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Introdução
O homem é o grande agente transformador do ambiente natural desde os primórdios.
Vimos no capítulo anterior que ao longo do processo civilizatório inúmeras modificações
foram realizadas no meio ambiente, e perduram até hoje, a fim de suprir as
necessidades da sociedade contemporânea.
Sabe-se que hoje a população é tipicamente urbana e, grande parte das pessoas vive
em aglomerações urbanas cada vez maiores, que nos leva a refletir sobre três pontos
relevantes: a diversidade de recursos extraídos do ambiente natural, a velocidade dessa
extração e a forma de disposição e tratamento dos seus resíduos sólidos e efluentes
(PHIPIPPI JÚNIOR; MALHEIROS, 2005).
Por isso, é imprescindível que se tenha uma visão holística, dado ao amplo espectro de
efeitos adversos à saúde, decorrentes de exposições a fatores ambientais, variações
genéticas, variações geográficas, temporais e sociais (CARDOSO, 2005). Neste
contexto, a Saúde Pública e a Saúde Coletiva desempenham um papel fundamental no
estudo das relações entre meio ambiente e saúde.
À vista disso, o presente capítulo tem como objetivo possibilitar a você uma visão
compreensiva e crítica da história da saúde no Brasil, no contexto da Saúde Pública e
da Saúde Coletiva, relacionando-as com o meio ambiente.
Objetivos
Ao final deste capítulo, esperamos que você tenha desenvolvido a capacidade de:
Esquema
2.1 Conceituando Saúde Coletiva e Saúde Pública
2.2 História da Saúde Pública no Brasil
2.3 Processo saúde-doença
2.4 Determinantes de agravo à saúde pública
2.5 A evolução do conceito causal
2.6 Conclusão
Nunes (1994) situa a origem do campo da Saúde Coletiva na década de 1950. Para o
autor, o surgimento desse campo ocorreu em três etapas: a primeira, denominada etapa
pré-Saúde Coletiva, durou quinze anos a partir de 1955, e foi marcado pelo
estabelecimento do projeto de medicina preventiva; o segundo, que durou até o final da
década de 1970, é chamado estágio de medicina social; a terceira vai do final da década
de 1970 até, pelo menos, 1994, quando o autor escreveu o artigo “Saúde coletiva:
história de uma ideia e de um conceito”.
Observe que a Saúde Pública engloba conteúdos de áreas distintas, tais como a
Ecologia, o Planejamento Ambiental Urbano, as Ciências Médicas, entre outras. Neste
contexto, o profissional de gestão deve analisar a saúde de forma crítica.
Indicação de leitura
http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/saude_publica_4.pdf
Contudo, em 1808, a família real se instalou no Brasil e, por isso, foi criado as duas
primeiras escolhas de medicina do país, bem como foi organizada uma estrutura
sanitária mínima. Até 1850, porém, as ações de saúde pública eram limitadas à
delegação das atribuições sanitárias às juntas municipais e ao controle de navios e
saúde dos portos (POLIGNANO, 2003).
Nessa perspectiva, Oswaldo Cruz colocou guardas e soldados da polícia para visitar as
casas em várias regiões da cidade, a fim de combater o mosquito transmissor da febre
amarela. Além disso, intensificou a limpeza pública para acabar com os ratos e erradicar
a peste e, aprovou uma lei que tornava a vacinação obrigatória para erradicar a varíola
(PALMA, s.d.), conforme ilustra a Figura 1, charge de Leonidas Freire, publicada na
revista O Malho, em 1904.
Você pôde perceber que tais medidas foram autoritárias e a oposição ao governo de
Rodrigues Alves, utilizou-se disso para despertar a revolta da população, alegando que
a desinfecção do ambiente e a vacinação obrigatória representam ameaça às famílias,
devido à entrada de pessoas estranhas nos lares (POLIGNANO, 2003). Esse
movimento ficou conhecido como Revolta da Vacina e o modelo de intervenção como
campanhista.
Ampliando o conhecimento
https://www.youtube.com/watch?v=6i6v9f_aWjg.
Este modelo, apesar das arbitrariedades, conseguiu erradicar a febre amarela na cidade
do Rio de Janeiro e, por isso, tornou-se, durante muitas décadas, dominante na
intervenção da saúde coletiva (POLIGNANO, 2003).
Em 1920, Carlos Chagas, biólogo e médico sanitarista, assumiu e reestruturou a
Diretoria Nacional de Saúde, incluindo a propaganda e a educação sanitária na
intervenção da saúde coletiva (SILVA, 2007). Nesta época, a principal atividade
econômica do Brasil era a monocultura cafeeira e, portanto, a concentração de recursos
e serviços de saúde estava voltada para os espaços onde havia circulação das
mercadorias, para que as doenças não prejudicassem a exportação de grãos. Este
modelo ficou conhecido como sanitarista campanhista (MENDES, 1996).
Esse movimento foi o início das conquistas por direito sociais, sendo a primeira delas,
a aprovação, em 24 de janeiro de 1923, da Lei Eloy Chaves, marco inicial da
previdência social no Brasil. Por meio desta lei foram instituídas as Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAP’s) (BREMER, 2010; POLIGNANO, 2003).
Porém, entre 1923 e 1929, o Brasil passou por diversas crises políticas e econômicas,
sendo que a mais severa ocorreu em 1929 e imobilizou temporariamente a exportação
de grãos. Dessa forma, foi necessária uma nova organização do estado e, em 1930,
instala-se a revolução, comandada por Getúlio Vargas, que rompe com a política café
com leite entre São Paulo e Minas Gerais.
Contudo, a população rural não estava contemplada nessa assistência médica e, por
isso, em 1956 foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU),
incorporando os antigos serviços nacionais de febre amarela, malária, peste (SILVEIRA;
PIMENTA JUNIOR, 2011). Quase dez anos depois, em 1967, ocorreu a unificação de
todas as instituições previdenciárias no Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), que muitos já devem ter ouvido falar ou até mesmo vivenciaram.
Cinco anos depois foi criado o Sistema Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo de
definir o campo de ação na área de saúde, dos setores públicos e privados, para o
desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. Surgiu
então uma demanda muito maior que a oferta. A solução encontrada pelo governo foi
pagar a rede privada pelos serviços prestados à população.
Mais complexo, a estrutura foi se modificando e acabou por criar o Instituto Nacional
de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em 1978, que ajudou nesse
trabalho de intermediação dos repasses para iniciativa privada (BRASIL, 2003). No
entanto, o INAMPS era restrito aos empregados que contribuíssem com a previdência
social e, os demais eram atendidos apenas em serviços filantrópicos.
Neste contexto, em 1981, como reflexo da crise econômica vivenciada no regime militar,
criou-se o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
(CONASP), com o objetivo de minimizar custos. Dois anos depois, foi criado um projeto
entre os ministérios da Previdência, Saúde e Educação, a fim de integrar ações
curativas-preventivas e educativas ao mesmo tempo (POLIGNANO, 2003).
Foi, portanto, na Constituição Federal de 1988 que se cria o Sistema Único de Saúde
(SUS). No entanto, somente em 1990 o governo edita a Lei Federal nº 8080, de 19 de
setembro de 1999, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, que dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Ampliando o conhecimento
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
Até aqui você pôde perceber que a Saúde Pública está diretamente relacionada com as
condições de alimentação, de trabalho, habitação, acesso aos serviços e infraestrutura
de saneamento, acesso aos serviços de saúde, entre outros fatores. Deve ter notado
também que ao longo da história, a Saúde Pública se adaptou frente aos desafios de
cada momento político, econômico e social.
Por isso, a saúde pública deve ter como objetivo o estudo e a busca de
soluções para problemas que levam ao agravo da saúde e da
qualidade de vida da população, considerando para tanto os sistemas
sociocultural, ambiental e econômico. (PHILIPPI JUNIOR;
MALHEIROS, 2005, p. 20).
Imagine que você esteja em uma consulta médica e, o médico ao examiná-lo espera
encontrar um estado de normalidade, a partir de dados como pressão arterial,
temperatura, batimentos cardíacos, entre tantos outros, não é mesmo? Caso estes
dados apresentem alguma diferença quando comparados com padrões normais, o
médico chega a um diagnóstico. Parece simples, mas você irá perceber adiante, que
definir saúde é mais complexo e envolve diferentes determinantes.
Com certeza, neste momento você já deve estar refletindo se de fato existe algum
agrupamento humano que vive um ideal de saúde ou um completo bem-estar físico,
mental e social. Mesmo em uma cidade qualquer, por mais saudável e sustentável que
seja, haverá pessoas com doenças incubadas, casos clínicos e óbitos.
Sabemos que os organismos não vivem sozinhos, pois necessitam uns dos outros e em
conjunto foram uma população. As populações de diferentes espécies se inter-
relacionam e formam as comunidades, que por sua vez ocupam um lugar, um nicho
ecológico. Dessa forma, ao se estudar as inter-relações do ambiente com as
comunidades e vice-versa, estamos estudando um ecossistema. Contudo, os
ecossistemas não estão isolados, pois há troca de matéria e energia entre eles e, juntos,
foram a biosfera.
Além disso, a poluição atmosférica pode afetar diretamente a saúde. Segundo dados da
Organização Mundial de Saúde (2019), 50 mil pessoas morrem anualmente por conta
da poluição atmosférica no Brasil. A OMS usa como indicador o material particulado
(mp) 2,5 por ser um dos poluentes mais perigosos, visto que é pequeno e leve, entrando
pelo nariz e garganta e penetrando facilmente nos pulmões e sistema circulatório. A
Figura 2 retrata uma situação comum em muitas cidades no mundo e no Brasil, que é
a presença de poluentes atmosféricos.
https://www.youtube.com/watch?v=9UAF2BdQ0A4
https://jornal.usp.br/atualidades/poluicao-atmosferica-pode-levar-ao-
declinio-cognitivo/
Porém, não é só a poluição atmosférica que têm efeitos adversos sobre a saúde.
Sabemos que a água é fundamental para qualquer atividade econômica e
imprescindível para a sobrevivência de todos os organismos vivos. Porém, este recurso
é finito e, pode representar um obstáculo ao desenvolvimento das cidades e à qualidade
de vida. Cabe ressaltar que não estamos falando apenas em disponibilidade de água,
mas, principalmente em qualidade.
Pesquisas têm demonstrado que a água doce, disponível para a população, está
contaminada por produtos químicos e metais pesados de grande impacto para a saúde
das populações. Além disso, a carência de coleta e tratamento de esgotos, têm como
consequência o seu lançamento em corpos hídricos, aumentando a concentração de
matéria orgânica, diminuição do oxigênio dissolvido e consequente mortandade de
fauna aquática. Esse fato, infelizmente é comum e, recebe o nome de eutrofização.
Ampliando o conhecimento
http://ecologia.ib.usp.br/lepac/conservacao/ensino/des_eutro.htm
Você já deve ter visto alguma notícia sobre isso. Em dezembro de 2018, foram
recolhidas 89,23 toneladas de peixes mortos na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de
Janeiro e, em fevereiro de 2019, foram recolhidas mais de 7 toneladas (COMLURB,
2019). Ainda em fevereiro de 2010, no Rio de Janeiro, uma imensa mancha de água
negra e de forte odor se misturou ao mar na praia de Ipanema. O que estes eventos têm
em comum? O fato de terem ocorrido como consequência do lançamento de efluentes
domésticos. Vale ressaltar que esse tipo de poluição coloca a população em risco, visto
que a expõe à microrganismos patogênicos, como por exemplo, agentes causadores de
diarreias.
Indicação de leitura
http://repositorio.esp.mg.gov.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/74/
TCC%20Alexandra%20_%20para%20encaderna%c3%a7%c3%a3o%20fina
l%20%281%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Exemplificando!
Mencionamos no capítulo anterior sobre o aumento da incidência de dengue
em períodos chuvosos, bem como sua relação com a expansão urbana de
forma desordenada e a falta de saneamento básico. Porém, doenças como
hepatite A, leptospirose, febre tifoide, entre outras, também preocupam as
autoridades, visto que também representam aumento dos gastos com
atendimento à população.
Ampliando o conhecimento
http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/xcnEgwSWEH
nk5RO_2013-5-29-10-51-49.pdf
Contudo, ainda existiram críticas referentes à tríade ecológica, por não avaliarem as
questões sociais de forma profunda. Neste contexto, o quinto período, é conhecido
como Influência Social. Na visão sociológica, o grande motivador do processo de
saúde-doença é a marginalização de grupos vulneráveis. Por fim, o último período,
conhecido como Atualidades, refere-se ao estudo epidemiológico considerando todos
os avanços nas áreas médica, ecológica, microbiológica, como também os fatores
sociais, mas agregando também o avanço tecnológico.
2.6 Conclusão
Ao longo deste capítulo você pôde perceber a complexidade de se conceituar saúde e
os desafios enfrentados pela Saúde Coletiva e pela Saúde Pública. É notório a
necessidade de uma formação abrangente e holística dos profissionais de saúde, para
que possam analisar a saúde como um conjunto de fatores complexos e distintos, que
se inter-relacionam.
Dessa forma, o estudo da saúde pública deve contemplar a compreensão clara dos
fatores econômicos, sociais, políticos, tecnológicos e ambientais que acompanham a
história do homem. As modificações ambientais decorrentes das ações antrópicas
devem nortear o estudo pela busca do bem-estar físico e mental.
Resumo
A relação da saúde com o meio ambiente está presente não só no contexto biológico
das doenças, mas também das ações humanas que impactam o meio ambiente e nas
ações que buscam melhorar a qualidade de vida. Portanto, este capítulo não pretende
esgotar toda a abordagem dessa relação, por isso, é imprescindível que você busque
mais informações e conhecimento a respeito dessa disciplina. Bons estudos!
Referências
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