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Introdução
A respiração celular, em que nutriente orgânicos notadamente a glicose são queimados pelo
oxigênio, é uma via metabólica fundamental como fonte energética e essencial para a manutenção
da vida de inúmeros seres vivos. Nos seres vivos unicelulares, a respiração celular se faz pela
captação direta do oxigênio dissolvido no meio líquido extracelular e o CO2 liberado é diretamente
levado também para este meio líquido. Porém, com o surgimento há milhões de anos dos seres
pluricelulares, a troca gasosa pela superfície no organismo passou a ser ineficiente, tão mais quanto
maior o tamanho do organismo, visto que nos pluricelulares a troca pela superfície não garante a
chegada de oxigênio e a remoção do gás carbônico das regiões mais profundas do corpo. A
evolução a partir daí promoveu a seleção de sistemas corporais que levam os gases para e das
regiões mais profundas, possibilitando o acesso das células mais internas à troca gasosa. E neste
sentido, o papel do sistema circulatório, ao transportar os gases dissolvidos no plasma ou ligados a
pigmentos respiratórios, é fundamental. E em associação ao sistema circulatório, um outro sistema
orgânico que promove a captação e remoção eficiente dos gases respiratórios, levando-os até as
células surgiu. Este sistema orgânico capaz de captar e/ou remover os gases respiratórios é o
sistema respiratório, o qual se organiza em diferentes modos nos animais, desde o sistema traqueal
dos artrópodes ao branquial e cutâneo dos vertebrados inferiores, como os peixes e anfíbios, até o
sistema respiratório pulmonar dos répteis, aves e mamíferos. Tal sistema, junto ao circulatório (veja
capítulo 4) é vital para o adequado funcionamento do organismo.
Objetivos
Esperamos que ao final do estudo deste capítulo, você seja capaz de:
• descrever os componentes do sistema respiratório, as funções desempenhadas pelos mesmos
e o funcionamento detalhado das vias aéreas condutoras e dos pulmões na realização da
hematose, a troca gasosa alveolar;
• entender a circulação sanguínea pulmonar, o transporte de gases no sangue e o controle da
respiração
Esquema
Figura 1: (A) Visão geral do sistema respiratório. (B) Ramificação dos brônquios a partir da traquéia até os
alvéolos. Fonte: Silverthorn, 2016.
Figura 2: Visão microscópica da parede das vias aéreas condutoras e respiratórias em diferentes trechos a
partir da traquéia até os alvéolos. O epitélio da cavidade nasal, não mostrado, é similar ao da traquéia e
brônquios. Fonte: Ganong, 2014.
Figura 3: (A) Forças elásticas atuantes no espaço pleural na situação de equilíbrio respiratório em repouso.
(B): Movimentos da caixa torácica e diafragma durante a inspiração na situação de respiração quieta de
repouso. (C): Retração elástica passiva da caixa torácica e diafragma durante a expiração na situação de
respiração quieta de repouso. Fonte: Silverthorn, 2016.
A partir do ponto de equilíbrio respiratório, no final da expiração quieta de repouso, para que
o ar entre nos pulmões levando o oxigênio, a caixa torácica se movimenta em todos os eixos do
espação tridimensional via 1) contração do diafragma, que reveste inferiormente a caixa torácica,
que ao abaixar em direção ao abdômen, aumenta a distância vertical da cavidade torácica e 2) via
contração dos músculos intercostais externos, que ao se elevarem e abrirem as costelas promovem
um aumento nas distâncias latero-lateral e anteroposterior da cavidade torácica (Figura 3). O
resultado destes movimentos é uma expansão da pleura parietal e um aumento adicional na
pressão negativa intrapleural (para valores em torno de -7mmHg), o qual distende ainda mais a
pleura visceral e promove então uma expansão adicional dos pulmões. Esta expansão dos pulmões
acaba por reduzir a pressão de ar nos alvéolos que também fica negativa, abaixo da pressão
atmosférica. E assim acontecendo, cria-se pelas vias áreas de seu início nas narinas até os
alvéolos, uma diferença de pressão, que pela lei de Poiseuille da hidráulica (ver capítulo 4), gera
um fluxo de entrada de ar pelas vias aéreas, um mecanismo conhecido como inspiração (Figura 3).
Ao final da expansão da caixa torácica, ao final da inspiração, com o relaxamento da musculatura
inspiratória, os pulmões e o tórax elasticamente distendidos retraem-se passiva e espontaneamente
comprimindo o espação pleural, elevando a pressão intrapleural em direção ao valor inicial de -
5mmHg e comprimindo os alvéolos que ao elevar a pressão intra-alveolar acima da atmosférica
gera um fluxo de saída de ar conhecido como expiração (Figura 3). Note que o volume de ar que
entra na inspiração, cerca de 500mL num indivíduo adulto normal é igual ao volume de ar que sai
na expiração. Este volume na respiração quieta de repouso é conhecido como volume corrente. O
volume de ar inspirado/expirado pode aumentar consideravelmente (respiração forçada –
hiperventilação), de acordo com o esforço muscular inspiratório. Neste caso, um aumento da força
muscular dos intercostais externos e do diafragma é associado ao acionamento de músculos
inspiratórios secundários ou acessórios, tais como os escalenos, esternoclidomastóides, serráteis
anteriores, etc. E na sequência, a expiração forçada é auxiliada pela ação de músculos expiratório
secundários, tais como os intercostais externos e os músculos da parede abdominal, que ao se
contraírem elevam a pressão intra-abdominal e forçam o diafragma para cima, ajudando no
aumento do ar expirado (Figura 4).
Figura 4: Participação dos músculos intercostais e retos abdominais nas duas fases da respiração: a
inspiração e a expiração, durante uma respiração forçada. Fonte: Guyton e Hall, 2021.
O comando neural para a atividade dos músculos respiratórios surge de uma rede neural
presente no bulbo raquidiano composta por neurônios do grupo respiratório dorsal (GRD)
localizados principalmente no núcleo do trato solitário e que se projetam para os neurônios motores
primários da medula espinhal de C3 a C5, a origem do nervo frênico e para os segmentos torácicos
da medula espinhal para inervar os músculos intercostais externos (Figura 5). Estes neurônios do
GRD controlam a respiração quieta de repouso. Havendo necessidade de uma respiração forçada
(hiperventilação), neurônios presentes na formação reticular bulbar ventral lateral (grupo respiratório
ventral – GRV) principalmente localizados nos núcleos retrofacial, Botzinger, Pré-Botzinger,
Ambíguo e Retro-ambíguo são acionados e projetam potenciais de ação para neurônios motores
primários cranianos no glossofaríngeo, vago, acessório e hipoglosso, controladores da língua,
laringe e faringe e neurônios motores primários torácicos, controladores dos músculos inspiratórios
secundários (escalenos, esternoclidomastóides e serráteis anteriores) e expiratórios secundários
(músculos intercostais internos), bem como para neurônio motores primários lombares
controladores da parede abdominal. Ambos os grupos neuronais GRD e GRV bulbares sofrem
influência do núcleo pontinho de Kolliker-Fuse (núcleo pneumotáxico), o qual inibe a rampa
excitatória neuronal no GRD limitando a expansão pulmonar e determinando a frequência
ventilatória (Figura 5). Os detalhes do controle neural da ventilação serão melhor descritos na seção
5.7 abaixo.
Figura 5: Organização dos centros respiratórios controladores da respiração no bulbo raquidiano e ponte do
Tronco Encefálico. Fonte: Guyton e Hall, 2021.
Aqui vale destacar que o surfactante alveolar é sintetizado continuamente ao longo de toda
a vida, iniciando sua produção após o amadurecimento dos pneumócitos tipo II, que ocorre por volta
da 35ª semana de gestação intraútero. Bebês nascidos prematuros antes da 35ª semana de vida
fetal não possuem níveis adequados de surfactante alveolar e por conta da elevada tensão
superficial nos alvéolos, a complacência pulmonar é bastante reduzida, com grande retração
elástica pulmonar e dificuldade de enchimento de ar nos alvéolos, acionado de forma intensa a
musculatura acessória respiratório e promovendo um grande sofrimento respiratório, um quadro
conhecido com síndrome da angústia respiratória do recém-nascido. Injúria pulmonar alveolar com
lesão ou destruição dos pneumócitos tipo II na vida adulta pode provocar um quadro semelhante, a
síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA).
5.3.2. Volumes e Capacidades Pulmonares
Como descrito acima, o volume de ar inalado durante a inspiração e exalado durante a
expiração quieta de repouso (cerca de 500mL num adulto normal) é conhecido como volume
corrente. A medida deste volume pode ser feita clinicamente por meio do uso de um aparelho
conhecido como espirômetro. Além do volume corrente, tal equipamento também permite a medida
do volume de reserva inspiratório (VRI - volume a mais inspirado durante uma inspiração forçada
máxima, valendo em condições normais cerca de 3000mL) e do volume de reserva expiratório (VRE
- volume a mais que pode ser eliminado dos pulmões ao acionarmos a musculatura expiratória ao
seu máximo durante uma expiração forçada máxima, valendo cerca de 1100mL num homem adulto)
(Figura 7). Note que, mesmo usando a musculatura expiratória (músculos intercostais internos e da
parede abdominal) em seu máximo, um certo volume de ar jamais escapa dos pulmões, o que é
conhecido então por volume residual. Como este volume de ar residual jamais escapa dos pulmões
para encher o reservatório de ar do espirômetro, tal volume não pode ser medido pela espirometria
convencional. A somatória do VRI com o VC define a capacidade inspiratória (CI). Já a somatória
dos VRI, VC e VRE define a capacidade vital (CV) e representa a máxima variação de volume
possível durante uma inspiração/expiração forçada máxima numa hiperventilação (Figura 7). Como
o volume residual não pode ser medido pela espirometria convencional, capacidades pulmonares,
tais como a capacidade residual funcional (VRE+VR) e capacidade pulmonar total
(VR+VRE+VC+VRI) que dependem do volume residual não podem por consequência serem
também medidas pela espirometria (Figura 7). O volume residual e suas capacidades derivadas
podem ser medidas com o emprego do método de diluição do gás Hélio. Os volumes e capacidades
pulmonares são em geral maiores nos homens do que nas mulheres e isto é decorrente
principalmente da maior compleição e maior massa muscular esquelética respiratória em homens
do que em mulheres. A multiplicação do volume corrente pela frequência respiratória permite que
se calcule o volume minuto respiratório, o qual vale cerca de 6000mL/min para homens e um pouco
menos (cerca de 5.200mL/min) para mulheres.
Figura 7: Volumes e capacidades pulmonares durante um respiração normal quieta de repouso (volume
corrente) e durante um respiração forçada máxima. Fonte: Guyton e Hall, 2021.
5.3.3 Ventilação Alveolar e Espaço Morto
Numa respiração tranquila de repouso, o volume corrente num homem normal é da ordem
de 500mL Este volume de ar inalado durante a inspiração entra pela via área em direção ao alvéolo.
Dos ~500mL inspirados, cerca de 150mL, porém, jamais atingem os alvéolos, pois preenchem os
espaços reservados à via área condutora da cavidade nasal até bronquíolos terminais. Do total de
500mL do volume corrente, apenas 350ml de fato atingem os alvéolos e este volume é conhecido
como volume de ar alveolar. Estes 150mL que não atingem os alvéolos por preencherem o volume
das vias aéreas condutora não sofrem a hematose e são, portanto, conhecidos como volume de
espaço morto anatômico. A multiplicação do volume de ar alveolar (cerca de 350mL) pela frequência
respiratória (~12 rpm) leva ao valor do volume de ar que chega e sai dos alvéolos por minuto,
também conhecido como ventilação alveolar. Seu valor em homens normais é da ordem de
4200mL/min, sendo ligeiramente menor nas mulheres.
Em situações de má perfusão sanguínea aos alvéolos, como na embolia pulmonar, por
exemplo, o contingente de alvéolos não perfundidos, pela falta de sangue, não poderá realizar a
hematose, de modo que este ar alveolar não sendo trocado, passa a se comportar como o volume
de ar de espaço morto. Nesta condição, ao volume de ar do espaço morto anatômico soma-se o
volume de ar nos alvéolos não perfundidos (espaço morto alveolar), gerando um volume de espaço
morto maior que o anatômico e denominado de espaço morto fisiológico. Um volume de espaço
morto fisiológico maior reduz a ventilação alveolar, podendo levar a insuficiência respiratória.
Na posição supina (decúbito dorsal) a ventilação alveolar é mais ou menos homogênea
acontecendo quase igualmente em todos os alvéolos. Porém, ao assumir a posição de pé
(ortostática), o peso dos pulmões sobre a base pulmonar acaba por colapsar parcialmente os
alvéolos da base e a expandir parcialmente os alvéolos do ápice pulmonar. Durante uma inspiração
normal, os alvéolos do ápice já previamente expandidos, se expandem menos enquanto os alvéolos
da base previamente encolhido podem se expandir mais durante a inspiração, levando a uma
melhor ventilação nas bases em comparação aos ápices pulmonares quando o indivíduo encontra-
se de pé.
Figura 8: (A) Relação entre a ventilação alveolar e a perfusão capilar pulmonar em condições normais. Note
ambos os alvéolos e vasos permeáveis com boa relação ventilação perfusão. (B) Uma redução da ventilação
no alvéolo da direita, com hipóxia alveolar e PO2 tecidual reduzida resulta em vasoconstricção arteriolar e
redução da perfusão neste alvéolo hipoventilado. Fonte: Silverthorn, 2016.
Além da vasomotricidade arteriolar, o fluxo sanguíneo pulmonar pode sofrer influência da
força da gravidade, em situações em que o indivíduo se encontra de pé. Nesta posição, o fluxo de
sangue para as bases, favorecido pela gravidade, é maior que na região central dos pulmões,
enquanto nos ápices pulmonares, o fluxo sanguíneo se reduz, uma vez que para subir até os ápices,
ele tem que vencer a força gravitacional em sentido contrário. Esta distribuição desigual do fluxo
sanguíneo pulmonar durante o ortostatismo se assemelha à distribuição da ventilação pulmonar
também desigual durante o ortostatismo, maior nas bases e menor nãos ápices (ver secção 5.3.3
acima), ainda que os efeitos da gravidade sobre o fluxo sanguíneo sejam mais marcados e intensos
do que sobre a ventilação alveolar. A relação entre ventilação alveolar (V) e perfusão pulmonar (Q)
deve ser a mais equilibrada possível, atingindo em posição supina valores em torno de 1
aproximadamente. Porém, ao fica de pé, a intensa queda da perfusão mais do que a ventilação nos
ápices pulmonares acaba por gerar neste local um certo grau de espaço morto alveolar e
consequentemente um espaço morto fisiológico maior que o anatômico (relação V/Q > 1). Já nas
bases pulmonares, durante a posição ortostática, o maior aumento da perfusão do que da ventilação
faz com que a relação V/Q seja menor que 1, denotando um desvio (shunt arteriovenoso direita-
esquerda, com sangue mal ventilado e, portanto, venoso se misturando com sangue arterial rico em
O2 oriundo das porções médias e ápices melhor ventilados (desvio arteriovenoso fisiológico). Aqui
vale ressaltar que um leve desvio arteriovenoso anatômico acontece entre as duas circulações, a
pulmonar e a sistêmica, decorrente da drenagem venosa dos vasos brônquicos (sangue venoso)
em parte para as veias pulmonares (sangue arterial) e das veias cardíacas mínimas (sangue
venoso) para dentro das cavidades atrais e ventriculares esquerdas, as quais contém sangue
arterial.
Uma vez atingindo os capilares pulmonares, componentes solúveis do plasma exceto as
proteínas plasmática podem sofrer algum tipo de transporte de fluído pela membrana alvéolo-capilar
até o interstício. As forças atuantes sobre os fluídos dos dois lados da membrana alvéolo-capilar
são as pressões hidrostáticas capilar e intersticial e as pressões coloidosmóticas exercidas pelas
proteínas também dos dois lados, a pressão coloidosmótica plasmática e a pressão coloidosmotica
intersticial (Figura 9). Note na figura 9 que a interação destas quatro forças atuantes sobre a
superfície da membrana alvéolo-capilar determina um leve extravasamento de líquido do plasma
para o interstício pulmonar, e este excesso de liquido acaba por ser drenado como linfa pelos vasos
linfáticos, tanto hilares quanto subpleurais.
Figura 9: Forças hidrostáticas e coloidosmóticas (expressas como pressão em mmHg) atuantes no capilar (à
esquerda) e no interstício pulmonar (à direita), resultando em uma pressão efetiva de filtração de líquido de
cerca de +1mmHg. O excesso de líquido acumulado no longo prazo é drenado pelos vasos linfáticos
pulmonares (em amarelo). Fonte: Guyton e Hall, 2021.
Situações que promovem elevação na pressão hidrostática capilar, sendo a mais frequente
a insuficiência do ventrículo esquerdo ou o aumento da permeabilidade do capilar decorrente de
lesão ou injúria do endotélio capilar por agentes patogênicos ou tóxicos, com extravasamento
adicional de proteínas para o interstício e consequente aumento da pressão coloidosmótica
intersticial, levam a uma filtração de líquido aumentada para o interstício, o qual é prontamente
drenado pelos linfáticos pulmonares. Porém, atingido o limite de drenagem pelos linfáticos, o liquido
intersticial se acumula e promove o edema pulmonar (cardiogênico no caso da insuficiência
cardíaca ou não-cardiogênico, no caso da injúria do endotélio capilar), o qual é uma condição muito
grave, pois ao aumentar a distância difusional dos gases respiratório provoca intensa dispnéia e
insuficiência respiratória, a qual dependendo de sua intensidade pode levar ao extravasamento de
líquido para dentro dos alvéolos, com agravamento da hipóxia e inclusive morte por hipóxia
generalizada.
Valores similares de pressões hidrostáticas e coloidosmóticas podem ser verificados nas
proximidades da pleura visceral. E o extravasamento aumentado de líquidos nesta região pode
resultar em coleção deste líquido dentro do espaço pleural, resultando em derrame pleural, o que
dependendo de sua intensidade pode dificultar a expansão elástica pulmonar durante a inspiração,
agravando ainda mais a dispnéia.
O gás carbônico, por sua vez, produzido pelo metabolismo aeróbico dos tecidos, sai das
células livremente para se dissolver no líquido intersticial e então por diferença de concentração
atinge o sangue dos capilares teciduais. No sangue cerca de 7% do CO2 permanece dissolvido na
água do plasma, sendo o restante dirigido às hemácias, onde aproximadamente 23 dele liga-se a
resíduos de aminoácidos da hemoglobina formado a carbamino-hemoglobina e os demais 70% são
combinados com a água numa reação catalisada pela anidrase carbônica dentro do citossol da
hemácia, formando ácido carbônico, o qual sofre imediata ionização em H+ e HCO3-. O H+ é
tamponado por resíduos de aminoácidos da molécula de hemoglobina, enquanto o HCO3- é levado
para o plasma, trocado pelo cloreto na membrana da hemácia pelo transportador antiporte Cl-
/HCO3- (Figura 12). O bicarbonato plasmático representa assim a principal forma de transporte de
CO2 no sangue, cerca de 70%. Este bicarbonato também é usado pelo plasma como um sistema
tampão de controle do pH plasmático. A quantidade de CO2 dissolvido no sangue nas diferentes
formas acima descritas é diretamente proporcional à pressão parcial de CO2 no sangue. Assim, no
sangue venoso que sai dos tecidos, com uma PCO2 de cerca de 46mmHg a concentração de CO2
é de cerca de 52mL%, enquanto no sangue arterial onde a PCO2 é de cerca de 40mmHg, a
concentração é da ordem de 48mL%. A quantidade de CO2 dissolvido no sangue sofre influência
de alguns fatores como a temperatura e a PO2. Elevações da temperatura e da PO2 reduzem a
quantidade de CO2 dissolvida no sangue. Em particular, o efeito da PO2 é muito importante pois
nos alvéolos, onde a PO2 é muito alta dada a grande quantidade de oxigênio nos alvéolos (PO2
alveolar de cerca de 100mmHg), a ligação do O2 à hemoglobina torna hemoglobina um ácido forte,
liberando os H+ tamponados para o citossol. Estes hidrogênios ligam-se ao HCO3- originado então
o ácido carbônico, que catalisado pela anidrase carbônica libera o CO2 para o ar alveolar. A ligação
do oxigênio à hemoglobina também reduz a formação de carbamino-hemoglobna, liberando o CO2
para o alvéolo. Este efeito do oxigênio alveolar aumentando a liberação de CO2 do sangue para
dentro do espaço alveolar é denominado de efeito Haldane, e é um importante mecanismo a
contribuir para uma eficiente hematose.
Figura 12: Transporte de Gás Carbônico (CO2) no sangue dos tecidos até os alvéolos. Fonte: Silverthorn,
2016.
Figura 13: Controle da ventilação pulmonar pelos quimiorreceptores centrais (sensíveis principalmente ao
CO2 no sangue arterial) e pelos quimiorreceptores periféricos (sensíveis principalmente ao O2 no sangue
arterial). (AC = Anidrase Carbônica). Fonte: Silverthorn, 2016.
Concomitante aos quimiorreceptores centrais, terminações sensoriais especializadas
localizadas na adventícia dos seios carotídeos e da crossa da aorta, denominadas de corpúsculo
carotídeos e aórticos, respectivamente, são capazes de detectar os níveis de oxigênio no sangue
arterial e informar os neurônios respiratórios bulbares, a fim de integrar uma resposta regulatória
reflexa da ventilação. Estes corpúsculos são denominados de quimiorreceptores periféricos, pois
conseguem fazer a leitura dos níveis de O2 e em menor grau dos níveis de CO2 e pH plasmático
(Figura 13). Quando o oxigênio arterial cai, ou o fluxo sanguíneo para os corpúsculos é reduzido,
eles são estimulados e, via sinais conduzidos pelos nervos glossofaríngeo e vago, potenciais de
ação atingem o bulbo, na região do NTS. Daí, estes estímulos se projetam para o GRD e o GRV,
bem como para o núcleo pneumotáxico pontino, aumentado o estímulo respiratório para que uma
hiperventilação aconteça a fim de aumentar os níveis de O2 baixos no sangue arterial, formando
uma alça de feedback negativa muito eficiente no controle da respiração. Os dois sistemas
quimiorreceptores, o central e o periférico, atuam simultaneamente e de forma recíproca
controlando de forma muito eficiente os níveis dos gases respiratórios presentes no sangue arterial.
Um exemplo de atuação deste quimiorreceptores é durante a execução de um exercício
físico. O comando central do exercício, que controla os músculos esqueléticos usados no exercício,
ao passar pelo bubo deixa estímulos para os GRD e GRV, que são estimulados em proporção aos
músculos acionados durante o exercício. Isso faz com que a respiração seja mais ou menos
pareada com as necessidades de troca gasosa aumentada durante exercício, onde mais oxigênio
precisa ser captado e mais CO2 precisa ser eliminado. Durante este pareamento entre o consumo
de oxigênio e a oferta respiratória pela hiperventilação, qualquer desajuste que implique em maior
ou menor oxigênio arterial, os quimiorreceptores periféricos entram em ação para regular a
ventilação, de modo a manter constante os níveis de oxigênio arterial, mesmo numa situação de
elevado consumo muscular. Este mecanismo de ajuste fino da ventilação garante que a respiração
seja exatamente adequada às necessidades de consumo efetuadas pelos músculos em atividade
durante o exercício físico.
5.8. Conclusões
Ao término deste capítulo podemos concluir que o funcionamento harmonioso do sistema
respiratório junto ao circulatório, com expansões (inspiração) e retrações (expiração) periódicas dos
pulmões, garante a entrada de ar até os alvéolos, possibilitando assim a troca gasosa na membrana
alvéolo-capilar. Uma vez o oxigênio sendo capturado pela hemoglobina e o CO2 liberado para o
espaço alveolar, o sangue circula até os tecidos periféricos, onde as trocas gasosas ocorrem em
sentido contrário, ou seja, o oxigênio é liberado da hemoglobina em direção aos tecidos e o gás
carbônico de dissolve no sangue principalmente na forma de bicarbonato. Este processo todo
possibilita a homeostasia respiratória nos tecidos e garante a sobrevivência celular.
Referências
1. GUYTON & HALL. Tratado de fisiología médica. 14ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,
2021.
2. SILVERTHORN, DU. Fisiologia humana: Uma abordagem integrada. 7ª ed. Porto Alegre.
Artmed Editora Ltda., 2017.
3. BERNE & LEVI. Fisiologia. 6ª ed. Rio de Janeiro. Elsevier Editora Ltda., 2009.
4. GANONG. Fisiologia médica. 24ª ed. Porto Alegre. Artmed Editora Ltda., 2014.