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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NATÂNIA SILVA FERREIRA

O CONSUMO NA CAPITAL CRIADA NOS ANSEIOS DA


MODERNIDADE DA PRIMEIRA REPÚBLICA – BELO
HORIZONTE (1894-1930)

Campinas
2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NATÂNIA SILVA FERREIRA

O CONSUMO NA CAPITAL CRIADA NOS ANSEIOS DA


MODERNIDADE DA PRIMEIRA REPÚBLICA – BELO
HORIZONTE (1894-1930)

Profª. Dra. Milena Fernandes de Oliveira – orientadora

Dissertação de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento


Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção
do título de Doutora em Desenvolvimento Econômico, na área de História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NATÂNIA SILVA
FERREIRA E ORIENTADA PELA PROFª. DRA.
MILENA FERNANDES DE OLIVEIRA.

Campinas
2022
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706

Ferreira, Natânia Silva, 1990-


F413c FerO consumo na capital criada nos anseios da modernidade da Primeira
República - Belo Horizonte (1894-1930) / Natânia Silva Ferreira. – Campinas,
SP : [s.n.], 2021.

FerOrientador: Milena Fernandes de Oliveira.


FerTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.

Fer1. Consumo (Economia) - Belo Horizonte (MG). 2. Oferta e procura. 3.


Cultura material. 4. Desenvolvimento econômico - Aspectos sociais. I. Oliveira,
Milena Fernandes de, 1977-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto
de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The consumption in the capital created in the yearnings of the
modernity of the First Republic - Belo Horizonte (1894-1930)
Palavras-chave em inglês:
Consumption (Economics) - Belo Horizonte (Brazil)
Supply and demand
Material culture
Economic development - Social aspects
Área de concentração: História Econômica
Titulação: Doutora em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Milena Fernandes de Oliveira [Orientador]
Maria Alice Rosa Ribeiro
Nelson Mendes Cantarino
Alexandre Macchione Saes
João Antonio de Paula
Data de defesa: 22-10-2021
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7294-1959
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/4072339420957904

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NATÂNIA SILVA FERREIRA

O CONSUMO NA CAPITAL CRIADA NOS ANSEIOS DA


MODERNIDADE DA PRIMEIRA REPÚBLICA – BELO
HORIZONTE (1894-1930)

Profª. Dra. Milena Fernandes de Oliveira – orientadora

Defendida em 22/10/2021

COMISSÃO JULGADORA

Profª. Dra. Milena Fernandes de Oliveira - PRESIDENTE


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Profª. Dra. Maria Alice Rosa Ribeiro


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Nelson Mendes Cantarino


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Alexandre Macchione Saes


Universidade de São Paulo (USP)

Prof. Dr. João Antonio de Paula


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da


Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica da aluna.
Assim como em minha dissertação, dedico esta tese para minha mãe Gilda e para
minha irmã Nathalí.
AGRADECIMENTOS

Fazer pós-graduação, chegar ao doutorado num país como o Brasil,


atualmente, é um ato de coragem e de resistência. Mas parece que é quando as
coisas vão se tornando mais difíceis, que eu insisto em continuar firme. E, para a
conclusão desse doutorado, muitas pessoas e instituições foram de extrema
importância. Sem a ajuda delas, a tese não teria tomado a forma que tomou.
Começo agradecendo ao Alexandre Saes, que foi meu orientador na graduação
da UNIFAL – quando fiz dois anos de iniciação científica – e também no mestrado –
que realizei na USP. Começo agradecendo ao Alexandre porque foi sob sua
orientação que conheci a História Econômica na graduação. E também porque,
quando, no final do mestrado, decidi que gostaria de realizar o doutorado em uma
outra universidade – acho importante ter contato com diferentes instituições – foi ele
quem me indicou o programa de Desenvolvimento Econômico da UNICAMP.
Participei do processo seletivo para doutorado da UNICAMP, da USP e da UFRGS.
Fui aprovada no processo da UNICAMP e no processo da USP. Decidi que iria para
Campinas, ou Barão Geraldo, melhor dizendo. Muitas pessoas me perguntavam
porque mudar de universidade, afirmavam a relevância da USP, me deixando na
dúvida, e foi Alexandre uma das poucas pessoas que me deu forças para a mudança,
que era, no fundo, o que eu desejava. Ainda, foi ele quem me sugeriu trabalhar Belo
Horizonte.
Na UNICAMP, foi muito gratificante ter sido orientada pela Milena, que me
ajudou a expandir meus horizontes a respeito da História Econômica. Para além da
orientação do doutorado, a Milena me deixou alguns ensinamentos que eu levarei
para sempre comigo, para a vida. Uma mulher forte e determinada e que tem uma
calma e uma doçura enormes. Quando batia a aflição – comum de quem faz doutorado
– Milena sempre estava presente para me auxiliar a voltar para o eixo da tese. Muito
obrigada por ter sido minha orientadora no doutorado, Milena.
Nesses tempos pandêmicos, a grande maioria das instituições passou a
trabalhar remotamente. Eu já havia coletado todas as fontes principais para a tese
quando iniciou a pandemia, mas para finalizar a escrita, alguns textos me faziam falta,
e não era possível o acesso a tais materiais. Nesse contexto, escrevi para algumas
autoras de livros que eu precisava, talvez elas me responderiam... E felizmente
responderam. Recebi de presente de Celina Borges Lemos, uma professora da
UFMG, o livro que foi sua tese de doutorado e não se encontrava mais disponível nas
bases digitais. O livro que Celina me enviou, eu havia pegado emprestado em uma
das bibliotecas da UNICAMP, mas com a pandemia, ocorreu que o livro ficou em São
Paulo e eu estava em Varginha. Não imaginava que a pandemia tomaria as
proporções que tomou e, com receio de ir a São Paulo para pegar o livro, entrei em
contato com Celina e ela me enviou pelos Correios, o livro que foi essencial para o
desenvolvimento de minha tese. Além de Celina, uma outra professora da UFMG,
Moema Miranda de Siqueira, me enviou impresso um texto que ela escreveu em 1972.
Por conta da pandemia, Moema estava em uma fazenda, onde a internet oscilava
bastante. Então, ela conseguiu responder meu e-mail, mas não conseguia enviar o
texto anexado via e-mail. Assim, solicitou meu endereço e me enviou o texto impresso,
via Sedex. Dois dias depois que passei meu endereço para Moema, por e-mail, o texto
estava em minhas mãos. Ela tinha o texto impresso, datado de 1972!, e me enviou.
Thiago Gambi, um dos professores que me inspiraram a seguir na carreira acadêmica
e na História Econômica, desde a graduação, me enviou um outro texto que eu
precisava para a tese, fotografou e me enviou por e-mail. Ainda, a equipe da Revista
Brasileira de Estudos Políticos, localizou em seu arquivo um texto antigo, que não se
encontrava na plataforma on-line da revista, e me enviou por e-mail. Celina Borges
Lemos, Moema Miranda de Siqueira, Thiago Gambi e equipe da Revista Brasileira de
Estudos Políticos, meu muito obrigado pelos materiais que me enviaram, sem os quais
eu teria dificuldades de fechar alguns raciocínios da tese.
Agradeço ao Nelson Mendes Cantarino e a Maria Alice Rosa Ribeiro, que
estiveram em minha qualificação e contribuíram para que a tese tomasse a presente
forma. Maria Alice, obrigada por ser uma pessoa tão atenciosa e prestativa. Você faz
com que a gente se interesse cada vez mais pela História Econômica. A forma como
fala da pesquisa e das fontes é entusiasmante.
Em uma de minhas visitas a instituições de Belo Horizonte, para coleta de
fontes, visitei o Instituto Cultural Amilcar Martins e tive a sorte de ser recebida por
Amilcar Vianna Martins Filho que me deu de presente o livro de memórias de sua mãe,
Beatriz Borges Martins. Aquele livro de memórias foi uma das fontes mais importantes
que utilizei na tese, que me possibilitou compreender o cotidiano de Belo Horizonte
do início do século XX. Sou muito grata a Amilcar pelo livro. E agradeço também ao
professor Roberto Borges Martins, irmão de Amilcar, pelos conhecimentos valiosos
para minha pesquisa que me forneceu por e-mail, quando ele leu um artigo que escrevi
sobre a sua família.
Agradeço a Luz e a Carol, que me acolheram por uma semana em Belo
Horizonte, em uma das minhas viagens para a coleta de fontes. Ainda bem que
contamos com amizades que nos facilitam a vida e as coletas de fontes!
As amigas e os amigos que estiveram sempre comigo, e aquelas e aqueles que
fiz ao longo desses quatro anos de doutorado, minha eterna gratidão, especialmente
pelas conversas que, para além da vida acadêmica, me acalentaram nos momentos
difíceis. O primeiro agradecimento vai para Alessandra Kely, que conheci na
graduação da UNIFAL, uma amizade que já dura anos. Sou grata por ter você
presente em minha vida, pelas várias conversas e reflexões que vão para além da
vida acadêmica. Janaína Battahin, a Jana, que também estudou na UNIFAL, embora
não fôssemos da mesma turma, sou muito grata por momentos que trocamos ideias
que foram muito importantes para mim. O Pedro Vaz também estudou na UNIFAL na
graduação, mas nossa amizade se iniciou depois, na pós, quando nos encontramos
na UNICAMP e eu deixo aqui o meu muito obrigado pelas conversas que tivemos ao
longo desses quatro anos de doutorado.
Depois que finalizei as disciplinas do programa de Desenvolvimento
Econômico, precisava com certa frequência voltar a Campinas para resolver alguma
coisa e, nessas voltas, fui acolhida algumas vezes na moradia da UNICAMP pela
Milena. A você e às meninas que moravam com você na moradia, Milena, muito
obrigada pela acolhida maravilhosa de sempre. A Maya também me acolheu quando
eu precisei de um lugar para ficar em Campinas, e sou muito grata a ela e às meninas
que moravam na mesma casa, que me recebiam muito bem.
Das amizades que fiz na UNICAMP, destaco as da Andreia e da Thamiris, pois
no tempo que estive em Campinas, tivemos muitas conversas e trocas de
experiências que foram para além da academia. Meninas, muito obrigada pela
amizade. Ressalto também a amizade do Gabriel Quatrochi, que começou por conta
do doutorado, mas que se estendeu para além da UNICAMP e da vida acadêmica.
Agradeço a Flávia, pela amizade que tivemos enquanto moramos juntas em Barão
Geraldo. E ao Bruno Medeiros, que conheci por conta do doutorado e que devolveu
para mim, na biblioteca do IFCH da UNICAMP, um livro que estava comigo há certo
tempo, por causa da pandemia. Sem a devolução do livro, não haveria como marcar
a defesa.
Não poderia deixar de agradecer ao pessoal da secretaria de pós-graduação
do Instituto de Economia da UNICAMP; sinceramente, nunca vi uma secretaria de pós
com pessoas tão adoráveis como aquelas, sempre muito atenciosas e prestativas,
seja pessoalmente ou por e-mail.
Agradeço às instituições e às pessoas que, em Belo Horizonte, me auxiliaram
na coleta de fontes: ao Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB), onde a ajuda do
Christiano foi de suma importância para a coleta e seleção de fontes; ao Instituto
Cultural Amilcar Martins (ICAM), instituição em que fui recebida por Amilcar Vianna
Martins Filho mas, antes disso, tinha tido conversas sobre o Instituto e seus materiais
com a Lucilene; ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), onde a Sônia e o
Vagner, do Arquivo Permanente (AP) de Contagem, e também o Túlio e o Elvis, do
Centro Operacional (CEOP) de Belo Horizonte me ajudaram a encontrar documentos
necessários para a tese; ao Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte (APCBH),
onde Círlei e Marlon me auxiliaram com as fontes; ao Museu Mineiro (MM), onde fui
recebida pela Aline; finalmente, a Associação Comercial e Empresarial de Minas
Gerais (ACMINAS), onde Valdir me possibilitou acesso a biblioteca da instituição.
Ainda, agradeço ao Arquivo Público Mineiro (APM), Câmara Municipal de Belo
Horizonte (CMBH), Fundação João Pinheiro (FJP), Hemeroteca da Biblioteca
Estadual de Minas Gerais (HBEMG), Memória do Judiciário do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (MEJUD-TJMG) e Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Estas pessoas e
instituições contribuíram enormemente para a conclusão da tese.
Gratidão a CAPES pela bolsa de doutorado, cujo processo intermediado pelo
Instituto de Economia da UNICAMP, resultou em 31 meses de bolsa, que me
possibilitou realizar viagens para as coletas de fontes em instituições de Belo
Horizonte, bem como participar de congressos importantes para a minha formação
acadêmica e para o desenvolvimento da pesquisa.
Deixei por último os agradecimentos mais especiais, que vão para minha mãe
Gilda e para minha irmã Nathalí, as duas mulheres mais fortes que já conheci em toda
minha vida. A vocês, eu agradeço por tanto amor e pela força que me deram em todos
os momentos de minha vida. Esta tese de doutorado, esses quatro anos de pesquisa,
eu dedico de coração inteiramente para vocês duas, mulheres que todos os dias me
inspiram.
RESUMO

Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, foi inaugurada no ano de 1897, mas a cidade
começou a ser construída em 1894. O contexto de surgimento da nova capital foi
marcado por dois acontecimentos de grande relevância que contribuíram, ainda que
indiretamente, para a transferência da antiga capital, Ouro Preto, para a então Cidade
de Minas, nome que a nova capital mineira recebeu após sua inauguração:
internacionalmente, a segunda Revolução Industrial marcava o início de um novo
tempo, uma revolução nas técnicas produtivas e nos padrões de consumo;
nacionalmente, a instauração da Primeira República alterava as bases políticas até
então estabelecidas. A capital foi inaugurada num período de introdução, na vida de
determinados grupos sociais, de novos hábitos de consumo e de novas formas de
consumir e, desta forma, o conceito central desta tese é o de consumo. Com auxílio
de variados grupos de fontes primárias, foi possível entender a própria cidade de Belo
Horizonte como objeto de consumo, a cidade que foi planejada com base em
referências nacionais e internacionais de urbanização; analisar a relevância do
comércio de abastecimento para as práticas de consumo locais; entender a cultura
material na nova cidade por meio da descrição e análise de objetos materiais
disponíveis para consumo no comércio; averiguar a relação entre consumo e dinâmica
social, considerando o estrato da classe média; compreender “estruturas do cotidiano”
por meio de práticas de consumo. Numa cidade nova, que se formava na periferia do
capitalismo quando o sistema se consolidava em diversas partes do mundo, inclusive
em cidades brasileiras, o consumo serviu para auxiliar na compreensão de
especificidades da formação belo-horizontina. Em uma época onde as técnicas
produtivas industriais ainda não haviam se concretizado na capital nascente, o
consumo pode ser entendido como prática social primordial para articulação de
considerações acerca da economia e da cultura locais.

Palavras-Chave: Belo Horizonte. Consumo. Abastecimento. Cultura Material.


Dinâmica Social.
ABSTRACT
Belo Horizonte, capital of Minas Gerais, was inaugurated in 1897. The context of the
emergence of the new capital was marked by two highly relevant events that
contributed, albeit indirectly, to the transfer of the old capital, Ouro Preto, to the then
Cidade de Minas, the name that the new capital of Minas Gerais received after its
inauguration: internationally, the second Industrial Revolution marked the beginning of
a new time, a revolution in production techniques and consumption patterns; nationally,
the establishment of the First Republic altered the political bases established until then.
The capital was inaugurated in a period of introduction, in the life of certain social
groups, of new consumption habits and new ways to consume and, therefore, the
central concept of this thesis is that of consumption. With the help of various groups of
primary sources, it was possible to understand the city of Belo Horizonte itself as an
object of consumption, the city that was planned based on national and international
urbanization references; analyze the relevance of the supply trade to local
consumption practices; understand the material culture in the new city through the
description and analysis of material objects available for consumption in commerce;
investigate the relationship between consumption and social dynamics, considering
the middle class strata; understand “daily structures” through consumption practices.
In a new city, which was formed on the periphery of capitalism when the system was
consolidated in different parts of the world, including in Brazilian cities, the
consumption helped in the understanding of specifics of the formation of Belo
Horizonte. At a time when industrial production techniques had not yet materialized in
the growing capital, consumption can be understood as a primordial social practice for
articulation of considerations about the local economy and culture.

Keywords: Belo Horizonte. Consumption. Supply. Material Culture. Social Dynamics.


LISTAS

ABREVIATURAS
ACMINAS: Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais.
APCBH: Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte.
AP-TJMG: Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
APM: Arquivo Público Mineiro.
CEOP-TJMG: Centro Operacional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
CMBH: Câmara Municipal de Belo Horizonte.
CCNC: Comissão Construtora da Nova Capital.
FJP: Fundação João Pinheiro.
HBEMG: Hemeroteca da Biblioteca Estadual de Minas Gerais.
MEJUD-TJMG: Memória do Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
MHAB: Museu Histórico Abílio Barreto.
PBH: Prefeitura de Belo Horizonte.
QAMG: Questionário Agrícola de Minas Gerais.

LISTA DE ANÚNCIOS COMERCIAIS


Anúncio 3.1.: A loja de materiais para construção A Constuctora (1895)....................91
Anúncio 4.1.: Um local para entretenimento – o Cinema Odeon (1913)....................132
Anúncio 4.2.: Confeitaria Estrella – para elite e excelentíssimas famílias da capital
(1916).......................................................................................................................135
Anúncio 4.3.: Café e Confeitaria High-Life – para a rapaziada “chic” da capital
(1913).......................................................................................................................136
Anúncio 4.4.: Modernidade e perfeição – Lavanderia Santos Dumont (1914)...........137
Anúncio 4.5.: Benjamin & Comp. – a loja dos preços excepcionais (1913)................142
Anúncio 4.6.: Os calçados da Calçado Rocha de São Paulo – A Bota Horizontina
(1914).......................................................................................................................144
Anúncio 4.7.: A loja Casa Vermelha, o preço fixo (1919)...........................................145
Anúncio 4.8.: No palacete – Alfaiataria Guanabara (1926)........................................146
Anúncio 4.9.: Império – o ponto “chic” da elite (1927)................................................148
Anúncio 4.10.: A’ La Ville de Paris – uniformes e roupas feitas (1914)......................150
Anúncio 4.11.: A loja de decorações Bellas Artes (1900)..........................................152
Anúncio 4.12.: Papelaria, tipografia e fotografia – Art-Nouveau (1913).....................153
Anúncio 4.13.: Peças para carros, “stock” completo (1926)......................................154
Anúncio 4.14.: Clínica stomatologica, tratamento grátis aos pobres (1915)..............156
Anúncio 6.1.: Sementes de cebolas à venda (1919).................................................220
Anúncio 6.2.: Companhia Antártica Mineira – cerveja hamburgueza (1928)............221
Anúncio 6.3.: A soberana – água de Caxambú (1919)..............................................221
Anúncio 6.4.: Restaurante Avenida – luxo, conforto, asseio (1928)..........................227
Anúncio 6.5.: Império – somente para excelentíssimas famílias (1928)....................227
Anúncio 6.6.: Diariamente até 1 hora da noite – Bar e Restaurante do Comércio
(1928).......................................................................................................................229
Anúncio 6.7.: Perfeição e elegância – Alfaiataria E. Wilke (1915)..............................234

LISTA DE ARTEFATOS

Artefato 4.1.: Placa, material de propaganda............................................................127


Artefato 4.2.: Xícara, material de propaganda...........................................................128
Artefato 5.1.: Broche.................................................................................................177
Artefato 5.2.: Trousse...............................................................................................177
Artefato 5.3.: Fraque.................................................................................................178
Artefato 5.4.: Par de sapatos.....................................................................................179
Artefato 5.5.: Porta-relógio........................................................................................180
Artefato 5.6.: Forma de queijo...................................................................................182
Artefato 5.7.: Farinheira............................................................................................183
Artefato 5.8.: Licoreira...............................................................................................184
Artefato 5.9.: Cofre portátil........................................................................................185
Artefato 5.10.: Despertador-cafeteira........................................................................186
Artefato 5.11.: Mesa..................................................................................................190
Artefato 5.12.: Papeleira...........................................................................................191
Artefato 5.13.: Canapé..............................................................................................192
Artefato 5.14.: Cristaleira..........................................................................................193
Artefato 5.15.: Estante-porta toalhas........................................................................194
Artefato 5.16.: Relógio-armário.................................................................................195
Artefato 5.17.: Relógio de armário.............................................................................196

LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1.: Total de árvores plantadas em Belo Horizonte (1926-1928).....................78
Figura 3.1.: Movimento de construções residenciais em Belo Horizonte (1924-
1930)........................................................................................................................104

LISTA DE MAPAS
Mapa 1.1.: As sete regiões mineiras no período republicano, segundo Wirth..............52
Mapa 2.1.: As regiões de Curral Del Rei e Ouro Preto (1872)......................................63
Mapa 3.1.: O município de Belo Horizonte..................................................................95

LISTA DE PLANTAS
Planta 2.1.: Planta topográfica da Cidade de Minas (1895).........................................73
Planta 2.2.: Planta geral da Cidade de Minas (1895)...................................................74
Planta 2.3.: A Praça da Liberdade e o Parque (1895)..................................................79
Planta 2.4.: O Parque da Cidade de Minas (1895).....................................................80
Planta 2.5.: As Praças da Cidade de Minas (1895)......................................................82
Planta 4.1.: Planta cadastral do antigo Curral Del Rei comparada com a planta da nova
Capital......................................................................................................................124

LISTA DE QUADROS
Quadro 5.1.: Os bens de uso pessoal.......................................................................175
Quadro 5.2.: Os equipamentos domésticos..............................................................181
Quadro 5.3.: As peças de mobiliário..........................................................................188
Quadro 5.4.: Inventariantes e suas ocupações/profissões/titulações (1899-1928)...204
Quadro 5.5.: Inventariados e suas ocupações/profissões/titulações (1898-1928)....205
Quadro 6.1.: Classes de alimentos taxados em Minas Gerais (1902).......................217

LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1.: Gêneros ofertados pelos ambulantes (1900)...........................................98
Tabela 3.2.: Os locais de origem dos ambulantes de gêneros (1900).......................101
Tabela 3.3. Comércios de bens materiais e de serviços na Cidade de Minas
(1900).......................................................................................................................108
Tabela 5.1.: Número de ocorrências de ativos (1897-1930)......................................199
Tabela 5.2.: Número de ocorrências de bens móveis por tipologia (1897-1930)......200
SUMÁRIO

O CONSUMO NA CAPITAL CRIADA NOS ANSEIOS DA MODERNIDADE DA


PRIMEIRA REPÚBLICA – BELO HORIZONTE (1894-1930)

INTRODUÇÃO: O consumo na História e na História Econômica.........................15

CAPÍTULO 1- Novo regime, velhas discussões – a transferência da capital


mineira.......................................................................................................................35
1.1. As capitais para Minas Gerais: para além da cidade do ouro..............................35
1.2. O período republicano: contribuição para concretização da transferência da
capital.........................................................................................................................38
1.3. A mudança da capital de Minas Gerais: interpretações sobre o tema.................42
1.3.1. Uma disputa entre antagonistas políticos...............................................43
1.3.2. A busca pela unidade econômica...........................................................49
1.4. A transferência da capital mineira como pretensão de comunhão......................60

CAPÍTULO 2- A cidade como objeto de consumo – a nova capital de Minas


Gerais........................................................................................................................61
2.1. Antecedentes da nova capital: Ouro Preto e Curral Del Rei...............................61
2.2. Consumo de lugares: o planejamento urbano da Comissão Construtora da Nova
Capital........................................................................................................................70
2.3. Uma nova capital no Brasil do final do século XIX..............................................82

CAPÍTULO 3- Consumo e abastecimento – as áreas suburbana e colonial e as


imediações................................................................................................................85
3.1. O comércio embrionário: a época de construção da capital (1894-1897)............85
3.2. O comércio das áreas suburbana e colonial e adjacências: os ambulantes de
gêneros.......................................................................................................................93
3.3. O comércio de médio porte: aspectos gerais na capital mineira (1900-1930).....107
3.4. Um setor econômico em expansão na capital mineira no início do século XX....119

CAPÍTULO 4- Consumo e cultura material – a área urbana de Belo Horizonte...122


4.1. Alguns caminhos da capital: ruas e avenidas e suas dimensões........................123
4.2. O comércio da área urbana: publicidade e as ruas comerciais...........................126
4.3. O comércio na rua mais comercial da capital: a rua da Bahia.............................129
4.4. A indumentária e a moda das vestimentas: comércio no bairro do Comércio –
avenida Afonso Pena e rua dos Caetés....................................................................140
4.5. Os gêneros e os serviços variados: comércio nas ruas Guajajaras, Espírito Santo
e Tupinambás...........................................................................................................149
4.6. Um comércio de produtos e de serviços no centro da capital.............................157

CAPÍTULO 5- Consumo e dinâmica social – objetos materiais e bens móveis


consumidos pela classe média.............................................................................161
5.1. A cidade dividida: segregação social e racial na capital......................................161
5.2. Classe média: as frações em Belo Horizonte.....................................................166
5.3. A classe média identificada por meio dos artefatos do museu............................174
5.3.1. Os objetos individuais: bens de uso pessoal.........................................175
5.3.2. Os utensílios: equipamentos domésticos.............................................180
5.3.3. Os acessórios para interiores: peças de mobiliário...............................187
5.4. A classe média identificada por meio dos inventários post-mortem....................197
5.4.1. Os bens móveis presentes na amostra de inventários..........................200
5.4.2. Os bens móveis das frações da classe média......................................204
5.5. O perfil de consumo da classe média belo-horizontina.......................................210

CAPÍTULO 6- As “estruturas do cotidiano” – o consumo dos Borges da Costa


no início do século XX............................................................................................213
6.1. O nascimento: uma nova família na capital mineira............................................213
6.2. Os alimentos e as bebidas: a alimentação como um processo...........................215
6.3. A moda e a composição dos trajes: complementos para o vestuário..................232
6.4. A diversão: as festas e as brincadeiras..............................................................239
6.4.1. As festas religiosas...............................................................................241
6.4.2. Demais celebrações e outros divertimentos.........................................243
6.4.3. As brincadeiras.....................................................................................247
6.5. O consumo de uma família da área urbana de Belo Horizonte no início do século
XX.............................................................................................................................249

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O consumo numa cidade periférica criada nos


primórdios da Primeira República.........................................................................251

REFERÊNCIAS........................................................................................................262

APÊNDICES.............................................................................................................278
15

INTRODUÇÃO

O CONSUMO NA HISTÓRIA E NA HISTÓRIA ECONÔMICA

Belo Horizonte recebeu o título de capital mineira em 1897, na passagem do


século XIX para o XX, período marcado, nacionalmente, pela instauração da Primeira
República, pelas transformações urbanas em diferentes capitais brasileiras, pelo ideal
de modernização – como a modernização que o Estado mineiro almejava, que poderia
ser concretizada pela transferência da antiga capital, a Ouro Preto colonial e imperial,
para uma cidade que representasse o Estado no período republicano que se iniciara.
Internacionalmente, na passagem para o século XX, a segunda Revolução
Industrial1 marcava transformações na produção e no consumo, contribuindo para
que, nos países subdesenvolvidos, novos produtos e serviços fossem ofertados e
demandados, mas sem que as técnicas produtivas passassem por transformações.
A cidade objeto deste estudo é Belo Horizonte, criada nos anseios da
modernidade do período republicano e numa época de transformações de padrões de
consumo. A nova capital do Estado mineiro recebeu o título em 1897, mas as obras
para sua construção se iniciaram em 1894 e, desta forma, nossas análises se iniciam
para o ano de 1894. O período da investigação vai até 1930 porque este ano marca o
final do período republicano, o contexto que, internamente, contribuiu para a mudança
da capital mineira.
Belo Horizonte foi inaugurada num período de introdução, na vida de
determinados estratos sociais, de novos hábitos de consumo e de novos modos de
consumir. Ainda, será possível entender, por meio de nossas fontes, Belo Horizonte
pode ser considerada uma cidade de comerciantes e de consumidores. Assim, o
conceito central desta tese é o de consumo, conceito da Economia, mas também
objeto de estudo de diferentes áreas, como Antropologia, História e Sociologia.
A noção primeira de consumo remete a uso ou gasto2. Esta formulação pode
ser verificada em dicionários históricos, em que o termo é entendido como “por uso” 3,

1 “No curso de seus desdobramentos surgirão, apenas para se ter uma breve ideia, os veículos
automotores, os transatlânticos, os aviões, o telégrafo, o telefone, a iluminação elétrica e a ampla gama
de utensílios eletrodomésticos, a fotografia, o cinema, a radiodifusão, a televisão (...)”. SEVCENKO,
Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: NOVAIS,
Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil – Vol. 3, República:
da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 08.
2 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
3 SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina. Disponível

em: http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/edicao/2. Acesso em: 23/06/2020.


16

“o que se comem”4. Na Economia, consumo é também descrito, inicialmente, como


uso ou gasto: “utilização, aplicação, uso ou gasto de um bem ou serviço por um
indivíduo ou uma empresa”. Avançando na definição econômica, a percepção de
consumo diz respeito a fase final do processo produtivo: “É o objetivo e a fase final do
processo produtivo, precedida pelas etapas de fabricação, armazenagem,
embalagem, distribuição e comercialização”5.
Da definição mais básica de consumo, como uso ou gasto6 ou como a fase final
de um processo produtivo, é possível avançarmos na conceituação para analisarmos
a relação entre consumo e cultura7. Dentre autores que trataram da temática, é
possível ressaltar a antropóloga Mary Douglas e o economista Baron Isherwood, que
defendem que o consumo pode ser definido “como o uso de posses materiais que
está além do comércio e é livre dentro da lei”8 e, ainda, “sob esse aspecto, as decisões
de consumo se tornam a fonte vital da cultura do momento (...) A cultura evolui e as
pessoas desempenham um papel na mudança. O consumo é a própria arena em que
a cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma”9.
Na mesma perspectiva de Douglas e Isherwood, McCracken defendeu uma
associação entre consumo e cultura quando afirmou que os bens possuem um
significado que vai além do caráter utilitário e comercial, pois carregam em si um

4 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus. 8 v. Disponível em: http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-
br/dicionario/edicao/1. Acesso em: 23/06/2020.
5 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, v. consumo,

p. 126.
6 No segundo capítulo desta tese, trataremos de consumo como uso ou gasto, considerando a cidade

de Belo Horizonte como objeto de consumo, isto é, a cidade criada para ser utilizada e apreciada,
consumida.
7 A noção de cultura pode ser explicitada por meio de alguns autores. Segundo Silva; Silva (2015), “o

significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os
aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo que é produzido
pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e
crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada
socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão
biológica”. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 3 ed.
São Paulo: Contexto, 2015, p. 85. Para o antropólogo canadense Grant McCracken, a cultura pode ser
definida como “ideias e atividades através das quais fabricamos e construímos nosso mundo”.
MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e
das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 11. De
acordo com o historiador Marcelo Rede, “concebeu-se a cultura como a somatória de componentes
discretas (ideológica; sociológica; material) distribuídas estratigraficamente. É tal visão que permitiu a
diferenciação entre níveis materiais e imateriais da cultura”. REDE, Marcelo. “História a partir das
coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N.
Sér. v. 4, p. 265-282, jan./dez., 1996, p. 273.
8 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo.

Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2004, p. 102.


9 Idem, ibidem, p. 102-103.
17

significado cultural que é transmitido aos consumidores. O autor desenvolveu uma


teoria que demonstra como o significado cultural parte do mundo culturalmente
constituído10 e chega nos consumidores individuais. Segundo o autor, de um mundo
culturalmente constituído o significado cultural é transferido para os bens de consumo
por meio de dois mecanismos: a publicidade e o sistema de moda 11. Partindo dos
bens de consumo, o significado cultural chega aos consumidores individuais por meio
de quatro mecanismos: o ritual de troca; o ritual de posse; o ritual de arrumação; e, o
ritual de despojamento12.
Assim como Douglas, Isherwood e McCracken, acreditamos que o consumo
pode ser compreendido como uma prática cultural. Dessa forma, o consumo, ou o ato
de consumir, vai além de um caráter utilitário e comercial, sendo o consumo também
uma forma de manifestação de diferentes culturas. Avançando no campo da cultura,
chegamos na concepção cultura material.
Consumo, portanto, pode ser compreendido também como uma das facetas da
cultura material, como escreveu o antropólogo Daniel Miller13. O consumo pode ser
percebido como manifestação de uma cultura, em forma de matéria, ou seja, os

10 “Este é o mundo da experiência cotidiana através do qual o mundo dos fenômenos se apresenta aos
sentidos do indivíduo, totalmente moldado pelas crenças e pressupostos de sua cultura. Este mundo
foi conformado pela cultura de duas maneiras. A cultura detém as “lentes” através das quais todos os
fenômenos são vistos. Ela determina como esses fenômenos serão apresentados e assimilados. Em
segundo lugar, a cultura é o “plano de ação” da atividade humana. Ela determina as coordenadas de
ação social e da atividade produtiva, especificando os comportamentos e os objetos que delas
emanam. Enquanto lente, a cultura determina como o mundo é visto. Enquanto “plano de ação”, ela
determina como o mundo será moldado pelo esforço humano” (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 100).
11 A publicidade funde um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente constituído

na forma de uma propaganda específica. O sistema de moda atua de três formas: transferência por
meio de jornal ou revista; transferência por meio de “celebridades” e classes altas, dentre outros;
transferência por meio de reforma de significados culturais (este último tipo de transferência ocorre
quando o sistema de moda passa por reformas, oriundas de grupos que vivem à margem das
sociedades e que representam um “desvio das convenções” sociais) (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p.
106-111).
12 “Os rituais de troca são usados para direcionar bens carregados de certas propriedades significativas

para indivíduos que, assim o supõe o doador do presente, estão necessitados de tais propriedades.
Neste caso, o doador está convidando o receptor a compartilhar das propriedades que o bem possui.
Os rituais de posse são empreendidos pelo dono de um bem a fim de estabelecer acesso às suas
propriedades significativas; esses rituais são destinados a realizar a transferência das propriedades de
um bem para seu dono. Os rituais de arrumação são usados para efetivar a transferência contínua de
propriedades perecíveis, propriedades que provavelmente se desvaneceriam quando de posse do
consumidor; os rituais de arrumação permitem ao consumidor “refrescar” as propriedades que ele ou
ela extraiu dos bens; esses rituais também podem ser usados para manter e “avivar” certas
propriedades significativas residentes nos bens. Finalmente, os rituais de despojamento são usados
para esvaziar o significado dos bens, a fim de evitar que a perda de significado ou o contágio de
significado possa ocorrer” (MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 119).
13 Sobre consumo como cultura material, cf.: MILLER, Daniel. “Consumo como cultura material”.

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007.
18

objetos materiais consumidos (utilizados, gastos) por uma determinada sociedade


num contexto específico expressam a sua cultura do ponto de vista material14.
Um dos principais nomes dentro da História Econômica quando o assunto é
cultura material é o de Fernand Braudel. Na introdução de Civilização material,
economia e capitalismo (séculos XV-XVIII), o autor escreveu:

Acontece que uma zona de opacidade, muitas vezes difícil de observar


por falta de documentação histórica suficiente, se estende sob o
mercado: é a atividade elementar de base que se encontra por toda a
parte e cujo volume é simplesmente fantástico. À falta de termo
melhor, denominei essa zona espessa, rente ao chão, de vida material
ou civilização material. É evidente a ambiguidade da expressão. Mas,
se a minha maneira de ver o passado for partilhada, como parece ser
para o presente, por certos economistas, imagino que mais dia menos
dia acabaremos por encontrar uma etiqueta mais adequada para
designar esta infra-economia, esta outra metade informal da atividade
econômica, a da auto-suficiência da troca dos produtos e dos serviços
num raio muito curto15.

Outro autor importante que tratou da vida material foi historiador francês Daniel
Roche. Sua visão acerca do tema não diverge totalmente da visão de Braudel, porém,
fez uma crítica à Civilização material:

Os objetos, as relações físicas ou humanas que eles criam não podem


se reduzir a uma simples materialidade, nem a simples instrumentos
de comunicação ou de distinção social. Eles não pertencem apenas
ao porão ou ao sótão, ou então simultaneamente aos dois, e devemos
recolocá-los em redes de abstração e sensibilidade essenciais à
compreensão dos fatos sociais. Sem dúvida, na história a vida material
estabelece “os limites do possível e do impossível”, como desejava
Braudel, mas ela o faz na imbricação de contextos sociais de
informações e de comunicações que organizam a significação das
coisas e dos bens (...)16.

A divisão de Civilização material, economia e capitalismo (séculos XV-XVIII)


em três partes mostra que a civilização material (ou a cultura material)17 corresponde

14 No quarto capítulo deste trabalho, trataremos de consumo e cultura material, frisando os diferentes
bens materiais presentes em circuitos de comércio específicos de Belo Horizonte.
15 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 1: As

estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 12, grifos do autor.
16 ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII

ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 13.
17 “Talvez seja necessário ainda evocar uma questão que não deixará de ser colocada: cultura ou

civilização material? Parece ser possível discutir indefinidamente sobre as nuanças que separam os
dois termos, acerca dos quais não se tem certeza de que se refiram sempre a conceitos diferentes.
Pode-se estimar que a civilização é mais globalizante, que a palavra faz referência a um sistema de
valores que opõe os civilizados aos bárbaros e aos primitivos, e que, por esses motivos, pode-se
preferir a palavra cultura, que se coloca com mais facilidade no plural e que não implica hierarquia.
Pode-se também sustentar que, em francês, na linguagem corrente, “cultura” e “material” são algo
19

especialmente ao “primeiro andar” da sociedade, que está, de certa forma, separado


das outras esferas (a economia e o capitalismo). Escreveu Braudel que “este esquema
tripartido, que lentamente se foi esboçando diante de mim à medida que os elementos
de observação se ordenavam praticamente por si, é provavelmente o que os meus
leitores acharão mais discutível na presente obra”18.
Nas palavras de Roche:

da vida material à economia de mercado, desta ao desenvolvimento


do capitalismo, a realidade se constrói por estratos superpostos que
se articulam entre si, mas permanecem, em parte, dissociados: o
estrato da vida material se esquiva do domínio da civilização do
mercado; tempo e espaços têm sua própria dinâmica19.

Ainda que Braudel não tenha ressaltado uma conexão mais precisa entre a
civilização material (estruturas do cotidiano), a economia (os jogos das trocas) e o
capitalismo (o tempo do mundo), seu trabalho é de suma importância para nossa
pesquisa, já que o autor tratou do cotidiano20, analisando especificidades do consumo
e da cultura material de diferentes partes do mundo. No primeiro volume de Civilização
material, economia e capitalismo (séculos XV-XVIII) por exemplo, Braudel dedicou um

antitéticos. Contudo, cumpre admitir principalmente que o alemão e os eslavo dizem cultura onde o
francês diria civilização e que a expressão em causa nos vem do Leste: cultura material parece
consagrada pelo uso e a origem da noção. Enfim, antropólogos e pré-historiadores empregam de
melhor grado cultura quando se trata de designar o conjunto de objetos que caracterizam uma
sociedade. Afinal, é bem possível que tudo isso seja um falso problema, na medida em que, como
parece ser o caso, se dá o mesmo sentido a ambas as expressões e o mesmo conteúdo a civilização
material e a cultura material”. PESEZ, Jean-Marie. “História da cultura material”. In: LE GOFF, Jacques.
A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 181.
18 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 12.
19 ROCHE, op. cit., 2000, p. 16.
20 “Para Certeau, por exemplo, o cotidiano se compõe de numerosas práticas ordinárias e inventivas e

não seguem necessariamente padrões impostos por autoridades políticas ou institucionais. Já para
Agnes Heller, a vida cotidiana é a vida de todo homem, e todos já nascem inseridos na sua
cotidianidade, na qual participam com toda sua personalidade: com todos os sentidos, capacidades
intelectuais, habilidades manipulativas, sentimentos, paixões, ideias, ideologias. Heller identifica e
delimita as partes que constituiriam a vida cotidiana como a organização do trabalho e da vida privada,
os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação” (SILVA; SILVA,
op. cit., 2015, p. 75-76). Ainda que de Certeau e Heller apresentem algumas diferenças ao tratar de
cotidiano, para os dois autores “o conceito de cotidiano não é entendido isoladamente. Para esses
estudiosos, aspectos cotidianos e não cotidianos se interpenetram na realidade social. Se Certeau se
preocupa com a relação entre práticas cotidianas ordinárias que ressignificam os valores e as normas
de instituições e autoridades, Heller, por sua vez, percebe que em nenhuma esfera da atividade
humana se pode separar com rigidez o comportamento cotidiano do não cotidiano. Do mesmo modo,
se Certeau identifica o caráter múltiplo e inventivo das práticas cotidianas, Heller afirma que a vida
cotidiana é mesmo cheia de alternativas e supõe escolhas feitas muitas vezes de forma improvisada
(...) Por fim, para Heller, algumas das características básicas da vida cotidiana seriam o pragmatismo,
a espontaneidade e a imitação – pois reproduzimos muitos dos atos pelo costume (...)” (Idem, ibidem,
p. 77). As obras às quais Silva; Silva (2015) tomaram como base foram: CERTEAU, Michel de. A
invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2002. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo:
Paz e Terra, 1992.
20

capítulo ao “supérfluo e o costumeiro: alimentos e bebidas” e um outro capítulo ao


“supérfluo e o costumeiro: o habitat, o vestuário e a moda”, que são capítulos que
retrataram aspectos de cultura material de distintas localidades, com destaque para a
Europa.
De igual maneira, o trabalho de Roche é relevante para nossa pesquisa porque
o autor tratou da vida cotidiana21 e do consumo. História das coisas banais:
nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX, especialmente na
segunda parte da obra, destacou o que foi denominado por seu escritor de “a vida
comum”, envolvendo tópicos como as casas rurais e urbanas, os móveis e objetos, o
vestuário e a aparência, o pão, o vinho e o paladar22.

No cotidiano, portanto, na repetição, no miúdo, nas permanências e


singularidades, encontramos a própria história, a síntese da produção
e da reprodução da existência em todas as suas dimensões, o que
implica, necessariamente, em um ponto de chegada, mas, como a
história não é imóvel nem o cotidiano o é, implica também em um
ponto de partida, daí ser igualmente mudança e movimento, abrindo
caminhos, rompendo com o peso do passado23.

Os autores principais que citamos acima, Braudel e Roche, se debruçaram


sobre a temática de cultura material, deixando clara a relevância do tema para a
História e contribuindo para o entendimento teórico. Nas palavras de Roche,

Duas razões principais se conjugam atualmente para que nos


interessemos pela história da civilização material, da cultura material,
da vida cotidiana. Primeiramente, é um meio de contribuir para uma
releitura mais geral da história econômica e social – de sermos fiéis à
nossas origens intelectuais pessoais (...) Em seguida, essa história
intelectual e cultural desejaria explicar os fenômenos da vida que,
individual ou coletivamente, dizem respeito à apropriação24.

21 Há uma discussão a respeito dos termos vida privada e vida cotidiana, que pode ser vista com
detalhes em VAINFAS, Ronaldo. “História da vida privada: dilemas, paradigmas, escalas”. Anais do
Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. V. 4, p. 9-27, jan./dez., 1996. Compartilhamos aqui da mesma ótica
do autor citado: “Cotidiano é conceito que diz respeito ao tempo, sobretudo ao tempo longo, seja no
plano da vida material, seja no plano das mentalidades ou da cultura, embora possa ser
operacionalizado na dimensão restrita de uma cidade, uma região, um segmento social, um grupo
socioprofissional. Mas é conceito mais passível de ligar-se às estruturas e ao social global, como indica
aliás parte da historiografia que o adota. Vida privada é conceito mais explicitamente ligado à
domesticidade, à familiaridade ou a espaços restritos que podem emular a privacidade análoga à que
se atribui à família a partir do século XIX. Não vejo, porém, razão para pensá-los como necessariamente
excludentes, uma vez que a dimensão da familiaridade ou da intimidade pode ou deve ser
perfeitamente percebida na cotidianidade (...)” (p. 14).
22 ROCHE, op. cit., 2000, segunda parte: a vida comum.
23 BLAJ, Ilana. “Sérgio Buarque de Holanda: historiador da cultura material”. In: CANDIDO, Antonio

(Org.). Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998, p.
31.
24 ROCHE, op. cit., 2000, p. 11-12.
21

Nossa pesquisa de doutorado é uma forma de releitura da história econômica


de Belo Horizonte na passagem do século XIX para o século XX, partindo do consumo
como conceito central de análise, em que o conceito pode ser relacionado, dentre
outros elementos, ao de cultura material25. Roche continuou seu pensamento
afirmando: “Por esta razão é que não opomos produção a consumo, dimensão
econômica a distribuição social (...)”26. Trabalhar uma releitura da história econômica
e social de uma localidade envolve, portanto, compreender as condições de produção
e de consumo; a apropriação envolve o consumo, mas também a produção do que foi
consumido27.
Dadas as definições mais básicas de consumo, significando o termo uso ou
gasto, ou tendo sido visto como a fase final do processo produtivo, avançamos nas
análises e chegamos na relação entre consumo e cultura e, ainda, enxergamos o
consumo como um aspecto da cultura material. É possível proceder nas reflexões
para pensar o consumo dentro da História Econômica ressaltando autores importantes
que associaram transformações nos hábitos de consumo a diferentes períodos da
História.
No período de estudo a que nos dedicamos nesta pesquisa (a passagem do
século XIX para o século XX), nos mais diferentes lugares do mundo, populações
sentiam – como uma das consequências da Segunda Revolução Industrial, de uma
época de Belle Époque – as transformações nos padrões de consumo e nos hábitos
de vida28, costumes que se alteravam devido a própria introdução de objetos materiais
diferenciados no que poderia ser considerado rotineiro.

25 “Duas questões devem fazer parte do repertório de preocupações dos historiadores que se
interessam pela cultura material. A primeira diz respeito à constituição mesma das sociedades
estudadas, particularmente ao papel dos “segmentos do universo físico culturalmente apropriado” na
trajetória dos agrupamentos humanos. Tratando-se de uma perspectiva histórica, os problemas
levantados e as respostas encontradas deverão variar em grau não menor, de sociedade para
sociedade ou de época para época, do que aqueles que dizem respeito, digamos, às formas de
produção ou aos modos de pensar. Ainda que, como sucede em outros campos, postulados gerais
sejam admissíveis (por exemplo, a medicação da cultura material na adaptação ecológica e
sociocultural das populações), o mais importante e característico para o historiador serão as variações
às formas cambiantes de interação entre as sociedades e sua cultura material. Por outro lado, por se
tratar de um saber obtido por métodos e estratégias de análises peculiares, a segunda preocupação
localizar-se-á, irremediavelmente, na operação que insere a cultura material no processo historiográfico
de produção do conhecimento” (REDE, op. cit., 1996, p. 265-266).
26 ROCHE, op. cit., 2000, p. 12.
27 Vale ressaltar que não entendemos o consumo de forma passiva em relação à produção: “É preciso

que fique claramente estabelecido desde o início que o consumo é um modo ativo de relação (não
apenas com os objetos mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e
de resposta global no qual se funda todo nosso sistema cultural”. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos
objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 205-206.
28 SEVCENKO, op. cit., 1998, p. 11.
22

Além da introdução de novos hábitos de consumo e costumes de vida, a


segunda Revolução Industrial conferiu à algumas sociedades – aquelas dos países
desenvolvidos – transformações das técnicas produtivas até então vigentes, ou seja,
novas formas de produção chegaram àquelas sociedades. Nos países
subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, os novos produtos e hábitos de consumo
chegaram sem o avanço do progresso técnico29. Então, das consequências da
segunda Revolução Industrial – a introdução de novos hábitos de consumo e
costumes de vida, bem como, o avanço do progresso técnico na produção – os países
subdesenvolvidos usufruíram especialmente da primeira delas30.
E foi por meio do cenário de uma revolução, a primeira Revolução Industrial,
que encontramos respaldo para aprofundar a discussão sobre consumo dentro da
História Econômica. Vale frisar que, ainda que tenha sido num cenário posterior ao da
primeira Revolução Industrial que os países subdesenvolvidos se modernizaram e
suas populações passaram por alterações de consumo e de hábitos de vida, a
primeira Revolução Industrial, a Revolução do século XVIII, contribuiu para mudanças
importantes do cotidiano31. Mesmo que inicialmente a nível da Inglaterra, as
transformações que lá começaram refletiram depois em heterogêneas partes do
mundo32.

29 “E não era só uma questão de variedade de novos equipamentos, produtos e processos que entrava
para o cotidiano, mas o mais perturbador era o ritmo com que essas inovações invadiam o dia-a-dia
das pessoas, principalmente no contexto desse outro fenômeno derivado da revolução, as grandes
metrópoles urbanas” (Idem, ibidem, p. 10).
30 Sobre a mimetização do estrangeiro de padrões de consumo pela elite brasileira, cf., dentre outros:

FURTADO, Celso. “Dependencia externa y teoría económica”. El Trimestre Economico, México, DF:
Fondo de Cultura Económica, Vol. 38, n. 150, p. 587-603, 1971; Idem. Análise do Modelo Brasileiro.
São Paulo: Paz e Terra, 1975; Idem. O Mito do Desenvolvimento Econômico. 4 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1975a.
31 Sobre a Revolução Industrial, cf.: HOBSBAWN, Eric John Ernest. A Era das Revoluções, 1789-1848.

25 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012, capítulo 2; ASTHON, Thomas Southcliffe. A Revolução Industrial.
Lisboa: Publicações Europa-América, 1977; CRAFTS, Nick. “The Industrial Revolution: economic
grotwn in Britain, 1700-1860”. ReFRESH. Recent Findings of Research in Economic & Social History.
Spring, 1987; MANTOUX, Paul. A Revolução Industrial no Século XVIII – estudo sobre os primórdios
da grande indústria moderna na Inglaterra. São Paulo: Hucitec, s/d; NEF, John Ulric. Os Alicerces
Culturais da Civilização Industrial. Tradução de Regina Brandão. Rio de Janeiro: Presença, 1964.
32 A primeira Revolução Industrial inglesa, segundo Hobsbawm, data de meados do século XVIII, tendo

sido marcada por duas fases: a primeira pelos têxteis e a segunda pelos meios de transporte,
especialmente o ferroviário. HOBSBAWM, op. cit., 2012, capítulo 2. De acordo com Landes, a segunda
Revolução Industrial inglesa teria começado em meados do século XIX, tendo sido caracterizada por
uma revolução na aplicação da energia. LANDES, David. Prometeu Desacorrentado: transformação
tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa Ocidental, desde 1750 até nossa época. Tradução
de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. Aquela foi a revolução do aço, da eletricidade,
dos produtos químicos e sintéticos e dos meios de comunicação, que possibilitou que novos objetos de
consumo chegassem também às cidades periféricas. Uma periodização sobre as revoluções industriais
também foi feita por Paul Singer. A primeira Revolução Industrial teria durado de 1770 a 1870; a
segunda Revolução, a passagem do século XIX para o XX (1870-1929); a terceira Revolução Industrial,
23

Neil McKendrick foi um dos primeiros historiadores a tratar de consumo, tendo


escrito, em 1982, The Consumer Revolution of Eighteenth-Century England, numa
coletânea de trabalhos organizada por ele e mais dois autores 33. Naquele texto,
McKendrick desenvolveu a noção de Revolução do Consumo e afirmou que foi a partir
da Revolução Industrial inglesa que novas preferências passaram a fazer parte da
vida dos consumidores34. A Revolução inglesa, para o autor, teria originado uma
revolução no consumo:

Assim como a revolução industrial do século XVIII marca uma das


grandes descontinuidades na história... assim também o faz, de meu
ponto de vista, a revolução correlata no consumo. Porque a revolução
do consumidor foi o análogo necessário da revolução industrial, a
convulsão necessária, no lado da demanda, da equação que tinha, no
outro lado, a convulsão na oferta35.

É aceitável refletir sobre consumo, porém, considerando uma época anterior à


da primeira Revolução Industrial, se desconsideramos a relação entre revolução na
produção (oferta) e revolução no consumo (demanda), nos termos de McKendrick.
Pensando o consumo simplesmente como uma dinâmica social do cotidiano, e não
como uma revolução, tal prática já existia antes das transformações sociais,
econômicas e culturais que possibilitaram que novos padrões de consumo passassem
a ser ofertados e demandados.
Se para McKendrick a primeira Revolução Industrial foi um importante marco
para descontinuidades nas práticas de consumo, para Daniel Roche é possível pensar
em consumo para um período anterior ao da Revolução:

O consumo já era uma realidade bem antes da revolução industrial e


comercial iniciada no século XVIII. Ele era inseparável da dimensão
familiar na qual as despesas não se organizavam em volta do

de 1930 até 1960. Em cada fase, a Revolução Industrial foi acompanhada por uma nova divisão do
trabalho. Sobre a segunda fase, escreveu o autor que foi marcada pela “concentração de capital que
produz a empresa monopolista como forma hegemônica do capital e [pela] difusão do capitalismo
industrial por maior número de estados nacionais”. SINGER, Paul. “Divisão internacional do trabalho e
empresas multinacionais”. Caderno Cebrap 28, 1976, p. 81. Aquela difusão do capitalismo industrial
conferiu às diferentes partes do mundo transformações nos hábitos de consumo e costumes de vida.
33 MCKENDRICK, Neil. “The Consumer Revolution of Eighteenth-Century England”. In: MCKENDRICK,

Neil; BREWER, John; PLUMB, John Harold. The Birth of a Consumer Society: the Commercialization
of Eighteenth Century England. Bloomington, Indiana University Press, 1982.
34 “O crescente domínio do capital sobre o trabalho no processo de trabalho, assim como a

especialização do trabalhador e dos instrumentos de trabalho, a alienação daí decorrente, a revolução


industrial, o crescimento das empresas, a burocratização e a separação entre capital e controle, o
desenvolvimento do crédito, da publicidade, do marketing e da indústria cultural são elos importantes
para a compreensão do desenvolvimento de uma sociedade de produção e consumo de massas e de
uma cultura do consumidor”. TASCHNER, Gisela. “Raízes da cultura do consumo”. Revista USP, São
Paulo (32): 26-43, dezembro/fevereiro, 1996-97, p. 28.
35 MCKENDRICK; BREWER; PLUMB, op. cit., p. 09.
24

indivíduo, agente econômico isolado, e sim do conjunto pais-filhos,


essa coletividade dinâmica na qual se construíam as identidades
individuais, principalmente antes da escolaridade ampliada e maciça36.

Uma autora importante para estudos sobre consumo foi Rosalind Williams.
Para a escritora, foi na França do século XIX que a revolução do consumo teve sua
origem, tendo Paris se transformado numa cidade do consumo de massa, influência
do comércio varejista e da publicidade. Segundo a autora, estilos de vida
diferenciados surgiram naquela época, como o estilo burguês, o de massa, o elitista e
o democrático37.
De forma diferente, Chandra Mukerji afirmou que o advento de uma cultura do
consumo se deu na Europa dos séculos XV e XVI. A autora tratou de três termos
relacionados ao materialismo: consumismo, bens capitais, pensamento materialista.
O consumismo teria se originado anteriormente ao capitalismo, impulsionando o
surgimento do modo de produção. A revolução do consumo, portanto, foi o
acontecimento que contribuiu para o advento do capitalismo no Ocidente 38.
Em comum, Neil McKendrick e Rosalind Williams trataram do consumo em
sociedades em que, de certa forma, o capitalismo estava nascendo, como é o caso
de nosso objeto de estudo. Belo Horizonte na passagem do século XIX para o século
XX pode ser considerada uma cidade que, embora criada num contexto de avanço do
capitalismo global, passaria pelo nascimento específico de seu capitalismo local, que
receberia a influência de outros capitalismos39.
Chandra Mukerji estudou o consumo numa época anterior ao do surgimento do
capitalismo europeu ou da primeira Revolução Industrial. Roche afirmou que o
consumo já era uma realidade antes da Revolução. E compartilhamos da visão deste
último autor de que o consumo – não como uma revolução, mas como uma prática do
cotidiano – pode ser observado nas sociedades antes da consolidação de uma
organização social ou modo de produção40 ou da primeira Revolução Industrial.

36 ROCHE, op. cit., 2000, p. 31.


37 WILLIAMS, Rosalind. Dream Worlds: Mass Consumption in Late Nineteenth-Century France.
Berkeley; Los Angeles; Oxford, University of California Press, 1996.
38 MUKERJI, Chandra. From Graven Images: patterns of modern materialism. New York: Columbia

University Press. 1983. Pp. xiv, 329.


39 Uma discussão a respeito de capitalismos pode ser encontrada em OLIVEIRA, Carlos Alonso

Barbosa de. O processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Editora
da UNESP, 2003. Especialmente introdução e capítulo 3.
40 “O modo de produção, em linguagem menos teórica, seria o modo pelo qual determinada sociedade

organiza sua vida econômica, o trabalho, as estruturas políticas e jurídicas e mesmo as manifestações
culturais. Todos os aspectos da vida em sociedade (desde os aspectos materiais até os aspectos
25

O consumo não é compatível apenas com a instituição do capitalismo ou com


a primeira Revolução41, pois, visto como prática social, antecede tais demarcadores
econômicos e, dessa forma, se consideramos o consumo para além deles –
Revolução Industrial ou surgimento do capitalismo – podemos avançar nas definições
e associar consumo a dinâmica social.
Dentro da perspectiva social, é possível tratar o consumo como diferenciador
de estratos e, assim sendo, vale ressaltar outro autor importante para a história do
consumo, Veblen. A nota prévia de Stuart Chase à Teoria da classe ociosa deixa clara
a visão de consumo de Veblen. Nas palavras de Chase:

A tese é simples. Pessoas acima da linha da mera subsistência (...)


não aproveitam o excesso que a sociedade lhes deu, visando
primordialmente a propósitos úteis. Não buscam elas expandir suas
próprias vidas, viver com mais sabedoria, mais inteligência e mais
compreensão, mas buscam impressionar as outras pessoas pelo fato
de serem possuidoras desse excesso... Os meios e modos mediante
os quais criam essa impressão, Veblen os denomina de consumo
conspícuo. Consistem, tais meios e modos, em despender dinheiro,
tempo e esforço, quase de todo inutilmente, na agradável tarefa de
inflar o próprio ego (...) As pessoas superiores dominam seus
inferiores em pecúnia mediante gastos supérfluos, à vista do que os
inferiores movem céu a terra para melhorar seu status, gastando até
o último limite de suas posses. Não faz muito que comprar a
prestações proporcionou-lhes uma oportunidade sem paralelo para
satisfazer suas ambições42.

Veblen tratou de consumo conspícuo frisando distintos estratos, ou seja, o


consumo só pode ser considerado conspícuo porque se considera classes diferentes:
o que determinada classe tem condições de consumir não é o mesmo que uma outra
classe pode obter. Assim, uma classe superior pode consumir em excesso, em
detrimento de outra inferior que deseja o consumo da superior. A forma de

mentais) estariam determinados pelo modo de produção da vida material” (SILVA; SILVA, op. cit., 2015,
p. 301).
41 Acreditamos que a primeira Revolução Industrial foi importante para que novos hábitos de vida e

padrões de consumo se difundissem pelo mundo. Mas não consideramos primeira Revolução Industrial
como sinônimo de surgimento do capitalismo mundial. A Revolução, a nosso ver, é um acontecimento
que começou a se desenvolver antes do século XVIII, e é parte da história do capitalismo. O capitalismo,
vale frisar, já era uma realidade antes da primeira Revolução Industrial. Sobre a Revolução Industrial
como um processo de continuidade dentro da história do capitalismo, cf.: NEF, op. cit., 1964, p. 67-110.
Sobre o capitalismo e sua evolução (que começou anteriormente à primeira Revolução Industrial), cf.:
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Tradução de Manuel do Rêgo Braga. São Paulo: Abril
Cultural, 1983.
42 CHASE, Stuart. “Nota prévia”. In: VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo

econômico das instituições). Tradução de Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965,
p. 14-15, grifos do autor.
26

diferenciação numa sociedade se dá, portanto, também pela ótica do consumo de


bens.
A diferenciação de classes sociais foi objeto de estudo de Bourdieu e alguns
conceitos desenvolvidos pelo autor são relevantes para nós: os de habitus, gosto e
estilos de vida. Segundo o autor, o habitus:

é o que faz com que o conjunto das práticas de um agente – ou do


conjunto dos agentes que são o produto de condições semelhantes –
são sistemáticas por serem o produto da aplicação de esquemas
idênticos – ou mutuamente conversíveis – e, ao mesmo tempo,
sistematicamente distintas das práticas constitutivas de outro estilo de
vida43.

O habitus pode ser compreendido como os hábitos de um indivíduo ou como


os costumes de uma classe social, que fazem com que um indivíduo ou uma classe
se diferenciem dos demais. O gosto “faz com que as diferenças inscritas na ordem
física dos corpos tenham acesso à ordem simbólica das distinções significantes”44.
Um gosto determinado pode pertencer a uma classe e não pertencer a uma outra, “ele
opera continuamente a transfiguração das necessidades em estratégias, das
obrigações em preferências, e engendra, fora de qualquer determinação mecânica, o
conjunto de “escolhas” constitutivas de estilos de vida”45. O habitus e os gostos estão
por trás dos diferentes padrões de consumo e formam os diferentes estilos de vida.
“Os estilos de vida são, assim, os produtos sistemáticos dos habitus que, percebidos
em suas relações mútuas segundo os esquemas do habitus, tornam-se sistemas de
sinais socialmente qualificados – como “distintos”, “vulgares”, etc”.46
Na visão de Bourdieu, as diferenças sociais entre as classes não se resumem
apenas a diferentes níveis de renda mas, sobretudo, ao habitus e aos gostos, que
formam estilos de vida diferentes47. Isto significa que, sem depender diretamente da
renda, o que é necessidade básica para um grupo social pode ser luxo para um outro
grupo social, e a questão de necessidade ou de luxo dependerá, especialmente, do
habitus e do gosto, que formam um estilo de vida determinado.

43 BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 2 ed. Tradução de Daniela Kern e
Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk, 2011, p. 163.
44 Idem, ibidem, p. 166, grifos do autor.
45 Idem, ibidem.
46 Idem, ibidem, p. 164.
47 “De fato, a eficácia própria do habitus é bem visível quando as mesmas rendas estão associadas a

consumos muito diferentes compreensíveis apenas no pressuposto da intervenção de princípios de


seleção diferentes” (Idem, ibidem, p. 352, grifos do autor).
27

Se pensarmos em hábitos, gostos e estilos de vida, em alterações de práticas


de consumo para o contexto brasileiro48, podemos ressaltar primeiramente o momento
da chegada da corte portuguesa.

Entre 1808, com a abertura dos portos, e 1850, no auge da


centralização imperial, modificara-se a pacata, fechada e obsoleta
sociedade. O país europeizava-se, para escândalo de muitos,
iniciando um período de progresso rápido, progresso conscientemente
provocado, sob moldes ingleses. O vestuário, a alimentação, a mobília
mostram, no ingênuo deslumbramento, a subversão dos hábitos lusos,
vagarosamente rompidos com os valores culturais que a presença
europeia infiltrava, juntamente com as mercadorias importadas. O
contato litorâneo das duas culturas, uma dominante já no período final
da segregação colonial, articula-se no ajustamento das economias. Ao
Estado, a realidade mais ativa da estrutura social, coube o papel de
intermediar o impacto estrangeiro, reduzindo-o à temperatura e à
velocidade nativas49.

Ainda que apenas a corte e as elites usufruíssem inicialmente das


transformações nos padrões de consumo e costumes de vida, aquele pode ser
considerado um momento de transformações no cotidiano brasileiro. Segundo Celso
Furtado: “A cidade do Rio representava o principal mercado de consumo do país e os
hábitos de consumo de seus habitantes se haviam transformado substancialmente a
partir da chegada da corte portuguesa”50.
Uma noção de grande relevância para o estudo do consumo no Brasil é a de
abastecimento51. Caio Prado Júnior, ao ter escrito sobre a economia brasileira de

48 Alguns estudos remetem a consumo como dinâmica social e cultura material no Brasil, desde o
período colonial até meados do século XX, como os de: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. 3
ed. São Paulo: Brasiliense, 1990; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3 ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994; FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48 ed. São Paulo: Global, 2003; FREYRE, Gilberto.
Sobrados e mucambos – decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 1 ed. digital.
São Paulo: Global, 2013; COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 5 ed. São Paulo: Editora
Unesp, 2010, parte II: condições de vida nas zonas cafeeiras; CANABRAVA, Alice Piffer. História
Econômica: estudos e pesquisas. São Paulo: Hucitec/Unesp/ABPHE, 2005, História econômica de São
Paulo; NOVAIS, Fernando Antonio; SOUZA, Laura de Mello e (Orgs.). História da vida privada no Brasil
– Vol. 1, Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997;
NOVAIS, Fernando Antonio; ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Orgs.). História da vida privada no Brasil
– Vol. 2, Império: a corte a e modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; NOVAIS,
Fernando Antonio; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da vida privada no Brasil – Vol. 3, República:
da Belle Époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; NOVAIS, Fernando Antonio;
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). História da vida privada no Brasil – Vol. 4, Contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
49 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro – Vol. 2. 10 ed.

São Paulo: Globo; Publifolha, 2000, p. 03.


50 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 22 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1987, p. 114-

115.
51 No terceiro capítulo da tese, ressaltaremos a relevância do abastecimento para as práticas de

consumo, ao tratarmos do comércio feito por ambulantes de gênero da capital mineira.


28

inícios do período colonial, ressaltou que o sentido da colonização era fornecer


mercadorias ao comércio europeu, abastecendo-o de alguns gêneros de suma
importância, como o açúcar, o algodão e o ouro52. A respeito do principal mercado de
consumo no Brasil de inícios da época colonial, a cidade do Rio de Janeiro, Celso
Furtado ressaltou a importância do abastecimento para seu desenvolvimento: “O
abastecimento desse mercado passou a constituir a principal atividade econômica dos
núcleos de população rural que se haviam localizado no sul da província de Minas
como reflexo da expansão da mineração53.
Além do período colonial, podemos frisar um outro momento importante sobre
transformações nos hábitos de consumo e costumes de vida no país, com o
desenvolvimento da economia cafeeira. A economia do café “agregou sim, um padrão
europeu de consumo às famílias diretamente beneficiadas pela riqueza que gerava,
que apenas subsidiariamente se difundia no conjunto da sociedade”54.
De forma mais específica, tratando de Minas Gerais dos princípios do século
XIX, escreveu Iglésias que poucos estabelecimentos se destinavam à exportação com
certa distância. E se fosse demandado algum artigo de luxo55, “(...) este, de pouco
uso, era buscado nas cidades litorâneas, em viagens ao exterior ou trazido pelos
mascates”56.

52 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. 14 ed. São Paulo: Brasiliense,
1976, p. 119.
53 FURTADO, op. cit., 1987, p. 115.
54 MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 9 ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 218.
55 “Do ponto de vista teórico, o tema do luxo aparece de diferentes maneiras em autores como Veblen,

Weber, Sombart e Bourdieu. Em Veblen, o luxo é produto do desenvolvimento da propriedade privada


no interior do capitalismo e se relaciona à necessidade de ostentação de uma classe ociosa frente a
uma classe trabalhadora que emula os seus hábitos de consumo. Em Sombart, o processo é
semelhante, mas, ao invés de se relacionar com o capitalismo de forma indireta a partir da propriedade
privada, é o próprio luxo que está na origem do capitalismo. Por outro lado, o motor do surgimento do
luxo é essencialmente individual, emerge das pulsões materialistas da época renascentista que
conformam o que ele chama de “luxo materialista e egoísta”. Tais pulsões são as responsáveis pela
diferenciação entre “necessidades comuns” e “necessidades sofisticadas”, sendo esta última a
responsável por alavancar o capitalismo. A presença de necessidades sofisticadas é o seu ponto em
comum com Weber, para o qual, o distanciamento em relação às necessidades comuns compõe o que
chamou de “estilização da vida”, uma das referências da noção de distinção desenvolvida por Bourdieu.
Logo, o luxo seria uma das formas em que se concretiza o distanciamento máximo em relação às
necessidades, contribuindo para que, na esfera do consumo, as classes, construídas no âmbito da
produção, finalmente se hierarquizem”. OLIVEIRA, Milena Fernandes de. Consumo e cultura material,
São Paulo “Belle Époque” (1890-1915). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto
de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009, p. 301-302. Conferir, da mesma
autora: O mercado do prestígio: consumo, capitalismo e modernidade na São Paulo da “Belle Époque”
(1890-1914). São Paulo: Alameda, 2014.
56 IGLÉSIAS, Francisco. “Política Econômica do Estado de Minas Gerais (1889-1930)”. In: MONTEIRO,

Norma. (Org). Seminário de Estudos Mineiros: A República Velha em Minas. Belo Horizonte: UFMG,
1982, p. 126.
29

Sobre consumo de luxo, Celso Furtado citou outros momentos anteriores ao do


século XIX, como a época açucareira. Ao mencionar a concentração de rendimentos
nas mãos de senhores de engenho e proprietários de canaviais, o autor afirmou que
no século XVII, cerca de 90% de todos os rendimentos gerados pela economia
açucareira dentro do país se concentravam em pouquíssimas mãos:

A parte dessa renda que se despendia com bens de consumo


importados – principalmente artigos de luxo – era considerável. Dados
relativos à administração holandesa, por exemplo, indicam que em
1639 teriam sido arrecadadas entre 16.000 libras de impostos de
importação, a terça parte do total correspondendo a vinhos57.

Ainda, segundo Simonsen, além dos vinhos (espanhóis e franceses), em 1639,


a relação de produtos importados incluía azeite, cervejas, vinagres, peixes salgados,
sebos e couros, farinhas, biscoitos, manteiga, óleo de linhaça e de baleia, especiarias,
panos, lãs, sedas, cobre, ferro, estanho e pranchas, dentre outros58. Artigos de luxo
naquela época, que chegavam às mãos de uma minoria populacional.
Assim, antes mesmo da instauração do capitalismo, das transformações
impostas pela segunda Revolução Industrial, do surgimento da Primeira República, já
eram possíveis de serem observadas transformações nas práticas de consumo no
Brasil, por meio do uso de objetos diferenciados para aquele cotidiano, prática social,
especialmente, das elites. Na passagem para o século XX, outro impulso seria dado
às práticas de consumo, com os novos hábitos e costumes que passariam a fazer
parte do cotidiano, não apenas das elites, mas de classes médias brasileiras. O
consumo pode ser entendido como um processo social, que divide classes: consumo
de elites, consumo de classes médias, consumo dos pobres.
Nas palavras de Douglas e Isherwood:

Nas estruturas sociais dos países menos desenvolvidos, não é difícil


reconhecer diferentes estilos de consumo. Esses estilos, em geral,
correspondem a níveis muito diferentes de renda, e a uma
estratificação muito óbvia da sociedade: os grandes proprietários de
terra e os oficiais do Estado, depois os camponeses e, finalmente, os
trabalhadores sem terras, cada círculo ou camada usando seu
conjunto apropriado de bens59.

57 FURTADO, op. cit., 1987, p. 45.


58 SIMONSEN, Roberto Cochrane. História econômica do Brasil: 1500-1822. Brasília: Senado Federal,
2005, p. 156.
59 DOUGLAS; ISHERWOOD, op. cit., 2004, p. 245.
30

Entretanto, ainda que estilos diferentes de consumo possam ser associados a


níveis distintos de renda, tal associação não é regra. Segundo Bourdieu, sobre o
consumo de diferentes frações de uma classe:

Pelo fato de que o verdadeiro princípio das preferências é o gosto


como necessidade tornada virtude, a teoria que transforma o consumo
em uma função simples da renda parece ser fundamentada já que a
renda contribui, em grande importante, para determinar a distância da
necessidade. Todavia, ela não pode ser justificada para casos em que
a mesma renda encontre-se associada a consumos de estruturas
totalmente diferentes: assim, os contramestres permanecem
vinculados ao gosto “popular”, embora disponham de uma renda
superior a dos empregados, cujo gosto não deixa de marcar uma
ruptura brutal em relação ao dos operários, aproximando-se do gosto
dos professores60.

No caso de nosso objeto de estudo, Belo Horizonte entre 1894 e 1930, o estrato
social que merecerá destaque é a classe média61. Dentro do universo da classe
média, vale ressaltar, segundo Carone, que podemos pensar em camadas em seu
interior, sendo a distinção destas camadas complexa de ser realizada. Nas palavras
do autor: “a alta, a média e a baixa classe média tem formação diversa; em alguns
casos, porém, única”62.
Dentro do contexto da Primeira República, que é o período político que o Brasil
passava quando Belo Horizonte se tornou a capital mineira, é possível frisar, de
acordo com Carone, que “a camada mais alta [da classe média] origina-se, em grande
parte, das ricas classes agrárias”63. O caso a que o autor se refere, da alta classe
média originária de ricas classes agrárias, poderia ser visto no nordeste depois do
período açucareiro, em São Paulo depois da ascensão cafeeira, talvez na Zona da
Mata mineira, também depois do desenvolvimento da cafeicultura; mas não é o caso
da classe média belo-horizontina. Será possível confirmar, por meio da leitura desta
tese, que não encontramos, em nossas fontes de pesquisa, ricas classes agrárias que
se estabelecerem em Belo Horizonte entre o final do século XIX e o início do século
XX. Isto não significa que as classes agrárias não estiveram presentes na nova capital
de Minas Gerais, mas que não foram encontradas em nossas fontes de pesquisa.

60 BOURDIEU, op. cit., 2011, p. 168.


61 No quinto capítulo desta tese, discutiremos o consumo como dinâmica social, mostrando objetos
materiais e bens móveis consumidos por frações da classe média de Belo Horizonte.
62 CARONE, Edgard. A República Velha (instituições e classes sociais). São Paulo: Difusão Europeia

do Livro, 1970, p. 175.


63 Idem, ibidem.
31

A classe média intermediária, segundo Carone, é de formação mais complexa:


“imigrantes, segmentos das classes decadentes, elementos liberais, exército etc., são
alguns de seus componentes. Portugueses, italianos, sírios, imigram diretamente para
as cidades ou abandonam o campo pelo comércio”64. Sobre os segmentos de classes
decadentes, segundo o autor, a insuficiência de certas zonas de café e de açúcar
obrigou aqueles que se ocupavam daquelas funções a ocupar as cidades, se
constituindo, tal estrato, numa fração de classe média intermediária. Será possível
observar ao longo desta tese que Belo Horizonte contou com imigrantes de diferentes
partes do Brasil, bem como vindos do exterior.
Por fim, nas palavras de Carone, “a baixa classe média é formada de
funcionários públicos, artesãos etc. A categoria superior desta e o limite entre ela e a
classe operária é de difícil distinção. Estas duas camadas, praticamente, se
confundem mais do que se distinguem: as revoltas, as atitudes de rebeldia e a procura
de novas oportunidades econômicas e políticas lhes são comuns”65. Dentre os rótulos
que recebeu Belo Horizonte quando de sua inauguração, estava o de cidade de
funcionários públicos, afinal, muitos deles foram transferidos da antiga para a nova
capital, bem como, chegaram de outros lugares do Brasil.
As frações da classe média de Belo Horizonte na passagem do século XIX para
o século XX eram formadas por funcionários públicos; profissionais liberais;
comerciantes; e, finalmente, por imigrantes, que se redistribuíam nas demais frações
da classe.

(...) [Belo Horizonte] foi ocupada por gente de toda parte. Braços
trabalhadores que ainda tornavam-se necessários para o grande
canteiro de obras e a manutenção dos serviços que a cidade
apresentava; funcionários e burocratas para gerir o novo e ordenar a
grande cidade; profissionais liberais da saúde, da construção, do
comércio e de todo lugar para caracterizar o moderno e dar
funcionalidade; gente para encher as ruas longas e largas, para
ocupar os bancos da universidade, as mesas do bar, as cadeiras do
bonde, do cinema, do teatro66.

Uma nova sede para o governo mineiro, uma nova capital para Minas Gerais,
já era assunto entre elites políticas mineiras antes mesmo de, em suas mentalidades,
figurar a localidade de Belo Horizonte, pois Ouro Preto, a antiga capital, desde quando

64 Idem, ibidem, p. 176.


65 Idem, ibidem, p. 176-177.
66 CALVO, Julia. “Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX: entre a cidade da imaginação à

cidade das múltiplas realidades”. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 14, n. 21, p. 71-93, 2º
semestre de 2013, p. 89.
32

foi inaugurada com o título, dividia opiniões a respeito de sua continuidade como
cidade capital. Assim, o primeiro capítulo desta tese se iniciará abordando as
diferentes localidades que, anteriormente ao final do século XIX, foram pensadas para
abrigarem a capital. Depois da instalação da República, discussões sobre a
impossibilidade de Ouro Preto continuar como cidade representante de Minas
ressurgiram e se concretizaram na efetiva transferência, de Ouro Preto para Belo
Horizonte, assunto que também será abordado no capítulo primeiro. A concretização
da transferência da capital divide opiniões e, sendo assim, o capítulo um será
finalizado averiguando interpretações sobre a transferência da sede do governo.
A Cidade de Minas – nome que recebeu a nova capital mineira no ano de sua
inauguração, 1897 – foi palco de inúmeros ordenamentos urbanos, que se iniciaram
anos antes de sua inauguração, em 1894. Belo Horizonte não passou por
transformações urbanas como outras cidades e capitais brasileiras, como Recife e
Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre. Para Belo Horizonte, é possível
pensar numa formação urbana, que se configurou com o planejamento da comissão
construtora, liberada inicialmente pelo engenheiro Aarão Reis. Assim, o segundo
capítulo de nossa tese vai tratar da formação de Belo Horizonte. Partiremos dos
antecedentes da nova capital: Ouro Preto (a antiga sede de governo) e Curral Del Rei
(o antigo arraial que deu lugar a Cidade de Minas). Depois, discorreremos sobre o
planejamento da Comissão Construtora para a nova capital e, por meio do
planejamento, será possível entender Belo Horizonte e o “consumo do espaço” 67, a
cidade como objeto de consumo, planejada para ser utilizada e apreciada.
A capital mineira foi uma cidade de consumidores e comerciantes. No início de
sua formação, sem o desenvolvimento de técnicas industriais, uma atividade
econômica que se destacou foi a do comércio de produtos e de serviços. Desta forma,
no capítulo três, o principal ponto de análise será o que diz respeito a relação entre
comércio, consumo e abastecimento. Iniciaremos o capítulo tratando do comércio
embrionário de Belo Horizonte, que se iniciou à época de construção da cidade para
abastecer os que lá residiam, moradores do antigo Curral mas, especialmente, os
membros da Comissão Construtora da capital. Depois, averiguaremos os ambulantes
de gêneros, pessoas que saíam das áreas suburbana, de colônias e adjacências de

67A respeito dessa noção, ver, dentre outros trabalhos, o de: LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas
centralidades: a experiência da cultura do consumo no centro tradicional de Belo Horizonte. Belo
Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010, introdução: a construção da escrita.
33

Belo Horizonte, especialmente das duas últimas, para abastecer a cidade com
produtos variados. Por fim, vamos discorrer sobre o comércio de médio porte que se
desenvolveu na capital, uma das principais atividades econômicas nas três primeiras
décadas do século XX.
A área central da capital pode ser considerada como um lugar, por excelência,
de consumo. Complementando a noção de consumo do espaço, é possível afirmar a
área urbana central de Belo Horizonte como um “lugar de consumo”68. No capítulo
quatro, trataremos de consumo e cultura material, destacando lugares de consumo,
três circuitos de comércio que se formaram nas ruas centrais da área urbana de Belo
Horizonte. Mostraremos os diversos bens materiais – alguns produzidos localmente,
aqueles importados de outras regiões do Brasil, outros que chegavam do exterior – e
também serviços que fizeram parte do cotidiano de habitantes de Belo Horizonte.
Se Belo Horizonte foi uma cidade de consumidores e comerciantes, também foi
uma cidade em que esses consumidores e comerciantes eram pertencentes a
diferentes estratos sociais – especificidade não apenas de Belo Horizonte. Vale
ressaltar que, desde o planejamento da Comissão Construtora, Belo Horizonte já se
configurara numa cidade em que as pessoas seriam separadas em lugares distintos
conforme sua ocupação profissional e posição social. Sendo assim, no capítulo cinco,
trataremos de consumo e dinâmica social, considerando o consumo de uma classe
social particular: a classe média. Vamos enfocar quais foram os objetos materiais e
os bens móveis consumidos pelas frações da classe média belo-horizontina entre o
final do século XX e, especialmente, o início do século XX.
Finalmente, no capítulo seis, abordaremos as “estruturas do cotidiano” de uma
família de Belo Horizonte, os Borges da Costa, que se estabeleceram em Belo
Horizonte na primeira década do século XX. A respeito da vida material, escreveu
Braudel no volume primeiro de sua Civilização Material, Economia e Capitalismo, que
remete a “homens e coisas, coisas e homens. Estudar as coisas – os alimentos, as
habitações, o vestuário, o luxo, os utensílios (...) –, em suma, tudo aquilo de que o
homem se serve”69. É sobre a vida material dos Borges da Costa que o último capítulo
deste trabalho se debruçará.
Para o desenvolvimento de nossa tese, utilizamos fontes que foram coletadas
em instituições de Belo Horizonte e envolvem o período da Primeira República. As

68 Idem, ibidem.
69 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 19.
34

fontes podem ser divididas em três grupos. O primeiro grupo, de fontes principais,
contempla: acervos de objetos materiais do MHAB; inventários post-mortem da
Comarca de Belo Horizonte, presentes nos arquivos do TJMG; recortes de jornais
locais presentes na HBEMG; revistas estaduais e locais, presentes no MHAB e no site
da PBH; Almanack da Cidade de Minas, localizado no APM; livro de memórias
localizado no ICAM. No segundo grupo, de fontes complementares, estão: relatórios
anuais de atividades da prefeitura de Belo Horizonte, localizados no APCBH; coleção
legislação municipal de Belo Horizonte, presente no site da CMBH; questionário sobre
as condições da agricultura de municípios do Estado de Minas Gerais (QAMG);
coleção das leis e decretos do Estado de Minas Gerais, presentes no APCBH;
mensagens (ou relatórios) de presidentes do Estado de Minas Gerais, localizados no
site da Universidade de Chicago. Há um terceiro grupo de fontes do período, composto
por um acervo bibliográfico sobre o comércio na capital mineira e sobre as temáticas
de história, economia e cultura de Minas Gerais e de Belo Horizonte, presentes na
ACMINAS, na FJP e no MHAB.
35

CAPÍTULO 1

NOVO REGIME, VELHAS DISCUSSÕES – A TRANSFERÊNCIA DA CAPITAL


MINEIRA

“si, na actualidade, a Varzea do Marçal represente melhor o centro de gravidade do


Estado e acha-se já ligada, por meios rápidos e faceis de comunicação com todas
as zonas, d’aqui a algumas dezenas de annos Bello Horizonte melhor o
representará, de certo, e mais directamente ligada ficará a todos os pontos do vasto
territorio mineiro” (Relatório de Aarão Reis, 16/06/1893).

A transferência da capital de Minas Gerais já havia sido discutida em momentos


anteriores ao da instauração da Primeira República, assim, este capítulo se iniciará
com uma descrição a respeito das cidades que, desde o século XVIII, foram objeto de
desejo de elites mineiras para abrigarem a capital de Minas Gerais.
Ainda que as discussões tenham antecedido o início do período republicano,
foi só com a instauração da nova ordem que a capital realmente foi transferida,
assunto para a segunda seção deste capítulo. Como o processo de transferência não
é considerado de interpretação única, vamos discorrer também, na terceira parte
deste capítulo, sobre as interpretações relativas à mudança, destacando os motivos
que justificaram a transferência da capital para a localidade de Belo Horizonte. Na
última seção do capítulo, defenderemos nossa posição acerca das interpretações
sobre a transferência.

1.1. As capitais para Minas Gerais: para além da cidade do ouro

A ideia de mudança da capital de Minas Gerais, apesar de ter ganhado


intensidade com a instauração do regime republicano, data de épocas remotas ao
início da inauguração da nova ordem. Abílio Barreto1, ao reconstruir a trajetória das

1 Abílio Barreto foi escritor e jornalista. Nasceu no ano de 1883 na cidade mineira de Diamantina e se
mudou para Belo Horizonte no ano de 1895, em meio as obras de construção da capital. Em 1897, foi
admitido pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, onde fez carreira como tipógrafo, revisor e redator
interino. Em 1924, foi promovido a Primeiro Oficial do Arquivo Público Mineiro. Em 1935, passou a
dirigir o Arquivo Municipal. FERREIRA, Leonardo Gonçalves. “O presente e o passado no Museu
Histórico Abílio Barreto (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil)”. Ponto Urbe, São Paulo. N. 23, p. 1-23,
2018, p. 21, nota 4. Abílio Barreto foi um dos fundadores do Museu Histórico de Belo Horizonte,
iniciativa também do presidente Juscelino Kubstichek, em 1940. Para os dois atores, o museu
contribuiria para com a preservação da memória de Belo Horizonte e do Arraial do Curral Del Rei.
SARAIVA, Luiz Alex Silva; MACHADO, Ana Maria Alves. “Bipolaridade simbólica no Museu Histórico
Abílio Barreto”. Cadernos EBAPE.BR, Fundação Getúlio Vargas. N. 2., v. 5, p. 1-14, junho/2007, p. 07.
Depois do falecimento de Abílio Barreto, em 1959, na capital mineira, o Museu Histórico de Belo
36

capitais de Minas Gerais, começou as análises afirmando que foi no dia 08 de abril do
ano de 1711 que foi instalada a primeira capital mineira:

foi, portanto, Ribeirão do Carmo [atual cidade mineira de Mariana] a


primeira capital de Minas, dentro do nosso atual território, não obstante
Albuquerque2 despachar, ora nesta vila, ora no arraial de Ouro Preto,
elevado a vila, com a denominação de Vila Rica, 11 de julho do mesmo
ano [de 1711]3.

Depois de nove anos daquele acontecimento, em 1720, foi concebida pela


primeira vez a ideia de mudança da capital, pelo conde de Assumar. Era necessário
“mudar a sede do governo para Cachoeira do Campo, pitoresca localidade onde os
governadores veneravam”. Mudança que, entretanto, não ocorreu, “porque o rei
nenhuma providência tomou a respeito, continuando, portanto, a sede do governo em
Ribeirão do Carmo”4.
Tendo se tornado independente a Capitania de Minas, em 02 de dezembro de
1721, quando D. Lourenço tomou posse como governador, a capital foi instalada em
Vila Rica, atual Ouro Preto, que seria a capital mineira até o final do século XIX. Apesar
da manutenção de Ouro Preto como a capital mineira por quase 200 anos, não
faltaram propostas que convergiram para a transferência de localidade da capital
naquele período de tempo.
Durante a Conjuração Mineira, em 1789, a ideia de mudança da capital mineira
esteve presente no movimento, pois ressaltou Abílio Barreto que “um dos pontos
assentes no programa por eles [pelos conjurados] delineado para a implantação de
uma república em nosso país era esse”, a mudança da capital mineira (e também,
consequentemente, do país). Na visão dos inconfidentes, São João Del Rei deveria
ser a capital do país5.
A proposta de 1789 não obteve sucesso mas, em 1821, houve nova ideia de
mudança da capital mineira. Um novo período se iniciaria, o Império brasileiro.
Juntamente com a mudança de regime, a capital de Minas Gerais também deveria ser

Horizonte passou a se chamar Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB). Foi autor, dentre outras obras,
de: Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – Vol. 1: História Antiga; Vol. 2: História Média. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.
2 Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho foi o primeiro governador da Capitania de São Paulo e

Minas do Ouro, tendo sido o responsável pela criação das primeiras vilas de Minas Gerais.
3 BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – Vol. 1: História Antiga. 2 ed. Belo

Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996, p. 279.
4 Idem, ibidem, p. 281.
5 Idem, ibidem, p. 283.
37

transferida, para uma localidade mais condizente com a nova época brasileira e
mineira. Segundo Abílio Barreto:

transformada a grande colônia portuguesa no importante império do


Brasil e, consequentemente, a Capitania das Minas em uma das
maiores e mais ricas províncias do novo estado, salientou-se de modo
notável a necessidade de se mudar a capital de Ouro Preto, que não
estava com condições de ser o centro administrativo, político e quiçá
econômico-financeiro de uma parte tão notável do País, a qual, pelo
crescimento de sua população, pelo seu anseio de evoluir e por outros
fatores que seria longo historiar, vinha tomando a dianteira entre as
suas coimãs no desenvolvimento e prosperidade da pátria (...)6.

Portanto, já era possível perceber, no início do século XIX, o descontentamento


em relação a localidade da capital mineira, Ouro Preto. As limitações da cidade, na
visão de alguns membros da elite mineira, não faziam dela merecedora de representar
a Província. Entretanto, a proposta de 1821, assim como a anterior, não se
concretizou, especialmente pela oposição dos habitantes de Ouro Preto e “pela
rivalidade que se levantaria entre as várias cidades de Minas, cada qual quebrando
lanças por ser a preferida para depositária da tão alta glória de se ver convertida em
capital”7.
Seguindo nas análises de Abílio Barreto, um outro momento sobre as
aspirações envolvendo a mudança de capital foi descrito. Ocorreu que, no ano de
1868, o deputado Manuel Correia Brandão pronunciou um discurso na Assembleia
Provincial, referente a 1833, que dizia respeito à mudança da capital mineira, discurso
que não se concretizou na prática, já que “razões tem sido apresentadas contra essa
idéia” e o “triunfo pertence a Ouro Preto”8.
Ainda que o triunfo pertencesse a Ouro Preto, as condições necessárias para
continuar sendo a capital mineira não estavam presentes na cidade do ouro. Em 1851,
o presidente da Província, Dr. José Ricardo de Sá Rego, sugeriu a mudança da sede
do governo para outro ponto da Província, no relatório de 02 de agosto daquele ano.
Ouro Preto se encontrava em decadência, as ruas em ruínas, a população se reduzia.
As condições de Ouro Preto pareciam muito precárias na opinião do presidente, pois
“qualquer ponto da província seria preferível a este para sede do governo”9. Segundo

6 Idem, ibidem, p. 283-284.


7 Idem, ibidem, p. 284.
8 Idem, ibidem.
9 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. José Ricardo de Sá Rego a Assembleia Provincial

da Província de Ouro Preto. 1851. Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, Secretaria de Governo da
Província – documentos da Secretaria de Governo da Província.
38

o presidente, as duas melhores localidades para abrigarem a sede eram Mariana e


São João Del Rei, esta última já tendo figurado nos ideais antigos a respeito da
transferência da capital. Nas palavras do presidente da Província, em 1851, a respeito
de transferir a capital para Mariana ou São João Del Rei:

Creio, porém, que nenhuma apresenta mais razões de preferência do


que as cidades de Mariana e S. João del Rei, a primeira porque já
possui a sede do governo espiritual, e pela sua proximidade não só
facilita a transferência como quase nenhuma alteração produz nas
relações que existem entre esta capital e os outros pontos da
província, e a segunda, ainda mais, porque sua feliz situação, a
amenidade de seu clima, a fertilidade de seu solo, a disposição para
facilitar os transportes em toda a circunvizinhança da cidade e sua
maior proximidade da ação do governo geral, são outros tantos
motivos para torna-la em pouco tempo uma capital que não só
corresponda à importância da província, mas até venha a ser a
primeira cidade central do império10.

Ainda, o deputado padre Agostinho Francisco de Sousa Paraíso, no ano de


1867, “queria a capital nas margens do Rio das Velhas e levou o seu pensamento ao
Congresso”11. Assim, fica claro que, desde que Ouro Preto passou a ocupar o posto
de capital de Minas Gerais, ideias sobre a transferência da sede do governo já faziam
parte do imaginário das elites políticas.
Entretanto, foi só quando se inaugurou a Primeira República que a capital
mineira efetivamente foi transferida, da antiga Ouro Preto colonial e imperial para a
nova cidade moderna, que representaria o Estado mineiro no novo tempo que se
iniciara.

1.2. O período republicano: contribuição para concretização da transferência da


capital

Segundo Letícia Julião, “instaurada por um golpe militar, à revelia dos


segmentos populares e sem qualquer projeto que os pudesse seduzir, a República
precisava construir um corpo de representação que a justificasse para além das
fronteiras das elites, conquistando a simpatia popular”12. Entretanto, o sentido de

10 Idem.
11 BARRETO, op. cit., 1996, p. 288.
12 JULIÃO, Letícia. “Sensibilidades e representações urbanas na transferência da Capital de Minas

Gerais”. História (São Paulo) v. 30, n.1, p.114-147, jan/jun 2011, ISSN 1980-4369, p. 125.
39

comunhão nacional em relação ao novo regime não foi alcançado 13, mantendo-se a
distância entre as camadas populares e as elites políticas.
Aquele contexto de inauguração da República, marcado pela incerteza política
e agitação ideológica, em meio a busca pela legitimação do regime, representou,
segundo Letícia Julião, “uma porta aberta para a aventura ousada da construção de
Belo Horizonte – com certeza a obra simbólica de maior envergadura da República
em Minas”14.
O decreto de número 7, de 20 de novembro de 1889, do governo provisório de
Deodoro da Fonseca assegurou que os governadores poderiam “estabelecer a divisão
civil, judicial e eclesiastica do respectivo estado e ordenar a mudança de sua capital
para o logar que mais convier”15. Depois das tentativas anteriores acerca da mudança
da sede do governo mineiro, a República significava uma nova chance para a
execução de um projeto de transferência.
De acordo com Letícia Julião, não seria errôneo afirmar que o projeto de
transferência da capital tivesse tido relação com os conflitos políticos e ideológicos
que se seguiram à instauração da República. Foram colocados em curso embates
entre diversas visões de urbanidade e concepções distintas de organização
comunitária de cidadãos, expressos na recusa, no receio ou no desejo da construção
de uma cidade moderna. O projeto de transferência da capital produzia variadas
imagens referentes a nova cidade, como as de centro intelectual e econômico, polo
de irradiação do poder, cidade moderna e progressista, espaço racionalmente
concebido, centro promotor do desenvolvimento republicano16.
É possível afirmar que a nova capital mineira – dadas as variadas imagens que
o projeto de transferência expressavam – pode ser entendida também como objeto de
consumo, uma cidade para ser consumida. Espaço pensado para já nascer urbano
(diferentemente da grande maioria dos locais, que crescem naturalmente), cidade
construída de forma racional, para ser apreciada por seus habitantes, que a utilizariam
e fariam proveito de seu espaço.

13 CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas – o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 141-142
14 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 125.
15 DECRETO nº 7, de 20 de novembro de 1889. Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do

governo provisório – Aristides da Silveira Lobo.


16 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 125.
40

Segundo Letícia Julião, os deslocamentos de cidades capitais representam


movimentos cuja tentativa é dar forma a projetos em ascensão, cancelando, assim, a
força de antigos significados presentes nas cidades preteridas17. O que se passava
no cenário mineiro é exatamente o que a autora afirmou. A mudança da capital estava
inserida num projeto brasileiro, o da República mas, também, estava inserida num
cenário de influências internacionais, pois as transformações urbanas que haviam
ocorrido nos países desenvolvidos durante o século XIX surtiram efeitos nos países
subdesenvolvidos, como o Brasil, que entre os séculos XIX e XX se urbanizaram com
base nas influências estrangeiras18. Mudar a capital mineira de localidade era também
contribuir com a ruptura de significados presentes em Ouro Preto: como os de cidade
colonial e imperial, com seus traçados urbanos irregulares e economia decadente
após a mineração. A supressão ouro-pretana daria lugar à ascensão da nova cidade
capital, que seria construída nos moldes de modernos centros urbanos.
As transformações urbanas que fizeram parte do projeto nacional de
urbanização no Brasil foram baseadas, sobretudo, nas obras de melhorias urbanas
de Haussmann, responsável pelas reformas urbanas da Paris de meados do século
XIX, no período de 1853 a 187019.
O significado que guardava Ouro Preto, a capital mineira desde inícios do
século XVIII, era de oposição à modernidade que se buscava com a instauração da
República. Os novos hábitos e costumes de vida, mimetizados do estrangeiro e,
principalmente, os novos formatos urbanos, não eram compatíveis com a Ouro Preto
do período colonial e imperial.

17 Idem, ibidem, p. 115.


18 “Naturalmente, o sentimento, ainda que indefinido, de que se ingressava em uma era de
modernização, não expressava um mero desejo infundado das elites. Nem as idealizações urbanas
eram fruto de uma fantasia aleatória. De fato, o Brasil, nas últimas décadas do século XIX, como tantas
outras regiões do planeta, passara a receber os ecos do processo de expansão do capitalismo que, a
partir de meados do século XIX, alcançara todo o globo terrestre, integrando diferentes regiões à sua
dinâmica. Áreas remotas foram conquistadas e, à medida que o capitalismo se estendia no espaço
geográfico, surgia um mercado internacionalizado, no qual trabalhadores, mercadorias e capitais
circulavam numa mobilidade inédita, concomitante à supressão de antigas relações tradicionais, num
processo ímpar de europeização dos povos. A crença da elite republicana no progresso não era senão
ressonância desse processo de escala mundial. As mudanças que ocorrem no País, a partir de 1870 –
surgimento de estabelecimentos fabris, crescimento das cidades, aperfeiçoamento dos transportes,
intensificação do comércio, fim da escravidão e organização do mercado de trabalho livre –, só vinham
reforçar tais convicções” (Idem, ibidem, p. 117).
19 MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das

metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada
no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 134.
41

De acordo com Letícia Julião, desde 1870, literatos, profissionais liberais,


políticos e republicanos compartilhavam do sentimento de superação da herança
colonial. Formou-se uma elite nacional que defendia a ideia de progresso e de uma
“cultura de reforma”, pactuada com a percepção de que a ciência e a técnica seriam
responsáveis por um novo modelo de sociedade. A cidade passou a ser foco de
atenções reformistas, sendo que seu espaço deveria ser reorganizado – no caso da
nova capital, organizado do zero. No espaço citadino reorganizado projetava-se a
emergência de uma nova ordem, que deveria ser baseada em um padrão de
civilização moderna20.
Logo que o decreto de Deodoro da Fonseca foi anunciado, em 1889, sua
aplicação imediata foi solicitada por elites políticas. Para além das disposições legais,
o desejo de transferência da capital mineira sustentava-se, naquele momento, na
consciência de que se vivia o marco inicial de um novo tempo, onde eram depositadas
as expectativas de desenvolvimento e modernização nacional21. Entretanto, ainda que
Deodoro da Fonseca tivesse dado poder para que os governantes elaborassem
projetos de transferência das capitais, políticos de Ouro Preto, contrários a mudança,
alcançaram uma vitória em relação a seus desejos de manutenção da capital, ao
levarem os debates para o âmbito legislativo. O tema foi discutido no Congresso
Constituinte dois anos depois, em 189122.
Naquele ano, o presidente do Estado, Augusto de Lima, afirmou sobre a
necessidade de nova localidade para a capital mineira, “que seja o centro de atividade
intelectual, industrial e financeiro, e ponto de apoio para a integridade de Minas Gerais,
seu desenvolvimento e prosperidade”23. Mais uma vez, Ouro Preto se mostrava
aquém da função de ser a cidade centro do Estado mineiro24.

20 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 116.


21 Idem, ibidem.
22 ARRUDA, Rogério Pereira de. “Belo Horizonte e La Plata: cidades-capitais da modernidade latino-

americana no final do século XIX”. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, 6-1, p. 85-123, 2012,
p. 93.
23 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao Congresso Constituinte

de Minas Gerais. Annaes do Senado Mineiro, 1891, p. 22.


24 “A modernização, atingido as áreas econômicas, políticas e sociais e o modernismo englobando a

arte, a cultura e a sensibilidade foram fatores chaves para se pensar um novo espaço para a capital
mineira, agregando, assim, todo o simbolismo de uma época (fins do século XIX e início do século XX)”.
PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. “A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte:
um estudo à luz de comparações com as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro”. Mediações,
Londrina, v. 21, n. 2, p. 332-352, jul. / dez., 2016, p. 335.
42

De 1891 – quando o tema da mudança foi discutido no Congresso Constituinte


– até 1893 – quando o lugar onde se situa Belo Horizonte foi, definitivamente,
escolhido para ser a nova capital mineira – numerosas discussões agitaram as elites
políticas. Bello Horizonte (o antigo Curral Del Rei25) não foi o único lugar a figurar no
pensamento dos promotores da mudança de capital.
Que o novo regime político brasileiro pode ser considerado o acontecimento
que reacendeu os ânimos para a concretização da transferência da capital, não nos
resta dúvida. Da instauração da República, em 1889, até a inauguração da nova
capital, se passaram apenas oito anos.
A respeito da escolha do lugar para ser a cidade capital de Minas, há duas
interpretações relevantes que buscaram entender o porquê da escolha de Belo
Horizonte, na área central do Estado: uma delas é fundada nas bases políticas e
regionais da temática, considerando uma disputa entre mudancistas e não
mudancistas; a outra, concebe a escolha de Belo Horizonte como uma estratégia de
conciliação entre as diferentes regiões mineiras, de forma a conferir unidade ao
Estado. É a respeito de tais interpretações que escreveremos na próxima seção.

1.3. A mudança da capital de Minas Gerais: interpretações sobre o tema

Francisco Iglésias, organizador do texto A Constituinte Mineira de 189126, ao


abordar a mudança da capital mineira, ressaltou que a transferência se justificava por
três motivos: primeiro, os debates pela mudança tinham como explicação a tentativa
de alcance de um ponto de equilíbrio das novas regiões produtoras mineras,
interpretação, na visão do autor, mais assimilada pela historiografia; segundo, a
mudança era necessária como uma forma de solucionar os entraves administrativos
de Ouro Preto, que simbolizava um “Ancien Regime”; terceiro, a luta pela transferência
da capital se justificava pela tentativa de substituição de um símbolo decadente – o
monarquismo de Ouro Preto – por um outro moderno27.
Partindo dos escritos do autor, é possível afirmar que dos três motivos
elencados, dois deles estavam presentes no cenário mineiro desde antes da

25 O antigo distrito pertencente à Sabará, sob o nome de Curral Del Rei nos períodos colonial e imperial,
passou a se chamar Bello Horizonte no ano de 1890. Tendo sido escolhido para ser a capital mineira,
em 1897, teve o nome alterado para Cidade de Minas. No ano de 1901, passou a ser novamente
denominado Belo Horizonte.
26 IGLESIAS, Francisco (Org.). “A constituinte mineira de 1891”. Revista Brasileira de Estudos Políticos,

Belo Horizonte, UFMG, n. 71, p. 163-246, julho de 1990.


27 Idem, ibidem, p. 219.
43

proclamação da República: os entraves administrativos de Ouro Preto, bem como a


substituição da capital por outra, que não significasse decadência e que fosse mais
moderna. Como foi possível compreender por meio da leitura das seções anteriores,
houve momentos da história em que elites mineiras concordaram com a
impossibilidade de Ouro Preto continuar sendo a capital. Assim, é possível separar,
dos três motivos para a transferência da capital elencados acima, dois deles como
motivos que antecederam a escolha de Belo Horizonte, no Centro do Estado, para ser
a sede do novo governo: se referem, os dois, a problemas oriundos de Ouro Preto. O
outro motivo, isto é, a mudança de capital como uma forma de encontrar um ponto de
equilíbrio para as regiões de Minas Gerais, pode ser relacionado a escolha de Belo
Horizonte como a localidade para a qual a capital foi transferida.
Cláudia Viscardi, em A Capital Controversa28, texto escrito para o dossiê “Belo
Horizonte 100 anos depois”, da revista do Arquivo Público Mineiro, apresentou uma
discussão sobre interpretações presentes na historiografia que tiveram como objetivo
o entendimento da escolha da localidade de Belo Horizonte para ser a capital de Minas
Gerais. Segundo a autora, é possível dividir a produção sobre a temática em dois
grandes grupos: um primeiro grupo, que ressaltou as disputas políticas e regionais
entre mudancistas e não mudancistas; um outro grupo, que entendeu que o local onde
se situa a capital mineira foi escolhido como uma forma de conferir unidade ao Estado
de Minas Gerais, tão vasto e com regiões que se desenvolviam política e
economicamente de forma heterogênea.
Na presente seção, analisaremos as duas interpretações acerca da escolha de
Belo Horizonte para abrigar a capital: primeiro, a historiografia que interpretou a
transferência da sede do governo ressaltando os fundamentos políticos e regionais;
depois, a historiografia que interpretou a transferência da sede do governo frisando a
tentativa do alcance de certa conciliação para Minas Gerais. Embora haja separação
de interpretações, parece que os interesses políticos estiveram presentes nas duas.

1.3.1. Uma disputa entre antagonistas políticos

Ainda que os autores que apresentaremos nesta subseção evidenciem as


bases políticas e regionais no que diz respeito a transferência da capital, um ponto
comum destes com aqueles que defendem a transferência de capital como uma forma

28VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. “A capital controversa”. Revista do Arquivo Público Mineiro (dossiê
Belo Horizonte 100 anos depois), ano XLIII, n. 2, p. 28-43, jul./dez. 2007.
44

de alcance de unidade econômica e política mineira é o fato de Minas Gerais ter se


desenvolvido voltada para mercados exteriores aos das fronteiras mineiras,
desenvolvimento que continuou ocorrendo voltado para os mercados externos
inclusive depois da proclamação da República e da transferência da capital, de Ouro
Preto para Belo Horizonte.
Segundo Vera Alice Cardoso Silva – ao ressaltar as regiões da Zona da Mata
e do Sul de Minas Gerais – desde o período do Império, a maior concentração de
propriedades e de mão-de-obra na Zona da Mata, impulsionou o primeiro surto
industrial mineiro, localizado na cidade de Juiz de Fora29. A cidade central da Zona da
Mata era muito mais próxima do Rio de Janeiro que da antiga capital, Ouro Preto, não
apenas em termos geográficos, mas também econômicos. A expansão da economia
sul-mineira, de forma diferente, se deu com vínculos mais próximos ao da economia
paulista. A indústria que se desenvolveu no sul mineiro foi especificamente a pastoril,
sendo a produção de leite, carne e laticínios, que atendia tanto a São Paulo como ao
Rio de Janeiro30.
A respeito do desenvolvimento da cafeicultura, a sul-mineira teve mais relação
com a disseminação da cafeicultura paulista do que com uma expansão da
cafeicultura da Zona da Mata mineira. Da mesma forma ocorria com a comercialização
nas duas regiões, pois o Sul de Minas se vinculava ao porto de Santos e a Zona da
Mata, ao porto do Rio de Janeiro31.
As afirmações da autora reforçam a tese de que Minas Gerais se desenvolvia
heterogeneamente do ponto de vista político e econômico. Se a transferência foi o
resultado de uma disputa predominantemente política, ou se foi uma forma de conferir
unidade ao desenvolvimento mineiro, as duas interpretações compartilham a ideia de
um desenvolvimento heterogêneo que fazia parte de Minas Gerais desde o período
imperial. Mas a região central, mesmo abrigando a capital, não se tornou de imediato
o centro econômico mineiro, embora tenha concentrado a força política do Estado:

Por sua vez, a Zona Metalúrgica, nas três primeiras décadas


republicanas bastante estagnada economicamente, reunia, de fato, os
recursos políticos do Estado: a burocracia pública e os homens
treinados em fazer política. Tal herança liga-se ao passado colonial e
ao apogeu do Ciclo do Ouro. É interessante notar que a maioria dos

29 SILVA, Vera Alice Cardoso. “O significado da participação dos mineiros na política nacional, durante
a Primeira República”. In: MONTEIRO, Norma de Goés (Org.). V Seminário de Estudos Mineiros, Belo
Horizonte, UFMG, 1982, p. 158.
30 Idem, ibidem, p. 158.
31 Idem, ibidem, p. 157-158.
45

republicanos ativos em Minas, durante os últimos anos do Império,


viviam nas antigas cidades da mineração, localizadas no Vale do
Jequitinhonha e na região de Ouro Preto, ou eram delas oriundos. O
controle sobre o aparato político, que os longos anos de estagnação
econômica vividos pela Província de Minas só serviram para
consolidar deu aos políticos do Centro, totalmente ligados às
decadentes zonas de mineração, um trunfo inestimável quando surgiu
o novo regime32.

Ainda que o desenvolvimento heterogêneo mineiro possa ser tomado como


uma das causas da escolha da localidade de Belo Horizonte para ser a capital, os
fatores políticos se constituem na explicação mais relevante da primeira interpretação
analisada. Sobre o início do período republicano em Minas Gerais, escreveu Hélio
Lobo que ocorreu “uma das mais interessantes fases do novo regime, com a luta, que
logo se travou, entre Ouro Preto, a capital política, de tradição conservadora para não
dizer monárquica, e Juiz de Fora, o maior centro de vida industrial e de população do
Estado, ciosa de suas credenciais republicanas”33. Se formou no Estado, segundo o
autor, dois grupos políticos: o dos alvinistas e o dos dissidentes. O segundo grupo
fazia oposição a Cesário Alvim no Estado e a Deodoro da Fonseca na presidência 34.
Aquele grupo era conhecido também como o dos republicanos históricos. De acordo
com Vera Alice Cardoso da Silva:

Com efeito, a primeira Câmara Legislativa do governo republicano


congregava uma maioria de políticos que representavam tendências
reformistas radicais, geralmente identificadas com o industrialismo, o
emissionismo e o protecionismo, como orientações básicas de política
econômica. Tais políticos eram geralmente conhecidos como
republicanos históricos – aqueles que haviam pregado o regime desde
a época imperial. Endossaram e orientaram as grandes medidas
reformistas dos governos militares: a reforma bancária e as diversas
medidas protecionistas tomadas pelo então Ministro da Fazenda, Rui
Barbosa. Ora, essa mesma Câmara reagiu violentamente às pressões
de Deodoro para se prolongar o primeiro governo militar. Forçou sua
renúncia, do mesmo modo que criou os impedimentos reais que

32 Idem, ibidem.
33 LOBO, Hélio. Um varão da República: Fernando Lobo – A proclamação do regime em Minas, sua
consolidação no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p. 38-39.
34 “Vinha Cesário Alvim das lutas da monarquia, com projeção no governo provincial e no parlamento,

onde mostraria, numa de suas questões mais candentes, a das popelinas, temperamento combativo.
Havia ficado também célebre sua adesão ao credo republicano, quando, alguns meses antes da
República, declarou abandonar o gabinete liberal que “entendeu enrolar a bandeira do partido que era
a federação e arvorar novo estandarte, que só podia ser empunhado pelos adversários”. “Vai lutar,
concluía, em campo mais adiantado, vai adiante dos seus correligionários, deixa os seus antigos
companheiros, para consagrar-se à causa da democracia e da República”. Comprazendo-se no
combate, a imprensa era para ele um dos melhores meios de defesa como homem público; e a ele
recorreria frequentemente” (Idem, ibidem, p. 39).
46

reprimiram a ampliação do poder dos militares à época da debilidade


das instituições republicanas e do poder civil35.

O grupo dos dissidentes ou republicanos históricos era o que defendia a


bandeira mudancista36. Segundo Afonso Arinos de Mello Franco, a região central,
após o declínio da mineração, não detinha condições para manter a capital; a
divergência se configurava entre os diferentes interesses das regiões dominantes e
decadentes. Dos grupos políticos que se formaram em Minas Gerais no contexto das
discussões sobre a mudança da capital, os republicanos históricos se concentravam
nas regiões cafeicultoras, isto é, a Zona da Mata e o Sul de Minas. Havia um outro
grupo, de adesistas e monarquistas, que se concentravam nas demais regiões do
Estado. A mudança da capital poderia ser explicada, segundo o autor, com base nas
disputas políticas e no desenvolvimento econômico desigual observado no interior de
Minas Gerais. A Zona da Mata e o Sul de Minas Gerais, as regiões mais ricas do
Estado, teriam se unido, de forma que Juiz de Fora seria a nova sede do governo.
Assim, as duas regiões, unidas, defenderiam seus interesses comuns, já que ambas
tinham como principal atividade econômica a cafeicultura37.
Para Moema Miranda de Siqueira, “o grupo favorável à mudança corresponde
à ala republicana progressista, enquanto o grupo defensor de Ouro Preto, como
Capital, seria composto fundamentalmente de tradicionalistas e reacionários” 38.
Dentre os valores dos não mudancistas, estavam a integração com parentes, a
preferência pela vida nas pequenas cidades, a desconfiança em relação aos
estranhos, o pouco individualismo39. A respeito dos grupos políticos que se formaram
em Minas Gerais no contexto da mudança, ressaltou a autora que o grupo de
mudancistas não era composto em sua totalidade de monarquistas, mas liderado por
tradicionalistas e conservadores. “Assim, a rigor, nem todos os conservadores eram
monarquistas e nem todos os liberais eram republicanos”40.

35 SILVA, op. cit., 1982, p. 148.


36 Segundo Iglésias, a mudança da capital significou mais do que uma simples questão regional, tendo
sido observados três grupos políticos. Nas palavras do autor: “há um confronto latente entre os setores
progressistas que encarnavam um ideal republicano; os setores liberais que, representando um outro
modelo de república, pregavam a manutenção do “status quo”, no sentido de uma modernização
conservadora; e, por fim, os setores conservadores, ainda arraigados a um ideal monárquico, somente
conformados com a situação republicana” (IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 212).
37 FRANCO, 1956 apud VISCARDI, op. cit., 2007, p. 32.
38 SIQUEIRA, Moema Miranda de. “Mudança da capital de Minas: uma questão ideológica”. Revista

Brasileira de Estudos Políticos, separada do n. 33. Belo Horizonte, 1972, p. 93.


39 Idem, ibidem.
40 Idem, ibidem, p. 99.
47

Sobre as localidades de concentração dos grupos políticos, escreveu Siqueira,


realizando uma crítica ao trabalho de Afonso Arinos de Mello Franco, que a separação
realizada pelo autor, de republicanos históricos concentrados nas regiões
cafeicultoras e adesistas fora daquelas áreas não era válida, já que foram encontrados
elementos de uma mesma região em diferentes grupos políticos.

A reunião de republicanos e monarquistas da zona de Ouro Preto e


adjacências no grupo anti-mudancista explica-se pela tentativa de
manutenção do status quo. A maioria deles, de famílias tradicionais da
área, secularmente estabelecidos, com laços de ancestralidade, sem
falar nos interesses econômicos propriamente ditos, via na mudança
da Capital modificações nem sempre favoráveis ao seu status. Já o
grupo defensor da mudança da Capital considerava a defesa da
transferência como uma tomada de posição progressista e ambiciosa,
própria de jovens41.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Lobo, Silva, Franco e Siqueira, as


palavras de Iglésias mostraram que a mudança da capital remeteu à separação de
grupos políticos dentro de Minas Gerais. Segundo o autor: “Só com a percepção de
se estar na linha do progresso, incorporada nos jovens políticos é que se torna
possível bancar e, de fato, fazer uma nova cidade, radicalmente oposta à cidade
interiorana, entendida esta quase como extensão do mundo rural”42. Os escritos de
Iglésias nos fazem crer que “os jovens políticos”, os que estavam “na linha do
progresso”, eram os dissidentes descritos por Lobo; os republicanos históricos,
descritos por Silva e Franco; os republicanos progressistas descritos por Siqueira.
Segundo Vera Alice Cardoso da Silva, os interesses da Zona da Mata e do Sul
de Minas Gerais, no contexto da mudança da capital, não eram os mesmos. As duas
regiões eram cafeicultoras, mas se desenvolviam de formas diferentes, a Zona da
Mata voltada para o Rio de Janeiro e o Sul de Minas, para São Paulo. Para a autora,
a união que ocorreu em Minas Gerais foi entre os cafeicultores do Sul com os políticos
da Zona Metalúrgica ou região central de Minas Gerais43. Tal aliança se explicaria,
segundo a autora, nas conexões econômicas externas das duas regiões cafeeiras
mineiras, que auxiliavam nas definições de alianças políticas mais convenientes para
cada uma delas: Zona da Mata voltada para o Rio de Janeiro e Sul de Minas mais
ligado a São Paulo44.

41 Idem, ibidem, p. 99-100.


42 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 221-222.
43 SILVA, op. cit., 1982, p. 157.
44 Idem, ibidem, p. 159.
48

No contexto da mudança de capital, uma forma de ativar a vida administrativa


e econômica de Minas Gerais, os líderes econômicos – Zona da Mata e Sul, o primeiro
grupo, de antigos plantadores e o segundo, de cafeicultores e pecuaristas que se
consolidavam – viam a mudança com bons olhos. Segundo Vera Alice Cardoso da
Silva, a definição do novo local para a capital era estratégico para a caracterização do
grupo político que usufruiria de maiores benefícios. As cidades Leopoldina, Juiz de
Fora, ou uma nova cidade, que seria construída no Vale do Paraibuna, foram
rapidamente descartadas, dada a associação entre os representantes do Sul e da
Zona Metalúrgica45. Para a autora, a transferência da capital, de Ouro Preto para Belo
Horizonte, pode ser explicada por meio dos fundamentos políticos:

A escolha do local em que se construiu a nova capital pode ser vista


como meia vitória de todos os interessados e como decisão em que
foi essencial a presença dos políticos do Centro. Com relação a estes,
parece realmente certo que seu principal objetivo era, e continuou a
ser nos anos que se seguiram, gozar dos benefícios paralelos
provenientes da ocupação de posições de mando, mesmo secundário,
na estrutura política que então se organizava. Essa presença
instrumental de políticos profissionais, representantes de regiões
economicamente decadentes mas populosas, foi peça fundamental na
construção do sistema político-partidário dentro de Minas46.

Segundo Iglésias, a localidade de Belo Horizonte era caracterizada como


insalubre por algumas pessoas, também “de surto de bócio endêmico”, apesar de,
dentre a comissão que a averiguou para a escolha, estivessem 22 médicos. Se a
topografia de Ouro Preto era limitada para alguns mudancistas, a de Belo Horizonte
também era assim considerada: o local que abrigaria a nova capital possuía
“topografia inadequada, insuficiência de água, em contraste com as vantagens do
Vale do Rio das Mortes, a várzea próxima de São João del’Rei. O solo era pobre para
a lavoura, feita com técnicas retardadas; prestava-se à pecuária, desenvolvia-se a
criação, origem segura do nome de Curral”47. Ainda assim, foi Belo Horizonte
escolhida para ser a sede do novo governo, sendo considerada a melhor opção dentre

45 Idem, ibidem, p. 158. “Ora, para os políticos provenientes da Zona Metalúrgica, antigos donos do
poder dentro do Estado, sem outro trunfo maior para competir, no momento constitucional que então
se vivia, que o próprio controle da máquina burocrático-administrativa e a experiência de fazer política,
a escolha do parceiro privilegiado faz-se pelo critério da maximização de sua posição política no novo
regime: os interesses do Sul apareciam como os mais promissores, dada a vinculação com os
interesses paulistas, os mais claramente organizados e dominadores, mesmo na quadra confusa dos
governos militares” (Idem, ibidem, p. 159).
46 Idem, ibidem, p. 158-159.
47 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 216.
49

as demais localidades, especialmente porque contribuíram para a escolha, elementos


políticos.
Se esta primeira interpretação ressaltou as bases políticas e regionais sobre a
escolha de Belo Horizonte, considerando os grupos políticos que se formaram naquele
cenário de disputas, a segunda converge para a busca de unidade mineira,
destacando os esforços de Afonso Pena, como se verá abaixo.

1.3.2. A busca pela unidade econômica

A respeito do processo de transferência da capital, Maria Efigência Lage de


Resende48 e Francisco Iglésias salientaram o significativo papel de Afonso Pena. Nas
palavras de Iglésias, “Afonso Pena aparece como figura central, pois certamente
trilhou os caminhos do poder, surgindo sempre como solução de consenso no
momento do caos e do aparente váculo de poder”49.
Depois de proclamada a República e as discussões sobre a mudança da capital
terem adquirido nova forma, Augusto de Lima, na função de presidente provisório,
contou com o apoio de Bias Fortes e lavrou um decreto que tratava da mudança de
capital. “Sem dúvida, a ideia de mudança era, não somente uma aspiração das novas
forças econômicas, mas também de grupos ligados à política do antigo Centro
minerador que reconheciam as deficiências de Ouro Preto como capital”50.
O decreto de Augusto de Lima não chegou a ser publicado, mas causou
impacto entre as elites mineiras. Protestaram os que concorriam para a mudança da
capital e os que eram a favor da manutenção em Ouro Preto. Para os primeiros, a
decisão de Augusto de Lima foi autoritária, já que os excluía do processo decisório.
Pressionado, o presidente reconsiderou a sua posição e remeteu o problema ao
congresso, em mensagem do dia 17 de abril de 189151.
A partir de 1892, Afonso Pena ocupou o cargo de presidente de Estado de
Minas Gerais e, daquele momento em diante, as discussões sobre a transferência da
capital se intensificaram e se concretizaram na mudança definitiva, em 1897. Segundo
Resende, as posições de Afonso Pena acerca da transferência da capital foram, à

48 RESENDE, Maria Efigência Lage de. “Uma interpretação sobre a fundação de Belo Horizonte”. In:
PAULA, Eurípedes Simões de. (Org.). Anais do VII Simpósio Nacional dos professores universitários
de História da Anpuh: A cidade e a história. Belo Horizonte, 1973. P. 601-633.
49 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 219.
50 RESENDE, op. cit., 1973, p. 602.
51 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao Congresso Constituinte

de Minas Gerais. Annaes do Senado Mineiro, 1891 e 1892, p. 15-16.


50

primeira vista, contraditórias: durante o período em que foi senador no Congresso


Constituinte Mineiro, opunha-se ele à mudança da capital para a Região do Rio das
Velhas, onde se localiza Belo Horizonte52. Entretanto, quando passou a governar
Minas Gerais, o grupo que mais defendeu a mudança para Belo Horizonte era
coordenado por um partidário de Afonso Pena53.
A respeito das colocações de Afonso Pena, escreveu Iglésias que, em primeiro
lugar, o presidente do Estado se posicionou a favor da mudança. Logo em seguida,
ficou claro seu apego, antes de tudo, à ordem. A questão da mudança também era,
por Afonso Pena, vinculada à questão financeira do Estado, pois era necessário
avaliar a situação econômica e financeira, a fim de decretarem-se as despesas
necessárias com a transferência. Sobre as finanças do Estado, a mudança da capital
poderia produzir melhores resultados para o bem comum mineiro, impulsionando as
indústrias, viação férrea, estabelecimentos agrícolas, profissionais, dentre outros.
Além disso, a mudança da capital poderia auxiliar Minas Gerais a conseguir os
recursos financeiros federais que, segundo Afonso Pena, iam em grandes
quantidades para São Paulo e para o Rio de Janeiro54.
Instalado o Congresso Constituinte, foi eleita uma comissão denominada
Comissão dos 11, que tinha por função elaborar o parecer sobre o projeto apresentado
pelo governo. Da Comissão surgiu uma proposição, de um representante do norte de
Minas, determinando a mudança da capital para um ponto central do Vale Rio das
Velhas. Apresentada tal proposição, o regionalismo emergiu no Congresso. “Cada
zona, através de seus representantes, procurava disputar a localização da sede
administrativa do Estado”55. Inúmeros lugares, de diferentes regiões do Estado, foram
propostos para sediar a nova sede do governo mineiro56.

52 “O ideal de Affonso Penna (...) era uma capital localizada no Vale do Rio Doce. As razões da escolha
situavam-se sobretudo na necessidade de promover o desenvolvimento econômico de uma área que
vivia na mais completa penúria. Esse objetivo nada mais vinha a ser que uma possível solução para a
economia do Norte, no mesmo esquema que imperava na Mata, no Sul e no Triângulo, economia
voltada para os centros exportadores e cujos polos localizavam-se no Rio de Janeiro e em Santos”
(RESENDE, op. cit., 1973, p. 606-607).
53 “Vários outros dados indicavam que Affonso Penna não permanecera neutro na questão e que o Belo

Horizonte tornara-se, por alguma razão, a solução que lhe parecia mais conveniente. Foi no contexto
político-econômico da época e na evolução do problema da mudança da capital que se procurou
encaminhar o problema” (Idem, ibidem, p. 604).
54 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 217-218.
55 RESENDE, op. cit., 1973, p. 604-605.
56 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 159, 428, 435, 442, 456.
51

O vasto território mineiro vinha se desenvolvendo “sem unidade e sem coesão


econômica (...) desde o período colonial. Substituindo a mineração, a cafeicultura veio
reforçar o tradicional esquema da economia mineira, desenvolvida em função de
mercados externos”57. Considerando a extensão territorial de Minas Gerais, é possível
realmente imaginar as várias cidades que foram indicadas para sediar o governo.
O ponto de vista de Resende, sobre a falta de unidade econômica de Minas
Gerais, pode ser compreendido por meio de outros trabalhos. Paul Singer, por
exemplo, afirmou, a respeito da escolha da nova capital:

Tratava-se de algo semelhante à quadratura do círculo, encontrar o


centro de gravidade de uma economia que não o podia ter, pelas suas
próprias características presentes, já que não havia qualquer conexão
econômica entre as várias regiões, localizadas em vales de rios e
separadas entre si por elevados divisores de água. E o problema era
agravado pelo fato de a escolha dever considerar a evolução futura da
economia, que ninguém parecia ser capaz de predizer58.

Na mesma linha, John Wirth, ao escrever sobre diversos aspectos da economia


mineira durante o período republicano, salientou:

É fundamental o fato de Minas não ser uma região, mas um mosaico


de sete zonas diferentes ou sub-regiões. Por um lado, este estado
heterogêneo, que perfaz 7% do Brasil, refletia o impulso histórico de
outras unidades além das fronteiras políticas da região. Por outro lado,
cada zona desenvolveu-se numa linha diferente de tempo, dando ao
estado uma longa história de crescimentos desarticulados e
descontínuos. Em suma, essas sete zonas em que se costumam
dividir o estado apresentam histórias particulares e problemas
especiais que desafiam as soluções comuns59.

As sete regiões mineiras, segundo Wirth, eram: Triângulo, Norte, Sul, Leste,
Oeste, Centro e Mata, conforme mostra o mapa abaixo:

57 RESENDE, op. cit., 1973, p. 607.


58 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana – análise da evolução econômica
de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Editora
da Universidade de São Paulo, 1968, p. 218.
59 WIRTH, John. O Fiel da Balança – Minas Gerais na Federação Brasileira (1889/1937). Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1982, p. 41.


52

Mapa 1.1.: As sete regiões mineiras no período republicano, segundo Wirth

Fonte: WIRTH, 1982, p. 42.

O argumento da falta de unidade econômica mineira era utilizado por


opositores da mudança da capital, membros da elite política que reproduziam o
discurso. Segundo Silviano Brandão, mesmo que uma capital fosse eleita, na tentativa
de conferir melhor articulação entre as regiões mineras, as separações ainda se
manteriam:

o Norte (...) aproveitando-se da grande arteria fluvial, o S. Francisco,


pelos portos desse grande rio faz todo o seu commercio; o sul,
compreendendo o triângulo mineiro, abrangendo férteis municípios,
como Uberaba, Paracatú e outros, tem constantemente o seu
commercio voltado para S. Paulo; o centro comprehendendo uma
grande extensão territorial, dirige todos os seus productos para o Rio
de Janeiro; o léste limitando- se com a Bahia e o Espirito Santo, deixa
escoar pelo Jequitinhonha e rio Doce toda sua producção. (...) A
diversidade de nossos valles formados por grandes rios, e separados
por um systema de montanhas que se cruzam e se dirigem em todos
os sentidos, é o mais solemne protesto contra a pretensão de
construir-se uma cidade que seja centro de toda a atividade mineira60.

60Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 86. Ainda, de acordo com o
senador Costa Senna, em 1891: “Sejam quaes forem as condições de nossa capital, o sul fará
commercio por S. Paulo e Rio e, nos centros principaes daquella zona irão estabelecer-se os homens
notaveis da mesma região. O mesmo se dará em relação ao extremo norte que fará sua importação e
53

Os argumentos utilizados pelos contestadores da mudança da capital, sobre a


ligação das várias regiões de Minas com os mercados exteriores, eram também os
argumentos para a manutenção da capital na região central, em um local que
representasse o Estado de forma mais ativa que Ouro Preto: como as regiões estavam
mais voltadas para os mercados além das fronteiras estaduais, uma capital no Centro
do Estado poderia conferir maior unidade econômica para Minas Gerais.
Argumentos a favor da unidade mineira poderiam ser vistos nas palavras de
membros da elite política mineira. Segundo o deputado Augusto Clementino, a
mudança da capital seria uma forma de evitar desmembramentos no Estado:

A definição que (...) dei do assumpto constitucional abrange


perfeitamente a mudança da capital porque é um assumpto vital, que
põe em movimento toda nossa organização política. Não é extranha
ao Congresso a propaganda de desmembramentos como não o são
outras que ameaçam a ordem publica e a ordem política, quando se
trata da conservação da capital no seu antigo logar61.

Na mesma linha de raciocínio, o deputado Francisco Faria Lobato votou pela


mudança da capital para o bem de Minas Gerais:

Declaro que votei pela mudança da capital e que assignei também a


emenda do Sr. Josino de Britto, porque acho que ella consulta os
interesses do Estado e egualmente as desse bom povo ouro-pretano,
e também porque estou certo de que si ella não passar, a união de
Minas perigará, e eu quero, antes de tudo, Minas forte, grande e
prospera62.

Dentro de um clima de disputas, a questão da transferência da capital parecia


se tornar cada vez mais conflituosa, de forma que as numerosas indicações de locais
e os embates políticos talvez direcionassem o Congresso para, terminada a tarefa de
elaborar a Constituição, deixar a questão da mudança em suspenso. Uma possível
solução para a complexa discussão, todavia, veio por meio da proposta do deputado
Adalberto Ferraz, representante do Sul mineiro: sem indicação do local que sediaria a
nova capital, conseguiu-se que a mudança fosse vista como uma determinação
constitucional63. Depois dessa importante decisão, o próximo passo, talvez ainda mais
conflituoso que a decisão de mudar a capital, seria escolher a sua localidade.

exportação pela Bahia, fazendo-se o commercio do Leste pelo Espirito Santo. Não teremos, pois, um
centro unico de commercio e as notabilidades de cada zona ficarão nella localisadas”. Annaes do
Congresso Constituinte Mineiro, 1891, p. 97.
61 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 204.
62 Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 428.
63 RESENDE, op. cit., 1973, p. 611-612.
54

Em 14 de outubro de 1891, foi organizada uma comissão para indicar os


possíveis locais a serem estudados. O trabalho da comissão resultou na indicação de
quatro lugares: Belo Horizonte, Paraúna, Barbacena e Várzea do Marçal. Uma outra
localidade, Juiz de Fora, foi acrescentada para análise, proposta pelo Congresso. “A
composição da Comissão é altamente indicativa de que a Várzea do Marçal
[localizada onde atualmente se encontra a cidade de São João Del Rei] era uma
solução do agrado da Mata e do Sul”64.
No mandato de Afonso Pena, a questão da transferência da capital entrou na
etapa final. Em dezembro de 1892, foi nomeada a comissão para averiguação dos
lugares que poderiam sediar o governo, presidida pelo engenheiro Aarão Reis e, da
mesma forma, foram elaboradas as instruções que deveriam nortear o trabalho da
comissão de averiguação. Em junho de 1893, o relatório do engenheiro estava
finalizado65. Os estudos foram remetidos para análise do Congresso e tratou-se
imediatamente de eleger uma comissão para elaboração do projeto de lei referente a
transferência da capital. Na comissão formada, a Zona da Mata e o Sul de Minas
apareciam em maioria. Tendo sido conduzida a questão para uma deliberação
definitiva, aumentou a oposição. A ocorrência levou à convocação de uma assembleia
extraordinária, que se realizou em Barbacena, em novembro de 1893, sob as
ponderações de inexistência de condições para que as deliberações ocorressem em
Ouro Preto66, dada a agitação dos ouro-pretanos67.

64 Idem, ibidem.
65 Aarão Leal de Carvalho Reis nasceu em Belém do Pará no ano de 1853 e faleceu no Rio de Janeiro
em 1936. Se formou como engenheiro, urbanista e professor pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Em 1872, concluiu o curso de engenheiro geógrafo e, dois anos depois, em 1874 finalizou o curso de
engenheiro civil. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos
espaços públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 73. Enquanto
estudante, atuou no cenário pré-republicano do Rio de Janeiro, tendo fundado um pequeno jornal de
combate republicano e um clube, também republicano. Publicista, foi tradutor de obras francesas. Atuou
como professor de Matemática e Geografia em curso secundário e, posteriormente, lecionou Economia
Política, Estatística, Direito Administrativo e Princípios de Contabilidade e Navegação na Escola
Politécnica do Rio de Janeiro. Sua carreira foi dividida entre atividades didáticas e cargos
administrativos. SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997, p. 25-27.
66 RESENDE, op. cit., 1973, p. 613.
67 “Devido à escolha quase ao acaso com a qual conclui o relatório, sua aceitação pelo Congresso

Estatual não poderia ser pacífica. Os interesses regionais se agitam mais furiosamente do que nunca.
Os ouro-pretenses, os únicos certamente prejudicados pela mudança, ameaçam chegar às raias da
violência, o que faz o Congresso transferir suas sessões para Barbacena” (SINGER, op. cit., 1968, p.
218).
55

O relatório final de Aarão Reis foi limitado especialmente a duas localidades


para ser a capital mineira, Várzea do Marçal e Belo Horizonte. Nas palavras do
engenheiro, no relatório de 16 de junho de 1893:

Entre a Varzea do Marçal e o Bello Horizonte é difícil a escolha. Em


ambas, a nova cidade poderá desenvolver-se em optimas condições
topographicas, em ambas, é facilimo o abastecimento d’agua e a
instalação de esgotos, ambas offerecem excellentes condições para
as edificações e a construcção em geral, e si, na actualidade, a Varzea
do Marçal represente melhor o centro de gravidade do Estado e acha-
se já ligada, por meios rápidos e faceis de comunicação com todas as
zonas, d’aqui a algumas dezenas de annos Bello Horizonte melhor o
representará, de certo, e mais directamente ligada ficará a todos os
pontos do vasto territorio mineiro68.

Sobre as outras localidades, foi descrito o seguinte por Aarão Reis, em seu
relatório: as localidades de Barbacena e Paraúna foram rejeitadas por escassas
condições topográficas e higiênicas; a cidade de Juiz de Fora não poderia ser a capital
mineira especialmente por causa de sua localização, “aquém da Mantiqueira e
afastada, portanto, do verdadeiro centro territorial mineiro, sua inconveniente
proximidade da Capital Federal”69.
A respeito de Aarão Reis ter concluído por Várzea do Marçal ou Belo Horizonte,
escreveu Resende que, ainda que tenha manifestado alguma indeterminação,
certamente proposital, a opinião do engenheiro revelava uma posição mais favorável
a Belo Horizonte. Entretanto:

a Comissão entendeu como lhe convinha entender e declarando estar


de pleno acordo com o Relatório, apresentou projeto de lei que
designava a Várzea do Marçal para lá se construir a capital do Estado.
Colocado o projeto de lei em votação, foi o mesmo aprovado, salvo as
emendas. Estava transitoriamente vitoriosa a Várzea do Marçal e, com
ela, Mata e Sul70.

Para o grupo dos opositores à mudança da capital, a indicação de Várzea do


Marçal não era válida, mas para os representantes de São João Del Rei, a indicação
significava a oportunidade de incorporar a cidade à economia da Mata e do Sul, as
zonas mais ricas do Estado71. A indicação de Várzea do Marçal não significou,
entretanto, que o lugar definitivo para abrigar a capital mineira havia sido escolhido72.

68 Relatório de Aarão Reis, 16/06/1893. In: BARRETO, op. cit., 1996, Vol. 1, p. 317.
69 Relatório de Aarão Reis, 16/06/1893. In: SINGER, op. cit., 1968, p. 217.
70 RESENDE, op. cit., 1973, p. 614.
71 Idem, ibidem, p. 614-615.
72 “Não faltaram proposições sobre Barbacena e Juiz de Fora, mas a questão estava de fato limitada à

Várzea do Marçal e ao Belo Horizonte. Em torno da salubridade do clima, da configuração do terreno,


56

Afonso Pena desempenhou papel decisivo para que a capital fosse transferida
para Belo Horizonte. Nas palavras de Resende, vários fatores indicaram tal papel.
Podemos citar alguns: primeiro, o “bem preparado” estudo que Afonso Pena
apresentou ao congresso, que comparava as condições de Várzea do Marçal e de
Belo Horizonte, baseado nos relatórios parciais de Aarão Reis; segundo fator, a
ambiguidade da conclusão do relatório de Aarão Reis que, como ressaltamos acima,
frisava que, ainda que Várzea do Marçal representasse melhor o centro de gravidade
do Estado por já contar, na época, com meios de comunicação em relação às demais
regiões de Minas, com o passar dos anos Belo Horizonte representaria de forma
melhor, se ligando mais diretamente a todos os pontos do Estado73; terceiro, é
possível afirmar que, feitos os pedidos de informações ao governo sobre a existência
de terras devolutas na Várzea do Marçal e em Belo Horizonte, só chegaram ao
congresso informações referentes a Belo Horizonte74.
Assim, depois de inúmeros embates, venceu Belo Horizonte, por pouco sobre
Várzea do Marçal. “Belo Horizonte venceu por dois votos: 30 contra 28. A pequena
diferença mostra a divisão de juízos. O resultado poderia facilmente ser outro, pois
houve ausência de 14 parlamentares”75.
Resende se indagou se estariam, por fim os congressistas, convencidos sobre
a superioridade de Belo Horizonte em relação a Várzea do Marçal. Os resultados
mostraram que não. Os grupos que desejavam a mudança de localidade da capital
permaneciam com os seus mesmos posicionamentos. Votaram por Belo Horizonte o
Centro (talvez porque, ainda que a capital saísse de Ouro Preto, continuaria na mesma
região), o Norte e alguns representantes da Zona dos Campos, local do qual sairia o

do bócio endêmico, girou grande parte da discussão. Aspectos mais graves como, por exemplo, a
existência de terras devolutas nas regiões indicadas, a vinculação da capital a uma estrada de ferro
pertencente a empresa particular, a Oeste de Minas, que cortava a Várzea, não chegaram a despertar
interesse que pudesse conduzir a alguma posição nova. Da leitura das atas da sessão extraordinária
de Barbacena, fica nítida a impressão de que se tratava uma discussão na qual a maioria dos
congressistas disputava coisa muito diferente, que não se situava no plano de determinar qual era de
fato o melhor local a ser escolhido para capital. Uma das raras exceções que se pode notar, foi a do
Senador Virgílio de Mello Franco, que defendia (...) uma mesma posição. Para ele, a capital de um
Estado nunca deveria ser interiorizada e sua localização próxima ao litoral era condição para uma
ligação aos estados vizinhos, de modo a tornar possível uma comunhão de ideias e de interesses”
(Idem, ibidem, p. 615).
73 Os laços entre Aarão e Reis e Afonso Penna podem ser compreendidos por meio da leitura do

relatório do engenheiro: “o desejo de corresponder mais uma vez, á honrosa confiança pessoal e
profissional, com que V. Ex. de longa data me distingue, determinaram me a acceitar a ardua
incumbencia, para que V. Ex. covidou-me”. Relatório de Aarão Reis. In: BARRETO, op. cit., 1996, Vol.
1, p. 256.
74 RESENDE, op. cit., 1973, p. 616.
75 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 216.
57

sucessor de Afonso Pena, Bias Fortes. Os votos provenientes de outras áreas


geográficas eram de indivíduos ligados à política do antigo Centro minerador: o voto
do tenente coronel Eugênio Simplício de Salles, radicado em Ouro Preto, por exemplo,
e o voto do senador Antônio Martins Ferreira da Silva, da cidade de Ponte Nova, que
pertencia à Mata apenas em termos geográficos, mas não estava incorporada à
economia cafeicultora regional. Na vitória de Belo Horizonte, o grupo opositor à
mudança da capital teve papel decisivo, segundo Resende76. Quando os
acontecimentos mostravam uma possível vitória de Várzea do Marçal, os opositores
– um grupo de aproximadamente dez pessoas – resolveram “resistir dentro da lei”77.
De acordo com Resende, a averiguação das votações mostrou que as
argumentações sobre a determinação do local para abrigar a capital foi,
principalmente, uma luta entre regiões decadentes e regiões prósperas de Minas,
embora fossem encontrados indicativos nas mensagens de Afonso Pena de que a
disputa não tenha se situado puramente no nível de regionalismos. As mensagens
destacaram uma visão realista acerca da situação econômico-financeira de Minas
Gerais, marcada, sobretudo, pela consciência do desequilíbrio interno, desequilíbrio
que era verificado especialmente no caso da região Norte. Um dos principais entraves
para o não desenvolvimento do Norte dizia respeito aos transportes naquela região.
Segundo Afonso Pena:

O maior embaraço, porem, com que luctam os exportadores e


industriaes é a dificuldade de transportes. É pois de maior urgência
estender os trilhos de ferro para essa parte do Estado até hoje
entregue a seus recursos proprios. O prolongamento do ramal de Ouro
Preto, ou qualquer outra linha que para lá se dirija, é medida
aconselhada pelos interesses econômicos, administrativos e políticos
do Estado. Do ponto convenientemente dessa linha deverá partir a que
ponha em comunicação o centro de Minas com os portos do Espirito
Santo, encurtando as distancias para o mar e abrindo para o nosso
Estado novos escoadouros para os seus ricos productos. Assim
ficarão também ligados os municipios do norte com os do centro e do
sul, como muito convem aos interesses políticos do Estado78.

76 Idem, ibidem, p. 616.


77 Annaes do Congresso Mineiro em sessão extraordinária em Barbacena, 1893. p. 139. “Resistir ao
crescente poder da Mata e do Sul? Para a vitória do Belo Horizonte contou também decisivamente o
voto do senador Virgilio de Mello Franco. Opositor radical à interiorização da capital, seu voto dado ao
Belo Horizonte, na última oportunidade que lhe restava para sobrepujar a Várzea do Marçal, revela
sobretudo uma mudança que não se explica simplesmente ao nível do regionalismo” (RESENDE, op.
cit., 1973, p. 616).
78 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Affonso Augusto Moreira Penna ao Congresso

Mineiro em sua terceira sessão ordinária da 1ª legislatura. Ouro Preto: Imprensa Oficial do Estado de
Minas Gerais, 1893, p. 16-17.
58

Na visão de Resende, toda a ação de Afonso Pena, desde o Congresso


Constituinte, notabilizava a relevância da luta contra o desequilíbrio político e
econômico estadual. Igualmente nas mensagens de presidente do Estado, se notou a
busca pelo equilíbrio político e econômico, como por exemplo quando ressaltou a
conveniência de oferecer condições ao Norte de levar seus produtos aos centros
exportadores. O sentido de manter a capital no Centro do Estado era para conferir
unidade às regiões79.

A questão do desequilíbrio econômico envolvia claramente a unidade


política. Toda a política de Affonso Penna estava exatamente pautada
na procura de caminhos que pudessem conduzir a um almejado
equilíbrio, tão vital aos interesses políticos do Estado. É essa
constatação que parece justificar a posição de Affonso Penna em favor
de Belo Horizonte. Evitar que a capital fosse colocada em zona
estrategicamente favorável à Mata e ao Sul, era evitar o agravamento
do desequilíbrio econômico, numa fase em que o separatismo,
originado desse mesmo desequilíbrio, ameaçava constantemente a
unidade política do Estado80.

Na mesma linha de Resende, os autores Paul Singer e John Wirth defenderam


que a sede do governo mineiro foi transferida para Belo Horizonte para, sobretudo,
conferir unidade ao Estado.
Paul Singer deixa transparecer que transferir a capital poderia ser uma forma
de unificar o Estado, mas não seria fácil o caráter de unidade administrativa também
se concretizar em unidade econômica:

as diferentes regiões do Estado mantinham-se mais separadas do que


nunca, embora seus representantes estivessem animados do desejo
de restabelecer a unidade entre elas. Porém, cada uma delas
supunha-se predestinada a servir de centro unificador de todas. A
transferência da Capital seria o toque mágico que distinguiria a eleita,
ao redor da qual se uniriam as demais por liames administrativos que,
não se sabe por que meio, se tornariam também liames econômicos81.

Segundo Wirth, o desenvolvimento desigual das regiões de Minas Gerais


poderia ser explicado observando-se as suas origens no século XVIII: localidade que
servia de conveniência administrativa à metrópole. Entretanto, desde a Conjuração
Mineira, o ideal de unificação, particularmente econômica, “estimulou a fundação de
Belo Horizonte em 1897. Posteriormente, em 1960, foi um presidente (Juscelino

79 RESENDE, op. cit., 1973, p. 617-618.


80 Idem, ibidem, p. 618.
81 SINGER, op. cit., 1968, p. 217.
59

Kubitschek) que mudou a capital federal do Brasil para Brasília pelos mesmos
motivos”82.
Para Iglésias, a cidade que abrigaria a nova capital seria representativa de um
ponto de partida, em que o futuro se estabeleceria a partir dela. “Lugar em que o tempo
não se repete, mas que tem pela frente a possibilidade infinita. Ouro Preto, ao
contrário, era percebida como símbolo de estagnação e decadência. O tempo
morto”83. Assim, segundo o autor, “não foi à toa que os dois lugares mais cotados
foram Várzea do Marçal e Curral D’El Rei, dois povoamentos interioranos que
desapareceriam para dar luz à cidade moderna, do tempo futuro” 84.
A respeito da localização da nova capital no Centro do Estado, de forma a
conferir união a todas as regiões mineiras, vale notabilizar que, na verdade, a capital
já se localizava no Centro, em Ouro Preto. Será que a unidade política e econômica
que tanto buscava Afonso Pena não foi alcançada enquanto Ouro Preto era a capital
por conta dos laços coloniais, da topografia, do ambiente e do clima, das limitadas
condições de higiene, das habitações inadequadas, da falta da modernidade que se
buscava com a República, que não se encontrava na antiga capital85?
A unidade econômica que se buscava para Minas Gerais parece não ter sido
alcançada, mesmo a capital tendo sido transferida86. Ainda que algumas regiões,
como o Centro, tenham se desenvolvido economicamente depois de alguns anos após

82 Idem, ibidem, p. 69.


83 IGLÉSIAS, op. cit., 1990, p. 222.
84 Idem, ibidem, p. 222.
85 No próximo capítulo, trataremos dos antecedentes da nova capital, Ouro Preto e Curral Del Rei, e

analisaremos as limitações que Ouro Preto apresentava na visão dos que defendiam a mudança da
capital.
86 “As paisagens de Minas Gerais, consequentemente, oferecem diferentes leituras ao historiador. O

Triângulo tomou forma como uma moderna economia agropecuária a partir da década de 1880. Cultural
e economicamente, era uma zona nova. O Norte, ao contrário, seguiu o curso da economia de estância
do século XVII, salvo uma corrida de diamantes (depois de 1830). Suas velhas cidades se estagnaram
nas margens dos vastos latifúndios até a chegada da estrada de ferro no final da década de 1920. O
Oeste exportou gado para o sul, sendo que suas cidades interligavam-se por meio de velhas trilhas de
gado e, no presente século, por estradas de ferro e rodovias. O café financiou a ascensão das zonas
da Mata e do Sul em meados do século XIX. As terras da zona da Mata eram indígenas até 1830, ano
em que a fronteira do café começou a expandir-se para o leste penetrando na floresta virgem. O sul
também desenvolveu uma agricultura calcada no café; no século XVIII, sua economia estivera centrada
na mineração de ouro. Durante a República Velha, estas duas zonas lideraram as outras em termos de
riqueza, população e poder político. O Centro perdeu terreno para a zona da Mata e o Sul em todo o
decorrer do século XIX, quando muitas famílias da elite se estabeleceram na agricultura, após migrarem
de uma decadente área de mineração. Lá, juntaram-se a outros migrantes do vale do rio Paraíba, para
formar uma nova elite (...) O longo declínio do centro cessou a partir de 1920, quando o
desenvolvimento de indústrias de bens de consumo, bancos e comércio deu uma base econômica à
nova capital política, Belo Horizonte. Com isso, o Centro recuperou a velha predominância,
especialmente após 1930” (WIRTH, op. cit., 1982, p. 43).
60

a transferência da capital, ao longo do século XX, as regiões de Minas Gerais ainda


se desenvolvem de forma heterogênea, voltadas para mercados exteriores.

1.4. A transferência da capital como pretensão de comunhão

A respeito das duas interpretações sobre a mudança da capital, a que abordou


a escolha de Belo Horizonte para ser a cidade capital com base nas bases políticas e
regionais da disputa entre mudancistas e não mudancistas; e a que abordou a escolha
de Belo Horizonte tendo significado um esforço de conciliação entre as diferentes
regiões mineiras, uma forma de conferir unidade ao Estado, uma não exclui a outra.
A presença da divisão de grupos políticos no contexto da escolha de Belo Horizonte
não invalida a busca pela conciliação das diferentes regiões no que diz respeito ao
crescimento econômico.
Entretanto, nossa interpretação vai ao encontro da segunda abordagem, ou
seja, para nós, com base nas argumentações dos autores, Belo Horizonte foi
escolhida para ser a capital, justamente no Centro do Estado, como uma forma de
busca por conciliação política e, especialmente econômica, entre as regiões
estaduais. Ouro Preto já se situava na região central mineira, e numa distância
próxima da nova capital, Belo Horizonte. Assim, a capital se manteve na mesma
região, o Centro de Minas Gerais. Manter a capital na mesma região em que ela
sempre foi, mas em uma localidade que seria planejada nos moldes de modernas
cidades, foi uma tentativa de pretensão para uma comunhão estadual, pois
continuando a capital na região central do Estado, mas em uma nova cidade, talvez a
ligação das diferentes regiões de Minas com a capital, e da capital com as regiões
diversas, fosse facilitada, de forma que o Estado como um todo crescesse mais
homogeneamente.
Talvez, pensassem Afonso Pena e aqueles que votaram por Belo Horizonte,
que o Estado realmente se desenvolveria de forma menos desigual daquele ponto em
diante. O que, na realidade, não ocorreu. Se a própria Belo Horizonte foi planejada,
como veremos ao longo deste trabalho, de forma a separar os estratos sociais
distintos em lugares determinados, se cada pessoa deveria pertencer a uma área da
capital, se o planejamento da comissão construtora também foi baseado nas
experiências de urbanização e exclusão social internacionais e nacionais, como
poderia o Estado se desenvolver, especialmente do ponto de vista econômico, de
forma mais homogênea?
61

CAPÍTULO 2

A CIDADE COMO OBJETO DE CONSUMO – A NOVA CAPITAL DE MINAS


GERAIS

“O núcleo urbano, além de possibilitar o consumo de mercadorias enquanto lugar


construído e especializado propicia o consumo do espaço (...)” (LEMOS, 2010, p. 14,
grifos da autora).

A nova capital mineira, antes de ser inaugurada como tal, foi palco de
ordenamentos urbanos que se iniciaram em 1894, menos de um ano depois do antigo
Curral Del Rei ter sido escolhido como a localidade que se transformaria na sede do
governo mineiro. Sendo assim, este capítulo se iniciará tratando dos antecedentes da
nova cidade capital: Ouro Preto, que foi a capital mineira desde a época colonial;
Curral Del Rei, o antigo arraial que deu lugar a Belo Horizonte.
Já havia sido tomada uma decisão a respeito da nova sede governamental,
Ouro Preto apresentava problemas demais para representar o Estado mineiro no novo
período que se iniciara – o republicano. Já o Curral Del Rei, para que em seu lugar
nascesse Belo Horizonte, passaria por inúmeras transformações, seria, na verdade,
destruído.
A construção de Belo Horizonte ficou a cargo da Comissão Construtora da
Nova Capital e, por isto, também discorreremos neste capítulo sobre o planejamento
da Comissão Construtora para a nova capital. Por meio do planejamento, será
possível entender Belo Horizonte como uma cidade objeto de consumo, planejada
para ser utilizada e apreciada por seus habitantes, ou, por parte deles.

2.1. Antecedentes da nova capital: Ouro Preto e Curral Del Rei

Como foi possível compreender por meio do capítulo anterior, antes da


instalação da República já figurava no pensamento das elites políticas mineiras que
Ouro Preto não era a melhor cidade para ser a capital. Tendo se iniciado o regime
republicano, passou a figurar, tanto nas mentalidades como nos debates políticos, o
retrato de Ouro Preto como uma cidade cada vez menos suscetível de ser a capital
mineira.
62

A necessidade de distinguir-se da antiga ordem impunha um


deslocamento, uma mudança de lugar, capaz de demarcar a
emergência de um tempo de alteração social. Se o advento da
República era o elemento-chave na concepção dessa temporalidade,
a cidade foi, por excelência, o espaço da sua representação. Opondo-
se à sociedade rural e arcaica, ela sugeria uma vida cosmopolita, em
incessante transformação, locus de um espaço público formado por
indivíduos emancipados1.

Um ano depois da proclamação da República, um arraial de localização


próxima a de Ouro Preto teria a sua denominação alterada. O antigo arraial
pertencente à Sabará, sob o nome de Curral Del Rei nos períodos colonial e imperial,
passou a se chamar Bello Horizonte no ano de 1890. E foi aquele o lugar escolhido
para abrigar a nova capital mineira. Quando se encerraram as obras da CCNC, em
1897, Bello Horizonte teve o nome alterado para Cidade de Minas. No ano de 1901,
passou a ser novamente denominado Belo Horizonte.
Abaixo, o mapa mostra o antigo arraial de Curral Del Rei e os municípios
próximos, com destaque para Ouro Preto:

1JULIÃO, Letícia. “Sensibilidades e representações urbanas na transferência da Capital de Minas


Gerais”. História (São Paulo) v. 30, n.1, p.114-147, jan/jun 2011, ISSN 1980-4369, p. 126.
63

Mapa 2.1.: As regiões de Curral Del Rei e Ouro Preto (1872)

Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 18.

No ano de 1701, antes mesmo de Ouro Preto receber o título de capital mineira,
foi fundada nas proximidades uma fazenda, pelo bandeirante João Leite da Silva 2.
Seis anos depois, em 1707, o povoado já aparecia citado em documentos oficiais e,
em 1711, foi obtida uma carta de sesmaria com a delimitação da área pertencente ao
povoado3. O desenvolvimento da fazenda atraiu moradores e um arraial se formou,
tendo como atividades a pequena lavoura, criação e comercialização de gado, e
fabricação de farinha. “Os habitantes deram-lhe o nome de Curral Del Rey,
presumivelmente por causa do cercado ou curral ali existente, em que se reunia o
gado que pagava as taxas impostas pelo rei, segundo a tradição oral corrente”4.

2 CRUVINEL, Eduardo Henrique de Paula. Monumentos, Memória e Cidade: estudo de caso em Belo
Horizonte. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de
Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012, p. 50.
3 SENNA, 1948 apud ÁVILA, Cristina. História de Belo Horizonte: capital planejada. Belo Horizonte:

Associação de desenvolvimento de projetos, 2011, p. 10.


4 ÁVILA, op. cit., 2011, p. 10.
64

Em meados do século XVIII, tendo já se estabelecido a capital em Ouro Preto,


o arraial de Curral Del Rei contava com 30 a 40 cafuas cobertas de sapé, tendo sido
construída no centro da localidade uma capela, coberta também de sapé e de
pindoba5.
Faziam parte do arraial os curados de Sete Lagoas, Contagem, Santa Quitéria,
Buritis, Capela Nova do Betim, Piedade do Paraopeba, Brumado, Itatiaiuçu, Morro de
Mateus Leme, Neves, Aranha e Rio Manso. Entre 1755 e 1793, foi construída no
centro do arraial a Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, em estilo barroco.
Enquanto localidades próximas do arraial, como Vila Rica, Sabará, Serro Frio e outras,
dedicadas à mineração, se transformavam em centros populosos para a época e com
economia em desenvolvimento, Curral Del Rei, voltado para o gado e para as
atividades comerciais, não oferecia vantagens para atração de numerosa população6.
Segundo o padre Francisco Martins Dias, no ano de 1815, o Curral Del Rei
contava com uma população de 13.000 habitantes; em 1840, residiam na localidade
18.227 pessoas; em 1864, cerca de 8.000 pessoas moravam no Curral Del Rei; em
1877, o número de moradores caiu para 4.000 e, em 1893, apenas 2.650 residiam na
localidade: “foi rápida a marcha decrescente”7.
No ano de 1893, quando a população do Curral Del Rei decrescia, o local foi
escolhido para ser a nova capital mineira. Após o momento em que engenheiros,
arquitetos, pedreiros e comerciantes começassem a ocupar aquele espaço, a partir
de 1894, o antigo arraial seria completamente transformado. Ali surgiria uma nova
cidade, novo objeto de consumo para a população que para lá se transferisse. Nas
palavras de Letícia Julião:

constituiu-se um imaginário urbano que se nutria de um jogo de


contrastes aparentemente irreconciliáveis entre novo e antigo,
progresso e atraso, belo e feio, higiênico e insalubre, encarnados, de
um lado, pela nova Capital – Belo Horizonte e, de outro, por Ouro Preto
e o Arraial do Curral Del Rei. A convicção de que se vivia uma ruptura
com a época precedente alimentava a força dicotômica dessas
imagens. Inaugurava-se um novo tempo, para o qual era indispensável
uma nova espacialidade, capaz de dar um sentido material e simbólico
à ideia de ruptura8.

5 DIAS, Francisco Martins. Traços históricos e descritivos de Bello Horizonte. Bello Horizonte: Typ. do
Bello Horizonte, 1897, p. 14.
6 ÁVILA, op. cit., 2011, p. 11-12.
7 DIAS, op. cit., 1897, p. 15.
8 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 125-126.
65

A elite política de Ouro Preto, que desde o século XVIII defendia a manutenção
da capital na localidade, agiu na tentativa de transformar a cidade colonial numa
moderna cidade, nos moldes da modernidade republicana. Antes da escolha do antigo
Curral Del Rei para ser a sede do governo, houve uma última tentativa, por parte de
políticos ouro-pretanos, para conservação da capital em Ouro Preto.
Segundo Salgueiro, no ano de 1891, dois anos após o decreto de Deodoro da
Fonseca conferir poder aos governantes para a mudança de capitais e as discussões
ressurgirem no contexto mineiro, foi elaborada a Informação sobre o contracto
celebrado pela Intendencia Municipal para os melhoramentos da Cidade de Ouro
Preto, documento proposto por Cesário Alvim, representante dos opositores à
transferência da capital9. No ano de elaboração do planejamento, o deputado Monte-
Raso, contra a ideia de manter a capital em Ouro Preto, mencionou que a cidade não
inspirava as novas gerações, e era sinônimo de “desprazer e tédio”10.

Segundo o discurso corrente no final do século dezenove, Ouro Preto


teria sido erigida sob o signo da desordem e do improviso; dotada de
construções irregulares, becos, arruamentos tortuosos,
estabelecimentos mal direcionados, esta cidade não teria obedecido,
com efeito, a nenhum ordenamento racional ou plano pré-
estabelecido, ficando à mercê dos acidentes que compunham seu
terreno marcadamente anfractuoso. Sua malha urbana seria o produto
de um acúmulo de construções aleatórias em torno de um eixo
comum, a saber, o eixo-tronco11.

O plano de melhoramentos certamente provocaria mudanças rigorosas: incluía


cortes de morros, aterros, alargamento e retificação de ruas, criação e
embelezamento12 de espaços públicos e criação de um núcleo de habitações
modernas.

9 SALGUEIRO, Heliana Angotti. Ouro Preto: dos gestos de transformação do “colonial” aos de
construção de um “antigo moderno”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 4, p. 125-163,
jan./dez. 1996, p. 131.
10 PRONUNCIAMENTO – Deputado José Fecundo Monte-Raso. Anais do Congresso Constituinte do

Estado de Minas Gerais, 04/05/1891, p. 95.


11 NATAL, Caion Meneguello. Ouro Preto: a construção de uma cidade histórica (1891-1933).

Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual


de Campinas, Campinas, 2007, p. 19.
12 “O sinônimo mais comum para modernização, nos termos que são os do século XVIII e XIX era

embelezamento, que se referia por extensão tanto à história administrativa quanto arquitetural. À
primeira vista o termo carece de precisão pois parece referir-se apenas à ornamentação; na verdade
implicava um trabalho técnico oficial de intervenção urbana, que embora parcial – como era comum no
XVIII –, explicitava-se em medidas inscritas numa mentalidade higienista, utilitária e estética, que incluía
a retificação de vias, a construção de mercados, teatros, pontes (...)” (SALGUEIRO, op. cit., 1996, p.
131, grifos da autora).
66

O planejamento urbano de Ouro Preto previa a reorganização de ruas e a


mudança do centro dinâmico da cidade, da Praça Tiradentes em direção às zonas
baixas (que seriam niveladas). As operações de nivelamento e a pavimentação em
paralelepípedos de ruas e a construção de pontes entre as gargantas mais profundas
permitiria o prolongamento de ruas em linha reta. O nivelamento se fazia necessário
não apenas por conta da regularidade e do embelezamento das edificações, mas
como disposição higienista, para permitir o escoamento das águas; propunha-se
também a canalização dos riachos e a drenagem do solo, sobretudo na parte baixa
da cidade. Além disso, o projeto de planejamento prognosticava que as ruas deveriam
ser abertas, contento pelo menos 14 metros de largura e árvores de ambos os lados;
o matadouro deveria ser construído com base em preceitos de higiene; deveriam ser
edificadas escolas públicas para meninas e meninos e construída uma biblioteca;
novas indústrias deveriam ser criadas na cidade e no seu entorno; deveria haver
formação de colônias com operários nacionais e estrangeiros e a ligação das colônias
com a cidade deveria ser realizada por meio de estrada de ferro. Ainda, o plano previa
a criação de duas linhas de bonde a vapor ou elétricos, sendo uma delas ligada a um
elevador que permitiria a circulação da estação até a cidade alta13.
Desejava-se criar uma cidade cujo traçado urbano rompesse com o passado
colonial, mas não se poderia falar de uma política urbana de conjunto, já que apenas
determinadas partes da cidade passariam por reformas. Mesmo para as reformas
parciais, faltavam recursos financeiros e técnicos para execução14. Assim, o plano de
melhoramentos urbanos para a cidade de Ouro Preto, uma tentativa para a
manutenção da capital na mesma localidade, não se efetivou e o traços urbanos
permaneceram praticamente os mesmos em suas linhas gerais15.
No ano de 1893, o jornal O Contemporâneo descreveu a cidade como de sítio
ingrato, sem condições de exercer a função de capital mineira16, “sem força para atrair
e reter talentos, concentrar a inteligência mineira e desenvolver o comércio e a
indústria”17.
Naquele ano, os estudos relacionados ao lugar para a construção da nova
capital teriam uma conclusão final. “Às margens do projeto, protagonizando o seu

13 Idem, ibidem, p. 133-134.


14 Idem, ibidem, p. 131.
15 Idem, ibidem, p. 135.
16 O Contemporâneo. Ouro Preto, 25/06/1893.
17 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 120.
67

avesso, estavam Ouro Preto e o Arraial do Curral Del Rei, denominado Belo Horizonte,
após a proclamação da República”18. Tanto o cotidiano de Ouro Preto como o de
Curral Del Rei foram afetados pela mudança da capital:

De um lado, a Ouro Preto do passado escravista e colonial, mais tarde


sede do governo provincial, designada Imperial Cidade pela
monarquia recém derrubada. De outro, o acanhado Arraial do Curral
Del Rei, lugar que parecia intocado pelo tempo e pela civilização,
surgido no século XVIII como ponto de apoio de tropeiros, dedicado a
pequena lavoura e à criação de gado para o abastecimento da região
mineradora19.

Os fortes laços com a tradição e com a economia colonial eram um entrave


para que Ouro Preto se mantivesse como capital, especialmente no período
republicano que se iniciara, quando se desejava, justamente, o rompimento com o
passado20. Para os condizentes com a mudança da capital, “Ouro Preto apresentava-
se como uma espécie de lembrança a interpelar a promessa de progresso: nicho da
memória de um mundo hierarquizado, envolto em uma aura religiosa e aristocrática,
povoado de funcionários públicos, gente letrada e uma massa de trabalhadores
recém-saídos da escravidão”21.
A inadequação de Ouro Preto em relação ao tempo que se iniciara também
pode ser pensada para o povoado de Curral Del Rei, que apresentava uma
contradição com o período republicano, passando a imagem “do sertão rústico,
inculto, predominantemente caipira, alheio às convenções citadinas e às conquistas
da ciência e tecnologia”22.
Algumas impressões sobre o Curral Del Rei podem ser conferidas por meio dos
relatos de alguns membros da CCNC: Alfredo Camarate, arquiteto de formação,
nascido em Lisboa no ano de 1840, chegou no Brasil aos 32 anos de idade e passou
a residir no Rio de Janeiro. Quando da formação da CCNC, Camarate se estabeleceu
em Belo Horizonte, no ano de 189423. Em uma de suas colunas publicadas no jornal

18 Idem, ibidem.
19 Idem, ibidem.
20 “Os argumentos críticos se dirigiam à impossibilidade de crescimento urbano-industrial, e

consequentemente de desenvolvimento econômico e demográfico. Ao longo do século XIX, com a


paulatina queda das atividades mineradoras, as visões e discursos sobre Ouro Preto passam a
simbolizá-la como uma cidade estagnada economicamente, até mesmo decadente, uma cidade
vetusta, arruinada, ultrapassada, perdida num passado que deveria ser esquecido” (NATAL, op. cit.,
2007, p. 20).
21 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 120.
22 Idem, ibidem, p. 121.
23 Alfredo Camarate também estudou artes e música na Europa. No Rio de Janeiro, foi inspetor do

Conservatório Imperial de Música. Atuou ainda no ramo jornalístico e literário no Rio de Janeiro, em
68

Minas Gerais, Alfredo Camarate relatou o encontro que teve com um alfaiate de Curral
Del Rei. O acontecimento foi revelador de um sentimento hesitante experimentado por
Camarate, ao ser confrontado a uma forma de vida que lhe parecia estranha, mas que
estava em vias de desaparecer para o nascimento da nova capital24.
Camarate escreveu que, ao procurar ser agradável com o alfaiate curralense,
citou nomes de alfaiates de destaque na Europa, mas não conseguiu tirar o alfaiate
de seu estado apático25. Camarate encomendou ao alfaiate algumas calças e, para
sua surpresa, lhe foi recusado o serviço: um profissional melhor e mais barato poderia
fazer a encomenda. Camarate saiu da conversa “cismado”26.
Seria grande o impacto que a construção da capital geraria no cotidiano dos
moradores do Curral Del Rei, “aquele território, quase intocado pelo homem”. Foi
descrito, no ano de 1895, em meio as obras de construção de Belo Horizonte, como
um lugar de “céu puríssimo”, as “serras verdejantes”, as “casinhas derramadas pelas
encostas”, “sossegadas e mudas”. “Por que trocar a paz deste arraial pelos ruídos e
bulício incontinenti das grandes cidades!?...”27.
Mesmo com falas de incertezas em relação a construção da nova capital,
predominava uma crença no progresso que a cidade nova traria para o Estado,
“sobretudo seu êxito em redimir o pequeno povoado, e por extensão toda Minas
Gerais, da ignorância e do atraso. Esperava-se que aquela gente simples, de
costumes caipiras aderisse aos padrões civilizados de vida”28.
Padrões civilizados de vida, de acordo com defensores da mudança da capital,
poderiam ser alcançados com a nova Cidade de Minas. Então, como continuar a
capital, sede do governo, em Ouro Preto? A cidade não apresentava nem as
condições ambientais básicas que uma localidade deveria ter. Segundo Monte-Raso,
a cidade, “do ponto de vista higiênico (...) vai se tornando um foco de graves moléstias,
principalmente depois do serviço de esgoto. As moléstias pulmonares são aqui

São Paulo, em Sabará e em Ouro Preto. SEGANTINI, Verona Campos. “Sensibilidades educadas:
percorrendo a cidade com Alfredo Camarate”. In: V CBHE – Congresso Brasileiro de História da
Educação, Universidade Federal de Sergipe, Aracajú, Sergipe, 09 a 12 de novembro de 2008, Anais
do Congresso, p. 02.
24 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 121.
25 Revista do Arquivo Público Mineiro, 1985, p. 47-48 apud JULIÃO, op. cit., 2011, p. 121.
26 Idem.
27 REVISTA GERAL DOS TRABALHOS. Comissão Construtora da Nova Capital. Rio de Janeiro: H.

Lombaerts e C., abril/ 1895, p. 12.


28 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 121-122.
69

endêmicas”29. Ouro Preto apresentava inúmeras limitações: “a topografia difícil, o frio


e a umidade do clima, a qualidade do solo, as habitações inadequadas, tudo concorria
para a insalubridade da antiga Capital”30.
Problemas aqueles que, desde o início do século XVIII, assombravam a então
capital mineira31, mas com a emergência da República se tornavam ainda mais
graves.

Eram questões pertinentes numa época em que as noções de higiene


e salubridade passavam a reger a gestão das cidades. Assim como
nos países industrializados, no Brasil o meio ambiente tornara-se o
foco das atenções urbanistas; técnicas e saberes médicos eram
convocados para o controle sanitário de cidades, com vistas a eliminar
ou corrigir aspectos ambientais comprometedores para a saúde
pública. Sob a ótica sanitária, Ouro Preto era o retrato da cidade
condenada pelo novo urbanismo: ruas estreitas, ocupação irregular,
saneamento precário; tudo parecia concorrer para a sua pecha de
insalubre32.

Além dos problemas com a topografia das ruas (que eram estreitas e careciam
de nivelamento) e também problemas com os terrenos, havia outras questões que o
citado planejamento de 1891 não conseguiu resolver, como as casas em mau estado,
as limitações em relação a higiene, o clima desfavorável 33. Ainda, eram recorrentes

29 PRONUNCIAMENTO – Deputado José Fecundo Monte-Raso. Anais do Congresso Constituinte do


Estado de Minas Gerais, 04/05/1891, p. 95.
30 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 123.
31 Viajantes que passaram por Minas Gerais deixaram registradas as impressões da capital. Segundo

Saint Hilaire, em visita a Ouro Preto em meados do século XVII, casas em mau estado e morros faziam
parte da paisagem: “montanhas que por todos os lados dominam a cidade, casas antigas e em mal
estado, ruas que descem e sobem, eis o que nos apresentou aos olhos quando entramos na Capital
da Província de Minas”. SAINT HILAIRE, 1975, p. 69 apud FONSECA, Janete Flor de Maio. Tradição
e Modernidade: a resistência de Ouro Preto à mudança da capital. Belo Horizonte. Ouro Preto: Editora
UFOP, 2016, p. 22. Outro naturalista afirmou a pobreza presente na cidade: “o fato de ter havido
vidraças nas casas é mais indicativo de que seus antigos proprietários eram gente rica, em contraste
com os atuais habitantes, com suas mobílias pobres e grades de madeira nas janelas”.
BURMENSTEIN, 1835, p. 199 apud FONSECA, op. cit., 2016, p. 23.
32 JULIÃO, op. cit., 2011, p. 123.
33 “O problema do abandono de Ouro Preto havia-se tornado, conforme se depreende dos Anais do

Congresso Constituinte, uma questão vital. Aliavam-se as ponderações sobre a topografia difícil a
incapacidade do município em arcar com as despesas da capital, a improdutividade dos solos das áreas
circunvizinhas, o desvio dos recursos do Estado para custeamento das obras da capital, as dificuldades
e os elevados ônus em transformá-la em centro do sistema viário estadual, a outras de alta importância
política, verdadeiras ameaças à segurança do Estado. A destruição da velha ordem é a tônica
dominante nos discursos de expressivos representantes das novas e importantes regiões econômicas
do Estado – a Mata e o Sul. E Ouro Preto, com a qual se rivalizava Juiz de Fora, centro político e
econômico da Mata, representava para as novas forças econômicas, em sua maioria de ideais
republicanos, o governo da opressão e da centralização, o reduto de uma camarilha e um obstáculo à
sua ascensão ao poder político”. RESENDE, Maria Efigência Lage de. “Uma interpretação sobre a
fundação de Belo Horizonte”. In: PAULA, Eurípedes Simões de. (Org.). Anais do VII Simpósio Nacional
dos professores universitários de História da Anpuh: A cidade e a história. Belo Horizonte, 1973, p. 608-
609.
70

as questões relacionadas ao dinheiro público. Segundo o deputado Monte-Raso,


“enormes somas” de dinheiro público eram “enterradas” em Ouro Preto, sem que
nenhum resultado fosse mostrado34.
Conforme Ouro Preto ia sendo destruída no imaginário daqueles que
concorriam para a mudança da capital, o Curral Del Rei era também destruído, para
a construção da cidade moderna35. Com base nas experiências de países europeus
e de capitais brasileiras que passaram por transformações urbanas, o engenheiro
Aarão Reis e a equipe da comissão construtora elaboraram o planejamento da capital.
Reis foi o primeiro engenheiro chefe da CCNC, tendo dirigido o projeto até 1895,
quando entregou os trabalhos e foi substituído pelo engenheiro Francisco Bicalho 36,
que deu continuidade na execução dos projetos37. Na próxima seção, será possível a
compreensão do planejamento da comissão construtora para os ordenamentos
urbanos que o antigo Curral Del Rei passaria, de forma a se transformar na nova
capital de Minas Gerais.

2.2. Consumo de lugares: planejamento urbano da Comissão Construtora da


Nova Capital

Belo Horizonte, como algumas outras cidades brasileiras planejadas,


apresenta um paradigma original no estudo de uma possível
identidade existente entre a urbe e seus habitantes. Tais cidades
apareceram no mapa do Brasil da noite para o dia, como se fossem a
entrega em domicílio de uma encomenda feita pelos dirigentes
políticos da época. Essas encomendas foram elaboradas por
“especialistas do espaço”, cuja missão foi construir um “repertório de

34 PRONUNCIAMENTO – Deputado José Fecundo Monte-Raso. Anais do Congresso Constituinte do


Estado de Minas Gerais, 04/05/1891, p. 95.
35 “Importava transplantar o gosto e as novidades europeias; precisamente, adotar o ecletismo difundido

pela burguesia ascendente, com sua mistura de estilos, profusão de materiais e edificações
monumentais. Um estilo que se prestava à exaltação das conquistas do progresso, pois assimilava e
exibia as inovações tecnológicas, como o emprego do ferro, citando padrões arquitetônicos remotos”
(JULIÃO, op. cit., 2011, p. 124).
36 PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. Instituições sociais e a resolução do problema da ação

coletiva: um estudo das associações trabalhistas de Belo Horizonte no início do século XX. Tese
(Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016, p. 82.
37 “Sua tentativa [a de Aarão Reis] de administrar científica e racionalmente as obras da nova Capital

esbarrou em problemas de ordem prática e política na trajetória do profissional que culminou na sua
substituição pelo engenheiro Francisco de Paula Bicalho, nascido na cidade mineira de São João Del
Rei no ano de 1847. Bicalho diplomou-se engenheiro civil, em 1871, pela mesma escola que Aarão
Reis teve boa parte de sua formação”. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a
reconfiguração dos espaços públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2012, p. 80.
71

símbolos monumentais”, que possibilitasse a implantação de um novo


status quo38.

Belo Horizonte deveria representar o novo estado das coisas, a nova ordem
republicana e os novos hábitos de vida e costumes sociais que chegavam ao Brasil e
que poderiam ser sentidos por sua população ou, pelo menos, por parte dela. Dentro
das transformações da passagem para o século XX, estavam as referentes ao espaço
urbano, e cidades poderiam ser vistas como objetos de consumo. Cidades pensadas
de forma que seus habitantes pudessem usufruir de seus espaços monumentais e de
lazer.
Celina Borges Lemos, ao ter estudado a cultura do consumo no centro de Belo
Horizonte, focou no final do século XX mas, para chegar ao seu período principal de
análise, a autora percorreu as transformações urbanas do centro urbano desde o
início do referido século. Escreveu a autora sobre o centro que aquela região, vista
“através da cultura do consumo e do consumo do lugar e lugar do consumo apresenta-
se neste trabalho como uma das possibilidades de se desenvolver tão relevante
aspecto da sociedade urbana contemporânea”39. A autora estudou Belo Horizonte
considerando os lugares de consumo, ou seja, os variados estabelecimentos
comerciais, de produtos e de serviços, presentes na capital, onde as pessoas
poderiam adquirir suas demandas. Mas também considerou a noção de consumo dos
lugares, ou seja, os espaços de Belo Horizonte foram vistos como lugares para serem
consumidos, apreciados, admirados pela população que deles desfrutavam.
Assim, é possível refletir sobre a cidade como objeto de consumo, dada a noção
de consumo do espaço. Os ordenamentos urbanos que se concretizaram em Belo
Horizonte na passagem para o século XX e que tiveram como base as transformações
urbanas nacionais e estrangeiras foram realizados para que a modernidade do
período pudesse ser sentida pelos habitantes da nova capital. Modernidade que
poderia ser concretizada não só por meio dos novos produtos, serviços e hábitos de
vida, que apontaremos, especialmente, nos capítulos quatro e seis desta tese, mas
também por meio da ocupação dos novos espaços urbanos, reformados ou – no caso
de Belo Horizonte – planejados para se materializarem.

38 LEMOS, Celina Borges. “Uma centralidade Belo Horizontina”. Revista do Arquivo Público Mineiro
(dossiê Belo Horizonte 100 anos depois), ano XLIII, n. 2, jul./dez. 2007, p. 94.
39 LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura do consumo no

centro tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010,
p. 17.
72

As ruas, avenidas, praças, parques e edificações públicas se constituíram de


lugares que foram consumidos, utilizados e apreciados pela população da nascente
capital mineira. Por um lado, o planejamento da CCNC se concretizou em partes mas,
por outro lado, a cidade foi crescendo em número de pessoas, de habitações, de
prédios e de espaços públicos, de uma forma que fugia ao planejamento inicial – o
que era de se esperar, já que, mesmo sendo uma cidade planejada, passava pelos
desejos dos políticos e das demais pessoas que a habitavam, o que fugia do
planejamento original organizado por Aarão Reis.
O engenheiro Aarão Reis nomeou para composição da CCNC engenheiros
formados, em sua maioria, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Compuseram
também a CCNC arquitetos-projetistas, engenheiros e artistas internacionais que
estudaram na França ou que auxiliaram na construção de La Plata, na Argentina 40. A
CCNC foi organizada em seis divisões, sendo elas: Administração central,
Contabilidade, Escritório técnico, Estudo e preparo do solo, Estudo e preparo do sub-
solo, Viação e edificações41.
Segundo Heliana Salgueiro, o projeto de Aarão Reis para a capital mineira teve
um caráter rígido, que pode ser explicado por duas razões: primeiro, pelo peso dos
códigos defendidos pelos engenheiros brasileiros da época para a construção de
cidades, que consistiam em rejeitar as disposições das cidades antigas, “filhas do
acaso” ou de “circunstâncias comerciais”, com ruas estreitas e tortuosas, seguindo o
relevo natural; segundo, se tratando Belo Horizonte de uma cidade nova, era plausível
que se fizesse notar a diferença em relação a outras cidades que cresciam
naturalmente, pois Belo Horizonte deveria ser construída com método42.
Segue abaixo a planta topográfica da Cidade de Minas, de antes de sua
inauguração. Destaque para o parque, na parte inferior esquerda:

40 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 74.


41 Idem, ibidem, p. 81.
42 SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo Horizonte:

Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997, p. 154.


73

Planta 2.1.: Planta topográfica da Cidade de Minas (1895)

Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 30. Escala da planta: 1:4.000.

Na planta da nova capital, estavam presentes princípios utopistas e higienistas,


ao se hierarquizar o espaço considerando a distribuição de equipamentos e a
localização funcional dos serviços, em nome da salubridade, da comodidade e do
embelezamento43. Dizia respeito a funcionalidade geral da cidade a divisão de áreas,
que abrigariam pessoas de distintas camadas sociais. Nas palavras de Joaquim
Ramos de Lima, organizador do Almanack da Cidade de Minas:

A cidade é dividida em tres zonas a saber: urbana, suburbana e


colonial ou de sitios. Estas zonas são divididas em secções, estas em
quarteirões e estes, por sua vez, em lotes. Os das zonas suburbanas
e coloniais têm maior ou menor numero de metros quadrados. Os
quarteirões da area suburbana têm 120 metros de face e os lotes
destes quarteirões medem 600,m200, aproximadamente sendo tres os
seus typos: os de 10m.s de frente por 60 m.s de fundo, os de 15 X 40
e os de 20 X 30; são perfeitamente regulares. Existem tambem lotes
triangulares. Os das zonas suburbana e colonial prestam-se
perfeitamente á chacaras. Separa a zona urbana da suburbana a
grande avenida 17 de Dezembro (de Contorno)44.

43Idem, ibidem, p. 155.


44LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa Official do
Estado de Minas Gerais, 1900, p. 12.
74

Por meio da planta abaixo, é possível entender a divisão da Cidade de Minas


nas três grandes áreas principais45:

Planta 2.2.: Planta geral da Cidade de Minas (1895)

Fonte: OLIVEIRA, 2012, p. 94.

Por meio da observação da imagem, é possível notar no centro, em amarelo, a


área urbana. Ao redor da área urbana, em verde, aparece a área suburbana. Ainda, é
possível observar a localização da área de colônias (rural ou de sítios), representada
na parte superior da planta.
Heliana Salgueiro ressaltou especificidades do planejamento de Aarão Reis,
baseadas na racionalidade que exigia a construção de uma cidade moderna:

Reis demonstra conhecer o que significa “equipar” a cidade; prevê


dispositivos técnicos indispensáveis, marcando sua colocação na

45“A planta da cidade dividiu-a em três setores: urbano, com 8.815.382 m 2; suburbano, com 24.930.803
m2; e rural com 17.474.619 m2. Planejou-se cuidadosamente a área urbana, na qual se previu um centro
administrativo, na Praça da Liberdade, onde se localizariam o Palácio do Governo e as Secretarias de
Estado, a construção de um grande parque municipal central, um amplo jardim zoológico, a subdivisão
de grandes lotes com área de 600m 2, o zoneamento da área comercial ao longo da Avenida Afonso
Pena, com 50 m de largura, etc. Construíram-se também sistemas de abastecimento de água e de
esgoto, de energia elétrica e de telefone. Infelizmente, depois de inaugurada a cidade, a comissão
construtora foi dissolvida e a continuação das obras não obedeceu a critérios uniformes e centralmente
definidos”. SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana – análise da evolução
econômica de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Companhia Editora
Nacional. Editora da Universidade de São Paulo, 1968, p. 219-220.
75

planta: nos subúrbios ficava o cemitério, matadouro, hipódromo,


lavanderia municipal e banhos públicos, incinerador de lixo, estação
de tratamento de água e até mesmo um forno crematório – tudo isso
na parte mais baixa, ao longo do rio, seguindo a lógica higienista –,
enquanto os reservatórios de água seriam colocados do lado oposto,
a mais de 1.000 m de altitude46.

Ao pensarmos na cidade de Belo Horizonte ressaltando o consumo de seu


espaço, locais concebidos para serem apreciados, podemos ressaltar o lado estético
dos lugares e das construções. Segundo Heliana Salgueiro, na setorização dos
edifícios estavam presentes não apenas preocupações funcionais, mas também
estéticas. Os prédios do poder público deveriam ser submetidos a regras
arquitetônicas, para garantirem efeitos artísticos, elegância e conforto. As edificações
particulares deveriam garantir condições higiênicas e sanitárias47.
O conforto que se desejava passava pelos serviços de abastecimento de água,
redes de esgotos e iluminação. Sobre o abastecimento de água, o trabalho foi dividido
em duas partes: “uma para o immediato abastecimento de uma população de trinta
mil almas no minimo e outra abrangendo os mananciais que se destinam á ampliar
esse abastecimento, de accordo com o augmento da população (...)”. Nas ruas haviam
hidrantes, caixas denominadas bocas de lobo, para a captação de águas pluviais. O
fornecimento de água, no ano de 1900, afirmou Lima que era abundante, “pois, nos
segundos pavimentos dos predios a pressão é fortissima o que prova a regularidade
na distribuição (...) As aguas do abastecimento são perfeitamente chrystalinnas e
expurgadas de qualquer materia nociva, como a areia e a argila (...)”48.
O serviço de redes de esgotos da capital foi “um dos mais importantes trabalhos
executados na Cidade de Minas”, contando com coletores construídos de alvenaria
de tijolos com argamassa de cimento e areia, providos de abertura que permitiam
contínua ventilação e fácil inspeção, pois o acesso a eles se dava por meio de escadas
de ferro existentes nas paredes internas das galerias, que eram argamassadas. As
galerias possuíam mais de 10.000 metros, tendo sido assentados mais de 25.000
metros de manilhas, ligando-as aos edifícios públicos e prédios particulares. “Em
todas as galerias existem caixas automaticas para descargas d’agua, o que permitte
uma continua lavagem nas mesmas”49.

46 SALGUEIRO, op. cit., 1997, p. 155.


47 Idem, ibidem, 1997, p. 159-160.
48 LIMA, op. cit., 1900, p. 25-27.
49 Idem, ibidem, p. 27-28.
76

Para a iluminação da Cidade de Minas, “o systema electrico foi o adoptado”,


condizente com a modernidade do planejamento urbano da época. Segundo Lima:

A energia particular e dos edificios publicos é fornecida a 100 wolts


que se consegue empregando transformadores para cada installação.
A illuminação publica é feita por meio de lampadas incandescentes,
que têm a força illuminante de 32 vélas, e são em numero de 500 (...)
A illuminação dos edificios publicos é feita por lampadas com
intensidade de 10, 16 e 32 velas e a dos predios particulares com as
de 6, 10, 16, 24 e 32 velas50.

Ainda que no Almanack tenha sido descrito o lado positivo dos serviços de
água, rede de esgotos e energia elétrica, vale frisar que também existiam limitações,
pois depois de alguns anos de inauguração da capital, na década de 1910, o
abastecimento de água e a canalização dos esgotos se constituíam em problemas
para os prefeitos51. Problemas que podem surgir em qualquer cidade, mesmo aquelas
planejadas no papel, já que com o passar dos anos, o que fora planejado vai ganhando
novas formas de execução.
As regras arquitetônicas e os efeitos artísticos, a elegância e o conforto,
poderiam ser observados em algumas construções do espaço urbano central de Belo
Horizonte, como no prédio do Palácio Presidencial, no edifício da Faculdade de
Direito, e nos prédios das Secretarias do Interior e da Agricultura. Lugares ocupados
por uma elite mineira e belo-horizontina, mas que poderiam ser observados e
apreciados por quem os avistassem no centro de Belo Horizonte.
A respeito de um dos prédios da capital mineira, o Palácio Presidencial,
escreveu Joaquim Ramos de Lima:

O soberbo Palacio Presidencial, está construido em um dos mais


encantadores locaes da nova cidade, na eminencia de uma collina,
cujo cume foi aplainado surgindo a praça da Liberdade, onde
assentou-se a primeira pedra desse edificio a 7 de setembro de 1895.
É elle composto de dois pavimentos e tem uma grandiosa fachada de
cantaria lavrada, encimada por um busto da Republica, tambem de
cantaria (...) A sua escadaria marmorea que dá accesso para o
segundo pavimento é de uma concepção admiravel. O vão desta
escada é bellamente decorado (...) O salão de jantar é decorado em
estylo de Luiz XVI e guarnecido de grandes pilastras com pintura
imitando perfeitamente marmore, com capiteis e bases de bronze
doirado (...) O salão-bibliotheca e as duas salas lateraes, são
decorados no estylo Renaissane, o dormitorio no de Luiz XV (...) Ainda
não está concluido o salão de honra, o que feito, ficará o Palacio

50 Idem, ibidem, p. 28-29.


51 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 106.
77

Presidencial dotado de um salão sumptuosíssimo. Este edificio está


para o Estado em 1.389:612$084, inclusive a mobilia52.

O Palácio Presidencial pode ser considerado um dos lugares para apreciação


em Belo Horizonte, lugar em que seu interior seria utilizado por membros da elite
política mineira, e que seu exterior seria apreciado pelos que passassem pelo prédio.
Da mesma forma, o prédio da Faculdade de Direito de Belo Horizonte poderia ser
considerado um lugar de consumo, que seria consumido por uma elite intelectual. A
respeito da construção, escreveu o organizador do Almanack da Cidade de Minas:

Situado entre a rua dos Guajajaras e a avenida Liberdade e Alvares


Cabral, é o edificio da Faculdade Livre de Direito um dos mais bellos
da Capital, já pela sua excellente collocação, já pelo apurado gosto
artistico que presidiu sua construcção. É elle de dous pavimentos,
constando o 1.º de seis salões para aulas, portaria, salão de chapéos
e de um grande pateo central e o 2.º do gabinete do diretor, secretaria,
bibliotheca e dos esplendidos salões da congregação e do grau. Estes
serão sumptuosos já pelas suas grandes dimensões, já pelo fino gosto
com que serão mobiliados e decorados. O edificio tem cinco fachadas,
mede 12ms.80 de altura e será cercado por um bello jardim fechado
por um gradil de ferro53.

Demais prédios públicos foram descritos por Joaquim Ramos de Lima, como o
da Secretaria do Interior, de conjunto simples e belo, trabalhado no mármore. “O tecto
deste salão é uma obra artistica e valiosissima, assim tambem o soalho que é de
mosaico de madeira imbutida. Neste salão está colocado o grandioso quadro A aurora
de 15 de Novembro, magnifico trabalho do pintor mineiro Belmiro de Almeida”54. O
edifício se localizava na Praça da Liberdade, bem como o da Secretaria da Agricultura.
O prédio da Secretaria da Agricultura foi descrito por Lima como o mais
grandioso dos edifícios referidos. “A sua concepção, em que predomina o bello estylo
toscano, foi magnifica”. A respeito da decoração “(...) é caprichosa e de grande realce.
O plafond do vão da escada é rematado em estuque e a sua decoração é belissima,
e bem assim a dos demais commodos sobresahindo-se a da sala do Secretario,
directorias, vestibulo e escadaria, esta, do systema Joly”55.
Além dos detalhes dos prédios públicos, outra determinação relevante da
planta de Belo Horizonte dizia respeito à preocupação com a vegetação e com os
espaços verdes: “as árvores acompanham a perspectiva das ruas porque é previsto,

52 LIMA, op. cit., 1900, p. 18-19.


53 Idem, ibidem, p. 22.
54 Idem, ibidem, p. 19-20.
55 Idem, ibidem, p. 20-21.
78

situado no sítio mais acidentado, conforme a tradição do pitoresco e a exemplo da


Paris haussmanniana”56.
O relatório do prefeito Christiano Machado descreveu o número de árvores
plantadas em Belo Horizonte entre os anos de 1926 e 1928, conforme imagem abaixo:

Figura 2.1.: Total de árvores plantadas em Belo Horizonte (1926-1928)

Fonte: RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Christiano


Monteiro Machado em outubro de 1928, p. 149.

Nas palavras do prefeito na época: “Pode se affirmar que Bello Horizonte,


proporcionalmente a sua area, é uma das cidades mais arborisadas no mundo: em
breve tempo, em toda a Zona Urbana, não haverá rua sem arborisação”57.
Sobre as praças, escreveu Lima que existiam em grande número em Belo
Horizonte, sendo a mais importante delas a da Liberdade, onde se encontravam o
Palácio Presidencial, Secretarias de Estado do Interior, da Agricultura e das Finanças.
“Esta praça é calçada a parallelepipedos em uma faixa central, sendo arborizada e

56
SALGUEIRO, op. cit., 1997, p. 160, grifo da autora.
57RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Christiano Monteiro
Machado. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, outubro de 1928, p. 148.
79

profusamente illuminada por diversas lampadas electricas com intensidade de 1.000


velas cada uma. Tem 300 metros de comprimento por 150 de largura” 58. Por meio da
planta abaixo é possível identificar a localização da Praça da Liberdade, bem como
do Parque:

Planta 2.3.: A Praça da Liberdade e o Parque (1895)

Fonte: OLIVEIRA, 2012, p. 126.

Na imagem, a Praça da Liberdade está destacada em azul na parte central


superior. O Parque aparece na parte inferior esquerda da planta, em verde, e seria
“um dos mais apraziveis locaes da nova cidade, occupando uma area de 62 hectares”.
Devido a sua extensão, ainda não estava finalizado no ano de 1900, data da edição
do Almanack. Mas, finalizando-se as obras, “será o maior e o mais bello da America
do Sul, cortado pela linha ferrea e por largas ruas, com 3 lagos e dous grandes
repuchos e variedades mil de plantas e flores”59. Abaixo segue representação da área
do Parque:

58 LIMA, op. cit., 1900, p. 13.


59 Idem, ibidem, p. 14-15.
80

Planta 2.4.: O Parque da Cidade de Minas (1895)

Fonte: OLIVEIRA, 2012, p. 128.

O espaço do Parque era composto por canteiros, jardins, lagos, caminhos e


edificações. Não apenas o Parque, mas também os demais espaços que poderiam
ser consumidos pela população belo-horizontina e que foram aqui citados tiveram
origem no planejamento da CCNC, que foi representação de modelos nacionais e
internacionais que influenciaram Aarão Reis. Salgueiro escreveu que a planta de Belo
Horizonte se configurou como uma “montagem de citações”, revelando a pluralidade
de leituras e modelos adotados por Aarão Reis. Nas palavras da autora: “A planta de
Belo Horizonte comporta, na verdade, disposições “arcaicas” e modernas (...)
combinação típica da cultura eclética (...). A materialidade formal de uma cidade é
certamente articulada à história intelectual dos que a conceberam”60.
A capital mineira, mesmo que inaugurada em 1897, só tomou forma próxima
ao planejado em 1900. Ainda, no planejamento, a Cidade de Minas deveria receber
inicialmente 30.000 pessoas61 mas, na realidade, os números foram bem menores,
pois de acordo com o Censo de 1900, Belo Horizonte possuía uma população de
13.000 habitantes na época62. Naquele mesmo ano, por exemplo, a população da
cidade de São Paulo era de 239.820 habitantes, a de Recife era de 113.106 habitantes
e a de Porto Alegre, de 73.67463. Capitais aquelas que possuíam já anos de história.

60 SALGUEIRO, op. cit., 1997, p. 162-163.


61 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 100-101.
62 Panorama de Belo Horizonte, Atlas histórico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de

Estudos Históricos e Culturais Belo Horizonte (Coleção Centenária), 1997, p. 27.


63 SINGER, op. cit., 1968, p. 58, 180 e 302.
81

A Cidade de Minas, que foi planejada para receber 30.000 pessoas e


inicialmente recebeu cerca da metade, também contou com outras determinações
que, na prática, não se efetivaram. A própria delimitação entre as três áreas principais
– urbana, suburbana e de colônias – não seguiu o planejado na planta. Documento
da Fundação João Pinheiro descreveu, por exemplo, a presença de favelas na área
urbana64:

(...) pois as áreas não ocupadas permaneceram por longo tempo


sendo desenhadas nas plantas, muitas vezes sem a necessária
definição entre a cidade real e a cidade virtual. Outras vezes, a
ocupação desordenada e não-oficial de grandes áreas era
simplesmente ignorada nos mapeamentos oficiais, como no caso das
favelas nas zonas urbanas (...) a cidade ideal, milimétricamente
calculada e desenhada sobre as pranchas da Comissão Construtora,
seria uma dentre as muitas imagens da cidade que se vão constituir65.

Na tentativa de manter a cidade organizada, seguindo determinados preceitos


de higiene, saneamento, “embelezamento” e pregando o progresso da cidade, os
relatórios administrativos dos prefeitos muitas vezes se ocupavam de ordenamentos
urbanos. O processo de modificações da Cidade de Minas foi intenso até 1930, com
mudança morfológica e toponímica de lugares, como por exemplo no caso das praças:
no plano da CCNC, de 1895, a cidade contava com 24 praças; em 1927, os
documentos oficiais registraram 20; no ano de 1928, o número tinha decrescido para
15; e, para 14 em 194466.
Abaixo, há representação das praças previstas na planta da CCNC. É possível
notar a concentração de praças na zona urbana da capital. Dos 24 espaços que
seriam praças, 16 foram previstos para se situarem na zona urbana e 8 na zona
suburbana.

64 Segundo Marins, sobre a capital mineira: “Em Belo Horizonte, inaugurada em 1897 sob forte
referenciamento das ideias zoneadoras francesas, o rígido controle proposto para a área central, fixado
num sistema de lotes, avenidas e ruas dispostos numa malha quadrangular circundada por uma
avenida de mediação periférica, mostrar-se-ia igualmente incapaz de regrar a rápida expansão das
habitações nos arrabaldes”. MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança: limites da
privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau
(Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 170.
65 Panorama de Belo Horizonte, Atlas histórico..., 1997, p. 27.
66 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 123.
82

Planta 2.5.: As Praças da Cidade de Minas (1895)

Fonte: OLIVEIRA, 2012, p. 134.

É possível notar, por meio da planta, que a maior parte das praças da zona
urbana deveria se concentrar ao longo da Avenida Afonso Pena. E não somente as
praças passariam por transformações e alteração de número, diferindo do planejado
pela CNCC. Alguns espaços de lazer que poderiam ser consumidos pela população
da nascente cidade também diferiram do planejado, permanecendo como espaços
vazios e abertos, outros não foram nem mesmo construídos ou nomeados como havia
sido previsto67.
O bairro do Comércio se constitui num exemplo de localidade que não se
concretizou na prática: seria um local de consumo, já que contaria com
estabelecimentos comerciais que ofertariam produtos e serviços para a população,
mas podemos partir também da noção de consumo do lugar, já que seria um local que
contaria com ruas como a Afonso Pena, que concentraria espaços de lazer como as
praças. Como será possível compreender por meio do capítulo quatro, o comércio se
expandiu para além daquela área que deveria ser limitada a ele, sendo formados
outros circuitos comerciais em Belo Horizonte já no início do século XX.

2.3. Uma nova capital no Brasil do final do século XIX

67 Idem, ibidem, p. 133-134.


83

Com a instauração do regime republicano no Brasil e com o que significava


aquela nova ordem – um novo sistema político, as reformas urbanas, as
transformações nos padrões de consumo e nos costumes sociais – a Ouro Preto
colonial e imperial estava aquém do título que possuía. O Estado de Minas Gerais,
segundo opinião de políticos, necessitava de uma nova capital. Se foi conflituoso
decidir sobre a transferência da sede do governo, mais ainda o foi para a decisão
sobre a localidade da nova cidade.
Além do acirramento de uma divisão entre a elite política mineira – de um lado,
aqueles que desejavam a transferência da capital e, de outro lado, aqueles que
pregavam a manutenção em Ouro Preto – vale ressaltar que o processo de mudança
chamou à profunda reflexão para o desenvolvimento desigual do Estado, por parte de
membros da elite política. Na tentativa de alcançar um desenvolvimento, de certa
forma, homogêneo, manteve-se a capital na região central de Minas Gerais, na
localidade que fora o antigo arraial de Curral Del Rei. A localidade passaria por
ordenamentos urbanos e se transformaria numa cidade que, construída em poucos
anos, deveria ser o oposto da antiga capital, pois não representaria apenas o
rompimento com o passado colonial e imperial, mas deveria ser condizente com os
ideais urbanos emergentes.
A CCNC, formada especialmente para os trabalhos da transformação do
espaço do antigo arraial na nova Cidade de Minas, teve inicialmente na liderança
Aarão Reis, o engenheiro que pensou milimetricamente a construção da cidade. A
planta da capital contava com diversos lugares que poderiam ser consumidos,
utilizados, apreciados pela população da nascente cidade. Os prédios públicos, como
o Palácio Presidencial e a Secretaria da Agricultura, dentre outros; o prédio da
Faculdade de Direito; foram espaços pensados com base em normas urbanas e
arquitetônicas, para a garantia de conforto para quem os utilizasse. Normas artísticas
também foram pensadas e executadas para que as construções agradassem aos
olhos de quem as avistasse. Assim como os prédios públicos, espaços de lazer, como
as praças e os parques, também foram pensados com base nos preceitos modernos
de urbanização, arquitetura e arte; eram lugares que também seriam consumidos pela
população da nova capital. Para planejamento e execução de uma cidade que deveria
ser símbolo da modernidade, Aarão Reis nomeou para fazer parte da CCNC
engenheiros, arquitetos e projetistas, que tiveram influências internacionais em suas
formações.
84

O planejamento da CCNC não se efetivou integralmente na prática. Primeiro,


vale ressaltar, Aarão Reis passou os trabalhos de liderança para Francisco Bicalho,
ainda em 1895. Segundo, e o mais relevante, a cidade, mesmo que planejada, se
movimenta. As várias pessoas que se movimentavam naquela cidade objeto de
consumo possuíam ideais que se diferiam daqueles preconizados pelo planejamento
inicial. Vale frisar não apenas a movimentação dos políticos, dos prefeitos de Belo
Horizonte, que aos poucos foram questionando algumas determinações da CCNC e
transformaram alguns dos desenhos originais – pela diminuição do número de praças,
por exemplo. Mas também a movimentação das pessoas “comuns”, dos habitantes da
Cidade de Minas que foram empurrados para fora da área urbana e tentaram ocupá-
la, formando algumas favelas na região. Belo Horizonte foi pensada, antes de ser
executada, como uma cidade que seria marcada pela divisão de classes, assunto que
discorreremos de forma mais detalhada no capítulo cinco, ao tratarmos de consumo
e dinâmica social.
Se a nova capital no Brasil do final do século XIX pode ser pensada como objeto
de consumo, a cidade planejada nos anseios da modernidade da República, com base
em referências nacionais e internacionais de urbanização, para ser consumida,
apreciada por seus habitantes – ou por parte deles – é possível pensar também nos
lugares de consumo e nos produtos e serviços que esses lugares de consumo
ofereciam para a população belo-horizontina.
Antes de abordarmos, no capítulo quatro, lugares de consumo da área urbana
da capital mineira na passagem para o século XX, ressaltando o que esses lugares
ofereciam para ser consumido pelas pessoas, vamos abordar no próximo capítulo, a
relação entre consumo e abastecimento, de suma relevância para a nova cidade,
considerando sobretudo as áreas suburbana e de colônias e adjacências da capital.
85

CAPÍTULO 3

CONSUMO E ABASTECIMENTO – AS ÁREAS SUBURBANA E COLONIAL E AS


IMEDIAÇÕES

“Desde o início, Belo Horizonte foi também uma cidade de comerciantes e


fregueses” (FJP, 1997, p. 18).

A cidade planejada para ser a nova capital mineira, construída num período tão
curto de tempo – em menos de quatro anos – foi também uma cidade de comerciantes
e consumidores, conforme documento da Fundação João Pinheiro, que analisou os
100 anos de comércio da capital mineira, no ano de 1997.
Tendo sido Belo Horizonte caracterizada desta forma, o presente capítulo vai
tratar de comércio partindo da noção de abastecimento, uma atividade que esteve
presente de forma relevante na formação econômica do Brasil desde o período
colonial. Na época de construção da capital, entre 1894 e 1897, se desenvolveu na
localidade um comércio embrionário, que abastecia os seus habitantes, tanto os que
já residiam no local, como os que chegaram para as obras de construção, os
trabalhadores da CCNC. Este comércio embrionário será assunto para a primeira
seção deste capítulo.
Em meio ao processo de desenvolvimento do comércio local, uma figura de
suma importância pode ser destacada: a do ambulante de gêneros. Habitantes da
área suburbana, mas especialmente da área de colônias e de adjacências de Belo
Horizonte, partiam para a área central da cidade para abastecê-la de produtos que
poderiam ser considerados de primeira necessidade e, sendo assim, abordaremos o
comércio feito pelos ambulantes de gêneros na segunda parte deste capítulo.
Aquele comércio embrionário que se iniciou na época de construção da capital
deu origem a um comércio de médio porte, uma das principais atividades econômicas
de Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX. Este será assunto da terceira
seção deste capítulo.

3.1. O comércio embrionário: a época de construção da capital (1894-1897)

Função básica de uma cidade, o comércio representa dois processos, “por um


lado, os processos econômicos, sociais, políticos e culturais; por outro, a atuação dos
atores específicos, a constituição de um modo de viver, de habitar, de modelar o
86

cotidiano”1. A organização espacial das lojas na cidade, a forma de comercializar (os


anúncios comerciais, por exemplo) e a relação entre comerciantes e consumidores
são especificidades de um cotidiano local. “O comércio – como a cidade – é obra de
pessoas e grupos que atuam em condições históricas determinadas” 2. No caso de
Belo Horizonte, as condições históricas determinaram que a cidade fosse planejada,
sendo os principais atores do comércio inicial, homens e mulheres da antiga capital,
mas também de diferentes partes do Brasil e do mundo.

No cotidiano das pessoas, em que se revela concretamente o


entrelaçamento das mudanças estruturais com a ação de atores
específicos, a história do comércio também vai sendo construída. Com
a transferência da sede do governo, grande parte dos negociantes da
antiga Capital3 vieram se juntar aos outros pioneiros no processo de
implantação da atividade comercial em Belo Horizonte4.

No ano de 1895, o governo de Minas Gerais autorizou imigração maciça de


mão de obra para a construção da nova capital5. Na época, foram instaladas seis
colônias de imigrantes, que se emanciparam na década de 1910 e, então, foram
incorporados à comunidade6. Os colonos poderiam manter casas comerciais no
espaço onde seria inaugurada a capital – que eram autorizadas a vender qualquer
produto, exceto bebidas alcoólicas – especialmente para atender seus pares. Assim,
aqueles imigrantes começaram a formar núcleos de pequeno comércio enquanto Belo
Horizonte era construída7.

1 FJP. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro,
Centro de estudos históricos e culturais, 1997, p. 15.
2 Idem, ibidem.
3 Dentre outros estabelecimentos, foram de Ouro Preto para a nova capital mineira a Casa Salles, que

desde 1881 era casa comercial da antiga capital e foi transferida para Belo Horizonte em 1904 (FJP,
op. cit., 1997, p. 91). Também a Casa Deslandes, sucessora da Beliche Mineiro, oriunda de Ouro Preto,
se estabeleceu em Belo Horizonte. A Casa Deslandes comercializava, entre outros itens, sementes,
livros, jornais e remédios homeopáticos, “para todo o lugar servido por Estrada de Ferro a condição de
que a encommenda seja acompanhada da quantia, Valle Postal ou ordem pagavel à vista”. A Flor. Bello
Horizonte, 1907, p. 1, 3.
4 FJP, op. cit., 1997, p. 46.
5 A respeito dos estrangeiros, escreveu o organizador do Almanack da Cidade de Minas, em 1900: “As

nações extrangeiras são aqui representadas pelos italianos, hespanhoes, portuguezes e allemães,
predominando o elemento italiano com 3.000 homens, a hespanhola com 800, a portuguesa com 600
e a allemã com cerca de 600. Quase todos estes homens são operários. Estas nações têm aqui vice-
consulados”. LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa
Official do Estado de Minas Gerais, 1900, p. 14.
6 Sobre o movimento migratório em Belo Horizonte no início do século XX, ver: BOTELHO, Tarcísio R.

“A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX”. Cadernos de História, Belo
Horizonte: PUC Minas, v. 9, n. 12, p. 11-33, 2º sem. 2007.
7 FJP, op. cit., 1997, p. 60.
87

Vale ressaltar que, num primeiro momento, o movimento migratório estimulou


o crescimento de Belo Horizonte, afinal, era uma cidade nova e, mesmo que os
habitantes do antigo Curral Del Rei permanecessem instalados nela, contaria com
pessoas de fora, como os próprios construtores, os membros da CCNC e os
funcionários públicos que seriam transferidos de Ouro Preto para a Cidade de Minas.
Aquele movimento migratório dos anos iniciais de Belo Horizonte incluía estrangeiros,
pessoas de fora do Brasil, mas também do país e do Estado de Minas Gerais.
Dentro dos contingentes de estrangeiros que se estabeleceram em Belo
Horizonte, predominavam as famílias na composição. Conforme a cidade foi se
desenvolvendo, o volume de imigrantes externos ao Brasil declinou em termos
relativos e o conjunto de migrantes que sustentou o crescimento da população foi de
brasileiros e, sobretudo, de mineiros de outras regiões do Estado8. Nos capítulos cinco
e seis desta tese, especialmente, serão destacados nomes de algumas pessoas que
fizeram parte da sociedade belo-horizontina no início do século XX e será possível
notar quais foram seus locais de origem.
Segundo Botelho, muitos dos deslocamentos para Belo Horizonte foi de curta
distância, sendo que grande parte foi provisório. Grande número de pessoas que se
deslocou para Belo Horizonte não rompeu os laços com seus locais de origem, tendo
a perspectiva do retorno à região natal e a migração poderia ser revertida mais
facilmente que a de migrantes externos ao Brasil, dadas as dificuldades de
deslocamentos intercontinentais9.
Os núcleos de pequenos comércios de imigrantes que se estabeleceram em
Belo Horizonte ainda enquanto a capital era construída não foram suficientes para
abastecimento da população de trabalhadores, faltava alimentos e produtos em
geral10 e, além disso, os produtos pecavam pela qualidade questionável e os altos
preços. O problema da falta de mercadorias era agravado pela dificuldade com

8 OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos espaços públicos em
Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 103.
9 BOTELHO, 2007 apud OLIVEIRA, 2012, op. cit., p. 103.
10 Havia escassez de pão e carne de vaca, por exemplo. A falta de carne “causava insatisfação aos

novos habitantes de nível mais alto, originários de cidades como Ouro Preto e São João del-Rei. Para
atender a essa freguesia, os comerciantes decidiram matar um boi ao dia, mas, despreparados para
essa atividade, o faziam de forma rudimentar”. Não existia na época da construção da capital um
matadouro ou alguma forma de fiscalização sanitária. Apenas em 1900 foi aprovada normatização que
criava uma seção de higiene na prefeitura da Cidade de Minas e que regulamentou-se também o
matadouro, este criado em 1901 (FJP, op. cit., 1900, p. 38).
88

transportes: lentos e pesados carros de bois circulavam pela região 11. Dessa forma,
Aarão Reis, como engenheiro responsável pela construção da cidade, solicitou a
implantação de um armazém para atender à população a baixo custo12.
Com a chegada dos novos consumidores – não só os trabalhadores
responsáveis pela construção de Belo Horizonte, mas depois, os funcionários públicos
que auxiliariam na administração da nova cidade e seus familiares – comerciantes de
outros locais eram atraídos para montar seus negócios na cidade que era criada13.
Naquele contexto, novos costumes de vida passavam a fazer parte daquela estrutura
social, como os relacionados ao horário de funcionamento do comércio local:

Sinal de novos tempos é a decisão dos comerciantes do arraial, em


dezembro de 1895, de fechar as portas de seus estabelecimentos aos
domingos. O comércio agora já se faz com os moradores do lugar e
não somente entre os vizinhos que vinham aos domingos
intercambiar, após a missa na velha Igreja da Boa Viagem. O núcleo
urbano se desenvolve e altera-se o tradicional mercado de compra e
encontro, a festa domingueira14.

A construção de uma cidade inteira em menos de quatro anos, entre 1894 e


1897 – independentemente da pobreza dos habitantes da sede que lhe cedia espaço
– acarretaria não apenas a origem de novos pontos de vendas, mas também o
aumento do volume de produtos comercializados no dia a dia 15. Em 1895, por
exemplo, o Empório Americano comunicava que, como receberiam “um grande
sortimento de molhados e generos do paiz, resolveram liquidar pelo preço das
facturas, o sortimento de armarinho, calçado, chapéos, roupas e guarda-chuvos, cujos
artigos comprados com boas condições, vendem agora por preços vantajosos”. Ainda,
“em deposito” havia “farinha de trigo, kerozene, sal, folhas de zinco, arame farpado e
outros artigos para vender em grosso”16.

11 “Os relatos apontam as particularidades do comércio da época. Nos terminais de estação,


destacavam-se as comissões, que estocavam as mercadorias recebidas do Rio de Janeiro e de São
Paulo, a serem depois distribuídas em tropas e carros de bois para as regiões mais afastadas” (Idem,
ibidem, p. 182).
12 NEVES, Osias Ribeiro; AMORMINO, Luciana. BH 120 anos – Um olhar sobre a cidade, seu comércio

e sua história. Belo Horizonte: Escritório de histórias, 2017, p. 25; FJP, op. cit., 1997, p. 38.
13 “A imagem de Belo Horizonte associada a “funcionários públicos” parece menos esclarecer, e mais

encobrir, o espaço urbano, pois, antes mesmo da inscrição desse sentido, já um burburinho agitava a
cidade e introduzia sensível modificação em seu interior: tendas, armazéns, burros que puxavam
carroças no leva-e-traz de ferragens, café com pão, pás, banha” (FJP, op. cit., 1997, p. 18).
14 Idem, ibidem, p. 43.
15 Idem, ibidem, p. 39.
16 Bello Horizonte. Bello Horizonte, 1895.
89

(...) Os armazéns, que vendiam “de tudo”17, eram transformados – no


final do dia de intenso trabalho na construção feérica da Capital – em
ponto de encontro. Após o serviço, enchiam-se “de povo” e as compras
resumiam-se a copos de aguardente. Era o estabelecimento comercial
associado ao lazer, ao relaxamento, ao encontro18.

O grupo “seleto” de funcionários responsáveis pela construção da capital


mineira era formado por engenheiros, médicos, empreiteiros e comerciantes. Pessoas
que, juntamente com seus familiares, seriam depois os representantes das frações da
classe média de Belo Horizonte. O ponto de encontro daqueles profissionais enquanto
se construía a nova capital era a Pharmacia Abreu, onde se reuniam para conversar
sobre os acontecimentos diários do andamento das obras e para tomar uma xícara de
café que todas as noites o proprietário – Theodoro Lopes de Abreu – lhes oferecia19.
O estabelecimento comercial cumpria, portanto, mais que a função de
comercialização de bens. As palavras de Braudel, “entra-se na loja tanto para discutir
como para comprar”20, retratavam bem o que se passava em Belo Horizonte.
Ainda que houvessem alguns estabelecimentos mais bem instalados, o cenário
comercial de Belo Horizonte na época de sua construção consistia-se “de armazéns
improvisados, instalados em barracos de madeira e pau-a-pique, ou acomodados em
prédios já existentes, de propriedade do Estado”21. Na época, o comércio lojista se
concentrou nas ruas General Deodoro, Rosário, Sabará e do Capim onde fixaram-se
alguns comerciantes atraídos pela movimentação das obras. Havia a Pharmacia
Abreu, de Theodoro Abreu; A Constructora, de Arthur Haas; A Nova Capital, de
Cândido Araújo, dentre alguns outros22. O comércio da época era ainda primário,
tendo se formado, sobretudo, para abastecer as pessoas que lá viviam ou
trabalhavam de suas necessidades mais básicas de consumo.

17 Vendiam de tudo se consideramos as necessidades mais básicas daquela população local na época
de construção da capital, como a de alimentos e de bebidas, a de alguns utensílios domésticos e de
materiais para construção da capital. O vender de tudo diz respeito, especialmente, a não existirem
ainda casas comerciais especializadas em vender apenas determinados tipos de produtos.
18 FJP, op. cit., 1997, p. 40.
19 “Nesse sentido, a relação consumidor/comerciante acompanha o ritmo e o adensamento da cidade,

remetendo à relação espaço-tempo da realidade social elementos constitutivos do urbano (...) Assim
também a evolução das relações sociais e das formas de sociabilidade se situa no processo de
estruturação social do espaço urbano, intimamente ligado ao crescimento e à diferenciação da
população” (FJP, op. cit., 1997, p. 18).
20 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 2: Os

jogos das trocas. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 57.
21 FJP, op. cit., 1997, p. 40.
22 Idem, ibidem, 41.
90

A Constructora, que possuía também sede no Rio de Janeiro, anunciava em


Belo Horizonte, em 07 de janeiro de 1896, que possuía materiais de construção para
venda, o que era bastante relevante para uma cidade que estava, naquele ano, em
meio as obras para sua concretização. Além disso, oferecia uma infinidade de
produtos para os interiores domésticos:

A Constructora A. Haas & Cia. Avenida da Liberdade esquina da dos


Guajajaras. Bello Horizonte (...) Materiaes para construcções.
Convidam a seus numerosos fregueses a visitarem o seu novo
armazem no seu predio novo, encontrando as exm.as famílias um
grande sortimento de artigos para cosinha. Grande variedade em
louças, porcellanas, vidros, crystaes, crystophle etc. etc. Tem tambem
machinas de costuras de pé e de mão dos melhores auctores,
accessorios para as mesmas, deposito de linha Clark. Um completo
sortimento de armas e munições de todas as qualidades. Tem sempre
em deposito todo o material para construccções prediaes. Fogões
economicos, caixas dagua, reservatórios e latrinas patente. Dynamite,
polvora, salitre e aço para minas, cimento e cal. Tintas, verniz, oleo e
vidros etc. etc23.

Tal estabelecimento já aparecia em jornais de Belo Horizonte antes de 1896,


como numa propaganda de 1895. Afinal, a Constructora oferecia materiais
necessários para que o planejamento urbano da capital se materializasse 24:

23 A Capital. Bello Horizonte, 07/01/1896.


24 A Constructora, bem como outros estabelecimentos, continuaram com a função comercial no início
do século XX. Em dezembro de 1914, por exemplo, a Constructora cumprimentava seus amigos e
clientes pela chegada do ano de 1915, por meio de anúncio numa revista da época, como poderá ser
conferido no capítulo quatro desta tese.
91

Anúncio 3.1.: A loja de materiais para construção A Constructora (1895)

Fonte: Bello Horizonte. Bello Horizonte, 1895.

Era comum, nos anúncios de jornais, além das descrições dos


estabelecimentos, os nomes dos proprietários, como uma forma de assegurar a
credibilidade do comércio: do proprietário Noronha Maciel era a Noronha, Maciel e
Cia, que comercializava charutos, vinhos, cervejas, águas minerais, sal, arroz,
querosene, fazendas, armarinho, chapéus, ferragens, arreios, gêneros nacionais e
importados; de Marques e Carvalho era a Bello Horizonte, que oferecia mantimentos
e roupas feitas; do comerciante João Batista Palermo era o Ao Sem Rival, localizado
na rua Curitiba e que vendia molhados, cimento, cal e gêneros nacionais. O destaque
para os nomes de proprietários de estabelecimentos comerciais dava um caráter
pessoal à relação entre comerciante e consumidor, uma forma de conferir prestígio
aos “fregueses”. Prática aquela – do estabelecimento comercial apresentar o nome
do proprietário – que foi diminuindo conforme os anos da década de 1920 foram
avançando, mas que não desapareceu totalmente dos anúncios comerciais que
circulavam pela capital.
No ano de 1896, o Empório Americano ofertava molhados finos, gêneros
nacionais, roupas, ferragens, armarinhos e tintas; Ao Novo Horizonte comercializava
92

mantimentos, vinhos, conservas, doces, roupas, gêneros brasileiros 25. Eram aqueles
e outros os estabelecimentos comerciais que “exibiam o espetáculo do conforto
urbano”26, que aos poucos tomavam o lugar do antigo Curral Del Rei27.
Em junho de 1897 foi instalado o Café Mineiro, na rua Guajajaras. Iniciava-se,
então, a vida noturna da capital, assinalando para a diferenciação dos
estabelecimentos comerciais, até então caracterizados pela multifuncionalidade. A
Farmácia Abreu, que era um comércio, mas também ponto de encontro de
funcionários responsáveis pela construção da capital, se constitui num exemplo de
estabelecimento caracterizado pela multifuncionalidade, já que era uma farmácia, era
ponto de encontro e era local para se tomar um café. O Café Mineiro, instalado no ano
de inauguração da capital, era estabelecimento com função específica: local de ponto
de encontro para um café, de funcionamento noturno. Data também da época de
inauguração da capital o início da “zona boêmia”, localizada no Hotel Floresta, na
avenida do Contorno e frequentada pelo operariado e pelas “mulheres de vida fácil”28.
Conforme Belo Horizonte ia sendo construída, habitantes chegavam de
distintas regiões nacionais e internacionais – não apenas os trabalhadores que
construíram a capital; mas também comerciantes que viram na nova cidade uma forma
para ampliação de seus negócios; funcionários públicos, que auxiliariam na
administração da nova capital do Estado; prestadores de serviços variados e
profissionais liberais29, que ofertariam os serviços que aos poucos seriam

25 Bello Horizonte. Bello Horizonte, 12/01/1896; A Capital. Bello Horizonte, 15/10/1896.


26 ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 73.
27 “A expressiva presença de propaganda nos jornais, antes mesmo da inauguração da Capital, mostra

que o comércio – ainda que de forma incipiente –, já naquele momento, começava a se profissionalizar
na relação com os consumidores, ou “fregueses”, como eram chamados. Muitos anos se passarão até
que eles se transformem em “clientes”, no percurso de uma relação comerciante/freguês personalizada
para uma profissional e técnica, objeto de diferentes e sofisticadas estratégias de marketing dos dias
de hoje” (FJP, op. cit., 1997, p. 44).
28 FJP, op. cit., 1997, p. 43. “Um outro elemento da vida cotidiana capitalista que toma força neste

momento é o hábito da vida noturna. Em São Paulo, costumes boêmios já haviam surgido com a
fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas, seria somente na virada do século
que as oportunidades de diversão se multiplicariam. Seriam profusos os teatros, restaurantes, hotéis,
cabarés, cafés-concerto, onde se dançava o cancã, e, porque não, prostíbulos, como o de Madame
Pommery, cafetina do consagrado romance que leva o seu nome. Além disso, agora as ruas contavam
com a presença da energia elétrica, que prolongava o dia para os amantes da noite”. OLIVEIRA, Milena
Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-1915). Tese (Doutorado
em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2009, p. 117.
29 Tanto os prestadores de serviços como os profissionais liberais ofertam serviços à sociedade. A

diferença entre as duas ocupações é que os prestadores de serviços não contam, necessariamente,
com uma formação acadêmica. Dentre os prestadores de serviços de Belo Horizonte na passagem
para o século XX, podem ser citados: cocheiros e carroceiros, carpinteiros e marceneiros, alfaiates e
93

demandados. Novas relações sociais se estabeleciam entre aqueles habitantes –


como a decisão de comerciantes, em 1895, de fechar os estabelecimentos comerciais
aos domingos. Diferentes produtos eram demandados – como os gêneros importados
que aos poucos faziam parte do cotidiano da capital.
Em meio aquele comércio embrionário que se desenvolveu na época de
construção da capital, vale ressaltar os ambulantes de gêneros, que abasteciam a
cidade com os mais variados produtos, que poderiam ser considerados de
necessidade básica. Especificidades sobre os produtos comercializados por aquele
estrato e sobre os seus locais de origem poderão ser compreendidas por meio da
seção abaixo.

3.2. O comércio das áreas suburbana e colonial e adjacências: os ambulantes


de gêneros

O que se vê imediatamente, no alto da pirâmide, é um punhado de


privilegiados. Tudo converge normalmente para essa sociedade
minúscula: cabe a eles o poder, a riqueza, uma grande parte dos
excedentes da produção; cabe a eles governar, administrar, dirigir,
tomar decisões, assegurar o processo do investimento, portanto da
produção; a circulação de bens e de serviços, os fluxos monetários
convergem para eles. Abaixo deles escalona-se a multidão dos
agentes da economia, dos trabalhadores de qualquer categoria, a
massa dos governados. E, abaixo de todos, um enorme detrito social:
o universo dos que não têm trabalho30.

A citação descrita acima nos chama atenção para a reflexão sobre as


diferenças sociais em uma sociedade. No caso de Belo Horizonte – e não somente da
capital mineira – é possível, se tratando de comércio, realizar uma divisão entre o
comércio de comerciantes estabelecidos, especialmente, na área central da capital
(que será assunto do próximo capítulo) e o comércio de comerciantes que não
usufruíam de estabelecimento fixo.
Assim, denominamos como ambulantes de gêneros os comerciantes que não
possuíam estabelecimento fixo em Belo Horizonte, especialmente na área urbana; os
comerciantes que residiam nas áreas suburbanas, áreas de colônias agrícolas e
adjacências de Belo Horizonte e que se deslocavam de suas residências para
ofertarem diversos gêneros aos habitantes da capital como um todo.

modistas, barbeiros, fotógrafos, dentre outros. Eram profissionais liberais da capital, dentre outros:
médicos, dentistas, advogados, professores, arquitetos e engenheiros.
30 BRAUDEL, op. cit., 1998, Vol. 2, p. 415, grifo do autor.
94

Enfim, há lojas e lojas. Também há comerciantes e comerciantes. O


dinheiro impõe depressa distinções; logo de início, abre o leque do
velho ofício de “merceeiro”: no topo, alguns mercadores muito ricos
especializados no comércio de longa distância; na base, os pobres
revendedores de agulhas ou de tecido encerado31.

Assim, havia comerciantes e comerciantes na cidade de Belo Horizonte, como


há em qualquer outra localidade. Em São Paulo da passagem para o século XX, por
exemplo, ruas específicas concentraram produtos e serviços específicos, bem como
comerciantes e consumidores determinados. O “Triângulo” paulistano foi ponto de
consumo, especialmente, das elites. As lojas de artigos populares, porém, se
concentravam nas ruas Florêncio de Abreu, 25 de Março, Rua do Carmo e Avenida
Rangel Pestana. Aquelas ruas concentravam o comércio popular e também os
comerciantes de origens mais humildes, como imigrantes sírios e libaneses que
começaram trabalhando como mascates na Rua 25 de Março e depois passaram ao
comércio de armarinhos e tecidos também na mesma localidade32.
Com o passar dos anos, se comercializava em Belo Horizonte dos bens simples
aos bens de luxo, para suprimento das diferentes necessidades da população. Os
bens considerados simples eram ofertados, sobretudo, pelos ambulantes de gêneros.
O mapa abaixo mostra o município de Belo Horizonte. Por meio de sua leitura,
é possível compreender algumas das localizações às quais partiam os ambulantes.

31 Idem, ibidem, p. 52.


32 OLIVEIRA, op. cit., 2009, p. 93.
95

Mapa 3.1.: O município de Belo Horizonte

Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 05.

De acordo com o organizador do Almanack da Cidade de Minas, Joaquim


Ramos de Lima, “nas adjacencias da cidade existem grandes nucleos populosos e
muitos delles equivalem á algumas vilas e bairros dos demais municipios. São eles:
Lagoinha, Calafate, Pampulha, Cardozo, Pastinho, Menezes e outros”33. Por meio do
mapa descrito acima, é possível identificar a localização de alguns daqueles lugares,
dos quais os ambulantes de gêneros saíam com seus produtos. Será possível
confirmar, por meio da leitura desta seção, que algumas das regiões das quais
partiram os ambulantes foram Bento Pires, Cardosos, Engenho Nogueira, Lagoa
Seca, Mergulhão, Pampulha, Palmital e Venda Nova.
Ainda segundo o organizador do Almanack, a respeito das imediações da
cidade de Belo Horizonte:

Nos pequenos montes e vales circumvizinhos da cidade existem


tambem nucleos igualmente populosos, na sua maioria, formados de
casas de construcção ligeira e grosseira denominadas cafúas, cujos

33 LIMA, op. cit., 1900, p. 13.


96

moradores, na sua maior parte, são operarios. Os principaes desses


nucleos são: Favella, Corrego do Leitão e Barro Preto34.

Também abasteciam a cidade de Belo Horizonte ambulantes daquelas


imediações, como do Córrego do Leitão. Assim, é possível afirmar que os ambulantes
de gêneros, em sua maioria, partiam das áreas de colônias e adjacências de Belo
Horizonte. Aquelas áreas, no planejamento da CCNC, podem ser entendidas como
áreas próprias para o abastecimento da cidade, eram áreas de colônias agrícolas, de
onde sairiam os gêneros de primeira necessidade demandados pela população belo-
horizontina. Alguns ambulantes possuíam residência na área suburbana, conforme
será demonstrado ao longo desta seção, mas a maioria se localizava nas áreas
coloniais e imediações da capital.
Vale salientar uma questão de nomenclatura acerca de ambulantes e mascates
no contexto de formação de Belo Horizonte, pois uns eram tratados de forma diferente
dos outros pelo poder público:

Dentre os que comercializavam pelas ruas e casas, os “ambulantes”


distinguiam-se dos “mascates”. Os primeiros seriam aqueles
indivíduos, em geral brasileiros, moradores nos subúrbios e colônias
da cidade, voltados para a venda de lenha, produtos hortigranjeiros e
“quitandas”, como doces e biscoitos, sendo denominados, de acordo
com a mercadoria vendida, de doceiro, verdureiro, etc. Como
mascates eram denominadas as pessoas, moradoras na Capital ou
“adventícias”, responsáveis pela venda a domicílio de produtos
manufaturados, como tecidos, armarinhos, roupas, louças, joias,
dentre outros, a preços reduzidos e aceitando pagamento “a
prestações”35.

Os mascates eram libaneses ou judeus que chegaram a Belo Horizonte depois


de 1910, motivados pelas possibilidades comerciais oferecidas pela nova capital e
pelo clima da cidade, que ficou conhecido como saudável e ideal para tratar
tuberculose36. Os judeus, especialmente nos anos 1920 e 1930, se dedicaram à
revenda de roupas e tecidos adquiridos em outras regiões, “sair de porta em porta,
vendendo mercadorias a prestações, foi a opção encontrada por boa parte dos
imigrantes judeus antes de começarem a adquirir pequenas lojas”37.
Nas palavras de Braudel,

os mascates são mercadores, quase sempre miseráveis, que “levam


no pescoço”, ou muito simplesmente nas costas, parcas mercadorias.

34 Idem, ibidem, p. 14.


35 FJP, op. cit., 1997, p. 73-74.
36 Idem, ibidem, p. 74.
37 Idem, ibidem.
97

Nem por isso deixam de constituir uma massa de manobra apreciável


nas trocas. Preenchem, nas próprias cidades, mais ainda nos burgos
e aldeias, os vazios das redes comuns de distribuição38.

Em 1908, a mascateagem foi objeto de tributação pública em Belo Horizonte,


por intermédio da Lei número 28, cujo imposto deveria ser aplicado aos que
comercializassem fazendas, armarinhos, roupas, perfumarias, louças, chapéus,
calçados, relógios, armas ou joias. Aos que fossem apanhados negociando sem
licença, seria imposta multa de 100$00039. Os mascates eram vistos com
desconfiança pelo poder público: em 1910, o prefeito de Belo Horizonte declarou que
“os adventícios expõem á venda e offerecem ao publico mercadorias por preço tão
infimo que se chega mesmo a duvidar que taes generos tenham passado, legalmente,
por nossas alfandegas”40. Em 1911, a Lei número 53 cobrava impostos de ambulantes
que vendiam jornais e revistas41.
A construção de Belo Horizonte atraiu várias categorias de imigrantes, desde
os trabalhadores que construíram a cidade (do pedreiro ao engenheiro) a funcionários
públicos, até os comerciantes, prestadores de serviços e profissionais liberais. No
contexto da primeira Guerra Mundial – como ocorreria depois, na época da segunda
Guerra – os “estrangeiros” de Belo Horizonte foram alvo de intolerância42. Em 1917:

Na noite de 2 de novembro, passaram os estudantes à violência,


apedrejando o edifício do Colégio Arnaldo de cujas proximidades
foram expulsos pela cavalaria. Depois foram à Padaria Alemã,
obrigando o proprietário a retirar a tabuleta da fachada. Continuando
as tropelias, a multidão arrancou a placa da Alfaiataria Wilke, de um
austríaco radicado na capital43.

Considerando o que comercializavam os ambulantes e os mascates, vamos


tratar especialmente dos ambulantes, que em sua grande maioria, comercializavam

38 BRAUDEL, op. cit., 1998, Vol. 2, p. 58. Na França, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, os
mascates receberam nomes diversos para designar um conjunto de ofícios que escapavam às
classificações razoáveis: “um amolador saboiano, em Estraburgo, 1703, é um operário que “mascateia”
seus serviços e perambula como muitos limpa-chaminés e empalhadores de cadeiras; um maragato,
camponês das montanhas cantábricas, é um arrieiro que transporta trigo, lenha, aduelas de pipas,
barris de peixe salgado, tecidos de lã grosseira, conforme vai dos planaltos cerealíferos e vinícolas de
Castela Velha para o mar ou vice-versa; é, além disso, segundo a expressão figurada, vendedor en
ambulancia, pois ele próprio comprou para revender tudo ou parte das mercadorias que transporta”
(Idem, ibidem, p. 58-59).
39 FJP, op. cit., 1997, p. 74.
40 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho Meirelles. Bello

Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, novembro de 1910, p. 06.


41 FJP, op. cit., 1997, p. 74.
42 Idem, ibidem, p. 75.
43 MOURÃO, Paulo Krugger Corrêa. História de Belo Horizonte: 1897-1930. Belo Horizonte: Imprensa

Oficial, 1970, p. 242, grifos nossos.


98

lenha, capim e carvão, gêneros alimentícios e alguns outros gêneros, desde a época
de formação da capital44.
De acordo com o organizador do Almanack da Cidade de Minas, em 1900 “a
Capital é trafegada diariamente por enorme quantidade de vendedores ambulantes e
por carrocinhas que conduzem bagagens, carne, pão, legumes e generos do paiz que
são vendidos em casas particulares”45. Por meio de dados e informações do Almanack
elaboramos a tabela 3.1., que mostra os gêneros comercializados pelos ambulantes
na capital:

Tabela 3.1.: Gêneros ofertados pelos ambulantes (1900)

Gêneros Quantidade %
Lenha, capim e carvão 63 48,09%
Carnes secas e salgadas 8 6,11%
Querosene 2 1,53%
Latoeiro 1 0,76%
Leite, cereais e gorduras 4 3,05%
Peixes 2 1,53%
Galinhas, ovos, leite, frutas, verduras 34 25,95%
Cadeiras de cipó 1 0,76%
Quitandas e doces 12 9,16%
Livros 1 0,76%
Roupas 1 0,76%
Amoladores 2 1,53%
Total 131 100,00%
Fonte: LIMA, 1900, p. 99-102.

Os ambulantes de gêneros comercializavam inúmeros produtos de ordem


básica da população. “(...) aos vendedores ambulantes cabia grande dose da
responsabilidade pelo suprimento e repasse dos produtos de subsistência,
necessários à vida cotidiana”46. Quase a metade dos ambulantes de gêneros, cerca
de 48% ou 63 deles, comercializava lenha, capim e carvão, elementos primordiais

44 “Há registros de alguns ambulantes nesse período [época de construção da capital], como um italiano
que vendia querosene com uma lata e um funil, e outro que vendia cigarros e demais artigos para
fumantes em uma carrocinha puxada por dois bodes. Também em carrocinhas era entregue o pão”
(FJP, op. cit., 1997, p. 44). Na época de construção de Belo Horizonte, vendedores ambulantes também
partiam de Ouro Preto para ofertarem seus produtos no lugar que abrigaria a nova capital mineira,
vendiam a prazo e emprestavam para outros comerciantes (Idem, ibidem, p. 182).
45 LIMA, op. cit., 1900, p. 14.
46 FJP, op. cit., 1997, p. 72.
99

naquela época, em que o fogão a gás47 era, ainda, uma novidade para muitas
cozinhas.

No Brasil, o fogão (de barro ou de alvenaria) esteve ligado


principalmente à lenha como combustível, e localizado no quintal, fora
do corpo da casa ou em puxado (...) É difícil definir uma tipologia
diacrônica dos fogões, na medida em que se sucederam, e
conviveram, em séries de equipamentos com várias formas e tipos de
combustíveis. Mesmo com toda essa variedade, o principal
concorrente do gás era, sem dúvida, a lenha. Devido ao preço baixo e
ao tipo de equipamento mais simples, era o combustível mais usado
na cozinha48.

Assim, o grande número de ofertantes de lenha, capim e carvão, dentro do total


de ambulantes de gênero, pode ser explicado por auxiliarem no suprimento de uma
das necessidades humanas mais essenciais, a de alimentação: forneciam, aqueles
ambulantes, parte dos insumos necessários para cozinhar49. No Brasil, especialmente
em São Paulo:

Os fogões de ferro (também os a lenha e os a carvão) já eram


vendidos nas últimas décadas do século XIX. Existem várias
referências de sua presença na cozinha de palacetes através de
anúncios de jornal e catálogos de leilões. Alguns imóveis eram
descritos tendo em vista as comodidades oferecidas. Além do
material, a principal característica era seu tamanho e a possibilidade
de uso do carvão mineral ou vegetal, muito difundido entre os
imigrantes italianos (...) Diferenciavam-se dos anteriores porque eram
compactos e feitos de ferro, comportando as mesmas características
dos fogões a gás em sua morfologia geral, mas com combustível e
funcionamento absolutamente distintos. Inicialmente importados dos
Estados Unidos e da Inglaterra, no final do século XIX já eram
fabricados em São Paulo50.

Se num momento os fogões presentes no cotidiano brasileiro foram de barro


ou de alvenaria, sendo o principal material utilizado para seu funcionamento, a lenha

47 Foi nos Estados Unidos, a partir de 1860, que os fogões a gás começaram a ser fabricados. Tais
produtos se tornaram populares, porém, em 1876, por meio de uma Exposição Universal, que
possibilitou que os fogões a gás dominassem o mercado estadunidense nas duas décadas iniciais do
século XX. BUSCH, 1983, p. 224 apud SILVA, João Luiz Maximo da. “Transformações no espaço
doméstico – o fogão a gás e a cozinha paulistana, 1870-1930”. Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. v. 15, n. 2, p. 197-220, jul./dez., 2007, p. 210.
48 Idem, ibidem, p. 210.
49 Beatriz Borges Martins, ao lembrar de sua infância em Belo Horizonte, por volta da segunda década

do século XX, ressaltou a importância do fogão a lenha, não apenas para cozinhar: “O aquecimento da
água para os banhos também dependia desse fogão a lenha, de onde saíam umas serpentinas, que
levavam a água quente para a caixa do banho”. MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização
de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 20. A
autora, que nasceu em Belo Horizonte em 1913 e faleceu em 2010, ao escrever A vida é esta...,
contribuiu de forma muito importante para a compreensão do cotidiano de sua família e da cidade de
Belo Horizonte do século XX. O capítulo seis desta tese trará mais detalhes sobre a família da escritora.
50 SILVA, op. cit., 2007, p. 210.
100

e, depois, foram os fogões de ferro, com base também na lenha e no carvão, por fim,
passaram a ser utilizados fogões a gás, que chegaram no Brasil por meio de uma
empresa que atuava nos ramos de eletricidade e gás, a Light 51. Numa época de
transformações de padrões de consumo e de hábitos de vida, em que a cozinha
também era ambiente de transformações, a Light centrou na divulgação do uso de
novos combustíveis para o ambiente doméstico, elegendo o fogão a gás como
principal produto52.
No ano de 1900, quando grande parte dos ambulantes de gêneros de Belo
Horizonte comercializava lenha, capim e carvão, o fogão a gás era um novo produto
para consumo que estava sendo descoberto. E mesmo que os fogões a gás fossem
ganhando espaço nos interiores domésticos, os fogões a lenha foram preferidos aos
fogões a gás em muitos lugares do interior brasileiro, durante décadas após o início
do século XX.
O segundo seguimento com maior número de ambulantes de gêneros em 1900
era o de alimentação: 34 ambulantes ofereciam galinhas, ovos, leite, frutas, verduras;
12 ofertavam quitandas e doces; 8 comercializavam carnes secas e salgadas; 4
ambulantes ofereciam leite, cereais e gorduras; e, 2 ambulantes de gêneros vendiam
peixes, totalizando 60 vendedores ou aproximadamente 46% de ambulantes. Para a
comercialização de determinados gêneros alimentícios, havia legislação específica:
era proibido o comércio de aves em bandos ou suspensas pelas ruas ou de asas
atadas; os doces e os biscoitos deveriam ser acondicionados em caixas próprias, de
vidro ou tela fina, e cobertas53.
O restante dos ambulantes comercializava gêneros distintos: querosene,
artefatos de metal, cadeiras, livros e roupas54, e dois deles eram amoladores, ofício
de pessoas que consertavam determinados objetos, como facas e tesouras. Os que
comercializavam tais gêneros eram oito, 6% dos ambulantes.

51 Sobre a atuação da companhia Light no Brasil, cf.: SAES, Alexandre Macchione. Conflitos do Capital:
Light versus CBEE na formação do capitalismo brasileiro (1898–1927). São Paulo: EDUSC, 2010.
52 SILVA, op. cit., 2007, p. 209.
53 FJP, op. cit., 1997, p. 72.
54 Segundo Beatriz Borges Martins, na época de sua infância, entre o final da década de 1910 e o início

da década de 1920, havia em Belo Horizonte ambulantes que vendiam materiais para a confecção de
roupas: “passavam pela rua, batendo uma matraca, e vendiam panos, rendas, fitas, enfim, coisas de
costura” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 39-40).
101

Aqueles vendedores residiam, especialmente, nas áreas de colônias agrícolas


ou adjacências, sendo que alguns poucos deles residiam na área suburbana de Belo
Horizonte.
Em aproximadamente 44% das descrições dos ambulantes de gêneros (57 dos
131 registros) presentes no Almanack da Cidade de Minas foi descrita a localização
ou residência do ambulante, conforme tabela abaixo:

Tabela 3.2.: Os locais de origem dos ambulantes de gêneros (1900)


Localidade Quantidade
Bom Sucesso 1
Pampulha 6
Córrego do Leitão 1
Pastinho 4
Engenho 10
Mangabeira
Nogueira 1
Cardoso 2
Cachoeira 1
Palmital 6
Lagoa Secca 1
Bento Pires 3
Calafate 2
Vargem 1
Retiro 2
Tijuco 1
Piteiras 1
Mergulhão 2
Cercadinho 1
Cercado 1
João Gomes 1
Venda Nova 1
Colônia Prates 1
Teixeira 1
E. Ferro 1
Ruas da cidade 5
Total 57
Fonte: LIMA, 1900, p. 99-102.

Os lugares em que viviam os ambulantes de gêneros eram localizações das


pessoas de menos posses, de habitantes pobres da capital, longe da área central e
do comércio estabelecido que averiguaremos no próximo capítulo deste trabalho. As
ruas da cidade, às quais se localizavam cinco ambulantes de gêneros, eram ruas que
102

se situavam fora da área urbana central da capital: um ambulante se situava na rua


Estrada de Ferro, e comercializava lenha e capim; uma ambulante de gênero se
localizava na rua Rio Grande do Norte, e comercializava quitandas; um deles se
localizava na avenida Paraná e também comercializava quitandas; dois ambulantes
tinham como localização a rua Curitiba, sendo que um deles comercializava quitandas
e o outro vendia quitandas e galinhas.
É possível afirmar que nenhum dos ambulantes possuía residência na área
urbana da capital, a maioria residia especialmente nas áreas coloniais e adjacências
de Belo Horizonte. Se os ambulantes habitavam a área urbana, era para abastecer
estabelecimentos comerciais e moradores.
Além do Almanack, foi possível observar os dados e informações referentes às
áreas rurais ou de colônias agrícolas por meio de inventários post-mortem. Os
inventários da capital mineira que coletamos são do período de 1897 a 1930, e serão
explorados mais detalhadamente no capítulo cinco desta tese. Entretanto, vale
ressaltar no presente capítulo sobre as áreas coloniais de Belo Horizonte que
puderam ser identificadas por meio dos documentos. De um conjunto de 99
inventários, observamos que os processos nos quais foram contabilizados bens
imóveis rurais eram em número de 28 do total; os processos em que foram
contabilizados imóveis urbanos foram 59.
Nas denominações de lugares envolvendo os imóveis rurais, encontramos, por
exemplo, compondo um inventário a “parte do lote nº 52 da colônia Américo Werneck
e uma casinha coberta de telhas”, sendo a área de 13.980 metros quadrados; e
também o “lote nº 53 na colônia Córrego da Malta”, com 17.700 metros quadrados 55.
Em um outro documento, encontramos listados 3 lotes da colônia Afonso Pena, os
lotes de números 36, 76 e 7856. Notamos, ainda, “metade de um pasto na colônia
Carlos Prates”57. Fazia parte do espólio de um dos inventariados terras de cultura “no
lugar denominado Capoeirinha e Morada Nova ou Pampulha deste município,
confrontando terras do Engenho Nogueira, Palmital, Bento Pires e João de Matos” 58.
O confronto se dava entre terras às quais partiam ambulantes de gêneros para

55 TJMG. Inventário post-mortem, 1906, AP/Contagem, maço 28, registro 04.01.06.05.05. 008.
56 TJMG. Inventário post-mortem, 1917, AP/Contagem, maço 74, registro 04.03.09.11.04. 012.
57 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço 1B, registro 04.03.04.09.10.04.004.
58 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço 20, registro 04.01.06.04.04. 001.
103

abastecer a cidade, conforme pode ser notado por meio do mapa 3.1. e da tabela 3.2.
São locais que realmente se localizavam nas áreas rurais de Belo Horizonte.
A divisão entre espaço rural e urbano em Belo Horizonte implicava numa
separação social e econômica. Os ambulantes de gêneros pertenciam a uma área
que, no plano da CCNC, era uma área destinada a abastecer tanto a área suburbana
como a área urbana. Os ambulantes eram pessoas de menos posses e que habitavam
uma área diversa daquela ocupada – seja para moradia ou para trabalho – pelos
funcionários públicos, profissionais liberais e comerciantes de mais posses,
estabelecidos na região central de Belo Horizonte.
Dentre as transformações pelas quais passaram os espaços urbanos de Belo
Horizonte logo nas duas décadas iniciais do século XX, esteve a incorporação de
colônias agrícolas ao perímetro suburbano da capital:

De fato, entre 1911 e 1914, mudanças substantivas foram realizadas


pelo governo estadual, como modificações nas seções urbanas,
emancipação e incorporação à zona suburbana das colônias agrícolas
Américo Werneck, Adalberto Ferraz, Bias Fortes, Afonso Pena e
Carlos Prates, além do povoado do Calafate. Aprofundava-se,
portanto, a distância entre a representação idealizada da cidade e os
seus verdadeiros contornos59.

A imagem abaixo mostra a evolução nas construções de moradias em Belo


Horizonte nos períodos de 1924 a 1930, dadas as áreas urbana, suburbana e de
colônias:

59Panorama de Belo Horizonte, Atlas histórico. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais Belo Horizonte (Coleção Centenária), 1997, p. 27.
104

Figura 3.1.: Movimento de construções residenciais em Belo Horizonte (1924-


1930)

Fonte: RELATÓRIOS apresentados ao prefeito Luiz Barbosa Gonçalves Penna, pelos


diretores e chefes de serviço da prefeitura de Bello Horizonte em outubro de 1928, p. 84.

A região que menos cresceu no período foi a urbana. Isso pode ser explicado,
primeiro pela área destinada a zona urbana da capital na planta original: foi reservada
área de 8.815.382 metros quadrados para a zona urbana, enquanto para a área
suburbana foram destinados 24.930.803 metros quadrados e para a área de colônias,
17.474.619 metros quadrados60. Além da menor metragem destinada ao perímetro
urbano, as casas deveriam ser construídas de acordo com rígidos padrões, o que não
era possível a todos os habitantes da capital61. Ainda, os altos preços na área urbana
também contribuíam para que o seu crescimento fosse o menor dentre as três áreas
ao longo do tempo62.

60 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana – análise da evolução econômica


de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Editora
da Universidade de São Paulo, 1968, p. 219-220.
61 “Os padrões construtivos também diminuíam, consideravelmente, a chance de um habitante com

baixa renda adquirir terreno e construir moradia de acordo com os padrões da prefeitura. Em 1923, por
exemplo, o diretor de obras da prefeitura sugeria que as construções comerciais na zona urbana não
deveriam ter menos de dois pavimentos, e que caso houvesse necessidade de habitação permanente,
seriam implicadas regras de higiene específicas” (OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 109-110).
62 “A especulação imobiliária, por exemplo, com o alto número de concessões de lotes e terrenos

passou a ser encarada como “problema” pelos prefeitos no fim da década de 1910. A administração
pública reconhecia que a grande quantidade de lotes e construções inativas haviam se tornado um
105

De acordo com o prefeito Flávio Fernandes dos Santos, por exemplo, no ano
de 1923, nas residências particulares, deveria:

ser exigido, uma vez por todas, que se façam e se conservem os


passeios, que sejam fechados muitos terrenos ainda não murados nas
zonas já edificadas, que se exija a boa conservação e limpeza dos
muros segundo os alinhamentos das casas e as frentes destas.
Paralelamente, a Prefeitura não deve transigir e sim ser cada vez mais
exigente, quanto aos projectos das casas a serem construídas em
certas zonas ou bairros, de modo que além das boas dimensões e
proporções dos edifícios, revelem bom gosto e agradável aspecto.
Isto, de modo geral não encarece a obra e revela, de outro lado, que
o povo se educa. O aspecto desta cidade com suas casas na maioria
de fachadas em platibanda, quer sejam recuadas ou não, enfeitadas
de flores e compoteiras; a verdadeira mania de se construirem prédios
para habitação de famílias no alinhamento da rua, antes de recual-as
e alegral-as com jardins, são factos verdadeiramente
entristecedores63.

Tais especificidades contribuíam para o crescimento das áreas suburbanas e


de ex-colônias agrícolas que, além de contarem com uma metragem maior na planta,
contavam com menos exigências do que aquelas determinações para construções na
área urbana. No quinto capítulo da tese, quando discutiremos sobre consumo e
dinâmica social, será possível compreender mais detalhes sobre as formas de
controle do espaço urbano, especialmente da área urbana da capital, pelos gestores
públicos, que atuavam sempre de forma a impedir que pessoas que não fossem
consideradas dignas daquela área a habitassem.
Por meio da figura 3.1., foi possível notar as diferenças nos desenhos das
habitações, que seguiam uma certa hierarquia, partindo da zona urbana para a de ex-
colônias, sendo as primeiras mais sofisticadas e as últimas mais simples. As
construções intermediárias, da zona suburbana, foram que as passaram por maior
movimento: além de as exigências para as construções do perímetro suburbano não
serem as mesmas exigências do perímetro urbano, ex-colônias passavam a ser
incorporadas à zona suburbana, ampliando-se a área total daquela região e,
consequentemente, diminuindo o movimento de construções da antiga zona de
colônias da capital.

impasse ao desenvolvimento, dificultando o aumento da ocupação da zona urbana e o aumento da


renda fiscal. O acesso à moradia era restritivo e privilegiava um grupo dominante composto por
políticos, funcionários dos setores administrativos do Estado, empresários e comerciantes. Repasses
de lotes na cidade se davam por preços altíssimos para época, e alguns proprietários esperavam o
desenvolvimento da cidade para valorizar ainda mais seus terrenos” (Idem, ibidem, p. 109).
63 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Flávio Fernandes dos

Santos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1923, p. 115.
106

Nas duas décadas iniciais do século XX, alguns comerciantes que possuíam
estabelecimento fixo passaram a entregar mercadorias de porta em porta. Nas
palavras de Beatriz Borges Martins: “Naquele tempo – entre 1910 e 1920 –, não só os
mascates andavam de porta em porta, mas também os padeiros, os açougueiros, os
verdureiros, os fruteiros, todos entregavam tudo em domicílio”64. Os vendedores a que
a autora se referiu certamente eram, de acordo com nossa definição de mascates a
ambulantes do início desta seção, as duas categorias de comerciantes, tanto
brasileiros (que comercializavam lenha, capim, carvão, produtos hortigranjeiros, doces
e quitandas), como imigrantes que vieram de outras nacionalidades (para vender
roupas, tecidos, armarinhos, louças, etc, a preços reduzidos e aceitando o pagamento
em prestações). A diferença entre os “mascates” descritos pela autora e os outros
comerciantes que passavam a levar seus produtos de porta em porta, é que os
primeiros não possuíam comércio estabelecido na cidade, partindo das áreas
coloniais e das imediações de Belo Horizonte com seus produtos.
Sobre um dos comerciantes que possuía estabelecimento comercial, mas que
fazia questão de levar os produtos nas casas dos clientes, escreveu Martins: “lembro-
me de que o caixeiro do armazém em que vovó e mamãe compravam ia lá em casa,
à tarde, com o caderno em que elas escreviam o que precisavam e, no dia seguinte
cedo, ele levava as encomendas”65.
Fora os ambulantes de gêneros de necessidades mais elementares, o cenário
da capital mineira também fora marcado por aqueles que supriam necessidades não
tão básicas das camadas mais abastadas da população. Segundo Beatriz Borges
Martins, sobre a época de sua infância:

Em frente à nossa casa, passava também, duas vezes por semana, à


tardinha – durante o dia, quase todas as crianças estavam nas escolas
–, um homem empurrando uma espécie de triciclo, com um cilindro
grande e grosso no meio, onde ele guardava a mercadoria: uns
cartuchos de massa de beiju. Em cima desse cilindro, havia uma
espécie de roleta, numerada de 1 a 10, com um ponteiro que a criança
rodava com a mão, fazendo força. O número em que o ponteiro
parasse era o correspondente ao número de cartuchos que se
ganhava. Creio que a roleta era “viciada”, porque, na verdade, o
ponteiro só marcava números baixos. Havia, ainda, o homem do
realejo. Enquanto ele tocava uma música, um macaquinho, preso ao
realejo, estendia seu chapéu para receber donativos66.

64 MARTINS, op. cit., 2013, p. 40.


65 Idem, ibidem.
66 Idem, ibidem, p. 40-41.
107

Ainda no início do século XX, era comum passar nas portas “uma mulher com
um balaio, vendendo “bruxas”, pequenas bonecas de pano artesanais”, o que divertia
as crianças da época. “Além desses, havia o “homem das gargalhadas”, um tipo de
rua curioso: parava em frente às casas e dava gargalhadas estrondosas durante
vários minutos – por isso, recebia uns trocados”67.
Os vendedores ambulantes supriam, especialmente, as demandas de primeira
necessidade da população de Belo Horizonte, como a relacionada à alimentação; mas
não apenas elas, pois comercializavam também serviços (os amoladores são um
exemplo) e estavam presentes no cotidiano por meio do oferecimento do lazer, como
brincadeiras e objetos para divertimento.
A vida na cidade criada para ser a capital moderna avançava e, se o comércio
embrionário e de abastecimento supriram a população sobretudo de suas
necessidades mais elementares, vale destacar um comércio de médio porte que se
desenvolveu em Belo Horizonte e que disponibilizava para a população alguns artigos
diferenciados, como bens importados, e serviços diversos. Aquele comércio de médio
porte pode ser considerado uma das principais atividades a contribuir para o
crescimento da economia belo-horizontina, o que poderá ser conferido por meio da
seção abaixo.

3.3. O comércio de médio porte: aspectos gerais na capital mineira (1900-1930)

Sobre o movimento comercial da Cidade de Minas em 1900, afirmou Lima:

Pela extensão enorme da cidade, não é possivel avaliar-se o seu


movimento commercial, como succede com outras cidades do Estado,
na sua maioria, pequenas, congregando-se esse movimento em um
só ponto onde pode ser devidamente apreciado; entretanto,
percorrendo-se as casas commerciaes aqui existentes, poder-se-á
ajuizar que esse movimento é bastante animador68.

Dados e informações sobre comércios de produtos e de serviços em Belo


Horizonte do ano de 1900 podem ser analisados por meio do Almanack da Cidade de
Minas. Organizamos os comércios descritos no documento em cinco categorias,
conforme a tabela 3.3. descrita abaixo:

67 Idem, ibidem, p. 41.


68 LIMA, op. cit., 1900, p. 14.
108

Tabela 3.3.: Comércios de bens materiais e de serviços na Cidade de Minas


(1900)

Comércios de bens e serviços Quantidade %


Comércios de alimentos e bebidas 217 21,59%
Comércios de gêneros variados 141 14,03%
Prestadores de serviços diversos 353 35,12%
Profissionais liberais 87 8,66%
Demais negócios 76 7,56%
Ambulantes de gêneros 131 13,03%
TOTAL 1.005 100%
Fonte: LIMA, 1900, p. 97-122.

A grande maioria dos comércios de bens e de serviços listados no Almanack


tinha estabelecimento nas áreas centrais de Belo Horizonte. Alguns comerciantes lá
descritos, porém, residiam nas áreas suburbanas ou de colônias agrícolas, ou ainda,
nas adjacências de Belo Horizonte, como os ambulantes de gêneros, que analisamos
na seção anterior.
Na categoria de comércios de alimentos e bebidas, elencamos açougues,
botequins, casa de frutas, confeitarias, padarias, quitandeiros, refinação de açúcar e
demais gêneros alimentícios. Geralmente, um comerciante estava associado apenas
a um estabelecimento comercial, mas havia algumas poucas exceções: dos 27
açougues listados, quatro eram de um mesmo comerciante, Francisco Alves Barreto,
que possuía um estabelecimento na área suburbana e três na área urbana; Francisco
Caetano de Carvalho era proprietário de três açougues, sendo um deles na área
suburbana; Antonio da Cruz de Miranda e Carlos Soares de Oliveira eram donos de
dois açougues no centro de Belo Horizonte.
No início do século, as propagandas de açougues eram numerosas. Como
exemplo, podemos citar a propaganda de um dos açougues de Antonio da Cruz de
Miranda:

O abaixo-assignado proprietário do Açougue de carne de porco


especial vem respeitosamente pedir a seus amigos e fregueses e ao
publico em geral para visitarem o açougue, sito à Avenida do
Commercio, onde encontrarão todos os dias carne de porco por
preços sem competência o que só à vista se poderá verificar. Minas,
6 de março de 1900. Antonio da Cruz Miranda69.

69 Diário de Minas. Bello Horizonte, 10/03/1900, p. 03.


109

No grupo de comércios de gêneros variados, especificamos armarinhos,


chapeleiros, charutarias, farmácias, fazendas, joalheiros, louças e porcelanas,
materiais de construção e móveis, dentre outros. Este grupo contou, especialmente,
com comércios voltados para os objetos de uso pessoal e utensílios domésticos.
Dentre os prestadores de serviços diversos, em 1900 se encontrava um
afinador de pianos, alfaiates e modistas, barbeiros, fotógrafos, parteiras, carpinteiros,
marceneiros, cocheiros e carroceiros, dentre outros. De 353 prestadores de serviços
diversos, 219 eram carroceiros, sendo esta a categoria com a maior porcentagem de
comerciantes. O alto número de carroceiros chama atenção para a questão do
transporte na capital: em 1903, ano de realização do Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial de Minas, quando se reuniram na capital representantes de três classes do
Estado – agricultores, industriais e comerciantes – uma das pautas do congresso era
relacionada ao transporte. Nas palavras de um dos membros do Congresso: “É
preciso dar fácil saída às produções existentes e às que se vão fomentar, ao mesmo
tempo que se deve tornar menos oneroso o transporte dos gêneros que forem
importados, até que os produzamos em quantidade necessária ao consumo”70.
Os profissionais liberais descritos no Almanack eram advogados, arquitetos
desenhistas, engenheiros, dentistas e médicos. Na categoria de demais negócios
listamos agências (de bilhetes de loterias, de seguros e de jornais), cambistas
(bilhetes de loterias) casas de penhores e de pensão, hospedarias e hotéis, dentre
outros. Finalmente, os ambulantes de gêneros eram em número de 131 no ano de
1900, representando aproximadamente 13% dos comerciantes descritos no
Almanack.
Portanto, três anos após a inauguração da capital mineira, em 1900, seus
habitantes possuíam a disposição para consumo: alimentos, objetos materiais e
serviços necessários para a vivência na capital.
O comércio de alimentos ganhou um ponto estratégico, que reuniria vários
comerciantes e consumidores: o primeiro mercado municipal71. Para os comerciantes

70 “O Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de 1903”. Análise e Conjuntura. Belo Horizonte:


Fundação João Pinheiro, v. 11, n. 5/6, p. 122-220, maio/jun. 1981, p. 144, nota 5.
71 “Sua construcção obedece a fórma rectangular, sendo todo de ferro com columnas repousadas em

cantaria. No lado posterior existe um pavilhão central, quadrangular, com columnas, tendo uma area
total de 100 m2, completamente aberto. Esse pavilhão é destinado ao commercio dos tropeiros que
farão seus negocios, separados dos demais mercadores. O edificio tem uma frente de 42 ms. de
comprimento, por 4 ms. de largura e duas alas lateraes que medem 21 ms. de comprimento por 4 ms.
de largura, cada uma. O frontespicio é embellesado por dois torreões de 13 ms. de altura, por 4 ms. de
comprimento e 4 ms. de largura collocados nas duas extremidades. O portão principal, bella peça
110

que tivessem condições de se estabelecerem no mercado, o novo ponto de comércio


poderia representar aumento das vendas, já que era situado na área central de Belo
Horizonte; para os consumidores, o mercado poderia facilitar as compras, já que
encontrariam num mesmo local vários produtos alimentícios. “Inaugurado em 6 de
outubro de 1900 (...) tem recebido os differentes generos importados das zonas
productoras, demonstrando um movimento, que consideramos bastante lisonjeiro” 72.
Instalado onde atualmente se localiza a estação rodoviária de Belo Horizonte e
administrado pela prefeitura, funcionava todos os dias, de 5h às 18h, tendo seus
cômodos arrendados aos comerciantes pelo prazo mínimo de três anos73.
A construção do mercado – que concentrava bens locais e trazidos de fora de
Belo Horizonte – era também uma forma de ocupar a vizinhança da capital, mas
principalmente para que tal ocupação contribuísse para a economia de Belo
Horizonte, já que o resultado das lavouras dos arredores deveria permanecer na
capital.

É bastante curioso este movimento que traz consigo uma grande lição,
e que consegue por todos os meios fomentar a boa e sã colonização
nas vizinhanças da cidade. Todos os generos da pequena lavoura
podem ser de producção local, ficando o resultado em circulação aqui
nesta praça, que será ao mesmo tempo – productora e consumidora74.

Em 1902, o mercado possuía “alugados 31 commodos dos 50 existentes,


sendo provavel que dentro de pouco tempo estejam elles todos ocupados, em vista
do movimento comercial sempre crescente que alli se realiza”75.

ornamentada, medindo 4 ms. de largura, está collocado na parte central. As frentes e as duas alas
lateraes, são divididas em 48 pequenos commodos de 2. ms X 2. ms, subdivididos, entre si até a altura
de 1 metro, por, chapas de ferro d’ahi para cima, com grades. Todos esses commodos são munidos
de portas para o exterior. Em toda a largura desses compartimentos, para o lado externo, existem
grades de ferro entreliças, que podem fechar ou abrir á vontade, sendo elles destinados a diversos
ramos de commercio a varejo tendo uma mesa e varias prateleiras. O edificio é coberto de zinco e
circumdado por um passeio de dois metros de largura, protegido pela saliencia do telhado, tendo o
chão cimentado. Têm 16 ms2 os dois compartimentos correspondentes aos torrões empregando-se
nelles o mesmo systema de grades. O seu aspecto geral é severo e agradável” (LIMA, op. cit., 1900,
p. 17-18).
72 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro.

Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1899-1902, p. 155.


73 FJP, op. cit., 1997, p. 75.
74 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro.

Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1899-1902, p. 155.


75 Idem, ibidem, p. 155. No ano de 1913 o prédio do mercado passou por remodelação, sendo

construídos compartimentos separados para comercialização de peixes, carne de porco e frutas.


PENNA, Octavio. Notas cronológicas de Belo Horizonte: 1711-1930. Belo Horizonte: Estabelecimentos
Gráficos Santa Maria, 1950, p. 166.
111

Data do início do século XX também a Associação Comercial da Cidade de


Minas, tendo sido inaugurada em 06 de janeiro de 1901. Foi denominada assim
porque a capital foi chamada de Cidade de Minas inicialmente, e a associação era
uma instituição voltada apenas para o comércio de Belo Horizonte, não do Estado
mineiro como um todo76. Atualmente, ACMINAS atua em âmbito estadual.
Além dos marcos citados acima, a construção do Mercado Municipal e a criação
da Associação Comercial da Cidade de Minas, o início do século XX também contou
com o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas, do ano de 1903. As três
iniciativas demonstram, de certa forma, um esforço por parte dos gestores da cidade
em fortalecer a atividade de destaque de Belo Horizonte na época: o comércio.
Como escrevemos acima, o Congresso foi a junção de representantes de três
classes do Estado – agricultores, industriais e comerciantes – que se reuniram em
Belo Horizonte para deliberarem sobre os rumos da agricultura, da indústria e do
comércio estadual. A nova capital de Minas Gerais representava também a busca do
Estado pelo crescimento da economia mineira.
Vale ressaltar que, diferentemente de algumas cidades brasileiras – como
Manaus77 e Belém78 no norte do país; Salvador79 no nordeste; Ribeirão Preto80 no
Estado de São Paulo; Juiz de Fora81 em Minas Gerais – que contavam com
importantes agriculturas, Belo Horizonte não teve uma agricultura que auxiliasse seu
crescimento econômico. O Congresso foi uma forma de incentivar a indústria nascente
no Estado, fortalecer o comércio, especialmente de Belo Horizonte, e promover o
avanço da atividade agrícola em Minas Gerais, sobretudo nas áreas onde era mais
presente, a Zona da Mata e o Sul82.

76 NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 32, nota 19.


77 Sobre a borracha no Amazonas, cf., dentre outros: WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia:
expansão e decadência (1850- 1920). São Paulo: HUCITEC, 1993.
78 A respeito da borracha em Belém, ver, dentre outros: CANCELA, Cristina Donza. Casamento e

relações familiares na economia da borracha (Belém, 1870-1920). Tese (Doutorado em História


Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006, capítulo 2.
79 Sobre a economia do cacau na Bahia, cf.: SELIGSOHN, Otto E. Cacau da Bahia: história e

problemática. Salvador: Edições Ipesa; Livraria Econômica, s/d.


80 Acerca da cafeicultura de Ribeirão Preto, ver: LOPES, Luciana Suarez. Sob os olhos de São

Sebastião. A cafeicultura e as mutações da riqueza em Ribeirão Preto 1849-1900. Tese (Doutorado em


História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2005.
81 Sobre café em Juiz de Fora, cf.: PIRES, Anderson. Café, Finanças e Indústria: Juiz de Fora

(1889/1930). Juiz de Fora: Edições Funalfa, 2009.


82 A respeito da cafeicultura no Sul de Minas Gerais, cf.: MARTINS, Marcos Lobato. “A marcha do café

no Sul de Minas, décadas de 1880-1920: Alfenas, Guaxupé, Machado e Três Pontas”. In: SAES,
Alexandre Macchione; MARTINS, Marcos Lobato; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. (Orgs.). Sul de
112

O Congresso contou com 12 temas, sendo eles lavoura do café, policultura,


pecuária, indústria manufatureira, indústria extrativa, indústrias diversas, colonização,
comércio, transportes e fretes, impostos e tarifas, mobilização da riqueza imóvel e
questão bancária. A discussão sobre esses temas resultou em 119 orientações, que
deram base para a política econômica dos governos que sucederam Francisco Salles,
especialmente João Pinheiro83. Teve duração de 13 a 19 de maio de 1903 e reuniu
cerca de 200 homens de toda Minas Gerais84. Segundo o presidente do Estado
mineiro na época:

Teve logar a 13 de maio ultimo a reunião dos representantes da


lavoura, da industria e do commércio, de quasi todos os municipios do
Estado, e tão alto collocaram as discussões dos assumptos
economicos, unicos que preocuparam sua attenção; com tanta
competencia se revelaram as commissões nos luminosos pareceres
sobre as multiplas questões que lhes foram sujeitas ao exame; com
tanto criterio, bom senso, espirito pratico e utilitario se houveram nas
deliberações tomadas, que as soluções adoptadas em 119 conclusões
constituem um verdadeiro systema harmonico de medidas tendentes
a um remodelamento economico, que será attingido desde que sejam
postas em pratica sem vacilações e intermitencias85.

Consideração relevante do Congresso que envolvia o comércio, dizia respeito


à cobrança de impostos: a classe comercial – formada especialmente por pequenos
e médios comerciantes de diferentes ramos do comércio do Estado – ressaltou as
dificuldades enfrentadas no comércio de produtos importados e vendidos para outros
Estados, já que impostos de importação e exportação pesavam sobre aqueles
produtos. Os obstáculos para promoção da circulação das mercadorias foram também
discutidos e se propôs a abertura de estradas de rodagem como uma forma de

Minas em Urbanização: modernização urbana no início do século XX. São Paulo: Alameda, 2016a, p.
141-172; MARTINS, Marcos Lobato. “Paisagens do passado no Sul de Minas: os ambientes rurais
regionais e sua transformação pelo avanço da cafeicultura (décadas de 1870-1920)”. In: SAES,
Alexandre Macchione; MARTINS, Marcos Lobato; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. (Orgs.). Sul de
Minas em urbanização: modernização urbana no início do século XX. São Paulo: Alameda, 2016, p.
173-201.
83 PEREIRA, Ligia Maria Leite; FARIA, Maria Auxiliadora de. Associação comercial de Minas Gerais:

uma história de pioneirismo e desenvolvimento (1901-2001). Belo Horizonte: Associação Comercial de


Minas, 2001, p. 22-23.
84 SILVA, Carolina Mostaro Neves da. “Para os grandes males, os grandes remédios”: propostas

educacionais no Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Gerais (1903). Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 35, 98.
85 MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. Francisco Antonio de Salles ao Congresso

Mineiro em sua 1ª sessão ordinária da 4ª legislatura no ano de 1903. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. Ministério da Educação e Saúde Pública, 1903, p. 07.
113

diminuir tais dificuldades. A alta tributação e a precariedade dos meios de transportes


foram vistos como principais impedimentos para o progresso do comércio86.
Críticas ao comércio ambulante também foram frisadas no Congresso de
190387, pois comerciantes acreditavam que os vendedores ambulantes colocavam
dificuldades para o desenvolvimento de seu comércio estabelecido. Além disso,
observou-se a necessidade de implantação de escolas de comércio, que seriam
necessárias para o crescimento econômico estadual e especialmente de Belo
Horizonte88.
O Congresso de 1903 foi um marco importante, uma tentativa de
sistematização e planejamento das atividades agricultoras, comerciais e industriais.
Na mesma década de realização do Congresso, Belo Horizonte passava por
ampliação do número de estabelecimentos comerciais e de serviços.
Em 1906, por exemplo, se inaugurou a Farmácia Mineira, que foi adquirida por
Modesto Araújo e se transformou na Drogaria Araújo, presente ainda atualmente em
Belo Horizonte89. Em 2017, com quase 200 lojas, a rede de farmácias era dirigida pelo
neto do fundador, Modesto Araújo Neto90.
Em 1913, surgiram na capital três lojas de automóveis; uma especializada em
máquinas de costura; dois estabelecimentos de maquinário para agricultura e
indústria; duas lojas de instrumentos musicais; nove ourivesarias e joalherias; duas

86 SILVA, op. cit., 2016, p. 85.


87 Além do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de 1903, vale ressaltar que outras iniciativas
como aquela foram tomadas posteriormente, em 1923 (Congresso das Municipalidades) e 1928
(Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais). “A tentativa de Raul Soares, Presidente
do Estado de Minas Gerais, ao patrocinar o Congresso das Municipalidades de 1923, era reeditar a
experiência de 20 anos antes, ou seja, a do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de 1903. Assim,
a exemplo do que fizera Francisco Salles, entregou os trabalhos de preparação a Mello Vianna, seu
Secretário do Interior e Justiça, e nomeou para assessorá-lo comissão formada por 19 membros,
políticos de expressão, Secretários de Estado e representantes das entidades de classe (...) Apesar do
interesse da imprensa e do empenho das autoridades mineiras, o Congresso de 1923 não alcançou,
pelo menos junto ao empresariado, o resultado que se esperava” (PEREIRA; FARIA, op. cit., 2001, p.
29-30). O Congresso de 1928 teve como precursores a ACMINAS, a Associação Comercial de Juiz de
Fora e o Centro Industrial também de Juiz Fora. O interesse da classe industrial e comercial de Juiz de
Fora na discussão de diretrizes para a indústria e o comércio pode ser explicado pelo fato de Juiz Fora,
na época, ter se configurado como uma das mais importantes cidades mineiras quando o assunto era
indústria e comércio. O objetivo principal do Congresso de 1928 foi definir um programa de ação do
empresariado. “Marcadamente diferente dos anteriores, o Congresso de 1928 significou (...) nova etapa
no processo de estruturação social do empresariado mineiro. Uma de suas principais deliberações foi
o propósito de dar continuidade ao debate de questões comuns, ampliando, desta forma, sua força
política junto ao Poder Público” (Idem, ibidem, p. 38).
88 FJP, op. cit., 1997, p. 185.
89 Segundo Beatriz Borges Martins, a respeito da Farmácia Araújo: “lembro-me de ouvir contar que, em

1906, foi fundada a Drogaria Araújo, do Sr. Modesto Araújo, pai de nossa colega Marília. Essa Drogaria
continua firme e, atualmente, em plena expansão pela cidade” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 52).
90 FJP, op. cit., 1997, p. 185.
114

lojas dedicadas à venda de fonógrafos, gramofones, discos e pianos; três comércios


que ofereciam quitandas, verduras, ervas e temperos; sete estabelecimentos de
molduras, vidros e quadros; dois de material odontológico; e, dois que vendiam
bicicletas91.
Vale ressaltar, ainda que Belo Horizonte passasse por aumento do número de
casas comerciais e maior movimentação do setor, nas duas primeiras décadas do
século XX, existiam outros municípios do interior de Minas Gerais com quantidade e
qualidade de estabelecimentos comerciais superiores aos da capital. No início do
século XX, cidades como Muriaé e Ponte Nova na Zona da Mata; Araçuaí na região
leste, no Vale do Jequitinhonha; Peçanha também situada à leste de Belo Horizonte,
possuíam um setor comercial quantitativa e qualitativamente de mesmo nível ou
superior que o da capital92. Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, era uma das
principais cidades mineiras da época em se tratando de liderança comercial93. Assim,
por mais que o comércio belo-horizontino crescesse, era um comércio de médio porte.
Serviços eram oferecidos na capital aos clientes do interior, aqueles que
possuíam condições financeiras e hábitos constituídos para demandarem os produtos
e os serviços que a capital oferecia. Em 1916, por exemplo, Mme. Adrienne Jorand,
cabeleireira da capital, realizava seus trabalhos tanto a domicílio, em Belo Horizonte,
bem como em localidades do interior. As confecções também eram oferecidas aos
clientes do interior, como anunciava Mme. Penélope Pierucceti: “Basta mandar a
medida das cadeiras, do peito e da cintura que receberão um collete justo ao seu
corpo”94.
As farmácias garantiam aos fregueses atendimento a qualquer horário da noite
e da madrugada, o que mostra o caráter pessoal e íntimo das relações entre
comerciantes e consumidores, uma não separação entre as esferas pública e privada.
Era o caso da Drogaria Araújo, que “possuía uma ligação entre o fundo da farmácia e
a casa do sr. Modesto Araújo, em cuja porta o cliente noturno encontrava uma
campainha que soava ao lado da cama do proprietário (...)”. Outro estabelecimento, a

91 VERAS, Felippe; MORETTI, Antônio (Orgs.). Almanack: guia de Bello Horizonte. Belo Horizonte:
Typographia Commercial, 1913.
92 JACOB, Rodolpho. Minas Gerais no XX século. Rio de Janeiro: Gomes Irmãos, 1911, p. 428-430.
93 NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 45.
94 Revista Comercial. Bello Horizonte, anno II, n. 18, novembro/1916, p. 21.
115

Farmácia Universal, situada no bairro da Floresta, mantinha um empregado dormindo


no estabelecimento para atendimento dos clientes noturnos95.
O horário de funcionamento dos diversos estabelecimentos comerciais,
inclusive, merece atenção, pois mostra diferentes interesses de classes na formação
da capital: de um lado, o poder público e, de outro, os comerciantes. Ocorreu que, em
1902, foi publicado o decreto estadual 1.517, estabelecendo que os comércios das
áreas urbana e suburbana deveriam encerrar suas atividades às 21h30 em dias úteis
e às 13h em feriados nacionais e estaduais, excetuando-se as farmácias, hotéis,
casas de pasto, confeitarias, padarias, botequins e bilhares96.
Em 1904, a promulgação passou por alterações por meio do decreto 1.713, de
08 de junho: as casas comerciais deveriam manter-se fechadas aos domingos e, nos
feriados, poderiam manter as portas abertas até às 16h97. Em relação aos dias úteis,
a primeira alteração ao decreto de 1902 se deu em 1908, quando o decreto 2.183,
“determina o fechamento das portas de casas commerciaes, ás 8 horas da noite, nos
dias uteis”98.
Entretanto, dois anos depois, a Lei número 41, de 28 de janeiro de 1910,
estipulou o fechamento dos comércios às 21h. Nos feriados, o funcionamento deveria
ser até às 16h. Ficavam excluídas dessas regras as farmácias, cafés, bilhares,
charutarias e padarias. Em 1911, a Lei número 53 reduziu o horário de fechamento
dos estabelecimentos comerciais para 20h nos dias úteis, sendo permitido somente
aos barbeiros o atendimento até às 23h, nas vésperas de domingos, feriados e dias
santos99.
Diante de tantas legislações acerca do horário de funcionamento das casas
comerciais, em maio de 1912 trabalhadores entraram em greve reivindicando redução
da jornada de trabalho – naquele ano, havia estabelecimentos comerciais que
funcionavam até às 22h, contrariando o disposto na Lei 53. Alguns anos mais tarde,
em 1918, nova greve contribuiu para a redução da jornada de trabalho nos comércios
para às 18h100.

95 FJP, op. cit., 1997, p. 63-64.


96 COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte: Imprensa
Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.517.
97 COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte: Imprensa

Official do Estado de Minas, 1904, decreto 1.713, p. 92.


98 COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte: Imprensa

Official do Estado de Minas, 1908, decreto 2.183, p. 50.


99 FJP, op. cit., 1997, p. 64.
100 Idem, ibidem, p. 64-65.
116

Em 1921, a prefeitura autorizou que os estabelecimentos que


comercializassem objetos para o Natal mantivessem suas portas abertas até as 20h;
os que desejassem manter o negócio em funcionamento até as 24h deveriam pagar
taxa de 20 mil réis. Entretanto, as leis para fechamento das casas comerciais
deixavam brechas: uma delas estava relacionada às multas de proibição do
funcionamento noturno: segundo o prefeito da época, “a multa de 30$000 pela
transgressão é insignificante, assim como me parece também insignificante o imposto
especial de 20$000 por anno para o privilegio de commerciar depois das 18 horas, até
ás 24”101. Ainda, a arrecadação das multas só podia ser imposta pelo fiscal, com a
assinatura de duas testemunhas, o que não era fácil:

Quanto á fiscalisação dessa lei, é ella dificilima. A multa só poderá ser


imposta mediante um auto lavrado pelo fiscal, com assignatura de
duas testemunhas; formalidade dificil de preencher, porquanto poucos
se prestam a auxiliar o fiscal; demais, este é sempre conhecido, de
modo que dificilmente apanhará o transgressor em flagrante102.

Os embates entre a legislação, os comerciantes e os funcionários de


comerciantes retratavam o caráter ainda tradicional das relações profissionais em
Belo Horizonte, marcadas até então pela não separação entre público e privado. Por
um lado, o Estado atuava na tentativa de regulamentação da atividade comercial; por
outro lado, os comerciantes almejavam seguir seus próprios horários, como se os
vínculos de trabalho tivessem um caráter pessoal ou familiar, que não necessitasse
de uma normatização geral de ordem pública. Entre o poder público e os
comerciantes, estavam os funcionários dos estabelecimentos comerciais.
Vale ressaltar que as adversidades entre os comerciantes e o poder público
poderiam ser vistas em diferentes localidades de Minas Gerais. Varginha, município
situado ao Sul do Estado e que fora emancipado no ano de 1882, nos oferece um
exemplo sobre debates entre comerciantes e o poder público, representado pela
Câmara Municipal. Já ao final do século XIX, os comerciantes varginhenses exigiam
que o comércio pudesse funcionar até mais tarde, indo contra determinações do poder
público103.

101 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Affonso Vaz de Mello.
Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1921, p. 19
102 Idem, ibidem.
103 Em 08 de setembro de 1893, ano em que Belo Horizonte foi escolhida para ser a nova capital

mineira, vereadores da Câmara Municipal varginhense sancionaram uma lei que ordenava o
fechamento das casas comerciais do município às 16h em domingos e dias santos, sendo que o
descumprimento da lei geraria multa; eram isentos da lei farmácias, botequins, hotéis e bilhares. Como
117

Os anos 1920 em Belo Horizonte foram marcados pela inauguração do Parc


Royal, cuja moda vinha de Paris104. Segundo propaganda da loja: “Constantemente
recebemos da nossa casa matriz as ultimas novidades de Pariz” 105. A nova loja da
capital mineira, voltada especialmente à população mais abastada, contava também
com influências estadunidenses, “com o intelligente systhema de commerciar
adoptado pelo espirito yankee de seus proprietários”106.

Não só a moda vinha de Paris, como grande parte dos produtos


comercializados era importado (...) Anunciavam-se vinhos franceses,
portugueses e italianos; couros da Rússia; rádios americanos;
gêneros; lâmpadas e material elétrico; produtos farmacêuticos; louças
sanitárias; frutas; livros; conservas, etc.; todos importados. A partir dos
anos 20, dos produtos de primeira necessidade aos automóveis,
quase tudo vinha de fora, diretamente ou por intermédio do Rio e de
São Paulo, exceção feita aos produtos de consumo exclusivamente
“popular”107.

Em meados da década de 1920, o comércio atacadista de Belo Horizonte


atendia também aos municípios interioranos: as casas comerciais belo-horizontinas,
“mantendo um numero já elevado de viajantes, estão em contacto permanente com
as principaes zonas consumidoras do Estado e de fora (...)”108.
Os anos de 1920 também foram marcados pela criação de escolas voltadas
para o ensino comercial, uma tentativa de fortalecer aquele setor que era a base da

tal medida gerou insatisfação para os comerciantes, no outro dia, 09 de setembro de 1893, os
vereadores da Câmara suspenderam a lei do dia anterior. Em 1899, por decisão dos vereadores da
Câmara Municipal, os comércios varginhenses deveriam fechar suas portas às 15h30 em dias santos
e feriados. Em 1913, foi proposto por um vereador da Câmara que os estabelecimentos comerciais
encerrassem suas atividades às 13h aos domingos e dias santos. Os comerciantes não aceitaram a
medida, enviando abaixo-assinado aos vereadores, que não alteraram a medida e elaboraram a “Lei
do Descanso Dominical”, à qual ordenava que a grande maioria dos estabelecimentos comerciais
varginhenses não deveria abrir suas portas aos domingos, sob multa caso houvesse descumprimento.
Como ocorreu, novamente, descontentamento por parte da classe comercial, no ano de 1916, os
vereadores da Câmara sancionaram lei que permitia que todas as casas comerciais poderiam se
manter abertas até às 14h30 nos domingos e dias santos. As discussões sobre o horário de fechamento
dos comércios varginhenses não terminaram em 1916. E esse embate mostra distintos interesses de
classes no interior mineiro: de um lado, o poder público e, de outro lado, a classe comercial, assim
como em Belo Horizonte. Sobre os embates entre os vereadores da Câmara Municipal varginhense e
os proprietários de comércios do município, ver: FERREIRA, Natânia Silva. Elite Agrária e processo de
Urbanização: o município de Varginha-MG (1882-1920). Dissertação (Mestrado em História
Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2017, p. 103-104, 115-116.
104 Trataremos novamente de tal loja no capítulo seguinte, quando abordarmos o comércio com base

nas ruas da região central de Belo Horizonte.


105 FJP, op. cit., 1997, p. 69.
106 Diário de Minas. Bello Horizonte, 12/01/1921, p. 01.
107 FJP, op. cit., 1997, p. 70.
108 SILVEIRA, Victor (Org. e editor). Minas Gerais em 1925. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1926, p.

1.118, nota 46.


118

economia local: a primeira delas foi o Instituto João Pinheiro, fundada em 1921; depois
foi inaugurada a Escola de Comércio e, por último, o Instituto Comercial da capital109.
Outras instituições foram criadas na década: em 1924 foi instalada a primeira feira
livre, no bairro Funcionários, além de ter sido fundada a União dos Empregados do
Comércio de Belo Horizonte; em 1929, depois de reivindicações do setor comercial,
foi criada a Alfândega Seca110.
Até por volta de 1930, a grande maioria das casas comerciais estabelecidas
nas áreas centrais explicitava que a forma de pagamento era à vista, ou “a dinheiro”,
como se falava na época; apenas compradores que fruíam da amizade dos
comerciantes realizavam seus pagamentos a prazo. Proença & Irmão, na avenida
Paraopeba, frisava em 1902, com letras maiúsculas, que só negociava à dinheiro:

Grande deposito de materiaes de construcção, materiaes para aguas


e esgotos, artigos de electricidade, fogões economicos, papeis
pintados, aniagem para saccos, etc. etc. Encarregam-se de quaesquer
serviços, por empreitada ou sob administração, relativos a installação
de aguas, esgotos e electricidade, e mandam vir directamente das
fabricas os materiaes para esses serviços. Incumbem-se de estudos
e venda de jazidas mineraes, para o que se dispõem de pessoal
habilitado e mantêm relações com um poderoso syndicato francez.
VENDAS SÓ A DINHEIRO111.

Da mesma forma, a Charutaria S. Felix anunciou em 1915: “Charutaria S. Felix.


Especialidade em fumos, cigarros, charutos e artigos para fumantes. Importação
directa de charutos bahianos. VENDAS A DINHEIRO”112.
As poucas exceções à venda a prazo desse período, considerando o comércio
estabelecido, eram referentes aos comércios de móveis: as lojas A Favorita, A Ideal e
A Residência ofereciam pagamento em até 20 prestações para o público em geral.
Apenas no fim dos anos 30 a Casa Guanabara criou um departamento de crédito113.
Na época, a propaganda específica de produtos, e não dos estabelecimentos,
era bastante comum, citando-se, dentre diversos: sabonete medicinal “Delta e Myrta”,
dentifrício “Monogol”, água inglesa “Bittencourt”, vinho “iodo-tânico phosphatado
Bittencourt”, desinfetante “Karbo”114. No final dos anos 20, o comércio trouxe uma
grande novidade para a capital, a vitrola ortofônica:

109 FJP, op. cit., 1997, p. 192.


110 FJP, op. cit., 1997, p. 77; NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 63.
111 LIMA, op. cit., 1900, p. 245.
112 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 6, março/1915, p. 23.
113 FJP, op. cit., 1997, p. 68.
114 Idem, ibidem, p. 70.
119

Com a “máquina falante” vieram também muitos discos. E daí para a


frente as novidades seriam tantas e em tal velocidade, que marcariam
um novo período nas relações entre as pessoas. Gradativamente, no
cotidiano dos habitantes de Belo Horizonte, a influência americana
trazida pelo cinema e pelas revistas vai substituindo a francesa115.

Além dos itens de primeira necessidade, aqueles comercializados pelos


ambulantes de gêneros, novos produtos e novas necessidades moldavam o cotidiano
de Belo Horizonte: a população da cidade tinha à sua disposição para consumo
objetos que, ao final do século XIX, não faziam parte do Curral Del Rei, assim como
serviços privados que não eram necessidade no antigo arraial.
O comércio que se estabeleceu em Belo Horizonte, pelo menos ao longo das
três primeiras décadas do século XX, foi um comércio destinado ao atendimento,
especialmente, da população local da cidade. Ainda que alguns comerciantes e
estabelecimentos comerciais oferecessem seus produtos e serviços para
consumidores externos à capital, aquele comércio era um comércio de médio porte
voltado, sobretudo, para a própria cidade.

3.4. Um setor econômico em expansão na capital mineira no início do século XX

No início deste capítulo, ressaltamos que Belo Horizonte foi, também, uma
cidade de comerciantes e de consumidores. E, realmente, o setor comercial foi um
dos mais importantes – senão a atividade econômica mais importante – da capital
mineira nos anos iniciais do século XX. A cidade descrita como dos funcionários
públicos, dos imigrantes, dos profissionais liberais foi, ao mesmo tempo, a cidade dos
comerciantes e dos consumidores.
Quando a capital começou a ser construída, em 1894, um comércio
embrionário, que ainda carecia de sistematização, abastecia os habitantes de Belo
Horizonte, os que pertenciam aquele espaço desde quando fora um arraial e aqueles
que passaram a habitá-lo por conta das obras de construção. Mesmo com algumas
dificuldades inicialmente, como a falta de alguns produtos, era com aquele comércio
que os moradores da capital contavam na época de sua construção. A construção de
uma nova capital significava, para alguns comerciantes, a oportunidade de
alavancarem seus negócios.
No ano de 1900, tendo já sido inaugurada a Cidade de Minas, foi possível
observar que as necessidades mais básicas da população da capital eram supridas

115 Idem, ibidem, p. 79.


120

por ambulantes de gêneros, que partiam, especialmente, das áreas de colônias


agrícolas e adjacências de Belo Horizonte para abastecerem a cidade. Os ambulantes
de gêneros diversos – que diferentemente dos comerciantes da região central da
capital, não possuíam casas comerciais estabelecidas, em locais fixos – abasteciam
a população de Belo Horizonte com itens de consumo variados: lenha, capim e carvão,
tão necessários para a cozinha, na época em que o fogão a gás era novidade;
alimentos, como carnes, leite, ovos, cerais, frutas e verduras, doces e quitandas;
roupas e outros bens para consumo. Além disso, notamos ambulantes que realizavam
serviços, como consertos em facas e tesouras.
O comércio belo-horizontino passou por transformações, pois novos
comerciantes, novos produtos e novos serviços passaram a fazer parte da cidade. De
acordo com o Almanack da Cidade de Minas, além do comércio de alimentos e
bebidas – correspondendo ao maior número de comerciantes e de estabelecimentos
comerciais fixados na zona suburbana ou urbana da capital em 1900 – que incluía,
dentre outros gêneros, casas de frutas, confeitarias, padarias e açougues, foi possível
observar demais categorias que faziam parte do setor comercial que se desenvolvia.
Foi possível averiguar o comércio de gêneros variados, que incluía, dentre outros
gêneros, armarinhos, farmácias, louças e porcelanas e materiais para construção.
Também foi possível descrever os trabalhos de prestadores de serviços diversos,
como o de um afinador de pianos, de alfaiates e de modistas, de barbeiros, de
fotógrafos, de carroceiros – estes últimos em grande quantidade dentro da categoria
de prestadores de serviços. Ainda, os serviços prestados por profissionais liberais,
como advogados, arquitetos, engenheiros, dentistas e médicos. Finalmente,
observamos demais negócios, que incluíam agências de bilhetes de loterias e de
seguros, casas de penhores, hospedarias e hotéis.
Expressou o fortalecimento daquele comércio de médio porte da capital a
criação do mercado, no ano de 1900; um ponto de encontro para comerciantes e
consumidores. Em 1901, foi criada a Associação Comercial da Cidade de Minas e, em
1903, vale frisar, as tentativas de organização do setor comercial, estadual e da
capital, puderam ser vistas nas formulações do Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial de Minas Gerais, que se realizou também em outras ocasiões, nos anos de
1923 e 1928. Aqueles Congressos mostraram que o Estado mineiro e a capital
desejavam fortalecimento da economia, especialmente do setor comercial, principal
atividade econômica de Belo Horizonte. A criação de escolas de comércio em Belo
121

Horizonte, na década de 1920, se configurou numa forma de legalização acadêmica


para o setor comercial da capital.
Se no presente capítulo tratamos da relação entre consumo e abastecimento,
ressaltando o comércio embrionário que se estabeleceu na capital durante as obras
de construção, bem como, os ambulantes de gênero do início do século XX e os
aspectos gerais do comércio de médio porte que se estabeleceu em Belo Horizonte,
no próximo capítulo trataremos do comércio específico da zona urbana. Vamos
analisar lugares de consumo de Belo Horizonte, três circuitos de comércio, seus
comerciantes e o que ofertavam para consumo.
122

CAPÍTULO 4

CONSUMO E CULTURA MATERIAL – A ÁREA URBANA DE BELO HORIZONTE

“Constituindo-se rua de referência do comércio no início do século e também local


de lazer e ponto de encontro das pessoas, a rua da Bahia era não apenas o locus do
consumo, tornava-se, simbolicamente, objeto de consumo dos moradores
privilegiados da Capital” (LEMOS, 1985 apud FJP, 1997, p. 57).

Em ruas específicas da área urbana de Belo Horizonte desenvolveu-se um


comércio que atenderia, sobretudo, aos habitantes mais abastados da capital.
Possuíam a disposição para consumo, variados produtos e serviços, nacionais e
importados, que supriam desde as necessidades mais básicas até as mais
sofisticadas. Assim, o objetivo deste capítulo é analisar, especialmente, a cultura
material na capital, com base nos produtos comercializados em três circuitos de
comércio específicos.
A área urbana da capital mineira contava com comerciantes que possuíam
condições financeiras de anunciar seus produtos e serviços nos jornais e nas revistas
locais e estaduais, anúncios que chegavam às pessoas que possuíam condições
financeiras e hábitos estabelecidos para usufruir dos produtos e dos serviços daquela
região.
Com base em nossas fontes, identificamos um primeiro circuito de comércio da
área urbana, correspondente a rua da Bahia. Aquela rua foi, nas três décadas iniciais
do século XX, a que contou com maior movimentação comercial na capital,
considerando produtos diversos, serviços e locais de lazer.
Identificamos um segundo circuito de comércio que correspondeu a ruas que,
no planejamento da CCNC, seriam ruas do bairro do Comércio. Vale salientar que o
comércio da capital se expandiu para além daquela área determinada mas, ainda
assim, foi possível identificar o comércio da avenida Afonso Pena e da rua dos Caetés
que concentraram, no início do século XX, bens materiais referentes a indumentária e
a moda das vestimentas.
Finalmente, foi possível analisar um terceiro circuito de comércio, formado
pelas ruas Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás, que concentraram um comércio
de gêneros e de serviços de profissionais liberais.
123

4.1. Alguns caminhos da capital: ruas e avenidas e suas dimensões

Segundo Joaquim Ramos de Lima, organizador do Almanack da Cidade de


Minas, sobre ruas e avenidas da cidade no início do século XX, “as ruas e avenidas
são perfeitamente rectas encontrando-se em angulos rectos e com as avenidas a 45
graus”. As ruas possuíam 20 metros de largura e as avenidas, 35. Exceção foi feita a
avenida Afonso Pena, que tinha 50 metros de largura e 3 quilômetros de extensão,
iniciando-se na Praça do Mercado (14 de Fevereiro) e finalizando-se na Praça do
Cruzeiro. No ano de 1900, quando foi escrito o Almanack, a maioria das ruas e
avenidas possuíam passeios em frente as edificações, mas calçamento havia apenas
nas ruas da Bahia e Guajajaras e na avenida Liberdade1.
A respeito da importância das ruas e avenidas2, escreveu o autor do Almanack
da Cidade de Minas:

As mais importantes dentre as primeiras, na zona urbana, são: Bahia,


Caethés, Tupynambás, S. Paulo, Guajajaras, Espirito Santo, Claudio
Manoel, Pernambuco e Parayba etc. e dentre as segundas: Liberdade,
Paraopeba, Affonso Penna, Commercio, Amazonas, Carandahy e
Alvares Cabral. Dentre as suburbanas destacam-se as de nomes:
Itajubá, Pouso Alegre, Diamantina, Januaria, E. de Ferro, Rio Preto,
Grão Mogol, Chumbo, Palmira etc3.

Algumas das ruas da zona urbana destacadas acima foram locais de comércio
da capital mineira entre o final do século XIX e o início do século XX, como as ruas da
Bahia, Caetés, Tupinambás, Guajajaras e Espírito Santo e a Avenida Afonso Pena 4.
Foram ruas que, além de possibilitarem aos consumidores uma variedade de produtos
e de serviços, foram também objetos de consumo, com a rua da Bahia, que
concentrou espaços de lazer e foi ponto de encontro de habitantes da capital no início
do século XX. Da mesma forma, a avenida Afonso Pena, além de ser um lugar de
consumo, onde os belo-horizontinos poderiam adquirir produtos, se constituía em um
lugar que poderia ser consumido pelos habitantes da capital, pois vale ressaltar que a
avenida era a maior da cidade no início do século XX, considerando largura e
extensão, além de ser uma das mais arborizadas da capital.

1 LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa Official do
Estado de Minas Gerais, 1900, p. 12.
2 Sobre a toponímia de diversas ruas e avenidas de Belo Horizonte, cf.: GOMES, Leandro José

Magalhães. Memória de ruas. Dicionário Toponímico de Belo Horizonte. 2 ed. Belo Horizonte: Crisálida,
2008.
3 LIMA, op. cit., 1900, p. 13.
4 A grafia do nome das ruas e avenidas variava dependendo da fonte analisada, mas optamos por

escrever seus nomes da forma como se escreve atualmente.


124

Por meio da planta a seguir, que mostra a comparação do antigo Curral Del Rei
com a Cidade de Minas, é possível observar alguns caminhos da capital mineira, como
o da avenida Afonso Pena, destacado em amarelo:

Planta 4.1.: Planta cadastral do antigo Curral Del Rei comparada com a planta da
nova Capital

Fonte: Panorama de Belo Horizonte, Atlas Histórico, 1997, p. 22. Escala da planta: de 1:4.000.

De acordo com o projeto de Aarão Reis, ao comércio da capital mineira seriam


reservadas ruas de uma área específica, longe dos serviços da administração do
Estado. Foi, portanto, definido como ponto estratégico das atividades comerciais a rua
125

do Comércio5, atual avenida Santos Dumont6. A rua do Comércio seria uma das
principais do bairro do Comércio, que contaria também com a avenida Afonso Pena,
rua dos Caetés, rua Guarani, avenida Paraná e rua Curitiba7.
Todavia, o planejamento da comissão construtora não funcionou por completo
na prática, mesmo Belo Horizonte tendo sido uma cidade projetada. Vale evidenciar
que, enquanto outras cidades brasileiras, como as capitais São Paulo e Rio de
Janeiro8, passaram por transformações urbanas na passagem do século XIX para o
XX, Belo Horizonte foi planejada já nos moldes de um plano nacional de urbanização.
Ainda assim, com um detalhado planejamento urbano, a atividade comercial, por
exemplo, logo nos anos iniciais de Belo Horizonte como capital, se expandiu do bairro
do Comércio, extrapolando o planejamento inicial. “Integrando as pessoas e as coisas,
o comércio vai ocupando a cidade, chegando perto do “poder” e, de certa forma,
rompendo a idealizada hierarquia funcional do projeto de Aarão Reis”9.
Dadas tantas ruas e avenidas da capital mineira, alguns caminhos planejados
pela CCNC e outros que surgiram depois com o desenvolvimento da cidade,
discutiremos neste capítulo sobre três circuitos de comércio específicos: circuito da
rua da Bahia; circuito da avenida Afonso Pena e da rua Caetés; circuito das ruas
Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás. A rua da Bahia foi aquela que,
especialmente no início do século XX, concentrou maior número de estabelecimentos
comerciais de produtos, de serviços e de lazer em Belo Horizonte. A avenida Afonso
Pena e a rua dos Caetés foram localidades que comercializaram elementos materiais
da indumentária e da moda das vestimentas. As ruas Guajajaras, Espírito Santo e

5 “No início do século [XX], a avenida do Comércio era, especificamente, a área do comércio atacadista.
Recebendo, posteriormente, o nome de “Santos Dumont” – em homenagem ao inventor, por ocasião
de sua visita a Belo Horizonte –, a avenida abrigava também pequenas indústrias (de velas, massas,
sabão, açúcar e bebidas, de descascar e ensacar arroz) e muitas pensões e hotéis, dada a proximidade
com a Praça da Estação. A grande concentração, entretanto, era de “secos e molhados” existindo, em
1913, só nessa avenida, mais de sete estabelecimentos do gênero (...) Somente por volta da década
de 40 o comércio atacadista se transferirá para as ruas Oiapoque e Guaicurus, e a avenida Santos
Dumont será ocupada pelos varejistas, no espaço liberado pela demolição dos grandes armazéns”.
FJP. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro –
Centro de estudos históricos e culturais, 1997, p. 51.
6 NEVES, Osias Ribeiro; AMORMINO, Luciana. BH 120 anos – Um olhar sobre a cidade, seu comércio

e sua história. Belo Horizonte: Escritório de histórias, 2017, p. 25.


7 RAMOS, Heloísa Maria Santos. A implantação da função comercial em Belo Horizonte, uma leitura

da avenida Santos Dumont. Monografia apresentada à Escola de Arquitetura da Universidade Federal


de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1986.
8 Sobre a evolução urbana de algumas capitais entre o final do século XIX e o início do século XX, ver:

SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana (análise da evolução econômica de


São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife). São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1968.
9 FJP, op. cit., 1997, p. 49-50.
126

Tupinambás concentraram comércios de gêneros variados e serviços prestados por


profissionais liberais.
Os estabelecimentos comerciais daqueles três circuitos poderiam ser
frequentemente vistos nos anúncios de jornais e de revistas que circularam por Belo
Horizonte. Antes de explorarmos os anúncios específicos daquelas localidades,
vamos abordar a seguir a relação entre comércio, publicidade e as ruas comerciais.

4.2. O comércio da área urbana: publicidade e as ruas comerciais

Eram os comércios das ruas centrais da área urbana de Belo Horizonte, os


responsáveis pela grande parte dos anúncios de jornais e revistas: “o comércio da
região “mais nobre” possuía um espaço expressivo nos jornais e revistas que surgiam
e desapareciam (...) Por meio dos “reclames”, fazia-se a publicidade das lojas, que se
ampliavam gradativamente e cujos fregueses se espalhavam por todo o Estado”10.

Faziam “reclames” nos jornais e revistas, prioritariamente, aqueles


estabelecimentos que atendiam às clientelas mais elitizadas ou
sofisticadas, habitantes da área central da cidade (...) Isto se
justificaria por serem esses consumidores os mesmos que tinham
acesso às publicações, o que então caracterizaria tal tipo de
publicidade como um retrato do comércio mais “nobre” de Belo
Horizonte, não expressando, assim, o praticado nos bairros que se
desenvolviam paralelamente ao crescimento da cidade11.

Determinados estabelecimentos possuíam jornal próprio, como A Propaganda,


publicação de 1902 da Casa Joviano. Outros exemplos eram A Flor e O Galeno,
respectivamente, da Casa Deslandes e da Farmácia Neves, de 190712.
Nas palavras de Baudrillard, “a publicidade tem por tarefa divulgar as
características deste ou daquele produto e promover-lhe a venda. Esta função
“objetiva” permanece em princípio sua função primordial”13. Mas ainda:

A publicidade constitui no todo um mundo inútil, inessencial. Pura


conotação. Não tem qualquer responsabilidade na produção e na
prática direta das coisas e contudo retorna integralmente ao sistema
dos objetos, não somente porque trata do consumo, mas porque se
torna objeto de consumo. É preciso distinguir direito esta dupla
determinação: é discurso sobre o objeto e ela própria objeto (...) é ela
que melhor nos dirá o que consumimos através dos objetos14.

10 FJP, op. cit., 1997, p. 51.


11 Idem, ibidem, p. 52.
12 Idem, ibidem.
13 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo:

Perspectiva, 2015, p. 174.


14 Idem, ibidem, grifo do autor.
127

Na visão do autor, a publicidade tem, inicialmente, uma função objetiva. Porém,


tal objetividade é excedida quando a publicidade se torna objeto de consumo,
objetividade que também se transforma em subjetividade. “É graças [também à
publicidade] que os objetos de nosso mundo carregam tal riqueza, variedade e
versatilidade de significado e podem funcionar para nós de modo tão diversificado, em
atos de autodefinição e de comunicação social”15.
Em Belo Horizonte, no início da década de 1910, a criação de uma empresa
voltada para publicidade, a Agência Mineira de Propaganda e Publicidade, é uma
demonstração da importância dessa atividade já no início do século XX para
divulgação das casas comerciais16. A partir de 1913, passaram a ser utilizados, além
de jornais e revistas, os postes de luz e os bondes como locais para anúncios17. Ainda,
diferentes objetos materiais foram utilizados para divulgar estabelecimentos
comerciais, como placas, xícaras e pratos, conforme mostram as imagens de artefatos
abaixo:

Artefato 4.1.: Placa, material de propaganda

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun.

15 MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens
e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 113.
16 A importância da publicidade reside na sua função de acrescentar “calor” aos objetos. Sem a

publicidade, “eles não seriam o que são” (BAUDRILLARD, op. cit., 2015, p. 180). Assim, “sem crer no
produto, as pessoas acreditam na publicidade que as faz crer no produto” (Idem, ibidem, p. 176). A
publicidade move “o significado do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo”
(MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 120).
17 FJP, op. cit., 1997, p. 51-52.
128

Artefato 4.2.: Xícara, material de propaganda

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun.

A placa da figura acima pertenceu a Alfaiataria Aquino, estabelecimento


comercial que se localizou na rua Espírito Santo nas décadas de 1910 e 1920 18. A
xícara foi material de propaganda da Casa Brisol, comércio especializado em calçados
que funcionou em Belo Horizonte no início do século XX19.
Das ruas e avenidas que figuraram nos anúncios comerciais da capital, a rua
da Bahia contava com enorme variedade de estabelecimentos comerciais e novidades
para a capital, pois havia desde bares, loja de brinquedos, farmácias, loja de
departamentos, até lugares para o lazer, como teatro, cinema e clube. Algumas
localidades do bairro do comércio concentraram estabelecimentos comerciais
destinados, sobretudo, a moda da indumentária e das vestimentas20: os anúncios do
Almanack da Cidade de Minas, de jornais e revistas referentes a tais localidades
destacavam calçados, camisaria, alfaiatarias, chapéus, joalherias, relógios, lãs, linhos
e seda, etc. Outras ruas, que não eram do bairro do Comércio mas que concentraram

18 MHAB, acervo de objetos. Coleção Comunicação: placa. Dados históricos.


19 MHAB, acervo de objetos. Coleção Comunicação: xícara. Dados históricos.
20 Trabalharemos com a noção de moda da indumentária e das vestimentas, mas vale ressaltar que “a

moda não rege apenas o vestuário”. A moda rege a maneira de se vestir e, da mesma forma, a maneira
de escrever e de agir. “Esta moda que toca em tudo é a maneira como cada civilização se orienta. É
tanto o pensamento como o traje, a expressão de sucesso como o gesto de coquetterie, a maneira de
receber à mesa, o cuidado ao fechar uma carta. É a maneira de falar (...) É a maneira de comer (...).
Jantar, no século XVIII, era o que nós chamamos almoçar (...)”. BRAUDEL, Fernand. Civilização
Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 1: As estruturas do cotidiano: o possível e
o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 296. Ainda, “moda
também a maneira de caminhar e não menos a de saudar. Dever-se-á tirar o chapéu ou não? (...) É
ainda o cuidado dado ao corpo, ao rosto, ao cabelo” (Idem, ibidem).
129

casas comerciais de bens materiais e serviços de profissionais liberais, foram


definidas por nós como as ruas de comercialização de gêneros e serviços variados,
pois contavam com estabelecimentos de peças de carro, materiais para construção,
móveis para casa, modista e profissionais liberais, dentre outros.
Analisaremos o comércio em ruas centrais da capital mineira utilizando,
especialmente, a publicidade: os diversos anúncios dos estabelecimentos comerciais,
contidos em jornais e revistas da época. “Conhecer a cidade é caminhar por suas ruas
(...) É na Rua que tudo acontece, é na esquina que se dá o encontro. As ruas têm
caráter (...)”21.

4.3. O comércio na rua mais comercial da capital: a rua da Bahia

No início do século XX, a avenida Afonso Pena e rua dos Caetés, localidades
do bairro que foi planejado para ser do comércio, concentraram estabelecimentos
comerciais destinados a moda da indumentária e das vestimentas. As ruas
Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás, ruas que inicialmente não seriam de
comercialização, mas que contaram com a concentração de casas comerciais, foram
as ruas do comércio de gêneros e serviços variados. Nenhuma daquelas ruas, porém,
teve maior movimentação comercial que a rua da Bahia na época 22. “A rua da Bahia,
com seus dois quarteirões comerciais, era a rua. Sem a vastidão da avenida, onde a
alma provinciana ainda não se acomodava, contentando-se de admirá-la, a rua da
Bahia era (...) o lado feérico dos habitantes, a fantasia, a inquietação” 23. Alimentos e
bebidas, roupas e sapatos, móveis para os interiores domésticos, profissionais
liberais, serviços privados variados, espaços para lazer, compuseram a rua da Bahia
no início do novecentos.
Assim como a avenida Afonso Pena e a rua dos Caetés, a rua da Bahia abrigou
casas comerciais destinadas à moda da indumentária e das vestimentas: a Moda
Elegante, com “grande officina de costura, dirigida por Mme. Josephina Zambelli”, se
localizava na rua da Bahia, “perto do Theatro Soucasaux no centro da cidade”. A Mme.

21 WERNECK, Nísia Maria Duarte; SILVA, Luiz Henrique Horta (Orgs.). Rua da Bahia. Belo Horizonte:
Linha Gráfica Editora, 1990, p. 04.
22 “Quem desejasse um cigarro de fumo fresco ou a extravagância dum charuto, ia para lá. Quem

desejasse um bilhete de loteria – você ainda era criança e Giácomo já vendia sortes grandes – ia para
lá. Quem sentisse um súbito desejo de sorvete, uma tentação de chope, um alvoroço de empadinha
quente, um arrepio de moça bonita (...) uma nostalgia de livro francês, ia tudo para lá. Todos iam para
a rua da Bahia”. CAMPOS, Paulo Mendes (Coord.). Belo Horizonte de Curral del-Rei à Pampulha. Belo
Horizonte: Centrais Elétricas de Minas Gerais, 1982, p. 92, nota 49.
23 Idem, ibidem.
130

anunciava que “fazem-se vestidos pelos ultimos figurinos e com todo capricho.
Especialidade em vestidos para casamentos e enxovaes para baptisados. Tem
sortimento de capas para senhoras e toucas para crianças. Reformam-se e enfeitam-
se chapéos”24. A modista de vestido Mme. Fogo “executa qualquer toilette pelos mais
modernos figurinos, desde 10$000. Aprompta roupa propria para luto em 24 horas”.
Seu endereço era rua da Bahia, número 46325. A rua da Bahia número 995 também
foi estabelecimento do alfaiate J. R. Andrade26.
A rua da Bahia foi ponto de comercialização de gêneros variados, como foram
as ruas Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás: a Pharmacia Americana e drogaria
contava com importação e exportação de drogas e produtos farmacêuticos. Sua
localização era rua da Bahia, número 928, telefone 7427. A Casa Moreno cuja matriz
se situava na cidade do Rio de Janeiro, possuía estabelecimento em Belo Horizonte
e era o “unico deposito de cirurgia, artigos dentarios, optica, cutilaria fina, fundas,
apparelhos para desinfecção, desinfectantes, perfumarias, serums dos Institutos
Butantan e Manguinhos, fermento Bulgaro, apparelhos para laboratorios e acessórios
para pharmacia”. Se localizava na rua da Bahia, número 1.04428.
Serviços também compuseram a rua da Bahia: Machado Coelho & Comp. eram
“negociantes á rua da Bahia”29. O Dr. Hugo Furquim Werneck tinha consultório médico
à rua da Bahia, 1.499 e suas especialidades eram ginecologia e cirurgia abdominal,
tumores de útero e seus anexos prolapsos e desvios do útero, autoplastias do colo e
da vagina. Realizava tratamento dos ectrópios e endocérvix sem operação. Curava
da esterilidade e da dismenorreia. O atendimento era de 11h às 14h30. Dr. J. Santa
Cecilia era médico oculista, docente livre da Escola de Medicina de Belo Horizonte,
assistente da Faculdade de Medicina de São Paulo, chefe do serviço de moléstias de
olhos da Santa Casa, oculista da Força Pública. Possuía consultório médico em Belo
Horizonte, no número 894 da rua da Bahia e atendia de 12h às 15h 31. “Os serviços

24 LIMA, op. cit., 1900, p. 239.


25 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 9, maio/1915, p. 10.
26 O Horizonte. Bello Horizonte 15/04/1924.
27 Idem, ibidem. A respeito do telefone em Belo Horizonte na passagem do século XIX para o século

XX, cf.: GOODWIN JR., James William. “O Estado fala mais alto: o telefone em Belo Horizonte, 1894-
1912”. História Econômica e História de Empresas, Vol. 21, n. 1 (2018), p. 9-48.
28 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 8, abril/1915, p. 22.
29 LIMA, op. cit., 1900, p. 249.
30 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
31 Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
131

criavam inúmeras atividades, as dos empregados e secretários das administrações,


as do comércio e dos escritórios multiplicados”32.
E, ainda, a rua da Bahia abrigou novidades para a capital, como loja de
brinquedos, e espaços para lazer, tais quais clube, cinema, teatro, hotel33. Segundo
Beatriz Borges Martins, na primeira década do século XX, “na esquina da Rua da
Bahia, antes de atravessar a Goitacazes, ficava a Casa Poni, de brinquedos, dirigida
por D. Graziella Poni. Era uma loja ótima, só de brinquedos importados, pois, naquela
época, ainda não tínhamos produtos similares nacionais”34. Caminhando pela rua da
Bahia, se encontraria “um sobrado grande: no andar superior, funcionava o Clube de
Belo Horizonte; no térreo, funcionava o Cinema Odeon, que tinha uma orquestra
tocando ao lado da sala de espera”. Seguindo o caminho, “(...) na esquina da Rua da
Bahia com a Goiás, funcionava o Teatro Municipal, um encanto, lindo, que devia ter
sido conservado. Foi demolido para dar lugar ao Cinema Metrópole, por sua vez
demolido, mais recentemente, para tornar-se uma agência do Bradesco”35. Abaixo, o
anúncio se refere ao Cinema Odeon:

32 ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 69.
33 “Além de confeitarias, bares e lojas que constituíam ponto de referência da moda, na rua da Bahia

encontravam-se também joalherias, papelarias, comércio de bebidas finas, frutas nacionais e


estrangeiras e flores – lá se instalou, na década de 20, a Flora Barbacena, que viria a se transformar
em uma das mais tradicionais da cidade –, além das charutarias, exclusivos ambientes masculinos,
depositários dos fumos e acessórios que deleitavam os tabagistas de outrora. Na mesma rua da Bahia
estabeleceu-se, em 1901, a primeira distribuidora de jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São
Paulo, a Casa Giácomo, também uma casa lotérica” (FJP, op. cit., 1900, p. 56, grifos nossos).
34 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo

Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 28.


35 Idem, ibidem, p. 30.
132

Anúncio 4.1.: Um local para entretenimento – o Cinema Odeon (1913)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 1, julho/1913, p. 42.

O Grande Hotel da rua da Bahia anunciava, em 1900: “Neste estabelecimento,


o primeiro do Estado, montado com todos os confortos indispensáveis a
estabelecimentos congeneres, encontram os srs. viajantes esplendidas
accomodações a par de um tratamento inegualavel. Preços razoaveis”36.

Pelos anúncios publicados na primeira década deste século [século


XX] – também a primeira da cidade de Belo Horizonte –, podemos
perceber o traçado que o comércio foi realizando no centro,
apropriando-se de forma distinta do espaço e instaurando diferentes
usos em cada trecho. Nesse momento, chama atenção a importância
da rua da Bahia. Nela se concentraram os primeiros estabelecimentos
comerciais, de lazer e de encontro, que passaram a fazer parte do
imaginário da cidade ou, melhor dizendo, das representações
elitizadas que dela se faziam nas suas primeiras décadas37.

36 LIMA, op. cit., 1900, p. 236.


37 FJP, op. cit., 1997, p. 52-54.
133

Anúncio comercial que exemplifica as representações elitizadas é o de um


barbeiro e cabeleireiro do ano de 1900: o Salon Parisien, de Theodore Labarrere, além
de realizar serviços em senhores e senhoras, anunciava que seu estabelecimento
continha “sortimento de perfumarias finas”38. A Alfaiataria Moderna, de Luciano Rizzi,
era composta por “sortimento de casimiras, cheviots, sarjas, diagonaes, tricots, brins
extrangeiros e nacionais”39.
Conforme os primeiros anos após a inauguração da capital iam passando,
novas demandas foram surgindo, como por exemplo, a de necessidade de uma
companhia de seguros de vida. A Educadora, companhia nacional de seguros de vida,
fundada em 20 de setembro de 1890, na cidade do Rio de Janeiro, contava com uma
sede também em Belo Horizonte. “Suas tabellas são menos pesadas que as de
qualquer outra companhia congenere. Tem sempre pago os sinistros, sem a menor
reclamação, 24 horas após a apresentação das peças justificativas, como tem
attestado sempre os herdeiros do socio fallecido”40. Em Minas Gerais, o escritório
central se localizava na rua da Bahia, mas havia agentes da seguradora por diversos
municípios, do norte ao sul do Estado, como por exemplo em Montes Claros, Passos
e Santa Rita de Cassia, dentre outros.
Casas comerciais destinadas à alimentação, como confeitarias e bares, lugares
não apenas para consumo de alimentos e de bebidas, mas também propícios do
encontro e do lazer, fizeram parte da rua da Bahia nas três décadas iniciais do século
XX41. Daqueles lugares para alimentação, encontro e lazer, destacamos o Bar do
Ponto, o Trianon e a Bombonnière Suissa. Segundo Beatriz Borges Martins, “na
esquina da Rua da Bahia com a Av. Afonso Pena, havia um prédio grande, de dois
andares: embaixo, ficavam o Bar do Ponto, a Livraria e Papelaria Oliveira e Costa e a
Sapataria Americana, do Sr. Meirelles; em cima, funcionava o Palace Hotel, do
português Manoel Lemos”42. O Bar do Ponto43 foi inaugurado na rua da Bahia em

38 LIMA, op. cit., 1900, p. 255.


39 Idem, ibidem, p. 248.
40 LIMA, op. cit., 1900, p. 259.
41 FJP, op. cit., 1997, p. 54. “A aceleração urbana agia até na relação entre o trabalho e o lazer, pois o

trabalho e o não-trabalho eram mais facilmente separados na cidade do que no meio rural. Uma nova
época de consumo estava nascendo” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 60-61).
42 MARTINS, op. cit., 2013, p. 30.
43 “BAR – pelo café que lhe ficava em frente, escancarado para a via pública. Só entravam senhores.

Logo à frente, à esquerda, um armário quiosque de metal brunido como ouro vivo, aquecido por forninho
inferior e em cujas prateleiras estavam sempre quentes os bolinhos de carne, os pasteis, as
empadinhas de galinha. Eram o fino do fio e custavam respectivamente o tostão, duzentão. O balcão e
a estante dos cigarros – Londres, mistura especial, maço, pacote. O roliço 17. Petit Londrinos. Yolanda
134

190744, e lá se encontravam os homens para comer, tomar café e cerveja, para fumar,
para conversar sobre negócios, para torcer pelos times locais de futebol45.

O célebre Trianon, do Sr, Octaviano Caldas, ponto de encontro de


famílias e estudantes. Era dividido em duas partes. Na superior, ficava
a mercearia, onde se encontravam frutas sortidas – na época [por volta
da segunda década do século XX], quase só havia peras, maçãs e
uvas, todas importadas –, latarias, petiscos variados e sorvetes
deliciosos. O dono aceitava encomendas (...) Descendo-se dois
degraus dessa mercearia, ficava o bar propriamente dito, onde eram
servidos salgados – as empadinhas eram ótimas e sempre quentinhas
–, sorvetes e refrescos46.

Próximo do Trianon “havia a Baleira Suíssa, do suíço Carlos Norder. Era uma
maravilha: nela, eram encontrados todos os tipos de balas e caramelos que se pode
imaginar, quase todos de fabricação própria. Num cantinho, eram vendidos retalhos
de balas, muito mais baratos”47.
Comerciantes e consumidores do espaço da zona urbana, de ruas destacadas
neste capítulo, como a rua da Bahia, formavam dois grupos parecidos de Belo
Horizonte: os comerciantes não eram grandes negociantes, mas tinham, de certa
forma, privilégios, pois possuíam comércio estabelecido, comercializavam nas áreas
centrais, anunciavam seus estabelecimentos, produtos e serviços, em jornais e

verde, Yolanda azul, Liberty oval ou redondo. Bout-dorées, bouts de rose. Pour la Noblesse, a 2$000,
para freguesia certa e selecionada (...) Fósforo Pinheiro e Brilhante, dos grandes, dos pequenos, de
pinho do Paraná ou dos de cera – com fama de darem peso (...) A freguesia habitual do cafezinho e da
conversa. A especial e mais demorada, das cervejadas ostensivas ou da cachacinha pudicamente
tomada em xícaras, para não escandalizar a Família Mineira passando na rua. Os garçons já
conheciam os fregueses envergonhados e traziam a talagada dentro da louça inocente – só que o pires
vinha sem colher. Geralmente a turma da bebida ficava mais para o fundo (...) No terço central do café,
a clientela do dito, da conversa de negócio ou de ócio e a gritaria da turma do futebol. Torcedores e
jogadores do Atlético, do América, do Yale, do Palestra; veteranos do Dezessete de Dezembro, do
Sport Clube ou dos times do campeonato de 1904 – os do Vespúcio, do Colombo, do Plínio, do Mineiro,
do Estrada. Na fila da frente, os mirones que apreciavam o movimento, a passagem das moças. O café
chamado Bar do Ponto estava para Belo Horizonte como a Brahma para o Rio. Servia de referência.
No Bar do Ponto. Em frente ao Bar do Ponto. Na esquina do Bar do Ponto. PONTO – porque era o local
da Estação dos Bondes (...) Porque a estação debruçava-se sobre ele, naquele ponto de inflexão da
rua da Bahia. Todo esse trecho urbano tivera seus logradouros regularizados à custa de aterros e o
grande jardim ficara lá embaixo, acessível, aí, pela escadinha (...)”. Tal descrição do Bar do Ponto em
Belo Horizonte é de Pedro Nava, autor de obras sobre Minas Gerais e Belo Horizonte. Estudou
medicina, viveu em Belo Horizonte na década de 1920 e foi frequentador assíduo da rua da Bahia.
Nasceu em Juiz de Fora em 1903 e faleceu em 1984. A descrição se encontra em: WERNECK; SILVA,
op. cit., 1990, p. 44-46.
44 FJP, op. cit., 1907, p. 57; NEVES; AMORMINO, op. cit., 2017, p. 42.
45 “(...) o café, no começo do século, era meio casa de família, meio grêmio, meio escritório, sempre

cheio, ponto agradável de reunião e de palestra, onde se recebiam recados, cartas, amigos, conhecidos
e até credores”. COSTA, Luiz Edmundo da. O Rio de Janeiro do meu tempo. Vol. 1. Brasília: Edições
do Senado Federal, 2003, p. 349.
46 MARTINS, op. cit., 2013, p. 30-31.
47 Idem, ibidem, p. 31.
135

revistas que circulavam pela capital; os consumidores, em sua maioria, que


consumiam os produtos das áreas centrais, eram também pessoas que possuíam
condições financeiras e hábitos compatíveis com o consumo característico da rua da
Bahia, uma rua de referência do comércio para classes mais abastadas do início do
século XX.
A Confeitaria Estrella, fundada na capital mineira no ano de 1911, exemplifica
um local de consumo dos privilegiados. Se localizava na rua da Bahia, e seu anúncio
ressaltava que a casa comercial era destinada a servir a elite belo-horizontina, como
é possível observar abaixo por meio de uma propaganda de 1916:

Anúncio 4.2.: Confeitaria Estrella – para elite e excelentíssimas famílias da


capital (1916)

Fonte: Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno II, n. 12, fevereiro/1916, p. 05.
136

Da mesma forma, o estabelecimento comercial de José Xavier Borges, o Café


e Confeitaria High-Life, que apareceu em propaganda três anos antes do anúncio da
Confeitaria Estrella, era para atendimento da “rapaziada “chic” da Capital”. Oferecia
para consumo café, chá, chocolate, doces finos, sorvetes, bebidas nacionais e
importadas. Além disso, realizava encomendas para ocasiões especiais, que
poderiam ser realizadas pelo número de telefone do comércio, 361.

Anúncio 4.3.: Café e Confeitaria High-Life – para a rapaziada “chic” da capital


(1913)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 2, setembro/1913, p. 50.

As confeitarias, que ofereciam alimentos que antes eram somente preparados


em casa, como café e doces, não eram os únicos estabelecimentos comerciais que
marcavam transformações nos hábitos de vida individuais ou nos costumes coletivos,
como o de passar a se alimentar fora do ambiente doméstico. As lavanderias eram
também novidade para o contexto de Belo Horizonte do início do século XX: a
Lavanderia Santos Dumont, localizada na rua da Bahia, lavava “clinicamente por
processos modernos” roupas masculinas e femininas. O estabelecimento também era
especializado na passagem e no conserto de roupas, conforme pode ser observado
por meio do anúncio descrito abaixo:
137

Anúncio 4.4.: Modernidade e perfeição – Lavanderia Santos Dumont (1914)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 13, junho/1914, p. 48.

Presente no cotidiano de Belo Horizonte desde a época da construção da


capital, o estabelecimento comercial de Haas passou por mudanças de nome e
endereço desde sua instalação inicial48. A Constructora A. Haas & Cia., que se
localizava na avenida da Liberdade esquina com Guajajaras em 1896, passou a se
chamar Haas & Clemence em 1914. O anúncio da casa comercial mereceu uma
página inteira na Revista Vida de Minas, pois seus comerciantes “cordialmente
cumprimentam seus amigos e freguezes pela entrada do anno novo” (se iniciava o
ano de 1915)49. A loja possuía, dentre seus itens de comercialização, “enorme stock

48 Segundo Beatriz Borges Martins, “abaixo da Baleira Suíssa, na esquina com a Av. Afonso Pena,
havia um sobrado grande. Na parte de cima, morava o Sr. Arthur Haas, Cônsul dos Países Baixos, e
sua família, constituída por sua senhora, sua filha Rose e seus filhos Luiz, Edmundo – um dos bonitões
da época – e George (...). Na parte de baixo, primeiro, funcionou a Casa Arthur Haas e, depois o Banco
Pelotense” (MARTINS, op. cit., 2013, p. 31).
49 “No Natal, todos os armazéns e padarias mandavam presentes a seus fregueses: quase sempre uma

lata grande de doce “4 em 1” – goiabada, marmelada, pessegada e bananada – e uma rosca grande e
bonita” (Idem, ibidem, p. 40).
138

de kerozene e gazolina que é vendida pelo preço do Rio (...) Afamadas lâmpadas
economicas (...) Grande stock de material electrico, machinas agricolas, motores a
kerozene e electricos”. Ressaltavam que “encarregam-se de importar do estrangeiro
todo e qualquer machinismo e material para industria”. O escritório e armazém,
localizados à rua da Bahia, 874, “a cargo de diversos engenheiros, formados,
encarrega-se de levantar qualquer planta de installação industrial, electrica e
mechanica, assim como fornece qualquer informação gratuitamente”50.
Foi também na rua da Bahia que se instalou a primeira loja de departamentos
de Belo Horizonte. O Parc Royal51, estabelecimento que tinha sede também no Rio
de Janeiro, fazia propaganda em Belo Horizonte já antes de sua instalação na capital
mineira, chamando potenciais clientes para a loja52:

O Parc Royal vendeu o mez passado centenas e centenas de toilettes


de todos os generos, às mais elegantes que appareceram nas
reuniões, nos bailes, nos theatros, nos hippodromos da Capital. As
freguezas que as compram – temos a certeza – voltarão todas ao Parc
Royal cada vez que novamente precisarem vestidos. É que em cada
venda observamos o nosso preceito de trabalho, um preceito que cabe
em duas palavras: SERVIR BEM. Servir bem, servir com satisfação o
nosso cliente, quer elle compre uma carta de alfinetes, ou cem contos
de mercadorias. A este preceito adheriremos por toda a vida porque
foi elle que deu vida prospera á nossa casa (...) Peçam catálogos dos
artigos que desejarem, enviando as suas cartas: PARC ROYAL –
Seção V, Rio de Janeiro53.

50 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 1, janeiro/1915, p. 21.


51 Nas palavras de Beatriz Borges Martins: “(...) havia o Parc Royal, uma espécie de loja de
departamentos, onde se encontrava de tudo em matéria de moda, tanto masculina quanto feminina. O
Parc Royal tinha vários andares, sendo o último destinado a consultórios, onde os doutores Júlio Soares
e Juscelino Kubistchek tinham os seus, de médicos, e o Dr. Braz Ferrara, o seu gabinete de dentista”
(MARTINS, op. cit., 2013, p. 29).
52 Entre 1870 e 1880, surgiram lojas de departamento na França e na Inglaterra, bem como em outras

capitais europeias, como Berlim e Amsterdã. Tais lojas realizavam grandes pedidos de compra às
fábricas, cuja capacidade de produção havia aumentado com a eclosão da segunda Revolução
Industrial. Ao mesmo tempo que incentivavam a atividade manufatureira, as lojas de departamentos
conseguiam abatimentos junto aos fornecedores em função da quantidade demandada, o que lhes
possibilitava vender os produtos aos consumidores finais com preços mais atrativos, acelerando a
circulação das mercadorias. A peculiaridade das lojas de departamento era a venda de uma grande
variedade e quantidade de objetos com pequena margem de lucro e com preços fixos marcados. “A
utilização de vitrines de vidro, divisão por seções em especialidades, oferta de serviços (roupas sob
encomenda, por exemplo), a venda por catálogo e o investimento em publicidade somavam-se àquela
feição original e propiciavam à prática do consumo uma aura de lazer”. GORBERG, Marissa. Parc
Royal: uma magazine na modernidade carioca. Dissertação (Mestrado em História, Política e Bens
Culturais) – Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil, Fundação
Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013, p. 57-58.
53 Minas Gerais. Bello Horizonte, 09 e 10/12/1912.
139

O Parc Royal foi instalado em Belo Horizonte em 1920, na rua da Bahia, mas
num local provisório54. Depois de um ano, o estabelecimento definitivo foi inaugurado,
na mesma rua, com três pavimentos e elevador55. Se constituiu como importante
orientação do comércio sofisticado, sendo visto como um espaço que ditava a moda
corrente. “Lá foi exposto o ousado “porta-seios”, bem como outras novidades que
tornavam o vestuário feminino mais audacioso56, descobrindo pescoços, encurtando
saias ou adelgaçando tecidos”57.
Os automóveis também eram vendidos na rua da Bahia: Blériot e Renault,
carros da Ford, estes últimos por Arthur Haas, que a partir de 1918 iniciou suas
atividades naquele ramo. Posteriormente, o comerciante passou a vender apenas
veículos da General Motors. Somente depois da década de 1920 é que tanto estes
últimos veículos quanto os automóveis Buick, Ford e outros passaram a ser vendidos
em outros endereços da capital mineira58.
A rua da Bahia acumulou diversas funções ao longo do tempo: a de ser centro
de comercialização de produtos; a de ser localidade de serviços; a de ser ponto de
encontro; a de ser localidade de lazer; em comum, aquelas diversas funções serviam,
principalmente, aos estratos sociais mais abastados da capital. O sentido da
modernidade da República, período marcado por transformações urbanas em
diferentes localidades do Brasil, assim como, por novos hábitos de vida e costumes
sociais que aos poucos se difundiam – a realização de refeições fora de casa ou a
realização de serviços fora do espaço doméstico, como a lavagem de roupas em
lavanderias especializadas, dentre outros – poderia ser experimentado na rua da
Bahia, que ofertava aos consumidores a modernidade da época republicana.

A partir de diferentes atividades comerciais, essa rua constituiu-se


espaço indutor de formas específicas de sociabilidade. Era, além

54 No Rio de Janeiro, a loja de departamentos Parc Royal foi inaugurada em 1873 (GORBERG, op. cit.,
2013, p. 11). Em São Paulo, as primeiras lojas de departamento chegaram no início do século XX, em
1910. OLIVEIRA, Milena Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-
1915). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2009, p. 100.
55 FJP, op. cit., 1997, p. 54.
56 Schapochnik, ao escrever sobre as transformações na moda do vestuário no início do século XX,

ressaltou que “vieram os tailleurs, os soutiens-gorge e os dessous bordados e rendados que


proporcionavam uma nova silhueta ao corpo feminino. Fato notável para os cronistas da vida mundana
era o encurtamento das roupas femininas e o uso do cabelo à la garçonne depois da Primeira Guerra”.
SCHAPOCHNIK, Nelson. “Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: NOVAIS,
Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle
Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 490.
57 FJP, op. cit., 1997, p. 55.
58 Idem, ibidem, p. 56-57.
140

disso, o ponto de convergência ou passagem de todos, devido à


estação dos bondes, que faziam a ligação entre os diversos espaços
da cidade. Em suma: local de passagem, de lazer, de consumo e de
encontro. Lugar de difusão das novidades da moda ou da literatura (na
Livraria Francisco Alves), tendo como substrato as atividades
comerciais que lá se instalaram59.

Os estabelecimentos comerciais tanto da rua da Bahia como de outras ruas de


comércio de Belo Horizonte contribuíam para alterações de padrões de consumo e
hábitos de vida dos moradores da capital mineira: novos objetos, desde os de uso
pessoal, como roupas e sapatos até os automóveis; novos costumes, como o da
venda a prazo ou parcelada, que não estavam presentes no cotidiano da capital na
época de sua construção, iam sendo incorporados no dia a dia daquele lugar que
outrora fora um arraial60.
Se por meio das descrições e análises envolvendo a rua da Bahia foi possível
verificar o comércio de produtos, de serviços e de lazer, a avenida Afonso Pena e a
rua dos Caetés foram locais que concentraram, no início do século XX,
estabelecimentos comercias destinados a indumentária e as vestimentas.

4.4. A indumentária e a moda das vestimentas: comércio no bairro do Comércio


– avenida Afonso Pena e rua dos Caetés

Das ruas e avenidas que foram planejadas para serem do bairro do comércio,
a avenida Afonso Pena e rua dos Caetés concentraram, pelo menos durante um certo
período, estabelecimentos comerciais destinados a indumentária e as vestimentas61.

59 FJP, op. cit., 1997, p. 58.


60 “(...) o essencial, do nosso ponto de vista, é que as lojas de comércio de todas as categorias
conquistam, devoram as cidades, todas as cidades”. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material,
Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 2: Os jogos das trocas. Tradução de Telma Costa.
São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 52.
61 “Essa história das maneiras de se vestir cria várias dificuldades. A primeira é a da relação das

palavras com as coisas, e, portanto, do vocabulário do vestuário. Com efeito é preciso distinguir a
vestimenta, fato do indivíduo, que se apropria do que lhe é proposto pelo grupo, do traje ou da
indumentária, elementos de um sistema formal e normativo consagrado pela sociedade. Os fatos
primitivos de proteção, de adorno, de pudor só se tornaram fatos de vestuário pelo reconhecimento de
diferentes grupos sociais e por sua linguagem. A própria moda nem sempre significou a mesma coisa.
No século XVII, ela designava o hábito, o conformismo dos usos e das maneiras de agir, e
secundariamente tudo o que mudava segundo o momento e o lugar; era também uma maneira de
caracterizar a hierarquia social, ao mesmo tempo fixa e móvel; por fim, era um hábito moral para
denunciar “a inconstância do mundo”. A moda aprendeu a jogar com todas as possibilidades da
linguagem para acelerar o consumo, e as variações de um vocabulário muito especializado seguiram
a mudança, contribuindo ao mesmo tempo para sua evolução. Medir as inovações ou as
transformações depende em parte de nossa capacidade de compreender essa multiplicidade de
sentidos” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 257, grifos do autor).
141

Pela ótica do comércio, pode-se perceber a evolução espacial da


cidade enquanto processo de diferenciação característico do
desenvolvimento urbano. Uma de suas manifestações é o surgimento
de vários centros comerciais distintos, tanto pelo tipo de comércio
quanto pela clientela e, consequentemente, pelas relações entre os
variados atores sociais62.

Em 1900, Olympio Braziliense de Oliveira anunciava que sua casa comercial,


localizada à rua dos Caetés, contava com “calçados, chapéos de sol e de cabeça,
armarinho, modas, perfumarias, tintas, oleos (...) e uma serie enorme de artigos que
seria ocioso enumerar”63. Em 1900, a Bota Americana, situada à avenida Afonso
Pena, anunciava que “acaba de receber um bonito e variado sortimento de chapeos
de cabeça para homens, meninas e meninos, que vendem por preços baratissimos,
somente a dinheiro”64.
Segundo Beatriz Borges Martins, na primeira década do século XX, “na Rua
dos Caetés, entre a Espírito Santo e a Rio de Janeiro, havia a Casa Syria, que tinha
o maior estoque de tecidos, cama e mesa da cidade. Junto dela, alguns anos depois,
surgiu A Noiva, de D. Neném e “Seu” Tuffi Gários (...)”65. Ainda na rua dos Caetés,
havia “uma loja grande de aviamentos, a famosa Centro das Rendas, da família
Abras”66. Nela, poderiam ser encontradas diversas rendas, fitas, linhas e demais
acessórios para confecção de roupas67. A rua contava também com a Casa Michel,
de Michel Farah, que vendia casimiras e aviamentos68.

Atravessando-se a Rua São Paulo, quase chegando à Av. Afonso


Pena, havia a célebre Casa Sensitiva, que, mais tarde, passou a
chamar-se Casa Altina. Lá se faziam flores lindas e “coroas de
defunto”, pois, naquela época, para enterros, não se usavam, ainda,
coroas de flores naturais69.

Propagandas de vestimentas com detalhes, para homens, mulheres e crianças,


para o dia e para a noite, eram anunciadas nos mais diversos jornais locais. A
Primavera, localizada na rua dos Caetés, número 626, anunciava no início do século
XX, uma “grande liquidação”: estavam à venda a preço reduzido, “camisas de dia para

62 FJP, op. cit., 1997, p. 18.


63 LIMA, op. cit., 1900, p. 237.
64 Minas Gerais. Bello Horizonte, 03/04/1902.
65 MARTINS, op. cit., 2013, p. 52.
66 A família Abras continuou no ramo comercial de Belo Horizonte: a Camisaria Progresso, em 1919,

“avisa aos seus bons freguezes que temos Palha de seda, artigo de superior qualidade, a 5$000 o
metro”. Com o nome de seu proprietário, Jorge Abras. Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
67 MARTINS, op. cit., 2013, p. 52.
68 Idem, ibidem.
69 Idem, ibidem, p. 53.
142

senhora”, “camisas nocturnas”, “blusas para senhoras”, “matinées”, “saias brancas”,


“calças para senhoras”, “vestidos”, “aventaes para creanças”, “ternos para meninos
de 2 a 14 annos”, “paletosts de alpaca”, “saias de linho superior”, “calçados para
homens, senhoras e creanças, um enorme saldo por menos do custo”, “chapéos para
senhoras, um enorme saldo”, “chapéos para homens e creanças, em lebre e palha,
por menos do custo”, “galões de seda, um enorme sortimento pela metade do custo”70.
A Benjamin & Comp., localizada na rua dos Caetés, também oferecia roupas
para homens, mulheres e crianças:

Anúncio 4.5.: Benjamin & Comp. – a loja dos preços excepcionais (1913)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 3, outubro/1913, p. 58.

A respeito do vestuário, escreveu Daniel Roche:

O vestuário falava de muitas coisas ao mesmo tempo, seja em si


próprio, seja por um detalhe. Ele tinha uma função de comunicação,
pois por ele passava a relação de cada um com a comunidade. O traje
revelava primeiro a vinculação a um sexo – a adoção do traje do outro
sexo era uma subversão, perturbadora de todas as ordens nas antigas
sociedades –, a uma comunidade, à idade, a um estado, a uma
profissão, a uma posição social. Essa linguagem geral devia ser
compreendida por todos, apesar de suas variações segundo o nível

70 Minas Gerais. Bello Horizonte, 08/02/1921.


143

de fortuna, dos modos de vida, do avanço da idade, da evolução da


mobilidade social das famílias71.

As propagandas das lojas Bota Americana e A Primavera retratam alguns dos


elementos destacados por Roche sobre o vestuário, como vinculação a uma posição
social, pois um estrato da população de Belo Horizonte teria acesso a tais produtos,
não a população integralmente; a vinculação a um sexo, “chapeos de cabeça para
homens”, “calças para senhoras”; vinculação à idade, “ternos para meninos de 2 a 14
annos”.

O sistema de consumo supre os indivíduos com os materiais culturais


necessários à realização de suas variadas e mutantes ideias do que é
ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de mais-idade ou um
idoso, um pai, um cidadão ou um profissional. Todas essas noções
culturais estão concretizadas nos bens, e é através de sua posse e
uso que o indivíduo as assimila em sua própria vida72.

Algumas casas comerciais ressaltavam a qualidade de seus estabelecimentos


porque comercializavam produtos de Estados vizinhos, como A Bota Horizontina, que
oferecia calçados da Companhia Calçado Rocha, de São Paulo, para homens,
mulheres e crianças:

71 ROCHE, op. cit., 2000, p. 258.


72 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 119.
144

Anúncio 4.6.: Os calçados da Calçado Rocha de São Paulo – A Bota


Horizontina (1914)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 11, abril/1914, p. 42.

Característica de algumas lojas de departamento, o preço fixo, poderia também


ser observada em estabelecimentos comerciais de Belo Horizonte no final da década
de 1920, como na Casa Vermelha, situada na Afonso Pena e especializada em
calçados, chapéus, camisas e gravatas, que vendia “tudo moderno e chic”:
145

Anúncio 4.7.: A loja Casa Vermelha, o preço fixo (1919)

Fonte: Revista Tank. Bello Horizonte, n. 7, fevereiro/1919, p. 02.

Acessórios diversos para a composição dos trajes também eram oferecidos


naquelas ruas. A Ancora Americana, de Theodomiro Cruz & C., localizada na rua dos
Caetés, número 434, oferecia, em 1910, a preços módicos, “variado sortimento de
relogios e joias de ouro de lei, bijouterie, oculo e pense-nez. Sortimento especial dos
legitimos relogios Omega”73.
Em 1924, a Casa Esmeralda, joalheria “mais chic” da capital mineira,
localizada à avenida Afonso Pena, anunciava inúmeros benefícios para os
consumidores que lá resolvessem adquirir uma joia, confeccionar ou consertar alguma
peça, e ainda, ressaltava o atendimento à domicílio 74. Na época, a joalheria,
certamente atendia às camadas superiores de Belo Horizonte, as que poderiam
usufruir do luxo que era possuir uma joia75:

A Joalheria mais chic da Capital marcou preço em todas mercadorias


expostas, é evidente que quando uma casa assim procede, dá cabaes
mostras de sua seriedade, além disto acceita de volta, para trocar,
qualquer objecto sem perca em seu valor, acceita a devolução
definitiva devolvendo o dinheiro dado, si o artigo comprado não
corresponder a garantia dada. Officina para confecção e concertos de
Joias e Relogios, Douração, Prateação Gravuras a buril, cinzel, agna
forte, fabrico de escudos para clubs e placas para Automoveis. Acceita
chamado a domicilio para compras de Joias, Ouro, Prata e Platina

73 Revista Novo Horizonte. Bello Horizonte, anno I, n. 1, setembro/1910, p. 21.


74 “A primeira joalheria da cidade foi a joalheria Diamantina, que ficava na esquina da Rua Tupis com a
Av. Afonso Pena, onde se vendiam joias em geral, relógios, bronzes, pratarias, etc” (MARTINS, op. cit.,
2013, p. 50).
75 “O luxo tem pois muitas faces, conforme as épocas, os países ou as civilizações em causa (...) O

luxo não é apenas raridade, vaidade, é sucesso, fascínio sociais, o sonho que os pobres um dia
realizam fazendo-o perder imediatamente o seu antigo brilho (...) Os ricos estão portanto condenados
a preparar a vida futura dos pobres. Afinal, é a sua justificação: ensaiam os prazeres de que as massas,
mais tarde ou mais cedo, irão apoderar-se” (BRAUDEL, op. cit., 1997, p. 162).
146

pagando os melhores preços. Av. Affonso Penna, 692. Em frente á


Casa Crystal76.

A Casa Saliba possuía diversos tecidos para que os consumidores pudessem


se vestir com luxo: “Examinem as grandes novidades recebidas recentemente: Sedas,
Crepe Pellica, Crepe Georgete, Crepe Santé, Crepe Radio, Sedas para manteaux,
Sedas para costumes – Astrakan, Ottoman, Faile de seda, Gorgurão de seda,
Charmeuse, Charmeuse Lion, Lion, etc”. Os tecidos comercializados eram “tecidos
finos e linho belga, bellissimo sortimento de voile em todas as cores, 10.000 metros
de retalhos para saldar”. Contavam ainda com “as grandes novidades para bebês.
Lindos cobertores para creanças, com figuras”. O endereço da casa comercial era na
avenida Afonso Pena, 315, telefone 46077.
A Alfaiataria Guanabara também anunciava roupas, além de demais acessórios
para a composição de trajes, em 1928:

Anúncio 4.8.: No palacete – Alfaiataria Guanabara (1926)

Fonte: Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/06/1926.

76 O Horizonte. Bello Horizonte, 16/04/1924.


77 Diário de Minas. Bello Horizonte, 22/08/1928.
147

Todavia, não apenas produtos voltados para indumentária e vestimenta se


comercializavam na avenida Afonso Pena e na rua dos Caetés nos anos iniciais do
século XX. Segundo Beatriz Borges Martins, “andando-se um pouco pela Av. Afonso
Pena (...) ficava o belíssimo prédio dos Correios e Telégrafos, que, infelizmente, já foi
demolido, como outros da época. Sua escada era monumental”78. Continuando na
Afonso Pena, “no quarteirão seguinte, ficava a Papelaria Dias Leite e a Casa Longo,
do Sr. Felipe Longo. Nesta loja, quase tudo era importado. Nunca mais vi os petits-
pois Philippe Canaud, de origem francesa, deliciosos, com bolinhas miudinhas e bem
macias, que eram vendidos lá”79. Em frente, “havia a Casa Ferreti, onde a cidade
inteira comprava ou consertava seus guarda-chuvas. E, também, o Studio, do Sr. Igino
Bonfioli, o fotógrafo mais conhecido da cidade”80.
Na avenida Afonso Pena foi inaugurada, no ano de 1927, “o ponto chic da élite”,
uma confeitaria que contava com “arte, luxo, conforto, hygiene e distincção”, além de
orquestra permanente:

78 MARTINS, op. cit., 2013, p. 53.


79 Idem.
80 Idem.
148

Anúncio 4.9.: Império – o ponto “chic” da elite (1927)

Fonte: Revista Cidade Vergel. Bello Horizonte, anno I, n. 2, /1927, p. 10.

Recomendação aos recém-chegados a Belo Horizonte no início da década de


1920 ressaltava a comercialidade da rua dos Caetés e a beleza da avenida Afonso
Pena:

Sendo a primeira vez que vem a Bello Horizonte, deve evitar passar
pela avenida do Commercio, porque terá péssima impressão desta
cidade, pois esta via pública é dotada de pouca ou nenhuma hygiene,
ao passo que, passando pela rua Caetés, ficará bem impressionado,
porque esta rua é linda, limpa e muito commercial. Ao entrar na
avenida Affonso Penna, o cavalheiro pensa logo que está nas
margens do rio Mississipi, na América do Norte (por causa da
arborização), porém, engana-se; esta avenida é o cumullo da beleza81.

81 “Para evitar um desastre”. A Gare. Bello Horizonte, v. 1, n. 1, novembro/1922.


149

Ainda que o comércio em Belo Horizonte tenha se expandido do bairro que


deveria ser de comercialização, conforme a planta da CCNC, logo no início do século
XX algumas ruas daquele perímetro contaram com movimento importante de lojas,
como as que destacamos nesta seção. A avenida Afonso Pena e a rua dos Caetés
concentraram na época estabelecimentos comerciais que possibilitaram que nós a
caracterizássemos como locais voltados a moda da indumentária e das vestimentas:
a Bota Americana comercializava chapéus, que eram importados; a Centro das
Rendas era uma grande loja de aviamentos; A Primavera liquidava diferentes tipos de
roupas, para homens, mulheres e crianças; a Casa Saliba possuía uma infinidade de
tecidos, muitos deles vindos do exterior; a Alfaitaria Guanabara contava com calçados
finos, últimas criações de chapéus, camisas e ternos. Esses são apenas alguns dos
exemplos de lojas destinadas à indumentária e à vestimenta que se concentraram
naquelas duas localidades nos anos iniciais de formação de Belo Horizonte.
Ruas que inicialmente não foram planejadas para serem de comercialização,
Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás concentraram gêneros variados de
comercialização e foram estabelecimento de alguns profissionais liberais.

4.5. Os gêneros e os serviços variados: comércio nas ruas Guajajaras, Espírito


Santo e Tupinambás

De acordo com o Almanack da Cidade de Minas, as ruas Guajajaras, Espírito


Santo e Tupinambás eram consideradas ruas importantes da cidade no ano de 1900 82,
principalmente porque se situavam na área urbana. À importância de tais ruas de se
situarem na área urbana de Belo Horizonte, se somou a relevância de também serem
ruas de comercialização de bens e serviços prestados por profissionais liberais83.
Vale ressaltar, antes da descrição e análise dos estabelecimentos comerciais
de produtos e dos serviços localizados nas ruas Guajajaras, Espírito Santo e
Tupinambás, que diversos produtos importados que chegavam a Belo Horizonte
passavam por São Paulo ou pelo Rio de Janeiro antes; inclusive, comércios de Belo

82LIMA, op. cit., 1900, p. 13.


83O status de capital político-administrativa fazia de Belo Horizonte um mercado consumidor, mercado
aquele que propiciava o incremento comercial. “Além dessas três ruas [Bahia, Espírito Santo e dos
Caetés] até 1910, registram-se anúncios, inexpressivos em termos numéricos, de estabelecimentos
comerciais nas ruas Carijós, Tupinambás, Goiás, Paraíba, Alagoas, São Paulo e nas avenidas
Liberdade e Amazonas” (FJP, op. cit., 1997, p. 47, 58-59).
150

Horizonte tinham suas matrizes no Rio de Janeiro; bem como, a publicidade belo-
horizontina ressaltava as casas comerciais paulistana e carioca.
A Vivaldi & Comp. era loja de importação e exportação, e contava com os ramos
de ferragens e cutelaria, composto por “completo sortimento de ferragens, tintas,
vernizes, ferramentas finase grossas, para todas as artes e fficios, lavoura, etc.
utensílios em geral para uso domestico, louça esmaltada e artigos americanos”; e os
ramos de luz e tração elétrica, com “deposito permanente de todos os artigos
concernentes a electricidade. Materiaes para installações electro-mechanicas,
motores, dynamos, telephones, campainhas, lampadas, pararaios, cinematographos,
etc. Tudo importado directamente dos fabricantes”. Ressaltavam que “fazem-se
quaesquer installações nas capitaes e interior dos Estados”84. O anúncio estava num
jornal de circulação em Belo Horizonte, o Minas Gerais. A Vivaldi & Comp. tinha seu
endereço principal na rua São Bento, números 14 e 16, São Paulo. Possuía também
instalações nos municípios mineiros de Alfenas, Três Corações, Três Pontas, São
Sebastião do Paraíso e Carangola.
A’ La Ville de Paris comercializava uniformes e outras roupas; possuía sede no
Rio de Janeiro e também na rua Espírito Santo da capital mineira no ano de 1914:

Anúncio 4.10.: A’ La Ville de Paris – uniformes e roupas feitas (1914)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 13, junho/1914, p. 48.

A Joalheria Progresso, do Rio de Janeiro, possuía também casa comercial no


centro de Belo Horizonte. Avisava aos clientes que não precisavam se preocupar com

84 Minas Gerais. Bello Horizonte, 09 e 10/12/1912.


151

“antecipação de pagamento, nem obrigação de as adquirir [as joias] quando não


agradem”85.
O depósito da Drogaria Giffoni, farmácia que curava “com uroformina, poderoso
dissolvente de areias e calculos de acido urico e uratos”, se localizava à rua 1º de
Março, número 17, Rio de Janeiro, mas sua propaganda estava presente também em
Belo Horizonte86.
Portanto, o comércio de Belo Horizonte se desenvolvia também com influências
de São Paulo e do Rio de Janeiro. Localidades aquelas que poderiam ser
consideradas centros comerciais brasileiros na passagem do XIX para o XX e que
eram influenciadas pela moda e pelo comércio estrangeiros.
As três ruas que destacamos nesta seção, Guajajaras, Espírito Santo e
Tupinambás possuíam distintos objetos materiais para comercialização, conforme
poderá ser compreendido por meio de exemplos citados a seguir. Na Benevenuto
Mancini, “casa especial de tintas”, os fregueses encontrariam “sortimento de molduras
douradas, espelhos de França, vidros para vidraças e fazem-se quadros de qualquer
tamanho, etc., etc., etc.”. Sua localização era rua Tupinambás87.
A Bellas Artes, estabelecimento de tintas e pinturas de Frederico Antonio
Steckel, pintor-decorador, contava com tintas, vernizes, brochas, pincéis e artigos
para desenhos; possuía também molduras para quadros e espelhos, vidros, papel
pintado. Pintava casas, igrejas, teatros, etc, “tudo por preço excessivamente modico”.
Se situava à rua Guajajaras e, no ano de 1900, teve anúncio em jornal de grande
circulação e no Almanack da Cidade de Minas.
Assim como alguns comerciantes da área urbana de Belo Horizonte, Frederico
Steckel possuía meios para anunciar seus produtos em diferentes veículos de
comunicação, o que não ocorria com outros comerciantes da época, como os da área
suburbana da capital. Abaixo seguem os anúncios da Bellas Artes:

85 Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.


86 Diário de Minas. Bello Horizonte, 30/12/1930.
87 LIMA, op. cit., 1990, p. 255.
152

Anúncio 4.11.: A loja de decorações Bellas Artes (1900)

Fonte: Diário de Minas. Bello Horizonte, 1900.

Fonte: LIMA, 1900, p. 233.


153

A casa comercial de Antonio Garcia de Paiva oferecia aos consumidores


cimento, cal, madeiras, manilhas, dentre outros materiais de construção. Seu depósito
também continha alfafa, milho e farelo. O endereço do depósito era rua Espírito
Santo88. O estabelecimento A Casa Nova, de Adelstano Antonio Alves da Silva,
apresentava diversos materiais para decoração de casas, pois era equipado com
“grande sortimento de porcellanas, louças, granito, vidros moldados, crystaes Bacarat
e outros, vidros de vidraça, quadros, molduras, espelhos, etc”. Vendia por atacado e
varejo e se localizava na rua dos Guajajaras, abaixo da avenida Liberdade, em frente
ao Café Mineiro89.
Além de tintas, materiais para construção e para decoração de interiores
domésticos, as três ruas que destacamos reuniam papelaria, tipografia, peças para
carros, alfaiataria, modista e profissionais liberais. A Art-Nouveau era papelaria,
tipografia e especializada em fotografia, com localização na rua Espírito Santo:

Anúncio 4.12.: Papelaria, tipografia e fotografia – Art-Nouveau (1913)

Fonte: Revista Vita. Bello Horizonte, anno I, n. 2, setembro/1913.

88 LIMA, op. cit., 1990, p. 241.


89 Idem, ibidem, p. 260.
154

A Typografia Victoria fazia “serviço de primeira ordem. Executa com esmero e


pontualidade qualquer trabalho da arte. Preços baratíssimos”. Seu endereço era rua
Tupinambás, 52790.
Na rua Tupinambás também se comercializava peças de carros:

Anúncio 4.13.: Peças para carros, “stock” completo (1926)

Fonte: Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/06/1926.

Muitos dos produtos para consumo citados passaram a ser demandados


conforme Belo Horizonte ia se consolidando como uma capital e recebendo influências
de hábitos e costumes externos. Necessidades que não se faziam presentes no antigo
arraial de Curral Del Rei ou na antiga capital, Ouro Preto, eram, no início do século
XX, relevantes. “O consumo se torna elemento muito mais importante no padrão de
vida dos que vivem na cidade do que no padrão de vida dos que vivem no campo”91.
Na rua Guajajaras, em frente à Academia de Direito, se situava a Ourivio &
Comp., uma alfaiataria formada por “completo e variadissimo sortimento de fazendas,

90Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.


91VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo econômico das instituições). Tradução de
Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965, p. 91.
155

modas, armarinho, calçado nacional e extrangeiro para homens, senhoras e creanças,


chapéos de sol e de cabeça. Guarnições, rendas, gases, plisses, fitas, etc”. Contava
também com “roupas de cama e mesa: colchas, toalhas, guardanapos e cretones para
lençóes” e “magnifico sortimento de casimiras, sarjas, sarjões, crepes, diagonaes,
pannos, cheviots, elasticotines, tricots e outros tecidos para roupas de homens”. A
alfaiataria anunciava, ainda, “officinas de alfaiataria dirigidas por um hábil tailleur que
tem trabalhado como contra-mestre nas principaes casas do Rio de Janeiro”.
Finalmente, “chama-se a attenção do publico para o bom gosto, luxo e superior
qualidade dos artigos de que se compõe a secção de senhoras. Vendas a dinheiro
por preços baratissimos”92.
A loja A Elegancia de Minas, de Mme. Maria Augusta Pereira, modista, se
situava na rua Espírito Santo, número 48693 e levava para a capital referências
francesas94, moda na época95. A respeito de transformações na moda do vestuário no
início do século XX, escreveu Schapochnik:

Nas primeiras décadas do século XX, o trio composto pela velha


casaca, cartola e luvas bem como os costumes de lã e linho em tons
de cinza ou preto foram sendo substituídos por trajes mais esportivos
feitos de sarja, alpaca, palm beach em tons claros acompanhados de
chapéu panamá ou palheta. Um novo tipo de corte para as calças
masculinas, que passaram a exibir duas pregas laterais na parte da
frente, em contraposição ao corte anatômico das calças estreitas e
curtas, atenuou a visibilidade das barrigas protuberantes e liberou os
homens do uso das cintas de elástico. Botinas e borzeguins foram
substituídos por sapatos. Os trajes femininos incluíam o espartilho e a
saia de arrastar, e entre os acessórios estavam sombrinha, bolsa e
chapéu96.

Além dos gêneros variados para consumo, as ruas Guajajaras, Espírito Santo
e Tupinambás também contavam com alguns profissionais liberais no início do século

92 LIMA, op. cit., 1900, p. 251.


93 Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 2, janeiro/1915, p. 21.
94 No início do século XX, sendo a referência da moda Paris, o bom gosto e a modernidade se

associavam à capital francesa. Era comum nas lojas belo-horizontinas, as modistas e cabeleireiras
possuírem nomes franceses ou alusivos à França, sendo isto um atrativo para os consumidores. É
possível citar, por exemplo: a) “Mme. Adrienne Jorand”, que anunciava trabalhos em cabelos; b) “Salão
Parisience”, na rua da Bahia, que anunciava perfumarias; c) “Notre-Dame de Belo Horizonte”, também
na rua da Bahia, que vendia roupas, armarinhos, calçados, perfumarias, acessórios, etc.; d) “Elegância
Parisiense”, sob a direção da modista Mme. Dora Bermain (FJP, op. cit., 1997, p. 69).
95 Em São Paulo da passagem para o século XX, “em meio à multiplicação de costureiras de todos os

tipos (...) as modistas tentam sobressair-se procurando algum diferencial para os seus produtos. Afinal,
qualquer costureira poderia agora reproduzir determinado modelo servindo-se simplesmente de moldes
publicados no jornal A Estação, versão paulistana do figurino francês La Saison” (OLIVEIRA, op. cit.,
2009, p. 96). Assim também em Belo Horizonte, modistas tentavam ser um diferencial, com suas
referências importadas.
96 SCHAPOCHNIK, op. cit., 1996, p. 490.
156

XX. O Dr. José Spinelli era médico, operador e parteiro, formado pela Universidade
de Nápoles e pela Faculdade de Medicina e Pharmacia do Rio de Janeiro,
“especialista em doenças venarias e syphiliticas”. Seu consultório era na rua
Tupinambás97. O Dr. Sizinio R. Pontes atendia na rua Guajajaras, número 510 (entre
a rua da Bahia e a Espírito Santo), das 8h até às 11h. Suas especialidades eram
febres, sífilis, moléstias do estômago, pulmões e intestinos98. J Cabral Flecha era
dentista e trabalhava numa clínica dentária à rua Espírito Santo, número 871; atendia
somente nos dias úteis, de 8h às 10h e de 16h às 18h99.
O cirurgião dentista Rufino Motta possuía uma clínica de estomatologia situada
na rua Tupinambás. Atendia gratuitamente as pessoas pobres aos domingos, de 8 até
às 11 horas da manhã, conforme anúncio mostrado abaixo:

Anúncio 4.14.: Clínica stomatologica, tratamento grátis aos pobres (1915)

Fonte: Revista Comercial. Bello Horizonte, anno I, n. 7, outubro/1915.

Além dos profissionais dedicados à saúde, tais ruas contaram com outros: o
advogado Dr. Noronha Guarany tinha escritório na rua Espírito Santo, número 1.463,
e atendia de 15h às 18h100. Os que desejassem aprender línguas novas, poderiam ter
aulas com uma professora que ensinava “theorica e praticamente inglez, francez e
allemão”, na rua Espírito Santo, número 993101. Ainda, na mesma rua Espírito Santo,

97 LIMA, op. cit., 1900, p. 248.


98 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
99 O Horizonte. Bello Horizonte, 15/04/1924.
100 Minas Gerais. Bello Horizonte, 08/02/1921.
101 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
157

número 1.192, o professor Euclydes Ferreira, formado pela Escola de Minas, dava
aulas de “Arithmetica (diarias), Algebra, Geometria, Trigonometria, Latim (diarias)”102.
As três ruas que destacamos nesta seção, portanto, foram compostas por
comércios que ofereciam variedades aos consumidores, assim como, foram locais de
estabelecimento de alguns profissionais liberais.
Entre os anos de 1910 e 1920, os bairros Floresta e Lagoinha – bairros
suburbanos populosos da época – se firmaram como centros comerciais. No bairro
Floresta, as principais ruas eram Pouso Alegre e Itajubá, da mesma forma, a avenida
do Contorno. No Lagoinha, a rua que concentrava os estabelecimentos comerciais
era a Itapecerica. “Nesses locais irá se desenvolver, principalmente, o “comércio de
bairro”, visando atender às necessidades cotidianas da população local:
essencialmente gêneros alimentícios, vestimentas e outros bens de primeira
necessidade”103. Nos anos 1920, outro bairro da capital, o Barro Preto, também se
destacou no setor comercial, o que poderia se verificar por meio de sua presença na
publicidade belo-horizontina: a loja A Maravilha, por exemplo, situada à rua Araguari,
em 1928 anunciava: fazendas, armarinhos, chapéus e novidades104.
A Belo Horizonte, que foi projetada contando com uma área específica de
comércio, viu que logo nas duas primeiras décadas do século XX, o que deveria ser o
espaço para comercialização se expandiu, não apenas para demais ruas da área
urbana, mas também para outros bairros mais afastados do centro. Se na região
central se concentrava um comércio de classes mais abastadas, nos bairros ao redor
do centro se desenvolvia também um comércio, mais popular, para atender a
população que lá residia.

4.6. Um comércio de produtos e de serviços no centro da capital

No presente capítulo, averiguamos três circuitos de comércio da área urbana


de Belo Horizonte, ressaltando, além dos nomes de comerciantes e de
estabelecimentos comerciais, os bens materiais que fizeram parte da cultura de Belo
Horizonte, especialmente no início do século XX. Aquele comércio pode ser
considerado um comércio de médio porte, que atendia, especialmente, os

102 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/03/1922.


103 FJP, op. cit., 1997, p. 60.
104 Idem, ibidem.
158

consumidores locais. Especialmente, mas não apenas os locais, já que casas


comerciais vendiam também para fora da capital.
O primeiro circuito de comércio da área urbana da capital mineira nós definimos
como o referente a rua da Bahia, a rua que pode ser conceituada como a mais
comercial da capital na época, porque oferecia para consumo uma infinidade de
produtos e serviços. Gêneros alimentícios, que faziam parte dos novos costumes,
poderiam ser encontrados na Rua da Bahia: as confeitarias ofereciam balas, doces
finos, chocolate, chá, café, sorvetes, bebidas nacionais e importadas. As casas
comerciais de alimentos não eram apenas lugar para compra de comida e de bebida,
mas locais de encontro e de lazer, onde as refeições poderiam ser realizadas para
além do espaço doméstico.
Na rua da Bahia se encontravam vestimentas e acessórios para a composição
de trajes, as modistas e alfaiates confeccionavam roupas, reformavam e enfeitavam
chapéus. Foi estabelecimento, a rua da Bahia, de comércios variados nas três
décadas iniciais do século XX: possuía farmácia; loja de departamentos, o Parc Royal,
a loja de influência internacional que tinha também sede no Rio de Janeiro; o Bar do
Ponto, local de encontro; teatro, cinema e hotel; lavanderia, caso se desejasse que
terceiros realizasse a tarefa de lavagem das roupas; loja de automóveis; foi
localização, ainda, de profissionais liberais, como médicos e professores.
O segundo circuito de comércio se configurou com a avenida Afonso Pena e a
rua dos Caetés. Aquelas localidades que, de acordo com o planejamento da comissão
construtora da capital, comporiam o Bairro do Comércio, concentraram
estabelecimentos comerciais voltados a indumentária e as vestimentas. Naquela
avenida e rua, era possível encontrar roupas para homens, mulheres e crianças, de
diferentes idades: calças, camisas, vestidos, saias e paletós. Além disso, materiais
para confeccionar vestimentas poderiam ser comprados, como tecidos variados
importados; crepe, seda e tecidos finos, dentre outros; aviamentos diversos, como
rendas, fitas e linhas. Acessórios para compor os trajes eram oferecidos: chapéus,
joias, óculos e relógios. Roupas de cama e de mesa, colchas, toalhas, também
poderiam ser encontradas nas casas comerciais da avenida Afonso Pena e rua dos
Caetés.
Finalmente, as ruas Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás, formam o
terceiro circuito de comércio por nós definido com base em nossas fontes. Aquele
circuito concentrou gêneros variados para consumo e serviços de profissionais
159

liberais. Naquelas localidades encontrava-se estabelecimento de importação e


exportação dos ramos de ferragens e cutelaria, luz e tração elétrica; loja especializada
em confeccionar uniformes; casa de tintas e de materiais para construção, como
cimento, cal, madeira e manilhas; peças de carro; papelarias. Profissionais liberais
também se estabeleceram naquelas localidades: médicos, dentistas, advogado e
professores.
A evolução urbana, econômica e cultural que Belo Horizonte passou desde
1894 até 1930 pode ser compreendida, portanto, pela ótica da atividade comercial. Do
ponto de vista urbano, foi possível entender como o comércio se expandiu
geograficamente do bairro do Comércio para outras localidades, formando diferentes
circuitos de comercialização. Do ponto de vista econômico, é possível afirmar que o
setor comercial se constituiu numa relevante atividade de Belo Horizonte, sendo
formado por comerciantes nacionais e do exterior; a cidade recém criada, sem
indústria constituída, tinha no setor comercial um alicerce para o crescimento
econômico. Do ponto de vista cultural, é possível ressaltar os costumes relacionados
aos bens materiais e serviços consumidos, como por exemplo, as confeitarias e cafés
auxiliavam na mudança de hábitos, como o de se alimentar também de alimentos
feitos fora dos espaços domésticos e em locais que não fossem as residências fixas
dos consumidores; os serviços, oferecidos por terceiros, como a lavanderia,
representavam a inserção de um hábito relativamente novo, o de deixar os cuidados
com a roupa por conta de terceiros, fora do espaço doméstico; os produtos
importados, oferecidos para consumo, também marcavam costumes internacionais
sendo inseridos na economia local.
A modernidade da Primeira República poderia ser sentida pelos consumidores
da capital mineira através do comércio da cidade, especialmente da área central, que
oferecia variedades de objetos e serviços para serem consumidos. Bens e serviços
estavam, portanto, sendo distribuídos pela capital de Minas Gerais, tanto pelos
ambulantes de gêneros, que levavam mercadorias e serviços até as residências dos
demandantes, como pelos comerciantes de casas comerciais estabelecidas no centro
de Belo Horizonte.
Se no presente capítulo entendemos o consumo como expressão da cultura
material, ou seja, compreendemos que diversos bens materiais circularam por Belo
Horizonte no período republicano e expressaram o cotidiano belo-horizontino em
forma de matéria, no próximo capítulo trataremos da relação entre consumo e
160

dinâmica social. Objetos materiais e bens móveis serão percebidos para além de sua
materialidade, sendo relevante o significado do consumo dada uma demarcação de
estratos sociais.
161

CAPÍTULO 5

CONSUMO E DINÂMICA SOCIAL – OBJETOS MATERIAIS E BENS


MÓVEIS CONSUMIDOS PELA CLASSE MÉDIA

“Belo Horizonte é a imposição de uma “urbis” planejada claramente para delimitar os


espaços das classes sociais” (PIMENTEL, 1989, p. 28).

Desde antes do início das obras de construção da capital se iniciarem, quando


a cidade ainda estava no papel e na imaginação, já havia uma delimitação de áreas
às quais residiriam os moradores da Cidade de Minas, que habitariam determinado
espaço dependendo de sua condição econômico-financeira e social. Desta forma, é
possível refletir sobre os diferentes estratos da população que residiu na capital na
passagem do século XIX para o século XX, especialmente nas três décadas iniciais
do século XX. Com base em nossas fontes de pesquisa e na bibliografia disponível,
nós identificamos o segmento da classe média em Belo Horizonte.
Trabalharemos no presente capítulo com a associação entre consumo e
dinâmica social, pois entendemos que práticas de consumo podem caracterizar uma
determinada camada populacional dentro de uma sociedade.
Iniciaremos o capítulo tratando da cidade dividida, considerando segregação
social e racial em Belo Horizonte. Em seguida, discutiremos a respeito das frações da
classe média belo-horizontina, ou seja, os grupos que formavam o segmento da
classe média da capital na passagem para o novecentos. Depois de identificados
estes grupos, vamos explorar nossas fontes analisando a classe média compreendida
por meio de artefatos de museus e de inventários post-mortem. Assim, será possível
identificar um perfil de consumo para aquele estrato social.

5.1. A cidade dividida: segregação social e racial na capital

Como foi possível entender por meio do capítulo dois, quando analisamos o
planejamento da comissão construtora, o plano contava com três áreas claramente
definidas do ponto de vista geográfico e urbano: a área urbana, a área suburbana, a
área de colônias. Belo Horizonte foi pensada, antes de ter sido, de fato, construída,
de forma a separar as pessoas em diferentes áreas1.

1“A distinção zona urbana, suburbana e rural (...) implicou em uma cidade socialmente hierarquizada
caracterizando os limites suburbano e rural a condição de espaços de segunda classe. Seu
162

Nas palavras de Thais Pimentel, a respeito de uma segregação social em Belo


Horizonte:

Não que Ouro Preto ou as demais cidades coloniais não fossem


segregadoras. Claro que eram, mas o “plano da cidade” era fortuito,
aleatório. Nelas não nos deparamos com a intervenção do Estado para
“marcar lugares” como se verá depois na Paris de Haussmann, na
Viena de Sitte e Wagner, no Rio de Janeiro de Pereira Passos ou na
Belo Horizonte de Aarão Reis2.

Dado que, desde o papel, nas plantas da comissão construtora, Belo Horizonte
já contava com áreas diferentes para camadas populacionais distintas, é possível
destacar grupos sociais no final do século XIX e, especialmente, no início do século
XX, que habitaram ou passaram por Belo Horizonte. Os trabalhadores, que
construíram as ruas, avenidas, praças e demais espaços públicos, por exemplo, não
residiram no mesmo espaço urbano que alguns comerciantes da capital mineira, que
possuíam estabelecimento comercial na área central da cidade e residiam, também,
naquela mesma área3.

As populações pobres viviam para além dos limites da Avenida do


Contorno, numa área considerada perigosa e insalubre, com sua
paisagem de matos ralos entrecortados por humildes cafuas,
contrapondo-se quase como uma não-cidade em relação aos espaços
centrais e planejados, num exílio espacial coerente com a exclusão do
exercício da cidadania efetiva4.

crescimento, ao longo das primeiras décadas do século XX, contrariou as expectativas iniciais da
Comissão Construtora da Nova Capital, pois a cidade, em um primeiro momento, teve crescimento
expressivo nos subúrbios. Causou impacto no abastecimento de água, no fornecimento de energia
elétrica e na gestão dos esgotos. O abastecimento de água foi durante muito tempo um impasse para
os prefeitos”. OLIVEIRA, Carlos Alberto. A nova capital em movimento: a reconfiguração dos espaços
públicos em Belo Horizonte (1897-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012, p. 95.
2 PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. A torre Kubitschek – trajetória de um projeto em 30 anos de Brasil.

Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual


de Campinas, Campinas, 1989, p. 28.
3 “Em se tratando da população de baixa renda, os urbanistas responsáveis pela construção da cidade

de Belo Horizonte não tiveram a mesma preocupação com os assentamentos residenciais como
tiveram com as residências e ruas localizadas dentro do perímetro urbano da avenida do Contorno.
Acostumada a incorporar uma carga negativa, a arquitetura espontânea (ou seja, construções sem a
supervisão de profissionais do setor) predominou nos bairros humildes. A reforma restringiu-se à
simples maquiagem, pois atrás dos prédios de fachadas determinadas pelas normas da construção
civil estavam as casas/cortiços com chiqueiros e nenhum tipo de ventilação, resultado da precariedade
das condições de vida da população destas localidades. Dizia-se que um lado de Belo Horizonte
cheirava a lenços d´alcobaça e a mofo das secretarias, e o outro lado da cidade cheirava a água de
colônia, toucinho e álcool”. JULIÃO, 1996 apud PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. Instituições
sociais e a resolução do problema da ação coletiva: um estudo das associações trabalhistas de Belo
Horizonte no início do século XX. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016, p. 71-72.
4 DUARTE, Regina Horta. “À sombra dos fícus: cidade e natureza em Belo Horizonte”. Ambiente &

Sociedade. Campinas, v. X, n. 2, p. 25-44, jul-dez. 2007, p. 27.


163

Vale frisar, a segregação social não era especificidade de Belo Horizonte.


Cidades brasileiras que passaram por transformações urbanas nos séculos XIX e XX
experimentaram, juntamente com os programas de urbanização, os processos de
exclusão de determinados grupos sociais de espaços específicos, como as áreas
centrais das cidades. Nas palavras de Marins, “as reformas urbanas empreendidas no
Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, foram baseadas nas obras de melhorias
urbanas da “figura tirânica” de Haussmann, que foi responsável pelas reformas
urbanas da Paris de meados do século XIX (1853-1870)”. Ainda de acordo com o
autor, a lógica parisiense deveria ser a da funcionalidade de espaços públicos, sendo
os bairros onde residiam as pessoas pobres controlados pelo Estado, pois
ameaçavam a segurança “e o esplendor das burguesias”5.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o cenário do início do século XX fora marcado
pela Regeneração, um plano de três dimensões que previa a modernização do porto,
o saneamento da cidade e determinadas reformas urbanas. Ficou responsável pelas
reformas urbanas o urbanista Pereira Passos, que havia acompanhado a reforma
urbana parisiense, sob o projeto de Haussmann6. Destacaremos as reformas urbanas
da Regeneração carioca, pois algumas podem ser comparadas às de Belo Horizonte
do início do século XX. “Belo Horizonte também se tornou um local de segmentação,
que hierarquizou seu território e expulsou para a área suburbana e rural as camadas
populares, incluindo os trabalhadores”7.
Na época da Regeneração carioca, cortiços foram demolidos e casas
juntamente com seus moradores foram excluídas de áreas centrais da cidade do Rio
de Janeiro, para que em seus lugares fossem construídos prédios públicos, casas
planejadas e largas avenidas. O mesmo ocorreu com o espaço do antigo arraial de

5 MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada
no Brasil – Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 134. Segundo o autor, a privacidade das populações de Paris, que tiveram suas habitações atingidas
pelas reformas urbanas, foram sujeitas ao interesse público. “As reformas haussmannianas foram
sendo satisfeitas com base na opressão social dos mais pobres. Milhares de moradias foram destruídas
para que as reformas pudessem tomar forma, sendo que as novas construções passavam por vista
grossa das autoridades governamentais, o que restringia de forma intensa a possibilidade de se
construir como fosse desejado. A especulação estabelecia uma lógica de exclusão social, o habitar se
tornava custoso para as populações pobres” (Idem, ibidem, p. 135).
6 SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”.

In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil – Vol. 3,
República: da Belle Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 22-23.
7 PASSOS, Daniela Oliveira Ramos dos. “A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte:

um estudo à luz de comparações com as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro”. Mediações,
Londrina, v. 21, n. 2, p. 332-352, jul. / dez., 2016, p. 334.
164

Curral Del Rei em Minas Gerais, pois antigos habitantes da localidade foram excluídos
daquele espaço, juntamente com suas residências, para a construção da nova cidade.
No caso do Rio de Janeiro, a expulsão de pessoas de áreas centrais era justificada
pelas autoridades por ser condizente com o sanitarismo.
Naquele contexto, as populações menos abastadas que ocupavam o centro
foram obrigadas a migrar de suas antigas habitações para os morros situados ao redor
e, assim, surgiam as favelas no Rio de Janeiro, contemporâneas à República e que
inauguravam o repertório de frustrações das elites, que trabalhavam para a eliminação
de moradias e populações diversas na cidade. Legislações cariocas proibiram,
inúmeras vezes, construções que não estivessem padronizadas, como por exemplo
as estalagens e cortiços, bem como as casas térreas nas áreas centrais e ao sul8. De
forma similar ocorreu em Belo Horizonte, em que as residências da área urbana
possuíam padrões específicos que grande parte da população não possuía condições
de construir, além de a especulação imobiliária dificultar a residência naquela área.
Outras cidades brasileiras passaram por reformas urbanas que excluíam de
determinados espaços urbanos as populações de menos posses, como Salvador e
Recife, São Paulo e Porto Alegre. A capital mineira nasceu, portanto, num período em
que reformas urbanas faziam parte de diferentes regiões do país, tendo como
influências experiências estrangeiras de urbanização.
Em Belo Horizonte, no ano de 1903, por exemplo, a “polícia sanitária” possuía
função de fiscalização, aplicação de multas e atuação contra irregularidades que
comprometessem princípios higiênicos. Realizava visitas domiciliares com vistas a
combater irregularidades que pudessem levar à imoralidade, à promiscuidade e à
disseminação de doenças9.
A área urbana deveria pertencer aos estratos sociais mais abastados, assim
como ocorreu no Rio de Janeiro e em outras capitais, sendo proibida a habitação
daquela área por pessoas cuja classe e moradia não fossem ao encontro de princípios
estabelecidos. No ano de 1910, por exemplo, o prefeito da capital mineira, Olyntho
Meirelles, afirmou que deveria chamar atenção, particularmente do Conselho, “para a
existencia de barracoes, que, a principio, destinados a dependencia dos predios, na
area urbana, dahi a pouco são, clandestinamente, convertidos em commodos de

8 MARINS, op. cit., 1996, p. 141-146.


9 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 107.
165

aluguel dando ao interior das casas a apparencia de cortiços e afetando a salubridade


publica”10.
Sendo cada vez mais caro residir no espaço urbano de Belo Horizonte, as
classes mais pobres se deslocavam para a zona suburbana11. No terceiro capítulo
deste trabalho, nós mostramos que dentre as três áreas delimitadas na capital mineira
– urbana, suburbana e de colônias – foi a suburbana que apresentou o maior número
de construções no período de 1924 a 1930. Isto pode ser explicado também pelo
deslocamento forçado de pessoas das áreas centrais para os bairros suburbanos.
O relatório do prefeito da cidade, de 1923, já determinava regras para
construções de habitações. Nas áreas comerciais não poderiam ser construídas
edificações com menos de dois pavimentos ou prédios “em que apenas o pavimento
superior podendo receber luz, e ser ventilado francamente pelo telhado, se destine a
habitação permanente”12. Nas residências, determinava “que sejam permittidas
cercas vivas, segundo o alinhamento da rua, e mesmo simples gramados, nos
arrabaldes, aonde as construcções possam aproximar-se do genero do campo, como
bungalows, etc”13. Ainda, havia determinações para as residências de bairros
operários e militares:

que se admittam nos bairros operarios e militares construcções


baratas, com paredes formadas de pilastras e pannos de meio tijolo,
soalho constituido de revestimento de terreno com tijolos simples ou
comprimidos, sem fôrro, e sem janellas de vidro, contanto que as
casas sejam rebocadas e caiadas, interna e externamente, e
disponham de installação sanitaria simples14.

Se os locais para residência em Belo Horizonte eram diferentes conforme a


classe social, o divertimento também seria marcado por divisões sociais. Beatriz
Borges Martins, que viveu em Belo Horizonte no início do século XX, ressaltou, em
seu livro de memórias, sobre uma prática comum das moças e dos rapazes da época,
o footing:

Havia sempre música no coreto. A frequência era enorme, porém,


refletindo a rigidez dos preconceitos da sociedade mineira de então,
estabeleceu-se logo uma separação entre os frequentadores dos dois
lados do Praça: olhando-se de frente para o Palácio, do lado direito,

10 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho Deodato dos
Reis Meirelles. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1911, p. 15-16.
11 OLIVEIRA, op. cit., 2012, p. 109.
12 RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Flavio Fernandes dos

Santos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro de 1923, p. 17.
13 Idem, ibidem.
14 Idem, ibidem.
166

ficavam os jovens – moças e rapazes – mais bem situados econômica


e socialmente e, do lado esquerdo, onde está o coreto, ficavam os
mais modestos: empregadas domésticas, soldados, bombeiros, etc15.

Juntamente com a distinção social, vale ressaltar, a discriminação racial estava


presente no cotidiano da capital mineira, inclusive nos momentos de lazer dos jovens
belo-horizontinos. A respeito da prática do footing, Borges Brasil afirmou que as
pessoas de diferentes cores passavam por lugares diferentes no momento da
paquera:

Interessante é registrar que havia uma divisão, uma separação que se


supõe natural e sem as imposições (ou não?) da discriminação racial
e assim os brancos passeavam ao lado do Cine Glória e os negros,
pardos, mulatos e cafusos, do outro lado, ou seja, do lado do Abissínio
e Polo Norte, duas casas popularíssimas onde se tomava uma canjica
divina a qualquer hora do dia ou da noite16.

Refletindo sobre segregação social e racial, podemos nos aprofundar na


discussão sobre classes sociais em Belo Horizonte da passagem para o século XX,
sendo que na seção abaixo será possível averiguar a respeito dos fragmentos que
compunham a classe média.

5.2. Classe média: as frações em Belo Horizonte

É sempre difícil precisar os limites exatos de uma classe, tendo em


conta que inúmeras formas de transição atenuam as diferenças
sociais na estrutura de classe. Esse problema é ainda maior no que
diz respeito às classes médias, porque se compõem de conjuntos que
têm diversa localização ao nível econômico, o que torna mais
complexa a avaliação desses limites17.

Dadas nossas fontes de pesquisa, uma primeira fração da classe média que
pode ser definida para Belo Horizonte na passagem para o século XX é a de
funcionários públicos, os que foram transferidos de Ouro Preto para a nova capital, e
os demais que auxiliariam na administração e chegaram na nova capital, juntamente
com suas famílias.

15 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo
Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 90. O próximo capítulo desta tese será sobre três
estruturas de consumo da família de Beatriz Borges Martins – na época, família Borges da Costa – no
início do século XX.
16 BORGES, Brasil. Seu Horizontino e Belô (miudezas de uma vida comum). Belo Horizonte: Gráfica

Oliveira Guimarães, 1996, p. 37.


17 PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. O Brasil Republicano, v. 9: sociedade e instituições (1889-1930). In:

FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p.
16.
167

A classe média belo-horizontina também contou com comerciantes, aqueles


que possuíam comércio estabelecido na cidade, especialmente na área urbana, e que
ofereceram diferentes produtos e serviços para consumo da população belo-
horizontina.
O estrato de profissionais liberais se constitui numa outra fração da classe
média belo-horizontina, aqueles profissionais com formação superior e que realizavam
os mais diversos serviços demandados pelos habitantes. No capítulo quatro da tese,
foi possível conhecer os nomes de alguns comerciantes e profissionais liberais, bem
como os produtos e serviços que comercializavam.
Finalmente, ressaltamos os imigrantes, que formam a última fração da classe
identificada por nós. A fração dos imigrantes se redistribui nas demais: considerando
como imigrantes as pessoas que chegaram a Belo Horizonte de outras regiões de
Minas Gerais, de outros Estados brasileiros e de outras nacionalidades, para darem
continuidade em seus negócios ou tentarem a sorte na nova capital, é possível afirmar
que imigrantes se distribuíam entre as demais frações da classe média, estando
presentes na fração de funcionários públicos, na de comerciantes e também na fração
dos profissionais liberais18.
Em comum, as frações de classes médias do período republicano brasileiro
tiveram a força de trabalho direcionada para o trabalho não-manual19, tendo surgido
com a consolidação do capitalismo:

(...) a sociedade capitalista impôs uma “condição média” à fração “não-


manual” dos trabalhadores improdutivos e, ao fazê-lo, afastou-a, seja
da classe operária, seja dos trabalhadores improdutivos “manuais”
(por exemplo, os vendedores ambulantes ou os trabalhadores do
transporte). O funcionamento da sociedade capitalista exige, pois, a
constituição de grupos “médios”: são integrados pelos trabalhadores
de escritório, entre eles os profissionais liberais, os funcionários da
administração pública ou privada, uma fração dos trabalhadores do
comércio, os empregados de banco. Não é necessário lembrar que a

18 Nas palavras de Décio Saes: “A aceleração do desenvolvimento econômico a partir dos fins do século
XIX (sobretudo, graças à economia cafeeira) provocou o crescimento dos centros urbanos e o
aparecimento de uma classe média citadina a prestar serviços (profissionais liberais, comércio
importador e exportador, burocracia) ao complexo sócio-econômico agrário”. SAES, Décio Azevedo
Marques de. O civilismo das camadas médias na Primeira República Brasileira (1889-1930).
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1971. No caso de Belo Horizonte, vale ressaltar, como a cidade nasceu de um
planejamento urbano, a classe média lá se estabeleceu quando o planejamento foi se materializando.
19 “A distinção entre o “trabalho manual” e o “trabalho não-manual” criou, assim, em toda sociedade

capitalista “grupos médios” e uma “consciência média”, distinta da consciência operária (...)”. SAES,
Décio Azevedo Marques de. Classe média e sistema político no Brasil. Tradução de Malu Gitahy. São
Paulo: T. A. QUEIROZ, 1985, p. 12. “Classes médias se situam numa posição intermediária em relação
à contradição capital/trabalho” (PINHEIRO, op. cit., 2013, p. 16).
168

composição do conjunto dos grupos médios varia ao longo do


desenvolvimento do capitalismo industrial; se no período oligárquico o
advogado é o personagem típico dos grupos médios, a era das
grandes corporações monopolistas colocou em relevo um novo tipo
médio: o técnico20.

A segunda Revolução Industrial contribuiu para que as camadas médias


crescessem nos diferentes lugares que sentiam as consequências da Revolução 21.
No caso do Brasil e de Belo Horizonte, que das consequências da segunda Revolução
Industrial absorveram principalmente as transformações nos hábitos de vida e
alterações no consumo de bens e serviços, é possível afirmar uma ascensão da classe
média, necessária para ofertar e demandar os novos produtos e os novos serviços
que surgiam.
As frações da classe média da capital mineira guardavam relação com outras
classes médias nacionais do período republicano. Dada a definição de Carone, de
alta, média (intermediária) e baixa classe média22, encontramos em Belo Horizonte
uma mistura de média e baixa classe média. A classe média intermediária, segundo
Carone, é de formação complexa, formada por imigrantes, segmentos de classes
decadentes (podemos citar como exemplo cafeicultores em São Paulo), profissionais
liberais, dentre outros, que imigraram para as cidades ou abandonaram o campo pelo
comércio. A baixa classe média seria formada, sobretudo, por funcionários públicos23.
Na mesma linha de Carone, podemos ressaltar Pinheiro, quando refletiu sobre
classes médias brasileiras no período republicano. As conceituações de antigas e
novas classes médias, presentes no trabalho de Pinheiro, complementam as
conceituações de média e baixa classe média de Carone:

As antigas classes médias compreendem a pequena produção e o


pequeno comércio. A pequena produção é constituída de formas de
artesanato ou de pequenas empresas familiares onde o mesmo
agente é proprietário e tem a posse dos meios de produção e é ainda
trabalhador direto (...) o pequeno comércio, onde o proprietário,
ajudado pela família, fornece o trabalho e só excepcionalmente
emprega mão-de-obra. Além desse conjunto há as novas classes
médias, constituídas pelos trabalhadores assalariados ligados à esfera

20 SAES, op. cit., 1985, p. 13-14.


21 “A consagração da ciência positiva como o apanágio do progresso no século XIX pôs em cena uma
nova elite de personagens envolvidos na sua gestão: cientistas, médicos, engenheiros, arquitetos,
urbanistas, administradores e técnicos. As decisões com maiores consequências sobre a vida das
pessoas passavam ao controle dessa nova burocracia científico-tecnológica” (SEVCENKO, op. cit.,
1996, p. 17).
22 CARONE, Edgard. A República Velha (instituições e classes sociais). São Paulo: Difusão Europeia

do Livro, 1970. Segunda parte: classes sociais.


23 Idem, ibidem, p. 176-177.
169

da circulação do capital e por aqueles que contribuem para a


realização da mais-valia: empregados assalariados do comércio, dos
bancos, das agências de venda, assim como os empregados de
“serviços”. Também é o caso dos funcionários do Estado, do aparelho
do Estado (serviços públicos) e dos aparelhos ideológicos do Estado
(comunicações, imprensa, educação etc)24.

Sobre o pequeno comércio, aquele em que o proprietário fornece o trabalho, foi


possível observar casos como esse em Belo Horizonte, no capítulo três desta tese.
Além do proprietário fornecer o trabalho, ele residia num local que poderia ser
considerado um anexo ao estabelecimento comercial, como no exemplo da Drogaria
Araújo, em que a casa do proprietário, Modesto Araújo, possuía uma ligação com o
estabelecimento comercial25. Utilizando do conceito de novas classes médias, é
possível observar empregados assalariados do comércio em Belo Horizonte, como o
“empregado” da Farmácia Universal, que também descrevemos no capítulo três desta
tese: o funcionário trabalhava no período noturno e até dormia no estabelecimento,
para atender os clientes que precisassem de algo nas altas horas da noite26.
Não devemos deixar de mencionar, ainda que haja similaridades entre classes
médias na Primeira República brasileira, sobre as especificidades regionais. Para
exemplificar, no Nordeste do país, é possível afirmar que as classes médias tiveram
origem no latifúndio-patrimonialista; em São Paulo, a origem da classe média remete
ao capital agrário-mercantil. “A diferenciação surgiu das atividades, do modo de vida,
da exploração econômica, rural ou urbana. A identificação das classes médias deve
partir obrigatoriamente dessa diversificação”27.
As frações da classe média belo-horizontina podem ter se originado das antigas
famílias de Ouro Preto que se estabeleceram na nova capital. Mas também dos
imigrantes de outros lugares de Minas Gerais, do Brasil e do mundo, que se
estabeleceram na capital como uma forma de começar ou dar continuidade em seus
negócios, como os membros da família Borges da Costa, que será objeto de estudo
do próximo capítulo. Fora isso, podemos afirmar que a classe média da capital cresceu
juntamente com a cidade, se formou quando a capital também se formava.
Um elemento importante dentro do universo das classes médias é a educação,
como uma forma de ascensão social. Pinheiro, ao escrever sobre a expansão da

24 PINHEIRO, op. cit., 2013, p. 16.


25 FJP. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro –
Centro de estudos históricos e culturais, 1997, p. 63-64.
26 Idem, ibidem.
27 PINHEIRO, op. cit., 2013, p. 20-21.
170

categoria de intelectuais e profissionais liberais, como advogados, médicos,


engenheiros, professores e jornalistas, ressaltou que a expansão do ensino
secundário e a criação de faculdades contribuiu para a evolução de tais
profissionais28. No capítulo quatro desta tese, a respeito do comércio de serviços das
ruas Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás, podemos constatar que médicos,
dentistas, advogado e professores, se estabeleceram naquele circuito comercial.
Formações, as daqueles profissionais, que dependiam do ensino superior 29. As
classes médias necessitavam do diploma para sua legitimação30.
Ressaltadas quais foram as frações da classe média de Belo Horizonte no
período republicano, será possível pensar o consumo como dinâmica social: a prática
de uma classe específica, ou de frações de uma classe. Trabalhando o consumo como
processo social, podemos considerar as expressões hábitos e costumes que, grosso
modo, podem ser entendidas como ações realizadas por uma pessoa ou por uma
população.
A diferença dos dois termos reside em um dizer respeito ao nível individual e
outro ao nível geral: hábito designa ações de uma pessoa, como por exemplo, os
hábitos alimentares de um membro da classe média de Belo Horizonte no início do
século XX poderiam ser diferentes dos hábitos alimentares de um outro membro, da
classe pobre, na mesma época; costume designa ações de um povo ou classe social,
como por exemplo, o costume dos comerciantes de Belo Horizonte de, no início do
século XX, não comercializarem suas mercadorias à prazo. É possível afirmar que o
costume inclui o hábito, ou seja, os hábitos de vida de uma pessoa estão dentro dos
costumes de uma população.
Nas palavras de Veblen, a respeito de hábitos e costumes:

Em geral, quanto mais antigo o hábito [individual, de uma pessoa],


tanto mais inquebrantável; e quanto mais um determinado hábito
coincidir com os costumes [coletivos, de uma população], tanto maior
a persistência com que se fixará. O hábito será mais firme se as
tendências especiais da natureza humana que a sua prática abranger,
ou as aptidões particulares que nele encontrem a sua expressão,
forem tendências ou disposições já larga e profundamente envolvidas

28 Idem, ibidem, p. 22.


29 “Depois de 1910, as escolas de ensino técnico e profissional serão criadas em diversos Estados:
escolas de agricultura e de veterinária, escolas de aprendizes e de artesãos, escolas de comércio. Em
1916 já havia 16 faculdades de Direito, que formavam cerca de 408 bacharéis por ano; em 1920, a
primeira Universidade Brasileira se constitui na Capital Federal; em 1930, havia 350 estabelecimentos
de ensino secundário e 200 de ensino superior” (PINHEIRO, op. cit., 2013, p. 22).
30 Idem, ibidem, p. 43.
171

no processo vital, ou intimamente ligadas à história da vida de um


determinado grupo [social]31.

Considerando hábitos e costumes brasileiros32 e da capital mineira na


passagem do século XIX para o século XX, destacaremos, neste capítulo, alguns dos
objetos materiais e bens móveis que estiveram presentes no cotidiano de frações da
classe média, com base num conjunto de artefatos do MHAB e de bens móveis
presentes nos inventários post-mortem localizados nos arquivos do TJMG33.
Por meio de análises envolvendo os objetos materiais e os bens móveis,
poderemos pensar sobre hábitos e costumes e tecer considerações sobre o
significado do consumo para as frações da classe média belo-horizontina. Segundo
McCracken, o significado dos bens materiais se encontra em categorias culturais e
em princípios culturais, ou seja, estão além dos próprios bens materiais.
As categorias culturais representam as discriminações às quais a cultura divide
o mundo34: a cultura divide uma sociedade, por exemplo, com base na categoria
cultural de tempo, que pode ser medido por meio de um objeto material, o relógio; a
cultura divide uma sociedade por meio da categoria cultural de espaço, sendo que
bens materiais distintos são utilizados para diferenciar espaços domésticos: a cama
passou a pertencer ao espaço restrito do quarto, o sofá passou a pertencer ao espaço
da sala; a cultura também divide uma sociedade por meio da categoria cultural de
pessoa, categoria esta que pode ser subdividida, ainda, em parcelas de idade, classe
e ocupação, dentre outros, e objetos materiais, como vestimentas, diferenciam as
parcelas às quais a categoria de pessoa pode ser subdividida.

31 VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo econômico das instituições). Tradução de
Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965, p. 108.
32 Sobre costumes brasileiros, especialmente do século XIX, cf.: ACAYABA, Marlene Milan; SIMÕES,

Renata da Silva (Orgs.). Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira – Vol. 3: costumes. São
Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001.
33 “Tomados como objetos de discussão e de busca de compreensão, para além de suas

materialidades, os artefatos de uso humano – sejam instrumentais, simbólicos, práticos, utilitários ou


como queiram pensá-los – remetem a questionamentos a respeito de como eles nos servem de fontes
históricas e de como documentam contextos sociais, histórias de vida, vivências humanas, experiências
cotidianas”. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Artur Morão. Lisboa:
Edições 70, 2008, p. 01.
34 MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens

e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 101.
172

Assim, é possível pensar num significado para os bens materiais questionando


por que um espaço abrigou determinado mobiliário numa época específica ou por que
uma vestimenta foi utilizada por uma classe social35.

Categorias de pessoa, divididas em parcelas de idade, sexo, classe e


ocupação podem ser representadas em um conjunto de distinções
materiais através dos bens. Categorias de espaço, tempo e ocasião
também podem ser refletidas nessa mídia de comunicação. Os bens
ajudam a substanciar a ordem da cultura36.

No caso dos princípios culturais, o significado se encontra nas noções ou


valores que estão por trás do consumo de determinados bens. Por exemplo, por meio
da utilização de determinados objetos domésticos por um grupo social, é possível
pensar nos princípios de “moderno” e “tradicional”37. Nas palavras de McCracken,
sobre os princípios culturais:

o significado reside não nas categorias de pessoa, atividade, espaço


ou tempo, mas nas ideias ou nos valores de acordo com os quais estes
e outros fenômenos culturais são organizados, avaliados e
construídos. Se as categorias culturais são o resultado da
segmentação do mundo pela cultura em parcelas discretas, os
princípios culturais são as ideias através das quais esta segmentação
é performatizada. São os pressupostos licenciados ou as ideias
organizadoras que permitem distinguir todos os fenômenos culturais,
classificá-los, e inter-relacioná-los. Enquanto ideias orientadoras do
pensamento e da ação, eles encontram expressão em cada aspecto
da vida social e, não menos que em todo o resto, nos bens38.

Portanto, é possível pensar num significado para os objetos materiais e bens


móveis com base em princípios culturais que estiveram por trás da utilização de tais
artefatos. O vestuário utilizado por uma classe alta pode ser explicado pelo princípio
de “refinamento” de tal classe39.

35 “O meio ambiente cotidiano permanece, em larga medida, um sistema “abstrato”: nele os múltiplos
objetos acham-se em geral isolados de sua função, é o homem que lhes assegura, na medida de suas
necessidades, sua coexistência em um contexto funcional”. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos
objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 14.
36 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 104.
37 LAUMAN; HOUSE, 1970 apud MCCRACKEN, op. cit. 2003, p. 105.
38 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 105.
39 MCCRACKEN, Grant David. “Cultura e consumo: uma explicação teórica da estrutura e do

movimento do significado cultural dos bens de consumo”. RAE – Revista de Administração de


Empresas. Fundação Getúlio Vargas. N. 1., v. 47, p. 99-115, 2007, p. 103.
173

Se o significado dos bens materiais se encontra em categorias40 e princípios


culturais41, as categorias e os princípios culturais se materializam nos bens; são
substanciados pela cultura material de forma geral e pelos bens de consumo de forma
particular42.

Vale observar que as categorias culturais e os princípios culturais


presumem-se uns aos outros, e sua expressão em bens é
necessariamente simultânea. Assim, os bens são incapazes de
significar umas sem significar os outros. Quando os bens mostram
distinção entre duas categorias culturais, fazem-no codificando algo
do princípio segundo o qual as duas categorias se distinguem43.

Assim, se uma roupa retrata a distinção dentro da categoria cultural de pessoa


(pessoa de classe baixa e pessoa de classe alta), tal objeto codifica também um
princípio cultural associado a categoria, como o de modéstia ou simplicidade da
pessoa de classe baixa, ou o de refinamento ou sofisticação da pessoa de classe alta.
Abaixo, descreveremos e analisaremos conjuntos de objetos materiais e de
bens móveis que circularam por Belo Horizonte entre o final do século XIX e o início
do século XX. Com base nas fontes que utilizaremos, será possível entender quem
foram as pessoas que tiveram posse de determinados objetos, ou seja, será possível
compreender os indivíduos que formaram as frações da classe média de Belo
Horizonte. Por meio das descrições dos objetos e dos bens que pertenceram as
frações da classe média, será possível traçar um perfil de gostos e costumes destas
frações, para refletirmos sobre o significado do consumo praticado por aquele grupo
social44.

40 O relógio possui um significado se consideramos a categoria de tempo, já que mede o tempo; um


objeto de uso pessoal, como um par de sapatos, possui um significado se consideramos a categoria
de pessoa, já que pode diferenciar os estratos sociais.
41 O mobiliário possui um significado se levamos em conta os princípios de moderno ou tradicional, já

que pode-se utilizar uma mobília com base num desses princípios; a vestimenta possui um significado
se levamos em conta o princípio de refinamento, já que pode-se desejar compor um traje de forma a
alcançar tal princípio.
42 MCCRACKEN, op. cit., 2003, p. 105.
43 Idem, ibidem, p. 103.
44 Tomando o consumo como dinâmica social, é possível recorrer a Baudrillard que, ao tratar do

consumo, fez uma comparação da prática social com a escola, para afirmar que o consumo é uma
instituição de classe: “Como a escola, o consumo é instituição de classe: não só na desigualdade
perante os objetos, no sentido econômico (a compra, a escolha, a prática são reguladas pelo poder de
compra, enquanto o grau de instrução é função da ascendência de classe, etc.) – em suma, nem todos
possuem os mesmos objetos, da mesma maneira que nem todos tem idênticas possibilidades escolares
– mas, de modo ainda mais profundo, há discriminação radical no sentido de que só alguns ascendem
à lógica autônoma e racional dos elementos do ambiente (uso funcional, organização estética,
realização cultural) (...)”. BAUDRILLARD, op. cit., 2008, p. 64.
174

5.3. A classe média identificada por meio dos artefatos do museu

De certa forma, o conjunto de artefatos que possuímos retrata parte do


cotidiano da capital mineira. É preciso, entretanto, atenção para algumas condições
desse grupo de fontes, considerando Belo Horizonte na passagem para o século XX:
uma questão a se pensar é que muitos daqueles objetos, especialmente os que
demandavam materiais e técnicas mais complexos, não foram fabricados na cidade,
e isso mostra a importância da importação na época; o acervo de objetos que
possuímos também nos incita a pensar que, no período de nosso estudo, Belo
Horizonte estava em processo de formação enquanto cidade e, sendo assim, suas
técnicas industriais, por exemplo, estavam em processo de consolidação; ainda, tais
objetos representavam, em primeiro lugar, o cotidiano de camadas sociais
específicas, não retratando o todo daquela sociedade. Ainda assim, o conjunto de
objetos que possuímos são fontes relevantes para nossa pesquisa.
Selecionamos do MHAB, inicialmente, fotografias de objetos das seguintes
coleções: Caça e guerra; Comunicação; Construção; Equipamentos domésticos;
Interiores; Medição e registro; Mobiliário; Objetos pessoais; Trabalho. Levando em
conta, especialmente, a época em que o objeto foi produzido, bem como, o nome do
objeto e a classificação conferida pelo museu, nossa pesquisa resultou em 67
imagens. Dadas as fotografias relevantes para nós, do conjunto de 67 totais,
reorganizamos 36 para este capítulo, dispostas nos quadros 5.1., 5.2. e 5.3.
Segundo Marcelo Rede, a materialidade intrínseca dos objetos possibilita que
eles façam parte de diferentes contextos e sejam reinseridos nas sociedades:

Pela sua própria materialidade, os objetos perpassam contextos


culturais diversos e sucessivos, sofrendo reinserções que alteram sua
biografia e fazem deles uma rica fonte de informação sobre a dinâmica
da sociedade (transformações nos modos de relacionamento com o
universo físico; mudanças nos sistemas de valores etc.)45.

Considerando a data de atribuição ao artefato, seu nome e a classificação do


museu, nos certificamos, pelas fichas detalhadas de cada um deles, se pertenciam a
pessoas ou famílias que residiram na capital ou passaram por Belo Horizonte na
passagem para o século XX. Cada conjunto de objetos foi organizado, portanto, nos
quadros descritos abaixo, contendo nome do objeto, classificação de acordo com o

45REDE, Marcelo. “História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material”.
Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 4, p. 265-282, jan./dez., 1996, p. 276.
175

museu, data de atribuição, material e técnica empregados na fabricação e local de


origem. Os quadros são referentes a bens de uso pessoal (quadro 5.1.), equipamentos
domésticos (quadro 5.2.) e peças de mobiliário (quadro 5.3.).

5.3.1. Os objetos individuais: bens de uso pessoal

Das 36 fichas de objetos selecionadas por nós, 10 foram referentes aos de uso
pessoal. No caso desta tese, o conjunto destes objetos foi formado, especialmente,
pelos que compuseram as vestimentas, conforme mostra o quadro 5.1. descrito
abaixo:

Quadro 5.1.: Os bens de uso pessoal

Nome Classificação Data Material e técnica Origem


Princípio Metal, esmalte /
Broche Objeto de adorno
séc. XX Fundição
Veludo, gorgorão,
Peça de Séc. XIX / França /
Chapéu couro, seda /
indumentária Séc. XX Toulon
Recorte, costura
Brim, metal, renda,
Peça de Transição
Corpete cordão / Costura, França
indumentária XIX / XX
recorte, fundição
Casemira, cetim,
Peça de Princípio Belo
Fraque botão / Recorte,
indumentária séc. XX Horizonte
costura
Peça de Final séc.
Mitene Linha / Costura
indumentária XIX
Par de Peça de Rio de
1919
sapatos indumentária Janeiro
Porta- Acessório de Princípio Vidro, metal /
joias interiores séc. XX Fundição
Acessório de Madeira, tecido /
Porta-
instrumento de Séc. XIX Recorte, entalhe, Alemanha
relógio
precisão colagem
Tecido, espelho,
Objeto de auxílio / Princípio
Trousse cordão, marfim /
Conforto pessoal séc. XX
Escultura
Seda adamascada /
Peça de Transição
Xale Recorte, bordado,
indumentária XIX / XX
costura
Fonte: MHAB, acervo de objetos das coleções: Objetos Pessoais; Equipamentos Domésticos;
Medição e Registro.
176

Conforme o quadro 5.1., os objetos de uso pessoal selecionados foram


produzidos entre o final do século XIX e o início do século XX. O local de origem dos
objetos foi descrito pelo museu em 5 casos, sendo apenas um objeto produzido em
Belo Horizonte no início do século XX e 4 importados, 3 deles de fora do Brasil. Dos
10 objetos de uso pessoal, foi possível associar a quem o bem pertenceu em 5 casos.
Segundo Marcelo Rede, sobre análises de objetos numa perspectiva individual:

Um ponto em comum com abordagens já vistas é a ênfase no


indivíduo como plataforma das operações culturais. Embora não se
negue que a cultura se defina em um patamar supra-individual (como
padrão interpessoal, por exemplo), o foco da atenção repousa nas
atitudes individuais. São as escolhas do indivíduo, em um campo de
limitações e possibilidades e em interação com outros
comportamentos, que revelam a cultura e, por decorrência, se refletem
na cultura material46.

A especificidade dos bens de uso pessoal desta subseção é que são bens que
geralmente pertencem à esfera individual. Os equipamentos domésticos e o mobiliário
que serão descritos nas próximas subseções, ainda que possam ser associados a
uma pessoa, eram bens, em sua grande maioria, de uso coletivo ou familiar. Portanto,
o conjunto de bens de uso pessoal, além de ser formado, especialmente, por bens
que compuseram vestimentas, são bens que podem ser pensados para o âmbito
individual, ao passo que os demais bens podem ser pensados para o âmbito familiar.
Dos bens de uso pessoal, foram identificadas as pessoas que foram
possuidoras dos bens nos seguintes casos: broche, par de sapatos, porta-relógio,
trousse e xale; identificada a pessoa que produziu o bem em um caso: fraque.
O broche pertenceu à Maria Tolentina Alvim de Azevedo, que nasceu em
agosto de 1872 e faleceu em maio de 1949; o objeto foi um presente de sua irmã,
Julinda Zenóbia Alvim, esta nascida em 1882 no município de Palma e falecida em
1936. Julinda Zenóbia Alvim viveu em Belo Horizonte e se dedicou a literatura no início
do século XX, tendo publicado na época Saudades, pela Imprensa Oficial, em 1917
e, Flor do Ipê. Ficou conhecida como a “princesa das poetisas”47. Abaixo segue
imagem do broche que pertenceu a sua irmã, Maria Tolentina:

46 REDE, op. cit., 1996, p. 270.


47 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: broche. Dados históricos.
177

Artefato 5.1.: Broche

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun48.

Dos objetos descritos no quadro 5.1., pertenceu a Julinda Zenóbia Alvim o


trousse, objeto de auxílio ou de conforto pessoal, adquirido no Rio de Janeiro em 1924.
Embora tenha sido adquirido no Rio de Janeiro, não há informações sobre o lugar em
que o bem foi produzido49. Abaixo segue fotografia do objeto:

Artefato 5.2.: Trousse

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun50.

48 O broche da imagem possui 3 centímetros de diâmetro. É uma peça de metal com formato circular.
Possui a parte frontal com fundo azul, destacando-se ao centro um brasão gravado nas cores preto e
dourado. A parte posterior é lisa, em dourado. O fecho possui haste cilíndrica, pontiaguda, com encaixe
em forma de gancho e base fixada por dobradiça. O broche está acondicionado em caixa de forma
quadrangular, com tampa de abertura frontal. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais:
broche. Dimensões; Descrição do objeto.
49 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: trousse. Dados históricos.
50 O trousse possui 16 centímetros de comprimento e 13 centímetros de largura. É uma peça de marfim,

em formato de losango, com as faces externas decoradas por relevo de dragão. O dragão representado
no trousse guarda o tesouro nele contido, significando uma barreira de acesso ao que havia no seu
interior. A alça, em cordonê de seda, se une à peça losangular por quatro argolas, arrematada por
pingentes. As faces se encaixam através de fecho e dobradiça finalizada por argola, sendo formadas
178

O fraque foi confeccionado na Alfaiataria Aquino, estabelecimento comercial de


Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX, que citamos no capítulo quatro
deste trabalho, quando consideramos a relação entre publicidade e estabelecimentos
comerciais. No final da década de 1910, o comércio se localizou na rua Espírito Santo,
número 318; no final da década de 1920, foi transferido para o número 323 da mesma
rua. Na época, o proprietário do comércio foi Joaquim G. de Aquino 51. Abaixo segue
a foto do fraque, o único objeto de uso pessoal que foi produzido em Belo Horizonte:

Artefato 5.3.: Fraque

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun52.

por tecido de cor bege. De um dos lados, apresenta dois bolsos, um dos quais com lapela e fecho de
pressão; do outro lado, há um espelho de forma triangular e pequeno bolso, com lapela e vedação em
fecho de pressão. O fecho se encontra incompleto. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos
Pessoais: trousse. Dimensões; Descrição do objeto; Características iconográficas.
51 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: fraque. Dados históricos.
52 O fraque da fotografia possui 104 centímetros de comprimento. É um traje de cerimônia, preto,

ajustado à altura do tronco, curto na frente, com longas abas na parte posterior. Possui gola revirada,
composta por dois tecidos (camiseta e cetim) unidos por recortes pouco abaixo dos ombros. O decote
é em “V”, realçado pelo revestimento de cetim. Na parte frontal há seis botões, três de cada lado,
dispostos em diagonal; pences laterais e arremate reto; bolso embutido do lado esquerdo, com
arremate retangular e forro interno em brim preto. Na parte posterior os recortes são retos e curvos,
distinguindo-se no encontro dos recortes. Na altura da cintura há par de botões paralelos. Abas com
recortes internos retos e externos curvos. Mangas compridas, retas, com pequena abertura lateral e
fechamento em quatro botões, em sentido vertical. O revestimento interno foi feito de cetim preto, com
exceção das mangas, revestidas por cetim bege com riscado preto. Na parte interna da vestimenta, à
altura de cada cava, há um bolso embutido, com fechamento em botão central e forro em brim preto.
MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: fraque. Dimensões; Descrição do objeto.
179

O par de sapatos, importado do Rio de Janeiro, pertenceu a Mariana Ribeiro


da Costa, irmã de Delfim Moreira da Costa Ribeiro, que presidiu o Brasil entre os anos
de 1919 e 1920. Mariana Ribeiro da Costa e seu companheiro, o desembargador
Loreto Ribeiro de Abreu, viveram em Belo Horizonte nas décadas iniciais do século
XX, pois foi em 1911 que o desembargador chegou em Belo Horizonte53. Abaixo
segue imagem dos sapatos:

Artefato 5.4.: Par de sapatos

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun54.

De fabricação alemã, o porta-relógio descrito no quadro 5.1. pertenceu a Aarão


Reis, engenheiro chefe da CCNC, tendo sido “usado por ele até a sua morte”55. O xale
foi um objeto pertencente a Hermelinda Hermeto de Jesus Leite, que nasceu em 1814
em Curral Del Rei e faleceu em 191756. Abaixo segue imagem do porta-relógio que foi
de Aarão Reis:

53 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: par de sapatos. Dados históricos.
54 O par de sapatos foi confeccionado em pelica preta, apresentando aplicações do mesmo material.
Possui cadarços na cor preta. MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: par de sapatos.
Características técnicas.
55 MHAB, acervo de objetos. Coleção Medição e Registro: porta-relógio. Dados históricos.
56 MHAB, acervo de objetos. Coleção Objetos Pessoais: xale. Dados históricos.
180

Artefato 5.5.: Porta-relógio

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun57.

Pessoas que tiveram posse dos objetos de uso pessoal descritos nesta
subseção, pelo menos na passagem do século XIX para o século XX, podem ser
compreendidas como membros da classe média de Belo Horizonte, especialmente
por conta de suas ocupações dentro da sociedade: Maria Tolentina Alvim de Azevedo
e Julinda Zenóbia Alvim eram irmãs, sendo a última importante escritora de Belo
Horizonte; Joaquim G. de Aquino foi comerciante em Belo Horizonte nas décadas de
1910 e 1920, sendo que seu estabelecimento comercial se situava numa rua da área
urbana da capital mineira; Mariana Ribeiro da Costa fazia parte de uma família
envolvida na política; Aarão Reis foi um imigrante, profissional liberal e funcionário
público, engenheiro responsável pelo desenho inicial da nova capital de Minas Gerais.

5.3.2. Os utensílios: equipamentos domésticos

Dos 36 artefatos, classificamos 14 como equipamentos domésticos. Tais


equipamentos fizeram parte, especialmente, do ambiente doméstico da cozinha, o que
é possível verificar pela leitura do quadro 5.2.:

57 O porta-relógio da fotografia possui as seguintes dimensões em centímetros: 2,8 de altura, 8 de


comprimento e 8 de largura. Foi descrito como uma caixa quadrangular, com baixo relevo em motivos
geométricos nas laterais e motivos fitomorfos e florais nos dois lados. A parte frontal é móvel, que se
levanta deixando à mostra o orifício, revestido de veludo, com recorte na parte superior, para prender
a bússola. A parte posterior é imóvel com recorte curvo e gravação. MHAB, acervo de objetos. Coleção
Objetos Pessoais: porta-relógio. Dimensões; Descrição do objeto.
181

Quadro 5.2.: Os equipamentos domésticos

Nome Classificação Data Material e técnica Origem


Artigo de Louça, tinta /
Bacia Séc. XIX Inglaterra
toalete Modelagem, pintura
Metal, tinta /
Utensílio de Meados
Caçarola Moldagem, soldagem,
cozinha / mesa séc. XX
pintura
Caixa para Utensílio de Transição Minas
Madeira
doce cozinha / mesa XIX / XX Gerais
Caixa para Utensílio de Transição Minas
Madeira
pó de café cozinha / mesa XIX / XX Gerais
Acessório de Madeira, veludo, metal
Cofre portátil Séc. XIX
interiores / Recorte
Despertador Instrumento de Final séc. Metal, vidro, papel /
-cafeteira precisão ótica XIX Fundição, gravação
Madeira, prata /
Utensílio de Belo
Farinheira 12/10/1922 Recorte, marqueteria,
cozinha / mesa Horizonte
cinz.
Equipamento Madeira, metal, tinta /
Ferro de
de serviço Séc. XIX Fundição, recorte,
passar
doméstico gravura, pintura
Equipamento
Forma de Minas
de serviço Séc. XX Madeira
queijo Gerais
doméstico
Artigo de Final séc. Louça, tinta /
Gomil
toalete XIX Moldagem, pintura
Vidro, metal /
Utensílio de 1ª metade
Licoreira Fundição, gravura, França
cozinha / mesa séc. XX
recorte, soldagem
Utensílio de Transição Minas
Tacho Cobre
cozinha / mesa XIX / XX Gerais
Vasilha Utensílio de Metal, madeira /
Séc. XX
chocolateira cozinha / mesa Fundição, recorte
Utensílio de Meados Porcelana, tinta /
Xícara Inglaterra
cozinha / mesa séc. XIX Moldagem, pintura
Fonte: MHAB, acervo de objetos das coleções: Equipamentos Domésticos; Interiores; Medição e
Registro.

A maioria dos equipamentos domésticos presentes no quadro acima foram


classificados pelo museu como utensílio de cozinha / mesa (8 dos 14 objetos do
182

conjunto)58. Dos equipamentos que circularam pela capital mineira na passagem para
o século XX, apenas a farinheira foi produzida em Belo Horizonte; 4 objetos foram
produzidos em Minas Gerais: caixa para doce, caixa para pó de café, forma de queijo
e tacho. Dos bens materiais produzidos internamente, o material principal era a
madeira. Abaixo, as fotografias mostram a forma de queijo produzida em Minas
Gerais, e a farinheira, produzida em Belo Horizonte:

Artefato 5.6.: Forma de queijo

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun59.

A farinheira foi confeccionada nas oficinas do engenheiro Antônio Gonçalves


Gravatá, engenheiro responsável pela construção da estação da estrada de ferro
Central do Brasil em Belo Horizonte entre 1920 e 1922. Ao término das obras, a
farinheira foi oferecida de presente ao engenheiro Manoel Pires de Carvalho e
Albuquerque, que auxiliou na direção dos serviços de construção60.

58 “(...) móveis e objetos comuns da vida correspondiam a uma concepção social da divisão do trabalho
e da hierarquia das atividades”. ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo
nas sociedades do século XVII ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000,
p. 229.
59 A forma de queijo da fotografia possui 20 centímetros de altura e 19,5 centímetros de diâmetro.

MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: forma de queijo. Dimensões.


60 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: farinheira. Dados históricos.
183

Artefato 5.7.: Farinheira

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun61.

Os bens importados apresentavam materiais e técnicas mais complexas, como


a licoreira, da França, que envolvia os materiais vidro e metal e as técnicas de
fundição, gravura, recorte e soldagem; ou a xícara, da Inglaterra, que envolvia como
materiais porcelana e tinta e, como técnicas, moldagem e pintura. Abaixo, segue
imagem da licoreira:

61 A farinheira possui as seguintes dimensões: 15 centímetros de altura, 29 centímetros de


comprimento, 17 centímetros de largura. É uma peça de madeira escura com base ovalada, contém
frisos lisos e em motivos fitomorfos terminados em friso perolado. O corpo é de formato oval, com placa
de prata na parte central das laterais. Entalhe em motivos fitomorfos, angras, recortes curvos e duas
figuras saindo de um cone marcam o objeto. Numa das extremidades, há uma alça em formato
conchóide com terminação em voluta. Na outra extremidade, há uma ponteira com recorte. A tampa é
em formato oval com alça central em formato conchóide que se repete numa das extremidades e, na
lateral oposta, há recorte para encaixe da colher. A colher é de madeira com cabo terminado em
concheado e está quebrada. MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: farinheira.
Dimensões; Descrição do objeto.
184

Artefato 5.8.: Licoreira

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun62.

Do conjunto de equipamentos domésticos que possuímos, foi possível


identificar a quem pertenceu determinado equipamento em 6 dos 14 casos: bacia,
caçarola, cofre portátil, despertador-cafeteira, farinheira e xícara.
A bacia, um artigo de toalete, pertenceu ao padre Antônio Couto, tendo sido
oferecida ao casal Abílio Barreto em 1908, como lembrança de amizade63. A caçarola
pertenceu a família de Gilberto César de Castro, que viveu em Belo Horizonte da
década de 1930 até 1950, em uma casa no bairro Floresta64.
O cofre portátil e o despertador-cafeteira pertenceram a Luiz Olivieri, arquiteto
e escultor italiano que migrou para a capital na época de sua construção. Olivieri fez
parte da CCNC e projetou algumas edificações de Belo Horizonte, como o Palacete
Dantas (1916), o antigo Banco Hipotecário e Agrícola (1919) e o prédio da estação
Central do Brasil (1922)65. Abaixo segue imagem do cofre:

62 A licoreira da fotografia possui as seguintes medidas em centímetros: 21 de altura, 30 de


comprimento, 10 de largura. Armação de metal e quatro pés. Nas laterais, possui placa de metal com
gravação floral. Encimado por emaranhado, com duas borboletas, que sustenta um eixo central, com
seis ganchos, ao qual se prendem dois anéis enfeitados com quatro trevos de quatro folhas, onde se
prende a licoreira. A peça possui vidro opaco, com bico numa das extremidades e orifício na parte
superior. MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: licoreira. Dimensões;
Descrição do objeto.
63 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: bacia. Dados históricos.
64 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: caçarola. Dados históricos.
65 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: cofre portátil. Dados históricos.
185

Artefato 5.9.: Cofre portátil

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun66.

Ainda, foi possível identificar a quem pertenceu a farinheira e a xícara. A


farinheira, como ressaltamos acima, foi um presente para o engenheiro Manoel Pires
de Carvalho e Albuquerque e, finalmente, a xícara, importada da Inglaterra, pertenceu
a Luiz Daniel Cornélio de Cerqueira.
Luiz Daniel Cornélio de Cerqueira foi professor no Curral Del Rei e tomou posse
da xícara em ocasião de seu casamento. O professor foi membro do Clube
Republicano, tendo sugerido o nome Bello Horizonte67 em substituição para Curral
Del Rei68.
Segundo Roche, sobre os novos equipamentos domésticos que surgiam na
França do século XVII:

Entre o povo notavam-se cada vez mais objetos de uso específico –


jarras, açucareiros, oveiros, chaleiras ou cafeteiras – que, com os
copos, os talheres, os pratos marcavam a influência das novas
maneiras; visíveis no século XVII entre as elites, elas apareceram um
século mais tarde entre as classes populares nas quais se espalharam
com uma rapidez proporcional aos recursos69.

66 O cofre possui as seguintes dimensões em centímetros: 11,5 de altura, 24 de comprimento, 12,5 de


largura. É uma caixa em madeira com tampa móvel, com simulação de dois livros na posição horizontal
e onze livros na posição vertical. O segredo do cofre reside em puxar a lombada do livro inferior para a
direita ou para a esquerda, quando tomba a lombada do livro VI, onde se encontra a fechadura. As
laterais da base são vazadas. No tampo superior há incrustações: à direita, motivos geométricos e, à
esquerda, alaúde, envolto em motivos florais. O interior é revestido por veludo verde. MHAB, acervo de
objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: cofre portátil. Dimensões; Descrição do objeto.
67 Vale lembrar que em 1890, o Curral Del Rei passou a se chamar Bello Horizonte. Quando foi

inaugurada a capital mineira, em 1897, Bello Horizonte passou a se chamar Cidade de Minas. Em 1901,
o nome da capital mineira passou a ser novamente Belo Horizonte.
68 MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos Domésticos: xícara. Dados históricos.
69 ROCHE, op. cit., 2000, p. 318.
186

No caso de Belo Horizonte do início do século XX, objetos específicos e


diferenciados também faziam parte do cotidiano da classe média, como o
despertador-cafeteira de Luiz Olivieri70. Abaixo segue imagem do artefato:

Artefato 5.10.: Despertador-cafeteira

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun71.

70 “Confrontar o crescimento das necessidades e o aumento da produção equivale a pôr em evidência


a variável da intermediária decisiva, que é a diferenciação. A relação deve estabelecer-se, portanto,
entre a diferenciação crescente dos produtos e a diferenciação crescente da procura social de prestígio.
Ora, a primeira é limitada, mas não a segunda. Não existem limites para as necessidades do homem
enquanto ser social (isto é, enquanto produto de sentido e enquanto relativo aos outros em valor)”
(BAUDRILLARD, op. cit., 2008, p. 71-72, grifo do autor).
71 O despertador-cafeteira possui 37,5 centímetros de altura, 13 centímetros de largura e 14 centímetros

de profundidade. Foi descrito pelo MHAB da seguinte forma: o relógio como uma peça quadrangular
com mostrador em papel, contendo algarismos arábicos e dois outros pequenos mostradores.
Cercadura ornamental em motivos fitomorfos e arabescos. Moldura em metal amarelo em gravação em
relevo. Vedação em vidro bisotado. A base em metal, projeção dos quatro pés, chanfrada, com laterais
em vedação em vidro liso. O interior com engrenagem em metal. A parte superior é composta com
porta em metal fusada, puxador e fecho metálico. Possui engenho para coar uma xícara de café,
composto por recipiente em vidro para combustível. A cafeteira é metálica com bico e tampa projetados,
suporte para xícara em pequena bandeja que apoia em uma alavanca, sustentada por contra peso.
Consta que foi adaptada por Luiz Olivieri. MHAB, acervo de objetos. Coleção Equipamentos
Domésticos: despertador-cafeteira. Dimensões; Descrição do objeto.
187

Daniel Roche, ao descrever algumas mobílias da França, especialmente, dos


séculos XVII a XIX, escreveu que alguns móveis simbolizavam a riqueza familiar
seguindo, “em sua produção, as vicissitudes do gosto, do estilo, da moda” 72. O
despertador-cafeteira, o equipamento doméstico que encontramos no MHAB
expressava o gosto individual de seu possuidor, duas peças em uma só: um relógio e
um utensílio para preparação do café.
As pessoas que destacamos nesta subseção, da mesma forma como as que
foram descritas na subseção referente aos bens de uso pessoal, compunham frações
da classe média de Belo Horizonte na passagem para o século XX: Antônio Couto foi
padre; Luiz Olivieri foi um imigrante italiano, profissional liberal e funcionário público,
arquiteto que se estabeleceu na capital por conta das obras de construção da cidade,
tendo sido membro da CCNC e responsável por projetar algumas edificações de Belo
Horizonte nas décadas de 1910 e 1920; Manoel Pires de Carvalho e Albuquerque foi
profissional liberal, engenheiro que contribuiu para as obras de construção da estação
da ferrovia Central do Brasil em Belo Horizonte no início da década de 1920; Luiz
Daniel Cornélio de Cerqueira foi professor.

5.3.3. Os acessórios para interiores: peças de mobiliário

Dos 36 objetos materiais elencados por nós, 12 foram referentes ao mobiliário.


Nas palavras de Roche, “mobília e decoração ocupavam um lugar especial no
itinerário onde comparamos necessidades, comodidades, luxos, com os meios e os
recursos da sociedade, com o consumo e a produção”73. Não apenas nos séculos XVII
e XVIII franceses, analisados pelo autor, mas para o cenário de Belo Horizonte da
passagem do XIX para o XX, mobília envolvia necessidades e comodidades
familiares, luxo (ou não), consumo e produção.
O quadro 5.3. descrito abaixo mostra as peças de mobiliário que circularam por
Belo Horizonte na passagem para o século XX:

72 ROCHE, op. cit., 2000, p. 236.


73 Idem, ibidem, p. 223.
188

Quadro 5.3.: As peças de mobiliário

Nome Classificação Data Material e técnica Origem


Madeira, palhinha /
Cadeira de Peça de Final séc.
Recorte, entalhe,
roda de fiar mobiliário XIX
trançado
Madeira, palha /
Peça de Final séc. Recorte, entalhe,
Canapé
mobiliário XIX torneamento,
trançado
Madeira, cristal,
Peça de Final séc.
Cristaleira espelho / Recorte,
mobiliário XIX
torneamento
Madeira / Recorte,
Estante-porta Peça de
Séc. XIX entalhe,
toalhas mobiliário
torneamento
Guarda- Peça de Séc. XIX / Madeira, vidro /
louças mobiliário XX Recorte
Madeira / Entalhe,
Peça de Princípio recorte, Belo
Mesa
mobiliário séc. XX marchetaria, Horizonte
torneamento
Madeira, metal /
Peça de Recorte, entalhe, EUA /
Papeleira 06/10/1874
mobiliário torneamento, Indianópolis
fundição
Madeira, metal /
Peça de Recorte, entalhe, Rio de
Penteadeira Séc. XX
mobiliário torneamento, Janeiro
fundição
Madeira, vidro,
Relógio de Instrumento de Final séc.
metal, esmalte / Ouro Preto
armário precisão ótica XIX
Recorte, entalhe
Relógio- Instrumento de Madeira, metal / Belo
1928
armário precisão ótica Recorte, fundição Horizonte
Madeira, palha /
Peça de Final séc.
Sofá Entalhe, recorte,
mobiliário XIX
trançado
Madeira, couro,
Peça de Final séc. metal / Entalhe,
Sofá
mobiliário XIX recorte,
torneamento
Fonte: MHAB, acervo de objetos das coleções: Mobiliário; Medição e Registro.

Segundo Roche, os objetos móveis – em oposição aos imóveis que não se


deslocam – diziam respeito às necessidades humanas de prover a casa, aprimorar as
189

funções dos distintos espaços domésticos e também serviam para marcar as


diferentes atividades do cotidiano74:

Na cadeia que unia os objetos, a necessidade era um elemento maior.


O móvel se caracterizava por sua mobilidade; era uma propriedade
que se tornou, por oposição ao imóvel impossível de se deslocar, o
essencial para designar o que ornava e guarnecia a casa. Como meio,
os móveis respondiam à necessidade (o sono, a alimentação, o
trabalho): a mesa para se alimentar, a cama para dormir, as cadeiras
para conversar, a escrivaninha ou a bancada para o trabalho
intelectual ou material orientavam espaço e atividades75.

Dos 12 móveis que compuseram o conjunto de peças de mobiliário do quadro


5.3., 7 foram fabricados no final do século XIX. Alguns foram fabricados no início do
século XX, como a mesa e o relógio-armário, estes produzidos em Belo Horizonte. O
relógio-armário foi de Ouro Preto para a nova capital mineira, para uso da Secretaria
de Viação e Obras Públicas. A penteadeira foi importada do Rio de Janeiro; a
papeleira era de origem estadunidense, tendo sido utilizada pela administração dos
correios na capital mineira.
Abaixo seguem imagens da mesa76 fabricada em Belo Horizonte e da papeleira
importada dos Estados Unidos:

74 Vale ressaltar que a divisão de funções, tanto dos espaços domésticos como dos objetos foi uma
novidade, especialmente, do século XIX: “No local geométrico da vida familiar, dormiam, recebiam,
consumiam, efetuavam a maior parte dos trabalhos domésticos diários. Móveis simbolizavam o
percurso da vida: o cofre, a cama, a mesa e as cadeiras, a masseira, o relógio. Dos interiores modestos
às moradias complexas, eles podiam aumentar em quantidade e melhorar em qualidade, responder a
necessidades de arrumação desenvolvidas pela riqueza e acumulação, mudar de significado. A
evolução que observamos nos objetos conservados chega a um certo grau de especialização, mas
esta não era imediatamente perceptível: às vezes a cama era um cofre, o cofre era também um assento
e podia servir de mesa. A especialização tardia das peças segundo seu uso acelerou o laço funcional,
mas ela era limitada e desconhecida antes do século XIX pelos camponeses, que reuniam numa única
peça todos os móveis de sua vida: em 1870, 50% das habitações rurais na Touraine só contavam com
um “principal quarto de lareira” onde tudo estava agrupado sobre 30 ou 40 metros quadrados; 75% das
famílias populares parisienses no século XVIII se concentravam numa sala comum” (ROCHE, op. cit.,
2000, p. 226).
75 Idem, ibidem, p. 230.
76 “Desde o século XVI, a mesa ditava maneiras de civilidade; no século XVIII, ela era o lugar expressivo

de um outro prazer de comer. Da habitação do campo à moradia aristocrática, a diferença era grande,
mas em ambos os casos a mesa respondia a uma necessidade na relação do homem com o homem:
nela a alimentação foi transfigurada em relações sociais” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 233).
190

Artefato 5.11.: Mesa

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun77.

A papeleira foi adquirida pela administração dos correios nos primeiros tempos
da nova capital mineira e utilizada pela empresa durante 40 anos. É um móvel
específico, formado por escaninhos e gavetas, reservados a guardar documentos e
materiais necessários para escrita78.

77 A mesa “mineira” da figura mede, em centímetros, 80 de altura e 97 de comprimento. Possui tampo


redondo em mosaico e caixa circular com montagem em madeira diferenciada, com motivos
geométricos. A base central é entalhada, terminação em quatro pés com voltas e coruchéus. Possui
madeira encerada. No tampo faltam pedaços de madeira no trabalho de marchetaria. A peça foi exposta
e premiada em exposição de Turim, na Itália, em 1911. MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário:
mesa. Dimensões; Descrição do objeto; Dados históricos.
78 MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: papeleira. Dados históricos.
191

Artefato 5.12.: Papeleira

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun79.

Das 12 peças referentes ao mobiliário, em 4 casos foi possível associar o bem


a quem o pertenceu: cadeira de roda de fiar, canapé, cristaleira e estante-porta
toalhas. Em 2 casos foram identificadas as instituições às quais os bens serviram para
uso, sendo estes bens a papeleira e o relógio de armário. Em 1 caso identificamos
quem fabricou o bem: relógio-armário.
A cadeira de roda de fiar pertenceu a Josino Maciel que, conforme declaração
firmada em cartório na cidade de Soledade, Sul de Minas Gerais, em 1908, adquiriu o
bem de Ana Pacheco na cidade sul-mineira naquele ano. Ainda que o objeto tenha
sido adquirido em Soledade, não foi produzido na região. Segundo Ana Pacheco, a
vendedora do objeto, a cadeira estava sob sua posse há mais de 30 anos antes de

79 A papeleira possui as seguintes dimensões em centímetros: 180 de altura, 80 de largura, 110 de


profundidade. A peça é de madeira encerada, com porta abulada em duas folhas, frisos e molduras
reentrantes e recortes de motivos geométricos. Possui espelho de fechadura e pequenos vãos
guarnecidos por placas de metal recortado em motivos geométricos e fitomorfos. A parte superior é
guarnecida por balaustrada torneada em painel retangular ao centro, ornado em motivos fitomorfos e
geométricos. Contém arremates em conchéus. Interior com gavetas e escaninhos de formatos e
dimensões variadas, com pequeno nicho central. Puxadores torneados. As folhas da porta são
compartimentadas em escaninhos, tendo à esquerda pequeno nicho vedado por uma porta de vidro. O
arremate superior da caixa é móvel na sua parte frontal e esconde pequenos escaninhos horizontais.
A peça possui dobradiças de metal trabalhado com terminação em piráculos. Pés em traves paralelas.
MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: papeleira. Dimensões; Descrição do objeto.
192

1908, ou seja, desde por volta de 1878, tendo sido adquirira por ela num leilão no Rio
de Janeiro80.
O canapé pertenceu a família de Francisca Flores Alves, que vendeu o objeto
ao MHAB no ano de 1959. A peça apresentava originalmente a função de cama de
solteiro, no estilo de marquesa, comum nas fazendas mineiras do século XIX81. Abaixo
segue fotografia do objeto:
Artefato 5.13.: Canapé

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun82.

A cristaleira pertenceu ao engenheiro responsável pelo projeto de construção


da capital, Aarão Reis, já descrito em outras partes desta tese e que também foi
possuidor de outros artefatos que descrevemos anteriormente. A estante-porta
toalhas pertenceu a Luiz Olivieri, possuidor de outros bens materiais que circularam
por Belo Horizonte, conforme descrevemos na subseção anterior. Abaixo segue
imagem da cristaleira e da estante:

80 MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: cadeira de roda de fiar. Dados históricos.
81 MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: canapé. Dados históricos.
82 O canapé da fotografia mede 90 centímetros de altura, 226 de comprimento, 47 de largura. O móvel

foi confeccionado em madeira, apresenta apoio em quatro pés e amarração lateral. O assento é
retangular em palhinha. Possui gradis laterais em forma curva, com traves superiores torneados em
anéis e frisos. MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: canapé. Dimensões; Descrição do objeto.
193

Artefato 5.14.: Cristaleira

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun83.

83 A cristaleira possui as seguintes dimensões em centímetros: 164 de altura, 90 de comprimento, 56


de largura. Foi confeccionada em madeira encerada, com laterais em vidro e parte posterior em
madeira. Apresenta uma porta com duas folhas de vidro bisotado, com moldura em madeira e
acabamento no eixo central com friso em motivos geométricos e fechadura com espelho de madeira.
Eixos laterais com colunas torneadas em anéis e caneluras, fixas na parte superior com entalhamento
escalonado e frisos retos. No interior existem três prateleiras em madeira e fundo em espelho com
moldura de madeira frisada. Possui quatro pés para apoio, sendo os dois posteriores retos e os dois
frontais com bolacha. MHAB, acervo de objetos. Coleção Mobiliário: cristaleira. Dimensões; Descrição
do objeto.
194

Artefato 5.15.: Estante-porta toalhas

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun84.

O relógio-armário foi fabricado em Belo Horizonte por Bernardino de Sena


Muniz, no ano de 1928. A respeito de uma “história dos armários”, escreveu Roche:

Poderíamos, a título de exemplo, esboçar a história do armário, desde


os pesados armários antigos reforçados por ferragens até os do século
XVIII, já “aburguesados” (...). O armário pode então atingir proporções
consideráveis, tão grandes por vezes que se opta por cortá-lo em dois
(...). O armário tornou-se deste modo um móvel pretencioso, à época
ricamente esculpido e decorado. No século XVIII perde este papel,
pelo menos nas casas luxuosas e, relegado ao papel de guarda-roupa,
deixa de aparecer nas salas de recepção. Mas durante séculos
continuará a ser o orgulho das casas rurais e dos lares da gente
modesta85.

Segue abaixo uma imagem do relógio-armário que foi fabricado em Belo


Horizonte no início do século XX:

84 A estante-porta toalhas da fotografia possui as dimensões em centímetros: 52 de altura, 47 de


comprimento, 19 de largura. Foi descrita pelo MHAB como aparador e porta-toalhas em madeira, de
formato retangular, para ser fixado em paredes. Possui arremate superior em cercadura de balaústres.
Laterais projetadas, recortadas em curvas e contracurvas. Apresenta caixa central, marcada por duas
cantoneiras de recorte curvo, peanha e barra cilíndrica na parte inferior. MHAB, acervo de objetos.
Coleção Mobiliário: estante-porta toalhas. Dimensões; Descrição do objeto.
85 ROCHE, op. cit., 2000, p. 274-275, grifos do autor.
195

Artefato 5.16.: Relógio-armário

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun86.

O mobiliário fabricado por Bernardino de Sena Muniz era parecido com o


relógio de armário que fez parte das instalações da Secretaria de Viação e Obras
Públicas, móvel que foi transferido de Ouro Preto para a Cidade de Minas, em 1897,
quando da mudança da capital. Há diferenças no material e na técnica empregados,
pois o relógio que foi fabricado em Belo Horizonte teve como materiais a madeira e o
metal, e o que foi de Ouro Preto para a capital teve como materiais madeira, vidro,
metal e esmalte. Enquanto Bernardino de Sena Muniz utilizou as técnicas de recorte
e fundição para a confecção de seu armário, o de Ouro Preto teve como base as

86 O relógio-armário da fotografia possui as seguintes dimensões em centímetros: 277 de altura, 82,5


de comprimento, 44 de largura. A peça foi descrita pelo MHAB como um armário com adaptação de
relógio na parte superior. Parte superior trabalhada com molduras lisas formando um quadriculado;
madeiras escura e clara. Porta em três folhas com dobradiças e fecho em metal. Na folha central, há
dois vazados, sendo o central circular, emoldurando o relógio com dois ponteiros de madeira. O
mostrador de horas é de metal com algarismos romanos; contém mostrador de dias da semana e meses
do ano em madeira e metal. Possui engrenagens em madeira e metal. MHAB, acervo de objetos.
Coleção Medição e Registro: relógio-armário. Dimensões; Descrição do objeto.
196

técnicas de recorte e entalhe. A seguir segue fotografia do bem que foi utilizado pela
Secretaria de Viação e Obras Públicas:

Artefato 5.17.: Relógio de armário

Fonte: Acervo do MHAB / Foto de Miguel Aun87.

Os dois relógios eram conhecidos também como relógio de caixa. Em comum,


os dois armários tinham a altura parecida, sendo de mais dois metros e meio, 2,77 o
da primeira fotografia e 2,60 o da segunda.

Durante séculos, os carpinteiros fizeram móveis e casas. Daí as


grandes dimensões, a solidez, uma robustez grosseira dos móveis

87 O relógio de armário possui 260 centímetros de altura, 36,5 centímetros de comprimento, 23,5
centímetros de largura. É um mobiliário composto por três módulos principais. Parte superior com vitrine
de vidro em arco pleno com fecho de metal, laterais com molduras frisadas, arremate superior frontal
em recorte curvo. No interior, relógio com mostrador em esmalte branco com números romanos e dois
ponteiros, emoldurado com placa de metal dourado, trabalhado com motivos geométricos e fitomorfos,
ramos de trigo e cachos de uva, elementos decorativos pertencentes ao vocabulário cristão e
simbolizando a eucaristia; possui cadeado pequeno, rosto central com moldura racionada. A parte
intermediária é formada pela caixa do pêndulo com molduras frisadas frontais e laterais, porta frontal
com fechadura e dobradiças em metal e tramela; nas laterais, recortes com duas emendas. Na parte
interior há caixa com molduras frisadas frontais e laterais. Possui pés em arco, com madeira escura,
encerada. MHAB, acervo de objetos. Coleção Medição e Registro: relógio de armário. Dimensões;
Descrição do objeto; Dados históricos.
197

“góticos”, pesados, armários presos às paredes, enormes mesas


estreitas, bancos, mais frequentes do que escabelos ou cadeiras,
arcas feitas de grandes pranchas mal aparelhadas (...) Aliás, são tanto
móveis como bagagens88.

Os relógios armários que circularam por Belo Horizonte entre o final do século
XIX e o início do século XX talvez tivessem funções diferentes: ainda que fossem
formados pelas mesmas peças principais (uma, para guardar, o armário; outra, para
medir o tempo, o relógio), provavelmente tiveram utilidades distintas, já que um serviu
para a Secretaria de Viação e Obras Públicas, uma instituição e, o outro, para um
ambiente doméstico89.
Das pessoas que identificamos, que tiveram posse de objetos descritos nesta
subseção, Aarão Reis e Luiz Olivieri são representantes da classe média belo-
horizontina, profissionais liberais e funcionários públicos que chegaram na capital por
conta das obras de construção.
Se na presente seção tratamos de frações da classe média de Belo Horizonte
considerando diversos artefatos que fizeram parte de suas vidas, com base nos
objetos presentes no MHAB, na próxima seção vamos analisar as frações da classe
média com base nos inventários post-mortem presentes nos arquivos do TJMG.

5.4. A classe média identificada por meio dos inventários post-mortem

Assim como demais fontes históricas, inventários post-mortem também


apresentam restrições90, mas que não impedem que tais documentos sejam suporte
para diferentes pesquisas dentro da História Econômica.

88 ROCHE, op. cit., 2000, p. 273, grifos do autor.


89 “O armário (...) permitia arrumar os produtos têxteis mais numerosos, enquanto para louça ou os
utensílios de cozinha, que também se multiplicavam, era o bufê [uma espécie de armário horizontal]
que fazia esse papel. Ele já permitia arrumações classificadas, separadas, racionais. Seu tamanho,
sua majestade lhe conferiam um papel de representação” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 249).
90 Os inventários retratam o patrimônio de uma pessoa no momento de seu falecimento, riqueza aquela

que foi constituída, geralmente, durante a vida do inventariado, pode ter sido esforço de seu próprio
trabalho ou também parte de uma herança que foi recebida de seus ancestrais. A riqueza que está
presente no inventário pode ter sido formada alguns dez, vinte ou trinta anos antes da morte da
personagem: as mobílias de dentro das casas, os animais, os bens imóveis, as dívidas contraídas, são
bens adquiridos ao longo do tempo. Mas os inventários não permitem que se trace, por exemplo, uma
trajetória de vida da personagem inventariada, pois tratam do momento da morte em diante, dos bens
que a personagem possuía quando morreu e do futuro desses bens (a divisão entre os herdeiros).
Segunda limitação dos inventários post-mortem diz respeito à riqueza e aos valores monetários
contidos nos documentos. Pesquisa de Agnaldo Valentin, José Flávio Motta e Iraci del Nero da Costa
demonstrou que são necessários alguns cuidados: o primeiro remete à caracterização da riqueza, entre
bruta e líquida; o segundo ponto de atenção diz respeito à riqueza líquida, especialmente quando
apresenta valores negativos; por último, mas não menos importante, os autores ressaltaram a
importância de uma compreensão profunda sobre a medida de riqueza obtida por meio dos inventários.
VALENTIN, Agnaldo; MOTTA, José Flávio; COSTA, Iraci del Nero da. “Distribuição e concentração da
198

Inventários foram utilizados por serem fontes de pesquisas para entendimento


de estruturas de riquezas91; informam dados sobre o endividamento de uma
sociedade, por meio de informações extraídas da categoria de dívidas 92; servem para
a compreensão da composição de famílias93; possuem informações importantes para
estudiosos da escravidão94; são fontes textuais que servem de base para percepção
de práticas de consumo e de transformações na cultura material de determinada
localidade, já que descrevem os bens que foram deixados como herança95; são fontes
que nos auxiliam no entendimento das diferentes classes que formam uma
sociedade96.
Os dados e informações dos inventários post-mortem que servirão de base
para esta seção do capítulo foram coletados no AP-TJMG e no CEOP-TJMG. No total,
foram contabilizados 99 documentos 97. A tabela descrita abaixo mostra o número de
ocorrências de ativos:

riqueza com base em inventários post mortem na presença de casos de riqueza líquida negativa”.
História (São Paulo), v. 32, n. 2, p. 139-162, jul./dez., 2013, p. 157. Sobre as possibilidades de utilização
e limitações dos inventários post-mortem, ver: FURTADO, Júlia Ferreira. Testamentos e Inventários –
A morte como testemunho da vida. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de. (Orgs.). O
Historiador e suas Fontes. São Paulo: Contexto, 2015. P. 93-118.
91 Sobre estrutura de riqueza com base também nos inventários, ver, dentre outros trabalhos:

MARCONDES, Renato Leite. A arte de acumular na gestação da economia cafeeira: formas de


enriquecimento do Vale do Paraíba paulista durante o século XIX. Tese (Doutorado em Economia) –
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
92 Para trabalho sobre dívidas que também utilizou dentre as fontes os inventários, cf.: ALMICO, Rita

de Cássia da Silva. Dívida e obrigação: as relações de crédito em Minas Gerais, séculos XIX/XX. Tese
(Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2009.
93 Sobre estudo de famílias com base em inventários, cf., dentre outros, FERREIRA, Natânia Silva.

“Entre pai e filho: análise das riquezas em duas gerações de uma família da elite agrária do município
de Varginha (MG) no início do século XX”. Espaço Plural. Marechal Cândido Rondon. Ano XVII, n. 35,
p. 82-113, 2º semestre de 2016.
94 Dentre os inúmeros trabalhos que partiram de inventários post-mortem para compreensão da

temática da escravidão, ver, dentre outros: VIEIRA, Eduardo José. Produção, comércio e acumulação
de riqueza em um município escravista mineiro: Lavras/MG (1870-1888). Dissertação (Mestrado em
História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2015.
95 A respeito de trabalhos que utilizaram inventários post-mortem para estudos de cultura material, cf.:

FARIA, Sheila Siqueira de Castro. “Fontes textuais e vida material: observações preliminares sobre
casas de moradia nos Campos dos Goitacases, sécs. XVIII e XIX”. Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. n. 1, p. 107-129, 1993; ARAÚJO, Maria Lucila Viveiros. “Os interiores domésticos após a
expansão da economia exportadora paulista”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 12, p.
129-160, jan./dez., 2004.
96 Conferir, dentre outros trabalhos, o de: ANDRADE, Marcos Ferreira de. “Casas de vivenda e de

morada: estilo de construção e interior das residências da elite escravista sul-mineira – século XIX”.
Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 12, p. 91-128, jan./dez., 2004.
97 Um dos 99 documentos pertencem ao MEJUD-TJMG.
199

Tabela 5.1. Número de ocorrências de ativos (1897-1930)

Ativos Ocorrências %
Bens móveis 42 42,42%
Imóveis rurais 28 28,28%
Imóveis urbanos 59 59,60%
Culturas 7 7,07%
Animais 17 17,17%
Dívidas ativas 25 25,25%
Dívidas passivas 17 17,17%
Dinheiro 9 9,09%
Fonte: Inventários post-mortem presentes no AP e no CEOP do TJMG (1897-1930).

Belo Horizonte foi uma cidade planejada de forma que o peso das atividades
urbanas fosse maior que o peso das atividades rurais, ou seja, uma cidade em que o
eixo principal da economia nascente estivesse voltado para o espaço urbano, o que
ficou claro por meio da leitura dos capítulos anteriores. A nossa amostra de
inventários, cujo número de ocorrências de bens foi descrito na tabela 5.1., retrata
esta especificidade da capital, pois foram os bens imóveis urbanos os que mais
figuraram nos documentos, aparecendo em 59 inventários, sendo estes bens as casas
de morada e suas partes e cômodos para negócios, situados nas áreas urbana e
suburbana de Belo Horizonte.
Os bens imóveis rurais foram identificados em 28 inventários sendo,
especialmente, casas de morada e suas partes, alqueires de terras virgens, terras de
cultura, partes de fazendas, sendo situados, sobretudo, em áreas de colônias e ex-
colônias de Belo Horizonte. Das culturas, é possível destacar milho, café, cana e
árvores frutíferas, em pequenas quantidades.
Depois dos imóveis urbanos, os bens que mais apareceram nas fontes
pertencem a categoria de móveis, categoria identificada em 42 inventários. São,
inclusive, os bens móveis, os que mais nos interessam98. De forma geral, os móveis
podem ser considerados bens que a grande maioria de inventariados de uma amostra
declaravam. Muitos bens móveis possuíam baixo valor monetário mas,
frequentemente, os requeridos possuíam em casa algum deles para declarar: uma

98“Os móveis se situam como intermediários entre o meio interior (necessidades e hábitos de grupo) e
o meio exterior (que fornece os materiais para satisfazer essas necessidades) (...) Em princípio, a cama
serve para dormir e a cadeira para se sentar, mas ao mesmo tempo ambas modificam as necessidades
a que devem satisfazer. Além disso, elas não são isoláveis e entram numa rede de relações materiais
e sensíveis. Da classificação do mobiliário, da sua escolha depende a compreensão das práticas, pois
não existe móvel inútil” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 231).
200

cama, um sofá, uma mesa, uma panela, um conjunto de talheres – alguns deles em
mau estado de conservação, o que se fazia questão de descrever no documento.
Além dos bens de uso pessoal, dos equipamentos domésticos e das peças de
mobiliário, objetos que descrevemos na seção anterior, os bens móveis presentes nos
inventários de Belo Horizonte também abarcam documentos, instrumentos de
trabalho, livros, metais e objetos litúrgicos.
Vale salientar que, das demais categorias de ativos, destacamos dentro das
dívidas ativas, as cadernetas na Caixa Econômica Federal, mas havia também ações
em bancos estaduais e dívidas ativas a nível local. Dentre as dívidas passivas,
estavam os empréstimos bancários, hipotecas de imóveis e despesas com médicos e
funerais.

5.4.1. Os bens móveis presentes na amostra de inventários

Dada a categoria de bens móveis presente nos inventários post-mortem,


organizamos uma tabela por tipologia de bens:

Tabela 5.2. Número de ocorrências de bens móveis por tipologia (1897-1930)

Tipo de bens Ocorrências %


Bens de uso pessoal 5 11,90%
Documentos 1 2,38%
Equipamentos domésticos 17 40,48%
Instrumentos de trabalho 25 59,52%
Livros 4 9,52%
Metais 1 2,38%
Peças de mobiliário 32 76,19%
Objetos litúrgicos 1 2,38%
Fonte: Inventários post-mortem presentes no AP e no CEOP do TJMG (1897-1930).

Ainda sem ressaltar as frações da classe média belo-horizontina, vamos


analisar os bens móveis considerando o conjunto dos 99 inventários que possuímos.
Dentro da categoria de bens de uso pessoal, estavam: chapéus, par de botinas,
escarradeiras, saboneteira.
Dentre os documentos, observados em apenas um inventário, do ano 1919,
encontramos: uma coleção de 130 volumes de atas da Câmara dos Deputados, dos
201

anos de 1883 a 1890; uma coleção do Instituto Histórico e Geográfico, dos anos de
1831 a 1861, contendo 66 volumes99.
Na categoria de equipamentos domésticos estavam jarros e bacias; conchas
para sopa, garfos de ferro e talheres para café; canecas de ferro e caneca “estragada”;
copos e pratos; canastra, compoteira, compoteira “velha”, chaleira de ferro, caldeirões,
caçarolas, caixa frasqueira “ruim”, panela de ferro.
Nas palavras de Roche, sobre alguns equipamentos domésticos na França do
século XVIII:

O garfo foi primeiro um capricho real. Henrique II o impôs à Corte, com


o prato, segundo o exemplo da Itália. Na época essa moda era
reprovada pelos moralistas! No século XVIII, ela progrediu no mundo
rural: uma família em dez possuía um garfo na Alsácia, onde ele
progrediu após 1730-1760. O instrumento mais conhecido era
certamente a colher (...) A faca na mesa era rara; os homens se
serviam com mais frequência da sua faca de bolso. O copo e a caneca
apareceram tardiamente: na Alsácia, eles figuravam em 5% dos
inventários; em Brie, representavam, com os garfos, o progresso mais
importante, em 95% dos lares dos ricos e notáveis, na metade dos de
lavradores, e em 40% dos de camponeses100.

No mesmo inventário do ano de 1919, que citamos acima e que continha


documentos, encontramos listados, da copa da casa de morada do inventariado: 11
taças de champanhe e 20 copos “ordinários”; garrafas de cristal para vinho, garrafas
para leite, para chá e para café; uma mantegueira de cristal; um saleiro com suas
colheres e duas compoteiras. Além disso, 17 facas de cristal, 19 garfos “ordinários”,
20 garfos e 16 conchas; colheres para chá e colheres para café. Na copa havia mais
equipamentos domésticos, sendo uma colher grande para arroz, uma para feijão e
uma para sopas. Ainda que não tenha sido identificada a profissão ou ocupação do
inventariado ou de membros de sua família, por meio dos bens móveis (divididos entre
biblioteca, sala de visitas, sala de jantar e copa) e imóveis (casas, lotes e partes de
lotes) poderíamos afirmar que pertencia a uma classe mais abastada da capital101.
Nas palavras de Roche, sobre os costumes relacionados a alguns utensílios
domésticos em regiões francesas nos séculos XVII e XVIII:

cozinhavam e comiam nos mesmos utensílios: sopeiras e marmitas


passavam da lareira à mesa, e seu conteúdo para a tigela. Por muito
tempo, comeram com os dedos e molhavam o pão na marmita; para
beber, mamavam no gargalo das garrafas – que foram uma invenção

99 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.10.04.014.


100 ROCHE, op. cit., 2000, p. 317.
101 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.10.04.014.
202

tardia e, ao que parece, vinda da Inglaterra no século XVII – ou no


jarro. A sopeira e o prato só apareceram nos lares no século XVIII.
Ainda comiam com a mão ou com um naco de pão ou de madeira,
suporte individual dos hábitos coletivos. Os talheres e a louça que
conhecemos – o prato, a colher, a faca, o garfo – permitiam traçar a
separação invisível entre os convivas, imposta pelas civilidades.
Primeira etapa na individualização das maneiras à mesa foi a posse
das tigelas pessoais, que se afirmava por uma decoração ou uma
inscrição (...). O prato, já corrente na cidade, chegou no campo no
século XIX, raramente antes disso, exceto entre os ricos. Os materiais
com que eram feitos os utensílios refletiam a hierarquia social: os mais
comuns eram de madeira, em barro cru ou envernizado; os mais ricos
em louça, estanho, cobre ou até prata102.

No contexto brasileiro, com base no volume de objetos do fichário Ernani Silva


Bruno, a parte sobre serviço de mesa apresentou contexto para, dentre outros objetos,
aparelho de chá para São Paulo, em 1815; colheres e facas para os anos de 1583 a
1590, com as quais os portugueses se serviam de mexilhões; concha para os
arredores de Jundiaí, em São Paulo, em 1898; garfo de ferro, para Santos, em São
Paulo, entre 1784 e 1821103. Ou seja, as necessidades daqueles equipamentos
domésticos datam de bem antes da passagem para o século XX; o que se alterava
com o passar do tempo eram os materiais e técnicas empregados na confecção dos
bens, assim como, as variações para utilização de um mesmo bem, conforme os
hábitos e os costumes se transformavam104. Como foi possível observar por meio de
algumas descrições dos inventários de Belo Horizonte, havia, por exemplo, talheres
específicos para chá e para café; talhes para arroz, para feijão e para sopa105.
Dentre os instrumentos de trabalho estavam espingardas e garruchas; carroças
e carroça “imprestável”; arreios, arados e carros de bois; caixote com ferramentas de
carpintaria, taboas e martelos, correntes, réguas e facões. De estabelecimentos
comerciais, foram listados nos inventários caixa registradora, armações, balcões,
mesas, máquina para fazer doces e masseiras; balança com pratos, pás para forma,

102 ROCHE, op. cit., 2000, p. 317.


103 ACAYABA, Marlene Milan; GUERRA, José Wilton; SIMÕES, Renata da Silva (Orgs.).
Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira – Vol. 4: objetos. São Paulo: Museu da Casa
Brasileira, 2001, p. 180-200.
104 “O mobiliário se classificava comodamente em relação às condições de vida no quadro familiar,

quando cada móvel era útil, quando cada um tinha sua utilização própria e múltipla. Sua diversificação
dependia das condições de vida que melhoravam, mas o essencial, para a população rural e urbana
reunida numa peça comum (...), era resolver simultaneamente as necessidades do trabalho, do
repouso, do sono, da preparação dos alimentos, da sociabilidade” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 226).
105 Nas palavras de Roche, “porém a presença de um objeto não implicava o abandono de um outro

(...) a urbanidade e a circulação tiveram uma influência decisiva na expansão dos novos costumes”
(ROCHE, op. cit., 2000, p. 317-318).
203

ferro para tirar brasas, máquina para moldurar. Encontramos descritos nas fontes
também caixas de botões, maços de pregas e vidros de verniz. Serras, furador,
máquinas de aparelhar e furar ferros. Do ofício de olaria, encontramos carrinhos de
mão para olaria, carroção de mesa, bancas para fabricação de tijolos, banco de
carpinteiro, peças de madeira e enxadão106.
Livros foram encontrados em 4 inventários e, dentre eles, havia livros de Direito,
Revista do Arquivo Público Mineiro, dicionários, – “dicionário Histórico e Político de M.
Bloch, em francês”; dicionário de Economia Política, também em francês; dicionário
Histórico e Geográfico, livro litúrgico.
Metais foram encontrados em um inventário, e nele foram listadas 2 libras
esterlinas, 1 moeda de ouro portuguesa, 1 anel de ouro quebrado, 91 moedas de prata
de diversos valores. No documento também havia descrição de 34 gramas de ouro
em pó e em amálgama107.
As peças de mobiliário apareceram no maior número de inventários que
possuíam a categoria de bens móveis. Dentre elas estavam mesas de jantar, mesa
redonda, cadeiras, cadeiras de balanço, bancos, tamboretes, marquesas, guarda
louças, “guarda comidas”, armários, armários e estante de madeira, estante de ferro,
caixas, quadros decorativos, piano, sofá, catres, camas de casal e camas de solteiro,
cômoda para “roupa branca”, guarda casacos e máquina de costura. Segundo Roche,
sobre mobiliário:

Longe de ser trivial, a história do mobiliário e da decoração popular é


um ponto de encontro. Sua complexidade vem igualmente da nossa
maneira de hierarquizar os fatos. Ela se coloca ao lado da história das
artes menores que vê na evolução do mobiliário o indício maior de um
progresso das capacidades técnicas dos fabricantes e do gosto dos
consumidores, com ligação com a conservação de um patrimônio de
belos objetos. Ora, esses objetos já foram peneirados pelo uso e pelo
tempo108.

106 Nas palavras de Braudel, sobre inventários post-mortem e o que podem oferecer sobre o cotidiano
de trabalhadores, no contexto do século XVII: “Os inventários por morte, documentos de verdade,
dizem-no mil e uma vezes. Na Borgonha, ainda no século XVII, à parte os camponeses remediados tão
pouco numerosos, o mobiliário do trabalhador e do pequeno lavrador revela-se, na sua pobreza, igual
a si próprio: “espeto, panela ao lume, frigideiras (...) um baú com chave (...) calções de fazenda, casaco,
polainas; algumas ferramentas [pás, picaretas]...”. Mas antes do século XVIII estes mesmos inventários
reduzem-se a algumas tralhas, um escabelo, uma mesa, um banco, tábuas da cama, sacos de palha...”.
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – As estruturas
do cotidiano: o possível e o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1997,
p. 254.
107 TJMG. Inventário post-mortem, 1916, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.11.04.012.
108 ROCHE, op. cit., 2000, p. 227-228.
204

Objetos litúrgicos foram encontrados no inventário de um padre, que faleceu


em 1913. Havia no processo de inventário casulas de diferentes cores, cálice, par de
galhetas, campainhas, missal, estante, oratórios e crucifixo109.

5.4.2. Os bens móveis das frações da classe média

Com base nos processos de inventários post-mortem, foi possível identificar a


ocupação, profissão ou titulação de alguns inventariantes e inventariados. O quadro
5.4. descrito abaixo mostra as ocupações e profissões dos requerentes dos
inventariados110:

Quadro 5.4. Inventariantes e suas ocupações / profissões / titulações


(1899-1928)
Ano do processo Ocupação/Profissão/Titulação
1899 Tenente
1905 Guarda Livros
1917 Coronel
1918 Desembargador
1919 Ateliê Fotográfico
1923 Desembargador
1928 Professor
Fonte: Inventários post-mortem presentes no AP e no CEOP do TJMG (1899-1928).

Dadas as ocupações / profissões / titulações dos envolvidos nos processos, os


classificamos como pertencentes a classe média de Belo Horizonte na passagem para
o século XX. De profissionais liberais, temos o guarda livros e o professor. Podemos
incluir na categoria de comerciante o proprietário do ateliê fotográfico, cujo
estabelecimento comercial se localizava na área urbana de Belo Horizonte, na rua
Caetés111.
Foi apenas no inventário de um funcionário público, um dos desembargadores,
cujo processo de inventário foi do ano de 1923, que encontramos bens móveis

109 TJMG. Inventário post-mortem, 1914, AP/Contagem, maço 12, registro 04.03.09.10.04.022.
110 No termo de compromisso para utilização dos inventários, que assinamos junto ao AP do TJMG,
consta a informação de que “os nomes das partes envolvidas [nos processos de inventários] devem
ser mantidos em sigilo, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa, nos termos da
legislação em vigor”. Assim, nomes de inventariados e de inventariantes não serão descritos nesta
tese, exceto o de Afonso Pena, figura pública cujo processo de inventário encontramos no AP do TJMG.
111 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço 75, registro 04.03.09.11.04.012.
205

listados. No inventário, foram descritas algumas peças de mobiliário: sofá, mesa para
jantar, cama de casal, cadeira, estantes pequenas e uma biblioteca112.
As titulações de tenente e coronel também podem ser incluídas nas frações da
classe média de Belo Horizonte, pensando-se na oficialidade destas funções. O
coronel descrito no quadro 5.4. acima, vale ressaltar, possuía um imóvel, uma casa
com cômodo para comércio, na Rua da Bahia, região central da área urbana de Belo
Horizonte, no valor de 32 contos de réis113.
Nos casos dos inventariados, foi possível encontrar maior variedade de
ocupações / profissões / titulações, referentes as frações da classe média, conforme
quadro descrito abaixo:

Quadro 5.5. Inventariados e suas ocupações / profissões / titulações


(1898-1928)
Ano do processo Ocupação/Profissão/Titulação
1898 Desembargador
1901 Coronel
1903 Comerciante
1909 Presidente
1913 Coronel
1914 Comerciante
1914 Padre
1918 Professor
1918 Funcionário Público
1919 Funcionário Público
1923 Dentista
1924 Senador
1924 Sargento
1925 Sargento da força pública
1927 Funcionário Público
1928 Comerciante
Fonte: Inventários post-mortem presentes no AP e no CEOP do TJMG (1898-1928).

Dado o grupo de 16 inventários em que foi possível identificar a ocupação,


profissão ou titulação, 10 deles apresentavam bens móveis. Descreveremos a seguir
os inventariados presentes no quadro 5.5 considerando as especificidades de seus

112 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço 01, registro 04.03.09.10.04.004.
113 TJMG. Inventário post-mortem, 1917, CEOP/Belo Horizonte, maço 63, n. 08.
206

espólios, com destaque para os bens móveis que possuíam, mas não em todos os
casos, pois nos inventários de 6 pessoas não havia descrições de bens móveis.
Iniciamos as descrições e análises por meio dos processos de comerciantes.
O primeiro comerciante descrito no quadro 5.5., que compunha a classe média belo-
horizontina, o qual o processo de inventário data do ano de 1903, faleceu no ano de
1900: encontrava-se tuberculoso e “seguindo para a Itália em busca de alívio, falleceu
em alto mar, no dia sete de dezembro de mil e novecentos”. Dos bens móveis do
inventariado, a maioria dizia respeito aos bens do comércio, uma padaria, pois
observamos a descrição de balanças, mesa da padaria, caldeirões, masseiras,
armações de vidro, e também alimentos, como sacos de farinha. De acordo com
informações do processo de inventário, a padaria se localizava na área urbana de
Belo Horizonte, na rua Espírito Santo, na esquina com a Caetés. Aquelas ruas
formaram um importante circuito de comércio da capital mineira no início do século
XX, como vimos no capítulo quatro desta tese. Dentre as dívidas do comerciante,
destacamos as ativas, dinheiro a receber de 42 clientes, no valor de aproximadamente
33 contos de réis114.
O segundo comerciante, cujo processo de inventário é de 1914, possuía como
bens móveis mercadorias, maquinismos e oficinas, móveis e utensílios, sem maiores
descrições. Do total de bens móveis, de cerca de 170 contos de réis,
aproximadamente 148 contos e 500 mil réis eram de mercadorias. Dentre os bens
imóveis estavam uma fábrica e um galpão. O inventariado possuía um animal e
dívidas ativas e passivas, incluindo devedores diversos do estabelecimento
comercial115.
O comerciante que mais posses detinha faleceu em 1928, mesmo ano do início
do processo de seu inventário. Seu nome já foi descrito nesta tese, no capítulo três,
quando o proprietário – Antonio da Cruz Miranda – fez uma propaganda de seu
açougue no jornal Diário de Minas, em 1900, chamando a população para comprar
em seu comércio116. O açougueiro possuía 25 propriedades nas áreas urbana e
suburbana de Belo Horizonte. Sem filhos, a única herdeira dos bens foi sua viúva. De
bens móveis, foram listados uma Bíblia na sala de jantar, em bom estado, móveis do
quarto de dormir e utensílios de cozinha, sem mais detalhes sobre os bens. Dentre as

114 TJMG. Inventário post-mortem, 1903, CEOP/Belo Horizonte, sem identificações.


115 TJMG. Inventário post-mortem, 1901, AP/Contagem, maço 01, registro 04.03.09.10.04.004.
116 Diário de Minas. Bello Horizonte, 10/03/1900, p. 03.
207

dívidas ativas, estavam 100 apólices da dívida municipal de Belo Horizonte, além de
dívidas de capital e de conta corrente da firma Miranda. As dívidas passivas eram
referentes ao médico e ao farmacêutico do inventariado, despesas funerárias e
concertos urgentes em bens imóveis do espólio. O monte-mor do comerciante foi o
mais alto das frações de classe média de Belo Horizonte na época, sendo de mais de
1.000 contos de réis117.
O presidente descrito no quadro 5.5., que faleceu em 14 de junho de 1909,
sendo o seu processo de inventário daquele mesmo ano, 16 de setembro, foi Affonso
Penna. Por ser uma figura pública, é um nome de inventariado que descrevemos.
Dentre os bens móveis listados no processo, estavam mobília completa de refeitório,
sendo esta composta por mesa, dois guarda louças, aparador e meia dúzia de
cadeiras; mobília de sala de visitas, com espelho; mobílias de quartos; e serviços de
porcelana, serviços para chá, para café e livraria com cerca de 2.000 volumes. O bem
mais valioso dos bens móveis era a livraria, no valor de 5 contos de réis.
No inventário foram listadas dívidas ativas do Banco de Crédito Real de Minas
Gerais, caderneta da Caixa Econômica Federal, apólices estaduais mineiras e ações
de diversas empresas. A maior parte do monte-mor do inventariado era proveniente
das dívidas ativas, sendo mais da metade dos cerca de 301 contos de réis que
compunham o espólio118.
Um senador também fazia parte da classe média de Belo Horizonte, sendo seu
processo de inventário de 1924. De bens móveis, foram listados mobílias de sala de
visitas e de sala de jantar, sendo esta última composta por sofá, 12 cadeiras de
palhinha, duas cadeiras de braços, mesa elástica e mais algumas peças, como piano.
Segundo Nelson Schapochnik, sobre a sala de jantar, considerando o período
republicano:

Desvinculada da área de preparação dos alimentos, a sala de jantar


foi transformada em cômodo imprescindível nas novas formas urbanas
de morar das elites e da burguesia. Palco da representação social, as
salas de jantar revelavam por meio do mobiliário, louças e objetos um
irrefreável desejo de expandir o domínio das regras de etiqueta e a
exaltação do esplendor material incorporado ao patrimônio familiar119.

117 TJMG. Inventário post-mortem, 1928, AP/Contagem, maço ?, registro 04.02.06.15.08.018.


118 TJMG. Inventário post-mortem, 1909, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.10.04.004.
119 SCHAPOCHNIK, Nelson. “Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: NOVAIS,

Fernando; SEVCENKO, Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle
Époque à era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 504.
208

Além dos bens que já foram descritos, o espólio do senador cujo inventário data
de 1924 continha carro para transporte, “com 4 rodas, muito usado”, 3 arados e 5
arreios. Dentre as dívidas, as ativas eram formadas por 10 ações integralizadas da
Companhia de Eletricidade e Viação Urbana de Belo Horizonte e 25 da Companhia
Industrial da cidade de Itajubá, situada no Sul de Minas. Animais, bens imóveis rurais
e bens imóveis urbanos ainda compunham a totalidade de bens120.
Dois sargentos foram identificados dentro das frações de classe média, com
base nos inventários post-mortem. O primeiro, cujo inventário data do ano de 1924,
possuía em seu conjunto de bens uma casa e um terreno situados na área suburbana
da capital mineira, além de dívida passiva 121. O segundo, sargento da força pública
mineira, tem o processo de inventário datado de 1925; possuía como bem móvel
apenas um relógio Ômega, “em mau estado”. O espólio era composto sobretudo pelas
dívidas ativas, estando entre elas notas promissórias e caderneta no Banco do
Brasil122.
O primeiro coronel, segundo inventariado descrito na ordem do quadro 5.5.,
possuía dentre os seus bens móveis materiais do ofício de olaria, além de possuir
outros bens – animais, casas e terrenos na cidade de Belo Horizonte – sendo os
imóveis nas áreas urbana (rua da Bahia) e em localidades da área suburbana123. No
inventário do outro coronel, de 1913, não houve menção a bens móveis 124. No
inventário do padre, cujos bens já detalhamos acima, na subseção 5.4.1., os bens
móveis eram, em grande parte, bens de seu ofício. Além dos móveis, possuía um
animal, partes de uma casa em Santa Quitéria e um pasto125.
Quatro funcionários públicos, contando com o desembargador, também foram
identificados nos processos de inventários. O desembargador, cujo processo de
inventário é de 1898, possuía em seu espólio como bens móveis apenas uma “livraria,
estantes e mesa” e uma “mobília”. Mas ressaltamos as 170 debêntures da Companhia
Leopoldina, no valor de 200 mil réis cada, que foram descritas no processo de
inventário126.

120 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço 20, registro 04.01.06.04.04.001.
121 TJMG. Inventário post-mortem, 1924, AP/Contagem, maço ?, registro 04.02.10.01.06.004.
122 TJMG. Inventário post-mortem, 1925, AP/Contagem, maço 55, registro 04.02.04.11.01.017.
123 TJMG. Inventário post-mortem, 1901, AP/Contagem, maço ?, registro 04.01.06.05.05.029.
124 TJMG. Inventário post-mortem, 1909, MEJUD, maço 08.
125 TJMG. Inventário post-mortem, 1914, AP/Contagem, maço 12, registro 04.03.09.10.04.022.
126 TJMG. Inventário post-mortem, 1898, CEOP/Belo Horizonte, maço 01, n. 19.
209

O segundo funcionário público, cujo processo data de 1918, possuía dentre os


bens móveis: 6 cadeiras austríacas, 1 cadeira de balanço, 6 cadeiras de vinhático, 1
sofá, 1 mesa de centro, 1 guarda louças, 1 mesa de sala de jantar, 1 relógio de parede
e 1 aparelho telefônico. Os imóveis se localizavam na área suburbana de Belo
Horizonte. Dentre as dívidas, a ativa era um pecúlio da Caixa Beneficente dos
Funcionários Públicos do Estado127.
O terceiro funcionário público, o qual seu processo de inventário é de 1919, não
deixou bens, conforme atestou sua mãe e inventariada: “solteiro, sem testamento, e
não tendo deixado bens de espécie alguma a não ser um mez de seus vencimentos,
como funcionário da Secretaria do Senado deste Estado, na importância de
quatrocentos mil réis (400$000), sujeito a desconto (...)”128.
O último funcionário público descrito no quadro 5.5. fazia parte do quadro de
funcionários da prefeitura de Belo Horizonte. Faleceu em maio de 1926 e seu processo
de inventário se iniciou um ano depois, em maio de 1927. Não possuía bens móveis,
mas lotes na área urbana de Belo Horizonte, no valor de 24 contos de réis, a totalidade
de seu monte-mor129.
Finalmente, considerando os inventários, compunham as frações da classe
média da capital mineira um professor e um dentista. O professor, cujo processo de
inventário é do ano de 1918, faleceu em Belo Horizonte, mas dava aulas em Sabará.
Como únicos bens deixados para a família – esposa e filhos – foram descritos os
vencimentos que o finado deixou de receber na qualidade de docente da antiga Escola
Normal de Sabará, no período de 1905 até 3 de janeiro de 1907, no valor total de
aproximadamente 1 conto e 800 mil réis130. O dentista, profissional liberal cujo
processo é de 1923 era natural da antiga capital, Ouro Preto. Não havia bens móveis
descritos em seu inventário, sendo os bens deixados um lote e um prédio na área
urbana de Belo Horizonte, na rua Caetés, no valor de 30 contos e 600 mil réis 131.
As pessoas que descrevemos na presente subseção, inventariantes e
inventariadas, compunham frações da classe média de Belo Horizonte. Dos
inventariantes, foram identificadas as titulações de tenente e coronel; funcionários
públicos, os desembargadores; notamos profissionais liberais: guarda livros e

127 TJMG. Inventário post-mortem, 1918, AP/Contagem, maço 12;4, registro 04.03.09.10.04.022.
128 TJMG. Inventário post-mortem, 1919, AP/Contagem, maço 24;25, registro 04.03.09.10.04.004.
129 TJMG. Inventário post-mortem, 1927, AP/Contagem, maço 59, registro 04.03.09.20.04.031.
130 TJMG. Inventário post-mortem, 1918, AP/Contagem, maço ?, registro 04.03.09.10.04.004.
131 TJMG. Inventário post-mortem, 1923, AP/Contagem, maço ?, registro 04.01.07.06.05.020.
210

professor; e, o comerciante, proprietário de um ateliê fotográfico. Dentro do quadro de


inventariados, notamos as titulações de coronel, presidente do Brasil, senador e
sargento. Ainda, as profissões de comerciantes, dentre eles, um proprietário de
padaria e um proprietário de açougues. Funcionários públicos foram representados
por meio dos inventários post-mortem, sendo um deles desembargador; um outro,
funcionário da Secretaria do Senado; um funcionário da prefeitura de Belo Horizonte.
Ainda, profissionais liberais, um dentista e um professor. Um padre também
compunha as frações da classe média.
As pessoas que ressaltamos neste capítulo, quando analisamos os artefatos
do MHAB e os processos de inventários post-mortem presentes nos arquivos do
TJMG, portanto, compunham as frações da classe média de Belo Horizonte:
imigrantes, funcionários públicos, comerciantes estabelecidos nas áreas centrais da
cidade e profissionais liberais.

5.5. O perfil de consumo da classe média belo-horizontina

Com base nas análises dos artefatos do MHAB, foi possível notar na capital a
presença de objetos importados, de outras regiões do Brasil e do exterior: o par de
sapatos de Mariana Ribeiro da Costa era de origem do Rio de Janeiro; o porta-relógio
que foi de Aarão Reis foi importado da Alemanha para Belo Horizonte; a xícara que
pertenceu a Luiz Daniel Cornélio de Cerqueira era inglesa; a papeleira que foi de uso
dos correios teve como origem os Estados Unidos; a penteadeira foi importada do Rio
de Janeiro. Assim, fazia parte dos costumes importar objetos, o que poderia ser
considerado, de certa forma, uma prática habitual, já que Belo Horizonte era, nas
primeiras três décadas do século XX, uma cidade nascente, cujas técnicas produtivas
industriais estavam em fase de formação.
Os produtos confeccionados internamente, em Belo Horizonte ou em Minas
Gerais, eram os que possuíam os materiais e as técnicas mais simples, como o fraque,
peça de indumentária produzida na Alfaiataria Aquino, que exigiu as técnicas de
recorte e costura; a farinheira, presente recebido pelo engenheiro Manoel Pires de
Carvalho e Albuquerque, cujos materiais foram madeira e prata; ainda, o relógio-
armário, produzido por Bernardino de Sena Muniz, que teve como materiais usados
madeira e metal, e as técnicas, recorte e fundição. Era costume importar, mas em
meio aos produtos importados, os produzidos nacional e localmente também estavam
presentes no cotidiano.
211

O despertador-cafeteira, de Luiz Olivieri, pode ser considerado um bem


diferenciado para a época, em meio a tantos objetos que podem ser tidos como típicos
do cotidiano mineiro e do início do século XX, como a farinheira, a chocolateira, a
forma para queijo, a cadeira de roda de fiar, o canapé e outros que foram descritos
nos três primeiros quadros deste capítulo, elaborados com base nas fichas de objetos
do MHAB. Há bens que podem ser descritos como de luxo, tais quais a licoreira da
França; ou, a cristaleira, que foi de Aarão Reis, cujo material empregado na produção
foi madeira, cristal e espelho e, as técnicas, recorte e torneamento.
No entanto, a grande maioria dos bens pode ser considerada de necessidade
básica132, como os equipamentos domésticos feitos de madeira, caixa para doce e
caixa para pó de café, e também outros equipamentos, os quais os materiais e
técnicas foram distintos, mas que eram objetos utilizados no dia a dia, como bacia,
caçarola, gomil e tacho de cobre. Circulavam por Belo Horizonte bens simples e bens
de luxo (para a classe média), bens com materiais e técnicas que eram mais comuns
ao contexto interno de formação de Belo Horizonte e bens com materiais e técnicas
mais sofisticados. Objetos que faziam parte do cotidiano da classe média conforme
suas necessidades se alteravam.
Averiguando os bens móveis que fizeram parte do cotidiano de inventariantes
e inventariados que compuseram frações da classe média da capital, encontramos,
nos documentos de comerciantes, bens móveis que faziam parte de seus comércios:
no inventário do proprietário da padaria, por exemplo, foram listados balanças, mesas
da padaria, caldeirões, masseiras, armações de vidro.
Dentre os equipamentos domésticos e peças de mobiliário, no caso do espólio
de Affonso Penna, por exemplo, estavam listadas mobílias completas de refeitório, de
sala de visitas e de quartos; serviços de porcelana, para chá e para café; além de uma
livraria, que formava o bem móvel mais caro do conjunto de bens do espólio do
presidente. O senador, além de possuir mobílias de sala de visitas e de jantar, possuía
um carro. O sargento da força pública possuía um relógio Ômega, único bem móvel

132“Os móveis iriam revelar um estado de sociedade em relação com suas significações, materializando
necessidades e direcionando para a linguagem silenciosa dos símbolos. Não existem intermediários
mais cotidianos entre nós e nossas necessidades. É difícil retratar aqui uma hierarquia no exercício das
funções, do uso (a mesa) à cultura (a escrivaninha): todos os móveis fazem emergir ciclos de
comportamento cuja inteligência só se concretiza na objetificação” (ROCHE, op. cit., 2000, p. 233).
212

declarado133. Um dos funcionários públicos possuía em seu espólio um aparelho


telefônico.
Os inventários post-mortem, sendo fontes textuais e não materiais, como os
objetos do museu, não apresentam o mesmo nível de detalhamento destas últimas
em relação aos bens, mas serviram para nos auxiliar na identificação de frações da
classe média de Belo Horizonte e para que entendêssemos quais os móveis fizeram
parte do cotidiano daquelas frações. Por meio da amostra de inventários e dos
documentos pertencentes a classe média, é possível afirmar atividades mais voltadas
para o espaço urbano. Os bens móveis descritos nos documentos eram bens
pertencentes, na maioria dos casos, às residências e cômodos para negócios que se
situavam sobretudo nas áreas urbana e suburbana da capital.
A classe média belo-horizontina possuía um perfil de consumo variado, sendo
presente no cotidiano objetos que iam desde os mais simples até os de luxo; para
suprirem as necessidades mais elementares até as mais sofisticadas; bens nacionais,
produzidos em Belo Horizonte e em outras regiões do Estado e do país, mas também
importados fizeram parte do contexto da classe; artefatos cujos materiais e técnicas
eram mais simples ou mais complexos também circularam pelo interior daquele
estrato social. Em comum, aqueles bens possuíam a particularidade de estarem
presentes, principalmente, no espaço urbano da cidade, que desde o seu
planejamento contava com o maior peso de atividades econômicas e sociais voltado
para o urbano.
No sexto capítulo a seguir, abordaremos o consumo de uma família da área
urbana de Belo Horizonte: os Borges da Costa, que se estabeleceram na capital na
primeira década do século XX.

133“Legitimos relogios Omega” eram vendidos em Belo Horizonte, na loja Ancora Americana, como
destacamos no capítulo quatro desta tese. Revista Novo Horizonte. Bello Horizonte, anno I, n. 1,
setembro/1910, p. 21.
213

CAPÍTULO 6

AS “ESTRUTURAS DO COTIDIANO” – O CONSUMO DOS BORGES DA COSTA


NO INÍCIO DO SÉCULO XX

“Papai era guloso e gostava de passar bem. Aos sábados, arranjava um tempinho
para ir ao Mercado Central, onde, carregando ele mesmo os balaios, comprava um
exagero de coisas. Fazia várias caminhadas, levando as compras ao carro”
(MARTINS, 2013, p. 76).

O último capítulo deste trabalho tratará das práticas de consumo no interior de


uma família que se estabeleceu em Belo Horizonte na primeira década do século XX.
Utilizando, especialmente, o livro de memórias de uma mulher que compunha a
família, Beatriz Borges Martins, vamos discorrer sobre três estruturas de consumo da
família Borges da Costa.
Iniciaremos o capítulo escrevendo sobre como se estabeleceu em Belo
Horizonte a então família para depois averiguarmos o consumo. Ressaltaremos os
hábitos alimentares, a composição dos trajes femininos e os hábitos de diversão1.
Pela análise destas estruturas de consumo específicas da família, é possível refletir
sobre o lugar que ocupava em Belo Horizonte os Borges da Costa e pensar sobre o
próprio cotidiano belo-horizontino do início do século XX.

6.1. O nascimento: uma nova família na capital mineira

Beatriz Borges Martins, a escritora do livro de memórias que foi base para a
escrita deste capítulo, nasceu em Belo Horizonte no dia 29 de julho de 1913. Seus
pais eram o médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa, nascido no Rio de Janeiro no
ano de 1880; e Maria José Halfeld Borges da Costa, nascida na cidade mineira de
Juiz de Fora no ano de 1894.

1 Bourdieu, ao estudar o consumo em distintas classes sociais e nas diferentes frações presentes no
interior de uma classe, considerou três maneiras de se distinguir: alimentação, despesas com
apresentação e cultura. A alimentação incluía os diversos alimentos e bebidas que faziam parte da vida
dos diferentes estratos sociais; despesas com apresentação eram aquelas referentes aos gastos com
vestuário, cuidados com a beleza, artigos de higiene, etc; a cultura estava relacionada às despesas
com livros, jornais, música, espetáculos, brinquedos, dentre outros. BOURDIEU, Pierre. A distinção:
crítica social do julgamento. 2 ed. Tradução de Daniela Kern e Guilherme Teixeira. Porto Alegre: Zouk,
2011, p. 174. No caso desta tese, ao tratarmos de alimentação, ressaltaremos o consumo do alimento
em si, mas tomando a alimentação como um processo social e cultural; no caso do vestuário,
evidenciaremos os acessórios que foram utilizados para a composição de trajes femininos; a cultura,
que chamamos de imaterial, diz respeito a diversão (festas e brincadeiras) que esteve presente no
cotidiano familiar, mas que não deixava de incluir os elementos materiais da cultura.
214

O médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa chegou a Belo Horizonte no ano


de 1906, no dia 7 de setembro: “Voltando da Europa, ele tentou montar um consultório
no Rio de Janeiro, mas não deu certo. Decidiu, então, ir para um lugar onde não
houvesse muitos médicos – o Acre, talvez. Um amigo sugeriu-lhe tentar Belo
Horizonte, capital de Minas Gerais, recentemente construída”2.
Foi também no ano de 1906 que a família de Maria José Halfeld chegou na
nova capital de Minas Gerais. De acordo com Beatriz: “Augusto Halfeld (...) meu avô,
nascido e criado em Juiz de Fora, em 1906, veio para Belo Horizonte, onde já morava
sua irmã Ernestina (tia Neneca)”. Foi na casa de Ernestina que Eduardo Borges
Ribeiro da Costa e Maria José Halfeld se conheceram: “Papai alugara uma casa na
mesma rua, a de número 1.433, onde estava morando. Por outra coincidência, meu
avô Augusto comprara a casa da rua da Bahia, 1.478, bem em frente à de papai” 3.
Depois de seus pais terem se conhecido na casa de uma tia materna, relembrou
Beatriz alguns detalhes sobre o namoro:

O namoro de meus pais progredia de verdade, mas as colegas de


mamãe não acreditavam. Ela tinha só 14 anos e ele, 28, além de já
ser um médico conhecido e cobiçado. Com frequência, presenteava-a
com um estojo de pintura, sombrinhas, um corte de seda e outros
mimos da época. Ela, então, levava tudo à Escola Normal, para
mostrar às colegas descrentes4.

O noivado do casal ocorreu no ano de 1908. No dia seguinte do noivado, a


família Halfeld foi conhecer a casa do médico Eduardo. Escreveu Beatriz que, naquela
oportunidade, Eduardo recomendou a Jorge, seu empregado, que arrumasse bem a
casa para recebimento da família da noiva: “O eficiente Jorge esmerou-se tanto na
arrumação, que chegou ao capricho de cobrir a privada com um pano bordado,
colocando, em cima, um vaso de flores. Ele achava que um vaso sanitário não era
coisa para ser vista por uma jovem noiva”5.
O casamento aconteceu no dia 21 de agosto de 1909. A cerimônia foi realizada
na casa dos pais da noiva, “com tudo supervisionado por tia Neneca, que era a
“chique” da família, pois tinha um filho diplomata e ia, de vez em quando, à Europa”6.

2 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins Filho. 2 ed. Belo
Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013, p. 17-18.
3 Idem, ibidem, p. 16.
4 Idem, ibidem, p. 18.
5 Idem, ibidem, p. 18-19.
6 Idem, ibidem, p. 19.
215

Membros da família Borges da Costa se estabeleceram em Belo Horizonte,


portanto, nos primeiros anos após a inauguração da capital. Imigrantes, assim como
muitos outros, que formaram a população inicial da nova cidade.
Do casamento do médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa com Maria José
Halfeld, nasceram cinco filhos, Santuzza, Eduardo, Beatriz, Hilda e Oswaldo, tendo
nascido os três primeiros à rua da Bahia, número 1.433. Conforme os filhos foram
nascendo e crescendo, a família se mudou para outra residência à mesma rua, que
“ficou com 44 cômodos, incluindo-se os do consultório”7.
A rua da Bahia, onde residia a família dos Borges da Costa, era uma das
principais da capital mineira nos anos iniciais do século XX, uma das únicas que
contava com calçamento no ano de 19008 e que possuía grande variedade de
estabelecimentos comerciais, como ressaltamos no capítulo quatro desta tese, pois
havia desde bares, confeitarias, alfaiatarias, armarinhos, loja de brinquedos,
farmácias, loja de departamentos, até lugares para o lazer, como teatro, cinema, clube
e hotel.
Os Borges da Costa foram uma família representante das classes mais
abastadas de Belo Horizonte no início do século XX, uma família composta por
profissionais liberais, como Eduardo Borges Ribeiro da Costa, que era médico e filho
de um dentista. Os hábitos da família poderão ser compreendidos por meio das
práticas de alimentação, de vestuário e de diversão, que apresentaremos abaixo 9.

6.2. Os alimentos e as bebidas: a alimentação como um processo

Segundo Meneses e Carneiro, sobre alimentação:

A maior revolução na alimentação humana ocorreu no período


moderno com a ruptura no isolamento continental, quando o
intercâmbio de produtos de diferentes continentes, que ocorreu no
bojo da expansão colonial europeia, alterou radicalmente a dieta de
praticamente todos os povos do mundo. As especiarias asiáticas se
difundiram para a Europa e chegaram aos outros continentes. As
plantas alimentícias das Américas: o milho, a batata, o tomate, o
amendoim, os pimentões, propagaram-se pelo planeta. Gêneros

7 Idem, ibidem, p. 19, 20, 22.


8 LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa Official do
Estado de Minas Gerais, 1900, p. 12.
9 “Assim, o número de espaços de preferências é tão grande quanto o número de universos de

possibilidades estilísticas. Cada um desses universos – bebidas (águas minerais, vinhos e aperitivos)
ou automóveis, jornais e semanários ou lugares e formas de férias, mobiliário ou arranjo de casas e
jardins, sem falar nos programas políticos – fornece os raros traços distintivos que, funcionando como
sistema de diferenças, de distâncias diferenciais, permitem exprimir as mais fundamentais diferenças
sociais (...)” (BOURDIEU, op. cit., 2011, p. 212).
216

tropicais como a cana de açúcar, o chá, o café e o chocolate,


combinaram-se para fornecerem um novo padrão de consumo de
calorias e de bebidas excitantes, que, ao lado do tabaco, tornaram-se
hábitos internacionais. Produtos típicos da Europa mediterrânica como
o trigo e a uva acompanharam a colonização de diversos países e o
álcool destilado penetrou em todos os continentes10.

A alimentação pode ser entendida como um processo que envolve não apenas
o alimento (uma matéria) em si, mas a relação do alimento com a sociedade, com a
economia e com a cultura de determinada localidade. Portanto:

Convém desde já introduzir uma questão determinante: ao se falar de


alimentação, de que se está falando (...)? A julgar pela situação
hodierna, há vários focos que se cruzam ou superpõem e, às vezes,
seguem em paralelo. Falar-se em alimentação é privilegiar o alimento
(sua produção, aquisição, circulação, consumo, carência, o mercado,
representações, funções sociais e culturais e assim por diante)? Ou a
nutrição? Não existe, hoje, uma Antropologia nutricional, assim como
uma Sociologia do alimento? Ou o objeto seriam a dieta e os modelos
e sistemas alimentares? Ou os hábitos à mesa, as práticas
alimentares e a culinária (a ‘cozinha’), os espaços e equipamentos,
contextos e agentes, em particular os próprios comedores e
bebedores? E a história do gosto e da gastronomia, seriam
subcategorias da alimentação? E a educação alimentar, a segurança
alimentar e as políticas alimentares?11.

Aqui, será privilegiado o alimento, considerando o consumo (De que se


alimentava?), o enfoque social (Quem se alimentava de que?) e as significações
culturais (Por que se alimentava de determinado alimento? Como se preparava uma
refeição? Onde se alimentava?).
Por meio dos impostos sobre consumo de Minas Gerais no início do século XX,
é possível observar alimentos importados que circulavam pelo Estado:

10 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de; CARNEIRO, Henrique. “A História da Alimentação: balizas
historiográficas”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 5, p. 9-91, jan./dez., 1997, p. 47.
11 Idem, ibidem, p. 10-11.
217

Quadro 6.1. Classes de alimentos taxados em Minas Gerais (1902)

Classe
Animais vivos e dissecados
Matérias oleosas, carnes e outros produtos animais
Frutas
Legumes, farináceos e cereais
Plantas, folhas, flores, sementes, raízes, cascas e especiarias
Sumos ou sucos vegetais, bebidas alcoólicas fermentadas e outros
líquidos
Produtos químicos farmacêuticos e medicamentos em geral

Fonte: COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte: Imprensa
Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.563, p. 252-257.

Das 28 classes de mercadorias taxadas em 1902, sete estavam relacionadas


à alimentação. Muitos dos produtos básicos para alimentação, no início do século XX,
eram importados, como mostrou o quadro 6.1.; chegavam alimentos de fora do país
mas também de outras regiões do Brasil e de Minas. Em 1900, por exemplo, um jornal
que circulava por Belo Horizonte anunciava que a casa comercial Pinheiro Machado
& C., exportava café e importava vinhos. O comércio se situava em Juiz de Fora, mas
atendia a população de Belo Horizonte12.
Na classe de animais vivos e dissecados taxados em 1902, conforme o quadro
6.1., estavam, entre os vivos, aves, gado e peixes de rios, dentre outros. Entre os
dissecados, estavam especialmente as aves para uso particular. Segundo Beatriz
Borges Martins:

Estocar carnes e frangos era um problema, nessa época, pois as


geladeiras eram muito primitivas: na parte de cima, havia uma porta,
que abria para uma cabine toda forrada de folhas-de-flandres, onde
era colocado o gelo em barras grandes; os alimentos eram colocados
no compartimento debaixo, que ficava resfriado por causa das barras
de gelo. Em número previamente combinado, essas barras de gelo
eram vendidas pela Cooperativa de Laticínios, que ficava na Rua
Goiás – onde se compravam, também, manteiga e coalhada –, e eram
entregues, diariamente, em casa13.

Dentro da categoria de matérias oleosas, carnes e outros produtos animais, do


quadro 6.1., estavam azeites; banha, presunto, paio, salame, toucinho e linguiças;
leite em conserva ou condensado, manteiga, queijos e ovos, dentre outros. Produtos
importados se misturavam aos produzidos localmente e o costume de famílias – ainda

12 Jornal do Povo. Bello Horizonte, 01/02/1900.


13 MARTINS, op. cit., 2013, p. 77.
218

que estabelecimentos comerciais estivessem começando a oferecer alimentos que


antes eram feitos em casa – era preparar no ambiente doméstico muitos dos alimentos
consumidos. Beatriz Borges Martins, nas memórias de sua infância em Belo Horizonte
do início do século XX, ressaltou a atividade de uma de suas avós na preparação de
linguiças:

O fogão era a lenha, com chapa inteira de ferro, que, quando bem
quente, ficava até azul. Os bifes feitos nessa chapa são inesquecíveis!
Sobre o fogão, a certa altura, havia uma cordinha esticada, para secar
as linguiças que a vovó fazia em casa. Lembro-me muito bem dela
nessa atividade, tendo ao lado uma gamela grande, cheia de pedaços
de carne de porco e toucinho picados e bem temperados, tripas de
porco frescas e muito bem lavadas – eram legítimas e não, de plástico,
como as de hoje – e um funil grosso. Ela colocava esse funil numa das
pontas de uma tripa e, por ele, ia passando os pedaços de carne e
toucinho, puxando-os, em seguida, com a mão, até a outra
extremidade, previamente amarrada. Quando as linguiças estavam
todas prontas, eram colocadas na referida cordinha, onde, com o calor
recebido do fogão, iam secando14.

Na classe das frutas taxadas em 1902, encontravam-se: frutas secas ou


passadas; azeitonas, castanhas, avelãs, cocos, nozes e amêndoas; e, frutas em
conserva. De acordo com o questionário sobre as condições da agricultura de
municípios mineiros do ano de 1913, em Belo Horizonte se cultivavam as seguintes
árvores frutíferas: “abacaxiseiros, bananeiras, macieiras, pecegueiros, laranjeiras,
mangueiras, etc.; sendo os abacaxis e mangas as melhores fructas”15. Provavelmente,
as frutas importadas naquela época eram destinadas apenas para um ou poucos
estabelecimentos comerciais de Belo Horizonte. Escreveu Beatriz Borges Martins:
“Quando eu era pequena – lembro-me bem! –, havia muitas chácaras em Belo
Horizonte. Como não havia casas que vendessem frutas – a não ser o Trianon, com
as suas frutas importadas –, cada família se supria com as que plantava em sua
chácara ou, mesmo, em seu quintal”16. Assim, era comum que as crianças visitassem
os quintais vizinhos para se alimentarem das frutas que lá eram plantadas: “Logo no
começo da Rua Grão Mogol (...) Quando era época, íamos sempre chupar jabuticabas

14 Idem, ibidem, p. 20.


15 QAMG – Questionários sobre as condições da agricultura de 176 municípios no Estado de Minas
Geraes, inspecionados de 9 e Abril de 1910 a 30 de Novembro de 1913 – Serviço de inspeção e defesa
agrícola de Minas Gerais (Ministério da Agricultura, Industria e Commercio). Rio de Janeiro: Typografia
do Serviço de Estatística, 1913, p. 60. No inventário post-mortem de um dos residentes de Belo
Horizonte, que faleceu em 1917, havia menção às plantações de laranja, manga, mandioca e abacaxi.
As plantações se localizavam na área rural, na colônia Afonso Pena. TJMG. Inventário post-mortem,
1917, AP/Contagem, maço 74, registro 04.03.09.11.04.012.
16 MARTINS, op. cit., 2013, p. 78.
219

lá (...) havia, além de jabuticabeiras, mangueiras, laranjeiras, caramboleiras, uvaieiras,


sapotizeiros e muitas outras árvores frutíferas”17.
Dentre os legumes, farináceos e cereais, do quadro 6.1., estavam amendoim e
cevada; arroz com casca e arroz pilado; farinhas de milho e de mandioca, feijão, milho
e fubá; farinha de trigo em pó ou em pães, féculas e pós nutritivos; hortaliças frescas,
em conserva e secas; massas diversas, como bolachas, biscoitos e macarrão.
Segundo o questionário agrícola de Minas Gerais, na segunda década do século XX,
cultivava-se em Belo Horizonte café, cereais (milho, feijão, arroz), cebolas, batatas,
“sendo a cultura da batata a mais importante”. O açúcar era importado, pois era
“insignificante a cultura da canna, sendo importado o assucar e outros produtos” 18.
Vale salientar que o açúcar é alimento de suma importância desde o período colonial
brasileiro e que, na época do Brasil colônia, foi responsável pela alteração de
costumes de consumo então vigentes:

(...) o grande gênero alimentício cuja ampliação do consumo mais


influiu na alteração dos hábitos alimentares foi o açúcar, não só
adoçando as bebidas coloniais que nunca o haviam sido nos seus
países de origem (os chineses consideravam os europeus bárbaros
por adoçarem o chá, e os povos árabes condimentavam o chá com
cravos, canela ou cardamomo, mas nunca o adoçavam), como
estendendo sua utilização para quase todos os tipos de alimentos,
inclusive as carnes e outros pratos salgados19.

Na classe de plantas, folhas, flores, sementes, raízes, cascas e especiarias,


taxados em 1902 no Estado mineiro, se encontravam alhos, cebolas, pimentas e
outros vegetais próprios para tempero; grãos e favas; batatas e outros tubérculos
alimentícios; café pilado com casca ou em cereja, torrado, em grão ou em pó; chá ou
mate; cascas de vegetais; e, diversas variedades de fumo: em rolo, beneficiado em
pacote ou caixa, em folha ou em rama, picado, desfiado, em massa ou líquido, em
charutos ou cigarros. Ainda que tais alimentos fossem importados, o costume da
época era o de cultivar muitos deles em casa. Jornal local anunciou no início do século
XX sementes de cebola:

17 Idem, ibidem.
18 QAMG, op. cit., 2013, p. 60.
19 MENESES; CARNEIRO, op. cit., 1997, p. 48.
220

Anúncio 6.1.: Sementes de cebolas à venda (1919)

Fonte: Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.

O Almanack da Cidade de Minas, na seção de horticultura, dava


recomendações aos belo-horizontinos sobre os meses propícios para o cultivo de
diversos alimentos, bem como, as técnicas que deveriam ser utilizadas para o cultivo
de gêneros alimentícios. No mês de fevereiro recomendava-se, dentre outras,
“semear alguns legumes que podem passar o outono e inverno para produzirem no
anno seguinte como sejam: a cebola branca, alho porro, salsifis, escorcieira e outras
que repicam-se em pleno ar sobre taboleiros (...)”20.
Compunha também os alimentos taxados em 1902 no Estado mineiro a classe
de sumos ou sucos vegetais, bebidas alcoólicas fermentadas e outros líquidos, que
incluía mel de cana, rapaduras, azeite doce, bebidas fermentadas e alcoólicas, como
cerveja, licores, vinhos e aguardentes, sucos de frutas, vinagres e xaropes. Anúncio
do final da década de 1920 ressaltava que bebidas alcóolicas de qualidade estavam
disponíveis para consumo em Belo Horizonte:

20 LIMA, op. cit., 1900, p. 42.


221

Anúncio 6.2.: Companhia Antártica Mineira – cerveja hamburgueza (1928)

Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 36, fevereiro/1928, p. 09.

Não só bebidas alcoólicas estavam disponíveis para consumo nas casas


comerciais, mas também a água importada. A água do Sul de Minas Gerais, da cidade
de Caxambú, era comercializada em Belo Horizonte no início do século XX:

Anúncio 6.3.: A soberana – água de Caxambú (1919)

Fonte: Revista Tank. Bello Horizonte, n. 7, fevereiro/1919, p. 48.


222

Finalmente, a classe de produtos químicos farmacêuticos e medicamentos em


geral era composta, dentre outros, por acetatos, ácidos, alcaloides, arseniatos; águas
minerais de fontes naturais; águas gasosas artificiais; sal comum refinado; e, salitre.
Os jornais faziam propagandas de diversos remédios. O Minas Gerais, nas
vésperas do natal de 1909, anunciou uma série de “remedios que curam”, da Granado
& Comp., situada na cidade do Rio de Janeiro. Dentre os medicamentos, “approvados
pela Directoria Geral de Saude Publica”, destacavam-se os voltados para uma melhor
digestão, como a Agua Ingleza de Granado, “para estimular a digestão” e a Magnesia
Fuida de Granado, “aperitiva, estomachica e levemente laxativa”. Havia ainda os
medicamentos para combater feridas e infecções de pele, os malefícios dos órgãos
respiratórios e a anemia, dentre uma infinidade de remédios21. Para “as pessoas que
tossem”, o xarope São João era “o seu unico remedio (...) É a unica garantia da sua
saúde”. Era recomendado para:

as pessoas que se Resfriam e Constipam facilmente – As que temem


o Frio e a Humidade – As que por uma ligeira mudança de tempo ficam
logo com a Voz rouca e a Garganta inflamada – As que sofrem de uma
velha Bronchite – Os Asthmaticos e finalmente as creanças que são
acometidas de Coqueluche22.

As crianças, por sua vez, tinham “pavor” de ficarem doentes, como escreveu
Beatriz Borges Martins: “(...) lembro-me, ainda, do pavor que tínhamos quando havia
uma febrezinha, uma dor de garganta ou de barriga: éramos, então, obrigados a
tomar, com a mamãe apertando nosso nariz, um copo grande de limonada purgativa,
que era um santo remédio para tudo (...)”. Ainda, “nessa fase, também tínhamos horror
da conhecida Emulsão de Scott, um mingau branco, grosso, que se engolia com
dificuldade, cujo vidro apresentava, no rótulo, como ainda hoje, a figura de um homem
carregando nas costas um grande bacalhau. Era ruim, mas todos a tomávamos para
ficar fortes”23.
Não foram taxados no ano de 1902 em Minas Gerais, bacalhau, peixes, ostras,
camarões e outros moluscos e ovas. Alimentos importados que certamente faziam
parte das mesas de pequena parte da população de Belo Horizonte. Como a demanda
por aqueles produtos – que poderiam ser considerados finos – era menor que a de
outras mercadorias mais básicas para a alimentação, como as carnes de

21 Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.


22 Diário de Minas. Bello Horizonte, 14/05/1925.
23 MARTINS, op. cit., 2013, p. 55.
223

determinados animais e as frutas, fazia sentido não serem taxados como uma forma
de incentivo de seu consumo.
Os hábitos e os costumes alimentares passavam, portanto, pelo consumo de
alimentos em si: os feitos em casa, mas que, aos poucos, passavam a ser oferecidos
nas casas comerciais que os importavam, como as bolachas e os biscoitos; os que
costumavam ser cultivados localmente, mas que, devido aos novos gostos, também
passavam a ser importados, como algumas frutas: ainda que fossem cultivadas nos
quintais, algumas delas (secas ou em conserva) eram importadas; os remédios, que,
de certa forma, fazem parte da alimentação, revelam a preocupação com a saúde e
com o bem estar.
Os hábitos alimentares passavam, além do consumo do alimento em si, por
significações sociais e culturais. “Hábitos, gostos, classe, origem nacional/regional,
circuito produtivo e meio ambiente são aspectos importantes numa análise da
alimentação em perspectiva histórica”24. Compreender quais eram as pessoas que se
alimentavam de determinados alimentos, o porquê do consumo de determinado
gênero alimentício, a forma de preparar uma comida, ou o lugar de realização de uma
refeição são questões que dizem respeito às transformações sociais e culturais que o
Brasil passava na virada para o século XX. “Os novos produtos alimentares e as
formas de prepará-los expressavam os novos valores a moldar a família e a vida
privada”25.
Para a Belo Horizonte da passagem para o século XX, especialmente do início
do XX, foi possível compreender as formas de preparação de alguns alimentos em
casa. Beatriz Borges Martins, ao recordar os doces que eram preparados por sua avó,
descreveu procedimentos com detalhes:

Vovó, insisto, fazia doces como ninguém: pasteis de nata, canudinhos


recheados com doce de coco; toucinhos do céu – pão-de-ló feito só de
gemas, cortado em quadradinhos, que são passados numa calda e
postos para secar – ; amanteigados – docinhos de amêndoas
constituídos de duas bolinhas casadas depois de assadas e fazê-los
implicava um trabalho enorme: as bolinhas tinham de ser assadas em
tabuleiros de madeira, forrados com papel de embrulho molhado, para
que elas não secassem por baixo e pudessem grudar umas nas

24 RODRIGUES, Jaime. “Alimentação popular em São Paulo (1920 a 1950) – políticas públicas,
discursos técnicos e práticas profissionais”. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 15, n. 2, p.
221-255, jul./dez., 2007, p. 224.
25 OLIVEIRA, Milena Fernandes de. Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-

1915). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade


Estadual de Campinas, Campinas, 2009, p. 146.
224

outras; depois disso, eram passadas em uma glace fina e, por fim,
salpicadas com confeitos bem miudinhos de todas as cores26.

Preparar os alimentos em casa naquela época, da forma como se preparava,


com os ingredientes que se utilizava, era parte dos costumes mineiros que, ainda que
na transição para o século XX passassem por alterações, tiveram suas raízes muito
anteriormente, quando o Estado mineiro foi o responsável por uma das atividades
econômicas mais importantes do Brasil, a mineração27.
Por exemplo, “o cozimento é um procedimento associado a uma ritmação lenta,
que marca longos processos de preparação e confecção de alimentos, e sempre
exigiu da mulher dedicação total e praticamente exclusiva, desde o tempo da
mineração, até que a praticidade da vida contemporânea impusesse mudanças” 28.
Preparar uma geleia em Belo Horizonte do início do novecentos era um processo
complexo e demorado. Segundo Beatriz Borges Martins:

Depois de cozinhar bem os mocotós de boi, até se desprender tudo


dos ossos – o que levava quase um dia inteiro –, ela [a avó] colocava
o caldo resultante em uma tigela de louça, tipo bacia, com a boca bem
larga. Então, esperava esfriar um pouco e, com papel pardo bem
ordinário, ia tirando, por cima, a gordura desse caldo. Gastava muitos
pedaços de papel, até que a superfície do líquido ficasse
absolutamente limpa, sem qualquer bolinha de gordura (...) Depois de
bem limpo o caldo, vovó temperava-o e, finalmente, despejava-o sobre
um pano, para coar. Lembro-me perfeitamente de vovó virar um
tamborete de pernas para o ar e, depois de limpá-lo bem, colocar no
fundo dele uma tigela de louça e, amarrado em seus quatro pés, um
pano branco bem grande, deixando formar um coador em cima da
tigela. Tinha que ser bem amarrado, porque demorava muito a passar
e nem duas pessoas aguentariam ficar horas segurando as pontas do
pano. Valia a pena todo esse trabalho! O resultado era um líquido
transparente, cor de champanhe, que era colocado em tacinhas
pequenas, com pés baixinhos. A geladeira passava então, a ser a
nossa tentação!29.

26 MARTINS, op. cit., 2013, p. 64.


27 “Na cozinha mineira que foi criada durante o período de ocupação do território e de extração
mineradora, se os indígenas nos ensinaram a sobrevivência, deixando-nos alimentos que seriam
decisivamente incorporados ao cardápio nacional, se os africanos recriaram pratos de sua terra com
os elementos nativos, a influência portuguesa determinou a definitiva composição de pratos nacionais,
acrescentando técnicas e ingredientes de sua tradição (...) A presença portuguesa valorizou o sal e
revelou o açúcar aos indígenas e africanos. Introduziu a fritura, inicialmente feita com azeite português.
Introduziu a banha de porco, a manteiga, os queijos e o leite de vaca ou de cabra”. ABDALA, Mônica
Chaves. “Sabores da tradição”. Ensaio. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, p. 119-129,
s/d, p. 124.
28 Idem, ibidem.
29 MARTINS, op. cit., 2013, p. 77.
225

Não apenas os doces30 eram preparados em processos demorados e


complexos, mas muitas das técnicas da cozinha mineira eram complexas. Fazia parte
daquela cultura a diversidade de gêneros alimentícios, marcada “nas mesas
abastadas, pela fartura na exposição de alimentos e pela presença de gêneros
importados”31.
A fartura podia ser observada nas refeições do cotidiano. Nas palavras de
Beatriz Borges Martins, sobre os almoços em sua família:

Geralmente, nos almoços, comíamos: canjiquinha com costelinha, que


era servida no prato fundo, com caldo de feijão por cima; frango ao
molho pardo – o frango abatido no nosso quintal e o sangue aparado
na hora –, com angu e couve; mexido de arroz, feijão, ovos mexidos,
couve picada bem fininha, farinha de mandioca e, por cima, torresmos;
e, também, macarronada, que não é comida mineira, mas é ótima. A
massa de macarrão era feita em casa por vovó (...)32. Comíamos,
ainda, feijão-de-tropeiro com torresmos; tutu de feijão, com molho de
tomates e rodelas de ovo cozido, servido sempre com linguiça feita por
vovó; maneco-sem-jaleco, uma espécie de sopa de fubá, com carne
de porco e couve rasgada; arroz de suã, aquele arroz bem
molhadinho, com caldo e pedaços de suã; e muitas outras delícias. No
jantar, fosse inverno ou verão, havia sempre uma sopa de entrada33.

Ainda que as refeições fossem comumente feitas em casa, um costume novo


relacionado à alimentação, que perpassava o consumo do alimento em si e guardava
relação com as transformações sociais e culturais da alimentação no Brasil na época
da passagem para o século XX, era o de realizar refeições fora de casa. Em São
Paulo, por exemplo, “surgiu o hábito de almoçar ou jantar, ocasionalmente, em
restaurantes de luxo familiares (...); ir a confeitarias e cafés para consumir sorvetes e
outros doces estrangeiros, tão estranhos ao nosso paladar nacional acostumado às
compotas, rapaduras, doces de amendoim”34.
Não foi totalmente diferente em Belo Horizonte: Beatriz, ao relembrar sua
juventude em Belo Horizonte na década de 1920, ressaltou que, depois que havia

30 “E a baba-de-moça? É um doce delicioso. Naquela época, era feito com leite tirado do coco ralado e
espremido num pano (...) Os ovos eram caipiras e a baunilha, em favas. Depois de pronto, o doce era
colocado em copinhos para licor, porque, em grande quantidade, é bastante enjoativo (...) E o arroz-
doce? A ambrósia? Os ovos queimados? As quecas? As roscas?” (MARTINS, 2013, p. 77-78).
31 ABDALA, op. cit., s/d, p. 129.
32 “Como ainda não existiam máquinas para cortá-la, vovó fazia os rolinhos de massa, como para

rocambole, e, com seu canivete bem amoladinho, cortava-a em tiras bem fininhas. Depois de secarem
espalhadas ao sol, as tiras de massa podiam ser guardadas em latas grandes. A primeira máquina de
cortar macarrão que vi foi uma que “Seu” Maletta trouxe da Itália para mamãe” (MARTINS, op. cit.,
2013, p. 76).
33 Idem, ibidem, p. 76-77.
34 OLIVEIRA, op. cit., 2009, p. 146.
226

restado somente ela de filha solteira em casa, seu pai, ao fechar o consultório médico,
convidava-a sempre para dar uma volta pela cidade. “Íamos ao Bar Tip-Top, onde ele
se abastecia de presunto – o de lá era afamadíssimo –, salaminhos, queijos, etc”.
Depois, eles iam “à Confeitaria Califórnia, na Av. Afonso Pena, quase em frente ao
local onde está construído, hoje, o Hotel Financial. Lá, faziam-se umas bombinhas
ótimas, redondas ou compridas (éclairs), recheadas com creme de maisena ou de
chocolate”35.
O costume de realizar refeições em casa, portanto, se misturava com os hábitos
de alguns moradores de capital, que passavam a frequentar estabelecimentos
comerciais destinados a um estrato populacional: pessoas que possuíam condições
financeiras e que passavam a ter o gosto pela prática de se alimentar fora do ambiente
doméstico.
Os comércios destinados a alimentação ressaltavam sua qualidade no preparo
dos alimentos. O Restaurante Avenida, por exemplo, situado na área central de Belo
Horizonte, na avenida Afonso Pena, possuía “serviço irreprehensivel de almoço e
jantar”, sendo também opção para quem desejasse contratar os serviços e comprar
os produtos do estabelecimento para ocasiões especiais, pois era “apparelhado para
attender com pontualidade e urgencia a banquetes, jantares intimos, etc”, conforme
mostra o anúncio abaixo:

35 MARTINS, op. cit., 2013, p. 107-108.


227

Anúncio 6.4.: Restaurante Avenida – luxo, conforto, asseio (1928)

Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 70 e 71, outubro/1928, p. 79.

O Imperio, bar e restaurante, localizado também na avenida Afonso Pena,


possuía serviço especial de refeições e contava com “musica, elegancia, alegria”36.

Anúncio 6.5.: Império – somente para excelentíssimas famílias (1928)

Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 39, março/1928, p. 08.

36É o mesmo estabelecimento comercial que descrevemos no capítulo quatro (anúncio 4.9.: Império
– o ponto “chic” da elite, em 1927).
228

Fazia parte das significações sociais e culturais da alimentação também o


recebimento ou o acolhimento de pessoas de fora do círculo familiar: “manifestação
simbólica da cozinha mineira, que desenvolveu um lado voltado para a casa, o grupo
fechado, e outro que concerne à relação com os que vêm de fora, da rua”37. Segundo
Beatriz Borges Martins, sobre as comemorações do aniversário de seu pai, o médico
Eduardo Borges Ribeiro da Costa:

Não sei como, nos aniversários do papai, mamãe conseguia fazer


banquetes tão concorridos. Na casa do vovô, a sala de jantar era de
tamanho normal para a época. Então, seus móveis eram retirados e,
nela, armava-se uma mesa grande, em forma de U. Essa mesa,
estreita e comprida, era enfeitada sempre com um centro de
hortênsias (...) Grande parte do jantar era feita no Grande Hotel e o
“Seu” Maletta mandava, também, os garçons. Todo o resto era feito
em casa, pelo “Seu” Jorge Braga, cozinheiro do Palácio da Liberdade,
cedido à mamãe durante essas festas. As sobremesas, igualmente
feitas em casa, incluíam pudins de gabinete, gelatinas, fios de ovos,
tortas de nozes e de amêndoas, entre muitos outros doces38.

É possível imaginar “uma farta exposição de alimentos, em que se destacavam


os assados de carnes nobres e uma profusão de doces, sobretudo compotas de
frutas”39. Grandiosos jantares faziam parte do cotidiano de algumas famílias belo-
horizontinas. Além dos jantares que ocorriam na residência dos Borges da Costa,
Beatriz descreveu a respeito dos “banquetes” que eram realizados fora do círculo
familiar, mas que os Borges da Costa eram convidados a comparecer40:

(...) na Rua dos Caetés, mas na esquina com a Rio de Janeiro, havia
a Casa Michel, do Sr. Michel Farah, que vendia casemiras e
aviamentos. Ele era cliente do papai e morava em cima da loja. Sua
casa era enorme e, de vez em quando, ele nos convidava para
verdadeiros banquetes. D. Amélia, sua esposa, caprichava então.
Jantávamos numa sala e, depois, passávamos para outra, onde
ficavam as sobremesas. Entre estas, havia de tudo que se possa
imaginar: doces árabes variados, folhados com mel, pistaches,
damascos41.

37 ABDALA, op. cit., s/d, p. 125.


38 MARTINS, op. cit., 2013, p. 124-125.
39 ABDALA, op. cit., s/d, p. 125.
40 “Na sociedade moderna, três tipos de cozinha e de alimentação coexistiam: a cozinha familiar,

cotidiana e privada, utilizando a mão-de-obra feminina (no sobrado aristocrático, a fórmula ampliava-
se e tendia a se masculinizar); as cozinhas coletivas e utilitárias, como a dos hospitais, dos conventos,
do exército, das prisões, dos colégios, mas também das hospedarias e dos restaurantes na cidade; as
cozinhas de festa e de aparato que, por ocasião dos eventos religiosos ou sociais – aniversários, datas
festivas, recepções familiares ou públicas – reuniam os convidados em maior ou menor número”.
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII
ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 295-296.
41 MARTINS, op. cit., 2013, p. 52-53.
229

Para aqueles que desejassem comemorar festividades fora de casa, como as


de final de ano, o Bar e Restaurante do Comércio oferecia de cinco a seis pratos, além
de contar com uma equipe de “magnificos garçons”. Funcionava diariamente “até 1
hora da noite” e oferecia chopes e bebidas finas para acompanhamento das refeições,
conforme anúncio de uma revista do final da segunda década do século XX:

Anúncio 6.6.: Diariamente até 1 hora da noite – Bar e Restaurante do


Comércio (1928)

Fonte: Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 76 e 77, dezembro/1928, p. 71.

Desde o consumo de alimentos naturais, como as frutas que se encontravam


nos quintais mineiros, até os que exigiam preparo, como os doces variados produzidos
em casa e presentes nos jantares entre amigos, ou os doces que se comiam fora de
casa, nas confeitarias que surgiram com o passar do tempo, foi possível observar
parte dos hábitos e costumes alimentares de moradores de Belo Horizonte, com
destaque para a família Borges da Costa, especialmente nas duas primeiras décadas
do século XX.
Às tradições alimentícias da época, voltadas ao cultivo de agriculturas nos
quintais e ao preparo da grande maioria dos alimentos em casa, eram incorporados
novos hábitos de vida, como o de comprar nos estabelecimentos comerciais
230

determinados alimentos antes só feitos em casa (como biscoitos), o de importar


determinados produtos (como vinhos), ou o de experimentar alimentos novos (como
doces de confeitarias): o consumo de alimentos passava por transformações, novos
produtos estavam sendo inseridos no dia a dia.
Entretanto, mesmo com novos produtos chegando nas prateleiras dos
comércios e sendo demandados e, ainda, com a absorção por belo-horizontinos de
transformações sociais e culturais relacionadas à alimentação na época, a intensidade
das novidades (por exemplo, comer fora de casa ou comprar alimentos produzidos
fora do ambiente doméstico) era menor que a intensidade das tradições do passado
brasileiro que permaneciam em Belo Horizonte na passagem para o século XX (por
exemplo, realizar as refeições em casa e produzir no ambiente doméstico os diversos
tipos de alimentos necessários).
Segundo Veblen, sobre hábitos de vida:

A gradação na facilidade com que se formam os diferentes hábitos em


diversas pessoas, assim como na relutância em abandoná-los, indica
que a formação de hábitos específicos não é simplesmente questão
de sua duração. Tendências e características de temperamento,
herdadas, valem tanto quando o tempo de habituação para determinar
quais os hábitos que virão a dominar um esquema de vida individual.
E o tipo prevalecente das tendências transmitidas (...) terá muito que
dizer sobre o escopo e forma de expressão dos hábitos e da vida desta
comunidade42.

Considerando a alimentação como um processo social e cultural, algumas


indagações foram feitas no início desta seção: De que se alimentava? Quem se
alimentava de que? Por que se alimentava de determinado alimento? Como se
preparava uma refeição? Onde se alimentava?
Por meio dos hábitos alimentares da família Borges da Costa, assim como, com
fontes que mostraram quais alimentos estavam disponíveis para consumo em Minas
Gerais e em Belo Horizonte, foi possível responder às questões feitas inicialmente.
De que se alimentava? Foi possível observar que se alimentava de produtos
naturais, cultivados em casa, como as diversas frutas que compunham os quintais
belo-horizontinos, abacaxis, bananas, maçãs, laranjas, jabuticabas, mangas, uvas e
outras; se alimentava das comidas produzidas em casa, como as linguiças e os
diversos tipos de doces, preparados em processos complexos e lentos; se alimentava

42VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa (Um estudo econômico das instituições). Tradução de
Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965, p. 108-109.
231

com fartura nos almoços; se alimentava de comes e bebes importados e também


servidos nas confeitarias, dos doces que passavam a fazer parte dos costumes; os
remédios também faziam parte da alimentação, eram uma forma de curar e de
prevenir doenças.
Quem se alimentava de que? Aqui, evidenciamos uma família abastada de Belo
Horizonte, e foi possível notar que os Borges da Costa consumiam diversos produtos
alimentícios. A refeição era vista não apenas como uma operação mecânica
envolvendo o alimento, mas como um processo social e cultural. A alimentação pode
ser entendida como uma celebração, desde os almoços íntimos da família, marcados
pela grande variedade de alimentos, até os “banquetes” festivos – preparados em
casa, mas com a ajuda de profissionais externos da família – em que os Borges da
Costa recebiam pessoas de fora do círculo familiar.
Por que se alimentava de determinado alimento? Foi possível compreender a
presença de alimentos com raízes antigas, que passaram a fazer parte do cardápio
brasileiro e mineiro desde a época colonial, como o açúcar, ingrediente essencial para
a preparação das receitas doces. Receitas típicas de Minas Gerais estiveram
presentes na alimentação, como notamos por meio dos hábitos do Borges da Costa
que, em seus almoços, por exemplo, comiam, dentre outros alimentos, canjiquinha
com costelinha, frango ao molho pardo com angu e couve, feijão-de-tropeiro com
torresmos, tutu de feijão, arroz de suã. Ainda, se alimentava do que ofereciam os
comércios de Belo Horizonte. Assim, é possível dizer que se alimentava de
determinados alimentos porque faziam parte da tradição brasileira e mineira e porque
também novos alimentos estavam sendo oferecidos para consumo.
Como se preparava uma refeição? É claro que dependia da refeição. Mas de
acordo com o livro de memórias de Beatriz Borges Martins, foi possível observar a
presença de processos demorados e complexos, seja para a preparação dos doces
(como uma geleia) ou dos salgados (como a linguiça produzida em casa).
Onde se alimentava? Se alimentava em casa, nas refeições que envolviam
apenas o núcleo familiar ou naquelas festivas, e que envolviam também pessoas de
fora do ambiente doméstico. Mas se alimentava na rua, na confeitaria, no bar e no
restaurante, pontos de encontro e de lazer de familiares e amigos.
Assim como os hábitos alimentares, os das vestimentas também podem ser
entendidos como um processo social e cultural que sofrem influências locais,
232

nacionais e internacionais. Na seção abaixo discorreremos sobre o vestuário, com


atenção para acessórios que o compunham.

6.3. A moda e a composição dos trajes: complementos para o vestuário

No quarto capítulo desta tese, frisamos que um dos circuitos de comércio de


Belo Horizonte concentrou, especialmente nas três primeiras décadas do século XX,
estabelecimentos comerciais, voltados, sobretudo, para a moda da indumentária e das
vestimentas43. Formaram aquele circuito a avenida Afonso Pena e a rua dos Caetés,
que contavam com produtos nacionais e importados.
É, sobretudo, por meio do comércio e da publicidade que a moda chega dentro
das casas44, mas chega também pela observação que as pessoas fazem umas das
outras. Na avenida Afonso Pena e na rua dos Caetés, se encontravam roupas,
calçados e chapéus, materiais para a confecção de vestuários, como aviamentos,
rendas e outros tecidos (sedas e crepes, por exemplo), perfumarias, joias45. Produtos
para a composição de um traje completo para crianças, mulheres e homens.
Se foi possível compreender especificidades da indumentária e das
vestimentas através da leitura do capítulo quatro, pela descrição e análise dos
produtos que circularam pelo comércio, no presente capítulo analisaremos os
costumes relacionados a composição dos trajes, considerando principalmente os
detalhes da família Borges da Costa46.

43 “(...) pois o vestuário estava ligado a (...) fenômenos culturais, econômicos e sociais. Ele tinha seu
lugar na história das conquistas individuais, sexuais, sociais, nos múltiplos procedimentos de moldagem
e de controle do corpo, até a individualização e o reconhecimento pelo grupo familiar local” (ROCHE,
op. cit., 2000, p. 260).
44 “Aliás, a moda é conscientemente utilizada pelo mundo comercial”. BRAUDEL, Fernand. Civilização

Material, Economia e Capitalismo (séculos XV-XVIII) – Vol. 1: As estruturas do cotidiano: o possível e


o impossível. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 293.
45 “Através do vestuário, também é possível empreender o estudo da mudança e da história (...) o

vestuário pode ser usado como um operador histórico que se presta não somente a refletir
circunstâncias históricas mutantes, mas também funciona como mecanismo que cria e constitui esta
mudança em termos culturais”. MCCRACKEN, Grant David. Cultura e Consumo – novas abordagens
ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Tradução de Fernanda Eugenio. Rio de
Janeiro: MAUAD, 2003, p. 87-88.
46 “O traje não podia ficar isolado do conjunto do sistema da civilização material; ele seguia as

transformações e tinha um papel essencial, de três maneiras. Ele valorizava as topografias sociais e
seus diferentes consumos; distinguia as situações ordinárias e extraordinárias, a festa e o cotidiano;
permitia ver a influência da circulação e das trocas, tanto através dos movimentos verticais (os hábitos
indumentários podiam se deslocar do alto para a base da sociedade, mas também no sentido inverso)
quanto através dos movimentos horizontais, pondo em causa o comércio e a indústria. Fato social
global, o traje questionava a capacidade de produção diante da demanda” (ROCHE, op. cit., 2000, p.
260).
233

Dentre a diversidade de produtos disponíveis para a composição dos trajes, o


que os moradores da capital mineira consumiam? Nas palavras de Beatriz Borges
Martins, sobre a moda da vestimenta feminina: “Como ainda hoje, a moda feminina
variava muito frequentemente, caracterizando-se por miudezas e curiosidades”47.
Sobre a forma de se vestir na passagem do século XIX para o século XX, é
possível ressaltar, por um lado, a moda com suas novidades: as sociedades
passavam por transformações e, no caso de Belo Horizonte, uma cidade periférica,
uma das principais transformações culturais dizia respeito à mimetização do
estrangeiro de padrões de consumo diferenciados, bens de consumo considerados
modernos. Por outro lado, era preciso estar dentro de um “padrão” imposto, uma
convenção social. A respeito da moda feminina, vale destacar fragmento de uma
matéria publicada na Revista Vida de Minas no ano de 1915:

De eterna actualidade é o assumpto que se refere ás modas femininas.


Realmente, a questão do vestuario tem muita importancia; basta dizer
que a maneira de se vestir define a pessoa (...) Um sacerdote,
passando ao lado do moribundo estendido a calçada, tem de lhe
prestar o socorro moral de que carece; o hábito de que elle está
investido a isso o obriga. Assim, em primeiro logar, para nos definir na
sociedade, de modo a evidenciar bom senso, deve o nosso trajar ser
de molde a afastar completamente qualquer idéa de rivalidade com o
homem. Eis porque toda a pessoa sensata se revoltou energicamente
contra a absurda jupe-culotte48. É bem verdade que a dependencia
material da mulher em relação ao homem, longe de amesquinhal-a, é,
pelo contrario, condição essencial de felicidade para ella. A nossa
primasia é pelo coração que se firma, não pelo commando que só fica
bem no homem. A funcção social da mulher sendo muito outra, o
vestuario feminino deve offerecer verdadeiro contraste com o
masculino (...) Ha nada mais gracioso e commodo do que o peignoir
ou o vestido á princeza? É forçoso reconhecer que algumas modas
actuaes têm algo de indecoroso, qualquer cousa que choca a
modéstia feminina. Extranhavel que sejam seguidas á risca, ao envez
de desprezadas por completo! Além disso, certos modelos de vestidos
e de chapéos apresentam aspectos grotescos49.

Pontos de vista relacionados à vestimenta feminina, aqueles, que só seriam


alterados depois de anos50. Naquele mesmo ano de 1915, em que a Revista Vida de

47 MARTINS, op. cit., 2013, p. 94.


48 A jupe-culotte, ou saia-calça, foi um traje parisiense copiado no Brasil do início do século XX.
Segundo Barbuy, a saia-calça era “associada não só a emancipação feminina, mas aos novos tempos
de prática de exercícios físicos recomendada para homens e mulheres, de esporte e ação como
atitudes modernas”. BARBUY, Heloisa. A Cidade-exposição: comércio e cosmopolitismo em São Paulo,
1860-1914. São Paulo: Edusp, 2006, p. 204.
49 “A Moda”. Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 4, fevereiro/1915, p. 11.
50 “O padrão de vida é pela sua natureza um hábito. Constitui, em métodos e intensidade, um hábito de

reação a um dado estímulo. A dificuldade em abandonar um padrão estabelecido consiste na


234

Minas apresentou um texto referente a moda feminina, a Alfaiataria Wilke51, que


citamos no capítulo três desta tese, anunciava que produtos “finos” e “modernos”
estavam disponíveis aos consumidores:

Anúncio 6.7.: Perfeição e elegância – Alfaiataria E. Wilke (1915)

Fonte: Revista Comercial. Bello Horizonte, anno I, n. 7, outubro/1915, p. 55.

dificuldade em quebrar um hábito já formado. A relativa facilidade com que é feito um avanço no padrão
de vida significa que viver é um processo de desdobramento da atividade e que a mesma se desdobrará
prontamente numa nova direção, sempre, quando e onde diminuir a resistência para a auto-expressão.
Mas uma vez formado o hábito de expressão ao longo de uma certa linha de pouca resistência, a
descarga procurará o escapamento de costume, mesmo depois de se haver processado uma mudança
no ambiente, aumentando apreciavelmente a resistência externa. Esta maior facilidade de expressão
numa determinada direção, que se chama de hábito, pode contrabalançar um considerável aumento
na resistência oposta pelas circunstâncias externas para o desdobramento da vida numa determinada
direção” (VEBLEN, op. cit., 1965, p. 106-107).
51 “Umas das profissões mais populares de antigamente era a de alfaiate, dado o grande número de

profissionais do ramo existente na cidade (...) a indumentária do indivíduo era o ponto mais importante
da vida social (...). Qualquer operário, por mais modesto que fosse, vestia nos dias de folga ou de festa
o seu terninho de “brim caki”, um tecido muito em voga na época. O paletó, o colete, a gravata e o
chapéu eram o traje obrigatório na apresentação social; e este era o motivo do número elevado dos
profissionais da tesoura”. LIMA, Benvindo. Canteiro de Saudades – pequena história contemporânea
de Belo Horizonte. (1910-1950). Belo Horizonte: CL Assessoria em Comunicação Ltda; CGB, 1996, p.
45.
235

Não apenas sobre a moda feminina convicções foram expostas em Belo


Horizonte do início do século XX. Sobre moda masculina, revista do ano de 1928
publicou também uma opinião:

O homem, para realçar hoje a personalidade individual, não necessita


de exagerados trajes. Os figurinos muito soffrem com os nossos
moços “elegantes”. Pensam elles que a moda é deturpar a moda. Si
os modelos que nos dictam os figurinos são curtos, tratam elles de
diminuíl-os ainda mais. Dahi a moda dos paletós curtos, das calças
demasiadamente largas, que demonstram tão mao e tão ridiculo
gosto. A roupa é uniforme. Deve sempre obedecer aos figurinos, onde
encontramos os modelos em toda a sua elegancia, creados com fino
gosto pelos alfaiates mais conceituados de Paris, Nova-York, etc. Mas
succede justamente o contrario. Cada um transforma á sua maneira
de vestir, resultando, dest’arte, esse tom profundamente deselegante
que vemos nos trajes dos moços da nossa cidade. Um homem
verdadeiramente elegante pode apresentar-se, no espaço de vinte e
quatro horas, com cinco trajes differentes: – palitó sacco, jaquetão,
frack, smoking ou casaca52.

Dada a moda feminina e a masculina, nossa atenção nesta seção será para as
vestimentas femininas, com base nos acessórios que compunham os trajes das
mulheres da família Borges da Costa no início do século XX.
Beatriz Borges Martins destacou a moda peculiar dos colares: “Houve uma
época em que se usavam muito colares de flores com miolo de pão. A massa de pão,
bem amassada, no ponto certo e bem colorida, era utilizada para fazer florzinhas com
pétalas tão delicadas, que pareciam um biscuit”53. Os colares como acessórios para
a composição dos trajes femininos eram também encomendados pela família:

Morava no Rio de Janeiro uma moça muito habilidosa (...) Ela fazia
colares maravilhosos, que costumávamos encomendar. Lembro-me
de um lindo que ela fez para mim, que consistia num rolo coberto de
florzinhas brancas, de onde saía, aqui e ali, uma cerejinha vermelha,
pendurada pelo cabinho. Eu o usava com um vestido azul-marinho liso
e achava-me muito chique54.

Ainda sobre uma particularidade acerca dos colares utilizados na segunda


década do século XX em Belo Horizonte, Beatriz destacou:

Tia Neneca trouxe, também do Rio, certa ocasião, uns modelos de


colares que eu achava horrorosos. Contudo a moda pegou e muitas
moças os faziam e usavam: selecionavam capas de revistas com
desenhos bem coloridos, que cortavam em quadradinhos com, mais
ou menos, três centímetros de lado; em seguida, enrolavam esses

52 “A moda (elegancia Masculina)”. Revista Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 50 e 51, maio
/1928, p. 12.
53 MARTINS, op. cit., 2013, p. 94-95.
54 Idem, ibidem, p. 95.
236

quadradinhos em diagonal, colando bem a ponta final; o resultado


eram umas contas compridas, que eram enfiadas numa linha grossa,
alternadas com contas redondas de vidro55.

Colares feitos de flores com miolo de pão, colares cujos materiais eram capas
de revistas, linha e contas de vidro. Especificidades de uma moda belo-horizontina,
mas não apenas da localidade. Aqueles acessórios que compunham os trajes
femininos também circularam, por exemplo, no Rio de Janeiro. Ao longo do tempo,
“finalmente veremos formar-se as modas nacionais, influenciando-se mais ou menos
umas às outras (...)”56. Modas que inicialmente eram locais, e regionais, e depois
nacionais: um colar carioca, um colar belo-horizontino, um colar brasileiro, assim como
“um traje francês, um traje borgonhês, um traje italiano, um traje inglês, etc”57.
Ainda que inicialmente seja possível separar estratos sociais por meio da moda,
vale acentuar que ela pode alcançar diferentes classes. Se a posse de um mesmo
traje que possui um grupo social mais abastado não é viável financeiramente para um
grupo menos abastado, é possível copiar tal traje, utilizando tecidos e acessórios
inferiores, por exemplo. As marcas58, a qualidade dos tecidos que compõe o traje
podem não ser os mesmos entre os grupos sociais distintos, mas uma vestimenta
como um todo, pode ser:

(...) compram o mesmo item e não a mesma marca de produto.


Incrementado pelo capital cultural e pelas artimanhas comerciais, o
comprador percebe diferenciações – ou nem chega a tal grau de
diferenciação – em relação à qualidade do bem, as quais se somam
ao seu valor agregado simbólico, ou seja, ao fato de “esse bem
pertencer ou não a alguma grife”. O índice de potencial de consumo
inevitavelmente separa os que podem comprar daqueles que não o
podem fazer. Entre os que podem comprar, o índice de potencial de
consumo distingue os que compram a grife daqueles que compram
apenas o produto ou a atitude que este sugere, ou seja, o branding. O
que está em jogo não é apenas o capital econômico, mas também o
capital simbólico, a edificação de fragmentos de identidade coletiva,
os quais, somados, podem transmutar o consumo em ato de
compensação, de individuação e de celebração59.

55 Idem, ibidem.
56 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 286, grifo do autor.
57 Idem, ibidem.
58 “O conceito de “marca” – conceito cardeal da publicidade – resume bastante bem as possibilidades

de uma “linguagem” do consumo. Todos os produtos (salvo a alimentação perecível) se propõem hoje
sob uma sigla imposta: cada produto “digno deste nome” tem uma marca (...) A função da marca é
indicar o produto, sua função segunda é mobilizar as conotações afetivas”. BAUDRILLARD, Jean. O
sistema dos objetos. 5 ed. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 199.
59 LEMOS, Celina Borges. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura do consumo no

centro tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010,
p. 207.
237

Dada esta perspectiva, acerca da possibilidade não da compra da mesma


marca, mas do mesmo item, perde espaço o status, a condição diferenciada, que a
marca confere aos produtos e, consequentemente, aos seus consumidores. Assim,
se os bens de consumo podem ser reproduzidos com distintas marcas, a fim de serem
difundidos pela sociedade, o que outrora fora especificidade, um dia se propaga:

Dentro do sistema de produção capitalista, a moda não mais se


caracteriza por sua exclusividade. Ela é a diversidade que somente
pode se definir pelo que é comum, geral; a novidade que quebra a
rotina. É a relação entre diferenciação e generalização de padrões,
tornando o consumo e a produção de vestuário partes de uma mesma
moeda, que conferem dinâmica à moda moderna. E é o que também
lhe confere o atributo de efêmera porque a diferença, conforme
permeia novos estratos sociais, não consegue se sustentar por um
período longo de tempo60.

Entretanto, ainda que a moda se propague entre as distintas classes sociais,


as diferenças entre grupos permanecem. “(...) a diferença entre classes de objetos
sem dúvida nunca é tão nítida quanto entre as classes sociais. A distinção hierárquica
absoluta é atenuada ao nível do objeto pelo uso: uma mesa tem a mesma função
primária ao longo de toda a escala social”61.
Na Belo Horizonte do início do século XX, além da moda dos colares, descrita
por Beatriz Borges Martins, outra moda dizia respeito a determinados sapatos.
Segundo a autora:

Outra moda que pegou muito, em determinada época, foi a de sapatos


feitos de crochê. A vovó, que era craque nessa arte, fazia-os para mim
de várias cores, que combinavam com muitos dos meus vestidos. Ela
tecia o crochê com uma linha bem firme, fazendo, em geral, uma tira
que ficava sobre o peito do pé, pela qual passava uma outra, que
abotoava do lado, e mandava para o sapateiro colocar sola62. Esses
sapatos eram, naturalmente, bem “de menina”, sem saltos63.

Vale ressaltar, por um lado, que estabelecimentos comerciais de Belo Horizonte


– especialmente os da avenida Afonso Pena e da rua dos Caetés, o circuito da
indumentária e das vestimentas – ofereciam novidades em termos de vestuário e

60 OLIVEIRA, op. cit., 2009, p. 94.


61 BAUDRILLARD, op. cit., 2015, p. 46, nota 01.
62 “A lida com a tesoura, linhas, dedais e agulhas foi amplamente difundida no universo feminino, no

campo e nas cidades. O ato de costurar e bordar fazia parte da rotina dos afazeres domésticos, e seu
conhecimento era como que um pré-requisito para a boa dona de casa”. SCHAPOCHNIK, Nelson.
“Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO,
Nicolau (Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 490.
63 MARTINS, op. cit., 2013, p. 95.
238

acessórios para os trajes, tanto femininos como masculinos: sapatos poderiam ser
comprados prontos na cidade. Por outro lado, permanecia ainda o costume de
confeccionar em casa vestimentas e acessórios. Nas palavras de Nelson
Schapochnik, sobre confecção de vestuários:

Convém lembrar que durante muito tempo o vestuário dos brasileiros,


desde a “roupa de ir à missa” ou os trajes de festa até as peças íntimas
e de uso cotidiano, era feito sob encomenda por alfaiates e costureiras,
quando não confeccionado no interior das moradas por membros da
própria família. A diferenciação dos profissionais espelhava o
antagonismo entre o grupo masculino e feminino, com amplas
repercussões na forma, cor e tecido das respectivas indumentárias64.

Além dos colares que eram confeccionados com distintos materiais e dos
sapatos feitos de crochê, afirmou Martins sobre uma moda infantil: “houve, também,
uma época em que estavam na moda uns chapéus “mexicanos” bem grandes, de
cetim grosso, preto, com a aba pespontada. Não sei qual era a origem dos nossos,
mas nós os usamos bastante então, quando ainda éramos crianças” 65.
Finalmente, sobre novidades, que talvez não estivessem tão em moda na Belo
Horizonte do início do século XX, ressaltou Beatriz Borges Martins:

Quando eu tinha sete ou oito anos [em 1920 ou 1921], numa das
viagens do Sr. Lavacquery [um comerciante] à França, mamãe
encomendou-lhe umas capas de chuva para nós. Ainda não havia
nada do gênero, aqui no Brasil. Eram feitas de um oleado marrom, a
última novidade, e acompanhadas de chapéus com a aba toda
pespontada. Fiquei encantada com a minha e sempre torcia para
chover aos domingos, a fim de eu poder ir à Missa, na Igreja de
Lourdes, de capa e chapéu66.

Aquelas capas de chuva eram bens diferenciados, se constituíam em privilégio


na época, um consumo que não eram todas as famílias que residiam em Belo
Horizonte que poderiam adquirir. Assim, vale reproduzir as palavras de Braudel, sobre
a moda:

Sempre pensei que ela vem, em grande parte, do desejo dos


privilegiados de se distinguirem custe o que custar do pelotão que os
segue, de erguer uma barreira (...). Com toda a evidência, a pressão
dos seguidores e imitadores não cessa de animar a corrida. Mas, se
assim é, é porque a prosperidade privilegia, empurra para diante de
um certo número de novos-ricos. Há subida na escada social,

64 SCHAPOCHNIK, op. cit., 1996, p. 489.


65 MATINS, op. cit., 2013, p. 95.
66 Idem, ibidem.
239

afirmação de um certo bem-estar. Há progresso material: sem ele,


nada mudaria tão depressa67.

Realmente, podemos considerar que a moda – das vestimentas, mas também


da alimentação, dos objetos de uso pessoal, do mobiliário, etc – seja, em parte, desejo
dos privilegiados ou das pessoas de classes sociais mais abastadas de se discernirem
dos indivíduos de classes sociais menos abastadas. Todavia, vale ressaltar, que a
moda tem o poder de propagação: mesmo que não se igualem as classes sociais,
nem exatamente os objetos que às distintas classes pertencem, tais objetos se
assemelham, pelo menos em forma. As capas de chuva francesas que Beatriz Borges
Martins e seus familiares utilizaram na segunda década do século XX podem ter sido
novidade na época, mas não por todo o século XX. Mesmo que depois daqueles anos
não se utilizassem aquelas capas de chuvas específicas, francesas, confeccionadas
da mesma forma, com materiais particulares, os mesmos objetos – capas de chuva,
independentemente de sua nacionalidade – poderiam ser utilizados por diferentes
grupos sociais.
Claramente, a moda incentiva o progresso material, já que é passageira; incita
o consumo e a produção de novos objetos; é compatível com o modo de produzir
mercadorias no capitalismo; “a moda é também a busca de uma nova linguagem para
derrubar a antiga, uma maneira de cada geração renegar a precedente e distinguir-se
dela (pelo menos quando se trata de uma sociedade em que existe conflito de
gerações)”68. Assim ocorre na composição dos trajes, pois as vestimentas e os
acessórios são específicos de época e de gerações, até que outra época e geração
os substituam.
A moda dita os costumes das populações e os hábitos particulares, como os
relacionados ao consumo de alimentos e de acessórios para composição de
vestimentas, mas influencia também os costumes relacionados a diversão, que vão
sendo transformados ao longo do tempo.

6.4. A diversão: as festas e as brincadeiras

Os hábitos e os costumes voltados a diversão ou a distração no Brasil se


configuraram por meio de uma mistura de nacionalidades, da mesma forma que os
demais costumes e hábitos que tratamos neste capítulo, de alimentação e de

67 BRAUDEL, op. cit., 1997, Vol. 1, p. 292-293.


68 Idem, ibidem, p. 293.
240

composição do vestuário. Na época do Brasil colonial, “as músicas e as danças


estavam sempre presentes nas comemorações. Os estrangeiros, quando vieram para
o Brasil, trouxeram também suas danças”. Assim, faziam parte de celebrações da
época colonial o batuque, de influência africana, “que consistia formação de uma roda,
em que os componentes dançavam ao som de uma viola”. A quadrilha, de influência
francesa, era “muito apreciada pelas senhoras que a tocavam e dançavam em
reuniões e saraus”. Os ingleses participaram da formação de costumes e hábitos
brasileiros de diversão “com as contradanças, que foram aos poucos, substituindo as
danças de negros nos centros urbanos”. Os habitantes originários, “os índios, com
seus instrumentos característicos, também tinham danças que foram difundidas por
toda colônia”69.
Os costumes de diversão iam além dos que tinham as músicas e as danças
como atividades principais: “As reuniões eram um costume em muitas casas. À noite,
na sala de visitas, para protegerem-se dos mosquitos, as pessoas realizavam os
chamados serões, que havia música com dança, leituras, trabalhos de agulha, jogos,
ou simplesmente boas conversas”70. Ainda, “muitos podiam ser os jogos de distração.
As cartas davam origem à bisca, ao écarté, à manilha, paciência, burro, que podiam
ocupar noite e dia”71.
Aqueles costumes de divertimento do período colonial seriam transformados
ou até mesmo esquecidos e, na passagem do século XIX para o século XX, hábitos e
costumes de vida relacionados a diversão mostrariam, por um lado, relações culturais
próximas entre diferentes localidades brasileiras mas, também, marcariam
exclusividades locais.
Em que cidade não haveria uma festa religiosa? Tais festas, de forma geral,
eram cerimônias de devoção e santidade, mas possuíam homenageados distintos,
dependendo da localidade de celebração e da época. Onde o carnaval seria
comemorado? Apesar de ser uma festa de sentido único, com o objetivo de promover
o divertimento da comunidade, não apenas com essência religiosa, era uma festa que
apresentava particularidades dependendo da região de comemoração. Da mesma
forma, as brincadeiras, ainda que possuam um significado geral de entretenimento e,

69 ACAYABA, Marlene Milan; SIMÕES, Renata da Silva (Orgs.). Equipamentos, usos e costumes da
casa brasileira – Vol. 3: costumes. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001, p. 17.
70 Idem, ibidem, p. 17.
71 Idem, ibidem, p. 18.
241

no caso das brincadeiras de crianças, também de desenvolvimento infantil,


apresentam particularidades culturais considerando regiões distintas.
Desta forma, esta seção do presente capítulo tratará de festas 72 e de
brincadeiras73 do cotidiano de Belo Horizonte da passagem para o século XX,
especialmente da família Borges da Costa. Serão consideradas as festas religiosas;
outras celebrações festivas, como o carnaval e a festa junina; e as brincadeiras que
fizeram parte da infância e da juventude de Beatriz Borges Martins em família.

6.4.1. As festas religiosas

Antes da inauguração da capital de Minas Gerais, quando Belo Horizonte era


um caminho que levava até a antiga capital, Ouro Preto, o povo que lá residia se reunia
também para as festas religiosas74. Nas palavras de Durkheim, sobre as festas:

Toda festa, mesmo quando puramente laica em suas origens, tem


certas características de cerimônia religiosa, pois, em todos os casos,
ela tem por efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as
massas e suscitar assim um estado de efervescência, às vezes
mesmo de delírio, que não é desprovido de parentesco com o estado
religioso75.

Sobre as celebrações religiosas que foram registradas do lugar que se


transformaria na capital de Minas Gerais, o padre Francisco Martins Dias, que
participou de algumas daquelas festas ao final do século XIX, afirmou que as principais
eram: a festa da padroeira do arraial; a celebração do Divino Espírito Santo; a
cerimônia de Santa Efigenia; a comemoração de São Sebastião; os festejos para
Santo Antonio; a festa do Reinado do Rosário; e, as solenidades da Semana Santa.
A festa da padroeira era a principal:

72 As festas “articulam, desarticulam, e rearticulam aspectos do cotidiano, de experiências históricas,


de correntes de tradição, e operam de forma múltipla e involuntária na experiência social (...) Envolvem
ricos e pobres; brancos (...) negros; distintas origens étnicas; sagrado e profano. Não resolvem conflitos
e desigualdades sociais, mas expressam uma face das coletividades que se superpõe a essas
diferenças”. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. “A festa em perspectiva antropológica:
carnaval e os folguedos do boi no Brasil”. Artelogie (Online), v. IV, p. 125-140, 2013, p. 02.
73 Grosso modo, o termo brincadeira pode ser entendido como “um lugar privilegiado para a proliferação

de símbolos culturais”. TURNER, 2005 apud CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. “O ritual e
a brincadeira: rivalidade e afeição no Bumbá de Parintins, Amazonas”. MANA. Rio de Janeiro. V. 24, p.
9-38, 2018, p. 15. A música que compõe uma cantiga de roda, por exemplo, representa um símbolo
cultural.
74 “O costume de reuniões festivas se originou provavelmente em sentimentos de sociabilidade e

religião” (VEBLEN, op. cit., 1965, p. 80).


75 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.

542.
242

mais concorrida, mais solemne e mais poetica; tão poetica e solemne


que os quatorze primeiros dias de agosto de cada anno, eram como
que o preludio e introducção do dia 15, – eram uma festa continua.
Quem acertasse de visitar Curral d’El-Rei em principios do mez de
agosto, certo que ficaria agradavelmente impressionado pelo tom
festivo, affavel e alegre de seus habitantes, com os preparativos para
sua patriarchal solemnidade76.

A celebração do Divino Espírito Santo e a festa de Santa Efigenia eram feitas


em datas determinadas em todos os anos, “ultimamente, porem, por força das
circumstancias, que difficultavam frequentes vindas de música e de padres, passaram
a celebrar-se unidas á da Padroeira, que sempre se fez no dia 15 de agosto” 77. A
comemoração de São Sebastião e os festejos para Santo Antonio não ocorriam em
todos os anos e não eram realizadas na mesma data nos anos em que aconteciam.
A festa do Reinado do Rosário “fazia-se regularmente na primeira dominga de
outubro, dia este de grande gala para os pretos, por ser o de sua festa predilecta”78.
As festas da Semana Santa, a considerar os objetos materiais característicos das
celebrações, eram feitas com maior dedicação no passado do arraial do que quando
se aproximava a inauguração da capital: “em remotos tempos, parece ter aqui sido
feita com mais perfeição do que o tem sido ultimamente, a julgar-se pelos quadros,
painéis, candelabros (tudo antigo e estragado), e mais objectos e instrumentos
proprios dos officios da paixão, que ainda existem na matriz” 79.
Quando do início do século XX, tendo já sido inaugurada a capital, as
transformações na cultura geral e na cultura material80 local contribuíram para o
surgimento de outras festas religiosas, como a realizada no mês de maio de cada ano.
Beatriz Borges Martins descreveu sobre as “coroações” em que participava com sua
família:

Na Rua Aimorés, ao lado do Colégio Imaculada Conceição, havia uma


capelinha. Enquanto construíam a Igreja de Nossa Senhora de
Lourdes, era nessa capelinha que coroávamos Nossa Senhora no mês
de maio. Nossas roupas de anjo eram lindas, embora simples, feitas

76 DIAS, Francisco Martins. Traços históricos e descritivos de Bello Horizonte. Bello Horizonte: Typ. do
Bello Horizonte, 1897, p. 50.
77 Idem, ibidem, p. 50.
78 Idem, ibidem, p. 49-50.
79 Idem, ibidem, p. 49.
80 Sobre vida material em Minas Gerais do século XVIII, cf.: ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento.

Mitologia da Mineiridade – o imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1990, capítulo IV: Imaginário e sociedade (A produção da vida material).
243

de voile de algodão branco plissado e acompanhadas de asas de


pena81.

Nas “coroações” do mês de maio, segundo Martins, era comum que as


“meninas de coroa” distribuíssem cartuchos de docinhos e amêndoas para todas as
participantes. Tais cartuchos eram feitos de acordo com as categorias de participantes
da festa, em tamanhos variados: “um especial, enorme, para o padre; alguns muito
grandes para a moça que ensaiava os cânticos, para a que tocava o órgão e para as
“meninas da coroa” e “das duas palmas”; e outros menores para todos os “anjos” e
“virgens” que fossem jogar flores”82. Segundo Rita Amaral, sobre festas e suas
características:

As festas parecem oscilar mesmo entre dois polos: a cerimônia (como


forma exterior e regular de um culto) e a festividade (como
demonstração de alegria e regozijo). Elas podem se distinguir dos ritos
cotidianos por sua amplitude, e do mero divertimento pela densidade.
Na verdade, os dois elementos têm afinidade83.

Das festas relacionadas ao culto religioso, partiremos para a descrição e


análise de outra categoria de comemorações, as que significavam, especialmente, a
busca por prazer e alegria sem que seu objetivo principal fosse a cerimônia de um
ritual religioso ou a exaltação de uma santidade.

6.4.2. Demais celebrações e outros divertimentos

Segundo o padre Francisco Martins Dias, os bailes carnavalescos de Belo


Horizonte de finais do século XIX, eram, “por auto, incovenientissimos”. Aqueles bailes
eram “promovidos por moços e rapazes pandegos, devassos e viciosos, com o fito
unico de expandirem em paixões criminosas, manifestarem affectos indignos e
immoraes”84. A festa profana, entretanto, não era assim vista pelos habitantes de Belo
Horizonte do início do século XX. “Festa pública e urbana por excelência, o carnaval
conclama os cidadãos a reivindicarem territórios para a folia – rua, avenida, passarela,
pista, quadra, terreiro, praça, salão, palco, terraço, onde quer que se possa acender
sua faísca”85.

81 MARTINS, op. cit., 2013, p. 32.


82 Idem, ibidem, p. 32-33.
83 AMARAL, Rita. “As mediações culturais da festa”. Rev. Mediações. Londrina, v. 3, n. 1, p. 13-22, jan.

/ jun., 1998, p. 17.


84 DIAS, op. cit., 1897, p. 57.
85 CAVALCANTI, op. cit., 2013, p. 05.
244

Sobre o carnaval belo-horizontino entre 1910 e 1915, escreveu Benvindo Lima


que se resumia a três coretos montados: um deles se situava na rua dos Caetés com
a avenida Afonso Pena; o segundo era localizado entre as ruas Espírito Santo e
Caetés; e, o terceiro, se fixava na rua da Bahia. “O ponto alto da festa era dançar o
Maxixe em volta dos coretos e as fantasias constituíam em “pierrôs”86, “colombianas”,
“palhaços” e outros disfarces mascarados (...)”87.
Ainda, a respeito do carnaval belo-horizontino na década de 1910, escreveu
Benvindo Lima que era comum:

(...) jogar água nas pessoas por meio de bisnagas ou limões de cheiro
com bolas de cera ou mesmo na base de latas d’água e de banhos em
tanques. Era estúpido, mas muito divertido. Não havia clubes, blocos,
escolas de samba ou qualquer outro conjunto como hoje mas, em
compensação, havia quatro sociedades carnavalescas a exemplo do
Rio de Janeiro, que colocavam na rua vários carros alegóricos com
críticas políticas (...) As principais sociedades eram: os “Tenentes do
Diabo”, os “Fenianos”, os “Democráticos” e, já nos anos 20, o
tradicional “Matakins” (...)88.

Na década de 1920, os pontos mais movimentados do carnaval de Belo


Horizonte eram as ruas dos Caetés e da Bahia. “Na rua Caetés ficava a classe média
e na Rua da Bahia, a “soçaite”, onde se reuniam as principais famílias da alta
sociedade”. Lá, o carnaval na base do lança-perfume, do confete, da serpentina. “A
onda era os casais se enrolarem mutuamente com as fitas coloridas. Mas tudo era
feito dentro do maior respeito, da ingenuidade e do flert”89.
Entretanto, a atração principal para os jovens no carnaval belo-horizontino dos
anos 1920 era o corso de carros conversíveis, em que as moças e rapazes passavam
desfilando nos veículos por um caminho que, comumente, começava na avenida
Afonso Pena, onde, atualmente, fica a estação rodoviária de Belo Horizonte, passava
pela praça Tiradentes e, de lá, retornava à Afonso Pena90. O caminho do corso às

86 Beatriz Borges Martins, ao relembrar as festas que participou durante sua infância em Belo Horizonte,
mencionou uma festa do pierrô: “Estou-me lembrando, a propósito, de uma festa beneficente, a “Festa
do Pierrô”, realizada no Teatro Municipal, quando eu devia ter uns sete ou oito anos. Foi maravilhosa,
e todos os nossos amigos e amigas tomaram parte nela. Os da minha idade, que ainda não sabiam
cantar nem dançar, ficavam no fundo do palco, jogando confetes. Nossas roupas eram de cetim de
algodão branco, com saias para as meninas e calças para os meninos e, para todos, uma túnica bem
solta, branca, de mangas compridas, com pompons pretos grandes na frente e nas mangas, uma gola
de babados de tule preto e, na cabeça, um gorrinho de meia preta com um pompom grande” (MARTINS,
op. cit., 2013, p. 46).
87 LIMA, op. cit., 1996, p. 17.
88 Idem, ibidem.
89 Idem, ibidem.
90 Sevcenko, ao tratar de transformações urbanas e sociais do contexto da Primeira República

brasileira, escreveu sobre a “Regeneração” no Rio de Janeiro, conforme citamos no capítulo cinco deste
245

vezes variava: “algumas vezes subia pela Rua da Bahia até o Grande Hotel. Certa
feita, quiseram prolongá-lo até o Abrigo Ceará, mas não deu certo”91.
Beatriz, participante do corso, lembrou: “Quando fazíamos blocos para o corso,
às vezes aparecíamos, mais tarde, no Automóvel Clube, com as fantasias todas
iguais. Esses blocos eram constituídos de muitas amigas. A cada ano, variavam as
fantasias: “alsacianas”, “ciganas”, “camponesas italianas” (...)”92.
Antes, porém, da época de juventude de Beatriz Borges Martins, a autora
descreveu carnavais de sua infância:

Era da casa da D. Lulu Fonseca que assistíamos aos carnavais da


Rua da Bahia. Vovó e mamãe combinavam com ela e descíamos
cedo, levando cestas com empadinhas, sanduíches, mães-bentas e
outras delícias. D. Lulu preparava uma porção de coisas – ela fazia os
melhores pastéis de Belo Horizonte –, de sorte que, nessas
oportunidades, fazíamos piqueniques formidáveis, com o Carnaval
aos nossos pés. Das janelas do lado de baixo da casa, via-se a
entrada do Clube Belo Horizonte, mas mamãe e papai não gostavam
que ficássemos lá, pois achavam os bailes que lá se realizavam, na
época, muito exagerados93.

Além do carnaval, uma festa comum no Brasil era e ainda é a festa junina. Em
Belo Horizonte da década de 1920, as festas juninas eram chamadas de “fogueiras”94.
Na família Borges da Costa, costumava-se fazer “fogueiras fantásticas”, na residência
situada na rua da Bahia: “Para isso, o galpão era todo enfeitado com arcos de bambu
e folhas de bananeiras e, naturalmente, por todos os lados, havia espalhadas
bandeirinhas de todas as cores e lanternas japonesas”. Alguns materiais eram
importados para a festa, como a lenha. Segundo Beatriz Borges Martins: “Com uma
antecedência enorme, vovô encomendava carroças de lenha bruta, bem grossa,
cortada em toras iguais, que usava para fazer a fogueira propriamente dita”. Os fogos
de artifício eram comprados no Rio de Janeiro: “Naquele tempo, em Belo Horizonte,

trabalho. A Regeneração dizia respeito a modernização do porto, ao saneamento da cidade e a


reformas urbanas. Na época, mudanças em relação aos costumes festivos também passaram a
ocorrer, como na comemoração do carnaval: “nas imediações, as tradicionais festas e hábitos
populares, congregando gentes dos arrabaldes, foram reprimidos e mesmo o Carnaval tolerado não
seria mais o do entrudo, dos blocos, das máscaras e dos sambas populares, mas os dos corsos de
carros abertos, das batalhas de flores e dos pierrôs e colombianas bem-comportados, típicos do
Carnaval de Veneza, tal como era imitado em Paris” SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio
republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau
(Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, Vol. 3, República: da Belle Époque à era do Rádio. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 22-23, 26-27.
91 MARTINS, op. cit., 2013, p. 67.
92 Idem, ibidem, p. 66.
93 Idem, ibidem, p. 29.
94 Idem, ibidem, p. 74.
246

não se encontravam fogos de artifício interessantes, mas vovô tinha a paciência de ir


ao Rio de Janeiro, de trem, só para comprar fogos e balões”. Havia nas festas juninas
uma infinidade de fogos: pistolões, chuvas de ouro, chuvas de prata, vulcões,
rodinhas, foguetes, foguetões e busca-pés95.
Ainda, não poderiam faltar as comidas típicas, a grande maioria feita em casa.
Segundo Beatriz, nas festas juninas realizadas em casa:

eram servidos pasteis de carne, sanduíches de pernil, linguiça frita,


canjica com leite de coco e amendoim, bolo de São João – feito de
mandioca e coco, uma especialidade da vovó –, doces de batata-doce
comum e roxa, doces de abóbora, pés-de-moleque e muitas outras
delícias. Assavam-se batatas doces nas brasas da fogueira, que
duravam, às vezes, até o dia seguinte96.

O carnaval e a festa junina retratavam hábitos e costumes de habitantes de


Belo Horizonte que, por um lado, sofriam influências gerais, não apenas do Brasil mas,
por outro lado, também apresentavam especificidades, como algumas das comidas
servidas na festa junina local. Além disso, o carnaval e a festa junina significavam
também a representação material da cultura: a confecção de fantasias para o
carnaval, os objetos utilizados para aquela diversão, como lança-perfume, confetes e
serpentinas; os materiais importados, necessários para a realização de festas juninas,
como os fogos de artifício, bem como a variedade de comidas servidas, expressavam
aquelas festividades do ponto de vista material da cultura.
Além de festas realizadas nas ruas e de festas particulares, festas escolares
eram noticiadas em revistas locais, como a garden party do colégio Cassão, realizada
em maio de 1915:

No conceituado Collegio Cassão, que é uma das mais antigas casas


de ensino de Bello Horizonte, realizou-se, no dia 9 do corrente [mês
de maio], com a presença de numerosas familias e distinctos
cavalheiros da nossa alta sociedade, uma deliciosa garden-party. Á
uma hora da tarde, quando o bem cuidado jardim, situado no flanco
direito do velho edificio da rua Tymbiras, regorgitava de senhoritas, em
uniforme branco, começaram a chegar os convidados, que tomaram
logar em torno das diversas mesinhas, dispostas á sombra amiga de
grandes jaboticabeiras e artisticamente enfeitadas97.

A organização da festa, na questão da alimentação, ficou por conta das


estudantes do colégio: “O serviço, de que se encarregaram as gentilissimas alumnas

95 Idem, ibidem, p. 75.


96 Idem, ibidem.
97 “Uma “garden-party” e um torneio litterario”. Revista Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 10,

maio/1915, p. 11.
247

do estabelecimento, esteve irreprehensivel, constando de chocolate, chá e delicados


doces de varias qualidades”98.
Graças às moças que participavam daquela festa ao ar livre e, da mesma
forma, aos intelectuais que se fizeram presentes, “a festa transcorreu enfusiante de
graça e de espirito fino”:

Os ditos chitosos provocaram, a cada momento, cascatas de riso


franco e sadio e as pilherias brotavam espontaneas de todos os labios,
numa demonstração evidente de encantadora alegria que todos
experimentavam naqueles breves momentos de agradavel convivio
espiritual, tendo-se organizado num interessante torneio litterario que
foi a nota distincta da festa99.

Teria sido, aquele torneio literário da garden party, um divertimento parecido


com o footing, onde moças e rapazes flertavam nas noites belo-horizontinas?
Segundo Beatriz Borges Martins, o footing estava dentre seus entretenimentos de
juventude, sendo realizado às quintas-feiras e aos sábados à noite, na praça da
Liberdade.

Esse footing funcionava como uma verdadeira agência de


casamentos. Quantos e quantos casais ali se conheceram e acabaram
no altar! Os rapazes permaneciam parados, junto às palmeiras
centrais, e as moças ficavam se exibindo para lá e para cá, em grupos
de amigas. Quando já havia um namoro firme, o namorado também
passeava junto100.

As festas religiosas, assim como outras festividades – o carnaval, as festas


juninas e as festas escolares – foram alguns dos entretenimentos que marcaram o
cotidiano de habitantes da capital mineira entre o final do século XIX e o início do
século XX; o footing foi apenas uma dentre outras formas de divertimento dos jovens
da época. Para finalizar esta seção do presente capítulo, destacaremos abaixo as
brincadeiras no contexto de formação de Belo Horizonte.

6.4.3. As brincadeiras

Compreendemos brincadeiras como “um conceito-chave a qualificar a


experiência vivida, situada num lugar inteiramente ficcional”101. Experiências vividas
no imaginário não apenas infantil, as brincadeiras que destacaremos aqui são da

98 Idem, ibidem.
99 Idem, ibidem.
100 MARTINS, op. cit., 2013, p. 90.
101 CAVALCANTI, op. cit., 2018, p. 15.
248

infância e da juventude de Beatriz Borges Martins, que corresponde as décadas de


1910 e 1920 em Belo Horizonte.
A respeito de sua infância, escreveu a autora: “Quando minhas amigas e eu
inventávamos brincar de “cozinhadinho”, púnhamos mamãe e a cozinheira em
polvorosa. Começávamos sempre muito entusiasmadas, mas, com frequência,
acabávamos desistindo e buscando comida pronta na cozinha de mamãe”. Ainda,
Beatriz relembrou: “Gostávamos muito, também, de fazer cabanas com galhos que
eram cortados das árvores da rua, antes de serem recolhidos pela Prefeitura”102.
Algumas diversões eram separadas por gênero: “Havia, ainda, as “cantigas de
roda”, uma brincadeira mais das meninas, como as bolinhas de gude o eram dos
meninos. Brincávamos de verdade, nos quintais de nossas casas e nos das vizinhas,
geralmente de mãos dadas, formando uma roda”103.
Dentre os costumes infantis, Beatriz Borges Martins revelou uma brincadeira
particular, desenvolvida com materiais do ofício de seu avô, que exerceu a profissão
de dentista:

Eu, particularmente, gostava de fazer quadrinhos de gesso. Vovô


dava-nos gesso e emprestava-nos uma tigelinha de borracha e uma
espátula que ele usava para misturar a massa para os moldes das
dentaduras. Antes, escolhíamos um pratinho de sobremesa, um pires
de chá, com um fundo bem limpo e enxuto, no meio do qual
colocávamos, virado para baixo, um santo bonito, um ramo de flores
recortado de alguma revista ou outra gravura qualquer. Então,
enchíamos o pratinho com o gesso, cujo ponto vovô já nos ensinara,
alisando-o com a espátula, e, de um lado, colocávamos, enquanto ele
estava mole, um pedaço de linha grossa dobrada para fazer uma
alcinha. Esperávamos até o dia seguinte para virar, o que fazíamos
com muito cuidado para não quebrar o gesso. Saía, então, um
quadradinho branco com a gravura no meio. Ficávamos encantados e
aquele presente seria dado a mamãe, vovó (...)104.

As brincadeiras mais sofisticadas também estavam presentes na vida dos belo-


horizontinos. Na inauguração da casa que Beatriz Borges Martins viveria parte de sua
infância e toda a sua juventude, na rua da Bahia, houve uma festa que contou com
uma brincadeira não só para crianças: o cotillon:

Um cotillon era constituído de pares, por exemplo, de nomes de heróis


e heroínas – como Romeu e Julieta, Heloísa e Abelardo, Tristão e
Isolda, Beatriz e Dante, etc –, e tinham por objetivo animar a festa.
Punham-se os rapazes numa sala e as moças noutra. Cada moça

102 MARTINS, op. cit., 2013, p. 38.


103 Idem, ibidem.
104 Idem, ibidem, p. 39.
249

recebia uma faixa, que colocava no braço, com o nome da heroína que
ela passava a representar; cada rapaz recebia, também, uma faixa,
com o nome do herói que representaria. As faixas eram feitas em
número certo, para que não sobrasse ninguém. A certa hora, as portas
abriam-se: rapazes e moças misturavam-se, então, procurando seus
pares para dançar. Para tanto, era preciso que tanto os rapazes
quanto as moças não fossem muito ignorantes! Quando todos
tivessem achado seus pares, a música tocava e começava a dança105.

Assim, com a cultura “imaterial” – mas que mobiliza para sua realização os
elementos materiais da cultura – representada pelas festas e pelas brincadeiras,
finalizamos o retrato dos hábitos de consumo da família Borges da Costa no início do
século XX, retrato que pode ser estendido para o cotidiano de outras famílias
abastadas da capital, que possuíam costumes similares ao da família em questão e
que certamente circulavam pelos mesmos espaços da capital mineira que os Borges
da Costa.

6.5. O consumo de uma família da área urbana de Belo Horizonte no início do


século XX

Gostos e hábitos de vida da família Borges da Costa, bem como costumes belo-
horizontinos do início do século XX puderam ser analisados no presente capítulo, com
destaque para alimentação, composição dos trajes e cultura (imaterial).
Tratamos de alimentação por meio do consumo do alimento em si, descrevendo
os alimentos que estiveram presentes no cotidiano da família e foi possível afirmar
que se alimentava de produtos naturais cultivados internamente nos quintais e de
produtos importados. A alimentação era entendida também como uma celebração,
desde almoços íntimos de família, onde se alimentava com fartura, até os “banquetes”
realizados em ocasiões especiais, como aniversários, que envolviam pessoas de fora
do círculo familiar. Se alimentava de alimentos determinados – produzidos em casa
em processos complexos e demorados, como os doces e as linguiças, ou os
oferecidos nas ruas, nas confeitarias e nos bares –, dentro e fora do ambiente
doméstico, porque os costumes alimentares mineiros eram parte de uma tradição que
teve suas raízes na passagem do século XVII para o XVIII, quando Minas Gerais teve
como principal atividade econômica a mineração e sofreu influências internacionais
na formação dos costumes alimentares, mas também porque os costumes eram parte
das mudanças ocorridas na passagem do século XIX para o século XX.

105 Idem, ibidem, p. 63-64.


250

Da mesma forma, os hábitos e os costumes relacionados a composição dos


trajes eram influenciados pela moda nacional e internacional da época: os colares,
alguns encomendados do Rio de Janeiro, os sapatos de crochê, os chapéus
“mexicanos”, eram formas de consumo que faziam parte da cultura material do
período.
Por fim, a diversão, as festas e as brincadeiras, uma forma de cultura imaterial,
mas que mobiliza elementos materiais da cultura: as festas religiosas possuíam sua
materialidade, assim como, o carnaval, a festa junina, ou as brincadeiras de “meninos”
e de “meninas”, além da brincadeira realizada no âmbito familiar, nos jantares festivos.
O consumo dos Borges da Costa representa o consumo de classes mais
abastadas da capital. Residente da área urbana, numa localização privilegiada – a rua
da Bahia, considerada a rua mais comercial da capital no início do século XX, lugar
que concentrava a “soçaite” no carnaval – em uma casa com 44 cômodos, incluindo
o consultório de médico de Eduardo Borges da Costa, a família apresentava práticas
diárias de alimentação, composição de trajes e diversão que podem ser consideradas
de uma família da elite belo-horizontina.
251

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O CONSUMO NUMA CIDADE PERIFÉRICA CRIADA NOS PRIMÓRDIOS DA


PRIMEIRA REPÚBLICA

O conceito central de nossa tese foi o de consumo, que pode ser compreendido
para o contexto de uma cidade que surgiu justamente em uma época de
transformações em hábitos de consumo e costumes de vida. Belo Horizonte foi
inaugurada como capital de Minas Gerais ao final do século XIX, quando
consequências da segunda Revolução Industrial – especialmente a introdução de
novos produtos e novas formas de consumir – chegavam nos mais diferentes locais
do Brasil, não para a população toda, mas para parte dela.
Ainda, a época de instalação da capital mineira remete a transformações
políticas internas que contribuíram para a transferência da capital, da antiga Ouro
Preto para a nova Cidade de Minas: o regime político republicano foi instaurado alguns
anos antes da inauguração da nova capital mineira. Para o período político que se
iniciara, a antiga capital não representaria o Estado mineiro do ponto de vista
econômico, político e social. As antigas discussões sobre a transferência da capital,
que estiveram presentes nas mentalidades e nas discussões políticas mineiras ao
longo do século XIX, finalmente se concretizaram com a mudança da sede de
governo, em 1897.
A respeito da mudança da capital, duas grandes interpretações figuraram na
historiografia: primeira, uma vertente que defendeu os fundamentos políticos e
regionais da transferência, destacando uma disputa entre antagonistas políticos; a
segunda interpretação considerou a busca pela unidade econômica, frisando as
tentativas do alcance de certa conciliação política e, sobretudo econômica, entre as
distintas regiões de Minas Gerais. Acreditamos que uma vertente não exclui a outra,
mas defendemos a prevalência da interpretação que pregou a busca pela unidade
econômica mineira, pois desde o período da mineração, Minas Gerais, com um vasto
território, se desenvolvia de forma heterogênea, as regiões sendo muito mais ligadas
a mercados externos às fronteiras mineiras do que com seu próprio interior. Para que
o Estado contasse com a possibilidade de um centro econômico e político, condizente
com o novo tempo, manter a capital na região central parecia a solução. A capital
estaria em posição estratégica considerando todas as localidades mineiras, que
poderiam se voltar para a capital de forma mais homogênea. Entretanto, a
252

manutenção da capital no centro do Estado não alterou a forma de fazer comércio das
regiões mineiras, que continuaram desenvolvendo suas economias voltadas,
principalmente, para mercados exteriores aos das fronteiras mineiras.
A nova capital mineira seria o contraste com a antiga capital, Ouro Preto, e com
o antigo arraial de Curral Del Rei, lugar que foi desapropriado para a construção da
Cidade de Minas. Em comum, Ouro Preto e o Curral Del Rei tinham presentes em
seus territórios populações com costumes que eram considerados incompatíveis com
aqueles que se desejavam para a modernidade que o período republicano nascente
representaria. Não apenas isso, Ouro Preto e Curral Del Rei possuíam espaços
urbanos diversos daqueles que deveriam se concretizar na nova capital. Ouro Preto,
com ruas estreitas e irregulares, inúmeras ladeiras, saneamento básico precário e
clima desfavorável, nem se passasse por um planejamento urbano poderia continuar
sendo a capital mineira. O Curral Del Rei foi o território que antecedeu a Cidade de
Minas, foi esse o seu papel na história. O lugar apenas abrigou a capital mineira depois
de uma revolução em seu espaço.
A revolução no espaço do Curral Del Rei, que durou menos de quatro anos, de
1894 a 1897, deu origem a Cidade de Minas, cidade planejada para ser consumida
por seus habitantes, ou por parte deles, já que se investiu especialmente na área
urbana, que concentraria os habitantes de classe média e classes mais abastadas da
capital. A divisão da Cidade de Minas em três áreas – urbana, suburbana, de colônias
–, de forma que essas áreas fossem ocupadas por pessoas de diferentes classes
sociais, ocupação profissional e condição financeira, nos mostra que a capital foi
pensada para a perpetuação de uma estratificação social.
A Cidade de Minas, sobretudo em sua área urbana, contaria com diversos
espaços de entretenimento: praças, parque, ruas arborizadas, para que a população
pudesse apreciar. Aqui, entendemos consumo dada sua noção primeira, mais básica,
de uso ou gasto e, pensando em Belo Horizonte, concebemos a cidade como objeto
de consumo, a cidade que foi pensada e executada pela CCNC para que seus
espaços fossem utilizados pela população, gastos, contemplados.
Assim, a cidade deveria também ser um espaço de lazer, embora nem todos
os espaços de lazer que foram planejados tenham se tornado, de fato, concretos.
Afinal, é muito mais fácil planejar a cidade no papel do que executar as obras na
prática com o passar do tempo, principalmente porque para além da planta no papel,
a cidade é formada por pessoas, com destaque para gestores políticos, que possuem
253

interesses divergentes e que vão moldando os espaços conforme suas aspirações


políticas e econômicas, de forma que alguns espaços planejados na planta inicial se
transformam em outros espaços na prática.
Belo Horizonte foi uma nova capital no Brasil do final do século XIX. A cidade
pensada de forma que sua sociedade, sua economia, sua cultura, fossem voltados,
especialmente, para o espaço urbano. Vale salientar que Belo Horizonte se formou
como cidade capital quando outras cidades e capitais brasileiras passavam por
experiências de urbanização que tiveram como base reformas urbanas internacionais.
Aquelas influências nacionais e internacionais (de urbanização e de exclusão de
pessoas do espaço urbano) se materializariam na nova capital mineira.
Uma atividade econômica de grande relevância para o desenvolvimento da
cidade nascente foi o comércio, desde a época de construção de Belo Horizonte. Na
época de construção, já havia um pequeno comércio no local, que abastecia os
antigos moradores, ou os que restaram deles, e os membros da CCNC, que foram se
estabelecendo na cidade conforme as obras de construção foram avançando. Era
àquele comércio embrionário que os habitantes recorriam para o suprimento de suas
necessidades mais básicas. O comércio de abastecimento contava com comerciantes
que já estavam instalados no antigo arraial, mas também com aqueles que, durante
as obras de construção, foram migrando para aquele novo espaço que surgia.
Vale destacar naquela época de formação de Belo Horizonte, o caráter pessoal
das relações entre comerciantes e consumidores, bem como, a multifuncionalidade
dos comércios, que vendiam de tudo misturado, sem uma especialização, que chegou
na capital mineira anos depois do contexto de construção da cidade. Ainda, embora
fizessem parte do cenário de construção da capital alguns estabelecimentos
comerciais mais bem instalados e organizados, predominavam as casas comerciais
improvisadas, situadas em locais precários.
O comércio de abastecimento, que esteve presente na formação econômica do
Brasil desde o período colonial, também esteve presente na formação de Belo
Horizonte. Vale frisar que o Brasil foi uma grande colônia de abastecimento de
mercados exteriores e, anos depois da época colonial, quando a nova capital de Minas
Gerais foi pensada, na planta, já havia uma delimitação das áreas que abasteceriam
a cidade, sendo destinadas a tal função as áreas coloniais (rurais ou de sítios), que
deveriam ser específicas de plantações. Naquelas áreas foram residir especialmente
as pessoas mais pobres, de menos posses, que viviam em habitações simples se
254

comparadas com as casas e os prédios da área urbana, pessoas como os ambulantes


de gêneros, figuras centrais do comércio embrionário e de abastecimento da capital
mineira.
Os ambulantes de gêneros estiveram presentes na economia belo-horizontina
não apenas no contexto de formação da capital, mas também, e especialmente,
depois da inauguração da nova cidade. Os ambulantes foram pessoas que passaram
pela área urbana da capital, acima de tudo, para abastecê-la, não para estabelecerem
moradia ou comércio. Diferentemente dos comerciantes que possuíam comércio
estabelecido na capital, na área urbana ou suburbana, a grande maioria dos
ambulantes de gêneros residia nas áreas de colônias e adjacências de Belo Horizonte.
Partiam de suas residências para suprir a cidade com produtos que poderiam ser
considerados de primeira necessidade: lenha, capim e carvão, materiais essenciais
para a cozinha; carnes, peixes, cereais, leite, ovos, frutas e verduras; quitandas e
doces; foram os produtos mais ofertados pelos ambulantes de gêneros no início do
século XX. Tais ambulantes contribuíram para a manutenção do consumo na capital,
pois levaram produtos básicos até os consumidores, que não precisavam se deslocar,
como faziam para adquirir os produtos e os serviços do comércio estabelecido.
O comércio que se desenvolveu em Belo Horizonte nas três primeiras décadas
do século XX pode ser considerado um comércio local de médio porte, que contou
com algumas determinações para o seu crescimento. Em 1900 foi inaugurado o
primeiro mercado municipal da capital, um lugar de consumo, que concentraria
comerciantes que tivessem condições financeiras para alugar um cômodo no prédio.
Para aqueles comerciantes, o mercado era um ponto estratégico, já que reuniria
também consumidores. Comerciantes e consumidores teriam um local para encontro,
onde seriam comercializados bens locais e bens trazidos de fora da capital.
Contribuiu também para o crescimento da atividade do comércio belo-
horizontino a Associação Comercial da cidade, que iniciou seus trabalhos no ano de
1901. Os comerciantes da capital mineira se organizaram para a manutenção do setor
e para a promoção de melhorias para a classe comercial por meio daquela
Associação.
Ainda, um marco importante para o comércio da capital foi a realização do
Congresso Agrícola, Industrial e Comercial do ano de 1903, que se realizou em Belo
Horizonte e concentrou homens das diferentes regiões de Minas Gerais. O Congresso
reuniu pautas do Estado como um todo, inclusive as da cidade de Belo Horizonte.
255

Outras iniciativas como aquela ocorreram em 1923 e 1928 e tais congressos


significavam uma tentativa de representantes de três áreas – agricultura, indústria e
comércio – analisarem o desenvolvimento daqueles setores até a época de realização
dos congressos e averiguarem políticas que conduziriam aquelas atividades rumo ao
futuro.
A inauguração do mercado municipal, a criação da Associação Comercial e os
congressos são três iniciativas que se concentraram na capital mineira no início do
século XX e retratam a preocupação, tanto dos comerciantes como dos dirigentes
políticos belo-horizontinos, em fortalecer o setor comercial, uma das principais
atividades econômicas da cidade – se não a principal – que não contava com o
desenvolvimento de indústrias e de técnicas produtivas que poderiam ser vistas em
outras capitais do Brasil e em outras cidades do próprio Estado mineiro, o que não era
de se estranhar, já que Belo Horizonte era uma cidade nova.
Um setor econômico se expandia na capital mineira no início do século XX, um
comércio de médio porte, que se iniciou na época de construção da capital e, conforme
a cidade foi crescendo, também dava sinais de crescimento. Fizeram parte daquele
comércio de médio porte circuitos específicos de comercialização, situados na área
urbana central de Belo Horizonte. Naquela área, se desenvolveu um comércio
formado por comerciantes estabelecidos, que possuíam local fixo de comercialização
em uma área privilegiada da capital – diferentemente dos ambulantes de gêneros.
Aquele comércio central atendia, sobretudo, aos consumidores mais abastados, que
possuíam condições financeiras e hábitos compatíveis com os produtos, os serviços
e as novas formas de consumir que eram oferecidos por aqueles lugares de consumo.
Por meio de três circuitos de comércio, foi possível refletir sobre a relação entre
consumo e cultura material na Belo Horizonte das três décadas iniciais do século XX,
ou seja, foi possível compreender quais foram os diversos bens materiais que
estiveram disponíveis para consumo, assim como, compreender quais foram os
serviços ofertados. Vale ressaltar que o planejamento da CCNC previa uma área
específica para o comércio em Belo Horizonte, um dos lugares que não se efetivou na
prática, já que o comércio se expandiu da localização determinada.
O primeiro circuito de comércio da capital mineira que se concretizou na prática
foi formado pela rua da Bahia, a rua que pode ser considerada a mais comercial da
capital no início do século XX e que esteve presente nos livros de memórias, nos
jornais, nas revistas, nas poesias sobre Belo Horizonte. Na rua da Bahia poderiam ser
256

encontrados alimentos e bebidas, bem como estabelecimentos comerciais destinados


a alimentação, como cafés e confeitarias, que marcavam novo costume social, o de
se alimentar fora do espaço doméstico, na rua. No circuito de comércio da rua da
Bahia poderiam ser ainda encontradas vestimentas e acessórios para a composição
dos trajes; modistas e alfaiates também se estabeleceram na rua da Bahia. A rua
abrigou o Parc Royal, uma loja de departamentos, novidade no Brasil do início do
século XX. Gêneros variados também foram vendidos da rua da Bahia, pois contava,
por exemplo, com farmácia e loja de brinquedos, dentre outras. Profissionais liberais
se estabeleceram na rua da Bahia, como médicos de diferentes especialidades.
Finalmente, a rua da Bahia, além de um lugar de consumo, já que oferecia para os
consumidores diversos produtos e serviços, também foi um lugar que pôde ser
consumido pelos habitantes da capital ou por aqueles que passassem pela cidade,
pois contou com espaços de lazer, como clube, cinema, teatro e hotel.
Aquela rua foi centro de comercialização de produtos e de serviços e foi ponto
de encontro daqueles que se reuniam nos estabelecimentos destinados a alimentação
e nos destinados ao lazer. A rua da Bahia concentrou tudo o que esteve presente nos
demais circuitos de comércio da área urbana da capital que analisamos para o início
do século XX.
Um outro circuito de comércio da capital foi formado pela avenida Afonso Pena
e pela rua dos Caetés. A avenida Afonso Pena foi e continua sendo uma das principais
de Belo Horizonte. Das ruas e avenidas da capital do início do século XX, a avenida
Afonso Pena foi a maior em largura e extensão, uma das mais arborizadas da capital,
“o cumullo da beleza”. No planejamento da CCNC, o bairro do Comércio seria formado
pela avenida Afonso Pena, pela rua dos Caetés e por demais ruas. O comércio se
expandiu para além daquele bairro, mas a avenida Afonso Pena e a rua dos Caetés
concentraram, pelo menos no início do século XX, elementos materiais da cultura
voltados para a indumentária e para a moda das vestimentas.
Naquele circuito de comércio se encontraria para consumo calçados finos e
chapéus de variados modelos, para todas as idades e gêneros; roupas de cama, mesa
e banho; aviamentos diversos, como rendas, linhas e fitas; tecidos variados e finos,
sedas, crepes, nacionais e importados, para que se confeccionasse os últimos
modelos da moda estrangeira; vestimentas diversas para homens, para mulheres e
para crianças; saias, camisas, calças e ternos; joalherias também se estabeleceram
naquele circuito de comércio – inclusive que atendiam a domicílio –, estabelecimentos
257

que ofertavam produtos para os consumidores com condições financeiras de


adquirirem as valiosas peças.
Ainda, um terceiro circuito de comércio foi possível ser destacado na área
urbana da capital mineira, o circuito dos gêneros e dos serviços variados, formado por
três ruas: Guajajaras, Espírito Santo e Tupinambás. Dentre os gêneros variados,
naquele circuito foram ofertados, por exemplo, materiais para construção e para
decoração de interiores domésticos, como tintas, molduras e vidros; vernizes,
brochas, pincéis e papel pintado; cimento, cal, madeiras e manilhas; porcelanas,
louças, granito cristais e quadros. Depósito para mantimentos também se localizou
naquele circuito comercial, bem como loja de uniformes, de um estabelecimento com
sede no Rio de Janeiro. Além disso, naquele lugar de consumo havia tipografia,
papelaria, peças para carros, alfaiates, modistas e profissionais liberais, como
médicos, dentistas, advogado e professores.
O comércio belo-horizontino se desenvolveu com grande influência do que
circulava em São Paulo e no Rio de Janeiro, pois os jornais mineiros sempre
ressaltavam estabelecimentos comerciais que tinham sede nas outras duas capitais
que, vale ressaltar, também sofriam influências internacionais. A menção ao
estrangeiro, a São Paulo ou ao Rio de Janeiro dava credibilidade ao estabelecimento
comercial e aos produtos e serviços oferecidos na capital mineira.
Para além dos três circuitos de comércio da área urbana que destacamos, as
atividades comerciais em Belo Horizonte logo na década de 1910 chegaram até o
subúrbio, afinal, o consumo é uma necessidade não apenas para determinadas
classes sociais que habitam um espaço específico. Se formaram no subúrbio outros
lugares de consumo, com ruas que também se destacaram naquelas regiões. O
comércio estabelecido na área suburbana, pelo menos em seus anos iniciais,
atenderia as necessidades consideradas mais básicas da população, como as de
gêneros alimentícios e de vestimentas.
Se Belo Horizonte foi uma cidade dividida em três áreas antes mesmo que as
obras de construção se iniciassem, de forma a separar pessoas em lugares
específicos; uma cidade de comerciantes e de consumidores desde o início de sua
formação, de forma que comerciantes e consumidores com condições financeiras
diversas ocuparam diferentes espaços da capital; é possível refletir sobre diferentes
estratos sociais em Belo Horizonte, e discutir a relação entre consumo e dinâmica
social. O consumo pode ser entendido como um divisor de classes sociais,
258

caracterizando um grupo de pessoas. Na Belo Horizonte segregada social e


racialmente, o consumo também marcaria práticas de um grupo determinado, a classe
média e suas frações.
Compunham as frações da classe média da capital mineira os comerciantes,
aqueles que chegaram na nova cidade enxergando uma oportunidade de
alavancarem seus negócios e se estabeleceram nas áreas centrais da cidade, um
grupo que anunciava seus produtos e serviços nos jornais e nas revistas locais e
estaduais. Funcionários públicos formavam uma outra camada da classe média – na
cidade que fora também descrita inicialmente como cidade dos funcionários públicos
–, aqueles que foram transferidos da antiga capital para a nova Cidade de Minas e os
outros que se estabeleceram na capital para auxiliarem no gerenciamento da cidade.
Profissionais liberais foram uma outra parte da classe média, médicos, dentistas,
advogados, professores, engenheiros, arquitetos, pessoas que ascenderam por meio
da educação e do diploma, e que prestavam serviços para a população belo-
horizontina. Por fim, a classe média contava com a fração de imigrantes, aqueles que
chegaram de fora do Brasil, mas também de outros Estados brasileiros e de Minas
Gerais.
Os imigrantes se redistribuíam entre outras frações da classe: imigrantes foram
também comerciantes, como o proprietário da Alfaiataria Wilke, de origem austríaca,
que ressaltamos no capítulo três; ou o proprietário da Baleira Suíssa, o suíço Carlos
Norder, descrito no capítulo quatro. Imigrantes estiveram presentes na fração de
funcionários públicos – o engenheiro Aarão Reis, responsável pelo planejamento
inicial da capital mineira; o italiano Luiz Olivieri, arquiteto de formação que se
estabeleceu em Belo Horizonte por conta das obras de construção da capital.
Finalmente, imigrantes estiveram presentes na fração de profissionais liberais, como
o dentista, natural de Ouro Preto, descrito no capítulo cinco.
A relação entre consumo e dinâmica social ganhou significado quando
observamos as especificidades de práticas de consumo das frações da classe média
da capital. Podemos pensar na categoria cultural de pessoa e de espaço: as pessoas
às quais analisamos os bens de consumo eram parte de uma parcela determinada da
capital mineira, compunham a classe média; o espaço daquelas pessoas era,
especialmente, o espaço urbano da capital. Nossas fontes confirmaram que Belo
Horizonte foi, realmente, uma cidade onde as atividades econômicas e sociais foram
votadas, sobretudo, para o espaço urbano. Os artefatos e bens móveis que circularam
259

pelo universo da classe média, eram materiais que circularam principalmente nos
espaços urbanos, nas casas de morada e nos cômodos para negócios que se
localizavam, sobretudo, na área urbana de Belo Horizonte.
Podemos também refletir sobre os princípios que estavam por trás da utilização
de determinados materiais do cotidiano da classe média, como os princípios de
tradicional e moderno, ou os princípios de simplicidade e refinamento. As imagens do
museu mostraram diferentes bens materiais e, assim, foi possível afirmar que o estilo
tradicional, da tradição local, estava por trás de um determinado bem utilizado,
produzido em Minas Gerais, como a forma de queijo. O mesmo princípio da tradição
poderia dar significado ao uso da mesa “mineira”, de madeira, produzida em Belo
Horizonte. A cristaleira analisada poderia ser a materialização do princípio de moderno
para a época. O canapé é um bem sem grandes sofisticações, pode estar por trás do
princípio de simplicidade da família que o utilizava, mas a licoreira é um bem que pode
significar o estilo refinado daqueles que possuíram o bem.
O consumo de bens das frações da classe média belo-horizontina revelou um
perfil variado. No cotidiano estavam presentes bens produzidos localmente, bens
importados de outras regiões do Estado mineiro e do Brasil, bens internacionais;
circularam por Belo Horizonte bens simples, cujos materiais e técnicas eram mais
comuns ao contexto de formação da capital mineira, mas também bens de luxo, em
que foram empregados materiais e técnicas mais complexos; bens para suprirem as
necessidades mais elementares e também para suprimento de necessidades mais
sofisticadas.
Refletindo ainda sobre consumo e dinâmica social, podemos destacar dois
imigrantes que se estabeleceram na capital no início do século XX e formaram uma
das famílias mais abastadas da capital, o que pode se compreender por meio de suas
práticas de consumo. O médico Eduardo Borges Ribeiro da Costa, nascido no Rio de
Janeiro no ano de 1880, e Maria José Halfed, nascida na cidade mineira de Juiz de
Fora no ano de 1894 se casaram em Belo Horizonte em agosto de 1909. O casal
residiu na rua da Bahia, uma das principais ruas de Belo Horizonte no início do século
XX. Por meio do livro de memórias de uma das filhas do casal, Beatriz Borges Martins
– que nasceu em Belo Horizonte no ano de 1913 e, portanto, viveu em Belo Horizonte
na época em que estudamos o consumo na cidade – foi possível entendermos três
estruturas de consumo da família no início do século XX: os hábitos alimentares, os
complementos para o vestuário, os costumes de diversão.
260

A respeito da alimentação dos Borges da Costa, foi possível notar no cotidiano


a presença dos alimentos cultivados em casa, nos quintais, bem como a presença das
refeições preparadas no ambiente doméstico, nos processos lentos e complexos, uma
tradição mineira que se iniciou quando a atividade da mineração se desenvolveu na
província. Mas também pode ser notado que os alimentos preparados em casa
passavam a ser ofertados pelos estabelecimentos comerciais belo-horizontinos, e a
família também se abastecia dos alimentos prontos que eram oferecidos nos
estabelecimentos destinados a alimentação. Ao costume de realizar refeições em
casa, com alimentos cultivados e preparados em casa, iam sendo misturadas novas
formas de consumo, como a de se alimentar na rua de alimentos preparados fora do
espaço doméstico. A família oferecia grandiosos jantares e era também convidada
para jantares nas residências de famílias que, assim como a que analisamos,
representavam um estrato mais abastado na capital. A alimentação pode ser
compreendida como um processo que envolve não apenas o alimento em si, mas a
relação do alimento com a sociedade, com a cultura e com a economia, que estão em
constante transformação.
Outra estrutura de consumo averiguada no interior da família Borges da Costa
foi a do vestuário feminino. Beatriz Borges Martins relatou alguns dos acessórios para
a composição do vestuário das mulheres de sua família, ressaltando os bens
produzidos em casa e os comprados e encomendados do Rio de Janeiro. Ao
relembrar da composição dos trajes de sua infância, Beatriz escreveu sobre as capas
de chuva importadas da França que um comerciante belo-horizontino trouxe para a
família, um bem de consumo diferenciado para a época, privilégio de uma minoria
populacional da capital.
Assim como os costumes de alimentação, os relacionados a composição dos
trajes passavam por influências nacionais e internacionais, poderiam ser entendidos
como processos sociais que guardavam relação com a economia e com a cultura,
tanto de uma sociedade como de um estrato social específico. Da mesma forma,
podemos pensar para os costumes de diversão da família Borges da Costa, o que
denominamos cultura “imaterial”, mas que mobilizava, para que se realizasse,
elementos materiais da cultura.
Dentro da categoria de diversão estavam as festas e as brincadeiras. As festas
realizadas em espaços exteriores ao ambiente doméstico, como as celebrações
religiosas, bem como o carnaval, assistido pela família na rua da Bahia, local onde
261

residiam, revelavam costumes familiares que possuíam relação com a cultura nacional
e estrangeira. Vale ressaltar que o corso de carros abertos, um costume do carnaval
de Belo Horizonte do início do século XX e também do Rio de Janeiro do pós reformas
urbanas da cidade, tinha influência do carnaval internacional. A festa junina, que fazia
parte do contexto familiar dos Borges da Costa, era realizada no ambiente doméstico
e demandava um extenso processo de preparação, pois materiais eram comprados
no Rio de Janeiro, e diversos alimentos e bebidas faziam parte da festa. As
brincadeiras, tanto as infantis como as de adultos também foram parte do cenário
familiar, como o cotillon, que exigia que “tanto os rapazes quanto as moças não
fossem muito ignorantes” para que pudessem participar.
Tanto considerando a cidade como objeto de consumo; como no consumo
analisado para a cidade, especialmente nas áreas urbana e suburbana; e, ainda, no
consumo da classe média e específico da família Borges da Costa; é possível afirmar
as consequências dos dois acontecimentos – segunda Revolução Industrial e
instauração da República – que contribuíram para que Belo Horizonte se
transformasse na cidade que foi, nas três primeiras décadas do século XX.
A cidade pode ser concebida como objeto de consumo, que deveria representar
a modernidade da República, planejada nos mínimos detalhes pela CCNC com base
em programas internacionais e nacionais de urbanização, que se concretizaram
também graças aos novos materiais que a segunda Revolução Industrial produziu. Na
cidade periférica que se formou numa época em que o capitalismo se consolidava em
outras regiões do mundo, as práticas de consumo se efetivaram, e da forma como se
efetivaram, com os produtos e os serviços que descrevemos e analisamos, porque os
costumes eram moldados pelas transformações nacionais e internacionais, ainda que
devemos considerar o peso da tradição do século XVIII, presente em costumes e
formas de consumir da passagem do século XIX para o XX.
Na cidade capital onde as técnicas produtivas industriais ainda não haviam se
concretizado na economia nascente, o comércio de médio porte e o consumo podem
ser entendidos, num primeiro momento, como as molas propulsoras do crescimento
econômico local.
262

REFERÊNCIAS

FONTES

Almanaques:
LIMA, Joaquim Ramos de. Almanack da Cidade de Minas. Cidade de Minas: Imprensa
Official do Estado de Minas Gerais, 1900.

VERAS, Felippe; MORETTI, Antônio (Orgs.). Almanack: guia de Bello Horizonte. Belo
Horizonte: Typographia Commercial, 1913.

Documentos do executivo:
DECRETO nº 7, de 20 de novembro de 1889. Marechal Manoel Deodoro da Fonseca,
chefe do governo provisório – Aristides da Silveira Lobo.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. José Ricardo de Sá Rego a
Assembleia Provincial da Província de Ouro Preto. 1851. Belo Horizonte: Arquivo
Público Mineiro, Secretaria de Governo da Província – documentos da Secretaria
de Governo da Província.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Antonio Augusto de Lima ao
Congresso Constituinte de Minas Gerais. Annaes do Senado Mineiro, 1891 e
1892.
MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Affonso Augusto Moreira Penna ao
Congresso Mineiro em sua terceira sessão ordinária da 1ª legislatura. Ouro
Preto: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1893.

MENSAGEM dirigida pelo presidente de Estado Dr. Francisco Antonio de Salles ao


Congresso Mineiro em sua 1ª sessão ordinária da 4ª legislatura no ano de 1903.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Ministério da
Educação e Saúde Pública, 1903.

RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Bernardo


Pinto Monteiro. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro
de 1899-1902.
RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho
Meirelles. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, novembro de
1910.
RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Olyntho
Deodato dos Reis Meirelles. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de
Minas, setembro de 1911.

RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Affonso


Vaz de Mello. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas, setembro
de 1921.

RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Flávio


Fernandes dos Santos. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas,
setembro de 1923.
263

RELATÓRIO apresentado ao Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Christiano


Monteiro Machado. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas,
outubro de 1928.

RELATÓRIOS apresentados ao prefeito Luiz Barbosa Gonçalves Penna, pelos


diretores e chefes de serviço da prefeitura. Bello Horizonte: Imprensa Official do
Estado de Minas Gerais, outubro de 1930.

Documentos do legislativo:
Annaes do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891.
Annaes do Congresso Mineiro em Sessão Extraordinária, Barbacena, 1893.
COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:
Imprensa Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.517.
COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:
Imprensa Official do Estado de Minas, 1902, decreto 1.563.

COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:


Imprensa Official do Estado de Minas, 1904, decreto 1.713.
COLLECÇÃO DAS LEIS E DECRETOS do Estado de Minas Gerais. Bello Horizonte:
Imprensa Official do Estado de Minas, 1908, decreto 2.183.

PRONUNCIAMENTO – Deputado José Fecundo Monte-Raso. Anais do Congresso


Constituinte do Estado de Minas Gerais, 04/05/1891.

Jornais:
A Capital. Bello Horizonte, 07/01/1896.
A Capital. Bello Horizonte, 15/10/1896.
A Flor. Bello Horizonte, 1907.
Bello Horizonte. Bello Horizonte, 1895.
Bello Horizonte. Bello Horizonte, 12/01/1896.
Diário de Minas. Bello Horizonte, 1900.
Diário de Minas. Bello Horizonte, 10/03/1900.
Diário de Minas. Bello Horizonte, 12/01/1921.
Diário de Minas. Bello Horizonte, 14/05/1925.
Diário de Minas. Bello Horizonte, 22/08/1928.
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Jornal do Povo. Bello Horizonte, 01/02/1900.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 03/04/1902.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/12/1909.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 09 e 10/12/1912.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 05 e 06/05/1919.
264

Minas Gerais. Bello Horizonte, 08/02/1921.


Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/03/1922.
Minas Gerais. Bello Horizonte, 24/06/1926.
O Contemporâneo. Ouro Preto, 25/06/1893.
O Horizonte. Bello Horizonte, 15/04/1924.
O Horizonte. Bello Horizonte, 16/04/1924.

Inventários post-mortem:
Inventários post-mortem presentes no TJMG: AP / Contagem
03/11/1899, maço 1 / 04.01.06.04.04.029.
26/05/1901, 04.01.06.05.05.029.
26/02/1902, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
1904, maço 26.
10/01/1904, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
11/01/1904, 04.03.09.11.04.007.
20/06/1906, maço 3.
21/11/1906, maço 28 / 04.01.06.05.05.008.
28/02/1907, maço 1 / 04.03.04.09.10.04.004.
16/09/1909, 04.03.09.10.04.004.
08/01/1912, 04.03.09.10.04.004.
11/03/1912, 04.03.09.10.04.004.
19/06/1912, 04.01.06.03.05.010.
11/07/1912, 04.03.09.10.04.004.
25/02/1913, 04.03.09.10.04.004.
16/08/1913, maço 24 / 04.03.09.10.04.004.
23/08/1913, 04.03.09.10.04.004.
13/07/1914, maço 12 / 04.03.09.10.04.022.
03/11/1914, maço 10 / 04.01.06.01.04.001.
19/12/1914, maço 01 / 04.03.09.10.04.004.
01/02/1915, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
19/04/1915, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
27/04/1915, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
19/05/1915, 04.03.09.10.04.004.
08/02/1916, 04.03.09.11.04.012.
02/03/1916, 04.01.06.03.05.033.
22/05/1916, maço 11 / 04.01.06.04.06.009.
265

28/06/1916, 04.03.09.10.04.004.
03/07/1916, maço 75 / 04.03.09.11.04.012.
03/07/1916, 04.03.09.20.04.031.
17/12/1916, maço 10.
25/04/1917, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
03/11/1917, 04.02.10.01.06.002.
14/12/1917, maço 10 / 04.02.09.10.01.001.
15/12/1917, maço 12 / 04.03.09.10.04.022.
1918, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
17/01/1918, 04.01.06.01.04.007.
06/03/1918, maço 12;4 / 04.03.09.10.04.022.
20/04/1918, 04.03.09.10.04.004.
22/05/1918, 04.03.09.10.04.004.
24/05/1918, 04.03.09.10.04.004.
10/09/1918, 04.01.06.05.05.008.
31/10/1918, maço 15 / 04.03.04.11.04.012.
30/01/1919, maço 24;25 / 04.03.09.10.04.004.
28/06/1919, 04.03.09.10.04.014.
22/08/1919, maço 75 / 04.03.09.11.04.012.
19/10/1919, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
20/01/1920, maço 68 / 04.01.06.05.04.010.
25/04/1920, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
14/05/1921, 04.03.09.20.04.031.
16/08/1921, maço 26 / 04.01.06.03.04.002.
1922, 04.01.06.04.05.034.
16/01/1922, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
22/11/1922, 04.03.09.20.04.031.
30/01/1923, maço 16 / 04.01.06.04.04.005.
27/04/1923, maço 11 / 04.01.06.04.06.007.
12/05/1923, 04.01.07.06.05.020.
27/07/1923, maço 1 / 04.03.09.10.04.004.
30/07/1923, maço 1B / 04.03.04.09.10.04.004.
17/09/1923, 04.03.09.11.04.012.
03/09/1924, maço 20 / 04.01.06.04.04.001.
05/09/1924, maço 20 / 04.03.09.10.04.004.
266

12/09/1924, 04.02.10.01.06.004.
22/12/1924, 04.03.09.11.04.016.
10/01/1925, 04.03.09.10.04.004.
02/02/1925, 04.03.09.10.04.004.
17/02/1925, maço 20 / 04.01.06.04.04.001.
14/04/1925, 04.03.09.11.04.012.
03/09/1925, maço 74 / 04.03.09.11.04.012.
22/09/1925, maço 55 / 04.02.04.11.01.017.
23/05/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
25/07/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
01/12/1927, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
30/12/1927, sem identificação.
22/05/1928, maço 25 / 04.02.07.02.04.015.
14/11/1928, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
26/11/1928, 04.02.06.15.08.018.
02/04/1929, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
18/07/1929, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
06/02/1930, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
02/07/1932, maço 59 / 04.03.09.20.04.031.
16/09/1932, 04.01.06.03.04.002.

Inventários post-mortem presentes no TJMG: CEOP / Belo Horizonte


19/02/1898, sem identificação.
02/04/1898, maço 1.
22/03/1898, maço 1, n. 05.
30/06/1898, maço 1, n. 19.
1899, sem identificação.
08/1899, maço 1.
10/12/1899, sem identificação.
05/12/1902, maço 3.
11/03/1903, sem identificação.
27/06/1905, maço 27.
25/09/1914, maço 25.
24/10/1914, ARM 04, cx. 25, maço 1.
17/02/1915, maço 27, n. 8A.
15/09/1917, maço 63, n. 08.
267

17/12/1917, maço 56, n. 10.


30/08/1918, maço 63.

Inventário post-mortem presente no TJMG: MEJUD


21/01/1913, maço 08.

Livro de memórias:
MARTINS, Beatriz Borges. A vida é esta... Organização de Amilcar Vianna Martins
Filho. 2 ed. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amilcar Martins, 2013.

MHAB, acervo de objetos:


Coleção Comunicação
Placa, material de propaganda. Tombo 0453/94.
Xícara, material de propaganda. Tombo 0574.01/98.

Coleção Equipamentos Domésticos


Bacia, artigo de toalete. Tombo 0101A/93.
Caixa para doce, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0726/00.
Caixa para pó de café, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0727/00.
Cofre portátil, acessório de interiores. Tombo 0042/93.
Farinheira, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0109/93.
Ferro de passar, equipamento de serviços domésticos. Tombo 0283/93.
Forma de queijo, equipamento de serviços domésticos. Tombo 0678/00.
Gomil, artigo de toalete. Tombo 0018B/93.
Licoreira, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0112/93.
Porta-joias, acessório de interiores. Tombo 0357/94.
Tacho, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0628/00.
Vasilha chocolateira, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0318/93.
Xícara, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 0111A/93.

Coleção Interiores
Caçarola, utensílio de cozinha / mesa. Tombo 1497/12.

Coleção Medição e Registro


Despertador-cafeteira, instrumento de precisão ótica. Tombo 0054/93.
Porta-relógio, acessório de instrumento de precisão. Tombo 0089/93.
Relógio de armário, instrumento de precisão ótica. Tombo 0055/93.
Relógio-armário, instrumento de precisão ótica. Tombo 0056/93.

Coleção Mobiliário
268

Cadeira de roda de fiar, peça de mobiliário. Tombo 0086/93.


Canapé, peça de mobiliário. Tombo 0024/93.
Cristaleira, peça de mobiliário. Tombo 0099.02/93.
Estante-porta toalhas, peça de mobiliário. Tombo 0035/93.
Guarda-louças, peça de mobiliário. Tombo 0072/93.
Mesa, peça de mobiliário. Tombo 0009/93.
Papeleira, peça de mobiliário. Tombo 0002/93.
Penteadeira, peça de mobiliário. Tombo 1207/06.
Sofá, peça de mobiliário. Tombo 0098/93.
Sofá, peça de mobiliário. Tombo 1199/06.

Coleção Objetos Pessoais


Broche, objeto de adorno. Tombo 0397/94.
Chapéu, peça de indumentária. Tombo 0444/94.
Corpete, peça de indumentária. Tombo 0424/94.
Fraque, peça de indumentária. Tombo 0452/94.
Mitene, peça de indumentária. Tombo 0447A/94.
Par de sapatos, peça de indumentária. Tombo 0623/00.
Trousse, objeto de auxílio / conforto pessoal. Tombo 0246/93.
Xale, peça de indumentária. Tombo 0445/94.

Revistas:
A Gare. Bello Horizonte, v. 1, n. 1, novembro/1922.
Cidade Vergel. Bello Horizonte, anno I, n. 2, /1927.
Comercial. Bello Horizonte, anno I, n. 7, outubro/1915.
Comercial. Bello Horizonte, anno II, n. 18, novembro/1916.
Novo Horizonte. Bello Horizonte, anno I, n. 1, setembro/1910.
Revista Geral dos Trabalhos. Comissão Construtora da Nova Capital. Rio de Janeiro:
H. Lombaerts e C., abril/ 1895.
Semana Ilustrada. Bello Horizonte, anno I, n. 36, 39, 50, 51, 70, 71, 76 e 77, fevereiro,
março, maio, outubro, dezembro/1928.
Tank. Bello Horizonte, n. 7, fevereiro/1919.
Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 6, março/1915.
Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 1-9, janeiro-maio/1915.
Vida de Minas. Bello Horizonte, anno I, n. 4 e 10, fevereiro e maio/1915.
Vida de Minas. Bello Horizonte, anno II, n. 12, fevereiro/1916.
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1920). São Paulo: HUCITEC, 1993.
WERNECK, Nísia Maria Duarte; SILVA, Luiz Henrique Horta (Orgs.). Rua da Bahia.
Belo Horizonte: Linha Gráfica Editora, 1990.
WILLIAMS, Rosalind. Dream Worlds: Mass Consumption in Late Nineteenth-Century
France. Berkeley; Los Angeles; Oxford, University of California Press, 1996.
WIRTH, John. O Fiel da Balança – Minas Gerais na Federação Brasileira (1889/1937).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
278

APÊNDICES
279

APÊNDICE 1
OS BENS MÓVEIS PRESENTES NA AMOSTRA DE INVENTÁRIOS POST-
MORTEM DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1897-1930)
280

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 coberta Mobiliário
4 catres Mobiliário
1 caixão Mobiliário
1 (1917) 1 armário Mobiliário
2 ?
1 caixa grande Mobiliário
1 espingarda Trabalho

Livraria, estantes e mesa Livros


4 (1898)
Mobília Mobiliário

1 tacho velho Trabalho


1 tacho velho pequeno Trabalho
5 (1898) 1 espingarda de dois canos Trabalho
1 garrucha de dois canos Trabalho
1 garrucha simples Trabalho

1 carroça Trabalho
1 armário Mobiliário
1 armário Mobiliário
7 (1914)
3 mesas Mobiliário
6 cadeiras austríacas Mobiliário
objetos de cozinha Doméstico
281

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 faixa de cobre Mobiliário
1 tacha Trabalho
1 tacho pequeno Trabalho
1 jarro de cobre Mobiliário
1 alavanca Mobiliário
1 canivete Doméstico
jarros Doméstico
1 ?
1 ?
1 laço Pessoal
1 ?
1 selim Trabalho
1 balança Trabalho
1 caixão Mobiliário
3 caixas Mobiliário
2 firanchões
8 táboas Trabalho
1 banco Mobiliário
1 portão Mobiliário
1 ? de jacarandá
8 (1902)
1 mesa Mobiliário
10 ?
10 ?
1 mesa Mobiliário
1 mesa Mobiliário
1 banco Mobiliário
1 armário grande Mobiliário
5 táboas novas Trabalho
20 táboas Trabalho
? ?
1 corrente Trabalho
2 réguas Trabalho
1 carro velho Trabalho
1 par de botinas novas Pessoal
1 chapéu Pessoal
1 ?
1 catre Mobiliário
1 ?
2 ? de prata
1 oitava e um quarto de ouro Pessoal
282

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 mesa de madeira Mobiliário
1 banco de madeira Mobiliário
1 tamborete de táboas Mobiliário
1 caixa pequena com pé Mobiliário
11 (1899)
1 caixa pequena sem pé Mobiliário
1 catre de madeira Mobiliário
1 caixote com ferramentas carpintaria Trabalho
materiais Trabalho
283

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
3 carroças Trabalho
1 carroça "imprestável" Trabalho
45 folhas de zinco pesadas Trabalho
1 armação envidraçada Trabalho
1 balção na padaria Trabalho
1 máquina para fazer doces Trabalho
1 mesa de pinho pequena Mobiliário
1 tamborete Mobiliário
1 masseira grande Trabalho
1 masseira pequena Trabalho
1 mesa na padaria Trabalho
19 taboleiros de madeira Trabalho
5 casaletes de madeira Mobiliário
1 caixão estragado Mobiliário
1 balança com pratos Trabalho
9 quilos de pesos de ferro Trabalho
2 lampeões belgas Mobiliário
7 pás para forma Trabalho
1 ferro para tirar brasas Trabalho
3 toalhas Pessoal
1 mesa de pinho para refeições Mobiliário
2 bancos compridos Mobiliário
15 (1903) 2 caixotes pequenos Mobiliário
30 folhas para biscoitos Doméstico
12 panos para louças Doméstico
10 talheres ordinários Doméstico
1 concha para sopeira Doméstico
2 conchas para café Doméstico
2 garfos de ferro Doméstico
1 despertador de vidro Doméstico
3 canecas de ferro Doméstico
1 caneca estragada Doméstico
3 chaleiras de ferro Doméstico
2 caldeirões Doméstico
1 caçarola grande Doméstico
1 caçarola pequena Doméstico
1 mesa pequena na cozinha Mobiliário
11 pratos de folha Doméstico
2 bacias de folhão Doméstico
1 tacho de ferro Doméstico
2 camas de madeira velha Mobiliário
2 colchões capim velhos Mobiliário
1 armário Mobiliário
18 sacos de farinha Doméstico
lenha para a padaria Trabalho
284

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 relógio de algibeira c/corrente de plaquê Pessoal
1 par de cassandras Doméstico
1 tacho Trabalho
1 facão para o mato Trabalho
16 (1899)
1 facão com cabo e bainha de prata Trabalho
1 cangalha Trabalho
1 selim sem capa Trabalho
1 sela de campo Trabalho
285

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 relógio americano de parede Mobiliário
1 catre na sala Mobiliário
2 tamboretes Mobiliário
1 mesa na sala Mobiliário
1 banco de encosto Mobiliário
1 banco sem encosto Mobiliário
1 catre de ferro Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 balcão velho Mobiliário
2 catres do quarto da sala Mobiliário
1 catre no mesmo quarto Mobiliário
1 mesinha no mesmo quarto Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
1 banco ao pé da mesa Mobiliário
1 marquesa forrada de couro Mobiliário
1 catre de encosto Mobiliário
1 mesa Mobiliário
17 (1899) 1 pequena estante Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 caixa Mobiliário
1 armário Mobiliário
1 bomba e canos de ferro e chumbo para poço Trabalho
1 marquesa de táboa Mobiliário
1 catre Mobiliário
1 catre de ferro Mobiliário
1 mesa na sala Mobiliário
1 mesa no quarto Mobiliário
4 bancos Mobiliário
1 caixão na sala Mobiliário
1 caixão no quarto escuro Mobiliário
1 caixão inferior na despensa Mobiliário
1 armário Mobiliário
1 balança com pesos (69 quilos) Trabalho
1 catre na fazenda da Biboca Mobiliário
1 caixão Mobiliário
286

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
4 catres velhos e estragados Mobiliário
1 mesa com gaveta Mobiliário
1 carroça velha Trabalho
1 carrinho velho Trabalho
19 (1904) 1 carro velho, quebrado Trabalho
1 armário velho, estragado Mobiliário
1 armário melhor Mobiliário
1 mesa para jantar com 2 bancos velhos Mobiliário
1 mesa Mobiliário

mobília de refeitorio, composta por


1 mesa, dois guarda louças, aparador Mobiliário
meia dúzia de cadeiras
1 mobília na sala de visitas, com espelho Mobiliário
1 mobília de quarto com seis peças Mobiliário
5 camas de solteiro Mobiliário
1 cama para casal Mobiliário
1 móvel de toalete Mobiliário
1 mesa americana Mobiliário
1 mesa de fabricação nacional Mobiliário
21 (1909) 1 mesa de escritório Mobiliário
1 "chaure bugue" austríaca Mobiliário
1 faqueiro com 24 talheres de prata Doméstico
1 serviço de procelana Doméstico
1 serviço para chá Doméstico
1 serviço para café Doméstico
4 dúzias de copos Doméstico
1 relógio de parede Mobiliário
1 serviço de "Anilesse de eletrophiste" Doméstico
1 guarda comidas Mobiliário
1 livraria com cerca de 2.000 volumes Livros

mercadorias Trabalho
25 (1914) maquinismos e oficinas Trabalho
móveis e utensílios M o biliário /Do méstico
287

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 guarda louças Mobiliário
12 cadeiras Mobiliário
2 cadeiras Mobiliário
1 sofá Mobiliário
28 (1912) 1 mesa redonda Mobiliário
2 mesa pequenas Mobiliário
1 cômoda Mobiliário
1 cama de casal Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário

1 balcão Trabalho
3 escadas Trabalho
1 toucador Mobiliário
4 cadeiras Mobiliário
2 ?
1 bicicleta Trabalho
materiais Trabalho
1 ?
2 tesouras Trabalho
4 alicates Trabalho
ferramentas Trabalho
1 máquina para moldurar Trabalho
2 bancos para trabalhar Trabalho
2 ?
30 (1906) 1 ?
1 ?
1 lata Mobiliário
4 ?
1 ?
1 ?
1 ?
10 martelos Trabalho
2 bancos estragados Mobiliário
5 ? Para biscoitos
1 jarro Doméstico
1 bacia Doméstico
1 moinho para café Doméstico
1 máquina para carne Trabalho
2 caçarolas Doméstico
288

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
12 cadeiras Mobiliário
3 mesas Mobiliário
1 armário Mobiliário
33 (1918)
1 lavatório Mobiliário
1 máquina de costura de mão Mobiliário
diversas peças de cozinha Doméstico

1 bíblia na sala de jantar Mobiliário


34 (1928) 1 quarto de dormir (?) e toillet Mobiliário
utensílios de cozinha Doméstico

1 guarda louças Mobiliário


1 mesa de jantar Mobiliário
2 mesas pequenas Mobiliário
6 cadeiras de palhinha Mobiliário
37 (1907) 1 cama de casal Mobiliário
6 camas de solteiro Mobiliário
1 relógio de parede Mobiliário
1 máquina de costura Mobiliário
diversos quadros Mobiliário

36 maços de taxas Trabalho


4 caixas de botões Trabalho
1 maço de pregas Trabalho
39 (1922) 2 caixas de ?
1 lata de ?
5 vidros de verniz Trabalho
1 espingarda Trabalho
289

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 sofá Mobiliário
1 ?
1 mesa de jantar Mobiliário
1 ?
1 ?
1 cama de casal Mobiliário
1 guarda ? Mobiliário
2 ?
2 ?
41 (1923)
3 ?
1 ?
1 ?
1 mesinha Mobiliário
1 chiffonica (?) Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
1 cadeira Mobiliário
4 estantes pequenas Mobiliário
1 biblioteca Mobiliário

1 mobília na sala de visitas Mobiliário


mobília na sala de jantar, com
sofá, 12 cadeiras de palhinha
1 2 cadeiras de braços, mesa elástica Mobiliário
45 (1924) e mais algumas peças, como piano
estragado, 5 camas
1 carro para transporte, com 4 rodas Mobiliário
3 arados Trabalho
5 arreios Trabalho

"Os que guarnecem a casa supra


descrita e que no acto da avaliação
49 (1923) serão apresentados"
Obs.: Não foram identificados no
processo de inventário
290

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
6 cadeiras austríacas Mobiliário
1 cadeira de balanço Mobiliário
6 cadeiras de vinhático Mobiliário
1 sofá Mobiliário
1 mesinha de centro Mobiliário
55 (1918)
1 guarda louças Mobiliário
mesa de sala de jantar
1 Mobiliário
envernizada e com gavetas
1 relógio de parede Mobiliário
1 aparelho telefônico Mobiliário
291

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 casula vermelha com pertences Litúrgico
1 pedra d'ara Litúrgico
1 casula preta com pertences Litúrgico
1 casula verde com pertences Litúrgico
1 cálice Litúrgico
2 campainhas Litúrgico
1 missal e estante Litúrgico
1 par de galhetas Litúrgico
6 toalhas Litúrgico
2 lírios para três velas Litúrgico
2 cálises pequenos Litúrgico
1 mesa com estante e diversos livros Livros
1 oratório com imagem Litúrgico
1 oratório pequeno, velho Litúrgico
1 crucifixo grande Litúrgico
caixa de folha com 3
1 Litúrgico
vidros, com santos oléos
1 caixa de prata em tubo Litúrgico
1 caixa de metal para hóstias Litúrgico
1 corrente de ouro para relógio Pessoal
1 relógio de parede Mobiliário
1 par de esporas de prata Mobiliário
1 lampião belga Mobiliário
12 cadeiras austríacas velhas Mobiliário
1 cadeira de balanço estragada Mobiliário
1 mesa redonda boa Mobiliário
2 cantoneiras boas Mobiliário
3 bancos de encostos bons Mobiliário
56 (1914)
8 quadros pequenos com estampas Mobiliário
12 quadros pequenos comr retratos Mobiliário
1 quadro grande com estampa Mobiliário
2 mangas de vidro Mobiliário
1 catre francês bom Mobiliário
1 catre forrado de couro Mobiliário
1 catre velho Mobiliário
1 armário bom com vidraças Mobiliário
1 caixa de madeira Mobiliário
1 par de canastrinhas Doméstico
1 mala de viagem Mobiliário
1 par de alfozes estragados Mobiliário
1 compoteira velha Doméstico
1 tinteiro de vidro Mobiliário
1 toalha com filtro Mobiliário
2 bacias com jarro Doméstico
2 escarradeiras Pessoal
1 saboneteira Pessoal
1 bacia de cobre para banho Mobiliário
1 debulhadora de milho Doméstico
1 caixão com três compartimentos Mobiliário
1 caixão pequeno Mobiliário
2 bastos velhos Mobiliário
1 sellote velho Mobiliário
1 sellim em bom uso Trabalho
1 castiçal de metal Litúrgico
1 lavatório Mobiliário
1 alavanca Mobiliário
292

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 carro de bois Trabalho
mobília de quarto de dormir, sendo
1 1 cama francesa, criado, toallete e Mobiliário
guarda roupas
57 (1917)
1 armário de madeira tosca Mobiliário
1 máquina de costura Mobiliário
1 caixa de carretão Mobiliário
arreios para 4 juntas de bois Trabalho

1 cama de casal Mobiliário


3 camas de solteiro Mobiliário
1 guarda louças velho e
Mobiliário
estragado
1 guarda louças maior Mobiliário
3 mesinhas ordinárias Mobiliário
59 (1923) 1 mesa para refeições Mobiliário
1 lavatório simples, com espelho Mobiliário
12 cadeiras velhas, algumas estragadas Mobiliário
1 cadeira de balanço estragada Mobiliário
1 escrivaninha com muito uso Mobiliário
1 criado mudo Mobiliário
2 cantoneiras ordinárias Mobiliário

1 distopia Trabalho
1 serra circular Trabalho
1 serra circular Trabalho
1 furador Trabalho
1 máquina de aparelhar Trabalho
1 dita superior Trabalho
1 rebalo automático Trabalho
1 ?
60 (1914)
1 motor elétrico com transformador Trabalho
1 ? Vertical
1 serra circular Trabalho
1 máquina de aparelhar até 4 ferros Trabalho
1 máquina para furar ferro Trabalho
1 ?
1 motor elétrico com transformador Trabalho
correias diversas Trabalho
293

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
mobília de sala de visitas, austríaca
1/2 composta de 6 cadeiras, duas de braços Mobiliário
e 1 sofá, peças já reformadas
1 mesa tosca, pequena, com gavetinha Mobiliário
1 dita menor, de centro, quadriculada Mobiliário
68 (1925)
1 dita velha e estragada, tosca e maior Mobiliário
1 guarda-comida bastante usado Mobiliário
1 guarda louças pequeno, em bom estado Mobiliário
2 cantoneiras pequenas c/ pedra mármore Mobiliário
6 cadeiras amarelas, de palhinha, artigo nacional Mobiliário

1 piano Mobiliário
12 cadeiras Mobiliário
1 porta chapéus Mobiliário
1 mobília Mobiliário
1 mobília de sala de visitas Mobiliário
1 grupo de três peças Mobiliário
1 mobília de sala de jantar Mobiliário
71 (1921)
2 guarda roupas Mobiliário
2 toiletes Mobiliário
1 armário pequeno Mobiliário
2 cômodas Mobiliário
1 cama de solteiro Mobiliário
6 cadeiras de ferro Mobiliário
3 estantes de ferro Mobiliário

1 tacho velho de cobre Trabalho


1 canastra velha Doméstico
1 caixa frasqueira ruim Doméstico
1 catre ordinário Mobiliário
73 (1917) 1 caixa de oratório Mobiliário
1 panela de ferro Doméstico
1 caixa ordinária Mobiliário
1 caneco Doméstico
1 basto Mobiliário
294

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
1 caieira de 500 tijolos Trabalho
500 telhas Trabalho
1 forno de pequena padaria doméstica de tijolos Trabalho
3 carrinhos de mão para olaria Trabalho
1 carroção de mesa Trabalho
1 carroção de rodas novas Trabalho
79 (1916) 8000 tijolos Trabalho
2 bancas para fabricação de tijolos Trabalho
1 banco de carpinteiro Trabalho
1 torno de ferro Trabalho
peças de madeira Trabalho
1 enxadão Trabalho
1 marreta Trabalho

1 mesa de jantar Mobiliário


1 guarda louças Mobiliário
80 (1932) 2 cantoneiras Mobiliário
1 mesinha de quarto Mobiliário
6 cadeiras de sala de jantar Mobiliário

2 libras esterlinas Moeda


1 moeda de ouro portuguesa Moeda
83 (1916) 1 anel de ouro quebrado Ouro
34 gramas de ouro em pó e em amalgama Ouro
91 moedas de prata de diversos valores Moeda

1 carroção de bois Trabalho


1 carro de bois Trabalho
1 oratório de madeira Mobiliário
85 (1916) 1 caixa de madeira Mobiliário
1 estante de madeira para livros Mobiliário
1 armário de madeira Mobiliário
1 ?

mobília para sala de visitas, varanda


86 (1912) 1 Mobiliário
de jantar, quarto de dormir
295

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
150000 tijolos na olaria Trabalho
1 carro em mau estado Trabalho
88 (1901)
1 carroça para aterros Trabalho
1 carroça para aterros Trabalho

4 catres para solteiros Mobiliário


4 mesas Mobiliário
3 tamboretes ordinários Mobiliário
3 bancos Mobiliário
1 armário inferior Mobiliário
2 caixões velhos Mobiliário
3 caixões de madeira Mobiliário
91 (1921)
1 tacho de cobre maior Trabalho
1 tacho de cobre menor, ordinário Trabalho
1 bacia de cobre Trabalho
1 relógio de parede Mobiliário
1 balança e alguns pesos Trabalho
1 alavanca Trabalho
1 bateria de cozinha Doméstico

93 (1915) 1 carroça Trabalho

1 caixão velho Mobiliário


1 mesa velha com gavetas Mobiliário
1 mesa com duas gavetas Mobiliário
1 mesinha ordinária Mobiliário
1 estante ordinária Mobiliário
1 catre velho Mobiliário
1 catre pequeno Mobiliário
94 (1920) 1 canastra grande Doméstico
1 armário velho Mobiliário
2 caixas ordinárias Mobiliário
1 banco ordinário Mobiliário
1 tacho de cobre Doméstico
1 tacho de cobre menor Doméstico
1 tacho de cobre ainda menor Doméstico
1 bacia velha Doméstico
296

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
Na biblioteca
1 coleção de Direito com 72 volumes Livros
coleção de atas da Câmara dos deputados
1 Documentos
dos anos de 1883 a 1890, com 130 vols
coleção do Instituto Histórico e Geográfico
1 Livros
com 66 volumes, dos anos de 1831 a 1861
1 dicionário P. Larousse completo Livros
10 volumes da Revista Brasileira Livros
3 vols da Revista do Arquivo Público Mineiro Livros
6 volumes das Leis Mineiras Documentos
3 volumes de Direito Romano Livros
Manifestos ... ? Livros
1 dicionário histórico e político de M. Bloch (francês) Livros
2 vols do dicionário de Economia Política (francês) Livros
1 dicionário histórico e geográfico Livros
2 vols da história da ? Francesa de A. Thiris Livros
estante grande com 4 armários na parte
1 Mobiliário
inferior em perfeito estado
1 ?
1 mesa com dias cadeiras Mobiliário
1 cadeira para escritótio Mobiliário
1 cadeira para guardar calçado Mobiliário
estantes com mais ou menos 100 volumes
2 Mobiliário/Livros
de literatura
1 lavatório e um ? e espelho Mobiliário
1 cama Mobiliário
1 guarda casacos Mobiliário
1 ?
1 cômoda para roupa branca Mobiliário
1 criado Mobiliário
95 (1919)
Na sala de visitas
mobília completa com sofá, duas cadeiras de
braços, dois aparadores, seis cadeiras, um
1 Mobiliário
sofá e duas cadeiras de canto, um porta
chapéus
Na sala de jantar
1 guarda comidas estragado Mobiliário
1 mesa elástica Mobiliário
1 guarda comidas usado Mobiliário
2 cadeiras de balanço Mobiliário
6 cadeiras ordinárias Mobiliário
cama de ferro estragada, um armário com Mobiliário
1
tampa de vidro em mau estado e uma mesinha Mobiliário
4 quadros de parede Mobiliário
Na copa
taças de champanhe e 20 copos ordinarios,
garrafas de cristal para vinho, uma para leite,
11 uma para chá, uma para café. Uma mantegueira Doméstico
de cristal, um saleiro com duas colheres,
duas compoteiras e uma fruteira
louça que se compões de poucas peças... de
Doméstico
cozinha
facas de cristal, 19 garfos ordinários, 16 conchas,
20 garfos, colheres para chá, 11 de café. Uma
17 Doméstico
colher grande para arroz, uma para feijão,
uma para sopas
1 ?
1 espingarda de dois canos em bom estado Trabalho
1 par de esporas Trabalho
1 relógio Mobiliário
297

BENS MÓVEIS
CÓDIGO Classificação
Quantidade Descrição
96 (1925) 1 relógio Omega em mau estado Doméstico

1 cangalha velha Trabalho


1 arreio Trabalho
1 panela de ferro, grande Doméstico
97 (1922)
1 relógio Mobiliário
1 corrente de plaque Pessoal
48 táboas Trabalho

10 cadeiras Mobiliário
1 mesa de jantar Mobiliário
2 camas de ferro para solteiro Mobiliário
diversas peças de louças Doméstico
mercadorias de um pequeno
Trabalho
negócio
2 balanças Trabalho
1 caixa registradora Trabalho
1 balança Trabalho
99 (1915) bebidas nacionais e estrangeiras Trabalho
conservas em latas Trabalho
fumos, cigarros, papel e seus Trabalho
congêneres Trabalho
gêneros do país Trabalho
diversas miudezas Trabalho
1 balcão e móveis velhos Trabalho
1 guarda louças Doméstico
diversas peças de louças de
Doméstico
cozinha e de mesa
298

APÊNDICE 2
OCORRÊNCIAS DE BENS MÓVEIS POR INVENTÁRIOS POST-MORTEM DO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1897-1930)

Documentos separados por décadas


299

Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1898 X
1898 X X
1899 X X
1899 X X X
1899 X X

Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1901 X
1902 X X X X
1903 X X X X
1904 X X
1906 X X X
1907 X
1909 X X X

Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1912 X
1912 X
1914 X X X X X X
1914 X X X
1914 X
1914 X X X
1915 X X X
1915 X
1916 X
1916 X
1916 X X
1917 X X X
1917 X X
1917 X X
1918 X
1918 X X
1919 X X X X X
300

Ano Uso pessoal Documentos Domésticos Trabalho Livros Metais Mobiliário Litúrgicos
1920 X X
1921 X X X
1921 X
1922 X
1922 X X X X
1923 X
1923 Sem descrição
1923 X
1924 X X
1925 X
1925 X
1928 X X
1932 X

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