma preta forra que tem hum escravo”. Na casa de Fradique Alvares
havia uma mulher, que também possuía um escravo de bateia. Na casa do forro Bartolomeu
Afonso, morador em Malhada da Pedra, encontramos uma negra forra agregada que também
minerava. Para os outros 17 forros que estavam nas atividades de mineração os nomes são
citados, a exceção à regra é quando o forro está agregado na casa de algum indivíduo, que
possivelmente pode ser seu ex-senhor.
Não há informação sobre as condições nas quais a lista foi confeccionada, certamente
os nomes dos mineiros e escravos de bateias foram anotados pelo capitão da companhia que era
o responsável por fiscalizar determinadas áreas, e nesses casos, quando os forros estavam
agregados à casa de alguém, eles tinham seus nomes intencionalmente ou não, omitidos.
Imagino que este detalhe traz pistas sobre a reiteração de condições de dependência, que se
mantiveram mesmo com aqueles que não estariam mais na condição de escravos.
Francisco Nunes Ferreira, citado linhas atrás, é um exemplo interessante para ser
analisado. Em 1718 ele residia em Jacomohá com mais 8 escravos e em 1720 o mesmo
Francisco encontra-se morando no centro da vila de Jacobina no sítio da Missão com 17 pessoas
entre escravos e assistentes. Em 1724 ele assistiu a reunião de trasladação da vila e assinou a
ata. Certamente estava na ocasião por ser alguém reconhecido na comunidade. Francisco Nunes
em 1723 conseguiu aumentar o seu plantel de forma considerável, pois na lista dos mineiros ele
é o proprietário que aparece com o maior número de escravos. Na lista seu plantel é descrito
267

assim: “tem quarenta e hum escravos e só trinta e quatro de bateia e os mais de menor idade”
(grifo nosso). Sob relações de dependência ele possuía além dos 41 escravos, um casal de
agregados, os quais tiveram seus nomes omitidos. São algumas inferências, que poderiam ser
aprofundadas caso houvesse outras fontes disponíveis, tais como assentos de batismos,
inventários e documentos notariais que atestassem os vínculos de dependência entre livres e
escravos. Como são desconhecidos a existência de tais documentos para a região e período
analisado, só resta supor fragmentos das trajetórias sociais desses personagens.
A arraia miúda também se fez presente na posse de bateias. Foram arrolados 20
proprietários que aparecem com a designação de forros: cinco mulheres e 15 homens. Dentre
eles dois eram pardos, quatro negros, sete pretos, hum crioulo e os outros seis não tiveram a cor
designada. Juntos possuíam 27 escravos distribuídos da seguinte forma: 24 escravos de bateia,
hum incapaz e dois escravos sem atividade especificada. Note-se a designação de ‘mineiro’ que
aparece qualificando cinco dos forros citados, pois apesar de cada um deles só possuir hum
escravo, deve ter sido importante serem distinguidos por uma ocupação. Estes indivíduos
mineravam nos Ribeiros da Jacobina, Canavieira, Jaboticabas, Malhada da Pedra, Missão do
Bom Jesus, Caem e Mocambo, todos os distritos próximos ao centro da vila. Especialmente no
Mocambo e aí o nome é sugestivo, encontravam-se sete forros minerando, seis possuíam hum
escravo e hum possuía dois escravos. Todos estavam sob a fiscalização da companhia do
capitão Antônio Muniz Barreto. Dos forros, um nome em especial chama a atenção e é justo o
de uma mulher. Simoa Pereira naquele ano de 1723 declarou que possuía cinco escravos, sendo
três de bateia e dois que cumpriam outras funções, que poderia ser trabalhadores de roça ou
empregados em alguma atividade específica. Um número considerável, para sua condição de
ex-escrava. Pode-se quase imaginar o esforço e o trabalho empenhado por Simoa para depois
de tornar-se livre, dispor de cinco pessoas trabalhando para ela.
Se comparados com o Rol de 1720, a quantidade de forros citados na Lista das Bateias
é um registro sub representado, uma vez que no Rol de 1720 aparecem 75 forros, sendo três
deles chefes de domicílios; dois deles são casados, Francisco de Souza e Antônio, e o terceiro
de nome Gaspar, morador em Palmar declarou no dia em que foi se confessar ser morador com
sua irmã Felipa e mais uma escrava. A expressividade de forros no termo da freguesia de
Jacobina demonstra a força social desse segmento, apesar de que muitos deles estavam vivendo
agregados a casas de outros chefes, provavelmente seus ex-senhores. De qualquer modo, dada
as limitações da fonte, essa é uma informação que carece ser avaliada com mais cautela. Esses
dados conduzem a hipótese de que na década de 1720, a possibilidade da alforria deveria ser
268

expressiva, posto que a mineração possibilitava aos escravos acumular pecúlio. Entretanto tais
considerações devem ser avaliadas a partir de outras fontes posteriores a década de 1720.
Bartolomeu Afonso, preto forro, já citado linhas atrás, casou-se em 14 de novembro
de 1723 na Paróquia de Santo Antônio do sertão das Jacobinas com Francisca Rodrigues, preta
forra, portanto, pessoa de mesma condição social que a sua. No dia do seu casamento, cinco
pessoas livres assinaram como testemunhas, o que indica que seu círculo de relações
extrapolava o universo social da escravidão. Nesse mesmo ano, ele declarou possuir quatro
escravos que junto com ele mineravam em Malhada da Pedra, local de mineração que estava
sob o a fiscalização do capitão Gaspar Alvares da Silva. Bartolomeu havia sido escravo do
capitão Gaspar Alvares e foi o único caso, dentre os forros, que foi possível simultaneamente
rastrear no rol de confessos de 1720, nos assentos matrimoniais e na lista de mineiros de 1723.
O quantitativo de proprietários de bateias com a designação de pardos foi de 14
indivíduos, dos quais 13 eram homens e apenas huma mulher chamada Antônia Dias. Dentre
os pardos nove foram arrolados com a ocupação de mineiros e apenas dois aparecem também
com o indicativo de serem forros. Juntos possuíam 18 escravos de bateia. O pardo Felipe
Gomes, que era casado com Ana Rodrigues, tinha quatro escravos de bateias trabalhando para
ele. Esse mesmo pardo apareceu no Rol de confessos de 1720 morando no Itapicuru e com oito
escravos em sua posse. Felipe era uma exceção, pois todos os outros pardos da Lista possuíam
hum escravo, destinados a labutar na mineração. Infelizmente os registros referentes à
população de Jacobina não permitiu discutir o que significava ser pardo naquela sociedade, mas
nota-se que esse designativo apareceu mais para homens do que para mulheres. A partir da
verificação dos nomes nos Róis de confessos infere-se que o padre não teve a preocupação em
anotar a cor dos indivíduos quando os mesmos foram se confessar. Estas classificações sociais
só aparecem nas listas dos mineiros e no livro de casamentos. Não sabemos explicar o porquê,
mas é de se notar essa peculiaridade da documentação. Na Tabela 17 pode-se ver que a ‘arraia
miúda’ da mineração em Jacobina também era escravista e vivia basicamente do seu trabalho,
possuindo em média somente um escravo, com os quais deveriam trabalhar lado a lado.
269

Tabela 17: Proprietários de bateias por condição social e posse de escravos

Condição
social Quantidade Escravos
Forro 6 10
Forro pardo 2 2
Forro negro 2 3
Forro preto 10 10
Forro crioulo 1 1
Agregado preto 2 2
Escravo 1 2
Total 24 30
Fonte: Lista das Bateias do mineiros da Jacobina no ano de 1723. IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc.
15, fls.117v – 123;

Os dados apresentados intentaram analisar o panorama de posse dos donos de bateias


e observar a classificação social que os designava. Buscou-se pistas para melhor conhecer o
perfil da população dos homens e mulheres que estavam povoando a vila de Jacobina e entender
como se organizavam em torno da constante busca pelo ouro. A composição populacional é
variada e mesmo com as lacunas e limitações das fontes foi possível perceber que os moradores
procuravam concentrar seu capital na posse de escravos voltados para as bateias. Outrossim,
percebe-se a característica da fonte ao registrar somente os indivíduos em atividades de bateias,
a partir da qual foi possível entender parcialmente o padrão de posse de escravos e indicar a
condição social dos proprietários. Contudo, a fonte em si é bastante original para o período e a
área de estudo. Apesar de ser uma fonte com limitações, ela indica com clareza que após a
abertura da mineração houve uma tendência dos senhores em concentrar seus escravos nas
bateias, em detrimento de outras atividades, como as de roça por exemplo. Isso revela que
mesmo sendo uma área sem grandes produções auríferas, houve especialização da mão de obra
para além da criação agropecuária e a lista de 1723 analisada nesse item confirma esta hipótese.

4.3 Sob o poder das patentes: capitães de ordenanças e a mineração em Jacobina

Nos distritos minerais de Jacobina a organização de uma companhia de ordenança e a


participação dos homens providos com patentes mostrou-se imprescindível para a arrecadação
dos quintos do ouro. Diversos trechos da correspondência mantida entre o vice-rei e a coroa
reforçam a relação entre manutenção da ordem e atuação local das milícias. Em 1728, D. João
V escreveu a Vasco Fernandes César de Meneses solicitando o envio da lista das companhias
de ordenanças do sertão, na qual o vice-rei deveria declarar o número de soldados e de
270

companhias existentes. Este pedido revela o interesse por parte da coroa sobre os recrutamentos
de civis para as companhias de auxiliares. Essa provisão indica a atenção crescente com a
disciplina social nas vilas auríferas do sertão, aspecto marcante durantes os momentos de rush
da mineração. Na década de 1730 a manutenção da segurança e do controle social foi um dos
aspectos marcantes da maneira em como o governo da Bahia tratou a vila de Minas Novas.
Diferentemente do início do século XVIII, já não era mais o medo das invasões externas que
impulsionava a ampliação dos regimentos, mas sim a necessidade de conter desordens nas
povoações e o sistemático combate às populações indígenas que ameaçavam os projetos de
povoamento no interior. Emblemática é a resposta do vice-rei que expressava o pensamento
coevo sobre a função social e política das ordenanças:

[...] e já tenho representado a V. Mag.de que quanto mais oficiais houverem no


Recôncavo, sertão, e capitania, tanto mais bem servido há de ser assim nas
diligências do seu real serviço, como na boa administração da justiça, por ser
este o único meio que facilita a prisão dos criminosos, e impede a repetição
de insultos.517

Para Charles Boxer a coroa tinha consciência sobre as formas pelas quais os potentados
do sertão abusavam de sua autoridade para assegurar suas posições de mando. Segundo
afirmou, colaborava para isso as distâncias e o isolamento das vilas do sertão, locais onde esses
potentados poderiam exercer sem limites as suas justiças: “Esses poderosos em virtude dos seus
postos de coronéis e capitães mores da milícia e da ordenança territorial, exerciam não só
autoridade militar, mas considerável autoridade administrativa e judicial em seus distritos de
residência.”518 No entanto, essa concepção por mais que tenha sua relevância, não admite a
possibilidade de haver um interesse por parte da coroa com o compartilhamento desse poder.
Além dos mais, tais prerrogativas dos poderosos locais em algumas situações era interpretado
como uma extensão de seus poderes domésticos, sob os quais não cabia à coroa interferir.
Muitos homens prestigiosos no poder local possuíam patentes na freguesia, como por
exemplo a de capitão-mor, pois as mesmas eram concedidas em reconhecimento por seus
serviços e prestígio. De acordo com Guilherme Loureiro as companhias de ordenanças
possuíam relevância por conta da delimitação de posições na estratificação social do Antigo
Regime. Havia um valor social atribuído aos membros destes corpos militares, não exatamente

517
AUC, CCA, Livro Governo da Baía: 1729-1735, VI–III-1-1-12. f. 9
518
BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. op. cit., 266
271

pelo seu papel estratégico militar, mas “pelo valor de definição de hierarquias.” 519 Esse ethos
esteve presente na América portuguesa, de forma que as melhores famílias da terra que viviam
“a lei da nobreza” asseguravam para seus membros patentes nas ordenanças por várias gerações.
A organização das ordenanças foi estabelecida pelo Regimento dos capitães-mores que foi
publicado em 1570 durante o reinado de Dom Sebastião.520 Esse documento definiu a estrutura
básica da instituição que iria perdurar até 1820.
As companhias de ordenanças reproduziam ao nível local uma escala de hierarquia
militar e, portanto, admitiam a possibilidade de ascensão para aqueles mais capazes e diligentes,
pois:
[...] a escolha dos diferentes oficiais estaria com certeza sujeita à influência
das redes clientelares locais mas determinados indivíduos admitidos num
certo patamar do oficialato, podiam ser promovidos a postos mais elevados e
mais prestigiantes, não sendo raros, por exemplo, os casos de alferes providos
a capitães de companhias.521

As ordenanças no sertão foram importantes para promover a mobilidade social dos


indivíduos e suas famílias, pois o provimento garantia um prestígio social capacitando-os a
fazer um recenseamento militar e determinar quais indivíduos seriam alistados nas milícias.
Dessa forma as ordenanças constituíam-se em uma importante via de ascensão social para os
estratos inferiores, possibilitando além disso que os mais bem-sucedidos pudessem galgar
postos superiores dentro da hierarquia militar.

Quadro 5: Fontes de recrutamento das ordenanças previstas na legislação

Patente Fonte de recrutamento prevista


Capitão-mor Pessoas das mais nobre e principais das terras.
Sargento-mor
Ajudante
Capitão de Companhia Pessoas das mais nobres e principais das terras
(admitindo-se flexibilidade)
Alferes Os mais dignos e capazes das respectivas
Sargento companhias
Cabo de esquadra Homem da terra que for mais capaz
Quadro retirado de LOUREIRO, Guilherme Maia de. Estratificação e Mobilidade social no Antigo regime de
Portugal. (1640-1820). Lisboa. Ed. Guarda-mor, 2016. Pp. 212. O autor elaborou esse quadro com base nos
Regimento de Capitães-mores, de 10 de dezembro de 1570, publicado por BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. As
ordenanças..., pp. 867-876.

519
LOUREIRO, Guilherme Maia de. Estratificação e Mobilidade social no Antigo Regime de Portugal. (1640-
1820). Lisboa. Ed. Guarda-mor, 2016. p. 207
520
José Eudes Gomes faz uma excelente retrospectiva das tentativas de organização dos corpos militares no reino.
Cf. GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias D’El Rey: Tropas militares e poder no Ceará setecentista.
Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense. 2009, 273f; MELLO, Cristiane
Figueiredo Pagano de. “Os corpos de ordenanças e auxiliares. Sobre as relações militares e políticas na América
portuguesa.” In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 45, p. 29-56, 2006. Editora UFPR.
521
LOUREIRO, op. cit., p. 211.
272

As milícias – tropas auxiliares e ordenanças - eram compostas de vassalos em tempo


parcial, arregimentados em seus lugares de origem – comarcas e freguesias – e a princípio não
se locomoviam pelo território, não recebiam remuneração, a não ser quando era necessária a
prestação de seus serviços. Os oficiais inferiores eram eleitos entre os civis, sendo que algumas
patentes superiores poderiam ser providas pelos governadores gerais ou vice-reis. Os indivíduos
eram recrutados nas freguesias e poderiam ser divididos em categorias: brancos, ricos,
comerciantes, pretos e forros pardos.522 Apesar do enraizamento local, nada impedia que em
algumas circunstâncias membros das milícias fossem deslocados para cumprir diligências em
outras vilas ou freguesias. Este expediente foi utilizado largamente pelo vice-rei Vasco
Fernandes para criar condições mínimas de ordenamento social nos locais de extração do ouro,
quando na década de 1720, oficiais das milícias do Recôncavo foram deslocados para atuar nos
distritos das minas do sertão.
Para Victor Izecksohn os corpos de ordenanças funcionavam como “paisanos
armados” pois “não possuíam instrução militar sistemática nem recebiam soldos.” 523 As
companhias eram constituídas por moradores locais que não faziam parte das tropas regulares
e que mantinham suas atividades particulares. A mobilização deste efetivo ocorria somente em
casos de perturbação da ordem pública. Dessa forma as ordenanças dividiam com a monarquia
a missão de defesa dos territórios, oportunizavam aos súditos servir a coroa à medida de seus
interesses e dadas as peculiaridades locais, colaboravam para manter a posse e conquista dos
territórios ultramarinos. Por outro lado, esse recrutamento ainda servia de controle social e
coerção para ao trabalho, entendido aqui no caso dos distritos auríferos de Jacobina, como uma
solução oportuna para coibir a evasão fiscal dos quintos régios.524
Em 1721, 15 ribeiros de onde se extraiam ouro foram repartidos e arrematados por 241
mineiros que pagaram ao todo “trezentas e quatro oitavas, três quartos e quarenta reis.”525. Esta
foi a primeira vez que se procedeu a uma repartição oficial das áreas onde já haviam atividades
de faiscadores. Antes disso, a atividade mineratória ocorria ao sabor das circunstâncias locais.
De acordo com o Regimento das Minas do Ouro de 1702,526 cabia ao superintendente fazer a

522IZECKSOHN, Vitor. “Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-
brasileiros.” In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, M. de Fátima. (orgs.) O Brasil Colonial – 1720-1821. Vol. 3. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2104. p. 483-521.
523
IZECKSOHN, Vitor. op. cit. p. 493.
524
Idem. p. 493-497.
525
IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. op. cit., fls.113v
526
Regimento das Minas do Ouro. [1702]. In: Colleção Chonologica da Legislação Portuguesa. Compilada e
Anotada por José Justino de Andrade e Silva. Lisboa. Imprensa Nacional. 1701. p. 28-34. João Antonio de Paula
discute os sistemas administrativos e tributários que marcaram a atividade exploratória nas Minas Gerais
273

repartição das datas observando uma série de critérios, tais como: dirimir possíveis conflitos
entre os mineiros, fazer a medição observando o tamanho e a riqueza delas, proceder a uma
exata relação dos escravos de cada mineiro, dar a primeira para o descobridor e sortear as
demais entre os interessados.527 O guarda-mor e o escrivão seriam os responsáveis por
assessorar o superintendente nessa divisão. O Regimento ainda assegurava que o descobridor
teria direito a escolher a parte de sua preferência, “por convir que os descobridores sejam em
tudo favorecidos, e esta mercê os anime a fazerem muitos descobrimentos.”528
Das datas distribuídas havia a obrigação de separar a melhor delas em benefício da
Fazenda real. Na Lista esta foi chamada de “Data de S. Majestade”, e foi a primeira a ser
mencionada, tendo sido arrematada por nove oitavas de ouro, por 30 mineiros pela qual cada
um pagou ¾ e meio de oitava e 40 réis. Manoel Simões, Ignácio do Porto, Antônio da Cruz e
Gaspar Nogueira foram os quatro primeiros arrematantes que apareceram na Lista e cada um
deles levou 30 braças de terra. Foi baseado no Regimento de 1702 que o superintendente Pedro
Barbosa Leal fez a distribuição das datas de mineração entre os interessados. Na Tabela 18
segue a relação dos ribeiros e das quantidades de mineiros que fizeram arrematação.

Tabela 18: Lista dos ribeiros de ouro onde foram feitas a arrematação de datas de
mineração – 1721

Local Arrematantes Valores em oitavas


Ribeiro da Jacomaoha 9
de fora 30
Ribeiro da Jacobina 17 8
Ribeiro das Figuras 12 36
Ribeiro do Palmar 14 42
Ribeiro do Ouro Fino 16 48
Santo Inácio 9 8
Ribeiro do Brito 7 10
Ribeiro das Almas 4 76
Itapecuru mirim 17 42,5
Ribeiro das Jabuticabas 21 20
Varge Comprida 5 10

setecentistas. Destaque para a sistematização dos regimentos do ouro de 1603, 1618, 1702, o sistema de capitação
introduzido em 1735 e a legislação de 03 de dezembro de 1750 quando se criaram as Intendências Gerais do Ouro.
Cf., PAULA, João Antonio de. “A mineração de ouro em Minas Gerais do século XVIII.” In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais. As Minas setecentistas. Belo Horizonte:
Autêntica; Companhia do tempo, 2007, vol. 1, p. 279-301.
527
Para ver um comentário sobre os regimentos das minas e a distribuição das datas de mineração, cf. BOXER,
Charles. A idade de ouro do Brasil. Dores e crescimento da sociedade colonial. Companhia editora Nacional: São
Paulo, 1963, p. 63
528
Regimento das Minas do Ouro. op. cit., Cf. Capítulo V.
274

Varge 2 2
Milagres 3 1,5
Total 157 133ª
304ª as 3/4 e 40
Valor total réis529
Fonte: Lista das datas que se derão das quaes se devem as dizimas a saber. IHGB. LEAL – DL 970.3
Lata 5, Doc. 15. fls.113v-117v

Daqueles que arremataram datas, 12 deles possuíam patentes nas ordenanças, (8


capitães, 1 capitão-mor, 1 tenente, e 1 alferes, 1 coronel). Temos aí uma amostra dos indivíduos
mais proeminentes da vila, posto que alguns deles eram vereadores na câmara, como por
exemplo Miguel Teles Barreto e Belquior Barbosa Lobo, que assinaram a representação
enviada à coroa em 1722 pedindo que os escravos não fossem liquidados no pagamento de
dívidas. Os valores de arrematação dos ribeiros foram diferentes, variando de oito até 76
oitavas. Esse foi o caso do Ribeiro das Almas, o mais caro de todos, onde somente quatro
pessoas participaram da partilha e já era conhecido como sendo um ribeiro de “cinta rica”. Luiz
Dias Rodrigues foi o que arrematou mais área, sendo-lhe concedido uma data de 30 braças, em
torno de 55 metros de área. Certamente ele foi sorteado ou tinha sido o descobridor do ribeiro,
pois pagou o mesmo valor dos outros arrematantes, 7 ½ oitavas e 160$00 réis, por uma área
muito maior do que os outros receberam. Os arrematantes que conseguiram datas maiores foram
Francisco de Morais e Fradique Alvares, que se consorciaram e abocanharam 40 braças pela
bagatela de 2 ½ oitavas e 200$00 réis. A intenção era padronizar a exploração das minas para
proceder a uma arrecadação regular dos quintos. Os exemplos são muitos e refletem a ação da
coroa através dos serviços prestados pelo superintendente das minas e dos capitães das
ordenanças, implicados nas ações para integrar aquela zona ao sistema de aproveitamento
econômico em beneficio não só dos mineiros, mas sobretudo do Império Português.
O georeferenciamento mostrou que os mineiros estavam todos concentrados em locais
muito próximos uns dos outros e que basicamente a exploração era aluvional em torno dos
ribeiros do rio Itapicuru (principal bacia hidrográfica de Jacobina). Os documentos não indicam
a exploração nas vertentes dos morros e serras, ao contrário disto, por carta o superintende das
minas informava que pretendia romper as serras para animar os mais mineiros a fazerem
exploração nos morros. A Figura 17 apresenta a espacialização dos ribeiros onde se explorava
ouro na vila de Jacobina e juntamente com o Quadro 14 apresenta a distribuição dos
trabalhadores das minas de acordo com cada área fiscalizada pelos capitães das ordenanças.

529
O valor que consta na fonte como o total arrecadado. Entretanto ao somarmos os valores parciais das datas
achamos o valor total de 313 oitavas.
Figura 17: Mapa dos ribeiros de exploração do ouro na vila de Jaco
276

Tabela 19: Ribeiros, mineiros e escravos de bateia fiscalizados pelos capitães de Jacobina
em 1723

Companhia Ribeiros Mineiros Escravos530


a) Mocambo 31 95
Capitão Antônio Moniz Barreto b) Figuras 14 56
Sub-total (a+b) 45 151
a) Jaboticabas 18 51
b) Itapecurú 18 34
c) Jacobina 8 29
d) Genipapo 3 3
e) Canavieira 12 15
Capitão Constantino Gomes Vitória Sub-total (a+b+c+d+e) 59 132
a) Ouro fino 12 44
b) Palmar 7 25
c) Brito 8 20
d) Santo Inácio 4 8
Capitão Domingos Pereira Lobo Sub-total (a+b+c+d) 31 97
Capitão Francisco Barbosa Cachoeira 11 19
Capitão Francisco de Souza Mocambo 9 25
a) Missão do Bom Jesus 57 94
b) Malhada da Pedra 4 8
Capitão Gaspar Alvares da Silva Sub-total (a+b) 61 102
Capitão Ignacio Cardoso Cahem 20 63
Total 236 589
Fonte: Lista das Bateias dos mineiros da Jacobina no ano de 1723. op. cit. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15,
fls.117v – 123.

530Nesta tabela foram contabilizados somente os escravos de bateia que foram arrolados pelos mineradores.
Optamos por não incluir os escravos de roça, incapazes e outras atividades, embora estes estivessem arrolados na
lista das bateias, tal como o exemplo a seguir: “Antonio Vieira tem quatro escravos três de bateia e um incapaz
3//”. Cf. IHGB. LEAL, DL 970.3, Lata 5, op. cit., fls. 117v.
277

Os setes capitães mencionados na Tabela 19 representam o staff da fiscalização dos


ribeiros de ouro em Jacobina. Especialmente o capitão Constantino Gomes Vitória, um dos
mais atuantes do oficialato, fiscalizava a exploração de ouro em cinco ribeiros nos entornos da
Jacobina. Apesar de ter se envolvido em algumas embrulhadas, conforme veremos adiante, ele
acabou conquistando a confiança do superintendente, o que certamente interferiu na extensa
área de sua jurisdição. Sob a supervisão da sua companhia haviam 59 donos de bateias e mais
132 escravos que trabalham nos ribeiros da Jacobina, Canavieira, Itapecuru, Jaboticabas e
Genipapo. Esse capitão possuía a expressiva quantidade de 15 pessoas trabalhando diretamente
em suas bateias. Desse quantitativo, 10 eram escravos de bateia, 3 eram agregados em sua casa
e 2 eram escravos de Guilherme, igualmente seu escravo. Fato curioso esse, pois Guilherme foi
o único escravo a ser citado nominalmente na Lista das Bateias dos mineiros da Jacobina de
1723, provavelmente pelo fato dele pertencer à elite das senzalas, já que tinha a prerrogativa de
possuir dois escravos.531 Assim como Guilherme que era cativo do capitão Constantino Gomes
Vitória, outros 589 escravos exerciam atividades de bateias nos ribeiros do ouro de Jacobina.
A análise da distribuição da mão de obra é um item de alta relevância para ampliar a análise da
composição populacional e de sua dinâmica produtiva.
Os homens proeminentes da localidade foram paulatinamente sendo providos nas
ordenanças, o que lhes possibilitou não somente possuir privilégios, como também se inserir
diretamente na rede clientelar ligada ao superintendente das minas, o coronel Pedro Barbosa
Leal, e indiretamente na rede do vice-rei do Estado do Brasil, Vasco Fernandes César de
Meneses. Os membros das ordenanças foram convocados a prestarem variados tipos de serviços
em nome do bem comum e do aumento da Fazenda real.
Na carta patente emitida por Vasco Fernandes César de Menezes para prover Miguel
Teles Barreto no posto de coronel do distrito de Jacobina, pode-se verificar o intuito de criação
do regimento de Infantaria da ordenança por provisão de 20 de julho de 1718, onde se lê:
Não só para que com mais facilidade e segurança se cobrem os quintos reais
do ouro que se tirar nas ditas Minas, sendo também para se proibirem os
muitos criminosos, que se costumam amparar dos sertões daqueles distritos,
pelo seguro que tem de não haver neles quem os prenda, e se ficarem evitando
as mortes, insultos e roubos, que ordinariamente fazião aos moradores que
neles vivem; aos passageiros, e mais pessoas que hião minerar às ditas Minas:
O que tudo se remedia com que os juízes ordinários e mais oficiais de justiça
da dita vila tenham quem lhe dê todo o favor, e ajuda, para que prontamente
se executem as prisões dos ditos criminosos; o serviço de sua majestade se

531
Na fonte a informação aparece da seguinte forma: “O Capitão Constantino Gomez Victoria quinze escravos
de bateia catorze 14//; A saber dez seus, dois do seu escravo Guilherme e três agregados.” (grifo nosso). IHGB.
Lista das Bateias dos mineiros da Jacobina no ano de 1723. op. cit., fls. 117v.
278

faça com todo o acerto, e as ordens deste Governo geral, se dê inviolável


cumprimento.532

Membro da família Moniz Barreto, Miguel Teles 533 tinha sido juiz ordinário da Vila
de São Francisco de Sergipe do Conde no Recôncavo534, mas havia algum tempo já estava no
sertão realizando diligências de descobrimento de minas. Foi nomeado coronel das ordenanças
do Regimento de Jacobina, respondendo também pelo cargo de Juiz da câmara em 1723, um
cargo bastante estratégico naquela ocasião devido aos inúmeros conflitos envolvendo os
mineiros. Quando o coronel Pedro Barbosa Leal saiu de Jacobina e foi proceder com a mesma
diligência nas minas do Rio de Contas, o governo das minas de Jacobina foi confiado a Teles
Barreto. Na ocasião o vice-rei escreveu-lhes uma carta, lembrando de suas obrigações:
Com a ausência do coronel Pedro Barbosa Leal, ficou Vossa Mercê
substituindo a sua falta, e parece-me escusado lembrar-lhe o quanto se deve
empregar em tudo aquilo que for sossego desses moradores, que no que
pertence aos interesses da Fazenda Real deve o guarda-mor tratar da sua
arrecadação.535

Em 26 de janeiro de 1723 o capitão Antônio Moniz Barreto (seriam parentes?) foi


provido no posto de capitão no regimento do coronel Miguel Teles Barreto. Assim que recebeu
a carta enviou à coroa o seu pedido de confirmação. Na referida carta patente foi mencionado
como justificativa para provê-lo no posto, o necessário engajamento dos oficiais na cobrança
dos quintos.
Porquanto S. Mag.de, que Deus guarde foi servido conceder o indulto de
se continuar no lavor das minas descobertas na Jacobina, e para dar todo
o favor, e ajuda aos oficiais que hão de cobrar os quintos do ouro que
elas produzirem e se respeitarem as ordens deste governo geral;536

Nas cartas e correspondências do governo da Bahia encontrados na coleção dos


Documentos Históricos da Biblioteca Nacional encontram-se diversas ordens emitidas para
esses capitães. Além disso, competia-lhes outras tarefas como as de levar e trazer do sertão pra
Salvador as correspondências trocadas entre o vice-rei e os demais oficiais, transportar o ouro
que deveria ser enviado pelas frotas para o reino, prender criminosos nos distritos das minas,

532
AHU-Baía, Cx. 13, doc. 28 AHU, Avulsos, Cx. 16, Doc. 1410.
533
O dito coronel envolveu-se em alguma situação embaraçosa, que o obrigou a retirar-se fugido da Jacobina, ver
nota 354. Contudo em 08 de maio de 1731, Miguel Teles Barreto volta à cena tendo sido provido no posto de
tesoureiro da Casa de Fundição de Araçuaí, por indicação do superintendente dela, o coronel Pedro Leolino Mariz.
Cf. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 42, Doc. 3770.
534
Veja-se várias cartas do Marques de Angeja para Miguel Teles Barreto, quando o mesmo era juiz ordinário na
vila de São Francisco do Sergipe do Conde, cf. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas, Alvarás,
provisões e Patentes. 176-1720. Rio de Janeiro. Typografia Baptista. Vol. XLIII, 1939, pp. 72, 73, 76,79,85, 86.
535
Carta para o Coronel Miguel Teles Barreto. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas e Provisões.
1721-1722. Rio de Janeiro. Typografia Baptista. Vol. XLV, 1939. p. 90.
536
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 16. Doc. 1421
279

enfim, um sem número de ações que fazia com que estes homens de patentes em Jacobina
estivessem conectados diretamente com administração régia. Isso significa dizer que a
economia do ouro criou novos enlaces entre o poder local e a coroa. É interessante constatar
nas inúmeras correspondências emitidas pelo vice-rei para os capitães de Jacobina, que a
cobrança da remessa dos quintos tornava-se mais ostensiva quando se aproximava o período da
chegada das frotas. Tal observação se repete em diversos documentos. Abaixo uma amostra de
uma das cartas emitidas pelo vice-rei em 17 de agosto de 1723.
Em 13 do corrente entrou nesta Baía a frota destinada para ela; como traz mui
pouca dilação e não há de exceder os dias que Sua Majestade que deus guarde
lhe concedeu de prazo, participo a Vossa Mercê por estes correios para que
faça remeter logo os quintos que pertencem a este ano, e pondo na sua
cobrança todo o seu cuidado, desvelo, e diligencia, para que infalivelmente
cheguem a esta praça nos princípios de Outubro próximo que vem, tempo em
que sem dúvida há de seguir viagem a frota, mandando em companhia do
condutor dos mesmos quintos aquela escolta que baste para a sua segurança,
cuja cobrança ainda que pertença ao Guarda-mor para a brevidade da sua
execução se faz preciso encarrega-la a Vossa Mercê por se achar com
diferentes meios para conseguir, e esta resolução participo ao dito Guarda-
mor sem que o exclua de pela sua parte fazer também a mesma diligencia
advertindo, que a nomeação do condutor ou condutores há de ser do guarda-
mor.537

Apesar da cobrança dos quintos ser oficialmente responsabilidade do Guarda-mor


(conforme pode-se ler na carta que aparece na sequência desta538), era sobre os capitães e o
coronel do regimento que recaía a maior pressão para a segurar a arrecadação dos direitos régios
dos quintos. Sobre eles também, como era de praxe, ficava a obrigação de combater os insultos
provocados por negros aquilombados e índios não aldeados. Em 14 de dezembro de 1723 o
vice-rei agradecia ao coronel Miguel Teles Barreto a expedição que havia feito para “impedir
os roubos, e insultos que fazem os negros fugidos, e índios que andam incorporados com eles
no sítio do Jacaré.”539 Depois confirmou que atenderia os requerimentos, à guisa de
compensação, dos cabos e mais oficiais que lhes haviam acompanhado na dita diligência. Entre
1712 e 1730 dez indivíduos solicitaram e obtiveram suas patentes confirmadas pelo rei D. João
V. Fico imaginando a honra e prestígio que tal confirmação gerava naquele que alcançava a
mercê de ter seu nome inscrito nos livros da chancelaria régia.

537
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas e Provisões. 1721-1722. Rio de Janeiro. Typografia
Baptista. Vol. XLV, 1939, pp. 114-115.
538
Idem. p. 115-116.
539
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas e Provisões. 1721-1722. Rio de Janeiro. Typografia
Baptista. Vol. XLV, 1939, pp. 153-154.
280

Quadro 6: Confirmação de Patentes das Ordenança da Vila de Jacobina no Registros


Geral das Mercês

Nome Patente Data de Registro


Francisco Calmon Coronel do Regimento de Infantaria da 1712-06-07
Ordenança dos distritos de Jacobina e
do Paramerim para cima do rio S.
Francisco.
Manuel de Araújo de Coronel de Infantaria da Ordenança 1717-02-28
Aragão que compreende os distritos da
Jacobina e do Paramerim. Filiação:
Francisco de Araújo de Aragão.
Alcaide Mor, (1707) Juiz ordinário da
Vila de Maragogipe em 1726.
Francisco de Brito Capitão de Infantaria da Companhia da 1717-02-20
Vieira Ordenança da freguesia de Jacobina do
Regimento de que é Coronel Francisco
Calmon. Filiação: Francisco de Brito
Vieira.
João Pereira da Palma Capitão de Cavalos da Jacobina. 1717-01-26
Filiação: Jerónimo Pereira da Cruz.
António Pinheiro da Capitão-mor da freguesia de Jacobina, 1720-02-08
Rocha no Estado do Brasil, por 3 anos.
André Rodrigues Sargento-mor da freguesia de Jacobina 1720-02-10
Soares de que é Coronel António Pinto
(Pinheiro) da Rocha.
João de Freitas de Brito Capitão da Ordenança do distrito da 1720-05-15
Jacobina, no Estado do Brasil. Filiação:
Francisco de Freitas. Foi promovido do
posto de ajudante a capitão, por
falecimento de João Duarte de Farias,
depois de servir 5 anos, 3 meses e 29
dias.
Miguel Teles Barreto Coronel de Ordenanças de Jacobina. 1723-03-21
Manuel de Figueiredo Coronel de Ordenanças de Jacobina. 1726-01-18
Mascarenhas Foi provido em substituição ao posto de
Coronel que ficou vago por conta da
deserção de Miguel Teles Barreto.
João dos Reis Santos Carta Patente. Sargento Mor da 1730-01-23
Povoação da Jacobina no Estado do
Brasil. Foi provido em 1729 no posto
de Sargento-mor na Vila de Jacobina
por estar ausente mais de 4 anos o
capitão Cristovão Ribeiro de Novaes
que havia sido provido na dita patente.
Após a confirmação foi provido
tesoureiro da casa de Fundição da Vila
de Jacobina com 400 mil reis anuais de
ordenado, em 1729, por três anos.
Fonte: ANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.549; liv. 1, f.145; liv. 8, f.458v; liv. 8,
f.409v; liv. 11, f.213v; liv. 11, f.212v; liv. 11, f.396; liv. 14, f.388; liv. 17, f.251; liv. 21, f.222.

Não foram encontrados nenhuma patente confirmada para a década de 1740 e somente
após a década de 1750 houve mais três pedidos de confirmação, a saber: em 1758 do capitão-
281

mor Bento José de Sá Abreu;540 em 1763 o de Manuel José Pinto que assume o posto no lugar
do seu antecessor;541 e o último em 1799 de Miguel Álvares Brandão, solicitando confirmação
do posto de posto de Tenente do Regimento de Cavalaria de Milícias.542 Isso significa dizer que
durante o auge da mineração ter a confirmação régia era um distintivo relevante para o exercício
da autoridade local, por isso os homens as requisitavam. Ser capitão-mor de uma freguesia era
ser investido de prerrogativas para a organização social de sua comunidade. Ou como bem
expressou João Fragoso sobre os ‘régulos da América’: “Parece mais prudente afirmar que, ao
menos, percebiam o exercício do poder local como um direito natural, decorrente de seus
serviços à monarquia.”543
Ronald Raminelli também corrobora com a noção de que essas trajetórias permitem
perceber que a nobilitação dos súditos iniciava-se primeiramente no âmbito local,544
reafirmados através de posições na câmara e nas ordenanças, reforçada por uma política de
recompensas ao lançá-los como co-partícipes nas redes clientelares de outros indivíduos que
ocupavam postos cimeiros na hierarquia social. Foi portanto através destes expedientes que se
organizou-se o governo entre o centro e a periferia do Império.
Simone Faria em seu trabalho sobre os cobradores dos direitos régios dos quintos em
Minas Gerais, após estudar exaustivamente aquele grupo social, assegura a necessidade de ter
havido “um diverso e articulado corpo de oficiais locais, uns da elite, outros nem tanto, atuando
em diferentes frentes, para que no dia a dia a coleta do ouro se concretizasse e seguisse para os
cofres da Coroa portuguesa o quinhão que lhe cabia dessa riqueza.”545 Infelizmente não foi
possível tratar os cobradores dos quintos de Jacobina a partir de uma documentação exaustiva,
tal como realizou a autora ao sistematizar livros de arrecadação, inventários e testamentos para
as vilas mineiras. Ademais a autora confirma que era corrente nas vilas das Minas Gerais o
acúmulo de patentes militares e atribuições nas câmaras, como foi o caso de Miguel Teles

540
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 135, Doc. 10470; IANTT. Bento José de Sá Abreu. Registo Geral de Mercês de D.
José I, liv. 12, f. 536.
541
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 151, Doc. 11596. IANTT. Manuel José Pinto. Registo Geral de Mercês de D. José
I, liv. 18, f. 72.
542
IANTT. Miguel Álvares Brandão. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 30 (número de ordem 156), f.
64v.
543
FRAGOSO, João. “Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor de engenho do Rio Grande, neto de
conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de janeiro,
1700-1760).” In: Na trama das redes: Política e negócios no Império Português, séculos XVI-XVIII. Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 2010. pp.247.
544
RAMINELLI, R. “Serviços e mercês de vassalos da América Portuguesa.” In: Revista historia y sociedad n°.
12, Medellín, noviembre 2006, p. 107-13.
545
FARIA, Simone Cristina. 2015. A “matéria dos quintos” e os “homens do ouro”: a dinâmica da arrecadação
dos quintos reais na capitania de Minas Gerais e as atribuições, atuação, perfil e relações dos cobradores dos
quintos (c. 1700 – c. 1780). Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 435.
282

Barreto e de outros indivíduos que exerceram cargos da vereança ou participaram da edificação


da câmara e também de outros expedientes do governo local.
A atuação ostensiva dos capitães, porém, não significava que a vila vivesse em imersa
em paz e tranquilidade. Ao contrário disto, havia uma grande preocupação com os insultos e
violência, pois sabe-se que as regiões de minas eram um verdadeiro barril de pólvora e as
disputas e embaraços envolvendo mineiros eram mais do que comum quando estes encontravam
alguma mina de “cinta rica”. O próximo item é dedicado a narrar o jogo de falsidades e
violências entre alguns conhecidos mineiros da Jacobina.

4.4 “Falsidades e velhacarias”: os litígios entre os mineiros nos distritos da Jacobina

Em 06 de agosto de 1721 o coronel Pedro Barbosa Leal546 se encaminhava para exercer


as diligências de seu posto de superintendente das minas de Jacobina, quando arranchado num
sítio conhecido como caatingas do Papagaio, topou com Manoel Mendes Fagundes, que ia da
Jacobina em direção à Salvador, varrendo o sertão no rastro de dois mineiros: Manoel Lopes
Chagas e Constantino Gomes Victória. Mendes Fagundes trazia um despacho do vice-rei o qual
o autorizava a prender os ditos mineiros. Ele conseguiu a ordem de prisão por causa de uma
disputa envolvendo uma folheta de ouro de sete libras que ele tinha achado no ribeiro das Almas
quando estava minerando nos arredores da vila de Jacobina.
Algum tempo antes, Manoel Mendes Fagundes propôs a Manoel Lopes Chagas e a
Constantino Gomes Vitória, o estimado capitão dos ribeiros do ouro, que eles se consorciassem
juntando seus escravos para que pudessem potencializar as exploração no dito ribeiro. O
consórcio previa que eles dividissem igualmente os grãos de ouro que tiravam da dita lavra.
Entretanto, em um belo dia de sorte Mendes Fagundes encontrou uma folheta de grande peso e
com o fito de não reparti-la com os seus sócios enterrou o ouro de baixo de sua cama. Guardando
este segredo, Mendes Fagundes propôs desfazer aquela sociedade, mas foi descoberto pelos
outros dois mineiros, que desconfiaram que em verdade Mendes Fagundes ambicionava ficar

546
Toda a história contada nessa seção está baseada na defesa que fez o réu, o coronel Pedro Barbosa Leal, no
processo movido por Manuel Francisco dos Santos Soledade. O referido processo gerou um auto de justificação
escrito como a defesa oficial do réu. Este auto de justificação foi um documento fundamental em todo esse
trabalho, pois lhes estavam anexas uma rica documentação relativa aos anos em que Pedro Barbosa Leal esteve no
sertão ocupando o posto de superintendente das minas. Ao longo de sua contestação ele anexou boa parte de sua
correspondência pessoal, os róis de desobriga, as listas de moradores e mineiros, o que permitiu uma inusitada
imersão nos anos iniciais da exploração do ouro nos distritos de Jacobina. Ainda assim, reitera-se que não é nosso
objetivo discutir os labirínticos caminhos da justiça colonial, mas tratar das disputas cotidianas e das redes de
relações clientelares que faziam parte de uma sociedade de Antigo Regime. Cf. IHGB. LEAL, DL 970.3 Lata 5,
Doc. 15. Autos de justificação em que são partes o capitão Manoel Francisco dos Santos superintendente das
conquistas e o Coronel Pedro Barbosa Leal. Salvador, 30 de outubro de 1730. 694f.
283

senhor absoluto da folheta encontrada. Segundo a versão trazida no auto de justificação no qual
está descrita a história da contenda, seus ex-sócios fizeram-lhes vários requerimentos com
diversas alternativas de ajustes para a divisão do ouro entre os três. Uma delas sugeria que
Mendes Fagundes depositasse a folheta nas mãos de terceiros até averiguação melhor dos fatos.
Passados dois dias e porquê Mendes Fagundes não concordou com nenhum dos termos, Manoel
Lopes Chagas e Constantino Vitória apareceram com um bando de escravos armados para
cobrar a Mendes Fagundes o que lhes era devido.547 O que se sucedeu foi digno de uma cena
de novela: “a tempo que uma negra de Manoel Mendes Fagundes vendo que seu senhor podia
correr algum perigo na pertinácia em que estava de não entregar a folheta, por entre a gente saiu
com esta na mão dizendo: eis aqui a folheta, não matem meu amo senhor!”548
O capitão da freguesia Gaspar Alvares da Silva, que a tudo assistia, colocou-se em
prontidão para prender os três mineiros, entretanto, por se ver em um “reboliço de armas” achou
melhor deixar que todos se retirassem aos seu ranchos e que Mendes Fagundes se dirigisse à
Salvador para requerer junto ao vice-rei uma ordem de prisão pelas violências que os outros
dois mineiros fizeram em sua casa. Por esse motivo foi que Mendes Fagundes estava no dito
caminho do sertão quando pela primeira vez encontrou o coronel Pedro Barbosa Leal. Enquanto
isso, os outros dois mineiros fugiram sabendo que poderiam ser presos.
Prosseguindo em sua jornada, Mendes Fagundes foi pernoitar à casa de Manoel
Francisco Soledade, à época morador próximo à vila de Cachoeira. A partir daqui, a história
demanda larga narração. Ao chegar à casa Mendes Fagundes contou sobre a disputa havida
entre ele e os outros dois mineiros e mostrou o despacho que tinha do vice-rei para prender
Lopes Chagas e Constantino Vitória que haviam se evadido da Jacobina. Ao saber dos
acontecimentos, Manoel Francisco dos Santos Soledade “se meteu a zeloso” e junto com o
alferes Marcos Gonçalves juntou uma tropa de homens e foram ao sítio da Igreja Matriz de
Itapororocas, a casa de um tal de João Pereira, que por algum motivo, estava escondendo
Manuel Lopes Chagas e Constantino Gomes Vitória. De acordo com a documentação contida
no auto de justificação, quando todos já estavam reunidos, Manoel Francisco Soledade:
“[...] com as suas costumadas estratagemas e veteranas malícias entrou
a proteger o arbítrio de que se depositasse aquela folheta de ouro na sua
mão e que os três companheiros mostrassem então o decreto que cada
um tinha para a partirem amigavelmente, sem que para isso fosse
necessário irem presos.”549

547
Boxer nota que no início da mineração a distribuição de datas não era em absoluto pacífica. Segundo ele
“mineiros ricos e poderosos, senhores de numerosos escravos armados, estavam em condições de usurpar datas
dos que não o possuíam.” BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. op. cit., p. 62.
548
IHGB. LEAL, op. cit., fls. 29v
549
IHGB. LEAL, op. cit., fls. 17.
284

Para ajustar aquele negócio, chamou Guilherme Li, criado do desembargador Caetano
de Brito de Figueiredo550 para que este fizesse um termo de depósito. Afinal, o tal criado deveria
ser instruído em assuntos jurídicos pela convivência com seu amo. Redigido tal documento, o
próprio Manuel Francisco Soledade rasgou o despacho do vice-rei que mandava prender os
Lopes Chagas e Constantino Vitória. O auto de justificação não deixa claro quem de fato estava
de posse da folheta, mas é certo que os três contendores entraram em acordo com Manoel
Francisco Soledade e lhes confiaram a guarda do ouro.
No dia seguinte, Manoel Francisco Soledade entrou em conluio com Mendes Fagundes
sugerindo que eles registrassem no cartório da vila de Cachoeira, o tal termo de depósito,
obviamente com falso teor, feito por Guilherme Li. O objetivo era revestir a armação com
pretextos de veracidade, pois o termo seria a prova de que eles teriam uma sociedade de lavras
lá em Jacobina e que isso autorizaria a Manoel Francisco Soledade ir ter com o vice-rei um
novo despacho para resolver o conflito em torno dos direitos da folheta de ouro. Dessa forma,
Manoel Francisco convenceu Mendes Fagundes a fazer tal conluio, argumentando que este seria
beneficiado com a posse total da folheta, já que, de acordo com o plano, os outros dois mineiros
(Lopes Chagas e Constantino Gomes) seriam presos através de um novo despacho conseguido
junto ao vice-rei. Manoel Francisco Soledade ainda os pressionou a vender a parte de cada um
na folheta, por 14 tostões a oitava.
Feito isso seguiram ao cartório, registraram a sociedade e Manoel Francisco Soledade
já maquinando todo o esquema despediu Mendes Fagundes para Jacobina, Constantino Gomes
para o Iguape e Manoel Lopes Chagas “por ser moço gentil [e] homem e por trazer ouro” ficou
em casa de Manoel Francisco cuidando de sua esposa, enquanto ele seguia para Salvador onde
foi ter uma audiência com o então vice-rei. Na audiência Manoel Francisco Soledade contou
uma história turva para Vasco Fernandes César de Meneses. Afirmou que tinha um consórcio
de lavras em Jacobina e convenceu o vice-rei de que fora roubado em duas folhetas: uma delas
tinha conseguido recuperar, mas a outra de 12,5 libras ainda encontrava-se em posse dos ditos
mineiros ladrões, nesse caso, os mineiros seriam Lopes Chagas e Constantino Vitória. Ele ainda

550 Manoel Soledade estava na rede de relações do desembargador Caetano de Brito, o qual escrevera em 05 de
outubro de 1721 uma carta dirigida ao coronel Pedro Barbosa Leal recomendando-o por ser “pessoa de toda a
satisfação aqui casado e colono de Manoel de Araújo; todo o favor que vosso mercê lhe fizer o saberei sempre
estimar e quisera que vosso mercê informasse sobre os seus particulares com aquela inteireza que vosso mercê
costuma.” A carta deve ter sido enviada porque o tal Manoel de Araújo a que o desembargador se referia era o
Coronel Manuel de Araújo de Aragão para o qual o autor tinha trabalhado algum tempo como vaqueiro de suas
fazendas em num local chamado João Amaro e onde ele ficou por alguns anos esmolando como ermitão em uma
capela. IHGB. LEAL, op. cit., fls. 100
285

dizia que precisava de despachos do vice-rei para prendê-los, pois assim como recolheu na Casa
da Moeda os quintos da primeira folheta, também desejava pagar os quintos da segunda.551 Em
troca requeria de sua excelência uma patente de capitão-mor para si e a de sargento-mor para
Manoel Mendes Fagundes. Fazia pouco mais de um ano que Vasco Fernandes havia chegado
para exercer o posto de vice-rei na Bahia, portanto não era ainda experiente nas velhacarias dos
régulos da terra. Acreditando no que ouviu, concedeu-lhes as patentes e enviou carta para Pedro
Barbosa Leal, à época recém chegado às minas de Jacobina, informando que quando Manoel
Francisco Soledade chegasse ao arraial, o mesmo deveria ser feito capitão mor da povoação.
Em 29 de agosto de 1721, o vice-rei enviou outra carta para o coronel Pedro Barbosa Leal, nesta
missiva ele reproduziu a história que Manoel Francisco Soledade havia lhes dito sobre a disputa
da folheta e solicitou que o superintendente junto com o guarda-mor instituísse uma devassa
para punir e sequestrar os bens de Lopes Chagas e Constantino Vitória, pois ambos haviam se
metido nas lavras de Manoel Francisco Soledade e de Mendes Fagundes.552
Entretanto, enquanto Manoel Francisco se ajeitava para seguir viagem à Jacobina na
companhia de Lopes Chagas, o coronel Barbosa Leal tratou de tomar informação com Mendes
Fagundes (que já tinha retornado à Jacobina) sobre o verdadeiro ocorrido da contenda. Por carta
de 17 de setembro de 1721, o vice-rei, já ciente do procedimento fraudulento de Manoel
Soledade escreveu nova missiva ao superintendente Pedro Barbosa Leal, cujo teor dizia:
Já escrevi a vossa mercê sobre o requerimento que me fez Manoel
Francisco dos Santos, dizendo-lhes as ordens que sobre ele passei, e a
nomeação que nele fiz do posto de capitão-mor dessa povoação do qual
lhe mandei passar patente, e como depois de tudo tivesse mui diferentes
notícias tanto do dito requerimento, como da capacidade desse sujeito
se me faz preciso escrever a Vossa mercê estas regras para lhes dizer,
que achando-o vossa mercê com incapacidade para aquele exercício,
lho embarace, e me diga tudo o que souber do procedimento do dito
Manoel Francisco como do que contém a primeira carta que por ele
escrevi a Vossa mercê.553

Assim, seguiu Manoel Francisco Soledade para Jacobina, conforme foi dito no auto de
justificação feito por Pedro Barbosa Leal:
[...] vendo se o autor Manoel Francisco dos Santos constituído na
dignidade de capitão mor da Jacobina e com o dinheiro que se lhe deu
na Casa da Moeda da folheta que industriosa e falsamente quis fazer
sua, se resolveu a ir para a Jacobina com toda a casa e família que ainda

551
Lembramos que no ano de 1721 o recolhimento dos quintos em jacobina ainda estava em fase de implantação.
Era recorrente alguns súditos, para fazer vezes e conseguir mercês com as autoridades do governo, vir a salvador
dá entrada com quintos de ouro relativo a algum ribeiro que alegavam ter descoberto ouro.
552
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas dos Governadores. 1720-1722. Vol. XLIV,. Typografia
Batista de Souza. Rio de Janeiro, 1939, p. 96-98.
553
Ibidem, p. 98.
286

que era pouca; foi tal a sua miséria que foi necessário que sua mulher
se valesse do dito Manoel Lopes Chagas para os conduzir e ou porque
seu marido era torto e receava que a não guiasse bem ou por que viu
que Manoel Lopes se achava com cavalos e escravos e ouro para os
poder comboiar se não foi que vendo o aleijado do braço direito a não
poderia defender em tão deserta campanha quem a não sabia guardar
em sua casa em boa conformidade;554

Nesse entremeio, o coronel superintendente já andava em averiguações na Jacobina.


Após receber ordens do vice-rei, instruiu o guarda-mor Gaspar Pereira Ferraz para fazer auto
de inquirição com testemunhas e falou com o capitão Gaspar Alvares, o que lhes permitiu
confirmar a versão do dito Mendes Fagundes. Quando Manoel Francisco Soledade chegou à
Jacobina em 15 de novembro de 1721, o coronel já tinha percebido toda a sua embrulhada e de
posse de uma ordem do vice-rei, que também descobriu a trama, não deixou que Soledade
tomasse posse no posto de capitão-mor. Já antevendo o que lhes esperava, Manoel Francisco
Soledade enviou uma carta a Pedro Barbosa Leal em 23 de novembro de 1721, na qual dizia:

[...] Com toda a veneração, beijo os pés a vossa mercê, sinto não ter suficientes
palavras para com estas me mostrar agradecido aos grandes favores que da
suma bondade de vossa mercê tem concebido, para que se lhe não faça
suspeitosa esta minha confissão, quisera só que vossa [mercê] me reconhecera
(sic) mui contentíssimo, vendo-me com a esperança de ser restituído do meu
antigo sossego pela proteção de vossa mercê, da qual e do que ainda me
procura desviar o malvado ânimo de Manoel Mendes Fagundes, com suas
diabólicas tentações [...] E também quisera dever a vosso mercê mais o favor
de abreviar-me a restauração do meu crédito informando ao Excelentíssimo
Senhor vice-rei com a dita escrita; 555

Juntamente com a carta citada acima, seu autor, Manoel Francisco Soledade incluiu
cópias de mais duas missivas que tinham sido enviadas por Mendes Fagundes para ele. Em um
trecho dessa carta pode-se ler os termos da cobrança que ele fez a Manuel Francisco pela venda
das folhetas de ouro.

[...] vai esse portador saber da saúde de vossa mercê e como lhe foi em
caminho e pedir-lhe se lembre de mim, pois o que lhe vendi não foram tabacos
nem açúcar, foram cinco libras e uma quarta de ouro da minha folheta e não
permita vossa mercê venda os meus negros para pagar cavalos e dinheiro de
empréstimo para comer em caminhos e se satisfaça vossa mercê em me querer
tirar o meu direito e dá-los aos que me pediram a bolsa ou a vida e veja que
vivo enganado e bem vendido, [avistasse] comigo que assim lhe importa
ajustaremos nossas contas e traga me o que puder e seja logo, não espere maior

554
IHGB. LEAL, op. cit., fls. 21 e 21v.
555
IHGB. LEAL, op. cit., fls. 94.
287

ruína, Deus guarde a vossa mercê muitos anos alhures, 22 de novembro de


1721.556

O trecho retirado da carta contém pequenas sutilezas que indicam a forma com a qual
se faziam tratos no sertão. As folhetas foram vendidas por Mendes Fagundes a Manoel
Francisco Soledade com base em uma relação de confiança, já que o primeiro tinha ido se
hospedar na casa de Manoel Francisco e confiou ao mesmo a sua parte do ouro no acerto que
fizeram, por isso, esperava ser restituído do valor que lhes cabia. Mostra também que muitos
homens se endividavam para pagar os custos das viagens pelo sertão, “não permita vossa mercê
venda os meus negros para pagar cavalos e dinheiro de empréstimo para comer em caminhos”,
sinal de que viviam de fazer expedições custosas, certamente fiados de que achariam mais ouro.
Ademais, Mendes Fagundes dizia no início da missiva está adoentado há cinco semanas, motivo
a mais pelo qual precisava urgente do dinheiro do qual era credor.
De todo modo, as súplicas de Manoel Francisco Soledade não surtiram efeitos no
superintendente Pedro Barbosa Leal, que o remeteu preso à cadeia de Salvador juntamente com
Manoel Mendes Fagundes porque ambos haviam jurado falso sobre a história da sociedade que
registraram no tabelionato de Cachoeira, produzindo um termo com o qual enganaram o vice-
rei. Ao final dessa grande embrulhada, o superintendente Pedro Barbosa Leal chegou à seguinte
conclusão:
É toda a verdade do caso sucedido entre estes quatro homens, Manoel
Francisco dos Santos, Manoel Mendes Fagundes, Constantino Gomes Vitória
e Manoel Lopes Chagas. Que achando-se as minas das Jacobinas sem
administração e sem regência tomava cada um a terra que lhe parecia para
minerar e abrir lavras e valendo-se deste privilégio Manoel Mendes Fagundes
se asituou (sic) no [local] chamado das Almas aonde marcou para si a terra
que lhe pareceu na qual começou a minerar [...]557

Francisco Soledade já era de outras circunstâncias, um velho conhecido do coronel


Pedro Barbosa Leal. Outros documentos anexos ao processo deixam entrever que a mulher de
Manuel Francisco Soledade era uma protegida da sogra de Pedro Barbosa Leal, D. Inês Aranha.
Desconhecemos como se deu tal aproximação, porém segundo consta nos autos, a sogra de
Manoel Francisco Soledade, portanto, uma parente próxima era favorecida de D. Mariana
Pereira, tia da esposa de Pedro Barbosa Leal.558 Além dessa aproximação com o núcleo familiar
do coronel, Soledade já era famoso na vila de Cachoeira pelos embustes nos quais andava

556
IHGB. LEAL, op. cit., fls. 245
557
IHGB, Leal. op. cit., fls. 28v.
558
De acordo com os autos “e fiado também em que sua sogra era favorecida de Dona Mariana Pereira tia da
mulher do réu de quem também lhe levou carta, sendo que era falsa”, IHGB, Leal. op. cit., fls. 299.
288

metido, tendo sido preso várias vezes por dívidas e trapaçarias. Ele era filho de um surrador de
couros e sua mãe era padeira, ambos viviam de seus negócios em um canto do Terreiro de Jesus,
a principal freguesia da cidade da Bahia, portanto, possuía uma origem familiar modesta.
Manuel Francisco Soledade exercia seu ofício de ourives e em 1711 foi para as povoações do
rio de São Francisco, lá se envolveu em mais uma de suas “carambolas e velhacarias” por cuja
causa levou uns tiros e ficou aleijado de um braço e torto. Após esses mal sucedido ele voltou
preso para a vila de Cachoeira e segundo consta se fingiu de doido confirmando suas peculiares
artimanhas.
Pedro Barbosa Leal fez uma minuciosa narração sobre a vida errante daquele pobre
diabo. Inclusive contando detalhes de sua intimidade. Dizia ele que quando Manoel Francisco
Soledade se refugiou no rio de São Francisco na altura do Rio das Velhas para trabalhar como
ourives, deixou sua mulher na cidade da Bahia, literalmente, em maus lençóis.
Provará que o Autor nunca teve honra porque sendo a maior honra dos homens
o bom trato e estimação de suas mulheres o Autor estimou a sua tão pouco
que estando casado na cidade da Bahia trabalhando pelo seu ofício de ourives
se foi para o sertão com a sua tenda deixando sua mulher ao desamparo que
precisada das grandes necessidades que padecia para o sustento natural se
expôs a ganhar por atos ilícitos o que lhe era necessário para se remediar, e
depois que veio do sertão corrido dos tiros que lá lhe deram fazendo-se
morador dos Campos da Conceição perto da Villa da Cachoeira, levou da
cidade da Bahia para o dito lugar a sua mulher, aonde fez aquela familiar
sociedade com Manoel Lopes Chagas da onde (sic) foram juntos para a
Jacobina ficando hospedes de Manoel Lopes Chagas aonde era público e
notório que assim ele Autor como Manoel Lopes Chagas usavam ambos da
dita mulher [...].559

Portanto, Pedro Barbosa Leal, insistiu na versão que Manoel Francisco Soledade havia
se consorciado com Manoel Lopes Chagas não somente na folheta de ouro, mas também como
era público e notório que ambos usavam sexualmente da pobre mulher, a esposa de Soledade.
Por essas e outras tantas circunstâncias, o coronel – réu no referido processo – buscou provar
que o autor era um sujeito desqualificado, sem honra, sem cabedal e que vivia de enganosos
negócios. Importante notar que toda a história contada por Pedro Barbosa Leal foi amparada
por sua correspondência pessoal inclusas no auto de justificação.
Após saber toda a verdade, o vice-rei enviou despacho para que Barbosa Leal autuasse
Manoel Francisco Soledade e o remetesse preso à cadeia de Salvador. Na viagem de volta a
mulher de Manuel Francisco rogou para que Lopes Chagas viesse conduzindo-os até a cidade
da Bahia.

559
IHGB, Leal. op. cit., fls. 46v-47.
289

[...] foi pedir instantaneamente que quisesse o réu [o coronel Pedro Barbosa
Leal] remeter seu marido preso por Manoel Lopes Chagas que como os havia
conduzido por acima, nela tornava com seu marido para baixo, queria que o
mesmo Manoel Lopes Chagas os tornasse a conduzir pois tinha já
experimentado os carinhosos afagos com que a tratava, no que o réu conveio,
compadecido quiçá de algumas lágrimas que lhe viu derramar, se
experimentasse a ambiência de tão pio condutor e assim movido, Manoel
Lopes Chagas dos rogos da sua hospede largou barcos e redes pela vir a
acompanhar e conduzir, assinando um termo de como o réu lho entregava
preso e se obrigava a entregá-lo, como fez a ordem do excelentíssimo senhor
vice-rei e capitão general deste Estado.560

De acordo com a versão de Manoel Francisco Soledade, em dezembro de 1721 ele


exercia honrosamente o posto de capitão-mor na vila de Jacobina, com rendimento de 40 mil
cruzados. Informou também que possuía 16 escravos minerando nos rios Palmar, Ouro Fino,
Figuras e Pindobaçu, ribeiros que ele havia descoberto antes de qualquer outra pessoa.561 Nestas
circunstâncias ele afirmou que retirava a cada dia ao menos vinte oitavas de ouro
(aproximadamente 30 mil réis) e após ser preso pelo coronel Pedro Barbosa Leal e mais outros
“sequazes”, ele disse ter perdido mais de 120 mil cruzados, pois seus bens ficaram em posse
dos expoliantes, o coronel Pedro Barbosa Leal, Manoel Lopes Chagas e Cristóvão Ribeiro de
Novaes. Todos eles teriam utilizado de diversas portarias do vice-rei para não devolver os bens
do suplicante. Diante dessa caluniosa injustiça, o autor do processo solicitava que seus bens
fossem restituídos e os seus algozes punidos.
Assim em 1730, ou seja quase 9 anos após a contenda entre os mineiros ter ocorrido,
Pedro Barbosa Leal foi citado para comparecer pessoalmente à casa do tabelião da vila de Santo
Amaro para ficar ciente da petição do autor. Poucos meses depois, logo no começo de 1731 ele
apresentou sua contestação a qual assinou, por ter se escusado o seu advogado. Com a erudição
que lhe era peculiar, não admira ele também dominar termos jurídicos. A história aqui
apresentada foi narrada com base nessa defesa.
De fato, durante os anos dessa pesquisa, tive dúvidas sobre a versão dos fatos contada
pelo coronel Pedro Babosa Leal no auto de justificação, o qual serviu de instrumento de defesa

560
IHGB, Leal. op. cit., fls. 22v
561 Logo nas primeiras folhas do auto de justificação há um requerimento por parte do réu para que o autor
declarasse nos autos os nomes dos escravos que dizia ter em Jacobina. Assim Manoel Francisco Soledade declarou:
“Jura o autor de calúnias por seu procurador e declara que os escravos que possuía na Jacobina entre mineiros e
os mais eram os seguintes: Antonio Ventura, Antonio Barbeiro, Antonio pajé, Antonio Pedreiro, Antonio taboca,
Antonio novo, Antonio magro, Antonio cumprido, Antonio mandinga, Antonio caboverde, Agostinho, Bernardo,
Caetano correyo, Christovão trombeta, Francisco curto, Francisco mulato, João Macacu, Joseph Correyo,
Lourenço, Manoel Trombeta, Manoel Carosso, Apolinário sapateiro, Pedro pagem, Vicente, Lara, Isabel, Ignacia,
Joana, Leonor, Tereza seo filho mulato e Úrsula.” Entretanto pelas listas de população que foram arroladas pelo
pároco e pelos capitães e inclusas no processo, pode-se perceber que nenhum desses escravos andavam por
Jacobina. IHGB, Leal. op. cit., fls. 10v.
290

do réu em relação às acusações de Manuel Francisco Soledade. Contudo, o processo pouco ou


nada oferece em termos de documentação que nos fizesse perceber o outro lado da moeda. Em
outras palavras, o autor do processo deixou o mesmo correr à sua revelia e os seus procuradores
bastantes, apesar de terem sido citados diversas vezes pelos juízes das vilas e desembargadores
do Tribunal da Relação não compareceram em nenhuma das circunstâncias para contradizer as
provas que foram oferecidas pelo réu. Com isso Manoel Francisco Soledade ficou incapacitado
de lançar no processo os Embargos de Contraditas, ou seja, por não ter tomado conhecimento
das declarações das testemunhas citadas pelo réu, o autor não teve como incluir suas
testemunhas ou contestar a versão trazida no auto de justificação. Já no final do processo um
dos procuradores do autor, o bacharel Francisco da Cunha Torres, requisitou novamente ao
doutor Chanceler da Relação Luís Machado de Barros que reconsiderasse o pedido do autor,
mas isto não foi feito.
E com razão; porque sem embargo de que no dito tempo assinado não fizesse
diligência alguma, como os seus procuradores não tinham informação para
poderem pedir carta para fora da terra por se achar o autor legitimamente
impedido – como é notório – no serviço de Sua Majestade no novo
descobrimento das minas do [Giquié], onde se acha sempre conforme a direito
deve ser admitido a fazer sua prova, por não correr o tempo ao legitimamente
impedido, ainda quando se acha o autor em parte, donde com facilidade não
pode ser noticiado dos progressos desta causa pela falta dos correios e a fim
de que seja restituído e admitido a dar prova, e fazer tudo o mais que a bem
for de sua justiça oferece esta razão por embargos ao lançamento.562

O trecho acima deixa entrever que o autor ficou ou foi impossibilitado de tomar
conhecimento da causa. O processo durou dois anos e nesse período Manoel Francisco Soledade
já estava engajado em outros projetos de descoberta de ouro nos vales do rio Jiquiriçá. O
processo teve seu fim em 1732, e o Chanceler da Relação Luís Machado de Barros deu os autos
por conclusos, sem acatar o pedido do autor para entrar com suas provas e testemunhas.
Francisco Manoel dos Santos Soledade é um personagem nebuloso, digamos assim,
um bandoleiro dos sertões. Mas nem por isso ele deixou de ser um personagem com uma rica
história e uma grande desenvoltura, a partir da qual acumulou mercês régias e uma certa
anuência do Conselho Ultramarino.563 Apesar de quase todas as informações trazidas neste
capitulo terem sido retiradas do referido processo, através inclusive dos autos de inquirição das
testemunhas apresentadas pelo coronel ou então de documentos escritos sob a ótica do governo
da capitania, não deixa de ser bastante atraente as empreitadas feitas por ele, que serão
brevemente contadas nas linhas seguintes.

562
IHGB, Leal. op. cit., fls. 346v.
563
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.37, Doc. 3386
291

Após ser enviado preso para a cidade da Bahia Manoel Francisco teve seus poucos
bens penhorados para pagar os quintos da fazenda real, referentes a alguns negócios que ele
realizou quando esteve por 37 dias nos distritos das minas de Jacobina. Entre os anos de 1723
e 1728 Manoel Francisco Soledade se refugiou próximo à vila de João Amaro nas terras do
Coronel Manoel Araújo Aragão.564 Várias testemunhas disseram tê-lo visto com a barba
crescida e lá fez-se ermitão por alguns anos, vivendo na sacristia da capela de Santo Antônio
às custas das esmolas de viajantes e comboieiros. Ao mesmo tempo, ele sempre buscava
informação sobre os novos descobrimentos e detalhes das jornadas do sertão com os demais
viajantes que por ali passavam. Diz-se até que estava de posse de um mapa do capitão-mor
Antônio Veloso da Silva, que por vezes passava naquela estrada em função das diligências que
fazia para o governo da Bahia. Se o leitor até agora achou pouco o que leu até aqui, prepare-se
para o que vem adiante.
De posse de várias informações sobre a conquista do gentio e os caminhos do sertão,
em 1730 ele foi para a cidade da Bahia e de lá embarcou-se escondido para o reino. Isso mesmo!
Francisco Manoel Soledade dirigiu-se à corte e “com atrevimento jamais visto nem imaginado
foi à presença de Sua Majestade”565 requerer uma mercê junto ao rei D. João V. Nessa audiência
ele alegou que vinha por mais de 30 anos correndo a maior parte dos sertões e neles demarcou
muitas minas de ouro e prata, apresentou um mapa que ele havia feito dos ditos sertões e alegou
que no decurso daquele tempo havia pacificado índios da costa sul da Bahia até as vertentes do
rio Pardo, tendo com isto empregado seus escravos, cavalos e fazendas. Como se não bastasse,
tinha fundado missões e descobriu as minas de Itacambira “e que fora ele o primeiro que
estabelecera os quintos levando-os a entregar e pagar à Casa da Moeda da Bahia
voluntariamente.”566 Para melhor certificar o rei que sua história era verídica, ele mostrou o
braço direito aleijado dizendo ter sido alvejado por flechas de índios bravos, portanto, ferimento
de guerra.567
A história pareceu bastante factível aos ouvidos de D. João V - consigo até imaginar a
fascinação despertada por aquela retórica –sobretudo pela oportunidade criada por aquele súdito
de compartilhar com o rei histórias de ricas experiências vividas nas conquistas. O governo de

564
Conforme atestaram várias testemunhas juradas aos Santos Evangelhos em inquirição na vila de Cachoeira.
IHGB, Leal. op. cit., fls. 73 e segts.
565
IHGB, Leal. op. cit., fls. 197
566
Ibidem.
567
A história do aleijão do braço de Francisco Manuel Soledade em guerra contra os índios foi contestada por
Barbosa Leal que provou que o ferimento ocorreu no ano de 1710 por uns tiros que tomou do capitão Belchior
Freire que “mandou por três escravos seus atirar-lhe à espingarda de cujos tiros ficou o autor aleijado e torto.”
IHGB, Leal. op. cit., fls. 195
292

D. João V esteve especialmente preocupado com o avanço das fronteiras coloniais, período no
qual a conquista do sertão havia ganhado novo fôlego, por isso a complacência régia para
atender ao pedido daquele intrépido sertanejo. De fato Manoel Francisco Soledade forjou cartas
de serviços, falsificando assinaturas para justificar perante sua majestade o merecimento
daquelas mercês.568 O rei concedeu-lhes o título de Superintendente das conquistas dos
Bárbaros e Novas Minas, podendo fazer seus descobrimentos até 40 léguas de sertão, trazendo
consigo expressas ordens régias sobre esse privilégio. E para completar o pacote de graças
régias, recebeu a mercê de Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo. 569
As imposturas de Manoel Soledade constituem-se na antítese do procedimento de
Pedro Barbosa Leal. Sem dúvida a escala da empresa daquele foi bastante audaciosa, talvez por
não ter conseguido em tantos anos sucesso algum nos seus negócios. Os anos de 1730 a 1732
para o audacioso Manoel Francisco Soledade foram marcados por entreveros com o vice-rei,
que nunca teve dúvidas sobre o caráter daquele homem. A ironia é que ele estava sempre
recorrendo à proteção régia para dar cabo de suas novas descobertas, tendo feito diversos
requerimentos indicando que o vice-rei o perseguia.
Seu procedimento estava sempre sob suspeita, principalmente porque intentava fazer
exploração de ouro em locais proibidos pelo governo. Em uma ocasião ele abriu um caminho
para fazer exploração de minas em Mamocabo, distante apenas 3 léguas da vila de Cachoeira e
nas bordas da costa do mar. Em petição de 20 de julho de 1730, Jerônimo de Souza de Carvalho,
um lavrador da região, remeteu uma queixa ao vice-rei sobre uma invasão ordenada por Manoel
Francisco Soledade à sua fazenda.570 Suas terras teriam sido invadidas por vários homens que
com violência fizeram escavações sem o seu consentimento. O lavrador ressaltou o prejuízo
que cairia sobre ele por conta de haver comprado “por preço considerável” e de haver “moído
na fábrica dela grande cabedal”. Sabendo ele que suas terras não eram lugar para haver minas,
por conta de serem cultivadas lavouras de cana, tabaco e mandioca, advertiu ainda que a mesma
ficava à margem do rio da Cachoeira, ou seja, no Recôncavo e próximo dos principais engenhos
e fazendas de cana. Portanto, explorar ouro naquela região era terminantemente proibido pela
coroa.

568 O capitão mor Antônio Veloso da Silva e seu sargento mor Francisco Marques de Oliveira enviou documento
dizendo que nunca passaram cartas de serviços ao suplicante. Cf. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 31, doc. 67.
569
Não foi possível confirmar essa mercê. Mas em uma petição enviada ao vice-rei em 1730 Manoel Francisco se
intitula Cavaleiro da Ordem de Cristo e superintendente da conquista dos Bárbaros e novas Minas, requerendo que
Vasco Fernandes o auxiliasse para recuperar os seus bens e entrar novamente em descobrimentos de minas. Como
lhes parecia ao seu arbítrio, o vice-rei negou-se a atender o seu pedido. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 37, Doc. 3356.
570
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 38, Doc. 3485
293

O Conselho Ultramarino foi contrário aos descobrimentos nessa localidade. Segundo


o parecer de abril de 1731, esses descobrimentos só serviriam para “inquietar” os trabalhadores
que estavam encarregados das lavouras. E as oitavas que foram enviadas não eram suficientes
para suprir o dano que seria feito, caso os trabalhadores deixassem seus afazeres. Ressaltava
ainda que essas minas eram muito próximas ao rio navegável daquela localidade, ficando
expostas ainda a ataques de estrangeiros. O Conselho Ultramarino advertiu que a resolução
enviada pelo rei indicava que Manoel Francisco Soledade fosse administrador das novas minas
que ele pudesse descobrir no sertão, apontando que ele próprio se ofereceu para o serviço, e não
nas terras já povoadas e com lavouras, como era o caso das margens do Rio da Cachoeira. 571
Dentre as correspondências encontradas no AHU constam também algumas emitidas
pelo superintendente. Em uma das suas cartas, Manoel Francisco Soledade escreveu de forma
bastante respeitosa ao Conde de Sabugosa, demonstrando toda sua presteza diante da autoridade
a qual estava se dirigindo e negando todas as acusações feitas por Jerônimo de Souza de
Carvalho à sua pessoa. A lógica da sua argumentação valorizava os resultados alcançados, já
que encontrar ouro naquelas terras estaria em consonância com o aumento da Fazenda real. Na
ocasião ele enviou 100 oitavas de ouro à Casa da Moeda em um baracho fechado para seguir
na frota e ser entregue diretamente ao rei.572 Nas suas comoventes palavras ele disse: “porque
sem sonhos, mais sim com realidade ofereço minas a vossa majestade.”573 Em sua missiva
negou as acusações que lhes foram feitas, mas ao longo da carta deixou escapar que não estava
se importando com as repercussões de seus intentos, nem mesmo se estava agindo em
conformidade com as leis, o que para ele realmente valia, eram os resultados alcançados.
No ano de 1731 Soledade já era tido como homem de má honra por grande parte das
autoridades da capitania. Nesse interim sua situação ficou cada vez mais complicada, pois o
vice-rei após relatar suas tramas, solicitou à coroa que enviasse uma punição digna dos seus
delitos. Provavelmente com a iminente ameaça de prisão, ele se embrenhou novamente sertão
adentro para fugir das autoridades da capitania. Nas palavras de Vasco Fernandes César de
Menezes, a ordem de prisão precisava ser logo emitida, pois se Francisco Soledade passasse
impune, outros mais seguiriam seus maus exemplos.
Em outubro de 1731 Manoel Soledade foi encontrado arranchado em um arraial
montado por ele na vila de Camamu com escravos negros e índios. Essa diligência foi efetuada

571
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 38, Doc. 3485.
572
Conforme informou na certidão do provedor-mor da Casa da Moeda, José Gaioso de Peralta a remessa de
quintos das minas do Mamocabo da vila de Cachoeira. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 40, Doc. 3631.
573
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 38, Doc. 3485.
294

pelo ouvidor da capitania de Ilhéus, Manoel da Fonseca Jordão, designado pelo vice-rei para
entregar à Manuel Francisco uma notificação que o impedia de continuar os seus intentos. Nas
declarações do ouvidor, pode-se ler as últimas notícias sobre o foragido: fazia roças em seus
sítios, continuava com as investidas para descobrir ouro na Barra do rio Jéquié – de onde tirou
35 oitavas com duas bandeiras de 12 homens cada. Resumindo, públicas e notórias eram as
notícias de violências e roubos que seu bando faziam na região. 574
Os atos de Soledade nos sítios da vila de Camamu são uma descrição clara de como
os atos de insubordinação deste poderiam acarretar prejuízos ao bom governo da república e ao
bem comum. Segundo informou o vice-rei, aquele capitão corrompia os moradores da região
com promessas de achar ouro e isso poderia comprometer a segurança da capitania de Ilhéus,
que já vivia correndo riscos por ser tão pouco fortificada.
por que se não castigar a rebeldia e desobediência deste mau homem, haverá
outros muitos que se aproveitem do seu exemplo para o imitarem e
principalmente no Brasil, donde quase todos os moradores do sertão desejam
e procuram viver com liberdade e sem sujeição a justiça, e ordens de vossa
majestade, e para me persuadir a entrar neste projeto, não só concorrerão o
referido, se não também a consideração, que tenho por infalível, de que sendo
os moradores da capitania dos Ilhéus, e dos mais distritos circunvizinhos a
parte donde o dito Manoel Francisco se acha, todos pobríssimos, e sem mais
agência do que a lavoura de mandioca, e a condução da madeira das feitorias
do Cairú, em que se empregam, facilmente abandonarão o seu domicilio, pela
pouca conveniência que terão de um e outro exercício, e se irão para os arraias
de Manoel Francisco empregar no lavor daquele, imaginarão ouro que não
tem conta alguma, assim por lhe ficarem tão próximos, que é em distância de
dez até vinte léguas, como por entenderem que se utilizarão melhor deste
trabalho, e que com ele ficarão livres da miséria em que vivem, e por essa
razão despovoadas e expostas as vilas do Cairú, Boipeba, Camamu, Ilhéus e
outras povoações da costa do mar em que não há a fortificação necessárias
para a sua decência e segurança.575

No ano de 1733, Manuel Francisco dos Santos Soledade por ordem do vice-rei foi
preso na Fortaleza de São Pedro na cidade da Bahia em função dos seus delitos, pois além de
não cumprir as ordens do governo insistia em retirar ouro em locais proibidos.576 No decurso
de todo aquele tempo as autoridades mantiveram-no preso por vários anos, até que no ano de
1739 ele conseguiu ser solto. Procurou-se resumir esse período conflituoso da vida de Manoel
Francisco Soledade, não sendo possível, no espaço deste estudo, estender mais os
acontecimentos envolvendo este sujeito. Buscou-se ressaltar que as trajetórias individuais

574
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 40, Doc. 3630.
575
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 40, Doc. 3630.
576
AHU, Avulsos, Bahia Cx. 43, Doc. 3880.
295

desses dois personagens foram afetadas pelos conjuntos de escolhas efetuadas por ambos, tendo
pesado sobre seus destinos as redes de alianças nas quais cada um mantinha-se envolvido.
Enquanto o coronel Pedro Barbosa Leal foi ao longo de sua vida estimado e honrado
por aqueles que lhes cercavam, o capitão Manoel Francisco Soledade foi perseguido e
constantemente acusado de delitos. Por outro lado, as tentativas de punição de crimes e
desordens nesses territórios forjou um ambiente onde provavelmente os conflitos entre o direito
normativo e costumeiro acabavam por propiciar situações onde o uso do poder e da violência
revelaram-se como estratégicos para manter a ordem social. Em face da coexistência num
mesmo espaço de diversos agentes históricos, tais circunstâncias amalgamaram uma sociedade
baseada em hierarquias sociais necessárias à exploração das áreas de conquista.
Os diversos interesses em sua maioria mostravam-se conflitantes, por isso precisavam
ser resolvidos através dos labirínticos caminhos do exercício da justiça. Manoel Francisco
Soledade em muitas situações buscou a intervenção do Conselho Ultramarino e até da Coroa
para assegurar os privilégios recebidos como graça régia. Contudo, como não possuía a
anuência do vice-rei e nem de outros oficiais do governo, as suas possibilidades de fazer valer
as mercês recebidas estiveram sempre restritas, situação que justifica a queixa impetrada contra
Pedro Barbosa Leal no Tribunal da Relação.
Muitas vezes as decisões em torno de questões que envolviam as zonas de conquistas
apoiavam-se em práticas locais, já sedimentadas e reconhecidas, seguindo as lógicas do direito
particular.577 No entanto, para que se entenda a aparente forma caótica e labiríntica através da
qual os magistrados, juízes, tribunais e mesas, ofícios e agentes agiam, é preciso localizar na
produção de dispositivos discursivos que faziam emergir o contraditório para apontar soluções
e manifestar razões. São esses os caminhos labirínticos que regularam a vida dos homens nas
conquistas e favoreceriam a circulação de ideias, práticas e troca de favores.

Transportado para as colônias – ou seja para um ambiente em que as delongas


das réplicas, desde logo motivadas pela distância, proporcionavam ócios para
a invenção de novos incidentes e em que a inexistência de algumas regras
estabelecidas pela prática (estilos) deixava livre à inventiva toda a chicana do
mundo – o processo afasta-se cada vez mais de uma linha recta entre uma
petição inicial e uma decisão, enfatuando-se e reverberando em mil incidentes,
informações, decisões interlocutórias, conflitos jurisdicionais, cada qual
obedecendo a lógicas, estilos, narrativas e estratégias totalmente distintas, que
se reconhecem na própria maneira de dizer e de contar.578

577
HESPANHA, Antonio Manuel. “Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro.”
In: PAIVA, Eduardo França. (Org.). Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo
português (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Annablume, 2006. p. 36
578
HESPANHA, op. cit., p. 4
296

Esta citação bem esclarece a natureza e os desdobramentos do longo conflito que foi
aqui analisado. A redes clientelares agenciadas por autoridades régias e a nobreza da terra,
incluso aí os sertanistas, coronéis e capitães constituíram acordos tácitos para o uso estratégico
dos recursos materiais e simbólicos que deveriam ser assegurados para o grupo. A ação movida
por Manoel Francisco Soledade contra o coronel Pedro Barbosa Leal contribuiu para a
implicância do vice-rei Vasco Fernandes com o autor do processo. Tal desafeto foi também
agravado pelo fato de Pedro Barbosa Leal ter sido um leal súdito e um dos mais importantes
colaboradores da administração do vice-rei nos assuntos do sertão. Foi por esse motivo que o
referido processo foi encontrado como um dos códices da correspondência de Vasco Fernandes.
Em uma notícia enviada à coroa, Vasco Fernandes resumiu em poucas palavras sua diminuta
paciência:
[...] a petulância, e atrevimento do dito Manuel Francisco, que em todo o
sentido tem abusado do meu sofrimento sem atenção a minha pessoa, e
caráter; quisera que vossa majestade se servisse declarar-me se será do seu
real agrado que eu continue com ele na mesma temperança com que até agora
me tenho havido porque sem receio algum faz capricho de se constitui[r]
insolente. 579

Manoel Francisco Soledade buscou a todo custo manter suas atividades de exploração
do ouro em territórios ‘periféricos’ longe do controle do governo. Esse foi o caso do rio
Jequiriçá na costa no sul da capitania e das minas de Mamocabo próximas a vila de Cachoeira.
A sua malograda tentativa na vila de Jacobina marcou sua existência, mas paradoxalmente, ele
foi bem longe ao conseguir uma audiência com D. João V. Contudo sua má reputação o
impossibilitou de continuar atuando nos distritos oficiais das minas, ordenadas e controladas
pela administração da capitania e da pela própria coroa.
Essas zonas oficiais, tal como foi a o sertão da Jacobina, do rio das Contas, das minas
de Itacambira e Araçuaí – principais zonas de controle do governo para a exploração das minas
baianas - foram normatizadas, em alguma medida, para servir de local de ‘reserva’ de riquezas
para aqueles que estavam ‘comprometidos’ com o projeto de administração das conquistas
conforme as normas e interesses políticos vigentes. Nesse caso, tratou-se especialmente da rede
sob o patronato do vice-rei e tornada exequível a partir da atuação do coronel Pedro Barbosa
Leal. O superintendente mostrou-se como importante agenciador dos capitães da vila
responsáveis pela fiscalização e arrecadação dos quintos.

579
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 40, D. 3630.
297

Por fim, este longo capítulo buscou tratar de duas importantes dimensões da América
portuguesa. A primeira foi a estreita relação entre a criação de hierarquias sociais e a nascente
sociedade formada nas conquistas. Essas relações apoiavam-se na dinâmica do poder local
moduladas na posse de escravos, no controle das minas, no acesso as patentes das ordenanças
e no exercício de cargos camarários. Não à toa que os mineiros Manoel Lopes Chagas, Manoel
Mendes Fagundes e Constantino Gomes Vitória que incialmente se envolveram na contenda da
folheta, após a chegada do superintendente o coronel Pedro Barbosa Leal, conseguiram ser
providos como capitães usufruindo de posições cimeiras, leia-se de mando, na localidade. Tudo
indica que suas estratégias foram as de fazer alianças com o superintendente por este está mais
próximo do centro de emanação do poder, ou seja, do governo da Bahia e da coroa. Aos outros
mineiros coube assegurar as melhores condições de usufruírem daquela nova frente de
exploração econômica, em flagrante contraste com as dificuldades em inserir-se na sociedade
do açúcar.
Nesse sentido, a produção de ouro em uma vila longínqua das malhas da nobreza da
terra sediada em Salvador, oportunizou a leitura dos expedientes através dos quais os
desclassificados também buscavam possibilidades de aproximar-se de um modo próprio da
forma de ser das elites. A leitura trazida por Antônio Carlos Jucá de Sampaio sobre a formação
das elites sociais no novo mundo nos servem de baliza, quando o autor considera que “a
plasticidade da sociedade da América portuguesa contribuía para a ascensão à elite de
indivíduos oriundos dos mais diversos extratos sociais.”580 Este capítulo foi mais uma das
tentativas de esmiuçar esta plasticidade.

580
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os Homens de negócio e a coroa na construção das hierarquias sociais: O
Rio de Janeiro na primeira metade do século XVIII.” in: FRAGOSO, João; GOUVEA, Maria de Fátima. (orgs.).
Na trama das redes: Política e negócios no Império Português, séculos XVI – XVIII. Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 2010. p. 462
298

Capítulo V – A arrecadação fiscal nas vilas auríferas da capitania da Bahia

A capitania da Bahia desde o século XVII produziu em grande quantidade produtos


como o açúcar e tabaco, imprescindíveis para a economia do império ultramarino português. O
porto de Salvador foi um dos mais importantes entrepostos de abastecimento de mercadorias
vindas dos quatro cantos do império, sendo inegável a sua influência nas rotas mercantis que se
estabeleceram tanto internamente, quanto no Atlântico sul. Destarte os principais produtos
utilizados nesse comércio o ouro também começou a integra-se de forma intensa nas rotas
comerciais. Mesmo o tráfico com a costa da África sofreu o impacto com as explorações de
minas no Brasil, sendo o ouro largamente utilizado para a compra de cativos, apesar da expressa
proibição da coroa.581 Portanto, não é novidade dizer que sem dúvida a economia do império
foi afetada pelas descobertas auríferas na América portuguesa.
O regime das frotas regulares instituído a partir de 1649 entre Lisboa e as principais
cidades portuárias da América Lusa levavam açúcar, tabaco, couro e já no início do século
XVIII registrou-se também em Lisboa os primeiros carregamentos regulares de ouro do Brasil.
Tomando como referência o carregamento das frotas sistematizado por Virgílio Noya Pinto582
e por Leonor Freire Costa583, pode-se verificar que a Bahia fez parte do espaço econômico
aurífero desde quando se anunciou os primeiros descobrimento de ouro de aluvião. Virgílio
Noya Pinto ao analisar a correspondência do cônsul da França em Portugal, demonstrou que
em 1712 havia chegado à Lisboa uma carga de 30 mil caixas de açúcar, além de 30 mil rolos
de tabaco, couros e ouro oriundos da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Goa (2 navios).
Nesta frota foram enviados “cerca de 800 arrobas de ouro das quais quase nada é vindo do Rio,
pois os quintos do Rei ficaram por não haver navio de guerra para os carregar.”584 Adiante o
relatório fornece uma interessante observação:
O que é vindo de ouro pela última frota não passa de 500 arrobas, cada uma
de 32 £-peso de marco. É preciso notar que esta quantidade é somente da
Bahia, não vindo nada, ou muito pouco, do Rio de Janeiro, nem para o rei de

581 Por carta de 16 de maio de 1725 o vice-rei informava à Coroa sobre a apreensão de um carregamento de 27
escravos que foi resgatado na Costa da Mina com ouro. Cf. IHGB. DL 56.1-3 MENEZES, Vasco Fernandes Cesar
de. Códices de registro de cartas régias, provisões e requerimentos de S. Majestade e do secretário de Estado a que
respondeu o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, conde de Sabugosa. 1724-1726. 3v. “Sobre
o sequestro que se fez na capitania da Paraíba a Diogo Gonçalves Lima compreendido no bando acerca de não
ir ouro para a costa da Mina.” fls. 198.
582
Segundo Virgílio Noya Pinto o ano de 1697 foi o primeiro registro localizado por ele no qual constam envio de
ouro pelas frotas do Brasil. PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio Anglo-Português. Companhia
editora nacional. São Paulo, 1979, p. 120;
583
COSTA, Leonor Freire.; ROCHA, M.R.; SOUSA, R.M. O Ouro do Brasil. Imprensa nacional-Casa da Moeda.
Lisboa, 2013, p. 49-70.
584
Q.D'O. Portugal, tomo, 45, carta de 18 de outubro de 1712 (Viganego). In: PINTO, Virgílio Noya. O ouro
brasileiro e o comércio Anglo-Português. Companhia editora nacional. São Paulo, 1979. p. 139.
299

Portugal nem para os particulares. (...) A frota anterior a esta última trouxe mil
arrobas e alguma coisa a mais porque o do Rio de Janeiro estava junto (grifo
nosso).585

Esta informação corrobora a ideia de que mesmo antes da abertura oficial das minas
baianas em 1720, já houve registro do transporte de ouro pelos navios que zarpavam da Bahia.
Apesar de não sabermos os detalhes da carga, como sua procedência, emissários e receptores,
percebe-se que esse ouro foi enviado via porto de Salvador, provavelmente por particulares,
homens de negócio que mantinham relações comerciais com seus congêneres no reino. Muito
provavelmente parte dessa e de outras remessas enviadas incluíam ouro que tinha sua origem
nas minas do interior da Bahia. É sabido que boa parte deste ouro era fruto do comércio com as
Minas Gerais, resultado do ir e vir de comboieiros que acessavam as estradas que passavam
pelo sertão da Bahia, sobretudo pelo caminho que ligava Salvador às Minas Gerais.586 No
entanto, convém considerar que já desde no início do século XVIII, cresciam as notícias de
mineiros encontrando ouro nos leitos dos rios próximos à Jacobina e Rio de Contas no sertão
baiano. Mesmo que esses distritos servissem de entreposto do comércio com o gado, lá existiam
minas de onde certamente foi retirado parte do ouro que cruzou o Atlântico aportando em
Lisboa.
De acordo com o estudo de Noya Pinto foi no período de 1735 a 1754 que a produção
aurífera foi bastante elevada, caso fossem contabilizadas as Minas Gerais e o influxo das minas
baianas. Contudo, para muitas regiões onde houve exploração de ouro os registros são muito
esparsos e não se pode computar a produção de algumas áreas justamente pela falta de
documentação. Esse foi por exemplo o caso das minas de Jacobina, Rio de Contas e Araçuaí,
que segundo o autor “devem ter rendido centenas de arrobas, entretanto, não encontramos
elementos que pudessem nos apoiar para uma avaliação mais aproximativa.”587
Entre os anos de 1720 e 1754 três regimes de arrecadação dos direitos régios dos
quintos588 vigoraram nas minas da Bahia: o sistema de taxação por bateias (1720-1727), as

585
PINTO, op. cit., 139.
586
Cf., FURTADO, Júnia. 2014. “Teias de negócio: Conexões mercantis entre as minas do ouro e a Bahia, durante
o século XVIII.” In: FRAGOSO, J; FLORENTINO, M; SAMPAIO, A.C.J; CAMPOS, A. Nas rotas do Império:
Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. 2ª. Ed. Vitória, EDUFES, p.151-175; SANTOS,
Raphael Freitas. Minas com Bahia: mercados e negócios em um circuito mercantil setecentista. Tese (Doutorado
em História) Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de
História, 2013. 371.f.
587
PINTO, op. cit., p. 114.
588
Simone Faria defende a noção de “direito régio” dos quintos ante a concepção de imposto ou tributo devidos
ao monarca Português. Sua investigação de caráter micro analítico e prosopográfico demonstra como a arrecadação
daquele direito régio teve implicações nas hierarquias sociais e políticas da sociedade mineira. Para tanto, construiu
uma análise minuciosa sobre os indivíduos e instituições responsáveis pela coleta dos direitos régios dos quintos
do ouro nas Minas Gerais no século XVIII. Nesse sentido, é que adoto aqui a proposição conceitual da autora,
300

casas de fundição (1727-1735/1751-1754) e a capitação (1735-1750). Essas diferentes


modalidades de arrecadação dos direitos régios não seguiram exatamente o mesmo ritmo do
estabelecido para Minas Gerais ao longo do século XVIII.589 Embora fosse uma política da
coroa unificar as formas de arrecadação dos direitos dos quintos, tornando-as iguais em todos
os distritos das minas do Brasil, as diferenças nos modos e ritmos diz muito sobre as condições
de extração que se faziam nas minas baianas e aí reside uma importante chave interpretativa
para analisarmos as sociedades do ouro.
Um problema se coloca ante o objetivo desse capítulo: a indisponibilidade de
documentação seriada que indique de forma detalhada os diversos expedientes de arrecadação
dos quintos do ouro. Não são conhecidos ou não foram conservados os livros das câmaras das
vilas do sertão baiano, os quais pudessem indicar de forma precisa os sistemas de arrecadação
e os seus responsáveis. Igualmente não estão disponíveis as listagens dos moradores para os
anos de 1720 a 1727, quando nas minas da Bahia os quintos eram pagos por bateias.590 Mesmo
após a edificação das casas de fundição em Jacobina (1727) e em Araçuaí (1730), não foi
possível encontrar mapas sobre os rendimentos destas fundições que permaneceram em
funcionamento até o ano de 1735, quando foi adotado o sistema de capitação.591 Entretanto,
para os anos de 1720 a 1735592 conseguiu-se sistematizar os valores dos quintos que ficaram
registrados nas correspondências do vice-rei quando eram feitas as remessas do ouro nos navios
das frotas.
Para o período no qual a capitação vigorou tem-se informações sistemáticas para os
anos de 1744-1751,593 mas as mesmas dizem respeito à vila de Jacobina. Em 1751 a fundição
de Jacobina foi reaberta e em 1754 foi novamente extinta, mas existem mapas atestando
entradas de ouro para 1755, 1756 e 1757,594 demonstrando que quando havia uma mudança nos

quando me refiro aos expedientes usados pela coroa para instituir diversos sistemas de arrecadação dos quintos
baianos, assim trataremos os mesmos como um direito e não como um tributo ou imposto. Cf., FARIA, Simone
Cristina. 2015. A «matéria dos quintos» e os «homens do ouro»: a dinâmica da arrecadação dos quintos reais na
capitania de Minas Gerais e as atribuições, atuação, perfil e relações dos cobradores dos quintos (c. 1700 – c.
1780). Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 48-53.
COSTA, Leonor Freire, Maria Manuela Rocha e Rita Martins de Sousa. 2002. "A circulação do ouro do Brasil: o
direito do 1%". Instituto Superior de Economia e Gestão – GHES Documento de Trabalho/Working Paper nº 21-
2008.
590
A exceção são as listas dos mineiros e seus escravos de bateias para os anos de 1721 e 1723 já apresentadas no
capítulo IV.
591
Simone Faria afirma que também não encontrou documentação sistemática com os mapas dos rendimentos para
o primeiro período de implantação das casas de fundição: “há um eco nos registros com a implantação das casas
de fundição, de 1725 a 1736 não encontramos registro seriado algum sobre a cobrança dos reais quintos.” Cf.,
FARIA, op. cit., p. 125.
592
AUC, CCA, Livro Governo Bahia, 1720-1728, VI–III-1-1-11, fls. 29, 116, 225v, 246v, 283v, 439v.; Livro
Governo Bahia, 1729-1735, VI–III-1-1-12, fls. 46, 85, 252v., 258, 371, 431v, 456v.
593
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 51, doc. 4478; Cx. 94, doc. 7560; Cx. 112, docs. 8790, 9511.
594
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 132, doc. 10307.
301

sistemas de arrecadação, fazia-se necessário um período de adaptação e transição entre um e


outro sistema de cobrança. O recorte cronológico adotado neste capítulo encerra-se em 1751
quando efetivamente foi criada a Intendência Geral do ouro. Esta instituição assumiu as funções
relativas ao controle da arrecadação dos quintos do ouro, inclusive, visando o combate aos
descaminhos. Portanto, para o período de 1720 a 1751 conseguiu-se reunir informações de
caráter quantitativo, tais como os valores dos quintos remetidos pelas frotas da Bahia (1720-
1735) e o rendimento da capitação (1736-1751). Em 1751 o Desembargador Wenceslau Pereira
da Silva foi nomeado como intendente geral da nova cobrança dos quintos da Bahia,595
momento em que foram reativadas as casas de fundição entre os anos de 1751-1754, após isso
foram fechadas definitivamente.
Este capítulo, portanto, foi escrito tendo por base a documentação produzida pelo
governo da capitania da Bahia, nomeadamente, as correspondências arquivadas na Secretaria
de Estado do Brasil, os avisos ou consultas que foram trocadas entre o vice-rei e o Conselho
Ultramarino. Cabe destacar que tais as informações, isto é, as avaliações sobre as situações das
minas baianas que o vice-rei enviava à Lisboa, por sua vez estavam baseadas em notícias
produzidas por seus prepostos, homens de sua confiança e responsáveis pelo controle social e
fiscal nos distritos minerais. Foi através dessa correspondência que pode-se localizar os avisos
de envio dos valores dos quintos pelas frotas que partiam de Salvador.596
Na documentação disponível no Arquivo Histórico Ultramarino há muitas menções ao
fato de que a arrecadação dos quintos régios teria sido em grande medida responsabilidade dos
superintendentes dos distritos minerais, os quais, auxiliados pelo guarda-mor e seu escrivão,
remetia os valores para a Casa da Moeda da Bahia.597 Devido à limitação qualitativa das fontes
disponíveis, só possível conhecer parcialmente as atribuições e as trajetórias dos agentes que
empreenderam a recolha dos quintos quando estes já eram importantes aliados na rede
governativa do vice-rei, conforme será explicado adiante.
Este capítulo dedica-se a perceber os expedientes de arrecadação fiscal dos direitos
dos quintos régios e sua flexibilização ou negociação junto aos moradores das vilas auríferas.
Documentação rica em detalhes, as cartas contém variados assuntos, contudo escolhemos nos

595
AHU, Avulsos, Bahia. Cx. 106, Doc. 8330.
596
A troca de correspondências entre o rei, o vice-rei e a Secretaria de Estado encontra-se organizada de forma
sistemática no Arquivo da Universidade de Coimbra. No Arquivo Histórico Ultramarino pode-se encontrar cópias
repetidas daqueles documentos além de consultas, ordens régias, avisos, provisões e pareceres sobre o estado das
minas baianas. AUC, CCA, Livro Governo Bahia 1720-1728, VI–III-1-1-11; Livro Governo Bahia 1729-1735,
VI–III-1-1-12.
597
Segundo Boxer, a Casa da Moeda da Bahia foi aberta em 1694 com o objetivo de produzir moeda provincial
de menor valor. Um ano depois a casa foi transferida para o Rio de Janeiro e depois para Pernambuco.
302

deter em alguns tópicos: a instalação e os efeitos da criação das casas de fundição nas vilas
auríferas; quando foi possível computar, sistematizamos os valores dos quintos, sua origem e
data em que foi remetido; as inúmeras justificações do vice-rei para o atraso no envio dos
quintos; as descrições acerca da situação dos moradores das minas, nomeadamente a penúria
que viviam; as intempéries ecológicas que impediam que a arrecadação fosse feita a tempo de
ser embarcada nas frotas e por fim os mapas dos direitos régios dos quintos que foi possível
sistematizar mesmo com a ausência de registros para alguns anos. Com estas informações
pretende-se mapear a dinâmica social da produção política da economia aurífera, para
demonstrar que o pagamento dos quintos dependia de uma série de circunstâncias que
extrapolavam as contingências estritamente econômicas. A eficácia da arrecadação fiscal estava
inscrita em uma trama social que em grande medida condicionava o pagamento dos quintos
régios e dependia da correlação de força dos poderes locais, como se procura demonstrar.

5.1 Formas de arrecadação do direito régio dos quintos nas minas baianas – 1720 a 1727

O sistema de arrecadação régio sobre a exploração de metais preciosos mudou diversas


vezes ao longo do período colonial. A historiografia tem privilegiado o estudo dos diversos
regimes fiscais estabelecidos em Minas Gerais durante o século XVIII como um norteador para
a compreensão das estimativas sobre a produção aurífera, mas sobretudo para demonstrar as
mudanças nas diretrizes políticas do governo das minas.
Simone Faria fez um excelente resumo sobre as modalidades de arrecadação dos
direitos dos quintos régios, com destaque para a alternância da responsabilidade de arrecadação
dos valores devidos, ora nas mãos do poder local, como as câmaras das vilas, ora sob a
incumbências de instituições da coroa, como a Fazenda real ou as casas de fundição.598
Adotou-se aqui a periodização desta a autora por ser um dos mais completos estudos
sobre as modalidades de recolhimento desse direito régio, com informações recolhidas em
fontes primárias das vilas de Minas Gerais, o que garante portanto, a fiabilidade na qualidade
da informação. Desse modo Simone Faria demonstrou que de 1700 a 1710 os quintos foram
cobrado sobre o ouro em pó que circulava com cartas guias nas entradas e saídas das vilas de
Minas Gerais. Entre 1710 e 1713 a arrecadação foi feita por bateias. De 1714 a 1725 quando o
sistema era por fintas, a cota das vilas sofreu uma significativa variação oscilando entre 25 e 52

598
Cf. FARIA, op. cit., p. 41; Ver também a sistematização feita por: PAULA, João Antônio de. “A mineração de
ouro em Minas Gerais do século XVIII.” In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos.
História de Minas Gerais. As Minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do tempo, 2007, vol. 1,
p. 279-301.
303

arrobas de ouro. De 1725 a 1730 foi implantado o sistema de casas de fundição, com exceção
para os anos de 1730 a 1732 quando estas permaneceram inativas em função de uma política
de D. Lourenço de Almeida que baixou os quintos para 12%, assunto que será também discutido
nesse capítulo. Em 1735 a capitação foi instituída e todos os habitantes das minas deveriam
contribuir com a cobrança e esse sistema vigorou até o ano de 1751 quando as fundições
voltaram a funcionar. Finalmente, concluí a autora, “de 1751 a 1803, o quinto volta a ser
cobrado sobre o ouro fundido sob quota fixa de 100 arrobas anuais.”599 Nesse período cumpre
observar a execução da derrama, mecanismo de cobrança utilizado quando a cota não era
atingida.
Nos estudos clássicos sobre o assunto é consenso também admitir a impossibilidade
de se estabelecer com alguma precisão quantitativa a produção mineral ao longo do século
XVIII.600 Na Bahia, entre 1720 e 1727, quando os descobrimentos do ouro aluvional ainda
estavam em curso, vigorou um sistema de taxação dos mineiros a partir da capacidade
individual de extração e de posse de escravos, isso quer dizer, que o pagamento era feito por
bateias. Esse sistema foi introduzido primeiramente nas minas de Jacobina pelo superintendente
Pedro Barbosa Leal, que receoso da renitência dos mineradores em pagar os quintos devidos à
Sua Majestade desde agosto de 1720 até o ano de 1721, precisou ir pessoalmente examinar as
ditas minas buscando meios de convencê-los a pagar os quintos.
[...] parti logo da missão do Bom Jesus e vos dando princípio no seu distrito a cobrança
dos quintos, vim correndo examinando todas as minas, lavras e ribeiros trazendo em
minha companhia o guarda-mor, seu escrivão e tesoureiro com o cofre por que me
resolvi a vir pessoalmente principiar a cobrança dos ditos quintos pelas lavras, por
entender ser de maior efeito a minha presença na consideração de estarem todos
renitentes em pagar os quintos e quererem somente fazer uma convença que os
desobrigasse deste encargo, mas sem embargo de todas as contrariedades que de longe
me anunciavam a vista se reduziam a pagar o quinto, mas como este foi cobrado, pelo
que eles fora depondo é sem dúvida que não quintaram diretamente de todo o ouro
que tinham tirado e para ter com eles maior averiguação me achava sem verdadeiros
conhecimento do ouro que lhes haviam tirado nem coação para que os pudesse obrigar
pelos termos que eu entendia e sei muito bem praticar (grifo nosso).601

A arrecadação dos quintos e o estabelecimento de alguma ordem nas minas era uma
prioridade para a Coroa, mas também para o governo da Bahia, vide ser este o assunto mais
abordado nas correspondências trocadas entre o vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, a
coroa e os oficiais responsáveis pela arrecadação. Ciente da renitência dos moradores em pagar
o que deveriam, o superintendente informava ao vice-rei que não era possível averiguar a
quantidade exata do ouro que os moradores tinham retirado até aquele momento, mas que aos

599
FARIA, op. cit., p. 48
600
PINTO, op. cit., p. 112-113.
601
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338
304

poucos, estava efetuando as cobranças. Os moradores haviam oferecido no princípio da


negociação 1 arroba de ouro (14,688 Kg) pelos quintos devidos desde o ano de 1720 até o de
1722, contudo o superintendente recusou a oferta, pois, segundo suas estimativas, “no estado
presente em que se acham estas minas hão de importar os quintos de três arrobas pela acima.”602
Em sua avaliação, o problema não estaria na potencialidade das minas, que podiam ser maiores
do que as das Minas Gerais, mas “o defeito está da parte dos mineiros [que] por terem poucos
negros [para] escalarem pouca terra e ultimamente não quintarem de todo o ouro que tiram.”603
Outro gênero de problemas se delineavam aos olhos das autoridades régias. A maioria
dos mineiros preferiam retirar o ouro dos leitos e margens dos rios por afirmarem não possuir
condições de “escalar os morros” onde se concentravam as maiores jazidas minerais.604 Este
aspecto não passou despercebido pelo superintendente que notou ser nos morros o local onde
também poderia haver pedras preciosas, mas os mineiros já haviam retirado as que estavam
mais facilmente à mostra.
E suposto isto seja inconveniência parar também redunda em grande proveito
da Fazenda Real, por que se nesses ribeiros se tiram oitavas de ouro, nas serras
se tiram arrobas e eu o que posso fazer é animar aos mais com o exemplo de
romper a primeira serra que se resultar segundas esperanças; seguramente
pode V. Ex.a crer que tem as serras de Jacobina muitas (betas) de ouro e assim
espero que V. Ex.a. se digne mandar-me remeter o dito oficial antes que eu
parta para o Rio das Contas para [o] deixar continuando nesta diligência.605

Havia uma tensão acerca da forma mais conveniente para implantar a cobrança dos
quintos, sobretudo após as notícias de insurreição dos moradores das Minas Gerais ocorrida em
1720, quando tentou-se instalar as casas de fundição.606 As notícias enviadas pelo
superintendente deixam entrever que nos primeiros tempos de implantação da administração
das minas, a cobrança estava condicionada às contingências locais e o governo da capitania
tinha ciência desse fato.

602
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338
603
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338
604
Na carta enviada em 08 de agosto de 1722, inclusa com outras notícias, o superintendente Pedro Barbosa Leal
faz uma longa descrição sobre a potencialidade mineral dos morros, justificando-se pelo não atendimento a um
pedido do vice-rei sobre remeter pedras à rainha. cf. AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
605
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
606
É vasta a historiografia sobre as rebeliões mineiras, assunto que não compete ser discutido tão sumariamente
no exíguo espaço deste capítulo. Em 1718 houve um motim no arraial do Papagaio após a chegada do ouvidor
para a instalação de uma vila. Em 1720 o projeto de instalação das casas de fundição e a consequente mudança na
forma de arrecadação teria sido o estopim da sedição em Vila Rica. O conflito envolvendo o conde de Assumar e
Paschoal da Silva Guimarães possuía suas raízes nas disputas econômicas entre os governadores régios e os
potentados locais que alimentavam dissenções com relação aos métodos de pagamento dos quintos. cf.
DAMASCENO. Arraiais e Vilas D’EL Rei...p. 164-166; FONSECA, Alexandre Torres. “A revolta de Felipe dos
Santos.” In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de Minas Gerais. As
minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do tempo, 2007. Vol. 1, pp. 549-566.
305

A solução encontrada pelo superintendente foi redigir um edital publicado em 15 de


fevereiro de 1722, estabelecendo os critérios para a cobrança dos direitos régios dos quintos,
assim como os locais onde seriam colocados os registros e a casa de administração das minas,
deixando claro para os moradores o que lhes competia no cumprimento de suas obrigações de
súditos.
E logo que os fiz perder o medo que tinham de quintos, tratei de por
arrecadação que me pareceu conveniente ajustando-se a forma das leis, e
atendendo vigilantemente a todas as portas por onde poderá sair o ouro para
fora destas minas: e por que me acho sem regimento algum para me governar
por ele me vali do discurso da razão, que me ditou o manifesto que V.
Excelência verá pela cópia inclusa que tenho mandado por e publicar enquanto
V. Excelência não mandar o contrário e mandar outra forma de arrecadação
que seja de maior efeito.607

O edital, segundo o superintendente, ditado pelo “discurso da razão”, se baseava nas


peculiaridades daquela localidade, de modo a fazer com que os mineradores não tivessem
modos de evadir-se no pagamento dos direitos de Sua Majestade De acordo com o que ficou
estipulado, cada pessoa de qualquer qualidade deveria pagar “o quinto de cada cinco oitavas
uma, de todo o ouro que tirarem,” além de todas as pessoas que entrassem para os distritos
minerais para “comerciar gados, farinha, e todos os mais gêneros comestíveis, e bebidas,
fazendas, secos, e de todos os mais gêneros, e mercadorias de que fizerem comércio.”608
Nas minas de Jacobina foram instituídos dois locais nos quais os mineradores
poderiam fazer os registros do ouro que levavam ou dos produtos que entravam e saíam para
serem comercializados nos distritos minerais.609 Dessa forma o edital especificava que todos
aqueles que entrassem para as sobreditas minas do rio Itapicurú Grande pela parte do sul,
deveriam aceder pela “pela estrada da Varje do Capitão mor João Ferreira da Costa enquanto
se não abre, e franqueia a antiga estrada do Serrapunho.”610 Entrando por este acesso os
mineradores deveriam “registrar e quintar na casa do registro em que há de assistir o guarda-
mor e casa da administração destas minas, donde há de estar o tesoureiro para receber os quintos
das pessoas que nelas quiserem quintar.”611 Os que mineravam na parte norte do mesmo rio
deveriam registrar o ouro no centro da vila, “a donde se põem oficiais destinados para o dito
registro, e arrecadação dos quintos que pertencem a vossa majestade.” 612

607
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
608
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
609
Para a descrição que Boxer faz sobre a dinâmica dos registros em Minas Gerais. Cf., BOXER, Charles. A idade
de ouro do Brasil... op. cit., 172-173.
610
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
611
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
612
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
306

Cumpre observar que o superintendente, exímio conhecedor dos caminhos do sertão,


especificava por quais estradas se poderia ter acesso às minas. O objetivo era coibir as prática
usual dos moradores de evadir-se pelas variadas picadas e caminhos que possibilitavam a
entrada e saída clandestina dos distritos auríferos do sertão. De fato a questão da itinerância e
o constante deslocamento do mineradores era um problema recorrente que preocupava as
autoridades da capitania e estava diretamente relacionado com os descaminhos. 613 Por isso o
edital delimitava que os mineradores e comerciantes deveriam entrar e sair pelas estradas
oficiais, as quais estavam em vias de serem abertas pelo superintendente, pois eram nesses
pontos que seriam fixados os oficiais responsáveis pelo registro do ouro. A relevância do espaço
econômico formado com ouro era tanta que precisava ser detalhada no edital, notificando os
moradores que os critérios para a arrecadação dos quintos incidia não somente sobre a
mineração, mas também sobre as atividades comerciais. Portanto, deveria ser declarados todos
os gêneros de que levavam, incluindo “os escravos que trazem para vender, e os escravos do
serviço que trouxerem, como também declararão e registrarão o dito que trazem em moeda para
trocarem a oitavas de ouro nas ditas minas.614”
O circuito mercantil do gado era uma das principais frentes de movimentação de
pessoas e mercadorias. O edital fornece uma interessante indicação sobre a posição estratégica
de Jacobina e suas conexões com o Recôncavo da Bahia e a capitania de Sergipe d’El Rei
próxima ao rio são Francisco. Os que saíam das minas para esses lugares, estavam obrigados a
passar pela casa de registro na Sapucaia para registarem o ouro que levavam para a Casa da
Moeda da Bahia. Os que entravam nas minas pela parte do norte deveriam passar pela Tapera
do Castelão, “dando entrada na vila aos oficiais reputados ao registro, e arrecadações dos
quintos, registrando na sobredita forma todas as cargas, gêneros, dinheiro, e escravos que
trouxerem.” Após serem feitos os registros poderiam livremente comerciar, contudo se
quisessem sair para “o sertão alto do Rio de São Francisco, para a capitania do Piauí, para o Rio
de São Francisco do Curaçá, e Rodelas ou para o Rio das Contas levando ouro,” 615 tinham a
obrigação de fazer as declarações na casa dos registros.
O gado transportado para as minas poderia ser vendido ou cortado livremente, com a
condição de que fossem registrados junto aos oficiais da arrecadação no prazo máximo de “três
dias depois de entrarem nas ditas minas”. A sonegação de informações sobre a quantidade de

613
Cláudia Damasceno observou na documentação de Minas Gerais que se a itinerância dos paulistas nos primeiros
anos tinha favorecido as descobertas de minas, anos depois isso se constituía em fonte de preocupação da Coroa e
do Conselho Ultramarino. Voltaremos a esse tema ainda nesse capítulo. Cf.,. DAMASCENO, op. cit., p. 159.
614
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 15, D. 1338.
615
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 15, D. 1338.
307

gado incorreria em prisão e castigo “com as penas impostas aos que descaminham a Fazenda
Real.” Na saída pagariam os quintos do ouro resultado das vendas. O edital estipulava da
seguinte forma como os direitos régios incidia sobre o ouro transacionado na compra e venda
de gado e não sobre as cabeças de gado:
[...]todas as mais pessoas que das ditas minas e povoação de Jacobina
quiserem ir para qualquer parte do sertão a comprar gados para vir vender as
ditas minas o poderão fazer livremente, indo primeiro a casa dos quintos a
registrar o ouro que levam para a compra dos ditos gados pagando os
quintos do dito ouro que justamente deverem a vossa majestade (grifo
nosso).616

Enfim, o edital inspirava-se nos capítulos XIV, XV, XVI e XVII do Regimento das
minas de 1702, buscando adequá-lo apropriadamente às contingências locais e assegurar, no
que tange à regulação do pagamento dos quintos, o cumprimento da lei de Sua Majestade. Até
a coroa tinha ciência desse fato, o que pode ser demonstrado em uma emblemática carta que D.
João V enviou para o vice-rei a 09 de fevereiro de 1725, quando os quintos eram arrecadados
por bateias.
Eu El rei vos envio muito saudar; sendo-me presente a vossa carta de 18 de
novembro de 1723 e a de Pedro Barbosa Leal nela inclusa, que fala na
arrecadação dos quintos, e repartição das datas, me pareceu mandar-vos avisar
que sem mostrais que alterais as ordens que tendes a respeito dos mesmos
quintos, os faça cobrar na forma que vos for possível procurando sempre
aumentar o seu rendimento, e quando a experiência vos mostre que por esse
meio tem menos dano a minha fazenda, e poderei continuar sem que por isso
se possa entender que é com aprovação minha, antes mostrareis que o tolerais
por condescender nos rogos que os povos vos fazem, e que só podeis continuar
provisionalmente, pois enquanto se vos não revogam as ordens que tendes
sobre esse particular, não podeis alterá-las tomando resolução final; obrando
nesta matéria com tal destreza e prudência que sejam os mesmos povos os que
vos peçam, admitais os pagamentos dos quintos na sobredita forma [...].617

Nas disputas entre os moradores e os agentes régios nota-se uma série de motivos para
a negociação dos quintos. Por parte dos mineiros havia a alegada escassez de mão de obra,
justificando a baixa capacidade produtiva daquelas lavras. Entretanto o superintendente
apontava que o problema era que as lavras estavam a consideráveis distâncias umas das outras
e ele tinha que ir a cada uma delas para fazer a arrecadação. Tais circunstâncias acentuavam o
costume dos mineiros em evadir-se do distrito das minas saindo pelos vários caminhos do
sertão. Essa peculiaridade reforçava a ideia de que o sistema de taxação nas minas baianas era

616
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, D. 1338.
617
AUC. CCA, Livro Governo da Bahia: 1720-1728. VI–III-1-1-11, fls. 127-127v
308

mais frouxo do que o estabelecido nas Minas Gerais onde o sistema de controle tendia a ser
mais rigoroso.
O fato é que nos anos iniciais, pelo menos em Jacobina e no rio de Contas, a
arrecadação dependia sobretudo do expediente de ação do superintendente o coronel Pedro
Barbosa Leal. Estas circunstâncias evidenciam desde cedo as condições nas quais as minas da
Bahia foram administradas. O vice-rei admitia que estava nas mãos das instituições locais
decidir a melhor forma de arrecadação dos quintos, ao menos até que Sua Majestade, desse a
última palavra sobre a questão.
Pela frota que veio nessa moção recebi um aviso pelo secretário de Estado,
oposto a outro que tive do Conselho, porque este deixava na minha eleição a
forma de cobrança dos quintos da Jacobina, e Rio das Contas, e aquele
insinuava se havia de fazer na forma da Ordenação, e Lei do Reino, talvez
esquecido que nas Minas Gerais, reguladas, e estabelecidas há tantos anos se
cobram por bateias ou lançamentos, que na minha opinião é, ou vem a ser o
mesmo; porém nesta indiferença, e dubiedade devemos praticar por ora o que
for mais útil a Fazenda Real, seguindo a louvável máxima de que nos
gabinetes de Lisboa se não podem positivamente determinar, e resolver os
particulares do Brasil, que qualquer incidente os faz mudar de natureza, e
nestes termos, achando vossa Mercê que é mais útil cobrarem-se por bateias
os quintos das minas, de um, e outro continente o faça praticar assim, até que
Sua Majestade mais bem informado, e melhor estabelecidas, umas, e outras
Minas resolva o que for servido.618

A primeira remessa de ouro arrecadada naqueles primeiros meses referente aos quintos
de Jacobina nos anos de 1721 e 1722 foi registrada em uma carta enviada pelo superintendente
e endereçada ao vice-rei.619 A Casa da Moeda da Cidade da Bahia recebeu um total de 2.283
oitavas de ouro, conforme todos os valores discriminados nas Tabelas 20, 21 e 22. O transporte
do ouro de Jacobina e Rio de Contas era feito por homens indicados pelo superintende das
minas para serem entregues e registrados na Casa da Moeda da Bahia e depois acondicionados
e remetidos pela frota que seguia para Lisboa. Quando o mesmo retornou para a cidade da Bahia
no ano de 1725, trouxe consigo uma boa quantidade de ouro arrecadado nas minas Jacobina e
Rio de Contas, conforme declarou o vice-rei em carta enviada à sua Majestade:
Restituindo-se o Coronel Pedro Barbosa Leal a esta cidade depois de aberto
hum caminho da Jacobina para o Rio de Contas donde estabeleceu uma vila
com o seu magistrado e pôs em forma a cobrança e arrecadação dos quintos
daquelas minas trazendo em sua companhia quatro mil e tantas oitavas de ouro
que são as que pertenciam ao quinto do ano passado vencidos no mês de
julho.620

618
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Cartas e Provisões. 1721-1722. Vol. XLV,. Typografia Batista
de Souza. Rio de Janeiro, 1939, p. 156.
619
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 15, D. 1338.
620 Sobre se haver recolhido a esta cidade o coronel Pedro Barbosa Leal serviço que fez nas dependências de que

foi encarregado e ouro que trouxe de quintos das Minas do rio de Contas. DL 56.1-3 MENEZES, Vasco Fernandes
309

Tabela 20: Quintos arrecadados referentes aos anos de 1720-1721

Período Oitavas Data


05 a 30/01 de 1722 663 Desde 05 de agosto de 1720
24/02 a 04/03 de 1722 548 e 3/4 Desde 05 de agosto de 1721
Total 1211 e 3/4
Fonte: AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338.

Tabela 21: Valores pagos na arrematação de Datas de Mineração de S. Majestade em


Jacobina em 1721

Arrematante Oitavas Local


Capitão Belquior Barbosa
Lobo 76 Ribeiro das Almas
Manoel Pinto de Melo 10 Varge Comprida
Manoel Fernandes da Silva 16 Ribeiro do Brito
Total 112
Fonte: AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338.

Tabela 22: Arrecadação dos quintos de ouro aos referente as minas de Jacobina em 1722

Remessa de ouro 1722 Oitavas


Quintos 637 e 1/2
Datas de S. Majestade 161 e 1/2
Datas da S. Rainha 161 e 1/2
Total 960 e 1/2
Fonte: AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338.

Logo após incluir na correspondência a cópia do edital, o superintendente mencionou


que muitos mineiros vindo das Minas Gerais passavam por aqueles distritos e misturavam o
ouro de um e outro lugar. Nesses casos ele não tinha “muita coação”, ou seja, não lhes restava
muito o que fazer, uma vez que naquele período os seus moradores agiam com “liberdade que
eles tem das Minas Gerais onde só pagam lançamento pelo ajuste que tem feito sem obrigação
de registrarem ouro que trazem.”621
Este detalhe aponta para as usuais estratégias no desvio dos quintos pelos que
circulavam entre as duas capitanias.622 A referência faz sentido, pois entre os anos de 1714 a
1725, conforme constatou Simone Faria, os quintos das Minas Gerais eram feitos por ajustes

Cesar de. Códices de registro de cartas régias, provisões e requerimentos de S. Majestade e do secretário de Estado
a que respondeu o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, Conde de Sabugosa. 1724-1726. 3v.
fls. 20
621
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 15, Doc. 1338.
622
Os currais do Rio de São Francisco ou o sertão também era o destino de muitos homens que fugiam ante a
obrigação de pagar os quintos, conforme observou o conde de Assumar em carta enviada ao vice-rei em 1718. Cf.
DAMASCENO, Cláudia. Arraias e vilas D’EL Rei... op. cit., p. 158.
310

entre as câmaras e a coroa. Esse sistema de taxação permitia que os que comboieiros e homens
de negócios vindos das Minas Gerais para a Bahia ficassem isentos de pagar os quintos quando
já traziam suas cartas de guia ou as barras de ouro das fundições daquela capitania.623 Por carta
de 17 de outubro de 1724, o vice-rei informava sobre o bando que mandou publicar nas minas
de Jacobina e Rio de Contas para proibir que o ouro vindo das Minas Gerais pudesse ser
misturados com o do sertão da Bahia.624
A essa altura a experiência já demonstrava que o perigo residia na circulação do ouro
em pó, por isso os mineradores da Bahia deveriam cumprir o estabelecido no edital publicado
pelo superintendente, o qual determinava o registro do ouro em pó junto ao guarda-mor.625 Este
oficial que também tinha poder de justiça, caberia passar carta de guia encaminhando o detentor
do ouro à Casa da Moeda de Salvador para ser transformado em barras, uma vez que ainda não
havia sido criada a casa de fundição em Jacobina.
A cobrança dos quintos da Jacobina e Rio de contas se faz anual de julho a
julho com mais ou menos oitavas, conforme o número de bateias que crescem
ou diminuem. Na Casa da moeda se faz estas declarações e as mais que
parecem necessárias e pelas cópias inclusas das ordens que tenho passado para
se evitar a extração do ouro das Minas Gerais, e se não equivocar com a da
Jacobina e Rio das Contas é que mando vir debaixo de carta de guia e
confiança ao meterem nesta Casa da Moeda, será presente a conta a V.M.
quanto cuido das minhas obrigações e no ouro que agora vai pertencente a
Jacobina entram 153 oitavas que ali se confiscavam na forma das minhas
ordens. E para que ainda com toda esta cautela não haja descaminho mando
que na Casa da Moeda se confira a cada 3 meses o ouro que entra dos dois
distritos com as relações que de lá me vem.626

Sua Majestade havia dado um prazo de quatro meses, ou seja, entre outubro de 1724
até janeiro de 1725, para que os mineiros da Bahia fossem à Casa da Moeda para fundirem o
ouro. Por provisão de 17 de outubro de 1724, o vice-rei informava a José Gayoso de Peralta,
Provedor da Casa da Moeda, que o mesmo fizesse um levantamento de todo o ouro que naquele
período havia sido levado para ser transformado em barras, indicando inclusive a sua
procedência. Segue abaixo a Tabela 23 com as especificações da origem do ouro.

623
A lei de criação das Casas de fundição das Minas Gerais é de 11 de fevereiro de 1719.
624
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 20, D. 1824.
625
Na carta o vice-rei também determinava que competia ao guarda-mor fazer as diligencias necessárias, para em
caso de dúvida averiguar a procedência da pessoa que transportasse ouro em pó. Este oficial tinha poder de justiça
em primeira instância, se consideramos que podia receber denunciações sobre descaminhos, ouvir testemunhas e
arbitrar a apreensão de bens caso ficasse provada a sonegação fiscal. cf. AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 20, Doc. 1771.
626
IHGB. DL 56.3. Livro de Cartas e Provisões de sua Majestade e do secretário de Estado, a que respondeu Vasco
Fernandes Cezar de Menezes, Vice-rei do Brasil. 1725-1726, fls. 87
311

Tabela 23: Relação de todo ouro que entrou na Casa da Moeda da Bahia desde 19 de
julho a 27 de setembro de 1725

Origem Marcos Onças Oitavas Grãos


Minas Gerais 189 2 3 60
Rio de Contas 46 3 7 36
Jacobina 34 3 4 00
Total 270 1 7 24
Fonte: AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 24, Doc. 2150.

A informação passada pelo provedor da Casa da Moeda indica a diferença entre a


quantidade de ouro vindo das Minas Gerais e daqueles que tiveram sua origem nas vilas
mineradoras da Bahia. Se esse ouro foi levado até Salvador, isso significa que possivelmente
circulou pelo espaço econômico do sertão da Bahia, caso contrário, os mesmos teriam sido
levados para as casas de fundição das Minas Gerais. Nos documentos relativos à Casa da Moeda
da Bahia, este foi o único mapa que foi encontrado indicando a origem do ouro. Este fato aponta
para a preocupação das autoridades da Bahia e de Lisboa em evitar que o ouro das duas
capitanias fossem misturados, já que os sistemas de taxação ainda eram diferentes. Nas Minas
Gerais a lei régia ordenando a criação das casas de fundição foi de 11 de fevereiro de 1719 e o
seu lavor iniciou-se em 01 de fevereiro de 1725, impondo a obrigatoriedade de quintar o ouro.
No mesmo período na Bahia o sistema fiscal ainda era feito por bateias, e no que pese a
obrigação dos mineradores em deslocar-se até Salvador para transformar o ouro em pó em
barretas de 22 quilates, estava evidente que as distâncias e a possibilidade em negociar com o
ouro nos distritos das minas, inviabilizavam a ida dos moradores até a capital.

Tabela 24: Ouro que entrou para ser fundido na Casa da Moeda da Bahia 1725 – 1732

Período Marcos Onças Oitavas Grãos Rendimento Rendimento


total em reis líquido em
reis627
1/10/1723 a 12.520 4 5 54 1.257:115$858628 -
31/12/1724
01/01/1725 a 3.499 2 00 24 23:940$288 16:388$141
19/07/1725

627
Neste mapa o provedor da Casa da Moeda não informou se houve algum rendimento para a coroa, mas somente
a quantidade de ouro que foi fundida e transformada em valores absolutos em réis. Indicou ainda que cada marco
era comprado a 96$000 réis, portanto cada oitava custava para a Casa da Moeda 1$500 réis.
628
Rendimento da Casa da Moeda e que foram remetidos à Lisboa. Charles Boxer apresenta no apêndice III da
sua obra A idade de Ouro do Brasil uma tabela com sistematizações anuais dos valores dos quintos e taxa de
capitação da capitania de Minas Gerais para os anos de 1724-1750. Cf. BOXER, Charles R. A idade de ouro do
Brasil. op. cit. p. 292-293.
312

19/07/1725 a 2.321 6 3 15 14:312$938 5:801$358


31/06/1726
01/01/1726 a - - - - 672:339$600 36:836$447
31/05/1727
01/06/1729 a - - - - 1006:6815$600 50:842$089
31/05/1730
01/04/1730 a - - - - 456:544$000 20:043$739
30/03/1731
01/04/1731 a 3.711 7 2 3 398:711$200 10:931$347
31/08/1732
Fonte: AHU, Bahia. Avulsos. cx. 20, doc. 1816; Cx. 27, doc. 2425; cx. 31, doc. 2785; cx. 37, doc. 3365;
cx. 40, doc. 3626; cx. 45, doc. 3995;

A arrecadação dos quintos estava sempre aquém das expectativas da coroa, conquanto
a descoberta de ouro no sertão tenha movimentado a Casa da Moeda da Bahia, como um efeito
de arraste do espaço econômico criado pela exploração do ouro.629 Por carta de 08 de junho de
1726 o rei questionava o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses sobre a queda do
rendimento da Casa da Moeda, informando que o mesmo vinha acontecendo com a do Rio de
Janeiro. Realmente nos anos de 1725 e 1726 o rendimento da Casa da Moeda foi muito baixo,
se comparado aos outros anos mostrados na Tabela 24. Por carta, o vice-rei solicitava que a
coroa se posicionasse sobre a diminuição do número de operários da Casa da Moeda, pois os
gastos com os oficiais eram consideráveis, ainda mais em uma conjuntura na qual se afirmava
não haver a entrada de ouro das Minas Gerais, que era proibido, e as quantidades remetidas de
Jacobina e Rio de Contas ainda não eram muito avultadas.630 Abaixo seguem os valores dos
quintos das minas de Jacobina e Rio de Contas que foram remetidos para a coroa.
A falta de registros sistemáticos ou as lacunas documentais sobre a arrecadação dos
quintos baianos talvez tenha sido um dos fatores que colaborou para os escassos estudos sobre
o ouro na Bahia. Realmente é muito difícil mensurar as remessas dos quintos baianos para
Lisboa, sobretudo para os primeiros anos, quando ouro saído dos distritos das minas de Jacobina
e Rio de Contas fazia um longo caminho para serem registrados nos livros da secretaria de
Estado e seu transporte estava à cargo dos oficiais locais. As remessas não cumpriam com uma

629
Cf. A análise de Assadourian, privilegia a perspectiva interna da formação do mercado interno colonial, o qual
estava determinado por uma grande variedade de produtos e serviços absolutamente necessários à economia
mineira. O efeito de arraste ao qual o autor se reporta é fundamental para o entendimento do funcionamento desse
mercado interno e manutenção das populações envolvidas no manejo direto da exploração mineral. Segundo
afirmou: “A traves de estas demandas, la producción colonial de plata desprende ‘efectos de arrastre sobre otros
conjuntos definidos em el espacio econômico y geográfico’, promueve em ellos la producición mercantil y los
integra, en consecuencia, al mercado interno em formación.” ASSADOURIAN, Carlos Sempat. El Sistema de la
economia colonial. Mercado interno, regiones y espacio econômico. Instituto de Estudios Peruanos. Perú, 1ª ed.,
abril 1982, p. 19.
630
AHU, Bahia, Avulsos, Cx. 27, doc. 2425.
313

periodicidade e podia não haver muita clareza sobre qual a origem do ouro, fazendo com que o
vice-rei registrasse nas suas cartas de remessa para o Conselho Ultramarino a quantia que lhes
era entregue aceitando a informação que se lhe davam sobre a origem do metal. Apesar de
contarmos com as sistematizações de Frederico Wedelweiss para os anos de 1723 a 1740,
ressalta-se que o autor não indica as fontes utilizadas para a construção da sua amostra,
indicando somente que os dados foram “recolhidos nos Arquivos do Estado da Bahia e da
prefeitura da Cidade do Salvador,”631 não informando nada mais sobre as fontes. Virgílio Noya
Pinto, autor já citado, reconheceu a participação da Bahia no espaço econômico do ouro e
apresentou a sistematização trazida em Ignácio Acioli para os anos de 1739 a 1750.632
Devido aos fatores acima observados, optou-se neste estudo a apresentação de uma
tabela com base em informações coletadas na correspondência do vice-rei Vasco Fernandes
César de Meneses de envio do ouro pelas frotas, pois o interesse é analisar as informações
contidas nas cartas de remessas, já que as mesmas indicavam diversas contingências resultantes
da arrecadação dos direitos régios dos quintos.

Tabela 25: Valores dos quintos em réis remetidos à coroa relativos às minas de Jacobina,
Rio de Contas e Minas Novas de 1723 a 1735.

Data Quintos em Réis Soma das Parciais anuais Origem


1723/09/18 6:490$800 15:612$600 Jacobina
1723/09/18 9:121$800 Rio de Contas
1724/08/08 7: 500$000 7:500$000 Rio de Contas
1725/12/01 15:571$794 15:571$790 Rio de
Contas/Jacobina
1726/06/17 229$500 8:406$500 Jacobina
1726/08/17 8:177$000 Rio de
Contas/Jacobina
1728/04/08 2:225$824 11:922$998 Rio de Contas
1728/09/06 9:697$174 Rio de
Contas/Jacobina
1729/05/28 4:876$500 30:769$600 Jacobina,
1729/05/28 2:493$000 Jacobina
1729/05/28 1:760$800 Novos
descobrimentos
1729/10/08 1:305$000 Jacobina
1729/10/09 20:334$300 Minas Novas
1731/10/05 10:426$500 12:786$500 Minas Novas
1731/12/04 2:360$000 Minas da Bahia

631
EDELWEISS, op. cit., p. 174 – 175.
632
PINTO, op. cit., p. 83.
314

1733/11/06 1:879$500 2:644$800 Direito das


entradas das
minas de
Jacobina
1733/11/06 765$300 Direito das
entradas do Rio
de Contas
1734/05/24 1:980$000 3:300$937 Não informa
1734/05/24 600:000 Não informa
1734/05/24 450$937 Apreendido no
caminho das
minas
1735/06/11 2:387$250 3:450$125 Minas Novas

1735/06/11 542$250 Quintos e


entradas de
Jacobina
1735/06/11 115$625 Entradas do Rio
de Contas
Total 111:965$850
Fonte: AUC. CCA. Livro do governo da Bahia. VI–III-1-1-11, fls. 439v; VI–III-1-1-12, fls. 456v,
46,85,252v,258,371,431v.

De acordo com o apresentado na Tabela 25, percebe-se que os quintos baianos


renderam em média 9:330$487 réis por ano, um valor um pouco a baixo do rendimento médio
apresentado na Casa da Moeda (Tabela 24) que no período de 1723 a 1732 rendeu 15:649$235
réis. No que pese o fato de que muito mais ouro entrava na casa da Moeda da Bahia, que fundia
metal vindo de diversas zonas de mineração e que os descaminhos do ouro no sertão era um
realidade sabida em toda a capitania. Certamente esses valores dos quintos são uma pequena
amostra, mas indicativa da dimensão do espaço econômico do ouro baiano. Cada vez que o
vice-rei remetia os valores das arrematações pelas frotas, ele apresentava uma questão diferente
para justificar as contingências da exiguidade dos quintos. Por exemplo, em 1723 ele informava
que somado aos quintos ia remetido 2:631$000 réis referentes aos escravos que foram tomados
e vendidos do espólio de Sebastião Pinheiro Raposo e do seu filho Antônio Raposo, valor
correspondente aos quintos do ouro que ele minerou no Rio das Contas. O vice-rei sempre sabia
tirar proveito da situação, quando queria ressaltar junto à coroa a efetividade das suas
diligências, em suas palavras:
[...] é certo se devem, a minha diligencia, cuidado, e aplicação, que tudo foi
necessário para poder conseguir que viessem para esta cidade os escravos, que
andavam esparsos pelo sertão, e se embolsar V. M. em parte dos quintos que
aqueles homens deviam do ouro que tiraram no Rio das Contas, e vem a
315

importar estas duas parcelas, 9:121$800 reis os quais vão nos cofres dos dois
comboios da presente frota.633

Na verdade ele sabia que o aumento da arrecadação dependia da pressão exercida sobre
os mineiros, tanto quanto da sua capacidade em manter os oficiais das vilas responsáveis pelos
quintos, implicados em suas ordens para combater os descaminhos. Em 1728 ele trouxe uma
outra indicação importante sobre a baixa arrecadação do quintos. Em suas palavras “a causa de
tão limitado rendimento [é] haverem passado a maior parte daqueles moradores para os novos
descobrimentos."634 Na ocasião, referia-se às minas do rio de São Matheus próximas onde em
1730 foi edificada a vila das Minas Novas do Bom Sucesso. A região foi descoberta em 1727
e provocou uma nova onda de imigração sazonal para os recentes descobrimentos. Afim de
assegurar o sucesso do empreendimento, logo em 1728, o vice-rei enviou o coronel Pedro
Leolino Mariz para estabelecer-se como superintendente das minas e defender os interesses do
governo da Bahia na região. Ainda em 1728, parte dos quintos enviados correspondia ao que
foi confiscado a Manoel Lopes Chagas635 que devia à Fazenda real por explorar uns ribeiros
dos novos descobrimentos:
"sem ter dado a partilha e nem ter tirado a data de S. M., e que por diversas
pessoas ia sacando o melhor ouro que ali tirou e se havia de introduzir na casa
da moeda donde se podiam fazer os exames dos quais não pude colher mais
do que o referido, porém tem-se feito sequestro nos seus bens que se lhe
acharam para lhe executar o que dispõe o regimento."636

A Tabela 25 também aponta para o crescimento da arrecadação após 1729, quando


Araçuaí já estava em processo de ser franca exploração e os quintos arrecadados batem o
recorde dos valores em relação aos anos anteriores, indicando a remessa de 20:334$300
correspondente a 13.556 oitavas.
A arrecadação pelo sistema de bateias em vigor até o ano de 1727 mostrou-se com
variações significativas a cada ano. A diferença no tipo de remessa, oitavas de ouro ou réis,
aponta para o fato de que em alguns anos o ouro em pó foi amoedado antes de ser remetido
pelas frotas.637 Dessa forma, parece que ficou claro para a coroa que mesmo com o rendimento
da Casa da Moeda em queda nos anos de anos de 1725 e 1726 era imprescindível mudar a forma

633
AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1720-1728, VI–III-1-1-11, fls. 29.
634
AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1720-1728, VI–III-1-1-12, fls. 456v.
635
Manoel Lopes Chagas foi o capitão que envolveu-se na contenda da folheta de ouro em 1721 com Manoel
Francisco Soledade. Ver capítulo IV.
636
AUC. CCA. Livro Governo da Baía: 1720-1728, VI–III-1-1-12, fls. 51
637
Nos documentos compilados as remessas foram informadas tanto em oitavas, quanto em réis, para efeito de
sistematização, convertemos todos os valores das oitava em réis, sendo que cada oitava valia 1$500 réis.
316

de arrecadação dos quintos, pelo menos nas minas de Jacobina e Rio de Contas, já que Araçuaí
só foi aberta mais tarde. A baixa arrecadação fiscal e a queda nos rendimentos da Casa da
Moeda, parecem ter acelerado a criação em 1727 da casa de fundição de Jacobina. Para isso
também pesou a dificuldade de fazer com que os mineiros fossem até Salvador para fundirem
o ouro em pó retirado das minas do sertão. A solução encontrada foi instituir a casa de fundição
no centro da vila de Jacobina, alterando assim o sistema de taxação que até aquele momento
tinha sido cobrado por bateias. É sobre os expedientes de criação das casas de fundição que
trataremos a seguir.

5.2 As casas de fundição

Por provisão régia de 05 de janeiro de 1727 duas casas de fundição deveriam ser
criadas nas minas baianas, a primeira na vila de Jacobina e a outra prevista para ser instalada
na vila do Rio de Contas.638 Contudo, antes das providências para instalar as casas de fundição,
Vasco Fernandes escreveu à coroa informando que o tempo de sete anos que tinha de Brasil o
havia ensinado a melhor ponderar e avaliar a tomada de certas decisões. A ressalva do vice-rei
tinha a preocupação em alertar a coroa sobre um longo parecer emitido pelo coronel e
superintendente Pedro Barbosa Leal de que as vilas Jacobina e Rio de Contas não eram os locais
mais acertados para a edificação das fundições.639
O documento, rico em informações sobre o circuito do ouro, alertava para as inúmeras
possibilidades de saída dos mineiros pelas vias que integravam os sertões da Bahia às Minas
Gerais.640 Segundo o parecer, os mineiros sabendo da existência das casas de fundição de
Jacobina e Rio das Contas, facilmente poderiam seguir marchando pelo rio de São Francisco
até atingir a capitania de Sergipe D’El Rei sem passar pelas casas de fundição postas nas
referidas vilas. Pelos vários caminhos do sertão baiano os mineradores “com o seu ouro salvo
ou marcham em direitura para esta cidade da Bahia ou o seu Recôncavo sem tocarem nem
pararem por esta estrada de Jacobina e Rio das Contas.”641 Outro circuito do descaminho

638
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 30, doc. 2769.
639
BNRJ, Divisão de Manuscritos. II-31,25,009. LEAL, Pedro Barbosa. Representação questionando as ordens de
erigir duas casas de fundição, uma em Jacobina e outra em Rio das Contas, explicando que isto não evita o
descaminho do ouro, e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Bahia: [s.n.]. 11
f., Original.
640
Angelo Carrara cita o referido documento para falar sobre os caminhos do sertão a partir dos quais era possível
o contrabando de ouro pelos mesmos caminhos por onde circulavam as mercadorias. Ele atribui o ano de 1725
como provável data na qual a notícia foi escrita, datação corroborada também por essa pesquisa. Cf. CARRARA,
op. cit., p. 119-120, nota 168.
641
BNRJ, Divisão de Manuscritos, II – 31, 25,09, S/Data
317

acontecia via as capitanias de “Pernambuco, Paraíba, Rio Grande e Ceará em cujo distritos há
vários portos donde vão carregar navios para Portugal e outra muitas embarcações que
comerciam de uma para outra capitania do Brasil.”642
Mais uma vez, o coronel Pedro Barbosa Leal apresentou uma leitura bastante
circunstanciada da situação, apresentando argumentos com base em sua grande experiência de
sertão. Este aspecto foi observado por Vasco Fernandes, quando não deixou de lembrar à coroa
o quanto respeitava os pareceres emitidos pelo sertanista. Mais uma vez, a exposição que Pedro
Barbosa Leal fez sobre o estabelecimento das casas de fundição das minas baianas, foi bastante
acertado, vide as notícias que circulariam após a abertura da fundição de Jacobina, na qual não
se entrava praticamente nenhum ouro em pó. Conhecendo bem a índole dos mineradores e a
dinâmica de circulação mercantil típicas daquela área, ele mostrava-se convicto de que nada
adiantaria a edificação das fundições nas vilas de Jacobina e Rio de Contas contrariando o que
tinha sido estimado pela coroa. Na passagem transcrita abaixo, percebe-se uma oportuna
avaliação sobre o comportamento coletivo dos mineiros nos distritos auríferos baianos, que
preferiam ser taxados de fugitivos, pois tinham modos para isso, do que se rebelarem
coletivamente ante a obrigação de pagar os direitos régios dos quintos como faziam nas Minas
Gerais:
[...] sempre as casas de fundição naquelas minas serão de menor respeito e de
pouco proveito, pois sem haver distúrbio podem os que quiserem sacar ouro
por alto sem a nota de levantados, contentando-se com o título de fugitivos,
entendendo que se mostram obedientes tirando ouro por este meio sem ser por
termos violentos nem de levantamento.643

De acordo com a avaliação, a solução mais viável para a coroa seria criar as três casas
de fundição nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Pernambuco, locais onde já estavam
estabelecidas as casas da moeda. Outra sugestão era a livre circulação do ouro pó, conquanto
houvesse carta de guia, ou então o portador deveria apresentar o ouro já quintado em barras.
Vejamos mais detidamente a sugestão apresentada por Barbosa Leal:
Parecia-me que o meio de maior proveito e de toda[s] as consequências para
uma tranquila e segura arrecadação da fazenda real será resolver-se sua
majestade a mandar estabelecer três casas de fundição nas mesmas casas de
moedas da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro mandando publicar um indulto
geral que todos os seus vassalos que quiserem ir tirar ouro e comerciar com
quaisquer minas de seu domínio o podem fazer livremente, entrar e sair nela
com a condição de que todo o ouro que se extrair dela serão obrigados a levá-
lo a qualquer das casas da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco a fundir e a
quintar, impondo as mais graves penas a todos aqueles em cuja mão se achar
ouro em pó não vindo das minas com ele e não se lhe dando carta régia e

642
BNRJ, Divisão de Manuscritos, II – 31, 25,09, S/Data
643
BNRJ, Divisão de Manuscritos, II – 31, 25,09, S/Data
318

registro das minas donde saiu, porque todas as vezes que os transgressores não
tiverem quem lhe compre ouro em pó, se não hão de resolver atirá-lo para o
alto e só a trazê-lo as casas de fundição pois de outra sorte lhe fica inútil [o]
ouro dele não tendo quem lhe compre; e ficando os compradores incursos na
mesma pena senão hão de expor a comprá-lo por não perderem a vida, e a
fazenda: É então mais necessário que sua majestade mande apertada ordens
ao governo do Maranhão e aos capitães mores das mais capitanias e todo ouro
em pó que aparecer e se achar nos seus distritos seja tomado para a fazenda
real e a pessoa em cujas mãos se achar perca os bens para a coroa; E seja
punido como por justiça as pessoas que se acham moradores e em qualquer
das capitanias com casa e bens. É sem dúvida que receiam mais perder os seus
bens e o seu sossego; O que não procede nos que vem e saem das minas por
trazerem todo o seu cabedal no ouro que trazem, arriscam-se a transportá-lo
sem ir as Casas de fundição das Minas na consideração de não servem em
comprados, e no caso que o sejam com facilidade alojam ao mato o embrulho
do ouro lhe tomam, fazem de conta que postos em liberdade os tornam as
minas buscar ouro pelo que é muito principal que todas as penas que se
impuserem sejam a todas aquelas pessoas em cujas mãos se achar ouro em
pó.644

O coronel Pedro Barbosa Leal parecia ter uma análise privilegiada da situação dos
descaminhos, mas a questão era como impedir a compra do ouro em pó, ou em outras palavras,
como impedir que os homens de negócios ou comboieiros trocassem suas mercadorias somente
por ouro quintado, seja em barras ou em moedas. A experiência demonstrava que era impossível
fiscalizar cada minerador que transportasse ouro em pó, devido mesmo às possibilidades de
fuga e acesso a caminhos alternativos. O princípio parecia ter coerência, ou seja, o direito régio
de cobrar os quintos deveria concentrar-se não na livre circulação do ouro em pó, mas na
ilegalidade de não registrá-lo nas casas de fundição.
Um outro detalhe é que as casas de fundição instaladas no interior, atraindo para si o
ouro a ser fundido, seriam concorrentes das casas da Moeda de Salvador e do Rio de Janeiro.
Além disso, se era verdade o que afirmou o vice-rei acerca da diminuição da entrada de ouro
na Casa da Moeda de Salvador nos anos de 1725 e 1726, era ainda mais agravante os altos
custos que a Fazenda real precisava dispor para a mantê-las ativas. O maior gasto dessas casas
advinham com o pagamento dos funcionários, oficiais especializados na fundição, cunhagem
de moedas de ouro e registro sistematizado da entrada e saída de metais. Pelo que pode-se
acompanhar nas correspondências do AHU quando da implantação da Casa da Moeda, a coroa
precisou enviar oficiais do reino por não haver gente qualificada na Bahia.
Destarte as opiniões contrarias à instalação das fundições nos locais previstos, a coroa
entendia que as mesmas deviam estar onde o ouro estivesse. Tais acontecimentos, apontam para

644
BNRJ, Divisão de Manuscritos, II – 31, 25,09, S/Data
319

o fato de que as margens de manobra da coroa contra os descaminhos, muitas vezes estavam
restritas somente a fazer funcionar as casas de recolhimento dos quintos, recorrendo a estas
como um dos fundamentais recursos para arrematar os direitos régios sobre a mineração. O
vice-rei a apesar de seguir as ordens da coroa tinha um outro entendimento sobre a questão e
continuaria na década de 1730 a investir nos sertanistas, seus aliados no governo das minas,
conforme pode-se ler no trecho da correspondência a seguir:
As cartas e mais documentos que tive do coronel superintendente [Pedro
Leolino Mariz] pelo condutor dos quintos ponham na real presença de V.
mag.de, e por elas se será manifesto, tudo o que me participa: este oficial tem
feito muitos empenhos para se conservar com respeito por cuja causa se deseja
retirar e me pede sucessor com muita instância, porém não resolvo a diferir-
lhe por julgar que a falta da sua assistência ponha em perigo a conservação
daquelas minas, persuadindo com a necessidade do serviço de V. Majestade
e com a certeza que há de premiar o seu serviço e merecimento muito a
proporção da sua real grandeza.645

De todo modo, a provisão régia recomendava que se escolhesse o melhor local


próximo às vilas recém criadas e deveria ter por funcionários um tesoureiro, um escrivão das
receitas e um conferencista.646 Na mesma provisão estão explícitos os procedimentos para
quintar o ouro e recolher a parte devida à coroa. Dessa forma quando o mineiro chegasse com
o ouro, o mesmo deveria ser pesado na frente destes três oficiais, em seguida estes fariam receita
aos tesoureiros de todo o ouro apresentado e dos quintos devidos, após isso o escrivão registraria
esses valores em receitas no livro da casa de fundição, e que “quando se fizer o despacho da
entrega do ouro, se entregue o bilhete a parte para receber o ouro em barra marcada,
descontando-se nela o que pertencer aos quintos.”647 As marcas deveriam ser postas na ponta
das barras, sendo possível distinguir as marcas reais com tal diferença que se possa conhecer a
casa de fundição onde se quintou. Os escrivães e tesoureiros poderiam ser escolhidos pelo
governo da capitania, com duração de um ano no provimento do ofício. Os salários também
seriam deferidos pelo vice-rei, estando sujeitos à aprovação régia. Nessa provisão o rei nomeou
dois fundidores que seriam enviados do reino para servir na dita casa de fundição: José da Silva
e Sebastião da Silva receberam 1$000 réis de ajuda de custo para as despesas da viagem, e mais
o que fosse necessário para ir da cidade da Bahia até o sertão.648 Por vencimento receberiam 16
tostões por dia cada um desde o dia de seu embarque até o Brasil, sendo esse valor retirado do
rendimento da referida fundição.

645
AUC. CCA, Livro Governo da Baía: 1729-1735. VI–III-1-1-12, fls. 82.
646
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 30, Doc. 2769.
647 AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 30, Doc. 2769.
648
AUC, CCA, Livro Governo Bahia. 1672-1720. VI–III-1-1-8. Doc. 318, fls. 202-202v.
320

As duas casas de fundição da Bahia eram subsidiarias da Casa da Moeda que ficava
em Salvador. Para o bom funcionamento destas, a coroa enviou materiais a mais para a Casa da
Moeda de forma que as fundições também ficassem supridas.649 Esta situação atesta a
dependência que as casas de fundição tinham da Casa da Moeda de Salvador, pelo menos no
que concerne ao envio de materiais e funcionários. Era esta que recebia os materiais oriundos
do reino e as vezes também enviava seus oficiais o caso fosse necessário prestar serviços nas
fundições.
Em 1733 o desembargador Pedro de Freitas Tavares Pinto fez uma representação à
coroa informando que na época em que era Provedor mor da Fazenda Real, sob as ordens do
vice-rei tinha feito um empréstimo daquela provedoria para a instalação das fundições. Segundo
declarou ele comprou na cidade da Bahia “muitos e vários gêneros de instrumentos e materiais,
e paguei as despesas das suas conduções e assisti com os ordenados aos fundidores fazendo as
remessas para este reino.650” De acordo com a alegação, o provedor tinha feito o empréstimo
na esperança de que o rendimento dos quintos pudessem ser brevemente usados para pagar a
dívida no valor de 6:414$240 réis, um montante considerável, mas condizente com a
importância da empresa. Em 1733 a dívida ainda existia na provedoria mor e na ocasião o
tesoureiro fez uma representação ao rei solicitando o pagamento da dívida adquirida por
empréstimos. Vasco Fernandes negou o empréstimo argumentando que a casa de Jacobina foi
construída às expensas do juiz ordinário da câmara Ignácio Nunes da Silva. A fundição que
deveria ir para Rio de Contas foi desviada e transferida para as Minas Novas de Araçuaí, onde
a sua edificação foi feita pelo superintende, o coronel Pedro Leolino Mariz. Para custear as
despesas ele usou o dinheiro da arrecadação dos direitos das entradas que havia sido cobrado
antes da resolução régia de entregar o dito rendimento ao contratador da Minas Gerais.651 A
intenção do vice-rei era se escusar do fato de que as fundições, àquela altura com baixos
rendimentos, tivessem sido construídas as expensas da Fazenda real. Na satisfação que deu à
coroa ele insistia que o rendimento deveria ser direcionado para pagar a tropa de Dragões
formada em Araçuaí, já que a mesma dependia da arrecadação dos quintos.
A representação de cobrança de Pedro de Freitas Tavares Pinto indica um problema
que o vice-rei desejava dissimular diante da coroa. O fato de que as fundições quase nada
rendiam para o erário régio e mal poderia saldar a folha de pagamento dos seus oficiais. Em
fevereiro de 1733 Felix Thomás Bovone de Carvalho, escrivão da conferência da casa de

649
AUC, CCA, Livro Governo Bahia. Livro Governo da Baía: 1729-1735. VI–III-1-1-12. Doc. 267, f. 176v-177.
650
AUC, CCA, Livro Governo Bahia. Livro Governo da Bahia: 1672-1720. VI–III-1-1-8. Doc. 345, f.222 - 222v.
651
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 49, Doc. 4362.
321

fundição da Jacobina em carta enviada ao conde de Sabugosa, contou que tendo feito uma
pública súplica aos moradores da vila para que entrassem com os quintos devidos, ouviu dos
mesmos que “enquanto achassem quem lhes pagassem pela oitava de ouro a mil duzentos e
oitenta [réis], lhe faria maior conveniência que metê-lo em casa de fundição.”652 Os moradores
incomodados com a recente criação da casa de fundição, sentiam-se no direito de trocar o ouro
em pó como bem entendiam, não respeitando a obrigação de proceder aos quintos e para
maximizar seus ganhos, negociavam com os homens de negócios da cidade da Bahia. Estes
comerciantes pagavam melhor preço nas oitavas de ouro, fazendo clara concorrência com o
erário régio. A carta de Pedro Barbosa Leal apresentada na seção seguinte, acertadamente
indica: “Os comerciantes e tratantes que vão as Minas da Jacobina, e Rio das Contas, e mais
desta capitania, recebem lá o ouro dos mineiros, negros e mais moradores das Minas com quem
contratam pelo valor de 1$280 réis, vendendo aqui aos mercadores a 1$400 réis, ganhão em
cada oitava 120 réis.” Note-se na Tabela 25 que naquele ano o que foi remetido dos quintos
foram somente os rendimentos dos postos de registros, nada vindo da casa de fundição.
A atitude revoltosa dos mineiros frente às pressões para o pagamento dos direitos
régios dos quintos incidia sobre uma questão crucial: o valor que as oitavas de ouro possuíam
no mercado local. Enquanto na casa de fundição a oitava era comprada por 1$200 réis, na mão
dos negociantes cada oitava valia 1$280 réis, mostrando inelutavelmente que essa diferença
incentivava o ímpeto dos mineiros para desencaminhar o ouro.653 Sabia-se largamente que o
ouro em pó nos distritos das minas corria como dinheiro, obviamente por haver escassez de
moeda e por causa sobretudo da dinâmica das transações comerciais locais. Segundo alegavam
os moradores, os contratos daquelas minas eram ‘livres’ e nem o escrivão nem pessoa alguma
os podiam obrigar a fundir o ouro e que o único modo seria impedir a saída dos homens de
negócios das minas. Em outra carta ele relatava que haviam sido descobertos mais dois riachos
no distrito das minas de Jacobina, no entanto “destes não tem vindo fundir uma só oitava”.654
No final do relato, o escrivão da conferência da casa de fundição, expressou claramente a
correlação de forças existente entre os oficiais régios e os costumes que convinham nos distritos
de minas de ouro.
Seguro a V.Exa. que ainda não vi gente [...] e tão pouco temerária; e que tão
pouco caso façam do que se lhe diz, e entendem não ofende nem a deus nem
a S. Magde, que deus guarde, extirpando-lhe os seus direitos; e se me achasse

652
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 45, Doc. 4030.
653
IHGB. DL865.1-4 Códices de registro de cartas e provisões de S. M. e do Secretário de Estado a que respondeu
o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, Conde de Sabugosa. 1727-1734, 4 v, fls. 15-24.
654
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 45, Doc. 4030.
322

nessa cidade diria a V. Exa. o melhor em que se podia dar para que assim
pagassem o que devem sem rigorosos procedimentos (grifo nosso).655

Contudo, apesar da leniência dos moradores, o vice-rei entendia que não adiantava
muito os tais rigorosos procedimentos, posto que no interior dos conflitos entre coroa e
moradores, mais útil e inteligente era ir com prudência e consideração para evitar conflitos
maiores. Situações semelhantes, como a descrita acima, abundam na documentação sobre vilas
mineiras e muitas vezes a coroa e sobretudo os oficiais régios, jogavam com as circunstâncias
ao sabor das conveniências do momento. Sem dúvida, havia um consenso sobre alinhar a
aplicação da justiça nos distritos auríferos, principalmente através da atuação dos ouvidores
para coibir as insubordinações e descaminhos, mas nem sempre isso era do interesse das
autoridades régias. No documento de 1733 que acabamos de citar, Vasco Fernandes diz que no
caso da vila de Jacobina, “e porque se deve conhecer daquela extração, por todos os princípios
escandalosa, para se impor a pena da lei aos transgressores dela, determino mandar o ouvidor
geral da comarca a esta diligência,”656 indicando atitude resoluta daquele ministro régio, ao
tentar minimizar o efeito dos descaminhos.
Entretanto, três anos antes, em 02 de maio de 1730, a atitude de Vasco Fernandes com
relação à ação do ouvidor do Serro do Frio em Minas Novas de Araçuaí, fora bastante diferente
do que ele pregava. Por uma carta se queixava à coroa da ação do ouvidor do Serro do Frio,
informando que enquanto o superintendente estava na diligência de cobrar os quintos por
bateias, ou seja, desempenhando tudo aquilo que se esperava de um oficial, seu trabalho foi
importunado pela chegada do ouvidor do Serro do Frio. O superintendente em questão era
justamente o seu preposto nas Minas Novas de Araçuaí, o coronel Pedro Leolino Mariz. Na
carta ele dizia que o magistrado,
“intimidou de tal sorte aos mineiros com as suas primeiras diligências,
prendendo três já arreigados com casas, roças, e lavras, sem haver causa que
fizesse precisa tão pronta demonstração que muita parte dos mais se retiraram,
receando-se de que com eles se praticasse o mesmo; E já entendendo eu que
o dito ouvidor se haveria desta maneira o preveni, insinuando-lhe que na
correição que fizesse naquela colônia, se houvesse por hora com toda a
moderação, e prudência, em ordem a facilitar o seu estabelecimento, por que
considero, que todos quantos homens habitam as Minas, e sertão, devem a
justiça por este, ou aquele modo; e sendo a causa leve e conveniente a
subsistência deles, se podia deixar para melhor conjuntura o procedimento da
lei, não se faltando porem a execução dela com os delinquentes incursos em
delitos graves, como mortes, roubos, insultos, e sedições, com os quais lhe
recomendei não dispensasse;657

655
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 45, Doc. 4030.
656
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 45, D. 4030.
657
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.36, Doc. 3317.
323

A criação das casas de fundição não resolveu de forma satisfatória a arrecadação dos
quintos nas minas baianas. O fato é que a coroa não conseguiu impor o mesmo ritmo de
arrematação dos quintos em vigor nas Minas Gerais. Para isso contribuíram diversas questões,
desde os fatores climáticos e ambientais, a possibilidade de negociar com o ouro em pó sem
sair do circuitos das minas, até a plasticidade dos mineiros em se retirarem para outros locais
mais promissores quando determinadas áreas não eram mais satisfatórias em termos de
rendimento. Para além disso, os descaminhos eram frequentes e mesmo ante a insistência do
controle fiscal da coroa, o vice-rei era complacente (isso ainda na década de 1730) com relação
aos novos descobrimentos. Assaz estas circunstâncias, havia ainda a forte associação entre a
continuada exploração do ouro e a contenção de populações nativas que habitavam os territórios
das minas. Na década de 1730 os dois objetivos são como faces da mesma moeda. Portanto,
manter ativa as expedições em busca de minas significava reduzir populações indígenas e
avançar o controle sobre os territórios do sertão. Um e outro dado são importantes aspectos
dessa conjuntura.
Em Minas Novas de Araçuaí o circuito do ouro só começou a se delinear no início da
década de 1730, quando o território tornou-se alvo de disputa entre as capitanias da Bahia e
Minas Gerais. Para o governo da Bahia um dos maiores problemas da região era a presença
indígena que resistia aos avanço dos luso-brasílicos. Em prol da garantia da mineração, o
governo com o aval da coroa, continuou com uma forte ofensiva em Minas Novas de Araçuaí
capitaneada à época pelo superintendente Pedro Leolino Mariz e pelo coronel Antônio Veloso
Pimentel. Em 1730 foram criadas uma companhia de cavalos, uma tropa de Dragões e a casa
de fundição que deveria ter sido edificada na vila do Rio de Contas, mas diante da dificuldade
em fazer o transporte do cunho pelas altas serras, o vice-rei mandou que o cunho seguisse para
as Minas Novas de Araçuaí. O vice-rei em 05 de outubro de 1729 fez uma narração
circunstanciada do transporte do material até as Minas Novas:
e como o exercício se tem demorado por causa do transporte do cunho,
por que chegando com facilidade até o sítio da chapada que fica três
dias de jornada do Rio das Contas para esta Bahia se não pode dali a
calhar sem embargo de serem 200 índios que os carregavam e os mais
materiais por ser este sítio uma serra muito iminente e dilatada em que
se gasta qualquer homem escoteiro três dias com muitos saltos que foi
preciso endireitar-se quebrando-se algumas pedras por cuja causa
desertaram a maior parte dos índios deixando o cabo desta diligencia
totalmente impossibilitado para o poder concluir, o que me obrigou a
mandar os da conquista e alguns negros, e outros vadios a que chamam
pezhapados com o capitão-mor Antônio Velozo da Silva homem
prático e ativo para com efeito se fazer a dita condução, que vencido o
324

trabalho desta serra, em um mês no mais tardar se porá tudo nas Minas
Novas, o que entendo que se conseguirá quando muito até 15 do mês
que vence.658

A casa de fundição de Araçuaí foi construída sob a supervisão do superintendente das


minas, o coronel Pedro Leolino Mariz. Começou a laborar no ano de 1730 e logo no início dos
seus trabalhos ocorreram manifestações de descontentamento dos mineiros com a nova forma
de pagamento dos direitos régios. Como era corrente, são em circunstancias como aquelas que
os diversos grupos no exercício do poder local aproveitam para manifestar-se e tentar ganhar
apoio dos demais. Antes de adentrar no conflito instaurado em Araçuaí por causa da casa de
fundição, vale a observação que as Minas Novas eram a bola da vez da mineração na Bahia,
tendo sido chamada pelo vice-rei, no que pese o seu exagero, “a joia mais preciosa do Brasil.”659
A questão teve início quando o mestre de campo Brás Esteves Lemes, um dos
descobridores daqueles ribeiros, chegou à Araçuaí para fazer concorrência à posição de Pedro
Leolino Mariz. Braz Esteves Lemes insistia em chamar o ministro da jurisdição de Minas Gerais
para resolver as pendências sobre a autoridade local. Sabendo que Mariz representava os
interesses do vice-rei, Braz Esteves organizou um motim contra o superintendente,
arregimentando os descontentes com a iminente instituição da casa de fundição que passaria a
funcionar em 1730. A ação foi orquestrada e fizeram uma sublevação tentando inclusive
queimar o arraial. Leolino Mariz conseguiu conter a insubordinação, tendo usado dos recursos
dos quintos para pagar a escolta dos revoltosos até Salvador. Tudo isso com anuência do vice-
rei.
Sete meses se passaram e outra intromissão dos homens das Minas Gerais ocorreu no
lugar. Dessa vez foi Manuel Rodrigues Costa, administrador dos contratos da Minas Gerais que
chegou até o superintendente solicitando que o mesmo lhe desse certidão para colocar registros
e passagens naquelas minas. Após a recusa de Pedro Leolino Mariz o contratador retirou-se
para as Minas Gerais e enviou seu representante para novamente consumar a implantação dos
registros. Desta vez, o procurador possuía uma carta expedida pelo governador de Minas Gerais
e uma licença régia que o autorizava a cumprir seu intento. Contudo, cabia a Mariz manter a
hegemonia do governo da Bahia naqueles territórios. Vendo-se embaraçado com a questão e

658
AUC. CCA. Livro Governo da Bahia. 1729-1735, VI–III-1-1-12, fls. 51
659
IHGB. DL865.1-4 Códices de registro de cartas e provisões de S. M. e do Secretário de Estado a que respondeu
o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, Conde de Sabugosa. 1727-1734, vol. 1 (1727-1728), fls.
131
325

não querendo provocar uma nova insubordinação, ele permitiu que colocassem o registro do
contratador das Minas Gerais, entretanto não retirou “os que tinha posto pela real fazenda.”660
A Tropa de Dragões foi criada nessas circunstâncias. Tinha como objetivo reforçar os
interesses de Vasco Fernandes, ao mesmo tempo em que blindava Leolino Mariz em nome dos
seus objetivos de defender a prosperidade da Fazenda real. Os ouvidores do Serro do Frio eram
‘impedidos’ de entrar naquele território, devido à ação de bloqueio criada pelo próprio Mariz
em nome do governo da Bahia.
De todo modo, pouco antes de Mariz publicar o novo edital informando que havia
recebido ordem do vice-rei para quintar o ouro “na forma da lei”, ou seja, colocar em
funcionamento a casa de fundição, soube que o povo estava se amotinando contra ele. A
insatisfação do povo chegou ao conhecimento do superintendente e para se proteger do tumulto,
por precaução armou três esquadras. Na noite de 19 de junho de 1730, o povo se motinou,
“recusando pagar o quinto do ouro”. Após desbaratar o amotinamento com os 30 soldados da
Tropa dos Dragões, Mariz fez uma devassa e apesar de só ter achado um culpado, concluiu que
“a plebe teve impulso poderoso para o motim.”661
Após esses acontecimentos, chegou nas minas o cunho da Casa de Fundição, assim
como o ouvidor do Serro do Frio. Nas palavras de Mariz: “um e outro causou a retirada de
muitos; aquele de quem tinha posto o seu ouro em salvo, este de quem tinha motivo para temer
a sua justiça.”662 Na carta enviada ao governo da Bahia ele dizia ser a tropa dos Dragões outro
motivo da debandada dos mineiros. Enquanto isso, nas Minas Gerais o governador instituiu um
desconto no qual se pagava o quinto a 12% e na Casa da Moeda de lá a oitava era comprada a
1$320 réis. O argumento de Mariz coadunava com o do vice-rei sobre os motivos dos quintos
terem decaído, uma vez que a oferta do governador das Minas Gerais atraiu com mais força os
mineiros. Realmente pode-se confirmar que os valores dos quintos das minas baianas possuem
muitas oscilações de um ano para o outro, contribuiu para isso as mudanças no sistema de
arrecadação, mas também a cíclica transumância dos mineradores.
Meses se passaram e o contratador das Minas Gerais retornou a Araçuaí intentando
contrariar a autoridade de Leolino Mariz. Dessa forma o contratador fixou um edital no
pelourinho da vila e nas demais partes do seu termo, dizendo que todos poderiam passar pelos
caminhos que lhes fossem mais convenientes. A ordem mantida pelo superintendente nas minas

660
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
661
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13
662
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13
326

visava proibir que os mineiros passassem pelos registros que não fossem os da Fazenda real.
Não contente com a situação, o contratador utilizou-se de outra artimanha.
Deram no projeto de armarem companhias para melhor comprar todo o ouro
destas minas pelo preço de doze tostões, como aqui corre, para o venderem
nas Minas Gerais a mil trezentos e vinte réis, como lá se tem posto, se é que o
levaram para aquela real Casa de Fundição.663

Sabia-se que o trânsito de ouro entre as capitanias era proibido pela coroa, mas como
pode-se ver, sempre havia meios de burlar tal proibição. Ainda mais por se tratar de um lugar
de fronteira. Segundo Mariz avaliou: “desta maneira se compõem os enganos destas terras, que
só pode perceber, quem tiver nelas uma larga permanência, com a prática dos tratos do país,
porém dificultosamente lhe poderá aplicar o remédio, ainda que lhe encubra por ter no estado
presente culpa quase universal pelo que as devassas são de pouco ou de nenhum efeito, como
experimento.”664
Toda essa situação foi narrada pelo superintendente em uma longa missiva enviada a
D. João V. A denúncia de Mariz também foi no sentido de identificar o conluio que existia entre
os governadores das Minas Gerais e os contratadores, em uma troca recíproca de favores e numa
profunda ligação entre mineração e comércio, traço permanente das redes de negócios e do
exercício do poder local. A intenção era expor que arrecadação das minas estava em verdadeira
confusão e com isso só a Fazenda real caía em prejuízo. De fato, a ação dos contratadores
particulares que haviam arrematado editais com a coroa para a instituição de registros nos
caminhos acabava fazendo concorrência com a arrecadação dos quintos. Em sua opinião, se tal
dano não fosse corrigido, “viria vossa majestade a ficar só com o rendimento dos contratos.”665
Alguns anos se passaram e em 17 de dezembro de 1738 no arraial de São Pedro dos
Fanados, na capela destinada a vocação de São José se reuniram em uma assembleia “as pessoas
de distinção moradoras neste continente e muita parte do povo.”666 Além disso se fizeram
presentes o coronel Pedro Leolino Mariz ainda no posto de superintendente das minas, os padres
vigários da igreja, o representante dos homens de negócio e o representante do povo. O escrivão
da superintendência das minas Domingos Maciel Aranha, por ser homem instruído, secretariou
a reunião e fez a ata. O motivo da assembleia, como foi chamada a ocasião, foi a de discutir um
bando publicado pelo o mestre de campo Brás Esteves Lemes, o mesmo que oito anos antes
havia tentado implantar uns registros e passagens em nome do contratador das Minas Gerais,

663
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13
664
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13.
665
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 13
666
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15
327

arrogando-se o direito de exercer sobre aquelas minas, a autoridade de superintendente das


conquistas. Brás Esteves era sobrinho de Sebastião Leme do Prado, que tinha sido descobridor
e conquistador do rio de São Matheus dez anos antes. O tal bando tinha acendido um conflito
no arraial, pois o povo estava confuso, sem saber a quem obedecer, trazendo desordem e
transtorno ao local. Tal situação pedia uma ação imediata de Leolino Mariz e certamente foi ele
quem chamou os distintos homens e o povo para reunidos dirimirem a superposição de poderes
e jurisdição.
Brás Esteves trazia consigo uma provisão do vice-rei Vasco Fernandes César de
Meneses, que atestava a sua posição de superintendente dos “descobrimentos do rio de são
Matheus, correndo para o rio Doce para a parte do sul e pela do norte partindo com a conquista
deste continente.”667 A tal provisão foi reconhecida por Leolino Mariz. O que estava em questão
naquela assembleia não era apenas uma disputa política em torno do controle da vila, mas
também a capacidade do superintendente em manter-se no poder local e a manutenção do seu
prestígio político. O mestre de campo Brás Esteves se arrogava ao direito de ser o ‘herdeiro’ da
conquista feita pelo seu tio na década anterior. Na outra ponta, Mariz mantinha-se apegado à
sua posição de superintendente geral, no qual exercia um verdadeiro governo dos povos,
segundo suas palavras: “o que tudo havia conseguido com paz e muita concórdia”668 com o
apoio “daquelas pessoas mais nobres, que aí se achavam.”669 De fato o superintendente vinha
exercendo os seus serviços e avaliou:
[..] e só de poucos tempos a esta parte havia uma tal inquietação, que tinha
perturbado o povo deste arraial, e se tinham dispostos as coisas em tal forma,
que não só o haviam perturbado do governo político e todas as dependências
reais.670

Interessante notar no discurso de Mariz a concepção e uso do termo “governo


político”671, o qual não deixa de demonstrar o caráter orgânico existente entre os súditos e o
ambiente de delegação dos poderes no Antigo Regime. Mariz havia recebido a incumbência de
governar os distritos das minas como uma mercê, conforme apontou o capitão Joseph Correa,
procurador do mestre de campo Brás Esteves que não se fez presente na reunião: “governasse
e continuasse sua mercê, como [a]té o presente tinha feito” 672. Ao final da sua exposição ele foi
apoiado por aqueles que estavam na assembleia a continuar no posto de superintendente geral

667
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15.
668
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15.
669
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15
670
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15
671
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15
672
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15
328

das minas. Entrou em um acordo com Joseph Correia e mandou o recado de que em nome dos
interesses de Sua Majestade seriam amigos e se ajudariam mutuamente.
Resolvida a disputa de poder entre Mariz e Brás Esteves, a assembleia tomou outro
rumo, que em verdade era o ponto sensível dos mineiros: a insatisfação do povo com relação
aos métodos e procedimentos da cobrança dos quintos. Dessa feita o procurador do povo pediu
a palavra e em nome de seus constituintes fez uma longa lista de requerimentos que incidiam
sobre as formas da arrecadação fiscal, principalmente a que tinha sido implantada com a criação
da casa de fundição. Dentre as reivindicações estavam o pedido de não mais haver
obrigatoriedade de fundir o ouro na casa de fundição, diziam ser aquele país uma criação nova,
motivo pelo qual os moradores padeciam sem mantimentos e a maioria dos que acorriam as
Minas Gerais voltavam de lá destruídos, por esse motivo, requeriam o prazo de um ano para
pagarem suas dívidas, enquanto isso, achavam mais conveniente pagar os quintos por bateias.
O superintendente e as pessoas de mais distinção responderam que o prazo de um ano era muito
e que depois de fechada a casa se concederia o tempo que fosse conveniente para saldarem os
negócios que haviam feito. O representante prosseguiu dizendo que deveria haver mais moedas
disponíveis em Araçuaí “com que os andantes pudessem negociar em diversas partes dos
sertões.”673 Esclareciam o prejuízo causado pelo uso de barretas para a negociação no comércio,
já que nessas transações os gêneros transacionados excediam ou diminuíam o valor das barretas.
Eles pediam também que depois de pagarem os quintos, se lhe pague o ouro em barretas pelo
seu toque, pois assim já ficaria líquido, sem dever nada à Sua Majestade. A lista é longa, mas
outro ponto importante incidia sobre a taxação dupla que acometia os mineiros ao pagar nos
postos de registros das Minas Gerais e da Bahia, por isso reclamavam que se retirasse das minas
os registros dos caminhos que corriam para a Fazenda Real, uma vez que estes postos de taxação
foram colocados para se incrementar os quintos na época em que esses eram pagos por bateias.
Exigiam também que os gêneros de comestíveis não deveriam ser tributados. Outrossim que o
contratador das passagens fosse obrigado a ter “camas e fábricas suficiente para os viandantes
passarem com segurança; dois remos em cada canoa por serem violentos os rios.” 674 Enfim, a
última exigência dos mineiros era que se proibissem os atravessadores que vinham do rio
Itamarandiba para aquelas minas, com a pena de se tomar os seus empregos e mercadorias para
a Fazenda real.

673
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15.
674
BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35, doc. 15.
329

Após ouvir tamanhas reivindicações do representante do povo, Leolino Mariz deferiu


o pedido dos mineiros quanto a diminuição dos quintos igualando aos valores pagos na Casa da
Moeda de Minas Gerais. Quanto a questão das moedas, não estava na sua jurisdição deferir
mas que iria se reportar ao vice-rei, como também iria fazê-lo com relação à suspensão dos
registros dos caminhos; no tocante ao pagamento feito pelos negociantes nas Minas Gerais
pagariam somente após a casa de fundição retomar suas atividades se assim fosse da
concordância do vice-rei; com relação a isenção dos comestíveis indicou dever-se observar o
que estava disposto, pois a isenção recaia sobre o milho, o feijão, a farinha e a rapadura. Ele
também concordava que não se taxasse o toucinho, por ser um alimento essencial na dieta dos
povos e que eram fabricados nos arredores daquelas minas; no tocante ao requerimento sobre a
retirada das passagens faria o que fosse possível.
Após pronunciar-se o superintendente perguntou ao representante dos homens de
negócio se este tinha alguma requerimento a fazer, no que ele respondeu que se o tivesse o faria
por escrito. Dada por encerrada a assembleia convocou a todos os circunstantes “que
conduzissem ao aumento da Real Fazenda, bem comum, paz e sossego destes povos.” Em uma
palavra: As condições locais, fazem o poder local.
As casas de fundição continuaram em vigor até o ano de 1735 quando foram fechadas
e instituído o método da capitação que vigorou até 1751 com a criação da intendência Geral do
Ouro. Nesse período foi estipulado que as minas de Jacobina e Rio de Contas deveriam entrar
com 7.500 oitavas a cada ano, referentes as matrículas dos escravos, vendas e lojas.675 Nesse
período o recolhimento dos quintos era feito a cada seis meses e esteve a cargo dos Intendentes
que arrecadavam o ouro em pó e enviava tão logo tivesse feito o montante relativo aos
semestres.676 O método da capitação parece ter aumentado o rendimento dos quintos, pois
atingia todos os moradores das minas. No entanto, os atrasos para o envio dos quintos
continuaram e a demora para as remessas das minas até a casa da Moeda da Bahia eram
frequentes. No ano de 1750 o rei enviou uma enérgica provisão para o conde de Atougia,
explicar o motivo dos atrasos para a demora das remessas relativas aos anos de 1744 a 1746.
Na provisão o rei indicava diversas irregularidades que tinham sido detectadas na remessa dos
quintos, dentre as mais graves, estavam a retenção dos valores nos cofres da casa da moeda,
isenção acima do permitido na matrícula de escravos de religiosos e ouvidores, mapas de

675
Conforme pode-se ver na Relação do ouro em pó e em barras que veio das capitações e entradas das minas de
Jacobina e Rio de Contas. Nessa relação incluiu-se a vintena da Rainha e mais alguns quintos arrecadados pela
distribuição de novas datas de mineração. Isso mostra que em meados do século XVIII ainda se faziam novos
descobrimentos na região. Cf., AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 106, Doc. 8348.
676
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 110, Doc. 8626.
330

arrecadação confusos, conluio dos intendentes em deixar de cobrar-se matrículas de escravos


em “casos particulares”, enfim, uma série de infrações ao regimento da capitação, que
ocasionava um baixo rendimento dos quintos e uma grande dificuldade da coroa em crer na
lisura da arrecadação dos direitos régios.677 Note-se na Tabela 26 os quintos de 1744 a 1746
são registrados com a vultuosa quantia de 45:557$871 réis, por que foi o valor que o conselho
ultramarino recebeu dos quintos atrasados.
As fundições foram reativadas em 1751 e Luiz Távora Preto foi enviado para ser o
intendente da casa de fundição. Em 1757 quando findava o seu triênio enviou uma carta
informando ao rei que continuaria pelo tempo necessário para findar o exercício de sua função
por que o fiscal da casa não era prático na matéria e o escrivão das receitas encontrava-se
doente, não havendo assim, outro substituto. Na carta fez uma precisa avaliação da situação
geral daquelas minas dizendo que os quintos não eram avultados pois a decadência das minas
era notória “especialmente em anos tão calamitosos e estéreis, como tem sido neste país os
pretéritos pela falta de chuva que temos experimentado.”678
A tabela abaixo mostra a arrecadação dos quintos desde o ano de 1736 até o de 1757,
sendo que para alguns anos não foi possível saber os valores das remessas. A média da
arrecadação anual de 9:512$462 réis ficou quase igual a média da década anterior que foi de
9:330$487 réis e mesmo a mudança no sistema com a capitação não surtiu o efeito desejado no
aumento dos quintos.

Tabela 26: Quintos do ouro das minas da Bahia, 1736-1757

Data Valor em reis Origem


1736 8:329$500
1736 9:152$272 Casa da moeda
1741 553:870 Minas do rio de Contas e Mamocabo
1744-1746 45:557$871 Jacobina, Rio de Contas e Minas
novas de Araçuaí
1750 1:923$265 Capitação e entradas da Jacobina e do
Rio de contas

1750 11:674$500 Minas Novas


1751 20:920$500 Jacobina e Rio de Contas
1752 2:372$291 Jacobina e Rio de Contas e minas
novas
1754 2:086$500 Casa da fundição de Jacobina
1756 1:100$520 Casa da fundição de Jacobina

677
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.102, Doc. 8035.
678
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 132, doc. 10307
331

1757 966$000 Casa da fundição de Jacobina


Total 104:637$890
Fonte: AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 56, Doc. 4865; Cx. 71, Doc. 5953; Cx. 102, doc. 8035; Cx. 102, Doc. 8060; Cx.
102, Doc. 8075; Cx. 106, Doc. 8348; Cx. 112, doc. 8790; Cx. 122, doc. 9511; Cx. 132, doc. 10307;

5.3 Os descaminhos do ouro

A negociata de ouro não quintado feita pelos mineiros e homens de negócio que
circulavam entre o sertão já era conhecida em toda a capitania, pois a prática era corrente, não
obstante, houvesse esforços de fiscalização para tentar evitar o contrabando. Leonor Freire
Costa admite que se o descaminho do ouro alienou a coroa, com certeza esta prática tinha sua
origem na produção ou nos ‘circuitos colaterais’ que o mesmo precisava percorrer até chegar
aos portos. Esta autora sugeriu que o contrabando do ouro era mais forte no circuito interno da
colônia e entre o Brasil e a África. A opção dos particulares que enviaram ouro foi declarar o
valor das remessas e pagar o imposto de 1% instituído pela coroa em 1720.679
Em diversas situações o contrabando e o descaminho fizeram parte da lógica de
manutenção dos mercados no Império colonial português. Isso era sabido pelas autoridades do
Brasil e do reino, portanto não era exclusividade do circuito do ouro no Brasil e foram práticas
generalizadas entre os caminhos que ligavam o sertão ao litoral. Antônio Carlos Jucá de
Sampaio em recente artigo sobre economia no Antigo Regime, concluiu que devido ao caráter
da segunda escolástica, a coroa pouco ou nada interferia na gestão da economia, assunto de foro
doméstico, portanto ligado à gestão da casa. Avaliando as correspondências do AHU nos quais
fosse possível detectar temas econômicos, o autor percebeu que o aparecimento de documentos
ligados à questão do ouro estavam especialmente vinculados a necessidade de intensificação da
cobrança dos quintos, pois estes movimentavam os cofres da fazenda real. Portanto, dizia o
autor: “O ouro, por si só, não era objeto de interesse da monarquia.” 680 Uma das leituras
possíveis sobre a questão econômica nas minas é perceber que a manutenção da ordem, da
justiça e do bem comum nas áreas de mineração, estavam na mira da coroa. Daí decorre o
aliciamento através das redes clientelares e seu papel fundamental nas conquistas para
implementar ou reestabelecer o equilíbrio social da república, eventualmente ameaçado pelas
infindáveis disputas locais. Assegurar o cumprimento da fiscalidade e evitar o descaminho,

679
COSTA, L.F.;ROCHA, M.M.;SOUZA, R. M de. O ouro do Brasil. Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Lisboa,
julho/2013. p. 20.
680
SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. “Economia, moeda e comércio: uma análise preliminar do banco de dados.”
In: Fragoso, João; Monteiro, Nuno Gonçalo. (Orgs.) Um reino e suas repúblicas no Atlântico Comunicações
políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1ª edição,
p. 269-295.
332

também eram funções intrínsecas a essas redes, pois os desvios comprometiam a arrecadação
da Fazenda real, mas também a ordem social.
Assim, o pagamento dos direitos régios dos quintos também estava inscrito dentro da
lógica do dom e contra dom, obviamente não reduzindo-se apenas a isso, mas como uma justa
retribuição dos povos que buscavam reiterar junto à Sua Majestade a manutenção dos vínculos
de vassalagem. Em outras palavras, o que o ouro proporcionou de mais duradouro para a coroa
e os locais onde ocorreu mineração foi a inserção daquelas áreas no mapa da monarquia
pluricontinental. Nesse sentido, a formação de um espaço econômico do ouro na Bahia
proporcionou a construção de uma ordem social baseada na noção do bem comum, com uma
economia enraizada e dinamizada pelas particularidades das condições locais. A isso estamos
chamando de economia costumeira.681
Em termos de incremento da circulação comercial boa parte da produção do ouro
baiano se esgotava dentro dos circuitos internos de trocas mercantis pelos caminhos do interior.
Assim o que era remetido em quintos para a coroa não foram valores vultuosos, e portanto, não
perceptíveis de forma direta no circuito mercantil atlântico. Por isso essa produção ficou
'invisível' para a historiografia ou foi vista somente como prova do contrabando inerente à
economia colonial. Mesmo os documentos do AHU sobre os quintos baianos não são
sistemáticos, pois a arrecadação era inconstante e extremamente variável. Portanto, sempre que
os quintos diminuíam, tal circunstância não tinha sua razão de ser em motivos econômicos, mas
sim sociais. Os principais motivos, apontados pelo vice-rei, para a diminuição da arrecadação
era a impossibilidade de manter o controle e a ordem nos distritos minerais, a ocorrência de
adversidades ambientais, tais como secas ou excesso de chuvas, falta de alimentos,
transumância dos mineiros, dentre outros aspectos determinantes não somente para a
exploração eficaz das minas, mas a utilização do ouro nos circuitos mercantis. O desvio ou falta
de pagamento dos quintos, não era assim resultado da baixa produção aurífera, conquanto esta
também tivesse suas variações, mas comumente fruto do ruptura da tênue estabilidade social
que deveria ser mantida nos distritos minerais. Em abril de 1750, o superintende das minas de
Araçuaí, Pedro Leolino Mariz, enviou para o governo uma carta informando os quintos
arrecadados com a capitação. Na notícia, a prestação de contas sobre o ouro veio acompanhada
de uma memória, na qual descrevia o padecimento dos moradores daquela vila em virtude de

681
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá; CONCEIÇÃO, Hélida Santos. O Antigo regime e a economia costumeira na
América portuguesa no século XVIII: notas para um debate. Texto inédito.
333

chuvas caudalosas que caíram após uma seca ardentíssima que durou mais do que o esperado.
Em suas palavras:
A falta total de ouro e mantimentos pôs esta miserável gente na última
consternação: muitos deram licença aos seus escravos para buscar meios de
alimentar-se, aonde melhor pudesse conseguir, e eu também me vi
constrangido a buscar o mesmo recurso para conservar a minha escravatura, o
que fiz com muito trabalho, e grande despesa. Nestes apertados termos se não
pode cobrar a capitação, por não haver ouro; todos ofereciam sem repugnância
os escravos em pagamento, e nem estes tinham valor algum na praça, por que
cada um desejava exonerar-se deles e apenas havia ouro para acudir a boca.
Dito isto dei conta ao Ex.mo senhor conde antecessor de V. Ex.a, que foi servido
responder-me me regulasse pelas disposições do tempo, e assim só ponderei
que servia a um rei católico, e pio, e que era obrigado a conservar seus vassalos
na parte que me tocava, e observando o mesmo que se tem praticado em
algumas intendências das Minas Gerais, cuidei em segurar à fazenda Real,
para cobrar quando melhorar o tempo, e se aplacar o castigo. 682

No sertão os poderes locais e suas negociações com a coroa se articularam sob


variados termos. Não imperava uma lógica racional de coleta dos quintos, pois os diversos
fatores ambientais, sociais e políticos em interação, impediam um rigor frio e calculista para a
questão. A menção a um rei pio e católico, portanto, generoso para com as dificuldades de seus
vassalos; a ideia de castigo, advindo com a fome, a seca ou o contrário, as chuvas excessivas,
enfim, todas elas são interpretações enraizadas no bojo de uma cosmovisão informada pela
segunda escolástica. Segundo Karl Polany, o que compõe a economia é o movimento de bens
e pessoas e não um tipo de ação racional, destituída de sentidos e contextos, ou seja, “os fatos
da economia enraizavam-se, originalmente, em situações que em si não eram de natureza
econômica.”683
Ao observar-se aquela realidade a nível micro, ou seja, margeando as relações entre os
moradores e as instituições do centro, mesmo com as dissonância e conflitos, percebe-se que
houve pontos de sincronização entre o governo dos povos e a monarquia. Mais uma vez Karl
Polany mostra-se como um autor imprescindível nessa análise. Em sua leitura de Aristóteles,
percebeu o funcionamento do mercado através das relações de reciprocidades na comunidade,
em uma tentativa de manter-se unida. Citando Aristóteles, ele sublinha “A própria existência
do Estado depende desses atos de reciprocidade proporcional [...] sem os quais não há partilha
e é a partilha que nos mantém unidos.”684 Sendo assim, entender o ouro baiano significou
agregar um conjunto de fenômenos para clarificar a própria dinâmica de ocupação do sertão no

682
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 102, Doc. 8075.
683
POLANYI, Karl. A subsistência do homem e outros ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. p.
272.
684
Aristóteles Apud, POLANYI, Karl. op. cit. p. 262
334

momento fundamental de sua entrada no mapa da administração da monarquia pluricontinental.


Trocando em miúdos: a produção aurífera não pode ser reduzida a um fenômeno estritamente
econômico e fiscal, por esse motivo não é possível entender o sertão no século XVIII sem
considerar a produção social e política advinda com a mineração.
Portanto, faz-se é necessário relativizar as medidas tomadas pelos oficiais régios para
tentar barrar o contrabando, já que os descaminhos estimulava e alimentava o espaço econômico
do ouro. Leonor Freire Costa resumiu de forma precisa a relação do mercado com o descaminho
quando afirmou que “o mercado (mesmo que inscrito na matriz do monopólio) e o contrabando
perfazem um binômio inspirador de mudanças na orgânica da administração da fazenda, no
Reino e no Brasil.” 685
A correspondência entre as autoridades do reino e das conquistas explicitam um
conjunto de questões desencadeadas com a mineração. Boa parte dessa correspondência indica
problemas com relação a evasão de divisas dos cofres régios, apontando os interesses dos
mineiros que normalmente conflitavam ou faziam letra morta das ordens régias. Tentaremos
sintetizar os principais pontos de conflitos, seguindo o ritmo das correspondências trocadas
entre o vice-rei Vasco Fernandes e D. João V na década de 1730, momento especial para análise
da implantação de direcionamentos políticos e orientação dos expedientes de governabilidade
nas minas baianas.
A prova mais cabal deste fato pode ser encontrada em uma carta escrita pelo próprio
rei D. João V e destinada Bernardo Freire de Andrade, na ocasião primeiro comandante da frota
que partiu da Bahia em 1730. A carta que também foi enviada para o vice-rei, continha uma
instrução sobre como deveria evitar os danos que se seguiam ao comércio ilegal com o ouro em
pó através de descaminhos que se faziam do ouro enviado para Lisboa na frota real. A situação
era tão grave que o próprio rei confirmava que o metal era desviado dos cofres das naus pelos
mesmos oficiais e soldados das fragatas e navios mercantes, que seriam os responsáveis por
conduzi-lo para o reino. Além disso constatou-se que os oficiais,
(...) comprando quase publicamente o ouro em pó, tomando também a troco
das fazendas que levam do reino e chegando a oferecer aos donos para traze-
lo e entregá-lo a salvo nesta corte pelo prêmio que estipulas, sendo tal a sua
indústria que até as armas de fogo trazem carregada de ouro.686

685
COSTA, Leonor Freire. “Entre o açúcar e o Ouro: Permanência e mudança na organização dos fluxos (séculos
XVII e XVIII).” In: FRAGOSO, J; FLORENTINO, M; SAMPAIO, A.C.J; CAMPOS, A. Nas rotas do Império:
Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. 2ª. Ed. Vitória, EDUFES, 2014. p. 91.
686
IHGB:DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e Secretário de Estado ao Conde de Sabugosa.
fls. 1-2.
335

Essa passagem indica que o comércio com o ouro era corrente e encadeava uma
extensa rede de agentes, desde os negociantes até soldados da frota que se ofereciam para levar
ouro para Lisboa a salvo do pagamento de impostos devidos na alfandega. O ouro, por ser
material de fácil condução, permitia que os interessados fizessem comércio em diversos portos
atlânticos, apesar da explícita legislação que o proibia. Na mesma missiva estava posto que os
homens das fragatas levavam fazendas do reino e nos portos a trocavam por ouro em pó, e que
estes já tinham compradores certos quando desembarcavam com suas fazendas e mercadorias
enviadas por negociantes das praças portuguesas. Para além do fato de que esta carta atestava
o nível de conhecimento que a autoridade régia tinha sobre o descaminho, faz-se imprescindível
perceber a forma como o vice-rei sabia que pouco efeito teria a proibição do dito contrabando.
A carta, vale frisar, escrita de punho régio, instruía o vice-rei na publicação de um
bando com a proibição de que nenhum oficial ou soldado pudesse comprar ou trocar ouro em
pó por fazendas e nem levar moedas ou peças de ouro para o reino no valor acima de 20 mil
réis. A pena para o desencaminhador seria a perda do posto, do tempo de serviço e ainda o
degredo por dez anos para Angola. Se o contrabandista fosse soldado ou pessoa de origem
inferior seria igualmente condenado às galés pelos mesmo dez anos. Ordenava ainda que as
naus fossem vistoriadas e que fosse incentivada a denúncia em segredo, sendo o denunciante
premiado também de forma sigilosa com a metade de todo o ouro que se achasse com o
desencaminhador. Estas e outras punições tornavam-se letra morta diante do fato de que sempre
haviam formas de trazer ouro das minas para negociar na praça da cidade de Salvador.
Na resposta, o vice-rei comprometia-se a fazer valer as instruções régias, mas ao
mesmo tempo alertava que parecia-lhes de que “desta pouco ou nenhum fruto resultará687”,
ainda que houvesse prudência em não publicar o bando proibindo o comércio, para não chamar
atenção dos infratores, que seriam pegos de surpresa quando houvesse inspeção nos navios.
Outra instrução régia advertia que o vice-rei impedisse a presença de ourives no
território das minas, pois este ofício aumentava a possibilidade de fundição de ouro, sem que o
mesmo tivesse sido quintado. A instrução indicava a retirada das minas de toda e qualquer
pessoa que soubesse fundir e manipular ouro. A medida mais uma vez incidia sobre a
possibilidades de evitar que o ouro em pó se transformasse em barras ou qualquer outro objeto
que podia ser trocado por mercadorias.688 Em 1733 o vice-rei descobriu que homens vinham

687
IHGB:DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e Secretário de Estado ao Conde de Sabugosa.
Fls. 4.
688
IHGB. DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e Secretário de Estado ao Conde de Sabugosa.
fls. 116.
336

dos distritos das minas, estavam engajados em um esquema de contrabando, que lhes permitiam
passar pelos registros sem pagar o que deviam. A fraude foi descoberta por que o provedor da
casa da Moeda da Bahia estranhou a quantidade de esfriadeiras689 de ouro e correntes de aspecto
rudimentar que estavam aos montes entrando na Casa da Moeda. O esquema era claro: o ouro
em pó estava sendo fundindo nos distritos minerais do sertão em tendas de ourives, que
produziam as tais esfriadeiras. Estes objetos eram receptados pelos homens de negócios e ao
chegarem em Salvador faziam a entrega na casa da Moeda para serem amoedadas. Nesse
esquema, nem os mineiros, nem os comerciantes pagavam quintos. Descobrindo-se o
expediente de sonegação, o vice-rei, o conde de Sabugosa, escreveu uma carta para o rei
revelando o esquema. Surpreende sua atitude, um misto de parcimônia e condescendência,
acerca da situação:
“Pela cópia inclusa da carta que escrevi a V. Mag.de pelas duas fragatas que
daqui expedi em vinte e cinco de janeiro próximo, lhe seria presente a conta
que então lhe dava, a respeito das esfriadeiras, e correntes de ouro que
entravam na casa da Moeda, representando a V. Mag.de que as provisões de
que novamente remeto cópias, me obrigaram a não fazer logo os exames, e
diligências necessárias, parecendo-me também que avista do que sucedeu no
Rio de Janeiro com a falsidade das barras, se daria V. Mag.de por mal servido,
atendendo a perturbação, e confusão que experimentariam estes moradores
com a paixão dos mal intencionados [...]690

Havia-se passado pouco mais de um mês que o vice-rei mandou o ouvidor fazer uma
vistoria na cidade depois de umas denúncias sobre indivíduos que traziam ouro escondido das
minas. Além disso houve a ordem régia indicando que o vice-rei fizesse vista grossa com as
barras falsas que faziam na casa da Moeda do Rio de Janeiro.691
A narrativa mais interessante sobre o sistema de descaminho do ouro praticado no
sertão baiano, encontra-se uma carta escrita pelo coronel Pedro Barbosa Leal. No ano de 1730,
já velho de suas andanças pelo sertão, ele relatou todos os tipos de estratagemas usados pelos
mineiros para fugir ao fisco. Em resumo ele afirmava que a largueza do sertão, a possibilidade
de evadir-se por matos e picadas, a facilidade de esconder o ouro e de trocá-lo a preços
convidativos por produtos levados pelos negociantes às minas, tornava quase impossível uma
sistemática eficiente na arrecadação dos quintos. A citação é longa, mas merece ser transcrita
pela pertinência de seus detalhes:
Nem ainda dentro das Minas se pode dar legítima arrecadação na extração do
ouro, porque se deve considerar que sendo muito os mineiros que tiram ouro

689
Espécie de prato rústico usado na fabricação de açúcar.
690
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 46, Doc. 4122
691
IHGB. DL 865.2 Lista de cartas e provisões de Sua majestade e secretário de Estado ao conde de Sabugosa, fls.
29.
337

são poucos os que tem lavras abertas, e certa por que os mais deles trazem os
seus negros a faiscar, isto é dizer aos negros que lhes hão de dar cada dia meia
oitava de ouro de jornal, e que vão trabalhar donde quiserem. Estes faiscadores
vão pelas lavras velhas onde na lavagem sempre fazem jornal, e outros se
metem por entre as serras, e por entre as brenhas, e pelos córregos que não
estão conhecidos, e os vão escalando e dando suas escavações donde tiram
ouro, fazendo os seus jornais e vem aos sábados dar conta aos seus patronos,
e lhes fica o mais ouro para o seu comércio. Muitas vezes se passam quinze
dias que seu senhor não sabem deles; e assim ainda quando se quiserem pôr
olheiros pelas lavras que rejeitassem o ouro diariamente, que é a mais miúda
arrecadação que se podia pôr, não é meio adequado, por que além de necessitar
de um grande número de olheiros, senão podia praticar com os faiscadores,
como também com muitas pessoas que não tem escravos que bastem para abrir
lavra, se botam pelo tempo das águas a minerar pelas bastadas das serras e
poucos regos incógnitos aonde tirão ouro, sem tirar carta de data, e sem serem
conhecidos por mineiros.692

Em 1730, D. João V remete uma consulta a Vasco Fernandes, sobre as possíveis


vantagens de se fazer na praça da Bahia um contrato de arrematação dos quintos por
particulares, tal como se dava com o Contrato das Entradas de mercadorias nas minas. O vice-
rei prontamente encaminhou a questão para o coronel Pedro Barbosa Leal, para que ele
manifestasse sua experiência de sertanista, já que prestou mais de 40 anos de serviços à coroa.
A resposta do coronel foi absolutamente enfática de que tal sistema causaria grandes distúrbios
nas minas, e que se os mineiros se recusavam a pagar os quintos contrariando as leis máximas
de S. Majestade, qual seria os motivos que os fariam arrecadar junto a um contratador?
Resumindo, essa alternativa seria inviável.
Analisando outra correspondência entre Vasco Fernandes e D. João V, é notório que
havia por parte do Conde de Sabugosa uma forte relutância em relação à arrematação de
contratos, sobretudo quando estes diziam respeito às minas baianas. Tal problemática traz em
seu bojo uma longa discussão acerca da tríade que regulava o governo do Brasil, que pode ser
resumida na sobreposição de poderes referentes às jurisdições de conselhos palatinos, tal qual
era o conselho Ultramarino, da capacidade do vice-rei de fazer valer sua autoridade diante de
governadores de outras capitanias e a posição majestática do rei para ao mesmo tempo dirimir
conflitos e assegurar a soberania de suas ordens nas conquistas. A denúncia do vice-rei pode
ser interpretada a partir do que conclui Pedro Cardim quando analisa a dilatação das funções
desses órgãos e o conflito de jurisdição que atravessou a consolidação de sua atuação junto ao
ultramar.

692
IHGB. DL 865.2. Lista de cartas e provisões de Sua Majestade e secretário de Estado ao Conde de Sabugosa.
fls. 15-24.
338

Pedro Cardim discute com bastante precisão esse tipo de conflito que já podia ser
percebido no século XVII, quando analisa uma contenda entre o Conselho Ultramarino e o
Desembargo do Paço. Ele chama a atenção para o fato de que os conselhos palatinos tinham em
sua origem a função de apoiar a vontade régia, mas à medida que o fazia buscavam alargar o
seu campo de jurisdição, posto que “muitas vezes não se comportavam propriamente como fiéis
interpretes dos desígnios régios, uma vez que, como é sabido, o ethos dos magistrados
propiciava o surgimento de sentimentos de independência operativa e de autonomia
decisória.”693
Tal interpretação parece apropriada para entendermos as queixas contidas na longa
missiva de Vasco Fernandes. O mote central da carta era colocar a coroa a par da situação das
minas baianas sob sua administração e de como o Conselho Ultramarino não respeitava a sua
autoridade, infligindo as próprias ordens régias que deveriam ser observadas. Sobre tal questão,
configurou-se aí a contradição entre as funções do Conselho Ultramarino que cada vez mais
queria ampliar a sua capacidade executiva, muitas vezes contrariando as decisões régia e
interferindo em assuntos da Fazenda real. Nas palavras do vice-rei, “os documentos em que
falava a V. eminencia são tantos, e tão disformes o seu conteúdo, que me resolvo a não dar-lhe
o trabalho de ver justificados os defeitos com que considera o Conselho Ultramarino, que pelo
seu expediente resolve sem distinção todo o negócio.”694 Na sequência ele explica que o tal
negócio dizia respeito a arrematação dos Contratos das Entradas das Minas Novas de Araçuaí
e que o Conselho sem lhes fazer consulta ou ter atenção às suas resoluções sobre a matéria
deliberou da forma com lhes conviria. A opção de arrematação dos ditos contratos na praça de
Lisboa, tinha sido feita à sua revelia e tal negócio só tinha a finalidade de favorecer aos homens
de negócios interessados nos avultados lucros com as entradas das minas, pagando por esse

693
Administração e governo são os termos discutidos por Pedro Cardim em excelente artigo sobre o significado
de governar e administrar nas práticas políticas do Antigo Regime. Segundo a compreensão semântica da época o
termo ‘administração’ vinha sempre acompanhado do que se administrava. “Assim, falava-se em administrar a
casa, administrar um sacramento, administrar uma cidade, administrar a justiça, um dote um reino ou um
patrimônio”. Dessa forma, ainda segundo a definição do autor, não existia “uma mas sim muitas administrações”,
uma vez que faziam referências às várias esferas de coletivos presentes no interior do corpo político que era a
monarquia. Já “governo” evocava as atividades técnicas e de gestão, mas também, a presença de uma ação de
comando ativa, projetiva e “confiada a um conjunto bem individualizado de órgãos estatais”. Esta palavra também
fazia referência a esfera doméstica, o governo da casa, liderado pelo pater famílias. A Coroa incorporou este
sentido do imaginário doméstico, por entender que os princípios ético e políticos necessários para o governo da
casa, também o eram para a república. No contexto em análise, pode-se verificar nas fontes o uso do termo
‘administração’ indicando as possíveis decisões ‘técnicas’ necessárias para pôr em funcionamento nas minas o
regime de ‘governo’ da monarquia, que passava pela ideia de governar a população local. Cf., Pedro Cardim,
“«Administração» e «governo»: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime»”. In: BICALHO, Maria
Fernanda Bicalho; FERLINI, Vera Amaral Ferlini. Modos de governar. Ideias e práticas políticas no Império
Português, séculos XVI a XIX, São Paulo: Alameda, 2005, 2ª. Ed, 51-54; 62.
694
AHU. Coleção Eduardo Castro e Almeida. Bahia, Cx. 3, Doc. 346
339

direito um ínfimo valor. Na opinião do vice-rei, tal estado de coisas lesava a Fazenda real, e
dizia que “estas considerações me fazem muitas vezes obrar contra o que entendo, vendo que o
Conselho Ultramarino pode tudo, por que tudo resolve sem dependência, nem ainda
informação.”695
O rendimento das minas baianas era auferido na arrecadação dos quintos, mas também
na arrematação dos contratos das entradas das minas, para os quais se cobravam o preço de 5
mil réis por escravo que para estas passavam. Além disso os gêneros de secos e molhados
também eram taxados nas passagens dos caminhos. Na carta ele denúncia que se a arrematação
dos contratos tivessem sido feitas nas praças baianas se poderia fazê-lo por um preço maior,
“pelos muito lançadores que costumam haver em qualquer contrato”. Os lançadores do Brasil
tinham restrições de duas ordens para concorrer às arrematações: ou por não ter cabedal
suficiente, ou então por que temiam serem lesados pelos procuradores da praça de Lisboa. Isso
atesta em como para além da produção interna da colônia, continuou havendo uma
proeminência dos portugueses nos tratos mercantis.696 Ainda na carta ele revela que um tal
André Marques já pela terceira vez havia arrematado contrato com o conluio do Conselho
Ultramarino que se deixava enganar por certidões de quitação das obrigações do contrato, que
não tinham sido feitas e com isso subtraindo dos cofres da Fazenda real.
De acordo com os contratos, cada comboieiro697 que levavam os escravos para as
minas, quando vinham desembarcados pelo porto de Salvador ou do Rio de Janeiro para seguir
pelo caminho do sertão, deveria deixar nos postos de registros o preço de 4$500 reis. Ademais
em 1722, respeitando aos interesses dos mineiros, ele resolveu que se dobrasse o valor do
contrato e que após sua resolução o mesmo contrato tinha sido arrematado por 50 mil cruzados
anuais. Quando ele dobrou o valor da passagem dos escravos, o acréscimo disso ficou para a
Fazenda real, que dessa forma, teria lucrado duas vezes. No segundo triênio se arrematou o
contrato por 215 mil cruzados. Já o terceiro triênio foi arrematado na praça de Lisboa por 4$500
cruzados e 10$000 réis. No novo contrato feito pelo Conselho Ultramarino, cada escravo que
passasse para as minas teria que pagar 3$500 réis de direitos, valor menor do que anteriormente
tinha sido efetuado. Segundo afirmou o conhecimento do novo contrato e seus valores só foi

695
AHU. Coleção Eduardo Castro e Almeida. Bahia, Cx. 3, Doc. 346
696
Nuno Monteiro resume a questão afirmando que enquanto as elites terratenentes eram cada vez mais
consolidadas a partir de homens naturais da terra, a “classe mercantil permanecia essencialmente europeia”. Ver:
MONTEIRO, Nuno. Governadores e capitães-mores do Império Atlântico português no século XVIII. In:
BICALHO, M.F; FERLINI, V. L. A.(org.) Modos de governar. Ideias e práticas políticas no Império Português,
séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005. 2ª. Edição, p.98.
697
De acordo com Júnia Furtado, “Comboieiros eram aqueles que viviam, prioritariamente, do transporte de negros
do litoral para o interior”. Ver a designação que esta autora traz para Tratantes, viandantes e comboieiros.
FURTADO, Júnia. op. cit. 2014. p. 166
340

conhecido quando recebeu a notícia pela frota. Ele ainda dizia que mandou cobrar o preço de
10 tostões por cada escravo que viesse da costa da Mina, para que com esse valor se construísse
e sustentasse a feitoria de Ajudá que ele mandou construir em 1721, demonstrando que às custas
do ouro baiano que demandava escravos, se intensificou a presença portuguesa naquela feitoria
africana.
A reclamação do vice-rei tem por um lado o intuito de justificar as dificuldades de
arrecadação da Fazenda real na Bahia, mediante a denúncia que fazia da interferência do
Conselho Ultramarino na arrecadação tributária, tentando mostrar que se fazia ao máximo para
evitar a exiguidade e penúria econômica da capitania, no momento em que o ouro e escravos
eram as fontes mais imediata de arrecadação fiscal.
Analisado por outro ponto de vista, sua queixa também indica avaliação coeva sobre
as condições de arrecadação dos quintos do ouro, tal como exigia a coroa, sendo certo que os
arrematadores da praça da Bahia haviam sido preteridos diante da prioridade de se fazer a
arrematação dos contratos das entradas via a capitania das Minas Gerais. Por isso ele apontava
que o rápido esgotamento do ouro nos veios dos rios, o abandono das datas, a dinâmica de
transumância pelo sertão, o alto preço dos escravos que inflacionou o custo de obtenção da mão
de obra, tudo isso tinha servido de “grande prejuízo ao rendimento dos quintos sem quanto se
cobravam por bateias por se não acharem os que deviam quando os procuraram para os
pagar.”698
Os termos do documento deixa transparecer que para além da questão econômica, o
real motivo da queixa seriam significativas divergências políticas envolvendo o vice-rei Vasco
Fernandes e o governador das Minas Gerais D. Lourenço de Almeida, o qual não prestava
contas de suas ações à autoridade máxima do governo do Brasil. O governador agiu de forma a
favorecer alguns indivíduos na arregimentação dos Contratos das Entradas das Minas, lesando
com isso os valores a serem pagos à Fazenda Real pela arrematação dos ditos contratos. Vasco
Fernandes escreveu nos seguintes termos:
Pela secretaria recebi a cópia das ordens, em que V. Ex.cia me fala pertencentes
as Minas Gerais, donde não tenho nunca notícias, que as que me participa o
governador do Rio de Janeiro, e se divulgam nesta cidade, porque Dom
Lourenço de Almeida desde que tomou posse do governo, se pôs em divorcio
comigo, entendendo que seria menos governador, se fosse subordinado,
porém nenhum dos seus antecessores seguiu esse tão grave desordenado
sistema, o qual continua sem embargo de El rei o advertir há quatro anos, em
carta firmada pela sua Real mão, ordenando-lhe me desse conta de tudo quanto
acontecesse na sua jurisdição, e executasse prontamente as minhas ordens, não
tendo outras em contrarias de S. Majestade, e confesso a V. Ex.cia que nada

698
AHU. Coleção Eduardo Castro e Almeida. Bahia, Cx. 3, Doc. 346
341

sinto, a falta desta correspondência, porque são tais os progressos deste


fidalgo, que justo é que ninguém mais que ele tenha parte nos seus acertos.699

A carta é contraditória pelo fato de que se por um lado reclama do Conselho


Ultramarino que estava em conluio com alguns homens de negócio, em outros momentos
admite que age contra o seu entendimento, cedendo à pressão dos arrematadores dos contratos,
ou seja, os tais homens de negócios, para evitar danos maiores à Fazenda Real. Ainda assim
revela que também adotava medidas políticas explícitas para suavizar as pressões fiscais que
incidiam sobre os mineiros e evitar que houvessem distúrbios coletivos nos distritos das minas.
Vasco Fernandes tentava mostrar-se como um habilidoso negociador diante dos embates entre
as dificuldades locais e as exigências da coroa.
Diante de tantos fatores, sabemos que o dinheiro recolhido dos quintos, em certas
circunstâncias, foi usado para saldar a folha de funcionários da coroa no ultramar, como
sucedeu-se em 1735, quando Vasco Fernandes em seu último ano de governo, recebeu mais de
9:955$722 réis dos rendimentos dos direitos dos quintos e das entradas das minas de Jacobina
e usou parte deste montante para pagar duas folhas de ordenados dos oficiais da casa de
fundição e dos comissários das fragatas das naus do comboio da frota real. Para isso ele alegou
que a Fazenda real estava sem fundos para saldar a folha de funcionários.700 No ano seguinte,
em 1736, já no governo do Conde das Galveias colocava-se novamente a necessidade de usar
o rendimentos dos quintos das Minas Novas de Araçuaí para pagar o trabalho das tropas de
linha daquela vila, já que o rendimento advindo do registro das entradas tinha sido arrematado
por contratador das Minas Gerais.701
Este capitulo procurou levantar algumas questões cruciais para a dinâmica de
arrecadação fiscal nas minas baianas na primeira metade do século XVIII. As mudanças nos
métodos da arrecadação fiscal, desde a cobrança por bateias, a instalação das casas de fundição
e o regime da capitação, fornecem elementos para a análise de como a coroa foi adaptando os
métodos de recolhimentos dos quintos mediante as conjunturas de exploração aurífera.
Ademais, a atuação de homens ligados às redes clientelares do vice-rei no governo das minas,
mostrou-se um fator preponderante para assegurar a pressão junto aos mineradores. O espaço
econômico do ouro não pode ser mensurado pelo valor arrecadado dos quintos régios, já que
dependia também de certas contingências que envolviam os mineiros e o ambiente no qual

699
AHU. Coleção Eduardo Castro e Almeida. Bahia, Cx. 3, Doc. 346
700
AHU. Avulsos, Bahia. Cx. 54, Doc. 4659
701
AHU, Avulsos, Bahia. Cx. 56, Doc. 4808.
342

atuavam. A economia produzida nas áreas de mineração só pode ser lida a partir da produção
política e do exercício do poder local, tal como ficou evidente em Minas Novas de Araçuaí.
Por fim, os descaminhos tinha a função e impulsionar a economia interna e mesmo
chegando ao conhecimento das autoridades que emitiam ordens para aumentar as proibições e
fiscalização nos portos, não deixou de ser uma prática que reforçava os circuitos mercantis
internos. Em grande medida, boa parte da produção econômica gerada pelo ouro da Bahia serviu
para suprir as demandas imediatas dos mineiros e estimular o constante deslocamento no
interior do sertão.
343

Capítulo VI – Um sertanista entre dois mundos: a trajetória de Pedro


Barbosa Leal

Nas sociedades do Antigo Regime as relações pessoais obedeciam a uma lógica


clientelar, a partir das quais os vínculos estavam organizados em torno de laços de amizade,
lealdade e fidelidade. As ligações parentais e políticas também inclusas nessa premissa,
correspondiam a estratégias políticas que visavam conseguir mais parentes, leia-se, mais
aliados, componentes indispensáveis às redes clientelares. Muito embora, essa lógica orientasse
as relações entre súditos e monarquia, as mesmas também estavam inscritas no cotidiano da
vida social. Esta normativa cedia lugar a “uma cadeia infinita de actos beneficiais, que
constituíam as principais fontes de estruturação das relações políticas.”702 Esta estrutura mental
acompanhou a formação das sociedades no novo mundo, onde a ‘economia do dom’, ou seja, a
tríplice obrigação de dar, receber e restituir, estavam no cerne das relações sociais.
O estudo clássico de Fernanda Olival sobre a economia das mercês, resgata a
influência que o pensamento de Aristóteles exerceu na segunda escolástica, quando estabelecia
os princípios do ato de dar. Dessa forma, durante o século XVI, no momento mesmo de
organização do estado português, a liberalidade tornou-se assim a “obrigação imperativa da
realeza.”703 A liberalidade assume um papel central na estruturação da legitimidade política de
um soberano, ela deveria ser adequada politicamente e seu objetivo maior era a coesão social e
a geração de um sentimento amoroso pela monarquia.
O território das conquistas, fosse na América ou em outros espaços do ultramar,
tornou-se especialmente atrativo para a “nobreza inferior ou reinóis plebeus” que viam a
oportunidade de servir ao rei e ao mesmo tempo ascender socialmente. São inúmeras as
histórias e trajetórias de reinóis que muito embora tivessem condições econômicas para servir
à Sua Majestade, só o puderam fazer nos territórios ultramarinos. Nas conquistas a recente
formação do espaço social e político favoreceu o aparecimento de uma nobreza política ou civil,
apoiada nos bons serviços prestados à coroa e na reprodução de ideais estamentais aos moldes
do pensamento do Antigo Regime.704

702
HESPANHA, Antônio Manuel. XAVIER. Angela Barreto. “As redes Clientelares.” in: MATTOSO, José (dir.)
& HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. Vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa,
1998 [1993], p. 340.
703
OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o estado moderno: Honra, mercê e venalidade em Portugal. (1641-
1789). Lisboa. Estar, 2001, p. 18.
704
STUMPF, Roberta G. Os cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes nas Minas setecentistas. 1° Ed.
Belo Horizonte. MG: Fino Traço, 2014. p. 82.
344

Em 1725 foi reeditado em Portugal o Tratado da Nobreza Hereditária e Política, esse


texto tornava clara a diferença entre nobreza hereditária e nobreza civil ou política, revelando
as resistências aos processos sociais de nobilitação através de expedientes políticos. Segundo o
autor haveria uma diferença fulcral em termos de princípios, já que a nobreza verdadeira seria
a transmitida pelos pais e avós, enquanto que a política ou civil, “que se adquire pelos cargos,
e postos da República, e servi-lhe-ão estes, e os feitos gloriosamente obrados de os constituir
nos princípios da nobreza de sorte que verdadeiramente se não pode dizer deles que são nobres,
se não que o começam de ser [...] a verdadeira nobreza não pode dá-la o príncipe por mais
amplo que seja o seu poder.”705 Por certo nos diversos enclaves da América lusa, a nobilitação
civil foi naturalizada como um processo social indispensável para demarcar as hierarquias
costumeiras.
A formação da nobreza política ou civil, apesar de ter preservado alguns princípios,
tais como a ocupação de postos na república, prestação de serviços à monarquia e exercício do
poder local, alcançou configurações diferenciadas nos diversos espaços das conquistas. Cada
grupo que se arrogava a condição de viver à lei da nobreza, desenvolveu diferenciados
processos generativos guardando significativas alterações no léxico de auto identificação do
grupo. Isso denota que as condições que estruturavam a formação da nobreza da terra nos
diversos enclaves da América, seguiram estratégias e conjunturas específicas que merecem
maiores estudos e aprofundamento.
Contudo, em alguns casos, a primazia da conquista foi um demarcador para a
afirmação do prestígio de algumas famílias integrantes da nobreza principal da terra,706 que às
expensas de suas vidas e fazendas estabeleceram unidades produtivas – engenhos, partidos de
cana de açúcar, criação de gado e produtos de subsistência – baseados no trabalho de escravos
africanos e indígenas. Ademais, do ponto de vista da conservação do território, expulsaram
invasores, combateram índios hostis, receberam sesmarias e firmaram aqui um projeto a longo
prazo de reprodução e elevação de suas casas.

705
SAMPAIO, Antonio de Vilas Boas e. Nobiliarchia portuguesa. Tratado da nobreza hereditária e política. (1ª
ed., 1676), 3ª ed., Lisboa, 1725, p. 28-29. Apud. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Poder Senhorial, Estatuto
Nobiliárquico e Aristocracia.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António Manuel. História de Portugal.
Vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998 [1993], p. 299.
706
João Fragoso tem discutido em diversos textos as estratégias e auto representações do que ele chamou de
“nobreza principal da terra” e sua atuação na capitania do Rio de Janeiro. Para o autor essa nobreza é “entendida
como um grupo de descendente dos conquistadores, com mando local costumeiro, pois sem os pergaminhos de
fidalguia titular do reino. Apesar disso, reivindicavam a exclusividade de partilhar com a monarquia a autoridade
da capitania.” Cf. FRAGOSO, João. “Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor do engenho do rio Grande, neto
de conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro,
1700-1760).” in: id. GOUVEA, Maria de Fátima. (orgs.). Na trama das redes: Política e negócios no Império
Português, séculos XVI – XVIII. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010. p. 248.
345

Na capitania da Bahia nos séculos XVI e XVII ocorreu semelhante processo de


ascensão social e nobilitação civil que se reproduziu em outros enclaves da América Lusa,
quando reinóis e luso-brasílicos, em sua maioria ligados as atividades de mercancia,707
constituíram estratégias individuais ou coletivas em busca de enobrecimento e honra. Durante
o século XVII, algumas das mais importantes famílias tiveram a possibilidade de expandir-se
para além do Recôncavo. Thiago Krause levanta uma interessante hipótese sobre a distribuição
de terras no sertão:
Devido à contínua, ainda que irregular, expansão para o sertão,
constantemente se buscava obter novas sesmarias, muitas vezes imensas
(capítulo III). Assim, o poder de outorgar novas terras deve ter contribuído
para a construção de redes de apoio aos governadores, ainda que esse tema
mereça uma análise mais sistemática.708

Essa rede de apoio suscitada na passagem acima se consolidou efetivamente no início


do século XVIII quando os sertões, já em franco processo de conquista, passou a demandar
atenção especial das autoridades régias. Entretanto, ainda no XVII, não foi coincidência que os
agraciados com terras também ocupassem postos superiores no oficialato das ordenanças, sendo
o de capitão o mais comum e o de coronel ainda mais prestigioso. Conseguir essas patentes já
denotavam uma mudança de status social, uma vez que as ordenanças junto com as câmaras,
constituíram-se em um espaço de gestação da nobreza política.
O sistema de mercês reiterava as condições materiais e simbólicas habilitando os
súditos a requisitar outras recompensas. Sendo assim, alegavam o seu empenho na abertura dos
caminhos do sertão, tanto quanto na expulsão do gentio bravo. Dessa forma, pode-se aventar
que o sertão da Bahia em dado período, serviu como uma espécie de reserva de terras para
serem doadas em recompensa aos serviços prestados pelos súditos. De qualquer modo uma
ressalva deve ser feita: a prestação desses serviços demandava participar de entradas, abrir
estradas, fazer guerra ao gentio, dispor de munição, mantimentos, enfim, eram tarefas árduas
com altos custos e risco de vida para os que se engajavam. Homens reinóis, paulistas e baianos
circularam nesse espaço colonial movidos por interesses próprios ou como cabos de ações
militares na guerra brasílica. Conquanto a exiguidade dos recursos da capitania de São Vicente
tenha lançados paulistas na conquista e fixação nos sertões, no caso dos baianos percebe-se que

707
Veja os trabalhos de referência, cf., SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império:
Hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c.1650-c.1750). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2003; ________, “Comércio, Riqueza e Nobreza: Elites Mercantis e Hierarquização Social no Antigo
Regime Português.” In: FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; Campos,
Adriana. (orgs.) Nas rotas do império. Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. 2.ed.
Vitória: EDUFES, 2014. Pp. 67-88.
708
KRAUSE, Thiago. op. cit., p. 237.
346

desempenhar diligências no sertão profundo não era exatamente um projeto coletivo para a
grande maioria das famílias proeminentes do Recôncavo. Poucos foram aqueles que realmente
estiveram engajados em atividades que demandavam o sertanismo, por isso mesmo nem todos
estavam efetivamente convencidos que tinham vocação ou condições para fazê-lo.
O sertão, não obstante, nunca deixou de ser alvo do interesse dos homens coloniais,
fossem eles paulistas ou pertencentes às famílias baianas que mantinham seus negócios, como
por exemplo a criação de gado. Essa tônica também alimentou a ambição de forasteiros recém
chegados do reino e das ilhas atlânticas que desejavam arriscar-se na exploração do ouro e
viram aí novas possibilidades de fazerem fortuna.
Na virada do século XVII para o XVIII, contudo, a coroa teve grande interesse em
fazer entradas em busca de minas de metais preciosos, bem como de salitre709, matéria-prima
básica para a fabricação de pólvora. Essas foram circunstâncias específicas que possibilitaram
armar sucessivas campanhas que teriam também como objetivo afastar o gentio de corso, que
ameaçava a ocupação de terras adjacentes ao Recôncavo baiano. Tal conjuntura abriu
oportunidades para os dispostos a agenciar-se em expedições de averiguações de minas.
Em 1694 o rei D. Pedro II assegurava, por carta régia, juntamente a D. João de
Lencastre, que o mesmo estimulassem os súditos fazerem descobrimento de minas no sertão. A
carta é enfática e anunciava as mais altas recompensas por este tipo de serviço, uma vez que
aquela era matéria de grande importância, não poderia deixar de ser realizada. A aposta era alta,
mas a necessidade que a coroa possuía de encontrar salitre também era grande, justificando
grandes mercês.
[...] hei por bem que havendo algumas pessoas que voluntariamente se
queiram oferecer a descobrir minas de ouro, ou prata, lhe possais prometer em
meu real nome o foro de fidalgos de minha casa, e qualquer dos hábitos das
três ordens militares se descobrirem mina rica, e certa, e as minas ficarão das
pessoas que as descobrirem, pagando o quinto para a fazenda real na forma da
ordenação: com quem as descobrir ficará com a honra e com a utilidade;710

Em meados do século XVIII, especialmente no governo do vice-rei, o Conde de


Sabugosa, dois temas flagrantes aparecem como motivo impulsionador para as expedições no

709
A história da exploração do salitre na Bahia ainda está por feita, demanda uma análise sistemática dos
documentos que lhes fazem referência aqui e ali. Pedro Calmon oferece algumas pistas sobre tais descobertas e
indica que a primeira referência ao salitre provem de uma carta do rei de 23 de março de 1589 na qual mandava
ao governador Francisco Giraldes retirasse esse minério para a fabricação de pólvora. Assegura ainda que
Francisco Dias D’Ávila da Casa da Torre fez entradas em 1621 e 1624 empreendendo uma extensa viagem desde
o Inhambupe, passando pelas serras da Jacobina e alcançando o rio Salitre. Das serras próximas mandou amostras
para os governadores. Cf. CALMON, Pedro. O segredo das minas de Prata. Novos aspectos da conquista da terra.
Tese apresentada à douta Congregação do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 1950. p. 71-76.
710
AUC. CCA. Livro Governo da Bahia: 1672-1720. VI–III-1-1-8, Doc. 107, f. 54-54v.
347

sertão. O primeiro estaria ligado à necessidade de gerar um acúmulo de informações sobre áreas
ainda não incorporadas às fronteiras da monarquia, sobretudo, com a compilação de
informações sobre arraiais e distâncias entre a cidade de Salvador até o sertão do rio de São
Francisco. O outro motivo era uma certa obsessão por encontrar as famosas minas de prata de
Belchior Dias Moreia, assunto sobre o qual falaremos adiante. Ambos os temas do povoamento
e dos metais preciosos serviram de mote para que o vice-rei patrocinasse e incentivasse muitos
indivíduos a fazer entradas e expedições. Várias correspondências encontradas no AHU,
testemunham relações estreitas entre Vasco Fernandes César de Meneses e os práticos do sertão,
como pode-se entrever do seguinte trecho de uma carta enviada à coroa em 13 de setembro de
1728.
Senhor,
Há quatro anos a esta parte, que entrei na diligência de descobrimentos no
sertão desta capitania e escrevendo para este efeito a várias pessoas de cuja
capacidade fui informado; e porque vendo vários roteiros, entendi sempre que
neste continente havia prata valendo-me da resolução de V. Magde. De
dezoito de março de mil seiscentos e noventa e quatro, em carta firmada pela
sua real mão, tenho ocupado Antônio Carlos Pinto, e o capitão André de Sá
neste descobrimento, para o qual se ofereceram estimulados das minhas
insinuações.711

O trecho da carta demonstra também que na primeira metade dos setecentos, o sertão
baiano ainda era visto como uma zona de conquista, por esse motivo o governo da Bahia, com
o aval da coroa, mantinham-se ávidos por arregimentar homens dispostos a participar do
expedições e bandeiras. Através desses homens a coroa conseguia preencher os ‘vazios’
administrativos que permeavam o governo de tamanhas e tão complexas áreas a serem
incorporadas ao mapa da monarquia. Quando Pedro Leolino Mariz, um influente sertanista,
remeteu à coroa a sua folha de serviços em 1734, ele escreveu: “Trinta anos há que cultivo
sertões”, ou seja, desde o início do século XVIII ele vinha atuando em prol do governo de Sua
Majestade, tendo sido provido no posto de coronel em 1708. Assim ele descreveu as
circunstâncias que possibilitou-lhes prestar serviços ao bem comum:
[...] e passando para este [sertão] de cima no [ano] de mil setecentos e oito,
em tempo, que por não haver nele justiça, viviam os seus habitadores em
absoluta liberdade. Oferecendo se várias ocorrências do serviço de El Rei, e
da República soube mostrar zelo para um e outro emprego, tanto mais quanto
maior era o poder que tinha naqueles vastos desertos então sujeitos à minha
administração [...] este desvelo me conciliou amor e respeito de todos e por
este meio introduzi a temperança nos costumes, facilitando assim as ordens
do governo e os mandados da justiça.712

711
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 32, Doc. 2935.
712
BNRJ. Divisão de manuscritos. Livro IV. 15, 2, 35. Doc. 14. Agradeço a Márcio Roberto dos Santos o envio
desses importantes documentos coletados para sua pesquisa.
348

As palavras de Pedro Leolino Mariz descrevem o ímpeto que orientava a prestação de


serviços à coroa, quando os súditos sentiam-se investidos de autoridade para atuarem em nome
do bem comum. Jack P. Greene em trabalho clássico já afirmou os termos que consolidavam o
compartilhamento da autoridade entre particulares e a coroa, concluindo que “Em verdade, os
soberanos europeus davam a esses agentes particulares licença com amplos poderes para
operarem sobre os quais o poder do estado era bem tênue e não exercia um controle efetivo,
muito menos autoridade, sobre os habitantes indígenas.”713
Desde o início dos seiscentos essa lógica de compartilhamento de poder vinha
ganhando espaço na conquista dos sertões coloniais, apesar desse processo de expansão ter sido
abruptamente interrompido pelas Guerras Neerlandesas (1624-1654), sendo retomado em
seguida à paz com os holandeses. Muitos foram os exemplos de vassalos que participaram de
entradas, não necessariamente tornando-se sertanistas, mas adquirindo vantagens com o
usufruto da mão de obra indígena, acesso a terras e outras riquezas minerais. 714 De outro lado,
esses empreendimentos largamente estimulados pelo governo das capitanias e pela coroa,
colaboraram para a formação de um ethos sertanista,715 que, posteriormente, se configuraria
em uma espécie de “nobreza” do sertão, possuindo na base desse intercâmbio o controle sobre
o povoamento e a prerrogativa do exercício do poder local feito em nome de El Rei.
Em 1735 o vice-rei conde de Sabugosa, já no final do seu governo, expressou muito
claramente o sentido social de prestar serviços à monarquia quando enviou uma portaria a vários

713
GREENE, Jack P. “Tradições de governança consensual na construção da Jurisdição do Estado nos impérios
europeus da Época Moderna na América.” In: FRAGOSO, João. & GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das
redes. op. cit., p. 98-99.
714
A família descendente de Garcia D’Ávila dos potentados da Casa da Torre é um desses emblemáticos exemplos
de colonos que constituíram um governo próprio em suas terras e legou aos seus descendentes tais prerrogativas
de mando, ao ponto de que em 1722 Garcia de Ávila Pereira escrevia uma carta a D. João V solicitando que a vila
de Jacobina então fundada em suas terras fosse transferida para outro local. Cf., capítulo I. Entretanto um século
antes em 1624, Francisco Dias de Ávila interessado nas descobertas de minas de prata que consagrou as investidas
de Belchior Dias Moreia no mesmo sertão do rio de são Francisco, solicitou ao rei Filipe IV um alvará que tinha
os termos de um acordo: “Eu El Rei faço saber aos que este alvará virem, que Francisco Dias de Ávila, morador
na cidade da Bahia, partes do Brasil, se ofereceu por uma sua petição a descobrir o segredo de algumas minas de
prata , ouro, pedra e mais minerais que há nas ditas partes: e para que ele faça na matéria a diligência que necessária
for, hei por bem que possa entrar pelo sertão e lugares daquele Estado do Brasil em que está o segredo das ditas
minas e fazer o descobrimento delas sem que os governadores do mesmo Estado nem outro ministro algum entenda
com ele antes nem depois de feita a dita diligência, e somente será obrigado depois de fazer a dita entrada dentro
de um ano a me dar conta do dito segredo com as amostras do que descobriu no meu conselho da coroa de
Portugal.” Cf. CALMON, Pedro. op. cit., p. 71-72.
715
Segundo Pedro Calmon, a quem confiamos a prudência de conhecer muito bem os arquivos, os termos
“Paulistas, sertanejos, sertanistas e até sertonistas e certones são nomes correntes em todo o século XVII.” Cf.,
CALMON, Pedro. op.cit.,1950. p. 103; Na documentação do AHU o termo sertanista aparece em oito ocorrências:
São Paulo (3); Goiás (2); Avulsos (BG) (1); Bahia- Luísa da Fonseca (1); Mato-Grosso (1); Em todos eles o
vocábulo está associado as entradas de pessoas práticas do sertão, a guerra contra os índios e os descobrimentos
minerais.
349

coronéis dos Regimentos das ordenanças de Salvador. A portaria tratava da obrigação das
famílias em dispensar seus filhos para os serviços militares.

[...] o qual não isentará nenhuma pessoa de qualquer qualidade que seja (...)
ou privilégio que os escuse de darem seus filhos para servirem a Sua majestade
quando os mais nobres e autorizados são os que primeiro devem acudir a tão
precisa obrigação como é a de defender a sua pátria [...].716

A ideia tão bem explicitada de que os mais nobres tinham por obrigação, mais do que
os outros, de servir à monarquia era um dos pressupostos daquela sociedade, que
simultaneamente concebia o serviço como um atributo da nobreza, ao mesmo tempo que
elevava o indivíduo às posições cimeiras da sociedade.
Foi naquele quadro, compreendido entre o final do século XVII e as duas primeiras
décadas do século XVIII, que se insere a trajetória de Pedro Barbosa Leal. Apesar de não
sabermos ao certo o ano de seu nascimento, pois não foi possível localizar seu registro batismal,
é possível que ele tenha nascido no Recôncavo entre o final de 1660 e início da década de 1670.
Ele viveu até o ano de 1734, alcançando cerca de 65 anos, tendo passado metade de sua vida
entre as últimas décadas do séculos XVII e a outra metade nas primeiras do século XVIII.
Compreender esse período de transição, perceptível em diversos aspectos da política e
sociedade portuguesa, no reino e nas conquistas, é relevante para entendermos a sua formação
e aspectos de sua trajetória. O sertanista e coronel Pedro Barbosa Leal foi um bem sucedido
filho de ‘forasteiros’ que adquiriu notoriedade e conseguiu adentrar no restrito circuito social
das melhores famílias baianas. Sua trajetória está amalgamada entre as típicas estratégias de
ascensão social do seu grupo, mas sobretudo com as prestações de serviços nas descobertas de
minas.
Destaca-se, principalmente a sua participação em redes clientelares, formadas entre os
funcionários régios e a elite local, as quais estavam alicerçada em uma ampla cadeia de troca
de favores, os quais não pode-se, como é obvio, recuperar totalmente. Apesar do coronel Pedro
Barbosa Leal não ter sido o único a prestar esse tipo de serviço à coroa nos sertões baianos,
pode-se afirmar que sua trajetória como sertanista estava ligada a uma tradição iniciada entre
os derradeiros anos do século XVI e o início dos seiscentos, por homens como Gabriel Soares
de Sousa e Melchior Dias Moreia. A diferença encontra-se no fato dele ter conciliado um ethos
sertanista como ter ocupado postos, tais como o de administrador da fábrica de Salitre e

716
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Portarias, Ordens e Regimentos. 1734-1736. Vol. LXXVI.
Typografia Batista de Souza. Rio de Janeiro, 1947, p. 150-151.
350

superintendente das minas da Bahia, os quais o habilitou no compartilhamento de poderes com


a coroa e o governo da capitania.
Os sertões baianos da primeira metade do século XVIII e a própria monarquia, sob o
governo de D. João V, viviam uma conjuntura bem diferente do tempo em que Portugal e o
Brasil estiveram sob a monarquia hispânica, período no qual Gabriel Soares de Sousa e
Melchior Dias Moreia haviam supostamente malogrado em seus intentos de encontrar,
respectivamente, minas de esmeraldas e de prata. Passado um século daquelas entradas e com
a consolidação dos descobrimentos em Minas Gerais, o momento possuía conjuntura específica
e por isso pedia resolução diferente. Em suma, não se tratava somente de atender a urgente
necessidade de canalizar os recursos minerais para os cofres da Fazenda real, a questão que se
impunha era como resolver isso realizando o profundo sentido que sustentava as relações entre
súditos e coroa. Nestes termos, os sertanistas emergem como atores políticos em cena no
complexo jogo das economias beneficiais, pois além de serem clientes de indivíduos mais
poderosos, também eles próprios faziam suas clientelas.
Pedro Barbosa Leal foi um indivíduo que compreendia com bastante profundidade
essas acepções e os seus escritos, também chamados de notícias, podem ser considerados como
testemunhos políticos das interações que estruturavam essa sociedade. O ineditismo de sua
trajetória consiste em ter sido um personagem que viveu entre dois mundos: como senhor de
engenho inseriu-se nos principais espaços da nobreza baiana; mas foi como sertanista que ele
ampliou o escopo de sua nobreza se revelando como um homem de letras, capaz de
compreender e traduzir em palavras a conjuntura em que viveu e atuou. Essa particularidade,
sem dúvida, o revestiu de amplo prestígio tanto na sociedade colonial quanto junto a coroa de
Portugal e seus representantes locais. Comecemos então pela história pregressa da sua
parentela.

6.1 A família Barbosa Leal dos dois lados do Atlântico

Quando iniciamos a pesquisa sobre a família Barbosa Leal muitas dúvidas começaram
aparecer cada vez que tentávamos identificar a origem dos diversos sujeitos encontrados com
esse apelido de família. As referências nas fontes eram contraditórias e lacunares, pois ao
encontrarmos mais um personagem, por exemplo, citados nas atas de vereação da câmara de
Salvador, nem sempre conseguíamos encontrá-los em outros documentos. Uma das maiores
dificuldade era justamente reconstruir a árvore genealógica desses indivíduos e tentar com
alguma sorte, estabelecer os vínculos entre eles. Se por um lado o método onomástico
351

possibilitava persegui-los através dos nomes, por outro, trazia a dificuldade dos homônimos e
de incorrermos em erro, já que a prática de repetição dos nomes de pais, tios e avós nos
descendentes foi uma das mais peculiares marcas das famílias coloniais.
Marta Hameister sugere que na América Portuguesa o nome seja encarado como um
problema historiográfico.717 A perpetuação de um apelido de família poderia ter vários
significados, sendo visto inclusive como uma estratégia social para a conquista e povoamento
de algumas regiões da América. Esse não foi obviamente o caso em questão, mas suspeita-se
que o sobrenome Barbosa Leal, como uma marca de família, seja uma invenção dos trópicos,
já que em Portugal eram dois ramos familiares diferentes, como adiante será demonstrado. Por
outro lado, percebe-se que é um nome que irá ganhar fôlego no século XVIII, justamente após
os serviços prestados pelo coronel Pedro Barbosa Leal para a coroa. Por conta disso o apelido
de família passou a ser associado muito mais à carreira militar (vários indivíduos ocuparam
postos nas ordenanças), do que na ocupação de cargos civis, seja na câmara de Salvador ou na
Santa Casa de Misericórdia.
As informações auferidas sobre os antepassados da família Barbosa Leal permitem
identificar as trajetórias de alguns dos seus indivíduos, ocultando a vida de outros. As fontes
são lacunares por que só houve registros daqueles que tiveram alguma proeminência em relação
à sua parentela, por terem feito um casamento reputado, requisitado sesmarias ou prestando
serviços à coroa. Ademais, quando os primeiros membros da família vieram para o Brasil,
saídos das pequenas vilas do Norte de Portugal, buscaram estabelecer-se como plantadores de
tabaco e criadores de gado no Recôncavo baiano e depois nas terras do sertão recebidas em
sesmarias. Não pertenciam a uma linhagem opulenta, na verdade essa família passaria a maior
parte do século XVII como uma casa remediada, pois não sendo exatamente pobres, também
não pertenciam ao grupo seleto dos senhores de engenho que formavam a nobreza da terra.
Os primeiros antepassados identificados nas fontes foram o casal Antônio Antunes
Leal e Ana Barbosa, pais de Anastácia Barbosa e naturais de Arco do Valdevez. Esta por sua
vez casou-se duas vezes. Da primeira união com Manuel Álvares Fernandes que era carpinteiro,
nasceu o capitão Pedro Barbosa Leal (pai), que veio para a Bahia por volta do ano de 1655.
Antônio Antunes Leal avô materno do capitão, também fora casado duas vezes. Com a sua
segunda esposa Maria Fernandes Barbosa, nasceu Francisco Barbosa, o velho, que também

717
HAMEISTER, Martha. Para dar Calor à Nova Povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir
dos registros batismais da vila do Rio Grande (1738 – 1763). 2006. Tese (Doutorado)-Programa de Pós Graduação
em História Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006, p. 81 e seguintes; MONTEIRO,
Nuno Gonçalo. “Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica”. Etnográfica, vol. 12, n. 1,
2008, p. 51-52.
352

imigrou para a Bahia e foi se estabelecer nas terras próximas à vila de Cachoeira. Francisco
Barbosa casou-se com Maria do Ó e tiveram como filhos o capitão Francisco Barbosa Leal, que
ascendeu nas companhias de ordenanças chegando ao posto de sargento-mor. Assim, a
linhagem da família se divide em dois grupos: o primeiro oriundo do capitão Pedro Barbosa
Leal, sobrinho por parte materna de Francisco Barbosa, o velho, e primo em 1° grau de
Francisco Barbosa Leal, visto que tiveram o mesmo avô, Antônio Antunes Leal já apontado
linhas atrás.718
Este ramo da família teve mais proeminência no século XVII e através dos pedidos de
sesmarias pode-se levantar algumas poucas informações sobre a descendência de Francisco
Barbosa. Ele veio para a Bahia em meados do século XVI, foi lavrador e criador de gado
conseguindo algumas sesmarias nas margens do rio Paraguaçu em Cachoeira. Ao que tudo
indica ele teve filhos varões: O capitão Francisco Barbosa Leal, o alferes Antônio Barbosa Leal,
um tal de João Barbosa Leal e Pedro Salomão. Em 03 de novembro de 1673 Francisco Barbosa
e seus filhos Antônio Barbosa e Pedro Salomão requisitaram ao governo da Bahia uma
sesmarias de 3 léguas de quadra próxima à vila de Cachoeira, pois na ocasião informaram
possuírem cabedal para cultivá-las. Alegaram mais de 20 anos de serviços devotados aos
interesses de S. Majestade, operando ajuda com agasalhos e mantimentos para as tropas que
combateram o gentio bravo que infestava aquelas partes da Bahia.719 Em 19 de setembro do
mesmo ano, outro filho seu, o capitão Francisco Barbosa Leal720 havia recebido uma sesmaria
de “cinco léguas de medição ordinária” acima do rio Paraguaçu nas partes do Sul. 721 Requerer
sesmarias era uma forma rápida de conseguir remuneração direta do governo da capitania pelos
serviços prestados nas conquistas, já que as terras podiam ser primeiramente doadas pelo
governador geral e só posteriormente confirmadas pela coroa.
Em 1674 o mesmo Francisco Barbosa Leal, já patenteado como sargento-mor,
solicitou meia légua de terra de largo e dois de comprido na banda oeste do Paraguaçu. Essas
terras tinham sido requeridas à coroa como recompensa pelos serviços prestados nas entradas
do sertão. Em 1683, ele novamente pediu cinco léguas de cumprido e uma de largo no mesmo

718
Todas as informações genealógicas foram retiradas dos seguintes documentos: IANTT. PT/TT/TSO-
CG/A/008-001/23041. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10, doc. 256.
ESTEVES, Neuza Rodrigues. (org.) Catálogo dos irmãos da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Salvador.
Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1977. Genealogia baiana ou o Catálogo Genealógico de fr. Antônio de S.
Maria Jaboatão, adaptado e desenvolvido por Afonso Costa. in: Revista do IHGB. Abril-Junho de 1946. Rio de
Janeiro. Imprensa Nacional. Vol. 191. p. 3-279.
719
AN. Códice 427, vol. 2 (1690-1714). p. 52v.
720
Esse capitão homônimo do pai, recebeu patente de Sargento-mor, o que certamente ele não tinha a época do
pedido dessa sesmaria.
721
Synopsis das sismarias registradas nos livros existentes no archivo da tesouraria de fazenda da Bahia.
Publicações do Archivo Nacional. PH XXVII. Officinas Graphicas do Archivo Nacional. 1931, p. 53.
353

rio Paraguaçu no lugar onde tinha sido doadas as terras ao seu pai. Essa doação foi confirmada
por alvará de 22 de novembro de 1686 no mesmo dia em que outra parte de terras adjacentes
ao mesmo rio havia sido doadas em quadra ao seu pai Francisco Barbosa e aos seus irmãos, o
alferes Antônio Barbosa Leal e Pedro Salomão.722 Devido as doações a família tomava conta
de um bom pedaço do mais importante rio que dava acesso ao porto de Cachoeira, local
estratégico para escoar produtos para Salvador. No entanto, estas terras não foram ocupadas, o
que motivou que seu filho João Barbosa Leal e seu genro Gaspar Pereira Ferraz723, outro
português natural da vila de Barcelos, refizessem o pedido em julho de 1699, quando o primeiro
requerente já era defunto.
Na virada do XVII para o XVIII, ambos os ramos da família Barbosa Leal, tentaram
ascender socialmente e aumentar seu cabedal a partir do recebimento de terras para suas
plantações de tabaco e criação de gado. Ao mesmo tempo asseguraram para alguns varões
patentes nos regimentos de infantaria das ordenanças e os mais proeminentes foram admitidos
como irmão de maior condição na Santa Casa de Misericórdia.724 Francisco Barbosa Leal, até
então o mais destacado membro da família, começou como alferes em Cachoeira e em 25 de
outubro de 1668 recebeu a patente de capitão por ter servido “a Sua Majestade nas ocasiões que
se ofereceram.”725 Na sua folha de serviços constava a abertura de uma estrada ligando os
campos da Cachoeira para o Aporá, local onde na época havia um front de combate aos índios
do sertão.726 A guerra dos bárbaros na década de 1670 demandou o transporte e fornecimento

722
Synopsis das sismarias..., op. cit p. 82
723
Esse mesmo Gaspar Pereira Ferraz citado no capítulo I e no IV acompanhou o coronel Pedro Barbosa Leal ao
sertão para fazer as diligências nas minas de Jacobina. Gaspar Pereira Ferraz era pai de Francisco Barbosa Leal
Souto Maior, que foi agraciado com a patente de coronel do regimento da infantaria de ordenança das freguesias
de Maragogipe, São Felipe, Nossa senhora do desterro do oiteiro Redondo e São Pedro da Moritiba em 1736.
Aqueles eram os distritos mais antigos das freguesias do recôncavo, com 15 léguas de tamanho e 450 homens
capazes de pegar em armas. Este regimento anteriormente era comandado pelo coronel Miguel Calmon de
Almeida, que faleceu deixando vago o posto. Na carta patente de Francisco Barbosa Leal Souto Maior consta que
ele foi provido para o posto por já vir se ocupando da conquista do gentio bárbaro e da segurança dos comboios
que seguem para as minas, inclusive evitando-se os descaminhos de ouro. Entretanto por outro documento vimos
que a indicação para o provimento no posto de coronel veio de Pedro Barbosa Leal, ver capítulo III, nota 318.
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 57. Doc. 4892; Para ver a folha de serviços de Gaspar Pereira Ferraz. AHU, Avulsos,
Bahia, Cx.. 29, Doc. 2612 (1).
724
A família Barbosa Leal teve 4 indivíduos admitidos como irmãos de maior condição na Santa Casa de
Misericórdia. Francisco Barbosa Leal (26 de junho de 1684); José Barbosa Leal (31 de outubro de 1666); Pedro
Barbosa Leal, capitão (29 de maio de 1682); Pedro Barbosa Leal, coronel (8 de abril de 1691). Cf. ESTEVES,
Neuza Rodrigues (org.). Catalogo dos irmãos da santa casa de Misericórdia da Bahia. Salvador, 1977, p. 85-86.
Agradeço a Rosana S. de Souza a gentileza de ter-me presenteado com um exemplar desse catalogo, o qual foi
bastante útil para a pesquisa genealógica.
725
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Patentes e Provisões. 1668-1677. Vol. XII da série e X dos
Docs. da BN. Rio de Janeiro, 1929, p. 5-6.
726 PUNTONI, Pedro. A guerra dos Barbáros: povos Indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil

(1650-1720). São Paulo HUCITEC: ed. Da Universidade de São Paulo: Fapesp: 2002; As populações indígenas
que habitavam a região de Jacobina foi o tema da dissertação de mestrado de Sólon Natalício dos Santos . O autor
dedica-se a entender as complexas relações estabelecidas entre indígenas e agentes coloniais no período de 1651
354

de mantimentos como farinhas e carnes para as tropas do governo abater populações indígenas.
Essa foi uma boa oportunidade para os que prestaram serviços, pois podiam com mais facilidade
acessar as muitas terras passíveis de serem distribuídas em sesmarias.
De acordo com o que pode ser apurado, esse ramo da família notabilizou-se por feitos
quase que exclusivamente militares e as recompensas vieram basicamente através da concessão
de terras deixadas aos seus herdeiros. A elite baiana, assim como a pernambucana e a carioca,
muito mais do que por exemplo a elite mineira, encaminhavam muitas petições com pedidos de
hábitos militares com ou sem tenças. Mesmo que o pretendente morresse antes de solicitá-las,
seus parentes podiam requerê-las e fazerem uso delas.727 Apesar disso, não foram encontrados
pedidos de Hábitos das Ordens Militares ou de Familiar do Santo Oficio para nenhum dos
membros acima destacados.

a 1706, justamente quando se intensificou a presença de administradores, colonos e missionários nos sertões da
Bahia. Sua pesquisa demonstra que é possível perseguir na documentação colonial, os episódios históricos nos
quais pode-se detectar a atuação indígena, muitas vezes oscilante entre o enfrentamento e a resistência adaptativa,
mas sempre num jogo de afirmação de “autonomia, direitos e interesses.” Cf., SANTOS, Sólon Natalício.
Conquista e resistência dos Payayá no sertão das Jacobinas: Tapuia, tupi, colonos e missionários. 1651-1706.
2011. 217f. Dissertação (Mestrado em História Social) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2011.
727
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “A coroa e a remuneração dos Vassalos.” In: RESENDE, M. E. L. de.
VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica;
Companhia do Tempo. 2007, p. 191 - 219.
355
Figura 18: Ramo da família por descendência de Antônio Antunes Leal
728

2º Casamento 1º Casamento

Maria Fernandes Barbosa Antônio Antunes Leal Anastácia Barbosa (* ? - †


(* ? - † ?) (* ? - † ?) ?)

Anastácia Manuel Fernandes


Barbosa. (* ? - † ?)
(* ? - † ?)

Capitão Pedro Barbosa Leal (* ? - †


?)

Francisco Barbosa Maria do Ó


(* ? - † ?) (* ? - † ?)

Francisco Barbosa Leal (* ? - † Antônia de


?) Almeida (* ? - †
?)
Antônio Barbosa Leal (* ? - †
?)
Pedro Salomão (* ? - † ?)
Maria dos
Santos
Capitão Pedro Barbosa Leal (* ? - † ?)
(* ? - † ?)

Antônia Maria de
Vasconcelos
728
Agradeço mais uma vez a gentileza de Victor Luiz Alvares Oliveira por ter construído as árvores genealógicas inseridas nesse capítulo. (* ? - † ?)
356

O outro ramo da família, e justamente a que nos interessa aqui, descendeu do capitão
Pedro Barbosa Leal. Faz-se necessária uma prévia apresentação para esclarecer o equívoco
cometido por Jaboatão, quando incluiu em seu catálogo genealógico a história da família
Barbosa Leal. Por isso, peço licença ao leitor para brevemente explicar esse equívoco, que
demandou um bom tempo para ser desvendado.
Na edição publicada pela Revista do IHGB729 e revisada por Afonso Costa730, no verbete
1097 consta que:
Pedro Barbosa Leal, homem de grandes serviços a coroa e ao Brasil, no
sentido da abertura de estradas, pacificação de nativos, povoamento do solo
baiano, fundação e instalação de aldeias e vilas, inclusive Jacobina em 1724.
Coronel desfrutando de largo prestígio, vivia no interior. Proprietário no
Recôncavo, com embarcação para o comércio com Angola, sempre foi
conceituado. c.c. Antônia Maria de Vasconcelos, batizada a 12 de maio de
1657 e filha de Aleixo Pais de Azevedo e de Francisca de Vasconcelos, teve:
F1 – Antônio Barbosa de Vasconcelos, c.c com Joana de Góis.731

O primeiro equívoco do genealogista foi fazer uma confusão entre o pai, o capitão
Pedro Barbosa Leal, e o seu filho, o coronel que lhes é homônimo. O pai era natural de Viana,
serviu de alferes e depois tornou-se capitão numa companhia de ordenança em Cachoeira. No
decurso desse tempo ele conseguiu “impedir por vezes as emboscadas e assaltos que o dito
gentio costumava fazer às terras da dita fronteira.”732 Fez entradas ao sertão e assistiu aos seus
soldados e de outras tropas com seus cavalos e escravos, ou seja, serviu lealmente à Sua
Majestade. O capitão solicitou o hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo com tença de 80$000
réis e apesar da súplica que fez a coroa, só conseguiu receber em 1674 a comenda da Ordem de
Santiago com uma pensão de 20$000 réis em reconhecimento aos seus serviços militares.733
Em 1682 serviu como procurador no conselho municipal de Salvador. Quando faleceu em 1684
deixou 7.000 cruzados na Santa Casa de Misericórdia para se dizerem missas em prol de sua

729
Genealogia baiana ou o Catálogo Genealógico de fr. Antônio de S. Maria Jaboatão, adaptado e desenvolvido
por Afonso Costa. In: Revista do IHGB. Abril-Junho de 1946. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. Vol. 191. p.
185-186.
730
Afonso Costa foi um escritor, ensaísta e historiador baiano, que produziu trabalhos históricos importantes sobre
a fundação e povoamento da vila de Jacobina, trazendo significativas contribuições documentais para o tema em
questão. Ele conhecia a história do coronel Pedro Barbosa Leal, pois seus textos levantam significativas
informações sobre esse sertanista. E também não tenho dúvidas que ele consultou vasta documentação sobre
Jacobina custodiada no Arquivo do IHGB. Por isso me admira o fato dele ter revisado a genealogia de Jaboatão e
a publicado na Revista do Instituto e não ter atentado para o deslize do verbete 1097 o qual traz informações sobre
a vida do capitão Pedro Barbosa Leal (pai) e misturada com dados do coronel Pedro Barbosa Leal (filho). Os
trabalhos de Afonso Costa sobre Jacobina foram indicados ao longo da tese.
731
JABOATÃO, op. cit., p. 185.
732
Arquivo Histórico Ultramarino, Mercês Gerais, Cód. 84, f. 432-432v. Agradeço a Thiago Krause pela cessão
da transcrição de vários documentos sobre os serviços prestados pelo capitão Pedro Barbosa Leal.
733
Cavaleiro de Santiago em 8/6/1674, IAN/TT, Chancelaria da Ordem de Santiago, L. 18, fls. 283-283v.
357

alma. Por essa cronologia, pode-se perceber que o verbete de Jaboatão confundiu e misturou
eventos relativos à vida do pai e do filho.
Legar o nome do pai ao filho foi uma prática comum na América Portuguesa, pode-se
até dizer, transversal às famílias desde a alta fidalguia até os menos nobres. Marta Hameister
estudou processos semelhantes nas partes meridionais do Brasil, especialmente no Continente
do Rio Grande de São Pedro, e detectou a mesma incidência de homônimos. A sua análise
aguçada merece ser citada na íntegra:
Acreditando-se, dado a recorrência destes casos, que os homônimos não
acontecem por acaso, que são fruto da intenção de pais e filhos, há que se
supor que esta fusão de identidades seja o objetivo das desinências
coincidentes destes homens. Assim, pensa-se aqui esses nomes em comum,
de pai e de filho, como sendo um “modelo” quase que perfeito para os outros
tipos de homônimos. Nessa perspectiva, no fundo de sua intenção, deseja
também gerar uma espécie de “fusão” de duas pessoas distintas, padrinhos e
afilhados, avôs e netos ou ilustres desconhecidos.734

Jaboatão também fez confusão quanto ao nome da esposa. O verbete diz que Pedro
Barbosa foi casado com Antônia Maria de Vasconcelos. Mas qual Pedro Barbosa, o pai ou o
filho? E qual a relevância dessa informação? De fato o capitão Pedro Barbosa Leal, sênior, foi
casado duas vezes. A primeira vez com Maria dos Santos e dessa união nasceu Pedro Barbosa
Leal, filho, que alcançara a patente de coronel. Sua mãe era natural da vila da Patatiba, distrito
de Cachoeira,735 filha de Pedro Gonçalves, português natural de Arco de Valdevez com ofício
de alfaiate, estabelecido em Cachoeira como lavrador de tabaco e criador de gado. Ele foi
casado com Ângela Correia que era uma autêntica filha da terra.736
O segundo casamento do capitão ocorreu com D. Antónia Maria de Vasconcelos,
batizada em 12 de maio de 1657 e resultou no nascimento de Antônio Barbosa de Vasconcelos,
que seria o meio irmão do coronel Pedro Barbosa Leal. Não pode-se confirmar o nascimento
de outros filhos, pois Jaboatão não indicou.737 Um ano após a morte do marido, D. Antónia

734
HAMEISTER, Martha, op. cit., p. 106-107.
735
FLORY, Rae. op. cit., p. 117-124. Essa informação também foi encontrada no processo de habilitação para
familiar do Santo Ofício. Cf. IIANTT. PT/TT/TSO-CG/A/008-001/23041. Tribunal do Santo Ofício, Conselho
Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10, doc. 256, fl. 06.
736
Uma testemunha do auto de inquirição sobre a limpeza de sangue dos antecedentes do coronel Pedro Barbosa
Leal, diz que Maria dos Santos possuía uma bisavó índia, informação sobre a qual temos pouco o que duvidar:
“ter Angela Correia, avó do sobredito Pedro Barbosa Leal tinha alguma coisa de gentio do Brasil, em grau remoto,
e que por legítimos e inteiros cristãos velhos, são e foram sempre todos e cada um deles, tidos, havidos e
comumente reputados, sendo contrário haver fama ou rumor, porque se houvera tinha ele testemunha razão do
saber, pelo muito conhecimento que tem desta família.” Cf. PT/TT/TSO-CG/A/008-001/23041. Tribunal do Santo
Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10, doc. 256, fl. 45.
737
No processo de habilitação do coronel Pedro Barbosa Leal para Familiar do Santo Ofício de 1690, há uma
testemunha que diz que era público e notório que o capitão Pedro Barbosa Leal tinha um filho e quatro filhas que
estavam no convento de São Bento da Vila de Viana, como não encontramos mais nenhuma informação sobre a
358

também adquiriu segundas núpcias em 1685 com Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque,
filho natural de Bernardo Vieira Ravasco738 e sobrinho do Padre Antônio Vieira. Apesar de não
ter havido descendentes desse casamento, é provável que essa união tenha consolidado uma
aproximação entre a casa dos Barbosa Leal com uma das mais influentes famílias da política
local, que alcançaram até mesmo o prestigioso cargo de Secretário de Estado.
Em suma, a genealogia que consta no Jaboatão atribuí ao capitão Pedro Barbosa Leal
as ações que foram em realidade feitas pelo seu filho, o coronel e sertanista. A confusão, em
parte, pode ser explicada por terem o mesmo nome e por haver uma predisposição em
sociedades onde os serviços prestados, a honra e o prestígio significavam relevantes atributos
sociais, configurando-se como bens que podiam ser herdados pelos descendentes, portanto ser,
até mesmo intencionalmente, confundido com os pais.
Do matrimônio havido entre o capitão Pedro Barbosa Leal e D. Antônia nasceu
Antônio Barbosa de Vasconcelos,739 o segundo filho do capitão e meio-irmão do coronel Pedro
Barbosa Leal. Antônio Barbosa por sua vez se casou com Joana de Góis, filha de importante
família da açucarocracia. Antônio Barbosa de Vasconcelos teve outros quatro filhos e, destes,
somente Antônio recebeu o sobrenome Barbosa Leal. Ele foi casado com Bernarda de Meneses
Dória, casamento frutuoso, visto que tiveram mais sete filhos. Uma prole extensa na qual
nasceram duas mulheres e cinco homens. Aqui chegamos ao ponto de inflexão. Todos os
descendentes homens a partir da desta geração herdaram o sobrenome Barbosa Leal, 740 com
exceção do primogênito José de Góis de Araújo que se tornou religioso, sendo Vigário em
Itapicuru.741
Assim, analisando e comparando as fontes disponíveis, verifica-se que pelo ramo do
capitão Pedro Barbosa Leal, o seu segundo casamento consolidou a posição de sua família na
sociedade local, mas foi o primogênito, o coronel Pedro Barbosa Leal, que alcançou mais

existência de outros filhos, não conseguimos nos certificar se a informação procede. cf. PT/TT/TSO-CG/A/008-
001/23041. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10, doc. 256, fl.22.
738
De acordo com o estudo prosopográfico realizado por Thiago Krause sobre a formação da elite baiana, o coronel
Bernardo Vieira Ravasco foi homem proeminente na nobreza da terra, tendo sido amigo de Gregório de Matos,
recebendo dele prodigiosos elogios. Nas instituições baianas atuou “uma vez juiz ordinário e quatro vereador,
secretário de Estado, senhor de engenho, fidalgo, comendador da Ordem de Cristo e, no final da vida, duas vezes
provedor da Misericórdia.” op. cit., KRAUSE, Thiago. 2015, p. 82.
739
Vejam que este filho ainda não foi batizado com o sobrenome do pai, mas com um nome de cada ramo parental.
Note-se também a ordem em que aparece os sobrenomes, sendo primeiro “Barbosa” e depois o “Vasconcelos”, o
que indica a proeminência da família materna.
740
No verbete 1099 de Jaboatão, consta: N2 – Antônio Barbosa Leal c.c. Bernarda de Menezes Dória, filha de
Antônio Carneiro da Rocha e de Inácia de Menezes Castro, tendo filhos: Inácia Maria de Menezes Dória; Joana
de Sá Dória; Francisco Barbosa Leal c.c. Ângela Teles; Bernardino Barbosa Leal; Matias Barbosa Leal; José
Vicente Barbosa Leal; cf. op. cit., Revista do IHGB. Vol. 191. p. 186
741
JABOATÃO, op. cit., Revista do IHGB. Vol. 191. p. 186
359

sucesso e prestígio tendo ocupado posição de destaque nas instituições mais relevante da Bahia
colonial. Mas não somente isso, deve-se considerar que por causa de sua relevante ascensão
social, o sobrenome virou, um distintivo de nobreza, ostentado nos seus descendentes, por todo
o século XVIII. Em 1802, José Vicente Barbosa de Vasconcelos reivindicava junto à coroa o
posto de capitão-mor das ordenanças da vila de Itapicurú, local onde era morador, alegando que
“mostra ser por si, e por seus ascendentes da primeira nobreza daquela cidade onde sempre foi
por tal reputado.”742
De acordo com o que foi possível apurar, o futuro coronel Pedro Barbosa Leal foi o
único da segunda geração a tornar-se ainda no século XVII um homem notável e afortunado,
mesmo antes de ter servido à coroa em longas jornadas no sertão. O próximo item, dedica-se a
analisar mais detidamente a sua trajetória.

742
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 225, Doc. 15626.
360
Figura 19: Descendência do capitão Pedro Barbosa Leal

Aleixo Pais de Azevedo Francisca de Vasconcelos


(* ? - † ?) (* ? - † ?)

2º Casamento 1º Casamento
Antônia Maria de Capitão Pedro Barbosa Maria dos Santos
Vasconcelos (* ? - † ?) Leal (natural da Patatiba)
(natural de Viana do Minho, (* ? - † ?)
* ? - † ?)

Joana de Gois Antônio Barbosa de Vasconcelos Coronel Pedro Barbosa Leal Mariana de
(* ? - † ?) (* ? - † ?) (* ? - † ?) Espinosa
(* ? - † ?)

D. Úrsula de Montserrat
José de Gois de Araújo (* ? - † (tornou-se religiosa) (* ? - † ?)
?)

Antônio Barbosa Leal (* ? - † Bernarda de Meneses Dória (* ? - †


?) ?)

Inácia Maria Joana de Bernardino Matias José Vicente Pedro Barbosa


de Menezes Sá Dória Barbosa Barbosa Leal Leal Leal
Dória Leal
Francisco Ângela
Barbosa Teles
Leal

Mariana de Góis (* ? - † ?) Félix de Araújo Góis (* ? - † ?)

Antônia de Góis (* ? - † ?) Cipriano de Oliveira (* ? - † ?)


361

6.2 Entre o litoral e o sertão

Nas sociedades de Antigo Regime, conforme afirmou Maria Beatriz Nizza da Silva, era
necessário que os aspirantes à viver a lei da nobreza possuíssem diversos títulos que reiterassem
sua condição de nobres, “pois só graças à várias mercês, reforçadas umas pelas outras, é que
sua nobreza se impunha na sociedade.”743 A comparação da trajetória de Pedro Barbosa Leal
com a de seus antepassados, indica que ele foi o membro da família que chegou ao mais alto
patamar na escala social de seu tempo. Indubitavelmente viveu à lei da nobreza e foi
considerado um dos homens mais prestigiosos da capitania da Bahia. De acordo com o
testemunho de Joseph de Almeida Pestana, lavrador de tabacos, antigo conhecido do coronel,
quando foi chamado para depor no processo de habilitação para Familiar do Santo Ofício,
afirmou ser o coronel “pessoa de bons procedimentos, vida e costumes que lhe parece capaz de
ser muito carregado em negócios de importância e segredo, e disse outrossim que vive limpo e
abastadamente e sabe ler e escrever.”744 Outros documentos apontam ter sido ele foi uma figura
honrada e estimada por vários governadores, em especial D. João de Lencastre e o vice-rei
Vasco Fernandes César de Menezes, demonstrando o percurso de sucesso e prestígio alcançado.
Talvez pelo fato de ter crescido no Recôncavo em contato com sua parentela que possuía
patentes militares, ele sentiu-se estimulado logo muito jovem a seguir a carreira militar e muito
cedo foi provido com a patente de capitão das companhias de ordenanças de Sergipe do Conde.
Ele foi casado com D. Mariana de Espinoza, filha legítima do homem de negócios Lourenço da
Rocha Moutinho, também português de Viana do Minho. Pedro Barbosa Leal e D. Mariana se
conheciam desde muito pequenos, cresceram juntos, o que fez com que uma testemunha do
processo de habilitação de D. Mariana contasse isso para o Santo Ofício. Dessa união resultou
apenas uma única e legítima herdeira745 D. Úrsula Luiza de Monsserate, nascida a 22 de outubro
de 1700 na cidade da Bahia. O nascimento de Úrsula foi tido como uma grande notícia para o
casal, após D. Mariana ter tido dez gestações mal sucedidas.
Por uma carta enviada pela própria Úrsula ao doutor Teodoro Ferreira da Cunha e Silva,
em 23 de setembro de 1745, pode-se saber sobre as circunstâncias do seu nascimento, assim
como rastrear uma informação muito peculiar sobre as redes de relações de seus pais. Após o
nascimento de sua filha, D. Mariana mandou dizer a feliz notícia ao seu confessor o padre Jacob

743
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser Nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
744
PT/TT/TSO-CG/A/008-001/23041. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10,
doc. 256.
745
Em suas andanças pelo sertão, Pedro Barbosa teve uma filha natural, mas isso ocorreu na década de 1720 e
certamente essa notícia dificilmente chegou ao conhecimento de seus familiares em Salvador. Ver capítulo II.
362

Cocleo.746 O que se seguiu, podemos ler nas próprias palavras de Úrsula: “este com o parabéns
lhe mandou dizer, que tivesse muito cuidado da criação daquela menina, e lhe pusesse o nome
de Úrsula por que havia de ser capitoa de uma empresa.”747 Aos três meses de idade seus pais
a levaram ao altar da virgem senhora de Monserrate e a ofereceram para ser “dedicada ao seu
santo serviço.” Ao longos dos 30 anos seguintes, a família passou a fazer as festas de celebração
à virgem de Monserrate. Após a morte do pai em 1734, D. Úrsula investiu toda a sua herança
na fundação do Convento de Religiosas da Regra da Companhia de Santa Úrsula, construída
em anexo à Igreja das Mercês. O convento foi construído para receber até 50 moças das mais
nobres da cidade da Bahia.748
A relação entre a família de Barbosa Leal e Rocha Moutinho pode ter se iniciado anos
antes de suas famílias terem vindo para o Brasil. Pedro Fernandes Leal, avô paterno de D.
Mariana, chegou aos 15 anos para ser aprendiz de alfaiate na vila de Viana do Minho, portanto
é provável que conhecia a família paterna do capitão Pedro Barbosa Leal igualmente natural de
Viana. Lá conheceu e casou com Maria Moutinho, natural da cidade do Porto e se estabeleceu
como alfaiate e mercador dono de tenda de tecidos. Seu filho Lourenço da Rocha Moutinho
seguiu as trilhas do pai e quando veio para a Bahia já atuava como homem de negócios, tendo
feito diversas carregações com seu pai entre a cidade do Porto e a cidade da Bahia. Aqui
estabelecido, casou-se com Inês de Oliveira Aranha, filha de João de Matos Aranha, um bem
sucedido homem de negócios.

746
Essa informação sobre o Padre Jacob Cocleo encontra-se em uma carta inclusa nas Memórias da Fundação do
Convento de Ursulinas da cidade da Bahia. Tal passagem na carta de D. Úrsula de Monsserrate levanta novas
hipóteses para a proximidade da relação do Padre Jacob Cocleo com o coronel Pedro Barbosa Leal. Inclusive a
possibilidade de ter sido o coronel o autor anônimo que fez a cópia setecentista do Mapa da maior parte da costa,
e sertão, do Brasil/Extraído do original do P.e Cocleo. As três versões do mapa foram analisadas por Márcio
Roberto dos Santos, no entanto, o autor não conseguiu chegar a uma possível identidade do autor anônimo da
cópia setecentista, modificada no ano de 1725. Entretanto, a pesquisa realizada para esta tese sobre a trajetória de
Pedro Barbosa Leal levanta a hipótese de que o autor ou um dos autores anônimos que incluíram informações no
mapa do padre Jacob Cocleo pode ter sido o coronel, inclusive pela proximidade que o padre mantinha com a casa
do sertanista. Respectivamente: DANTAS, Maria Teresa do Menino Jesus da Costa Pinto, Irmã. OSU. História
das Ursulinas no Brasil – I. O Convento de Nossa Senhora das Mercês. Rio de Janeiro, Serviço Gráfico da
Universidade Santa Úrsula, (prefácio de 1982). p. 183; Uma cópia manuscrita da carta encontra-se em BNRJ, Setor
de manuscritos, II, 33, 26, 17; SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. “A cópia setecentista do mapa de Jacobo
Cocleo: leituras e questões.” In: Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica. Disponível em
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/SANTOS_MARCIO_ROBERTO_A.pdf
747
DANTAS, Maria Teresa do Menino Jesus da Costa Pinto, Irmã. op. cit., p. 183
748
Os elementos sobre a biografia de D. Úrsula de Monsserrate embasam a história da criação do convento das
ursulinas, Cf., DANTAS, Maria Teresa do Menino Jesus da Costa Pinto, Irmã. op. cit.,
363
Figura 20: Árvore genealógica do coronel Pedro Barbosa Leal

Anastácia
Barbosa Ângela Correia Maria Moutinho Maria de
Vila de Viana Cidade da Cidade do Porto Espinosa
do Minho Bahia
Pedro
Gonçalves João Matos
Francisco Alvares Moreira Vila de Aranha
Vila de Viana do Minho Arrifana de Pedro Fernandes
Souza Leal
(Penafiel) Vila de Portela

Capitão Pedro Barbosa Leal Lourenço da Rocha Moutinho Inês de Oliveira


Maria dos Santos
Vila de Viana do Minho Aranha
Vila de Viana do Minho Patatiba – Vila de
(* ? - † ?) Cidade da Bahia
Cachoeira

Apolônia Pereira Coronel Pedro Barbosa Leal Dona Mariana de Espinosa


Vila de Jacobina São Gonçalo da Cachoeira Cidade da Bahia
(* ? - † 16/01/1734) (* ? - † ?)

Isabel Maria da Conceição Úrsula de Montserrat


Vila de Jacobina Cidade da Bahia
(* ? - † ?) (* 22/10/1700 - † ?)

LEGENDAS:
*: ano do batismo
†: ano do falecimento
- - - -: relação ilegítima/mancebia/filho ilegítimo
364

6.3 De senhor de engenho a sertanista: os primeiros passos

Na década de 1680 o coronel Pedro Barbosa Leal já estava estabelecido no Recôncavo


como senhor de engenho, contudo, mantinha em Salvador na Freguesia da Sé, na rua Direita
das Portas de São Bento, uma moradia respeitável, tendo sido nesta residência que nasceu sua
filha D. Úrsula Luísa. Pedro Barbosa adquiriu o engenho São Pedro, enquanto seu sogro havia
comprado o engenho Itapemirim. Também estabeleceram consideráveis arrendamentos de terra
para plantação de açúcar ao longo do Rio Tararipe. Como vários homens do seu tempo, Barbosa
Leal foi agraciado com sesmarias, o que indica o bom trânsito que possuía com o governo da
capitania.
Primeiro em 1690 com 4 léguas de terra em quadrado em Sergipe Del Rey, anos depois
ele também recebeu terras no Piauí ao longo do rio Parnaíba. Consta que nessa localidade ele
fundou uma vila, estabeleceu uma ermida em homenagem a nossa Senhora de Monte Serrate,
padroeira dos navegantes e possuía barcos e sumacas que entravam pela barra do Igaraçu
transportando carne e couro.749 Em 29 de março de 1729 solicitou à coroa o envio de um
ministro para fazer a demarcação dessas sesmarias que possuía na Parnaíba e com as quais
estava em contenda com o coronel Garcia de Ávila Pereira. Como sesmeiro ele foi longe,
buscando expandir suas terras para criação de gado até o Maranhão.750
Em 03 de fevereiro de 1707, conseguiu uma sesmaria de uma légua de largo por três
de comprido entre o rio Doce e Tocambira.751 Segundo Pedro Calmon era provável que fosse
das minas localizadas em Tocambira (Itacambira) a grande fortuna que Pedro Barbosa Leal
deixou para sua filha após falecer.752 Não há dúvidas de que ele possa ter feito certo quinhão
com exploração de ouro, porém no seu inventário verifica-se que o grosso do seu cabedal era

749
REGO, Júnia Motta Antonaccio Napoleão do. Dos sertões aos Mares: História do comercio e dos comerciantes
de Parnaíba. (1700-1950). Tese de doutorado apresentada ao programa de Pós Graduação em História. UFF,
Niterói, 2010. 305p. Esta autora afirma que no Delta do Parnaíba foi criada uma vila com o nome de Arraial Novo,
nela se edificou uma capela em homenagem a São Bernardo e ficava localizada a 5 léguas da barra do Igaraçú.
Afirmou que de acordo com documentos existentes no Instituto Histórico e Genealógico do Parnaíba há um
documento de 11 de junho de 1711, assinado pelo Coronel Pedro Barbosa Leal solicitando à Cúria Diocesana do
Maranhão permissão para erguer uma ermida em homenagem a Nossa Senhora de Monte Serrate. Ainda segundo
esta pesquisadora a imagem da capela teria sido trazida de Portugal. Mas não há nada que o comprove. Lendas à
parte, é fato que o coronel tinha devoção por essa santa, vide o nome dado a sua única e legítima herdeira: Úrsula
Luiza de Monserrate.
750
Projeto Resgate. Maranhão. Cx. 17, Doc. 1732; Projeto Resgate. Piauí, Cx. 1, Doc. 44. Note-se que no capítulo
III, no item 3.2.2 apresenta-se um documento em que o coronel Garcia de Ávila Pereira solicita a trasladação da
vila de Jacobina que tinha sido edificada em suas terras. Na petição o sesmeiro confirma ser um desafeto de Pedro
Barbosa Leal e que o mesmo escolheu o local da vila em função das disputas que vinham tendo.
751
Publicação História do Arquivo Nacional, PH. XXVII, p. 120.
752
A sugestão de Calmon pode soar como plausível, mas não referendo esta hipótese. CALMON, Pedro. op. cit.,
p. 143.
365

formado por engenhos em Sergipe do Conde e Cachoeira e o montante correspondente a objetos


de ouro representa o ínfimo valor de dois contos de réis.753 É notável, diferentemente de outros
potentados, que tenha diversificado seus investimentos, inclusive em criação de gado. É
possível que essas terras amealhadas nos sertões servissem para o seu sustento e de seu bando
particular no período em que estava longe de seus engenhos no Recôncavo. Só a título de
exemplo, em uma de suas entradas, em 1695, ele afirmou ter perdido 28 cavalos no percurso.
Em 1691, conseguiu quatro léguas em quadra no rio Jacaré – mirim, entre o Rio
Sergipe e o rio Japaratuba, correndo para o sertão. Esta sesmaria limitava-se com a de Lourenço
de Brito de Figueiredo. Nesta concessão havia a condição dele não se assenhorear de qualquer
aldeia de índios que pudesse haver nas ditas terras.754 Em 1693 ele escreveu uma petição ao rei
solicitando que fosse nomeado por provisão um desembargador da ouvidoria para demarcar
essas terras que tinha recebido dois anos antes, na freguesia de Sergipe do Conde, próximo de
Santo Amaro no Recôncavo baiano. Segundo informava a petição havia confusão no uso das
mesmas por falta de cercas que delimitasse as propriedades.755
O coronel Pedro Barbosa Leal ao longo de sua vida acumulou várias querelas que
corriam na justiça. Uma delas versava sobre uma disputa de terras entre ele e os abades do
mosteiro de São Bento. No Livro de tombo do mosteiro consta que em 1619 os padres pediram
e receberam do governo da capitania uma sesmarias de seis léguas em quadra num local
chamado de serra do Jurará, à época sertão da capitania por ultrapassar os limites de Sergipe do
Conde.756 Essa querela durou várias décadas e os padres se reportaram à sua majestade para que
interferisse na questão. Assim sendo, em 19 de agosto de 1723, a coroa enviou ao vice-rei Vasco
Fernandes César de Menezes uma provisão informando que em vistas do que se lhe representou
o abade de São Bento que havendo mais de 32 anos que o coronel “oprimia o seu mosteiro com
várias causas injustas sobre terras que possuem junto ao Rio de Jacuípe.”757 As ditas causas
deveriam ser julgadas pelo desembargador Tomas Feliciano Albernaz, que havia sido nomeado
por provisão régia para medir e demarcar as terras, informando ao mosteiro aquelas que lhes
competia. No entanto o coronel arrependido quis anular o acordão e para isso fez uma causa ao
Tribunal da Relação que a remeteu para a casa da Relação de Lisboa. Nessas circunstâncias o

753
AHU, Avulsos, Bahia, Cx. 49, Doc. 4350.
754
Synopsis das sismarias..., op. cit., p. 87
755
AHU, Bahia. Luísa da Fonseca. Cx. 30, Doc. 3799-3800.
756
Livro Velho do tombo do mosteiro de São Bento da cidade de Salvador. Documentos Históricos da
Congregação Beneditina Brasileira. Vol. I, 1945, p. 3-8. Agradeço a Pablo Magalhães por ter me chamado atenção
para essa publicação, lá nos idos de 2013, quando esta pesquisa dava os seus primeiros passos.
757
AUC, CCA. Livro Governo da Bahia: 1672-1720. VI–III-1-1-8. Doc. 278, f. 167-169v.
366

referido juiz sentenciou a causa dando razão para os religiosos de São Bento, determinando que
se fizesse a medição das terras. Entretanto a execução da sentença demorou. Tendo notícia disto
e sabendo os religiosos que o coronel se ausentava por estar no sertão da Jacobina, fizeram
petição com vários documentos para que determinasse o dia da medição e execução da dita
sentença. A Relação de Lisboa deu razão aos padres e solicitou que o desembargador citasse o
dito coronel, entretanto o ministro não procedeu dessa forma, pois aguardava a autorização do
vice-rei, declarado patrono de Barbosa Leal.
[...] e não obstante a sua informação proferireis o despacho de que os ditos
religiosos esperassem que o suplicante viesse do sertão, e que já antes em
outro requerimento que o suplicado fizera, tínheis mandado que se
suspendesse em todas as causas do suplicado, ou fosse autor ou réu;758

O despacho do vice-rei havia sido dado com a intenção de proteger os interesses do


coronel, ordenando a suspensão desta ou de qualquer outra causa em que ele estivesse envolvido
enquanto aquele estava em diligências no sertão. A troca de favores entre eles era de longa data!
A coroa interpretou a ação do vice-rei como uma usurpação da jurisdição régia, posto ser
prerrogativa do príncipe suspender as ações que corriam em justiça. Estava advertido na
resposta de Lisboa que o requerimento do vice-rei se apoiava no Livro Terceiro das ordenações,
título 37, parágrafo 5º759, contudo eram merecedores de tal graça aqueles que vão em guerra ou
em armadas: “e ainda esta graça se não costuma fazer a toda pessoa, mas aquela que pelos seus
grandes cargos, pelos seus grandes serviços, e por suas grandes qualidades a merecem, o que
não militava no dito Pedro Barbosa.”760 Dessa forma D. João V anulou o referido despacho
pois “o suspender as causas é somente regalia do príncipe, e nenhum outro magistrado tem tal
jurisdição, e ainda mesmo o príncipe não costuma conceder semelhantes graças aos
embaixadores, salvo por alguma especial circunstância.”761 Não foi possível saber o
desdobramento da velha querela entre o coronel e os abades de São Bento, entretanto tal
situação revela os enredos das práticas clientelares subjacentes às orientações valorativas do
mundo em que o coronel vivia.

758
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia: 1672-1720. Cota –
VI–III-1-1-8. Doc. 278, f. 167-169v
759
“E quando houvermos por nosso serviço esparçar geralmente os feitos e demandas de alguns, que forem a
guerra, ou em armadas feitas por nosso mandado, não serão obrigados a dar fiança.” Codigo Philippino ou
ordenações e leis do Reino de Portugal. Recopiladas por mandado D’EL Rey D. Philippe I. Decima-quarta edição.
Por Candido Mendes de Almeida. Rio de Janeiro Typographia do Instituto Philomathico. 1870. Terceiro Livro das
Ordenações. Título 37, parágrafo 5º. p. 620
760
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia: 1672-1720. Cota –
VI–III-1-1-8. Doc. 278, f. 167-169v
761
Idem.
367

De todo modo, o recebimento de terras esteve condicionado a outras estratégias de


ascensão social. De acordo com Rae Flory, apesar de já ser um próspero senhor de engenho,
ele mantinha outras ambições e articulou estratégias para ingressar no restrito círculo da elite
local. Em 1690, requereu e conseguiu uma patente de capitão de milícia graças aos serviços
militares prestados por seu pai. Apenas quatro anos depois ele foi promovido a coronel no
regimento do Sergipe do Conde. Em 1691, foi admitido como irmão de maior condição na Santa
Casa de Misericórdia, tendo assumido o cargo de Provedor em 1703 e 1704.762 O estudo de Rae
Flory tem como foco a relação de Pedro Barbosa com o mundo dos engenhos, muito mais do
que sua vida de sertanista, nessa acepção, o perfil do coronel não se diferenciava muito das
práticas sociais dos homens mais proeminentes da açucarocracia. Sendo assim ele além de ser
um rico senhor de engenho no Recôncavo e sesmeiro de terras no sertão, mantinha poderosos
negócios no tráfico de escravos e tabaco com a costa da África. Rae Flory ainda ressalta que
Pedro Barbosa também serviu em algumas situações de representante dos comerciantes de
açúcar negociando preços em 1700. No ano de 1713 o patacho Nossa Senhora do Carmo e
Santo António estava licenciado para o comércio de tabaco e escravos que supriam os seus
engenhos e fazendas de gado.763
Em 1690 com aproximadamente 30 anos de idade, Pedro Barbosa deu entrada no
pedido de familiar do Santo Ofício e em 1692 ele e sua mulher Mariana de Espinosa foram
considerados aptos para a familiatura. Foi nessa década que o coronel estava iniciando os
degraus de nobilitação. D. Mariana era filha de um dos homens de negócios mais influentes da
cidade e seus sogros já haviam sido habilitados pelo Tribunal do Santo Oficio, portanto a
familiatura era mais uma importante etapa a ser conquistada. Além disso, o Tribunal
normalmente valorizava para estes cargos a posse de cabedal e a limpeza de sangue, motivo
pelo qual muito homens de negócio requisitavam a carta de Familiar, justamente para reforçar
seu prestígio social.764 Essa avaliação faz muito sentido no caso do coronel, que possuía
ascendência modesta, já que seus avós foram alfaiates e pequenos lavradores de roça de tabaco,
além disso, sua avó materna tinha ascendência indígena. Foi justamente esse ponto que impediu
Barbosa Leal de receber a comenda da Ordem de Cristo quando a pediu pela primeira vez em
1696. Mas por já está servindo na patente de coronel da Bahia e alegando os serviços do seu
primo, o Padre Pascoal Durão de Carvalho, teve finalmente o pedido concedido.765 Nesse

762
ESTEVES, Neuza Rodrigues. op. cit.
763
FLORY, Rae. op. cit., 1978, p. 117-124.
764
SILVA, Maria Beatriz Nizza. op. cit., p. 161.
765
IANTT. Habilitação da Ordem de Cristo, Letra P., m. 11, n. 59; Agradeço a Thiago Krause mais uma vez a
cessão dessa fonte.
368

sentido, o seu processo de nobilitação seguiu os passos usuais dos homens de seu tempo:
começava com uma patente, seguido da familiatura e em alguns casos ainda era possível
requerer e conseguir o hábito de alguma das ordens militares.
Ainda em 1696 ele tomou posse como vereador da Câmara de Salvador cumprindo
mandato ao lado de Antônio Coelho Brandão e João de Brito e Souza.766 Apesar de ter chegado
a um dos mais honrosos cargos da república e ter sido nomeado a contador da câmara, em
outubro daquele mesmo ano ele foi substituído por outro vereador, pois o coronel estava
afastado de suas atividades na vereação por longo tempo. É possível que a possibilidade de
prestar serviços mais relevantes à S. Majestade tenha falado mais alto diante de outros
interesses.
Àquela altura ele já estava em andanças pelos sertões baianos, empreendimento que
lhes parecia render mais prestígio do que cumprir com as obrigações corriqueiras da câmara.
Entre os anos de 1690 e 1702,767 ele prestou diversos serviços como capitão e coronel das
ordenanças e depois entre 8 de setembro e 19 de novembro de 1695, foi um dos principais
armadores da expedição que levou D. João de Lencastre ao sertão de Itabaiana, em busca de
minas de salitre.768 Após o sucesso da expedição foi erguida uma fábrica na qual ele foi provido
como administrador, com o intuito de extrair esse mineral para ser utilizado na fabricação de
pólvora.
Entretanto os seus serviços haviam começado bem antes da sua nomeação como
administrador da fábrica do salitre. Tão logo D. João de Lencastre assumiu o governo, ele foi
designado para comandar uma expedição ao sertão para certificar uns tais descobrimentos de
minas de prata perto de Sergipe D’El Rei nas imediações do Rio de São Francisco.769 Segundo
alegou no seu pedido de mercê à coroa, ele percorreu “539 léguas de sertões demasiadamente
ásperos, despovoados e inabitáveis, padecendo muitas fomes e sedes por serem aqueles lugares

766
Interessante notar que Rocha Pitta o autor da História da América Portuguesa foi nomeado no cargo de juiz da
câmara naquele mesmo ano. Isso indica que, além de serem contemporâneos, com certeza usufruíam de convívio
social nos espaços tipicamente dominados pela nobreza da república. É possível que a essa sociabilidade tenha
influenciado na forma em como Rocha Pitta em sua obra fez referências ao sertão e consequentemente ao conjunto
de serviços prestados por Pedro Barbosa Leal à monarquia. Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Atas
da Câmara. Salvador: Prefeitura Municipal, 6v. (1684-1700), 1950. p. 303-304.
767
“Quando larguei a ocupação do salitre em 1701 para 1702 dei parte ao Sr. D. João de Lencastre desse roteiro e
do que tinha mandado reconhecer...” Escreveu ele em uma carta em 1725. Cf., ABREU, Capistrano. “Robério
Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos”. In: Revista da Sociedade de Geographia de Lisboa no
Brazil. Rio de Janeiro, 1885, p. 70. Inclusive paira a dúvida se o coronel chegou a assumir o cargo de vereador,
visto que no ano anterior ele estava nas diligências das minas de salitre.
768
CALMON, Pedro. História do Brasil. Volume III. Séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora. Rio de Janeiro, 1949, p. 888.
769
A carta que iremos discutir adiante conta com detalhes essa expedição para certificar a existência das minas de
prata em Itabaiana e no Rio Real.
369

todos faltos de água, gastando nesta diligência 9 meses e 18 dias trazendo sempre em sua
companhia mais de 60 índios, 12 homens brancos e 14 escravos seus e grande número de
carruagens empregando-se com todos em o serviço real.”770 Nesse mesmo pedido contabilizou
que perdeu os 28 cavalos usados para comboiar os oficiais na dita expedição e disso resultou
“grande perda e diminuição de suas fazendas padecendo intoleráveis calmas e muitas moléstias
pela aspereza dos caminhos em que viu com evidente perigo de vida pelo desamparo daqueles
desertos.”771
Em 15 de março de 1697, Barbosa Leal foi nomeado por provisão régia como
administrador do salitre com 150$000 réis de ordenado a cada ano. Na carta emitida pelo
governador geral do Brasil D. João de Lencastre, pode-se ler:
[Por ser] muito capaz desta sua ocupação de que eu o julgo benemérito pelas
experiências que tenho do seu zelo, inteligência, atividade e bom
procedimento, o que tudo mostrou acompanhando-se com criados, escravos,
cavalos à sua custa na jornada que foi ao descobrimento das ditas minas, onde
no ensaio que mandei fazer para tirar salitre o dito Pedro Barbosa sem nunca
o ter visto fazer, vendo a forma com que ordenava-se fabricasse o fez logo
muito perfeito.772

A fábrica funcionou por menos de uma década, após isso foi fechada pois o custo com
a fabricação, transporte e funcionários eram mais altos do que os benefícios advindos da
extração de salitre. Estes anos de serviços lhes renderam em 26 de agosto de 1703 a mercê de
fidalgo cavaleiro, com 10.600 réis de tença.773Além disso, parece que aquela expedição
aproximou bastante o coronel Barbosa Leal do governador geral D. João de Lencastre, pois em
1701 recebeu a seguinte carta:
Meu compadre do meu coração; Não quero deixar de saber novas de vosso
mercê porque além da certeza de portador estimo qualquer ocasião que se
ofereça para que vosso mercê conheça que em todo o tempo hei de saber
aplaudir as suas notícias. As que a vosso mercê posso dar é que temos minas
de ouro na Jacobina por onde andamos em que descobriu nove ribeiros o
capitão Antônio Alvares Silva filho de Manoel de Oliveira Porto e vai agora
o dito capitão averiguar o seu rendimento que sendo muito é grande utilidade
pois ficam junto as minas do salitre para onde mandei já remeter os negros e
ferramenta necessária para as oficinas, como suponho terão já passado por aí
com Luiz Antunes Portugal que leva carta minha para vosso mercê. E veja
meu compadre se quer do meu préstimo alguma coisa porque sempre me há
de achar com grande vontade. Deus guarde a Vosso mercê e Bahia catorze de
Novembro e mil e setecentos e hum// Compadre e muito amigo de Vosso

770
IIANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 15, f.314.
771
IIANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 15, f.314.
772
Provisão pela qual D. João de Lencastre nomeia o coronel Pedro Barbosa Leal com o ofício de Administrador
da Fábrica de Salitre. In: ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da Bahia.
Anotado por Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial, v. 2, 1925. p.293-294.
773
IIANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 15, f.314.
370

mercê// Se as minas forem de rendimento havemos de ir lhe dar forma


conveniente para melhor arrecadação dos quintos reais, a minha afilhada
mando milhares de benções// Dom João de Lencastre// Senhor Coronel Pedro
Barbosa Leal.774

Esta curta missiva inclusa entre os papéis privados do sertanista é bastante elucidativa
sobre diversos assuntos referentes à jornada dos descobrimentos de ouro na Bahia, além é claro
de trazer de maneira bastante explícita o forte vínculo que unia Pedro Barbosa a um dos mais
importantes oficiais régios do império. Quando D. João de Lencastre foi ao sertão, o intuito era
realmente achar, além das minas de salitre, também minas de ouro e prata. Essa carta demonstra
que as inspeções em Jacobina começaram 20 anos antes sob os auspícios do próprio governo
do Estado do Brasil. Portanto, não surpreende o fato de que quando o vice-rei Vasco Fernandes
chegou à Bahia ele tenha encontrado rapidamente a pessoa certa para servir de superintendente
das minas de Jacobina, ou seja, Pedro Barbosa Leal. Ele foi provido por que conhecia e muito
bem a área em questão, já que participou duas décadas antes da expedição que confirmou
oficialmente as minas de ouro no sertão das Jacobinas.
A carta ainda deixa explícito os vínculos de amor e amizade existente entre ambos,
pois D. João de Lencastre apadrinhou D. Úrsula de Montesserrate, a quem mandou milhares de
bênçãos. Através desse laço, portanto, o coronel e o governador compartilhavam de um
parentesco ritual que os ligavam para além das funções estratégicas ou objetivas de prestação
de serviços. Mas as ligações do coronel, não param por aí, e nem foi à toa que ele mantinha
uma relação tão próxima com Lencastre. Na verdade, como será visto adiante, a conexão de
Barbosa Leal com oficiais régios tem início anos antes, ainda no governo de Antônio Luís
Gonçalves da Câmara Coutinho (1690-1694), desde que o mesmo foi governador geral do
Brasil. Essas ligações levantam alto grau probabilidade de que o sertanista integrava a rede
governativa com conexões imperiais que foi estudada por Maria de Fátima Gouvêa, no que
pese o fato da autora desconhecer o sertanista.775
Maria de Fátima Gouvêa estudou a formação de redes sociais e suas substantivas
ramificações no império ultramarino português. Essa rede governativa, como foi denominada
pela autora, era formada por funcionários régios e articulou de modo estratégico centros e
periferias mantendo-se ativa entre os anos de 1680-1730. Esse estudo contribuiu para entender
na passagem do XVII para o XVIII, a significativa atuação imperial de alguns indivíduos no

774
IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. op. cit., fls. 92.
775
GOUVÊA, Maria de Fátima. “Redes Governativas Portuguesas e centralidades régias no mundo português, c.
1680-1730.” In: Fragoso, João. __________. (orgs). Na Trama das redes: Política e negócios no império
português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010. p. 155-202.
371

fortalecimento da monarquia brigantina. Igualmente levanta questões sensíveis sobre a as


relações estabelecidas na rede que tinha dentre seus principais agentes Mendos de Foyos
Pereira, Antônio Coelho Guerreiro, Câmara Coutinho, D. João de Lencastre, Luís Cesar de
Meneses e o próprio Vasco Fernandes César de Meneses.776 Esses e outros indivíduos atuavam
como correspondentes, procuradores e partícipes em uma extensa articulação no âmbito político
e mercantil do império. Ligados pelo compartilhamento de vínculos de parentesco, amizade e
clientela, acumulavam também uma sólida carreira militar e agiram de forma a reforçar seus
interesses econômicos, políticos e sociais. Dessa forma ampliaram as possibilidades de
prestação de variados serviços à Coroa, mas também oportunizaram a outros indivíduos fazer
o mesmo. O estudo da autora destacou um dos principais traços desse tipo de articulação, qual
seja, o fato de que:
Amigos e parentes relacionados com redes - ou seja, conectados a partir de
diferentes tipos de laços compartilhando determinados fins e estratégias –
potencializavam seus recursos individuais, bem como os da rede como um
todo, ao cumprirem funções externas à própria rede.777

Segundo Maria de Fátima Gouvêa em 1692 quando D. João de Lencastre voltava para
Portugal, após concluir seu governo em Angola, ele e Coelho Guerreiro, que havia sido seu
secretário de Estado, fizeram uma parada na Bahia. Nos quatro meses em que ficaram
hospedados no Recôncavo tiveram a oportunidade de encontrar-se com Câmara Coutinho, à
época governador geral do Brasil. A estadia na Bahia oportunizou o encontro também com
Gregório de Matos, além do Padre Vieira e Antonil, “tendo sido um período de grande
sociabilidade entre todos esses personagens,” e no qual ocorreu uma intensa mobilização para
a condução de Lencastre ao Governo do Brasil. Nas palavras da autora:

Ao final desta estada em Salvador, Lencastre e Coelho Guerreiro seguiram


viagem para Portugal, enquanto Câmara Coutinho deu continuidade ao seu
governo do Brasil. Cabe destacar importantes desdobramentos resultantes
dessa temporada de convivência entre esses indivíduos. O salitre foi
descoberto, as naus da índia passaram a parar com mais frequência no porto
de Salvador, deixando ficar na Bahia grandes quantidades de tecidos, outra
moeda essencial no tráfico de escravos.778

Diante dessas observações é muito provável que Pedro Barbosa Leal tenha também
compartilhado dessa sociabilidade e que tenha sido o homem escolhido para colaborar com a

776
Para ver uma pequena biografia desses indivíduos, consultar as notas bastante elucidativas constantes no texto
de Maria de Fátima Gouvêa. p. 171.
777
GOUVÊA, Maria de Fátima. op. cit., p.167.
778
GOUVEA, Maria de Fátima. op. cit., p. 174.
372

rede, defendendo os interesses do grupo nas descobertas de minas no interior. Essa hipótese
está alicerçada na tom de deferência com o qual Câmara Coutinho enaltece as investidas do
sertanista no lavor da fábrica de salitre, mas sobretudo na disponibilidade de oferecer
recompensas e na menção aos negócios das Índias.
Senhor Coronel Pedro Barbosa Leal
Recebi a carta de vosso mercê que estimei muito, ainda que também tive o
sentimento de vosso mercê não passar bem, digo não passar com a saúde que
lhe desejo, mas era certo que com o trabalho que vosso mercê teve não podia
deixar de diminuir a saúde. Lhe agradeço a vosso mercê muito que por mor
de mim queira tornar ao serviço de Sua Majestade com mais fervor do que
antes o fazia nessas minas do salitre porque é um dos maiores serviços que
vosso mercê pode fazer ao dito senhor e a este Reino e assim lhe peço de novo
continue, porque só assim crescemos homens de bem como vosso mercê e eu
por isso lhe encareço este negócio. E porque não posso continuar-lhe esta
advertência porque em março me parto pera a Índia por Vice-rei daquele
Estado, veja vosso mercê se de lá quer alguma coisa em que o sirva que o farei
com grande vontade. Guarde Deus a vosso mercê, Lisboa vinte e cinco de
Fevereiro de mil e seiscentos e noventa e oito. Servidor de vosso mercê.
Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho.

Vale lembrar que Câmara Coutinho era “primo” de D. João de Lencastre que o
substituiu no ofício de governador geral do Brasil (1694-1702).779 O trecho da carta no qual ele
perguntou se Barbosa Leal quer qualquer coisa da Índia, pode ser uma referência a ampliação
de tratos mercantis com a criação da Companhia de Comércio da Índia, já referenciada por
Fátima Gouvêa. Outra indicação de que havia uma conexão entre o sertanista e a rede
governativa é o fato dele também ter recebido uma carta 28 de fevereiro de 1698 de Mendo de
Foyos Pereira informando que “e Sua Majestade está com grande satisfação do bem que vosso
mercê o tem servido neste particular.”780 Não há indícios de que tais acertos tenham prosperado,
até porque Barbosa Leal estava mais engajado em negócios do sertão, que significava acesso
as terras, as minas e acúmulo de informações preciosas sobre as áreas ainda em processo de
conquista. Esse foi o grande trunfo dos sertanistas junto às autoridades régias, pois o acúmulo
de informações tornava-se cada vez mais imprescindível para a orientação das ações de
conquista. Ao mesmo tempo eles capitalizavam os conhecimentos sobre novas áreas, para
aproveitar o potencial econômico e simultaneamente aumentar o prestígio junto ao governo.
Diante do quadro exposto, não resta dúvida de que foi na década de 1690 que o coronel
pleiteou e conseguiu as mais relevantes honrarias, entrou na rede do Câmara Coutinho e iniciou
sua trajetória como sertanista. Aos poucos ele foi se tornando um “prático do sertão”. Nesse

779
Segundo Marília Nogueira dos Santos, Câmara Coutinho era casado com D. Constança de Portugal, prima em
primeiro grau de D. João de Lencastre. GOUVÊA, Maria de Fátima. op. cit., p. 170 e 197.
780
LEAL, DL 970.3, Lata 5, Doc. 15, op. cit., fls. 99v.
373

sentido é que os serviços prestados por ele, e copiosamente elogiados pelos administradores
régios, demonstram que sertanistas e oficiais régios compartilhavam do mesmo tipo de
entendimento acerca do fortalecimento da monarquia em áreas onde a arquitetura institucional
da Coroa ainda não havia se estabelecido. Ora, para estes homens servir à Coroa significava
cumprir individualmente com sua principal função social, muitas vezes literalmente às custas
de suas vidas e fazendas, vide as diversas referências encontradas nas cartas sobre os danos que
aquelas expedições custavam à sua saúde.
Àquela altura o conhecimento de Pedro Barbosa Leal acerca do interior da América
portuguesa, compreendendo todo o vasto território entre a Bahia e o Piauí, incluído o Rio São
Francisco, era realmente algo admirável. Em 1717, o Marquês de Angeja já se referia a ele
como “pessoa muito prática naqueles sertões.”781 Em 11 de junho de 1726 Pedro Leolino Mariz,
em uma carta dirigida ao vice-rei, resumiu a experiência de Barbosa Leal nos sertões com as
seguintes palavras: “e é para admirar como o coronel Pedro Barbosa Leal é prático em todos
estes desertos, e em que lhe não escapou cousa alguma, e tudo quanto deles tem dito se acha
tão certo, como se descrevera as ruas da cidade da Bahia.”782 Não há dúvidas de ele gastou
muitos anos de sua vida percorrendo fronteiras incógnitas, adquirindo terras, estabelecendo
negócios com gado, tabaco, escravos e depois ouro, conforme pudemos averiguar em diversas
correspondências produzidas por ele, mas também por outros indivíduos que lhes eram
contemporâneos. Seu conhecimento dos caminhos que interligavam as capitanias da Bahia até
o Piauí e Maranhão, passando por Pernambuco é demonstrada em suas notícias e pareceres
sobre a melhor maneira da coroa administrar a arrecadação fiscal e as novas fronteiras de
exploração econômica.

6.4 Notícias sobre as decantadas minas de prata de Melquior Dias Moréia

Pedro Barbosa Leal integrou uma tradição de escrita colonial que foi fundamental na
prática e no acúmulo de informações necessárias para o conhecimento dos vastos domínios do
Império português. Esta seção propõe uma análise acerca das suas notícias, ricos relatos sobre
suas jornadas ao sertão. Buscou-se uma leitura que privilegiasse não somente o ineditismo do
seu método de coleta de informações para subsidiar a construção da narrativa, tanto quanto uma
tentativa de ler nas entrelinhas como seus serviços se prestaram a “comprovar”, ou seja tornar
verossímil, a famosa lenda das minas de prata de Melquior Dias Moréia. Em outras palavras,

781
AUC. CCA. Livro Governo da Bahia. Ano 1715-1719. Cota VI–III-1-1-10. Doc. 106. fls. 78-79.
782
ACCIOLI & AMARAL. op. cit., Vol. VI, p. 55.
374

busca-se entender de que modo e por quais razões suas notícias apresentam crônicas históricas
para subsidiar a sua narrativa sobre a conquista dos sertões baianos. Para Márcio Roberto dos
Santos os textos do sertanista o coloca no patamar de um proto-historiador da conquista dos
sertões coloniais.783 Avaliação bastante sugestiva para a análise dos escritos que empreende-se
aqui.
A segunda metade da década de 1720, período no qual ele escreveu as mais
importantes notícias, foi marcada pela criação da Academia dos Esquecidos em Salvador no
ano de 1724.784 Apesar do seu nome não figurar nas listas dos acadêmicos que frequentaram as
reuniões,785 há significativos indícios, como a já mencionada convivência com o acadêmico
Sebastião da Rocha Pitta, de que a sociabilidade intelectual compartilhada por seus
contemporâneos tenha lhes influenciado, resultando na produção dos fundamentais escritos que
serão abordados nesta seção. É certo que aprendeu a ler e escrever ainda na juventude e como
o capitão Pedro Barbosa Leal, seu pai, tinha residência na cidade da Bahia, possivelmente
frequentou o Colégio dos Jesuítas. Em abono a essa proximidade com os jesuítas, Pedro
Barbosa Leal, comprovadamente, leu as Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil
(1668)786, de Simão de Vasconcellos787 (1596-1671), a quem pode ter conhecido ainda na
infância. Teve acesso a livros sobre a Ásia, à exemplo das Peregrinações (1615), de Fernão
Mendes Pinto788, citando trechos do livro em seus escritos, o que pode indicar que tivera acesso
a melhor biblioteca da colônia, no Colégio da Bahia.

783
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. op. cit., p. 138.
784
Sobre o assunto ver: KANTOR, Iris. Esquecidos e renascidos: historiografia Acadêmica Luso-Americana
(1724-1759). Ed. HUCITEC. Centro de Estudos Baianos/UFBA. São Paulo-Salvador, 2004. P. 89-103; Um guia
de fontes inestimável para o estudo dos que participaram das Academias dos esquecidos e Renascido, encontra-se
publicado em: MORAES, Carlos Eduardo Mendes de. Guia de fontes primárias sobre acadêmicos esquecidos e
renascidos (1724/1759). In: Imprensa da Universidade de Coimbra. http://hdl.handle.net/10316.2/5679. Accessed:
20-Jul-2018 23:28:38; SCARPARO, Marcelo Kochenbordger. “A justiça do nosso domínio”: a dimensão
geopolítica na cultura historiográfica luso-americana da primeira metade do século XVIII. Dissertação de
Mestrado (Faculdade de Filosofia, Letras e ciências Humanas) USP. São Paulo. 2015. 180p.
785
Procuramos o nome de Pedro Barbosa Leal na lista dos acadêmicos publicada por Carlos Eduardo Mendes de
Moraes e não consta que ele tenha participado de nenhuma das suas reuniões. De acordo com Iris Kantor a
Academia funcionou quinzenalmente entre abril de 1724 e fevereiro de 1725, naqueles anos Barbosa Leal ainda
encontrava-se em diligências no sertão. Entretanto consta o nome de outro sertanista, o superintendente das minas
novas de Araçuaí, Pedro Leolino Mariz. Cf., KANTOR, Iris. op. cit., p. 100; MORAES, op. cit., p. 349-353.
786
VASCONCELOS, Simão. Noticias curiosas e necessárias das cousas do Brasil. Lisboa, na officina de Joam
da Costa, 1668.
787
Sobre a biografia e produção intelectual do padre Simão de Vasconcelos, Cf., RAMOS, Luiz A. de Oliveira.
“Um jesuíta barroco. (1596-1671)”, pp. 423-437. Acesso em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7439.pdf
788
Na carta já discutida no capítulo anterior e escrita em meados de 1730, ele faz uma menção a informações do
império do oriente, quando escreveu: “assim como o Imperador da china costumou fazer para impedir aos ladrões
q(eu) roubavam as estradas, não seria bastante para impedir a extração do ouro, porque naquele pais da China
caminhavam os mercadores, e tratantes pelas estradas gerais com cáfilas carregadas de mercadorias e
necessariamente os ladrões os haviam de buscar pelas estradas[...]” Essa passagem pode ser um indicio de que ele
leu a obra de Fernão Mendes Pinto. Cf., PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação. Lisboa, 1614.
375

Foi também contemporâneo de Rocha Pitta, (possuíam engenhos no Recôncavo e


ocuparam postos na câmara de Salvador em 1696) sendo possível ter conhecido outros
membros da Academia dos Esquecidos, seja lendo as obras publicadas, ou mesmo sendo
influenciado por aquela vaga de produção intelectual que grassou os nobres baianos na capital
portuguesa da América.
O vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, figura fundamental para a criação da
Academia Brasílica dos Esquecidos, foi também um importante patrocinador de Pedro Barbosa
Leal e de outros sertanistas interessados em fazer novos descobrimentos de minas. O seu
governo, assim como havia ocorrido durante a administração de D. João de Lencastre, foi
marcado pela intensificação das estratégias de conquista das fronteiras a oeste da América Lusa.
A abertura da mineração, arrecadação dos quintos, implantação da ordem e da justiça nos
territórios ainda não suficientemente conquistados pela monarquia, constam da relação que
compõe a memória dos principais serviços obrados na sua administração.789
A relação entre Vasco Fernandes e o sertanista era firme o suficiente para que o
primeiro confiasse na capacidade de discernimento do segundo. Mediante essas contingências,
considera-se que seus escritos foram produzidos com o empenho de instruir detalhadamente as
decisões que o vice-rei viria a tomar acerca do governo do sertão. Ainda assim, presume-se que
aquela foi uma forma do sertanista de participar dos expedientes do governo local,
representando os interesses do centro nos espaços da periferia. As fontes consultadas não
deixam dúvidas de que eram aliados na gestão dos negócios do sertão. É nessa perspectiva que
serão analisados alguns aspectos de suas cartas, produzidas como uma narrativa histórico-
política, fruto de uma longa experimentação sertaneja que fora vivenciada com acuidade e
consciência da gravidade que aqueles serviços demandavam.
A maior parte das cartas trocada com o vice-rei foram produzidas entre os anos de
1721 e 1725, tinham um caráter oficial e comunicavam acontecimentos específicos,
configurando-se em relatos breves, acerca de uma alguma diligência posta em execução. Essas
cartas já foram tratadas em diversos momentos desta tese. A partir do ano de 1725, quando o
sertanista retornou à Salvador após cumprir suas diligências, encontrava-se com a saúde
bastante fragilizada, mas continuou prestando serviços ao governo, desta feita como consultor.
Em 1730, escreveu uma breve carta de serviços na qual afirmava: “e atualmente está servindo

789
Nas notícias acerca dos serviços do Conde de Sabugosa como vice-rei do Brasil figura em primeiro lugar a
construção da feitoria de Ajudá na Costa da Mina. Em seguida são relacionados as ações referentes ao povoamento
do interior. Cf. IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou
o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, 472fls.
376

a vossa majestade com as notícias e pareceres, no que é consultado pelo vice-rei do Estado do
Brasil, para novos descobrimentos de ouro, diamantes e mais metais, para novas entradas e
conquistas do sertão como tudo [consta] das certidões juntas.”790
Entre os anos de 1725 e 1730 foram produzidas as quatro principais notícias
produzidas por ele como resposta às consultas do vice-rei. Antes de adentrarmos nas
apreciações qualitativas dos textos, cabe notar que, por uma questão metodológica, neste
capítulo serão analisadas apenas duas notícias: a primeira sobre a conquista do sertão do rio
Doce escrita em 11 de julho de 1725791 e a segunda sobre as minas de prata de Melquior Dias
Moreia de 22 de novembro de 1725.792 Os outros dois textos, um sobre as casas de fundição793
e o outro sobre o melhor método para a arrematação dos quintos794 já foram analisados no
capítulo V, em função do tema que aborda. Seria muito extenso e cansativo para o leitor adentrar
nas especificidades das quatro informações, por isso muitos detalhes foram omitidos, sem
contudo comprometer a acuidade sobre suas observações mais relevantes.
Especialmente as notícias sobre a conquista do rio Doce e aquela sobre as minas de
prata, fornecem relevantes informações históricas sobre as entradas de conquistadores no
sertão. Nestas crônicas políticas figuram descrições sobre interferências antropogênicas, ou
seja, a ação efetiva dos descobridores no meio ambiente, como a abertura de minas, a construção
de acampamentos ou ranchos, a instalação de ‘fábricas’ para fundir e experimentar os minérios
encontrados nas amostras de pedras retiradas dos ribeiros ou serras. Estes sem dúvida foram
aspectos mais evidentes nos dois escritos. No âmbito das informações geográficas aparecem
menções à topografia, aos nomes dos rios e serras, inclusive constando alusões aos topônimos
indígenas utilizados para denominá-las; informações técnicas sobre distâncias (unidades de
medidas, latitudes, longitudes); especificidades sobre tipos minerais (ouro, prata, cobre, pedras

790
AHU, Avulsos, Bahia, Cx.. 49, Doc. 4350
791
Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo do seu
governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, fls. 150-155.
792
O documento original encontra-se no IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do
Brasil e do que nele obrou o ... [vice-rei Vasco Fernandes Cesar de Meneses] no tempo do seu governo. Anos
1730-1737. Manuscrito, fls. 138-147. Uma fiel transcrição da carta pode-se encontrar em ABREU, Capistrano.
“Robério Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos.” In: Revista Da Sociedade de Geographia de
Lisboa no Brazil. Rio de Janeiro, 1885, p. 14-22 e 66-78; Foi também publicado em “Carta do coronel Pedro
Barbosa Leal ao Conde de Sabugosa, vice-rei do Estado do Brasil, sobre as várias incursões realizadas no sertão
da Bahia em busca de minas metálicas, desde o pretenso descobrimento das de prata por Belchior Dias Moreia –
de 22 de novembro de 1725”, 22/11/1725. DI, São Paulo, v. XVI, p. 59-98, 1895. Apesar de ter encontrado o
manuscrito, optei por utilizar nesse trabalho a versão transcrita de Capistrano de Abreu por ser fiel ao documento
original e para facilitar a localização das citações. Márcio Roberto dos Santos encontrou uma outra versão
manuscrita. Cf. [Carta], 12/11/1725. IANTT. Manuscritos do Brasil, livro 7, fls. 62-70v e 194-199. Cf., SANTOS,
Márcio Roberto Alves dos. op. cit., p.123, nota 209
793
BNRJ. Divisão de Manuscritos. II-31,25,009. op. cit.,
794
IHGB. DL 865.2. op. cit.,
377

preciosas); evocou-se ainda com grande riqueza de detalhes conversas e informações colhidas
com índios velhos; ou em outras circunstâncias, apontando os locais de territórios indígenas.
Todas as informações sugerem estratégias geopolíticas de ocupação e apreciações sobre a
guerra contra os índios.
O conjunto dessas informações, quando cruzados e realocados produziam um certo
imaginário sobre os sertões, promovendo um sentido de bem aventurança da conquista. Com
isso procuravam convencer a coroa de que a melhor estratégia seria incentivar os vassalos a
continuarem fazendo descobertas em troca do recebimento de mercês. Assim as imagens
construídas e a narrativa encadeada “selecionavam e costuravam elementos das socioecologias
locais de acordo com os objetivos e necessidades da administração colonial”, conforme
assegurou Diogo Cabral e Sarita Mota em pertinente proposta para um metodologia que
viabilize nomeadamente “uma teoria socioecológica do Antigo Regime tropical.”795
O sertanista escreveu as notícias conforme sua leitura da formação histórico política
da América portuguesa. Este expediente pareceu ser um marca inédita para um texto sertanista.
Nesse sentido, considera-se que os quatro textos formam um conjunto orgânico, mas em
especial os dois textos que serão analisados aqui, são notícias de caráter histórico sobre a
conquista do sertão, construídas para consubstanciar e reatualizar as conjunturas de
progressivas transformações nos territórios coloniais. A memória histórica pareceu ser a
matéria que assegurava os melhores expedientes para a ocupação, administração e fiscalidade
dos domínios portugueses no novo mundo. A coroa e o governo poderiam dispor de um
complexo e sistemático conjunto de informações que estavam a serviço de notificar e instruir
uma espécie de “aprendizado da colonização”, tomando de empréstimo a expressão de Luiz
Felipe de Alencastro.796 Suas observações serviriam também para demonstrar que havia uma
linha de continuidade entre a política dos governadores anteriores e o atual governo do Conde
de Sabugosa, por isso trata do assunto da descoberta de minas na longa duração, rememorando
os descobrimentos que animaram os vassalos nos séculos XVI e XVII, demonstrando as
peculiaridades e contingências da exploração de riquezas no império Português.
Márcio Roberto dos Santos em sua tese de doutorado questionou a natureza e intenção
dos relatos dos sertanistas, pois os mesmos teriam sido produzidos no contexto de avanço sobre
o território sob o mando da coroa. O autor demonstra-se cético quanto ao fato de que os escritos

795
CABRAL, Diogo; MOTA, Maria Sarita. “Escrita e governança socioecológica no Antigo Regime tropical –
uma primeira aproximação.” Texto Inédito. p. 4-5; Agradeço aos autores por terem disponibilizado o texto em
questão, mesmo antes de ser publicado.
796
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e
XVII. São Paulo. Cia das Letras, 2000.
378

sertanistas não deixam entrever aspectos das escolhas individuais daqueles homens, pois as
narrativas trazem a perspectiva do herói sertanista por isso teria ocultado aspectos das
‘trajetórias erráticas’ inerentes as ações daqueles homens.”797 Vejamos em quais termos o autor
coloca a questão:
[...] sem dúvidas há exceções, como o relatório de Miguel Pereira da Costa, as
notícias dadas aos “padres matemáticos” por sertanistas e militares, os relatos
de reconhecimento de Joaquim Quaresma Delgado e as próprias cartas de
Pedro Barbosa Leal, todos eles elaborados entre as décadas de 20 e 30 do
século XVIII, num período em que avançava o mapeamento geográfico e o
reconhecimento territorial dos sertões. Mas o que liga esses relatos escritos,
exatamente em razão do crescente interesse metropolitano na geografia dos
sertões, é o fato de que se originaram de expressas demandas oficiais, muitas
vezes colocadas no contexto de iniciativas organizadas pelas próprias
autoridades coloniais, a mando da Coroa. Relatos espontaneamente
elaborados por sertanistas são raros.798

A avaliação acima não considera que os sertanistas compartilhavam de uma visão de


mundo muito próxima dos altos poderes. Havia uma clara intenção nos relatos e nas ações
sertanistas de produzir referências que os credenciassem simultaneamente à periferia e ao
centro. A intenção era reforçar os expedientes de mando e exercício de poder nas suas aéreas
de atuação.799 Não à toa havia uma retórica elogiosa que reiterava os vínculos de clientela entre
eles e os oficiais régios. Contudo, as relações expressas, por exemplo nas correspondências,
possuíam príncipios valorativos que orientavam sempre a abordagem entre os dois pólos da
comunicação, buscando ao mesmo tempo reiterar as alianças entre sertanista e governantes,
mas também, explicitar o grau de hierarquia que os diferenciava. Não pode-se conceber um
homem setecentista interessado em prestar serviços à coroa como sendo um homem
espontâneo. Aqueles homens viviam em um mundo moldado a partir de certos princípios de
afetos, hierarquia e organização natural das coisas e da existência.
Tal perspectiva não foi percebida por Márcio Roberto dos Santos. A ideia que rege a
pesquisa do autor é a de que o sertanismo foi mais um expediente que modulou a formação
territorial do sertão. A essa avaliação, acrescentaria que os serviços também eram prestados em
função de uma ambição na busca por reconhecimento, materializado no recebimento de
honrarias. Na expressão do autor, os “homens fronteiriços”, mantinham relações paradoxais
com a coroa, pois muitos estavam apenas buscando seus interesses e uma forma de tornarem-

797
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. op. cit., p. 121
798
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. op. cit., p. 121-149.
799
Sobre o exercício de autoridade dos poderosos do sertão, cf., BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. op.
cit., 266.
379

se potentados, estabelecendo propriedades de criação de gado com seus escravos negros e


indígenas. Por outro lado, a coroa “se escorava” nas ações privadas desses indivíduos, não
havendo um compartilhamento de poder, mais uma fria troca de interesses. O ponto de vista
aqui abordado vai em outra direção, pois sublinha-se que os sertanistas buscavam mais do que
aumentar seu cabedal, interessava-lhes sobretudo as honrarias régias, através das quais
investiam-se de autoridade sendo possível atingir status mais elevado. Mesmo Melquior Dias
Moreia, ou depois dele, Antônio Guedes de Brito, homens já de nobreza reputada, quiseram
mercês não necessariamente pecuniárias como recompensa por serviços prestados no sertão.
Em uma monarquia católica, o amor à Deus se confundia com o amor à Sua Majestade.
Essa normativa impregnava a literatura canônico-jurídica e era o cerne estruturante das relações
entre monarca e vassalos. No plano inferior essa noção de afeto resvalava também nas condutas
pessoais. Pedro Cardim em artigo clássico sobre o papel do amor e dos afetos nos escritos
teológicos e jurídicos na idade moderna, apontou como esse sentimento estava presente nas
mais diversas instâncias da vida social, fossem nas relações familiares ou mesmo naquelas
voltadas para promover o bem comum. Mesmo no universo jurídico, e talvez principalmente
nele, reconhecia-se “o carácter natural dos afetos e da sua normatividade, respeitando e
sublinhando a sua importância enquanto laço de coesão social.”800 Nesse sentido, os laços de
amor e amizade eram interiorizados por uma disciplina social, expressos em comportamentos
que ritualizavam as relações pessoais, organizando assim a vida em sociedade. O amor pelo
próximo poderia se manifestar através da fé, da benevolência, da confiança, da lealdade, dos
gestos caritativos e pela capacidade de recordar os benefícios recebidos pelos amigos. Assim,
como afirma o autor: “Sem essa capacidade de recordar, o amor não podia jamais surgir.”801
Conforme já foi demonstrado páginas atrás, Pedro Barbosa Leal era um homem que
vivia à lei da nobreza, sua existência estava cercada de relações de philia com servidores régios
pertencentes às mais relevantes casas nobres do reino. Tais relações foram efetivadas de acordo
com a normativa de uma monarquia católica, regidas por vínculos profundos de amizade e
reciprocidade, cultivada em um ambiente que os impelia a atos de colaboração e ajuda,
materializados na prestação de serviços e no reconhecimento valorativo destes. Portanto poder
servir, conceder uma dádiva, retribuir, era um sinal de distinção social, expressos em
ritualizações precisas de sociabilidade. O reconhecimento de sua nobreza estava pautado nas
recorrentes expressões de deferência presentes em sua comunicação, tanto com os

800
CARDIM, Pedro. “Amor e Amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII.” In: Lusitania sacra. 2ª série,
11 (1999). p. 21-57.
801
CARDIM, Pedro. op. cit. p. 26.
380

governadores, quanto com aqueles que ocupavam posição inferior na hierarquia que o rodeava.
Como bem apontou Pedro Cardim, era típico do status de nobreza a efetivação de vínculos
políticos, cerne da identidade corporativa.802
Mas a verdade é que os demais sectores da sociedade coetânea também
assentavam, a um nível profundo, na ordem dos afectos. Eram os laços
sentimentais que ditavam a identidade corporativa e a coesão interna dos
grupos sócio-profissionais, como os letrados, os pintores, os grupos artesanais
ou os mercadores. Entre eles vigorava, não raras vezes, uma intimidade
fraternal e quase familiar, unindo os membros do mesmo universo sócio-
profissional, os quais partilhavam o mesmo ethos, os mesmos valores, a
mesma cultura corporativa.”803

Portanto mais do que meros relatórios técnicos de (re)conhecimento e descrição da


realidade e da socioecologia do sertão, suas notícias são testemunhos do seu amor à monarquia
e a toda uma tradição sertanista. Através destes escritos ele rememorava a dedicação daqueles
servidores do rei, mostrando a importância dos serviços e da philia na estruturação de todas as
normas sociais, por que esse era o principal caminho que conduzia ao enobrecimento. Assim,
rememorar os feitos através das crônicas históricas era uma expressão pública de
reconhecimento que unia os vassalos ao monarca, como dizia Pedro Cardim, “uma ligação
afectiva, estruturada pelos deveres da benevolência.”804
Não eram escritas feitas para si, mas para colaborar em um projeto maior, que
extrapolavam as contingências pessoais e estavam em consonância com um universo normativo
da iustitia, oeconomia e monástica.805 Todas elas baseadas em critérios de honra, parentesco,
amizade, clientela e serviços. Nessa acepção, os sertanistas foram servidores da coroa, mais do
que meros aprovisionadores de índios e caçadores de tesouros. Negligenciar esse importante
aspecto do universo mental dos sertanistas seria desconsiderar uma parte substancial do
empenho valorativo que conduzia suas ações. Segundo Antonio Manuel Hespanha a economia
do dom nas sociedades de Antigo Regime fazia parte “de um universo normativo preciso e
minucioso que lhe retirava toda a espontaneidade e o transformava em unidade de uma cadeia
infinita de actos beneficiais, que constituíam as principais fontes de estruturação das relações
políticas.”806

802
CARDIM, Pedro, p. 41-2.
803
CARDIM, Pedro, p.42.
804
CARDIM, Pedro. op. cit., p. 49.
805
HESPANHA, Antonio Manuel e XAVIER, Angela Barreto. História de Portugal. O Antigo Regime. José
Mattoso (dir.) Vol. IV. Editorial Estampa. 1998. p. 339.
806
Idem. p. 340.
381

Essa cadeia infinita de actos beneficiais também atravessavam as relações entre os


sertanistas, os quais apesar de estarem em diferentes posições na hierarquia de poder,
mantinham-se ligados entre si por trocas de amizade, gratidão e lealdade. A partir do
compartilhamento de experiências, facultava-se a outros indivíduos a confiança para entrarem
na rede e poderem igualmente prestarem serviços, como pode-se flagrar em diversas passagens
da documentação, mas especialmente no trecho a seguir:
Quis o dito senhor [D. João de Lencastre] que eu fosse fazer aquela diligência,
da qual justamente me escusei por sair de seis anos contínuos de sertão, mas
prometi-lhe mandar vir o capitão-mor Damião Cosme e Manuel do Rego
Pereira por quem eu a havia mandado explorar. Assim o fiz; levei-os a[o]
palácio [do governo] e lhes passou as ordens necessárias que constam da
secretaria e eu à minha custa os aviei.”807

Era mais do que comum, pode-se dizer, mais do que necessária, a prestação de serviços
entre os sertanistas e seus auxiliares, geralmente homens com patentes e alguma experiência
militar. Nestas, pode-se mensurar sua vasta rede clientelar, fenômeno que de nenhum modo
estava restrito aos governadores ou vice-reis e que merecia um estudo mais aprofundado. Em
muitos dos casos, e esse foi especialmente o de Pedro Barbosa Leal e/ou de Pedro Leolino
Mariz, (para citarmos os mais relevantes) os sertanistas eram a inoxidável ponte que unia os
dois mundos: a administração central e as sertanias coloniais.
O texto sobre a conquista do “sertão da costa do mar”, que instruía o vice-rei sobre os
expedientes de conquista da região sul da Bahia entre os rios das Contas, Pardo e o rio Doce,
indica claramente essa cadeia de reciprocidade entre os diligentes sertanistas. Nessa missiva ele
indica que para conquistar o sertão sul da capitania, deveria instalar dois arraiais entre o rio das
Contas e o rio dos Ilhéus nas partes do continente que estavam vizinhos do mar; além disso
erigir mais dois arraiais entre o Rio Grande (também chamado de Jequintinhonha) e o Rio Doce;
estas bases deveriam ser fortificadas com estacadas “segundo as máximas da guerra brasílica”
para proteger e sustentar as tropas que iriam combater as nações indígenas. Indicou que
deveriam ser arregimentados 300 homens formados entre “os índios mansos das aldeias
paulistas que se puderem agregar, e soldados pagos, e paisanos, aqueles que forem capazes de
andar descalços, e de sertanejar sem mantimentos, mais que os silvestres e caçar que permitir,
e der campanha.”808 Após sugerir as estratégias de implantação do arraial ele procedeu à
indicação dos seus comandantes:

807
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 70.
808
IHGB. Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ... no tempo
do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, fls. 154.
382

Para o primeiro arraial de entre o rio das Contas, e dos Ilhéus são aptos, e
capazes o coronel, digo os coronéis André da Rocha Pinto, e Damazo Coelho
de Pinha que V. Excelência criou destinados já para este emprego [grifo
nosso]. Estes com o seu arraial hão de conquistar, e franquear todo o
continente que vai das minas do rio das Contas pelas cabeceiras de Giquiriça,
Cairú, Camamu, e Ilhéus até o Jequitinhonha, ou Rio Grande.809

A escolha do rio Grande para abrigar o segundo arraial devia-se a sua posição
estratégica para alcançar o que ele denominou de “sertão das cabeceiras de Porto Seguro”,
através deste se chegava ao rio das Caravelas e ao rio Doce, para o qual ele sugeria:
[...] pessoas capazes, e práticas no sertão, que não hão de faltar, e há alguns
que se oferecem, como é o capitão mor Domingos Dias do Prado com cento e
tantos homens, que tem agregados a si, e o mestre de campo Lucas de Freitas,
que também entrará pela parte que se lhe determinar. Ocupando também o
coronel Pedro Leolino Mariz em quem concorrem todas as circunstâncias de
se fiar dele qualquer empresa por ter o seu regimento nas vizinhanças do
mesmo continente.810

A notícia é uma orientação geopolítica da guerra brasílica,811 por isso sugere a


aplicação de recursos materiais e humanos em prol de objetivos militares, conquanto revela a
rede de apoio vincada na amizade e reciprocidade, inclusive indicando os níveis de
compromissos entre o vice-rei e os coronéis André da Rocha Pinto e Damazo Coelho “criados”
para aquela precisa atuação. Demarca-se, portanto, que nenhum nível de ação do governo abria
mão desses vínculos, ao contrário, todas as questões requeriam soluções fundadas no reforço e
ritualização dos afetos como normativa político-institucional.
As matérias militares aparecem justificadas com passagens citadas literalmente do
livro Noticias curiosas e necessárias das cousas do Brasil escrito pelo jesuíta Simão de
Vasconcelos em 1668. Logo no início do texto fica evidente o uso de uma narrativa empenhada
em reiterar a predestinação da colonização portuguesa no Brasil e o serviço atribuído a Deus e
a Sua Majestade em mandar povoar aquelas terras, as quais traziam em seu interior imensas
riquezas. Essas riquezas deveriam ser cultivadas pelos portugueses, por que a eles pertenciam
por direito.
Nem os haveres destas terras se podem bem descobrir, e manifestar sem que
primeiro se faça guerra ao gentio bárbaro, que as habita e senhoreia. Ver-se
com evidencia esta ideia pela experiência das minas gerais, do Serro do frio,
Tucambira, Rio das Contas, e Jacobina, em os quais distritos desde a criação
do mundo existiram os metais, e o ouro, que no presente tempo se extrai delas,

809
IHGB. Arq. 2.4.8. op. cit., fls. 153-4.
810
IHGB. Arq. 2.4.8. op. cit., fls. 154v.
811
Uma das sugestões que me pareceu ser bastante interessante foi a construção de um arraial na ponta da fortaleza
de Morro de São Paulo que serviria de base militar tanto para a administração e abastecimento das tropas, quanto
“para o recebimento das presas que se forem fazendo.” Cf., Arq. 2.4.8, op. cit., fls. 155.
383

sem se manifestarem em tantos mil anos, senão depois que se conquistaram


os bárbaros seus habitadores e logo que aquelas terras foram povoadas pelos
brancos portugueses se descobriram e franquearam os haveres, pois sem
embaraço e perigo do gentio o, começaram a examinar as serras, e a socavar
as terras descobrindo as minas em que atualmente se está trabalhando. 812

Sua notícia começa com uma rememoração da descoberta das terras do Brasil desde
Pedro Álvares Cabral e segue apontando outros importantes fidalgos exploradores, a exemplo
de Cristovão Jaques, Pedro Lopes de Souza, Martin Afonso de Souza. Assim ele copiou do
livro do padre Simão de Vasconcelos, já cima mencionado, o roteiro da conquista do rio Doce
atribuído a Sebastião Fernandes Tourinho.813 Após ter encontrado serras com metais, o governo
da capitania enviou o capitão Antônio Dias Adorno para fazer a segunda conquista das minas
do rio Doce. O que transparece na leitura do documento é uma apropriação simbólica dos feitos
de conquistadores por 225 anos, os quais embasam sua proposta militar para a conquista dos
“sertões da costa do mar”814, todos estes podendo ser acessados pelo litoral.
Essa conquista deveria ser continuada aos modos como ele havia realizado no sertão
do rio das Contas, Jequintinhonha e Pardo “tendo seu princípio nas serranias, donde se achão
estabelecidas por mim as minas do rio das Contas e a vila de Nossa Senhora do Livramento que
por ordem de V.a Ex.ca fui criar.”815 Dessa forma uma das principais características de seus
textos como sertanista é demonstrar o papel que ele ocupava na monarquia, pois seus serviços
foram tributários de uma longa tradição de expansão da soberania luso-brasílica nos domínios
coloniais. As passagens citadas do livro de Simão de Vasconcelos indica que os seus escritos
estavam informados pelas suas leituras, o que por si só o coloca em um patamar diferente de
registros memorialísticos triviais.
Não há dúvidas de que Pedro Barbosa Leal era um sertanista erudito, pois dominava a
prática letrada com rigor e clareza, traço diferenciador da maioria daqueles que como ele
andaram em expedições. O texto que ficou consagrado como sendo o seu relato mais famoso
foi escrito no engenho de São Pedro na vila de Cachoeira em 22 de novembro de 1725. Em 16
de novembro, Vasco Fernandes mandou avisar a Barbosa Leal que enviaria Francisco da Costa
Neto, que acabara de vir do rio das Contas para a cidade da Bahia para informá-lo sobre os

812
IHGB. Arq. 2.4.8, op. cit., fls. 153v.
813
VASCONCELOS, Simão. Noticias curiosas e necessárias das cousas do Brasil. Lisboa, na officina de Joam
da Costa, 1668, p. 56-61; 71; 75-76.
814
Expressão até então inédita na documentação consultada com a qual se refere aos sertões sul da capitania.
Também me pareceu curiosa, pois associa duas regiões que no imaginário colonial eram opostas e concorrentes.
Talvez também indique que a intimidade dele com os sertões era tanta, que este simbolicamente poderia ser lido e
traduzido tanto quanto o litoral. Sobre as variantes do emprego do termo sertão ver: DAMASCENO, Cláudia.
Arraiais e vilas... op. cit., p. 74-81;
815
Arq. 2.4.8. op. cit., fls. 152v.
384

descobrimentos de Antônio Carlos Pinto realizado naqueles ribeiros. Na ocasião, o vice-rei


recomendava que o sertanista ouvisse “miudamente este homem e me dirá o que lhe parece
segundo as notícias que tem destas minas e forma em que [deve] deferir ao dito
requerimento.”816 Informava ainda que fundiu as amostras de ouro e encontrou também prata,
além de ter ficado surpreso com as amostras de areia tão finas encontradas a tantas distâncias
da costa do mar. As diligências sobre novas descoberta de minas tinham que ser rápidas, pois o
governo da Bahia tinha pressa em assegurar a conservação delas. Apenas seis dias após receber
a demanda do vice-rei, Pedro Barbosa Leal retornou a consulta com as informações que
poderemos ver na notícia. Impressiona a rapidez para produzir um relato tão denso de
informações e rememorando mais de 100 anos de entradas ao sertão. Na abertura da resposta,
pode-se ler:
Senhor - Para dizer o que sinto sobre o novo descobrimento e antiga cata de
que dá parte a V. Ex. Antônio Carlos Pinto, me é necessário por nos princípios
da Bahia para relatar algumas notícias e com elas facilitar o conceito que se
deve formar de que com certeza os sertões da Bahia abundam em metais de
toda sorte.817

Em 03 de dezembro de 1725, portanto 11 dias após receber a missiva, o vice-rei proveu


Antônio Carlos Pinto818 com a mercê de guarda-mor do Ribeiro dos Remédios nome dado ao
rio de mais de 20 léguas recém descoberto. À Francisco da Costa foi concedido o posto de
escrivão das datas, como recompensa pela jornada realizada do sertão até a cidade da Bahia
para informar ao governo os novos achados.819
O vice-rei estava ávido por confirmar cada vez mais descobrimentos, não medindo
esforços para recompensar os colaboradores, inclusive prometendo dois Hábitos da Ordem de
Cristo com rendimento de 200$000 réis cada ano a quem fizesse os descobrimentos.820 A
premiação era bastante tentadora, confirma a importância daquela matéria, embora não
saibamos se fora alguma vez concedida, mas sem dúvidas a premiação máxima tinha o efeito
de animar os súditos.
Como naquele momento Vasco Fernandes não poderia contar com a expertise do
sertanista Barbosa Leal para averiguar a concretude dos descobrimentos, pois este havia

816
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vol. 72, 1946, p. 219-220.
817
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 15.
818
Três anos antes o dito descobridor já havia sido provido por D. João V no ofício de escrivão das datas, e quintos
reais das minas dos rios das Contas a 2 de outubro de 1722. Cf., Documentos Históricos da Biblioteca Nacional.
Vol. 46, 1939, p.166-167. A provisão foi passada pelo vice-rei após a consulta com Pedro Barbosa Leal, que
certificou-o sobre as possibilidades dos novos descobrimentos. Cf. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional.
Vol. 47, 1940, p. 40-41;
819
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vol. 72, 1946, p. 233-234.
820
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vol. 72, 1946, p. 260-262.
385

acabado de retornar à cidade da Bahia debilitado depois de alguns anos de sertões, o vice-rei
requisitou que Pedro Leolino Mariz fizesse uma minuciosa averiguação naquelas áreas.
Contudo, não deixou de consultar Barbosa Leal, motivo pelo qual aquele resolveu escrever a
preciosa carta sobre o roteiro de Melquior Dias Moreia.821
No ano seguinte em 28 de fevereiro de 1726, Vasco Fernandes encaminhava ao rei as
notícias dos descobrimentos de Antônio Carlos Pinto, “moço reinol, mas intrépido e sertanejo,
quis à custa do seu trabalho, remediar a sua necessidade, e valendo-se de alguns fragmentos do
roteiro de Belquior Dias (sic), o Moribeca, foi ao Rio das Contas, donde descobriu hum ribeiro,
com vinte e oito léguas, de distância, em que achou bastante ouro.” 822 Na notícia ele dizia que
Antônio Carlos assegurava que tinha topado com a celebre serra branca descrita nas lendas que
envolviam as misteriosas minas de prata pretensamente descobertas por Melquior Dias no ano
de 1609, mas nunca revelada em sua exatidão. Em meados da década de 1720 pairavam muitas
dúvidas sobre a real existência de prata nos sertões baianos, apesar de já haver total confirmação
da existência de ouro.
Antes de adentrarmos na análise da notícia, vale notar um fato recorrente na
documentação consultada: A tentativa de encontrar o controverso local das minas de prata de
Melquior Dias, mobilizou por mais de um século expedições em busca do desvendamento
daquele misterioso roteiro. Ao mesmo tempo, serviu como um motivo sempre citado quando
se anunciavam novos descobrimentos. Talvez à mentalidade da época a manutenção daquele
enigma tivesse algum efeito de impressionar a coroa, pois subtendia-se que os serviços
prestados nas expedições estavam à altura de serem recompensados com dignas mercês. Além
do intrépido moço reinol, em 1753 o mestre de campo João da Silva Guimarães em carta
enviada à coroa, afirmava também ter encontrado as (de)cantadas minas de prata.

O único zelo com que me tenho empregado neste estado me exauri do que
tinha nos sertões no serviço de súdito de V. Majestade que Deus guarde e bem
público me moveu na falta que tive de assistência para manter as mais
notações que estabeleci e sabedores por elas me meti a procurar na vizinhança
despovoada o mesmo emprego e exemplo e parece que com inteirada a divina
misericórdia de tanto trabalho me guiei a achar as decantadas minas de prata

821
Na carta Pedro Barbosa Leal se refere ao descobridor como Melquior Dias Moreya, já em outros documentos
ele é referido como Belquior Dias, mas escolhi manter a grafia de Melquior Dias Moréia para evitar confusão entre
o primeiro e o seu bisneto o coronel Belquior da Fonseca Saraiva Dias Moreya, que também faz parte da história
das minas de prata. Pedro Calmon se refere ao primeiro descobridor como Belquior Dias, mas por uma reprodução
de um documento com a assinatura autografa do sertanista pode-se ler que o nome dele era grafado com M e não
com B. Cf. CALMON, Pedro. História do Brasil. Vol. III, op. cit., p. 745.
822
IHGB. DL 56.3. Livro de Cartas e Provisões de sua Majestade e do secretário de Estado, a que respondeu Vasco
Fernandes Cesar de Menezes, Vice-rei do Brasil. fls. 298; Apesar da notícia está datada do ano de 1726, os
descobrimentos devem ter ocorrido pelo menos dois anos antes. É o que explica a anterioridade da carta de Pedro
Barbosa Leal ao responder à consulta do vice-rei.
386

que achou Melquior Dias Moreia, conhecido pelo nome de Moribeca, nestes
sertões contíguos à cidade da Bahia.823

Na sua notícia ele insistiu no bom resultado obtido pelo ensaiador da casa de fundição,
alegando ter extraído prata nas amostras encontradas, o que confirmaria a existência das minas
de Melquior Dias Moréia. Ao final pedia a Sua Majestade que enviasse alguém com condições
e conhecimento para realizar o dito serviço. A persistência da lenda migrava e se reproduzia a
cada novo front de exploração. As famosas minas de prata e a miragem da serra branca migrou
das imediações de Itabaiana no rio Real, para ser confirmada entre Curaçá e as serras da
Jacobina; 30 anos depois fora deslocada para os vales do rio das Contas, pelas nascentes do
Jequintinhonha e Jequiriçá; ou seja, como toda boa lenda circulava por entre as histórias de
índios antigos e aventureiros fascinados pela miríade de finalmente dar-se por resolvido o
mistério. Foi no auge dessas tentativas e notícias desencontradas que chegavam dos sertões ao
palácio do governo, que deve-se compreender a intenção desta famosa carta de Pedro Barbosa
Leal e como ela se relaciona com tais circunstâncias.
A carta visava colocar o vice-rei a par dos verdadeiros roteiros, por isso relata a saga
de Gabriel Soares de Sousa (1591), seguida das desventuras de Melquior Dias Moreia. Este
passou oito anos nos sertões para depois ser acompanhado do governador de Pernambuco D.
Luiz de Sousa e do governador geral D. Francisco de Sousa, para revelar o local onde existiria
as minas de prata. Após narrar as desventuras dos dois lendários sertanistas, Pedro Barbosa Leal
passou a contar a sua própria história de sertanismo iniciada ainda durante o governo de D. João
de Lencastre. O fato é que Pedro Barbosa acrescenta inúmeras informações para deixar a sua
notícia absolutamente crível.
A narração retrocede aos primeiros anos do povoamento da Bahia, quando ainda vivia
Gabriel Soares de Sousa. Naquele tempo, conta Pedro Barbosa, era comum se mandar o gentio
ao sertão “pombiar outro gentio” para os serviços nos engenhos. Foi em uma dessa ocasiões
que os índios de Gabriel Soares trouxetam-lhes umas pedras cravadas de ouro que tinham lhe
dado no sertão. Certificado daqueles achado, Gabriel Soares embarcou para o reino e lá
conseguiu ordens da coroa para fazer as entradas. Retornando à Bahia em companhia de um
homem experiente em minas, arregimentou uma tropa e seguiu com sua expedição em direção
ao rio Paramirim824, donde lhes informaram haver saído aquela pedra. Gabriel Soares saiu pela

823
AHU, Castro e Almeida, Bahia, Cx. 4. Doc.522.
824
Afluente do médio São Francisco, próximo a Xique-xique.
387

estrada do Jaguaripe até chegar a serra do Guairirú onde estabeleceu uma “casa forte.”825 Depois
seguiu o curso para as minas do rio das Contas, de lá atravessou também o rio Paraguassú e
estabeleceu outra casa forte826 num lugar que ficava em frente à vila de João Amaro. Desta casa
forte continuou Gabriel Soares em direção à serra do Orobó, local onde erigiu outra casa forte,
vista e certificada por Afonso Rodrigues da Cachoeira conquistador dos índios Paiaiás,
moradores do sertão das Jacobinas.
Pedro Barbosa não conheceu Afonso Rodrigues, mas disse ter topado com o alferes
Pedro Garcia Falcão que havia participado desta conquista e o certificou da existência da casa
forte nas serras do Orobó. Deste lugar seguiu para as serras da Jacobina (também chamadas de
Boqueirão), depois entrando mais ao sudoeste chegou ao Morro do Chapéu, onde alcançou um
sítio de nome Goruguéia. Foi nesse local que Gabriel Soares teria morrido, após ter sido
desamparado por sua tropa. A notícia ainda informa que somente um mineiro que acompanhava
a expedição conseguiu retornar à Bahia “para ser fiel testemunha daquela perdição”.827
Dois anos após o malogro desta expedição, uns índios que haviam participado daquela
entrada foram ao sertão do rio Real ter com Melquior Dias Moreia, primo de Gabriel Soares,828
e tendo já notícias daquele roteiro resolveu-se em 1593 entrar pelo sertão na companhia de um
tal Marcos Ferreira, (presume-se, diz a notícia, que tenha sido o mesmo que entrou com Gabriel
Soares). Saindo do Rio Real no sentido leste-oeste, encaminhou-se para o Rio Itapicuru, atingiu
as serras da Jacobina, chegando ao sertão do Massaracá.829 Segundo consta do roteiro, Melquior
Dias havia passado pelas serras do Bendutaiú (que quer dizer Serra de Prata), caatingas do
Tucano, serras da Jacobina e a serra da Tiúba (atual Itiúba). Continuando a marcha mais ao sul
atingiu um local chamado de Pedra Furada,830 daí passou ao rio Salitre, Serra Branca, Assuruá
(atualmente onde existe uma comunidade chamada Gentil do Ouro), tornou a voltar pelo Rio
de São Francisco seguiu pela estrada margeando o rio de São Francisco já pelo lado de
Pernambuco; descobriu ametistas e salitre na serra do Oroquery, continuou rio abaixo,
retornando a Itabaiana e à sua casa no Rio Real. Diz-se que naquelas diligências gastou mais

825
De acordo com a notícia a tal casa forte ainda existia e rezava a lenda que lá Gabriel Soares havia deixado uns
trastes enterrado, pois não o pode conduzir já que boa parte de sua tropa havia desertado. op. cit., p. 16
826
Essa casa forte foi vista e reconhecida pelo conquistador Estevão Ribeiro Baião e em certa feita foi atacada
pelo Coronel Damaso Coelho Pinto. ABREU, Capistrano. op. cit., p. 16
827
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 17
828
Pedro Calmon não corrobora desta informação, afirma por outro lado de que Melquior Dias e Gabriel Soares
eram vizinhos em Vila Velha na cidade da Bahia. CALMON, Pedro. op. cit., p. 3.
829
Na atual cidade de Euclides da Cunha já próximo a Canudos e Tucano, no semiárido baiano.
830
A referida pedra furada é a entrada da gruta dos Brejões na cidade de Morro do Chapéu. O nome de pedra
furada quem deu ao lugar foi o próprio sertanista.
388

de oito anos e a tudo examinou, “retirando amostras de ouro, prata, pedras preciosas e
salitre.”831
O resto da história já ficou relativamente conhecido, mas a notícia de Pedro Barbosa
Leal, não poupou os detalhes ao seu privilegiado leitor. O sertanista contou que Melquior Dias,
em posse daquele roteiro resultante de suas investidas aos sertões e esperançoso de conseguir
as mesmas mercês que foram concedidas a Gabriel Soares, embarcou-se para Portugal, e dali
em 1611, dirigiu-se à corte de Madri. Por duas vezes pleiteou sem obter sucesso, não achando
boa vontade régia para deferir as mercês pretendidas.832 Eis que D. Luiz de Sousa à época
governador de Pernambuco, sabendo das intenções de Melquior Dias, resolveu-se a tornar
patrono do sertanista. Escreveu-lhe uma carta e dizendo que conseguiria as mercês pretendidas
por ele, ofereceu-se para verificar aqueles descobrimentos prometendo-lhes por uma carta
firmada as ditas mercês.833 Saíram em diligência D. Luiz de Souza, Melquior Dias e o
governador da Bahia, D. Francisco de Souza e foram diretos para a serra de Itabaiana onde o
mameluco sertanejo disse-lhes que: “estavam com os pés sobre as minas, mas que lh’as não
mostrava sem que lhe entregassem primeiro as cartas de mercês que Sua Majestade lhe
fazia.”834 Desconfiado da conduta dos governadores resolveu não mostrar os tais
descobrimentos. Por causa deste impasse Melquior Dias foi remetido preso à cadeia da Bahia,
sendo ainda obrigado a pagar os 9 mil cruzados das despesas daquela jornada. 835 Depois de

831
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 17.
832
Pedro Calmon produziu uma investigação histórica para resolver de vez os segredos das minas de prata,
proposta que dá nome à sua obra. O interesse pelo tema advém da relevância do mistério das minas de prata para
o povoamento a oeste da linha do litoral do Brasil. Em suas palavras: “Esta tese é uma tentativa, em profundidade
e superfície, de restauração da verdade documental a respeito do mito dessas minas desencontradas.” Achou
imprescindível esclarecer à luz da verdade histórica as circunstâncias “que embaralhavam nas mais disparatadas
versões o perfil autêntico de Belquior Dias;” quisera enveredar por 250 anos de crônicas sertanejas para
complementar a história da ocupação territorial do Brasil. Cf. CALMON, Pedro. O Segredo das Minas de Prata:
Novos aspectos da conquista da terra. Tese apresentada à douta congregação do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro,
1950. p. IV-V.
833
Informa Pedro Barbosa: “cuja carta firmada pelo dito governador D. Luiz de Souza se acha em meu poder”.
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 18.
834
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 18-19.
835
É novamente a Pedro Calmon a quem devemos a minuciosa reconstituição documental dos acertos daquela
jornada. Inclusive com a publicação do documento “Apontamentos para o senhor governador Dom Luís de Souza”
no qual Melquior Dias expõe as mercês pretendidas. Estas incluíam ser nomeado governador e administrador-geral
delas; permissão para prover administradores, meirinhos e escrivães; ser padroeiro de todas as igrejas que se
fizerem nas ditas terras; o direito de passar certidões para outros descobridores; um senhorio particular nas 30
léguas de terras de minas descobertas; o foro de fidalgo mais 30 hábitos de cristo com três mil cruzados de renda
para serem distribuídos entre seus descendentes na forma em que ele ordenar, formando um morgado ou capela; a
provisão de ser isento da justiça ordinária; a prioridade de despacho na mesa da consciência e ordens, enfim, a lista
do pretendente a capitão donatário pode ter parecido a D. Luiz bastante ambiciosa. O mais humilde súdito Melquior
Dias ao final do pedido reitera: “Bem sabe v.s. que tudo o que acima e atrás peço a sua majestade que é comprado
e que assaz de barato o faço a sua majestade e que mais quero a amizade e v.s. que tudo o que posso ganhar porém
não me falte v.s. com os itens declarados que será desanimar-me que qualquer paixão me tocará muito que não
estou em tempo para as sofrer nem as poder resistir.” Cf. CALMON, Pedro. op. cit., p. 32-39.
389

amargar dois anos de cadeia, Melquior Dias pagou a fiança, foi solto e se recolheu à sua casa
sem morgadio ou qualquer outra mercê que alegrasse os seus últimos dias de vida. Decorrido
dois anos daquela malfadada aventura, faleceu em 1619, levando para o túmulo os segredos da
localização das minas de prata.836 A história teria virado uma das mais persistentes lendas do
século XVII e ainda continuou alimentando o imaginário dos colonos ao longo do século
seguinte e, reconfigurando-se, alcançou até mesmo o imaginário científico da primeira metade
do século XIX.837
Quando governava o Estado do Brasil (1694-1702), D. João de Lencastre requereu ao
coronel Belquior Dias da Fonseca, o Moribeca, que este novamente fosse ao sertão para
averiguar onde estavam as tais minas que 80 anos antes haviam sido descobertas pelo seu
bisavô. O tal coronel, entretanto, não dando conta da diligência, retornou à sua casa no rio Real
sem dá mais satisfação ao governador. Decepcionado com a tal imprevidência, resolveu o
governador, após ordens da coroa, mandasse pessoa mais instruída para fazer aquele serviço.
Desta feita enviou Pedro Barbosa Leal em missão para averiguar a real existência das minas e
informar ao governo da capitania sobre os achados.
Antes de partir para a diligência, ele procurou instruir-se com pessoas práticas e
experientes sobre como fazer os exames de metais. Foi assim que procurou informações com
um tal de João Alves Coutinho, um velho que vivia defronte à igreja de São Pedro “e que tinha
assistido muitos anos nas Índias de Espanha, nas casas de fundição de prata.” Este João Alves
instruiu ao coronel que ele deveria buscar a prata a 40 léguas de distância do mar para o sertão,
dissuadindo-o de ir a Itabaiana, pois tinha vivido em Sergipe e estava certo de que não havia
prata de qualidade nas serras de Itabaiana. Partindo da cidade da Bahia no ano de 1695 dirigiu-
se ao Rio Real, levava em sua companhia um ourives experiente, Manoel Vieira da Silva um
ensaiador que teria acompanhado a D. Rodrigo de Castelo Branco e a Amaro Gomes morador
no rio Real e parente de Melquior Dias e que serviu como uma espécie de guia por conhecer
algumas partes das entradas. Esta informação demostra que as entradas oficiais contavam não
somente com escravos e soldados, mas buscava-se acercar de técnicos que pudessem instruí-
los nas práticas de reconhecimento de metais.
A primeira parada que ele fez foi na aldeia do Juru (ou Geru) para falar com o seu
principal de nome Birú. Este índio dizia ter acompanhado a Melquior Dias até a serra do

836
Pedro Calmon apresenta documentos que indicam ter Melquior Dias Moréia teria morrido em 1622, pois o
encontro em Itabaiana teria acontecido em 1619. op. cit., p.65-66.
837
Vide o mistério em torno da autoria do manuscrito 512 custodiado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
390

Picarassá.838 Da dita aldeia ele se dirigiu à propriedade do Coronel Moribeca, o qual “receoso
de alguma execução se ocultou três dias” e só apareceu depois de certificado da missão que
trazia o sertanista. Foi nessas circunstâncias que ele entregou a Pedro Barbosa o copiador de
cartas do seu bisavô, os quais ele percebeu que faltavam algumas páginas por terem sido
arrancadas. Mesmo com o roteiro imcompleto, Barbosa Leal resolveu-se entrar pelo mesmo
caminho de sertão por onde havia andado Melquior Dias mais de 80 anos antes. Saindo da casa
do Moribeca, o sertanista percorreu o roteiro pela serra do Picarassá (atual Monte Santo) onde
alegou nada descobrir, porém confirmou a história que corria na tradição dos índios Oris que
naquela serra esteve Melquior Dias: “E sobre ela estive oito dias, examinando-a achei duas
marcas: a primeira consta de três letras feitas de pedras posta a mão, - um A, um L e um S e
adiante delas em pouca distância feita uma cruz em uma lage, mas como me faltava o roteiro,
não pude entender nem averiguar a significação dela.”839 Mesmo não sabendo o significado das
tais letras, ele desconfiou que aquelas marcas apontariam para uma outra cata que estava a oeste
ao pé da serra da Tiúba, onde se achou um “cano biscainho” e onde ele havia parado para dar
de beber aos cavalos, sem contudo ter visto a cata escondida pois a vegetação já estava bastante
densa.
A partir desse ponto, ele seguiu a derrota para a Jacobina atravessando setenta léguas
de caatinga, onde a aridez do caminho o fez perder 28 cavalos. Ao chegar em Jacobina procurou
João Calhelha e os seus irmão Lourenço de Matos e Manoel Calhelha, antigos moradores e
descobridores da Jacobina. João Calhelha, seus irmão, Francisco Dias e o padre Antônio Pereira
(da casa da Torre) haviam feito averiguações na Jacobina, mas nada descobriram. Nesta
passagem há uma informação bem interessante, pois ele conta que os índios Paiaias indicou que
a verdadeira Jacobina ficava na serra da Sapucaia, para onde de fato fora transferida a vila em
1724, por ser mais cômodo para os mineiros.
João Calhelha já estava velho e decrépito, nas palavras de Leal, “incapaz de sair de
casa”, não podendo acompanhar o sertanista, contudo confirmou haver ouro no rio Pindobaçu.
De fato, como mostrou-se no capítulo I, uma das primeiras notícias que chegaram à Salvador
sobre achado de ouro em Jacobina vieram das diligências feitas nesse local. Decorrido esse
encontro, o sertanista procurou o gentio do Orocuri que os levou até a serra onde achou novas
minas do salitre, também encontrando vestígios de que lá estivera Melquior Dias. Após aquelas

838
A serra do Picarassá é atualmente Monte Santo, fica aproximadamente a 380 km do rio de São Francisco. Não
é possível que aquele índio tenha conhecido Melquior Dias, pois ele seria muito velho para ter acompanhado a
expedição mais de 80 anos atrás. Ele pode ter ido na expedição de Francisco Dias de Ávila que na década de 1620
também fez entradas.
839
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 67.
391

averiguações, a expedição seguiu para Curaçá ainda nas imediações do rio de são Francisco,
onde passaram por morros nos quais haviam “serrotes de pedras ametistas roxas.” O sertanista
indica que os vários percursos foram feitos sempre às custas de um índio “que fazia bastante
diligência”, buscando os sinais para acertar o dito descobrimento.
Por todo roteiro constata-se a presença de índios de várias nações, sempre referidos
pelo sertanista como instruídos e experientes guias. A maioria confirmava os locais onde esteve
o Dias Moreia, através do reconhecimento dos sinais deixados por ele 90 anos antes. No relato
os índios aparecem como amigos e aliados da expedição do sertanista, em uma postura
colaborativa à missão que deveria ser cumprida. O sertanista incorporou muitos detalhes do
contato havido com os índios durante a expedição, de modo a criar uma visão edênica das
relações que permeavam índios e brancos. Tal como aparece na seguinte passagem: “O que
suposto, digo, segundo as tradições e notícias que tenho alcançado por homens antigos e por
índios d’aqueles sertões com quem no discurso de tantas jornadas tenho tratado e
pesquisado”.840 Segundo Calmom essa relação amistosa entre sertanistas e índios do sertão,
seria fruto O que atesta o controle e o relativo domínio que a Casa da Torre fez naquela região,
juntamente com os Moreias desde o final do século XVI.841
Talvez uma das dificuldades que tenha encontrado para localizar as partes indicadas
no roteiro, foram exatamente a maneira em como certos locais foram registrados com nomes
indígenas. Quando no ano de 1697 ele retornou à Jacobina, foi novamente encontrar João
Calhelha, que pasmem, ainda era vivo! Na ocasião recebeu dele alguns índios velhos paiaias da
missão do Bom Jesus e mandou-os com o capitão-mor Damião Cosme de Farias e com o
sargento-mor Manuel Rego Pereira verificar a serra da Sapocaia. O dito capitão-mor adoeceu e
se retiraram sem muita averiguação, mas foi ele conferir a tal serra a qual o roteiro fazia
referência. Perguntou a alguns paulista o que significava a palavra “Hitacupeburá” e descobriu
que era pedra furada e “outros que diz água que sai por uma pedra furada: estes dizem melhor
por que na língua geral “Hi” é agua, “ta” é pedra”842, por essa pista ele descobriu a serra da
pedra furada a qual deu este nome, mas sobretudo confirmou que a mesma constava no roteiro,
por conta da forma como a denominavam os índios. Ao final de sua expedição, constatou:
E assim por todos os princípios e por todas as circunstâncias e notícias fez
Melquior Dias Moreia todos os descobrimentos no sertão da Bahia no quase
rotundo território desde o rio de S. Francisco, compreendendo as capitanias
de Sergipe d’El-Rei, Jacobina, Paraguaçu, Paramirim até o continente que

840
ABREU, Capistrano. op. cit., p.73.
841
CALMON, Pedro. op. cit., p. 19-29.
842
ABREU, Capistrano. op. cit., p.70.
392

compreendem as minas do Rio das Contas em que atualmente se está tirando


ouro, no que nem há dúvida, nem pode haver controvérsia.843

Alguns pontos merecem ser observados na notícia trazida por Pedro Barbosa Leal. Ao
longo do caminho ele dizia ter encontrados diversos vestígios da passagem de Gabriel Soares
de Sousa, tanto quanto das experiências de fundição de metal deixadas por Melquior Dias. Falou
em diversos momentos com índios velhos da região, os quais lhes certificaram das coordenadas
a seguir. Recolheu por isso muitas informações da tradição oral, inclusive os topônimos em
língua indígena e a certeza de que em diversos trechos a tradição oral confirmava a passagem
os quais são citados em sua narrativa. Através deste expediente certificou-se de que em todo o
sertão havia ouro tanto nos rios, quanto nas serras, assegurando ao governo da capitania esta
certeza e dizendo que as minas não eram uma miríade criada por Melquior Dias: “Com essa
certeza já não é para desprezar o roteiro de Melquior Dias, e por este se devem acreditar todos
os seus descobrimentos.”844
Quando o historiador Pedro Calmon escreveu o livro sobre o mistério das minas de
prata ele tomou como base a notícia do sertanista, mas foi acrescentando diversos outros
documentos para demonstrar a ‘verdade histórica’ dos fatos. Apesar de considerar coerentes
diversos elementos contidos na notícia, Pedro Calmon mostrou-se cético acerca da ideia de que
o sertanista realmente havia percorrido os caminhos que Melquior Dias apontou em seu
itinerário.
Apesar do ceticismo de Pedro Calmon, de todos os sertanistas que alegaram terem
encontrado as famosas minas de prata, é bastante plausível que tenha sido mesmo Pedro
Barbosa Leal quem mais tenha se aproximado do roteiro original.845 Quando o sertanista
escreveu a notícia a que nos referimos, já haviam se passado 30 anos desde que ele entrou no
sertão para fazer aquela diligência, conquanto ele tenha dado notícias a D. João de Lencastre
sobre o que encontrara, ele só escreveu sobre o sucedido três décadas depois. O que isso quer
dizer? Muitos descobrimentos eram feitos em segredo, a ocultação era uma tônica que
acompanhava muitas práticas sertanistas, sobretudo quando eram realizadas em caráter oficial.
As pessoas com as quais as informação foram recolhidas durante a expedição de 1695 eram em

843
ABREU, Capistrano. op. cit., p. 73.
844
ABREU, Capistrano. op. cit., p.71.
845
“É escusado repetir que não passa de conjectura o itinerário de Belquior Dias Moreia levantado pela notícia do
coronel Pedro Barbosa Leal, de 1725. Esta foi influenciada pelos roteiros em poder da casa da torre, que
localizavam na região da Jacobina as minas de prata, pelas informações ali tomadas pelo coronel e que as fixavam
ao sul da serra, pela sugestão decorrente dos descobertos de Itacambira, Fanado, rio das Contas, fáceis de confundir
com as promessas miríficas do mameluco, e outras versões sertanejas. Participa, portanto da lenda, que o inspirou,
o roteiro presumido por João Pandiá Calógeras.” CALMON, Pedro. op. cit., p. 84, nota (1).
393

sua maioria moradores locais, mamelucos, índios e guias que não estavam implicados nos
interesses da governação, mas certamente agiram orientados por potentados locais ou mesmo
por acreditar na lenda das minas de Melquior Dias. Essa lenda, à época, deveria ter uma
repercussão no próprio imaginário sertanejo, talvez por isso Barbosa Leal contou com a ajuda
dos nativos aldeados. Ademais, aquelas não foram expedições facultadas a qualquer um, mas
orientadas por um expediente de Estado, nesse sentido, é que as noções de prestação de serviços
tem o seu valor constituído na longa duração, como uma tradição a ser valorizada e reafirmada
para a manutenção dos domínios do império português. Foi justamente esses serviços que pouco
a pouco ligaram a geografia ao domínio político, com vistas a ampliar e assegurar as fronteira
da América portuguesa, evitando sobretudo no século XVII, as ambições de espanhóis, ingleses,
franceses e holandeses nas várias tentativas de se apossarem do território.846
Não obstante, a relação entre geografia e política, percebe-se que nesse complexo jogo
de sentidos, emerge uma riqueza antropológica em suas narrativas. Certificado pelas anotações
cuidadosas sobre o ouvia e via, pode mencionar os vestígios e locais de acampamentos que
possivelmente tenham sido feitos por Gabriel Soares, tanto quanto por Melquior Dias. Nessa
acepção, o seu relato é uma cartografia do sertão, feito com base na experiência vivida e na
recolha da tradição oral. No que pese as diferenças e as idiossincrasias na construção das
narrativas. Algo dessa natureza só foi reproduzido por Joaquim Quaresma Delgado que viajou
por todo o sertão baiano e mineiro entre os anos de 1731 a 1734 a serviço do governo. Sua
viagem tinha por objetivo produzir um roteiro prático e técnico, o qual era possível ser utilizado
como guia para viajantes e autoridades.
Além do caráter descritivo da topografia e demais informações sobre a penetração nos
sertões, apresenta uma notável consciência histórica acerca dos seus descobrimentos. Talvez
com o intuito de ressaltar sua perícia e qualidades, mas também como forma de demonstrar o
quanto os anos nos sertões lhes ensinaram a reconhecer sinais, indícios, a afinar a intuição e a
destreza para reconhecer lugares que foram indicados tanto pelos roteiros, quanto pelos guias
nativos.
Uma informação relevante para a interpretação do documento é que ele foi escrito em
1725, ou seja, 30 anos após ele ter ido pela primeira vez para o interior, começando sua jornada
no rio Real em 1695. Este relato pode ser considerado como o testamento de suas expedições,
feito já na maturidade e com o intuito de reforçar a sua notoriedade como um ‘prático do

846
BORGES, Graça Almeida. Entre a diplomacia e a cartografia: o “tratado” de Francisco de seixas e a soberania
portuguesa na América. In: MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente; MACHADO, Marina. (org.) Em terras
Lusas: Conflitos e Fronteiras no império Português. Vinhedo. Editora Horizonte, 2013. p. 55-80.
394

sertão’. Sua narrativa teve tempo de ser pensada e organicamente construída, não à toa que a
sequência dos acontecimentos remontam ao século XVI. A notícia permite levantar uma densa
rede de contatos e agências mobilizadas, sobretudo no que concerne ao constante auxílio
recebido de antigos moradores, com os quais ia-se conseguindo informações relevantes que são
trazidas ao longo da missiva. Intenta-se mostrar que o projeto de conquista estava em curso e
deveria ser mantido, contudo este projeto só seria vitorioso se Sua Majestade assegurasse aos
seus súditos as condições previstas a partir da lógica de prestação de serviços e recompensas.
No final da notícia ele escreveu:
Se S. M. não quiser passar pela demora de um século como tem corrido desde
o tempo de Belchior Dias até o presente, anime os seus vassalos com mercês
e com algum proveito com que possa fazer as despesas, que não hão de faltar
descobridores que se arrisquem como Melchior Dias e que descubra o mesmo
que ele descobriu, o que alguns não fazem por não correrem a mesma fortuna
que ele correu. Este homem chegou a afirmar por uma carta que se acha no
seu copiador que havia de dar neste sertão do Brasil tanto ouro e tanta prata
como ferro em Bilbao. Queira Deus que no tempo do governo de V. Ex. se
logre esta felicidade e que para o dirigir e franquear guarde Deus a V. Ex. por
muitos anos. S. Pedro e novembro 22 de 1725.847

Por fim, ficaria ainda a ser respondida uma última questão: Existia o conceito de
fronteira para os homens coloniais? Quando os sertanistas construíram narrativas sobre os
caminhos e lugares, estavam construindo as noções de fronteiras no plano do discurso, mas
também operacionalizando no conjunto do imaginário colonial uma fronteira que está “entre
aquilo que teve lugar um dia e a representação que dele se constrói”.848 Desse modo os textos
sertanistas apontam para os circuitos já conquistados e aqueles que ainda poderiam ser
incorporados territorialmente ao governo do império. É possível ler nas entrelinhas a tentativa
de organizar o mundo ao seu redor, clarificando com o máximo de informações os contornos
daquele universo sertanejo em vias de ser incorporado ao governo colonial.
Ao morrer em 1734, Pedro Barbosa Leal era sem dúvida um dos homens mais ricos e
prestigiados da capitania. Sua fortuna foi avaliada em 350 contos de réis, dos quais
177:693$574 que era a parte que cabia a sua única e legítima herdeira, D. Úrsula Luiza de
Monteserrate na época com 33 anos. Em 1735, ela escreveu uma petição à coroa solicitando

847
LEAL, In: Capistrano de Abreu. op. cit., p. 78
848
Para Sandra Pesavento o conceito de fronteira cultural: “O primeiro ponto a considerar seria o de entender a
fronteira cultural como uma transcendência, acima e antes da geopolítica. Fronteiras culturais remetem à vivencia,
às sociabilidades, às formas de pensar intercambiáveis, aos ethos, valores, significados contidos nas coisas,
palavras, gestos, ritos, comportamentos e ideias. Basicamente, a fronteira cultural aponta para formar pela qual os
homens investem no mundo, conferindo sentidos de reconhecimento.” PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Além das
Fronteiras.” In: MARTINS, Maria Helena. Fronteiras Culturais (Brasil-Uruguai – Argentina). Porto Alegre.
Ateliê Cultural, 2002. p. 36.
395

autorização para criar na cidade da Bahia um convento de freiras, com a capacidade para receber
até 50 moças das mais abastadas e honradas famílias daquela república. O pedido de D. Úrsula
tinha o apoio do vice-rei e do Arcebispo do Brasil, os quais escreveram cartas recomendando
que Sua Majestade atendesse o pedido da peticionária. Contou para isso os importantes serviços
prestados por seu pai ao longo de quarenta e dois anos, sete meses e dezesseis dias. O ato final
da sua vida foi deixar também um legado imaterial que permitiu à sua filha construir o convento
das Ursulinas no Brasil, dando início a uma das mais duradouras obras religiosas da cidade da
Bahia.
396

Considerações Finais

Nos primeiros séculos das conquistas o interior da América portuguesa não era
conhecido pelos seus limites, mas por estar sempre além das fronteiras estabelecidas e aquém
da capacidade dos colonos de conhecer, povoar e ocupar. Nos relatos coevos, encontramos um
amplo espectro de referências de que esse sertão era um lugar hostil, habitat de grupos indígenas
dispersos e itinerantes, muito embora conectado através dos caminhos dos gados e dos currais.
Em contraposição à importância atribuída às praças marítimas da América portuguesa, no geral,
e da capitania da Bahia, em particular, os sertões foram por sua vez, constantemente definidos
como lugares incógnitos, distantes, perigosos e escassamente povoados. Diferentemente do
litoral, as terras do interior foram vistas pelos colonizadores como vastos territórios à margem
dos processos de conquista e ocupação, o que tornava aquela região um constante desafio para
as autoridades coloniais, e por consequência, para os poderes do centro.
Desde o século XVII a coroa incentivou a procura de aluviões auríferos. Tais
expedições induziram a ocupação crescente nos sertões dos Cataguases, do Caeté, do Rio das
Velhas, do Serro do Frio e do Rio das Mortes, locais onde simultaneamente foram descobertas
minas entre 1697 e 1704. Na Bahia, desde Gabriel Soares de Souza, várias expedições o
descobrimento de minas foram financiadas com recursos da coroa e de particulares. Em 1701
no governo de D. João de Lencastre, foram confirmadas jazidas minerais assinalando as
possibilidades de exploração não só de ouro, mas também de prata e salitre. Entretanto, foi
somente em 1720 que a coroa oficializou as exploração de ouro na capitania da Bahia.
Este estudo pretendeu trazer visibilidade ao processo de formação econômica e social
das vilas auríferas do sertão baiano, demarcando o quanto a implantação das instituições da
coroa nos diversos arraiais sertanejos foram tributários da formação do espaço econômico e
político propiciado pela exploração do ouro. A chegada de levas de mineiros aos distritos das
minas entusiasmados com novas frentes de exploração nos ribeiros auríferos e a quase imediata
elevação dos ditos arraiais em vila, foi uma consequência direta das transformações internas
pelas quais passou o sertão baiano. Na capitania da Bahia esse fenômeno se instalou
primariamente no lugar chamado de Jacobina, seguido pelas entradas nas cabeceiras do rio das
Contas, onde em 1725 foi instituída a vila de rio de Contas. Na década seguinte, foi a vez da
região do Rio de São Mateus, local no qual se estabeleceu em 1730 a vila de Minas Novas do
Bom Sucesso de Araçuaí e Fanado. A comarca da Bahia da parte do sul, também conhecida
como comarca da Jacobina, não por acaso foi criada pela primeira vez em 1734 no momento
de avultada exploração das minas e tinha sob sua jurisdição as vilas auríferas de Jacobina, Rio
397

de Contas e Minas Novas. Pelos fatores apresentados, entendeu-se que o circuito minerador do
sertão baiano foi um ponto de virada para implementação de instituições que serviram para a
administrar e governar os territórios onde estavam ocorrendo a exploração aurífera.
Demostrou-se o processo no qual as vilas foram fundadas e que a expansão das redes
de governabilidade foram medidas pela capacidade local em aumentar a pressão sobre a
arrecadação fiscal. O reconhecimento dos arraiais pela coroa, iniciava-se pela fundação das
vilas (câmaras), provimento nas companhias de ordenanças, implantação do aparelho fiscal
(casas de fundição) e judicial (comarca), demarcando as esferas que compunham o corpo
político da monarquia. As localidades, povoados ou arraiais ganharam outra dignidade e
expressão. A partir das dinâmicas de exercício do poder local, os moradores tornaram-se
vassalos, pois mesmo na periferia do império, reconhecia-se a legitimidade dessas jurisdições.
Uma das questões levantadas por este estudo, encontra-se justamente em apresentar as
transformações que o sertão baiano passou ao integrar-se em larga medida a outros espaços de
interação política e produção do mercado interno colonial. No primeiro momento, os moradores
antigos dependentes dos Guedes de Brito, recusaram-se a pagar os foros pelas terras ocupadas
aos sesmeiros, reivindicando seus direitos de súditos com diversas representações à coroa. Tal
mudança de perspectiva ocorreu justamente após a edificação da vila com sua câmara de
oficiais. O embate entre os moradores e D. Joana Guedes de Brito demonstrou um aspecto
peculiar das transformações vividas pelos moradores do sertão. Ao recusarem continuar o
pagamento dos foros, deixaram de ser meros moradores do sertão para tornarem-se vassalos de
Sua Majestade. Mas também viram naquela oportunidade uma nova frente de expansão
econômica com a exploração aurífera.
A implantação dos aparelhos jurídicos-administrativos na América Portuguesa, seguiu
ritmos diversos e de maneira geral obedeciam às múltiplas e imprevisíveis formas nas quais
ocorriam a formação da sociedade nas áreas de conquistas. Não é novidade que os vários
modelos administrativos já experimentados no reino, sofreram adaptações nos territórios
ultramarinos. Especialmente no reinado de D. João V durante primeira metade do século XVIII,
delineou-se um especial ritmo de implantação de instituições civis, como as câmara municipais
e as comarcas, que serviram para conter, já que não se podia de todo evitar, as desordens e
desgovernos que recorrentemente apareciam nas vilas e arraiais mineradores. Isto visava de
algum modo assegurar vínculos de ordem prática e diretiva para o exercício do bem comum e
o governo dos territórios das conquistas.
Com a descoberta do ouro intensificou-se a ocupação demográfica e a configuração
das hierarquias locais da freguesia de Jacobina. A chegada de forasteiros e sua permanência
398

após o rush aurífero pode ser verificada a partir dos assentos matrimoniais registrados na igreja
matriz da freguesia. Após o franqueamento das minas, intensificou-se a presença de indivíduos
que se aproveitavam da nova frente econômica e visavam com isso ascender na hierarquia
social, a exploração de ouro, a posse de escravos, a criação de gado, todos esses fatores que
propiciavam a inserção nas posições prestigiosas daquela sociedade. Por outro lado, o
provimento nas ordenanças possibilitava um destaque local, ao mesmo tempo em que se tornava
um canal de inserção na rede clientelar criada pelo governo da capitania.
A configuração social das vilas também transformou-se com a chegada desses
forasteiros e isso pode ser analisado no caso da vila de Jacobina. Por certo, a formação das
melhores famílias da terra iniciou-se através da dinamização da economia local, do aumento da
propriedade escrava, da ascensão aos postos das ordenanças, portanto efeitos de arraste da
acumulação mercantil com o gado e ouro. Uma das consequências diretas desse processo foi
detectado nos assentos de casamentos registrados na igreja matriz da imensa freguesia da
Jacobina. O espaço de jurisdição eclesiástica foi dinamizado pela chegada de muitos imigrantes
reinóis, homens que buscaram estabelecer vínculos com os mulheres naturais daquela freguesia,
interferindo assim na dinâmica do mercado matrimonial.
Os distritos minerais tiveram o efeito de integrar territorialmente partes do sertão
baiano, visto que na primeira metade dos setecentos esse espaço econômico do ouro não só
produziu um mercado interno pulsante, via descaminho e contrabando, mas favoreceu a
presença de instituições da coroa. Os dados compilados para os quintos não se configuram de
nenhum modo como os únicos indícios de propulsão econômica do ouro baiano. A composição
entre mercado do gado e transações com ouro em pó, demonstram um circuito interno pulsante,
impossíveis de serem verificados somente através das remessas dos quintos.
A arrecadação dos direitos régios em muitas situações estavam condicionadas às
circunstâncias locais, na economia enraizada, fruto da ação das disputas de poder entre bandos
políticos diferentes, nas condições ecológicas e na cosmovisão típica de uma sociedade de
Antigo Regime. O caso da vila de Jacobina, como um espaço privilegiado para esse estudo,
apontou que a economia não era um aspecto separado das outras instituições que ali
funcionavam. A partir da década de 1730 na vila de Bom Sucesso das Minas Novas de Araçuaí
e Fanado, verifica-se que contingências políticas locais determinavam o direcionamento dos
expedientes econômicos. A primazia portanto se estabelecia a partir das hierarquias
costumeiras, estas mesmas alocadas nos arranjos políticos locais.
Do ponto de vista político institucional o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses
(1720-1735), foi o agente central na articulação de uma rede político-administrativa que visava
399

instituir a organização da exploração do ouro. A análise de sua comunicação política revelou


um especial compartilhamento de poderes com os agentes de sua rede clientelar implicados, a
partir de interesses diversos, na visão estratégica sobre como prover os expedientes do governo
nas minas. Estas informações visavam diminuir os desacertos e insatisfação dos moradores,
mas também estavam dependentes das resoluções régias, em um jogo dinâmico no qual
forjavam-se mecanismos administrativos para as vilas auríferas. O vice-rei estava conectado a
uma das principiais redes governativas do império atlântico português e sua administração
mostrou-se ser adequada e impetuosa o suficiente para suportar as diversas transformações
pelas quais passaram os dois lados do atlântico. Nesse sentido, a administração de Vasco
Fernandes César de Meneses foi realmente um especial momento para observar as
transformações pelas quais passaram o sertão da Bahia. Seu estreito contato com os sertanistas
mostrou que havia interesse de compartilhamento de poderes, demonstrando que a centralidade
da periferia fortalecia o poder da monarquia nas diversas partes daquele império.
Dessa forma, pode-se entender com mais profundidade a posição estratégica e a
atuação de alguns indivíduos chamados de “práticos do sertão”, em especial o sertanista baiano
Pedro Barbosa Leal. Sua trajetória, como bem disse Capistrano de Abreu, “é trabalho que só
pode ser feito na Bahia” e assim buscou-se ao máximo reunir os fragmentos de sua biografia,
mas sobretudo os sentidos e intenções registrados nas notícias por ele produzidas como fruto
de 42 anos de andanças sertanejas. Suas notícias denotam o crescente interesse dos homens
coloniais e dos oficiais régios na conquista do sertão baiano desde o final do século XVII. Sua
trajetória de sertanista esteve implicada na rede governativa dos Lencastres e César de Meneses,
apontando a capilarização e as conexões projetadas entre e o império ultramarino português e
os sertões baianos.
400

Referências

Bibliografia

1. fontes manuscritas

Arquivo Público do Estado da Bahia

APEB. Livro de passaportes e guias (1718-1763). Seção Colonial.

Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa/Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do


Rio Branco)

AHU. Alagoas. Cx. 1, Doc. 15; Doc. 42.

AHU. Avulsos. (BG). Cx. 1, Doc. 70.

AHU. Castro e Almeida, Bahia, Cx. 4. Doc.522.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 7, Doc. 544; DOC. 653.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 8, Doc. 664.

AHU. Bahia. Avulso. Cx. 12, Doc. 1038

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 13, Doc. 28

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 15, Doc. 1301; Doc. 1338

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 16, Doc. 30-31; Doc. 1378; Doc. 1410; Doc. 1421

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 17, Doc. 1484.

AHU. Bahia. Avulsos, Cx. 18, Doc. 14.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 20, Doc.1749; Doc. 1771; Doc. 1824; Doc. 1834.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 21, Doc. 1842; Doc. 1935.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 25 Doc. 2313.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 27, Doc. 2425.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 28, Doc 2554.


401

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 29, Doc. 16; Doc. 2612 (1).

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 30, Doc. 2769.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 31, Doc. 67.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 32. Doc. 28; Doc. 2952;

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 34, Doc. 20; Doc. 3074.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 36, Doc. 29; Doc. 3317.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 38, Doc. 3466.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 39, Doc. 3562; Doc. 3590.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 40, D. 3630.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 42, Doc. 3770.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 43, D. 3880

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 45, D. 4030.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 49, Doc. 4327; Doc. 4350.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 51, Doc. 4478;

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 52, Doc. 4543.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 54, Doc. 4659; Doc. 4721; Doc. 4723.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 56, Doc. 4808.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 57. Doc. 4892.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 59, Doc. 5071.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 66, Doc. 5570.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 72, Doc. 6079; Doc. 6081.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 73, Doc. 6114; Doc. 6156.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 75, Doc. 6225

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 77, Doc. 6378.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 81, Doc. 6714.


402

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 86, Doc. 7076.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 89, Doc. 7273

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 94, Doc. 7560;

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 112, Doc. 8790, 9511.

AHU. Bahia, Avulsos. Cx. 132, Doc. 10307.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 135, Doc. 10470;

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 136, Doc. 10523.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 151, Doc. 11596.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 152, Doc. 11613.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx.156, Doc.11914; Doc.11915.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 225, Doc. 15626.

AHU. Bahia. Avulsos. Cx. 256. Doc. 11915.

AHU. Bahia. Eduardo Castro de Almeida. Cx. 107, Doc. 20.798; Doc. 20.801.

AHU. Bahia. Eduardo Castro e Almeida. 1730, Agosto, 23. Caixa 3.

AHU. Bahia. Eduardo Castro e Almeida. Cx. 122, Doc. 24,117-24.123.

AHU. Bahia. Luísa da Fonseca. Cx. 23, Doc. 2737; Doc. 2738; Doc. 2740.

AHU. Maranhão. Cx. 17, Doc. 1732;

AHU. Minas Gerais. Cx. 40, Doc. 38.

AHU. Minas Gerais. Cx. 44, Doc. 122 e 123.

AHU. Minas Gerais, Cx. 45, Doc. 78.

AHU. Piauí, Cx. 1.

Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)

Fundo tesouraria da Fazenda da Província da Bahia: Códice 427 2v. Registro de datas e
demarcações de sesmarias – provedoria da Fazenda da Bahia.

Arquivo da Universidade de Coimbra


403

Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Bahia:
1672-1720. Cota – VI–III-1-1-8.

Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Baía: 1720-
1728. Cota – VI–III-1-1-11;

Arquivo da Universidade de Coimbra. Coleção Conde dos Arcos. Livro Governo da Baía: 1729-
1735. Cota – VI–III-1-1-12.

Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa)

IANTT. Bento José de Sá Abreu. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 12, f. 536.

IANTT. Habilitação da Ordem de Cristo, Letra P., m. 11, n. 59;

IANTT. Manuel José Pinto. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 18, f. 72.

IANTT. Manuscritos do Brasil. Livro 7.

IANTT. Miguel Álvares Brandão. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 30 (número de
ordem 156), f. 64v.

IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 10, Doc. 256.

IANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 11, f.213v

IANTT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 15.

IANTT. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 028/08642; proc. 288647; proc.
9854.

IANTT, Chancelaria da Ordem de Santiago, L. 18.

Instituto Histórico e Geográfico brasileiro

IHGB. Arq. 2.4.8. Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou
o ... no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito.

IHGB. DL 865.1-4. Códices de registro de cartas e provisões de S. M. e do Secretário de Estado


a que respondeu o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, Conde de Sabugosa.
1727-1734, 4 v

IHGB. DL 56.1-3. MENEZES, Vasco Fernandes Cesar de. 3v. Códices de registro de cartas
régias, provisões e requerimentos de S. Majestade e do secretário de Estado a que respondeu o
Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, conde de Sabugosa. 1724-1726.
404

IHGB. LEAL. DL 970.3 Lata 5, Doc. 15. Autos de justificação em que são partes o capitão
Manoel Francisco dos Santos superintendente das conquistas e o Coronel Pedro Barbosa Leal.
Salvador, 30 de outubro de 1730. 694f.

DELGADO, Joaquim Quaresma. “Derrota das Minas da Jacobina para as do Rio das Contas.”
Arq. 2.4.8 - Index de várias notícias pertencentes ao Estado do Brasil e do que nele obrou o ...
no tempo do seu governo. Anos 1730-1737. Manuscrito, 472fls.

Arquivo do Convento de São Francisco [ACSF]. Campo Formoso, Bahia.

Livro de Casamentos da Freguesia de Jacobina, anotados na Igreja de Santo Antônio do Sertão


da Jacobina. 1682 -1756.

Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

BNRJ, Manuscritos - II-31,25,009.

BNRJ, Manuscritos. S/data. Doc. II – 31, 25,9

BNRJ. “Rellacam das comarcas pertencentes a jurisdição deste governo geral da Bahia, e das
Villas pertencentes a cada huma mas mesmas comarcas.” Bahia, 25/01/1760. Documento 48.
I-29,19,48.

BNRJ. Divisão de Manuscritos, IV, 15,2,35.

BNRJ. Divisão de Manuscritos. Ofícios sobre os Limites de Jacobina (BA). CEHB 6383. I-
31,29,17

1.2 Documentos impressos

“Carta do Coronel Pedro Barbosa Leal ao Conde de Sabugosa, vice-rei do estado do Brasil
sobre as várias incursões realizadas no sertão da Bahia em busca de minas metálicas, desde o
pretenso descobrimento das de prata por Belquior Dias Moreia – de 22 de novembro de 1725.”
22/11/1725. DI, São Paulo, v. XVI, p. 59-98, 1895.

ABN, Rio de Janeiro, v. XXXI, p. 21-26, 1909.

ABREU, Capistrano. “Robério Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos”. IN:
Revista da Sociedade de Geographia de Lisboa no Brazil. Rio de Janeiro, 1885.

ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da Bahia. Anotado por
Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial, v. 2, 1925.

BLUTEAU, Raphael: Diccionario da língua portugueza. Reformado, e acgrescentado por


Antônio de Moraes Silva. Tomo II, Lisboa, 1759.

Documentos Históricos das Biblioteca Nacional. 110 vol.


405

Arquivo Municipal da Prefeitura de Salvador. Atas da Câmara. Salvador: Prefeitura Municipal,


vols 6. (1684-1700), 1950

Codigo Philippino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Recopiladas por mandado


D’EL Rey D. Philippe I. Decima-quarta edição. Por Candido Mendes de Almeida. Rio de
Janeiro Typographia do Instituto Philomathico. 1870. Terceiro Livro das Ordenações. Título
37, parágrafo 5º.

Livro Velho do tombo do mosteiro de São Bento da cidade de Salvador. Documentos Históricos
da Congregação Beneditina Brasileira. Vol. I, 1945.

Parecer do Com. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro sobre a compra, por parte do IHGB da
manuscritos pertencentes ao Conde de S. Lourenço, portugueses, entre os quais constam: 3 vols.
Da Academia Brasílica dos esquecidos e correspondência do vice-rei do Brasil Vasco
Fernandes Cesar de Menezes. Ref. RIHGB Tomo 30, pte.2, 1867 [16/05/1867].

Publicação História do Arquivo Nacional. PH XXVII. Officinas Graphicas do Archivo


Nacional. 1931. Synopsis das sismarias registradas nos livros existentes no Archivo da
Thesouraria de fazenda da Bahia. Publicações do Archivo Nacional. João Alcides Bezerra
Cavalcante (dir.). Rio de Janeiro, Officinas Graphicas do Archivo Nacional. 1931, Vol. XXVII.

Regimento das Minas do Ouro. [1702]. In: Colleção Chonologica da Legislação Portuguesa.
Compilada e Anotada por José Justino de Andrade e Silva. Lisboa. Imprensa Nacional. 1701.

Revista do IHGB. Abril-Junho de 1946. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. Vol. 191. p. 185-
186.

Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geographico


Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 17, abr. 1843.

2. Fontes bibliográficas

2.1 Relações, Notícias, memórias e Crônicas históricas

ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa: Alfa,
1989 [1711].

ABREU, Capistrano João de. “Robério Dias e as Minas de Prata, segundo novos documentos.”
In: Revista Da Sociedade de Geographia de Lisboa no Brazil. Rio de Janeiro, 1885, p. 14-22 e
66-78.

CALDAS, José Antônio. Notícias geral desta capitania da Bahia, desde o seu descobrimento
até o presente ano de 1759. Ed. Fác-simile.

FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brasil. Edição fac-similar. Salvador: Secretaria da


cultura e turismo, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1998.
406

JABOATÃO, fr. Antônio de S. Maria. Genealogia baiana ou o Catálogo Genealógico de fr.


Antônio de S. Maria Jaboatão, adaptado e desenvolvido por Afonso Costa. in: Revista do
IHGB. Abril-Junho de 1946. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. Vol. 191. p. 3-279.

VASCONCELOS, Simão. Noticias curiosas e necessárias das cousas do Brasil. Lisboa, na


officina de Joam da Costa, 1668.

2.2 Livros, artigos e teses

ABREU, J. Capistrano. Capítulos de História Colonial. (1500-1800). Brasília: Conselho Editorial do Senado
Federal, 1998.

ACCIOLI, Ignácio de Cerqueira e Silva. Memórias históricas e políticas da Bahia. Anotado


por Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial, 6 vol, 1925.

ADAN, Caio Figueiredo Fernandes. Colonial comarca de Ilhéus: soberania e territorialidade


na América Portuguesa (1763 -1808). 2009, 192f. Dissertação (Mestrado em História)
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2009.

ALENCASTRO, Luís Felipe. O trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul.
Séculos XVI e XVII. São Paulo. Cia das Letras, 2000.

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: ed. FGV,
2009.

ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Escravos e Libertos nas Minas do rio de Contas- Bahia,
século XVIII. 2012, 255f. Tese. (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

ALVEAL, Carmen M.O. “Transformações na legislação sesmarial, processos de demarcação


e manutenção de privilégios nas terras das capitanias do norte do Estado do Brasil.” Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, vol. 28, no 56, p. 247-263, julho-dezembro.

AMARAL LAPA, J. A Bahia e a carreira da Índia. Companhia Editora nacional. Editora da


Universidade de São Paulo. São Paulo, 1968.

ARRAES, Esdras. “Curral de reses, curral de almas: Introdução à urbanização dos “Certoens”
das capitanias do Norte (séculos XVII-XIX).” in: Rev. Inst. Estud. Bras., São Paulo, n. 58, p.
51-77, jun. 2014.
ASSADOURIAN, C. S. “La producción de la mercancia dinero em la formación del mercado interno colonial.”
In: Revista Economía, Vol. 1, Nº 2, 1978, p. 9-56.

ASSADOURIAN, Carlos Sempat. El Sistema de la economia colonial. Mercado interno, regiones y espacio
econômico. Instituto de Estudios Peruanos. Perú, 1ª ed., abril 1982.

ATALLAH, Cláudia. Da Justiça em Nome d’El Rey: Justiça, ouvidores e Inconfidência no


Centro-sul da América Portuguesa. Ed. UERJ: Rio de Janeiro, 2016.

AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade de Salvador. Salvador. Editora Itapuã, 3ª edição,
1969.
407

BARICKMAN, B. J. Um Contraponto Baiano. Açúcar, Fumo, Mandioca e Escravidão no


Recôncavo, 1780 – 1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

BARROS, Francisco Borges de. Arquivo Histórico. Patrimônios municipais: o ouro dos sertões
baianos. Bahia: Imprensa oficial do estado, 1933.

BERGAD, Laird W. Escravidão e História econômica: demografia de Minas Gerais 1720-


1888. Tradução Beatriz Sidou. Bauru, São Paulo, EDUSC, 2004.

BICALHO, Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Civilização


Brasileira. Rio de Janeiro, 2003.

BICALHO, Maria Fernanda; ASSIS, Virgínia. M. A.; MELLO, Isabele de M. P. (orgs.) Justiça
no Brasil Colonial: Agentes e Práticas. São Paulo: Alameda, 2017.

BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar: Ideias e
práticas políticas no Império Português. Séculos XVI a XIX. São Paulo, Alameda, 2005. 2ª ed.

BORGES, Graça Almeida. Entre a diplomacia e a cartografia: o “tratado” de Francisco de


seixas e a soberania portuguesa na América. In: MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente;
MACHADO, Marina. (org.) Em terras Lusas: Conflitos e Fronteiras no império Português.
Vinhedo. Editora Horizonte, 2013. p. 55-80.

BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil. Dores de crescimento de uma sociedade


colonial. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1963, trad. Nair de Lacerda.

BOXER, Charles R. O Império Marítimo português. 1415-1825. Lisboa. Edições 70. LDA.
Trad. Inês Silva Duarte. [1969]. P. 171-172;

BOXER, Charles. O império Marítimo Português. Lisboa, Edições 70. Copyright. [1969].

CABRAL, Diogo; MOTA, Maria Sarita. “Escrita e governança socioecológica no Antigo


Regime tropical – uma primeira aproximação.” Texto Inédito.

CALMON, Pedro. História do Brasil. Volume III. Séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro,
Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1949.

CALMON, Pedro. O Segredo das Minas de Prata: Novos aspectos da conquista da terra. Tese
apresentada à douta congregação do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 1950.

CALOGERAS, João Pandiá. As minas do Brasil e sua legislação. Rio de Janeiro. Imprensa
Nacional. 1904.

CAMARINHAS, Nuno. Juízes e administração da Justiça no Antigo Regime: Portugal e o


Império colonial, séculos XVII e XVIII. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. 2010.

CAPANEMA, Carolina Marotta. A natureza política das minas: mineração, sociedade e


ambiente no século XVIII. 2013. 233f. Tese. (Doutorado). Universidade Federal de Minas
Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte. 2013. p. 120-121.
408

CARDIM, Pedro. “Amor e Amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII.” In: Lusitania
sacra. 2ª série, 11 (1999). p. 21-57.

CARDIM, Pedro; MIRANDA, Susana Munch. “A expansão da Coroa portuguesa e o estatuto


político dos territórios.” In: FRAGOSO, João; GOUVEA, Maria de Fátima. Coleção o Brasil
Colonial. (1580-1720). 1ªedição. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2014.

CARRARA, Angelo Alves. “A população do Brasil, 1570–1700: uma revisão historiográfica.”


In: Revista Tempo. 2014, v.20.

CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais. Produção rural e mercado interno de Minas
Gerais. 1674-1807. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2007.

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. “Pedro Barbosa Leal e a colonização do sertão da Bahia no


século XVIII.” In: Simpósio Nacional de História, 2013, Natal. ANAIS DO XXVII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 2013. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364664672_ARQUIVO_PedroBarbosaLe
aleacolonizacaodosertaodaBahia.pdf

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. “A América portuguesa e os sistemas atlânticos na época


moderna: monarquia pluricontinental e Antigo Regime.” Varia História (UFMG. Impresso), v.
31, p. 303-306, 2015.

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. “O sertão e o Império: Hierarquias sociais, trajetórias de elites e


o projeto de exploração do sertão da capitania da Bahia no século XVIII”. ANAIS DO IV
EJIHM 2015 Porto. IV Encontro Internacional de Jovens Investigadores em História Moderna.
Disponível em:
https://ejihm2015.weebly.com/uploads/3/8/9/1/38911797/ejhim2015_(1)_helida_santos.pdf

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. “Governando a periferia: A criação da comarca da parte do Sul


da Bahia no Império Ultramarino Português. Século XVIII.” In: Jornada de Estudos Históricos
professor Manuel Salgado - PPGIHS - UFRJ, 2017, Rio de Janeiro. ANAIS XII JORNADA
DE ESTUDOS HISTÓRICOS PROFESSOR MANOEL SALGADO (2017) ppghis-ufrj, 2017.
v. 3. p. 712-731.

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. “A idade de ouro da Bahia: Circuito econômico e formação


social nas vilas auríferas do Sertão Baiano (1710-1735).” In: Anais de História de Além-Mar
XVIII (2017): 99-142. issn 0874-9671

COSTA, Afonso. “De como nasceu, se organizou e vive a minha cidade.” Anais do IV
Congresso de História Nacional. IHGB. Rio de Janeiro. Departamento de Imprensa nacional,
1951, pp. 175-384.

COSTA, Afonso. “Guedes de Brito, o povoador.” Anais do Arquivo público do Estado da


Bahia. Vol. XXXII, Bahia 1952, p. 319-320.

COSTA, Afonso. “Vida Eclesiástica. (História de Jacobina)”. Jornal do Commercio. Rio de


Janeiro, Domingo, 31 de agosto de 1952.
409

COSTA, Leonor Freire, Maria Manuela Rocha e Rita Martins de Sousa. 2002. "A circulação
do ouro do Brasil: o direito do 1%". Instituto Superior de Economia e Gestão – GHES
Documento de Trabalho/Working Paper nº 21-2008.

COSTA, Leonor Freire. “Entre o açúcar e o Ouro: Permanência e mudança na organização dos
fluxos (séculos XVII e XVIII).” In: FRAGOSO, J; FLORENTINO, M; SAMPAIO, A.C.J;

COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela. SOUSA, Rita Martins de. O Ouro do Brasil.
Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Lisboa, 2013.

COSTA, Miguel Pereira. “Viagem das minas do Rio das Contas.” In: NEVES, Erivaldo
Fagundes e MIGUEL, Antonieta (orgs.). Caminhos do Sertão: ocupação territorial, sistema
viário e intercâmbios coloniais dos Sertões da Bahia. Salvador, Arcádia, 2007.

CUNHA, Mafalda Soares da; NUNES, Antônio Castro. “Territorialização e poder na América
portuguesa. A criação de comarcas, séculos XVI-XVIII.” Tempo (Niterói, online) | Vol. 22 n.
39.p.001-030, jan-abr., 2016.

DA VIDE, D. Sebastião Monteiro. “Notícias do Arcebispado da Bahia para suplicar a Sua


Magestade em favor do culto divino e salvação das almas.” in: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1891. Tomo 54, Parte I.

DA VIDE, D. Sebastião Monteiro. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.


Coimbra, Real Colégio das Artes e da Companhia de Jesus. 1720 [1853]. Edição do Senado
Federal. 2007.

DANTAS, Maria Teresa do Menino Jesus da Costa Pinto, Irmã. OSU. História das Ursulinas
no Brasil – I. O Convento de Nossa Senhora das Mercês. Rio de Janeiro, Serviço Gráfico da
Universidade Santa Úrsula, (prefácio de 1982).

EDELWEISS, Frederico. “Os primeiros vinte anos da extração de ouro documentada na Bahia”.
In: ANAIS do Primeiro Congresso de História da Bahia. IV Volume. 1950, pp. 171-180.

ESTEVES, Neuza Rodrigues. (org.) Catálogo dos irmãos da Santa Casa de Misericórdia da
Bahia. Salvador. Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1977.

FARIA, Simone Cristina. 2015. A “matéria dos quintos” e os “homens do ouro”: a dinâmica da
arrecadação dos quintos reais na capitania de Minas Gerais e as atribuições, atuação, perfil e
relações dos cobradores dos quintos (c. 1700 – c. 1780). Tese de doutorado. Universidade
Federal do Rio de Janeiro.

FARIAS, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano Colonial.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 2ª reimpressão. p. 289- 354

FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas D’El rei: Espaço e poder nas Minas
setecentistas. Trad. Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p.
32-49.
410

FONSECA, Alexandre Torres. “A revolta de Felipe dos Santos.” In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de Minas Gerais. As minas
setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do tempo, 2007. Vol. 1, pp. 549-566.

FRAGOSO, João; BICALHO, Fernanda & GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos
trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.

FRAGOSO, João Luis Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antônio
Carlos Jucá de. Conquistadores e negociantes: História de elites no Antigo Regime nos
Trópicos. América Lusa, Séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima. “Monarquia pluricontinental e repúblicas:


algumas reflexões sobre a América lusa nos séculos XVI-XVIII.” Tempo. Niterói, v. 14, n. 27,
dez/2009, pp. 36-50.

FRAGOSO, João. “O capitão João Pereira Lemos e a Parda Maria Sampaio: notas sobre
hierarquias rurais costumeiras no Rio de Janeiro do século XVIII.” In: In: OLIVEIRA, Mônica
Ribeiro & ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: ed.
FGV, 2009, p. 167-171.

FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs). Na trama das redes: Política e
negócios no Império Português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
2010.

FRAGOSO, João. “Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor do engenho do rio Grande, neto
de conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social
costumeira (Rio de Janeiro, 1700-1760).” in: id. GOUVEA, Maria de Fátima. (orgs.) Na trama
das redes: Política e negócios no Império Português, séculos XVI – XVIII. Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 2010.

FRAGOSO, João. “Nobreza principal da terra nas repúblicas de Antigo Regime nos trópicos
de base escravista e açucareira: Rio de Janeiro, século XVII a meados do século XVIII.” In:
FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial. 1720-1821. Vol. 3, 1° Ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2014.

FRAGOSO, João. “Poderes e mercês nas conquistas americanas de Portugal (séculos XVII e
XVIII): apontamentos sobre as relações centro e periferia na monarquia pluricontinental lusa.”
In: FRAGOSO, João. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Um reino e suas repúblicas no Atlântico.
Comunicação política entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro,
civilização Brasileira. 1ª edição, 2017. pp. 49-99.

FRAGOSO, João. GOUVEA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial (1580-1720). 1ª edição. Rio
de Janeiro. Civilização Brasileira, 2014.

FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; CAMPOS.
Adriana, (orgs.) Nas rotas do império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo
português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT. 2006.
411

FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. Companhia


Editora Nacional. São Paulo – Rio de Janeiro – Recife – Porto Alegre. 1940. 1ª edição.

FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brasil. Edição fac-similar. Salvador: secretaria da


cultura e Turismo, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1998.

FURTADO, Júnia. 2014. “Teias de negócio: Conexões mercantis entre as minas do ouro e a
Bahia, durante o século XVIII.” In: FRAGOSO, J; FLORENTINO, M; SAMPAIO, A.C.J;
CAMPOS, A. Nas rotas do Império: Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo
português. 2ª. Ed. Vitória, EDUFES, p.151-175;

GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias D’El Rey: Tropas militares e poder no Ceará
setecentista. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense. 2009.

GOMES, Paulo de Tarso. “Fontes primárias da história da educação no brasil: a primeira edição
de «As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia – 1707».” in: Revista HISTEDBR.
On-line, Campinas, n. 30, p.313-321, jun.2008 - ISSN: 1676-2584.

GOUVÊA, Maria de Fátima. “Redes Governativas Portuguesas e centralidades régias no


mundo português, c. 1680-1730.” In: Fragoso, João. __________. (orgs). Na Trama das redes:
Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2010. p. 155-202.

GOUVEIA, Antônio Camões. “A Igreja.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António
Manuel. História de Portugal. Vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998
[1993].

GREENE, Jack P. “Tradições de governança consensual na construção da Jurisdição do Estado


nos impérios europeus da Época Moderna na América.” In: FRAGOSO, João. & GOUVÊA,
Maria de Fátima. Na trama das redes. Política e negócios no império português, século XVI-
XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2010.

GUEDES, Roberto. “Livros paroquiais de batismo, escravidão e qualidades de cor (Santíssimo


Sacramento da Sé, Rio de Janeiro, Séculos XVII e XVIII).” In: FRAGOSO, João; GUEDES,
Roberto; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; Arquivos paroquiais e História social na
América Lusa, séculos XVII e XVIII: Métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um
corpus documental. 1ª edição, Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. p. 127-186.

HAMEISTER, Martha. Para dar Calor à Nova Povoação: estudo sobre estratégias sociais e
familiares a partir dos registros batismais da vila do Rio Grande (1738 – 1763). 2006. Tese
(Doutorado)-Programa de Pós Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

HERZOG, Tamar. Fronteiras da posse: Portugal e Espanha na Europa e na América. Lisboa:


Imprensa de Ciências Sociais, 2018.

HESPANHA, A. M. As vésperas do Leviatã. Instituições e poder político em Portugal. Ed.


Almedina, Lisboa. 1994.
412

HESPANHA, Antonio Manuel e XAVIER, Angela Barreto. História de Portugal. O Antigo


Regime. José Mattoso (dir.) Vol. IV. Editorial Estampa. 1998.

HESPANHA, António Manuel. “Porque é que existe e em que é que consiste um direito
colonial brasileiro.” In: PAIVA, Eduardo França. (org.) Sociedades, Culturas e formas de
governar no mundo português (Séculos XVI-XVIII). São Paulo: Anablume, 2006. p. 21-41.

HESPANHA, Antônio Manuel. “Porque é que foi “portuguesa” a expansão portuguesa? ou O


revisionismo nos trópicos.” Conferência proferida na sessão de abertura do Colóquio “O espaço
Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades”, org. pelo CHAM-FCSH-UNL/IICT,
Lisboa, 2 a 5 de Novembro de 2005.

HESPANHA, Antonio Manuel. “Estruturas político administrativas do Império Português.” In:


https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxhbnRvb
mlvbWFudWVsaGVzcGFuaGF8Z3g6MWE3NDQyNDYyZjA5ZTU3NA. Acessado em 12 de
março de 2017.

HESPANHA, António Manuel. Poder e instituições na Europa do Antigo Regime: Colectânea


de Textos. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 1984.

HESPANHA, Antônio Manuel. XAVIER. Angela Barreto. “As redes Clientelares.” in:
MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. Vol. IV: O
Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998 [1993].

HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. 3º ed. São Paulo. Companhia das Letras,
1994.

IVO, Isnara Pereira. Homens do caminho: Trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América Portuguesa.
Século XVIII. Vitória da Conquista, edições UESB, 2012.

IZECKSOHN, Vitor. “Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares


luso-brasileiros.” In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, M. de Fátima. (orgs.) O Brasil Colonial –
1720-1821. Vol. 3. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2104. p. 483-521.

JABOATÃO, Fr. Antônio de S. Maria. Genealogia baiana ou Catálogo Genealógico. Revista


do IHGB. 1946.

KANTOR, Iris. Esquecidos e renascidos: historiografia Acadêmica Luso-Americana (1724-


1759). Ed. HUCITEC. Centro de Estudos Baianos/UFBA. São Paulo-Salvador, 2004. P. 89-
103.

KRAUSE, Thiago. “Compadrio e escravidão na Bahia seiscentista.” In: FRAGOSO, João;


GUEDES, Roberto; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; Arquivos paroquiais e História social
na América Lusa, séculos XVII e XVIII: Métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um
corpus documental. 1ª edição, Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. P.279-300.

KRAUSE, Thiago. A formação de uma nobreza ultramarina: coroa e elites locais na Bahia
seiscentista. 2015. 402f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: 2015.
413

KÜHN, Fábio. “Administração na América portuguesa: a expansão das fronteiras meridionais


do império (1680-1808).” In: Revista de História São Paulo, Nº 169, Julho / Dezembro 2013,
pp. 53-81.

LIMA, Deborah de Magalhães. “A construção histórica do termo caboclo sobre estruturas e


representações sociais no meio rural amazônico.” In: Novos Cadernos NAEA vol. 2, nº 2 -
dezembro 1999.

LOUREIRO, Guilherme Maia de. Estratificação e Mobilidade social no Antigo Regime de


Portugal. (1640-1820). Lisboa. Ed. Guarda-mor, 2016.

MACHADO, Marina Monteiro. “Duas gerações de caminhos pelos sertões: Fernão Dias Paes
e Garcia Rodrigues Paes.” In: MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente; MACHADO, Marina.
(orgs.) Em terras Lusas: Conflitos e Fronteiras no Império Português. Vinhedo, ed. Horizonte,
2013.

BICALHO, Maria Fernanda. “Nobreza e cidadania dos Brasis. Hierarquias, impedimentos e


privilégios na América Portuguesa.” In: XAVIER, Ângela Barreto; SILVA, Cristina Nogueira
da. (orgs.) O governo dos outros. Poder e diferença no Império Português. ICS. Lisboa, 1ª
edição, setembro de 2016. p. 387-408.

MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão. O espaço econômico


do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista. c. 1711-
c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2012.

MATTOSO, Katia de Queirós. Bahia, século XIX. Uma província no Império. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1992.

MELLO, Cristiane Figueiredo Pagano de. “Os corpos de ordenanças e auxiliares. Sobre as
relações militares e políticas na América portuguesa.” In: História: Questões & Debates,
Curitiba, n. 45, p. 29-56, 2006. Editora UFPR.

MENESES, José Newton Coelho. “Introdução.” In: RESENDE, M. E. L. de. VILLALTA, L.


C. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica;
Companhia do Tempo. 2007.

MENZ, Maximiliano M. Revista de História, 158 (1º semestre de 2008).

MONTEIRO, Nuno G. F. Elites e poder: entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Coleção


Análise Social. Lisboa, 2003.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo F. “A tragédia dos Távoras”. Parentesco, redes de poder e facções
políticas na monarquia portuguesa em meados do século XVIII.” In: FRAGOSO, João e
GOUVÊA, Maria de Fátima. (orgs.) Na trama das redes: política e negócios no império
português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, pp. 317-342.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os concelhos e as comunidades.” in: MATTOSO, José (dir.) &
HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa:
Estampa, 1998 [1993], Vol. IV.
414

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva
histórica”. Etnográfica, vol. 12, n. 1, 2008.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Governadores e capitães-mores do Império Atlântico português


no século XVIII.” In: BICALHO, M.F; FERLINI, V. L. A.(org.) Modos de governar. Ideias e
práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005. 2ª.
Edição.

MORAES, Carlos Eduardo Mendes de. Guia de fontes primárias sobre acadêmicos esquecidos
e renascidos (1724/1759). In: Imprensa da Universidade de Coimbra.
http://hdl.handle.net/10316.2/5679. Accessed: 20-Jul-2018 23:28:38.

MORINEAU, Michel. Incroyables gazettes et fabuleux Métaux. Paris-Cambridge, Maison de


Sciences de l’Homme-Cambridge University Press, 1985.

MOTTA, Márcia. 28/12/2013. “Sesmarias (Brasil)”. In: SERRÃO, José Vicente; MOTTA, Márcia; MIRANDA,
Suzana Münch. (dir), e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português. Lisboa: CEHC-IUL. (ISSN:
2183-1408). Doi: 10.15847/cehc.edittip.2013v028

MOTTA, Márcia. “Sesmarias e o mito da primeira ocupação.” Justiça & História (Impresso),
Rio Grande do Sul, v. 4, n.7, p. 01-17, 2004.
https://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memo
rial_judiciario_gaucho/revista_justica_e_historia/issn_16765834/v4n7/doc/03_x20MxE1rciax
20M_x20Menendesx20Mottax20formatado.pdf Acessado em 26/10/2017.

MOTTA, Márcia; SERRÃO, José Vicente. “Terra, Território e Conflito no Brasil setecentista.
Uma Introdução.” In: MOTTA, Márcia; MACHADO, Marina (Org.); SERRÃO, José Vicente.
(Org.) Em terras Lusas: conflitos e fronteiras no Império Português. 1ª. ed. São Paulo:
Horizonte, 2013. v. 1.

NADALIN, Sérgio Odilon. “A população no passado colonial brasileiro: mobilidade versus


estabilidade.” In: Revista Topoi, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 222-275.

NEVES, Erivaldo Fagundes. “Almocafres, bateias, e gente da pequena esfera: o ouro no


povoamento e ocupação econômica dos sertões da Bahia.” Rev. Inst. Geogr. Hist. Bahia,
Salvador, v. 101, p. 123-146, 2006.

NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura fundiária e dinâmica mercantil. Alto sertão da Bahia,
séculos XVIII e XIX. Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS. 2005.

NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade Sertaneja: Da sesmaria ao minifúndio. Um


estudo de História regional e local. 2ª. Edição revista e ampliada. Salvador. EDUFBA. Feira
de Santana-UEFS editora. 2008.

NEVES, Erivaldo Fagundes; MIGUEL, Antonieta. (orgs.) Caminhos do Sertão: ocupação


territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos Sertões da Bahia. Salvador: Arcádia,
2007.

OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o estado moderno: Honra, mercê e venalidade em


Portugal. (1641-1789). Lisboa. Estar, 2001.
415

OLIVEIRA, Pablo Menezes e. “As câmaras em Minas Gerais no século XVIII. Entre
enquadramentos administrativos e desventuras tributárias.” In: Revista História. Dossiê Câmara
Municipal: Fontes, formação e historiografia do poder local no Brasil Colônia e Império. Ano
5, Vol. 1 – N. 1, 2014.

OLIVEIRA, Vitor Luiz A. Retratos de Família: sucessão, terras e ilegitimidade entre a nobreza
da terra de Jacarepaguá, séculos XVI-XVIII. Dissertação (Mestrado História Social)
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. p. 106-126.
PAIVA, Yamê Galdino. Ouvidores e administração da Justiça no Brasil colonial. O caso da
comarca da capitania da Paraíba. (C.A. 1687-C.A. 1799). In: RJUAM, nº33, 2016-I, p. 79-95.

PAULA, João Antonio de. “A mineração de ouro em Minas Gerais do século XVIII.” In:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais. As
Minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do tempo, 2007, vol. 1, p. 279-301.

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. "Para o o bom regime da república: ouvidores e câmaras
municipais no Brasil colonial". Revista Monumenta, vol. 3, n° 10. Curitiba, inverno/2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Além das Fronteiras.” In: MARTINS, Maria Helena. Fronteiras
Culturais (Brasil-Uruguai – Argentina). Porto Alegre. Ateliê Cultural, 2002.

PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio Anglo-Português. Companhia editora


nacional. São Paulo, 1979.

POLANYI, Karl. A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro. Contraponto,


2012.

POLÓNIA, Amélia. Vila do Conde: um porto nortenho na expansão ultramarina quinhentista.


Ph.D. diss., Universidade do Porto: FLUPP, 1999.

PRADO Jr. Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Ed. Brasiliense. São Paulo, 8ªedição,
1965.

RAE FLORY, Jean Dell. Bahian Society in the Mid-Colonial Period: The Sugar Planters,
Tobacco Growers, Merchants and Artisans of Salvador and the Reconcavo, 1680-1725. Tese
de Doutorado, inédita, University of Texas, 1978.

RAMINELLI, R. “Serviços e mercês de vassalos da América Portuguesa.” In: Revista historia


y sociedad n°. 12, Medellín, noviembre 2006.

RAMINELLI, Ronald. “Poder político das câmaras.” In: FRAGOSO, João. MONTEIRO, Nuno
Gonçalo. Um reino e suas repúblicas no Atlântico. Comunicação política entre Portugal, Brasil
e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017.

RAMINELLI, Ronald; BICALHO, Maria Fernanda. “Nobreza e cidadania dos Brasis.


Hierarquias, impedimentos e privilégios na América Portuguesa. In: XAVIER, Ângela Barreto;
SILVA, Cristina Nogueira da. (orgs.) O governo dos outros. Poder e diferença no Império
Português. ICS. Lisboa, 1ª edição, setembro de 2016, pp. 387-408.
416

REGO, Júnia Motta Antonaccio Napoleão do. Dos sertões aos Mares: História do comercio e
dos comerciantes de Parnaíba. (1700-1950). Tese de doutorado apresentada ao programa de
Pós Graduação em História. UFF, Niterói, 2010.

RESENDE, Maria Efigênia Lage de. “Itinerários e interditos na territorialização das Geraes.” In: RESENDE, M.
E. L. de. VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte:
Autêntica; Companhia do Tempo. 2007, p. 25-53

RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As
minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo. 2007.

RISÉRIO, Antônio. Uma História da Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2004. LAPA,
José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo, ed. Nacional, 1968.

RODRIGUES, José Honório. “Afonso Taunay e o revisionismo histórico.” In: Revista de


História, v. 17. n. 35. 1958. p. 97-106. Acesso em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/107059/105629;

ROMEIRO, Adriana. “A Guerra dos emboabas: novas abordagens e interpretações.” In:


RESENDE, Maria Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As
minas setecentistas. (orgs.). Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo. 2007.
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Histórias do Atlântico Português. DOMINGUES, Angela; MOURA, Denise A.
Soares de. (orgs.) 1ª edição. São Paulo. Ed. UNESP, 2014, pp. 280-302.

RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro. Civilização


Brasileira. 2005.

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “A curva do tempo: as transformações na economia e na


sociedade do Estado do Brasil no século XVIII.” In: FRAGOSO, João. GOUVÊA, Maria de
Fátima. O Brasil Colonial. 1720-1821. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Batismos, casamentos e formação de redes: os homens
de negócio cariocas nas fontes paroquiais setecentistas.” In: FRAGOSO, João; GUEDES,
Roberto e SAMPAIO, Antônio. et. Al. Arquivos paroquiais e História Social da na América
Lusa. 1º ed. Rio de Janeiro: MAUAD X, 2014.

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Economia, moeda e comércio: uma análise preliminar do
banco de dados.” In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. (orgs.) Um reino e suas
repúblicas no Atlântico Comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos
XVII e XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1ª edição, pp. 269-295.

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. Na encruzilhada do Império: Hierarquias sociais e


conjunturas econômicas no Rio de Janeiro. (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2003.

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Famílias e negócios: a formação da comunidade mercantil carioca na primeira
metade do Setecentos”; in: FRAGOSO, J.; ALMEIDA, Carla e SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de (orgs.).
Conquistadores e negociantes. Histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a
XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 225-264.
417

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá; CONCEIÇÃO, Hélida santos. O Antigo regime e a economia
costumeira na América portuguesa no século XVIII: notas para um debate. Texto inédito.

SAMPAIO, Antonio de Vilas Boas e. Nobiliarchia portuguesa. Tratado da nobreza hereditária


e política. (1ª ed., 1676), 3ª ed., Lisboa, 1725, p. 28-29. APUD. MONTEIRO, Nuno Gonçalo.
“Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia.” in: MATTOSO, José (dir.) &
HESPANHA, António Manuel. História de Portugal. Vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807).
Lisboa: Estampa, 1998 [1993].

SAMPAIO, Teodoro. O rio de São Francisco e a Chapada diamantina. São Paulo: Escolas
profissionais do Lyceu do sagrado coração, 1906.

SANTOS Filho, Lycurgo. Uma comunidade rural do Brasil antigo: aspectos da vida patriarcal
no sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX. São Paulo, Companhia Editora Nacional.

SANTOS, Fabricio Lyrio. Da Catequese à civilização: Colonização e povos indígenas na


Bahia (1750-1800). 2012. 315 f. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós Graduação
em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. “Os relatos de reconhecimento de Quaresma Delgado.”
in: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 24, nº 40: jul/dez 2008.

SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. 2010. Tese
(Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

SANTOS, Raphael Freitas. Minas com Bahia: mercados e negócios em um circuito mercantil
setecentista. Tese (Doutorado em História) universidade Federal Fluminense. Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2013.

SCARPARO, Marcelo Kochenbordger. “A justiça do nosso domínio”: a dimensão geopolítica


na cultura historiográfica luso-americana da primeira metade do século XVIII. Dissertação de
Mestrado (Faculdade de Filosofia, Letras e ciências Humanas) USP. São Paulo. 2015.

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial. O tribunal superior da


Bahia e seus desembargadores. 1609-1751. São Paulo. Cia das Letras, 2001.

SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-


1835. São Paulo: Companhia das letras. 1998.

SILVA, Candido da Costa e. Os segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador:


EDUFBA, 2000.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez: Crises de subsistência e


política econômica no Brasil Colônia. (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). 1990. 416f.
Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1990.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “A coroa e a remuneração dos Vassalos.” In: RESENDE, M.
E. L. de. VILLALTA, Luiz. Carlos. História das Minas Gerais: As minas setecentistas. (orgs.).
Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo. 2007.
418

SILVA, Maria Beatriz Nizza. Ser Nobre na colônia. [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

SILVA, Vanicléia S. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico: Século XVIII. 2008. 256f.
Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008.

SOUSA, Avanete Pereira de. A Bahia no Século XVIII: poder político local e atividades
econômicas. São Paulo: Alameda, 2012.

SOUSA, Avanete Pereira. “A centralidade/capitalidade econômica de Salvador no século


XVIII.” In: SOUZA, Evergton Sales (org.), MARQUES, Guida (coord.), SILVA, Hugo Ribeiro
da (org.) Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador/Lisboa: CHAM,
EDUFBA, 2016.

SOUZA, D. Antonio Caetano de. História genealógica da casa Real Portugueza. Tomo IX,
Regia officina Sylviana, e da Academia Real. Lisboa. 1742.

SOUZA, Evergton Sales, MARQUES, Guida, SILVA, Hugo Ribeiro da (org.) Salvador da
Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador/Lisboa: CHAM, EDUFBA, 2016.

STUMPF, Roberta G. Os cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes nas Minas


setecentistas. 1° Ed. Belo Horizonte. Fino Traço, 2014.

SUBTIL, José. “Os poderes do centro.” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA, António
Manuel. (coord.) História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998
[1993], Vol. IV.

TAUNAY, Afonso E. História Geral da Bandeiras paulistas. Typ. Ideal. HL CANTON, São
Paulo 1924.

TOLEDO, Maria Fátima de Melo. Desolado sertão: a colonização portuguesa do sertão da


Bahia. (1654-1702). Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006..

VASCONCELOS, Albertina Lima. Ouro: Conquistas, tensões, poder, mineração e escravidão


– Bahia do século XVIII. Dissertação (Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1998.

Você também pode gostar