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6 Fisiologia excretória

Gláucia Helena Fortes

Introdução
O sistema excretório é um importante sistema homeostático corporal responsável pela
regulação da quantidade e composição do meio interno e seus líquidos, o líquido extracelular (LEC)
e o plasma. O componente central deste sistema, o rim, a atua sobre o plasma retirando dele
compostos endógenos em excesso e eliminando componentes tóxicos endógenos ou exógenos,
impedindo-os de se acumularem nos líquidos corporais. Esta eliminação se faz através da formação
de urina, produto final da ação do sistema excretório sobre os líquidos corporais. Todos os
compostos presentes na urina são oriundos da ação renal sobre o plasma sanguíneos que chega
aos rins. Uma vez formada, a urina é então conduzida pelas estruturas componentes das vias
urinarias inferiores até meio externo. As vias urinárias inferiores são compostas pelos ureteres, a
bexiga urinária e a uretra (Figura 1).
Em sua ação sobre o líquido extracelular para formar a urina, uma série de funções são
desempenhadas pelos rins e pelo sistema excretório: 1) Regulação do volume do LEC e
consequentemente do volume de líquido plasmático e sanguíneo; 2) regulação da pressão arterial;
3) regulação da concentração total de solutos do LEC e assim do equilíbrio osmótico entre as células
e o líquido intersticial; 4) regulação da concentração de componentes eletrolíticos importantes
presentes no LEC, tais como sódio, cloreto, potássio, cálcio, bicarbonato, etc. 5) Regulação do
equilíbrio ácido básico, já que o excesso de íons hidrogênio produzidos por ácido fixo do
metabolismo é eliminado na urina e o bicarbonato plasmático, principal tampão do LEC é
reabsorvido pelos rins; 6) excreção de substâncias tóxicas endógenas, como a ureia, creatinina,
amônia, ácido úrico e vários outros catabólitos; além da excreção de substância tóxicas exógenas,
adquiridas por ingestão ou por administração medicamentosa parenteral; 7) regulação do
metabolismo do cálcio, uma vez que os rins são o sítio final de ativação da vitamina D3 e por ser o
túbulo distal um dos sítios de ação do paratormônio; 8) controle do conteúdo sanguíneo de
hemácias, visto que células intersticiais medulares renais produzem a eritropoietina, fator de
crescimento que atua na medula óssea vermelha promovendo a maturação final e liberação das
hemácias para o sangue; 9) neoglicogênese, onde juntamente com o fígado, os rins são capazes
de sintetizar glicose a partir do lactato, aminoácidos glicogenéticos e glicerol, função esta essencial
durante estados de deprivação alimentar.

Objetivos
Esperamos que ao final do estudo deste capítulo, você seja capaz de:
• descrever os componentes do sistema excretório, as funções desempenhadas pelos mesmos e
o funcionamento detalhado dos rins e de suas unidades funcionais, os néfrons;
• conhecer em detalhes a estrutura e função glomerular, bem como a estrutura e função de cada
segmento tubular dos néfrons;
• compreender o funcionamento das vias urinárias inferiores e o reflexo da micção.

Esquema

6.1 Morfologia renal


6.2 Néfrons – Unidades funcionais renais
6.3 Circulação renal
6.4 Processos funcionais gerais dos rins
6.5. Filtração glomerular
6.5.1 Taxa de filtração glomerular e seus determinantes
6.5.2 Regulação da TFG
6.5.3 Medida da TFG – Conceito de depuração plasmática
6.6 Função tubular – reabsorção e secreção
6.6.1 O Túbulo proximal
6.6.2 A alça de Henle
6.6.3 O túbulo distal inicial
6.6.4 O túbulo distal final e ducto coletor
6.7 Vias urinárias inferiores e o reflexo da micção
5.8 Conclusão

6.1 Morfologia renal


Os rins são órgãos duplos situados na região posterior do abdômen, atrás do peritônio
parietal, sua posição coincidindo com a região lombar no dorso do abdômen. Ele é um órgão
parenquimatoso, compacto, apresentando um formato semelhante a um grão de feijão, com a parte
convexa voltada para a lateral e a parte côncava voltada para a medial do corpo. No centro da parte
côncava medial encontra-se o hilo renal, por onde estruturas entram ou saem dos rins. As estruturas
que entram nos rins são as artérias renais e nervos motores renais. E as estruturas que saem dos
rins pelo hilo são as veias renais, os linfáticos hilares, os nervos sensoriais renais e a pelve renal.
Internamente os rins são compostos por duas camadas envoltas por uma cápsula externa de tecido
conjuntivo fibroso, a cápsula renal. Estas duas camadas de tecido são o córtex renal, mais externo
e a medula renal, mais interna voltada para o hilo renal e composta por duas regiões: as pirâmides
e as colunas renais (Figura 1). As pirâmides renais têm uma base alargada voltada para o córtex e
uma ponta ou ápice, chamada de papila renal, voltada para o hilo renal. As colunas renais por sua
vez, entre pirâmides adjacentes, são preenchidas por tecido conjuntivo vascularizado, contendo
ainda fibroblastos, células de defesa e células secretoras (de eritropoietina, por exemplo) e dão
sustentação às pirâmides renais, bem como ao córtex renal (Figura 1).

Figura 1: Organização geral do sistema excretório e dos rins. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. edição, 2017.
6.2 Néfrons – Unidades funcionais renais
Situados em parte no córtex e em parte nas pirâmides renais (medula renal), encontram-se
os néfrons, as unidades funcionais renais, ou seja, as menores estruturas renais capazes de
processar o plasma sanguíneo e formar urina. Os néfrons são muito numerosos, atingindo na
maioria dos seres humanos adultos entre 1 a 1,2 milhões por rim. Eles funcionam como se fossem
pequenos funis, apresentando uma parte alargada inicial (o gargalo do funil), que é conhecido como
glomérulo renal e uma parte comprida em formato de tubo (o tubo do funil), conhecido como túbulo
renal (Figura 2). Tanto o glomérulo quanto o túbulo renal possuem um espaço no seu interior
(espaço luminal ou luz), por onde o líquido coletado após a filtração flui e vai se transformando em
urina. Este espaço luminal dentro do túbulo é revestido por uma parede epitelial simples (formada
por uma única camada de células epiteliais cúbicas ou pavimentosas, a depender da região do
néfron). Eles possuem um diâmetro muito pequeno (cerca de 50-90 m) e um comprimento variável
de 2 a 5 cm. Para que um número tão grande de néfrons (1 a 1,2 milhões) caibam dentro dos rins,
eles sofrem ao nível dos túbulos enovelamentos (contorções) ou dobraduras (alças), de modo que
cada rim é capaz de conter este grande número de néfrons, cada um formando uma diminuta
quantidade de urina (Figura 2). A grande maioria dos néfrons possuem seus glomérulos distribuídos
homogeneamente pelo córtex e quando se aprofundam na medula renal formam alças de Henle
curtas, que não se estendem até a papila renal. Tais néfrons são chamados néfrons superficiais ou
corticais e são a grande maioria deles (~80% dos néfrons). Porém, cerca de 20% dos néfrons
possuem seus glomérulos situados mais profundamente no córtex, próximos à transição para a
medula renal e quando suas alças de Henle se aprofundam para a pirâmide renal, elas se estendem
até a papila renal, formando alças de Henle muito compridas e profundas. Estes néfrons menos
numerosos e mais longos são chamados de néfrons justamedulares (Figura 2).

Figura 2: Visão geral dos néfrons corticais e justamedulares (ambos em amarelo) e suas relações com a
circulação sanguínea renal. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.

6.3 Circulação renal


A circulação sanguínea renal inicia-se quando a artéria renal vinda da aorta entra nos rins
pelo hilo renal. Dentro do hilo renal, a artéria renal se ramifica em artérias segmentares e
subsegmentares as quais dirigem-se para as colunas renais. Ao atingir as colunas renais, as artérias
subsegmentares se tornam artérias interlobares, pois se situam entre duas pirâmides adjacentes
(uma pirâmide renal mais o córtex imediatamente acima é denominado de lobo renal). As artérias
interlobares margeiam as pirâmides em direção à suas bases, e quando lá chegam, elas se curvam
em direção à base das pirâmides, quando então passam a ser chamadas de artérias arqueadas ou
arciformes (Figura 2). Estas artérias, em seguida caminhando pelas bases das pirâmides emitem
ramos dirigidos perpendicularmente em direção ao córtex renal, as artérias interlobulares, as quais
em seguida emitem ramos diminutos (diâmetros menores que 100m), chamados de arteríolas
aferentes, que são relativamente curtas e rapidamente se dirigem ao hilo glomerular, onde elas se
capilarizam dando origem aos capilares glomerulares, os quais envoltos pela capsula de Bowman,
compõem o glomérulo renal (Figura 2). E ali o plasma sanguíneo é filtrado pela membrana de
filtração glomerular. Apenas cerca de 18-20% do plasma sanguíneo é filtrado, de modo que o
sangue restante é capturado pelas arteríolas eferentes, que deixam o hilo glomerular em direção
ao interstício cortical (Figura 2). Nesta região, as arteríolas eferentes se capilarizam dando origem
uma nova rede capilar, a qual se dispõe em torno dos túbulos formando capilares peritubulares. Em
seguida, eles começam a se fundir formando vênulas corticais, as quais se juntam dando origem as
veias interlobulares, arqueadas, interlobares, subsegmentares, segmentares e veia renal, a qual
drena sangue para a veia cava inferior (Figura 2). O trajeto sanguíneo descrito acima corresponde
à circulação sanguínea cortical, que corresponde a cerca de 95% do sangue que chega aos rins.
A medula renal por sua vez recebe cerca de somente 5% do sangue, tornando a medula
renal uma das regiões menos irrigadas do corpo humano. O sangue chega à medula a partir de
ramos das arteríolas eferentes dos glomérulos dos néfrons justamedulares, os quais logo se
capilarizam e descem retos em direção a medula renal, formando os vasos retos, os quais são
vasos capilares muito compridos que se afundam para dentro da medula, dobram sobre si mesmos
e depois ascendem novamente em direção ao córtex, drenando o sangue para vênulas e veias
interlobulares e arqueadas mais próximas (Figura 2).

6.4 Processos funcionais gerais dos rins


Uma vez o sangue chegando aos glomérulos renais pelas arteríolas aferentes, o mesmo é
filtrado nos capilares glomerulares, um processo funcional renal fundamental chamado de filtração
glomerular. Uma vez filtrado, o líquido filtrado é capturado no espaço de Bowman e depois é dirigido
por contiguidade ao túbulo proximal, iniciando seu trajeto ao longo dos diferentes segmentos
tubulares. Ao longo deste trajeto, várias substâncias filtradas podem ser transportadas pelo epitélio
deixando a luz tubular e se dirigindo para o interstício e depois para os capilares peritubulares ou
retos, um processo conhecido como reabsorção tubular. Por outro lado, substâncias presentes no
sangue não filtrado (cerca de 80-82% do plasma sanguíneo), ao atingirem os capilares
peritubulares, podem atravessar a parede destes capilares, caírem no interstício tubular e serem
transportadas pelos túbulos em direção à luz tubular para serem excretadas na urina final. Este
processo é chamado de secreção tubular. A ação conjunta da filtração nos glomérulos renais, mais
a reabsorção e a secreção nos túbulos renais resultam no líquido final eliminado: a urina (Figura 3).
Figura 3: Processo funcionais gerais executados pelos néfrons durante a formação de urina: 1=Filtração
glomerular, 2=Reabsorção tubular e 3=Secreção tubular. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.

6.5 Filtração glomerular


A filtração glomerular é executada pelo glomérulo renal (ou corpúsculo renal ou corpúsculo
de Malpighi), o qual é formado por 3 componentes: os capilares glomerulares, a cápsula de Bowman
e as células mesangiais (Figura 4). A arteríola aferente, ao chegar no hilo glomerular, se ramifica
dando origem a cerca de 16 a 22 alças capilares curtas que se enovelam e se entrelaçam,
constituindo os capilares glomerulares. Como tal, eles possuem paredes bem delgadas formadas
por uma única camada de células endoteliais apoiadas numa membrana basal. As células
endoteliais dos capilares glomerulares são do tipo fenestradas, contendo inúmeras perfurações em
sua superfície atravessando todo o citoplasma, chamadas de fenestrações, por onde o plasma a
ser filtrado vai iniciar seu processo de filtração (Figura 4).
Recobrindo externamente todas as alças capilares glomerulares, encontra-se um epitélio
pavimentoso simples compondo a lâmina interna, o qual na região do hilo dobra sobre si mesmo
formando a lâmina externa da cápsula de Bowman. Entre as duas lâminas da capsula de Bowman,
forma-se o espaço de Bowman, o qual é preenchido pelo líquido filtrado. As células pavimentosas
da lâmina interna são chamadas de podócitos (derivado do grego “podos” = pé e “cito” = célula).
Estas células são achatadas com um corpo contendo o núcleo celular e uma série de
prolongamentos periféricos ramificados semelhantes aos dedos dos pés, chamados pedicélios, os
quais se enrolam em torno dos capilares glomerulares, recobrindo toda a superfície externa deles
(Figura 4). Por serem células epiteliais, eles se apoiam sobre uma membrana basal, a membrana
basal da lâmina interna da cápsula de Bowman, a qual, em praticamente quase toda a extensão
dos capilares glomerulares, se funde com a membrana basal dos capilares glomerulares, formando
uma membrana basal espessa. Esta membrana basal fundida vai se constituir no principal
responsável pela permeabilidade seletiva da membrana de filtração glomerular. Dentro desta
membrana basal composta são encontradas várias proteínas filamentares (colágeno tipo I, elastina,
reticulina, entactina, etc.) entrelaçadas formando uma malha de filtração, com poros de tamanhos
variados no seu interior (com diâmetros entre 3 a 8nm), os quais impedem a filtração da maioria das
proteínas plasmáticas. Externamente a esta membrana basal glomerular, os pedicélios de 2ª e 3ª
ordem se enrolam sobre os capilares fazendo íntimos contatos com a membrana basal glomerular.
Ao se enrolarem sobre os capilares, os pedicélios adjacentes se interdigitam. E entre as
interdigitações dos pedicélios adjacentes formam-se fendas estreitas por onde o líquido filtrado
passa em direção ao espaço de Bowman. Na base destas fendas existentes entre os pedicélios,
deposita-se uma fina camada de proteínas (como a podocina, nefrina, etc.), formando uma
membrana também porosa, o diafragma SLIT, o qual vai se constituir na última barreira de filtração,
antes do espaço de Bowman (Figura 4). Os poros do diafragma SLIT com diâmetros em torno de
7nm representam uma última barreira de seletividade específica para a albumina plasmática, a qual
é retida exatamente por este diafragma.
Deste modo, praticamente todos os componentes plasmáticos, como água, eletrólitos,
glicose, aminoácidos, vitaminas hidrossolúveis, ureia, creatinina, ácido úrico, pequenos peptídeos,
etc., exceto as proteínas plasmáticas, atravessam a membrana de filtração glomerular, de forma
que a composição de solutos do líquido filtrado é praticamente a mesma do plasma, exceto pela
ausência das proteínas plasmáticas. Aqui é importante destacar que além do tamanho dos poros
da membrana basal e do diafragma SLIT, as cargas negativas das proteínas componentes da
membrana de filtração também afetam a permeabilidade seletiva da membrana glomerular. Como
a grande maioria das proteínas plasmáticas, no pH plasmático de 7,4 encontram-se carregadas
predominantemente com cargas negativas, elas são então repelidas eletrostaticamente pela
membrana basal também negativamente carregada, funcionando como um filtro de seletividade.
Doenças em sua maioria autoimunes, as glomerulonefrites levam à lesão e destruição de
componentes da membrana basal glomerular e do diafragma SLIT (por lesão dos podócitos),
culminando com o aparecimento de proteínas plasmáticas na urina (proteinúria), principalmente a
albumina (albuminúria).

6.5.1 Taxa de filtração glomerular e seus determinantes


Cerca de 1200mL/min de sangue chegam a ambos os rins a cada minuto (Fluxo Sanguíneo
Renal – FSR). Deste montante, descontado o volume ocupado pelas hemácias (hematócrito de
cerca de 45%), aproximadamente de 700mL/min é o fluxo plasmático renal (FPR). Deste total, cerca
de 120mL/min são filtrados, constituindo a taxa de filtração glomerular (TFG). Em outras palavras,
dos 700ml/min de plasma que chegam aos glomérulos, somente 120mL/min são filtrados, cerca de
18% apenas. Este valor a razão entre a TFG e o FPR e representa a fração do plasma que é filtrado,
também conhecida como fração de filtração (FF).
Figura 4: Estrutura do glomérulo renal e da membrana de filtração glomerular. Fonte: Silverthorn, 7ª. Edição,
2017.

A filtração depende de forças atuantes sobre a superfície da membrana glomerular, ou seja


pressões glomerulares, as quais são: a pressão hidrostática do capilar glomerular (PHcap), a
pressão hidrostática da cápsula de Bowman (PHcb), a pressão coloidosmótica ou oncótica do
plasma (POpl) e a pressão coloidosmótica ou oncótica do filtrado (POfil). Os valores aproximados
destas pressões são em torno de 60mmHg, 18mmHg, 32mmHg e 0mmHg, respectivamente (Figura
5). A pressão efetiva de filtração é soma algébrica das pressões em ambos os lados da membrana,
dada pela equação Pf = PHcap – PHcb - POpl + POfil. Em seres humanos esta pressão efetiva de
filtração vale cerca de 10mmHg (Figura 5).
Figura 5: Pressões atuantes sobre a superfície da membrana de filtração glomerular, determinantes da
pressão efetiva de filtração. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.

A taxa de filtração glomerular (TFG), uma medida da vazão de líquido do plasma para o
espaço de Bowman depende diretamente da pressão efetiva de filtração (Pf), numa relação
expressa pela seguinte equação:

TFG = Kf x Pf,

onde Kf é a constante de filtração, que por sua vez depende da permeabilidade hidráulica da
membrana (p) e da superfície (s) de filtração glomerular. Ainda que constante para os rins em
situações fisiológicas, tais constantes podem se modificar em situações patológicas, como no
espessamento da membrana basal glomerular das glomerulonefrites crônicas que reduz a p ou a
perda nefrônica com perda de glomérulos e a consequente redução da superfície total de filtração.
Substituindo os parâmetros determinantes da Kf e da Pf, tem-se a equação geral da TFG
onde estão definidos todos os parâmetros determinantes da TFG:

TFG = p x s x (PHcap – PHcb – POpl + POfil),

com valores normais na maioria dos indivíduos adultos em torno de 120mL/minuto. Por esta
equação pode-se perceber que quedas na PHcap por redução de perfusão renal ou quedas na
pressão arterial sistêmica ou vasoconstrição na arteríola aferente levam a quedas na TFG e vice-
versa. Por outro lado, aumentos na PHcb levam a reduções na TFG.
O impacto da vasomotricidade arteriolar sobre a filtração glomerular e a perfusão renal
(medida pelo fluxo sanguíneo renal) pode ser observado na figura 6 abaixo, onde vasoconstricções
nas arteríolas aferentes levam a reduções no FSR e TFG, devido a reduções na PHcap. Diversos
agentes vasoconstrictores sistêmicos como a noradrenalina, adrenalina, vasopressina, endotelina I
e angiotensina II podem atuar sobre as arteríolas renais e modificar PHcap, alterando a filtração
glomerular. Por exemplo, a angiotensina II, um potente vasoconstrictor geral, age nos rins em
concentrações circulantes fisiológicas ou fisiopatológicas vasoconstrictando preferencialmente as
arteríolas eferentes. Ao fazê-lo, pelo aumento na resistência hidráulica renal, a perfusão renal (FSR)
cai. Porém, pela vasoconstrição renal acontecer distalmente aos capilares glomerulares, isso
resulta em leve aumento da PHcap com discreto aumento da TFG, em níveis discretamente
elevados de angiotensina II (figura 6).

Figura 6: Efeitos da vasoconstricção das arteríolas aferentes (A - parte superior) e das arteríolas eferentes (E
- parte inferior) sobre a resistência hidráulica (R), a pressão hidrostática glomerular (PG), o fluxo sanguíneo
renal e a taxa de filtração glomerular (FG). Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.

6.5.2 Regulação da TFG


A TFG é um parâmetro renal estritamente regulado, apresentado uma série de mecanismos
de controle de feedback negativo, cujos objetivos são manter a TFG a mais constante possível.
Dentre estes mecanismos podemos destacar os mecanismos intrínsecos, próprios dos rins e os
mecanismos extrínsecos, externos aos rins, vindos de fora dos rins, trazidos pelo sistema nervosos
autônomo ou pela corrente sanguínea (hormônios). Os mecanismos intrínsecos são: o mecanismo
miogênico dos vasos renais, particularmente mais intenso nas arteríolas aferentes, e o mecanismo
de “feedback” túbulo-glomerular.
O mecanismo miogênico permite que a TFG seja mantida em equilíbrio frente à amplas
variações da pressão arterial, de aproximadamente 60 até 160 mmHg. Nesse mecanismo, quando
a pressão arterial aumenta até aproximadamente 160 mmHg, inicialmente também ocorre aumento
da perfusão sanguínea renal, com aumento da PHcap e da TFG. Entretanto, o estiramento
aumentado da membrana plasmática do musculo liso vascular das arteríolas aferentes do néfron
sob pressão arterial média aumentada, gera difusão aumentada de Ca++ para o interior dessas
células musculares com subsequente contração desse músculo e vasoconstricção dessas
arteríolas, o que por sua vez reduz a PHcap e a TFG aos níveis normais de equilíbrio. Por outro
lado, quando a pressão arterial é reduzida até 60 mmHg, inicialmente também ocorre redução da
perfusão sanguínea renal, com redução da PHcap e da TFG. Entretanto, o estiramento reduzido da
membrana plasmática do musculo liso vascular das arteríolas aferentes do néfron sob pressão
arterial média reduzida, diminui a difusão de Ca++ para o interior dessas células musculares com
subsequente relaxamento desse músculo e vasodiltação dessas arteríolas, o que por sua vez
aumenta a PHcap e a TFG aos níveis normais de equilíbrio. Simultâneo ao mecanismo miogênico,
também acontece o mecanismo do “feedback” ou retroalimentação túbulo-glomerular, o qual é
executado pelo aparelho justa-glomerular. Este é composto por três estruturas presentes próximo
ao glomérulo, na região do hilo glomerular: 1) as células justa-glomerulares secretoras de renina;
2) a mácula densa, região do epitélio entre a alça de Henle ascendente espessa e o túbulo distal
do néfron, situada entre as arteríolas, aferentes e eferentes renais. A mácula densa é capaz de
perceber variações no conteúdo de cloreto de sódio luminal e influenciar por meio de ação local o
estado contrátil das arteríolas renais e a secreção de renina pelas células justa-glomerulares e 3)
células mesangiais extraglomerulares, um tipo de célula tronco, capaz de dar origem aos demais
componentes do aparelho justa-glomerular (Figura 7). O mecanismo por traz da retroalimentação
túbulo glomerular é mostrado na figura 7.
A TFG também é regulada pelo sistema nervoso autônomo, principalmente o sistema
simpático, que inerva densamente as arteríolas renais e promove intensa vasoconstrição. Em
situações de intensa atividade física (como na luta ou fuga ou práticas desportivas), a hiperatividade
simpática vasoconstricta as arteríolas aferentes preferencialmente, reduzindo drasticamente a TFG
durante a atividade física. Hormônios vasoconstrictores como a adrenalina, a vasopressina e a
endotelina, bem como vasodilatadores como o óxido nítrico, o peptídeo natriurético atrial (PNA), a
bradicinina, a histamina e mediadores inflamatório locais também afetam a TFG, regulando-a de
acordo com as necessidades do corpo.

6.5.3 Medida da TFG – Conceito de depuração plasmática


A medida da TFG, o principal parâmetro funcional renal, é imperativa quando deseja-se
saber o estado de saúde dos rins. Medidas invasivas precisas via punção dos glomérulos só podem
ser realizadas em néfrons isolados in vitro ou em rins intactos de animais de laboratório. Por razões
éticas óbvias, estas medidas invasivas não podem ser realizadas em rins humanos intactos, o que
tornou a medida da TFG durante muitos anos um verdadeiro desafio. A medida da TFG só se
possível clinicamente com o surgimento do método de cálculo da depuração plasmática de uma
determinada substância presente no plasma e eliminada na urina.
Figura 7: Estrutura (painéis a e b) e função do aparelho justaglomerular (painel c) na regulação intrínseca
(retroalimentação túbuloglomerular) da taxa de filtração glomerular. Fonte: Silverthorn, 7ª. Edição, 2017.

O método da depuração (“clearance”) plasmática de uma dada substância é baseado na


premissa de que uma dada massa de substância eliminada na urina é a mesma massa desta
substância retirada do plasma instantes antes. Como a massa de substâncias dissolvidas em
solução pode ser calculada pelo produto de suas concentrações pelo volume da solução, tem-se
que que o produto da concentração da substância (X) no plasma (Px) pelo volume de plasma que
perdeu a substância para a urina tem de ser igual ao produto da concentração urinária da substância
(Ux) pelo volume de urina formada num dado tempo (DU - débito urinário ou fluxo urinário).
Rearranjando a igualdade acima, tem-se que o volume de plasma que perde para a urina uma dada
substância (conhecido como depuração plasmática) é:

Depuração PlasmáticaX = UX x DU / PX.


Considere agora uma substância que ao chegar aos glomérulos é livremente filtrada por eles
e a parte não filtrada (~82% não filtrado) ao chegar nos capilares peritubulares não sofrem nenhuma
ação dos túbulos renais, não sendo nem secretada nem reabsorvida. O volume de plasma que se
livra desta substância, seu “clearance” é exatamente o volume de plasma que foi filtrado, ou seja,
seu “clearance” é igual à TFG. O exemplo clássico de tal substância é a inulina, um polissacarídeo
de frutose exógeno extraído das raízes de uma planta chamada Dália. O valor do “clearance” da
inulina é igual à TFG global dos dois rins do paciente, sendo considerado o padrão-ouro da medida
da TFG. Entretanto, por ser um polissacarídeo exógeno, a inulina tem propriedades imunogênicas
e após sua primeira administração, uma resposta imune mediada por anticorpos é ativada, levando
a um quadro de alergia, que impede seu o uso rotineiro na quantificação da TFG.
No lugar da inulina, tem sido usada já há décadas a quantificação do “clearance” da
creatinina, a qual é uma substância endógena, naturalmente presente no plasma, produzida
principalmente em músculos esqueléticos, fruto do catabolismo da creatina-fosfato. Uma vez
produzida, ela circula dissolvida livremente no plasma. E ao atingir os rins, ela é livremente filtrada.
A porção não filtrada dela, ao atingir os túbulos, é secretada numa taxa muito baixa (apenas cerca
de 5-10% da creatina excretada é eliminada por secreção), de modo que a creatinina é quase que
inteiramente eliminada do plasma por filtração. Assim, seu “clearance” é um valor numérico muito
próximo da TFG. E tem sido usado já por muitos anos na estimativa da TFG tanto experimental-
quanto clinicamente.
Como a formação de creatinina muscular e sua liberação para o plasma é geralmente muito
estável, os níveis plasmáticos de creatinina acabam sendo muito influenciados pela sua taxa de
eliminação pelos rins, que é exatamente a TFG. Assim, reduções da TFG resultam em aumentos
na concentração plasmática de creatinina, e tal concentração tem sido usada por meio de cálculos
matemáticos como um modo de estimar a TFG, usando apenas a dosagem da creatinina
plasmática. Mais do que calcular o “clearance” da creatinina, a concentração plasmática de
creatinina tem sido hoje usada como o principal parâmetro de avalição da função renal em um
contexto clínico de doença renal. Níveis plasmáticos de creatinina acima de 1,2-1,5 mg/dL são
indicativos poderosos de insuficiência renal.

6.6 Função tubular – reabsorção e secreção


O túbulo renal em toda a sua extensão é revestido por um epitélio cúbico simples (presente
no túbulo proximal, alça ascendente espessa de Henle, túbulo distal e ducto coletor) ou pavimentoso
simples (presente na alça de Henle descendente fina e ascendente fina), estando as células bem
unidas entre si por especializações de membrana de adesão, principalmente as junções apertadas,
desmossomos e interdigitações (Figura 8). A membrana plasmática da célula epitelial voltada para
a luz tubular (membrana luminal) possui microvilosidade em diferentes densidades, dependendo do
segmento tubular, para aumentar a superfície de transporte molecular da luz com o citosol. E a
membrana plasmática basolateral, voltada para o interstício renal possui invaginações basais, as
quais são especializações de membrana também destinadas ao aumento da superfície de
transporte entre o citossol e o interstício. Em sua passagem pelos diferentes segmentos tubulares,
o líquido filtrado é então processado por uma série de mecanismos de transporte transepitelial,
resultando na reabsorção ou secreção tubular.
Figura 8: (A): Tipos celulares presentes no epitélio tubular renal. Fonte: Ganong, 24ª Edição, 2014. (B): Visão
geral dos processos de transportes nos túbulos renais. Fonte: Berne e Levy, 6ª. Edição, 2009.

Uma característica comum a todos os segmentos tubulares é a presença de bomba de Na/K


na membrana basolateral de todas as células epiteliais em quantidades variáveis de acordo com o
tipo de transporte executado (figura 8). Ao exercer seu papel fundamental de manter os gradientes
de concentração dos íons sódio e potássio dentro das células, ela garante uma concentração de
sódio sempre baixa (em torno de 10mM) no citossol das células epiteliais. Esta baixa concentração
de sódio citossólica, no lado da membrana luminal, cria um gradiente de entrada passiva de sódio
na membrana luminal, enquanto na membrana basolateral, ele é reabsorvido ativamente pela
bomba de Na/K (Figura 8). Praticamente 99% do sódio filtrado do plasma é reabsorvido por este
mecanismo dependente da bomba de Na/K. Nos túbulos proximal, alça ascendente espessa de
Henle e porção inicial do túbulo distal, o gradiente de sódio de entrada na membrana luminal é alto
o suficiente para que a energia liberada por sua difusão (difusão facilitada) seja utilizada para o
cotransporte de uma segunda substância (transporte ativo secundário), na mesma direção que o
sódio (reabsorção por simporte) ou em direção contrária ao sódio (secreção por antiporte). Esta
reabsorção de sódio ao longo de todo o néfron, acaba também por criar um gradiente levemente
hiperosmótico no interstício renal, levando à reabsorção concomitante de água pelo epitélio tubular
renal. Cerca de 99% da água filtrada é reabsorvida pelos túbulos. Ainda que os diferentes
segmentos tubulares compartilhem várias das características gerais acima descritas, cada
segmento na realidade executa um conjunto bem específico de transportes de moléculas. E tais
características especificas de transporte serão exploradas a seguir.

6.6.1 O Túbulo proximal


O túbulo proximal é do ponto de vista quantitativo o maior segmento tubular e também o com
maior capacidade de transporte (reabsorção de ~70% do líquido filtrado). Por ser muito comprido,
quase toda a sua extensão encontra-se enovelada, contorcida (túbulo proximal contorcido) dentro
do córtex renal. Apenas sua curta parte final é reta (túbulo proximal reto) e este mergulha
ligeiramente na medula renal.
Do ponto de vista funcional, o túbulo proximal é dividido em três porções. Na primeira porção
(segmento 1) a membrana luminal é riquíssima em transportadores ativos secundários, que usam
a energia de entrada do sódio para reabsorverem substâncias como a glicose e outros
monossacarídeos (galactose, manose, pentoses, etc.), todos os 20 aminoácidos, as vitaminas
hidrossolúveis do complexo B e vitamina C, etc. Este transporte ativo secundário, em condições
fisiológicas é tão eficiente que a reabsorção das substâncias acima é de praticamente 100% já neste
primeiro segmento do túbulo proximal. E isso é importante, pois tais substâncias, todas nutrientes,
não são então perdidas na urina (Figura 9).
Dada a sua importância como o principal nutriente energético usado pelas células, aqui vale
um destaque especial para a reabsorção tubular de glicose. Presente no plasma em concentrações
da ordem de 80-90mg/dL, a glicose é livremente filtrada e atinge rapidamente a primeira porção do
túbulo proximal. Ali, na membrana luminal existe um transportador ativo secundário, o transportador
sódio-glicose tipo 2 (SGLUT2-“Sodium Glucose Transporter 2”), o qual liga-se a ambos o sódio e a
glicose com grande especificidade. E usando a energia difusional de entrada do sódio, transporta
para dentro do citossol a glicose (Figura 10). No citossol, o acúmulo de glicose cria um gradiente
difusional pela membrana basolateral, de modo que usando o transportador específico de glicose
(GLUT2), a glicose por difusão facilitada chega ao interstício e depois vai ao capilar peritubular
(Figura 9). Este processo de reabsorção é altamente eficiente reabsorvendo nesta primeira porção
do túbulo proximal cerca de 99% da glicose filtrada. O 1% restante é completamente reabsorvido
pelo transportador SGLUT1 presente na 2ª porção do túbulo proximal.
Ainda que muito presente na membrana luminal do túbulo proximal, os SGLUTs 1 e 2
encontram-se em quantidades finitas na membrana, de forma que elevadas concentrações de
glicose (acima de 180mg/dL) filtrada podem saturar os SGLUTs, levando a uma atividade de
transporte máxima, acima do qual a glicose começa a ficar retida na luz tubular. E como nos demais
segmentos tubulares não há expressão de SGLUTs, a glicose não reabsorvida nas primeiras
porções do túbulo proximal acaba por ser eliminada na urina (glicosúria). O excesso de glicose não
reabsorvida, ao ficar retida na luz tubular, acaba também por exercer efeito osmótico sobre o epitélio
tubular, permeável à água, levando a uma menor reabsorção de água e retenção desta água na luz
tubular, provocando um aumento considerável da diurese, proporcional à glicosúria, conhecido
como poliúria, eliminação de grandes volumes urinários (diurese osmótica). Este quadro de poliúria
com glicosúria acontece na situação clínica de elevação da concentração plasmática de glicose
(glicemia de jejum igual ou maior que 126mg/dL), conhecida como Diabetes Mellitus.
Na primeira porção do túbulo proximal também é encontrado na membrana luminal o
antiporte sódio-hidrogênio (“Na/H Exchanger 3” - NHE3), que usa a energia do sódio para secretar
hidrogênio e acidificar a urina (Figura 9). Este hidrogênio secretado é formado no citosol pela
dissociação do ácido carbônico em hidrogênio e bicarbonato. O ácido carbônico por sua vez é
formado pela presença de anidrase carbônica (CA) que catalisa a reação do CO2 com a água. O
CO2 usado nesta reação vem da reação catalisada em sentido contrário pela anidrase carbônica
presente nas microvilosidade do túbulo proximal, a qual catalisa a conversão do ácido carbônico
formado na luz pela reação do hidrogênio secretado com o bicarbonato filtrado em CO2 e água
(figura 9). O bicarbonato acumulado no citosol é reabsorvido na membrana basolateral. Assim, esta
primeira porção secreta hidrogênio e reabsorve bicarbonato, que precisa ser preservado no plasma,
por ser o principal sistema tampão do plasma. A urina em condições normais praticamente não tem
bicarbonato dissolvido e seu pH é ácido, em torno de 5-6. Fármacos bloqueadores da anidrase
carbônica, como a acetazolamida, impedem a reabsorção de bicarbonato, o qual então retido na
luz tubular diminui a reabsorção de água e ´promove um leve a moderado efeito diurético, com
eliminação de urina alcalina, rica em bicarbonato.
Nesta primeira porção, pequenos peptídeos ou polipeptídeos que atravessam a membrana
glomerular durante a filtração são reabsorvidos por pinocitose na base das microvilosidades da
membrana luminal e digeridos pelos lisossomos presentes no citoplasma da célula epitelial, sendo
os aminoácidos liberados reabsorvidos na membrana basolateral.
Nesta primeira porção, o ânion cloreto é muito pouco reabsorvido e ele vai se concentrando
no líquido tubular, da mesma forma que os outros cátions como o potássio, o cálcio, o magnésio,
etc. Estes eletrólitos atingem então a segunda porção do túbulo proximal (segmento 2) em
concentrações altas e ali, pela via paracelular através das junções apertadas entre células
adjacentes, os cátions são reabsorvidos. O cloreto mais concentrado nesta segunda porção é agora
reabsorvido por difusão facilitada na membrana luminal. A energia liberada por sua difusão é usada
por transportadores do tipo antiporte cloreto-ânion orgânico, levando à secreção de ânions
orgânicos nesta segunda porção do túbulo proximal (Figura 9). Trocadores de ânions orgânicos e
mesmo transportadores puros de ânions orgânicos também estão presentes nesta segunda porção,
tornando-a o principal sítio tubular de eliminação por secreção de ânions orgânicos endógenos
(urato, oxalato, lactato, etc.) e exógenos (aspirina, penicilina, ácido acetilsalicílico, etc.).

Figura 9: (A): Principais processo de transporte na 1ª porção do túbulo contorcido proximal (CA = Anidrase
Carbônica); (B): Principais processos de transporte na 2ª porção do túbulo contorcido proximal; (C): Secreção
de cátions orgânicos (OC+) no túbulo proximal reto. Fonte: Berne e Levy, 6ª. Edição, 2009.

Por fim, no terceiro segmento, o túbulo proximal reto, o elevado nível de hidrogênio na luz
tubular, decorrente da acidificação ocorrida nos dois segmentos anteriores, é usado por um
transportador ativo secundário, o antiporte hidrogênio-cátion orgânico (OC+), para a secreção ativa
de cátions orgânicos tanto endógenos (creatinina, dopamina, noradrenalina, etc.) quanto exógenos
(atropina, morfina, quinina, etc.), constituindo-se no principal mecanismo tubular de secreção de
cátions orgânicos do néfron (Figura 9).
Ao longo de toda extensão do túbulo proximal, a reabsorção ativa de sódio e dos demais
solutos pela via para- ou transcelular leva a um acúmulo dos mesmos no interstício peritubular. E
pela presença de grandes quantidades de aquaporinas na membrana luminal e basolateral, bem
como pela permeabilidade à água da junção apertada intercelular, a água é osmoticamente
reabsorvida ao longo de toda a extensão do túbulo proximal, retornando aos capilares peritubulares
cerca de 70% da água filtrada. Esta reabsorção osmótica de água acaba por diluir o interstício e
concentrar o líquido luminal, de modo que as concentrações de solutos em ambos os lados do
epitélio tubular são praticamente idênticas (reabsorção isosmótica de água), ou seja, o soluto atrai
osmoticamente a água na mesma proporção, mantendo as concentrações estáveis.

6.6.2 A alça de Henle


Como a reabsorção de líquido no túbulo proximal é isosmótica, a osmolaridade
(concentração molar de solutos) do líquido que entra na alça de Henle é igual à do plasma e do
interstício cortical, ou seja, de ~300mOsm/L. A alça de Henle encontra-se mergulhada no líquido
intersticial medular. E este líquido, curiosamente, possui concentrações osmóticas de solutos
progressivamente maiores, partindo do topo da medula em torno de 300 mOsm/L e
progressivamente aumentando até cerca de 1200-1400mOsm/L na papila renal (Figura 10). Os
solutos mais importantes desta solução hipertônica são o cloreto de sódio e em menor quantidade
a uréia.
A 1ª porção da alça de Henle, a alça de Henle descendente fina, revestida por um epitélio
pavimentoso simples, desce reto em direção à papila renal e apresenta-se com características
funcionais de uma elevada permeabilidade à água e também ao cloreto de sódio e à uréia, bem
como baixa atividade metabólica. Devido à hipertonicidade intersticial, surge entre o líquido luminal
e o interstício um gradiente osmótico, que promove por transporte inteiramente passivo a
reabsorção de água por osmose e a secreção de cloreto de sódio e uréia por difusão simples,
principalmente pela via paracelular, de tal forma que o líquido luminal vai se concentrando e se
equilibrando com o líquido intersticial (Figura 10). A quantidade de água reabsorvida neste trecho
equivale a cerca de 20% do líquido filtrado, ou seja, são reabsorvidos passivamente neste trecho
cerca de 24mL/min.
Em seguida, as alças de Henle descendentes finas dobram-se sobre si mesmas dando
origem às alças de Henle ascendentes finas, as quais sobem pela medula em direção ao córtex. O
líquido no ponto de dobradura encontra-se equilibrado com o interstício, de modo que nas alças
mais profundas (dos néfrons justamedulares), a concentração do líquido luminal chega a
1200mOsm/L. A alça de Henle ascendente fina apresenta elevada permeabilidade ao cloreto de
sódio e uréia e uma total impermeabilidade à água. Além disso, ela também apresenta uma baixa
atividade metabólica, prevalecendo assim neste trecho mecanismos de transporte passivo. À
medida que o líquido luminal hiperconcentrado vai subindo pela alça, ele vai encontrando o
interstício medular progressivamente menos concentrado, de modo que o cloreto de sódio e a uréia
são então reabsorvidos por difusão simples pela via paracelular (Figura 10).
A certa altura em sua subida em direção ao córtex, a alça de Henle modifica seu epitélio,
que passa a ser cúbico simples. A partir deste ponto a alça de Henle recebe a denominação de alça
de Hente ascendente espessa e ela termina quando toca o hilo do glomérulo correspondente, a
partir de onde um novo segmento surge, o túbulo distal. A alça de Henle ascendente espessa
também é completamente impermeável à água. Porém, possui um conjunto de transportadores que
possibilita uma intensa reabsorção ativa de cloreto de sódio, pela via transcelular, como mostrado
na Figura 10. Dentre estes transportadores destaca-se o transportador simporte 1sodio-2cloreto-
1potássio (NCK) na membrana luminal que usando a energia difusional de entrada do sódio
transporta ativamente (transporte ativo secundário) o cloreto e o potássio para o meio intracelular.
A capacidade de reabsorção ativa de cloreto de sódio neste segmento é elevada o suficiente para
ativamente gerar uma diferença de concentração de cerca de 200mOsm/L entre o lúmen tubular e
interstício. Esta reabsorção ativa somada à reabsorção passiva na alça ascendente fina perfaz um
total de cerca de 20% do total de sal filtrado (Figura 10).
Devido a este transporte ativo de sal e ao fluxo de liquido luminal em sentidos contrários
(fluxo descendente na alça de Henle descendnte fina e ascendente na alça de Henle ascendente),
o sal ativamente reabsorvido na alça de Henle ascendente espessa, rapidamente se equilibra com
o sal presente no lúmen da alça descendente fina, que pelo fluxo descendente leva este sal para
as porções mais profundas da alça de Henle e passivamente também para o interstício medular,
onde ele então vai se concentrando progressivamente gerando assim a hipertonicidade medular.
Este mecanismo ativo executado pela alça ascendente espessa de Henle em conjunto com os
fluxos de líquido luminal em sentidos contrários (correntes em sentidos contrários) é chamado de
mecanismo multiplicador de contracorrente e é o grande responsável pela geração da
hipertonicidade medular (Figura 10).
A razão para a existência de um interstício medular hiperconcentrado é a necessidade da
existência em algum local ao longo do trajeto do néfron de uma região promotora de reabsorção de
somente água (por osmose), quando o organismo se vê diante de uma situação de restrição ou
perda hídrica importante. Como a única forma de transporte de água nos tecidos e células é por
osmose, onde a água sempre flui para o lado mais concentrado em soluto, se houver a necessidade
de o organismo reabsorver só água para compensar a perda ou a restrição hídrica, faz-se
necessário a existência de um sítio hipertônico para que somente a água seja transportada
(reabsorvida).

Figura 10: (A): Mecanismo multiplicador de contracorrente na alça de Henle; (B): Mecanismo trocador de
contracorrente no vaso reto medular. (Setas vermelhas: transporte ativo. Setas roxas: transporte passivo.
Fonte: Pearson Education, Inc. 2004) (C): Principais processo de transporte na Alça Ascendente Espessa de
Henle (CA = Anidrase Carbônica). Fonte: Berne e Levy, 6ª. Edição, 2009.

Se a alça de Hente (em especial a alça de Henle ascendente espessa) é fundamental para
a geração da hipertonicidade medular, através do mecanismo multiplicador de contracorrente, os
vasos retos que nutrem a medula desempenham um papel crítico na manutenção da hipertonicidade
medular. Como a parede dos capilares é livremente permeável à água e aos solutos como o sal e
a uréia, os vasos retos descendentes (originários das arteríolas eferentes dos néfrons
justamedulares) vão continuamente se equilibrando com o interstício, de forma que concentração
osmótica plasmática atinge o valor de ~1200mOsm/L lá na papila renal (Figura 10). Após a
dobradura dos vasos retos, o fluxo sanguíneo agora ascendente promove por transporte passivo a
entrada de água e a saída de sódio/cloreto/uréia, de forma que a concentração osmótica plasmática
vai caindo em direção aos 300mOsm/L (Figura 10). Assim, o sangue entra no vaso retos com
concentração osmótica normal de 300mOsm/L e sai com uma concentração apenas ligeiramente
acima, não havendo, assim remoção significativa de solutos do interstício medular. Esta
manutenção da hipertonicidade medular, efetuada pelos vasos retos é chamada de mecanismo
trocador de contracorrente.
A alça de Henle, e em especial a alça de Henle ascendente espessa é um importante sítio
de ação de um grupo de fármacos diuréticos, chamados de diuréticos de alça. Estes diuréticos, cujo
protótipo é a furosemida são inibidores específicos do transportador NCX 1sodio-2cloretos-
1potássio presente na membrana luminal. O bloqueio competitivo deste transportador reduz a
reabsorção ativa de sódio neste segmento, promovendo por consequência uma menor reabsorção
de água e levando a um intenso efeito diurético.

6.6.3 O túbulo distal inicial


O túbulo distal que vem logo a seguir recebendo cerca de apenas 10% do total filtrado (70%
reabsorvido no túbulo proximal mais 20% na alça de Henle). E o líquido que chega no túbulo distal
chega com uma menor concentração, já que a alça ascendente espessa de Henle, impermeável à
água, ao reabsorver o sal dilui o conteúdo luminal. O túbulo distal está inteiramente localizado no
córtex, encontra-se contorcido, possui um epitélio cúbico com muitas mitocôndrias e um intenso
metabolismo aeróbico. Do ponto de vista funcional, o túbulo distal pode ser dividido em duas
porções, a inicial e a final.
O túbulo distal inicial é também completamente impermeável à agua. Com uma intensa
atividade da bomba de Na/K na membrana basolateral, a concentração de sódio no citossol do
epitélio tubular é também muito baixa. Isso cria na membrana luminal um gradiente de entrada
difusional de sódio. E através de um transportador simporte Na/Cloreto na membrana luminal, a
energia de entrada do sódio é usada para transportar ativamente o cloreto para dentro da célula. O
cloreto é então reabsorvido na membrana basolateral por canais e transportadores de cloreto ali
presente (Figura 11). Esta reabsorção de NaCl no túbulo distal inicial equivale a cerca de 5% do
NaCl filtrado. Como este segmento tubular é impermeável completamente à água, a concentração
osmótica do fluído luminal atinge valores de ~50mOsm/L ao final do túbulo distal inicial. O túbulo
distal inicial mais a alça de Henle ascendente fina e espessa compõem assim o chamado segmento
diluidor do néfron.
O simporte Na/Cl é inibido por uma classe de fármacos chamados diuréticos tiazídicos, cujo
protótipo é a hidroclorotiazida. Ao bloquear a reabsorção destes 5% de sal e em consequência de
água, um efeito diurético moderado é observado. Tais diuréticos, ao reduzirem apenas leve a
moderadamente a volemia, são muito usados no tratamento da hipertensão arterial sistêmica.
O túbulo distal inicial também é um importante local de controle homeostático da reabsorção
de cálcio. É em seu epitélio que o paratormônio produzido pelas glândulas paratireóides age
favorecendo a reabsorção ativa de cálcio, reduzindo a calciúria e preservando o cálcio plasmático.

Figura 11: (A): Principais processos de transporte no túbulo distal inicial (B): Principais processo de transporte
nas células principais e intercaladas dos túbulos distais finais e ductos coletores. Fonte: Berne e Levy, 6ª.
Edição, 2009.

6.6.4 O túbulo distal final e ducto coletor


O segmento terminal do néfron é composto pela porção final do túbulo distal e o ducto
coletor, onde cerca de 4% do líquido filtrado é normalmente reabsorvido e o transporte final de
substâncias é executado, culminando com a formação da urina final. Os epitélios da porção final do
túbulo distal e do ducto coletor cortical são estrutural e funcionalmente similares, de modo que serão
abordados conjuntamente. O epitélio é formado por dois tipos celulares diferentes: as células
principais e as células intercaladas, numa proporção média de ~8 para 1, respectivamente. Os
principais transportadores presentes em ambas as células estão mostrados na figura 11.
Na célula principal destaca-se a presença de canais epiteliais de sódio (ENaC – “epithelial
Na channels”) na membrana luminal os quais possibilitam a reabsorção de sódio via seu gradiente
difusional de entrada, garantido em última estância pela bomba de Na/K na membrana basolateral
(Figura 11). Fármacos como a amilorida e o triantereno, ao bloquearem os ENaCs, promovem leve
efeito diurético. Pela presença de canais de potássio na membrana luminal, o potássio sempre mais
concentrado no intracelular, por difusão simples é secretado neste segmento. Portanto, neste
segmento terminal do néfron, reabsorção de sódio e secreção de potássio são executadas pelas
células principais (Figura 11). A reabsorção de sódio, desde que haja permeabilidade à água na
membrana luminal, é acompanhada por reabsorção osmótica de água (reabsorção de cerca de 4%
do filtrado) , a qual ocorre mais intensamente no ducto coletor cortical. Esta reabsorção de sódio
acompanhada por secreção de potássio é estimulada pela ação da aldosterona, hormônio produzido
pela camada glomerulosa do córtex da glândula suprarrenal, o qual atua na célula principal
estimulando a expressão de ENAc e de canais de potássio na membrana luminal, e da bomba de
Na/K na membrana basolateral, além de aumentar o metabolismo aeróbico destas células.
Fármacos, como a espironolactona e a norplerona, antagonistas da aldosterona, promovem um leve
efeito diurético neste trecho do néfron por impedirem a reabsorção de sódio e por consequência de
água. Situações de hipovolemia, em que a secreção de aldosterona encontra-se aumentada pela
estimulação do sistema renina angiotensina, levam a uma maior reabsorção de Na e de água neste
trecho, ajudando a atenuar a hipovolemia.
Um importante estímulo adicional para a secreção da aldosterona é a concentração de
potássio plasmático. Uma vez liberada na circulação, a aldosterona atua na porção final do distal e
ducto coletor aumentado a expressão e a permeabilidade dos canais de potássio da membrana
luminal, promovendo uma maior secreção e eliminação de potássio na urina, funcionando assim
como uma alça homeostática de “feedback” negativo de regulação da concentração de potássio no
líquido extracelular, a qual deve ser mantida constante em níveis entre 3,5 e 5,5mM. Tanto a
hipopotassemia quanto a hiperpotassemia têm impacto deletério na excitabilidade neuronal e
principalmente cardíaca, podendo provocar arritmias graves, por vezes fatais.
As células intercaladas, menos numerosas no epitélio, são células especializadas na
secreção ativa de H, sendo responsáveis pela acidificação final da urina. A membrana luminal das
células intercaladas possui uma proteína transportadora ativa primária de H, uma bomba de H, que
secreta o hidrogênio para a urina. A fonte deste hidrogênio vem da dissociação do ácido carbônico
em H e bicabornato. Este último é reabsorvido na membrana basolateral pelo trocador
cloreto/bicarbonato (Figura 11). As células com esta disposição de transportadores de membrana
são chamadas células intercaladas alfa. Em situações de alcalose, principalmente metabólica
crônica, como na hiperemese gravídica e na hiperemese do câncer gástrico, as células invertem a
disposição dos transportadores de membrana (células intercaladas beta), secretando bicarbonato
e reabsorvendo hidrogênio.
Por fim, as células epiteliais deste segmento nefrônico terminal possuem permeabilidade à
água variável, podendo esta variar de muito baixa ou nula até a uma permeabilidade muito elevada
à água. E esta variação na permeabilidade à água depende da quantidade de aquaporinas (canais
de águas) expressas na membrana luminal. E a quantidade de aquaporinas na membrana luminal
é determinada pelo teor plasmático do hormônio vasopressina ou hormônio anti-diurético. Este
último é secretado pela neuro-hipófise em situações de elevação na osmolaridade do liquido
extracelular (principal estimulo, percebido por neurônios osmorreceptores hipotalâmicos) ou em
situações de hipovolemia/hipotensão arterial (percebidas pelos barorreceptores arteriais).
A vasopressina promove a inserção de aquaporinas na membrana luminal tornando-a
permeável à água. E aí, como a concentração de solutos na luz destes túbulos é menor que no
líquido intersticial circundante, por osmose via membrana luminal e basolateral, a água é
reabsorvida, levando uma concentração da urina, que atinge valores iguais a 300mOsm/L na porção
final do ducto coletor cortical e de 1200-1400mOsm/L na porção final do ducto coletor medular
interno. De modo que na presença da vasopressina, uma intensa reabsorção de água ocorre e a
urina eliminada estará concentrada e em baixo volume. Esta água reabsorvida será usada no
controle da hiperosmolaridade intersticial e/ou o controle da hipovolemia.
O mecanismo acima, mas em sentido oposto, também ocorre quando de uma redução da
osmolaridade do LEC ou de uma hipervolemia. Nestes casos, em decorrência da baixa quantidade
de vasopressina circulante, a permeabilidade à água nesta membrana cai a praticamente zero e
nenhuma água será osmoticamente reabsorvida. Assim, numa situação de diluição do LEC ou de
hipervolemia, urina diluída rica em água em grandes volumes é eliminada, de modo a normalizar a
hiposmolaridade do LEC e/ou a hipervolemia.
Juntamente à vasopressina, os estímulos que a liberam lá no eixo hipotálamo-neuro-
hipófise, também levam à ativação de vias específicas do sistema límbico do SNC que
desencadeiam a sensação de sede e o comportamento de busca de água, de modo que numa
hiperosmolaridade do LEC e/ou numa hipovolemia, além do aumento da vasopressina e
consequente oligúria concentrada, sede aumentada também é observada. O hipotálamo ou a neuro-
hipófise podem ser alvos lesões que podem afetar a secreção de vasopressina na circulação.
Tumores hipofisários ou hipotalâmicos podem levar à redução da vasopressina circularmente, o que
leva à retirada de aquaporinas no néfron distal e a uma não reabsorção de água no néfron distal,
levando à perda excessiva de água na urina, que diluída é eliminada em grandes volumes, levando
à síndrome do Diabetes Insipidus. Ao contrário, tumores hipotalâmicos, ou mesmo síndromes
paraneoplásicas de tumores periféricos hipersecretores de vasopressina, podem provocar a
síndrome da secreção inapropriada de vasopressina, a qual ´caracteriza-se por oligúria
concentrada, hipervolemia, edema, associada a hiponatremia, com consequências também ruins
ao organismo.
Com a reabsorção de cerca de 4% (cerca de 4mL/min de liquido reabsorvido) do líquido
inicialmente filtrado lá no glomérulo, no néfron distal completa então o processo de formação da
urina, sendo que o volume final de urina normalmente formado ao final representa cerca de 1% do
que foi filtrado no glomérulo, ou seja, cerca de 1mL/min de urina, ou cerca de 1500mL de urina
formada normalmente por dia. Esta urina incialmente depositada no sistema pielocalicial renal, é
então levada às vias urinárias inferiores.

6.7 Vias urinárias inferiores e o reflexo da micção


Uma vez formada a urina deixa os rins e atinge os ureteres, que conduzem a urina até a
bexiga. Neste fluxo urinário pelo ureter, movimentos peristálticos da musculatura lisa do ureter
favorecem um fluxo mais intenso de urina para a bexiga.
Ao chegar na bexiga urinária, a urina começa a se acumular. O volume de urina que
normalmente a bexiga pode conter é de cerca de 400-500mL nos homens e 300-400mL nas
mulheres. Para um débito urinário normal diário de cerca de 1500mL, significa que nos homens a
bexiga se enche cerca de três vezes ao dia e nas mulheres de 4 a 5 vezes ao dia. E a cada
enchimento da bexiga, o reflexo da micção é acionado para promover o esvaziamento da bexiga,
levando a urina através da uretra em direção ao meio ambiente externo.
O reflexo da micção é um mecanismo reflexo em parte autonômico, mas em parte controlado
voluntariamente. Quando a bexiga se enche de urina, suas paredes se distendem, estimulando
terminações nervosas sensoriais livres responsivas a estiramento, que enviam a sensação de
bexiga cheia ao SNC, via nervos espinhais dorsais da medula lombar baixa (L4 e L5) e sacral (S1,
S2 e S3). Na medula espinhal, estes neurônios sensoriais projetam-se ao corno intermédio-lateral
da medula espinhal sacral, onde estão situados os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos
sacrais, que são estimulados. Estes neurônios deixam a medula pelos nervos espinhas ventrais e
logo se dirigem ao plexo pelvino, onde no interior de gânglios autonômicos parassimpáticas sacrais
(gânglios pelvinos) fazem sinapse com neurônios pós-ganglionares colinérgicos que se dirigem via
nervos pelvinos até à camada média muscular da bexiga urinária e ao músculo esfíncter uretral
interno, na base da bexiga e origem da uretra (Figura 12). A ativação da parede da bexiga,
principalmente a porção detrusora da bexiga, promove uma contração da parede e compressão da
urina, em direção à uretra. Lá na base da uretra, este mesmo parassimpático sacral promove um
relaxamento do musculo liso esfíncter uretral interno (Figura 12). O objetivo destas duas ações do
parassimpático sacral é promover o esvaziamento da bexiga.
Figura 12: Inervação motora da bexiga urinária e uretra. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.

Porém, o esvaziamento só será finalmente efetivado se o indivíduo estiver em condições


adequada para a micção, em geral após encontrar um vazo sanitário. E este controle do momento
certo para a micção final é voluntário e exercido por neurônios motores somáticos do corno anterior
da medula sacral que via nervo pudendo inervam um músculo esquelético situado na base do
assoalho pélvico e que envolve circunferencialmente a uretra: o músculo esfíncter uretral externo.
Enquanto o indivíduo estiver numa situação não apropriada, ele voluntariamente consegue controlar
o estado contrátil do músculo esfíncter uretral externo, mantendo-o contraído, fechando a uretra e
assim não urinando. Atingido um vaso sanitário ou uma condição apropriada para a micção, esta
musculatura é voluntariamente relaxada e assim a urina é finalmente eliminada. Para que este
controle voluntário seja eficiente, a sensação de bexiga cheia tem que se tornar consciente,
atingindo o córtex cerebral sensorial (no giro pós-central) via o trato espinotalâmico ântero-lateral.
Além do córtex sensorial, ativação simultânea de circuitos límbicos levam ao comportamento de
busca de local adequado para a micção.
A parte autonômica do reflexo se desenvolve cedo ainda durante a vida fetal intraútero.
Porém, o controle voluntário pelos neurônios motores somáticos do nervo pudendo amadurece mais
tardiamente, após o nascimento do bebê, por volta do final do 2º ano de vida, razão pela qual o
bebê recém-nascido sempre urina nas fraldas e não consegue controlar o momento certo da
micção. A via neural córtico-espinhal de controle do musculo esfíncter uretral externo demora para
completar sua formação.
A bexiga urinária também recebe fibras pós-ganglionares simpáticas, oriundas dos gânglios
simpáticos lombares e sacrais do tronco simpático (figura 12). E estas fibras pós-ganglionares
noradrenérgicas também inervam a parede da bexiga e o musculo esfíncter uretral interno. Numa
hiperatividade do simpático, a noradrenalina liberada na parede da bexiga promove um relaxamento
da musculatura lisa, aumentando a capacidade da bexiga de se encher de urina e uma contração
do esfíncter uretral interno, impedindo o esvaziamento da bexiga. Este efeito do simpático é
importante para inibir a micção em momentos de muito estresse onde o indivíduo tem que lutar ou
fugir.

6.8 Conclusões
Ao término deste capítulo podemos concluir que a função do sistema excretório e em
especial dos rins é fundamental para o controle homeostático do volume e da composição do líquido
extracelular (meio interno), o qual é essencial à sobrevivência de nossas células. Ao executar suas
três funções fundamentais: filtração, reabsorção e secreção, os rins promovem a remoção de
substâncias hidrossolúveis endógenas e exógenas tóxicas, reabsorve os nutrientes filtrados
presentes no plasma, elimina o excesso de eletrólitos e de hidrogênio (controle ácido-básico) e ao
regular o conteúdo de sódio corporal, regula a volemia e a pressão arterial. Além disso, os rins são
importantes no metabolismo do cálcio nos ossos e na produção e maturação final das hemácias,
via eritropoietina secretada. Assim, pode-se prever que insuficiência do sistema excretório têm
impacto muito negativo sobre o funcionamento normal do corpo.

Referências
1. GUYTON & HALL. Tratado de fisiología médica. 14ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,
2021.
2. AIRES, MM et al. Fisiologia. 5° ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2018.
3. SILVERTHORN, DU. Fisiologia humana: Uma abordagem integrada. 7ª ed. Porto Alegre.
Artmed Editora Ltda., 2017.
4. BERNE & LEVI. Fisiologia. 6ª ed. Rio de Janeiro. Elsevier Editora Ltda., 2009.
5. GANONG. Fisiologia médica. 24ª ed. Porto Alegre. Artmed Editora Ltda., 2014.

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