Você está na página 1de 275

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE EDUCAÇÃO

SILVANA LAZZAROTTO SCHMITT

A UPE UNE O PARANÁ: (RE) ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL PARANAENSE (1974-1985)

CAMPINAS
2018
SILVANA LAZZAROTTO SCHMITT

A UPE UNE O PARANÁ: (RE) ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL PARANAENSE (1974-1985)

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós- Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do
título de Doutora em Educação, na área de
concentração Educação.

Orientador: Dermeval Saviani

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA SILVANA
LAZZAROTTO SCHMITT, E ORIENTADA PELO PROF.
DR. DERMEVAL SAVIANI

CAMPINAS
2018
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9327-7329

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Pablo Cristian de Souza - CRB 8/8198

Schmitt, Silvana Lazzarotto, 1982-


Sch56u SchA UPE une o Paraná : (re)organização do movimento estudantil
paranaense (1974-1985) / Silvana Lazzarotto Schmitt. – Campinas, SP : [s.n.],
2018.

SchOrientador: Dermeval Saviani.


SchTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação.

Sch1. Movimentos estudantis. 2. Ditadura. 3. Brasil - História - 1964-1985. I.


Saviani, Dermeval, 1944-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade
de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: SUP (Students Union of Paraná) Unites Paraná


Palavras-chave em inglês:
Student movements
Military dictatorship
Área de concentração: Educação
Titulação: Doutora em Educação
Banca examinadora:
Dermeval Saviani [Orientador]
José Luis Sanfelice
Sérgio Eduardo Montes Castanho
Alexandre Felipe Fiuza
Gislene Edwiges de Lacerda
Data de defesa: 06-12-2018
Programa de Pós-Graduação: Educação

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

A UPE UNE O PARANÁ: (RE) ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL PARANAENSE (1974-1985)

Autora : Silvana Lazzarotto Schmitt

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.º Dr.º Dermeval Saviani -


Prof.º Dr.º José Luis Sanfelice
Prof.º Dr.º Sérgio Eduardo Montes Castanho
Prof.º Dr.º Alexandre Felipe Fiuza
Prof.ª Dr.ª Gislene Edwiges de Lacerda

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida
acadêmica do aluno.

2018
À minha mãe, Nilva, por representar, de
forma única, as mulheres da classe trabalhadora,
com coragem e alegria.
Aos estudantes de ontem e hoje, que lutam
por uma sociedade mais humana!
AGRADECIMENTOS

Agradecer, momento importante e difícil para o pesquisador, afinal, toda pesquisa


é resultado de trabalho coletivo. Dessa forma, destaco que muitas pessoas contribuíram nessa
jornada. Desde colegas de trabalho, colegas de estudos, familiares, amigos, professores,
profissionais com os quais a pesquisa de fontes foi realizada, enfim, muitas pessoas contribuem
diariamente para o trabalho de pesquisadores.
Todavia, algumas pessoas foram fundamentais para o início e término desta
pesquisa, por isso, os agradecimentos iniciam nominando o professor Alexandre Felipe Fiuza,
meu primeiro orientador, que, com sua enorme humanidade e capacidade de socializar
conhecimento, trouxe para meu caminho de pesquisadora as fontes primárias ora analisadas;
então, muito obrigada, professor, pelo carinho, amizade e conhecimento. Agradeço,
imensamente, ao meu orientador Dermeval Saviani; esse momento foi a realização de um
“sonho”, pois pude compartilhar o estudo e aprendizado com esse grande educador, intelectual
e ser humano, de uma grandeza incrível. Desde que entrei em contato com as leituras no campo
da educação, sou sua fã, professor, algo comum a milhares de educadores.
Agradeço à banca avaliadora, visto que, desde o processo de qualificação, aceitaram
o desafio de contribuir para esta pesquisa; ressalto a satisfação de ter a professora Fabiana de
Cássia, os professores José Luís Sanfelice e Sergio Castanho como membros deste processo
avaliativo, desde a qualificação; ainda, também agradeço a presença do professor Alexandre
Felipe Fiuza e da professora Gislene Edwiges Lacerda, para a defesa da tese e, igualmente, aos
professores Marcos Francisco Martins e Régis Henrique dos Reis Silva por terem aceitado
integrar, como suplentes, a banca examinadora. As contribuições foram valiosas à
reorganização e direcionamento desta pesquisa na busca pela construção de um trabalho
acadêmico de qualidade, com a finalidade de contribuir à compreensão histórica do objeto de
estudo.
Agradeço aos meus professores, no doutorado; aos meus colegas de turma,
especialmente, a Denise, Juliana e Gilberto. Agradeço ao meu grande companheiro de jornada,
sempre presente e incentivando minha permanência nos estudos, Rômulo Ernani Schmitt. Aos
meus filhos amados, Francisco Salesio Schmitt e Miguel Sadir Schmitt, que são inspiração e
força para que possamos prosseguir na luta por uma sociedade mais humana. Agradeço a meus
familiares, mãe, irmãs e demais, que sempre ficavam com os meninos para que eu pudesse
viajar e estudar.
Aos colegas de trabalho, por minha condição de aluna não-bolsista, os quais sempre
se colocaram à disposição a fim de permitir minhas ausências para os estudos. No decorrer
desses cinco anos, no período inicial do doutorado, sou grata aos colegas do Colégio Estadual
Santa Tereza do Oeste e, a partir de 2016, quando ingressei no IFPR (Instituto Federal do
Paraná), foram os novos parceiros de trabalho que contribuíram para minha permanência nos
estudos, a fim de redigir a tese.
Agradeço, ainda, sem poder nominar, todas as pessoas que, de forma indireta,
permitiram, com seu trabalho, que essa tese pudesse ser redigida e apresentada. Refiro-me aqui
às trabalhadoras e trabalhadores que diariamente realizam atividades fundamentais para a
manutenção das condições humanas de vida, desde a alimentação, saúde, transporte, vestuário
e outras necessidades que nos foram colocadas pelo desenvolvimento do capitalismo. Agradeço
a toda a classe trabalhadora!
"Os cientistas dizem que somos feitos de
átomos, mas um passarinho me contou que somos
feitos de histórias." Eduardo Galeano

“A UPE UNE O PARANÁ; A UNE


SOMOS NÓS, NOSSA FORÇA NOSSA VOZ!”
Frase entoada pelos estudantes na abertura do
Congresso de Reconstrução da UPE.
RESUMO

Esta tese versa sobre as especificidades da história da organização dos estudantes universitários
paranaenses, no período da Ditadura Civil Militar brasileira, com ênfase nos anos 1974 a 1985.
As fontes utilizadas para pesquisa foram, especialmente, os documentos arquivados pela polícia
política brasileira, sobretudo, da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) do Paraná.
Foram utilizados, ainda, depoimentos de militantes estudantis do período, levantados pela
sociedade Direitos Humanos para a Paz. A sistematização da pesquisa esteve pautada na busca
pela elucidação da forma como os estudantes paranaenses estiveram organizados e como
contribuíram para o processo de luta contra a Ditadura Civil Militar. As fontes permitem
identificar a luta dos estudantes para manutenção da articulação do Movimento Estudantil, bem
como pela (re) organização das suas entidades de representação. O texto foi organizado a partir
da compreensão dos aspectos gerais do período em análise, com ênfase nas questões
educacionais; em seguida, há o esclarecimento sobre a forma como o Sistema Nacional de
Informações estava estruturado. A partir desses subsídios, para a compreensão das condições
objetivas nas quais o ME estava inserido, a pesquisa direcionou-se para a sistematização da
organização estudantil em nível nacional, liderada pela UNE (União Nacional dos Estudantes).
A proposta partiu do geral para o singular, retomando sempre as articulações entre ambos, uma
vez que a totalidade é resultado das relações estabelecidas entre todos os aspectos da realidade
e, no caso específico do objeto de estudo, da articulação entre o ME Nacional e Estadual, bem
como da articulação destes com o ME Internacional e os demais âmbitos da sociedade. Nessa
direção, a pesquisa voltou-se, então, para as especificidades do ME Universitário Paranaense,
liderado pela UPE (União Paranaense de Estudantes). Na sequência, as fontes analisadas
propiciaram a observação mais detalhada sobre as entidades de base do ME, quais sejam, os
Diretórios e Centros Acadêmicos, bem como os Diretórios Centrais dos Estudantes, os quais
foram fundamentais no processo de reorganização do ME nacional e estadual. Em seguida, a
análise da documentação da DOPS-PR foi direcionada para os militantes estudantis do período,
ou seja, para os sujeitos desse processo, com ênfase no período de 1974 a 1985. Assim, foi
possível compreender que a organização do ME Universitário no Paraná efetiva-se a partir do
final da década de 1960 e início de 1970, quando foram criadas as Universidades Estaduais nos
moldes da Reforma Universitária, implementada pelo Governo Militar. Aqui, como nas demais
etapas da pesquisa, houve a busca pela organização da sistematização dos resultados de forma
clara e objetiva, respeitando a ordem cronológica dos acontecimentos. A pesquisa permitiu
compreender que o ME Paranaense esteve articulado às lutas mais amplas da sociedade, que
criou formas diferenciadas de organização para manutenção da representatividade da massa
estudantil. Algumas bandeiras de luta permearam todo o período ditatorial, dentre elas, a clareza
da necessidade de repensar a forma como a Universidade Brasileira estava organizada, a luta
por educação de qualidade, por alimentação de qualidade, pelo direito de ter voz, enfim, pela
democratização da educação superior no Brasil, gratuita e de qualidade.

Palavras-chave: Ditadura Civil Militar; Polícia Política; Movimento Estudantil


ABSTRACT

This thesis examines the specificities of the history of the organization of university students in
Parana (BR) during the Brazilian Civilian Military Dictatorship, emphasizing the years of 1974
to 1985. The documents registered by the Brazilian political police, mainly DOPS (Department
of Political and Social Order) of Paraná were the sources used for research. The statements of
student activists of the period, collected by the Human Rights for Peace society were also used.
The systematization of the research attempted to understand the way the students of Paraná
were organized and how they contributed to the fight against the Civil Military Dictatorship.
The sources allowed to identify the students fight to maintain the articulation of the Student
Movement (SM), as well as for the (re) organization of their representation entities. The text
was organized from the understanding of the general aspects of the period under analysis, with
emphasis on educational issues; then it analyses how the National Information System was
structured. The research was directed, from these subsidies, towards the systematization of the
student organization at national level, led by the National Union of Students, in order to
understand the objective conditions in which the SM was inserted. The proposal started from
the general to the singular, always resuming the articulations between both, since the totality is
the result of the relations established between all aspects of reality and, in the specific case of
the object of study, the articulation between the National and State SM, as well as their
articulation with the International SM and other areas of society. In this direction, the research
turned to the specificities of the University SM of Paraná, led by the SUP (Students Union of
Paraná). Subsequently, the analyzed sources provided a more detailed observation on the basic
entities of the SM, namely the Directorates and Academic Centers, as well as the Student
Directories, which were fundamental in the process of reorganization of the national and state
SM. Following that, the analysis was directed to the student militants of the period, with
emphasis in Paraná and in the period from 1974 to 1985, during the whole research.
Consequently, it was possible to understand that the organization of the University SM in
Paraná was put into effect from the late 1960s and early 1970s, when the State Universities
were created in the University Reform, implemented by the Military Government. At all stages
of the research, there was an attempt to understand the systematization of the results, in a clear
and objective way, respecting the chronological order of the events. The research allowed to
understand that the SM from Paraná was articulated to the broader fights of society, which
created different forms of organization to maintain the representativeness of the student mass.
Some flags flights permeated the entire dictatorial period, among them, the need to rethink the
way the Brazilian University was organized, the fight for quality education, for quality food,
for the right to have a voice, and finally, for democratization of free and quality in higher
education in Brazil.

Keywords: Civil Military Dictatorship; Political Police; Student Movement


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AC – Ação Católica
ADESC – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra
AEL – Arquivo Edgard Leuenroth
AESI – Assessoria Especial de Segurança e Informações
AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas
AI – Ato Institucional
AP – Ação Popular
APML – Ação Popular Marxista-Leninista
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
ASI – Assessoria de Segurança e Informação
CBA – Comissão Brasileira de Anistia
CCC – Comando de Caça aos Comunistas
CDAMA – Comitê de Defesa da Amazônia e Meio Ambiente
CENIMAR – Centro de Informações da Marinha
CEU – Casa do Estudante Universitário
CEUC – Casa da Estudante Universitária de Curitiba
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CAHS – Centro Acadêmico Hugo Simas
CISESP – Centro de Informações Secretaria de Segurança Pública
CNE – Congresso Nacional de Estudantes
COESES – Congresso Estadual dos Estudantes Secundaristas
CONEB – Conselho Nacional de Entidades de Base
CONEG – Conselho de Entidades Gerais da UNE
CONEPE - Congresso Nacional das Escolas Particulares de Ensino
CPC – Centro Popular de Cultura
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DA – Diretório Acadêmico
DANC – Diretório Acadêmico Nilo Cairo
DARPP – Diretório Acadêmico Rocha Pombo do Paraná
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DDC – Departamento de Difusão da Cultura
DDI – Departamento de Documentação e Informação
DEAP – Departamento Estadual de Arquivo Público
DEEs – Diretório Estadual de Estudantes
DEOPS – Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo
DFC – Departamento de Formação da Cultura
DHPAZ – Direitos Humanos para a Paz
DNE – Diretório Nacional dos Estudantes
DOI- CODI – Centro de Operações de Defesa Interna/ Destacamento de Operações de
Informações
DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social
DPF – Departamento de Policia Federal
DSI – Divisão de Segurança e Informação
EOEIG - Escola de Oficiais Especialistas de Infantaria de Guarda
ENE – Encontro Nacional de Estudantes
ESG – Escola Superior de Guerra
FACISA – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Foz do Iguaçu
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUEL – Fundação Universidade Estadual de Londrina
FMJD – Federação Mundial da Juventude Democrática
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPMs – Inquéritos Policiais Militares
ISEB – Instituto Social de Estudos Brasileiros
JEC – Juventude Estudantil Católica
JOC – Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LAC – Lar da Acadêmica de Curitiba
MAS – Movimento de Ação Secundarista
MCC – Movimento Contra Carestia
MCP – Movimento de Cultura Popular
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento Estudantil
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MEL – Movimento Estudantil Livre
MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCLAE – Organização Continental Latino Americana de Estudantes
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMPR – Polícia Militar do Paraná
POLOP – Política Operária
PT – Partido dos Trabalhadores
RU – Restaurante Universitário
SAP – Sociedade de Arte Popular
SESP – Secretaria de Estado de Segurança Pública
SI – Serviço de Informação
SNI – Serviço Nacional de Informações
SR – Serviço Reservado
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UDN – União Democrática Nacional
UEA – União do Estudantes de Apucarana
UEEs – Uniões Estaduais de Estudantes
UEM – Universidade Estadual de Maringá
UEL - Universidade Estadual de Londrina
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UIE – União Internacional de Estudantes
UJS – União da Juventude Socialista
ULES – União Londrinense de Estudantes Secundaristas
UMES – União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UPE – União Paranaense dos Estudantes
UPES – União Paranaense dos Estudantes Secundaristas
USAID – United States Agency for International Development /Agência Norte-Americana para
o Desenvolvimento Internacional
VAR – Vanguarda Armada Revolucionária
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 16
CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE DITADURA CIVIL-MILITAR
BRASILEIRA (1964-1985) .................................................................................................... 26
1.1 CONTEXTO ECONÔMICO, POLÍTICO E EDUCACIONAL: CONCEPÇÃO DA ESG E
DEMAIS LEITURAS .............................................................................................................. 26
1.2 DITADURA NA TERRA DAS ARAUCÁRIAS .............................................................. 34
1.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A LEGALIZAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO GOLPE
DE 1964 NO CAMPO EDUCACIONAL ................................................................................ 39
1.4. REFORMA UNIVERSITÁRIA: PROPOSTA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
VERSUS LEGISLAÇÃO “IMPLEMENTADA” PELO GOVERNO ..................................... 52
CAPÍTULO 2 – MODUS OPERANDI DA POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA...........60
2.1 A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL: GÊNESE E ATIVIDADES ................ 60
2.2 POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA: DOPS – TENTÁCULOS DO SNI ........................ 72
CAPÍTULO 3 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES BRASILEIROS: “Quando
um muro separa uma ponte UNE.........................................................................................78
3.1 COMO ELES AGIAM: UNE ............................................................................................. 78
3.2 DOCUMENTOS ARQUIVADOS NA DOPS DO PARANÁ ........................................... 79
3.2.1 Registros na DOPS de Congressos realizados pela UNE: ............................................... 81
3.3 CONEGs E SEMINÁRIOS .............................................................................................. 106
3.4 PRODUÇÕES “TEÓRICAS”, ARTÍSTICAS E PERIÓDICOS DO ME APREENDIDOS
................................................................................................................................................ 122
CAPÍTULO 4 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES PARANAENSES: “À luta
companheiros: Viva a UNE, Viva a UPE”..........................................................................128
4.1 A UPE: ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL APESAR DA DITADURA ........................ 128
4.2 OS CONGRESSOS ESTADUAIS DA UPE ATÉ 1969 .................................................. 136
4.3 PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DA UPE: O CONGRESSO ESTADUAL DE 1980
................................................................................................................................................ 145
4.4 PRODUÇÕES ARTÍSTICAS/CULTURAIS/PERIÓDICOS DO ME PARANAENSE . 155
CAPÍTULO 5. PARA ALÉM DA UNE E UPE: O “OLHAR” DA DOPS SOBRE OS DAS,
DCES E MILITANTES ESTUDANTIS ...........................................................................167
5.1 DOSSIÊS SOBRE OS DCEs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR” DA
DOPS ...................................................................................................................................... 168
5.2 DOSSIÊS SOBRE OS DAs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR DA
DOPS” .................................................................................................................................... 180
5.3 LIDERANÇAS ESTUDANTIS SOB A MIRA DA DOPS/PR: DOSSIÊS E FICHAS
INDIVIDUAIS ....................................................................................................................... 192
CAPÍTULO 6 - COM A VOZ OS MILITANTES ESTUDANTIS DO PARANÁ..........205
6.1 (RE) ARTICULAÇÃO DOS ESTUDANTES PÓS-1964 ............................................... 207
6.2. OPERAÇÃO MARUMBI: IMPACTOS SOB A ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL .... 214
6.3. PARTÍCIPES DO PROCESSO DE (RE) ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL ............... 218
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................247
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................252
ANEXOS................................................................................................................................265
16

1. INTRODUÇÃO

A pesquisa ora apresentada está direcionada para a análise e compreensão das


especificidades do Movimento Estudantil (ME) universitário paranaense, no período de 1974 a
1985. Com a finalidade de contribuir à compreensão do objeto, como resultado do processo
histórico de desenvolvimento da sociedade, o texto contempla a análise do ME durante a
vigência do regime ditatorial, com ênfase no período supracitado.
A tese defendida neste trabalho é a de que o ME universitário paranaense estava
alinhado à concepção da esquerda brasileira, nesse período de abertura; que o debate paranaense
esteve marcado por conhecimento teórico/prático das condições objetivas da sociedade no
período; e, de forma incisiva, que havia a necessidade de organização na busca pela superação
da Ditadura Civil-Militar.
Queremos ressaltar que fazer a defesa desta tese não foi fácil. Pesquisamos o ME
paranaense há mais de dez anos e temos uma relação muito próxima com o objeto de estudo.
Por isso, precisamos fazer o exercício constante de não romantizar, não estereotipar esse
movimento. Dessa forma, houve a busca pelo maior número de fontes, objetivando trazer
alinhamento à concepção de mundo elaborada a partir do materialismo histórico-dialético.
José Paulo Netto destaca que Marx já nos alertava que a abstração é um recurso
muito caro ao pesquisador, ou seja:
A abstração é a capacidade intelectiva que permite extrair de sua
contextualidade determinada (de uma totalidade) um elemento, isolá-lo,
examiná-lo; é um procedimento intelectual sem o qual a análise é inviável –
aliás, no domínio do estudo da sociedade, o próprio Marx insistiu com força
em que a abstração é um recurso indispensável para o pesquisador. (NETTO,
2011, p. 44).

Nas palavras de Marx, “[...] Na análise das formas econômicas, não se pode utilizar
nem microscópio nem reagentes químicos. A capacidade de abstração substitui esses meios”
(MARX, 1968, p. 4 apud NETTO, 2011, p. 44).
Ainda nessa direção de conceituar o objeto de estudo, recorremos aos estudos de
Andréia Galvão, no que tange à concepção marxista de movimentos sociais, ao considerar que
o ME caracteriza-se como um movimento social. A autora nos remete à discussão de que ainda
não há uma produção de referencial teórico específico sobre a concepção de movimentos
sociais, a partir do materialismo, mas que esse método oferece condições para que os “novos1”
movimentos sociais possam ser analisados e compreendidos como resultado do processo

1
De acordo com Andreia Galvão, no período em que a concepção teórica marxista foi elaborada, o movimento
operário era o movimento social por excelência, realidade que foi alterada, especialmente, a partir do século XX.
17

histórico de desenvolvimento da sociedade, de maneira que estão intrinsicamente relacionados


com a luta de classes.
É preciso pensar a luta de classes como um processo não linear, que articula
as esferas econômica e política e passa por vários níveis. Assim, mesmo que
a movimentação dos trabalhadores não seja consciente e organizada, que a
resistência à dominação seja difusa, ela ainda pode provocar efeitos
importantes para o desdobramento da luta de classes. (GALVÃO, 2011, p.
115).

A partir dessas considerações iniciais, a pesquisa direcionou-se para pôr em relevo


a história da organização estudantil paranaense, tendo como referencial a bibliografia já
produzida sobre o objeto de pesquisa e, de forma específica, os documentos arquivados pela
polícia política paranaense, que fazem referência ao ME universitário desse estado. Portanto,
as fontes utilizadas para realização da pesquisa foram, especialmente, os documentos
arquivados da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná (DOPS-PR).
Sobre os dados elaborados e arquivados pela DOPS-PR, os quais estão no Arquivo
Público do Paraná, em Curitiba, é importante destacar que consta uma variedade significativa
de documentos, dentre os quais, alguns foram elaborados pela polícia política, outros pelos
estudantes ou também por terceiros, como é o caso dos recortes de jornais. Encontram-se, ainda,
documentos retidos pela polícia política que eram utilizados pelos estudantes como material de
apoio para estudo. Utilizamo-nos dos dossiês/pastas2 das instituições estudantis - União
Nacional dos Estudantes (UNE), União Paranaense dos Estudantes (UPE), Diretórios
Acadêmicos (DA), Diretórios Centrais de Estudantes (DCE) -, bem como de alguns eventos
organizados por essas entidades em nível nacional e estadual, além da consulta a algumas
pastas/dossiês e fichas individuais.
Outro arquivo pesquisado para elaboração desta pesquisa foi o do Departamento
Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS), no qual é possível
encontrar alguns documentos do ME paranaense. Consideramos relevante destacar que a
utilização dos arquivos da polícia política, como fonte para a história da educação, é recente,
tendo em vista que tais arquivos foram disponibilizados para os pesquisadores a partir da década
de 1990.
Outros documentos pesquisados para sistematização desta tese foram os recortes de
jornais, que estão arquivados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), localizado na UNICAMP.

2
No decorrer da tese, utilizaremos de ambas as nomenclaturas dossiê/pasta, uma vez que a documentação da
DOPS-PR é referenciada como número da pasta; todavia, trata-se de um dossiê com informações sobre pessoas,
partidos, entidades, movimentos sociais.
18

A pesquisa no AEL possibilitou a análise do processo de reconhecimento da UNE, com a


aprovação da Lei n.º 7.395 de 31 de outubro de 1985, de forma mais clara. Ou seja, houve um
movimento de parlamentares, os quais se posicionaram contrários à legalização da entidade de
representação máxima dos universitários.
É um banco de dados relevante, nos dias atuais, a Hemeroteca Digital Brasileira, a
qual também foi utilizada para confirmar algumas notícias sobre a UPE, em jornais da época.
Nessa base de dados é possível recorrer a um acervo significativo de periódicos tais como
jornais, revistas, anuários, boletins e publicações seriadas.
Uma fonte importante para esta pesquisa diz respeito aos depoimentos
disponibilizados pelo “Projeto Depoimentos para história: A resistência à Ditadura Militar no
Paraná”, o qual é desenvolvido pela Sociedade de Direitos Humanos para a Paz, em parceria
com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, sob a coordenação do Grupo Tortura
Nunca Mais do Paraná. No site da Sociedade Direitos Humanos para a Paz (DHPAZ), estão
disponíveis para acesso 159 depoimentos de pessoas que militaram durante o período de 1964
a 1984, dos quais analisamos, para esta pesquisa, 27 (vinte e sete), sendo que, dos 159 (cento e
cinquenta e nove) depoentes, mais de 75 (setenta e cinco) militaram em organizações estudantis.
Utilizamos, ainda, a legislação produzida e implementada pelo governo militar,
desde os Atos Institucionais às demais legislações concernentes à educação e, em especial, ao
Movimento Estudantil, dentre as quais podemos citar o Decreto-Lei nº 228 de 28 de fevereiro
de 1967, que reformula a organização estudantil; o Decreto-Lei nº 477 de 26 de fevereiro de
1969, com a finalidade de efetuar o controle dos estudantes e demais profissionais da educação;
e a Lei 4.464 de 9 de novembro de 1964, chamada de Lei Suplicy.
Contamos, ainda, com o livro de Milton Ivan Heller3: “Resistência Democrática: A
repressão no Paraná”, publicado em 1988, como resultado de uma ação da Secretaria de Cultura
do Paraná, representada naquele período pela pessoa de René Ariel Dotti, quando se instituiu
um grupo de trabalho para a realização do Projeto Resistência Democrática. O livro é
organizado a partir de depoimentos e documentos do período de ditadura civil-militar, com
ênfase nas especificidades do Paraná.
Outra fonte histórica utilizada na realização desta pesquisa diz respeito aos quatro
volumes do IPM 709, que tratava do Comunismo no Brasil. Este IPM foi conduzido pelo
Coronel Ferdinando de Carvalho. O volume I é uma introdução ao Comunismo no Brasil,
organizado em seis capítulos: I – As bases ideológicas; II – O internacionalismo proletário; III

3
Milton Ivan Heller faleceu em 22 de março de 2017. Além do referido livro, analisamos também o seu
depoimento para o grupo DHPaz.
19

– Síntese histórica do partido comunista; IV – Características gerais da ação comunista; V –


Evolução da linha política; VI – O PCB e a política nacional. O teor dos capítulos segue na
defesa de que o comunismo, de base marxista-leninista, é uma doutrina de forte inspiração
internacional.
Os demais volumes estão dedicados a registrar e analisar as Atividades Comunistas
no Brasil. Assim, o volume II está organizado em dois capítulos: “A Construção” e “A
Infiltração”. O volume III possui outros dois capítulos, um denominado “A Agitação e a
Propaganda” e outro “A Movimentação de Massas”. O volume IV, “As atividades Comunistas
no Brasil”, destaca as sistematizações sobre a “A Ação Violenta”. Os últimos dois volumes
foram publicados no ano de 1967, enquanto que os volumes I e II são de 1966.
Estaremos utilizando apenas os trechos que têm vinculação específica, explícita e
estreita com o conteúdo de nossa pesquisa, sendo a educação e a organização dos estudantes.
Assim, foram utilizados na pesquisa do volume II, Capítulo I – A Construção, o item 6, que
trata do “Trabalho de Educação”; e, no Capítulo II – A Infiltração, os itens 2 e 3, “A ação
Comunista no Meio da Juventude” e “A Ação Comunista no Meio Intelectual”,
respectivamente. Do Volume III, analisamos o item 10, que aborda sobre o “Movimento de
Cultura Popular”.
Analisamos também um documento sistematizado pela Associação dos
Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), do ano de 1970, resultado de um ciclo de
conferências sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento, no qual estão agrupados textos
redigidos por oficiais da polícia política brasileira e “professores visitantes”, a partir das
palestras ministradas nos cursos da ADESG. O documento é elucidativo do processo formativo
dos militares brasileiros, portanto do modus operandi da polícia política.
Encontramos outras pesquisas sobre o ME brasileiro e de outros estados no período
de 1964 a 1984. Em uma busca no banco de teses e dissertações da CAPES deparamo-nos com
um número significativo de estudos sobre o ME no período da ditadura civil-militar. De forma
específica, em relação aos estudos que contemplam o período de 1979 a 1984, é possível
destacar pesquisas nos estados de Sergipe, Rio de Janeiro, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Sobre o movimento estudantil brasileiro, a título de exemplo, podemos citar as teses
de doutorado de Gislene Edwiges de Lacerda, com o título “O movimento estudantil e a
transição democrática brasileira: memórias de uma geração esquecida”. A pesquisa está
direcionada para análise da contribuição do movimento estudantil brasileiro, mesmo no período
em que a UNE está na ilegalidade, no processo de redemocratização do país. Ademais, de
Angélica Müller: “A resistência do movimento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial
20

e o retorno da UNE à cena pública (1969-1979)”. A tese defendida visa destacar a importância
do movimento estudantil na resistência contra a ditadura, especificamente nos anos 1970, com
ênfase no ME do estado de São Paulo.
Da mesma maneira recorremos aos estudos de Maria Paula Araújo, em especial no
livro: “Memórias estudantis: da fundação da UNE aos nossos dias”, no qual é possível encontrar
uma quantidade significativa de elementos para reflexão sobre a organização estudantil
brasileira, em especial no que tange a liderança da UNE no meio estudantil e nas lutas mais
amplas da sociedade até a primeira década dos anos 2000.
Passando às pesquisas sobre a organização estudantil nos estados brasileiros,
citamos o trabalho de José Vieira da Cruz: “Da Autonomia à Resistência Democrática:
Movimento Estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985”, o qual é
dedicado à compreensão da organização estudantil no Estado de Sergipe, para além dos recortes
temporais comuns a outras pesquisas que, de acordo com o autor, privilegiam a década de 1960
até 1968, bem como as regiões centrais do país. Além das reflexões sobre o ME daquele estado,
o autor destaca ainda as especificidades da sociedade no período em apreço.
Outra pesquisa sobre a organização dos estudantes universitários foi realizada por
João Batista Vale Junior, com o título: “Longe demais das capitais? Cultura política, distinção
social e Movimento Estudantil no Piauí (1935-1984)”; o trabalho direciona-se para a
compreensão da trajetória histórica do ME, especialmente da capital do estado, Teresina, desde
a sua gênese até o término do período da ditadura civil-militar brasileira. Considera, para tanto,
a questão da localização geográfica do estado, que fica distante dos grandes centros, dentre as
especificidades para a organização dos estudantes piauienses.
Do estado do Rio de Janeiro, encontramos a pesquisa de Lucília Augusto de Lima,
“O Movimento Estudantil da UFRuralRJ: memórias e exemplaridade”, na qual é possível
identificar as especificidades do ME carioca a partir da UFRural. O recorte temporal abarca o
processo de constituição do ME dessa instituição, anterior ao período da ditadura militar, até a
década de 1990.
Na pesquisa de Renato da Silva Della Vechia: “O Ressurgimento do Movimento
Estudantil Universitário Gaúcho no Processo de Redemocratização: as tendências estudantis e
seu papel (1977/1985)”, é possível compreender o processo de organização dos estudantes
gaúchos, desde o período anterior à ditadura militar, bem como, de forma mais incisiva, no
período de redemocratização. Dentre as especificidades elencadas por este trabalho, há destaque
para a atuação de um grupo forte de estudantes de direita no processo de reorganização
estudantil no Rio Grande do Sul. A presença da organização de estudantes de direita é parte do
21

movimento estudantil brasileiro, mas, no caso do Rio Grande do Sul, essa presença direcionou
os rumos do ME, sobretudo no período de redemocratização.
Outra pesquisa sobre o ME, na década de 1970, diz respeito ao trabalho produzido
por Renato Cancian, quando da elaboração da tese de doutorado com o título “Movimento
Estudantil e repressão política: o ato público na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1977) e o destino de uma Geração de estudantes”. Renato discorre sobre o ME universitário,
na década de 1970, bem como esclarece os acontecimentos sobre o Ato que ocorreu na PUC/SP,
em 1977, por meio da análise de documentos da polícia política, bem como de demais arquivos
e depoimentos dos militantes do período.
No que tange ao objeto de estudo desta pesquisa, o Movimento Estudantil
Paranaense, tivemos acesso à produção de Rafael Hagemeyer, em sua dissertação de mestrado,
“Movimento Estudantil 68: imagens da paixão”. O referido trabalho de Hagemeyer contribuiu
significativamente para ampliação das fontes a serem pesquisadas nos arquivos da DOPS/PR.
Isso porque, ao se utilizar, em sua pesquisa, de forma ainda restrita, de alguns documentos da
DOPS para tratar da organização estudantil no período considerado como os anos de chumbo
da ditadura, seu autor alertou-me para a necessidade de ampliar significativamente as fontes a
serem pesquisadas, constituídas pelos documentos que versam sobre o ME, arquivados pela
DOPS/PR.
Ainda sobre a organização estudantil paranaense, especificamente no período de
estudo desta tese, encontra-se disponível a dissertação de mestrado do ex-militante estudantil
José Antonio Tadeu Felismino: “Jornal Poeira, História e Memórias”. Na sua pesquisa, Tadeu
sistematiza a história da organização estudantil paranaense, no período de 1974-1978, por meio
de entrevistas com os fundadores do jornal Poeira, bem como pela análise das edições do
referido jornal. Além da dissertação de Tadeu, encontram-se disponíveis, na internet, as edições
do jornal Poeira4.
Destacamos, ainda, o livro de Renata Maria Caobianco: “Movimento Estudantil na
UEL 1971-1984”, no qual a autora trata da organização estudantil desde a criação da UEL
(Universidade Estadual de Londrina), no ano de 1971, até o momento de finalização do período
ditatorial, datado pela autora com o ano de 1984. O texto aborda as especificidades da
organização estudantil da UEL.
Sobre a organização estudantil do norte paranaense encontramos a pesquisa
realizada por Reginaldo Benedito Dias, denominada: “Uma Universidade de ponta-cabeça: a

44
Edições disponíveis em: https://issuu.com/jornalpoeira. Acesso em 10 de fevereiro de 2018.
22

ocupação da Reitoria e a luta dos estudantes da UEM pela gratuidade do ensino e pela
democratização da universidade”. Nessa obra, Reginaldo faz um resgate da gênese do ME
Universitário de Maringá que culminou com a sistematização das mobilizações desses
estudantes, em 1984, por causa da luta pela gratuidade do ensino e pela democratização da
universidade.
As pesquisas citadas acima foram utilizadas no sentido de identificar os caminhos
percorridos pelo ME para além do Paraná. Não houve o intuito de estabelecer debate exaustivo
com os autores, uma vez que nesta pesquisa a intenção foi estabelecer reflexão sobre as
especificidades do ME paranaense, em período histórico específico, o qual não foi escolhido ao
acaso, mas considera um período de democratização do país, iniciado com a abertura “lenta,
gradual e segura”, formulada pelo General Golbery do Couto e Silva e implementada a partir
do Governo do General Ernesto Geisel. É um período de reorganização da polícia política, bem
como dos movimentos sociais, esfacelados pelo Ato Institucional nº 5, de 1968.
No caso da organização estudantil universitária paranaense, o início da década de
1970 é um marco importante, uma vez que é apenas em 1971 que são criadas as universidades
no interior do estado. Por isso, justificamos o trecho de nosso título, em que colocamos entre
parênteses a (re) organização, uma vez que, no caso do interior do estado, trata-se, em algumas
cidades, da construção do ME universitário.
Seguindo o processo de reorganização, o ano de 1979 é um marco para o
Movimento Estudantil Brasileiro, com a realização do XXXI Congresso da União Nacional dos
Estudantes. A realização do Congresso, em Salvador, contribuiu para a reorganização do ME,
em nível nacional, incluindo, portanto, também o caso paranaense. Após um período de ações
na clandestinidade (1968-1971), a UNE é destruída e o processo de sua
reconstrução/reorganização culmina com a realização do Congresso de Salvador, em 1979.
Sobre o registro das atividades do Congresso de Reconstrução, contamos com a Edição Especial
da Revista História Imediata, com o título: “A volta da UNE”. Na sequência, as entidades de
representação estadual são reorganizadas, como ocorre com a UPE, em 1980.
O término do período em apreço, 1985, é caracterizado pelo ano em que a Lei nº
7.395 é aprovada, portanto, a UNE retoma legalmente o lugar de entidade de representação
máxima dos estudantes universitários.
Nesse contexto, pretendemos discutir algumas questões inerentes à História da
Educação Brasileira no período, sem perder de vista as transformações sociais, políticas,
econômicas e culturais sofridas no Brasil.
23

Algumas inquietações são inerentes ao objeto: Houve vigilância da polícia política


sobre o ME paranaense no processo de abertura política? Em que medida tal vigilância permeou
e direcionou os rumos da (re) organização dos estudantes brasileiros por meio de suas entidades
oficiais – União Nacional dos Estudantes e União Paranaense dos Estudantes, Diretórios
Centrais de Estudantes, Diretórios Acadêmicos e Centros Acadêmicos? A partir da abertura
houve efetivamente um desmonte das estruturas da polícia política brasileira? Quais as
semelhanças e rupturas entre o discurso oficial (polícia política), a legislação educacional e as
memórias dos militantes estudantis? Em que medida a (re)organização do ME paranaense, após
1968, manteve os princípios da esquerda brasileira?
Assim, a proposta de estudo está permeada pela análise da forma como o
Movimento Estudantil paranaense (re)organizou-se no período de 1974 a 1985. Portanto, a
intenção é compreender, no processo histórico, as peculiaridades da organização das entidades
de representação dos estudantes universitários paranaenses; analisar o Movimento Estudantil
paranaense como parte do processo mais amplo de lutas da sociedade brasileira nos tempos de
confronto com a ditadura civil-militar, bem como e de forma mais específica, no período de
abertura política; ademais, caracterizar o Modus Operandi da DOPS-PR em relação ao
Movimento Estudantil, durante a transição, evidenciando como se transformam os discursos e
práticas da polícia política, à medida que o órgão perde seu poder repressivo e estratégico para
a ditadura.
Para estabelecer uma reflexão sobre as questões levantadas e com os objetivos
propostos, esta pesquisa organizou-se da seguinte forma: uma discussão sobre o período
histórico, em que se situa o objeto de estudo, destacando aspectos econômicos, políticos,
culturais, sociais e educacionais; nesse tópico, prioriza-se este último aspecto, especialmente
em relação à legislação educacional - mais especificamente à questão da Reforma Universitária
-, de maneira a dialogar com a proposta dos estudantes, a legislação organizada e implementada
pelo Governo Civil-Militar.
No segundo capítulo a proposta foi discorrer sobre o Modus Operandi da polícia
política brasileira com ênfase na forma como o Serviço Nacional de Informações (SNI)
articulou agentes e entidades para vigiar, punir e censurar àqueles que eram considerados
subversivos. Portanto, realizamos uma discussão sobre a forma como a Delegacia de Ordem
Política e Social do Paraná (DOPS-PR), como um dos braços do sistema de informação, esteve
organizada para frear pessoas, entidades e movimentos sociais que poderiam trazer algum
“perigo” para o governo militar. A proposta é verificar o caráter da Doutrina da Escola Superior
de Guerra (ESG), quais são os princípios e quais ações devem ser coibidas. Outra questão que
24

será avaliada diz respeito à identificação sobre como as delegacias/departamentos de ordem


política e social (DOPS) seguem a doutrina da ESG.
No capítulo três, o objetivo foi realizar uma discussão/análise da forma como os
estudantes universitários brasileiros organizavam-se no período de 1964-1984, trazendo para o
debate as atividades realizadas pela UNE, que foram motivo de preocupação da polícia política.
Dito de outra forma, a proposta é fazer um levantamento de quais atividades foram registradas
pela DOPS-PR, bem como da documentação produzida pelos estudantes e apreendida pela
polícia política.
No capítulo quatro, a intenção é pôr em relevo a forma como os estudantes
paranaenses estiveram organizados, liderados pela UPE, em alguns momentos, e buscando sua
reconstrução em outros, diante de toda a problemática estabelecida pelo regime militar, desde
a legislação educacional até a legislação implementada para destruir as organizações e pessoas
(trabalhadores, estudantes, intelectuais, artistas) que lutavam por condições de vida mais justa,
verificando em que medida houve adesão total ou parcial do ME à legislação elaborada pelo
governo ditatorial.
As principais fontes utilizadas no capítulo quatro são os dossiês sobre a UNE e
UPE, documentação arquivada pela DOPS-PR. Reiteramos que essa é uma fonte ainda pouco
explorada, que merece atenção especial dos pesquisadores, uma vez que alguns documentos do
ME só são encontrados nesses arquivos.
No capítulo cinco a análise foi direcionada para as entidades de representação
estudantil mais específicas, quais sejam, os DCEs e os DAs. A sistematização está pautada nos
documentos arquivados pela DOPS-PR, num primeiro momento, e, em seguida, numa análise
dos registros individuais sobre as atividades dos militantes estudantis por meio do exame do
conteúdo da pastas e fichas individuais.
O capítulo seis é dedicado às reflexões sobre os depoimentos dos militantes
estudantis do Paraná, disponibilizados no site do DHPAZ, como já mencionado no início do
texto. A pretensão é trazer para o debate as nuances entre a documentação analisada e os
depoimentos dos militantes. Nestes dois últimos capítulos houve a intenção de trazer de forma
mais explicita a participação feminina no ME paranaense por meio da busca pelas militantes no
decorrer do período estudado, tanto no que fiz respeito a documentação da DOPS-PR quanto
na análise dos depoimentos disponibilizados pela DHPAZ.
Enfim nas considerações finais retomamos as questões centrais que permearam a
elaboração desta tese, com a finalidade de estabelecer reflexões sobre as especificidades da
organização estudantil paranaense, bem como verificar em que medida as hipóteses foram
25

confirmadas ou refutadas. Assim, reiteramos que a tese ora defendida, de que o ME


Universitário paranaense esteve alinhado com a concepção da esquerda brasileira, não anula a
existência de organização da direita, como será possível verificar no decorrer da pesquisa.
De outro modo, reitera-se que a produção desta tese esteve pautada no materialismo
histórico e dialético, para o qual a história é a ciência das ciências.
26

CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DE DITADURA CIVIL-MILITAR


BRASILEIRA (1964-1985)

A filosofia de uma época não é a filosofia deste ou daquele filosofo, deste ou


daquele grupo de intelectuais, desta ou daquela grande parcela das massas
populares: é uma combinação de todos estes elementos, culminando em uma
determinada direção, na qual sua culminação torna-se norma de ação
coletiva, isto é, torna-se “historia” concreta e completa (integral). (Antonio
Gramsci)

1.1 CONTEXTO ECONÔMICO, POLÍTICO E EDUCACIONAL: CONCEPÇÃO DA ESG E


DEMAIS LEITURAS

Discorrer sobre a educação brasileira, em qualquer período histórico, pressupõe a


discussão da forma como a sociedade esteve organizada naquele período. Assim, reiteremos as
reflexões de Antonio Gramsci sobre o fato de que a filosofia de uma época é resultado da
combinação de todos os elementos que fazem parte daquele período histórico. Nessa direção, a
pretensão é a busca pela compreensão das especificidades do período de 1964 a 1985, em que
a sociedade brasileira esteve marcada por mudanças na economia, na política, na cultura e na
educação. De forma sucinta, elencaremos essas transformações para elucidar as especificidades
das ações do Movimento Estudantil Paranaense.
Ponderemos a necessidade, ainda, de refletir a respeito dos estudos sobre a história
da educação no período, quando nos remetemos às pesquisas realizadas por Dermeval Saviani,
no que tange às especificidades que se referem à educação:

[...] dada a historicidade do fenômeno educativo cujas origens coincidem com


a origem do próprio homem, o debate historiográfico tem profundas
implicações para a pesquisa educacional, vez que o significado da educação
está intimamente entrelaçado ao significado da História. E no âmbito da
investigação histórico-educativa essa implicação é duplamente reforçada: do
ponto de vista do objeto, em razão da determinação histórica que se exerce
sobre o fenômeno educativo; e do ponto de vista do enfoque, dado que
pesquisar em história da educação é investigar o objeto da educação sob a
perspectiva histórica. (SAVIANI, 1998, p. 11-12).

Nesse contexto, recorremos às considerações de Gilberto Luiz Alves (1996),


quando assevera que a educação na sociedade capitalista, possui linhas gerais que perpassam
todas as fronteiras. Seria inconcebível, então, pensá-la dissociada do todo que lhe dará as
diretrizes. Essa é nossa pretensão ao realizar esta pesquisa. Ao partir da organização dos
estudantes paranaenses, compreender as especificidades desse movimento no Estado do Paraná,
sem perder de vista a sua articulação com o todo, com o movimento nacional e mesmo mundial.
27

Com o entendimento do processo histórico de transformação da sociedade humana,


recorremos aos estudos de Marx e Engels, no texto: “A Ideologia Alemã”, ao esclarecer como
ocorre a produção da cultura humana:
Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção
entre os homens e os animais; porém, esta distinção só começa a existir
quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente
que é consequência da sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios
de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.
(MARX; ENGELS, 1999, p. 11).

Dessa forma, reiteramos a necessidade de compreender o movimento histórico da


organização dos seres humanos, com a finalidade de desvelar a realidade, para transformá-la.
Nesse processo de pesquisa histórica, alguns cuidados e dificuldades são inerentes ao trabalho
do pesquisador, aqui, em especial, do pesquisador da educação, os quais devem ser
cuidadosamente considerados e superados:
O historiador da educação, ainda que imbuído do método, encontra, no
desenrolar de suas investigações, algumas sérias dificuldades, de várias
ordens. Uma delas refere-se à documentação, fontes, historiografia, sobretudo
num país onde raros são os arquivos históricos e mais escassos ainda os que
apresentam condições de utilização. Daí que acabam sendo mais abundantes
as histórias do pensamento educacional, pois este está documentado,
publicado e, por isto, mais fácil de ser encontrado. (BUFFA, 1990, p. 15).

O cuidado é não incorrer no equívoco de isolar a história da educação das


transformações da sociedade, ou seja, do processo histórico geral. O anseio deste trabalho foi
de realizar discussões sobre a organização estudantil, no período de ditadura civil-militar,
balizadas pelo referencial teórico supracitado, bem como pelos estudos que se referem ao
período e à educação.
Para tanto, iniciamos com uma discussão de cunho mais amplo, destacando
aspectos da organização da sociedade como um todo, realizada no item a seguir, para, então,
discorrer sobre as especificidades da educação e, após, debruçarmo-nos sobre nosso objeto de
estudo, qual seja: a organização estudantil universitária paranaense.
Não podemos nos remeter e mesmo compreender as especificidades da educação
brasileira, no período em apreço, sem considerar que ela é resultado da organização histórica
de nossa sociedade. Não é objetivo desta tese fazer uma discussão ampla da história da
educação, mas, de forma sucinta e clara, situar o leitor na história, para compreender a
organização da educação brasileira no período denominado ditadura civil-militar.
Recorremos ao contexto mundial, quando havia uma divisão dos países em dois
blocos: Ocidente, pretensamente democrático e cristão, e Oriente comunista. O Brasil, por estar
28

“alinhado” aos interesses dos Estados Unidos da América, precisaria colocar-se ao lado do
Ocidente.
Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm (1995): “A segunda Guerra Mundial
mal termina quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como
uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar”. O historiador destaca que
gerações inteiras vivem na constante tensão da possibilidade das batalhas nucleares globais.
Dessa forma, o mundo estava permeado pela incerteza dos rumos da humanidade diante da luta
travada entre as duas potências.
No que tange à organização da sociedade brasileira, o período esteve marcado pela
dependência em relação aos países desenvolvidos, implicando em “um complexo
relacionamento entre o desenvolvimento capitalista local e a expansão de todo um sistema
capitalista mundial” (ALVES, 1984, p. 20).
A mesma autora, Maria Helena Moreira Alves, destaca:

Dessa maneira, a dependência implica o desenvolvimento de “classes


clientelísticas” cujos interesses associam-se, por meio da propriedade
conjunta e de mecanismos formais de cooperação, ao capital estrangeiro, e
que, portanto, apoiam ativamente a penetração internacional da economia
nacional. A essência do capitalismo dependente só pode ser compreendida,
assim, no contexto das relações de dominação que caracterizam o sistema
internacional. (Idem, p. 21).

No caso do Brasil, o século XX foi marcado, nas palavras de Otavio Ianni (1981),
por “várias estratégias de desenvolvimento”, as quais foram formuladas e colocadas em prática,
tendo como critério principal a questão econômica, o que poderia trazer implicações para
organização da sociedade como um todo, ou seja, nas questões sociais, políticas e culturais.
Houve possibilidade, isto é, condições, que levaram a classe trabalhadora a lutar,
de forma contundente, por melhores condições de vida. Tal movimento ganhou expressão no
governo de João Goulart, o qual esteve marcado por contradições políticas, pelo jogo de
interesses de civis e militares, internos e externos.
De forma breve, a chegada de João Goulart ao poder precisou romper com a
tentativa de golpe, denominado por alguns estudiosos de Golpe Branco. Com a Renúncia de
Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, a articulação e ação de forças conservadoras vetou a
posse de Jango imediatamente e reconheceu como chefe do executivo Ranieri Mazzilli, então
Presidente da Câmara dos Deputados. Todavia, o movimento popular opôs-se ao veto,
sobretudo liderado pela resistência de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul,
pela Rede da Democracia; tal ação contribuiu à reorganização do golpe, que estava em processo
29

de efetivação. A saída para amenizar a situação foi um “acordo de cavalheiros”, em que, a partir
de uma Emenda Constitucional, foi instituído o parlamentarismo como regime de governo. A
partir de 07 de setembro, o país teve a figura de Jango como Presidente, com poderes limitados.
Nesse contexto mundial e nacional, Jango operava ações de caráter contraditório:
de um lado, nacionalista, mesmo sem compartilhar de qualquer projeto socialista; de outro,
demonstrava estar alinhado aos interesses do capital internacional, sendo que, para resolver os
problemas financeiros do país, no período, foi elaborado o Plano Trienal, que:

[...] procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com a política


de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento
do final dos anos 1950. Como reconheciam alguns setores da esquerda, o
plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes,
pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o
desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na
prática o plano pedia – como o fazem todos os planos de “salvação nacional”
– que os trabalhadores (novamente) apertassem os cintos, em nome de
benefícios que viriam obter a médio prazo. (TOLEDO, 2014, p. 43).

Entretanto, como mencionado acima, o governo de Jango foi marcado pela


contradição no sentido de que, ao governar com a pretensão de atender às pressões dos setores
da esquerda, bem como da direita, suas ações foram questionadas por ambos os setores. Ainda,
de acordo com Caio Navarro de Toledo, é possível verificar:

Os aspectos antinacionais da política econômico-financeira do governo se


evidenciaram por ocasião das conversações Brasil-EUA a respeito da
negociação da assistência econômica norte-americana e do refinanciamento
da dívida externa brasileira. Segundo as autoridades brasileiras, o Plano
Trienal era a prova concreta de que o governo oferecia para demonstrar nosso
enquadramento à ortodoxia propugnada pelos EUA e pelo FMI. (Idem, p. 44).

Com a derrocada do Plano Trienal as discussões para implementação das reformas


de base foram reiteradas. De forma breve, podemos explicitar que as reformas vislumbradas
eram: Reforma Agrária, com a finalidade de quebrar o monopólio oligárquico da terra; a
Reforma tributária e fiscal, que visava à racionalização das principais fontes do fundo público;
a Reforma bancária, com a implementação de crédito capaz de subsidiar o financiamento do
processo de industrialização; e a Reforma urbana, que deveria estar apta a regular socialmente
o uso do solo citadino (NETTO, 2014).
Nesse contexto das reformas educacionais, são inseridas as discussões e
considerações sobre a Reforma Universitária realizada pelo ME, liderado pela UNE. As
especificidades da proposta de Reforma Universitária dos estudantes serão analisadas ainda
neste capítulo, no item 1.4.
30

O período esteve marcado pela necessidade de que a sociedade se reorganizasse,


tanto no âmbito econômico como político e social, para atender às especificidades do lugar
ocupado pelo país na divisão internacional do capitalismo. Dito de outra forma, era necessário
realizar um conjunto de reformas que atendesse aos interesses dos grupos nacionais e
internacionais, no sentido de levar o país a uma nova etapa do capitalismo.
De um lado, estava o campo progressista, com um projeto de reformas
democratizantes e nacionalistas; e, no outro lado, estava um campo que pretendia travar esse
projeto, ou seja, organizar mudanças que não permitissem a ampliação da participação política
das classes trabalhadoras, de longa data expropriadas dessa possibilidade de contribuir às
decisões sobre os interesses de todos. Portanto:

O golpe não foi puramente um golpe militar, à moda de tantas quarteladas


latino-americanas (os pronunciamentos dos “gorilas”) – foi um golpe civil-
militar e o regime dele derivado, com a instrumentalização das Forças
Armadas pelo grande capital e pelo latifúndio, configurou a solução que, para
a crise do capitalismo no Brasil à época, interessava aos maiores empresários
e banqueiros, aos latifundiários e às empresas estrangeiras (e seus gestores,
“gringos” e brasileiros). (NETTO, 2014, p. 74).

É recorrente, entre os pesquisadores do período, a ênfase nas condições internas do


país para a efetivação e manutenção do golpe de 1º de abril de 1964. Portanto, a
responsabilidade pelo golpe também deve ser lançada sobre a burguesia “vinculada ao grande
capital nativo e estrangeiro que, associada aos latifundiários, arrastaram política e
ideologicamente segmentos expressivos da pequena burguesia urbana para o seu campo”
(NETTO, 2014, p. 74).
Portanto, destacamos que o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 tinha objetivos
definidos, tendo sua gênese em período anterior à sua efetivação. Assim:

O golpe militar levado a efeito com o objetivo declarado em palavras de


acabar com a corrupção, com a inflação e com a subversão, em verdade, isto
é, analisando os atos dos governos militares que se seguem, representou a
possibilidade de instalação, pela força, de um Estado que tinha como tarefa
concreta a eliminação dos obstáculos à expansão do capitalismo internacional,
agora em sua fase monopolista. Um Estado, portanto, transformado em
instrumento político de generalização e consolidação de um modelo
econômico encontrado numa fase embrionária de 1955 a 1964 (RIBEIRO,
1998, p. 182).

Dessa forma, a compreensão coesa e clara desse momento da história do Brasil e


da educação brasileira remete-nos aos acontecimentos nacionais e internacionais, políticos,
sociais, econômicos, culturais e educacionais.
31

Dentre as ações planejadas e efetivadas no período ditatorial, Otávio Ianni, em seu


livro “A ditadura do grande capital”, remete à necessária compreensão de que o período não é
apenas marcado pela ação dos militares (ditadura militar), mas está presente, de forma incisiva,
a ditadura da burguesia, ou como o nome do livro deixa explícito, a ditadura do grande capital.
Para dar conta da proposta de reestruturação necessária a que o país deveria ser submetido, “o
planejamento foi erigido em técnica fundamental da retórica e prática dos governantes”
(IANNI, 1981, p. 6).
Outras ações foram empreendidas para garantir a ação do governo; a legislação
implementada buscava reprimir a mobilização da classe trabalhadora, a supressão dos partidos
políticos, a intervenção nos sindicatos; a perseguição a pessoas e entidades são alguns exemplos
da ação governamental, no sentido de manter o planejamento, assim:

[...] ao lado da técnica de planejamento, os governantes e os seus funcionários


tudo fizeram para ampliar e reforçar o próprio poder de formular e por em
prática planos e programas, em geral desdobrados em projetos. Sob vários
aspectos, no entanto, a retórica do planejamento expressava aspectos
importantes a economia política da ditadura (IANNI, 1981, p. 6).

Para a manutenção da estrutura social brasileira e, portanto, do capitalismo, ocorre


a implementação de um governo forte, pautado na defesa da Segurança Nacional 5. Desde o
governo do Marechal Castello Branco a política implementada esteve direcionada para o
estímulo ao ingresso de capital internacional, para a efetivação dessa política, de acordo com o
governo imposto por meio do golpe; era necessário que a política econômica no Brasil estivesse
balizada pela “segurança e desenvolvimento”.

[...] Segurança, no sentido de “segurança interna”, envolve o controle e a


repressão de toda organização e atividades políticas das classes assalariadas,
para que o capital monopolista tenha as mãos livres para desenvolver a
acumulação. E desenvolvimento, no sentido de florescimento das “forças de
mercado”, com a “predominância da livre empresa no sistema econômico
(IANNI, 1981, p. 08).

Em posição contrária, no que diz respeito à necessidade de reorganização da


sociedade, temos, de forma mais específica, as sistematizações de Golbery do Couto e Silva,
um dos principais nomes do aparato militar brasileiro, que esteve presente na efetivação dessa
reorganização brasileira. Nas palavras de Golbery, em seu livro: “Conjuntura Política Nacional
o Poder Executivo e Geopolítica do Brasil”, o que ocorreu no país foi uma “Revolução”, com
a necessária centralização do poder no Governo Central:

5
Faremos uma análise detalhada sobre o Sistema de Segurança Nacional no capítulo 3.
32

[...] o Brasil, com a revolução de 1964, ingressou, quase sem perceber, numa
fase de centralização acelerada que iria permear todos os campos e setores da
atividade do Estado, do político ao econômico e deste ao primeiro em reforço
recíproco, extravasando-se, aos poucos, a todos os recantos da sociedade
nacional em manifestações psicossociais telecondicionadas, senão até mesmo
comandadas, desde o Governo central (SILVA, 1981, p. 22, Grifos nossos).

A justificativa para o Golpe de 1964 pressupõe um posicionamento claro daqueles


que organizaram a “Revolução de 1964”, no sentido de manter o discurso e implementar ações
que garantissem a “democracia” numa perspectiva de manutenção da ordem. Dito de outra
forma, nesse período os grupos defendem em comum a necessidade de reorganização do país,
com a busca da garantia dos direitos para o povo brasileiro. Todavia, o grupo que tomou o
poder, efetivamente, não estava interessado em defender o bem comum, mas sim, o de um
determinado grupo, heterogêneo, que, em comum, sentia-se ameaçado pelo comunismo.
Os meios de comunicação de massa, ao difundirem os riscos da ameaça comunista,
convencem, inclusive, uma parcela da sociedade, que não faz parte da elite, mas, que iludida
pelo discurso da desordem e do risco de perder seus bens, acreditam que devem preservar as
ações do governo militar.
As produções da ESG, especialmente os estudos sistematizados por Golbery,
servem de suporte teórico e científico para justificar o golpe, bem como as ações organizadas e
efetivadas com o intuito de garantir o desenvolvimento do país, com segurança.
É incrível verificar nos registros realizados pela polícia política brasileira quanto à
distorção sobre a finalidade dos movimentos sociais e demais ações, no sentido de reivindicar
uma sociedade em que os direitos são preservados. Outro documento, que demonstra
claramente essa análise distorcida, é o IPM 709, que trata do Comunismo no Brasil. O referido
documento é de suma riqueza histórica, uma vez que precisava ser construído por meio de
argumentos sobre os subversivos (pessoas e movimentos, no caso específico do IPM 709,
ligados ao PCB); apresenta muitos documentos da época para analisar, justificar seus
argumentos e servir de provas.
Como já mencionado na introdução, utilizamos apenas alguns trechos do referido
IPM vinculados de forma mais explícita com o objeto de estudo da pesquisa. No Volume III,
capítulo IV “A movimentação das massas”, consta o item 10. Movimento de Cultura Popular
(MCP); nas primeiras linhas, o texto destaca:

[...] O objetivo encoberto era, entretanto, empreender uma impregnação


ideológica coletiva de elementos ignorantes, de frações incultas do povo,
criando grandes possibilidades para mobilização dessa gente, moralmente
33

preparada para aceitação de motivações subversivas, e propensas à


exacerbação pelos apelos de justiça social. Essas massas, educadas pelo
movimento, seriam facilmente conduzidas às manifestações de rua, ao
encabrestamento eleitoral, às ações de violência popular e, até às invasões de
terras e à luta armada (IPM 709, 1967, p. 565).

Todas as ações e produções do MCP são elencadas como doutrinação,


classificando-se como “ideias que podem criar inquietação e descontentamento”. No texto do
IPM, é realizada uma análise detalhada das atividades elaboradas pelos professores do MCP,
para serem trabalhadas com alunos em processo de alfabetização, nas denominadas Campanhas
de Alfabetização. No texto do IPM, são reproduzidas algumas atividades “aplicadas” aos
alunos. Segue trecho abaixo, que versa sobre a análise dos redatores do IPM, de uma atividade
avaliativa, realizada pelos alunos: “Essa prova, demonstra em seu texto claro, o sentido político
subversivo do Movimento de Cultura Popular, em virtude da base esquerdista e comunista do
seu material e dos seus processos de ensino.” (IPM 709 v. III, 1967, p. 572).
O texto segue “A terminologia usada, as definições sugeridas, as ideias que procura
desenvolver, os assuntos encarados, os aspectos, em suma, que podemos encontrar nesse
documento significativo demostram a sua vinculação comunista” (Idem). Consta, também, a
resposta dada pelo estudante, a fim de confirmar a inculcação ideológica. A atividade avaliativa
possui oito questões, as quais tratam de temas da organização da sociedade, como as Reformas
de Base, sobretudo a Reforma Agrária, as diferenças entre países socialistas e capitalistas, entre
outros conteúdos.
Consta também a avaliação elaborada pelos membros do MCP, para selecionar os
professores, a fim de que trabalhem no projeto; isso é chamado no texto do IPM de “sondagem
de professores”. Tudo é caracterizado como atividade puramente ideológica. Sobre a avaliação
realizada para os professores, segue um trecho da análise elaborada pelo IPM:

Mediante tal sondagem eram escolhidos os professores para o Movimento de


Cultura Popular. Analisando o questionário reproduzido sentimos que os
dirigentes do MCP estabeleceram um sistema de perguntas para determinar a
situação ideológica dos candidatos, as suas convicções políticas e as suas
tendências em relação ao socialismo (IPM 709 v. III, 1967, p. 575)

Assim, as atividades organizadas pelo MCP6 foram uma a uma sendo analisadas e
reiteradas como de caráter eminentemente comunista e esquerdista:

6
Consta como anexo ao volume III do IPM o estatuto do MCP, ou seja, consta o documento elaborado pelo MCP
com a finalidade de direcionar as atividades deste movimento, trata da sistematização, caracterização e composição
do MCP, bem como das atividades a serem desenvolvidas. O estatuto é analisado no decorrer do IPM, com a
finalidade de explicitar as características subversivas deste movimento.
34

O Movimento de Cultura Popular, além das campanhas de alfabetização,


empreendeu uma série de inciativas em matéria de publicações populares,
teatro, cinema, conferencias, festividades, etc. Para esse fim foram
constituídos Centros Populares de Cultura, principalmente patrocinados pela
UNE (Idem, p. 585)

Nesta análise referente às questões culturais, o texto segue explicitando a finalidade


e objetivos do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, mas enfatiza que é mais uma atividade
utilizada pelo Partido Comunista do Brasil, com a intenção de desenvolver intensa propaganda
extremista e subversiva. Como base para esses argumentos, utilizam um artigo redigido pela
jornalista Regina Montana, publicado no n.º 174 do jornal “Novos Rumos” (15/21 junho de
1962).
Como definição do CPC, consta na reportagem o seguinte:

Mas o que é o CPC? O CPC é formado por um grupo de estudantes intelectuais


e artistas preocupados em elaborar e levar ao povo uma cultura que sirva para
expressá-lo, esclarecê-lo na luta por sua realização existencial: desempenhar
o papel que a história lhe reservou com dirigente da sociedade que é povo
(IPM v. III, 1967, p. 586).

A reportagem segue esclarecendo a forma de organização do CPCs e sua


disseminação pelos estados brasileiros. Porém, o texto redigido no IPM destaca que:

O MCP e os CPC receberam substancial auxílio financeiro dos governos


federal e estaduais. Através dessa frente legal, o Partido Comunista
desenvolveu intensa propaganda extremista e subversiva, para a qual os
estudantes esquerdistas, eram o veículo ideal. O movimento alastrou-se pelo
país, incitando greves, infiltrando-se entre o operariado disseminando a
motivação socialista (IPM v. III, 1967, p. 586).

A análise do IPM enfatiza veementemente que essas definições são claras, no


sentido de que esse movimento está disseminando os ideais do Comunismo no Brasil, o qual é
uma ameaça à democracia, devendo ser combatido e banido.

1.2 DITADURA NA TERRA DAS ARAUCÁRIAS

No decorrer da pesquisa para a escrita deste texto, recorremos a diversas fontes,


como mencionado na introdução. Isso, com a finalidade de trazer para o debate os aspectos que
traduzem o real, no período em apreço. Por isso, inserimos este item, que versa especificamente
a respeito da realidade paranaense, uma vez que está inserida no todo da sociedade e, dessa
forma, guarda as devidas especificidades.
35

Nos próximos capítulos, faremos o exercício de explicitar as características do ME


paranaense, por isso, aqui, o objetivo é ressaltar o movimento amplo no Estado do Paraná. Além
da análise de alguns depoimentos, dos documentos disponibilizados pelo grupo Tortura Nunca
Mais do Estado e do site Documentos Revelados7, temos como referência básica o livro
publicado por Milton Ivan Heller: “Resistência Democrática: a Repressão no Paraná”.
O então governador do Paraná, quando da efetivação do Golpe, em 1964, era Ney
Braga. Como já relatado em pesquisa de mestrado, ele era oriundo de carreira militar e:
“Após o golpe procurou organizar seu governo adotando uma mudança de
estratégia, do discurso da democracia para aquele em que perdurava a
participação dentro da lei, ou seja, os paranaenses deveriam se pautar no
exercício da legalidade” (SCHMITT, 2011, p. 34).

Estavam evidenciadas as condições para que, no Paraná, a ação do Governo Federal


pudesse se efetivar. Todavia, apesar de ser considerado homem alinhado aos interesses do
governo ditatorial, sendo nomeado ministro da Agricultura no Governo de Castelo Branco e
Ministro da Educação por Ernesto Geisel – tendo sido, após, indicado para o Governo do Estado
do Paraná por Geisel -, sua trajetória política anterior foi um tanto quanto contraditória, quando,
no início da década de 1960, esteve publicamente colocando-se a favor de Jânio Quadros.
Também, por causa da articulação, quando da renúncia de Jango, de uma Frente Nacional de
Libertação, em oposição à Frente de Libertação Nacional, liderada por Leonel Brizola.
No entanto, diante da afinidade do governador paranaense com as medidas do
Governo Federal, as ações dos militares e civis, no sentido de barrar os movimentos sociais,
partidos políticos e pessoas consideradas subversivas, ocorreram de forma mais intensa.

Um relatório divulgado pelo Comitê Brasileiro de Anistia em março de 1979


revelou a ocorrência de 2.726 prisões por motivos políticos no Paraná, desde
março de 64. Ou mais de vinte por cento das prisões arroladas em todo o país,
em 1978, pela Arquidiocese de São Paulo. Sem dúvida um número exagerado
de prisões em um Estado periférico, que não teve ações armadas, excluindo-
se a tentativa de organização de uma escola de guerrilheiros por iniciativa da
Ação Libertadora Nacional, entre Registro e Cananéia, no vale do Ribeira
(HELLER, 1988, p. 549).

De acordo com alguns dos registros no livro de Milton Ivan Heller, no Paraná,
Apucarana foi a cidade que mais disseminou repressão paranaense, uma vez que lá estava o 30º

7
O site Documentos Revelados tem como editor o jornalista Aluízio Palmar, que tem feito de forma incansável a
busca por socializar documentos sobre as atrocidades da Ditadura Civil Militar Brasileira. Aluízio também é autor
do livro: “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, no qual procura estabelecer reflexões sobre os
desaparecidos políticos, que possivelmente foram enterrados no estado do Paraná. Atualmente ele reside na cidade
de Foz do Iguaçu-PR. O livro está disponível no endereço: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-
content/uploads/2018/09/onde-foi-que-voces-enterraram-nossos-mortos_miolofinal.pdf. Acesso em 22 de
dezembro de 2018.
36

Batalhão de Infantaria Motorizada. É possível identificar que alguns locais, no Paraná, podem
ser caracterizados como os maiores centros de tortura do Estado, dentre eles:
[...] A sede da DOPS foi, talvez, o primeiro espaço de tortura no Estado,
chamando atenção também o Quartel do Exército em Foz do Iguaçu e o
Quartel do Exército em Apucarana, encarregando-se ambos de promover a
repressão nas regiões onde estavam inseridos. Em Curitiba vai se projetar
como um grande centro de repressão e tortura o Quartel da Polícia do Exército
na Praça Rui Barbosa, na região central, até 1975, quando cede lugar neste
ano para um local clandestino de tortura onde os presos políticos eram levados
com os olhos vendados. Mais de 130 pessoas passaram por esse local nas
Operações Marumbi e Barriga Verde (OLIVEIRA, 2014, p.144).

Um estudante da cidade de Apucarana foi assassinado e outro consta como


desaparecido; é o caso de José Idésio Brianesi, assassinado em 1970, e Antônio dos Três Reis
de Oliveira, ainda desaparecido. De acordo com depoimento de Antonio Narciso Pires de
Oliveira a Milton Ivan Heller8, Apucarana foi a cidade que teve maior número de presos
políticos, nas palavras de Narciso:
Iniciei minha participação na política estudantil com Antônio Três Reis de
Oliveira e José Idésio Brianesi, mortos pela repressão em São Paulo, em 1970.
Em 67 fui eleito presidente do Centro Estudantil Niro Cairo e a partir de 68
nos engajamos na luta contra a cobrança de taxa de matricula, que era o
prenúncio do ensino pago nas escolas públicas. Além de Três Reis e do
Brianesi, outros companheiros entraram na luta contra o regime militar, como
Francisco Dias Vermelho, morto em um acidente de carro, Geraldo Magela,
Valdir Feltrim, que foi para a França e lá permanece até hoje, Manoel César
Motta, Valdecir Feltrim e outros (HELLER, 1988, p. 550).

No relatório final da Comissão da Verdade do Estado do Paraná, a indicação é de


resolução da situação do desaparecimento de Antônio dos Três Reis. Consta que:
A morte desses militantes provavelmente ocorreu entre abril e maio de 1970.
Na certidão de óbito de Brianezi consta que sua morte teria ocorrido em 13 de
abril de 1970 em um tiroteio com as forças de segurança da Operação
Bandeirantes (OBAN). A morte de Antônio dos Três Reis, conforme consta
num relatório do Ministério da Aeronáutica de 1993, teria ocorrido em 17 de
maio de 1970, no bairro Tatuapé, em São Paulo, por agentes dos órgãos de
segurança. Alguns documentos encontrados no IML da cidade indicam essa
data (RELATÓRIO DA COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE, 2017, p.
111)

Essas considerações remetem à clareza de que há muito ainda para ser esclarecido
sobre esses mais de vinte anos de ditadura civil-militar, mormente no interior do país e, no caso
do Paraná, no interior do Estado. Essa clareza será possível com a continuidade das pesquisas
e com o direcionamento para tais especificidades.

8
No capítulo 05, novamente, recorremos ao depoimento de Narciso Pires, o qual foi realizado recentemente pela
Comissão da Verdade do Estado do Paraná.
37

Não podemos discutir a respeito das especificidades do período, no Paraná, sem


recorrer à Operação Marumbi,9 desencadeada em 12 de setembro de 1975, com a finalidade de
prender pessoas que eram acusadas de reorganizar o PCB no estado do Paraná. Foram presas
aproximadamente 100 pessoas de 13 cidades paranaenses, das quais 65 foram indiciadas.
De acordo com Milton Ivan Heller, em 1983, o jornalista João Arruda, do jornal
Folha de Londrina, relatou os episódios relacionados à Operação Marumbi. Inicia com um
comunicado da 5ª Região Militar, em 14 de novembro de 1975, redigido pelo general Samuel
Alves Corrêa:
Os órgãos de segurança, em sua permanente vigilância, acumularam indícios,
cada vez mais evidentes, da atuação do PCB no Paraná, toda ela clandestina e
ilegal, que se insere no contexto da crescente atividade desenvolvida pelo
comunismo no Brasil, com sua ação de infiltração e de proselitismo, e que
constitui crime previsto na Lei de Segurança Nacional (Decreto 898, de 29 de
setembro e 1969). Para neutralizá-la planejaram a Operação Marumbi, que
desarticulou completamente o dispositivo subversivo-comunista no Paraná.
Pode estar certa a família paranaense de que os órgãos de segurança
continuarão vigilantes na sua missão de garantir a tranquilidade e a
ordem indispensáveis ao trabalho profícuo, fator imprescindível ao
progresso do Paraná no Brasil (HELLER, 1988, p. 369 grifos nossos).

Mais uma vez, para manter a tranquilidade no país, pessoas foram vigiadas, presas
e torturadas. Novamente, famílias foram vítimas de constrangimento, medo, pressão, entre
outros sentimentos provenientes da ação dos agentes da polícia política brasileira.
Em seu livro, Heller destaca que as torturas sofridas pelos presos da Operação
Marumbi aconteceram em diversos locais, não apenas nas dependências da DOPS-PR, sendo
que “As torturas também foram feitas em pau-de-arara, e adotaram, fora da cidade, em locais
desertos, o processo de afogamento” (HELLER, 1988, p. 372). Alguns presos políticos
passaram pela cidade de Apucarana e:

[...] sofreram horrores nas dependências do Exército, onde o capitão Ismar


Moura Romariz submeteu-os ao terror, usando métodos dos mais torpes,
chegando a deter esposas de presos e familiares, provocando aborto na esposa
de João Alberto Einecke, que sofreu traumas profundos em vista desta
ocorrência (HELLER, 1988, p. 372).

Dentre os presos pelo Operação Marumbi, destacamos o depoimento do


militante estudantil, inclusive, oriundo da cidade de Apucarana, Narciso Pires. Nos registros do
trabalho de Milton Ivan Heller, Narciso destaca:

9
Na pesquisa de Leandro Brunelo: “Repressão política na Terra da Araucárias: a operação Marumbi em 1975 no
Paraná”, é possível encontrar detalhes dessa ação da polícia política brasileira, uma vez que tal operação contou
com o trabalho, além da DOPS-PR, do DOI-CODI.
38

Fui torturado nos dias 16 e 17 de outubro de 1975 pelo capitão Romariz. Perdi
as unhas do pé, levei muita pancada no rosto e no corpo todo. Chutes no
estomago. O pior é que a tortura não visava esclarecer nada, porque os
companheiros presos anteriormente, que foram bem mais torturados que eu,
não haviam resistido e já tinham confessado tudo. O único objetivo do capitão
Romariz era demonstrar a um grupo de agentes do DOPS e da Polícia Federal
como ele conseguia obter informações dos presos políticos. Como eu não dizia
nada, ele perdeu a calma e depois de me espancar bastante disse o que os
outros haviam confessado. Pegou os depoimentos e gritou: “Então você não
esteve com fulano, no dia tal? Você não imprimiu o Voz Operária num
‘aparelho’ do PCB? Eu continuei negando tudo, e ele ficou cada vez mais
irritado (HELLER, 1988, p. 551).

No Estado do Paraná, assim como em São Paulo e Santa Catarina, atrocidades


foram cometidas contra militantes do Partido Comunista Brasileiro. Foram as denominadas
Operação Marumbi, no Paraná, Operação Barriga Verde, em Santa Catarina e Operação
Bandeirante em São Paulo. Dessa forma:

Após o AI-5, o DOI-CODI, vinculado ao exército, tomou a frente na repressão


extrajudicial, com sequestros, torturas e assassinatos. No Paraná, papel central
coube à 5ª Região Militar, com jurisdição também sobre Santa Catarina. A
repressão era exercida em consonância e com a contribuição das autoridades
estaduais estabelecidas, com contatos, trocas de informação e ações conjuntas
das diferentes instituições, muitas vezes sem qualquer conhecimento do
secretário estadual de Segurança Pública. Em consonância com a bibliografia
especializada, a partir de suas leituras e experiência pessoal, o advogado de
presos políticos Antônio Acir Breda faz um recorte preciso das etapas da
repressão no Paraná, colocando o AI-5 e a instalação do DOI-CODI no Estado
como os marcos da transição entre a fase mais branda e o período mais duro.
“O detido perante o DOI-CODI era submetido a toda a sorte de sevícias. Até
que se obtivesse dele uma confissão, feita por escrito. Depois de assinar, o
preso ficava numa quarentena para que desaparecesse qualquer vestígio de
violência física a que fora submetido”, afirmou Breda em seu depoimento
(Idem, p. 143).

Outro acontecimento marcante no período diz respeito à Operação desencadeada


pela polícia paranaense, denominada de “Pequeno Príncipe”10. A operação é resultado da
vigilância exercida no estado por órgãos da Segurança Nacional:
[...] uma vez que a vigilância sistemática às escolas e seus membros era feita
não somente pela DOPS, mas também pelo DOI-CODI11 local e, além disso,
a decisão final sobre a deflagração da Operação Pequeno Príncipe ocorre em
uma das reuniões do DOI-CODI paranaense realizadas semanalmente nas
dependência da 5ª Região Militar, em Curitiba, nas quais o tema das pré-
escolas sempre vinha à tona (ABREU, 2015, p. 31).

10
Para mais detalhes sobre a Operação Pequeno Príncipe, ver estudos realizados por José Santos de Abreu, como
resultado de pesquisa de Mestrado, intitulada: Operação Pequeno Príncipe: A ação da polícia política no combate
à doutrinação comunista nas pré-escolas Oficina e Oca (Curitiba, 1978).
11
De acordo com os estudos de Carlos Fico, o DOI-CODI foi implantado no Paraná, no ano de 1971, mas iniciou
suas atividades a partir de 1975, quando foi desencadeada a Operação Marumbi.
39

A Operação foi desencadeada em 1977, com a justificativa de impedir a doutrinação


comunista para crianças de até seis anos de idade. As escolas “Oficina”, fundada em 1973, e
“Oca”, em 1977, foram pensadas por pessoas que procuraram uma educação diferenciada para
seus filhos, para além daquela oferecida pelas instituições da rede pública, as quais estavam sob
a égide da legislação educacional implementada pelo governo militar.

Em março de 1978, onze pessoas12, identificadas como subversivas e vinculadas às


duas pré-escolas, foram presas. De acordo com os depoimentos dessas onze pessoas, o clima
de tensão e pressão já permeava a vida delas, desde final de 1977; elas já eram vigiadas pela
polícia política do estado, bem como ameaçadas por organizações paramilitares, como por
exemplo, o CCC (Comando de Caça aos Comunistas).
Edesio Passos e sua esposa Zélia Passos sofreram muito com o caso da escola
alternativa da qual participaram, pois era baseada no método Paulo Freire. Eles faziam parte do
Grupo dos Onze e, como os demais, foram acusados de ensinar comunismo para as crianças.
No site DHPAZ, estão disponíveis os depoimentos de ambos, sendo que é possível recorrer às
especificidades desse processo, desencadeado pela Operação Pequeno Príncipe. Além de
fazerem parte do Grupo dos Onze, ambos são oriundos do Movimento Estudantil no período
anterior ao Golpe de 1964.
Os fatos demonstram que, no estado do Paraná, enquanto o Brasil vivia o período
denominada de abertura “lenta, segura e gradual”, ocorreram as maiores violações de Direitos
Humanos em grande escala, com a Operação Marumbi. Foi também nesse período que a
Operação Pequeno Príncipe foi desencadeada, com uma característica mais amena, no que tange
à violência física, mas incisiva naquilo que pode ser denominado violência psicológica,
disseminação do terror, do medo, de insegurança.
Todavia, pessoas e movimentos sociais mantiveram-se lutando contra tais
atrocidades; o ME esteve articulado e denunciando as violações, mesmo que em espaços
restritos, sem a unidade estadual e nacional, por conta da clandestinidade de suas entidades e
da violência disseminada contra os líderes estudantis, como veremos no decorrer desta tese.

1.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A LEGALIZAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO GOLPE


DE 1964 NO CAMPO EDUCACIONAL

12
Valêncio Xavier produziu um documentário sobre a prisão dessas pessoas, denominado “Os 11 de Curitiba,
todos nós”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eWzna9d8d24. Acesso em 17 de janeiro de 2018.
40

As ações do governo militar, no sentido de efetivar os interesses daqueles que


estavam no poder, avançaram também em direção à educação. Durante os governos dos
Marechais Castello Branco e Costa e Silva, os primeiros após o Golpe, foi que acordos entre
MEC (Ministério da Educação e Cultura) e a USAID (United States Agency for International
Development/Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional) - os
conhecidos Acordos MEC-USAID - foram assinados com a finalidade de garantir a
“modernização” da educação brasileira:
[...] Tratava-se de providenciar uma ampla reforma do sistema brasileiro de
ensino, de modo a “despolitizá-lo” e levá-lo a preparar profissionais para os
planos e programas de desenvolvimento capitalista que o Governo passou a
dinamizar. A economia política da ditadura estava sendo imposta também na
área da educação. A universidade mereceu atenção especial nos acordos
MEC-USAID. Tratava-se de ajustá-las às exigências do capital (IANNI, 1981,
p. 20).

Romanelli destaca que o significado da educação como fator de desenvolvimento


só foi demonstrado a partir de 1968. Todavia, reitera que o sistema educacional foi marcado
por dois momentos diversos no período em apreço.
O primeiro corresponde àquele em que se implantou o regime e se traçou a
política da recuperação econômica. Ao lado da contenção e da repressão, que
bem caracterizaram essa fase, constatou-se uma aceleração do ritmo do
crescimento da demanda social de educação, o que provocou,
consequentemente, um agravamento da crise do sistema educacional.
(ROMANELLI, 2007, p. 196).

Entre a década de 1950 e início de 1960, ocorria um debate em torno de uma


proposta de educação, como parte das reformas de base, ou seja, visando à qualidade e
atendendo aos interesses de todos. Porém, as reformas implementadas pelo governo, a partir de
1964, não contemplaram a totalidade dessas reivindicações, mas estiveram direcionadas para o
atendimento das recomendações das agências internacionais.
As reformas educacionais, implementadas pelos governos militares, estiveram
intensamente marcadas por recomendações advindas de agências internacionais, tais como os
Acordos MEC-USAID - originando os dois relatórios que direcionaram a elaboração e
implementação das políticas educacionais.
O Relatório Atcon surgiu das primeiras experiências de avaliação do ensino
superior no Brasil, que ocorreram em 1965 como parte do projeto político do governo militar.
Dentre outras ações voltadas para a educação superior, o MEC encomendou a Rudolf Atcon
um estudo avaliativo desse segmento, com o objetivo de sintonizar a universidade brasileira aos
propósitos do governo. Nesse relatório o norte-americano afirmava a necessidade de disciplinar
41

a vida acadêmica, coibindo o protesto, reforçando a hierarquia e a autoridade; também,


enfatizando a importância de racionalizar a universidade, organizando-a em moldes
empresariais, de forma a privilegiar, assim, a privatização do ensino.
Todos necessitam da penumbra, da calada da noite, para executarem seus
objetivos, inconfessáveis à luz do dia. E o próprio sigilo criado pelas
autoridades em torno dos Acordos MEC-USAID já demonstrava o perigo que
eles representavam. Não foram poucos os que perceberam. O professor
Gildásio Amado, por exemplo, declarou que “os problemas educacionais
brasileiros são bem diferentes dos Estados Unidos, inclusive porque somos
um país subdesenvolvido”, e “as soluções para o Brasil não podem vir de fora,
tem que ser encontradas aqui mesmo” (POERNER, 2004, p. 220).

Retomamos as reflexões de Romanelli no que tange ao período de organização da


educação brasileira marcado por medidas práticas, a curto prazo, empreendidas pelo governo
para enfrentar a crise. Ou seja, o governo civil-militar “percebeu” a necessidade de adotar
medidas para adequar o sistema educacional ao modelo de desenvolvimento econômico, que,
então, se intensificava no Brasil.
Diante da demanda social por educação, bem como pelos motivos já mencionados
neste texto, o Estado teve sua função reorganizada, sendo um captador de recursos para superar
a crise educacional. Dentre as medidas implementadas, mencionamos a instituição do salário-
educação.
Houve aumento da oferta, no entanto, a demanda não foi atendida em relação ao
acesso à escolarização, especialmente de ensino superior. Um exemplo a ser citado refere-se
aos excedentes que eram aprovados, obtendo resultado satisfatório para o corte de notas
estabelecido. Estes estudantes, porque aprovados no vestibular, consideravam que tinham
direito de acesso, reivindicavam a abertura de vagas e protestavam armando acampamentos em
frente às faculdades. Diante dessa pressão, o problema das vagas foi “resolvido” substituindo-
se o vestibular com nota mínima de aprovação pelo vestibular classificatório o qual, ainda na
atualidade, seleciona os classificados no limite do número de vagas oferecidas, excluindo os
não classificados; assim, eliminou-se a figura dos “excedentes”.
Outro aspecto a ser ponderado está no fato de que, nesse momento, foram assinados
os acordos MEC-USAID, os quais “tiveram o efeito de situar o problema educacional na
estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um sentido objetivo e prático a
essa estrutura” (ROMANELLI, 2007, p. 197).
Os acordos lançaram as bases principais da reforma educacional implementada no
período, inclusive, por meio do Relatório Meira Matos. Orientaram a política educacional
42

brasileira com base na legislação da reforma universitária; do Decreto 477 – contenção da


organização estudantil e, mais à frente, da implementação da Lei 5692 de 1971.
O Relatório Meira Matos foi resultado do direcionamento dado pelo então
Presidente da República, Artur Costa e Silva, com a finalidade de resolver a crise política na
qual as universidades estavam inseridas. Dessa forma, pelo Decreto nº 62.024 de 29 de
dezembro de 1967, instituiu-se uma comissão especial, no âmbito do MEC, com as finalidades
de emitir parecer sobre as reivindicações estudantis, propor medidas que melhorassem a
aplicação das diretrizes governamentais no setor estudantil, coordenar e supervisionar essas
ações.
O presidente da comissão foi o Coronel Carlos Meira Matos; os demais membros
eram: Hélio de Sousa Gomes, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro; Jorge Boaventura de Sousa e Silva, diretor-geral do Departamento Nacional de
Educação; Afonso Carlos Agapito, promotor público e coronel-aviador; e Valdir de
Vasconcelos, secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional.
A comissão trabalhou de 11 de janeiro a 8 de abril 1968. No seu relatório, apontava
os principais problemas do ensino, em especial, do superior: a) inadequação estrutural do
Ministério da Educação e Cultura; b) crise de autoridade no sistema educacional; c) insuficiente
remuneração atribuída aos professores; d) liberdade de cátedra, gerando privilégio jurídico; e)
ausência de uma política de ampliação de vagas; f) lentidão e desordem na implantação da
reforma universitária; g) inexistência de uma liderança estudantil autêntica e democrática; h)
ausência de fiscalização da aplicação de recursos públicos.13
Para a solução desses problemas, a comissão propôs, entre outras medidas, a
redução dos poderes do Conselho Federal de Educação; a nomeação de diretores de faculdades
e reitores das universidades federais, pelo presidente da República, sem levar em conta as listas
tríplices dos órgãos colegiados e a limitação da autonomia universitária. O Relatório Meira
Matos condicionou as atividades do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária.
Nessa direção, é pertinente realizar uma reflexão sobre o significado das mudanças
que ocorreram no sistema educacional brasileiro, a partir de 1964. Sendo assim, remetemos aos
estudos realizados por Dermeval Saviani, o qual assevera que, após o Golpe de 1964, não houve
ruptura no nível socioeconômico, sendo apenas efetivada ruptura no nível político. Por isso:
Não tendo havido ruptura, mas continuidade no plano socioeconômico,
compreende-se que tenha havido continuidade também na educação. E isso se
refletiu na legislação que instituiu as reformas do ensino baixadas pela

13
Verbete disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/relatorio-meira-matos.
Acesso em 09 de outubro de 2018.
43

ditadura. Eis por que não foi necessário revogar os primeiros títulos da LDB
(Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961), exatamente os títulos que
enunciavam as diretrizes a serem seguidas. Foram alteradas as bases
organizacionais, tendo em vista ajustar a educação aos reclamos postos pelo
modelo econômico do capitalismo de mercado associado e dependente,
articulado com a doutrina da interdependência (SAVIANI, 2013, p. 364).

Dessa forma, devido à “opção” brasileira pelas relações capitalistas, com base no
modelo associado-dependente, a educação tinha papel importante no desenvolvimento dessas
relações. Logo:
O pano de fundo dessa tendência está constituído pela teoria do capital
humano, que, a partir da formulação inicial de Theodore Schultz, se difundiu
entre os técnicos da economia, das finanças, do planejamento e da educação.
E adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação na forma dos
princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do
“máximo resultado com o mínimo de dispêndio” e “não duplicação de meios
para fins idênticos” (SAVIANI, 2013, p. 365).

As medidas do governo para efetivar tais ações foram registradas pela legislação
educacional implementada. Faremos a discussão da Lei 5.540, que institui a Reforma
Universitária e da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que estabelece a Reforma do Ensino de
1º e 2º graus.
Ainda de acordo com Saviani: “com o advento do regime militar, o lema positivista
‘Ordem e Progresso’ inscrito na bandeira do Brasil metamorfoseou-se em ‘segurança e
desenvolvimento’”. (2013, p. 367)
No que tange à concepção pedagógica que permeou a organização da educação
escolar no período, retomamos a análise realizada por Saviani, quando conceitua a pedagogia
tecnicista:
Com base no pressuposto da neutralidade cientifica e inspirada nos princípios
de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a
reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e
operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-
se a objetivação do trabalho pedagógico (SAVIANI, 2013, p. 381)

Dessa forma, para a pedagogia tecnicista, diferentemente das pedagogias


tradicional e nova, o elemento principal do ato educativo é a organização racional dos meios,
os métodos; professor e alunos são elementos secundários.
Atendendo aos interesses tanto externos como internos de uma parcela da
sociedade, a pedagogia tecnicista esteve articulada aos objetivos de transpor para a educação
escolar a forma de organização da sociedade, tendo como pressuposto fundamental a
44

racionalização dos recursos financeiros e a promoção do desenvolvimento do país. Assim,


assevera Saviani:
Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma
de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da
educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá
de modo indireto e por meio de complexas mediações (SAVIANI, 2013, p.
383).

Portanto, a concepção tecnicista não possibilitou avanços no campo educacional.


Destacamos que, na década de 1970, há a presença da concepção analítica nos debates
educacionais, todavia, é a tendência tecnicista que predomina. Nesse mesmo período: “surgiram
estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante, pondo em evidência as funções
reais da política educacional que, entretanto, eram acobertadas pelo discurso político-
pedagógico oficial” (SAVIANI, 2013, p. 392)
Diante do exposto, remetemos à ajuda internacional para a educação brasileira, a
qual tem exercido função de manter a ordem mundial, ou seja, alguns países desenvolvidos e
muitos subdesenvolvidos:

Em se tratando de sociedades colonizadas ou recém-saídas do colonialismo, a


ajuda internacional tem sido instrumento eficiente de fornecimento e preparo
de mão-de-obra ou de recursos humanos de vários níveis de qualificação,
culturalmente adaptados aos objetivos da consolidação da dependência,
mesmo após a emergência das sociedades nacionais (ROMANELLI, 2007, p.
200)

Com relação à política educacional no período, destacamos que o Estado adotou


algumas medidas a curto e longo prazo, com o objetivo de conter a crise educacional que estava
presente no país, em decorrência do aumento da demanda por educação escolar, devido a
questões econômicas. Tais questões estavam ligadas ao desenvolvimento do país, assim como
a questões sociais e culturais, relacionadas, ainda, à percepção da classe média brasileira de que
a educação resultava como o único caminho disponível para a conquista de bons cargos nas
empresas.
A educação brasileira, nesse período, está permeada pela contradição: de um lado,
a demanda por formação de capital humano, para atender ao crescimento da indústria; e, de
outro, a demanda da classe média por formação qualificada.
É nesse contexto que os acordos MEC-USAID estavam pautados, ou seja, na crise
educacional brasileira, como ensejo para justificar a necessidade de cooperação dos organismos
internacionais em relação ao Brasil. Todavia:
45

Na verdade, a crise, em si, não era a condição básica para esses programas de
cooperação, mas sim, segundo o que podemos perceber, a necessidade de se
anteciparem projetos de reformas que “preparassem” o sistema educacional
para contribuir ou atuar mais eficazmente, na fase de retomada da expansão,
já então prevista pelo setor externo, dadas as condições de viabilidade criadas
pelo setor interno. A crise servia de justificativa de intervenção, mas não
passava de um pretexto para assegurar ao setor externo oportunidade para
propor uma organização do ensino capaz de antecipar-se, refletindo-a, à fase
posterior do desenvolvimento econômico (ROMANELLI, 2007, p. 209)

Desde o início do Governo civil-militar, foram adotadas medidas para (re)


organização da educação brasileira. Entretanto, as ações implementadas ocorreram sem a
participação da sociedade civil e também visavam desmobilizar movimentos nesse campo.
Germano destaca ainda:

Com efeito, apesar da constante valorização da educação escolar, no nível do


discurso, o Estado esbarra, em primeiro lugar, num limite de ordem material:
a escassez de verbas para a educação pública. Isso acontece porque, como
vimos, o Estado emprega o montante de recursos sob a sua responsabilidade
em setores diretamente vinculados à acumulação de capital. Esta é sua
prioridade real, a qual, por sua vez, aponta no sentido da privatização do
ensino (GERMANO, 1994, p. 104).

Nesse sentido, a reforma educacional esteve permeada pelas orientações da AID,


de maneira que os Acordos MEC-USAID tiveram abrangência significativa em todos os níveis
de ensino: primário, médio e superior. “Basta evidenciar essa abrangência para se ajuizar da
importância atribuída ao fator educação pelo setor externo, na integração e posicionamento das
sociedades periféricas, no contexto geral do capitalismo internacional” (ROMANELLI, 2007,
p. 213).
Alguns aspectos devem ser considerados ao analisar os acordos, quais sejam: eles
possuíam uma estrutura única, utilizada para analisar os diferentes níveis e estruturas
educacionais, o que tende a isolar a educação do contexto social. Utilizavam os órgãos centrais
de decisão para disseminar as orientações à organização da política educacional brasileira.
Desse modo, o papel do Estado foi reorganizado para atender à demanda social, não
só por educação, como por saúde, segurança, reforma agrária, entre outros. Todavia, no que diz
respeito à educação:
Ao mesmo tempo que se via obrigado a enfrentar a crise estudantil, adotando
medidas urgentes para contorná-las, o Governo instituído após 1964 se via
também compelido a criar as condições básicas para expansão econômica que
o sistema de greves e protestos estivera na iminência de comprometer. Por
outro lado, o investimento em educação, cuja importância se fazia cada vez
mais evidente para o êxito da própria expansão, corria o risco de tornar-se um
grande desperdício, se não se reestruturasse todo o ensino e, ao mesmo tempo,
46

não se acabasse com o protesto estudantil, mormente com as greves, que


haviam transformado completamente as atividades escolares dentro das
Universidades. As medidas de contenção do protesto se revelavam, assim, a
única via capaz de impor a ordem e, ao mesmo tempo, as reformas
(ROMANELLI, 2007, p. 226)

Ressaltamos que, naquele período histórico, a ajuda internacional tinha como


principais objetivos, no que tange à educação, estabelecer relação de eficácia entre os recursos
financeiros e a produtividade da educação escolar; modernizar e reforçar o ensino superior;
buscar melhoria para questões específicas da educação escolar, tais como: conteúdos, métodos,
etc., tratando a crise educacional como algo isolado das questões sociais.
A política educacional foi marcada pela duplicidade entre desenvolvimento,
eficiência e produtividade e, de outro lado, controle e repressão. A primeira proposta de cunho
empresarial tinha, assim, a finalidade de reduzir gastos e aumentar a produtividade. De um lado,
o Estado impôs-se a tarefa de organizar a educação com base em sua política de
desenvolvimento econômico; de outro, houve a necessidade de suprimir as reivindicações por
educação de qualidade, para toda a sociedade. Esta última função esteve permeada pela
repressão.
Com esses objetivos, a legislação educacional foi implementada. Para atender à
“necessidade” de reformar a estrutura da educação brasileira, a legislação aprovada foi: a
criação do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, pela Lei 5.537 de 21 de
novembro de 1968; o Decreto 63.341, de 1 de outubro de 1968, que estabeleceu os critérios
para expansão do ensino superior; o Decreto-Lei 405, aprovado em 31 de dezembro de 1968,
que instituiu as normas para as matrículas no ensino superior; a lei da Reforma Universitária,
5.540 de 28 de novembro de 1968 e a Lei de Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, lei nº 5.692
de 11 de agosto de 1971. Por outro lado, foram aprovadas as leis que buscaram reorganizar o
ME, os Decretos 477 e 228, além da Reforma Universitária.
Da mesma forma, havia interesse de organismos internacionais, bem como da classe
que estava no poder no país, de reformular o modelo de educação primária e secundária. Tal
interesse foi representado também pela Lei nº 5692 de 1971, conhecida como Reforma do
Ensino de 1º e 2º graus. Romanelli sistematiza os aspectos principais da referida Reforma:
1. A extensão da obrigatoriedade escolar;
2. A eliminação de parte do esquema seletivo das escolas;
3. A eliminação do dualismo educacional (ensino secundário x ensino
profissional) proveniente de um dualismo social mais profundo;
4. A previsão mais objetiva de meios de execução das reformas;
5. A profissionalização, em nível médio;
6. A cooperação das empresas na educação;
47

7. A integração geral do sistema educacional desde o 1.º grau ao superior.


(ROMANELLI, 2007, p. 253)

Saviani destaca ainda que, com a Lei 5.692: “buscou-se estender a tendência
produtivista a todas as escolas do país, por meio da pedagogia tecnicista, convertida em
pedagogia oficial” (SAVIANI, 2013, p. 365).
As reflexões abordadas neste texto remetem à compreensão de que, nesse período,
o objetivo principal da chamada “Revolução” foi de abrir as portas do Brasil para o mercado
internacional. A educação, como parte da organização da sociedade, efetivou-se como
instrumento utilizado pelos organismos internacionais, além dos interesses de uma parcela da
sociedade brasileira, portanto, internos, para manutenção do status quo.
Houve a vitória de um projeto de educação, mas não foi aquele que estava sendo
debatido com o povo. Foi aquele possível para a manutenção dos interesses de uma determinada
classe, que colocou como interesses da nação os seus particulares.
O slogan “educação para o desenvolvimento” pressupõe reflexões, tendo como
ponto de partida as condições objetivas de organização da sociedade, ou seja, a que intenções
estará atendendo, sempre com a clareza de que as mudanças no campo econômico ocorrem por
meio de “acordos” entre interesses externos e internos.
Especificamente sobre a organização estudantil, o governo instituído, a partir do
golpe de 1964, redigiu, aprovou e procurou efetivar, além da Lei Suplicy, os Decretos-Lei 228
e 477, como mencionado acima.
O Decreto-Lei nº 228 de 28 de fevereiro de 1967 reformulava a organização
estudantil. Tal Decreto estabelecia como entidades de representação estudantil os Diretórios
Acadêmicos e o Diretório Central dos Estudantes, sendo que determinava as normas para
organização dos estudantes universitários a partir desses dois órgãos, ou seja, a autonomia para
organização estudantil ficava cerceada. O Art. 20 extinguiu os órgãos de representação
estudantil de nível estadual. Outra providência dessa legislação envolvia obrigatoriedade do
voto para as eleições dos diretórios acadêmicos, bem como a eleição indireta para o DCE, a
partir de delegados escolhidos.
O Art. 15 evidenciou a influência das autoridades na organização dos estudantes
universitários, uma vez que o texto destacava: “Serão suspensos ou dissolvidos pelas
Congregações ou pelos Conselhos Universitários, conforme se trate de Diretório Acadêmico ou
de Diretório Central de Estudantes, os órgãos de representação estudantil que não se
organizarem ou não funcionarem em obediência ao prescrito neste decreto-lei e nos respectivos
48

Regimentos ou Estatutos”. O Decreto-Lei nº 228, ao entrar em vigor, revogou a Lei 4.464 de 9


de novembro de 1964, a Lei Suplicy.
O Decreto-Lei nº 477 de 26 de fevereiro de 1969, com a finalidade de buscar o
controle dos estudantes e demais profissionais da educação, estabelecia quais eram as infrações
disciplinares cometidas por alunos, professores e demais funcionários. Transcrevemos, abaixo,
o Art. 1º, cujo texto explicita quais eram as atividades consideradas infrações.
Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou
empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:
I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a
paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer
natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele;
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos,
passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe;
IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua
material subversivo de qualquer natureza;
V - Sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo
docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de
autoridade ou aluno;
VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para
praticar ato contrário à moral ou à ordem pública (BRASIL, 1969, grifos
nossos)

A busca pelo controle da organização/manifestação dos profissionais da educação,


assim como dos alunos, era muito clara, sendo que cometiam infração não só os organizadores
das atividades subversivas, mas também quem participasse dessas atividades. Dessa forma, não
era permitida nenhuma manifestação contra a moral ou a ordem pública.
Para garantir a ordem nos estabelecimentos de ensino, o Decreto apresentava as
punições para aqueles que cometessem alguma das infrações citadas no Artigo 1º, sendo, para
membro do corpo docente ou funcionário, a pena de demissão ou dispensa; ademais, havia
também a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma
natureza, pelo prazo de cinco anos. Para os alunos, a pena era de desligamento e a proibição de
se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três anos. Alunos
bolsistas perdiam o auxílio e não poderiam utilizar esses benefícios pelo prazo de cinco anos.
Ao bolsista estrangeiro, o Decreto estabelecia que seria solicitada a sua imediata retirada de
território nacional. A apuração das infrações era realizada a partir da instauração do Inquérito
Policial.
Assim, foi imposto:
[...] o famigerado Decreto-lei 477, pelo qual os líderes estudantis,
considerados perigosos à ordem, ficavam proibidos de se matricular em
qualquer estabelecimento de ensino durante três anos. Nova onda de cassações
49

também atingiu o corpo docente. Os centros acadêmicos livres foram fechados


e substituídos por entidades atreladas à direção das escolas. O decreto 477 foi
o AI-5 da educação (BUONICORE14, 2008, s/n)

No período denominado de transição15 política, iniciado em 1974, especificamente


durante o governo de João Batista de Figueiredo ocorreu a aprovação da Lei 6.680 de 17 de
agosto de 1979, que dispôs sobre as relações entre o corpo discente e a instituição de ensino
superior, evidenciando outras providências. Em seu Artigo 1º, estabelecia que o corpo discente
dos estabelecimentos de ensino superior seria representado, nos órgãos colegiados acadêmicos,
com direito a voz e voto. Todavia, o parágrafo único destacava que a finalidade da representação
estava relacionada a promover a cooperação entre a comunidade acadêmica e o aprimoramento
da instituição, sendo vedadas atividades de natureza político-partidária.
Reconhecia, dessa forma, no Artigo 2º, que os Diretórios Centrais de Estudantes e
o Diretórios Acadêmicos constituíam-se como órgãos de representação estudantil. Essa lei
revogou os Decretos-Lei nº 228 e 477, bem como os artigos 38 e 39 da Lei n.º 5.540. Era uma
estratégia do governo de minimizar as reivindicações dos estudantes, sem perder o controle da
organização do ME.
Apenas no governo de José Sarney, a UNE foi legalmente reconhecida como
entidade de representação dos estudantes universitários em nível nacional; ademais, houve o
reconhecimento das demais entidades estaduais e das IES (Instituições de Ensino Superior),
conforme letra da Lei nº 7.395 de 31 de outubro de 1985.

Art. 1º - A União Nacional dos Estudantes – UNE, criada em 1937, é entidade


representativa do conjunto dos estudantes das Instituições de Ensino Superior
existentes no País.
Art. 2º - As Uniões Estaduais dos Estudantes UEEs são entidades
representativas do conjunto dos estudantes de cada Estado, do Distrito Federal
ou de Território onde haja mais de uma instituição de ensino superior
(BRASIL, 1985)

O processo de reconhecimento da UNE como entidade máxima de representação


estudantil não ocorreu de forma “tranquila”, ou seja, foi marcado por contradições de
posicionamento. Tal fato pode ser comprovado a partir da análise de alguns recortes de jornais

14
BUONICORE, Augusto. A UNE: uma página perdida da história. Disponível em:
http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=1876&id_coluna=10. Acesso de 13 de janeiro de 2018.
15
Dadas as contradições sobre o processo de transição política/democrática, no período pós Ditadura Civil Militar
brasileira, recorremos aos estudos copilados no livro: “Ditadura: o que resta da transição” organizado por Milton
Pinheiro, no qual é possível compreender as características deste processo de transição do Brasil, que ainda não
foi finalizado, ou seja, não se efetivou plenamente. Também temos a sistematização dos resultados dos trabalhos
da Comissão da Verdade, Nacional e estaduais, que demonstram a necessidade de esclarecer os acontecimentos e
“reparar” os danos causados neste período da história brasileira.
50

da época, arquivados no AEL16. Apenas a título de exemplo, mencionamos as reportagens do


jornal Folha de São Paulo, dos dias 10 e 11 de novembro de 1977. No dia 10/11/1977, temos a
reportagem: “Comissão aprova proposta para a volta da UNE”, na qual estão algumas
informações sobre a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara do projeto
de lei que propunha a volta da UNE. No dia seguinte (11 de novembro de 1977), no mesmo
jornal, temos a manchete: “MEC não aceita órgão nacional de estudantes”.
A partir dos recortes de jornais, é possível identificar a organização dos estudantes,
em especial do ano de 1978, que culminou com a constituição da Comissão Pró-UNE, no
sentido de buscar a reorganização das entidades de representação nacional, que culminou com
a realização do Congresso em Salvador, no ano de 1979.
No que tange à legislação, foi aprovada em 1985, após vinte anos do Golpe de 1964;
a UNE é reconhecida pelo Governo Federal como entidade máxima de representação estudantil.
Todavia, os resquícios do período de clandestinidade, a destruição da sede da entidade, a prisão,
tortura, exílio das lideranças estudantis, são marcas que permaneceram e direcionaram os rumos
da organização estudantil brasileira.
Recorremos, ainda, em função do recorte temporal desta pesquisa, a algumas
reflexões sobre a Lei da Anistia, uma vez que se concretizou como uma das ações relevantes
para o processo de redemocratização do país.
Na história da República Brasileira, não há como deixar de retomar o registro do
pesquisador Paulo Ricardo da Cunha, de que tivemos 48 anistias, as quais estiveram marcadas
pela categoria da conciliação.
[...] A anistia começou a ser considerada como proposta a partir das
conversações da Frente Ampla, iniciadas em 1966; mas foi a partir dos anos
1970 que a luta começou de fato a constar da agenda política do país. Não
demorou muito tempo, ocorreu a formação dos primeiros comitês de Anistia
(CUNHA, 2010, p. 31)

Como resultado do processo histórico de organização da sociedade brasileira, a Lei


da Anistia foi aprovada em 1979, Lei nº 6.683/79. Ficou marcada pela contradição de sua
abrangência, quando incluiu os crimes conexos, ou seja, os torturadores. Em contrapartida,
constituiu em grande avanço, ao propiciar o retorno de vários líderes e demais militantes
exilados, que contribuíram à luta pela redemocratização do país. No campo da reorganização
estudantil, há a importância da presença de militantes que foram exilados e haviam retornado,
quando da realização do Congresso de Reconstrução da UNE.

16
Estas notícias estão arquivadas nas pastas 15 e 16, denominadas Movimento Estudantil – Instituições – UNE –
Reconstrução e legalização.
51

Ocorreu, ainda, a luta pela realização das eleições diretas para Presidente da
República, movimento que ficou conhecido como “Diretas Já”, do qual o ME nacional e
estadual foi partícipe.
Esse movimento, denominado “Diretas Já”, era resultado da mobilização de uma
parcela significativa da sociedade, dentre eles, os estudantes, assim como: operários, artistas,
intelectuais, trabalhadores, que reivindicavam a realização de eleições diretas para Presidente
da República. Esse movimento aconteceu entre 1983 e 1984, em todo país. Apesar de haver um
número considerável de participantes nas manifestações em prol das diretas, a Ementa
Constitucional, apresentada pelo então Deputado Federal Dante de Oliveira, propondo eleições
diretas, não foi aprovada no Congresso Nacional. Portanto, em janeiro de 1985, o Colégio
Eleitoral reuniu-se e elegeu o novo Presidente: Tancredo de Almeida Neves, pelo MDB; como
vice, José Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney.
O Comício realizado em Curitiba, em 12 de janeiro de 1984, que contou com a
presença de mais de 50 mil pessoas, bem como o comício de São Paulo, em 25 de janeiro, com
300 mil pessoas, evidenciaram-se como a expressão da organização dessa parcela da sociedade.
(NERY, 2014, p. 247)
Todavia, o mesmo autor assevera que, apesar desse movimento representar um
processo de articulação da sociedade, ela está permeada também por forças burguesas. “Os
comícios, principalmente os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, configuraram uma
aliança entre a oposição burguesa e o movimento operário e popular, sob a nítida direção da
primeira, definindo o tom da campanha” (NERY, 2014, p. 247).
Apesar dessa aliança, recorremos também à defesa do mesmo autor de que é
inegável a contribuição da classe operária nesse processo de transição para o regime
democrático burguês. Todavia, foi direcionado pela oposição burguesa, em síntese:
Nos mais de 2 mil atos públicos realizados entre junho de 1983 e abril de 1984,
estiveram presentes, aproximadamente, 5 milhões de pessoas, número muito
expressivo e que permite vislumbrarmos a possibilidade de que a campanha
fosse além da mera proposta de aprovação da emenda constitucional que
restituía as eleições diretas para presidente da República (NERY, 2014, p.
268)

Aqui é possível identificar as condições nas quais os estudantes estavam inseridos,


o que direcionou sua participação, bem como o resultado das lutas travadas. Ou seja, apesar do
quantitativo de pessoas mobilizadas em torno desse movimento, não houve apresentação de
uma pauta revolucionária, esvaindo-se após a votação da Ementa Dante de Oliveira.
52

1.4. REFORMA UNIVERSITÁRIA: PROPOSTA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL


VERSUS LEGISLAÇÃO “IMPLEMENTADA” PELO GOVERNO

Como já mencionado neste texto, o governo instaurado a partir do golpe de 1964


redigiu e “aprovou” um conjunto significativo de decretos, leis e resoluções, bem como Atos
Institucionais, cujo objetivo era frear as mobilizações populares. Com relação à necessidade de
contenção das mobilizações estudantis, destacamos o Ato Institucional nº 5, sendo estendido ao
sistema educacional pelo Decreto n.º 477 de 26 de fevereiro de 1969, o qual estava direcionado
exclusivamente ao corpo docente, discente e administrativo das escolas; o objetivo era coibir
toda e qualquer manifestação de caráter político ou de protesto no âmbito das universidades.
Em relação, especificamente, à organização do sistema educacional, destacamos os
principais aspectos da Reforma Universitária, instituída pela Lei 5.540, de novembro de 1968
que, de acordo com Romanelli, esteve permeada por uma racionalização administrativa e pela
modernização. A autora destaca que a estrutura da universidade brasileira ficou organizada com
as seguintes características:
a) Integração de cursos, áreas, disciplinas.
b) Composição curricular, que teoricamente atende a interesses
individuais dos alunos pela presença de disciplinas obrigatórias e
optativas e pela matricula por disciplina.
c) Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa.
d) Cursos de vários níveis e de duração diferente.
e) Incentivo formal à pesquisa.
f) Extinção da cátedra.
g) Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias
docentes.
h) Controle da expansão e orientação da escolha da demanda pelo
planejamento da distribuição das vagas.
i) Dinamização da extensão universitária, etc. (ROMANELLI, 2007, p.
229-230)

Na contramão das imposições do Governo Militar, o ME redigiu, em sua tese de


1967, analisada por José Luís Sanfelice (2008), que a proposta de Reforma Universitária do
governo ditatorial, gestada a partir do Relatório Atcon, atendia aos interesses do capital, no
sentido de “formar profissionais operacionais e vinculados ao status quo, isto é, quadros
técnicos para o desenvolvimento do capitalismo sob a orientação do imperialismo”
(SANFELICE, 2008, p. 146).

Todavia, é necessário e oportuno destacar a caminhada de luta e discussões dos


estudantes universitários em torno da necessidade de reorganização da oferta de educação
superior no Brasil. Dessa caminhada, destacaremos os Seminários Nacionais dedicados às
53

discussões sobre a Reforma Universitária. O primeiro Seminário aconteceu em Salvador, no


ano 1961, quando os estudantes brasileiros redigiram a Declaração da Bahia. Esse documento
demonstra o posicionamento da UNE, no que tange à Reforma Universitária. Na Declaração da
Bahia, as propostas dos estudantes foram abordadas em três temas: a realidade brasileira;
universidade no Brasil e reforma universitária; também, modificações no Projeto de Diretrizes
e Bases da educação Nacional.
A proposta era uma universidade com uma visão voltada para as necessidades do
povo brasileiro. O documento apresentava um parecer sobre a realidade brasileira do ponto de
vista socioeconômico em relação à nação capitalista em fase de desenvolvimento. A Declaração
da Bahia foi o documento que não fez separação entre a situação da Universidade, economia e
política do país. Nesse I Seminário, a Universidade Brasileira surgiu caracterizada como uma
estrutura de uma sociedade alienada. Os universitários acreditavam que a universidade não
estava respondendo à sua missão cultural, profissional e social.
Culturalmente, por não se constituir como repertório da cultura nacional e por
não se preocupar com a pesquisa; profissionalmente, por não formar
profissionais para atender as exigências da realidade do País; socialmente pelo
caráter antidemocrático dos critérios de acesso ao ensino superior, bem como
formar profissionais individualistas, sem maiores preocupações com os
problemas da sociedade (FÁVERO, 1994, p. 38)

A Reforma Universitária deveria ser ampla, cujos objetivos envolviam o fato de


lutar para a democratização do ensino, abrir a universidade para o povo, colocando-se a serviço
das classes consideradas menos favorecidas. No Seminário, também foram discutidos
problemas acadêmico-pedagógicos e administrativos, na busca de autonomia para a
universidade (financeira, administrativa e didática), ponto que ainda é motivo de discussões nas
instituições de ensino, tendo em vista que muitas ainda se mantêm com caráter autoritário.
Em julho de 1961, foi realizado o Encontro da Região Sul, sendo rediscutidos
alguns pontos que tinham sido levantados no I Seminário da Bahia. A finalização desses pontos
foi realizada no II Seminário Nacional de Reforma Universitária, que aconteceu em Curitiba,
de 17 a 24 de março de 1962. A sistematização das reflexões, realizadas durante o Seminário,
resultou no documento denominado Carta do Paraná, que propunha a fundamentação teórica da
reforma universitária, uma análise crítica da universidade brasileira e um esquema de luta por
tal reforma.
Na mesma perspectiva da Declaração da Bahia, a Carta do Paraná preconiza, na
primeira parte, uma universidade crítica, antidogmática e imune às
discriminações de ordem econômica, ideológica, política e social. De forma
pouco clara e objetiva, o documento assinala a dificuldade de a universidade
estabelecer uma real integração entre a formação geral e técnica. Na segunda
54

parte, discute-se, sobretudo o papel da universidade como instrumento de


elaboração de uma cultura nacional (FÁVERO, 1994, p. 40).

Nesse II Seminário, novamente, são tecidas críticas à universidade brasileira, como


já registrado na Declaração da Bahia. Além disso, os estudantes denunciaram a defasagem entre
as universidades e as perspectivas do movimento popular, buscando uma maior democratização
da cultura, tendo em vista que consideravam que tal democratização da cultura constituía-se
como uma missão aos problemas e interesses do povo.
Segundo a Declaração da Bahia, a universidade também falhava em relação à sua
missão cultural, pois não era repositório da cultura nacional; além de não apresentar iniciativa
de pesquisa científica, cultural e artística, cuja proposta era inadequada para a nossa realidade,
ainda falhava, pois não esclarecia para o povo o conteúdo de uma cultura popular.
José Luís Sanfelice destaca que o II Seminário de Reforma Universitária foi uma
atividade ainda mais relevante que o I Seminário, uma vez que o movimento estudantil
brasileiro, liderado pela UNE, fez a defesa de que a Reforma Universitária não poderia estar
direcionada para atender os filhos da classe economicamente mais elevada, ou seja:
[...] Dizendo rejeitar a perspectiva de luta pela Reforma Universitária numa
dimensão voltada apenas para o ganho pessoal dos privilegiados sociais que
conseguiram frequentar o ensino superior, concluiu-se que o problema da
reforma era de fato um problema popular, porque era o povo que não tinha
acesso à universidade (SANFELICE, 2008, p. 48)

A proposta era de que a universidade criasse uma cultura nacional, propiciando


condições para o desenvolvimento da consciência nacional e popular, sendo que a atual
estrutura da universidade no Brasil apresentava suas bases na cultura, baseada numa sociedade
colonial, que evidenciava uma alienação para que a ordem social desumana fosse mantida.
Somente a cultura do povo responderá às necessidades da cultura brasileira (Carta do Paraná).
Nesse sentido, propunha-se que, com base em uma cultura popular, seria possível desenvolver
um pensamento popular e, consequentemente, uma ideologia popular, descobrindo e
valorizando o potencial cultural.
A partir da realização do II Seminário, os estudantes iniciaram as atividades de
divulgação das decisões sistematizadas para os estudantes do país. Tal ação foi denominada de
UNE Volante, uma caravana composta pela direção da UNE, membros do CPC e demais
representantes dos estudantes. O objetivo da caravana era esclarecer aos estudantes brasileiros
as propostas do ME. Dentre elas, a bandeira a ser defendida por todos era a participação de 1/3
de estudantes, 1/3 de professores novos e 1/3 de professores mais antigos, nos órgãos colegiados
55

das universidades. Essa proposta tinha como pano de fundo a possibilidade de manter diálogo
com os professores novos, em defesa da proposta de Reforma Universitária da UNE.
Os estudantes paranaenses, liderados pela UPE e UPES, mantiveram-se resistentes
a seguir o estabelecido pela Lei Suplicy de Lacerda, bem como organizaram-se no sentido de
continuar com os encaminhamentos liderados pela UNE, no que tange à proposta de Reforma
Universitária. Sobre essa questão, recorremos aos estudos de Rafael Rosa Hagemeyer:
Costa e Silva decreta o fechamento da UPE, com base na Lei Suplicy, por
ordem de Gama e Silva, ex-reitor da USP e então ministro da Justiça. No dia
seguinte, Luís Antônio Amaral, presidente da UPE, é preso. Uma série de
apreensões é realizada, a começar por uma estação clandestina de
radioamador, além do recolhimento de jornais e manifestos, considerados
“material subversivo” por exprimirem opiniões contrarias à Guerra do Vietnã
(HAGEMEYER, 1998, p. 106)

No livro: “Resistência democrática: a repressão no Paraná”, de Milton Ivan Heller,


encontramos alguns depoimentos de ex-militantes do ME paranaense, dentre eles, o de Stênio
Sales Jacob, então presidente da UPE, na gestão 1967/68. Stênio destaca algumas
especificidades da organização estudantil no Paraná:

Nós aqui no Paraná sempre tivemos a preocupação, em toda a nossa atuação


no movimento estudantil, de discutir profundamente com os estudantes. Nós
conseguimos agilizar o movimento estudantil porque mantivemos um trabalho
permanente de discussão com os estudantes em todo Estado. Percorríamos as
salas de aulas, e assim foi, na luta contra a introdução do pagamento das
anuidades na Universidade Federal do Paraná. O reitor Flavio Suplicy de
Lacerda, dentro do programa MEC-USAID, como ministro da Educação,
introduziu a famosa Lei Suplicy que eliminava a organização estudantil,
extinguindo os centros acadêmicos e as uniões estaduais. Mas os estudantes
conseguiram resistir, ignorando o Diretório Estadual de Estudantes e
mantendo a UPE como sua entidade representativa máxima (HELLER, 1988,
p. 293)

De acordo com Heller, o próprio Stênio candidatou-se à presidência do DEE,


deixando claro que seu objetivo era fechar essa entidade, fato que levou à suspensão das
eleições para o DEE e à manutenção da UPE como entidade máxima de representação dos
estudantes universitários no Paraná.
Em nossa busca por fontes sobre a organização estudantil paranaense, a partir da
leitura dos textos de Hagemeyer, recorremos à consulta do dossiê sobre a Política Educacional
do Governo. Essa foi uma atividade organizada pela União Paranaense dos Estudantes e do
Movimento Estudantil Livre (MEL), que representava os estudantes secundaristas, nos dias 14
a 16 de junho, do ano de 1968.
56

O temário do Seminário destacou a discussão referente ao histórico da PEG


(Política Educacional do Governo), particularmente no Paraná, além das lutas estudantis contra
a PEG, sobretudo no Paraná. Foram organizados grupos de trabalho para análise, discussão e
encaminhamentos com relação à PEG.
Nesse mesmo dossiê, há o registro do desaparecimento de Vitorio Sorotiuk, o qual
era presidente do DAHS. Há, ainda, um texto, redigido pelos estudantes, denominado de
Política do Governo. Esse texto foi produzido pela diretoria da UNE, a partir da realização do
Conselho Nacional de Estudantes, que se reuniu em fevereiro de 1968, uma vez que o tema
central desse encontro foi a Política Educacional da Ditadura. Como, na introdução do texto,
consta a orientação de que deve servir de apoio para o movimento estudantil de base, realizar
suas discussões e encaminhamentos sobre a PEG, fica claro que o documento foi orientador do
Seminário sobre a Política Educacional, realizado no Paraná. Assim como os demais textos
produzidos pelo ME, com relação à Universidade, ele também faz referência à necessidade de
repensar a Universidade brasileira, que é arcaica. A análise desse e demais documentos,
produzidos pelos estudantes, será efetivada no capítulo quatro desta pesquisa.
Nesse contexto, há o destaque para o fato de que, apesar da repressão, da legislação
imposta pelo governo militar, os estudantes mantêm os debates e algumas ações de embate com
o governo, no sentido de buscar a manutenção da proposta de Reforma Universitária, produzida
pelo ME, a partir do início da década de 1960. Os estudantes paranaenses estão nessa luta
contra a PEG e em defesa da Reforma Universitária, que atenda aos interesses de toda a
sociedade.
Como mencionamos no início deste texto, os estudos sobre o período de 1964 a
1984 estão organizados em pelo menos três momentos: o primeiro momento, que é de
organização das ações para manutenção do governo, de 1964-69; o segundo momento,
denominado por muitos pesquisadores de “anos de chumbo”, a partir da aprovação e
implementação do AI nº 5, no final de 1968 até 1975, ou seja, é o momento de extrema violência
contra sujeitos e organizações de esquerda (subversivos); o terceiro e último momento, a partir
de 1976, que é o processo de abertura, lenta, gradual e segura.
No segundo período ditatorial, os estudantes também são calados. No caso da
documentação pesquisada nos arquivos da DOPS-PR, encontramos apenas alguns documentos
do início da década de 1970. Já no ano de 1979, com a articulação no meio universitário, em
prol da reorganização da UNE, os estudantes paranaenses produziram um Caderno de
57

Memória17 da UNE, como resultado do III Encontro de Entidades do Paraná. Nesse caderno,
consta uma retrospectiva da história da atuação dos estudantes universitários, liderados pela
UNE, desde meadas de 1960, com a organização do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC);
a UNE Volante; A Greve por 1/3, bem como a participação dos estudantes em acontecimentos
do início da primeira metade do século XX, como exemplo, a Luta pelo Petróleo na Campanha
“O petróleo é nosso”. O caderno ainda conta com a redação de atividades realizadas no período
de 1964 a 1979.
No que tange à proposta de Reforma Universitária imposta pelo governo militar, o
texto redigido no caderno considera que:
Primeiramente implantada na Bahia, uma das consequências da Reforma
Universitária foi, em 1972, fazer com que o movimento estudantil
reaparecesse em cena. O provão, como ficou conhecida a seleção para
eliminar os excedentes internos (os alunos ingressavam por áreas e não por
curso, opções que nem sempre coincidiam com o número de vagas
disponíveis), conseguiu mobilizar os estudantes em torno dos seus DAs e,
mais ainda, conseguiu que se restaurasse o DCE, o qual seria reconhecido pela
reitoria (Pasta nº 2315.261)

O que acontece é um movimento contraditório, tendo em vista que, com as medidas


implementadas a partir da Reforma Universitária do Governo Federal, propicia-se um espaço
de rearticulação estudantil para lutar contra essas medidas, as quais não consideravam as
condições sociais e econômicas dos alunos.
O texto segue relatando a organização dos estudantes no início da década de 1970,
em torno da luta contra a implementação da Reforma Universitária, elaborada pelo Governo
Federal. Destaque para as mobilizações que aconteceram em São Paulo, contra a implantação
do ensino pago.
Em outra matéria, denominada: “1977: Presença dos estudantes”, a volta do
Movimento Estudantil às ruas é justificada:
As manifestações de rua de 1977 não surgiram à toa, foram resultado de
muitas aprendizagens de organização e de luta. As condições de ensino
decadentes, os objetivos da reforma universitária, o sufoco das formas de
participação na vida do país, o agravamento da crise econômica, política e
social condicionaram também, sem dúvida, a atual etapa de manifestações dos
estudantes (Pasta nº 2315.161, p. 129)

O texto segue, destacando a importância da reconstrução dos DCEs, em 1976, nos


estados de São Paulo, Pernambuco, Paraíba e Brasília. A análise dos textos desse caderno será

17
O Caderno de Memória está arquivado na pasta nº 2315.261.
58

retomada no capítulo 3, quando são analisadas as contribuições dos estudantes paranaenses no


processo de rearticulação e reorganização da UNE, que culmina com o XXXI Congresso.
Ainda sobre a proposta de Reforma Universitária do Governo, consta no dossiê
UNEPRESS mais um texto redigido pelos paranaenses sobre a Universidade Brasileira. O
documento foi resultado do Encontro Regional do Paraná para o XXX Congresso da UNE.
O primeiro texto: “A universidade brasileira e a sociedade” foi organizado em três
itens: Universidade Arcaica; A universidade que o Governo propõe; e O que nós propomos. No
primeiro item, os estudantes destacaram que a universidade brasileira esteve direcionada, ao
longo da história, para a formação da elite brasileira, com a organização das escolas isoladas e
com vistas a “atender as necessidades de uma oligarquia rural ou referendar o ‘status’ de tal
classe com o ‘doutorado’, fruto de um ensino que se convencionou chamar de ‘bacharelesco’”.
(Pasta nº 2317.161, p. 46)
Com os avanços no desenvolvimento da sociedade brasileira, essa forma de oferta
de educação superior não atendia às demandas para manutenção do capitalismo, ou seja:
O desenvolvimento capitalista teve maior ênfase após 56 (gov. JK), sob a
influência do capitalismo monopolista internacional, o que acentuou os
aspectos arcaicos da Universidade. As classes dominantes iniciaram a
reformulação da Universidade, mas visando a formação de técnicos
operacionais para o atendimento de suas necessidades para a obtenção de
maiores taxas de lucros (Pasta nº 2317.161, p. 47)

De acordo com o documento, diante do desenvolvimento do capitalismo, as críticas


à forma como a Universidade está organizada sofrem julgamento, portanto, é uma instituição
que estaria em crise, pois não atendia às demandas da sociedade.
Diante da crise da Universidade, o governo propõe uma reforma baseada nos
moldes do capitalismo: a Universidade Mec-Usaid, que seria a expressão da
dominação de classe, servindo somente uma minoria. A ideologia imperialista
começa por atribuir defeitos da Universidade atual ao fato de ela ser gratuita
e ser financiada pelo Governo. Segundo seus teóricos, a Universidade deve
funcionar nos moldes de uma empresa privada, “dirigida por um bom gerente
industrial, assistida e controlada por um Conselho composto por banqueiros,
industriais e pessoas destacadas da sociedade”, desvinculada do poder
público. Esse regime, ou seja, a FUNDAÇÃO, é um meio de atingir os
objetivos da política educacional do Governo e não um fim em si (Pasta nº
2317.261, p. 47)

O documento faz menção às ações do Governo Federal para concretização da


Reforma Universitária, dentre elas, o corte de verbas, no ano 1967, denominado de ano da
educação, assim como o Relatório Meira Mattos, que propunha algumas medidas que,
aparentemente, seriam favoráveis para os estudantes, como o aumento do número de vagas.
59

Todavia, os estudantes ressaltaram que o objetivo do relatório era de acalmar os ânimos, para
implantar o sistema educacional proposto pelos acordos MEC-USAID.
Finalmente, o último item desse texto envolveu a proposta, elaborada pelos
estudantes, no encontro realizado em Curitiba, para a reorganização da Universidade Brasileira.
A defesa efetivou-se no sentido de buscar a participação dos estudantes nos órgãos de direção
da Universidade. Essa participação só seria possível quando o ME contasse com um grande
envolvimento por parte dos estudantes na solução dos problemas educacionais.
[...] Por outro lado, estas condições implicam num enfraquecimento
momentâneo do Governo que se verá impossibilitado de aplicar mesmo pela
força suas perspectivas. As comissões deliberativas paritárias, se em estreita
ligação com os estudantes, e, portanto, portadoras do seu ponto de vista,
poderão criar uma situação de fato que o Governo, para superar, terá que se
valer da violência e não somente contra os órgãos de representação estudantil
ou alguns professores, mas contra toda a escola – estudantes, professores e
funcionários (Pasta nº 2317.261, p. 49)

A proposta de Reforma Universitária do ME foi gestada desde o final da década de


1950, culminando com os Seminários, no entanto, os estudos, discussões e ações, na direção de
buscar a efetivação dessa proposta, permaneceram durante o período do governo militar,
quando a luta também foi no sentido de barrar a Reforma Universitária “imposta” pelo governo,
como é possível verificar nas produções do ME.
60

CAPÍTULO 2 – MODUS OPERANDI DA POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA

Quem sabe mais


Sei que é você que sabe mais
E que tudo o que se faz
Você tem que consentir.
Eu concordo em seguir
Sem zangar, sem fugir, sem chorar.

Pois você soube calar os murmúrios da razão,


Minha voz, meu coração.
Mas não soube ver a luz do meu amor,
E ele é bem maior que a sua lei.
Você tirou de mim o gosto do perdão
Sem saber chorar o que chorei.

Sei que nem sempre é sonhador


Quem se julga vencedor.
Não duvides, podes crer, eu ainda hei de ver
Você zangar, você fugir, você chorar.
No melhor do seu sofrer você triste há de ver
Eu contente festejar.

Pois não soube ver a luz do meu amor,


E ele é bem maior que a sua lei.
Você tirou de mim o gosto do perdão
Sem saber chorar o que chorei.

Toquinho

A intenção deste capítulo é pôr em relevo a forma como a polícia política brasileira
esteve organizada no sentido de garantir a Segurança Nacional, o que justifica a nomenclatura
dada quando a proposta é a compreensão da forma como o Sistema de Informações operava no
período da ditadura civil-militar, 1964-1985.

2.1 A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL: A GÊNESE E ATIVIDADES

Durante a ditadura civil-militar brasileira houve repressão política oficial e “não


oficial”. A última foi operada por movimentos como: Comando de Caça aos Comunistas
(CCC); Movimento Anticomunista (MAC) e Tradição, Família e Propriedade (TFP). Portanto,
a repressão contra pessoas e grupos que não concordavam com as ações do governo militar foi
marcada por dupla coerção.
A vaga repressiva contra estudantes e operários não ficou apenas por conta do
aparelho policial-militar – a direita paramilitar (representada especialmente
pelo Comando de Caça aos Comunistas/CCC, em que atuavam também
61

oficiais do Exército) operou ativamente no curso de 1968. Se, entre 1966 e


1968, agrupamentos de esquerda realizaram ações armadas (há dados que
sugerem cerca de cinquenta delas), o terror da direita, em 1968, foi mais
intenso e incidiu primeiro sobre atividades na área da cultura. (NETTO, 2014,
p. 131)

Todavia, nesta seção, focaremos, de forma mais efetiva, na repressão emanada


pelos órgãos oficiais, em nível nacional. Para tanto, recorremos a uma breve definição de como
se constitui e instituiu a Doutrina de Segurança Nacional, por meio da Escola Superior de
Guerra (ESG).

A Escola Superior de Guerra é constituída a partir de dois fatores da história do


Brasil: a participação do país na II Guerra Mundial e o debate político sobre a exploração do
petróleo, tendo como finalidade:
[...] um reforço da tendência à dominância do grande capital (no meio do qual
ressalta o capital estrangeiro) como meio indispensável ao desenvolvimento
econômico e à implementação de uma política de segurança nacional. Resulta
daí, no plano econômico e no político, o estabelecimento de limites
“toleráveis” à organização e participação política dos setores populares.
(OLIVEIRA, 1976, p. 21)

O desenvolvimento da Doutrina de Segurança Nacional concretizou-se no


movimento de outros países na América Latina, quando, após a Segunda Guerra Mundial,
houve a crença de que ocorreria uma guerra total entre o Ocidente democrático e cristão contra
o Oriente comunista e ateu. Entretanto, a doutrina desenvolvida e implementada pela ESG
estava voltada para combater os inimigos internos, ou seja, o comunismo que poderia ser
desenvolvido dentro do Brasil. Dessa forma:
Se, no caso de um conflito total entre Ocidente e Oriente, o comunismo seria
enfrentado pela aliança das nações democráticas lideradas pelos Estados
Unidos, no segundo caso, o comunismo é tomado como “inimigo interno” que
manipula e potencia as tensões sociais próprias do estágio de desenvolvimento
do Brasil, através de: a) o despreparo e ineficiência das elites políticas; b) a
inadequação das estruturas políticas e instituições governamentais ao
encaminhamento das questões de desenvolvimento econômico e segurança
nacional; c) a ingenuidade política e as características culturais do povo
brasileiro, que o tornam “presa fácil” da ação comunista; d) infiltração do
movimento comunista internacional em todas as áreas, setores e instituições
sociais, numa ação que caracteriza uma agressão interna. (OLIVEIRA, 1976,
p. 24)

Outra característica da ESG está no fato de ter incorporado civis como alunos, além
da qualidade de professores visitantes ou permanentes. Foi criada com a finalidade de oferecer
curso de Alto Comando para os oficias do Exército, Marinha e da Aeronáutica.
O General Golbery do Couto e Silva foi o principal membro da ESG, o qual redigiu
os textos que foram suporte da doutrina de Segurança Nacional, sendo que os principais textos
62

que propiciam forma à Doutrina foram reunidos no livro “Geopolítica do Brasil”, publicado em
1966, com a acréscimo de texto, no título da 3ª edição de 1981: “Conjuntura política nacional
– o poder executivo & Geopolítica do Brasil”.
De forma breve, mencionamos o conteúdo do referido livro do General Golbery, o
qual está organizado em três partes. No primeiro momento, o autor trata dos Aspectos
Geopolíticos do Brasil, em 1952, 1959 e 1960. A segunda parte é dedicada à “Geopolítica e
Geoestratégia”; finaliza com reflexões sobre o “Brasil e a defesa do Ocidente”.
Na direção de compreender o modus operandi da ESG, recorremos a um documento
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), do ano de 1970,
resultado de um ciclo de conferências sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento, no qual
estão agrupados textos redigidos por oficiais da polícia política brasileira e “professores
visitantes”, a partir das palestras ministradas nos cursos da ADESG.
A apostila é composta pelos seguintes textos: “O homem de nossa época”; “Política
Nacional”; “Estratégia Nacional”; “A política social”; “Segurança interna”; “Metodologia para
estabelecimento da Política Nacional”; “As informações e a segurança nacional”; “Política,
poder e Segurança Nacional”; “A ciência, a tecnologia e o desenvolvimento”; “Aspectos da
Guerra Contemporânea: Guerra Revolucionária”. Faremos, de forma breve, uma apresentação
do conteúdo de alguns dos textos, aqueles que consideramos que podem contribuir à nossa
pesquisa, fazendo uma breve análise do seu teor.
Na capa desse documento, já encontramos a escrita: “Reservado aos estagiários da
ADESG”, ou seja, não era para qualquer indivíduo. O livro constitui-se como uma sequência
de palestras que abordam sobre temas diversos, mas que se articulam entre si e trazem como
fundamento central a necessidade de retomar princípios religiosos, da moral e dos bons
costumes. Segue abaixo um trecho da palestra de abertura, intitulada “O homem de nossa
época”:
Como tese fundamental de nossa conferência, apresentamos a nossa época
caracterizada pelo gradual declínio do homem religioso para o homem político
e deste para o homem econômico e industrial, que fundamenta a nossa
sociedade do consumo. (CUNHA, 1970, p. 24).

A título de compreensão da leitura e análise que era feita pelos militares, no que diz
respeito aos problemas sociais, ou seja, aquilo que o homem da década de 1970 precisava
melhorar, elencamos, de forma resumida, as considerações finais dessa primeira palestra. De
acordo com os autores: era evidente os sinais da crise da sociedade; o avanço da ciência e
tecnologia propiciaram avanços no campo material e problemas no desenvolvimento pessoal,
com frustrações, desordens e agressões; havia uma crise religiosa que levava ao
63

desmoronamento da moral e do civismo; a questão da falta de fé e de manutenção das tradições


religiosas foi elencada como problema que deveria ser superado, porque trazia muitos danos
aos “valores eternos e imutáveis”, dentre outras considerações que enfatizavam a necessidade
de “retomar” a relação dos homens com Deus. (CUNHA, 1970, p. 32 e 33)
O segundo texto da apostila, denominado: “Política Nacional”, discorre sobre o
conceito de política, estado e nação. Para os representantes da ESG, era importante, naquele
momento, destacar que a política deveria estar voltada à defesa dos interesses da sociedade,
portanto, interesses individuais não poderiam fazer parte da política. Segue a definição de
Política Nacional: “é a ciência e arte de fixar os Objetivos Nacionais, mediante a interpretação
dos interesses e aspirações nacionais, e orientar a conquista ou a preservação daqueles
objetivos”. (ARRUDA; FIGUEIRA; ARAÚJO, 1970, p. 25)
Para que o Governo pudesse cumprir essa função da Política Nacional seria
necessário, ainda, contar com a Política de Desenvolvimento e Segurança, assim definida:

Política de desenvolvimento, integrada na Política Nacional, é o conjunto de


normas, diretrizes, planos e programas, que se traduzem em ação, capaz de
projetar o progresso nacional. Política de Segurança Nacional, integrada na
Política Nacional, é o conjunto de normas, diretrizes, planos e programas que
visam a garantia de consecução ou manutenção dos Objetivos. (ARRUDA;
FIGUEIRA; ARAÚJO, 1970, p. 25).

Sobre o tema Estratégia Nacional, a proposta era destacar o conceito de estratégia


adotado pela ESG. De acordo com os estudos realizados sobre essa temática o conceito de
estratégia esteve ligado, historicamente, à ação do general para vencer a guerra. Em 1967, o
conceito adotado considerava que a “Estratégia Nacional é a arte de preparar e aplicar o Poder
Nacional para alcançar os objetivos da política de segurança nacional, segundo orientação
preestabelecida pelas respectivas políticas de consecução”.
Todavia, de acordo com o autor dessa conferência, Dilermando Gomes Monteiro,
em 1967, ao proferir aula inaugural da ESG, o então Presidente da República, Marechal
Humberto de Alencar Castelo Branco, fez uma análise da relação entre segurança e
desenvolvimento, com a frase: “Desenvolvimento e segurança são ligados por uma relação de
mútua causalidade”. De acordo com o autor, efetivou-se como uma frase polêmica, mas que
refletia os estudos já realizados pela ESG, no sentido de compreender a inter-relação entre
desenvolvimento e segurança.
A palestra, proferida pelo então Ministro Heitor Pinto de Moura: “As informações
e a Segurança Nacional”, remete ao conhecimento, mesmo que ainda incipiente, das
64

especificidades da organização da polícia política, no sentido de angariar e processar as


informações sobre atividades/pessoas/grupos que ofereciam risco à nação. De acordo com o
ministro, ao produtor de informações interessava aquilo que não estava visível, que não fazia
parte do cotidiano, que estava fora do alcance de sua fiscalização, por isso, era essencial
conhecer e seguir o processo de produção de informações, para que essa produção estivesse
permeada pela cautela. O processo de produção é assim definido:

O Ciclo de Informações é a sequência de ações dentro da qual normalmente


se desenvolvem as atividades de produção e utilização de informações. Essas
ações realmente constituem um ciclo, pois que as necessidades da própria
Política Nacional normalmente geram, a cada informação apresentada,
necessidades de novas informações e as ações, ciclicamente realizadas, dão ao
processo de produção e utilização um caráter respectivo e contínuo.
(MOURA, 1970, p. 21 Grifos do autor)

Ainda de acordo com o Ministro, esse ciclo pressupunha fases: planejamento,


reunião de informes, processamento de informes e difusão. O planejamento dizia respeito à
organização das atividades a serem realizadas pelos encarregados da produção de informações,
devendo estar de acordo com as necessidades de informações dos órgãos.
A reunião de informes constituía-se como as ações realizadas para obter as
informações; possuíam dois processos: coleta e busca. A coleta era realizada em arquivos já
catalogados: “a busca de informes é a procura de dados não catalogados ou protegidos contra
quem a faz. Pode ser regular ou clandestina”.
As próximas fases do Ciclo de informações foram assim definidas:

PROCESSAMENTO DE INFORMES – É a fase mais significativa e


complexa do ciclo da produção de informações. É nessa fase que os informes
são registrados, avaliados e transformados em informação, depois de sofrerem
cuidadoso processo de análise, integração e interpretação. Suas ações
sucessivas são, assim, o Registro, a Avaliação, a Análise, a Integração e a
Interpretação.
DIFUSÃO – É a fase final do Ciclo da Produção das Informações. Elaborada
a informação, de nada valeria o intenso e complexo trabalho realizado se ela
não chegasse ao utilizador de forma clara, concisa e oportuna. Quanto à
difusão é básico: não divulgar mais do que o necessário; não omitir quem deva
ter conhecimento da informação; divulgar a informação somente àqueles que
realmente necessitar conhecê-la. (MOURA, 1970, p. 22)

A leitura desse texto sobre as informações e a Segurança Nacional permite, ao


utilizar os documentos da polícia política, identificar a efetivação dessas orientações, uma vez
que nos deparamos com vários relatórios produzidos pelos departamentos de informações sobre
as atividades subversivas, no caso do nosso objeto, o movimento estudantil. Além disso, nesses
65

relatórios, há um item que diz respeito à difusão, ou seja, à divulgação para os órgãos de
segurança e informação de todo o país.
A estrutura dos documentos redigidos pelos agentes da DOPS-PR seguia,
normalmente, um padrão, com pequenas alterações, sendo um modelo18 o seguinte roteiro: 1.
Assunto; 2. Origem; 3. Classificação/Avaliação; 4. Difusão; 5. Referência; 6. Anexos.
Recorremos, também, aos estudos realizados por Maria Helena Moreira Alves, em
seu livro “Estado e oposição no Brasil (1964-1984)”, no qual estabelece uma análise
significativa das ações do Estado, bem como das ações dos demais setores da sociedade, dentre
eles, movimentos sociais.
Ao discorrer sobre o processo de articulação do golpe de 1964, a autora destaca que
a tarefa mais importante, a partir da articulação das atividades da ESG com a sociedade civil,
por meio das instituições: Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), foi:
[...] a criação e implantação de uma rede de informações, considerada
necessária a um Estado eficaz centralizado. O coordenador do
empreendimento foi o General Golbery do Couto e Silva. Alguns oficiais da
ESG integravam também a equipe do IPES, trabalhando intensamente com o
General Golbery no delineamento da rede de informações e no
desenvolvimento de uma sofisticada Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento. (ALVES, 1984, p. 25)

Ressalta, ainda, que a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi


formulada durante o período de 25 anos:
Trata-se de abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos e
de diretrizes para infiltração, coleta de informações e planejamento político-
econômico de programas governamentais. Permite o estabelecimento e
avaliação dos componentes estruturais do Estado e fornece elementos para o
desenvolvimento de metas e planejamento administrativo periódicos.
(ALVES, 1984, p. 35)

Outro instrumento de controle, utilizado pela polícia política, são os IPMs


(Inquéritos Policial-Militares). Os IMPs já estavam previstos no Ato Institucional nº 01, mas
foram regulamentados pelo Decreto-Lei nº 53.89719, de 27 de abril de 1964. Esse Decreto-Lei
instituiu as Comissões que seriam responsáveis pelas investigações, conforme artigos abaixo:
Art. 2º A Comissão se comporá de três membros, nomeados, entre servidores
civis e militares ou profissionais liberais de reconhecida idoneidade, pelo
Presidente da República, que designará dentre eles o presidente.

18
O anexo 1, p. 266, é um informe sobre a realização do XII ECEM – Encontro Científico dos Estudantes de
Medicina, no qual é possível identificar a estrutura mencionada.
19
Disponível no endereço: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-53897-27-abril-1964-
394234-publicacaooriginal-1-pe.html. Consulta realizada em 06 de novembro de 2018.
66

Art. 3º A investigação será aberta por iniciativa da Comissão, ou mediante


determinação do Presidente da República, dos Ministros de estado, dos Chefes
dos Gabinetes Civil e Militar da Presidência da República, ou ainda em virtude
de representação dos dirigentes de autarquias, sociedades de economia mista,
fundações e empresas públicas. (BRASIL, 1964)

No decorrer de nossa pesquisa tivemos acesso aos quatro volumes do IPM 70920, o
qual versava sobre o Comunismo no Brasil. Esse IPM foi conduzido pelo Coronel Ferdinando
de Carvalho. O volume I é uma introdução ao Comunismo no Brasil. Para provar a tese de que
esse projeto de sociedade é prejudicial, trechos da obra de Marx, Engels, Lênin, trechos da
produção das teses do PCB, entre outras, são citadas e interpretadas a partir do olhar da ESG,
da Doutrina de Segurança Nacional, sendo o comunismo uma ameaça para a democracia
brasileira, quiçá mundial.
O volume II, trata das Atividades Comunistas no Brasil; no primeiro capítulo, temos
o item 6, dedicado à análise do Trabalho de Educação, como parte da Construção do
Comunismo no Brasil. No capítulo II, item 2, temos a Ação Comunista no meio estudantil.
Sobre o trabalho de educação, o IPM destaca:
Uma das bases da construção do Partido Comunista é o denominado trabalho
de educação que consiste na doutrinação e capacitação político-ideológica dos
militantes e dos quadros dirigentes, em todos os escalões, com o objetivo de
assegurar a formação e o aperfeiçoamento de ativistas do marxismo-leninismo
e de líderes capazes de empreender as ações partidárias nos diversos setores
da organização. (IPM 709, Vol. II, 1966, p. 48)

A análise sobre como o Partido Comunista organizou e realizou o trabalho de


educação efetiva-se a partir das Teses do VI Congresso do Partido.
Quando, no segundo capítulo, o IPM discorre sobre a Infiltração do Comunismo no
Meio Estudantil, o processo de análise também é realizado a partir das produções do PCB sobre
a participação dos jovens no partido: “Realmente, o meio estudantil é um dos alvos de maior
atenção do Partido Comunista. É aí que se encontra um dos maiores celeiros da liderança
comunista”. Ao citar um trecho da Resolução Política do V Congresso do PC, o texto do IPM
destaca que é possível verificar, de forma clara, a intenção aliciadora do PC no seio dos
estudantes. Segue o excerto, citado no IPM:

Considerando o importante papel que cabe à juventude na vida social e política


do País, devem os comunistas intensificar seu trabalho entre os jovens,
organizando-os nos sindicatos, em clubes esportivos, recreativos e culturais, e
em organizações de massas, ou em entidades especialmente juvenis. (IPM
709, Vol. II, 1966, p. 208)

20
Disponível: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=BibliotBNM&PagFis=8080&Pesq. Acesso
em 12 se setembro de 2016.
67

No decorrer do item, são relatados trechos indicando que o partido comunista tem
como meta operar no meio estudantil, especialmente, no universitário, para propiciar formação
a partir dos dogmas do comunismo, garantindo, então, o avanço desse projeto de sociedade. É
possível, com base nessa produção criteriosa do IPM, compreender o “olhar” cuidadoso da
polícia política para com os estudantes, não só os universitários.
O texto segue trazendo mais elementos, provas, de que as atividades do Partido
Comunista estavam voltadas para o aliciamento no meio estudantil. Em algumas passagens, o
texto chama de atividade perniciosa a ação comunista sobre os estudantes. Estavam nessa
direção as entidades internacionais de estudantes: a União Internacional de Estudantes (UIE)21
e a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD).
Além da ênfase de que essas entidades eram “usadas” pelo comunismo
internacional, o IPM cita a ajuda financeira fornecida pela UIE aos estudantes brasileiros, a
partir de uma carta escrita pelo vice-presidente da entidade, o brasileiro Nelson Vanuzzi, em 21
de janeiro de 1963, para Zuleika D’Alberti. Essa carta foi apreendida na residência de Zuleika
(dirigente do PCB). Segue o texto citado no IPM:

6. Sobre a campanha de Alfabetização e nossa Ajuda tenho algumas coisas


mais detalhadas a tratar. Na carta anterior eu havia me referido a falta absoluta
de dinheiro por aqui. Dei também razões. Porém dada a tremenda discussão
que houve no Secretariado, o companheiro soviético foi a Moscou tratar do
assunto. Resultado: trouxe com ele a quantia de 5 mil dólares exclusivamente
para a UNE, enquanto que para as outras planejadas quase nada foi
conseguido. Parece ter sido uma consideração especial. Além do mais, a UIE
enviará as demais partes materiais. (IPM 709, Vol. II, 1966, p. 213)

Outra questão levantada no IPM diz respeito ao ingresso de estudantes brasileiros


em universidades do mundo socialista. Há, inclusive, trechos das avaliações que deveriam ser
realizadas pelos candidatos, por exemplo, da Universidade de Lumumba22. O texto faz a
seguinte denúncia de que “Os temas políticos de fundo ideológico e comunista são o lugar
comum para a habilitação dos candidatos aos cursos no mundo socialista. O ensino, a educação

21
Nos arquivos da DOPS/PR, há um dossiê da União Internacional de Estudantes, pasta n.º 2304.258, no qual
estão arquivados alguns documentos com a informação de que panfletos, produzidos pela UIE, estariam sendo
distribuídos no meio estudantil, todavia, o panfleto não está na referida pasta.
22
A Universidade Amizade dos Povos foi fundada pelo Governo Soviético, em 1960, e, em 1961, foi chamada de
Patrício Lumumba, em homenagem a uma figura política e pública, que foi assassinada por uma conspiração de
uma organização das forças de reação. O principal objetivo foi promover aos jovens da Ásia, África e América
Latina a oportunidade de ter boa qualificação educacional na Universidade com a prioridade da amizade dos povos.
Disponível em: http://www.aliancarussa.com.br/site/com_conteudos.aspx?id=199 . Acesso de 13 de janeiro de
2018.
68

e a ciência são armas de propaganda e doutrinação comunistas” (IPM 709, Vol. II, 1966, p.
216).
O IPM também chama a atenção para as atividades dos estudantes no movimento
de Cultura Popular e Alfabetização e, de forma específica, a atuação estudantil por meio do
Centro Popular de Cultura. Com base em um documento citado no IPM, sem identificação, o
texto destaca que é um documento de 1964, que deixa clara a infiltração comunista no meio
estudantil:
Uma das iniciativas do proselitismo comunista da UNE foi a organização dos
Centros Populares de Cultura (CPC), organizações destinadas a congregar
jovens para submetê-los a uma intensiva propaganda através de filmes, peças
teatrais, cartazes e outros meios de convencimento, numa autentica operação
de lavagem-cerebral. O CPC da UNE no Rio de Janeiro, por exemplo, reunia
todas as noites jovens de todas as procedências e lhes exibiam filmes sobre a
miséria como: Cinco Vezes Favela, Zé da Cachorra, Um Favelado, peças
teatrais sobre motivos semelhantes, como “Eles não usam black-tie”, e uma
sequência de quadros cinematográficos, músicas, projeções de dispositivos,
de partes faladas e um quadro mural de várias cores, com a denominação geral
de “A miséria ao alcance de todos”, através da qual era mostrada a exploração
imperialista nos Estados Unidos, na Argélia, no Oriente-Médio e no Brasil.
(IPM 709, Vol. II, 1966, p. 225)

O volume III propicia continuidade às Atividades Comunistas no Brasil, com outros


dois capítulos: A Agitação e Propaganda e A Movimentação das Massas; o IV e último volume,
ainda sobre as Atividades Comunistas, tem um capítulo dedicado à Ação Violenta.
Ainda nessa direção de trazer para o debate a forma como os órgãos de Segurança
Nacional compreendiam as organizações de esquerda e como identificavam os subversivos,
especificamente sobre o ME brasileiro, temos um texto redigido pelo Centro de Informações da
Marinha, em agosto de 1965, com o título: “Porquê a União Nacional dos Estudantes é
subversiva”. O texto encontra-se arquivado na pasta nº 2325.263, dossiê: UPE 1965. A redação
do texto inicia-se com a citação e análise de uma circular, redigida por dirigentes da UNE e
distribuída a todos os Diretórios Acadêmicos do país. Segue o trecho:
“Os operários fazendo greves, os camponeses ocupando as terras que são
verdadeiramente suas, os estudantes eles se unindo na luta comum. Mas esta
luta só poderá ser vitoriosa se todos nos unirmos em função dela. Os operários,
os estudantes, os camponeses, os parlamentares progressistas, os militares de
vanguarda unidos são imbatíveis. Tu camponês, és parcela importante dessa
luta. A UNE te saúda e te conclama a participar cada vez mais da luta do povo
brasileiro. Juntos mudaremos a face deste país. Juntos faremos a redenção do
nosso povo. Juntos faremos a revolução brasileira” (Pasta nº 2325.263, p. 103)

A partir da citação do texto da circular, o relatório da CENIMAR destaca que os


DAs lideravam centenas de estudantes, os quais seriam, pouco a pouco, hipnotizados por um
processo de doutrinação, que os levaria a desfazer o processo democrático em que o Brasil
69

estava inserido. Ou seja, a organização da esquerda, de movimentos reivindicatórios,


representava uma ameaça à “democracia” brasileira.
A exemplo dos demais documentos, redigidos pelos agentes/intelectuais do Sistema
Nacional de Segurança, esse documento destaca que os estudantes estavam sendo manobrados
por alguns líderes com a finalidade de implantar no país um regime “que aí sim, viria apenas
beneficiar a alguns poucos privilegiados em detrimento de uma maioria esmagadora que
perderia todos os seus direitos, tendo inclusive o seu trabalho escravizado”. Para provar essa
tese, o relatório mostrava os reais interesses da organização estudantil, liderada pela UNE:

Mostraremos que este órgão era uma simples célula de um vasto plano
nacional de subversão da ordem constituída. Obedecendo cegamente a ordens
emanadas de órgãos internacionais, tornou-se uma instituição
despersonalizada e consequentemente um poderoso instrumento de subversão.
(Dossiê n.º 2325.263, p. 104)

Dessa forma, toda a organização estudantil, liderada pela UNE desde os Seminários
de Reforma Universitária, foi retomada, sempre enfatizando o lado subversivo de tais
atividades, enquadradas na ideologia de Segurança Nacional. Para demonstrar a inserção da
UNE no meio ideológico dominado pelo comunismo, o texto da CENIMAR destaca trechos do
pensamento de Marx e Lenin, denominados os “papas” do comunismo.
Além dos Seminários de Reforma Universitária, o documento retoma a participação
dos estudantes na Frente de Mobilização Popular e na realização, em 1963, do Seminário do
Mundo Subdesenvolvido, o qual contou com a participação de representantes de trinta países
subdesenvolvidos, sendo a conclusão desse evento: 1 – o dever da participação dos estudantes
nas lutas populares pela liberdade nacional, transformação econômico-social e conquista
imediata dos seus povos; 2 – a participação deveria acontecer ao lado de operários e
camponeses. (Pasta n.º 2325.263, p. 109)
Aos olhos da polícia política, a agitação estudantil estava mais intensa no período
anterior ao golpe de 1964, uma vez que:
Nos meses que antecederam a revolução, o meio estudantil liderado pelos
agentes a soldo de Moscou, estava mais do que nunca agitado. Sacudido pela
Tríplice Aliança UNE – CGT – FPN (vide Frente de Mobilização Popular), o
nosso país caminhava a passos largos para o caos. (Pasta n.º 2325.263, p. 109)

Outra questão que foi usada pela polícia política para incriminar a UNE diz respeito
à atuação dos estudantes vinculados à AP, que, de acordo com o relatório, desvirtuou os ideais
da Igreja Católica para atender aos interesses subversivos. Outras atividades consideradas
subversivas são as coleções elaboradas pela editora da UNE: A coleção do povo; a coleção
70

Caderno de Hoje e os Cadernos Universitários. “Tais coleções exploravam as camadas menos


esclarecidas da população conscientizando-as quanto à necessidade de libertação nacional,
programando livros que instrumentassem e documentassem o processo revolucionário
brasileiro” (Pasta nº 2325.263, p. 111).
No documento, não poderiam deixar de citar a influência do CPC da UNE:
Foram promovidas peças de nenhum conteúdo cultural, mas de profundo
sentimento revolucionário a espectadores não esclarecidos, mas sofredores;
esse sofrimento foi por eles explorado, combatido, na realidade não tinham o
menor propósito de o ver solucionado pois significava um excelente meio de
agitação. E assim foram levadas à cena dezenas e dezenas de vezes, por todo
Brasil, peças tais como, “A Incelença”, Auto do Indivíduo Analfabeto de Pai
e Mae”, “A volta do Camaleão Alface”, “Julgamento em Novo Sol”, “Auto
do Salário Mínimo”; foram promovidos Seminários de Dramaturgia e
aprovados textos de peças tais como “Auto da Inundação”, “Auto do Pedreiro
Waldemar”, “Auto do Cidadão que Despertou”, “Auto do Demagogo”, “A
Morte do Latifúndio”, “Canção do Meu Brasil”. (Pasta n.º 2325.263, p. 111)

Os trechos finais do texto da CENIMAR são dedicados a tecer severas críticas aos
estudantes vinculados à UNE, uma vez que:

Estudantes novamente se reúnem em Congressos fazendo relembrar


melancolicamente reuniões da extinta União Nacional dos Estudantes. E nota-
se que são os mesmos antigos agitadores agindo por trás dos bastidores e
mesmo liderando as reuniões. Quando algum desses “falsos estudantes” são
detidos por Comissões de Inquéritos, logo se levantam vozes da imprensa
tendenciosa que publica horrorizada tamanho abuso de poder contra “pobres”
estudantes cuja maior ambição é a liberdade de poder estudar em paz. Criam-
se constrangimentos de difícil superação. (Pasta n.º 2325.263, p. 112)

Para finalizar, retomam o discurso de que os estudantes devem preocupar-se apenas


com seus estudos, com os conhecimentos transmitidos na universidade, não se envolvendo com
questões “impostas” por uma minoria, que não está interessada no bem comum:
É necessário que se tenha bem viva na memória a atuação do extinto órgão
estudantil. É necessário que os estudantes tenham realmente liberdade, mas
liberdade de poder estudar em paz, de ampliar seus conhecimentos sem se
preocupar com problemas que não são seus. É necessário afastar de seu
convívio aqueles que por tanto tempo agitaram, preocupados em cumprir
diretrizes externas e inclusive tirando aos estudantes de bons propósitos, que
são inegavelmente a maioria, condições para exercerem corretamente a nobre
missão em que estão empenhados. (Pasta n.º 2325.263, p. 112)

Então, a ênfase a uma orientação externa está presente; outra característica dos SNI,
portanto, órgãos de informação, é que estavam atentos para essa ameaça internacional.
Os estudantes paranaenses não ficaram alheios aos IPMs, como podemos verificar
nos estudos de Milton Ivan Heller, quando ele realiza entrevistas com os militantes estudantis
durante a ditadura civil-militar. Na declaração dos dois líderes do ME paranaense, Luiz Felipe
71

Ribeiro, estudante de direito da UFPR, e Stênio Sales Jacob, presidente da UPE, gestão 1967-
68, destaca-se que:
Um grande grupo de estudantes foi punido pelo Conselho Universitário, a
partir de um inquérito policial-militar inconcluso. O conselho sequer esperou
a conclusão do inquérito para apurar a culpabilidade e nos puniu. A mim e a
Ronald Silva com uma suspensão por três anos, sem qualquer direito a defesa
e sem nenhuma prova conclusiva, além de uma indiciação no IPM. Foram
punidos nessa época o futuro prefeito Roberto Requião, o futuro
desembargador Otto Luiz Sponholz, estudantes ligados a democracia cristã,
como Júlio César Giovanetti e Paulo Ricardo Santos. Curiosamente, estas
sanções tiveram um caráter muito fechado, principalmente em cima das
maiores punições. Fui excluído do quinto ano de Direito e a conclusão do
inquérito resultou na decretação de uma prisão preventiva” (HELLER, 1988,
p. 285).

Outra “vítima” de IPMs foi Stênio Sales, que respondeu quatro inquéritos - três no
Paraná e um em São Paulo:
Processos inteiramente descabidos, já que a causa desses processos foi a nossa
atuação no movimento popular e a impressão de um jornal, no qual
protestamos contra a política salarial do governo, a política educacional e
contra a Guerra do Vietnã. Protestamos contra o bárbaro assassinato do
estudante Edson Luiz no Rio de Janeiro e tentávamos a realização de passeatas
em Curitiba. O IPM que respondemos em São Paulo foi consequência do
congresso da UNE em Ibiúna. Um encontro não clandestino, ao contrário do
que dizia a repressão, porque foi amplamente divulgado em todo o país. O
congresso visava a discussão de toda a questão da universidade no Brasil, o
projeto MEC-USAID, que acabou resultando na universidade que temos hoje”
(HELLER, 1988, p. 290-291).

Stênio retoma, ainda, que, em São Paulo, foram condenados pelo processo de
participação no congresso da UNE. Ele e os demais estudantes paranaenses, que estiveram no
Congresso, foram condenados a um ano de prisão, tendo cumprido dois meses em São Paulo e
seis meses em Curitiba. Sobre o período em que ficou na prisão, Stênio faz algumas
considerações:
Fiquei doze dias sem contato com os demais companheiros. Como preso
político eu tinha direito à chamada prisão especial, que nunca foi respeitada,
nem aqui nem em São Paulo. As visitas eram constrangidas e precisavam se
submeter até a humilhações, no DOPS, para obter autorização para visitar os
estudantes, que permaneciam, uns trinta, aproximadamente, em uma sala de
aulas, 24 horas por dia, com dificuldade de adaptação as mais diversas. Alguns
com mais firmeza, outros com menos. Cada um com sua personalidade, e foi
preciso grande esforço para que pudéssemos estabelecer uma convivência
razoável. (HELLER, 1988, p. 292)

O depoimento do militante estudantil paranaense elucida as punições sofridas por


estudantes do Estado que foram para São Paulo com o objetivo de participar do Congresso de
Ibiúna. Ou seja, os IPMs estavam direcionados para comprovar a culpa dos estudantes, num
72

processo de ameaça ao Estado. Seguia, portanto, as orientações da Doutrina de Segurança


Nacional, de identificação e contenção da ameaça comunista.

2.2 POLÍCIA POLÍTICA BRASILEIRA: DOPS – TENTÁCULOS DO SNI

Um dos órgãos que contribuiu de forma incisiva para que o Sistema de Segurança
Nacional fosse consolidado, com êxito, foram os órgãos estaduais denominados
Departamentos/Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Ao iniciar nossa pesquisa,
realizamos um mapeamento de quais estados brasileiros contavam com os DOPS para efetivar
o processo de controle dos “subversivos”.
Nos estados da região sul do Brasil, todos tiveram essa organização. Temos o DOPS
do Rio grande do Sul, o DOPS de Santa Catarina e a Delegacia de Ordem Política e Social do
Paraná. Na região sudeste, temos o DEOPS de São Paulo, o DOPS do Rio de Janeiro, DOPS de
Minas Gerais e DOPS do Espírito Santo. Na região centro-oeste, temos arquivos da polícia
política nos estados de Goiás e no Distrito Federal.
Na região nordeste, há arquivos do DOPS dos estados da Bahia, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Alagoas, Piauí, Paraíba e Maranhão. Na região norte, há
arquivos do DOPS nos estados do Tocantins e Paraíba.
Nossa pesquisa tem como base os documentos arquivados na DOPS do Paraná.
Tendo em vista a dinâmica do Sistema de Informações da polícia política, era comum a difusão
de informações entre os DOPS, com o objetivo de manter os órgãos de segurança bem
informados sobre as atividades subversivas.
Dessa forma, atividades realizadas pelos estudantes de outros estados podem ser
encontradas nas pastas da DOPS/PR, bem como eventos de nível nacional também estão
arquivados nos dossiês. Como exemplo, podemos citar os documentos sobre o Congresso da
UNE, em Ibiúna – SP.
Beatriz Kushnir, em seus estudos sobre o acesso aos arquivos do DEOPS São Paulo,
assevera:
Vale destacar que, embora os registros das ações do Dops estejam associados
aos períodos de ditadura na República brasileira, esse Departamento, assim
como outras instituições de informação política do Estado, nunca foi extinto.
Sempre existiram, quer o governo fosse mais ou menos democrático ou mais
ou menos ditatorial. A preocupação com a informação sempre foi uma
“questão de segurança nacional”. O que demarca as diferenças são, entre
outros aspectos, as formas de obter dados, as informações sobre as condutas
individuais; as nuanças de se respeitar os direitos civis. (KUSHNIR, 2002, p.
561)
73

Sobre o acervo do DOPS, há uma especificidade: “durante a sua vigência funcionou


como acervo interno de um órgão de segurança; após a sua extinção, passou a desempenhar o
papel de arquivo público”. (KUSHNIR, 2002, p. 563)
A pesquisadora Maria Luiza Tucci Carneiro, ao tratar da utilização dos arquivos da
polícia política, reitera a possibilidade de que o pesquisador terá de “avaliar uma das mais
importantes instituições do mundo moderno que, enquanto braço repressor do Estado, tinha
como função o controle do indivíduo”. Diante disso, um dos principais objetivos desse órgão
era silenciar o pensamento heterogêneo, calando aqueles sujeitos considerados perigosos.
Destacamos, ainda, o cuidado necessário ao utilizar os documentos da DOPS como
fonte histórica, pois temos a questão da veracidade dos documentos, bem como o apreço com
a exposição daqueles que foram considerados subversivos. É preciso lembrar que a legislação,
que permite acesso aos documentos da DOPS no Paraná, não faz a exigência de solicitar
autorização dos fichados ou citados nos dossiês para utilizar como fonte. Todavia, nossa
pesquisa foi direcionada para a análise das pastas das entidades de representação estudantil,
bem como as que tratam dos eventos realizados pelos estudantes. Ao utilizarmos as
pastas/fichas individuais, tivemos o cuidado de mencionar apenas questões relacionadas com o
objeto de estudo.
Reiteramos, questão já levantada por Hagemeyer, o fato de que foi durante o
primeiro mandato (1991-1994) do Governador Roberto Requião23 que os arquivos foram
disponibilizados para consulta, sendo depositados no Arquivo Público do Paraná. A
disponibilização dos arquivos da polícia política decorreu da instituição, em 1986, do habeas
data que obrigava a liberação dos arquivos e permitia que esses documentos fossem
consultados.
No Paraná, a transferência do acervo da polícia política para o arquivo público do
estado foi realizada com o Decreto Estadual nº 577 de julho de 1991, o qual extinguiu a
Subdivisão de Segurança e Informação (SSI), denominada Delegacia de Ordem Política e
Social (DOPS), além de transferir o acervo dessa delegacia para o Departamento Estadual de
Arquivo Público (DEAP).
Sobre o acervo da DOPS:
Pouco antes de ser publicado o Decreto, segundo informa um ofício datado de
3 de julho de 1991, funcionários do DEAP foram solicitados pela SSI a
conhecer a situação em que se encontrava o acervo e a fazer uma avaliação
das condições de guarda. Eles depararam, à época, com uma sala de
23
Roberto Requião foi “alvo” dos olhares e registros dos agentes da DOPS, uma vez que militou no movimento
estudantil paranaense.
74

aproximadamente 60m² onde estavam localizados trinta arquivos de aço. O


acervo era então gerenciado por três pessoas: um delegado, um agente de
investigação e um responsável pela pesquisa de informações. Os funcionários
do DEAP foram informados na ocasião sobre uma triagem da documentação
a ser feita antes da transferência, pois a mesma continha documentos da área
criminal “de grande interesse para o bom desempenho do combate à
criminalidade” (RONCAGLIO, 1998: 42)

Assim, dos 30 arquivos de aço que faziam parte do acervo da DOPS/PR, foram
transferidos apenas 23 arquivos para o DEAP, os quais continham milhares de fichas, pastas e
documentos diversos.
Há uma diversidade significativa de materiais arquivados nos dossiês, sendo:
relatórios produzidos pelos agentes da polícia sobre eventos realizados pelos estudantes;
recortes de jornal com notícias do ME do Paraná e do Brasil; ofícios encaminhados pelas
entidades estudantis; ofícios produzidos pelos órgãos de segurança interna de instituições de
educação.
Para esta tese, foram levantadas um total de 179 (cento e setenta e nove) pastas24 e
fichas individuais, sendo utilizadas diretamente na redação do texto as quantidades relacionadas
baixo:

Temática Pastas levantadas Pastas citadas


Diretórios Acadêmicos do Paraná 25 pastas 25 pastas
Diretórios Centrais de Estudantes de 8 pastas 8 pastas
Universidades do Estado – DCE
DEE 1 1
Fichas individuais 25 14
Pastas individuais 17 11
UPE 6 3
UNE 15 7
Diversos (UPES; Demais entidades e 91 27
atividades estudantis)
Fonte: Elaborado pela autora

24
No decorrer da escrita da tese, utilizaremos as nomenclaturas pasta e dossiê como sinônimos, uma vez que dizem
respeito à forma de arquivar documentos sobre pessoas, partidos políticos, entidades, movimentos sociais,
atividades realizadas, entre outras. As Fichas Individuais possuem característica diferenciada, apenas apresentando
registros realizados pelos agentes da DOPS-PR, sem contemplar anexos e outros documentos.
75

Todavia, importante destacar que há um número significativo de pastas/dossiês


relacionadas ao ME que não foram analisadas nesta pesquisa de forma sistematizada, dentre as
quais podemos citar os dossiês da UFPR25.
Sobre as pastas da UNE, quatro são de recortes de jornais com notícias sobre a
entidade, de 1977 até 1981, das quais três possuem em média 250 páginas cada uma, ou seja,
um número expressivo de materiais arquivados. Sobre as pastas da UPE, é possível encontrar
documentos da UPES, como mencionaremos no decorrer da tese26. Esses documentos, que se
referem ao ME Secundarista, remetem à compreensão da importância das entidades de base,
por exemplo, o Grêmio Estudantil do Colégio Estadual do Paraná e as entidades de
representação estudantil municipal, como é o caso da União Londrinense de Estudantes
Secundaristas (ULES).
As delegacias de Ordem Política e Social ou os Departamentos, nomenclatura que
pode mudar de acordo com o Estado a que pertence, foram um braço importante do Sistema
Nacional de Informações. Em pesquisa realizada no processo de produção da dissertação de
Mestrado, denominada: “Encontros e desencontros do Movimento Estudantil Secundarista
Paranaense (1964-1985)”, iniciamos os estudos sobre o acesso aos arquivos da DOPS-PR. Há
uma legislação que regulamenta o acesso a esses documentos nos dias atuais.
O acesso ao acervo da DOPS-PR a partir do Decreto nº 4348, de 29 de junho
de 2001, é feito mediante Termo de Responsabilidade assinado pelo
interessado junto ao Arquivo Público do Paraná. O referido termo transfere
para o pesquisador a responsabilidade sobre a utilização dos dados coletados.
(SCHMITT, 2011, p. 91)

Em 2015, todas as pastas estavam digitalizadas, mas as dificuldades encontradas


para realização da pesquisa de mestrado permaneceram as mesmas, uma vez que o conteúdo e
a periodicidade das pastas não estão organizados de forma a contribuir com a pesquisa. Todavia,
ressaltamos que o acesso está mais rápido, devido ao trabalho de digitalização que foi realizado
no acervo.

25
Os dossiês destinados às Universidades possuem documentos sobre a organização de atividades pelos
professores, bem como pelos estudantes. No caso da UFPR, em um dos dossiês está arquivado um Informe
denominado: “Formação política do Estudante na Universidade”, que diz respeito a um Aviso Circular enviado
pelo então Ministro da Educação – Ney Braga – aos dirigentes das Instituições de Ensino Superior, sobre o
problema da ação político-partidária e ideológica nas universidades. O documento é claro no sentido de cercear a
organização do ME no interior das Universidades com a justificativa da infiltração de partidos políticos no meio
estudantil.
26
Sobre a documentação da UPES e do ME secundarista, não foram encontrados quando realizamos a pesquisa
para a escrita da Dissertação do Mestrado, assim, algumas especificidades da organização estudantil secundarista
podem ser melhor compreendidas e sistematizadas a partir da utilização desses e de outros documentos que estão
em dossiês diversos.
76

Sobre a organização dos documentos que compõem as pastas/dossiês, Kushnir


chama atenção para o fato de que:
Quando esse acervo passa a ser de domínio público, certas nuanças se
explicitam. O material chega em estado caótico aos Arquivos Estaduais, e
muito se comenta a respeito de uma possível “limpeza” realizada por ex-
agentes do órgão, o que nos leva a crer que a sua lógica interna tenha sido
muitas vezes deliberadamente manipulada. Uma característica, contudo, é-lhe
marcante: contém informações de determinadas pessoas, mas não é um
arquivo privado. Por pertencer a um órgão público, é de domínio da sociedade,
fazendo dessa situação um nó difícil de desatar. (KUSHNIR, 2002, p. 571)

Contudo, o cuidado com o manuseio e a interpretação dos documentos da DOPS


deve estar presente durante todo o processo de produção dos pesquisadores que os utilizam
como fonte histórica. Maria Luiza Tucci Carneiro, em um breve ensaio27 sobre a utilização dos
arquivos da polícia política brasileira, chama a atenção para o fato de que:
Independentes dos seus veículos (livro, ofício, panfleto, um boletim, um
relatório, etc.), temos que considerar que estes discursos sofreram um
processo de gerenciamento, cuja desmontagem é imprescindível para a
reconstituição do raciocínio policial que tinha como missão comprovar o
crime identificado através de ideias e ações sediciosas. O discurso da ordem
assume um tom acusatório ao apontar para o inimigo cuja imagem negativa
vai sendo construída a partir de provas recolhidas junto aos espaços da sedição
(daí os autos de busca e apreensão e os relatórios de investigação). Neste caso,
quem “monta” a história oficial é a autoridade policial que, com base na
observação e na materialização do crime (provas concretas), “constrói”
realidades. E estas ao serem julgadas pelas instâncias superiores e propagadas
junto à grande imprensa tornam-se consenso, legitimação à repressão.
(CARNEIRO, s/d, p. 2)

Nessa direção, a autora recorre à relevância das reportagens de jornal que fazem
parte dos dossiês, uma vez que contribuíam para reforçar a imagem negativa do indiciado. E,
ainda, ao comparar as reportagens dos jornais com a versão policial, é possível recuperar a
organização do raciocínio desenvolvido pelo repressor. Assim, a partir da socialização das
atividades, realizadas pela polícia política, permitia-se que a grande massa da sociedade
considerasse tais atividades como necessárias para a manutenção da ordem.
A demonstração pública das apreensões feitas pela polícia política –
fartamente registrada pela imprensa e pelo Laboratório Técnico do
Departamento de Ordem Política e Social – alimentava o imaginário coletivo
ansioso por “ver” imagens de ordem e segurança. A constante prisão de
intelectuais e jornalistas “subversivos”, acompanhada das ordens de confisco
e incineração dos seus livros “malditos” soavam como iniciativas
purificadoras da sociedade. Foram-se os tempos de auto-de-fé, mas ficaram os
inquisidores. (CARNEIRO, s/d, p. 2)

27
O ensaio está disponível no endereço:
https://www.usp.br/proin/download/artigo/artigo_arquivos_policia_politica.pdf, acesso em 27 de abril de 2017.
77

Nesses arquivos da polícia política, podemos encontrar significativos documentos


para a reconstituição da história da censura e da repressão no Brasil, além de múltiplos registros,
que podem nos levar a identificar os grupos de resistência ao autoritarismo e as minorias
nacionais, perseguidas enquanto indesejáveis.
Os documentos que agregam as pastas/dossiês, no caso específico do objeto de
estudo desta tese, evidenciam-se em, pelo menos, três categorias, quais sejam: documentos
elaborados pelos estudantes e apreendidos pelos agentes da polícia política; recortes de jornais
sobre acontecimentos relacionados ao ME e, por fim, relatórios redigidos pelos diversos órgãos
da repressão, bem como fotos de pessoas e atividades realizadas e consideradas subversivas.
No próximo capítulo, alguns desses documentos serão elencados e analisados de forma
sistematizada.
Sobre nosso objeto de estudo, encontramos um número significativo de
pastas/dossiês. Um dado que nos chama a atenção é a extensão das pastas que guardam os
arquivos referentes à UNE, bem como a quantidade de Diretórios acadêmicos das faculdades
do Paraná que foram “fichados”. Há, ademais, as pastas individuais e as fichas individuais, com
documentação referente aos elementos subversivos, vinculados ao ME.
Além das entidades estudantis, constam dossiês sobre eventos realizados pelos
estudantes, jornais estudantis, Instituições de Ensino, desde a Educação Básica ao Ensino
Superior; também documentos arquivados em outros dossiês que se referem a outras formas de
organização, tais como os partidos políticos e demais movimentos sociais que agregam
informações sobre o ME paranaense.
Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que a atuação da DOPS/PR iniciou
antes do período ditatorial. A vigilância sobre as atividades dos estudantes paranaenses
encontra-se nos arquivos com data de 1962, 1963. A título de exemplo, é possível mencionar
um ofício, encaminhado pela direção da UPE, em 1962, ao delegado responsável pela
DOPS/PR, solicitando autorização para realização de uma atividade de mobilização estudantil.
Nessa mesma pasta, encontra-se o relatório redigido por agente da DOPS/PR, a respeito da
Reunião do Conselho Permanente da UPE, em 1962.
Na análise dos dossiês que se referem aos DAs, é possível encontrar documentos
de controle do ME, desde a década de 1940, como é o caso do Diretório Acadêmico Nilo Cairo
(DANC), ou seja, a vigilância ao ME, inclusive no Paraná, não é um mérito apenas da Ditadura
Civil-Militar, instaurada a partir do Golpe de 1964, mas vem de longa data, desde a constituição
desse Sistema de Informações.
78

CAPÍTULO 3 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES BRASILEIROS: “Quando


um muro separa uma ponte UNE”
O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza

Será, que será?


O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho...

Chico Buarque

3.1 COMO ELES AGIAM: UNE

Neste capítulo, faremos uma análise mais sistemática sobre a forma como os
estudantes se organizaram durante o período da ditadura civil-militar brasileira. A pretensão é,
a partir dos documentos arquivados pela polícia política e de pesquisas já realizadas sobre a
UNE, tecer algumas considerações sobre as atividades realizadas pelos estudantes
universitários, no que tange às questões educacionais, políticas, econômicas e culturais.
A abordagem estará pautada na seguinte organização, no que diz respeito ao recorte
temporal, partindo do objeto de pesquisa, ou seja, do ME universitário paranaense: primeira
fase (1964 a 1968) – período marcado pela ambiguidade, sendo transitório, mas de resistência
do ME; 2ª fase (1969 a 1978) – quase que exclusivamente de clandestinidade; e a terceira fase
(1979 a 1985) – período de retomada das atividades do ME em caráter nacional, de reconstrução
das entidades de representação.
Tendo em vista que o objeto de estudo diz respeito ao ME Universitário do Estado
do Paraná, a análise será direcionada aos documentos arquivados na DOPS-/PR, que dizem
respeito ao ME desse Estado, bem como da entidade de representação dos universitários em
nível nacional, a UNE. Todavia, reiteramos que a polícia política brasileira procurou
disseminar, por todo país, por meio dos diversos órgãos oficiais, as informações sobre pessoas
e movimentos considerados subversivos. Ou seja, alguns documentos, os quais abordam sobre
o ME paranaense, podem ser encontrados em outros Departamentos de Ordem Política e Social
do país.
79

Destaca-se, além disso, a ênfase ao período de abertura política, articulado ao


processo de reorganização das entidades de representação estudantil, portanto, de 1979 a 1985,
visto que tal recorte já foi justificado na introdução da pesquisa.
Iniciamos o capítulo com um trecho da letra da música de Chico Buarque e Milton
Nascimento: O que será que será? uma vez que, de acordo com estudo de Maria Paula Araujo:
“A trilha sonora do movimento estudantil nesse momento de retomada de lutas políticas era,
essencialmente, Chico Buarque e Milton Nascimento. E, de todas elas, O que será que será?, a
música que os dois cantavam juntos, é um dos marcos daquela época” (2007, p. 222).

3.2 DOCUMENTOS ARQUIVADOS NA DOPS DO PARANÁ

Há, nos arquivos da DOPS-PR, que fazem parte do acervo do Arquivo Público do
Paraná, um número significativo de documentos que se referem ao ME universitário nacional
e paranaense. Entre as pastas, ressaltamos que há quantidade considerável dos diretórios
acadêmicos das diversas faculdades paranaenses. Algumas pastas contêm poucas laudas, entre
cinco e dez; a quantidade de pastas utilizadas nesta pesquisa está relacionada no capítulo
anterior.
As pastas estão organizadas com documentos produzidos pela polícia política, bem
como com os materiais produzidos e/ou utilizados pelos estudantes em suas atividades, os quais
foram apreendidos pelos agentes da DOPS-PR. No caso do Movimento Universitário é possível
encontrar os temários dos Congressos; alguns folhetos, que foram distribuídos para estudantes
e para a população; alguns textos, produzidos pelos próprios estudantes que são subsídios
teóricos para as discussões no coletivo.
A produção dos agentes da polícia política são: relatórios; informes com difusão
para diversos órgãos do governo, ofícios, relação de dados pessoais de militantes, fotos de
fichados e de eventos realizados. Há algumas pastas que contêm apenas recortes de jornal sobre
determinada atividade dos estudantes; um exemplo diz respeito ao XXX Congresso da UNE,
que aconteceria em Ibiúna.
Organizamos a redação e análise dos documentos arquivados pela polícia política
da seguinte forma: no primeiro momento, analisamos os Congressos Nacionais organizados
pela UNE e a participação dos estudantes paranaenses. No segundo momento, voltamos a
atenção para as demais atividades realizadas pela UNE, que foram registradas pela DOPS; por
fim, a análise das produções teóricas e artísticas dos estudantes, as quais também foram
apreendidas pelos agentes da DOPS-PR. A organização do texto priorizou o recorte temporal,
80

denominado de período de abertura política, mas analisamos documentos de todo o período


ditatorial.
Com a finalidade de elucidar a história da organização estudantil o mais próximo
possível da realidade dos acontecimentos, também utilizamos, no decorrer da realização da
pesquisa, outros textos produzidos por estudiosos da área, portanto, não apenas os documentos
da polícia política foram analisados no decorrer deste capítulo, apesar de serem a fonte principal
de toda nossa pesquisa.
Nessa direção, recorremos aos dados levantados por Marcelo Ridenti, quando da
participação estudantil na luta contra a ditadura civil-militar. Os dados elucidam a relevância
dos jovens nesse processo de resistência às imposições dos governos militares.
Uma lista da Anistia Internacional, com 1.081 nomes de vítimas da repressão
no Brasil entre 1968 e 1972, indica que eram estudantes 39,8% das 565
vítimas com ocupação conhecida, segundo relata Löwy (1979, p. 265). Um
ex-estudante condenado e encarcerado no início de 1970 conta que, dentre os
cerca de 250 presos políticos naquele período no presídio Tiradentes, em São
Paulo, “seguramente mais de 50% eram estudantes” (Mendes, 1982, p. 90).
Com certeza, a origem estudantil dos militantes e simpatizantes foi
amplamente majoritária nos grupos de esquerda armada. Portanto, a análise
da participação dos estudantes na luta contra o regime militar deve ser
considerada peça-chave para compreender as esquerdas armadas urbanas,
ainda que elas tenham inúmeras facetas sociais além da estudantil, com
destaque principalmente à participação dos trabalhadores intelectuais, dos
militantes profissionais antigos, rompidos com o PCB, e dos militares
subalternos e suboficiais, que também foram componentes muito
significativos dos grupos em armas, ao menos qualitativamente (sem esquecer
que os estudantes, como categoria social, são também cortados por distintas
inserções de classe). (RIDENTI, 2010, p. 115)

Em decorrência da efetiva participação nos movimentos contra as atrocidades da


Ditadura Civil-Militar, os estudantes foram vítimas das mais diversas formas de violência,
desde prisões, como mencionado por Ridenti, à coerção, perseguição, exílio, tortura,
assassinatos e violências psicológicas das mais diversas.
Portanto, a vida de muitos estudantes que militaram durante esse período ficou
marcada; as consequências são relatadas nos depoimentos dos militantes. Alguns argumentam
que, na juventude, lhes foi retirado o direito de estudar, trabalhar, expressar opinião, ir e vir,
em função da vigilância constante a que eram submetidos. Quando recorremos aos registros
realizados pela DOPS/PR, sobre as atividades dos estudantes, essa angústia dos estudantes
materializa-se, ou seja, há um número significativo de registros, em alguns casos, quase diário
sobre a vida dos militantes. Portanto, o aparato da polícia política brasileira estava muito
preocupado com os militantes estudantis. Esses registros serão retomados no decorrer desta
tese.
81

3.2.1 Registros na DOPS de Congressos realizados pela UNE:

Como o sistema de informações da polícia política era disseminado por diversos


órgãos de controle e segurança, as informações que constam nos arquivos da DOPS-PR
possivelmente foram enviadas para outros órgãos do Sistema de Segurança. Assim, é recorrente
encontrar documentação de pessoas, partidos e movimentos sociais de outros estados aqui nos
arquivos paranaenses, assim como o contrário também ocorre.
No que tange aos registros sobre a realização dos Congressos Nacionais de
Estudantes (CNE), no período de 1964 até 1985, é possível encontrar arquivos de apenas alguns
congressos, na documentação a que tivemos acesso, até a finalização da nossa pesquisa.
Sobre o XXVII CNE de 1965, realizado de 25 a 30 de julho, em São Paulo, Capital,
o DOPS de São Paulo redigiu um relatório que consta nos arquivos do DOPS-PR, pasta n.º
2308.259, denominada União Nacional dos Estudantes, com mais de quatrocentas páginas de
informações sobre a organização estudantil brasileira. O relatório é um texto bem elaborado,
com sumário, introdução, redação das principais etapas do Congresso, conclusão e anexos. Os
itens do sumário são: da recepção dos congressistas; da sessão solene de abertura; da sessão
preparatória e eleição da mesa diretora; das sessões plenárias; da organização; das bancadas e
do número de participantes; da relação nominal dos participantes – três bancadas; das
comissões; dos grupos atuantes; da parte financeira; da eleição da diretoria; das observações
gerais; da sessão de encerramento; dos elementos mais ativos.
Para que possamos efetivar continuidade à nossa proposta de descrever e analisar a
forma como a polícia política olhou, vigiou e reprimiu os estudantes brasileiros, faremos a
transcrição de alguns trechos do referido relatório, que estão alinhados aos conceitos de
Segurança Nacional já mencionados nesta pesquisa.
Na introdução do texto a redação deixa clara a acusação da relação da UNE com o
comunismo internacional, uma vez que:
[...] a infiltração dos inimigos natos da liberdade foi de alto a baixo, no sentido
vertical e horizontal da entidade de classe: quando os democratas acordaram
e abriram os olhos para a realidade, já era tarde demais, a UNE estava toda
bichada por dentro, irremediavelmente perdida de sua organização e estrutura,
não havendo mais nada a aproveitar. O único remédio, seria, como foi, a sua
extinção total. A cura veio com a lei Suplicy, por imposição do Movimento
de Março de 64. (Pasta n.º 2308.259, p. 9)

O teor do relatório é este: a infiltração comunista internacional, a utilização da UNE


como instrumento de dominação dos estudantes e o risco à democracia, visto que as práticas
82

comunistas poderiam ter sido instaladas por esse tipo de movimento, sendo necessária a ação
do Governo Federal para barrar esses elementos/grupos subversivos.
Sobre o Congresso, a ênfase propiciada é de que foi um fracasso, que os estudantes
não conseguiram organizar-se de forma adequada, inclusive, porque estavam sem as verbas
anteriormente enviadas pelo Governo Federal. Sobre a atuação dos grupos durante o Congresso,
o relatório ressalta que:
É oportuno lembrar, que das bancadas que participaram do “Congresso”, havia
grande número de estudantes democratas. Todavia, durante o “Congresso”, os
elementos democratas não se articulavam e não equacionavam os problemas
num plano, de modo que, durante o “Congresso”, não tiveram uma orientação
segura, que os conduzisse a uma decisão. Essa falta de entendimento e
organização dos elementos democratas facilitou o trabalho dos comunistas,
que manobraram à vontade, dentro do esquema AP – POLOP, anteriormente
preparado. (Pasta n.º 2308.259, p. 16)

Ainda nesse dossiê da UNE (pasta nº 2308.259), estão arquivados documentos


sobre a realização do XXVIII Congresso da UNE, em Belo Horizonte, de 28 de julho a 01 de
agosto de 1966. As notícias dos jornais são: No Diário da Tarde de 29 de julho de 1966:
“Estudantes recuam, mas polícia mantém prontidão”; no Diário de Minas de 30 de julho de
1966, a manchete é: “Estudantes confirmam e polícia nega o Congresso”.
As informações são contraditórias, sendo que estudantes garantem que o Congresso
foi realizado, enquanto que o aparato policial montado diz que os estudantes não conseguiram
se reunir para realizar o Congresso. O jornal Diário de Minas de 30 de julho de 1966 destaca:
“UNE confirma e polícia nega congresso”:
Enquanto o universitário gaúcho Antônio Vanderlei Moreira – líder da
bancada do Rio Grande do Sul, onde estuda filosofia – garantia, ontem que “o
XXVIII Congresso Nacional dos Estudantes foi realizado em Belo Horizonte,
no convento dos Franciscanos com a presença de 152 universitários,
representando 13 Estados”, o secretário da Segurança Pública, sr. Crispim
Jacques Bias Fortes anunciava que “continua acreditando no compromisso
assumido pelo arcebispo-coadjutor, dom João de Resende Costa de que o
Congresso não seria realizado em nenhuma dependência de ordem religiosa
ou da arquidiocese. (Pasta n.º 2308.259, p. 91)

Outra questão que é noticiada no jornal diz respeito ao gasto financeiro, que já
chegava a meio milhão de cruzeiros, do governo do Estado de Minas Gerais, para impedir a
realização do Congresso.
O dossiê de nº 2316.261 também possui alguns documentos sobre as atividades
realizadas durante do XXVIII Congresso da UNE. Na página de número 2, temos o ofício
180/66, da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná, redigido pelo então delegado Ozias
Algauer e direcionado para o General Junot Rebello Guimaraes, então secretário de Segurança
83

Pública do Estado do Paraná. O teor do ofício diz respeito ao relatório circunstanciado do


XXVIII Congresso da UNE.
O item 1 do relatório relaciona-se ao resultado político, sendo que:
Em relação à Diretoria anterior, que era composta por oito elementos da “Ação
Popular” e dois do Partido Comunista Brasileiro, no último congresso da
entidade trouxe como resultado mais destacado a radicalização, pois a Ação
Popular cedeu dois cargos ao Movimento “POLOP” e mais um ao Partido
Comunista Brasileiro, permanecendo não como maioria de 80% dos votos,
mas com somente 50%. (Pasta n.º 2316.261, p. 03)

A presidência da UNE ficou com José Luiz Moreira Guedes e a vice-presidência


com Apolo Heringer Lisboa. Nos dois próximos itens, há a descrição ideológica da Ação
Popular e da POLOP. A redação do texto destaca que a AP foi organizada em 1961, editou o
jornal denominado Movimento, de orientação socialista e, mais tarde, a publicação Brasil
Urgente; o texto em questão considera o socialismo como um movimento histórico de base
marxista. O conteúdo demonstra a visão da polícia política, que não se coaduna com a dos
militantes, ou seja, é possível identificar a visão distorcida, impressa no relatório, de que há
infiltração do partido comunista na AP, quando é sabido que isso não ocorre. “O Partido
Comunista é infiltrado na Ação Popular, visando componentes, o clero, que dela faz parte. O movimento
hoje é clandestino, pois não tem nem o apoio do Governo e nem da Igreja”. (Pasta n.º 2316.261, p. 03)

Sobre a POLOP, temos a seguinte definição:


A POLOP, hoje é composta por dois elementos. É um movimento de
intelectuais, cujo objetivo é elaborar uma “política operária”, baseado na
teoria Marxista-Leninista, para implantação a curto ou médio prazo, de um
movimento, digo, governo comunista no Brasil. Sua sede é em Belo
Horizonte, e foi iniciada a atividade do grupo em agosto de 1963. (Pasta n.º
2316.261, p. 03)

A plataforma política da UNE fica registrada com duas propostas, a e b, sendo a


primeira: “1. Movimento Contra a Ditadura; 2. Ensino e Infiltração estrangeira; 3. Constituinte
popular; 4. Reforma Universitária; 5. Política Educacional do Governo; 6. Eleições
universitárias”. Na sequência constam mais dez itens, da plataforma b:
1. Lutar contra a Ditadura.
2. Lutar por eleições livres e diretas.
3. Reivindicar a anistia ampla e completa.
4. Lutar pelo fim da intervenção nos Sindicatos dos Trabalhadores.
5. Revogação da Lei de Greve.
6. Revogação dos Atos Institucionais.
7. Revogação da Lei Suplicy.
8. Revogação do acordo de Garantia de Investimentos.
9. Extinção da FTP Fôrça (sic) Internacional de Paz.
84

10. Lutar pela reforma agrária completa em todo País em moldes nacionais e sem
figurinhas importadas. (Pasta n.º 2316.261, p. 04)

O texto explicita que a Plataforma A foi proposta pelo PCB e POLOP MCD e a
Plataforma B foi proposição da AP.
Sobre a participação dos estudantes paranaenses consta, no texto do relatório, a
presença de Vitório Sorotiuk, José Oswaldo Barreto Rocha Braga, Eduardo Pires Modesto, Ney
Wilson Pascoal e Sartori. O relatório destaca que “a atuação da bancada paranaense, foi
medíocre, sendo de causar preocupação somente a campanha que será desenvolvida com o fim
de arrecadar fundos e o programa de agitação que inclui uma greve geral com o pretexto de
libertar os estudantes presos em Belo Horizonte” (Pasta nº 2316.261, p. 03).
No item 6 do relatório: “Movimento Político e suas possíveis ligações com o
Paraná”, há o registro da possível organização de filiais da POLOP e MCD 28 no estado, tendo
em vista a participação dos estudantes paranaenses nas atividades realizadas pela UNE,
especialmente em Belo Horizonte.
Outra menção importante no relatório diz respeito ao financiamento para realização
do Congresso que, de acordo com a polícia política, ficou a cargo da União Internacional de
Estudantes (UIE) - a qual disponibilizou 10 milhões de cruzeiros -, bem como pela venda de
bônus, realizada pela UNE.
De acordo com alguns documentos analisados, dentre eles um recorte do jornal “O
Cruzeiro”29, de 26 de agosto de 1967, o XXIX Congresso da UNE foi realizado em São Paulo,
apesar de toda organização da polícia paulista para não permitir. O título da matéria: “UNE
engana DOPS e faz comício na praça”, revela o momento em que cerca de 200 estudantes
realizaram um comício de 15 minutos na Praça da Sé, encerrando o XXIX Congresso da UNE.
Os estudantes conseguiram despistar os mais de 4.000 homens da Força Pública, Guarda Civil
e DOPS.
Em 1968, a UNE extinta pela legislação imposta pelo governo militar, tentou
realizar seu XXX Congresso Nacional30. Dentre as pastas pesquisadas, deparamo-nos, na Pasta

28
Esta sigla, MCD, consta no texto do relatório. Como MCD - Movimento Contra a Ditadura - foi um movimento
idealizado pela UNE, durante a realização do Congresso de 1966; é possível que a sigla se refira a esse movimento,
fato que não está esclarecido no relatório citado. Verbete sobre o MDC pode ser encontrado no endereço:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/movimento-contra-a-ditadura. Acesso em 01 de
outubro de 2018.
29
Pasta n.º 2308.259, página 434.
30
A relação com os dados dos estudantes fichados, por participarem do XXX Congresso da UNE, está no dossiê:
XXX Congresso da UNE – Ibiúna, pasta nº 2314.260. O dossiê possui 407 páginas, com as fotos dos estudantes
presos e a relação nominal, separada por estado.
85

nº 2312.260, com os depoimentos dos estudantes paranaenses que estiveram no Sítio


“Murundu”, de Ibiúna, para participar do Congresso da UNE.
É uma pasta confusa; no início, encontramos documentos genéricos sobre a
regulamentação de empresas. Todavia, há cópias de uma revista produzida pelos estudantes e,
em seguida, a transcrição dos autos de qualificação e interrogatório. Destacamos que esses
documentos foram produzidos pelo Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São
Paulo, tendo sido encaminhados para a Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná. Isso
acontecia porque havia a rede de difusão da documentação produzida pela polícia política. Há
a relação dos 45 estudantes paranaenses que estiveram em Ibiúna, presos e interrogados.
Na pasta n.º 2327.264, encontramos um panfleto, redigido pela UPE, sem data, com
o objetivo de informar a prisão dos estudantes paranaenses que foram participar do Congresso
de Ibiúna. De acordo com o panfleto: “Os presidentes da UPE e DCE e mais 35 delegados
tirados em nossas escolas foram todos detidos, sem que se saiba onde se encontram, nem por
quanto tempo ficarão retidos”. Ao término do panfleto, fica o convite para que saiam às ruas
em defesa da libertação dos colegas presos.
Na pasta nº 2314.260 consta o Plano de Ação do Sistema de Segurança (SS) do
Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo com todas as informações sobre o
Congresso de Ibiúna. Analisaremos alguns trechos desse plano com a finalidade de
compreender o olhar da polícia política sobre o ME, qual a justificativa, quais caminhos
percorreram para vigiar e punir os estudantes.
A vigilância em relação ao ME, como já apontado por pesquisadores sobre a
Ditadura Civil-Militar, bem como sobre o Movimento Estudantil, esteve presente antes do
golpe de 1964. Nesse Plano de Ação do DEOPS – SP, é possível verificar que há um
investimento significativo na vigilância aos estudantes:
O “S.S.” do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo conseguia,
desde a morte do estudante Edson Luiz na Guanabara, preciosos informes
demonstrando que o Movimento Estudantil era utilizado por grupos da
esquerda revolucionária, para atingir proporções que representassem uma
contribuição real ao Movimento Revolucionário, desde que conduzido
dialeticamente até sua própria ampliação e consequente absorção ao
movimento geral. (Pasta n.º 2314.260, p. 3 grifos nossos)

A justificativa para vigiar e frear a ação dos estudantes liderados pela UNE é a
ameaça comunista. O texto do Plano de Ação destaca, ainda, que os grupos de esquerda
esperavam que, a partir da realização do XXX Congresso da extinta UNE, o ME estaria inserido
no movimento mais amplo e radical, qual seja: “Movimento Proletário de Libertação”.
86

Como uma das funções da polícia política é a produção de provas que enquadrem
o suspeito, no caso a entidade, são necessárias as provas de subversão. Nesse Plano de Ação do
DEOPS, foram analisados alguns itens do temário do XXX Congresso da UNE, sendo que:
Conseguiu o “S.S.” do D.O.P.S. reunir com bastante antecedência os
principais itens do temário e analisá-los. Tais análises encontram-se nos autos
do inquérito instaurado, mas vale aqui o registro. Nas “Relações
Internacionais” e “Proposições da UNE”, nota-se a verdadeira finalidade:
Agitar as massas populares, indispondo-as contra o governo e sua consequente
derrubada. Também o “Informe da OCLAE31 ao XXX Congresso da UNE” é
documento nitidamente político e internacional, do qual serve a UNE para o
incentivo à luta. A análise do “Programa para a União Estadual dos
Estudantes” demonstra a disposição de levar avante uma luta mais
violenta e mais próxima da “linha chinesa”. (Pasta n.º 2314.260, p. 3, grifos
nossos)

O Inquérito instaurado para as investigações do Congresso é o de número 15 de


1968. De acordo com o relatório, é um dos mais volumosos de que se tem notícia, com oito
volumes, sendo 694 indiciados, portanto, 694 boletins individuais (um qualificado
indiretamente), 693 identificações criminais, vários depoimentos e inúmeros documentos
comprometedores.
Ainda sobre a participação dos estudantes paranaenses no Congresso de Ibiúna, no
dossiê da UPE – União Paranaense dos Estudantes, pasta nº 2327.264, temos o recorte do jornal
“Diário do Paraná”, de 23 de outubro de 1968, em que a reportagem destaca que o DOPS
paulista encaminhou à Segunda Auditoria de Guerra o processo instaurado contra os
participantes do XXX Congresso da “extinta” UNE, no qual solicita a prisão preventiva de 71
estudantes, a partir da Lei de Segurança Nacional; dentre eles, sete são paranaenses: Stênio
Sales Jacob, presidente da UPE; João Antonio Mânfio, presidente do Diretório Acadêmico
Jackson de Figueiredo; Elói Alfredo Pieta, presidente do Diretório Acadêmico Rocha Pombo;
Vitorio Sorotiuck, presidente do DA Hugo Simas; Jurandir Rios Garçoni, presidente do DCE,
Berto Luis Curvo, Assessor de Relações Públicas e Imprensa; e Palmira Amâncio Silva, da
UPE.
Na pasta n.º 2313.260, que contém documentos sobre o Congresso de Ibiúna,
identificamos um manifesto32 do MAU - Movimento Universitário Autêntico. Esse manifesto,
intitulado “A verdade nua e crua sobre o 30º Congresso da UNE (extinta UNE)” relata, com
uma linguagem agressiva e ofensiva, a forma como os estudantes organizaram-se para a
realização do Congresso em Ibiúna. A redação do texto está em forma de denúncia do

31
Organização Continental Latino Americana de Estudantes.
32
Documento na íntegra, anexo n.º 02, p. 267.
87

movimento estudantil institucionalizado. Abaixo, apenas um trecho do referido manifesto, que


se encontra na íntegra, anexo a esta tese.
Colega estudante, esta é a verdade que eles não contam. Por isso, surgiu o
MAU (Movimento Universitário Autentico) que doravante estará vigilante,
denunciando o COVIL da CORRUPÇÃO e o mar de lama em que estão sendo
transformadas as nossas faculdades por estes imperialistas paracomunistas e
que contam com o beneplácito de professores incompetentes e acomodados
que aqui no Paraná atinge a elevada cifra de 80% do magistério superior.
(Pasta n.º 2313.260, p.36)

A redação do texto infere que é uma organização de estudantes universitários do


Paraná, os quais defendem os interesses do grupo que está no poder, uma vez que denunciam
as ações dos estudantes organizados por meio da UNE, bem como dos professores que estão
alinhados a esse movimento. No término do documento constam as siglas das entidades que
endossam o referido manifesto: TFP; CCC; MAC e FUR, sendo conhecidas as duas primeiras,
Tradição, Família e Propriedade e Comando de Caça aos Comunistas, consecutivamente; as
outras duas dizem respeito ao Movimento Anticomunista e a sigla FUR não foi identificada,
sendo que há conhecimento da FAC - Frente Anticomunista.
Ainda nesse dossiê, registrado sob o nº 2313.260, está arquivado um documento
com as diretrizes gerais e o temário do XXX Congresso. Nas linhas gerais, o ME apresenta,
com base nas avaliações dos congressos anteriores, uma proposta diferente para a realização do
congresso de 1968:
Os Congressos anteriores nunca foram preparados nas escolas: os delegados
levavam posições individuais e os estudantes em conjunto eram praticamente
esquecidos nessas reuniões. Tiravam-se delas planos de luta que poucos
delegados seriam capazes de sustentar em suas escolas pois não refletiam as
experiências, as lutas desenvolvidas no dia a dia do ME, as condições
específicas que os problemas universitários levantavam e que se constituiriam
em instrumento de mobilização, organização e educação dos estudantes.
(Pasta n.º 2313.260, p. 25)

A partir do CONEG, realizado em Salvador, o temário do XXX Congresso foi


elaborado e aprovado e, de acordo com o documento, a diretoria da UNE formalizou as
diretrizes e organizou o congresso em quatro fases, sendo: Preparação (a primeira fase é aquela
de organização, considerada a mais importante); Encontros Regionais (a segunda fase seria de
realizar discussões e levantar demandas das regiões; seriam criadas as “Regionais Permanentes
da UNE”); Encontros Nacionais (para a terceira fase, a proposta era realizar um Encontro
Nacional em espaço aberto, mas, se a repressão não permitisse, seria mantida a realização em
espaço fechado); e, finalmente, a última fase do Congresso, quando seriam socializadas, para
88

os estudantes de todo país, as decisões do Congresso e da Diretoria, pela divulgação da Ata do


Congresso com as Cartas Política e Programática aprovadas.
Essa proposta de organização e realização do Congresso Nacional de Estudantes
demostra a sensibilidade do ME em buscar a efetiva participação dos estudantes de todas as
regiões do país, com a apresentação das demandas do coletivo, não apenas dos delegados.
O conteúdo do temário do XXX CNE estava assim sistematizado:

a) 1 - O que é a Universidade Brasileira?


2 - Porque devemos lutar? Quais as lutas?
3 - O que quer o Governo? Como ele age?
4 - Porque negar a Reforma Universitária do Governo? Que propor?
b) 1- O que é a política estudantil do Governo? Como negá-la?
2 – Por que o Governo reprime os estudantes? Que fazer?
c) 1 - Quais as formas de luta? Como usá-las? Quando usá-las?
d) 1 - Quais as formas de organização do ME?
2 - Que são as entidades estudantis?
3 - O que são os GTs e GEs?
4 - O que tem sido a UNE?
5 -Como deve ser a nova organização da UNE? (Pasta n.º 2313.260, p. 29)

Pela análise do conteúdo do temário organizado para o Congresso de 1968, é


possível destacar que o ME estava ciente de que precisava reorganizar as formas de luta; para
tanto, todos deveriam ter clareza sobre a organização estudantil diante do contexto brasileiro,
naquele ano.
Ainda sobre as contribuições dos estudantes paranaenses para o XXX Congresso
da UNE, no dossiê UNE-PRESS, pasta nº 2317.261, retomamos a análise do documento, a
princípio redigido pelos estudantes paranaenses, com os textos: “Teses do Paraná para o
Congresso da UNE”; “Teatro: intelectuais versus censura” e “ME dá seu apoio à greve dos
bancários”.
Como já referido no capítulo 1, esse documento foi resultado do Encontro Regional
do Paraná para o XXX Congresso da UNE. A introdução indica que a proposta de organizar,
de forma diferenciada, o XXX Congresso foi posta em prática:
O encontro da região, realizado nas dependências do DCE, com a participação
de delegados de todas as Faculdades da Capital e muitas do interior, constitui-
se na segunda fase do Congresso Nacional da UNE. As teses nesse conclave
debatidas abrangeram os seguintes temas: 1. A Universidade Brasileira e a
Sociedade; 2. Política Estudantil do Governo; 3. A organização do Movimento
Estudantil na Sociedade e suas formas de luta; 4. O papel do Movimento
Estudantil na Sociedade, além de outros pontos que serão apresentados no
Encontro Nacional de Delegados, a terceira fase do Congresso. Por outro lado,
esses assuntos servem como subsídio para as discussões que os grupos de
trabalho desenvolvem nas faculdades. (Pasta n.º 2317.261, p. 42)
89

Essa era a proposta de luta interna, mas o ME também manteria a luta externa, visto
que, além das passeatas, organizava também comícios-propaganda, com a finalidade de
divulgar a posição política do ME. De acordo com o texto, os comícios-propaganda tinham a
vantagem de dificultar a repressão, pois não eram marcados com hora e local. Já a passeata
devia agregar uma quantidade significativa de estudantes, sendo que precisavam estar
preparados para enfrentar a repressão. Além disso: “As manifestações externas devem ser
também de divulgação da luta dos trabalhadores e de outros setores da pequena-burguesia”.
(Pasta nº 2317.261, p. 50)
No texto que trata sobre “A universidade brasileira e a sociedade”, os estudantes
redigiram argumentos sobre três questões centrais, quais sejam: 1. A universidade Arcaica; 2.
A universidade que o Governo propõe; 3. O que nós propomos. O texto redigido, ou seja, nossa
análise sobre o conteúdo desse registro, remete à clareza sobre as condições reais da
universidade brasileira. No primeiro item do texto, ao estabelecer uma análise histórica da
Universidade Brasileira, os estudantes destacam que se caracteriza como um modelo
ultrapassado, constituído para atender às demandas do Brasil no período monárquico, uma vez
que, apesar da eminência de algumas alterações na oferta de novos cursos, por conta do
processo de industrialização a universidade mantém a estrutura fragmentada e direcionada para
atender às demandas da elite brasileira. Em síntese:
O desenvolvimento capitalista teve maior ênfase após 56 (gov. JK), sob
influência do capital monopolista internacional, o que acentuou os aspectos
arcaicos da Universidade. As classes dominantes iniciaram a reformulação da
Universidade, mas visando formação de técnicos operacionais para o
atendimento de suas necessidades para obtenção de maiores taxas de lucro.
(Pasta n.º 2317.261, p. 47)

Essa é a condição da Universidade Arcaica do Brasil. Todavia, existe a proposta de


reforma nessa instituição, por meio das orientações dos organismos internacionais, sendo que
os estudantes denominam tal instituição como Universidade MEC/USAID, em que:
[...] A Ideologia imperialista começa por atribuir os defeitos da Universidade
atual ao fato de ela ser gratuita e ser financiada pelo Governo. Segundo seus
teóricos, a Universidade deve funcionar nos moldes de uma empresa privada,
“dirigida por um bom gerente industrial, assistida e controlada por um
Conselho composto por banqueiros, industriais e pessoas destacadas da
sociedade”, desvinculada do poder público. Esse regime, ou seja, a
FUNDAÇÂO, é um meio de atingir objetivos da política educacional do
Governo e não um fim em si. (Pasta n.º 2317.261, p. 47)

A análise dos estudantes segue denunciando o caráter técnico operacional da


Reforma Universitária, bem como pelo pragmatismo com que os currículos são propostos,
inclusive, com a desvalorização das ciências humanas.
90

Sobre o relatório Meira Mattos, a principal crítica tecida diz respeito ao fato de que
destaca que todos os problemas, inerentes à Universidade brasileira, devem ser resolvidos a fim
de se efetivar “o grande plano estratégico do governo”, ou seja, a intenção não é resolver os
problemas no sentido de contribuir a uma universidade que atenda aos interesses da sociedade,
como um todo, mas efetivar o plano do governo, que está alinhado aos interesses das classes
dominantes.
A proposta dos estudantes estava balizada pela compreensão da necessidade de
transformar a Universidade presente naquele período, ou seja:
[...] É a universidade brasileira formando não somente técnicos ou
profissionais liberais de qualquer ordem, mas profissionais capazes de
compreender a sociedade brasileira. A Universidade torna-se um instrumento
de corrosão do Governo, a camada de técnicos ou dirigentes que dela saírem
não será unilateral e domesticada pela perspectiva ideológica da burguesia.
Será um foco permanente e ajuizador de contradições existentes entre
Governo e a população dominada, explorada, reprimida. É importante insistir
que a Universidade Crítica não é um fim a ser atingido, mas um meio, um
instrumento para ação política. (Pasta n.º 2317.261, p. 50).

Com a defesa da Universidade Crítica, estabelecem que a luta do ME precisa estar


articulada nessa direção, que a sociedade como um todo deve ser chamada para essa luta; que,
nas escolas em que os estudantes ainda não compreenderam a necessidade de transformar a
Universidade é necessário organizar ações para que a luta possa ser coletiva; que não apenas a
liderança estudantil tome a frente dessa organização, mas sim, todos os estudantes.
No texto, é contemplado o item “Luta por uma Universidade democrática”, com a
seguinte observação: “Esclarecemos que esta proposição foi rejeitada pela Comissão e pela
maioria dos delegados do Encontro Regional, em Sessão Plenária” (Idem, p. 58)
Dessa forma, entende-se que houve mais do que uma proposta sobre a Reforma
Universitária, defendida pelos estudantes paranaenses. A proposta da Universidade Crítica foi
legitimada, mas havia ainda a proposta da Universidade Democrática, a qual, em síntese,
propunha, após retomar o fato de que não há mais condição da manutenção da Universidade
Arcaica no Brasil e que a Proposta MEC-USAID também não é adequada, uma Universidade
que correspondesse “ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Temos de adaptá-la à atual
etapa da Revolução, devemos continuar a luta para que as forças populares tenham acesso à
Universidade e que participem de seu controle” (Pasta n.º 2317.261, p. 60-61).
A partir da década de 1970, ocorre a impossibilidade de organização dos estudantes
universitários em nível nacional e mesmo estadual, por meio da prisão das lideranças. Com esse
arrefecimento da organização estudantil, há dificuldades para retomada das atividades,
91

inclusive, para reconstrução da UNE e demais entidades de representação estudantil, a partir da


década de 1970.
Em entrevista concedida ao Projeto Memória do Movimento Estudantil, o ex-
presidente da UNE relata um pouco sobre a articulação dos estudantes, no final da década de
1970, para reorganização da entidade nacional.
Começamos a fazer a reconstrução pelos encontros setoriais. Por exemplo, o
curso de medicina é muito articulado, com uma presença importante na
história do movimento estudantil. O Ecem era um encontro também dentro de
certa estrutura oficial, daí seu nome (Encontro Científico dos Estudantes de
Medicina), que era como se fosse a negação da política. E a ditadura, de certa
forma, apoiava e estimulava as universidades. Mas o pessoal da esquerda, não
sei se todos, mas pelo menos os que eu sabia, eram do PCB, que entraram num
primeiro momento. Depois o PCdoB também entrou, e se articulavam
nacionalmente. A primeira luta foi para tirar os setores mais conservadores da
direção desses encontros, mas participávamos de todos eles. Esse encontro de
medicina era antecedido de um pré-encontro; escolhiam-se os delegados e os
dividíamos para participarem também em Alagoas. E fomos por este caminho.
Depois, os estudantes de arquitetura também fizeram os seus encontros
nacionais, até que surgiu o primeiro encontro nacional, do qual não
participamos. (REBELO, s/n, 2004).

O depoimento de Aldo Rebelo coaduna-se com os registros encontrados nos


arquivos da DOPS-PR, quando da realização do XII ECEM, em Curitiba, como analisaremos
no próximo tópico deste capítulo.
Nesse período, os estudantes precisaram pensar em caminhos diferenciados para
conseguir a articulação do Movimento Estudantil, após o Ato Institucional nº 5. Dentre os
caminhos possíveis:
A diretoria da UNE continuou se reunindo. Entretanto, não podia mais fazer
atividade pública. Os diretores da entidade – cercados por um aparato de
segurança - apareciam de surpresa em assembleias e reuniões relâmpagos nas
escolas. Mantinham contatos esporádicos e rápidos com os dirigentes dos
Diretórios Acadêmicos. Uma de suas principais atividades consistia em
distribuir o jornal Movimento, órgão oficial da entidade. Esta era a forma
encontrada de dizer à ditadura: estamos vivos! (BUONICORE, 2008, s/n).

Assim, contra a maré dos “anos de chumbo”, impostos a partir do AI nº 05, os


estudantes que não estavam presos, exilados ou desaparecidos encontraram formas possíveis
para uma organização também provável, consideradas as condições objetivas do período,
então:
Esta gestão da UNE (1969-1971), presidida por Jean Marc e Honestino
Guimarães, travou uma luta heroica para manter minimamente organizado o
movimento estudantil num período muito difícil da história brasileira. Como
afirmou Gaspari, tínhamos saído de uma “ditadura envergonhada” para
ingressarmos numa “ditadura escancarada”. A quase totalidade de seus
dirigentes nacionais foi presa e barbaramente torturada. Vários deles foram
92

assassinados pela repressão. Este foi o preço pago para manter tremulando a
bandeira da UNE e da resistência democrática e popular no
Brasil. (BUONICORE, 2008, s/n).

Ainda, além de, na análise dos documentos, não constar registros sobre Congressos
Nacionais e Estaduais, é possível verificar, no dossiê denominado “Movimento Estudantil Livre
– MEL”, que os estudantes estavam realizando algumas atividades; temos registros no que tange
à preocupação das autoridades com relação a estas ações que estariam sendo realizadas pelos
estudantes universitários. Em um informe, carimbado como secreto, Jarbas Passarinho, à época
Ministro da Educação, em 1973, assinou as orientações as quais, em síntese, aconselhavam os
reitores, diretores e demais autoridades das instituições de Ensino Superior a controlar as
atividades que estariam sendo realizadas pelos estudantes. Nesse documento solicitava que as
propostas dos estudantes passassem pela anuência das autoridades locais e, em seguida, que a
documentação sobre a referida atividade deveria ser encaminhada para anuência do Ministério
da Educação; ainda, declara que haveria a necessidade de acompanhamento pela entidade local
da organização dos estudantes, além do encaminhamento, no prazo de trinta dias, de um
relatório circunstanciado das atividades realizadas.
Segue trecho final do informe:
Reconheço a delicadeza do assunto, dado que não pretendemos impor silencio
aos estudantes, mas é preciso notar que, à falta de motivação para movimento
de massas, as esquerdas pretendem, através da ativação aparentemente
irrepreensível, dos Diretórios Acadêmicos, chegar às reuniões de âmbito
nacional onde, a par dos assuntos estritamente estudantis, se desenvolva a
articulação de novas lideranças voltadas para a subversão.
Natural é que essa manobra causa apreensões e vital é, para nós, que os
propósitos esquerdistas sejam firmemente neutralizados. (Pasta n.º 1393.165,
p. 6)

O documento supracitado, denominado “Aviso Reservado”, foi redigido e


encaminhado para as universidades no ano de 1973. Ou seja, apesar da ilegalidade, os
estudantes estavam sim articulados e eram vigiados pelos órgãos de controle.
Outro informe, redigido pelo DSI/MEC, denominado “Encontros Estudantis”, de
02 de fevereiro de 1973, diz respeito ao fato de o Ministro da Educação ter recebido, no dia 15
de janeiro de 1973, uma Comissão de Estudantes de Comunicação, todavia:
a. Inicialmente, os referidos alunos foram alertados no sentido de que não
seriam recebidos na qualidade de membros da “Comissão Executiva
Nacional”, pois isto não existe nem pode existir: é ilegal. Seriam
considerados estudantes que desejassem levar ao conhecimento de S.
Excia. seus pleitos na área das Comunicações.
b. Na oportunidade, os mencionados estudantes perguntaram se S. Excia
poderia permitir as reuniões regionais; a resposta lhes foi dada de maneira
93

formalmente negativa, pois em se aceitando os regionais, ter-se-ia de


admitir os nacionais. (Idem, p. 03)

Retomamos as reflexões sobre os CNE, em que a sistematização da história


“oficial” da UNE estabelece que a reorganização dos estudantes culminou com a realização,
em 1979, do XXXI33 Congresso da UNE, em Salvador. No entanto, consideramos necessário
recorrer aos acontecimentos do início da década de 1970 com a finalidade de elucidar os
caminhos percorridos pelos estudantes até a reconstrução da UNE, uma vez que:
Após a radicalização política e feroz repressão dos “anos de chumbo” (1969 a
1973), o Movimento Estudantil brasileiro deslocou seu foco da revolução
socialista para o tema mais amplo das liberdades democráticas, abdicando das
propostas de luta armada em favor do chamado trabalho de massa junto às
bases. Mesmo assim, o ME ressurgiu em 1973 em circunstâncias trágicas,
após a morte do estudante paulista Alexandre Vanuchi Leme nas dependências
do DOI-CODI, em São Paulo; e teve novo impulso em 1975 após outro
assassinato, em idênticas circunstâncias, o do jornalista Vladimir Herzog, fato
que também colocou boa parte da grande imprensa liberal do país, que havia
apoiado a o golpe de 1964, em oposição ao regime. (FELISMINO, 2016, p.
66)

Sobre a realização do XXXI Congresso, recorremos novamente aos estudos de


Buonicore, em que:
O 31º Congresso original realizou-se entre setembro e outubro de 1971. Foi
nele que Honestino Guimarães se reelegeu para presidência da entidade.
Aquela foi uma reunião realizada na mais dura clandestinidade e com a
participação de poucos delegados, eleitos em encontros estaduais e regionais.
Neuton Miranda afirmou: “Impossibilitados de realizarmos grandes reuniões,
com ampla participação, a realização desse congresso envolveu várias fases
que iam desde a retirada dos delegados por escola, à realização de reuniões
por estado, às regionais e por último uma reunião nacional. Esse processo
durou vários meses, tendo começado ainda em 1970”. (BUONICORE, 2008,
s/n)

Diante das adversidades impostas pelo regime militar, os estudantes procuraram


caminhos para a manutenção de suas atividades, mesmo que elas não estivessem
minuciosamente alinhadas ao que estabelecia os regimentos institucionais. A alternativa foi a
organização do Congresso de forma representativa, sem perder de vista a participação da massa
estudantil, assim:
O processo se iniciava nos cursos em reuniões convocadas pelos Diretórios
Acadêmicos, segundo as condições de segurança de cada Universidade.
Atualmente não existem dados exatos sobre a quantidade de estudantes que
participaram dessas reuniões. Acredita-se que tenha sido 200 o número dos
eleitos. Esses, por sua vez, se reuniram em conselhos estaduais ou regionais:

33
Sobre a realização do 31º CNE, há que se fazer a ressalva de que alguns pesquisadores destacam a realização
desse Congresso no ano de 1971, no Rio de Janeiro. Para mais detalhes sobre os acontecimentos de 1971, ver
pesquisa de Angélica Muller: A resistência do movimento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o
retorno da UNE à cena pública (1969-1979). Tese de Doutorado, USP, 2010.
94

um na região Norte (realizado no Pará), três no Nordeste (realizados em sedes


na Bahia, Pernambuco e Ceará), no Sul (com sede no RS), Minas Gerais, Rio
de Janeiro (possivelmente abarcando o Espírito Santo), São Paulo e Brasília
(possivelmente abarcando o Centro-Oeste). Ronald, que nos forneceu estas
informações, falou que apenas em Minas Gerais elegeu-se 40 delegados e no
Rio de Janeiro 20 delegados eleitos para os encontros regionais e não o
nacional. (BUONICORE, 2008, s/n)

Os fóruns, citados acima, indicavam os representantes para participar do XXXI


Congresso, sendo um representante por estado. Dessa forma, levou-se para a plenária final a
decisão da maioria que representava. A plenária aconteceu no Rio de Janeiro e foi um processo
planejado de acordo com as condições objetivas impostas aos estudantes. Assim, comungamos
da defesa de Buonicore de que:

Este, portanto, foi o processo mais amplo – e mais democrático – que se


poderia realizar naquele momento. Por isso, ele foi reconhecido pelos que
ainda atuavam no movimento estudantil. O jornal “A Classe Operária”, órgão
oficial do PCdoB, assim anunciou o evento: “A realização vitoriosa do 31º
Congresso da UNE significa novo estímulo à luta das forças patrióticas e
populares. Comprova que é possível e indispensável mesmo sob o tacão dos
militares fascistas, realizar a luta pelos interesses das massas e que a juventude
estudiosa poderá cumprir com sucesso sua missão de impulsionadora da
revolução popular”. O Congresso, além da nova diretoria, aprovou uma carta
aos estudantes. (BUONICORE, 2008, s/n)

Ainda sobre a década de 1970, um ato realizado pelos estudantes paulistas, no ano
de 197734, merece ser mencionado por causa de sua dimensão no processo de mobilização
estudantil, no período em que as entidades de representação estudantil eram consideradas
extintas. Sobre esse acontecimento, Renato Cancian destaca que o ato público, realizado em 22
de setembro de 1977:
[...] desencadeou uma ação policial repressiva resultando na invasão e
depredação da Universidade Católica e na prisão de inúmeros estudantes. O
Inquérito Policial Militar (IPM) elaborado pelos delegados do DOPS paulista
registra a prisão de 512 estudantes universitários provenientes de várias
instituições de ensino superior públicas e privadas de São Paulo. (CANCIAN,
2008, p. 11)

Retomamos a realização do Congresso considerado oficialmente pela história da


organização estudantil, liderada pela UNE, como o XXXI. Sobre a realização desse evento
encontram-se, nos arquivos da DOPS-PR, na pasta nº 2315.261, documentos relativos à

34
No acervo do DEOPS/SP, da Delegacia de Ordem Política (o arquivo do DEOPS é separado em Delegacia de
Ordem Política e Delegacia de Ordem Social); no dossiê sobre o Movimento Estudantil, encontra-se a pasta nº
0773, denominada Declarações Completas: Ato Público PUC-São Paulo 22/09/1977. Na pesquisa com filtro da
Delegacia de Ordem Social, encontram-se dois dossiês sobre o ME: um, denominado Movimento Estudantil, com
10 pastas; o outro, Movimento Estudantil/álbuns, com 13 pastas. A pesquisa foi realizada via internet.
95

organização do Congresso de Reconstrução e à participação dos estudantes paranaenses nessas


atividades. Analisaremos tais documentos em seguida. Antes, recorremos à publicação sobre o
Congresso de Salvador da Revista “História Imediata”, com a edição especial sobre “A volta
da UNE”. A redação da revista ficou sob responsabilidade de Luiz Henrique Romagnoli e Tania
Gonçalves. O conteúdo está assim organizado: Das ruas, com o povo, à clandestinidade; os
estudantes voltam às ruas, policiais também; 79 – o ano de UNE; enfim, o Congresso; o que
pensam os estudantes; e finaliza com o texto: A UNE de ontem e de hoje.
No prefácio a diretoria provisória da UNE fez uma breve retomada das ações dos
estudantes durante o período em que a UNE esteve atuando na clandestinidade:
A reconstrução das entidades de base, o primeiro passo. O plebiscito contra a
implantação do ensino pago na USP em 1972 (como se vê, essa história já é
velha). A missa por Alexandre Vanucchi Leme, em 73. As greves da ECA
(USP) e da Universidade Federal da Bahia, 75. Depois, a reconstrução dos
DCEs, em todos os cantos do país, e, já em 76, realizamos o I Encontro
Nacional de Estudantes, caminho aberto em direção à UNE.
(ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 5)

Temos a clareza de que essas considerações foram produzidas pelos estudantes,


portanto, estão permeadas pelo sentimento de defesa da UNE enquanto entidade que, apesar
das dificuldades impostas pelo governo, instaurado em 1964, manteve-se forte e conseguiu
organizar algumas atividades:

1977: a grande explosão estudantil. As passeatas sacudiram o país. Em Belo


Horizonte, a polícia na rua para impedir o III ENE, realizado depois em São
Paulo, criando-se a Comissão Pró-UNE. Colegas presos, espancados, alguns
gravemente feridos. É o preço da reconstrução da UNE. Não esqueceremos.
(ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 5)

De acordo com o informe 459/79 da 2ª seção da PMPR (Polícia Militar do Paraná),


foram 31 estudantes da então Fundação Universidade Estadual de Londrina (FUEL), para
participar do Congresso de Salvador, sendo o organizador da delegação o estudante Gilberto
Berguio Martin.
O mesmo informe discorre sobre a realização de duas reuniões com os estudantes,
no dia 28 de maio de 1979, na casa de uma estudante de Psicologia Comunitária da UFBA,
onde foram discutidos os seguintes assuntos: currículo das escolas; criação de novos partidos;
devastação da Amazônia; liberdade de organização e liberdade democrática. Segue, além disso,
a relação dos estudantes que estiveram presentes na reunião, ainda no final da década de 1970.
Ademais, no dia 28, foi realizada outra reunião no Campus da UFBA. O texto do
informe destaca que foi organizado um esquema de segurança em que todas as bolsas dos
96

participantes foram revistadas. Consta a relação dos participantes e os temas discutidos, os quais
foram: política estudantil; política brasileira; eleições pró-UNE. A redação desse texto nos
remete à clareza de que havia infiltração de “agentes” da polícia política, talvez, ou ainda de
civis, que serviam de delatores, no meio estudantil.
A abertura do Congresso aconteceu no dia 29 de maio de 1979; foram registradas
as presenças de vários políticos, sendo do estado do Paraná: José Richa (senador); Álvaro
Fernandes Dias (deputado); Wladimir Belinati (deputado) e Heitor Alencar Furtado (deputado).
Há, também, o registro de presença de outras pessoas, representantes de movimentos sociais,
como ex-dirigentes da UNE e outros. Ademais, uma síntese da fala de José Serra, por ocasião
da abertura do Congresso.
Consta, também, no informe, que no dia 30 de maio de 1979 a seção plenária do
Congresso aprovou a “Carta de Princípios” da UNE, redigida pelo estudante Marcelo Fortes
Barbieri, sendo que a redação da Carta ficou:
a) A UNE é uma entidade máxima e representativa dos estudantes
brasileiros, na defesa de seus interesses e direitos;
b) A UNE é uma entidade independente e livre, subordinada unicamente ao
conjunto dos estudantes;
c) A UNE deve lutar em defesa dos interesses e direitos dos estudantes sem
qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo ou convicção política,
religiosa ou social.
d) A UNE deve prestar solidariedade às lutas de todos os estudantes e
entidades estudantis do mundo.
e) A UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e popular.
f) A UNE deve lutar pelo ensino voltado para os interesses da população
brasileira de forma gratuita em todos os níveis.
g) A UNE deve lutar contra todas as formas de opressão e exploração, e
prestar solidariedade à luta dos trabalhadores do mundo inteiro. (Pasta n.º
2315.261, p. 97)

Há, ainda, o registro da pauta de lutas, que deveriam ser desenvolvidas pela UNE,
sendo definido um programa de lutas: Luta contra o ensino pago no país; por mais verbas para
educação; pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita; pela filiação à UNE de todas as entidades
estudantis de base (Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos); por uma Assembleia
Nacional Constituinte, soberana e livremente eleita e contra a devastação da Amazônia por
empresas estrangeiras. O informe é finalizado com os “dados de qualificação” de alguns dos
elementos citados no texto.
No que tange ao processo de reconstrução da UNE, há quatro pastas de recortes de
jornal, com matérias relacionadas às atividades dos estudantes, no sentido de reorganizar a
97

representação estudantil em nível nacional, bem como de outras pessoas, entidades, políticos
que contribuíram para esse processo.
A estratégia estudantil é realizada, como em 1964, quando os estudantes brasileiros
buscaram como tática para manutenção das atividades da UNE, a organização de uma comissão
para efetivar continuidade ao trabalho da entidade, uma vez que a diretoria havia sido dissolvida
pelo golpe de 1964. De acordo com Sanfelice, a União Metropolitana dos Estudantes - com o
apoio das Uniões Estaduais de Estudantes de Pernambuco, Paraná e Minas Gerais - buscou uma
forma de rearticular os estudantes:
As entidades acima indicadas buscaram reorganizar o movimento estudantil
que, a partir da reunião extraordinária do Conselho Nacional dos Estudantes,
realizada de 24 a 25 de junho de 1964, na sede da União Metropolitana de
Estudantes, no Calabouço, constituiu uma frente formada pelas diferentes
tendências e elegeu uma junta governativa para dirigir a UNE. A antiga
diretoria havia sido dissolvida pelo golpe de 64 – os ex-líderes estavam fora
do país – e também o seu mandato já havia terminado. (SANFELICE, 2008,
p. 84-85)

Sobre a reorganização dos estudantes com a finalidade de retomar as atividades e a


legalidade da entidade de representação nacional - a UNE -, no final da década de 1970, os
arquivos da DOPS-PR registraram algumas das atividades da Comissão Pró-UNE. Nesse
aspecto, de registro das atividades dos estudantes paranaenses, não podemos deixar de
mencionar a relevância das informações levantadas, sistematizadas e difundidas pelo Sistema
de Segurança Interna da FUEL – Fundação Universidade Estadual de Londrina, uma vez que
há um número considerável de documentos produzidos por essa ASI.
Mas, sobre as atividades de Comissão Pró-UNE, temos o informe nº 343, da 2ª
Seção PMPR (Pasta nº 2315.261), com data de 07 de maio de 1979. Constam, no informe,
algumas informações sobre a realização da Reunião da Regional Centro-Sul da Comissão Pró-
UNE. A reunião foi realizada no dia 28 de abril de 1979, na sede do Diretório Central dos
Estudantes da FUEL e contou com representantes dos estados do Paraná, São Paulo, Mato
Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
O informe destaca a relação de estudantes de todos os estados representados que
participaram da reunião. Informa a participação do professor Ulysses Telles Guariba Neto,
representando o Corpo Docente da USP/SP.
A pauta de discussões dessa reunião foi: Política Geral; Política Estudantil, Greve
no Hospital Universitário da FUEL; Devastação da Amazônia; Baixo nível de ensino e situação
das universidades do país. O texto informa, inclusive, que os delegados relataram a situação das
entidades que representavam naquele momento e que ficou decidido que cada representante
98

ficaria responsável por formar comissões de estudantes para participar da Reunião da Comissão
Pró-UNE, que seria realizada em Salvador, nos dias 29 e 30 de maio de 1979. Ficou decidido,
além do mais, a pauta a ser discutida na reunião de Salvador, sendo os assuntos: direitos a
passeatas e greves; anistia ampla, total e irrestrita; dívida externa do país; baixo nível de ensino;
criação de cursos de pós-graduação; legalização da UNE; Criação de novos partidos; contrato
de risco na Amazônia; mão de obra estrangeira no Brasil; avanço das Multinacionais no Brasil
e Política geral.
Como anexo desse informe há uma cópia do jornal Folha de Londrina, o qual fez
uma pequena reportagem sobre a reunião, com o seguinte título: “Estudantes discutem a UNE”,
com breve relato das atividades realizadas nos dois dias em que o objetivo estava voltado para
“recriação” da UNE.
Ainda sobre as atividades da Comissão Pró-UNE, o Informe nº 408, da 2ª Seção da
PMPR, de 24 de maio de 1979, informa a distribuição, no Campus da FUEL, por estudantes
membros da Comissão Pró-DCE LIVRE, da mesma instituição, do jornal “PRÓ-UNE”, o qual
foi editado em São Paulo e é resultado das atividades realizadas pela Comissão Pró-UNE. A
distribuição foi realizada a partir de uma contribuição financeira. Os textos que compõem o
jornal são: “Abaixo o ensino pago”; “Unir é preciso”; “Querem riscar a Amazônia do mapa”,
“Anistia para todos” e “A ‘abertura’ começou em Minas”.
De forma geral, o teor dos textos está direcionado para o processo de abertura
política e atuação dos estudantes em atividades direcionadas para a reivindicação da
manutenção, na verdade, da retomada da democracia no país.
No texto sobre o ensino pago, os estudantes trazem números que retratam a
realidade da oferta de ensino superior no país:
[..] Em 1959, 60% dos estabelecimentos de ensino superior eram públicos.
Hoje, são apenas 20%. No estado de São Paulo, onde estão quase metade do
total de vagas do ensino superior brasileiro, 600.000 estudam pagando,
enquanto que apenas 40.000 cursam gratuitamente a universidade. (Pasta
2315.261, p. 105)

Além do crescimento da oferta do ensino privado há destaque para os dados no que


diz respeito ao investimento do governo no ensino público, quando: “Em 1961, chegamos a ter
11,3% do orçamento nacional destinado a educação, enquanto em 1978 tal índice chegou a
apenas 4,17%.” (Idem).
Os estudantes denunciam, também, o uso do dinheiro para fins de repressão, ou
seja, o investimento em educação é negligenciado, enquanto que, para o controle das ações de
uma parcela da sociedade, há investimento significativo. Dessa forma, fica claro qual é o projeto
99

de sociedade imposto pela Ditadura Civil-Militar brasileira, de garantir qualidade de vida


apenas para uma pequena parcela da sociedade. De acordo com o texto redigido pelos
estudantes:
[...] Nestes últimos 15 anos, as verbas para a repressão, para a “segurança
nacional” (Dops, Doi-Codi, SNI, Polícias, forças armadas) cresceram
bastante: em 1978 chegaram a 33% do orçamento nacional. Os gastos com o
financiamento dos grandes monopólios, facilitando a sua implantação e
expansão têm um bom lugar no orçamento do país. E mesmos as mordomias,
as corrupções dos Maluf, dos Atalla, dos Golbery não têm deixado intocáveis
os cofres públicos. (Pasta 2315.261, p. 105)

Dessa forma, os estudantes entendiam que o enfrentamento por educação de


qualidade, voltada para os interesses da grande maioria do povo brasileiro, é uma luta de toda
sociedade, assim, a Comissão Pró-UNE, em reunião, lançou a “Campanha Nacional contra o
Ensino Pago e pelo Ensino Público e Gratuito”, com a finalidade de buscar a unidade dos
estudantes brasileiros em prol de mais verbas para a educação. A Campanha ocorreria até a
realização do Congresso de Reconstrução.
No texto “Unir é preciso”, a ênfase efetivada é para a história de lutas da UNE no
sentido de reiterar sua relevância enquanto entidade de representação estudantil, com a
finalidade de garantir a retomada da sua legalidade, por meio da luta articulada de todos os
estudantes brasileiros. O texto ressalta as principais lutas travadas pelos estudantes,
empreendidas pela entidade, bem como o processo de organização para a reconstrução da UNE.
No texto “Anistia para todos”, a redação inicia com dois trechos, redigidos por ex-
membros da UNE, Aldo Arantes e Altino Dantas, os quais estavam presos em São Paulo; como
a Lei da Anistia foi aprovada em agosto de 1979 e o jornal era de maio daquele ano, os
estudantes fizeram a denúncia das prisões arbitrárias, bem como dos estudantes exilados e de
alguns que estavam presos em outros países, como no Uruguai e Argentina.
Diante desse breve contexto, o Congresso de reconstrução da UNE foi marcado por
algumas especificidades, dentre elas, a decisão da realização das eleições para diretoria da UNE,
após o término do Congresso, com a utilização das urnas:
O plenário fervilhava. De pé, punhos cerrados eles se digladiavam com
palavras-de-ordem. Os defensores da eleição de uma diretoria no Congresso
gritavam “É hora, é hora, é hora, diretoria agora”. Os partidários da provisória
(agora com o apoio da UEE-SP que perdera a primeira votação) respondiam
com “Na base, agora, não houve discussão. Diretoria agora é um puta
pacotão”. Foi nessa “briga de slogans” que os delegados indecisos se
definiram e, para surpresa dos próprios líderes do movimento estudantil,
venceu a proposta de diretoria provisória [...]. (ROMAGNOLI;
GONÇALVES, 1979, p. 61-62)
100

As eleições foram realizadas no segundo semestre de 1979; concorreram à diretoria


cinco chapas, sendo: UNIDADE35; MUTIRÃO; MAIORIA; LIBERDADE E LUTA36 E
NOVAÇÃO. Sobre a votação no Paraná, especificamente em Curitiba, consta o Informe n.º
21/79, da Secretaria de Segurança Pública, que traz o resultado das eleições na capital: a chapa
vencedora foi a UNIDADE.
Foi realizado, no dia 15 de setembro de 1979, na Casa do Estudante Universitário
(CEU), em Curitiba, um debate entre quatro das cinco chapas que concorreram às eleições para
diretoria da UNE. De acordo com o relatório da Divisão de Segurança e Informações, o debate
teve início com a palavra de Vitório Sorotiuk e Stênio Sales Jacob. A chapa que não compareceu
ao debate foi MAIORIA.
Uma característica específica do ME a partir da década de 1970 é a organização das
“tendências” para identificar os grupos e suas lutas no interior da organização estudantil. Por
isso, na eleição de 1979, essas tendências se fazem presentes, algumas emprestando nome às
chapas que concorreram ao pleito.
A presença das tendências é resultado do processo de luta pela redemocratização
no país. De acordo com os estudos de Gislene Edwiges de Lacerda ao recorrer às considerações
de Maria Paula Nascimento de Araújo, a década de 1970 foi marcada por uma polarização da
esquerda brasileira, sendo que:
De um lado, uma divisão no campo da estratégia que opunha uma “esquerda
revolucionária” ao “reformismo” (do ponto de vista dos dissidentes); de outro,
uma polaridade que quase anulava a divisão anterior, dada pela adesão ou não
das organizações à luta pelas liberdades democráticas. Essas duas polaridades
determinavam o jogo de alianças e organizações de esquerda durante a década
de 1970, especialmente no período compreendido entre 1974 e 1979/80. Esse
período representou para a vida política brasileira um momento extremamente
rico, de avanços e recuos, ora por parte do regime, ora pela oposição.
(ARAUJO, 2007, p. 213 apud LACERDA, 2015, p. 32)

Havia, então, dois blocos distintos: um, que defendia as liberdades democráticas, e
outro, que se posicionava contra o que considerava reformismo. De acordo com Gislene
Edwiges Lacerda: “Dentro do movimento estudantil, mesmo com suas peculiaridades,
espelhava-se o debate central das esquerdas naquele período. O debate das ‘tendências
políticas’ do ME era uma caixa de ressonância dos debates travados entre partidos e
organizações de esquerda clandestinas” (LACERDA, 2015, p. 33).

35
Como é recorrente nos arquivos da DOPS-PR os anexos não estarem na mesma pasta em que consta o relatório,
nesse caso, o relatório do Congresso de Reconstrução da UNE, a proposta da chapa Unidade para eleições de 1979,
está arquivada na pasta de n.º 2308.259, páginas 362 a 365.
36
Também, na pasta n.º 2308.259, páginas 295-297, consta o panfleto dessa chapa para concorrer às eleições da
diretoria da UNE.
101

Em síntese, as principais tendências políticas que estiveram presentes na


organização estudantil, a partir da década de 1970, foram assim organizadas por Maria Paula
Araujo:
Refazendo, tendência política ligada à APML37, que dirigia o DCE da USP.
Unidade, tendência que congregava os estudantes militantes ou simpatizantes
do PCB em quase todo país. Liberdade, tendência ligada à APML e a grupos
independentes na Universidade Federal de Minas Gerais. Caminhando,
tendência ligada ao PC do B. Viração: este nome foi adotado por duas forças
políticas diferentes: na Bahia representava os estudantes do PC do B; no Rio,
dirigiu vários diretórios da PUC e era ligada à APML. Na Bahia, a tendência
ligada à APML chamava-se Novação. Alternativa era a tendência que reunia
militantes do MEP38 e da POLOP. Liberdade e Luta – mais conhecida como
Libelu – uma das correntes mais radicais da época, representava posições
trotskistas. (ARAUJO, 2007, p. 217)

O período da transição, denominado pelo então presidente da República, o general


Ernesto Geisel de “distensão política”: “Tratava-se do projeto, idealizado essencialmente por
Geisel e seu Chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, de uma ‘abertura lenta, gradual e
segura’ que reconduzisse o país ao estado de direito” (ARAUJO, 2007, p. 209). Esse projeto,
idealizado pelo governo militar, no seio das transformações da sociedade, sofreu alterações e a
sociedade civil, especialmente os movimentos sociais e os partidos políticos, reorganizaram-se
em prol da retomada da democracia. “Nesta fase, os estudantes tiveram papel central. Foram
eles que puxaram as primeiras manifestações de rua e imprimiram à luta pelas liberdades
democráticas um radicalismo que – sem os estudantes – ela dificilmente teria. (ARAUJO, 2007,
p. 213).
Nesse período de transição, outra ação, que foi realizada contra os estudantes, diz
respeito à demolição do prédio da UNE, na praia do Flamengo, em junho de 1980. Logo após
a realização do Congresso de Reconstrução, a sede foi demolida. Houve organização estudantil,
no sentido de não permitir tal ação. O presidente da UNE à época, Ruy César, relatou que a
sede estava sendo utilizada pela UNIRIO para realização de cursos de teatro. Ele também diz
que fez uma visita ao prédio da UNE e, no outro dia, a reitoria da UNIRIO recebeu um laudo
dos engenheiros da Prefeitura, solicitando que o prédio fosse esvaziado. Ruy relata que “os
estudantes foram arrancados das carteiras”. Que:
[...] A Associação dos Engenheiros do Rio de Janeiro disse que não havia
nenhum problema com o prédio. Eles queriam fazer um outro laudo, mas nem
a polícia, nem a Prefeitura deixaram a Associação entrar para fazer o outro
laudo, e a gente começou a organizar manifestações”. [...] Nós começamos a
organizar um conjunto de forças do Rio de Janeiro e a polícia cercou o prédio
com batalhões. Acho que havia quase três mil soldados na porta do prédio,

37
A antiga Ação Popular, a partir de então, denominada de Marxista-Leninista – APML.
38
MEP: Movimento de Emancipação do Proletariado.
102

fechando o prédio para que a gente não conseguisse acessar. E nós do outro
lado, em frente, na Praia do Flamengo, com também outros três mil estudantes
e parlamentares. Nós vivemos uns cinco dias de confronto, em frente a esse
prédio, observando-os colocar as bombas para a implosão, tentando invadir.
(ARAUJO, 2007, p. 235-236)

O confronto entre estudantes e policiais, devido à demolição do prédio da UNE,


não foi apenas de orientação verbal, uma vez que houve violência física contra estudantes e
parlamentares, os quais se colocaram contra a demolição do prédio da UNE. Ruy destaca:

[...] Nós fizemos uma batalha campal em frente à Praia do Flamengo. A


deputada Heloneida Studart foi jogada da pista para o aterro, lá embaixo –
acho que são uns quatro metros. Eles a pegaram pela cabeça e pelos pés e a
jogaram na rua, de onde ela saiu toda ferida. Ela já era uma senhora. Raimundo
de Oliveira teve o braço quebrado. Ele era deputado. Teve muita gente
ensanguentada e que saiu perseguida pela polícia. (Idem, p. 236)

Apesar das investidas do Governo, a manutenção da organização do ME nacional


seguiu, com a realização do XXXII CNE, em Piracicaba, São Paulo, no ano de 1980. Como
resultado das discussões realizadas nesse Congresso, os estudantes paranaenses redigiram um
panfleto39, tendo em vista que a proposta do CNE era a deflagração de uma greve geral dos
estudantes, caso o MEC não atendesse às reivindicações da classe estudantil. A pauta de
reivindicações era: um único aumento anual de 39,4%, para as escolas pagas, conforme
deliberação do próprio MEC; suplementação de verbas para as escolas públicas; subsídios para
as escolas particulares; fim das taxas e sobretaxas; 12% do orçamento da União para a
Educação; eleições diretas para todos os cargos eletivos da universidade; participação de, no
mínimo, 1/5 de estudantes nos órgãos colegiados; reajuste do crédito educativo a um valor igual
ao salário mínimo regional, sua transformação em bolsa não reembolsável e extensão a todos
os que dele necessitassem; fim a todas as formas de jubilamento; reconhecimento oficial de
todas as entidades. (Pasta nº 2315.261)
Sobre a especificidade do Estado do Paraná, o panfleto evidencia a discussão da
crise da Universidade Federal do Paraná, a qual estava com sérios problemas financeiros,
inclusive, para pagamento de água e luz, por conta da redução do orçamento. Os estudantes
destacam que, em relação ao ano de 1979, houve uma redução de 40% no orçamento. O
presidente da UNE, Aldo Rebelo, entregou ao Ministro da Educação a pauta das reivindicações
dos estudantes em nível nacional. Caso o MEC não atendesse às solicitações, os estudantes

39
O panfleto está no anexo n.º 03, página 268.
103

iriam fazer uma greve geral. Tal encaminhamento foi tirado durante a realização do CONEG,
em Curitiba. Analisaremos a pauta de reivindicações no próximo item.
Os estudantes paranaenses, liderados pela UPE, organizaram um ato público, em
frente à delegacia regional do MEC, para mobilizar e conscientizar a sociedade sobre as
condições da educação no Paraná e no Brasil.
Sobre a gestão da UNE de 1980-81, nesse mesmo dossiê, encontra-se arquivado um
Boletim Informativo da UNE, com os principais assuntos discutidos e alguns encaminhamentos
a serem tomados pelas entidades estaduais e locais, a partir da primeira reunião da Diretoria da
UNE, realizada nos dias 2 a 6 de dezembro de 1980, no Centro Acadêmico de Direito “22 de
Agosto” da PUC/SP. De acordo com o presidente da UNE, Aldo Rebelo, o principal problema
que a UNE enfrentava era financeiro; os estudantes precisavam ter a consciência de que, no ano
de 1981, teriam que enfrentar uma sociedade em crise, portanto, a universidade também.
Consta no boletim a pauta da reunião e os encaminhamentos dados. A pauta
discutida foi a seguinte: Greve dos professores; Diretoria (papel da diretoria; coordenação:
funções e membros); assessoria da UNE; sede da UNE; Vices-regionais; finanças; secretarias
(assistência; imprensa; cultura; internacional; secretaria de área – humanas, biomédicas,
exatas); educação; situação nacional e CONEG.
Era uma pauta de organização da entidade, com a discussão de algumas questões
mais gerais. Contudo, havia questões específicas; além da questão financeira, os dirigentes da
UNE decidiram manter a sede provisória da UNE em São Paulo. Sobre as questões nacionais,
o encaminhamento era inserir os estudantes na luta mais ampla, com partidos políticos e
movimentos sociais, articulando campanha pela Assembleia Nacional Constituinte.
Sobre a Lei de Segurança Nacional, o boletim retoma o fato de que a “LSN
corporifica a estrutura repressiva do regime”, portanto, a UNE estaria implementando algumas
atitudes concretas em relação a dois casos, do professor David Maximiliano, preso em Minas
Gerais, bem como dos estudantes de Santa Catarina.
No que tange à relação da UNE com os partidos políticos, está em anexo ao
informativo a resolução40 redigida pela gestão 1980-81, a qual reafirma e atualiza o
posicionamento da entidade sobre essa questão, sendo deliberada a manutenção da
representação de todos os estudantes brasileiros, sem distinção, constituindo-se como uma
entidade apartidária. No item 2, destaca-se que nenhum dirigente ou estudante está autorizado
a representar a UNE em estruturas políticas, porém, defende e estimula-se a participação

40
Resolução consta no anexo 4, página 270.
104

individual dos estudantes. No item 3, a questão da relação com os partidos políticos está focada
na articulação com todos que demonstrem interesse em contribuir às reivindicações dos
estudantes. A resolução é finalizada com a reafirmação do compromisso da UNE em relação às
forças democráticas do país.
Reiteramos que, na pasta nº 2315.261, denominada XXXI Congresso, há uma
diversidade significativa de documentos sobre as atividades dos estudantes universitários,
organizadas pela UNE, bem como sobre a atuação dos estudantes paranaenses, nos anos 1980
e 1981.
Todavia, sobre a realização dos CNE, a partir de 1980, na pesquisa que realizamos
nos arquivos da DOPS/PR, não encontramos dossiês específicos sobre isso, ou seja, os registros
referentes aos CNEs, a partir desse período, estão inseridos em dossiês diversos.
O XXXIII CNE foi realizado no ano de 1981, na cidade de Cabo Frio, quando foi
eleito como presidente o estudante Javier Alfaia. Javier era filho de imigrantes espanhóis, por
isso, houve a tentativa do Governo Federal de impedir sua gestão. Nos depoimentos analisados
para redação desta tese, alguns militantes destacam a organização estudantil, no sentido de
garantir a manutenção da presidência da UNE a Javier; foi uma bandeira de luta nesse período,
focada nos empecilhos colocados pelo governo, com a finalidade de desarticular o ME. Nos
arquivos da DOPS-PR, encontram-se recortes de jornais com as notícias sobre o fato, nos quais
se enfatiza a penalização do estudante “estrangeiro”, que estaria ocupando o cargo de presidente
da UNE.
Apenas no XXXIV Congresso da UNE é que uma mulher foi eleita como presidente
da entidade; o CNE aconteceu em 1982 e a chapa de Clara Araújo foi vencedora. Clara, em
depoimento registrado no livro de Maria Paula Araújo, destaca que o fato de uma mulher ser
eleita para direção da UNE ainda causava desconforto para alguns:
Eu me lembro que as forças que se opunham à minha corrente tentavam me
descaracterizar ou me desqualificar, puxando exatamente palavras de ordem,
relacionadas com o fato de eu ser mulher. Algo assim: “Clarinha bonitinha”.
Ao mesmo tempo que havia uma repercussão positiva, essa questão ainda era
vista com muita desconfiança. (ARAUJO, 2007, p. 240)

Sobre a participação dos estudantes paranaenses no XXXIV CNE, consta, no dossiê


do DCE-Livre da UFPR, no jornal do DCE, algumas reflexões sobre a realização do CNE. O
jornal é de 1982 e a redação deixa explícito que diz respeito à reorganização do DCE, sem o
acréscimo do termo Livre, ou seja, foi a retomada da entidade instituída no período anterior ao
golpe de 1964. Nesse jornal, há um breve texto das impressões dos estudantes paranaenses,
105

representantes do DCE da Federal, sobre a realização do referido CNE, o qual será transcrito a
seguir:

O mais importante Congresso da UNE desde o da reconstrução será mesmo


realizado nos dias 30 de setembro e 1,2 e 3 de outubro, em Piracicaba (SP).
Contrariando as deliberações do último Conselho Nacional de Entidades de
Base, realizado em Belo Horizonte, que havia marcado o Congresso para os
dias 24, 25 e 26 deste mês, a Diretoria da UNE adiou a data em uma semana.
Até aí nada demais se na nova data fixada não estivesse sendo realizado o 1º
Encontro da Juventude Gaúcha, que vai reunir mais de dez mil jovens no Rio
Grande do Sul, impedindo a participação de uma numerosa delegação no
congresso com maioria de delegados que fazem oposição à atual diretoria da
UNE. Esse tipo de manobra não é de se estranhar quando vem da Diretoria da
UNE. Mesmo assim vamos ter o congresso que vai reorganizar a UNE,
substituindo a Diretoria por outra que seja capaz de dar uma correta orientação
na luta dos universitários brasileiros, sem manobras, conchavos ou
autoritarismo. (Pasta n.º 747.84, p. 4)

O texto segue destacando que os estudantes da UFPR devem participar do CNE


massivamente e finaliza com a frase: “Todos ao 34º Congresso para reorganizar a UNE”. O teor
do conteúdo nos remete à clara oposição dos estudantes paranaenses, organizados a partir do
DCE da Federal, fato recorrente no meio estudantil, afinal, a constituição das chapas para
concorrer às eleições para diretoria da UNE eram – e, acreditamos, ainda são - organizadas por
meio de ideias distintas para a gestão do ME.
Assim, a UNE seguia organizada, apesar de legalmente ainda não ser reconhecida
como entidade máxima de representação estudantil, o que só veio a acontecer, por lei, em 1985.
Seguem com a realização dos CNE e inserem-se na luta mais ampla da sociedade, em prol da
realização das eleições diretas para Presidente da República, o movimento denominado como
“Diretas Já”.
O presidente da UNE, eleito em 1984, Renildo Calheiros, discorre sobre a atuação
do ME, na luta pelas diretas:
A primeira iniciativa importante foi puxada pelo governador de Goiás, Iris
Rezende, num ato feito na cidade de Goiânia que contou com a participação
dos estudantes, mas também da população de Goiás. Daí em diante esse
movimento foi crescendo muito. Ganhou a participação da OAB, ABI, UNE,
as centrais sindicais também. Mas esse movimento ganhou muito mais força
quando várias personalidades da política entraram na campanha. Quando
Franco Montoro, Brizola e pessoas importantes assim entraram na campanha.
Isso ajudou a dar uma divulgação e uma estrutura que o movimento estudantil
não tinha, houve um casamento perfeito. Lembro que num dos atos que
fizemos em São Paulo, o governador Franco Montoro chegou a liberar as
catracas do Metro, uma maneira de incentivar para que o ato fosse
grande na cidade. (Renildo Calheiros apud Araújo, 2007, p. 241-242. Grifos
nossos)
106

Mantendo a “tradição”, o ME articula-se às lutas sociais mais amplas, nesse período


de abertura política, no qual demais setores da sociedade também foram mobilizados.

3.3 CONEGs E SEMINÁRIOS

Além dos Congressos Nacionais, outras atividades foram organizadas pelos


estudantes com a finalidade de articular decisões e implementar ações. Dentre elas, podemos
citar as reuniões do Conselho de Entidades Gerais da UNE (CONEG) e Encontros/Seminários
das áreas do conhecimento como saúde, direito, comunicação, entre outros.
Sobre a realização dos CONEGs, consta o Informe 073/80 da ASI-FUEL
(Assessoria de Segurança e Informação da Fundação Universidade Estadual de Londrina), o
qual relata quais foram os estudantes paranaenses que participaram da Reunião do Conselho de
Entidades Gerais da UNE (CONEG), realizado em Vitória, no Espírito Santo, no período de 05
a 07 de abril de 1980. Os estudantes paranaenses que participaram da reunião foram: Gilberto
Berguio Martin; Nilzete Liberato; Almir Germano; Sergio Augusto Rodrigues; Isabel Saito;
Sonia Maria da Silva Araújo; Wanda da Silva Oliveira e Neide dos Santos Salvador.
De acordo com o informe, o estudante Gilberto Berguio Martin relatou que esse
CONEG foi marcado por uma série de incidentes, sendo “o principal problema que está gerando
descontentamento e ameaça de provocar um racha político na UNE, foi a filiação de alguns
dirigentes da diretoria da UNE ao PMDB, contrariando a programação da chapa eleita para a
UNE (Grupo Mutirão)”. Tal desconforto foi causado pelo fato de que a UNE assumiu um
compromisso perante os estudantes de apoiar todos os partidos que fazem oposição ao governo.
O documento redigido por essa diretoria, que trata da posição da UNE em relação aos partidos
políticos, já foi mencionado no item anterior.
O processo de organização do VII CONEG, realizado em Curitiba, no ano de 1981,
foi marcado pela busca dos estudantes por local adequado para a realização da atividade, fato
que pode ser confirmado ao verificar o documento denominado “Comunicação telefônica da
ASI/UF/PR”, na qual consta o registro de que estudantes entraram em contato com o reitor da
UFPR, em 05 de fevereiro de 1981, e “tentaram exigir do Reitor da UF/PR o Anfiteatro da
Reitoria para o CONEG, tendo o mesmo sido negado pelo Sr. Reitor.” (Pasta n.º 2355b.268, p.
13)
Na pasta nº 2315.261, também se encontra arquivado o Informe n.º 64/81 da
SI/DSI/PC/PR, que versa sobre realização da 7ª Reunião do Conselho Nacional de Entidades
Gerais, nos dias 12 a 15 de fevereiro de 1981, no Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba. Essa
107

reunião contou com a participação de 200 estudantes, sendo que 130 eram do Paraná e os demais
de outros estados. De acordo com o informe, os principais assuntos abordados pelos estudantes
foram: Campanha contra a Lei de Segurança; convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte Democrática e Soberana; defesa das Eleições Diretas em 1982; denúncia do Pacote
Eleitoral.
Nesse período os estudantes organizaram uma pauta de reivindicações, que deveria
ser entregue ao Ministro da Educação, no dia 16 de março de 1981; os itens são: um único
aumento de 39,4% da anuidade nas escolas particulares; suplementação de verbas nas escolas
públicas; 12% de verba orçamentária da União para a educação; Anistia aos estudantes em
débito com o MEC e a transformação de crédito educativo em bolsa de estudo; Eleições diretas
para os cargos dentro das Universidades. O informe registra que os dirigentes da UNE
afirmaram que, se suas reivindicações não fossem atendidas até dia 02 de abril de 1981, os
estudantes do país entrariam em greve. (Pasta nº 2315.261, p. 08-09)
Outra questão mencionada no informe é a leitura de um manifesto em apoio à UNE
e UPE, enviado pela Liga dos Estudantes Paraguaios, pois, durante a leitura do documento, os
estudantes no auditório gritavam: “um, dois, três, cinco, mil, abaixo a ditadura, no Paraguai e
no Brasil”. Foi registrado, ainda, que nessa atividade, Luiz Fábio Campana e Cacilda Calixto
montaram uma banca, na qual vendiam livros e jornais alternativos. (Pasta nº 2315.261, p. 09)
No que tange aos CONEGs, foram esses os registros encontrados nos arquivos da
DOPS-PR. Vamos, agora, nos deter em relação à vigilância da polícia, quando da realização
dos demais encontros, concretizados pelos estudantes de cursos diversos. A análise pautou-se
no período da década de 1970 e início de 1980.
Uma atividade que tem relevância para o processo de (re) organização estudantil,
como já mencionado neste texto, a partir do depoimento de Aldo Rebelo, foram os ECEMs
(Encontro Científico dos Estudantes de Medicina). Nos arquivos da DOPS-PR, encontram-se
documentos referentes à realização de dois desses encontros: o V ECEM, realizado em 1973, e
o XII, em 1980; ambos aconteceram em Curitiba.
O V ECEM ocorreu nos dias 8 a 15 de julho de 197341. Na pasta de nº 919.113, está
arquivado o relatório sobre a realização do encontro, redigido pela Secretaria de Segurança
Pública do Paraná, Centro de Informação. É identificado como confidencial. O texto destaca
que, na primeira fase da realização do V ECEM, estudantes expuseram considerações sobre a
Reforma Universitária, sendo tecidas críticas dessa ação do Governo, quando da sua

41
Foto dos participantes do V ECEM, anexo 5, p. 271.
108

implementação; assim, uma versão final do texto sobre a Reforma Universitária seria
apresentada no término do evento. No dia 10 de julho as atividades foram organizadas em
grupos de discussão, momento em que houve o direcionamento para questões “científicas”.
Em relação ao fechamento do evento, o tema da Reforma Universitária é retomado,
permeado por conflitos, de acordo com o relatório.
[...] o Presidente da Diretoria Executiva do V ECEM, ROGÉRIO DONATO
KAMPA, leu aos seus colegas presentes o Documento Conclusivo das Mesas
Redondas sobre a REFORMA UNIVERSITÁRIA, o qual fora colocado sob
apreciação daquela Diretoria Executiva e não aprovado oficialmente,
porquanto versava sobre aspectos não específicos do Encontro, que é de cunho
eminentemente CIENTÍFICO. (Pasta nº 919.113, p. 6, grifos no original).

No relatório está a transcrição do documento citado, sendo que a redação do referido


documento está direcionada para análise dos impactos da Reforma Universitária por meio de
dois aspectos centrais, quais sejam: Ensino Pago e Nível de ensino e representação estudantil.
O teor do documento é de denúncia das implicações da implementação da Reforma
Universitária, sendo que:
[...] a cobrança na maioria das Faculdade Públicas de anuidades e taxas
diversas que vem aumentando progressivamente não deixa dúvidas quanto à
intenção do Governo de aplicar um dos itens básicos de sua Reforma
Universitária: a eliminação da gratuidade do Ensino. Segundo o Ministro da
Educação, Jarbas Passarinho, “o pagamento do custo de sua formação pelos
alunos é a garantia da democratização do Ensino” diz ainda que “enquanto
faltam vagas para muitos há uma gratuidade beneficiando muitas vezes quem
não necessita dela, verifica-se então uma falta global de recursos para a
necessária expansão do número de matrículas nos níveis primário, médio e
superior”; em outras palavras, as verbas para a educação são limitadas e se
pretende que os estudantes colaborem no custeio do Ensino. (Pasta nº 919.113,
p. 7)

Para justificar as considerações acima transcritas, os estudantes utilizaram-se de


dados estatísticos sobre o investimento em educação, os quais só foram reduzidos desde 1965,
de 11% para, em 1973, 5,1%.
Denunciam ainda o crescimento da oferta de ensino privado, especificamente das
faculdades de medicina, em que o Governo estaria contendo o ensino público para incentivar a
iniciativa privada:
[...] Exemplo desta orientação é o aumento das Escolas Médicas de 29 em
1960 para 73 em 1970, e que se deu sobretudo às custas de Escolas particulares
improvisadas, que cobram elevadíssimas mensalidades e geralmente oferecem
um ensino de qualidade mais lamentável do que o usual. (Pasta nº 915.113, p.
8)

O documento segue com a referência aos textos redigidos por Rudolf Atcon, quando
da elaboração da proposta de Reforma Universitária, quais sejam: “Anteprojeto de
109

Concentração da Política Norte-Americana na América Latina na Reorganização Universitária


e na Integração Econômica” e “Rumo a Reformulação da Universidade Brasileira”, nos quais:
[...] Verifica-se, então que o ensino pago é apenas uma etapa do processo
geral, que tende a dispensar o Estado de sua responsabilidade de oferecer o
Ensino Superior gratuito e orientar este Ensino de acordo com as reais
necessidades de nosso País. A próxima etapa seria a entrega das Universidades
Públicas às Fundações, que as administrariam e financiariam. Não é difícil
concluir que esta privatização do ensino superior tende a não só perpetuar as
já enormes dificuldades de acesso à Universidade, pelo esfriamento da triagem
econômica, como também, uma vez estabelecido o sistema de Fundações,
seguramente levará um predomínio do interesse privado sobre o público, na
orientação do ensino. (Pasta nº 919.113, p. 9)

Sobre o nível de ensino, as denúncias estavam pautadas no número elevado de


alunos em cada turma, visto que se solicitava a contratação de mais professores para o ensino
público. Além disso, versavam também sobre a questão de que as faculdades particulares não
investiam em professores qualificados, por conta da redução do lucro. Há que se destacar a
questão da seleção econômica, presente nos cursos de medicina, primeiro, pelo funil do
vestibular no ensino público, em seguida, pelas altas mensalidades das faculdades particulares.
Ademais, a formação dos médicos estaria voltada para atender às demandas de um mercado
competitivo, não para atender às necessidades de saúde da população; essa formação estaria
direcionada para a medicina curativa, quando, para atender aos interesses de toda população,
deveria estar voltada à medicina preventiva.
[...] Esquece-se ainda em nossas escolas médicas que o profissional, para
abordar tais problemas deve ter uma formação sociológica e humanística, para
que possa reconhecer assim a inter-relação DOENÇAS X Fatores Sócio-
Econômico-Culturais, e conhecer ainda vários níveis de atuação médica. O
desenvolvimento do potencial criativo do aluno, das suas capacidades
intelectuais gerais ou da pesquisa, é relegado a um plano mínimo, fazendo
com que as pessoas que entrem na Universidade, permaneçam aculturadas e
passivas. Queremos que a Universidade seja uma parte dinâmica da Sociedade
e que suas pesquisas e avanços tecnológicos sejam orientados em função dessa
sociedade como um todo. (Pasta n.º 919.113, p. 10-11)

Dessa forma, os estudantes enfatizavam a necessidade de superar a formação dos


profissionais, apenas para atender às demandas do setor econômico, bem como de que aqueles
já formados pudessem contribuir ao atendimento das necessidades da classe menos favorecida
economicamente da sociedade.
No item sobre a Representação Estudantil, o texto enfatiza a reformulação da gestão
das entidades de representação estudantil, imposta pela Lei 5.540:

[...] Atualmente a Reforma Universitária nos impõe uma representação de


acordo com o art. 38, da Lei 5.540, que diz, “a escolha dos representantes
110

estudantis será feita por meio de eleições no corpo discente, segundo critérios
que incluam o aproveitamento escolar dos candidatos, conforme com o
Estatuto e Regimento, e a representação não poderá exceder de 1/5 do total
dos membros do Colegiados e Comissões”. Essa mesma Lei refere-se ainda
às condições gerais para serem eleitos: “1º) não terem sofrido punições
estipuladas pelo Decreto-Lei nº 477. 2º não ter sido reprovado em qualquer
disciplina; 3º) não possuir condenação criminal”. De acordo ainda com a Lei
5.540 os Diretórios Acadêmicos deixam de ser oficialmente órgãos de
representação estudantil, passando a ser entidades meramente assistenciais e
recreativas. (Pasta nº 919.113, p. 12)

O documento segue reiterando que a legislação oferecia a chamada representação


departamental, que contrariava as formas autênticas de representação, na medida em que
descentralizava e isolava lideranças.
Como sugestão de continuidade do trabalho sobre a Reforma Universitária ficou
deliberada a necessidade de organizar uma comissão nacional, a qual seria composta por um
estudante de medicina de cada estado para concretizar a continuidade das discussões iniciadas
no V ECEM.
No relatório da polícia política, após a transcrição do documento redigido pelos
estudantes, destaca-se que, após a leitura do documento, o presidente dos trabalhos solicitou
aos presentes que tivessem alguma sugestão, para que se inscrevessem, mas não houve
manifestações; “(o que de certa forma causou estranheza, muito embora deduza-se que houve
tal ‘esfriamento’ em função da não aprovação oficial, por parte dos organizadores
paranaenses do Encontro, do supra citado documento)”. (Pasta nº 919.113, p. 13, grifos
nossos).
Dessa forma, entende-se a heterogeneidade de posicionamento no ME, naquele
encontro, uma vez que, possivelmente, os estudantes paranaenses, oriundos da Federal do
Paraná, poderiam ter compreensão diferente da apresentada na sistematização das discussões
da mesa redonda sobre a Reforma Universitária.
Antes de finalizar o relatório da polícia política há a transcrição da fala de uma
estudante da Faculdade de Medicina da Federal da Bahia, sendo que a estudante destaca:
Ao que me parece, o que está ocorrendo é uma política de relegar o ensino
médico do Brasil a 3º ou 4º plano e, portanto, a Saúde da população a este
plano também. Como todo mundo sabe, as verbas destinadas à saúde são
ínfimas em relação ao que se gasta com Segurança, SNI, Forças Armadas, o
que deixa bem claro isso. (Pasta nº 919.113, p. 13-14)

Encontra-se arquivado, ainda, um documento apresentado ao V ECEM, pelos


estudantes de medicina da FUEL, sobre o mercado de trabalho médico e as perspectivas futuras.
Nesse documento é possível identificar o posicionamento dos estudantes diante das mudanças
111

na sociedade e o trabalho do médico nessa sociedade; o documento possui doze páginas nas
quais são retomados dados estatísticos sobre as diversas áreas da medicina e a atuação do
profissional na esfera pública, privada e liberal. Ao término do texto enumeraram posições que
consideravam adequadas aos futuros médicos, porque: “Cabe a nós tomarmos uma posição.
Sabemos que o desenvolvimento da sociedade obedece a leis científicas, o que nos permite lutar
pelas coisas que tragam uma melhoria do Bem-Estar geral”. (Pasta nº 919.113, p. 29). São
elencadas cinco posições, mas vamos transcrever a última, que resume o posicionamento dos
estudantes do Diretório Acadêmico Setorial de Ciências da saúde da FUEL:
5. Devemos apoiar posições como as conclusões obtidas no recente 1º
Simpósio Nacional de Assistência Médico-Previdenciária: a responsabilidade
pela assistência médica do povo brasileiro deveria ser atribuída
fundamentalmente ao setor público; o suporte financeiro para a execução da
assistência médica deveria ser obtido por via de seguro saúde estatal; especial
atenção deve merecer o problema das escolas médicas, com o objetivo de
integrá-las no esforço assistencial geral ou de possibilitar às novas gerações
de médicos formação profissional adequada, dentro dos princípios éticos.
(Pasta nº 919.113, p. 30)

De acordo com os dados gerais do evento, houve participação de aproximadamente


850 universitários do curso de medicina, representando 50 faculdades de medicina do país e,
ainda, uma delegação da Faculdade de Ciências Médicas de Assunção-Paraguai.
O outro ECEM, realizado em Curitiba, é o XII, que aconteceu de 19 a 26 de julho
de 1980. Sobre esse Encontro constam quatro pastas de documentos arquivados pela DOPS-
PR, quais sejam: Pasta nº 914.112; 915.113; 916.113 e 917.113.
Os documentos arquivados pela polícia política dizem respeito à organização do
encontro com recibos, cronogramas de atividades, relação dos trabalhos científicos
apresentados, manifestos redigidos pelos estudantes representados por diversos DA. Há
destaque para alguns desses manifestos, considerando um, intitulado “Saúde e participação
popular”, no qual encontramos um relato da situação da saúde do povo brasileiro:
O povo brasileiro hoje é um povo doente. A desnutrição e a fome, agravam-
se e pioram as condições de saúde da população, decorrente de uma política
econômica de arrocho salarial imposta pelo governo de fome dos generais.
Temos um índice de mortalidade infantil de 140 mortes para 1000 nascidos
vivos no Nordeste, 10 milhões de brasileiros sofrem com a doença de chagas,
80 milhões são atingidos por verminose, de 5 em 5 minutos um caso novo de
meia em meia hora, morre um brasileiro de tuberculose, 18 milhões sofrem de
doenças mentais. São dados que falam por si próprios. (Pasta nº 914.112, p.
56)

O texto prossegue com argumentos que destacam a falta de comprometimento do


Governo Federal com a oferta de saúde de qualidade para a população; destaca a proposta do
112

governo de Figueiredo de reorganizar a formação dos médicos; uma parceria entre MEC e
INAMPS42, para formação de um médico denominado generalista - tal ação foi duramente
criticada pelos estudantes, porque não resolveria o problema da saúde pública, apenas
mascarando a situação.
O manifesto reitera a relevância da realização do XII ECEM, momento que
possibilita aos estudantes de uma mesma área de formação debater problemas e encaminhar
ações; todavia, os estudantes entenderam que a questão da saúde exigia uma discussão ampla,
não sendo de caráter técnico a solução, portanto, a sociedade deveria participar.
Devemos incentivar a participação da classe operária e dos demais setores
populares e de uma forma organizada, na elaboração, decisão e execução da
política de saúde. A contribuição da população, desde a expressão de suas
necessidades e seu conhecimento, será decisiva para a transformação da
produção científica, na formação de profissionais e na organização dos
serviços de saúde (Pasta nº 914.112, p. 56)

Outro manifesto, redigido durante o ECEM, é de autoria do Centro Acadêmico


Vital Brazil, da PUC SP; devido à má qualidade de conservação do documento não foi possível
identificar o título, todavia, o conteúdo diz respeito às reflexões dos estudantes sobre a proposta
de controle de natalidade do Governo Federal, sendo que tal controle seria imposto com a
distribuição de pílulas para as mulheres e esterilização. O texto do documento destaca:
Precisamos entender os verdadeiros objetivos desse programa que nos vem
sendo imposto de forma arbitrária, pois os prepostos da ditadura e do
imperialismo, como a BEMFAM, declaram que o intento se justifica pela
“superpopulação do país”, que seria a causa da marginalização de milhões de
pessoas sem emprego, sem educação e sem saúde. Como se os 22 milhões de
crianças carentes fossem as responsáveis pela inflação, pela dívida externa,
pelo não aproveitamento das fontes naturais de energia que existem no país,
pelos baixos salários, pela excessiva remessa de lucros das multinacionais
para o exterior, pela importação caríssima de tecnologia, pela injusta
distribuição da terra e da renda nacionais, enfim pela política dependente de
nosso país. Isto tudo não é causado pelo grande contingente de miseráveis que
crescem a cada dia no Brasil; isto é fruto de um regime anti-democratico, anti-
nacional e anti-popular que implantou o arbítrio, a opressão e a miséria entre
nós. (Pasta nº 914.112, p. 59)

É possível verificar, no decorrer do texto, uma clareza, por parte dos estudantes, das
condições objetivas presentes na sociedade capitalista, no período, como resultado do processo
histórico de desenvolvimento do capitalismo internacional. Os estudantes retomaram, durante
a redação desse manifesto, a necessidade de propiciar vez e voz ao povo, bem como de oferecer

42
INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, foi criado em 1977, pela Lei n.º
6.439. Mais informações estão disponíveis no site: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/instituto-nacional-de-assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps. Acesso em 19 de julho e 2018.
113

condições dignas de vida a toda população. Para tanto, destacam a necessidade de acabar com
a ditadura:
Acreditamos que este problema será devidamente equacionado, em toda sua
plenitude, quando o povo tiver vez e voz, quando unidos e organizados
conquistarmos um regime de amplas liberdades democráticas, pondo fim a
ditadura dos monopólios e latifúndios que trouxe a infelicidade e a miséria aos
brasileiros, enfim quando tivermos uma Democracia plena que crie a
perspectiva de emancipação política, econômica e social do povo brasileiro.
(Pasta nº 914.112, p. 60)

As frases finais desse documento demonstram a compreensão dos estudantes de que


era necessário romper com as imposições do Governo Federal, uma vez que se tratava de um
período ditatorial. Os estudantes finalizaram com os seguintes dizeres:
- CONTRA O CONTROLE DE NATALIDADE DA DITADURA;
- POR UM PROGRAMA DE PLANEJAMENTO FAMILIAR
DEMOCRÁTICO;
- POR MELHORES CONDIÇÕES DE SAÚDE PARA O POVO
BRASILEIRO;
- PELAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS. (Pasta n.º 914.112, p. 60)

Outro documento arquivado nessa pasta diz respeito à proposta de Estatuto da


Subsecretaria de Medicina da União Nacional dos Estudantes, o que mostra a articulação dessa
atividade com as ações direcionadas pela UNE. Tal proposta foi encaminhada por dois CAs, o
Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e o CA de Medicina
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Desde o discurso de abertura até a elaboração dos manifestos, é possível identificar
que os estudantes estão alinhados, nesse período de reconstrução das entidades de representação
estudantil, por meio da UNE, à luta por melhores condições de educação para toda a população
brasileira, com a clareza de que o Estado ditatorial, representado pelo general Figueiredo, usava
de todas as estratégias possíveis e impossíveis (a exemplo da repressão e tortura), para justificar
a desigualdade social, colocando uma parcela da culpa na própria população. A título de
exemplo, transcrevemos abaixo um trecho redigido pelos estudantes para a convocação de
participação de um Ato Público, a ser realizado no dia 24 de julho de 1980, em frente ao
Hospital das Clínicas:
Entretanto não somos mais enganados. Sabemos que a responsabilidade dessa
caótica situação se encontra no Palácio do Planalto. A intenção do governo
hoje é uma só: acabar com a Universidade; acabar com o ensino,
transformando a educação em mercadoria de luxo. Não temos culpa da
inflação altíssima; não temos culpa da inflação a condições (sic) de saúde que
vive o povo Brasileiro. Por isso protestamos contra os aumentos extorsivos
nas escolas pagas. Por isso, exigimos a formação de profissionais que atendam
às necessidades do nosso povo. (Pasta nº 914.112, p. 85)
114

Durante a análise dos documentos referentes ao ECEM, deparamos com a pasta n.º
915.113 (possui 392 páginas), que possui uma variedade monumental de textos para estudo.
Nossa surpresa foi tamanha, pela quantidade de textos, pela qualidade dos autores estudados,
inclusive, porque alguns textos estavam em espanhol. Consta até mesmo um texto de Nadezhda
Krupskaya, autora que muito recentemente é estudada em nosso país, por pesquisadores do
campo da história e de forma específica na história da educação.
Para que pudéssemos realizar uma análise mais detalhada dessa pasta (915.113),
achamos por bem imprimi-la. De acordo com o documento redigido pelos estudantes sobre a
realização dessa atividade, o XII ECEM contou com a participação de cerca de 4 mil estudantes
de Medicina de todo o Brasil. Esse mesmo documento enfatiza o fortalecimento da UNE por
meio da realização desse encontro:
O ECEM é a UNE fortalecida em sua base, sem o risco de injunções e
manobras regimentais que sempre ocorrem quando se insiste na
representatividade à nível de entidades e não pelo acesso e participação da
massa estudantil, de forma livre e democrática. Exatamente como na palavra
de ordem “A UNE SOMOS NÓS, NOSSA FORÇA E NOSSA VOZ”. (Pasta
nº 915.113, p. 03)

Encontra-se arquivada uma cópia da Revista “História Imediata” sobre A Guerrilha


do Araguaia; além disso, duas edições do jornal livre dos alunos da UCP (Universidade Católica
do Paraná), denominado “Entrada Franca43”, cujas edições são dos meses de maio e junho/julho
de 1980.
As edições são direcionadas para o processo de reconstrução da UNE. A primeira
edição do jornal destaca que será um jornal que abrange todos os alunos da Universidade
Católica do Paraná com a finalidade de discutir problemas de interesse dos estudantes, bem
como espaço para produção artística. Essa primeira edição foi realmente direcionada para os
problemas enfrentados pelos estudantes da UCP.
A segunda edição volta-se à discussão referente à demolição do prédio da UNE,
que ocorre no ano 1980. A demolição foi realizada após a notícia de que os estudantes
ocupariam a antiga sede da instituição. A capa dessa edição conta com a frase de Jean Marc,
ex-presidente da UNE: “Cada tijolo que cai é mais um estudante que se une nesta organização
Nacional”.
Encontra-se, ainda, nessa pasta, o relatório redigido por agentes da DOPS-PR sobre
a realização do encontro. Como no período inicial da ditadura, o teor do texto diz respeito à

43
Uma cópia desse Jornal também se encontra arquivado no dossiê do IV ENECOM; o tema será retomado nesta
tese.
115

busca pelas ações dos estudantes, os quais demonstrem que eles estavam alinhados aos ideais
do marxismo leninismo; a título de exemplo, segue um trecho do referido relatório:
Membros da Comissão Executiva, mantiveram frequentes contatos com
elementos ligados aos Partidos da oposição e Entidades contestatórias de
ideologia esquerdista, os quais montaram no local do Encontro diversas
bancas para distribuição e venda de literatura baseada na ideologia marxista-
leninista. (Pasta nº 915.113, p. 345)

De acordo com os registros da polícia, em síntese, as discussões realizadas durante


o XII ECEM envolviam a luta por mais verbas para a educação; melhores condições de saúde;
ensino público e gratuito para todos, dentre outros de caráter mais amplo, como a luta pelo
socialismo.
No relatório, fica o registro de quais textos foram comercializados no decorrer da
realização do XII ECEM; tais textos, mencionados abaixo, estão arquivados na referida pasta,
como já mencionado anteriormente. São eles:
Livros
- Lenin no poder
- Juventude Revolucionária
- 20 anos de Política do P.C. no Brasil
Livretos
- El nombre y La obra de J. V. Stalin Son Imortales Asi como es Imortal El Maxismo-
Leninismo
- Textos Marxistas de G. Dimitrov e N. Krupskaia
- Manifesto do Partido Comunista – Texto de Karl Marx e F. Engels.
- El poder Soviético y la situacion de La Mujer – Textos Marxistas.
- O Partido – de J. Stalin
- Contra a Nova Lei de Estrangeiro
- Guerra Popular – Textos Marxistas “Caminho da Luta Armada no Brasil”
- A Guerrilha do Araguaia – Editora Alfa-Ômega.
Jornais
- Entrada Franca - Editado pela U.C.P.
- XII ECEM Brasil
- União Médica – Órgão Oficial do Sindicato dos Médicos do Paraná.
- Jornal do CBA/Curitiba
- Jornal Pró-UPE
- Jornal Nossa Voz – Órgão Informativo da UNE.
- Tribuna da Luta Operária
- Jornal Companheiro
- Jornal Hora do Povo
- Jornal Voz da Unidade (Pasta nº 915.113, p. 356-357)

No relatório constam os dados sobre a realização do transporte dos materiais,


relacionados acima, com a relação dos veículos, placa e demais informações, como cor, modelo,
proprietário e endereço do veículo; além disso, se o proprietário possuía ou não antecedentes
registrados no O.I. (Órgão de Informações).
116

Ainda sobre a realização do XII ECEM, há a pasta nº 916.113, na qual é possível


ter acesso ao que, no período, era denominado “Desgravação”, ou seja, a transcrição da
gravação das falas dos estudantes durante a realização do evento.
As considerações registradas sobre a realização do XII ECEM permitem verificar
que a vigilância ao ME manteve-se cuidadosa, minuciosa, até o final da década de 1970 e início
de 1980. A finalização do relatório destaca que:
Procedida uma análise dos fatos ocorridos durante a realização do XII
ECEM/BRASIL, conclui-se que o mesmo perdeu as suas finalidades, haja
vista que o seu objetivo principal é de caráter científico, mas o que ficou
evidenciado no transcorrer no mês, foi o seu cunho eminentemente político,
o que se depreende das atividades, tais como: O ATO PÚBLICO realizado no
dia 24, onde temas abordados giraram em torno da realização das eleições de
1980; denúncias sobre atentados as bancas de Jornais. Já no dia 21, em reunião
realizada no Ginásio de Educação Física do Centro Politécnico, com a
participação de elementos chefes de núcleos populares do PT, discutiram
assuntos relacionados com os interesses do Partido e analisaram resultados
das últimas greves dos trabalhadores. (Pasta nº 915.113, p. 358 – Grifos
nossos).

Ademais, sobre o cunho político do Encontro, o relatório destaca a distribuição e


venda de quantidade significativa de literatura de caráter ideológico de esquerda, bem como a
participação de “elementos” conhecidos por sua ideologia de esquerda, que nada tinham em
comum com a finalidade de evento.
Com relação ao relatório elaborado pelos estudantes sobre o evento, apesar da má
conservação do documento (alguns trechos não puderam ser compreendidos), foi possível
verificar a preocupação com o sistema nacional de saúde, visto que há um direcionamento para
a transferência quase total das responsabilidades do Estado ao setor privado, denominada de
mercantilização da saúde, que ocorre desde 1964. Destacam, ainda, a redução de verbas para
educação, o que causava redução da qualidade da formação dos médicos, além de tecer críticas
severas à precariedade dessa formação. Demonstram a necessidade da formação integral desse
profissional, não apenas técnica, como segue no trecho: “É importante termos claro que um
profissional generalista e tecnicamente bem informado não é suficiente para intervir na
realidade da saúde. Buscamos formar um profissional crítico que participe nas lutas que visem
a transformação da realidade de saúde do povo brasileiro”. (Pasta n.º 915.113, p. 363)
Em síntese, reiteram a necessidade de articular as discussões sobre a saúde do povo
brasileiro com a sociedade, ou seja, esse debate deve ser levado para além do espaço acadêmico,
da Universidade.
Ainda sobre XII ECEM, na mesma pasta, está o ofício de n.º 014/80, da Assessoria
Especial do Reitor (AER) da Universidade Federal do Paraná, com o relatório redigido sobre a
117

realização do evento. Consta, no texto, o registro de que alguns membros da executiva do evento
questionaram a presença exagerada de policiais à paisana entre os estudantes; que, no primeiro
dia do evento: “ocorreram diversas pichações no Centro Politécnico, com os dizeres ‘FORA A
POLÍCIA’, ‘ABAIXO A REPRESSÃO’”. (Pasta n.º 915.113, p. 371)
O texto segue relatando a cerimônia de abertura, em que alguns dirigentes do ME
fizeram uso da palavra, tecendo “acusações” contra o Governo Federal. O represente da UNE,
ao fazer uso da palavra: “responsabilizou a ‘ditadura militar’ por tentar quebrar a unidade
estudantil com a demolição do prédio da UNE/RIO e as prisões arbitrárias efetuadas contra
estudantes de Santa Catarina”. (Pasta n.º 915.113, p. 371)
Sobre os eventos na área da saúde, em 13 de maio de 1980, há um informe da PM
2, do Paraná, na pasta nº 2315.261, com o calendário das atividades nos cursos da área da saúde,
em 1980; são encontros nacionais de estudantes de medicina, biologia, farmácia, enfermagem
e fisioterapia, cujo total é de oito encontros, que foram realizados no segundo semestre de 1980.
De acordo com o Informe nº 168 de 1980, da PM2, denominado Eventos
Importantes: “Iniciará no RIO DE JANEIRO, em 31 de março de 80, a 1ª CONFERÊNCIA
BRASILEIRA DE LETRAS, patrocinada pela UNE e outras entidades, a qual será realizada na
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC) daquele Estado” (Pasta n.º 2315.261, p.
39)
Em 1981, nos dias 08 a 11 de janeiro, realizou-se, em Curitiba, o I Seminário da
SEDUNE (Secretaria de Direito da UNE), o qual foi promovido pela subsecretaria de Direito
da UNE. Esse evento foi coordenado pelo Diretório Acadêmico Hugo Simas44. Na pasta n.º
2315.261, está arquivado o comunicado com a organização do evento, o qual tinha como tema:
“Ensino Jurídico, Currículo e Mercado de trabalho”. De acordo com o panfleto, a realização
desse Seminário foi aprovada no II ENED – Encontro Nacional de Estudantes de Direito,
realizado em abril de 1980, no Recife, sendo objetivo desse evento: “aprofundar a discussão
sobre os três tópicos do tema, que se interdependem, buscando a transformação das estruturas
de um curso hoje completamente defasado das necessidades da maioria da população
brasileira”. (Pasta nº 2315.261, p. 33).
Além desse registro há um dossiê específico sobre a SEDUNE, no qual estão
arquivadas mais informações sobre a realização do Seminário. Em relação às atividades
realizadas no decorrer do evento, consta o relatório redigido pela Subdivisão de Informações

44
No ano de 2017, para receber os calouros na UFPR, o DA Hugo Simas organizou um ciclo de palestras sobre as
condições da Universidade, com a presença de lideranças nacionais, a saber, uma delas, Eduardo Suplicy.
118

da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, informe nº 01/81, no qual está registrado que a
mesa de abertura do evento foi composta pelos elementos:
Arnaldo Camargo Neto – Presidente do CAHS e Presidente da mesa; Aldo
Rebelo – Presidente da UNE; Renato Luís H. Hino – Presidente da União
Paranaense de Estudantes Secundários (UPES); Pedro Luís Longo – Diretório
Central dos Estudantes da Universidade Federal do Paraná (DCE/livre-
UFPR); Vicente Palhares representante da União Paranaense dos Estudantes
– UPE; Ildeu Manso Vieira Filho –representando o PMDB; Edgar Amorim-
Diretor da SEDUNE-; Representante da OAB seccional do Paraná;
Representante do Partido Popular; e o Representante do Diretório Acadêmico
Clotário Portugal da Faculdade de Direito de Curitiba. (Pasta n.º 1732.207 p.
5 e 6)

Além de verificar que o evento contou com vários representantes das principais
entidades de representação estudantil, bem como de partidos políticos, os registros da polícia
política remetem a outra questão relevante, que diz respeito à luta dos estudantes por educação
de qualidade, sendo que os discursos de abertura enfatizaram tal questão. Há, também, o registro
sobre o comércio de livros e periódicos no decorrer da realização do evento; essa ação dos
estudantes já foi verificada nesta tese quando da realização do ECEM. Os textos e periódicos
comercializados no SEDUNE foram:
No local da abertura do Seminário, foi montada uma banca para venda de
livros e revistas esquerdistas, algumas com os seguintes títulos: “O LIVRO
NEGRO DA USP”; “O QUE TODO REVOLUCIONARIO DEVE SABER
SOBRE REPRESÃO”; “DEMOCRACIA SOVIÉTICA”; “REVOLUÇÃO
EM MARCHA”; “REVOLUÇÃO CHINESA”, entre outros. Os autores mais
destacados eram MARX, LENIN, STALIN. Camisetas e jornais como HORA
DO POVO E TRIBUNA DA LUTA OPERÁRIA foram também
comercializados. (Pasta n.º 1732.207, p. 7)

É possível verificar, a partir do relatório, que, durante toda a realização do evento


as discussões estavam alinhadas com a luta contra a Ditadura, em busca de educação de
qualidade; nas mesas e nos grupos de trabalho, as temáticas demonstram essa direção. Durante
a realização do SEDUNE, houve um espaço reservado para a organização da pauta do III
ENED, a ser realizado em Goiânia de 16 a 19 de abril de 1981, no qual estão reservados
momentos para discussão sobre a Constituinte e sobre a Questão Agrária, além das discussões
especificas da área de formação do direito.
Está registrada a transcrição da fala de um estudante, durante um debate sobre
Currículo do Direito:
Uma estudante do Pará, destacou a atuação dos estudantes de Direito daquele
Estado junto aos trabalhadores do campo, que tem como objetivo a
conscientização dos mesmos sobre os posseiros da região. Esse trabalho visa
ainda, mostrar a força que os trabalhadores têm, “na luta por uma sociedade
mais justa e democrática”. (Pasta n.º 1732.207, p. 9)
119

Nesse dossiê, é possível encontrar a versão manuscrita do relatório sobre o evento,


além da cópia datilografada. Estão arquivadas várias cópias do relatório bem como o
cronograma de atividades do evento e um texto denominado: “Contribuição para o primeiro
Seminário da SEDUNE”, com a sigla: CAAP, a qual não é especificada. O teor do texto é uma
crítica à forma como a universidade está organizada, trazendo elementos históricos sobre a
educação superior e a formação de profissionais.
Dentre os encontros que foram realizados pelos estudantes, liderados pela UNE,
podemos citar o ENECOM – Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação. O boletim
informativo da subsecretaria de comunicação da UNE, distribuído em 8 de julho de 1980,
aborda sobre a organização do IV ENECOM. A proposta era efetivar a continuidade das lutas
do III ENECOM, especialmente, em relação à aprovação do currículo mínimo nacional, uma
vez que:
Depois da aprovação em Brasília (III ENECOM) dos eixos que norteariam a
elaboração do currículo e da eleição da parte estudantil da Comissão Nacional
de Estudantes e Professores, a executiva do ENECOM (também eleita para a
Comissão) se dirigiu ao Rio de Janeiro para o II Encontro Nacional de
Professores de Comunicação (ENPC). Durante o II ENPC, aprovada a
proposta do ENECOM de elaboração paritária do novo currículo, estudantes
e professores se empenharam nessa tarefa. Quando o currículo ficou pronto,
foi levado ao MEC por representantes da comissão paritária e da ANBEPEC
(Associação Brasileira para o Ensino e Pesquisa em Comunicação) e entregue
enquanto currículo para ANBEPEC, conforme havia sido discutido em
Brasília. (Pasta n.º 2315.261, p. 52)

Apesar de toda essa mobilização, a proposta dos estudantes de comunicação não foi
sequer apreciada, sendo que a decisão foi organizar uma mobilização entre os DAs e CAs de
Comunicação de todo o país, para que encaminhassem abaixo-assinado ao CFE (Conselho
Federal de Educação), solicitando a imediata discussão e aprovação do currículo elaborado,
conforme mencionado acima.
No boletim, está anunciado que O IV ENECOM tinha data prevista para acontecer
nos dias 12, 13 e 14 de setembro de 1980, em Curitiba. A proposta de pauta era: 1) Abertura e
informes; 2) Avaliação e propostas de organização da subsecretaria de comunicação da UNE;
3) Mercado de trabalho e campanha pelo não fechamento de escolas de comunicação; 4)
Alternativas populares de Comunicação; 5) Currículo.
Sobre o IV ENECOM, também consta um dossiê nos arquivos da DOPS-PR,
específico sobre esse encontro, no qual é possível encontrar várias cópias de edições de jornais
alternativos, como o “Hora do Povo”, “Tribuna Operária” e periódicos estudantis, além de
relatórios sobre o evento.
120

O Informe da Secretaria de Segurança Pública, Subdivisão de Informações de


01/10/1980, destaca que o evento foi realizado nas dependências do Colégio Estadual do Paraná
e da universidade Católica do Paraná, com delegações de vários estados brasileiros, sendo as
mais representativas de: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Bahia, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, Pernambuco, Alagoas e Goiás. A mesa de abertura do evento foi composta
por representantes da UNE e das entidades estudantis, vinculados à área da comunicação.
No texto está registrada a distribuição de matérias de cunho esquerdista:
No transcurso do Encontro, foram distribuídos para os participantes, um
impresso com o título “NICARÁGUA LIVRE”, UM PANORAMA DA
REVOLUÇÃO SANDINISTA, se reportando ao Livro do Jornalista
Raimundo Caruso, no qual relata os fatos transcorridos na Nicarágua por
ocasião da revolução sandinista. Alguns jornais foram vendidos, entre eles:
Tribuna da Luta Operária, Hora do Povo, O trabalho e ainda outros como
Entrada Franca, editado pelos alunos da UCP, Jornal Laboratório da UF de
Goiás e Jornal do DCE Livre da UF de Goiás, circularam entre os presentes.
(Pasta n.º 924.114, p. 6).

O referido informe foi redigido com base no relatório escrito pelo detetive Valmir
Luiz Galbert, no qual consta as informações que estão em anexo; como já mencionado, alguns
exemplares dos jornais vendidos no evento foram “apreendidos” e estão arquivados no dossiê.
Há, além disso, um relatório redigido pela ASI/FUEL sobre a realização do IV
ENECOM, no qual os dados já mencionados nos relatórios anteriores são novamente relatados,
todavia, o relatório da ASI/FUEL parece incompleto, com apenas uma página de texto.
Os jornais apreendidos são aqueles considerados de esquerda, a imprensa
alternativa do período. O conteúdo dos periódicos estudantis diz respeito a reflexões sobre o
meio estudantil, bem como sobre aspectos da sociedade. No jornal do DCE da Universidade
Federal de Goiás há uma notícia sobre a realização do I Encontro da Mulher Universitária. O
texto destaca as compreensões disseminadas na sociedade sobre o feminismo de forma
equivocada, todavia, essa atividade organizada compreende o movimento como “um trabalho
necessário e valioso, considerado como parte integrante de uma luta mais ampla de
emancipação de toda sociedade” (Pasta n.º 924.114, p. 74).
Também, da Universidade de Goiás, estão arquivadas cópias de duas edições do
jornal “Laboratório”, órgão de divulgação do curso de jornalismo. As edições são de outubro e
novembro de 1979. São extensas, com um número significativo de notícias sobre questões
educacionais, culturais, políticas e sociais. A qualidade dos textos é inegável.
Outro periódico estudantil é o jornal “Entrada Franca”, denominado de Jornal Livre
da Universidade Católica do Paraná; as edições são de maio e junho/julho de 1980, com textos
que denunciam a precariedade do ensino superior, os limites impostos aos universitários,
121

inclusive questões econômicas e sociais para além do Brasil. As edições já foram mencionadas
neste texto. Na edição de junho/julho está o destaque para a nota da UNE no que tange ao
aumento das mensalidades em 35%. Também pode ser identificado como um periódico de
cunho contestatório.
Foi realizado, também, na década de 1980, o PRÉ-ENECA – Encontro Nacional de
Estudantes de Ciências Agrárias. No dossiê sobre esse encontro preparatório é possível
encontrar informações a respeito do processo de preparação do evento; por isso, o encontro foi
denominado Pré-ENECA, tendo sido realizado entre 19 e 20 de junho de 1981, em Curitiba. O
encontro contou com a participação de sete estudantes, que representavam os estados de:
Pernambuco, Espírito Santo, Ceará, Paraíba, Amazonas, Sergipe e Paraná. Nos relatórios da
polícia política sobre a realização da atividade consta a relação de nomes dos estudantes, sendo
que Marlene Zanin é citada como Coordenadora do Pré-ENECA, quando era também
presidenta do DASCA (Diretório Acadêmico do Setor de Ciências Agrárias da UFPR).
Os relatórios destacam que o evento preparatório para o ENECA foi um fracasso,
com extrema desorganização. O local e data para realização do ENECA não foram definidos.
É necessário ressaltar que quatro eventos de grande porte, além do evento
preparatório para o ENECA, no que tange à organização estudantil universitária brasileira,
foram realizados na nossa capital Curitiba, nos anos 1980 e 1981, sendo que, em 1980, houve
o XII ECEM, em julho, o IV ENECOM, em setembro; em 1981, o I SEDUNE, em janeiro e o
VII CONEG, em fevereiro. Apesar dos relatórios redigidos pela polícia política não registrarem
o número de participantes do SEDUNE e ENECOM, é possível verificar que representantes
dos estudantes de todo o país estiveram reunidos no Paraná. Também foi realizado em Curitiba
o XX Congresso da UBES, chamado de Congresso de Reconstrução, em outubro de 1981, que
aconteceu no Salão Nobre da Igreja Nossa Senhora do Guadalupe.
Neste item, a intenção foi apresentar as diversas formas de atividades organizadas
pelos estudantes, para além do CNE da UNE, em especial, após o AI n.º 5. É possível verificar
que essa forma de organização contribuiu para a manutenção da articulação do ME, por meio
da análise das discussões apresentadas nos eventos.
Utilizamos como fonte, para elencar os eventos promovidos pelas secretarias da
UNE, apenas os documentos arquivados pela DOPS-PR. Por isso, há a clareza de que outros
eventos foram realizados e ainda são. Todavia, o objetivo deste item foi o de trazer alguns
exemplos de atividades organizadas pelos estudantes, para além dos CNE, como mencionado
acima.
122

Entretanto, consta um dossiê nesse acervo denominado de CONEPE - Congresso


Nacional das Escolas Particulares de Ensino (Dossiê nº 331.39), que possui documentos sobre
a realização do XVIII CONEPE, na cidade de Curitiba, no ano de 1981. No dossiê encontra-se
o relatório do evento, no qual é possível identificar uma outra visão do ensino superior, em que
a defesa está pautada em outros interesses, vinculando a educação ao lucro. Isso decorre do fato
de que o Congresso foi organizado com a finalidade de “aprimorar” a oferta de ensino superior
no país, no qual se fazem presentes os principais representantes das instituições particulares do
país.
O relatório sobre o evento destaca que cerca de mil pessoas participaram do
Congresso realizado no Teatro Guaíra, dentre os quais estavam representantes do MEC,
Presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, um norte-americano, dentre outros.
Os discursos transcritos no relatório coadunam-se com a defesa das instituições particulares.

3.4 PRODUÇÕES “TEÓRICAS”, ARTÍSTICAS E PERIÓDICOS DO ME


APREENDIDOS

Outra documentação apreendida pela polícia política são textos produzidos pelos
estudantes sobre a organização do ME, bem como sobre os fundamentos teóricos que
direcionavam suas ações. Podemos incluir nessa seção as produções artísticas do ME, como é
o caso das peças de teatro produzidas pelo CPC da UNE, as quais estão arquivadas nos dossiês
da UNE e mesmo da UPE, e também os jornais, por exemplo, algumas edições do jornal “O
Movimento”.
Iniciamos com a apresentação de quais textos do CPC da UNE foram apreendidos.
Necessário compreender o que foi o CPC, a partir da elaboração e aprovação do seu Regimento
Interno, em Assembleia Geral realizada em 08 de março de 1962. Assim, a definição é:
[...] De acordo com esse instrumento legal, o CPC era o órgão cultural da
União Nacional dos Estudantes, regendo-se com autonomia administrativa e
financeira. A sua direção era eleita (e poderia ser dissolvida) pela Assembleia
Geral de seus membros e a filiação era feita em bases individuais.
(BERLINCK, 1984, p. 23)

Sobre as atividades realizadas pelo CPC da UNE, bem como sobre a organização
dessa entidade, Berlinck sintetiza tal organização, de maneira que tomamos a liberdade de
reproduzir:
O primeiro Diretor do CPC da UNE, foi Carlos Estevam Martins. Seu mandato
durou um ano – de dezembro de 61 a dezembro de 62. Em seguida Carlos
Diegues foi diretor por três meses e, finalmente, Ferreira Gullar dirigiu o CPC
até seu encerramento. Os primeiros departamentos a serem criados foram o de
123

Teatro e o de Cinema. O Departamento de Teatro reuniu, entre outros,


Oduvaldo Vianna Filho, Francisco de Assis, Flávio Migliaccio, Armando
Costa, Helena Sanchez, João das Neves, Carlos Miranda, Arnaldo Jabor (que
depois passou a colaborar no Departamento de Cinema), Joel Barcelos,
Claudio Cavalcanti e Cecil Thiré. Com o tempo, o Departamento de Teatro se
subdividiu em dois setores: o de teatro convencional e o de teatro de rua. O
Departamento de Cinema reuniu, entre outros, Leon Hirzman, Carlos Diegues,
Marcos Farias, Miguel Borges, Teresa Aragão. Em seguida, ainda em 62
foram criados o Departamento de Música que reuniu, entre outros, Carlos
Castilha, Carlos Lira, Sergio Ricardo, Nelson Lins e Barros, Geraldo Vandré;
o Departamento de Arquitetura; o de Artes Plásticas; e o de Administração.
Os últimos Departamentos a serem criados foram o de Alfabetização de
Adultos e o de Literatura. O departamento de Alfabetização chegou a oferecer
alguns cursos, mas o seu pessoal foi recrutado pelo MEC e suas atividades se
encerraram. Com as publicações, disco e filmes, o CPC viu-se na contingência
de criar um esquema de distribuição. Para isso foi criada a PRODAC, uma
empresa distribuidora de livros e discos. (BERLINCK, 1984, p. 27)

No dossiê UPE, pasta nº 2325.263, temos a “Canção do Subdesenvolvimento”, de


Carlos Lira e Francisco de Assis. Como parte integrante da peça de mural, “Miséria ao alcance
de todos”, encontra-se arquivado o texto: “Brasil – versão brasileira”, de Oduvaldo Vianna
Filho (166 a 207, da pasta nº 2325.263). Outra peça arquivada nessa pasta é “A história do
formiguinho e sua porta ou Deus ajuda os bão”, de Arnaldo Jabor; ambas são produções do
Centro Popular de Cultura da UNE.
A título de esclarecimento para o leitor, destacamos o conteúdo das produções do
CPC, que foram apreendidos pela polícia política paranaense. A Canção do
Subdesenvolvimento diz respeito às especificidades da história do Brasil enquanto colônia,
quais são as condições sociais, econômicas e políticas que perduram até aquele momento da
história, devido à condição de colônia dos países desenvolvidos.
As peças de teatro, que fazem parte da peça de mural “Miséria ao alcance de todos”,
quais sejam: “Brasil – versão brasileira” e “A história do formiguinho e sua porta ou Deus ajuda
os bão”, estão voltadas para a análise e reflexão da realidade brasileira, sendo resultado da
produção do CPC com a finalidade de contribuir ao processo de formação do povo brasileiro
por meio de uma cultura crítica.
Também sobre as produções do CPC da UNE, na pasta n.º 2308.259, há uma cópia
da peça o “Auto dos 99%”, sendo que, na capa, consta a informação de que tal peça foi adaptada
pelo CPC do Paraná. Sobre a atuação dos estudantes paranaenses por meio do CPC, é
importante destacar:
[...] os CPCs de outros estados na maioria das vezes reproduziam materiais
gerados pelo CPC da UNE e mesmo onde não havia CPC, as organizações
estudantis locais se incumbiam dessa tarefa. Assim, por exemplo, a UEE do
Paraná criou a UEE-Volante e levou “O Auto dos 99%” em Londrina,
124

Maringá, Ponta Grossa, Jacarezinho e outras cidades do Estado. (BERLINCK,


1984, p. 91)

O conteúdo dessa obra diz respeito às condições de acesso e permanência dos


estudantes na Universidade Brasileira. Para tanto, retoma a história do Brasil desde sua gênese,
procurando demonstrar o processo histórico de constituição da desigualdade social, presente na
educação escolar. É importante lembrar que o Auto dos 99% foi apresentado, pela primeira vez,
em Curitiba, quando da realização do II Seminário Nacional da Reforma Universitária. De
acordo com Carlos Estevam Martins:
Lembro-me que, na primeira UNE Volante, nós fizemos o primeiro ensaio de
texto em público. Nós levamos o texto, só que nunca tínhamos ensaiado. Então
a nossa apresentação foi ensaio mesmo. Foi com papel na mão, todo mundo
lendo. [...] Foi o 99%, num teatro de Curitiba, o Teatro Guaíra. Mas, era muita
folga. Você chega, o pessoal pagando para ver o espetáculo, e você diz: “O
espetáculo não está pronto, nós vamos montar no caminho. Vocês deram o
azar de serem a primeira cidade. Então, nós vamos ler o texto aqui.
(BARCELLOS, 1994, p. 86, apud LIMA, 2011, p. 4)

A peça: “O Auto dos 99% foi criada como parte da campanha pela Reforma
Universitária para servir de suporte às atividades mobilizadoras da massa estudantil em diversas
regiões do Brasil” (LIMA, 2011, p. 5). Por isso, é considerada uma peça de agitação e
propaganda.
O título da peça “Auto dos 99%” é uma referência ao número exíguo de estudantes
que tinham acesso ao ensino superior com relação a população do país, sendo uma forma de
ironizar as condições de continuidade no processo formativo da maioria da população, ou seja,
não havia continuidade para mais de 99% das pessoas.
O texto da peça procura desvelar a realidade por meio da linguagem artística. Foi
criado por seis autores: Oduvaldo Vianna Filho, Carlos Estevam Martins, Cecil Thiré, Armando
Costa, Antonio Carlos da Fontoura e Marco Aurélio Garcia.
Além dos textos do CPC da UNE, no decorrer da pesquisa, identificamos, também,
como já mencionado, o arquivo dos periódicos produzidos pelo ME, tanto da UPES, como da
UPE e da UNE. No dossiê UNE, pasta n.º 2308.259, encontra-se uma edição especial do jornal
“O movimento45”, com data de 1º de abril de 1966. A edição é dedicada à luta contra a ditadura
civil-militar, quando se estava “comemorando” seu segundo ano. As notícias estão todas
direcionadas para denunciar a repressão exercida pelo Governo Federal contra o ME e demais
entidades no Brasil.

45
Esse periódico ainda foi produzido pela UNE até 2010. Algumas edições estão disponíveis no site:
https://www.une.org.br/publicacao/revistas/
125

Em relação às produções teóricas do ME há que se destacar o fato de que foi


recorrente no meio estudantil a produção de textos para socializar as concepções teóricas da
UNE. Como exemplo, pode-se recorrer ao texto utilizado como base para as discussões dos
estudantes paranaenses quando da realização do Seminário sobre a Política Educacional do
Governo.
No dossiê Política Educacional do Governo, pasta nº 1575.190, o texto “Política
Educacional” está arquivado; na introdução, consta o registro de que foi redigido como síntese
das discussões realizadas durante o Conselho Nacional de Estudantes, que aconteceu em
fevereiro de 1968. O texto deve ser base para discussões dos estudantes sobre a Política
Educacional do Governo.
O primeiro item do texto é “Universidade Arcaica”; o debate fica em torno da
contradição social/econômica do Brasil, localizando a Universidade como resultado das
diferenças sociais. Desde a constituição dessa entidade ela esteve direcionada a atender os
interesses da classe dominante. O próximo tópico foi denominado Universidade MEC-USAID,
tendo sido redigido a partir da análise das ações do Governo Federal, desde 1964, no sentido de
garantir a manutenção do poder, inclusive com a mudança de Governo, em 1967. Em síntese, a
discussão estava permeada pela questão:
Qual o sentido das alterações ocorridas após 1964? Adaptar o Estado
brasileiro as exigências atuais da fase do capitalismo monopolista e
imperialista: elevação da taxa de lucros dos grandes capitais, importação de
tecnologia, divisão do mercado entre os grandes grupos monopolistas. (Pasta
nº 1575.190, p. 13).

O texto segue:
A estrutura educacional não poderia ficar à margem dessa mudança global. É
urgente para o governo que o ensino seja adequado às necessidades do grande
capital, das grandes empresas, do imperialismo. A universidade arcaica não
atende a essas necessidades, a universidade arcaica “forma” bacharéis. A
universidade moderna deve formar técnicos, segundo propriedades
estabelecidas não face a necessidade do povo, mas para, e acordo com testes
oficiais, “voltar a universidade para o desenvolvimento”, racionalizar as
estruturas educacionais, e tornar o investimento educacional rentável em
termos econômicos. Desenvolvimento, racionalização e rentabilidade para as
grandes empresas e para expansão dos monopólios. (Pasta nº 1575.190, p. 13)

Encontra-se, ainda, o dossiê denominado UNE-PRESS, pasta nº 2317.261, já


mencionado nesta pesquisa. Como não há nenhuma definição ou explicação do que significa
essa sigla, algo comum nessa documentação, conforme já anunciado neste texto, é possível, a
partir dos dados que analisamos nos documentos, verificar que UNE-PRESS foi uma produção
da UNE, com data de 1963 e 1964, cuja finalidade era transmitir algumas informações aos
126

estudantes brasileiros. Em algumas páginas com a logomarca da UNE consta a redação: Serviço
Universitário de Informações. Estão arquivadas edições especiais e regulares, denominadas
“Informe”, seguida de numeração como Informe nº 6, por exemplo.
Sobre o material denominado de UNEPRESS há destaque para o fato de que as
informações estão voltadas para o processo de divulgação das atividades realizadas pela UNE,
por exemplo, a realização do Seminário Latino-Americano de Reforma e Democratização do
Ensino Superior, efetivado em Belém do Pará, nos dias 30 de março a 5 de abril de 1964.
Estão arquivadas as edições de nº 6, 10 e cinco edições especiais do início de 1964,
com data final de 20 de março daquele ano. As edições de 1964 estão finalizadas com as
seguintes frases: “REFORMA UNIVERSITÁRIA; UNIVERSIDADE PARA O POVO E
CULTURA PARA LIBERTAÇÃO”. Além das frases citadas, é possível verificar o caráter
internacionalista da UNE, com notícias sobre a articulação do ME brasileiro com outros países,
bem como atividades estudantis realizadas em outros países. Como exemplo, a edição nº 10
destaca:
PRAGA – Está em plena atividade a União dos Estudantes Brasileiros na
Tchecoslováquia – UEBC – Fundada em 1960. Visa a UEBC contribuir para
uma maior difusão e conhecimento da cultura do Brasil, entre o povo
Tchecoslovaco, como assimilar a rica e tradicional cultura Tchecoslovaca e
congregar em uma só família todo os estudantes brasileiros, que ora vivem e
estudam naquele país. (Pasta nº 2317.261, p. 14)

Assim, é solicitado que as entidades encaminhem todas as publicações que possuem


para que sejam enviadas a algumas cidades onde estão estudantes brasileiros.
Ainda no que tange às atividades estudantis no mundo, constam a realização do
Festival de Teatro Estudantil Internacional, em Parma na Itália, em abril de 1964. Atividades
na Alemanha, Yugoslávia, França e Nigéria.
No UNEPRESS, edição especial de 10 de março de 1964, estão algumas
informações sobre a participação de dois estudantes, vinculados à UNE, no II Congresso
Latino-Americano da Juventude, em Santiago do Chile. A delegação brasileira contava, além
dos estudantes, com representantes operários, camponeses e partidários. O representante da
UNE:
Antes de regressar do Chile, o colega Carlos Castilho, manterá, em
Montevideo, contatos com a diretoria da Federação de Estudantes
Universitários do Uruguai, visando o Congresso Latino-Americano de
Estudantes. Serão ventilados problemas de organização e de unidade do
movimento universitário da América Latina. (Pasta nº 2317.261, p. 9)

Os materiais apreendidos que se referem às produções da UNE são do período


inicial e mesmo anterior ao Golpe de 1964; todavia, consideramos pertinente mencioná-los,
127

especialmente o último, denominado de UNEPRESS, uma vez que não encontramos em nossa
pesquisa outros autores que se utilizaram desse material como fonte de pesquisa.
No decorrer do texto, quando relacionado às temáticas mencionadas, outros textos
produzidos pela UNE serão ou foram mencionados e analisados; por exemplo, textos
produzidos para fundamentar discussões a serem realizadas nos Congressos, bem como textos
de outros autores utilizados pelos estudantes para estudo.
Importante destacar que não encontramos, em nossa pesquisa, nos dossiês
analisados, arquivos da Carta do Paraná e da Carta da Bahia, mas encontramos a Carta de
Princípios de Congressos realizados no período posterior ao golpe, como já mencionado neste
texto.
Sobre as Cartas do Paraná e da Bahia, encontra-se, em um dos dossiês da UNE (n.º
2308.259, p. 250), um registro de 1963, que traz o catálogo de textos e livros disponibilizados
pela Editora da UNE, assim como a informação de que ambas as cartas estão esgotadas. Dessa
forma, foi socializada a disponibilidade de outros materiais, dentre os quais é possível recorrer
à Coleção “Cadernos de Cultura Popular”, com textos de Ferreira Gullar e outros.
128

CAPÍTULO 4 – O MODUS OPERANDI DOS ESTUDANTES PARANAENSES: “À luta


companheiros: Viva a UNE, Viva a UPE”

A frase ora reproduzida no título deste capítulo tem a pretensão de elucidar a


articulação dos estudantes paranaenses, liderados pela UPE, com a organização nacional. Dessa
forma, ao tratar das especificidades da organização do ME paranaense, busca compreendê-las
e tecer algumas reflexões no âmbito da atuação vigiada pela polícia política, registrada nos
arquivos da DOPS-PR, estabelecendo, quando possível, relação com os registros e depoimentos
do ME paranaense.

4.1 A UPE: ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL APESAR DA DITADURA

Assim como a UNE, a UPE também foi alvo dos olhares atentos da polícia política
brasileira. Até agora, a ênfase foi direcionada para a organização estudantil brasileira, tendo
como entidade principal de representação a UNE. Todavia, nosso objeto de estudo diz respeito
à organização estudantil paranaense, portanto, é nossa pretensão trazer alguns elementos da
especificidade da UPE, entidade de representação dos estudantes universitários paranaenses.
Como aconteceu com a sede da UNE, que foi atacada logo após o golpe civil-militar
de 1964, a sede da UPE também foi “visitada” pela polícia política paranaense, conforme
documento denominado: “Protesto”, redigido pelo então Presidente da UPE, Ronaldo Antônio
Botelho, em 10 de julho de 1964 (Pasta nº 2325.263, p. 33). No texto desse documento, o então
presidente da UPE explica que agentes da DOPS estiveram na sede da entidade com um
mandado de busca e apreensão, com amplos poderes, inclusive, de arrombamento.
O Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS) também foi alvo de busca e apreensão,
conforme mandado expedido pelo delegado de Ordem Política e Social, Ozias Algauer. A
ordem era de recolher todo material subversivo ali encontrado (Pasta nº 2325.263, p. 153).
Nesse dossiê encontra-se um boletim semanal do CAHS, possivelmente material apreendido na
busca realizada pelos agentes da DOPS. O boletim, a partir da pergunta: “O que querem os
estudantes?” discorre sobre a realidade brasileira e a condição da Universidade nesse contexto.
Nesse mesmo dossiê (2325.263 UPE 1965), estão arquivadas diversas notícias de
jornais que relatam a realização de uma passeata, organizada especialmente pelos
representantes do Centro Acadêmico Hugo Simas, para divulgar e protestar sobre a ação da
polícia mineira contra os estudantes. De acordo com as reportagens, estudantes mineiros que
estavam em manifestação pública, na cidade de Belo Horizonte, foram espancados pela polícia
129

mineira. A passeata, denominada passeata do Luto, contou com cerca de trezentos


universitários, de acordo com o jornal “Diário do Paraná”, de 18 de março de 1966. Na mesma
reportagem, consta a prisão, pela DOPS, de três membros do CAHS; são eles: Antônio Araújo
Chaves; Vitório Sorotiuk e João Batista Tezza Filho.
Ainda sobre o Diretório Acadêmico Hugo Simas, o jornal “Tribuna do Paraná”, de
03 de dezembro de 1965, noticiou que o “Hugo Simas poderá fechar” porque, após os resultados
do IPM sobre as atividades da UNE, os diretórios que ainda não tivessem realizado a adaptação
para funcionamento, de acordo com a Lei Suplicy, poderiam ser fechados definitivamente,
como era o caso do Hugo Simas:
O ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda declarou à imprensa
carioca que os diretórios acadêmicos que não se adaptarem à nova legislação
sobre representação estudantil deverão também ser fechados. Frisou que
continuam a ser focos de agitação e subversão nas faculdades e escolas
superiores, como pequenas células da UNE. (Pasta nº 2325.263, p. 214)

Dentre as ações dos estudantes universitários do Paraná, destacamos a “luta” contra


a implementação do ensino superior pago. Em 1968 estudantes paranaenses organizam-se em
torno da defesa da Universidade gratuita. Estavam contra, portanto, a proposta do então Reitor
da Universidade Federal do Paraná, Flávio Suplicy de Lacerda. Sobre essa questão, nos
remetemos aos estudos realizados por Hagemeyer:
Tudo começou com uma fila de calouros diante da reitoria, a primeira turma
a pagar pelos estudos numa universidade pública. Os diretórios acadêmicos,
com o apoio do DCE e da UPE organizam o boicote, pedindo que todos os
estudantes solicitem a “isenção de pagamento” (1998, p. 112).

Em seguida, disposto a implementar o ensino pago de qualquer maneira, o reitor


Suplicy apoia a criação de um novo curso de engenharia e um de direito, nos quais, para garantir
a vaga, o estudante deveria pagar uma anuidade. Os estudantes, com apoio da UPE e do DCE,
decidiram em assembleia geral não aceitar a manobra do reitor. Uma das ações dos estudantes
foi a ocupação do centro politécnico, da UFPR, onde aconteceria o vestibular para selecionar
os alunos ingressantes no novo curso, criado na gestão de Suplicy. Na primeira data, marcada
para realização do vestibular, os estudantes conseguiram impedir sua realização. Todavia, o
vestibular foi remarcado para o segundo domingo de maio.
Num domingo, Dia das Mães, ocorre o confronto, à beira da estrada Curitiba-
Paranaguá, onde fica o Centro Politécnico da UFPR, campus que atravessara
a madrugada ocupado pela PM. De manhã bem cedo aparecem os estudantes,
munidos de fogos de artificio, estilingues, rolhas e bolinhas de gude para
derrubar os cavalos da PM, e até mesmo coquetéis molotov. Inicia-se o
conflito. Seis policiais são derrubados a pedradas, um ferido no crânio. A PM
é forçada a recuar. (HAGEMEYER, 1998, p. 115)
130

Em seu depoimento para Milton Ivan Heller, Stênio relatou as ações do ME


paranaense, no sentido de não permitir a manutenção do pagamento de anuidades na
universidade pública, no ano de 1968.
Após o confronto do dia das mães no Centro Politécnico alguns estudantes foram
presos, mas, do lado de fora do quartel cerca de dois mil estudantes clamavam contra a prisão
dos seus pares. Sob pressão, a polícia militar decidiu, após fichar todos os estudantes, liberá-
los, no entanto, de acordo com Stenio, deixando claro que, na próxima, não iriam conversar,
que “qualquer manifestação seria dissolvida a pau”.
Os estudantes mantiveram o processo de organização para barrar o pagamento das
anuidades. Stenio explica:
Bem, fomos direto ao refeitório do DCE da Universidade Federal do Paraná e
fizemos uma grande assembleia. Decidimos promover uma reunião no dia
seguinte, segunda-feira com um grupo ampliado de estudantes. De cada grupo
de dez seria escolhido um para participar da reunião, marcada para o Diretório
Niro Cairo. Percorremos sala por sala em toda universidade, elegendo
representantes de cada grupo de dez, e marcamos uma concentração para
terça-feira de manhã, na praça Santos Andrade. No Danc, eu disse a todos que
a reunião se estenderia por toda a noite e que depois de iniciada ninguém
poderia sair, para evitar que a nossa estratégia fosse divulgada. Se alguém
quisesse sair, que saísse antes da reunião começar. (HELLER, 1988, p. 295)

A proposta de ação, a partir da reunião, foi a ocupação da reitoria, já que os policiais


estariam concentrados no Centro Politécnico, onde acontecia o vestibular.
Em pesquisa realizada nos arquivos da DOPS, em 2017, ao buscar pela pasta sobre
o ensino pago, mencionada por Hagemeyer, foi possível compreender de forma mais clara esse
processo de luta dos estudantes paranaenses contra a proposta do então reitor da Universidade
Federal do Paraná, Flávio Suplicy de Lacerda.
O primeiro documento arquivado diz respeito ao informe de maio de 1968 das
entidades paranaenses de representação estudantil: UPE, DCE, DAs e CAs, sobre a aprovação
na reunião do Conselho Universitário, por unanimidade (com voto de abstenção do reitor), da
revogação das resoluções e demais legislações que propunham o ensino pago.
Os demais documentos arquivados dizem respeito aos recortes de jornais que
noticiaram os acontecimentos referentes à mobilização dos estudantes contra o ensino pago. Há
também a relação dos 59 estudantes, detidos no dia 13 de maio de 1968, com os dados de local
de estudo e endereço residencial. Consta, ademais, relatórios da polícia política, relatando a
realização da Assembleia Geral Extraordinária pelos estudantes, após o confronto com a polícia.
131

No jornal Tribuna do Paraná, de 16 de maio de 1968, constam algumas reportagens


sobre os acontecimentos no meio estudantil, dentre elas o fato de que sete deputados utilizaram
a tribuna na Assembleia Legislativa para tecer críticas às ações do reitor da Universidade
Federal, Flávio Suplicy de Lacerda, devido à intenção de cobrança de anuidades. Está presente,
também, um ofício redigido pelo reitor e direcionado ao presidente do DCE da Federal, no qual
o reitor alega que os estudantes não compreenderam a finalidade da cobrança das anuidades,
então, no texto do ofício, são evidenciadas as explicações:
1. Em primeiro lugar, a cobrança de anuidades não representa
arbitrariedade, por isso que a Constituição da República é absolutamente clara,
no seu art. 168, § 3.0, item III.
2. A cobrança de anuidade, quando decidida pelo Conselho Universitário,
visava a constituição de um fundo destinado ao atendimento de estudantes
carentes de recursos, mediante auxilio sob forma de bolsas de estudos, não
cabendo nenhuma parte da arrecadação à Universidade.
3. Pelos cálculos feitos, em pouco tempo teríamos, como decorrência,
garantida uma assistência estudantil excepcional. (Pasta nº 928.114, p. 81).

Ainda, nas palavras do reitor, considerando a lei maior, portanto, a autonomia da


universidade, fica a cargo das instâncias superiores decidirem pela cobrança ou não de
anuidades. Todavia, o reitor encaminhou o seguinte despacho para os estudantes:
À vista, portanto, da Lei e da autonomia financeira da Universidade, propõe a
Reitoria que o D.C.E. reúna o seu conselho diretor e submeta a ela a seguinte
proposição da Reitoria, cuja solução deverá ser levada ao Conselho
Universitário, pelo D.C.E., às 9 horas do dia 20 deste mês:
a) Nada de cobrança de anuidades e o que foi cobrado será restituído;
b) Serão abolidas as bolsas de estudos, uma vez que a Reitoria não tem
recursos para tais atendimentos;
c) Como a questão posta pelos estudantes é de não pagar, o Diretório Central
dos Estudantes levará ao Conselho, a decisão de aceitar ou não, para a
apreciação e decisão do conselho;
d) O D.C.E. assumirá inteira responsabilidade, a vista das consequências que
puderem advir. (Pasta nº 928.114, p. 81)

No dia 21 de maio de 1968 o jornal Tribuna do Paraná registra: “Ninguém pagará


mais o estudo”; a notícia destaca que o Conselho Universitário da UFPR, reunido no dia 20 de
maio, decidiu revogar a resolução nº 31 de outubro de 1967, que determinava a cobrança de
anuidades. Apesar da violência e da pressão sofrida pelos estudantes, é necessário considerar
que saíram vencedores dessa situação.
Com o processo de endurecimento do Governo Militar, após aprovação do AI n.º
05, a UPE, portanto, os estudantes paranaenses, ficaram impossibilitados de se manter
organizados e de atuar em nível estadual e nacional, como no período anterior a 1968. Todavia,
no âmbito das universidades, algumas atividades são realizadas, a exemplo do que ocorria em
todo o Brasil.
132

Elucida-se a reorganização dos estudantes paranaenses a partir dos arquivos acima


mencionados com a articulação, no ano de 1980, do movimento denominado PRÓ-União
Paranaense dos Estudantes (PRÓ-UPE), o qual é organizado com o objetivo de restabelecer as
atividades da UPE. Sobre a organização dessa comissão encontramos nos arquivos da DOPS-
PR o informe de n.º 050/8046 da Assessoria de Segurança e Informação (ASI) da Fundação
Universidade Estadual de Londrina. O informe foi difundido para o Departamento de Segurança
Interna do MEC (DSI/MEC) e para o Departamento de Segurança Interna da Secretaria de
Segurança do Paraná (DSI/SSP/PR\). O conteúdo do informe diz respeito à comissão
organizada para retomar as atividades da UPE, sendo constituída pelas seguintes entidades
estudantis: DCE/UFPR; DCE/UCPR; DCE/UEPG; DCE/UEL; Entidade Estudantil de
Maringá; Entidade Estudantil de Palmas e Entidade Estudantil de Cascavel.
A comissão PRÓ-UPE editou um jornal com discussões acerca das condições de
organização estudantil paranaense. Há, nos arquivos da DOPS-PR, uma cópia do referido
jornal, denominado de “Jornal PRÓ-UPE”, de janeiro de 1980. A primeira matéria do jornal diz
respeito à condição da universidade brasileira naquele período. O conteúdo está voltado para a
compreensão das políticas educacionais emanadas do Governo Federal a partir de 1964: a
proposta de Reforma Universitária; O relatório Atcon; e os Acordos MEC/USAID. Assim, o
texto destaca:
O acordo foi elaborado por norte-americanos, coordenados por Rudolf P.
Atcon, que em seus relatórios argumentava que de cada dez mil latino-
americanos somente 4 chegavam à Universidade, e que era o “clã” dos
graduados universitários que dominam todo o aspecto da vida social na
América Latina, sendo dever dos norte-americanos, consagrar a máxima
atenção, quando não interferir decisivamente nesta instituição social
denominada Universidade. (Pasta nº 2326.263, p. 72)

O tema da Reforma Universitária é recorrente nas discussões no ME, em nível


nacional, portanto, também na organização dos estudantes no estado do Paraná. O texto é
explicativo deixando claro o que são os Acordos MEC/USAID, quais as principais diretrizes
do relatório Atcon:
“Desenvolver uma filosofia educacional para o continente: estabelecer
programas educacionais e obter os meios financeiros para levar à prática tal
política. Criar e manter um serviço de consultoria para as Universidades
latino-americanas; a transformação da Universidade Estatal numa fundação
privada; a eliminação da interferência estudantil na administração, tanto
colegiada quanto gremial; colocação do ensino superior em bases rentáveis,
cobrando matrículas crescentes durante um período de dez anos”. (Pasta nº
2326.263, p. 72)

46
Documento arquivado na pasta n.º 2326.263, p. 04.
133

Chama nossa atenção a elucidação de um Projeto do Governo Federal, denominado


“Projeto Portella”. Como não encontramos essa nomenclatura em outro documento,
acreditamos que diz respeito ao nome do então Ministro da Educação, Eduardo Portella, bem
como à proposta de “trabalho” por ele implementada. A redação do jornal é a que segue:

O projeto Portella e os atuais projetos de reformulação Universitária pouco


diferem, no essencial, dos objetivos básicos da reforma Universitária de 1968.
Na verdade, seguem a mesma orientação, sendo mais correto considerá-lo uma
proposta de viabilização (e readequação) dos princípios daquela reforma que
não foram plenamente consolidados. (Pasta 2326.263, p. 72)

De acordo com os estudantes, em síntese, esse projeto do Governo Federal estaria


organizado em três anteprojetos: o primeiro, que diz respeito à regulamentação do regime de
autarquia especial para as Universidades, no qual as Universidades teriam que captar recursos,
por meio de convênios com empresas privadas e estatais, nacionais e multinacionais, prestação
de serviços, cobrança de anuidades, etc. Outra questão destacada pelos estudantes é que as
empresas teriam direito a voto nos órgãos de decisão da Universidade, de acordo com a
proporção dos investimentos financeiros efetivados.
O segundo anteprojeto dizia respeito à escolha dos dirigentes universitários:

O Reitor será nomeado pelo Presidente da República. O diretor das faculdades


isoladas será escolhido pelo Ministério da Educação. E o vice-reitor e os
diretores da universidade serão nomeados pelo Reitor. Isso provocará uma
maior centralização na escolha dos administradores das Universidades e
Faculdades. (Pasta nº 2326.263, p. 72)

O terceiro anteprojeto submetia a carreira do magistério à CLT, de maneira que os


professores passaram a ter uma relação de empregado-patrão. De acordo com as reflexões dos
estudantes: “o objetivo, portanto, deste novo projeto é consolidar a interferência norte-
americana em nossos assuntos educacionais. Perpetuar a intromissão de indivíduos alheios à
nossa realidade numa afronta descarada ao nosso patriotismo e nacionalidade” (Pasta nº
2326.263)
Todavia, apesar do cenário educacional brasileiro, conforme análise abaixo, ainda
era possível aos estudantes lutar contra a precarização da educação. De acordo com o texto do
jornal: “o sistema educacional brasileiro vem se caracterizando pelo ensino pago, o baixo nível,
a burocracia, o controle ideológico, a dependência estrangeira e o autoritarismo (que hoje se
manifesta através dos decretos 228 e 477 nos regimentos internos das Universidades)”. Os
estudantes ainda estavam excluídos das decisões da Universidade. Nessa direção, com o
134

objetivo de tentar barrar as ações do Governo e lutar por qualidade no sistema educacional
brasileiro:

Cabe aos estudantes de todo o Brasil, uma postura intransigente contra essa
política educacional que avança dia a dia. E diante da disposição de luta dos
estudantes, o Ministro Eduardo Portella, já acena com o engavetamento do
projeto, o que na verdade se constitui numa manobra, pois o projeto será
efetivado aos poucos, levado ao Congresso Nacional em etapas separadas.
(Pasta nº 2326.263, p. 72)

Portanto, os estudantes precisavam não somente denunciar “as arbitrariedades


cometidas pelo projeto educacional do governo, mas também lutar contra a implantação do
Projeto Portella, principalmente avançando nas formas de luta contra o Ensino Pago” (Pasta n.º
2326.263, p. 72).
Os estudantes retomaram a luta contra o ensino pago, destacando algumas
conquistas:
No primeiro semestre de 1980 os estudantes das Universidades Estaduais do
Paraná receberão descontos de 10, 17 e 25% nas anuidades escolares. Este é
um dos saldos da luta pelo congelamento do último semestre de 1979. É uma
vitória na medida em que as autoridades educacionais cederam às pressões
dos estudantes com relação aos abusivos aumentos nas anuidades. Mas é
parcial, pois estas mesmas autoridades ainda insistem em adotar medidas
paliativas de acordo com seus próprios critérios, como o exemplo dos
descontos a ser realizados nas anuidades deste primeiro semestre de 1980.
(Pasta nº 2326.263, p. 73)

O processo de organização dos estudantes paranaenses, em prol do congelamento


das anuidades, ocorreu da seguinte forma: num primeiro momento, apenas uma cidade (devido
à má qualidade do documento, não foi possível identificar o nome da cidade) organizou-se e
encaminhou para o então governador do Estado, Ney Braga, um documento solicitando o
congelamento das anuidades. Em seguida entraram em ação estudantes das demais cidades:
A partir daí as escolas das principais cidades do Paraná (Maringá, Londrina,
Palmas, Curitiba, Ponta Grossa, Bandeirantes, Paranavaí e Apucarana)
iniciaram as reuniões Estaduais que deram as diretrizes básicas do
Movimento. Foi então confeccionado um cartaz unificado, encaminhado
abaixo assinado, além de atos públicos, passeatas, boletins informativos e
pedágios, realizados nas diferentes cidades. Cada escola desenvolveu
atividades de acordo com seu nível de organização. Isto criou em todo Estado,
um clima de mobilização dos estudantes e da comunidade que culminou com
a ida de representantes estudantis de todo Estado até o Palácio Iguaçu, onde
reivindicaram diretamente ao governador o congelamento das anuidades e
mais verbas para educação, através da entrega de um abaixo assinado e
moções de apoio à luta. (Pasta 2326.263, p. 73)
135

Apesar de estar implícito no texto que os estudantes compreendiam a necessidade


de que o Estado se responsabilizasse com os custos da Educação, no caso do Paraná foram
mantidas as medidas paliativas:
[...] Tais medidas incentivam ainda mais a visão de Universidade Empresa, e
fazem com que os que tem mais posses paguem a vista, e os de menos posses
paguem a prazo o ensino que recebem. Os estudantes que se sujeitam aos
créditos educativos transformaram-se, pressionados pelo mercado de trabalho,
em profissionais com alto espirito lucrativo, preocupados principalmente em
pagar os estudos que compraram anteriormente. (Pasta n.º 2326.263, p. 73)
Ou seja:
O Governador, ao adotar medidas de congelamento parcial para as escolas
Estaduais no próximo semestre, se omite completamente da responsabilidade
com o Ensino dentro do Estado. Pois as escolas particulares, continuam à
revelia de qualquer atenção do Estado, mantendo-se dos altos preços cobrados
dos estudantes. (Pasta nº 2326.263, p. 73)

As considerações do ME sobre as políticas educacionais seguem na análise com


relação à alimentação dos universitários; no texto redigido no jornal os estudantes destacaram
alguns avanços na oferta da alimentação nos RUs, especialmente a partir de 1979 com
reivindicações parcialmente atendidas. Dentre elas, haveria a construção de um novo RU, no
Centro Politécnico. A trajetória de luta foi assim descrita:
Foi 1979 um ano marcado por muita luta pela solução dos problemas de
alimentação. No primeiro semestre houve o 1º dia da FOME que obteve
vitórias parciais. No segundo semestre, a situação dos restaurantes se agravou.
A Reitoria não querendo cumprir tudo o que prometera, obrigando os
estudantes a partir para a luta novamente.
O DCE encaminhou o 2º dia da FOME, realizou a tomada simbólica do RU
central no dia 13/11/79, precedida de uma passeata, fez ampla campanha de
denúncia junto aos estudantes e à população sobre o descaso dos dirigentes
universitários com a alimentação dos estudantes, e pressionou o reitor a
dialogar e procurar solução. (Pasta nº 2326.263, p. 73)

Dessa forma, as entidades mais combativas da UFPR organizaram-se e montaram


a Comissão de Luta pelos RUs e Cantinas (COLURU). Com a recusa do Conselho
Administrativo da UFPR em acatar a presença de representantes estudantis nas reuniões, bem
como a proposta de não manter contrato do RU com empresa privada, a COLURU organizou,
junto aos estudantes, uma campanha de conscientização em relação à situação do RU, o que
levou os usuários a não frequentar mais o restaurante. Outra ação dos estudantes foi organizada
pelo DCE da UFPR, quando: “O DCE-livre organizou Comissão para denunciar junto ao
Ministério de Educação a omissão da Universidade em resolver os problemas de alimentação.
Eduardo Portella prometeu intervir na UFPR diante das pressões da imprensa”. O MEC enviou
136

um interventor, que apresentou uma proposta de solução à COLURU, a qual foi aceita porque
atendia à demanda dos estudantes.
A última matéria do Jornal Pró-Upe é dedicada a fazer uma retrospectiva das
atividades da UPE, desde o golpe de 1964. Foram cinco anos de intensa articulação dos
estudantes paranaenses para manter a UPE como entidade máxima de representação dos
estudantes universitários por meio do boicote à Lei Suplicy, bem como pelas mobilizações
contra a implementação do ensino pago e pela manutenção adequada dos RUs. Outra forma de
organização, mencionada no texto, diz respeito ao apoio às lutas dos estudantes no interior do
Estado, sendo que:
A UPE desempenhava também um papel relevante no interior, procurando
levar as discussões dos grandes centros. Ajudando a organizar as lutas dos
estudantes no interior, que sofria uma onda de proliferação de pequenas
escolas, fundações municipais e estaduais com inúmeros problemas. Um
exemplo foi a colaboração da UPE na organização da luta dos estudantes de
Mandaguari, que ficaram em greve durante uma semana em protesto contra a
demissão de um dos docentes mais competentes da escola. A mobilização foi
vitoriosa com a readmissão do docente. (Pasta nº 2326.263, p. 74)

Em síntese, os estudantes ao retomarem a forma como a UPE atuou no período de


1964 a 1969, permitem verificar que, dez anos mais tarde, as reivindicações permaneceram,
sendo que a UPE atuou na clandestinidade desde 1967 até 1969, quando “em 23/01/1969 todas
as lideranças foram presas e a UPE foi definitivamente fechada”.

4.2 OS CONGRESSOS ESTADUAIS DA UPE ATÉ 1969

Dentre as atividades realizadas pelas entidades de representação estudantil, os


congressos estaduais, no caso da UPE, são considerados o momento mais importante de eleição
da nova direção e tomada de decisões para encaminhamentos das ações no próximo ano. Em
nossa pesquisa sobre o ME secundarista encontramos, nos dossiês sobre os Congressos da
UPES – Congresso Estadual dos Estudantes Secundaristas (COESES), várias fotos dos
participantes dos COESES. Outra questão que nos chama a atenção diz respeito à quantidade
de pastas da UPES, bem como a quantidade de documentos arquivados sobre a organização dos
estudantes secundaristas. Durante a pesquisa de mestrado não tivemos acesso a alguns dossiês,
uma vez que, naquele período, as pastas ainda não estavam digitalizadas e até mesmo a pesquisa
pelas temáticas ainda era manual. Agora, quando retomamos a pesquisa para o doutorado, como
todo o acervo foi digitalizado deparamo-nos com pelos menos três dossiês da UPES que não
137

exploramos na pesquisa anterior, com novos elementos para aprimorar a história da organização
dos estudantes secundaristas do Paraná.
Dessa forma é pertinente destacar que a UPES continuou realizando os congressos
estaduais durante a década de 1970, como foi o caso do IV COESES extraordinário, realizado
na Lapa, em 197547.
Sobre os congressos realizados pela UPE encontramos registros de que o XXI
Congresso foi realizado em Curitiba nos dias 27 a 29 de outubro de 1965. No dossiê da UPE –
União Paranaense dos Estudantes, pasta nº 2327.264, constam como itens do temário: 1)
Assistência ao Universitário: o problema dos restaurantes Universitários e Casas de Estudantes;
2) Situação da UPE frente à Lei Suplicy.
O relatório do XXI Congresso destaca que, no dia 29 de outubro de 1965, os
estudantes retomaram o debate sobre a “Carta de Princípios” da UPE, documento que norteia
as ações da entidade. De acordo com o relatório, os debates foram marcados por duas
proposições:
A primeira de autoria da bancada francamente oposta à situação, cujos líderes
não relutaram um momento sequer em procurar temas que não condizem com
temas estudantis, mas simplesmente ataques veementes ao Governo da
Republica, taxando de “ditatorial” e outros vocábulos aquém e além deste. A
citada proposição clama em termos claros pela independência total do
estudantado sem ingerência externa – (citado foi o caso de Universidade de
Brasília). (Pasta nº 2327.264 p. 56)

Segue, ademais, com a seguinte avaliação de que os proponentes e defensores da


“brilhante arma” são elementos já conhecidos por suas atividades e de notória formação
ideológica, cujos nomes seguem – Roberto Requião de Mello e Silva (Faculdade de Direito
Federal – da U. P.), Evaristo ou Abis Evaristo Doce da (Faculdade de Direito de Londrina),
Rômulo – do Centro Acadêmico Hugo Simas – cujo sobrenome não conseguimos apurar.
A proposição que venceu foi dos estudantes democratas, com a seguinte aprovação
pela plenária: 58 x 48 votos. A partir da redação do relatório é possível concluir que a chapa
denominada dos democratas possivelmente era composta por estudantes com ações mais
amenas em relação ao Governo Federal.
O XXII Congresso Estadual foi realizado em Curitiba, nos dias 27, 28 e 29 de
setembro de 1966. No relatório do Congresso, temos o seguinte registro:
Após abertura dos trabalhos, falou o atual Presidente, Djalma Sigwad,
congratulando-se com os universitários paranaenses, por ser este talvez o
único Congresso de Entidade estudantil não adaptada à “Lei Suplicy”, que
pôde ser realizado livremente no País. Firmou sua posição de luta contra as

47
Dossiê UPES – 1975, pasta nº 2334.265
138

medidas Governamentais, que visam cercear os direitos de liberdade da classe


Universitária. Solidarizou-se com os colegas de outros Estados, que sofreram
sob a violência e exessos (sic) praticados pela Polícia de outros Estados.
(Pasta nº 2327.264, p. 64, Grifos nossos)

Grifamos a passagem que versa sobre a violência contra estudantes porque é um


dos únicos registros, por parte dos agentes da polícia política, que abordam sobre os excessos
cometidos contra os estudantes e demais sujeitos considerados subversivos.
Ainda sobre a realização do Congresso de 1966 o relatório final, arquivado nas
páginas 68 e 69, trata de registrar a sessão de encerramento do XXII Congresso. O texto destaca
que:

O mais importante e discutido, foi o relatório da Comissão de Assuntos


Nacionais e Internacionais, que continha pesadas acusações ao Governo,
taxando-o de “DITADURA SERVIU, AOS INTERESSES DO
IMPERIALISMO IANQUE”. Acusava também a atual Diretoria da UPE, de
alienada, aos problemas nacionais, principalmente por ocasião das últimas
manifestações estudantis. Este último tópico provocou diversos debates. Falou
então Roberto Requião que a classe estudantil, deveria sair do Congresso mais
do que nunca unida, e o que passou deveria ser esquecido, propondo então que
fosse retirado do relatório o tópico que criticava a Diretoria da UPE. Reuniu-
se então a Comissão que elaborou o relatório e decidiu que nada seria retirado.
(Pasta nº 2327.264, p. 69)

O texto segue, além do mais, relatando que os estudantes redigiram uma carta
dirigida para a ONU, na qual denunciavam o golpe de 1964, o abuso de poder, o cerceamento
das liberdades, enfim, denunciavam as arbitrariedades implantadas pelo governo ilegítimo.
Além disso, sobre as deliberações do Congresso, foi decidido que seria realizada
uma manifestação no início do mês de outubro com a participação de todos os DAs filiados à
UPE, que tinha como objetivo “pleitear junto ao Governo a revogação da Lei Suplicy, e a volta
das liberdades estudantis. Se o Governo não atender, até o dia 24, será então nessa data
decretada greve geral”. Todos os Diretórios Acadêmicos, filiados à UPE, que estivessem
adaptados à Lei Suplicy, deveriam estar reorganizados, novamente, até dia 15 de novembro;
caso não o fizessem, teriam como penalidade a exclusão da UPE.
A partir da análise dos documentos arquivados pela DOPS/PR o ano de 1966 foi
marcado por conflitos entre grupos que faziam parte da organização estudantil paranaense. Em
um relatório do setor de segurança, n.º 27/66, caracterizado de natureza secreta, o informe
destaca que um grupo de estudantes universitários entregou ao presidente da UPE um abaixo
assinado com 300 assinaturas solicitando a realização de um congresso extraordinário:
“Elementos inconformados com o pacifismo com que foram acolhidas suas manifestações de
139

repúdio às autoridades e solidariedade aos estudantes que, em outros Estados da Federação, ao


se manifestarem com idêntico propósito, sofreram ação repreensiva por parte da polícia [...]”
(Pasta n.º 2327.264, p. 73). O teor do texto segue enfatizando que a referida manifestação diz
respeito ao grupo de estudantes de esquerda:
O “grupo de esquerda” liderado pelo Centro Acadêmico Hugo Simas,
compreendia as entidades representativas dos estudantes de Direito,
Engenharia, Medicina da Universidade Federal - Direito, Medicina e Filosofia
da Universidade Católica – Diretório Central dos Estudantes (Federal) e União
Paranaense de Estudantes Secundários. (Pasta nº 2327.264, p. 73)

O relatório registra que o então presidente da UPE marcou o congresso para dia 27
de setembro, mas, no dia 23, foi realizada uma Assembleia entre as entidades filiadas à UPE,
na qual os estudantes de esquerda compareceram em peso para aprovar suas solicitações, dentre
elas, o afastamento do presidente, bem como a necessidade de tomada de posição da UPE sobre
a possibilidade de uma greve geral. Todavia, nem o afastamento do presidente, nem a adesão à
greve foram aprovadas como ações a serem realizadas pela UPE.
Abaixo, transcrevemos mais um trecho do relatório em que é possível identificar o
olhar da DOPS sob o ME paranaense:
A “esquerda” alega que no Paraná o estudante pode se manifestar livremente,
seus colegas dos outros estados apanham da Polícia ao protestar e, numa
espécie de “masoquismo patriótico”, parecem pretender estender sua
solidariedade a estes ao ponto de acreditarem que não podem mais se limitar
a lançar manifestos e fazer passeatas pacíficas. Uma greve geral seria a
solução: a greve acarretaria a organização de piquetes ao barrarem uma escola
gerariam confusão, da confusão se passa ao tumulto, o tumulto provoca a
interferência da Polícia, a Polícia espancaria os estudantes, a imprensa, a vida
de sensacionalismo, daria publicidade ao fato e pronto, estaria concretizada
diante da opinião pública a imagem do estudante paranaense, “mártir da
liberdade”. (Pasta nº 2327.264, p. 74)

No ano de 1967, diante do contexto de luta dos estudantes universitários contra a


implementação do pagamento das anuidades, a UPE realizou o XXIII Congresso Estadual.
Hagemayer destaca:
É nesse clima que se realiza o XXIII Congresso da UPE em sua sede, naquele
outubro de 1967, quando Che Guevara foi morto na Bolívia. Um informante
do DOPS registra a presença de um representante da UNE, vindo
especialmente de Minas Gerais. Durante o Congresso, num momento utópico,
houve a proposta de constituição de uma corte de justiça, para julgar em praça
pública os inimigos do povo, o senhor Flavio Suplicy de Lacerda e o general
Ferdinando de Carvalho, responsável pelo famoso IPM que investigou o PCB
no pós-golpe. (HAGEMEYER, 1998, p. 104)

No dossiê nº 2327.264, temos o Informe n.º 44/67 do Departamento de Segurança


da Rede Ferroviária Federal, o qual destaca que nos dias 29/09, 30/09 e 1/10 a UPE realizou,
140

em sua sede, o XXIII Congresso Estadual dos Estudantes com a presença de representantes de
diversos Diretórios Acadêmicos da Capital e do Interior do Estado, principalmente Ponta
Grossa, Londrina, Maringá e Paranavaí.
Após fala de abertura do Congresso pelo então presidente da UPE, Luiz Antonio
Amaral, o presidente do Centro Acadêmico Hugo Simas, Antonio Araújo Chaves, chamou a
atenção dos participantes do Congresso para a possibilidade de que se fizessem presentes
espiões, portanto, orientou que não fossem divulgados nome e sobrenome dos estudantes para
que não viessem a sofrer as consequências desagradáveis. Consta no relatório a presença de um
representante da UNE, cujo nome não foi sequer citado na ata do Congresso da UPE, por
medida de segurança. O referido representante trouxe informações sobre o XXIX Congresso da
UNE, realizado em Belo Horizonte.
Ainda sobre o XXIII Congresso da UPE, na pasta 2323.263, estão arquivados como
anexo do informe do Departamento de Segurança da Rede Ferroviária Federal, Rede de Viação
Paraná – Santa Catarina, dois documentos, os quais, de acordo com o informe, foram angariados
durante a realização do Congresso Ordinário da UPE: o primeiro, foi nominado “Realidade
Brasileira”, tendo sido produzido pelos estudantes durante a realização do I Seminário Regional
Sul, realizado pela UPE, em junho, sob a orientação pessoal de dirigentes da ex-UNE. O outro
documento, difundido para os órgãos de informação, foi a cópia das teses também elaboradas
naquele seminário sobre a “Infiltração Imperialista no Ensino Brasileiro”. O informe destaca
que ambos os documentos: “são de pregação da doutrina marxista-leninista e que podem dar
uma ideia do nível de politização em que se encontram muitos líderes estudantis do Paraná,
senão do Brasil” (Pasta nº 2323.263, p. 81, grifos nossos)
Em função da má qualidade de conservação dos documentos da polícia política não
foi possível identificar todos os órgãos de difusão do informe, apenas: DPF/ (Departamento de
Polícia Federal do Paraná) e a DOPS/PR.
A análise dos documentos já foi realizada pela pesquisa de José Luiz Sanfelice, em
sua obra: “Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64”. Nosso objetivo, ao
citá-las, está voltado para nossa proposta inicial de “verificar” como a polícia política olhou
para os estudantes, especialmente, os paranaenses.
Sobre o XXIV Congresso Estadual, as fontes levam a inferir que teria sido realizado
em 1968. Nos arquivos da DOPS, recorremos a uma reportagem do Diário do Paraná, de 20 de
agosto de 1968, sobre a possibilidade da UPE realizar seu Congresso Estadual em 1968, que
seria o de XXIV. Segue um trecho:
141

Mesmo pensando no 30º Congresso da União Nacional de Estudantes, cuja


realização está programada para o final deste mês, a União Paranaense de
Estudantes – UPE – irá realizar, em setembro, possivelmente após a semana
da Pátria, o seu Congresso Estadual, cuja finalidade principal será a eleição
das representações para o Conselho da entidade. (Pasta nº 2327.264, p. 202)

A atividade de realização de congressos estaduais só veio ser retomada em 1980,


quando aconteceu o XXV, considerado o Congresso de Reconstrução da UPE, em outubro de
1980 na cidade de Londrina.
No ano de 1969 a UPE, por meio de seu setor de imprensa, produziu um jornal a
ser entregue para os calouros. O conteúdo do jornal da UPE-Livre era direcionado para
esclarecer as condições da Universidade paranaense, bem como do movimento estudantil. O
editorial é claro no sentido de alertar aos estudantes o fato de que a UPE não seria mais
considerada uma entidade legal pelos órgãos públicos, mas, pelos estudantes, sim.
O primeiro texto diz respeito à política educacional do governo, denominado sob a
sigla PEG:
Depois do golpe de 31 de março de 64, o problema educacional foi analisado
e proposta uma transformação que visava adequar o ensino à nova realidade
socioeconômica ou seja, adaptar nosso ensino às necessidades do capitalismo
internacional. Daí o interesse do governo em elaborar uma Política
Educacional visando o estudo e racionalização das condições do ensino
brasileiro. (Pasta nº 2327.264, p. 226)

A redação segue fazendo a análise dos Acordos MEC-USAID na reorganização do


vestibular, mais seletivo, devido ao número de excedentes e à falta de investimento financeiro
na educação. Por fim, houve a proposta de Reforma Universitária do governo, a qual foi
combatida pelo ME, fato que levou o governo a agir de forma repressiva em relação aos
estudantes. Todavia, os estudantes fizeram um apelo aos calouros, a fim de que se organizassem
para denunciar a verdadeira intenção do Governo com a referida reforma, que era a de adequar
a Universidade aos interesses do capital, tornando-se uma empresa.
Os próximos textos são explicativos da organização estudantil: o que é o ME e quais
as entidades de representação dos universitários, nível estadual e federal. Então, há um texto
dedicado a esclarecer a situação da UPE, com o título: “Extinção do patrimônio da UPE”, no
qual os estudantes destacavam: “Após o golpe de 31 de março surge a Lei Suplicy que extingue
a UNE, as UEEs, DCEs, DAs, criando entidades fantasmas (DNE, DEE) para substitui-las. Isto
numa tentativa de privar os estudantes de suas entidades; a fim de sufocar o M.E.”
Fizeram, dessa forma, uma análise da diretoria da UPE, à época do golpe, a qual
estava voltada para atender às demandas administrativas. Faziam, portanto, o jogo do governo,
142

mas “de três anos para cá a UPE começou e cresceu na sua liderança a frente de lutas próprias
estudantis. Foi o que bastou para começar a surgir ameaças de fechamento”. A UPE ainda não
havia sido fechada porque não havia provas suficientes para justificar seu fechamento. Todavia:
“o AI-5 forneceu as justificativas legais para tal”. Portanto, no dia 16/1/69, um mês depois do
ato, a justiça federal decretou a dissolução do patrimônio da UPE.
O jornal é finalizado com um texto sobre a Universidade Brasileira visando
esclarecer que a realidade da universidade, naquele período, estava voltada para a formação ao
mercado de trabalho e que apenas alguns conseguiriam nele ingressar. Portanto, era necessário
que os estudantes compreendessem essa situação:

[...] Devemos isto sim, nos integrar no M.E. participando organizadamente de


um apoio aos trabalhadores, que é a classe que transformará a sociedade atual,
para uma sociedade mais justa, onde a minoria seja substituída pela maioria,
ora em situação de exploração. Então, a universidade será também em função
da maioria. Preparará indivíduos capazes de fazer ciência, que será aplicada
para o bem dos que hoje, embora superiores em números são meros servidores.
(Pasta nº 2327.264, p. 236)

Sobre a extinção da UPE e os bens da entidade algumas matérias dos jornais da


época trazem essa temática para o debate. No Jornal Estado do Paraná, de 03 de outubro de
1968, consta a seguinte reportagem: “UPE dificilmente será extinta, afirma advogado”, na qual
se apresenta a decisão do juiz Federal Heraldo Vidal Correia, de que a UFPR deveria indicar
um depositário para os bens da entidade extinta. Com base no Decreto Aragão48, em seu artigo
20, as entidades de representação estudantil foram extintas. Segue texto: “Art. 20. Ficam
extintos os órgãos estudantis do âmbito estadual, ainda que organizados como entidades de
direito privado”. Sendo que o parágrafo único deste artigo estabelece: “O Ministério Público
Federal promoverá a dissolução das entidades e o patrimônio dos referidos órgãos será
incorporado à Universidade Federal do Estado respectivo, para utilização pelo D.C.E.49”
Ainda nessa pasta, encontra-se arquivada uma reportagem do jornal “Diário do
Paraná”, de 23 de agosto de 1968, denominada: “Crise estudantil está por eclodir, com UPE
dividida”. De acordo com o texto, a UPE estaria dividida entre Travassos e Wladimir Palmeira.
Segue um trecho, explicitando tal divisão:
Há mais de um mês que a UPE se pronunciou oficialmente pela facção do
estudante Wladimir Palmeira. Inclusive ameaçou de fazer uma passeata de

48 Decreto Aragão diz respeito ao Decreto 228 de 1967. Ficou conhecido como Aragão pelos estudantes, porque
foi promovido pelo então Ministro da Educação Raymundo Moniz de Aragão. Esse decreto-lei alterava a Lei
Suplicy, controlando ainda mais as atividades estudantis.
49
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0228.htm. Acesso em 05 de novembro de
2018.
143

protesto se ele não fosse solto imediatamente. Disso resultou, conforme


explicam os simpatizantes de Travassos, uma divisão da entidade, porque
inclusive foi dito que o atual presidente da UNE não passava de uma vedete.
A facção Travassos da União Paranaense de Estudantes está revoltada e quer
um pronunciamento da direção da entidade. Acham que a maioria não deseja
apoiar Wladimir Palmeira. Reclamaram a sua participação na diretoria, pela
sua facção. (Pasta nº 2327.264, p. 169)

Stenio, em seu depoimento, analisado no capítulo seis dessa tese, destaca que, nas
eleições para diretoria da UPE, em 1967, conseguiram organizar a unidade da entidade, ou seja,
a eleição foi chapa única, com aceitação de 100% dos estudantes em relação à diretoria.
Diferentemente da UPE, no caso paranaense, a UPES (União Paranaense dos
Estudantes Secundaristas) manteve a organização no período. A título de exemplo, nessa pasta
que analisamos (2326.264), constam documentos sobre a organização do Congresso da UPES,
em 1975, bem como a Informação n.º 358/75 da SI (Seção de Informações) do DPF
(Departamento de Polícia Federal) do Estado do Paraná, o qual tem como assunto: Congressos
Estudantis. Assim, relata:
Esta SI informa que, documentos adquiridos em reuniões e congressos
estudantis, dão conta de seus objetivos e atuações dentro da finalidade da
entidade. De uma carta datada de 30.10.75, foram extraídas umas insinuações
como: “é necessário resistir à crise provocada pelo monólogo situacionista,
assim como é fundamental opor-se à opressão da unanimidade enganosa,
obtidas às custas de convocações parciais ou fantasmas. O estudante José
Claudio Pereira Neto disse, nesta mesma carta, que vai lutar e dar tudo de si
para o reconhecimento das lideranças internas e para ver realizadas as
reivindicações da classe. (Pasta nº 2327. 264, p. 145)

O fato de não encontrarmos documentos da organização estudantil universitária,


nas pastas pesquisadas, não quer dizer que não houve vigilância aos estudantes e mesmo
atividades das quais eles participaram e organizaram, como vamos discorrer nos próximos
capítulos desta tese.
Ainda nessa pasta sobre a UPE, podemos verificar o olhar da DOPS-PR para os
estudantes, quando nos deparamos com recortes de jornais, nos quais estudantes foram presos
por picharem muros, os quais são chamados de terroristas.50
É importante recorrer ao fato de que, nas capitais dos estados brasileiros não havia
eleição direta para prefeito, o que arrefecia a mobilização social como um todo. No entanto, nas
demais regiões do estado, com a possibilidade de eleições diretas, era razoável propiciar a
manutenção das organizações de esquerda para concorrer à prefeitura. No caso do interior do
Estado, foi possível verificar, como um exemplo, que, na cidade de Londrina, houve intensa

50
Recortes estão anexos a esta tese, anexo n.º 06, página 271.
144

mobilização de diversos movimentos sociais, visto que o meio político esteve marcado pela
presença de militantes e/ou simpatizantes de esquerda.
Outra especificidade do Paraná diz respeito ao fato de que, na década de 1970,
ocorreu a criação de três instituições de ensino superior nos moldes propostos pela Reforma
Universitária, as Fundações. Felismino destaca:
Outro aspecto significativo do contexto político institucional daquele período
é a nova configuração da Universidade brasileira, após a reforma universitária
de 1968, baseada nos chamados “Acordos MEC-USAID”, por meio dos quais
o governo militar buscava substituir o modelo de universidade pública do país,
até então de inspiração europeia, pelo modelo americano, que traria novidades
como a organização de universidades públicas como fundações, o afastamento
das mesmas dos centros urbanos, a adoção do regime de credito, do ensino
pago e da representação estudantil vinculada à estrutura universitária, entre
outras. As recém-criadas (1971) universidades estaduais paranaenses foram as
primeiras implantadas nesse novo modelo, nascendo como fundações (FUEL
Londrina, FUEM de Maringá e FUEPG de Ponta Grossa etc), com ensino
pago, regime de credito e estrutura oficial de representação estudantil.
(FELISMINO, 2016, p. 19)

Nessa mesma direção, os estudos de Renata Maria Caobianco reiteram as condições


nas quais as três Fundações Universidades foram criadas. A escolha do Reitor era realizada por
uma lista encaminhada ao governador do estado, que então escolhia o que melhor atendesse às
demandas do governo.
No caso da FUEL, o reitor escolhido “permitiu” a criação do DCE e dos DAs. Os
estudantes estavam com as entidades de representação constituídas. No caso da organização
estudantil na FUEL, houve uma característica recorrente no meio acadêmico, o fato de que
alguns estudantes estavam inseridos na militância estudantil secundarista, no final da década de
1960, o que contribuiu para que a articulação/mobilização na universidade acontecesse.
Em se tratando do Paraná, faz-se importante destacar a relevância do ME
secundarista, proveniente do Colégio Estadual do Paraná, na formação de lideranças estudantis.
Esses estudantes, oriundos do ME secundarista, articulavam a organização do ME universitário,
não só na capital, como também no interior do Estado, a partir das Uniões Municipais de
Estudantes Secundaristas.
No caso da organização do ME universitário, no norte do estado:
Um grupo de estudantes que ingressaram na UEL, logo após instituição oficial
desta (1971), provenientes do Movimento Estudantil secundarista, formaram
uma frente democrática para, em 1972, disputar a primeira eleição do
Diretório Central dos Estudantes (DCE). Esse grupo ganhou as eleições, tendo
como presidente Márcio Almeida e criou o Jornal Terra Roxa, o órgão oficial
do DCE. (CAOBIANCO, 2007, p. 50)
145

Todavia:
Apesar do empenho para conquistar as bases estudantis, com o jornal Terra
Roxa e atividades como organização de grupos e eventos de teatro, cinema,
literatura, imprensa estudantil e outros, em um período em que os meios de
comunicação social e as manifestações culturais eram censuradas pela Polícia
Federal em todo o país, essa primeira gestão progressista não conseguiu
reeleger-se para um segundo mandato em setembro de 1973, sendo derrotada
pela chapa “Decisão”, presidida por Nilo Dequech. (FELISMINO, 2016, p.
20)

Entretanto, a partir de meados da década de 1970, o ME universitário paranaense


(re) organiza-se; os estudantes da FUEL contribuíram de forma decisiva nesse processo, que
avançou para a década de 1980, com lutas e conquistas que perduraram até os dias atuais, como
veremos no próximo item e nos capítulos 5 e 6.

4.3 PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DA UPE: O CONGRESSO ESTADUAL DE 1980

O processo de reconstrução das entidades estudantis universitárias paranaenses


culminou com a realização do Congresso de 1980. Porém, apesar de não encontrar nos
documentos arquivados pela DOPS-PR indícios da organização estudantil na década de 1970,
com base na análise dos depoimentos de alguns militantes estudantis no período, é possível
identificar organização estudantil, de forma mais contundente, no processo de luta pela Anistia.
Apesar das atividades mencionadas, a UPE permaneceu na clandestinidade durante
onze anos, desde 1969, quando a sede foi invadida e depredada, até 1980, quando aconteceu o
Congresso de Reconstrução da entidade. No Informe 206/80 da ASI/FUEL (Pasta nº 2326.263),
está o registro de que esse Congresso foi realizado em Londrina, nos dias 03 a 05 de outubro
de 1980. O texto destaca o auxílio propiciado pela prefeitura municipal de Londrina e a presença
do prefeito, durante a realização do congresso, bem como o apoio público que ele declarou à
reorganização da entidade. Em anexo51, um folder das principais ações a serem realizadas pela
UPE, a partir de sua reconstrução.
O relatório produzido sobre o Congresso de Reconstrução da UPE, possui quatorze
páginas, com difusão para o DSI/MEC (Departamento de Segurança Interna do Ministério da
Educação) e DSI/SSP/PR (Departamento de Segurança Interna da Secretaria de Segurança
Pública do Paraná). Consta o carimbo de que “o destinatário é responsável pela manutenção do
sigilo deste documento (Art. 12 Dec. nº 79.099/77 Regulamento de Salvaguarda de Assuntos
Sigilosos)”.

51
Consta o panfleto no anexo n.º 07 página 273.
146

O conteúdo do relatório está assim organizado: local de realização; apoiadores para


realização do congresso; atividades realizadas em cada um dos dias do evento; principais pontos
da fala de alguns participantes e síntese das sistematizações realizadas pelos grupos de trabalho.
A seguir, faremos, com base no texto do relatório, uma síntese sobre as atividades
realizadas no Congresso. A mesa, composta para a cerimônia de abertura, contou com os
seguintes membros: Aldo da Silva Arantes (ex-Presidente da UNE 1961-1962); Mário Pereira
Leal (Presidente do DCE/LIVRE da UFPR); Alberto de Paula Machado (Presidente do
DCE/LIVRE da FUEL); Gilberto Berguio Martin (Diretor da Secretaria de Saúde da UNE);
José Antonio Tadeu Felismino (representante da Comissão Provisória do PMDB/LONDRINA);
Carlos Yoshio Okawati (Presidente do DATA (Diretório Acadêmico Três de Agosto);
Francisco Assis Lemos de Souza (Presidente do Sindicato dos Professores de Londrina); Nilson
Menegão (Representante da União Catarinense de Estudantes); Maria Terezinha Trovarelli
Tornero (Representante do Núcleo da SBPC de Londrina); Altamiro Araújo Queiros (Comissão
de Alimentação e Agricultura e da Comissão de Bairros de Curitiba/PR); Mário Luiz Milani
(Presidente do Comitê de Defesa da Amazônia de Londrina); Antonio Godoy Sobrinho (Diretor
do CESULON de Londrina; e Margarida de tal... (Representante do PT de Londrina).
A partir da composição de mesa de abertura do Congresso é possível verificar a
participação de setores da sociedade para além de entidades estudantis, como o caso de
representantes dos partidos políticos PMDB e PT. Bem como o fato de que havia apenas uma
mulher nesta composição.
A abertura do Congresso foi realizada pelo representante da UNE, Gilberto
Berguio, o qual ressaltou a relevância da reconstrução da UPE para organização e participação
dos estudantes do Paraná, no Movimento Estudantil, contribuindo com as reivindicações em
favor do povo brasileiro.
Fez a proposição para a reconstrução da UPE, que foi aprovada pela plenária, de
maneira que os estudantes gritavam a seguinte frase: A UPE UNE O PARANÁ; A UNE
SOMOS NÓS, NOSSA FORÇA NOSSA VOZ.
Aldo Arantes fez uso da palavra e destacou alguns pontos da história da organização
da UPE, especialmente citando o relatório do Segundo Seminário de Reforma Universitária,
que aconteceu em Curitiba, no qual os estudantes sistematizaram a Carta do Paraná com a
reivindicação de 1/3 de participação dos estudantes nos órgãos de decisão das Universidades.
Aldo Arantes ainda destacou as dificuldades da UNE para organização das ações do Movimento
Estudantil ao longo da história, evidenciando a necessidade da UNE, UPE e demais estudantes
brasileiros, de denunciarem as irregularidades que foram cometidas no país, bem como
147

organizar “campanhas para melhorar as condições de ensino e transformar a universidade


brasileira em uma entidade democrática, onde Reitores e Diretores sejam escolhidos da forma
mais democrática possível”.
Ainda, conforme redação do relatório, Aldo Arantes finalizou sua fala, destacando
a necessidade de que os estudantes tivessem participação política em todos os níveis de
atividades, sempre na defesa das classes menos favorecidas.
A pauta do Congresso de Reconstrução da UPE foi a seguinte:
1) Os Estatutos da UPE;
2) A Carta de Princípios da UPE;
3) Eleições da 1ª diretoria efetiva;
4) A luta do Ensino Pago:
a) Mais verbas para educação;
b) Aumento de anuidades.
5) Democratização da Universidade
a) Participação dos estudantes nas decisões
b) Participação estudantil nos órgãos e colegiados
6) A organização estudantil
a) O relacionamento das Entidades com as Instituições de Ensino
(Faculdade e Universidades)
b) A Legislação que rege as Entidades Estudantis
c) A luta pelo reconhecimento da UPE
7) A participação dos Estudantes na Sociedade
a) Os estudantes na Luta Democrática
b) As eleições diretas (municipais, estaduais e parlamentares)
c) A Constituinte (Pasta nº 2336.266, p. 95)

Diante dessa pauta do Congresso, é possível compreender que as lutas do ME


paranaense possuem a especificidade da reorganização da entidade (UPE), bem como a
articulação com as questões nacionais, tanto no que tange à educação como em relação aos
problemas que precisam ser enfrentados com relação à organização política.
Sobre a Constituinte, consta no relatório que no dia 03 de outubro, no período da
noite, Aldo Arantes proferiu palestra aos estudantes sobre a Constituinte. O relatório destaca os
principais tópicos da palestra, sendo: a luta pela Constituinte é uma das principais aspirações
do povo brasileiro; deve ser conquistada da mesma forma como foi conquistada a anistia, pela
mobilização da população; elencou questões referentes à política entreguista do Governo,
elevação da dívida externa, ação das multinacionais e dos órgãos de repressão que ainda não
haviam sido desmantelados. (Pasta nº 2325.263)
Há também no relatório, que, no dia 04 de outubro de 1980, foi debatida e aprovada
a “Carta de Princípios da UNE”52, a qual estaria no anexo 4 do documento, todavia, não

52
Surge essa redação no texto do relatório, todavia, entendemos que foi um equívoco de digitação, porque o texto
refere-se à UPE.
148

encontramos os anexos junto ao dossiê em que o relatório está arquivado. Tentamos localizar
em outras pastas/dossiês, tendo em vista que, como já mencionado em nossas pesquisas, os
documentos da DOPS/PR não estão arquivados de forma clara e organizada. Então, localizamos
os anexos desse informe na pasta n.º 2336.266, páginas 90 até 146. Sobre o anexo da Carta de
Princípios desse congresso, está no anexo 4 uma reportagem do jornal sobre o Congresso de
Reconstrução e a elaboração desse documento.
Os pontos principais da Carta de Princípios, que constam no relatório, são os que
seguem:
- A UPE é uma entidade máxima, unitária e representativa dos estudantes
paranaenses na defesa de seus interesses e direitos;
- A UPE é uma entidade livre e independente, subordinada unicamente ao
conjunto dos estudantes filiados à UNE;
- A UPE deve incentivar e preservar a cultura nacional e postular pelo ensino
voltado para os interesses da população;
- A UPE deve prestar solidariedade à luta de todos os estudantes e entidades
estudantis do Brasil e do Mundo. (Pasta nº 2326.263, p. 52)

O texto destaca que os estudantes, por iniciativa dos representantes do Cineclube


Terra Roxa, organizaram uma sessão de cinema em que o filme assistido e discutido foi “Braços
Cruzados, Maquinas Paradas”, o qual havia sido produzido pelo cinegrafista Jorge Bodanzky,
abordando a greve dos trabalhadores em São Paulo, no ano de 1978.
Em seguida, ainda na noite do dia 03 de outubro, o Presidente da UNE: Rui Cesar
Costa e Silva fez uma fala aos participantes do Congresso. De acordo com o relatório:
Demonstrou a necessidade da UPE ser forte como outrora, quando então
constituiu um grande apoio para a UNE, pediu que a UPE encaminhe lutas
pelo ensino pago53; por mais verbas para educação; pela democratização da
universidade; pela Constituinte Livre, soberana e democrática; por uma maior
participação estudantil na sociedade; pelo apoio aos trabalhadores da cidade e
do campo; pela reforma agrária; pelo esclarecimento dos atentados terroristas;
pelas eleições diretas; enfim por uma série de lutas que são necessárias na
atualidade face aos problemas que nos defrontamos. (Pasta nº 2326.263, p. 52)

O presidente da UNE continuou os trabalhos na manhã do dia seguinte, quando


transmitiu aos estudantes algumas informações sobre o XXXII Congresso da UNE, previsto
para acontecer em Piracicaba-SP. Alegou que a principal preocupação para realização do
Congresso dizia respeito à segurança física dos participantes, uma vez que estavam sendo feitas
ameaças contra o Congresso.

53
Nesse trecho, aparece a expressão que significa em favor do ensino pago. Todavia, de acordo com o contexto,
é possível verificar que a luta é no sentido de encaminhar lutas contra o ensino pago.
149

Faremos, a partir desse momento, a transcrição daquilo que os estudantes votaram


e aprovaram como medidas a serem buscadas pelo ME paranaense. Sobre o item “A Luta do
Ensino Pago”, as seguintes propostas foram aprovadas:
A luta por 12% do orçamento da união para a Educação;
A luta pela Federalização de Todas as Universidades;
A luta por aumentos das anuidades apenas uma vez por ano;
Apoio das reivindicações dos professores;
Por suplementação das verbas Federais;
Por subsídios às Escolas Estaduais Pagas;
Luta pelo Passe Escolar;
Não pagamento neste semestre, do repasse de aumento dos professores aos
alunos;
Subsídios para os Restaurantes Universitários;
A UPE encaminhará um Boicote Estadual como forma de luta sobre as
anuidades. (Dossiê nº 2326.263, p. 51)

No próximo item da pauta: “Democratização da Universidade”, foram votados e


aprovados os itens abaixo:
A UPE levará uma campanha pela Participação Estudantil em Eleições Diretas
para a Escolha de Diretores e Reitores das Universidades; Campanha em favor
da Reintegração de Professores e alunos Cassados; Luta contra o Controle
Ideológico dentro das Faculdades e Universidades; Fim das Assessorias de
Informação e Repressão dentro das Universidades; Contratação de
Professores através de Concursos Públicos; Luta contra Regimentos Internos
das Universidades; Participação Estudantil na Elaboração dos Currículos;
Participação de forma direta, de estudantes na escolha de professores;
Participação de um terço (1/3) de Estudantes nos Órgãos Colegiados. (Dossiê
nº 2326.263, p. 50 e 51)

Sobre a organização estudantil, a plenária do Congresso votou e aprovou que:


A UPE fortalecerá as Entidades Estudantis atualmente existentes e criará
entidades onde ainda não existem; a UPE criará seu Conselho de Entidades; a
UPE encaminhará Encontros dos cursos universitários; a UPE defenderá a
Livre Organização dos Estudantes; a UPE lutará pelo seu reconhecimento
legal junto a todas as Entidades Estaduais e por parte do Governo; a UPE fará
uma campanha para que todas as entidades estudantis do Paraná se filiem à
UNE; a UPE criará e fortalecerá entidades e fará uma ampla campanha de
divulgação de sua entidade. (Dossiê nº 2326.263, p. 50)

No item que trata da “Participação dos estudantes na sociedade”, foram aprovadas


várias propostas. Vamos transcrevê-las, com a intenção de explicitar a forma como os
estudantes paranaenses compreendiam a organização da sociedade naquele momento histórico,
bem como quais eram as possibilidades de ação vislumbradas por eles:
A UPE deve lutar por uma Constituinte Livre, Soberana e Democrática,
através de debates de nível estadual, criação de comitês, ligando a referida luta
a outras lutas trabalhistas e populares; por uma maior participação estudantil
em todas as organizações da sociedade; luta por uma Frente Democrática e
um Governo Popular; Constituinte convocada por um Governo Provisório e
150

Popular; 15 de novembro de 1980 – Dia de Protesto pela não realização das


eleições municipais e ampla campanha pela constituinte; luta em defesa da
Amazônia e dos recursos naturais; luta contra os acordos e usinas nucleares;
luta em favor dos trabalhadores do campo; luta em favor dos trabalhadores da
cana de Pernambuco; luta pela Reforma Agrária; luta em defesa das minorias
étnicas; posição firme e luta contra atentados terroristas e punição dos
responsáveis; pelo fortalecimento dos comitês contra o terror; luta contra a Lei
de Segurança Nacional; luta contra o indiciamento de estudantes, sindicalistas,
e políticos na Lei de Segurança Nacional; luta pela demarcação das terras
indígenas; luta contra a intervenção nos sindicatos; luta pela liberdade de
imprensa; luta pela revogação da Lei dos estrangeiros. (Dossiê nº 2326.263,
p. 50 e 51)

Ainda sobre a organização do Congresso de Reconstrução, no relatório redigido


pela ASI/FUEL, o tema sobre a eleição da diretoria efetiva da UPE foi bastante debatido, sendo
que ficou decidido que a eleição seria realizada nos dias 13 e 14 de novembro de 1980, sendo
constituída uma Diretoria provisória com a participação dos DCEs das principais universidades
do Estado. A função da Diretoria Provisória era organizar e realizar as eleições para escolha da
Diretoria Efetiva.
Quando eleita a Diretoria Efetiva, dentre as propostas de atuação, a principal seria
a retomada da sede da UPE. De acordo com matéria do jornal “O Estado do Paraná”, de 19 de
novembro de 198054, para o presidente da chapa Viração, Vicente de Paula Palhares Filho, o
primeiro passo seria o encaminhamento de processo judicial para requerer o patrimônio da UPE.
De acordo com reportagem no Estado do Paraná55, de 13 de maio de 1982, a UPE
realizaria, nos dias 21, 22 e 23 de maio, seu XXVI Congresso. O principal objetivo, de acordo
com a redação dessa reportagem, seria a unificação do ME no Estado do Paraná. Estava prevista
a participação de 500 delegados das 65 entidades de base filiadas à UPE.
Como presidente da UPE, foi eleito Luiz Henrique Bona Turra. Em seu depoimento
para o grupo Direitos Humanos para a Paz56, Turra destaca que sua família era vista como um
família diferente, de esquerda.
A partir da análise das fontes primárias, foi possível verificar que, no caso dos
restaurantes universitários do estado do Paraná, a UPE era a entidade responsável pela
manutenção desses locais até 1968, com o auxílio financeiro que deveria vir do governo
estadual. Todavia, o auxílio que deveria ser encaminhado pelo Governo não era condizente com
as necessidades básicas de garantia de uma alimentação de qualidade, com preço justo para

54
Dossiê nº 2336.266, página 51. A mesma matéria consta também no jornal “Tribuna do Paraná”, mesma data.
55
Dossiê nº 2326.263, página 47.
56
Disponível em http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/166/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 10 de fevereiro de 2018.
151

estudantes, o que os mobilizou em muitos momentos, não apenas no Paraná, uma vez que era
uma reivindicação recorrente no meio universitário.
Ainda sobre a questão dos RU, em 1982, em uma matéria do jornal “Gazeta do
Povo”, encontra-se o registro de um ato público, promovido pela UPE, em repúdio ao aumento
do preço das refeições servidas no RU. O acréscimo era exorbitante, sendo que o valor cobrado
anteriormente, de Cr$ 35,00, havia passado para Cr$ 130,00. (Pasta nº 2336.266, página 82).
Em 1984, foi realizado o XXVIII Congresso Estadual de Estudantes na cidade de
Paranaguá57; a respeito da realização desse Congresso, consta, nos arquivos da DOPS/PR, um
relatório sobre as Atividades da UPE do período entre agosto a novembro de 1984. De acordo
com o texto, foi realizada uma reunião em Londrina, no dia 09 de novembro, o “I Encontro das
Escolas Pagas do Paraná”, em que o principal tema foi o lançamento de uma campanha
objetivando o “Ensino Público Gratuito”, em todas as instituições de ensino superior pagas do
Estado; a referida campanha tinha como base a promessa do PMDB quando das eleições de
1982.
A efetivação da campanha pelo “Ensino Público Gratuito” ocorreu a partir da
realização do Conselho Estadual de Entidades (CEE) da UPE, dias 18 e 19 de agosto de 1984,
em Paranaguá. A partir dessa atividade, foram desencadeadas ações da campanha: “E a
primeira manifestação positiva fez-se sentir quando os estudantes da UEM invadiram a Reitoria
por não pretenderem aceitar os preços cobrados pelas refeições do Restaurante Universitário
(RU) e as mensalidades para o 2º semestre de 1984.”58
Os estudantes da UEM, liderados pelo DCE da entidade, articularam-se em torno
da luta pela “Gratuidade Já”, todavia, a ocupação da reitoria ocorreu antes do lançamento da
Campanha estadual e, a princípio, a pauta era contra os aumentos abusivos do RU e das
mensalidades:
O Diário do Norte do Paraná, cobrindo o primeiro dia de ocupação, divulgou
que a reivindicação dos estudantes ampliara-se para a gratuidade do ensino,
em campanha a ser levada estadualmente. Nessa mesma edição, João Batista
Capelari, diretor de assistência do DCE, declarou que a decisão de ocupar a
reitoria baseava-se no aumento do bandejão, mas a luta real dos estudantes era
pela gratuidade do ensino. O abaixo-assinado citado anteriormente
corroborava esse eixo. Na carta aberta aos estudantes, em 15 de agosto, quarta-
feira, as entidades convocaram a luta contra os aumentos abusivos. O adesivo
promocional, reproduzido autonomamente pela comissão do pedágio,
veiculava a palavra de ordem “Ensino Gratuito Já”, tema da campanha da

57
Os relatório sobre a vigilância, com relação a realização do Congresso da UPE, está disponível no
endereço:https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/relatorio-da-repressao-politica-sobre-o-
movimento-estudantil-do-parana/. Acesso em 30 de abril de 2018.
58
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr1.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
152

UPE. A enumeração dos ofícios recebia o complemento “Pró-Ensino


Gratuito”. (DIAS, 2008, p. 131)

O desfecho da ocupação da reitoria, após uma semana intensa, foi uma vitória
parcial dos estudantes da UEM, visto que conseguiram o congelamento dos valores do RU até
o final do semestre. Houve um acordo entre os estudantes e o Prefeito de Maringá, o qual se
comprometeu a subsidiar os valores para manutenção do congelamento do preço das
refeições.59
No decorrer dos dias da ocupação, a pauta de reivindicação foi tomando amplitude
de luta, chegando a questionar “o modelo político-econômico-social implantado no país nesses
20 anos de regime militar” (DIAS, 2008, p. 131). Assim:
[...] A realização simultânea de uma luta reivindicatória de características
semelhantes em Paranaguá e a iminência do lançamento da campanha
“Gratuidade Já” contribuíram para a aproximação da pauta imediata do
movimento com esse objetivo mais amplo e, mais ainda, para criar uma
expectativa em torno de sua conquista. (DIAS, 2008, p. 132)

Em Paranaguá, os estudantes estavam em greve por melhores condições da oferta


da educação superior:
Em sua edição de 15 de agosto, o Correio de Notícias estampou a manchete:
“Invasão no norte, greve de fome no sul”. Em Paranaguá, a greve estudantil
estendia-se por três semanas e ganhara um fato novo, justamente no dia 14 de
agosto: três estudantes, como forma de aumentar a pressão, iniciaram uma
greve de fome. Esse periódico divulgou que os estudantes de Cascavel
encontravam-se em processo de mobilização e um depoimento do presidente
da UPE, Samuel Gomes, segundo o qual, diante do corte de verbas para
educação, os estudantes precisavam mobilizar-se. Caberia à UPE unificar as
lutas. (DIAS, 2008, p. 132)

Outra ação desencadeada pela UPE foi o boicote ao pagamento das mensalidades,
o que já estava acontecendo nas cidades de Cascavel, Umuarama, Paranaguá e Londrina.
A Campanha pela “Gratuidade Já” foi lançada durante a realização do Conselho de
Entidades da UPE, com a seguinte pauta:
1. Deliberação do Coneb-UNE;
2. Forma de encaminhamento da campanha “Gratuidade Já”;
3. Congresso da UPE;
4. Encontro da Juventude;
5. Patrimônio da UPE. (DIAS, 2008, p. 154)

A organização do ME, em nível estadual, estava permeada pela heterogeneidade,


de acordo com a pesquisa de Reginaldo sobre a realização do Conselho de Entidades:

59
Os detalhes de todo o processo de ocupação da UEM podem ser consultados no livro de Reginaldo Benedito
Dias: “Uma Universidade de Ponta Cabeça”, já mencionado neste texto.
153

Utilizando as anotações do representante de Maringá, verifica-se que, em


relação à conjuntura estadual, houve estes informes preliminares: Ponta
Grossa: o conservador DCE da UEPG disse que os estudantes de Maringá
iriam invadir a reitoria e o RU de sua instituição, mas esperavam os estranhos
com cassetetes. Paranaguá: vitória. O movimento obteve 100% das
reivindicações. UFPR: havia possibilidade de as aulas serem paralisadas por
falta de verbas. Londrina: realizado o Conselho de Entidades. Posteriormente,
foi encaminhado um boicote às mensalidades. (DIAS, 2008, p. 154-155)

No que diz respeito à realização do Congresso da UPE, aconteceu em Paranaguá,


nos dias 20 e 21 de outubro de 1984. Estiveram no Congresso 350 delegados das diversas
entidades de ensino superior do Estado. O então presidente da entidade, Samuel Gomes dos
Santos, coordenou as atividades do Congresso e, de acordo com o relatório: “Naquela ocasião,
vários elementos fizeram uso da palavra, com destaque para os representantes de diversas
Organizações Subversivas, que além de atacarem o Governo, pregaram a mudança do regime
vigente.”60
No relatório consta que os estudantes estavam divididos em dois grupos, um
liderado pelo presidente da entidade, Samuel, e o outro, de oposição à UPE, era liderado pelo
estudante Luiz Henrique Bona Turra, militante do PC do B.
O grupo, liderado por Samuel, defendeu as seguintes propostas:
- Diretas Já, Boicote ao Colégio Eleitoral;
- Revogação da Lei de Segurança Nacional e demais leis repressivas.
Desmantelamento do aparto repressivo. Punição aos corruptos e torturadores;
- Reforma Agrária Radical;
- Apoio a Central Única dos Trabalhadores – CUT;
- Constituir a greve geral conjuntamente com todos os setores explorados.61

Já o grupo de oposição, liderado por Turra, estabeleceu as propostas seguintes:


- Derrotar os milicos apoiando a candidatura única das oposições;
- Eleições diretas em todos os níveis;
- Constituinte livre e soberana em 1986;
- Reforma Agrária;
- Rompimento com o FMI;
- Suspensão do pagamento da dívida externa;
- Ensino público, gratuito, democrático e nacional em todos os níveis; e
- Reforma tributária. (Idem)

60
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr2.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
61
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr3.jpg. Acesso em
01 de maio de 2018.
154

Apesar de estarem organizados em grupos separados, é possível identificar lutas


unificadas, direcionadas para questões que estavam além do espaço escolar, no caso, para além
da Universidade.
O documento registra ainda as propostas dos estudantes paranaenses para o
Congresso da UNE, que se realizou em outubro de 1984, no Rio de Janeiro, quais sejam:
- Apoio ao candidato único das oposições Tancredo Neves à Presidência da
República;
- Por uma Universidade pública e gratuita;
- Por 12% de orçamento da União ao Ministério da Educação e Cultura
(MEC);
- Pelo passe escolar e apoio as Casas de Estudantes;
- Por uma Universidade autônoma e democrática; e
- Apoio às lutas nacionais dos povos oprimidos e defesa da paz mundial.62

Na sequência, algumas considerações acerca das características do ME paranaense,


com destaque para a participação de petistas e “subversivos”. No texto consta também o registro
de que, apesar de o Governo José Richa ter cumprido os compromissos assumidos com o ME
durante a Campanha Eleitoral, com destaque para a devolução da sede da UPE, na Gestão de
82/83, não conseguiu evitar a derrota do PMDB para os petistas.
Para concorrer às eleições da UPE da gestão 84/85, as chapas foram formadas
quando da realização da Reunião do Conselho de Entidades de Base da UPE, em Londrina, no
dia 04 de novembro de 1984, em que:
Na oportunidade, foram lançadas três chapas para concorrerem ao pleito,
sendo:
-TRAVESSIA, encabeçada por ARI DECKER, estudante da FACULDADE
ESTADUAL DE FILOSOFIA, CIENCIAS E LETRAS DE
PARANAGUÁ/PR (FUNDAFI);
- NOVOS CAMINHOS, representando a situação, e encabeçada por
OCIMAR BIM, vulgo “GORDO”, presidente do DCE DA FACULDADE DE
EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DE CASCAVEL/PR (FECIVEL); e
- PARTICIPAÇÃO, de oposição, liderada por NILTON LUIZ
PIENEGONDA, estudantes de Ciências Sociais na UNIVERSIDADE
CATÓLICA DO PARANÁ (UCP), militante do PC do B. (Grifos no
original)63

A organização das chapas para eleição é elucidativa da participação de estudantes


do interior do Estado.

62
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr4.jpg. Acesso em
02 de maio de 2018.
63
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2012/01/mepr5.jpg. Acesso em
20 de julho de 2018.
155

4.4 PRODUÇÕES ARTÍSTICAS/CULTURAIS/PERIÓDICOS DO ME PARANAENSE

Nos capítulos e itens anteriores já foram elencadas algumas das produções das
entidades de representação estudantil do Paraná, todavia, neste item, a intenção é destacar as
produções que mereceram um olhar mais apurado da polícia política, ou seja, que possuem
dossiê específico, bem como aquelas que não foram mencionadas até então.
Desde o período anterior ao golpe de 1964 os estudantes, liderados pela UNE e as
UEEs (Uniões Estaduais de Estudantes), estiveram articulados também em torno de atividades
artísticas. Podemos mencionar como o principal instrumento utilizado pelos estudantes, para
levar à população reflexões sobre a realidade social, a Arte do CPC da UNE.
Sobre o CPC da UNE, importa destacar que no estado do Paraná havia o CPC do
Paraná64, o qual teve sua gênese durante a realização do II Seminário da Reforma Universitária,
promovido pela UNE, no ano de 1962, em Curitiba. De acordo com estudos de Ana Carolina
Caldas, o CPC da UNE esteve em Curitiba para compor as atividades culturais do Seminário.
O CPC do Paraná foi proveniente da SAP65 (Sociedade de Arte Popular), articulou-se a partir
da presença do CPC carioca na capital. Assim:
Euclides, por ter participado da 1.ª UNE Volante, tornou-se a ponte entre o
CPC carioca e o início do movimento cepeciano no Paraná. Com a vinda dos
artistas integrantes do CPC da UNE, os demais membros da SAP se
motivaram juntamente com Euclides a retomar com vigor as atividades
teatrais e fundaram, em 1962, em parceria com a UPE, o Centro Popular de
Cultura do Paraná. Segundo o estatuto fundador, o objetivo do órgão cultural
seria “essencialmente educativo, com vistas à conscientização do povo,
através da atividade teatral e da alfabetização popular”. Além do departamento
teatral, instituíram também os departamentos de Alfabetização Popular e o de
Teatro de Bonecos. (CENTRO POPULAR DE CULTURA DO PARANÁ,
1962 apud CALDAS, 2003, p. 79)

No ano de 1967 consta uma notícia no jornal Gazeta (que, possivelmente, é do


Paraná), de 26 de março, sobre o grupo de teatro da UPE, denominado “Decisão”, em que o
grupo estaria apresentando dois espetáculos na cidade de Paranaguá. As peças a serem

64
Sobre a história da organização do CPC Paranaense, Ana Carolina Caldas produziu um documentário,
denominado “Teatro Político, uma história de utopia”, no qual a produtora retoma os antecedentes do CPC no
Paraná. Documentário disponível em: https://blogdotarso.com/2012/05/10/veja-o-documentario-teatro-politico-
uma-historia-de-utopia-de-ana-carolina-caldas/. Acesso em 27 de dezembro de 2018.
65
A SAP é proveniente dos comitês culturais do PCB, nas palavras de Ana Carolina Caldas: “Havia comitês
culturais do PCB em várias cidades do país, com destaque aos comitês das principais capitais do Brasil, entre elas
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte. Em Curitiba, o Comitê Cultural do PCB se constituiu pautado
nos objetivos de desenvolver o teatro político na cidade, atraindo assim estudantes para a militância política do
partido. Os desdobramentos desse comitê acabaram por criar a Sociedade de Arte Popular (SAP), que mais tarde
se definiu como Centro Popular de Cultura do Paraná [...]” (CALDAS, 2003, p. 45).
156

encenadas eram: “O urso” e “O canto do cisne”, do famoso dramaturgo e novelista modernista


russo Anton Tchekhov.
Como já mencionado em alguns trechos desta pesquisa, outra prática recorrente no
meio estudantil, no sentido de manter a classe informada sobre os acontecimentos do período,
diz respeito à produção de jornais estudantis. No que tange às produções da UPE, já
mencionamos algumas no decorrer da análise dos documentos, uma, produzida em 1969, em
prol da UPE Livre, bem como sobre a Reconstrução da entidade, sendo o Jornal Pró-UPE, já
analisados neste capítulo.66
No caso das entidades de base do Estado, no período a partir do final da década de
1970, faz-se necessário destacar a produção e socialização do jornal Poeira67, oriundo do DCE
da UEL.
O jornal “Poeira” iniciou as publicações em março de 1974 e encerrou em 1978.
Um dos fundadores do jornal realizou sua pesquisa de mestrado direcionada para a
sistematização da história desse jornal, por meio de análise de documentos e depoimentos dos
militantes paranaenses, articulados com a redação e socialização do jornal. A dissertação de
José Antonio Tadeu Felismino, denominada: “Jornal Poeira, história e memórias” traz
contribuições essenciais para que possamos compreender os caminhos percorridos pelos
estudantes universitários visando à manutenção de suas atividades, bem como do processo de
reorganização nacional e estadual.
Tadeu Felismino destaca que a cidade de Londrina se constituiu em espaço
privilegiado de luta contra a ditadura. Isso porque, além de ser a maior cidade do interior do
estado, não tinha a limitação de Curitiba em função da suspensão das eleições diretas para
prefeito das capitais. Assim, ao usufruir da prerrogativa das eleições diretas, Londrina se
constituiu num importante espaço de debate político.
No quadro do bipartidarismo do regime militar, em que o poder estadual ficou
nas mãos de Ney Braga e do partido da ditadura, a ARENA, Londrina
polarizou-se fortemente em torno do único partido de oposição permitido, o
MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que elegeu prefeitos Dalton
Paranaguá em 1969/73, José Richa em 1973/77, Antonio Belinati em 1977/82
e, já pelo PMDB, Wilson Moreira (1983/88). Tal domínio oposicionista,
associado à importância econômica do norte paranaense, fez com que os dois
primeiros governadores do Paraná, após a redemocratização do país em 1985,
fossem políticos londrinenses, José Richa (1983/86) e Álvaro Dias (1987/91).
(FELISMINO, 2016, p. 49-50)

66
Sobre as produções do ME Secundarista Paranaense (Pasta nº 2325.263, p. 219-247), há uma edição da Revista
Diálogo, órgão oficial de informação da UPES, de 1969.
67
As edições do jornal podem ser encontradas no endereço: https://issuu.com/jornalpoeira.
157

Os estudantes estavam inseridos nesse espaço, assim, algumas ações foram


realizadas, apesar da vigilância. Importante destacar que havia vigilância significativa com
relação aos estudantes. Nos arquivos da DOPS/PR, é possível encontrar uma quantidade
significativa de informações produzidas pela ASI da FUEL.
Com base nos estudos de Tadeu Felismino, bem como na análise realizada pela
autora de algumas edições do jornal Poeira, disponibilizadas via internet, é possível identificar
claramente que a intenção dos estudantes, com a produção e disseminação do jornal, era de
levar a classe estudantil e a sociedade em geral, por meio da cultura, à possiblidade de
compreender os acontecimentos inerentes ao governo militar, ou seja, as limitações impostas
por esse governo, especialmente no campo educacional.
No que tange às edições apreendidas pela DOPS-PR, no dossiê denominado
Diretórios Acadêmicos (n.º 717.820), está a edição de nº 9 do Poeira, de agosto de 1975. Com
conteúdo variado, a capa é destinada a chamar a atenção dos estudantes para a necessidade de
organizarem-se de forma coletiva, sendo a chamada da capa: “Quem você acha que trabalha
melhor: Um grupo de vinte ou toda uma escola. Pode parecer utopia dizer toda uma escola
trabalhando junto, mas isso depende exclusivamente do interesse de cada um, da participação
de cada um, de cada um”. (Pasta nº 717.82, p. 104)
Nesse mesmo dossiê encontra-se uma edição do jornal “Terra Roxa”, também de
1975. Esse era o órgão oficial de imprensa do DCE da FUEL, desde sua criação, em 1972.
No período de reorganização dos estudantes as produções artísticas também se
fizeram presentes. Especificamente na FUEL, organizou-se o Grupo de Teatro denominado
Núcleo de Teatro Universitário, o qual foi estruturado pelo Centro de Educação Comunicação
e Artes da FUEL. No informe nº 027 de 1978 da ASI FUEL, constam algumas informações
sobre as atividades do grupo, bem como sobre o conteúdo das peças apresentadas:
O DCE/FUEL, dando início a programação “CALOURADAS” de 1978
programou uma série de apresentações teatrais no Campus Universitário. Até
o momento foram apresentadas duas peças: “O Gato Errado” e “Recepção aos
novos Calouros”.
A peça “Recepção aos novos Calouros” foi programada e montada pelo
Núcleo de Teatro Universitário. A referida peça constitui uma sátira de cunho
subversivo onde a figura do Reitor, Ministro da Educação, Assessoria de
Segurança, Serviço de Vigilância e Guarda do Patrimônio da FUEL e outras
autoridades universitárias são altamente ridicularizadas e contestadas,
inclusive criticam, ridicularizam a Política Educacional do Governo. (Pasta nº
745.84, p. 24)

Nas edições do jornal “Poeira”, é possível recorrer a textos voltados à reflexão por
meio da arte, como charges, análise de textos literários, textos de caráter argumentativo, com a
158

finalidade de esclarecer os acontecimentos no âmbito da educação e da sociedade como um


todo.
O dossiê destinado ao “Poeira” possui duas edições do jornal: uma de junho de 1977
e a outra de abril de 1979, além de alguns informes sobre as atividades desenvolvidas pelos
membros do jornal.
A Informação 023/79, ao tratar dos colaboradores financeiros do Poeira, destaca
que a edição do mês de janeiro, especial, teve 20 mil exemplares impressos, sendo que: “A
referida publicação é clandestina pois não obedece o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo
7º da Lei n.º 5250 de 09.02.1967 (Lei de Imprensa), combinado com o artigo 11 da mesma lei.”
(Pasta nº 1233.146, p. 2)
Segue com a relação de pessoas que contribuíram financeiramente para impressão
do jornal; dentre eles, é possível verificar o nome de José Richa e Álvaro Dias. Relacionam-se,
ademais, as empresas que fizeram essa contribuição. Em 1979, a impressão do “Poeira” era
efetivada em Ourinhos, São Paulo.
As edições apreendidas e anexadas ao dossiê, de junho de 1977 e abril de 1979,
possuem temas polêmicos para o período. A edição de junho de 1977 é muito sugestiva, com o
editorial na capa: “Porque lutam os estudantes”; “Pela liberdade de organização e expressão”
(essa frase está em uma faixa sendo erguida por estudantes em uma manifestação, que compõe
a imagem da capa da edição do jornal). Metade da página é destinada à imagem e a outra metade
possui o início do texto sobre a temática já mencionada, que continua na página seguinte.
O conteúdo do texto diz respeito à luta dos estudantes por educação de qualidade,
bem como pelo direito de organização e expressão. Destaca a luta dos estudantes para que
pudessem se manter organizados, além da necessidade de levar essa luta para toda a sociedade,
uma vez que não são só os estudantes foram os prejudicados com a realidade brasileira.
Em abril, os destaques foram: “Vem aí o DCE-Livre”; “Reitor demite professores
e causa GREVE GERAL NO HU”; “A UNE TÁ CHEGANDO!”, dentre outras específicas
sobre o espaço da universidade, como atividades culturais, enquete sobre a abertura de um RU
no Campus. De acordo com o Informe nº 335 da PM2 de 1979, foram impressos 6 mil
exemplares, na Empresa Jornalística “O Diário”, de Maringá/PR.
Ainda no interior do estado, na cidade de Maringá, também foram produzidos
jornais estudantis; dentre as publicações, recorremos ao denominado “O Brado Universitário”.
[...] A mais emblemática publicação foi o jornal O Brado Universitário,
editado pelo DA Nelson Hungria até 1976. Eram temas presentes em suas
edições: críticas aos aumentos das anuidades e à elitização do ensino; defesa
da gratuidade do ensino; reivindicação da formação do DCE; Decreto Lei 477.
159

O sétimo aniversário desse decreto foi “comemorado” na edição de maio de


1976, por meio de uma matéria ironicamente intitulada “Parabéns para você”.
Na mesma edição, a publicação, provocativamente, definiu-se, em seu título,
como “um jornal sem pressa. E sem pressão”. O número anterior, de
novembro de 1975, estampou a tarja “encarte especial de O Diário”, um jornal
de circulação regional no qual era feita a impressão gráfica, o que demonstrava
as dificuldades para circulação da imprensa estudantil de oposição. Essa
resistência era prenúncio das transformações pelas quais o movimento
estudantil da UEM passaria nos anos posteriores. (DIAS, 2008, p. 64-65)

Na pesquisa nos arquivos da DOPS-PR, a partir das indicações encontradas no livro


de Reginaldo Benedito Dias, a busca foi direcionada para outros periódicos produzidos pelos
estudantes, inclusive, nas demais Instituições de Ensino Superior.
Dentre os periódicos vigiados pela polícia política, estão os jornais do DCE da
UEPG “Jornal Baluarte”; “Jornal Matraca”, do Centro de Educação Comunicação e Artes da
FUEL; e o “Jornal Folha Acadêmica”, do Centro Acadêmico Hugo Simas. Também, há o dossiê
sobre o jornal “Poeira”. Os documentos arquivados sobre esses periódicos serão analisados na
sequência do texto.
No dossiê da CAHS, além de muitos outros documentos, encontram-se as edições
de abril de 1967, agosto, setembro e de novembro de 1975, do “Folha Acadêmica”. De acordo
com documentos arquivados no dossiê do CAHS (Pasta nº 189a.22, p. 97), o jornal “Folha
Acadêmica” foi apreendido em 1967, de forma arbitrária.
A repressão policial, mero reflexo do atual estado de coisas se faz sentir mais
uma vez. O jornal “FOLHA ACADÊMICA”, órgão oficial previsto no artº 45
dos Estatutos do CAHS, elaborado sob inteira reponsabilidade de seus
redatores, alunos da Faculdade de direito da UFPR foi apreendido
arbitrariamente pela DOPS, no dia 14, por volta das 16 horas na Gráfica de
propriedade dos padres Vicentinos, mediante coação. (Pasta nº 189a .22, p.
97)

A edição apreendida está nesse dossiê, uma vez que o manifesto redigido pelos
estudantes, em que abordam a medida arbitrária, foi assinado com data de 17 de abril de 1967.
O conteúdo da edição foi direcionado para os acontecimentos desencadeados pela
Ditadura. O título da edição é: “Brasil: um vasto pátio de quartel”, com matérias que possuem
caráter elucidativo de denúncia e da necessidade de resistir às imposições do governo militar.
(Pasta nº 189a .22, p. 251)
Além dessas edições apreendidas e anexadas aos dossiês do CAHS, o jornal “Folha
Acadêmica” também possui uma pasta específica, na qual está arquivada uma Edição Especial
de 1978, denominada: “Homenagem do CAHS à VII Conferência Nacional da OAB”. Não há
nenhum outro documento no dossiê, além da edição do jornal.
160

O conteúdo é direcionado especialmente para temáticas relacionadas ao direito,


com destaque para realização do VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil,
cujo tema foi: “Estado de Direito”, ou seja, os conteúdos abordados nos textos que compõem a
edição especial do jornal são sobre o processo de transição política pelo qual passava o país no
período; há algumas entrevistas com professores sobre a temática da Conferência, bem como o
posicionamento de um aluno. Ademais, é possível perceber, inclusive, um texto redigido pelo
atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, denominado: “La tierra no aguanta
más (ou O Direito neste Estado, uma abordagem de possível utilidade sintética).” Nesse texto
o autor discorre sobre a função da Universidade, após os Acordos MEC-USAID, bem como
sobre a influência da legislação implementada pelo Governo Militar, em especial, o AI 5 e o
Decreto 477, no processo de formação dos estudantes. Enfim, tece crítica à forma como a
sociedade e, em especial, a Universidade estava organizada no período.
No outro dossiê do CAHS (nº 189b.22), encontram-se distintas edições do “Folha
Acadêmica”, quais sejam: setembro de 1976, novembro de 1977 e março de 1979. A edição de
novembro de 1977 foi apreendida pelo Setor de Segurança da Rede Ferroviária Federal, Paraná
e Santa Catarina. O conteúdo das edições alinhava-se ao já elencado anteriormente, com
matérias específicas sobre a formação do profissional, questões do meio estudantil da
Universidade, bem como temas gerais do contexto da Ditadura. Na edição de março de 1979,
constam os textos: “Para que lado vai o Brasil”; “O rastro de injustiça deixado pelo finado AI-
5”, “Alguns aspectos da Anistia”, além do texto: “Nossa gente – os índios”, todos com conteúdo
numa perspectiva crítica das condições objetivas da Ditadura.
Ainda sobre as produções do ME paranaense, fazem parte dos arquivos da DOPS-
PR, na pasta denominada DCE Livre da UFPR, uma edição do jornal “Vira Volta”, órgão de
divulgação do DCE livre; o jornal é de 1979 e foram produzidos 8 mil exemplares. A aquisição
era realizada por contribuição espontânea. As manchetes são: Estudantes tomaram R.U.; O
pacote Portella; Triagem ideológica na UFPR; A Amazônia é nossa?; A crise das bibliotecas;
Turmas superlotadas; Reformulação Partidária; Rosy critica os festivais.
Sobre a triagem ideológica, a reportagem destaca que dois professores, que foram
aprovados em concurso para professor temporário na UFPR, passaram pelo crivo do
posicionamento ideológico e foram vítimas de algumas objeções e inconsistências. Seguem
alguns trechos do texto:
Dois professores do Setor de Ciências Humanas que prestaram concursos para
professor colaborador em julho passado foram vítimas das mais mesquinhas
discriminações políticas. Tudo feito de acordo com as regras do arbítrio, isto
é, por detrás do pano e procurando manter as aparências. Trata-se das
161

chamadas cassações brancas. Ninguém assume sua motivação política e todas


as alegações são de natureza administrativa. (Pasta n.º 747.84, p. 29)

Os professores são: Adherbal Fortes de Sá Jr. e Mauricio Requião de Mello e Silva.


De acordo com os estudantes, ambos passaram por situação adversa para que fossem
contratados. No caso do professor Adherbal:
[...] que com seu espirito crítico não conquistou muitos amigos na
Administração da UFPR. Adherbal foi aprovado no concurso e já estava dando
aulas quando inventaram que ele havia se inscrito no exame com minutos de
atraso. Diante desta alegação, diga-se de passagem, de profunda má fé,
exigiram que o professor parasse de dar suas aulas, enquanto arranjavam um
jeitinho de não assinar seu contrato.
Mas Adherbal teve sorte. Quando seu processo chegou ao Conselho de Ensino
e Pesquisa chamou a atenção de representantes estudantis, que denunciaram a
falcatrua e conseguiram sua contratação. (Pasta nº 747.84, p. 29)

Já com o professor Mauricio Requião, de acordo com os estudantes, o impedimento


a respeito do contrato estava vinculado à sua participação no ME, sendo que ele era membro da
diretoria do DCE e havia participado da diretoria do DARPP (Diretório Acadêmico Rocha
Pombo). Todavia, a justificativa da Assessoria Jurídica da Universidade foi a de que uma pessoa
não pode ser aluno e professor da Universidade, ao mesmo tempo, uma vez que, apesar de já
possuir a licenciatura em psicologia, Mauricio estava fazendo outra graduação.
[...] Esta alegação não é apenas inconstitucional, pois significa um
impedimento ao livre exercício da profissão, mas é também ridícula, pois
sabe-se que a UFPR está cheia de casos como o dele. Logo, o que está
acontecendo é perseguição pura e simples. Isto se comprova ainda por uma
série de irregularidades havidas na tramitação do processo. Mauricio não teve
direito de ver o processo e, consequentemente, de se defender antes que ele
fosse arquivado. (Pasta nº 747.84, p. 29)

Apesar de não ter sido contratado oficialmente, ficando sem salário, o professor
ainda estava ministrando aulas e tentando reverter a situação.
Outra questão levantada pelos estudantes no jornal, diz respeito ao patrimônio do
DCE:
Quando fechado em 1968, o DCE possuía um patrimônio considerável. Sua
sede era o prédio ao lado da Casa do Estudante, na esquina da General
Carneiro com a Amintas de Barros. Um prédio de 6 andares que abrangia
ainda o Restaurante Universitário e o salão atualmente ocupado pela
Biblioteca Central. Um espaço físico dos melhores que permitia ao DCE
desenvolver as mais diversas atividades como teatro, cineclube; centralizar os
seus diversos departamentos, como o cultural e esportivo; oferecer condições
para os estudantes se reunirem e discutirem seus problemas. (Pasta nº 747.84,
p. 30)

Todo esse espaço, bem como os pertences da entidade, foi reivindicado pelos
estudantes:
162

Dez anos depois, estamos reconstruindo nosso DCE-livre. Uma das maiores
dificuldades para sua reconstrução é a falta de uma sede. Não temos, hoje, um
local para nos reunirmos, um local que seja referencial para todos. Contamos
com a ajuda dos diretórios, mas sempre acarretando prejuízos para suas
próprias atividades. A devolução da sede do DCE, mais do que um direito, é
uma obrigação moral da reitoria e uma reivindicação de todos nós, estudantes.
Exigimos da Universidade o reconhecimento do DCE como legitimo
representante dos alunos da UFPR, exigimos que ela nos devolva a sede do
DCE e que lhes destine verbas para que possa melhor corresponder e lutar
pelos anseios e direitos dos estudantes. (Pasta nº 747.84, p. 30)

Essa luta dos estudantes para retomar o patrimônio do DCE permite compreender
que a entidade possuía um papel de destaque na organização estudantil no período anterior ao
AI n.º 5. Outra questão recorrente a outras entidades estudantis, diz respeito à tomada dos bens
das entidades, por parte de instituições vinculadas ao Estado.
Os estudantes, articulados com as lutas sociais mais amplas do período, trazem
ainda uma matéria sobre a Amazônia, redigida pela Comissão Pró-Comitê em defesa da
Amazônia e do Meio Ambiente, na qual destacam a necessidade de toda população colocar-se
em defesa da Amazônia, denunciando ações do Governo Federal contra esse grande patrimônio
natural. Após relatarem as riquezas da Amazônia, destacam:
Cerca de 50% das terras onde se encontram estas fabulosas riquezas não mais
pertencem aos brasileiros que ali vivem. Eles estão sendo expulsos,
diariamente, e suas moradias violentamente incendiadas. Basta lermos os
jornais de todo o Brasil, principalmente os do Norte, e constatarmos a barbárie
imperante naquelas regiões, onde o violado é sempre o homem da terra.
Quando ele não é morto pelos tiros de metralhadora ou a coronhadas de
revolver da polícia dos latifundiários (sabe-se de casos onde foram
encontradas balas de calibre “45” usadas apenas pela polícia do governo68),
morre de fome buscando outras terras onde possa viver com sua família, ou
com parte dela, uma vez que esta sempre é dispersada, espalhando-se pelos
subúrbios das grandes cidades, marginalizada, traída em seus mais
elementares direitos. Mesmo quando suas terras são “desapropriadas” pelos
organismos estatais encarregados do “desenvolvimento” da região, em troca
de quantias miseráveis de dinheiro, que muitas vezes não dão sequer para
comprar outro pedaço de terra em outro lugar; mesmo quando é mantido em
regime de semiescravidão como mão-de-obra barata nos latifúndios, isto se dá
em detrimento de todas uma cultura que apoia sua sobrevivência. (Pasta nº
747.84, p.31)

O tópico destinado a discutir o Pacote Portella segue a mesma linha da matéria


redigida para o Jornal PRÓ UPE, analisada no início deste capítulo. Aqui, no jornal do DCE
Livre, o texto foi organizado por meio da transcrição de uma entrevista realizada pelos editores
do jornal com a diretoria do DCE. Em síntese, pode-se afirmar que os estudantes engajados no

68
Apenas a título de alusão aos dias atuais e à relação com o passo, recorremos a um caso semelhante com o que
ocorre em 2018, a saber, o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, militante dos Direitos Humanos, Marielle
Franco.
163

ME estavam cientes de que o referido projeto não traria benefícios para o ensino superior
público, mas sim, perdas. Estavam preocupados em manter a massa estudantil ciente dessa
condição.
Nos anos 1980, a repressão ainda controlava a organização estudantil no Estado,
bem como as produções dos estudantes. O jornal “Baluarte” é um exemplo desse controle, com
o exemplar apreendido pela ASI/FUEL, que foi encaminhado, em 16 de abril de 1980, para
DSI/MEC e DSI/SSP/PR, a fim de efetivar análise; trata-se da primeira edição do periódico. De
acordo com a informação, o exemplar foi encaminhado para o DCE-Livre da FUEL, para ser
divulgado entre os estudantes. O exemplar é de 1980 e tem como destaques na capa as notícias:
“A UPE vem aí”; “A Amazônia é nossa” e a realização do 1º FUC (Festival Universitário de
canção)”. Retomam o apoio aos estudantes presos em Santa Catarina quando organizaram a
Manifestação por ocasião da visita do então Presidente Figueiredo; posicionam-se contra a LSN
e o Aparato Repressivo.
Sobre a reorganização da UPE, os estudantes registraram que as lutas estudantis
nunca cessaram, mesmo com o fechamento da UNE por causa do golpe de 1964, por isso:
A UPE está voltando, mas para que seja realmente representativa e lute pelos
interesses dos estudantes é imprescindível a participação de todos nós, unidos
e firmes em nossos posicionamentos para que grupos oportunistas e que tem
o intuito de dividir o movimento sejam definitivamente desmascarados para
não terem mais guarida no seio do conjunto dos estudantes. (Pasta nº
1211.114, p. 6)

No que tange às demais matérias, possuem em comum o objetivo redigido no


editorial da edição, qual seja, socializar informações sobre a organização estudantil, bem como
sobre demais temas considerados polêmicos. Segue trecho do editorial:
Folhando o Baluarte, vocês encontrarão artigos que dizem respeito a muitos
aspectos polêmicos de nossa realidade. Isto porque, acima de tudo,
pretendemos fazer um jornal aberto, aberto inclusive a debates com outros
segmentos da nossa sociedade. Encontrarão também uma expressiva seção
cultural, onde estamos dando espaço a mentalidade criativa que vem
despontando em nossa comunidade acadêmica. (Pasta nº 1211.144, p. 04)

A análise dos textos dessa primeira edição permite considerar que se trata de um
jornal de cunho crítico, contra o Governo Militar, portanto, contra as imposições políticas,
sociais, econômicas do período; um movimento que pode ser considerado de esquerda, do ponto
de vista ideológico.
Ainda na década de 1980, é possível recorrer aos registros sobre a luta dos
estudantes do oeste paranaense, visando à criação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
164

(UNIOESTE). Em 1986, os estudantes produziram o Jornal Pensamento Acadêmico69, o qual,


em sua primeira edição, destacou a luta estudantil para a criação da UNIOESTE. O jornal foi
produzido pelo DA “Sete de Junho”, da Faculdade e Ciências Sociais Aplicadas, de Foz do
Iguaçu.
O periódico segue a estrutura das produções do ME dessa modalidade, ou seja,
utilizam de recursos diversos para atingir o público ao qual se destina, os estudantes. É um
jornal com notícias, cuja edição é dedicada a trazer para os estudantes as informações sobre o
processo de luta pela estadualização da Universidade do Oeste, mas também, há charges,
poesias, paródias e algumas “piadas”.
As notícias da edição estão direcionadas para o processo de luta à criação da
Universidade do Oeste do Paraná, com algumas reflexões sobre o contexto educacional
nacional e alguns informes para os estudantes. A capa apresenta as seguintes manchetes:
Universidade do Oeste: Ministro não recebeu estudantes. Em seguida, o nome da matéria que
tratará do assunto: “Ministério da Educação fechou as portas para o Oeste”. E, por fim, um
texto, na segunda parte da capa: “Um ministro surdo”. Esse texto relata o fato de que uma
caravana de estudantes, além dos prefeitos da região oeste do estado, assim como outras
lideranças políticas, terem se dirigido a Brasília para realizar uma audiência com o então
Ministro da Educação, Jorge Bornhausen. A caravana não foi recebida, apenas alguns membros,
após insistência significativa de alguns políticos, dentre eles, o então senador Álvaro Dias. O
pedido da caravana era para a Federalização da Instituição, o que foi negado. Dessa forma,
estudantes e demais lideranças direcionaram a luta para a estadualização da Universidade. Ao
término do texto, há a indicação de que ele foi publicado no jornal “O Paraná”, de 18/4/86.
A reportagem sobre a realização do I Encontro de Estudantes Universitários do
Oeste, realizado em 1986, está subdivida nos seguintes tópicos: “Universitários da região
entrem firmes no debate”; “O modelo universitário que ninguém quer” e “Acadêmicos em
busca da integração regional”. Dentro desses subtítulos, estão ainda alguns itens, como:
“Função transformadora”; “Prestes ausente”; “Organismo vivo”; “Integração Regional” e
“Crise de identidade”. Devido à má qualidade dos documentos, não foi possível realizar a leitura
e compreender o conteúdo.
Consta uma notícia sobre a Ditadura no Paraguai, denominada “Vamos derrubar a
ditadura Paraguaia”, na qual se apresenta o repúdio dos estudantes da FACISA (Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas de Foz do Iguaçu) com relação ao regime, que ainda estava

69
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/a-luta-dos-estudantes-para-a-criacao-da-
unioeste-era-controlada-pela-ditadura/. Acesso em 02 de maio de 2018.
165

instituído no país vizinho. A última página do jornal, a de número oito, é destinada a


informações específicas sobre as atividades dos estudantes, por curso. Há, ainda, um espaço
para uma charge e um texto sobre a situação da educação brasileira. A imagem é de um funil,
que vai reduzindo cada vez mais o número de estudantes, até que um finaliza os estudos. Segue
a imagem70 abaixo, a qual foi editada.

O texto escrito e o texto em forma de imagem pretendem levar ao leitor a visão de


que a educação é um privilégio para poucos, com dados de quantas pessoas chegam à
Universidade.
As formas de comunicação utilizadas pelos estudantes decorrem da necessidade de
socializar informações com a massa estudantil, bem como para a sociedade como um todo. São
resultado das condições objetivas do contexto no qual estavam inseridos, ou seja, no início da

70
O texto reproduzido acima da imagem é: A Educação é só para uns poucos. De cada 100 crianças que estão em
idade escolar, só 60 conseguem se matricular na 1ª série, ou porque não existe escola na região, ou porque a família
não tem dinheiro para as despesas com condução, livros, roupa...Das 60 que entram, quase 25 reprovam ou não
ficam na escola. No fim, das 100 crianças, só 2 conseguem chegar até a faculdade. (JORNAL PENSAMENTO
ACADÊMICO, p.8. Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/a-luta-dos-estudantes-
para-a-criacao-da-unioeste-era-controlada-pela-ditadura/. Na pesquisa no acervo da DOPS-PR pelo nome do
jornal, não encontramos um dossiê específico sobre ele.
166

década de 1960 ainda não era possível produzir jornais estudantis em grande quantidade, o que
ocorre a partir da década de 1970.
Ainda na década de 1970, as dificuldades eram significativas para a produção dos
jornais estudantis, uma vez que as entidades não possuíam os equipamentos gráficos e
precisavam contar com o trabalho de terceiros. No caso do jornal Poeira, o DCE fez a aquisição
de uma impressora e eles possuíam uma máquina de escrever elétrica, todavia, o processo de
produção do jornal e de impressão ainda era rudimentar, comparado aos dias atuais.
No que tange à UPE, não foi encontrado, nesta pesquisa, nos arquivos da DOPS-
PR, um periódico específico da entidade, apenas o Jornal Pro-UPE, produzido pelos estudantes
que estavam trabalhando pela reorganização da UPE.
167

CAPÍTULO 5. PARA ALÉM DA UNE E UPE: O “OLHAR” DA DOPS SOB OS DAS,


DCES E MILITANTES ESTUDANTIS

Volta por cima


Chorei, não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Venha lhe dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima

Volta por cima de Paulo Vanzolini

Recorremos à letra da música de Paulo Vanzolini, “Volta por cima", porque serviu
de inspiração para os estudantes paranaenses em sua (re)organização, enquanto movimento de
luta contra a Ditadura Civil Militar. Os trechos “Levanta sacode a “Poeira” e “dá a volta por
cima”, foram utilizados para nominar o jornal produzido pelos estudantes paranaenses, com
grande repercussão no meio estudantil, em que seus membros contribuíram à organização
estudantil no Paraná, bem como à reconstrução da UNE.
Ao redigir os resultados de uma pesquisa, a preocupação com a clareza na exposição
e organização das ideias deve se fazer presente desde o início do texto. Nesta tese organizamos
a exposição das ideias por meio de tópicos vinculados ao ME Universitário Paranaense, na
tentativa de romper com o uso apenas da cronologia temporal. A opção foi por iniciar com a
contextualização do período; em seguida, organizamos o texto do geral para o singular, com a
clareza de que o todo é a articulação das partes, não como fragmentos, mas como parte do todo.
A intenção é manter o movimento de articulação, com vistas a compreender nosso objeto de
estudo em sua totalidade.
Por isso, este capítulo é destinado às discussões sobre as entidades mais específicas
de representação estudantil, nas universidades e nos cursos, bem como à busca pelas
peculiaridades da militância dos estudantes, sempre em articulação com o geral.
Nos arquivos da polícia política paranaense, encontra-se um número significativo
de dossiês dos DAs (Diretórios Acadêmicos) dos diversos cursos das faculdades e
168

universidades do estado; no total, tivemos acesso a 25 dossiês. Sobre os DCEs, analisamos as


pastas do DCE da Federal, da UEM e da UEL (estas últimas, denominadas, na época, de FUEM
e FUEL, respectivamente).
Na sistematização acerca dos registros sobre o DAs e DCEs, os fatos foram
analisados de forma a respeitar, quando possível, a ordem cronológica dos acontecimentos.

5.1 DOSSIÊS SOBRE OS DCEs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR” DA


DOPS

Os registros sobre os DCEs estão organizados por instituição; no caso da Federal


do Paraná e da UEL constam duas formas de registro - um, denominado de DCE, e outro, de
DCE Livre. Com base nos depoimentos analisados, na documentação e na literatura sobre o
processo de organização estudantil, quando a nomenclatura das entidades estava acrescida do
termo Livre, dizia respeito à organização que não estava vinculada às normas estabelecidas pela
legislação vigente impostas pela ditadura.
A organização dessas entidades, em outros estados, contribuiu ao processo de
reorganização estudantil em nível estadual e nacional. Em nível nacional, é possível identificar
que:
A partir da criação do DCE-livre da USP, Alexandre Vannucchi Leme, a
organização dos estudantes aumentou. Nos outros estados se registraram as
primeiras manifestações. Em Porto Alegre, no dia 16 de março, cerca de 2000
estudantes, professores e funcionários deixaram de almoçar e jantar no
restaurante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em protesto contra
o aumento de 30% no preço das refeições. Em Brasília, em maio, os estudantes
da UnB protestaram contra a suspensão das eleições do Diretório Acadêmico
e proibição de debates sobre temas políticos como o decreto 477 e o AI 5.
(ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 21)

Dessa forma, os demais estados foram retomando e mesmo fortalecendo a


organização das entidades de representação estudantil. No caso do estado do Paraná, objeto
desta pesquisa, a organização das entidades Livres esteve presente e contribuiu para a
reorganização dos estudantes universitários paranaenses, bem como ao processo de
reconstrução da UNE.
Iniciamos a análise dos registros sobre o DCE da Federal, pasta nº 784.84, na qual
é possível recorrer a um número considerável de documentos de 1964 e mesmo de 1963 sobre
o DCE da Federal. São referentes à posse de diretorias das gestões de 1963-64; há, ainda, outros
ofícios redigidos pelo DCE e encaminhados ao então Reitor, para solicitar passagem a fim de
169

participar de eventos da UNE, bem como informando o resultado das eleições para a diretoria
da entidade.
Na página 81 dessa pasta consta um informe denominado “Material Apreendido”,
com o seguinte texto:
Na data de 3 de maio de 1967 foi apreendido o material a seguir relacionado,
na sede do DCE da Universidade Federal do Paraná, que seria usado em
escaramuças contra a ação repressiva da Polícia, no caso de manifestações
estudantis consideradas subversivas da ordem pública.
Relação e especificação do material:
1 (um) estilingue infantil, para arremesso;
2 (dois) pacotes de bolinha de gude, contendo cerca de 30 delas em cada
um dos pacotes. (Pasta nº 748.84, p. 81, grifos nossos)

O texto nos remete à clareza do quão exagerada e extremista era a ação policial
contra os estudantes. As “armas” dos subversivos são instrumentos infantis, em quantidade
irrisória, praticamente nada perante o aparato policial do período.
No dossiê do DCE da Federal (Pasta nº 742.84), consta um relatório redigido pelo
então delegado da DOPS, Ozias Algauer, tendo como assunto os “Restaurantes Universitários”.
No relatório estão algumas informações sobre os restaurantes de responsabilidade da UPE, DCE
e UPEPA71 (União Paranaense dos estudantes pré acadêmicos). O delegado demonstra a
preocupação com as manifestações estudantis por conta das decisões tomadas em relação ao
funcionamento dos restaurantes. Destaca que o restaurante, que funcionava na sede da UPE, foi
fechado por conta da extinção da entidade, conforme legislação nacional. Para minimizar os
impactos do fechamento do referido restaurante, a UPEPA, entidade criada em dezembro de
1968, abriu um restaurante, que se manteve aberto até aquela data (25 de fevereiro de 1969). O
restaurante do DCE também continuava funcionando: “o qual apesar das intervenções havidas
pelo Reitor Flávio Suplicy de Lacerda, continua funcionando, até segunda ordem, visto que, é
plano, arrendar-se o Restaurante para particular” (Pasta nº 742.84, p. 80).
O texto reitera que o restaurante do DCE estava funcionando ilegalmente, uma vez
que, de acordo com a Portaria nº 5373 de 25 de fevereiro de 1969 (mesma data da redação do
relatório), considera-se que a diretoria do DCE foi eleita em desacordo com a Lei, determinando
que novas eleições sejam realizadas e que o Departamento de Educação e Cultura ocupe a sede
do DCE. Além disso, só seria entregue para a diretoria que fosse eleita de acordo com a lei. Por
isso, o delegado prevê que:
Mediante essas intervenções, prevê-se que no começo das aulas, os estudantes
farão manifestações, protestando contra as atitudes tomadas.

71
A pasta destinada à UPEPA (n.º 2329.264) possui três páginas, uma das quais é um relatório que esclarece o
local de funcionamento e a finalidades da entidade.
170

Também, crê-se que haja manifestações, apesar de temorosa diante dos Atos
existentes, mas, pela razão de não haver verbas destinadas ao Restaurante.
Acredita-se que os estudantes criem um clima de insatisfação no meio
universitário, e com isso façam manifestações de ruas e dentro das Faculdades,
isto para o reinicio das aulas. (Pasta nº 742.84, p. 81)

O teor do texto evidencia, como é comum no período, a vigilância sobre as ações


dos estudantes, ou seja, pretende-se ter o controle do ME para que as autoridades possam agir
e impedir ações subversivas, as quais possam prejudicar a gestão e organização da
Universidade, adequada aos moldes do Governo Militar. É o controle e cerceamento das
manifestações estudantis, de qualquer natureza, dentro e fora das instituições escolares.
Ainda na década de 1970, de forma específica, em 1973, ao recorrer ao dossiê
denominado “Movimento Estudantil”, é possível verificar que, no referido ano, foi organizada
uma entidade para representar os estudantes na UFPR, denominada Conselho de Diretórios
Acadêmicos (CDAs). De acordo com informação nº 55/73 da AESI (Assessoria Especial de
Segurança e Informação):
O Conselho dos Diretórios Acadêmicos – CDAs, órgão de representação
estudantil universitária da UFPR, não reconhecido por esta, congrega todos
os Diretórios Acadêmicos, através dos seus Presidentes, representação
estudantil nos órgãos colegiados da UFPR, além das casas de estudante,
reunindo assim toda a representação discente legal da Universidade. É
sustentado pelos Diretórios Acadêmicos legalmente constituídos e mantém
com isto o “Jornal do CDAs”, órgão de divulgação oficial editado pelo CDAs,
o qual, segundo observações feitas pela DSI/MEC, além de noticiar sobre a
Universidade – função própria, vem explorando fatos políticos, intoxicando
o meio estudantil com temas e argumentos anti-democráticos. (Pasta nº
1391.165, p. 02, grifos nossos)

Na mesma informação, outras ações do CDAs são elencadas - uma de 1972, quando
o estudante Ivo Tonet foi punido, com base no 477, por publicar uma matéria do jornal
“Opinião”. Segue o registro realizado pela AESI/UFPR:
No ano último de 1972, o acadêmico de Letras e Artes, IVO TONET, por sua
responsabilidade na publicação do Jornal “Opinião”, órgão de divulgação
sustentado pelo DARPP e da responsabilidade do Centro de Estudos e Letras,
foi punido com o trancamento de sua matrícula e proibição de rematrícula por
três anos pelo Magnifico Reitor da UFPR, aplicando o Decreto 477.
Deste fato recorreu o CDAs, o qual através os seus membros, tentaram forçar
a apreciação do Processo Sumário pelo Conselho Universitário, onde o
próprio interessado já havia feito circular exposição de motivos “a seu modo”,
a todos os seus integrantes, com vistas a modificar-lhe a punição imposta. Tal
manobra não redundou em benefício de IVO TONET, em razão do Processo
encontrar-se em Brasília, nas mãos do Ministro da Educação e Cultura, tendo
sido homologado em 17 de janeiro de 1972, cuja decisão foi publicada no DO
de 22 de janeiro de 1973. (Pasta nº 1391.165, p.02)
171

Destarte, o cerceamento da organização e manifestação estudantil foi enfrentado


pelos estudantes paranaenses e a legislação implementada foi utilizada contra esses estudantes.
Sobre o final da década de 1970, consta a edição de um Boletim com data de abril
de 1979. A informação diz respeito à realização de uma Assembleia Estudantil:
Desde 1968 não são realizadas Assembleias Universitárias na UFPR. Após 6
anos, a realização de uma Assembleia Universitária assume importância muito
grande. Muito Grande mesmo por dois motivos: primeiro, porque serão
discutidos e aprovados os Estatutos do DCE da UFPR; segundo, porque será
a decisão de todos os alunos da Universidade e não de apenas um Setor. É,
portanto, a decisão de cerca de 14.000 estudantes. (Pasta nº 748.84, p. 24)

A partir da análise dos documentos nas três pastas que se referem ao DCE da
Federal, é possível verificar que a reabertura dessa entidade ocorre a partir da realização de um
plebiscito com os estudantes, o qual tinha como finalidade tomar a decisão sobre a reabertura
do DCE. Na Pasta nº 747.84, denominada DCE Livre da UFPR, de acordo com reportagem do
jornal “O Estado do Paraná”, de 07 de abril de 1979, 91% dos votantes optaram pela retomada
das atividades do DCE.
Por meio da análise das pastas vinculadas ao DCE da Federal do Paraná, temos o
dossiê que trata do DCE Livre da UF; os documentos são do final da década de 1970 e início
de 1980, os quais dizem respeito ao processo de reorganização dos estudantes universitários
paranaenses e sua articulação com a reorganização nacional.
Do final da década de 1970, especificamente do ano de 1979, há alguns documentos
da Comissão Pró-DCE, com materiais produzidos pelos estudantes, cuja finalidade era
socializar a necessidade de organização do DCE livre.
Em 1980 foi realizada a eleição para diretoria do DCE, de acordo com o Ofício
Circular nº 09/AER/UFPR (Assessor Especial do Reitor) de 09/06/1980, que tinha como
finalidade encaminhar informações aos órgãos de controle, especialmente à DSI (Divisão de
Segurança e Informações), sobre a eleição para diretoria do DCE. Segundo o ofício duas chapas
concorreram: “Pés no chão” e “Todos no DCE”; votaram mais de cinco mil estudantes, sendo
vencedora a chapa “Pés no chão”. A relação da nova diretoria do DCE/Livre da UFPR segue
com dados pessoais e acadêmicos dos estudantes.
Após relacionar os nomes dos membros da diretoria eleita, segue a análise realizada
pelo redator, então assessor da reitoria:
A Diretoria eleita, de oposição à anterior, partilha com os ideais do Grupo
MUTIRÃO, dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Seus
componentes são adeptos das facções NOVAÇÃO e LIBELU.
A nova Diretoria se propõe a lutar por uma Universidade mais democrata,
voltada para os interesses da população; pelo retorno do geneticista NEWTON
172

FREIRE MAIA à Universidade e, principalmente, pelo fortalecimento da


UNE. Para tanto conclama a participação de todos os universitários. Promete
ser “forte e combativa”. (Pasta 747.84, p. 22, grifos nossos)

Nossos grifos no texto dizem respeito à interpretação da forma como, na década de


1980, o ME era tratado, ou seja, fala-se ainda em facções, enquanto subversão. O mesmo ocorre
quando se colocam em negrito os termos forte e combativa, algo que necessita ser vigiado, que
pode trazer transtornos ao Estado.
Dentre os que compuseram a chapa derrotada encontramos o nome de Marlene
Zanin, militante estudantil do final de 1970 e início de 1980, sobre a qual faremos a análise de
seu depoimento, bem como dos registros realizadas pela DOPS-PR sobre sua militância. Ela
fez parte da diretoria do DCE da UFPR no ano seguinte, junto com Tosca Zamboni.
No dossiê de nº 747.84, consta o Jornal do DCE, de 1982, com matérias sobre a
realização do 34º Congresso da UNE, bem como do 1º Congresso do DCE da Federal. Sobre o
DCE, o jornal destaca a necessidade de retomar a sede da entidade, sendo que:
No final da década de 60, o DCE tinha uma sede, construída especificamente
para a entidade e com proporções que se adequavam às necessidades. Ficava
ali, em cima do RU Central, naquele prédio de cinco andares, hoje chamado
anexo da Reitoria. Em 1969, tendo como desculpa o caráter subversivo do
DCE, o então Reitor da UFPR chamou a Polícia Federal e ordenou a invasão
da sede. Sede invadida, estudantes expulsos, o Reitor de então prometeu que
devolveria assim que o DCE voltasse ao “normal”. E até hoje, aos olhos da
Reitoria, o DCE não se “normalizou”, pois a sede não foi devolvida e, ao
contrário, foi ocupada pela burocracia universitária (Pró-Reitorias,
assessorias, etc.…). (Pasta nº 747.84, p. 05)

A pauta do Congresso, realizado nos dias 24, 25 e 26 de setembro de 1982, tem


como roteiro para discussões: DCE e Política Educacional; UFPR e Política Educacional: A
Universidade Brasileira; Lutas educacionais; Situação Nacional e Congresso da UNE.
Ainda na capital recorremos ao dossiê do DCE da Católica, pasta nº 741.83, na qual
constam informações sobre a realização das eleições para diretoria do DCE no ano de 1976. Há
alguns recortes de jornais que tratam da situação de adiamento das eleições por motivo de
fraude. Os registros sobre a eleição de 1976 demonstram que a disputa estava entre dois grupos:
um considerado de direita e outro de esquerda.
No que tange à organização estudantil no interior do Estado, sobre o DCE da FUEL
temos duas pastas, como já mencionado. Na pasta denominada DCE/Livre da FUEL deparamos
com documentos com data a partir de 1979, em que é possível identificar a articulação de uma
parcela de estudantes com vistas a fundar um DCE livre das imposições da Reitoria. A
173

documentação analisada permite compreender que funcionava, concomitantemente, o DCE da


FUEL; assim, o DCE/Livre foi então criado, em 1980.
Na pasta denominada DCE FUEL encontram-se vários documentos sobre a
organização estudantil da referida Universidade; são informes sobre as atividades realizadas
pelos estudantes, os quais são endossados com anexos, que confirmam os relatos. Como a pasta
possui mais de 200 páginas, vamos recorrer aos documentos com a finalidade de trazer para o
debate os principais acontecimentos.
No final de década de 1970 ainda ocorriam prisões, tortura, censura, enfim, a
vigilância ainda estava presente no dia a dia dos militantes. No caso dos estudantes
universitários do Paraná essa condição está presente. Dentre os exemplos, recorremos ao
Informe de 18 de maio de 1977, da 2ª seção da PM/PR, que tem como assunto: Movimento
Estudantil – Londrina/Pr, que apresenta informações sobre reunião realizada por estudantes
paranaenses para tratar da situação do ME Nacional, da qual resultou um Manifesto de
Solidariedade ao ME. O texto é elucidativo da situação vivenciada pelo ME naquele período.
Transcrevemos alguns trechos, a título de exemplo: “Hoje, nosso país vive momentos difíceis
quando os direitos humanos são sistematicamente desrespeitados e o direito da livre
manifestação e organização vem sendo cada vez mais cerceado pelos mais diversos
instrumentos de repressão” (Pasta nº 745.84, p. 53). Os estudantes, então, na luta pelas
liberdades democráticas, mantêm as mobilizações, mas:
Logo após a circular do Ministro da Justiça, Armando Falcão, (mais uma
tentativa de cercear a nossa liberdade de manifestação, organização e
expressão), foram presos arbitrariamente cerca de 14 estudantes da
Universidade Federal do Paraná, segundo suas entidades representativas.
Esses estudantes haviam sido eleitos para uma comissão organizadora da
Assembleia em apoio aos estudantes de São Paulo, que reivindicavam a
libertação de 4 estudantes e 4 operários presos no início de maio. (Pasta nº
745.84, p. 53)

Na pasta do DCE da FUEL estão arquivadas algumas edições do jornal “Poeira”,


dentre as quais podemos mencionar as duas edições especiais de janeiro e fevereiro de 1978,
com a temática da intervenção da reitoria no DCE. Abaixo, a cópia que consta nos arquivos da
DOPS/PR da edição de janeiro de 1978. Essas edições especiais não estão disponíveis no site
em que se encontram as edições regulares do “Poeira”.
174

No informe nº 143 de 1980, da PM/PR, com difusão para SNI/ACT; DSI/PR 5ª


RM/DE e CI/SESP, denominado Criação do DCE/LIVRE de Londrina/PR, consta o relatório
das atividades realizadas pelos estudantes para criar o DCE Livre, a saber, a realização de uma
reunião:
Na abertura da reunião, falou o estudante Carlos Augusto Dias, dizendo: “A
finalidade desta reunião é a de decidirmos qual a posição que iremos tomar
com relação ao Diretório Estudantil da FUEL, pois vocês sabem que este
Diretório terá todo apoio da Reitoria, e vai fazer o jogo da FUEL. Eu proponho
175

que boicotemos as eleições deles e, se por acaso eles forem participar de algum
encontro, deveremos desmascará-los perante a massa estudantil”. Continuou
dizendo: “O DCE LIVRE já é uma realidade, e nossa missão será ‘pegar no
pé’ da cúpula FUEL e deste regime incoerente” (Pasta nº 744.84, p. 29)

O relatório segue transcrevendo alguns trechos dos discursos proferidos por


estudantes por conta da realização da referida reunião e, por fim, destaca a participação de
Gilberto Berguio Martins:
O último estudante a se manifestar foi o representante da UNE no Paraná,
Gilberto Berguio Martins, o qual falou da importância do DCE/Livre para o
Movimento Estudantil de LONDRINA/PR, elogiou os estudantes que se
manifestaram na reunião, bem como adiantou que os candidatos à presidência
do DCE/LIVRE serão os estudantes CARLOS AUGUSTO DIAS e MÁRIO
LUIZ MILANI. (Pasta nº 744.84, p. 32)

Finaliza com a relação nominal dos participantes da reunião, bem como com o
registro de que o referido evento foi realizado com esquema de segurança, em que vigias se
colocaram em locais estratégicos e não permitiram a entrada de estranhos.
A pasta denominada DCE da FUEL também contempla documentos do DCE-
LIVRE da FUEL, o que é comum nos arquivos ora pesquisados. Nesse dossiê encontra-se o
Informe n.º 155 de 16 de março de 1978, da 22ª seção da PM, que diz respeito às atividades de
José Antônio Tadeu Felismino e Célia Regina de Souza, especialmente no que tange às
contribuições dos estudantes na redação e socialização do jornal do DCE da FUEL, o “Poeira”:
Informamos que José Antonio Tadeu Felismino, ex-Presidente do
DCE/FUEL, na gestão 76/77, não é mais membro efetivo do Grupo Poeira,
porém o mesmo continua na liderança da atual Diretoria, orientando e
doutrinando os atuais membros, pois até o presente, segundo Felismino, a
nova gestão não está correspondendo aos ideais do POEIRA. (Pasta nº 745.84,
p. 08)

Além de Felismino, Célia também é motivo de preocupação dos órgãos de controle,


uma vez que:
Juntamente com CÉLIA REGINA DE SOUZA, igualmente ex-membro do
DCE, ambos são vistos diariamente na sede do Diretório Central, bem como
nas dependências dos Diretórios Setoriais, nas sucessivas reuniões elaboradas
pelos citados Diretórios, Felismino e Célia Regina são os principais
incentivadores às críticas e agressões violentas à Administração da
Universidade. (Pasta nº 745.84, p. 08)

O informe realmente mantém a linha de defesa de que tanto Felismino quanto Célia
são elementos muito influenciadores dos demais estudantes; o trecho abaixo é muito
elucidativo: “O atual Presidente do DCE/FUEL, Carlos Augusto Dias, elemento da mesma
linha do ex-Presidente, embora menos capaz, está sendo doutrinado e levado a agir de acordo
176

com os anseios de Tadeu Felismino, a fim de que o Movimento Estudantil seja novamente
inflamado” (Pasta nº 745.84, p. 08).
Na pasta do DCE livre da FUEL, temos o Informe nº 019/81 da ASI/FUEL, que se
destina a emitir informações sobre a realização do “Ato Público de Protesto, contra a ação de
reintegração de posse do imóvel, ocupado pelo DCE/LIVRE”. Esse informe explicita a luta dos
estudantes do FUEL para recuperar a sede do DCE.
No dia 04.03.81, os representantes do DCE/LIVRE da FUEL, Centros
Acadêmicos Livres (Samuel B. Pessoa –CCS, CA Livre Frei Caneca do Curso
de Comunicação Social e do CE Livre de Biologia) com apoio da União
Paranaense de Estudantes, União Nacional de Estudantes, DCE/UEM,
Sindicato dos Professores de Londrina, Associação de Advogados de
Londrina, Sub-seção da OAB em Londrina, Comitê Londrinense pela
Constituinte, Membros do Diretório Municipal do PMDB e Parlamentares do
PDS e PMDB, promoveram ato público de vigília e protesto contra a tentativa
de cumprimento de ação judicial de reintegração de posse (concessão de
medida liminar) em favor da FUEL, para obter a posse do imóvel de sua
propriedade, localizada à Rua Prefeito Hugo Cabral, 727, o qual se encontra
indevidamente ocupado pelo DCE/LIVRE e Centros Acadêmicos Livres da
FUEL. (Pasta nº 744.84, p. 2)

O texto destaca que o organizador do evento foi Gilberto Berguio Martins, de


maneira que foram realizadas diversas atividades, dentre elas: apresentação de teatro, shows
musicais, pronunciamentos de estudantes e demais autoridades presentes. Consta a relação de
pessoas que fizeram uso da palavra, com destaque para o uso da palavra feito pelo estudante
Amauri Escudero:

Na oportunidade, o estudante Amauri Escudero Martins fez o pronunciamento


mais contundente e agressivo, criticando duramente o Governo e o Exército,
chegando a usar as seguintes expressões: “O GENERAL FIGUEIREDO, O
GENERAL CAVALO”. “O GENERAL LUDWIG, MINISTRO DA
EDUCAÇÃO, ESTEVE NA FRANÇA PARA APRENDER A BATER NOS
ESTUDANTES”; “OS GENERAIS SÃO CORRUPTOS E DEVEM SER
EXPULSOS DO PAÍS”. (Pasta nº 744.84, p. 4. Grifos no original)

O dossiê do DCE da UEM possui apenas cinco páginas, fato que nos chamou a
atenção desde o início da pesquisa. Dessa forma, recorremos aos estudos realizados por
Reginaldo Benedito Dias e ao depoimento de Luiz Donadon. O DCE da UEM foi criado em
1980, resultado das alterações na legislação educacional, desencadeada pela Lei 6.680 de 1979,
bem como pela mobilização dos estudantes em período anterior, em torno de reivindicações
gerais, por exemplo:
Já no final de 1978, os diretórios encaminharam à administração da
universidade, por intermédio de abaixo-assinado subscrito por cerca de 2.000
estudantes, a reivindicação de congelamento de taxas e anuidades.
177

Apresentou-se esta proposta alternativa: congelamento das taxas e


emolumentos, redução do índice de reajuste para 28% e elevação do desconto
concedido aos pagamentos antecipados de 10% para 20%. A mobilização
obteve algum retorno positivo. Embora não revisse os índices de reajuste das
mensalidades, o Conselho de Administração ampliou o desconto sobre
pagamentos antecipados e congelou, por um semestre, as taxas e emolumentos
cobrados por serviços prestados. (DIAS, 2008. p. 66-67)

Em 1979 organizaram as eleições para a diretoria da UNE e mobilizaram-se em


torno da luta pelo congelamento das anuidades e taxas. Sobre as atividades do DCE da FUEM,
no dossiê da Universidades de Maringá, há um Informe da PM2, de 08 de novembro de 1979,
denominado: “Movimento Estudantil – Universidades Estadual de Maringá – UEM”, com
informações sobre uma atividade realizada pelos presidentes dos Diretório Acadêmicos na qual
organizaram uma comitiva para recepcionar o Governador do Estado, em visita a Maringá, com
a finalidade de entregar um documento reivindicatório de verbas para UEM. Também
participaram dessa atividade alguns estudantes da Universidade de Londrina, liderados por
Gilberto Berguio Martin.
O Informe segue com outras informações sobre a organização dos estudantes da
UEM:
4. No dia 26 OUT 79, os alunos previamente escolhidos em Assembleia foram
recebidos na Reitoria da UEM, pelo professor Edson Machado, Secretário da
Educação do Paraná, ocasião em que o mesmo, em nome do Governador,
dialogou com os estudantes e ouviu suas reivindicações. Apesar do
compromisso do Secretário em estudar os problemas que os alunos
apresentaram: “congelamento das anuidades” e “mais verbas para a UEM”,
no dia seguinte, 27 OUT 79, foram distribuídos vários panfletos sobre
“congelamento”, onde os alunos deixam claro que ainda pretendem ir a
CURITIBA/PR para conversarem com o Governador. Diante do fato do Sr.
Secretário ter vindo à MARINGÁ/PR em nome do Sr. Governador, e por
terem os alunos lançado panfletos, o Reitor da UEM afirmou que não marcará
audiência para que os alunos sejam recebidos em CURITIBA/PR pelo Sr.
Chefe do Poder Executivo Estadual. (Pasta nº 2354.268, p. 7)

Em 1980 agregaram a luta pela alimentação barata e de qualidade, reivindicando o


congelamento dos preços do RU. Por isso, não é adequado “reduzir a formação do DCE-UEM
a uma exigência legal de indicação de representação discente. A elevação do nível de
mobilização, marcada pelo afloramento das questões gerais, demandava a formação do DCE e
relação com UPE e UNE” (DIAS, 2008, p. 70).
Concorreram às eleições, para direção do DCE, três chapas: “Vibração”, “Pé no
Chão” e “DCE-Livre”. Como nas demais entidades de representação estudantil, havia a
presença de representantes dos partidos políticos, a saber, PCB, PMDB, PC do B e, nesse
período, alguns estavam ligados ao PT, pela tendência estudantil Libelu.
178

A primeira gestão do DCE da UEM passou por situações adversas, por conta do
posicionamento político levado à frente, sendo que nos primeiros dias de vigência da entidade
ela foi fechada e os membros da diretoria foram alvo de um Inquérito, especialmente em função
da produção e socialização do “Jornal do DCE72”.
Ainda em 1981:
O segundo semestre começou com novos reajustes: anuidades 48,8%; RU,
30%. Os índices se consolidaram, embora fossem chamadas assembleias para
debater o tema. Em 23 de setembro, o DCE e a Aduem encaminharam, com
sucesso, o dia nacional de mobilização, convocado pela UNE e Associação
Nacional dos Docentes do Ensino Superior. Houve paralisação da maior parte
das atividades da UEM. Incidentes ocorridos nessa mobilização geraram,
porém, novo processo disciplinar. (DIAS, 2008, p. 82)

Na pasta nº 746.84, denominada “DCE/ Universidade Estadual de Maringá”, consta


apenas o Informe n.º 210/1981 da ASI/FUEL, com informações sobre as eleições para o DCE
da UEM; sintetiza as propostas das chapas que concorreram às eleições, bem como as
vinculações com as tendências estudantis e/ou partidos políticos. Foram inscritas, novamente,
três chapas: “Travessia”, “Solidariedade” e “Alavanca”, sendo registrado que:

A chapa Travessia liderada pelos estudantes Rodolfo Kisvarday,


representa a ala da Tendência Popular do PMDB e conta com o apoio de
simpatizantes do PCB.
A chapa Alavanca liderada pelo estudante João Batista Barbosa,
representa a ala radical do PMDB, ligada ao PC do B.
A Chapa Solidariedade liderada pelo estudante Ademir Demarch,
militante do Partido dos Trabalhadores, representante do Jornal “O Aflição” e
ligado a OSI (sic) e Convergência Socialista, representa a tendência estudantil
mobilização e luta (antiga libelu). (Pasta nº 746.84, p. 2, grifos no original)

De acordo com o texto do relatório, todas as chapas que concorreram alinham-se


aos movimentos de esquerda. Sobre a chapa vencedora foram relacionadas as principais
bandeiras de lutas, conforme segue:

A Chapa Travessia segundo seu líder Rodolfo Kisvarday, apresenta como


principais bandeiras de Lutas:
- Solução para a crise educacional, com uma Universidade destinada ao
Ensino e Pesquisa e voltada aos interesses regionais, do Estado e do País.
- Democratização da Universidade, através de eleições diretas para a escolha
do Reitor e Diretores de centros;
- Luta por menores reajustes de anuidade;
- Melhores condições de ensino;
- Pela criação de novos centros acadêmicos;

72
Detalhes sobre essa questão podem ser consultados no livro de Reginaldo Benedito Dias: “Uma Universidade
de Ponta cabeça: a ocupação da Reitoria e a luta dos estudantes da UEM pela gratuidade do ensino e pela
democratização da universidade”. EDUEM, 2008.
179

- Pela construção da casa do estudante universitário;


- Por mais verbas para a educação. (Pasta nº 746.84, p. 2)

Os registros demonstram que a luta dos estudantes da UEM, nesse período, está
alinhada à defesa de educação de qualidade; estão direcionados para a realidade da
Universidade. Assim, esse relatório segue com a relação dos componentes da chapa vencedora,
bem como com os dados de qualificação de cada membro da nova diretoria.
Sobre as demais atividades realizadas pelo ME da UEM, foram sistematizadas por
Reginaldo Benedito Dias, como já mencionado nesta pesquisa. O acesso ao trabalho de
Reginaldo foi de extrema relevância para a caracterização do ME paranaense, localizado no
interior do estado. No caso da UEM houve, desde final da década de 1970, processo de
articulação dos estudantes com as lutas gerais, com relação à educação, bem como na luta contra
a Ditadura Civil-Militar. Tal processo culmina com a ocupação da Reitoria, em 1984.
A tomada de decisão, pelos estudantes da UEM, liderados pelo DCE, de ocupar a
reitoria, foi resultado do intenso processo de luta pela gratuidade do ensino superior. Os
reajustes eram exorbitantes, seguiam a lógica econômica do período em que a inflação era muito
alta. Como exemplo, no ano de 1984, o reajuste da mensalidade foi de 68,7%. Dessa forma,
articulou-se a Campanha “Gratuidade Já”, lançada pela UPE.
Sobre a Universidade de Ponta Grossa, criada no mesmo período que UEM e UEL,
não encontramos, num primeiro momento, arquivos sobre o DCE ou demais entidades de
representação estudantil consistentes. No dossiê da UEPG (Pasta n.º 2358.269), constam apenas
recortes de jornais de fevereiro de 1979 com matérias sobre a punição ao estudante Valdemiro
Facin Lanzarin, acadêmico de direito, porque ele teria escrito artigos que teciam críticas à
universidade, os quais foram considerados como ataques.
No jornal Diário do Paraná, de 06 de fevereiro de 1979, consta uma matéria sobre
o fato, denominada “Diretórios contra decisão do reitor de Ponta Grossa”, em que há uma
relação de entidades estudantis que se posicionaram em favor do estudante, dentre as quais o
DA Rocha Pombo, o Setor de Tecnologia, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Centro de
Estudos Geológicos do Paraná e Centro Acadêmico Hugo Simas. Ou seja, havia articulação
entre os estudantes no Estado.
180

5.2 DOSSIÊS SOBRE OS DAs DAS UNIVERSIDADES DO PARANÁ: O “OLHAR DA


DOPS

Faremos neste item uma descrição de quais foram os Diretórios Acadêmicos e, em


seguida, os Centros Acadêmicos que mereceram a “atenção” dos agentes da DOPS/PR, bem
como, de forma sucinta, quais documentos estão arquivados nesses dossiês. Recorremos à
análise de 25 pastas de DAs, sendo uma destinada ao registro de informações sobre vários
diretórios, denominada de Diretórios Acadêmicos, e três dossiês de centros acadêmicos. O
processo de análise dos dossiês foi direcionado para a ordem cronológica dos acontecimentos,
lembrando que alguns deles coincidem com o período, bem como pela distinção entre os DAs
da UFPR, FUEL, UEM e os da UCP.
Na pasta sob nº 719.82, há registros sobre o Diretório Acadêmico de Agronomia e
Veterinária, composto por um manifesto do referido DA, com data de 26 de setembro de 1966,
em que são apresentadas as decisões tomadas na Assembleia Geral dos estudantes; seguem as
decisões:
1. Decretação de GREVE GERAL do D.A.A.V.P. pelo período de 48
horas, a partir da zero hora do dia 27/09/66;
2. Voto de pesar pela situação caótica do Ensino em geral no país, que
demonstra o descaso oficial por este setor vital e decisivo para o futuro da
nação;
3. Voto de apoio irrestrito a todos os demais estudantes do país, nas lutas
e reivindicações ora iniciadas;
4. Voto de repúdio a Lei 4464 (lei Suplicy), e à tentativa de cobrança das
anuidades escolares por parte do governo federal;
5. Repudiar veementemente as arbitrariedades policiais levadas a efeito
nos diversos estados da União, contra estudantes que reivindicam causas
justas;
6. Defender a democratização da Universidade e consequente adequação
a realidade nacional, propugnando pela gratuidade do Ensino. (Pasta nº
719.82, p. 02)

Ainda no ano de 1966, no dossiê do Diretório Bernardo Sayão, da Escola de


Florestas da UFPR, consta um manifesto com os encaminhamentos a partir de uma Assembleia
realizada pelos estudantes desse DA. A título de esclarecimento, vamos reproduzir a síntese
registrada pelos associados do DA Bernardo Sayão, também como um Manifesto, no qual há o
registro de que os estudantes, representados pelo DA Bernardo Sayão, estão alinhados com a
luta do Movimento Estudantil Nacional, na busca de unificação da classe, portanto, colocam-
se ao lado do Movimento Universitário Nacional, no que diz respeito à luta por:
1º - A não implantação de anuidades escolares, que dificultará até mesmo
impedirá a formação universitária, causando atraso ao desenvolvimento do
país.
181

2º - Revogação da Lei de n.º 4.464 (Lei Suplicy) que marginaliza o estudante,


tolhendo-lhe o direito sagrado da Liberdade.
3º - Repudiar as arbitrariedades cometidas contra colegas Acadêmicos, pela
polícia de diversos Estados.
4º - Imediata reforma universitária.
5º - Melhor atendimento financeiro por parte do Gôverno (sic) no que tange
ao ensino.
6º - Maior participação do estudante universitário na vida pública nacional.
7º - Diálogo imediato entre Gôverno (sic) e Estudantes; Com soluções
satisfatórias para a classe Acadêmica do país. (Pasta nº 720.81, p. 02)

Tais lutas coadunam-se com as demandas e encaminhamentos do ME, liderado pela


UPE. Ainda no manifesto está o registro de que os estudantes, associados ao DA Bernardo
Sayão, reconhecem a UPE como entidade de representação estadual, mas não reconhecem toda
e qualquer resolução do XXII Congresso Estadual de Estudantes da UPE73.
No dossiê do Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná (Pasta nº 728.82),
encontram-se arquivados alguns pedidos do DA a DOPS-PR de certidão negativa de
antecedentes políticos e sociais. Tais pedidos são justificados para finalidades como: ingresso
como estagiário em empresas até o pleito por bolsa de estudos. As datas são de 1970, 1971.
Nesse dossiê é possível encontrar alguns documentos da década de 1950, por exemplo, uma
edição do jornal “Dinâmico” de 1951 do DA de Engenharia do Paraná.
Sobre o objeto de nossa pesquisa debruçar-nos-emos sobre a produção de um jornal,
denominado “Integração”, jornal da Engenharia do Paraná. A produção é de 1968, com as
manchetes: “lutamos contra a peg” e “por uma universidade livre”. Dentre as notícias/reflexões,
há uma sobre o Seminário de Política Educacional do Governo (PEG), realizado pela UPE, nos
dias 14, 15 e 16 de junho de 1968, e outra sobre a tese da engenharia para o Congresso da UPE.
Sobre o Seminário da PEG a redação do texto está voltada para esclarecer que o
ME paranaense esteve articulado e mobilizado para não aceitar os dados encaminhados pela
PEG, que a organização do Seminário demonstrou tal articulação e foi uma ação mais ampla,
de luta contra a PEG, não apenas contra algumas medidas, como aconteceu com a implantação
das anuidades. Relata os principais encaminhamentos, as dificuldades do ME e algumas críticas
à organização. Nessa direção destaca que o Seminário pressupõe uma proposta de ensino
universitário que difere, e muito, da PEG.

73
No item anterior, quando analisamos a realização dos Congressos estaduais, transcrevemos um trecho do
relatório redigido por agentes da polícia política do Paraná, que demonstram algumas desavenças entre as decisões
tomadas durante a realização desse congresso. Destaque-se o fato de que essa situação demonstra que o movimento
estudantil é um grupo heterogêneo, que as decisões nem sempre atendem aos interesses individuais, fato que gera
conflitos.
182

No término do texto há uma charge, muito elucidativa da situação do país, frente ao


golpe civil-militar. Demonstra quem participou da “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”, que estava pedindo DemocraCIA74 (Pasta nº 728.82, página 35).
O dossiê de nº 712.82, denominado Diretórios Acadêmicos, contém documentos
referentes a vários DAs. Constam, nele, alguns dados com nome dos Diretórios das
Universidades e Faculdades do Paraná, assim como a relação da diretoria eleita para representar
cada diretório.
Nesse dossiê há um documento produzido pelos estudantes da UFPR (Universidade
Federal do Paraná), o “Jornal do Conselho dos Diretórios Acadêmicos”, de junho de 1971. O
conteúdo do jornal está voltado para esclarecer a função do Conselho de Diretórios
Acadêmicos, bem como as ações que são realizadas por essa entidade.
No jornal as diretorias dos DAs fazem um chamado para que os demais estudantes
participem das comissões estudantis, formadas pelos diretórios, com a finalidade de conhecer
os problemas estudantis. São elas: Comissão para reforma Universitária; Comissão de Verbas;
Comissão para reabertura do DCE; Comissão de divulgação e comissão de artes e cultura.
Nesse jornal os estudantes trazem para o conhecimento de todos os universitários a
questão da obrigatoriedade do esporte na universidade:

Outro dia, numa reunião do Conselho de Diretórios Acadêmicos (DAs),


ficamos surpresos quando os representantes no Conselho Universitário
trouxeram um plano de implantação do esporte na universidade. Quem não
tivesse presença suficiente, faria nas férias (pagando o professor) duas horas
semanais e outros do mesmo naipe para o 1º e 2º anos da universidade. Além
do mais, já era proposta de contratação de 14 professores. Achamos estranho.
Até ontem nossas atléticas batiam-se pelo esporte ante a indiferença da
reitoria. Reviramos o plano em busca de referências sobre as atléticas e os
DAs, mas não havia a mínima menção. Parecia que o esporte iniciava agora,
sem nuca ter havido nada antes. Ficávamos cada vez mais surpresos e formos
ver no plano quais os objetivos do esporte na universidade. (Dossiê nº 717.82,
p. 43 e 47)

Pela redação dos estudantes, fica claro que há uma intenção de influenciar a
formação dos estudantes, por meio da educação física, conforme segue:

O item 3, Objetivos, secção a, dizia: “Propiciar meios para que o estudante


universitário através dos recursos de que dispõe as atividades físicas
recreativas possam não só melhorar a saúde, como também a consciência

74
A grafia da palavra DemocraCIA demonstra que os estudantes querem chamar a atenção do leitor para a
participação dos EUA, por meio da CIA, no processo de implementação do golpe, bem como da consolidação do
Governo após 1964.
183

cívica, o equilíbrio emocional e a adaptação social” (Dossiê nº 717.82, p. 43 e


47).

O texto destaca, ainda, as alterações propostas pelo Conselho Universitário para


que a oferta do esporte fosse possível, dentre elas algumas “reformas” nos espaços da
Universidade que eram medidas consideradas inviáveis para a qualidade do processo de
formação dos universitários. Destacam, ademais, a redação de um Regimento dos Centros de
Desportos e Recreação. No jornal são citados trechos de um Parecer do Conselho de Reitores
sobre o esporte na Universidade:
Circular Geral nº 68/70: “Sem entrar no mérito da questão em si, pois escapa
à finalidade de nosso trabalho, a extinção dos Diretórios Acadêmicos trouxe
um vácuo na formação dos universitários, ou seja, inexiste hoje uma escola de
líderes na Universidade. Verdade seja dita, os Diretórios não eram muito
eficientes neste sentido, mas pelo menos existia a oportunidade. A nosso ver,
não se pode treinar um líder sem treinar liderados, pois ambos formam um
conjunto em interação permanente. E para isto é essencial que a liderança não
se distancie dos liderados. Esta foi, a nosso ver, a falha dos Diretórios. Era
difícil definir a natureza e a que se propunham. Seriam órgãos de
representação estudantil, sindicatos de classe, órgãos de política partidária,
órgãos de doutrinação política, órgãos da vida universitária, ou seriam órgãos
de vida pública? Em indefinido tornava difícil definir a função e conhecerem
o desempenho dos líderes, eles deixavam realmente de ser liderados, e os
líderes deixavam de ser lideres autênticos, tornando-se este um pequeno grupo
ativo e aqueles uma grande massa alheia ou, para usar a expressão atual, uma
grande maioria silenciosa. Isto dava margem a demagogias, distorções, etc.,
que acabaram desvirtuando os Diretórios. (Dossiê nº 717.82, p. 48)

Nesse trecho, destacado pelos próprios universitários sobre a visão dos gestores da
universidade com relação à organização estudantil, é possível verificar a ideologia difundida
nesse período de que os movimentos sociais e demais organizações não possuíam clareza de
suas reivindicações, pois envolviam-se com questões que não lhes diziam respeito, como é o
caso dos estudantes, ao discutirem sobre a política, ou mesmo sobre a economia do país e do
mundo. A proposta é, a partir do esporte, formar líderes que atuem no âmbito da universidade,
nos assuntos restritos, sem envolver-se em assuntos como política, religião e outros.
Outra questão ponderada pelos estudantes é o fato de que a formação de lideranças
estaria vinculada aos interesses de um grupo, que não seriam os estudantes, nem mesmo a classe
trabalhadora, mas aqueles que estavam no poder, seja dentro da Universidade e mesmo no país.
A pasta nº 729.83, do DA de Engenharia Química do Paraná, possui apenas três
laudas, uma de identificação e as outras duas com um informe, redigido pelos estudantes e
direcionado para DOPS/PR, informando sobre os membros da nova diretoria, com data de 24
de setembro de 1970.
184

Sobre o DA Euclides da Cunha, pasta nº 730. 83, foi arquivado o relatório da


diretoria do DA gestão 1973/74, no qual foram registradas todas as ações realizadas por aquela
gestão na cultura, no esporte, entre outras.
A partir da análise dos depoimentos disponibilizados no site do DHPaz, bem como
da leitura de bibliografia sobre as especificidades da ditadura civil-militar no Paraná,
identificaram-se as contribuições do Diretório Acadêmico de Filosofia da UFPR, pasta nº
731.83, o Rocha Pombo, chamado de DARP, efetivando-se como um protagonista do período
de reorganização estudantil no Estado. Todavia, nessa pasta, há poucas páginas com a anotação
de que, da página 4 a 18, elas ficaram ilegíveis na digitalização. Há apenas duas páginas do
jornal Opinião, de maio de 1971.
Outra pasta, destinada ao referido DA, é a nº 736.83, na qual foi possível verificar
a nomenclatura correta do DA, Diretório Acadêmico Rocha Pombo do Paraná, identificado pela
sigla DARPP.
Nos documentos arquivados é possível verificar a mobilização dos estudantes
vinculados ao DARPP contra a implantação do Ensino Pago na UFPR em 1976. Há um relatório
da DOPS/PR, de 28 de setembro de 1976, no qual está registrada a realização de uma
Assembleia Extraordinária do DARPP, na reitoria, com a autorização do reitor. Os temas
debatidos foram:
Além do repúdio a implantação de cobrança de taxas, que segundo eles seria
o caminho da instituição do ensino pago, os estudantes demostraram
desagrado pela política estudantil adotada no Brasil, atualmente, sem atenção
ao estudante, suas necessidades, e, a reforma do ensino. (Pasta nº 736.83, p.
20)

No relatório consta a informação de que participaram aproximadamente 150


pessoas da Assembleia das quais cerca de 90 eram mulheres. Seguem, como anexo do relatório,
os panfletos e textos utilizados pelos estudantes para dialogar sobre o ensino pago.
O DA Jackson de Figueiredo, pasta nº 732.83, conta com um número considerável
de registros, mais de cinquenta páginas, nas quais foi encontrada a informação denominada
“Engraxe seu coturno”, documento distribuído na Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e
Letras – Curitiba/PR. O texto possui seis páginas em que são tecidas críticas à Guerra do Vietnã.
Ainda nessa pasta encontra-se, nas páginas 18 a 21, a cópia de uma carta redigida
sobre as condições do presídio de São Paulo. A referida carta é destinada ao Juiz Corregedor
dos presídios do Estado de São Paulo na qual são apresentadas, de forma evidente, as condições
sub-humanas a que os presos políticos eram submetidos, desde as torturas físicas no período de
interrogatório, às demais arbitrariedades a que os presos políticos eram submetidos. Como não
185

consta no texto da carta nenhuma vinculação com os estudantes, consideramos que foi
arquivada nessa pasta por um equívoco.
Foram apreendidas duas edições do Jornal Ponto de Vista, órgão de divulgação do
DA Jackson de Figueiredo, edições de junho e novembro de 1971. Os conteúdos dessas edições
são vinculados às questões educacionais, sem críticas diretas ao Governo Federal, tampouco
discussão de temas ligados à Ditadura Civil-Militar.
Todavia, consta também uma cópia do Jornal “Tribuna Acadêmica”, edição de abril
de 1968, órgão de divulgação do DA Jackson de Figueiredo nesse período. A título de exemplo,
com vistas a elucidar o contraste entre os dois períodos, seguem as manchetes que estão nas
primeiras páginas do “Tribuna Acadêmica”: “Estudante é fuzilado” e “Visão Geral: o panorama
estudantil do Estado do Paraná”, certamente, uma visão mais clara, portanto, mais crítica das
condições sociais em que estavam inseridos.
A pasta nº 733.83 é denominada Diretórios Acadêmicos de Londrina, na qual é
possível encontrar alguns recortes de jornais com notícias sobre eleições realizadas na FUEL,
a Informação n.º 39 de 1973 do Setor de Segurança e Informação da Rede Ferroviária (11ª
divisão), com disseminação para a DOPS/PR e a AESI/UFPR, em que há a relação dos
presidentes dos DAs e do DCE da FUEL. Nesse informe, evidencia-se o interesse dos
estudantes do DCE de editar um jornal para a circulação entre seus pares, bem como outras
atividades organizadas por eles. Segue trecho final do documento:
MÁRCIO JOSÉ DE ALMEIDA, pretende editar um jornal para os associados
do DCE da Universidade de Londrina, com tiragem de 3.500 exemplos, para
“uma maior participação do estudante”. Em meados de outubro de 1972,
promoveu um debate público entre os quatro candidatos à prefeitura
Municipal de Londrina e os estudantes. (Pasta nº 733.83, p. 8)

O olhar da polícia política para a organização estudantil está presente na década de


1970, pois há controle e socialização das informações que dizem respeito às atividades
organizadas pelos estudantes e mesmo sobre a participação destes em eventos, reuniões entre
outros, considerados como subversivos.
Na análise dos dossiês é possível verificar que o DANC (Diretório Acadêmico Nilo
Cairo), do curso de medicina da UFPR, possui documentos arquivados desde 1944, sendo que
a pasta de nº 735.83, destinada aos registros sobre o referido diretório, contém 229 páginas;
dessas páginas, apenas as primeiras trinta são destinadas a registros entre 1967 a 1972. Os
demais documentos referem-se à década de 1940 e 1950. Os arquivos são de uma riqueza
histórica significativa, sendo que constam documentos sobre a realização do II Congresso
Estadual organizado pela UPE, em 1946.
186

Sobre os documentos do período em apreço nesta tese é possível ter acesso à ata de
Assembleia realizada pelos estudantes vinculados ao DANC, como ao manifesto redigido em
protesto às políticas empreendidas pelo Governo Federal em que é anunciada greve geral;
ademais, manifesto ao povo curitibano redigido após Assembleia Estudantil.
Assim, chamam a atenção alguns comunicados redigidos pelos estudantes e
direcionados à DOPS/PR, em que o teor diz respeito à comunicação de que os estudantes
vinculados ao DANC realizariam, na “Chácara do Alemão”, uma churrascada em homenagem
aos calouros da Faculdade de Medicina. Os comunicados possuem data de 1970, 1971 e 1972,
das gestões 69/70, 70/71 e 71/72 do DANC.
Os documentos remetem à discussão de que os estudantes estavam preocupados
com o olhar da DOPS/PR sobre suas atividades, então, a comunicação do que iriam realizar era
um caminho para evitar situações de repressão. Os documentos também permitem observar que
a atitude de informar a DOPS/PR sobre as atividades estudantis data da década de 1940.
Ainda sobre os DAs citamos o dossiê nº 718.82, o qual é composto por documentos
do Diretório Acadêmico Arnaldo Carnaciali, da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis
e Administração da Universidade Federal do Paraná. Tem apenas seis páginas com um ofício
informando ao delegado da DOPS a nova composição da diretoria do DA para a gestão 1975-
76. Consta, no verso do ofício, o que é comum em outros dossiês, a redação “pesquisado e nada
consta”, com data e assinatura. O mesmo procedimento acontece para o ofício encaminhado
com o resultado das eleições para a diretoria do ano de 1979. Em ambos os ofícios há a relação
dos novos membros da diretoria.
No dossiê denominado “Diretório Acadêmico do Centro Jurídico e Sociais da
UCP”, pasta nº 721.82, o primeiro documento arquivado é um encaminhamento da ASI/FUEL,
com data de 20 de agosto de 1980, tendo como assunto “Composição do Diretório Acadêmico
do Centro de Ciências da Universidade Católica do Paraná”. No mínimo curioso é o fato de vir
da ASI FUEL informações sobre o DA da UCP; a difusão é para DSI/MEC e DSI/SSP/PR. No
texto do encaminhamento há duas informações que estão em anexo à relação da nova diretoria
do referido DA, bem como o fato de que “a referida entidade mantem (sic) intercambio com o
DCE/LIVRE da FUEL” (Pasta nº 721.82, p. 02). Consta também, na pasta, a relação dos
membros da diretoria do DA de 1976.
Sobre o DA de Teologia e Ciências Humanas da UCP, pasta nº 722.82, constam as
inscrições das chapas concorrentes ao DA para a gestão de 1977-78.
187

No dossiê75 referente ao Diretório Acadêmico de Ciências Sociais Aplicadas da


Universidade Federal do Paraná (DASCIESA) estão arquivados recortes de jornal sobre as
manifestações dos universitários em torno da reivindicação de que a situação dos RUs se
resolvesse. A matéria do jornal “Correio de Notícias”, de 08 de novembro de 1979, destaca que
o DACISA (Diretório Acadêmico de Ciências da Saúde) articula o dia da fome. Os estudantes
destacam que o DACISA não tem condições de manter a qualidade das refeições e o baixo
preço, que a reitoria precisa subsidiar financeiramente o RU, porque seria um contrassenso
aumentar o valor da refeição, se a luta dos estudantes é por ensino gratuito e de qualidade.
O RU da DACISA já tinha fechado, no início de 1979, conforme recortes de jornal
que constam no dossiê. As matérias, publicadas no dia 28 de março de 1979, demonstram que,
por questões financeiras, não só o RU da DACISA, mas os demais RUs da Universidade Federal
não estariam conseguindo oferecer refeição de qualidade e com baixo preço, portanto, como
protesto, os estudantes realizaram, no dia 27 de março de 1979, o dia da fome, em que quase
todos os RUs ficaram fechados e os estudantes concentraram-se em frente à reitoria.
Ainda sobre a questão da alimentação dos universitários, consta nesse dossiê
723.82, uma reportagem do jornal Correio de Notícias, do dia 29 de março, sobre o fato de que
os estudantes realizaram uma Assembleia Geral e decidiram manter a luta para reivindicar que
o Governo encaminhasse verbas para a manutenção dos RUs. De acordo com a matéria, mais
de 500 universitários participaram da Assembleia.
Outra atividade organizada pelos estudantes de Curitiba, conforme documentos
arquivados no Dossiê denominado DACIESA, foi uma passeata realizada no dia 08 de
dezembro de 1979 na qual os estudantes foram protestar contra a prisão de universitários
catarinenses que participaram de manifestações “hostis” ao Presidente da República, João
Baptista Figueiredo. Também solicitavam a libertação de presos políticos de São Paulo, Rio de
Janeiro, Pernambuco e Ceará.
De acordo com os recortes de jornal arquivados no dossiê da DACIESA (Pasta n.º
723.82), não houve nenhum incidente durante a passeata que contou com mais de mil
estudantes.
Sobre o DACIESA consta um Boletim Informativo de 16 de maio de 1977 no qual
o Conselho Administrativo desse diretório procurou transmitir para os alunos algumas
informações sobre os acontecimentos no país. Assim:

75
Pasta nº 723.82, denominada “Diretório Acadêmico de Ciências Sociais Aplicadas – DACIESA da UF/PR”.
Todavia, encontramos nesse dossiê vários documentos referentes ao DACISA – Diretório Acadêmico de Ciências
da Saúde, também da Universidade Federal do Paraná.
188

Em São Paulo foram presos estudantes e operários quando distribuíam


convites para as manifestações de 1º de maio.
Houve na mesma cidade manifestações de solidariedade:
80.000 estudantes em greve em São Paulo
10.000 estudantes em ato público em São Paulo
- Manifestações de apoio em Minas Gerais, Rio de Janeiro e em todo o país.
(Pasta nº 723.82, p. 44)

Sobre as ações dos estudantes do Paraná, em relação a esses acontecimentos, o


boletim informa:
Em Curitiba os estudantes se manifestaram através de carta de suas entidades
e por meio de uma reunião amplamente divulgada. Nesta reunião tirou-se a
deliberação de uma Assembleia Metropolitana em solidariedade aos colegas
presos em São Paulo.
Também foi eleita uma ampla comissão para viabilização desta Assembleia
Metropolitana. Na noite do dia 09/05, sem maiores explicações, nove
COLEGAS, que participavam da comissão foram presos.
Tornando-se assim a Assembleia do dia 11/05, não apenas para apoio aos
colegas paulistas, mas com a finalidade de defender os estudantes curitibanos.
(Pasta nº 723.82, p. 44)

Dessa forma, os estudantes organizaram um cronograma de luta em defesa de seus


pares por meio da convocação de uma Assembleia mais ampla com a participação de estudantes
de outros Diretórios Acadêmicos. Há, ainda, o registro de que, no dia 13 de maio de 1977, cerca
de 800 estudantes reuniram-se em frente à reitoria da UFPR e, apesar de forte cerco policial,
decidiram reivindicar aos órgãos de segurança informações sobre os presos, bem como a
imediata soltura deles; ademais, pontuaram que era necessário realizar outra Assembleia em
dois dias, no dia 15 de maio. Nessa Assembleia do dia 15 reuniram-se mais de mil estudantes e
decidiram pela luta em favor de:
1- Encaminhar a formação do DCE-Livre da UFPR.
2- Abaixo assinado pela anistia geral aos presos políticos, retorno dos
banidos e exilados.
3- Sustação dos Inquéritos que correm na Policia Federal contra
estudantes.
4- Término das ameaças e pressões contra líderes estudantis.
5- Ato Público no dia 19/05 – quinta-feira. (Pasta nº 723.82, p. 44)

Dessa forma, evidencia-se a ação dos órgãos de Segurança sobre os estudantes


paranaenses, inclusive com prisões; de outro lado, há a articulação desses estudantes no sentido
de reivindicar a possibilidade de defender os direitos como classe estudantil e trabalhadora.
Ainda sobre a documentação do DACIESA consta, nesse mesmo dossiê, uma cópia
do jornal “Capoeira”, de 1976, que era um órgão de divulgação do DACIESA. O conteúdo é
composto por textos de arte, literatura, informações estudantis e outros. Há a síntese de um
189

texto de Paul Singer: “Interpretação crítica da Economia Brasileira”, a chamada da síntese é: A


crise do “milagre”.
As matérias publicadas demonstram que os estudantes estavam alinhados às
reivindicações mais amplas da sociedade, além das questões educacionais. A título de exemplo
consta o texto redigido pelo professor Luiz Antonio de Oliveira Lima, denominado “O Petróleo
e crise”, no qual discorre sobre o processo de crise que o país vivenciava; ele explica que não
está no aumento do valor do petróleo a única causa da crise econômica brasileira.
Sobre o DA de Ciências Econômicas do Paraná, pasta nº 724.82, encontram-se
algumas páginas avulsas e desorganizadas do que poderia ser um jornal e alguns informes sobre
a realização das eleições para diretoria do DA referentes aos anos de 1970 e 1975. O informe
de 1970 foi redigido pelo DA, destinado à DOPS, evidenciando a realização das eleições e
solicitando a disponibilização de dois agentes de segurança para comparecer nas dependências
do DA com a seguinte justificativa:
[...] Devido estar-se formando horizontes sombrios no sentido da ordem ser
perturbada com a ingerência de terceiros [...] Tal pedido, prende-se ao fato, de
nosso Diretório Acadêmico, após um trabalho permanente de vida estudantil,
ter usufruído de confiança das autoridades constituídas, sem conturbar a
ordem e seria um despropósito acontecer, justamente, no apagar das luzes de
nossa gestão. (Pasta nº 724.82, p. 09)

O texto indica a presença de dois grupos divergentes na constituição do DA, sendo


que um estava alinhado ao Governo, preocupado com a ordem, com as impressões das
autoridades em relação às ações dos estudantes. Ou seja, a presença de organização estudantil
com ideologia considerada de direita é parte da história do ME. A tese afirmada de que a
organização estudantil paranaense esteve alinhada à concepção da esquerda brasileira, não
anula a existência de grupos de estudantes alinhados com a direita.
O DA Clotário Portugal, da Faculdade de Direito de Curitiba, possui uma pasta (nº
725.82), com alguns documentos sobre a organização dos estudantes vinculados a esse DA;
nessa pasta consta a cópia da reportagem do Jornal Diário do Paraná, de 25/05/1979,
denominada: “Diretório ‘Clotário Portugal’, que analisa a revogação dos decretos 228 e 477”.
A análise foi feita pelo Grupo de Estudos do DACP, sendo que os estudantes redigiram um
documento sintetizando as discussões realizadas no encontro.
A exemplo dos demais DAs, os documentos seguem apenas com informações sobre
chapas que concorreram às eleições para diretoria do DACP tendo como última data o ano de
1979.
190

A pasta de nº 726.82 diz respeito às informações sobre o DA 18 de março da


Faculdade de Ciências Econômicas de Apucarana/PR. Novamente deparamo-nos com um
informe da ASI/FUEL (n.º 064/81 de 12 de maio de 1981), sobre a “Composição do DA 18 de
março da Faculdade de Ciências Econômicas de Apucarana/PR”, no qual estão relacionados os
nomes dos membros da diretoria do DA com mandato finalizando em junho de 1981. O informe
segue com dados sobre Paulo Cesar Felisbino da Silva, então secretário geral:
Com referência ao estudante Paulo Cesar Felisbino da Silva, o mesmo possui
registro nesta ASI, contendo os seguintes antecedentes:
- Foi Presidente da União dos Estudantes Secundários de Apucarana, gestão
77/78;
- Mantinha ligações com o Grupo Estudantil Poeira do DCE/FUEL;
- A União dos Estudantes Secundários de Apucarana, através de seu presidente
colaborou financeiramente para a realização da III SEMANA DE
ATUALIDADES promovida pelo DCE/FUEL em 77.
- Através de sua entidade estudantil, enviou uma carta aberta de solidariedade
ao DCE/FUEL, protestando contra a proibição e repressão a realização do
Debate sobre a Constituinte em 1977.
- Foi representante do Jornal Movimento na cidade de Apucarana;
- É membro da diretoria da União Paranaense de Estudantes, gestão 80/81;
- É militante da Tendência Estudantil Viração, mantém ligações com
elementos ligados ao PC do B (Fábio Caldas Mesquita) da diretoria da
UPE.
- Participou do VII CONEG, realizado em Curitiba no período de 12 a
15.02.81. (Pasta nº 726.82, p. 03 e 04, Sublinhado no original, grifos nossos)

A ASI/FUEL contava com muitas informações sobre o estudante; o que não foi
possível, por meio da análise dos documentos da pasta, foi verificar se essas informações foram
solicitadas e quem as solicitou.
Sobre o DA da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Paraná, o DA 2
de julho, os registros sobre as diretorias do DA estão na pasta nº 727.82. A pasta conta ainda
com algumas cópias do jornal “Questão de Leitura” do DA. A análise do jornal permite observar
que as matérias estão direcionadas apenas para assuntos estudantis; não há nenhuma discussão
de cunho mais amplo, bem como nenhuma menção ao Governo Federal, prisões, entre outros.
Seguindo com a análise dos dossiês sobre os DA, constam, na pasta de nº 737.83,
do Diretório de Ciências Agrárias da UFPR, o DASCA, notícias e documentos sobre a
realização das eleições para sua diretoria, bem como da posse da nova diretoria em 1979 e 1980.
Sobre o DA do Setor de Tecnologias da UFPR (DAST), há um material apreendido
pelos agentes da polícia política, elaborado pelos estudantes, que era uma espécie de jornal do
DAST, edição de 1980.
O DAST estava organizando atividades para a discussão do processo de
reorganização estudantil, no ano de 1978, conforme teor dos documentos apreendidos. Um
191

documento denominado “A hora é de lutar” relata a situação da organização estudantil diante


do contexto imposto pelo governo e convoca todos os estudantes para participar de uma reunião,
em 03 de maio de 1978, no Centro Politécnico, cuja pauta era: “DCE – organização, tomada de
posição, tarefas (e distribuição das mesmas)” (Pasta nº 739.83, p. 16-17)
Da Faculdade de Ciências Econômicas da UFPR, que representava estudantes dos
cursos de: Administração, Ciências Contábeis e Economia, há o dossiê do DA Visconde de
Mauá, com relação de estudantes eleitos para a gestão do DA de 1970-71 e de 1972-73. Consta,
ainda, um informe redigido pelos estudantes da gestão 1975-76, direcionado para a DOPS-PR,
com informações da recepção dos calouros, justificando que a atividade não era política:
Salientamos ainda que após a recepção dos vestibulandos desfilarão pela rua
XV de Novembro, no trajeto Reitoria-Praça Osório, ostentando cartazes,
somente a identificação dos cursos, e Universidade.
Comunicamos outrossim que a finalidade de tal manifestação tem o caráter
estritamente festivo, sem qualquer aspecto que contrarie os princípios dessa
delegação. (Pasta nº 738.83, p. 9)

Os estudantes demonstravam preocupação com a vigilância e colocavam-se como


“não subversivos”, ou seja, podiam ser caracterizados como alinhados com os
encaminhamentos do governo civil-militar, ou era uma estratégia por parte deles para não serem
perseguidos.
Sobre os DAs da Universidade Católica do Paraná, no dossiê destinado ao DA Vitor
do Amaral, da Faculdade de Ciências Médicas, também foi apreendido um manifesto elaborado
pelos estudantes do DA, com data de 1966, no qual expressam repúdio às violências cometidas
contra seus pares pelas forças policiais. Outro documento do dossiê é uma edição do jornal “O
crânio”, de outubro de 1971. As matérias do jornal não são de posicionamento claro contra o
Governo; trazem temáticas voltadas para interesses estudantis, entrevistas sobre a profissão,
literatura e outros.
Há outros dois dossiês de DAs da UCP, sendo eles o DA do Centro de Ciências
Jurídicas e Sociais e o DA do Centro de Ciências Biomédicas, nos quais constam apenas relação
de componentes das chapas que concorreram à eleição de diretoria dos DAs.
Todavia, em nova busca por fontes junto ao Arquivo Público do Paraná,
identificamos, também, dois dossiês específicos do CAHS (Centro Acadêmico Hugo Simas),
os quais são extensos, com uma quantidade significativa de documentos arquivados. Foi
possível recorrer a alguns dos documentos dessas pastas, os quais foram apreendidos e serão
analisados nesta tese, em especial as edições do jornal “Folha Acadêmica”. Entretanto, há um
192

número considerável de documentos de outros períodos históricos anteriores, que não dizem
respeito ao recorte desta pesquisa.
Ainda nesse espaço destinado a tratar das entidades de base do ME recorremos aos
arquivos sobre as Casas de Estudantes, com dossiês na DOPS-PR, sendo elas: CEU – Casa do
Estudante Universitário e CEUC – Casa da Estudante Universitária de Curitiba. Uma breve
análise dos documentos arquivados nos dossiês propicia verificar que, no dossiê de nº 172.10,
da Casa do Estudante Universitário, estão recortes de jornais sobre falso interventor na CEU,
no ano de 1977.
No dossiê nº174.19, também da CEU, constam documentos sobre 1968, 1969, bem
como a relação da diretoria da entidade, com data de 1980.
Sobre a CEUC, o dossiê possui apenas cinco páginas (Pasta nº 173.19), as quais
fazem referência aos anos de 1968 com recortes de jornais sobre irregularidades na CEUC no
sentido de violação dos estatutos da entidade.
Nos depoimentos alguns militantes recorrem ao papel relevante exercido pelas
casas do/da estudante, inclusive no processo de reorganização das entidades estudantis uma vez
que, além de receber os estudantes que vinham do interior do estado, eram também espaços
para reuniões e debates.

5.3 LIDERANÇAS ESTUDANTIS SOB A MIRA DA DOPS-PR: DOSSIÊS E FICHAS


INDIVIDUAIS

Outras formas de controle e difusão dos “subversivos”, adotadas pela DOPS-PR,


dizem respeito aos dossiês e às fichas individuais. Nos dossiês estão anexados documentos
pessoais apreendidos nas buscas realizadas pelos agentes desse órgão quando da abordagem
dos suspeitos/subversivos. Nas fichas constam os registros das atividades realizadas pelos ditos
subversivos.
No caso da militância no meio estudantil encontram-se na DOPS-PR os dossiês
individuais e fichas de alguns estudantes paranaenses. Nossa busca por esses documentos
iniciou-se a partir da utilização do levantamento realizado por Rafael Hagemeyer no qual o
autor relaciona os nomes do movimento estudantil “mais conhecidos” pela DOPS-PR. Todavia,
o autor destaca que não foi possível ter acesso às pastas e fichas individuais, o que estava vedado
desde 1995, no caso do Paraná. Quando retornamos, em março de 2017, ao Arquivo Público do
Paraná, a consulta desses arquivos estava disponível.
193

No ano de 2017, por meio da relação de militantes que possuíamos, consultamos as


pastas individuais: Judite Maria Barboza Trindade; Palmira Amâncio da Silva; Luiz Antônio
de Souza Amaral; Elizabeth Franco Fortes; Antônio João Manfio; Berto Luiz Curso; Stenio
Salles Jacob e Vitório Sorotiuk. Esses militantes estiveram articulados ao ME nos primeiros
anos após o golpe de 1964. Do período de reorganização estudantil, consultamos a pasta de
Gilberto Berguio Martin.
No retorno, em 2018, ao Arquivo Público do Paraná a pesquisa nas pastas
individuais foi alargada com uma relação de mais de vinte nomes, os quais foram levantados
especialmente por meio da análise dos depoimentos, disponibilizados online, como já
mencionado nesta tese.
Como forma de visualizar o número de fontes primárias utilizadas, bem como a
presença dos registros individuais nos arquivos da DOPS-PR, elaboramos um quadro com a
relação de militantes pesquisados. Há destaque para o fato de que alguns militantes possuem
tanto o dossiê quanto a ficha individual, conforme relacionado no quadro.
Para fins de análise e socialização desses dados, pauta-se na busca pela
compreensão da vigilância exercida, ou não, pela DOPS-PR, bem como na possibilidade de
dialogar com os registros da polícia política e com as memórias dos militantes. É intenção,
ainda, verificar em que medida o controle esteve presente em cada período da ditadura,
conforme já organizado até aqui.
O período registrado no quadro diz respeito ao momento apresentado pelos registros
nas fichas e/ou dossiês dos fichados, ou seja, a militância pode ter sido iniciada em período
anterior e se estendido. Os dados sobre os depoimentos foram organizados por meio do acervo
disponibilizado pela DHPAZ, já mencionado nesta pesquisa.

Militante Depoimento Ficha Pasta Período


Individual Individual
1. Judite Maria Barbosa Sim Não Sim 1968 a 1973
Trindade
2. Ivo Tonet Não Não Sim 1968 a 1974

3. Luiz Antônio de Souza Amaral Não Não verificado Sim 1966 a 1978
4. Elizabeth Franco Fortes Sim Não verificado Sim 1971 a 1977
5. Antônio João Manfio Sim Não verificado Sim 1968 a 1970
6. Berto Luiz Curvo Não Não verificado Sim 1968 a 1973
7. Stenio Salles Jacob Sim Não verificado Sim 1965;1968
8. Vitório Sorotiuk Sim Não verificado Sim 1966 a1979
194

9. Gilberto Berguio Martin Sim Sim Não 1978 a 1981


10. Tosca Zamboni Sim Sim Não 1980-1982
11. Marlene Zanin Sim Sim Não 1980 - sem
registros
12. Claudio Gamas Fajardo Sim Sim Sim 1977-1981
13. Marcelo Eisi Oikawa Sim Sim Não 1977-1981
14. Luiz Henrique Bona Turra Sim Sim Não 1982
15. Alexandre Zamboni Sim Não Não Não encontrado
16. Geraldo Serathiuk Sim Sim Não 1980-1982
17. José Antonio Tadeu Felismino Sim Sim Sim 1975-1982

18. Luiz Donadon Leal Sim Sim Não 1981/1982


19. Matsuko Mori Barbosa Sim Não Não Não encontrado
20. Noemi Osna Carroconde Sim Sim Sim 1973-74
21. Neusa Pires Cerveira Sim Não Não Não encontrado
22. Rosilei Vilas Boas Sim Não Não Não encontrado
23. Valéria Prochmann Sim Não Não Não encontrado
24. Zenir Teixeira de Almeida Sim Sim Não 1981-1986
25. Ildeu Manso Vieira Junior Sim Sim Não 1980-1983
26. Nilson Monteiro Menezes Sim Sim Sim 1975-1982
27. Ivo Pugnaloni Sim Sim Não 1977-1982
28. Genésio de Natividade Sim Não Não Não encontrado
29. Mario Luiz Antonello Sim Sim Não 1982
30. Vitor Moreschi Filho Sim Sim Não 1979-1981
31. Jorge Modesto Sim Não Não Não encontrado
32. Pedro Paulo Perroni Sim Não Não Não encontrado
33. Dorival Rodrigues Sim Sim Não 1977-1981
34. Jorge Sami Manika Sim Sim Não 1979-1981
35. Mário Bacellar Filho Sim Sim Não 1979-1980
36. Roldão Arruda Não Não Sim 1977 a 1981
37. Célia Regina de Souza Não Sim Não 1975-1981
38. Marília Furtado Andrade Não Sim Não 1976 a 1977
39. Luiza Tiemi Oikawa Não Sim Sim 1977-1981
40. Cleusa Venâncio Monteiro Não Não Não Não encontrado
Fonte: Elaborado pela autora.
Em uma relação de quarenta nomes pesquisados trinta e dois possuíam alguma
forma de registro na DOPS-PR, como ficha ou dossiê. Ou seja, cerca de 80% desses militantes
foram alvo da vigilância da polícia política de forma direta. É necessário destacar que os demais
poderiam ser vigiados de forma indireta, citados em dossiês das entidades de representação
estudantil ou de outros movimentos e mesmo partidos políticos organizados no período. Ainda
sobre os dados supracitados, é possível identificar um número significativo de mulheres, sendo
195

treze, quantidade considerável dadas as condições para a militância em geral e de forma


específica para a presença da mulher nesses espaços de luta.
A análise das pastas/fichas individuais permite a compreensão de algumas
especificidades da organização estudantil paranaense, bem como da ação da DOPS-PR. Sem
perder de vista que a organização dos estudantes foi realizada de forma coletiva é possível
recorrer aos registros das pastas individuais para a compreensão do movimento, que é resultado
do trabalho coletivo.
Todas as fichas e dossiês citados no quadro foram avaliados no decorrer da
pesquisa, todavia, os registros serão direcionados para aqueles que refletem especificidades de
cada período da Ditadura Civil-Militar.
Iniciamos com a apreciação dos registros que trazem características sobre a
militância do período inicial da Ditadura Civil-Militar. Uma especificidade diz respeito ao fato
de que eram feitos no formato de pastas; não encontramos em nossa pesquisa Fichas Individuais
dos militantes desse período pós-golpe.
Assim, no dossiê de Judite Maria Barboza Trindade, constam apenas algumas
páginas com informações pessoais da militante e um manifesto, redigido pelos estudantes, em
que se verifica a anotação de que o manifesto estava sendo distribuído pela fichada e demais
estudantes no dia 12 de setembro de 1968.
Sobre Elizabeth Franco Fortes foram arquivados apenas dados pessoais, com
documentos, uma solicitação do Departamento de Segurança da Telepar a DOPS/PR para
verificar antecedentes de Elizabeth. Consta também uma solicitação de Elizabeth, com data de
15 de fevereiro de 1977, a DOPS/PR, pedindo certidão negativa de antecedentes políticos e
sociais para fins de registro profissional.
Já no dossiê de Vitório Sorotiuk há um número considerável de documentos
arquivados. Incialmente, como nos demais dossiês, encontram-se os dados pessoais e duas fotos
de momentos em que ele foi fichado. Os primeiros documentos dizem respeito à atividade
realizada pelos estudantes paranaenses para receber Vitório no aeroporto, após período de
exílio, quando da aprovação da Lei da Anistia. São panfletos confeccionados pelos estudantes
convidando a massa estudantil para receber o líder; reportagens de jornal sobre a chegada de
Vitório e fotos76 dos seus primeiros momentos no país.

76
No anexo 8 p. 274, uma das páginas com as fotos, possivelmente, de autoria de agentes da polícia política.
196

É possível verificar que a sua chegada foi de repercussão estadual, quiçá, nacional,
tendo sido recebido como um grande líder estudantil, portanto, um subversivo digno de cautela
pelo aparato policial.
Estão no dossiê os autos de declaração de Vitório quando ocorreram suas prisões,
bem como um auto de apreensão em que constam a relação de livros, jornais e demais materiais
subversivos que foram apreendidos com o militante, com data de 10 de agosto de 1966. O auto
de apreensão foi assinado pelo Delegado da DOPS-PR, Ozias Algauer. Como exemplo dos
materiais apreendidos, segue uma parte da lista de quase duas páginas:
“1 livro A Revolução Russa. 1 livro Lenin Vitória Sobre os Sindicatos, 1 livro
O que é Reforma Agraria, 1 livro Política Externa Independente, 1 livro A
Liberdade no mundo Livre [..] 1 Jornal Voz Operária, de maio de 66. 9
números do Jornal O Movimento de 1º de abril de 66, um original do
manifesto PANORAMA BRASILEIRO e O QUE LHE TROUXE O GOLPE
DE ABRIL, datilografado em 33 linhas de papel timbrado (Campanha de
seguros e Previdência do Sul), tudo apreendido em poder de VITORIO
SOROTIUK. (Pasta Individual nº 3639.488, p. 13-14 grifos no original)

Em outro auto de apreensão consta que Vitório estava com cartazes, cujos dizeres
eram ofensivos ao Presidente da República, em 1966. Estão no dossiê alguns textos e trechos
dos jornais que foram apreendidos com Vitório.
Os registros sobre Luiz Antonio de Souza Amaral seguem a mesma dinâmica no
formato de dossiê com arquivo de foto, dados pessoais, uma ficha individual com as atividades
das quais o estudante participou, com datas cujo início era em outubro de 1966 e término em
1978. Em função da má qualidade da documentação não é possível identificar e compreender
alguns registros sobre Luiz. Todavia, encontra-se um Informe do Chefe de Polícia de Segurança
da Delegacia Regional (DR) do Paraná e Santa Catarina, direcionado para o Delegado de Ordem
Política e Social do Paraná, com data de 19 de junho de 1968, relatando que foi instaurado
inquérito contra Luiz Antonio e outras duas pessoas, os quais foram enquadrados no Decreto-
Lei n.º 314 de 13 de março de 1967. Nos artigos que seguem: “Art. 23. Praticar atos destinados
a provocar guerra revolucionária ou subversiva”; Art. 33. Inciso III. “Incitar publicamente: à
animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou instituições civis;”
e Art. 38, inciso: “Constitui, também, propaganda subversiva, quando importe em ameaça ou
atentado à segurança nacional: II a distribuição de jornal, boletim ou panfleto;” (Decreto Lei
n.º 314, 13 de março de 196777).

77 O Decreto Lei 314 de 13 de março de 1967 está disponível no endereço:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0314.htm. A consulta foi realizada em 18 de julho
de 2018. O referido Decreto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 898 de 29 de setembro 1969, que, por sua vez, foi
revogado pela Lei n.º 6.620 de 1978; revogado pela Lei n.º 7.170 de 1983, a qual se encontra em vigor até a
197

O mesmo informe reitera que Luiz Antonio possui ainda outro IPM, o de número
34, de 1967, da DR, o qual incorre nas penas do Art. 3 do Decreto Lei 314: “A segurança
nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa
e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra
revolucionária ou subversiva”.
Nos registros da ficha individual há uma lacuna de anotações, de 1966 até 1970,
sendo que o registro de 1970 refere-se à pena que o fichado precisa cumprir, de um ano de
prisão “por infração do Art. 33, inciso III do Decreto-Lei 314/67, o qual encontra-se recolhido
à Prisão Provisório de Curitiba, em cumprimento da pena” (Pasta Individual nº 2436.416, p. 3)
Os documentos arquivados na pasta de Stênio Sales Jacob também estão em
péssima condição para o pesquisador; a pasta possui 14 páginas nas quais pode-se identificar
um informe relatando os nomes dos estudantes que organizaram passeatas no ano de 1965,
dentre eles, Stênio; o mesmo Manifesto consta na pasta da Judite, com data de setembro de
1968. Fazem parte do dossiê alguns registros em fichas individuais que possivelmente são
referentes às atividades de Stenio.
Na pasta de Berto Luiz Curvo, além do arquivo das fichas com registros das
atividades de que Berto participou entre 1968 a 1970, está um recorte de jornal, sem dados de
identificação, apenas com o registro de que “Berto Curvo, o assessor político da UPE, não
reconhece a liderança de Luiz Travassos, o presidente da extinta União Nacional dos
Estudantes” (Pasta Individual nº 0583.306, p. 4). Tal informação coaduna-se com os recortes
de jornal, já mencionados neste texto, que tratam da questão da divisão da UPE, no ano de 1968.
Outra pasta consultada é a do militante Antonio João Manfio, o qual foi seminarista,
conclusão a que chegamos por meio da análise dos documentos arquivados. Em um recorte
consta a seguinte notícia sem identificação do jornal: “Seminarista vai responder por agressão
a miliciano”. Segue um trecho do texto:
O seminarista Antônio João Manfio, do Instituto Teosófico Nossa Senhora de
Salete, situado na Vila América, será processado por crime de lesões corporais
contra o capitão Sergio Masteck Ramos, da Polícia Militar, praticado durante
os conflitos estudantis de sábado último, nas ruas centrais de Curitiba. João
armou-se com um pedaço de cano de ferro e investiu contra o miliciano,
desferindo-lhe diversos golpes, derrubando-o com ferimentos graves. (Pasta
Individual nº 0346.293, p. 3)

Essa é a versão arquivada pelos agentes da DOPS-PR; em seu depoimento Antonio


João Manfio relata o ocorrido de outra forma: “ficou sabendo que era considerado culpado,

atualidade e: “Define crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo de
julgamento e dá outras providencias”.
198

quando a notícia saiu nos jornais, estava em uma banca de jornal e verificou a manchete.
Imediatamente procurou um advogado que o orientou a ficar foragido. Antonio João Manfio
retornou quando sua prisão foi relaxada” (MANFIO, 2013). O depoimento será retomado no
próximo capítulo.
Nos registros de sua pasta individual constam alguns recortes de jornais com
notícias que se referem à militância de Antônio João Manfio, bem como relatórios/certidões
redigidos pelos agentes da polícia sobre o estudante. Há, ainda, um manifesto assinado por
Antonio João Manfio, quando ele estava à frente do DA da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da UCP. (Pasta nº 0346.293, p.17)
Outro dado recorrente na documentação arquivada pela DOPS-PR, diz respeito à
mistura de documentos nas pastas; encontramos, na pasta de Antônio João Manfio, uma
certidão referente à militância de Stenio Sales Jacob. (Pasta nº 0346.293, p. 28)
Na análise dos registros das fichas verificamos que, no término de cada anotação,
constam as letras V/P e alguma outra palavra, como ASI/FUEL; PMDB, entre outras. Isso nos
leva a considerar que a sigla se refere a ver pasta. Assim, em uma das indicações estava: “V/P
MOVIMENTO ESTUDANTIL 77”. Quando recorremos à pasta denominada identificamos a
militância de Ivo Tonet e de outros estudantes da UFPR, no ano de 1973, auge das
prisões/sequestros e torturas.
O dossiê ME78 (Pasta nº 1391.165) possui relatórios da AESI/UFPR (Assessoria
Especial de Segurança e Informações), ratificando a existência desses departamentos inseridos
nas instituições públicas, como é o caso da ASI/FUEL.
Ivo Tonet, já mencionado nesta tese, também possui um dossiê. Os documentos
arquivados dizem respeito às atividades desenvolvidas por Ivo, bem como cópias dos
documentos pessoais dele.
Dentre os registros é possível identificar um Termo de Declarações de 26 de agosto
de 1968, um Auto de qualificação de 21 de outubro, um Termo de declaração de 25 de outubro,
ambos de 1971.
No Termo de Declaração de 1968 consta, ainda, no verso, a informação de que ele
foi “detido em companhia de Lidair Tochetto, quando pichavam os muros das paredes das
principais ruas de Curitiba, no dia 22-08-69, tendo prestado declarações no DPF” (Pasta
Individual, nº 1704.371, p. 36)

78
Nesse dossiê consta também a informação de Infiltração Comunista no Meio Estudantil Secundarista.
199

Do período de reorganização estudantil deparamo-nos com outra forma de registro


utilizada pela polícia política; são as Fichas Individuais com os dados dos fichados/subversivos.
Nesse caso encontramos a ficha do estudante paranaense Gilberto Berguio Martin, a qual possui
39 páginas. O primeiro registro é de 17 de novembro de 1978 e o último é de 25 de novembro
de 1981.
Curioso nessa forma de registro é a quantidade de anotações sobre o fichado. Havia
um controle significativo sobre os denominados como subversivos/agitadores desse período.
No caso de Gilberto Berguio, em alguns meses as anotações eram quase diárias.
A ficha individual foi redigida com base em informações provenientes de outros
órgãos de Segurança e Informação, por exemplo, da ASI/FUEL, da PM 2, entre outros, o que
esclarece as siglas já mencionadas acima V/P. As anotações são datadas na ficha, quando são
registradas, ou seja, não coincidem com a data da atividade realizada pelo militante79.
Quando pesquisamos os registros realizados pela polícia política sobre os
fundadores do jornal estudantil “Poeira”, deparamos com a seguinte constatação: o início dos
registros é o ano de 1975 para todos que possuem fichas. Outra questão é que, na identificação,
página inicial, consta a vinculação do militante ao Jornal “Poeira”.
São fundadores do Jornal Poeira: Marcelo Eisi Oikawa, Nilson Monteiro, Roldão
Arruda, Célia Regina de Souza, Marilia Furtado Andrade, Luzia Tiemi Oikawa e Cleusa
Venâncio Monteiro. Só não encontramos na pesquisa nos arquivos da DOPS-PR registros
individuais de Cleusa Venâncio Monteiro, pois os demais possuem tais registros.
Marcelo Eisi Oikawa possui uma ficha individual com registros a partir de 1977 e
que vai até 1981; são 14 fichas preenchidas com as informações sobre a movimentação de
Marcelo.
De forma elucidativa recorremos a alguns registros sobre as atividades de Marcelo,
os quais são de participação em reuniões do DCE da FUEL, de palestras com conteúdo
político/social, de socialização de informações sobre manifestos de estudantes e professores,
entre outras:
Em 08/08/79 – Conf. Infão80 (sic) nº 080/ASI/FUEL de 18/05/79, o fichado
esteve presente na Reunião Realizada no dia 08/05/79 na sede da Casa do
Estudante Universitário de Londrina (salão do Restaurante Universitário).
(V/P ASI/FUEl)
Em 24/09/79 – Conf. Infe (sic) nº 758/PM-2 de 18/09/79, o fichado participou
de uma reunião do Conselho Nacional de Entidades Gerais da UNE realizada
durante os dias 07, 08 e 09/09/79 na cidade Universitária da Pontifícia

79
A título de exemplo, segue no anexo 9, p. 275, uma página da Ficha Individual de Gilberto Berguio Martin; as
demais seguiam o mesmo modelo.
80
No texto a abreviatura Infão, refere-se a Informação e Infe a Informe.
200

Universidade Católica de São Paulo. (V/P PMED) (Ficha Individual n.º


28.830, p. 12)

As Fichas Individuais seguem esse formato de registros, como já referido nesta


pesquisa. A vigilância permeou a organização estudantil, bem como a vida pessoal dos
estudantes paranaenses.
A pasta/dossiê de Roldão de Oliveira Arruda e de Marilia Furtado Andrade não
estavam legíveis; de acordo com a funcionária do DEAP, algumas digitalizações deveriam ser
refeitas por conta da má qualidade da visualização, como é o caso dessas supracitadas. Assim,
quando a digitalização foi refeita, as pastas foram encaminhadas por e-mail, sendo possível
analisar o seu conteúdo.
Sobre Roldão Arruda os registros seguem a mesma dinâmica dos demais,
esclarecendo quais entidades ele frequenta com ênfase nas atividades vinculadas ao Poeira.
Nilson Monteiro Menezes possui pasta e ficha individual. A pasta tem apenas três
páginas, praticamente ilegíveis. A ficha individual de Nilson possui registros desde 1975 até
1982. Os registros são muito próximos dos de Roldão, sendo que alguns são reproduzidos em
ambas as fichas.
Marília possui uma pasta individual, com o Informe da PM2 n.º 616 de 1976, com
difusão para: SNI, CISESP (Centro de Informações da Secretaria de Segurança Pública), DPF,
DOPS e 5ª RM/DE. O conteúdo diz respeito ao histórico de militância de Marília desde a
graduação em Pedagogia na FUEL, concluída em 1974:
Durante sua permanência na Universidade, a nominada teria sempre destaque
como elemento simpatizante da área esquerdista estudantil de Londrina,
inclusive teria participado de reuniões estudantis e de palestras de intelectuais
de idêntica tendência. Daria apoio, também, o chamado teatro universitário de
vanguarda (Teatro de Protesto). (Pasta Individual, nº 2641.428, p. 2)

O informe registra, ainda, algumas de suas atividades após o término da graduação


uma vez que, apesar de residir em Belo Horizonte, Marília mantinha-se em contato com o ME
de Londrina participando de algumas atividades subversivas, dentre elas, a vinda de um
estudante da Universidade Federal de Minas Gerais, o qual teria ministrado palestras ao DCE
da FUEL em locais onde só tinham acesso seus membros. Assim:
Teria sido apurado que os assuntos tratados nas reuniões e palestras, referiam-
se a maior participação do DCE/FUEL em assunto de ressonância nacional
como “Combate ao Decreto 477”, “Luta pelos Direitos Humanos”,
“Revogação do AI-5”, “Protestos contra o Ensino Pago” e “Expansão da
Imprensa Estudantil”. O jornal “POEIRA”, teria sido citado como exemplo de
Imprensa Estudantil Livre, o qual deveria ser seguido por todas as
Universidades brasileiras. (Pasta Individual, nº 2641.428, p. 3-4)
201

Marília teria participado de algumas dessas reuniões. Aqui é possível identificar a


articulação do ME paranaense com as questões nacionais, bem como a busca por formação dos
membros engajados nas entidades estudantis.
Célia Regina de Souza possui ficha individual com registros de 1975 até 1981.
Identificada como integrante do grupo “Poeira” – DCE da FUEL, os registros são intensificados
no ano de 1977. Dentre os comentários na ficha um deles diz que a fichada “está sempre
presente em todos os Movimentos de rebeldia e contestações promovidos pelo DCE/FUEL”
(Ficha Individual nº 42.452, p. 4)
Como já mencionado nesta pesquisa, Célia também era motivo de preocupação da
polícia política, visto que sua ficha possui doze páginas. Em um dos registros é possível
verificar a vigilância:
Em 31/03/78 – Conf. Infe nº 155/PMPR de 16/03/78, a fichada juntamente
com José Tadeu Felismino, são vistos diariamente na sede do Diretório
Central, bem como nas dependências dos diversos diretórios Setoriais nas
sucessivas reuniões elaboradas pelos Diretórios, onde são os principais
incentivadores às críticas e violências à administração da Universidade.
(V/P-DCE/FUEL). (Ficha Individual nº 42.452 p. 9 grifos nossos)

Luzia Tiemi Oikawa também possui ficha individual, identificada como integrante
do Grupo “Poeira” da FUEL. Os registros sobre Luzia são desde 1977 até 1981. Dentre as
atividades de Luzia está sua participação em atividades do ME, bem como da vida profissional.
Como exemplo, em 1981, ela viajou, junto com José Tadeu Felismino, Jacira de Oliveira
Venâncio e Marcelo Eisi Oikawa para o Peru com a finalidade de participar de um Encontro
Latino Americano do PC. Na ficha consta o registro de que, na sequência, os citados deveriam
visitar Cuba. Nesse mesmo registro, constam as informações:
A fichada faz parte da equipe de colaboradores do Jornal Alternativo “Fala
Paraná”; é presidente do CEPET, entidade ligada ao PC do B, que promoveu
em fevereiro/81 um Curso de Capacitação Política em Londrina, com a
participação dos ex-guerrilheiros do Araguaia José Genuíno Neto e Wladimir
Pomar. É Simpatizante do PC do B (ala Wladimir Pomar). (Ficha Individual
nº 28.829, p. 6-7)

O relato segue as orientações de identificar as atividades subversivas nas quais os/as


fichados(as) estavam envolvidos.
Recorremos, ademais, aos arquivos sobre José Tadeu Felismino que possui Ficha e
Pasta Individual. Na pasta consta o registro de uma situação em que o estudante foi acusado de
divulgar informações sobre a Universidade, bem como é apresentado o seu posicionamento
como representante do corpo discente no Conselho Administrativo da FUEL quando foi
aprovado o aumento de 35% nas taxas de anuidades. De acordo com o informe da ASI FUEL,
202

as declarações do estudante contêm termos ofensivos à administração da Universidade e críticas


à política educacional do MEC. O documento, redigido pelo estudante, está anexo, denominado
de “Poeira” Edição Especial, Anuidades em 1978: FUEL aumenta mais 35%”; no documento
fica registrado que os estudantes são contrários ao aumento, considerado abusivo. (Pasta
Individual nº 2001.389, p. 8)
Na ficha individual, com 45 páginas, desde 1975, identificamos em um dos registros
que a ASI/FUEL também possui uma forma específica de registros individuais, sendo:
24/02/77 – Conforme Prontuário da FUEL n.º.., o fichado registra os seguintes
assentamentos 06/12/76: o nominado é aluno da FUEL, inicialmente
matriculou-se no curso de direito, posteriormente transferiu sua matrícula para
o curso de comunicações. É militante da política Estudantil, tendo exercido os
seguintes cargos: 1974 – a)- Membro Efetivo do Colegiado dos Cursos de
Biblioteconomia, Educação Artística e Comunicação Social; b)- Presidente do
Diretório Acadêmico do Centro de Comunicação e Artes; 1975 – a) – Vice-
Secretário do Diretório Central de Estudantes, b)- 1976 – Membro Titular do
Conselho de Administração, b) Presidente d Diretório Central dos Estudantes.
Conotação Política: Esquerdista. (Ficha Individual nº 13.208, p. 03)

Enfim, a disseminação organizacional dos órgãos da repressão efetivou-se em todos


os âmbitos, uma vez que, mesmo internamente nas instituições, o controle estava
sistematicamente imposto.
Seguimos com os registros sobre os estudantes da capital, dentre eles: Vitor
Moreschi Filho, com o primeiro registro em 05 de abril de 1979, quando participou como
representante do DCE da UFPR, da sessão Solene de Abertura do Congresso de Fundação do
Comitê Brasileiro pela Anistia de Curitiba, sendo membro da mesa. Foi mapeada a participação
de Vitor nas reuniões de constituição e organização do CDAMA (Comitê de Defesa da
Amazônia e Meio Ambiente), bem como nas atividades organizadas pela UPE, pelo DCE-Livre
da UFPR, pelo PMDB, dentre outras atividades vinculadas às lutas dos diversos movimentos
sociais do período.
Claudio Gamas Fajardo possui pasta e ficha individual; na pasta, está apenas uma
ficha com os dados de Claudio. Já a ficha individual possui 11 páginas com registros a partir
de 1977 até 1981. Assim como nos registros dos demais fichados, o conteúdo diz respeito à
participação de Claudio em atividades organizadas pelos estudantes até 1980; a participação
em atividades vinculadas à luta pela Anistia, bem como organizadas pelo PMDB, em especial
no final da década de 1970 e início de 1980.
Sobre o militante Zenir Teixeira a pasta individual possui registros a partir de 1981
até 1986, apesar de sua militância ter sido iniciada ainda na década de 1970. Os registros dizem
respeito desde sua detenção, em 1981, quando participava do acampamento dos professores no
203

Centro Cívico, até a composição da direção da UPE, em 1982. A partir de 1983 os registros
dizem respeito às atividades de militância em sindicatos de trabalhadores e partidos políticos.
Luiz Henrique Bona Turra também é fichado, com apenas três registros. Na página
de identificação consta a informação de que ele é o Presidente da UPE, em 1983. Sobre as
atividades são todas de 1982 e dizem respeito ao fato de Turra fazer parte da chapa “Pés no
chão” para concorrer às eleições da UPE; pelo fato de participar do XXVI Congresso da UPE,
em 1982, quando abordou “o tema ‘CONJUNTURA NACIONAL’, criticando o governo pelo
‘atual estado de coisas’. (Ficha Individual nº 44.869, p. 2). O último registro é sobre a
participação do fichado no CONEB (Conselho Nacional de Entidades de Base), realizado em
Belo Horizonte, em 17 de julho de 1982.
O militante Ildeu Manso Vieira possui uma ficha individual com 15 páginas nas
quais os registros dizem respeito à sua participação em atividades organizadas pelo CBA
(Comissão Brasileira de Anistia) de Curitiba, pelo PMDB, pela UFPR. Sobre os registros, um
nos chamou a atenção:
30/07/80 - Conf. Infe. nº 265/SI/DSI., de 22/07/80, o fichado esteve presente
na reunião realizada na sede do CBA/Curitiba dia 17/07/80 com o objetivo de
discutir assuntos inerentes a ameaças às bancas de jornais, por venderem
jornais de cunho ideológico de esquerda: Hora do Povo, Movimento, Pasquim
e outros. O nominado foi preso por estar vendendo jornais (Hora do Povo) e
ao se recusar a ser conduzido ao Quartel da PMEP, foi espancado e chamado
de comunista e agitador. – (VP-SI/Informes). (Ficha Individual nº 45.964, p.
9)

Em seu depoimento Ildeu menciona o fato de ter sido detido algumas vezes, inclusive,
por vender o jornal Hora do Povo, conforme registro acima. Sobre as pichações em muros com
dizeres contra a Ditadura, também constam registros em sua ficha, bem como no depoimento
de Ildeu. Na ficha está o registro de que ele participou do Seminário da SEDUNE, do VII
CONEG. Em 1981 participou do XX Congresso da UBES, chamado de Congresso de
Reconstrução da UBES, em outubro de 1981, em Curitiba. Geraldo Seratiuk também participou
desse Congresso.
Com relação aos demais militantes do período final da Ditadura alguns possuem
fichas com um número reduzido de registros. No caso de Marlene Zanin há ficha sem nenhum
registro. Tosca Zamboni também possui ficha com duas páginas de registros. O teor das
anotações sobre a militância de Tosca são da participação nas atividades estudantis e de que ela
é a presidenta do DCE da UFPR. As fichas de Mario Bacellar Filho e Mario Luiz Antonello
também possuem poucas anotações.
204

Esses registros coadunam-se com os depoimentos analisados nesta tese de que


houve vigilância, mas as prisões não foram recorrentes, como na década de 1970, bem como
com relação à tortura. Pode-se aludir a um controle brando no que tange à violência física,
todavia, as demais formas de violência se mantiveram, o medo, as ameaças, a censura.
Nas fichas de Tosca e Turra consta a informação de que eles participaram do XXVI
Congresso da União Paranaense dos Estudantes, realizado no Plenário da Assembleia
Legislativa, de 21 a 23 de maio de 1982. Algo comum é que os registros eram replicados nas
fichas, como nesse exemplo.
A pesquisa nas fichas e dossiês individuais permite verificar quais foram as
atividades desenvolvidas pelos militantes que preocupavam a polícia política, bem como
esclarecer alguns acontecimentos do período, uma vez que é possível encontrar documentos
diversos nos dossiês.
Os registros permitem verificar a dimensão da organização estudantil, de forma
especial a partir da década de 1970. Os trechos, reproduzidos neste capítulo, elucidam a
qualidade do ME paranaense, uma vez que se verificam atividades de mobilização, assim como
de formação para a militância, inclusive no aspecto da Arte, com o teatro, por exemplo.
Outra questão pertinente que pode ser verificada diz respeito à forma como eram
relatadas as atividades dos estudantes, as quais estavam sempre direcionadas para enfatizar e
mesmo “criar” um contexto de subversão, a fim de justificar a vigilância. Ou seja, a busca era
por angariar provas contra os fichados, perseguidos, presos, torturados, sempre com a
justificativa de que os militantes e suas ações representavam perigo para o Governo, para a
democracia, para a manutenção da ordem, enfim, o discurso que foi disseminado durante os
vinte anos de Governo Militar no Brasil.
Reiteramos a intensa organização do aparato repressivo, visto que as fichas
individuais demonstram a força de tal recurso, quando verificamos o número de anotações sobre
os militantes, bem como o número de militantes fichados.
Tendo em vista que os registros nas Fichas Individuais são comuns, ou seja,
repetem-se nos diferentes militantes, é que não recorremos a explicitar sistematicamente todas
as fichas levantadas, conforme tabela apresentada no início do capítulo. Sobre a recorrência de
registros idênticos foi possível verificar, em alguns casos, que até o pronome de tratamento não
é substituído, por exemplo, nos registros destinados às mulheres, mantêm-se o registro “o
fichado”.
205

CAPÍTULO 6 - COM A VOZ OS MILITANTES ESTUDANTIS DO PARANÁ

É mais difícil honrar a memória dos


Anônimos do que a dos renomados.
A construção histórica se dedica à
Memória dos anônimos.
Walter Benjamin81

Essa frase foi utilizada na contracapa do Relatório do grupo de trabalho “Ditadura


e Repressão aos trabalhadores, trabalhadoras e ao Movimento Sindical”, da Comissão Nacional
da Verdade. Ao basearmo-nos nela, neste capítulo, fazemos com a intenção de trazer para o
debate a relevância de utilizar a história oral como fonte para pesquisa. Em especial, desse
período da história brasileira, em que muitos acontecimentos não eram socializados para toda
a sociedade.
No título desta pesquisa colocamos como possibilidade de compreensão a
organização estudantil paranaense, com ênfase na análise do período de 1974-1985, quando
foram considerados pelo menos dois sujeitos desse processo histórico, denominado Ditadura
Civil-Militar: os estudantes, de um lado, e a polícia política, de outro. Até aqui, as considerações
foram tecidas, prioritariamente, com base em documentos escritos, tanto pelos estudantes
quanto pelos agentes da polícia política.
Neste item a proposta é realizar uma análise e registro de depoimentos de estudantes
paranaenses que participaram das atividades lideradas pelas entidades de representação
estudantil das IES bem como as vinculadas à UPE e UNE. Os depoimentos foram coletados por
um projeto do Estado do Paraná denominado: Depoimentos para a História – A Resistência
à Ditadura Militar no Paraná, desenvolvido pela DHPaz - Sociedade Direitos Humanos para
a Paz, em parceria com a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação do
Grupo Tortura Nunca Mais, do Paraná.
O registro realizado nesta pesquisa, no que tange aos depoimentos, é uma
intepretação da autora a partir do banco de dados supracitado. A análise das memórias dos
estudantes foi realizada a partir dos seguintes critérios: a) período de militância, organizados,
como nas demais etapas da pesquisa (aproximadamente período pós-1964 até início da década
de 1970; em seguida as implicações da Operação Marumbi no processo de organização do ME;
e o terceiro grupo, de 1975 a 1986); b) busca pela identificação da participação feminina no
ME; c) identificação do grupo a que o militante pertencia, ou seja, vinculados ao “Poeira”, a

81
Disponível em: http://csbbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/04/Capa-A-luta-dos-trabalhadores-e-
trabalhadoras-por-Verdade-Justiça-e-reparação.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2018.
206

partidos políticos e às tendências estudantis; d) busca por elementos que se coadunam, em


relação ao depoimento e aos documentos arquivados pela DOPS-PR, bem como se há
incongruências entre eles.
Da mesma forma, a “seleção” dos depoimentos partiu da relação de militantes
levantados em nossa pesquisa, no acervo da DOPS-PR, além da análise dos depoimentos, uma
vez que os militantes relataram nomes de colegas que foram seus parceiros de luta; por fim, da
análise do resumo de cada depoimento, disponibilizado no site do DHPaz; após leitura desses
resumos a autora identificou quais depoimentos estariam contribuindo para a pesquisa. É
preciso ressaltar que foram realizados 159 depoimentos de paranaenses que, de alguma forma,
sofreram com as atrocidades cometidas no período ditatorial.
Reiteramos que foi “opção” analisar e mesmo buscar pelos depoimentos das
mulheres em todos os períodos com a intenção de suscitar debate e reflexão sobre a participação
feminina na organização estudantil, especialmente no Paraná. Os registros demonstram que o
número de mulheres no ME é inferior, significativamente, ao de homens. No caso da UPE, foi
só em 1986 que uma mulher assumiu o cargo de presidenta da entidade.
No que tange ao uso dos depoimentos, recorremos aos estudos sobre a história oral como
metodologia de pesquisa. Ao utilizarmos a história oral, estamos lidando com a memória82,
sendo que:
A memória é o principal nutriente da história, mas não se identifica com ela,
assim como a semente não é o passarinho que, não obstante, nutre. A memória
é algo de mais substantivo, tanto do ponto de vista do objeto quanto do sujeito.
Objetivamente, a memória e aquilo de que se lembra: acontecimentos, fatos,
sentimentos, sensações e significados, tudo aquilo que passou pelo campo da
percepção do indivíduo e pelas antenas da sociedade, sendo retido por um e
por outra devolvido diante de qualquer necessidade. Subjetivamente, a
memória é o ato de lembrar, individual ou coletivamente, compreendendo na
sua complexidade, tanto o momento de fixação quanto o de devolução.
(CASTANHO, 2011, p. 11-12)

Nesta direção, as reflexões sobre o uso da memória nesta pesquisa estão permeadas pela
clareza de que ela não é a história, mas a constitui, ou nas palavras de Castanho, nutre-a. Assim,
recorremos ainda aos estudos de Philippe Joutard que, em seu texto “Desafios à história oral do
século XXI”, destaca que um dos desafios da história oral é manter a sua inspiração original,
qual seja:
[...] é preciso respeitar três fidelidades à inspiração original: ouvir a voz dos
excluídos e dos esquecidos; trazer à luz as realidades ‘indiscutíveis’, quer
82
Sobre a questão da memória, recorremos ainda aos demais estudos (não apenas ao texto de Sérgio Castanho)
sistematizados no livro: “História, memória e educação”, organizado por José Claudinei Lombardi; Ana Palmira
Bittencourt S. Casimiro e Lívia Diana Rocha Magalhães, com a finalidade de refletir sobre o uso da memória nos
estudos sobre história da educação, numa perspectiva do materialismo histórico e dialético.
207

dizer, aquelas que a escrita não consegue transmitir; testemunhar as situações


de extremo abandono. (FERREIRA; FERNANDES; VERENA, 2000, p. 33).

Essa pesquisa pressupõe que a história oral pode contribuir para compreensão da
realidade objetiva, especialmente em casos específicos como os períodos ditatoriais quando
nem tudo poderia ou havia interesse de ser ou não registrado, sobretudo as torturas, a pressão,
a perseguição, o medo, a censura entre outros aspectos desse período que ainda estão para serem
entendidos e resolvidos.
Dessa forma, consideram-se os limites que a utilização dessa fonte pode oferecer:
Porém, para que a pesquisa oral desempenhe plenamente seu papel, precisa
reconhecer seus limites e, até, fazer deles uma força. Explico-me: estou
convencido de que a história oral fornece informações preciosas que não
teríamos podido obter sem ela, haja ou não arquivos escritos; mas devemos,
em contrapartida, reconhecer seus limites e aquilo que seus detratores chamam
de suas fraquezas, que são as fraquezas da própria memória, sua formidável
capacidade de esquecer, que pode variar em função do tempo presente, suas
deformações e seus equívocos, sua tendência a lenda e o mito. (FERREIRA;
FERNANDES; VERENA, 2000, p. 34)

Reconhecemos essas limitações, por isso utilizamos de diversas fontes para


realização da pesquisa e sistematização do texto; reiteramos acontecimentos que são recorrentes
tanto nos depoimentos quanto nos registros escritos.
Na análise dos depoimentos houve a busca por elementos novos, não encontrados
na documentação da DOPS-PR e nas literaturas já produzidas sobre o ME, bem como a
sistematização daquilo que se coaduna entre os depoimentos e registros. Ou seja, elencamos os
depoimentos no sentido de alargar a compreensão mais profunda da história do ME paranaense.

6.1 (RE) ARTICULAÇÃO DOS ESTUDANTES PÓS-1964

Como já mencionado nesta pesquisa, imediatamente após o golpe de 1964 o ME


brasileiro foi um dos principais alvos da Ditadura Civil-Militar, portanto, deveria ser
exterminado. Na análise dos depoimentos que seguem, a pretensão é identificar as
especificidades do ME no Paraná diante desse contexto. É preciso ressaltar que o recorte
temporal, proposto nesta pesquisa, não é imutável, uma vez que ele se justifica no sentido de
garantir clareza para o leitor sobre a forma como o período estava organizado.
Como no primeiro período da Ditadura Civil-Militar a organização estudantil
universitária concentrou-se na capital, uma vez que ainda não havia universidades no interior
do estado, os depoimentos estão vinculados à UFPR e à UCP – atualmente PUC. Os militantes
participavam de determinadas organizações, por exemplo, os partidos políticos.
208

Recorremos ao depoimento da militante Elizabeth Franco Fortes83, a qual chegou


em Curitiba em 1964. Ela era do interior do Paraná e foi para a capital com o objetivo de
continuar os estudos tendo cursado jornalismo; iniciou na PUC e, em seguida, cursou dois anos
na Federal do Paraná. Como foi presa em 1968, ficou um ano e meio detida, de forma que
concluiu o curso após esse período de prisão. Relata que, já na finalização do que denominamos
hoje ensino médio, deparou-se com uma condição diferenciada de pensamento, de ver a vida.
Quando chegou à faculdade, em 1966:
A faculdade, tanto a católica quanto a federal, era uma época de ebulição. Uma
época em que está todo mundo discutindo tudo. Eu me lembro que logo que
eu entrei na faculdade católica, em 1966, funcionava ali na rua quinze um
colégio de irmãos, maristas ou dominicanos, eu não lembro bem. A faculdade
era bem no centro, do lado do Teatro Guaíra, tinha um Cine Santa Maria que
funcionava dentro da Universidade mesmo. (FORTES, 2013)

Destaca que o tempo todo estavam passando filmes de qualidade e no Teatro Guaíra
eram encenadas peças de teatro com conteúdo excelente. Então, o período trouxe a
possibilidade de ampliar a visão de mundo, não só pela leitura, mas por outras formas de acesso
à cultura, como mencionado.
Assim, o acesso à cultura, permitiu-lhe uma visão de mundo ampliada, com acesso
a notícias de censura a músicas e peças de teatro, bem como notícias de que pessoas foram
presas e torturadas, por meio da imprensa alternativa. Então, quando estava na Federal do
Paraná, nos anos 1967-68, começou a participar ativamente do ME. Participou do Diretório
Acadêmico Rocha Pombo, fazendo contato com todos os diretórios de todos os demais cursos,
com o diretório central e com a UNE, ou seja, houve uma articulação significativa entre as
entidades de representação estudantil, da qual ela fez parte.
Em outubro de 1968, com o Ato Institucional nº 05, a perseguição aos estudantes
paranaenses foi estabelecida; ela destacou a perseguição aos membros vinculados à UPE, DCE,
bem como aos DAs. Os estudantes entendiam que precisavam resistir. Foram para o Congresso
de Ibiúna com a finalidade de manter a organização estudantil, apesar da repressão. Relatou ela
que foram presos, que havia aproximadamente 20 pessoas do Paraná, dentre elas acredita que
eram cinco mulheres. Foram fichados pelo DEOPS de São Paulo, ficando presos em condições
extremamente precárias. Permaneceram uma semana presos, apenas com a roupa do corpo.
Fizeram uma greve de fome, em função dessas condições. Após uma semana, foram fichados;
em seguida, os estudantes do Paraná foram colocados em um ônibus e entregues, em Curitiba,

83
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/37/o-medo-nao-pode-fazer-
com-que-a-gente-fique-quieta-mesmo-num-tempo-em-que-a-vida-esta-por-um-fio. Acesso em 18 de julho de
2018.
209

em frente à sede da UPE. Ela destaca que eles estavam muito assustados com a situação, que
não sabiam se seria mais adequado descer do ônibus ou permanecer nele.
Após essa tentativa de organização, que não foi exitosa, os estudantes paranaenses,
ainda no ano de 1968, em dezembro, organizaram uma reunião, a ser realizada em Curitiba, no
Sítio do Alemão, quando novamente foram presos. Ela relata que foram presos entre 40 e 45
estudantes, levados para o Quartel do Boqueirão, depois para o presídio do Ahú. Fizeram
algumas perguntas e então selecionaram 15 estudantes para que ficassem presos, sendo treze
homens e duas mulheres, Elizabeth e a Judite. Ela argumenta que não entende qual foi o critério
utilizado pela polícia para “selecionar” esses quinze estudantes.
Depois de dois dias na prisão puderam entrar em contato com advogado e, portanto,
com a família. Em seguida, foram julgados por militares. Relata que alguns militares dormiam
durante o julgamento, isso deixa claro que a decisão final já era conhecida pela polícia. Dez
estudantes foram condenados a quatro anos de prisão e cinco foram condenados a dois anos.
Elizabeth relata que os advogados conseguiram que ela e a Judite pudessem responder em
liberdade; elas foram, inclusive, levadas para casa, mas, algumas horas depois, a polícia foi
buscá-las e, então, ficaram presas. Judite ficou presa por um ano e Elizabeth por um ano e meio.
Durante o período que ficou na prisão ficou sabendo que sua irmã84 também foi
presa, na verdade, que ficou alguns dias desaparecida. Foi torturada pelos militares por uma
semana, na cidade de Foz do Iguaçu, então, devolveram-na para os pais e disseram que foi um
engano. Elizabeth argumenta que tal fato é simplesmente inexplicável, que só poderia ter
ocorrido em um período da história do Brasil que não pode se repetir.
Elizabeth foi solta em 1970, porém, sua casa foi vigiada durante algum período. Ela
tentou voltar para a Universidade, mas não foi aceita num primeiro momento porque as
autoridades argumentaram que ela era uma liderança conhecida e solicitaram que retornasse no
ano seguinte. Todavia, quando retornou para a Universidade Federal do Paraná, com a
finalidade de terminar seus estudos, reprovou em algumas disciplinas, o que ela considerou um
equívoco, até que uma professora orientou que ela procurasse a PUC para finalizar seus estudos,
porque a orientação da UFPR é de que ela permanecesse retida ano após ano até que jubilasse
seu tempo para concluir seus estudos.

84
Ana Beatriz Fortes, irmã de Elizabeth, seu depoimento está disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/19/o-capitao-balbinotti-me-entregou-ao-meu-pai-e-disse-que-
a-prisao-foi-um-engano.
210

Menciona o recolhimento do disco lançado por Chico Buarque, denominado


“Calabar”, o qual foi apreendido pela polícia política porque a capa, em que o título foi escrito
sobre um muro, havia sido considerada subversiva.
Após sua prisão, Elizabeth finalizou os estudos e inseriu-se no mercado de trabalho,
então, sua militância ativa foi suspensa. Ela retoma o fato de que a década de 1970 foi marcada
por grande repressão. Naquele período, muitos militantes estavam exilados fora do país. Assim,
sua militância esteve direcionada para o período em que foi estudante. Ela esteve em algumas
atividades relacionadas com a luta pela Anistia, apenas como participante, não como militante.
O depoimento de Judite Maria Barbosa Trindade, parceira de Elizabeth na prisão,
não está acessível no site; dessa forma, solicitamos via mensagem a disponibilização do
arquivo, mas até o momento da finalização da pesquisa não recebemos retorno. Judite, como
mencionado acima, era a outra estudante presa juntamente com os demais 14 colegas, no
Paraná.
Na descrição do depoimento de Judite é possível verificar que ela é oriunda do ME
secundarista do interior do Estado; veio de Maringá, em 1964, para cursar História na
Universidade Federal do Paraná. Foi detida duas vezes por panfletagem; no dia 17 de dezembro
foi presa no Sítio do Alemão, quando participava da realização do minicongresso da UNE. De
acordo com Judite: “A princípio, achei que seria uma prisão rápida, como as anteriores. No
segundo dia, a ficha caiu” (TRINDADE, 201385). Ela e os demais colegas, 15 ao todo, foram
apresentados à imprensa como se fossem troféus da ditadura, subversivos. Essa forma de
intimidar a população era muito recorrente no período, ou seja, além da força física, o aparato
ideológico, com uso da mídia, tinha um papel de extrema importância para manutenção da
Ditadura por vinte anos.
Judite recebeu pena de 4 anos, mas o castigo foi, em seguida, reduzido para um ano.
Apesar das dificuldades encontradas após sua liberdade finalizou a faculdade e manteve-se nos
movimentos sociais, de forma especial, no movimento pela Anistia.
Noemi Osna Carriconde também era militante estudantil do período posterior ao
golpe de 1964. Militou durante a rearticulação do ME, logo após o Golpe de 1964. Destaca que
a retomada das atividades estudantis ocorreu especialmente a partir de 1965-66. Em contato
com militantes da JUC, ligou-se a esse grupo em meados de 1966. O grupo organizava
comícios-relâmpagos e discussões sobre os Acordos MEC/Usaid. Em 1967 iniciaram-se as

85
Informações disponíveis em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/118/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 18 de julho de 2018.
211

primeiras passeatas contra os Acordos MEC/Usaid, contra o reitor da UFPR, que era indicado,
entre outras questões educacionais.
Foi convidada como jornalista para editar o Jornal da UPE, ela e a colega Teresa
Urban. Ambas foram para Maringá onde editaram e imprimiram o jornal. Nas palavras de
Noemi: “era um jornal que não poupou palavras contra a ditadura, contra os militares, contra a
Guerra do Vietnã. Foi um jornal na época bastante radical, inclusive com charges que foram
consideradas bastante ofensivas pelo exército86” (CARRICONDE, 4’11” a 4’27”).
Trouxeram o jornal para Curitiba, organizaram a distribuição dos exemplares para
o interior e entregaram alguns no RU do prédio da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Assim, o jornal chegou às mãos da polícia, que invadiu novamente a sede da UPE e recolheu
toda edição. Novamente porque, no mês de outubro, a polícia havia recebido uma denúncia de
que a UPE tinha contato com a guerrilha na Bolívia por meio de um aparelho de rádio amador,
então, a sede foi invadida, o aparelho foi apreendido e o presidente da UPE foi preso, Luiz
Antonio Amaral. Organizaram uma passeata grande de estudantes e foram para a frente da sede
da DOPS/PR, exigindo que o Luiz Amaral fosse solto. Ele ficou preso por algumas horas
apenas.
Mesmo sendo considerada uma instituição clandestina, a UPE manteve suas
atividades, com o RU, com passeatas, pichações e panfletagens. Ela participou de algumas
dessas atividades. Com a finalização do curso de jornalismo e com a adesão à AP, ela e o então
companheiro foram para militância em São Paulo e inseriram-se na luta operária. Ficou em São
Paulo o ano de 1968, sendo que faziam panfletagem durante a madrugada em frente às fábricas.
Até que, no final de 1968, com o AI nº 5 implementado, o seu companheiro foi preso. Ela
conseguiu fugir da polícia com ajuda de outros companheiros. Encontrou o pessoal da UPE,
que havia sido preso no Congresso da UNE, no Presídio Tiradentes. O advogado dos estudantes
do Paraná descobriu o paradeiro de seu companheiro, que foi solto após três meses. Após esse
processo exilaram-se por dez anos. Seu depoimento é esclarecedor sobre as condições precárias
que os exilados passaram fora do país.
Em seu depoimento, Stenio Sales Jacob destaca a atuação estudantil, a partir de
1966, em especial em relação ao movimento organizado pelos estudantes no sentido de barrar
a cobrança das anuidades na UFPR. O trabalho foi iniciado no final de 1967 nos cursinhos
vestibulares. No início de 1968, na hora de proceder à matrícula, convenceram os calouros a

86
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/58/passei-dez-anos-no-exilio-e-
foi-uma-vida-vivida-no-exterior-e-um-naco-da-sua-juventude-que-voce-passa-fora. Acesso em 20 de março de
2018.
212

requerer o pedido de isenção da anuidade, que foi aceito por quase 100% dos calouros. Todavia,
alguns decidiram pagar a anuidade. Esse foi só o começo dessa luta contra o ensino pago na
UFPR, que culminou com a batalha do politécnico, em maio de 1968, já relatada nesta tese. Um
dado importante que Stenio traz diz respeito ao valor da anuidade a ser cobrada dos cursos
noturnos, que seria dez vezes maior que os diurnos, fato que causou muita indignação no meio
estudantil.
Foi para o Congresso de Ibiúna, que não se realizou. Diz que acabaram discutindo
o Congresso na prisão Tiradentes. Dos 71 estudantes com prisão preventiva, oito eram
paranaenses, dentre os quais ele, o Vitório Sorotiuk, João Manfio, Berto Curvo, Palmira,
Jurandir, dentre outros. Faz menção ao julgamento, realizado em São Paulo, no qual estavam
doze estudantes e tiveram a pena variada entre 6 meses e um ano e seis meses, o que o levou a
compreender que não havia critério nenhum. Após a Anistia continuou sua militância nos
partidos políticos.
Vitório Sorotiuk, militante estudantil a partir de meados da década de 1960, já em
1965 ingressou no curso de direito na UFPR e inseriu-se no ME; não havia participado do ME
secundarista.
Destaca a relevância da UPE no período em que a entidade administrava o RU, que
servia 5 mil refeições no almoço e 5 mil no jantar; a UPE tinha uma Granja, que era “cuidada”
pelos estudantes, na qual produziam legumes, verdura, entre outros, para servir nas refeições.
A manutenção era realizada em parceria com o governo do Estado, que subsidiava com alguns
gêneros alimentícios.
Retomou a luta dos estudantes contra a Reforma Universitária nos moldes dos
Acordos MEC/Usaid, que culminou com a luta dos estudantes contra a implementação do
ensino pago na UFPR, movimento reconhecido como decisivo para não implementação do
ensino pago, na década de 1960, no Paraná.
Em dezembro de 1968, quando tentaram organizar o Congresso Regional, foram
presos no sítio do Alemão. Assim, Stenio reitera a relevância do ME no processo de organização
da sociedade no sentido de questionar as imposições do Governo Civil-Militar, sendo um
movimento que se articulava aos demais.
Mas, nas suas palavras, o ME não se restringia a fazer manifestações e passeatas.
Havia organização cultural, artística, desde o CPC da UNE, sendo que tais atividades
continuaram. No caso do Paraná recorda que havia o setor de teatro, o TEU – Teatro do
Estudante Universitário. Inclusive, quando ele foi eleito presidente do DCE, em 1968, estava
com a prisão preventiva decretada. No entanto, para tomar posse, precisaria ser dentro da
213

reitoria, em ato público. Então, em parceria com o TEU, organizaram uma peça de teatro:
“Santo Inquérito” e, durante a apresentação da peça, pausaram as cenas e ele tomou posse, de
acordo com o estatuto, ou seja, dentro da reitoria e em público.
Sobre a vigilância/controle das suas atividades relata que, ao ter acesso aos registros
realizados pelo SNI sobre ele, deparou-se com a seguinte situação: após ter cumprido pena de
dois anos e dez meses, quando foi liberado, em 1971, houve a difusão da informação de que ele
estava em liberdade. O teor dessa informação voltava-se para a vigilância de todas as ações de
Vitório:
Eu fui colocado em liberdade em outubro de 1971, não existe nada como
vamos recuperar o preso, onde ele vai trabalhar? Como é que ele vai viver?
Não tem. Na minha ficha da penitenciária do Ahú, consta o seguinte: solto
hoje, 10 de outubro de 1971. Daí consta 11 de outubro de 1971: foram
expedidos ofícios à DOPS, à Polícia Federal e à Justiça Militar, dizendo:
colocamos ele em liberdade. É como dissesse: siga-o. (SOROTIUK, 2014,
29’05’’ à 29’39’’)

Ele relata, ainda, que quando saiu da prisão, em 1971, era um período muito difícil,
com maior número de mortes, que ele chama de período de extermínio, por isso, sua inserção
na sociedade foi difícil. O medo era constante entre as pessoas.
Ainda desse período de reorganização do ME pós-Golpe recorremos ao depoimento
de Antonio João Manfio, que era seminarista e articulou-se ao ME pela via das representações
confessionais; cita sua participação na JUC e AP, com processo de formação de sua militância.
Participou da tomada da reitoria por conta da luta pela não implementação do ensino
pago; ele lembra do fato de arrancarem as estátuas do ex-reitor e Ministro da Educação, Flávio
Suplicy. Participou do Congresso de Ibiúna e ficou preso no presídio Tiradentes.
Em 18 de outubro de 1968 os estudantes fizeram uma manifestação nas ruas de
Curitiba, a qual foi duramente reprimida de modo que o uso da violência esteve muito presente.
Foi nesse dia que um policial, um capitão da polícia militar, foi ferido e que no dia seguinte a
mídia divulgou que Antonio João Manfio foi considerado o agressor, como já mencionado
anteriormente nesta tese.
Quando retornou da clandestinidade era necessário organizar o minicongresso da
UNE, o qual deveria ser realizado em outras regiões do país; essa foi uma estratégia da UNE,
por conta de que não houve possibilidade de realizar o CNE, assim, seriam realizados
minicongressos regionais.
Relata que a divulgação foi feita com a definição de que seria uma churrascada de
estudantes de fim de ano. Os estudantes foram presos e quinze foram indiciados em IPM, dentre
os quais estava Antonio João Manfio. Foi condenado à pena de quatro anos, a qual, no Superior
214

Tribunal Militar, foi reduzida para dois anos. Ele foi condenado, ainda, no IPM de Ibiúna, com
uma pena de dois anos. Dessa forma, ficou preso por dois anos, sendo seis meses em São Paulo
e dezoito meses em Curitiba. Foi libertado em dezembro de 1970.
Os depoimentos esclarecem a condição de intensa tentativa de manutenção da
organização estudantil no Estado pós-1964. Todavia, após o AI nº 5 as condições impostas pela
repressão, a prisão de alguns líderes, a clandestinidade de outros, o uso da mídia para incriminar
os militantes dos diversos setores da sociedade, caracterizados como subversivos, terroristas
entre outros adjetivos, inviabilizaram algumas lutas estudantis.

6.2. OPERAÇÃO MARUMBI: IMPACTOS SOB A ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL

Este subitem foi organizado com a finalidade de discutir em que medida as


especificidades da Operação Marumbi, efetivada no Paraná em setembro de 1975, marcaram a
trajetória do ME paranaense.
Como já recorremos a alguns elementos sobre a Operação Marumbi no primeiro
capítulo, item 1.2, faremos aqui apenas mais alguns esclarecimentos sobre esta ação violenta
desencadeada no estado do Paraná. Leandro Brunelo, em seus estudos, esclarece que o nome
dado a esta operação ocorreu após a mesma ter sido iniciada, sendo que Marumbi diz respeito
a um dos maiores picos da serra do mar paranaense.
Se levarmos em conta a dimensão da Operação Marumbi, o nome pode ser
considerado adequado, uma vez que foram mais de cem pessoas presas em todo o estado, das
quais 65 foram indiciadas. Instalou-se uma situação de terror, as pessoas eram sequestradas,
ninguém tinha nenhuma informação. Foram presas com a justificativa de infringirem o Art. n.º
43 do Decreto-lei 898 de 29 de setembro de 1969, sendo acusadas de rearticularem as bases
partidárias do PCB no Paraná.
Dentre os depoimentos que encontramos no DHPaz chamou a atenção os que dizem
respeito aos irmãos Júlio Manso Vieira e Ildeu Manso Vieira Junior, filhos de Ildeu Manso
Vieira87, preso político paranaense pela Operação Marumbi. A vida pessoal e de militância dos
irmãos foi marcada pela violência com que a referida operação foi implantada no Estado.
Iniciamos com algumas reflexões do depoimento de Júlio Manso Vieira. Júlio
iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista, uma vez que, no período da
Operação Marumbi, era estudante secundarista; destaca as dificuldades da família, naquele

87
Sobre o período em que esteve preso Ildeu produziu um livro: “Memórias Torturadas (e Alegres) de um preso
político”. Nesse texto o militante relata as especificidades do período no Estado do Paraná.
215

período, por conta da prisão do pai. Em 1975 ele tinha 14 anos de idade quando ingressou na
militância estudantil, inserindo-se no Grêmio Estudantil do Colégio “Xavier da Silva” em que
estudava em Curitiba. Relata que, antes da prisão do pai, na escola ele, como representante de
turma, sempre era chamado para hastear a bandeira ou cantar o Hino Nacional. Todavia, com a
prisão do pai, isso não era mais permitido, porque jamais um filho de comunista poderia ser
representante de turma. Ele argumenta: “Esses meus direitos foram cassados. Fui proibido de
hastear a bandeira e ir na frente da minha turma cantar o Hino Nacional”88. Para além do
constrangimento que tal situação trazia houve o aumento do sentimento de luta.
Destaca o fato de sua unidade de educação ser transferida para o Colégio Estadual
do Paraná, momento importante para a militância, uma vez que o CEP era uma instituição com
mais de mil estudantes, sendo que muitos eram engajados na luta por educação de qualidade,
pelo fim da ditadura. Enfim, era um espaço fecundo da organização do ME secundarista.
Reitera a questão de que as entidades de representação dos estudantes secundaristas
paranaenses foram as únicas do país a não serem fechadas pela ditadura militar, ou seja, a UPES
não fechou.
O irmão mais velho de Júlio, Ildeu Manso Vieira Junior, foi preso juntamente ao
pai, no dia 14 de setembro de 1975, quando tinha apenas dezessete anos; ficou no Quartel da
Polícia Federal, no Centro de Curitiba, com os olhos vendados e ouvia os gritos de terror do pai
sendo torturado na cela ao lado. Relata89 que, durante o tempo que passou no Quartel, ouviu
muitos militantes serem torturados; alguns foram submetidos ao que era chamado de “caldo da
verdade” - havia um local onde os militares (todos à paisana) urinavam e defecavam; os
militantes mais resistentes eram afogados nesse líquido.
O rapaz foi liberado durante a madrugada; o pai ficou preso por três anos. Quando
chegou em casa deparou-se com a casa cheia de elementos, todos à paisana, e sua família estava
em cárcere privado, uma vez que os elementos estavam fortemente armados e levaram vários
livros e demais anotações e documentos de seu pai.
Destaca que foi a partir da prisão do pai que ingressou na militância, por meio do
movimento estudantil, engajando-se na luta contra a ditadura. Relata que foi preso várias vezes
por distribuir o jornal “Hora do Povo”, pichar muros, entre outros. Foram prisões rápidas nas
quais ele foi fichado e então liberado. Ficou na militância, na luta pela Anistia, pelas Diretas

88
Depoimentos disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/43/minha-vida-tem-muita-
relacao-com-a-vida-democratica-desse-pais-minha-trajetoria-politica-comeca-em-1975-com-a-prisao-do-meu-
pai Acesso em 23 de fevereiro de 2018.
89
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/33/a-partir-da-prisao-com-meu-
pai-aos-17-anos-me-tornei-efetivamente-um-militante-de-esquerda. Acesso em 23 de fevereiro de 2018.
216

Já. Reitera a importância do DANC (Diretório Acadêmico Nilo Cairo), enquanto entidade que
se mantinha como liderança na organização da esquerda estudantil em Curitiba. Contribuiu para
o processo de redemocratização do país e destaca, ainda, que recebiam cartas ameaçadoras do
CCC.
De forma indireta a militância de José Tadeu Felismino foi perpassada pela
Operação Marumbi; quando questionado sobre como esse fato refletiu dentro da Universidade,
destaca que, logo após a eleição para o DCE e demais diretórios da FUEL, ficaram sabendo da
Operação Marumbi, mas que, na época, não tinham conhecimento do nome, apenas que haviam
ocorrido sequestros. Relata que um professor da Universidade, que era diretor de centro (CCS
– Centro de Ciências da Saúde), foi preso: Nelson Ferreira dos Santos. Recorda que foi um
momento de grande tensão, pois era uma época em que as pessoas desapareciam.
De qualquer forma, os estudantes que faziam parte da diretoria do DCE tomaram a
decisão de, no discurso da posse de Nilson Monteiro (diretor eleito para nova gestão do DCE),
denunciar as prisões que estavam acontecendo em todo estado, mas que ninguém comentava.
Felismino relata que, apesar de toda tensão gerada pela atitude do DCE da FUEL, o então
presidente fez a leitura do discurso redigido pelo coletivo de estudantes. Durante dias eles
ensaiaram e elaboraram esse discurso. Importante destacar que a posse dos membros da
diretoria do DCE e demais entidades acontecia numa cerimônia oficial da Universidade em que
se faziam presentes todos os diretores de centro e demais autoridades da instituição. Portanto,
naquela cerimônia, um membro estava ausente, ou seja, o professor Nelson (Nelsão).
Comenta que, alguns dias após o discurso, o professor Nelson foi solto, assim como
outros presos políticos. Entretanto, o discurso de posse referiu-se apenas ao professor Nelson.
Em sua dissertação de mestrado Felismino discorre sobre as repercussões dessa atitude do DCE
e mais especificamente do jornal Poeira, uma vez que essa decisão política teve repercussões.
Na edição número 11 de novembro de 1975 do jornal Poeira90 os estudantes
publicaram sobre a cerimônia de posse e a prisão do professor. Na página 8 encontra-se a
transcrição da carta, lida pelo então Presidente do DCE, bem como o relato da organização da
cerimonia e a libertação do professor, após 17 dias preso.
Foi um ato de grande ousadia dos estudantes uma vez que, além da leitura da carta
durante a cerimônia, houve também a sua reprodução no jornal de grande circulação no meio
universitário. Nas primeiras linhas da carta o registro era de que havia muitos problemas que
afligiam os estudantes como as condições estruturais dos diversos cursos e a legislação que

90
Disponível em: https://issuu.com/jornalpoeira/docs/poeira_1975_11. Acesso em 07 de março de 2018.
217

cerceava a organização estudantil - dentre elas, mencionavam o Decreto 477. Mas, naquela
ocasião, os estudantes decidiram direcionar a discussão para:
Assuntos não nos faltam, as reivindicações são muitas. No entanto, somos
obrigados a falar pouco sobre tudo isto. No entanto, somos obrigados a
comunicar, consternados, que a nossa Universidade já não está imune à onda
de prisões que assola o pais.
Foi preso no último dia 11, o professor e diretor do Centro de Ciências da
Saúde, da Universidade Estadual de Londrina, Nelson Rodrigues dos Santos.
Esta prisão acontece em meio a um clima de pânico na comunidade, criado
por diversas prisões ocorridas também em Londrina e região nos últimos dias.
Essas prisões, sem exceção, são feitas em sigilo, sem que o prisioneiro e sua
família saibam para onde é levado, de que é acusado e por quanto tempo
permanecerá detido. (POEIRA, 1975, p. 08)

O depoimento de Felismino esclarece a forma como a Operação Marumbi foi levada


ao interior do Estado; que o clima era de terror e silêncio uma vez que praticamente ninguém
sabia o que estava acontecendo e, quem tinha alguma informação, estava sufocado pelo medo.
Outro depoimento que elucida especificidades do ME, no período da Operação
Marumbi, é o de Narciso porque o período de sua militância diz respeito aos anos iniciais da
década de 1970, culminando com sua prisão pela referida operação; os registros de sua
militância inserem-se nesse período mais nefasto da ditadura no Paraná.
Na capital do Estado Antônio Narciso Pires de Oliveira ingressou na UFPR no
curso de jornalismo em 1970. Todavia, era oriundo do ME secundarista quando estudou na
cidade de Apucarana, chegando a assumir a presidência da União dos Estudantes de Apucarana
em 1968. Desde 1966 militava no ME, tendo como companheiros na UEA (União dos
Estudantes de Arapongas) Três Reis e José Idésio, ambos assassinados devido à militância,
primeiro no ME e depois nos partidos de esquerda.
Argumenta que os relatórios produzidos pelo exército não foram disponibilizados
para consulta. No ME universitário Narciso vinculou-se ao DARPP. A trajetória de luta dele é
significativa militando do ME logo nos primeiros anos após o Golpe de 1964. Ficou preso por
dois anos, de 1975 a 1977.
Relata as dificuldades enfrentadas pelos presos políticos que buscavam manter-se
organizados na prisão, estudando e debatendo a realidade do país. Que sua vida pessoal, assim
como a dos demais colegas, foi marcada pela violência física e psicológica desse período.
Do interior do Estado contamos com a análise do depoimento de Nilson Monteiro,
o qual foi o estudante da FUEL que, na cerimônia de sua posse, na diretoria do DCE, denunciou
a prisão do professor da FUEL pela Operação Marumbi como mencionado anteriormente.
218

Lembra emocionado do discurso que proferiu com a finalidade de denunciar mais essa
atrocidade cometida pelos órgãos de repressão.
Esses são alguns exemplos de pessoas que foram “vítimas” diretas da violência
desencadeada pela Operação Marumbi. É uma pequena mostra das consequências negativas
desse período em que pessoas e suas famílias foram prejudicadas por lutar pela liberdade de
expressão, por educação de qualidade, por direitos básicos da vida humana.

6.3. PARTÍCIPES DO PROCESSO DE (RE) ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL

No processo de reconstrução do ME Universitário paranaense é possível identificar,


por meio dos depoimentos, a inserção dos militantes em grupos, tais como: vinculados ao MR
8; ao Jornal “Poeira”; e aos DCEs Livres da FUEL e da UFPR, bem como estudantes vinculados
ao DARPP, DASCISA, DNC e às demais entidades de representação estudantil de outras
regiões do Estado.
Alguns depoimentos de militantes do ME paranaense serão retomados neste item,
o qual é dedicado a trazer para o debate o processo de (re) construção das entidades de
representação estudantil, inclusive no interior do Estado. Ainda, manteremos a metodologia de
relacionar as memórias dos estudantes com as memórias produzidas e arquivadas pela polícia
política.
Para realizar a análise dos depoimentos, mais uma vez a tentativa foi de manter,
como fio condutor, o período de atuação no ME Universitário tendo, porém, a clareza da
dinâmica do ME ao qual, por conta do processo de formação acadêmica, sempre são agregados
novos militantes ao passo que alguns vão finalizando a formação.
Como nos itens anteriores manteremos a apresentação dos depoimentos pela ordem
cronológica, lembrando que alguns militaram em um mesmo período. Iniciamos com os
estudantes vinculados ao “Poeira”, oriundos da FUEL.
Dessa forma, com base na pesquisa de Felismino, iniciaremos com os depoimentos
disponíveis dos fundadores do jornal:
[...] consideramos fundadores do jornal “Poeira” um grupo de sete estudantes,
sendo seis deles (parte do grupo de quinze) de Londrina, egressos do
movimento estudantil secundarista de 1968, que participaram ativamente de
atividades culturais da União Londrinense de Estudantes Secundaristas –
ULES e de algumas ações reivindicatórias e de protesto em seus colégios, e
eram próximos a militantes do PCBR (Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário, dissidência do PCB) que fugiram de Londrina após o AI-5,
em 1969; juntos e ligados por fortes laços de amizade, esses seis entraram na
UEL em 1971 e participaram de forma constante e consistente de todas as
219

ações do movimento estudantil e do jornal Poeira enquanto foram alunos da


universidade, até 1977 ou 1978. São eles: Marcelo Oikawa (jornalista), Célia
Regina de Souza (economista e jornalista), Cleusa Venâncio Monteiro
(professora), Roldão Oliveira Arruda (jornalista), Luzia Tiemi Oikawa
(socióloga) e Nilson Monteiro Menezes (jornalista). (FELISMINO, 2016, p.
83)

Sobre o sétimo integrante era uma estudante de pedagogia, Marília Furtado


Andrade, a qual participou apenas do processo de constituição do jornal, mudando-se para São
Paulo, no final de 1974, porque era ligada ao PC do B e porque havia rumores de que ela poderia
ser presa em Londrina.
Marcelo Eisi Okawa91, militante estudantil desde o final da década de 1960, em
Londrina, destaca que, com o AI n.º 5, a militância ficou restrita; em Londrina, houve a
articulação do movimento estudantil secundarista por meio da Associação Londrinense de
Estudantes Secundaristas, que, em sua sede, organizava atividades de cunho cultural, tais como
teatro e literatura, bem como jornalismo. O movimento conseguiu sobreviver até 1971, quando
foram desencadeadas no Estado, especificamente em Apucarana, prisões de diversos líderes, o
que causou uma dispersão de militantes em Londrina; alguns exilaram-se no Chile.
Em seu depoimento Marcelo retoma a relevância da “Guerra de Porecatu 92” com a
militância de um grande líder, Manoel Jacinto Correia, que contribuiu de forma decisiva para a
organização dos sindicatos de trabalhadores rurais no norte do Paraná. A experiência de
Porecatu foi levada para a organização dos partidos de esquerda na região de Londrina bem
como, no início da década de 1960, para a organização do movimento estudantil secundarista,
com a militância dos filhos de Manoel Jacinto.
Em 1968, Marcelo era militante no ME Secundarista de Londrina. Com o advento
do AI nº 5, os estudantes, a fim de manter as atividades de organização, utilizaram a sede da
União Londrinense de Estudantes Secundários para realizar suas atividades, como mencionado
acima.
Marcelo foi militante do grupo de estudantes que criaram o “Poeira”; ele relata,
como os demais, a relevância desse grupo para a articulação do ME no interior do Estado, bem
como para reorganização do ME, em nível nacional. De acordo com Marcelo, o “Poeira” foi
resultado da utilização, pelos estudantes universitários, das mesmas técnicas efetivadas pelos

91
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/91/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 02 de junho de 2018.
92
Dentre as referências que tratam sobre está atividade, mencionamos o artigo disponível em:
http://books.scielo.org/id/k4vrh/pdf/priori-9788576285878-11.pdf
220

militantes que articularam a Guerra de Porecatu93. A revolta de Porecatu aconteceu nas décadas
de 1940 e 1950 no interior do Paraná. Foi um conflito de terras, que ocorreu no Norte do Paraná,
entre posseiros e grileiros, uma vez que a partir de 1930 teve início o processo de colonização
dessa região, atraindo posseiros, pequenos proprietários e demais trabalhadores, na grande
maioria oriundos do Estado de São Paulo. Esse processo aconteceu da seguinte forma:
Primeiramente, a colonização ocorreu em pequenas posses de terra, por meio
de plantio de café, de culturas alimentares e de criação de porcos;
posteriormente, em meados dos anos 1940, a organização da propriedade de
terra foi realizada com a presença de grandes grileiros, que expulsavam os
posseiros e estruturaram as suas propriedades com base no cultivo do café, na
criação de gado, na plantação de cana-de-açúcar, associados ao trabalho
assalariado. (PRIORI, et. al., 2012, p. 128-129)

Os grileiros para apropriarem-se das terras dos posseiros, utilizavam-se de jagunços


e da polícia para expulsar e tomar a terra dos posseiros. Essa situação gerou resistência por parte
do posseiros, a qual tornou-se resistência armada:
Os conflitos armados tiveram início no final de 1948 e só foram
desmobilizados em julho de 1951, com a presença das tropas da Polícia Militar
do Estado e de agentes das Delegacias Especializadas de Ordem Política e
Social (DOPS) de São Paulo e do Paraná. A resistência armada dos posseiros
de Porecatu marcou a região, que se constitui em alvo de grandes reportagens
nos principais diários do país e em órgãos de imprensa periódica, como a
Revista O Cruzeiro e o semanário Voz Operaria, órgão do Partido Comunista
do Brasil (PCB). (PRIORI, et al. 2012, p. 130)

O PCB interveio na organização do movimento, no sentido de fortalecer a


organização e garantir a manutenção do mesmo. Dessa forma, no estudo sobre a revolta de
Porecatu é possível verificar que as atividades culturais realmente eram intencionais para o
processo de formação dos trabalhadores:
[...] O trabalho de arregimentação era feito de várias formas: por meio de
atividades de lazer, como jogos de futebol, a pescaria, o jogo de truco, que
sempre enveredavam para o debate político; e a agenda política, por meio das
reuniões das Ligas Camponesas, esse sim, fórum privilegiado da discussão
política. (PRIORI, et al. 2012, p. 134)

Assim, o depoimento de Marcelo retoma aspectos históricos dos processos


organizacionais dos movimentos sociais no Paraná, em consonância com as pesquisas nessa
área. Dito de outra forma, Marcelo recorre à gênese da organização dos movimentos de
resistência no Paraná com a finalidade de elucidar as raízes das especificidades da organização
do ME no estado.

93
Marcelo Oikawa Eiji publicou um livro, em 2011 chamado “Porecatu: a guerrilha que os comunistas
esqueceram”. O livro foi publicado pela Editora Expressão Popular. No livro Marcelo socializa os resultados de
vinte anos de pesquisa sobre a revolta de Porecatu.
221

Retomamos o depoimento de Nilson Monteiro94, que ingressou na Universidade


em 1971, no curso de história. Em 1972 lembra que não havia DCE livre na Universidade, e
sim, os Centros Acadêmicos Setoriais. Dessa forma, junto com um grupo de estudantes de
outros cursos começaram a pensar na possibilidade de organizar um Diretório Central, mesmo
atrelado à estrutura da Universidade. Ressalta que os cursos, como Direito e Medicina, tinham
os diretórios organizados e, especialmente o pessoal da área da saúde, que era mais politizado,
com grande maioria de estudantes vinculados ao PCB.
Para Nilson, a articulação do ME na FUEL, de forma mais abrangente, contou com
a contribuição significativa de duas pessoas: Márcio Almeida, o qual tinha uma visão ampla do
ME, ou seja, de que não poderia ser organizado de forma fragmentada. A outra pessoa era o
então reitor da FUEL, Ascênsio Garcia Lopes, que também era médico. O reitor permitiu a
construção de uma casa de madeira, no pátio que agregava as faculdades, para servir de sede ao
DCE.
Foram criados diversos grupos de estudos: teatro, literatura, esportes, entre outros.
Destaca a relevância da organização do ME secundarista de Londrina, como base para
organização do ME Universitário. Esses estudantes militavam na ULES – União Londrinense
de Estudantes Secundários. Era um grupo que já havia militado no período inicial da Ditadura
Civil-Militar; já tinham organizado grupos de teatro, entre outros.
Nas eleições de 1973 outro grupo organizou uma chapa. Lembra de dois fatos que
considera erros cometidos pela sua chapa: um, que foi manter a presidência para aluno da
medicina, e outro, ao receber os calouros, oferecer bolacha Maria com chá.
A chapa de oposição venceu, de lavada, nas palavras de Nilson. Então, o grupo ao
qual ele pertencia marcou uma reunião para se reorganizar após as eleições. Diz que foi uma
reunião emocionante, pois estavam todos com a cabeça baixa, por causa do resultado, quando
alguém disse: “Levanta sacode a “Poeira” e dá a volta por cima”. Outros nomes foram
sugeridos, mas o “Poeira” venceu.
Venceram as eleições em 1974. O outro grupo tinha um jornal, denominado
“Vassoura”, para varrer a “Poeira”. Lembra que os estudantes do grupo Poeira estavam
alinhados com os interesses de todos os universitários. Lutavam contra o que tinha de
equivocado na Universidade, contra as injustiças, do ponto de vista acadêmico; como exemplos:

94
Disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/170/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 20 de julho de 2018.
222

a luta contra a polícia especial, criada na Universidade; contra o Código Disciplinar da UEL,
de 1974, os estudantes denominavam este código de um “clone” do Decreto 477, na FUEL.
Foi candidato a Presidente do DCE para a gestão 1975/1976 e sua chapa venceu.
Relata que havia vigilância dos órgãos de segurança em relação aos estudantes de Londrina.
Remete ao fato de que os registros realizados pelos agentes da DOPS, nas fichas individuais,
são uma demonstração de paranoia, uma vez que o militante poderia estar em mais de uma
cidade no mesmo dia. No seu caso relata que há registro de que ele estava em Londrina e em
Belo Horizonte.
Ele fez parte do Conselho Universitário com uma outra estudante; lembra que, dos
quarenta membros que faziam parte dessa entidade eram apenas cinco de oposição, visto que
os demais estavam do lado da Reitoria, portanto, da Ditadura.
Sobre as condições nas quais estavam inseridos, relata que era um clima de terror
tanto na Universidade quanto no trabalho, na rua, enfim. Estavam sob pressão constante, uma
vez que pessoas foram sequestradas e algumas ainda não foram encontradas.
Ainda sobre processo de elaboração do jornal “Poeira”, temos o depoimento de José
Antônio Tadeu Felismino95 que ingressou na Universidade no ano de 1973 como estudante de
Direito. Seu primeiro contato com o ME organizado na FUEL via DCE não foi pela militância,
mas porque havia concorrido ao concurso de poesia e conto, promovido pelo DCE, tendo
recebido prêmios com seus textos. Relata que, a princípio, sua escrita não tinha intenção de
estabelecer críticas ao Governo Militar. A partir desse concurso de 1973 começou a conviver
com essas pessoas, com atividade cultural, política e intelectual.
Relata a boemia dos estudantes, de irem para bares fumar cigarro sem filtro e
discutir poesia e outros temas. Assim, ingressou no movimento estudantil; era ainda a primeira
gestão do DCE da UEL, de 1973 para 1974. Retoma que a UEL foi criada em 1971, no modelo
da Reforma Universitária, em consonância com os Acordos MEC/USAID, em regime de
Fundação, denominada de FUEL, em que o ensino era pago. Não havia diretórios
independentes; havia o DCE.
Naquele período um grupo de estudantes, no início da 1974, encontrava-se aos
sábados à tarde para redigir um jornal estudantil, jornal “Poeira”, o qual tomou tamanha
proporção que, de 1974 até 1978, esteve à frente da direção do DCE da FUEL, ou seja, os
candidatos estavam vinculados ao “Poeira”.

95
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/183/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.
223

Felismino relembra a organização do III ENE, realizado em Belo Horizonte, em


1977, o qual tinha como finalidade a reorganização da UNE. Apesar de toda pressão emanada
dos órgãos de Segurança sobre o fato de que, quem fosse para o Encontro seria preso, os
estudantes de Londrina decidiram fazer as assembleias e elegeram três estudantes que foram
participar, sendo eles: Marcelo Oikawa, Marco Antonio Fabiani e Marcia Fujizawa. Em sua
dissertação de mestrado Felismino retoma o ocorrido uma vez que o Jornal Poeira, em edição
especial de julho de 1977, informa:
No último dia 6 [de julho] os três colegas nossos [Marcelo Oikawa, Marco
Antonio Fabiani e Marcia Fugizawa], que foram participar do III ENE
[Encontro Nacional de Estudantes], não realizado, foram intimados a depor na
Divisão de Polícia Federal de Londrina. Eles confirmaram, quase que
integralmente, o depoimento prestado em Belo Horizonte. Conclamamos
todos os estudantes a permanecerem em vigília para novas arbitrariedades que
possam acontecer, participando das atividades culturais programadas pelo
Comitê de Férias. (POEIRA 1977 apud FELISMINO, 2016, p.138)

Sobre a realização ou a não realização do III ENE, no dossiê destinado aos ENEs,
constam algumas notícias de jornais sobre o evento; dentre elas é possível verificar que as
tentativas já iniciaram em 1976. A exemplo dos estudantes paranaenses, outros estudantes
brasileiros que estiveram vinculados à organização e participação do III ENE, prestaram
depoimento no DPF de Belo Horizonte. (Pasta nº 922.114, p. 24 – 29)
Na mesma época decidiram organizar um evento em Londrina, uma vez que, no
país, estava iniciando o processo de discussão sobre a Constituinte, tema que era ainda
desconhecido pela maioria da população; havia uma atividade, um debate sobre o referido tema
na cidade, todavia, não foi realizado por conta de uma operação da polícia. O fato obteve
repercussão nacional.
Ainda de acordo com o depoimento de Tadeu Felismino no final de 1978 a Reitoria
baixou um Ato que fechava todas as entidades de representação estudantil. Até então, a própria
reitoria havia tentado vencer as eleições contra os candidatos, oriundos do Poeira, mas, como
isso não acontecia, a ação foi direcionada para a imposição do encerramento das atividades
estudantis na FUEL. Todos os mandatos foram cassados e os bens das entidades foram todos
confiscados.
O depoimento de Tadeu coaduna-se com as memórias de Marcelo e Nilson com
alguns elementos específicos que foram elencados no decorrer da análise sobre a trajetória
explanada por Tadeu.
224

Desse período de (re) construção das entidades de representação estudantil, a partir


do final da década de 1970, temos o depoimento de Gilberto Berguio Martin96, militante já
mencionado nesta pesquisa, uma vez que era um dos principais articuladores da reorganização
dos estudantes.
Gilberto era aluno do curso de medicina da UEL no ano de 1976. Como sua
trajetória de militância, anterior à entrada na Universidade, esteve marcada pela participação
em meios de comunicação do movimento estudantil secundarista, assim que ingressou na
Universidade, como já tinha conhecimento da redação do jornal “Poeira”, logo foi procurar o
DCE para fazer parte do processo de produção do jornal e ingressou na militância estudantil.
Destaca que a gênese da UEL estava vinculada a uma gestão progressista em que o
primeiro Reitor, na contramão do que ocorria no país, propiciava a criação do DCE e dos DAs.
Sobre o “Poeira” Gilberto reitera que os fundadores do jornal eram militantes estudantis
secundaristas, remanescentes do movimento de 1968. Tratava-se de um grupo que já possuía
trajetória de militância no meio estudantil.
Sobre as reuniões para a produção das edições do “Poeira”, Gilberto lembra que
havia uma preocupação com o que ele chamou de Conselho Editorial do Poeira, de ter cautela
nos termos utilizados e mesmo na redação das matérias para não comprar uma briga com o
Governo Militar, visto que eles não teriam condições de enfrentar a Ditadura. Menciona, como
exemplo, que, em algumas reuniões, ficavam uma tarde toda discutindo se utilizariam o termo
“Governo Militar”. Muitos estudantes que faziam parte do Conselho Editorial já haviam
passado pelo AI nº 05, pelo governo de Médici e já estavam no Geisel.
Gilberto, um grande subversivo aos olhos dos agentes da DOPS-PR e demais
órgãos de vigilância do governo, destaca que sua militância foi resultado da sua inserção na
organização estudantil por meio do jornal “Poeira”. Argumenta que, após esse período, tomou
ciência de que o grupo que participava da elaboração do “Poeira”, os estudantes que lideravam,
eram base do PC do B. Assim como Felismino, relata as dificuldades para redigir o jornal, já
que precisavam fazer a impressão fora; redigiam os trechos dos textos em uma máquina de
escrever elétrica, que era a “grande modernidade” que o DCE possuía no período, pois não
havia computador. Então, eles redigiam o texto em forma de tiras, que seriam coladas para
formar o jornal. Eles faziam todo o trabalho de escrita e diagramação.
No início a impressão dos exemplares do “Poeira” era realizada pelo jornal Folha
de Londrina, mas, devido à pressão emanada do governo do Estado (segundo governo Ney

96
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/82/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 11 de fevereiro de 2018.
225

Braga, que iniciou em 1978), o Folha de Londrina não fez mais impressão; foram para o
Panorama, que não resistiu por muito tempo, mas chegaram até a imprimir, em Maringá, o
Poeira. As dificuldades foram crescendo, os anunciantes do jornal também foram sofrendo
pressão do governo, portanto, deixando de investir. A situação ficou difícil, fazendo com que o
DCE tomasse a iniciativa de adquirir uma impressora para produzir o jornal.
Outro dado importante que Gilberto relata diz respeito às atividades realizadas pelo
DCE para receber os calouros. Dentre as atividades, organizavam shows. Ele relembra a vinda
de João Bosco, bem como Chico Buarque, este, em 1975, além de outros, como Milton
Nascimento, Elis Regina, todos promovidos pelo DCE. Relembra, ainda, que, no campo da
cultura, havia o grupo de teatro META (Movimento Estudantil de Teatro Amador).
Sobre a Semana de Atualidades, no dossiê dos Diretórios Acadêmicos encontra-se
um cronograma da atividade do ano de 1975; a semana foi realizada de 25 a 31 de agosto. Na
programação estão previstas diversas palestras com temáticas polêmicas para o período, bem
como o show de João Bosco e uma apresentação de teatro com a chamada: “TIRADENTES
pelo grupo META. Os estudantes fazem teatro e contam Tiradentes na Semana. Falam da
opressão, do colonialismo e da liberdade numa linguagem nova e uma montagem viva do texto
de Boal e Guarnieri” (Pasta n.º 717.82, p. 106).
Ainda nessa edição do “Poeira” é possível recorrer a outra luta travada pelos
estudantes no período, que diz respeito ao passe universitário mencionado por outros militantes
também.
Gilberto também fala da polícia interna, criada pela universidade, que os estudantes
chamavam de SUAT, em analogia ao SWAT97; criticavam o Decreto 477; encamparam a luta
pelo meio-passe do transporte público para universitários. Dessa forma, venciam as eleições
para o DCE. Em 1977 e 1978 iniciaram o processo de reconstrução da UNE; relembra o III
ENE98 (Encontro Nacional de Estudantes) e IV ENE, os quais aconteceram com enfrentamentos
entre estudantes e a polícia sendo aprovado, no IV ENE, a proposta de reconstrução da UNE.
A partir dessa decisão os estudantes universitários de Londrina inseriram-se nesse
processo de reorganização dos estudantes em torno da reconstrução de sua entidade de
representação máxima, a UNE. A documentação arquivada pela DOPS/PR elucida as
contribuições dos estudantes paranaenses nesse processo com a participação na comissão pró-

97
Seriado policial da década de 1970.
9898
Nos arquivos da DOPS-PR, consta um dossiê específico sobre os Encontros Nacionais de Estudantes, Pasta
n.º 922.114. No dossiê, há documentos sobre o ENES (Encontro Nacional de Estudantes Secundaristas), bem como
sobre a realização dos ENEs.
226

UNE e na efetivação das ações. A primeira reunião Pró-UNE aconteceu em Salvador; do DCE
da FUEL foram dois representantes, Gilberto e mais um. Eles discutiram as teses com o grupo
de estudantes do DCE, mas não podiam levar nada escrito; assim, apenas memorizavam as teses
defendidas pelos estudantes da FUEL. Além disso, decoravam um número de telefone para o
qual deveriam ligar no caminho a fim de informar, por meio de códigos, que não foram presos.
Ainda, quando desciam do ônibus em Salvador, a orientação era de que uma pessoa, vestida de
tal forma, estaria na rodoviária; caso essa pessoa estivesse com a revista Manchete aberta, era
para eles tomarem o ônibus e retornar, porque a reunião teria “caído”; caso a pessoa estivesse
com a revista Opinião aberta, podiam continuar no endereço, também decorado, visto que a
reunião iria ocorrer.
No final de 1978 a reitoria da FUEL “decidiu” fechar o DCE, de forma violenta;
policiais internos da Universidade fecharam a entidade, quebraram a parede do DCE e
“arrancaram nossa máquina”, a impressora que foi adquirida pelo DCE para impressão do
Poeira, levando-a para a reitoria. Além do DCE a polícia foi para o DA de Ciências da Saúde,
que ficava em outro endereço.
Os policiais deslocaram-se até a sede do DA, mas encontraram uma quantidade
significativa de estudantes porque, quando o DCE foi “invadido” pela polícia, alguns estudantes
organizaram-se e informaram que a polícia iria até a sede do DA. Assim, a polícia não
conseguiu fechar a sede do DA e os estudantes montaram uma vigília em que permaneciam 24
horas no prédio. Isso perdurou por quatro ou cinco meses até que, em uma madrugada, estavam
apenas duas estudantes dormindo na sede quando a polícia chegou e fechou tudo.
Dessa forma, foi organizado o DCE Livre; Alberto de Paula Machado foi o primeiro
presidente deste. A sede do DCE (antiga) ficou destinada para a Casa do Estudante e, onde era
sede do DA de Ciências da Saúde, ficou o DCE. Outra atividade importante do ME nesse
período diz respeito ao Congresso de Reconstrução da UNE. Gilberto caracteriza a presença
das tendências políticas.
Ele fez parte da chapa “Mutirão”, junto com os demais, inclusive, Aldo Rebelo;
essa foi a chapa vencedora, sendo a primeira eleição direta da UNE, no voto, em 1979.
Concorreram, ainda, a chapa “Unidade”, união do MR8 e do PCB, que tinha representante do
Paraná, a saber, Carlos. A chapa “Nova Ação” era do pessoal da tendência socialista e da
Liberdade e Luta, LIBELU. Havia, ademais, a chapa “Maioria”, que representava estudantes
vinculados aos ideais da direita. O congresso contou com a presença de mais de 10 mil
estudantes. Foi um congresso heterogêneo em que os estudantes debateram desde as
necessidades específicas de cada instituição até a luta contra a ditadura.
227

Sobre a organização de direita presente no Congresso, retoma o comparecimento


do DEE do Rio Grande do Sul, visto que os estudantes vieram em dois ônibus e, em dado
momento, tentaram passar por cima dos estudantes que estavam organizando as Assembleias
no Congresso. Ou seja, este grupo estava disposto a impor sua posição, desconsiderando as
decisões que foram tomadas pela maioria dos estudantes. Destacamos que:
“A presença de uma entidade nos moldes do Diretório Estadual de Estudantes
(DEE), no Rio Grande do Sul, torna mais clara a existência de uma direita
organizada e disposta a disputar ideologicamente suas posições” (DELLA
VECHIA, 2011, p. 207).

Dentre as atividades que ele considera importantes, da primeira diretoria da UNE


reconstruída, menciona: a greve dos três dias contra o ensino pago e por liberdades
democráticas. A UNE decretou a greve, foi para imprensa e as escolas começaram a parar. Ele
destaca que retornou para Londrina com a finalidade de organizar as atividades da greve. Então,
ele começou a receber ligação de outras cidades, solicitando sua presença nas instituições de
ensino porque queriam aderir à greve e organizar manifestações. Dentre as cidades, ele cita:
Cascavel, Maringá, Apucarana, Palmas. Ele destaca: “Nós paramos o Brasil inteiro por três
dias, tinha escolas que a gente nem sabia, aí o pessoal parou em adesão à greve da UNE”.
Ainda, como mobilização com a qual contribuiu enquanto membro da UNE, foi o
processo de reconstrução da UPE. Fizeram o mesmo processo que com a UNE; a Comissão
Pró-UPE teve seu ponto alto com o Congresso que foi realizado em Londrina, no Teatro, mesmo
local onde seria efetivado o debate da Constituinte, que não aconteceu.
Nesse período de finalização da primeira gestão eleita da UNE pós-Reconstrução,
houve um “racha” nos partidos políticos, que se refletiu na organização estudantil.
Ainda sobre a militância estudantil paranaense da década de 1970, é possível
recorrer ao depoimento de Pedro Paulo Perroni da Silva, irmão de Tadeu Felismino. Ele
engajou-se no ME, em 1975, na Universidade de Londrina. Militou no processo de
reorganização da UNE, do DCE da FUEL, como membro do Poeira. Era um leitor assíduo; lia
muito. Destaca, hoje, a importância da leitura do livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, para
sua formação.
Como militante do ME ingressou no Grupo Poeira incentivado pelo irmão. Diz que
foi assim que obteve consciência política. Destaca a relevância do processo de reorganização
da UNE, quando os estudantes vinculados ao “Poeira” estavam bem estruturados. Duas lutas
importantes do ME foram, para ele: o ensino gratuito e pela entidade de representação
estudantil. O ME era composto por diferentes forças: LIBELU, Trotskistas, socialistas, MR 8,
228

ou seja, era um espaço fecundo de ideias. Assim, o Congresso da UNE foi identificado por ele
como o grande Congresso das esquerdas no Brasil,
Em 1979 iniciaram o processo de organização do Comitê Londrinense pela Anistia
e Direitos Humanos; ele relata que o grupo confeccionou um cartaz que fazia a defesa da Anistia
ampla, geral e irrestrita, diferentemente da proposta do governo, de Anistia Parcial.
Luiz Donadon Leal99 aproximou-se dos movimentos de esquerda, em 1979,
quando ainda não estava na Universidade. Ingressou na FUEM, no ano de 1980, no curso de
Psicologia. Encontrou-se com militantes do PC do B e inseriu-se no ME da Universidade.
Lembra que a atividade política do PC do B, naquele período, acontecia por meio do MDB.
Luiz recorda do processo de reconstrução da UNE e, em seguida da UPE, da qual
ele participou como membro da diretoria em 1980. Destaca que algo específico do curso de
psicologia da UEM, por ser um curso novo, dizia respeito ao fato de que muitos professores
vieram de fora, Unicamp, PUC - SP, entre outras. Assim, traziam para o debate questões mais
amplas no processo de formação dos acadêmicos, contribuindo à conscientização das condições
objetivas nas quais o curso estava inserido. Eles tinham disciplinas como sociologia e filosofia,
por exemplo.
Organizaram, junto com acadêmicos da pedagogia, uma escola “alternativa” com a
finalidade de oferecer educação escolar diferenciada para crianças; era uma proposta
pedagógica que se aproximava da oferecida pela escola “Oficina”, em Curitiba, já mencionada
nesta tese, que foi alvo da repressão por meio da Operação Pequeno Príncipe.
Como mencionado na introdução deste texto, o pesquisador Reginaldo Benedito
Dias registra a organização do ME da UEM, na década de 1980, por ocasião da luta pela
gratuidade do ensino e pela democratização da universidade. Em seu texto retrata a trajetória
específica do ME Universitário da UEM, resultado das condições objetivas em que houve sua
gênese. Reginaldo, ao recorrer à gênese do ME de Maringá, destaca a articulação do grupo com
as discussões do ME nacional, guardadas algumas especificidades:
O Carsi100 não ficou alheio a esse processo. No período anterior a 1964,
manteve contatos constantes com as atividades da UNE e da UPE (União
Paranaense dos Estudantes). Exemplos desse relacionamento foram a
participação no XXV e XXVI Congressos da UNE, a adesão à greve nacional
por 1/3 de representação discente e a instalação de uma subsede da UPE em
Maringá. (DIAS, 2008, p. 38)

99
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/164/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 22 de abril de 2018.
100
Centro Acadêmico Roberto Simonsen (CARSI). Formado em 1961, em decorrência da fundação da Faculdade
de Ciências Econômicas, em Maringá.
229

Todavia, a inserção do ME Universitário de Maringá nas lutas travadas pela UNE


e UPE, precisa ser avaliada de acordo com as características dos estudantes dessa região, ou
seja:
Apesar da adesão à greve nacional, o ponto de vista do CARSI sobre a vida
da UNE era crítico. O horizonte político dos membros desse centro acadêmico
era orientado por princípios cristãos de justiça social. Nos relatórios que
documentam sua participação em congressos da UNE, foram criticadas as
posições comunistas, entendidas como alheias ao meio acadêmico. Acenou-
se com a possibilidade de estreitamento de laços, mediante um cuidadoso
estudo, com a Juventude Democrática Cristã, corrente que, aliás, comandava
a UPE nesse período. (DIAS, 2008, p. 38)

Na pesquisa de Reginaldo é possível verificar que a gênese do ME universitário em


Maringá é pautada nos ideais preconizados pelo que se convencionou chamar de direita.
Portanto, no ME é possível identificar organização estudantil que defendia os interesses do
Governo instaurado por meio de um golpe. Essa apreciação pode ter sido realizada, inclusive,
pelos agentes da DOPS-PR, uma vez que não encontramos registros sobre as entidades de
representação estudantil de Maringá.101
Como nas demais universidades, como UEL e UFPR, havia, na UEM, uma ASI
(Assessoria de Segurança e Informação), espécie de SNI interno, a qual funcionava desde a
criação da universidade. Havia, além do mais, o Regulamento Disciplinar do Corpo Discente,
o qual era uma espécie de reprodução interna do Decreto Lei n.º 477 (DIAS, 2008, p. 62).
Portanto, estudantes vinculados às entidades estudantis da UEM, que demostrassem
posicionamento político em prol da democratização da universidade, eram alvos da vigilância
da ASI.
Retomamos a organização dos estudantes da UEM, na década de 1980, com o
depoimento de Luiz Donadon e os registros de Reginaldo. Quando da criação do DCE na UEM,
Luiz participou desse processo. Havia o embate ideológico entre PCB e PC do B e uma corrente
ligada ao PT com relação à criação das entidades estudantis; nas palavras de Luiz Donadon, a
corrente do PT entendia a necessidade de criar entidades livres. Então, PCB e PC do B
compreendiam a necessidade de tomar as entidades, como a lei estabelecia. Em seguida, foram
criados os CAs. Ele foi o fundador do Centro Acadêmico de Psicologia da UEM em 1980. Os
estudantes lutavam pelas questões locais e internas, como exemplo, a gratuidade do ensino, bem
como as lutas mais amplas, tais como as “Diretas Já”.

101
Essa questão também foi mencionada por Reginaldo Benedito Dias, em seu livro, p. 51.
230

Na capital do Paraná temos o depoimento de Claudio Gamas Fajardo102, que


ingressou na UFPR no ano de 1973 no curso de Ciências Sociais. De acordo com Claudio, nesse
período, o único diretório de esquerda da UFPR era o Rocha Pombo. Vinculado ao Rocha
Pombo, vivenciou a possibilidade de militância restrita por conta do Decreto-Lei n.º 477. Uma
das reivindicações era a derrubada desse Decreto.
Conheceu algumas pessoas no RU da Federal e começaram a organizar os Centros
Acadêmicos por curso, para articular o ME. Montaram um jornalzinho de estudantes, com muita
dificuldade, e conseguiram fazer a impressão em um mimeógrafo elétrico.
Participou do processo de reorganização do DCE da Federal e, em seguida, da UPE.
Em 1977 organizaram luta pelos estudantes que foram presos em São Paulo, inclusive com a
realização de uma Assembleia, o que era proibido. Recorda que a grande preocupação dos
estudantes era o medo de ser sequestrado, algo muito comum naquele período.
Sobre os militantes na capital do Estado seguimos com o depoimento de Ivo
Augusto de Abreu Pugnaloni, que ingressou na Universidade Federal do Paraná em 1972, no
curso de Engenharia Elétrica. Reitera que, nesse período, havia poucos espaços para militantes
de esquerda na Universidade, sendo que ele se aproximou do “grêmio de Arquitetura e
Urbanismo no qual havia um cineclube com uma conotação mais política. Inspirado nessa
experiência, participou da organização da assembleia de fundação do grêmio de Engenharia
Elétrica separado do diretório de Engenharia Civil, que se resumia a ‘cervejada e jogos de
futebol’” (PUGNALONI, 2013)103
Ivo ingressou na militância por meio da influência de um amigo da Política Operária
(POLOP) ou de seu desdobramento o MEP - Movimento pela Emancipação do Proletariado.
Junto a uma célula dessa entidade dedicou-se até 1974 a estudar a realidade brasileira, sem
atividades públicas.
Em sua Ficha Individual (nº 33.251), os registros possuem como data inicial o ano
de 1977, período em que as atividades organizadas pelos estudantes tomaram caráter público e
coletivo. A prisão e demais atividades em que Ivo participou estão anotadas na ficha, com 18
páginas e data final do registro no ano de 1982. As atividades perpassaram o ME e a militância
nos partidos políticos no início da década de 1980.

102
In memoriam. Claudio Gamas Fajardo faleceu em 13 de agosto de 2014.
103
Depoimento disponível no endereço: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/24/eu-me-lembro-do-
dia-primeiro-de-abril-de-64-quando-padres-americanos-conclamavam-as-senhoras-para-marchar-nas-ruas-
contra-o-governo-e-a-ameaca-comuni. Acesso em 23 de julho de 2018.
231

Ainda do início da década de 1970 temos o militante Geraldo Serathiuk104, irmão


de Vitório e Nelson (ambos militantes do ME, no período inicial da Ditadura Civil-Militar), o
qual ingressou no curso de direito na PUC, em 1972. Além disso, engajou-se em todas as
atividades de organização estudantil, bem como nos movimentos sociais pelo movimento em
luta pela Anistia, no CBA de Curitiba. Destaca a importância do Movimento na luta contra os
efeitos da Ditadura Civil-Militar brasileira.
Sobre esse Movimento, também conhecido como Movimento Custo de Vida105,
desempenhou destacada relevância na década de 1970 e início de 1980. No caso paranaense,
esse Movimento foi endossado pela participação estudantil, como será possível verificar em
outros depoimentos aqui analisados.
Reitera, no processo de organização estudantil, a relevância da CEU (Casa do
Estudante Universitário), especialmente no final da década de 1970, 1978, como um centro de
efervescência e concentração de toda a luta dos estudantes do Paraná, em oposição ao Governo
Militar.
Geraldo retoma a importância da UPE no processo de formação dos estudantes
ressaltando que, quando vinha a Curitiba para visitar seus irmãos presos, no Presídio do Ahú,
pela Ditadura, ficava na UPE. Era uma entidade que oferecia, além da estrutura física, diversas
maneiras de formação dos estudantes e da classe trabalhadora por meio da cultura, da luta
política, do apoio aos estudantes do ponto de vista da moradia, da alimentação, da formação
acadêmica.
Outro aspecto reiterado por Geraldo está pautado na articulação internacionalista
do ME, sendo que os estudantes se mobilizavam em atividades dos países do Cone Sul. Além
disso, destaca-se a importância da CEU como suporte para manutenção da organização
estudantil, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Geraldo foi 1º Vice-Presidente da
CEU na gestão empossada em 1980. No dossiê da CEU consta o informe com a relação da nova
diretoria, sendo registrado que: “Dos componentes da nova Diretoria, apenas GERALDO
SERATHIUK, registra antecedentes nesta O.I (Órgão de Informação)”. (Pasta nº 174.19, p. 4)
Argumenta que não era fácil ser militante naquele período uma vez que, além de
muito trabalhoso, ainda eram vistos com preconceito por uma parcela significativa da

104
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/45/a-ditadura-esta-dentro-de-
nos-e-seus-efeitos-vao-durar-para-sempre. Acesso em 15 de maio de 2018.
105
Sobre está temática, ver trabalho de MONTEIRO, Thiago Nunes. Como pode um povo vivo nesta carestia:
O Movimento Custo de Vida em São Paulo (1973-1982). Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
file:///C:/Users/Silvana/Downloads/2015_ThiagoWilliamNunesGusmaoMonteiro_VCorr.pdf. Acesso em 08 de
outubro de 2018.
232

sociedade, portanto, de seus pares. Ele relata que eram poucos e tinham um número reduzido
de amigos.
O depoimento de Vitor Moreschi Filho106, que chegou a Curitiba no ano de 1974
ingressando na UFPR em 1976, elucida as dificuldades prementes dos filhos da classe
trabalhadora, do interior do estado, para alcançar a possibilidade de estudar. Vitor relata que as
dificuldades enfrentadas pela família fizeram com que ele tomasse consciência das condições
de exploração a que eram submetidos, bem como as atrocidades cometidas pelo Governo
Militar. Diz que, por sorte, conseguiu uma bolsa de estudos para finalizar o ensino médio na
capital, o que lhe possibilitou as condições de estudar para prestar vestibular na Federal; foi
aprovado em medicina. Quando foi fazer a matrícula foi solicitado, como era comum para todos
os estudantes, ir até à DOPS-PR para retirar um atestado de que não havia nenhum problema
com a polícia política do país, para então efetivar a matrícula.
Participou do processo de reorganização das entidades de representação estudantil;
engajou-se na luta por meio da sua inserção nas ações voltadas para a saúde pública.
Mostra a ficha individual dele no DOPS/PR, sendo que os registros eram realizados
quase que diariamente. Destaca que o dinheiro público era investido nisso, em vigiar as
atividades de um estudante. Isso é um retrato da Ditadura, dos tempos em que ele militou; eram
as contradições da sociedade. No capítulo anterior reiteramos essa questão, uma vez que houve
investimento significativo na vigilância aos subversivos.
Sobre a Ficha Individual de Vitor Moreschi, ela possui quatorze páginas; no ano de
1980 a recorrência de registros é intensa, como relatado por ele. Na verdade, tratava-se de um
trabalho dobrado, uma vez que as anotações das fichas eram angariadas em outros dossiês,
como já mencionado nesta tese. Como aconteceu com os demais militantes, há registros da
participação de Vitor nas diversas atividades organizadas pelo ME, bem como nos demais
movimentos desencadeados no período, CDAMA, CBA-Curitiba, partidos políticos, além dos
atos públicos e comícios. (Ficha Individual nº 26.818)
Como integrante da primeira diretoria da UNE, após a reconstrução, relembra as
lutas que travavam, inclusive o processo de retomada da sede histórica da entidade e o fato do
governo ter demolido a casa por conta do que ela representava para a organização dos estudantes
no país. Quando questionado sobre o que fica daquele período, destaca que fica o personagem
retratado por Henfil, o “Ubaldo O Paranoico”.

106
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/69/depoimento-para-a-historia-
a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 08 de maio de 2018.
233

Retomamos a organização dos estudantes na capital com o depoimento de Marlene


Zannin, que chegou a Curitiba em 1974, e fez vestibular para o curso de geografia na
Universidade Federal do Paraná. Articulou-se ao movimento estudantil e conheceu líderes de
partidos clandestinos que estavam vinculados ao ME. De acordo com Marlene a organização
do ME na Universidade foi retomada por essas pessoas. Ela, então, fez parte da primeira
diretoria do DCE da Federal após ter sido fechado, em 1968; a nova diretoria tomou posse em
1977. Participou do movimento da Carestia, Anistia e ME. De forma mais efetiva, participou
do ME, da reorganização das entidades, por exemplo da UPE. Ela relata o grande movimento
contra o ensino pago e em prol dos restaurantes universitários.
Em suas palavras os estudantes estavam sempre a postos para reivindicar, faziam
manifestações quase diárias. Ocuparam a reitoria algumas vezes. Argumenta que os estudantes
tinham clareza de que precisavam lutar pela redemocratização do país.
A exemplo de outras estudantes, Marlene residiu nas casas de estudantes de
Curitiba, LAC – Lar da Acadêmica de Curitiba e a CEUC – Casa da Estudante Universitária de
Curitiba. Quando questionada sobre a relevância dessas casas para a organização estudantil,
Marlene destaca que “a CEUC era um espaço político bastante importante”, sendo que muitas
estudantes militantes saíram da CEUC. Relata que também realizavam reuniões na CEU, Casa
do Estudante Universitário, especialmente no período em que as sedes da UPE, DCEs e DAs
estavam disponíveis para utilização, ou seja, nos períodos de clandestinidade dessas entidades.
Tanto CEUC quanto a CEU eram observadas pelos órgãos de vigilância, uma vez
que, nos registros analisados, são recorrentes as informações sobre os membros da diretoria
dessas entidades. Ademais, constam nos arquivos da DOPS-PR os dossiês dessas entidades,
como já mencionado no capítulo anterior.
Outra questão relatada por Marlene, que consideramos relevante destacar, diz
respeito ao contato com a história da organização estudantil, nesse espaço das casas de
estudantes, do período anterior à década de 1970, de forma específica até 1968. A militante
destaca que a transmissão dessas memórias não acontecia num primeiro momento. Os
estudantes do final da década de 1970 tinham uma ideia da organização estudantil e de
professores do período anterior. O diálogo e a retomada dessas memórias só aconteceram após
a aprovação da Lei da Anistia quando os líderes estudantis e demais lideranças dos movimentos
sociais retornaram para o país.
Havia restrição do acesso ao conhecimento, pois livros e autores eram proibidos.
Alguns livros/manuais eram obrigatórios à leitura para entender o movimento em que estavam
engajados. Relata que os estudantes não tinham muito tempo para estudar, uma vez que
234

precisavam organizar a luta. Assim, os textos fundamentais, de base, não foram estudados.
Devido à sua militância no MR-8 teve acesso a textos para organizar a luta. Ela participava e
conhecia apenas integrantes da célula da juventude. Ainda na década de 1980 havia grande
cautela para organizar encontros/reuniões do MR-8. O sistema de segurança do partido era
extremamente cuidadoso.
Ainda sobre o MR-8, quando questionada se conhecia a história do partido, do
início da década de 1960, a militante recorda que só conheceu mais tarde, já que, durante sua
atuação no partido, de acordo com ela, foi reorganizado de maneira diferente do MR-8 da
década de 1960; o partido no qual ela militava, na década de 1970, não optou pela guerrilha
urbana e organizava-se de forma diferenciada do período anterior.
Sobre esse novo MR 8:
No Paraná, esse novo MR-8 teve suas primeiras raízes a partir do Darp da
UFPR em 1978 e disputaria com o PCdoB a hegemonia do ME a partir de
1978/79. Atuando por dentro do PMDB, participou ativamente da sua
fundação em 1980 (continuidade do MDB). Com o seu trabalho político se
expandindo para a periferia de Curitiba e interior do Estado, notabilizou-se
por um estilo agressivo de formação de oradores com capacidade de a
qualquer momento ocupar as ruas. Usando seu agressivo jornal “Hora do
Povo”, fazia comícios relâmpagos nas ruas da capital, denunciando a ditadura
militar. (OLIVEIRA, 2014, p. 101)

Marlene foi eleita vereadora em 1982; ainda nesse período havia em Curitiba
movimentos de extrema direita, dentre eles, o CCC. Ela destaca o ocorrido com seu carro, o
qual foi todo pichado com dizeres e caveiras, quando ela foi até o Colégio Estadual do Paraná
para participar de uma reunião.
De acordo com Marlene, o movimento de luta pela Anistia contribuiu para
articulação do movimento feminista107, especialmente as mães que tinham seus filhos exilados.
Quando questionada sobre o fato de ser mulher militante no ME, se houve especificidade,
argumenta que, no meio estudantil, era algo já comum. Todavia, no meio social, ela era vista
como uma “mulher corajosa”. Foi presa três vezes, mas rapidamente solta; ela relata que, nesse
período, houve um arrefecimento das prisões dos militantes paranaenses, especialmente
estudantes.
Lembra do dia em que o Presidente General João Batista Figueiredo esteve em
Curitiba, quando houve uma grande manifestação de estudantes contra a ditadura; não era o

107
O depoimento de Marlene é muito elucidativo da organização do movimento feminista no Brasil e, em especial,
no Paraná. Não recorremos de forma sistemática a essas contribuições, todavia, o depoimento está disponível:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/46/nao-tinha-tempo-ruim-qualquer-coisa-que-precisasse-os-
estudantes-estavam-sempre-prontos-para-enfrentar-a-policia-cotidianamente. Acesso em 13 e 14 de novembro de
2017.
235

movimento estudantil reivindicando questões relacionadas à educação, mas sim, estudantes que
lutavam pelo fim da ditadura. Ela recorda que eram muitos estudantes, os quais, ao se
encontrarem com os militares que faziam a segurança do Presidente da República, General João
Baptista Figueiredo, ofereceram flores. Sobre esse acontecimento consta nos arquivos da
DOPS-PR um recorte do jornal Diário do Paraná, de 19 de março de 1982, com a reportagem:
“Estudantes tentam novo diálogo” na qual toda a situação de greve é relatada, bem como a
tentativa de contato com o então Presidente:
Se ele tiver compromisso com a democracia, ele irá nos receber. Este
o comentário do presidente da UPE. Só que o pensamento oficial era outro.
Dali em diante, nenhum manifestante conseguiu passar. Os estudantes então
sentaram-se todos no meio da rua à espera de alguma luz que pudesse iluminá-
los.
Enquanto nada acontecia, velhos refrões (sic) eram ditos, tanto em
forma de música como também alguns clichês, tipo “povo unido jamais será
vencido”, ou “João, João queremos refeição”. Mas a música “Pra não dizer
que não falei de flores” entusiasmou o pessoal. Quando a letra começou a ser
cantada, “Vem vamos embora que esperar não é saber...Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer”, vivas e gritos explodiram da multidão.
O momento de maior densidade ficou por conta de duas partes do
movimento que tocaram fundo a sensibilidade dos presentes. O primeiro,
quando começaram a cantar o Hino Nacional, onde todos se puseram em pé,
com a mão no peito cantaram em uma só voz.
O segundo, uma lembrança que caiu em cima da importância do
momento. Uma aluna se lembrou de comprar flores, e enquanto se cantava o
outro verso da música de Vandré, ... “há soldados armados, amados ou não,
quase todos perdidos de armas na mão...”, foi feita uma distribuição de flor
por flor aos aturdidos soldados que não sabiam o que fazer. (Pasta n.º
2326.263, p. 45)

A reportagem é elucidativa e coaduna-se com os depoimentos das militantes que


retomaram esse acontecimento.
Outra militante desse período é Matsuko Mori Barbosa108, a qual estudou em Foz
do Iguaçu, no ensino médio; a moça foi morar na capital Curitiba, em 1977, sendo que, depois,
ingressou na Universidade Federal do Paraná, em 1979, para fazer o curso de enfermagem.
Matsuko destaca que o período era de efervescência do ME, com greves, encontros e
manifestações acontecendo. Ela então inseriu-se nesse movimento, inclusive contribuindo para
criação do diretório acadêmico de enfermagem. Matsuko relata que ingressou em uma das
tendências do movimento estudantil da época, “Viração”. Ela conheceu o jornal “Tribuna
Operária”, bem como os fundamentos do PC do B. Teve contato com o militante Manoel
Barbosa, com o qual veio a se casar. Ela diz que essas tendências diziam respeito aos braços

108
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/117/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.
236

dos partidos políticos no movimento estudantil. No período, os partidos ainda eram


clandestinos. Tal depoimento coaduna-se com os estudos mencionados nesta tese quando da
realização das considerações sobre as Tendências Estudantis
No período de reorganização estudantil no Paraná consta, na relação dos arquivos
de depoimentos do site DHPaz, o relato de Tosca Zamboni, que é uma militante com quem
entramos em contato via rede social. Tosca rapidamente retornou e colocou-se à disposição para
dialogar sobre sua trajetória de militância no ME paranaense, inclusive disponibilizando fontes
para a pesquisa, além de relacionar companheiros do ME.
Sua militância esteve vinculada não apenas ao movimento estudantil. Foi presidente
do DCE da Federal, em 1981, num período permeado pelo machismo. À frente do DCE
protagonizou a grande greve dos estudantes, em 1981, a primeira greve na UFPR, após o golpe
de 1964.
Também retoma o ocorrido quando os estudantes estavam em greve, os quais
caminharam até os soldados e depositaram flores em seus pés. A intenção dos estudantes era
interceptar a visita do então Presidente da República, João Batista Figueiredo, o que não foi
permitido, em Curitiba e em Londrina. Na reportagem transcrita acima, sobre o ocorrido, é
destacada a intenção dos estudantes de estabelecerem diálogo com o Presidente da República.
Nos anos 1983-84, os estudantes articularam-se contra o Ensino Pago. Como os
demais militantes desse período, Tosca também participou de movimentos de reivindicação
para além do ME; ela destaca a importância dos estudantes na organização do Comício pelas
Diretas, em Curitiba. Para Tosca, o ME pode ser considerado como vanguarda dos demais
movimentos sociais nesse processo de transição da sociedade brasileira. Retoma a articulação
com as lutas travadas pelos diversos setores da sociedade, de forma especial com os professores.
Tosca faz a defesa de que, até 1988, houve organização estudantil significativa com
a articulação pela Constituinte, na Greve dos Professores, a histórica greve que ficou conhecida
como o Massacre dos Professores, por conta da violência contra os grevistas.
Ainda na capital temos o depoimento de Rosilei Vilas Boas109, que nasceu em
Arapongas, em 1961; ela relata que observou, desde menina, que a cidade era controlada por
uma única família, desde a Escola em que a diretora era da família, o prefeito e mesmo a Igreja:

109
Apesar de não participar diretamente da organização estudantil institucionalizada, o depoimento de Rosilei é
elucidativo das ações dos jovens para além da universidade, comum a muitos estudantes articulados às entidades
de representação estudantil. Seu depoimento está disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/68/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.
237

tudo era dominado por essa referida família. Isso incomodava e instigava a entender essa
diferença entre as famílias, os grupos.
Foi para Curitiba em 1977, quando ingressou no MCC (Movimento Contra
Carestia), de cunho popular, que reunia as mulheres, a juventude porque sofria com a falta de
empregos, e os homens porque eram afetados com a falta de emprego. De caráter popular e de
reivindicações palpáveis, era um movimento que lutava por uma sociedade mais justa.
Participava de movimentos da juventude nos bairros, vinculados aos partidos políticos, os quais
eram representados pelo MDB; os demais estavam inseridos no MDB por conta da legislação
implementada pelo governo militar.
Participou da reorganização de algumas associações de bairro que, muitas vezes,
reuniam a juventude e as mulheres nesses bairros. Tal reorganização primava pela
conscientização de toda a população. Participou da CBA de Curitiba e relata que o retorno das
pessoas foi muito marcante, porque ela e muitas outras pessoas sequer tinham conhecimento de
quem havia sido exilado.
Relata que, para entrar no Partido Comunista do Brasil, existia uma espécie de
batismo, que seria realizar a venda do “Jornal Tribuna Operária”, durante a noite, ou seja, para
ser do PC do B, era necessário ser “tribuneiro”, nas palavras de Rosilei. Ela ingressou numa
célula de base do partido, destinada à juventude. Dessa forma, manteve sua militância.
Genésio Felipe de Natividade110 chegou a Curitiba em 1978 para cursar direito na
PUC. Genésio foi aluno de Narciso Pires, que era professor de Língua Portuguesa em Mamborê.
Ele lembra com carinho e respeito das aulas de Narciso, conhecido pelos alunos com professor
“Tito”, porque suas aulas eram muito dinâmicas; ele trabalhava com peças de teatro, o que
levava alunos de outras turmas a assistirem às suas aulas. Encontrou Narciso, novamente,
quando chegou a Curitiba. Nesse período Narciso era coordenador da CBA do Paraná. Em 1978
Genésio ingressou no ME. Foi morar na CEU, onde participou do processo de organização de
manifestações pela Anistia. Ficou na casa de 1978 até 1982. Fez parte do departamento cultural
da CEU; ajudava a produzir pequenos jornais, com uso do mimeógrafo; era uma forma de
socializar as teses dos estudantes. Um dos temas era a Anistia Ampla Geral e Irrestrita, contra
o 477 e também pela participação dos estudantes nos Conselhos Universitários.
Foi receber os exilados, em 1979, e diz se lembrar da chegada de Vitório Sorotiuk.
Destaca que foi uma data marcante, de reencontro entre brasileiros que deveriam estar em seu

110
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/50/a-minha-geracao-nao-se-
omitiu-na-luta-para-mudar-o-pais-eleger-os-governantes-e-ter-direito-a-liberdade. Acesso em 04 de agosto de
2018.
238

país, mas que foram obrigados a exilar-se. Era ainda um período difícil, pois não era um
ambiente tranquilo, era de luta.
Lembra das bancas de jornais que foram atacadas por vender jornais alternativos,
por exemplo: “O Movimento” e o “Pasquim” nesse período de abertura política. Destaca a
presença de agentes da DOPS-PR durante as atividades realizadas pelo ME, os quais estavam
disfarçados. Fez parte dos grupos de estudantes que saíam na madrugada para colar cartazes
nas ruas de Curitiba. Os cartazes eram a favor da “Anistia: Ampla, Geral e Irrestrita”
Finalizou o curso em 1982 e, como advogado, foi trabalhar como defensor de
posseiros no interior do Paraná. Mais tarde, como já tinha conhecido Chico Mendes em
Curitiba, foi para o Acre, em Rio Branco, onde continuou a defesa dos posseiros, sendo,
inclusive, advogado de Chico Mendes.
Com a eleição direta para governadores, em 1982, houve a ampliação das
possibilidades de diálogo. Argumenta que, naquele período, organizar a luta não era fácil, já
que as condições objetivas eram limitadas e as formas de comunicação eram outras.
Alexandre Zamboni111, irmão de Tosca Zamboni, foi militante estudantil desde o
início da década de 1970 quando ainda era aluno do Colégio Estadual do Paraná. Alexandre era
filiado ao PC do B e, como militante estudantil, estava atrelado à tendência Viração. Ingressou
na Universidade em 1979; manteve-se articulado ao ME. Foi candidato à diretoria do DCE da
UFPR, em 1983. Relata que só finalizou a graduação em 1990, quando estava residindo em
Mato Grosso do Sul; essa situação de “atraso” para finalizar os estudos diz respeito à intensa
articulação com os movimentos sociais, o que foi recorrente na vida dos militantes estudantis
no período: por conta das atividades de militância, não havia possibilidade de realizar com
qualidade as atividades acadêmicas.
Vivenciou o período de militância engajando-se nos movimentos em defesa da
Amazônia e pela Anistia. A exemplo dos demais militantes desse período fazia panfletagem,
pichações e participava das diversas atividades dos movimentos sociais. Por sua militância, foi
detido algumas vezes.
No interior do estado, Zenir Teixeira de Almeida iniciou sua militância no ME
secundarista, na cidade de Pato Branco. Chegou a participar do Congresso de Reconstrução da
UNE, em Salvador. Participou por três gestões da direção da UPE. Sobre o ME secundarista de
Pato Branco, destaca que era muito forte, atuante na cidade.

111
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/29/havia-um-temor-familiar-
muito-grande-em-relacao-a-possibilidade-ter-sua-vida-vasculhada-invadida-vigiada. Acesso em 18 de janeiro de
2018.
239

Ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Palmas, no curso de


história; em seguida, migrou para Letras, no final dos anos 1970.
Zenir destaca a influência do Jornal Poeira; nas palavras do militante: “um
movimento estudantil forte de Londrina”. Ele e outros colegas faziam a leitura do “Poeira” e
outros jornais de esquerda, mas não tinham contato com a capital, com os grandes centros, no
que tange à organização estudantil. Todavia, pelos jornais que liam, ficaram sabendo do
processo de reconstrução da UNE e fizeram todo o processo para tirada de delegados na
faculdade. Foram eleitos ele e Tulio Hoffmann, porém Tulio desistiu e ele foi sozinho. Antes
de embarcar para o congresso foi chamado para conversar com o Reitor da Faculdade tendo
sido orientado que não seria adequado ir para o Congresso, que os estudantes seriam presos,
enfim, sofreu pressão para desistir.
Ele argumenta que foi um grande congresso em que ele aprendeu muito enquanto
pessoa, mas de forma especial como militante. Quando retornou, editou o jornal “Conexão” no
qual reproduziu o Congresso, as várias tendências; as lutas empreendidas pelos estudantes. Em
seguida, ocorreu o processo de eleição da UNE.
Zenir retoma que Mario Leal, de Curitiba, ajudou na reorganização da UPE.
Destaca a visita de Gilberto Martin, em Palmas, quando foi fazer a eleição da UNE. Zenir, assim
como outros estudantes que militaram no período, praticamente abandonou a faculdade por
conta do ME; foi membro de três diretorias. Depois foi para Curitiba, em 1980 e, no início,
ficou na CEU. Ressalta a relevância dessa entidade como suporte para organização do ME e
demais movimentos sociais.
Além da defesa da educação democrática, laica, também levantavam a bandeira da
soberania, que consideravam ser fundamental. Tinham clareza da internacionalização da luta;
como exemplo, ele cita a criação do Comitê de Luta pela libertação da Palestina. Lembra que
Aldo Rebelo esteve na Palestina e visitou Yasser Arafat.
Outra luta importante foi pela não extradição do então presidente da UNE, que havia
nascido na Espanha e ainda não tinha obtido a cidadania brasileira, embora já tivesse entrado
com o pedido de naturalização, Javier Alfaya. Sobre essa luta, há recortes de jornais nos
arquivos da DOPS-PR com notícias sobre as manifestações estudantis em defesa da manutenção
da presidência de Javier.
Zenir chama a atenção para a prisão de Antonio Cesar Prazeres de Andrade e
Manoel Barbosa Filho, enquadrados na Lei de Segurança Nacional por terem hasteado a
bandeira do partido PC do B; tal fato aconteceu em 25 de março de 1982.
240

Participou ainda da manifestação organizada para receber o então Presidente da


República Figueiredo, a qual aconteceu em Curitiba e em Florianópolis. Em Florianópolis112
estudantes foram presos e houve julgamento, que aconteceu em Curitiba. Os sete estudantes
foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional, como é possível verificar nos registros
realizados pelo SNI sobre os acontecimentos do 30 de novembro113. Essa manifestação ficou
conhecida como “Novembrada”.
No caso de Curitiba os estudantes foram até o Presidente; não foram recebidos por
ele, mas por policiais. Como um ato de demonstração de que estavam em missão de paz, os
estudantes compraram rosas brancas e entregaram aos policiais; não houve conflito físico. Esse
acontecimento foi relatado por outros militantes que estiveram presentes nessa atividade.
Ainda do interior do Estado, da região Sudoeste, consta o depoimento de Mario
Luiz Antonello114, o qual, no início dos anos 1970, estava no atual ensino médio na cidade de
Realeza. Como não havia organização dos estudantes na cidade, iniciaram esse processo.
Todavia, não foi simples como parecia, pois, após eleitos como membros da primeira gestão do
Grêmio Estudantil, ele e alguns colegas foram expulsos da escola. Manteve-se no meio
estudantil e chegou a fazer parte da direção da UBES. Organizaram grupos de estudo, leram
algumas vezes “O Capital”, entre outras obras. Para terem acesso às obras, que no Brasil eram
proibidas, buscavam caixas de livros deixados pelos barcos nas margens do Rio Uruguai. O
acesso a esses materiais era subsidiado pela ASSESSOAR115 (Associação de Estudos,
Orientação e Assistência Rural).
Sobre a ASSESSOAR destaca-se que os militantes dessa entidade trouxeram para
o interior do estado a possibilidade de organização e luta contra a ditadura civil-militar.
Foi para Curitiba a fim de estudar e continuar a militância. Ingressou no movimento
de luta pela Anistia, CBA. Manteve contato com Narciso Pires, Ildeu Manso Vieira Junior,
entre outros. Dessa forma, ingressou no MR-8 e dedicou-se a articular as organizações de
bairro.

112
O movimento ficou conhecido como Novembrada, quando aproximadamente trinta estudantes organizaram um
ato de manifestação contra o Governo, o qual ganhou apoio de outros profissionais. Tal ação “irritou” o então
Presidente, que foi até onde ocorreria a manifestação para posicionar-se sobre o ocorrido. Disponível em:
http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/novembrada/19,398,2729820,30-de-novembro-de-1979-o-dia-em-
Florianopolis-confrontou-a-ditadura-militar.html. Acesso em 04 de agosto de 2018.
113
Recorremos ainda à visão do SNI sobre os acontecimentos de novembro de 1979.
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/documentos-do-sni-revelam-visao-da-ditadura-sobre-a-
novembrada-que-completou-37-anos. Acesso em 04 de agosto de 2018.
114
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/35/era-uma-vida-intensa-em-
que-gente-vivia-cada-minuto-a-luta-pela-liberdade-e-a-construcao-do-brasil. Acesso em 04 de agosto de 2018.
115
Site da entidade: http://assesoar.org.br/. Acesso em 04 de agosto de 2018.
241

No final de década de 1970, no período de reorganização do DCE da Federal,


encontramos o depoimento de Jorge Sami Manika116 que ingressou no curso de Engenharia
Civil, em 1978, e em matemática, no ano 1979; nesse período era permitido fazer dois cursos
na mesma instituição. Jorge gostava muito de ler e lembra da dificuldade que encontrava para
ler alguns livros que estavam proibidos; ele destaca o sentimento de satisfação quando foi
possível ler o livro de Jorge Amado: “O cavaleiro da esperança”.
Jorge iniciou sua participação no ME inserindo-se na comissão organizada para
reestruturação do DCE, a Comissão Pró-DCE. Era vinculado ao DAST (Diretório Acadêmico
do Setor de Tecnologias), entidade permitida no período. Realizaram um plebiscito em abril de
1979 em que foi aprovada a criação do DCE Livre. Foi membro da Chapa “Vira Volta” e a
outra chapa era “Refazendo” de Vilson Pienegunda; nas chapas não havia distribuição de
cargos, era um colegiado, por conta da preocupação com a repressão. Optaram por fazer uma
diretoria colegiada, com quinze membros.
Outra questão mencionada por Jorge diz respeito ao fato dele ter acesso a cartas
datilografadas que Vitório Sorotiuk enviava para alguém no Brasil, às quais ele tinha acesso e
fazia a impressão para colar nas paredes do Centro Politécnico. O conteúdo das cartas estava
direcionado para a trajetória de luta de Vitório no ME, com mensagens de apoio à luta
estudantil. No período pós-Anistia, com a volta de muitos militantes, inclusive com as
produções literárias, isso contribuiu à organização dos estudantes.
Do período de abertura política recorremos ao depoimento de Luiz Henrique Bona
Turra, já mencionado nesta tese. Era militante da juventude do MDB e fez parte da primeira
Diretoria da Executiva Estadual do partido, gestão 80/81, como tesoureiro geral. Relata que seu
ingresso na militância de esquerda aconteceu em 1980, quando tinha 17 anos, pois convivia
com companheiros do PC do B, PCB e MR8, mas não se identificava, naquele período, porque
havia uma grande preocupação com a distinção em relação ao pertencimento a esses partidos
dos quais os colegas eram membros. Em 1981 integrou uma campanha para diretoria do DA do
Setor de Tecnologia da Federal do Paraná, o DAST. Nas palavras de Turra, o DA estava
constituído a partir das orientações emanadas do Governo Federal; lembra que as entidades de
representação nacional e estadual e os DCEs estavam vedadas e que os estudantes deveriam
organizar-se em Diretórios Setoriais, como é o caso do DAST, sendo o modelo oficial de
organização estudantil. Ele fez parte da chapa como Secretário Geral, mas perderam as eleições.
Após a derrota retomaram a discussão sobre as possibilidades de articulação dos estudantes,

116
Depoimentos disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/100/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 11 de agosto de 2018.
242

sendo que ele foi convidado a participar da Tendência “Viração”, do PC do B, para eleições da
UPE, a segunda após a reconstrução da entidade. Lembra que a primeira eleição ocorreu em
1980, foi disputadíssima e a Viração foi vencedora. Para a segunda eleição relata que foi
realizada uma reunião na CEU, em que estavam presentes vários militantes do ME paranaense
naquele período, dentre eles: Tosca Zamboni, Vitor Moreschi, Zenir, Geraldo Serathiuk, entre
outros. Ele, então, foi convidado a fazer parte dessa chapa como representante do setor de
tecnologias da Federal. A chapa foi vencedora.
No ano 1982 o Ministro da Educação, o General Rubem Carlo Ludwig, tomou a
decisão de unificar o valor das refeições dos RUs das Universidades Federais em todo o país.
Tal fato culminou com a unificação do ME no Brasil todo. Organizavam as Assembleias
estudantis, lideradas pelo DCE da UFPR, representado por Tosca Zamboni, em que foi iniciada
a greve geral dos estudantes.
Relata que ingressou oficialmente no PC do B em 1982; destaca que foi a partir de
seu ingresso no partido que, formalmente, foi vigiado, uma vez que, antes disso, ele militava,
mas não há registros sobre essa atuação. Assim, fica implícita a existência de infiltrados nos
diversos movimentos sociais e partidos políticos. No que tange à década de 1980 consta nos
arquivos da DOPS/PR um documento117 que trata da infiltração de um Agente da Polícia
Federal no ME, bem como no CBA e no PMDB; o informe é de setembro de 1980:
SÉRGIO RIBEIRO DE OLIVEIRA MOTA é Agente da Polícia Federal e
encontra-se infiltrado no Movimento Estudantil – ME, com consequentes
participações no Comitê Brasileiro pela Anistia/Seção Curitiba – CBA e
Diretório Local do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.
Face à ocorrência (verídica) da estranha incursão à residência do ?, como
consta no terceiro parágrafo do documento referenciado, SÉRGIO foi
orientado por esta SI no sentido de narrar o fato durante a reunião do CBA,
conduta lógica de qualquer pessoa que daquela entidade fizesse parte, em
idêntica situação. Visou-se, com isso, aproveitando a ocorrência que pode ter
partido da própria esquerda, afastar suspeitas (já detectadas) de integrantes do
citado Comitê sobre a verdadeira identidade do Agente Federal.118

As suspeitas de Turra são evidenciadas por registros da própria Polícia Federal.


Essa prática não se restringiu aos agentes da polícia, pois os delatores também foram civis que,
infiltrados nos diversos movimentos sociais, faziam o papel de informantes para os órgãos da
repressão.

117
Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2013/03/03110.jpg. Acesso em
08 de maio de 2018. O documento está disponível no site Documentos Revelados; como não possui os dados sobre
o dossiê em que está arquivado, referenciamos por meio do acesso ao link.
118
Idem.
243

Ainda sobre a militância de Turra, assumiu a presidência da UPE no ano 1982;


relata o processo contraditório do PC do B no Paraná, nesse período, em que a direção formal
do partido foi questionada por ações que não condiziam com os pressupostos do partido. Assim,
uma nova frente de militância foi articulada da qual ele fazia parte; organizaram uma Chapa
que concorreu às eleições da UPE e foi eleita. O Presidente eleito, em 1982 (Valter), também
concorreu às eleições da UNE em que a chapa foi eleita, fato que levou Turra a assumir a
presidência da UPE.
Ocorre que, no ano de 1982 o Deputado Heitor Cavalcanti de Alencar Furtado foi
assassinado119; tal acontecimento mobilizou os movimentos sociais no Estado, uma vez que as
condições da morte de Heitor levaram à conclusão de que o assassinato seria político. Nesse
contexto, Turra estava na presidência da UPE e os estudantes organizaram-se de diversas
formas para protestar e reivindicar esclarecimentos sobre a morte de Heitor.
Por conta das mobilizações e reivindicações dos estudantes no processo eleitoral
para governo de Estado, o então Governador eleito, José Richa, permitiu a participação de
representantes da classe estudantil no Conselho Estadual de Educação, sendo Turra o primeiro
a ocupar esse espaço. Dentre as contribuições para a classe estudantil há o destaque para o fato
relatado por Turra de que foi possível intervir nas decisões sobre a mensalidades das
Universidades Estaduais Públicas, bem como das privadas. No caso das estaduais foi possível
congelar as mensalidades, o que permitiu o processo de retirada das mensalidades nessas
instituições no governo estadual de Álvaro Dias.
A sede da UPE foi retomada na gestão em que Turra foi presidente da entidade. A
sede estava ocupada por uma instituição120; quando desocupada, nas palavra de Turra: “o prédio
foi depredado”, pois foram retirados todos os objetos que poderiam ser removidos, deixando o
espaço sem condições para utilização. Dessa forma, os estudantes precisaram recorrer aos
órgãos do Estado para solicitar a manutenção do lugar.
Os estudantes estavam articulados, inclusive com a ANDES (Associação Nacional
dos docentes do Ensino Superior), nas lutas específicas pela educação. Todavia, tinham a
clareza de que havia uma luta maior a ser travada em prol da realização das eleições diretas

119
Algumas informações sobre este acontecimento podem ser encontradas no endereço:
http://www.portalagora.com/noticias/mostrar/id/46000/titulo/o-crime-que-colocou-mandaguari-em-destaque-no-
noticiario-nacional. Acesso em 30 de abril de 2018.
120
Em pesquisa na base de dados Hemeroteca, deparamos com a notícia no jornal Diário do Paraná, de 21 de
outubro de 1980, em que está registrada a busca dos estudantes para recuperar sua sede, que estava sendo utilizada
pela PARANATUR. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&PagFis=144306&Pesq=upe Acesso em 09 de
outubro de 2018.
244

para Presidente da República. Assim, sob a convocação do então presidente da UPE na antiga
sede da OAB do Estado, em parceria com partidos políticos, com sindicatos e demais entidades
vinculadas às lutas sociais, foi realizada a primeira reunião do Estado, em 1983, para organizar
a Campanha pelas Diretas Já. Samuel Gomes foi o sucessor de Turra na presidência da UPE e
deu sequência a esse trabalho, uma vez que Turra destaca que o ME Universitário do Estado
era quem direcionava tal ação, o que era aceito pelos demais movimentos.
O depoimento de Turra contribui para que possamos compreender, de forma clara,
as especificidades da organização estudantil no início da década de 1980.
Jorge Modesto também participou do ME, no início da década de 1980, na Capital
do Estado, quando ingressou no curso de economia da UFPR. Antes de ingressar no ME,
participou no CBA de Curitiba e no CDAMA (Comitê de Defesa da Amazônia). No ME,
contribuiu com o processo de reorganização das entidades, em especial do DCE e da UPE. Mais
tarde agregou a luta pelas “Diretas Já”, pela Constituinte e segue na luta até a atualidade.
Quando questionado sobre a história do CDAMA, Jorge relata que foi um
movimento proveniente da sociedade civil, de forma especial pelos estudantes secundaristas,
inclusive da escola técnica e dos cursinhos preparatórios para o vestibular, os quais inseriram
na pauta de reivindicações, além da luta em defesa da Amazônia, questões ambientais.
No processo de reorganização do DCE da Federal os militantes estudantis da década
de 1960 foram chamados para que fossem homenageados; ele cita o nome de Vitório Sorotiuk
que, inclusive, foi exilado. Fazia parte da tendência estudantil “Viração”, que mais tarde passou
a ser denominada UJS (União da Juventude Socialista), presente até os dias de hoje na
organização da juventude.
Destaca as lutas travadas pelos estudantes: pela qualidade dos RUs, pela
democratização da Universidade. Argumenta que houve unidade entre professores, servidores
e estudantes em torno da luta pela democratização da Universidade.
Analisamos, ademais, o depoimento de Valéria Prochmann121, que é filha de
militante estudantil do período anterior ao golpe de 1964. Ela iniciou sua militância no ME em
1982 por meio da organização estudantil secundarista. Em 1986 chegou à presidência da UPE
sendo a primeira mulher a ocupar o cargo. Alguns elementos trazidos por Valéria são relevantes
para compreender o processo de organização dos estudantes, bem como do movimento
feminista no Paraná. Ela relata que, no final da década de 1970, com o aumento da inflação e
do desemprego, as mulheres, mães e donas de casa foram às ruas e bateram panela, reclamando

121
Depoimento disponível em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/185/depoimento-para-a-
historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.
245

da alta dos preços de alimentos, do custo de vida como um todo. Teve início com as mulheres,
então, a Luta contra a Carestia no Paraná. Essa luta expandiu-se por todo o país, originando o
Movimento Contra a Carestia (MCC), como já mencionado anteriormente.
Em 1982 ela, juntamente com outros colegas, dentre eles, Gleise Hoffman,
organizaram o Comitê Pró-Grêmio Livre do Colégio Medianeira, quando deram o nome do
estudante Edson Luiz Lima Souto. Articulados ao ME foram eleitos como
representantes/delegados na Comissão Pró-UBES no processo de reconstrução dessa entidade.
Também em 1982, quando acontecem as primeiras eleições diretas para governadores dos
estados, ela era aluna do Colégio Medianeira e militava no Grêmio Estudantil; a entidade lançou
a tarefa de entrevistar os candidatos ao governo do Estado para redação do boletim informativo
do Grêmio Estudantil.
Nesse processo de diálogo com os candidatos quando conversaram com o candidato
que representava a Frente Democrática, José Richa, ela foi convidada a participar do
Movimento Juvenil da Campanha de José Richa denominado Comitê do Primeiro Voto; assim,
ela inseriu-se ativamente na militância política.
No processo de abertura política desencadeado pela decadência da ditadura militar
participou, nos anos 1983/84, das atividades pelas Diretas Já, lideradas pelo senador Álvaro
Dias; além do mais, participou das Caravanas de jovens e mulheres em prol das Diretas Já em
quase cinquenta municípios do Paraná. Em alguns municípios havia a tentativa de cercear a fala
dos militantes. Apesar de toda organização dos movimentos sociais, a emenda não foi aprovada
e manteve-se a escolha do Presidente ainda pelo Colégio Eleitoral. Assim, a luta foi para vencer
o indicado pelo Governo, Paulo Maluf, o que ocorreu, sendo que o nome que unificou, no
período, a representação democrática foi Tancredo Neves.
Apesar de ainda não efetivada a democracia no país, algumas ações são relevantes,
sendo que Valéria cita a legalização das entidades de representação estudantil, bem como as
centrais sindicais; a implantação do Plano Cruzado, como uma tentativa de contenção da
inflação e a Moratória da Dívida Externa.
Todavia, ela lembra que a ditadura não havia findado; dentre os possíveis exemplos
ela retoma a censura a dois filmes estrangeiros, que foram: “Je vous salue, Marie” de Jean-Luc
Godard e “A última tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, sendo o primeiro francês e o último
norte-americano.
Sobre a militância estudantil destaca a relevância da primeira eleição direta para
Reitor da UFPR, pós-ditadura militar, que ocorreu em 1985, em que foi eleito Riad Salamuni.
246

A partir de então os estudantes e os funcionários da Universidade começaram a ter


representação no Conselho Universitário.
Em síntese, os depoimentos dos militantes elucidam as contribuições dos partidos
políticos, ainda clandestinos, no processo de reorganização estudantil da década de 1970.
Alinham-se, no que tange às contribuições das entidades livres, no processo de luta pela
reorganização estudantil.
Algo possível de ser identificado por meio da análise dos depoimentos diz respeito
ao fato de que famílias paranaenses fizeram parte do ME, ou seja, temos a recorrência de irmãos
engajados no ME dentre os quais podemos mencionar, a título de exemplo, a família Sorotiuk,
com os irmãos Vitório, Nelson e Geraldo; os irmãos Zamboni, Tosca e Alexandre; os irmãos
Ildeu e Júlio Manso Vieira; os irmãos Requião Melo e Silva e ainda os irmãos de Londrina,
Tadeu Felismino e Pedro Paulo Perroni.
Alguns militantes destacaram a importância do acesso à leitura de escritores
brasileiros e internacionais que foram censurados pela Ditadura, dentre os quais, no caso dos
brasileiros, podemos citar os livros de Jorge Amado, em especial “O cavaleiro da esperança”.
No caso dos textos de estrangeiros destacam-se os escritos de Marx, Lenin, Engels, enfim, todos
os textos que tinham caráter contestatório, de reflexão sobre as condições objetivas do
capitalismo, bem como filmes e peças de teatro.
A análise dos depoimentos e dos registros individuais dos militantes por meio das
fichas e pastas individuais, propiciam a compreensão de que o ME causava preocupação aos
órgãos de vigilância, em especial no final da década de 1970 e início de 1980. Por isso, o clima
de medo, que permeava o meio estudantil, efetivava-se, ou seja, os olhos da repressão estavam
atentos, sendo registradas todas as atividades consideradas como “ameaça”.
247

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar esta pesquisa a intenção era discorrer sobre o ME universitário


paranaense no período de 1979 a 1984. Todavia, como são as fontes que de certa forma guiam
o nosso trabalho, a pesquisa perpassou por todo o período da Ditadura Civil-Militar brasileira,
com ênfase ao final da década de 1970 até meados da década de 1980.
Reiteramos, aqui, que analisamos o ME paranaense diante da realidade na qual
estavam inseridos, nas condições objetivas para sua organização, portanto, as estratégias de luta
são um tanto quanto diversas daquelas utilizadas pelo ME no período de 1968, o que não
desqualifica o ME no período de redemocratização do país.
Ainda, como possíveis reflexões finais, considera-se necessário retomar as questões
que foram postas para realização desta pesquisa, afinal, foram elas que direcionaram o trabalho,
portanto, com a possibilidade de serem respondidas, mesmo que parcialmente. A primeira
questão: Houve vigilância da polícia política sobre o ME paranaense no processo de abertura
política? A resposta é sim, inclusive, com as prisões dos estudantes. Havia um departamento,
denominado ASI (Assessoria de Segurança e Informações) dentro das Universidades para vigiar
as ações dos estudantes. Ademais, percebe-se a prática de infiltrados no ME, que também foi
identificada quando analisamos os depoimentos dos militantes da época.
Todavia, de forma específica, a violência física foi sendo reduzida, minimizada a
partir de meados de 1970. Os depoimentos demonstram essa condição. Contudo, a violência
psicológica, o medo, estiveram fortemente presentes entre os militantes estudantis. Ou seja, as
prisões aconteciam, mas eram rápidas, sem tortura física.
Com relação à questão: Em que medida tal vigilância permeou e direcionou os
rumos da (re) organização dos estudantes brasileiros por meio de suas entidades oficiais – União
Nacional dos Estudantes e União Paranaense dos Estudantes, quiçá da educação brasileira? Foi
nos depoimentos dos militantes que encontramos a resposta a essa questão, pois a preocupação
com a vigilância era algo que estava presente na vida dos estudantes articulados com as lutas
do ME; todas as ações eram muito bem planejadas, com sistema de segurança dos estudantes,
para que pudessem ser efetivadas. Dito de outra forma, a vigilância cerceou, não só a
organização do ME, mas todos os movimentos sociais, partidos políticos e sujeitos que não se
alinhavam aos interesses do Governo Militar.
Outra constatação diz respeito às limitações da vida pessoal dos militantes, uma vez
que o medo, imposto pela vigilância, interferia nas relações pessoais desses sujeitos. Em seu
248

depoimento, Geraldo destaca que os militantes tinham poucos amigos, ou seja, era perigoso,
inclusive, ser amigo daqueles considerados comunistas, subversivos.
A partir da abertura houve efetivamente um desmonte das estruturas da polícia
política brasileira? Essa estrutura permaneceu até o final da década de 1980, ressaltando-se que
as atividades de vigilância iniciaram, no caso específico do ME paranaense, durante o Estado
Novo.
Quais as semelhanças e rupturas entre o discurso oficial (polícia política), a
legislação educacional e as memórias dos militantes estudantis? Em que medida a (re)
organização do ME paranaense, após 1968, manteve os princípios da esquerda brasileira? Essas
questões efetivamente direcionaram a pesquisa, como hipóteses, inclusive. Com elas a intenção
foi trazer para o debate a realidade objetiva, romper com a visão ufanista do ME; em
contrapartida, romper com a visão que não reconhece o protagonismo do ME, também no
período de abertura política.
No decorrer da pesquisa outras questões foram postas, algumas possíveis de serem
sistematizadas e outras que ainda demandam mais tempo para estudo. Dentre elas foi possível
identificar a rearticulação dos estudantes paranaenses do interior do estado, por meio da
constatação da relevância do grupo de estudantes que criou o jornal “Poeira”, em Londrina, dos
estudantes da UEM, que se organizaram por meio do DCE, bem como do DA Rocha Pombo da
UFPR no processo de (re) organização estudantil pós-1968.
Elucidamos que, como aconteceu em 1964 e 1968, quando as entidades de
representação estudantil foram extintas, para que o governo pudesse controlar o ME, no final
da década de 1970 e início de 1980, uma nova investida, especificamente no Paraná, foi lançada
contra as entidades estudantis. Os DCEs foram fechados, bens das instituições foram
confiscados, como ocorreu, por exemplo, com o DCE da FUEL.
Tal fato pode ser relacionado aos dados quantitativos de estudantes inseridos nas
universidades paranaenses; ademais, porque os estudantes representavam uma parcela da
sociedade que estava em processo de desenvolvimento, tendo acesso à escolarização de
qualidade, o que lhes propiciou desenvolvimento integral, emancipação humana, portanto,
clareza sobre as condições objetivas nas quais estavam inseridos - algo não pretendido pelo
grupo que estava no poder.
Em nível nacional, além do embate travado no sentido de não permitir a aprovação
da lei que retomava a legalidade da UNE, ocorre a demolição da sede dessa entidade em 1980.
Tais fatores demonstram a constante preocupação dos Governos (Federal, Estadual e
Municipal) de não permitir a organização estudantil.
249

Compreende-se, então, a preocupação claramente expressa no inquérito policial


militar sobre o PCB com o processo de formação dos militantes evidenciando, em todos os
volumes, a importância da questão educacional. Ou seja, o SNI tinha clareza de que não poderia
permitir formação adequada para a classe trabalhadora.
Novamente o ME reorganizou-se com as entidades Livres, isto é, no movimento
contraditório do real os estudantes, tendo como finalidade a manutenção da autonomia de sua
representatividade, criaram formas para romper com as imposições da Ditadura Civil-Militar.
Nesse processo os partidos políticos, por meio das tendências estudantis, subsidiaram o
processo formativo dos militantes paranaenses.
Nesse ínterim retomamos a relevância das estratégias de organização e socialização
de informações e conhecimentos utilizadas pelos estudantes ao longo de sua história, que são
os materiais produzidos, por exemplo, os jornais estudantis, que se colocaram como um
instrumento fundamental de luta.
Como mencionamos no decorrer de nosso estudo, a utilização dos documentos do
acervo das DOPS pressupõe alguns cuidados específicos, mas são uma fonte rica e cara para
que possamos compreender a história recente de nosso país, dos movimentos sociais e outros
segmentos que foram vigiados e barrados pela polícia política. Outra possibilidade de pesquisa
diz respeito à compreensão da forma como o Estado brasileiro, a partir da polícia política,
legitimou um modus vivendi que contribuiu para manutenção da ditadura por vinte anos.
Fica como possibilidade de análise a busca por esclarecer as contribuições das
demais instituições de ensino superior do Estado. Dentre elas, podemos mencionar a UEPG e
UNIOESTE. Há necessidade de coletar e analisar depoimentos de outros militantes, bem como
realizar a análise de depoimentos dos que estavam no poder.
Ainda, há uma grande quantidade de dossiês não analisados de forma sistemática
nesta pesquisa que podem elucidar a organização estudantil paranaense tanto no nível dos
universitários como secundaristas, bem como do país. Foi possível verificar que algumas
questões relacionadas à organização estudantil no Paraná estão arquivadas em dossiês com
denominações que, a princípio, não possuem vinculação direta com o ME. A título de exemplo,
podemos mencionar a prisão do então presidente do DARP, no site Documentos Revelados,
pois consta a informação de que, no dia 17 de outubro de 1977, Carlos Augusto de Oliveira foi
preso. Tal ação provocou a mobilização dos estudantes da capital. As informações estão
arquivadas no dossiê denominado DPF/PR, o qual não foi levantado nesta pesquisa assim como
outros dossiês que certamente podem alargar a compreensão clara dos acontecimentos do
período.
250

É comum a pesquisadores e militantes do período a defesa da necessidade de


esclarecer os acontecimentos da ditadura, punir os culpados e encontrar os desaparecidos.
Compartilhamos da defesa de que essas fontes são essenciais para que possamos compreender
esse passado que ainda não foi resolvido na história recente de nosso país. A utilização da
história oral é uma grande aliada nesse processo de reconstrução do passado, inclusive porque
muitos documentos produzidos pela polícia política não foram disponibilizados para pesquisa,
tendo sido até destruídos. A metodologia da história oral permite compreender a outra versão
da história, o outro lado, ou seja, é o outro olhar sobre a história.
No estado do Paraná, com base nesta pesquisa, foi possível retomar as mobilizações
dos estudantes universitários na Campanha “Gratuidade Já”, lançada pela UPE, que pode ser
considerada um divisor de águas no período de redemocratização do país. Nessa luta
articularam-se as principais universidades do Estado, estaduais e federal. A luta pela gratuidade
perdurou até 1987 quando o ensino superior se tornou gratuito. A Lei Estadual 8.675, de 21 de
dezembro de 1987, da Gratuidade, pode ser compreendida como resultado das lutas travadas
pelo ME paranaense no período de reorganização.
De acordo com os estudos de Reginaldo Dias, o ME da UEM foi um grande
impulsionador do processo que desembocou na gratuidade do ensino superior, como
mencionado no decorrer desta tese.
A pesquisa permitiu compreender que houve, de maneira especial na década de
1980, uma articulação dos estudantes e professores por uma educação de qualidade. De forma
peculiar, os estudantes paranaenses demonstraram intensa articulação na luta pela
democratização da educação superior, por meio da Campanha pela Gratuidade. Em alguns
casos, estiveram na vanguarda das mobilizações, organizando e realizando-as, sempre
articulados com setores da sociedade que ainda são negligenciados, ou seja, a classe
trabalhadora.
Ainda no período da década de 1980 a panfletagem nas portas das fábricas era
prática recorrente no meio estudantil paranaense, bem como comícios-relâmpagos em locais
estratégicos para atingir pessoas que não estavam inseridas nas universidades.
Outra questão pertinente refere-se aos eventos realizados na década de 1980, em
especial os que aconteceram no Paraná, sendo quatro eventos de nível nacional, fato que se
coaduna com a defesa de que o ME Universitário paranaense pode ser considerado um
protagonista nas lutas travadas nesse período. Os depoimentos dos militantes, bem como a
documentação da DOPS-PR, refletem esse protagonismo endossando a tese anunciada na
introdução de que os estudantes não só estavam inseridos como eram os articuladores das lutas
251

sociais mais amplas, como o Movimento Contra a Carestia, Anistia, CDAMA, Movimento
Feminista, Diretas Já, Pela Constituinte, Gratuidade do Ensino Superior, entre outras, a exemplo
do que foi elencado no decorrer da escrita desta tese.
As lutas travadas foram lideradas pela UPE quando da sua reorganização. Ou seja,
as bases estudantis do Estado organizaram-se nas Universidades para então reorganizar a UPE.
Por isso, é possível verificar que houve uma unificação do ME paranaense em torno de lutas
comuns. Houve algumas divergências com relação ao pertencimento dos estudantes às
tendências estudantis, lideradas pelos partidos políticos, mas isso não afetou os avanços no
processo de reconstrução das entidades e de lutas comuns.
Nessa direção, pesquisas sobre essas lutas podem contribuir para esclarecer a
realidade objetiva do período, uma vez que alguns dossiês sequer foram levantados nesta
pesquisa, por exemplo, sobre a Carestia, Anistia, CDAMA, entre outros. Ademais, a base de
dados da Biblioteca Nacional, denominada Hemeroteca Digital, cujo uso foi irrisório nesta
pesquisa, possui uma quantidade considerável de fontes primárias que podem contribuir com
pesquisas no campo da história da educação e do ME.
As pesquisas sobre os partidos políticos, a partir dos dossiês, também são relevantes
bem como das Universidades Paranaenses, como é o caso da FUEL, que possui vinte dossiês
levantados na busca arquivista, os quais não foram analisados nesta pesquisa. Além disso, em
relação à Universidade Federal do Paraná, há quatro dossiês sem considerar as Assessorias de
Segurança e Informação das Universidades, as quais não foram levantadas nesta pesquisa. Ou
seja, a continuidade deste trabalho, com as fontes primárias, pode contribuir à elucidação da
história da educação superior no Paraná.
Nos dossiês sobre as Universidades Estaduais foi possível identificar, no final da
década de 1970 e início de 1980, a luta comum em torno da federalização do ensino superior,
na FUEL, FUEM e na Unioeste. Os estudantes integravam e articulavam essa luta. Diante disso,
a defesa da relevância do uso da história oral, como fonte para pesquisas históricas, além dos
arquivos da polícia política, precisa ser considerada pelos pesquisadores no campo da história
e, de forma mais específica, da história da educação.
Diante do contexto em que esta tese foi defendida, final de 2018, a assertiva acima
faz-se essencial em tempos como esses em que a democracia segue ameaçada; reiteramos as
palavras de Caio Navarro Toledo: “O direito à memória e o direito à verdade são cláusulas
pétreas de uma sociedade que se pretende democrática” (2014, p. 13, grifos no original).
252

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, José Santos de. Operação Pequeno Príncipe: A ação da polícia política no combate
à doutrinação comunista nas pré-escolas Oficina e Oca (Curitiba, 1978). Dissertação (Mestrado
em História) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, 2015.

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 1984

ALVES, Gilberto Luiz. Universal e singular: em discussão a abordagem cientifica do regional.


Anais do III Seminário Nacional de Estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no
Brasil”. Campinas-SP: UNICAMP/FE/HISTEDBR, 1996.

AQUINO, Maria Aparecida de et alii. No coração das trevas: o DEOPS/SP visto por dentro.
São Paulo: Arquivo do Estado: Imprensa Oficial, 2001.

_______. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da


dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC, 1999.

ARAUJO, Maria Paula Nascimento. Memórias Estudantis, 1937-2007: da fundação da UNE


aos nossos dias. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Roberto Marinho, 2007.

ARRUDA, Antônio de; FIGUEIRA, Danton Pinheiro de Andrade; ARAÚJO, Jenner José de.
Política Nacional. ADESG – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Ciclo
de Conferencias sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento, 1970.

BERLINCK, Manuel Tosta. O Centro Popular de Cultura da UNE. Campinas SP: Papirus,
1984.

BRUNELO, Leandro. Repressão política na terra das araucárias: a Operação Marumbi em


1975 no Paraná. 2006. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2006.

BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos / Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Brasília:
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.

BRASIL. Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil,


Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal. - Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de
Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, 2010.

BUONICORE, Augusto. A UNE: uma página perdida da história. Disponível em:


http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=1876&id_coluna=10. Acesso de 13
de janeiro de 2018.

BUFFA, Ester. Contribuição da História para o enfrentamento dos problemas educacionais


contemporâneos. In: Em Aberto, Brasília: INEP, v. 9, n. 47, jul/set. 1990, p. 13 –19.
253

CALCIOLARI, Silvia. Ex-presos políticos e a memória social da tortura no Paraná (1964


– 1978). Curitiba: Assembleia Legislativa do Paraná, 2006.

CALDAS, Ana Carolina. Centro Popular de Cultura no Paraná (1959-1964): encontros e


desencontros entre arte, educação e política. Dissertação (Mestrado em Educação).
Universidade Federal do Paraná, 2003.

CANCIAN, Renato. Movimento Estudantil e repressão política: o Ato Público da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo (1977) e o destino de uma geração de estudantes. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008.

CAOBIANCO, Renata Maria. Movimento Estudantil na UEL: 1971-1984. Londrina:


EDUEL, 2007.

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Os arquivos da polícia política brasileira: uma alternativa
para os estudos de História do Brasil Contemporâneo. Projeto Integrado: Arquivo Público do
Estado e Universidade de São Paulo. [20?]. Disponível em:
https://www.usp.br/proin/download/artigo/artigo_arquivos_policia_politica.pdf. Acesso em 27
de abril de 2017.

CARVALHO, Valéria Fernandes de. A prática educativa do Movimento Estudantil


Universitário no contexto do neoliberalismo: o Curso de Ciências Sociais da UFRJ.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

CASTANHO, Sérgio. Memória, presente e futuro. In. LOMBARDI, José Claudinei; Ana
Palmira Bittencourt S., CASIMIRO; Lívia Diana Rocha, MAGALHÃES (orgs). História,
memória e educação. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011.

CAVALLARI, Rosa Maria Feiteiro. Os limites do Movimento Estudantil – 1964-1980.


Dissertação Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas: São Paulo, 1987.

COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE TERESA URBAN. Relatório da Comissão


Estadual da Verdade Teresa Urban. São Paulo, Tikibooks, 2017. V. 01

COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE TERESA URBAN. Relatório da Comissão


Estadual da Verdade Teresa Urban. São Paulo, Tikibooks, 2017. V. 02

CUNHA, Ruy Vieira da. et al. O homem de nossa época. ADESC – Associação dos
Diplomados da Escola Superior de Guerra. Ciclo de Conferencias sobre Segurança Nacional de
Desenvolvimento, 1970.

CUNHA, Luís Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:


Francisco Alves: 1991.

CUNHA, Paulo Ribeiro da Cunha. Militares e anistia no Brasil: um dueto desarmônico. In:
TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir. O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São
Paulo: Boitempo, 2010.

DELLA VECCHA, Renato Silva. O ressurgimento do movimento estudantil universitário


gaúcho no período de redemocratização: As tendências estudantis e seu papel (1977/1985).
254

Tese (Doutorado em Ciência Política). Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto
Alegre, RS, 2011.

DIAS, Reginaldo Bendito. Uma universidade de ponta-cabeça: a ocupação da Reitoria e a


luta dos estudantes da UEM pela gratuidade do ensino e pela democratização da universidade.
2 ed. Maringá: Eduem, 2008.

DOPS: a lógica da desconfiança. 2. ed. Rio de Janeiro: APERJ, 1996.

FÁVERO, Maria de Lourdes de A. A UNE em tempos de autoritarismo. Rio de Janeiro:


UFRJ, 1994.

FELISMINO, José Antonio Tadeu. Jornal Poeira, história e memórias. Dissertação


(Mestrado em Comunicação) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2016.

FERREIRA, Marieta de Moraes; FERNANDES, Tania Maria; VERENA, Alberti, orgs.


História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz

FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil.


Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.

FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001.

FICO, Carlos; GRIM, Monica; ARAÚJO, Maria Paula. Violência na história: memória,
trauma e reparação. São Paulo: Editora Cultura. 2013

FIUZA, Alexandre Felipe. Entre cantos e chibatas: a pobreza em rima rica nas canções de
João Bosco e Aldir Blanc. Dissertação de Mestrado, Campinas, SP, 2001.

FIUZA, Alexandre Felipe. Entre um samba e um fado: a censura e a repressão aos músicos
no Brasil e em Portugal nas décadas de 1960 e 1970. Tese (Doutorado em História), Assis –
São Paulo, 2006.

FORACCHI, Marialice. O estudante e a transformação da sociedade brasileira. São Paulo:


Editora Nacional, 1977.

GALVÃO, Andréia. Marxismo e movimentos sociais. Revista Crítica Marxista, n. 32, 2011, p.
107-126. Disponível em:
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo235artigo5.pdf. Acesso
em 05 de outubro de 2018.

GERMANO, José Wellington. Estado Militar e educação no Brasil (1964-1985). 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1994.

GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1978. Tradução Carlos Nelson Coutinho.

HAGEMAYER, Rafael Rosa. 1968: a derrubada do ensino pago no Paraná. In: MARTINS
FILHO, João Roberto (org.). 1968 faz trinta anos. Campinas, SP: Mercado de letras, 1998.
255

HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná. Rio de Janeiro: Paz
e Terra: Curitiba, Secretaria de Cultura do Estado do Paraná, 1988.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2 ed. São Paulo,
Companhia das Letras, 1995.

IANNI, Octavio. A Ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

INQUÉRITO POLICIAL MILITAR 709. O comunismo no Brasil. 1º volume. Rio de Janeiro:


Editora Biblioteca do Exército, 1966.

INQUÉRITO POLICIAL MILITAR 709. O comunismo no Brasil: I A construção; II A


Infiltração. 2º volume. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca do Exército, 1966.

INQUÉRITO POLICIAL MILITAR 709. O comunismo no Brasil. 3º volume. Rio de Janeiro:


Editora Biblioteca do Exército, 1967.

JORNAL POEIRA, n. 11, nov. 1975. Disponível em:


http://issuu.com/jornalpoeira/docs/poeira_1975_11. Acesso em: 07 de março de 2018.

KUSHNIR, Beatriz. Pelo buraco da fechadura: o acesso à informação e às fontes (os arquivos
do DOPS – RJ e SP). In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Minorias silenciadas: histórias da
censura no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. p. 553-583.

LACERDA, Gislene Edwiges de. As esquerdas entre os estudantes: memórias dos militantes
estudantis juizforano e a transição democrática brasileira (1974-1984). Dissertação (mestrado
em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.

LACERDA, Gislene Edwiges de. O movimento estudantil e a transição democrática


brasileira: memórias de uma geração esquecida. Tese (Doutorado em História Social) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós Graduação em
História Social, 2015.

LIMA, Eduardo Luís Campos. O Auto dos 99% - O Centro Popular de Cultura da União
Nacional dos Estudantes (CPC da UNE) e a mobilização estudantil. Revista CRIOULA,
novembro de 2011, nº 10. São Paulo – SP. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/55487/59027. Acesso em 19 de julho de 2018.

LOMBARDI, José Claudinei; CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt S.; MAGALHÃES, Lívia
Diana Rocha (Orgs). História, memória e educação. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011.

LVOVICH, Daniel; BISQUERT, Jaqueline. La cambiante memoria de la dictadura:


discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática. 1. ed. Los Polvorines:
Universidad Nacional de General Sarmiento, Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2008.
MACIEL, Ayrton. A história secreta. Recife, PE: Edições Bagaço, 2000.

MARINI, Rui Mauro. Brasil da ditadura à democracia 1964-1990. Artigo. Disponível em:
<http://www.marini-escritos.unam.mx/033_brasil_ditadura_port.htm>. Acesso em: 6 jan.
2010.
256

MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968 faz trinta anos. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 1998.

MARTINS FILHO, João Roberto. O movimento estudantil na conjuntura do golpe. In:


TOLEDO, Caio Navarro. 1964: Visões críticas do golpe: Democracia e reformas no populismo
(org.) 2ed. Campinas – SP: Editora da Unicamp, 2014.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Fonte digital. Rochet Edition de 1999.
Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/ideologiaalema.pdf. Acesso em 24
de abril de 2018.
MONTEIRO. Thiago Nunes. Como pode um povo vivo nesta carestia: O Movimento Custo
de Vida em São Paulo (1973-1982). 2015. Dissertação (Mestrado em História Social) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, universidade de São Paulo, São Paulo,
2015. Disponível em:
file:///C:/Users/Silvana/Downloads/2015_ThiagoWilliamNunesGusmaoMonteiro_VCorr.pdf.
Acesso em 08 de outubro de 2018.

MOURA, Heitor Pinto de. As informações e a Segurança Nacional. ADESG – Associação


dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Ciclo de Conferencias sobre Segurança
Nacional e Desenvolvimento, 1970.

MULLER, Angélica. A resistência do movimento estudantil brasileiro contra o regime


ditatorial e o retorno da UNE à cena pública (1969-1979). Tese (Doutorado em História
Social) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo;
Centre d’Histoire Sociale du XXème Siècle. Université de Paris 1 – Pantheéon Sorbonne. São
Paulo; Paris, 2010.

NERY, Vanderlei Elias. Diretas já: mobilização das massas com direção burguesa. In:
PINHEIRO, Milton. et al. Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014.

NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura brasileira (1964-1985). São Paulo:
Cortez, 2014.

OLIVEIRA, Antônio Narciso Pires de. Depoimentos para a história: a resistência à ditadura
militar no Paraná. Curitiba, DHPaz 2014.

OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. As forças armadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969).
Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas- SP, 1976.

PALMAR, Aluízio. Onde foi que vocês enterraram nossos mortos? 2. ed. Curitiba, PR:
Travessa dos Editores, 2006.

PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. A UNE nos anos 60: utopias e práticas políticas no
Brasil. Londrina, PR: Editora da UEL, 1997.
257

POERNER, Arthur José. O poder jovem: história da participação política dos estudantes
brasileiros. 5. ed. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.

PRIORI, A., et al. História do Paraná: séculos XIX e XX [online]. Maringá: Eduem, 2012. A
revolta camponesa de Porecatu. Pp 129-141. ISBN 978-85-7628-587-8

REBELO, Aldo. Depoimento escrito. [04/12/2004]. Entrevistadores: Angélica Müller, Ana


Paula Goulart e Paulo Markun. Revisão: Angélica Müller e Carla Siqueira. Transcrição: Itamar
de Assis Jr.

RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 15a. ed. rev. e


ampl. Campinas: Autores Associados, 1998.

RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. 2ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista, 2010.

RODRIGUES, Eliane. História da educação no Paraná: a imprensa pedagógica como estratégia,


1985-1986. In: MACHADO, Maria Cristina Gomes; OLIVEIRA, Terezinha. Educação na
história. São Luiz: Editora UEM, 2008. p. 165-186.

ROMAGNOLI, Luiz H.; GONÇALVES, Tânia. A volta da UNE - de Ibiúna a Salvador. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1979.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 30ª ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 2007.

RONCAGLIO, Cynthia et alii. Os arquivos do DOPS do Paraná. Quadrilátero – Revista do


Arquivo Público do Distrito Federal. Brasília, v. 1, nº 1, p. 41-52, mar./ago. 1998.

SANFELICE, José Luís. Movimento estudantil – a UNE na resistência ao golpe de 64. São
Paulo: Editora Alínea, 2008.

SAVIANI, Dermeval. Histórias das ideias pedagógicas no Brasil. 3 ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2013.

SAVIANI, Dermeval. O debate teórico metodológico no Campo da História e sua importância


para a pesquisa educacional. In: SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI, José Claudinei,
SANFELICE, José Luís (orgs.). História e História da Educação: o debate teórico-
metodológico atual. Campinas, Aurores Associados/HISTEDBR, 1998.

SCHMITT, Silvana Lazzarotto. Encontros e desencontros do movimento estudantil


Secundarista Paranaense (1964-1985). Dissertação de Mestrado. Unioeste Cascavel – PR,
2011.

SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política nacional: o Poder Executivo & Geopolítica
no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1988.
258

VALLE, Maria Ribeiro do. O diálogo é a violência: movimento estudantil e a ditadura militar
em 1968. UNICAMP - Campinas: São Paulo, Dissertação (mestrado), 1997.

VELASCO e CRUZ, Sebastião C. De Castelo a Figueiredo, uma visão histórica da “abertura”.


In: CHERESKY, Isidoro; CHONCHOL, Jacques. Crise e transformação dos regimes
autoritários. Campinas, SP: Editora Ícone, 1986. p. 37-59.

VIEIRA, Evaldo. A república brasileira: 1964-1984. São Paulo: Ed. Moderna, 1985.

TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir. O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São
Paulo: Boitempo, 2010.

TOLEDO, Caio Navarro. 1964: Visões críticas do golpe: Democracia e reformas no populismo
(org.) 2ª ed. Campinas – SP: Editora da Unicamp, 2014.

LEGISLAÇÕES
BRASIL. Ato Institucional n° 5. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-
05-68.htm. Acesso em: 5 de maio de 2017.

BRASIL. Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964 (Lei Suplicy), que dispõe sobre os Órgãos de
Representação dos Estudantes. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4464-9-novembro-1964-376749-
norma-pl.html>. Acesso em: 03 de janeiro de 2017.

BRASIL. Decreto Lei nº 228, de fevereiro de 1967. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0228impressao.htm . Acesso em: 3 jan.
2017.

BRASIL. Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0314.htm. Acesso em 18 de
julho de 2018

BRASIL. Decreto Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares


praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino
público ou particulares, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_14.htm>. Acesso em: 3 jan. 2017.

BRASIL. Lei nº 6680, de 16 de agosto de 1979. Dispõe sobre as relações entre o corpo discente
e a instituição de ensino superior, e dá outras providências.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6680-16-agosto-1979-357052-
publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 03 de janeiro de 2017.

______ Lei Federal 7.398/85 – Poder Legislativo assegura o funcionamento dos Grêmios
Estudantis como entidades autônomas de representação dos estudantes. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7398.html. Acesso em 20 abril de 2017.
259

PASTAS DA DELEGACIA DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL DO PARANÁ

Dossiê Casa do Estudante Universitário. Pasta nº 172.19


Dossiê Casa do Estudante Universitário. Pasta nº 174.19
Dossiê Casa da Estudante Universitária de Curitiba. Pasta nº 173.19
Dossiê Centro Acadêmico Hugo Simas, Pastas nº 189a.22 e 189b.22
Dossiê Congresso Nacional das Escolas Particulares de Ensino. Pasta nº 331.39
Dossiê Diretórios Acadêmicos, Pasta nº 717.82
Dossiê Diretório Acadêmico Arnaldo Carnacioli. Pasta nº 718.82
Dossiê Diretório Acadêmico de Agronomia e Veterinária. Pasta nº 719.82
Dossiê Diretório Acadêmico Bernardo Saião. Pasta nº 720.82
Dossiê Diretório Acadêmico do Centro Jurídico e Sociais da U.C.P. Pasta nº 721.82
Dossiê Diretório Acadêmico do Centro de Teologia e Ciências Humanas. Pasta nº 722.82
Dossiê Diretório Acadêmico de Ciências Sociais Aplicadas – DACIESA da Universidade
Federal do Paraná. Pasta nº 723.82.
Dossiê Diretório Acadêmico de Ciências Econômicas do Paraná, Pasta nº 724.82
Dossiê Diretório Acadêmico Clotário Portugal, Pasta nº 725.82
Dossiê Diretório Acadêmico 18 de março – Faculdade de Ciência Econômica de
Apucarana/PR. Pasta nº 726.82
Dossiê Diretório Acadêmico 2 de Julho. Pasta nº 727.82
Dossiê Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná. Pasta nº 728.82
Dossiê Diretório Acadêmico de Engenharia Química do Paraná. Pasta nº 729.83
Dossiê Diretório Acadêmico Euclides da Cunha. Pasta nº 730.83
Dossiê Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia da UFPR. Pasta nº 731.83
Dossiê Diretório Acadêmico Jackson de Figueiredo. Pasta nº 732.83
Dossiê Diretórios Acadêmicos de Londrina. Pasta nº 733.83
Dossiê Diretório Acadêmico de Música e Belas Artes. Pasta nº 734.83
Dossiê Diretório Acadêmico Nilo Cairo. Pasta nº 735.83
Dossiê Diretório Acadêmico Rocha Pombo. Pasta nº 736. 83
Dossiê Diretório Acadêmico do Setor de Ciências Agrárias UFPR. Pasta nº 737.83
Dossiê Diretório Acadêmico Visconde de Mauá. Pasta nº 738.83
Dossiê Diretório Acadêmico do Setor de Tecnologia (DAST da UF/PR). Pasta nº 739.83
Dossiê Diretório Acadêmico Vitor do Amaral. Pasta nº 740.83
Dossiê Diretório do Centro de Ciências Biomédicas da UCP. Pasta nº 749.85
260

Dossiê Diretório do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da UCP. Pasta nº 750.85


Dossiê DCE Universidade Estadual de Maringá. Pasta nº746.84
Dossiê Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal. Pasta nº 748.84
Dossiê DCE/Livre da UF/PR. Pasta nº 747.84
Dossiê DCE Federal. Pasta nº 742.84.
Dossiê DCE/LIVRE/FUEL, Pasta nº 744.84
Dossiê Diretório Central do Estudantes (DCE FUEL) Londrina. Pasta nº 745.84
Dossiê Encontro Científico de Estudantes de Medicina XII - ECEM Impressos. Pasta nº
914.112
Dossiê Encontro Científico de Estudantes de Medicina XII – ECEM. Pasta nº 915.113.
Dossiê Encontro Científico de Estudantes de Medicina XII = ECEM – Desgravações e
Fotos. Pasta nº 916.113
Dossiê Encontro Científico de Estudantes de Medicina XII – ECEM Rel. e Infes. Pasta nº
917.113
Dossiê 5º Encontro dos Estudantes de Medicina do Brasil – Curitiba/PR. Pasta nº 919.113.
Dossiê ENE – Encontro Nacional de Estudantes. Pasta nº 922.114
Dossiê Ensino Pago, Pasta nº 928.114
Dossiê Jornal Baluarte, Pasta nº 1211.114
Dossiê Jornal Estudantil Matraca, Pasta nº 1212.144
Dossiê Jornal Folha Acadêmica, Pasta nº 1213.114
Dossiê Jornal Poeira, Pasta nº 1233.146
Dossiê IV ENECOM. Pasta nº 924.114
Dossiê MEL - Movimento Estudantil Livre – Pasta nº 1393.165
Dossiê Movimento Estudantil. Pasta nº 1391.165
Dossiê Política Educacional do Governo. Pasta nº 1575.190
Dossiê PRE ENECA – Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Agrárias. Pasta nº
923.114
Dossiê SEDUNE, Pasta nº 1732.207
Dossiê União Nacional dos Estudantes. Pasta nº 2308.259
Dossiê UNE – XXX Congresso/68 – Pasta nº 2312.260
Dossiê UNE – XXX Congresso/68 – Pasta nº 2313.260
Dossiê UNE – XXX Congresso da UNE - Ibiúna – Pasta nº 2314.260
Dossiê UNE – XXXI Congresso – Pasta nº 2315.261
Dossiê UNE – XXVII Congresso – Belo Horizonte. Pasta 2316.261
261

Dossiê UNE – Seminário Regional Sul. Pasta nº 2323.263


Dossiê UNEPRESS. Pasta nº 2317.261
Dossiê UPE 1965. Pasta nº 2325.263
Dossiê UPE – 78 – 80 e 81. Pasta nº 2326.263
Dossiê UPE – União Paranaense Estudantes. Pasta nº 2327.264
Dossiê UPES – XIX Congresso Estadual (Ordinário). Pasta nº 2332.265
Dossiê UPES – 78 – 79 – 80 – 81 Recortes de jornais. Pasta nº 2336.266
Dossiê UPEPA – Pasta nº 2329.264
Dossiê Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pasta nº 2355b. 268
Ficha Individual – Célia Regina de Souza. nº 42.452
Ficha Individual – Claudio Gamas Fajardo. nº 12.812
Ficha Individual – Gilberto Berguio Martins n.º 24.180
Ficha Individual – Ildeu Manso Vieira Junior. n.º 45.964
Ficha Individual – Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni. n.º 33.251
Ficha Individual – José Tadeu Felismino. n.º 13.208
Ficha Individual – Luiz Henrique Bona Turra. n.º 44. 869
Ficha Individual – Luzia Tieme Oikawa. n.º 28.829
Ficha Individual – Marcelo Eise Oikawa. n.º 28.830
Ficha Individual – Marlene Zanin. n.º 47.170
Ficha Individual – Nilson Monteiro Menezes. n.º 25.595
Ficha Individual – Tosca Zamboni. n.º 47.086
Ficha Individual – Vitor Moreschi Filho. n.º 26.818
Ficha Individual – Zenir Teixeira de Almeida. nº 00.994
Pasta Individual – Berto Luiz Curvo. Pasta n.º 0583.306
Pasta Individual – Claudio Gamas Fajardo. Pasta nº 0762.316
Pasta Individual – Elizabeth Franco Fortes. Pasta nº 1023.330
Pasta Individual – Ivo Tonet. Pasta nº 1704.371
Pasta Individual – José Tadeu Felismino. Pasta nº 2001.389
Pasta Individual – Judite Maria Barbosa Trindade. Pasta nº 2246.403
Pasta Individual – Luiz Antônio de Souza Amaral. Pasta nº 2436.416
Pasta Individual – Marilia Furtado Andrade. Pasta nº 2641.428
Pasta Individual – Roldão Arruda. Pasta nº 3327.470
Pasta Individual – Stenio Sales Jacob. Pasta nº 3493.479
Pasta Individual – Vitório Sorotiuk. Pasta nº 3639.488
262

SITES

http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br
http://www.documentosrevelados.com.br/author/aluizio/
http://www.une.org.br
http://www.dhpaz.org
https://issuu.com/jornalpoeira
http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx

DEPOIMENTOS DE MILITANTES ESTUDANTIS REALIZADOS PELA


SOCIEDADE DIREITOS HUMANOS PARA A PAZ – DHPAZ.122

ALMEIDA, Zenir Teixeira de. Depoimento oral. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/70/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 13 de março de 2018.

ANTONELLO, Mario Luiz. Depoimento oral. [07 de novembro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/35/era-uma-vida-intensa-em-que-gente-
vivia-cada-minuto-a-luta-pela-liberdade-e-a-construcao-do-brasil. Acesso em 04 de agosto de
2018.

BARBOSA, Matsuko Mori. Depoimento oral. [19 de dezembro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/117/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.

BOAS, Rosilei Vilas. Depoimento oral. [01 de dezembro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/68/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.

CARRICONDE, Noemi Osna. Depoimento oral. [22 de janeiro de 2014]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/58/passei-dez-anos-no-exilio-e-foi-uma-
vida-vivida-no-exterior-e-um-naco-da-sua-juventude-que-voce-passa-fora. Acesso em 20 de
março de 2018.

FAJARDO, Claudio Gamas. Depoimento oral. [22 de outubro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/54/com-o-desaparecimento-dos-militantes-
despertamos-para-a-luta-a-unica-saida-era-o-enfrentamento-atraves-das-organizacoes-
clandestinas. Acesso em 08 de julho de 2018.

FELISMINO, José Antônio Tadeu. Depoimento oral. [12 de abril de 2014]. Disponível em
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/183/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 28 de fevereiro de 2018.

122
Os depoimentos, como já mencionado na introdução desta tese, estão disponíveis na página da Sociedade
Direitos Humanos para Paz. Mas, nesta página, não estão os dados do depoimento, ou seja, não há data de
realização do mesmo e autoria. A data registrada em alguns, foram aquelas que encontram-se anotadas no youtube,
uma vez que a publicação dos depoimentos também ocorreu neste veículo de socialização. Alguns depoimentos
foram nominados, outros mantém nomenclatura igual: “Depoimento para história: a resistência a ditadura militar
no Paraná.”
263

FILHO, Vitor Moreschi. Depoimento oral. [31 de dezembro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/69/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 20 de julho de 2018.

FORTES, Elizabeth Franco. O medo não pode fazer com que a gente fique quieta, mesmo num
tempo em que a vida está por um fio. Depoimento oral. [12 de novembro de 2013]. Disponível
em: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/37/o-medo-nao-pode-fazer-com-que-a-
gente-fique-quieta-mesmo-num-tempo-em-que-a-vida-esta-por-um-fio. Acesso em 13 de
novembro de 2017.

JACOB, Stenio Sales. Depoimento oral. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/66/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana.

LEAL, Luiz Donadon. Depoimento oral. [06 de fevereiro de 2014] Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/164/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 22 de abril de 2018.

MANFIO, Antonio João. Depoimento oral. [06 de novembro de 2013]. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=EtQ5zky5IfE. Acesso em 09 de julho de 2018.

MANIKA, Jorge Sami. Depoimento oral. [12 de janeiro de 2014]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/100/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 05 de agosto de 2018.

MARTIN, Gilberto Berguio. Depoimento oral. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/82/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana Acesso em 10 de fevereiro de 2018.

MONTEIRO, Nilson. Depoimento oral. [12 de abril de 2014]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/170/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 20 de julho de 2018.

NATIVIDADE, Genésio Felipe de. Depoimento oral. [16 de outubro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/50/a-minha-geracao-nao-se-omitiu-na-luta-
para-mudar-o-pais-eleger-os-governantes-e-ter-direito-a-liberdade. Acesso em 03 de agosto de
2018.

OKAWA, Marcelo Eisi. Depoimento oral. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/91/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 02 de junho de 2018.

OLIVEIRA, Antônio Narciso Pires de. Depoimento oral. [24 de junho de 2014] Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/140/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 13 de março de 2018.

PERRONI, Pedro Paulo. Depoimento oral. [14 de dezembro de 2013]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/126/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 12 de agosto de 2018
264

PROCHMANN, Valéria. [1 de fevereiro de 2014]. Depoimento oral. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/185/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.

RODRIGUES, Dorival. Depoimento oral. [15 de janeiro de 2014]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/128/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 12 de agosto de 2018.

SERATHIUK, Geraldo. Depoimento oral. [18 de fevereiro de 2014]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/45/a-ditadura-esta-dentro-de-nos-e-seus-
efeitos-vao-durar-para-sempre. Acesso em 15 de maio de 2018.

SOROTIUK, Vitório. Depoimento oral. [18 de fevereiro de 2014]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/73/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 20 de março de 2018.

TRINDADE, Judite Barbosa. Depoimentos oral. [sem data]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/118/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 18 de julho de 2018.

TURRA, Luiz Henrique Bona. Depoimento. [15 de março de 2014]. Disponível em:
http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/166/depoimento-para-a-historia-a-
resistencia-a-ditadura-militar-no-parana. Acesso em 22 de abril de 2018.

ZAMBONI, Alexandre. Depoimento oral. [11 de novembro de 2013] Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/29/havia-um-temor-familiar-muito-grande-
em-relacao-a-possibilidade-ter-sua-vida-vasculhada-invadida-vigiada. Acesso em 16 de janeiro
de 2018.

ZAMBONI, Tosca. Depoimento oral. [18 de fevereiro de 2014]. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=BRC3WHkmZ40. Acesso em 01 de setembro de 2018.

ZANNIN, Marlene. Depoimento oral. [23 de abril de 2014]. Disponível em:


http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/46/nao-tinha-tempo-ruim-qualquer-coisa-
que-precisasse-os-estudantes-estavam-sempre-prontos-para-enfrentar-a-policia-
cotidianamente. Acesso em 14 de novembro de 2017.
265

ANEXOS
266

ANEXO 1 – Pasta n.º 915.113, página 342


267

ANEXO 2 – Pasta n.º 2313.260


268

ANEXO 3. Pasta n.º 2325.261


269
270

ANEXO 4. Resolução da UNE


271

ANEXO 5. Foto do V ECEM realizado em Curitiba no ano de 1973.

Pasta n.º 919.113, página 67


273

ANEXO 7. Folder das ações da UPE no período de Reconstrução

Você também pode gostar