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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE HISTÓRIA ECONÔMICA

SOB OS OLHOS DE SÃO SEBASTIÃO


A Cafeicultura e as Mutações da Riqueza em
Ribeirão Preto, 1849 – 1900

Luciana Suarez Lopes

São Paulo
2005
2

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE HISTÓRIA ECONÔMICA

SOB OS OLHOS DE SÃO SEBASTIÃO


A Cafeicultura e as Mutações da Riqueza em
Ribeirão Preto, 1849 – 1900

Luciana Suarez Lopes

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Econômica, do
Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para obtenção
do título de Doutor em História.

Orientador: Prof. Dr. José Flávio Motta

São Paulo
2005
3

Índice

Resumo........................................................................................................................................4

Agradecimentos.........................................................................................................................9

Introdução ................................................................................................................................11

Capítulo 1 - A Cafeicultura no Nordeste Paulista e o Município de Ribeirão Preto...........14


Introdução ..................................................................................................................................................................14
O Avanço do Café No Nordeste Paulista e o Município de Ribeirão Preto.......................................................16

Capítulo 2 - Alocação da Riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900 ......................................53


Introdução ..................................................................................................................................................................53
Notas Sobre a Periodização Adotada ..........................................................................................................55
Notas Sobre a Metodologia............................................................................................................................56
Alocação da Riqueza no Período de Introdução da Cultura Cafeeira, 1849-1869..........................................57
Alocação da Riqueza na Primeira Fase de Difusão, 1870-1879...........................................................................67
A Segunda Fase de Difusão, 1880-1888 ..................................................................................................................80
A Consolidação da Cultura Cafeeira, 1889-1900 ..................................................................................................87

Capítulo 3 - Os Proprietários de Escravos e a Estrutura da Posse......................................107


Introdução ................................................................................................................................................................107
A Propriedade Cativa na Antiga Freguesia de São Simão (1835).....................................................................121
A Caracterização dos Proprietários de Cativos em Ribeirão Preto e da Estrutura da Posse (1849-1888) ....130
Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Primeiro Período (1849-1869) ............................132
Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Segundo Período (1870-1879) ..........................136
Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Terceiro Período (1880-1888) ............................142
A Caracterização dos Cativos da Antiga Freguesia de São Simão, 1835........................................................148
A Caracterização dos Cativos Localizados nos Inventários Post-Mortem de Ribeirão Preto, 1849-1888. ....159
Os Cativos do Primeiro Período, 1849-1869 .................................................................................................160
Os Cativos do Segundo Período, 1870-1879 ...............................................................................................166
Os Cativos do Terceiro Período, 1880-1888 .................................................................................................171

Capítulo 4 - A Trajetória de Algumas Famílias ....................................................................178


As Famílias Consideradas........................................................................................................................................178
Análise das Trajetórias de Acumulação de Riqueza ou de Empobrecimento nas Famílias Com Menor
Número de Inventários ............................................................................................................................................188
Análise das Trajetórias de Acumulação de Riqueza ou de Empobrecimento nas Famílias Com Maior
Número de Inventários ............................................................................................................................................198
Família de João Manoel de Pontes .............................................................................................................198
Família de José Alves da Silva ......................................................................................................................213
Família de José Venâncio Martins................................................................................................................218
Família de José Borges da Costa .................................................................................................................230
Família de Antonia Maria de Nazareth .......................................................................................................234
Família de Francisca de Salles Barreto ........................................................................................................240

Considerações Finais.............................................................................................................245

Anexo A ..................................................................................................................................249
A Utilização dos Inventários Post-Mortem como Fonte de Dados ........................................................................249

Anexo B ...................................................................................................................................258
Tratamento Dispensado aos Dados ..........................................................................................................................258

Fontes e Referências Bibliográficas ......................................................................................268


Fontes Primárias ........................................................................................................................................................268
Referências Bibliográficas .......................................................................................................................................268
4

Índice de Gráficos, Mapas e Tabelas


Gráfico 1.1 - Produção Cafeeira das Diversas Regiões da Província (São Paulo, 1836-1935) 25
Gráfico 1.2 - Produção Cafeeira da Província (São Paulo, 1836-1935) 25
Gráfico 1.3 – Pirâmide Etária da População Livre (Ribeirão Preto, 1874) 43
Gráfico 1.4 - Pirâmide Etária da População Escrava (Ribeirão Preto, 1874) 44
Gráfico 1.5 – População Total Segundo Faixas Etárias. (Ribeirão Preto, 1886) 46
Gráfico 1.6 - População Cativa Segundo Faixas Etárias (Ribeirão Preto, 1886) 47
Gráfico 1.7 - Composição da População Estrangeira (Ribeirão Preto, 1886) 48
Gráfico 1.8 - Evolução da População (Ribeirão Preto, 1874-1900) 51
Gráfico 2.1 - Composição da Riqueza (Ribeirão Preto, 1849-1869) 60
Gráfico 2.2 - Composição da Riqueza (Ribeirão Preto, 1870-1879) 75
Gráfico 2.3 - Evolução no Preço dos Cativos (Ribeirão Preto, 1870-1878) 79
Gráfico 2.4 - Composição da Riqueza (Ribeirão Preto, 1880-1888) 85
Gráfico 2.5 - Evolução no Preço dos Cativos (Ribeirão Preto, 1880-1888) 86
Gráfico 2.6 - Participação dos Cafeicultores no Valor dos Ativos Considerados (Ribeirão Preto, 1889-1900) 91
Gráfico 2.7 – Composição da Riqueza Inventariada (Ribeirão Preto, 1889-1900) 99
Gráfico 3.1 – Composição da População (São Simão, 1835) 122
Gráfico 3.10 – Composição da População Cativa Consoante Idade e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1849-1869) 162
Gráfico 3.11 – Distribuição das Crianças de Zero a Quatorze Anos nas Diversas Faixas de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto,
1849-1869) 164
Gráfico 3.12 – Composição da População Cativa Consoante Idade e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1870-1879) 167
Gráfico 3.13 – Distribuição das Crianças de Zero a Quatorze Anos nas Diversas Faixas de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto,
1870-1879) 170
Gráfico 3.14 – Estado Conjugal dos Cativos (Ribeirão Preto, 1880-1888) 175
Gráfico 3.2 – Composição da População Livre (São Simão, 1835) 122
Gráfico 3.3 – Composição da População Cativa (São Simão, 1835) 122
Gráfico 3.4 – Idade dos Cativos Consoante Origem (São Simão, 1835) 129
Gráfico 3.5 – Atividades dos Votantes (Ribeirão Preto, 1873) 141
Gráfico 3.6 – Atividades Características dos Proprietários de Cativos (Ribeirão Preto, 1880-1888) 144
Gráfico 3.7 – Participação dos Cafeicultores na Amostra de Inventários de Proprietários de Escravos (Ribeirão Preto, 1880-1888)
145
Gráfico 3.8 – Composição da População Cativa Consoante Sexo e Nacionalidade (São Simão, 1835) 150
Gráfico 3.9 – Estado Conjugal da População Cativa Acima dos Quinze Anos Consoante Sexo e Nacionalidade (São Simão, 1835)
155
Gráfico 4.1 - Composição dos Patrimônios da Amostra de Inventários Selecionada (Ribeirão Preto, 1849-1888) 180
Gráfico 4.10- Composição do Patrimônio de Policena Maria de Jesus e José Alves da Silva (Ribeirão Preto, 1873) 214
Gráfico 4.11 – Composição do Patrimônio de José Venâncio Martins e Maria Francisca do Nascimento (Ribeirão Preto, 1869) 220
Gráfico 4.12 – Composição do Patrimônio de Maria Francisca do Nascimento e Francisco Ferreira de Freitas (Ribeirão Preto, 1871)
222
Gráfico 4.13 – Composição do Patrimônio de Francisca Leopoldina de Ávila e Martimiano Venâncio Martins (Ribeirão Preto, 1892)
227
Gráfico 4.14 – Composição do Patrimônio de Delfina Leopoldina de Ávila e João Ferreira de Andrade (Ribeirão Preto, 1893) 229
Gráfico 4.15 – Composição do Patrimônio de José Borges da Costa e Leonor Nogueira Terra (Ribeirão Preto, 1868) 231
Gráfico 4.16 – Composição do Patrimônio de Antonia Maria de Nazareth e Manoel Soares de Castilho (Ribeirão Preto, 1873) 235
Gráfico 4.17 – Composição do Patrimônio de Maria Victoria de Castilho e Antonio Sotério Soares de Castilho (Ribeirão Preto,
1890) 238
Gráfico 4.18 – Composição do Patrimônio de Anna Bernardes Barreto e Miguel Pedrozo Barreto (Ribeirão Preto, 1884) 242
Gráfico 4.19 – Composição do Patrimônio de Maria Carolina Baptista Barreto e Jefferson Barreto (Ribeirão Preto, 1893) 244
Gráfico 4.2 - Composição dos Patrimônios da Amostra de Inventários Selecionada (Ribeirão Preto, 1889-1900) 180
Gráfico 4.3 – Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração (Ribeirão Preto, 1849-1888) 185
Gráfico 4.4 – Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração (Ribeirão Preto, 1889-1900) 186
Gráfico 4.5 - Composição do Patrimônio de Jão Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira (São Simão, 1849) 201
Gráfico 4.6 - Composição dos Bovinos de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira (São Simão, 1849) 202
Gráfico 4.7 - Composição do Patrimônio de Bárbara Maria de Cerqueira e Manoel Jacintho de Pontes (São Simão, 1849) 204
Gráfico 4.8 – Composição do Patrimônio de Manoel Jacintho de Pontes e Rita Maria das Virgens (Ribeirão Preto, 1882) 205
Gráfico 4.9- Composição do Patrimônio de Sabina Alexandrina de Oliveira (Ribeirão Preto, 1900) 210
Mapa 1.1 - A Estrada de Goiás na Capitania de São Paulo 18
Mapa 1.2 - Itinerário da Primeira Viagem de Saint-Hilaire pela Província de São Paulo 21
Mapa 1.3 - Divisão do Território Paulista Proposta por Milliet 24
Mapa 1.4 - Fazendas que Formaram o Município de Ribeirão Preto (Ribeirão Preto, século XIX) 35
Mapa 1.5 - Limites da Capela Curada de São Sebastião do Ribeirão Preto (Ribeirão Preto, 1869) 38
Mapa 3.1 – Quarteirões do Antigo Município de São Simão (São Simão, 1835) 123
Tabela 1.1 – Quantidades Exportadas e Preço Médio da Arroba de Café no Porto de Santos 17
Tabela 1.2 – Produção de Albumas Localidades Paulistas ( Mogi-Mirim, Campinas e Franca, 1836) 22, 109
Tabela 1.3 - Produção de Algumas Localidades Paulistas (Mogi-Mirim, Campinas e Franca, 1854) 26
Tabela 1.4 - Atividade dos Fazendeiros (São Simão, 1871-1872) 41
Tabela 1.5 – Panorama Geral da População (Ribeirão Preto, 1874) 42
Tabela 1.6 – Características da População Total (Ribeirão Preto, 1886) 45
Tabela 1.7 - Atividades Econômicas da População e o Número de Estabelecimentos (Ribeirão Preto, 1886) 49
Tabela 1.8 - População Segundo Sexo, Consoante Estado Conjugal e Cor (Ribeirão Preto, 1890) 49
Tabela 1.9 - Estabelecimentos Comerciais, Industriais e Diversos (Ribeirão Preto, 1890) 50
Tabela 2.1 - Estado Conjugal e Sexo dos Inventariados (Ribeirão Preto, 1849-1869) 58
Tabela 2.10 - Atividade do Inventário Consoante Sexo do Inventariado (Ribeirão Preto, 1870-1879) 70
Tabela 2.11 - A Presença Cafeeira (Ribeirão Preto, 1870-1879) 71
Tabela 2.12 - Tamanho do Rebanho (Ribeirão Preto, 1849-1879) 72
Tabela 2.13 - Produtos da Lavoura ou Tipo de Criação (Ribeirão Preto, 1870-1879) 73
5

Tabela 2.14 - Estado Conjugal e Sexo dos Inventariados (Ribeirão Preto, 1870-1879) 74
Tabela 2.15 - Propriedade Cativa e Sexo do Inventariado (Ribeirão Preto, 1870-1879) 74
Tabela 2.16 - Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados de Acordo com as Direrentes Faixas de Tamanho de Monte
Mor (Ribeirão Preto, 1870-1879) 75
Tabela 2.17 - Composição da Riqueza de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1870-1879) 76
Tabela 2.18 - Localização das Terras Avaliadas nos Inventários (Ribeirão Preto, 1870-1879) 77
Tabela 2.19 - Composição da Riqueza dos Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto,
1870-1879) 78
Tabela 2.2 - Propriedade de Escravos Consoante Sexo dos Inventariados (Ribeirão Preto, 1849-1869) 58
Tabela 2.20 - Composição da Riqueza dos Não Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor 80
Tabela 2.21 - A Presença Cafeeira (Ribeirão Preto, 1880-1888) 81
Tabela 2.22 - Faixas de Tamanho do Rebanho Bovino (Ribeirão Preto, 1870-1879 e 1880-1888) 82
Tabela 2.23 - Atividade do Inventário Consoante Sexo do Inventariado (Ribeirão Preto, 1880-1888) 83
Tabela 2.24 - Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Segundo as Diferentes Faixas de Riqueza (Ribeirão Preto,
1880-1888) 83
Tabela 2.25 - Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Proprietários de Escravos de Acordo com as Diferentes
Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1880-1888) 84
Tabela 2.26 - Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Não Proprietários de Escravos de Acordo com as Diferentes
Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1880-1888) 84
Tabela 2.27 - As fazendas de Francisco Schmidt (Ribeirão Preto, 1899) 90
Tabela 2.28 – Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Segundo Diferentes Faixas de Riqueza (Ribeirão Preto, 1889-
1900) 92
Tabela 2.29 – Distribuição dos Inventários dos Não Cafeicultores Segundo as Diferentes Faixas de Tamanho de Riqueza. (Ribeirão
Preto, 1889-1900) 93
Tabela 2.3 - Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Segundo as Diferentes Faixas de Riqueza (Ribeirão Preto,
1849-1869) 59
Tabela 2.30 – Distribuição dos inventários dos Cafeicultores Segundo as Diferentes Faixas de Tamanho de Riqueza (Ribeirão Preto,
1889-1900) 93
Tabela 2.31 – Alterações nos Preços Externo e Interno do Café (Brasil, 1885-1890) 95
Tabela 2.32 – Idades e Preços dos Pés de Café (Ribeirão Preto, 1889-1900) 95
Tabela 2.33 – Tipos, Quantidades e Valores das Terras (Ribeirão Preto, 1889-1900) 96
Tabela 2.34 – Faixas de Tamanho do Rebanho Bovino (Ribeirão Preto, 1889-1900) 97
Tabela 2.35 – Composição dos Imóveis (Ribeirão Preto, 1849-1900) 100
Tabela 2.36 – Composição das Dívidas Ativas (Ribeirão Preto, 1889-1900) 101
Tabela 2.37 – Composição dos Bens Móveis (Ribeirão Preto, 1849-1900) 103
Tabela 2.38 – Composição dos Animais (Ribeirão Preto, 1849-1900) 104
Tabela 2.39 – Porcentagem do Monte Mor Comprometida com as Dívidas Passivas (Ribeirão Preto, 1849-1900) 105
Tabela 2.4 - Composição da Riqueza (Ribeirão Preto e Franca, 1849-1869 e 1822-1830) 61
Tabela 2.5 - Composição da Riqueza de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1849-1869) 61
Tabela 2.6 - Composição do Rebanho Bovino (Ribeirão Preto e Franca, 1849-1869 e 1822-1830) 64
Tabela 2.7 - Composição da Riqueza dos Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho de Monte Mor (Ribeirão Preto, 1849-
1869) 65
Tabela 2.8 - Composição da Riqueza dos Não Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho de Monte Mor (Ribeirão Preto,
1849-1869) 65
Tabela 2.9 - Principais Artigos da Exportação (Província de São Paulo, 1878) 68
Tabela 3.1 – A Estrutura da Posse de Cativos (Campinas, 1829-1872) 116
Tabela 3.10 – Atividade / Ocupação Característica do Inventário (Ribeirão Preto, períodos) 131
Tabela 3.11 – Produtos da Lavoura ou Criação (Ribeirão Preto, períodos) 131
Tabela 3.12 – Estrutura da Posse de Cativos (Ribeirão Preto, 1849-1869) 133
Tabela 3.13 – Bovinos possuídos por Luiz Antonio de Souza Junqueira (Ribeirão Preto, 1856) 135
Tabela 3.14 – Estrutura da Posse de Cativos (Ribeirão Preto, década de 1870) 137
Tabela 3.15 – Estrutura da Posse de Cativos Consoante Atividade / Ocupação Característica do Inventário (Ribeirão Preto,
década de 1870) 139
Tabela 3.16 – Estrutura da Posse de Cativos (Ribeirão Preto, 1880-1888) 145
Tabela 3.17 – Estrutura da Posse de Cativos Consoante Atividade/Ocupação Característica do Inventário (Ribeirão Preto, 1880-
1888) 146
Tabela 3.18 – Estrutura da Posse dos Proprietários que Cultivavam Café (Ribeirão Preto, 1880-1888) 147
Tabela 3.19 – Idade dos Cativos Consoante Sexo (São Simão, 1835) 149
Tabela 3.2 – Estrutura da Posse de Cativos Segundo Faixa de Tamanho de Plantéis (Batatais, 1875) 119
Tabela 3.20 – Porcentagem dos Cativos em Idade Produtiva Consoante Algumas Características (São Simão, 1835) 151
Tabela 3.21 – Razão de Sexo dos Cativos Consoante Faixas de Idade (São Simão, 1835) 151
Tabela 3.22 – Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (São Simão, 1835) 153
Tabela 3.23 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (São Simão, 1835) 153
Tabela 3.24 – Porcentagem de Solteiros, Casados e Viúvos no Conjunto dos Cativos e naqueles com Idade Acima dos Quinze
Anos (São Simão, 1835) 154
Tabela 3.25 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Faixas de Tamanho de Plantel (São Simão, 1835) 156
Tabela 3.26 – Distribuição das Crianças Consoante Faixas de Tamanho de Plantel (São Simão, 1835) 156
Tabela 3.27 – Distribuição Percentual dos Cativos Casados e das Crianças Consoante Faixas de Tamanho de Plantel (São Simão,
1835) 157
Tabela 3.28 – Distribuição dos Cativos Consoante Sexo, Nacionalidade e Atividade/Ocupação Declarada do Chefe do Fogo
(São Simão, 1835) 158
Tabela 3.29 – Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1849-1869) 161
Tabela 3.3 – Quantidade de Escravos Possuídos por Proprietário (Franca, 1822/1830 e 1875/1885) 120
Tabela 3.30 – Alguns Indicadores Estatísticos Concernentes a idade dos Cativos Segundo Sexo e Nacionalidade (Ribeirão Preto,
1849-1869) 162
Tabela 3.31 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (Ribeirão Preto, 1849-1869) 163
Tabela 3.32 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Faixas de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto, 1849-1869) 164
Tabela 3.33 – Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (Ribeirão Preto, 1849-1869) 165
Tabela 3.34 – Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacioalidade (Ribeirão Preto, 1870-1879) 166
6

Tabela 3.35 – Idade dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (Ribeirão Preto, 1870-1879) 167
Tabela 3.36 – Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (Ribeirão Preto, 1870-1879) 168
Tabela 3.37 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade (Ribeirão Preto, 1870-1879) 169
Tabela 3.38 – Cativos Casados ou Viúvos e das Crianças Consoante Faixas de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto, 1870-1879) 170
Tabela 3.39 – Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1880-1888) 172
Tabela 3.4 – População e Número de Fogos (São Simão, 1835) 123
Tabela 3.40 – Cor dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1880-1888) 173
Tabela 3.41 – Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade (Ribeirão Preto, 1880-1888) 174
Tabela 3.42 – Ocupações dos Cativos Consoante Sexo Faixa de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto, 1880-1888) 175
Tabela 3.43 – Ocupações dos Cativos Consoante Sexo Faixa de Tamanho de Plantel (Ribeirão Preto, 1880-1888) 176
Tabela 3.5 – Ocupação dos Chefes de Fogo Consoante Sexo (São Simão, 1835) 125
Tabela 3.6 – Os Proprietários de Cativos e sua Ocupações (São Simão, 1835) 126
Tabela 3.7 – Estrutura da Posse de Cativos (São Simão, 1835) 126
Tabela 3.8 – Estrutura da Posse de Cativos Consoante Ocupação do Proprietário (São Simão, 1835) 127
Tabela 3.9 – Idade da População Cativa Segundo Sexo (São Simão, 1835) 128
Tabela 4.1 - Atividade dos Inventariados Selecionados (Ribeirão Preto, 1849-1900) 179
Tabela 4.10 – Relação das Famílias com Ampliação da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário mas que não
Superaram o Monte Menor (Ribeirão Preto, 1875-1900) 191
Tabela 4.11 – Valores de Monte Menor e Legítimas da Família de Felícia Maria de Jesus (Ribeirão Preto,, 1887-1891) 195
Tabela 4.12 - Cativos de João Manoel de Pontes e Anna Benedita (São Simão, 1835) 200
Tabela 4.13 - Criação de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira (São Simão, 1849) 202
Tabela 4.14 - Cativos de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira (São Simão, 1849) 203
Tabela 4.15 - Bens Móveis de Jerônimo Dias do Patrocínio e Anna Joaquina do Espírito Santo (Ribeirão Preto, 1875) 207
Tabela 4.16- Bens Imóveis de Jerônimo Dias do Patrocínio e Anna Joaquina do Espírito Santo (Ribeirão Preto, 1875) 207
Tabela 4.17- Bens Imóveis de Antonio Maciel de Pontes (Ribeirão Preto, 1877) 208
Tabela 4.18 – Bens de Jeronimo Alves da Silva (Ribeirão Preto, 1874) 217
Tabela 4.19 – Cativos de José Venâncio Martins e Maria Francisca do Nascimento (Ribeirão Preto, 1869) 221
Tabela 4.2 - Distribuição do Monte Mor Total da Amostra Entre os Inventariados do Período Escravista de Acordo com as
Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1849-1888) 182
Tabela 4.20 – Cativos de Maria Theodora de São José e Joaquim Venâncio Martins (Ribeirão Preto, 1877) 224
Tabela 4.3 - Distribuição do Monte Mor Total da Amostra Entre os Inventariados do Período Republicano de Acordo com as
Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor (Ribeirão Preto, 1889-1900) 183
Tabela 4.4 – Composição dos Patrimônios Consoante Geração do Inventariado (Ribeirão Preto, 1849-1888) 185
Tabela 4.5 – Composição dos Patrimônios Consoante Geração do Inventariado (Ribeirão Preto, 1889-1900) 185
Tabela 4.6 – Composição do Patrimônio dos Inventariados da Terceira Geração do Primeiro Período Com e Sem os Valores do
Inventário de Anna Gabriela Nogueira (Ribeirão Preto, 1849-1888) 187
Tabela 4.7 – Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ou Criação Encontrados nos Inventários das
Famílias com Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário (Ribeirão Preto, 1875-1900)
189
Tabela 4.8 – Relação das Famílias com Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário
(Ribeirão Preto, 1875-1900) 191
Tabela 4.9 – Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ou Criação Encontrados nos Inventários das
Famílias com Ampliação da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário mas que não Superaram o Monte Menor
(Ribeirão Preto, 1875-1900) 191
7

Resumo

Esse trabalho dedica-se ao estudo da alocação e acumulação de riqueza de uma das


principais cidades do nordeste paulista, Ribeirão Preto, na segunda metade do século XIX.
Nesse período, a economia paulista era dominada pela cultura cafeeira, atividade que atingiu
a região ribeirãopretana em meados da década de 1860. Possuindo férteis solos de terra roxa,
o antigo Arraial de São Sebastião do Ribeirão Preto logo despontou como um dos principais
destinos de cafeicultores vindos de regiões em decadência. A localidade passou por uma
série de transformações, boa parte delas diretamente relacionadas com a chegada do café. O
objetivo principal dessa pesquisa é verificar como a cultura cafeeira influenciou as decisões
de alocação e os padrões de acumulação de riqueza nessa sociedade e nesse período. Foi
possível constatar que o café promoveu uma valorização generalizada nas terras e imóveis da
cidade, sendo responsável por uma elevação nos padrões de acumulação vigentes até então.
Além disso, as análises mostraram que havia uma relação direta entre a atividade cafeeira e a
acumulação de riqueza. A principal fonte documental utilizada foram os inventários post-
mortem das localidades de Ribeirão Preto e São Simão, atualmente arquivados em Jundiaí.
Ademais, foram utilizadas também algumas Listas de Qualificação de Votantes, a Lista
Nominativa de São Simão de 1835 e alguns Relatórios da Companhia Mogiana de Estradas
de Ferro. Palavras-chave: economia cafeeira, acumulação de riqueza, alocação de recursos,
demografia histórica, posse escrava.

Abstract

This research analyzes the capital accumulation and the decisions of wealth
allocation in one of the most important cities on the northeast of São Paulo, Ribeirão Preto,
in the second half of the XIX century. In that period, the economy of São Paulo was
dominated by the coffee cultivation, activity which reached Ribeirão Preto in the later years
of the 1860’s. Possessing fertile soils of terra roxa, the old little village of São Sebastião do
Ribeirão Preto soon blunted as one of the main destinies of coffee planters who were living
coffee areas in decadence. The purpose of this paper is to verify how the coffee plantation
changed the allocation decisions and the patterns of capital accumulation in that society. The
coffee cultivation promoted a widespread valorization in the lands and real states of the
city’s urban area, also being responsible for an elevation in the effective accumulation
patterns. Besides, the analyses showed that there was a direct relationship between the coffee
activity and the wealth accumulation. Keywords: coffee economy, historical demography,
slaveholding, allocation, capital accumulation.
8

Dedico esse trabalho à minha avó Letícia,


à minha madrinha Euvaldete e
à minha mãe Anamaria
9

Agradecimentos

Agradeço à FAPESP pela amparo financeiro, sem o qual seria muito difícil terminar
esse trabalho em quatro anos.
Agradeço aos amigos do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, em especial
à Tânia e ao Mauro; aos funcionários do Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, do Fórum de
São Simão e do Fórum de Batatais; aos funcionários do Museu da Companhia Paulista de
Estradas de Ferro; e aos funcionários do Arquivo do Estado de São Paulo.
Agradeço ao meu orientador, José Flávio Motta, por estar sempre disponível, pelas
conversas, pelo cuidado na leitura dos textos e, principalmente, por me mostrar o quanto
tenho ainda a aprender. Da mesma maneira, agradeço à Maria Alice Rosa Ribeiro, professora
que me orientou durante o mestrado e me preparou para o prosseguimento de meus estudos.
Agradeço também aos professores, Iraci Del Nero da Costa e Nelson Hideiki Nozoe, Renato
Leite Marcondes, Júlio Manoel Pires, Maria Lúcia Lammounier, Carlos de Almeida Prado
Bacellar e Claudia Heller, pelos valiosos comentários, sugestões e palavras de incentivo.
Além disso, agradeço ao professor Ivo Torres, quem primeiro me ensinou a gostar da
Ciência Econômica e de todas as suas ramificações.
Não posso deixar mencionar o apoio das amigas Susi e Eliana, que agüentaram, por
alguns anos, uma Luciana ausente e estressada. Não posso deixar também de agradecer à
amiga Juliana, companheira de FFLCH e de orientador, sempre disposta a ajudar no que
preciso fosse.
Agradeço à minha mãe e aos meus irmãos, aos meus padrinhos Peixinho e Euvaldete,
aos meus tios Helena e Antonio Celso e a todos os meus primos e primas. Agradeço também
aos meus sogros Antonio e Maria de Lourdes. Meus agradecimentos também à sempre
presente Miriam.
E como não podia deixar de ser, agradeço ao meu Lincon, pela paciência,
compreensão e carinho demonstrados ao longo de todos esses anos.
10

Legenda

AESP: Arquivo do Estado de São Paulo


APHRP: Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto
FSS: Fórum de São Simão
AFRP: Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto
11

Introdução

Essa tese é resultado de um longo processo de pesquisa, seguramente maior do que


os quatro anos passados na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Tudo começou no segundo ano do curso de Economia, quando interessada em ser auxiliar de
pesquisa, procurei o professor de Teoria do Valor, Prof. Dr. Júlio Manoel Pires, que, por
coincidência, precisava de alguém para trabalhar no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão
Preto. E foi lá, auxiliada pela funcionária Tânia Registro, que comecei a lidar com os pouco
populares “papéis velhos” de Ribeirão Preto. Logo aquelas folhas amarronzadas pelo tempo
tornaram-se uma incógnita: como alguém poderia transformar aquilo em história?
Eram páginas e mais páginas, relatórios, ofícios e balanços que para mim faziam
sentido apenas se tratados individualmente, quase como uma curiosidade... No entanto, os
meses se passaram e um dia recebi uma cópia do relatório final. Fiquei impressionada com a
profundidade das análises, surpresa em identificar as informações que haviam sido coletadas
naqueles documentos antigos e perceber como cada uma aparecia encaixada no texto. De
fato, todas aquelas folhas aparentemente desconexas haviam virado história.
Logo em seguida, orientada pelo mesmo professor, iniciei um projeto de iniciação
científica que acabou se tornando também meu trabalho de conclusão de curso. Alguns
meses depois de concluída a graduação, ingressei no mestrado em História Econômica da
Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, onde, sob orientação da Profa. Dra. Maria Alice
Rosa Ribeiro, continuei os estudos sobre Ribeirão Preto utilizando documentos ainda não
explorados do Arquivo Público.
Esse contato prolongado com a história da localidade e com as fontes disponíveis no
arquivo municipal permitiu que fossem identificados aspectos ainda pouco explorados da
história regional, um deles escolhido como tema da tese de doutoramento ora apresentada: a
acumulação e a alocação de riqueza em na segunda metade do século XIX. A principal fonte
documental escolhida para esse estudo foi o conjunto de inventários post-mortem dos
Primeiro e Segundo Ofícios das localidades de Ribeirão Preto e São Simão, na época,
localizados no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto e no Fórum de São Simão.1 A pesquisa

1. Na época da coleta de dados, esses processos ainda estavam sob custódia do Fórum de São Simão e do Arquivo do Fórum
de Ribeirão Preto. Atualmente, a maior parte desses processos está em Jundiaí devido à reorganização do sistema de
arquivamento de processos do Poder Judiciário. Configuram exceção os inventários do Primeiro Ofício de Ribeirão Preto,
que ficaram sob responsabilidade do Arquivo Público e Histórico da cidade.
12

nos inventários se mostrou muito produtiva e as inúmeras informações coletadas foram


organizadas em diversos bancos de dados. Foram trabalhados dados de 406 processos, 4.621
registros de bens móveis, 2.178 registros de animais, 824 registros de escravos, 2.248
registros de imóveis, 1.847 registros de dívidas ativas e 1.379 de dívidas passivas. Buscando
neutralizar os efeitos da política monetária oitocentista, os valores nominais foram
transformados em libras esterlinas.2
No início do período contemplado pelo presente estudo, a localidade de Ribeirão
Preto ainda estava em processo de formação, sendo os habitantes da região criadores de gado
e agricultores, alguns de origem mineira, outros descendentes de paulistas que viviam às
margens da estrada que ia para Goiás, além de outros cuja origem não pôde ser identificada.
Desde a década de 1860 o café já estava presente em terras da antiga freguesia, sendo
cultivado em pequena escala. A boa qualidade das terras atraiu diversos cafeicultores de
outras regiões paulistas, já extensamente ocupadas pela “onda verde”.
A chegada da cultura cafeeira provocou diversas modificações na pequena
localidade, promoveu o aumento populacional, a chegada da ferrovia, a instalação de
imigrantes e o estabelecimento de um variado setor comercial, assim como atraiu uma série
de prestadores de serviços e profissionais liberais. Analisar como era a alocação de riqueza
dessa sociedade, como ela se modificou com o advento do café e a abolição da escravatura,
como eram os padrões de acumulação e como esses padrões se modificaram no transcorrer
da segunda metade do século XIX são os objetivos principais do presente trabalho.
O período escolhido foi a segunda metade do século XIX, época em que se deu a
formação da localidade ribeirãopretana e a consolidação do nordeste paulista como principal
produtor cafeeiro da antiga Província de São Paulo. O marco inicial do período é o ano de
1849, ano de abertura dos primeiros inventários que pertenciam ao território do antigo arraial
de São Sebastião do Ribeirão Preto.3 O marco final é o ano de 1900, último do século XIX.
O trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro deles, dedica-se ao estudo
da evolução da cafeicultura no nordeste paulista e ao município de Ribeirão Preto. O texto
mostra que a marcha dos cafeicultores à região foi uma continuação daquele que havia

2. Para maiores detalhes sobre a elaboração dos bancos de dados, a sistematização das informações e o tratamento dado aos
valores, consultar o Apêndice B.
3. Dos processos coletados em São Simão apenas parte correspondia ao município de Ribeirão Preto, freguesia de São Simão
até o início da década de 1870. A separação dos inventários obedeceu a dois critérios, um geográfico e outro referente aos
bens imóveis possuídos pelo inventariado. Foram considerados como ribeirãopretanos, não importando seu lugar de
arquivamento, os processos cujos bens imóveis correspondias à área geográfica ribeirãopretana definida pela lei que instituiu
o município em 1871, conservando os mesmos limites eclesiásticos previamente estabelecidos. Foram considerados também
como ribeirãopretanos os inventários de indivíduos moradores em São Simão e que possuíam mais de 50,0% do valor de
seus bens imóveis em terras da localidade ribeirãopretana.
13

levado a cultura do litoral ao planalto, e deste até Campinas, de onde, segundo Caio Prado
Junior, parte a expansão em direção ao nordeste. Com informações dos viajantes que
percorreram a região e dados do censo publicado em 1836, a população sertaneja é
caracterizada, mostrando a simplicidade de sua vida e das atividades por ela desempenhadas.
Em seguida, existe um relato sucinto do processo de formação do patrimônio de São
Sebastião, marco inicial do estabelecimento da povoação ribeirãopretana, do crescimento de
sua população, das primeiras atividades econômicas de seus moradores e da introdução do
cafeeiro na localidade.
Em seguida, no capítulo dois, estuda-se a alocação de riqueza, analisando os diversos
grupos de ativos considerados, sua participação na composição dos patrimônios
inventariados e as modificações dessa estrutura no decorrer do período considerado,
observando a influência da abolição da escravatura e do estabelecimento da cultura cafeeira
na região. Analisa-se também a mudança que o café promoveu nos níveis de riqueza e nos
padrões de acumulação, ocasionada, principalmente, pela elevação nos preços, em libras
esterlinas, das terras e dos bens relacionados à atividade cafeeira.
O capítulo três é dedicado ao estudo da estrutura da posse de cativos. Num primeiro
momento, é analisada a estrutura da posse vigente na época do levantamento de 1835,
utilizado como fonte de dados para o censo publicado em 1836. Em seguida, analisa-se a
estrutura da posse com os dados presentes nos inventários.
O quarto e último capítulo é dedicado à análise de algumas famílias e suas trajetórias
de acumulação. Utilizando os inventários de diversas gerações, foi possível identificar que as
atividades mais comuns daqueles que enriqueceram eram o comércio e a cultura cafeeira,
com o comércio ocupando lugar de destaque no período de introdução e expansão da cultura
na localidade e o café no período em que este já se encontrava consolidado na posição de
principal atividade econômica da região.
Em seguida, são apresentadas algumas considerações sobre os resultados alcançados,
na tentativa de resumir, em poucas palavras, o que foi descrito ao longo dos capítulos
anteriores. Esperamos que as análises aqui desenvolvidas possam ajudar a melhor
compreender a localidade estudada e as modificações sofridas por ela em decorrência da
chegada e do estabelecimento da cultura cafeeira no historicamente definido Oeste Paulista.
14

Capítulo 1

A Cafeicultura no Nordeste Paulista e o Município


de Ribeirão Preto

O movimento que lançou os plantadores de café em direção aos planaltos


ocidentais não foi brusco, nem brutal. Foi o simples prosseguimento de uma
progressão que, principiada na região montanhosa do Estado do Rio de Janeiro,
continuara pelo chamado “Norte”, o vale do Paraíba, e tinha ganho a região de
Campinas. Ali, no que então se chamava o Oeste de São Paulo, as plantações de
café eliminavam lenta porém seguramente a agricultura tradicional e a cana-de-
açúcar. (MONBEIG, 1998, p. 95)

É de Campinas [...] que parte a expansão cafeeira que se alastrará pelo oeste
paulista. Um fato sobretudo orientará a princípio a marcha: é a ocorrência dos
citados solos de terra roxa que se sucedem em manchas próximas umas das outras
de Campinas para o norte. Estas manchas aproveitar-se-ão até a última polegada; e
os cafezais recobri-las-ão uniforme e monotonamente por superfícies que
abrangem por vezes dezenas de quilômetros quadrados sem interrupção... Esta
“onda verde” de cafezais, como tão expressiva e apropriadamente se denominou a
expansão da lavoura que então fundamentava a riqueza brasileira, marchará
rapidamente, alcançando no penúltimo decênio do século a região do rio
Mogiguaçu na sua confluência com o Pardo; aí se formará o núcleo produtor do
melhor e mais abundante café brasileiro. O “café de Ribeirão Preto” (centro da
região) se torna mundialmente famoso. (PRADO JUNIOR, 1967, p. 165)

Introdução

Essas duas passagens, a primeira de Pierre Monbeig e a segunda de Caio Prado


Junior, dizem muito acerca da economia cafeeira paulista oitocentista. Acompanhando o
curso do rio Paraíba, a produção de café em grande escala para o mercado externo havia
alcançado a província de São Paulo no início do século XIX e, tal como no Rio de Janeiro, os
pioneiros foram alguns pequenos proprietários de terra.
Passado o período de adaptação dos agricultores às necessidades da rubiácea e dessa
às condições climáticas da nova região, a cultura passou a ser encarada pelos paulistas como
investimento mais seguro. O resultado foi a popularização da planta e a proliferação de
pequenas e médias plantações pelo território paulista. Em 1836, conforme os dados
15

apresentados por Müller, a cultura podia ser encontrada em trinta e sete dos quarenta e seis
distritos considerados, ou seja, o café estava presente em 80,4% das localidades.4
Ao contrário do que havia ocorrido no Rio de Janeiro, a cafeicultura paulista não se
limitou às regiões litorâneas, estendendo-se também ao planalto, onde a atividade apresentou
excelentes resultados. Segundo Prado Junior, uma das principais vantagens da região
planaltina era o relevo menos acidentado que protegia as terras recém-desmatadas das
intempéries, conservando sua fertilidade por mais tempo. Por essa razão, os cafezais do
planalto
[...] embora plantados com o mesmo descuido, [...] sofrerão menos da ação dos
agentes naturais. A declividade menor do terreno oferecerá certa proteção ao solo
que conserva assim mais longamente suas qualidades. (PRADO JUNIOR, 1967, p.
164-165)

As primeiras experiências com a cultura no atual Nordeste Paulista tiveram início


ainda na primeira metade do século XIX, quando a região, ainda pouco povoada, era
dominada pela criação de gado e pela agricultura de subsistência. 5 Em 1836, existia uma
pequena produção na antiga vila de Mogi-Mirim, contudo, a nova atividade ainda não
possuía força suficiente para rivalizar com as ocupações tradicionais da região, sendo a
principal delas a criação de gado. Em 1854, foram comercializadas 2.000 reses, com valor
estimado em trinta contos de réis, praticamente o dobro do valor das produções de açúcar e
café somadas. (Cf. BASSANEZI, 1998)6
O avanço do café continuou até que na década de 1860 o cafeeiro alcançou a região
entre os rios Pardo e Mogi-Guaçu, onde uma localidade desde cedo despontou como grande
produtora: Ribeirão Preto. Fundada em 1856, o então Arraial de São Sebastião do Ribeirão
Preto cresceu rapidamente. Em 1870 era elevado à categoria de freguesia e no ano seguinte à
de Vila de Ribeirão Preto. A Câmara Municipal iniciou os trabalhos em 1874, ano em que
ocorreu, de fato, o desmembramento da vila de São Simão. A nova vila passou a ser o centro

4. O levantamento efetuado por Daniel Pedro Müller durante os anos de 1836 e 1837 pode ser considerado o mais completo
acerca da população paulista e suas atividades econômicas até então. Contudo, o próprio Müller admite que a falta de clareza
das tabelas enviadas pelas autoridades municipais pode ter comprometido a precisão das informações por ele compiladas.
Reconhecendo a importância desse recenseamento, Francisco Vidal Luna procurou verificar a coerência das informações
apresentadas por Müller. Para avaliar as informações econômicas do censo, Luna somou as quantidades por produto e por
vila contidas no documento. Na maioria dos casos, os resultados alcançados foram iguais aos apresentados por Müller ou
apresentaram pequenas divergências. Porém, alguns produtos – chá, farinha de mandioca e milho – apresentaram diferenças
consideráveis. No caso do café, houve uma diferença pequena, de apenas 100 arrobas. (Cf. LUNA, 2002)
5. A região que atualmente é conhecida como Nordeste Paulista é a mesma que historicamente ficou conhecida como Oeste
Paulista.
6. Os dados censitários utilizados no presente estudo tiveram duas fontes. A primeira foi a edição facsimilada do Ensaio
D’Um Quadro Estatístico da Província de São Paulo, de Daniel Pedro Müller, publicado pelo Governo do Estado de São
Paulo no ano de 1978. Os dados referentes aos demais censos utilizados foram gentilmente cedidos por Maria Silvia C.
Beozzo Bassanezi, organizadora do projeto São Paulo do Passado: Dados Demográficos, realizado pelo NEPO/UNICAMP
com apoio do CNPq.
16

da cultura cafeeira na região, cuja produção logo superou a das regiões cafeeiras mais
antigas.

O Avanço do Café No Nordeste Paulista e o Município de Ribeirão


Preto

Segundo informações de Affonso Taunay, o início da cultura cafeeira em São Paulo


se deu, provavelmente, durante a década de 1780. Alguns relatos da época mostram que no
início da década de 1780 não havia, ainda, registro do cultivo da rubiácea em solos paulistas.
Já no final do mesmo decênio outros informes registram o cultivo da rubiácea tanto no litoral
quanto no planalto. Em 1782, o então ouvidor Marcelino Pereira Cleto sugeria que as terras
do planalto se dedicassem à produção de gêneros de fácil exportação, tais como o anil e o
café, culturas ainda não exploradas e que poderiam trazer benefícios à antiga capitania.7 Em
1787, carta do então Juiz de Santos, José Antonio Appolinario da Silveira, ao Ministro
Martinho de Mello e Castro informava que nas terras da localidade santista o café já era
cultivado, ao lado do algodão e do arroz. No ano seguinte, no relato de José Arouche de
Toledo Rendon, há menção sobre lavouras de café não só no litoral, mas também no
planalto.8 (Cf. TAUNAY, 1939, vol. 2, p. 281-285)
Ainda que as primeiras plantações sejam da década de 1780, as primeiras
quantidades de café exportadas pelo porto de Santos somente foram registradas no final da
década seguinte. De acordo com os dados apresentados na Tabela 1.1, as primeiras
quantidades exportadas pelo porto de Santos, de 1797 a 1803, foram discretas, com preços
médios da arroba variando de Rs 2$000 a Rs 3$200 réis. Entre os anos de 1804 e 1807, os
preços médios se mostram mais elevados, ficando entre Rs 3$000 e Rs 4$000 réis. Essas
informações, apresentadas por Taunay, foram organizadas pelo Marechal Müller,
provavelmente entre os anos de 1817 e 1818, a pedido de dois naturalistas que visitavam o
país, Spix e Martius, e por Antonio de Toledo Piza, responsável pela publicação da série
Documentos Interessantes, do Arquivo do Estado de São Paulo. (Cf. TAUNAY, 1939, vol.
2, p. 280-281)

7. As informações do ouvidor foram extraídas de sua “Dissertação a respeito da Capitania de S. Paulo, sua decadência, e
meios de restabelecê-la”, de 1782. (Cf. TAUNAY, 1939, vol. 2, p. 281)
8. O relato era intitulado “Reflexões sobre o estado em que se acha a agricultura na capitania de São Paulo”. (Cf. TAUNAY,
1939, vol. 2, p. 285)
17

Tabela 1.1
Quantidades Exportadas e Preço Médio da Arroba de Café
no Porto de Santos
(São Paulo, 1797-1807)

Quantidades Exportadas Preços Médios


Anos
(Em Arrobas) (Em Mil Réis)
1797 132 3.200
1798 116 3.200
1799 675 3.200
1800 243 -
1801 954 3.000
1802 1.060 2.000
1803 1.270 2.400
1804 - 3.000
1805 - 4.000
1806 - 4.000
1807 - 3.900
Fonte: TAUNAY, 1939, vol. 2, p. 281.
Obs.: Não havia dados sobre exportação para o período 1804-1807. Não havia
também informação de preço médio para o ano de 1800.

Em seguida, o cafeeiro, que já havia atingido a região de planalto próxima à Serra do


Mar, começou sua marcha em direção nordeste, alcançando rapidamente as localidades de
Jundiaí e Campinas. Provavelmente, as primeiras lavouras campineiras foram formadas na
década de 1810. Os bons resultados dos primeiros cafeicultores incentivaram os demais
fazendeiros da localidade, que começaram a deixar o cultivo da cana-de-açúcar e a produção
de seus derivados, substituindo-os pelo cultivo da rubiácea, até que, na década de 1840, o
café já ocupava lugar de destaque na economia regional. Campinas foi
[...] a verdadeira porta de entrada do café no ocidente de São Paulo – porque foi em
suas terras que a maravilhosa rubiácea tomou pé o fôlego, se constituiu em
verdadeira cultura indústria, e de lá se desdobrou triunfante, seguindo o caminho
do sol, em sua grande marcha para o poente. (Freire Allemão Apud TAUNAY,
1939, vol. 2, p. 332)

A cultura cafeeira demorou um pouco para romper os limites campineiros e avançar


no sertão desconhecido. No final do século XVIII era essa a denominação da região
considerada pelo presente estudo e o Mapa 1.1 ilustra bem esse fato. Nele é possível
observar a rota seguida pelos viajantes em direção a Goiás, alguns dos diversos pousos
existentes pelo caminho, locais de travessia dos rios mais caudalosos e, em destaque, o curso
dos rios Pardo e Mogi-Guaçu. O mapa aponta também qual seria a tribo indígena que
habitava a região: os caiapós.
18

Mapa 1.1
A Estrada de Goiás na Capitania de São Paulo
(São Paulo, séculos XVIII e XIX)

Fonte: Modificado a partir de BACELLAR & BRIOSCHI, 1999, p. 45.

A ocupação promovida por esse caminho marcou profundamente o interior paulista.


Os pousos estabelecidos para dar apoio aos viajantes acabaram se transformando em núcleos
populacionais, depois arraiais, freguesias e, finalmente, vilas. Na primeira metade do século
XVIII, a descoberta do ouro em Goiás fez intensificar o trânsito nesse caminho e foram
registrados diversos pedidos de sesmarias. A principal justificativa apresentada pelos
solicitantes era a intenção de formar pousos e dar apoio aos viajantes que partiam de São
19

Paulo em direção às novas minas. Em aproximadamente nove anos, de 1727 até 1736, foram
registradas mais de 69 concessões de sesmarias. (Cf. BRIOSCHI, 1999, p. 47) Com o
esgotamento das minas goianas os pousos esvaziaram-se e na segunda metade do século
XVIII eram poucos os moradores da região.
No final do século, o interesse pelas terras do antigo sertão foi reaparecendo “quer
nas precauções tomadas pelas autoridades quanto à legitimação das posses, quer na
disposição de particulares em adquirir glebas na região.” Esse interesse era reflexo de uma
nova leva de ocupantes, paulistas de outras localidades, descendentes de antigos sesmeiros e
entrantes mineiros, com o objetivo de explorar o potencial pecuário dessas áreas ricas em
pastos naturais. (Cf. BRIOSCHI, 1995, p. 72-75)
No entanto, relatos dos viajantes que percorreram o interior do país durante a
primeira metade do século XIX mostram que, apesar do restabelecimento das correntes de
povoamento do nordeste paulista nos anos finais do século XVIII, a extensa região ainda
possuía muitas áreas desabitadas.
Luiz D’Alincourt, português que percorreu o interior paulista em 1818, mostra em
sua “Memória sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá” que os territórios
além de Campinas eram pouco povoados, dedicando-se, seus habitantes, ao cultivo de
gêneros de subsistência, além da criação de gado e pequenos animais. Sobre Casa Branca
informa o viajante,
[...] a gente é bisonha, e desconfiada, o sítio saudável, e alegre; as águas boas: um
comprido vale coberto de arvoredo, semicircunda o lugar e a ele vão dar outros
menores igualmente cobertos, cuja variedade forma uma agradável perspectiva.
Estes povos colhem algodão, milho, feijão, e algum trigo; plantam cana-de-açúcar;
porém o forte de seu negócio consta de gado vacum e capados. (D’ALINCOURT,
1975, p. 65)

Partindo de Casa Branca, D’Alincourt seguiu percorrendo a estrada para Goiás.


Passou por diversas fazendas, descrevendo as terras, plantações e animais. Na fazenda
Paciência havia uma série de diferentes plantações, boas pastagens e regos d’água. Eram
criados bovinos, eqüinos, porcos e galinhas. Plantava-se milho, feijão, legumes e cana-de-
açúcar, utilizada na fabricação de açúcar e aguardente. Essa fazenda seria a última que o
viajante ia encontrar até alcançar o rio Pardo.
Seguindo seu caminho, encontrou o sítio da Oleria, habitado por um só morador.
Depois, passou pelo sítio Cercado, habitado por outras quatro pessoas. Continuando,
encontrou mais dois moradores e observou mais alguns à esquerda do caminho. Por fim,
alcançou o rio Pardo, onde a travessia era feita por meio de canoas. Nesse pequeno porto,
20

viviam duas pessoas, responsáveis pela cobrança das taxas de transporte: vinte réis pelo
transporte da carga, quatrocentos pelo transporte de uma pessoa e sessenta réis por cada
animal que cruzasse o rio a nado. (Cf. D’ALINCOURT, 1975, p. 66-67)
Outro viajante estrangeiro que passou pelo sertão paulista na primeira metade do
Oitocentos foi Auguste de Saint-Hilaire. Naturalista francês, Saint-Hilaire viveu no Brasil de
1816 a 1822, viajou pelos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás,
São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 1817, começou sua primeira jornada à
antiga província paulista, partindo de Franca, passando pelas localidades de Mogi Mirim,
Campinas, Jundiaí e São Paulo. Desta última, partiu em direção a Itu, Sorocaba, Itapetininga
e Itapeva da Faxina. O Mapa 1.2 apresenta esse trajeto, apontando as principais cidades
visitadas pelo francês.
Entre Franca e Moji Mirim o naturalista percorreu cerca de quarenta léguas,
aproximadamente 264 quilômetros, atravessando campos pouco acidentados, pastagens e
algumas flores. Sobre os habitantes que ele encontrou nesse percurso, o viajante declara:
A escassa população existente no trecho situado entre esse arraial [o arraial de
Franca – LSL] e a cidade de Moji-Mirim é igualmente composta de uma mistura
de antigos habitantes e novos colonos. Os primeiros, todos paulistas e
provavelmente mestiços, em diferentes graus, de índios e brancos [...] homens
grosseiros, apáticos e sujos. Os segundos, nascidos geralmente na Comarca de São
João del Rei, [...] diferem bastante de seus vizinhos. A limpeza reina em suas
casas, eles são mais ativos, bem mais inteligentes, menos descorteses e mais
hospitaleiros que os legítimos paulistas dessa região. Numa palavra, eles
conservam todos os hábitos e costumes de sua terra natal. (SAINT-HILAIRE,
1976, p. 92)

As atividades desenvolvidas por essas pessoas não se afastam das identificadas


anteriormente por D’Alincourt. Não há menção ao café e a atividade predominante é a de
criação. Conforme informações do francês, os bois criados na região eram comercializados
via São João del Rei ou enviados para São Paulo.
Os fazendeiros aproveitam-se das excelentes pastagens que o lugar oferece,
dedicando-se à criação de ovelhas e de numeroso gado, não negligenciando
também a de porcos. Os mais ricos, [donos de fazendas ou de grandes propriedades
– LSL] enviam as suas crias, por sua própria conta, à capital do Brasil, e os
negociantes da Comarca de São João del Rei vão comprar nas próprias fazendas o
gado dos criadores menos prósperos. Um grande número de bois da região é
enviado também para São Paulo, onde são usados no trabalho dos engenhos de
açúcar. Ali, a má qualidade das pastagens não tarda a fazer com que a maioria
morra, o que força os seus proprietários a comprar outros. Alguns anos antes da
época de minha viagem, os bois não valiam ali mais do que 3.000 réis; em 1819 os
negociantes compravam-nos até por 5.000. (SAINT-HILAIRE, 1976, p. 92-93)

Chegando ao rio Pardo, Saint-Hilaire observou que em meio ao brejo que se formava
em certas áreas ao longo do rio havia pequenos poços de água, que seriam as chamadas
21

“águas minerais do Rio Pardo”. Essas possuíam um gosto forte e cor avermelhada, sendo
muito apreciadas pelos animais, que com sua ingestão substituíam o sal tão necessário à sua
dieta. (Cf. SAINT-HILAIRE, 1976, p. 99)

Mapa 1.2
Itinerário da Primeira Viagem de Saint-Hilaire pela Província de São Paulo
(São Paulo, 1817)

Fonte: SAINT-HILAIRE, 1945.

Seria difícil imaginar que os viajantes deixassem de apontar a existência do cafeeiro


nas terras do antigo sertão, sendo razoável supor que, de fato, a pouca ocupação, a distância
do litoral e o constante medo de geadas, dificultaram o avanço da cultura. Entre as viagens
de Saint-Hilaire e D’Alincourt e os primeiros indícios da presença da cultura cafeeira na
região do Nordeste Paulista passar-se-iam mais de dez anos.
Os primeiros dados sobre produção de café na região seriam registrados pelo
marechal Daniel Pedro Müller, em 1836. Segundo as informações de Müller, a base da
economia paulista era a agricultura, em especial, o cultivo da cana-de-açúcar e a produção de
seus derivados. Essas atividades concentravam-se no quadrilátero formado pelas vilas de
Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçú e Jundiaí. Nessa área, destacava-se a vila de Campinas,
22

responsável por 28,1% da produção de açúcar e 15,8% da produção de aguardente da


província em 1836. (Cf. MÜLLER, 1978, p. 129 e 131)9
Nessa época, o território do futuro Arraial de São Sebastião do Ribeirão Preto
pertencia à vila de Mogi Mirim. Em 1841 ocorreria o desmembramento de Casa Branca, em
1865, o de São Simão e, em 1871, o de Ribeirão Preto.
De acordo com os dados apresentados pelo marechal e reproduzidos na Tabela 1.2,
na região das vilas de Franca e Mogi-Mirim a economia era caracterizada pela criação de
animais e pela produção de gêneros alimentícios. Panorama semelhante ao relatado pelos
viajantes dez anos antes. A produção de arroz, milho, fumo e algodão nessas duas
localidades era consideravelmente maior do que a de Campinas, assim como as criações de
gado bovino, suíno, eqüino, ovino e muar. Essas duas localidades, Mogi-Mirim e Franca,
respondiam por aproximadamente onze por cento da produção paulista de gado bovino em
1836.10

Tabela 1.2
Produção de Algumas Localidades Paulistas
(Mogi-Mirim, Campinas e Franca, 1836)

Produtos Unidade Mogi-Mirim Campinas Franca


Café Arrobas 610 8.081 211
Açúcar Arrobas 40.520 158.447 272
Aguardente Canadas 2.312 7.399 337
Arroz Alqueires 8.668 3.672 2.111
Farinha de mandioca Alqueires - 952 3.893
Feijão Alqueires 12.558 21.015 -
Milho Alqueires 354.707 96.786 138.632
Fumo Arrobas 1.850 358 311
Algodão em rama Arrobas 355 - -
Porcos Unidades 14.506 3.137 5.613
Gado cavalar Unidades 1.574 221 353
Gado muar Unidades 477 29 33
Gado vaccum unidades 2.313 687 1.817
Gado lanígero unidades 316 134 632
Trigo Alqueires 16 - -
Valor da produção 308:325$620 308:089$580 111:882$920
Fonte: MÜLLER, 1978, p. 126.

9. Sobre os dados de Müller ver a nota de rodapé número um.


10. A ênfase nas localidades de Franca, Mogi-Mirim e Campinas deve-se ao fato de Campinas ter sido o centro dinâmico do
historicamente chamado Oeste Paulista, considerado ponto de partida para a expansão da cafeicultura em direção ao Novo
Oeste Paulista, área contemplada pelo presente estudo. A localidade de Franca foi escolhida por representar um outro tipo de
economia, baseada na produção de alimentos e gado. A importância da localidade de Mogi Mirim reside no fato dela ter sido
a vila de onde foi desmembrada a antiga vila de Casa Branca e, conseqüentemente, as antigas vilas de São Simão e Ribeirão
Preto. Sempre que houver disponibilidade de dados, considerar-se-á, também, as localidades de Casa Branca, São Simão e
Ribeirão Preto.
23

Cabe destacar que o rebanho da vila de Mogi-Mirim, em números absolutos, era


maior do que o encontrado na vila de Franca, centro de uma região reconhecidamente
voltada para a criação de gado. (Cf. OLIVEIRA, 1997 e 2003) Calculando-se o rebanho
médio por habitante – apenas eqüinos, bovinos e muares – encontra-se uma posse média em
Mogi-Mirim igual a 0,45 e em Franca igual a 0,33.
A diminuta produção cafeeira anotada em Mogi-Mirim indica que o plantio da
rubiácea e a formação dos cafezais estavam ainda em seus momentos iniciais, pois um
cafezal demorava de três a quatro anos para começar a produzir. A criação de gado ainda era
a atividade mais importante e mais comum entre os habitantes do antigo sertão.11
Segundo Pierre Monbeig, a chegada do café no Nordeste Paulista não foi resultado
de um movimento brusco, mas sim a conseqüência natural de um processo que caracterizou
toda cafeicultura brasileira oitocentista. Atividade itinerante, o café abandonava as regiões
tão logo a produtividade das árvores decaía. Esse movimento provocava constantes
alterações nas quantidades produzidas, o que não era percebido quando se analisavam os
dados em conjunto, pois uma nova região sempre substituía a anterior. (Cf. PRADO
JUNIOR, 1967, p. 164)
Sérgio Milliet, dividindo a província paulista em regiões conseguiu caracterizar
muito bem tal dinâmica. Conforme o Mapa 1.3, Milliet considerou sete regiões: Norte,
Central, Paulista, Mogiana, Araraquarense, Noroeste e Alta-Sorocabana.12 A análise da

11. Não se deve esquecer que depois de plantadas as mudas, os cafezais demoravam de três a quatro anos para começar a
produzir. Esse intervalo de tempo, entre o plantio e as primeiras safras, pode ter promovido a subestimação do real avanço da
cultura cafeeira no momento em que foi feito o levantamento utilizado por Mülller.
12. Milliet separou os municípios cafeicultores em sete zonas. A primeira, a zona Norte, era composta pelos municípios do
litoral e do Vale do Paraíba, mais especificamente, Aparecida, Areias, Bananal, Buquira, Caçapava, Cachoeira,
Caraguatatuba, Cruzeiro, Cunha, Guararema, Guaratinguetá, Igaratá, Jacareí, Jambeiro, Jataí, Lagoinha, Lorena, Mogi das
Cruzes, Natividade, Paraibuna, Pindamonhangaba, Pinheiros, Piquete, Queluz, Redenção, Salesópolis, Santa Branca, Santa
Izabel, São Bento, São José dos Campos, São José do Barreiro, São Luiz do Piratininga, São Sebastião, Silveiras, Taubaté,
Tremembé, Ubatuba e Vila Bela. A segunda região foi denominada pelo autor de zona Central, englobando os municípios
contidos no polígono — Capital, Piracaia, Bragança, Campinas, Piracicaba, Itapetininga, Piedade, Una, Capital — ou seja, as
localidades de Angatuba, Anhembi, Araçariguama, Atibaia, Bofete, Bragança, Cabreúva, Campinas, Campo Largo,
Conchas, Capivari, Cotia, Guarei, Indaiatuba, Itapetininga, Itatiba, Itu, Joanópolis, Jundiaí, Juqueri, Laranjal, Monte Mor,
Nazaré, Parnaíba, Pereiras, Piedade, Piracaia, Piracicaba, Porangaba, Porto Feliz, Rio das Pedras, Santo, Santa Bárbara, São
Pedro, São Roque, Sarapui, Sorocaba, Tatuí, Tiete, Uma e Americana. Milliet não incluiu o município da capital, pois ela
“[...] constitui uma zona a parte, independente e diferente do resto do Estado [...]” e se fosse considerada “[...] viria a sua
inclusão modificar de todo em todo quaisquer considerações sobre o desenvolvimento da inteira região [...]” (MILLIET,
1938, p. 10). A terceira região, a Mogiana, era composta pelos municípios tributários da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro,
a partir de Campinas, ou seja, as cidades de Amparo, Altinópolis, Batatais, Brodowski, Caconde, Cajurú, Casa Branca,
Cravinhos, Espírito Santo do Pinhal, Franca, Guará, Igarapava, Itapira, Ituverava, Jardinópolis, Mogi Mirim, Mogi Guaçú,
Mococa, Nuporanga, Orlândia, Patrocínio do Sapucaí, Pedregulho, Pedreira, Ribeirão Preto, Sertãozinho, São João da Boa
Vista, São José do Rio Pardo, São Joaquim, São Simão, Santo Antonio da Alegria, Santa Rosa, Serra Azul, Serra Negra,
Socorro, Tambaú, Tapiratiba e Vargem Grande. A quarta zona, chamada de Paulista, reunia os municípios tributários da
Estrada de Ferro Paulista, com “[...] exceção dos da Alta Paulista, que foram adidos à zona da Noroeste, pos se ligarem, pela
cronologia, mais nitidamente à expansão desta [....]” (MILLIET, 1938, p. 11), sendo, portanto, as localidades de Anápolis,
Araras, Araraquara, Barretos, Bebedouro, Cajobi, Colina, Descalvado, Guairá, Guariba, Jaboticabal, Leme, Limeira, Monte
Azul, Olímpia, Palmeiras, Pirassununga, Pitangueiras, Porto Ferreira, Rio Claro, São Carlos, Santa Cruz da Conceição, Santa
24

produção de café foi feita com base em diversos levantamentos, censos e estatísticas,
abrangendo um período de aproximadamente um século.

Mapa 1.3
Divisão do Território Paulista Proposta por Milliet
(São Paulo, 1938)

Fonte: Modificado a partir de: Milliet, 1838, p. 24.

Durante todo o período considerado pelo autor, a produção das diversas regiões não
se mostrou constante. Em cada região, chegava o cafeeiro, formavam-se os cafezais e
elevava-se a produção. Num segundo momento, esgotavam-se as terras, envelheciam as
plantações e a produtividade caía. Os cafeicultores, então, partiam em busca de terras mais
férteis, abrindo novas fazendas e formando novos cafezais. Dessa forma, enquanto uma
região entrava em fase de decadência, outra ascendia.
Conforme o Gráfico 1.1, a produção da região Central, por exemplo, cresce até a
década de 1880 para depois começar a cair. A produção da região Norte já apresenta

Rita do Passa Quatro e Viradouro. A quinta região, a Araraquarense, como foi chamada, era composta pelos municípios de
Ariranha, Barra Bonita, Bariri, Bica da Pedra, Boa Esperança, Borborema, Brotas, Catanduva, Cedral, Dourado, Dois
Córregos, Ibirá, Ibitinga, Itápolis, Inácio Uchoa, Jaú, José Bonifácio, Matão, Mineiros, Mirasol, Monte alto, Monte
Aprazível, Mundo Novo, Nova Granada, Novo Horizonte, Pederneiras, Pindorama, Potirendaba, Ribeirão Bonito, Rio Preto,
São João da Bocaina, Santa Adélia, Tabapuan, Tabatinga, Tanabi, Taquaritinga e Torrinha. A Noroeste, sexta região,
englobava os municípios tributários das Estradas de Ferro Noroeste do Brasil e Alta Paulista: Araçatuba, Avaí,
Avanhandava, Bauru, Cafelância, Birigui, Coroados, Duartina, Gália, Garça, Glicério, Iacanga, Lins, Marília, Penápolis,
Pirajuí, Piratininga, Presidente Alves e Promissão. A Alta Sorocabana foi a sétima e última região definida por Milliet,
contemplando os municípios tributários da Estrada de Ferro Sorocabana, a partir de Botucatu: Agudos, Assis, Avaré,
Bernardino de Campos, Bocaiúva, Botucatu, Campos Novos, Candido Mota, Cerqueira César, Chavantes, Conceição do
Monte Alegre, Espírito Santo do Turvo, Fartura, Ipaussú, Lençóis, Macaraí, Óleo, Ourinhos, Palmital, Paraguaçu, Piraju,
Platina, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Quatá, Salto Grande, Santa Bárbara do Rio Pardo, Santa Cruz do Rio
Pardo, São Manoel, São Pedro do Turvo e Santo Anastácio. Milliet deixou de estudar as zonas Baixa Sorocabana e Litoral
Sul, consideradas não interessantes ao estudo do roteiro do café em São Paulo. (MILLIET, 1938, p. 10-12)
25

comportamento distinto, diminuindo continuamente até 1935. Os movimentos de queda e


crescimento da produção nas diversas regiões acabaram se compensando, de modo que a
produção total da antiga província e depois estado não sofreu diminuição. Ao contrário, a
produção paulista apresenta tendência crescente durante todo o período, tal como mostra o
Gráfico 1.2.

Gráfico 1.1
Produção Cafeeira das Diversas Regiões da Província
(São Paulo, 1836-1935)
100,0
90,0
Porcentagem da Produção

80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1836 1854 1886 1920 1935
Anos
Norte Central Mogiana Paulista Araraquarense Alta Sorocabana Noroeste

Fonte: MILLIET , 1938, p. 18-22.

Gráfico 1.2
Produção Cafeeira da Província
(São Paulo, 1836-1935)

60.000
52.440,21
50.000

40.000
Mil Arrobas

30.000
22.098,86
20.000
10.374,35
10.000
590,07 3.534,26
0
1836 1854 1886 1920 1935

Fonte: M ILLIET, 1938, p. 18-22.


26

Entre 1836 e 1854 a produção da província cresceu vertiginosamente, passando de


590.066 para 3.534.256 arrobas, praticamente sextuplicando a quantidade produzida em
1836. Mais significativos, ainda, foram os números de duas regiões: a Central e a Mogiana.
A quantidade produzida pela primeira passou de 70.378 para 491.397 arrobas e os números
da segunda passaram de 821 para 81.750 arrobas. Esses números dão idéia da expansão da
cultura no Nordeste Paulista, em especial nas antigas vilas de Mogi-Mirim e Casa Branca.
Essas duas localidades, segundo informações do censo de 1854 reproduzidas na Tabela 1.3,
foram responsáveis por toda a produção cafeeira da zona Mogiana apresentada por Milliet.
A fim de recompor a unidade territorial considerada anteriormente, as produções de
Mogi-Mirim e da recém-desmembrada freguesia de Casa Branca foram somadas. Analisadas
em separado, a produção da primeira, Mogi-Mirim, alcançou as 80 mil arrobas e a da
segunda, Casa Branca, 1.750. Em Mogi-Mirim, eram 66 fazendas produtoras, que
empregavam 1.536 trabalhadores, dos quais 174 agregados, 380 colonos e 982 cativos, além
de 1.500 animais de transporte. A produção total foi avaliada em 320 contos de réis, o que
corresponde a 4$000 réis por arroba. Já a cultura cafeeira em Casa Branca apresentava
números consideravelmente mais modestos. Havia um total de seis fazendas, que
empregavam 400 cativos e utilizavam 89 animais para transporte. Não foram encontrados
colonos e nem agregados. As 1.750 arrobas produzidas foram avaliadas em sete contos de
réis, 4$000 por arroba, mesmo valor encontrado para Mogi-Mirim.

Tabela 1.3
Produção de Algumas Localidades Paulistas
(Mogi-Mirim, Campinas e Franca, 1854)

(a) (b)
Produtos Unidade Mogi-Mirim e Casa Branca Campinas Franca
Café Arrobas 81.750 335.550 sem informação
Açúcar Arrobas 229.900 62.290 8.800
Gado Unidades 3.600 sem informação 3.300
Fonte: TAUNAY, 1939, vol. 3. p. 131-132 e BASSANEZI, 1998.
(a) A fim de recompor a unidade territorial de 1836, agregamos os dados de Casa Branca, vila desmembrada de Mogi-Mirim em
1841. (b) Para recompor a unidade territorial de 1836, deveríamos agregar aqui os dados de Batatais, o que não foi possível
porque, segundo notas explicativas do censo, a vila de Batatais não enviou as informações solicitadas pelo recenseador.

Na vila de Campinas, eram 177 as fazendas produtoras. Estas, em 1854, haviam


produzido uma safra de 335.550 arrobas. Essas unidades produtivas empregavam 28
agregados, 198 colonos e nada menos que seis mil cativos, totalizando 6.226 indivíduos.
Com relação ao antigo complexo açucareiro, a produção de açúcar, que em 1836 havia sido
27

de 158.447 arrobas, se viu reduzida a apenas 62.290 arrobas. O número de unidades


produtoras, que em 1836 totalizava noventa e três, caiu pela metade. Em 1854, havia apenas
quarenta e quatro engenhos funcionando.
No entanto, o antigo sertão ainda era marcado pela criação de gado. Em Franca, as 90
fazendas que se dedicavam a essa atividade utilizavam o trabalho de 326 agregados, 939
cativos e produziam 3.300 reses ao ano. A produção de derivados da cana era atividade
principal de vinte fazendas, cujas produções somadas alcançaram 8.800 arrobas. Essas
fazendas contavam com o trabalho de quarenta agregados e 243 cativos, totalizando 283
indivíduos. Em termos de valor, a produção anual de gado foi avaliada em Rs 45:200$000
contos de réis, enquanto a produção de açúcar alcançou a metade dessa quantia, Rs
20:000$000. Infelizmente, o censo não traz informações sobre a existência ou não de
fazendas cafeeiras no território francano.
O café não era uma atividade a ser desempenhada em regiões distantes. O principal
problema enfrentado pelos produtores que se aventuravam a produzir em regiões isoladas era
como escoar lucrativamente a sua produção. A distância média do porto de Santos e das
principais localidades produtoras era de duzentos quilômetros, que deveriam ser vencidos
com a utilização de tropas de mulas e carros de bois. Contudo, o estado de conservação das
estradas era precário. Conforme Emília Viotti da Costa, até mesmo as vias consideradas
vitais, como a estrada que ligava Santos a São Paulo, estavam comprometidas.
Os muitos caminhos existentes haviam sido abertos de maneira aleatória, muitas
vezes para satisfazer o interesse privado e não o público, sem a orientação e a supervisão de
engenheiros ou pessoas capacitadas. A falta de planejamento e técnica gerava estradas e
pontes que logo se deterioravam, muitas vezes tornando-se intransitáveis. A falta de um
órgão administrativo, responsável pelo direcionamento dos esforços e dos recursos,
contribuía para a manutenção desse ineficiente sistema.
A falta de especificação das responsabilidades respectivas contribuía para o mau
andamento dos serviços públicos, estimulava a negligência das autoridades locais e
dos interesses particulares. Discutia-se a quem pertencia a obrigação de conservar
determinada estrada, se aos fazendeiros ou às câmaras, se a estas ou ao governo
provincial; enquanto isso, os caminhos permaneciam em péssimo estado. (COSTA,
1998, p. 215)

Nessas condições, as viagens eram uma verdadeira aventura. Por maior que fosse o
cuidado dos tropeiros os acidentes eram freqüentes: perdiam-se animais e cargas. As paradas
eram obrigatórias, por causa de uma ponte quebrada, do mau tempo ou por necessidades de
reabastecimento.
28

A cafeicultura paulista suportou esse sistema de transporte rudimentar até a segunda


metade do século XIX. Em 1856, uma concessão feita ao Barão de Mauá, ao Marquês de
Monte Alegre e a J. A. Pimenta Bueno previa a construção de uma estrada de ferro ligando
Santos às vilas de São Paulo e Jundiaí. A obra foi concluída em 1867, sendo a administração
da estrada passada ao capital inglês, dando origem à São Paulo Railway Company. (Cf.
SAES, 1981, p. 22)13 A partir de Campinas, uma outra empresa seria responsável pela
construção e prolongamento dos trilhos: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a
primeira companhia ferroviária fundada com capital nacional. (Cf. SAES, 1981, p. 170)
A partir do momento em que a São Paulo Railway inaugurou o trecho entre Santos e
Jundiaí, o ritmo de construção de novas linhas e ramais foi acelerado. Partindo de Jundiaí, a
Companhia Paulista logo chega aos demais núcleos cafeicultores: em 1872 foi inaugurado o
trecho entre Jundiaí e Campinas; em 1876 o trecho até Rio Claro e o ramal até Descalvado;
entre 1873 e 1882, inauguraram-se os trechos ligando Itu a Jundiaí, São Paulo a Ipanema,
Tietê e Botucatu; em 1884 foi completado o trecho entre São Paulo e Atibaia e prolongaram-
se os trilhos que ligavam Rio Claro a São Carlos, chegando-se a Araraquara; ainda em 1884,
foram concluídos os ramais de Brotas, Dois Córregos e Jaú. (Cf. COSTA, 1998, p. 220-221)
Em 1872, na cidade de Campinas, ocorre a fundação da companhia que seria
responsável por atender os municípios do Oeste Novo. Essa era a Companhia Mogiana de
Estradas de Ferro. A Companhia Mogiana, assim como a Companhia Paulista, foi
organizada por iniciativa e com capitais nacionais. Fundada por um grupo de cafeicultores
em 1872, com capital inicial de três mil contos de réis, a Mogiana planejava chegar apenas
até a cidade de Mogi-Mirim. Os planos iniciais foram logo revistos e a companhia decidiu
construir linhas até as localidades de Casa Branca e Franca. O contrato que permitiu à
Mogiana chegar até Casa Branca previa também a construção de ramais até São Simão e
Ribeirão Preto. A inauguração da estação de Ribeirão Preto aconteceu no dia 23 de
novembro de 1883. Criada para satisfazer a necessidade dos cafeicultores, a rede da Mogiana
era formada por uma série de pequenos ramais,

13. Segundo Flávio Saes, essa não foi a primeira tentativa para se construir a ferrovia em São Paulo. O primeiro intento data
de 1838, quando o governo concedeu à Companhia de Aguiar, Viúva, Filhos e Comp. E Platt e Reid o privilégio para
construção de um trecho ligando Santos ao interior. A segunda aconteceu dois anos depois, quando o governo imperial
concedeu a Thomaz Cochrane o privilégio de construir um trecho entre o Rio de Janeiro e a província paulista. Sobre os
primórdios da ferrovia paulista e as tentativas frustradas anteriores à concessão ao Barão de Mauá e seus sócios, Flávio Saes
indica duas obras: BATISTA, José Luís. O Surto Ferroviário e seu Desenvolvimento. In Anais do III Congresso da História
Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 431-586; e PALMANHO DE JESUS, J. Rápida Notícia sobre as
Estradas de Ferro. In Diccionário Histórico, Geográfico e Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922,
volume 2, p. 723-756.
29

[...] alguns não chegavam a ter vinte quilômetros, enquanto que o mais extenso não
chegava a cem. A grande maioria ficava na base de quarenta ou cinqüenta
quilômetros. Verdadeiras estradas “cata-café” que iam, no seu imediatismo, servir
aos interesses das fazendas de uma região que, na época, já se encontrava na
vanguarda da produção cafeeira em São Paulo. (MATOS, 1974, p. 77)

Com a melhoria do sistema de transporte, a safra paulista cresceu. Entre 1854 e 1886
a produção passou de 3.534.256 arrobas para 10.374.350, praticamente o triplo do volume
anterior. Enquanto a produção da zona Norte apresentava os primeiros sinais de
enfraquecimento, a produção das regiões Central, Mogiana e Paulista aumentava
substancialmente. A produção da região Central passou de 491.397 para 3.008.350 arrobas; a
produção da Mogiana cresceu de maneira ainda mais acentuada, passando de 81.750 para
2.262.599 arrobas; por fim, a produção da Paulista passou de 223.470 para 2.458.134
arrobas. Esses dados apresentados por Milliet para 1886 mostram a consolidação do
Nordeste Paulista como principal região produtora da antiga província. Mesmo sem
informação específica sobre a criação de gado, o substancial crescimento da produção de
café na região da Mogiana pode e deve ser considerado um forte indício de que a lide
criatória já havia perdido seu posto de principal atividade econômica da região.
A cafeicultura da região ganha destaque ainda maior com a abolição da escravatura.
A produção cafeeira no Nordeste Paulista, desde o princípio, foi organizada considerando
que a disponibilidade de cativos era pequena. As primeiras experiências com trabalhadores
livres imigrantes no Nordeste Paulista datam de 1847, quando o então senador Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro conseguiu uma subvenção do governo para trazer imigrantes
alemães e suíços. O governo pagava a viagem, o transporte até a fazenda e os gastos com
manutenção até os trabalhadores estivessem em condições de se manter com seu próprio
trabalho. (Cf. COSTA, 1969, p. 158) O sistema adotado por Vergueiro era o de parceria nos
lucros, recebendo o colono a metade do lucro líquido apurado com a venda do café
produzido por ele. O sistema de parceria não deu bons resultados, sendo a fazenda de
Vergueiro, a Ibicaba, palco de diversos conflitos e confusões.
Dez anos depois de iniciada a experiência a maioria dos fazendeiros estava
disposta a abandoná-la. Em 1857, estourou em Ibicaba uma revolta de proporções
mais sérias que as anteriores. [...] Os colonos acusavam os fazendeiros de explorá-
los, e os fazendeiros viam nos colonos indivíduos de maus bofes. (COSTA, 1969,
p. 159)

O fracasso das experiências de Vergueiro desestimulou os demais fazendeiros e a


substituição do trabalho escravo pelo imigrante ficou desacreditada. Foi somente na década
de 1870, após a lei do Ventre Livre, que o assunto voltou a ser discutido pelos fazendeiros,
30

preocupados com os impactos da libertação dos nascituros. Os governos, tanto imperial


quanto provincial, voltaram a incentivar a imigração, auxiliando aqueles que quisessem
buscar colonos para as suas fazendas. (Cf. BEIGUELMAN, 1977, p. 68)
A década de 1880 foi marcada pela organização de uma série de sociedades com o
objetivo de incentivar a imigração, entre elas as paulistas: Sociedade de Imigração de São
Paulo, fundada em 1884, e a Sociedade Promotora de Imigração, fundada em 1886. O
governo criou novos núcleos coloniais e tentou reorganizar os antigos. Em 1887, foi criado
em Ribeirão Preto o Núcleo Colonial Antonio Prado. (Cf. COSTA, 1998, p. 239). O sistema
de parceria logo foi substituído pelo assalariado ou de empreitada. Assim,
[...] os fazendeiros da área mais nova em plena expansão, e que portanto não havia
ainda constituído seu quadro de trabalho escravo, já vinham ensaiando organizar
sua lavoura com base na mão-de-obra imigrante, integrada na atividade
fundamental da cafeicultura. Nesse processo, o imigrante percebeu as vantagens
que podia oferecer a lavoura cafeeira das terras novas, e o fazendeiro o partido que
podia tirar do interesse despertado. (BEIGUELMAN, 1977, p. 68-69)

Beneficiada pela formação tardia, a área cafeeira do Nordeste Paulista foi uma das
menos prejudicadas pela lei que libertou os cativos em 1888. Sua produção, que em 1886 era
de 2.262.599 arrobas, passa a ser de 7.852.020 em 1920. Segundo Milliet, entre 1886 e 1920,
dentro da zona Mogiana começam a cair as produções de Amparo, São João da Boa Vista,
São José do Rio Pardo e Casa Branda, enquanto sobressaem as produções de Batatais,
Ribeirão Preto, Cravinhos e Sertãozinho. Cravinhos obteve uma produção de 277.420 e
Sertãozinho de 130.847 arrobas.
Considerando agora, apenas a produção de Ribeirão Preto, ela passa de 235.430 em
1890 para surpreendentes 3.370.443 arrobas em 1901. Nessa época, o número de pés de café
em produção alcançava a cifra de 29.384.996. Na safra de 1917-1918, última antes da grande
geada, os números eram: 31.394.365 pés de café que produziam 2.760.000 arrobas, maior do
que a produção de toda a zona Mogiana em 1886. A produção da safra seguinte cai para
1.688.000 arrobas; a de 1919-1920 para 560.000 e a safra anotada pelo censo de 1920
alcança as 741.080 arrobas, 9,4% da produção da Mogiana de Milliet. (Cf. MARCONDES,
2002, p. 13) Em 1890 eram cem as fazendas produtoras. Em 1901 esse número sobe para
256, mas o censo de 1920 aponta a existência de um número menor, 141. (Cf.
MARCONDES, 2002, p. 13)14

14. Marcondes faz uma ressalva, que o “critério utilizado pelo censo para considerar um estabelecimento agrícola não
considerava uma grande parcela dos pequenos produtores”. Por essa razão o número de produtores diminui em relação ao de
1901. (MARCONDES, 2002, p. 6)
31

Pode-se considerar como o auge da cultura cafeeira em Ribeirão Preto as duas


primeiras décadas do século XX. Nesse período, a localidade possuía uma média de trinta
milhões de pés de café e aproximadamente 250 fazendas produtoras. A produtividade média
se manteve próxima às oitenta e cinco arrobas por mil pés, tal como apontada por Gifun
(GIFUN, 1972, p. 161), com destaque para a produtividade de 1901, ano em que cada mil
cafeeiros produziram 114,70 arrobas.
E quais seriam as características da cultura cafeeira que se consolidou no Nordeste
Paulista? Quais os processos e os métodos para a formação dos cafezais? Para alguns
autores, entre eles Caio Prado Junior, o complexo cafeeiro foi organizado de maneira a
reproduzir a estrutura básica da agricultura colonial, ou seja, uma agricultura cujo elemento
fundamental era a grande propriedade monocultural trabalhada por escravos. Nesse contexto,
as fazendas seriam verdadeiras indústrias, semelhantes aos grandes engenhos de açúcar, uma
empresa eficiente com o objetivo de suprir a crescente demanda internacional.15
Além das plantações, as fazendas cafeeiras contavam com várias outras instalações.
Havia os tanques onde os frutos eram lavados após a colheita, os terreiros onde eram
expostos ao sol para secar, máquinas para o descaroçamento e máquinas que separavam e
classificavam os grãos. Além desses equipamentos, havia residências para o fazendeiro e sua
família, senzalas, colônias, cocheiras, estrebarias e oficinas diversas.
Exatamente como o engenho de açúcar, a fazenda de café é um mundo em
miniatura, quase independente e isolado do exterior, e vivendo inteiramente para a
produção do seu gênero. (PRADO JUNIOR, 1967, p. 167)

Para a formação de um cafezal era necessário fazer, em primeiro lugar, a limpeza do


terreno. O tipo de solo preferido pelos paulistas era a terra roxa. Segundo Pierre Monbeig, a
verdadeira terra roxa era rara. Além de possuir alto teor de matéria orgânica esse tipo de solo
era também rico em calcário, apresentando um pH quase sempre superior a sete. Essas
especificidades fazem reduzir a incidência desse tipo de solo a apenas 2% do território
paulista. A preferência por esse tipo de terreno estava também associada à sua profundidade.
A raiz de um cafeeiro adulto podia alcançar até cinco metros, por essa razão, as terras
realmente adequadas para cafeicultura eram aquelas que conservavam sua fertilidade até o
final das raízes (Cf. MONBEIG, 1998, p. 77-78)

15. As características da cultura cafeeira que se consolidou no Nordeste Paulista não eram exclusivas desta região. Os
processos e métodos utilizados pelos cafeicultores dessa região paulista eram, em boa medida, reprodução daqueles
utilizados em outras regiões.
32

Um grupo de oito ou dez cativos conseguia limpar um alqueire de terra por dia. Aos
trabalhadores livres, pagava-se Rs 2$000 por dia mais alimentação, ou de Rs 25$000 a Rs
30$000 sem alimentação. Com a terra limpa, começava-se a derrubada das árvores grandes.
Para esse serviço, o fazendeiro não empregava nunca seus próprios cativos, dado que o
trabalho de derrubada era muito arriscado. Geralmente, eram utilizados os caboclos ou os
mineiros, que, segundo informações de Laërne, faziam esse trabalho de maneira eficiente.
No Rio de Janeiro, pagava-se entre Rs 75$000 e Rs 80$000 pela derrubada de um alqueire de
mata e de Rs 35$000 a Rs 50$000 pelo mesmo trabalho em um alqueire de capoeira. Em São
Paulo, esses valores eram de Rs 60$000 a Rs 80$000 e de Rs 30$000 a Rs 40$000
respectivamente. Uma outra maneira de se fazer a preparação do terreno era a queimada.
Essa geralmente era feita logo após o inverno, época em que a vegetação estava mais
ressecada, durante os meses de setembro e outubro. (Cf. LAËRNE, 1885, p. 243-244)
Após a preparação do terreno, as mudas eram plantadas em carreiras, transplantadas
dos viveiros quando atingiam aproximadamente dois anos. Geralmente, os viveiros eram
estabelecidos em terrenos abrigados do sol, no meio de capoeiras e até mesmo de cafezais já
formados. Uma outra maneira consistia na plantação por meio de sementes, nesse caso a
semeadura era feita nos meses de setembro, outubro e novembro. Eram semeadas várias
sementes em uma única cova, transplantando-se as mudas excedentes que se formavam para
outros locais, geralmente cafezais já prontos que apresentavam falhas. (Cf. LAËRNE, 1885,
p. 252)
O número de pés de café plantados em cada alqueire de terreno variava bastante,
dependendo da distância entre mudas adotada por cada fazendeiro. Conforme os
apontamentos de Laërne, o número de plantas por alqueire de terra podia alcançar quase
quatro mil mudas, se plantadas de doze em doze palmos. (Cf. LAËRNE, 1885, p. 241) Nas
plantações paulistas, plantava-se mudas com no mínimo quatorze palmos de distância,
reduzindo o número de pés por alqueire para 2.869. (Cf. LAËRNE, 1885, p. 253)
Durante os primeiros quatro anos de um novo cafezal, podia-se plantar gêneros de
subsistência entre as jovens árvores: o milho era semeado durante os meses de setembro,
outubro e novembro; o feijão e a mandioca, em fevereiro ou março. Além desses, plantava-se
também a batata e o arroz. Em algumas localidades, a cana-de-açúcar era plantada da mesma
maneira, mas a ocorrência desta não era comum. (Cf. LAËRNE, 1885, p. 256-257) Após três
ou quatro anos começavam as primeiras safras. No Brasil, o cafeeiro florescia de duas a três
vezes por ano, por isso, a colheita era feita em maio, um momento intermediário. Eram
33

colhidos frutos já secos, maduros e verdes, todos de uma só vez. (Cf. LAËRNE, 1885, p.
264)
Sendo uma atividade menos dispendiosa do que a produção de açúcar, a cafeicultura
popularizou-se também entre os pequenos e médios lavradores, sendo esses, normalmente,
os responsáveis pela introdução do novo cultivo em uma determinada localidade. Esse
período inicial era o mais difícil, pois os precursores começavam as plantações sem saber, ao
certo, quais seriam as reações da planta.
Plantado de maneira apropriada e em terras de boa qualidade, o cafeeiro produzia
satisfatoriamente por vinte ou vinte e cinco.A primeira safra ocorria quando o cafeeiro
atingia os quatro anos. Normalmente, as duas colheitas iniciais não apresentavam bons
resultados. Os melhores resultados eram alcançados entre a terceira e a décima safra, quando
o cafeeiro tinha de quatorze a dezesseis anos de idade. A partir da décima primeira safra, o
volume produzido começava a cair, tendência que se acentuava após a vigésima safra. Uma
plantação em boas condições costumava render cerca de cem arrobas por mil pés de café.
Um cafezal com trinta anos rendia, em média, de vinte a trinta arrobas por mil pés. Nas
condições excepcionais do oeste paulista, cafezais já velhos chegavam a render até setenta
arrobas por mil pés. (Cf. CANABRAVA, 1971, p. 93) Entre as pragas que podiam afetar o
rendimento dos cafezais as principais eram a saúva e os cupins, constantemente combatidos
pelos produtores. Além dessas pragas, as ervas-daninhas também atacavam as plantações. As
principais eram a samambaia, a massabará, a mostarda, o picão, o pé-de-galinha, a
trapoéraba, a grama-da-terra, entre outras, além de diversos tipos de batatas, e de
batatinhas. (Cf. LAËRNE, 1885, p. 262-263)
A necessidade de braços era grande, já que todos os processos, desde o plantio,
passando pelas cinco carpas anuais até a colheita, exigiam o emprego intensivo de mão de
obra. Quando disponível, utilizava-se o braço escravo e, na falta deste, o livre assalariado.
Geralmente, o trabalho livre preferido para a derrubada das matas e o cativo para o cuidado
das plantações e colheita dos frutos. Essa grande demanda de mão-de-obra promoveu um
crescimento populacional muito acentuado nas localidades cafeeiras.
Uma dessas localidades era a vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, que tem sua
origem ligada à formação do patrimônio eclesiástico de São Sebastião do Ribeirão Preto em
1856. A vila de São Simão foi ponto de partida para o surgimento desse arraial, em especial
uma de suas fazendas, a do Rio Pardo, com extensão de aproximadamente 13.262 alqueires,
34

apossada por José Dias Campos ainda na primeira década do Oitocentos.16 Campos era
português e chegou à região após passar um período em Minas Gerais, onde se casou e teve
filhos.17 Ele e seus filhos apossaram-se das terras em questão no ano de 1811, ratificando a
posse das mesmas em 1816 e denominando de Ribeirão Preto o principal curso d’água da
fazenda. Além disso, sua família
[...] promoveu a abertura de estradas ligando a fazenda com as freguesias de
Batatais e Casa Branca, via São Simão, com porto no rio Pardo [...]
providenciaram também vários caminhos encruzilhados, havendo benfeitorias,
inclusive na forquilha ou barra do Ribeirão Preto. (MARTINS, 1998, p. 271).

Em 1832, parte das terras da fazenda Rio Pardo foi apropriada pela família Reis de
Araújo, em especial pelos irmãos Manoel José dos Reis, Vicente José dos Reis e Matheus
José dos Reis, que eram moradores da fazenda da Figueira, no quarteirão do Tamanduá, em
São Simão. Os Reis de Araújo então construíram uma pequena casa às margens do córrego
das Palmeiras, como forma de garantir a ocupação. A partir do momento em que ocuparam
as terras, os Reis de Araújo passaram a disputar legalmente a propriedade das mesmas.
A questão durou anos e só foi resolvida em 1846, quando as duas famílias entraram
em acordo. Os Dias Campos concordaram em vender aos Reis de Araújo uma área de mais
de dez mil alqueires pelo valor de quatro contos de réis. Durante o longo processo estes
aproximadamente dez mil alqueires foram divididos pelos posseiros em cinco glebas, dando
origem às fazendas abaixo, conforme mostra o Mapa 1.4.

• Fazenda Pontinha do Ribeirão Preto, com 4.050 alqueires;


• Fazenda do Laureano, com 2.067 alqueires;
• Fazenda do Retiro, com 4.632 alqueires;
• Fazenda Barra do Retiro, com 263 alqueires;
• Fazenda das Palmeiras, com 2.250 alqueires e
• Fazenda Barra do Esgoto.
Os moradores destas fazendas, oriundas da divisão da parte de terras da fazenda Rio
Pardo adquirida pelos Reis de Araújo dos Dias Campos, foram os primeiros habitantes do
que viria a se tornar a vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. E foram estes mesmos
moradores os primeiros a tentar formar o patrimônio de São Sebastião.

Mapa 1.4

16. Sobre a família Dias Campos e a fazenda Rio Pardo ver MARTINS (1998), BRIOSCHI (1999) e LAGES (1996), de
onde foram extraídas as informações apresentadas.
17. Informações dadas a Martins por Wanderley dos Santos, Diretor do Arquivo Público Municipal de Franca, já falecido.
(Cf. MARTINS, 1998, p. 271)
35

Fazendas que Formaram o Município de Ribeirão Preto.


(Ribeirão Preto, século XIX)

Fonte: Modificado pela autora a partir de: Bazan, Antigo Município de São Simão Situação Geográfica no século XIX. Mapa
b&p. Escala 1:200.000. In MARTINS, 1998.

A Igreja somente aceitava doações de terras cuja posse legal podia ser comprovada.
Além disso, as terras doadas deveriam estar em local agradável, longe de áreas insalubres e
também deveriam ser grandes o suficiente para permitir a construção de uma igreja e com
local para realização de procissões. (Cf. BACELLAR & BRIOSCHI, 1999, p. 80)
A primeira tentativa de doação de terras para a formação do Patrimônio de São
Sebastião do Ribeirão Preto ocorreu em 1845, por iniciativa de José Matheus dos Reis, filho
de Matheus José dos Reis. Em 1845, as terras que José Matheus tentava doar estavam em
disputa com a família Dias Campos e talvez essa doação tenha sido feita para que sua família
36

pudesse comprovar a posse primitiva de tais terras, o que facilitaria o desenlace da questão
judicial. A terras, de campos e culturas, eram pertencentes à fazenda das Palmeiras e foram
avaliadas por Rs 40$000. A Igreja não aceitou a doação justamente por se tratar de terras
cuja posse legítima estava sendo questionada judicialmente.
O processo de 1845 foi retomado em março de 1852, quando foram feitas novas
doações a São Sebastião. A terras, localizadas na fazenda das Palmeiras, tinham a extensão
vinte e três alqueires e foram doadas por várias pessoas, não só por José Matheus e seus
familiares. Tentando apressar o processo, os doadores dirigiram-se ao Juiz de Paz de São
Simão para que ele lavrasse a escritura da doação, mesmo sem a conclusão do processo
eclesiástico. O documento redigido registrava a doação das terras, o local em que deveria ser
construída a capela e informava ainda que eles, suplicantes,
[....] resolveram erigirem uma capela com a invocação de São Sebastião em um
ponto da fazenda denominada — as Palmeiras — distante da Matriz de dez léguas,
pouco mais ou menos, e que fica no centro da circunferência em que habitam os
suplicantes, e os mais constantes do assinado, ficando-lhes por conseqüência muito
mais perto e cômodo os mesmos socorros espirituais, logo que na mesma capela se
façam os ofícios divinos. [...] E o ponto destinado para ela tem proporções para
nele se criar uma povoação, pois tem boa aguada, é alto, e arejado, sendo campo, e
tendo na sua vizinhança boas e grandes matas de cultura; e estando já pronto parte
dos materiais necessários para se levantar a mesma capela o que não podem fazer
sem a competente licença [...] (Apud COSTA, 1955, p. 43)

Tal processo também não foi aceito pela Igreja, pois as terras não chegavam ao valor
mínimo exigido pelo poder eclesiástico e também porque alguns doadores não conseguiram
comprovar a posse de suas glebas.
A legalização da posse das terras parece ter sido um dos maiores, senão o maior
problema enfrentado pelos moradores daquelas fazendas para formar o patrimônio de São
Sebastião. Então, a fim de facilitar o processo, os doadores decidiram adquirir em conjunto
uma área localizada em outra fazenda, a da Barra do Retiro, para servir exclusivamente ao
patrimônio de São Sebastião. (Cf. COSTA, 1955, p. 49) A divisão da fazenda Barra do
Retiro foi oficializada em 19 de junho de 1856, data em que foram lavradas as diversas
escrituras e que foi demarcado o patrimônio do santo. O primeiro Fabriqueiro foi o cidadão
Manoel de Nazareth Azevedo.
A fazenda Barra do Retiro possuía 263 alqueires de cultura de milho, assim
divididos: 92 de culturas de primeira sorte (qualidade), 27 de culturas de segunda sorte, 88 de
culturas de terceira sorte e 56 de cerrados. (COSTA, 1955, p. 66) Dos 263 alqueires da
fazenda, 64 foram doados a São Sebastião do Ribeirão Preto, no valor total de Rs 269$830.
Os doadores foram:
37

• João Alves da Silva Primo, 30 alqueires;


• Mariano Pedroso de Almeida, 2 alqueires;
• José Alves da Silva, 2 alqueires;
• José Borges da Costa, 9 alqueires;
• Inácio Bruno da Costa, 9 alqueires e
• Severiano Joaquim da Silva, 12 alqueires.
No recém formado patrimônio de São Sebastião foi construída uma capela, que foi
devidamente paramentada e na qual os habitantes das fazendas vizinhas recebiam os
sacramentos sempre que houvesse a presença de um padre.
Contudo, foi somente no final da década de 1860 que o patrimônio doado a São
Sebastião foi regularizado e definitivamente aceito pela igreja. O processo, “Autos de
Patrimonio da Capella de S. Sebastião do Ribeirão Preto filial da Matriz de S. Simão” foi
aberto em 20 de setembro de 1867, com uma petição enviada por Francisco Maximiano
Diniz Junqueira. Os limites da nova capela de São Sebastião do Ribeirão Preto foram
definidos em carta enviada ao Bispado de São Paulo pelo novo vigário, Ângelo José
Philidory, em 25 de janeiro de 1870. Anexa a carta, seguia o Mapa 1.5 desenhado pelo
próprio Philidory, onde se pode ver a localização dos córregos e acidentes geográficos
utilizados para a descrição dos limites entre a nova povoação e a antiga vila de São Simão. O
território simonense praticamente havia sido dividido ao meio, cabendo a maior parte deste à
capela que estava sendo criada.
A formação de um patrimônio eclesiástico era apenas o primeiro passo para a
formação do município. Algum tempo após a construção da capela o núcleo populacional
tornava-se freguesia, sede de uma igreja paroquial que servia também para a administração
civil. A denominação vila, que era dada mais tarde, servia para designar o que conhecemos
hoje como município. (Cf. BACELLAR E BRIOSCHI, 1999, p. 77)
A capela curada de São Sebastião do Ribeirão Preto se tornou freguesia em 1870 e,
em 1871, pela lei no. 67, a freguesia foi elevada à categoria de vila, com a denominação de
“Villa da Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto” (MIRANDA, 1986, p. 42), sendo
oficialmente desmembrada de São Simão.
A Câmara Municipal foi criada em 1874 e as primeiras eleições ocorreram em 22 de
fevereiro daquele ano. O início das atividades administrativas ocorreu em 13 de julho de
1874. A localidade contava então com quatro ruas, seis travessas e dois largos. (MIRANDA,
1971, p. 14) Contudo, apesar do desmembramento de São Simão, questões relacionadas aos
38

reais limites entre as duas localidades ainda continuaram. Em 1888, a Câmara de São Simão
pede à Câmara de Ribeirão Preto que aceite o advogado João Batista da Silveira para arbitrar
a definição de fronteiras entre os dois municípios, seguindo a lei n.º 67 de 1871. (Cf.
Documentos da Prefeitura ou Intendência. APHRP)

Mapa 1.5
Limites da Capela Curada de São Sebastião do Ribeirão Preto
(Ribeirão Preto, 1869)

Fonte: Mapa feito pelo Padre Ângelo José Philidory.


(PROCESSO DE ELEVAÇÃO À CAPELA CURADA, 1869. APHRP)

Começando na margem do rio Pardo, na cabeceira da Lagoa Preta, daí em linha


reta à ponta da Serra Azul, daí em linha reta no ribeirão da Figueira onde faz barra
o córrego do Jaboticabal, subindo por este até na cabeceira, daí em linha reta na
cabeceira do córrego das Flores, descendo por este até sua barra no córrego do
Pântano, daí em linha reta na cabeceira do córrego Lagiado na serra do Gatapará,
desta cabeceira em linha reta na cabeceira do córrego dos Veados descendo este até
sua barra no rio Mogy-Guaçú daí por este até sua barra no rio Pardo e por este até a
Lagoa Preta. (Descrição das divisas feitos pelo Padre Ângelo José Philidory.
PROCESSO DE ELEVAÇÃO À CAPELA CURADA, 1869. APHRP)

Por se tratar de um município de fundação recente, a vila de Ribeirão Preto não


recebeu a visita de nenhum dos conhecidos viajantes que percorreram a Província de São
Paulo no século XIX. Foi somente em meados da década de 1870 que a localidade começou
a atrair a atenção dos paulistas, sobretudo dos cafeicultores já estabelecidos em outras
regiões. Contudo, a fama da boa qualidade de suas terras já existia há alguns anos, graças ao
39

artigo publicado no jornal “A Província de São Paulo” pelo médico Luiz Pereira Barreto, que
visitou a localidade incentivado por seu irmão, Rodrigo, que já possuía terras na região.
Após coletar uma amostra do solo, mandou analisá-la na Bélgica e publicou os resultados no
periódico da capital da Província, atraindo a atenção de potenciais cafeicultores. Entre eles
estava Martinho Prado Junior, que em 1877 visitou região e também publicou suas
impressões no mesmo jornal.
[...] estando em São Simão, cometeria uma grave falta, se por ventura deixasse de
percorrer aquele Município [Ribeirão Preto - LSL], cuja fertilidade e grandeza
ouvira apregoar desde a infância, e se me afigurava sempre como uma cousa toda
fantástica. (Martinho Prado Junior, Apud COSTA, 1956, p. 55)

O padrão de vida dos habitantes da recém-criada vila impressionou o viajante, assim


como a qualidade dos animais e das casas,
Descendo o vale do Retiro, encontrei numerosas habitações, todas próximas umas
das outras, pertencentes a gente pobre, mais de uma pobreza que contrasta
singularmente com a do povo de outros Municípios. As casas são todas cobertas de
telhas, possuem ótimas pastagens e ha um certo bem estar, que não se encontra no
seio da população de outros lugares. A explicação de tudo isso dá-se pela riqueza
excepcional do solo. [...] O animal, o boi, o porco, devido ás pastagens, é de
aspecto diversos e gordo; enfim o pobre aí é rico, sem outro auxiliar mais que o
fogo. (Martinho Prado Junior. Apud COSTA, 1956, p. 55)

Ao descrever a população, Prado Junior ressaltou o fato de ser ela quase


exclusivamente mineira e loira. A população estava concentrada em cinco bairros: do Retiro,
das Posses, dos Laureanos, do Sertãozinho e do Ribeirão Preto. (Cf. Martinho Prado Junior.
Apud COSTA, 1956, p. 56)
Juridicamente, Ribeirão Preto pertencia à comarca de Mogi Mirim, mas, a partir de
1872 começou a fazer parte da comarca de Casa Branca. Em 1875 o município foi
transferido para a comarca de Batatais e em 1877 para a comarca de São Simão. Devido ao
seu rápido desenvolvimento, em 1878 foi criado o Termo de Ribeirão Preto, e este foi
declarado como sendo sede da Comarca de São Simão. Finalmente, a comarca de Ribeirão
Preto foi criada em 1892, englobando os municípios de Ribeirão Preto, Cravinhos e Serrana,
e seu primeiro juiz foi Manuel Aureliano de Gusmão. (Cf. COSTA, 1955, p. 16, nota 9 e cf.
MIRANDA, 1971, p. 16-17)
O município de Ribeirão Preto possuiu, ao todo, quatro distritos. O distrito de
Sertãozinho, emancipado em 1896; o distrito de Cravinhos, emancipado em 1897; o distrito
de Dumont, emancipado em 1965; o distrito de Guatapará, emancipado em 1990 e o distrito
de Bonfim Paulista, ou Gaturamo, ainda existente.
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Em 7 de abril de 1879, por meio da Lei no. 34, a vila passou a se chamar Entre-Rios,
pois havia um outro município chamado Ribeirão Preto no sul da Província paulista. A
mudança não foi bem aceita pela população, apesar da solicitação ter sido feita por um dos
vereadores por causa da correspondência, que nem sempre chegava até a Ribeirão Preto
correta.18 Mas a mudança de nome não resolveu a situação da correspondência, a lei foi
revogada e o nome da localidade voltou a ser Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto,
denominação que durou até 1889, quando a vila foi elevada à categoria de cidade, ficando
conhecida apenas como Ribeirão Preto. (MIRANDA, 1986, p. 42)
Sobre a evolução de sua população, desde os primórdios de sua fundação a
população da vila apresentou tendência crescente. Diversos fatores contribuíram para tal
comportamento. O primeiro, a economia pré-cafeeira, foi responsável pela manutenção de
um número considerável de proprietários de terras e de cativos, gerando renda suficiente para
a manutenção de uma escravaria que, em 1874, correspondia a 15,0% da população. O
segundo e talvez mais importante fator foi a introdução da cultura cafeeira, responsável por
atrair um número significativo de indivíduos livres de outras localidades, proprietários ou
não de cativos. O terceiro foi a chegada dos trilhos da ferrovia, conseqüência direta do
segundo fator, o que facilitou o escoamento da produção e trouxe a mão-de-obra imigrante
quando os escravos não eram mais suficientes para a manutenção e expansão das plantações
de café.
As primeiras informações sobre a recém criada localidade são as do Almanak da
Província de São Paulo, publicado em 1873. Os informes limitam-se às datas de elevação à
freguesia e à vila, além dos nomes de algumas autoridades locais. O vigário era Ângelo José
Philidory; o sub-delegado, Antonio Alves Pereira de Campos e os suplentes, Luiz Antonio da
Cunha Junqueira, Jacintho José de Souza e José Rodrigues de Faria.
No entanto, como as informações do Almanak eram referentes ao ano fiscal de 1871-
1872, os demais dados sobre Ribeirão Preto estavam incluídos nas estatísticas referentes a
São Simão. Apesar do desmembramento das duas localidades ter ocorrido em 1871, a
separação administrativa das duas vilas ocorreu apenas em 1874, ano das primeiras eleições
ribeirãopretanas. Conforme a Tabela 1.4, as informações do almanaque mostram que em São
Simão a maior parte dos fazendeiros dedicava-se à criação de gado e aos cultivos do café e
da cana-de-açúcar, mesmas atividades exercidas em 1854.

18. Não foi possível localizar o nome do dito vereador.


41

Tabela 1.4
Atividade dos Fazendeiros
(São Simão, 1871-1872).

Atividades Número de fazendeiros


Criadores de gado vacum 16
Criadores de gado vacum e suíno 27
Fazendeiros de café 15
Fazendeiros de cana 1
Fonte: LUNÈ & FONSECA, 1873.

O primeiro levantamento mais completo sobre a população ribeirãopretana e suas


atividades econômicas ocorreu em 1874, como parte do Recenseamento Geral do Império de
1872.19 Naquele ano, existiam 5.552 habitantes, sendo 857 escravos. A Tabela 1.5 mostra
que essa população era composta basicamente por brasileiros brancos, solteiros, católicos e
analfabetos. Comparando os dados das vilas de São Simão e de Ribeirão Preto em 1874 com
os da freguesia de São Simão em 185420, observa-se que em 1874, a maior parte da
população estava concentrada em terras ribeirãopretanas, revelando que as diferenças no
ritmo de desenvolvimento das duas localidades não foram condicionadas exclusivamente
pelo desenvolvimento da cultura cafeeira em Ribeirão Preto. Em 1854, a freguesia de São
Simão possuía 4.550 habitantes. Em 1874, as vilas de São Simão e de Ribeirão Preto
abrigavam 9.059 almas. Portanto, Ribeirão Preto possuía em 1874 mais moradores do que a
freguesia de São Simão em 1854.
Os brancos representavam 63,0% do total da população e aproximadamente três
quartos dos livres; os pardos compunham 19,0% da população total e 20,0% dos livres; os
negros somavam 17,0% da população total e apenas 5,0% da população livre; e por fim há os
caboclos, que representavam 0,5% da população total e a mesma porcentagem da população
livre. Sobre as populações parda e negra, nota-se que mais de quatro quintos da população
parda era livre, enquanto pouco mais de um quinto da população negra possuía a mesma
classificação.
A proporção entre solteiros, casados e viúvos era semelhante às encontradas para
outras localidades da província. Em Ribeirão Preto, mais de 70,0% da população total era
solteira, tal como ocorria nas localidades próximas de Araraquara, Batatais, Franca e São
Simão; ou nas mais distantes, como por exemplo, a capital e Silveiras. Um quarto da
população ribeirãopretana era casada, assim como ocorria nas distantes localidades de

19. Na província de São Paulo, esse levantamento ocorreu em 1874.


20. É necessário lembrar que a área das vilas de Ribeirão Preto e São Simão em 1874 correspondia à área da freguesia de
São Simão em 1854.
42

Areias, Bananal e Guaratinguetá; e nas mais próximas, como Campinas e São Simão. Os
viúvos eram a parcela mais discreta, representando 3,0% da população em Ribeirão Preto e
porcentagens iguais ou ainda menores em Araraquara, Batatais, Franca e São Simão. Para a
população de toda a província paulista, livre e cativa, as porcentagens são as seguintes:
70,0% de solteiros, 26,0% de casados e 4,0% de viúvos.

Tabela 1.5
Panorama Geral da População
(Ribeirão Preto, 1874)

Livre Escrava Total da


Critérios Características
H M H+M H M H+M população
Brancos 1.777 1.725 3.502 0 0 0 3.502
Pardos 491 447 938 89 30 119 1.057
Cor Pretos 157 72 229 477 261 738 967
Caboclos 15 11 26 0 0 0 26
Total 2.440 2.255 4.695 566 291 857 5.552
Solteiros 1.746 1.489 3.235 458 246 704 3.939
Casados 665 656 1.321 81 38 119 1.440
Estado Civil
Viúvos 29 110 139 27 7 34 173
Total 2.440 2.255 4.695 566 291 857 5.552
Sabem ler/escrever 269 15 284 0 0 0 284
Instrução Analfabetos 2.171 2.240 4.411 566 291 857 5.268
Total 2.440 2.255 4.695 566 291 857 5.552
Freqüentam a escola 45 25 70 0 0 0 70
População de 6
Não freqüentam a escola 812 814 1.626 0 0 0 1.626
a 15 anos
Total 857 839 1.696 0 0 0 1.696
Fonte: BASSANEZI, 1998.

Grande parte da população livre era analfabeta e nenhum cativo sabia ler ou escrever.
Os homens alfabetizados representavam pouco mais de 5,0% da população livre e as
mulheres apenas 0,3%. Das crianças entre seis e quinze anos, apenas 1,5% estudavam e,
dentre estes, os meninos eram maioria, 64,0%. No aspecto geral, trata-se de uma população
jovem, já que mais da metade de seus habitantes tinha até quinze anos, com uma razão de
sexo igual a 105. Em idade produtiva, considerando como tal os habitantes entre dezesseis e
cinqüenta anos, temos 44,6% do total da população e uma razão de sexo igual a 126. Acima
dos cinqüenta anos os habitantes somam 3,8% e, ao contrário das outras faixas etárias, havia
predominância de mulheres, com razão de sexo igual a 13.
Analisando as populações livre e cativa separadamente, Gráficos 1.3 e 1.4, observa-
se a confirmação, pelo menos para a população livre, do panorama geral descrito
anteriormente. Uma população jovem, 50,8% dos seus indivíduos tinham quinze anos ou
menos, e com ligeira predominância masculina até a faixa dos quarenta anos – apesar de
43

haver um maior número de mulheres na faixa dos onze aos vinte anos. Nas faixas etárias
mais elevadas, o elemento feminino é claramente dominante, mostrando uma expectativa de
vida maior do que a observada para a população masculina, em especial para os indivíduos
acima de quarenta e abaixo dos setenta anos. Nota-se também que a predominância do
elemento masculino é mais acentuada na infância, faixa etária dos zero aos dez anos.

Gráfico 1.3
Pirâmide Etária da População Livre
Idade (Ribeirão Preto, 1874)

Mais 100
Homens Mulheres
81-90

61-70

41-50

21-30

0-10

30,00 20,00 10,00 0,00 10,00 20,00 30,00

Fonte: BASSANEZI, 1998

Contudo, o Gráfico 1.4 mostra a dinâmica distinta da população cativa, com poucas
semelhanças daquela observada para a população livre. A predominância masculina
continua, porém, num patamar maior do que o encontrado para os livres. Ainda estamos
diante de uma população jovem, na qual mais da metade dos seus indivíduos tem quinze
anos ou menos. Em idade produtiva, considerada como sendo a dos indivíduos acima de
quinze e abaixo dos 51 anos, estão 38,2% das almas. Nessa faixa, a razão de sexo chega a
192, transparecendo a preferência dos proprietários por cativos já preparados para o trabalho
e do sexo masculino.
A predominância masculina continua nos indivíduos acima dos cinqüenta anos e
estes representavam 5,8% do total cativo. Dentre eles havia quatro homens para cada mulher,
resultando numa razão de sexo igual a 163, sendo esta a maior diferença entre a população
cativa e a livre. Dentre os livres acima de cinqüenta anos, havia aproximadamente oito
mulheres para cada homem.
44

Gráfico 1.4
Pirâmide Etária da População Cativa
Idade (Ribeirão Preto, 1874)

Mais 100
Homens Mulheres

81-90

61-70

41-50

21-30

0-10

30,00 20,00 10,00 0,00 10,00 20,00 30,00

Fonte: BASSANEZI, 1998

A população escrava totalizava 15,5% do total da população em Ribeirão Preto. À


primeira vista, esse número pode parecer pequeno, mas outros municípios, no mesmo ano,
apresentavam porcentagem semelhante. No Vale do Paraíba, região em que a cafeicultura
absorvia a maioria dos recursos, a porcentagem de cativos na população de Lorena e
Cruzeiro era de 14,8%. Em Paraibuna e São José dos Campos as porcentagens eram,
respectivamente 9,1% e 9,2%. (MARCONDES, 2000, p.9) Em Guaratinguetá, localidade
que, “no decênio de 1870, caminhava vigorosamente para o auge de sua produção cafeeira”,
a porcentagem de cativos na população era de 20,1% e, em Silveiras, os cativos eram 17,5%
do total de habitantes. (MOTTA & MARCONDES, 2000, p. 269-270)
O censo mostra também que os habitantes da localidade eram paulistas e mineiros.
Entre os 4.692 livres, excluindo os portugueses, havia 4.613 paulistas e apenas 79 mineiros.
Entre 857 cativos, eram 840 paulistas e 17 mineiros, perfazendo um total de 5.549 indivíduos
considerados nacionais. Os estrangeiros declarados foram apenas três portugueses, dois
solteiros e um viúvo, todos católicos. Um dos portugueses solteiros era comerciante, guarda-
livro ou caixeiro e os outros dois não tinham profissão declarada.
Entre os livres e cativos a profissão mais comum era a lavoura. Para o segmento livre
da população, as atividades religiosas e as artesanais em metal, madeira, edificação, couro,
pele e calçados eram exercidas somente por homens enquanto as mulheres eram as únicas a
exercer as profissões de parteira, professor ou homens de letras, capitalistas e proprietários,
45

manufatureiras e fabricantes, costureiras e operárias em tecidos. Eram profissões mistas com


maioria masculina as de comerciantes, guarda-livros ou caixeiros e lavoura e mistas com
maioria feminina as de artistas, criados ou jornaleiros e serviços domésticos.
Entre os cativos, as profissões essencialmente masculinas eram as de operários em
madeira, edificações, couros e peles e as femininas eram as de costureiras e operárias em
tecidos. Eram profissões mistas as ligadas à lavoura, a de criados e jornaleiros e a de serviços
domésticos, com maioria masculina na lavoura e feminina na de criados e jornaleiros e nos
serviços domésticos. Os indivíduos sem profissão somam 2.165, excluindo-se aqui os
estrangeiros. Em porcentagem, 42% dos livres nacionais e 24% dos cativos não tiveram sua
atividade identificada pelos recenseadores.
Na década de 1880, ocorreu um novo levantamento populacional. No entanto, esse
levantamento traz informações um pouco mais resumidas se comparado com o da década
anterior. Ribeirão Preto contava então com 10.420 habitantes, conforme dados da Tabela
1.6., um crescimento de quase 88,0% em relação aos números de 1874. Dos pouco mais de
dez mil habitantes, 9.041 eram livres e 1.379 eram cativos.

Tabela 1.6
Características da População Total
(Ribeirão Preto, 1886)

Características Números absolutos Números relativos


Brancos 6.732 64,6
Mestiços 879 8,4
População Total
Mulatos 1.508 14,5
Segundo a Cor
Negros 1.301 12,5
Total 10.420 100,0
Homens 5.208 50,0
População Total
Mulheres 5.212 50,0
Segundo o Sexo
Total 10.420 100,0
Fonte: BASSANEZI, 1998.

Analisando separadamente as duas populações livre e cativa, nota-se que o


crescimento da população livre foi de 92,0% e o da população cativa de 61,0%. Os
moradores estavam distribuídos em 1.238 fogos, uma média de 8,4 pessoas por fogo. Em
69,8% desses fogos o chefe do domicílio era também o dono da casa habitada.
Tal como em 1874, mais de 60,0% da população era branca. A porcentagem de
negros caiu de 17,4% em 1874 para 12,5% em 1886. Quanto aos mulatos e mestiços
46

encontrados em 1886, podemos compará-los aos pardos e caboclos em 1874. Assim


procedendo, observa-se um crescimento igual a 17,4%.
Em aspectos gerais e levando em consideração os dados da população livre e da
cativa, a população total tornou-se mais feminina. Em 1874, sua razão de sexo igual a 118 e
em 1886 há praticamente um homem para cada mulher. Analisando a população livre e a
cativa separadamente, em 1874 a razão de sexo dos livres era de 108 e em 1886 ela foi de
aproximadamente 96. A razão de sexo dos cativos apresentou uma variação maior, em 1874
ela era de 194 e em 1886 ela foi de 132.
Considerando as populações livre e cativa conjuntamente, elaborou-se o Gráfico 1.5.
Nele pode-se ver que a população continuava jovem, sendo que mais mais da metade de seus
componentes tinha menos de trinta anos. As crianças, consideradas como tal os indivíduos
abaixo dos quatorze anos, representavam 22,6% A força produtiva, composta de elementos
na faixa dos dezesseis aos cinqüenta anos, somava 48,7%, quase a metade da população. Os
mais velhos, pessoas acima dos cinqüenta anos, eram 7,4%.

Gráfico 1.5
População Total Segundo Faixas Etárias
(Ribeirão Preto, 1886)

> de 70 anos

51 a 70 anos

31 a 50 anos

16 a 30 anos

6 a 15 anos

1 a 5 anos

0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000

Fonte: BASSANEZI, 1998

A fim de analisar separadamente os cativos, foi elaborado o Gráfico 1.6.21 A massa


escrava22 em 1886 era formada por 1.379 indivíduos, sendo 784 homens e 595 mulheres.O
gráfico indica que quase a metade de seus componentes estava abaixo dos trinta anos; 31,3%

21. As faixas etárias consideradas para a população total e para a população cativa separadamente são distintas porque assim
foram consideradas pelo levantamento populacional em questão.
22. Dados da população cativa matriculada até 30 de março de 1887. (BASSANEZI, 1998)
47

tinham de trinta a quarenta anos; 17,5% tinham entre quarenta e cinqüenta anos e 8,0%
tinham mais cinqüenta.

Gráfico 1.6
População Cativa Segundo Faixas Etárias
(Ribeirão Preto, 1886)

55 a 60 anos

50 a 55 anos

40 a 50 anos

30 a 40 anos

< de 30 anos

0 100 200 300 400 500 600

Fonte: BASSANEZI, 1998

Ainda são fornecidas pelo censo algumas informações adicionais sobre a população
escrava. Considerando o estado conjugal, o levantamento mostra que dos 1.379 cativos,
1.198 eram solteiros, 146 casados e apenas 35 viúvos. Com relação ao tipo de domicílio,
rural ou urbano, os dados são de que 98,7% habitavam a área rural e apenas 1,3%, o que
corresponde a 18 elementos, a área urbana.
A população estrangeira, que era formada por apenas quatro indivíduos em 1874,
cresceu de maneira substancial. Em 1886, viviam em Ribeirão Preto italianos, portugueses e
alemães, além de austríacos, espanhóis e africanos. No Gráfico 1.7, observa-se que os
austríacos estão em maior número, 352, seguidos pelos italianos e pelos portugueses, que
somam, respectivamente, 158 e 140 almas. Em menor número encontramos alemães e
africanos, respectivamente com 45 e 34 representantes.
De acordo com os dados do mesmo gráfico, pode-se verificar que neste levantamento
foram considerados como estrangeiros trinta e quatro africanos, provavelmente cativos.
Apesar da existência de cativos africanos na data do censo anterior, eles não foram
considerados como estrangeiros.
48

Gráfico 1.7
Austríacos População Estrangeira
352 (Ribeirão Preto, 1886)
46,3%
Espanhóis
8
1,1%

Franceses
10
1,3%

Ingleses
Alemães 6
45 0,8%
5,9%
Africanos
34
Outros 4,5%
8
Portugueses Italianos 1,1%
140 158
18,4% 20,8%

Fonte: BASSANEZI, 1998

Ao mesmo tempo em que aumentou a população, cresceram e diversificaram-se o


comércio local, a prestação de serviços, as manufaturas e as pequenas indústrias. Com a
chegada da ferrovia em 1883, a comunicação e o transporte, com a capital e o porto de
Santos, ficaram mais rápidos e eficientes, o que facilitou o comércio de mercadorias e a
diversificação e especialização dos estabelecimentos comerciais.
A Tabela 1.7 mostra as atividades exercidas pelos ribeirãopretanos em 1886. São
arrolados 132 estabelecimentos. A maior parte deles, 75, dedicava-se ao comércio em geral e
somando a eles as padarias, farmácias, açougues, tabacarias, relojoarias e sapatarias, chega-
se um total de 92 estabelecimentos, o que representa 69,7% dos negócios existentes. Havia
apenas uma fábrica e esta era de cerveja. Dedicavam-se às artes e ofícios 19 casas, e nessa
categoria estão englobados os alfaiates, carpinteiros, ferreiros e os artesãos. Entre hotéis,
restaurantes e bares havia 10 estabelecimentos. Ligados diretamente às atividades rurais,
existiam duas máquinas de beneficiar café e arroz e seis engenhos de cana-de-açúcar.
O crescimento numérico das populações livre e cativa e a diversificação das
atividades urbanas ocorridos entre 1874 e 1886 mostram o dinamismo vivido pela localidade
e os primeiros reflexos do surgimento da cultura cafeeira antes mesmo do maciço processo
imigratório que atingiria a região posteriormente.
Em 1890, a população do município era de 12.033 pessoas, um crescimento anual de
3,7%. Eram 6.211 homens para 5.822 mulheres, com uma razão de sexo igual a 107, maior
49

do que a existente em 1886, que era de 100. Conforme a Tabela 1.8, os solteiros
representavam 65,7%, os casados 30,1%, os viúvos 4,1% e os divorciados apenas 0,1%. Os
brancos ainda eram a maioria da população, correspondendo a 74,7%. Em seguida vinham os
mestiços, com 13,5%; depois destes havia os pretos e por último os caboclos, com 8,2% e
3,6% respectivamente.

Tabela 1.7
Atividades Econômicas da População e o Número de Estabelecimentos
(Ribeirão Preto, 1886)

Atividades Número de estabelecimentos


Comércio em geral 75
Hotéis 5
Restaurantes 5
Padarias 3
Farmácias 3
Açougues 2
Alfaiates 5
Carpinteiros 5
Tabacarias 1
Cervejarias 3
Ferreiros 3
Artesãos de zinco 5
Artesãos de fogos 1
Relojoarias 2
Sapatarias 6
Máquinas de beneficiar café e arroz 2
Engenhos de cana-de-açúcar 6
Total 132
Fonte: GIFUN, 1972, p.97

Tabela 1.8
População Segundo Sexo, Consoante Estado Conjugal e Cor
(Ribeirão Preto, 1890)

Homens Mulheres
Estado Conjugal
Brancos Pretos Mestiços Caboclos Total Brancas Pretas Mestiças Caboclas Total
Solteiros 3.073 310 603 143 4.129 2.716 330 596 137 3.779
Casados 1.462 166 197 74 1.899 1.335 148 179 60 1.722
Viúvos 137 11 24 7 179 262 18 23 11 314
Divorciados 2 1 0 1 4 5 1 0 1 7
Total 4.674 488 824 225 6.211 4.318 497 798 209 5.822
Fonte: BASSANEZI, 1998

Mais da metade dos habitantes estava em idade produtiva, considerada aqui como
sendo dos 15 aos 49 anos. As crianças de zero a quatorze anos totalizavam 39,4% e os mais
velhos, indivíduos acima dos cinqüenta anos eram 7,0%. A população estrangeira cresceu em
50

68,5%. Em 1886, ela era composta por 761 indivíduos e em 1890 ela passa a ser de 1.282
pessoas. A religião católica era seguida por 99,5% da população e 66 moradores foram
declarados com sendo de “outras seitas”. Com relação ao grau de instrução, apenas 21,1%
sabiam ser e escrever. Entre os brasileiros, essa porcentagem era de 20,1% e entre os
estrangeiros era de 30,2%.
As atividades urbanas acompanharam o comportamento da população. Entre 1886 e
1890 o número de estabelecimentos diversos mais que triplicou. A Tabela 1.9 traz uma lista
completa dos estabelecimentos arrolados.

Tabela 1.9
Estabelecimentos Comerciais, Industriais e Diversos
(Ribeirão Preto, 1890)

(Continuação) (Continuação)
Tipo de estabelecimento ou Tipo de estabelecimento ou Tipo de estabelecimento ou
Número Número Número
atividade atividade atividade
Açougues 27 Fábrica de cerveja 8 Massas alimentícias 2
Advogado 9 Dentistas 4 Moleiros 1
Advogados provisionados 2 Engenheiros 3 Médicos 9
Solicitadores 2 Espingardeiros serrilheiros 2 Modistas 5
Alfaiates 9 Fazendas, armarinhos e roupas 20 Fábrica de móveis 4
Fábrica de águas gasosas 1 Fazendas e armarinhos 7 Empréstimos 10
Barbeiros 5 Fábrica de colchões 4 Padarias 7
Bilhares 2 Máquina de beneficiar café 1 Parteiras 4
Bilhetes de loteria 8 Fábrica de café em pó 2 Pastos de aluguel 3
Botequins 5 Fábrica de cerveja 8 Farmácias 4
Caldeireiros 9 Dentistas 4 Fotógrafos 1
Charutarias 1 Engenheiros 3 Restaurantes 11
Capitalistas 2 Espingardeiros serrilheiros 2 Sapateiros 9
Carroceiros 16 Fazendas, armarinhos e roupas 20 Secos e molhados 72
Fábrica de carroças 3 Fazendas e armarinhos 7 Seleiros 4
Consertador de carroças 1 Ferradores 5 Serraria a vapor 1
Cocheiras 2 Ferreiros 5 Sorveteiro 1
Compradores de café 5 Frutas 1 Bancos 4
Confeitarias 3 Funileiros 3 Trolis de aluguel 2
Fábrica de colchões 4 Hotéis 4 Fazendeiros de café 77
Máquina de beneficiar café 1 Quiosques 4
Total de estabelecimentos 468
Fábrica de café em pó 2 Fábrica de licores 1
(Continua) (Continua) Fonte: SECKLER & COMP., 1890.

Tal como em 1886, os estabelecimentos comerciais são maioria, 155. As atividades


ligadas ao café — fazendeiros, compradores, máquinas de beneficiar e fábricas de café em
pó — somam 85. Dedicavam-se às artes e ofícios 79 casas. Os profissionais liberais vinham
em seguida, 29. As fábricas eram 24, dedicadas a produzir os mais variados produtos, tais
como refrigerantes, colchões, cerveja, licores, massas alimentícias, móveis e carroças.
Considera-se também, neste último segmento, uma serraria a vapor, entendendo que ela
51

“produzia” madeiras para a construção civil e outras finalidades. Havia ainda 16


estabelecimentos financeiros, capitalistas, casas de empréstimo e bancos. Além destes,
existiam duas cocheiras, três pastos e duas charretes de aluguel.
No início da década de 1890, a cultura cafeeira, já presente em Ribeirão Preto pelo
menos desde a metade da década de 1870, influenciava o ritmo de crescimento da população
e a diversificação das atividades urbanas. O crescimento do número de imigrantes e o
aparecimento dos fazendeiros de café e das atividades diretamente ligadas à produção
cafeeira corroboram essa hipótese.
Contudo, a grande massa de trabalhadores estrangeiros ainda não havia chegado à
região. A ferrovia, que ligava o município à cidade de Campinas desde 1883 facilitou a
chegada de pessoas e favoreceu a abertura de fábricas e estabelecimentos comerciais
diversos. As mercadorias e as pessoas chegavam com mais rapidez e comodidade. A
explosão demográfica aconteceria na década seguinte.

Gráfico 1.8
Evolução da População
(Ribeirão Preto, 1874-1900)

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0
1874 1886 1890 1900 (a ) 1900 (b)

População 5.552 10.420 12.033 59.195 100.185

Fonte: Para os anos de 1874, 1886 e 1890 ver BASSANEZI, 1998. Para o ano de 1900 ver
CAM ARGO, 1981, p. 69.

(a) Apenas a população de Ribeirão Preto, desconsiderando a dos recém-desmembrados municípios de


Cravinhos e Sertãozinho.
(b) População de Ribeirão Preto, Cravinhos e Sertãozinho, somadas, a fim de recompor a unidade
territorial anteriormente considerada.
52

O Gráfico 1.8 mostra a evolução da população ribeirãopretana desde 1874, data em


que pela primeira vez a recém criada vila figurava entre as localidades paulistas, até o ano de
1900.
Em 1900, somente Ribeirão Preto contava com quase 60 mil habitantes, e somando
com os recém desmembrados municípios de Cravinhos e Sertãozinho a fim de recompor a
unidade territorial que foi considerada anteriormente, esse número sobe para 100.185.
As modificações pelas quais a comunidade ribeirãopretana passou, o início da cultura
cafeeira, a chegada dos trilhos da Companhia Mogiana, a abolição da escravatura e a
chegada dos imigrantes provocaram um grande crescimento populacional. A diferença de
tempo entre as primeiras experiências com o café e a explosão populacional foi de trinta
anos. Ribeirão Preto passou de uma simples freguesia com pouco mais de cinco mil
habitantes em 1870 para um município com mais de cem mil moradores em 1900.23

23. Agregando os municípios de Cravinhos e Sertãozinho desmembrados em 1896 e 1897.


53

Capítulo 2
Alocação da Riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900

À luz que se irradia dessas laudas amarelecidas pelos anos e rendadas pelas traças,
vemo-las surgirem vagarosamente do fundo indeciso do passado e fixarem-se nas
encostas vermelhas da colina fundamental, as casas primitivas de taipa de mão e de
pilão. [...] É o sítio da roça, que aparece [...]; as palhoças de agregados e escravos;
os algodoais pintalgados de branco; o verde anêmico dos canaviais, em contraste
com o verde robusto e lustroso da mata convizinha [...] (ALCÂNTARA
MACHADO, 1943, p. 23)

Introdução

Diversas são as obras que tratam dos níveis e formas de riqueza na sociedade
brasileira do século XIX. Alguns desses estudos utilizaram a mesma fonte documental
explorada na presente pesquisa, os inventários post-mortem. Primeiramente, algumas
questões referentes a esse corpus documental devem ser esclarecidas.
Os inventários post-mortem constituem fonte inestimável de informações sobre os
bens e costumes das populações passadas. As informações contidas nos processos dão
subsídios suficientes para o desenvolvimento de estudos nas áreas de Demografia,
Economia, História e Sociologia. Quanto mais antigos, mais cheios de descrições e detalhes
acerca dos bens possuídos, dos costumes e das condições de vida das famílias as quais dizem
respeito, sendo possível reconstruir toda uma época passada.
Em linhas gerais, as primeiras informações dos processos são os nomes do
inventariado e do inventariante, a data e o local de abertura do processo. Em seguida, o
inventariante do processo informava quem eram os herdeiros e quais eram os bens
pertencentes ao espólio. Normalmente, o inventariante era também um dos herdeiros. Para
garantir a veracidade das informações prestadas e impedir que o inventariante deixasse de
informar propositalmente algum bem, reservando este para si próprio, os demais herdeiros
tinham que se mostrar de acordo com as informações prestadas e autorizar o prosseguimento
do processo.
54

O passo seguinte era a nomeação de dois avaliadores entre os moradores locais.


Esses indivíduos, que eram mais conhecidos como louvados, tinham papel de fundamental
importância, pois a riqueza de uma família era calculada com base nos valores que estes
cidadãos atribuíam aos bens do espólio.
Eram, então, descritos todos os bens possuídos pelo indivíduo no momento de sua
morte e os valores que este, porventura, tivesse a receber ou para pagar a terceiros. Estando
todos os herdeiros de acordo com as informações prestadas pelo inventariante e com a
avaliação dos bens, fazia-se o Auto de Partilha.
Nos processos mais antigos, freqüentemente eram utilizados termos ligados à religião
católica, tais como, “ano do nosso senhor Jesus Cristo” e “juramento dos Santos
Evangelhos”. Enquanto o primeiro era apenas uma maneira de informar a data, o segundo
tinha um significado mais forte. Era jurando sob os Santos Evangelhos que os louvados se
comprometiam a serem justos em suas avaliações, como pode ser visto nos trechos abaixo,
[...] pelo dito Juiz lhes foi deferido o juramento dos Santos Evangelhos sob cargo
do qual lhes encarregou que de escrupulosa consciência sem dolo ou malícia
avaliassem os bens pertencentes a este inventário; recebido por eles o juramento,
assim prometeram cumprir [...]24

[...] pelo mesmo Juiz lhe foi deferido o juramento dos Santos Evangelhos, debaixo
do qual lhes encarregou que sem dolo, aflição ou malícia, avaliassem os bens do
presente inventário. E sendo por eles aceito o juramento, assim prometeram
cumprir [...]25

Esse tipo de juramento, que foi encontrado em praticamente todos os processos do


período Imperial, deixa de ser padrão com a Proclamação da República. O juramento passa a
ser redigido sem menção às escrituras.
[...] presentes os louvados nomeados e aprovados [...] por eles na presença do
mesmo Juiz foi declarado que sob sua palavra de honra se comprometiam de
servirem de louvados dos bens deste espólio, avaliando como entendessem em sua
consciência todos os bens que lhes fossem apresentados [...]26

Os inventários constituem uma fonte de dados limitada, pois sua elaboração não era
regra para todos os indivíduos que faleciam. Esses processos eram elaborados apenas quando
os que faleciam deixavam bens suficientes e/ou herdeiros menores.27

24. Inventário de Antonio Francisco da Silva (1868). FSS, Segundo Ofício, caixa 1a.
25. Inventário de Domingos José de Oliveira (1875). AFRP, Segundo Ofício, caixa 200.
26. Inventário de Augusto Lorena (1890). AFRP, Segundo Ofício, caixa 12.
27 Na amostra considerada, notou-se que o conceito de bens suficientes foi um tanto quanto variável. Normalmente, a
existência de bens imóveis era suficiente para a abertura dos autos, mas foram encontrados casos em que o patrimônio era
formado, por exemplo, por apenas dois cavalos de sela ou por somente bens móveis. Nessas situações, a partilha formal não
era feita, para que as custas judiciais não comprometessem ainda mais a herança dos herdeiros.
55

A abertura do processo estava relacionada à morte de um indivíduo, acontecimento


aleatório que alcançava pessoas com diferentes idades e com distintos cabedais. Dessa
forma, não se pode garantir o mesmo mix de processos em todos os períodos considerados
pelo estudo. Por exemplo, num determinado período pode ter morrido um número maior de
inventariados ricos e, em outro, um número maior de pobres.
Os valores atribuídos aos bens inventariados não eram fruto de avaliações objetivas e
padronizadas. Em todos os processos consultados, os avaliadores eram cidadãos escolhidos
entre os moradores locais, normalmente amigos da família do falecido. Dessa forma, era
muito difícil existirem dois processos com os mesmos avaliadores, permitindo que um bem
com características semelhantes alcançasse valores distintos em diferentes processos. Além
disso, deve-se levar considerar também a possibilidade dos avaliadores atribuírem ao bem
um valor menor do que o praticado pelo mercado, procurando assim ajudar a família do
inventariado, que recolheria um valor menor de impostos aos cofres públicos. Ou o contrário,
supondo-se que a família inventariada tivesse muitas dívidas passivas, os avaliadores
poderiam propositalmente avaliar alguns bens acima do valor de mercado, podendo esses
bens, super avaliados, serem dados como pagamento de alguma dívida passiva.
No entanto, conforme Mello, as falhas na avaliação, causadas pela subjetividade dos
avaliadores eram problemas que, se existiam, eram recorrentes em toda a amostra e,
portanto, não devem diminuir a confiabilidade das análises. (MELLO, 1990, p. 30)

Notas Sobre a Periodização Adotada

Com o intuito de estudar a acumulação e alocação de riqueza em Ribeirão Preto,


foram estabelecidos quatro períodos, conforme os objetivos da pesquisa desenvolvida, a
historiografia local e as características do conjunto de inventários utilizado. Considera-se,
como um dos objetivos mais imediatos do estudo, a análise da mudança nos padrões de
alocação e acumulação da riqueza provocada pela introdução de um novo cultivo na
localidade: o café.
A divisão da pesquisa em períodos procurou seguir os procedimentos no estudo da
introdução de novos cultivos sugeridos por Iraci del Nero da Costa. (COSTA, 2000) No
entanto, os momentos iniciais e finais dos períodos foram definidos procurando-se, também,
facilitar o diálogo com a historiografia.
56

Segundo o autor, o estabelecimento de um novo cultivo teria três etapas: introdução,


difusão e consolidação. Na primeira etapa, a nova cultura seria introduzida na localidade por
pequenos proprietários de terras, com ou sem cativos, ou por agregados. O período de
difusão seria aquele em que a cultura se mostrasse promissora, ocorrendo “não só a
incorporação à nova atividade de produtores já estabelecidos na região como a entrada de
outros mais, atraídos pelo êxito alcançado pelo novo cultivo”. A terceira e última etapa seria
a de consolidação. Nessa fase poderíamos observar a conclusão dos processos de
ajustamento que teriam sido iniciados na segunda fase e consolidar-se-iam as mudanças
estruturais provocadas pela ação da atividade em questão, o café.
No caso ribeirãopretano, essas três etapas corresponderam ao período 1849-1869,
1870-1888 e 1889-1900. A introdução do café, primeira etapa, teria ocorrido no período
1849-1869. Nessa época, surgiram os primeiros produtores e foram feitas as primeiras
experiências, sem que a pecuária, base econômica da região, sofresse abalo ou
reestruturação. A etapa de difusão ocorreu em dois subperíodos, 1870-1879 e 1880-1888. Os
anos de 1870 seriam marcados pela chegada dos primeiros cafeicultores de outras regiões e
os de 1880 pela chegada dos trilhos da Mogiana. Esta estrada ligaria o município ao porto de
Santos e incentivaria ainda mais a expansão da cultura em questão. Na terceira etapa, o café
estaria estabelecido na localidade e, então, seria possível observar as primeiras mudanças
estruturais na sociedade da região.

Notas Sobre a Metodologia

Além dos problemas e das limitações do corpus documental que foram mencionados
anteriormente, deve-se ressaltar que o inventário poderia se estender por anos e anos. Nesse
intervalo de tempo, inúmeros acontecimentos podiam provocar a modificação do conjunto de
bens inicialmente declarado. Por exemplo, algum dos herdeiros podia falecer, algum dos
escravos libertado ou os bens serem vendidos para garantir o sustento da família do
inventariado enquanto corria o processo.
O procedimento adotado foi o seguinte: para o estudo da composição da riqueza
inventariada considerou-se os números apresentados na partilha e para o estudo e
caracterização de cada um dos ativos considerou-se a descrição dos bens no início do
processo, sendo as informações disponíveis mais bem aproveitadas.
57

Alocação da Riqueza no Período de Introdução da Cultura


Cafeeira, 1849-1869

Considerou-se como período de introdução aquele definido por Costa (COSTA,


2000), em que o novo cultivo era introduzido na região estudada sem que provocasse
alterações ou mudanças expressivas na estrutura econômica pré-existente. Essa introdução
era feita, na maioria dos casos, por pequenos produtores. “Ao que parece, cabia-lhes – sem
que disso tivessem consciência – o papel de testar as potencialidades do novo bem sem que
os demais produtores da área se vissem obrigados a enfrentar riscos ou efetuar gastos”.
(COSTA, 2003, p. 1)
Foram localizados apenas dezessete inventários entre os anos de 1849 e 1869.
Tomando em conta o pequeno número de observações, os resultados alcançados devem ser
analisados com cuidado. As informações iniciais dos processos eram: nome do inventariado,
do inventariante, o grau de parentesco entre eles, local e data de início dos autos. Em
seguida, havia a declaração do inventariante, onde encontramos informações sobre os
consórcios do inventariado e os herdeiros gerados em cada um deles. Depois, eram
convocados os louvados, que davam preço a todos os bens pertencentes à família.
Geralmente, eram avaliados bens móveis que não estivessem muito velhos, animais,
escravos e imóveis. Eram arroladas também as dívidas ativas, passivas e os dotes que
porventura houvessem sido dados a algum herdeiro.
Conforme os números da Tabela 2.1, em doze dos dezessete casos, o inventariado era
do sexo masculino e, em 91,7% dos registros, esse inventariado era casado. Localizamos
apenas um caso de homem solteiro e nenhum de viúvo. O número de mulheres era diminuto,
apenas cinco, sendo quatro casadas e uma viúva. Não localizamos casos de inventariadas
solteiras.
A porcentagem de proprietários de escravos entre os indivíduos considerados era
elevada, sendo calculada em mais de dois terços da amostra. Os dados da Tabela 2.2
mostram que três quartos dos homens eram escravistas, enquanto na população feminina essa
porcentagem era de 60,0%. Esses proprietários possuíam ao todo 194 cativos, e o plantel
médio foi calculado em 16,2 cativos por proprietário. A posse média dos homens era
ligeiramente maior do que a das mulheres, sendo calculada em 16,7. A posse média das
mulheres foi calculada em 14,7. Há dois proprietários desequilibram a amostra, um homem
58

possuidor de 63 e uma mulher possuidora de 34 cativos.28 Excluindo esses dois do cálculo


das médias, notamos que a posse média ficou bem abaixo do cálculo anterior: 10,9 para os
homens e 5 para as mulheres.

Tabela 2.1
Estado Conjugal e Sexos dos Inventariados
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Estado conjugal Homens Mulheres Total


Solteiro 1 - 1
Casado 11 4 15
Viúvo - 1 1
Total 12 5 17
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.2
Propriedade de Escravos Consoante Sexo dos Inventariados
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Sexo Proprietários Não Proprietários


Masculino 9 3
Feminino 3 2
Total 12 5
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Os valores encontrados foram transformados em libras esterlinas.29 A partir daí, os


processos foram separados em seis faixas, conforme o valor alcançado pelo monte mor,
soma de todos os bens possuídos pelo inventariado e sua família.30 Chegou-se assim à
divisão exibida pela Tabela 2.3.
Analisando os dados, constatou-se que mais da metade dos requerentes possuía
montes abaixo das quinhentas libras, a primeira faixa de tamanho do monte mor considerada
Esses inventariados mais pobres concentravam apenas 2,9% da riqueza, resultando num
valor médio por inventário igual a £ 282,20. Dentro desta faixa, encontram-se quatro

28. Os dois inventariados eram Luiz Antonio de Souza Junqueira, falecido em 1856, e sua esposa, Anna Claudina Diniz
Junqueira, falecida em 1864.
29. Utilizamos os valores apresentados pelo IBGE na série Valores em moeda nacional e em libras das exportações e
importações, saldo comercial e taxa de câmbio implícita (1821-1900). IBGE, 1990, p. 568-571, indicada por NOZOE et alii,
2004.
30. Considerou-se como riqueza o total dos bens possuídos pela família do inventariado, inclusive os gêneros da lavoura. Na
historiografia, ora observa-se a inclusão ora a exclusão de tais bens – gêneros – do cômputo da riqueza. Canabrava, em 1972,
não os considera, por entender que significam rendimentos. (CANABRAVA, 1972, p. 105) Oliveira utiliza o conceito
desenvolvido por Canabrava e, portanto, também os exclui. (OLIVEIRA, 1997, p. 72 e 2003, p. 155) Já Zélia Maria Cardoso
de Mello, Renato Leite Marcondes e Leonel de Oliveira Soares incluem esses valores nas análises desenvolvidas. (MELLO,
1990, p. 80; MARCONDES, 1998, p. 200, nota 1 e SOARES, 2003, p. 111)
59

escravistas, cujos plantéis médios foram calculados em 3,5, número bem abaixo do plantel
médio calculado para os proprietários de cativos do período.

Tabela 2.3
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Segundo as Diferentes Faixas de
Riqueza.
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Faixas de tamanho de Número de Soma dos Média por


Porcentagem Porcentagem
fortunas inventários montes inventário
Menos de 500 libras 9 52,9 2.539,4 2,9 282,2
Entre 500 e 999 libras - - - - -
Entre 1000 e 1999 libras 2 11,8 2.538,1 2,9 1.269,0
Entre 2000 e 2999 libras 1 5,9 2.836,3 3,2 2.836,3
Entre 3000 e 4999 libras 2 11,8 7.559,6 8,5 3.779,8
Acima de 5000 libras 3 17,6 73.079,5 82,5 24.359,8
Total 17 100,00 88.552,89 100,00 5.208,99
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Três inventários possuíam monte mor entre mil e 2.999 libras, todos proprietários de
escravos, sendo estes responsáveis por 6,1% da riqueza e 16,0% dos cativos. O plantel médio
dessas faixas intermediárias de tamanho do monte mor foi calculado em 10,3 cativos. As
duas últimas faixas concentram 29,4% dos inventários e respondem por 91,1% da riqueza.
Novamente são todos escravistas e possuem 76,8% do total de escravos. A posse média
dessas duas faixas foi a maior do período, igual a 29,8 cativos por plantel.
Considerando as informações de todos os processos foi elaborado o Gráfico 2.1. Nele
pode-se observar que os inventariados concentravam seus recursos basicamente em escravos
e terras. As dívidas ativas, ou ativo, valores que o inventariado tinha a receber, respondiam
por 14,3%. A participação dos animais era de 7,2%. O montante em dinheiro era pequeno,
apenas 2,1%. Os bens móveis, por seu baixo valor relativo, comprometiam apenas 0,6% dos
recursos.
Pode-se comparar essa estrutura com a existente em Franca na primeira metade do
século XIX e por meio dessa comparação tentar verificar se a economia de Ribeirão Preto no
período 1849-1869 tinha como base a atividade criatória. Para isso, será utilizado o estudo
desenvolvido por Lélio Luiz de Oliveira, que comparou a composição da riqueza dos
francanos nos períodos 1822-1830 e 1875-1885.
Em linhas gerais, durante o século XIX a principal atividade produtiva da localidade
foi a criação de gado bovino e era esse “setor de maior vigor – ‘o centro dinâmico’ – que
exercia um ‘efeito multiplicador’, ou seja, incentivador de outras atividades”. (OLIVEIRA,
60

1997, p. 70) O café começou a ser introduzido na região de Franca mais ou menos no mesmo
período em que era introduzido em Ribeirão Preto, por volta da metade do século.

Gráfico 2.1
Composição da Riqueza
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Escravos
21,0%

Animais
7,2%

Móveis
0,6%

Imóveis
Ativo
55,0%
14,3%

Dinheiro
2,1%

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Conforme a Tabela 2.4, a composição da riqueza encontrada pelo autor na primeira


metade do século XIX difere pouco daquela encontrada em Ribeirão Preto. Nota-se que a
parcela da riqueza imobilizada em imóveis era sensivelmente menor em Franca, ao passo
que a porcentagem em escravos era dezesseis pontos maior. Outra distinção entre as duas
localidades era a participação dos animais. Em Ribeirão Preto eles representavam 7,2% da
riqueza e em Franca 13,7%, quase o dobro. Como explicar essas diferenças se a principal
atividade econômica de Ribeirão Preto no período 1849-1869 era semelhante à de Franca em
1822-1830? Será que a recente introdução do café já havia influenciado a composição da
riqueza em Ribeirão Preto mesmo não sendo o café a atividade mais importante?
Em primeiro lugar, Oliveira ressalta que a economia local era diversificada e não
estava limitada à criação. A localidade francana surgiu bem antes do município de Ribeirão
Preto e no auge da pecuária já era uma vila, que teve sua economia aquecida pelo dinamismo
do comércio e criação de animais. Assim, ao lado da atividade criatória floresceram outras,
tais como a agricultura, o comércio, a tecelagem, a mineração e a produção dos derivados da
cana-de-açúcar. Um processo semelhante ao ocorrido em Ribeirão Preto após a chegada do
61

café. Os ribeirãopretanos, no período 1849-1869, não tinham ainda um centro urbano


estruturado como os francanos, onde atividades tais como, o comércio ou a prestação de
serviços, podiam se desenvolver quando decidiam onde e como alocar seus recursos.

Tabela 2.4
Composição da Riqueza
(Ribeirão Preto e Franca, 1849-1869 e 1822-1830)

(a)
Grupos de ativos Ribeirão Preto (1849-1869) Franca (1822-1830)
(Porcentagens) (Porcentagens)
Móveis 0,6 6,0
Animais 7,2 13,7
Escravos 21,0 37,1
Imóveis 55,0 33,0
Dívida ativa 14,3 10,2
Dinheiro 2,1 -
Total 100,0 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão para os dados de Ribeirão
Preto e OLIVEIRA, 1997, p. 73 para os dados de Franca.

(a) Para facilitar a comparação, reproduzimos nesta tabela as porcentagens ribeirãopretanas apresentadas no Gráfico 3.1.

Tabela 2.5
Composição da Riqueza de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor.
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Escravos Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 3,0 7,3 34,7 48,2 2,6 4,2 2,7 100,0
Entre 500 e 999 libras - - - - - - - -
Entre 1000 e 1999 libras 1,1 3,3 57,5 35,5 0,1 2,5 0,0 100,0
Entre 2000 e 2999 libras 0,3 11,5 18,7 68,8 0,0 0,7 2,1 100,0
Entre 3000 e 4999 libras 1,5 2,8 31,7 57,7 0,2 6,1 2,6 100,0
Acima de 5000 libras 0,4 7,6 18,2 55,0 2,4 16,4 9,6 100,0
Total 0,6 7,2 21,0 55,0 2,1 14,3 8,3 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Concentrando a análise na composição do patrimônio dos ribeirãopretanos, nota-se a


importância das terras dentro da riqueza inventariada. Ao que tudo indica, as terras roxas
começaram nessa época a se valorizar, pois o café já era cultivado em algumas propriedades.
Infelizmente, o pequeno número de observações não permitiu que essa valorização fosse
mais bem estudada. Contudo, o valore alcançado pelas extensões de terra avaliadas foi
considerável e esses imóveis absorviam grande parte dos recursos de alguns indivíduos
inventariados.
Uma região que merece destaque é a das terras próximas ao Patrimônio de São
Sebastião, formado em 1856. No Patrimônio seria construída a igreja, centro natural do novo
62

núcleo populacional. Esses terras estavam localizadas na fazenda Barra do Retiro, justamente
a localização das terras mais valorizadas do período, alcançando em média Rs 466$579 por
alqueire. Para efeitos de comparação, o valor médio do alqueire de terra na fazenda do
Lageado, que nesse período representava a metade da área ribeirãopretana, foi calculado em
Rs 5$760.31
Considerando os números da Tabela 2.5, observa-se que a participação dos imóveis
era muito variável, ficando entre 35,5% e 68,8%. Ao que tudo indica, essa variável não
estava diretamente relacionada, nesse período, com a faixa de tamanho do monte mor à qual
pertencia o inventário. Seu comportamento parecia estar ligado à qualidade das terras, sua
localização e preço. Por exemplo, no inventário de Maximiana Angélica da Silva, os bens
imóveis representavam 87,7% de seu monte mor, no valor de £ 379,47. As terras mais
valorizadas foram as da fazenda do Sertãozinho, avaliadas por Rs 2:333$333, ou £ 251,52.
No caso de Diogo Custódio Braga, cujo monte mor era de £ 1.119,63, os imóveis tinham
participação de apenas 10,1%. Eram terras de cultura, benfeitorias, pastos e uma roça de
milho na fazenda dos Laurianos, com valor total de £ 112,96. Casos como estes ocorrem
também na faixa de tamanho do monte mor mais alta, a dos inventários com montes acima
de 5.000 libras. A inventariada Anna Claudina Diniz Junqueira possuía um monte mor de £
11.151,12. Seus imóveis – terras, benfeitorias e pastos na fazenda do Lageado – foram
avaliados em £ 1.258,74, ou 11,3% do monte.32
Retomando os dados do Gráfico 2.1, observa-se que a porcentagem de recursos em
cativos era de 21,0%. Em Franca, essa porcentagem era de 37,1%. Podemos supor que, em
Franca, a necessidade de cativos era maior do que em Ribeirão Preto, pois estes eram
utilizados tanto no meio rural quanto no meio urbano e, como observou Oliveira, tanto a
agricultura quanto as atividades desenvolvidas na cidade estavam em expansão sendo,
portanto, natural concluir que necessitavam de mais mão-de-obra.
A criação de gado extensiva, como praticada em Ribeirão Preto, demandava um
número menor de cativos do que a agricultura, o que pode ter influenciado as decisões de
alocação dos ribeirãopretanos. Os plantéis de cativos acumulados pela pecuária não foram
suficientes para a localidade recebesse a cultura cafeeira sem que houvesse grande

31. A fazenda Lageado, tal como foi avaliada no inventário de Luiz Antonio de Souza Junqueira, possuía aproximadamente
cinqüenta mil alqueires de terras, provavelmente de diferentes qualidades e preços. Por isso, o valor médio calculado foi tão
baixo, o que não significa serem todas as terras dessa fazenda de baixa qualidade ou pouco valorizadas no mercado de terras
regional.
32. Inventário de Maximiana Angélica da Silva (1849). FSS, Segundo Ofício, caixa 1a. Inventário de Diogo Custódio Braga
(1868). FSS, Segundo Ofício, caixa 1a. Inventário de Anna Claudina Diniz Junqueira (1864). FSS, Primeiro Ofício, caixa 1.
63

incremento no número de trabalhadores disponíveis, fossem eles cativos ou livres. Essa


característica, pode ter causado a introdução prematura do trabalho livre nas fazendas de café
da região.
A alocação de recursos em cativos variava conforme a faixa de tamanho do monte
mor dos inventários Os escravos tinham um peso maior nos inventários com menores
recursos, cujo monte mor possuía até £ 1.999,00. Observando as porcentagens apresentadas
na Tabela 2.5, nota-se que nos processos em que o monte mor não chegava a quinhentas
libras, os cativos comprometiam 34,7% dos recursos enquanto nos inventários com monte
mor acima das cinco mil libras essa porcentagem era de apenas 18,2%. Nos processos com
monte mor entre mil e 1.999 libras essa porcentagem era ainda mais significativa, 57,5%.
Em alguns processos o valor dos cativos ultrapassava o valor das terras e imóveis arrolados.
Normalmente, eram casos de inventariados com poucos recursos, cujas terras não eram de
boa qualidade.
A pequena participação dos bens móveis foi causada pelo pequeno valor que eles
alcançavam. Eram os chamados “trastes de casa” e os “trastes de cozinha”. Os bens que
adornavam as residências eram simples, quase sempre de grande utilidade, sendo raros os
casos de supérfluos ou bens de luxo. A mobília era reduzida, composta por armários,
cômodas, bancos e mesas de madeira. As camas e as cadeiras eram raras, sendo mais comuns
seus equivalentes mais primitivos, os catres e os tamboretes.33 As caixas e canastras existiam
em profusão, assim como as frasqueiras. Raros eram os relógios de parede. Duas navalhas e
uma anágua para senhora foram os únicos objetos de uso pessoal encontrados. Nas cozinhas,
os bens mais comuns eram as panelas e tachos feitos de ferro ou cobre e as chocolateiras,
vasilhas feitas de folha de flandres. As ferramentas da lavoura eram simples, enxadas, foices,
machados, serras e algumas cavadeiras de ferro, além delas encontra-se ferramentas da
lavoura e outras utilizadas por ferreiros e carpinteiros. As máquinas mais comuns eram as
rodas de fiar e os teares, mas foram localizadas também balanças, batedores de milho e
descaroçadores de algodão.
Os animais, responsáveis por 7,3% da riqueza inventariada, foram divididos em
bovinos, suínos, eqüinos, ovinos e muares. Os suínos apareciam com maior freqüência,
normalmente alcançando valores modestos. Em alguns inventários, nota-se a presença de
suínos classificados como “capados gordos” que alcançavam valores iguais aos de éguas e

33. Catres eram camas pobres e baixas, geralmente feitas de lona. Sua versão mais requintada era forrada de couro.
Tamboretes eram bancos sem encosto e sem braços, semelhantes a tambores.
64

até garrotes. O rebanho bovino era formado por 2.838 animais. A Tabela 2.6 traz o
detalhamento desse rebanho e também os números do rebanho bovino em Franca.

Tabela 2.6
Composição do Rebanho Bovino
(Ribeirão Preto e Franca, 1849-1869 e 1822-1830)

Ribeirão Preto Franca


Tipo de bovino
Quantidade Posse Média Quantidade Posse Média
Vacas 1.527 117,5 459 22,9
Novilhos, garrotes e bezerros 994 76,5 539 24,5
Bois 215 16,5 - -
Bois reprodutores 7 0,5 35 3,2
Bois de carro 95 7,3 202 12,6
Total 2.838 218,3 1.235 -
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão para os dados de Ribeirão
Preto e OLIVEIRA, 1997, p. 112 para os dados de Franca.

A fim de facilitar as comparações, esses animais foram divididos em vacas, novilhos,


bois de corte, bois reprodutores e bois de carro. A posse média em Ribeirão Preto ficou bem
acima da encontrada em Franca. Alerta-se para a existência de um inventariado que
desequilibra nossa amostra. Ele possuía 69,5% dos bovinos inventariados. Decidiu-se manter
esse pecuarista, pois apesar de distorcer a amostra ele fazia parte da economia da região e
ajuda a traçar o perfil pecuarista da localidade antes da chegada da cafeicultura.
Com relação ás dívidas ativas e passivas, pode-se dizer que eram ainda de pequena
importância nesse período, limitando-se a pequenas dívidas com comerciantes locais ou
pequenos empréstimos entre moradores da região. Normalmente as contas do passivo eram
provenientes de despesas médicas ou farmacêuticas do inventariado antes de sua morte, além
de gastos com o enterro e o pagamento de missas. Os valores em dinheiro eram arrolados
quando se havia vendido algum bem do espólio, ou para manutenção da família do
inventariado enquanto o inventário estava acontecendo, ou por se tratar de bens perecíveis
que iriam acabar se deteriorando se os envolvidos esperassem a conclusão do inventário para
vendê-los.
Ao analisar o grupo dos proprietários de escravos e dos não proprietários
separadamente percebe-se que é o grupo dos proprietários o responsável pelo perfil da
alocação riqueza do conjunto dos inventários, pois, como mostra a Tabela 2.7, a alocação de
riqueza dos escravistas se apresenta muito semelhante aos números do Gráfico 2.1. A Tabela
2.8 traz a distribuição da riqueza dos não escravistas.
65

Tabela 2.7
Composição da Riqueza dos Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho de Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Escravos Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 1,0 5,0 72,5 18,3 0,0 3,1 3,6 100,0
Entre 500 e 999 libras - - - - - - - -
Entre 1000 e 1999 libras 1,1 3,3 57,5 35,5 0,1 2,5 0,0 100,0
Entre 2000 e 2999 libras 0,3 11,5 18,7 68,8 0,0 0,7 2,1 100,0
Entre 3000 e 4999 libras 1,5 2,8 31,7 57,7 0,2 6,1 2,6 100,0
Acima de 5000 libras 0,4 7,6 18,2 55,0 2,4 16,4 9,6 100,0
Total 0,5 7,1 21,3 54,6 2,0 14,4 8,4 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.8
Composição da Riqueza dos Não Escravistas de Acordo com as
Faixas de Tamanho de Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 4,7 9,4 75,7 5,0 5,3 1,9 100,0
Entre 500 e 999 libras - - - - - - -
Entre 1000 e 1999 libras - - - - - - -
Entre 2000 e 2999 libras - - - - - - -
Entre 3000 e 4999 libras - - - - - - -
Acima de 5000 libras - - - - - - -
Total 4,7 9,4 75,7 5,0 5,3 1,9 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tal como visto anteriormente, quanto menor o valor do monte mor maior a
participação dos cativos. Quando se analisa o conjunto dos processos, os cativos
representavam 34,7% dos montes abaixo das quinhentas libras, enquanto nos escravistas essa
porcentagem chegou a 72,5%. Em muitos processos, o valor do cativo chegava a ser maior
do que o valor das terras inventariadas. Um desses casos é o inventário de Jeronymo Alves
da Silva. O valor de suas terras e benfeitorias foi de Rs 220$000, ou £ 22,09, enquanto o
valor alcançado por José, seu único cativo, com sessenta anos, foi de Rs 250$000, ou £
25,10.
Outro exemplo foi encontrado no inventário de Bárbara Maria Cerqueira. O valor
total de suas três partes de terra com as respectivas benfeitorias foi de Rs 712$221, ou £
76,77, ao passo que o valor de seus quatro cativos foi 159,8% maior, totalizando Rs
1:850$000, ou £ 199,42.34 Na alocação dos não escravistas, o que chama a atenção é que

34. Inventário de Jeronymo Alves da Silva (1866). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 1. Inventário de Bárbara Maria de
66

todos se encontravam na primeira faixa de tamanho do monte mor, a dos inventários de até
quinhentas libras. Não havendo a tradicional divisão escravos-imóveis, a riqueza desses
indivíduos ficava alocada basicamente em bens imóveis. Nota-se aumento nas porcentagens
de móveis, animais, ativo e dinheiro, provavelmente em decorrência do menor valor do
monte mor.
Em 1868, foram encontrados os primeiros indícios da presença cafeeira na região. O
primeiro cafezal localizado era de propriedade do lavrador e criador José Venâncio Martins.
Quando faleceu, José era casado em segundas núpcias com Maria Francisca do Nascimento,
a inventariante no processo. Sua primeira esposa havia sido Anna Leopoldina de Almeida,
com quem teve sete filhos. Além destes, teve mais seis filhos com sua segunda esposa. As
idades eram variadas, um dos mais velhos já havia falecido, e o mais novo contava com
apenas com três meses. Os avaliadores dos bens foram José Bento Nogueira da Luz e João
Gonçalves dos Santos.35
Sua casa era mobiliada de maneira simples: catres, tamboretes, um armário, uma
mesa e um banco. Havia também canastras, caixas e um oratório com imagens. Na cozinha,
encontramos tachos, bacias e panelas feitas de cobre ou de ferro. Além desses trastes, a
família possuía, ainda, ¼ de um faqueiro de prata. Como mantimentos, havia vinte e três
sacos de sal, quinze carros de milho e cinqüenta alqueires de café com casca. Seu rebanho
era de tamanho médio, sendo composto por bovinos, suínos e uns poucos cavalos. José era
escravista. Possuía vinte e um cativos com idades de quatro a cinqüenta anos.
O café não era o único cultivo encontrado no inventário. Além do cafezal, havia
também um roça de milho. O milho era comumente encontrado nos inventários
ribeirãopretanos, especialmente nos casos em que o inventariado também era criador de
suínos. Como o cafezal já estava produzindo, pode-se considerar que as árvores tinham, no
mínimo, quatro ou cinco anos. Se o cafezal realmente tinha entre quatro e cinco anos, quer
dizer que foi plantado entre 1863 e 1864.36
Assim, o primeiro cafeicultor encontrado na amostra de inventários era escravista e a
cultura cafeeira não era a única atividade desenvolvida por ele. O inventariado mantinha
também criação de bovinos, suínos e eqüinos, além de plantar milho. Suas terras estavam
localizadas nas fazendas da Serra Azul e da Figueira, estando nessa última a lavoura de café.

Cerqueira (1849). FSS, Segundo Ofício, caixa 1a.


35. João Gonçalves dos Santos seria o primeiro presidente da Câmara de Ribeirão Preto, em 1874. (MIRANDA, 1979, p. 5)
José Bento Nogueira da Luz foi localizado na lista de qualificação de votantes de São Simão, no ano de 1867, vivendo no
quarteirão da Serra Azul como lavrador e com sessenta anos. (AESP, Lista de qualificação de votantes de São Simão, 1867)
36. Inventário de José Venâncio Martins (1868). AFRP, Segundo Ofício, caixa 7.
67

A fazenda da Figueira estava localizada em área próxima da vila de Ribeirão Preto,


divisando com as fazendas do Retiro, Lagoa do Campo, Barra da Figueira, Cabeceiras do
Ribeirão Preto e Cravinhos.

Alocação da Riqueza na Primeira Fase de Difusão, 1870-1879

A fase de difusão de um novo cultivo corresponde àquela em que a nova cultura, já


introduzida na localidade, se mostrava promissora e observa-se “não só a incorporação à
nova atividade de produtores já estabelecidos na região como a entrada de outros mais,
atraídos pelo êxito alcançado pelo novo cultivo”. (COSTA, 2000, p. 1)
Em Ribeirão Preto, o período de difusão pode ser dividido em duas fases. A primeira
fase caracterizou-se pela chegada de alguns cafeicultores de outras regiões, que visitaram o
município para avaliar seu potencial cafeeiro. Alguns compraram terras e iniciaram a
formação de seus cafezais, enfrentando a resistência dos habitantes locais acostumados com
a rotina de criação e engorda de animais.
Durante a década de 1870, a exportação cafeeira paulista cresceu 64,1% e a
exportação de café pelo porto de Santos, passou de 1.355 mil para 4.619 mil arrobas, um
crescimento de 240,9%. (TAUNAY, 1939, v. 6, p. 334 e 335) O café era responsável por
grande parte dos valores exportados pela província e os outros produtos tinham importância
secundária. Conforme os dados da Tabela 2.9, a exportação cafeeira, em quantidade, era 36
vezes maior do que a exportação de arroz, segundo artigo mais produzido na província, e seu
valor era praticamente setenta vezes maior do que o do segundo principal produto de
exportação, o algodão.
A expansão da cultura cafeeira continuava em direção do novo oeste paulista e a
importância da região de Ribeirão Preto começou a aumentar. Tem início então a onda
propagandista, em que as qualidades da terra e do clima da região são exaltadas no jornal “A
Província de São Paulo”.
Porém, alguns problemas ainda não solucionados se tornavam sérios impedimentos à
disseminação do café. Os principais e mais graves eram o preconceito dos moradores locais,
a distância dos portos e a existência dos grandes latifúndios. Os fazendeiros que vinham de
outras regiões para dedicar-se ao cultivo da rubiácea eram tidos como aventureiros,
“bárbaros, que levam aquelas paragens a pobreza, e a ruína aos seus antigos habitantes”. A
68

distância até o porto de Santos praticamente impedia a produção, “cujo transporte absorveria
quase que o seu valor”. As melhores terras do município estavam em mãos de poucos,
“impedindo que pessoas de fora aí fossem estabelecer-se, e que poderiam introduzir a nova
cultura de todo oposta aos costumes dos seus habitantes”. (PRADO JUNIOR, 1877. In
COSTA, 1956, p. 115)

Tabela 2.9
Principais Artigos da Exportação
(Província de São Paulo, 1878)

Quantidade Valor
Produtos
(em arrobas) (em réis)
Café 5.229.987 38.284:642$000
Algodão 44.446 548:916$000
Fumo 40.832 375:954$000
Arroz 142.819 367:626$000
Toucinho 49.885 313:809$000
Animais 6.188 291:555$000
Fonte: TAUNAY, 1939, v. 6, p. 334.

O autor notou que o café demonstrava adaptar-se bem ao clima local e a qualidade
das plantações visitadas por Martinho foi considerada excelente. Entre os cafezais visitados
estavam os de
[...] Luiz Herculano, que é o mais lindo possível, plantado de semente, e com 5
anos de idade. Apresenta hastes da grossura de cafezais de 7 anos em Campinas e
outros locais. Os do sr. Manoel Octaviano Junqueira, são também lindos e iguais,
sobressaindo entre eles pelo desenvolvimento extraordinário o do sr. José Bento
Junqueira, tendo apenas um ano e cinco meses. Consta-me que são igualmente
lindos os cafezais dos srs. dr. Rodrigo e Manoel Cunha.”37 (PRADO JUNIOR,
1877. In COSTA, 1956, p. 115)

Um importante fator que permitiu a existência desses cafezais foi o ramal férreo da
Cia. Paulista inaugurado em Pirassununga, que tornava aceitável o custo do transporte da
produção em lombo de mula até a linha férrea. A decisão tomada pelos fazendeiros, de
plantar café na região já na década de 1870, não era apenas reflexo da tradição pioneira
paulista. A fundação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, em 1872, a inauguração
dos ramais da Companhia Paulista ligando Campinas às cidades de Pirassununga, em 1878,
Porto Ferreira, em 1880, foram acontecimentos que deram segurança aos cafeicultores de
que suas produções iam ser escoadas sem que o custo do transporte absorvesse toda a
margem de lucro. (MATOS, 1974, p. 67 e 70) A fundação da Mogiana foi fator tão

37 O integrantes da família Junqueira já eram moradores da região, assim como Manoel da Cunha. O sr. dr. Rodrigo é o
irmão de Luiz Pereira Barreto.
69

importante que, em 1873, já existiam em São Simão quinze cafeicultores. (LUNÉ &
FONSECA, 1873, p. 502)
O poder público não criava impedimentos à entrada do café. Ao contrário, a Câmara
procurava incentivar o crescimento das plantações e buscava maneiras de cobrar imposto
sobre o café exportado no município. Os vereadores demonstravam até um certo exagero ao
tratar do tema nas seções da Câmara, entusiasmados com as possibilidades do novo cultivo e
a renda gerada por ele em outras localidades. Uma das primeiras indicações da presença
cafeeira foi encontrada na ata do dia 22 de dezembro de 1874, justamente deliberando sobre
informações pedidas pelo governo da Província:
[...] que se desse as informações que o Governo pede em circular de 22 de Outubro
último, no sentido de demonstrar que este Município, é exclusivamente próprio
para o plantio do café, e que apesar de já ter milhões de pés de café plantados teria
um número muito mais superior se tivesse forças para cultivá-los e que, [...] a
indústria não é ousada neste Município. Que existe alguns criadores de gado,
porém que esses estão passando para o plantio do café [...] (Ata da Câmara
Municipal. Apud SANTOS, 1948, p. 84)

A ata da Câmara informava que no município já existiam “milhões de pés de café


plantados”. A exaltação do potencial cafeeiro do município poderia ser estratégia dos
vereadores, que não raras vezes eram também produtores. No entanto, mesmo descontando
uma possível superestimarão do cafeeiro local, pode-se supor, com base nas informações da
municipalidade, que a presença do café na localidade era mais acentuada do que explicitada
pelos inventários.
As informações dos inventários do período confirmam a importância das atividades
rurais para a sobrevivência dos habitantes da localidade. A maioria dos inventariados tinha
como ocupação ou atividade característica a agricultura e/ou a criação de animais. Esses
lavradores, conforme dados da Tabela 2.10, respondiam por quatro quintos da riqueza e por
93,4% dos cativos encontrados.
Trabalhando com uma quantidade maior de processos, foi possível identificar, além
das atividades rurais, outras de caráter mais urbano. Apenas para lembrar, em 1856 ocorre a
formação do patrimônio de São Sebastião, marco inicial da área de Ribeirão Preto. Em 1870,
a localidade era elevada à categoria de freguesia e, em 1871, à categoria de vila. Em 1874, a
população da vila já era de 5.552 pessoas. Portanto, o núcleo urbano já deveria estar
formado, permitindo o estabelecimento de alguns comerciantes e outros profissionais.
70

Tabela 2.10
Atividade do Inventário Consoante Sexo do Inventariado
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Homens Mulheres Todos


Atividade
I R E I R E I R E
Lavoura e criação 48 57,7 65,5 35,3 23 27,9 83,3 80,6 93,4
Negócio 4,9 2 - 1 4,8 0,3 5,9 6,8 0,3
Negócio, lavoura e criação 2 4,6 0,3 1 1 1,1 2,9 5,6 1,4
Ofício - - - 1 0,2 - 1 0,2 0
Ofício e lavoura 1 0,9 1,7 - - - 1 0,9 1,7
Vivia de rendas 1 4,5 - - - - 1 4,5 0
Não identificada 2 0,1 - 2,9 1,3 3,2 4,9 1,4 3,2
Total 58,8 69,8 67,5 41,2 30,2 32,5 100 100 100
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
I - Porcentagem do número de inventários
R - Porcentagem da riqueza
E - Porcentagem de escravos

No entanto, além dos lavradores e criadores foram encontrados também negociantes


e artesãos. Alguns comercializavam produtos diversos, tais como secos, molhados e
utilidades domésticas. Outros possuíam estabelecimentos mais especializados,
comercializando apenas bebidas ou madeiras. Havia também alguns profissionais das artes e
ofícios, um alfaiate e um carpinteiro, além de um boticário. Em alguns casos, esses
comerciantes eram lavradores que buscavam diversificar suas atividades, mantendo sua
ligação com o campo por meio da posse de terras e da criação de animais. O número desses
outros profissionais era pouco representativo dentro da nossa amostra, assim como sua
riqueza e seus cativos. Vale lembrar que nos casos em que o inventário era de uma mulher
casada, procuramos seu marido nas listas de qualificação de votantes e consideramos a
atividade deste como sendo a do inventário.
Um desses negociantes ligados ao campo era Antonio Maciel de Pontes. Quando
faleceu, Antonio tinha aproximadamente sessenta anos e era casado com Sabina Alexandrina
de Oliveira, inventariante no processo.38 Deixou dez filhos com idades variadas, tendo o mais
novo doze anos. Não foi possível identificar a que tipo de comércio dedicava-se Antonio,
pois em seu inventário as únicas indicações dessa atividade eram uma casa na rua do
Comércio e diversas dívidas ativas.
A confirmação de que Antonio era comerciante foi encontrada na lista de
qualificação de votantes de abril de 1876, na qual ele aparece vivendo do Quarteirão da Vila
com a classificação de negociante. Nas listas anteriores, ele apareceu como lavrador, vivendo

38 AESP. Lista de qualificação de votantes de Ribeirão Preto, 1873.


71

no Quarteirão do Sertãozinho em 1873, e no Quarteirão da Vila em 1875. 39 O pai de Antonio


foi um dos posseiros da grande fazenda do Sertãozinho do Mato Dentro, ocupada ainda na
década de 1820. (MARTINS, 1998, p. 368)
Poucos bens móveis foram arrolados, apenas uma mesa, três catres e dois tachos de
cobre, mostrando a simplicidade em que vivia a família, apesar de Antonio estar entre os oito
inventariados mais ricos do período. Além de negociante, ele era também criador de gado.
Seu rebanho era composto por 55 bovinos, e quatro bestas de carga. Apesar de ter um
tamanho considerável, sua criação não representava uma porcentagem alta do monte mor,
dado o valor alcançado pelas terras que o inventariado possuía. Os imóveis rurais
representavam 80,0% da riqueza de Pontes, terras estas provenientes de áreas apossadas por
ele e por seu pai.
O avanço do café pode ser percebido quando se observa que no período anterior,
1849-1869, o único indício da presença cafeeira foi a avaliação de um cafezal em 1868, e na
década de 1870, conforme dados da Tabela 2.11, já existiam quatro cafezais, oito mil pés de
café novos, 439 pés de café formados e quarenta mil pés sem idade especificada, sendo trinta
mil destes sem avaliação.40

Tabela 2.11
A Presença Cafeeira
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Valor total Valor médio


Descrição do cafeeiro Número
(em réis) (em réis)
Cafezal 4 1:120$000 280$000
Pés de café de três anos 8.000 2:400$000 $300
Pés de café formados 439 214$090 $488
Pés de café sem idade 10.000 10:000$000 1$000
Pés de café sem avaliação 30.000 - -
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Contudo, a expansão das plantações de café não foi suficiente para modificar a
estrutura das fazendas de criação. Anteriormente, observou-se que o rebanho bovino médio
encontrado nas fazendas ribeirãopretanas no período 1849-1869 era alto, maior até que o

39 Deve-se ressaltar que, ao consultar as listas e comparar as informações destas com as dos inventários, foi possível
verificar que a denominação “lavrador” era utilizada tanto para agricultores quanto para criadores.
40 Localizamos o cafezal de trinta mil pés na descrição da fazenda Santa Maria, pertencente ao inventário de Gabriel de
Souza Diniz Junqueira (1875). O cafezal não foi avaliado separadamente, mas a fazenda onde estava localizado foi vendida
antes do final do inventário por Rs 142:000$000. Inventário de Gabriel de Souza Diniz Junqueira (1875). AFRP, Segundo
Ofício, caixa 197a.
72

rebanho médio na região de Franca. Foi também ressaltada a presença de inventários da


família Junqueira que contribuíram muito para os resultados alcançados.
Se excluirmos os Junqueira do cálculo, chegaríamos aos números apresentados na
Tabela 2.12. No primeiro período, o gado bovino estava presente em 76,5% dos inventários
de nossa amostra. Eram treze criadores ao todo e, excluindo os inventariados da família
Junqueira, esse número passou para dez. Na década de 1870, foram encontrados bovinos em
64 dos 102 inventários, uma porcentagem igual a 62,7%.
Calculando a posse média, nota-se que a expansão do cafeeiro na região não foi
suficiente para modificar a estrutura da criação de gado pré-existente. Houve, mesmo, o
incremento da maioria das médias, vale lembrar, com a exclusão da família Junqueira dos
cálculos do primeiro período. As médias que mais cresceram foram as de bois e bezerros,
sendo a existência deste último tipo de bovino e o crescimento do rebanho médio deste mais
um indicador da atividade criatória na localidade.

Tabela 2.12
Tamanho do Rebanho
(Ribeirão Preto, 1849-1879)

1849-1869 1870-1879
Tipo de bovino Média por Média por
Quantidade Quantidade
proprietário proprietário
Boi 12 1,2 286 4,5
Touro 0 0,0 7 0,1
Boi de carro 40 4,0 284 4,4
Vaca 177 17,7 814 12,7
Bezerro, garrotes e novilhos 121 12,1 1.041 16,3
Total 350 35,0 2.432 38,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Ao lado da pecuária e do café, foram encontrados outros produtos nas fazendas da


região. Era difícil encontrar indicação da existência dessas culturas nos inventários. Os
gêneros alimentícios não são uma cultura perene, como o café. Para uma cultura ser avaliada
era necessário que o falecimento do indivíduo ocorresse após a semeadura e antes da colheita
ou consumo dos bens. Se o indivíduo falecesse após a colheita e o consumo dos gêneros,
nem a lavoura e nem os gêneros produzidos eram indicados no processo.
Há informações sobre o tipo de produto ou cultura para 40,2% dos inventários
dedicados à lavoura e/ou à criação. Com esses dados, elaborou-se a Tabela 2.13, na qual
73

pode-se identificar os produtos ou gêneros encontrados em na amostra, se ele era o único


produto do inventário ou se estava associado com outros.

Tabela 2.13
Produtos da Lavoura ou Tipo de Criação
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Total de
Como Único Associado a
Produtos Inventários em
Produto Outros
que Aparece
Algodão - 1 1
Arroz - 2 2
Lavoura Café 1 4 5
Cana-de-açúcar 3 3 6
Milho - 10 10
Bovinos 7 13 20
Caprinos - 1 1
Eqüinos - 5 5
Criação
Muares - 4 4
Ovinos 3 10 13
Suínos 1 20 21
Derivados do leite - 1 1
Outros
Roça não especificada 2 - 2
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

A cultura mais comum era o milho, que apareceu em dez inventários. Em seguida
temos a cana-de-açúcar, existente em seis processos. Com relação à criação de animais, os
suínos eram os mais freqüentes, seguidos pelos bovinos e pelos ovinos. Os produtos mais
comumente relacionados eram os suínos e o milho.
Para melhor caracterizar os inventários considerados, foram elaboradas as Tabelas
2.14 e 2.15, com informações sobre sexo, estado conjugal e propriedade de cativo. A Tabela
seguinte, 2.16, mostra a distribuição dos inventários de acordo com as faixas de tamanho de
tamanho do monte mor.
Tal como no período anterior, os inventariados do sexo masculino eram maioria,
respondendo por 58,8% da amostra. Nota-se também a elevação da participação das
mulheres, passando de 29,4% para 41,2%. Em mais de quatro quintos dos casos os
inventariados eram casados, sendo a porcentagem destes um pouco maior entre as mulheres.
Observamos também o aumento na porcentagem de viúvos, que passou de 5,9% para 13,7%.
74

Tabela 2.14
Estado Conjugal e Sexo dos Inventariados
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Homens Mulheres Total


Estado Conjugal
Número % Número % Número %
Solteiro 1 1,0 1 1,0 2 2,0
Casado 49 48,0 35 34,3 84 82,4
Viúvo 8 7,8 6 5,9 14 13,7
Sem informação 2 2,0 - - 2 2,0
Total 60 58,8 42 41,2 102 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.15
Propriedade Cativa e Sexo do Inventariado
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Homens Mulheres Total


Sexo
Número % Número % Número %
Proprietários 25 48,1 27 51,9 52 100,0
Não proprietários 35 70,0 15 30,0 50 100,0
Total 60 58,8 42 41,2 102 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Mais da metade dos 102 inventariados era proprietária de cativos. Foram localizados
348 escravos, divididos em 52 plantéis, gerando uma posse média igual a 6,7. Mais da
metade desses cativos estava em idade produtiva, considerada como sendo a dos quinze até
os 49 anos, aproximadamente um terço deles tinha até quatorze anos e apenas 5,0% tinham
cinqüenta ou mais anos.41
A desigualdade na distribuição da riqueza entre os inventariados pode ser observada
na Tabela 2.16. Os mais pobres, cujo monte mor está abaixo das quinhentas libras,
representam 61,8% dos inventariados e respondem por apenas 10,2% da riqueza. Em
contrapartida, os 6,9% mais ricos, montes mores acima das cinco mil libras, são responsáveis
por 56,0% da riqueza do período. Corroborando esta análise tem-se o índice de Gini,
calculado em 0,733.
A manutenção da estrutura anterior também pode ser confirmada pela análise do
Gráfico 2.2. O padrão de alocação não foi modificado, ocorrendo apenas pequenas variações
na porcentagem da riqueza em cada um dos ativos por nós considerados. Os escravos e
imóveis continuavam a ser os mais representativos, respondendo por 79,9% do monte mor,

41 A população cativa será mais bem analisada em outro capítulo da tese, juntamente com a estrutura da posse dos
proprietários.
75

anteriormente essa porcentagem foi calculada em 76,0%. A pequena modificação foi causada
pelo aumento na porcentagem de cativos, que era de 21,0% no período anterior e passou a
ser de 27,8% na década de 1870. O valor dos bens imóveis caiu de maneira discreta,
passando de 55,0% para 52,1%. Observa-se também um pequeno crescimento na
porcentagem alocada em animais, que passou de 7,2% para 7,6%; o crescimento da
porcentagem de móveis, que era de 0,6% e passou a ser de 2,0%; a diminuição do valor em
dinheiro, de 2,1% para 0,2%; e a diminuição do valor em dívida ativa, de 14,3% para 10,3%.

Gráfico 2.2
Composição da Riqueza
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Escravos
27,8%

Animais
7,6%

Móveis
2,0%
Imóveis
Ativo 52,1%
10,3%

Dinheiro
0,2%

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.16
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados De Acordo com
as Diferentes Faixas de Tamanho de Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Número de Porcentagem Soma dos Porcentagem Média por


Tamanho do Monte Mor
Inventários (Inventários) Montes (Montes) Inventário
Menos de 500 libras 63 61,8 12.498,06 10,2 198,38
Entre 500 e 999 libras 14 13,7 9.126,54 7,5 651,90
Entre 1000 e 1999 libras 13 12,7 17.861,22 14,6 1.373,94
Entre 2000 e 2999 libras 4 3,9 10.421,25 8,5 2.605,31
Entre 3000 e 4999 libras 1 1,0 3.821,83 3,1 3.821,83
Acima de 5000 libras 7 6,9 68.283,31 56,0 9.754,76
Total 102 100,0 122.012,21 100,0 1.196,20
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
76

Analisando a composição do monte mor em diferentes faixas de tamanho do monte


mor, observa-se que não há muita diferença entre os dados apresentados pela Tabela 2.17. As
alterações mais substanciais estão na dívida ativa e no passivo, cujas porcentagens em
algumas faixas excedem a média em até 8,4 pontos percentuais. Essas variações são
decorrentes da existência de alguns comerciantes, como João Bento Ferreira Lopes, que
chegavam a possuir 59,9% de seu monte mor em forma de dívida ativa, ou contas a receber.
O mesmo ocorria com relação ao passivo. Foram encontrados comerciantes cujo passivo
comprometia 95,8% de seus bens, caso de Joaquim Carneiro da Silva Braga.42
Os bens mais representativos nessa estrutura eram os imóveis, em especial as terras.
Foram avaliados nos inventários mais de dois mil alqueires de terra, com valores e
localizações variadas. As propriedades não estavam somente na região de Ribeirão Preto,
mas também na vila de São Simão e na província de Minas Gerais. De acordo com a Tabela
2.18, o preço médio dos alqueires foi calculado em Rs 16$288.
A maior parte das terras arroladas estava localizada nas fazendas do Sertãozinho, da
Figueira, da Serrinha, do Retiro e das Posses, que juntas representavam 89,5% dos alqueires
encontrados. Com exceção dos alqueires cuja localização não foi informada, as terras mais
valorizadas foram as da fazenda dos Laurianos, avaliadas por Rs 37$289 o alqueire.
Normalmente, as terras eram descritas de acordo com sua qualidade ou utilização. Por
exemplo, quando as terras eram próprias para o cultivo de gêneros eram descritas como
“terras de cultura”; quando eram terras de qualidade superior apareciam como “terras de
cultura de primeira sorte”; quando eram terras para criação, apareciam como “terras de
campos e matos”.

Tabela 2.17
Composição da Riqueza de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Escravos Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 6,4 13,4 28,0 44,4 1,3 6,5 15,3 100,0
Entre 500 e 999 libras 3,4 5,7 29,3 53,6 0,0 7,9 20,8 100,0
Entre 1000 e 1999 libras 2,4 6,6 24,5 50,6 0,5 15,4 15,9 100,0
Entre 2000 e 2999 libras 1,6 2,6 35,9 51,1 0,0 8,8 19,9 100,0
Entre 3000 e 4999 libras 0,5 4,3 0,0 80,0 0,0 15,1 1,6 100,0
Acima de 5000 libras 1,0 8,0 28,7 52,3 0,0 9,9 9,3 100,0
Total 2,0 7,6 27,8 52,1 0,2 10,3 12,4 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

42 Inventário de João Bento Ferreira Lopes (1877). AFRP, Segundo Ofício, caixa 3a. Inventário de Joaquim Carneiro da
Silva Braga (1878). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 3.
77

Tabela 2.18
Localização das Terras Avaliadas nos Inventários
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Localização Alqueires Valor Média por alqueire


Fazenda do Sertãozinho (RP) 812 13:117$000 16$154
Fazenda da Figueira (RP) 681,5 8:580$000 12$590
Fazenda da Serrinha (RP) 448,8 8:855$755 19$734
Fazenda do Retiro (RP) 291,6 4:769$860 16$358
Fazenda das Posses (RP) 240,9 2:418$000 10$037
Fazenda dos Laurianos (RP) 87,5 3:262$762 37$289
Área rural de Ribeirão Preto 52 1:012$000 19$462
Fazenda do Tamanduá Grande (SS) 30 650$000 21$667
Fazenda do Ribeirão Preto (RP) 28 400$000 14$286
Fazenda do Lageado (RP e SS) 24 234$000 9$750
Fazenda dos Cocaes (MG) 22 600$000 27$273
Localização não informada 13,6 560$000 41$176
Fazenda do Esgoto (RP) 12 192$000 16$000
Fazenda do Ribeirão Preto Abaixo (RP) 11 165$000 15$000
Fazenda Boa Vista (RP) 6 150$000 25$000
Fazenda da Serra (SS) 2 30$000 15$000
Fazenda do Ribeirão Preto Acima (RP) 1 20$000 20$000
Totais 2.763,90 45:016$377 16$288
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(RP) - Ribeirão Preto
(SS) - São Simão
(MG) - Minas Gerais

A composição da riqueza dos proprietários de escravos era semelhante à do conjunto


dos processos, como mostra a Tabela 2.19. Porém, nota-se que quanto mais pobre era o
inventariado, maior era o peso dos escravos na composição de seu patrimônio. Para os
inventariados com monte abaixo das quinhentas libras, essa porcentagem era de 53,5%. Para
as outras faixas de tamanho do monte mor, esse valor vai de 31,3% até 38,8%. A
porcentagem de imóveis entre os bens dos escravistas foi calculada entre 30,3% e 51,1% do
valor dos montes e, quanto maior o valor do monte mor, mais alta a sua participação, em
especial nos inventários cujo monte era maior que duas mil libras.
Verificou-se que os inventariados que dedicavam-se ao cultivo do café possuíam uma
porcentagem alta de sua riqueza em imóveis, pois tanto os cafezais quanto as instalações
necessárias à cafeicultura eram muito valorizados. Por exemplo, o valor de um pé de café
novo, que ainda não estava produzindo, era de 300 réis e o valor de um pé produzindo
chegava a Rs 1$000.
78

Tabela 2.19
Composição da Riqueza dos Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Escravos Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 4,9 7,1 53,5 30,3 1,6 2,6 14,5 100,0
Entre 500 e 999 libras 3,2 5,7 38,8 47,9 0,0 4,4 10,0 100,0
Entre 1000 e 1999 libras 2,9 7,2 32,9 43,6 0,2 13,1 17,7 100,0
Entre 2000 e 2999 libras 1,6 2,6 35,9 51,1 0,0 8,8 19,9 100,0
Entre 3000 e 4999 libras - - - - - - - -
Acima de 5000 libras 1,0 8,7 31,3 48,1 0,0 10,8 9,2 100,0
Total 1,7 7,6 34,0 46,7 0,1 9,9 11,9 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Como exemplo há o caso de Anna Gabriela Nogueira, falecida em 1878. Anna e seu
marido Gabriel possuíam terras nas imediações de São Simão e na região Ribeirão Preto, nas
quais plantavam café e criavam um pequeno número de animais, provavelmente para uso nos
trabalhos da lavoura. Seu rebanho era composto por um garrote, onze bois de carro, cinco
cavalos e três muares. Entre os poucos bens móveis descritos havia um carro de bois e
algumas jóias de ouro e prata. O plantel de cativos era de tamanho médio, com dez
elementos, sendo sete do sexo masculino e três do feminino. Os imóveis avaliados
consistiam em quatro partes de terras nas fazendas Dois Irmãos, Tamanduá, Cascavel e
Sertãozinho, as duas últimas em Ribeirão Preto, além de benfeitorias e pés de café. O monte
mor alcançou £ 2.911,97. O cafezal e os pés de café foram avaliados em £ 1.200,30 e
representavam 54,5% do valor total dos imóveis do inventário.43
O expressivo valor dos cativos acabava por comprometer grande parte dos
investimentos dos proprietários menos abastados. Dentre os vinte e um inventariados
proprietários de cativos com mais pobres, foram encontrados onze cujos cativos
representavam mais da metade do monte mor e, entre estes, havia quatro casos em que esse
valor estava acima dos quatro quintos. Como foi visto anteriormente, o valor do cativo em
alguns casos ultrapassava o valor das terras do inventário, que por sua vez não costumavam
ser de boa qualidade e em conseqüência alcançavam avaliações muito baixas. Essa
disparidade foi acentuada pela alta no preço dos cativos verificada em Ribeirão Preto a partir
de 1873, como mostra o Gráfico 2.3.44

43. Inventário de Anna Gabriela Nogueira (1878). ASS, Segundo Ofício, caixa 4.
44. Para a elaboração do gráfico, foram utilizados os valores nominais de todos os cativos, independente de sua idade. Após
a elaboração do gráfico com valores nominais, elaborou-se um outro considerando os valores em libras esterlinas. Foi
constatado que não havia diferenças substanciais entre eles. Sendo assim, optou-se pela apresentação dos valores nominais,
pois estes são mais comumente encontrados na historiografia.
79

Gráfico 2.3
Evolução no Preço dos Cativos
(Ribeirão Preto, 1870-1878)

1.800.000

1.600.000

1.400.000

1.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

0
1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878

* Não foram encontrados cativos no ano de 1879. Mulheres Homens


** Médias calculadas excluindo-se os cativos sem preço.

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Os cativos do sexo masculino alcançaram preços significativamente maiores do que


as cativas. Esse resultado não é incomum na historiografia e foi encontrado para diversas
localidades paulistas no mesmo período.45 Entre os anos de 1870 e 1873, o valor da mulher
cativa em Ribeirão Preto foi, em média, 32,2% menor do que o preço do homem cativo. Para
o período 1874-1879 essa diferença foi ainda maior, 45,0%. Com mais da metade do monte
mor absorvida pelo investimento em cativos, os mais pobres acabavam possuindo um valor
menor em imóveis.
A alocação dos não proprietários se mostra um pouco distinta. Estes, liberados do
investimento em mão-de-obra, acabavam concentrando seus recursos em imóveis e quanto
maior o valor do monte mor mais alta era a porcentagem desse ativo na composição da
riqueza. Conforme os dados da Tabela 2.20, os inventariados da primeira faixa de tamanho
do monte mor possuíam, em média, 59,9% em imóveis.

45. José Flávio Motta e Renato Leite Marcondes encontraram em Guaratinguetá e Silveiras, no período 1870-1874, escravos
35,6% mais caros do que as escravas e, no período 1874-1879, essa diferença chegou a 37,7%. (MOTTA & MARCONDES,
2000, p. 278) Resultado similar foi alcançado por Slenes em Campinas, onde, entre 1870-1874, o preço dos homens cativos
foi, em média, 26,4% maior do que o das mulheres, e no período 1875-1879 essa diferença foi de, 35,1%. (SLENES, 1976,
p. 267. Apud EISENBERG, 1987, p. 200) Variação semelhante foi encontrada também por OLIVEIRA em Franca. Entre
1875 e 1879, o preço dos homens foi mais elevado do que o das mulheres nos inventários por ele consultados. (OLIVEIRA,
1997, p. 94) Conclusões semelhantes foram alcançadas também por Peter Eisenberg em Campinas, onde, no período 1875-
1879, o preço médio dos homens foi 25,5% maior do que o das mulheres. (EISENBERG, 1987, p. 200)
80

Tabela 2.20
Composição da Riqueza dos Não Escravistas de Acordo com as Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Tamanho do Monte Mor Móveis Animais Imóveis Dinheiro Ativo Passivo Mor
Menos de 500 libras 8,1 20,3 59,9 0,9 10,8 16,1 100,0
Entre 500 e 999 libras 4,2 5,7 71,3 0,0 18,9 54,0 100,0
Entre 1000 e 1999 libras 0,8 4,9 70,9 1,4 22,0 10,9 100,0
Entre 2000 e 2999 libras - - - - - - -
Entre 3000 e 4999 libras 0,5 4,3 80,0 0,0 15,1 1,6 100,0
Acima de 5000 libras 0,8 0,0 99,2 0,0 0,0 9,7 100,0
Total 3,1 7,8 76,7 0,5 11,9 14,7 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Entre esses inventariados, o tamanho médio das propriedades foi de 38,4 alqueires,
com valor médio de Rs 13$872 o alqueire. Os inventariados com monte mor acima das
quinhentas libras possuíam em média 104,4 alqueires, com valor médio calculado em Rs
14$754 cada.46 Entre estes, destacam-se os casos de João Bento Ferreira Lopes, que possuía
153,75 alqueires da fazenda da Serrinha, e Maria Cândida de Jesus, que possuía 137,5
alqueires nas fazendas das Posses e Sertãozinho, todas em Ribeirão Preto.47
No final da década de 1870, Ribeirão Preto começava a ser identificada com a cultura
cafeeira. Os artigos de Martinho Prado Junior e Luiz Pereira Barreto divulgaram a qualidade
das terras e clima da região como sendo ideais para o cultivo do café. O café que havia sido
introduzido na região nas décadas de 1850 e 1860 era cada vez mais cultivado nas antigas
fazendas de criação. Nos inventários, percebe-se, ainda que discretamente, o avanço dos
cafezais, mas sem causar prejuízo à pecuária. Durante a década de 1880, o café ganha espaço
e a chegada da ferrovia muda o perfil da cafeicultura na localidade.

A Segunda Fase de Difusão, 1880-1888

A segunda fase de difusão da cafeicultura em Ribeirão Preto foi marcada pela


chegada dos trilhos da Mogiana em 1883. Na década de 1880, a produção cafeeira paulista
alcançava as dez mil arrobas por ano. No ano de 1886, foram produzidas 10.374.350 arrobas

46 Médias calculadas considerando-se apenas os inventários em que encontramos terras cuja descrição incluía o tamanho da
área avaliada. Normalmente, a unidade utilizada era o alqueire.
47 Inventário de João Bento Ferreira Lopes (1877). AFRP, Segundo Ofício, caixa, 3a. Inventário de Maria Cândida de Jesus
(1875). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 1.
81

de café em São Paulo, das quais 29,0% vinham da região de Campinas. A região da
Mogiana, que em 1854 havia sido responsável por apenas 2,3% da produção, agora
respondia por 21,8%. (MILLIET, 1938, p. 21)
Em Ribeirão Preto, o avanço dos cafezais tornava-se cada vez mais evidente.
Conforme os dados da Tabela 2.21, na década de 1880 o número de pés de café encontrados
nos inventários cresceu significativamente, passando de 40.439 para 308.463. O número de
cafeeiros formados, que já estavam produzindo, foi o mais expressivo, 138.763. O elevado
número de pés novos, 142.454, indicava o dinamismo dos produtores, que aos poucos
deixavam a pecuária de lado e passavam a investir na nova cultura.
Os pés de café mais bem avaliados eram aqueles já formados. Foram encontrados pés
de café formados de até $668 réis. Os pés de café novos, de um até quatro anos, valiam
menos da metade de um cafeeiro já produzindo, sendo avaliados de $115 a $300 réis. Em
alguns casos, os cafezais valiam mais do que as terras onde estavam plantados.
A pecuária, que até o momento não havia mostrado sinais de enfraquecimento,
começa a perder espaço para o café. Foram encontradas 1.207 cabeças de gado nos
processos, menos da metade do rebanho existente na década anterior. Houve crescimento em
um só tipo de bovino, nos bois de carro. Os bois de carro eram amplamente utilizados nas
fazendas de café, principalmente para transportar o café durante as diversas fases de cultivo e
beneficiamento dos grãos.

Tabela 2.21
A Presença Cafeeira
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Valor total Valor médio


Descrição do cafeeiro Número
(Em Réis) (Em Réis)
Cafezal 2 900$000 450$000
Pés de café sem idade 27.246 19:096$000 $701
Pés de café formados 138.763 92:713$000 $668
Pés de café novos 46.454 8:175$400 $176
Pés de café de um ano 13.000 1:500$000 $115
Pés de café de dois anos 13.000 3:000$000 $231
Pés de café de três anos 50.000 15:000$000 $300
Pés de café de quatro anos 20.000 6:000$000 $300
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Não foi somente a queda no número de cabeças que mudou o perfil da pecuária nesse
período. O número de proprietários cresceu, passando de 64 para 73, e os rebanhos médios
82

por proprietário diminuíram, passando de 38 para 16,5. Anteriormente, os grandes


proprietários eram responsáveis pela maior parte do rebanho. Nesse momento, caiu a
participação relativa dos grandes criadores e cresceu a participação dos pequenos e médios.
Conforme os dados da Tabela 2.22, os proprietários de mais de cinqüenta animais
representavam 4,1% do total de pecuaristas e respondiam por 22,8% do rebanho. No período
anterior, esse mesmo tipo de criador representava 12,5% da amostra de pecuaristas e
respondia por 76,1% do rebanho. E a porcentagem de animais em mãos de pequenos
proprietários, com rebanho de um a nove animais, passou de 6,3% a 14,2%.

Tabela 2.22
Faixas de Tamanho do Rebanho Bovino
(Ribeirão Preto, 1870-1879 e 1880-1888)

1870-1879 1880-1888
Faixas de Tamanho
Proprietários Animais Proprietários Animais
de Rebanho
Número % Número % Número % Número %
1-9 34 53,1 153 6,3 35 47,9 171 14,2
10-19 14 21,9 192 7,9 19 26,0 262 21,7
20-49 8 12,5 237 9,7 16 21,9 499 41,3
50 e + 8 12,5 1.850 76,1 3 4,1 275 22,8
Total 64 100,0 2.432 100,0 73 100,0 1.207 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

As atividades presentes nos inventários não são muito diferentes das encontradas
anteriormente. De acordo com a Tabela 2.23, a atividade de lavoura e criação continua
absorvendo a maior parte dos recursos existentes, concentrando 78,6% dos inventários,
88,5% da riqueza e 90,4% dos cativos. A participação dos negociantes permanece
praticamente inalterada e diminuem os casos de negociantes que eram também lavradores ou
criadores. Dessa vez não foram localizados artesãos, mas existiam dois advogados e um
solicitador. Os advogados eram responsáveis por 1,5% da riqueza e 0,4% dos cativos. Não
foi possível identificar a atividade de 9,2% dos processos, 2,0% da riqueza e 6,7% dos
cativos.Os inventariados eram na maioria homens casados, 53,1% da amostra, havendo
apenas três solteiros e quatro viúvos. As mulheres representavam 36,7% do total, sendo três
quartos destas casadas, nenhuma solteira e oito viúvas. Foram localizados trinta e quatro
proprietários de cativos, dos quais vinte e um do sexo masculino e treze do sexo feminino. A
porcentagem de proprietários de escravos caiu em relação aos números do período anterior,
passando de 51,0% para 34,7%.
83

A concentração da riqueza continuou em níveis elevados. O índice de Gini calculado


para esse período foi um pouco maior do que no período anterior, 0,763. Como pode ser
observado na Tabela 2.24, a porcentagem de inventários com monte mor abaixo das
quinhentas libras continuou alta, na casa dos seis décimos, e a riqueza possuía por esses
inventariados diminui um pouco, passando de 10,2% para 9,9%. A modificação mais
expressiva ocorreu na quinta faixa, que anteriormente possuía apenas um inventariado e
passa a ter seis, cujos montes são responsáveis por 20,0% da riqueza do período. Os valores
médios por inventário também sofreram algumas modificações. Nota-se queda nos valores
da primeira, quarta e quinta faixas; elevação discreta nos valores da segunda e terceira faixas;
e elevação acentuada no valor médio da última faixa, que passou de aproximadamente nove
mil para aproximadamente treze mil libras.

Tabela 2.23
Atividade do Inventário Consoante Sexo do Inventariado
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Homens Mulheres Total


Atividade
I R E I R E I R E
Lavoura e criação 48,0 57,3 53,2 30,6 31,2 37,2 78,6 88,5 90,4
Negócio 6,1 1,5 0,0 1,0 0,4 1,8 7,1 1,9 1,8
Negócio, lavoura e/ou criação 2,0 6,1 0,7 - - - 2,0 6,1 0,7
Profissionais liberais 2,0 1,5 0,4 - - - 2,0 1,5 0,4
Solicitador - - - 1,0 0,0 0,0 1,0 0,0 0,0
Não identificada 5,1 0,6 1,8 4,1 1,4 5,0 9,2 2,0 6,7
Total 63,3 67,0 56,0 36,7 33,0 44,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.24
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Segundo as Diferentes Faixas de Riqueza
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Faixas de Tamanho de Número de Soma dos Média por


Porcentagem Porcentagem
Fortunas inventários montes inventariado
Menos de 500 libras 64 65,3 11.329,40 9,9 177,00
Entre 500 e 999 libras 12 12,2 8.143,60 7,1 678,60
Entre 1000 e 1999 libras 10 10,2 14.311,50 12,5 1.431,20
Entre 2000 e 2999 libras 2 2,0 5.095,50 4,4 2.547,70
Entre 3000 e 4999 libras 6 6,1 22.896,10 20,0 3.816,00
Acima de 5000 libras 4 4,1 52.928,60 46,1 13.232,20
Total 98 100,0 114.704,67 100,0 1.170,46
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
84

A desigualdade entre os proprietários e os não proprietários de cativos era visível. Os


proprietários foram responsáveis por mais de oitenta por cento da riqueza do período e o
valor médio encontrado para esse segmento foi mais elevado na maioria das faixas. Aos não
proprietários, restou apenas 16,3% da riqueza, embora eles representassem 65,3% do total de
inventários.
Conforme os dados apresentados nas Tabelas 2.25 e 2.26, observa-se que o valor
médio do inventário com escravos foi calculado em £ 2.822,58 libras, enquanto que o valor
calculado para os não escravistas foi bem menor, ficando em £ 282,77. Além de concentrar a
maior parte dos recursos e dos cativos, o grupo dos escravistas também era o responsável
pela maior parte dos pés de café localizados. Entre os dezoito cafeicultores encontrados em
nossa amostra, quatorze estavam no grupo dos escravistas. Os não escravistas foram
responsáveis por apenas quarenta e oito dos mais de trezentos mil cafeeiros relacionados nos
processos.

Tabela 2.25
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Proprietários de Escravos
de Acordo com as Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Tamanho do Monte Inventários Riqueza Escravos


Mor Número % Valores % Média Número % Média
Menos de 500 libras 7 7,1 2.547,20 2,2 363,89 25 8,9 3,57
Entre 500 e 999 libras 9 9,2 6.014,17 5,2 668,24 44 15,6 4,89
Entre 1000 e 1999 libras 7 7,1 10.042,82 8,8 1.434,69 28 9,9 4,00
Entre 2000 e 2999 libras 2 2,0 5.095,46 4,4 2.547,73 13 4,6 6,50
Entre 3000 e 4999 libras 5 5,1 19.339,40 16,9 3.867,88 41 14,5 8,20
Acima de 5000 libras 4 4,1 52.928,61 46,1 13.232,15 131 46,5 32,75
Total 34 34,7 95.967,67 83,7 2.822,58 282 100,0 8,29
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 2.26
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados Não Proprietários de
Escravos de Acordo com as Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Inventários Riqueza
Tamanho do Monte Mor
Número % Valores % Média
Menos de 500 libras 57 58,2 8.782,19 7,7 154,07
Entre 500 e 999 libras 3 3,1 2.129,41 1,9 709,80
Entre 1000 e 1999 libras 3 3,1 4.268,70 3,7 1.422,90
Entre 2000 e 2999 libras - - - - -
Entre 3000 e 4999 libras 1 1,0 3.556,71 3,1 3.556,71
Acima de 5000 libras - - - - -
Total 64 65,3 18.737,00 16,3 292,77
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
85

O plantel de cativos, considerando todos os inventários com café, foi de 153, ou seja,
54,3% dos escravos ribeirãopretanos estavam em propriedades onde o café era cultivado,
sozinho ou em associação com outros gêneros ou criações. A razão de sexo, calculada em
143, mostra que esses cativos eram predominantemente do sexo masculino e a análise das
idades mostra que 91,1% dos homens e 89,3% das mulheres tinha menos que cinqüenta
anos.
Como pode ser observado no Gráfico 2.4, a composição da riqueza sofreu algumas
modificações, refletindo as mudanças identificadas na economia local. O aumento no
número de pés de café fez crescer o valor em imóveis, que passou de 52,1% para 56,3%. A
importância relativa das terras caiu um pouco e, em contrapartida, cresceu a importância do
café. Anteriormente, o valor dos cafezais representava apenas 2,1% do total de imóveis.
Agora, essa porcentagem alcança os 22,4%.

Gráfico 2.4
Composição da Riqueza
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Escravos
Animais 15,2%
4,6%
Móveis
9,5%

Dotes
0,2%

Ativo
10,8%
Imóveis
56,3%
Dinheiro
3,5%

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

O valor concentrado em escravos caiu sensivelmente, passando de 27,8% para


15,2%. Um fator que contribuiu para essa diminuição foi a queda no preço dos cativos,
tendência constante em toda a década, como mostra o Gráfico 2.5. O preço médio alcançado
pelo cativo do sexo masculino passou de Rs 1:223$504 para Rs 850$007, uma queda de
30,5%. O preço das cativas passou de Rs 741$364 para Rs 563$025, um valor 24,1% menor.
86

Gráfico 2.5
Evolução no Preço dos Cativos
(Ribeirão Preto 1880-1888)

1.800.000

1.600.000

1.400.000

1.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

0
1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888

Homens Mulheres
* Médias calculadas excluindo-se os cativos sem preço.
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Em 1888, são encontrados os primeiros indícios da introdução de imigrantes nas


fazendas de café. O inventário de João Gomes do Val arrolava, entre outros imóveis, sete
casas para colonos. João era cafeicultor e proprietário de cativos. Seu plantel era formado por
43 elementos, com razão de sexo calculada em 169. A composição de seu monte mor, em
especial de seus imóveis, indica o início de uma tendência que seria reforçada na última
década do século XIX. Os cada vez mais elevados valores alcançados pelos cafezais e pelas
terras próprias ao cultivo da rubiácea e sua crescente importância na composição da riqueza
dos produtores locais.
Gomes do Val possuía um monte mor de Rs 292:054$155, dos quais Rs
198:781$000 eram alocados em imóveis. Todas as suas terras e plantações de café estavam
localizadas na fazenda do Ribeirão Preto Acima. Além dos imóveis rurais, o inventariado
também possuía uma casa na vila de Ribeirão Preto.
As terras e os cafezais de Val respondiam por 89,0% dos imóveis e por 68,0% do
total do monte mor. Sua fazenda tinha aproximadamente 766 alqueires de terra, divididas em
terras de cultura alta, terras de cultura baixa e terras de campos e matos. As terras mais
adequadas ao café eram as altas e o valor dessas chegou a Rs 300$000 o alqueire.
Considerando que o valor médio do alqueire, independente da qualidade da terra, foi
calculado em Rs 47$298, e que o valor médio das terras cultura, geralmente de melhor
87

qualidade, foi calculado em Rs 57$101, fica evidente o processo de valorização das terras
próprias para o café estavam sofrendo.
O aumento do valor dos bens móveis também pode estar relacionado com a difusão
da cultura cafeeira. O café que já estava colhido e os frutos pendentes dos cafeeiros eram
avaliados como bens móveis. Foram encontradas nove mil arrobas de café colhido e 4.800
arrobas por colher em nossos processos. Essas 13.800 arrobas atingiram o valor de Rs
57:000$000, 51,5% do total de móveis do período.
A queda nos animais reflete duas mudanças também provocadas pelo café. O
aumento nos níveis de riqueza por causa dos altos preços dos ativos relacionados com a
cultura do café e a diminuição dos rebanhos bovinos observada anteriormente. Esses dois
fatores conjugados fizeram com que o a porcentagem de animais caísse de 7,6% para 4,6%.
O valor em dívida ativa praticamente não sofreu variações. Contudo, foi possível
identificar alguma diversificação no tipo de dívidas existentes. Pela primeira vez aparecem
ações de estradas de ferro e outros títulos. O valor desses novos ativos atingiu Rs
12:000$000, aproximadamente 10% das dívidas existentes.
A estrutura econômica que havia sido analisada nos dois períodos anteriores sofreu
modificações importantes na década de 1880. Nos períodos de 1849-1869 e 1870-1879,
notou-se presença do café, mas também foi constatada a importância da pecuária como
atividade econômica na região. O café foi localizado pela primeira vez em 1868. Passaram-
se mais de dez anos e nos anos oitenta forma localizados mais de trezentos mil pés de café,
casas para colonos, 13.800 arrobas de café em frutos e a modificação no padrão de avaliação
descrição e avaliação de terras. Pelo elevado valor que esses bens alcançaram pode-se
imaginar o panorama da última década do período: expansão da cultura cafeeira, aumento
nos níveis e na concentração da riqueza.

A Consolidação da Cultura Cafeeira, 1889-1900

A cultura cafeeira, introduzida no município ainda na década de 1860, foi fator


propulsor de uma série de transformações na economia da localidade. Durante a década de
1870, o café era cultivado nas fazendas de criação e sua presença não provocou modificações
substanciais na estrutura da pecuária pré-existente. Na década de 1880 observamos o avanço
e a disseminação da cultura ao mesmo tempo em que diminuíam os rebanhos bovinos.
88

No período ora analisado, 1889-1900, o café estava consolidado na localidade como


principal atividade econômica. Percebe-se então a transformação do município, que passou
de uma vila com pouco mais de dez mil habitantes em 1886 para um município com quase
sessenta mil em 1900. Grande parte desse incremento populacional ocorreu por causa da
chegada dos imigrantes em substituição ao trabalho escravo. Em 1888 entraram na província
paulista 92.086 imigrantes, e, em 1891 esse número chegou a 108.736. (Cf. DELFIM
NETTO, 1981, p. 22) A presença estrangeira no município vinha crescendo desde a década
de 1870, chegando a 761, em 1886, e 1.282, em 1890.
O advento da abolição, além de promover a imigração, incentivou a transferência de
produtores de outras regiões para o oeste paulista, onde o trabalho imigrante já estava
estabelecido e mostrava bons resultados. A utilização dos estrangeiros significava
consideráveis gastos para o fazendeiro. Mesmo com os auxílios governamentais para o
custeio das passagens, os produtores de café tinham que adaptar suas fazendas para
acomodar os novos trabalhadores, o que envolvia a construção de casas e a formação de
colônias. Em Ribeirão Preto, o primeiro conjunto de casas para imigrantes foi localizado em
1888, no inventário do cafeicultor e proprietário de escravos João Gomes do Val.
O crescimento populacional acelerado fez surgir uma série de problemas na cidade,
principalmente os relacionados com o saneamento urbano. Os recursos que o café gerava
para a Câmara municipal eram insuficientes para suprir as necessidades públicas. A
municipalidade começou a dispor de mais recursos somente quando as atividades urbanas –
comércio, indústria, profissionais liberais e prestadores de serviços – começaram a se
estabelecer e recolher o Imposto de Indústria e Profissões, principal fonte de financiamento
da Câmara naquele período.
O desenvolvimento proporcionado pelo café se estendeu também aos distritos
vizinhos. Como mencionado anteriormente, o município analisado perde dois deles na
década de 1890, Sertãozinho e Cravinhos. O primeiro deles era a antiga freguesia de Nossa
Senhora da Aparecida do Sertãozinho, que havia sido criada no ano de 1885, em terras da
antiga fazenda do Sertãozinho do Mato Dentro. As discussões na Câmara de Ribeirão Preto
para a definição de seus limites e o futuro desmembramento começaram em 1889. O ano de
1896 marca a fundação do município e o desmembramento de seu território. (Cf.
CAMARGO, 1974, p. 79-82)
A freguesia de Cravinhos é mais antiga e durante vários anos foi motivo de discórdia
entre as vilas de Ribeirão Preto e São Simão. Quando ocorreu a dos territórios simonense e
89

ribeirãopretano, a povoação de Cravinhos ficou do lado ribeirãopretano. Porém, os


simonenses protestaram, pois com a retirada do território de Cravinhos e de Ribeirão, a vila
de São Simão ficava com menos da metade de seu território original. A questão se arrastou
até 1893, quando o Estado criou o distrito de Cravinhos, jurisdicionado a Ribeirão Preto. O
município de Cravinhos foi criado em 1897. (Cf. CAMARGO, 1974, p. 83-87)
Nesse último período começam a surgir fazendeiros dedicados ao café e que
cuidavam também da comercialização do produto e no financiamento da atividade. Um
deles eram Henrique Dumont, que abriu na cidade de Santos, em sociedade com Ignácio
Penteado, a casa comissária Penteado & Dumont. Essa casa comissária seria a primeira de
uma série de casas que seriam fundadas, nos primeiros anos do século XX, por
representantes da cafeicultura ribeirãopretana. (Cf. BACELLAR & BRIOSCHI, 1999, p.
134)
A cafeicultura paulista vivia um momento favorável, com o Estado de São Paulo
ocupando o posto de maior produtor brasileiro e de maior exportador mundial de café. A
expansão das plantações em Ribeirão Preto pode ser percebida pelo aumento no número de
inventários com a presença do café. Mais elevado ainda foi número de inventários em que o
café era o produto principal. Como foi visto, o proprietário do cafezal encontrado em 1869
era também pecuarista. Na década de 1870, o café aparecia em cinco processos, sendo o
produto principal de apenas dois deles. O café como principal produto começou a aparecer
com maior freqüência nos inventários da década de 1880.
Na última década do século XIX, a historiografia relata que a cultura cafeeira
dominava as lavouras da região, sendo seu cultivo praticamente uma regra entre fazendeiros
locais. Os produtores de maior expressão eram proprietários de imensas glebas, possuíam
extensos cafezais e empregavam milhares de colonos. O exemplo mais conhecido foi o de
Francisco Schmidt, um imigrante alemão nascido em Osthofen, às margens do rio Reno, em
1850.
Em 1858, sua família veio para trabalhar numa das primeiras colônias de trabalho
livre do interior da Província de São Paulo, a da fazenda Felicíssima, em São Carlos do
Pinhal. Trabalhou como colono até abrir um armazém de secos e molhados na cidade de
Descalvado, em 1878. Em 1889 comprou sua primeira fazenda, localizada em Santa Rita do
Passa Quatro e chamada Bela Paisagem. Em 1890, vendeu essa propriedade e associou-se a
Arthur Aguiar Diederichsen para comprar a fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto.
Menos de quinze dias depois, Diederichsen desistiu do negócio e Schmidt ficou com toda a
90

fazenda graças ao financiamento que ele conseguiu junto à firma Theodor Wille. (Cf.
MORAES, 1980, p. 46-66)
A fazenda Monte Alegre foi o ponto de partida para a expansão dos negócios de
Francisco Schmidt com o financiamento da firma Theodor Wille. Chegou a possuir 12
fazendas de café em Ribeirão Preto, como mostra a Tabela 2.27. O tamanho médio das
lavouras de Schmidt foi calculado em 284.493 pés. A maior de suas fazendas, tanto em
extensão quanto em número de pés, foi a Iracema, com 633 alqueires e 507.030 pés.

Tabela 2.27
As Fazendas de Francisco Schmidt
(Ribeirão Preto, 1899)

Fazenda Número de alqueires Pés de café Média por alqueire


Monte Alegre 398 492.021 1.236,2
Conquista 288 360.000 1.250,0
Pau D'Alho 238 391.400 1.644,5
Iracema 633 507.030 801,0
Vista Alegre 127 181.145 1.426,3
Santa Gertrudes 112 130.860 1.168,4
Santa Luzia 323 327.168 1.012,9
Monte Vistoso 99 135.665 1.370,4
São José 330 383.000 1.160,6
Recreio 81 110.621 1.365,7
São Felix 111 152.000 1.369,4
Macahuba 195 243.000 1.246,2
Total 2.935 3.413.910 1.163,2
Média por fazenda 244,6 284.493 1.254,3
Fonte: MORAES, 1980, p. 70

Um exercício interessante foi o cálculo do número médio de pés de café por alqueire.
Sabe-se que a fazenda de café não era composta somente por plantações, pois eram
necessários terreiros, casas de máquina, tulha, casas de colonos, enfim, toda a estrutura que
caracterizava o complexo cafeeiro. Mesmo considerando todas as imprecisões desse cálculo,
notamos que havia um certo padrão nas médias calculadas. Na maior parte dos casos, as
médias estavam entre 1.200 e 1.400 pés de café por alqueire da propriedade.
O número de cafeicultores em Ribeirão Preto subiu aproximadamente dezesseis
pontos percentuais em relação aos números da década de 1880. Entre os 189 processos da
década de 1890, havia sessenta e seis com a presença do café, ou 34,9%. No período
anterior, essa porcentagem era de 18,4%. Além de terem sido mais comuns, os inventários
com café concentraram uma substancial parcela da riqueza do período, representando 84,8%
91

do valor dos montes. Conforme o Gráfico 2.6, os cafeicultores participam com mais de
sessenta por cento dos recursos alocados em cada um dos grupos de ativos considerados. A
menor porcentagem foi de 61,49%, na variável animais, e a mais alta de foi de 88,7%, na
variável passivo.

Gráfico 2.6
Participação dos Cafeicultores no Valor dos Ativos Considerados
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Monte mor

Ativo

Dinheiro
Com café
Imóveis Sem café

Animais

Móveis

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

O aumento nos níveis de riqueza proporcionado pela expansão do cafeeiro pode ser
constatado na análise do número de processos em cada uma das faixas de tamanho de
riqueza, conforme os dados da Tabela 2.28. No período anterior, foi visto que a porcentagem
de inventários cujo monte mor estava acima das cinco mil libras era de 4,1%, sendo estes
indivíduos responsáveis por 46,1% da riqueza. Os inventariados mais pobres, aqueles cujos
montes estavam abaixo das quinhentas libras, representavam 65,3% do total de processos e
respondiam por apenas 9,9% da soma dos montes.
Analisando os números para a década de 1890, observa-se a modificação desse
quadro. Os inventários abaixo das quinhentas libras passaram a representar 46,0%, e não
mais 65,3%, sendo responsáveis por apenas 2,1% da soma dos montes. Em contrapartida, o
número de processos com monte mor acima das cinco mil libras subiu para 15,9%, e a
porcentagem da riqueza concentrada por eles foi de 82,6%.
92

Tabela 2.28
Distribuição do Monte Mor Total Entre os Inventariados
Segundo Diferentes Faixas de Riqueza
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Número de Soma dos Média por


Faixas de riqueza Porcentagem Porcentagem
inventários montes inventário
Menos de 500 libras 87 46,0 16.002,57 2,1 183,94
Entre 500 e 999 libras 31 16,4 21.532,28 2,8 694,59
Entre 1000 e 1999 libras 22 11,6 32.348,23 4,2 1.470,37
Entre 2000 e 2999 libras 5 2,6 11.686,39 1,5 2.337,28
Entre 3000 e 4999 libras 14 7,4 53.031,85 6,9 3.787,99
Acima de 5000 libras 30 15,9 639.347,40 82,6 21.311,58
Total 189 100,0 773.948,72 100,0 4.094,97
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto

O valo médio por inventário também sofre modificações. Nas três primeiras faixas,
notam-se aumentos de 2,4% a 3,9%. Nas duas faixas seguintes, há diminuição de valores da
ordem de -8,3%, na quarta faixa, e -0,7% na quinta. Na última faixa pode-se notar o aumento
mais substancial, de 61,1%. Considerando todos os processos, a média que era de £ 1.170,46,
no período 1880-1888, passa a ser de £ 4.094,97.
A concentração de recursos nos inventários de maior monte mor foi confirmada pelo
cálculo do índice de Gini. O valor encontrado para o período entre 1889 e 1900 foi o maior
de toda a segunda metade do século XIX, igual a 0,821. Para relembrar, os valores
encontrados anteriormente foram: 0,733 para a década de 1870 e 0,763 para o período 1880-
1888.
Foram encontradas diferenças marcantes entre o grupo dos cafeicultores e dos não
cafeicultores, conforme os dados das Tabelas 2.29 e 2.30. Mais evidente do que a diferença
entre os cafeicultores e os não cafeicultores foi a diferença encontrada entre os cafeicultores
com monte mor abaixo das duas mil libras e os com montes acima desse valor. Existiam
oitenta inventariados não cafeicultores, 95,1%, com monte abaixo das duas mil libras, que
respondiam por 42,4% da riqueza em seu segmento. Os cafeicultores da mesma faixa
representavam 34,8%, que concentravam 3,0% da riqueza cafeicultora.
Observando os dados relativos aos não cafeicultores, vemos que quase a totalidade
destes possuía montes abaixo das duas mil libras. Essa parcela era responsável por 42,4% da
riqueza do segmento e apenas 6,5% da riqueza total. Com monte mor acima das duas mil
libras foram localizados apenas seis processos. Estes eram responsáveis por 57,6% da
riqueza do segmento e 8,8% da riqueza total. Esses últimos inventariados eram dois
criadores, dois lavradores, um negociante e um capitalista.
93

Tabela 2.29
Distribuição dos Inventários dos Não Cafeicultores Segundo as
Diferentes Faixas de Tamanho de Riqueza
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Número Soma dos Média por


Faixas de riqueza Porcentagem Porcentagem
inventários montes inventariado
Menos de 500 libras 80 65,0 14.129,90 12,0 176,62
Entre 500 e 999 libras 24 19,5 16.965,18 14,4 706,88
Entre 1000 e 1999 libras 13 10,6 18.928,18 16,1 1.456,01
Entre 2000 e 2999 libras 2 1,6 4.773,73 4,1 2.386,86
Entre 3000 e 4999 libras 2 1,6 7.349,15 6,2 3.674,58
Acima de 5000 libras 2 1,6 55.706,11 47,3 27.853,05
Total 123 100,0 117.852,25 100,0 958,15
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto

Conforme os dados da Tabela 2.30, pode-se perceber que o segmento dos


cafeicultores, ao contrário do anterior, era basicamente formado por inventariados com
monte mor acima das duas mil libras. Estes eram responsáveis por 97,0% da riqueza em seu
segmento e 82,2% da riqueza total. Os cafeicultores com monte mor abaixo das duas mil
libras eram 34,8%, que respondiam 3,0% da riqueza dos cafeicultores e aproximadamente o
mesmo da riqueza total.

Tabela 2.30
Distribuição dos Inventários dos Cafeicultores Segundo as
Diferentes Faixas de Tamanho de Riqueza
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Número Soma dos Média por


Faixas de riqueza Porcentagem Porcentagem
inventários montes inventariado
Menos de 500 libras 7 10,6 1.872,67 0,3 267,52
Entre 500 e 999 libras 7 10,6 4.567,10 0,7 652,44
Entre 1000 e 1999 libras 9 13,6 13.420,05 2,0 1.491,12
Entre 2000 e 2999 libras 3 4,5 6.912,66 1,1 2.304,22
Entre 3000 e 4999 libras 12 18,2 45.682,69 7,0 3.806,89
Acima de 5000 libras 28 42,4 583.641,30 89,0 20.844,33
Total 66 100,0 656.096,47 100,0 9.940,86
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto

O aumento no número de cafeicultores trouxe como conseqüência uma elevação no


número de pés de café e no número de bens relacionados à cafeicultura nos inventários do
período 1889-1900. As árvores cafeeiras avaliadas chegaram a pouco mais de quatro
94

milhões, numa média por inventário igual a 61,881.48 Para se ter idéia da importância do
valor alcançado por esses cafezais na composição da riqueza dos inventariados, foi calculada
a participação destes no valor dos bens imóveis e no valor da riqueza do período. Constatou-
se, então, que o valor das plantações foi responsável por 35,1% dos bens imóveis e por
25,4% de toda a riqueza do período. As plantações de café eram tão valorizadas que foi
possível encontrar avaliação até mesmo das covas abertas para o plantio das mudas.49
As máquinas para beneficiamento da produção que atingiram valores consideráveis.
Foram localizadas nos inventários três máquinas de beneficiar e um secador para café. As
máquinas possuíam um valor elevado, que variava de 25 até 70 contos de réis, dependendo
de seu estado de conservação e de suas instalações. Por exemplo, algumas eram avaliadas
juntamente com a casa onde estavam e a tulha anexa, outras eram avaliadas sem os anexos, e
outras ainda eram avaliadas sem estarem instaladas. O valor alcançado pelo secador de café
foi menor, seis contos de réis.50
A maior parte dos pés de café localizados foi plantada entre os anos de 1882 e 1898,
em especial no período 1890-1894. Provavelmente, essa concentração foi um reflexo da
elevação dos preços internacionais ocorrida no período 1885-1890, que por sua vez foi
provocada pelo aumento das demandas européia e americana e pela irregularidade das safras
após 1885.
Segundo Delfim Netto, naquele ano de 1885, produção “havia sido de 5,6 milhões de
sacas, a de 1886/87 foi de 6,2 milhões e a de 1887/88 alcançou apenas 3,3 milhões”.
(DELFIM NETTO, 1981, p. 21 e 22) A safra de 1888/89 produziu 6,5 milhões de sacas e a
de 1889/190 apenas 4,6 milhões. O efeito dessas variações nos preços pode ser observado na
Tabela 2.31. Considerando o ano de 1885 como ponto de partida, vemos que o preço de
exportação do café mais que dobrou entre 1885 e 1890. (Cf. DELFIM NETTO, 1981, p. 24)
Os pés de café tinham seu preço calculado considerando-se sua qualidade, sua idade
e as condições gerais da plantação onde estava localizado. A idade dos pés nem sempre era
expressa em anos, sendo muito comuns as avaliações de pés novos, velhos ou formados.
Observando a Tabela 2.32, nota-se que os pés novos alcançavam os menores valores, por
volta de $246 réis. Os pés de dois anos tinham valor médio mais elevado, $513 réis. Os pés

48 Média calculada dividindo-se o número total de pés de café encontrados pelo número de inventários onde aparece a
cultura cafeeira, como atividade principal ou não.
49 Inventário de Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim (1898). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 16.
50 Inventários de Galdino Rodolfo Marcos Taveira (1898), Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim (1898), Francisco Dias
do Prado (1899). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 16. Inventário de Antonio Maria Gregório (1895). AFRP, Primeiro Ofício,
caixa 14. Inventário de Theodolindo Joaquim de Almeida. AFRP, Segundo Ofício, caixa 14.
95

com três anos ou mais atingiam valores bem mais elevados, chegando a serem avaliados por
Rs 3$000.

Tabela 2.31
Alterações nos Preços Externo e Interno do Café
(Brasil, 1885-1890)

Anos Preço externo Preço interno


1885 100 100
1886 141 111
1887 184 176
1888 171 120
1889 210 124
1890 237 149
Fonte: DELFIM NETTO, 1981, p. 24.

Tabela 2.32
Idades e Preços dos Pés de Café
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Idade Quantidade Porcentagem Valor total Valor médio


1 652.051 16,0 209:809$100 $322
2 668.759 16,4 342:828$750 $513
3 250.963 6,1 320:210$600 1$276
4 151.350 3,7 292:775$000 1$934
5 58.139 1,4 114:306$000 1$966
6 130.000 3,2 174:000$000 1$338
7 3.000 0,1 7:500$000 2$500
8 2.600 0,1 6:500$000 2$500
9 4.000 0,1 400$000 $100
10 7.400 0,2 22:200$000 3$000
11 22.000 0,5 26:400$000 1$200
12 1.100 0,0 3:300$000 3$000
18 22.000 0,5 15:400$000 $700
Novos 379.613 9,3 93:534$300 $246
Formados 1.458.175 35,7 3.091:077$500 2$120
Velhos 34.100 0,8 30:870$000 $905
Sem idade 238.878 5,8 232:570$500 $974
Total 4.084.128 100,0 4.983:681$750 1$220
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto

Um outro tipo de bem que tornou mais comum por causa da cultura cafeeira foram as
casas de colonos, construídas para abrigar a mão-de-obra que vinha em substituição ao
trabalho escravo. Como foi visto anteriormente, a primeira avaliação de casas para colonos
havia sido encontrada no inventário de João Gomes do Val, datado de 1888. No período
96

1889-1900, encontramos trinta grupos e quinhentas casas de colonos, localizados na área


rural dos municípios de Ribeirão Preto, Cravinhos, Descalvado e Batatais. Essas casas
normalmente eram simples, feitas de barro, pau a pique ou madeira. As construções de
tijolos também existiam, mas não eram as mais comuns. Algumas possuíam esteios de
madeira e paredes de barro. A cobertura costumava ser feita com telhas de barro ou com
palha, sendo a telha de barro mais comum. As construções que alcançavam os maiores
valores eram aquelas de tijolos e cobertas de telhas, chegando ao valor de dois contos de réis,
maior até que algumas casas simples na área urbana.
A tendência de valorização das terras próprias para o café, iniciada no período 1880-
1888, continuou no período 1889-1900. Conforme os dados da Tabela 2.33, os alqueires de
terras altas alcançaram os maiores valores médios do período, Rs 806$250. Essas terras eram
consideradas as mais adequadas ao plantio do café, por estarem menos sujeitas às geadas.
Em alguns inventários, esse tipo de terra chegou a alcançar valores entre Rs 1:250$000 e Rs
1:300$000.
Os alqueires de mata virgem também foram bem valorizados, chegando a atingir o
valor de Rs 1:600$000. A existência de matas em uma determinada área indicava serem as
terras de boa qualidade e, portanto, próprias para o café. As terras de primeira sorte, ou
primeira qualidade, também alcançaram bons valores. A média de Rs 627$778 esconde
avaliações de até Rs 1:500$000, valor maior do que o de alguns alqueires de terra de cultura
alta.

Tabela 2.33
Tipos, Quantidades e Valores das Terras
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

(a)
Tipo de terra Quantidade Valor Média
Campos, matos e pastos 1.472,50 303:280$000 695$513
Cultura e campos 50,30 38:250$000 371$875
Mata virgem 2,00 3:200$000 1:600$000
Terra sem especificação de qualidade 4.434,30 1.247:307$861 383$291
Terra de cultura 1.503,50 635:660$000 450$568
Terra de cultura alta 526,00 487:300$000 806$250
Terra de cultura baixa 246,00 74:400$000 418$750
Terra de cultura de primeira sorte 743,50 600:050$000 627$778
Terra de cultura de segunda sorte 285,00 91:250$000 391$308
Terra de cultura de terceira sorte 48,50 8:950$000 180$000
Total 9.311,50 3.489:647$861 592$533
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.
(a) Médias dos valores por alqueire em cada processo.
97

Um dado que chamou a atenção foi o valor alcançado pelas terras de campos, matos
e pastos. Em alguns inventários, essas terras foram avaliadas pelos maiores valores por
alqueire encontrados no período, maiores até do que o das terras de cultura alta e das matas
virgens. Como exemplo podemos citar o inventário Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim,
no qual há avaliação de vinte e oito alqueires de pasto com valores entre dois e 2.166 contos
de réis.51 Em dois outros processos, datados de 1895 e 1896, encontramos mais 61 alqueires
de pasto, todos com valor médio de conto de réis.52
Até a chegada do café, a existência de pastos naturais era referência para a aquisição
de terras. Os criadores de gado costumavam não explorar as áreas de terra roxa, geralmente
cobertas de matas, pois o processo de retirada das árvores demandava tempo e um certo
capital, nem sempre possuído pelos criadores da região. (Cf. BACELLAR & BRIOSCHI,
1999, p. 110)
Os altos valores encontrados para os pastos podem indicar que a pecuária ainda era
uma atividade importante na região. Aparentemente, após um período de ajustamento entre
os anos de 1880 e 1888, a atividade pecuária voltou aos níveis da década de 1870. O número
de bovinos que encontramos nos inventários do período 1889-1900 foi de 2.346,5,
semelhante aos números da década de 1870 e 94,4% maior do que o do período 1880-1888.53
O número de criadores chegou a 63 e o rebanho médio de cada um foi calculado em 37,2. A
Tabela 2.34 mostra a distribuição desses proprietários e animais de acordo com as faixas de
tamanho do rebanho.

Tabela 2.34
Faixas de Tamanho do Rebanho Bovino
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Faixas de Tamanho Proprietários Animais


de Rebanho Número % Número %
1-9 24 38,1 114,5 4,9
10-19 18 28,6 238,0 10,1
20-49 15 23,8 430,0 18,3
50 e mais 6 9,5 1.564,0 66,7
Totais 63 100,0 2.346,5 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

51 Inventário de Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim (1898). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 16.
52 Inventário de Elpídio Gomes (1895). AFRP, Primeiro Ofício, caixa 14. Inventário de Ana Theodora de Moraes (1896).
AFRP, Primeiro Ofício, caixa 15.
53 O número é fracionado porque em alguns processos os animais eram possuídos em sociedade.
98

Observa-se que a porcentagem de proprietários com rebanho entre um e nove


animais caiu em relação ao período anterior, passando de 47,9% para 38,1%. A
representatividade do rebanho possuído por estes pequenos criadores caiu de 14,2% para
4,9%. Por outro lado, o número de proprietários com mais de cinqüenta rezes subiu,
passando de 4,1% para 9,5%. Anteriormente, esses maiores proprietários respondiam por
22,8% do rebanho e agora passaram a responder por 66,7%.
Essas variações podem ter ocorrido por causa da presença de dois inventários com
elevado número de bovinos em seus bens. O primeiro desses processos é o de Mariana
Constança Junqueira, viúva que fez a partilha em vida de seus bens no ano de 1892. Seu
rebanho bovino era formado por 981 animais, mais de um terço da nossa amostra. A
inventariada era viúva de Francisco Maximiano de Souza Junqueira, falecido em 1870. Em
seu inventário, Francisco contava com um rebanho de 474 cabeças, que foi dividido entre a
viúva e seus dez filhos. Ao que tudo indica, após a morte do marido, Mariana continuou a
criar gado, pois o rebanho de seu inventário foi praticamente o dobro do rebanho
inventariado por seu casal em 1870. Não foi encontrada lavoura cafeeira em nenhum dos
dois processos, indicando que o casal Francisco e Mariana se manteve ligado à pecuária
mesmo durante a euforia cafeeira.
O segundo inventariado que desequilibra a amostra é o de Percilina Alves Junqueira.
Em seu inventário, havia o café e a criação de gado. Seu rebanho era formado por 320
cabeças de gado, com valor de Rs 23:765$000 e seu cafezal tinha 76.400 pés de café, 8.400
formados e 68 mil novos, com valor total de Rs 26:500$000 réis. A representatividade das
duas atividades no monte mor era praticamente a mesma, considerando o valor do rebanho
frente ao dos cafezais.
O café era plantado em duas fazendas, a Macuco e a Bananal, ambas no município de
Ribeirão Preto, próximas da fazenda do Sertãozinho. A maior parte dos pés de café estava
plantada em terras da fazenda Bananal. A área avaliada no processo tinha extensão de 728
alqueires de terra, dos quais 428 com “matos”. As benfeitorias eram uma casa de morada da
família, duas casas e dois grupos de casas para colonos, além de um paiol, um moinho e um
monjolo. A outra fazenda onde se plantava café era a Macuco. Não se sabe a extensão dessa
propriedade, pois suas terras foram avaliadas como “uma parte de terras na fazenda do
Macuco...”. Havia 16.400 pés plantados, 8.400 formados e oito mil com seis meses. Nessa
propriedade havia também uma casa de morada para família, um paiol e quatro grupos de
casas para colonos.
99

Os alqueires de pasto, onde provavelmente era criado o gado, estavam localizados na


fazenda do Ribeirão Preto, no lugar denominado Tanquinho. Foram avaliados 75 alqueires
de pasto, 486 alqueires de campo e 140 alqueires de mato, além de seis alqueires de terra
com as benfeitorias.
Apesar da criação estar localizada na fazenda do Ribeirão Preto, não quer dizer que
essa fazenda não era própria para a cafeicultura. No mesmo período, existiam mais de 160
mil pés de café e um canavial na referida fazenda. Portanto, o segundo maior criador de gado
do período 1889-1900 mantinha seu rebanho na mesma fazenda em que outros fazendeiros
cultivavam café. A área ocupada por cada atividade deveria ser limitada, portanto, pela
qualidade, localização das terras e pelos recursos de que dispunha o proprietário para
explorá-las.
Os elevados preços alcançados pelas terras e cafezais modificaram um pouco o
padrão de alocação existente anteriormente. Como pode ser observado no Gráfico 2.7, quase
três terços dos bens inventariados em Ribeirão Preto durante o período 1889-1900 estavam
alocados em imóveis, continuando a tendência de alta iniciada com a introdução da cultura
cafeeira na localidade. As porcentagens encontradas nos períodos anteriores, 1880-1888 e
1870-1879, foram de 56,3% e 52,1%, respectivamente.

Gráfico 2.7
Composição da Riqueza Inventariada
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Dotes
Dinheiro
0,1%
6,1%

Ativo
17,2%

Imóveis
Móveis
72,1%
2,9%
Animais
1,7%

Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.


100

Ao longo do tempo, a composição desse ativo foi se modificando, dinâmica que pode
ser observada na Tabela 2.35. No período inicial, as terras eram os imóveis mais
representativos, concentrando quase a totalidade dos recursos alocados em imóveis.
Na década de 1870, apesar do valor em terras ainda representar uma parcela
importante, observa-se que vários outros tipos de imóveis têm sua participação aumentada.
Com o aumento da ocupação rural, aumentaram também as benfeitorias e as terras com
benfeitorias. Observa-se que aumentou a importância dos cafezais e diminuiu a das outras
culturas. Existe um número maior de imóveis urbanos e suburbanos, chácaras e terrenos em
áreas ao redor do núcleo urbano.
No período 1880-1888, a participação das terras caiu significativamente, passando de
79,5% para 58,9%. Essa queda foi compensada pela elevação dos valores em benfeitorias e
em terras com benfeitorias. Nota-se que aumentou também a participação dos cafezais e
apareceram as primeiras casas para colonos. A participação das outras culturas, dos imóveis
urbanos e dos imóveis suburbanos caiu um pouco.

Tabela 2.35
Composição dos Imóveis
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipo de bem 1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900


Valor nominal % Valor nominal % Valor nominal % Valor nominal %
Terras 423:883$882 95,5 521:168$305 79,5 385:235$871 58,9 4.953:356$258 34,8
Benfeitorias 14:239$800 3,2 37:353$498 5,7 59:203$000 9,0 1.720:502$447 12,1
Terras com benfeitorias 600$000 0,1 9:280$000 1,4 16:983$000 2,6 231:370$000 1,6
Casas para colonos - - - - 700$000 0,1 359:250$000 2,5
Cafezais 1:250$000 0,3 13:734$090 2,1 146:384$400 22,4 4.977:731$750 35,0
Outras culturas 2:352$000 0,5 1:324$000 0,2 4:120$000 0,6 80:210$000 0,6
Imóveis urbanos 1:710$000 0,4 70:540$000 10,8 41:502$000 6,3 1.825:663$333 12,8
Imóveis suburbanos - - 20:00$000 0,3 50$000 - 65:787$500 0,5
Ilegíveis - - - - - - 600$000 0,0
Outros - - - - - - 600$000 0,0
Total 444:035$682 100,0 655:399$893 100,0 654:178$271 100,0 14.215:071$288 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

No período de 1889 até 1900, o valor nominal alcançado pelas parcelas analisadas
subiu de maneira substancial, o que em parte pode ser explicado pela conturbada situação
monetária vivida pelo país no período. Porém, analisando o valor da riqueza do período
anterior, em libras esterlinas, constata-se que ela alcançou a soma de £ 114.704,67, sendo o
valor dos imóveis de £ 64.609,64. Para o período republicano, o valor da riqueza foi igual a £
773.948,72 e o valor dos imóveis de £ 558.161,01, quase dez vezes mais elevado do que o
encontrado anteriormente. Dessa maneira, mesmo que as porcentagens de cada parcela dos
101

imóveis tenham permanecido estáveis ou tenham variado pouco o valor alocado em cada
uma delas aumentou substancialmente.
A concentração dos imóveis em bens relacionados com a cultura cafeeira, tendência
iniciada na década de 1880, se mostra mais evidente. As porcentagens em terras,
benfeitorias, cafezais e casas para colonos representam 84,5% do valor total. Vemos
aumentada consideravelmente a parcela em imóveis urbanos, indicando o dinamismo da
cidade, que no final do período teria quase sessenta mil habitantes.
O segundo item mais importante da riqueza foi o ativo, responsável por 17,2% do
valor inventariado no período 1889-1900. A composição desse item, tal como ocorreu com a
composição dos imóveis, foi se modificando desde o primeiro período estudado. Como pode
ser observado na Tabela 2.36, algumas dessas dívidas não foram especificadas pelos
inventariantes, sendo descritas genericamente como dívida ativa. Uma parcela significativa
era proveniente de empréstimos, alguns com a cobrança de juros e outros não.
No primeiro período, o valor do ativo foi dividido basicamente entre dívidas não
especificadas e empréstimos. A existência de contas de livro não necessariamente indica a
existência de negociantes entre os inventariados, podendo ser referentes a vendas de animais
ou produtos da lavoura. Além dessas dívidas, foi localizado também um contrato para
retirada de madeiras, firmado em junho de 1859 entre Joaquim Noris de Paula e a família de
Anna Claudina Diniz Junqueira.

Tabela 2.36
Composição das Dívidas Ativas
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipo de Dívida Ativa 1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900


Valor % Valor % Valor % Valor %
Ações - - - - 8:000$000 7,0 118:910$000 3,6
Adiantamentos de legítima - - - - - - 12:310$130 0,4
Contas de livro 16:936$387 14,2 7:307$956 5,4 3:373$730 2,9 14:209$551 0,4
Dívida não especificada 47:963$777 40,1 35:107$972 25,8 61:192$773 53,3 907:653$971 27,1
Empréstimos e juros 54:426$263 45,5 91:993$646 67,7 36:454$352 31,7 67:014$034 2,0
Escrituras - - - - - - 111:912$816 3,3
Hipotecas - - 1:511$000 1,1 1:700$000 1,5 1.366:945$339 40,8
Letras - - - - 100$000 0,1 702:029$672 21,0
Seguros - - - - - - 3:227$600 0,1
Títulos - - - - 4:000$000 3,5 21:561$000 0,6
Contratos 300$000 0,3 - - - - 22:510$000 0,7
Total 119:626$427 100,0 135:920$574 100,0 114:820$855 100,0 3.348:284$113 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

Na década de 1870, as dívidas não especificadas e os empréstimos a juros


continuavam a ser as principais parcelas, sendo a participação dos empréstimos mais
102

significativa do que no período anterior. Pela primeira vez aparece uma hipoteca, firmada
entre José Pedro Alves e Emerenciano Alves da Cunha, por volta de 1872, com valor de Rs
1:511$000.
O terceiro período, 1880-1888, foi marcado pela diminuição na porcentagem de
empréstimos e pela identificação de novos tipos de dívidas. Em 1884 havia títulos da dívida
pública no valor de quatro contos de réis; em 1887 existiam quarenta ações da Estrada de
Ferro Leopoldina no valor total de oito contos de réis e uma letra não especificada, com
valor de cem mil réis.
No período republicado, 1889-1900, foram encontradas diversas hipotecas e letras,
sendo estas responsáveis por mais de sessenta por cento das dívidas do período. Constatou-se
também a existência das primeiras dívidas envolvendo escrituras, seguros e contratos.
Destaca-se o contrato de arrendamento de cafezal firmado por João Vicente Ferreira e João
Franco de Morais Otávio. Este último repassou o contrato para Theóphilo F. Leite que o
repassou para a firma Theodor Wille. O valor total do contrato era de Rs 22:500$000, pagos
em parcelas anuais de Rs 4:500$000. Aparentemente, nenhuma parcela havia ainda sido
paga, pois o contrato aparece no inventário com valor total, sem o desconto de nenhuma
parcela. Havia também uma apólice de seguro de vida adquirida por Matheus Chaves de
Magalhães da New York Life Insurance Co., no valor de Rs 3:227$600. Infelizmente não
temos detalhes das escrituras, encontradas em inventários de Elpídio Gomes e Francisco
Rodrigues dos Santos Bonfim.
Com relação aos bens móveis, pode-se dizer que sua participação desde o início foi
pequena, principalmente pelo baixo valor alcançado por seus componentes. Com o passar do
tempo e a identificação de frutos do cafeeiro nos inventário, nota-se uma pequena elevação
na sua participação, abafada no último período pelo aumento dos níveis de riqueza
provocado pela disseminação do café entre os inventariados.
Observando os dados da Tabela 2.37, os móveis representavam 0,6% da riqueza no
primeiro período, 2,0% no segundo, 9,5% no terceiro e 2,9% no último. No primeiro
período, há um certo equilíbrio entre os tipos de bens, com participações variando entre dez e
quinze por cento, sendo os mais representativos os trastes de casa, as jóias, os carros e
carroças, os gêneros, os trastes de cozinha e a mobília, que somados representavam 79,2%
do total.
No segundo período começou a existir uma maior concentração de recursos em
determinados segmentos. Nesse momento, os mais representativos foram os carros, carroças
103

e acessórios e os estoques, responsáveis por 44,8%. A localização de estoques indica a


localização de comerciantes, geralmente de secos, molhados e outras utilidades domésticas.
Entre 1880 e 1888, a avaliação dos frutos do café plantado nos períodos anteriores
provocou uma considerável elevação no valor nominal dos móveis. Aparece também a
primeira máquina de beneficiar café, avaliada entre os móveis por não se encontrar ainda
instalada. Os gêneros representavam 54,7% do total, sendo o café responsável por 96,0%
desse valor.
Tabela 2.37
Composição dos Bens Móveis
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipos de bem 1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900


Valor % Valor % Valor % Valor %
Armas de fogo e armas brancas 22$640 0,5 355$000 1,5 449$000 0,4 465$000 0,1
Carros, carroças e acessórios 702$380 14,2 5:948$800 25,1 9:022$500 8,1 48:401$000 8,1
Diversos 1$600 0,0 1:052$060 4,4 20$000 0,0 2:390$250 0,4
Estoques - - 4:645$076 19,6 15:863$697 14,3 181:531$237 30,5
Ferramentas artesanais 204$000 4,1 248$000 1,0 272$001 0,2 1:157$000 0,2
Ferramentas da lavoura 159$120 3,2 301$100 1,3 335$100 0,3 530$000 0,1
Ferramentas não especificadas $660 0,0 82$600 0,3 13$000 0,0 71$000 0,0
Fornos, fogões e ferros 23$000 0,5 126$500 0,5 224$000 0,2 847$000 0,1
Gêneros 583$000 11,8 1:525$000 6,4 60:527$500 54,7 286:168$000 48,1
Ilegíveis 117$380 2,4 94$500 0,4 196$600 0,2 1:209$300 0,2
Instrumentos musicais - - - - 1:000$000 0,9 3:400$000 0,6
Jóias, ouro e prata 731$600 14,8 2:059$000 8,7 1:828$300 1,7 7:134$500 1,2
Livros - - - - 1:192$000 1,1 51$000 0,0
Máquinas 367$840 7,4 1:514$100 6,4 10:120$900 9,1 5:954$500 1,0
Mobília 556$900 11,3 1:817$540 7,7 4:067$100 3,7 30:217$500 5,1
Oratórios e imagens 131$000 2,6 93$500 0,4 77$000 0,1 110$000 0,0
Trastes de casa 775$200 15,7 1:471$840 6,2 2:727$900 2,5 22:700$560 3,8
Trastes de cozinha 573$880 11,6 2:331$050 9,8 2:770$520 2,5 2:271$900 0,4
Total 4:950$200 100,0 23:665$666 100,0 110:707$118 100,0 594:609$747 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

No último período, a participação dos móveis é reduzida. A maior parte do valor


estava em estoques e gêneros, responsáveis por 78,7% do total. A elevação da participação
dos estoques de 14,3% para 30,5% indica a existência de um número maior de comerciantes
entre a população. O comércio ganharia força nas primeiras décadas do século XX,
respondendo por grande parte da arrecadação municipal.
Com relação aos animais, observa-se que sua participação também foi variável ao
longo do tempo, pois a economia da região, anteriormente caracterizada pela pecuária, sofreu
modificações substanciais com a introdução do café. Até a década de 1870 a atividade de
criação não tinha sofrido grandes mudanças, o número médio de animais por proprietário e o
número de rezes se manteve sem alterações substanciais. No período de 1880 a 1888, foi
observada uma redução substancial do rebanho bovino e o aumento do número de criadores,
o que provocou uma queda acentuada na média por proprietário. Os dados do último período
104

indicam que a atividade pecuária retorna os níveis anteriores, mas não como atividade
principal da localidade, mas sim como atividade de apoio ao café fornecendo,
principalmente, bois de carro para o trabalho nas fazendas.
Como pode ser observado na Tabela 2.38, junto com os bovinos, os criadores
ribeirãopretanos possuíam também eqüinos, muares e suínos, sendo os caprinos e ovinos
pouco representativos. A importância da pecuária pode ser percebida pela representatividade
dos bovinos, 82,7% no primeiro período, 67,2% no segundo, 63,8% no terceiro e 65,0% no
último período. A segunda posição foi ocupada pelos eqüinos e muares alternadamente, com
exceção do segundo período, quando a participação dos suínos foi mais elevada e estes
ocuparam a terceira posição, ultrapassando os muares.

Tabela 2.38
Composição dos Animais
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipo de animal 1840-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900


Valor % Valor % Valor % Valor %
Bovinos 48:797$000 82,7 71:299$000 67,2 37:348$000 63,8 184:585$000 65,0
Caprinos - - 23$000 0,0 - - - -
Eqüinos 2:645$000 4,5 11:361$000 10,7 8:630$000 14,7 33:078$000 11,7
Muares 5:793$000 9,8 10:930$000 10,3 2:612$000 4,5 33:180$000 11,7
Ovinos 20$000 0,0 371$100 0,3 136$500 0,2 200$000 0,1
Suínos 1:687$000 2,9 10:520$000 9,9 9:818$500 16,8 18:970$500 6,7
Conjuntos - - - - - - 7:612$000 2,7
Não identificados 85$000 0,1 1:662$000 1,6 - - 6:205$000 2,2
Total 59:027$000 100,0 106:166$100 100,0 58:545$000 100,0 283:830$500 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

Sobre as dívidas passivas, pode-se dizer que nesse último período estudado elas
comprometeram, em média 18,0% do monte mor inventariado. Essa porcentagem média
variou confirme as diferentes faixas de riqueza consideradas. Conforme os dados da Tabela
2.39, desde o primeiro período estudado as dívidas passivas estavam presentes nos
processos. No primeiro período, 1849-1869, elas comprometiam menos de dez por cento do
monte mor. Na década de 1870, essa porcentagem passa para 12,4%. No período 1880-1888,
observamos outra elevação, ficando o comprometimento em 24,4%. No período 1889-1900
essa porcentagem caiu para 18,0%.
O comportamento dessa variável se mostra muito irregular dentre nossa amostra. Via
de regra eram os mais pobres que deviam mais, mas na década de 1880 existem casos de
inventariados com monte mor acima das três mil libras que deviam mais de quarenta por
cento de sua riqueza. Em alguns casos, os inventariados possuíam dívidas muitas vezes
105

maiores do que seus bens, como no inventário de Joaquim Martins Borralho. O lavrador
falecido em 1870 possuía alguns bens móveis, uma parte de um escravo, duas partes de terra
na fazenda Ribeirão Preto e duas pequenas dívidas ativas. O monte mor alcançou o valor de
Rs 1:487$810. Contudo, suas dívidas passivas somaram Rs 2:565$600. O monte foi rateado
entre os credores, nada restando aos seus herdeiros. Mais comprometidos estavam os bens do
comerciante de roupas Joaquim Garcia dos Reis. Seu inventariante declarou que o
inventariado deixou apenas o estoque de seu comércio e as dívidas passivas. O monte mor
foi avaliado em Rs 283$230 e as dívidas que possuía em Rs 1:829$515, sendo a maior parte
proveniente de um empréstimo obtido junto ao morador Francisco José Antunes Pereira,
firmado em 1875 e com prazo de seis meses.

Tabela 2.39
Porcentagem do Monte Mor Comprometida com as Dívidas Passivas
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Faixas de riqueza 1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900


Menos de 500 libras 2,7 15,3 33,0 29,8
Entre 500 e 999 libras - 20,8 15,3 66,0
Entre 1000 e 1999 libras 0,0 15,9 5,4 18,8
Entre 2000 e 2999 libras 2,1 19,9 2,6 5,7
Entre 3000 e 4999 libras 2,6 1,6 42,6 12,3
Acima de 5000 libras 9,6 9,3 23,4 16,8
Total 8,3 12,4 24,4 18,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto.

Casos como o de Joaquim Borralho e Joaquim Reis se multiplicaram nos períodos


seguintes. Mesmo apresentando porcentagem de comprometimento menor, o último período
apresenta as maiores dívidas com paradas aos seus respectivos montes da segunda metade do
século. Por exemplo, a porcentagem média da dos inventários com montes entre as
quinhentas e as 999 libras ficou em 66,0%. Um inventário que contribuiu muito para esse
valor foi o de Francisco Dias do Prado. Quando faleceu, Francisco era casado com Anna
Schmidt do Prado, filha de Francisco Schmidt. O casal possuía poucos bens, alguns burros
de carga, animais de sela, doze bois de carro, duas vacas e cem porcos. Em seus bens havia
terras, 104.000 pés de café, trinta alqueires com cana, um engenho e um secador de café,
entre outros.
Contudo, suas dívidas chegaram a mais de duzentos contos de réis. Eram
empréstimos e dívidas com colonos e empreiteiros. A maior delas era com o próprio sogro,
106

no valor de cem contos de réis. A dívida com os colonos e empreiteiros também era alta, Rs
84:218$955. Essas duas somadas representavam 85,2% do passivo.
As análises mostraram como a composição do patrimônio e as decisões de alocação
de recursos na sociedade considerada foram se modificando com o passar dos anos. No
início do período considerado, a principal atividade econômica dos inventariados era a
criação de animais e o cultivo de gêneros alimentícios. Com a chegada do café, uma parcela
dos habitantes locais foi deixando aos poucos as atividades tradicionais, passando a se
dedicar ao cultivo da rubiácea.
Começa a ocorrer, então, uma valorização generalizada nas terras da região,
principalmente quando cafeicultores de outras regiões começam a abrir novas fazendas em
Ribeirão Preto. A valorização das terras e de todos os bens utilizados na produção cafeeira
promove a elevação dos níveis de riqueza, fazendo com que aumente substancialmente a
porcentagem de inventariados nas mais elevadas faixas de tamanho de monte mor. A
sociedade ribeirãopretana, no final do período, tem padrões de alocação e de acumulação
bem distintos daqueles das primeiras décadas consideradas.
107

Capítulo 3
Os Proprietários de Escravos e a Estrutura da Posse

Introdução

Segundo a historiografia tradicional, a cafeicultura no Oeste Paulista foi organizada


seguindo os mesmos moldes da agricultura tradicional, ou seja, a produção se dava em
grandes unidades territoriais, monocultoras, que utilizavam o trabalho escravo. Partindo
dessa premissa, o único fator limitante à expansão das plantações era a mão-de-obra. Com a
abolição do tráfico atlântico, a utilização do trabalho escravo ficou restrita ao número de
cativos já estabelecidos no território nacional. Com o passar dos anos e o envelhecimento
desses plantéis, as oportunidades de expandir as plantações ficaram cada vez menores e a
necessidade de se substituir esse tipo de trabalho tornou-se essencial. Inicia-se, então, a
utilização de mão-de-obra livre imigrante.
Porém, no momento em que se começa a analisar a localidade de Ribeirão Preto,
objeto da presente pesquisa, as principais atividades de sua população eram a pecuária e a
agricultura de subsistência. Essas ocupações tinham uma organização diferente da
cafeicultura e, portanto, respeitavam outras normas e padrões.
Segundo Caio Prado Junior, a pecuária era a única atividade da colônia, com exceção
daquelas direcionadas ao mercado externo, que tinha alguma importância. (Cf. PRADO
JUNIOR, 1999, p. 182) Essa atividade era, necessariamente, desempenhada em áreas
distantes da grande lavoura, já que os a produção de gêneros voltados ao mercado externo
era mais vantajosa. A grande lavoura ocupava rapidamente as terras mais adequadas ao
cultivo dos produtos exportáveis, não deixando, portanto, espaço para outras atividades,
inclusive a pecuária. Além disso, Prado Junior caracteriza a pecuária nacional como
extremamente rudimentar,
[...] realizada extensivamente, sem estabulação, silagem e outros processos de
criação intensiva [...] A contingência da falta de recursos, como aliás o nível
técnico geral da economia colonial, que já vimos nos seus setores mais
importantes, tinham que resultar num tipo de pecuária simplista e de requisitos
mínimos; pouco mais que uma rudimentar indústria extrativa. O gado é mais ou
menos deixado à lei da Natureza, são-lhe dispensadas muito poucas atenções, e o
maior cuidado consiste em evitar o seu extravio e reuni-lo para ser utilizado.
(PRADO JUNIOR, 1999, p. 183)
108

A região do Oeste Paulista recebeu, na primeira metade do século XIX, um


contingente considerável de migrantes mineiros que trouxeram consigo a tradição pecuarista
mineira. Segundo Lucila Reis Brioschi, toda a região das antigas vilas de Casa Branca,
Batatais e Franca recebeu os chamados entrantes mineiros. Utilizando principalmente listas
nominativas e registros paroquiais, a autora verificou que, apesar dos primeiros habitantes da
região terem sido de origem paulista, as correntes migratórias do século XIX foram formadas
predominantemente por mineiros. Em 1819, cerca três quartos dos habitantes do Sertão do
Rio Pardo eram de origem mineira. (Cf. BRIOSCHI, 1995, p. 87) Mas os mineiros não
ficaram limitados às regiões de fronteira entre as duas antigas Províncias. Esses mineiros
provinham principalmente das antigas áreas mineradoras e da região sul, conhecida por uma
desenvolvida atividade de criação. (Cf. BRIOSCHI, 1995, p. 209)
[...] Entrando em terras paulistas pela vila de Jacuí ou pelo arraial do Desemboque,
fundaram em um primeiro momento o arraial de Franca. Continuaram em direção
sul e sudoeste, cruzando o Sapucaí-Mirim, estabelecendo núcleos de povoamento
que deram origem a Santana dos Olhos d’Água e São José do Morro Agudo.
Ultrapassando o rio Pardo, entraram no termo de Araraquara, na atual região de
Barretos e mais ao sul ocuparam as terras do futuro município de Ribeirão Preto.
(BRIOSCHI, 1995, p. 116-117)

A análise das listas nominativas de Casa Branca, freguesia criada em 1815 e


desmembrada de Mogi-Mirim em 1841, mostra que a porcentagem de chefes de fogo
originários de Minas Gerais passou de 14,1% em 1815 para 34,3% em 1829, sendo que na
lista de 1827 essa porcentagem chegou a 51,7%. (Cf. LAGES, 1996, p. 119-120)
Com intenção de reproduzir em solos paulistas as atividades de sua província natal,
os migrantes estabeleceram-se em áreas próprias tanto à agricultura quanto à pecuária,
cultivando alimentos e criando gado. A importância dessas atividades na primeira metade do
século XIX, em especial da atividade criatória, pôde ser constatada observando-se os dados
apresentados anteriormente na Tabela 1.2, reproduzida abaixo, onde é possível observar que
os dois maiores rebanhos da antiga província estavam localizados justamente na região
nordeste da antiga Província, o maior deles na grande vila de Mogi-Mirim e o segundo vila
de Franca.
Alguns estudos mais pontuais também confirmam a importância da pecuária na
região. Segundo Leonel de Oliveira Soares, até meados do século XIX a pecuária era um dos
setores mais dinâmicos da economia de Mogi-Mirim. Dados de 1854 referentes aos anos de
1853, 1852 e 1851 indicaram uma exportação de doze mil porcos, igual número de cavalos e
seis mil cabeças de gado vaccum. Esses números são de um período em que, conforme o
109

autor, a lavoura de cana-de-açúcar estava cedendo espaço para a cultura cafeeira.


Concomitantemente, a população de Mogi-Mirim também produzia gêneros de subsistência,
sendo os mais comuns o feijão e o milho. A localidade de Mogi-Guaçu, também tinha sua
economia baseada na atividade criatória e os produtos de subsistência estavam presentes em
77,2% dos fogos. Mais uma vez, as lavouras mais comuns eram o milho e o feijão.
Poder-se-ia dizer que o quadro das atividades criatórias em Mogi Guaçu não era
diferente do verificado em Mogi Mirim, exceto pelo fato de que seus rebanhos
eram menores. (SOARES, 2003, p. 50)54

Tabela 1.2
Produção de Algumas Localidades Paulistas
(Mogi-Mirim, Campinas e Franca, 1836)

Produtos Unidade Mogi-Mirim Campinas Franca


Café Arrobas 610 8.081 211
Açúcar Arrobas 40.520 158.447 272
Aguardente Canadas 2.312 7.399 337
Arroz Alqueires 8.668 3.672 2.111
Farinha de mandioca Alqueires - 952 3.893
Feijão Alqueires 12.558 21.015 -
Milho Alqueires 354.707 96.786 138.632
Fumo Arrobas 1.850 358 311
Algodão em rama Arrobas 355 - -
Porcos Unidades 14.506 3.137 5.613
Gado cavalar Unidades 1.574 221 353
Gado muar Unidades 477 29 33
Gado vaccum unidades 2.313 687 1.817
Gado lanígero unidades 316 134 632
Trigo Alqueires 16 - -
Valor da produção 308:325$620 308:089$580 111:882$920
Fonte: MÜLLER, 1978, p. 126.

Em Batatais, importante pouso do antigo Caminho de Goiás, a principal atividade da


população nas primeiras décadas do século XIX era também a criação de gado, em especial
de gado vaccum. Além da criação as fazendas dedicavam-se também ao cultivo de gêneros
alimentícios, tais como milho, algodão, feijão e o arroz, além de outros, tais como a
mamona. (Cf. GARAVAZO, 2002, p. 18 e 19)55

54 Soares estudou a formação e desenvolvimento da economia escravista de Mogi-Mirim durante o século XIX. A principal
fonte de dados do estudo foram os inventários post-mortem do Arquivo do Foro de Mogi-Mirim, 1.083 ao todo. De maneira
tangencial, o trabalho trata ainda de alguns núcleos populacionais da região, pois alguns inventários dessas populações
estavam preservados no arquivo consultado. Entre essas povoações estão as de Caconde, Casa Branca, Espírito Santo do
Pinhal, Penha, São João da Boa Vista, São Simão, Serra Negra e Mogi-Guaçu, que “embora tivesse sido criada como
freguesia antes que Mogi Mirim, a esta foi incorporada em 1769, fazendo, como os demais núcleos, parte de seu termo.”
(SOARES, 2003, p. 5)
55 Conforme Tabela apresentada pela autora, a produção batataense no ano de 1835 era composta pelos seguintes produtos:
milho (3.604 carros), feijão (3.141 alqueires), arroz (1.371 alqueires), fumo (77 arrobas), açúcar (20 arrobas), bezerros (3.284
110

Na antiga vila de Franca a criação também era a principal atividade da população


durante a primeira metade do século XIX. Utilizando as informações disponíveis nos
inventários post-mortem da localidade, Lélio Luiz de Oliveira verificou que dentre os
diversos animais criados na sua região os bovinos constituíam maioria, representando 76,7%
de todo o rebanho registrado. (Cf. OLIVEIRA, 2003, p. 23)56
Em 1835, a lista nominativa de São Simão informava que dos 150 moradores que
declararam as atividades desenvolvidas em seus estabelecimentos, noventa e seis (64,0%)
criavam gado ou porcos.57 Em apenas uma ocasião o estabelecimento dedicava-se também à
criação de eqüinos.58
A pecuária e a agricultura desenvolvidas pelos entrantes mineiros nessa região deve
ter seguido os mesmo padrões daquela existente anteriormente no sul de Minas Gerais.
Segundo Caio Prado Junior, a pecuária mineira começou a se desenvolver tão logo começou
a exploração das primeiras minas. Com o passar do tempo, a produção sul mineira começou
a abastecer também o Rio de Janeiro. As técnicas utilizadas pela pecuária mineira eram
menos rudimentares do que as da pecuária nordestina. Em primeiro lugar, as moradias nas
fazendas não eram tão primitivas, possuindo até um certo requinte. Com o mesmo cuidado
eram construídos também os currais e as leiterias, sendo as últimas uma edificação à parte,
pois o leite era aproveitado comercialmente e necessitava de mais atenção. As fazendas
possuíam cercas, tanto interna quanto externamente, que podiam ser feitas de pau-a-pique ou
pedra. O costume de cercar o pasto diminuía muito a necessidade de se vigiar o gado,
liberando mão-de-obra para a execução de outros serviços dentro da unidade produtiva.
Sendo criado nesse sistema, o gado mineiro era mais dócil do que o seu similar nordestino e,
portanto, de mais fácil condução. (Cf. PRADO JUNIOR, 1999, p. 193-194)
Continuando com a descrição pradiana, as fazendas mineiras eram mais numerosas e
mais complexas do que as nordestinas. Os pastos eram mais bem cuidados, sendo divididos
em quatro partes e utilizados um a um de maneira que ao o gado, ao sair do último quartel,
encontrava o primeiro novamente verde e viçoso. Além disso, os mineiros separavam as

animais), porcos (327 animais), potros (163 animais) e carneiros (118 animais). (BRIOSCHI Apud GARAVAZO, 2002, p.
19)
56 Além de gado bovino os criadores francanos também possuíam rebanhos de eqüinos, suínos, lanígeros e caprinos, que
representavam respectivamente 7,0%, 7,5%, 7,3% e 1,0% do rebanho registrado nos inventários. (OLIVEIRA, 2003, p. 23)
57 A lista nominativa de São Simão utilizada pelo marechal Müller como subsídio para o seu Ensaio d’um quadro
estatístico... data de 1835, e não de 1836 como a maioria das listas paulistas.
58 O recenseador coletou dois conjuntos de informações acerca das atividades de cada indivíduo. O primeiro conjunto –
composto por 186 informes – relatava apenas a ocupação declarada pelo morador e o segundo – composto por 150 informes
– relatava além da ocupação os produtos, as quantidades e o valor da produção agrícola e a renda anual aproximada do
estabelecimento. Por esse motivo, ora utilizar-se-á o primeiro conjunto ora o segundo, tendo em vista as diferentes
informações contidas em cada um deles.
111

vacas dos touros, colocando-os juntos somente no momento da cobertura. Normalmente,


além de bovinos, as fazendas criavam também suínos e ovinos. Geralmente, a criação desses
animais era mais difundida em áreas onde os pastos naturais eram mais pobres.
A alimentação do gado também era mais bem planejada. A falta de sal nas terras da
região obrigava os criadores a oferecer o mineral puro, nos currais. Dessa maneira, ao
contrário do que ocorria no nordeste, o gado não tinha que ingerir grandes quantidades de
barro quando saía em busca dos chamados lambedouros. Além disso, o sal, tal como era
distribuído nas fazendas mineiras, constituía importante fator de domesticação, fazendo com
que os animais se acostumassem aos currais. Ademais, a região sul-mineira tinha terras de
boa qualidade, o que permitia ao criador a complementação da dieta dos animais cultivando,
por exemplo, o milho. “Em conseqüência, o gado parece ser de porte e qualidade superiores,
sendo notado pela sua força e tamanho.” (PRADO JUNIOR, 1999, p. 195)
A mão-de-obra utilizada era primordialmente a cativa. Os únicos livres eram o
proprietário e sua família. E ao contrário do que ocorria nas fazendas nordestinas, os
proprietários mineiros não se ausentavam de suas fazendas, participando ativamente do
processo produtivo. Esse, aliás, era uma característica não só da pecuária, mas também da
agricultura sul-mineira. (Cf. PRADO JUNIOR, 1999, p. 196-197)
A profusão de fazendas de criação pode ser explicada não só pela grande demanda
pelos animais – amplamente utilizados como apoio na produção de açúcar e café – mas
também pela facilidade de se iniciar uma criação. O investimento necessário para a formação
de uma fazenda dedicada à pecuária era consideravelmente menor do que aquele exigido
pela produção de açúcar ou café. Uma fazenda pequena podia começar com 200 ou 300
cabeças de gado, vinte e cinco ou trinta animais de trabalho e a mão-de-obra de quinze ou
vinte homens. (Cf. GORENDER, 1992, p. 426) Por essa razão, a pecuária tornou-se uma
atividade comum entre os menos abastados, tornando-se “[...] refúgio dos colonos com
recursos modestos, com freqüência adquiridos no exercício da profissão de vaqueiro.”
(GORENDER, 1992, p. 425)
A agricultura de subsistência, por sua vez, foi caracterizada por Prado Junior como
sendo atividade menor dentro da economia colonial, dependente do setor agroexportador.
Nas regiões de grande lavoura, o cultivo de gêneros era feito nos mesmos terrenos dedicados
à atividade principal, entre as ruas de cana e as fileiras de café. Em alguns casos, o
proprietário concedia a seus cativos um dia por semana para que este se dedicasse à
112

produção dos alimentos necessários ao sustento da fazenda. As áreas urbanas, por outro lado,
eram abastecidas por fazendas especializadas na produção de gêneros, criando um tipo de
[...] exploração rural diferente e separado da grande lavoura e cuja organização
aliás varia. Vai desde a grande propriedade, aproximando-se neste caso, nos seus
caracteres exteriores, da grande lavoura – o que é menos freqüente – até a
insignificante roça, chácara ou sítio, onde não há escravos ou assalariados e onde o
proprietário ou simples ocupante da terra é ao mesmo tempo o trabalhador.
(PRADO JUNIOR, 1999, p. 153)

Em Minas Gerais, essa agricultura de subsistência autônoma e especializada no


abastecimento interno era comum. Sua principal função era o abastecimento das regiões
mineradoras, já que a extração de outro, ao contrário da grande lavoura, não permitia a
produção conjunta de alimentos. Além disso, a proximidade com o Rio de Janeiro reforçou a
especialização da região na produção de gêneros, fazendo com que a agricultura de
subsistência mineira atingisse um nível bem mais elevado do que o existente nas demais
regiões que se dedicavam a mesma atividade.
Dada a forte presença mineira na região de Ribeirão Preto e sua significativa
influência na formação da economia local, espera-se, ao analisar a posse de escravos,
encontrar em Ribeirão Preto uma estrutura compatível com as atividades agropastoris
desenvolvidas em Minas Gerais, tal como descritas por Prado Junior, pelo menos até a
década de 1870, quando o café começa a ser percebido de maneira mais sistemática no
corpus documental utilizado. Ainda assim, como a fonte trabalhada tem um problema de
temporalidade, acredita-se que até a década de 1880 será possível identificar uma estrutura
de posse mista, com elementos encontrados tanto em economias ligadas a agroexportação
quanto em economias direcionadas ao mercado interno.
A descrição pradiana de uma economia colonial baseada na grande propriedade
monocultora e escravista, excetuando-se o caso do cultivo de gêneros de subsistência e
autoconsumo, onde o mais comum seriam as pequenas propriedades sem mão-de-obra cativa
ou com utilização restrita do braço escravo, tem sido questionada por vários estudos
desenvolvidos nas últimas décadas do século passado.
Explorando fontes documentais ainda pouco utilizadas, tais como listas nominativas
e registros paroquiais, diversos autores têm mostrado que, ao contrário do que dizia Caio
Prado Junior, no Brasil Colônia e Império predominavam as pequenas posses de cativos,
mesmo em áreas cujo centro dinâmico era a produção voltada ao mercado externo.
O pioneiro no estudo da estrutura da posse foi Francisco Vidal Luna. Utilizando listas
nominativas e censos mineiros do período 1718-1804, das localidades de Pitangui, a
113

Comarca do Serro do Frio, Congonhas do Sabará, São Caetano, e Vila Rica, o autor verificou
que a maior parte dos senhores de escravos localizados possuíam plantéis pequenos, de um a
cinco cativos. Conforme os dados apresentados, esse resultado foi alcançado para todas as
localidades consideradas, ainda que estas tivessem diferentes características econômicas e
sociais. Em Pitangui no ano de 1718, 57,1% dos proprietários de cativos possuía plantéis de
um a cinco elementos. Em 1723 essa porcentagem havia subido para 58,5%. Na comarca de
Serro Frio o panorama era semelhante. Em 1738, do total de 1.744 proprietários de escravos,
78,4% possuíam plantéis de um a cinco elementos. Em Congonhas do Sabará, esse tamanho
de plantel59 era possuído por 75,1% do total de 124 proprietários considerados. Em 1804,
conforme informações do censo, o distrito de São Caetano contava com 104 proprietários de
cativos, e destes, 70,2% possuíam de um a cinco escravos. Nesse mesmo ano, a localidade de
Vila Rica possuía um total de 757 senhores de escravos, desses, 82,3% possuíam plantéis de
um a cinco elementos. (Cf. LUNA, 1981)
Ao trabalho de Luna seguiram-se muitos, com resultados que continuaram a mostrar
a importância das pequenas posses na economia brasileira dos séculos XVIII e XIX. Entre
estes pode-se destacar os trabalhos de Iraci del Nero da Costa, Robert W. Slenes, Stuart B.
Schwartz, José Flávio Motta, Nelson H. Nozoe, Horácio Gutiérrez, Peter Eisenberg, Renato
Leite Marcondes, e Zélia Maria Cardoso de Mello, entre outros. A fim de não se distanciar
dos temas e da localidade abordados na presente pesquisa, dar-se-á ênfase na análise dos
trabalhos que trataram da estrutura da posse de cativos em São Paulo durante o século XIX.
Em trabalho publicado em 1987, Iraci del Nero da Costa, Robert W. Slenes e Stuart
B. Schwartz, com o objetivo de estudar a família escrava em Lorena no início do século
XIX, analisaram, de maneira sucinta, a estrutura da posse de cativos naquela localidade.
Nesse período, ainda que de maneira discreta, a cafeicultura já estava presente no vale do rio
Paraíba paulista. A região não podia ainda ser caracterizada como de grande lavoura, pois a
produção de gêneros de subsistência destinados ao autoconsumo, tais como arroz, milho,
feijão e mandioca, ainda era a atividade mais comum. Além desses produtos, os agricultores
da região produziam também o açúcar, o fumo, a aguardente e o toucinho. Conforme os
dados apresentados, dos 162 proprietários de escravos localizados nas Listas Nominativas
das quatro Companhias de Ordenanças utilizadas no estudo, 103 (63,6%) possuíam plantéis
de um a quatro cativos, concentrando 23,4% da escravaria, numa posse média de 2,07
escravos por proprietário. (Cf. COSTA, SLENES & SCHWARTZ, 1987, p. 247)

59 Considera-se como plantel o número de cativos possuídos por um só proprietário.


114

Em outro trabalho, publicado dois anos depois, Iraci del Nero da Costa e Nelson H.
Nozoe, com o objetivo de estudar especificamente a estrutura da posse de cativos dessa
mesma localidade, demostraram que, em 1801, 24,7% dos escravistas possuíam plantéis
unitários e outros 45,0% possuíam plantéis de dois a cinco cativos. Apesar de serem maioria,
esses pequenos senhores não detinham a maioria dos cativos. Os cativos inseridos em
plantéis unitários representavam apenas 4,4% da escravaria, enquanto os cativos dos plantéis
de dois a cinco elementos eram 24,5%. (Cf. COSTA & NOZOE, 1989, p. 327)
Com o passar dos anos e o avanço da cafeicultura essa estrutura não sofreu grandes
modificações. Utilizando informações da lista nominativa de 1829, Renato Leite Marcondes
verificou que dos 410 proprietários arrolados, 108 (26,3%) possuíam apenas um cativo,
enquanto outros 135 (32,9%) possuíam plantéis de dois a quatro escravos. Dos pouco mais
de 2.500 cativos, apenas 4,2% eram possuídos pelo primeiro grupo e 14,6% pelo segundo.
(Cf. MARCONDES, 1998, p. 91)
Em outra pesquisa sobre a estrutura da posse no vale do rio Paraíba paulista, o
mesmo autor, Renato Leite Marcondes, analisa a propriedade escrava em Taubaté. A época
escolhida por esse autor não foi o da introdução da cultura cafeeira na região, mas sim o
período áureo de sua produção. Utilizando os dados da Matrícula de Escravos de 1872,
Marcondes também encontrou o predomínio das pequenas posses. Dos 660 proprietários de
cativos localizados, 221 (33,5%) possuíam plantéis unitários, concentrando 5,3% do total de
4.167 cativos. Outros 248 (37,6%) possuíam plantéis de dois a quatro cativos e
concentravam 16,6% da escravaria. Ou seja, mais de setenta por cento dos proprietários
possuía plantéis que podem ser considerados pequenos, de um a quatro cativos. O
desproporcional número de cativos inseridos nesses pequenos plantéis mostra a desigualdade
da posse nessa localidade, quantificada pelo cálculo do índice de Gini, que resultou em
0,637. (Cf. MARCONDES, 1998b, p. 46)
Tendo sido verificado que as pequenas posses eram as mais comuns na região do
vale do Paraíba paulista, a primeira região onde o café se desenvolveu como cultura de
exportação em São Paulo, poder-se-ia questionar se esses pequenos proprietários estavam de
fato envolvidos com a produção da valiosa rubiácea ou se apenas constituíam um grupo à
parte, não diretamente relacionado à grande lavoura. Os trabalhos de José Flávio Motta e
Nelson Nozoe sobre a localidade de Bananal mostram que o café foi introduzido na
localidade
115

[...] por uns poucos dentre os pequenos agricultores não-escravistas, o cultivo da


rubiácea rapidamente difundiu-se entre eles, bem como entre os proprietários de
cativos, independentemente do tamanho dos plantéis. (MOTTA & NOZOE, 1994,
p. 257)

Sendo introduzido em Bananal por pequenos proprietários de terras com ou sem


cativos, o café se disseminou rapidamente, até que, em 1829, já podia ser considerado a base
da economia local. Nesse mesmo ano, dentre os 173 proprietários de cativos encontrados na
lista nominativa, 147 (75,4%) eram cafeicultores, incluindo nesses números dois agregados
também escravistas. (Cf. MOTTA, 1999, p. 114) Esses proprietários de escravos e
cafeicultores concentravam 2.030 cativos, o que representavam 88,9% da escravaria da
localidade, com razão de masculinidade elevada, calculada em 225,8. (Cf. MOTTA, 1999, p.
128-129) A análise da estrutura da posse mostra que mais de quarenta por cento desses
cafeicultores detinha plantéis pequenos, considerados como sendo aqueles de um a quatro
elementos. Considerando também como plantéis pequenos aqueles de plantéis de cinco a
nove elementos essa porcentagem sobe para 64,6%. (Cf. MOTTA, 1999, p. 149) Para os
pequenos proprietários de cativos que produziam café, o cultivo dessa rubiácea
[...] voltada precipuamente à comercialização, tinha o significado de um
desdobramento possível a partir de uma agricultura puramente de subsistência,
perante a qual se colocava como uma atividade subsidiária. (MOTTA, 1999, p.
149)

Possivelmente por não ter muito a perder é que esses pequenos proprietários logo
iniciaram o cultivo do cafeeiro, enquanto outros agricultores e fazendeiros da região, ainda
incertos sobre o sucesso ou não desse novo cultivo, se mantiveram afastados da nova
atividade. Quando foi verificado que o café se adaptava às condições locais e que os riscos
de se iniciar uma plantação não eram mais tão altos, os mais abastados, geralmente
produtores de derivados da cana, começaram a formar suas plantações.
Continuando sua marcha pelo território paulista, o café atingiu o planalto e se
concentrou na região que ficou mais conhecida na historiografia como Oeste Paulista. Um
dos primeiros expoentes da cafeicultura no planalto paulista foi o município de Campinas.
Em finais do século XVIII, a região de Campinas era ainda pouco povoada e seus habitantes
viviam da agricultura e da criação de animais para subsistência. Em 1779 contava apenas
com 156 cativos. Com o início do cultivo da cana-de-açúcar e a produção de seus derivados
essa população cresceu tanto que, em pouco mais de cinqüenta anos ultrapassou o número de
habitantes livres. (Cf. SLENES, 1998, p. 17-18) A economia canavieira em Campinas tinha
uma organização mais próxima da definição pradiana de exploração agrícola. Não pela
116

inexistência das pequenas posses, mas sim pelo número relevante de grandes plantéis, alguns
com mais de cem cativos. Por volta dos anos de 1850, esses produtores de cana-de-açúcar
começaram o cultivo de um novo produto de exportação: o café.
Comparando a propriedade cativa em dois momentos, 1829 e 1872, pode-se perceber
que a mudança econômica ocorrida na localidade nesse período não provocou grandes
alterações na estrutura da posse vigente, pois as informações disponíveis, ainda que extraídas
de fontes documentais distintas – a lista nominativa e a matrícula de cativos – mostram
panoramas semelhantes. Conforme os dados da Tabela 3.1, tanto em 1829 quanto em 1872,
havia um considerável número plantéis de um a quatro e de cinco a nove cativos. No entanto,
esses pequenos proprietários eram responsáveis pela posse de apenas 12,9% da escravaria
em 1829 e 9,0% em 1872. Esse resultado é um pouco diferente do que os encontrados nas
demais localidades analisadas. Em Lorena no ano de 1801, os proprietários de plantéis de um
a cinco elementos possuíam 28,9% da escravaria. (Cf. COSTA & NOZOE, 1989, p. 327) Na
mesma localidade, em 1829, os proprietários de plantéis de um a nove elementos detinham
42,7% do total de cativos. (Cf. MARCONDES, 1998, p. 91) Em Taubaté no ano de 1872,
35,5% dos cativos viviam em plantéis de um a nove elementos. (Cf. MARCONDES, 1998b,
p. 46) Em Bananal no ano de 1829, 20,9% dos escravos estava em plantéis de um a nove
elementos. (Cf. MOTTA, 1999, p. 168)

Tabela 3.1
A Estrutura da Posse de Cativos
(Campinas, 1829-1872)

Números Absolutos Porcentagens


(a)
FTP 1829 1872 1829 1872
Senhores Escravos Senhores Escravos Senhores Escravos Senhores Escravos
1-4 159 307 41 109 49,5 6,4 39,8 4,3
5-9 48 311 19 120 15,0 6,5 18,4 4,7
10-29 61 981 25 414 19,0 20,6 24,3 16,3
30-49 23 816 7 285 7,2 17,1 6,8 11,2
50 e + 30 2.358 11 1.612 9,3 49,4 10,7 63,5
Total 321 4.773 103 2.540 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: SLENES, 1998, p. 76-77.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel.

Ademais, o número de grandes plantéis em Campinas, ao contrário do número de


cativos em pequenos plantéis, era consideravelmente maior do que o encontrado para as
demais localidades. No ano de 1801, a antiga Lorena possuía apenas dez proprietários de
117

escravos cujos plantéis podiam ser considerados grandes para seus padrões. Esses grandes
senhores possuíam escravarias de dezesseis a quarenta e um elementos e, apesar de
representar tão-somente 6,2% dos escravistas, concentravam uma parcela considerável da
massa cativa, 30,0%. (Cf. COSTA & NOZOE, 1989, p. 327) No final da década de 1820, a
porcentagem de grandes plantéis, escravarias de vinte elementos ou mais, era de apenas
4,4%, totalizando, seus cativos apenas 25,6% da população escrava. (Cf. MARCONDES,
1998, p. 91) Em Bananal no ano de 1829, os plantéis com mais de quarenta elementos
totalizavam 7,7% dos escravistas e concentravam 48,9% do total de cativos. (Cf. MOTTA,
1999, p. 168) Em Campinas, os plantéis com mais de cinqüenta elementos representavam
9,3% dos escravistas em 1829 e 10,7% em 1872, totalizando seus cativos 49,4% em 1829 e
63,5% em 1872. (Cf. SLENES, 1998, p. 76-77)
A maciça utilização do trabalho cativo era também uma característica de outra
localidade cafeicultora no oeste paulista. Em Rio Claro, os escravos estavam presentes em
todas as propriedades cafeicultoras, ocupando-se de fases da produção cafeeira, desde a
derrubada das matas até o cultivo e beneficiamento dos grãos. (Cf. DEAN, 1977, p. 61) Em
1872, mais da metade dos 2.496 cativos da localidade estava ocupada na agricultura. A
introdução da cafeicultura em Rio Claro ocorreu num momento em que o cultivo da cana-de-
açúcar e a produção de seus derivados constituíam a base da economia local. Essas
atividades estavam organizadas da maneira tradicional, ou seja, grandes propriedades
trabalhadas por cativos. Essa estrutura estava, em boa medida, condicionada pelo aporte de
capital necessário ao estabelecimento de um engenho. A instalação de um engenho movido a
animais com os equipamentos necessário custava mais do que regularizar uma sesmaria. O
estabelecimento de um engenho movido com água poderia custar até dez vezes mais. Essa
estrutura somente era lucrativa se a quantidade de cana beneficiada fosse elevada, muito
mais do que uma família era capaz de produzir, daí a necessidade da utilização de um grande
número de cativos e do cultivo de grandes extensões de terra. (Cf. DEAN, 1977, p. 40)
No entanto, essa estrutura de posse de cativos não pode sem considerada regra nessa
região que historicamente ficou conhecida como oeste paulista. Em localidades nas quais o
cultivo de cana-de-açúcar e a produção de seus derivados tinham sido atividades
predominantes no período anterior ao café, como Campinas e Rio Claro, a cafeicultura
acabou absorvendo os recursos já existentes. Porém, nos locais em que o café foi a primeira
cultura de exportação e as atividades anteriormente predominantes eram a agricultura de
subsistência e a produção para o autoconsumo, nas quais a mão-de-obra cativa não era tão
118

extensamente utilizada, a estrutura da posse se mostra mais semelhante aos padrões


valeparaibanos analisados anteriormente.
Depois de dominar a paisagem da antiga área açucareira de Campinas, o café, atraído
pela boa qualidade dos solos de terra roxa, se dirigiu para a região de Ribeirão Preto. Esse
movimento iniciado por volta de 1860 se intensificou nas décadas de 1870 e 1880, quando
ganhou forças com chegada da ferrovia. Com o problema do transporte resolvido, diversos
cafeicultores de outras regiões começaram a adquirir propriedades e a formar seus cafezais.
Qual seria então a estrutura da posse cativa nessa região? Infelizmente, são poucos os
trabalhos que se dedicaram ao estudo da propriedade cativa no antigo sertão do rio Pardo. Os
primeiros a tratar do tema foram Lélio Luiz de Oliveira, Juliana Garavazo e Renato Leite
Marcondes.
Ao analisar a propriedade escrava e a hipótese de crescimento vegetativo dos
escravos em Batatais, Renato Leite Marcondes e Juliana Garavazo uma estrutura da posse
desigual, em certa medida concentrada e com ligeira predominância de cativos do sexo
masculino. Na década de 1870, momento contemplado pelo estudo, a região de Batatais
apresentava como principais atividades a criação de gado e a agricultura de subsistência. O
café, principal produto de exportação da época, começava a ser cultivado em algumas
propriedades, normalmente dividindo espaço com as atividades mais tradicionais.
Em 1875, a comarca de Batatais contava com uma população de 11.255 habitantes,
dos quais 2.160 cativos e 9.095 livres, sendo a porcentagem de escravos na sua população
ligeiramente maior do que a encontrada para a província como um todo. Nesses cativos
estava concentrada uma parcela considerável da riqueza de seus senhores. Localizando os
inventários post-mortem de alguns desses proprietários, os autores verificaram que, em
média, 17,6% da riqueza inventariada estava alocada em escravos.
A Tabela 3.2 mostra em detalhes a estrutura da posse batataense. Os plantéis
pequenos eram maioria e quase três quartos dos proprietários possuíam de um a quatro
cativos. A posse média foi calculada em 4,9, sendo a posse média dos pequenos proprietários
calculada em dois. O cálculo do índice de Gini, igual a 0,585, mostra que apesar da profusão
de pequenos plantéis a propriedade se mostrava concentrada.
A maior parte dos cativos estava nas mãos de proprietários do sexo masculino, pois
esses representavam 83,9% dos proprietários. Alguns eram órfãos e herdeiros (0,4%) e
outros possuíam escravos em sociedade (1,0%). Os homens proprietários além de
constituírem maioria concentravam também a maior parte da massa cativa. Os proprietários
119

do sexo masculino possuíam 2.151 (91,1%) cativos; as proprietárias 198 (8,4%); os órfãos e
herdeiros seis (0,3%). Os escravos possuídos em sociedade totalizavam seis (0,3%).

Tabela 3.2
Estrutura da Posse de Cativos Segundo Faixa de Tamanho dos Plantéis
(Batatais, 1875)

(a) Proprietários Escravos


FTP
Número % % Acumulada Número % % Acumulada
1 168 34,6 34,6 168 7,1 7,1
2a4 193 39,8 74,4 541 22,9 30,0
5a9 70 14,4 88,9 444 18,8 48,8
10 a 19 34 7,0 95,9 439 18,6 67,4
20 a 39 13 2,7 98,6 365 15,5 82,9
40 ou mais 7 1,4 100,0 404 17,1 100,0
Total 485 100,0 - 2.361 100,0 -
Fonte: MARCONDES & GARAVAZO, 2002, p. 13.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel.

Trabalhando com os inventários dos proprietários encontrados na Classificação e


com informações do Almanak da Província de São Paulo para 1873, Marcondes e Garavazo
constataram que aproximadamente a metade dos proprietários dedicava-se a criação de gado,
“atividade de maior importância para a cidade à época analisada”, sendo que
[...] dos trinta e sete criadores de gado listados no Almanak, apenas três não
constavam da Classificação. Adicionalmente, além dos criadores de gado vaccum
exclusivamente, havia um número considerável de proprietários que criava suínos
ou se dedicava à cultura de cana-de-açúcar ou café juntamente com a pecuária [...]
(MARCONDES & GARAVAZO, 2002, p. 20)

Os proprietários que se dedicavam à criação de gado ou à criação e agricultura


possuíam, em média, plantéis maiores do que os comerciantes, agricultores de subsistência,
profissionais liberais ou pessoas ligadas aos ofícios. Tal fato ocorria provavelmente porque
os trabalhos agrícolas, com exceção daqueles relacionados à subsistência, demandavam mais
mão-de-obra do que as demais atividades consideradas. Além disso, na economia pouco
mercantil de Batatais, a atividade mais capaz de gerar o capital necessário para a compra de
cativos era a criação de gado. No entanto, essa atividade não seria capaz de gerar capital se
esses animais não fossem comercializados. Provavelmente, a comercialização das rezes
criadas em Batatais era feita em Franca, considerada centro dinâmico da pecuária no
nordeste paulista. Mas a criação e comercialização de gado não eram as únicas atividades
desenvolvidas na antiga vila francana. A produção de laticínios e a manufatura do couro
também eram importantes na economia da localidade, além do comércio de sal.
120

E foi justamente essa localidade o objeto de estudo de Lélio Luiz de Oliveira.


Utilizando como fonte de dados noventa e seis inventários post-mortem do Arquivo
Histórico Municipal de Franca, Oliveira analisou a economia da antiga vila de Franca do
Imperador em dois momentos no tempo. O primeiro deles, 1822-1830, mostra a antiga vila
dominada pela criação de gado e seus desdobramentos – comércio de sal, manufatura do
couro e produção de laticínios. O segundo período, 1875-1885, mostra a estrutura anterior
um pouco influenciada pela chegada da cultura cafeeira.60
Ao analisar a propriedade cativa, o autor encontrou entre seus inventariados uma alta
porcentagem de proprietários, apenas 3,2% dos inventários não arrolavam escravos, e uma
posse média calculada em 4,8 cativos por proprietário.
Conforme os dados da Tabela 3.3, entre 1822 e 1830, quase três quartos dos
proprietários francanos possuía plantéis de um a cinco cativos. Destes, 13,4% possuíam
plantéis unitários e 20,3% possuíam plantéis de cinco escravos. O autor informa ainda que
aproximadamente quatro quintos da escravaria estavam em plantéis de um a nove cativos,
90,4% dos plantéis encontrados. O restante, 20,4% dos escravos, era possuído por apenas
6,6% dos senhores. Aparentemente, essa estrutura se mostra menos concentrada do que a
encontrada por Marcondes e Garavazo em Batatais, onde os proprietários de um a nove
cativos somavam 88,9% e seus cativos representavam 48,8% da amostra considerada.

Tabela 3.3
Quantidade de Escravos Possuídos por Proprietário
(Franca, 1822/1830 e 1875/1885)

Quantidade de Proprietários 1822/1830 Proprietários 1875/1885


escravos (em porcentagem) (em porcentagem)
1a5 73,4 64,8
6 a 10 20,0 20,6
11 a 15 3,3 8,8
16 a 20 3,3 2,9
21 a 25 - 2,9
Total 100,0 100,0
Fonte: OLIVEIRA, 1997, p. 83.

Essa estrutura sofreu modificações no segundo período. A posse de escravos não se


mostrou tão disseminada e a porcentagem de não proprietários, que era de 3,2%, passou a ser

60 Segundo a revisão bibliográfica do autor, a partir de 1850 o café passou a ser o investimento preferido dos habitantes da
região, em detrimento da pecuária. Tal fato ficou evidenciado pela ausência de informações sobre a pecuária local em
documentos e jornais pós 1850 e pela localização de diversos cafezais nos inventários do período 1875/1885, o que não
havia sido encontrado nos documentos do período 1822/1830. (OLIVEIRA, 1997, p. 62-63)
121

de 46,7%. De acordo com os dados da Tabela 3.3, 64,8% dos proprietários tinham plantéis
de um a cinco cativos e entre estes, 14,8% possuíam apenas um escravo. Além disso, foram
encontrados plantéis com mais de vinte e um cativos, inexistentes no período anterior. Para o
autor, a estrutura nesse segundo período se mostrou mais concentrada, dado o número menor
de proprietários e a existência de maiores plantéis.
Como teria sido a estrutura da posse de cativos em Ribeirão Preto? Teria sido mais
próxima à estrutura identificada no vale do Paraíba? A localidade de Campinas, pode ser
considerada um exemplo do que ocorreu na cafeicultura paulista nas décadas finais do século
XIX? A estrutura da posse em Ribeirão Preto teria sido então mais semelhante aos casos de
Franca ou Batatais? A fim de responder a essas questões, nas seções seguintes analisar-se-á a
estrutura da posse de cativos ribeirãopretana com base em duas fontes documentais. Para a
primeira metade do século XIX utilizar-se-á a lista nominativa para a antiga freguesia de São
Simão no ano de 1835. Para a segunda metade serão utilizados os inventários post-mortem,
atualmente preservados em Jundiaí.

A Propriedade Cativa na Antiga Freguesia de São Simão (1835)

Em linhas gerais, na primeira metade do século XIX os habitantes do antigo Sertão


do Rio Pardo viviam de suas lavouras de subsistência e da criação de gado e outros pequenos
animais. Dos 1.184 moradores arrolados pelo censo, 891 (75,3%) eram livres e 293 (24,7%)
cativos. Como mostram os Gráficos 3.1, 3.2 e 3.3, a população livre era composta
basicamente por brancos, 614 (68,9%) e pardos, 260 (29,2%), ao passo que mais quatro
quintos da população cativa era formada por negros. Esses moradores estavam divididos em
206 fogos, numa média de 4,3 livres e 1,4 cativos por fogo.
Como mostra a Tabela 3.4, esses habitantes estavam distribuídos em seis quarteirões:
Ribeirão do Tamanduá, Ribeirão da Onça, Ribeirão da Prata I, Ribeirão Claro, Ribeirão da
Divisa e Ribeirão da Prata II, nomes que fazem referência aos principais cursos de água da
região. No Mapa 3.1 pode-se observar que cada um desses quarteirões englobava diversas
fazendas, sendo os mais extensos o da Onça e o do Tamanduá. As antigas vilas de São
Simão, Ribeirão Preto e o distrito de Bonfim Paulista estavam localizados nesse último,
enquanto a localidade de Sertãozinho no primeiro.
122

Gráfico 3.1
Composição da População
(São Simão, 1835)

Pardos
24,7%

Crioulos Brancos
1,9% 51,9%

Pretos
21,5%

Gráfico 3.2 Gráfico 3.3


Composição da População Livre Composição da População Cativa
(São Simão, 1835) (São Simão, 1835)

Pardos
29,2%
Crioulos
4,1%
Pretos
Crioulos 84,6% Pardos
1,1% 11,3%
Brancos
Pretos
68,9%
0,8%

O quarteirão mais povoado era o Ribeirão da Prata II, que reunia os moradores das
fazendas: da Prata, Águas Claras, São Lourenço, Posses e Boa Vista, entre outras. Ao todo
eram 188 (72,6%) livres e 71 (27,4%) cativos distribuídos em 42 fogos, numa média de 4,5
livres e 1,7 cativos em cada fogo.
O segundo quarteirão mais populoso era o da Prata I. Suas fazendas, Serra Azul,
Serrinha e Serra Grande, possuíam 241 habitantes, dos quais 216 (89,6%) livres e 25
(10,4%) cativos, a maior porcentagem de livres encontrada. Essa população estava dividida
em 47 fogos, resultando numa média de 4,6 livres e 0,5 cativos por fogo.
123

Tabela 3.4
População e Número de Fogos
(São Simão, 1835)

População Número de
Quarteirão
Livres Cativos Total Fogos
Ribeirão do Tamanduá 146 68 214 33
Ribeirão da Onça 138 81 219 34
Ribeirão da Prata I 216 25 241 47
Ribeirão Claro 75 13 88 17
Ribeirão da Divisa 128 35 163 33
Ribeirão da Prata II 188 71 259 42
Total 891 293 1.184 206
Fonte: Lista Nominativa de 1835. Arquivo do Estado de São Paulo

Mapa 3.1
Quarteirões do Antigo Município de São Simão
(São Simão, 1835)

Modificado pela autora a partir de: Bazan, Antigo Capela Curada de São Simão Situação Geográfica em
1835. Mapa b&p. Escala 1:200.000. In Martins, 1998.

Em seguida, aparecem os quarteirões mais extensos, o da Onça e o do Tamanduá. É


interessante destacar que mesmo englobando a então freguesia de São Simão, o quarteirão do
124

Tamanduá não era o terceiro mais populoso, ficando nesse posto o quarteirão da Onça.
Possuindo em seu território a grande fazenda do Lageado, o quarteirão do Ribeirão da Onça
abrigava 219 e 34 fogos. Ao todo eram 138 (63,0%) de livres e 81 (37,0%) de cativos – a
menor porcentagem de livres e a maior de cativos encontrada – numa média de 4,1 livres e
2,4 cativos por fogo.
O quarteirão do Tamanduá, quarto mais populoso, possuía quase o mesmo número de
habitantes que o da Onça, 214, dos quais 146 (68,25%) livres e 68 (31,8%) cativos. Esses
indivíduos estavam divididos em 33 fogos, com média de 4,4 livres e 2,1 cativos por fogo.
Os demais quarteirões – da Divisa e do Ribeirão Claro – possuíam, respectivamente,
populações de 163 e 88 indivíduos. No quarteirão da Divisa os moradores estavam
distribuídos em 33 fogos, numa média de 3,9 livres e 1,1 cativos por fogo. No quarteirão do
Ribeirão Claro havia 4,4 livres e 0,8 cativos por fogo.
Os chefes de fogos eram majoritariamente do sexo masculino, com idades variando
de dezoito a oitenta e três anos. Entre estes foram encontrados 127 brancos, quatro pretos,
dois crioulos e cinqüenta e quatro pardos. Apenas 13 (7,0%) eram solteiros e 4 (2,0%)
viúvos, sendo a maioria (91,0%) casada. Sobre a naturalidade, a lista informa que existiam,
além de brasileiros, um estrangeiro e um estrangeiro naturalizado.61 Nem todos eram
alfabetizados, somente cinqüenta e nove (31,6%) sabiam ler e escrever.
As mulheres chefes de fogo somavam dezenove, com idades variando de vinte e
quatro a setenta e cinco anos. Entre estas foram localizadas dez brancas (52,6%) e nove
(47,4%) pardas, sendo seis (31,6%) solteiras, duas (10,5%) casadas e onze (57,9%) viúvas.
Todas eram brasileiras e nenhuma era alfabetizada.
Como mostra a Tabela 3.5, dos 206 chefes de fogo apenas 180 declararam exercer
algum tipo de ocupação.62 Entre os homens, as omissões representaram 10,2% e entre as
mulheres 36,8%. As ocupações mais comuns eram aquelas ligadas ao campo e, assim sendo,
os lavradores eram maioria: 139 (74,3%) dos homens e 9 (47,4%) das mulheres. Cabe
destacar a presença de dois carpinteiros, dois ferreiros, um sapateiro, um negociante e dois
negociantes de carro de bois.63

61 Não havia informação sobre a naturalidade de um dos chefes de fogo.


62 Optou-se por conservar as ocupações informadas pela lista, ainda que a classificação de algumas dessas atividades como
ocupação seja controversa.
63 Além desses chefes de fogo a lista informa a ocupação dos seguintes indivíduos que não eram chefes de fogo: da mulher
de um chefe de fogo (agregada); de três filhos de chefes de fogo (um menor, um negociante e um lavrador); e de duas outras
pessoas cujo grau de parentesco com o chefe do fogo não pôde ser identificado (um jornaleiro e um lavrador)
125

Tabela 3.5
Ocupação dos Chefes de Fogo Consoante Sexo
(São Simão, 1835)

Homens Mulheres Total


Ocupações
Número % Número % Número %
Administrador (b) 2 1,1 - - 2 1,0
Agregado 6 3,2 1 5,3 7 3,4
Caçador (a) 1 0,5 - - 1 0,5
Camarada de Jornal 2 1,1 - - 2 1,0
Carpinteiro 2 1,1 - - 2 1,0
Fazendeiro 2 1,1 - - 2 1,0
Ferreiro 2 1,1 - - 2 1,0
Jornaleiro 4 2,1 2 10,5 6 2,9
Lavrador (c) 139 74,3 9 47,4 148 71,8
Lavrador e Criador 1 0,5 - - 1 0,5
Lavrador e Inspetor de Quarteirão (d) 2 1,1 - - 2 1,0
Lavrador e Negociante 1 0,5 - - 1 0,5
Negociante 1 0,5 - - 1 0,5
Negociante de Carro de Bois (e) 2 1,1 - - 2 1,0
Sapateiro 1 0,5 - - 1 0,5
Não informada 19 10,2 7 36,8 26 12,6
Total 187 100,0 19 100,0 206 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) O recenseador informou que este caçador era também agregado.
(b) Um dos administradores estava também apto para ser empregado.
(c) Conforme as observações da lista, entre os lavradores, vinte e um estavam na condição apto para ser empregado; três eram
agregados; um era agregado e colhia também milho e feijão; um outro estava apto para empregos e colhia milho, feijão e arroz para
seu sustento; um outro colhia milho e não informou a quantidade; e dois estavam aptos para empregos públicos.
(d) As observações da lista informavam que um destes estava apto para ser empregado.
(e) As observações da lista informavam que um destes estava apto para ser empregado.

Os proprietários de escravos não eram muitos. Dos 206 fogos apenas 52 (25,2%)
possuíam escravos. Esses senhores eram em sua maioria do sexo masculino (92,3%), rancos
(82,7%) e casados (84,6%). Apenas quatro mulheres aparecem na relação – todas viúvas –
sendo três brancas e uma parda. Observando os dados da Tabela 3.5, pode-se perceber que
quase a totalidade dos senhores dedicava-se à lavoura, atividade que ocupava também a
maior parte dos escravos. Os demais proprietários declararam-se administradores (2),
fazendeiros (1), ferreiros (1), lavradores e criadores (1) e negociantes (1).
De acordo com os dados da Tabela 3.6, a estrutura da posse mostra que a maior parte
dos proprietários possuía plantéis pequenos e médios, sendo raras as grandes escravarias. O
maior proprietário era Gabriel de Souza Diniz Junqueira, solteiro, 18 anos e administrador de
fazenda no quarteirão do Ribeirão da Onça. Sua família era proprietária da fazenda do
Lageado, a maior da antiga vila de São Simão, e devia ser em alguma parte dessa fazenda
que Gabriel desempenhava as funções de administrador.
126

Tabela 3.6
Os Proprietários de Cativos e suas Ocupações
(São Simão, 1835)

Proprietários Cativos
Ocupação / Atividade (a) (b) (a) (b)
Número % Número %
Administrador 2 3,9 24 8,3
Fazendeiro 1 2,0 2 0,7
Ferreiro 1 2,0 5 1,7
Lavrador 44 86,3 237 81,7
Lavrador e Criador de Porcos 1 2,0 8 2,8
Lavrador e Inspetor de Quarteirão 1 2,0 3 1,0
Negociante de Carro de Bois 1 2,0 11 3,8
Total 51 100,0 290 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835
(a) Não foi identificada a ocupação/atividade de um proprietário que possuía um plantel de três cativos.
(b) Porcentagem dos proprietários para os quais identificou-se a ocupação/atividade.

Continuando a análise, a estrutura da posse vigente nesse núcleo colonial se mostra


moderadamente desigual. De acordo com a Tabela 3.7, os detentores de plantéis unitários,
apesar de representarem 19,2% dos proprietários, possuíam apenas 3,4% da escravaria, ao
passo que o maior proprietário, 1,9% dos senhores, detinha 7,2% dos escravos.
Os plantéis mais comuns eram os de dois a nove cativos. Ao todo eram trinta e três
(63,5%), que concentravam 164 cativos, mais da metade da amostra considerada. Apenas
oito proprietários (15,4) possuíam plantéis de dez a dezenove elementos, num total de 98
(33,4%) cativos. O índice de Gini foi calculado em 0,416.

Tabela 3.7
Estrutura da Posse de Cativos
(São Simão, 1835)

Senhores Escravos
FTP(a)
Número % % Acumulada Número % % Acumulada
1 1 8,3 8,3 1 0,5 0,5
2-4 2 16,7 25,0 8 4,1 4,6
5-9 3 25,0 50,0 19 9,8 14,4
10-29 4 33,3 83,3 69 35,6 50,0
30-49 1 8,3 91,7 34 17,5 67,5
50 e + 1 8,3 100,0 63 32,5 100,0
Total 12 100,0 - 194 100,0 -
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
127

Tabela 3.8
Estrutura da Posse de Cativos Consoante Ocupação do Proprietário
(São Simão, 1835)

(a)
Ocupação FTP
1 2-4 5-9 10-19 20 ou + Total
Administrador - 1 - - 1 2
Fazendeiro - 1 - - - 1
Ferreiro - - 1 - - 1
Lavrador 10 12 15 7 - 44
Lavrador e Criador de Porcos - - 1 - - 1
Lavrador e Inspetor de Quarteirão - 1 - - - 1
Negociante de Carro de Bois - - - 1 - 1
Não Especificada - 1 - - - 1
Total 10 16 17 8 1 52
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

Com uma predominância tão grande das atividades ligadas à lavoura ou à criação, a
análise da posse de escravos consoante ocupação dos proprietários, Tabela 3.8, mostra que a
atividade lavoura era desempenhada por senhores de quase todas as faixas de tamanho de
plantel. As demais atividades eram desempenhadas majoritariamente por detentores de
plantéis de dois a quatro elementos. Um caso merece destaque, o de Vicente Jose das Cruzes,
ferreiro, 50 anos e morador do quarteirão do Ribeirão do Tamanduá. Vicente é o único
proprietário de cativos cuja atividade difere um pouco das encontradas anteriormente, não
ficando limitada ao cultivo de gêneros ou à criação de animais.
Os cativos encontrados nessa população totalizaram 293, dos quais 179 (61,1%)
homens e 114 (38,9%) mulheres, com razão de sexo calculada em 157. Essas pessoas eram
solteiras (74,1%) ou casadas (25,9%) e não existiam viúvos. Com relação a cor, a lista
informa a existência de pretos, pardos e crioulos, nas seguintes proporções: 84,6% pretos,
11,3% pardos e 4,1% crioulos.
Separando os cativos em dois grupos – africanos e nacionais – observa-se que entre
os africanos a proporção de homens era maior. Dos 111 africanos encontrados, oitenta e
quatro (75,7%) eram homens e apenas vinte e sete (24,3%) eram mulheres, com razão de
sexo calculada em 311. Já na população nacional o equilíbrio entre os sexos era maior,
havendo uma ligeira predominância dos elementos do sexo masculino. Dos 182 cativos
nacionais, noventa e cinco (52,2%) eram homens, enquanto oitenta e sete (47,8%) eram
mulheres, sendo a razão de sexo igual a 109.
128

Ao analisar a questão das idades, percebe-se que a maior parte desses escravos era
jovem e estava em idade produtiva, considerada aqui como sendo dos quinze aos quarenta e
nove anos de idade. Observando os dados da Tabela 3.9 nota-se que as crianças de zero a
quatorze anos representavam 33,1%, os jovens 64,2% e aqueles com cinqüenta anos ou mais
tão-somente 2,7%.
Ainda que o objetivo da presente análise não seja o de investigar a existência ou não
de reprodução natural na massa cativa ora considerada, acredita-se ser relevante ressaltar que
foi encontrada uma alta porcentagem de mulheres em idade fértil e um expressivo número de
crianças, tanto de zero a nove quanto de zero a quatorze anos.
Mais de cinqüenta por cento das mulheres estava em idade fértil.64 As crianças de
zero a nove anos totalizavam sessenta e dois (21,2%) e as de zero a quatorze anos noventa e
sete (33,1%). O cálculo da razão criança-mulher mostra que na população escrava de São
Simão em 1835, havia 911 crianças de zero a nove anos para cada grupo de mil mulheres em
idade fértil. Considerando as crianças de zero a quatorze anos esse índice sobe para 1.426.65

Tabela 3.9
Idade da População Cativa Segundo Sexo
(São Simão, 1835)

Faixas Etárias Homens Mulheres Total


Número % Número % Número %
1-9 35 19,6 27 23,7 62 21,2
10-14 19 10,6 16 14,0 35 11,9
15-19 25 14,0 18 15,8 43 14,7
20-29 53 29,6 33 28,9 86 29,4
30-39 36 20,1 11 9,6 47 16,0
40-49 6 3,4 6 5,3 12 4,1
50-59 2 1,1 3 2,6 5 1,7
60-69 2 1,1 0 0,0 2 0,7
70-79 1 0,6 0 0,0 1 0,3
Total 179 100,0 114 100,0 293 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Analisando as idades segundo origem do cativo observa-se que entre os escravos de


origem africana a porcentagem de elementos em idade produtiva e do sexo masculino era
bem mais elevada do que entre os nacionais. Considerando o Gráfico 3.4, percebe-se que nas

64 Considerada como sendo dos quinze aos quarenta e nove anos de idade.
65 A razão criança-mulher mostra o número de crianças de zero a nove anos de idade para cada mil mulheres em idade
fértil.. Essa estatística, ainda que não seja a ideal para o cálculo da fecundidade, pode ser considerada uma proxy para
estimação da taxa de fertilidade escrava.
129

primeiras faixas etárias há predominância de nacionais, o que seria natural, pois todos os
escravos filhos de africanos nascidos no Brasil tinham sua origem apontada como nacional.
Já na terceira e quarta faixas o número de africanos é maior. Dos oitenta e seis cativos na
faixa dos vinte aos vinte e nove anos, quarenta e oito (55,8%) eram africanos e dos quarenta
e sete na faixa dos trinta aos trinta e nove anos, trinta (63,8%), possuíam a mesma
naturalidade.

Gráfico 3.4
Idade dos Cativos Consoante Origem
(São Simão, 1835)

70
60
Número de Cativos

50
40
Brasileiros
30
Africanos
20
10
0
1-9 10-14 15-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Faixas Etárias

Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Infelizmente, a lista não informou nada a respeito da ocupação desses escravos e nem
sobre as relações de parentesco dentro de um mesmo plantel, limitando-se a apresentar os
dados já analisados anteriormente.
Com as informações da lista nominativa de 1835 foi possível verificar que a
população da antiga freguesia de São Simão estava dispersa dentro de um vasto território,
vivendo da criação de gado e da agricultura de subsistência. A posse cativa apresentava-se
moderadamente concentrada e a maior parte dos plantéis existentes possuía de um a nove
cativos.
130

A Caracterização dos Proprietários de Cativos em Ribeirão Preto


e da Estrutura da Posse (1849-1888)

Para o estudo e caracterização dos proprietários de cativos em Ribeirão Preto e de sua


estrutura de posse no período 1849-1888 foram utilizadas os inventários post-mortem
localizados no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto e no Fórum de São Simão.66 Os dados
foram organizados respeitando-se os mesmos períodos utilizados no capítulo anterior. Para o
estudo da estrutura da posse, considerar-se-á apenas os dois primeiros períodos, tendo em
vista ser o terceiro posterior à abolição. Para efeito de comparação, utilizar-se-á também
dados da lista nominativa de 1835, analisados anteriormente.
Apenas para relembrar, o primeiro período, 1849-1869 foi considerado como sendo o
de introdução da cultura cafeeira na localidade, quando alguns poucos produtores
começaram o cultivo da preciosa rubiácea, ao mesmo tempo animados com as boas
perspectivas do mercado externo e inseguros sobre o desempenho do novo cultivo nas terras
da antiga Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto. O segundo período foi o da difusão da
nova cultura e este foi dividido em dois subperíodos: o primeiro, de 1870 até 1879, foi
marcado pela marcha de cafeicultores vindos de outras regiões e o segundo, de 1880 até
1888, foi caracterizado pela chegada da ferrovia.
Em linhas gerais, os proprietários de escravos identificados na amostra de inventários
eram do sexo masculino e casados. Ao todo eram cinqüenta e cinco homens e quarenta e três
mulheres, majoritariamente dedicados à faina rural, plantando gêneros e criando animais. As
fontes mostram a presença cafeeira já no primeiro período, porém cultivado em pequena
escala. Com o passar dos anos, diversificam-se as atividades, os cafeicultores tornam-se mais
comuns e surgem comerciantes e profissionais liberais. A Tabela 3.10 traz as atividades ou
ocupações características dos inventários, assim como o número de inventariados
classificados como tal e divididos por período considerado.67

66 Ribeirão Preto pertenceu ao município de São Simão legalmente até 1871. Contudo, o desmembramento ocorreu de fato
em 1874, ano em que ocorreram as primeiras eleições da recém criada localidade. Por esse motivo, existem processos de
inventário arquivados em São Simão que pertencem ao município de Ribeirão Preto.
67 As atividades listadas na Tabela 3.4 foram obtidas após a análise dos bens possuídos por cada inventariado considerado.
Foi considerada atividade principal aquela em que estava alocada a maior parte dos recursos inventariados. Como era
comum o indivíduo dedicar-se a mais de uma atividade, considerou-se também, para as análises desenvolvidas, as
associações encontradas. Contudo, para a confecção da Tabela 3.4 foi considerada apenas a atividade principal. As
combinações de atividade mais comuns foram criação + agricultura e café + criação.
131

Tabela 3.10
Atividade / Ocupação Característica do Inventário
(Ribeirão Preto, períodos)

Atividade / Ocupação 1849-1869 1870-1879 1880-1888


Lavoura e criação 12 45 29
Negócio - 1 1
Negócio, lavoura e/ou criação - 2 1
Ofício e lavoura - 1 -
Profissionais liberais - - 1
Não identificada - 3 2
Total 12 52 34
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 3.11
(a)
Produtos da Lavoura ou Criação
(Ribeirão Preto, períodos)

Produtos da Lavoura ou
1849-1869 1870-1879 1880-1888
Criação
Arroz - 1 2
Algodão - - -
Milho 5 8 10
Café 1 4 14
Mandioca - - 1
Cana-de-açúcar - 5 3
Feijão - - 4
Bovinos 7 13 16
Eqüinos 5 5 1
Suínos 5 14 15
Muares 2 4 -
Ovinos 1 10 2
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Produtos encontrados na avaliação dos bens inventariados. Pode haver mais de um produto para cada
inventário. Os produtos podem ser principais ou secundários. Considera-se como produto principal
àquele que absorvia a maior parte dos recursos inventariados.

Ainda sobre as atividades/ocupações dos inventariados proprietários de escravos, foi


possível identificar alguns dos produtos da lavoura ou criação presentes nos processos.68 De
acordo com as informações da Tabela 3.11, o milho era o gênero mais cultivado, tendo sido
localizado sozinho ou combinado com outras culturas ou criações em vinte e três processos.
Em seguida aparece o café, presente como atividade principal ou secundária em dezenove
inventários. A cana-de-açúcar, o feijão, o arroz e a mandioca são menos significativos,

68 Foram considerados todos os produtos encontrados em cada processo, por isso, a soma de cada um dos gêneros ou tipos
de animais considerados ultrapassa o número total de processos.
132

aparecendo respectivamente em oito, quatro, três e um processos. Entre os animais, as


criações mais comuns eram as de bovinos e suínos, presentes em trinta e seis e trinta e quatro
inventários respectivamente. Em seguida vinham os ovinos e os eqüinos e os muares.
Apesar de ter sido encontrado em dezenove processos durante o período estudado, a
presença cafeeira no município percebida pelos processos de inventários pode ser
considerada modesta. Contudo, a discreta presença na fonte de dados utilizada não significa
que a cultura cafeeira fosse incomum na localidade estudada. Os inventários post-mortem
são naturalmente uma fonte excludente e os processos de inventário dos proprietários de
escravos tornam a amostra mais elitizada ainda. Estudos recentes mostram que em algumas
localidades a cultura cafeeira foi introduzida por pequenos proprietários de terras, escravistas
ou não. Ao estudar a família escrava em Bananal, José Flávio Motta encontrou o início do
cultivo da rubiácea marcado pela presença dos não proprietários de cativos.
Introduzido na localidade estudada por uns poucos dentre os pequenos agricultores
não-escravistas, o cultivo de café logo difundiu-se entre eles, bem como entre os
proprietários de escravos, independentemente do tamanho dos plantéis. (MOTTA,
1999, p. 373)

Além da presença dos pequenos produtores, um outro estudo identificou a presença


também de produtores eventuais de café, pequenos proprietários de terras que se dedicavam
por alguns anos ao cultivo da rubiácea, deixando de lado a atividade após um certo período.
(Cf. NOZOE & MOTTA, 1999)
Não se pode descartar a presença desses pequenos proprietários produtores de café e
nem dos produtores eventuais em Ribeirão Preto. Dessa forma, a presença da atividade
cafeeira provavelmente era mais acentuada do que a observada na amostra de inventários de
proprietários de escravos ora considerada.

Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Primeiro Período


(1849-1869)

Nesse período, a localidade ribeirãopretana não passava de um agrupamento de


pessoas dispostas a formar um arraial. Não havia nem o aparato eclesiástico nem o
burocrático das localidades já estabelecidas, tendo seus moradores que recorrerem, sempre
que necessário, à vila de São Simão. Lá eram feitos desde batismos e casamentos até
testamentos e inventários. A dificuldade de locomoção aliada as naturais complicações de se
perder um membro importante da família pode ter impedido que muitas pessoas abrissem
133

inventários para regularizar a partilha de bens. Por essa razão, foram localizados poucos
inventários nesse período, sendo o número de inventários de proprietários de cativos ainda
menor.
Contudo, a porcentagem de proprietários de cativos era elevada. Dos dezessete
inventários encontrados para o período, doze eram de proprietários de cativos, 70,6%. Esse
elevado índice deve-se, provavelmente, às dificuldades de se fazer um inventário o que
contribuía para que somente os mais abastados, muitos deles proprietários de cativos, o
fizessem.
Conforme informações dos inventários, todos os proprietários desse período eram
agricultores e criadores. Os produtos da lavoura e/ou criação mais comuns foram o milho, os
bovinos, os suínos, os eqüinos, os muares e os ovinos. O café ainda não era produto comum,
sendo encontrado em apenas um processo. Esses senhores possuíam um total de 194 cativos,
distribuídos em diversas faixas de tamanho de plantel, conforme apresentado na Tabela 3.12.
Indicando uma posse moderadamente concentrada, o cálculo do índice de Gini resultou em
0,504. O índice de Gini reflete não só a concentração da propriedade cativa como também
diferenças nas atividades desenvolvidas pelos proprietários. Atividades urbanas, nas quais
um cativo desempenhava inúmeras atividades tendem a gerar Ginis mais baixos. As áreas
rurais, com economia voltada à produção em larga escala e ampla utilização do trabalho
escravo, geravam índices mais elevados.

Tabela 3.12
Estrutura da Posse de Cativos
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(a) Senhores Escravos


FTP
Número % % Acumulada Número % % Acumulada
1 1 8,3 8,3 1 0,5 0,5
2-4 2 16,7 25,0 8 4,1 4,6
5-9 3 25,0 50,0 19 9,8 14,4
10-29 4 33,3 83,3 69 35,6 50,0
30-49 1 8,3 91,7 34 17,5 67,5
50 e + 1 8,3 100,0 63 32,5 100,0
Total 12 100,0 - 194 100,0 -
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

A posse média foi calculada em 16,3, com desvio-padrão igual a 17,4. Esse elevado
indicador deve-se a existência de um plantel de sessenta e três cativos que desequilibra a
134

amostra. Excluindo esse plantel dos cálculos, a posse média cai para 12,1 e o desvio-padrão
para 9,8. Entre as mulheres a posse média foi calculada em 14,3 e o desvio-padrão em
dezessete e entre os homens, excluindo o plantel de sessenta e três cativos, a posse média foi
de 11,3, com desvio-padrão de 7,1.
Como pode ser observado na Tabela 3.12, foram encontrados desde plantéis unitários
até plantéis grandes.69 A maioria dos senhores possuía escravarias que variavam entre cinco e
vinte e nove elementos, representando os cativos desses plantéis 49,5% da amostra
considerada. Apenas dois senhores, 16,7% dos proprietários, possuíam grandes plantéis,
concentrando nada menos que 50,0% da massa cativa.
O proprietário do único plantel unitário encontrado era Jeronymo Alves da Silva.
Quando faleceu, Jeronymo tinha trinta e quatro anos e era casado com Maria Rita da
Conceição, com quem tinha dois filhos. Desde criança vivia nas terras da antiga vila de
Ribeirão Preto, pois aparece na Lista de Qualificação de 1835 com apenas três anos de idade,
vivendo com os pais no Quarteirão do Ribeirão do Tamanduá. Seu único escravo era o negro
José, de nação, com sessenta anos e avaliado em Rs 250$000. No seu inventário não foi
encontrada nenhuma lavoura e não foi avaliado nenhum animal.
As lavouras de gêneros de subsistência eram sazonais e somente constavam no
inventário quando o indivíduo morria após a semeadora e antes da colheita e consumo dos
alimentos. No caso dos animais, a omissão mais comum – podendo-se até considerar uma
regra – era com relação às aves. Nenhum inventário pesquisado trazia a avaliação de galos,
galinhas ou frangos. Sendo assim, muito provavelmente a família de Jeronymo vivia da
agricultura de subsistência e da criação de galinhas.
José Borges da Costa, inventariado em Ribeirão Preto a partir de 1868, pode ser
considerado um exemplo de médio proprietário. Esses proprietários normalmente
dedicavam-se a algum tipo de atividade não limitada a subsistência, e esta ocupava a maior
parte do trabalho dos cativos.
José vivia na região de Ribeirão Preto desde que era jovem. Aparecia na Lista de
1835 com quarenta e seis anos, casado com Maria de Nazareth, sua primeira esposa, com
quem tinha, na época, três filhos. Nessa ocasião, a família possuía um plantel de onze
cativos, dos quais cinco homens e seis mulheres. A atividade declarada por José foi a de

69 Os plantéis encontrados em Ribeirão Preto na segunda metade do século XIX podem ser divididos em pequenos, médios
e grandes. Considera-se um plantel pequeno aquele de um a quatro cativos; plantel médio aquele de cinco a vinte e nove
elementos; plantel grande aquele com trinta elementos ou mais.
135

Negociante de Carro de Bois, mas segundo informações do censo ele produzia também
milho e feijão.
Quando faleceu, José estava casado com Leonor Nogueira Terra, sua quarta esposa.
Considerando a idade anotada na Lista de 1835, José faleceu com aproximadamente setenta
e oito anos de idade. As atividades presentes no inventário eram a lavoura de milho e a
criação de bovinos e suínos. Entre seus bens foram encontrados diversos móveis, diversas
partes de terra e uma considerável lista de devedores ativos, único indício da atividade
comercial apontada na Lista de 1835.
O maior proprietário de escravos do período era Luiz Antonio de Souza Junqueira.
Seu plantel era composto por sessenta e três elementos, de diversas idades. Inventariado em
Casa Branca a partir de 1856, Luiz faleceu deixando sua esposa, Anna Claudina Diniz
Junqueira, e sete filhos. Nessa ocasião, a família contava com diversos bens móveis, partes
de terras, um considerável rebanho de bovinos e os sessenta e três cativos inventariados, dos
quais 33 homens e 30 mulheres, metade deles em idade produtiva.
O número elevado de cativos é justificado pelo tamanho do rebanho de Junqueira.
Eram 1.539 cabeças contando somente os bovinos, detalhados na Tabela 3.13, com um valor
médio igual a Rs 18$613. Para efeitos de comparação, o preço médio por cabeça bovina em
1849 foi de Rs 14$216, um aumento de 30,9% num prazo de sete anos.

Tabela 3.13
Bovinos possuídos por Luiz Antonio de Souza Junqueira
(Ribeirão Preto, 1856)

Descrição Quantidade Valores em Réis Valores em Libras


Valor Unitário Valor Total Valor Unitário Valor Total
Bois 203 7$192 1:460$000 0,83 167,60
Garrotes 214 14$266 3:053$000 1,64 350,48
Novilhas 330 9$697 3:200$000 1,11 367,35
Vacas com cria 341 22$000 7:502$000 2,53 861,21
Vacas sem cria 443 30$190 13:374$000 3,47 1.535,30
Vaca 1 22$000 22$000 2,53 2,53
Marruás 7 5$000 35$000 0,57 4,02
Total 1.539 - 28:646$000 - 3.288,49
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
136

Além dos bovinos, Luiz Antonio possuía também trinta e quatro eqüinos, trinta
muares e 171 suínos. Os preços variavam entre Rs 20$000 e Rs 50$000 para os eqüinos,
entre Rs 8$000 e Rs 80$000 para os muares e entre Rs 4$000 e Rs 7$333 para os suínos.70

Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Segundo Período


(1870-1879)

No segundo período considerado, década de 1870, foi localizado um número maior


de proprietários e, conseqüentemente, de cativos. O número total de inventários do período
foi de 102 e o número de escravistas entre estes foi de 52, pouco mais de cinqüenta por cento
da amostra. No período anterior encontrou-se uma porcentagem de proprietários bem mais
elevada, provavelmente em decorrência do pequeno número de observações disponível.
Ao contrário do período anterior, quando a maioria dos proprietários era do sexo
masculino, na década de 1870 as mulheres compunham 51,9% do total dos escravistas, tendo
sob seu comando 32,5% da massa cativa. Essas mulheres e suas famílias dedicavam-se, na
maioria dos casos, às atividades agropastoris. Ao todo eram vinte e dois processos (81,5%)
cuja atividade/ocupação característica era a lavoura e/ou criação de animais. As demais
atividades encontradas foram: negócio (um caso) e negócio, lavoura e criação (também um
caso). Não foi possível identificar a atividade de três dos inventários femininos considerados.
Apesar de serem maioria, as mulheres não detinham a maior parte dos cativos e nem
possuíam a maior parte da riqueza inventariada no período. A riqueza média dos homens
proprietários de cativos foi calculada em ₤ 2.652,84 enquanto a riqueza média das mulheres
proprietárias era menos da metade desse valor, ₤ 1.244,49. Ademais, os plantéis possuídos
por homens eram significativamente maiores do que os possuídos pelas mulheres. Para a
década de 1870, cada um dos proprietários do sexo masculino possuía em média 9,4 cativos,
enquanto as mulheres proprietárias possuíam apenas 4,2.
A Tabela 3.14 mostra mais detalhadamente a estrutura da posse existente. Em linhas
gerais pode-se dizer que a posse cativa se tornou mais difundida, ou seja, um maior número
de indivíduos possuía cativos. O número de plantéis unitários alcançou doze,
aproximadamente vinte e três por cento do total de proprietários e 3,4% do total de cativos.

70 O inventário está muito desgastado. Diversos preços e algumas informações foram apagados, o que impossibilitou o
cálculo do preço médio dos animais como vinha sendo feito. Para os eqüinos, foi considerado o maior e o menor preço
encontrado para éguas, potros e cavalos. Para os muares, o menor preço foi o de um “burro” e o maior de uma “besta
arreada”. Para os suínos, o menor preço é referente a um “porco de criar” e o maior a um “capado”.
137

O número de plantéis considerados pequenos também foi significativo. Ao todo, foram


localizados vinte e dois plantéis de dois a quatro cativos, representando 42,3% dos
proprietários e 17,0% de cativos. O número de plantéis médios, considerados como sendo
aqueles contendo de cinco a nove e de dez a vinte e nove cativos, também não pode ser
desprezado. Foram encontrados dez plantéis de cinco a nove cativos e cinco de dez a vinte e
nove, que representavam 28,8% do total de plantéis e 40,8% dos cativos. Os plantéis grandes
somaram três, 5,8% do total, concentrando, nada menos que 38,8% dos cativos.

Tabela 3.14
Estrutura da Posse de Cativos
(Ribeirão Preto, década de 1870)

(a) Senhores Escravos


FTP
Número % % Acumulada Número % % Acumulada
1 12 23,1 23,1 12 3,4 3,4
2-4 22 42,3 65,4 59 17,0 20,4
5-9 10 19,2 84,6 66 19,0 39,4
10-29 5 9,6 94,2 76 21,8 61,2
30-49 2 3,8 98,1 68 19,5 80,7
50 e + 1 1,9 100,0 67 19,3 100,0
Total 52 100,0 - 348 100,0 -
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

No entanto, apesar da supremacia numérica das pequenas posses, é interessante


ressaltar que se nota um aumento na concentração da posse cativa. Essa hipótese torna-se
evidente quando se observa que mais da metade dos cativos (59,1%) estava concentrada em
plantéis com mais de dez elementos, sendo que o maior desses plantéis concentrava, sozinho,
18,8% dos cativos. Corroborando essa hipótese, o cálculo do índice de Gini resultou em
0,610. Calculando esse indicador para proprietários do sexo masculino e feminino
separadamente, encontra-se Gini de 0,662 para os homens e 0,432 para as mulheres.
Ainda que a presença cafeeira na localidade ribeirãopretana durante a década de 1870
possa ser considerada discreta, o índice de Gini referente à concentração da propriedade
cativa nesse período é semelhante ao encontrado por Renato Leite Marcondes para algumas
localidades valeparaibanas. Nessa época, o café alcançava o auge de sua produção no vale do
Paraíba paulista. Várias localidades dedicavam-se ao cultivo da valiosa rubiácea, sendo esta
cultivada por toda classe de indivíduos, desde os não proprietários de cativos até os
detentores de grandes plantéis. Para os anos de 1872 e 1874, o índice de Gini foi calculado
138

em 0,612 para Cruzeiro e Lorena, em 0,570 para São José dos Campos e em 0,637 para
Taubaté. (Cf. MARCONDES, 2001)
Normalmente, índices de Gini menores podem ser associados a economias mistas, ou
seja, aquelas que possuíam uma atividade econômica predominante, não voltada
exclusivamente ao consumo interno, aliada ao cultivo de gêneros e à criação de pequenos
animais para subsistência. Segundo Juliana Garavazo, esse era o perfil da localidade de
Batatais do século XIX. Nesse período, a economia batataense tinha como base a criação de
gado bovino e o cultivo de gêneros de subsistência para consumo interno. Além disso, o
“desenvolvimento da pecuária estimulou as atividades relacionadas aos subprodutos do gado,
principalmente carne e couros; e do comércio do sal.” (GARAVAZO, 2002, p. 18)
Considerando os dados da Classificação de Escravos de 1875, a autora calculou um índice de
Gini igual a 0,585. (Cf. GARAVAZO, 2002, p. 66) Estudando a família escrava em Mariana
na segunda metade do século XIX utilizando os inventários post-mortem, Heloisa Maria
Teixeira calculou o mesmo indicador em 0,579. (Cf. TEIXEIRA, 2001, p. 34) Nessa época, a
economia de Mariana era caracterizada pela agricultura e pela atividade pecuária. Os
principais produtos agrícolas encontrados na amostra de inventários foram o milho, o arroz e
o feijão, normalmente cultivados em conjunto, além da cana-de-açúcar e do café.
Considerado os dados da Tabela 3.15, observa-se que a análise da propriedade cativa
consoante atividade/ocupação característica do inventário mostra que as atividades mais
comuns, lavoura e criação, eram desempenhadas por proprietários de diversos tamanhos de
escravaria, desde os plantéis unitários até os grandes, com mais de cinqüenta cativos.
Percebe-se que, nesse momento, o tipo de ocupação não condicionava o tamanho da
escravaria. Normalmente, espera-se que as grandes posses estejam relacionadas ao cultivo de
gêneros para exportação. As atividades urbanas, por outro lado, deveriam estar relacionadas
às pequenas posses, tendo em vista que o escravo urbano deveria ser mais versátil e as
necessidades de seu senhor mais limitadas. Segundo Zélia Maria Cardoso de Melo,
[...] donos de armazém, lojas, negociantes, ofícios artesanais, lavradores, doutores,
patenteados e eclesiásticos, ou seja, representantes de vários segmentos sociais
possuem escravos em pequenos números. [...] possivelmente, no comércio urbano,
os escravos deveriam ser utilizados para todo o tipo de serviço [...] ainda nas
cidades poderiam servir aos afazeres domésticos [...] (Mello, 1990, p. 110)

[...] Nas atividades rurais, o número de escravos deveria manter estreita relação
com a dimensão dos estabelecimentos [...] daí encontramos lavradores com um,
dois, quatro escravos ou entre dez, vinte; ou ainda proprietários com diversas
atividades entre elas o trato agrícola com 32, 135, 188, 220 e 290 escravos. (Mello,
1990, p 111)
139

Nesse período a localidade ribeirãopretana passava por um momento de transição. A


agricultura de subsistência e a criação de gado, atividades que sustentavam o núcleo
populacional até então, estavam perdendo espaço para a cafeicultura. Isso não significa que
essas atividades estavam desaparecendo, já que tanto o cultivo de gêneros quanto a criação
de animais eram essenciais para o sucesso da empresa cafeeira.

Tabela 3.15
Estrutura da Posse de Cativos Consoante Atividade/Ocupação Característica do Inventário
(Ribeirão Preto, década de 1870)

(a)
Ocupação/Atividade FTP Total
1 2-4 5-9 10-29 30-49 50 e +
Lavoura e/ou Criação 10 19 8 5 2 1 45
Negócio 1 - - - - - 1
Negócio, Lavoura e Criação 1 1 - - - - 2
Ofício e Lavoura - - 1 - - - 1
Não identificada - 2 1 - - - 3
Total 12 22 10 5 2 1 52
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

Um exemplo desse tipo de fazendeiro era Gabriel de Souza Diniz Junqueira. Filho de
Luiz Antonio de Souza Junqueira, o maior proprietário de cativos do período anterior, desde
jovem Gabriel esteve envolvido na atividade pecuária, tendo sido localizado na Lista de 1835
vivendo como administrador no Quarteirão do Ribeirão da Onça, em terras da fazenda do
Lageado. Conforme as informações da Lista, Gabriel, então com dezoito anos de idade, vivia
acompanhado de mais vinte e um cativos, tinha uma renda anual de Rs 600$000, criava
gado, porcos e éguas, e plantava milho, feijão e arroz.
Falecido em Ribeirão Preto no ano de 1875, Gabriel deixou a mulher, Maria
Claudina Nogueira e mais oito filhos. Antes da partilha, a família vendeu alguns bens, entre
eles uma fazenda chamada Santa Maria, com trinta mil pés de café. Essa fazenda era
originária da antiga e grande fazenda do Lageado, que correspondia a quase toda a área do
Quarteirão do Ribeirão da Onça. Esse é o primeiro registro da cultura cafeeira entre os
escravistas inventariados em Ribeirão Preto na década de 1870. Entre os animais
inventariados, foram encontrados 376 bovinos, quarenta e oito eqüinos, dezesseis muares e
quarenta e um animais não identificados, provavelmente eqüinos.71

71 Esses animais foram descritos como sendo polonos, que pode ser a grafia incorreta da palavra palomino, que é o nome de
uma raça de cavalos norte-americana, baia e de crinas brancas ou amarelas. (MICHAELIS, 1999, p. 1536)
140

A posse de mais de um cativo nem sempre significava uma melhor situação


financeira. Existem alguns casos de proprietários de três ou mais cativos cujos inventários
mostram um estilo de vida muito simples. Geralmente, esses plantéis contavam com um
escravo adulto em idade produtiva acompanhado por crianças ou idosos. O caso de
Theodolina Francisca do Nascimento, por exemplo, que faleceu em Ribeirão Preto e foi
inventariada a partir de 1875. No momento de sua morte, a família de Theodolina possuía
quatro cativos: Eva, com 35 anos e seus três filhos, Veríssimo, Francisca e Maria,
respectivamente com oito, onze e dez anos.
Além dessas atividades ligadas ao meio rural, a análise dos inventários dos
proprietários de cativos nesse segundo período mostra a existência de algumas ocupações
não diretamente relacionadas ao campo. Tal fato pode ser considerado natural, já que nessa
década a localidade estudada passou de arraial para freguesia e de freguesia à vila. Em 1872,
o núcleo urbano que começou a se desenvolver em meados da década de 1850 já contava,
então, com 5.552 pessoas.
Segundo as informações da Lista de Qualificação de Votantes de 1873, viviam no
Quarteirão da Vila cinqüenta e cinco eleitores, exercendo as mais diversas atividades, desde
aquelas ligadas ao meio rural até as de caráter mais urbano. Como pode ser visto no Gráfico
3.5, as ocupações mais comuns eram o comércio e as artes e ofícios. Do total de eleitores,
50,9% dedicavam-se ao comércio em geral, declarados como negociantes ou, simplesmente,
agências. Aqueles que se dedicavam às artes e ofícios somaram 29,1% da amostra, sendo
encontrados, entre estes, um alfaiate, um seleiro, dois sapateiros, quatro ferreiros e oito
carpinteiros.
Um desses negociantes era Manoel Soares de Castilho, cuja esposa, Antonia Maria
de Nazareth faleceu e foi inventariada em Ribeirão Preto no ano de 1873. Manoel possuía,
em sociedade com seu filho, Antonio Sotério Soares de Castilho, uma casa comercial que
vendia tecidos, roupas, armarinhos, calçados, utensílios domésticos.72 Além disso, Soares de
Castilho possuía também uma botica, com oitenta medicamentos homeopáticos. O único

72 A mulher de Manoel, Antonia Maria de Nazareth, estava em seu segundo casamento. Seu primeiro marido havia sido
Ignacio Alves de Oliveira, com quem teve três filhos: Candido Alves de Oliveira, José Alves de Oliveira e Felisbina Maria
de Nazareth. Com o segundo marido, Manoel Soares de Castilho, teve mais dois filhos: Antonio Sotério Soares de Castilho e
Guirino Sotério Soares de Castilho. A sociedade comercial entre Manoel e Antonio Sotério gerou brigas e desentendimentos,
pois os filhos do primeiro casamento de Antonia alegavam ter sido a sociedade registrada após a morte de sua mãe, e sendo
assim, as dívidas passivas da dita sociedade não deveriam ser abatidas do monte. No final do inventário, as dívidas passivas
foram deduzidas da meação de Manoel e da legítima de Antonio Sotério. Aparentemente, os laços familiares que uniam os
cinco herdeiros foram desfeitos após a morte de Antonia, pois no inventário de Candido aparecem como herdeiros apenas os
irmãos José Alves e Felisbina. (Inventários de Antonia Maria de Nazareth e de Candido Alves de Oliveira. Arquivo do
Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixas 3b e 9)
141

cativo possuído era a crioula Joaquina, com vinte anos de idade. Os bens imóveis urbanos
descritos no inventário eram quatro casas na vila, duas na rua do Comércio, uma na rua Boa
Esperança e uma na rua do Peixe, ainda por acabar. Na área rural, o espólio possuía várias
partes de terra nas fazendas do Ribeirão Preto, Figueira, Barra da Figueira, Esgoto,
Sertãozinho, Posses do Sertãozinho, Serrinha, Palmeiras e Retiro. Como comerciante,
Manoel costumava vender a crédito, registrando, seus livros, mais de 290 devedores. O valor
dessas dívidas, Rs 25:961$882, era pouco menor do que o valor total dos imóveis avaliados,
Rs 29:133$500.

Gráfico 3.5
Atividades dos Votantes
(Ribeirão Preto, 1873)

Fazendeiros ou
Profissionais Lavradores
Liberais 12,7% Poder Judicial
3,6%
1,8%

Religiosos
1,8%

Agências ou
Artes e Ofícios
Negócios
29,1%
50,9%

Fonte: Lista de Qualificação de Votantes de Ribeirão Preto, 1873.

Resumindo, ao analisar esse segundo período foi possível verificar que a posse cativa
se mostrou mais disseminada na população, tal constatação deriva da observação do aumento
no número de proprietários e na porcentagem das pequenas posses. No entanto, deve-se
ressaltar que esse aumento pode ser um reflexo da maior facilidade em executar os trâmites
necessários ao processo, pois com o desenvolvimento do núcleo urbano os moradores da
região não precisavam mais se deslocar até a vila mais próxima, São Simão, para a
confecção do inventário de seus familiares. Pode ser que essas pequenas posses já fossem
mais numerosas no primeiro período, mas esse resultado não pôde ser identificado pois os
proprietários dessas pequenas posses provavelmente não foram inventariados.
142

Contudo, apesar da propriedade cativa ser mais comum, o grau de concentração da


posse se mostrou ligeiramente maior, o que pôde ser percebido pelo cálculo do índice de
Gini, cujo resultado foi um pouco mais elevado do que o encontrado anteriormente. A
cafeicultura, cultura que viria a dominar os espaços e capitais nas décadas finais do século
XIX estava em seus momentos iniciais e a ferrovia, um grande facilitador do
desenvolvimento cafeeiro, ainda não tinha chegado à localidade, o que viria a ocorrer no ano
de 1883.
Os inventariados proprietários de cativos do segundo período escravista dedicavam-
se primordialmente às atividades agropastoris, tais como criação de gado e produção de
gêneros de subsistência. Ademais, foram encontrados também proprietários que se
dedicavam ao comércio ou aos negócios, uma conseqüência do desenvolvimento do núcleo
urbano.
Espera-se encontrar no próximo período e último escravista, 1880-1888, uma maior
presença da atividade cafeeira e, conseqüentemente, um incremento no número, tanto de
escravos quanto de proprietários, além do aumento no grau de concentração da posse,
fenômenos freqüentes quando a grande lavoura alcançava localidades que até então não
contavam com a presença de alguma atividade econômica voltada ao mercado externo.

Os proprietários de Cativos e a Estrutura da Posse no Terceiro Período (1880-


1888)

Nesse terceiro e último período, a então vila de Ribeirão Preto encontrava-se em


pleno rush cafeeiro. A valiosa rubiácea já estava presente desde meados da década de 1860
e, desde o início da década de 1870, o município de auto denominava exclusivamente
próprio para o plantio do café.73 A corrida por terras, que havia sido iniciada na década
anterior se intensificou e o preço do alqueire de terras subiu significativamente. Segundo
Jorge Henrique Caldeira de Oliveira, o valor médio do alqueire de terra negociado em
Ribeirão Preto em 1874 “chegou a 31$037 [...] e somente 6 anos depois em 1880 já tinha
aumentado mais de 100%, chegando a 71$817”. (CALDEIRA DE OLIVEIRA, 2003, p. 65)

73 Em 22 de dezembro de 1874, os vereadores decidiram “[...] que se desse as informações que o Governo pede em circular
de 22 de Outubro último, no sentido de demonstrar que este Município, é exclusivamente próprio para o plantio do café [...]
Que existe alguns criadores de gado, porém que esses estão passando para o plantio do café [...]” (Ata da Câmara Municipal.
Apud SANTOS, 1948, p. 84)
143

Os trilhos da Companhia Mogiana, empresa fundada em Campinas no ano de 1872,


alcançaram a cidade no ano de 1883, facilitando o escoamento da produção e o trânsito de
pessoas. Entre os anos de 1882 e 1888, passaram pelo ramal do Ribeirão Preto pelo menos
154.851 pessoas. Dessas, 3.741 eram imigrantes viajando com passagens gratuitas.74 Com
relação ao transporte de carga, os relatórios informam que no ano de 1884, primeiro após o
término das obras do ramal, transitaram pelos trilhos quase doze toneladas de gêneros, entre
os quais café, sal, açúcar, toucinho, fumo, gêneros alimentícios e diversos. No ano seguinte,
esse número já havia crescido 44,2%. Em 1888, último ano do período escravista, o
transporte de café, que em 1884 havia sido de 5.481,8 toneladas, já era de 8.467,3 toneladas.
A amostra de inventários para o período 1880-1888 é composta por noventa e oito
processos, dos quais trinta e quatro (34,7%) registravam a presença de cativos, uma
porcentagem menor do que a existente para o período anterior. Desses trinta e quatro
proprietários, quatorze (41,2%) eram do sexo feminino e vinte (58,8%) do sexo masculino.
Esses senhores e senhoras possuíam um total de 282 cativos, com posse média igual a 8,3 e
desvio padrão de 10,3.
Os proprietários do sexo masculino detinham 55,7% dos cativos, com posse média
igual a 7,6 e desvio padrão de 10,7. O tamanho de plantel mais comum era o unitário e o
índice de Gini foi calculado em 0,570. Esses senhores possuíam, ao todo, ₤ 66.430,15 numa
média de ₤ 3.321,50 por inventário. Já as proprietárias concentravam 44,3% dos cativos,
com posse média igual a 8,9 e desvio padrão de 10,2. O tamanho de plantel mais comum
também era o unitário e o índice de Gini foi calculado em 0,554. A riqueza possuída por
essas mulheres alcançou as ₤ 30.734, 89 e o valor médio por inventário foi calculado em ₤
2.195,30.
Como no período anterior, a maior parte dos proprietários de cativos exercia
atividades ligadas ao meio rural. Como pode ser observado no Gráfico 3.6, 85,3% dos
senhores eram lavradores e criadores, 2,9% dedicavam-se aos negócios, 2,9% eram
profissionais liberais e 2,9% dedicavam-se tanto aos negócios quanto as atividades rurais.

74 Dados apresentados nos Relatórios da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. As cifras estão subestimadas, já que o
número total de passageiros não inclui os dados dos primeiros semestres de 1885 e de 1887 e nem do segundo semestre de
1888. O número de imigrantes com passagens gratuitas também está subestimado, pois inclui somente os dados do segundo
semestre de 1885, o ano de 1886 completo e o segundo semestre de 1887. Os números dos anos de 1882 e 1883 são
referentes apenas às estações entre Casa Branca e Ribeirão Preto que já haviam sido inauguradas, e não ao ramal completo.
144

Gráfico 3.6
Atividades Características dos Proprietários de Cativos
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Não Identificada
5,9%

Negócios
2,9%
Lavoura e Criação
85,3% Negócios, Lavoura
e Criação
2,9%
Profissionais
Liberais
2,9%

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Os senhores que eram lavradores e/ou criadores cultivavam gêneros de subsistência,


produtos de exportação, criavam gado e outros pequenos animais. Nos inventários foram
encontradas plantações de milho, arroz, feijão, mandioca e cana-de-açúcar, além de criações
de bovinos, suínos, ovinos e eqüinos. O café, único produto de exportação cultivado na
região – não considerando como tal a cana-de-açúcar, já que esta aparece de maneira muito
discreta nos processos – está presente em quatorze processos, tanto como atividade principal
como secundária.75 Esses cafeicultores, apesar de representarem menos da metade dos
proprietários de cativos, detinham quase três quartos da riqueza inventariada e mais da
metade da escravaria, como mostra o Gráfico 3.7.
Conforme os dados da Tabela 3.16, a estrutura da posse encontrada para esse período
não difere muito da encontrada no período anterior. Novamente, os plantéis mais comuns são
os unitários e pequenos, de dois a quatro cativos. A porcentagem de plantéis unitários se
mostra ligeiramente mais elevada do que no período anterior, ao contrário da porcentagem de
plantéis de dois a quatro cativos, que se mostra significativamente menor. Em contrapartida,
a porcentagem de plantéis médios, de cinco a nove e de dez a vinte e nove cativos, que era de
28,8% na década de 1870 passa a ser de 41,2%. A porcentagem de grandes plantéis também
se mostra mais elevada, passando de 5,7% para 8,8%. No entanto, nesse último período não
foi encontrado nenhum plantel com mais de cinqüenta cativos. O índice de Gini, calculado
em 0,573, mostra que a propriedade cativa se encontra menos concentrada do que no período
anterior.

75 Considera-se como atividade principal àquela que absorvia, ou correspondia, a maior parte da riqueza inventariada.
145

Gráfico 3.7
Participação dos Cafeicultores na Amostra de Inventários de
Proprietários de Escravos
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Número de Cativos 45,7% 54,3%

Riqueza (em réis) 27,0% 73,0% Não Cafeicultores


Cafeicultores

Número de Inventários de
58,8% 41,2%
Proprietários de Cativos

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 3.16
Estrutura da Posse de Cativos
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

(a) Senhores Escravos


FTP
Número % % Acumulada Número % % Acumulada
1 9 26,5 26,5 9 3,2 3,2
2-4 8 23,5 50,0 25 8,9 12,1
5-9 9 26,5 76,5 56 19,9 31,9
10-29 5 14,7 91,2 85 30,1 62,1
30-49 3 8,8 100,0 107 37,9 100,0
50 e + - - - - - -
Total 34 100,0 - 282 100,0 -
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

A análise dos dados apresentados na Tabela 3.17 mostra ainda não pôde ser
identificada uma relação direta entre atividade do inventário e tamanho de plantel de cativos.
As médias e grandes posses nem sempre estavam empregadas em atividades exclusivamente
rurais, do mesmo modo havia proprietários com ocupações de caráter mais urbano que
possuíam plantéis de médio porte.
146

Tabela 3.17
Estrutura da Posse de Cativos Consoante Atividade/Ocupação Característica do Inventário
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

(a)
Ocupação/Atividade FTP Total
1 2-4 5-9 10-29 30-49 50 e +
Lavoura e/ou Criação 8 7 7 4 3 - 29
Negócio - - 1 - - - 1
Negócio, Lavoura e Criação - 1 - - - - 1
Profissionais Liberais 1 - - - - - 1
Não identificada - - 1 1 - - 2
Total 9 8 9 5 3 0 34
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

Esse é o caso do negociante Francisco Custódio Braga. Sua esposa, Maria Victoria de
Jesus, faleceu em Ribeirão Preto no ano de 1883. No inventário dos bens do casal constava
uma casa na vila, um casal de bovinos, algumas dívidas passivas e os escravos: Joana, vinte
anos; Jacintha, dezenove anos; Mariana, quatorze anos; Casimiro, vinte e sete anos, libertado
no testamento; e Maria, quarenta e nove anos, também libertada no testamento. Ao que tudo
indica, Francisco possuía o negócio em sociedade com dois irmãos, listados na Qualificação
de Votantes como caixeiros.76
Além de analisar a estrutura da posse de todos os proprietários, torna-se relevante
percorrer a estrutura da posse dos que cultivavam café. Ainda que esses senhores não possam
ser comparados com os grandes cafeicultores que a localidade abrigou durante o final do
século XIX e início do século XX, o estudo de sua estrutura de posse, assim como das
características de sua escravaria podem ajudar a compreender os momentos iniciais da
cafeicultura no Novo Oeste de São Paulo.
Conforme os dados da Tabela 3.18, os proprietários de cativos que cultivavam café
possuíam plantéis de quase todas as faixas de tamanho consideradas. A maior parte destes
tinha escravarias entre dois e nove elementos com razões de sexo elevadas. Considerando a
totalidade dos cativos, a razão de sexo foi calculada em 129,3. Considerando apenas os
cativos dos cafeicultores esse índice sobe para 142,9.
A proporção de homens na população cativa ribeirãopretana, ainda que elevada, não
chegava a ser tão grande quanto a encontrada para outras localidades com economias

76. A casa avaliada no inventário estava localizada no mesmo local que a Lista de Qualificação apontava como sendo
moradia dos irmãos de Francisco.
147

voltadas à grande lavoura de exportação, em especial o café. Warren Dean, estudando a


economia de Rio Claro encontrou para os anos de 1884 e 1887 razões de sexo iguais a 158,4
e 164,3 respectivamente. (Cf. DEAN, 1977, p. 71) Analisando as alforrias em Campinas,
Peter Eisenberg encontrou razões de sexo ainda maiores. Para o ano de 1885, esse índice foi
calculado em 196,9 e para o período 1886-1887 o mesmo indicador chegou a 213,3. (Cf.
EISENBERG, 1987, p. 185)77 Ao estudar a propriedade cativa na antiga vila de Mogi-Mirim
no período 1851-1888 utilizando as informações dos inventários post-mortem da localidade,
Leonel de Oliveira Soares também encontrou razões de sexo elevadas, em especial dos
cativos cujos proprietários eram produtores de derivados de cana ou café. A razão de sexo
dos escravos cujos senhores eram produtores de cana-de-açúcar e derivados foi calculada em
182,2. O cálculo do mesmo índice para os cafeicultores resultou em 157,4. E, finalmente, os
cativos daqueles que produziam derivados de cana-de-açúcar e também café tinham razão de
sexo igual a 181,4. (Cf. SOARES, 2003, p. 105)

Tabela 3.18
Estrutura da Posse de Cativos dos Proprietários que Cultivavam Café
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Ocupação/Atividade FTP (a) Total


1 2-4 5-9 10-29 30-49 50 e +
Lavoura e/ou Criação 2 3 4 2 2 - 13
Negócio, Lavoura e Criação - 1 - - - - 1
Total 2 4 4 2 2 0 14
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

Um desses cafeicultores era José Dias de Oliveira. Quando faleceu, José era casado
com Marcolina Francisca do Nascimento, com quem tinha nove filhos. Entre seus bens
foram encontrados alguns móveis, terras na fazenda Boa Vista com algumas benfeitorias,
oitenta alqueires de café com casca, além dos cativos: Iria, treze anos; Pedro, quinze anos;
Joaquim, vinte e três anos; Gabriel, vinte e cinco anos; João, trinta e três anos; e Ignez, com
quarenta e três anos. O cafezal possuído por Oliveira não estava localizado em terras de sua
propriedade. Tal ocorrência não era comum, já que normalmente os cafezais encontrados
eram plantados em terras do próprio inventariado. Além da mão-de-obra dos cativos e

77. As fontes utilizadas por Eisenberg foram as seguintes: para o ano de 1885 – “Resumo Geral da População Escrava até 30
de junho de 1885.” Arquivo do Estado de São Paulo, Escravos, Lata 5535A; para o período 1886-1887 – “Resumo Geral dos
Escravos Matriculados desde o dia 30 de março de 1886 até o dia 30 de março de 1887 organisado de accordo com o Modelo
G annexo ao Regulamento que Baixou com o Decreto no 9517 de 14 de novembro de 1885 e Elementos Fornecidos pelas
Estações Fiscaes.” Arquivo do Estado de São Paulo, Escravos, Lata 5535ª.
148

possivelmente de sua família, José contava também com a ajuda de um agregado, Francisco
Cunha.
As análises desenvolvidas mostraram que a posse cativa em Ribeirão Preto se mostra
muito distante dos padrões tradicionais presentes na historiografia. Foi encontrado um
número substancial de pequenas posses e um número reduzido de pequenos plantéis. No
entanto, os índices de Gini calculados indicaram uma concentração moderada da propriedade
cativa em todos os períodos considerados. As principais atividades dos proprietários de
cativos eram a lavoura e a criação de animais, com destaque para os inventários em que foi
localizada a cultura cafeeira. A valiosa rubiácea estava presente em inventários de
proprietários com escravarias dos mais diversos tamanhos, desde as posses unitárias até os
plantéis com mais de trinta elementos.

A Caracterização dos Cativos da Antiga Freguesia de São Simão,


1835

Tanto a lista nominativa quanto os inventários trazem informações sobre os cativos


que viviam na região de Ribeirão Preto. Na lista nominativa as informações disponíveis
dizem respeito ao sexo, raça, idade, estado conjugal e naturalidade, não existindo
informações acerca do grau de parentesco entre os cativos de um mesmo plantel. Já nos
inventários, as informações eram basicamente as mesmas, mais ou menos completas
dependendo do cuidado do escrivão e das informações prestadas pelo inventariante. A partir
de 1872, todo o inventário com escravos começou a trazer uma cópia da matrícula dos
cativos avaliados, documento que muitas vezes trazia um número maior de informações do
que as prestadas pelo inventariante. Novamente, a qualidade desse documento dependia
muito do cuidado do escrivão que havia registrado a matrícula do cativo em questão e
daquele que havia feito a transcrição desse registro. Nas matrículas mais completas e mais
bem transcritas, pode-se encontrar, além das informações da lista nominativa, dados sobre as
relações de parentesco entre os cativos de um mesmo plantel, suas ocupações, sua aptidão
para o trabalho, o nome de seus pais, se eram filhos legítimos ou ilegítimos, sua naturalidade
e, quando era o caso, local onde havia sido matriculado pela primeira vez. Nas seções
seguintes, serão analisadas as características dos cativos da região de Ribeirão Preto em dois
149

momentos: 1835 – utilizando as informações da lista nominativa – e segunda metade do


século XIX – com as informações do inventários post-mortem da localidade.
Em 1835, viviam na antiga freguesia de São Simão um total de 1.184 pessoas, entre
livres e cativas. Com foi visto anteriormente, esses habitantes estavam envolvidos,
principalmente, com atividades agropastoris. O número de cativos alcançou 293, quase um
quarto do total da população.
A análise da estrutura da posse mostrou que, apesar da alta porcentagem de
pequenos plantéis, a maior parte dos não livres estava inserida em escravarias de cinco a
dezenove elementos. Seus proprietários eram, normalmente, lavradores, que produziam
milho, feijão e arroz, além da criação de porcos, gado bovino, eqüino. Havia também um
negociante e dois administradores que criavam animais. Em apenas um caso o proprietário
de cativos era agregado.
Do total de 293 cativos, 179 (61,1%) eram homens e 114 (38,9%) mulheres. A maior
parte estava no que se considera como idade produtiva, ou seja, tinha entre quinze e quarenta
e nove anos de idade. Conforme os dados apresentados pela Tabela 3.19, aproximadamente
um terço dos não livres tinha de zero a quatorze anos, dos quais 55,7% eram meninos e
44,3% meninas.

Tabela 3.19
Idade dos Cativos Consoante Sexo
(São Simão, 1835)

Faixas de Homens Mulheres Total


Idade Número % Número % Número %
0-14 54 30,2 43 37,7 97 33,1
15-19 25 14,0 18 15,8 43 14,7
20-29 53 29,6 33 28,9 86 29,4
30-39 36 20,1 11 9,6 47 16,0
40-49 6 3,4 6 5,3 12 4,1
50-59 2 1,1 3 2,6 5 1,7
60-69 2 1,1 - - 2 0,7
70 e + 1 0,6 - - 1 0,3
Total 179 100,0 114 100,0 293 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Os elementos em idade produtiva totalizavam 188 (64,2%) da amostra considerada,


120 (63,8) do sexo masculino e 68 (36,2%) do sexo feminino. Os cativos mais velhos,
aqueles com cinqüenta anos ou mais, eram muito poucos, representando tão-somente 2,7%
do total. Considerando apenas três faixas de idade, a das crianças de zero a quatorze anos, a
dos cativos entre quinze e quarenta e nova anos e os de cinqüenta anos ou mais, elaborou-se
150

o Gráfico 3.8, no qual pode-se perceber o reduzido número de africanos na primeira faixa, o
equilíbrio entre os sexos nos elementos nacionais e a baixa porcentagem de mulheres entre
os cativos de além mar.

Gráfico 3.8
Composição da População Cativa Consoante Sexo e Nacionalidade
(São Simão, 1835)

100%
90% Mulheres Mulheres
Mulheres Nacionais Nacionais
80%
Nacionais
70% Homens Homens
60% Nacionais Nacionais
50% Africanas
Africanas
40% Homens
30% Nacionais
20% Africanos Africanos
Africanas
10%
Africanos
0%
0-14 15-49 50 e +

Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Ao analisar a questão das idades consoante sexo e nacionalidade do cativo percebe-se


que a concentração nas faixas produtivas mostra-se ainda mais elevada quando se considera,
em separado, os diversos segmentos dessa população. Como pode ser visto na Tabela 3.20, a
porcentagem de cativos nacionais em idade produtiva foi calculada em 47,8%, enquanto essa
mesma porcentagem para os africanos totalizou 91,0%. Agora, considerando apenas os
homens africanos, essa porcentagem sobe para 91,7%. O comportamento do segmento
mulheres africanas se mostra semelhante, sendo a mesma porcentagem calculada em 88,9%.
Com relação aos nacionais, os números se mostram significativamente menores, sendo
calculadas as porcentagens de homens e mulheres nacionais um idade produtiva em 45,3% e
50,6% respectivamente.
151

Tabela 3.20
Porcentagem dos Cativos em Idade Produtiva Consoante
Algumas Características
(São Simão, 1835)

(a)
Característica Número Porcentagem
Nacionais 87 47,8
Africanos 101 91,0
Homens Africanos 77 91,7
Mulheres Africanas 24 88,9
Homens Nacionais 43 45,3
Mulheres Nacionais 44 50,6
Total Homens 120 41,0
Total Mulheres 68 23,2
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Porcentagem sobre o total de cativos com a mesma característica

As altas razões de masculinidade encontradas indicam que a maneira mais usual de


reposição dessa força de trabalho era a compra de cativos africanos do sexo masculino e em
idade produtiva. Considerando toda a massa cativa, havia 179 homens e 114 mulheres, com
razão de sexo calculada em 157. Contudo, considerando novamente alguns segmentos em
separado, é possível constatar que havia um desequilíbrio entre os sexos significativamente
mais elevado entre os africanos. Apenas vinte e sete (24,3%) dos 111 cativos africanos eram
do sexo feminino, enquanto na população nacional a porcentagem de mulheres alcançou
47,8%. Conforme os dados apresentados na Tabela 3.21, a razão de sexo dos africanos foi
calculada em 311,1 e a dos nacionais em 109,2. O desequilíbrio é ainda maior considerando
apenas os que estavam em idade produtiva. Entre os 101 africanos que tinham de quinze a
quarenta e nove anos de idade, apenas 24 (23,8) eram mulheres. Entre os nacionais essa
mesma porcentagem foi calculada em 50,6%.

Tabela 3.21
Razão de Sexo dos Cativos Consoante Faixas de Idade
(São Simão, 1835)

(a) (b)
Faixas de Idade Africanos Nacionais
0-14 200,0 122,0
15-49 320,8 97,7
50 e + 300,0 100,0
Total 311,1 109,2
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Todos os escravos declarados africanos e banguelas
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
152

Uma ocorrência que merece destaque é a ligeira predominância do elemento


feminino em idade produtiva no conjunto dos cativos de origem nacional. Eram sete os
proprietários de cativos em cujos plantéis havia predominância do elemento feminino.
Destes, três eram lavradores e criadores de porcos, três eram lavradores, criadores de porcos
e gado, e um era negociante. A renda anual mais elevada era a do negociante de carros de boi
José Borges da Costa, declarada em Rs 1:000$000. No ano da lista, José vivia no quarteirão
do Ribeirão do Tamanduá, vivendo em companhia de sua esposa, Maria de Nazareth e dos
filhos Antonio, Purcina e Maria. José faleceu em finais da década de 1860 e seu inventário
foi citado como exemplo de um médio proprietário de cativos que não se dedicava
exclusivamente às atividades rurais.
No entanto, a renda de José era exceção. A maioria dos proprietários de plantéis com
razão de sexo menor que cem tinha renda entre Rs 100$000 e Rs 500$000. O menor valor
era o de Custodio José Carlos, morador do quarteirão do Ribeirão da Prata. Em 1835,
Custodio, na época com quarenta anos de idade, era casado com Maria Jacinta dos Santos e
tinha três filhos, José, Anna e Alaide. Seu plantel era composto por três cativos: Rosa, vinte e
quatro anos; Anna, dezenove anos; e Miguel, de apenas cinco anos. A renda de Custodio foi
informada em Rs 6$000 anuais, provavelmente fruto da produção de dez carros de milho,
dos seis alqueires de feijão e dos oito alqueires de arroz, além da criação de porcos.
Ao analisar a questão da cor, percebe-se uma nítida diferença entre os cativos
nascidos no Brasil e os africanos. Conforme os dados apresentados na Tabela 3.22, a
totalidade dos africanos foi declarada como preta, enquanto na população cativa nacional
havia, além dos pretos, que eram a grande maioria, pardos e crioulos. A porcentagem de
pretos entre os nacionais do sexo masculino chegava a 77,9% e entre as mulheres 72,4%. Se
a porcentagem de pretos mostrava-se maior entre os homens nacionais do que entre as
mulheres, o mesmo indicador para pardos e crioulos apresentava comportamento distinto,
com porcentagens iguais a 15,8% e 20,7% para homens e mulheres pardos e 6,3% e 6,9%
para homens e mulheres crioulos.78

78 A denominação crioulo era usada tanto para designar origem – cativo nascido no Brasil – quanto uma cor.
153

Tabela 3.22
Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(São Simão, 1835)

(a) (b)
Africanos Nacionais
Cor Total
Homens Mulheres Homens Mulheres
Preto 84 27 74 63 248
Pardo - - 15 18 33
Crioulo - - 6 6 12
Total 84 27 95 87 293
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Todos os escravos declarados africanos e banguelas
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos

Considerando-se o estado conjugal, informações da Tabela 3.23, percebe-se quase


três quartos desses escravos eram solteiros, aproximadamente um quarto casados e que não
foi localizado nenhum viúvo. Dos 293 cativos considerados, 217 eram solteiros (74,1%)
e setenta e seis (25,9%) casados. No entanto, separando novamente africanos de nacionais é
possível perceber que apesar da predominância de solteiros em ambos os estratos a
porcentagem de casados apresenta-se bem mais significativa entre os africanos. Entre os
nacionais, a porcentagem de homens casados foi calculada em 11,6%, enquanto o mesmo
indicador para o sexo feminino apresenta-se igual a 21,8%. Agora, considerando apenas os
africanos, esses mesmos índices foram calculados em 32,1% e 70,4%, ou seja, mais de um
quarto dos homens de origem africana eram casados, da mesma maneira que quase três
quartos das mulheres com igual nacionalidade.

Tabela 3.23
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(São Simão, 1835)

(a) (b)
Africanos Nacionais
Estado Conjugal Total
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
Solteiros 57 8 65 84 68 152 217
Casados 27 19 46 11 19 30 76
Viúvos - - - - - - -
Total 84 27 111 95 87 182 293
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Todos os escravos declarados africanos e banguelas
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
154

Considerando apenas os adultos – cativos com quinze anos ou mais – as tendências


não se modificam, mas as porcentagens se apresentam ligeiramente distintas. Conforme os
dados da Tabela 2.24 e do Gráfico 3.9, os novos cálculos mostram uma diminuição na
porcentagem relativa de solteiros e um aumento na de casados, tanto na população nacional
quanto na africana. Esses movimentos apresentam-se mais acentuados no conjunto dos
nacionais, dado que na população africana era muito pequeno o número de elementos abaixo
dos quinze anos de idade.

Tabela 3.24
Porcentagem de Solteiros, Casados e Viúvos no Conjunto dos Cativos e naqueles com
Idade Acima dos Quinze Anos
(São Simão, 1835)

Africanos(a) Nacionais(b)
Estado Conjugal Total
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
Conjunto dos Cativos
Solteiros 67,9 29,6 58,6 88,4 78,2 83,5 74,1
Casados 32,1 70,4 41,4 11,6 21,8 16,5 25,9
Viúvos - - - - - - -
Cativos com Quinze Anos ou Mais
Solteiros 66,3 24 56,2 75,6 60,9 68,1 61,7
Casados 33,8 76 43,8 24,4 39,1 31,9 38,3
Viúvos - - - - - - -
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Todos os escravos declarados africanos e banguelas
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos

Um resultado que merece destaque é a alta porcentagem de mulheres casadas entre a


população africana. Não se trata de um resultado inédito na historiografia, pois ao estudar a
família escrava em Lorena no ano de 1801, Costa, Slenes e Schwartz também identificaram
uma porcentagem relevante de cativas africanas que em algum momento viveram ao lado de
outro cativo. Esse comportamento foi interpretado como sendo
[...] uma forma de encontrar, no meio adverso para o qual haviam sido deslocadas,
o refúgio no seio do qual se procurava preservar elementos culturais trazidos do
outro continente; este refúgio poderia significar, também, um mínimo de segurança
num mundo praticamente desconhecido e possivelmente hostil. (COSTA, SLENES
& SCHWARTZ, 1987, p. 286)

Considerando apenas os cativos com quinze anos ou mais, os autores calcularam uma
porcentagem de casados ou viúvos entre os africanos de 39,5%, enquanto para os nacionais
esse indicador alcançou apenas 29,5%. Considerando os cativos de mesma faixa etária da
antiga freguesia de São Simão essas porcentagens são, respectivamente, iguais a 43,8% e
155

31,9%. A observância desse tipo de comportamento em áreas tão distantes geograficamente


e em dois momentos distintos no tempo pode indicar ser este uma característica da
população africana em geral, e não apenas dos cativos Lorena em 1801 e de São Simão em
1835.

Gráfico 3.9
Estado Conjugal da População Cativa Acima dos Quinze Anos
Consoante Sexo e Nacionalidade
(São Simão, 1835)

100%
Casados
90% Casados
Casados
80%
70%
Casados
60%
50%
Solteiros
40% Solteiros
Solteiros
30%
20%
Solteiros
10%
0%
Africanos Africanas Homens Nacionais Mulheres Nacionais

Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Conforme a Tabela 3.25, ao considerar o estado conjugal e o tamanho dos plantéis,


observa-se que a proporção de cativos casados era maior nos plantéis médios e grandes,
considerados como sendo, respectivamente, aqueles com 5-9 e 10-19 e mais de vinte cativos.
Do total de cativos comprometidos, 42,1% estavam inseridos em plantéis de cinco a nove
cativos e 32,9% em escravarias de dez e dezenove elementos.
Esse resultado pode ser explicado pela maior facilidade de encontrar parceiros em
plantéis com maior número de elementos, tendo em vista que os casamentos entre cativos de
diferentes senhores não eram comuns no Brasil do século XIX, ao contrário do caso norte-
americano. Não obstante, há registro de um cativo casado em um dos plantéis unitários
localizados. Este era o caso da cativa Andreza, com cinqüenta anos, moradora, juntamente
com seus senhores, Vicente Alvarez da Silva e Anna Jacintha, no quarteirão do Ribeirão da
Onça.
156

Tabela 3.25
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Faixas de Tamanho de Plantel
(São Simão, 1835)

(a)
FTP
Estado Conjugal Total
1 2-4 5-9 10-19 20 e +
Solteiros 4,1 16,6 38,2 33,6 7,4 100,0
Casados 1,3 17,1 42,1 32,9 6,6 100,0
Viúvos - - - - - -
Total 3,4 16,7 39,2 33,4 7,2 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Faixas de Tamanho de Plantel

Ao facilitar as uniões entre cativos, os médios e grandes plantéis também se


tornavam um ambiente mais propício à existência de crianças. Conforme os dados
apresentados na Tabela 3.26, das noventa e sete crianças da escravaria simonense em 1835,
quase a metade estava inserida em plantéis de cinco a nove cativos e outros 35,1% em
plantéis de dez a dezenove elementos. Apesar da tabela indicar a existência de duas crianças
em plantéis unitários, essas tinham doze anos. Possivelmente foram compradas pois o
proprietário necessitava de um cativo que pudesse trabalhar mas não tinha condições de arcar
com os custos desse elemento. Dessa forma, a compra de jovens poderia ser considerada
uma saída, já que em pouco tempo o trabalho desse jovem poderia render como o de um
adulto.

Tabela 3.26
Distribuição das Crianças Consoante Faixas de Tamanho de Plantel
(São Simão, 1835)

Faixas de idade
(a) (b)
FTP 0-4 5-9 10-14 Total %
H M H+M H M H+M H M H+M
1 - - - - - - 1 1 2 2,0 2,1
2-4 1 - 1 2 2 4 4 1 5 10,0 10,4
5-9 10 9 19 9 4 13 10 6 16 48,0 50,0
10-19 4 9 13 9 3 12 2 6 8 33,0 34,4
20 e + - - - - - - 2 1 3 3,0 3,1
Total 15 18 33 20 9 29 19 15 34 96,0 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel
(b) Exclusive uma cativa de treze anos, casada, que vivia num plantel da faixa dos 10-19 elementos.

Comparando agora a porcentagem de cativos casados e de crianças em casa faixa de


tamanho de plantel, dados apresentados na Tabela 3.27, vê-se corroborada a afirmação
acima, de que os plantéis médios e grandes, por serem mais favoráveis às uniões deveriam
157

ser também mais propícios à existência de crianças. E de fato, os plantéis de cinco a


dezenove elementos abrigavam três quartos dos casados e mais de quatro quintos das
crianças. Não há dados suficientes para afirmar que essas crianças eram realmente filhas
desses casados, mas o fato de existirem apenas três de origem africana indica que esses
meninos e meninas foram fruto de uniões ocorridas em território nacional.
Infelizmente, a lista nominativa ora considerada, ao contrário das matrículas de
cativos, não especifica que tipo de trabalho cada cativo executava. Por essa razão, para
analisar as ocupações dos cativos utilizar-se-á como proxy a atividade de seu proprietário, tal
como informada no recenseamento de 1835. Considerando, além dessa informação, o sexo e
a origem do cativo elaborou-se a Tabela 3.28.
Os proprietários de cativos simonenses declararam sete ocupações: administrador,
fazendeiro, ferreiro, lavrador, lavrador e criador de porcos e gado, lavrador e inspetor de
quarteirão e negociante de carro de bois. Todas essas atividades, com exceção da de ferreiro,
deixam explícita sua ligação com o campo. Dessa forma, é indiscutível que a grande maioria
dos cativos ora considerados estava empregada em atividades rurais, cultivando alimentos e
criando animais.

Tabela 3.27
Distribuição Percentual dos Cativos Casados e das Crianças Consoante Faixas de
Tamanho de Plantel
(São Simão, 1835)

(b) (c)
Casados Crianças
FTP(a)
Homens Mulheres(d) Total Meninos Meninas(e) Total
1 - 2,6 1,3 1,9 2,4 2,1
2-4 13,2 21,1 17,1 13,0 7,1 10,4
5-9 44,7 39,5 42,1 53,7 45,2 50,0
10-19 36,8 28,9 32,9 27,8 42,9 34,4
20 e + 5,3 7,9 6,6 3,7 2,4 3,1
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel.
(b) Cativos casados com quinze anos ou mais.
(c) Crianças com quatorze anos ou menos
(d) Inclusive uma cativa com treze anos que vivia num plantel da faixa dos 10-19 cativos que foi excluída da
amostra de crianças.
(e) Exclusive uma cativa de treze anos, casada, que vivia num plantel da faixa dos 10-19 cativos que foi
incluída na amostra de mulheres casadas.
158

Tabela 3.28
Distribuição dos Cativos Consoante Sexo, Nacionalidade e Atividade/Ocupação Declarada do
Chefe do Fogo
(São Simão, 1835)

(a) (b)
Ocupação/Atividade do Chefe do Africanos Nacionais
(c) Total
Fogo H M H +M H M H+M
Administrador 13 - 13 6 5 11 24
Fazendeiro 1 - 1 1 - 1 2
Ferreiro 1 1 2 3 - 3 5
Lavrador 66 26 92 75 70 145 237
Lavrador e Criador de Porcos e Gado 1 - 1 5 2 7 8
Lavrador e Inspetor de Quarteirão - - - 2 1 3 3
Negociante de Carro de Bois 2 - 2 3 6 9 11
Ocupação Não Identificada - - - - 3 3 3
Total 84 27 111 95 87 182 293
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados africanos e banguelas
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Ocupações/Atividades tal como aparecem na lista nominativa.

Não foi identificado nenhum padrão de escolha do cativo condicionado a


atividade/ocupação do chefe do fogo. Apesar de existirem duas atividades, a de ferreiro e a
de lavrador e inspetor de quarteirão, nas quais os cativos são de uma só nacionalidade, não se
pode afirmar que houvesse uma preferência pela origem do escravo condicionada pela
ocupação do proprietário, pois ambas atividades e, conseqüentemente os plantéis nelas
empregados, são de propriedade de apenas dois senhores. Se houve alguma preferência por
cativos de uma determinada nacionalidade possivelmente ela estaria relacionada a opinião
pessoal de cada um desses proprietários. Esses resultados se repetem se considerados apenas
os cativos em idade produtiva.
Dessa forma, foram analisados as características dos cativos existentes na antiga
freguesia de São Simão no ano de 1835. Em linhas gerais, foi observada uma predominância
de elementos em idade produtiva e do sexo masculino, tendências que se viam reforçadas
quando considerada apenas a população de origem africana. Aproximadamente um quarto
dessa população era casada, porcentagem que se mostrava significativamente mais elevada
quando considerados apenas aqueles com quinze anos ou mais. Os plantéis entre cinco e
dezenove elementos pareciam ser mais propícios às uniões, assim como à presença de
elementos abaixo dos quatorze anos.
159

Com relação às atividades/ocupações dessa massa cativa, a maior parte era utilizada
nos serviços do campo, no cultivo de alimentos e na criação de animais. Dando
prosseguimento às análises, serão analisadas as características dos cativos da antiga
localidade de São Sebastião do Ribeirão Preto com base nas informações dos inventários
post-mortem do período 1849-1888.

A Caracterização dos Cativos Localizados nos Inventários Post-


Mortem de Ribeirão Preto, 1849-1888.

Na amostra de noventa e oito inventários de proprietários de escravos foram


localizados 824 cativos: 194 no primeiro período, 348 no segundo e 282 no terceiro. A
disponibilidade de informações sobre esse estrato populacional era variável, dependente, em
boa medida, do maior ou menor cuidado tanto do escrivão quanto do inventariante no
momento de descrever e registrar os bens possuídos pelo inventariado e sua família.
Em linhas gerais, eram informados o nome, a idade, a cor, o estado conjugal e o
preço dos cativos. Em alguns casos, eram informadas também a ocupação e a existência ou
não de outro cativo com algum tipo de relação de parentesco no mesmo plantel. A partir do
início da década de 1870 os informes tendem a ser mais completos, dada a obrigatoriedade
de se anexar uma cópia da matrícula do cativo nos autos.
Dos 824 escravos constantes dos inventários, 439 (53,3%) eram do sexo masculino e
385 (46,7%) do feminino, com razão de sexo calculada em 114. Considerando apenas três
grandes faixas etárias – crianças de zero a quatorze anos; adultos de quinze a quarenta e
nove; e idosos com cinqüenta anos ou mais – constata-se que 58,3% dos cativos eram
adultos e estavam em idade produtiva.
O envelhecimento da população de africana pode ser constatada observando-se que a
idade média de um cativo dessa origem, que era de 25,7 anos em 1835, passa a ser de 47,2.79
Considerando apenas a população africana, a porcentagem de elementos em idade produtiva
era substancialmente maior do que a encontrada para os demais estratos, chegando a 100,0%
no caso das mulheres de origem além-mar.
Com relação a cor, foram localizados cativos crioulos, fulos, mulatos, pardos e
pretos, além de muitos cuja cor não foi informada (28,1%). Entre os africanos para os quais

79 Excluindo-se dos cálculos um cativo para o qual não havia informação de idade.
160

havia informação da cor, todos eram pretos. Na população cativa nacional havia um reduzido
número de fulos (5,4%), um pequeno número de pardos (23,6%) e um considerável número
de negros (71,0%).80
No conjunto de cativos sem a informação sobre nacionalidade, encontrou-se um
número muito reduzido de fulos (0,9%) e mulatos (1,3%), um número considerável de
crioulos (17,1%) e pardos (26,8%) e um número grande de negros (53,9%).81 Os solteiros
continuavam a ser maioria, perfazendo 71,5% do total. O número de casados alcançou 141
(25,3%) da amostra e os cativos em estado de viuvez, inexistentes em 1835, totalizaram
dezoito (3,2%).82
Essa seria uma visão geral da população cativa ribeirãopretana na segunda metade do
século XIX. Nas seguintes seções, as análises serão mais detalhadas e obedecerão aos
períodos e subperíodos previamente estabelecidos, os mesmos utilizados para o estudo dos
proprietários e da estrutura da posse.

Os Cativos do Primeiro Período, 1849-1869

No primeiro período, como foi visto anteriormente, a cultura cafeeira ainda estava em
introdução na localidade. Na amostra de inventários utilizada, a porcentagem de proprietário
de cativos era elevada, provavelmente em decorrência da dificuldade de se fazer um
inventário no momento em que um chefe de família falecia. As atividades mais comuns
desses inventariados eram a lavoura e a criação, sendo encontradas lavouras de milho,
criações de suínos e bovinos. O índice de Gini, calculado em 0,504 indicou uma posse
moderadamente concentrada, e havia um plantel com sessenta e três elementos que
desequilibrava a amostra.
Foram localizados, para esse período, 194 cativos, 104 do sexo masculino e noventa
do feminino. De acordo com os dados da Tabela 3.29, a maioria dos elementos considerados
estava em idade produtiva. As crianças totalizaram 66 (34,0% da amostra), das quais 32
eram de origem nacional e 34 de origem não informada. Não foram localizados elementos
dessa faixa etária entre os africanos.

80 Porcentagens calculadas considerando-se apenas os cativos para os quais havia informação de idade.
81 Ainda que a qualificação de crioulo aqui aparecesse nos inventários como cor, não se pode deixar de mencionar que
também era utilizada para designar origem, pois os cativos nascidos no Brasil podiam ser assim identificados.
82 Porcentagens calculadas considerando-se apenas os cativos para os quais havia informações acerca do estado conjugal,
que totalizavam 557.
161

Tabela 3.29
Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(a) (b) (c)


Faixas de Idade Africanos Nacionais Não Informada Total
H M H+M H M H+M H M H+M
0-14 - - - 12 20 32 17 17 34 66
15-49 22 5 27 20 19 39 14 16 30 96
50 e + 7 8 15 4 2 6 5 1 6 27
Sem informação - - - 1 - 1 2 2 4 5
Total 29 13 42 37 41 78 38 36 74 194
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

O número de cativos na segunda faixa de idade considerada, a produtiva, alcançou


96, ou 49,5%, quase a metade da amostra. Considerando apenas os africanos, essa
porcentagem se mostra ainda maior, 64,3%; entre os nacionais 50,0% e entre aqueles sem
informação de nacionalidade, 40,5%. Os indivíduos mais velhos, aqueles com cinqüenta
anos ou mais, totalizaram 27, tão-somente 13,9% da amostra. Considerando os três estratos
em separado, é possível perceber como os africanos constituem em grupo mais velho, pois a
porcentagem desses com idade acima dos cinqüenta anos foi calculada em 35,7%. A fim de
melhor visualizar essas informações, elaborou-se o Gráfico 3.10.
Para a população cativa como um todo, nesse período, a idade média foi calculada
em 27, significativamente menor do que aquela calculada para aqueles de origem africana e
moderadamente maior do que a calculada para os nacionais.83 Para os cativos com
nacionalidade não informada esse valor foi calculado em 21, indicando ter, essa população,
um perfil mais próximo dos nacionais e não dos africanos. Esse indicador mostra o
envelhecimento da massa cativa africana, que deixou de receber novos elementos em 1850.
Até 1856 ainda há anotação de africanos com idade abaixo dos vinte anos, mas após essa
data, as idades informadas são cada vez maiores, alcançando, o elemento mais idoso, os
setenta anos. Esses valores são apresentados na Tabela 3.30.84

83 Foram excluídos dos cálculos cinco cativos para os quais não havia informação de idade, três do sexo masculino e dois do
feminino.
84 Foi localizado, nesse primeiro período, um cativo de origem africana com oitenta anos, mas ele estava num plantel de
1856 e não pode ser tido como um exemplo do envelhecimento progressivo da massa cativa além-mar após a extinção do
tráfico atlântico.
162

Gráfico 3.10
Composição da População Cativa Consoante Idade e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

100% Idosos
Idosos
Idosos Sem idade
80%
Adultos Adultos
60%

40%
Adultos
Crianças Crianças
20%

0%
Africanos Nacionais Nacionalidade Não
Informada

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 3.30
Alguns Indicadores Estatísticos Concernentes a Idade dos Cativos
Segundo Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(a) (b) (c)


Indicadores Africanos Brasileiros Não Informada Total
Média 45,3 22,5 21 27
Moda 40 1 6 40
Mediana 44 20 16 24
Desvio-Padrão 15,9 17 16,7 19,2
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

A análise da moda reafirma o perfil mais velho da população africana. A idade mais
comum entre os africanos foi 40, enquanto para os nacionais e para os de nacionalidade não
informada esse indicador foi calculado em 1 e 6, respectivamente. O mesmo pode ser dito da
análise da mediana, calculada em 44 para os africanos, 20 para os nacionais e 16 para os de
nacionalidade não informada. O desvio-padrão mostra que entre os africanos, pelo menos no
tocante à idade, havia uma variação ligeiramente menor do que a existente nos demais
segmentos.
163

Um elevado número de inventários não informava o estado conjugal dos cativos


avaliados, chegando as omissões a representar 45,4% da amostra. No entanto, em 53,4% dos
casos em que não havia informação sobre o estado conjugal o cativo em questão possuía de
zero a quatorze anos de idade. Considerando apenas os cativos para os quais havia
informação sobre o estado conjugal, dados apresentados pela Tabela 3.31, observa-se que o
número de solteiros era predominante, representando 57,5% da amostra, vindo, em seguida,
o número de casados, 38,7% da amostra, sendo o número de viúvos muito reduzido,
representando tão-somente 3,8% da amostra. A porcentagem de casados entre as mulheres de
origem africana, tal como havia sido observado em 1835, era elevado, chegando quase ao
dobro da mesma porcentagem para a população livre.

Tabela 3.31
(a)
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(b) (c) (d)


Africanos Nacionais Não Informada
Estado Conjugal Total
H M H+M H M H+M H M H+M
Solteiros 57,9 11,1 42,9 62,5 75,9 69,8 45,5 50,0 48,0 57,5
Casados 42,1 66,7 50,0 33,3 20,7 26,4 54,5 50,0 52,0 38,7
Viúvos - 22,2 7,1 4,2 3,4 3,8 - - - 3,8
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Porcentagens calculadas sobre o total de cativos para os quais havia informação sobre o estado conjugal
(b) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(c) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(d) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Os plantéis médios e grandes novamente aparecem como mais propensos à formação


de casais. Considerando apenas os cativos para os quais há informação sobre estado
conjugal, observa-se, conforme os dados apresentados na Tabela 3.32, que uma parcela
considerável dos casados e a totalidade de viúvos está inserida nas duas maiores faixas de
tamanho de plantel consideradas. Os solteiros estão um pouco melhor distribuídos, sendo
localizados também nos plantéis de cinco a nove elementos.
164

Tabela 3.32
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Faixas de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(a)
Estado Conjugal FTP Total
1 2-4 5-9 10-19 20 e +
Solteiros - - 11 22 28 61
Casados - 2 2 15 22 41
Viúvos - - - 1 3 4
Total - 2 13 38 53 106
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel

Como foi visto anteriormente, os maiores plantéis por serem ambientes mais propício
à formação de casais, concentravam também uma boa parcela da população abaixo dos
quatorze anos. Conforme apresentado no Gráfico 3.11, mais da metade das crianças vivia em
plantéis com vinte cativos ou mais, enquanto 30,3% estava em escravarias de dez e dezenove
elementos, outros 10,6% em plantéis de cinco a nove elementos e 4,5% em posses de dois a
quatro escravos.

Gráfico 3.11
Distribuição das Crianças de Zero a Quatorze Anos nas Diversas
Faixas de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

Plantel de 2 a 4
Acima de 20 cativos
cativos

Plantel de 5 a 9
cativos

Fonte: Inventários dos Primeiro Plantel de 10 a 19


e Segundo Ofícios de Ribeirão cativos
Preto e São Simão.

Com relação a cor, os cativos inventariados foram classificados em pretos, pardos,


fulos, mulatos e crioulos, conforme apresentado na Tabela 3.33. Novamente, o número de
omissões é elevado, correspondendo a 62,4% da amostra considerada. Sem considerar os
165

cativos para os quais a cor não foi informada, observa-se que 42,5% foram declarados
crioulos, 28,8% pretos e 20,5 pardos, representando a soma destes 91,8% dos elementos
considerados.
Em alguns poucos casos, os inventários informaram a ocupação dos cativos. Ao todo,
sabe-se a atividade de apenas dezenove cativos, dezessete homens e duas mulheres, ambas
cozinheiras. Entre os homens havia quatro lavradores, um carreiro, um sapateiro, dois
arreadores, dois carpinteiros, cinco pedreiros, um ferreiro e um tropeiro. O valor alcançado
pelos dois arreadores e pelos dois carpinteiros estavam entre os 5,0% mais elevados da
amostra.

Tabela 3.33
Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(Ribeirão Preto, 1849-1869)

(a) (b) (b)


Cor Africanos Nacionais Não Informada Total
H M H+M H M H+M H M H+M
Preta 5 2 7 10 3 13 1 - 1 21
Parda - - - - 4 4 3 8 11 15
Fula - - - 1 3 4 - 1 1 5
Mulata - - - - - - - 1 1 1
Crioula - - - - 0 17 14 31 31
Não Informada 24 11 35 26 31 57 17 12 29 121
Total 29 13 42 37 41 78 38 36 74 194
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Foram dadas também algumas informações sobre a existência de famílias nesses


plantéis, sendo possível a identificação de dezessete casais sem filhos, um casal com filhos e
duas mães solteiras com seus filhos. Um caso interessante é o do cativo João Mulato,
anotado como pai solteiro de outros cativos e marido de Policena, com quem tinha mais dois
filhos. O inventário não informa sobre quais circunstâncias José se tornou pai solteiro, mas
uma possibilidade é de que sua primeira companheira tenha sido vendida, ficando ele
responsável pela criação dos dois filhos.
166

Os Cativos do Segundo Período, 1870-1879

Para o segundo período, foram localizados nos inventários 52 proprietários e 348


cativos. Em comparação com o período anterior, a posse tornou-se mais difundida e os
pequenos plantéis mais comuns. No entanto, a concentração da propriedade aumentou, o que
pôde ser constatado pelo índice de Gini, calculado em 0,610. A cultura cafeeira já estava
presente na localidade, que começara a receber indivíduos de diversas partes da própria
província paulista e de outras em busca de terras para iniciar suas plantações.
Como pode ser visto na Tabela 3.34, a maioria dos cativos presentes nos inventários
consultados era de origem nacional e estava em idade produtiva. A proibição do tráfico
atlântico e o conseqüente e progressivo envelhecimento da massa cativa, em especial dos
africanos, torna-se mais evidente. Dos 348 cativos considerados, apenas 13 (3,7%) eram de
origem africana. No período anterior essa porcentagem era igual a 21,6%. A média de idade
desses elementos – que era de 45,3 – passou a ser de 50,1.

Tabela 3.34
Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

(a) (b) (c)


Faixas de Idade Africanos Brasileiros Não Informada Total
H M H+M H M H+M H M H+M
0-14 - - - 25 25 50 23 36 59 109
15-49 3 1 4 43 57 100 41 32 73 177
50 e + 8 1 9 8 5 13 8 3 11 33
Sem informação - - 0 4 3 7 13 9 22 29
Total 11 2 13 80 90 170 85 80 165 348
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Os elementos nascidos no Brasil somaram 170 (48,9%) da amostra, dos quais 80


eram homens (47,1%) e 90 (52,9%) eram mulheres, com razão de sexo calculada em 88,9. A
idade média desse estrato foi calculada em 25,1, com moda igual a 30, mediana 22 e desvio-
padrão 15,5.85 Um resultado a ser destacado é a supremacia numérica das mulheres entre
aqueles cativos em idade produtiva, todas vivendo em domicílios dedicados às atividades de
lavoura e criação. Em dois desses domicílios as atividades de lavoura e/ou criação eram
acompanhadas de outras: em um havia a presença do comércio e em outro das artes e ofícios.

85 Excluindo-se dos cálculos sete cativos para os quais não havia informação de idade, quatro do sexo masculino e três do
feminino.
167

Como pode ser observado no Gráfico 3.12, a composição etária daqueles para os quais não
havia informação sobre a nacionalidade se mostra um pouco distinta daquela encontrada na
população de origem nacional. Dos 165 cativos nessas condições, 35,8% estavam na faixa
dos 0-14 anos, 44,2% na faixa dos 15-49 e 6,7% tinham cinqüenta anos ou mais. Para os
nacionais essas porcentagens haviam sido calculadas em 29,4%; 58,8% e 7,6%,
respectivamente.

Gráfico 3.12
Composição da População Cativa Consoante Idade e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

100%
90% Idosos
Sem idade Idosos
80%
70% Idosos
60% Adultos Adultos
50%
40%
30%
20% Adultos Crianças Crianças
10%
0%
Africanos Nacionais Nacionalidade Não
Informada

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 3.35
Idade dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

(a) (b)
Nacionais Não Informada Total de Razão de
Faixas de Idade
H M H+M RS H M H+M RS Cativos Sexo
0-14 25 25 50 100,0 23 36 59 63,9 109 78,7
15-49 43 57 100 75,4 41 32 73 128,1 173 94,4
50 e + 8 5 13 160,0 8 3 11 266,7 24 200,0
Sem informação 4 3 7 133,3 13 9 22 144,4 29 141,7
Total 80 90 170 88,9 85 80 165 106,3 335 97,1
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
RS = Razão de Sexo
(a) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(b) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Excluindo a população de origem africana e considerando-se apenas os demais –


tanto de origem nacional quanto desconhecida – observa-se, mais uma vez, que entre os
168

cativos com idade inferior aos cinqüenta anos predominam as mulheres. Conforme os dados
apresentados na Tabela 3.35, na faixa até os quatorze anos, 61 (56,0%) dos 109 cativos
localizados são meninas. Na faixa dos 15-49 anos, essa mesma porcentagem é igual a 51,4%.
A elevada razão de sexo dos idosos e daqueles sem informação da idade podem ter sido
causadas pelo pequeno número de observações disponíveis, o que deve ter viesado os
cálculos.
Analisando a questão da cor, novamente foram localizados cativos de cor preta,
parda, fula, mulata e crioula. Conforme a Tabela 3.36, o número de cativos para os quais não
há informação de cor é elevado, representando 44,3% da amostra. Agora, considerando
apenas aqueles com informação da cor, observa-se que 71,6% eram pretos, 23,2% pardos e
4,1% crioulos. Além destes, foram localizados também um mulato e um de cor fula.

Tabela 3.36
Cor dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

(a) (b) (c)


Cor Africanos Nacionais Não Informada Total
H M H+M H M H+M H M H+M
Preta 9 2 11 43 51 94 20 14 34 139
Parda - - - 11 13 24 9 12 21 45
Fula - - - - 1 1 - - - 1
Mulata - - - - - - 1 - 1 1
Crioula - - - - - - 4 4 8 8
Não Informada - 2 2 26 25 51 51 50 101 154
Total 9 4 13 80 90 170 85 80 165 348
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

A maioria desses cativos, tal como no período anterior, era solteira. Considerando os
dados apresentados na Tabela 3.37. Entre os nacionais e aqueles com nacionalidade não
informada o número de solteiros chega a 147, o que representa 42,2% da amostra
considerada. O número de casados se mostra significativamente mais reduzido, havendo
vinte e seis (15,3%) entre os nacionais e vinte e seis (15,8%) entre os de nacionalidade não
informada. Os viúvos são ainda menos comuns, apenas seis (3,5%) entre os nacionais e dois
(1,2%) entre os de nacionalidade não informada. A população de origem africana apresenta
características completamente distintas. No entanto, deve-se atentar para a possibilidade de
169

que o pequeno número de observações tenha causado um certo viés nos resultados. Dos treze
africanos considerados, apenas dois (15,4%) eram solteiros; os casados somavam seis
(46,2%); os viúvos eram dois (15,4%) e aqueles para os quais não foi informado o estado
conjugal eram três (23,1%). Aliás, considerando a amostra de 348 cativos, o número de
omissões, estados conjugais não informados, se mostra elevado, chegando a representar
37,6%. No entanto, 36,6% desses cativos sem informação sobre o estado conjugal eram
crianças de zero a quatorze anos de idade.

Tabela 3.37
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Naturalidade
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Números Absolutos
(a) (b) (c)
Estado Conjugal Africanos Nacionais Não Informada %
Total
H M H+M H M H+M H M H+M
Solteiros 2 - 2 49 57 106 24 17 41 149 42,8
Casados 5 1 6 11 15 26 13 13 26 58 16,7
Viúvos 2 - 2 - 6 6 - 2 2 10 2,9
Sem informação 2 1 3 20 12 32 48 48 96 131 37,6
Total 11 2 13 80 90 170 85 80 165 348 100,0
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados africanos ou de nação
(b) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(c) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Novamente, os plantéis com maior número de elementos se mostram mais propícios


à presença tanto de casais ou viúvos quanto de crianças. Como pode ser visto na Tabela 3.38,
os plantéis com dez elementos ou mais concentram 85,3% dos elementos casados ou viúvos
e 58,7% das crianças de zero a quatorze anos. Para os plantéis de cinco a nove elementos
essas porcentagens são, respectivamente, de 10,3% e 23,9%. A distribuição das crianças
consoante a faixa de tamanho do plantel em que estavam inseridas pode ser observada no
Gráfico 3.13.
Há que se ressaltar que os plantéis de cinco a nome elementos possuíam
aproximadamente um décimo dos casais ou viúvos e 23,9% das crianças. Eram dez esses
plantéis e sessenta e seis os cativos neles inseridos. Analisando apenas essas dez escravarias,
foram localizados dois casais sem filhos, um casal com três crianças, uma viúva e seu filho,
além de três mães solteiras, das quais uma com três crianças, outra com duas crianças e um
jovem de dezessete anos e a última com uma filha cuja idade não foi informada. Havia
170

também a anotação de um menino, Firmino, com sete anos, vivendo sem família.
Infelizmente, os inventários não trazem informações suficientes para reconstituir as demais
famílias desses plantéis.

Tabela 3.38
Cativos Casados ou Viúvos e das Crianças Consoante Faixas de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

(b) (c)
(a)
Casados ou Viúvos Crianças
FTP
Homens Mulheres Total Meninos Meninas Total
1 - 1 1 1 1 2
2-4 1 1 2 4 13 17
5-9 3 4 7 15 11 26
10-19 4 4 8 9 8 17
20 e + 23 27 50 19 28 47
Total 31 37 68 48 61 109
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Faixa de Tamanho de Plantel.
(b) Número de casados ou viúvos com quinze anos ou mais, inclusive uma mulher e um homem com idade não
informada.
(c) Crianças com quatorze anos ou menos

Gráfico 3.13
Distribuição das Crianças de Zero a Quatorze Anos nas Diversas
Faixas de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1870-1879)

Acima de 20
cativos
Plantel de 10 a 19
cativos

Plantel Unitário

Fonte: Inventários dos Primeiro Plantel de 2 a 4


e Segundo Ofícios de Ribeirão Plantel de 5 a 9 cativos
Preto e São Simão. cativos

Dos 348 cativos, apenas noventa e três tiveram sua ocupação informada. As
atividades mais comuns eram as de cozinheiro e roceiro. Ao todo, foram encontrados:
dezenove cozinheiras; um cozinheiro; vinte e sete roceiros, todos do sexo masculino; seis
171

serviçais domésticos, dos quais cinco mulheres, inclusive três crianças, e um homem; um
pajem, do sexo masculino e com oitenta e três anos de idade; sete costureiras, todas do sexo
feminino; três carreiros e sete cavouqueiros, todos do sexo masculino; um sapateiro; um
carpinteiro, um pedreiro e um tropeiro, todos do sexo masculino; duas lavadeiras e duas
engomadeiras, todas do sexo feminino; cinco fiandeiras e um fiandeiro; uma tecedeira; e
duas roticeiras.86

Os Cativos do Terceiro Período, 1880-1888

No terceiro e último período escravista, a localidade de Ribeirão Preto estava em


pleno surto cafeeiro, com a chegada da ferrovia, de cafeicultores vindos de outras regiões e
de imigrantes em busca de trabalho nas lavouras em formação. Entre os noventa e oito
processos de inventários localizados para o período trinta e quatro eram de proprietários de
escravos. Esses senhores possuíam, ao todo, 282 cativos, distribuídos em posses desde
unitárias até as com mais de trinta elementos.
A importância cada vez maior da classe cafeeira pôde ser observada quando os
cálculos mostraram que aproximadamente três quartos da riqueza dos proprietários de
cativos e mais da metade dos escravos estava em mãos de cafeicultores, sendo que estes
representavam apenas 41,2% do total de inventariados proprietários de escravos.
O número de cativos de origem africana se mostra reduzido, existindo apenas quatro
pessoas, todas do sexo masculino, três com idade acima dos sessenta anos e um sem idade
informada. Dois eram casados, um solteiro e um sem estado conjugal especificado.
Já passadas três décadas da extinção do tráfico e uma da promulgação da lei do
ventre livre, o envelhecimento da população cativa se torna mais evidente. A média de idade
dos africanos, que na década de 1870 havia sido de aproximadamente cinqüenta anos, passa
a ser de sessenta e três anos, excluindo-se dos cálculos o cativo sem idade informada.
Analisando a população de origem nacional, a média de idade foi calculada em 30,5, com
desvio-padrão igual a 11,0. No período anterior, esses mesmos indicadores haviam resultado
em 25,1 e 15,5. Entre aqueles com nacionalidade não informada, a média de idade foi
calculada em 34,3, com desvio-padrão igual a 13,3. Para os cativos sem nacionalidade
informada da década de 1870, a média de idade era de 22,2 com desvio-padrão igual a 16,1.

86 Não foi possível encontrar quais tipos de atividades desempenhava um cavouqueiro e uma roticeira.
172

Conforme os dados apresentados na Tabela 3.39, dos 278 cativos de origem nacional e de
nacionalidade não informada, 207 (74,5%) tinham entre quinze e quarenta e nove anos.
Considerando apenas aqueles comprovadamente nascidos no Brasil essa porcentagem se
mostra ainda mais significativa, 90,4%.

Tabela 3.39
Idade dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

(a) (b)
Faixas de Idade Nacionais Não Informada Total
H M H+M H M H+M
0-14 1 3 4 - 6 6 10
15-49 70 53 123 48 36 84 207
50 e + 4 5 9 10 7 17 26
Sem informação - - - 22 13 35 35
Total 75 61 136 80 62 142 278
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(b) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Foi localizado um número muito reduzido de crianças de zero a quatorze anos,


apenas dez (3,6%), provavelmente como efeito da lei do ventre livre, que libertou todos os
filhos de cativas nascidos após 1871. Ademais, há também um número reduzido de idosos,
especialmente nos inventários posteriores a 1885, ano em que entrou em vigor a lei dos
sexagenários, que libertou os cativos com sessenta anos ou mais. Até o ano de 1884, foram
avaliados dezessete cativos com idade maior que cinqüenta anos, existindo, entre estes, nove
com idade acima dos sessenta anos. A partir de 1885, não há registro de nenhum cativo com
mais de sessenta anos, tendo sido avaliados apenas doze elementos, todos com idade entre
cinqüenta e cinqüenta e nove anos.
A razão de sexo dos cativos nas diversas faixas etárias consideradas se mostra
consideravelmente mais elevada do que a calculada para o período anterior. Considerando
todos os homens e todas as mulheres de origem nacional e de nacionalidade não informada –
excluindo-se, portanto, os africanos – observa-se o cálculo da razão de sexo resulta em 126.
No período anterior, esse indicador havia sido calculado em 97,1. Comparando esses
resultados com os alcançados com os dados do censo 1886, observa-se que as razões de sexo
dos cativos inventariados se mostra ligeiramente menor do que a da massa cativa como um
todo. Em 1886, foram recenseados em Ribeirão Preto um total de 1.379 elementos, 784 do
sexo masculino e 595 do sexo feminino, resultando esses números numa razão de sexo igual
173

a 131,8. Ainda que a amostra inventariada contivesse uma porcentagem menor de homens
cativos do que encontrada na população cativa da localidade, essa era significativamente
mais elevada do que a encontrada para os escravos inventariados na década anterior: 102,3
considerando os africanos, e 97,1 considerando apenas os nacionais e os de nacionalidade
não informada.
Como pode ser observado na Tabela 3.40, a maior parte, tanto dos cativos de origem
nacional quanto dos cativos com nacionalidade não informada, foi declarada como sendo da
cor preta, representando estes 63,7% da amostra.

Tabela 3.40
Cor dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

(a) (b)
Cor Nacionais Não Informada Total
H M H+M H M H+M
Preta 48 41 89 49 39 88 177
Parda 22 15 37 15 14 29 66
Fula 5 5 10 - 1 1 11
Mulata - - - 1 - 1 1
Crioula - - - - - - -
Não Informada - - - 15 8 23 23
Total 75 61 136 80 62 142 278
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(b) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

A segunda cor mais comum foi a parda, declarada para 23,7% dos escravos
considerados. Foram localizados também onze (4,0%) fulos e um mulato (0,4%). Os
africanos não foram incluídos nos cálculos por se tratarem de apenas quatro, três de cor preta
e um cuja cor não foi informada. A baixa porcentagem de omissões entre os nacionais e os
de nacionalidade não informada pode indicar um cuidado maior de escrivãos e inventariantes
no momento da descrição e registro dos cativos avaliados nos processos.
A análise do estado conjugal mostra um perfil de certa maneira distinto do que os
encontrados anteriormente. Novamente, considerando apenas os nacionais e aqueles sem
nacionalidade informada, foram localizados 187 (67,3%) solteiros, quarenta (14,4%) casados
e tão-somente quatro (1,4%) viúvos. Não havia informação sobre o estado conjugal de
quarenta e sete cativos, oito de origem nacional e trinta e nove com nacionalidade não
174

informada, dos quais dois eram crianças de zero a quatorze anos. Agora, considerando
apenas os africanos, foram localizados dois casados, um solteiro e um sem informação sobre
o estado conjugal.
Considerando apenas aqueles para os quais havia informação sobre o estado
conjugal, inclusive os de origem africana, é possível perceber que a porcentagem de solteiros
entre os cativos inventariados no período 1880-1888 é significativamente mais elevada do
que as encontradas anteriormente. Conforme os dados apresentados na Tabela 3.41 e no
Gráfico 3.14, em todo o período estudado a porcentagem de cativos solteiros se mostrava
significativa, em especial no ano de 1835 (74,1%) e no período 1880-1888 (80,3%). A razão
desses solteiros alcançou 141, enquanto o mesmo índice para todos os cativos resultou em
129,3.

Tabela 3.41
Estado Conjugal dos Cativos Consoante Sexo e Nacionalidade
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

(a) (b)
Estado Conjugal Nacionais Não Informada %
Total
H M H+M H M H+M
Solteiros 64 49 113 45 29 74 187 67,3
Casados 5 9 14 11 15 26 40 14,4
Viúvos - 1 1 1 2 3 4 1,4
Sem informação 6 2 8 23 16 39 47 16,9
Total 75 61 136 80 62 142 278 100,0
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
(a) Todos os escravos declarados brasileiros ou crioulos
(b) Todos os escravos para os quais não há informação sobre nacionalidade

Com relação às ocupações ou atividades desempenhadas por esses escravos, pela


primeira vez há uma porcentagem relevante de informes, chegando a 52,5% da amostra.
Conforme os dados apresentados na Tabela 3.42, 104 (36,8%) dos cativos eram lavradores,
sendo a segunda atividade mais comum a de cozinheiro. O número de omissões alcançou
134 (47,5%).
A distribuição dos cativos com ocupação informada parece ser aleatória entre os
diversos tamanhos de plantel, não sendo possível identificar uma relação direta entre
tamanho da escravaria e atividade desempenhada pelo cativo. No entanto, pode-se encontrar
uma maior variedade de cativos com distintas ocupações nas maiores escravarias, estando os
175

plantéis unitários e pequenos supridos apenas com lavradores, carreiros, cavouqueiros e


cozinheiros, enquanto nos maiores plantéis havia além destes, serviçais domésticos,
costureiras, engomadeiras, fiandeiras, tecedeiras, entre outras.

Gráfico 3.14
(a)
Estado Conjugal dos Cativos
(Ribeirão Preto e São Simão, 1835-1888)

100%
Viúvos Viúvos Viúvos
90%
80%
70%
60%
50%
40% Solteiros
Solteiros Solteiros
30% Solteiros
20%
10%
0%
1835 1849-1869 1870-1879 1880-1888
Fonte: Lista Nominativa de São Simão (1835) e Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São
Simão (1849-1888)

(a) Porcentagens calculadas sobre o total de cativos para os quais havia informação sobre o estado conjugal.

Tabela 3.42
Ocupações dos Cativos Consoante Sexo e Faixa de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Faixas de Tamanho de Plantel


Ocupação/Atividade Total Total
1 2-4 5-9 10-19 20 e + Total
do Cativo Homens Mulheres
H M H M H M H M H M
Carreiro - - 2 - - - - - 1 - 3 - 3
Cavouqueiro - - 1 - - - - - 6 - 7 - 7
Costureira - - - - - 2 - - - - - 2 2
Cozinheiro(a) - - - 5 - 4 - 2 1 3 1 14 15
Engomadeira - - - - - - - - - 1 - 1 1
Fiandeira - - - - - 2 - - - 1 - 3 3
Lavrador(a) 1 1 5 - 2 15 11 10 42 17 61 43 104
Pajem - - - - - 1 1 - - - 1 1 2
Pedreiro - - - - - - - - 1 - 1 - 1
Serviços Domésticos - - - - 1 2 - 2 1 2 2 6 8
Tecedeira - - - - - 2 - - - - - 2 2
Não Informada 5 2 5 7 16 9 18 17 26 29 70 64 134
Total 6 3 13 12 19 37 30 31 78 53 146 136 282
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
H = Homens
M = Mulheres
176

Considerando, agora, apenas aqueles para os quais havia informação sobre a


ocupação/atividade desenvolvida, elaborou-se a Tabela 3.43. Nela pode-se observar que
entre os cativos com ocupação declarada 70,3% eram lavradores, sendo a porcentagem de
homens entre estes igual a 58,7% e a de mulheres 41,3% com razão de sexo calculada em
141,9.

Tabela 3.43
Ocupações dos Cativos Consoante Sexo e Faixa de Tamanho de Plantel
(Ribeirão Preto, 1880-1888)

Ocupação/Atividade do Homens Mulheres Total


Cativo Número % Número % Número %
Carreiro 3 3,9 - - 3 2,0
Cavouqueiro 7 9,2 - - 7 4,7
Costureira - - 2 2,8 2 1,4
Cozinheiro(a) 1 1,3 14 19,4 15 10,1
Engomadeira - - 1 1,4 1 0,7
Fiandeira - - 3 4,2 3 2,0
Lavrador(a) 61 80,3 43 59,7 104 70,3
Pajem 1 1,3 1 1,4 2 1,4
Pedreiro 1 1,3 - - 1 0,7
Serviços Domésticos 2 2,6 6 8,3 8 5,4
Tecedeira - - 2 2,8 2 1,4
Total 76 100,0 72 100,0 148 100,0
Fonte: Inventário dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

As atividades desempenhadas pelos cativos do sexo masculino se mostravam mais


reduzidas do que as desempenhadas pelas cativas. Como pode ser observado na mesma
tabela, 80,3% dos homens cativos dedicavam-se à lavoura, repartindo-se os demais entre as
atividades de carreiro (3), cavouqueiro (7), cozinheiro (1), pajem (1), pedreiro (1) e serviços
domésticos (2). A porcentagem de lavradoras entre as mulheres se mostrava menor, 59,7%.
As demais cativas dedicavam-se às ocupações de costureira (2), cozinheira (14),
engomadeira (1), fiandeira (3), pajem (1), serviçal doméstica (6) e tecedeira (2).
As análises da estrutura da posse de cativos nos dois momentos considerados,
1835 e depois o período 1849-1888, mostraram que predominavam em Ribeirão
Preto as pequenas posses. No entanto, ao lado dessas pequenas posses foram
identificados também alguns grandes plantéis. Esses grandes plantéis, até o final da
década de 1870, eram possuídos por criadores de gado. Na década de 1880, as
maiores escravarias eram empregadas no cultivo do café.
A atividade mais comum dos proprietários era a lavoura, acompanhada ou não
da criação de animais. Essa característica não sofreu modificação com o passar dos
177

anos, até mesmo porque a atividade que veio substituir a criação de animais e o
cultivo de gêneros de subsistência foi a cafeicultura.
Considerando a massa cativa, foram localizados cativos de origem africana e
nacional. Como era de se esperar, a porcentagem de africanos vai diminuindo com o
passar dos anos e a de nacionais aumentando na mesma proporção. As razões de sexo
entre os africanos eram mais elevadas do que entre os nacionais, indicando a
preferência dos proprietários em adquirir escravos do sexo masculino, em especial
entre os quinze e os quarenta e nove anos de idade, considerada a idade produtiva.
Em alguns momentos, foi possível identificar a atividade à qual se dedicava o
cativo. Na maioria dos casos e acompanhando a tendência dos proprietários, a
atividade mais comum era a lavoura. Além desta, foram identificadas outras, tais
como a de cozinheira, costureira, engomadeira, pajem e pedreiro, entre outras.
Foram encontradas algumas famílias de cativos. Em diversos plantéis,
normalmente grandes e médias escravarias, foram localizados diversos casais cativos
vivendo na companhia de seus filhos.
178

Capítulo 4
A Trajetória de Algumas Famílias

As Famílias Consideradas

Dentre o conjunto de inventários considerado pelo presente estudo, foram localizados


oitenta que possuíam algum grau de parentesco entre si.87 Dentre os processos dessa amostra
foram identificadas vinte e duas famílias. Para sete dessas famílias foi possível encontrar
inventários de mais de uma geração, o que permitiu o acompanhamento das trajetórias de
acumulação de pais, filhos, netos e até bisnetos.
Essas famílias concentram um total de quarenta e oito processos, datando o mais
antigo de 1849 e o mais recente de 1900, distribuídos da seguinte maneira: sete do período
1849-1869, dezoito da década de 1870, quinze do período 1882-1887 e oito para o período
1890-1900. Para as outras quinze famílias, foram encontrados apenas dois inventários,
geralmente o inventário de um pai ou de uma mãe e depois de um dos filhos ou do cônjuge
de um dos filhos. O mais antigo desses processos data também de 1849 e o mais recente de
1900, distribuídos da seguinte maneira: um de 1849, um de 1869, cinco para a década de
1870, oito para o período escravista da década de 1880 e dezessete para o período 1890-
1900, totalizando trinta e dois processos. Há duas exceções, duas das famílias com menor
número de processos contam com três inventários, sendo uma delas composta pelo
inventário de um dos genitores e dois filhos e outra pelos inventários de um indivíduo e de
duas das suas três esposas.
Dentre esses oitenta inventários, observa-se a predominância do elemento masculino,
representando 55,0% dos inventariados. Tanto entre homens quanto entre mulheres havia
maioria de casados, representando estes 86,4% dos homens e 69,4% das mulheres. Os viúvos
representavam 15,0% da amostra, sendo essa porcentagem entre as mulheres igual a 25,0%,
consideravelmente maior do que a encontrada entre os inventariados do sexo masculino,

87. Tal afirmação não significa que todos os oitenta inventários considerados no presente capítulo estivessem relacionados
entre si, mas sim a existência de laços de parentesco de um inventariado e alguns outros mais, podendo ser estes outros
inventariados filhos, netos, bisnetos, sobrinhos ou outros tipos de aparentados.
179

6,8%. Os solteiros configuravam minoria, havendo apenas três casos entre os homens e um
entre as mulheres.88
Esses inventariados dedicavam-se basicamente às atividades agropastoris, tais como
lavoura e criação de animais. Como pode ser observado na Tabela 4.1, em setenta (87,5%)
dos oitenta casos considerados, a atividade atribuída à família inventariada foi a lavoura,
acompanhada ou não da criação de animais. As demais atividades identificadas foram:
negócio (dois casos) e negócio acompanhado de lavoura e/ou criação (três casos). Em um
processo o inventariado vivia da renda dos imóveis que possuía e em outros quatro não foi
possível identificar a ocupação do inventariado.

Tabela 4.1
Atividade dos Inventariados Selecionados
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Atividade Homens Mulheres Total


Lavoura e/ou criação 39 31 70
Negócio 1 1 2
Negócio, lavoura e/ou criação 2 1 3
Vivia de rendas 1 - 1
Não identificada 1 3 4
Total 44 36 80
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão

Analisando a composição dos patrimônios ora considerados, observa-se que esta não
se afasta muito dos padrões identificados anteriormente. Dividindo os inventários da amostra
em dois períodos – de 1849 até 1888 e de 1889 até 1900 – observa-se, conforme os Gráficos
4.1 e 4.2, que os bens imóveis e os escravos concentravam a maior parte dos recursos.89
No período 1849-1888, os bens imóveis e os escravos absorviam quase três quartos
dos patrimônios, sendo seguidos, em ordem de importância, pelos animais e pelas dívidas
ativas, responsáveis, respectivamente por 11,4% e 10,5% dos recursos. Menos
representativos eram os bens móveis e o dinheiro, respondendo os primeiros por 5,0% e o
segundo por 0,7% dos montes.

88. Existe um inventário para o qual não foi possível determinar o estado conjugal do inventariado, sendo este do sexo
feminino.
89. O monte mor refere-se ao conjunto dos bens e ativos do inventariado, inclusive os dotes distribuídos por ele ainda em
vida, sem descontos ou deduções. Seria o equivalente à riqueza bruta. Já o monte menor é o total alcançado pelo monte mor
menos as dívidas passivas, ou seja, após descontados os valores devidos pelo inventariado aos credores. O monte menor
pode ser considerado a riqueza líquida. Nesse ponto termina o balanço dos bens que compunham o patrimônio e das dívidas
que ele comprometiam. No entanto, antes da partilha eram descontadas também as custas do processo, custas estas que não
foram consideradas como parte das dívidas passivas, pois eram gastos que cada herdeiro tinha com a apuração e recebimento
de suas legítimas, e não dívidas deixadas pelo inventariado.
180

Gráfico 4.1
Composição dos Patrimônios da Amostra de Inventários Selecionada
(Ribeirão Preto, 1849-1888)

Ativo M óveis
10,5% 5,0%
Animais
Dinheiro 11,4%
0,7%

Escravos
22,6%

Imóveis
49,7%

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Gráfico 4.2
Composição dos Patrimônios da Amostra de Inventários Selecionada
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Dotes M óveis
Ativo 0,3% 2,9%
7,6% Animais
3,1%
Dinheiro
4,8%

Imóveis
81,2%

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Com a abolição da escravatura e o avanço do café na região, essa estrutura sofreu


algumas modificações, em especial no montante alocado em imóveis, passando, esse grupo,
a responder por mais de quatro quintos dos valores inventariados. Esse movimento foi
identificado no capítulo anterior e reflete a valorização das terras e os altos valores
alcançados pelos bens diretamente envolvidos na atividade cafeeira, tais como tulhas,
181

terreiros, máquinas de beneficiar, mudas e cafezais. Por essa razão, a participação relativa
dos demais grupos de bens diminuiu, passando estes a representarem menos de um quinto
dos patrimônios, porcentagem que no período anterior era igual a 50,3%.
O nível de comprometimento desses patrimônios, na forma de dívida passiva, se
mostra variável. Em alguns casos, o valor a ser recebido pelos credores comprometia quase a
totalidade dos montes, em alguns casos ultrapassando-os. Em outros, o passivo limitava-se às
despesas com o funeral ou aos gastos com medicamentos e médicos durante enfermidade
final do inventariado.
No período 1849-1888, o passivo comprometia, em média, 22,7% dos montes. No
entanto, o desvio-padrão calculado em 72,1 mostra que havia uma disparidade significativa
de valores. De fato, em um dos inventários o passivo era equivalente a cinco vezes o valor
alcançado pelo monte mor. Trata-se do inventário de Antonio Pereira Barreto Pedroso
Sobrinho, filho de Francisca de Salles Barreto. Na época de seu falecimento, Antonio estava
casado com Francisca Pereira Barreto e possuía três filhos: Antonio de Salles Barreto, Arthur
Barreto e Jefferson Barreto. O processo arrola poucos bens, apenas uma harpa e cinco
cativos, alcançando o monte mor o valor de Rs 3:500$000, ou ₤ 301,70. No entanto, as
dívidas passivas chegaram a Rs 18:235$740, o equivalente a ₤ 1.571,91. Eram apenas três os
credores do espólio: Teixeira Leite & Cia, do Rio de Janeiro; Rodrigo Pereira Leite,
residente em Bananal; e Manoel Teixeira, residente em Resende.90 Excluindo-se o inventário
de Antonio dos cálculos, observa-se que a média de comprometimento do monte mor no
período 1849-1888 cai para 13,2%, ficando o desvio-padrão em 20,9.
A porcentagem de comprometimento do monte mor calculada para o período 1889-
1900 se mostra semelhante, comprometendo o passivo, em média, 12,0% do patrimônio,
com desvio-padrão calculado em 15,5.
Considerando, agora, apenas os processos do período escravista, nota-se que a
porcentagem de proprietários de cativos entre esses processos se mostra elevada. Quase dois
terços dos inventariados possuíam algum cativo.91 Se somados, esses plantéis concentravam

90. Em 1882, no inventário de Francisca de Salles Barreto, há a informação de que Antonio Pereira Barreto Pedroso
Sobrinho residia em Resende. A legítima recebida por ele alcançou o valor de Rs 5:759$810, ou ₤ 508,01, valor superior ao
alcançado pelo monte mor de Antonio. O inventário de Antonio não foi concluído. Provavelmente, o processo iniciado em
Ribeirão Preto visava apenas arrolar os bens de Antonio na localidade, e não a totalidade de seu patrimônio, que
possivelmente estaria em Resende. Infelizmente, o processo não contém informação a esse respeito.
91. Além destes, havia também um inventariado, José Antonio de Mello, que no momento da avaliação dos bens possuía um
cativo, Luis, crioulo de trinta e cinco anos, falecido antes do final do inventário.
182

487 escravos, mais da metade dos 819 cativos encontrados no conjunto de 406 inventários
considerado anteriormente.92
Conforme os dados apresentados pela Tabela 4.2, a soma dos montes mores dos
inventariados ora considerados, cujos inventários datam do período 1849-1888, equivale a ₤
183.499,94 libras esterlinas. Considerando-se, agora, a totalidade dos inventários do mesmo
período, composta por 217 processos, observa-se que o monte mor total do período 1849-
1888 alcançou o valor de ₤ 326.672,25, de maneira que o monte mor total da amostra ora
considerada representa 56,1% do monte mor total do período 1849-1888. Esse elevado
percentual, aliado àquele calculado para a propriedade cativa, revela a importância, em
termos de riqueza inventariada, dos processos do período 1849-1888 ora analisados.

Tabela 4.2
Distribuição do Monte Mor Total da Amostra Entre os Inventariados do Período Escravista de Acordo com as
Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1849-1888)

Valores absolutos Valores relativos


Média de
Faixas de riqueza Número de Soma dos Porcentagem Porcentagem
Monte Mor
inventariados montes dos inventários dos montes
Menos de 500 libras 26 6.010,05 47,3 3,3 231,16
Entre 500 e 999 libras 5 3.048,23 9,1 1,7 609,65
Entre 1000 e 1999 libras 5 7.353,43 9,1 4,0 1.470,69
Entre 2000 e 2999 libras 4 10.941,09 7,3 6,0 2.735,27
Entre 3000 e 3999 libras 4 14.725,83 7,3 8,0 3.681,46
Entre 4000 e 4999 libras 2 8.874,49 3,6 4,8 4.437,24
Acima de 5000 libras 9 132.546,83 16,4 72,2 14.727,43
Total 55 183.499,94 100,0 100,0 3.336,36
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Continuando as análises, esses inventariados foram divididos nas mesmas faixas de


tamanho do monte mor utilizadas nas análises do segundo capítulo. Ainda segundo os dados
apresentados pela Tabela 4.2, tomando-se como valor-base o monte mor em libras esterlinas,
pode-se observar que a maior parte dos processos concentrava-se na primeira faixa de
riqueza. Porém, ainda que constituíssem maioria, esses inventariados concentravam uma
pequena parcela de valores, 3,3%. No extremo oposto, encontram-se os indivíduos com
riqueza de cinco mil libras ou mais, representando estes 16,4% dos inventariados,
concentrando a relevante porcentagem de 72,2% dos valores.

92. Está incluído nessa soma o cativo Luis, do inventariado José Antonio de Mello.
183

Analisando os inventariados do período 1889-1900, dados apresentados na Tabela


4.3, observa-se que os vinte e cinco inventariados selecionados concentravam montes mores
que totalizavam ₤ 139.280,96, quase um quinto do monte mor total do período, calculado em
₤ 773.948,70. A representatividade do monte mor da amostra do período 1889-1900 se
mostra significativamente menor do que a da amostra de processos do período 1849-1888.
Esse fato ocorre principalmente pelo passar dos anos e das gerações, o que dificulta a
identificação dos laços familiares, quer por consangüinidade quer por uniões legais. Essa
maior dificuldade em identificar os processos com algum grau de parentesco faz reduzir o
número de processos selecionados para este capítulo e, conseqüentemente, a
representatividade do monte mor da amostra frente à do conjunto de processos, o que de
forma alguma compromete a análise das trajetórias de acumulação nesses inventários.

Tabela 4.3
Distribuição do Monte Mor Total da Amostra Entre os Inventariados do Período Republicano de Acordo com as
Diferentes Faixas de Tamanho do Monte Mor
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Valores absolutos Valores relativos


Média de
Faixas de riqueza Número de Soma dos Porcentagem dos Porcentagem dos
Monte Mor
inventariados montes inventários montes
Menos de 500 libras 5 1.433,20 20,0 1,0 286,64
Entre 500 e 999 libras 3 2.482,90 12,0 1,8 827,63
Entre 1000 e 1999 libras 3 4.802,08 12,0 3,4 1.600,69
Entre 2000 e 2999 libras 1 2.054,24 4,0 1,5 2.054,24
Entre 3000 e 3999 libras 3 10.257,11 12,0 7,4 3.419,04
Entre 4000 e 4999 libras - - - - -
Acima de 5000 libras 10 118.251,43 40,0 84,9 11.825,14
Total 25 139.280,96 100,0 100,0 5.571,24
Fonte: Inventários do Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

O enriquecimento promovido pelo café pode ser constatado observando-se a


porcentagem de inventariados cujos patrimônios estavam na primeira faixa de riqueza
considerada. Aproximadamente um quinto dos inventariados possuía montes de até
quinhentas libras, concentrando valores, que somados, representavam 1,0% do total, com
montes mores médios calculados em ₤ 286,64. No período anterior, a porcentagem de
inventariados nessa faixa foi calculada em quase 50,0%.
Mais significativa alteração sofreram as porcentagens calculadas para a última e mais
elevada faixa de riqueza. Ainda que a alteração na porcentagem da riqueza, considerando
apenas a última faixa, não tenha sido muito expressiva, o número percentual de inventariados
mais ricos mais que dobrou. Anteriormente, eram 16,7% de inventariados concentrando
72,4% da riqueza. Agora as porcentagens são 40,0% de inventariados e 84,9% da riqueza. É
184

claro que não se pode deixar de considerar que o número menor de processos do período
1889-1900 tenha viesado o cálculo dos indicadores considerados, o que não diminui, no
entanto, a relevância desses resultados, já que esses foram também resultados alcançados no
capítulo dois.
A análise da amostra de inventários ora considerada também pode ser feita
classificando-se os processos conforme a geração a qual pertencia o inventariado. Considera-
se como de primeira geração os processos dos patriarcas das famílias analisadas, como se de
segunda o de seus filhos, de terceira o de seus netos e assim por diante. Por exemplo, os
inventários do casal Manoel Bezerra dos Reis e Alexandrina Bezerra dos Reis. Manoel
faleceu em 1871, deixando a viúva Alexandrina e um filho. Alexandrina faleceu na condição
de viúva em 1888, deixando o filho como único herdeiro. Ambos os processos foram
classificados como sendo da primeira geração. Agora, se tivesse falecido o filho deixado
pelo casal e esse processo estivesse dentro da amostra ora considerada, ele teria sido
classificado como sendo de segunda geração, sendo seus filhos de terceira e seus netos de
quarta geração.
Dessa maneira, foram localizados trinta e três processos de primeira geração, trinta e
seis de segunda, dez de terceira e um de quarta geração. Dentro de cada geração os processos
foram divididos em dois grupos: os do período 1849-1888 e os do período 1889-1900.
Em linhas gerais, a composição do patrimônio não sofre alterações significativas
entre as gerações. Como mostram os Gráficos 4.3 e 4.4, os processos do primeiro período
continuam a mostrar que os imóveis e os escravos absorviam boa parte dos recursos
disponíveis. No entanto, a composição patrimonial dos inventariados de segunda e terceira
gerações mostra uma leve diminuição na porcentagem alocada em imóveis, talvez fruto da
divisão prévia dos bens da primeira geração. A tendência da polarização dos recursos em
bens imóveis no segundo período considerado continua a ser facilmente identificada, o que
pode ter diminuído os reflexos da divisão patrimonial das gerações anteriores e seus efeitos
na composição dos patrimônios inventariados no final do período. É necessário alertar que
esses efeitos também poderiam ser minimizados se o herdeiro viesse a falecer em idade
avançada, ou se a atividade econômica por ele exercida tivesse contribuído para uma boa
acumulação patrimonial. Nessa região e nesse período, a atividade econômica que mais
proporcionava chances de acumular patrimônio era a cultura cafeeira. Não é à toa que, todos
os indivíduos da terceira geração do segundo período – 1889-1900 – eram cafeicultores e a
porcentagem do patrimônio alocada por eles em excedem as porcentagens calculadas para a
185

primeira e segundas gerações do mesmo período. As porcentagens de participação de cada


grupo de ativos, utilizadas como fonte de dados para a confecção dos Gráficos 4.3 e 4.4,
foram reproduzidas nas Tabelas 4.4 e 4.5.

Tabela 4.4
Composição dos Patrimônios Consoante Geração do Inventariado
(Ribeirão Preto, 1849-1888)

Gerações Móveis Semoventes Escravos Imóveis Dinheiro Dívida Ativa Dotes Total
Primeira Geração 1,3 5,5 21,2 53,4 1,7 17,0 0,0 100,0
Segunda Geração 4,3 7,0 27,4 48,6 1,3 11,4 0,0 100,0
Terceira Geração 1,7 4,3 20,6 72,4 0,0 0,9 0,0 100,0
Quarta Geração(a) 22,5 0,0 0,0 69,5 0,0 8,0 0,0 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
(a) A Quarta Geração contém apenas um inventário, o de Jeronimo Dias do Patricínio, falecido em 1875.

Tabela 4.5
Composição dos Patrimônios Consoante Geração do Inventariado
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

Gerações Móveis Semoventes Imóveis Dinheiro Dívida Ativa Dotes Total


Primeira Geração 4,9 1,3 79,6 5,6 7,9 0,7 100,0
Segunda Geração 0,9 2,6 72,1 7,0 17,3 0,0 100,0
Terceira Geração 1,5 4,2 87,2 0,6 6,6 0,0 100,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Gráfico 4.3
Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração
(Ribeirão Preto, 1849-1888)

100%
90%
80%
70% Dívida Ativa
60% Dinheiro
50% Imóveis
40% Escravos
30% Semoventes
20% Móveis
10%
0%
Primeira Geração Segunda Geração T erceira Geração Quarta Geração

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
186

Gráfico 4.4
Composição dos Patrimônios dos Inventariados Consoante Geração
(Ribeirão Preto, 1889-1900)

100%
90%
80%
Dotes
70%
Dívida Ativa
60%
Dinheiro
50%
Imóveis
40%
Semoventes
30%
Móveis
20%
10%
0%
Primeira Geração Segunda Geração T erceira Geração

Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

A composição média do patrimônio em determinados momentos se viu influenciada


por inventariados que se destacaram dentro da amostra. Em alguns casos, essa influência não
chegou a distorcer, ou modificar substancialmente, a composição média dos patrimônios,
mas um, em especial, alterou todo o perfil de sua geração.
Esse é o caso do inventário de Anna Gabriela Nogueira, inventariada pertencente à
terceira geração do período 1849-1888. Quando faleceu, em 1878, Anna Gabriela estava
casada com Gabriel Alfredo Diniz Junqueira e possuía duas filhas: Rita e Maria. Graças à
herança paterna de Gabriel, o casal possuía diversas partes de terra, entre elas uma na
fazenda Cascavel, em Ribeirão Preto, no valor de dez contos de réis. O valor dessa fazenda
era responsável por quase um terço dos bens do casal. Considerando o inventário de Anna, a
porcentagem de recursos da terceira geração do período 1849-1888 alocada em imóveis foi
calculada em 72,4%. Desconsiderando os bens de Anna, essa mesma porcentagem cai para
49,3%. Mais relevante que a queda na participação dos bens imóveis promovida pela
exclusão do inventário de Anna são as modificações sofridas pela participação dos cativos e
dos animais. Considerando os cativos de Anna, a participação dos escravos na composição
da riqueza da terceira geração do período 1849-1888 foi calculada em 20,6%. Agora,
excluindo-se os cativos de Anna essa mesma porcentagem cai a zero. Com os semoventes
ocorre o oposto. Desconsiderando os animais de Anna, a porcentagem alocada nesse grupo
sobe de 4,3% para 34,5%. As demais alterações podem ser observadas na Tabela 4.6.
187

Tabela 4.6
Composição do Patrimônio dos Inventariados da Terceira Geração do
Primeiro Período Com e Sem os Valores do Inventário de Anna Gabriela
(Ribeirão Preto, 1849-1888)

Considerando os Dados Excluindo-se o Processo


Grupos de Ativos do Processo de Anna de Anna
(em porcentagem) (em porcentagem)
Móveis 1,7 8,8
Semoventes ou Animais 4,3 34,5
Cativos 20,6 0,0
Imóveis 72,4 49,3
Dívidas Ativas 0,9 7,3
Dotes 0,0 0,0
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

O fato de que apenas Anna possuísse cativos e a exclusão de seu processo do cálculo
da composição média dos patrimônios fez com que toda a distribuição anteriormente vigente
fosse modificada de alguma maneira. Os bens imóveis continuaram respondendo por boa
parte dos recursos, mas os animais, que anteriormente não chegavam aos cinco por cento de
participação, passam a responder por 34,5% do patrimônio.
Em linhas gerais, são essas as características da amostra selecionada. O perfil dos
inventários ora analisados não se afasta muito daquele encontrado para o conjunto dos
processos, analisado no capítulo dois. Deste ponto em diante, em busca da existência de
alguns padrões de acumulação na sociedade analisada, analizar-se-á a trajetória das famílias
selecionadas, respeitando a divisão prévia dos processos em dois grupos: o das famílias com
maior e o das famílias com menor número de inventários. Cada família considerada tem suas
particularidades, por isso, algumas análises serão mais extensas e outras mais concisas.
Todas as informações obtidas serão utilizadas para traçar perfis de acumulação na sociedade
estudada, perfis estes que, dada a importância da localidade escolhida na época enfocada,
devem espelhar, em boa medida, os padrões de acumulação da economia cafeeira no
nordeste paulista das décadas finais dos Oitocentos.
188

Análise das Trajetórias de Acumulação de Riqueza ou de


Empobrecimento nas Famílias Com Menor Número de
Inventários

Dentre os processos analisados neste capítulo, trinta e dois fazem parte de um grupo
de quinze famílias que possuem, via de regra, o inventário de um pai ou uma mãe e depois
de um dos filhos ou cônjuge de um dos filhos. Para duas dessas famílias foram localizados
três processos, sendo a primeira dessas famílias composta pelo inventário de um dos
genitores, de uma filha e de um genro e a segunda pelos inventários de um indivíduo e de
duas das três esposas que ele possuiu.
A análise será desenvolvida observando um ponto em especial: se houve ou não
enriquecimento entre o inventário da primeira geração e o da segunda, ou entre o inventário
mais antigo e o mais recente, quando os envolvidos pertenciam à mesma geração. Para
determinar se houve ou não enriquecimento, três critérios serão utilizados, sendo dois
quantitativos e um qualitativo: a análise do valor alcançado pelo monte menor, a análise da
legítima recebida previamente e a verificação da quantidade e qualidade dos bens
inventariados.93 A análise dos inventários mostrou que as trajetórias das famílias com menor
número de inventários podem ser resumidas nas seguintes situações:
• A segunda geração, ou o segundo inventário, conseguindo ampliar o valor da
legítima recebida, ultrapassando também o valor do monte menor alcançado
por seus pais (seis casos)
• A segunda geração, ou segundo inventário, conseguindo ampliar o valor da
legítima recebida, mas sem ampliar o valor do monte menor da primeira
(quatro casos)
• A segunda geração, ou segundo inventário, não conseguindo ampliar o valor
da legítima recebida e nem o do monte menor alcançado pela primeira
geração (um caso)

93. A legítima era o valor recebido por cada filho na partilha dos bens de seus pais e a meação era a parcela dos bens que
ficava com o cônjuge remanescente, no caso de inventariados que faleciam deixando viúvos. Havia dois procedimentos para
a determinação do valor das legítimas e da meação: um no caso de inventariados que faleceram quando casados e outra
quando faleciam na condição de viúvos ou solteiros. Quando o inventariado era casado, a meação era a metade do monte
partível (monte mor menos as dívidas passivas, custas e impostos), sendo o restante dividido entre o número de herdeiros,
gerando as legítimas. Quando o inventariado era viúvo ou solteiro não havia meação, sendo o monte partível dividido entre
os herdeiros.
189

• A segunda geração, ou segundo inventário, conseguindo manter o monte


menor da geração anterior e ampliando a legítima (dois casos)
O caso de duas famílias foi considerado especial, não sendo possível enquadrá-las
nas situações descritas acima. Essas famílias serão analisadas separadamente.
Nas etapas iniciais da análise, já foi possível identificar um ponto em comum nas
famílias que enriqueceram, ou seja, nas quais a segunda geração, ou segundo inventário,
conseguiu superar o patrimônio acumulado pela primeira, alcançando também um maior
valor de monte menor: todos os inventariados da segunda geração, ou segundo inventário,
estavam envolvidos com a produção cafeeira. Dentre as quinze famílias consideradas, os
casos desse tipo são seis, como mostra a Tabela 4.7.
A composição do patrimônio desses inventariados se mostra semelhante à dos
cafeicultores analisados anteriormente, com elevada concentração de recursos nos bens
imóveis, responsáveis em média por 82,6% dos patrimônios. Em alguns casos, os imóveis
respondiam por mais de 99,0% dos recursos, sendo sua menor participação igual a 42,2%.
Os elevados valores alcançados pelos bens relacionados à produção cafeeira faziam
diminuir ainda mais a participação relativa dos demais grupos de bens. Os bens móveis
atingiram uma participação média de apenas 1,2% do total dos montes, os animais 2,7%, o
dinheiro 1,8%, as dívidas ativas 10,9% e os dotes 0,8%.

Tabela 4.7
Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ou Criação Encontrados nos Inventários das Famílias com
Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário
(Ribeirão Preto, 1875-1900)

Primeiro Inventário Atividade Produtos Segundo Inventário Atividade Produtos


Matheus dos Reis Maria Carolina dos
Lavoura - Lavoura e criação Café e suínos
Araújo Reis
Eufrozino Alves Maria Victoria da
Lavoura Café Lavoura Café
Pereira Silva
Maria Custodia de Joaquim de Souza
Lavoura Café e frutas Lavoura e criação Café e suínos
Alvarenga Mello Mello
Manoel Antonio da Antonio Alves da Negócio, lavoura e Café, bovinos, suínos,
Lavoura -
Silva Silva Roza criação secos e molhados
Ignacio Bruno da Joaquim Ignacio da
Lavoura e criação Café e bovinos Lavoura e criação Café e suínos
Costa Costa
Ubaldina Claudina de
Arlindo José Nogueira Lavoura Café Lavoura Café
São José
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

A média de monte mor dos inventariados dessas seis famílias foi calculada em
₤3.223,55 libras esterlinas, com um comprometimento médio de 19,0% desse valor na forma
190

de dívidas passivas. O valor médio alcançado pelas dívidas passivas foi de ₤1.034,36 e o
valor médio do monte menor ficou em ₤3.164,89.
Em alguns casos o valor de monte mor dos segundos inventários supera, em muitas
vezes, o valor alcançado pelo primeiro inventariado, como pode ser observado na Tabela 4.8.
Como exemplo, há o caso de Manoel Antonio da Silva e Antonio Alves da Silva Roza.
Quando faleceu, em 1877, Manoel Antonio era um modesto lavrador. Possuía algumas
partes de terra na fazenda do Sertãozinho, uma casa na capela de Nossa Senhora Aparecida –
futura vila de Sertãozinho – e uma outra na capela das Pitangueiras, além de alguns animais
para o trabalho na lavoura, para o sustento da família e outros bens móveis diversos. Seu
patrimônio alcançou os Rs 1:528$000 ou ₤ 156,99. No entanto, as dívidas que havia
contraído ainda em vida comprometeram 61,3% dos bens, restando apenas ₤ 60,81 para
serem divididos entre a viúva e os filhos. Após o desconto das custas do processo, a viúva
ficou com ₤ 22,70 e cada um dos filhos recebeu ₤ 4,54.
Dez anos mais tarde, faleceu o filho de Manoel Antonio, Antonio Alves da Silva
Roza, deixando a esposa, Luiza Pinto de São José e dois filhos, Joaquim Antonio e Jerônimo,
já casados. Antonio possuía uma casa de comércio, criava animais e era também cafeicultor.
Sua criação era formada por quarenta e seis cabeças de bovinos e noventa porcos, além de
oito eqüinos. O estoque da casa de comércio era considerável, sendo composto por fazendas,
secos e molhados, avaliados em Rs 7:205$734, ou ₤ 673,68, cuja maior parte foi vendida
antes do término do processo, aparecendo como dinheiro no momento da partilha. Seu
cafezal não era grande, formado por 4.263 pés de café já produzindo e produzindo e outros
sete mil ainda novos. O monte menor de Antonio alcançou o valor de ₤ 2.403,22, superando
em muito o valor do monte menor no inventário de seu pai e mais ainda o recebido por ele
como legítima naquela ocasião. Após descontadas as custas, a viúva ficou com ₤ 1.140,84 e
cada um dos filhos com ₤ 380,28.

Tabela 4.8
Relação das Famílias com Ampliação do Monte Menor e da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário
(Ribeirão Preto, 1875-1900)
(valores em libras esterlinas)

Monte Herança Monte Grau de


Primeiro Inventário Ano Segundo Inventário Ano
Menor Recebida Menor Parentesco
Matheus dos Reis Araújo 1875 338,18 Maria Carolina dos Reis 1893 22,92 738,08 Pai e filha
Eufrozino Alves Pereira 1892 1.840,32 Maria Victoria da Silva 1898 101,30 2.343,72 Pai e filha
Maria Custodia de Alvarenga Mello 1895 4.828,05 Joaquim de Souza Mello 1900 2.394,45 5.239,13 Esposa e esposo
Manoel Antonio da Silva 1877 60,81 Antonio Alves da Silva Roza 1887 4,54 2.403,22 Pai e filho
Ignacio Bruno da Costa 1890 3.005,47 Joaquim Ignacio da Costa 1892 98,77 8.285,53 Pai e filho
Arlindo José Nogueira 1893 2.054,24 Ubaldina Claudina de São José 1897 203,22 2.976,19 Pai e filha
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
191

Uma outra situação encontrada nas famílias ora consideradas foi aquela em que, do
primeiro para o segundo inventário, não há aumento de valor do monte menor mas há uma
ampliação significativa de valor da legítima ou meação recebida no primeiro processo
considerado. Como mostra a Tabela 4.9, são quatro as famílias nesta situação, todas
desempenhando atividades de lavoura e/ou criação. Observando a Tabela 4.10, os graus de
parentesco dos inventariados não eram variados, limitando-se a pais e filhos e uma sogra
com genro. Os valores de monte menor e de legítima ou meação previamente recebidas são
variados, mostrando que o comportamento ou dinâmica de acumulação identificada não é
específica de um grupo social determinado.

Tabela 4.9
Relação das Atividades Características e Produtos da Lavoura e/ou Criação Encontrados nos Inventários das Famílias com
Ampliação da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário mas que não Superaram o Monte Menor
(Ribeirão Preto, 1875-1900)

Primeiro Inventário Atividade Produtos Segundo Inventário Atividade Produtos


Theodolindo Joaquim Maria Eugênia de
Lavoura e criação Café e bovinos Lavoura e criação Café e bovinos
de Almeida Faria
Maria Luiza de São José Lavoura - Inocencio Parreira Lavoura -
João Evangelista de
Maria Antonia de Souza Lavoura - Lavoura -
Oliveira
Anna Antonia Leal Lavoura - Joaquim José Camito Lavoura Café, cana e milho
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela 4.10
Relação das Famílias com Ampliação da Legítima ou Meação Recebida no Primeiro Inventário mas que não Superaram o Monte Menor
(Ribeirão Preto, 1875-1900)
(valores em libras esterlinas)

Monte Herança Monte Grau de


Primeiro Inventário Ano Segundo Inventário Ano
Menor Recebida Menor Parentesco
Theodolindo Joaquim de Almeida 1894 29.941,30 Maria Eugênia de Faria 1896 2.138,66 11.931,88 Pai e filha
Maria Luiza de São José 1894 529,62 Inocencio Parreira 1900 32,45 185,27 Mãe e filho
Maria Antonia de Souza 1875 161,05 João Evangelista de Oliveira 1882 8,48 48,51 Mãe e filho
Anna Antonia Leal 1884 410,91 Joaquim José Camito 1891 51,35 208,28 Sogra e genro
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Em um dos casos, o inventariado de segunda geração não conseguiu superar o monte


menor alcançado pela primeira geração por não desempenhar atividades que permitissem tal
acumulação, sendo a renda obtida suficiente apenas para ampliação da legítima previamente
recebida. Esse é o caso de Maria Antonia de Souza e de seu filho João Evangelista de
192

Oliveira. No momento de seu falecimento, Maria Antonia era casada com Manoel Rodrigues
de Freitas e possuía oito filhos. A família vivia da lavoura e pequena criação de animais em
terras da fazenda do Sertãozinho, adquiridas por herança do pai de Maria Antonia. No
momento da partilha, essas terras, avaliadas em ₤ 129,84, e os demais bens foram divididas
entre os herdeiros, ficando uma pequena parte delas com João Evangelista. Anos mais tarde,
João morre, deixando mulher e dois filhos. Entre seus bens existem trinta e três alqueires de
terra e uma casa coberta de palha na fazenda do Bananal, uma égua e quatro vacas com cria.
As atividades agrícolas desempenhadas pelo inventariado eram suficientes para garantir o
sustento de sua família e a ampliação da pequena legítima recebida no momento da morte de
sua mãe, mas não permitiu que seu patrimônio superasse o de seus genitores.
Em outro caso, a atividade desempenhada pela segunda geração permitiu a ampliação
da legítima recebida e seguramente permitiria a superação do valor de monte menor
alcançado pela primeira, mas a morte prematura dos envolvidos fez com que esse processo
fosse interrompido.
Por exemplo, nos inventários de Theodolindo Joaquim de Almeida e sua filha, Maria
Eugênia de Faria. Esses dois inventariados, pai e filha, possuem os maiores patrimônios
desse grupo de inventariados. Theodolindo, falecido em Ribeirão Preto no ano de 1894, era
casado em segundas núpcias com Emília de Paula Almeida. Com a primeira esposa, o
inventariado havia tido apenas uma filha, Maria, sendo os demais seis filhos fruto de seu
casamento com Emília. Theodolindo era um próspero cafeicultor, possuindo mais de
duzentos mil, sendo 132 mil já formados e produzindo, além de animais para o trabalho na
lavoura e o sustento da fazenda. Possuía também várias partes de terra na fazenda da
Figueira, quarenta e nove casas de colonos, terreiro ladrilhado, tulha e máquina de beneficiar
café. Seu monte menor alcançou o valor de ₤ 29.941,30, ficando cada herdeiro com ₤
2.138,66.
Dois anos depois, em 1996, morre a filha Maria, deixando o viúvo, José Joaquim de
Faria e três filhos. O marido de Maria também era cafeicultor, possuindo diversas partes de
terra e cafezais em Cravinhos, onde viviam, e em Descalvado. Seus cafezais eram compostos
por mais de 130 mil pés, dos quais cinqüenta mil em Cravinhos e o restante em Descalvado.
Os cafezais localizados nesta última cidade eram mais antigos, havendo entre eles 27.100 já
velhos. Muitos dos pés de café que possuíam em Cravinhos estavam ainda em processo de
formação, sendo treze mil já formados e produzindo. Além das terras e dos cafezais, o
inventário arrolava dezenove casas para colonos, duas olarias, casas de morada e uma tulha.
193

Os bens possuídos por esse casal não foram herdados por Maria no inventário de seu pai,
sendo fruto, portanto, do trabalho de seu marido e da atividade deste como cafeicultor. O
monte menor do inventário de Maria alcançou o valor de ₤ 11.931,88, pouco mais de um
terço do monte menor de seu pai no momento de sua morte.
Apesar do patrimônio de Maria não ter alcançado o patrimônio acumulado por seu
pai, as duas famílias tinham um padrão de vida muito acima da média ribeirãopretana da
época, padrão atingido graças ao café, principal atividade dos envolvidos. É evidente que não
se trata de duas situações semelhantes, pois a morte chegou para a Maria bem mais cedo que
para seu pai, o que seguramente afetou a acumulação de patrimônio de sua família.
A terceira situação identificada nas famílias consideradas foi aquela em que nem o
valor da legítima recebida previamente nem o valor do monte menor alcançado pela primeira
geração foi superado, casos dos inventários de Ananias José dos Reis e sua filha e genro
Manoel Antonio da Cunha e Francisca Joanna Nepomuceno. Em 1881, faleceu Ananias, na
condição de viúvo, deixando os filhos como herdeiros. Seu monte menor alcançou o valor de
₤ 3.753,91, recebendo cada um dos filhos o valor de ₤ 824,07. Três anos mais tarde, foi
aberto o inventário de seu genro e de sua filha. Praticamente todos os bens arrolados eram
oriundos da herança recebida por Francisca Joanna no inventário de seu pai. No entanto,
alguns bens não alcançaram os mesmos valores de três anos antes, atingindo valores
significativamente menores. Essa desvalorização se deu nos escravos possuídos pelo casal.
No momento do inventário de Ananias, Francisca Joanna e Manoel receberam 44,9% da
legítima de Francisca na forma de cativos, que alcançaram o valor de Rs 4:200$000 ou ₤
383,04. No momento do inventário do casal, esses mesmos cativos alcançaram o valor de ₤
163,78. Um outro fator que contribuiu para o reduzido valor de monte menor foi o montante
de dívidas passivas que os inventariados possuíam. Eram dívidas diversas, a maior parte com
parentes, avaliadas em Rs 4:251$501, comprometendo 65,2% do monte mor. O monte
menor ficou em ₤ 195,51, valor que não chegou ao da legítima recebida previamente.
Em duas famílias, foi mantido o valor alcançado pelo monte menor do inventário
anterior, sendo ampliado o valor da legítima ou meação recebida. O primeiro desses casos é
o de Alexandrina Bezerra dos Reis. É possível observar o patrimônio de Alexandrina em
dois momentos no tempo, o primeiro por ocasião do falecimento de seu marido, Manoel, em
1871, e o segundo no momento de sua própria morte, em 1888.
No momento do falecimento de seu marido, ocorrido em 1871, o patrimônio do casal
era composto por diversos bens móveis, alguns animais, oito cativos e diversas partes de
194

terra, que alcançaram o valor de ₤ 483,16. Após descontadas as dívidas passivas, constituídas
por algumas pequenas dívidas com comerciantes e moradores da região, o monte menor
alcançou o valor de ₤ 419,41. Após receber a metade desses bens, Alexandrina vendeu os
imóveis rurais e os animais, e com o dinheiro obtido comprou duas casas na vila de Ribeirão
Preto. Quando faleceu, o valor dessas duas casas correspondia ao valor de todos os bens
possuídos por seu extinto casal, ₤ 420,83. Como não possuía dívidas passivas, seu monte
menor atingiu igual valor, sendo Alexandrina beneficiada pela valorização generalizada de
terras e imóveis ocorrida em Ribeirão Preto na época de seu falecimento, fruto da euforia
cafeeira.
Um outro caso semelhante foi o do casal Joaquim Olympio dos Santos e Antonia
Bebita dos Santos. O primeiro a falecer foi Joaquim, em 1896. Como o casal não possuía
filhos e nem outros herdeiros, todos os bens deixados por Joaquim foram herdados por
Antonia. O patrimônio era constituído por alguns bens móveis diversos – a mobília da casa e
alguns outros utensílios domésticos – um terreno no Núcleo Colonial Antonio Prado e quatro
casas na vila. Esses bens foram avaliados em Rs 10:950$000 ou ₤ 410,62. As dívidas
passivas eram poucas, limitando-se às despesas com o funeral e aos gastos com a
enfermidade final do inventariado. O monte menor alcançou o valor de ₤ 361,98, valor
recebido integralmente pela viúva herdeira. Dois anos mais tarde, morre Antonia. Seu
inventário mostra que ela conservou quase todos os bens deixados por seu finado marido,
com exceção dos bens móveis, que podem ter sido deixados de lado no avaliação dos bens
por mudanças na maneira de se redigir o inventário.94 O valor alcançado pelos imóveis foi
um pouco menor do que o anterior, ao contrário do ocorrido no inventário de Alexandrina,
ficando o monte mor em ₤ 302,94 e o monte menor no mesmo valor, pois a viúva não
possuía dívidas passivas. Na realidade, esse montante foi resultado de uma segunda
avaliação, requerida pelo herdeiro instituído por Antonia, seu irmão Salomão. Nos casos de
herdeiros não diretos, ou seja, que não eram filhos e nem cônjuges dos inventariados, havia
cobrança de impostos adicionais, porcentagens sobre o valor herdado. Se aceita a primeira
avaliação, os imóveis valeriam Rs 16:400$000 ou ₤ 487,05 libras e não ₤ 302,94.
Possivelmente, o herdeiro instituído pediu essa segunda avaliação com o objetivo de pagar
menos impostos. Se tivesse vigorado o valor da primeira avaliação, os bens imóveis de
Joaquim tiveram uma valorização de 53,3% em apenas dois anos.

94. Conforme avançam os anos, os inventários passam a ser mais resumidos, muitas vezes limitando-se à descrição dos bens
imóveis. Como alertou Alcântara Machado, os inventários da época atual são como balanços, mostrando os débitos e
créditos, não são ricos de informação como os mais antigos.
195

As duas famílias restantes são os casos especiais mencionados anteriormente.


Tratam-se das famílias de Felícia Maria de Jesus e José Antonio de Mello. Cada uma dessas
famílias possui três inventários. Na família de Felícia, são os inventários dela, de uma filha e
de um genro. Na família de José Antonio são os inventários dele e de mais duas esposas.
Felícia Maria de Jesus faleceu em Ribeirão Preto no ano de 1887. No mesmo ano, foi
aberto o inventário de seu genro José Silvério, casado com uma de suas filhas, Anna
Angélica de São José. Os inventários de Felícia e de José Silvério correram
simultaneamente, sendo o inventário de José Silvério concluído um dia antes que o de
Felícia, fazendo com que a legítima recebida por Anna Angélica no inventário de sua mãe
ficasse resguardada da divisão de bens por ocasião da morte de José Silvério. Os valores de
monte menor e legítimas da família de Felícia podem ser observados na Tabela 4.11.

Tabela 4.11
Valores de Monte Menor e Legítimas da Família de Felícia Maria de Jesus
(Ribeirão Preto, 1887-1891)
(valores em libras esterlinas)

Herança Recebida de
Inventariado Ano Monte Menor
Felícia
Felícia Maria de Jesus 1887 - 605,41
José Silvério do Nascimento 1887 - 154,73
Rita Maria da Costa 1891 24,06 333,97
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Os bens constantes do inventário de Felícia eram variados, mostrando que a família


vivia confortavelmente. Entre os bens móveis alguns que podem ser considerados de luxo,
tais como um colar de ouro, uma capa de casimira e um xale de seda para senhora. O
rebanho da família não se limitava ao autoconsumo, sendo trinta e oito cabeças de bovinos,
quatro eqüinos e vinte suínos. As terras da família estavam localizadas na fazenda do
Sertãozinho, onde a família residia numa casa de morada coberta de telhas. Na fazenda
cultivavam-se gêneros alimentícios, tais como o milho. No momento do inventário, eram
quinze os carros de milho estocados, avaliados em Rs 105$000 ou ₤ 9,82. Além das terras da
fazenda do Sertãozinho, o inventário arrolava também uma pequena parte de terras de oito
alqueires na fazenda da Lagoa Dorada, em Minas Gerais. Para ajudar no trabalho, Felícia e
seu esposo Felício contavam com a ajuda do cativo Francelino, de trinta e nove anos de
idade. O patrimônio alcançou o valor de ₤ 605,41, mesmo valor do monte menor, já que não
196

havia passivo a ser descontado. O viúvo Felício José Baptista ficou com a metade desse
valor, sendo o restante dividido entre doze filhos.
O inventário de José Silvério arrola um patrimônio mais modesto: três vacas, dois
novilhos, nove eqüinos, terras e benfeitorias na fazenda do Sertãozinho. Os montes mor e
menor alcançaram o mesmo valor, pois não havia passivo, ₤ 154,73, ficando a metade com a
viúva e o restante sendo dividido entre oito filhos do casal. Cada filho de José e Anna
recebeu a quantia de ₤ 8,50, ou Rs 90$937.
Quatro anos mais tarde, morre uma das filhas de Felícia e Felício, Rita Maria da
Costa. No momento de sua morte, Rita estava casada com Lúcio Baptista da Costa, com
quem possuía dez filhos. Os bens do casal eram diversos, alguns bens móveis, outros poucos
animais, partes de terra e cafezais. As terras estavam localizadas na fazenda Santo Antonio
da Boa Vista, próxima da fazenda Sertãozinho, e o cafezal era modesto, apenas quatro mil
pés já formados. O monte mor do casal alcançou o valor de ₤ 340,19 e o monte menor ₤
333,97. O valor do passivo era reduzido, apenas ₤ 6,23, referente aos gastos com o enterro e
os medicamentos utilizados pela inventariada durante sua enfermidade.
Pode-se dizer que Felícia e seu esposo, Felício, são exemplos da elite ribeirãopretana
antes da chegada do café. Viviam com um certo conforto, criavam animais e cultivavam
gêneros alimentícios. Essas atividades asseguravam o sustento da família a ainda permitiam
a compra de alguns bens que podem ser considerados de luxo para a época e para a região
em questão.
A análise do inventário do genro de Felícia mostra que ele e sua esposa Anna
Angélica viviam uma modesta se comparada à de Felícia e Felício, possuindo apenas
algumas terras e animais, produzindo apenas para sua própria subsistência. Como José
Silvério vivia perto dos sogros, não é descabido supor que a família de sua esposa o ajudava
de alguma maneira, garantindo a manutenção dele, inventariado, de Anna Angélica e de seus
filhos.
O inventário da outra filha de Felícia, Rita Maria, mostra uma melhor situação. A
atividade de seu esposo, a cafeicultura, permitiu um certo acúmulo patrimonial. Ainda que
seu cafezal fosse pequeno, já estava formado e produzindo há pelo menos cinco anos quando
o inventário foi aberto. Dessa forma, a filha e o genro de Felícia conseguiram um monte
menor bem maior do que o de José Silvério e Anna Angélica, e o café aparece novamente
como fator determinante na expansão do patrimônio herdado da geração anterior.
197

A outra família a ser analisada de forma especial é a de José Antonio de Mello. O


primeiro inventário dessa família é o de Maximiana Angélica de Souza, cujo inventário foi
aberto em Ribeirão Preto no ano de 1849. Quando faleceu, Maximiana era casada com José
Antonio de Mello, viúvo inventariante. O casal deixou quatro filhos, Anna Marcelina,
Generoza, Inocência e José. Entre os bens do casal, encontram-se diversas partes de terra nas
fazendas do Sertãozinho, Bananal, Barra do Onça, Palmital e Boa Vista, todas possuídas em
conjunto com outros moradores da região. Esses eram os bens mais valiosos do inventário,
alcançando o valor de ₤ 332,81. Como o casal não possuía dívidas passivas, o monte mor e o
menor tiveram o mesmo valor, ₤ 379,47. Essa quantia foi dividida entre o viúvo e os filhos,
ficando cada filho com ₤ 46,97 e José com ₤ 184,93.
Logo após a morte de Maximiana, José contrai novas núpcias Maria Cândida de
Oliveira, com quem tem mais quatro filhos, Gabriela, Vigilato, José e Pedro. O inventário de
Maria é aberto em Ribeirão Preto no ano de 1869. O patrimônio da família de José se mostra
aumentado pelo recebimento de sua herança paterna – o pai de José chamava-se Joaquim
Rodrigues da Rocha – e pelo recebimento da herança de sua falecida irmã, Anna Benedita de
Oliveira, além da herança de seu finado sogro, João de Oliveira Rocha. O recebimento
dessas heranças só pôde ser percebido graças a descrição dos imóveis pertencentes ao
patrimônio de José no momento em que faleceu sua segunda esposa, quando era informada a
maneira pela qual tal parte de terras havia sido adquirida. As terras e imóveis do inventário
alcançaram o valor de ₤ 368,60 , e o monte menor totalizou ₤ 392,92. O viúvo ficou com a
metade e o restante foi dividido entre os filhos do casal, recebendo cada herdeiro filho o
valor de ₤ 45,19.
No ano seguinte, morre José, com aproximadamente sessenta e quatro anos de idade
e casado, dessa vez com Francelina Maria de Jesus. O casal não teve filhos, sendo os
herdeiros a viúva e os filhos que José teve com suas duas esposas anteriores. Quando
faleceu, José já havia perdido um filho, Pedro, fruto de seu segundo consórcio.
Os efeitos da partilha dos bens de seu segundo casal não passam desapercebidos
quando da análise do patrimônio inventariado no momento da morte de José. Os bens
imóveis alcançaram o valor de ₤ 275,14 e o monte mor ficou em ₤ 288,44. No entanto, o
inventariado havia contraído algumas dívidas com herdeiros, maridos de duas de suas filhas,
que foram descontadas no momento da divisão dos bens, fazendo reduzir o valor do monte
mor para ₤ 245,46. A viúva inventariante ficou com a metade do patrimônio remanescente,
recebendo cada filho a legítima de ₤ 14,89.
198

A atividade desempenhada por José não foi fator determinante na sua trajetória de
acumulação de bens. O fator que mais limitou a expansão do seu patrimônio foi a
proximidade de sua morte e a da morte de sua segunda esposa. Tendo tão pouco tempo
disponível, José não conseguiu recuperar o valor dos bens que teve que dispor, ficando o
patrimônio deixado aos seus herdeiros um pouco reduzido.
Essas foram, então, as trajetórias de acumulação ou de empobrecimento verificadas
com a análise das quinze famílias com menor número de inventários. Foi possível quatro
situações, ou quatro dinâmicas distintas: o segundo inventário, conseguindo ampliar o valor
da legítima recebida e do monte menor do inventário anterior; o segundo inventário
conseguindo ampliar o valor da legítima recebida, mas sem ampliar o valor do monte menor
do primeiro; o segundo inventário não conseguindo ampliar o valor da legítima recebida e
nem o do monte menor alcançado pela primeira geração; e o segundo inventário,
conseguindo manter o monte menor da geração anterior e ampliando a legítima. Agora serão
analisadas as famílias com maior número de processos. Durante a descrição dos inventários
envolvidos, será possível perceber que em muitos casos as situações de acumulação ou
empobrecimentos identificadas nas famílias com menor número de processos continuam a
ser verificadas, contribuindo para traçar alguns padrões de acumulação na sociedade
analisada.

Análise das Trajetórias de Acumulação de Riqueza ou de


Empobrecimento nas Famílias Com Maior Número de
Inventários95

Família de João Manoel de Pontes

Essa família está no território ribeirãopretano desde a primeira metade do século


XIX. O patriarca da família, João Manoel de Pontes, e sua segunda esposa, Anna Benedita

95 Os inventários da família Junqueira não serão analisados neste trabalho, apesar de terem sido considerados nas análises
anteriores. Essa decisão se deve ao fato de já existirem diversos trabalhos que relatam a trajetória dessa família, tais como:
BASTOS, A. D. J. Lendas e Tradições da Família Junqueira. São Paulo: Hucitec, 1890; JUNQUEIRA, O. D. Nossas
Origens. Rio de Janeiro: Linej, 1982; BROTERO, F. de B. Memórias e Tradições da Família Junqueira.São Paulo, s.n.,
1957; GAETA, M. A. J. da V. A flor do café e o caldo da cana: os caminhos de Sinhá e Quito Junqueira. Ribeirão Preto:
Fundação Sinhá Junqueira, 1990.
199

de Oliveira, aparecem na lista nominativa de 1835 vivendo no Quarteirão do Ribeirão da


Onça, provavelmente em terras da Fazenda do Sertãozinho do Mato Dentro.
João Manoel era natural de Baependi, Minas Gerais, batizado em 2 de julho de 1787,
filho de Ignacio Manoel de Pontes e Ursula Maria de Jesus. Sua primeira esposa, Escolástica,
nasceu provavelmente em 1795, em Ouro Fino, Minas Gerais. O casamento ocorreu na
mesma Ouro Fino, em 23 de agosto de 1812. Escolastica faleceu em 1823, deixando o viúvo
e os filhos Manoel Jacintho, Antonio Maciel, Cândida Maria e Floriana. No mesmo ano de
1823, João casa-se novamente, desta vez com Anna Benedita de Oliveira. Anna nasceu por
volta de 1801, em Cotia, São Paulo, tendo como pais Joaquim Rodrigues da Rocha e
Matildes Maria de Oliveira. O casamento com João foi celebrado em setembro, na cidade de
Caldas, em Minas Gerais. (MARTINS, 1998, p. 367-368)96
Logo após o falecimento de sua primeira esposa, João decidiu mudar-se para terras
paulistas, partindo com a segunda esposa, os quatro filhos, alguns agregados e três cativos.
Na mesma época, vieram seus irmãos Domiciano Manoel de Pontes e Ignacio Manoel de
Pontes, além dos irmãos de sua segunda esposa, José Antonio de Melo, Antonio Rodrigues
da Rocha, conhecido também como Antonio Joaquim da Rocha, e sua sogra, Matildes Maria
de Oliveira. (MARTINS, 1998, p. 367-368)
Em 1835, viviam num mesmo fogo João, sua segunda esposa e os filhos, Cândida
Maria e Antonio Maciel, e vivia da lavoura de subsistência e da criação de gado. No ano de
1835, a família produziu seis carros de milho e cinco alqueires de feijão, informando renda
anual de Rs 30$000. Não há informações sobre a criação de animais, sendo apenas anotado
que a criação era de gados. Para o trabalho na lavoura e o cuidado com os animais, a família
contava com a ajuda de sete cativos, cujas características e particularidades são apresentadas
na Tabela 4.12.
Ainda que o recenseador não tenha informado as relações de parentesco dos cativos
relacionados, é provável que Catarina fosse casada com Joaquim e que alguma ou algumas
das crianças do plantel fossem fruto dessa união. Da mesma maneira, há a possibilidade de
algumas crianças serem filhos da solteira Tereza. As duas hipóteses são reforçadas pelo fato
de todos os adultos serem de origem africana e todas as crianças de origem nacional.

96. Algumas informações foram obtidas no site Family Search, www.familysearch.org


www.familysearch.org. As informações do site, sempre que
possível, são confirmadas utilizando-se como base outras fontes, tais como a Lista Nominativa de 1835, as Listas de
Qualificação de Votantes de São Simão e Ribeirão Preto, do período 1847-1889 e os próprios inventários post-mortem
utilizados na presente pesquisa.
200

Conforme informações de Martins, Catarina, Joaquim e Tereza já eram escravos da família


desde que esta vivia em Minas Gerais.

Tabela 4.12
Cativos de João Manoel de Pontes e Anna Benedita
(São Simão, 1835)

Nome Idade Cor Estado Conjugal Nacionalidade


Escolastica 3 Preta Solteiro Brazileira
Tereza 22 Preta Solteiro Africana
Catarina 26 Preta Casado Africana
Teodorio 1 Preta Solteiro Brazileiro
João 6 Preta Solteiro Brazileiro
Francisco 10 Preta Solteiro Brazileiro
Joaquim 30 Preta Casado Africano
Fonte: Lista Nominativa de São Simão, 1835.

Alguns anos mais tarde, provavelmente em 1847, morre João Manoel. Seu inventário
é aberto em 1849, na então vila de São Simão, pela viúva meeira Anna Benedita, que faleceu
pouco tempo depois. Assume como inventariante o filho de João, Manoel Jacintho.
Considerando as datas aproximadas de batismo, João faleceu com sessenta anos e Anna com
quarenta e oito. Foram declarados herdeiros os quatro filhos de João com sua primeira
esposa, Escolástica: Antonio Maciel, Manoel Jacintho, Floriana e Maria Cândida, sendo as
duas últimas já falecidas.
O patrimônio do casal era considerável, formado principalmente por terras, animais e
escravos, como mostra o Gráfico 4.5. A principal parte de terras era a da fazenda
Sertãozinho, responsável por 96,7% do valor total dos imóveis e mais de seis décimos do
valor alcançado pelo monte mor. A grande fazenda do Sertãozinho tinha extensão de
aproximadamente 13.768 alqueires, abrangia a bacia do córrego do Sertãozinho e fazia divisa
com as fazendas do Pontal, do Bom Sucesso, das Contendas, das Posses, de Santo Antonio
da Boa Vista dos Pimentas, de Santo Antonio da Boa Vista, do Laureano, do Retiro, do
Lageado, do Palmital, da Boa Vista e do Bananal.(MARTINS, 1998, p. 367) Além das terras
da Sertãozinho, a família possuía também algumas outras partes apossadas ao redor da
grande propriedade, nos locais denominados: Bananal, Barra do Onça, Água Branca e
Palmital.
201

Gráfico 4.5
Composição do Patrimônio de João Manoel de Pontes e Anna Benedita
de Oliveira
(São Simão, 1849)

Dívida Ativa Móveis


0,7% 0,3%
Animais
11,5%

Escravos
18,7%

Imóveis
68,8%

Fonte: Inventário de João M anoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira. Fórum de São Simão,
Segundo Ofício, caixa 1.

A principal atividade desse ramo da família Pontes era a criação de gado. O rebanho
avaliado era composto basicamente por bovinos, responsáveis por mais de quatro quintos do
valor alocado em animais, como pode ser observado na Tabela 4.13. O caráter criatório fica
comprovado quando se analisa a composição desse rebanho. Conforme o Gráfico 4.6, quase
a totalidade do rebanho era formada por vacas e novilhos, somando estes, 170 das 180
cabeças arroladas. Para o trabalho no campo e a lida com os animais, a família possuía cinco
bois de carro, uma besta de carga e sete cavalos. Identifica-se também uma pequena criação
de eqüinos, formada por onze éguas e oito potros, além, é claro, dos sete cavalos citados
anteriormente. Para a subsistência, os Pontes criavam vinte porcos, seis grandes e quatorze
pequenos. Também havia cinco marroás, que eram bovinos selvagens apresados no campo.
Tanto o trabalho na lavoura quanto o da criação continuavam a serem feitos com a
ajuda do braço cativo. O plantel da família, que em 1835 era composto pelos cativos
apresentados na Tabela 4.12, se viu ampliado em apenas um elemento, como mostra a
Tabela 4.14. Alguns desses cativos já estavam com a família em 1835: o casal Joaquim e
Catarina, e o escravo Francisco. É possível que o cativo Theodoro Buanto, de 1849, seja o
mesmo Teodorio, de 1835. No entanto, enquanto Teodorio foi classificado como de origem
nacional, o Theodoro de 1849 aparece como Buanto, indicando ser de origem africana.
202

Tabela 4.13
Criação de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira
(São Simão, 1849)

Valor Total em Valor Médio em


Tipo de Animal Quantidade
Libras Libras
Bovinos 180 290,18 1,61
Eqüinos 26 31,37 1,21
Muares 1 2,16 2,16
Porcos 20 1,08 0,05
Ilegíveis 5 1,62 0,32
Total 232 326,40 1,41
Fonte: Inventário de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira. Fórum de
São Simão, Segundo Ofício, caixa 1.

Gráfico 4.6
Composição dos Bovinos de João Manoel de Pontes e
Anna Benedita de Oliveira(a)
(São Simão, 1849)

Novilhos e Garrotes
(51)

Marroás (5)
Bois de Carro (5) Vacas (119)

Fonte: Inventário de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira. Fórum de São Simão,
Segundo Ofício, caixa 1.
(a) Os valores entre parênteses são as quantidades de cada tipo de bovino especificado.

A idade média do plantel, que em 1835 era de quatorze anos, passa a ser de 22,8 e o
número de mulheres passa de três para apenas uma. Essas modificações indicam que João
Manoel buscou ampliar a força de trabalho de sua massa cativa, vendendo mulheres e
comprando elementos do sexo masculino, sempre que possível, em idade produtiva.
A partilha ocorreu em novembro de 1849, na vila de Casa Branca. De acordo com os
autos, João Manoel não deixou testamento, mas sua viúva, Anna Benedita, sim. Reservando
para si sua terça, nomeou três herdeiros e deixou legado para a afilhada, filha do herdeiro
Manoel Jacintho de Pontes. Os demais herdeiros instituídos pelo testamento de Anna foram:
seus irmãos Antonio Rodrigues da Rocha e José Antonio de Melo, além de João Rodrigues
203

de Oliveira, que possivelmente possuía também algum laço de parentesco com a testadora,
laço este ainda não identificado. Cada um dos filhos de João Manoel recebeu como herança a
quantia de Rs 4:243:530, ou ₤ 457,42. Além dos filhos, receberam também parte da herança
seus netos, filhos das filhas já falecidas, Maria Cândida e Floriana Maria.

Tabela 4.14
Cativos de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira
(São Simão, 1849)

Nome Idade Estado Conjugal


Joaquim De Nação 40 Casado
Catarina De Nação 40 Casado
Joaquim Congo 33 -
Francisco Crioulo 20 -
Theodoro Buanto 16 -
Luis Crioulo 13 -
Bento Crioulo 12 -
Vicente Cabro 8 -
Fonte: Inventário de João Manoel de Pontes e Anna Benedita de Oliveira. Fórum
de São Simão, Segundo Ofício, caixa 1.

No mesmo ano, 1849, é aberto outro inventário da família Pontes, o de Bárbara


Maria de Cerqueira, nora de João Manoel. Bárbara era natural de Caldas, Minas Gerais, filha
de José Quirino de Souza Benevides e Anna Angélica de Souza. Foi batizada em 1817 e
casou-se com Manoel Jacintho de Pontes, filho de João Manoel, em setembro de 1833.
Manoel Jacintho, que já era adulto quando seu pai decidiu mudar-se de Minas Gerais,
aparece vivendo em fogo independente na lista de 1835, com vinte e cinco anos de idade, no
quarteirão do Ribeirão da Onça, na companhia da esposa Bárbara e da filha Francisca, de
apenas um ano de idade. As atividades declaradas foram a criação de gado e a lavoura. Sua
renda anual era de Rs 28$000 e não havia informação sobre a produção agrícola. Possuía
somente um cativo, Joaquim, de vinte e cinco anos de idade.
No processo de inventário de Bárbara, foram qualificados como herdeiros, além do
viúvo, os cinco filhos do casal: Francisca Maria de Jesus, quatorze anos, casada com Manoel
Luiz Ferreira; Anna, doze anos, solteira; João, dez anos; Constantina Maria de Jesus, oito
anos; e Antonio, cinco anos.
A composição do patrimônio, mostrada no Gráfico 4.7, mostra uma dinâmica
diferente daquela observada no inventário de seu pai, João Manoel. Manoel Jacintho não
possuía nenhum bem tão valioso quanto a grande fazenda de seu pai, por isso, o valor de seu
204

patrimônio alcançou montante tão pequeno, se comparado com o patrimônio de João


Manoel. O cativo Joaquim já não estava sozinho, vivendo em companhia de sua mulher,
Tereza e provavelmente dos filhos Bernardo e Ignacio, o primeiro de três anos e o segundo
ainda bebê. Nesses cativos estava investido mais da metade do patrimônio da família. A lista
de bens móveis era bem diversificada, havendo desde trastes de casa até espingardas,
descaroçadores de algodão e rodas de fiar.
Manoel Jacintho, tal como o pai, criava gado. No entanto, seu rebanho era muito
menor. A criação de bovinos contava apenas com trinta e três cabeças, das quais quatorze
eram vacas, dezesseis bezerros ou novilhos e três bois de carro. Além dos bovinos, havia
também um cavalo, uma égua e dois potros. Não foram arroladas outras criações, nem a de
porcos. As terras e as benfeitorias possuídas alcançaram baixo valor, constituídas por
algumas posses e uma pequena parte de terras na fazenda do Sertãozinho. As dívidas
passivas e as ativas também eram pequenas, sendo os devedores ativos e os passivos
moradores das redondezas.
Esse patrimônio já incluía o valor recebido por Manoel no inventário de seus pais, no
entanto, o valor do monte mor foi menor do que o de seu legado, indicando que o viúvo de
Bárbara, até o momento do falecimento de sua esposa, não tinha agregado valor ao
patrimônio que havia herdado, ao contrário, já havia feito com que ele diminuísse.

Gráfico 4.7
Composição do Patrimônio de Bárbara Maria de Cerqueira e
Manoel Jacintho de Pontes
(São Simão, 1849)

Dívida Ativa Móveis


1,3% 1,6%
Animais
16,2%
Imóveis
22,5%

Escravos
58,4%

Fonte: Inventário de Bárbara Maria de Cerqueira. Fórum de São Simão, Segundo Ofício, caixa 1.
205

No momento da partilha, Manoel Jacintho ficou com a metade dos bens de seu casal.
O monte mor, que havia alcançado o valor de ₤ 341,32, se viu reduzido a ₤ 313,16 após o
desconto das dívidas passivas e das custas judiciais. O viúvo recebeu a metade dos bens, no
valor de ₤ 156,58 e cada um dos filhos ₤ 31,32.
Passado algum tempo do falecimento de sua primeira esposa, Manoel Jacintho casa-
se novamente, desta vez com Rita Maria das Virgens, tendo mais seis filhos. Não foram
encontradas maiores informações sobre Rita, mas sabe-se que ela foi inventariante de
Manoel Jacintho, que faleceu em agosto de 1882. Seu inventário mostra um patrimônio
modesto, bem menor do que aquele arrolado no momento do falecimento de sua primeira
esposa. Foram arrolados alguns poucos bens móveis, animais, terras e uma escrava. A
composição de seu patrimônio pode ser observada no Gráfico 4.8.
A pequena criação de animais se viu reduzida a apenas um cavalo e seis bois de
carro. O plantel de cativos, que em 1849 contava com quatro elementos, passa a contar com
apenas um. A lista de bens móveis, que anteriormente possuía uma certa variedade de bens,
passa a ser composta por apenas um carro ferrado, uma serra e uma máquina de costura.

Gráfico 4.8
Composição do Patrimônio de Manoel Jacintho de Pontes e Rita Maria
das Virgens
(Ribeirão Preto, 1882)

Móveis
3,6%

Animais
3,8%

Imóveis
81,7%
Escravos
10,9%

Fonte: Inventário de Manoel Jacintho de Pontes. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Primeiro Ofício,
caixa 5.

No momento da partilha, os onze filhos – cinco do primeiro casamento e seis do


segundo – tiveram pouco a receber. O monte mor alcançou o total de ₤677,81, descontadas
as dívidas passivas e as custas do processo esse valor se viu reduzido a ₤637,07. Novamente,
206

vale ressaltar que grande parte desse valor é referente a parte de terras na fazenda do
Sertãozinho. Essa parte de terras não é a mesma avaliada em 1849, pois aquela havia sido
dividida entre os herdeiros, não ficando com o viúvo inventariante. Isoladamente, essa nova
parte de terras da fazenda do Sertãozinho foi avaliada em ₤529,19, ou seja, quase quatro
quintos do valor alcançado pelo monte mor. No final da partilha, a viúva recebeu ₤318,53 e
cada um dos herdeiros ₤28,96.
Entre a morte de Bárbara (1849) e a de Manoel Jacintho (1882) morrem mais duas
pessoas desse ramo da família Pontes, a esposa de um dos filhos do segundo consórcio de
Manoel, Constância Ignez Barboza, e o marido de uma de suas netas, Jerônimo Dias do
Patrocínio. Constância era casada com Joaquim Manoel de Pontes e tinha duas filhas: Anna e
Maria Joaquina. Anna era casada com Jerônimo Dias do Patrocínio.
Constância faleceu em meados da década de 1860 e seu inventário demorou mais de
dez anos para ser aberto. Quando intimado, o viúvo, Joaquim Manoel de Pontes, alegou que
não possuía bens suficientes para um processo, já tendo dividido com suas filhas os bens
remanescentes do seu desfeito casal. Cada filha recebeu uma vaca no valor de ₤3,45 e uma
parte de terras avaliada em ₤7,96. Essa intimação ocorreu porque um dos genros do casal,
Jerônimo Dias do Patrocínio, havia falecido.
Jerônimo era casado com Anna e tinha três filhos: Antonio de seis anos, Manoel de
dois anos e José, de nove meses de idade. A viúva inventariante declarou possuir poucos
bens, alguns bens móveis diversos e partes de terras, conforme as Tabelas 4.15 e 4.16. Além
desses bens, o inventário arrolava também algumas dívidas ativas e passivas, formadas por
pequenos valores a receber ou a pagar a moradores da própria localidade e à igreja.
O monte mor alcançou ₤37,27 libras. Desse valor descontou-se o valor das dívidas
passivas e o valor de uma missa. Não houve partilha, pois o juiz alertou que faltava a
legalização da herança de Constância Ignez Barbosa, mãe da inventariante. No entanto,
mesmo após dita legalização o processo de Jerônimo não foi concluído e não há maiores
explicações para isso. O juiz ordenou apenas que se pagassem os credores. Se fosse feita a
divisão desse monte mor sem a inclusão da herança de Constância – herança esta de valor
muito reduzido, como visto anteriormente – a viúva Anna receberia a quantia de ₤15,01 e
cada um dos herdeiros ₤5,00. A família deveria ainda pagar uma missa em louvou a São
Sebastião, cujo valor não foi declarado.
207

Tabela 4.15
Bens Móveis de Jerônimo Dias do Patrocínio e Anna Joaquina do Espírito Santo
(Ribeirão Preto, 1875)

Valores em
Quantidade Descrição do bem Valores Nominais
Libras
1 Espingarda 6.000 0,69
1 Couro de vaca 6.000 0,69
1 Mesa 25.000 2,88
3 Cangas velhas 2.400 0,28
1 Lombilho velho 5.000 0,58
1 Enxada 1.000 0,12
1 Machado 2.000 0,23
1 Tacho velho 6.000 0,69
1 Jogo de ferramentas de carpinteiro 15.000 1,73
1 Faca com acessórios 3.000 0,35
1 Foice 1.500 0,17
Total de Bens Móveis 72.900 8,39
Fonte: Inventário de Jerônimo Dias do Patrocínio. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Primeiro
Ofício, caixa 1.

Tabela 4.16
Bens Imóveis de Jerônimo Dias do Patrocínio e Anna Joaquina do Espírito Santo
(Ribeirão Preto, 1875)

Valor Valor em
Descrição do Bem
Nominal Libras
Três alqueires de terras de cultura na fazenda do Sertãozinho, distrito
30.000 3,45
da vila de Ribeirão Preto
Dez alqueires de terras de cultura e morada de casas na mesma fazenda
120.000 13,81
do Sertãozinho
Uma parte de terras na fazenda do Bananal 75.000 8,63
Total 225.000 25,89
Fonte: Inventário de Jerônimo Dias do Patrocínio. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Primeiro Ofício,
caixa 1.

Em 1877 morre outro filho do casal João Manoel e Escolástica Maria Roza, Antonio
Maciel de Pontes. Nascido e batizado em Minas Gerais, Antonio foi um dos primeiros
posseiros da grande fazenda do Sertãozinho. Casou-se, em data incerta, com Sabina
Alexandrina de Oliveira, e teve onze filhos, vindo a falecer em 1877, com aproximadamente
sessenta e quatro anos de idade. Na época de sua morte, um de seus filhos, Ladislau, já havia
falecido. A inventariante apontou como herdeiros os filhos: Manoel Sabino de Pontes,
casado; Cândida Máxima de Jesus, casada com Matheus Luis de Pontes; Máxima, casada
com Antonio Ignacio Baptista; Emília, casada com Felício Baptista de Almeida; Camillo
208

Maciel de Pontes, casado; Maria Ursula, casada com Carlos Ferreira de Andrade; Maria do
Carmo, casada com Joaquim Francisco da Silva Onça; Helena Áurea de Oliveira, solteira,
vinte anos de idade; Cassiano Maciel de Pontes, solteiro, quatorze anos; e Inocêncio Maciel
de Pontes, solteiro, doze anos de idade.
A família também criava gado, mas essa não era a única atividade de Antonio
Maciel, que aparece nas listas de qualificação de votantes de Ribeirão Preto como
negociante, nos anos de 1873 e 1876, morando no quarteirão da vila. A existência de uma
casa na rua do Comércio, avaliada por Rs 600$000 ou ₤61,65, reforça essa hipótese.
Ao que tudo indica, Antonio Maciel conseguiu conservar e em boa parte ampliar o
patrimônio recebido de seu pai. Entre seus bens imóveis existem várias partes de terra,
recebidas como herança e outras havidas por posse, algumas alcançando elevado valor no
momento das avaliações. Como mostra a Tabela 4.17, as mais valiosas eram aquelas
localizadas na fazenda do Sertãozinho, que juntas valiam dez contos de réis, ou ₤1.027,43.
Há também partes de terra com benfeitorias na fazenda do Lauriano, avaliadas em ₤770,57.

Tabela 4.17
Bens Imóveis de Antonio Maciel de Pontes
(Ribeirão Preto, 1877)

Valor em
Descrição do Bem
Libras
A metade das terras do Córrego do Bom Sucesso, neste termo, que possui
513,72
por posse em sociedade com João Francisco de Oliveira
As terras divididas na fazenda do Laureano, deste distrito, inclusive casas
770,57
e todas as benfeitorias

Diversas partes de terra na fazenda do Sertãozinho, deste distrito, que


foram de Antonio Manoel Gonçalves, José Maximiano, Caetano Baptista 1.027,43
Chaves, Bento de Oliveira e Souza, Antonio Rodrigo da Rocha e José
Guirino de Souza por herança do pai do inventariado

As partes de terra da fazenda do Bananal, deste distrito, que foram de 205,49


Antonio Manoel Gonçalves, herança do pai do inventariado
Partes de terra da fazenda da Água Branca e Tijuco Preto, distrito de
82,19
Ribeirão Preto, havidas por posse
Terras no Córrego das Contendas, distrito de Ribeirão Preto, haviadas por
616,46
posse
Uma casa de morada coberta de capim 5,14
Uma casa de morada coberta de telhas 15,41
Morada de casas coberta de telhas na vila de Ribeirão Preto, na rua do
61,65
Comércio, inclusive quintal e cercas
Total 3.298,06
Fonte: Inventário de Antonio Maciel de Pontes. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo
Ofício, caixa 3b.
209

O rebanho de Antonio Maciel não era grande como o de seu pai, sendo composto por
quinze vacas, oito bois de carro, um marróa e trinta e um novilhos. Além desses, o inventário
indicava a existência de mais quatro bestas de carga. Os bens móveis da família eram
poucos, uma mesa, alguns bancos velhos, dois tachos de cobre e um carro ferrado, avaliados
em ₤22,60 libras. Antonio não possuía cativos.
A possibilidade de Antonio ter sido comerciante se vê reforçada por outro fato, a
existência de contas de livro entre as dívidas ativas, além de créditos a juros que variavam de
0,5% a 2,0% ao ano. Os devedores eram moradores da própria localidade, alguns com certo
grau de parentesco. Essas dívidas alcançavam o valor de ₤624,45, ou 15,1% do monte mor.
No momento da partilha, o patrimônio alcançou o valor de ₤4.121,83 libras esterlinas
e após serem descontadas as dívidas passivas, no valor de ₤67,50, e as custas, ₤25,69, restou
o valor de ₤4.028,61 para ser dividido entre os herdeiros e a viúva inventariante. Sabina
Alexandrina recebeu a metade desse valor, ₤2.014,31 e cada um dos dez filhos vivos do
casal recebeu a quantia de ₤201,43.
O valor do patrimônio de Antonio Maciel, ₤4.121,83 é praticamente dez vezes maior
do que aquele recebido por ele no inventário de seu pai, ocorrido vinte e oito anos antes.
Antonio conseguiu, inclusive, ultrapassar o valor acumulado por seu pai, que foi de
₤2.836,32. Os dois faleceram praticamente com a mesma idade, João Manoel com sessenta
anos e Antonio Maciel com sessenta e quatro, de maneira que, em teoria, tiveram o mesmo
número de anos para acumular seus patrimônios.
No ano de 1899 morre Sabina Alexandrina de Oliveira, viúva de Antonio, sendo o
inventariante Camillo Maciel de Pontes, seu filho. Sabina era natural de Caldas, Minas
Gerais, filha de Antonio João Ferreira e Beralda Alexandrina de Oliveira. Considerando a
data aproximada de seu batismo, tinha setenta e cinco anos quando morreu. Os herdeiros
foram: Camillo Maciel de Pontes, casado; Ursula, casada com João Batista Nogueira Borges;
Cassiano Maciel de Pontes, casado; Inocêncio Maciel de Pontes; Emília, casada com Felício
Baptista de Almeida; Máxima Angélica de Oliveira, viúva. Além desses, eram também
herdeiros alguns netos de Sabina, filhos dos herdeiros já falecidos: Helena, que havia sido
casada com Antonio Nunes de Carvalho; Manoel Sabino de Pontes e sua mulher; Cândida,
que havia sido casada com Matheus Luis de Pontes; e Maria do Carmo, que havia sido
casada com Joaquim Francisco da Silva Onça.
210

Pelo inventário, percebe-se que Sabina foi vendendo aos poucos os bens que havia
herdado de seu marido, conservando apenas uma pequena propriedade rural e dois cavalos.
O dinheiro obtido com a venda de seu patrimônio estava depositado no Banco de Ribeirão
Preto. Como passivo, havia apenas os gastos com o funeral.
Conforme o Gráfico 4.9, a quantia em dinheiro alcançava o valor de ₤1.193,97,
representando 79,3% do total do monte. O ativo, quatro contos de réis a receber de Antonio
Nunes de Carvalho, morador da localidade, alcançou ₤156,02 libras, representando 10,4%
dos recursos. Os imóveis totalizavam ₤136,50 libras, 9,1% do monte. Já os animais, apenas
dois cavalos, alcançaram o valor de ₤19,50 libras, ou 1,3% dos recursos.
O monte mor alcançou o valor de ₤1.505,97, quase três quartos do recebido por ela
no inventário de seu finado marido. Após o desconto das dívidas passivas, no valor de
₤20,60, das custas e impostos, ₤43,02, restaram ₤1.442,35 para serem divididos entre os
herdeiros. Cada herdeiro recebeu a legítima de ₤144,24. Esse valor foi dividido entre os
netos e até bisnetos de Sabina, no caso de serem filhos de herdeiros já falecidos da
inventariada. Sabina conseguiu, em boa media, conservar os recursos recebidos no inventário
de Antonio Maciel, algo digno de destaque após vinte e três anos de viuvez.

Gráfico 4.9
Composição do Patrimônio de Sabina Alexandrina de Oliveira
(Ribeirão Preto, 1900)

Ativo ₤156,02
10,4%

Animais ₤19,50
1,3%

Dinheiro
Imóveis
₤1.193,97 79,3% ₤136,50
9,1%

Fonte: Inventário de Sabina Alexandrina de Oliveira. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo
Ofício, caixa 17.

Antes do falecimento de Antonio Maciel, um de seus filhos, Ladislau, já havia


falecido. Ladislau era natural de São Simão, nascido e batizado por volta de 1850. No
momento de sua morte, tinha aproximadamente vinte e quatro anos e era casado com Maria
211

Assumpção de Oliveira. Não tinham filhos, de modo que o patrimônio do casal ficou metade
com a viúva inventariante e metade com os pais do inventariado. Apesar de sua juventude e
de não ter ainda recebido herança de nenhum de seus genitores, Ladislau já possuía uma
parte de terras de vinte e cinco alqueires na fazenda do Sertãozinho e uma pequena criação
de gado. Tinha dez pequenas dívidas a receber, com valores variando entre ₤0,32 e ₤7,84,
sendo uma delas era um crédito a juros.
O rebanho de Ladislau era pequeno, formado por sete vacas com cria, quatro
novilhas, dois cavalos e duas éguas, totalizando ₤52,09 libras. A parte de terras na fazenda
do Sertãozinho foi avaliada em ₤21,48 libras. O ativo totalizou ₤17,88 libras e mais três
capados gordos. O monte mor alcançou o valor de ₤94,14, as dívidas passivas ₤4,38,
restando ₤89,75 para serem divididos entre os herdeiros. A viúva recebeu uma metade e os
pais do inventariado a outra metade.
Alguns anos mais tarde, em 1883, morre Maria Satyra de São José. A inventariante
foi Sabina Alexandrina, indicada por ser sogra da inventariada. Não foi possível identificar
com qual dos filhos de Sabina era casada Maria, mas não há dúvidas sobre a ligação das
duas. Maria Satyra faleceu no estado de viúva, deixando dois filhos: José Camillo de Pontes,
solteiro, dezoito anos de idade; e Maria Sabina de Oliveira, solteira, dezesseis anos de idade.
Apesar da semelhança do nome de um dos filhos, Maria não havia sido esposa de Camillo
Maciel de Pontes, um dos filhos de Sabina, pois este veio a falecer em 1902.
A família da inventariada possuía poucos bens, um carro ferrado, terras e algumas
benfeitorias na fazenda das Posses. O passivo era pequeno e não foi descontado no momento
da partilha. O patrimônio foi avaliado em ₤110,45 libras, das quais ₤83,51 eram referentes
aos imóveis. Após descontadas as custas, foi dividido entre os herdeiros o valor de ₤103,27,
ficando cada um com a legítima de ₤51,63.
O terceiro e último ramo da família Pontes a ser analisado é o de Floriana Maria de
Jesus, filha de João Manoel e Escolástica, falecida antes de 1849, ano do inventário de seus
pais. Seus filhos receberam a herança dos avós e um desses filhos, João Antonio de Pontes,
faleceu em Ribeirão Preto no ano de 1885. Nessa ocasião, João recebeu a quantia de ₤65,35
libras na forma de sete vacas, algumas dívidas a receber, parte de terras nas posses do
Bananal e terras na fazenda do Sertãozinho, essas últimas avaliadas em ₤52,40, quatro
quintos do quinhão recebido.
João Antonio era natural de São Simão e tinha aproximadamente trinta e nove anos
quando faleceu. Era casado com Anna Carlas da Silva e tinha cinco filhos: Maria Felisbina,
212

treze anos de idade; Eugênia Alexandrina, dez anos; Rofino, oito anos; Joaquina, cinco anos;
e Ledugério, um ano e quatro meses.
O inventário de João Antonio foi aberto no mesmo ano de sua morte. Nele estão
relacionados alguns bens móveis, uma pequena criação de animais, e diversas partes de terra.
Os bens móveis eram simples, destacando-se alguns utensílios domésticos, um armário, uma
espingarda e algumas ferramentas para lavoura. O modesto rebanho bovino era composto por
quatro vacas, uma delas com cria, e cinco novilhos. Havia também uma pequena criação de
porcos: seis porcos já criados e trinta leitões. As terras possuídas pelo inventariado estavam
localizadas na fazenda das Posses e continham algumas benfeitorias. Ao todo, eram
cinqüenta e nove alqueires de terras, duas casas e benfeitorias não especificadas,
provavelmente cercas, paiol, monjolo, pomar e rego de água. Esses imóveis foram avaliados
em ₤63,86 libras.
Conforme os dados da partilha, o monte mor alcançou o valor de ₤88,71 libras.
Descontado o valor das custas judiciais restou ₤77,41 para serem divididos entre a viúva e os
filhos do casal. A inventariante recebeu ₤38,71 e a legítima de cada um dos filhos foi de
₤7,74.
João Antonio, tal como Sabina, conseguiu conservar o patrimônio que havia
recebido, ampliando-o de maneira discreta. Seu falecimento prematuro pode ter influenciado
negativamente o patrimônio deixado aos seus filhos e viúva, talvez se ele tivesse morrido por
volta dos sessenta anos, como seu avô e seu tio, tivesse tido a oportunidade de deixar
maiores recursos à sua família.
Com o inventário de João Antonio encerra-se a trajetória da família Pontes. É
interessante destacar que nenhum dos Pontes analisados se envolveu com a produção
cafeeira, mantendo a tradição criatória de seus antepassados. Talvez por essa razão não há
um enriquecimento digno de destaque na família, exceção feita a Antonio Maciel de Pontes,
que praticamente fez crescer em dez vezes o valor recebido de seu pai. Antonio foi o único
Pontes analisado que não se limitou à atividade de criação, dedicando-se também ao
comércio. Não se sabe ao certo que tipo de comerciante era Antonio Maciel, mas as
informações da lista de qualificação de votantes são claras, e ele aparece por dois anos
qualificado como comerciante, vivendo no quarteirão da vila. O rol de dívidas ativas e a casa
na rua do Comércio presentes no seu inventário reforçam essa hipótese.
213

Família de José Alves da Silva

O patriarca da família, José Alves da Silva, era provavelmente descendente do


português Jerônimo Alves da Silva e da mineira Agostinha Teixeira de Jesus, que vieram de
Minas Gerais para viver nas proximidades da estrada que ia para Goiás. José era casado com
Policena Maria de Jesus, que faleceu no ano de 1873 em Ribeirão Preto. Como herdeiros,
além do viúvo, ficaram os nove filhos do casal: Manoel Alves da Silva, já falecido; Maria
Felícia de Jesus, vinte e sete anos, casada com Caetano Baptista Chaves; Anna Christina da
Silva, trinta e dois anos, casada com José Antonio da Silva; Joaquim Alves da Silva, vinte e
dois anos; Maria Marcelina, já falecida; João Alves da Silva, doze anos; Jerônimo Alves da
Silva, doze anos; Percilina, onde anos; e Galdino, oito anos de idade.
Conforme o Gráfico 4.10, a composição do patrimônio familiar se assemelha à
encontrada na família de Manoel Jacintho de Pontes, na qual os cativos têm uma
significativa participação da composição do monte, com os imóveis aparecendo em segundo
lugar. No entanto, diferente de Manoel Jacintho, que praticamente não possuíam valores a
receber, um quinto do patrimônio de Policena e José está nas mãos de terceiros, que deviam
dinheiro ao casal.
Conforme informações da lista de qualificação de votantes, José era lavrador, vivia
no quarteirão da Serra do Sertãozinho e tinha sessenta anos no ano em que faleceu sua
esposa. A atividade da lavoura, ainda que não aparecesse de maneira explícita no inventário,
pode ser percebida observando-se os bens móveis descritos, muitos deles relacionados às
atividades agrícolas, tais como enxadas, foices e machados. José não possuía criação de
animais, contando apenas com dois potros, provavelmente criados para ajudar no trabalho
rural e para servir como meio de locomoção.
Para o trabalho no campo, a família contava com a mão-de-obra de cinco cativos, três
do sexo masculino e dois do feminino, a saber: João Pedro, sessenta anos, africano, casado
com Maria, crioula de cinqüenta anos; Maria, paulista, vinte e cinco anos; Pedro, também
paulista, doze anos de idade; e Firmino, paulista, sete anos de idade. A família possuía
também outra escrava, Theodora, que foi libertada segundo desejo da inventariada. O
conjunto de cativos, excluindo-se a cativa Theodora, foi avaliado em ₤344,68 libras,
representando, esse valor, 47,5% do monte.
214

Gráfico 4.10
Composição do Patrimônio de Policena Maria de Jesus e
José Alves da Silva
(Ribeirão Preto, 1873)

Móveis
2,3% Animais
Ativo 0,6%
20,4%

Escravos
47,5%

Imóveis
29,2%

Fonte: Inventário de Policena M aria de Jesus. Fórum de São Simão, Segundo Ofício, caixa 2a.

Os bens imóveis possuídos por Policena e José eram uma casa coberta de telhas na
vila, localizada na Rua do Peixe, terras na fazenda das Palmeiras e terras com benfeitorias na
fazenda Lauriano. Esses imóveis foram avaliados em ₤212,03 libras esterlinas e
representavam 29,2% do patrimônio. As dívidas ativas totalizaram ₤147,77, 20,4% do
monte, estando entre os devedores vários herdeiros da inventariada.
No momento da partilha, o monte mor alcançou o valor de ₤725,88 libras. As dívidas
passivas, tal como as ativas, eram formadas basicamente por valores a pagar para herdeiros e
co-herdeiros, genros, da inventariada. O monte mor, após descontados esses valores, se viu
reduzido em ₤128,84 libras. As custas alcançaram ₤27,16 libras, restando o valor de ₤569,88
para ser dividido entre o viúvo e os demais herdeiros. José recebeu a metade desse valor,
₤284,94 e cada um dos outros herdeiros ₤31,66.
Quatro anos mais tarde, morre José. Seu inventário foi aberto em Ribeirão Preto, em
dez de maio de 1877, sendo inventariante foi seu filho, Joaquim Alves da Silva Sobrinho. Os
herdeiros declarados eram quase os mesmos do inventário de Policena: Anna, casada com
José Antonio da Silva; Maria, casada com Caetano Baptista Chaves; Joaquim Alves da Silva
Sobrinho; João Alves da Silva; Jeronimo Alves da Silva; Percilina, casada com Antonio
Joaquim de Souza; e Galdino, com quatorze anos.
Analisando a relação de bens, percebe-se que o inventariado, após a morte da esposa,
passou a dedicar-se ao comércio, apesar de continuar aparecendo na lista de qualificação de
votantes como lavrador. Ao que tudo indica, José explorava o negócio de madeiras, talvez
215

por ter iniciado a abertura de uma nova fazenda, que envolvia a derrubada de matas e a
venda do material extraído do campo. No entanto, existem diversos outros bens relacionados,
não só madeiras, mas também portas e janelas, telhas de barro, esquadros e outros insumos
para carpinteiros e construtores. Sendo assim, ainda que houvesse extração e venda de
madeiras existia também o puro comércio de bens, via de regra relacionados à construção.
Dos bens imóveis havia restado somente onze alqueires de terras na fazenda do
Ribeirão Preto Abaixo, adquiridas por troca com o herdeiro Jerônimo. Além dessas, foi
avaliado também um monjolo.
O caráter comercial do inventário de José é reforçado pela descrição do ativo,
composto por uma série de pequenos valores a receber, alguns poucos com a cobrança de
juros, representando o conjunto desses valores mais da metade do patrimônio.
No momento da partilha, o patrimônio totalizou ₤147,83 libras, pouco mais da
metade do valor que tinha recebido no inventário de sua esposa. Descontadas as dívidas
passivas, formadas por pequenos valores a pagar para moradores da própria vila, e as custas
judiciais, restaram ₤112,84 libras para serem divididas entre os sete herdeiros, recebendo
cada um a quantia de ₤16,12 libras esterlinas.
No mesmo ano em que faleceu José morre sua filha, Maria Felicia da Silva. Seu
inventário é aberto em Ribeirão Preto, em seis de dezembro, sendo o inventariante seu
marido, Caetano Baptista Chaves. Maria deixou quatro filhos, tendo morrido,
provavelmente, por complicações decorrentes do nascimento de sua última filha, Maria, com
apenas quarenta dias. Os demais filhos eram: Antonio, dezessete anos; Emília, casada com
Theodoro Baptista Chaves; e Luis, dois anos.
Pelos bens descritos no inventário, é bem provável que Caetano fosse comerciante,
pois tinha uma casa da vila, localizada na rua do Comércio, além de um rol de devedores
ativos composto por mais de quarenta nomes. Além do comércio, a família também criava
gado e cultivava algum tipo de gênero alimentício, pois o inventariante aparece em diversas
listas de qualificação de votantes como lavrador.
A prosperidade da família pode ser percebida pela existência de um cordão e de uma
cruz de ouro entre os bens móveis, bens estes pouco comuns nos inventários analisados.
Além desses, merecem destaque, um chapéu para senhora, um par de botinas, três pares de
sapatos e uma roda de fiar.
O rebanho de Caetano era composto por vinte e nove cabeças de gado bovino e por
sete de eqüino. Entre os bovinos encontravam-se dez bois de carro, três vacas com cria, dois
216

bois, duas vacas e doze novilhos. Entre os eqüinos encontram-se seis cavalos e um potro.
Esse conjunto de animais foi avaliado em ₤38,43 libras.
Para ajudar no trabalho, Caetano e Maria contavam com quatro cativos, cujas idades,
infelizmente, não são informadas no processo: João, Joana, Francisco e Thereza. Pelos
valores alcançados, entre Rs 900$000 e Rs 1:300$000, supõe-se que eram jovens e
saudáveis. Esses cativos alcançaram o valor de ₤431,52 libras, representando 34,9% do
monte mor.
A família possuía terras e benfeitorias na fazenda das Palmeiras, uma casa na fazenda
do Sertãozinho e uma casa na vila de Ribeirão Preto, localizada na rua do Comércio. O bem
mais valioso era a casa na fazenda do Sertãozinho, comprada de Theodoro Baptista Chaves,
e avaliada por Rs 3:500$000, ou ₤359,60 libras. O conjunto dos imóveis alcançou o valor de
₤495,74 libras, quarenta por cento do patrimônio.
O monte mor da família alcançou o valor de ₤1.238,22 libras. As dívidas passivas e
as custas judiciais ₤138,03, restando o valor de ₤1.00,19 para ser dividido entre os herdeiros.
O viúvo recebeu a metade dessa quantia e cada um dos filhos o quinhão de ₤137,52.
Pela proximidade da morte de José Alves da Silva e de Maria Felicia, sua filha, não
se pode dizer que o patrimônio acumulado por esta e seu esposo esteja diretamente
relacionado ao montante recebido de herança no momento da morte de José e de Policena.
Da mesma maneira, não há indícios de que os bens possuídos pelo casal Caetano e Maria
tivessem sido herdados dos pais de Caetano. Sendo assim, é bem provável que o patrimônio
de Caetano e Maria tenha sido acumulado graças ao trabalho dos dois, como comerciantes,
criadores de gado ou agricultores.
Ainda em 1877, morre outro filho de José Alves da Silva, Jeronimo Alves da Silva.
Seu inventário foi aberto em março de 1878, pelo inventariante Joaquim Alves da Silva
Sobrinho, seu irmão. Jeronimo morreuna condição de solteiro, sem deixar filhos, sendo seus
herdeiros os irmãos e sobrinhos.
Como mostra Tabela 4.18, Jeronimo possuía um modesto patrimônio, composto por
algumas peças de vestimenta, um cavalo, um potro, três vacas com cria, três novilhas, parte
de um cativo e uma pequena dívida a receber de José Ferreira da Silva. Todos os bens
somados alcançaram o valor de ₤107,79 libras.
217

Tabela 4.18
Bens de Jeronimo Alves da Silva
(Ribeirão Preto, 1874)

Valor em Participação no
Descrição do Bem
Libras Monte Mor
Um arreio tipo serigote e um pelego já usados 1,62 1,5
Um poncho já usado 1,14 1,1
Um cavalo tordilho 6,67 6,2
Um potro 2,86 2,7
Três vacas com cria 12,86 11,9
Três novilhas 4,57 4,2
Parte no cativo Firmino 77,31 71,7
Dívida a receber de José Ferreira da Silva 0,76 0,7
Total 107,79 100,0
Fonte: Inventário de Jeronimo Alves da Silva. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Primeiro
Ofício, caixa 3.

Apesar de modesto, o valor dos bens de Jeronimo excedia em muitas libras aquele
recebido por ele nos inventários de seus pais. Se somadas, as legítimas recebidas alcançavam
o valor de ₤47,78 libras, menos da metade do monte mor detalhado na Tabela 4.18. Cada um
dos irmãos de Jeronimo recebeu o valor de ₤13,89 libras e os herdeiros sobrinhos, filhos da
finada Maria Felicia, receberam ₤3,47.
Novamente, a proximidade das datas de morte de Jeronimo e seu pai indica que o
patrimônio desse jovem membro da família Alves da Silva tenha sido acumulado graças ao
seu próprio trabalho. Jeronimo tinha aproximadamente dezenove anos quando faleceu, e essa
curta existência pode ter influenciado negativamente em seu patrimônio. Se tivesse falecido
com mais idade muito provavelmente seu patrimônio teria sido maior.
Em 1882 morre Mariana Theodora do Nascimento, esposa de Joaquim Alves da
Silva Sobrinho, filho de José Alves da Silva e Policena Maria. Ao falecer, Mariana deixou
cinco filhos: Antonio, quatorze anos; Aureliano, doze anos; Maria, onze anos; Umbelina,
nove anos; e Justiniano, cinco anos de idade. O viúvo de Mariana, Joaquim, aparece na lista
de qualificação de votantes de 1873, como lavrador, vivendo com a esposa no quarteirão do
Lauriano.
Além da lavoura, Joaquim e Mariana possuíam também uma pequena criação de
gado, aparentemente com o intuito de manter animais para o trabalho na lavoura. Esse
rebanho era constituído por dez bois, dos quais oito de carro, e dois novilhos. Além desses
animais, a família também possuía trinta e quatro porcos, um cavalo, uma égua e nove bodes
de carro. Todos avaliados em ₤38,37 libras. Os bens móveis da família eram poucos, um
218

carro ferrado para os bois, outro para os bodes, um tacho de cobre pequeno, uma sela para
senhora e alguns arreios, avaliados em ₤11,29 libras.
Os imóveis resumiam-se em cinco alqueires de terra de campos, matos e culturas na
fazenda das Posses, em Ribeirão Preto, compradas de José Martins de Andrade e sua esposa.
Além das terras, a família possuía também uma casa de morada coberta de telhas, na mesma
fazenda. Essa propriedade, juntamente com a casa, foi avaliada em ₤12,35 libras, um valor
muito pequeno, considerando-se o valor alcançado pelos animais e pelos bens móveis.
O inventário possuía também uma pequena dívida a receber, no valor de ₤7,94 libras.
O devedor era Joaquim Antonio dos Santos, mas não há informações sobre o que gerou esse
empréstimo.
O monte mor alcançou o valor de ₤69,94 libras esterlinas. Como não havia passivo,
foi descontado somente o valor das custas, restando para o viúvo e os herdeiros o valor de
₤65,27 libras. O viúvo recebeu ₤32,63 libras e cada um dos filhos ₤6,53.
Com esse inventário encerra-se a trajetória da família de José Alves da Silva. Os
descendentes de José que foram contemplados pelo presente estudo não tiveram
envolvimento com a cultura cafeeira, limitando-se à atividade de criação de gado e ao
comércio, numa trajetória semelhante à da família de João Manoel de Pontes. O único
inventário que mostrou uma certa riqueza foi o da filha de José Alves da Silva, Maria Felícia,
que era casada com o comerciante, criador de gado e lavrador, Caetano. Tanto nos
inventários da família Alves da Silva quanto nos inventários da família de Pontes, os
processos que se destacam são aqueles cujas famílias combinavam as atividades rurais com
as de comércio.

Família de José Venâncio Martins

A família de José já vivia em terras da antiga freguesia de São Simão pelo menos
desde 1835. Nessa época, vivia no quarteirão do Ribeirão da Prata II, tinha trinta e dois anos,
vivendo na companhia de sua primeira esposa e cinco filhos pequenos. Viviam no mesmo
fogo mais oito cativos: Antonio, trinta anos; José, trinta anos; Manoel, vinte e oito anos;
Feliciano, dez anos; Joaquina, vinte anos; Sipriana, seis anos; Justino, três anos; e Adriana,
dois anos de idade.
219

A renda anual da família era de Rs 200$000, advinda da lavoura e da criação de


porcos. A produção anual de gêneros era de vinte carros de milho, vinte alqueires de feijão e
outros vinte de arroz.
Conforme as informações do inventário de José, ele faleceu no ano de 1868 em terras
da antiga freguesia de São Sebastião do Ribeirão Preto, onde o inventário foi iniciado. De
acordo com as informações da lista de qualificação de votantes, José faleceu com
aproximadamente sessenta a cinco anos de idade. A segunda esposa de José, Maria
Francisca, foi a inventariante, declarando que seu falecido marido havia sido casado
anteriormente.
A primeira esposa de José chamava-se Anna Leopoldina de Ávila. Desse primeiro
consórcio ficaram os seguintes filhos: Maria Victoria, já falecida, anteriormente casada com
Antonio Martins Borralho; Francisco Venâncio Martins, que faleceu depois do inventariado,
anteriormente casado com Laurinda Francisca do Nascimento; Joaquim Venâncio Martins,
casado; Francisco de Paula Martins, casado; Helena Leopoldina de Ávila, já falecida,
anteriormente casada com Francisco Ferreira de Freitas; José Venâncio Martins, casado; e
Maria das Dores, casada com Gabriel Ferreira de Freitas.
Do segundo casamento de José ficaram mais seis filhos: Martimiano Venâncio
Martins, quinze anos; Paulina, casada com Antonio Ferreira de Freitas; Silvana, onze anos;
Lucinda, cinco anos; Maria, três anos; e Luis, três meses de idade.
José era um próspero criador de gado e produtor de gêneros alimentícios, entre eles o
café. A relação de bens possuídos pela família deixa transparecer a boa condição financeira
do casal. Conforme o Gráfico 4.11, o patrimônio de José estava dividido entre imóveis e
escravos, ficando os demais grupos de bens com apenas 5,7% do valor inventariado. Isso não
quer dizer que isoladamente esses grupos sejam pouco significativos. Os valores alcançados
por esses ativos são bem mais elevados do valor comumente encontrado nos processos da
época. No entanto, dado o valor alcançado pelas terras e pelos numerosos cativos, a
importância relativa desses grupos se viu reduzida.
Os bens móveis eram variados e continham até alguns itens que podem ser
considerados de luxo, tais como a quarta parte de um faqueiro de prata. Além deste, foram
encontrados também: um oratório com imagens, um armário, quatro rodas de fiar, um tear,
diversas canastras e caixas, tachos e panelas de ferro ou cobre, e uma quarta parte de um
faqueiro de prata. A produção da lavoura e o sal, indispensável para o gado, aparecem
também na relação de bens móveis. Na época do inventário, havia cinqüenta alqueires de
220

café com casca, quinze carros de milho e vinte e três sacos de sal. O conjunto desses bens foi
avaliado em ₤84,82 libras esterlinas.

Gráfico 4.11
Composição do Patrimônio de José Venâncio Martins e
Maria Francisca do Nascimento
(Ribeirão Preto, 1869)

Móveis
Ativo 2,2%
Dinheiro 1,0%
0,5% Animais
2,1%

Escravos
Imóveis
38,5%
55,8%

Fonte: Inventário de José Venâncio M artins. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixa 7.

A criação de gado era composta por vinte e nove cabeças de bovinos, entre estas
nove vacas com cria, dez bois e nove novilhos. Além destes animais, José possuía também
seis eqüinos e trinta porcos criados. Todos foram avaliados em ₤79,67 libras.
A família possuía um plantel de vinte e um cativos, como mostra a Tabela 4.19, dos
quais doze homens e nove mulheres. A idade média dos homens foi calculada em 25,4 anos
e a das mulheres em 20,9, excluindo-se dos cálculos uma cativa para a qual não havia
informação de idade. A média de preço dos homens era mais elevada do que a calculada para
as mulheres, ficando em ₤73,52 e ₤67,10 respectivamente. O plantel foi avaliado em
₤1.486,16 libras.
José e Maria Francisca possuíam diversas partes de terras, além de lavouras de milho
e café. As mais valiosas eram as da fazenda Serra Azul, cortada pela linha imaginária que
dividia as antigas localidades de São Simão e Ribeirão Preto, avaliada em ₤627,40 libras. As
demais partes de terra do casal estavam localizadas na fazenda da Figueira e na fazenda
Bocaiúva. Foram avaliadas também quatro casas de morada, três na fazenda da Figueira e
uma na fazenda da Serra Azul. Os nove alqueires de lavoura de milho e o cafezal, sem
especificação de tamanho, foram avaliados em ₤14,12 e ₤98,03 respectivamente.
221

Tabela 4.19
Cativos de José Venâncio Martins e Maria Francisca do Nascimento
(Ribeirão Preto, 1869)

Nome Idade Preço em Réis Preço em Libras


Adão 18 1.500.000 117,64
Carolina 35 1.000.000 78,43
Cecilia 6 600.000 47,06
Galdino 25 1.200.000 94,11
Ignacia - 1.250.000 98,03
Iria 9 800.000 62,74
Izaias 4 400.000 31,37
Jeronimo 8 800.000 62,74
João 40 800.000 62,74
Joaquim Cardoso do Nascimento 50 800.000 62,74
Jose 40 750.000 58,82
Jose 6 600.000 47,06
Justino 37 1.000.000 78,43
Manoel 50 900.000 70,58
Maria 45 100.000 7,84
Pedro 17 1.500.000 117,64
Ritta 40 750.000 58,82
Roza 12 1.300.000 101,95
Rufina 14 1.300.000 101,95
Theodoro 10 1.000.000 78,43
Thereza 6 600.000 47,06
Total 18.950.000 1.486,16
Fonte: Inventário de José Venâncio Martins. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo
Ofício, caixa 7.

O ativo era reduzido, composto por apenas dois valores a receber de herdeiros do
espólio: Joaquim Venâncio Martins e Francisco Venâncio Martins, já falecido. Essas duas
dívidas totalizavam ₤33,89 libras. Não havia dívidas passivas.
O monte alcançou o valor de ₤3.859,39 libras, ficando disponível para os herdeiros o
valor de ₤ 3.828,02. A viúva recebeu ₤1.914,01 e cada filho ficou com ₤147,23.
Um ano mais tarde, morre Maria Francisca do Nascimento, viúva de José Venâncio
Martins. Ao que tudo indica, após a morte de José, Maria Francisca casou-se com Francisco
Ferreira de Freitas, com quem, aparentemente, não teve filhos. Esse novo casamento de
Maria Francisca foi breve, terminando com sua morte em 1871. As atividades
desempenhadas pela família eram o cultivo de gêneros, entre eles o café, e a criação de
animais. Conforme o Gráfico 4.12, a maior parte dos recursos estava concentrada em
imóveis e escravos, perfazendo estes mais de quatro quintos do patrimônio. Os demais
222

grupos de bens – móveis, animais e ativo – eram responsáveis pelos restantes 13,9% do
monte.
Os bens móveis eram diversos, tachos, panelas e outros trastes de casa, entre eles um
forno de ferro. O conjunto de animais era composto por suínos, bovinos e eqüinos. Ao todo
eram noventa e dois suínos, dezoito bovinos e quatro eqüinos. Além desses, foi avaliado
também um conjunto de bois de carro com arreios, cujo número de cabeças não foi
especificado. Os bens móveis alcançaram o valor de ₤72,60 e os animais ₤148,84 libras
esterlinas.
Os bens imóveis do casal incluíam duas casas de morada e diversas partes de terra
nas fazendas Serra Azul, Figueira, Serrinha, Boa Vista e Bocaina. Em terras não
especificadas eram cultivados cana-de-açúcar e café, além de outros gêneros tais como o
milho. O canavial foi avaliado em ₤6,00 e o cafezal em ₤40,04. Fruto desses cultivos,
estavam estocados cinqüenta e cinco alqueires de café com casca e diversos carros de milho,
no valor de ₤22,02 e ₤27,52 respectivamente. O menor estoque de café talvez era decorrente
de seu menor consumo, se comparado ao consumo do milho, que servia tanto para a
alimentação dos animais quanto para o consumo da família.

Gráfico 4.12
Composição do Pratrimônio de Maria Francisca do Nascimento e
Francisco Ferreira de Freitas
(Ribeirão Preto, 1871)

Móveis
Ativo 2,8% Animais
5,3% 5,7%

Imóveis
41,1%
Escravos
45,0%

Fonte: Inventário de M aria Francisca do Nascimento. Fórum de São Simão, Segundo Ofício, caixa 1.

Essas atividades contavam com o trabalho de quinze cativos, alguns deles


remanescentes do antigo plantel de José Venâncio. Dentre os quinze cativos inventariados,
223

seis haviam pertencido do inventário de José. O conjunto desses elementos foi avaliado em
₤1.166,16, ou 45,0% do monte mor.
Além desses bens, foram arroladas também algumas dívidas ativas, boa parte a
receber de herdeiros do espólio. Além dos herdeiros, eram devedores Gabriel Ferreira de
Freitas, Sabino Fernandes do Nascimento, João Bento Ferreira de Freitas, João Evangelista
de Freitas, José Alves de Souza e Balbino Borralho, todos moradores da região. O teor
dessas dívidas não foi especificado, mas há informação de que parte da dívida de Gabriel
Ferreira de Freitas era reajustada a juros, que por sua fez também não foram informados. O
conjunto dessas dívidas alcançou o valor de ₤137,62 libras.
No momento da partilha, o monte mor foi calculado em ₤2.589,25, dos quais
subtraiu-se o valor das custas – não havia passivo – restando ₤2.559,10 para serem divididos
entre os herdeiros. O viúvo recebeu ₤1.279,55 e cada filho ₤213,27.
Quando faleceu seu primeiro marido, Maria Francisca recebeu como herança o valor
de ₤1.914,01. No momento de sua morte, seu patrimônio aproximado, considerando como
tal a metade dos bens de seu novo casal, era de ₤1.279,55, valor 33,15% menor do que o
primeiro. As atividades de ambas famílias eram praticamente as mesmas, criação e lavoura
com produção cafeeira. O que aparentemente fez diferença, em termos de valor alcançado
pelo monte mor, foi o valor dos bens imóveis. Enquanto no inventário de José os imóveis
alcançaram o valor de ₤2.152,77, no inventário de Maria Francisca esse valor foi de
₤1.064,06, sendo essa a maior discrepância entre os dois processos.
Em 1876 morre Maria Theodora de São José, casada com Joaquim Venâncio
Martins, filho de José Venâncio e Anna Leopoldina. O inventariante foi o próprio viúvo e
segundo suas declarações ele e Maria Theodora tiveram oito filhos: Delfina, vinte anos;
Balbino Venâncio Martins, casado; Anna, dezessete anos; Maria, quinze; Lázara, onze;
Benavenito, nove anos; Lázaro, sete anos; e Maria das Dores, cinco anos de idade.
Diferentemente dos outros Martins analisados, o casal não plantava café, dedicando-
se à criação de animais e à lavoura de gêneros. O rebanho do casal era composto por bovinos
e eqüinos, a saber: cinco vacas com cria; oito novilhos; treze bois, dos quais doze de carro;
quatro éguas, das quais duas com cria; um potro; e dois cavalos. Todos avaliados em
₤155,86 libras. Além dos animais, a família possuía também um carro ferrado para os bois,
no valor de ₤18,49 libras. Os animais e o carro ferrado representam 12,0% do monte mor.
Entre os imóveis encontram-se casas de moradas, benfeitorias e partes de terra.
Destaca-se as terras e benfeitorias da fazenda da Figueira, compostas por uma casa de
224

morada com todas as benfeitorias, engenho de cana e outra casa mais simples, além de 76,5
alqueires de terra – dos quais oito com pastos de capim Angola – e mais uma parte de terras
sem tamanho especificado, herança do pai do inventariante. Além da propriedade na fazenda
da Figueira, a família possuía também uma parte de terras na fazenda do Retiro. Todos esses
imóveis foram avaliados em ₤611,07 libras, ou 42,0% do monte mor.
A família contava também com o trabalho de seis cativos, como mostra a Tabela
4.20. As informações, extraídas da matrícula obrigatória de cativos, mostram que o plantel
do casal era variado, com escravos em idade produtiva que se dedicavam às atividades de
lavoura, criação, fiação, costura e trabalhos domésticos. Dois desses cativos eram casados,
Manoel e Rita. Outros casal havia sido recentemente desfeito pela morte de um dos
cônjuges, restando a viúva Anna Ritta e seu filho João. Os outros dois cativos, Anacleto e
Antonia, não tinham grau de parentesco aparente, seja entre si seja entre os demais elementos
do plantel. Esse conjunto de escravos foi avaliado em ₤667,83, ou 46,0% do monte mor.

Tabela 4.20
Cativos de Maria Theodora de São José e Joaquim Venâncio Martins
(Ribeirão Preto, 1877)

Estado
Nome Idade Cor Filiação Profissão Observações
Conjugal
Manoel 49 Parda Casado Desconhecida Lavoura Casado com Rita
Rita 44 Parda Casado Desconhecida Fiandeira Casada com Manoel
Anacleto 29 Preta Solteiro Legítimo de José e Sipriana Carreiro -
Antonia 29 Parda Solteiro Legítimo de Maria e Francisco Costureira -
João 19 Preta Solteiro Legítimo de Benedito e Anna Ritta - -
Anna Ritta 39 Parda Viúvo Legítima Doméstica Viúva de Benedito
Fonte: Inventário de Maria Theodora de São José. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixa 3a.

O monte mor alcançou o valor de ₤1.453,25 libras, descontadas as custas restaram


₤1.427,60 para serem divididas entre os herdeiros. O viúvo recebeu a metade, ₤713,80 e cada
um dos filhos ₤89,20. Esse patrimônio ultrapassa em muito o recebido por Joaquim no
momento do falecimento de seu pai, ocorrido há apenas sete anos. Essa ampliação de
patrimônio ocorreu graças ao trabalho do próprio Joaquim, pois não há indícios de que ele ou
sua esposa tenham recebido outras heranças nesse período.
Em 1883, seis anos após o encerramento do inventário de sua finada esposa, morre
Joaquim, com aproximadamente sessenta anos de idade, sendo a inventariante sua segunda
esposa, Maria Lázara de Jesus. Ao que tudo indica, após o falecimento da mãe, os filhos de
Joaquim foram viver em Jaboticabal, residência informada pela inventariante no momento da
225

qualificação de herdeiros. Dois dos filhos de Joaquim, herdeiros de sua primeira esposa, não
aparecem no inventário do pai. São eles, Delfina e Lázaro, respectivamente com vinte e com
sete anos em 1877, não havendo maiores informações sobre seu paradeiro. O segundo
consórcio de Joaquim gerou apenas um filho, o menino João, de apenas três anos de idade,
residente em Ribeirão Preto com a mãe.
O patrimônio da família era modesto, principalmente se comparado ao existente na
época do falecimento de sua primeira esposa. Foram avaliados alguns bens móveis diversos,
utensílios domésticos e um carro ferrado para cabritos. Os animais do espólio também eram
poucos, sete bois de carro, dois novilhos, duas vacas com cria, uma besta de carga e duas
éguas. O casal possuía também o cativo João, de vinte e cinco anos de idade. Os imóveis
eram poucos, uma casa velha coberta de telhas, uma roça de milho na fazenda da Figueira e
uma quantidade de feijão plantado na mesma fazenda. Havia alguns valores a receber, todos
de pessoas da região.
As dívidas passivas eram elevadas, incluindo gastos com a enfermidade do
inventariado, médico, medicamentos, enterro, além de outros. O valor desse passivo
comprometia todo o patrimônio do inventariado, restando muito pouco para os herdeiros.
Todos os bens somados alcançaram a quantia de ₤345,67 e o passivo ₤292,49. A
inventariante, então, juntamente com seu procurador, pediram ao juiz que não se procedesse
a partilha, receando que o valor das custas comprometesse o pagamento total dos credores do
espólio. A sugestão foi acatada e Maria Lázara ficou responsável pelo pagamento das
dívidas.
Em 1878, a família Martins perde outro de seus elementos, Gabriel Ferreira de
Freitas, marido de Maria das Dores de Ávila. Maria era filha do casal José Venâncio e Anna
Leopoldina. Conforme as informações da viúva inventariante, Gabriel havia sido casado
apenas uma vez, deixando seis filhos: José Ferreira de Freitas, quinze anos; Delfina, treze
anos; Bento, já falecido; Bazílio, já falecido; Rozalina, um ano e meio de idade; e Gabriel,
quatro meses, nascido após a morte do pai.
O patrimônio era composto por alguns bens móveis, dentre os quais duas rodas de
fiar, utensílios domésticos e alguns móveis de casa, todos avaliados em ₤42,06 libras. Os
animais limitavam-se a uma dezena de bois de carro, trinta e um porcos, vinte e cinco
carneiros, um cavalo e uma besta de carga, totalizando ₤104,51 libras. Móveis e animais
representavam, respectivamente, 1,6% e 4,0% do monte mor.
226

O plantel de cativos era formado por oito elementos, com idades variando de nove a
58 anos de idade. Além desses, havia também a anotação de quatro ingênuos, que por sua
condição não receberam avaliação. O valor alcançado por esses homens e mulheres alcançou
as ₤1.186,05 libras, ou 45,6% do monte mor.
Os imóveis eram terras e benfeitorias na fazenda do Ribeirão Claro e uma parte de
terras na fazenda da Figueira, avaliadas em ₤516,34 libras, 19,8% do monte mor. A dívidas
ativas eram parte importante nesse patrimônio, alcançando o valor de ₤754,58 libras, quase
um terço do monte mor. O devedor do maior desses créditos era Antonio Marçal Nogueira
de Barros, que em documento firmado em abril de 1868 ficou a dever ao inventariado a
quantia de Rs 6:500$000 ou ₤619,22 em valores de 1878, incidindo, sobre esse valor, juros
anuais não informados.
No momento da partilha, o monte mor alcançou a quantia de ₤2.603,54 libras
esterlinas, sendo subtraído desse valor a quantia de ₤85,74 libras, referente a uma dívida
passiva. Essa dívida era originária da venda de uma parte de terras possuída por Gabriel e
que não pôde ser concluída por causa da morte do mesmo, fazendo com que o comprador
pedisse à viúva a devolução do valor pago. Após descontadas as custas, restaram ₤2.517,80,
ficando a viúva com ₤1.163,64 e cada filho com ₤209,82.
Em 1884 morre uma das filhas do segundo casamento de José Venâncio Martins:
Paulina Francisca do Nascimento. Quando faleceu, Paulina era casada com Antonio Ferreira
de Freitas e tinha sete filhos: Maria Ferreira do Nascimento, casada com Moyses Venâncio
Martins; Firmina Ferreira do Nascimento, doze anos; José Ferreira, dez anos; Augusto
Ferreira, oito anos; Adelaide, seis anos; Elisia, quatro anos; e Antonio, seis meses de idade.
A principal atividade da família era a produção de café, acompanhada de uma pequena
criação de animais e de uma possível produção de derivados de cana-de-açúcar.
O patrimônio da família estava concentrado em imóveis, principalmente por causa
dos altos preços alcançados pelos cafezais. Eram quatro mil pés de café formados, avaliados
em ₤206,88 libras, e dois mil pés de um ano, avaliados em ₤17,24 libras, todos localizados
na fazenda da Boa Vista. Nessa mesma fazenda, o casal possuía também duas partes de
terras, uma casa de morada coberta de telhas, engenho de cana e algumas cercas. Somados,
os bens imóveis alcançaram o valor de ₤405,14 libras, três quartos do patrimônio
inventariado.
Além desses imóveis, Paulina e o marido possuíam também: alguns bens móveis
diversos, entre eles um alambique, todos no valor de ₤25,60 libras; cinco bois de carro, uma
227

novilha, um cavalo, uma égua e dezoito porcos, todos avaliados em ₤32,24; um cativo de
nome Pedro, trinta anos e solteiro, avaliado em ₤68,96; a quantia de ₤2,50 libras a receber de
Vicente, morador da região.
A soma desses bens alcançou as ₤534,44 libras. O passivo, composto por diversas
dívidas não especificadas, totalizou ₤130,34. As custas alcançaram ₤24,22, restando aos
herdeiros a quantia de ₤379,88 libras. O viúvo recebeu a metade, ₤189,94 e cada um dos
filhos ₤27,13.
No ano de 1892, Francisca, neta de José Venâncio Martins, filha de Helena
Leopoldina de Ávila. Francisca faleceu com aproximadamente trinta e dois anos, deixando o
viúvo Martimiano Venâncio Martins – ao que tudo indica seu tio – e dois filhos, Virgilio
Venâncio Martins, de dezesseis anos e Alcides Venâncio Martins, de doze anos de idade.
A casal dedicava-se a produção de café, motivo pelo qual o valor dos imóveis e do
patrimônio da família se mostra tão elevado. O patrimônio da família estava alocado em
apenas três grupos de ativos, conforme apresentado no Gráfico 4.13.

Gráfico 4.13
Composição do Patrimônio de Francisca Leopoldina de Ávila e Martimiano
Venâncio Martins
(Ribeirão Preto, 1892)

Móveis ₤452,37
7,9%

Animais ₤88,82
1,5%

Imóveis
₤5.217,07 90,6%

Fonte: Inventário de Francisca Leopoldina de Ávila. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixa 13.

Os bens móveis eram muito semelhantes ao encontrados anteriormente, exceção feita


à presença de mil e quatrocentos alqueires de café em côco, avaliados em ₤419,16 libras,
92,7% do valor total dos bens móveis. A criação de animais não tinha como objetivo a
228

subsistência, sendo composta por doze bois de carro, uma vaca e duas bestas de carga, todos
avaliados em ₤88,82 libras.
O plantio do café se dava na fazenda Retiro da Boa Vista, onde a família possuía
terras, benfeitorias e cafezais. Ao todo, eram sessenta e três mil pés de café, dos quais vinte e
quatro mil já formados e trinta e nove mil de dois anos. O cafezal já formado alcançou o
valor de ₤1.796,41 e aquele em formação ₤973,05. Entre as benfeitorias da fazenda estavam
um engenho, uma olaria, duas casas de morada e cinco casas de colonos, todas avaliadas em
₤351,79 libras. As terras mais valiosas eram aquelas ocupadas com café, avaliadas em
₤1.996,01 libras. O valor dos cafezais e das terras em que estavam plantados absorvem
82,7% do patrimônio inventariado.
O monte mor alcançou o valor de ₤5.725,32 libras e o valor disponível para os
herdeiros, após descontadas as custas judiciais, totalizou ₤5.725,32. O viúvo ficou com a
metade desse valor, ₤2.862,66 e cada um dos herdeiros recebeu ₤1.431,33.
Um ano mais tarde, morre a irmã de Francisca, Delfina Leopoldina de Ávila. No
momento de sua morte, Delfina tinha aproximadamente trinta e seis anos de idade, estava
casada com João Ferreira de Andrade e tinha nove filhos.97
Assim como a irmã e o cunhado Martimiano, a família de Delfina também se
dedicava à cafeicultura. Na fazenda Lagoa do Campo, possuíam terras e trinta mil pés de
café, dos quais dez mil um ano, dez mil de dois anos e dez mil de três a quatro anos de idade.
Os mais valiosos eram os últimos, avaliados em oito mil contos de réis, ou ₤383,99 libras
esterlinas.
A participação dos imóveis no patrimônio de Delfina era mais expressiva do que a
encontrada no inventário de sua irmã. Conforme o Gráfico 4.14, quase a totalidade dos
recursos estava concentrada em imóveis, restando aos demais grupos de ativos apenas 2,9%
do monte mor. Em libras, o monte mor totalizou ₤7.236,51, dos quais ₤7.027,11 eram bens
imóveis.
Além das terras e cafezais na fazenda Lagoa do Campo, a família possuía também,
nessa mesma fazenda, três casas para colonos, uma olaria com duas casas, dois fornos para
queimar tijolos e quatro cisternas nos cafezais. A família, no entanto, vivia na fazenda da
Figueira, onde possuía uma boa parte de terras e uma casa de morada coberta de telhas, com

97 : Eram filhos de Delfina e João: Maria, vinte e um anos; Simphronio, dezenove anos; Helena, quinze anos; José, treze
anos; Américo, onze anos; Olympia, oito anos; Francisca, seis anos; João, quatro anos; e Maria, com um ano de idade,
falecida após a morte da mãe.
229

paredes parte de taboas parte de tijolos, assoalhada, com varandas, paiol e outras
benfeitorias. Além dessas propriedades rurais, compunha o patrimônio um terreno na vila de
Ribeirão Preto, localizado na rua Duque de Caxias, entre os prédios do Banco Construtor e
Agrícola de São Paulo e a casa do Dr. Mello Barreto.

Gráfico 4.14
Composição do Patrimônio de Delfina Leopoldina de Ávila e
João Ferreira de Andrade
(Ribeirão Preto, 1893)

Dinheiro
0,5%

Móveis
0,7%
Animais
1,7%
Imóveis
97,1%

Fonte: Inventário de Delfina Leopoldina de Ávila. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Primeiro Ofício, caixa 13.

O monte mor de ₤7.236,51 sofreu apenas a redução das custas, pois não havia dívidas
passivas. O viúvo ficou com a metade desse valor e cada filho recebeu a quantia de ₤400,43
libras.
Esse inventário encerra a trajetória da família de José Venâncio Martins. Analisando
os processos em conjunto, percebe-se que, depois de José, os herdeiros que mais
conseguiram ampliar a herança que receberam foram aqueles que se ocuparam do cultivo
extensivo do café, caso de Delfina e Francisca, cujos inventários mostram um patrimônio
muito além daquele recebido no momento da morte do avô. As análises mostraram ainda que
o cultivo do café de maneira não extensiva, caso da inventariada Paulina, não garantia, por si
só, a acumulação de riqueza.
230

Família de José Borges da Costa

A família de José Borges da Costa se encontra nas terras da antiga freguesia de São
Sebastião do Ribeirão Preto desde a primeira metade do século XIX. Em 1835, João aparece
vivendo no quarteirão do Tamanduá, em companhia de sua mulher, Maria de Nazareth e dos
filhos Antonio, oito anos, Purcina, dez anos e Maria, seis anos de idade. Além desses,
aparecem listados no mesmo fogo os cativos: Antonio, vinte e dois anos; Domingos, vinte e
oito anos; José, vinte anos; Francisco, nove anos; Marcelino, seis anos; Vicência, vinte e
quatro; Ilária, quarenta; Maria, vinte e quatro; Benedita, quatorze, e Francisca, quatro.98
A renda anual informada foi de um conto de réis, valor que pode ser considerado
muito elevado se comparado aos demais moradores arrolados na lista. Essa quantia era fruto
das atividades comerciais de João, anotado como sendo negociante de carros de boi. Além da
atividade comercial, o chefe do fogo dedicava-se também à lavoura, produzindo, por ano,
dez carros de milho e dez alqueires de feijão.
João morre em 1868, deixando a viúva, Leonor Nogueira Terra e mais sete filhos,
três fruto de seu primeiro casamento com Maria de Nazareth, e quatro de seu quarto
casamento, com a viúva inventariante.99
O inventário, aberto em 1868, arrola uma série de bens, mostrando que a família
tinha uma vida confortável, cercada de bens móveis, com diversas propriedades rurais,
escravos, culturas e criações. A composição do patrimônio, mostrada no Gráfico 4.15, era
semelhante à dos inventários mais antigos analisados anteriormente, com exceção do volume
de dívidas ativas. Por ser um comerciante, José possuía diversos valores a receber,
provavelmente fruto de vendas feitas a prazo, algumas delas reajustadas a juros.
A relação de bens móveis do casal chama a atenção por sua diversidade, contendo
mais de cem itens, desde móveis para casa e utensílios domésticos até rodas de fiar, selas e
ferramentas para o cuidado da lavoura. Por exemplo, foram arroladas oito rodas de fiar, treze
panelas e tachos, dez ferramentas para a lavoura e um forno de cobre para torrar farinha. O
conjunto desses bens foi avaliado em ₤41,93 libras, representando estes 1,5% do monte mor.
Os animais criados por José e avaliados no inventário eram basicamente os bovinos.
Seu rebanho era formado por sessenta e cinco cabeças, dentre as quais: dezoito bois de carro;
vinte e uma vacas, nove delas com cria; vinte e cinco novilhos; e um marroá. Além desses,

98 Além desses cativos, vivia no fogo de José Borges uma cativa de três anos, cujo nome está ilegível.
99 São filhos do primeiro casamento de João Borges: Francisco, Maria Purcina e Antonio. Os filhos que ficaram de seu
quarto casamento foram: João Borges, João Baptista; Anna Zeferina Nogueira e Maria.
231

foram avaliados doze eqüinos e mais de trinta porcos de criar. Esses animais alcançaram o
valor de ₤138,40 libras e representavam 5,0% do valor inventariado.

Gráfico 4.15
Composição do Patrimônio de José Borges da Costa e
Leonor Nogueira Terra
(Ribeirão Preto, 1868)

Móveis
Animais
Ativo 1,5%
5,0%
15,5%

Escravos
39,1%

Imóveis
38,8%

Fonte: Inventário de José Borges da Costa. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixa 3b.

Os cativos eram numerosos, totalizando dezoito elementos. As idades variavam de


um a setenta a dois anos de idade. A proporção de homens e mulheres era equilibrada,
havendo nove cativos e nove cativas, numa razão de sexo calculada em 100. Todos esses
escravos alcançaram o valor de ₤1.078,83 libras, representando quase quarenta por cento do
monte mor.
Os bens imóveis foram avaliados em ₤1.069,09 libras, praticamente o mesmo valor
alcançado pelos cativos. Esse conjunto de bens era composto por terras e benfeitorias nas
fazendas da Figueira, do Retiro e do Ribeirão Preto, além de uma pequena casa de morada
em Ribeirão Preto e algumas roças de milho. No momento do inventário, a família possuía
também algumas terras na fazenda Barra do Retiro, em processo de divisão. Esse processo
foi concluído somente em 1895, quando as terras em questão foram divididas entre os
herdeiros por meio de uma nova partilha. Considerando o preço da libra em 1895, essa parte
de terras alcançou o valor de ₤819,05.
A relação de dívidas ativas era grande, sendo composta por quarenta e sete nomes,
alguns deles com dívidas a juros. O inventariado possuía também algum passivo, referente às
legítimas dos herdeiros de Manoel de Nazareth, provavelmente aparentado de Maria de
232

Nazareth Azevedo, primeira mulher de José Borges. Esses valores foram descontados do
monte no momento da partilha, alcançando o valor de ₤193,55 libras esterlinas.
Após descontadas as dívidas passivas e as custas judiciais, restou o valor de
₤2.521,70 para ser dividido entre a viúva e os filhos do inventariado. Leonor ficou com a
metade dessa quantia, ₤1.260,85 libras, recebendo cada um dos filhos a legítima de ₤178,31
libras.100
A partilha da parte de terras da fazenda Barra do Retiro ocorreu somente em 1895.
Nessa ocasião, o valor total das terras alcançou as ₤819,05 libras esterlinas. As custas desse
novo processo subtraíram ₤14,86 libras do monte, restando o valor de ₤804,22 para ser
dividido entre a viúva e os filhos de José. Leonor recebeu a quantia de ₤402,11, ficando cada
um dos filhos com ₤57,44 libras.
Logo após a morte de José Borges da Costa, sua viúva, Leonor, casa-se com Manoel
Borges de Oliveira, que vem a falecer pouco tempo depois. O inventário de Manoel, aberto
em 1871, tem como inventariante a novamente viúva Leonor, e pelas informações prestadas
por ela é possível saber que essa breve união não gerou filhos, sendo herdeiros do falecido a
viúva e a mãe do inventariado. Considerando os bens descritos no inventário, o casal
produzia apenas para seu próprio sustento, cultivando gêneros de subsistência e criando
porcos.
Os bens móveis eram simples, um carro ferrado, alguns utensílios domésticos, um
alambique e um engenho velho de cana tocado a bois, sendo avaliados em ₤124,93, ou 7,7%
do monte mor. Os animais eram poucos, apenas oito porcos, um cavalo, uma égua e uma
besta de carga, todos avaliados em ₤13,21 libras, ou 0,8% do monte mor.
No entanto, a família possuía um plantel de cativos pouco comum em inventários que
descreviam tão poucos bens. O motivo da existência desse numeroso plantel era simples: dos
oito cativos arrolados, apenas um não havia pertencido ao primeiro marido de Leonor. Esses
escravos foram avaliados em ₤619,62 libras e representavam 38,0% do patrimônio
inventariado.
Os bens imóveis, isoladamente, respondiam por 43,4% dos recursos. Entre eles
estavam partes de terras e benfeitorias, uma na fazenda da Figueira e outra na fazenda do
Retiro, essa última, a mais valiosa, contendo uma casa de morada e algumas outras

100 Esse valor é um pouco inferior ao que deveria ser recebido por cada herdeiro se o valor disponível para os filhos de José
Borges, ₤1.260,85 fosse dividido em sete partes iguais, resultando numa legítima igual a ₤180,10 libras. Essa diferença
ocorre pelo fato de que foi descontado um imposto de dois por cento sobre o valor das legítimas, causando assim, a
diminuição da quantia entregue a cada herdeiro filho.
233

benfeitorias, alcançando o valor de ₤553,55 libras esterlinas. O conjunto dos imóveis


alcançou o valor de ₤708,73 libras.
Além desses bens, o inventariado possuía também algumas dívidas ativas não
especificadas a receber, informadas no momento da partilha. O conjunto dessas foi avaliado
em ₤164,22 libras, ou 10,1% do patrimônio. Foi também informada a existência de uma
dívida passiva, no valor de ₤109,98 libras, cujo credor era Thomaz de Aquino Pereira.
O monte mor alcançou o valor de ₤1.630,72 libras esterlinas. Após descontadas as
dívidas passivas e as custas restaram ₤1.521,63, para serem divididas entre a viúva e os pais
do inventariado, cada parte recebendo a quantia de ₤760,82 libras.
No ano de 1885, morre um dos filhos de José Borges da Costa e Leonor Nogueira
Terra, João Borges Nogueira. João era casado com Henriqueta Maria do Nascimento e tinha
dois filhos pequenos: José, de dois anos, e Antonio, de nove meses. Pelas informações do
inventário, a família produzia gêneros alimentícios e criava alguns poucos animais,
provavelmente para seu próprio sustento.
Os bens móveis descritos eram poucos, limitando-se a um carro ferrado, uma sela
com freio e 7,5 carros de milho. Os animais também se apresentavam em número reduzido,
oito bois de carro, uma vaca com cria e vinte e cinco porcos de criar. O trabalho na lavoura e
o cuidado com os animais eram feitos com a ajuda do cativo Joaquim, cuja idade não foi
informada. A família possuía sessenta a dois alqueires de terra e benfeitorias no sítio
denominado Invernada. As benfeitorias correspondiam a uma casa de morada com monjolo,
árvores de espinhos, paiol e outras casas mais simples. Além das terras e benfeitorias, nesse
mesmo sítio havia a 3,5 alqueires de roça de milho. O casal possuía também alguns valores a
receber de terceiros, um deles reajustado a uma taxa de juros não informada. O passivo era
elevado, comprometendo um terço do patrimônio inventariado. A maior credora era sua mãe,
Leonor, que tinha a receber ₤116,12 das ₤135,21 libras devidas pelo espólio.
O monte mor alcançou o valor de ₤403,62 libras. O monte partível – resultado da
subtração das dívidas passivas e das custas judiciais – atingiu a quantia de ₤252,93,
recebendo a viúva ₤126,46 e cada um dos filhos ₤63,23 libras esterlinas.
Observando os inventários da família de José Borges da Costa ora analisados,
percebe-se que o maior patrimônio acumulado foi o do próprio José. Provavelmente, esse é
mais um resultado da combinação lavoura, criação e comércio, que já havia sido identificada
como benéfica para a acumulação patrimonial nas análises desenvolvidas para a família De
Pontes, em especial, no caso do inventariado Antonio Maciel.
234

Os demais inventariados, Manoel Borges de Oliveira e João Borges Nogueira,


conseguiram apenas manter os valores que haviam recebido anteriormente. No inventário de
Manoel, a parte que coube à viúva Leonor foi de ₤760,82 libras, valor um pouco menor do
que o recebido por ela no inventário de seu finado marido, que havia sido de ₤1.260,85
libras. No caso de João Borges, a parte do patrimônio correspondente a ele era de ₤126,46 –
valor dividido entre seus filhos - ₤51,85 libras menor do que aquele recebido por ele no
inventário de seu pai.

Família de Antonia Maria de Nazareth

Antonia Maria de Nazareth era casada em segundas núpcias com Manoel Soares de
Castilho. Quando faleceu, Antonia deixou o viúvo, Manoel, e cinco filhos: Cândido Alves de
Oliveira, de trinta e seta anos; José Alves de Oliveira, de trinta e seis anos; Felisbina Maria
de Nazareth, trinta e três anos; Antonio Sotério Soares de Castilho, vinte e três anos; e
Guirino Sotério Soares de Castilho, de quatorze anos de idade. Ao que tudo indica, os três
primeiros filhos eram do primeiro casamento e os dois últimos do segundo.
O marido de Antonia, Manoel, era comerciante. Em sua casa comercial, vendia-se de
tudo, desde tecidos, roupas e sapatos, até munição para armas, utensílios domésticos e
medicamentos. Além da atividade comercial, a família dedicava-se também ao cultivo de
gêneros e à criação porcos, possuindo diversas partes de terra em várias fazendas da região.
A composição de seu patrimônio, como pode ser observado no Gráfico 4.16, se mostra um
pouco distinta das observadas anteriormente, principalmente pela representatividade das
dívidas ativas. Nenhum inventário analisado até o presente momento apresenta uma parte tão
grande do patrimônio concentrada em dívidas ativas.
Observando a relação de devedores, percebe-se que várias delas eram referentes a
contas de livro – nomenclatura utilizada para designar pequenas vendas a prazo – feitas pela
casa comercial da família. Além dessas, constituem parte importante do passivo os valores
emprestados a juros, vinte e seis ao todo.
Os bens móveis descritos no inventário eram basicamente o estoque da firma.
Composto por roupas, sapatos, medicamentos e utensílios domésticos. Além destes, estavam
relacionados também os bens móveis da família, tais como, móveis, roupas, roda de fiar,
utensílios domésticos, entre outros. Havia também alguns objetos que podem ser
235

considerados de luxo, como um relógio e outras jóias de prata e algumas jóias de ouro. O
conjunto dos móveis da família mais o estoque da casa comercial foi avaliado em ₤120,58
libras, 2,0% do monte mor.

Gráfico 4.16
Composição do Patrimônio de Antonia Maria de Nazareth e
Manoel Soares de Castilho
(Ribeirão Preto, 1873)

Ativo Móveis
47,0% 2,0%
Animais
0,5%

Escravos
1,2%

Imóveis
49,3%

Fonte: Inventário de Antonia M aria de Nazareth. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo Ofício, caixa 3b.

Os animais inventariados eram poucos, vinte e dois porcos, um cavalo, duas éguas e
uma besta de carga, todos avaliados em ₤29,77 libras esterlinas. O único cativo possuído
pela família era a crioula Joaquina de vinte anos de idade, avaliada em ₤73,11 libras.
Os bens imóveis eram diversos, havendo propriedades tanto urbanas quanto rurais.
Foram descritas quatro casas na vila de Ribeirão Preto, duas na rua do Comércio, uma na rua
da Boa Esperança e uma outra ainda não terminada na rua do Peixe, todas avaliadas em
₤267,39. As propriedades rurais eram mais numerosas. Ao todo, eram vinte e quatro partes
de terras, espalhadas pelas fazendas do Ribeirão Preto, Figueira, Sertãozinho, Serrinha,
Palmeiras, Retiro e Posses, todas avaliadas em ₤2.612,39 libras. Além das terras, havia
também uma casa com monjolo e moinho na fazenda do Ribeirão Preto, avaliada em ₤41,78
libras.
As declarações finais do inventariante informam a existência de algumas dívidas
passivas, no valor de ₤1.668,58 libras, comprometendo 28,1% do patrimônio inventariado.
236

No momento da partilha, o monte mor foi calculado em ₤5.929,68 libras. Subtraindo-


se o passivo e as custas, sobraram ₤4.193,31 para serem divididas entre os herdeiros. O
viúvo recebeu a quantia de ₤2.096,65 e cada filho o quinhão de ₤419,31 libras.
Em 1887 morre um dos filhos de Antonia e seu primeiro marido, Cândido Alves de
Oliveira. O registro de sepultamento informa que, na época em que faleceu, Cândido tinha
quarenta e sete anos de idade, era viúvo e não possuía filhos. Foram seus herdeiros os irmãos
José e Felisbina e uma tia de sua falecida esposa.
Aparentemente, Cândido vivia na fazenda do Sertãozinho, onde possuía terras e uma
pequena criação de animais. Os bens móveis descritos eram variados, destacando-se algumas
peças de roupa, ferramentas para ferrar, ferramentas para a lavoura, alguns utensílios
domésticos e algumas peças de ouro. Foram avaliados também vinte e oito cabeças de
bovinos e um cavalo. As terras da fazenda Sertãozinho tinham a extensão de quarenta
alqueires, dos quais cinco de cultura, cinco de campos e trinta de qualidade não especificada.
Juntamente, foi avaliada também uma casa coberta de palha.
O inventariante informa que era credor do irmão. Não há maiores informações sobre
o teor dessa dívida, no valor de ₤56,03 libras. Era comum que os parentes mais próximos
prestassem assistência aos inventariados no momento de sua morte, custeando tratamentos
médicos, funeral e enterro. No momento da partilha, esses valores eram devolvidos, ficando
assim quitada a dívida.
O monte mor alcançou o valor ₤180,27 libras esterlinas das quais ₤22,55 de bens
móveis, ₤75,93 de animais e ₤81,78 de bens imóveis. Depois de descontado o passivo, esse
valor caiu para ₤124,24. Como se tratava da transmissão de herança a herdeiros não diretos,
a fazenda pública cobrava um imposto adicional, calculado em ₤28,57 libras. As custas
judiciais alcançaram ₤36,56, ficando disponível para os herdeiros, após descontado o
passivo, o imposto adicional e as custas, o valor de ₤59,11 libras, ₤19,70 para cada um dos
herdeiros nomeados.
Em 1890 morre a esposa de um dos filhos de Antonia, Maria Victoria de Castilho.
Maria era casada com Antonio Sotério Soares de Castilho, filho de Antonia e Manoel Soares
de Castilho. Antonio Sotério era sócio do pai na casa comercial cujo estoque foi avaliado no
inventário de sua mãe, em 1873. O casal Maria e Antonio tinha apenas um filho Aristides
Soares de Castilho, com onze anos de idade.
Além de comerciante, Antonio Sotério era também escrivão, participando da grande
maioria dos processos utilizados na pesquisa ora desenvolvida. Além de suas atividades
237

como escrivão e comerciante, Antonio dedicava-se também ao cultivo do café, possuindo


uma chácara nos arredores da cidade e um pequeno cafezal de dez mil pés. Essa chácara
recebeu o nome de Victória, talvez por ser este o segundo nome de sua esposa Maria. Além
dos cafezais, a chácara possuía uma casa feita de tijolos e telhas e outras benfeitorias não
especificadas.
De acordo com o inventário, além da chácara, a família possuía também diversas
casas na vila de Ribeirão Preto, três localizadas na rua do Comércio e duas na Visconde do
Rio Branco. Não se sabe ao certo onde a família residia, na chácara ou em algumas das casas
da vila. Foram declaradas ainda algumas partes de terra nas fazendas da Figueira, Posses,
Barra da Figueira e Serrinha, possivelmente herdadas do pai de Antonio, Manoel Soares de
Castilho. As mais valiosas eram as da fazenda Barra da Figueira e Serrinha, avaliadas
respectivamente em ₤2.350,07 e ₤940,03 libras esterlinas.
A análise dos bens móveis mostra um padrão de vida um pouco acima do
identificado nas análises anteriores. Estão relacionados, por exemplo, um faqueiro, um
fogão, um jogo de mobília austríaca, algumas peças de prata e uma jóia de ouro, um relógio
de parede e um piano. Destes, o mais valioso era o piano, avaliado em ₤112,80 libras
esterlinas, 51,1% do total de bens móveis. Além desses bens, foram declarados também
quatro animais, duas vacas e dois cavalos, todos avaliados em ₤28,20 libras.
Foram declaradas também diversas dívidas ativas, das quais sete eram referentes a
empréstimos corrigidos a uma taxa de juros que variava de um a dois por cento ao mês. Os
devedores, ao que tudo indica, eram moradores da própria localidade. Além desses créditos,
havia também mais três dívidas não especificadas de moradores da localidade. Essas dívidas
a receber totalizaram ₤532,21 libras, ou 6,9% do monte mor. Ainda como ativo, foi
declarada uma quantia de ₤197,41 libras em dinheiro.
O patrimônio total alcançou o valor de ₤7.751,42 libras, divididas como mostra o
Gráfico 4.17. Como não havia dívidas passivas, esse valor sofreu redução apenas do valor
das custas judiciais, ₤28,20 libras, restando a quantia de ₤7.723,22 para ser dividida entre o
viúvo e o único filho do casal, cabendo a cada um o valor de ₤3.861,61 libras.
Um ano mais tarde, em 1891, morre Guirino Sotério Soares de Castilho, irmão de
Antonio Sotério, filho de Antonia Maria e Manoel Soares. Na época, Guirino estava casado
com Anna Ozória de Jesus, deixando a esposa grávida de oito meses. O inventário de
Guirino limita-se à descrever a avaliar os bens imóveis do casal, alcançando o patrimônio o
238

valor de ₤969,23 libras. Pela falta de informações, não foi possível identificar que atividades
econômicas desempenhava Guirino e nem como este conseguir manter sua família.

Gráfico 4.17
Composição do Patrimônio de Maria Victoria de Castilho e Antonio
Sotério Soares de Castilho
(Ribeirão Preto, 1890)

Dinheiro
2,5%
Ativo
6,9%
Móveis
2,8%
Animais
0,4%
Imóveis
87,4%

Fonte: Inventário de M aria Victoria de Castilho. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo
Ofício, caixa 12.

Entre esses imóveis, havia diversas partes de terra nas fazendas do Retiro, Barra
daFigueira, Posses e Serrinha, algumas herdadas no momento do inventário de Antonia
Maria de Nazareth, ocorrido oito anos antes. Além dessas partes de terra, a família possuía
uma casa na vila, situada à rua do Comércio, toda coberta de telhas, parte assoalhada,
esquina com o mercado, com quintal plantado e cômodo próprio para comércio. Essa casa,
juntamente com uma parte de terras de quarenta a seis alqueires, já dividida, na fazenda do
Retiro eram os bens mais valiosos do casal, alcançando respectivamente, ₤370,78 e 284,27
libras esterlinas, 67,6% do total alcançado pelo monte.
A inventariante informou a existência de algumas dívidas passivas, uma referente às
custas judiciais de outro processo e outra não especificada, sendo credor dessa última
Manoel José de França. Somadas, essas dívidas alcançaram o valor de ₤65,82 libras
esterlinas, comprometendo muito pouco do patrimônio inventariado. Após descontado o
passivo e as custas judiciais, restaram ₤884,87 libras para serem divididas entre a viúva e o
herdeiro póstumo, ficando cada um com a quantia de ₤442,43.
Menos de um ano após o falecimento de Quirino, Anna Ozoria casa-se novamente,
desta vez com João Baptista Nogueira. Este vem a falecer no ano de 1892, deixando como
herdeiros a viúva, três filhos de seu primeiro casamento e um outro póstumo. Os bens do
239

casal eram basicamente aqueles herdados por Anna na ocasião do inventário de seu primeiro
marido: as terras na fazenda Barra do Retiro, uma casa em construção nas mesmas terras e a
casa na rua do Comércio, essa última alugada, sendo o dinheiro fruto desse aluguel
apresentado no momento da partilha. Novamente, devido à falta de informações do processo,
não foi possível identificar a atividade do inventariado.
Tanto as terras quanto a casa na vila alcançaram valores bem maiores do que os
anteriores, refletindo, provavelmente, o aquecimento do mercado imobiliário da cidade
graças ao advento do café. A casa, que anteriormente tinha sido avaliada em ₤287,99 libras,
alcançou o valor de ₤431,99 libras. A valorização da parte de terras na fazenda do Retiro foi
ainda mais significativa, passando de ₤62,40 – parte que efetivamente ficou com a viúva no
momento da partilha – para ₤575,98. Deve-se considerar que pelo menos uma parte dessa
valorização ocorreu graças às análises subjetivas de diferentes avaliadores. No entanto, na
época em que foi aberto o processo a localidade realmente passava por uma época próspera,
motivada pelo florescimento da cultura cafeeira e a crescente busca por terras.
O passivo era composto por dois empréstimos, duas contas pela compra de
armarinhos e gêneros para a casa, e uma pelos serviços prestados pelo médico Joaquim
Estanislau da Silva Gusmão durante a enfermidade do inventariado.
O valor alcançado pelo monte mor foi de ₤1.129,96 libras. Após descontadas as
dívidas passivas, ₤183,91, e as custas, ₤14,40, restaram ₤946,05 para serem repartidos entre
a viúva e os filhos de João Baptista. Anna Ozoria ficou com a quantia de ₤473,03 e cada um
dos filhos recebeu ₤118,26.
O inventário de João é o último da família de Antonia Maria de Nazareth.
Considerando todos os processos, percebe-se que o único herdeiro que conseguiu acumular
um patrimônio semelhante ao de Antonia e seu marido Manoel foi Antonio Sotério.
Novamente, um resultado que se repete é o da bem sucedida combinação entre comércio e
outras atividades, sejam elas agropastoris ou não. No caso de Antonio Sotério, ele não só era
sócio do pai na casa comercial como também cultivava café em pequena escala, além de ter
sido o escrivão da vila por muitos anos. A combinação dessas atividades gerou renda
suficiente para a ampliação do patrimônio recebido por ele no inventário da mãe. Os demais
inventariados da família não conseguiram resultado semelhante.
240

Família de Francisca de Salles Barreto

Última família a ser analisada separadamente, a família Barreto era natural da região
cafeicultora do vale do Paraíba fluminense. Na década de 1870, animados com a nova
fronteira do café, os Barreto decidiram mudar-se para a região de Ribeirão Preto, adquirindo
terras na antiga vila de Ribeirão Preto, onde atualmente está localizado o município de
Cravinhos. O inventário mais antigo dessa família é o de Francisca de Salles Barreto,
falecida em 1882. Francisca faleceu na condição de viúva, deixando como herdeiros dez
filhos, alguns ainda vivendo no Rio de Janeiro e outros já instalados em terras do nordeste
paulista.101
De acordo com o inventário, mais da metade dos patrimônio de Francisca estava na
forma de dívidas ativas. A maior delas era um empréstimo a juros para o herdeiro Antonio
Pereira Barreto Pedrozo Sobrinho, no valor de ₤1.675,78 libras, sem o cômputo dos juros de
dez por cento ao ano desde 1881. Entre os demais valores a receber, estavam parte de uma
casa já vendida e parte de uma escrava também vendida antes da morte da inventariada, além
de outros valores menores a receber de filhos e outros herdeiros do espólio.
Francisca não possuía terras em Ribeirão Preto, apenas uma casa na rua do Ouvidor,
em Resende. Não obstante, possuía roças de mandioca, cana, milho e feijão, provavelmente
em terras de algum de seus filhos. Esses imóveis foram avaliados em ₤286,65 libras, 5,5%
do total inventariado,
Grande parte de seu patrimônio estava investida em escravos. Seu plantel era
composto por trinta e quatro elementos, além de cinco ingênuos. Esses cativos alcançaram o
valor de ₤1.927,15 libras esterlinas, 36,7% do total do monte mor.
Entre os bens móveis de Francisca, originária de uma das mais antigas regiões
cafeicultoras do país, encontram-se itens até então pouco comuns na região de Ribeirão
Preto, tais como castiçais e bules de prata, móveis para guardar louça, camas, lavatórios,
máquina de costura, entre outros. Esses móveis foram avaliados em ₤184,40 libras, 3,5% do
total do patrimônio. O inventariante declarou também que a inventariada possuía alguns

101 Eram filhos de Francisca: Coronel Pereira Barreto, casado com Anna Barreto, residentes em Ribeirão Preto; Antonio
Pereira Barreto Pedrozo Sobrinho, residente em Resende; Augusto Cezar Pereira Barreto, casado com Gabriela de Arantes
Barreto, residentes em São Simão; Francisca Luiza de Salles Barreto, casada com João Pereira Ramos, residentes em
Resende; Rodrigo Pereira Barreto, casado com Amelia Brazilia Peixoto Barreto, residentes em Ribeirão Preto; Cândido
Pereira Barreto, casado com Virgínia de Sá Barreto, residentes em Ribeirão Preto; Luis Pereira Barreto, casado com Carolina
Peixoto Barreto, residentes em Jacareí; Francisco Pereira Barreto, casado com Francisca Emerenciana Bernardes Barreto;
Miguel Pedrozo Barreto, casado com Anna Bernardes Barreto, residentes em Ribeirão Preto; Leocádia Barreto Ramos, já
falecida, finada esposa de Francisco Pereira Ramos, residente em Resende.
241

animais, uma vaca, um bezerro, trinta a seis porcos de criar, dois cavalos e uma besta, todos
avaliados em ₤18,52, ou 0,4% do monte.
O inventariante declarou também diversas dívidas passivas, fruto dos gastos com sua
última enfermidade, remédios, médicos e valores gastos para a manutenção de uma fazenda.
É interessante notar que Francisca não possuía nenhuma fazenda entre seus bens.
Provavelmente, ainda que não fosse a proprietária, Francisca deveria viver na fazenda de um
dos filhos, sendo responsável pela sua manutenção. Essas dívidas alcançaram o valor de um
conto de réis, ou ₤88,20 libras esterlinas, comprometendo apenas uma pequena parte do
patrimônio
No momento da partilha, o monte mor foi calculado em ₤5.247,76 libras. Após a
subtração das dívidas passivas e das custas, restou para ser dividido entre os herdeiros o
valor de ₤5.080,09, ficando para cada filho a quantia de ₤508,01
Dois anos mais tarde, morre Anna Bernardes Barreto, nora de Francisca. Anna era
casada com Miguel Pedrozo Barreto e tinha cinco filhos: Aristides, oito anos; Adelina, sete
anos; Laura, cinco anos; Alcina, quatro anos; e Wachinton, de dois anos de idade. A família
dedicava-se ao cultivo de gêneros, entre eles o café, e à criação de animais.
Conforme o Gráfico 4.18, a composição do patrimônio do casal se assemelha àquela
identificada anteriormente para outras famílias cafeicultoras. A principal característica desse
tipo de patrimônio é a elevada participação relativa dos bens imóveis, devida aos altos
valores alcançados pelos bens, terras e outros insumos relacionados com a produção cafeeira.
A propriedade rural mais valiosa do inventário era a da fazenda do Tamanduá,
composta por cem alqueires de terras, casa de morada, tulha, galpão, e cafezais contendo
dezoito mil pés de café. As terras foram avaliadas em ₤1.120,59 libras, as benfeitorias em
₤172,40 e os pés de café em ₤698,22, perfazendo um total de ₤1.991,21, 76,2% do total de
imóveis do inventário. Além dos imóveis rurais, a família possuía também uma casa na vila
de Ribeirão Preto, localizada na rua Duque de Caxias, alugada a terceiros, avaliada por
₤258,60 libras esterlinas.
Para o trabalho da lavoura, a família contava com um plantel de quinze cativos,
sendo um deles herança de Francisca. Segundo a matrícula anexa, dez desses cativos eram
naturais de Resende e cinco eram de outras localidades, tais como Costa, Assembléia e
Itaboraí. Quatorze desses cativos haviam sido matriculados em Resende, sendo averbados
em Ribeirão Preto entre os anos de 1879 e 1883. O plantel foi avaliado em ₤689,60, valor
correspondente a 19,4% do monte mor.
242

Gráfico 4.18
Composição do Patrimônio de Anna Bernardes Barreto e
Miguel Pedrozo Barreto
(Ribeirão Preto, 1884)

Móveis
1,4%
Animais
5,7%

Imóveis Escravos
73,4% 19,4%

Fonte: Inventário de Anna Bernardes Barreto. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto, Segundo
Ofício, caixa 6a.

Miguel e Anna possuíam diversos animais. Conforme a descrição do inventariante,


eram trinta carneiros, quarenta porcos, três muares, nove eqüinos e dezesseis cabeças de
gado bovino, das quais oito eram bois de carro. Esses animais foram avaliados em ₤203,86
libras, 5,7% do patrimônio.
A família não possuía dívidas passivas, e o monte mor de ₤3.550,90 sofreu apenas a
redução das custas judiciais, restando o valor de ₤3.512,80 para ser dividido entre os
herdeiros, ficando o viúvo com ₤1.756,40 e cada um dos filhos com ₤351,28.
Em 1887, morre José Pereira Barreto, com aproximadamente cinqüenta e nove anos
de idade, filho de Francisca de Salles Barreto, deixando a esposa Anna Barreto e quatorze
filhos. Segundo as listas de qualificação de votantes de 1878 e 1880, José era fazendeiro e
residia no quarteirão dos Cravinhos.
Se fossem consideradas apenas as informações do inventário, a atividade da família
não teria sido identificada. O processo reúne poucos bens, estando a maior parte do
patrimônio concentrada em cativos. O plantel da família era formado por dezessete
elementos, todos avaliados em ₤867,15 libras. A falta de informação sobre esses escravos
impede sua localização no inventário de Francisca, mas é muito provável que alguns
tivessem sido recebidos por José como parte da herança de sua mãe.
243

Os bens móveis e animais descritos eram um alambique, dois tachos, um forno e uma
bacia de cobre, um carro ferrado, três muares, um cavalo, uma égua, uma vaca com cria e
oito bois de carro, todos avaliados em ₤116,40 libras.
Além dos escravos, dos bens móveis e dos animais, a inventariante declarou também
possuir uma dívida ativa no valor de ₤140,24 libras. A soma desses bens alcançou o
montante de ₤1.123,78 libras, que sofreram apenas redução das custas judiciais, ₤37,40,
restando o valor de ₤1.086,39 para ser dividido entre os herdeiros. A viúva meeira recebeu
₤543,19 libras e cada um dos quatorze filhos do casal ficou com ₤38,80.
No ano de 1893 morre Maria Carolina Baptista Barreto. A jovem era casada com
Jefferson Barreto, neto de Francisca de Salles Barreto, com quem teve dois filhos: Maria,
quatro anos e Cilla, com dezoito meses de idade.102 O casal dedicava-se ao cultivo do café,
alocando nessa atividade grande parte de seus recursos.
Conforme o Gráfico 4.19, os bens imóveis absorviam quase a todos os recursos,
perfazendo ₤6.021,41 libras. Uma parte desses imóveis estava localizada na área central da
cidade – sendo seis casas e quatro terrenos – o restante localizava-se na fazenda da Bos
Vista, onde se produzia café. A fazenda tinha extensão de cinqüenta e seis alqueires de terra,
com casas de morada, casas de colonos e demais benfeitorias, além de cinqüenta e seis mil
pés de café. O valor alcançado pelo cafezal foi de ₤3.009,50 libras. No momento do
inventário, essas árvores abrigavam mil arrobas de café por colher, avaliadas como bens
móveis em ₤575,98 libras esterlinas.
O valor deixado aos herdeiros, no entanto, foi comprometido por uma considerável
dívida passiva. Foram declarados apenas três credores, sendo um deles o Banco Construtor e
Auxiliar de Ribeirão Preto, que possivelmente custeava parte dos negócios da família. Essas
três dívidas alcançaram o valor de ₤1.922,64 libras, restando aos herdeiros o valor de
₤4.429,14. O viúvo recebeu ₤2.214,57 e cada um dos filhos ₤1.107,29.

102 Jefferson era filho de Antonio Pereira Barreto Pedrozo Sobrinho, que faleceu em 1884. Ao que tudo indica, Antonio
faleceu em Ribeirão Preto, razão pela qual um processo de inventário foi iniciado. No entanto, o arrolamento dos bens
contém apenas uma harpa, cinco cativos e uma dívida passiva que excedia em muito o valor alcançado pelos bens descritos.
O processo não foi concluído, provavelmente porque o casal não residia em Ribeirão Preto, mas sim em Rezende, conforme
informações do inventário da mãe de Antonio, Francisca de Salles Barreto.
244

Gráfico 4.19
Composição do Patrimônio de Maria Carolina Baptista Barreto e
Jefferson Barreto
(Ribeirão Preto, 1893 )

Móveis
4,9%

Animais
0,3%

Imóveis
94,8%

Fonte: Inventário de M aria Carolina Baptista Barreto. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto,
Segundo Ofício, caixa 13.

A trajetória desses integrantes da família Barreto mostra que conseguiram prosperar


aqueles que se envolveram com o cultivo do café, caso dos inventários de Maria Carolina e
de Anna Bernardes. Esses dois processos foram os que exibiram os maiores patrimônios e
esse enriquecimento certamente estava relacionado com a cultura cafeeira. No caso de Maria
Carolina, os recursos da família foram suficientes para saldar todas as dividas passivas,
provavelmente utilizadas para financiar a produção cafeeira, e ainda deixar aos seus filhos as
maiores legítimas de todos os processos da família Barreto considerados.
245

Considerações Finais

Essa pesquisa dedicou-se ao estudo da alocação e da acumulação de riqueza na


localidade de Ribeirão Preto durante a segunda metade do século XIX. Nesse período, a
região era uma das principais, senão a principal, produtora de café em São Paulo e a cidade
de Ribeirão Preto despontava como o centro dinâmico dessa cultura no nordeste paulista.
Essa região, de colonização relativamente recente, sofreu uma série de modificações
promovidas pela chegada da cultura cafeeira. As mudanças mais facilmente identificadas são
o incremento de sua população, a chegada da ferrovia e o desenvolvimento das atividades
comerciais urbanas como sistema de apoio ao complexo cafeeiro. No entanto, a análise dos
inventários post-mortem da localidade permitiu a identificação de outras mudanças nessa
sociedade, modificações estas de caráter mais estrutural. Essas mudanças não aconteceram
logo no início da cultura cafeeira, sendo necessários alguns anos até que fossem percebidas
no corpus documental utilizado. Esse atraso foi conseqüência tanto da própria fonte
documental utilizada quanto do lapso de tempo necessário para que o café permitisse a
melhoria das condições de vida e a elevação dos padrões de acumulação dos moradores da
região considerada.
Como pôde ser observado no capítulo um, a formação da antiga vila é anterior à
chegada da rubiácea. Em meados do século XIX, sua população era formada basicamente
por criadores de gado e agricultores, que viviam um tanto quanto distantes da vila de São
Simão, o que dificultava sua ida à igreja e o acesso aos serviços eclesiásticos. Por isso, esses
moradores resolveram doar terras a São Sebastião e pleitear junto à Igreja a construção de
uma capela nas imediações. O processo de doação foi concluído pela Igreja em 1856, ano em
que foi marcado o Patrimônio de São Sebastião. A partir daí, começou-se a construção da
matriz. Pouco tempo depois, na década de 1860, encontrou-se, num dos inventários
analisados, a avaliação de um cafezal, indicando que a penetração do cafeeiro já havia
começado. Na década de 1880, com a chegada da ferrovia, esse movimento foi intensificado,
atraindo cafeicultores de outras regiões paulistas, produtores de outras províncias e
imigrantes estrangeiros, alternativa encontrada pelos fazendeiros para substituição da mão-
de-obra cativa.
O capítulo dois mostrou a evolução da composição da riqueza inventariada. No
primeiro período, de 1849 a 1869, o patrimônio dos inventariados se mostrou concentrado
246

nos dois tipos de bens mais valorizados da época, terras e escravos, responsáveis por,
respectivamente, 55,0% e 21,0% dos patrimônios inventariados. A principal atividade desses
indivíduos era a criação de gado e a agricultura. A maior parte das famílias inventariadas
nesse período viviam confortavelmente, possuindo várias partes de terra, cativos e rebanhos.
Mesmo assim, a análise da concentração dessa riqueza mostrou que apenas três inventariados
concentravam mais de quatro quintos dos recursos. Como foram localizados poucos
processos, não se pode dizer que o padrão identificado representa, ou melhor, espelha o dos
moradores da região. Sabe-se que a amostra de inventários já é por definição uma amostra
viesada, pois agarra apenas os indivíduos com bens suficientes para o processo ou que
deixaram herdeiros menores de idade. Sendo assim, o nível de vida identificado espelha o
dos moradores mais abastados da região e não o da população como um todo, o que não
desqualifica, de maneira alguma, a relevância dos resultados alcançados.
No segundo período, década de 1870, a área urbana da localidade já se mostrava
mais desenvolvida, sendo identificados, além de agricultores e criadores de animais, alguns
comerciantes e profissionais liberais. A distribuição do patrimônio desses indivíduos não se
mostra muito diferente daquela identificada no período anterior. Os grupos de bens que mais
concentram recursos continuam a ser o dos escravos e dos imóveis, responsáveis por 27,8%
e 52,1% do patrimônio, respectivamente. Os indícios da presença cafeeira se multiplicam e a
composição do patrimônio desses primeiros cafeicultores mostra uma tendência que se
reforçaria com o passar dos anos e o avanço da cultura: a concentração dos recursos nos bens
imóveis por causa dos elevados valores alcançados pelas terras e demais bens relacionados
ao cultivo da rubiácea. Ainda em seus momentos iniciais, a cafeicultura ainda não tinha
conseguido modificar os padrões previamente existentes, tanto de acumulação quanto de
distribuição patrimonial, ficando esses efeitos restritos ao pequeno grupo de cafeicultores
existente.
No terceiro período, a pecuária que até então parecia não ter sofrido grande abalo por
causa do café começa a mostrar sinais de enfraquecimento. Ao mesmo tempo, observa-se
uma elevação substancial no número de pés de café avaliados, sendo estes de diversas
idades, alguns já formados, outros ainda em formação, além de existirem vários com idade
não especificada. Além disso, já é possível encontrar a avaliação de frutos ainda não colhidos
e de café estocado nas tulhas, pronto para comercialização. Aparecem os primeiros sinais de
mudança na sociedade analisada, a participação dos bens imóveis sobe para 56,3%, mais
247

elevada do que encontrada no primeiro período e a participação dos cativos cai


significativamente, ficando em 15,2%.
No quarto período, o café já se encontrava consolidado como principal atividade
econômica da região. A chegada de imigrantes se intensifica, o processo de valorização das
terras continua e começam a surgir os grandes cafeicultores. Os efeitos do clima de euforia
podem ser observados no quadro da distribuição dos inventários consoante as diversas faixas
de tamanho de riqueza, observando-se a diminuição do número de processos cujo patrimônio
estava abaixo das quinhentas libras e incremento na porcentagem daqueles inseridos na
última faixa, a dos patrimônios de cinco mil libras ou mais. Analisando apenas os inventários
dos cafeicultores, observa-se que o movimento descrito acima se mostra bem mais
acentuado, indicando uma relação direta entre a cultura cafeeira e o deslocamento nos níveis
do patrimônio inventariado e, conseqüentemente, na riqueza da localidade.
No entanto, essa influência do café não ficou restrita dos inventários daqueles que se
dedicavam ao seu cultivo. O clima de euforia que reinava na localidade certamente
influenciou os avaliadores no momento em que precificavam os ativos inventariados. Não se
pode deixar de lembrar que esses avaliadores eram cidadãos comuns, moradores da cidade,
muitas vezes conhecidos das famílias inventariadas, sendo suas avaliações, portanto,
subjetivas. O café gerava riquezas, movimentava as atividades urbanas, as terras se
valorizavam e a cidade crescia, cada vez mais pessoas chegavam e a economia local tornava-
se mais dinâmica. Porque não supor que toda essa movimentação estivesse fazendo com que
os avaliadores dessem preços mais altos para os bens que avaliavam?
Além dessa, uma outra distorção promovida pelo café foi identificada, a super-
avaliação proposital dos patrimônios, motivada talvez pela necessidade de se criar capital
suficiente para saldar as dívidas passivas da família inventariada. Muitas vezes, o cafeicultor
recorria a empréstimos para a compra das fazendas, para a formação dos cafezais e para se
manter enquanto estes não estivessem produzindo. Nesses casos, as dívidas passivas eram
elevadas e a super-avaliação dos bens podia ajudar a família a quitar esses valores no
momento da partilha, garantindo assim não só o pagamento dos credores mas também a
transferência de pelo menos parte dos bens aos herdeiros, parte esta seguramente maior do
que a que deveria ser transmitida caso o recurso da super-avaliação não tivesse sido
utilizado. Novamente, entra o papel dos avaliadores, cidadãos comuns, muitas vezes amigos
da família do inventariado.
248

O terceiro capítulo foi dedicado ao estudo da estrutura da posse de cativos,


utilizando, num primeiro momento, as informações da lista nominativa de 1836 e num
segundo as informações disponíveis nos inventários post-mortem. Foram encontrados
plantéis de diversos tamanhos, desde unitários até aqueles com trinta cativos ou mais,
considerados como grandes para os padrões da região. Nos primeiros períodos, essas grandes
escravarias estavam ligadas à atividade de criação de gado e à agricultura de gêneros
alimentícios. Com o passar dos anos e a chegada do café, os cativos da localidade passam a
ser utilizados no cultivo da rubiácea, despontando os cafeicultores como os principais
proprietários de cativos, chegando a possuir mais da metade dos escravos localizados no
período 1880-1888.
O quarto capítulo dedica-se ao estudo das trajetórias de algumas famílias em busca
de identificar os padrões de acumulação existentes na localidade. Oitenta foram os processos
utilizados, agrupados em famílias. Essas foram analisadas em dois grupos, o das famílias
com maior número de processos o das famílias com menor número de processos. Em linhas
gerais, foram identificadas quatro situações ou dinâmicas distintas: o segundo inventário,
conseguindo ampliar o valor da legítima recebida e do monte menor do inventário anterior; o
segundo inventário conseguindo ampliar o valor da legítima recebida, mas sem ampliar o
valor do monte menor do primeiro; o segundo inventário não conseguindo ampliar o valor da
legítima recebida e nem o do monte menor alcançado pela primeira geração; e o segundo
inventário, conseguindo manter o monte menor da geração anterior e ampliando a legítima.
Via de regra, as atividades que mais proporcionaram enriquecimento foram a cafeicultura e a
atividade mercantil, com destaque para a atividade mercantil combinada com a criação de
gado e a agricultura de gêneros nos primeiros períodos e para a cafeicultura nos últimos.
Após a consideração de todos os aspectos analisados anteriormente, pode-se afirmar
que o café teve papel de extrema importância na elevação dos níveis e formas de alocação da
riqueza em Ribeirão Preto, sendo, inclusive, o responsável direto pelo enriquecimento de
diversas famílias e indivíduos. Sua influência foi tão grande que não ficou restrita aos seus
produtores, atingindo também os demais moradores da localidade, quer pela valorização das
terras e dos imóveis urbanos quer pela possível super-avaliação de seus bens.
249

Anexo A
A Utilização dos Inventários Post-Mortem como Fonte de Dados

O pioneiro na utilização dos inventários como fonte de dados foi Alcântara Machado.
Em 1929, a publicação Vida e Morte do Bandeirante desvendou o cotidiano de uma
sociedade até então pouco conhecida, a dos bandeirantes. Com as informações disponíveis
nos inventários do período 1578-1700, Machado pôde reconstituir não só a composição, o
trajeto e a duração de várias entradas, como também o cotidiano, a cultura e as atividades das
primeiras famílias paulistas.
Por mais diversas que fossem, as atividades paulistas não permitiram a acumulação
de grandes cabedais. Alcântara Machado encontrou-se diante de pessoas simples, que
desempenhavam, na maioria dos casos, atividades ligadas ao campo, ao comércio ou às artes
e ofícios, não existindo, segundo suas próprias palavras, “[...] representantes das grandes
casas peninsulares nem da burguesia dinheirosa”. (ALCÂNTARA MACHADO, 1943, p. 25)
Os processos consultados por Machado arrolavam basicamente os mesmos tipos de
bens que são encontrados nos inventários do século XIX, com algumas diferenças. A
primeira delas é o tratamento dado às propriedades rurais. Nos inventários consultados por
Machado, as terras, apesar de serem arroladas, não recebiam avaliação e nem eram
formalmente divididas entre os herdeiros. Via de regra, avaliava-se apenas as benfeitorias, as
construções e as plantações.
A segunda diferença é a falta de avaliação do elemento servil de origem indígena.
Naquela época, a maior parte da população servil era composta justamente pelos gentis
aprisionados nas bandeiras, de maneira que a falta de avaliação dessa população seguramente
provocou a subestimação dos patrimônios considerados. Essa falta de avaliação acontecia
porque a Coroa proibia que o gentio fosse considerado um bem passível de avaliação e
partilha. Contudo, tal proibição não impedia que esses elementos fossem descritos pelo
inventariante e divididos entre os herdeiros.
O fato dos imóveis serem avaliados, com exceção das terras, não quer dizer que
alcançassem valores expressivos. No início do século XVII, alguns bens móveis chegavam a
alcançar o mesmo valor de uma casa ou outra benfeitoria. Machado apresenta, como
250

exemplo, o inventário de Gracia Rodrigues. O monte mor alcançou o valor de Rs 70$560,


com uma distribuição considerada padrão pelo autor. Por esse motivo, tal distribuição é
apresentada no Gráfico A.1.

Gráfico A.1
Distribuição dos Bens no Inventário de Gracia Rodrigues
(São Paulo, século XVII)

Produtos agrários e de
criação
5%

Roupa, mobília e
ferramenta
40%
Escravos
31%

Outros
14%
Casas na vila e na roça
10% Fonte: ALCÂNTARA M ACHADO, 1943, p. 32.

Como se pode observar, a maior parte da riqueza da família estava concentrada em


roupas, mobília e ferramentas. O valor alcançado por esses tipos de bens era elevado,
chegando ao extremo de uma casa na vila e uma saia do reino de Londres serem avaliadas
pelo mesmo valor, de Rs 5$000. O autor atribui essa discrepância à abundância de terras não
exploradas e ao isolamento do planalto paulista, que dificultava a chegada dos bens vindos
de além mar, entre eles as roupas finas.
Pela metade do século a situação começa a se modificar. Os bens imóveis passam
então a constituir “parcela mais alta da riqueza privada. Ainda assim, de quando em quando,
o espanto nos salteia”. No inventário de Isabel Ribeiro, aberto em 1660, aparece um sítio
com suas casas e plantas, canaviais e terras avaliado por Rs 32$000 enquanto um vestido
feminino, de seda e veludo preto foi avaliado por 40$000. (ALCÂNTARA MACHADO,
1943, p. 33)
Nessa sociedade, a riqueza e a abundância não eram facilmente identificadas. Entre
os inventários do século XVI, o maior espólio encontrado foi o de Maria Gonçalves, mulher
de Clemente Álvares. Seu patrimônio, uma fazenda com todas as benfeitorias e nove
escravos, alcançou o valor Rs 375$350. A situação no século XVII se mostra um pouco
251

diferente. Dentre os inventários abertos até 1650, o autor encontrou três cujo monte mor era
superior a um conto de réis. Na segunda metade do século, o número de processos nessas
condições sobe a dezessete, todos abertos nas décadas finais do século em questão. Mesmo
tendo conseguido identificar essa relativa melhora na riqueza dos paulistas, o autor
reconhece que esses casos pouco representavam no total de processos por ele analisados.
Dos quatrocentos inventários seiscentistas, há apenas vinte que delatam alguma
abastança. Cinco por cento. A imensa maioria das avaliações denuncia a carência de
cabedais apreciáveis [...] Mesmo entre os fidalgos a abundância não é muita. [...] O acervo é
às vezes tão mesquinho, que causa pasmo ter-se feito inventário judicial. (ALCÂNTARA
MACHADO, 1942, p. 29-30)
No final do século XVII, as principais fontes de riqueza da capitania paulista eram o
comércio de escravos indígenas aprisionados nas bandeiras e o comércio do gado que vinha
do sul e estava destinado ao litoral paulista e ao Rio de Janeiro. Com a descoberta de ouro
em Minas Gerais, São Paulo torna-se principal via de acesso às lavras. Intensifica-se, então,
o movimento de tropas que se dirigiam às regiões mineradoras. Esse trânsito aqueceu a
economia dos pousos e incentivou o povoamento das regiões circunvizinhas.
Todavia, no início do século XVIII, com a abertura de um novo caminho ligando
diretamente o Rio de Janeiro às Minas Gerais, São Paulo perdeu a característica de área de
passagem e a economia da província entrou em estagnação. As rotas de comércio que antes
favoreciam os paulistas passaram a enriquecer os fluminenses transformando o Rio de
Janeiro em principal fornecedor de alimentos para a região mineradora.
Foi essa economia estagnada o objeto do estudo de Alice Piffer Canabrava no artigo
Uma economia em decadência: os níveis de riqueza na capitania de São Paulo, 1765/67.
Publicado em 1972, a pesquisa utilizou como fonte de dados os recenseamentos realizados
no governo de D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus.
Morgado de Mateus encontrou um capitania sem atividade econômica expressiva,
cujas cidades eram pequenas e acanhadas. A maior parte dos paulistas, segundo palavras do
próprio governador, vivia nas áreas rurais, “ [...] vadiando, sem emprego, sem ocupação, na
liberdade, na ociosidade e na miséria [...]” (Morgado de Mateus Apud CANABRAVA, 1972,
p. 104)
Os censos utilizados por Canabrava haviam sido realizados durante os anos de 1765,
1766 e 1767. Nesse período, a capitania paulista contava com 63.228 habitantes, divididos
em dezenove vilas e trinta e oito freguesias. Destes indivíduos, aproximadamente vinte e
252

cinco por cento estavam concentrados na vila de São Paulo e em suas freguesias.
(CANABRAVA, 1972, p. 97) Entre as localidades apresentadas, encontra-se a de Mogi-
Guaçú. Criada em 1729, essa freguesia deu origem a inúmeras vilas, entre elas as de Casa
Branca, São Simão e Ribeirão Preto. Conforme dados apresentados por Canabrava, em 1766,
essa localidade possuía 717 habitantes livres e 160 fogos. A razão de sexo calculada para os
livres foi de 101,4.
De modo geral, essas vilas setecentistas tinham um aspecto comum. Poucos eram os
indivíduos que residiam permanentemente na área urbana. A maior parte da população
preferia viver na área rural. Parte destes costumava freqüentar o povoado esporadicamente,
normalmente em dias de festas. Os demais viviam afastados, em isolamento. As vilas e
freguesias, então, eram apenas centros administrativos e religiosos.
Os recenseamentos arrolavam 9.897 famílias, totalizando uma população de 43.576
pessoas, distribuídas em vinte localidades, uma amostra bastante significativa, já que
abarcava mais de setenta por cento das famílias e dos habitantes existentes em 1766. O
número dos que nada possuíam era elevado, compreendendo 5.352 famílias e 21.758
pessoas, respectivamente 54,07% e 49,93% da amostra considerada. No caso de Mogi-
Guaçú, as porcentagens de famílias e pessoas nessa condição foram de 29,04% e 22,54%,
nessa ordem. (CANABRAVA, 1972, p. 102)
A alta incidência de famílias despossuídas foi atribuída à mobilidade excessiva da
população interiorana, dispersa em grandes áreas e deslocando-se continuamente, formando
os chamados sítios volantes. Quando os recursos de uma determinada região se esgotavam, o
paulista partir em busca de novas áreas ainda inexploradas. Esse comportamento foi
considerado um reflexo da ilimitada oferta de terras da capitania, ainda pouco povoada. O
governo de Morgado de Mateus vinha tentando, sem sucesso, desde 1766, extinguir esse
costume antigo da população.
Os indivíduos que possuíam bens correspondiam à metade da população total, e
45,92% das famílias. Os escravos encontravam-se entre os bens mais valiosos, enquanto as
terras continuavam pouco representativas, tal como havia notado Alcântara Machado ao
estudar os séculos anteriores. As propriedades geralmente eram avaliadas pelo trabalho que
nelas havia sido empregado na forma de benfeitorias e plantas perenes.
Os pontos extremos da riqueza eram as cidades de São Paulo e Juqueri. A primeira
concentrava Rs 266:243$000 e a segunda Rs 4:398$800, respectivamente 25,21% e 0,41%
da riqueza total. Mogi-Guaçú possuía uma riqueza declarada de Rs 30:583$840, que
253

representava 2,89% do total da capitania. Considerando a riqueza por família, as maiores


médias estavam nas cidades de São Paulo, Rs 296:154; Santos, Rs 256$129; Itu, Rs 212$222
e Mogi-Guaçú, Rs 145$637. (CANABRAVA, 1972, p. 101 e 111)
O cálculo dos índices de Gini mostrou uma elevada concentração de recursos nas
localidades analisadas. Considerando apenas a população que possuía bens, os valores
encontrados variavam entre 0,60 (Nazaré) e 0,78 (Santos e Itu). Incluindo no cálculo aqueles
que nada possuíam os índices passam a variar entre 0,75 (Santo Amaro) e 0,93 (Jacareí).
Com relação a Mogi-Guaçú, que apresentava os índices de 0,66 e 0,76 a autora ressalta,
Dentro das características gerais da desproporcionalidade na distribuição da
riqueza, a freguesia de Mogi-Guaçú parece-nos a que apresenta uma estrutura de
distribuição relativamente menos desarmoniosa, comparada com as demais
localidades. Nesta freguesia, encontramos na faixa de 0-50$000 somente 38,24%
de suas famílias com riqueza (e 59,96% com referência ao número total),
concentrando apenas 5,02% da riqueza; ou seja, a oitava entre as de menor parcela
de população naquela faixa; enquanto que, na faixa dos níveis mais elevados, situa-
se entre as cinco povoações que concentrem menor parcela de riqueza [...]
(CANABRAVA, 1972, p. 115)

As maiores riquezas foram declaradas por homens de negócio e mercadores. Em São


Paulo, a média dessas famílias ficou em Rs 2:794$500 e, em Santos, esse valor foi de Rs
1:951$340, médias substancialmente mais elevadas do que as calculadas para a localidade
como um todo, respectivamente, Rs 296$154 e Rs 256$129. Para os que se dedicavam ao
comércio varejista, os vendeiros e taberneiros, as médias foram de Rs 106$640 em São Paulo
e Rs 68$300 em Santos. Segundo a autora, tais dados comprovam a ascendência dos homens
de negócio e da atividade comercial. Numa economia caracterizada pela agricultura de
subsistência e pela mineração de lavras pobres, o comércio provavelmente atraía a maior
parte dos investimentos.
Os caminhos paulistas, após 1733, mesmo não sendo a principal via de acesso às
minas ainda constituíam importante elo de comunicação entre as diversas regiões da Colônia.
Várias das vias abertas pelas primitivas bandeiras haviam se transformado em rotas de
comércio e abastecimento mato-grossense e goiano. A necessidade de manutenção das tropas
durante as longas viagens incentivou o estabelecimento de pousos que evoluíram até a
condição de freguesias e vilas. A economia dessas povoações foi estimulada pelas
necessidades dos mercadores em trânsito, permitindo que seus habitantes acumulassem uma
relativa riqueza. Entre essas vilas e freguesias, destacaram-se, entre outras, as de São Paulo,
Sorocaba e Mogi-Guaçú. A economia paulista se caracterizava, dessa forma, por sua ligação
com o interior do país e do comércio emanava a sua riqueza.
254

A transformação do capital comercial em capital produtivo era uma das maneiras


encontradas pelos comerciantes de grosso trato para ascender socialmente. Ainda que essa
não fosse o único motivo dessa inversão de capitais, o fato de adquirir uma propriedade rural
e tornar-se proprietário de terras e de cativos afastava esses negociantes da esfera laboral,
comumente associada aos escravos e aos pobres. (FRAGOSO, 1992 e FRAGOSO &
FLORENTINO, 2001)
A motivação econômica também foi importante. Alguns comerciantes acabaram
tornando-se produtores dos gêneros de exportação que comercializavam, obtendo assim,
maiores lucros. Como exemplo, pode-se considerar a história do capitão Antonio Ribeiro de
Avellar, patriarca de uma das famílias responsáveis pela formação do complexo cafeeiro em
Paraíba do Sul, era um dos principais comerciantes da praça do Rio de Janeiro, durante as
últimas décadas do século XVIII. Sua rede comercial se estendia desde Minas Gerais e do
Rio Grande do Sul até Lisboa e Porto. Quando morreu, a maior parte de seu patrimônio era
composto por bens ligados à atividade agrícola. Possuía uma fazenda com mais de três mil
alqueires de terras, um engenho e 221 cativos. Alguns de seus descendentes tornaram-se
influentes política e economicamente, controlando, inclusive, a mais importante freguesia
cafeeira de Vassouras. (FRAGOSO, 1992, p. 295)
Nessa sociedade, grande parte do patrimônio privado investido em bens ligados à
atividade mercante – negócios rurais, comércio, navios e dívidas ativas – e à propriedade
imobiliária urbana. Tal dinâmica foi tema de João Luís Ribeiro Fragoso na obra Homens de
Grossa Aventura: Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro (1790-
1830). Utilizando inventários post-mortem,escrituras públicas, códices e manuscritos
diversos, o autor procura mostrar que a economia colonial era mais complexa do que uma
plantation escravista, possuindo dinâmicas próprias e permitindo a acumulação interna de
capital. O mercado interno, até então considerado de pouca relevância, passa a ter em
Homens de Grossa Aventura papel de fundamental importância na reprodução da economia
colonial.
Com esse objetivo, o autor procura identificar quais eram as atividades econômicas
predominantes na praça mercantil fluminense, quem eram os indivíduos mais ricos, qual a
origem de suas fortunas e quais foram os desdobramentos econômicos do capital acumulado.
255

Para o estudo desses temas relacionados à riqueza privada, o autor utilizou os inventários
post-mortem dos Cartórios do Primeiro e Segundo Ofícios da cidade de Paraíba do Sul.103
Para a análise da alocação de riqueza, o autor trabalhou com 261 processos dos
seguintes anos/períodos: 1797-1799; 1820, 1840 e 1860. Os diversos bens foram agrupados
em categorias, a saber: prédios urbanos; comércio; dívidas ativas; ações e apólices; bens
rurais; atividades industriais; escravos; metais preciosos e dinheiro. O Gráfico A.2 foi
elaborado utilizando-se os dados apresentados por Fragoso, calculando-se a participação
média de cada ativo na composição dos patrimônios.
Os imóveis foram responsáveis, em média, por 41,3% da riqueza inventariada, sendo
que a maior parte destes,28,8%, estava localizada na área urbana. O segundo grupo mais
importante foi o de ativos, formado pelas apólices, ações, dívidas ativas e dinheiro,
responsável por aproximadamente 30% dos recursos disponíveis, sendo as dívidas ativas as
mais representativas, respondendo por mais da metade dessa porcentagem. Em terceiro lugar
aparecem os cativos, imobilizando cerca de 17%. Em seguida, aparecem as atividades
produtivas – comércio e indústria – responsáveis por aproximadamente 4%, respondendo o
comércio por 3,35% e a indústria por apenas 0,7%. Em último lugar, estão os metais
preciosos, com uma porcentagem de 3,2%.
Nessa sociedade, pouco era investido na manufatura. O montante de recursos
destinados à atividade industrial era menor do que o valore alocado em jóias. A escolha
desse último ativo como forma de garantir parte do patrimônio pode ser indício de um
mercado com poucas opções econômicas. Complementando, pode-se observar que poucos
detinham capital em forma de moeda, indicando uma precária circulação monetária e,
portanto, um mercado restrito. (FRAGOSO, 1992, p. 254)

103 Durante o Capítulo IV, sobre o Capital Mercantil e a Reprodução da Economia Colonial – o Caso da Praça Mercantil do
Rio de Janeiro – o autor trabalha esses 459 processos de duas maneiras. Em algumas tabelas, são apresentados dados para os
anos/períodos: 1797-1799; 1820; 1840 e 1860. Nessas ocasiões, o número total de inventários trabalhados foi de 261. Em
outros momentos, Fragoso trabalha com os seguintes anos/períodos: 1797-1799; 1810; 1815; 1820; 1825; 1830; 1840 e
1860. Nesses casos, foi trabalhada a amostra total, ou seja, os 459 processos.
256

Gráfico A.2
Participação de Atividades Econômicas nos Inventários Post-Mortem
(Rio de Janeiro, 1797-1799, 1820, 1840 e 1860)

Metais Preciosos
Escravos
3%
18%

Dinheiro
4% Prédios urbanos
30%

Ações e Apólices
7%

Bens Rurais
Dívidas Ativas 13%
20%
Atividades Comércio
Industriais 4%
1%

Fonte: FRAGOSO, 1992, p. 255, Tabela 15-1.

O dinamismo comercial da praça mercantil fluminense pode ser percebido ao


considerar quanto capital esses inventariados investiam em atividades ou bens ligados a área
urbana. O montante da riqueza em comércio, em imóveis urbanos e em dívidas ativas
representa, em média, a metade da riqueza inventariada.
A distribuição dessa riqueza era desigual. Os indivíduos mais pobres, que possuíam
montes abaixo das quinhentas libras, representavam de 40% a 50% da população e possuíam
apenas 2% da riqueza. Os indivíduos mais ricos, que possuíam fortunas acima das vinte mil
libras, apesar de representarem apenas de 1,2% a 7,5% da população, chegavam a possuir de
1/3 a 2/3 das fortunas.
Eram apenas oito as fortunas acima das vinte mil libras e, em quase todos os casos, a
origem dessas fortunas estava ligada à atividade mercantil. Dos oito inventariados mais ricos,
quatro tinham como principal investimento os negócios mercantis. Dos quatro restantes, um
concentrava sua riqueza em prédios urbanos e os outros três eram fazendeiros. Contudo, o
investidor urbano era também comerciante e dois dos três fazendeiros apareceram na lista
dos mais “notáveis comerciantes” fluminenses, publicada em 1799. Ou seja, das oito maiores
fortunas, sete tinham origem na dinâmica praça fluminense. (FRAGOSO, 1992, p. 258)104

104 O oito inventários considerados pelo autor foram os de Gertrudes Pedra Leão (1820), João Francisco de S. e Souza
(1820), José de Carvalho de Souza (1825), Antonio Manoel Leite de Castro (1825), Leonarda Maria da Silva (1825), Manoel
Moreira Lírio (1840), José Custódio Magalhães (1840) e Marcolino Antonio Leite (1840). (FRAGOSO, 1992, p. 260, Tabela
257

Portanto, as fortunas acumuladas ao longo de uma vida não foram utilizadas somente
para a reprodução da atividade responsável pela sua existência. Ao que tudo indica, num
determinado momento de suas vidas alguns mercadores redirecionaram seus investimentos e
tornaram-se produtores agrícolas. Esse tipo de comportamento foi identificado tanto entre os
comerciantes da elite, considerados como sendo os que se dedicavam ao comercio
internacional de gêneros ou ao tráfico atlântico de cativos, quanto entre os comerciantes
comuns, dedicados ao comércio de gêneros no interior da Colônia.

15-7)
258

Anexo B
Tratamento Dispensado aos Dados

Foram elaborados oito bancos de dados com as informações dos inventários post-
mortem coletados: animais, bens imóveis, bens móveis, dados da partilha, dívida ativa,
dívida passiva, escravos e índice geral de processos. Esses diversos bancos foram utilizados
em conjunto ou separadamente, dependendo dos cruzamentos de informação necessários ao
desenvolvimento das análises presentes no estudo desenvolvido.

Índice Geral de Processos

O índice geral foi o primeiro banco a ser elaborado. Foram inseridos todos os
processos encontrados nos arquivos visitados, e para cada processo foi atribuído um número
de ordem que acompanhou o inventário em todos os bancos elaborados posteriormente. O
índice geral contém, além de informações sobre o ano, nome do inventariado, nome do
inventariante, município, ofício, caixa e número do processo. Esse primeiro banco foi
elaborado com base nas listas fornecidas pelos próprios arquivos visitados e contém além de
inventários, processos de divisão de terras, arrolamentos e testamentos. Atualmente, esse
banco tem cerca de duas mil entradas, referentes aos municípios de Ribeirão Preto, Batatais e
São Simão. Esse banco pode ser considerado um grande guia dos processos trabalhados.

Dados da partilha

Esse banco contém informações sobre a partilha de cada processo de nossa amostra.
A partilha era o final do processo de inventário, momento em que eram somados todos os
bens que pertenciam ao falecido na época de sua morte e os valores apurados eram divididos
entre os herdeiros. Existem 406 entradas, com as seguintes informações: número; ano;
inventariado; inventariante; sexo do inventariado; estado conjugal do inventariado; atividade
do inventário; produtos da lavoura, criação ou comércio; total dos bens móveis; total dos
animais; total dos escravos; total dos imóveis; total do dinheiro; total da dívida ativa; total
259

dos dotes; total das dívidas passivas; monte mor; monte menor; monte partível; meação;
legítimas; legados e observações gerais. O Gráfico B.1 mostra a distribuição dos inventários
ao longo do tempo.

Gráfico B.1
Distribuição dos Inventários ao Longo do Tempo
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

200
150
inventários
Número de

100 Não escravistas


Escravistas
50

0
1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900

Nos primeiros períodos, o número de inventários se mostra crescente. Entre 1849 e


1869 foram localizados doze processos de escravistas e cinco de não escravistas. No segundo
período, que vai de 1870 até 1879, foram encontrados 52 inventários de escravistas e 50 de
não escravistas. No período seguinte, o número de processos é menor, havendo 34
escravistas e 64 não escravistas. Por fim, no último período há 189 inventários, totalizando
406 desde 1849.

Escravos

O banco de dados de escravos contém informações encontradas nos inventários e na


transcrição da matrícula dos cativos quando estas apareciam anexas aos processos. Foram
digitadas as seguintes informações: número e nome do proprietário; atividade do
proprietário; sexo do proprietário; número da matrícula do escravo; nome; sexo; idade; cor;
estado conjugal; filiação; nome do pai e da mãe; existência ou não de parentesco no plantel;
naturalidade; local da matrícula ou averbação; ocupação do cativo; preço e observações.
Existe total de 824 cativos, cuja distribuição temporal pode ser observada no Gráfico B.2.
260

Gráfico B.2
Distribuição dos cativos ao Longo do Tempo
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

1000
Número de cativos

800
600 Mulheres
400 Homens
200
0
1849-1869 1870-1879 1880-1888 Total

No primeiro período, foram localizados 194 cativos, sendo 104 homens e 90


mulheres, com razão de sexo igual a 116. No segundo período há um número bem maior de
escravos, 348, com uma distribuição mais equilibrada entre os sexos com quase um homem
para cada mulher cativa: são 176 homens para 172 mulheres, numa razão de sexo de 102. O
último período escravista concentra 282 cativos, sendo 159 homens e 123 mulheres, com
razão de sexo igual a 129, a maior encontrada. Considerando todos os cativos da amostra, a
razão de sexo é igual a 114.

Animais

O banco de dados contém 2.178 entradas com as informações de ano, número e nome
do inventariado, quantidade do animal, tipo, idade e valor. Foram localizados 110 tipos de
semoventes, num total de 14.562,5 animais e 257 proprietários.105 O valor desse rebanho era
de Rs 507:568$600 e o maior proprietário encontrado em todo o período foi Luiz Antonio de
Souza Junqueira, cujo inventário, datado de 1856, arrolava 2.025 animais.
O rebanho localizado na amostra de inventários era composto basicamente de
bovinos, eqüinos, suínos e muares, sendo o número de caprinos e ovinos muito reduzido.
Não foram encontradas aves, talvez por possuírem um valor muito pequeno para ser
inventariado. A distribuição de animais ao longo dos períodos pode ser observada no Gráfico
B.3.
Para o primeiro período, há um total de 3.460 animais, numa média de 231 animais
por proprietário. Porém, excluindo-se dos cálculos Luiz Antonio de Souza Junqueira, que

105
O número decimal ocorre porque em alguns inventários os animais eram possuídos em sociedade.
261

possuía um rebanho de 2.025 animais, essa média cai para 103, ainda assim a maior da
segunda metade do século XIX.

Gráfico B.3
Distribuição dos Animais ao Longo dos Períodos
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

6000
Número de
animais

4000

2000

0
1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900

No segundo período, foram localizados 4.608 animais e 82 proprietários, média de 56


animais por proprietário. O terceiro período tem número de animais e de proprietários um
pouco menor, 2.832 e 77 respectivamente. O rebanho médio apresenta uma queda numérica
bem mais significativa, sendo calculado em 37 animais. No último período, são 3.662,5
animais e 83 proprietários, média de 44 animais por proprietário.

Bens imóveis

O banco de dados com os bens imóveis possui 2.248 entradas. Para cada entrada
existem os campos: número do inventário, ano, nome do inventariado, quantidade do bem,
tipo de bem, localização, descrição, valor unitário, valor total, observações e se o bem é
urbano ou rural.
Estão digitados pés de café, partes de terras, casas, terrenos, prédios e outros tipos de
benfeitorias. A distribuição das entradas ao longo do tempo pode ser observada no Gráfico
B.4. Há um total de 174 tipos de bens em 169 localizações distintas. A localização dos bens
arrolados nos inventários não se limita ao município de Ribeirão Preto, pois foram
encontrados bens nas áreas rurais e urbanas de localidades próximas, tais como, Casa
Branca, São Simão, Monte Alto, Serra Azul, Sertãozinho, Batatais, Franca, Descalvado,
Jaboticabal, Bonfim Paulista, Cravinhos e Cajuru, de localidades mais distantes como São
Paulo, Mogi Mirim, Paraibuna e Araras, e até de outras províncias, como Minas Gerais e
Goiás.
262

Gráfico B.4
Distribuição das Entradas de Imóveis
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

1500

1000
Urbanos

500 Rurais

0
1849-1869 1870-1879 1880-1888 1889-1900

Existem 1.840 entradas referentes a bens imóveis rurais, 407 urbanos e um bem com
localização não informada. Entre os imóveis urbanos estão incluídos os terrenos, as chácaras
e os imóveis suburbanos. Os dados mostram a existência de 365 proprietários, 213 deles
possuindo apenas imóveis rurais, 64 apenas urbanos, 87 possuindo tanto imóveis rurais
quanto urbanos e um caso de localização não informada.
Iniciando a exploração dos dados, foi possível agregar os bens em seis grandes
grupos: terras; terras com benfeitorias; plantações; casas, benfeitorias e máquinas; terrenos e
chácaras (Tabela B.1). Esse tipo de agregação não fornece muitas informações sobre os itens
mais relevantes na composição de cada um dos grupos. Como primeiro exercício, foi
detalhado o grupo plantações, com resultados sendo apresentados na Tabela B.2. Pode-se ver
que os pés de café avaliados respondem por 98,2% do valor total das plantações.
Continuando o exercício, foi detalhado o grupo pés de café (Tabela B.3).
A quantidade de informações disponíveis em cada inventário é muito variável. Em
alguns casos há somente o valor do bem seguido de uma descrição genérica, tal como,
“várias partes de terra”. Sempre que possível, procurou-se respeitar as diversas maneiras que
os inventariantes descreviam os bens pertencentes ao inventário.
263

Tabela B.1
Grandes Grupos de Bens Imóveis
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Grupos Número de registros


Terras 757
Terras com benfeitorias 32
Plantações 321
Casas, benfeitorias e máquinas 1.026
Terrenos e chácaras 111
Ilegíveis 1
Total 2.248
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Tabela B.2
Detalhamento das Plantações
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Plantações Número de registros


Culturas avaliadas por área
Alqueires com café 3
Alqueires com cana-de-açúcar 6
Alqueires com capim 4
Alqueires com mandioca 1
Alqueire de milho 17
Alqueires com roça não especificada 3
Hectares de roça não especificada 1
Quartéis de cana-de-açúcar 2
Culturas avaliadas por pé plantado
Árvores frutíferas 2
Pés de café 243
Touceiras de banana 2
Culturas avaliadas coletivamente
Cafezal 6
Roça de arroz 1
Roça de cana-de-açúcar 13
Roça de feijão 2
Roça de mandioca 2
Roça de milho 5
Capinzais 3
Pastos 2
Pomares 2
Roça não especificada 1
Total 321
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.
264

Tabela B.3
Detalhamento dos Pés de Café
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Idade do pé de café Número de Registros


Um ano de idade 47
Dois anos de idade 41
Três anos de idade 22
Quatro anos de idade 8
Cinco anos de idade 6
Seis anos de idade 5
Sete anos de idade 1
Oito anos de idade 1
Nove anos de idade 1
Dez anos de idade 1
Onze anos de idade 1
Doze anos de idade 1
Dezoito anos de idade 1
Pés de café novos 23
Pés de café formados 51
Pés de café velhos 2
Sem idade especificada 31
Total 243
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão
Preto e São Simão.

Em alguns inventários, determinados bens apareciam descritos ora como sendo


móveis ora imóveis. Como exemplo há o caso dos alambiques, dos engenhos de cana e das
máquinas de beneficiar café. A hipótese levantada para explicar tal discrepância foi a
seguinte: quando essas máquinas estavam instaladas nas fazendas, geralmente dentro de um
galpão ou edifício, eram avaliadas como imóveis; quando não estavam instaladas ou ficavam
dentro da casa de morada do inventariado, eram avaliadas como móveis. Foi respeitada a
classificação do inventário, ou seja, as máquinas instaladas foram digitadas como imóveis e
as não instaladas como móveis.

Bens móveis

O banco de bens móveis é o mais extenso, tanto em número de entradas quando em


quantidade e variedade dos bens. São 4.621 entradas com informações sobre o número e
nome do inventariado, a quantidade, descrição e o valor do bem. Foram encontrados 1.087
tipos de bens que vão desde almofadas, jóias, móveis e roupas até ferramentas, materiais de
construção e gêneros alimentícios.
265

Cabe ressaltar que, para cada entrada há uma descrição, quantidade e valor de
determinado bem, por exemplo, uma entrada pode ser referente à avaliação de “dez arrobas
de café”. Dentro desse banco de dados estão também anotados estoques que ficaram nas
firmas comerciais após o falecimento de seus proprietários e, no caso dos cafeicultores, o
estoque de café existente nas tulhas e até mesmo os frutos de café pendente nas árvores.

Tabela B.4
Grupos de Bens Móveis
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Categorias Número de Registros


Armas de fogo e armas brancas 65
Canoas 3
Carros, carroças e acessórios para uso em animais 435
Estoques 1.076
Ferramentas artesanais 70
Ferramentas da lavoura 182
Ferramentas não especificadas 13
Fornos, fogões e utensílios de ferro 63
Gêneros 85
Instrumentos musicais 9
Jóias, ouro e prata 227
Livros 45
Máquinas 206
Mobília 794
Oratórios e imagens 31
Trastes de casa 631
Trastes de cozinha 569
Ilegíveis 76
Diversos 41
Total 4.621
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto e São Simão.

Conforme pode ser observado na Tabela B.4, esses bens foram divididos em grandes
grupos: armas de fogo e armas brancas (espingardas, facas, garruchas...); canoas; carros,
carroças e acessórios para uso em animais (carros, carroças, arreios, estribos, selas...);
estoques (estoques de negociantes); ferramentas artesanais (esquadros, formões, plainas...);
ferramentas da lavoura (enxadas, machados...); fornos, fogões e utensílios de ferro (forno
para fazer farinha, forno de ferro, forno de cobre, fogões diversos...); gêneros (arroz, milho e
feijão além de outros gêneros como sal, fumo e algodão); instrumentos musicais; jóias, ouro
e prata; livros; máquinas (teares, máquinas de costura, rodas de fiar...); mobília; oratórios e
imagens; trastes de casa (roupas, caixas, baús, canastras, espelhos, pentes, roupas de cama...)
e trastes de cozinha (panelas, talheres, pratos, copos, gamelas...).
266

Dívida Ativa

Foram encontrados diversos tipos de dívida ativa, desde contas de livro até
empréstimos e hipotecas. Ao todo, foram computadas 1.890 dívidas divididas em sete
grupos: ações e títulos (ações de banco, de estradas de ferro e títulos da dívida pública);
contas em banco (contas correntes ou poupanças); contas com negociantes (contas de livro,
de rol, conta corrente); contratos particulares; empréstimos (com juros ou sem); seguros
(seguros e apólices) e dívidas não especificadas. A Tabela B.5 traz as categorias acima
mencionadas e o número de entradas em cada uma delas.

Tabela B.5
Tipos de Dívida Ativa
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipo de Dívida Ativa Número de Registros


Ações e títulos 30
Contas em banco 1
Contas com negociantes 491
Contratos particulares 2
Dívida ativa não especificada 831
Empréstimos 534
Seguros 1
Total 1.890
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão
Preto e São Simão.

Dívida Passiva

O banco de dados das dívidas passivas não dispõe da mesma quantidade de


informações que o banco de dívidas ativas. O número de casos para os quais não há
especificações do tipo de dívida é grande e representa mais de noventa por cento do total de
entradas. Ao todo, foram contabilizadas 1.376 dívidas, divididas em quatro categorias:
dívidas com negociantes (contas de livro, contas corrente e contas de rol), empréstimos (com
juros, sem juros, hipotecas, letras, créditos e documentos), impostos (selos de impostos
pagos ao Estado) e dívidas não especificadas. A Tabela B.6 mostra o número de entradas em
cada uma das categorias.
267

Tabela B.6
Tipos de Dívida Passiva
(Ribeirão Preto, 1849-1900)

Tipo de dívida passiva Número de entradas


Dívidas com negociantes 14
Empréstimos 105
Impostos 1
Dívida passiva não especificada 1.256
Total 1.376
Fonte: Inventários dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão
Preto e São Simão.

Após a elaboração dos bancos de dados e a elaboração das primeiras tabelas, fez-se
necessário deflacionar os valores para eliminar as influências da política monetária tanto
imperial quanto republicana. O método escolhido foi a transformação de todos os valores em
libras esterlinas, utilizando para isso os valores da libra publicados pelo IBGE no livro
Estatísticas Históricas do Brasil. (IBGE, 1990)
268

Fontes e Referências Bibliográficas

Fontes Primárias

Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto


- Processos de Inventário Post-Mortem dos Primeiro e Segundo Ofícios de Ribeirão Preto, de 1856 a 1900.

Fórum de São Simão


- Processos de Inventário Post-Mortem dos Primeiro e Segundo Ofícios de São Simão, de 1849 a 1900.

Fórum de Batatais
- Processos de Inventário Post-Mortem dos Primeiro e Segundo Ofícios de Batatais, de 1875 a 1877.

Arquivo do Estado de São Paulo


- Mapa da População do Districto de Juiz de Paz de São Simão Vila do Município de Mogi-Mirim, 1835, rolo
144, lata 0124.
- Registro de Terras de São Simão, 1855, volume 73.
- Listas de Qualificação de Votantes de São Simão, de 1847 a 1891, lata 5933.
- Listas de Qualificação de Votantes de Ribeirão Preto, de 1873 a 1900, lata 5887.

Arquivo da Companhia Paulista de Estradas de Ferro


- Relatórios da Diretoria da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, 1883-1900.

Centro de Memória da Unicamp


- Almanach do Estado de São Paulo. São Paulo: Jorge Seckler & Comp., 1890.
- Almanak da Província de São Paulo. São Paulo, 1873.

Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto


- Almanach Illustrado de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: Sá, Manaia & Cia, 1914, não pag.
- Câmara, Administração e Patrimônio: Termo de doação de terras, 1885.
- Impressões do Brasil no Século Vinte. Lloyd’s Greater Britain Publishing Company Ltd. 1913.

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tomo III; v.7. No Brasil Imperial 1872-1889, tomo V; v.8. No Brasil Imperial 1875-1889, tomo
VI; v.10. No Brasil República 1889-1906, tomo II; v.12. No Brasil República 1906-1927, tomo II;
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