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Introdução
Em questão de poucos meses, a pandemia de Covid-19 se alastrou por todo o mundo.
Para alguns, a crise sanitária seria controlada num curto prazo de tempo. Infelizmente,
conforme o ano de 2020 foi passando, vimos a quantidade de infecções e de mortes causadas
pelo novo coronavírus se expandirem.
Governos de diferentes países tomaram decisões distintas em relação ao enfrentamento
da pandemia. Inclusive, dentro de uma mesmo país, medidas diferentes foram tomadas pelos
governantes, dependendo da intensidade do desenvolvimento da pandemia em cada região.
No Brasil, por exemplo, as medidas de isolamentos sociais, adoções de lockdowns,
fechamento e abertura dos comércios, variaram e ainda tem variado de Estado para Estado, e
de cidade para cidade, dependendo do número de leitos disponíveis para as internações, do
número de casos de infecções pelo novo coronavírus e do número de mortes pela doença.
A pandemia de Covid-19 afetou nossa vida de uma forma como não imaginávamos.
Ainda que epidemias e pandemias não sejam novidades no mundo, viver uma pandemia das
dimensões que tem sido a do novo coronavírus, é uma novidade para todos nós.
A pandemia atual tem contribuído para alterações de hábitos de vida de muitas
pessoas, como os relacionados ao consumo de bens e de serviços. Produtos e serviços antes
consumidos, hoje são consumidos em menor quantidade ou deixaram de ser adquiridos,
devido, por exemplo, a alterações de renda, uma das consequências da pandemia para
inúmeras famílias brasileiras, que viram seus rendimentos decrescerem entre os anos de 2020
e 2021. Determinados produtos relacionados à higiene, que antes não eram consumidos com
tanta frequência, hoje fazem parte do nosso cotidiano.
Portanto, pode-se destacar, da relação entre consumo e pandemia, três pontos
principais: o primeiro diz respeito aos produtos e serviços que eram consumidos antes da
pandemia, mas que atualmente deixaram de ser consumidos, ou estão sendo consumidos em
menor quantidade que anteriormente, porque a pandemia impactou na renda de muitas
pessoas; o segundo remete a produtos e serviços que não eram consumidos antes da
pandemia, mas que, agora, se fazem necessários, como os relacionados à higiene, e que não
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Docente da Faculdade Anclivepa – Núcleo de Gestão e Humanologia. Doutoranda do programa de pós-
graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(IE / UNICAMP). E-mail: natania.silvaferreira@yahoo.com.br
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eram utilizados em larga escala como no contexto pandêmico; o terceiro ponto tem relação
com os produtos e os serviços que tem sido consumidos atualmente e que são consequência
dos hábitos relacionados ao isolamento social, pois estando mais tempo em casa, consumindo
mais dentro do ambiente doméstico do que na rua, os bens adquiridos se alteram: não se
consome em casa o mesmo que se consome na rua, especialmente num cenário de pandemia;
assim, produtos e serviços vão sendo substituídos.
Das consequências econômicas da pandemia de Covid-19 na vida de várias pessoas,
como perda e mudança de emprego, diminuição de renda, aprendizado de novos trabalhos
para a complementação da renda, este ensaio tem como objeto refletir, especialmente, sobre
as alterações nos hábitos de vida relacionados ao consumo, conceito central para análises
econômicas. Novos costumes e novas formas de consumir podem ser observadas no cotidiano
de inúmeras pessoas desde o início da pandemia.
Para reflexões sobre as transformações no consumo no Brasil do início da pandemia
de Covid-19, será utilizada como fonte de dados a pesquisa “Os brasileiros e o consumo no
pós-isolamento”, do Instituto FSB Pesquisa, referente a maio de 2020. Desta pesquisa, será
destacado neste ensaio o período inicial da pandemia de Covid-19 no Brasil, isto é, o consumo
no isolamento referente a abril / maio de 2020.
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“Este é o mundo da experiência cotidiana através do qual o mundo dos fenômenos se apresenta aos sentidos do
indivíduo, totalmente moldado pelas crenças e pressupostos de sua cultura” (MCCRACKEN, 2003, p. 100).
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A publicidade funde um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente constituído na forma
de uma propaganda específica. O sistema de moda atua de três formas: transferência por meio de jornal ou
revista; transferência por meio de “celebridades” e classes altas, dentre outros; transferência por meio de reforma
de significados culturais (Idem, p. 106-111).
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“Os rituais de troca são usados para direcionar bens carregados de certas propriedades significativas para
indivíduos que, assim o supõe o doador do presente, estão necessitados de tais propriedades (...) Os rituais de
posse são empreendidos pelo dono de um bem a fim de estabelecer acesso às suas propriedades significativas;
esses rituais são destinados a realizar a transferência das propriedades de um bem para seu dono. Os rituais de
arrumação são usados para efetivar a transferência contínua de propriedades perecíveis, propriedades que
provavelmente se desvaneceriam quando de posse do consumidor; os rituais de arrumação permitem ao
consumidor “refrescar” as propriedades que ele ou ela extraiu dos bens; esses rituais também podem ser usados
para manter e “avivar” certas propriedades significativas residentes nos bens. Finalmente, os rituais de
despojamento são usados para esvaziar o significado dos bens, a fim de evitar que a perda de significado ou o
contágio de significado possa ocorrer” (Idem, p. 119).
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consumidos (utilizados, gastos) por uma determinada sociedade num contexto específico
expressam a sua cultura do ponto de vista material.
Um dos principais nomes dentro da História Econômica quando o assunto é cultura
material é o de Fernand Braudel. Na introdução de Civilização material, economia e
capitalismo (séculos XV-XVIII), o autor escreveu:
Acontece que uma zona de opacidade, muitas vezes difícil de observar por
falta de documentação histórica suficiente, se estende sob o mercado: é a
atividade elementar de base que se encontra por toda a parte e cujo volume é
simplesmente fantástico. À falta de termo melhor, denominei essa zona
espessa, rente ao chão, de vida material ou civilização material. É evidente a
ambiguidade da expressão. Mas, se a minha maneira de ver o passado for
partilhada, como parece ser para o presente, por certos economistas, imagino
que mais dia menos dia acabaremos por encontrar uma etiqueta mais
adequada para designar esta infra-economia, esta outra metade informal da
atividade econômica, a da auto-suficiência da troca dos produtos e dos
serviços num raio muito curto (BRAUDEL, 1997, p. 12, grifos do autor).
que deseja o consumo da superior. A forma de diferenciação numa sociedade se dá, portanto,
também pela ótica do consumo de bens.
A diferenciação de classes sociais foi objeto de estudo de Bourdieu (2011) e alguns
conceitos desenvolvidos pelo autor são relevantes: os de habitus, gosto e estilos de vida.
Segundo o autor, o habitus:
material, quando se pensa nos objetos materiais que são consumidos por uma sociedade, pois
expressam uma cultura em forma de matéria. Finalmente, entende-se consumo também como
diferenciador de classes sociais, pois uma classe se distancia de outra também pelo consumo
de bens e de serviços, consumo este que pode depender das variadas rendas observadas em
diferentes classes sociais, mas não apenas da renda, pois a um mesmo rendimento podem ser
atribuídos consumos distintos, porque o hábito, o gosto e o estilo de vida, que tem relação
com a cultura, ditam práticas de consumo.
A principal fonte de dados para este ensaio é a pesquisa “Os brasileiros e o consumo
no pós-isolamento”, do Instituto FSB Pesquisa, referente a maio de 2020.
Segundo informação presente no site da instituição:
Fonte: FSB Pesquisa. “Os brasileiros e o consumo no pós-isolamento”. Instituto FSB Pesquisa; CNI
(Confederação Nacional da Indústria) – maio/2020, p. 50.
A questão que foi feita aos entrevistados e que resultou no gráfico descrito acima foi a
seguinte: “Agora, vou ler o nome de alguns produtos e gostaria que você me dissesse se,
durante este período de isolamento social, aumentou, manteve ou diminuiu o consumo de
cada um deles”. Assim, o gráfico retrata as alterações nos hábitos de consumo dos
entrevistados. O “durante o isolamento social”, presente na descrição do gráfico da pesquisa,
diz respeito ao início da pandemia no Brasil, visto que as entrevistas se realizaram entre 02 e
04 de maio de 2020.
É possível observar o aumento no consumo de produtos de limpeza, pois 68% das
pessoas entrevistadas ampliaram o consumo destes produtos, que certamente contemplam
produtos como álcool em gel e desinfetantes, considerados essenciais para os novos hábitos
de higiene demandados depois do início da pandemia de Covid-19. Ainda, o consumo de
produtos de higiene pessoal, como sabonete, shampoo e pasta de dente aumentou naquele
período, o que pode ser explicado pelo desenvolvimento de uma cultura da limpeza que
passou a fazer parte da vida de muitas pessoas, entendendo que a utilização de determinados
produtos voltados a higiene contribuem para uma possível prevenção contra o novo
coronavírus: 56% dos entrevistados aumentaram o consumo de produtos de higiene pessoal.
Dos novos costumes sociais impostos pela pandemia do novo corona, especialmente
em um contexto sem uniformidade nos discursos políticos e ainda sem vacinas disponíveis 7, o
hábito de ficar em casa foi considerado um dos mais importantes, já que o isolamento social
contribui para a menor circulação do vírus. Assim, com mais pessoas permanecendo dentro de
suas residências, estudando e trabalhando em casa, é realmente de se esperar que o consumo
de alimentos neste ambiente aumente, o que mostra o gráfico descrito acima, pois 49% das
pessoas entrevistadas afirmaram que aumentaram o consumo de alimentos de supermercado.
Muitos dos alimentos que antes da pandemia eram consumidos na rua, no caminho da escola
ou do trabalho, por exemplo, depois passaram a ser consumidos no ambiente doméstico,
aumentando a necessidade de compras de alimentos nos supermercados.
Conforme mostra o gráfico, o consumo de serviços de streaming também passou por
aumento, correspondendo a 36% das pessoas entrevistadas. O aumento do consumo destes
serviços também é condizente com o isolamento social, em que as atividades ao lazer ao ar
livre ou fora do ambiente doméstico se tornaram mais restritas por conta da pandemia.
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A pesquisa foi realizada no início de 2020, quando não havia ainda vacinas disponíveis para imunização,
diferentemente do cenário atual, onde vacinas já podem ser adquiridas por diferentes governantes ao redor do
mundo.
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Ainda vale ressaltar, o consumo de remédios também se ampliou, pois 32% dos
entrevistados aumentaram o consumo de medicamentos, o que pode ser explicado pelo
desenvolvimento de uma cultura da proteção da saúde no contexto de uma pandemia, mesmo
que não houvessem ainda remédios que fossem recomendados pela ciência para a prevenção e
cura do novo coronavírus.
Se, por um lado, o consumo de determinados produtos aumentou durante o período
inicial do isolamento social, o consumo de outros produtos diminuiu. Os produtos que, de
acordo com os entrevistados, passaram pela maior queda de consumo foram os calçados: 40%
dos entrevistados afirmaram que diminuíram o consumo destes produtos, o que é condizente
com o isolamento social, período que, teoricamente, as pessoas que podem ficar em casa
realmente permanecem em casa, não necessitando consumir tais produtos da mesma forma
que consumiriam se estivessem realizando atividades fora do ambiente doméstico. Depois dos
calçados, os produtos que apresentaram maior diminuição de consumo foram as roupas, pois
37% das pessoas entrevistadas diminuíram o consumo de roupas, e a explicação é a mesma
para a queda no consumo de calçados durante o período de isolamento social.
Os cosméticos se constituem em outros produtos em que o consumo foi diminuído
durante o período inicial de isolamento social: 32% dos entrevistados afirmaram ter
diminuído o consumo destes produtos, o que pode estar relacionado tanto aos costumes
sociais de permanecer em casa, mas também à diminuição de renda que afetou os orçamentos
de muitas pessoas e famílias com o desenvolvimento da pandemia.
Por fim, vale destacar também a diminuição do consumo de móveis no período inicial
de isolamento social, 31% das pessoas entrevistadas afirmaram ter diminuído o consumo
destes produtos durante aquele período, diminuição esta que pode ser explicada sobretudo
pela diminuição de renda e também pela alocação de renda nos produtos demandados neste
novo contexto pandêmico.
Considerações Finais
O conceito teórico principal deste ensaio foi o de consumo, conceito que pode ser
pensado para o novo contexto em que o mundo tem passado, a pandemia do novo
coronavírus, quando hábitos de vida individuais e costumes coletivos passaram por
transformações para que nos adaptássemos ao novo cenário.
Esta pandemia contribuiu para que muitos perdessem seus empregos e seus postos de
trabalho; também fez com que muitas pessoas e famílias observassem a diminuição de suas
rendas. Em um país como o Brasil, que desde o início dos tempos fora marcado pelas
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Referências:
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