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INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2022
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706
Título em outro idioma: The consumption in the capital created in the yearnings of the
modernity of the First Republic - Belo Horizonte (1894-1930)
Palavras-chave em inglês:
Consumption (Economics) - Belo Horizonte (Brazil)
Supply and demand
Material culture
Economic development - Social aspects
Área de concentração: História Econômica
Titulação: Doutora em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Milena Fernandes de Oliveira [Orientador]
Maria Alice Rosa Ribeiro
Nelson Mendes Cantarino
Alexandre Macchione Saes
João Antonio de Paula
Data de defesa: 22-10-2021
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 22/10/2021
COMISSÃO JULGADORA
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, foi inaugurada no ano de 1897, mas a cidade
começou a ser construída em 1894. O contexto de surgimento da nova capital foi
marcado por dois acontecimentos de grande relevância que contribuíram, ainda que
indiretamente, para a transferência da antiga capital, Ouro Preto, para a então Cidade
de Minas, nome que a nova capital mineira recebeu após sua inauguração:
internacionalmente, a segunda Revolução Industrial marcava o início de um novo
tempo, uma revolução nas técnicas produtivas e nos padrões de consumo;
nacionalmente, a instauração da Primeira República alterava as bases políticas até
então estabelecidas. A capital foi inaugurada num período de introdução, na vida de
determinados grupos sociais, de novos hábitos de consumo e de novas formas de
consumir e, desta forma, o conceito central desta tese é o de consumo. Com auxílio
de variados grupos de fontes primárias, foi possível entender a própria cidade de Belo
Horizonte como objeto de consumo, a cidade que foi planejada com base em
referências nacionais e internacionais de urbanização; analisar a relevância do
comércio de abastecimento para as práticas de consumo locais; entender a cultura
material na nova cidade por meio da descrição e análise de objetos materiais
disponíveis para consumo no comércio; averiguar a relação entre consumo e dinâmica
social, considerando o estrato da classe média; compreender “estruturas do cotidiano”
por meio de práticas de consumo. Numa cidade nova, que se formava na periferia do
capitalismo quando o sistema se consolidava em diversas partes do mundo, inclusive
em cidades brasileiras, o consumo serviu para auxiliar na compreensão de
especificidades da formação belo-horizontina. Em uma época onde as técnicas
produtivas industriais ainda não haviam se concretizado na capital nascente, o
consumo pode ser entendido como prática social primordial para articulação de
considerações acerca da economia e da cultura locais.
ABREVIATURAS
ACMINAS: Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais.
APCBH: Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte.
AP-TJMG: Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
APM: Arquivo Público Mineiro.
CEOP-TJMG: Centro Operacional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
CMBH: Câmara Municipal de Belo Horizonte.
CCNC: Comissão Construtora da Nova Capital.
FJP: Fundação João Pinheiro.
HBEMG: Hemeroteca da Biblioteca Estadual de Minas Gerais.
MEJUD-TJMG: Memória do Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
MHAB: Museu Histórico Abílio Barreto.
PBH: Prefeitura de Belo Horizonte.
QAMG: Questionário Agrícola de Minas Gerais.
LISTA DE ARTEFATOS
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1.: Total de árvores plantadas em Belo Horizonte (1926-1928).....................78
Figura 3.1.: Movimento de construções residenciais em Belo Horizonte (1924-
1930)........................................................................................................................104
LISTA DE MAPAS
Mapa 1.1.: As sete regiões mineiras no período republicano, segundo Wirth..............52
Mapa 2.1.: As regiões de Curral Del Rei e Ouro Preto (1872)......................................63
Mapa 3.1.: O município de Belo Horizonte..................................................................95
LISTA DE PLANTAS
Planta 2.1.: Planta topográfica da Cidade de Minas (1895).........................................73
Planta 2.2.: Planta geral da Cidade de Minas (1895)...................................................74
Planta 2.3.: A Praça da Liberdade e o Parque (1895)..................................................79
Planta 2.4.: O Parque da Cidade de Minas (1895).....................................................80
Planta 2.5.: As Praças da Cidade de Minas (1895)......................................................82
Planta 4.1.: Planta cadastral do antigo Curral Del Rei comparada com a planta da nova
Capital......................................................................................................................124
LISTA DE QUADROS
Quadro 5.1.: Os bens de uso pessoal.......................................................................175
Quadro 5.2.: Os equipamentos domésticos..............................................................181
Quadro 5.3.: As peças de mobiliário..........................................................................188
Quadro 5.4.: Inventariantes e suas ocupações/profissões/titulações (1899-1928)...204
Quadro 5.5.: Inventariados e suas ocupações/profissões/titulações (1898-1928)....205
Quadro 6.1.: Classes de alimentos taxados em Minas Gerais (1902).......................217
LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1.: Gêneros ofertados pelos ambulantes (1900)...........................................98
Tabela 3.2.: Os locais de origem dos ambulantes de gêneros (1900).......................101
Tabela 3.3. Comércios de bens materiais e de serviços na Cidade de Minas
(1900).......................................................................................................................108
Tabela 5.1.: Número de ocorrências de ativos (1897-1930)......................................199
Tabela 5.2.: Número de ocorrências de bens móveis por tipologia (1897-1930)......200
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS........................................................................................................262
APÊNDICES.............................................................................................................278
15
INTRODUÇÃO
1 “No curso de seus desdobramentos surgirão, apenas para se ter uma breve ideia, os veículos
automotores, os transatlânticos, os aviões, o telégrafo, o telefone, a iluminação elétrica e a ampla gama
de utensílios eletrodomésticos, a fotografia, o cinema, a radiodifusão, a televisão (...)”. SEVCENKO,
Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: NOVAIS,
Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil – Vol. 3, República:
da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 08.
2 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
3 SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina. Disponível
4 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus. 8 v. Disponível em: http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-
br/dicionario/edicao/1. Acesso em: 23/06/2020.
5 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, v. consumo,
p. 126.
6 No segundo capítulo desta tese, trataremos de consumo como uso ou gasto, considerando a cidade
de Belo Horizonte como objeto de consumo, isto é, a cidade criada para ser utilizada e apreciada,
consumida.
7 A noção de cultura pode ser explicitada por meio de alguns autores. Segundo Silva; Silva (2015), “o
significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os
aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo que é produzido
pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e
crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada
socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão
biológica”. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 3 ed.
São Paulo: Contexto, 2015, p. 85. Para o antropólogo canadense Grant McCracken, a cultura pode ser
definida como “ideias e atividades através das quais fabricamos e construímos nosso mundo”.
MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e
das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 11. De
acordo com o historiador Marcelo Rede, “concebeu-se a cultura como a somatória de componentes
discretas (ideológica; sociológica; material) distribuídas estratigraficamente. É tal visão que permitiu a
diferenciação entre níveis materiais e imateriais da cultura”. REDE, Marcelo. “História a partir das
coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N.
Sér. v. 4, p. 265-282, jan./dez., 1996, p. 273.
8 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo.
10 “Este é o mundo da experiência cotidiana através do qual o mundo dos fenômenos se apresenta aos
sentidos do indivíduo, totalmente moldado pelas crenças e pressupostos de sua cultura. Este mundo
foi conformado pela cultura de duas maneiras. A cultura detém as “lentes” através das quais todos os
fenômenos são vistos. Ela determina como esses fenômenos serão apresentados e assimilados. Em
segundo lugar, a cultura é o “plano de ação” da atividade humana. Ela determina as coordenadas de
ação social e da atividade produtiva, especificando os comportamentos e os objetos que delas
emanam. Enquanto lente, a cultura determina como o mundo é visto. Enquanto “plano de ação”, ela
determina como o mundo será moldado pelo esforço humano” (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 100).
11 A publicidade funde um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente constituído
na forma de uma propaganda específica. O sistema de moda atua de três formas: transferência por
meio de jornal ou revista; transferência por meio de “celebridades” e classes altas, dentre outros;
transferência por meio de reforma de significados culturais (este último tipo de transferência ocorre
quando o sistema de moda passa por reformas, oriundas de grupos que vivem à margem das
sociedades e que representam um “desvio das convenções” sociais) (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p.
106-111).
12 “Os rituais de troca são usados para direcionar bens carregados de certas propriedades significativas
para indivíduos que, assim o supõe o doador do presente, estão necessitados de tais propriedades.
Neste caso, o doador está convidando o receptor a compartilhar das propriedades que o bem possui.
Os rituais de posse são empreendidos pelo dono de um bem a fim de estabelecer acesso às suas
propriedades significativas; esses rituais são destinados a realizar a transferência das propriedades de
um bem para seu dono. Os rituais de arrumação são usados para efetivar a transferência contínua de
propriedades perecíveis, propriedades que provavelmente se desvaneceriam quando de posse do
consumidor; os rituais de arrumação permitem ao consumidor “refrescar” as propriedades que ele ou
ela extraiu dos bens; esses rituais também podem ser usados para manter e “avivar” certas
propriedades significativas residentes nos bens. Finalmente, os rituais de despojamento são usados
para esvaziar o significado dos bens, a fim de evitar que a perda de significado ou o contágio de
significado possa ocorrer” (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 119).
13 Sobre consumo como cultura material, cf.: MILLER, Daniel. “Consumo como cultura material”.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007.
18
Outro autor importante que tratou da vida material foi historiador francês Daniel
Roche. Sua visão acerca do tema não diverge totalmente da visão de Braudel, porém,
fez uma crítica à Civilização material:
14 No quarto capítulo deste trabalho, trataremos de consumo e cultura material, frisando os diferentes
bens materiais presentes em circuitos de comércio específicos de Belo Horizonte.
15 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 1: As
estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 12, grifos do autor.
16 ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 13.
17 “Talvez seja necessário ainda evocar uma questão que não deixará de ser colocada: cultura ou
civilização material? Parece ser possível discutir indefinidamente sobre as nuanças que separam os
dois termos, acerca dos quais não se tem certeza de que se refiram sempre a conceitos diferentes.
Pode-se estimar que a civilização é mais globalizante, que a palavra faz referência a um sistema de
valores que opõe os civilizados aos bárbaros e aos primitivos, e que, por esses motivos, pode-se
preferir a palavra cultura, que se coloca com mais facilidade no plural e que não implica hierarquia.
Pode-se também sustentar que, em francês, na linguagem corrente, “cultura” e “material” são algo
19
Ainda que Braudel não tenha ressaltado uma conexão mais precisa entre a
civilização material (estruturas do cotidiano), a economia (os jogos das trocas) e o
capitalismo (o tempo do mundo), seu trabalho é de suma importância para nossa
pesquisa, já que o autor tratou do cotidiano20, analisando especificidades do consumo
e da cultura material de diferentes partes do mundo. No primeiro volume de Civilização
material, economia e capitalismo (séculos XV-XVIII) por exemplo, Braudel dedicou um
antitéticos. Contudo, cumpre admitir principalmente que o alemão e os eslavo dizem cultura onde o
francês diria civilização e que a expressão em causa nos vem do Leste: cultura material parece
consagrada pelo uso e a origem da noção. Enfim, antropólogos e pré-historiadores empregam de
melhor grado cultura quando se trata de designar o conjunto de objetos que caracterizam uma
sociedade. Afinal, é bem possível que tudo isso seja um falso problema, na medida em que, como
parece ser o caso, se dá o mesmo sentido a ambas as expressões e o mesmo conteúdo a civilização
material e a cultura material”. PESEZ, Jean-Marie. “História da cultura material”. In: LE GOFF, Jacques.
A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 181.
18 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 12.
19 ROCHE, op. cit., 2000, p. 16.
20 “Para Certeau, por exemplo, o cotidiano se compõe de numerosas práticas ordinárias e inventivas e
não seguem necessariamente padrões impostos por autoridades políticas ou institucionais. Já para
Agnes Heller, a vida cotidiana é a vida de todo homem, e todos já nascem inseridos na sua
cotidianidade, na qual participam com toda sua personalidade: com todos os sentidos, capacidades
intelectuais, habilidades manipulativas, sentimentos, paixões, ideias, ideologias. Heller identifica e
delimita as partes que constituiriam a vida cotidiana como a organização do trabalho e da vida privada,
os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação” (SILVA; SILVA,
op. cit., 2015, p. 75-76). Ainda que de Certeau e Heller apresentem algumas diferenças ao tratar de
cotidiano, para os dois autores “o conceito de cotidiano não é entendido isoladamente. Para esses
estudiosos, aspectos cotidianos e não cotidianos se interpenetram na realidade social. Se Certeau se
preocupa com a relação entre práticas cotidianas ordinárias que ressignificam os valores e as normas
de instituições e autoridades, Heller, por sua vez, percebe que em nenhuma esfera da atividade
humana se pode separar com rigidez o comportamento cotidiano do não cotidiano. Do mesmo modo,
se Certeau identifica o caráter múltiplo e inventivo das práticas cotidianas, Heller afirma que a vida
cotidiana é mesmo cheia de alternativas e supõe escolhas feitas muitas vezes de forma improvisada
(...) Por fim, para Heller, algumas das características básicas da vida cotidiana seriam o pragmatismo,
a espontaneidade e a imitação – pois reproduzimos muitos dos atos pelo costume (...)” (Idem, ibidem,
p. 77). As obras às quais Silva; Silva (2015) tomaram como base foram: CERTEAU, Michel de. A
invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2002. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo:
Paz e Terra, 1992.
20
21 Há uma discussão a respeito dos termos vida privada e vida cotidiana, que pode ser vista com
detalhes em VAINFAS, Ronaldo. “História da vida privada: dilemas, paradigmas, escalas”. Anais do
Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. V. 4, p. 9-27, jan./dez., 1996. Compartilhamos aqui da mesma ótica
do autor citado: “Cotidiano é conceito que diz respeito ao tempo, sobretudo ao tempo longo, seja no
plano da vida material, seja no plano das mentalidades ou da cultura, embora possa ser
operacionalizado na dimensão restrita de uma cidade, uma região, um segmento social, um grupo
socioprofissional. Mas é conceito mais passível de ligar-se às estruturas e ao social global, como indica
aliás parte da historiografia que o adota. Vida privada é conceito mais explicitamente ligado à
domesticidade, à familiaridade ou a espaços restritos que podem emular a privacidade análoga à que
se atribui à família a partir do século XIX. Não vejo, porém, razão para pensá-los como necessariamente
excludentes, uma vez que a dimensão da familiaridade ou da intimidade pode ou deve ser
perfeitamente percebida na cotidianidade (...)” (p. 14).
22 ROCHE, op. cit., 2000, segunda parte: a vida comum.
23 BLAJ, Ilana. “Sérgio Buarque de Holanda: historiador da cultura material”. In: CANDIDO, Antonio
(Org.). Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998, p.
31.
24 ROCHE, op. cit., 2000, p. 11-12.
21
25 “Duas questões devem fazer parte do repertório de preocupações dos historiadores que se
interessam pela cultura material. A primeira diz respeito à constituição mesma das sociedades
estudadas, particularmente ao papel dos “segmentos do universo físico culturalmente apropriado” na
trajetória dos agrupamentos humanos. Tratando-se de uma perspectiva histórica, os problemas
levantados e as respostas encontradas deverão variar em grau não menor, de sociedade para
sociedade ou de época para época, do que aqueles que dizem respeito, digamos, às formas de
produção ou aos modos de pensar. Ainda que, como sucede em outros campos, postulados gerais
sejam admissíveis (por exemplo, a medicação da cultura material na adaptação ecológica e
sociocultural das populações), o mais importante e característico para o historiador serão as variações
às formas cambiantes de interação entre as sociedades e sua cultura material. Por outro lado, por se
tratar de um saber obtido por métodos e estratégias de análises peculiares, a segunda preocupação
localizar-se-á, irremediavelmente, na operação que insere a cultura material no processo historiográfico
de produção do conhecimento” (REDE, op. cit., 1996, p. 265-266).
26 ROCHE, op. cit., 2000, p. 12.
27 Vale ressaltar que não entendemos o consumo de forma passiva em relação à produção: “É preciso
que fique claramente estabelecido desde o início que o consumo é um modo ativo de relação (não
apenas com os objetos mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e
de resposta global no qual se funda todo nosso sistema cultural”. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos
objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 205-206.
28 SEVCENKO, op. cit., 1998, p. 11.
22
29 “E não era só uma questão de variedade de novos equipamentos, produtos e processos que entrava
para o cotidiano, mas o mais perturbador era o ritmo com que essas inovações invadiam o dia-a-dia
das pessoas, principalmente no contexto desse outro fenômeno derivado da revolução, as grandes
metrópoles urbanas” (Idem, ibidem, p. 10).
30 Sobre a mimetização do estrangeiro de padrões de consumo pela elite brasileira, cf., dentre outros:
FURTADO, Celso. “Dependencia externa y teoría económica”. El Trimestre Economico, México, DF:
Fondo de Cultura Económica, Vol. 38, n. 150, p. 587-603, 1971; Idem. Análise do Modelo Brasileiro.
São Paulo: Paz e Terra, 1975; Idem. O Mito do Desenvolvimento Econômico. 4 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1975a.
31 Sobre a Revolução Industrial, cf.: HOBSBAWN, Eric John Ernest. A Era das Revoluções, 1789-1848.
25 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012, capítulo 2; ASTHON, Thomas Southcliffe. A Revolução Industrial.
Lisboa: Publicações Europa-América, 1977; CRAFTS, Nick. “The Industrial Revolution: economic
grotwn in Britain, 1700-1860”. ReFRESH. Recent Findings of Research in Economic & Social History.
Spring, 1987; MANTOUX, Paul. A Revolução Industrial no Século XVIII – estudo sobre os primórdios
da grande indústria moderna na Inglaterra. São Paulo: Hucitec, s/d; NEF, John Ulric. Os Alicerces
Culturais da Civilização Industrial. Tradução de Regina Brandão. Rio de Janeiro: Presença, 1964.
32 A primeira Revolução Industrial inglesa, segundo Hobsbawm, data de meados do século XVIII, tendo
sido marcada por duas fases: a primeira pelos têxteis e a segunda pelos meios de transporte,
especialmente o ferroviário. HOBSBAWM, op. cit., 2012, capítulo 2. De acordo com Landes, a segunda
Revolução Industrial inglesa teria começado em meados do século XIX, tendo sido caracterizada por
uma revolução na aplicação da energia. LANDES, David. Prometeu Desacorrentado: transformação
tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa Ocidental, desde 1750 até nossa época. Tradução
de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. Aquela foi a revolução do aço, da eletricidade,
dos produtos químicos e sintéticos e dos meios de comunicação, que possibilitou que novos objetos de
consumo chegassem também às cidades periféricas. Uma periodização sobre as revoluções industriais
também foi feita por Paul Singer. A primeira Revolução Industrial teria durado de 1770 a 1870; a
segunda Revolução, a passagem do século XIX para o XX (1870-1929); a terceira Revolução Industrial,
23
de 1930 até 1960. Em cada fase, a Revolução Industrial foi acompanhada por uma nova divisão do
trabalho. Sobre a segunda fase, escreveu o autor que foi marcada pela “concentração de capital que
produz a empresa monopolista como forma hegemônica do capital e [pela] difusão do capitalismo
industrial por maior número de estados nacionais”. SINGER, Paul. “Divisão internacional do trabalho e
empresas multinacionais”. Caderno Cebrap 28, 1976, p. 81. Aquela difusão do capitalismo industrial
conferiu às diferentes partes do mundo transformações nos hábitos de consumo e costumes de vida.
33 MCKENDRICK, Neil. “The Consumer Revolution of Eighteenth-Century England”. In: MCKENDRICK,
Neil; BREWER, John; PLUMB, John Harold. The Birth of a Consumer Society: the Commercialization
of Eighteenth Century England. Bloomington, Indiana University Press, 1982.
34 “O crescente domínio do capital sobre o trabalho no processo de trabalho, assim como a
Uma autora importante para estudos sobre consumo foi Rosalind Williams.
Para a escritora, foi na França do século XIX que a revolução do consumo teve sua
origem, tendo Paris se transformado numa cidade do consumo de massa, influência
do comércio varejista e da publicidade. Segundo a autora, estilos de vida
diferenciados surgiram naquela época, como o estilo burguês, o de massa, o elitista e
o democrático37.
De forma diferente, Chandra Mukerji afirmou que o advento de uma cultura do
consumo se deu na Europa dos séculos XV e XVI. A autora tratou de três termos
relacionados ao materialismo: consumismo, bens capitais, pensamento materialista.
O consumismo teria se originado anteriormente ao capitalismo, impulsionando o
surgimento do modo de produção. A revolução do consumo, portanto, foi o
acontecimento que contribuiu para o advento do capitalismo no Ocidente 38.
Em comum, Neil McKendrick e Rosalind Williams trataram do consumo em
sociedades em que, de certa forma, o capitalismo estava nascendo, como é o caso
de nosso objeto de estudo. Belo Horizonte na passagem do século XIX para o século
XX pode ser considerada uma cidade que, embora criada num contexto de avanço do
capitalismo global, passaria pelo nascimento específico de seu capitalismo local, que
receberia a influência de outros capitalismos39.
Chandra Mukerji estudou o consumo numa época anterior ao do surgimento do
capitalismo europeu ou da primeira Revolução Industrial. Roche afirmou que o
consumo já era uma realidade antes da Revolução. E compartilhamos da visão deste
último autor de que o consumo – não como uma revolução, mas como uma prática do
cotidiano – pode ser observado nas sociedades antes da consolidação de uma
organização social ou modo de produção40 ou da primeira Revolução Industrial.
Barbosa de. O processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Editora
da UNESP, 2003. Especialmente introdução e capítulo 3.
40 “O modo de produção, em linguagem menos teórica, seria o modo pelo qual determinada sociedade
organiza sua vida econômica, o trabalho, as estruturas políticas e jurídicas e mesmo as manifestações
culturais. Todos os aspectos da vida em sociedade (desde os aspectos materiais até os aspectos
25
mentais) estariam determinados pelo modo de produção da vida material” (SILVA; SILVA, op. cit., 2015,
p. 301).
41 Acreditamos que a primeira Revolução Industrial foi importante para que novos hábitos de vida e
padrões de consumo se difundissem pelo mundo. Mas não consideramos primeira Revolução Industrial
como sinônimo de surgimento do capitalismo mundial. A Revolução, a nosso ver, é um acontecimento
que começou a se desenvolver antes do século XVIII, e é parte da história do capitalismo. O capitalismo,
vale frisar, já era uma realidade antes da primeira Revolução Industrial. Sobre a Revolução Industrial
como um processo de continuidade dentro da história do capitalismo, cf.: NEF, op. cit., 1964, p. 67-110.
Sobre o capitalismo e sua evolução (que começou anteriormente à primeira Revolução Industrial), cf.:
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Tradução de Manuel do Rêgo Braga. São Paulo: Abril
Cultural, 1983.
42 CHASE, Stuart. “Nota prévia”. In: VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo
econômico das instituições). Tradução de Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965,
p. 14-15, grifos do autor.
26
43 BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 2 ed. Tradução de Daniela Kern e
Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk, 2011, p. 163.
44 Idem, ibidem, p. 166, grifos do autor.
45 Idem, ibidem.
46 Idem, ibidem, p. 164.
47 “De fato, a eficácia própria do habitus é bem visível quando as mesmas rendas estão associadas a
48 Alguns estudos remetem a consumo como dinâmica social e cultura material no Brasil, desde o
período colonial até meados do século XX, como os de: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. 3
ed. São Paulo: Brasiliense, 1990; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3 ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994; FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48 ed. São Paulo: Global, 2003; FREYRE, Gilberto.
Sobrados e mucambos – decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 1 ed. digital.
São Paulo: Global, 2013; COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 5 ed. São Paulo: Editora
Unesp, 2010, parte II: condições de vida nas zonas cafeeiras; CANABRAVA, Alice Piffer. História
Econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec/Unesp/ABPHE, 2005, História econômica de São
Paulo; NOVAIS, Fernando Antonio; SOUZA, Laura de Mello e (Orgs.). História da vida privada no Brasil
– Vol. 1, Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997;
NOVAIS, Fernando Antonio; ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Orgs.). História da vida privada no Brasil
– Vol. 2, Império: a corte a e modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; NOVAIS,
Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da vida privada no Brasil – Vol. 3, República:
da Belle Époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; NOVAIS, Fernando Antonio;
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). História da vida privada no Brasil – Vol. 4, Contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
49 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro – Vol. 2. 10 ed.
115.
51 No terceiro capítulo da tese, ressaltaremos a relevância do abastecimento para as práticas de
52 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. 14 ed. São Paulo: Brasiliense,
1976, p. 119.
53 FURTADO, op. cit., 1987, p. 115.
54 MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 9 ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 218.
55 “Do ponto de vista teórico, o tema do luxo aparece de diferentes maneiras em autores como Veblen,
Norma. (Org). Seminário de Estudos Mineiros: A República Velha em Minas. Belo Horizonte: UFMG,
1982, p. 126.
29
No caso de nosso objeto de estudo, Belo Horizonte entre 1894 e 1930, o estrato
social que merecerá destaque é a classe média61. Dentro do universo da classe
média, vale ressaltar, segundo Carone, que podemos pensar em camadas em seu
interior, sendo a distinção destas camadas complexa de ser realizada. Nas palavras
do autor: “a alta, a média e a baixa classe média tem formação diversa; em alguns
casos, porém, única”62.
Dentro do contexto da Primeira República, que é o período político que o Brasil
passava quando Belo Horizonte se tornou a capital mineira, é possível frisar, de
acordo com Carone, que “a camada mais alta [da classe média] origina-se, em grande
parte, das ricas classes agrárias”63. O caso a que o autor se refere, da alta classe
média originária de ricas classes agrárias, poderia ser visto no nordeste depois do
período açucareiro, em São Paulo depois da ascensão cafeeira, talvez na Zona da
Mata mineira, também depois do desenvolvimento da cafeicultura; mas não é o caso
da classe média belo-horizontina. Será possível confirmar, por meio da leitura desta
tese, que não encontramos, em nossas fontes de pesquisa, ricas classes agrárias que
se estabelecerem em Belo Horizonte entre o final do século XIX e o início do século
XX. Isto não significa que as classes agrárias não estiveram presentes na nova capital
de Minas Gerais, mas que não foram encontradas em nossas fontes de pesquisa.
(...) [Belo Horizonte] foi ocupada por gente de toda parte. Braços
trabalhadores que ainda tornavam-se necessários para o grande
canteiro de obras e a manutenção dos serviços que a cidade
apresentava; funcionários e burocratas para gerir o novo e ordenar a
grande cidade; profissionais liberais da saúde, da construção, do
comércio e de todo lugar para caracterizar o moderno e dar
funcionalidade; gente para encher as ruas longas e largas, para
ocupar os bancos da universidade, as mesas do bar, as cadeiras do
bonde, do cinema, do teatro66.
Uma nova sede para o governo mineiro, uma nova capital para Minas Gerais,
já era assunto entre elites políticas mineiras antes mesmo de, em suas mentalidades,
figurar a localidade de Belo Horizonte, pois Ouro Preto, a antiga capital, desde quando
cidade das múltiplas realidades”. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 14, n. 21, p. 71-93, 2º
semestre de 2013, p. 89.
32
foi inaugurada com o título, dividia opiniões a respeito de sua continuidade como
cidade capital. Assim, o primeiro capítulo desta tese se iniciará abordando as
diferentes localidades que, anteriormente ao final do século XIX, foram pensadas para
abrigarem a capital. Depois da instalação da República, discussões sobre a
impossibilidade de Ouro Preto continuar como cidade representante de Minas
ressurgiram e se concretizaram na efetiva transferência, de Ouro Preto para Belo
Horizonte, assunto que também será abordado no capítulo primeiro. A concretização
da transferência da capital divide opiniões e, sendo assim, o capítulo um será
finalizado averiguando interpretações sobre a transferência da sede do governo.
A Cidade de Minas – nome que recebeu a nova capital mineira no ano de sua
inauguração, 1897 – foi palco de inúmeros ordenamentos urbanos, que se iniciaram
anos antes de sua inauguração, em 1894. Belo Horizonte não passou por
transformações urbanas como outras cidades e capitais brasileiras, como Recife e
Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre. Para Belo Horizonte, é possível
pensar numa formação urbana, que se configurou com o planejamento da comissão
construtora, liberada inicialmente pelo engenheiro Aarão Reis. Assim, o segundo
capítulo de nossa tese vai tratar da formação de Belo Horizonte. Partiremos dos
antecedentes da nova capital: Ouro Preto (a antiga sede de governo) e Curral Del Rei
(o antigo arraial que deu lugar a Cidade de Minas). Depois, discorreremos sobre o
planejamento da Comissão Construtora para a nova capital e, por meio do
planejamento, será possível entender Belo Horizonte e o “consumo do espaço” 67, a
cidade como objeto de consumo, planejada para ser utilizada e apreciada.
A capital mineira foi uma cidade de consumidores e comerciantes. No início de
sua formação, sem o desenvolvimento de técnicas industriais, uma atividade
econômica que se destacou foi a do comércio de produtos e de serviços. Desta forma,
no capítulo três, o principal ponto de análise será o que diz respeito a relação entre
comércio, consumo e abastecimento. Iniciaremos o capítulo tratando do comércio
embrionário de Belo Horizonte, que se iniciou à época de construção da cidade para
abastecer os que lá residiam, moradores do antigo Curral mas, especialmente, os
membros da Comissão Construtora da capital. Depois, averiguaremos os ambulantes
de gêneros, pessoas que saíam das áreas suburbana, de colônias e adjacências de
67A respeito dessa noção, ver, dentre outros trabalhos, o de: LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas
centralidades: a experiência da cultura do consumo no centro tradicional de Belo Horizonte. Belo
Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010, introdução: a construção da escrita.
33
Belo Horizonte, especialmente das duas últimas, para abastecer a cidade com
produtos variados. Por fim, vamos discorrer sobre o comércio de médio porte que se
desenvolveu na capital, uma das principais atividades econômicas nas três primeiras
décadas do século XX.
A área central da capital pode ser considerada como um lugar, por excelência,
de consumo. Complementando a noção de consumo do espaço, é possível afirmar a
área urbana central de Belo Horizonte como um “lugar de consumo”68. No capítulo
quatro, trataremos de consumo e cultura material, destacando lugares de consumo,
três circuitos de comércio que se formaram nas ruas centrais da área urbana de Belo
Horizonte. Mostraremos os diversos bens materiais – alguns produzidos localmente,
aqueles importados de outras regiões do Brasil, outros que chegavam do exterior – e
também serviços que fizeram parte do cotidiano de habitantes de Belo Horizonte.
Se Belo Horizonte foi uma cidade de consumidores e comerciantes, também foi
uma cidade em que esses consumidores e comerciantes eram pertencentes a
diferentes estratos sociais – especificidade não apenas de Belo Horizonte. Vale
ressaltar que, desde o planejamento da Comissão Construtora, Belo Horizonte já se
configurara numa cidade em que as pessoas seriam separadas em lugares distintos
conforme sua ocupação profissional e posição social. Sendo assim, no capítulo cinco,
trataremos de consumo e dinâmica social, considerando o consumo de uma classe
social particular: a classe média. Vamos enfocar quais foram os objetos materiais e
os bens móveis consumidos pelas frações da classe média belo-horizontina entre o
final do século XX e, especialmente, o início do século XX.
Finalmente, no capítulo seis, abordaremos as “estruturas do cotidiano” de uma
família de Belo Horizonte, os Borges da Costa, que se estabeleceram em Belo
Horizonte na primeira década do século XX. A respeito da vida material, escreveu
Braudel no volume primeiro de sua Civilização Material, Economia e Capitalismo, que
remete a “homens e coisas, coisas e homens. Estudar as coisas – os alimentos, as
habitações, o vestuário, o luxo, os utensílios (...) –, em suma, tudo aquilo de que o
homem se serve”69. É sobre a vida material dos Borges da Costa que o último capítulo
deste trabalho se debruçará.
Para o desenvolvimento de nossa tese, utilizamos fontes que foram coletadas
em instituições de Belo Horizonte e envolvem o período da Primeira República. As
68 Idem, ibidem.
69 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 19.
34
fontes podem ser divididas em três grupos. O primeiro grupo, de fontes principais,
contempla: acervos de objetos materiais do MHAB; inventários post-mortem da
Comarca de Belo Horizonte, presentes nos arquivos do TJMG; recortes de jornais
locais presentes na HBEMG; revistas estaduais e locais, presentes no MHAB e no site
da PBH; Almanack da Cidade de Minas, localizado no APM; livro de memórias
localizado no ICAM. No segundo grupo, de fontes complementares, estão: relatórios
anuais de atividades da prefeitura de Belo Horizonte, localizados no APCBH; coleção
legislação municipal de Belo Horizonte, presente no site da CMBH; questionário sobre
as condições da agricultura de municípios do Estado de Minas Gerais (QAMG);
coleção das leis e decretos do Estado de Minas Gerais, presentes no APCBH;
mensagens (ou relatórios) de presidentes do Estado de Minas Gerais, localizados no
site da Universidade de Chicago. Há um terceiro grupo de fontes do período, composto
por um acervo bibliográfico sobre o comércio na capital mineira e sobre as temáticas
de história, economia e cultura de Minas Gerais e de Belo Horizonte, presentes na
ACMINAS, na FJP e no MHAB.
35
CAPÍTULO 1
1 Abílio Barreto foi escritor e jornalista. Nasceu no ano de 1883 na cidade mineira de Diamantina e se
mudou para Belo Horizonte no ano de 1895, em meio as obras de construção da capital. Em 1897, foi
admitido pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, onde fez carreira como tipógrafo, revisor e redator
interino. Em 1924, foi promovido a Primeiro Oficial do Arquivo Público Mineiro. Em 1935, passou a
dirigir o Arquivo Municipal. FERREIRA, Leonardo Gonçalves. “O presente e o passado no Museu
Histórico Abílio Barreto (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil)”. Ponto Urbe, São Paulo. N. 23, p. 1-23,
2018, p. 21, nota 4. Abílio Barreto foi um dos fundadores do Museu Histórico de Belo Horizonte,
iniciativa também do presidente Juscelino Kubstichek, em 1940. Para os dois atores, o museu
contribuiria para com a preservação da memória de Belo Horizonte e do Arraial do Curral Del Rei.
SARAIVA, Luiz Alex Silva; MACHADO, Ana Maria Alves. “Bipolaridade simbólica no Museu Histórico
Abílio Barreto”. Cadernos EBAPE.BR, Fundação Getúlio Vargas. N. 2., v. 5, p. 1-14, junho/2007, p. 07.
Depois do falecimento de Abílio Barreto, em 1959, na capital mineira, o Museu Histórico de Belo
36
capitais de Minas Gerais, começou as análises afirmando que foi no dia 08 de abril do
ano de 1711 que foi instalada a primeira capital mineira:
Horizonte passou a se chamar Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB). Foi autor, dentre outras obras,
de: Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – Vol. 1: História Antiga; Vol. 2: História Média. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.
2 Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho foi o primeiro governador da Capitania de São Paulo e
Minas do Ouro, tendo sido o responsável pela criação das primeiras vilas de Minas Gerais.
3 BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – Vol. 1: História Antiga. 2 ed. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996, p. 279.
4 Idem, ibidem, p. 281.
5 Idem, ibidem, p. 283.
37
transferida, para uma localidade mais condizente com a nova época brasileira e
mineira. Segundo Abílio Barreto:
da Província de Ouro Preto. 1851. Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, Secretaria de Governo da
Província – documentos da Secretaria de Governo da Província.
38
10 Idem.
11 BARRETO, op. cit., 1996, p. 288.
12 JULIÃO, Letícia. “Sensibilidades e representações urbanas na transferência da Capital de Minas
Gerais”. História (São Paulo) v. 30, n.1, p.114-147, jan/jun 2011, ISSN 1980-4369, p. 125.
39
comunhão nacional em relação ao novo regime não foi alcançado 13, mantendo-se a
distância entre as camadas populares e as elites políticas.
Aquele contexto de inauguração da República, marcado pela incerteza política
e agitação ideológica, em meio a busca pela legitimação do regime, representou,
segundo Letícia Julião, “uma porta aberta para a aventura ousada da construção de
Belo Horizonte – com certeza a obra simbólica de maior envergadura da República
em Minas”14.
O decreto de número 7, de 20 de novembro de 1889, do governo provisório de
Deodoro da Fonseca assegurou que os governadores poderiam “estabelecer a divisão
civil, judicial e eclesiastica do respectivo estado e ordenar a mudança de sua capital
para o logar que mais convier”15. Depois das tentativas anteriores acerca da mudança
da sede do governo mineiro, a República significava uma nova chance para a
execução de um projeto de transferência.
De acordo com Letícia Julião, não seria errôneo afirmar que o projeto de
transferência da capital tivesse tido relação com os conflitos políticos e ideológicos
que se seguiram à instauração da República. Foram colocados em curso embates
entre diversas visões de urbanidade e concepções distintas de organização
comunitária de cidadãos, expressos na recusa, no receio ou no desejo da construção
de uma cidade moderna. O projeto de transferência da capital produzia variadas
imagens referentes a nova cidade, como as de centro intelectual e econômico, polo
de irradiação do poder, cidade moderna e progressista, espaço racionalmente
concebido, centro promotor do desenvolvimento republicano16.
É possível afirmar que a nova capital mineira – dadas as variadas imagens que
o projeto de transferência expressavam – pode ser entendida também como objeto de
consumo, uma cidade para ser consumida. Espaço pensado para já nascer urbano
(diferentemente da grande maioria dos locais, que crescem naturalmente), cidade
construída de forma racional, para ser apreciada por seus habitantes, que a utilizariam
e fariam proveito de seu espaço.
13 CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas – o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 141-142
14 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 125.
15 DECRETO nº 7, de 20 de novembro de 1889. Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do
metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada
no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 134.
41
americana no final do século XIX”. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, 6-1, p. 85-123, 2012,
p. 93.
23 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao Congresso Constituinte
arte, a cultura e a sensibilidade foram fatores chaves para se pensar um novo espaço para a capital
mineira, agregando, assim, todo o simbolismo de uma época (fins do século XIX e início do século XX)”.
PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. “A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte:
um estudo à luz de comparações com as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro”. Mediações,
Londrina, v. 21, n. 2, p. 332-352, jul. / dez., 2016, p. 335.
42
25 O antigo distrito pertencente à Sabará, sob o nome de Curral Del Rei nos períodos colonial e imperial,
passou a se chamar Bello Horizonte no ano de 1890. Tendo sido escolhido para ser a capital mineira,
em 1897, teve o nome alterado para Cidade de Minas. No ano de 1901, passou a ser novamente
denominado Belo Horizonte.
26 IGLESIAS, Francisco (Org.). “A constituinte mineira de 1891”. Revista Brasileira de Estudos Políticos,
28VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “A capital controversa”. Revista do Arquivo Público Mineiro (dossiê
Belo Horizonte 100 anos depois), ano XLIII, n. 2, p. 28-43, jul./dez. 2007.
44
29 SILVA, Vera Alice Cardoso. “O significado da participação dos mineiros na política nacional, durante
a Primeira República”. In: MONTEIRO, Norma de Goés (Org.). V Seminário de Estudos Mineiros, Belo
Horizonte, UFMG, 1982, p. 158.
30 Idem, ibidem, p. 158.
31 Idem, ibidem, p. 157-158.
45
32 Idem, ibidem.
33 LOBO, Hélio. Um varão da República: Fernando Lobo – A proclamação do regime em Minas, sua
consolidação no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p. 38-39.
34 “Vinha Cesário Alvim das lutas da monarquia, com projeção no governo provincial e no parlamento,
onde mostraria, numa de suas questões mais candentes, a das popelinas, temperamento combativo.
Havia ficado também célebre sua adesão ao credo republicano, quando, alguns meses antes da
República, declarou abandonar o gabinete liberal que “entendeu enrolar a bandeira do partido que era
a federação e arvorar novo estandarte, que só podia ser empunhado pelos adversários”. “Vai lutar,
concluía, em campo mais adiantado, vai adiante dos seus correligionários, deixa os seus antigos
companheiros, para consagrar-se à causa da democracia e da República”. Comprazendo-se no
combate, a imprensa era para ele um dos melhores meios de defesa como homem público; e a ele
recorreria frequentemente” (Idem, ibidem, p. 39).
46
45 Idem, ibidem, p. 158. “Ora, para os políticos provenientes da Zona Metalúrgica, antigos donos do
poder dentro do Estado, sem outro trunfo maior para competir, no momento constitucional que então
se vivia, que o próprio controle da máquina burocrático-administrativa e a experiência de fazer política,
a escolha do parceiro privilegiado faz-se pelo critério da maximização de sua posição política no novo
regime: os interesses do Sul apareciam como os mais promissores, dada a vinculação com os
interesses paulistas, os mais claramente organizados e dominadores, mesmo na quadra confusa dos
governos militares” (Idem, ibidem, p. 159).
46 Idem, ibidem, p. 158-159.
47 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 216.
49
48 RESENDE, Maria Efigência Lage de. “Uma interpretação sobre a fundação de Belo Horizonte”. In:
PAULA, Eurípedes Simões de. (Org.). Anais do VII Simpósio Nacional dos professores universitários
de História da Anpuh: A cidade e a história. Belo Horizonte, 1973. P. 601-633.
49 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 219.
50 RESENDE, op. cit., 1973, p. 602.
51 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao Congresso Constituinte
52 “O ideal de Affonso Penna (...) era uma capital localizada no Vale do Rio Doce. As razões da escolha
situavam-se sobretudo na necessidade de promover o desenvolvimento econômico de uma área que
vivia na mais completa penúria. Esse objetivo nada mais vinha a ser que uma possível solução para a
economia do Norte, no mesmo esquema que imperava na Mata, no Sul e no Triângulo, economia
voltada para os centros exportadores e cujos polos localizavam-se no Rio de Janeiro e em Santos”
(RESENDE, op. cit., 1973, p. 606-607).
53 “Vários outros dados indicavam que Affonso Penna não permanecera neutro na questão e que o Belo
Horizonte tornara-se, por alguma razão, a solução que lhe parecia mais conveniente. Foi no contexto
político-econômico da época e na evolução do problema da mudança da capital que se procurou
encaminhar o problema” (Idem, ibidem, p. 604).
54 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 217-218.
55 RESENDE, op. cit., 1973, p. 604-605.
56 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 159, 428, 435, 442, 456.
51
As sete regiões mineiras, segundo Wirth, eram: Triângulo, Norte, Sul, Leste,
Oeste, Centro e Mata, conforme mostra o mapa abaixo:
60Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 86. Ainda, de acordo com o
senador Costa Senna, em 1891: “Sejam quaes forem as condições de nossa capital, o sul fará
commercio por S. Paulo e Rio e, nos centros principaes daquella zona irão estabelecer-se os homens
notaveis da mesma região. O mesmo se dará em relação ao extremo norte que fará sua importação e
53
exportação pela Bahia, fazendo-se o commercio do Leste pelo Espirito Santo. Não teremos, pois, um
centro unico de commercio e as notabilidades de cada zona ficarão nella localisadas”. Annaes do
Congresso Constituinte Mineiro, 1891, p. 97.
61 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 204.
62 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 428.
63 RESENDE, op. cit., 1973, p. 611-612.
54
64 Idem, ibidem.
65 Aarão Leal de Carvalho Reis nasceu em Belém do Pará no ano de 1853 e faleceu no Rio de Janeiro
em 1936. Se formou como engenheiro, urbanista e professor pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Em 1872, concluiu o curso de engenheiro geógrafo e, dois anos depois, em 1874 finalizou o curso de
engenheiro civil. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos
espaços públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 73. Enquanto
estudante, atuou no cenário pré-republicano do Rio de Janeiro, tendo fundado um pequeno jornal de
combate republicano e um clube, também republicano. Publicista, foi tradutor de obras francesas. Atuou
como professor de Matemática e Geografia em curso secundário e, posteriormente, lecionou Economia
Política, Estatística, Direito Administrativo e Princípios de Contabilidade e Navegação na Escola
Politécnica do Rio de Janeiro. Sua carreira foi dividida entre atividades didáticas e cargos
administrativos. SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997, p. 25-27.
66 RESENDE, op. cit., 1973, p. 613.
67 “Devido à escolha quase ao acaso com a qual conclui o relatório, sua aceitação pelo Congresso
Estatual não poderia ser pacífica. Os interesses regionais se agitam mais furiosamente do que nunca.
Os ouro-pretenses, os únicos certamente prejudicados pela mudança, ameaçam chegar às raias da
violência, o que faz o Congresso transferir suas sessões para Barbacena” (SINGER, op. cit., 1968, p.
218).
55
Sobre as outras localidades, foi descrito o seguinte por Aarão Reis, em seu
relatório: as localidades de Barbacena e Paraúna foram rejeitadas por escassas
condições topográficas e higiênicas; a cidade de Juiz de Fora não poderia ser a capital
mineira especialmente por causa de sua localização, “aquém da Mantiqueira e
afastada, portanto, do verdadeiro centro territorial mineiro, sua inconveniente
proximidade da Capital Federal”69.
A respeito de Aarão Reis ter concluído por Várzea do Marçal ou Belo Horizonte,
escreveu Resende que, ainda que tenha manifestado alguma indeterminação,
certamente proposital, a opinião do engenheiro revelava uma posição mais favorável
a Belo Horizonte. Entretanto:
68 Relatório de Aarão Reis, 16/06/1893. In: BARRETO, op. cit., 1996, Vol. 1, p. 317.
69 Relatório de Aarão Reis, 16/06/1893. In: SINGER, op. cit., 1968, p. 217.
70 RESENDE, op. cit., 1973, p. 614.
71 Idem, ibidem, p. 614-615.
72 “Não faltaram proposições sobre Barbacena e Juiz de Fora, mas a questão estava de fato limitada à
Afonso Pena desempenhou papel decisivo para que a capital fosse transferida
para Belo Horizonte. Nas palavras de Resende, vários fatores indicaram tal papel.
Podemos citar alguns: primeiro, o “bem preparado” estudo que Afonso Pena
apresentou ao congresso, que comparava as condições de Várzea do Marçal e de
Belo Horizonte, baseado nos relatórios parciais de Aarão Reis; segundo fator, a
ambiguidade da conclusão do relatório de Aarão Reis que, como ressaltamos acima,
frisava que, ainda que Várzea do Marçal representasse melhor o centro de gravidade
do Estado por já contar, na época, com meios de comunicação em relação às demais
regiões de Minas, com o passar dos anos Belo Horizonte representaria de forma
melhor, se ligando mais diretamente a todos os pontos do Estado73; terceiro, é
possível afirmar que, feitos os pedidos de informações ao governo sobre a existência
de terras devolutas na Várzea do Marçal e em Belo Horizonte, só chegaram ao
congresso informações referentes a Belo Horizonte74.
Assim, depois de inúmeros embates, venceu Belo Horizonte, por pouco sobre
Várzea do Marçal. “Belo Horizonte venceu por dois votos: 30 contra 28. A pequena
diferença mostra a divisão de juízos. O resultado poderia facilmente ser outro, pois
houve ausência de 14 parlamentares”75.
Resende se indagou se estariam, por fim os congressistas, convencidos sobre
a superioridade de Belo Horizonte em relação a Várzea do Marçal. Os resultados
mostraram que não. Os grupos que desejavam a mudança de localidade da capital
permaneciam com os seus mesmos posicionamentos. Votaram por Belo Horizonte o
Centro (talvez porque, ainda que a capital saísse de Ouro Preto, continuaria na mesma
região), o Norte e alguns representantes da Zona dos Campos, local do qual sairia o
do bócio endêmico, girou grande parte da discussão. Aspectos mais graves como, por exemplo, a
existência de terras devolutas nas regiões indicadas, a vinculação da capital a uma estrada de ferro
pertencente a empresa particular, a Oeste de Minas, que cortava a Várzea, não chegaram a despertar
interesse que pudesse conduzir a alguma posição nova. Da leitura das atas da sessão extraordinária
de Barbacena, fica nítida a impressão de que se tratava uma discussão na qual a maioria dos
congressistas disputava coisa muito diferente, que não se situava no plano de determinar qual era de
fato o melhor local a ser escolhido para capital. Uma das raras exceções que se pode notar, foi a do
Senador Virgílio de Mello Franco, que defendia (...) uma mesma posição. Para ele, a capital de um
Estado nunca deveria ser interiorizada e sua localização próxima ao litoral era condição para uma
ligação aos estados vizinhos, de modo a tornar possível uma comunhão de ideias e de interesses”
(Idem, ibidem, p. 615).
73 Os laços entre Aarão e Reis e Afonso Penna podem ser compreendidos por meio da leitura do
relatório do engenheiro: “o desejo de corresponder mais uma vez, á honrosa confiança pessoal e
profissional, com que V. Ex. de longa data me distingue, determinaram me a acceitar a ardua
incumbencia, para que V. Ex. covidou-me”. Relatório de Aarão Reis. In: BARRETO, op. cit., 1996, Vol.
1, p. 256.
74 RESENDE, op. cit., 1973, p. 616.
75 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 216.
57
Mineiro em sua terceira sessão ordinária da 1ª legislatura. Ouro Preto: Imprensa Oficial do Estado de
Minas Gerais, 1893, p. 16-17.
58
Kubitschek) que mudou a capital federal do Brasil para Brasília pelos mesmos
motivos”82.
Para Iglésias, a cidade que abrigaria a nova capital seria representativa de um
ponto de partida, em que o futuro se estabeleceria a partir dela. “Lugar em que o tempo
não se repete, mas que tem pela frente a possibilidade infinita. Ouro Preto, ao
contrário, era percebida como símbolo de estagnação e decadência. O tempo
morto”83. Assim, segundo o autor, “não foi à toa que os dois lugares mais cotados
foram Várzea do Marçal e Curral D’El Rei, dois povoamentos interioranos que
desapareceriam para dar luz à cidade moderna, do tempo futuro” 84.
A respeito da localização da nova capital no Centro do Estado, de forma a
conferir união a todas as regiões mineiras, vale notabilizar que, na verdade, a capital
já se localizava no Centro, em Ouro Preto. Será que a unidade política e econômica
que tanto buscava Afonso Pena não foi alcançada enquanto Ouro Preto era a capital
por conta dos laços coloniais, da topografia, do ambiente e do clima, das limitadas
condições de higiene, das habitações inadequadas, da falta da modernidade que se
buscava com a República, que não se encontrava na antiga capital85?
A unidade econômica que se buscava para Minas Gerais parece não ter sido
alcançada, mesmo a capital tendo sido transferida86. Ainda que algumas regiões,
como o Centro, tenham se desenvolvido economicamente depois de alguns anos após
analisaremos as limitações que Ouro Preto apresentava na visão dos que defendiam a mudança da
capital.
86 “As paisagens de Minas Gerais, consequentemente, oferecem diferentes leituras ao historiador. O
Triângulo tomou forma como uma moderna economia agropecuária a partir da década de 1880. Cultural
e economicamente, era uma zona nova. O Norte, ao contrário, seguiu o curso da economia de estância
do século XVII, salvo uma corrida de diamantes (depois de 1830). Suas velhas cidades se estagnaram
nas margens dos vastos latifúndios até a chegada da estrada de ferro no final da década de 1920. O
Oeste exportou gado para o sul, sendo que suas cidades interligavam-se por meio de velhas trilhas de
gado e, no presente século, por estradas de ferro e rodovias. O café financiou a ascensão das zonas
da Mata e do Sul em meados do século XIX. As terras da zona da Mata eram indígenas até 1830, ano
em que a fronteira do café começou a expandir-se para o leste penetrando na floresta virgem. O sul
também desenvolveu uma agricultura calcada no café; no século XVIII, sua economia estivera centrada
na mineração de ouro. Durante a República Velha, estas duas zonas lideraram as outras em termos de
riqueza, população e poder político. O Centro perdeu terreno para a zona da Mata e o Sul em todo o
decorrer do século XIX, quando muitas famílias da elite se estabeleceram na agricultura, após migrarem
de uma decadente área de mineração. Lá, juntaram-se a outros migrantes do vale do rio Paraíba, para
formar uma nova elite (...) O longo declínio do centro cessou a partir de 1920, quando o
desenvolvimento de indústrias de bens de consumo, bancos e comércio deu uma base econômica à
nova capital política, Belo Horizonte. Com isso, o Centro recuperou a velha predominância,
especialmente após 1930” (WIRTH, op. cit., 1982, p. 43).
60
CAPÍTULO 2
A nova capital mineira, antes de ser inaugurada como tal, foi palco de
ordenamentos urbanos que se iniciaram em 1894, menos de um ano depois do antigo
Curral Del Rei ter sido escolhido como a localidade que se transformaria na sede do
governo mineiro. Sendo assim, este capítulo se iniciará tratando dos antecedentes da
nova cidade capital: Ouro Preto, que foi a capital mineira desde a época colonial;
Curral Del Rei, o antigo arraial que deu lugar a Belo Horizonte.
Já havia sido tomada uma decisão a respeito da nova sede governamental,
Ouro Preto apresentava problemas demais para representar o Estado mineiro no novo
período que se iniciara – o republicano. Já o Curral Del Rei, para que em seu lugar
nascesse Belo Horizonte, passaria por inúmeras transformações, seria, na verdade,
destruído.
A construção de Belo Horizonte ficou a cargo da Comissão Construtora da
Nova Capital e, por isto, também discorreremos neste capítulo sobre o planejamento
da Comissão Construtora para a nova capital. Por meio do planejamento, será
possível entender Belo Horizonte como uma cidade objeto de consumo, planejada
para ser utilizada e apreciada por seus habitantes, ou, por parte deles.
No ano de 1701, antes mesmo de Ouro Preto receber o título de capital mineira,
foi fundada nas proximidades uma fazenda, pelo bandeirante João Leite da Silva 2.
Seis anos depois, em 1707, o povoado já aparecia citado em documentos oficiais e,
em 1711, foi obtida uma carta de sesmaria com a delimitação da área pertencente ao
povoado3. O desenvolvimento da fazenda atraiu moradores e um arraial se formou,
tendo como atividades a pequena lavoura, criação e comercialização de gado, e
fabricação de farinha. “Os habitantes deram-lhe o nome de Curral Del Rey,
presumivelmente por causa do cercado ou curral ali existente, em que se reunia o
gado que pagava as taxas impostas pelo rei, segundo a tradição oral corrente”4.
2 CRUVINEL, Eduardo Henrique de Paula. Monumentos, Memória e Cidade: estudo de caso em Belo
Horizonte. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de
Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012, p. 50.
3 SENNA, 1948 apud ÁVILA, Cristina. História de Belo Horizonte: capital planejada. Belo Horizonte:
5 DIAS, Francisco Martins. Traços históricos e descritivos de Bello Horizonte. Bello Horizonte: Typ. do
Bello Horizonte, 1897, p. 14.
6 ÁVILA, op. cit., 2011, p. 11-12.
7 DIAS, op. cit., 1897, p. 15.
8 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 125-126.
65
A elite política de Ouro Preto, que desde o século XVIII defendia a manutenção
da capital na localidade, agiu na tentativa de transformar a cidade colonial numa
moderna cidade, nos moldes da modernidade republicana. Antes da escolha do antigo
Curral Del Rei para ser a sede do governo, houve uma última tentativa, por parte de
políticos ouro-pretanos, para conservação da capital em Ouro Preto.
Segundo Salgueiro, no ano de 1891, dois anos após o decreto de Deodoro da
Fonseca conferir poder aos governantes para a mudança de capitais e as discussões
ressurgirem no contexto mineiro, foi elaborada a Informação sobre o contracto
celebrado pela Intendencia Municipal para os melhoramentos da Cidade de Ouro
Preto, documento proposto por Cesário Alvim, representante dos opositores à
transferência da capital9. No ano de elaboração do planejamento, o deputado Monte-
Raso, contra a ideia de manter a capital em Ouro Preto, mencionou que a cidade não
inspirava as novas gerações, e era sinônimo de “desprazer e tédio”10.
9 SALGUEIRO, Heliana Angotti. Ouro Preto: dos gestos de transformação do “colonial” aos de
construção de um “antigo moderno”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 4, p. 125-163,
jan./dez. 1996, p. 131.
10 PRONUNCIAMENTO – Deputado José Fecundo Monte-Raso. Anais do Congresso Constituinte do
embelezamento, que se referia por extensão tanto à história administrativa quanto arquitetural. À
primeira vista o termo carece de precisão pois parece referir-se apenas à ornamentação; na verdade
implicava um trabalho técnico oficial de intervenção urbana, que embora parcial – como era comum no
XVIII –, explicitava-se em medidas inscritas numa mentalidade higienista, utilitária e estética, que incluía
a retificação de vias, a construção de mercados, teatros, pontes (...)” (SALGUEIRO, op. cit., 1996, p.
131, grifos da autora).
66
avesso, estavam Ouro Preto e o Arraial do Curral Del Rei, denominado Belo Horizonte,
após a proclamação da República”18. Tanto o cotidiano de Ouro Preto como o de
Curral Del Rei foram afetados pela mudança da capital:
18 Idem, ibidem.
19 Idem, ibidem.
20 “Os argumentos críticos se dirigiam à impossibilidade de crescimento urbano-industrial, e
Conservatório Imperial de Música. Atuou ainda no ramo jornalístico e literário no Rio de Janeiro, em
68
Minas Gerais, Alfredo Camarate relatou o encontro que teve com um alfaiate de Curral
Del Rei. O acontecimento foi revelador de um sentimento hesitante experimentado por
Camarate, ao ser confrontado a uma forma de vida que lhe parecia estranha, mas que
estava em vias de desaparecer para o nascimento da nova capital24.
Camarate escreveu que, ao procurar ser agradável com o alfaiate curralense,
citou nomes de alfaiates de destaque na Europa, mas não conseguiu tirar o alfaiate
de seu estado apático25. Camarate encomendou ao alfaiate algumas calças e, para
sua surpresa, lhe foi recusado o serviço: um profissional melhor e mais barato poderia
fazer a encomenda. Camarate saiu da conversa “cismado”26.
Seria grande o impacto que a construção da capital geraria no cotidiano dos
moradores do Curral Del Rei, “aquele território, quase intocado pelo homem”. Foi
descrito, no ano de 1895, em meio as obras de construção de Belo Horizonte, como
um lugar de “céu puríssimo”, as “serras verdejantes”, as “casinhas derramadas pelas
encostas”, “sossegadas e mudas”. “Por que trocar a paz deste arraial pelos ruídos e
bulício incontinenti das grandes cidades!?...”27.
Mesmo com falas de incertezas em relação a construção da nova capital,
predominava uma crença no progresso que a cidade nova traria para o Estado,
“sobretudo seu êxito em redimir o pequeno povoado, e por extensão toda Minas
Gerais, da ignorância e do atraso. Esperava-se que aquela gente simples, de
costumes caipiras aderisse aos padrões civilizados de vida”28.
Padrões civilizados de vida, de acordo com defensores da mudança da capital,
poderiam ser alcançados com a nova Cidade de Minas. Então, como continuar a
capital, sede do governo, em Ouro Preto? A cidade não apresentava nem as
condições ambientais básicas que uma localidade deveria ter. Segundo Monte-Raso,
a cidade, “do ponto de vista higiênico (...) vai se tornando um foco de graves moléstias,
principalmente depois do serviço de esgoto. As moléstias pulmonares são aqui
São Paulo, em Sabará e em Ouro Preto. SEGANTINI, Verona Campos. “Sensibilidades educadas:
percorrendo a cidade com Alfredo Camarate”. In: V CBHE – Congresso Brasileiro de História da
Educação, Universidade Federal de Sergipe, Aracajú, Sergipe, 09 a 12 de novembro de 2008, Anais
do Congresso, p. 02.
24 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 121.
25 Revista do Arquivo Público Mineiro, 1985, p. 47-48 apud JULIÃO, op. cit., 2011, p. 121.
26 Idem.
27 REVISTA GERAL DOS TRABALHOS. Comissão Construtora da Nova Capital. Rio de Janeiro: H.
Além dos problemas com a topografia das ruas (que eram estreitas e careciam
de nivelamento) e também problemas com os terrenos, havia outras questões que o
citado planejamento de 1891 não conseguiu resolver, como as casas em mau estado,
as limitações em relação a higiene, o clima desfavorável 33. Ainda, eram recorrentes
Saint Hilaire, em visita a Ouro Preto em meados do século XVII, casas em mau estado e morros faziam
parte da paisagem: “montanhas que por todos os lados dominam a cidade, casas antigas e em mal
estado, ruas que descem e sobem, eis o que nos apresentou aos olhos quando entramos na Capital
da Província de Minas”. SAINT HILAIRE, 1975, p. 69 apud FONSECA, Janete Flor de Maio. Tradição
e Modernidade: a resistência de Ouro Preto à mudança da capital. Belo Horizonte. Ouro Preto: Editora
UFOP, 2016, p. 22. Outro naturalista afirmou a pobreza presente na cidade: “o fato de ter havido
vidraças nas casas é mais indicativo de que seus antigos proprietários eram gente rica, em contraste
com os atuais habitantes, com suas mobílias pobres e grades de madeira nas janelas”.
BURMENSTEIN, 1835, p. 199 apud FONSECA, op. cit., 2016, p. 23.
32 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 123.
33 “O problema do abandono de Ouro Preto havia-se tornado, conforme se depreende dos Anais do
Congresso Constituinte, uma questão vital. Aliavam-se as ponderações sobre a topografia difícil a
incapacidade do município em arcar com as despesas da capital, a improdutividade dos solos das áreas
circunvizinhas, o desvio dos recursos do Estado para custeamento das obras da capital, as dificuldades
e os elevados ônus em transformá-la em centro do sistema viário estadual, a outras de alta importância
política, verdadeiras ameaças à segurança do Estado. A destruição da velha ordem é a tônica
dominante nos discursos de expressivos representantes das novas e importantes regiões econômicas
do Estado – a Mata e o Sul. E Ouro Preto, com a qual se rivalizava Juiz de Fora, centro político e
econômico da Mata, representava para as novas forças econômicas, em sua maioria de ideais
republicanos, o governo da opressão e da centralização, o reduto de uma camarilha e um obstáculo à
sua ascensão ao poder político”. RESENDE, Maria Efigência Lage de. “Uma interpretação sobre a
fundação de Belo Horizonte”. In: PAULA, Eurípedes Simões de. (Org.). Anais do VII Simpósio Nacional
dos professores universitários de História da Anpuh: A cidade e a história. Belo Horizonte, 1973, p. 608-
609.
70
pela burguesia ascendente, com sua mistura de estilos, profusão de materiais e edificações
monumentais. Um estilo que se prestava à exaltação das conquistas do progresso, pois assimilava e
exibia as inovações tecnológicas, como o emprego do ferro, citando padrões arquitetônicos remotos”
(JULIÃO, op. cit., 2011, p. 124).
36 PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. Instituições sociais e a resolução do problema da ação
coletiva: um estudo das associações trabalhistas de Belo Horizonte no início do século XX. Tese
(Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016, p. 82.
37 “Sua tentativa [a de Aarão Reis] de administrar científica e racionalmente as obras da nova Capital
esbarrou em problemas de ordem prática e política na trajetória do profissional que culminou na sua
substituição pelo engenheiro Francisco de Paula Bicalho, nascido na cidade mineira de São João Del
Rei no ano de 1847. Bicalho diplomou-se engenheiro civil, em 1871, pela mesma escola que Aarão
Reis teve boa parte de sua formação”. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a
reconfiguração dos espaços públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2012, p. 80.
71
Belo Horizonte deveria representar o novo estado das coisas, a nova ordem
republicana e os novos hábitos de vida e costumes sociais que chegavam ao Brasil e
que poderiam ser sentidos por sua população ou, pelo menos, por parte dela. Dentro
das transformações da passagem para o século XX, estavam as referentes ao espaço
urbano, e cidades poderiam ser vistas como objetos de consumo. Cidades pensadas
de forma que seus habitantes pudessem usufruir de seus espaços monumentais e de
lazer.
Celina Borges Lemos, ao ter estudado a cultura do consumo no centro de Belo
Horizonte, focou no final do século XX mas, para chegar ao seu período principal de
análise, a autora percorreu as transformações urbanas do centro urbano desde o
início do referido século. Escreveu a autora sobre o centro que aquela região, vista
“através da cultura do consumo e do consumo do lugar e lugar do consumo apresenta-
se neste trabalho como uma das possibilidades de se desenvolver tão relevante
aspecto da sociedade urbana contemporânea”39. A autora estudou Belo Horizonte
considerando os lugares de consumo, ou seja, os variados estabelecimentos
comerciais, de produtos e de serviços, presentes na capital, onde as pessoas
poderiam adquirir suas demandas. Mas também considerou a noção de consumo dos
lugares, ou seja, os espaços de Belo Horizonte foram vistos como lugares para serem
consumidos, apreciados, admirados pela população que deles desfrutavam.
Assim, é possível refletir sobre a cidade como objeto de consumo, dada a noção
de consumo do espaço. Os ordenamentos urbanos que se concretizaram em Belo
Horizonte na passagem para o século XX e que tiveram como base as transformações
urbanas nacionais e estrangeiras foram realizados para que a modernidade do
período pudesse ser sentida pelos habitantes da nova capital. Modernidade que
poderia ser concretizada não só por meio dos novos produtos, serviços e hábitos de
vida, que apontaremos, especialmente, nos capítulos quatro e seis desta tese, mas
também por meio da ocupação dos novos espaços urbanos, reformados ou – no caso
de Belo Horizonte – planejados para se materializarem.
38 LEMOS, Celina Borges. “Uma centralidade Belo Horizontina”. Revista do Arquivo Público Mineiro
(dossiê Belo Horizonte 100 anos depois), ano XLIII, n. 2, jul./dez. 2007, p. 94.
39 LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura do consumo no
centro tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010,
p. 17.
72
Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 30. Escala da planta: 1:4.000.
45“A planta da cidade dividiu-a em três setores: urbano, com 8.815.382 m 2; suburbano, com 24.930.803
m2; e rural com 17.474.619 m2. Planejou-se cuidadosamente a área urbana, na qual se previu um centro
administrativo, na Praça da Liberdade, onde se localizariam o Palácio do Governo e as Secretarias de
Estado, a construção de um grande parque municipal central, um amplo jardim zoológico, a subdivisão
de grandes lotes com área de 600m 2, o zoneamento da área comercial ao longo da Avenida Afonso
Pena, com 50 m de largura, etc. Construíram-se também sistemas de abastecimento de água e de
esgoto, de energia elétrica e de telefone. Infelizmente, depois de inaugurada a cidade, a comissão
construtora foi dissolvida e a continuação das obras não obedeceu a critérios uniformes e centralmente
definidos”. SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana – análise da evolução
econômica de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Companhia Editora
Nacional. Editora da Universidade de São Paulo, 1968, p. 219-220.
75
Ainda que no Almanack tenha sido descrito o lado positivo dos serviços de
água, rede de esgotos e energia elétrica, vale frisar que também existiam limitações,
pois depois de alguns anos de inauguração da capital, na década de 1910, o
abastecimento de água e a canalização dos esgotos se constituíam em problemas
para os prefeitos51. Problemas que podem surgir em qualquer cidade, mesmo aquelas
planejadas no papel, já que com o passar dos anos, o que fora planejado vai ganhando
novas formas de execução.
As regras arquitetônicas e os efeitos artísticos, a elegância e o conforto,
poderiam ser observados em algumas construções do espaço urbano central de Belo
Horizonte, como no prédio do Palácio Presidencial, no edifício da Faculdade de
Direito, e nos prédios das Secretarias do Interior e da Agricultura. Lugares ocupados
por uma elite mineira e belo-horizontina, mas que poderiam ser observados e
apreciados por quem os avistassem no centro de Belo Horizonte.
A respeito de um dos prédios da capital mineira, o Palácio Presidencial,
escreveu Joaquim Ramos de Lima:
Demais prédios públicos foram descritos por Joaquim Ramos de Lima, como o
da Secretaria do Interior, de conjunto simples e belo, trabalhado no mármore. “O tecto
deste salão é uma obra artistica e valiosissima, assim tambem o soalho que é de
mosaico de madeira imbutida. Neste salão está colocado o grandioso quadro A aurora
de 15 de Novembro, magnifico trabalho do pintor mineiro Belmiro de Almeida”54. O
edifício se localizava na Praça da Liberdade, bem como o da Secretaria da Agricultura.
O prédio da Secretaria da Agricultura foi descrito por Lima como o mais
grandioso dos edifícios referidos. “A sua concepção, em que predomina o bello estylo
toscano, foi magnifica”. A respeito da decoração “(...) é caprichosa e de grande realce.
O plafond do vão da escada é rematado em estuque e a sua decoração é belissima,
e bem assim a dos demais commodos sobresahindo-se a da sala do Secretario,
directorias, vestibulo e escadaria, esta, do systema Joly”55.
Além dos detalhes dos prédios públicos, outra determinação relevante da
planta de Belo Horizonte dizia respeito à preocupação com a vegetação e com os
espaços verdes: “as árvores acompanham a perspectiva das ruas porque é previsto,
56
SALGUEIRO, op. cit., 1997, p. 160, grifo da autora.
57RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Christiano Monteiro
Machado. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, outubro de 1928, p. 148.
79
64 Segundo Marins, sobre a capital mineira: “Em Belo Horizonte, inaugurada em 1897 sob forte
referenciamento das ideias zoneadoras francesas, o rígido controle proposto para a área central, fixado
num sistema de lotes, avenidas e ruas dispostos numa malha quadrangular circundada por uma
avenida de mediação periférica, mostrar-se-ia igualmente incapaz de regrar a rápida expansão das
habitações nos arrabaldes”. MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança: limites da
privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau
(Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 170.
65 Panorama de Belo Horizonte, Atlas histórico..., 1997, p. 27.
66 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 123.
82
É possível notar, por meio da planta, que a maior parte das praças da zona
urbana deveria se concentrar ao longo da Avenida Afonso Pena. E não somente as
praças passariam por transformações e alteração de número, diferindo do planejado
pela CNCC. Alguns espaços de lazer que poderiam ser consumidos pela população
da nascente cidade também diferiram do planejado, permanecendo como espaços
vazios e abertos, outros não foram nem mesmo construídos ou nomeados como havia
sido previsto67.
O bairro do Comércio se constitui num exemplo de localidade que não se
concretizou na prática: seria um local de consumo, já que contaria com
estabelecimentos comerciais que ofertariam produtos e serviços para a população,
mas podemos partir também da noção de consumo do lugar, já que seria um local que
contaria com ruas como a Afonso Pena, que concentraria espaços de lazer como as
praças. Como será possível compreender por meio do capítulo quatro, o comércio se
expandiu para além daquela área que deveria ser limitada a ele, sendo formados
outros circuitos comerciais em Belo Horizonte já no início do século XX.
CAPÍTULO 3
A cidade planejada para ser a nova capital mineira, construída num período tão
curto de tempo – em menos de quatro anos – foi também uma cidade de comerciantes
e consumidores, conforme documento da Fundação João Pinheiro, que analisou os
100 anos de comércio da capital mineira, no ano de 1997.
Tendo sido Belo Horizonte caracterizada desta forma, o presente capítulo vai
tratar de comércio partindo da noção de abastecimento, uma atividade que esteve
presente de forma relevante na formação econômica do Brasil desde o período
colonial. Na época de construção da capital, entre 1894 e 1897, se desenvolveu na
localidade um comércio embrionário, que abastecia os seus habitantes, tanto os que
já residiam no local, como os que chegaram para as obras de construção, os
trabalhadores da CCNC. Este comércio embrionário será assunto para a primeira
seção deste capítulo.
Em meio ao processo de desenvolvimento do comércio local, uma figura de
suma importância pode ser destacada: a do ambulante de gêneros. Habitantes da
área suburbana, mas especialmente da área de colônias e de adjacências de Belo
Horizonte, partiam para a área central da cidade para abastecê-la de produtos que
poderiam ser considerados de primeira necessidade e, sendo assim, abordaremos o
comércio feito pelos ambulantes de gêneros na segunda parte deste capítulo.
Aquele comércio embrionário que se iniciou na época de construção da capital
deu origem a um comércio de médio porte, uma das principais atividades econômicas
de Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX. Este será assunto da terceira
seção deste capítulo.
1 FJP. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro,
Centro de estudos históricos e culturais, 1997, p. 15.
2 Idem, ibidem.
3 Dentre outros estabelecimentos, foram de Ouro Preto para a nova capital mineira a Casa Salles, que
desde 1881 era casa comercial da antiga capital e foi transferida para Belo Horizonte em 1904 (FJP,
op. cit., 1997, p. 91). Também a Casa Deslandes, sucessora da Beliche Mineiro, oriunda de Ouro Preto,
se estabeleceu em Belo Horizonte. A Casa Deslandes comercializava, entre outros itens, sementes,
livros, jornais e remédios homeopáticos, “para todo o lugar servido por Estrada de Ferro a condição de
que a encommenda seja acompanhada da quantia, Valle Postal ou ordem pagavel à vista”. A Flor. Bello
Horizonte, 1907, p. 1, 3.
4 FJP, op. cit., 1997, p. 46.
5 A respeito dos estrangeiros, escreveu o organizador do Almanack da Cidade de Minas, em 1900: “As
nações extrangeiras são aqui representadas pelos italianos, hespanhoes, portuguezes e allemães,
predominando o elemento italiano com 3.000 homens, a hespanhola com 800, a portuguesa com 600
e a allemã com cerca de 600. Quase todos estes homens são operários. Estas nações têm aqui vice-
consulados”. LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa
Official do Estado de Minas Gerais, 1900, p. 14.
6 Sobre o movimento migratório em Belo Horizonte no início do século XX, ver: BOTELHO, Tarcísio R.
“A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX”. Cadernos de História, Belo
Horizonte: PUC Minas, v. 9, n. 12, p. 11-33, 2º sem. 2007.
7 FJP, op. cit., 1997, p. 60.
87
8 OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos espaços públicos em
Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 103.
9 BOTELHO, 2007 apud OLIVEIRA, 2012, op. cit., p. 103.
10 Havia escassez de pão e carne de vaca, por exemplo. A falta de carne “causava insatisfação aos
novos habitantes de nível mais alto, originários de cidades como Ouro Preto e São João del-Rei. Para
atender a essa freguesia, os comerciantes decidiram matar um boi ao dia, mas, despreparados para
essa atividade, o faziam de forma rudimentar”. Não existia na época da construção da capital um
matadouro ou alguma forma de fiscalização sanitária. Apenas em 1900 foi aprovada normatização que
criava uma seção de higiene na prefeitura da Cidade de Minas e que regulamentou-se também o
matadouro, este criado em 1901 (FJP, op. cit., 1900, p. 38).
88
transportes: lentos e pesados carros de bois circulavam pela região 11. Dessa forma,
Aarão Reis, como engenheiro responsável pela construção da cidade, solicitou a
implantação de um armazém para atender à população a baixo custo12.
Com a chegada dos novos consumidores – não só os trabalhadores
responsáveis pela construção de Belo Horizonte, mas depois, os funcionários públicos
que auxiliariam na administração da nova cidade e seus familiares – comerciantes de
outros locais eram atraídos para montar seus negócios na cidade que era criada13.
Naquele contexto, novos costumes de vida passavam a fazer parte daquela estrutura
social, como os relacionados ao horário de funcionamento do comércio local:
e sua história. Belo Horizonte: Escritório de histórias, 2017, p. 25; FJP, op. cit., 1997, p. 38.
13 “A imagem de Belo Horizonte associada a “funcionários públicos” parece menos esclarecer, e mais
encobrir, o espaço urbano, pois, antes mesmo da inscrição desse sentido, já um burburinho agitava a
cidade e introduzia sensível modificação em seu interior: tendas, armazéns, burros que puxavam
carroças no leva-e-traz de ferragens, café com pão, pás, banha” (FJP, op. cit., 1997, p. 18).
14 Idem, ibidem, p. 43.
15 Idem, ibidem, p. 39.
16 Bello Horizonte. Bello Horizonte, 1895.
89
17 Vendiam de tudo se consideramos as necessidades mais básicas daquela população local na época
de construção da capital, como a de alimentos e de bebidas, a de alguns utensílios domésticos e de
materiais para construção da capital. O vender de tudo diz respeito, especialmente, a não existirem
ainda casas comerciais especializadas em vender apenas determinados tipos de produtos.
18 FJP, op. cit., 1997, p. 40.
19 “Nesse sentido, a relação consumidor/comerciante acompanha o ritmo e o adensamento da cidade,
remetendo à relação espaço-tempo da realidade social elementos constitutivos do urbano (...) Assim
também a evolução das relações sociais e das formas de sociabilidade se situa no processo de
estruturação social do espaço urbano, intimamente ligado ao crescimento e à diferenciação da
população” (FJP, op. cit., 1997, p. 18).
20 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 2: Os
jogos das trocas. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 57.
21 FJP, op. cit., 1997, p. 40.
22 Idem, ibidem, 41.
90
mantimentos, vinhos, conservas, doces, roupas, gêneros brasileiros 25. Eram aqueles
e outros os estabelecimentos comerciais que “exibiam o espetáculo do conforto
urbano”26, que aos poucos tomavam o lugar do antigo Curral Del Rei27.
Em junho de 1897 foi instalado o Café Mineiro, na rua Guajajaras. Iniciava-se,
então, a vida noturna da capital, assinalando para a diferenciação dos
estabelecimentos comerciais, até então caracterizados pela multifuncionalidade. A
Farmácia Abreu, que era um comércio, mas também ponto de encontro de
funcionários responsáveis pela construção da capital, se constitui num exemplo de
estabelecimento caracterizado pela multifuncionalidade, já que era uma farmácia, era
ponto de encontro e era local para se tomar um café. O Café Mineiro, instalado no ano
de inauguração da capital, era estabelecimento com função específica: local de ponto
de encontro para um café, de funcionamento noturno. Data também da época de
inauguração da capital o início da “zona boêmia”, localizada no Hotel Floresta, na
avenida do Contorno e frequentada pelo operariado e pelas “mulheres de vida fácil”28.
Conforme Belo Horizonte ia sendo construída, habitantes chegavam de
distintas regiões nacionais e internacionais – não apenas os trabalhadores que
construíram a capital; mas também comerciantes que viram na nova cidade uma forma
para ampliação de seus negócios; funcionários públicos, que auxiliariam na
administração da nova capital do Estado; prestadores de serviços variados e
profissionais liberais29, que ofertariam os serviços que aos poucos seriam
que o comércio – ainda que de forma incipiente –, já naquele momento, começava a se profissionalizar
na relação com os consumidores, ou “fregueses”, como eram chamados. Muitos anos se passarão até
que eles se transformem em “clientes”, no percurso de uma relação comerciante/freguês personalizada
para uma profissional e técnica, objeto de diferentes e sofisticadas estratégias de marketing dos dias
de hoje” (FJP, op. cit., 1997, p. 44).
28 FJP, op. cit., 1997, p. 43. “Um outro elemento da vida cotidiana capitalista que toma força neste
momento é o hábito da vida noturna. Em São Paulo, costumes boêmios já haviam surgido com a
fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas, seria somente na virada do século
que as oportunidades de diversão se multiplicariam. Seriam profusos os teatros, restaurantes, hotéis,
cabarés, cafés-concerto, onde se dançava o cancã, e, porque não, prostíbulos, como o de Madame
Pommery, cafetina do consagrado romance que leva o seu nome. Além disso, agora as ruas contavam
com a presença da energia elétrica, que prolongava o dia para os amantes da noite”. OLIVEIRA, Milena
Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-1915). Tese (Doutorado
em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2009, p. 117.
29 Tanto os prestadores de serviços como os profissionais liberais ofertam serviços à sociedade. A
diferença entre as duas ocupações é que os prestadores de serviços não contam, necessariamente,
com uma formação acadêmica. Dentre os prestadores de serviços de Belo Horizonte na passagem
para o século XX, podem ser citados: cocheiros e carroceiros, carpinteiros e marceneiros, alfaiates e
93
modistas, barbeiros, fotógrafos, dentre outros. Eram profissionais liberais da capital, dentre outros:
médicos, dentistas, advogados, professores, arquitetos e engenheiros.
30 BRAUDEL, op. cit., 1998, Vol. 2, p. 415, grifo do autor.
94
38 BRAUDEL, op. cit., 1998, Vol. 2, p. 58. Na França, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, os
mascates receberam nomes diversos para designar um conjunto de ofícios que escapavam às
classificações razoáveis: “um amolador saboiano, em Estraburgo, 1703, é um operário que “mascateia”
seus serviços e perambula como muitos limpa-chaminés e empalhadores de cadeiras; um maragato,
camponês das montanhas cantábricas, é um arrieiro que transporta trigo, lenha, aduelas de pipas,
barris de peixe salgado, tecidos de lã grosseira, conforme vai dos planaltos cerealíferos e vinícolas de
Castela Velha para o mar ou vice-versa; é, além disso, segundo a expressão figurada, vendedor en
ambulancia, pois ele próprio comprou para revender tudo ou parte das mercadorias que transporta”
(Idem, ibidem, p. 58-59).
39 FJP, op. cit., 1997, p. 74.
40 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho Meirelles. Bello
lenha, capim e carvão, gêneros alimentícios e alguns outros gêneros, desde a época
de formação da capital44.
De acordo com o organizador do Almanack da Cidade de Minas, em 1900 “a
Capital é trafegada diariamente por enorme quantidade de vendedores ambulantes e
por carrocinhas que conduzem bagagens, carne, pão, legumes e generos do paiz que
são vendidos em casas particulares”45. Por meio de dados e informações do Almanack
elaboramos a tabela 3.1., que mostra os gêneros comercializados pelos ambulantes
na capital:
Gêneros Quantidade %
Lenha, capim e carvão 63 48,09%
Carnes secas e salgadas 8 6,11%
Querosene 2 1,53%
Latoeiro 1 0,76%
Leite, cereais e gorduras 4 3,05%
Peixes 2 1,53%
Galinhas, ovos, leite, frutas, verduras 34 25,95%
Cadeiras de cipó 1 0,76%
Quitandas e doces 12 9,16%
Livros 1 0,76%
Roupas 1 0,76%
Amoladores 2 1,53%
Total 131 100,00%
Fonte: LIMA, 1900, p. 99-102.
44 “Há registros de alguns ambulantes nesse período [época de construção da capital], como um italiano
que vendia querosene com uma lata e um funil, e outro que vendia cigarros e demais artigos para
fumantes em uma carrocinha puxada por dois bodes. Também em carrocinhas era entregue o pão”
(FJP, op. cit., 1997, p. 44). Na época de construção de Belo Horizonte, vendedores ambulantes também
partiam de Ouro Preto para ofertarem seus produtos no lugar que abrigaria a nova capital mineira,
vendiam a prazo e emprestavam para outros comerciantes (Idem, ibidem, p. 182).
45 LIMA, op. cit., 1900, p. 14.
46 FJP, op. cit., 1997, p. 72.
99
naquela época, em que o fogão a gás47 era, ainda, uma novidade para muitas
cozinhas.
47 Foi nos Estados Unidos, a partir de 1860, que os fogões a gás começaram a ser fabricados. Tais
produtos se tornaram populares, porém, em 1876, por meio de uma Exposição Universal, que
possibilitou que os fogões a gás dominassem o mercado estadunidense nas duas décadas iniciais do
século XX. BUSCH, 1983, p. 224 apud SILVA, João Luiz Maximo da. “Transformações no espaço
doméstico – o fogão a gás e a cozinha paulistana, 1870-1930”. Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. v. 15, n. 2, p. 197-220, jul./dez., 2007, p. 210.
48 Idem, ibidem, p. 210.
49 Beatriz Borges Martins, ao lembrar de sua infância em Belo Horizonte, por volta da segunda década
do século XX, ressaltou a importância do fogão a lenha, não apenas para cozinhar: “O aquecimento da
água para os banhos também dependia desse fogão a lenha, de onde saíam umas serpentinas, que
levavam a água quente para a caixa do banho”. MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização
de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 20. A
autora, que nasceu em Belo Horizonte em 1913 e faleceu em 2010, ao escrever A vida é esta...,
contribuiu de forma muito importante para a compreensão do cotidiano de sua família e da cidade de
Belo Horizonte do século XX. O capítulo seis desta tese trará mais detalhes sobre a família da escritora.
50 SILVA, op. cit., 2007, p. 210.
100
e, depois, foram os fogões de ferro, com base também na lenha e no carvão, por fim,
passaram a ser utilizados fogões a gás, que chegaram no Brasil por meio de uma
empresa que atuava nos ramos de eletricidade e gás, a Light 51. Numa época de
transformações de padrões de consumo e de hábitos de vida, em que a cozinha
também era ambiente de transformações, a Light centrou na divulgação do uso de
novos combustíveis para o ambiente doméstico, elegendo o fogão a gás como
principal produto52.
No ano de 1900, quando grande parte dos ambulantes de gêneros de Belo
Horizonte comercializava lenha, capim e carvão, o fogão a gás era um novo produto
para consumo que estava sendo descoberto. E mesmo que os fogões a gás fossem
ganhando espaço nos interiores domésticos, os fogões a lenha foram preferidos aos
fogões a gás em muitos lugares do interior brasileiro, durante décadas após o início
do século XX.
O segundo seguimento com maior número de ambulantes de gêneros em 1900
era o de alimentação: 34 ambulantes ofereciam galinhas, ovos, leite, frutas, verduras;
12 ofertavam quitandas e doces; 8 comercializavam carnes secas e salgadas; 4
ambulantes ofereciam leite, cereais e gorduras; e, 2 ambulantes de gêneros vendiam
peixes, totalizando 60 vendedores ou aproximadamente 46% de ambulantes. Para a
comercialização de determinados gêneros alimentícios, havia legislação específica:
era proibido o comércio de aves em bandos ou suspensas pelas ruas ou de asas
atadas; os doces e os biscoitos deveriam ser acondicionados em caixas próprias, de
vidro ou tela fina, e cobertas53.
O restante dos ambulantes comercializava gêneros distintos: querosene,
artefatos de metal, cadeiras, livros e roupas54, e dois deles eram amoladores, ofício
de pessoas que consertavam determinados objetos, como facas e tesouras. Os que
comercializavam tais gêneros eram oito, 6% dos ambulantes.
51 Sobre a atuação da companhia Light no Brasil, cf.: SAES, Alexandre Macchione. Conflitos do Capital:
Light versus CBEE na formação do capitalismo brasileiro (1898–1927). São Paulo: EDUSC, 2010.
52 SILVA, op. cit., 2007, p. 209.
53 FJP, op. cit., 1997, p. 72.
54 Segundo Beatriz Borges Martins, na época de sua infância, entre o final da década de 1910 e o início
da década de 1920, havia em Belo Horizonte ambulantes que vendiam materiais para a confecção de
roupas: “passavam pela rua, batendo uma matraca, e vendiam panos, rendas, fitas, enfim, coisas de
costura” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 39-40).
101
55 TJMG. Inventário post-mortem, 1906, AP/Contagem, maço 28, registro 04.01.06.05.05. 008.
56 TJMG. Inventário post-mortem, 1917, AP/Contagem, maço 74, registro 04.03.09.11.04. 012.
57 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço 1B, registro 04.03.04.09.10.04.004.
58 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço 20, registro 04.01.06.04.04. 001.
103
abastecer a cidade, conforme pode ser notado por meio do mapa 3.1. e da tabela 3.2.
São locais que realmente se localizavam nas áreas rurais de Belo Horizonte.
A divisão entre espaço rural e urbano em Belo Horizonte implicava numa
separação social e econômica. Os ambulantes de gêneros pertenciam a uma área
que, no plano da CCNC, era uma área destinada a abastecer tanto a área suburbana
como a área urbana. Os ambulantes eram pessoas de menos posses e que habitavam
uma área diversa daquela ocupada – seja para moradia ou para trabalho – pelos
funcionários públicos, profissionais liberais e comerciantes de mais posses,
estabelecidos na região central de Belo Horizonte.
Dentre as transformações pelas quais passaram os espaços urbanos de Belo
Horizonte logo nas duas décadas iniciais do século XX, esteve a incorporação de
colônias agrícolas ao perímetro suburbano da capital:
59Panorama de Belo Horizonte, Atlas histórico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais Belo Horizonte (Coleção Centenária), 1997, p. 27.
104
A região que menos cresceu no período foi a urbana. Isso pode ser explicado,
primeiro pela área destinada a zona urbana da capital na planta original: foi reservada
área de 8.815.382 metros quadrados para a zona urbana, enquanto para a área
suburbana foram destinados 24.930.803 metros quadrados e para a área de colônias,
17.474.619 metros quadrados60. Além da menor metragem destinada ao perímetro
urbano, as casas deveriam ser construídas de acordo com rígidos padrões, o que não
era possível a todos os habitantes da capital61. Ainda, os altos preços na área urbana
também contribuíam para que o seu crescimento fosse o menor dentre as três áreas
ao longo do tempo62.
baixa renda adquirir terreno e construir moradia de acordo com os padrões da prefeitura. Em 1923, por
exemplo, o diretor de obras da prefeitura sugeria que as construções comerciais na zona urbana não
deveriam ter menos de dois pavimentos, e que caso houvesse necessidade de habitação permanente,
seriam implicadas regras de higiene específicas” (OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 109-110).
62 “A especulação imobiliária, por exemplo, com o alto número de concessões de lotes e terrenos
passou a ser encarada como “problema” pelos prefeitos no fim da década de 1910. A administração
pública reconhecia que a grande quantidade de lotes e construções inativas haviam se tornado um
105
De acordo com o prefeito Flávio Fernandes dos Santos, por exemplo, no ano
de 1923, nas residências particulares, deveria:
Santos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1923, p. 115.
106
Nas duas décadas iniciais do século XX, alguns comerciantes que possuíam
estabelecimento fixo passaram a entregar mercadorias de porta em porta. Nas
palavras de Beatriz Borges Martins: “Naquele tempo – entre 1910 e 1920 –, não só os
mascates andavam de porta em porta, mas também os padeiros, os açougueiros, os
verdureiros, os fruteiros, todos entregavam tudo em domicílio”64. Os vendedores a que
a autora se referiu certamente eram, de acordo com nossa definição de mascates a
ambulantes do início desta seção, as duas categorias de comerciantes, tanto
brasileiros (que comercializavam lenha, capim, carvão, produtos hortigranjeiros, doces
e quitandas), como imigrantes que vieram de outras nacionalidades (para vender
roupas, tecidos, armarinhos, louças, etc, a preços reduzidos e aceitando o pagamento
em prestações). A diferença entre os “mascates” descritos pela autora e os outros
comerciantes que passavam a levar seus produtos de porta em porta, é que os
primeiros não possuíam comércio estabelecido na cidade, partindo das áreas
coloniais e das imediações de Belo Horizonte com seus produtos.
Sobre um dos comerciantes que possuía estabelecimento comercial, mas que
fazia questão de levar os produtos nas casas dos clientes, escreveu Martins: “lembro-
me de que o caixeiro do armazém em que vovó e mamãe compravam ia lá em casa,
à tarde, com o caderno em que elas escreviam o que precisavam e, no dia seguinte
cedo, ele levava as encomendas”65.
Fora os ambulantes de gêneros de necessidades mais elementares, o cenário
da capital mineira também fora marcado por aqueles que supriam necessidades não
tão básicas das camadas mais abastadas da população. Segundo Beatriz Borges
Martins, sobre a época de sua infância:
Ainda no início do século XX, era comum passar nas portas “uma mulher com
um balaio, vendendo “bruxas”, pequenas bonecas de pano artesanais”, o que divertia
as crianças da época. “Além desses, havia o “homem das gargalhadas”, um tipo de
rua curioso: parava em frente às casas e dava gargalhadas estrondosas durante
vários minutos – por isso, recebia uns trocados”67.
Os vendedores ambulantes supriam, especialmente, as demandas de primeira
necessidade da população de Belo Horizonte, como a relacionada à alimentação; mas
não apenas elas, pois comercializavam também serviços (os amoladores são um
exemplo) e estavam presentes no cotidiano por meio do oferecimento do lazer, como
brincadeiras e objetos para divertimento.
A vida na cidade criada para ser a capital moderna avançava e, se o comércio
embrionário e de abastecimento supriram a população sobretudo de suas
necessidades mais elementares, vale destacar um comércio de médio porte que se
desenvolveu em Belo Horizonte e que disponibilizava para a população alguns artigos
diferenciados, como bens importados, e serviços diversos. Aquele comércio de médio
porte pode ser considerado uma das principais atividades a contribuir para o
crescimento da economia belo-horizontina, o que poderá ser conferido por meio da
seção abaixo.
cantaria. No lado posterior existe um pavilhão central, quadrangular, com columnas, tendo uma area
total de 100 m2, completamente aberto. Esse pavilhão é destinado ao commercio dos tropeiros que
farão seus negocios, separados dos demais mercadores. O edificio tem uma frente de 42 ms. de
comprimento, por 4 ms. de largura e duas alas lateraes que medem 21 ms. de comprimento por 4 ms.
de largura, cada uma. O frontespicio é embellesado por dois torreões de 13 ms. de altura, por 4 ms. de
comprimento e 4 ms. de largura collocados nas duas extremidades. O portão principal, bella peça
110
É bastante curioso este movimento que traz consigo uma grande lição,
e que consegue por todos os meios fomentar a boa e sã colonização
nas vizinhanças da cidade. Todos os generos da pequena lavoura
podem ser de producção local, ficando o resultado em circulação aqui
nesta praça, que será ao mesmo tempo – productora e consumidora74.
ornamentada, medindo 4 ms. de largura, está collocado na parte central. As frentes e as duas alas
lateraes, são divididas em 48 pequenos commodos de 2. ms X 2. ms, subdivididos, entre si até a altura
de 1 metro, por, chapas de ferro d’ahi para cima, com grades. Todos esses commodos são munidos
de portas para o exterior. Em toda a largura desses compartimentos, para o lado externo, existem
grades de ferro entreliças, que podem fechar ou abrir á vontade, sendo elles destinados a diversos
ramos de commercio a varejo tendo uma mesa e varias prateleiras. O edificio é coberto de zinco e
circumdado por um passeio de dois metros de largura, protegido pela saliencia do telhado, tendo o
chão cimentado. Têm 16 ms2 os dois compartimentos correspondentes aos torrões empregando-se
nelles o mesmo systema de grades. O seu aspecto geral é severo e agradável” (LIMA, op. cit., 1900,
p. 17-18).
72 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro.
no Sul de Minas, décadas de 1880-1920: Alfenas, Guaxupé, Machado e Três Pontas”. In: SAES,
Alexandre Macchione; MARTINS, Marcos Lobato; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. (Orgs.). Sul de
112
Minas em Urbanização: modernização urbana no início do século XX. São Paulo: Alameda, 2016a, p.
141-172; MARTINS, Marcos Lobato. “Paisagens do passado no Sul de Minas: os ambientes rurais
regionais e sua transformação pelo avanço da cafeicultura (décadas de 1870-1920)”. In: SAES,
Alexandre Macchione; MARTINS, Marcos Lobato; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. (Orgs.). Sul de
Minas em urbanização: modernização urbana no início do século XX. São Paulo: Alameda, 2016, p.
173-201.
83 PEREIRA, Ligia Maria Leite; FARIA, Maria Auxiliadora de. Associação comercial de Minas Gerais:
educacionais no Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Gerais (1903). Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 35, 98.
85 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. Francisco Antonio de Salles ao Congresso
Mineiro em sua 1ª sessão ordinária da 4ª legislatura no ano de 1903. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. Ministério da Educação e Saúde Pública, 1903, p. 07.
113
1906, foi fundada a Drogaria Araújo, do Sr. Modesto Araújo, pai de nossa colega Marília. Essa Drogaria
continua firme e, atualmente, em plena expansão pela cidade” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 52).
90 FJP, op. cit., 1997, p. 185.
114
91 VERAS, Felippe; MORETTI, Antônio (Orgs.). Almanack: guia de Bello Horizonte. Belo Horizonte:
Typographia Commercial, 1913.
92 JACOB, Rodolpho. Minas Gerais no XX século. Rio de Janeiro: Gomes Irmãos, 1911, p. 428-430.
93 NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 45.
94 Revista Comercial. Bello Horizonte, anno II, n. 18, novembro/1916, p. 21.
115
101 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Affonso Vaz de Mello.
Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1921, p. 19
102 Idem, ibidem.
103 Em 08 de setembro de 1893, ano em que Belo Horizonte foi escolhida para ser a nova capital
mineira, vereadores da Câmara Municipal varginhense sancionaram uma lei que ordenava o
fechamento das casas comerciais do município às 16h em domingos e dias santos, sendo que o
descumprimento da lei geraria multa; eram isentos da lei farmácias, botequins, hotéis e bilhares. Como
117
tal medida gerou insatisfação para os comerciantes, no outro dia, 09 de setembro de 1893, os
vereadores da Câmara suspenderam a lei do dia anterior. Em 1899, por decisão dos vereadores da
Câmara Municipal, os comércios varginhenses deveriam fechar suas portas às 15h30 em dias santos
e feriados. Em 1913, foi proposto por um vereador da Câmara que os estabelecimentos comerciais
encerrassem suas atividades às 13h aos domingos e dias santos. Os comerciantes não aceitaram a
medida, enviando abaixo-assinado aos vereadores, que não alteraram a medida e elaboraram a “Lei
do Descanso Dominical”, à qual ordenava que a grande maioria dos estabelecimentos comerciais
varginhenses não deveria abrir suas portas aos domingos, sob multa caso houvesse descumprimento.
Como ocorreu, novamente, descontentamento por parte da classe comercial, no ano de 1916, os
vereadores da Câmara sancionaram lei que permitia que todas as casas comerciais poderiam se
manter abertas até às 14h30 nos domingos e dias santos. As discussões sobre o horário de fechamento
dos comércios varginhenses não terminaram em 1916. E esse embate mostra distintos interesses de
classes no interior mineiro: de um lado, o poder público e, de outro lado, a classe comercial, assim
como em Belo Horizonte. Sobre os embates entre os vereadores da Câmara Municipal varginhense e
os proprietários de comércios do município, ver: FERREIRA, Natânia Silva. Elite Agrária e processo de
Urbanização: o município de Varginha-MG (1882-1920). Dissertação (Mestrado em História
Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2017, p. 103-104, 115-116.
104 Trataremos novamente de tal loja no capítulo seguinte, quando abordarmos o comércio com base
economia local: a primeira delas foi o Instituto João Pinheiro, fundada em 1921; depois
foi inaugurada a Escola de Comércio e, por último, o Instituto Comercial da capital109.
Outras instituições foram criadas na década: em 1924 foi instalada a primeira feira
livre, no bairro Funcionários, além de ter sido fundada a União dos Empregados do
Comércio de Belo Horizonte; em 1929, depois de reivindicações do setor comercial,
foi criada a Alfândega Seca110.
Até por volta de 1930, a grande maioria das casas comerciais estabelecidas
nas áreas centrais explicitava que a forma de pagamento era à vista, ou “a dinheiro”,
como se falava na época; apenas compradores que fruíam da amizade dos
comerciantes realizavam seus pagamentos a prazo. Proença & Irmão, na avenida
Paraopeba, frisava em 1902, com letras maiúsculas, que só negociava à dinheiro:
No início deste capítulo, ressaltamos que Belo Horizonte foi, também, uma
cidade de comerciantes e de consumidores. E, realmente, o setor comercial foi um
dos mais importantes – senão a atividade econômica mais importante – da capital
mineira nos anos iniciais do século XX. A cidade descrita como dos funcionários
públicos, dos imigrantes, dos profissionais liberais foi, ao mesmo tempo, a cidade dos
comerciantes e dos consumidores.
Quando a capital começou a ser construída, em 1894, um comércio
embrionário, que ainda carecia de sistematização, abastecia os habitantes de Belo
Horizonte, os que pertenciam aquele espaço desde quando fora um arraial e aqueles
que passaram a habitá-lo por conta das obras de construção. Mesmo com algumas
dificuldades inicialmente, como a falta de alguns produtos, era com aquele comércio
que os moradores da capital contavam na época de sua construção. A construção de
uma nova capital significava, para alguns comerciantes, a oportunidade de
alavancarem seus negócios.
No ano de 1900, tendo já sido inaugurada a Cidade de Minas, foi possível
observar que as necessidades mais básicas da população da capital eram supridas
CAPÍTULO 4
Algumas das ruas da zona urbana destacadas acima foram locais de comércio
da capital mineira entre o final do século XIX e o início do século XX, como as ruas da
Bahia, Caetés, Tupinambás, Guajajaras e Espírito Santo e a Avenida Afonso Pena 4.
Foram ruas que, além de possibilitarem aos consumidores uma variedade de produtos
e de serviços, foram também objetos de consumo, com a rua da Bahia, que
concentrou espaços de lazer e foi ponto de encontro de habitantes da capital no início
do século XX. Da mesma forma, a avenida Afonso Pena, além de ser um lugar de
consumo, onde os belo-horizontinos poderiam adquirir produtos, se constituía em um
lugar que poderia ser consumido pelos habitantes da capital, pois vale ressaltar que a
avenida era a maior da cidade no início do século XX, considerando largura e
extensão, além de ser uma das mais arborizadas da capital.
1 LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa Official do
Estado de Minas Gerais, 1900, p. 12.
2 Sobre a toponímia de diversas ruas e avenidas de Belo Horizonte, cf.: GOMES, Leandro José
Magalhães. Memória de ruas. Dicionário Toponímico de Belo Horizonte. 2 ed. Belo Horizonte: Crisálida,
2008.
3 LIMA, op. cit., 1900, p. 13.
4 A grafia do nome das ruas e avenidas variava dependendo da fonte analisada, mas optamos por
Por meio da planta a seguir, que mostra a comparação do antigo Curral Del Rei
com a Cidade de Minas, é possível observar alguns caminhos da capital mineira, como
o da avenida Afonso Pena, destacado em amarelo:
Planta 4.1.: Planta cadastral do antigo Curral Del Rei comparada com a planta da
nova Capital
Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 22. Escala da planta: de 1:4.000.
do Comércio5, atual avenida Santos Dumont6. A rua do Comércio seria uma das
principais do bairro do Comércio, que contaria também com a avenida Afonso Pena,
rua dos Caetés, rua Guarani, avenida Paraná e rua Curitiba7.
Todavia, o planejamento da comissão construtora não funcionou por completo
na prática, mesmo Belo Horizonte tendo sido uma cidade projetada. Vale evidenciar
que, enquanto outras cidades brasileiras, como as capitais São Paulo e Rio de
Janeiro8, passaram por transformações urbanas na passagem do século XIX para o
XX, Belo Horizonte foi planejada já nos moldes de um plano nacional de urbanização.
Ainda assim, com um detalhado planejamento urbano, a atividade comercial, por
exemplo, logo nos anos iniciais de Belo Horizonte como capital, se expandiu do bairro
do Comércio, extrapolando o planejamento inicial. “Integrando as pessoas e as coisas,
o comércio vai ocupando a cidade, chegando perto do “poder” e, de certa forma,
rompendo a idealizada hierarquia funcional do projeto de Aarão Reis”9.
Dadas tantas ruas e avenidas da capital mineira, alguns caminhos planejados
pela CCNC e outros que surgiram depois com o desenvolvimento da cidade,
discutiremos neste capítulo sobre três circuitos de comércio específicos: circuito da
rua da Bahia; circuito da avenida Afonso Pena e da rua Caetés; circuito das ruas
Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás. A rua da Bahia foi aquela que,
especialmente no início do século XX, concentrou maior número de estabelecimentos
comerciais de produtos, de serviços e de lazer em Belo Horizonte. A avenida Afonso
Pena e a rua dos Caetés foram localidades que comercializaram elementos materiais
da indumentária e da moda das vestimentas. As ruas Guajajaras, Espírito Santo e
5 “No início do século [XX], a avenida do Comércio era, especificamente, a área do comércio atacadista.
Recebendo, posteriormente, o nome de “Santos Dumont” – em homenagem ao inventor, por ocasião
de sua visita a Belo Horizonte –, a avenida abrigava também pequenas indústrias (de velas, massas,
sabão, açúcar e bebidas, de descascar e ensacar arroz) e muitas pensões e hotéis, dada a proximidade
com a Praça da Estação. A grande concentração, entretanto, era de “secos e molhados” existindo, em
1913, só nessa avenida, mais de sete estabelecimentos do gênero (...) Somente por volta da década
de 40 o comércio atacadista se transferirá para as ruas Oiapoque e Guaicurus, e a avenida Santos
Dumont será ocupada pelos varejistas, no espaço liberado pela demolição dos grandes armazéns”.
FJP. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro –
Centro de estudos históricos e culturais, 1997, p. 51.
6 NEVES, Osias Ribeiro; AMORMINO, Luciana. BH 120 anos – Um olhar sobre a cidade, seu comércio
15 MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens
e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 113.
16 A importância da publicidade reside na sua função de acrescentar “calor” aos objetos. Sem a
publicidade, “eles não seriam o que são” (BAUDRILLARD, op. cit., 2015, p. 180). Assim, “sem crer no
produto, as pessoas acreditam na publicidade que as faz crer no produto” (Idem, ibidem, p. 176). A
publicidade move “o significado do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo”
(MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 120).
17 FJP, op. cit., 1997, p. 51-52.
128
moda não rege apenas o vestuário”. A moda rege a maneira de se vestir e, da mesma forma, a maneira
de escrever e de agir. “Esta moda que toca em tudo é a maneira como cada civilização se orienta. É
tanto o pensamento como o traje, a expressão de sucesso como o gesto de coquetterie, a maneira de
receber à mesa, o cuidado ao fechar uma carta. É a maneira de falar (...) É a maneira de comer (...).
Jantar, no século XVIII, era o que nós chamamos almoçar (...)”. BRAUDEL, Fernand. Civilização
Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 1: As estruturas do cotidiano: o possível e
o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 296. Ainda, “moda
também a maneira de caminhar e não menos a de saudar. Dever-se-á tirar o chapéu ou não? (...) É
ainda o cuidado dado ao corpo, ao rosto, ao cabelo” (Idem, ibidem).
129
No início do século XX, a avenida Afonso Pena e rua dos Caetés, localidades
do bairro que foi planejado para ser do comércio, concentraram estabelecimentos
comerciais destinados a moda da indumentária e das vestimentas. As ruas
Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás, ruas que inicialmente não seriam de
comercialização, mas que contaram com a concentração de casas comerciais, foram
as ruas do comércio de gêneros e serviços variados. Nenhuma daquelas ruas, porém,
teve maior movimentação comercial que a rua da Bahia na época 22. “A rua da Bahia,
com seus dois quarteirões comerciais, era a rua. Sem a vastidão da avenida, onde a
alma provinciana ainda não se acomodava, contentando-se de admirá-la, a rua da
Bahia era (...) o lado feérico dos habitantes, a fantasia, a inquietação” 23. Alimentos e
bebidas, roupas e sapatos, móveis para os interiores domésticos, profissionais
liberais, serviços privados variados, espaços para lazer, compuseram a rua da Bahia
no início do novecentos.
Assim como a avenida Afonso Pena e a rua dos Caetés, a rua da Bahia abrigou
casas comerciais destinadas à moda da indumentária e das vestimentas: a Moda
Elegante, com “grande officina de costura, dirigida por Mme. Josephina Zambelli”, se
localizava na rua da Bahia, “perto do Theatro Soucasaux no centro da cidade”. A Mme.
21 WERNECK, Nísia Maria Duarte; SILVA, Luiz Henrique Horta (Orgs.). Rua da Bahia. Belo Horizonte:
Linha Gráfica Editora, 1990, p. 04.
22 “Quem desejasse um cigarro de fumo fresco ou a extravagância dum charuto, ia para lá. Quem
desejasse um bilhete de loteria – você ainda era criança e Giácomo já vendia sortes grandes – ia para
lá. Quem sentisse um súbito desejo de sorvete, uma tentação de chope, um alvoroço de empadinha
quente, um arrepio de moça bonita (...) uma nostalgia de livro francês, ia tudo para lá. Todos iam para
a rua da Bahia”. CAMPOS, Paulo Mendes (Coord.). Belo Horizonte de Curral del-Rei à Pampulha. Belo
Horizonte: Centrais Elétricas de Minas Gerais, 1982, p. 92, nota 49.
23 Idem, ibidem.
130
anunciava que “fazem-se vestidos pelos ultimos figurinos e com todo capricho.
Especialidade em vestidos para casamentos e enxovaes para baptisados. Tem
sortimento de capas para senhoras e toucas para crianças. Reformam-se e enfeitam-
se chapéos”24. A modista de vestido Mme. Fogo “executa qualquer toilette pelos mais
modernos figurinos, desde 10$000. Aprompta roupa propria para luto em 24 horas”.
Seu endereço era rua da Bahia, número 46325. A rua da Bahia número 995 também
foi estabelecimento do alfaiate J. R. Andrade26.
A rua da Bahia foi ponto de comercialização de gêneros variados, como foram
as ruas Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás: a Pharmacia Americana e drogaria
contava com importação e exportação de drogas e produtos farmacêuticos. Sua
localização era rua da Bahia, número 928, telefone 7427. A Casa Moreno cuja matriz
se situava na cidade do Rio de Janeiro, possuía estabelecimento em Belo Horizonte
e era o “unico deposito de cirurgia, artigos dentarios, optica, cutilaria fina, fundas,
apparelhos para desinfecção, desinfectantes, perfumarias, serums dos Institutos
Butantan e Manguinhos, fermento Bulgaro, apparelhos para laboratorios e acessórios
para pharmacia”. Se localizava na rua da Bahia, número 1.04428.
Serviços também compuseram a rua da Bahia: Machado Coelho & Comp. eram
“negociantes á rua da Bahia”29. O Dr. Hugo Furquim Werneck tinha consultório médico
à rua da Bahia, 1.499 e suas especialidades eram ginecologia e cirurgia abdominal,
tumores de útero e seus anexos prolapsos e desvios do útero, autoplastias do colo e
da vagina. Realizava tratamento dos ectrópios e endocérvix sem operação. Curava
da esterilidade e da dismenorreia. O atendimento era de 11h às 14h30. Dr. J. Santa
Cecilia era médico oculista, docente livre da Escola de Medicina de Belo Horizonte,
assistente da Faculdade de Medicina de São Paulo, chefe do serviço de moléstias de
olhos da Santa Casa, oculista da Força Pública. Possuía consultório médico em Belo
Horizonte, no número 894 da rua da Bahia e atendia de 12h às 15h 31. “Os serviços
XX, cf.: GOODWIN JR., James William. “O Estado fala mais alto: o telefone em Belo Horizonte, 1894-
1912”. História Econômica e História de Empresas, Vol. 21, n. 1 (2018), p. 9-48.
28 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 8, abril/1915, p. 22.
29 LIMA, op. cit., 1900, p. 249.
30 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
31 Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
131
32 ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 69.
33 “Além de confeitarias, bares e lojas que constituíam ponto de referência da moda, na rua da Bahia
trabalho e o não-trabalho eram mais facilmente separados na cidade do que no meio rural. Uma nova
época de consumo estava nascendo” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 60-61).
42 MARTINS, op. cit., 2013, p. 30.
43 “BAR – pelo café que lhe ficava em frente, escancarado para a via pública. Só entravam senhores.
Logo à frente, à esquerda, um armário quiosque de metal brunido como ouro vivo, aquecido por forninho
inferior e em cujas prateleiras estavam sempre quentes os bolinhos de carne, os pasteis, as
empadinhas de galinha. Eram o fino do fio e custavam respectivamente o tostão, duzentão. O balcão e
a estante dos cigarros – Londres, mistura especial, maço, pacote. O roliço 17. Petit Londrinos. Yolanda
134
190744, e lá se encontravam os homens para comer, tomar café e cerveja, para fumar,
para conversar sobre negócios, para torcer pelos times locais de futebol45.
Próximo do Trianon “havia a Baleira Suíssa, do suíço Carlos Norder. Era uma
maravilha: nela, eram encontrados todos os tipos de balas e caramelos que se pode
imaginar, quase todos de fabricação própria. Num cantinho, eram vendidos retalhos
de balas, muito mais baratos”47.
Comerciantes e consumidores do espaço da zona urbana, de ruas destacadas
neste capítulo, como a rua da Bahia, formavam dois grupos parecidos de Belo
Horizonte: os comerciantes não eram grandes negociantes, mas tinham, de certa
forma, privilégios, pois possuíam comércio estabelecido, comercializavam nas áreas
centrais, anunciavam seus estabelecimentos, produtos e serviços, em jornais e
verde, Yolanda azul, Liberty oval ou redondo. Bout-dorées, bouts de rose. Pour la Noblesse, a 2$000,
para freguesia certa e selecionada (...) Fósforo Pinheiro e Brilhante, dos grandes, dos pequenos, de
pinho do Paraná ou dos de cera – com fama de darem peso (...) A freguesia habitual do cafezinho e da
conversa. A especial e mais demorada, das cervejadas ostensivas ou da cachacinha pudicamente
tomada em xícaras, para não escandalizar a Família Mineira passando na rua. Os garçons já
conheciam os fregueses envergonhados e traziam a talagada dentro da louça inocente – só que o pires
vinha sem colher. Geralmente a turma da bebida ficava mais para o fundo (...) No terço central do café,
a clientela do dito, da conversa de negócio ou de ócio e a gritaria da turma do futebol. Torcedores e
jogadores do Atlético, do América, do Yale, do Palestra; veteranos do Dezessete de Dezembro, do
Sport Clube ou dos times do campeonato de 1904 – os do Vespúcio, do Colombo, do Plínio, do Mineiro,
do Estrada. Na fila da frente, os mirones que apreciavam o movimento, a passagem das moças. O café
chamado Bar do Ponto estava para Belo Horizonte como a Brahma para o Rio. Servia de referência.
No Bar do Ponto. Em frente ao Bar do Ponto. Na esquina do Bar do Ponto. PONTO – porque era o local
da Estação dos Bondes (...) Porque a estação debruçava-se sobre ele, naquele ponto de inflexão da
rua da Bahia. Todo esse trecho urbano tivera seus logradouros regularizados à custa de aterros e o
grande jardim ficara lá embaixo, acessível, aí, pela escadinha (...)”. Tal descrição do Bar do Ponto em
Belo Horizonte é de Pedro Nava, autor de obras sobre Minas Gerais e Belo Horizonte. Estudou
medicina, viveu em Belo Horizonte na década de 1920 e foi frequentador assíduo da rua da Bahia.
Nasceu em Juiz de Fora em 1903 e faleceu em 1984. A descrição se encontra em: WERNECK; SILVA,
op. cit., 1990, p. 44-46.
44 FJP, op. cit., 1907, p. 57; NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 42.
45 “(...) o café, no começo do século, era meio casa de família, meio grêmio, meio escritório, sempre
cheio, ponto agradável de reunião e de palestra, onde se recebiam recados, cartas, amigos, conhecidos
e até credores”. COSTA, Luiz Edmundo da. O Rio de Janeiro do meu tempo. Vol. 1. Brasília: Edições
do Senado Federal, 2003, p. 349.
46 MARTINS, op. cit., 2013, p. 30-31.
47 Idem, ibidem, p. 31.
135
Fonte: Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno II, n. 12, fevereiro/1916, p. 05.
136
48 Segundo Beatriz Borges Martins, “abaixo da Baleira Suíssa, na esquina com a Av. Afonso Pena,
havia um sobrado grande. Na parte de cima, morava o Sr. Arthur Haas, Cônsul dos Países Baixos, e
sua família, constituída por sua senhora, sua filha Rose e seus filhos Luiz, Edmundo – um dos bonitões
da época – e George (...). Na parte de baixo, primeiro, funcionou a Casa Arthur Haas e, depois o Banco
Pelotense” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 31).
49 “No Natal, todos os armazéns e padarias mandavam presentes a seus fregueses: quase sempre uma
lata grande de doce “4 em 1” – goiabada, marmelada, pessegada e bananada – e uma rosca grande e
bonita” (Idem, ibidem, p. 40).
138
de kerozene e gazolina que é vendida pelo preço do Rio (...) Afamadas lâmpadas
economicas (...) Grande stock de material electrico, machinas agricolas, motores a
kerozene e electricos”. Ressaltavam que “encarregam-se de importar do estrangeiro
todo e qualquer machinismo e material para industria”. O escritório e armazém,
localizados à rua da Bahia, 874, “a cargo de diversos engenheiros, formados,
encarrega-se de levantar qualquer planta de installação industrial, electrica e
mechanica, assim como fornece qualquer informação gratuitamente”50.
Foi também na rua da Bahia que se instalou a primeira loja de departamentos
de Belo Horizonte. O Parc Royal51, estabelecimento que tinha sede também no Rio
de Janeiro, fazia propaganda em Belo Horizonte já antes de sua instalação na capital
mineira, chamando potenciais clientes para a loja52:
capitais europeias, como Berlim e Amsterdã. Tais lojas realizavam grandes pedidos de compra às
fábricas, cuja capacidade de produção havia aumentado com a eclosão da segunda Revolução
Industrial. Ao mesmo tempo que incentivavam a atividade manufatureira, as lojas de departamentos
conseguiam abatimentos junto aos fornecedores em função da quantidade demandada, o que lhes
possibilitava vender os produtos aos consumidores finais com preços mais atrativos, acelerando a
circulação das mercadorias. A peculiaridade das lojas de departamento era a venda de uma grande
variedade e quantidade de objetos com pequena margem de lucro e com preços fixos marcados. “A
utilização de vitrines de vidro, divisão por seções em especialidades, oferta de serviços (roupas sob
encomenda, por exemplo), a venda por catálogo e o investimento em publicidade somavam-se àquela
feição original e propiciavam à prática do consumo uma aura de lazer”. GORBERG, Marissa. Parc
Royal: uma magazine na modernidade carioca. Dissertação (Mestrado em História, Política e Bens
Culturais) – Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil, Fundação
Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013, p. 57-58.
53 Minas Gerais. Bello Horizonte, 09 e 10/12/1912.
139
O Parc Royal foi instalado em Belo Horizonte em 1920, na rua da Bahia, mas
num local provisório54. Depois de um ano, o estabelecimento definitivo foi inaugurado,
na mesma rua, com três pavimentos e elevador55. Se constituiu como importante
orientação do comércio sofisticado, sendo visto como um espaço que ditava a moda
corrente. “Lá foi exposto o ousado “porta-seios”, bem como outras novidades que
tornavam o vestuário feminino mais audacioso56, descobrindo pescoços, encurtando
saias ou adelgaçando tecidos”57.
Os automóveis também eram vendidos na rua da Bahia: Blériot e Renault,
carros da Ford, estes últimos por Arthur Haas, que a partir de 1918 iniciou suas
atividades naquele ramo. Posteriormente, o comerciante passou a vender apenas
veículos da General Motors. Somente depois da década de 1920 é que tanto estes
últimos veículos quanto os automóveis Buick, Ford e outros passaram a ser vendidos
em outros endereços da capital mineira58.
A rua da Bahia acumulou diversas funções ao longo do tempo: a de ser centro
de comercialização de produtos; a de ser localidade de serviços; a de ser ponto de
encontro; a de ser localidade de lazer; em comum, aquelas diversas funções serviam,
principalmente, aos estratos sociais mais abastados da capital. O sentido da
modernidade da República, período marcado por transformações urbanas em
diferentes localidades do Brasil, assim como, por novos hábitos de vida e costumes
sociais que aos poucos se difundiam – a realização de refeições fora de casa ou a
realização de serviços fora do espaço doméstico, como a lavagem de roupas em
lavanderias especializadas, dentre outros – poderia ser experimentado na rua da
Bahia, que ofertava aos consumidores a modernidade da época republicana.
54 No Rio de Janeiro, a loja de departamentos Parc Royal foi inaugurada em 1873 (GORBERG, op. cit.,
2013, p. 11). Em São Paulo, as primeiras lojas de departamento chegaram no início do século XX, em
1910. OLIVEIRA, Milena Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-
1915). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2009, p. 100.
55 FJP, op. cit., 1997, p. 54.
56 Schapochnik, ao escrever sobre as transformações na moda do vestuário no início do século XX,
Das ruas e avenidas que foram planejadas para serem do bairro do comércio,
a avenida Afonso Pena e rua dos Caetés concentraram, pelo menos durante um certo
período, estabelecimentos comerciais destinados a indumentária e as vestimentas61.
palavras com as coisas, e, portanto, do vocabulário do vestuário. Com efeito é preciso distinguir a
vestimenta, fato do indivíduo, que se apropria do que lhe é proposto pelo grupo, do traje ou da
indumentária, elementos de um sistema formal e normativo consagrado pela sociedade. Os fatos
primitivos de proteção, de adorno, de pudor só se tornaram fatos de vestuário pelo reconhecimento de
diferentes grupos sociais e por sua linguagem. A própria moda nem sempre significou a mesma coisa.
No século XVII, ela designava o hábito, o conformismo dos usos e das maneiras de agir, e
secundariamente tudo o que mudava segundo o momento e o lugar; era também uma maneira de
caracterizar a hierarquia social, ao mesmo tempo fixa e móvel; por fim, era um hábito moral para
denunciar “a inconstância do mundo”. A moda aprendeu a jogar com todas as possibilidades da
linguagem para acelerar o consumo, e as variações de um vocabulário muito especializado seguiram
a mudança, contribuindo ao mesmo tempo para sua evolução. Medir as inovações ou as
transformações depende em parte de nossa capacidade de compreender essa multiplicidade de
sentidos” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 257, grifos do autor).
141
“avisa aos seus bons freguezes que temos Palha de seda, artigo de superior qualidade, a 5$000 o
metro”. Com o nome de seu proprietário, Jorge Abras. Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
67 MARTINS, op. cit., 2013, p. 52.
68 Idem, ibidem.
69 Idem, ibidem, p. 53.
142
Anúncio 4.5.: Benjamin & Comp. – a loja dos preços excepcionais (1913)
luxo não é apenas raridade, vaidade, é sucesso, fascínio sociais, o sonho que os pobres um dia
realizam fazendo-o perder imediatamente o seu antigo brilho (...) Os ricos estão portanto condenados
a preparar a vida futura dos pobres. Afinal, é a sua justificação: ensaiam os prazeres de que as massas,
mais tarde ou mais cedo, irão apoderar-se” (BRAUDEL, op. cit., 1997, p. 162).
146
Sendo a primeira vez que vem a Bello Horizonte, deve evitar passar
pela avenida do Commercio, porque terá péssima impressão desta
cidade, pois esta via pública é dotada de pouca ou nenhuma hygiene,
ao passo que, passando pela rua Caetés, ficará bem impressionado,
porque esta rua é linda, limpa e muito commercial. Ao entrar na
avenida Affonso Penna, o cavalheiro pensa logo que está nas
margens do rio Mississipi, na América do Norte (por causa da
arborização), porém, engana-se; esta avenida é o cumullo da beleza81.
Horizonte tinham suas matrizes no Rio de Janeiro; bem como, a publicidade belo-
horizontina ressaltava as casas comerciais paulistana e carioca.
A Vivaldi & Comp. era loja de importação e exportação, e contava com os ramos
de ferragens e cutelaria, composto por “completo sortimento de ferragens, tintas,
vernizes, ferramentas finase grossas, para todas as artes e fficios, lavoura, etc.
utensílios em geral para uso domestico, louça esmaltada e artigos americanos”; e os
ramos de luz e tração elétrica, com “deposito permanente de todos os artigos
concernentes a electricidade. Materiaes para installações electro-mechanicas,
motores, dynamos, telephones, campainhas, lampadas, pararaios, cinematographos,
etc. Tudo importado directamente dos fabricantes”. Ressaltavam que “fazem-se
quaesquer installações nas capitaes e interior dos Estados”84. O anúncio estava num
jornal de circulação em Belo Horizonte, o Minas Gerais. A Vivaldi & Comp. tinha seu
endereço principal na rua São Bento, números 14 e 16, São Paulo. Possuía também
instalações nos municípios mineiros de Alfenas, Três Corações, Três Pontas, São
Sebastião do Paraíso e Carangola.
A’ La Ville de Paris comercializava uniformes e outras roupas; possuía sede no
Rio de Janeiro e também na rua Espírito Santo da capital mineira no ano de 1914:
Além dos gêneros variados para consumo, as ruas Guajajaras, Espírito Santo
e Tupinambás também contavam com alguns profissionais liberais no início do século
associavam à capital francesa. Era comum nas lojas belo-horizontinas, as modistas e cabeleireiras
possuírem nomes franceses ou alusivos à França, sendo isto um atrativo para os consumidores. É
possível citar, por exemplo: a) “Mme. Adrienne Jorand”, que anunciava trabalhos em cabelos; b) “Salão
Parisience”, na rua da Bahia, que anunciava perfumarias; c) “Notre-Dame de Belo Horizonte”, também
na rua da Bahia, que vendia roupas, armarinhos, calçados, perfumarias, acessórios, etc.; d) “Elegância
Parisiense”, sob a direção da modista Mme. Dora Bermain (FJP, op. cit., 1997, p. 69).
95 Em São Paulo da passagem para o século XX, “em meio à multiplicação de costureiras de todos os
tipos (...) as modistas tentam sobressair-se procurando algum diferencial para os seus produtos. Afinal,
qualquer costureira poderia agora reproduzir determinado modelo servindo-se simplesmente de moldes
publicados no jornal A Estação, versão paulistana do figurino francês La Saison” (OLIVEIRA, op. cit.,
2009, p. 96). Assim também em Belo Horizonte, modistas tentavam ser um diferencial, com suas
referências importadas.
96 SCHAPOCHNIK, op. cit., 1996, p. 490.
156
XX. O Dr. José Spinelli era médico, operador e parteiro, formado pela Universidade
de Nápoles e pela Faculdade de Medicina e Pharmacia do Rio de Janeiro,
“especialista em doenças venarias e syphiliticas”. Seu consultório era na rua
Tupinambás97. O Dr. Sizinio R. Pontes atendia na rua Guajajaras, número 510 (entre
a rua da Bahia e a Espírito Santo), das 8h até às 11h. Suas especialidades eram
febres, sífilis, moléstias do estômago, pulmões e intestinos98. J Cabral Flecha era
dentista e trabalhava numa clínica dentária à rua Espírito Santo, número 871; atendia
somente nos dias úteis, de 8h às 10h e de 16h às 18h99.
O cirurgião dentista Rufino Motta possuía uma clínica de estomatologia situada
na rua Tupinambás. Atendia gratuitamente as pessoas pobres aos domingos, de 8 até
às 11 horas da manhã, conforme anúncio mostrado abaixo:
Além dos profissionais dedicados à saúde, tais ruas contaram com outros: o
advogado Dr. Noronha Guarany tinha escritório na rua Espírito Santo, número 1.463,
e atendia de 15h às 18h100. Os que desejassem aprender línguas novas, poderiam ter
aulas com uma professora que ensinava “theorica e praticamente inglez, francez e
allemão”, na rua Espírito Santo, número 993101. Ainda, na mesma rua Espírito Santo,
número 1.192, o professor Euclydes Ferreira, formado pela Escola de Minas, dava
aulas de “Arithmetica (diarias), Algebra, Geometria, Trigonometria, Latim (diarias)”102.
As três ruas que destacamos nesta seção, portanto, foram compostas por
comércios que ofereciam variedades aos consumidores, assim como, foram locais de
estabelecimento de alguns profissionais liberais.
Entre os anos de 1910 e 1920, os bairros Floresta e Lagoinha – bairros
suburbanos populosos da época – se firmaram como centros comerciais. No bairro
Floresta, as principais ruas eram Pouso Alegre e Itajubá, da mesma forma, a avenida
do Contorno. No Lagoinha, a rua que concentrava os estabelecimentos comerciais
era a Itapecerica. “Nesses locais irá se desenvolver, principalmente, o “comércio de
bairro”, visando atender às necessidades cotidianas da população local:
essencialmente gêneros alimentícios, vestimentas e outros bens de primeira
necessidade”103. Nos anos 1920, outro bairro da capital, o Barro Preto, também se
destacou no setor comercial, o que poderia se verificar por meio de sua presença na
publicidade belo-horizontina: a loja A Maravilha, por exemplo, situada à rua Araguari,
em 1928 anunciava: fazendas, armarinhos, chapéus e novidades104.
A Belo Horizonte, que foi projetada contando com uma área específica de
comércio, viu que logo nas duas primeiras décadas do século XX, o que deveria ser o
espaço para comercialização se expandiu, não apenas para demais ruas da área
urbana, mas também para outros bairros mais afastados do centro. Se na região
central se concentrava um comércio de classes mais abastadas, nos bairros ao redor
do centro se desenvolvia também um comércio, mais popular, para atender a
população que lá residia.
dinâmica social. Objetos materiais e bens móveis serão percebidos para além de sua
materialidade, sendo relevante o significado do consumo dada uma demarcação de
estratos sociais.
161
CAPÍTULO 5
Como foi possível entender por meio do capítulo dois, quando analisamos o
planejamento da comissão construtora, o plano contava com três áreas claramente
definidas do ponto de vista geográfico e urbano: a área urbana, a área suburbana, a
área de colônias. Belo Horizonte foi pensada, antes de ter sido, de fato, construída,
de forma a separar as pessoas em diferentes áreas1.
1“A distinção zona urbana, suburbana e rural (...) implicou em uma cidade socialmente hierarquizada
caracterizando os limites suburbano e rural a condição de espaços de segunda classe. Seu
162
Dado que, desde o papel, nas plantas da comissão construtora, Belo Horizonte
já contava com áreas diferentes para camadas populacionais distintas, é possível
destacar grupos sociais no final do século XIX e, especialmente, no início do século
XX, que habitaram ou passaram por Belo Horizonte. Os trabalhadores, que
construíram as ruas, avenidas, praças e demais espaços públicos, por exemplo, não
residiram no mesmo espaço urbano que alguns comerciantes da capital mineira, que
possuíam estabelecimento comercial na área central da cidade e residiam, também,
naquela mesma área3.
crescimento, ao longo das primeiras décadas do século XX, contrariou as expectativas iniciais da
Comissão Construtora da Nova Capital, pois a cidade, em um primeiro momento, teve crescimento
expressivo nos subúrbios. Causou impacto no abastecimento de água, no fornecimento de energia
elétrica e na gestão dos esgotos. O abastecimento de água foi durante muito tempo um impasse para
os prefeitos”. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos espaços
públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 95.
2 PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. A torre Kubitschek – trajetória de um projeto em 30 anos de Brasil.
de Belo Horizonte não tiveram a mesma preocupação com os assentamentos residenciais como
tiveram com as residências e ruas localizadas dentro do perímetro urbano da avenida do Contorno.
Acostumada a incorporar uma carga negativa, a arquitetura espontânea (ou seja, construções sem a
supervisão de profissionais do setor) predominou nos bairros humildes. A reforma restringiu-se à
simples maquiagem, pois atrás dos prédios de fachadas determinadas pelas normas da construção
civil estavam as casas/cortiços com chiqueiros e nenhum tipo de ventilação, resultado da precariedade
das condições de vida da população destas localidades. Dizia-se que um lado de Belo Horizonte
cheirava a lenços d´alcobaça e a mofo das secretarias, e o outro lado da cidade cheirava a água de
colônia, toucinho e álcool”. JULIÃO, 1996 apud PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. Instituições
sociais e a resolução do problema da ação coletiva: um estudo das associações trabalhistas de Belo
Horizonte no início do século XX. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016, p. 71-72.
4 DUARTE, Regina Horta. “À sombra dos fícus: cidade e natureza em Belo Horizonte”. Ambiente &
5 MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada
no Brasil – Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 134. Segundo o autor, a privacidade das populações de Paris, que tiveram suas habitações atingidas
pelas reformas urbanas, foram sujeitas ao interesse público. “As reformas haussmannianas foram
sendo satisfeitas com base na opressão social dos mais pobres. Milhares de moradias foram destruídas
para que as reformas pudessem tomar forma, sendo que as novas construções passavam por vista
grossa das autoridades governamentais, o que restringia de forma intensa a possibilidade de se
construir como fosse desejado. A especulação estabelecia uma lógica de exclusão social, o habitar se
tornava custoso para as populações pobres” (Idem, ibidem, p. 135).
6 SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”.
In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil – Vol. 3,
República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 22-23.
7 PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. “A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte:
um estudo à luz de comparações com as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro”. Mediações,
Londrina, v. 21, n. 2, p. 332-352, jul. / dez., 2016, p. 334.
164
Curral Del Rei em Minas Gerais, pois antigos habitantes da localidade foram excluídos
daquele espaço, juntamente com suas residências, para a construção da nova cidade.
No caso do Rio de Janeiro, a expulsão de pessoas de áreas centrais era justificada
pelas autoridades por ser condizente com o sanitarismo.
Naquele contexto, as populações menos abastadas que ocupavam o centro
foram obrigadas a migrar de suas antigas habitações para os morros situados ao redor
e, assim, surgiam as favelas no Rio de Janeiro, contemporâneas à República e que
inauguravam o repertório de frustrações das elites, que trabalhavam para a eliminação
de moradias e populações diversas na cidade. Legislações cariocas proibiram,
inúmeras vezes, construções que não estivessem padronizadas, como por exemplo
as estalagens e cortiços, bem como as casas térreas nas áreas centrais e ao sul8. De
forma similar ocorreu em Belo Horizonte, em que as residências da área urbana
possuíam padrões específicos que grande parte da população não possuía condições
de construir, além de a especulação imobiliária dificultar a residência naquela área.
Outras cidades brasileiras passaram por reformas urbanas que excluíam de
determinados espaços urbanos as populações de menos posses, como Salvador e
Recife, São Paulo e Porto Alegre. A capital mineira nasceu, portanto, num período em
que reformas urbanas faziam parte de diferentes regiões do país, tendo como
influências experiências estrangeiras de urbanização.
Em Belo Horizonte, no ano de 1903, por exemplo, a “polícia sanitária” possuía
função de fiscalização, aplicação de multas e atuação contra irregularidades que
comprometessem princípios higiênicos. Realizava visitas domiciliares com vistas a
combater irregularidades que pudessem levar à imoralidade, à promiscuidade e à
disseminação de doenças9.
A área urbana deveria pertencer aos estratos sociais mais abastados, assim
como ocorreu no Rio de Janeiro e em outras capitais, sendo proibida a habitação
daquela área por pessoas cuja classe e moradia não fossem ao encontro de princípios
estabelecidos. No ano de 1910, por exemplo, o prefeito da capital mineira, Olyntho
Meirelles, afirmou que deveria chamar atenção, particularmente do Conselho, “para a
existencia de barracoes, que, a principio, destinados a dependencia dos predios, na
area urbana, dahi a pouco são, clandestinamente, convertidos em commodos de
10 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho Deodato dos
Reis Meirelles. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1911, p. 15-16.
11 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 109.
12 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Flavio Fernandes dos
Santos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1923, p. 17.
13 Idem, ibidem.
14 Idem, ibidem.
166
Dadas nossas fontes de pesquisa, uma primeira fração da classe média que
pode ser definida para Belo Horizonte na passagem para o século XX é a de
funcionários públicos, os que foram transferidos de Ouro Preto para a nova capital, e
os demais que auxiliariam na administração e chegaram na nova capital, juntamente
com suas famílias.
15 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo
Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 90. O próximo capítulo desta tese será sobre três
estruturas de consumo da família de Beatriz Borges Martins – na época, família Borges da Costa – no
início do século XX.
16 BORGES, Brasil. Seu Horizontino e Belô (miudezas de uma vida comum). Belo Horizonte: Gráfica
FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p.
16.
167
18 Nas palavras de Décio Saes: “A aceleração do desenvolvimento econômico a partir dos fins do século
XIX (sobretudo, graças à economia cafeeira) provocou o crescimento dos centros urbanos e o
aparecimento de uma classe média citadina a prestar serviços (profissionais liberais, comércio
importador e exportador, burocracia) ao complexo sócio-econômico agrário”. SAES, Décio Azevedo
Marques de. O civilismo das camadas médias na Primeira República Brasileira (1889-1930).
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1971. No caso de Belo Horizonte, vale ressaltar, como a cidade nasceu de um
planejamento urbano, a classe média lá se estabeleceu quando o planejamento foi se materializando.
19 “A distinção entre o “trabalho manual” e o “trabalho não-manual” criou, assim, em toda sociedade
capitalista “grupos médios” e uma “consciência média”, distinta da consciência operária (...)”. SAES,
Décio Azevedo Marques de. Classe média e sistema político no Brasil. Tradução de Malu Gitahy. São
Paulo: T. A. QUEIROZ, 1985, p. 12. “Classes médias se situam numa posição intermediária em relação
à contradição capital/trabalho” (PINHEIRO, op. cit., 2013, p. 16).
168
31 VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo econômico das instituições). Tradução de
Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965, p. 108.
32 Sobre costumes brasileiros, especialmente do século XIX, cf.: ACAYABA, Marlene Milan; SIMÕES,
Renata da Silva (Orgs.). Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira – Vol. 3: costumes. São
Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001.
33 “Tomados como objetos de discussão e de busca de compreensão, para além de suas
e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 101.
172
35 “O meio ambiente cotidiano permanece, em larga medida, um sistema “abstrato”: nele os múltiplos
objetos acham-se em geral isolados de sua função, é o homem que lhes assegura, na medida de suas
necessidades, sua coexistência em um contexto funcional”. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos
objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 14.
36 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 104.
37 LAUMAN; HOUSE, 1970 apud MCCRACKEN, op. cit. 2003, p. 105.
38 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 105.
39 MCCRACKEN, Grant David. “Cultura e consumo: uma explicação teórica da estrutura e do
que pode-se utilizar uma mobília com base num desses princípios; a vestimenta possui um significado
se levamos em conta o princípio de refinamento, já que pode-se desejar compor um traje de forma a
alcançar tal princípio.
42 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 105.
43 Idem, ibidem, p. 103.
44 Tomando o consumo como dinâmica social, é possível recorrer a Baudrillard que, ao tratar do
consumo, fez uma comparação da prática social com a escola, para afirmar que o consumo é uma
instituição de classe: “Como a escola, o consumo é instituição de classe: não só na desigualdade
perante os objetos, no sentido econômico (a compra, a escolha, a prática são reguladas pelo poder de
compra, enquanto o grau de instrução é função da ascendência de classe, etc.) – em suma, nem todos
possuem os mesmos objetos, da mesma maneira que nem todos tem idênticas possibilidades escolares
– mas, de modo ainda mais profundo, há discriminação radical no sentido de que só alguns ascendem
à lógica autônoma e racional dos elementos do ambiente (uso funcional, organização estética,
realização cultural) (...)”. BAUDRILLARD, op. cit., 2008, p. 64.
174
45REDE, Marcelo. “História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material”.
Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 4, p. 265-282, jan./dez., 1996, p. 276.
175
Das 36 fichas de objetos selecionadas por nós, 10 foram referentes aos de uso
pessoal. No caso desta tese, o conjunto destes objetos foi formado, especialmente,
pelos que compuseram as vestimentas, conforme mostra o quadro 5.1. descrito
abaixo:
A especificidade dos bens de uso pessoal desta subseção é que são bens que
geralmente pertencem à esfera individual. Os equipamentos domésticos e o mobiliário
que serão descritos nas próximas subseções, ainda que possam ser associados a
uma pessoa, eram bens, em sua grande maioria, de uso coletivo ou familiar. Portanto,
o conjunto de bens de uso pessoal, além de ser formado, especialmente, por bens
que compuseram vestimentas, são bens que podem ser pensados para o âmbito
individual, ao passo que os demais bens podem ser pensados para o âmbito familiar.
Dos bens de uso pessoal, foram identificadas as pessoas que foram
possuidoras dos bens nos seguintes casos: broche, par de sapatos, porta-relógio,
trousse e xale; identificada a pessoa que produziu o bem em um caso: fraque.
O broche pertenceu à Maria Tolentina Alvim de Azevedo, que nasceu em
agosto de 1872 e faleceu em maio de 1949; o objeto foi um presente de sua irmã,
Julinda Zenóbia Alvim, esta nascida em 1882 no município de Palma e falecida em
1936. Julinda Zenóbia Alvim viveu em Belo Horizonte e se dedicou a literatura no início
do século XX, tendo publicado na época Saudades, pela Imprensa Oficial, em 1917
e, Flor do Ipê. Ficou conhecida como a “princesa das poetisas”47. Abaixo segue
imagem do broche que pertenceu a sua irmã, Maria Tolentina:
48 O broche da imagem possui 3 centímetros de diâmetro. É uma peça de metal com formato circular.
Possui a parte frontal com fundo azul, destacando-se ao centro um brasão gravado nas cores preto e
dourado. A parte posterior é lisa, em dourado. O fecho possui haste cilíndrica, pontiaguda, com encaixe
em forma de gancho e base fixada por dobradiça. O broche está acondicionado em caixa de forma
quadrangular, com tampa de abertura frontal. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais:
broche. Dimensões; Descrição do objeto.
49 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: trousse. Dados históricos.
50 O trousse possui 16 centímetros de comprimento e 13 centímetros de largura. É uma peça de marfim,
em formato de losango, com as faces externas decoradas por relevo de dragão. O dragão representado
no trousse guarda o tesouro nele contido, significando uma barreira de acesso ao que havia no seu
interior. A alça, em cordonê de seda, se une à peça losangular por quatro argolas, arrematada por
pingentes. As faces se encaixam através de fecho e dobradiça finalizada por argola, sendo formadas
178
por tecido de cor bege. De um dos lados, apresenta dois bolsos, um dos quais com lapela e fecho de
pressão; do outro lado, há um espelho de forma triangular e pequeno bolso, com lapela e vedação em
fecho de pressão. O fecho se encontra incompleto. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos
Pessoais: trousse. Dimensões; Descrição do objeto; Características iconográficas.
51 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: fraque. Dados históricos.
52 O fraque da fotografia possui 104 centímetros de comprimento. É um traje de cerimônia, preto,
ajustado à altura do tronco, curto na frente, com longas abas na parte posterior. Possui gola revirada,
composta por dois tecidos (camiseta e cetim) unidos por recortes pouco abaixo dos ombros. O decote
é em “V”, realçado pelo revestimento de cetim. Na parte frontal há seis botões, três de cada lado,
dispostos em diagonal; pences laterais e arremate reto; bolso embutido do lado esquerdo, com
arremate retangular e forro interno em brim preto. Na parte posterior os recortes são retos e curvos,
distinguindo-se no encontro dos recortes. Na altura da cintura há par de botões paralelos. Abas com
recortes internos retos e externos curvos. Mangas compridas, retas, com pequena abertura lateral e
fechamento em quatro botões, em sentido vertical. O revestimento interno foi feito de cetim preto, com
exceção das mangas, revestidas por cetim bege com riscado preto. Na parte interna da vestimenta, à
altura de cada cava, há um bolso embutido, com fechamento em botão central e forro em brim preto.
MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: fraque. Dimensões; Descrição do objeto.
179
53 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: par de sapatos. Dados históricos.
54 O par de sapatos foi confeccionado em pelica preta, apresentando aplicações do mesmo material.
Possui cadarços na cor preta. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: par de sapatos.
Características técnicas.
55 MHAB, acervo de objetos. Coleção Medição e Registro: porta-relógio. Dados históricos.
56 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: xale. Dados históricos.
180
Pessoas que tiveram posse dos objetos de uso pessoal descritos nesta
subseção, pelo menos na passagem do século XIX para o século XX, podem ser
compreendidas como membros da classe média de Belo Horizonte, especialmente
por conta de suas ocupações dentro da sociedade: Maria Tolentina Alvim de Azevedo
e Julinda Zenóbia Alvim eram irmãs, sendo a última importante escritora de Belo
Horizonte; Joaquim G. de Aquino foi comerciante em Belo Horizonte nas décadas de
1910 e 1920, sendo que seu estabelecimento comercial se situava numa rua da área
urbana da capital mineira; Mariana Ribeiro da Costa fazia parte de uma família
envolvida na política; Aarão Reis foi um imigrante, profissional liberal e funcionário
público, engenheiro responsável pelo desenho inicial da nova capital de Minas Gerais.
conjunto)58. Dos equipamentos que circularam pela capital mineira na passagem para
o século XX, apenas a farinheira foi produzida em Belo Horizonte; 4 objetos foram
produzidos em Minas Gerais: caixa para doce, caixa para pó de café, forma de queijo
e tacho. Dos bens materiais produzidos internamente, o material principal era a
madeira. Abaixo, as fotografias mostram a forma de queijo produzida em Minas
Gerais, e a farinheira, produzida em Belo Horizonte:
58 “(...) móveis e objetos comuns da vida correspondiam a uma concepção social da divisão do trabalho
e da hierarquia das atividades”. ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo
nas sociedades do século XVII ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000,
p. 229.
59 A forma de queijo da fotografia possui 20 centímetros de altura e 19,5 centímetros de diâmetro.
inaugurada a capital mineira, em 1897, Bello Horizonte passou a se chamar Cidade de Minas. Em 1901,
o nome da capital mineira passou a ser novamente Belo Horizonte.
68 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: xícara. Dados históricos.
69 ROCHE, op. cit., 2000, p. 318.
186
de profundidade. Foi descrito pelo MHAB da seguinte forma: o relógio como uma peça quadrangular
com mostrador em papel, contendo algarismos arábicos e dois outros pequenos mostradores.
Cercadura ornamental em motivos fitomorfos e arabescos. Moldura em metal amarelo em gravação em
relevo. Vedação em vidro bisotado. A base em metal, projeção dos quatro pés, chanfrada, com laterais
em vedação em vidro liso. O interior com engrenagem em metal. A parte superior é composta com
porta em metal fusada, puxador e fecho metálico. Possui engenho para coar uma xícara de café,
composto por recipiente em vidro para combustível. A cafeteira é metálica com bico e tampa projetados,
suporte para xícara em pequena bandeja que apoia em uma alavanca, sustentada por contra peso.
Consta que foi adaptada por Luiz Olivieri. MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos
Domésticos: despertador-cafeteira. Dimensões; Descrição do objeto.
187
74 Vale ressaltar que a divisão de funções, tanto dos espaços domésticos como dos objetos foi uma
novidade, especialmente, do século XIX: “No local geométrico da vida familiar, dormiam, recebiam,
consumiam, efetuavam a maior parte dos trabalhos domésticos diários. Móveis simbolizavam o
percurso da vida: o cofre, a cama, a mesa e as cadeiras, a masseira, o relógio. Dos interiores modestos
às moradias complexas, eles podiam aumentar em quantidade e melhorar em qualidade, responder a
necessidades de arrumação desenvolvidas pela riqueza e acumulação, mudar de significado. A
evolução que observamos nos objetos conservados chega a um certo grau de especialização, mas
esta não era imediatamente perceptível: às vezes a cama era um cofre, o cofre era também um assento
e podia servir de mesa. A especialização tardia das peças segundo seu uso acelerou o laço funcional,
mas ela era limitada e desconhecida antes do século XIX pelos camponeses, que reuniam numa única
peça todos os móveis de sua vida: em 1870, 50% das habitações rurais na Touraine só contavam com
um “principal quarto de lareira” onde tudo estava agrupado sobre 30 ou 40 metros quadrados; 75% das
famílias populares parisienses no século XVIII se concentravam numa sala comum” (ROCHE, op. cit.,
2000, p. 226).
75 Idem, ibidem, p. 230.
76 “Desde o século XVI, a mesa ditava maneiras de civilidade; no século XVIII, ela era o lugar expressivo
de um outro prazer de comer. Da habitação do campo à moradia aristocrática, a diferença era grande,
mas em ambos os casos a mesa respondia a uma necessidade na relação do homem com o homem:
nela a alimentação foi transfigurada em relações sociais” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 233).
190
A papeleira foi adquirida pela administração dos correios nos primeiros tempos
da nova capital mineira e utilizada pela empresa durante 40 anos. É um móvel
específico, formado por escaninhos e gavetas, reservados a guardar documentos e
materiais necessários para escrita78.
1908, ou seja, desde por volta de 1878, tendo sido adquirira por ela num leilão no Rio
de Janeiro80.
O canapé pertenceu a família de Francisca Flores Alves, que vendeu o objeto
ao MHAB no ano de 1959. A peça apresentava originalmente a função de cama de
solteiro, no estilo de marquesa, comum nas fazendas mineiras do século XIX81. Abaixo
segue fotografia do objeto:
Artefato 5.13.: Canapé
80 MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: cadeira de roda de fiar. Dados históricos.
81 MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: canapé. Dados históricos.
82 O canapé da fotografia mede 90 centímetros de altura, 226 de comprimento, 47 de largura. O móvel
foi confeccionado em madeira, apresenta apoio em quatro pés e amarração lateral. O assento é
retangular em palhinha. Possui gradis laterais em forma curva, com traves superiores torneados em
anéis e frisos. MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: canapé. Dimensões; Descrição do objeto.
193
técnicas de recorte e entalhe. A seguir segue fotografia do bem que foi utilizado pela
Secretaria de Viação e Obras Públicas:
87 O relógio de armário possui 260 centímetros de altura, 36,5 centímetros de comprimento, 23,5
centímetros de largura. É um mobiliário composto por três módulos principais. Parte superior com vitrine
de vidro em arco pleno com fecho de metal, laterais com molduras frisadas, arremate superior frontal
em recorte curvo. No interior, relógio com mostrador em esmalte branco com números romanos e dois
ponteiros, emoldurado com placa de metal dourado, trabalhado com motivos geométricos e fitomorfos,
ramos de trigo e cachos de uva, elementos decorativos pertencentes ao vocabulário cristão e
simbolizando a eucaristia; possui cadeado pequeno, rosto central com moldura racionada. A parte
intermediária é formada pela caixa do pêndulo com molduras frisadas frontais e laterais, porta frontal
com fechadura e dobradiças em metal e tramela; nas laterais, recortes com duas emendas. Na parte
interior há caixa com molduras frisadas frontais e laterais. Possui pés em arco, com madeira escura,
encerada. MHAB, acervo de objetos. Coleção Medição e Registro: relógio de armário. Dimensões;
Descrição do objeto; Dados históricos.
197
Os relógios armários que circularam por Belo Horizonte entre o final do século
XIX e o início do século XX talvez tivessem funções diferentes: ainda que fossem
formados pelas mesmas peças principais (uma, para guardar, o armário; outra, para
medir o tempo, o relógio), provavelmente tiveram utilidades distintas, já que um serviu
para a Secretaria de Viação e Obras Públicas, uma instituição e, o outro, para um
ambiente doméstico89.
Das pessoas que identificamos, que tiveram posse de objetos descritos nesta
subseção, Aarão Reis e Luiz Olivieri são representantes da classe média belo-
horizontina, profissionais liberais e funcionários públicos que chegaram na capital por
conta das obras de construção.
Se na presente seção tratamos de frações da classe média de Belo Horizonte
considerando diversos artefatos que fizeram parte de suas vidas, com base nos
objetos presentes no MHAB, na próxima seção vamos analisar as frações da classe
média com base nos inventários post-mortem presentes nos arquivos do TJMG.
que foi constituída, geralmente, durante a vida do inventariado, pode ter sido esforço de seu próprio
trabalho ou também parte de uma herança que foi recebida de seus ancestrais. A riqueza que está
presente no inventário pode ter sido formada alguns dez, vinte ou trinta anos antes da morte da
personagem: as mobílias de dentro das casas, os animais, os bens imóveis, as dívidas contraídas, são
bens adquiridos ao longo do tempo. Mas os inventários não permitem que se trace, por exemplo, uma
trajetória de vida da personagem inventariada, pois tratam do momento da morte em diante, dos bens
que a personagem possuía quando morreu e do futuro desses bens (a divisão entre os herdeiros).
Segunda limitação dos inventários post-mortem diz respeito à riqueza e aos valores monetários
contidos nos documentos. Pesquisa de Agnaldo Valentin, José Flávio Motta e Iraci del Nero da Costa
demonstrou que são necessários alguns cuidados: o primeiro remete à caracterização da riqueza, entre
bruta e líquida; o segundo ponto de atenção diz respeito à riqueza líquida, especialmente quando
apresenta valores negativos; por último, mas não menos importante, os autores ressaltaram a
importância de uma compreensão profunda sobre a medida de riqueza obtida por meio dos inventários.
VALENTIN, Agnaldo; MOTTA, José Flávio; COSTA, Iraci del Nero da. “Distribuição e concentração da
198
riqueza com base em inventários post mortem na presença de casos de riqueza líquida negativa”.
História (São Paulo), v. 32, n. 2, p. 139-162, jul./dez., 2013, p. 157. Sobre as possibilidades de utilização
e limitações dos inventários post-mortem, ver: FURTADO, Júlia Ferreira. Testamentos e Inventários –
A morte como testemunho da vida. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de. (Orgs.). O
Historiador e suas Fontes. São Paulo: Contexto, 2015. P. 93-118.
91 Sobre estrutura de riqueza com base também nos inventários, ver, dentre outros trabalhos:
de Cássia da Silva. Dívida e obrigação: as relações de crédito em Minas Gerais, séculos XIX/XX. Tese
(Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2009.
93 Sobre estudo de famílias com base em inventários, cf., dentre outros, FERREIRA, Natânia Silva.
“Entre pai e filho: análise das riquezas em duas gerações de uma família da elite agrária do município
de Varginha (MG) no início do século XX”. Espaço Plural. Marechal Cândido Rondon. Ano XVII, n. 35,
p. 82-113, 2º semestre de 2016.
94 Dentre os inúmeros trabalhos que partiram de inventários post-mortem para compreensão da
temática da escravidão, ver, dentre outros: VIEIRA, Eduardo José. Produção, comércio e acumulação
de riqueza em um município escravista mineiro: Lavras/MG (1870-1888). Dissertação (Mestrado em
História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2015.
95 A respeito de trabalhos que utilizaram inventários post-mortem para estudos de cultura material, cf.:
FARIA, Sheila Siqueira de Castro. “Fontes textuais e vida material: observações preliminares sobre
casas de moradia nos Campos dos Goitacases, sécs. XVIII e XIX”. Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. n. 1, p. 107-129, 1993; ARAÚJO, Maria Lucila Viveiros. “Os interiores domésticos após a
expansão da economia exportadora paulista”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 12, p.
129-160, jan./dez., 2004.
96 Conferir, dentre outros trabalhos, o de: ANDRADE, Marcos Ferreira de. “Casas de vivenda e de
morada: estilo de construção e interior das residências da elite escravista sul-mineira – século XIX”.
Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 12, p. 91-128, jan./dez., 2004.
97 Um dos 99 documentos pertencem ao MEJUD-TJMG.
199
Ativos Ocorrências %
Bens móveis 42 42,42%
Imóveis rurais 28 28,28%
Imóveis urbanos 59 59,60%
Culturas 7 7,07%
Animais 17 17,17%
Dívidas ativas 25 25,25%
Dívidas passivas 17 17,17%
Dinheiro 9 9,09%
Fonte: Inventários post-mortem presentes no AP e no CEOP do TJMG (1897-1930).
Belo Horizonte foi uma cidade planejada de forma que o peso das atividades
urbanas fosse maior que o peso das atividades rurais, ou seja, uma cidade em que o
eixo principal da economia nascente estivesse voltado para o espaço urbano, o que
ficou claro por meio da leitura dos capítulos anteriores. A nossa amostra de
inventários, cujo número de ocorrências de bens foi descrito na tabela 5.1., retrata
esta especificidade da capital, pois foram os bens imóveis urbanos os que mais
figuraram nos documentos, aparecendo em 59 inventários, sendo estes bens as casas
de morada e suas partes e cômodos para negócios, situados nas áreas urbana e
suburbana de Belo Horizonte.
Os bens imóveis rurais foram identificados em 28 inventários sendo,
especialmente, casas de morada e suas partes, alqueires de terras virgens, terras de
cultura, partes de fazendas, sendo situados, sobretudo, em áreas de colônias e ex-
colônias de Belo Horizonte. Das culturas, é possível destacar milho, café, cana e
árvores frutíferas, em pequenas quantidades.
Depois dos imóveis urbanos, os bens que mais apareceram nas fontes
pertencem a categoria de móveis, categoria identificada em 42 inventários. São,
inclusive, os bens móveis, os que mais nos interessam98. De forma geral, os móveis
podem ser considerados bens que a grande maioria de inventariados de uma amostra
declaravam. Muitos bens móveis possuíam baixo valor monetário mas,
frequentemente, os requeridos possuíam em casa algum deles para declarar: uma
98“Os móveis se situam como intermediários entre o meio interior (necessidades e hábitos de grupo) e
o meio exterior (que fornece os materiais para satisfazer essas necessidades) (...) Em princípio, a cama
serve para dormir e a cadeira para se sentar, mas ao mesmo tempo ambas modificam as necessidades
a que devem satisfazer. Além disso, elas não são isoláveis e entram numa rede de relações materiais
e sensíveis. Da classificação do mobiliário, da sua escolha depende a compreensão das práticas, pois
não existe móvel inútil” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 231).
200
cama, um sofá, uma mesa, uma panela, um conjunto de talheres – alguns deles em
mau estado de conservação, o que se fazia questão de descrever no documento.
Além dos bens de uso pessoal, dos equipamentos domésticos e das peças de
mobiliário, objetos que descrevemos na seção anterior, os bens móveis presentes nos
inventários de Belo Horizonte também abarcam documentos, instrumentos de
trabalho, livros, metais e objetos litúrgicos.
Vale salientar que, das demais categorias de ativos, destacamos dentro das
dívidas ativas, as cadernetas na Caixa Econômica Federal, mas havia também ações
em bancos estaduais e dívidas ativas a nível local. Dentre as dívidas passivas,
estavam os empréstimos bancários, hipotecas de imóveis e despesas com médicos e
funerais.
anos de 1883 a 1890; uma coleção do Instituto Histórico e Geográfico, dos anos de
1831 a 1861, contendo 66 volumes99.
Na categoria de equipamentos domésticos estavam jarros e bacias; conchas
para sopa, garfos de ferro e talheres para café; canecas de ferro e caneca “estragada”;
copos e pratos; canastra, compoteira, compoteira “velha”, chaleira de ferro, caldeirões,
caçarolas, caixa frasqueira “ruim”, panela de ferro.
Nas palavras de Roche, sobre alguns equipamentos domésticos na França do
século XVIII:
quando cada móvel era útil, quando cada um tinha sua utilização própria e múltipla. Sua diversificação
dependia das condições de vida que melhoravam, mas o essencial, para a população rural e urbana
reunida numa peça comum (...), era resolver simultaneamente as necessidades do trabalho, do
repouso, do sono, da preparação dos alimentos, da sociabilidade” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 226).
105 Nas palavras de Roche, “porém a presença de um objeto não implicava o abandono de um outro
(...) a urbanidade e a circulação tiveram uma influência decisiva na expansão dos novos costumes”
(ROCHE, op. cit., 2000, p. 317-318).
203
ferro para tirar brasas, máquina para moldurar. Encontramos descritos nas fontes
também caixas de botões, maços de pregas e vidros de verniz. Serras, furador,
máquinas de aparelhar e furar ferros. Do ofício de olaria, encontramos carrinhos de
mão para olaria, carroção de mesa, bancas para fabricação de tijolos, banco de
carpinteiro, peças de madeira e enxadão106.
Livros foram encontrados em 4 inventários e, dentre eles, havia livros de Direito,
Revista do Arquivo Público Mineiro, dicionários, – “dicionário Histórico e Político de M.
Bloch, em francês”; dicionário de Economia Política, também em francês; dicionário
Histórico e Geográfico, livro litúrgico.
Metais foram encontrados em um inventário, e nele foram listadas 2 libras
esterlinas, 1 moeda de ouro portuguesa, 1 anel de ouro quebrado, 91 moedas de prata
de diversos valores. No documento também havia descrição de 34 gramas de ouro
em pó e em amálgama107.
As peças de mobiliário apareceram no maior número de inventários que
possuíam a categoria de bens móveis. Dentre elas estavam mesas de jantar, mesa
redonda, cadeiras, cadeiras de balanço, bancos, tamboretes, marquesas, guarda
louças, “guarda comidas”, armários, armários e estante de madeira, estante de ferro,
caixas, quadros decorativos, piano, sofá, catres, camas de casal e camas de solteiro,
cômoda para “roupa branca”, guarda casacos e máquina de costura. Segundo Roche,
sobre mobiliário:
106 Nas palavras de Braudel, sobre inventários post-mortem e o que podem oferecer sobre o cotidiano
de trabalhadores, no contexto do século XVII: “Os inventários por morte, documentos de verdade,
dizem-no mil e uma vezes. Na Borgonha, ainda no século XVII, à parte os camponeses remediados tão
pouco numerosos, o mobiliário do trabalhador e do pequeno lavrador revela-se, na sua pobreza, igual
a si próprio: “espeto, panela ao lume, frigideiras (...) um baú com chave (...) calções de fazenda, casaco,
polainas; algumas ferramentas [pás, picaretas]...”. Mas antes do século XVIII estes mesmos inventários
reduzem-se a algumas tralhas, um escabelo, uma mesa, um banco, tábuas da cama, sacos de palha...”.
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – As estruturas
do cotidiano: o possível e o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1997,
p. 254.
107 TJMG. Inventário post-mortem, 1916, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.11.04.012.
108 ROCHE, op. cit., 2000, p. 227-228.
204
109 TJMG. Inventário post-mortem, 1914, AP/Contagem, maço 12, registro 04.03.09.10.04.022.
110 No termo de compromisso para utilização dos inventários, que assinamos junto ao AP do TJMG,
consta a informação de que “os nomes das partes envolvidas [nos processos de inventários] devem
ser mantidos em sigilo, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa, nos termos da
legislação em vigor”. Assim, nomes de inventariados e de inventariantes não serão descritos nesta
tese, exceto o de Afonso Pena, figura pública cujo processo de inventário encontramos no AP do TJMG.
111 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço 75, registro 04.03.09.11.04.012.
205
listados. No inventário, foram descritas algumas peças de mobiliário: sofá, mesa para
jantar, cama de casal, cadeira, estantes pequenas e uma biblioteca112.
As titulações de tenente e coronel também podem ser incluídas nas frações da
classe média de Belo Horizonte, pensando-se na oficialidade destas funções. O
coronel descrito no quadro 5.4. acima, vale ressaltar, possuía um imóvel, uma casa
com cômodo para comércio, na Rua da Bahia, região central da área urbana de Belo
Horizonte, no valor de 32 contos de réis113.
Nos casos dos inventariados, foi possível encontrar maior variedade de
ocupações / profissões / titulações, referentes as frações da classe média, conforme
quadro descrito abaixo:
112 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço 01, registro 04.03.09.10.04.004.
113 TJMG. Inventário post-mortem, 1917, CEOP/Belo Horizonte, maço 63, n. 08.
206
espólios, com destaque para os bens móveis que possuíam, mas não em todos os
casos, pois nos inventários de 6 pessoas não havia descrições de bens móveis.
Iniciamos as descrições e análises por meio dos processos de comerciantes.
O primeiro comerciante descrito no quadro 5.5., que compunha a classe média belo-
horizontina, o qual o processo de inventário data do ano de 1903, faleceu no ano de
1900: encontrava-se tuberculoso e “seguindo para a Itália em busca de alívio, falleceu
em alto mar, no dia sete de dezembro de mil e novecentos”. Dos bens móveis do
inventariado, a maioria dizia respeito aos bens do comércio, uma padaria, pois
observamos a descrição de balanças, mesa da padaria, caldeirões, masseiras,
armações de vidro, e também alimentos, como sacos de farinha. De acordo com
informações do processo de inventário, a padaria se localizava na área urbana de
Belo Horizonte, na rua Espírito Santo, na esquina com a Caetés. Aquelas ruas
formaram um importante circuito de comércio da capital mineira no início do século
XX, como vimos no capítulo quatro desta tese. Dentre as dívidas do comerciante,
destacamos as ativas, dinheiro a receber de 42 clientes, no valor de aproximadamente
33 contos de réis114.
O segundo comerciante, cujo processo de inventário é de 1914, possuía como
bens móveis mercadorias, maquinismos e oficinas, móveis e utensílios, sem maiores
descrições. Do total de bens móveis, de cerca de 170 contos de réis,
aproximadamente 148 contos e 500 mil réis eram de mercadorias. Dentre os bens
imóveis estavam uma fábrica e um galpão. O inventariado possuía um animal e
dívidas ativas e passivas, incluindo devedores diversos do estabelecimento
comercial115.
O comerciante que mais posses detinha faleceu em 1928, mesmo ano do início
do processo de seu inventário. Seu nome já foi descrito nesta tese, no capítulo três,
quando o proprietário – Antonio da Cruz Miranda – fez uma propaganda de seu
açougue no jornal Diário de Minas, em 1900, chamando a população para comprar
em seu comércio116. O açougueiro possuía 25 propriedades nas áreas urbana e
suburbana de Belo Horizonte. Sem filhos, a única herdeira dos bens foi sua viúva. De
bens móveis, foram listados uma Bíblia na sala de jantar, em bom estado, móveis do
quarto de dormir e utensílios de cozinha, sem mais detalhes sobre os bens. Dentre as
dívidas ativas, estavam 100 apólices da dívida municipal de Belo Horizonte, além de
dívidas de capital e de conta corrente da firma Miranda. As dívidas passivas eram
referentes ao médico e ao farmacêutico do inventariado, despesas funerárias e
concertos urgentes em bens imóveis do espólio. O monte-mor do comerciante foi o
mais alto das frações de classe média de Belo Horizonte na época, sendo de mais de
1.000 contos de réis117.
O presidente descrito no quadro 5.5., que faleceu em 14 de junho de 1909,
sendo o seu processo de inventário daquele mesmo ano, 16 de setembro, foi Affonso
Penna. Por ser uma figura pública, é um nome de inventariado que descrevemos.
Dentre os bens móveis listados no processo, estavam mobília completa de refeitório,
sendo esta composta por mesa, dois guarda louças, aparador e meia dúzia de
cadeiras; mobília de sala de visitas, com espelho; mobílias de quartos; e serviços de
porcelana, serviços para chá, para café e livraria com cerca de 2.000 volumes. O bem
mais valioso dos bens móveis era a livraria, no valor de 5 contos de réis.
No inventário foram listadas dívidas ativas do Banco de Crédito Real de Minas
Gerais, caderneta da Caixa Econômica Federal, apólices estaduais mineiras e ações
de diversas empresas. A maior parte do monte-mor do inventariado era proveniente
das dívidas ativas, sendo mais da metade dos cerca de 301 contos de réis que
compunham o espólio118.
Um senador também fazia parte da classe média de Belo Horizonte, sendo seu
processo de inventário de 1924. De bens móveis, foram listados mobílias de sala de
visitas e de sala de jantar, sendo esta última composta por sofá, 12 cadeiras de
palhinha, duas cadeiras de braços, mesa elástica e mais algumas peças, como piano.
Segundo Nelson Schapochnik, sobre a sala de jantar, considerando o período
republicano:
Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle
Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 504.
208
Além dos bens que já foram descritos, o espólio do senador cujo inventário data
de 1924 continha carro para transporte, “com 4 rodas, muito usado”, 3 arados e 5
arreios. Dentre as dívidas, as ativas eram formadas por 10 ações integralizadas da
Companhia de Eletricidade e Viação Urbana de Belo Horizonte e 25 da Companhia
Industrial da cidade de Itajubá, situada no Sul de Minas. Animais, bens imóveis rurais
e bens imóveis urbanos ainda compunham a totalidade de bens120.
Dois sargentos foram identificados dentro das frações de classe média, com
base nos inventários post-mortem. O primeiro, cujo inventário data do ano de 1924,
possuía em seu conjunto de bens uma casa e um terreno situados na área suburbana
da capital mineira, além de dívida passiva 121. O segundo, sargento da força pública
mineira, tem o processo de inventário datado de 1925; possuía como bem móvel
apenas um relógio Ômega, “em mau estado”. O espólio era composto sobretudo pelas
dívidas ativas, estando entre elas notas promissórias e caderneta no Banco do
Brasil122.
O primeiro coronel, segundo inventariado descrito na ordem do quadro 5.5.,
possuía dentre os seus bens móveis materiais do ofício de olaria, além de possuir
outros bens – animais, casas e terrenos na cidade de Belo Horizonte – sendo os
imóveis nas áreas urbana (rua da Bahia) e em localidades da área suburbana123. No
inventário do outro coronel, de 1913, não houve menção a bens móveis 124. No
inventário do padre, cujos bens já detalhamos acima, na subseção 5.4.1., os bens
móveis eram, em grande parte, bens de seu ofício. Além dos móveis, possuía um
animal, partes de uma casa em Santa Quitéria e um pasto125.
Quatro funcionários públicos, contando com o desembargador, também foram
identificados nos processos de inventários. O desembargador, cujo processo de
inventário é de 1898, possuía em seu espólio como bens móveis apenas uma “livraria,
estantes e mesa” e uma “mobília”. Mas ressaltamos as 170 debêntures da Companhia
Leopoldina, no valor de 200 mil réis cada, que foram descritas no processo de
inventário126.
120 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço 20, registro 04.01.06.04.04.001.
121 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço ?, registro 04.02.10.01.06.004.
122 TJMG. Inventário post-mortem, 1925, AP/Contagem, maço 55, registro 04.02.04.11.01.017.
123 TJMG. Inventário post-mortem, 1901, AP/Contagem, maço ?, registro 04.01.06.05.05.029.
124 TJMG. Inventário post-mortem, 1909, MEJUD, maço 08.
125 TJMG. Inventário post-mortem, 1914, AP/Contagem, maço 12, registro 04.03.09.10.04.022.
126 TJMG. Inventário post-mortem, 1898, CEOP/Belo Horizonte, maço 01, n. 19.
209
127 TJMG. Inventário post-mortem, 1918, AP/Contagem, maço 12;4, registro 04.03.09.10.04.022.
128 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço 24;25, registro 04.03.09.10.04.004.
129 TJMG. Inventário post-mortem, 1927, AP/Contagem, maço 59, registro 04.03.09.20.04.031.
130 TJMG. Inventário post-mortem, 1918, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.10.04.004.
131 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço ?, registro 04.01.07.06.05.020.
210
Com base nas análises dos artefatos do MHAB, foi possível notar na capital a
presença de objetos importados, de outras regiões do Brasil e do exterior: o par de
sapatos de Mariana Ribeiro da Costa era de origem do Rio de Janeiro; o porta-relógio
que foi de Aarão Reis foi importado da Alemanha para Belo Horizonte; a xícara que
pertenceu a Luiz Daniel Cornélio de Cerqueira era inglesa; a papeleira que foi de uso
dos correios teve como origem os Estados Unidos; a penteadeira foi importada do Rio
de Janeiro. Assim, fazia parte dos costumes importar objetos, o que poderia ser
considerado, de certa forma, uma prática habitual, já que Belo Horizonte era, nas
primeiras três décadas do século XX, uma cidade nascente, cujas técnicas produtivas
industriais estavam em fase de formação.
Os produtos confeccionados internamente, em Belo Horizonte ou em Minas
Gerais, eram os que possuíam os materiais e as técnicas mais simples, como o fraque,
peça de indumentária produzida na Alfaiataria Aquino, que exigiu as técnicas de
recorte e costura; a farinheira, presente recebido pelo engenheiro Manoel Pires de
Carvalho e Albuquerque, cujos materiais foram madeira e prata; ainda, o relógio-
armário, produzido por Bernardino de Sena Muniz, que teve como materiais usados
madeira e metal, e as técnicas, recorte e fundição. Era costume importar, mas em
meio aos produtos importados, os produzidos nacional e localmente também estavam
presentes no cotidiano.
211
132“Os móveis iriam revelar um estado de sociedade em relação com suas significações, materializando
necessidades e direcionando para a linguagem silenciosa dos símbolos. Não existem intermediários
mais cotidianos entre nós e nossas necessidades. É difícil retratar aqui uma hierarquia no exercício das
funções, do uso (a mesa) à cultura (a escrivaninha): todos os móveis fazem emergir ciclos de
comportamento cuja inteligência só se concretiza na objetificação” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 233).
212
133“Legitimos relogios Omega” eram vendidos em Belo Horizonte, na loja Ancora Americana, como
destacamos no capítulo quatro desta tese. Revista Novo Horizonte. Bello Horizonte, anno I, n. 1,
setembro/1910, p. 21.
213
CAPÍTULO 6
“Papai era guloso e gostava de passar bem. Aos sábados, arranjava um tempinho
para ir ao Mercado Central, onde, carregando ele mesmo os balaios, comprava um
exagero de coisas. Fazia várias caminhadas, levando as compras ao carro”
(MARTINS, 2013, p. 76).
Beatriz Borges Martins, a escritora do livro de memórias que foi base para a
escrita deste capítulo, nasceu em Belo Horizonte no dia 29 de julho de 1913. Seus
pais eram o médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa, nascido no Rio de Janeiro no
ano de 1880; e Maria José Halfeld Borges da Costa, nascida na cidade mineira de
Juiz de Fora no ano de 1894.
1 Bourdieu, ao estudar o consumo em distintas classes sociais e nas diferentes frações presentes no
interior de uma classe, considerou três maneiras de se distinguir: alimentação, despesas com
apresentação e cultura. A alimentação incluía os diversos alimentos e bebidas que faziam parte da vida
dos diferentes estratos sociais; despesas com apresentação eram aquelas referentes aos gastos com
vestuário, cuidados com a beleza, artigos de higiene, etc; a cultura estava relacionada às despesas
com livros, jornais, música, espetáculos, brinquedos, dentre outros. BOURDIEU, Pierre. A distinção:
crítica social do julgamento. 2 ed. Tradução de Daniela Kern e Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk,
2011, p. 174. No caso desta tese, ao tratarmos de alimentação, ressaltaremos o consumo do alimento
em si, mas tomando a alimentação como um processo social e cultural; no caso do vestuário,
evidenciaremos os acessórios que foram utilizados para a composição de trajes femininos; a cultura,
que chamamos de imaterial, diz respeito a diversão (festas e brincadeiras) que esteve presente no
cotidiano familiar, mas que não deixava de incluir os elementos materiais da cultura.
214
2 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo
Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 17-18.
3 Idem, ibidem, p. 16.
4 Idem, ibidem, p. 18.
5 Idem, ibidem, p. 18-19.
6 Idem, ibidem, p. 19.
215
possibilidades estilísticas. Cada um desses universos – bebidas (águas minerais, vinhos e aperitivos)
ou automóveis, jornais e semanários ou lugares e formas de férias, mobiliário ou arranjo de casas e
jardins, sem falar nos programas políticos – fornece os raros traços distintivos que, funcionando como
sistema de diferenças, de distâncias diferenciais, permitem exprimir as mais fundamentais diferenças
sociais (...)” (BOURDIEU, op. cit., 2011, p. 212).
216
A alimentação pode ser entendida como um processo que envolve não apenas
o alimento (uma matéria) em si, mas a relação do alimento com a sociedade, com a
economia e com a cultura de determinada localidade. Portanto:
10 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de; CARNEIRO, Henrique. “A História da Alimentação: balizas
historiográficas”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 5, p. 9-91, jan./dez., 1997, p. 47.
11 Idem, ibidem, p. 10-11.
217
Classe
Animais vivos e dissecados
Matérias oleosas, carnes e outros produtos animais
Frutas
Legumes, farináceos e cereais
Plantas, folhas, flores, sementes, raízes, cascas e especiarias
Sumos ou sucos vegetais, bebidas alcoólicas fermentadas e outros
líquidos
Produtos químicos farmacêuticos e medicamentos em geral
Fonte: COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte: Imprensa
Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.563, p. 252-257.
O fogão era a lenha, com chapa inteira de ferro, que, quando bem
quente, ficava até azul. Os bifes feitos nessa chapa são inesquecíveis!
Sobre o fogão, a certa altura, havia uma cordinha esticada, para secar
as linguiças que a vovó fazia em casa. Lembro-me muito bem dela
nessa atividade, tendo ao lado uma gamela grande, cheia de pedaços
de carne de porco e toucinho picados e bem temperados, tripas de
porco frescas e muito bem lavadas – eram legítimas e não, de plástico,
como as de hoje – e um funil grosso. Ela colocava esse funil numa das
pontas de uma tripa e, por ele, ia passando os pedaços de carne e
toucinho, puxando-os, em seguida, com a mão, até a outra
extremidade, previamente amarrada. Quando as linguiças estavam
todas prontas, eram colocadas na referida cordinha, onde, com o calor
recebido do fogão, iam secando14.
17 Idem, ibidem.
18 QAMG, op. cit., 2013, p. 60.
19 MENESES; CARNEIRO, op. cit., 1997, p. 48.
220
Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 36, fevereiro/1928, p. 09.
As crianças, por sua vez, tinham “pavor” de ficarem doentes, como escreveu
Beatriz Borges Martins: “(...) lembro-me, ainda, do pavor que tínhamos quando havia
uma febrezinha, uma dor de garganta ou de barriga: éramos, então, obrigados a
tomar, com a mamãe apertando nosso nariz, um copo grande de limonada purgativa,
que era um santo remédio para tudo (...)”. Ainda, “nessa fase, também tínhamos horror
da conhecida Emulsão de Scott, um mingau branco, grosso, que se engolia com
dificuldade, cujo vidro apresentava, no rótulo, como ainda hoje, a figura de um homem
carregando nas costas um grande bacalhau. Era ruim, mas todos a tomávamos para
ficar fortes”23.
Não foram taxados no ano de 1902 em Minas Gerais, bacalhau, peixes, ostras,
camarões e outros moluscos e ovas. Alimentos importados que certamente faziam
parte das mesas de pequena parte da população de Belo Horizonte. Como a demanda
por aqueles produtos – que poderiam ser considerados finos – era menor que a de
outras mercadorias mais básicas para a alimentação, como as carnes de
determinados animais e as frutas, fazia sentido não serem taxados como uma forma
de incentivo de seu consumo.
Os hábitos e os costumes alimentares passavam, portanto, pelo consumo de
alimentos em si: os feitos em casa, mas que, aos poucos, passavam a ser oferecidos
nas casas comerciais que os importavam, como as bolachas e os biscoitos; os que
costumavam ser cultivados localmente, mas que, devido aos novos gostos, também
passavam a ser importados, como algumas frutas: ainda que fossem cultivadas nos
quintais, algumas delas (secas ou em conserva) eram importadas; os remédios, que,
de certa forma, fazem parte da alimentação, revelam a preocupação com a saúde e
com o bem estar.
Os hábitos alimentares passavam, além do consumo do alimento em si, por
significações sociais e culturais. “Hábitos, gostos, classe, origem nacional/regional,
circuito produtivo e meio ambiente são aspectos importantes numa análise da
alimentação em perspectiva histórica”24. Compreender quais eram as pessoas que se
alimentavam de determinados alimentos, o porquê do consumo de determinado
gênero alimentício, a forma de preparar uma comida, ou o lugar de realização de uma
refeição são questões que dizem respeito às transformações sociais e culturais que o
Brasil passava na virada para o século XX. “Os novos produtos alimentares e as
formas de prepará-los expressavam os novos valores a moldar a família e a vida
privada”25.
Para a Belo Horizonte da passagem para o século XX, especialmente do início
do XX, foi possível compreender as formas de preparação de alguns alimentos em
casa. Beatriz Borges Martins, ao recordar os doces que eram preparados por sua avó,
descreveu procedimentos com detalhes:
24 RODRIGUES, Jaime. “Alimentação popular em São Paulo (1920 a 1950) – políticas públicas,
discursos técnicos e práticas profissionais”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 15, n. 2, p.
221-255, jul./dez., 2007, p. 224.
25 OLIVEIRA, Milena Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-
outras; depois disso, eram passadas em uma glace fina e, por fim,
salpicadas com confeitos bem miudinhos de todas as cores26.
30 “E a baba-de-moça? É um doce delicioso. Naquela época, era feito com leite tirado do coco ralado e
espremido num pano (...) Os ovos eram caipiras e a baunilha, em favas. Depois de pronto, o doce era
colocado em copinhos para licor, porque, em grande quantidade, é bastante enjoativo (...) E o arroz-
doce? A ambrósia? Os ovos queimados? As quecas? As roscas?” (MARTINS, 2013, p. 77-78).
31 ABDALA, op. cit., s/d, p. 129.
32 “Como ainda não existiam máquinas para cortá-la, vovó fazia os rolinhos de massa, como para
rocambole, e, com seu canivete bem amoladinho, cortava-a em tiras bem fininhas. Depois de secarem
espalhadas ao sol, as tiras de massa podiam ser guardadas em latas grandes. A primeira máquina de
cortar macarrão que vi foi uma que “Seu” Maletta trouxe da Itália para mamãe” (MARTINS, op. cit.,
2013, p. 76).
33 Idem, ibidem, p. 76-77.
34 OLIVEIRA, op. cit., 2009, p. 146.
226
restado somente ela de filha solteira em casa, seu pai, ao fechar o consultório médico,
convidava-a sempre para dar uma volta pela cidade. “Íamos ao Bar Tip-Top, onde ele
se abastecia de presunto – o de lá era afamadíssimo –, salaminhos, queijos, etc”.
Depois, eles iam “à Confeitaria Califórnia, na Av. Afonso Pena, quase em frente ao
local onde está construído, hoje, o Hotel Financial. Lá, faziam-se umas bombinhas
ótimas, redondas ou compridas (éclairs), recheadas com creme de maisena ou de
chocolate”35.
O costume de realizar refeições em casa, portanto, se misturava com os hábitos
de alguns moradores de capital, que passavam a frequentar estabelecimentos
comerciais destinados a um estrato populacional: pessoas que possuíam condições
financeiras e que passavam a ter o gosto pela prática de se alimentar fora do ambiente
doméstico.
Os comércios destinados a alimentação ressaltavam sua qualidade no preparo
dos alimentos. O Restaurante Avenida, por exemplo, situado na área central de Belo
Horizonte, na avenida Afonso Pena, possuía “serviço irreprehensivel de almoço e
jantar”, sendo também opção para quem desejasse contratar os serviços e comprar
os produtos do estabelecimento para ocasiões especiais, pois era “apparelhado para
attender com pontualidade e urgencia a banquetes, jantares intimos, etc”, conforme
mostra o anúncio abaixo:
Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 70 e 71, outubro/1928, p. 79.
Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 39, março/1928, p. 08.
36É o mesmo estabelecimento comercial que descrevemos no capítulo quatro (anúncio 4.9.: Império
– o ponto “chic” da elite, em 1927).
228
(...) na Rua dos Caetés, mas na esquina com a Rio de Janeiro, havia
a Casa Michel, do Sr. Michel Farah, que vendia casemiras e
aviamentos. Ele era cliente do papai e morava em cima da loja. Sua
casa era enorme e, de vez em quando, ele nos convidava para
verdadeiros banquetes. D. Amélia, sua esposa, caprichava então.
Jantávamos numa sala e, depois, passávamos para outra, onde
ficavam as sobremesas. Entre estas, havia de tudo que se possa
imaginar: doces árabes variados, folhados com mel, pistaches,
damascos41.
cotidiana e privada, utilizando a mão-de-obra feminina (no sobrado aristocrático, a fórmula ampliava-
se e tendia a se masculinizar); as cozinhas coletivas e utilitárias, como a dos hospitais, dos conventos,
do exército, das prisões, dos colégios, mas também das hospedarias e dos restaurantes na cidade; as
cozinhas de festa e de aparato que, por ocasião dos eventos religiosos ou sociais – aniversários, datas
festivas, recepções familiares ou públicas – reuniam os convidados em maior ou menor número”.
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 295-296.
41 MARTINS, op. cit., 2013, p. 52-53.
229
Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 76 e 77, dezembro/1928, p. 71.
42VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo econômico das instituições). Tradução de
Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965, p. 108-109.
231
43 “(...) pois o vestuário estava ligado a (...) fenômenos culturais, econômicos e sociais. Ele tinha seu
lugar na história das conquistas individuais, sexuais, sociais, nos múltiplos procedimentos de moldagem
e de controle do corpo, até a individualização e o reconhecimento pelo grupo familiar local” (ROCHE,
op. cit., 2000, p. 260).
44 “Aliás, a moda é conscientemente utilizada pelo mundo comercial”. BRAUDEL, Fernand. Civilização
vestuário pode ser usado como um operador histórico que se presta não somente a refletir
circunstâncias históricas mutantes, mas também funciona como mecanismo que cria e constitui esta
mudança em termos culturais”. MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens
ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de
Janeiro: MAUAD, 2003, p. 87-88.
46 “O traje não podia ficar isolado do conjunto do sistema da civilização material; ele seguia as
transformações e tinha um papel essencial, de três maneiras. Ele valorizava as topografias sociais e
seus diferentes consumos; distinguia as situações ordinárias e extraordinárias, a festa e o cotidiano;
permitia ver a influência da circulação e das trocas, tanto através dos movimentos verticais (os hábitos
indumentários podiam se deslocar do alto para a base da sociedade, mas também no sentido inverso)
quanto através dos movimentos horizontais, pondo em causa o comércio e a indústria. Fato social
global, o traje questionava a capacidade de produção diante da demanda” (ROCHE, op. cit., 2000, p.
260).
233
dificuldade em quebrar um hábito já formado. A relativa facilidade com que é feito um avanço no padrão
de vida significa que viver é um processo de desdobramento da atividade e que a mesma se desdobrará
prontamente numa nova direção, sempre, quando e onde diminuir a resistência para a auto-expressão.
Mas uma vez formado o hábito de expressão ao longo de uma certa linha de pouca resistência, a
descarga procurará o escapamento de costume, mesmo depois de se haver processado uma mudança
no ambiente, aumentando apreciavelmente a resistência externa. Esta maior facilidade de expressão
numa determinada direção, que se chama de hábito, pode contrabalançar um considerável aumento
na resistência oposta pelas circunstâncias externas para o desdobramento da vida numa determinada
direção” (VEBLEN, op. cit., 1965, p. 106-107).
51 “Umas das profissões mais populares de antigamente era a de alfaiate, dado o grande número de
profissionais do ramo existente na cidade (...) a indumentária do indivíduo era o ponto mais importante
da vida social (...). Qualquer operário, por mais modesto que fosse, vestia nos dias de folga ou de festa
o seu terninho de “brim caki”, um tecido muito em voga na época. O paletó, o colete, a gravata e o
chapéu eram o traje obrigatório na apresentação social; e este era o motivo do número elevado dos
profissionais da tesoura”. LIMA, Benvindo. Canteiro de Saudades – pequena história contemporânea
de Belo Horizonte. (1910-1950). Belo Horizonte: CL Assessoria em Comunicação Ltda; CGB, 1996, p.
45.
235
Dada a moda feminina e a masculina, nossa atenção nesta seção será para as
vestimentas femininas, com base nos acessórios que compunham os trajes das
mulheres da família Borges da Costa no início do século XX.
Beatriz Borges Martins destacou a moda peculiar dos colares: “Houve uma
época em que se usavam muito colares de flores com miolo de pão. A massa de pão,
bem amassada, no ponto certo e bem colorida, era utilizada para fazer florzinhas com
pétalas tão delicadas, que pareciam um biscuit”53. Os colares como acessórios para
a composição dos trajes femininos eram também encomendados pela família:
Morava no Rio de Janeiro uma moça muito habilidosa (...) Ela fazia
colares maravilhosos, que costumávamos encomendar. Lembro-me
de um lindo que ela fez para mim, que consistia num rolo coberto de
florzinhas brancas, de onde saía, aqui e ali, uma cerejinha vermelha,
pendurada pelo cabinho. Eu o usava com um vestido azul-marinho liso
e achava-me muito chique54.
52 “A moda (elegancia Masculina)”. Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 50 e 51, maio
/1928, p. 12.
53 MARTINS, op. cit., 2013, p. 94-95.
54 Idem, ibidem, p. 95.
236
Colares feitos de flores com miolo de pão, colares cujos materiais eram capas
de revistas, linha e contas de vidro. Especificidades de uma moda belo-horizontina,
mas não apenas da localidade. Aqueles acessórios que compunham os trajes
femininos também circularam, por exemplo, no Rio de Janeiro. Ao longo do tempo,
“finalmente veremos formar-se as modas nacionais, influenciando-se mais ou menos
umas às outras (...)”56. Modas que inicialmente eram locais, e regionais, e depois
nacionais: um colar carioca, um colar belo-horizontino, um colar brasileiro, assim como
“um traje francês, um traje borgonhês, um traje italiano, um traje inglês, etc”57.
Ainda que inicialmente seja possível separar estratos sociais por meio da moda,
vale acentuar que ela pode alcançar diferentes classes. Se a posse de um mesmo
traje que possui um grupo social mais abastado não é viável financeiramente para um
grupo menos abastado, é possível copiar tal traje, utilizando tecidos e acessórios
inferiores, por exemplo. As marcas58, a qualidade dos tecidos que compõe o traje
podem não ser os mesmos entre os grupos sociais distintos, mas uma vestimenta
como um todo, pode ser:
55 Idem, ibidem.
56 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 286, grifo do autor.
57 Idem, ibidem.
58 “O conceito de “marca” – conceito cardeal da publicidade – resume bastante bem as possibilidades
de uma “linguagem” do consumo. Todos os produtos (salvo a alimentação perecível) se propõem hoje
sob uma sigla imposta: cada produto “digno deste nome” tem uma marca (...) A função da marca é
indicar o produto, sua função segunda é mobilizar as conotações afetivas”. BAUDRILLARD, Jean. O
sistema dos objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 199.
59 LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura do consumo no
centro tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010,
p. 207.
237
campo e nas cidades. O ato de costurar e bordar fazia parte da rotina dos afazeres domésticos, e seu
conhecimento era como que um pré-requisito para a boa dona de casa”. SCHAPOCHNIK, Nelson.
“Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 490.
63 MARTINS, op. cit., 2013, p. 95.
238
acessórios para os trajes, tanto femininos como masculinos: sapatos poderiam ser
comprados prontos na cidade. Por outro lado, permanecia ainda o costume de
confeccionar em casa vestimentas e acessórios. Nas palavras de Nelson
Schapochnik, sobre confecção de vestuários:
Além dos colares que eram confeccionados com distintos materiais e dos
sapatos feitos de crochê, afirmou Martins sobre uma moda infantil: “houve, também,
uma época em que estavam na moda uns chapéus “mexicanos” bem grandes, de
cetim grosso, preto, com a aba pespontada. Não sei qual era a origem dos nossos,
mas nós os usamos bastante então, quando ainda éramos crianças” 65.
Finalmente, sobre novidades, que talvez não estivessem tão em moda na Belo
Horizonte do início do século XX, ressaltou Beatriz Borges Martins:
Quando eu tinha sete ou oito anos [em 1920 ou 1921], numa das
viagens do Sr. Lavacquery [um comerciante] à França, mamãe
encomendou-lhe umas capas de chuva para nós. Ainda não havia
nada do gênero, aqui no Brasil. Eram feitas de um oleado marrom, a
última novidade, e acompanhadas de chapéus com a aba toda
pespontada. Fiquei encantada com a minha e sempre torcia para
chover aos domingos, a fim de eu poder ir à Missa, na Igreja de
Lourdes, de capa e chapéu66.
69 ACAYABA, Marlene Milan; SIMÕES, Renata da Silva (Orgs.). Equipamentos, usos e costumes da
casa brasileira – Vol. 3: costumes. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001, p. 17.
70 Idem, ibidem, p. 17.
71 Idem, ibidem, p. 18.
241
de símbolos culturais”. TURNER, 2005 apud CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. “O ritual e
a brincadeira: rivalidade e afeição no Bumbá de Parintins, Amazonas”. MANA. Rio de Janeiro. V. 24, p.
9-38, 2018, p. 15. A música que compõe uma cantiga de roda, por exemplo, representa um símbolo
cultural.
74 “O costume de reuniões festivas se originou provavelmente em sentimentos de sociabilidade e
542.
242
76 DIAS, Francisco Martins. Traços históricos e descritivos de Bello Horizonte. Bello Horizonte: Typ. do
Bello Horizonte, 1897, p. 50.
77 Idem, ibidem, p. 50.
78 Idem, ibidem, p. 49-50.
79 Idem, ibidem, p. 49.
80 Sobre vida material em Minas Gerais do século XVIII, cf.: ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento.
Mitologia da Mineiridade – o imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1990, capítulo IV: Imaginário e sociedade (A produção da vida material).
243
(...) jogar água nas pessoas por meio de bisnagas ou limões de cheiro
com bolas de cera ou mesmo na base de latas d’água e de banhos em
tanques. Era estúpido, mas muito divertido. Não havia clubes, blocos,
escolas de samba ou qualquer outro conjunto como hoje mas, em
compensação, havia quatro sociedades carnavalescas a exemplo do
Rio de Janeiro, que colocavam na rua vários carros alegóricos com
críticas políticas (...) As principais sociedades eram: os “Tenentes do
Diabo”, os “Fenianos”, os “Democráticos” e, já nos anos 20, o
tradicional “Matakins” (...)88.
86 Beatriz Borges Martins, ao relembrar as festas que participou durante sua infância em Belo Horizonte,
mencionou uma festa do pierrô: “Estou-me lembrando, a propósito, de uma festa beneficente, a “Festa
do Pierrô”, realizada no Teatro Municipal, quando eu devia ter uns sete ou oito anos. Foi maravilhosa,
e todos os nossos amigos e amigas tomaram parte nela. Os da minha idade, que ainda não sabiam
cantar nem dançar, ficavam no fundo do palco, jogando confetes. Nossas roupas eram de cetim de
algodão branco, com saias para as meninas e calças para os meninos e, para todos, uma túnica bem
solta, branca, de mangas compridas, com pompons pretos grandes na frente e nas mangas, uma gola
de babados de tule preto e, na cabeça, um gorrinho de meia preta com um pompom grande” (MARTINS,
op. cit., 2013, p. 46).
87 LIMA, op. cit., 1996, p. 17.
88 Idem, ibidem.
89 Idem, ibidem.
90 Sevcenko, ao tratar de transformações urbanas e sociais do contexto da Primeira República
brasileira, escreveu sobre a “Regeneração” no Rio de Janeiro, conforme citamos no capítulo cinco deste
245
vezes variava: “algumas vezes subia pela Rua da Bahia até o Grande Hotel. Certa
feita, quiseram prolongá-lo até o Abrigo Ceará, mas não deu certo”91.
Beatriz, participante do corso, lembrou: “Quando fazíamos blocos para o corso,
às vezes aparecíamos, mais tarde, no Automóvel Clube, com as fantasias todas
iguais. Esses blocos eram constituídos de muitas amigas. A cada ano, variavam as
fantasias: “alsacianas”, “ciganas”, “camponesas italianas” (...)”92.
Antes, porém, da época de juventude de Beatriz Borges Martins, a autora
descreveu carnavais de sua infância:
Além do carnaval, uma festa comum no Brasil era e ainda é a festa junina. Em
Belo Horizonte da década de 1920, as festas juninas eram chamadas de “fogueiras”94.
Na família Borges da Costa, costumava-se fazer “fogueiras fantásticas”, na residência
situada na rua da Bahia: “Para isso, o galpão era todo enfeitado com arcos de bambu
e folhas de bananeiras e, naturalmente, por todos os lados, havia espalhadas
bandeirinhas de todas as cores e lanternas japonesas”. Alguns materiais eram
importados para a festa, como a lenha. Segundo Beatriz Borges Martins: “Com uma
antecedência enorme, vovô encomendava carroças de lenha bruta, bem grossa,
cortada em toras iguais, que usava para fazer a fogueira propriamente dita”. Os fogos
de artifício eram comprados no Rio de Janeiro: “Naquele tempo, em Belo Horizonte,
maio/1915, p. 11.
247
6.4.3. As brincadeiras
98 Idem, ibidem.
99 Idem, ibidem.
100 MARTINS, op. cit., 2013, p. 90.
101 CAVALCANTI, op. cit., 2018, p. 15.
248
recebia uma faixa, que colocava no braço, com o nome da heroína que
ela passava a representar; cada rapaz recebia, também, uma faixa,
com o nome do herói que representaria. As faixas eram feitas em
número certo, para que não sobrasse ninguém. A certa hora, as portas
abriam-se: rapazes e moças misturavam-se, então, procurando seus
pares para dançar. Para tanto, era preciso que tanto os rapazes
quanto as moças não fossem muito ignorantes! Quando todos
tivessem achado seus pares, a música tocava e começava a dança105.
Assim, com a cultura “imaterial” – mas que mobiliza para sua realização os
elementos materiais da cultura – representada pelas festas e pelas brincadeiras,
finalizamos o retrato dos hábitos de consumo da família Borges da Costa no início do
século XX, retrato que pode ser estendido para o cotidiano de outras famílias
abastadas da capital, que possuíam costumes similares ao da família em questão e
que certamente circulavam pelos mesmos espaços da capital mineira que os Borges
da Costa.
Gostos e hábitos de vida da família Borges da Costa, bem como costumes belo-
horizontinos do início do século XX puderam ser analisados no presente capítulo, com
destaque para alimentação, composição dos trajes e cultura (imaterial).
Tratamos de alimentação por meio do consumo do alimento em si, descrevendo
os alimentos que estiveram presentes no cotidiano da família e foi possível afirmar
que se alimentava de produtos naturais cultivados internamente nos quintais e de
produtos importados. A alimentação era entendida também como uma celebração,
desde almoços íntimos de família, onde se alimentava com fartura, até os “banquetes”
realizados em ocasiões especiais, como aniversários, que envolviam pessoas de fora
do círculo familiar. Se alimentava de alimentos determinados – produzidos em casa
em processos complexos e demorados, como os doces e as linguiças, ou os
oferecidos nas ruas, nas confeitarias e nos bares –, dentro e fora do ambiente
doméstico, porque os costumes alimentares mineiros eram parte de uma tradição que
teve suas raízes na passagem do século XVII para o XVIII, quando Minas Gerais teve
como principal atividade econômica a mineração e sofreu influências internacionais
na formação dos costumes alimentares, mas também porque os costumes eram parte
das mudanças ocorridas na passagem do século XIX para o século XX.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito central de nossa tese foi o de consumo, que pode ser compreendido
para o contexto de uma cidade que surgiu justamente em uma época de
transformações em hábitos de consumo e costumes de vida. Belo Horizonte foi
inaugurada como capital de Minas Gerais ao final do século XIX, quando
consequências da segunda Revolução Industrial – especialmente a introdução de
novos produtos e novas formas de consumir – chegavam nos mais diferentes locais
do Brasil, não para a população toda, mas para parte dela.
Ainda, a época de instalação da capital mineira remete a transformações
políticas internas que contribuíram para a transferência da capital, da antiga Ouro
Preto para a nova Cidade de Minas: o regime político republicano foi instaurado alguns
anos antes da inauguração da nova capital mineira. Para o período político que se
iniciara, a antiga capital não representaria o Estado mineiro do ponto de vista
econômico, político e social. As antigas discussões sobre a transferência da capital,
que estiveram presentes nas mentalidades e nas discussões políticas mineiras ao
longo do século XIX, finalmente se concretizaram com a mudança da sede de
governo, em 1897.
A respeito da mudança da capital, duas grandes interpretações figuraram na
historiografia: primeira, uma vertente que defendeu os fundamentos políticos e
regionais da transferência, destacando uma disputa entre antagonistas políticos; a
segunda interpretação considerou a busca pela unidade econômica, frisando as
tentativas do alcance de certa conciliação política e, sobretudo econômica, entre as
distintas regiões de Minas Gerais. Acreditamos que uma vertente não exclui a outra,
mas defendemos a prevalência da interpretação que pregou a busca pela unidade
econômica mineira, pois desde o período da mineração, Minas Gerais, com um vasto
território, se desenvolvia de forma heterogênea, as regiões sendo muito mais ligadas
a mercados externos às fronteiras mineiras do que com seu próprio interior. Para que
o Estado contasse com a possibilidade de um centro econômico e político, condizente
com o novo tempo, manter a capital na região central parecia a solução. A capital
estaria em posição estratégica considerando todas as localidades mineiras, que
poderiam se voltar para a capital de forma mais homogênea. Entretanto, a
252
manutenção da capital no centro do Estado não alterou a forma de fazer comércio das
regiões mineiras, que continuaram desenvolvendo suas economias voltadas,
principalmente, para mercados exteriores aos das fronteiras mineiras.
A nova capital mineira seria o contraste com a antiga capital, Ouro Preto, e com
o antigo arraial de Curral Del Rei, lugar que foi desapropriado para a construção da
Cidade de Minas. Em comum, Ouro Preto e o Curral Del Rei tinham presentes em
seus territórios populações com costumes que eram considerados incompatíveis com
aqueles que se desejavam para a modernidade que o período republicano nascente
representaria. Não apenas isso, Ouro Preto e Curral Del Rei possuíam espaços
urbanos diversos daqueles que deveriam se concretizar na nova capital. Ouro Preto,
com ruas estreitas e irregulares, inúmeras ladeiras, saneamento básico precário e
clima desfavorável, nem se passasse por um planejamento urbano poderia continuar
sendo a capital mineira. O Curral Del Rei foi o território que antecedeu a Cidade de
Minas, foi esse o seu papel na história. O lugar apenas abrigou a capital mineira depois
de uma revolução em seu espaço.
A revolução no espaço do Curral Del Rei, que durou menos de quatro anos, de
1894 a 1897, deu origem a Cidade de Minas, cidade planejada para ser consumida
por seus habitantes, ou por parte deles, já que se investiu especialmente na área
urbana, que concentraria os habitantes de classe média e classes mais abastadas da
capital. A divisão da Cidade de Minas em três áreas – urbana, suburbana, de colônias
–, de forma que essas áreas fossem ocupadas por pessoas de diferentes classes
sociais, ocupação profissional e condição financeira, nos mostra que a capital foi
pensada para a perpetuação de uma estratificação social.
A Cidade de Minas, sobretudo em sua área urbana, contaria com diversos
espaços de entretenimento: praças, parque, ruas arborizadas, para que a população
pudesse apreciar. Aqui, entendemos consumo dada sua noção primeira, mais básica,
de uso ou gasto e, pensando em Belo Horizonte, concebemos a cidade como objeto
de consumo, a cidade que foi pensada e executada pela CCNC para que seus
espaços fossem utilizados pela população, gastos, contemplados.
Assim, a cidade deveria também ser um espaço de lazer, embora nem todos
os espaços de lazer que foram planejados tenham se tornado, de fato, concretos.
Afinal, é muito mais fácil planejar a cidade no papel do que executar as obras na
prática com o passar do tempo, principalmente porque para além da planta no papel,
a cidade é formada por pessoas, com destaque para gestores políticos, que possuem
253
pelo universo da classe média, eram materiais que circularam principalmente nos
espaços urbanos, nas casas de morada e nos cômodos para negócios que se
localizavam, sobretudo, na área urbana de Belo Horizonte.
Podemos também refletir sobre os princípios que estavam por trás da utilização
de determinados materiais do cotidiano da classe média, como os princípios de
tradicional e moderno, ou os princípios de simplicidade e refinamento. As imagens do
museu mostraram diferentes bens materiais e, assim, foi possível afirmar que o estilo
tradicional, da tradição local, estava por trás de um determinado bem utilizado,
produzido em Minas Gerais, como a forma de queijo. O mesmo princípio da tradição
poderia dar significado ao uso da mesa “mineira”, de madeira, produzida em Belo
Horizonte. A cristaleira analisada poderia ser a materialização do princípio de moderno
para a época. O canapé é um bem sem grandes sofisticações, pode estar por trás do
princípio de simplicidade da família que o utilizava, mas a licoreira é um bem que pode
significar o estilo refinado daqueles que possuíram o bem.
O consumo de bens das frações da classe média belo-horizontina revelou um
perfil variado. No cotidiano estavam presentes bens produzidos localmente, bens
importados de outras regiões do Estado mineiro e do Brasil, bens internacionais;
circularam por Belo Horizonte bens simples, cujos materiais e técnicas eram mais
comuns ao contexto de formação da capital mineira, mas também bens de luxo, em
que foram empregados materiais e técnicas mais complexos; bens para suprirem as
necessidades mais elementares e também para suprimento de necessidades mais
sofisticadas.
Refletindo ainda sobre consumo e dinâmica social, podemos destacar dois
imigrantes que se estabeleceram na capital no início do século XX e formaram uma
das famílias mais abastadas da capital, o que pode se compreender por meio de suas
práticas de consumo. O médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa, nascido no Rio de
Janeiro no ano de 1880, e Maria José Halfed, nascida na cidade mineira de Juiz de
Fora no ano de 1894 se casaram em Belo Horizonte em agosto de 1909. O casal
residiu na rua da Bahia, uma das principais ruas de Belo Horizonte no início do século
XX. Por meio do livro de memórias de uma das filhas do casal, Beatriz Borges Martins
– que nasceu em Belo Horizonte no ano de 1913 e, portanto, viveu em Belo Horizonte
na época em que estudamos o consumo na cidade – foi possível entendermos três
estruturas de consumo da família no início do século XX: os hábitos alimentares, os
complementos para o vestuário, os costumes de diversão.
260
residiam, revelavam costumes familiares que possuíam relação com a cultura nacional
e estrangeira. Vale ressaltar que o corso de carros abertos, um costume do carnaval
de Belo Horizonte do início do século XX e também do Rio de Janeiro do pós reformas
urbanas da cidade, tinha influência do carnaval internacional. A festa junina, que fazia
parte do contexto familiar dos Borges da Costa, era realizada no ambiente doméstico
e demandava um extenso processo de preparação, pois materiais eram comprados
no Rio de Janeiro, e diversos alimentos e bebidas faziam parte da festa. As
brincadeiras, tanto as infantis como as de adultos também foram parte do cenário
familiar, como o cotillon, que exigia que “tanto os rapazes quanto as moças não
fossem muito ignorantes” para que pudessem participar.
Tanto considerando a cidade como objeto de consumo; como no consumo
analisado para a cidade, especialmente nas áreas urbana e suburbana; e, ainda, no
consumo da classe média e específico da família Borges da Costa; é possível afirmar
as consequências dos dois acontecimentos – segunda Revolução Industrial e
instauração da República – que contribuíram para que Belo Horizonte se
transformasse na cidade que foi, nas três primeiras décadas do século XX.
A cidade pode ser concebida como objeto de consumo, que deveria representar
a modernidade da República, planejada nos mínimos detalhes pela CCNC com base
em programas internacionais e nacionais de urbanização, que se concretizaram
também graças aos novos materiais que a segunda Revolução Industrial produziu. Na
cidade periférica que se formou numa época em que o capitalismo se consolidava em
outras regiões do mundo, as práticas de consumo se efetivaram, e da forma como se
efetivaram, com os produtos e os serviços que descrevemos e analisamos, porque os
costumes eram moldados pelas transformações nacionais e internacionais, ainda que
devemos considerar o peso da tradição do século XVIII, presente em costumes e
formas de consumir da passagem do século XIX para o XX.
Na cidade capital onde as técnicas produtivas industriais ainda não haviam se
concretizado na economia nascente, o comércio de médio porte e o consumo podem
ser entendidos, num primeiro momento, como as molas propulsoras do crescimento
econômico local.
262
REFERÊNCIAS
FONTES
Almanaques:
LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa
Official do Estado de Minas Gerais, 1900.
VERAS, Felippe; MORETTI, Antônio (Orgs.). Almanack: guia de Bello Horizonte. Belo
Horizonte: Typographia Commercial, 1913.
Documentos do executivo:
DECRETO nº 7, de 20 de novembro de 1889. Marechal Manoel Deodoro da Fonseca,
chefe do governo provisório – Aristides da Silveira Lobo.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. José Ricardo de Sá Rego a
Assembleia Provincial da Província de Ouro Preto. 1851. Belo Horizonte: Arquivo
Público Mineiro, Secretaria de Governo da Província – documentos da Secretaria
de Governo da Província.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao
Congresso Constituinte de Minas Gerais. Annaes do Senado Mineiro, 1891 e
1892.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Affonso Augusto Moreira Penna ao
Congresso Mineiro em sua terceira sessão ordinária da 1ª legislatura. Ouro
Preto: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1893.
Documentos do legislativo:
Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891.
Annaes do Congresso Mineiro em Sessão Extraordinária, Barbacena, 1893.
COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:
Imprensa Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.517.
COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:
Imprensa Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.563.
Jornais:
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A Capital. Bello Horizonte, 15/10/1896.
A Flor. Bello Horizonte, 1907.
Bello Horizonte. Bello Horizonte, 1895.
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Diário de Minas. Bello Horizonte, 12/01/1921.
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Jornal do Povo. Bello Horizonte, 01/02/1900.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 03/04/1902.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 09 e 10/12/1912.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
264
Inventários post-mortem:
Inventários post-mortem presentes no TJMG: AP / Contagem
03/11/1899, maço 1 / 04.01.06.04.04.029.
26/05/1901, 04.01.06.05.05.029.
26/02/1902, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
1904, maço 26.
10/01/1904, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
11/01/1904, 04.03.09.11.04.007.
20/06/1906, maço 3.
21/11/1906, maço 28 / 04.01.06.05.05.008.
28/02/1907, maço 1 / 04.03.04.09.10.04.004.
16/09/1909, 04.03.09.10.04.004.
08/01/1912, 04.03.09.10.04.004.
11/03/1912, 04.03.09.10.04.004.
19/06/1912, 04.01.06.03.05.010.
11/07/1912, 04.03.09.10.04.004.
25/02/1913, 04.03.09.10.04.004.
16/08/1913, maço 24 / 04.03.09.10.04.004.
23/08/1913, 04.03.09.10.04.004.
13/07/1914, maço 12 / 04.03.09.10.04.022.
03/11/1914, maço 10 / 04.01.06.01.04.001.
19/12/1914, maço 01 / 04.03.09.10.04.004.
01/02/1915, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
19/04/1915, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
27/04/1915, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
19/05/1915, 04.03.09.10.04.004.
08/02/1916, 04.03.09.11.04.012.
02/03/1916, 04.01.06.03.05.033.
22/05/1916, maço 11 / 04.01.06.04.06.009.
265
28/06/1916, 04.03.09.10.04.004.
03/07/1916, maço 75 / 04.03.09.11.04.012.
03/07/1916, 04.03.09.20.04.031.
17/12/1916, maço 10.
25/04/1917, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
03/11/1917, 04.02.10.01.06.002.
14/12/1917, maço 10 / 04.02.09.10.01.001.
15/12/1917, maço 12 / 04.03.09.10.04.022.
1918, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
17/01/1918, 04.01.06.01.04.007.
06/03/1918, maço 12;4 / 04.03.09.10.04.022.
20/04/1918, 04.03.09.10.04.004.
22/05/1918, 04.03.09.10.04.004.
24/05/1918, 04.03.09.10.04.004.
10/09/1918, 04.01.06.05.05.008.
31/10/1918, maço 15 / 04.03.04.11.04.012.
30/01/1919, maço 24;25 / 04.03.09.10.04.004.
28/06/1919, 04.03.09.10.04.014.
22/08/1919, maço 75 / 04.03.09.11.04.012.
19/10/1919, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
20/01/1920, maço 68 / 04.01.06.05.04.010.
25/04/1920, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
14/05/1921, 04.03.09.20.04.031.
16/08/1921, maço 26 / 04.01.06.03.04.002.
1922, 04.01.06.04.05.034.
16/01/1922, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
22/11/1922, 04.03.09.20.04.031.
30/01/1923, maço 16 / 04.01.06.04.04.005.
27/04/1923, maço 11 / 04.01.06.04.06.007.
12/05/1923, 04.01.07.06.05.020.
27/07/1923, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
30/07/1923, maço 1B / 04.03.04.09.10.04.004.
17/09/1923, 04.03.09.11.04.012.
03/09/1924, maço 20 / 04.01.06.04.04.001.
05/09/1924, maço 20 / 04.03.09.10.04.004.
266
12/09/1924, 04.02.10.01.06.004.
22/12/1924, 04.03.09.11.04.016.
10/01/1925, 04.03.09.10.04.004.
02/02/1925, 04.03.09.10.04.004.
17/02/1925, maço 20 / 04.01.06.04.04.001.
14/04/1925, 04.03.09.11.04.012.
03/09/1925, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
22/09/1925, maço 55 / 04.02.04.11.01.017.
23/05/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
25/07/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
01/12/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
30/12/1927, sem identificação.
22/05/1928, maço 25 / 04.02.07.02.04.015.
14/11/1928, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
26/11/1928, 04.02.06.15.08.018.
02/04/1929, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
18/07/1929, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
06/02/1930, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
02/07/1932, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
16/09/1932, 04.01.06.03.04.002.
Livro de memórias:
MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins
Filho. 2 ed. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013.
Coleção Interiores
Caçarola, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 1497/12.
Coleção Mobiliário
268
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A Gare. Bello Horizonte, v. 1, n. 1, novembro/1922.
Cidade Vergel. Bello Horizonte, anno I, n. 2, /1927.
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269
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277
APÊNDICES
279
APÊNDICE 1
OS BENS MÓVEIS PRESENTES NA AMOSTRA DE INVENTÁRIOS POST-
MORTEM DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1897-1930)
280
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 coberta Mobiliário
4 catres Mobiliário
1 caixão Mobiliário
1 (1917) 1 armário Mobiliário
2 ?
1 caixa grande Mobiliário
1 espingarda Trabalho
1 carroça Trabalho
1 armário Mobiliário
1 armário Mobiliário
7 (1914)
3 mesas Mobiliário
6 cadeiras austríacas Mobiliário
objetos de cozinha Doméstico
281
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 faixa de cobre Mobiliário
1 tacha Trabalho
1 tacho pequeno Trabalho
1 jarro de cobre Mobiliário
1 alavanca Mobiliário
1 canivete Doméstico
jarros Doméstico
1 ?
1 ?
1 laço Pessoal
1 ?
1 selim Trabalho
1 balança Trabalho
1 caixão Mobiliário
3 caixas Mobiliário
2 firanchões
8 táboas Trabalho
1 banco Mobiliário
1 portão Mobiliário
1 ? de jacarandá
8 (1902)
1 mesa Mobiliário
10 ?
10 ?
1 mesa Mobiliário
1 mesa Mobiliário
1 banco Mobiliário
1 armário grande Mobiliário
5 táboas novas Trabalho
20 táboas Trabalho
? ?
1 corrente Trabalho
2 réguas Trabalho
1 carro velho Trabalho
1 par de botinas novas Pessoal
1 chapéu Pessoal
1 ?
1 catre Mobiliário
1 ?
2 ? de prata
1 oitava e um quarto de ouro Pessoal
282
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 mesa de madeira Mobiliário
1 banco de madeira Mobiliário
1 tamborete de táboas Mobiliário
1 caixa pequena com pé Mobiliário
11 (1899)
1 caixa pequena sem pé Mobiliário
1 catre de madeira Mobiliário
1 caixote com ferramentas carpintaria Trabalho
materiais Trabalho
283
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
3 carroças Trabalho
1 carroça "imprestável" Trabalho
45 folhas de zinco pesadas Trabalho
1 armação envidraçada Trabalho
1 balção na padaria Trabalho
1 máquina para fazer doces Trabalho
1 mesa de pinho pequena Mobiliário
1 tamborete Mobiliário
1 masseira grande Trabalho
1 masseira pequena Trabalho
1 mesa na padaria Trabalho
19 taboleiros de madeira Trabalho
5 casaletes de madeira Mobiliário
1 caixão estragado Mobiliário
1 balança com pratos Trabalho
9 quilos de pesos de ferro Trabalho
2 lampeões belgas Mobiliário
7 pás para forma Trabalho
1 ferro para tirar brasas Trabalho
3 toalhas Pessoal
1 mesa de pinho para refeições Mobiliário
2 bancos compridos Mobiliário
15 (1903) 2 caixotes pequenos Mobiliário
30 folhas para biscoitos Doméstico
12 panos para louças Doméstico
10 talheres ordinários Doméstico
1 concha para sopeira Doméstico
2 conchas para café Doméstico
2 garfos de ferro Doméstico
1 despertador de vidro Doméstico
3 canecas de ferro Doméstico
1 caneca estragada Doméstico
3 chaleiras de ferro Doméstico
2 caldeirões Doméstico
1 caçarola grande Doméstico
1 caçarola pequena Doméstico
1 mesa pequena na cozinha Mobiliário
11 pratos de folha Doméstico
2 bacias de folhão Doméstico
1 tacho de ferro Doméstico
2 camas de madeira velha Mobiliário
2 colchões capim velhos Mobiliário
1 armário Mobiliário
18 sacos de farinha Doméstico
lenha para a padaria Trabalho
284
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 relógio de algibeira c/corrente de plaquê Pessoal
1 par de cassandras Doméstico
1 tacho Trabalho
1 facão para o mato Trabalho
16 (1899)
1 facão com cabo e bainha de prata Trabalho
1 cangalha Trabalho
1 selim sem capa Trabalho
1 sela de campo Trabalho
285
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 relógio americano de parede Mobiliário
1 catre na sala Mobiliário
2 tamboretes Mobiliário
1 mesa na sala Mobiliário
1 banco de encosto Mobiliário
1 banco sem encosto Mobiliário
1 catre de ferro Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 balcão velho Mobiliário
2 catres do quarto da sala Mobiliário
1 catre no mesmo quarto Mobiliário
1 mesinha no mesmo quarto Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
1 banco ao pé da mesa Mobiliário
1 marquesa forrada de couro Mobiliário
1 catre de encosto Mobiliário
1 mesa Mobiliário
17 (1899) 1 pequena estante Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 caixa Mobiliário
1 armário Mobiliário
1 bomba e canos de ferro e chumbo para poço Trabalho
1 marquesa de táboa Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 catre de ferro Mobiliário
1 mesa na sala Mobiliário
1 mesa no quarto Mobiliário
4 bancos Mobiliário
1 caixão na sala Mobiliário
1 caixão no quarto escuro Mobiliário
1 caixão inferior na despensa Mobiliário
1 armário Mobiliário
1 balança com pesos (69 quilos) Trabalho
1 catre na fazenda da Biboca Mobiliário
1 caixão Mobiliário
286
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
4 catres velhos e estragados Mobiliário
1 mesa com gaveta Mobiliário
1 carroça velha Trabalho
1 carrinho velho Trabalho
19 (1904) 1 carro velho, quebrado Trabalho
1 armário velho, estragado Mobiliário
1 armário melhor Mobiliário
1 mesa para jantar com 2 bancos velhos Mobiliário
1 mesa Mobiliário
mercadorias Trabalho
25 (1914) maquinismos e oficinas Trabalho
móveis e utensílios M o biliário /Do méstico
287
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 guarda louças Mobiliário
12 cadeiras Mobiliário
2 cadeiras Mobiliário
1 sofá Mobiliário
28 (1912) 1 mesa redonda Mobiliário
2 mesa pequenas Mobiliário
1 cômoda Mobiliário
1 cama de casal Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
1 balcão Trabalho
3 escadas Trabalho
1 toucador Mobiliário
4 cadeiras Mobiliário
2 ?
1 bicicleta Trabalho
materiais Trabalho
1 ?
2 tesouras Trabalho
4 alicates Trabalho
ferramentas Trabalho
1 máquina para moldurar Trabalho
2 bancos para trabalhar Trabalho
2 ?
30 (1906) 1 ?
1 ?
1 lata Mobiliário
4 ?
1 ?
1 ?
1 ?
10 martelos Trabalho
2 bancos estragados Mobiliário
5 ? Para biscoitos
1 jarro Doméstico
1 bacia Doméstico
1 moinho para café Doméstico
1 máquina para carne Trabalho
2 caçarolas Doméstico
288
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
12 cadeiras Mobiliário
3 mesas Mobiliário
1 armário Mobiliário
33 (1918)
1 lavatório Mobiliário
1 máquina de costura de mão Mobiliário
diversas peças de cozinha Doméstico
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 sofá Mobiliário
1 ?
1 mesa de jantar Mobiliário
1 ?
1 ?
1 cama de casal Mobiliário
1 guarda ? Mobiliário
2 ?
2 ?
41 (1923)
3 ?
1 ?
1 ?
1 mesinha Mobiliário
1 chiffonica (?) Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
1 cadeira Mobiliário
4 estantes pequenas Mobiliário
1 biblioteca Mobiliário
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
6 cadeiras austríacas Mobiliário
1 cadeira de balanço Mobiliário
6 cadeiras de vinhático Mobiliário
1 sofá Mobiliário
1 mesinha de centro Mobiliário
55 (1918)
1 guarda louças Mobiliário
mesa de sala de jantar
1 Mobiliário
envernizada e com gavetas
1 relógio de parede Mobiliário
1 aparelho telefônico Mobiliário
291
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 casula vermelha com pertences Litúrgico
1 pedra d'ara Litúrgico
1 casula preta com pertences Litúrgico
1 casula verde com pertences Litúrgico
1 cálice Litúrgico
2 campainhas Litúrgico
1 missal e estante Litúrgico
1 par de galhetas Litúrgico
6 toalhas Litúrgico
2 lírios para três velas Litúrgico
2 cálises pequenos Litúrgico
1 mesa com estante e diversos livros Livros
1 oratório com imagem Litúrgico
1 oratório pequeno, velho Litúrgico
1 crucifixo grande Litúrgico
caixa de folha com 3
1 Litúrgico
vidros, com santos oléos
1 caixa de prata em tubo Litúrgico
1 caixa de metal para hóstias Litúrgico
1 corrente de ouro para relógio Pessoal
1 relógio de parede Mobiliário
1 par de esporas de prata Mobiliário
1 lampião belga Mobiliário
12 cadeiras austríacas velhas Mobiliário
1 cadeira de balanço estragada Mobiliário
1 mesa redonda boa Mobiliário
2 cantoneiras boas Mobiliário
3 bancos de encostos bons Mobiliário
56 (1914)
8 quadros pequenos com estampas Mobiliário
12 quadros pequenos comr retratos Mobiliário
1 quadro grande com estampa Mobiliário
2 mangas de vidro Mobiliário
1 catre francês bom Mobiliário
1 catre forrado de couro Mobiliário
1 catre velho Mobiliário
1 armário bom com vidraças Mobiliário
1 caixa de madeira Mobiliário
1 par de canastrinhas Doméstico
1 mala de viagem Mobiliário
1 par de alfozes estragados Mobiliário
1 compoteira velha Doméstico
1 tinteiro de vidro Mobiliário
1 toalha com filtro Mobiliário
2 bacias com jarro Doméstico
2 escarradeiras Pessoal
1 saboneteira Pessoal
1 bacia de cobre para banho Mobiliário
1 debulhadora de milho Doméstico
1 caixão com três compartimentos Mobiliário
1 caixão pequeno Mobiliário
2 bastos velhos Mobiliário
1 sellote velho Mobiliário
1 sellim em bom uso Trabalho
1 castiçal de metal Litúrgico
1 lavatório Mobiliário
1 alavanca Mobiliário
292
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 carro de bois Trabalho
mobília de quarto de dormir, sendo
1 1 cama francesa, criado, toallete e Mobiliário
guarda roupas
57 (1917)
1 armário de madeira tosca Mobiliário
1 máquina de costura Mobiliário
1 caixa de carretão Mobiliário
arreios para 4 juntas de bois Trabalho
1 distopia Trabalho
1 serra circular Trabalho
1 serra circular Trabalho
1 furador Trabalho
1 máquina de aparelhar Trabalho
1 dita superior Trabalho
1 rebalo automático Trabalho
1 ?
60 (1914)
1 motor elétrico com transformador Trabalho
1 ? Vertical
1 serra circular Trabalho
1 máquina de aparelhar até 4 ferros Trabalho
1 máquina para furar ferro Trabalho
1 ?
1 motor elétrico com transformador Trabalho
correias diversas Trabalho
293
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
mobília de sala de visitas, austríaca
1/2 composta de 6 cadeiras, duas de braços Mobiliário
e 1 sofá, peças já reformadas
1 mesa tosca, pequena, com gavetinha Mobiliário
1 dita menor, de centro, quadriculada Mobiliário
68 (1925)
1 dita velha e estragada, tosca e maior Mobiliário
1 guarda-comida bastante usado Mobiliário
1 guarda louças pequeno, em bom estado Mobiliário
2 cantoneiras pequenas c/ pedra mármore Mobiliário
6 cadeiras amarelas, de palhinha, artigo nacional Mobiliário
1 piano Mobiliário
12 cadeiras Mobiliário
1 porta chapéus Mobiliário
1 mobília Mobiliário
1 mobília de sala de visitas Mobiliário
1 grupo de três peças Mobiliário
1 mobília de sala de jantar Mobiliário
71 (1921)
2 guarda roupas Mobiliário
2 toiletes Mobiliário
1 armário pequeno Mobiliário
2 cômodas Mobiliário
1 cama de solteiro Mobiliário
6 cadeiras de ferro Mobiliário
3 estantes de ferro Mobiliário
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 caieira de 500 tijolos Trabalho
500 telhas Trabalho
1 forno de pequena padaria doméstica de tijolos Trabalho
3 carrinhos de mão para olaria Trabalho
1 carroção de mesa Trabalho
1 carroção de rodas novas Trabalho
79 (1916) 8000 tijolos Trabalho
2 bancas para fabricação de tijolos Trabalho
1 banco de carpinteiro Trabalho
1 torno de ferro Trabalho
peças de madeira Trabalho
1 enxadão Trabalho
1 marreta Trabalho
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
150000 tijolos na olaria Trabalho
1 carro em mau estado Trabalho
88 (1901)
1 carroça para aterros Trabalho
1 carroça para aterros Trabalho
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
Na biblioteca
1 coleção de Direito com 72 volumes Livros
coleção de atas da Câmara dos deputados
1 Documentos
dos anos de 1883 a 1890, com 130 vols
coleção do Instituto Histórico e Geográfico
1 Livros
com 66 volumes, dos anos de 1831 a 1861
1 dicionário P. Larousse completo Livros
10 volumes da Revista Brasileira Livros
3 vols da Revista do Arquivo Público Mineiro Livros
6 volumes das Leis Mineiras Documentos
3 volumes de Direito Romano Livros
Manifestos ... ? Livros
1 dicionário histórico e político de M. Bloch (francês) Livros
2 vols do dicionário de Economia Política (francês) Livros
1 dicionário histórico e geográfico Livros
2 vols da história da ? Francesa de A. Thiris Livros
estante grande com 4 armários na parte
1 Mobiliário
inferior em perfeito estado
1 ?
1 mesa com dias cadeiras Mobiliário
1 cadeira para escritótio Mobiliário
1 cadeira para guardar calçado Mobiliário
estantes com mais ou menos 100 volumes
2 Mobiliário/Livros
de literatura
1 lavatório e um ? e espelho Mobiliário
1 cama Mobiliário
1 guarda casacos Mobiliário
1 ?
1 cômoda para roupa branca Mobiliário
1 criado Mobiliário
95 (1919)
Na sala de visitas
mobília completa com sofá, duas cadeiras de
braços, dois aparadores, seis cadeiras, um
1 Mobiliário
sofá e duas cadeiras de canto, um porta
chapéus
Na sala de jantar
1 guarda comidas estragado Mobiliário
1 mesa elástica Mobiliário
1 guarda comidas usado Mobiliário
2 cadeiras de balanço Mobiliário
6 cadeiras ordinárias Mobiliário
cama de ferro estragada, um armário com Mobiliário
1
tampa de vidro em mau estado e uma mesinha Mobiliário
4 quadros de parede Mobiliário
Na copa
taças de champanhe e 20 copos ordinarios,
garrafas de cristal para vinho, uma para leite,
11 uma para chá, uma para café. Uma mantegueira Doméstico
de cristal, um saleiro com duas colheres,
duas compoteiras e uma fruteira
louça que se compões de poucas peças... de
Doméstico
cozinha
facas de cristal, 19 garfos ordinários, 16 conchas,
20 garfos, colheres para chá, 11 de café. Uma
17 Doméstico
colher grande para arroz, uma para feijão,
uma para sopas
1 ?
1 espingarda de dois canos em bom estado Trabalho
1 par de esporas Trabalho
1 relógio Mobiliário
297
BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
96 (1925) 1 relógio Omega em mau estado Doméstico
10 cadeiras Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
2 camas de ferro para solteiro Mobiliário
diversas peças de louças Doméstico
mercadorias de um pequeno
Trabalho
negócio
2 balanças Trabalho
1 caixa registradora Trabalho
1 balança Trabalho
99 (1915) bebidas nacionais e estrangeiras Trabalho
conservas em latas Trabalho
fumos, cigarros, papel e seus Trabalho
congêneres Trabalho
gêneros do país Trabalho
diversas miudezas Trabalho
1 balcão e móveis velhos Trabalho
1 guarda louças Doméstico
diversas peças de louças de
Doméstico
cozinha e de mesa
298
APÊNDICE 2
OCORRÊNCIAS DE BENS MÓVEIS POR INVENTÁRIOS POST-MORTEM DO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1897-1930)
Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1898 X
1898 X X
1899 X X
1899 X X X
1899 X X
Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1901 X
1902 X X X X
1903 X X X X
1904 X X
1906 X X X
1907 X
1909 X X X
Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1912 X
1912 X
1914 X X X X X X
1914 X X X
1914 X
1914 X X X
1915 X X X
1915 X
1916 X
1916 X
1916 X X
1917 X X X
1917 X X
1917 X X
1918 X
1918 X X
1919 X X X X X
300
Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1920 X X
1921 X X X
1921 X
1922 X
1922 X X X X
1923 X
1923 Sem descrição
1923 X
1924 X X
1925 X
1925 X
1928 X X
1932 X