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FACULDADE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2018
SILVANA LAZZAROTTO SCHMITT
CAMPINAS
2018
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9327-7329
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Pablo Cristian de Souza - CRB 8/8198
TESE DE DOUTORADO
COMISSÃO JULGADORA:
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida
acadêmica do aluno.
2018
À minha mãe, Nilva, por representar, de
forma única, as mulheres da classe trabalhadora,
com coragem e alegria.
Aos estudantes de ontem e hoje, que lutam
por uma sociedade mais humana!
AGRADECIMENTOS
Esta tese versa sobre as especificidades da história da organização dos estudantes universitários
paranaenses, no período da Ditadura Civil Militar brasileira, com ênfase nos anos 1974 a 1985.
As fontes utilizadas para pesquisa foram, especialmente, os documentos arquivados pela polícia
política brasileira, sobretudo, da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) do Paraná.
Foram utilizados, ainda, depoimentos de militantes estudantis do período, levantados pela
sociedade Direitos Humanos para a Paz. A sistematização da pesquisa esteve pautada na busca
pela elucidação da forma como os estudantes paranaenses estiveram organizados e como
contribuíram para o processo de luta contra a Ditadura Civil Militar. As fontes permitem
identificar a luta dos estudantes para manutenção da articulação do Movimento Estudantil, bem
como pela (re) organização das suas entidades de representação. O texto foi organizado a partir
da compreensão dos aspectos gerais do período em análise, com ênfase nas questões
educacionais; em seguida, há o esclarecimento sobre a forma como o Sistema Nacional de
Informações estava estruturado. A partir desses subsídios, para a compreensão das condições
objetivas nas quais o ME estava inserido, a pesquisa direcionou-se para a sistematização da
organização estudantil em nível nacional, liderada pela UNE (União Nacional dos Estudantes).
A proposta partiu do geral para o singular, retomando sempre as articulações entre ambos, uma
vez que a totalidade é resultado das relações estabelecidas entre todos os aspectos da realidade
e, no caso específico do objeto de estudo, da articulação entre o ME Nacional e Estadual, bem
como da articulação destes com o ME Internacional e os demais âmbitos da sociedade. Nessa
direção, a pesquisa voltou-se, então, para as especificidades do ME Universitário Paranaense,
liderado pela UPE (União Paranaense de Estudantes). Na sequência, as fontes analisadas
propiciaram a observação mais detalhada sobre as entidades de base do ME, quais sejam, os
Diretórios e Centros Acadêmicos, bem como os Diretórios Centrais dos Estudantes, os quais
foram fundamentais no processo de reorganização do ME nacional e estadual. Em seguida, a
análise da documentação da DOPS-PR foi direcionada para os militantes estudantis do período,
ou seja, para os sujeitos desse processo, com ênfase no período de 1974 a 1985. Assim, foi
possível compreender que a organização do ME Universitário no Paraná efetiva-se a partir do
final da década de 1960 e início de 1970, quando foram criadas as Universidades Estaduais nos
moldes da Reforma Universitária, implementada pelo Governo Militar. Aqui, como nas demais
etapas da pesquisa, houve a busca pela organização da sistematização dos resultados de forma
clara e objetiva, respeitando a ordem cronológica dos acontecimentos. A pesquisa permitiu
compreender que o ME Paranaense esteve articulado às lutas mais amplas da sociedade, que
criou formas diferenciadas de organização para manutenção da representatividade da massa
estudantil. Algumas bandeiras de luta permearam todo o período ditatorial, dentre elas, a clareza
da necessidade de repensar a forma como a Universidade Brasileira estava organizada, a luta
por educação de qualidade, por alimentação de qualidade, pelo direito de ter voz, enfim, pela
democratização da educação superior no Brasil, gratuita e de qualidade.
This thesis examines the specificities of the history of the organization of university students in
Parana (BR) during the Brazilian Civilian Military Dictatorship, emphasizing the years of 1974
to 1985. The documents registered by the Brazilian political police, mainly DOPS (Department
of Political and Social Order) of Paraná were the sources used for research. The statements of
student activists of the period, collected by the Human Rights for Peace society were also used.
The systematization of the research attempted to understand the way the students of Paraná
were organized and how they contributed to the fight against the Civil Military Dictatorship.
The sources allowed to identify the students fight to maintain the articulation of the Student
Movement (SM), as well as for the (re) organization of their representation entities. The text
was organized from the understanding of the general aspects of the period under analysis, with
emphasis on educational issues; then it analyses how the National Information System was
structured. The research was directed, from these subsidies, towards the systematization of the
student organization at national level, led by the National Union of Students, in order to
understand the objective conditions in which the SM was inserted. The proposal started from
the general to the singular, always resuming the articulations between both, since the totality is
the result of the relations established between all aspects of reality and, in the specific case of
the object of study, the articulation between the National and State SM, as well as their
articulation with the International SM and other areas of society. In this direction, the research
turned to the specificities of the University SM of Paraná, led by the SUP (Students Union of
Paraná). Subsequently, the analyzed sources provided a more detailed observation on the basic
entities of the SM, namely the Directorates and Academic Centers, as well as the Student
Directories, which were fundamental in the process of reorganization of the national and state
SM. Following that, the analysis was directed to the student militants of the period, with
emphasis in Paraná and in the period from 1974 to 1985, during the whole research.
Consequently, it was possible to understand that the organization of the University SM in
Paraná was put into effect from the late 1960s and early 1970s, when the State Universities
were created in the University Reform, implemented by the Military Government. At all stages
of the research, there was an attempt to understand the systematization of the results, in a clear
and objective way, respecting the chronological order of the events. The research allowed to
understand that the SM from Paraná was articulated to the broader fights of society, which
created different forms of organization to maintain the representativeness of the student mass.
Some flags flights permeated the entire dictatorial period, among them, the need to rethink the
way the Brazilian University was organized, the fight for quality education, for quality food,
for the right to have a voice, and finally, for democratization of free and quality in higher
education in Brazil.
AC – Ação Católica
ADESC – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra
AEL – Arquivo Edgard Leuenroth
AESI – Assessoria Especial de Segurança e Informações
AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas
AI – Ato Institucional
AP – Ação Popular
APML – Ação Popular Marxista-Leninista
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
ASI – Assessoria de Segurança e Informação
CBA – Comissão Brasileira de Anistia
CCC – Comando de Caça aos Comunistas
CDAMA – Comitê de Defesa da Amazônia e Meio Ambiente
CENIMAR – Centro de Informações da Marinha
CEU – Casa do Estudante Universitário
CEUC – Casa da Estudante Universitária de Curitiba
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CAHS – Centro Acadêmico Hugo Simas
CISESP – Centro de Informações Secretaria de Segurança Pública
CNE – Congresso Nacional de Estudantes
COESES – Congresso Estadual dos Estudantes Secundaristas
CONEB – Conselho Nacional de Entidades de Base
CONEG – Conselho de Entidades Gerais da UNE
CONEPE - Congresso Nacional das Escolas Particulares de Ensino
CPC – Centro Popular de Cultura
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DA – Diretório Acadêmico
DANC – Diretório Acadêmico Nilo Cairo
DARPP – Diretório Acadêmico Rocha Pombo do Paraná
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DDC – Departamento de Difusão da Cultura
DDI – Departamento de Documentação e Informação
DEAP – Departamento Estadual de Arquivo Público
DEEs – Diretório Estadual de Estudantes
DEOPS – Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo
DFC – Departamento de Formação da Cultura
DHPAZ – Direitos Humanos para a Paz
DNE – Diretório Nacional dos Estudantes
DOI- CODI – Centro de Operações de Defesa Interna/ Destacamento de Operações de
Informações
DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social
DPF – Departamento de Policia Federal
DSI – Divisão de Segurança e Informação
EOEIG - Escola de Oficiais Especialistas de Infantaria de Guarda
ENE – Encontro Nacional de Estudantes
ESG – Escola Superior de Guerra
FACISA – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Foz do Iguaçu
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUEL – Fundação Universidade Estadual de Londrina
FMJD – Federação Mundial da Juventude Democrática
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPMs – Inquéritos Policiais Militares
ISEB – Instituto Social de Estudos Brasileiros
JEC – Juventude Estudantil Católica
JOC – Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LAC – Lar da Acadêmica de Curitiba
MAS – Movimento de Ação Secundarista
MCC – Movimento Contra Carestia
MCP – Movimento de Cultura Popular
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento Estudantil
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MEL – Movimento Estudantil Livre
MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCLAE – Organização Continental Latino Americana de Estudantes
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMPR – Polícia Militar do Paraná
POLOP – Política Operária
PT – Partido dos Trabalhadores
RU – Restaurante Universitário
SAP – Sociedade de Arte Popular
SESP – Secretaria de Estado de Segurança Pública
SI – Serviço de Informação
SNI – Serviço Nacional de Informações
SR – Serviço Reservado
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UDN – União Democrática Nacional
UEA – União do Estudantes de Apucarana
UEEs – Uniões Estaduais de Estudantes
UEM – Universidade Estadual de Maringá
UEL - Universidade Estadual de Londrina
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UIE – União Internacional de Estudantes
UJS – União da Juventude Socialista
ULES – União Londrinense de Estudantes Secundaristas
UMES – União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UPE – União Paranaense dos Estudantes
UPES – União Paranaense dos Estudantes Secundaristas
USAID – United States Agency for International Development /Agência Norte-Americana para
o Desenvolvimento Internacional
VAR – Vanguarda Armada Revolucionária
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 16
CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE DITADURA CIVIL-MILITAR
BRASILEIRA (1964-1985) .................................................................................................... 26
1.1 CONTEXTO ECONÔMICO, POLÍTICO E EDUCACIONAL: CONCEPÇÃO DA ESG E
DEMAIS LEITURAS .............................................................................................................. 26
1.2 DITADURA NA TERRA DAS ARAUCÁRIAS .............................................................. 34
1.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A LEGALIZAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO GOLPE
DE 1964 NO CAMPO EDUCACIONAL ................................................................................ 39
1.4. REFORMA UNIVERSITÁRIA: PROPOSTA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
VERSUS LEGISLAÇÃO “IMPLEMENTADA” PELO GOVERNO ..................................... 52
CAPÍTULO 2 – MODUS OPERANDI DA POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA...........60
2.1 A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL: GÊNESE E ATIVIDADES ................ 60
2.2 POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA: DOPS – TENTÁCULOS DO SNI ........................ 72
CAPÍTULO 3 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES BRASILEIROS: “Quando
um muro separa uma ponte UNE.........................................................................................78
3.1 COMO ELES AGIAM: UNE ............................................................................................. 78
3.2 DOCUMENTOS ARQUIVADOS NA DOPS DO PARANÁ ........................................... 79
3.2.1 Registros na DOPS de Congressos realizados pela UNE: ............................................... 81
3.3 CONEGs E SEMINÁRIOS .............................................................................................. 106
3.4 PRODUÇÕES “TEÓRICAS”, ARTÍSTICAS E PERIÓDICOS DO ME APREENDIDOS
................................................................................................................................................ 122
CAPÍTULO 4 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES PARANAENSES: “À luta
companheiros: Viva a UNE, Viva a UPE”..........................................................................128
4.1 A UPE: ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL APESAR DA DITADURA ........................ 128
4.2 OS CONGRESSOS ESTADUAIS DA UPE ATÉ 1969 .................................................. 136
4.3 PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DA UPE: O CONGRESSO ESTADUAL DE 1980
................................................................................................................................................ 145
4.4 PRODUÇÕES ARTÍSTICAS/CULTURAIS/PERIÓDICOS DO ME PARANAENSE . 155
CAPÍTULO 5. PARA ALÉM DA UNE E UPE: O “OLHAR” DA DOPS SOBRE OS DAS,
DCES E MILITANTES ESTUDANTIS ...........................................................................167
5.1 DOSSIÊS SOBRE OS DCEs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR” DA
DOPS ...................................................................................................................................... 168
5.2 DOSSIÊS SOBRE OS DAs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR DA
DOPS” .................................................................................................................................... 180
5.3 LIDERANÇAS ESTUDANTIS SOB A MIRA DA DOPS/PR: DOSSIÊS E FICHAS
INDIVIDUAIS ....................................................................................................................... 192
CAPÍTULO 6 - COM A VOZ OS MILITANTES ESTUDANTIS DO PARANÁ..........205
6.1 (RE) ARTICULAÇÃO DOS ESTUDANTES PÓS-1964 ............................................... 207
6.2. OPERAÇÃO MARUMBI: IMPACTOS SOB A ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL .... 214
6.3. PARTÍCIPES DO PROCESSO DE (RE) ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL ............... 218
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................247
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................252
ANEXOS................................................................................................................................265
16
1. INTRODUÇÃO
Nas palavras de Marx, “[...] Na análise das formas econômicas, não se pode utilizar
nem microscópio nem reagentes químicos. A capacidade de abstração substitui esses meios”
(MARX, 1968, p. 4 apud NETTO, 2011, p. 44).
Ainda nessa direção de conceituar o objeto de estudo, recorremos aos estudos de
Andréia Galvão, no que tange à concepção marxista de movimentos sociais, ao considerar que
o ME caracteriza-se como um movimento social. A autora nos remete à discussão de que ainda
não há uma produção de referencial teórico específico sobre a concepção de movimentos
sociais, a partir do materialismo, mas que esse método oferece condições para que os “novos1”
movimentos sociais possam ser analisados e compreendidos como resultado do processo
1
De acordo com Andreia Galvão, no período em que a concepção teórica marxista foi elaborada, o movimento
operário era o movimento social por excelência, realidade que foi alterada, especialmente, a partir do século XX.
17
2
No decorrer da tese, utilizaremos de ambas as nomenclaturas dossiê/pasta, uma vez que a documentação da
DOPS-PR é referenciada como número da pasta; todavia, trata-se de um dossiê com informações sobre pessoas,
partidos, entidades, movimentos sociais.
18
3
Milton Ivan Heller faleceu em 22 de março de 2017. Além do referido livro, analisamos também o seu
depoimento para o grupo DHPaz.
19
e o retorno da UNE à cena pública (1969-1979)”. A tese defendida visa destacar a importância
do movimento estudantil na resistência contra a ditadura, especificamente nos anos 1970, com
ênfase no ME do estado de São Paulo.
Da mesma maneira recorremos aos estudos de Maria Paula Araújo, em especial no
livro: “Memórias estudantis: da fundação da UNE aos nossos dias”, no qual é possível encontrar
uma quantidade significativa de elementos para reflexão sobre a organização estudantil
brasileira, em especial no que tange a liderança da UNE no meio estudantil e nas lutas mais
amplas da sociedade até a primeira década dos anos 2000.
Passando às pesquisas sobre a organização estudantil nos estados brasileiros,
citamos o trabalho de José Vieira da Cruz: “Da Autonomia à Resistência Democrática:
Movimento Estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985”, o qual é
dedicado à compreensão da organização estudantil no Estado de Sergipe, para além dos recortes
temporais comuns a outras pesquisas que, de acordo com o autor, privilegiam a década de 1960
até 1968, bem como as regiões centrais do país. Além das reflexões sobre o ME daquele estado,
o autor destaca ainda as especificidades da sociedade no período em apreço.
Outra pesquisa sobre a organização dos estudantes universitários foi realizada por
João Batista Vale Junior, com o título: “Longe demais das capitais? Cultura política, distinção
social e Movimento Estudantil no Piauí (1935-1984)”; o trabalho direciona-se para a
compreensão da trajetória histórica do ME, especialmente da capital do estado, Teresina, desde
a sua gênese até o término do período da ditadura civil-militar brasileira. Considera, para tanto,
a questão da localização geográfica do estado, que fica distante dos grandes centros, dentre as
especificidades para a organização dos estudantes piauienses.
Do estado do Rio de Janeiro, encontramos a pesquisa de Lucília Augusto de Lima,
“O Movimento Estudantil da UFRuralRJ: memórias e exemplaridade”, na qual é possível
identificar as especificidades do ME carioca a partir da UFRural. O recorte temporal abarca o
processo de constituição do ME dessa instituição, anterior ao período da ditadura militar, até a
década de 1990.
Na pesquisa de Renato da Silva Della Vechia: “O Ressurgimento do Movimento
Estudantil Universitário Gaúcho no Processo de Redemocratização: as tendências estudantis e
seu papel (1977/1985)”, é possível compreender o processo de organização dos estudantes
gaúchos, desde o período anterior à ditadura militar, bem como, de forma mais incisiva, no
período de redemocratização. Dentre as especificidades elencadas por este trabalho, há destaque
para a atuação de um grupo forte de estudantes de direita no processo de reorganização
estudantil no Rio Grande do Sul. A presença da organização de estudantes de direita é parte do
21
movimento estudantil brasileiro, mas, no caso do Rio Grande do Sul, essa presença direcionou
os rumos do ME, sobretudo no período de redemocratização.
Outra pesquisa sobre o ME, na década de 1970, diz respeito ao trabalho produzido
por Renato Cancian, quando da elaboração da tese de doutorado com o título “Movimento
Estudantil e repressão política: o ato público na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1977) e o destino de uma Geração de estudantes”. Renato discorre sobre o ME universitário,
na década de 1970, bem como esclarece os acontecimentos sobre o Ato que ocorreu na PUC/SP,
em 1977, por meio da análise de documentos da polícia política, bem como de demais arquivos
e depoimentos dos militantes do período.
No que tange ao objeto de estudo desta pesquisa, o Movimento Estudantil
Paranaense, tivemos acesso à produção de Rafael Hagemeyer, em sua dissertação de mestrado,
“Movimento Estudantil 68: imagens da paixão”. O referido trabalho de Hagemeyer contribuiu
significativamente para ampliação das fontes a serem pesquisadas nos arquivos da DOPS/PR.
Isso porque, ao se utilizar, em sua pesquisa, de forma ainda restrita, de alguns documentos da
DOPS para tratar da organização estudantil no período considerado como os anos de chumbo
da ditadura, seu autor alertou-me para a necessidade de ampliar significativamente as fontes a
serem pesquisadas, constituídas pelos documentos que versam sobre o ME, arquivados pela
DOPS/PR.
Ainda sobre a organização estudantil paranaense, especificamente no período de
estudo desta tese, encontra-se disponível a dissertação de mestrado do ex-militante estudantil
José Antonio Tadeu Felismino: “Jornal Poeira, História e Memórias”. Na sua pesquisa, Tadeu
sistematiza a história da organização estudantil paranaense, no período de 1974-1978, por meio
de entrevistas com os fundadores do jornal Poeira, bem como pela análise das edições do
referido jornal. Além da dissertação de Tadeu, encontram-se disponíveis, na internet, as edições
do jornal Poeira4.
Destacamos, ainda, o livro de Renata Maria Caobianco: “Movimento Estudantil na
UEL 1971-1984”, no qual a autora trata da organização estudantil desde a criação da UEL
(Universidade Estadual de Londrina), no ano de 1971, até o momento de finalização do período
ditatorial, datado pela autora com o ano de 1984. O texto aborda as especificidades da
organização estudantil da UEL.
Sobre a organização estudantil do norte paranaense encontramos a pesquisa
realizada por Reginaldo Benedito Dias, denominada: “Uma Universidade de ponta-cabeça: a
44
Edições disponíveis em: https://issuu.com/jornalpoeira. Acesso em 10 de fevereiro de 2018.
22
ocupação da Reitoria e a luta dos estudantes da UEM pela gratuidade do ensino e pela
democratização da universidade”. Nessa obra, Reginaldo faz um resgate da gênese do ME
Universitário de Maringá que culminou com a sistematização das mobilizações desses
estudantes, em 1984, por causa da luta pela gratuidade do ensino e pela democratização da
universidade.
As pesquisas citadas acima foram utilizadas no sentido de identificar os caminhos
percorridos pelo ME para além do Paraná. Não houve o intuito de estabelecer debate exaustivo
com os autores, uma vez que nesta pesquisa a intenção foi estabelecer reflexão sobre as
especificidades do ME paranaense, em período histórico específico, o qual não foi escolhido ao
acaso, mas considera um período de democratização do país, iniciado com a abertura “lenta,
gradual e segura”, formulada pelo General Golbery do Couto e Silva e implementada a partir
do Governo do General Ernesto Geisel. É um período de reorganização da polícia política, bem
como dos movimentos sociais, esfacelados pelo Ato Institucional nº 5, de 1968.
No caso da organização estudantil universitária paranaense, o início da década de
1970 é um marco importante, uma vez que é apenas em 1971 que são criadas as universidades
no interior do estado. Por isso, justificamos o trecho de nosso título, em que colocamos entre
parênteses a (re) organização, uma vez que, no caso do interior do estado, trata-se, em algumas
cidades, da construção do ME universitário.
Seguindo o processo de reorganização, o ano de 1979 é um marco para o
Movimento Estudantil Brasileiro, com a realização do XXXI Congresso da União Nacional dos
Estudantes. A realização do Congresso, em Salvador, contribuiu para a reorganização do ME,
em nível nacional, incluindo, portanto, também o caso paranaense. Após um período de ações
na clandestinidade (1968-1971), a UNE é destruída e o processo de sua
reconstrução/reorganização culmina com a realização do Congresso de Salvador, em 1979.
Sobre o registro das atividades do Congresso de Reconstrução, contamos com a Edição Especial
da Revista História Imediata, com o título: “A volta da UNE”. Na sequência, as entidades de
representação estadual são reorganizadas, como ocorre com a UPE, em 1980.
O término do período em apreço, 1985, é caracterizado pelo ano em que a Lei nº
7.395 é aprovada, portanto, a UNE retoma legalmente o lugar de entidade de representação
máxima dos estudantes universitários.
Nesse contexto, pretendemos discutir algumas questões inerentes à História da
Educação Brasileira no período, sem perder de vista as transformações sociais, políticas,
econômicas e culturais sofridas no Brasil.
23
“alinhado” aos interesses dos Estados Unidos da América, precisaria colocar-se ao lado do
Ocidente.
Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm (1995): “A segunda Guerra Mundial
mal termina quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como
uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar”. O historiador destaca que
gerações inteiras vivem na constante tensão da possibilidade das batalhas nucleares globais.
Dessa forma, o mundo estava permeado pela incerteza dos rumos da humanidade diante da luta
travada entre as duas potências.
No que tange à organização da sociedade brasileira, o período esteve marcado pela
dependência em relação aos países desenvolvidos, implicando em “um complexo
relacionamento entre o desenvolvimento capitalista local e a expansão de todo um sistema
capitalista mundial” (ALVES, 1984, p. 20).
A mesma autora, Maria Helena Moreira Alves, destaca:
No caso do Brasil, o século XX foi marcado, nas palavras de Otavio Ianni (1981),
por “várias estratégias de desenvolvimento”, as quais foram formuladas e colocadas em prática,
tendo como critério principal a questão econômica, o que poderia trazer implicações para
organização da sociedade como um todo, ou seja, nas questões sociais, políticas e culturais.
Houve possibilidade, isto é, condições, que levaram a classe trabalhadora a lutar,
de forma contundente, por melhores condições de vida. Tal movimento ganhou expressão no
governo de João Goulart, o qual esteve marcado por contradições políticas, pelo jogo de
interesses de civis e militares, internos e externos.
De forma breve, a chegada de João Goulart ao poder precisou romper com a
tentativa de golpe, denominado por alguns estudiosos de Golpe Branco. Com a Renúncia de
Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, a articulação e ação de forças conservadoras vetou a
posse de Jango imediatamente e reconheceu como chefe do executivo Ranieri Mazzilli, então
Presidente da Câmara dos Deputados. Todavia, o movimento popular opôs-se ao veto,
sobretudo liderado pela resistência de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul,
pela Rede da Democracia; tal ação contribuiu à reorganização do golpe, que estava em processo
29
de efetivação. A saída para amenizar a situação foi um “acordo de cavalheiros”, em que, a partir
de uma Emenda Constitucional, foi instituído o parlamentarismo como regime de governo. A
partir de 07 de setembro, o país teve a figura de Jango como Presidente, com poderes limitados.
Nesse contexto mundial e nacional, Jango operava ações de caráter contraditório:
de um lado, nacionalista, mesmo sem compartilhar de qualquer projeto socialista; de outro,
demonstrava estar alinhado aos interesses do capital internacional, sendo que, para resolver os
problemas financeiros do país, no período, foi elaborado o Plano Trienal, que:
5
Faremos uma análise detalhada sobre o Sistema de Segurança Nacional no capítulo 3.
32
[...] o Brasil, com a revolução de 1964, ingressou, quase sem perceber, numa
fase de centralização acelerada que iria permear todos os campos e setores da
atividade do Estado, do político ao econômico e deste ao primeiro em reforço
recíproco, extravasando-se, aos poucos, a todos os recantos da sociedade
nacional em manifestações psicossociais telecondicionadas, senão até mesmo
comandadas, desde o Governo central (SILVA, 1981, p. 22, Grifos nossos).
Assim, as atividades organizadas pelo MCP6 foram uma a uma sendo analisadas e
reiteradas como de caráter eminentemente comunista e esquerdista:
6
Consta como anexo ao volume III do IPM o estatuto do MCP, ou seja, consta o documento elaborado pelo MCP
com a finalidade de direcionar as atividades deste movimento, trata da sistematização, caracterização e composição
do MCP, bem como das atividades a serem desenvolvidas. O estatuto é analisado no decorrer do IPM, com a
finalidade de explicitar as características subversivas deste movimento.
34
De acordo com alguns dos registros no livro de Milton Ivan Heller, no Paraná,
Apucarana foi a cidade que mais disseminou repressão paranaense, uma vez que lá estava o 30º
7
O site Documentos Revelados tem como editor o jornalista Aluízio Palmar, que tem feito de forma incansável a
busca por socializar documentos sobre as atrocidades da Ditadura Civil Militar Brasileira. Aluízio também é autor
do livro: “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, no qual procura estabelecer reflexões sobre os
desaparecidos políticos, que possivelmente foram enterrados no estado do Paraná. Atualmente ele reside na cidade
de Foz do Iguaçu-PR. O livro está disponível no endereço: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-
content/uploads/2018/09/onde-foi-que-voces-enterraram-nossos-mortos_miolofinal.pdf. Acesso em 22 de
dezembro de 2018.
36
Batalhão de Infantaria Motorizada. É possível identificar que alguns locais, no Paraná, podem
ser caracterizados como os maiores centros de tortura do Estado, dentre eles:
[...] A sede da DOPS foi, talvez, o primeiro espaço de tortura no Estado,
chamando atenção também o Quartel do Exército em Foz do Iguaçu e o
Quartel do Exército em Apucarana, encarregando-se ambos de promover a
repressão nas regiões onde estavam inseridos. Em Curitiba vai se projetar
como um grande centro de repressão e tortura o Quartel da Polícia do Exército
na Praça Rui Barbosa, na região central, até 1975, quando cede lugar neste
ano para um local clandestino de tortura onde os presos políticos eram levados
com os olhos vendados. Mais de 130 pessoas passaram por esse local nas
Operações Marumbi e Barriga Verde (OLIVEIRA, 2014, p.144).
Essas considerações remetem à clareza de que há muito ainda para ser esclarecido
sobre esses mais de vinte anos de ditadura civil-militar, mormente no interior do país e, no caso
do Paraná, no interior do Estado. Essa clareza será possível com a continuidade das pesquisas
e com o direcionamento para tais especificidades.
8
No capítulo 05, novamente, recorremos ao depoimento de Narciso Pires, o qual foi realizado recentemente pela
Comissão da Verdade do Estado do Paraná.
37
Mais uma vez, para manter a tranquilidade no país, pessoas foram vigiadas, presas
e torturadas. Novamente, famílias foram vítimas de constrangimento, medo, pressão, entre
outros sentimentos provenientes da ação dos agentes da polícia política brasileira.
Em seu livro, Heller destaca que as torturas sofridas pelos presos da Operação
Marumbi aconteceram em diversos locais, não apenas nas dependências da DOPS-PR, sendo
que “As torturas também foram feitas em pau-de-arara, e adotaram, fora da cidade, em locais
desertos, o processo de afogamento” (HELLER, 1988, p. 372). Alguns presos políticos
passaram pela cidade de Apucarana e:
9
Na pesquisa de Leandro Brunelo: “Repressão política na Terra da Araucárias: a operação Marumbi em 1975 no
Paraná”, é possível encontrar detalhes dessa ação da polícia política brasileira, uma vez que tal operação contou
com o trabalho, além da DOPS-PR, do DOI-CODI.
38
Fui torturado nos dias 16 e 17 de outubro de 1975 pelo capitão Romariz. Perdi
as unhas do pé, levei muita pancada no rosto e no corpo todo. Chutes no
estomago. O pior é que a tortura não visava esclarecer nada, porque os
companheiros presos anteriormente, que foram bem mais torturados que eu,
não haviam resistido e já tinham confessado tudo. O único objetivo do capitão
Romariz era demonstrar a um grupo de agentes do DOPS e da Polícia Federal
como ele conseguia obter informações dos presos políticos. Como eu não dizia
nada, ele perdeu a calma e depois de me espancar bastante disse o que os
outros haviam confessado. Pegou os depoimentos e gritou: “Então você não
esteve com fulano, no dia tal? Você não imprimiu o Voz Operária num
‘aparelho’ do PCB? Eu continuei negando tudo, e ele ficou cada vez mais
irritado (HELLER, 1988, p. 551).
10
Para mais detalhes sobre a Operação Pequeno Príncipe, ver estudos realizados por José Santos de Abreu, como
resultado de pesquisa de Mestrado, intitulada: Operação Pequeno Príncipe: A ação da polícia política no combate
à doutrinação comunista nas pré-escolas Oficina e Oca (Curitiba, 1978).
11
De acordo com os estudos de Carlos Fico, o DOI-CODI foi implantado no Paraná, no ano de 1971, mas iniciou
suas atividades a partir de 1975, quando foi desencadeada a Operação Marumbi.
39
12
Valêncio Xavier produziu um documentário sobre a prisão dessas pessoas, denominado “Os 11 de Curitiba,
todos nós”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eWzna9d8d24. Acesso em 17 de janeiro de 2018.
40
13
Verbete disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/relatorio-meira-matos.
Acesso em 09 de outubro de 2018.
43
ditadura. Eis por que não foi necessário revogar os primeiros títulos da LDB
(Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961), exatamente os títulos que
enunciavam as diretrizes a serem seguidas. Foram alteradas as bases
organizacionais, tendo em vista ajustar a educação aos reclamos postos pelo
modelo econômico do capitalismo de mercado associado e dependente,
articulado com a doutrina da interdependência (SAVIANI, 2013, p. 364).
Dessa forma, devido à “opção” brasileira pelas relações capitalistas, com base no
modelo associado-dependente, a educação tinha papel importante no desenvolvimento dessas
relações. Logo:
O pano de fundo dessa tendência está constituído pela teoria do capital
humano, que, a partir da formulação inicial de Theodore Schultz, se difundiu
entre os técnicos da economia, das finanças, do planejamento e da educação.
E adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação na forma dos
princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do
“máximo resultado com o mínimo de dispêndio” e “não duplicação de meios
para fins idênticos” (SAVIANI, 2013, p. 365).
As medidas do governo para efetivar tais ações foram registradas pela legislação
educacional implementada. Faremos a discussão da Lei 5.540, que institui a Reforma
Universitária e da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que estabelece a Reforma do Ensino de
1º e 2º graus.
Ainda de acordo com Saviani: “com o advento do regime militar, o lema positivista
‘Ordem e Progresso’ inscrito na bandeira do Brasil metamorfoseou-se em ‘segurança e
desenvolvimento’”. (2013, p. 367)
No que tange à concepção pedagógica que permeou a organização da educação
escolar no período, retomamos a análise realizada por Saviani, quando conceitua a pedagogia
tecnicista:
Com base no pressuposto da neutralidade cientifica e inspirada nos princípios
de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a
reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e
operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-
se a objetivação do trabalho pedagógico (SAVIANI, 2013, p. 381)
Na verdade, a crise, em si, não era a condição básica para esses programas de
cooperação, mas sim, segundo o que podemos perceber, a necessidade de se
anteciparem projetos de reformas que “preparassem” o sistema educacional
para contribuir ou atuar mais eficazmente, na fase de retomada da expansão,
já então prevista pelo setor externo, dadas as condições de viabilidade criadas
pelo setor interno. A crise servia de justificativa de intervenção, mas não
passava de um pretexto para assegurar ao setor externo oportunidade para
propor uma organização do ensino capaz de antecipar-se, refletindo-a, à fase
posterior do desenvolvimento econômico (ROMANELLI, 2007, p. 209)
Saviani destaca ainda que, com a Lei 5.692: “buscou-se estender a tendência
produtivista a todas as escolas do país, por meio da pedagogia tecnicista, convertida em
pedagogia oficial” (SAVIANI, 2013, p. 365).
As reflexões abordadas neste texto remetem à compreensão de que, nesse período,
o objetivo principal da chamada “Revolução” foi de abrir as portas do Brasil para o mercado
internacional. A educação, como parte da organização da sociedade, efetivou-se como
instrumento utilizado pelos organismos internacionais, além dos interesses de uma parcela da
sociedade brasileira, portanto, internos, para manutenção do status quo.
Houve a vitória de um projeto de educação, mas não foi aquele que estava sendo
debatido com o povo. Foi aquele possível para a manutenção dos interesses de uma determinada
classe, que colocou como interesses da nação os seus particulares.
O slogan “educação para o desenvolvimento” pressupõe reflexões, tendo como
ponto de partida as condições objetivas de organização da sociedade, ou seja, a que intenções
estará atendendo, sempre com a clareza de que as mudanças no campo econômico ocorrem por
meio de “acordos” entre interesses externos e internos.
Especificamente sobre a organização estudantil, o governo instituído, a partir do
golpe de 1964, redigiu, aprovou e procurou efetivar, além da Lei Suplicy, os Decretos-Lei 228
e 477, como mencionado acima.
O Decreto-Lei nº 228 de 28 de fevereiro de 1967 reformulava a organização
estudantil. Tal Decreto estabelecia como entidades de representação estudantil os Diretórios
Acadêmicos e o Diretório Central dos Estudantes, sendo que determinava as normas para
organização dos estudantes universitários a partir desses dois órgãos, ou seja, a autonomia para
organização estudantil ficava cerceada. O Art. 20 extinguiu os órgãos de representação
estudantil de nível estadual. Outra providência dessa legislação envolvia obrigatoriedade do
voto para as eleições dos diretórios acadêmicos, bem como a eleição indireta para o DCE, a
partir de delegados escolhidos.
O Art. 15 evidenciou a influência das autoridades na organização dos estudantes
universitários, uma vez que o texto destacava: “Serão suspensos ou dissolvidos pelas
Congregações ou pelos Conselhos Universitários, conforme se trate de Diretório Acadêmico ou
de Diretório Central de Estudantes, os órgãos de representação estudantil que não se
organizarem ou não funcionarem em obediência ao prescrito neste decreto-lei e nos respectivos
48
14
BUONICORE, Augusto. A UNE: uma página perdida da história. Disponível em:
http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=1876&id_coluna=10. Acesso de 13 de janeiro de 2018.
15
Dadas as contradições sobre o processo de transição política/democrática, no período pós Ditadura Civil Militar
brasileira, recorremos aos estudos copilados no livro: “Ditadura: o que resta da transição” organizado por Milton
Pinheiro, no qual é possível compreender as características deste processo de transição do Brasil, que ainda não
foi finalizado, ou seja, não se efetivou plenamente. Também temos a sistematização dos resultados dos trabalhos
da Comissão da Verdade, Nacional e estaduais, que demonstram a necessidade de esclarecer os acontecimentos e
“reparar” os danos causados neste período da história brasileira.
50
16
Estas notícias estão arquivadas nas pastas 15 e 16, denominadas Movimento Estudantil – Instituições – UNE –
Reconstrução e legalização.
51
Ocorreu, ainda, a luta pela realização das eleições diretas para Presidente da
República, movimento que ficou conhecido como “Diretas Já”, do qual o ME nacional e
estadual foi partícipe.
Esse movimento, denominado “Diretas Já”, era resultado da mobilização de uma
parcela significativa da sociedade, dentre eles, os estudantes, assim como: operários, artistas,
intelectuais, trabalhadores, que reivindicavam a realização de eleições diretas para Presidente
da República. Esse movimento aconteceu entre 1983 e 1984, em todo país. Apesar de haver um
número considerável de participantes nas manifestações em prol das diretas, a Ementa
Constitucional, apresentada pelo então Deputado Federal Dante de Oliveira, propondo eleições
diretas, não foi aprovada no Congresso Nacional. Portanto, em janeiro de 1985, o Colégio
Eleitoral reuniu-se e elegeu o novo Presidente: Tancredo de Almeida Neves, pelo MDB; como
vice, José Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney.
O Comício realizado em Curitiba, em 12 de janeiro de 1984, que contou com a
presença de mais de 50 mil pessoas, bem como o comício de São Paulo, em 25 de janeiro, com
300 mil pessoas, evidenciaram-se como a expressão da organização dessa parcela da sociedade.
(NERY, 2014, p. 247)
Todavia, o mesmo autor assevera que, apesar desse movimento representar um
processo de articulação da sociedade, ela está permeada também por forças burguesas. “Os
comícios, principalmente os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, configuraram uma
aliança entre a oposição burguesa e o movimento operário e popular, sob a nítida direção da
primeira, definindo o tom da campanha” (NERY, 2014, p. 247).
Apesar dessa aliança, recorremos também à defesa do mesmo autor de que é
inegável a contribuição da classe operária nesse processo de transição para o regime
democrático burguês. Todavia, foi direcionado pela oposição burguesa, em síntese:
Nos mais de 2 mil atos públicos realizados entre junho de 1983 e abril de 1984,
estiveram presentes, aproximadamente, 5 milhões de pessoas, número muito
expressivo e que permite vislumbrarmos a possibilidade de que a campanha
fosse além da mera proposta de aprovação da emenda constitucional que
restituía as eleições diretas para presidente da República (NERY, 2014, p.
268)
das universidades. Essa proposta tinha como pano de fundo a possibilidade de manter diálogo
com os professores novos, em defesa da proposta de Reforma Universitária da UNE.
Os estudantes paranaenses, liderados pela UPE e UPES, mantiveram-se resistentes
a seguir o estabelecido pela Lei Suplicy de Lacerda, bem como organizaram-se no sentido de
continuar com os encaminhamentos liderados pela UNE, no que tange à proposta de Reforma
Universitária. Sobre essa questão, recorremos aos estudos de Rafael Rosa Hagemeyer:
Costa e Silva decreta o fechamento da UPE, com base na Lei Suplicy, por
ordem de Gama e Silva, ex-reitor da USP e então ministro da Justiça. No dia
seguinte, Luís Antônio Amaral, presidente da UPE, é preso. Uma série de
apreensões é realizada, a começar por uma estação clandestina de
radioamador, além do recolhimento de jornais e manifestos, considerados
“material subversivo” por exprimirem opiniões contrarias à Guerra do Vietnã
(HAGEMEYER, 1998, p. 106)
Memória17 da UNE, como resultado do III Encontro de Entidades do Paraná. Nesse caderno,
consta uma retrospectiva da história da atuação dos estudantes universitários, liderados pela
UNE, desde meadas de 1960, com a organização do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC);
a UNE Volante; A Greve por 1/3, bem como a participação dos estudantes em acontecimentos
do início da primeira metade do século XX, como exemplo, a Luta pelo Petróleo na Campanha
“O petróleo é nosso”. O caderno ainda conta com a redação de atividades realizadas no período
de 1964 a 1979.
No que tange à proposta de Reforma Universitária imposta pelo governo militar, o
texto redigido no caderno considera que:
Primeiramente implantada na Bahia, uma das consequências da Reforma
Universitária foi, em 1972, fazer com que o movimento estudantil
reaparecesse em cena. O provão, como ficou conhecida a seleção para
eliminar os excedentes internos (os alunos ingressavam por áreas e não por
curso, opções que nem sempre coincidiam com o número de vagas
disponíveis), conseguiu mobilizar os estudantes em torno dos seus DAs e,
mais ainda, conseguiu que se restaurasse o DCE, o qual seria reconhecido pela
reitoria (Pasta nº 2315.261)
17
O Caderno de Memória está arquivado na pasta nº 2315.261.
58
Todavia, os estudantes ressaltaram que o objetivo do relatório era de acalmar os ânimos, para
implantar o sistema educacional proposto pelos acordos MEC-USAID.
Finalmente, o último item desse texto envolveu a proposta, elaborada pelos
estudantes, no encontro realizado em Curitiba, para a reorganização da Universidade Brasileira.
A defesa efetivou-se no sentido de buscar a participação dos estudantes nos órgãos de direção
da Universidade. Essa participação só seria possível quando o ME contasse com um grande
envolvimento por parte dos estudantes na solução dos problemas educacionais.
[...] Por outro lado, estas condições implicam num enfraquecimento
momentâneo do Governo que se verá impossibilitado de aplicar mesmo pela
força suas perspectivas. As comissões deliberativas paritárias, se em estreita
ligação com os estudantes, e, portanto, portadoras do seu ponto de vista,
poderão criar uma situação de fato que o Governo, para superar, terá que se
valer da violência e não somente contra os órgãos de representação estudantil
ou alguns professores, mas contra toda a escola – estudantes, professores e
funcionários (Pasta nº 2317.261, p. 49)
Toquinho
A intenção deste capítulo é pôr em relevo a forma como a polícia política brasileira
esteve organizada no sentido de garantir a Segurança Nacional, o que justifica a nomenclatura
dada quando a proposta é a compreensão da forma como o Sistema de Informações operava no
período da ditadura civil-militar, 1964-1985.
Outra característica da ESG está no fato de ter incorporado civis como alunos, além
da qualidade de professores visitantes ou permanentes. Foi criada com a finalidade de oferecer
curso de Alto Comando para os oficias do Exército, Marinha e da Aeronáutica.
O General Golbery do Couto e Silva foi o principal membro da ESG, o qual redigiu
os textos que foram suporte da doutrina de Segurança Nacional, sendo que os principais textos
62
que propiciam forma à Doutrina foram reunidos no livro “Geopolítica do Brasil”, publicado em
1966, com a acréscimo de texto, no título da 3ª edição de 1981: “Conjuntura política nacional
– o poder executivo & Geopolítica do Brasil”.
De forma breve, mencionamos o conteúdo do referido livro do General Golbery, o
qual está organizado em três partes. No primeiro momento, o autor trata dos Aspectos
Geopolíticos do Brasil, em 1952, 1959 e 1960. A segunda parte é dedicada à “Geopolítica e
Geoestratégia”; finaliza com reflexões sobre o “Brasil e a defesa do Ocidente”.
Na direção de compreender o modus operandi da ESG, recorremos a um documento
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), do ano de 1970,
resultado de um ciclo de conferências sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento, no qual
estão agrupados textos redigidos por oficiais da polícia política brasileira e “professores
visitantes”, a partir das palestras ministradas nos cursos da ADESG.
A apostila é composta pelos seguintes textos: “O homem de nossa época”; “Política
Nacional”; “Estratégia Nacional”; “A política social”; “Segurança interna”; “Metodologia para
estabelecimento da Política Nacional”; “As informações e a segurança nacional”; “Política,
poder e Segurança Nacional”; “A ciência, a tecnologia e o desenvolvimento”; “Aspectos da
Guerra Contemporânea: Guerra Revolucionária”. Faremos, de forma breve, uma apresentação
do conteúdo de alguns dos textos, aqueles que consideramos que podem contribuir à nossa
pesquisa, fazendo uma breve análise do seu teor.
Na capa desse documento, já encontramos a escrita: “Reservado aos estagiários da
ADESG”, ou seja, não era para qualquer indivíduo. O livro constitui-se como uma sequência
de palestras que abordam sobre temas diversos, mas que se articulam entre si e trazem como
fundamento central a necessidade de retomar princípios religiosos, da moral e dos bons
costumes. Segue abaixo um trecho da palestra de abertura, intitulada “O homem de nossa
época”:
Como tese fundamental de nossa conferência, apresentamos a nossa época
caracterizada pelo gradual declínio do homem religioso para o homem político
e deste para o homem econômico e industrial, que fundamenta a nossa
sociedade do consumo. (CUNHA, 1970, p. 24).
A título de compreensão da leitura e análise que era feita pelos militares, no que diz
respeito aos problemas sociais, ou seja, aquilo que o homem da década de 1970 precisava
melhorar, elencamos, de forma resumida, as considerações finais dessa primeira palestra. De
acordo com os autores: era evidente os sinais da crise da sociedade; o avanço da ciência e
tecnologia propiciaram avanços no campo material e problemas no desenvolvimento pessoal,
com frustrações, desordens e agressões; havia uma crise religiosa que levava ao
63
relatórios, há um item que diz respeito à difusão, ou seja, à divulgação para os órgãos de
segurança e informação de todo o país.
A estrutura dos documentos redigidos pelos agentes da DOPS-PR seguia,
normalmente, um padrão, com pequenas alterações, sendo um modelo18 o seguinte roteiro: 1.
Assunto; 2. Origem; 3. Classificação/Avaliação; 4. Difusão; 5. Referência; 6. Anexos.
Recorremos, também, aos estudos realizados por Maria Helena Moreira Alves, em
seu livro “Estado e oposição no Brasil (1964-1984)”, no qual estabelece uma análise
significativa das ações do Estado, bem como das ações dos demais setores da sociedade, dentre
eles, movimentos sociais.
Ao discorrer sobre o processo de articulação do golpe de 1964, a autora destaca que
a tarefa mais importante, a partir da articulação das atividades da ESG com a sociedade civil,
por meio das instituições: Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), foi:
[...] a criação e implantação de uma rede de informações, considerada
necessária a um Estado eficaz centralizado. O coordenador do
empreendimento foi o General Golbery do Couto e Silva. Alguns oficiais da
ESG integravam também a equipe do IPES, trabalhando intensamente com o
General Golbery no delineamento da rede de informações e no
desenvolvimento de uma sofisticada Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento. (ALVES, 1984, p. 25)
18
O anexo 1, p. 266, é um informe sobre a realização do XII ECEM – Encontro Científico dos Estudantes de
Medicina, no qual é possível identificar a estrutura mencionada.
19
Disponível no endereço: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-53897-27-abril-1964-
394234-publicacaooriginal-1-pe.html. Consulta realizada em 06 de novembro de 2018.
66
No decorrer de nossa pesquisa tivemos acesso aos quatro volumes do IPM 70920, o
qual versava sobre o Comunismo no Brasil. Esse IPM foi conduzido pelo Coronel Ferdinando
de Carvalho. O volume I é uma introdução ao Comunismo no Brasil. Para provar a tese de que
esse projeto de sociedade é prejudicial, trechos da obra de Marx, Engels, Lênin, trechos da
produção das teses do PCB, entre outras, são citadas e interpretadas a partir do olhar da ESG,
da Doutrina de Segurança Nacional, sendo o comunismo uma ameaça para a democracia
brasileira, quiçá mundial.
O volume II, trata das Atividades Comunistas no Brasil; no primeiro capítulo, temos
o item 6, dedicado à análise do Trabalho de Educação, como parte da Construção do
Comunismo no Brasil. No capítulo II, item 2, temos a Ação Comunista no meio estudantil.
Sobre o trabalho de educação, o IPM destaca:
Uma das bases da construção do Partido Comunista é o denominado trabalho
de educação que consiste na doutrinação e capacitação político-ideológica dos
militantes e dos quadros dirigentes, em todos os escalões, com o objetivo de
assegurar a formação e o aperfeiçoamento de ativistas do marxismo-leninismo
e de líderes capazes de empreender as ações partidárias nos diversos setores
da organização. (IPM 709, Vol. II, 1966, p. 48)
20
Disponível: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=BibliotBNM&PagFis=8080&Pesq. Acesso
em 12 se setembro de 2016.
67
No decorrer do item, são relatados trechos indicando que o partido comunista tem
como meta operar no meio estudantil, especialmente, no universitário, para propiciar formação
a partir dos dogmas do comunismo, garantindo, então, o avanço desse projeto de sociedade. É
possível, com base nessa produção criteriosa do IPM, compreender o “olhar” cuidadoso da
polícia política para com os estudantes, não só os universitários.
O texto segue trazendo mais elementos, provas, de que as atividades do Partido
Comunista estavam voltadas para o aliciamento no meio estudantil. Em algumas passagens, o
texto chama de atividade perniciosa a ação comunista sobre os estudantes. Estavam nessa
direção as entidades internacionais de estudantes: a União Internacional de Estudantes (UIE)21
e a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD).
Além da ênfase de que essas entidades eram “usadas” pelo comunismo
internacional, o IPM cita a ajuda financeira fornecida pela UIE aos estudantes brasileiros, a
partir de uma carta escrita pelo vice-presidente da entidade, o brasileiro Nelson Vanuzzi, em 21
de janeiro de 1963, para Zuleika D’Alberti. Essa carta foi apreendida na residência de Zuleika
(dirigente do PCB). Segue o texto citado no IPM:
21
Nos arquivos da DOPS/PR, há um dossiê da União Internacional de Estudantes, pasta n.º 2304.258, no qual
estão arquivados alguns documentos com a informação de que panfletos, produzidos pela UIE, estariam sendo
distribuídos no meio estudantil, todavia, o panfleto não está na referida pasta.
22
A Universidade Amizade dos Povos foi fundada pelo Governo Soviético, em 1960, e, em 1961, foi chamada de
Patrício Lumumba, em homenagem a uma figura política e pública, que foi assassinada por uma conspiração de
uma organização das forças de reação. O principal objetivo foi promover aos jovens da Ásia, África e América
Latina a oportunidade de ter boa qualificação educacional na Universidade com a prioridade da amizade dos povos.
Disponível em: http://www.aliancarussa.com.br/site/com_conteudos.aspx?id=199 . Acesso de 13 de janeiro de
2018.
68
e a ciência são armas de propaganda e doutrinação comunistas” (IPM 709, Vol. II, 1966, p.
216).
O IPM também chama a atenção para as atividades dos estudantes no movimento
de Cultura Popular e Alfabetização e, de forma específica, a atuação estudantil por meio do
Centro Popular de Cultura. Com base em um documento citado no IPM, sem identificação, o
texto destaca que é um documento de 1964, que deixa clara a infiltração comunista no meio
estudantil:
Uma das iniciativas do proselitismo comunista da UNE foi a organização dos
Centros Populares de Cultura (CPC), organizações destinadas a congregar
jovens para submetê-los a uma intensiva propaganda através de filmes, peças
teatrais, cartazes e outros meios de convencimento, numa autentica operação
de lavagem-cerebral. O CPC da UNE no Rio de Janeiro, por exemplo, reunia
todas as noites jovens de todas as procedências e lhes exibiam filmes sobre a
miséria como: Cinco Vezes Favela, Zé da Cachorra, Um Favelado, peças
teatrais sobre motivos semelhantes, como “Eles não usam black-tie”, e uma
sequência de quadros cinematográficos, músicas, projeções de dispositivos,
de partes faladas e um quadro mural de várias cores, com a denominação geral
de “A miséria ao alcance de todos”, através da qual era mostrada a exploração
imperialista nos Estados Unidos, na Argélia, no Oriente-Médio e no Brasil.
(IPM 709, Vol. II, 1966, p. 225)
Mostraremos que este órgão era uma simples célula de um vasto plano
nacional de subversão da ordem constituída. Obedecendo cegamente a ordens
emanadas de órgãos internacionais, tornou-se uma instituição
despersonalizada e consequentemente um poderoso instrumento de subversão.
(Dossiê n.º 2325.263, p. 104)
Dessa forma, toda a organização estudantil, liderada pela UNE desde os Seminários
de Reforma Universitária, foi retomada, sempre enfatizando o lado subversivo de tais
atividades, enquadradas na ideologia de Segurança Nacional. Para demonstrar a inserção da
UNE no meio ideológico dominado pelo comunismo, o texto da CENIMAR destaca trechos do
pensamento de Marx e Lenin, denominados os “papas” do comunismo.
Além dos Seminários de Reforma Universitária, o documento retoma a participação
dos estudantes na Frente de Mobilização Popular e na realização, em 1963, do Seminário do
Mundo Subdesenvolvido, o qual contou com a participação de representantes de trinta países
subdesenvolvidos, sendo a conclusão desse evento: 1 – o dever da participação dos estudantes
nas lutas populares pela liberdade nacional, transformação econômico-social e conquista
imediata dos seus povos; 2 – a participação deveria acontecer ao lado de operários e
camponeses. (Pasta n.º 2325.263, p. 109)
Aos olhos da polícia política, a agitação estudantil estava mais intensa no período
anterior ao golpe de 1964, uma vez que:
Nos meses que antecederam a revolução, o meio estudantil liderado pelos
agentes a soldo de Moscou, estava mais do que nunca agitado. Sacudido pela
Tríplice Aliança UNE – CGT – FPN (vide Frente de Mobilização Popular), o
nosso país caminhava a passos largos para o caos. (Pasta n.º 2325.263, p. 109)
Outra questão que foi usada pela polícia política para incriminar a UNE diz respeito
à atuação dos estudantes vinculados à AP, que, de acordo com o relatório, desvirtuou os ideais
da Igreja Católica para atender aos interesses subversivos. Outras atividades consideradas
subversivas são as coleções elaboradas pela editora da UNE: A coleção do povo; a coleção
70
Os trechos finais do texto da CENIMAR são dedicados a tecer severas críticas aos
estudantes vinculados à UNE, uma vez que:
Então, a ênfase a uma orientação externa está presente; outra característica dos SNI,
portanto, órgãos de informação, é que estavam atentos para essa ameaça internacional.
Os estudantes paranaenses não ficaram alheios aos IPMs, como podemos verificar
nos estudos de Milton Ivan Heller, quando ele realiza entrevistas com os militantes estudantis
durante a ditadura civil-militar. Na declaração dos dois líderes do ME paranaense, Luiz Felipe
71
Ribeiro, estudante de direito da UFPR, e Stênio Sales Jacob, presidente da UPE, gestão 1967-
68, destaca-se que:
Um grande grupo de estudantes foi punido pelo Conselho Universitário, a
partir de um inquérito policial-militar inconcluso. O conselho sequer esperou
a conclusão do inquérito para apurar a culpabilidade e nos puniu. A mim e a
Ronald Silva com uma suspensão por três anos, sem qualquer direito a defesa
e sem nenhuma prova conclusiva, além de uma indiciação no IPM. Foram
punidos nessa época o futuro prefeito Roberto Requião, o futuro
desembargador Otto Luiz Sponholz, estudantes ligados a democracia cristã,
como Júlio César Giovanetti e Paulo Ricardo Santos. Curiosamente, estas
sanções tiveram um caráter muito fechado, principalmente em cima das
maiores punições. Fui excluído do quinto ano de Direito e a conclusão do
inquérito resultou na decretação de uma prisão preventiva” (HELLER, 1988,
p. 285).
Outra “vítima” de IPMs foi Stênio Sales, que respondeu quatro inquéritos - três no
Paraná e um em São Paulo:
Processos inteiramente descabidos, já que a causa desses processos foi a nossa
atuação no movimento popular e a impressão de um jornal, no qual
protestamos contra a política salarial do governo, a política educacional e
contra a Guerra do Vietnã. Protestamos contra o bárbaro assassinato do
estudante Edson Luiz no Rio de Janeiro e tentávamos a realização de passeatas
em Curitiba. O IPM que respondemos em São Paulo foi consequência do
congresso da UNE em Ibiúna. Um encontro não clandestino, ao contrário do
que dizia a repressão, porque foi amplamente divulgado em todo o país. O
congresso visava a discussão de toda a questão da universidade no Brasil, o
projeto MEC-USAID, que acabou resultando na universidade que temos hoje”
(HELLER, 1988, p. 290-291).
Stênio retoma, ainda, que, em São Paulo, foram condenados pelo processo de
participação no congresso da UNE. Ele e os demais estudantes paranaenses, que estiveram no
Congresso, foram condenados a um ano de prisão, tendo cumprido dois meses em São Paulo e
seis meses em Curitiba. Sobre o período em que ficou na prisão, Stênio faz algumas
considerações:
Fiquei doze dias sem contato com os demais companheiros. Como preso
político eu tinha direito à chamada prisão especial, que nunca foi respeitada,
nem aqui nem em São Paulo. As visitas eram constrangidas e precisavam se
submeter até a humilhações, no DOPS, para obter autorização para visitar os
estudantes, que permaneciam, uns trinta, aproximadamente, em uma sala de
aulas, 24 horas por dia, com dificuldade de adaptação as mais diversas. Alguns
com mais firmeza, outros com menos. Cada um com sua personalidade, e foi
preciso grande esforço para que pudéssemos estabelecer uma convivência
razoável. (HELLER, 1988, p. 292)
Um dos órgãos que contribuiu de forma incisiva para que o Sistema de Segurança
Nacional fosse consolidado, com êxito, foram os órgãos estaduais denominados
Departamentos/Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Ao iniciar nossa pesquisa,
realizamos um mapeamento de quais estados brasileiros contavam com os DOPS para efetivar
o processo de controle dos “subversivos”.
Nos estados da região sul do Brasil, todos tiveram essa organização. Temos o DOPS
do Rio grande do Sul, o DOPS de Santa Catarina e a Delegacia de Ordem Política e Social do
Paraná. Na região sudeste, temos o DEOPS de São Paulo, o DOPS do Rio de Janeiro, DOPS de
Minas Gerais e DOPS do Espírito Santo. Na região centro-oeste, temos arquivos da polícia
política nos estados de Goiás e no Distrito Federal.
Na região nordeste, há arquivos do DOPS dos estados da Bahia, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Alagoas, Piauí, Paraíba e Maranhão. Na região norte, há
arquivos do DOPS nos estados do Tocantins e Paraíba.
Nossa pesquisa tem como base os documentos arquivados na DOPS do Paraná.
Tendo em vista a dinâmica do Sistema de Informações da polícia política, era comum a difusão
de informações entre os DOPS, com o objetivo de manter os órgãos de segurança bem
informados sobre as atividades subversivas.
Dessa forma, atividades realizadas pelos estudantes de outros estados podem ser
encontradas nas pastas da DOPS/PR, bem como eventos de nível nacional também estão
arquivados nos dossiês. Como exemplo, podemos citar os documentos sobre o Congresso da
UNE, em Ibiúna – SP.
Beatriz Kushnir, em seus estudos sobre o acesso aos arquivos do DEOPS São Paulo,
assevera:
Vale destacar que, embora os registros das ações do Dops estejam associados
aos períodos de ditadura na República brasileira, esse Departamento, assim
como outras instituições de informação política do Estado, nunca foi extinto.
Sempre existiram, quer o governo fosse mais ou menos democrático ou mais
ou menos ditatorial. A preocupação com a informação sempre foi uma
“questão de segurança nacional”. O que demarca as diferenças são, entre
outros aspectos, as formas de obter dados, as informações sobre as condutas
individuais; as nuanças de se respeitar os direitos civis. (KUSHNIR, 2002, p.
561)
73
Assim, dos 30 arquivos de aço que faziam parte do acervo da DOPS/PR, foram
transferidos apenas 23 arquivos para o DEAP, os quais continham milhares de fichas, pastas e
documentos diversos.
Há uma diversidade significativa de materiais arquivados nos dossiês, sendo:
relatórios produzidos pelos agentes da polícia sobre eventos realizados pelos estudantes;
recortes de jornal com notícias do ME do Paraná e do Brasil; ofícios encaminhados pelas
entidades estudantis; ofícios produzidos pelos órgãos de segurança interna de instituições de
educação.
Para esta tese, foram levantadas um total de 179 (cento e setenta e nove) pastas24 e
fichas individuais, sendo utilizadas diretamente na redação do texto as quantidades relacionadas
baixo:
24
No decorrer da escrita da tese, utilizaremos as nomenclaturas pasta e dossiê como sinônimos, uma vez que dizem
respeito à forma de arquivar documentos sobre pessoas, partidos políticos, entidades, movimentos sociais,
atividades realizadas, entre outras. As Fichas Individuais possuem característica diferenciada, apenas apresentando
registros realizados pelos agentes da DOPS-PR, sem contemplar anexos e outros documentos.
75
25
Os dossiês destinados às Universidades possuem documentos sobre a organização de atividades pelos
professores, bem como pelos estudantes. No caso da UFPR, em um dos dossiês está arquivado um Informe
denominado: “Formação política do Estudante na Universidade”, que diz respeito a um Aviso Circular enviado
pelo então Ministro da Educação – Ney Braga – aos dirigentes das Instituições de Ensino Superior, sobre o
problema da ação político-partidária e ideológica nas universidades. O documento é claro no sentido de cercear a
organização do ME no interior das Universidades com a justificativa da infiltração de partidos políticos no meio
estudantil.
26
Sobre a documentação da UPES e do ME secundarista, não foram encontrados quando realizamos a pesquisa
para a escrita da Dissertação do Mestrado, assim, algumas especificidades da organização estudantil secundarista
podem ser melhor compreendidas e sistematizadas a partir da utilização desses e de outros documentos que estão
em dossiês diversos.
76
Nessa direção, a autora recorre à relevância das reportagens de jornal que fazem
parte dos dossiês, uma vez que contribuíam para reforçar a imagem negativa do indiciado. E,
ainda, ao comparar as reportagens dos jornais com a versão policial, é possível recuperar a
organização do raciocínio desenvolvido pelo repressor. Assim, a partir da socialização das
atividades, realizadas pela polícia política, permitia-se que a grande massa da sociedade
considerasse tais atividades como necessárias para a manutenção da ordem.
A demonstração pública das apreensões feitas pela polícia política –
fartamente registrada pela imprensa e pelo Laboratório Técnico do
Departamento de Ordem Política e Social – alimentava o imaginário coletivo
ansioso por “ver” imagens de ordem e segurança. A constante prisão de
intelectuais e jornalistas “subversivos”, acompanhada das ordens de confisco
e incineração dos seus livros “malditos” soavam como iniciativas
purificadoras da sociedade. Foram-se os tempos de auto-de-fé, mas ficaram os
inquisidores. (CARNEIRO, s/d, p. 2)
27
O ensaio está disponível no endereço:
https://www.usp.br/proin/download/artigo/artigo_arquivos_policia_politica.pdf, acesso em 27 de abril de 2017.
77
Chico Buarque
Neste capítulo, faremos uma análise mais sistemática sobre a forma como os
estudantes se organizaram durante o período da ditadura civil-militar brasileira. A pretensão é,
a partir dos documentos arquivados pela polícia política e de pesquisas já realizadas sobre a
UNE, tecer algumas considerações sobre as atividades realizadas pelos estudantes
universitários, no que tange às questões educacionais, políticas, econômicas e culturais.
A abordagem estará pautada na seguinte organização, no que diz respeito ao recorte
temporal, partindo do objeto de pesquisa, ou seja, do ME universitário paranaense: primeira
fase (1964 a 1968) – período marcado pela ambiguidade, sendo transitório, mas de resistência
do ME; 2ª fase (1969 a 1978) – quase que exclusivamente de clandestinidade; e a terceira fase
(1979 a 1985) – período de retomada das atividades do ME em caráter nacional, de reconstrução
das entidades de representação.
Tendo em vista que o objeto de estudo diz respeito ao ME Universitário do Estado
do Paraná, a análise será direcionada aos documentos arquivados na DOPS-/PR, que dizem
respeito ao ME desse Estado, bem como da entidade de representação dos universitários em
nível nacional, a UNE. Todavia, reiteramos que a polícia política brasileira procurou
disseminar, por todo país, por meio dos diversos órgãos oficiais, as informações sobre pessoas
e movimentos considerados subversivos. Ou seja, alguns documentos, os quais abordam sobre
o ME paranaense, podem ser encontrados em outros Departamentos de Ordem Política e Social
do país.
79
Há, nos arquivos da DOPS-PR, que fazem parte do acervo do Arquivo Público do
Paraná, um número significativo de documentos que se referem ao ME universitário nacional
e paranaense. Entre as pastas, ressaltamos que há quantidade considerável dos diretórios
acadêmicos das diversas faculdades paranaenses. Algumas pastas contêm poucas laudas, entre
cinco e dez; a quantidade de pastas utilizadas nesta pesquisa está relacionada no capítulo
anterior.
As pastas estão organizadas com documentos produzidos pela polícia política, bem
como com os materiais produzidos e/ou utilizados pelos estudantes em suas atividades, os quais
foram apreendidos pelos agentes da DOPS-PR. No caso do Movimento Universitário é possível
encontrar os temários dos Congressos; alguns folhetos, que foram distribuídos para estudantes
e para a população; alguns textos, produzidos pelos próprios estudantes que são subsídios
teóricos para as discussões no coletivo.
A produção dos agentes da polícia política são: relatórios; informes com difusão
para diversos órgãos do governo, ofícios, relação de dados pessoais de militantes, fotos de
fichados e de eventos realizados. Há algumas pastas que contêm apenas recortes de jornal sobre
determinada atividade dos estudantes; um exemplo diz respeito ao XXX Congresso da UNE,
que aconteceria em Ibiúna.
Organizamos a redação e análise dos documentos arquivados pela polícia política
da seguinte forma: no primeiro momento, analisamos os Congressos Nacionais organizados
pela UNE e a participação dos estudantes paranaenses. No segundo momento, voltamos a
atenção para as demais atividades realizadas pela UNE, que foram registradas pela DOPS; por
fim, a análise das produções teóricas e artísticas dos estudantes, as quais também foram
apreendidas pelos agentes da DOPS-PR. A organização do texto priorizou o recorte temporal,
80
comunistas poderiam ter sido instaladas por esse tipo de movimento, sendo necessária a ação
do Governo Federal para barrar esses elementos/grupos subversivos.
Sobre o Congresso, a ênfase propiciada é de que foi um fracasso, que os estudantes
não conseguiram organizar-se de forma adequada, inclusive, porque estavam sem as verbas
anteriormente enviadas pelo Governo Federal. Sobre a atuação dos grupos durante o Congresso,
o relatório ressalta que:
É oportuno lembrar, que das bancadas que participaram do “Congresso”, havia
grande número de estudantes democratas. Todavia, durante o “Congresso”, os
elementos democratas não se articulavam e não equacionavam os problemas
num plano, de modo que, durante o “Congresso”, não tiveram uma orientação
segura, que os conduzisse a uma decisão. Essa falta de entendimento e
organização dos elementos democratas facilitou o trabalho dos comunistas,
que manobraram à vontade, dentro do esquema AP – POLOP, anteriormente
preparado. (Pasta n.º 2308.259, p. 16)
Outra questão que é noticiada no jornal diz respeito ao gasto financeiro, que já
chegava a meio milhão de cruzeiros, do governo do Estado de Minas Gerais, para impedir a
realização do Congresso.
O dossiê de nº 2316.261 também possui alguns documentos sobre as atividades
realizadas durante do XXVIII Congresso da UNE. Na página de número 2, temos o ofício
180/66, da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná, redigido pelo então delegado Ozias
Algauer e direcionado para o General Junot Rebello Guimaraes, então secretário de Segurança
83
10. Lutar pela reforma agrária completa em todo País em moldes nacionais e sem
figurinhas importadas. (Pasta n.º 2316.261, p. 04)
O texto explicita que a Plataforma A foi proposta pelo PCB e POLOP MCD e a
Plataforma B foi proposição da AP.
Sobre a participação dos estudantes paranaenses consta, no texto do relatório, a
presença de Vitório Sorotiuk, José Oswaldo Barreto Rocha Braga, Eduardo Pires Modesto, Ney
Wilson Pascoal e Sartori. O relatório destaca que “a atuação da bancada paranaense, foi
medíocre, sendo de causar preocupação somente a campanha que será desenvolvida com o fim
de arrecadar fundos e o programa de agitação que inclui uma greve geral com o pretexto de
libertar os estudantes presos em Belo Horizonte” (Pasta nº 2316.261, p. 03).
No item 6 do relatório: “Movimento Político e suas possíveis ligações com o
Paraná”, há o registro da possível organização de filiais da POLOP e MCD 28 no estado, tendo
em vista a participação dos estudantes paranaenses nas atividades realizadas pela UNE,
especialmente em Belo Horizonte.
Outra menção importante no relatório diz respeito ao financiamento para realização
do Congresso que, de acordo com a polícia política, ficou a cargo da União Internacional de
Estudantes (UIE) - a qual disponibilizou 10 milhões de cruzeiros -, bem como pela venda de
bônus, realizada pela UNE.
De acordo com alguns documentos analisados, dentre eles um recorte do jornal “O
Cruzeiro”29, de 26 de agosto de 1967, o XXIX Congresso da UNE foi realizado em São Paulo,
apesar de toda organização da polícia paulista para não permitir. O título da matéria: “UNE
engana DOPS e faz comício na praça”, revela o momento em que cerca de 200 estudantes
realizaram um comício de 15 minutos na Praça da Sé, encerrando o XXIX Congresso da UNE.
Os estudantes conseguiram despistar os mais de 4.000 homens da Força Pública, Guarda Civil
e DOPS.
Em 1968, a UNE extinta pela legislação imposta pelo governo militar, tentou
realizar seu XXX Congresso Nacional30. Dentre as pastas pesquisadas, deparamo-nos, na Pasta
28
Esta sigla, MCD, consta no texto do relatório. Como MCD - Movimento Contra a Ditadura - foi um movimento
idealizado pela UNE, durante a realização do Congresso de 1966; é possível que a sigla se refira a esse movimento,
fato que não está esclarecido no relatório citado. Verbete sobre o MDC pode ser encontrado no endereço:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/movimento-contra-a-ditadura. Acesso em 01 de
outubro de 2018.
29
Pasta n.º 2308.259, página 434.
30
A relação com os dados dos estudantes fichados, por participarem do XXX Congresso da UNE, está no dossiê:
XXX Congresso da UNE – Ibiúna, pasta nº 2314.260. O dossiê possui 407 páginas, com as fotos dos estudantes
presos e a relação nominal, separada por estado.
85
A justificativa para vigiar e frear a ação dos estudantes liderados pela UNE é a
ameaça comunista. O texto do Plano de Ação destaca, ainda, que os grupos de esquerda
esperavam que, a partir da realização do XXX Congresso da extinta UNE, o ME estaria inserido
no movimento mais amplo e radical, qual seja: “Movimento Proletário de Libertação”.
86
Como uma das funções da polícia política é a produção de provas que enquadrem
o suspeito, no caso a entidade, são necessárias as provas de subversão. Nesse Plano de Ação do
DEOPS, foram analisados alguns itens do temário do XXX Congresso da UNE, sendo que:
Conseguiu o “S.S.” do D.O.P.S. reunir com bastante antecedência os
principais itens do temário e analisá-los. Tais análises encontram-se nos autos
do inquérito instaurado, mas vale aqui o registro. Nas “Relações
Internacionais” e “Proposições da UNE”, nota-se a verdadeira finalidade:
Agitar as massas populares, indispondo-as contra o governo e sua consequente
derrubada. Também o “Informe da OCLAE31 ao XXX Congresso da UNE” é
documento nitidamente político e internacional, do qual serve a UNE para o
incentivo à luta. A análise do “Programa para a União Estadual dos
Estudantes” demonstra a disposição de levar avante uma luta mais
violenta e mais próxima da “linha chinesa”. (Pasta n.º 2314.260, p. 3, grifos
nossos)
31
Organização Continental Latino Americana de Estudantes.
32
Documento na íntegra, anexo n.º 02, p. 267.
87
Essa era a proposta de luta interna, mas o ME também manteria a luta externa, visto
que, além das passeatas, organizava também comícios-propaganda, com a finalidade de
divulgar a posição política do ME. De acordo com o texto, os comícios-propaganda tinham a
vantagem de dificultar a repressão, pois não eram marcados com hora e local. Já a passeata
devia agregar uma quantidade significativa de estudantes, sendo que precisavam estar
preparados para enfrentar a repressão. Além disso: “As manifestações externas devem ser
também de divulgação da luta dos trabalhadores e de outros setores da pequena-burguesia”.
(Pasta nº 2317.261, p. 50)
No texto que trata sobre “A universidade brasileira e a sociedade”, os estudantes
redigiram argumentos sobre três questões centrais, quais sejam: 1. A universidade Arcaica; 2.
A universidade que o Governo propõe; 3. O que nós propomos. O texto redigido, ou seja, nossa
análise sobre o conteúdo desse registro, remete à clareza sobre as condições reais da
universidade brasileira. No primeiro item do texto, ao estabelecer uma análise histórica da
Universidade Brasileira, os estudantes destacam que se caracteriza como um modelo
ultrapassado, constituído para atender às demandas do Brasil no período monárquico, uma vez
que, apesar da eminência de algumas alterações na oferta de novos cursos, por conta do
processo de industrialização a universidade mantém a estrutura fragmentada e direcionada para
atender às demandas da elite brasileira. Em síntese:
O desenvolvimento capitalista teve maior ênfase após 56 (gov. JK), sob
influência do capital monopolista internacional, o que acentuou os aspectos
arcaicos da Universidade. As classes dominantes iniciaram a reformulação da
Universidade, mas visando formação de técnicos operacionais para o
atendimento de suas necessidades para obtenção de maiores taxas de lucro.
(Pasta n.º 2317.261, p. 47)
Sobre o relatório Meira Mattos, a principal crítica tecida diz respeito ao fato de que
destaca que todos os problemas, inerentes à Universidade brasileira, devem ser resolvidos a fim
de se efetivar “o grande plano estratégico do governo”, ou seja, a intenção não é resolver os
problemas no sentido de contribuir a uma universidade que atenda aos interesses da sociedade,
como um todo, mas efetivar o plano do governo, que está alinhado aos interesses das classes
dominantes.
A proposta dos estudantes estava balizada pela compreensão da necessidade de
transformar a Universidade presente naquele período, ou seja:
[...] É a universidade brasileira formando não somente técnicos ou
profissionais liberais de qualquer ordem, mas profissionais capazes de
compreender a sociedade brasileira. A Universidade torna-se um instrumento
de corrosão do Governo, a camada de técnicos ou dirigentes que dela saírem
não será unilateral e domesticada pela perspectiva ideológica da burguesia.
Será um foco permanente e ajuizador de contradições existentes entre
Governo e a população dominada, explorada, reprimida. É importante insistir
que a Universidade Crítica não é um fim a ser atingido, mas um meio, um
instrumento para ação política. (Pasta n.º 2317.261, p. 50).
assassinados pela repressão. Este foi o preço pago para manter tremulando a
bandeira da UNE e da resistência democrática e popular no
Brasil. (BUONICORE, 2008, s/n).
Ainda, além de, na análise dos documentos, não constar registros sobre Congressos
Nacionais e Estaduais, é possível verificar, no dossiê denominado “Movimento Estudantil Livre
– MEL”, que os estudantes estavam realizando algumas atividades; temos registros no que tange
à preocupação das autoridades com relação a estas ações que estariam sendo realizadas pelos
estudantes universitários. Em um informe, carimbado como secreto, Jarbas Passarinho, à época
Ministro da Educação, em 1973, assinou as orientações as quais, em síntese, aconselhavam os
reitores, diretores e demais autoridades das instituições de Ensino Superior a controlar as
atividades que estariam sendo realizadas pelos estudantes. Nesse documento solicitava que as
propostas dos estudantes passassem pela anuência das autoridades locais e, em seguida, que a
documentação sobre a referida atividade deveria ser encaminhada para anuência do Ministério
da Educação; ainda, declara que haveria a necessidade de acompanhamento pela entidade local
da organização dos estudantes, além do encaminhamento, no prazo de trinta dias, de um
relatório circunstanciado das atividades realizadas.
Segue trecho final do informe:
Reconheço a delicadeza do assunto, dado que não pretendemos impor silencio
aos estudantes, mas é preciso notar que, à falta de motivação para movimento
de massas, as esquerdas pretendem, através da ativação aparentemente
irrepreensível, dos Diretórios Acadêmicos, chegar às reuniões de âmbito
nacional onde, a par dos assuntos estritamente estudantis, se desenvolva a
articulação de novas lideranças voltadas para a subversão.
Natural é que essa manobra causa apreensões e vital é, para nós, que os
propósitos esquerdistas sejam firmemente neutralizados. (Pasta n.º 1393.165,
p. 6)
33
Sobre a realização do 31º CNE, há que se fazer a ressalva de que alguns pesquisadores destacam a realização
desse Congresso no ano de 1971, no Rio de Janeiro. Para mais detalhes sobre os acontecimentos de 1971, ver
pesquisa de Angélica Muller: A resistência do movimento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o
retorno da UNE à cena pública (1969-1979). Tese de Doutorado, USP, 2010.
94
Ainda sobre a década de 1970, um ato realizado pelos estudantes paulistas, no ano
de 197734, merece ser mencionado por causa de sua dimensão no processo de mobilização
estudantil, no período em que as entidades de representação estudantil eram consideradas
extintas. Sobre esse acontecimento, Renato Cancian destaca que o ato público, realizado em 22
de setembro de 1977:
[...] desencadeou uma ação policial repressiva resultando na invasão e
depredação da Universidade Católica e na prisão de inúmeros estudantes. O
Inquérito Policial Militar (IPM) elaborado pelos delegados do DOPS paulista
registra a prisão de 512 estudantes universitários provenientes de várias
instituições de ensino superior públicas e privadas de São Paulo. (CANCIAN,
2008, p. 11)
34
No acervo do DEOPS/SP, da Delegacia de Ordem Política (o arquivo do DEOPS é separado em Delegacia de
Ordem Política e Delegacia de Ordem Social); no dossiê sobre o Movimento Estudantil, encontra-se a pasta nº
0773, denominada Declarações Completas: Ato Público PUC-São Paulo 22/09/1977. Na pesquisa com filtro da
Delegacia de Ordem Social, encontram-se dois dossiês sobre o ME: um, denominado Movimento Estudantil, com
10 pastas; o outro, Movimento Estudantil/álbuns, com 13 pastas. A pesquisa foi realizada via internet.
95
participantes foram revistadas. Consta a relação dos participantes e os temas discutidos, os quais
foram: política estudantil; política brasileira; eleições pró-UNE. A redação desse texto nos
remete à clareza de que havia infiltração de “agentes” da polícia política, talvez, ou ainda de
civis, que serviam de delatores, no meio estudantil.
A abertura do Congresso aconteceu no dia 29 de maio de 1979; foram registradas
as presenças de vários políticos, sendo do estado do Paraná: José Richa (senador); Álvaro
Fernandes Dias (deputado); Wladimir Belinati (deputado) e Heitor Alencar Furtado (deputado).
Há, também, o registro de presença de outras pessoas, representantes de movimentos sociais,
como ex-dirigentes da UNE e outros. Ademais, uma síntese da fala de José Serra, por ocasião
da abertura do Congresso.
Consta, também, no informe, que no dia 30 de maio de 1979 a seção plenária do
Congresso aprovou a “Carta de Princípios” da UNE, redigida pelo estudante Marcelo Fortes
Barbieri, sendo que a redação da Carta ficou:
a) A UNE é uma entidade máxima e representativa dos estudantes
brasileiros, na defesa de seus interesses e direitos;
b) A UNE é uma entidade independente e livre, subordinada unicamente ao
conjunto dos estudantes;
c) A UNE deve lutar em defesa dos interesses e direitos dos estudantes sem
qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo ou convicção política,
religiosa ou social.
d) A UNE deve prestar solidariedade às lutas de todos os estudantes e
entidades estudantis do mundo.
e) A UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e popular.
f) A UNE deve lutar pelo ensino voltado para os interesses da população
brasileira de forma gratuita em todos os níveis.
g) A UNE deve lutar contra todas as formas de opressão e exploração, e
prestar solidariedade à luta dos trabalhadores do mundo inteiro. (Pasta n.º
2315.261, p. 97)
Há, ainda, o registro da pauta de lutas, que deveriam ser desenvolvidas pela UNE,
sendo definido um programa de lutas: Luta contra o ensino pago no país; por mais verbas para
educação; pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita; pela filiação à UNE de todas as entidades
estudantis de base (Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos); por uma Assembleia
Nacional Constituinte, soberana e livremente eleita e contra a devastação da Amazônia por
empresas estrangeiras. O informe é finalizado com os “dados de qualificação” de alguns dos
elementos citados no texto.
No que tange ao processo de reconstrução da UNE, há quatro pastas de recortes de
jornal, com matérias relacionadas às atividades dos estudantes, no sentido de reorganizar a
97
representação estudantil em nível nacional, bem como de outras pessoas, entidades, políticos
que contribuíram para esse processo.
A estratégia estudantil é realizada, como em 1964, quando os estudantes brasileiros
buscaram como tática para manutenção das atividades da UNE, a organização de uma comissão
para efetivar continuidade ao trabalho da entidade, uma vez que a diretoria havia sido dissolvida
pelo golpe de 1964. De acordo com Sanfelice, a União Metropolitana dos Estudantes - com o
apoio das Uniões Estaduais de Estudantes de Pernambuco, Paraná e Minas Gerais - buscou uma
forma de rearticular os estudantes:
As entidades acima indicadas buscaram reorganizar o movimento estudantil
que, a partir da reunião extraordinária do Conselho Nacional dos Estudantes,
realizada de 24 a 25 de junho de 1964, na sede da União Metropolitana de
Estudantes, no Calabouço, constituiu uma frente formada pelas diferentes
tendências e elegeu uma junta governativa para dirigir a UNE. A antiga
diretoria havia sido dissolvida pelo golpe de 64 – os ex-líderes estavam fora
do país – e também o seu mandato já havia terminado. (SANFELICE, 2008,
p. 84-85)
ficaria responsável por formar comissões de estudantes para participar da Reunião da Comissão
Pró-UNE, que seria realizada em Salvador, nos dias 29 e 30 de maio de 1979. Ficou decidido,
além do mais, a pauta a ser discutida na reunião de Salvador, sendo os assuntos: direitos a
passeatas e greves; anistia ampla, total e irrestrita; dívida externa do país; baixo nível de ensino;
criação de cursos de pós-graduação; legalização da UNE; Criação de novos partidos; contrato
de risco na Amazônia; mão de obra estrangeira no Brasil; avanço das Multinacionais no Brasil
e Política geral.
Como anexo desse informe há uma cópia do jornal Folha de Londrina, o qual fez
uma pequena reportagem sobre a reunião, com o seguinte título: “Estudantes discutem a UNE”,
com breve relato das atividades realizadas nos dois dias em que o objetivo estava voltado para
“recriação” da UNE.
Ainda sobre as atividades da Comissão Pró-UNE, o Informe nº 408, da 2ª Seção da
PMPR, de 24 de maio de 1979, informa a distribuição, no Campus da FUEL, por estudantes
membros da Comissão Pró-DCE LIVRE, da mesma instituição, do jornal “PRÓ-UNE”, o qual
foi editado em São Paulo e é resultado das atividades realizadas pela Comissão Pró-UNE. A
distribuição foi realizada a partir de uma contribuição financeira. Os textos que compõem o
jornal são: “Abaixo o ensino pago”; “Unir é preciso”; “Querem riscar a Amazônia do mapa”,
“Anistia para todos” e “A ‘abertura’ começou em Minas”.
De forma geral, o teor dos textos está direcionado para o processo de abertura
política e atuação dos estudantes em atividades direcionadas para a reivindicação da
manutenção, na verdade, da retomada da democracia no país.
No texto sobre o ensino pago, os estudantes trazem números que retratam a
realidade da oferta de ensino superior no país:
[..] Em 1959, 60% dos estabelecimentos de ensino superior eram públicos.
Hoje, são apenas 20%. No estado de São Paulo, onde estão quase metade do
total de vagas do ensino superior brasileiro, 600.000 estudam pagando,
enquanto que apenas 40.000 cursam gratuitamente a universidade. (Pasta
2315.261, p. 105)
Havia, então, dois blocos distintos: um, que defendia as liberdades democráticas, e
outro, que se posicionava contra o que considerava reformismo. De acordo com Gislene
Edwiges Lacerda: “Dentro do movimento estudantil, mesmo com suas peculiaridades,
espelhava-se o debate central das esquerdas naquele período. O debate das ‘tendências
políticas’ do ME era uma caixa de ressonância dos debates travados entre partidos e
organizações de esquerda clandestinas” (LACERDA, 2015, p. 33).
35
Como é recorrente nos arquivos da DOPS-PR os anexos não estarem na mesma pasta em que consta o relatório,
nesse caso, o relatório do Congresso de Reconstrução da UNE, a proposta da chapa Unidade para eleições de 1979,
está arquivada na pasta de n.º 2308.259, páginas 362 a 365.
36
Também, na pasta n.º 2308.259, páginas 295-297, consta o panfleto dessa chapa para concorrer às eleições da
diretoria da UNE.
101
37
A antiga Ação Popular, a partir de então, denominada de Marxista-Leninista – APML.
38
MEP: Movimento de Emancipação do Proletariado.
102
fechando o prédio para que a gente não conseguisse acessar. E nós do outro
lado, em frente, na Praia do Flamengo, com também outros três mil estudantes
e parlamentares. Nós vivemos uns cinco dias de confronto, em frente a esse
prédio, observando-os colocar as bombas para a implosão, tentando invadir.
(ARAUJO, 2007, p. 235-236)
39
O panfleto está no anexo n.º 03, página 268.
103
iriam fazer uma greve geral. Tal encaminhamento foi tirado durante a realização do CONEG,
em Curitiba. Analisaremos a pauta de reivindicações no próximo item.
Os estudantes paranaenses, liderados pela UPE, organizaram um ato público, em
frente à delegacia regional do MEC, para mobilizar e conscientizar a sociedade sobre as
condições da educação no Paraná e no Brasil.
Sobre a gestão da UNE de 1980-81, nesse mesmo dossiê, encontra-se arquivado um
Boletim Informativo da UNE, com os principais assuntos discutidos e alguns encaminhamentos
a serem tomados pelas entidades estaduais e locais, a partir da primeira reunião da Diretoria da
UNE, realizada nos dias 2 a 6 de dezembro de 1980, no Centro Acadêmico de Direito “22 de
Agosto” da PUC/SP. De acordo com o presidente da UNE, Aldo Rebelo, o principal problema
que a UNE enfrentava era financeiro; os estudantes precisavam ter a consciência de que, no ano
de 1981, teriam que enfrentar uma sociedade em crise, portanto, a universidade também.
Consta no boletim a pauta da reunião e os encaminhamentos dados. A pauta
discutida foi a seguinte: Greve dos professores; Diretoria (papel da diretoria; coordenação:
funções e membros); assessoria da UNE; sede da UNE; Vices-regionais; finanças; secretarias
(assistência; imprensa; cultura; internacional; secretaria de área – humanas, biomédicas,
exatas); educação; situação nacional e CONEG.
Era uma pauta de organização da entidade, com a discussão de algumas questões
mais gerais. Contudo, havia questões específicas; além da questão financeira, os dirigentes da
UNE decidiram manter a sede provisória da UNE em São Paulo. Sobre as questões nacionais,
o encaminhamento era inserir os estudantes na luta mais ampla, com partidos políticos e
movimentos sociais, articulando campanha pela Assembleia Nacional Constituinte.
Sobre a Lei de Segurança Nacional, o boletim retoma o fato de que a “LSN
corporifica a estrutura repressiva do regime”, portanto, a UNE estaria implementando algumas
atitudes concretas em relação a dois casos, do professor David Maximiliano, preso em Minas
Gerais, bem como dos estudantes de Santa Catarina.
No que tange à relação da UNE com os partidos políticos, está em anexo ao
informativo a resolução40 redigida pela gestão 1980-81, a qual reafirma e atualiza o
posicionamento da entidade sobre essa questão, sendo deliberada a manutenção da
representação de todos os estudantes brasileiros, sem distinção, constituindo-se como uma
entidade apartidária. No item 2, destaca-se que nenhum dirigente ou estudante está autorizado
a representar a UNE em estruturas políticas, porém, defende e estimula-se a participação
40
Resolução consta no anexo 4, página 270.
104
individual dos estudantes. No item 3, a questão da relação com os partidos políticos está focada
na articulação com todos que demonstrem interesse em contribuir às reivindicações dos
estudantes. A resolução é finalizada com a reafirmação do compromisso da UNE em relação às
forças democráticas do país.
Reiteramos que, na pasta nº 2315.261, denominada XXXI Congresso, há uma
diversidade significativa de documentos sobre as atividades dos estudantes universitários,
organizadas pela UNE, bem como sobre a atuação dos estudantes paranaenses, nos anos 1980
e 1981.
Todavia, sobre a realização dos CNE, a partir de 1980, na pesquisa que realizamos
nos arquivos da DOPS/PR, não encontramos dossiês específicos sobre isso, ou seja, os registros
referentes aos CNEs, a partir desse período, estão inseridos em dossiês diversos.
O XXXIII CNE foi realizado no ano de 1981, na cidade de Cabo Frio, quando foi
eleito como presidente o estudante Javier Alfaia. Javier era filho de imigrantes espanhóis, por
isso, houve a tentativa do Governo Federal de impedir sua gestão. Nos depoimentos analisados
para redação desta tese, alguns militantes destacam a organização estudantil, no sentido de
garantir a manutenção da presidência da UNE a Javier; foi uma bandeira de luta nesse período,
focada nos empecilhos colocados pelo governo, com a finalidade de desarticular o ME. Nos
arquivos da DOPS-PR, encontram-se recortes de jornais com as notícias sobre o fato, nos quais
se enfatiza a penalização do estudante “estrangeiro”, que estaria ocupando o cargo de presidente
da UNE.
Apenas no XXXIV Congresso da UNE é que uma mulher foi eleita como presidente
da entidade; o CNE aconteceu em 1982 e a chapa de Clara Araújo foi vencedora. Clara, em
depoimento registrado no livro de Maria Paula Araújo, destaca que o fato de uma mulher ser
eleita para direção da UNE ainda causava desconforto para alguns:
Eu me lembro que as forças que se opunham à minha corrente tentavam me
descaracterizar ou me desqualificar, puxando exatamente palavras de ordem,
relacionadas com o fato de eu ser mulher. Algo assim: “Clarinha bonitinha”.
Ao mesmo tempo que havia uma repercussão positiva, essa questão ainda era
vista com muita desconfiança. (ARAUJO, 2007, p. 240)
representantes do DCE da Federal, sobre a realização do referido CNE, o qual será transcrito a
seguir:
reunião contou com a participação de 200 estudantes, sendo que 130 eram do Paraná e os demais
de outros estados. De acordo com o informe, os principais assuntos abordados pelos estudantes
foram: Campanha contra a Lei de Segurança; convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte Democrática e Soberana; defesa das Eleições Diretas em 1982; denúncia do Pacote
Eleitoral.
Nesse período os estudantes organizaram uma pauta de reivindicações, que deveria
ser entregue ao Ministro da Educação, no dia 16 de março de 1981; os itens são: um único
aumento de 39,4% da anuidade nas escolas particulares; suplementação de verbas nas escolas
públicas; 12% de verba orçamentária da União para a educação; Anistia aos estudantes em
débito com o MEC e a transformação de crédito educativo em bolsa de estudo; Eleições diretas
para os cargos dentro das Universidades. O informe registra que os dirigentes da UNE
afirmaram que, se suas reivindicações não fossem atendidas até dia 02 de abril de 1981, os
estudantes do país entrariam em greve. (Pasta nº 2315.261, p. 08-09)
Outra questão mencionada no informe é a leitura de um manifesto em apoio à UNE
e UPE, enviado pela Liga dos Estudantes Paraguaios, pois, durante a leitura do documento, os
estudantes no auditório gritavam: “um, dois, três, cinco, mil, abaixo a ditadura, no Paraguai e
no Brasil”. Foi registrado, ainda, que nessa atividade, Luiz Fábio Campana e Cacilda Calixto
montaram uma banca, na qual vendiam livros e jornais alternativos. (Pasta nº 2315.261, p. 09)
No que tange aos CONEGs, foram esses os registros encontrados nos arquivos da
DOPS-PR. Vamos, agora, nos deter em relação à vigilância da polícia, quando da realização
dos demais encontros, concretizados pelos estudantes de cursos diversos. A análise pautou-se
no período da década de 1970 e início de 1980.
Uma atividade que tem relevância para o processo de (re) organização estudantil,
como já mencionado neste texto, a partir do depoimento de Aldo Rebelo, foram os ECEMs
(Encontro Científico dos Estudantes de Medicina). Nos arquivos da DOPS-PR, encontram-se
documentos referentes à realização de dois desses encontros: o V ECEM, realizado em 1973, e
o XII, em 1980; ambos aconteceram em Curitiba.
O V ECEM ocorreu nos dias 8 a 15 de julho de 197341. Na pasta de nº 919.113, está
arquivado o relatório sobre a realização do encontro, redigido pela Secretaria de Segurança
Pública do Paraná, Centro de Informação. É identificado como confidencial. O texto destaca
que, na primeira fase da realização do V ECEM, estudantes expuseram considerações sobre a
Reforma Universitária, sendo tecidas críticas dessa ação do Governo, quando da sua
41
Foto dos participantes do V ECEM, anexo 5, p. 271.
108
implementação; assim, uma versão final do texto sobre a Reforma Universitária seria
apresentada no término do evento. No dia 10 de julho as atividades foram organizadas em
grupos de discussão, momento em que houve o direcionamento para questões “científicas”.
Em relação ao fechamento do evento, o tema da Reforma Universitária é retomado,
permeado por conflitos, de acordo com o relatório.
[...] o Presidente da Diretoria Executiva do V ECEM, ROGÉRIO DONATO
KAMPA, leu aos seus colegas presentes o Documento Conclusivo das Mesas
Redondas sobre a REFORMA UNIVERSITÁRIA, o qual fora colocado sob
apreciação daquela Diretoria Executiva e não aprovado oficialmente,
porquanto versava sobre aspectos não específicos do Encontro, que é de cunho
eminentemente CIENTÍFICO. (Pasta nº 919.113, p. 6, grifos no original).
O documento segue com a referência aos textos redigidos por Rudolf Atcon, quando
da elaboração da proposta de Reforma Universitária, quais sejam: “Anteprojeto de
109
estudantis será feita por meio de eleições no corpo discente, segundo critérios
que incluam o aproveitamento escolar dos candidatos, conforme com o
Estatuto e Regimento, e a representação não poderá exceder de 1/5 do total
dos membros do Colegiados e Comissões”. Essa mesma Lei refere-se ainda
às condições gerais para serem eleitos: “1º) não terem sofrido punições
estipuladas pelo Decreto-Lei nº 477. 2º não ter sido reprovado em qualquer
disciplina; 3º) não possuir condenação criminal”. De acordo ainda com a Lei
5.540 os Diretórios Acadêmicos deixam de ser oficialmente órgãos de
representação estudantil, passando a ser entidades meramente assistenciais e
recreativas. (Pasta nº 919.113, p. 12)
na sociedade e o trabalho do médico nessa sociedade; o documento possui doze páginas nas
quais são retomados dados estatísticos sobre as diversas áreas da medicina e a atuação do
profissional na esfera pública, privada e liberal. Ao término do texto enumeraram posições que
consideravam adequadas aos futuros médicos, porque: “Cabe a nós tomarmos uma posição.
Sabemos que o desenvolvimento da sociedade obedece a leis científicas, o que nos permite lutar
pelas coisas que tragam uma melhoria do Bem-Estar geral”. (Pasta nº 919.113, p. 29). São
elencadas cinco posições, mas vamos transcrever a última, que resume o posicionamento dos
estudantes do Diretório Acadêmico Setorial de Ciências da saúde da FUEL:
5. Devemos apoiar posições como as conclusões obtidas no recente 1º
Simpósio Nacional de Assistência Médico-Previdenciária: a responsabilidade
pela assistência médica do povo brasileiro deveria ser atribuída
fundamentalmente ao setor público; o suporte financeiro para a execução da
assistência médica deveria ser obtido por via de seguro saúde estatal; especial
atenção deve merecer o problema das escolas médicas, com o objetivo de
integrá-las no esforço assistencial geral ou de possibilitar às novas gerações
de médicos formação profissional adequada, dentro dos princípios éticos.
(Pasta nº 919.113, p. 30)
governo de Figueiredo de reorganizar a formação dos médicos; uma parceria entre MEC e
INAMPS42, para formação de um médico denominado generalista - tal ação foi duramente
criticada pelos estudantes, porque não resolveria o problema da saúde pública, apenas
mascarando a situação.
O manifesto reitera a relevância da realização do XII ECEM, momento que
possibilita aos estudantes de uma mesma área de formação debater problemas e encaminhar
ações; todavia, os estudantes entenderam que a questão da saúde exigia uma discussão ampla,
não sendo de caráter técnico a solução, portanto, a sociedade deveria participar.
Devemos incentivar a participação da classe operária e dos demais setores
populares e de uma forma organizada, na elaboração, decisão e execução da
política de saúde. A contribuição da população, desde a expressão de suas
necessidades e seu conhecimento, será decisiva para a transformação da
produção científica, na formação de profissionais e na organização dos
serviços de saúde (Pasta nº 914.112, p. 56)
É possível verificar, no decorrer do texto, uma clareza, por parte dos estudantes, das
condições objetivas presentes na sociedade capitalista, no período, como resultado do processo
histórico de desenvolvimento do capitalismo internacional. Os estudantes retomaram, durante
a redação desse manifesto, a necessidade de propiciar vez e voz ao povo, bem como de oferecer
42
INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, foi criado em 1977, pela Lei n.º
6.439. Mais informações estão disponíveis no site: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/instituto-nacional-de-assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps. Acesso em 19 de julho e 2018.
113
condições dignas de vida a toda população. Para tanto, destacam a necessidade de acabar com
a ditadura:
Acreditamos que este problema será devidamente equacionado, em toda sua
plenitude, quando o povo tiver vez e voz, quando unidos e organizados
conquistarmos um regime de amplas liberdades democráticas, pondo fim a
ditadura dos monopólios e latifúndios que trouxe a infelicidade e a miséria aos
brasileiros, enfim quando tivermos uma Democracia plena que crie a
perspectiva de emancipação política, econômica e social do povo brasileiro.
(Pasta nº 914.112, p. 60)
Durante a análise dos documentos referentes ao ECEM, deparamos com a pasta n.º
915.113 (possui 392 páginas), que possui uma variedade monumental de textos para estudo.
Nossa surpresa foi tamanha, pela quantidade de textos, pela qualidade dos autores estudados,
inclusive, porque alguns textos estavam em espanhol. Consta até mesmo um texto de Nadezhda
Krupskaya, autora que muito recentemente é estudada em nosso país, por pesquisadores do
campo da história e de forma específica na história da educação.
Para que pudéssemos realizar uma análise mais detalhada dessa pasta (915.113),
achamos por bem imprimi-la. De acordo com o documento redigido pelos estudantes sobre a
realização dessa atividade, o XII ECEM contou com a participação de cerca de 4 mil estudantes
de Medicina de todo o Brasil. Esse mesmo documento enfatiza o fortalecimento da UNE por
meio da realização desse encontro:
O ECEM é a UNE fortalecida em sua base, sem o risco de injunções e
manobras regimentais que sempre ocorrem quando se insiste na
representatividade à nível de entidades e não pelo acesso e participação da
massa estudantil, de forma livre e democrática. Exatamente como na palavra
de ordem “A UNE SOMOS NÓS, NOSSA FORÇA E NOSSA VOZ”. (Pasta
nº 915.113, p. 03)
43
Uma cópia desse Jornal também se encontra arquivado no dossiê do IV ENECOM; o tema será retomado nesta
tese.
115
busca pelas ações dos estudantes, os quais demonstrem que eles estavam alinhados aos ideais
do marxismo leninismo; a título de exemplo, segue um trecho do referido relatório:
Membros da Comissão Executiva, mantiveram frequentes contatos com
elementos ligados aos Partidos da oposição e Entidades contestatórias de
ideologia esquerdista, os quais montaram no local do Encontro diversas
bancas para distribuição e venda de literatura baseada na ideologia marxista-
leninista. (Pasta nº 915.113, p. 345)
realização do evento. Consta, no texto, o registro de que alguns membros da executiva do evento
questionaram a presença exagerada de policiais à paisana entre os estudantes; que, no primeiro
dia do evento: “ocorreram diversas pichações no Centro Politécnico, com os dizeres ‘FORA A
POLÍCIA’, ‘ABAIXO A REPRESSÃO’”. (Pasta n.º 915.113, p. 371)
O texto segue relatando a cerimônia de abertura, em que alguns dirigentes do ME
fizeram uso da palavra, tecendo “acusações” contra o Governo Federal. O represente da UNE,
ao fazer uso da palavra: “responsabilizou a ‘ditadura militar’ por tentar quebrar a unidade
estudantil com a demolição do prédio da UNE/RIO e as prisões arbitrárias efetuadas contra
estudantes de Santa Catarina”. (Pasta n.º 915.113, p. 371)
Sobre os eventos na área da saúde, em 13 de maio de 1980, há um informe da PM
2, do Paraná, na pasta nº 2315.261, com o calendário das atividades nos cursos da área da saúde,
em 1980; são encontros nacionais de estudantes de medicina, biologia, farmácia, enfermagem
e fisioterapia, cujo total é de oito encontros, que foram realizados no segundo semestre de 1980.
De acordo com o Informe nº 168 de 1980, da PM2, denominado Eventos
Importantes: “Iniciará no RIO DE JANEIRO, em 31 de março de 80, a 1ª CONFERÊNCIA
BRASILEIRA DE LETRAS, patrocinada pela UNE e outras entidades, a qual será realizada na
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC) daquele Estado” (Pasta n.º 2315.261, p.
39)
Em 1981, nos dias 08 a 11 de janeiro, realizou-se, em Curitiba, o I Seminário da
SEDUNE (Secretaria de Direito da UNE), o qual foi promovido pela subsecretaria de Direito
da UNE. Esse evento foi coordenado pelo Diretório Acadêmico Hugo Simas44. Na pasta n.º
2315.261, está arquivado o comunicado com a organização do evento, o qual tinha como tema:
“Ensino Jurídico, Currículo e Mercado de trabalho”. De acordo com o panfleto, a realização
desse Seminário foi aprovada no II ENED – Encontro Nacional de Estudantes de Direito,
realizado em abril de 1980, no Recife, sendo objetivo desse evento: “aprofundar a discussão
sobre os três tópicos do tema, que se interdependem, buscando a transformação das estruturas
de um curso hoje completamente defasado das necessidades da maioria da população
brasileira”. (Pasta nº 2315.261, p. 33).
Além desse registro há um dossiê específico sobre a SEDUNE, no qual estão
arquivadas mais informações sobre a realização do Seminário. Em relação às atividades
realizadas no decorrer do evento, consta o relatório redigido pela Subdivisão de Informações
44
No ano de 2017, para receber os calouros na UFPR, o DA Hugo Simas organizou um ciclo de palestras sobre as
condições da Universidade, com a presença de lideranças nacionais, a saber, uma delas, Eduardo Suplicy.
118
da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, informe nº 01/81, no qual está registrado que a
mesa de abertura do evento foi composta pelos elementos:
Arnaldo Camargo Neto – Presidente do CAHS e Presidente da mesa; Aldo
Rebelo – Presidente da UNE; Renato Luís H. Hino – Presidente da União
Paranaense de Estudantes Secundários (UPES); Pedro Luís Longo – Diretório
Central dos Estudantes da Universidade Federal do Paraná (DCE/livre-
UFPR); Vicente Palhares representante da União Paranaense dos Estudantes
– UPE; Ildeu Manso Vieira Filho –representando o PMDB; Edgar Amorim-
Diretor da SEDUNE-; Representante da OAB seccional do Paraná;
Representante do Partido Popular; e o Representante do Diretório Acadêmico
Clotário Portugal da Faculdade de Direito de Curitiba. (Pasta n.º 1732.207 p.
5 e 6)
Além de verificar que o evento contou com vários representantes das principais
entidades de representação estudantil, bem como de partidos políticos, os registros da polícia
política remetem a outra questão relevante, que diz respeito à luta dos estudantes por educação
de qualidade, sendo que os discursos de abertura enfatizaram tal questão. Há, também, o registro
sobre o comércio de livros e periódicos no decorrer da realização do evento; essa ação dos
estudantes já foi verificada nesta tese quando da realização do ECEM. Os textos e periódicos
comercializados no SEDUNE foram:
No local da abertura do Seminário, foi montada uma banca para venda de
livros e revistas esquerdistas, algumas com os seguintes títulos: “O LIVRO
NEGRO DA USP”; “O QUE TODO REVOLUCIONARIO DEVE SABER
SOBRE REPRESÃO”; “DEMOCRACIA SOVIÉTICA”; “REVOLUÇÃO
EM MARCHA”; “REVOLUÇÃO CHINESA”, entre outros. Os autores mais
destacados eram MARX, LENIN, STALIN. Camisetas e jornais como HORA
DO POVO E TRIBUNA DA LUTA OPERÁRIA foram também
comercializados. (Pasta n.º 1732.207, p. 7)
Apesar de toda essa mobilização, a proposta dos estudantes de comunicação não foi
sequer apreciada, sendo que a decisão foi organizar uma mobilização entre os DAs e CAs de
Comunicação de todo o país, para que encaminhassem abaixo-assinado ao CFE (Conselho
Federal de Educação), solicitando a imediata discussão e aprovação do currículo elaborado,
conforme mencionado acima.
No boletim, está anunciado que O IV ENECOM tinha data prevista para acontecer
nos dias 12, 13 e 14 de setembro de 1980, em Curitiba. A proposta de pauta era: 1) Abertura e
informes; 2) Avaliação e propostas de organização da subsecretaria de comunicação da UNE;
3) Mercado de trabalho e campanha pelo não fechamento de escolas de comunicação; 4)
Alternativas populares de Comunicação; 5) Currículo.
Sobre o IV ENECOM, também consta um dossiê nos arquivos da DOPS-PR,
específico sobre esse encontro, no qual é possível encontrar várias cópias de edições de jornais
alternativos, como o “Hora do Povo”, “Tribuna Operária” e periódicos estudantis, além de
relatórios sobre o evento.
120
O referido informe foi redigido com base no relatório escrito pelo detetive Valmir
Luiz Galbert, no qual consta as informações que estão em anexo; como já mencionado, alguns
exemplares dos jornais vendidos no evento foram “apreendidos” e estão arquivados no dossiê.
Há, além disso, um relatório redigido pela ASI/FUEL sobre a realização do IV
ENECOM, no qual os dados já mencionados nos relatórios anteriores são novamente relatados,
todavia, o relatório da ASI/FUEL parece incompleto, com apenas uma página de texto.
Os jornais apreendidos são aqueles considerados de esquerda, a imprensa
alternativa do período. O conteúdo dos periódicos estudantis diz respeito a reflexões sobre o
meio estudantil, bem como sobre aspectos da sociedade. No jornal do DCE da Universidade
Federal de Goiás há uma notícia sobre a realização do I Encontro da Mulher Universitária. O
texto destaca as compreensões disseminadas na sociedade sobre o feminismo de forma
equivocada, todavia, essa atividade organizada compreende o movimento como “um trabalho
necessário e valioso, considerado como parte integrante de uma luta mais ampla de
emancipação de toda sociedade” (Pasta n.º 924.114, p. 74).
Também, da Universidade de Goiás, estão arquivadas cópias de duas edições do
jornal “Laboratório”, órgão de divulgação do curso de jornalismo. As edições são de outubro e
novembro de 1979. São extensas, com um número significativo de notícias sobre questões
educacionais, culturais, políticas e sociais. A qualidade dos textos é inegável.
Outro periódico estudantil é o jornal “Entrada Franca”, denominado de Jornal Livre
da Universidade Católica do Paraná; as edições são de maio e junho/julho de 1980, com textos
que denunciam a precariedade do ensino superior, os limites impostos aos universitários,
121
inclusive questões econômicas e sociais para além do Brasil. As edições já foram mencionadas
neste texto. Na edição de junho/julho está o destaque para a nota da UNE no que tange ao
aumento das mensalidades em 35%. Também pode ser identificado como um periódico de
cunho contestatório.
Foi realizado, também, na década de 1980, o PRÉ-ENECA – Encontro Nacional de
Estudantes de Ciências Agrárias. No dossiê sobre esse encontro preparatório é possível
encontrar informações a respeito do processo de preparação do evento; por isso, o encontro foi
denominado Pré-ENECA, tendo sido realizado entre 19 e 20 de junho de 1981, em Curitiba. O
encontro contou com a participação de sete estudantes, que representavam os estados de:
Pernambuco, Espírito Santo, Ceará, Paraíba, Amazonas, Sergipe e Paraná. Nos relatórios da
polícia política sobre a realização da atividade consta a relação de nomes dos estudantes, sendo
que Marlene Zanin é citada como Coordenadora do Pré-ENECA, quando era também
presidenta do DASCA (Diretório Acadêmico do Setor de Ciências Agrárias da UFPR).
Os relatórios destacam que o evento preparatório para o ENECA foi um fracasso,
com extrema desorganização. O local e data para realização do ENECA não foram definidos.
É necessário ressaltar que quatro eventos de grande porte, além do evento
preparatório para o ENECA, no que tange à organização estudantil universitária brasileira,
foram realizados na nossa capital Curitiba, nos anos 1980 e 1981, sendo que, em 1980, houve
o XII ECEM, em julho, o IV ENECOM, em setembro; em 1981, o I SEDUNE, em janeiro e o
VII CONEG, em fevereiro. Apesar dos relatórios redigidos pela polícia política não registrarem
o número de participantes do SEDUNE e ENECOM, é possível verificar que representantes
dos estudantes de todo o país estiveram reunidos no Paraná. Também foi realizado em Curitiba
o XX Congresso da UBES, chamado de Congresso de Reconstrução, em outubro de 1981, que
aconteceu no Salão Nobre da Igreja Nossa Senhora do Guadalupe.
Neste item, a intenção foi apresentar as diversas formas de atividades organizadas
pelos estudantes, para além do CNE da UNE, em especial, após o AI n.º 5. É possível verificar
que essa forma de organização contribuiu para a manutenção da articulação do ME, por meio
da análise das discussões apresentadas nos eventos.
Utilizamos como fonte, para elencar os eventos promovidos pelas secretarias da
UNE, apenas os documentos arquivados pela DOPS-PR. Por isso, há a clareza de que outros
eventos foram realizados e ainda são. Todavia, o objetivo deste item foi o de trazer alguns
exemplos de atividades organizadas pelos estudantes, para além dos CNE, como mencionado
acima.
122
Outra documentação apreendida pela polícia política são textos produzidos pelos
estudantes sobre a organização do ME, bem como sobre os fundamentos teóricos que
direcionavam suas ações. Podemos incluir nessa seção as produções artísticas do ME, como é
o caso das peças de teatro produzidas pelo CPC da UNE, as quais estão arquivadas nos dossiês
da UNE e mesmo da UPE, e também os jornais, por exemplo, algumas edições do jornal “O
Movimento”.
Iniciamos com a apresentação de quais textos do CPC da UNE foram apreendidos.
Necessário compreender o que foi o CPC, a partir da elaboração e aprovação do seu Regimento
Interno, em Assembleia Geral realizada em 08 de março de 1962. Assim, a definição é:
[...] De acordo com esse instrumento legal, o CPC era o órgão cultural da
União Nacional dos Estudantes, regendo-se com autonomia administrativa e
financeira. A sua direção era eleita (e poderia ser dissolvida) pela Assembleia
Geral de seus membros e a filiação era feita em bases individuais.
(BERLINCK, 1984, p. 23)
Sobre as atividades realizadas pelo CPC da UNE, bem como sobre a organização
dessa entidade, Berlinck sintetiza tal organização, de maneira que tomamos a liberdade de
reproduzir:
O primeiro Diretor do CPC da UNE, foi Carlos Estevam Martins. Seu mandato
durou um ano – de dezembro de 61 a dezembro de 62. Em seguida Carlos
Diegues foi diretor por três meses e, finalmente, Ferreira Gullar dirigiu o CPC
até seu encerramento. Os primeiros departamentos a serem criados foram o de
123
A peça: “O Auto dos 99% foi criada como parte da campanha pela Reforma
Universitária para servir de suporte às atividades mobilizadoras da massa estudantil em diversas
regiões do Brasil” (LIMA, 2011, p. 5). Por isso, é considerada uma peça de agitação e
propaganda.
O título da peça “Auto dos 99%” é uma referência ao número exíguo de estudantes
que tinham acesso ao ensino superior com relação a população do país, sendo uma forma de
ironizar as condições de continuidade no processo formativo da maioria da população, ou seja,
não havia continuidade para mais de 99% das pessoas.
O texto da peça procura desvelar a realidade por meio da linguagem artística. Foi
criado por seis autores: Oduvaldo Vianna Filho, Carlos Estevam Martins, Cecil Thiré, Armando
Costa, Antonio Carlos da Fontoura e Marco Aurélio Garcia.
Além dos textos do CPC da UNE, no decorrer da pesquisa, identificamos, também,
como já mencionado, o arquivo dos periódicos produzidos pelo ME, tanto da UPES, como da
UPE e da UNE. No dossiê UNE, pasta n.º 2308.259, encontra-se uma edição especial do jornal
“O movimento45”, com data de 1º de abril de 1966. A edição é dedicada à luta contra a ditadura
civil-militar, quando se estava “comemorando” seu segundo ano. As notícias estão todas
direcionadas para denunciar a repressão exercida pelo Governo Federal contra o ME e demais
entidades no Brasil.
45
Esse periódico ainda foi produzido pela UNE até 2010. Algumas edições estão disponíveis no site:
https://www.une.org.br/publicacao/revistas/
125
O texto segue:
A estrutura educacional não poderia ficar à margem dessa mudança global. É
urgente para o governo que o ensino seja adequado às necessidades do grande
capital, das grandes empresas, do imperialismo. A universidade arcaica não
atende a essas necessidades, a universidade arcaica “forma” bacharéis. A
universidade moderna deve formar técnicos, segundo propriedades
estabelecidas não face a necessidade do povo, mas para, e acordo com testes
oficiais, “voltar a universidade para o desenvolvimento”, racionalizar as
estruturas educacionais, e tornar o investimento educacional rentável em
termos econômicos. Desenvolvimento, racionalização e rentabilidade para as
grandes empresas e para expansão dos monopólios. (Pasta nº 1575.190, p. 13)
estudantes brasileiros. Em algumas páginas com a logomarca da UNE consta a redação: Serviço
Universitário de Informações. Estão arquivadas edições especiais e regulares, denominadas
“Informe”, seguida de numeração como Informe nº 6, por exemplo.
Sobre o material denominado de UNEPRESS há destaque para o fato de que as
informações estão voltadas para o processo de divulgação das atividades realizadas pela UNE,
por exemplo, a realização do Seminário Latino-Americano de Reforma e Democratização do
Ensino Superior, efetivado em Belém do Pará, nos dias 30 de março a 5 de abril de 1964.
Estão arquivadas as edições de nº 6, 10 e cinco edições especiais do início de 1964,
com data final de 20 de março daquele ano. As edições de 1964 estão finalizadas com as
seguintes frases: “REFORMA UNIVERSITÁRIA; UNIVERSIDADE PARA O POVO E
CULTURA PARA LIBERTAÇÃO”. Além das frases citadas, é possível verificar o caráter
internacionalista da UNE, com notícias sobre a articulação do ME brasileiro com outros países,
bem como atividades estudantis realizadas em outros países. Como exemplo, a edição nº 10
destaca:
PRAGA – Está em plena atividade a União dos Estudantes Brasileiros na
Tchecoslováquia – UEBC – Fundada em 1960. Visa a UEBC contribuir para
uma maior difusão e conhecimento da cultura do Brasil, entre o povo
Tchecoslovaco, como assimilar a rica e tradicional cultura Tchecoslovaca e
congregar em uma só família todo os estudantes brasileiros, que ora vivem e
estudam naquele país. (Pasta nº 2317.261, p. 14)
especialmente o último, denominado de UNEPRESS, uma vez que não encontramos em nossa
pesquisa outros autores que se utilizaram desse material como fonte de pesquisa.
No decorrer do texto, quando relacionado às temáticas mencionadas, outros textos
produzidos pela UNE serão ou foram mencionados e analisados; por exemplo, textos
produzidos para fundamentar discussões a serem realizadas nos Congressos, bem como textos
de outros autores utilizados pelos estudantes para estudo.
Importante destacar que não encontramos, em nossa pesquisa, nos dossiês
analisados, arquivos da Carta do Paraná e da Carta da Bahia, mas encontramos a Carta de
Princípios de Congressos realizados no período posterior ao golpe, como já mencionado neste
texto.
Sobre as Cartas do Paraná e da Bahia, encontra-se, em um dos dossiês da UNE (n.º
2308.259, p. 250), um registro de 1963, que traz o catálogo de textos e livros disponibilizados
pela Editora da UNE, assim como a informação de que ambas as cartas estão esgotadas. Dessa
forma, foi socializada a disponibilidade de outros materiais, dentre os quais é possível recorrer
à Coleção “Cadernos de Cultura Popular”, com textos de Ferreira Gullar e outros.
128
Assim como a UNE, a UPE também foi alvo dos olhares atentos da polícia política
brasileira. Até agora, a ênfase foi direcionada para a organização estudantil brasileira, tendo
como entidade principal de representação a UNE. Todavia, nosso objeto de estudo diz respeito
à organização estudantil paranaense, portanto, é nossa pretensão trazer alguns elementos da
especificidade da UPE, entidade de representação dos estudantes universitários paranaenses.
Como aconteceu com a sede da UNE, que foi atacada logo após o golpe civil-militar
de 1964, a sede da UPE também foi “visitada” pela polícia política paranaense, conforme
documento denominado: “Protesto”, redigido pelo então Presidente da UPE, Ronaldo Antônio
Botelho, em 10 de julho de 1964 (Pasta nº 2325.263, p. 33). No texto desse documento, o então
presidente da UPE explica que agentes da DOPS estiveram na sede da entidade com um
mandado de busca e apreensão, com amplos poderes, inclusive, de arrombamento.
O Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS) também foi alvo de busca e apreensão,
conforme mandado expedido pelo delegado de Ordem Política e Social, Ozias Algauer. A
ordem era de recolher todo material subversivo ali encontrado (Pasta nº 2325.263, p. 153).
Nesse dossiê encontra-se um boletim semanal do CAHS, possivelmente material apreendido na
busca realizada pelos agentes da DOPS. O boletim, a partir da pergunta: “O que querem os
estudantes?” discorre sobre a realidade brasileira e a condição da Universidade nesse contexto.
Nesse mesmo dossiê (2325.263 UPE 1965), estão arquivadas diversas notícias de
jornais que relatam a realização de uma passeata, organizada especialmente pelos
representantes do Centro Acadêmico Hugo Simas, para divulgar e protestar sobre a ação da
polícia mineira contra os estudantes. De acordo com as reportagens, estudantes mineiros que
estavam em manifestação pública, na cidade de Belo Horizonte, foram espancados pela polícia
129
46
Documento arquivado na pasta n.º 2326.263, p. 04.
133
objetivo de tentar barrar as ações do Governo e lutar por qualidade no sistema educacional
brasileiro:
Cabe aos estudantes de todo o Brasil, uma postura intransigente contra essa
política educacional que avança dia a dia. E diante da disposição de luta dos
estudantes, o Ministro Eduardo Portella, já acena com o engavetamento do
projeto, o que na verdade se constitui numa manobra, pois o projeto será
efetivado aos poucos, levado ao Congresso Nacional em etapas separadas.
(Pasta nº 2326.263, p. 72)
um interventor, que apresentou uma proposta de solução à COLURU, a qual foi aceita porque
atendia à demanda dos estudantes.
A última matéria do Jornal Pró-Upe é dedicada a fazer uma retrospectiva das
atividades da UPE, desde o golpe de 1964. Foram cinco anos de intensa articulação dos
estudantes paranaenses para manter a UPE como entidade máxima de representação dos
estudantes universitários por meio do boicote à Lei Suplicy, bem como pelas mobilizações
contra a implementação do ensino pago e pela manutenção adequada dos RUs. Outra forma de
organização, mencionada no texto, diz respeito ao apoio às lutas dos estudantes no interior do
Estado, sendo que:
A UPE desempenhava também um papel relevante no interior, procurando
levar as discussões dos grandes centros. Ajudando a organizar as lutas dos
estudantes no interior, que sofria uma onda de proliferação de pequenas
escolas, fundações municipais e estaduais com inúmeros problemas. Um
exemplo foi a colaboração da UPE na organização da luta dos estudantes de
Mandaguari, que ficaram em greve durante uma semana em protesto contra a
demissão de um dos docentes mais competentes da escola. A mobilização foi
vitoriosa com a readmissão do docente. (Pasta nº 2326.263, p. 74)
exploramos na pesquisa anterior, com novos elementos para aprimorar a história da organização
dos estudantes secundaristas do Paraná.
Dessa forma é pertinente destacar que a UPES continuou realizando os congressos
estaduais durante a década de 1970, como foi o caso do IV COESES extraordinário, realizado
na Lapa, em 197547.
Sobre os congressos realizados pela UPE encontramos registros de que o XXI
Congresso foi realizado em Curitiba nos dias 27 a 29 de outubro de 1965. No dossiê da UPE –
União Paranaense dos Estudantes, pasta nº 2327.264, constam como itens do temário: 1)
Assistência ao Universitário: o problema dos restaurantes Universitários e Casas de Estudantes;
2) Situação da UPE frente à Lei Suplicy.
O relatório do XXI Congresso destaca que, no dia 29 de outubro de 1965, os
estudantes retomaram o debate sobre a “Carta de Princípios” da UPE, documento que norteia
as ações da entidade. De acordo com o relatório, os debates foram marcados por duas
proposições:
A primeira de autoria da bancada francamente oposta à situação, cujos líderes
não relutaram um momento sequer em procurar temas que não condizem com
temas estudantis, mas simplesmente ataques veementes ao Governo da
Republica, taxando de “ditatorial” e outros vocábulos aquém e além deste. A
citada proposição clama em termos claros pela independência total do
estudantado sem ingerência externa – (citado foi o caso de Universidade de
Brasília). (Pasta nº 2327.264 p. 56)
47
Dossiê UPES – 1975, pasta nº 2334.265
138
O texto segue, além do mais, relatando que os estudantes redigiram uma carta
dirigida para a ONU, na qual denunciavam o golpe de 1964, o abuso de poder, o cerceamento
das liberdades, enfim, denunciavam as arbitrariedades implantadas pelo governo ilegítimo.
Além disso, sobre as deliberações do Congresso, foi decidido que seria realizada
uma manifestação no início do mês de outubro com a participação de todos os DAs filiados à
UPE, que tinha como objetivo “pleitear junto ao Governo a revogação da Lei Suplicy, e a volta
das liberdades estudantis. Se o Governo não atender, até o dia 24, será então nessa data
decretada greve geral”. Todos os Diretórios Acadêmicos, filiados à UPE, que estivessem
adaptados à Lei Suplicy, deveriam estar reorganizados, novamente, até dia 15 de novembro;
caso não o fizessem, teriam como penalidade a exclusão da UPE.
A partir da análise dos documentos arquivados pela DOPS/PR o ano de 1966 foi
marcado por conflitos entre grupos que faziam parte da organização estudantil paranaense. Em
um relatório do setor de segurança, n.º 27/66, caracterizado de natureza secreta, o informe
destaca que um grupo de estudantes universitários entregou ao presidente da UPE um abaixo
assinado com 300 assinaturas solicitando a realização de um congresso extraordinário:
“Elementos inconformados com o pacifismo com que foram acolhidas suas manifestações de
139
O relatório registra que o então presidente da UPE marcou o congresso para dia 27
de setembro, mas, no dia 23, foi realizada uma Assembleia entre as entidades filiadas à UPE,
na qual os estudantes de esquerda compareceram em peso para aprovar suas solicitações, dentre
elas, o afastamento do presidente, bem como a necessidade de tomada de posição da UPE sobre
a possibilidade de uma greve geral. Todavia, nem o afastamento do presidente, nem a adesão à
greve foram aprovadas como ações a serem realizadas pela UPE.
Abaixo, transcrevemos mais um trecho do relatório em que é possível identificar o
olhar da DOPS sob o ME paranaense:
A “esquerda” alega que no Paraná o estudante pode se manifestar livremente,
seus colegas dos outros estados apanham da Polícia ao protestar e, numa
espécie de “masoquismo patriótico”, parecem pretender estender sua
solidariedade a estes ao ponto de acreditarem que não podem mais se limitar
a lançar manifestos e fazer passeatas pacíficas. Uma greve geral seria a
solução: a greve acarretaria a organização de piquetes ao barrarem uma escola
gerariam confusão, da confusão se passa ao tumulto, o tumulto provoca a
interferência da Polícia, a Polícia espancaria os estudantes, a imprensa, a vida
de sensacionalismo, daria publicidade ao fato e pronto, estaria concretizada
diante da opinião pública a imagem do estudante paranaense, “mártir da
liberdade”. (Pasta nº 2327.264, p. 74)
em sua sede, o XXIII Congresso Estadual dos Estudantes com a presença de representantes de
diversos Diretórios Acadêmicos da Capital e do Interior do Estado, principalmente Ponta
Grossa, Londrina, Maringá e Paranavaí.
Após fala de abertura do Congresso pelo então presidente da UPE, Luiz Antonio
Amaral, o presidente do Centro Acadêmico Hugo Simas, Antonio Araújo Chaves, chamou a
atenção dos participantes do Congresso para a possibilidade de que se fizessem presentes
espiões, portanto, orientou que não fossem divulgados nome e sobrenome dos estudantes para
que não viessem a sofrer as consequências desagradáveis. Consta no relatório a presença de um
representante da UNE, cujo nome não foi sequer citado na ata do Congresso da UPE, por
medida de segurança. O referido representante trouxe informações sobre o XXIX Congresso da
UNE, realizado em Belo Horizonte.
Ainda sobre o XXIII Congresso da UPE, na pasta 2323.263, estão arquivados como
anexo do informe do Departamento de Segurança da Rede Ferroviária Federal, Rede de Viação
Paraná – Santa Catarina, dois documentos, os quais, de acordo com o informe, foram angariados
durante a realização do Congresso Ordinário da UPE: o primeiro, foi nominado “Realidade
Brasileira”, tendo sido produzido pelos estudantes durante a realização do I Seminário Regional
Sul, realizado pela UPE, em junho, sob a orientação pessoal de dirigentes da ex-UNE. O outro
documento, difundido para os órgãos de informação, foi a cópia das teses também elaboradas
naquele seminário sobre a “Infiltração Imperialista no Ensino Brasileiro”. O informe destaca
que ambos os documentos: “são de pregação da doutrina marxista-leninista e que podem dar
uma ideia do nível de politização em que se encontram muitos líderes estudantis do Paraná,
senão do Brasil” (Pasta nº 2323.263, p. 81, grifos nossos)
Em função da má qualidade de conservação dos documentos da polícia política não
foi possível identificar todos os órgãos de difusão do informe, apenas: DPF/ (Departamento de
Polícia Federal do Paraná) e a DOPS/PR.
A análise dos documentos já foi realizada pela pesquisa de José Luiz Sanfelice, em
sua obra: “Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64”. Nosso objetivo, ao
citá-las, está voltado para nossa proposta inicial de “verificar” como a polícia política olhou
para os estudantes, especialmente, os paranaenses.
Sobre o XXIV Congresso Estadual, as fontes levam a inferir que teria sido realizado
em 1968. Nos arquivos da DOPS, recorremos a uma reportagem do Diário do Paraná, de 20 de
agosto de 1968, sobre a possibilidade da UPE realizar seu Congresso Estadual em 1968, que
seria o de XXIV. Segue um trecho:
141
mas “de três anos para cá a UPE começou e cresceu na sua liderança a frente de lutas próprias
estudantis. Foi o que bastou para começar a surgir ameaças de fechamento”. A UPE ainda não
havia sido fechada porque não havia provas suficientes para justificar seu fechamento. Todavia:
“o AI-5 forneceu as justificativas legais para tal”. Portanto, no dia 16/1/69, um mês depois do
ato, a justiça federal decretou a dissolução do patrimônio da UPE.
O jornal é finalizado com um texto sobre a Universidade Brasileira visando
esclarecer que a realidade da universidade, naquele período, estava voltada para a formação ao
mercado de trabalho e que apenas alguns conseguiriam nele ingressar. Portanto, era necessário
que os estudantes compreendessem essa situação:
48 Decreto Aragão diz respeito ao Decreto 228 de 1967. Ficou conhecido como Aragão pelos estudantes, porque
foi promovido pelo então Ministro da Educação Raymundo Moniz de Aragão. Esse decreto-lei alterava a Lei
Suplicy, controlando ainda mais as atividades estudantis.
49
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0228.htm. Acesso em 05 de novembro de
2018.
143
Stenio, em seu depoimento, analisado no capítulo seis dessa tese, destaca que, nas
eleições para diretoria da UPE, em 1967, conseguiram organizar a unidade da entidade, ou seja,
a eleição foi chapa única, com aceitação de 100% dos estudantes em relação à diretoria.
Diferentemente da UPE, no caso paranaense, a UPES (União Paranaense dos
Estudantes Secundaristas) manteve a organização no período. A título de exemplo, nessa pasta
que analisamos (2326.264), constam documentos sobre a organização do Congresso da UPES,
em 1975, bem como a Informação n.º 358/75 da SI (Seção de Informações) do DPF
(Departamento de Polícia Federal) do Estado do Paraná, o qual tem como assunto: Congressos
Estudantis. Assim, relata:
Esta SI informa que, documentos adquiridos em reuniões e congressos
estudantis, dão conta de seus objetivos e atuações dentro da finalidade da
entidade. De uma carta datada de 30.10.75, foram extraídas umas insinuações
como: “é necessário resistir à crise provocada pelo monólogo situacionista,
assim como é fundamental opor-se à opressão da unanimidade enganosa,
obtidas às custas de convocações parciais ou fantasmas. O estudante José
Claudio Pereira Neto disse, nesta mesma carta, que vai lutar e dar tudo de si
para o reconhecimento das lideranças internas e para ver realizadas as
reivindicações da classe. (Pasta nº 2327. 264, p. 145)
50
Recortes estão anexos a esta tese, anexo n.º 06, página 271.
144
mobilização de diversos movimentos sociais, visto que o meio político esteve marcado pela
presença de militantes e/ou simpatizantes de esquerda.
Outra especificidade do Paraná diz respeito ao fato de que, na década de 1970,
ocorreu a criação de três instituições de ensino superior nos moldes propostos pela Reforma
Universitária, as Fundações. Felismino destaca:
Outro aspecto significativo do contexto político institucional daquele período
é a nova configuração da Universidade brasileira, após a reforma universitária
de 1968, baseada nos chamados “Acordos MEC-USAID”, por meio dos quais
o governo militar buscava substituir o modelo de universidade pública do país,
até então de inspiração europeia, pelo modelo americano, que traria novidades
como a organização de universidades públicas como fundações, o afastamento
das mesmas dos centros urbanos, a adoção do regime de credito, do ensino
pago e da representação estudantil vinculada à estrutura universitária, entre
outras. As recém-criadas (1971) universidades estaduais paranaenses foram as
primeiras implantadas nesse novo modelo, nascendo como fundações (FUEL
Londrina, FUEM de Maringá e FUEPG de Ponta Grossa etc), com ensino
pago, regime de credito e estrutura oficial de representação estudantil.
(FELISMINO, 2016, p. 19)
Todavia:
Apesar do empenho para conquistar as bases estudantis, com o jornal Terra
Roxa e atividades como organização de grupos e eventos de teatro, cinema,
literatura, imprensa estudantil e outros, em um período em que os meios de
comunicação social e as manifestações culturais eram censuradas pela Polícia
Federal em todo o país, essa primeira gestão progressista não conseguiu
reeleger-se para um segundo mandato em setembro de 1973, sendo derrotada
pela chapa “Decisão”, presidida por Nilo Dequech. (FELISMINO, 2016, p.
20)
51
Consta o panfleto no anexo n.º 07 página 273.
146
52
Surge essa redação no texto do relatório, todavia, entendemos que foi um equívoco de digitação, porque o texto
refere-se à UPE.
148
encontramos os anexos junto ao dossiê em que o relatório está arquivado. Tentamos localizar
em outras pastas/dossiês, tendo em vista que, como já mencionado em nossas pesquisas, os
documentos da DOPS/PR não estão arquivados de forma clara e organizada. Então, localizamos
os anexos desse informe na pasta n.º 2336.266, páginas 90 até 146. Sobre o anexo da Carta de
Princípios desse congresso, está no anexo 4 uma reportagem do jornal sobre o Congresso de
Reconstrução e a elaboração desse documento.
Os pontos principais da Carta de Princípios, que constam no relatório, são os que
seguem:
- A UPE é uma entidade máxima, unitária e representativa dos estudantes
paranaenses na defesa de seus interesses e direitos;
- A UPE é uma entidade livre e independente, subordinada unicamente ao
conjunto dos estudantes filiados à UNE;
- A UPE deve incentivar e preservar a cultura nacional e postular pelo ensino
voltado para os interesses da população;
- A UPE deve prestar solidariedade à luta de todos os estudantes e entidades
estudantis do Brasil e do Mundo. (Pasta nº 2326.263, p. 52)
53
Nesse trecho, aparece a expressão que significa em favor do ensino pago. Todavia, de acordo com o contexto,
é possível verificar que a luta é no sentido de encaminhar lutas contra o ensino pago.
149
54
Dossiê nº 2336.266, página 51. A mesma matéria consta também no jornal “Tribuna do Paraná”, mesma data.
55
Dossiê nº 2326.263, página 47.
56
Disponível em http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/166/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 10 de fevereiro de 2018.
151
estudantes, o que os mobilizou em muitos momentos, não apenas no Paraná, uma vez que era
uma reivindicação recorrente no meio universitário.
Ainda sobre a questão dos RU, em 1982, em uma matéria do jornal “Gazeta do
Povo”, encontra-se o registro de um ato público, promovido pela UPE, em repúdio ao aumento
do preço das refeições servidas no RU. O acréscimo era exorbitante, sendo que o valor cobrado
anteriormente, de Cr$ 35,00, havia passado para Cr$ 130,00. (Pasta nº 2336.266, página 82).
Em 1984, foi realizado o XXVIII Congresso Estadual de Estudantes na cidade de
Paranaguá57; a respeito da realização desse Congresso, consta, nos arquivos da DOPS/PR, um
relatório sobre as Atividades da UPE do período entre agosto a novembro de 1984. De acordo
com o texto, foi realizada uma reunião em Londrina, no dia 09 de novembro, o “I Encontro das
Escolas Pagas do Paraná”, em que o principal tema foi o lançamento de uma campanha
objetivando o “Ensino Público Gratuito”, em todas as instituições de ensino superior pagas do
Estado; a referida campanha tinha como base a promessa do PMDB quando das eleições de
1982.
A efetivação da campanha pelo “Ensino Público Gratuito” ocorreu a partir da
realização do Conselho Estadual de Entidades (CEE) da UPE, dias 18 e 19 de agosto de 1984,
em Paranaguá. A partir dessa atividade, foram desencadeadas ações da campanha: “E a
primeira manifestação positiva fez-se sentir quando os estudantes da UEM invadiram a Reitoria
por não pretenderem aceitar os preços cobrados pelas refeições do Restaurante Universitário
(RU) e as mensalidades para o 2º semestre de 1984.”58
Os estudantes da UEM, liderados pelo DCE da entidade, articularam-se em torno
da luta pela “Gratuidade Já”, todavia, a ocupação da reitoria ocorreu antes do lançamento da
Campanha estadual e, a princípio, a pauta era contra os aumentos abusivos do RU e das
mensalidades:
O Diário do Norte do Paraná, cobrindo o primeiro dia de ocupação, divulgou
que a reivindicação dos estudantes ampliara-se para a gratuidade do ensino,
em campanha a ser levada estadualmente. Nessa mesma edição, João Batista
Capelari, diretor de assistência do DCE, declarou que a decisão de ocupar a
reitoria baseava-se no aumento do bandejão, mas a luta real dos estudantes era
pela gratuidade do ensino. O abaixo-assinado citado anteriormente
corroborava esse eixo. Na carta aberta aos estudantes, em 15 de agosto, quarta-
feira, as entidades convocaram a luta contra os aumentos abusivos. O adesivo
promocional, reproduzido autonomamente pela comissão do pedágio,
veiculava a palavra de ordem “Ensino Gratuito Já”, tema da campanha da
57
Os relatório sobre a vigilância, com relação a realização do Congresso da UPE, está disponível no
endereço:https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/relatorio-da-repressao-politica-sobre-o-
movimento-estudantil-do-parana/. Acesso em 30 de abril de 2018.
58
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr1.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
152
O desfecho da ocupação da reitoria, após uma semana intensa, foi uma vitória
parcial dos estudantes da UEM, visto que conseguiram o congelamento dos valores do RU até
o final do semestre. Houve um acordo entre os estudantes e o Prefeito de Maringá, o qual se
comprometeu a subsidiar os valores para manutenção do congelamento do preço das
refeições.59
No decorrer dos dias da ocupação, a pauta de reivindicação foi tomando amplitude
de luta, chegando a questionar “o modelo político-econômico-social implantado no país nesses
20 anos de regime militar” (DIAS, 2008, p. 131). Assim:
[...] A realização simultânea de uma luta reivindicatória de características
semelhantes em Paranaguá e a iminência do lançamento da campanha
“Gratuidade Já” contribuíram para a aproximação da pauta imediata do
movimento com esse objetivo mais amplo e, mais ainda, para criar uma
expectativa em torno de sua conquista. (DIAS, 2008, p. 132)
Outra ação desencadeada pela UPE foi o boicote ao pagamento das mensalidades,
o que já estava acontecendo nas cidades de Cascavel, Umuarama, Paranaguá e Londrina.
A Campanha pela “Gratuidade Já” foi lançada durante a realização do Conselho de
Entidades da UPE, com a seguinte pauta:
1. Deliberação do Coneb-UNE;
2. Forma de encaminhamento da campanha “Gratuidade Já”;
3. Congresso da UPE;
4. Encontro da Juventude;
5. Patrimônio da UPE. (DIAS, 2008, p. 154)
59
Os detalhes de todo o processo de ocupação da UEM podem ser consultados no livro de Reginaldo Benedito
Dias: “Uma Universidade de Ponta Cabeça”, já mencionado neste texto.
153
60
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr2.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
61
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr3.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
154
62
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr4.jpg. Acesso em
02 de maio de 2018.
63
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr5.jpg. Acesso em
20 de julho de 2018.
155
Nos capítulos e itens anteriores já foram elencadas algumas das produções das
entidades de representação estudantil do Paraná, todavia, neste item, a intenção é destacar as
produções que mereceram um olhar mais apurado da polícia política, ou seja, que possuem
dossiê específico, bem como aquelas que não foram mencionadas até então.
Desde o período anterior ao golpe de 1964 os estudantes, liderados pela UNE e as
UEEs (Uniões Estaduais de Estudantes), estiveram articulados também em torno de atividades
artísticas. Podemos mencionar como o principal instrumento utilizado pelos estudantes, para
levar à população reflexões sobre a realidade social, a Arte do CPC da UNE.
Sobre o CPC da UNE, importa destacar que no estado do Paraná havia o CPC do
Paraná64, o qual teve sua gênese durante a realização do II Seminário da Reforma Universitária,
promovido pela UNE, no ano de 1962, em Curitiba. De acordo com estudos de Ana Carolina
Caldas, o CPC da UNE esteve em Curitiba para compor as atividades culturais do Seminário.
O CPC do Paraná foi proveniente da SAP65 (Sociedade de Arte Popular), articulou-se a partir
da presença do CPC carioca na capital. Assim:
Euclides, por ter participado da 1.ª UNE Volante, tornou-se a ponte entre o
CPC carioca e o início do movimento cepeciano no Paraná. Com a vinda dos
artistas integrantes do CPC da UNE, os demais membros da SAP se
motivaram juntamente com Euclides a retomar com vigor as atividades
teatrais e fundaram, em 1962, em parceria com a UPE, o Centro Popular de
Cultura do Paraná. Segundo o estatuto fundador, o objetivo do órgão cultural
seria “essencialmente educativo, com vistas à conscientização do povo,
através da atividade teatral e da alfabetização popular”. Além do departamento
teatral, instituíram também os departamentos de Alfabetização Popular e o de
Teatro de Bonecos. (CENTRO POPULAR DE CULTURA DO PARANÁ,
1962 apud CALDAS, 2003, p. 79)
64
Sobre a história da organização do CPC Paranaense, Ana Carolina Caldas produziu um documentário,
denominado “Teatro Político, uma história de utopia”, no qual a produtora retoma os antecedentes do CPC no
Paraná. Documentário disponível em: https://blogdotarso.com/2012/05/10/veja-o-documentario-teatro-politico-
uma-historia-de-utopia-de-ana-carolina-caldas/. Acesso em 27 de dezembro de 2018.
65
A SAP é proveniente dos comitês culturais do PCB, nas palavras de Ana Carolina Caldas: “Havia comitês
culturais do PCB em várias cidades do país, com destaque aos comitês das principais capitais do Brasil, entre elas
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte. Em Curitiba, o Comitê Cultural do PCB se constituiu pautado
nos objetivos de desenvolver o teatro político na cidade, atraindo assim estudantes para a militância política do
partido. Os desdobramentos desse comitê acabaram por criar a Sociedade de Arte Popular (SAP), que mais tarde
se definiu como Centro Popular de Cultura do Paraná [...]” (CALDAS, 2003, p. 45).
156
66
Sobre as produções do ME Secundarista Paranaense (Pasta nº 2325.263, p. 219-247), há uma edição da Revista
Diálogo, órgão oficial de informação da UPES, de 1969.
67
As edições do jornal podem ser encontradas no endereço: https://issuu.com/jornalpoeira.
157
Nas edições do jornal “Poeira”, é possível recorrer a textos voltados à reflexão por
meio da arte, como charges, análise de textos literários, textos de caráter argumentativo, com a
158
A edição apreendida está nesse dossiê, uma vez que o manifesto redigido pelos
estudantes, em que abordam a medida arbitrária, foi assinado com data de 17 de abril de 1967.
O conteúdo da edição foi direcionado para os acontecimentos desencadeados pela
Ditadura. O título da edição é: “Brasil: um vasto pátio de quartel”, com matérias que possuem
caráter elucidativo de denúncia e da necessidade de resistir às imposições do governo militar.
(Pasta nº 189a .22, p. 251)
Além dessas edições apreendidas e anexadas aos dossiês do CAHS, o jornal “Folha
Acadêmica” também possui uma pasta específica, na qual está arquivada uma Edição Especial
de 1978, denominada: “Homenagem do CAHS à VII Conferência Nacional da OAB”. Não há
nenhum outro documento no dossiê, além da edição do jornal.
160
Apesar de não ter sido contratado oficialmente, ficando sem salário, o professor
ainda estava ministrando aulas e tentando reverter a situação.
Outra questão levantada pelos estudantes no jornal, diz respeito ao patrimônio do
DCE:
Quando fechado em 1968, o DCE possuía um patrimônio considerável. Sua
sede era o prédio ao lado da Casa do Estudante, na esquina da General
Carneiro com a Amintas de Barros. Um prédio de 6 andares que abrangia
ainda o Restaurante Universitário e o salão atualmente ocupado pela
Biblioteca Central. Um espaço físico dos melhores que permitia ao DCE
desenvolver as mais diversas atividades como teatro, cineclube; centralizar os
seus diversos departamentos, como o cultural e esportivo; oferecer condições
para os estudantes se reunirem e discutirem seus problemas. (Pasta nº 747.84,
p. 30)
Todo esse espaço, bem como os pertences da entidade, foi reivindicado pelos
estudantes:
162
Dez anos depois, estamos reconstruindo nosso DCE-livre. Uma das maiores
dificuldades para sua reconstrução é a falta de uma sede. Não temos, hoje, um
local para nos reunirmos, um local que seja referencial para todos. Contamos
com a ajuda dos diretórios, mas sempre acarretando prejuízos para suas
próprias atividades. A devolução da sede do DCE, mais do que um direito, é
uma obrigação moral da reitoria e uma reivindicação de todos nós, estudantes.
Exigimos da Universidade o reconhecimento do DCE como legitimo
representante dos alunos da UFPR, exigimos que ela nos devolva a sede do
DCE e que lhes destine verbas para que possa melhor corresponder e lutar
pelos anseios e direitos dos estudantes. (Pasta nº 747.84, p. 30)
Essa luta dos estudantes para retomar o patrimônio do DCE permite compreender
que a entidade possuía um papel de destaque na organização estudantil no período anterior ao
AI n.º 5. Outra questão recorrente a outras entidades estudantis, diz respeito à tomada dos bens
das entidades, por parte de instituições vinculadas ao Estado.
Os estudantes, articulados com as lutas sociais mais amplas do período, trazem
ainda uma matéria sobre a Amazônia, redigida pela Comissão Pró-Comitê em defesa da
Amazônia e do Meio Ambiente, na qual destacam a necessidade de toda população colocar-se
em defesa da Amazônia, denunciando ações do Governo Federal contra esse grande patrimônio
natural. Após relatarem as riquezas da Amazônia, destacam:
Cerca de 50% das terras onde se encontram estas fabulosas riquezas não mais
pertencem aos brasileiros que ali vivem. Eles estão sendo expulsos,
diariamente, e suas moradias violentamente incendiadas. Basta lermos os
jornais de todo o Brasil, principalmente os do Norte, e constatarmos a barbárie
imperante naquelas regiões, onde o violado é sempre o homem da terra.
Quando ele não é morto pelos tiros de metralhadora ou a coronhadas de
revolver da polícia dos latifundiários (sabe-se de casos onde foram
encontradas balas de calibre “45” usadas apenas pela polícia do governo68),
morre de fome buscando outras terras onde possa viver com sua família, ou
com parte dela, uma vez que esta sempre é dispersada, espalhando-se pelos
subúrbios das grandes cidades, marginalizada, traída em seus mais
elementares direitos. Mesmo quando suas terras são “desapropriadas” pelos
organismos estatais encarregados do “desenvolvimento” da região, em troca
de quantias miseráveis de dinheiro, que muitas vezes não dão sequer para
comprar outro pedaço de terra em outro lugar; mesmo quando é mantido em
regime de semiescravidão como mão-de-obra barata nos latifúndios, isto se dá
em detrimento de todas uma cultura que apoia sua sobrevivência. (Pasta nº
747.84, p.31)
68
Apenas a título de alusão aos dias atuais e à relação com o passo, recorremos a um caso semelhante com o que
ocorre em 2018, a saber, o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, militante dos Direitos Humanos, Marielle
Franco.
163
ME estavam cientes de que o referido projeto não traria benefícios para o ensino superior
público, mas sim, perdas. Estavam preocupados em manter a massa estudantil ciente dessa
condição.
Nos anos 1980, a repressão ainda controlava a organização estudantil no Estado,
bem como as produções dos estudantes. O jornal “Baluarte” é um exemplo desse controle, com
o exemplar apreendido pela ASI/FUEL, que foi encaminhado, em 16 de abril de 1980, para
DSI/MEC e DSI/SSP/PR, a fim de efetivar análise; trata-se da primeira edição do periódico. De
acordo com a informação, o exemplar foi encaminhado para o DCE-Livre da FUEL, para ser
divulgado entre os estudantes. O exemplar é de 1980 e tem como destaques na capa as notícias:
“A UPE vem aí”; “A Amazônia é nossa” e a realização do 1º FUC (Festival Universitário de
canção)”. Retomam o apoio aos estudantes presos em Santa Catarina quando organizaram a
Manifestação por ocasião da visita do então Presidente Figueiredo; posicionam-se contra a LSN
e o Aparato Repressivo.
Sobre a reorganização da UPE, os estudantes registraram que as lutas estudantis
nunca cessaram, mesmo com o fechamento da UNE por causa do golpe de 1964, por isso:
A UPE está voltando, mas para que seja realmente representativa e lute pelos
interesses dos estudantes é imprescindível a participação de todos nós, unidos
e firmes em nossos posicionamentos para que grupos oportunistas e que tem
o intuito de dividir o movimento sejam definitivamente desmascarados para
não terem mais guarida no seio do conjunto dos estudantes. (Pasta nº
1211.114, p. 6)
A análise dos textos dessa primeira edição permite considerar que se trata de um
jornal de cunho crítico, contra o Governo Militar, portanto, contra as imposições políticas,
sociais, econômicas do período; um movimento que pode ser considerado de esquerda, do ponto
de vista ideológico.
Ainda na década de 1980, é possível recorrer aos registros sobre a luta dos
estudantes do oeste paranaense, visando à criação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
164
69
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/a-luta-dos-estudantes-para-a-criacao-da-
unioeste-era-controlada-pela-ditadura/. Acesso em 02 de maio de 2018.
165
70
O texto reproduzido acima da imagem é: A Educação é só para uns poucos. De cada 100 crianças que estão em
idade escolar, só 60 conseguem se matricular na 1ª série, ou porque não existe escola na região, ou porque a família
não tem dinheiro para as despesas com condução, livros, roupa...Das 60 que entram, quase 25 reprovam ou não
ficam na escola. No fim, das 100 crianças, só 2 conseguem chegar até a faculdade. (JORNAL PENSAMENTO
ACADÊMICO, p.8. Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/a-luta-dos-estudantes-
para-a-criacao-da-unioeste-era-controlada-pela-ditadura/. Na pesquisa no acervo da DOPS-PR pelo nome do
jornal, não encontramos um dossiê específico sobre ele.
166
década de 1960 ainda não era possível produzir jornais estudantis em grande quantidade, o que
ocorre a partir da década de 1970.
Ainda na década de 1970, as dificuldades eram significativas para a produção dos
jornais estudantis, uma vez que as entidades não possuíam os equipamentos gráficos e
precisavam contar com o trabalho de terceiros. No caso do jornal Poeira, o DCE fez a aquisição
de uma impressora e eles possuíam uma máquina de escrever elétrica, todavia, o processo de
produção do jornal e de impressão ainda era rudimentar, comparado aos dias atuais.
No que tange à UPE, não foi encontrado, nesta pesquisa, nos arquivos da DOPS-
PR, um periódico específico da entidade, apenas o Jornal Pro-UPE, produzido pelos estudantes
que estavam trabalhando pela reorganização da UPE.
167
Recorremos à letra da música de Paulo Vanzolini, “Volta por cima", porque serviu
de inspiração para os estudantes paranaenses em sua (re)organização, enquanto movimento de
luta contra a Ditadura Civil Militar. Os trechos “Levanta sacode a “Poeira” e “dá a volta por
cima”, foram utilizados para nominar o jornal produzido pelos estudantes paranaenses, com
grande repercussão no meio estudantil, em que seus membros contribuíram à organização
estudantil no Paraná, bem como à reconstrução da UNE.
Ao redigir os resultados de uma pesquisa, a preocupação com a clareza na exposição
e organização das ideias deve se fazer presente desde o início do texto. Nesta tese organizamos
a exposição das ideias por meio de tópicos vinculados ao ME Universitário Paranaense, na
tentativa de romper com o uso apenas da cronologia temporal. A opção foi por iniciar com a
contextualização do período; em seguida, organizamos o texto do geral para o singular, com a
clareza de que o todo é a articulação das partes, não como fragmentos, mas como parte do todo.
A intenção é manter o movimento de articulação, com vistas a compreender nosso objeto de
estudo em sua totalidade.
Por isso, este capítulo é destinado às discussões sobre as entidades mais específicas
de representação estudantil, nas universidades e nos cursos, bem como à busca pelas
peculiaridades da militância dos estudantes, sempre em articulação com o geral.
Nos arquivos da polícia política paranaense, encontra-se um número significativo
de dossiês dos DAs (Diretórios Acadêmicos) dos diversos cursos das faculdades e
168
participar de eventos da UNE, bem como informando o resultado das eleições para a diretoria
da entidade.
Na página 81 dessa pasta consta um informe denominado “Material Apreendido”,
com o seguinte texto:
Na data de 3 de maio de 1967 foi apreendido o material a seguir relacionado,
na sede do DCE da Universidade Federal do Paraná, que seria usado em
escaramuças contra a ação repressiva da Polícia, no caso de manifestações
estudantis consideradas subversivas da ordem pública.
Relação e especificação do material:
1 (um) estilingue infantil, para arremesso;
2 (dois) pacotes de bolinha de gude, contendo cerca de 30 delas em cada
um dos pacotes. (Pasta nº 748.84, p. 81, grifos nossos)
O texto nos remete à clareza do quão exagerada e extremista era a ação policial
contra os estudantes. As “armas” dos subversivos são instrumentos infantis, em quantidade
irrisória, praticamente nada perante o aparato policial do período.
No dossiê do DCE da Federal (Pasta nº 742.84), consta um relatório redigido pelo
então delegado da DOPS, Ozias Algauer, tendo como assunto os “Restaurantes Universitários”.
No relatório estão algumas informações sobre os restaurantes de responsabilidade da UPE, DCE
e UPEPA71 (União Paranaense dos estudantes pré acadêmicos). O delegado demonstra a
preocupação com as manifestações estudantis por conta das decisões tomadas em relação ao
funcionamento dos restaurantes. Destaca que o restaurante, que funcionava na sede da UPE, foi
fechado por conta da extinção da entidade, conforme legislação nacional. Para minimizar os
impactos do fechamento do referido restaurante, a UPEPA, entidade criada em dezembro de
1968, abriu um restaurante, que se manteve aberto até aquela data (25 de fevereiro de 1969). O
restaurante do DCE também continuava funcionando: “o qual apesar das intervenções havidas
pelo Reitor Flávio Suplicy de Lacerda, continua funcionando, até segunda ordem, visto que, é
plano, arrendar-se o Restaurante para particular” (Pasta nº 742.84, p. 80).
O texto reitera que o restaurante do DCE estava funcionando ilegalmente, uma vez
que, de acordo com a Portaria nº 5373 de 25 de fevereiro de 1969 (mesma data da redação do
relatório), considera-se que a diretoria do DCE foi eleita em desacordo com a Lei, determinando
que novas eleições sejam realizadas e que o Departamento de Educação e Cultura ocupe a sede
do DCE. Além disso, só seria entregue para a diretoria que fosse eleita de acordo com a lei. Por
isso, o delegado prevê que:
Mediante essas intervenções, prevê-se que no começo das aulas, os estudantes
farão manifestações, protestando contra as atitudes tomadas.
71
A pasta destinada à UPEPA (n.º 2329.264) possui três páginas, uma das quais é um relatório que esclarece o
local de funcionamento e a finalidades da entidade.
170
Também, crê-se que haja manifestações, apesar de temorosa diante dos Atos
existentes, mas, pela razão de não haver verbas destinadas ao Restaurante.
Acredita-se que os estudantes criem um clima de insatisfação no meio
universitário, e com isso façam manifestações de ruas e dentro das Faculdades,
isto para o reinicio das aulas. (Pasta nº 742.84, p. 81)
Na mesma informação, outras ações do CDAs são elencadas - uma de 1972, quando
o estudante Ivo Tonet foi punido, com base no 477, por publicar uma matéria do jornal
“Opinião”. Segue o registro realizado pela AESI/UFPR:
No ano último de 1972, o acadêmico de Letras e Artes, IVO TONET, por sua
responsabilidade na publicação do Jornal “Opinião”, órgão de divulgação
sustentado pelo DARPP e da responsabilidade do Centro de Estudos e Letras,
foi punido com o trancamento de sua matrícula e proibição de rematrícula por
três anos pelo Magnifico Reitor da UFPR, aplicando o Decreto 477.
Deste fato recorreu o CDAs, o qual através os seus membros, tentaram forçar
a apreciação do Processo Sumário pelo Conselho Universitário, onde o
próprio interessado já havia feito circular exposição de motivos “a seu modo”,
a todos os seus integrantes, com vistas a modificar-lhe a punição imposta. Tal
manobra não redundou em benefício de IVO TONET, em razão do Processo
encontrar-se em Brasília, nas mãos do Ministro da Educação e Cultura, tendo
sido homologado em 17 de janeiro de 1972, cuja decisão foi publicada no DO
de 22 de janeiro de 1973. (Pasta nº 1391.165, p.02)
171
A partir da análise dos documentos nas três pastas que se referem ao DCE da
Federal, é possível verificar que a reabertura dessa entidade ocorre a partir da realização de um
plebiscito com os estudantes, o qual tinha como finalidade tomar a decisão sobre a reabertura
do DCE. Na Pasta nº 747.84, denominada DCE Livre da UFPR, de acordo com reportagem do
jornal “O Estado do Paraná”, de 07 de abril de 1979, 91% dos votantes optaram pela retomada
das atividades do DCE.
Por meio da análise das pastas vinculadas ao DCE da Federal do Paraná, temos o
dossiê que trata do DCE Livre da UF; os documentos são do final da década de 1970 e início
de 1980, os quais dizem respeito ao processo de reorganização dos estudantes universitários
paranaenses e sua articulação com a reorganização nacional.
Do final da década de 1970, especificamente do ano de 1979, há alguns documentos
da Comissão Pró-DCE, com materiais produzidos pelos estudantes, cuja finalidade era
socializar a necessidade de organização do DCE livre.
Em 1980 foi realizada a eleição para diretoria do DCE, de acordo com o Ofício
Circular nº 09/AER/UFPR (Assessor Especial do Reitor) de 09/06/1980, que tinha como
finalidade encaminhar informações aos órgãos de controle, especialmente à DSI (Divisão de
Segurança e Informações), sobre a eleição para diretoria do DCE. Segundo o ofício duas chapas
concorreram: “Pés no chão” e “Todos no DCE”; votaram mais de cinco mil estudantes, sendo
vencedora a chapa “Pés no chão”. A relação da nova diretoria do DCE/Livre da UFPR segue
com dados pessoais e acadêmicos dos estudantes.
Após relacionar os nomes dos membros da diretoria eleita, segue a análise realizada
pelo redator, então assessor da reitoria:
A Diretoria eleita, de oposição à anterior, partilha com os ideais do Grupo
MUTIRÃO, dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Seus
componentes são adeptos das facções NOVAÇÃO e LIBELU.
A nova Diretoria se propõe a lutar por uma Universidade mais democrata,
voltada para os interesses da população; pelo retorno do geneticista NEWTON
172
que boicotemos as eleições deles e, se por acaso eles forem participar de algum
encontro, deveremos desmascará-los perante a massa estudantil”. Continuou
dizendo: “O DCE LIVRE já é uma realidade, e nossa missão será ‘pegar no
pé’ da cúpula FUEL e deste regime incoerente” (Pasta nº 744.84, p. 29)
Finaliza com a relação nominal dos participantes da reunião, bem como com o
registro de que o referido evento foi realizado com esquema de segurança, em que vigias se
colocaram em locais estratégicos e não permitiram a entrada de estranhos.
A pasta denominada DCE da FUEL também contempla documentos do DCE-
LIVRE da FUEL, o que é comum nos arquivos ora pesquisados. Nesse dossiê encontra-se o
Informe n.º 155 de 16 de março de 1978, da 22ª seção da PM, que diz respeito às atividades de
José Antônio Tadeu Felismino e Célia Regina de Souza, especialmente no que tange às
contribuições dos estudantes na redação e socialização do jornal do DCE da FUEL, o “Poeira”:
Informamos que José Antonio Tadeu Felismino, ex-Presidente do
DCE/FUEL, na gestão 76/77, não é mais membro efetivo do Grupo Poeira,
porém o mesmo continua na liderança da atual Diretoria, orientando e
doutrinando os atuais membros, pois até o presente, segundo Felismino, a
nova gestão não está correspondendo aos ideais do POEIRA. (Pasta nº 745.84,
p. 08)
O informe realmente mantém a linha de defesa de que tanto Felismino quanto Célia
são elementos muito influenciadores dos demais estudantes; o trecho abaixo é muito
elucidativo: “O atual Presidente do DCE/FUEL, Carlos Augusto Dias, elemento da mesma
linha do ex-Presidente, embora menos capaz, está sendo doutrinado e levado a agir de acordo
176
com os anseios de Tadeu Felismino, a fim de que o Movimento Estudantil seja novamente
inflamado” (Pasta nº 745.84, p. 08).
Na pasta do DCE livre da FUEL, temos o Informe nº 019/81 da ASI/FUEL, que se
destina a emitir informações sobre a realização do “Ato Público de Protesto, contra a ação de
reintegração de posse do imóvel, ocupado pelo DCE/LIVRE”. Esse informe explicita a luta dos
estudantes do FUEL para recuperar a sede do DCE.
No dia 04.03.81, os representantes do DCE/LIVRE da FUEL, Centros
Acadêmicos Livres (Samuel B. Pessoa –CCS, CA Livre Frei Caneca do Curso
de Comunicação Social e do CE Livre de Biologia) com apoio da União
Paranaense de Estudantes, União Nacional de Estudantes, DCE/UEM,
Sindicato dos Professores de Londrina, Associação de Advogados de
Londrina, Sub-seção da OAB em Londrina, Comitê Londrinense pela
Constituinte, Membros do Diretório Municipal do PMDB e Parlamentares do
PDS e PMDB, promoveram ato público de vigília e protesto contra a tentativa
de cumprimento de ação judicial de reintegração de posse (concessão de
medida liminar) em favor da FUEL, para obter a posse do imóvel de sua
propriedade, localizada à Rua Prefeito Hugo Cabral, 727, o qual se encontra
indevidamente ocupado pelo DCE/LIVRE e Centros Acadêmicos Livres da
FUEL. (Pasta nº 744.84, p. 2)
O dossiê do DCE da UEM possui apenas cinco páginas, fato que nos chamou a
atenção desde o início da pesquisa. Dessa forma, recorremos aos estudos realizados por
Reginaldo Benedito Dias e ao depoimento de Luiz Donadon. O DCE da UEM foi criado em
1980, resultado das alterações na legislação educacional, desencadeada pela Lei 6.680 de 1979,
bem como pela mobilização dos estudantes em período anterior, em torno de reivindicações
gerais, por exemplo:
Já no final de 1978, os diretórios encaminharam à administração da
universidade, por intermédio de abaixo-assinado subscrito por cerca de 2.000
estudantes, a reivindicação de congelamento de taxas e anuidades.
177
A primeira gestão do DCE da UEM passou por situações adversas, por conta do
posicionamento político levado à frente, sendo que nos primeiros dias de vigência da entidade
ela foi fechada e os membros da diretoria foram alvo de um Inquérito, especialmente em função
da produção e socialização do “Jornal do DCE72”.
Ainda em 1981:
O segundo semestre começou com novos reajustes: anuidades 48,8%; RU,
30%. Os índices se consolidaram, embora fossem chamadas assembleias para
debater o tema. Em 23 de setembro, o DCE e a Aduem encaminharam, com
sucesso, o dia nacional de mobilização, convocado pela UNE e Associação
Nacional dos Docentes do Ensino Superior. Houve paralisação da maior parte
das atividades da UEM. Incidentes ocorridos nessa mobilização geraram,
porém, novo processo disciplinar. (DIAS, 2008, p. 82)
72
Detalhes sobre essa questão podem ser consultados no livro de Reginaldo Benedito Dias: “Uma Universidade
de Ponta cabeça: a ocupação da Reitoria e a luta dos estudantes da UEM pela gratuidade do ensino e pela
democratização da universidade”. EDUEM, 2008.
179
Os registros demonstram que a luta dos estudantes da UEM, nesse período, está
alinhada à defesa de educação de qualidade; estão direcionados para a realidade da
Universidade. Assim, esse relatório segue com a relação dos componentes da chapa vencedora,
bem como com os dados de qualificação de cada membro da nova diretoria.
Sobre as demais atividades realizadas pelo ME da UEM, foram sistematizadas por
Reginaldo Benedito Dias, como já mencionado nesta pesquisa. O acesso ao trabalho de
Reginaldo foi de extrema relevância para a caracterização do ME paranaense, localizado no
interior do estado. No caso da UEM houve, desde final da década de 1970, processo de
articulação dos estudantes com as lutas gerais, com relação à educação, bem como na luta contra
a Ditadura Civil-Militar. Tal processo culmina com a ocupação da Reitoria, em 1984.
A tomada de decisão, pelos estudantes da UEM, liderados pelo DCE, de ocupar a
reitoria, foi resultado do intenso processo de luta pela gratuidade do ensino superior. Os
reajustes eram exorbitantes, seguiam a lógica econômica do período em que a inflação era muito
alta. Como exemplo, no ano de 1984, o reajuste da mensalidade foi de 68,7%. Dessa forma,
articulou-se a Campanha “Gratuidade Já”, lançada pela UPE.
Sobre a Universidade de Ponta Grossa, criada no mesmo período que UEM e UEL,
não encontramos, num primeiro momento, arquivos sobre o DCE ou demais entidades de
representação estudantil consistentes. No dossiê da UEPG (Pasta n.º 2358.269), constam apenas
recortes de jornais de fevereiro de 1979 com matérias sobre a punição ao estudante Valdemiro
Facin Lanzarin, acadêmico de direito, porque ele teria escrito artigos que teciam críticas à
universidade, os quais foram considerados como ataques.
No jornal Diário do Paraná, de 06 de fevereiro de 1979, consta uma matéria sobre
o fato, denominada “Diretórios contra decisão do reitor de Ponta Grossa”, em que há uma
relação de entidades estudantis que se posicionaram em favor do estudante, dentre as quais o
DA Rocha Pombo, o Setor de Tecnologia, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Centro de
Estudos Geológicos do Paraná e Centro Acadêmico Hugo Simas. Ou seja, havia articulação
entre os estudantes no Estado.
180
73
No item anterior, quando analisamos a realização dos Congressos estaduais, transcrevemos um trecho do
relatório redigido por agentes da polícia política do Paraná, que demonstram algumas desavenças entre as decisões
tomadas durante a realização desse congresso. Destaque-se o fato de que essa situação demonstra que o movimento
estudantil é um grupo heterogêneo, que as decisões nem sempre atendem aos interesses individuais, fato que gera
conflitos.
182
Pela redação dos estudantes, fica claro que há uma intenção de influenciar a
formação dos estudantes, por meio da educação física, conforme segue:
74
A grafia da palavra DemocraCIA demonstra que os estudantes querem chamar a atenção do leitor para a
participação dos EUA, por meio da CIA, no processo de implementação do golpe, bem como da consolidação do
Governo após 1964.
183
Nesse trecho, destacado pelos próprios universitários sobre a visão dos gestores da
universidade com relação à organização estudantil, é possível verificar a ideologia difundida
nesse período de que os movimentos sociais e demais organizações não possuíam clareza de
suas reivindicações, pois envolviam-se com questões que não lhes diziam respeito, como é o
caso dos estudantes, ao discutirem sobre a política, ou mesmo sobre a economia do país e do
mundo. A proposta é, a partir do esporte, formar líderes que atuem no âmbito da universidade,
nos assuntos restritos, sem envolver-se em assuntos como política, religião e outros.
Outra questão ponderada pelos estudantes é o fato de que a formação de lideranças
estaria vinculada aos interesses de um grupo, que não seriam os estudantes, nem mesmo a classe
trabalhadora, mas aqueles que estavam no poder, seja dentro da Universidade e mesmo no país.
A pasta nº 729.83, do DA de Engenharia Química do Paraná, possui apenas três
laudas, uma de identificação e as outras duas com um informe, redigido pelos estudantes e
direcionado para DOPS/PR, informando sobre os membros da nova diretoria, com data de 24
de setembro de 1970.
184
consta no texto da carta nenhuma vinculação com os estudantes, consideramos que foi
arquivada nessa pasta por um equívoco.
Foram apreendidas duas edições do Jornal Ponto de Vista, órgão de divulgação do
DA Jackson de Figueiredo, edições de junho e novembro de 1971. Os conteúdos dessas edições
são vinculados às questões educacionais, sem críticas diretas ao Governo Federal, tampouco
discussão de temas ligados à Ditadura Civil-Militar.
Todavia, consta também uma cópia do Jornal “Tribuna Acadêmica”, edição de abril
de 1968, órgão de divulgação do DA Jackson de Figueiredo nesse período. A título de exemplo,
com vistas a elucidar o contraste entre os dois períodos, seguem as manchetes que estão nas
primeiras páginas do “Tribuna Acadêmica”: “Estudante é fuzilado” e “Visão Geral: o panorama
estudantil do Estado do Paraná”, certamente, uma visão mais clara, portanto, mais crítica das
condições sociais em que estavam inseridos.
A pasta nº 733.83 é denominada Diretórios Acadêmicos de Londrina, na qual é
possível encontrar alguns recortes de jornais com notícias sobre eleições realizadas na FUEL,
a Informação n.º 39 de 1973 do Setor de Segurança e Informação da Rede Ferroviária (11ª
divisão), com disseminação para a DOPS/PR e a AESI/UFPR, em que há a relação dos
presidentes dos DAs e do DCE da FUEL. Nesse informe, evidencia-se o interesse dos
estudantes do DCE de editar um jornal para a circulação entre seus pares, bem como outras
atividades organizadas por eles. Segue trecho final do documento:
MÁRCIO JOSÉ DE ALMEIDA, pretende editar um jornal para os associados
do DCE da Universidade de Londrina, com tiragem de 3.500 exemplos, para
“uma maior participação do estudante”. Em meados de outubro de 1972,
promoveu um debate público entre os quatro candidatos à prefeitura
Municipal de Londrina e os estudantes. (Pasta nº 733.83, p. 8)
Sobre os documentos do período em apreço nesta tese é possível ter acesso à ata de
Assembleia realizada pelos estudantes vinculados ao DANC, como ao manifesto redigido em
protesto às políticas empreendidas pelo Governo Federal em que é anunciada greve geral;
ademais, manifesto ao povo curitibano redigido após Assembleia Estudantil.
Assim, chamam a atenção alguns comunicados redigidos pelos estudantes e
direcionados à DOPS/PR, em que o teor diz respeito à comunicação de que os estudantes
vinculados ao DANC realizariam, na “Chácara do Alemão”, uma churrascada em homenagem
aos calouros da Faculdade de Medicina. Os comunicados possuem data de 1970, 1971 e 1972,
das gestões 69/70, 70/71 e 71/72 do DANC.
Os documentos remetem à discussão de que os estudantes estavam preocupados
com o olhar da DOPS/PR sobre suas atividades, então, a comunicação do que iriam realizar era
um caminho para evitar situações de repressão. Os documentos também permitem observar que
a atitude de informar a DOPS/PR sobre as atividades estudantis data da década de 1940.
Ainda sobre os DAs citamos o dossiê nº 718.82, o qual é composto por documentos
do Diretório Acadêmico Arnaldo Carnaciali, da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis
e Administração da Universidade Federal do Paraná. Tem apenas seis páginas com um ofício
informando ao delegado da DOPS a nova composição da diretoria do DA para a gestão 1975-
76. Consta, no verso do ofício, o que é comum em outros dossiês, a redação “pesquisado e nada
consta”, com data e assinatura. O mesmo procedimento acontece para o ofício encaminhado
com o resultado das eleições para a diretoria do ano de 1979. Em ambos os ofícios há a relação
dos novos membros da diretoria.
No dossiê denominado “Diretório Acadêmico do Centro Jurídico e Sociais da
UCP”, pasta nº 721.82, o primeiro documento arquivado é um encaminhamento da ASI/FUEL,
com data de 20 de agosto de 1980, tendo como assunto “Composição do Diretório Acadêmico
do Centro de Ciências da Universidade Católica do Paraná”. No mínimo curioso é o fato de vir
da ASI FUEL informações sobre o DA da UCP; a difusão é para DSI/MEC e DSI/SSP/PR. No
texto do encaminhamento há duas informações que estão em anexo à relação da nova diretoria
do referido DA, bem como o fato de que “a referida entidade mantem (sic) intercambio com o
DCE/LIVRE da FUEL” (Pasta nº 721.82, p. 02). Consta também, na pasta, a relação dos
membros da diretoria do DA de 1976.
Sobre o DA de Teologia e Ciências Humanas da UCP, pasta nº 722.82, constam as
inscrições das chapas concorrentes ao DA para a gestão de 1977-78.
187
75
Pasta nº 723.82, denominada “Diretório Acadêmico de Ciências Sociais Aplicadas – DACIESA da UF/PR”.
Todavia, encontramos nesse dossiê vários documentos referentes ao DACISA – Diretório Acadêmico de Ciências
da Saúde, também da Universidade Federal do Paraná.
188
A ASI/FUEL contava com muitas informações sobre o estudante; o que não foi
possível, por meio da análise dos documentos da pasta, foi verificar se essas informações foram
solicitadas e quem as solicitou.
Sobre o DA da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Paraná, o DA 2
de julho, os registros sobre as diretorias do DA estão na pasta nº 727.82. A pasta conta ainda
com algumas cópias do jornal “Questão de Leitura” do DA. A análise do jornal permite observar
que as matérias estão direcionadas apenas para assuntos estudantis; não há nenhuma discussão
de cunho mais amplo, bem como nenhuma menção ao Governo Federal, prisões, entre outros.
Seguindo com a análise dos dossiês sobre os DA, constam, na pasta de nº 737.83,
do Diretório de Ciências Agrárias da UFPR, o DASCA, notícias e documentos sobre a
realização das eleições para sua diretoria, bem como da posse da nova diretoria em 1979 e 1980.
Sobre o DA do Setor de Tecnologias da UFPR (DAST), há um material apreendido
pelos agentes da polícia política, elaborado pelos estudantes, que era uma espécie de jornal do
DAST, edição de 1980.
O DAST estava organizando atividades para a discussão do processo de
reorganização estudantil, no ano de 1978, conforme teor dos documentos apreendidos. Um
191
número considerável de documentos de outros períodos históricos anteriores, que não dizem
respeito ao recorte desta pesquisa.
Ainda nesse espaço destinado a tratar das entidades de base do ME recorremos aos
arquivos sobre as Casas de Estudantes, com dossiês na DOPS-PR, sendo elas: CEU – Casa do
Estudante Universitário e CEUC – Casa da Estudante Universitária de Curitiba. Uma breve
análise dos documentos arquivados nos dossiês propicia verificar que, no dossiê de nº 172.10,
da Casa do Estudante Universitário, estão recortes de jornais sobre falso interventor na CEU,
no ano de 1977.
No dossiê nº174.19, também da CEU, constam documentos sobre 1968, 1969, bem
como a relação da diretoria da entidade, com data de 1980.
Sobre a CEUC, o dossiê possui apenas cinco páginas (Pasta nº 173.19), as quais
fazem referência aos anos de 1968 com recortes de jornais sobre irregularidades na CEUC no
sentido de violação dos estatutos da entidade.
Nos depoimentos alguns militantes recorrem ao papel relevante exercido pelas
casas do/da estudante, inclusive no processo de reorganização das entidades estudantis uma vez
que, além de receber os estudantes que vinham do interior do estado, eram também espaços
para reuniões e debates.
3. Luiz Antônio de Souza Amaral Não Não verificado Sim 1966 a 1978
4. Elizabeth Franco Fortes Sim Não verificado Sim 1971 a 1977
5. Antônio João Manfio Sim Não verificado Sim 1968 a 1970
6. Berto Luiz Curvo Não Não verificado Sim 1968 a 1973
7. Stenio Salles Jacob Sim Não verificado Sim 1965;1968
8. Vitório Sorotiuk Sim Não verificado Sim 1966 a1979
194
76
No anexo 8 p. 274, uma das páginas com as fotos, possivelmente, de autoria de agentes da polícia política.
196
É possível verificar que a sua chegada foi de repercussão estadual, quiçá, nacional,
tendo sido recebido como um grande líder estudantil, portanto, um subversivo digno de cautela
pelo aparato policial.
Estão no dossiê os autos de declaração de Vitório quando ocorreram suas prisões,
bem como um auto de apreensão em que constam a relação de livros, jornais e demais materiais
subversivos que foram apreendidos com o militante, com data de 10 de agosto de 1966. O auto
de apreensão foi assinado pelo Delegado da DOPS-PR, Ozias Algauer. Como exemplo dos
materiais apreendidos, segue uma parte da lista de quase duas páginas:
“1 livro A Revolução Russa. 1 livro Lenin Vitória Sobre os Sindicatos, 1 livro
O que é Reforma Agraria, 1 livro Política Externa Independente, 1 livro A
Liberdade no mundo Livre [..] 1 Jornal Voz Operária, de maio de 66. 9
números do Jornal O Movimento de 1º de abril de 66, um original do
manifesto PANORAMA BRASILEIRO e O QUE LHE TROUXE O GOLPE
DE ABRIL, datilografado em 33 linhas de papel timbrado (Campanha de
seguros e Previdência do Sul), tudo apreendido em poder de VITORIO
SOROTIUK. (Pasta Individual nº 3639.488, p. 13-14 grifos no original)
Em outro auto de apreensão consta que Vitório estava com cartazes, cujos dizeres
eram ofensivos ao Presidente da República, em 1966. Estão no dossiê alguns textos e trechos
dos jornais que foram apreendidos com Vitório.
Os registros sobre Luiz Antonio de Souza Amaral seguem a mesma dinâmica no
formato de dossiê com arquivo de foto, dados pessoais, uma ficha individual com as atividades
das quais o estudante participou, com datas cujo início era em outubro de 1966 e término em
1978. Em função da má qualidade da documentação não é possível identificar e compreender
alguns registros sobre Luiz. Todavia, encontra-se um Informe do Chefe de Polícia de Segurança
da Delegacia Regional (DR) do Paraná e Santa Catarina, direcionado para o Delegado de Ordem
Política e Social do Paraná, com data de 19 de junho de 1968, relatando que foi instaurado
inquérito contra Luiz Antonio e outras duas pessoas, os quais foram enquadrados no Decreto-
Lei n.º 314 de 13 de março de 1967. Nos artigos que seguem: “Art. 23. Praticar atos destinados
a provocar guerra revolucionária ou subversiva”; Art. 33. Inciso III. “Incitar publicamente: à
animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou instituições civis;”
e Art. 38, inciso: “Constitui, também, propaganda subversiva, quando importe em ameaça ou
atentado à segurança nacional: II a distribuição de jornal, boletim ou panfleto;” (Decreto Lei
n.º 314, 13 de março de 196777).
O mesmo informe reitera que Luiz Antonio possui ainda outro IPM, o de número
34, de 1967, da DR, o qual incorre nas penas do Art. 3 do Decreto Lei 314: “A segurança
nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa
e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra
revolucionária ou subversiva”.
Nos registros da ficha individual há uma lacuna de anotações, de 1966 até 1970,
sendo que o registro de 1970 refere-se à pena que o fichado precisa cumprir, de um ano de
prisão “por infração do Art. 33, inciso III do Decreto-Lei 314/67, o qual encontra-se recolhido
à Prisão Provisório de Curitiba, em cumprimento da pena” (Pasta Individual nº 2436.416, p. 3)
Os documentos arquivados na pasta de Stênio Sales Jacob também estão em
péssima condição para o pesquisador; a pasta possui 14 páginas nas quais pode-se identificar
um informe relatando os nomes dos estudantes que organizaram passeatas no ano de 1965,
dentre eles, Stênio; o mesmo Manifesto consta na pasta da Judite, com data de setembro de
1968. Fazem parte do dossiê alguns registros em fichas individuais que possivelmente são
referentes às atividades de Stenio.
Na pasta de Berto Luiz Curvo, além do arquivo das fichas com registros das
atividades de que Berto participou entre 1968 a 1970, está um recorte de jornal, sem dados de
identificação, apenas com o registro de que “Berto Curvo, o assessor político da UPE, não
reconhece a liderança de Luiz Travassos, o presidente da extinta União Nacional dos
Estudantes” (Pasta Individual nº 0583.306, p. 4). Tal informação coaduna-se com os recortes
de jornal, já mencionados neste texto, que tratam da questão da divisão da UPE, no ano de 1968.
Outra pasta consultada é a do militante Antonio João Manfio, o qual foi seminarista,
conclusão a que chegamos por meio da análise dos documentos arquivados. Em um recorte
consta a seguinte notícia sem identificação do jornal: “Seminarista vai responder por agressão
a miliciano”. Segue um trecho do texto:
O seminarista Antônio João Manfio, do Instituto Teosófico Nossa Senhora de
Salete, situado na Vila América, será processado por crime de lesões corporais
contra o capitão Sergio Masteck Ramos, da Polícia Militar, praticado durante
os conflitos estudantis de sábado último, nas ruas centrais de Curitiba. João
armou-se com um pedaço de cano de ferro e investiu contra o miliciano,
desferindo-lhe diversos golpes, derrubando-o com ferimentos graves. (Pasta
Individual nº 0346.293, p. 3)
atualidade e: “Define crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo de
julgamento e dá outras providencias”.
198
quando a notícia saiu nos jornais, estava em uma banca de jornal e verificou a manchete.
Imediatamente procurou um advogado que o orientou a ficar foragido. Antonio João Manfio
retornou quando sua prisão foi relaxada” (MANFIO, 2013). O depoimento será retomado no
próximo capítulo.
Nos registros de sua pasta individual constam alguns recortes de jornais com
notícias que se referem à militância de Antônio João Manfio, bem como relatórios/certidões
redigidos pelos agentes da polícia sobre o estudante. Há, ainda, um manifesto assinado por
Antonio João Manfio, quando ele estava à frente do DA da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da UCP. (Pasta nº 0346.293, p.17)
Outro dado recorrente na documentação arquivada pela DOPS-PR, diz respeito à
mistura de documentos nas pastas; encontramos, na pasta de Antônio João Manfio, uma
certidão referente à militância de Stenio Sales Jacob. (Pasta nº 0346.293, p. 28)
Na análise dos registros das fichas verificamos que, no término de cada anotação,
constam as letras V/P e alguma outra palavra, como ASI/FUEL; PMDB, entre outras. Isso nos
leva a considerar que a sigla se refere a ver pasta. Assim, em uma das indicações estava: “V/P
MOVIMENTO ESTUDANTIL 77”. Quando recorremos à pasta denominada identificamos a
militância de Ivo Tonet e de outros estudantes da UFPR, no ano de 1973, auge das
prisões/sequestros e torturas.
O dossiê ME78 (Pasta nº 1391.165) possui relatórios da AESI/UFPR (Assessoria
Especial de Segurança e Informações), ratificando a existência desses departamentos inseridos
nas instituições públicas, como é o caso da ASI/FUEL.
Ivo Tonet, já mencionado nesta tese, também possui um dossiê. Os documentos
arquivados dizem respeito às atividades desenvolvidas por Ivo, bem como cópias dos
documentos pessoais dele.
Dentre os registros é possível identificar um Termo de Declarações de 26 de agosto
de 1968, um Auto de qualificação de 21 de outubro, um Termo de declaração de 25 de outubro,
ambos de 1971.
No Termo de Declaração de 1968 consta, ainda, no verso, a informação de que ele
foi “detido em companhia de Lidair Tochetto, quando pichavam os muros das paredes das
principais ruas de Curitiba, no dia 22-08-69, tendo prestado declarações no DPF” (Pasta
Individual, nº 1704.371, p. 36)
78
Nesse dossiê consta também a informação de Infiltração Comunista no Meio Estudantil Secundarista.
199
79
A título de exemplo, segue no anexo 9, p. 275, uma página da Ficha Individual de Gilberto Berguio Martin; as
demais seguiam o mesmo modelo.
80
No texto a abreviatura Infão, refere-se a Informação e Infe a Informe.
200
Luzia Tiemi Oikawa também possui ficha individual, identificada como integrante
do Grupo “Poeira” da FUEL. Os registros sobre Luzia são desde 1977 até 1981. Dentre as
atividades de Luzia está sua participação em atividades do ME, bem como da vida profissional.
Como exemplo, em 1981, ela viajou, junto com José Tadeu Felismino, Jacira de Oliveira
Venâncio e Marcelo Eisi Oikawa para o Peru com a finalidade de participar de um Encontro
Latino Americano do PC. Na ficha consta o registro de que, na sequência, os citados deveriam
visitar Cuba. Nesse mesmo registro, constam as informações:
A fichada faz parte da equipe de colaboradores do Jornal Alternativo “Fala
Paraná”; é presidente do CEPET, entidade ligada ao PC do B, que promoveu
em fevereiro/81 um Curso de Capacitação Política em Londrina, com a
participação dos ex-guerrilheiros do Araguaia José Genuíno Neto e Wladimir
Pomar. É Simpatizante do PC do B (ala Wladimir Pomar). (Ficha Individual
nº 28.829, p. 6-7)
Centro Cívico, até a composição da direção da UPE, em 1982. A partir de 1983 os registros
dizem respeito às atividades de militância em sindicatos de trabalhadores e partidos políticos.
Luiz Henrique Bona Turra também é fichado, com apenas três registros. Na página
de identificação consta a informação de que ele é o Presidente da UPE, em 1983. Sobre as
atividades são todas de 1982 e dizem respeito ao fato de Turra fazer parte da chapa “Pés no
chão” para concorrer às eleições da UPE; pelo fato de participar do XXVI Congresso da UPE,
em 1982, quando abordou “o tema ‘CONJUNTURA NACIONAL’, criticando o governo pelo
‘atual estado de coisas’. (Ficha Individual nº 44.869, p. 2). O último registro é sobre a
participação do fichado no CONEB (Conselho Nacional de Entidades de Base), realizado em
Belo Horizonte, em 17 de julho de 1982.
O militante Ildeu Manso Vieira possui uma ficha individual com 15 páginas nas
quais os registros dizem respeito à sua participação em atividades organizadas pelo CBA
(Comissão Brasileira de Anistia) de Curitiba, pelo PMDB, pela UFPR. Sobre os registros, um
nos chamou a atenção:
30/07/80 - Conf. Infe. nº 265/SI/DSI., de 22/07/80, o fichado esteve presente
na reunião realizada na sede do CBA/Curitiba dia 17/07/80 com o objetivo de
discutir assuntos inerentes a ameaças às bancas de jornais, por venderem
jornais de cunho ideológico de esquerda: Hora do Povo, Movimento, Pasquim
e outros. O nominado foi preso por estar vendendo jornais (Hora do Povo) e
ao se recusar a ser conduzido ao Quartel da PMEP, foi espancado e chamado
de comunista e agitador. – (VP-SI/Informes). (Ficha Individual nº 45.964, p.
9)
Em seu depoimento Ildeu menciona o fato de ter sido detido algumas vezes, inclusive,
por vender o jornal Hora do Povo, conforme registro acima. Sobre as pichações em muros com
dizeres contra a Ditadura, também constam registros em sua ficha, bem como no depoimento
de Ildeu. Na ficha está o registro de que ele participou do Seminário da SEDUNE, do VII
CONEG. Em 1981 participou do XX Congresso da UBES, chamado de Congresso de
Reconstrução da UBES, em outubro de 1981, em Curitiba. Geraldo Seratiuk também participou
desse Congresso.
Com relação aos demais militantes do período final da Ditadura alguns possuem
fichas com um número reduzido de registros. No caso de Marlene Zanin há ficha sem nenhum
registro. Tosca Zamboni também possui ficha com duas páginas de registros. O teor das
anotações sobre a militância de Tosca são da participação nas atividades estudantis e de que ela
é a presidenta do DCE da UFPR. As fichas de Mario Bacellar Filho e Mario Luiz Antonello
também possuem poucas anotações.
204
81
Disponível em: http://csbbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/04/Capa-A-luta-dos-trabalhadores-e-
trabalhadoras-por-Verdade-Justiça-e-reparação.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2018.
206
Nesta direção, as reflexões sobre o uso da memória nesta pesquisa estão permeadas pela
clareza de que ela não é a história, mas a constitui, ou nas palavras de Castanho, nutre-a. Assim,
recorremos ainda aos estudos de Philippe Joutard que, em seu texto “Desafios à história oral do
século XXI”, destaca que um dos desafios da história oral é manter a sua inspiração original,
qual seja:
[...] é preciso respeitar três fidelidades à inspiração original: ouvir a voz dos
excluídos e dos esquecidos; trazer à luz as realidades ‘indiscutíveis’, quer
82
Sobre a questão da memória, recorremos ainda aos demais estudos (não apenas ao texto de Sérgio Castanho)
sistematizados no livro: “História, memória e educação”, organizado por José Claudinei Lombardi; Ana Palmira
Bittencourt S. Casimiro e Lívia Diana Rocha Magalhães, com a finalidade de refletir sobre o uso da memória nos
estudos sobre história da educação, numa perspectiva do materialismo histórico e dialético.
207
Essa pesquisa pressupõe que a história oral pode contribuir para compreensão da
realidade objetiva, especialmente em casos específicos como os períodos ditatoriais quando
nem tudo poderia ou havia interesse de ser ou não registrado, sobretudo as torturas, a pressão,
a perseguição, o medo, a censura entre outros aspectos desse período que ainda estão para serem
entendidos e resolvidos.
Dessa forma, consideram-se os limites que a utilização dessa fonte pode oferecer:
Porém, para que a pesquisa oral desempenhe plenamente seu papel, precisa
reconhecer seus limites e, até, fazer deles uma força. Explico-me: estou
convencido de que a história oral fornece informações preciosas que não
teríamos podido obter sem ela, haja ou não arquivos escritos; mas devemos,
em contrapartida, reconhecer seus limites e aquilo que seus detratores chamam
de suas fraquezas, que são as fraquezas da própria memória, sua formidável
capacidade de esquecer, que pode variar em função do tempo presente, suas
deformações e seus equívocos, sua tendência a lenda e o mito. (FERREIRA;
FERNANDES; VERENA, 2000, p. 34)
Destaca que o tempo todo estavam passando filmes de qualidade e no Teatro Guaíra
eram encenadas peças de teatro com conteúdo excelente. Então, o período trouxe a
possibilidade de ampliar a visão de mundo, não só pela leitura, mas por outras formas de acesso
à cultura, como mencionado.
Assim, o acesso à cultura, permitiu-lhe uma visão de mundo ampliada, com acesso
a notícias de censura a músicas e peças de teatro, bem como notícias de que pessoas foram
presas e torturadas, por meio da imprensa alternativa. Então, quando estava na Federal do
Paraná, nos anos 1967-68, começou a participar ativamente do ME. Participou do Diretório
Acadêmico Rocha Pombo, fazendo contato com todos os diretórios de todos os demais cursos,
com o diretório central e com a UNE, ou seja, houve uma articulação significativa entre as
entidades de representação estudantil, da qual ela fez parte.
Em outubro de 1968, com o Ato Institucional nº 05, a perseguição aos estudantes
paranaenses foi estabelecida; ela destacou a perseguição aos membros vinculados à UPE, DCE,
bem como aos DAs. Os estudantes entendiam que precisavam resistir. Foram para o Congresso
de Ibiúna com a finalidade de manter a organização estudantil, apesar da repressão. Relatou ela
que foram presos, que havia aproximadamente 20 pessoas do Paraná, dentre elas acredita que
eram cinco mulheres. Foram fichados pelo DEOPS de São Paulo, ficando presos em condições
extremamente precárias. Permaneceram uma semana presos, apenas com a roupa do corpo.
Fizeram uma greve de fome, em função dessas condições. Após uma semana, foram fichados;
em seguida, os estudantes do Paraná foram colocados em um ônibus e entregues, em Curitiba,
83
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/37/o-medo-nao-pode-fazer-
com-que-a-gente-fique-quieta-mesmo-num-tempo-em-que-a-vida-esta-por-um-fio. Acesso em 18 de julho de
2018.
209
em frente à sede da UPE. Ela destaca que eles estavam muito assustados com a situação, que
não sabiam se seria mais adequado descer do ônibus ou permanecer nele.
Após essa tentativa de organização, que não foi exitosa, os estudantes paranaenses,
ainda no ano de 1968, em dezembro, organizaram uma reunião, a ser realizada em Curitiba, no
Sítio do Alemão, quando novamente foram presos. Ela relata que foram presos entre 40 e 45
estudantes, levados para o Quartel do Boqueirão, depois para o presídio do Ahú. Fizeram
algumas perguntas e então selecionaram 15 estudantes para que ficassem presos, sendo treze
homens e duas mulheres, Elizabeth e a Judite. Ela argumenta que não entende qual foi o critério
utilizado pela polícia para “selecionar” esses quinze estudantes.
Depois de dois dias na prisão puderam entrar em contato com advogado e, portanto,
com a família. Em seguida, foram julgados por militares. Relata que alguns militares dormiam
durante o julgamento, isso deixa claro que a decisão final já era conhecida pela polícia. Dez
estudantes foram condenados a quatro anos de prisão e cinco foram condenados a dois anos.
Elizabeth relata que os advogados conseguiram que ela e a Judite pudessem responder em
liberdade; elas foram, inclusive, levadas para casa, mas, algumas horas depois, a polícia foi
buscá-las e, então, ficaram presas. Judite ficou presa por um ano e Elizabeth por um ano e meio.
Durante o período que ficou na prisão ficou sabendo que sua irmã84 também foi
presa, na verdade, que ficou alguns dias desaparecida. Foi torturada pelos militares por uma
semana, na cidade de Foz do Iguaçu, então, devolveram-na para os pais e disseram que foi um
engano. Elizabeth argumenta que tal fato é simplesmente inexplicável, que só poderia ter
ocorrido em um período da história do Brasil que não pode se repetir.
Elizabeth foi solta em 1970, porém, sua casa foi vigiada durante algum período. Ela
tentou voltar para a Universidade, mas não foi aceita num primeiro momento porque as
autoridades argumentaram que ela era uma liderança conhecida e solicitaram que retornasse no
ano seguinte. Todavia, quando retornou para a Universidade Federal do Paraná, com a
finalidade de terminar seus estudos, reprovou em algumas disciplinas, o que ela considerou um
equívoco, até que uma professora orientou que ela procurasse a PUC para finalizar seus estudos,
porque a orientação da UFPR é de que ela permanecesse retida ano após ano até que jubilasse
seu tempo para concluir seus estudos.
84
Ana Beatriz Fortes, irmã de Elizabeth, seu depoimento está disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/19/o-capitao-balbinotti-me-entregou-ao-meu-pai-e-disse-que-
a-prisao-foi-um-engano.
210
85
Informações disponíveis em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/118/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 18 de julho de 2018.
211
primeiras passeatas contra os Acordos MEC/Usaid, contra o reitor da UFPR, que era indicado,
entre outras questões educacionais.
Foi convidada como jornalista para editar o Jornal da UPE, ela e a colega Teresa
Urban. Ambas foram para Maringá onde editaram e imprimiram o jornal. Nas palavras de
Noemi: “era um jornal que não poupou palavras contra a ditadura, contra os militares, contra a
Guerra do Vietnã. Foi um jornal na época bastante radical, inclusive com charges que foram
consideradas bastante ofensivas pelo exército86” (CARRICONDE, 4’11” a 4’27”).
Trouxeram o jornal para Curitiba, organizaram a distribuição dos exemplares para
o interior e entregaram alguns no RU do prédio da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Assim, o jornal chegou às mãos da polícia, que invadiu novamente a sede da UPE e recolheu
toda edição. Novamente porque, no mês de outubro, a polícia havia recebido uma denúncia de
que a UPE tinha contato com a guerrilha na Bolívia por meio de um aparelho de rádio amador,
então, a sede foi invadida, o aparelho foi apreendido e o presidente da UPE foi preso, Luiz
Antonio Amaral. Organizaram uma passeata grande de estudantes e foram para a frente da sede
da DOPS/PR, exigindo que o Luiz Amaral fosse solto. Ele ficou preso por algumas horas
apenas.
Mesmo sendo considerada uma instituição clandestina, a UPE manteve suas
atividades, com o RU, com passeatas, pichações e panfletagens. Ela participou de algumas
dessas atividades. Com a finalização do curso de jornalismo e com a adesão à AP, ela e o então
companheiro foram para militância em São Paulo e inseriram-se na luta operária. Ficou em São
Paulo o ano de 1968, sendo que faziam panfletagem durante a madrugada em frente às fábricas.
Até que, no final de 1968, com o AI nº 5 implementado, o seu companheiro foi preso. Ela
conseguiu fugir da polícia com ajuda de outros companheiros. Encontrou o pessoal da UPE,
que havia sido preso no Congresso da UNE, no Presídio Tiradentes. O advogado dos estudantes
do Paraná descobriu o paradeiro de seu companheiro, que foi solto após três meses. Após esse
processo exilaram-se por dez anos. Seu depoimento é esclarecedor sobre as condições precárias
que os exilados passaram fora do país.
Em seu depoimento, Stenio Sales Jacob destaca a atuação estudantil, a partir de
1966, em especial em relação ao movimento organizado pelos estudantes no sentido de barrar
a cobrança das anuidades na UFPR. O trabalho foi iniciado no final de 1967 nos cursinhos
vestibulares. No início de 1968, na hora de proceder à matrícula, convenceram os calouros a
86
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/58/passei-dez-anos-no-exilio-e-
foi-uma-vida-vivida-no-exterior-e-um-naco-da-sua-juventude-que-voce-passa-fora. Acesso em 20 de março de
2018.
212
requerer o pedido de isenção da anuidade, que foi aceito por quase 100% dos calouros. Todavia,
alguns decidiram pagar a anuidade. Esse foi só o começo dessa luta contra o ensino pago na
UFPR, que culminou com a batalha do politécnico, em maio de 1968, já relatada nesta tese. Um
dado importante que Stenio traz diz respeito ao valor da anuidade a ser cobrada dos cursos
noturnos, que seria dez vezes maior que os diurnos, fato que causou muita indignação no meio
estudantil.
Foi para o Congresso de Ibiúna, que não se realizou. Diz que acabaram discutindo
o Congresso na prisão Tiradentes. Dos 71 estudantes com prisão preventiva, oito eram
paranaenses, dentre os quais ele, o Vitório Sorotiuk, João Manfio, Berto Curvo, Palmira,
Jurandir, dentre outros. Faz menção ao julgamento, realizado em São Paulo, no qual estavam
doze estudantes e tiveram a pena variada entre 6 meses e um ano e seis meses, o que o levou a
compreender que não havia critério nenhum. Após a Anistia continuou sua militância nos
partidos políticos.
Vitório Sorotiuk, militante estudantil a partir de meados da década de 1960, já em
1965 ingressou no curso de direito na UFPR e inseriu-se no ME; não havia participado do ME
secundarista.
Destaca a relevância da UPE no período em que a entidade administrava o RU, que
servia 5 mil refeições no almoço e 5 mil no jantar; a UPE tinha uma Granja, que era “cuidada”
pelos estudantes, na qual produziam legumes, verdura, entre outros, para servir nas refeições.
A manutenção era realizada em parceria com o governo do Estado, que subsidiava com alguns
gêneros alimentícios.
Retomou a luta dos estudantes contra a Reforma Universitária nos moldes dos
Acordos MEC/Usaid, que culminou com a luta dos estudantes contra a implementação do
ensino pago na UFPR, movimento reconhecido como decisivo para não implementação do
ensino pago, na década de 1960, no Paraná.
Em dezembro de 1968, quando tentaram organizar o Congresso Regional, foram
presos no sítio do Alemão. Assim, Stenio reitera a relevância do ME no processo de organização
da sociedade no sentido de questionar as imposições do Governo Civil-Militar, sendo um
movimento que se articulava aos demais.
Mas, nas suas palavras, o ME não se restringia a fazer manifestações e passeatas.
Havia organização cultural, artística, desde o CPC da UNE, sendo que tais atividades
continuaram. No caso do Paraná recorda que havia o setor de teatro, o TEU – Teatro do
Estudante Universitário. Inclusive, quando ele foi eleito presidente do DCE, em 1968, estava
com a prisão preventiva decretada. No entanto, para tomar posse, precisaria ser dentro da
213
reitoria, em ato público. Então, em parceria com o TEU, organizaram uma peça de teatro:
“Santo Inquérito” e, durante a apresentação da peça, pausaram as cenas e ele tomou posse, de
acordo com o estatuto, ou seja, dentro da reitoria e em público.
Sobre a vigilância/controle das suas atividades relata que, ao ter acesso aos registros
realizados pelo SNI sobre ele, deparou-se com a seguinte situação: após ter cumprido pena de
dois anos e dez meses, quando foi liberado, em 1971, houve a difusão da informação de que ele
estava em liberdade. O teor dessa informação voltava-se para a vigilância de todas as ações de
Vitório:
Eu fui colocado em liberdade em outubro de 1971, não existe nada como
vamos recuperar o preso, onde ele vai trabalhar? Como é que ele vai viver?
Não tem. Na minha ficha da penitenciária do Ahú, consta o seguinte: solto
hoje, 10 de outubro de 1971. Daí consta 11 de outubro de 1971: foram
expedidos ofícios à DOPS, à Polícia Federal e à Justiça Militar, dizendo:
colocamos ele em liberdade. É como dissesse: siga-o. (SOROTIUK, 2014,
29’05’’ à 29’39’’)
Ele relata, ainda, que quando saiu da prisão, em 1971, era um período muito difícil,
com maior número de mortes, que ele chama de período de extermínio, por isso, sua inserção
na sociedade foi difícil. O medo era constante entre as pessoas.
Ainda desse período de reorganização do ME pós-Golpe recorremos ao depoimento
de Antonio João Manfio, que era seminarista e articulou-se ao ME pela via das representações
confessionais; cita sua participação na JUC e AP, com processo de formação de sua militância.
Participou da tomada da reitoria por conta da luta pela não implementação do ensino
pago; ele lembra do fato de arrancarem as estátuas do ex-reitor e Ministro da Educação, Flávio
Suplicy. Participou do Congresso de Ibiúna e ficou preso no presídio Tiradentes.
Em 18 de outubro de 1968 os estudantes fizeram uma manifestação nas ruas de
Curitiba, a qual foi duramente reprimida de modo que o uso da violência esteve muito presente.
Foi nesse dia que um policial, um capitão da polícia militar, foi ferido e que no dia seguinte a
mídia divulgou que Antonio João Manfio foi considerado o agressor, como já mencionado
anteriormente nesta tese.
Quando retornou da clandestinidade era necessário organizar o minicongresso da
UNE, o qual deveria ser realizado em outras regiões do país; essa foi uma estratégia da UNE,
por conta de que não houve possibilidade de realizar o CNE, assim, seriam realizados
minicongressos regionais.
Relata que a divulgação foi feita com a definição de que seria uma churrascada de
estudantes de fim de ano. Os estudantes foram presos e quinze foram indiciados em IPM, dentre
os quais estava Antonio João Manfio. Foi condenado à pena de quatro anos, a qual, no Superior
214
Tribunal Militar, foi reduzida para dois anos. Ele foi condenado, ainda, no IPM de Ibiúna, com
uma pena de dois anos. Dessa forma, ficou preso por dois anos, sendo seis meses em São Paulo
e dezoito meses em Curitiba. Foi libertado em dezembro de 1970.
Os depoimentos esclarecem a condição de intensa tentativa de manutenção da
organização estudantil no Estado pós-1964. Todavia, após o AI nº 5 as condições impostas pela
repressão, a prisão de alguns líderes, a clandestinidade de outros, o uso da mídia para incriminar
os militantes dos diversos setores da sociedade, caracterizados como subversivos, terroristas
entre outros adjetivos, inviabilizaram algumas lutas estudantis.
87
Sobre o período em que esteve preso Ildeu produziu um livro: “Memórias Torturadas (e Alegres) de um preso
político”. Nesse texto o militante relata as especificidades do período no Estado do Paraná.
215
período, por conta da prisão do pai. Em 1975 ele tinha 14 anos de idade quando ingressou na
militância estudantil, inserindo-se no Grêmio Estudantil do Colégio “Xavier da Silva” em que
estudava em Curitiba. Relata que, antes da prisão do pai, na escola ele, como representante de
turma, sempre era chamado para hastear a bandeira ou cantar o Hino Nacional. Todavia, com a
prisão do pai, isso não era mais permitido, porque jamais um filho de comunista poderia ser
representante de turma. Ele argumenta: “Esses meus direitos foram cassados. Fui proibido de
hastear a bandeira e ir na frente da minha turma cantar o Hino Nacional”88. Para além do
constrangimento que tal situação trazia houve o aumento do sentimento de luta.
Destaca o fato de sua unidade de educação ser transferida para o Colégio Estadual
do Paraná, momento importante para a militância, uma vez que o CEP era uma instituição com
mais de mil estudantes, sendo que muitos eram engajados na luta por educação de qualidade,
pelo fim da ditadura. Enfim, era um espaço fecundo da organização do ME secundarista.
Reitera a questão de que as entidades de representação dos estudantes secundaristas
paranaenses foram as únicas do país a não serem fechadas pela ditadura militar, ou seja, a UPES
não fechou.
O irmão mais velho de Júlio, Ildeu Manso Vieira Junior, foi preso juntamente ao
pai, no dia 14 de setembro de 1975, quando tinha apenas dezessete anos; ficou no Quartel da
Polícia Federal, no Centro de Curitiba, com os olhos vendados e ouvia os gritos de terror do pai
sendo torturado na cela ao lado. Relata89 que, durante o tempo que passou no Quartel, ouviu
muitos militantes serem torturados; alguns foram submetidos ao que era chamado de “caldo da
verdade” - havia um local onde os militares (todos à paisana) urinavam e defecavam; os
militantes mais resistentes eram afogados nesse líquido.
O rapaz foi liberado durante a madrugada; o pai ficou preso por três anos. Quando
chegou em casa deparou-se com a casa cheia de elementos, todos à paisana, e sua família estava
em cárcere privado, uma vez que os elementos estavam fortemente armados e levaram vários
livros e demais anotações e documentos de seu pai.
Destaca que foi a partir da prisão do pai que ingressou na militância, por meio do
movimento estudantil, engajando-se na luta contra a ditadura. Relata que foi preso várias vezes
por distribuir o jornal “Hora do Povo”, pichar muros, entre outros. Foram prisões rápidas nas
quais ele foi fichado e então liberado. Ficou na militância, na luta pela Anistia, pelas Diretas
88
Depoimentos disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/43/minha-vida-tem-muita-
relacao-com-a-vida-democratica-desse-pais-minha-trajetoria-politica-comeca-em-1975-com-a-prisao-do-meu-
pai Acesso em 23 de fevereiro de 2018.
89
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/33/a-partir-da-prisao-com-meu-
pai-aos-17-anos-me-tornei-efetivamente-um-militante-de-esquerda. Acesso em 23 de fevereiro de 2018.
216
Já. Reitera a importância do DANC (Diretório Acadêmico Nilo Cairo), enquanto entidade que
se mantinha como liderança na organização da esquerda estudantil em Curitiba. Contribuiu para
o processo de redemocratização do país e destaca, ainda, que recebiam cartas ameaçadoras do
CCC.
De forma indireta a militância de José Tadeu Felismino foi perpassada pela
Operação Marumbi; quando questionado sobre como esse fato refletiu dentro da Universidade,
destaca que, logo após a eleição para o DCE e demais diretórios da FUEL, ficaram sabendo da
Operação Marumbi, mas que, na época, não tinham conhecimento do nome, apenas que haviam
ocorrido sequestros. Relata que um professor da Universidade, que era diretor de centro (CCS
– Centro de Ciências da Saúde), foi preso: Nelson Ferreira dos Santos. Recorda que foi um
momento de grande tensão, pois era uma época em que as pessoas desapareciam.
De qualquer forma, os estudantes que faziam parte da diretoria do DCE tomaram a
decisão de, no discurso da posse de Nilson Monteiro (diretor eleito para nova gestão do DCE),
denunciar as prisões que estavam acontecendo em todo estado, mas que ninguém comentava.
Felismino relata que, apesar de toda tensão gerada pela atitude do DCE da FUEL, o então
presidente fez a leitura do discurso redigido pelo coletivo de estudantes. Durante dias eles
ensaiaram e elaboraram esse discurso. Importante destacar que a posse dos membros da
diretoria do DCE e demais entidades acontecia numa cerimônia oficial da Universidade em que
se faziam presentes todos os diretores de centro e demais autoridades da instituição. Portanto,
naquela cerimônia, um membro estava ausente, ou seja, o professor Nelson (Nelsão).
Comenta que, alguns dias após o discurso, o professor Nelson foi solto, assim como
outros presos políticos. Entretanto, o discurso de posse referiu-se apenas ao professor Nelson.
Em sua dissertação de mestrado Felismino discorre sobre as repercussões dessa atitude do DCE
e mais especificamente do jornal Poeira, uma vez que essa decisão política teve repercussões.
Na edição número 11 de novembro de 1975 do jornal Poeira90 os estudantes
publicaram sobre a cerimônia de posse e a prisão do professor. Na página 8 encontra-se a
transcrição da carta, lida pelo então Presidente do DCE, bem como o relato da organização da
cerimonia e a libertação do professor, após 17 dias preso.
Foi um ato de grande ousadia dos estudantes uma vez que, além da leitura da carta
durante a cerimônia, houve também a sua reprodução no jornal de grande circulação no meio
universitário. Nas primeiras linhas da carta o registro era de que havia muitos problemas que
afligiam os estudantes como as condições estruturais dos diversos cursos e a legislação que
90
Disponível em: https://issuu.com/jornalpoeira/docs/poeira_1975_11. Acesso em 07 de março de 2018.
217
cerceava a organização estudantil - dentre elas, mencionavam o Decreto 477. Mas, naquela
ocasião, os estudantes decidiram direcionar a discussão para:
Assuntos não nos faltam, as reivindicações são muitas. No entanto, somos
obrigados a falar pouco sobre tudo isto. No entanto, somos obrigados a
comunicar, consternados, que a nossa Universidade já não está imune à onda
de prisões que assola o pais.
Foi preso no último dia 11, o professor e diretor do Centro de Ciências da
Saúde, da Universidade Estadual de Londrina, Nelson Rodrigues dos Santos.
Esta prisão acontece em meio a um clima de pânico na comunidade, criado
por diversas prisões ocorridas também em Londrina e região nos últimos dias.
Essas prisões, sem exceção, são feitas em sigilo, sem que o prisioneiro e sua
família saibam para onde é levado, de que é acusado e por quanto tempo
permanecerá detido. (POEIRA, 1975, p. 08)
Lembra emocionado do discurso que proferiu com a finalidade de denunciar mais essa
atrocidade cometida pelos órgãos de repressão.
Esses são alguns exemplos de pessoas que foram “vítimas” diretas da violência
desencadeada pela Operação Marumbi. É uma pequena mostra das consequências negativas
desse período em que pessoas e suas famílias foram prejudicadas por lutar pela liberdade de
expressão, por educação de qualidade, por direitos básicos da vida humana.
91
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/91/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 02 de junho de 2018.
92
Dentre as referências que tratam sobre está atividade, mencionamos o artigo disponível em:
http://books.scielo.org/id/k4vrh/pdf/priori-9788576285878-11.pdf
220
militantes que articularam a Guerra de Porecatu93. A revolta de Porecatu aconteceu nas décadas
de 1940 e 1950 no interior do Paraná. Foi um conflito de terras, que ocorreu no Norte do Paraná,
entre posseiros e grileiros, uma vez que a partir de 1930 teve início o processo de colonização
dessa região, atraindo posseiros, pequenos proprietários e demais trabalhadores, na grande
maioria oriundos do Estado de São Paulo. Esse processo aconteceu da seguinte forma:
Primeiramente, a colonização ocorreu em pequenas posses de terra, por meio
de plantio de café, de culturas alimentares e de criação de porcos;
posteriormente, em meados dos anos 1940, a organização da propriedade de
terra foi realizada com a presença de grandes grileiros, que expulsavam os
posseiros e estruturaram as suas propriedades com base no cultivo do café, na
criação de gado, na plantação de cana-de-açúcar, associados ao trabalho
assalariado. (PRIORI, et. al., 2012, p. 128-129)
93
Marcelo Oikawa Eiji publicou um livro, em 2011 chamado “Porecatu: a guerrilha que os comunistas
esqueceram”. O livro foi publicado pela Editora Expressão Popular. No livro Marcelo socializa os resultados de
vinte anos de pesquisa sobre a revolta de Porecatu.
221
94
Disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/170/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 20 de julho de 2018.
222
a luta contra a polícia especial, criada na Universidade; contra o Código Disciplinar da UEL,
de 1974, os estudantes denominavam este código de um “clone” do Decreto 477, na FUEL.
Foi candidato a Presidente do DCE para a gestão 1975/1976 e sua chapa venceu.
Relata que havia vigilância dos órgãos de segurança em relação aos estudantes de Londrina.
Remete ao fato de que os registros realizados pelos agentes da DOPS, nas fichas individuais,
são uma demonstração de paranoia, uma vez que o militante poderia estar em mais de uma
cidade no mesmo dia. No seu caso relata que há registro de que ele estava em Londrina e em
Belo Horizonte.
Ele fez parte do Conselho Universitário com uma outra estudante; lembra que, dos
quarenta membros que faziam parte dessa entidade eram apenas cinco de oposição, visto que
os demais estavam do lado da Reitoria, portanto, da Ditadura.
Sobre as condições nas quais estavam inseridos, relata que era um clima de terror
tanto na Universidade quanto no trabalho, na rua, enfim. Estavam sob pressão constante, uma
vez que pessoas foram sequestradas e algumas ainda não foram encontradas.
Ainda sobre processo de elaboração do jornal “Poeira”, temos o depoimento de José
Antônio Tadeu Felismino95 que ingressou na Universidade no ano de 1973 como estudante de
Direito. Seu primeiro contato com o ME organizado na FUEL via DCE não foi pela militância,
mas porque havia concorrido ao concurso de poesia e conto, promovido pelo DCE, tendo
recebido prêmios com seus textos. Relata que, a princípio, sua escrita não tinha intenção de
estabelecer críticas ao Governo Militar. A partir desse concurso de 1973 começou a conviver
com essas pessoas, com atividade cultural, política e intelectual.
Relata a boemia dos estudantes, de irem para bares fumar cigarro sem filtro e
discutir poesia e outros temas. Assim, ingressou no movimento estudantil; era ainda a primeira
gestão do DCE da UEL, de 1973 para 1974. Retoma que a UEL foi criada em 1971, no modelo
da Reforma Universitária, em consonância com os Acordos MEC/USAID, em regime de
Fundação, denominada de FUEL, em que o ensino era pago. Não havia diretórios
independentes; havia o DCE.
Naquele período um grupo de estudantes, no início da 1974, encontrava-se aos
sábados à tarde para redigir um jornal estudantil, jornal “Poeira”, o qual tomou tamanha
proporção que, de 1974 até 1978, esteve à frente da direção do DCE da FUEL, ou seja, os
candidatos estavam vinculados ao “Poeira”.
95
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/183/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.
223
Sobre a realização ou a não realização do III ENE, no dossiê destinado aos ENEs,
constam algumas notícias de jornais sobre o evento; dentre elas é possível verificar que as
tentativas já iniciaram em 1976. A exemplo dos estudantes paranaenses, outros estudantes
brasileiros que estiveram vinculados à organização e participação do III ENE, prestaram
depoimento no DPF de Belo Horizonte. (Pasta nº 922.114, p. 24 – 29)
Na mesma época decidiram organizar um evento em Londrina, uma vez que, no
país, estava iniciando o processo de discussão sobre a Constituinte, tema que era ainda
desconhecido pela maioria da população; havia uma atividade, um debate sobre o referido tema
na cidade, todavia, não foi realizado por conta de uma operação da polícia. O fato obteve
repercussão nacional.
Ainda de acordo com o depoimento de Tadeu Felismino no final de 1978 a Reitoria
baixou um Ato que fechava todas as entidades de representação estudantil. Até então, a própria
reitoria havia tentado vencer as eleições contra os candidatos, oriundos do Poeira, mas, como
isso não acontecia, a ação foi direcionada para a imposição do encerramento das atividades
estudantis na FUEL. Todos os mandatos foram cassados e os bens das entidades foram todos
confiscados.
O depoimento de Tadeu coaduna-se com as memórias de Marcelo e Nilson com
alguns elementos específicos que foram elencados no decorrer da análise sobre a trajetória
explanada por Tadeu.
224
96
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/82/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 11 de fevereiro de 2018.
225
Braga, que iniciou em 1978), o Folha de Londrina não fez mais impressão; foram para o
Panorama, que não resistiu por muito tempo, mas chegaram até a imprimir, em Maringá, o
Poeira. As dificuldades foram crescendo, os anunciantes do jornal também foram sofrendo
pressão do governo, portanto, deixando de investir. A situação ficou difícil, fazendo com que o
DCE tomasse a iniciativa de adquirir uma impressora para produzir o jornal.
Outro dado importante que Gilberto relata diz respeito às atividades realizadas pelo
DCE para receber os calouros. Dentre as atividades, organizavam shows. Ele relembra a vinda
de João Bosco, bem como Chico Buarque, este, em 1975, além de outros, como Milton
Nascimento, Elis Regina, todos promovidos pelo DCE. Relembra, ainda, que, no campo da
cultura, havia o grupo de teatro META (Movimento Estudantil de Teatro Amador).
Sobre a Semana de Atualidades, no dossiê dos Diretórios Acadêmicos encontra-se
um cronograma da atividade do ano de 1975; a semana foi realizada de 25 a 31 de agosto. Na
programação estão previstas diversas palestras com temáticas polêmicas para o período, bem
como o show de João Bosco e uma apresentação de teatro com a chamada: “TIRADENTES
pelo grupo META. Os estudantes fazem teatro e contam Tiradentes na Semana. Falam da
opressão, do colonialismo e da liberdade numa linguagem nova e uma montagem viva do texto
de Boal e Guarnieri” (Pasta n.º 717.82, p. 106).
Ainda nessa edição do “Poeira” é possível recorrer a outra luta travada pelos
estudantes no período, que diz respeito ao passe universitário mencionado por outros militantes
também.
Gilberto também fala da polícia interna, criada pela universidade, que os estudantes
chamavam de SUAT, em analogia ao SWAT97; criticavam o Decreto 477; encamparam a luta
pelo meio-passe do transporte público para universitários. Dessa forma, venciam as eleições
para o DCE. Em 1977 e 1978 iniciaram o processo de reconstrução da UNE; relembra o III
ENE98 (Encontro Nacional de Estudantes) e IV ENE, os quais aconteceram com enfrentamentos
entre estudantes e a polícia sendo aprovado, no IV ENE, a proposta de reconstrução da UNE.
A partir dessa decisão os estudantes universitários de Londrina inseriram-se nesse
processo de reorganização dos estudantes em torno da reconstrução de sua entidade de
representação máxima, a UNE. A documentação arquivada pela DOPS/PR elucida as
contribuições dos estudantes paranaenses nesse processo com a participação na comissão pró-
97
Seriado policial da década de 1970.
9898
Nos arquivos da DOPS-PR, consta um dossiê específico sobre os Encontros Nacionais de Estudantes, Pasta
n.º 922.114. No dossiê, há documentos sobre o ENES (Encontro Nacional de Estudantes Secundaristas), bem como
sobre a realização dos ENEs.
226
UNE e na efetivação das ações. A primeira reunião Pró-UNE aconteceu em Salvador; do DCE
da FUEL foram dois representantes, Gilberto e mais um. Eles discutiram as teses com o grupo
de estudantes do DCE, mas não podiam levar nada escrito; assim, apenas memorizavam as teses
defendidas pelos estudantes da FUEL. Além disso, decoravam um número de telefone para o
qual deveriam ligar no caminho a fim de informar, por meio de códigos, que não foram presos.
Ainda, quando desciam do ônibus em Salvador, a orientação era de que uma pessoa, vestida de
tal forma, estaria na rodoviária; caso essa pessoa estivesse com a revista Manchete aberta, era
para eles tomarem o ônibus e retornar, porque a reunião teria “caído”; caso a pessoa estivesse
com a revista Opinião aberta, podiam continuar no endereço, também decorado, visto que a
reunião iria ocorrer.
No final de 1978 a reitoria da FUEL “decidiu” fechar o DCE, de forma violenta;
policiais internos da Universidade fecharam a entidade, quebraram a parede do DCE e
“arrancaram nossa máquina”, a impressora que foi adquirida pelo DCE para impressão do
Poeira, levando-a para a reitoria. Além do DCE a polícia foi para o DA de Ciências da Saúde,
que ficava em outro endereço.
Os policiais deslocaram-se até a sede do DA, mas encontraram uma quantidade
significativa de estudantes porque, quando o DCE foi “invadido” pela polícia, alguns estudantes
organizaram-se e informaram que a polícia iria até a sede do DA. Assim, a polícia não
conseguiu fechar a sede do DA e os estudantes montaram uma vigília em que permaneciam 24
horas no prédio. Isso perdurou por quatro ou cinco meses até que, em uma madrugada, estavam
apenas duas estudantes dormindo na sede quando a polícia chegou e fechou tudo.
Dessa forma, foi organizado o DCE Livre; Alberto de Paula Machado foi o primeiro
presidente deste. A sede do DCE (antiga) ficou destinada para a Casa do Estudante e, onde era
sede do DA de Ciências da Saúde, ficou o DCE. Outra atividade importante do ME nesse
período diz respeito ao Congresso de Reconstrução da UNE. Gilberto caracteriza a presença
das tendências políticas.
Ele fez parte da chapa “Mutirão”, junto com os demais, inclusive, Aldo Rebelo;
essa foi a chapa vencedora, sendo a primeira eleição direta da UNE, no voto, em 1979.
Concorreram, ainda, a chapa “Unidade”, união do MR8 e do PCB, que tinha representante do
Paraná, a saber, Carlos. A chapa “Nova Ação” era do pessoal da tendência socialista e da
Liberdade e Luta, LIBELU. Havia, ademais, a chapa “Maioria”, que representava estudantes
vinculados aos ideais da direita. O congresso contou com a presença de mais de 10 mil
estudantes. Foi um congresso heterogêneo em que os estudantes debateram desde as
necessidades específicas de cada instituição até a luta contra a ditadura.
227
ou seja, era um espaço fecundo de ideias. Assim, o Congresso da UNE foi identificado por ele
como o grande Congresso das esquerdas no Brasil,
Em 1979 iniciaram o processo de organização do Comitê Londrinense pela Anistia
e Direitos Humanos; ele relata que o grupo confeccionou um cartaz que fazia a defesa da Anistia
ampla, geral e irrestrita, diferentemente da proposta do governo, de Anistia Parcial.
Luiz Donadon Leal99 aproximou-se dos movimentos de esquerda, em 1979,
quando ainda não estava na Universidade. Ingressou na FUEM, no ano de 1980, no curso de
Psicologia. Encontrou-se com militantes do PC do B e inseriu-se no ME da Universidade.
Lembra que a atividade política do PC do B, naquele período, acontecia por meio do MDB.
Luiz recorda do processo de reconstrução da UNE e, em seguida da UPE, da qual
ele participou como membro da diretoria em 1980. Destaca que algo específico do curso de
psicologia da UEM, por ser um curso novo, dizia respeito ao fato de que muitos professores
vieram de fora, Unicamp, PUC - SP, entre outras. Assim, traziam para o debate questões mais
amplas no processo de formação dos acadêmicos, contribuindo à conscientização das condições
objetivas nas quais o curso estava inserido. Eles tinham disciplinas como sociologia e filosofia,
por exemplo.
Organizaram, junto com acadêmicos da pedagogia, uma escola “alternativa” com a
finalidade de oferecer educação escolar diferenciada para crianças; era uma proposta
pedagógica que se aproximava da oferecida pela escola “Oficina”, em Curitiba, já mencionada
nesta tese, que foi alvo da repressão por meio da Operação Pequeno Príncipe.
Como mencionado na introdução deste texto, o pesquisador Reginaldo Benedito
Dias registra a organização do ME da UEM, na década de 1980, por ocasião da luta pela
gratuidade do ensino e pela democratização da universidade. Em seu texto retrata a trajetória
específica do ME Universitário da UEM, resultado das condições objetivas em que houve sua
gênese. Reginaldo, ao recorrer à gênese do ME de Maringá, destaca a articulação do grupo com
as discussões do ME nacional, guardadas algumas especificidades:
O Carsi100 não ficou alheio a esse processo. No período anterior a 1964,
manteve contatos constantes com as atividades da UNE e da UPE (União
Paranaense dos Estudantes). Exemplos desse relacionamento foram a
participação no XXV e XXVI Congressos da UNE, a adesão à greve nacional
por 1/3 de representação discente e a instalação de uma subsede da UPE em
Maringá. (DIAS, 2008, p. 38)
99
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/164/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 22 de abril de 2018.
100
Centro Acadêmico Roberto Simonsen (CARSI). Formado em 1961, em decorrência da fundação da Faculdade
de Ciências Econômicas, em Maringá.
229
101
Essa questão também foi mencionada por Reginaldo Benedito Dias, em seu livro, p. 51.
230
102
In memoriam. Claudio Gamas Fajardo faleceu em 13 de agosto de 2014.
103
Depoimento disponível no endereço: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/24/eu-me-lembro-do-
dia-primeiro-de-abril-de-64-quando-padres-americanos-conclamavam-as-senhoras-para-marchar-nas-ruas-
contra-o-governo-e-a-ameaca-comuni. Acesso em 23 de julho de 2018.
231
104
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/45/a-ditadura-esta-dentro-de-
nos-e-seus-efeitos-vao-durar-para-sempre. Acesso em 15 de maio de 2018.
105
Sobre está temática, ver trabalho de MONTEIRO, Thiago Nunes. Como pode um povo vivo nesta carestia:
O Movimento Custo de Vida em São Paulo (1973-1982). Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
file:///C:/Users/Silvana/Downloads/2015_ThiagoWilliamNunesGusmaoMonteiro_VCorr.pdf. Acesso em 08 de
outubro de 2018.
232
sociedade, portanto, de seus pares. Ele relata que eram poucos e tinham um número reduzido
de amigos.
O depoimento de Vitor Moreschi Filho106, que chegou a Curitiba no ano de 1974
ingressando na UFPR em 1976, elucida as dificuldades prementes dos filhos da classe
trabalhadora, do interior do estado, para alcançar a possibilidade de estudar. Vitor relata que as
dificuldades enfrentadas pela família fizeram com que ele tomasse consciência das condições
de exploração a que eram submetidos, bem como as atrocidades cometidas pelo Governo
Militar. Diz que, por sorte, conseguiu uma bolsa de estudos para finalizar o ensino médio na
capital, o que lhe possibilitou as condições de estudar para prestar vestibular na Federal; foi
aprovado em medicina. Quando foi fazer a matrícula foi solicitado, como era comum para todos
os estudantes, ir até à DOPS-PR para retirar um atestado de que não havia nenhum problema
com a polícia política do país, para então efetivar a matrícula.
Participou do processo de reorganização das entidades de representação estudantil;
engajou-se na luta por meio da sua inserção nas ações voltadas para a saúde pública.
Mostra a ficha individual dele no DOPS/PR, sendo que os registros eram realizados
quase que diariamente. Destaca que o dinheiro público era investido nisso, em vigiar as
atividades de um estudante. Isso é um retrato da Ditadura, dos tempos em que ele militou; eram
as contradições da sociedade. No capítulo anterior reiteramos essa questão, uma vez que houve
investimento significativo na vigilância aos subversivos.
Sobre a Ficha Individual de Vitor Moreschi, ela possui quatorze páginas; no ano de
1980 a recorrência de registros é intensa, como relatado por ele. Na verdade, tratava-se de um
trabalho dobrado, uma vez que as anotações das fichas eram angariadas em outros dossiês,
como já mencionado nesta tese. Como aconteceu com os demais militantes, há registros da
participação de Vitor nas diversas atividades organizadas pelo ME, bem como nos demais
movimentos desencadeados no período, CDAMA, CBA-Curitiba, partidos políticos, além dos
atos públicos e comícios. (Ficha Individual nº 26.818)
Como integrante da primeira diretoria da UNE, após a reconstrução, relembra as
lutas que travavam, inclusive o processo de retomada da sede histórica da entidade e o fato do
governo ter demolido a casa por conta do que ela representava para a organização dos estudantes
no país. Quando questionado sobre o que fica daquele período, destaca que fica o personagem
retratado por Henfil, o “Ubaldo O Paranoico”.
106
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/69/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 08 de maio de 2018.
233
precisavam organizar a luta. Assim, os textos fundamentais, de base, não foram estudados.
Devido à sua militância no MR-8 teve acesso a textos para organizar a luta. Ela participava e
conhecia apenas integrantes da célula da juventude. Ainda na década de 1980 havia grande
cautela para organizar encontros/reuniões do MR-8. O sistema de segurança do partido era
extremamente cuidadoso.
Ainda sobre o MR-8, quando questionada se conhecia a história do partido, do
início da década de 1960, a militante recorda que só conheceu mais tarde, já que, durante sua
atuação no partido, de acordo com ela, foi reorganizado de maneira diferente do MR-8 da
década de 1960; o partido no qual ela militava, na década de 1970, não optou pela guerrilha
urbana e organizava-se de forma diferenciada do período anterior.
Sobre esse novo MR 8:
No Paraná, esse novo MR-8 teve suas primeiras raízes a partir do Darp da
UFPR em 1978 e disputaria com o PCdoB a hegemonia do ME a partir de
1978/79. Atuando por dentro do PMDB, participou ativamente da sua
fundação em 1980 (continuidade do MDB). Com o seu trabalho político se
expandindo para a periferia de Curitiba e interior do Estado, notabilizou-se
por um estilo agressivo de formação de oradores com capacidade de a
qualquer momento ocupar as ruas. Usando seu agressivo jornal “Hora do
Povo”, fazia comícios relâmpagos nas ruas da capital, denunciando a ditadura
militar. (OLIVEIRA, 2014, p. 101)
Marlene foi eleita vereadora em 1982; ainda nesse período havia em Curitiba
movimentos de extrema direita, dentre eles, o CCC. Ela destaca o ocorrido com seu carro, o
qual foi todo pichado com dizeres e caveiras, quando ela foi até o Colégio Estadual do Paraná
para participar de uma reunião.
De acordo com Marlene, o movimento de luta pela Anistia contribuiu para
articulação do movimento feminista107, especialmente as mães que tinham seus filhos exilados.
Quando questionada sobre o fato de ser mulher militante no ME, se houve especificidade,
argumenta que, no meio estudantil, era algo já comum. Todavia, no meio social, ela era vista
como uma “mulher corajosa”. Foi presa três vezes, mas rapidamente solta; ela relata que, nesse
período, houve um arrefecimento das prisões dos militantes paranaenses, especialmente
estudantes.
Lembra do dia em que o Presidente General João Batista Figueiredo esteve em
Curitiba, quando houve uma grande manifestação de estudantes contra a ditadura; não era o
107
O depoimento de Marlene é muito elucidativo da organização do movimento feminista no Brasil e, em especial,
no Paraná. Não recorremos de forma sistemática a essas contribuições, todavia, o depoimento está disponível:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/46/nao-tinha-tempo-ruim-qualquer-coisa-que-precisasse-os-
estudantes-estavam-sempre-prontos-para-enfrentar-a-policia-cotidianamente. Acesso em 13 e 14 de novembro de
2017.
235
movimento estudantil reivindicando questões relacionadas à educação, mas sim, estudantes que
lutavam pelo fim da ditadura. Ela recorda que eram muitos estudantes, os quais, ao se
encontrarem com os militares que faziam a segurança do Presidente da República, General João
Baptista Figueiredo, ofereceram flores. Sobre esse acontecimento consta nos arquivos da
DOPS-PR um recorte do jornal Diário do Paraná, de 19 de março de 1982, com a reportagem:
“Estudantes tentam novo diálogo” na qual toda a situação de greve é relatada, bem como a
tentativa de contato com o então Presidente:
Se ele tiver compromisso com a democracia, ele irá nos receber. Este
o comentário do presidente da UPE. Só que o pensamento oficial era outro.
Dali em diante, nenhum manifestante conseguiu passar. Os estudantes então
sentaram-se todos no meio da rua à espera de alguma luz que pudesse iluminá-
los.
Enquanto nada acontecia, velhos refrões (sic) eram ditos, tanto em
forma de música como também alguns clichês, tipo “povo unido jamais será
vencido”, ou “João, João queremos refeição”. Mas a música “Pra não dizer
que não falei de flores” entusiasmou o pessoal. Quando a letra começou a ser
cantada, “Vem vamos embora que esperar não é saber...Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer”, vivas e gritos explodiram da multidão.
O momento de maior densidade ficou por conta de duas partes do
movimento que tocaram fundo a sensibilidade dos presentes. O primeiro,
quando começaram a cantar o Hino Nacional, onde todos se puseram em pé,
com a mão no peito cantaram em uma só voz.
O segundo, uma lembrança que caiu em cima da importância do
momento. Uma aluna se lembrou de comprar flores, e enquanto se cantava o
outro verso da música de Vandré, ... “há soldados armados, amados ou não,
quase todos perdidos de armas na mão...”, foi feita uma distribuição de flor
por flor aos aturdidos soldados que não sabiam o que fazer. (Pasta n.º
2326.263, p. 45)
108
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/117/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.
236
109
Apesar de não participar diretamente da organização estudantil institucionalizada, o depoimento de Rosilei é
elucidativo das ações dos jovens para além da universidade, comum a muitos estudantes articulados às entidades
de representação estudantil. Seu depoimento está disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/68/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.
237
tudo era dominado por essa referida família. Isso incomodava e instigava a entender essa
diferença entre as famílias, os grupos.
Foi para Curitiba em 1977, quando ingressou no MCC (Movimento Contra
Carestia), de cunho popular, que reunia as mulheres, a juventude porque sofria com a falta de
empregos, e os homens porque eram afetados com a falta de emprego. De caráter popular e de
reivindicações palpáveis, era um movimento que lutava por uma sociedade mais justa.
Participava de movimentos da juventude nos bairros, vinculados aos partidos políticos, os quais
eram representados pelo MDB; os demais estavam inseridos no MDB por conta da legislação
implementada pelo governo militar.
Participou da reorganização de algumas associações de bairro que, muitas vezes,
reuniam a juventude e as mulheres nesses bairros. Tal reorganização primava pela
conscientização de toda a população. Participou da CBA de Curitiba e relata que o retorno das
pessoas foi muito marcante, porque ela e muitas outras pessoas sequer tinham conhecimento de
quem havia sido exilado.
Relata que, para entrar no Partido Comunista do Brasil, existia uma espécie de
batismo, que seria realizar a venda do “Jornal Tribuna Operária”, durante a noite, ou seja, para
ser do PC do B, era necessário ser “tribuneiro”, nas palavras de Rosilei. Ela ingressou numa
célula de base do partido, destinada à juventude. Dessa forma, manteve sua militância.
Genésio Felipe de Natividade110 chegou a Curitiba em 1978 para cursar direito na
PUC. Genésio foi aluno de Narciso Pires, que era professor de Língua Portuguesa em Mamborê.
Ele lembra com carinho e respeito das aulas de Narciso, conhecido pelos alunos com professor
“Tito”, porque suas aulas eram muito dinâmicas; ele trabalhava com peças de teatro, o que
levava alunos de outras turmas a assistirem às suas aulas. Encontrou Narciso, novamente,
quando chegou a Curitiba. Nesse período Narciso era coordenador da CBA do Paraná. Em 1978
Genésio ingressou no ME. Foi morar na CEU, onde participou do processo de organização de
manifestações pela Anistia. Ficou na casa de 1978 até 1982. Fez parte do departamento cultural
da CEU; ajudava a produzir pequenos jornais, com uso do mimeógrafo; era uma forma de
socializar as teses dos estudantes. Um dos temas era a Anistia Ampla Geral e Irrestrita, contra
o 477 e também pela participação dos estudantes nos Conselhos Universitários.
Foi receber os exilados, em 1979, e diz se lembrar da chegada de Vitório Sorotiuk.
Destaca que foi uma data marcante, de reencontro entre brasileiros que deveriam estar em seu
110
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/50/a-minha-geracao-nao-se-
omitiu-na-luta-para-mudar-o-pais-eleger-os-governantes-e-ter-direito-a-liberdade. Acesso em 04 de agosto de
2018.
238
país, mas que foram obrigados a exilar-se. Era ainda um período difícil, pois não era um
ambiente tranquilo, era de luta.
Lembra das bancas de jornais que foram atacadas por vender jornais alternativos,
por exemplo: “O Movimento” e o “Pasquim” nesse período de abertura política. Destaca a
presença de agentes da DOPS-PR durante as atividades realizadas pelo ME, os quais estavam
disfarçados. Fez parte dos grupos de estudantes que saíam na madrugada para colar cartazes
nas ruas de Curitiba. Os cartazes eram a favor da “Anistia: Ampla, Geral e Irrestrita”
Finalizou o curso em 1982 e, como advogado, foi trabalhar como defensor de
posseiros no interior do Paraná. Mais tarde, como já tinha conhecido Chico Mendes em
Curitiba, foi para o Acre, em Rio Branco, onde continuou a defesa dos posseiros, sendo,
inclusive, advogado de Chico Mendes.
Com a eleição direta para governadores, em 1982, houve a ampliação das
possibilidades de diálogo. Argumenta que, naquele período, organizar a luta não era fácil, já
que as condições objetivas eram limitadas e as formas de comunicação eram outras.
Alexandre Zamboni111, irmão de Tosca Zamboni, foi militante estudantil desde o
início da década de 1970 quando ainda era aluno do Colégio Estadual do Paraná. Alexandre era
filiado ao PC do B e, como militante estudantil, estava atrelado à tendência Viração. Ingressou
na Universidade em 1979; manteve-se articulado ao ME. Foi candidato à diretoria do DCE da
UFPR, em 1983. Relata que só finalizou a graduação em 1990, quando estava residindo em
Mato Grosso do Sul; essa situação de “atraso” para finalizar os estudos diz respeito à intensa
articulação com os movimentos sociais, o que foi recorrente na vida dos militantes estudantis
no período: por conta das atividades de militância, não havia possibilidade de realizar com
qualidade as atividades acadêmicas.
Vivenciou o período de militância engajando-se nos movimentos em defesa da
Amazônia e pela Anistia. A exemplo dos demais militantes desse período fazia panfletagem,
pichações e participava das diversas atividades dos movimentos sociais. Por sua militância, foi
detido algumas vezes.
No interior do estado, Zenir Teixeira de Almeida iniciou sua militância no ME
secundarista, na cidade de Pato Branco. Chegou a participar do Congresso de Reconstrução da
UNE, em Salvador. Participou por três gestões da direção da UPE. Sobre o ME secundarista de
Pato Branco, destaca que era muito forte, atuante na cidade.
111
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/29/havia-um-temor-familiar-
muito-grande-em-relacao-a-possibilidade-ter-sua-vida-vasculhada-invadida-vigiada. Acesso em 18 de janeiro de
2018.
239
112
O movimento ficou conhecido como Novembrada, quando aproximadamente trinta estudantes organizaram um
ato de manifestação contra o Governo, o qual ganhou apoio de outros profissionais. Tal ação “irritou” o então
Presidente, que foi até onde ocorreria a manifestação para posicionar-se sobre o ocorrido. Disponível em:
http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/novembrada/19,398,2729820,30-de-novembro-de-1979-o-dia-em-
Florianopolis-confrontou-a-ditadura-militar.html. Acesso em 04 de agosto de 2018.
113
Recorremos ainda à visão do SNI sobre os acontecimentos de novembro de 1979.
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/documentos-do-sni-revelam-visao-da-ditadura-sobre-a-
novembrada-que-completou-37-anos. Acesso em 04 de agosto de 2018.
114
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/35/era-uma-vida-intensa-em-
que-gente-vivia-cada-minuto-a-luta-pela-liberdade-e-a-construcao-do-brasil. Acesso em 04 de agosto de 2018.
115
Site da entidade: http://assesoar.org.br/. Acesso em 04 de agosto de 2018.
241
116
Depoimentos disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/100/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 11 de agosto de 2018.
242
sendo que ele foi convidado a participar da Tendência “Viração”, do PC do B, para eleições da
UPE, a segunda após a reconstrução da entidade. Lembra que a primeira eleição ocorreu em
1980, foi disputadíssima e a Viração foi vencedora. Para a segunda eleição relata que foi
realizada uma reunião na CEU, em que estavam presentes vários militantes do ME paranaense
naquele período, dentre eles: Tosca Zamboni, Vitor Moreschi, Zenir, Geraldo Serathiuk, entre
outros. Ele, então, foi convidado a fazer parte dessa chapa como representante do setor de
tecnologias da Federal. A chapa foi vencedora.
No ano 1982 o Ministro da Educação, o General Rubem Carlo Ludwig, tomou a
decisão de unificar o valor das refeições dos RUs das Universidades Federais em todo o país.
Tal fato culminou com a unificação do ME no Brasil todo. Organizavam as Assembleias
estudantis, lideradas pelo DCE da UFPR, representado por Tosca Zamboni, em que foi iniciada
a greve geral dos estudantes.
Relata que ingressou oficialmente no PC do B em 1982; destaca que foi a partir de
seu ingresso no partido que, formalmente, foi vigiado, uma vez que, antes disso, ele militava,
mas não há registros sobre essa atuação. Assim, fica implícita a existência de infiltrados nos
diversos movimentos sociais e partidos políticos. No que tange à década de 1980 consta nos
arquivos da DOPS/PR um documento117 que trata da infiltração de um Agente da Polícia
Federal no ME, bem como no CBA e no PMDB; o informe é de setembro de 1980:
SÉRGIO RIBEIRO DE OLIVEIRA MOTA é Agente da Polícia Federal e
encontra-se infiltrado no Movimento Estudantil – ME, com consequentes
participações no Comitê Brasileiro pela Anistia/Seção Curitiba – CBA e
Diretório Local do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.
Face à ocorrência (verídica) da estranha incursão à residência do ?, como
consta no terceiro parágrafo do documento referenciado, SÉRGIO foi
orientado por esta SI no sentido de narrar o fato durante a reunião do CBA,
conduta lógica de qualquer pessoa que daquela entidade fizesse parte, em
idêntica situação. Visou-se, com isso, aproveitando a ocorrência que pode ter
partido da própria esquerda, afastar suspeitas (já detectadas) de integrantes do
citado Comitê sobre a verdadeira identidade do Agente Federal.118
117
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2013/03/03110.jpg. Acesso em
08 de maio de 2018. O documento está disponível no site Documentos Revelados; como não possui os dados sobre
o dossiê em que está arquivado, referenciamos por meio do acesso ao link.
118
Idem.
243
119
Algumas informações sobre este acontecimento podem ser encontradas no endereço:
http://www.portalagora.com/noticias/mostrar/id/46000/titulo/o-crime-que-colocou-mandaguari-em-destaque-no-
noticiario-nacional. Acesso em 30 de abril de 2018.
120
Em pesquisa na base de dados Hemeroteca, deparamos com a notícia no jornal Diário do Paraná, de 21 de
outubro de 1980, em que está registrada a busca dos estudantes para recuperar sua sede, que estava sendo utilizada
pela PARANATUR. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&PagFis=144306&Pesq=upe Acesso em 09 de
outubro de 2018.
244
para Presidente da República. Assim, sob a convocação do então presidente da UPE na antiga
sede da OAB do Estado, em parceria com partidos políticos, com sindicatos e demais entidades
vinculadas às lutas sociais, foi realizada a primeira reunião do Estado, em 1983, para organizar
a Campanha pelas Diretas Já. Samuel Gomes foi o sucessor de Turra na presidência da UPE e
deu sequência a esse trabalho, uma vez que Turra destaca que o ME Universitário do Estado
era quem direcionava tal ação, o que era aceito pelos demais movimentos.
O depoimento de Turra contribui para que possamos compreender, de forma clara,
as especificidades da organização estudantil no início da década de 1980.
Jorge Modesto também participou do ME, no início da década de 1980, na Capital
do Estado, quando ingressou no curso de economia da UFPR. Antes de ingressar no ME,
participou no CBA de Curitiba e no CDAMA (Comitê de Defesa da Amazônia). No ME,
contribuiu com o processo de reorganização das entidades, em especial do DCE e da UPE. Mais
tarde agregou a luta pelas “Diretas Já”, pela Constituinte e segue na luta até a atualidade.
Quando questionado sobre a história do CDAMA, Jorge relata que foi um
movimento proveniente da sociedade civil, de forma especial pelos estudantes secundaristas,
inclusive da escola técnica e dos cursinhos preparatórios para o vestibular, os quais inseriram
na pauta de reivindicações, além da luta em defesa da Amazônia, questões ambientais.
No processo de reorganização do DCE da Federal os militantes estudantis da década
de 1960 foram chamados para que fossem homenageados; ele cita o nome de Vitório Sorotiuk
que, inclusive, foi exilado. Fazia parte da tendência estudantil “Viração”, que mais tarde passou
a ser denominada UJS (União da Juventude Socialista), presente até os dias de hoje na
organização da juventude.
Destaca as lutas travadas pelos estudantes: pela qualidade dos RUs, pela
democratização da Universidade. Argumenta que houve unidade entre professores, servidores
e estudantes em torno da luta pela democratização da Universidade.
Analisamos, ademais, o depoimento de Valéria Prochmann121, que é filha de
militante estudantil do período anterior ao golpe de 1964. Ela iniciou sua militância no ME em
1982 por meio da organização estudantil secundarista. Em 1986 chegou à presidência da UPE
sendo a primeira mulher a ocupar o cargo. Alguns elementos trazidos por Valéria são relevantes
para compreender o processo de organização dos estudantes, bem como do movimento
feminista no Paraná. Ela relata que, no final da década de 1970, com o aumento da inflação e
do desemprego, as mulheres, mães e donas de casa foram às ruas e bateram panela, reclamando
121
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/185/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.
245
da alta dos preços de alimentos, do custo de vida como um todo. Teve início com as mulheres,
então, a Luta contra a Carestia no Paraná. Essa luta expandiu-se por todo o país, originando o
Movimento Contra a Carestia (MCC), como já mencionado anteriormente.
Em 1982 ela, juntamente com outros colegas, dentre eles, Gleise Hoffman,
organizaram o Comitê Pró-Grêmio Livre do Colégio Medianeira, quando deram o nome do
estudante Edson Luiz Lima Souto. Articulados ao ME foram eleitos como
representantes/delegados na Comissão Pró-UBES no processo de reconstrução dessa entidade.
Também em 1982, quando acontecem as primeiras eleições diretas para governadores dos
estados, ela era aluna do Colégio Medianeira e militava no Grêmio Estudantil; a entidade lançou
a tarefa de entrevistar os candidatos ao governo do Estado para redação do boletim informativo
do Grêmio Estudantil.
Nesse processo de diálogo com os candidatos quando conversaram com o candidato
que representava a Frente Democrática, José Richa, ela foi convidada a participar do
Movimento Juvenil da Campanha de José Richa denominado Comitê do Primeiro Voto; assim,
ela inseriu-se ativamente na militância política.
No processo de abertura política desencadeado pela decadência da ditadura militar
participou, nos anos 1983/84, das atividades pelas Diretas Já, lideradas pelo senador Álvaro
Dias; além do mais, participou das Caravanas de jovens e mulheres em prol das Diretas Já em
quase cinquenta municípios do Paraná. Em alguns municípios havia a tentativa de cercear a fala
dos militantes. Apesar de toda organização dos movimentos sociais, a emenda não foi aprovada
e manteve-se a escolha do Presidente ainda pelo Colégio Eleitoral. Assim, a luta foi para vencer
o indicado pelo Governo, Paulo Maluf, o que ocorreu, sendo que o nome que unificou, no
período, a representação democrática foi Tancredo Neves.
Apesar de ainda não efetivada a democracia no país, algumas ações são relevantes,
sendo que Valéria cita a legalização das entidades de representação estudantil, bem como as
centrais sindicais; a implantação do Plano Cruzado, como uma tentativa de contenção da
inflação e a Moratória da Dívida Externa.
Todavia, ela lembra que a ditadura não havia findado; dentre os possíveis exemplos
ela retoma a censura a dois filmes estrangeiros, que foram: “Je vous salue, Marie” de Jean-Luc
Godard e “A última tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, sendo o primeiro francês e o último
norte-americano.
Sobre a militância estudantil destaca a relevância da primeira eleição direta para
Reitor da UFPR, pós-ditadura militar, que ocorreu em 1985, em que foi eleito Riad Salamuni.
246
CONSIDERAÇÕES FINAIS
depoimento, Geraldo destaca que os militantes tinham poucos amigos, ou seja, era perigoso,
inclusive, ser amigo daqueles considerados comunistas, subversivos.
A partir da abertura houve efetivamente um desmonte das estruturas da polícia
política brasileira? Essa estrutura permaneceu até o final da década de 1980, ressaltando-se que
as atividades de vigilância iniciaram, no caso específico do ME paranaense, durante o Estado
Novo.
Quais as semelhanças e rupturas entre o discurso oficial (polícia política), a
legislação educacional e as memórias dos militantes estudantis? Em que medida a (re)
organização do ME paranaense, após 1968, manteve os princípios da esquerda brasileira? Essas
questões efetivamente direcionaram a pesquisa, como hipóteses, inclusive. Com elas a intenção
foi trazer para o debate a realidade objetiva, romper com a visão ufanista do ME; em
contrapartida, romper com a visão que não reconhece o protagonismo do ME, também no
período de abertura política.
No decorrer da pesquisa outras questões foram postas, algumas possíveis de serem
sistematizadas e outras que ainda demandam mais tempo para estudo. Dentre elas foi possível
identificar a rearticulação dos estudantes paranaenses do interior do estado, por meio da
constatação da relevância do grupo de estudantes que criou o jornal “Poeira”, em Londrina, dos
estudantes da UEM, que se organizaram por meio do DCE, bem como do DA Rocha Pombo da
UFPR no processo de (re) organização estudantil pós-1968.
Elucidamos que, como aconteceu em 1964 e 1968, quando as entidades de
representação estudantil foram extintas, para que o governo pudesse controlar o ME, no final
da década de 1970 e início de 1980, uma nova investida, especificamente no Paraná, foi lançada
contra as entidades estudantis. Os DCEs foram fechados, bens das instituições foram
confiscados, como ocorreu, por exemplo, com o DCE da FUEL.
Tal fato pode ser relacionado aos dados quantitativos de estudantes inseridos nas
universidades paranaenses; ademais, porque os estudantes representavam uma parcela da
sociedade que estava em processo de desenvolvimento, tendo acesso à escolarização de
qualidade, o que lhes propiciou desenvolvimento integral, emancipação humana, portanto,
clareza sobre as condições objetivas nas quais estavam inseridos - algo não pretendido pelo
grupo que estava no poder.
Em nível nacional, além do embate travado no sentido de não permitir a aprovação
da lei que retomava a legalidade da UNE, ocorre a demolição da sede dessa entidade em 1980.
Tais fatores demonstram a constante preocupação dos Governos (Federal, Estadual e
Municipal) de não permitir a organização estudantil.
249
sociais mais amplas, como o Movimento Contra a Carestia, Anistia, CDAMA, Movimento
Feminista, Diretas Já, Pela Constituinte, Gratuidade do Ensino Superior, entre outras, a exemplo
do que foi elencado no decorrer da escrita desta tese.
As lutas travadas foram lideradas pela UPE quando da sua reorganização. Ou seja,
as bases estudantis do Estado organizaram-se nas Universidades para então reorganizar a UPE.
Por isso, é possível verificar que houve uma unificação do ME paranaense em torno de lutas
comuns. Houve algumas divergências com relação ao pertencimento dos estudantes às
tendências estudantis, lideradas pelos partidos políticos, mas isso não afetou os avanços no
processo de reconstrução das entidades e de lutas comuns.
Nessa direção, pesquisas sobre essas lutas podem contribuir para esclarecer a
realidade objetiva do período, uma vez que alguns dossiês sequer foram levantados nesta
pesquisa, por exemplo, sobre a Carestia, Anistia, CDAMA, entre outros. Ademais, a base de
dados da Biblioteca Nacional, denominada Hemeroteca Digital, cujo uso foi irrisório nesta
pesquisa, possui uma quantidade considerável de fontes primárias que podem contribuir com
pesquisas no campo da história da educação e do ME.
As pesquisas sobre os partidos políticos, a partir dos dossiês, também são relevantes
bem como das Universidades Paranaenses, como é o caso da FUEL, que possui vinte dossiês
levantados na busca arquivista, os quais não foram analisados nesta pesquisa. Além disso, em
relação à Universidade Federal do Paraná, há quatro dossiês sem considerar as Assessorias de
Segurança e Informação das Universidades, as quais não foram levantadas nesta pesquisa. Ou
seja, a continuidade deste trabalho, com as fontes primárias, pode contribuir à elucidação da
história da educação superior no Paraná.
Nos dossiês sobre as Universidades Estaduais foi possível identificar, no final da
década de 1970 e início de 1980, a luta comum em torno da federalização do ensino superior,
na FUEL, FUEM e na Unioeste. Os estudantes integravam e articulavam essa luta. Diante disso,
a defesa da relevância do uso da história oral, como fonte para pesquisas históricas, além dos
arquivos da polícia política, precisa ser considerada pelos pesquisadores no campo da história
e, de forma mais específica, da história da educação.
Diante do contexto em que esta tese foi defendida, final de 2018, a assertiva acima
faz-se essencial em tempos como esses em que a democracia segue ameaçada; reiteramos as
palavras de Caio Navarro Toledo: “O direito à memória e o direito à verdade são cláusulas
pétreas de uma sociedade que se pretende democrática” (2014, p. 13, grifos no original).
252
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122
Os depoimentos, como já mencionado na introdução desta tese, estão disponíveis na página da Sociedade
Direitos Humanos para Paz. Mas, nesta página, não estão os dados do depoimento, ou seja, não há data de
realização do mesmo e autoria. A data registrada em alguns, foram aquelas que encontram-se anotadas no youtube,
uma vez que a publicação dos depoimentos também ocorreu neste veículo de socialização. Alguns depoimentos
foram nominados, outros mantém nomenclatura igual: “Depoimento para história: a resistência a ditadura militar
no Paraná.”
263
FILHO, Vitor Moreschi. Depoimento oral. [31 de dezembro de 2013]. Disponível em:
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ANEXOS
266