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Introdução
O sistema excretório é um importante sistema homeostático corporal responsável pela
regulação da quantidade e composição do meio interno e seus líquidos, o líquido extracelular (LEC)
e o plasma. O componente central deste sistema, o rim, a atua sobre o plasma retirando dele
compostos endógenos em excesso e eliminando componentes tóxicos endógenos ou exógenos,
impedindo-os de se acumularem nos líquidos corporais. Esta eliminação se faz através da formação
de urina, produto final da ação do sistema excretório sobre os líquidos corporais. Todos os
compostos presentes na urina são oriundos da ação renal sobre o plasma sanguíneos que chega
aos rins. Uma vez formada, a urina é então conduzida pelas estruturas componentes das vias
urinarias inferiores até meio externo. As vias urinárias inferiores são compostas pelos ureteres, a
bexiga urinária e a uretra (Figura 1).
Em sua ação sobre o líquido extracelular para formar a urina, uma série de funções são
desempenhadas pelos rins e pelo sistema excretório: 1) Regulação do volume do LEC e
consequentemente do volume de líquido plasmático e sanguíneo; 2) regulação da pressão arterial;
3) regulação da concentração total de solutos do LEC e assim do equilíbrio osmótico entre as células
e o líquido intersticial; 4) regulação da concentração de componentes eletrolíticos importantes
presentes no LEC, tais como sódio, cloreto, potássio, cálcio, bicarbonato, etc. 5) Regulação do
equilíbrio ácido básico, já que o excesso de íons hidrogênio produzidos por ácido fixo do
metabolismo é eliminado na urina e o bicarbonato plasmático, principal tampão do LEC é
reabsorvido pelos rins; 6) excreção de substâncias tóxicas endógenas, como a ureia, creatinina,
amônia, ácido úrico e vários outros catabólitos; além da excreção de substância tóxicas exógenas,
adquiridas por ingestão ou por administração medicamentosa parenteral; 7) regulação do
metabolismo do cálcio, uma vez que os rins são o sítio final de ativação da vitamina D3 e por ser o
túbulo distal um dos sítios de ação do paratormônio; 8) controle do conteúdo sanguíneo de
hemácias, visto que células intersticiais medulares renais produzem a eritropoietina, fator de
crescimento que atua na medula óssea vermelha promovendo a maturação final e liberação das
hemácias para o sangue; 9) neoglicogênese, onde juntamente com o fígado, os rins são capazes
de sintetizar glicose a partir do lactato, aminoácidos glicogenéticos e glicerol, função esta essencial
durante estados de deprivação alimentar.
Objetivos
Esperamos que ao final do estudo deste capítulo, você seja capaz de:
• descrever os componentes do sistema excretório, as funções desempenhadas pelos mesmos e
o funcionamento detalhado dos rins e de suas unidades funcionais, os néfrons;
• conhecer em detalhes a estrutura e função glomerular, bem como a estrutura e função de cada
segmento tubular dos néfrons;
• compreender o funcionamento das vias urinárias inferiores e o reflexo da micção.
Esquema
Figura 1: Organização geral do sistema excretório e dos rins. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. edição, 2017.
6.2 Néfrons – Unidades funcionais renais
Situados em parte no córtex e em parte nas pirâmides renais (medula renal), encontram-se
os néfrons, as unidades funcionais renais, ou seja, as menores estruturas renais capazes de
processar o plasma sanguíneo e formar urina. Os néfrons são muito numerosos, atingindo na
maioria dos seres humanos adultos entre 1 a 1,2 milhões por rim. Eles funcionam como se fossem
pequenos funis, apresentando uma parte alargada inicial (o gargalo do funil), que é conhecido como
glomérulo renal e uma parte comprida em formato de tubo (o tubo do funil), conhecido como túbulo
renal (Figura 2). Tanto o glomérulo quanto o túbulo renal possuem um espaço no seu interior
(espaço luminal ou luz), por onde o líquido coletado após a filtração flui e vai se transformando em
urina. Este espaço luminal dentro do túbulo é revestido por uma parede epitelial simples (formada
por uma única camada de células epiteliais cúbicas ou pavimentosas, a depender da região do
néfron). Eles possuem um diâmetro muito pequeno (cerca de 50-90 m) e um comprimento variável
de 2 a 5 cm. Para que um número tão grande de néfrons (1 a 1,2 milhões) caibam dentro dos rins,
eles sofrem ao nível dos túbulos enovelamentos (contorções) ou dobraduras (alças), de modo que
cada rim é capaz de conter este grande número de néfrons, cada um formando uma diminuta
quantidade de urina (Figura 2). A grande maioria dos néfrons possuem seus glomérulos distribuídos
homogeneamente pelo córtex e quando se aprofundam na medula renal formam alças de Henle
curtas, que não se estendem até a papila renal. Tais néfrons são chamados néfrons superficiais ou
corticais e são a grande maioria deles (~80% dos néfrons). Porém, cerca de 20% dos néfrons
possuem seus glomérulos situados mais profundamente no córtex, próximos à transição para a
medula renal e quando suas alças de Henle se aprofundam para a pirâmide renal, elas se estendem
até a papila renal, formando alças de Henle muito compridas e profundas. Estes néfrons menos
numerosos e mais longos são chamados de néfrons justamedulares (Figura 2).
Figura 2: Visão geral dos néfrons corticais e justamedulares (ambos em amarelo) e suas relações com a
circulação sanguínea renal. Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.
A taxa de filtração glomerular (TFG), uma medida da vazão de líquido do plasma para o
espaço de Bowman depende diretamente da pressão efetiva de filtração (Pf), numa relação
expressa pela seguinte equação:
TFG = Kf x Pf,
onde Kf é a constante de filtração, que por sua vez depende da permeabilidade hidráulica da
membrana (p) e da superfície (s) de filtração glomerular. Ainda que constante para os rins em
situações fisiológicas, tais constantes podem se modificar em situações patológicas, como no
espessamento da membrana basal glomerular das glomerulonefrites crônicas que reduz a p ou a
perda nefrônica com perda de glomérulos e a consequente redução da superfície total de filtração.
Substituindo os parâmetros determinantes da Kf e da Pf, tem-se a equação geral da TFG
onde estão definidos todos os parâmetros determinantes da TFG:
com valores normais na maioria dos indivíduos adultos em torno de 120mL/minuto. Por esta
equação pode-se perceber que quedas na PHcap por redução de perfusão renal ou quedas na
pressão arterial sistêmica ou vasoconstrição na arteríola aferente levam a quedas na TFG e vice-
versa. Por outro lado, aumentos na PHcb levam a reduções na TFG.
O impacto da vasomotricidade arteriolar sobre a filtração glomerular e a perfusão renal
(medida pelo fluxo sanguíneo renal) pode ser observado na figura 6 abaixo, onde vasoconstricções
nas arteríolas aferentes levam a reduções no FSR e TFG, devido a reduções na PHcap. Diversos
agentes vasoconstrictores sistêmicos como a noradrenalina, adrenalina, vasopressina, endotelina I
e angiotensina II podem atuar sobre as arteríolas renais e modificar PHcap, alterando a filtração
glomerular. Por exemplo, a angiotensina II, um potente vasoconstrictor geral, age nos rins em
concentrações circulantes fisiológicas ou fisiopatológicas vasoconstrictando preferencialmente as
arteríolas eferentes. Ao fazê-lo, pelo aumento na resistência hidráulica renal, a perfusão renal (FSR)
cai. Porém, pela vasoconstrição renal acontecer distalmente aos capilares glomerulares, isso
resulta em leve aumento da PHcap com discreto aumento da TFG, em níveis discretamente
elevados de angiotensina II (figura 6).
Figura 6: Efeitos da vasoconstricção das arteríolas aferentes (A - parte superior) e das arteríolas eferentes (E
- parte inferior) sobre a resistência hidráulica (R), a pressão hidrostática glomerular (PG), o fluxo sanguíneo
renal e a taxa de filtração glomerular (FG). Fonte: Guyton e Hall, 13ª. Edição, 2017.
Figura 9: (A): Principais processo de transporte na 1ª porção do túbulo contorcido proximal (CA = Anidrase
Carbônica); (B): Principais processos de transporte na 2ª porção do túbulo contorcido proximal; (C): Secreção
de cátions orgânicos (OC+) no túbulo proximal reto. Fonte: Berne e Levy, 6ª. Edição, 2009.
Por fim, no terceiro segmento, o túbulo proximal reto, o elevado nível de hidrogênio na luz
tubular, decorrente da acidificação ocorrida nos dois segmentos anteriores, é usado por um
transportador ativo secundário, o antiporte hidrogênio-cátion orgânico (OC+), para a secreção ativa
de cátions orgânicos tanto endógenos (creatinina, dopamina, noradrenalina, etc.) quanto exógenos
(atropina, morfina, quinina, etc.), constituindo-se no principal mecanismo tubular de secreção de
cátions orgânicos do néfron (Figura 9).
Ao longo de toda extensão do túbulo proximal, a reabsorção ativa de sódio e dos demais
solutos pela via para- ou transcelular leva a um acúmulo dos mesmos no interstício peritubular. E
pela presença de grandes quantidades de aquaporinas na membrana luminal e basolateral, bem
como pela permeabilidade à água da junção apertada intercelular, a água é osmoticamente
reabsorvida ao longo de toda a extensão do túbulo proximal, retornando aos capilares peritubulares
cerca de 70% da água filtrada. Esta reabsorção osmótica de água acaba por diluir o interstício e
concentrar o líquido luminal, de modo que as concentrações de solutos em ambos os lados do
epitélio tubular são praticamente idênticas (reabsorção isosmótica de água), ou seja, o soluto atrai
osmoticamente a água na mesma proporção, mantendo as concentrações estáveis.
Figura 10: (A): Mecanismo multiplicador de contracorrente na alça de Henle; (B): Mecanismo trocador de
contracorrente no vaso reto medular. (Setas vermelhas: transporte ativo. Setas roxas: transporte passivo.
Fonte: Pearson Education, Inc. 2004) (C): Principais processo de transporte na Alça Ascendente Espessa de
Henle (CA = Anidrase Carbônica). Fonte: Berne e Levy, 6ª. Edição, 2009.
Se a alça de Hente (em especial a alça de Henle ascendente espessa) é fundamental para
a geração da hipertonicidade medular, através do mecanismo multiplicador de contracorrente, os
vasos retos que nutrem a medula desempenham um papel crítico na manutenção da hipertonicidade
medular. Como a parede dos capilares é livremente permeável à água e aos solutos como o sal e
a uréia, os vasos retos descendentes (originários das arteríolas eferentes dos néfrons
justamedulares) vão continuamente se equilibrando com o interstício, de forma que concentração
osmótica plasmática atinge o valor de ~1200mOsm/L lá na papila renal (Figura 10). Após a
dobradura dos vasos retos, o fluxo sanguíneo agora ascendente promove por transporte passivo a
entrada de água e a saída de sódio/cloreto/uréia, de forma que a concentração osmótica plasmática
vai caindo em direção aos 300mOsm/L (Figura 10). Assim, o sangue entra no vaso retos com
concentração osmótica normal de 300mOsm/L e sai com uma concentração apenas ligeiramente
acima, não havendo, assim remoção significativa de solutos do interstício medular. Esta
manutenção da hipertonicidade medular, efetuada pelos vasos retos é chamada de mecanismo
trocador de contracorrente.
A alça de Henle, e em especial a alça de Henle ascendente espessa é um importante sítio
de ação de um grupo de fármacos diuréticos, chamados de diuréticos de alça. Estes diuréticos, cujo
protótipo é a furosemida são inibidores específicos do transportador NCX 1sodio-2cloretos-
1potássio presente na membrana luminal. O bloqueio competitivo deste transportador reduz a
reabsorção ativa de sódio neste segmento, promovendo por consequência uma menor reabsorção
de água e levando a um intenso efeito diurético.
Figura 11: (A): Principais processos de transporte no túbulo distal inicial (B): Principais processo de transporte
nas células principais e intercaladas dos túbulos distais finais e ductos coletores. Fonte: Berne e Levy, 6ª.
Edição, 2009.
6.8 Conclusões
Ao término deste capítulo podemos concluir que a função do sistema excretório e em
especial dos rins é fundamental para o controle homeostático do volume e da composição do líquido
extracelular (meio interno), o qual é essencial à sobrevivência de nossas células. Ao executar suas
três funções fundamentais: filtração, reabsorção e secreção, os rins promovem a remoção de
substâncias hidrossolúveis endógenas e exógenas tóxicas, reabsorve os nutrientes filtrados
presentes no plasma, elimina o excesso de eletrólitos e de hidrogênio (controle ácido-básico) e ao
regular o conteúdo de sódio corporal, regula a volemia e a pressão arterial. Além disso, os rins são
importantes no metabolismo do cálcio nos ossos e na produção e maturação final das hemácias,
via eritropoietina secretada. Assim, pode-se prever que insuficiência do sistema excretório têm
impacto muito negativo sobre o funcionamento normal do corpo.
Referências
1. GUYTON & HALL. Tratado de fisiología médica. 14ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,
2021.
2. AIRES, MM et al. Fisiologia. 5° ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2018.
3. SILVERTHORN, DU. Fisiologia humana: Uma abordagem integrada. 7ª ed. Porto Alegre.
Artmed Editora Ltda., 2017.
4. BERNE & LEVI. Fisiologia. 6ª ed. Rio de Janeiro. Elsevier Editora Ltda., 2009.
5. GANONG. Fisiologia médica. 24ª ed. Porto Alegre. Artmed Editora Ltda., 2014.