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VITÓRIA
2016
AMANDA COSTA CAMIZÃO
VITÓRIA
2016
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Setorial de Educação,
Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
CDU: 37
Dedico a ELE: “Porque Dele e por Ele, e para Ele,
são todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente.
Amém” (Rm 11:36).
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus pela vida e suas possibilidades, por me sustentar e conduzir até aqui. Por
me proporcionar convívio com pessoas tão maravilhosas, verdadeiros anjos que me
auxiliaram na consecução desse projeto.
À mamãe pela sua fortaleza, por emprestar a sua força e cuidar de mim como ninguém.
Pelo suporte em todo momento, por me mostrar que obstáculos não são fins, mas
oportunidades, a sua educação traduz quem eu sou. À papai pela delicadeza do amor
dedicado, pelo cuidado, suporte e disponibilidade.
À Sonia e Mauzi por completarem a nossa família e tornarem a minha vida mais feliz.
À minha irmã Fernanda por sua amizade, cuidado, amor e cumplicidade, essa última nos
define. Ao meu irmão Raphael pela torcida e incentivo, além de tudo, pelo presente
maior de nossas vidas que só nos traz alegria, Daniel.
À querida professora Sonia, por todas as oportunidades, pela forma como me recebeu e
abriu as portas para que eu pudesse estudar, por ter confiado em mim e me apresentado
a esse mundo novo. Pela humanidade e gentileza como nos trata e transforma as nossas
vidas. É meu exemplo maior de professora.
À Patrícia pela amizade verdadeira, minha amiga-irmã de todas as horas, que se dispôs a
me auxiliar durante a pesquisa, pela sinceridade, por não limitar-se em nada, por
adivinhar os momentos de sufoco e me estender a mão, por discutir ideias, por chorar,
sorrir, trabalhar, viajar... Por ser minha companheira fiel nessa trajetória.
À Marta pela leitura atenta, por ter dedicado a mim um tempo tão preciso no auxílio e
colaboração, além do carinho de sempre, te admiro muito.
À Lucas pelo suporte linguístico, amizade, companhia agradável e divertida. À Laís por
compartilhar dos mesmos anseios na reta final, fortaleceu nossos laços. À Alejandra por
ter, gentilmente, me emprestado a voz; às demais e não menos especiais: Renata, Keila,
Suelen, Rose, Fabiana, Marileide e Sumika por compartilharem comigo momentos ricos
de discussões, colaborando diretamente com meu crescimento acadêmico e social e,
além disso, por demonstrarem tanto afeto a mim, esse afeto é recíproco.
Com muito carinho, agradeço as amigas Vívia e Larissy que ajudaram nos meus
primeiros passos, me recebendo no grupo de forma tão afetuosa e paciente, dando-me
incentivo para a proposição dessa pesquisa.
Aos professores Reginaldo Célio Sobrinho e Regina Helena Simões por terem
contribuído em minha qualificação e aceitado seguir até a defesa. Agradeço à professora
Anna Maria Lunardi Padilha por também ter aceitado participar desse momento tão
precioso em minha vida. Pela admiração e respeito, foi um honra tê-los em minha
banca.
À CAPES, por subsidiar os meus estudos, o que deu condições para que me dedicasse
integralmente ao mestrado e todas as suas vivências.
LISTA DE SIGLAS
In this research we aim to analyze knowledge, concepts and special education teacher’s
practices in specialized education service at early childhood institutions for children
with intellectual disabilities, considering the medical model. We contemplate the
historical-cultural perspective and historical-critical pedagogy as the theoretical basis of
the study and Vygotsky (2007, 2012), Leontiev (2005), Saviani (2008, 2013, 2014) are
the main interlocutors. These authors provide us a contribution regarding the
medicalization of education. This research has a qualitative nature of a case study. For
production of the data, we applied semi-structured interviews, document analysis and
field diary record. The field research was conducted in seven municipal centers of early
childhood education inside the Metropolitan Region. As subjects of the study, we have
ten special education teachers who work for children with intellectual disabilities. The
data produced through the interviews indicates that teachers have shown a gap of
theoretical studies by the time they graduated, focusing on pathological knowledge of
children. Regarding his views, teachers tended to associate the disability of the child to
a limitation associated to reports of specialized educational services, the report is seen
as a starting point for research and organization of care. The analysis of practices was
mainly marked by the influence of the knowledge and conceptions of teachers in
teaching activities. The data also show that the city has invested heavily in training for
special education teachers, however, it has focused on the coming of health
professionals to perform these formations, which, in turn, directly influences the
knowledge, concepts and practices of these teachers. The survey showed that, it is still
present medical model in special education teacher performance for children from birth
to five years, this influence is historic and strengthens when knowledge arising from
health excels the educational knowledge.
INVESTIGADA ............................................................................................................ 15
SUSTENTAÇÃO ........................................................................................................... 28
PSICOLÓGICO .............................................................................................................. 57
........................................................................................................................................ 75
DADOS .......................................................................................................................... 90
VITÓRIA ........................................................................................................................ 93
INTRODUÇÃO
1
O texto será escrito na primeira pessoa do plural pois creio que todo conhecimento apresentado nesse
trabalho é fruto de aprendizagens que se dão a partir das discussões realizadas no grupo ao qual pertenço.
Compreendo que há nessa escrita conhecimentos subjetivos que emergem de situações vivenciadas
exclusivamente por mim, porém toda problematização é construída a partir de base teórica comum a mim
e aos meus pares. Apenas nos primeiros parágrafos da Introdução (Intitulado: Caminhos percorridos e a
origem da problemática investigada), me permitirei utilizar a primeira pessoa do singular, visto que
destaco as trajetórias vivenciadas por mim.
16
No ano de 2013 iniciei, também na Ufes, uma especialização Lato Sensu no Curso de
Pós-Graduação em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, oferecido
pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e meus estudos aconteciam
concomitantemente a minha participação no Grupicis e no Oneesp. No ano de 2014
ingressei também no Curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação,
conciliando-o aos estudos na especialização e às participações como membro dos dois
grupos de pesquisa.
2
A educação inclusiva é considerada “[...] uma proposta de aplicação prática ao campo da educação de
um movimento mundial, denominado de inclusão social, o qual é proposto como um novo paradigma e
implica a construção de um processo bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em
parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para todos” (MENDES, 2002, p. 61).
3
O Decreto 7.611/11, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre o a educação especial, o atendimento
educacional especializado e dá outras providências, revoga o decreto 6.571, de 2008, e compreende o
atendimento educacional especializado “[...] como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e
pedagógicos organizados institucional e continuamente [...] (BRASIL, 2011, Art. 2o)” prestado a partir da
complementação ou suplementação da formação dos estudantes público-alvo da educação especial nas
salas de recursos multifuncionais. Para tanto, necessita integrar-se à proposta pedagógica da escola,
envolver a família, atender as necessidades educacionais específicas desses estudantes e articular-se as
demais políticas (BRASIL, 2011, Art. 2o, § 2o).
17
Para tanto, foi realizada uma pesquisa colaborativa de âmbito nacional e em rede
desenvolvida por vários pesquisadores brasileiros de instituições públicas e privadas de
ensino superior. No Estado do Espírito Santo, essa pesquisa envolveu 139 professores
de educação especial de dez municípios, cinco da região metropolitana da Grande
Vitória e cinco da região norte. Esses profissionais se reuniram, periodicamente, para
participar de encontros em formato de grupo focal, visando a discussão de três eixos
temáticos, a saber: formação de professores; avaliação para identificação, diagnóstico e
apoio; e a organização do atendimento educacional especializado ao público-alvo da
educação especial na escola regular. Na região metropolitana, o estudo se desenvolveu
de março a dezembro de 2012 e, na região norte, de dezembro de 2011 a dezembro de
2012 (VICTOR, 2015).
Entre as inúmeras outras questões levantadas nesses encontros, estavam aquelas que nos
conduziram à reflexão sobre a presença do modelo médico-psicológico nas concepções
e nas práticas pedagógicas dos professores de educação especial.
4
Foi Publicado em abril de 2007, o Edital nº 01 (BRASIL, 2007), “Programa de Implantação de Salas de
Recursos Multifuncionais” que visava selecionar projetos de Estados e municípios que contemplassem
com a organização de espaços para distribuição de equipamentos e materiais didáticos para implantação
das salas de recursos multifuncionais. O programa foi criado para atender a demanda dos alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação matriculados em
escola comum.
18
Neste período a educação era um direito de poucos, portanto o trabalho que o professor
desenvolvia era de base tutorial. Mendes (2006) nos diz que apesar de alguns registros
de experiências inovadoras, esses trabalhos configuravam-se como “meramente
custodial”, a institucionalização ocorreu em asilos e manicômios, apenas esses espaços
recebiam sujeitos considerados “desviantes”.
A experiência com Victor teve caráter educacional, Itard avaliou, propôs objetivos,
elaborou e desenvolveu atividades, criou materiais, avaliou respostas e assim que
alcançava seu objetivo o menino avançava uma etapa. O trabalho com Victor durou
cinco anos e resultou na ampliação sensorial, conquista de habilidades escolares como
leitura e escrita. O médico empenhou-se na experiência desenvolvida com o menino,
deixou registrado seu trabalho minucioso, rico em detalhes, inspirado na ciência
positivista5 que se formava na época.
Tezzari (2011) considera o trabalho realizado com Victor como uma ruptura, a marca da
fundação da Educação Especial, principalmente para pessoas com deficiência mental6.
consideração é ratificada por Jannuzzi (2012), que nos indica, que no início do século
XX, no Brasil, a deficiência mental era relacionada a problemas de saúde, ou seja, quem
ficava a cargo da educabilidade desses sujeitos eram os médicos.
Além disso, Michels (2005) afirma que há dificuldade na área em aceitar a crítica
teórica feita a essa influência, pois o pensamento hegemônico presente não somente na
Educação Especial mas também na educação como um todo, compreende a base
biológica como explicação para o fracasso escolar7. E o que tem sustentado essa
concepção são abordagens psicológicas funcionalistas que associam o fracasso escolar a
questões individuais, próprias do sujeito, separando-o de tudo que o constituiu
socialmente.
7
Essa temática será explorada mais adiante no capítulo que trata especificamente da medicalização da
educação.
20
A autora aponta ainda que na metade da década de 1980, essas abordagens, assim como
as demais áreas do conhecimento, não eram estáticas. E por consequência de não se
fecharem no tempo e em si, sofreram e ainda sofrem inúmeras interferências por razões
diversas, indica ainda que uma abordagem pode coexistir em outra. Alerta também que
“uma abordagem cronologicamente mais antiga poderá ser identificada em colocações
atuais” (ENUMO, 1985, p.59). O que podemos perceber nas pesquisas já realizadas
(WERNER JUNIOR, 1997), (ENUMO, 1985) é que essas abordagens centradas no
comportamento e em questões físicas, apesar de serem antigas e terem sido
supostamente superadas no campo teórico, ainda se fazem presentes no contexto
educacional atual.
Essa forma de conceber o sujeito baseada num modelo médico-psicológico tem sido
assentada na pedagogia tradicional. Nessa pedagogia a escola é centrada no professor
que tem a tarefa de transmitir conhecimentos, cabendo ao aluno a assimilação dos
21
Então, isso significa que o interesse do aluno concreto diz respeito às condições
concretas que lhes foram oportunizadas e por ele vivenciadas, e não as que ele escolheu.
Por isso é que não é de responsabilidade única do aluno fazer tudo a partir da sua
própria vontade, segundo Saviani “essa ideia não corresponde à realidade humana”
(SAVIANI, 2012, p. 79).
Grupo de Trabalho (GT) 15, da educação especial. Além desse GT, o grupo da
Psicologia Educacional (GT 20) também teve um minicurso, oferecido pela Prof.ª Dr.ª
Marilene Proença Rebello de Souza – USP sobre esse tema.
8
A autora utiliza-se das expressões médico-pedagógico e psicopedagógico para dizer da influência
médica e psicológica na Educação Especial. Essa separação também é feita por Jannuzzi (2012) quando a
autora narra a trajetória da educação especial no Brasil. Jannuzzi e Borowsky optam por citar as duas
separadas. No contexto atual, dada a influência histórica e o entrelaçamento das duas vertentes, Michels
(2005), Garcia (2006), Bridi Filho (2015), entre outros, utilizam-se do conceito médico-psicológico que
unem numa mesma palavra as duas influências, visto que historicamente as duas concepções se fundiram
e se fortaleceram na educação especial. Nesse trabalho optamos por utilizar o conceito médico-
psicológico por acreditarmos que ele contempla de forma global as duas influências. Porém, quando as
expressões aparecerem dissolvidas (médico-pedagógico e psicopedagógico) será em consequência de
citação ao autor que optou por utilizar dessa forma. No entanto, reiteramos que as diferentes
nomenclaturas mencionadas dizem respeito a uma mesma influência.
23
Para além da Educação Especial, a psicologia escolar também tem se empenhado nos
estudos dessas influências médicas e psicológicas dentro do contexto escolar a partir da
discussão da medicalização da educação, como citado anteriormente10. Os estudos sobre
a medicalização têm trazido à tona discussões que estavam adormecidas, como o
fracasso escolar (discussão que emergiu nos anos 1970) que esteve em evidência e se
relaciona diretamente com a Educação Especial, uma vez que com a entrada da classe
popular na educação e o desempenho abaixo do esperado, buscou-se pela via dos
diagnósticos e laudos explicação para as condições de baixo desempenho de várias
crianças, indicando no problema de saúde a consequência desse insucesso.
Tais condições não são coincidências, afinal elas nascem de um mesmo contexto
histórico e social. A culpabilização do sujeito, a necessidade de quantificar, classificar,
normatizar11 e adequá-los às regras são consequências do sistema social no qual estamos
9
O trabalho de Michels (2011), Borowski (2010) foram realizados no estado de Santa Catarina.
Angelucci (2015) e Souza (2015) em São Paulo e o Camizão e Victor (2015) no estado do Espírito Santo.
10
Nos trabalhos de Souza (2015) e Angelucci (2015).
11
Entendemos a normatização a partir do conceito elaborado por Collares e Moysés (1996, p.75), que
definem: A normatização da vida tem por corolário a transformação dos “problemas da vida” em doenças,
em distúrbios. Surgem, então, os “distúrbios de comportamento”, os “distúrbios de aprendizagem”, a
“doença do pânico”, apenas para citarmos alguns entre os mais conhecidos. O que escapa às normas, o
24
Que o trabalho educativo estar sob ataque não significa que ele tenha perdido
sua força na sociedade contemporânea. Ao contrário, a força desse ataque é
proporcional aos perigos que a educação escolar oferece à classe dominante
(SAVIANI, 2012, p.161).
A partir disso, é importante que exerçamos um papel de resistência a esse tipo de ataque
que se apresenta nos espaços de formação e atuação do professor. Sendo assim, é de
suma importância que esse professor tenha tido acesso a um conhecimento
sistematizado, um conhecimento crítico que dê base para que ele possa atuar de forma
emancipatória, sabendo do seu papel social, livrando-se de conteúdos que servem
apenas para aliená-lo e fazê-lo reproduzir esse sistema excludente historicamente
enraizado em nossa sociedade.
Luengo (2010), analisando o contexto da educação infantil, aponta em sua pesquisa que
as condições de patologização da educação de crianças de zero a cinco anos está sendo
alvo dessa condição historicamente estabelecida, e alerta que é importante lançarmos
que não vai bem, o que não funciona como deveria... tudo é transformado em doença, em um problema
biológico, individual.
25
um olhar mais crítico ainda a esse respeito, uma vez que são crianças muito pequenas já
sendo apontadas como anormais a partir do conceito de normatização.
A autora ainda afirma que a concepção de criança que o educador possui às vezes não
permite que ele a compreenda como um ser individualizado e histórico. Ao contrário,
seguindo a lógica de biologização, o profissional reproduz um discurso que concebe o
sujeito infantil como universal, ideal e abstrato, obedecendo apenas as leis biológicas.
Quando se afasta desse padrão “normal”, passa a solicitar auxílio da área médica a fim
de detectar os distúrbios e doenças para posteriormente corrigi-los.
Diante desse contexto de avanço de políticas públicas implementadas nos últimos anos
e sabendo que a trajetória da educação especial no Brasil foi perpassada pelo modelo
médico-psicológico, nos inquieta a seguinte questão: quais as implicações dessa
trajetória, marcada pelo modelo médico-psicológico nos conhecimentos, nas concepções
e nas práticas pedagógicas de professores de educação especial com crianças pequenas e
que atuam no AEE no âmbito das instituições de educação infantil?
Para essa discussão, nos apoiamos em Collares e Moysés (1994, 1996, 2008, 2014),
Patto (2015), Angelucci (2014) que são autoras que vêm desde os anos 1980 assumindo
uma postura de resistência à medicalização da educação e da sociedade.
Nesse contexto, no intuito de contribuir com a superação desse modelo, este trabalho
discutirá no primeiro capítulo a medicalização da educação, problematizando a
construção social do diagnóstico, tentaremos fazer uma aproximação com os estudos da
perspectiva histórico-cultural, e o olhar social do sujeito com deficiência.
No capítulo três nós iremos apresentar alguns trabalhos produzidos que se relacionam
com a temática proposta nessa pesquisa, iremos realizar um levantamento das produções
acadêmicas que discutem: a formação do professor de educação especial, a formação do
professor de educação infantil, a presença do modelo médico-pedagógico na educação
especial, as concepções de professores sobre a educação especial e a medicalização da
educação. São produções que, em certa medida, se aproximam da nossa temática e
contribuem para contextualizá-la no cenário educacional.
O quinto capítulo é composto pela metodologia, nele nós situamos a temática estudada,
sendo ela de natureza qualitativa do tipo estudo de caso, amparadas pelos pressupostos
teóricos-metodológicos. Nesse capítulo nós apresentamos os professores participantes
da pesquisa e as instituições em que eles trabalham. No sexto capítulo apresentaremos
os dados produzidos através das entrevistas realizadas com os professores de educação
especial que atuam na educação infantil com crianças com deficiência intelectual, e as
análises realizadas por nós. Por fim, traremos nossas considerações a partir dos dados
produzidos, das análises e das bases teóricas que sustentam nosso trabalho.
28
12
Biologização – processo que transforma questões sociais em biológicas.
29
Nesse sentido, as autoras ainda afirmam que biologizar questões sociais serve apenas
para atingir o objetivo de isentar todo um sistema social e culpabilizar o sujeito. Essa
concepção está tão enraizada em nossa sociedade que o sujeito, vítima dessa ideologia,
aceita facilmente a condição que lhe é imposta. No contexto escolar, a biologização é
manifesta quando em qualquer causa de fracasso escolar, a criança logo é identificada
com alguma doença ou transtorno. Nesse movimento, o foco da discussão do fracasso
escolar, que deveria acontecer sob a égide político-pedagógica e social, desloca-se para
a área médica, tornando-se inacessível à educação e aos profissionais que a compõe.
13
Cattani e Kieling (2007) dizem que a legitimidade das classes dominantes é constituída graças a
“múltiplas formas”, e se valem da utilização de recursos culturais e educacionais distintos das classes
menos favorecidas. Quanto à educação desses sujeitos, Saviani e Duarte (2012, p. 2) afirmam que “o
acesso ao conhecimento dá-se de maneira profundamente desigual e seletiva”.
14
Manifesto foi lançado durante o I Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH
e outros supostos transtornos", em São Paulo, que aconteceu nos dias 11 a 13 de novembro de 2010, cerca
de mil profissionais das áreas de Saúde e Educação, estudantes e representantes de entidades participaram
do referido evento, nesse mesmo evento também foi lançado o Fórum Sobre Medicalização da Educação
e da Sociedade. Que tem como objetivo de atuação permanente, a fim de articular entidades, grupos e
pessoas no enfrentamento e superação do advento da medicalização da aprendizagem e do
comportamento. O Manifesto obteve adesão de 450 participantes e de 27 entidades.
30
15
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade é uma articulação da sociedade civil que
congrega entidades, instituições, movimentos sociais. São contrários a medicalização da vida, militam em
defesa das pessoas que vivenciam o processo de medicalização, além de defenderem o Estatuto da
Criança e do Adolescente, também defendem os direitos humanos, além disso, defendem o Direito à
Educação pública, gratuita, democrática, laica, de qualidade e socialmente referenciada para todas e
todos.
16
Compreendemos como “comportamentos diferenciados”, comportamentos que não se adequam aos
princípios de normalidade patologicamente estabelecidos no ideário social, sobretudo, escolar.
17
Oriunda da palavra grega “diagnóstikos”, diagnóstico é a qualificação dada pelo médico sobre o estado
fisiológico de um paciente (VASQUES, 2009).
31
De acordo com Bridi (2013), a medicina através de seu olhar clínico realiza a ação de
“classificar, de decidir, de enquadrar”. Moysés (2008, p.158), afirma que o olhar clínico
simboliza um olhar que decide e rege, e para se constituir dessa forma, precisa aprender
“a ver, isolar, reconhecer diferenças semelhantes, agrupar, classificar”. Enfim, sob essa
organização se produz um diagnóstico.
Vasques (2009), define o ato de diagnosticar como uma forma de decidir sobre
normalidade e patologia. E quem lida primeiramente com essa questão é a medicina, na
intenção de preservar a vida. Segundo Bridi (2013), os diagnósticos sempre
encontraram solo fértil para se desenvolver na escola, principalmente no que se refere
ao encaminhamento de crianças com histórico de fracasso escolar para espaços
especializados. Angelucci (2014, p. 124), afirma que
Quando essa intervenção acontece, ela geralmente está direcionada ao professor que
responde pela educação especial dentro da instituição. Viégas (et al., 2014, p.10) nos
dizem que esse processo produz um “[...] círculo vicioso de mais encaminhamentos
diagnósticos e estagnação das condições concretas que os geram”.
18
A nota técnica Nº 04/2014, produzida pelo MEC orienta que o atendimento a criança com deficiência
não pode ser cercado pela exigência do diagnóstico, esse deve ser apenas um documento complementar
quando a escola julgar ser necessário. A orientação salienta que o atendimento educacional especializado
não pode estar atrelado ao diagnóstico porque ele não se configura como um atendimento clínico, mas
educacional. No entanto a orientação do município de Vitória (VITÓRIA, 2016) nos indica que o
atendimento educacional especializado pode ser oferecido a criança com indicação, contando que ela
tenha comprovado um acompanhamento clínico. Desse modo, o município demonstra claramente a
associação do atendimento aos pressupostos médicos. Ainda que sem o diagnóstico fechado, a patologia
comprovada clinicamente é quem vai possibilitar ou não o atendimento.
19
Que será apresentada e discutida no próximo tópico desse capítulo.
33
Jannuzzi (1993), afirmava no início dos anos 1990, que a influência das classes
especiais criadas em 1933 em São Paulo, sob a jurisdição do Serviço de Higiene e
Saúde Pública funcionavam como crivo dos considerados “anormais de inteligência”, e
isso acontecia, principalmente, por causa da conotação médica impregnada ao
atendimento oferecido às crianças.
Desde então, calcada nesses pressupostos, a criança que antes de entrar na escola não
era identificada com nenhum tipo de deficiência, ao passar pelo referido “crivo” passa a
ser diagnosticada como deficiente. A autora ainda alerta que esse diagnóstico era
baseado no estereótipo do aluno, seguindo valores hegemônicos, de classes em
melhores condições de vida.
Nesse período, as classes especiais eram os únicos meios utilizados pelo poder público
para atingir a educação de pessoas com deficiência intelectual, até porque os que tinham
um comprometimento maior ou que não frequentavam a escola, recebiam atendimento
em instituições especializadas particulares. Essa condição de atendimento estigmatizava
como deficientes intelectuais os alunos advindos de classes sociais menos favorecidas,
“Estatísticas oficiais confirmaram que se vem ampliando o número destes supostos
34
A Política citada apresenta claramente os sujeitos que serão atendidos pela Educação
Especial, e nessa definição percebemos uma objetividade na descrição que define de
maneira precisa o público-alvo a ser atendido. Esse reducionismo na definição é, em
parte positivo, uma vez que restringe a possibilidade de adicionar ao grupo outros tipos
de especificidades que não precisam compô-lo, como alunos com dificuldades de
aprendizagem. Todavia, é evidente que as categorias foram organizadas a partir de uma
lógica médica, destacando suas patologias e barreiras a serem enfrentadas.
Partindo disso, compreendemos que os dois conceitos, tanto mental como intelectual,
trazidos na PNEE-EI (BRASIL, 2008), em nossa concepção, dizem respeito à apenas
um grupo. Nesse trabalho seguiremos a tendência e optaremos por denominar apenas
como deficiência intelectual.
Carneiro (2015) fez uma análise sobre as dimensões a serem consideradas para o
diagnóstico da deficiência intelectual, a partir de uma visão multidimensional com cinco
itens a serem apreciados para a elaboração do diagnóstico do sujeito. Com base no
documento produzido pela AAMR, nas análises de Carneiro (2015) e na apresentação e
apontamentos de Almeida (2004), evidenciamos sinteticamente as dimensões
elaboradas, conforme apresentado no Quadro 122:
20
Além do Brasil adotar a definição de deficiência intelectual elaborada pela AAMR, sistemas de
classificação mundialmente conhecidos, como o DSM (Diagnostic and statistical manual) e a CID
(Classificação Internacional das Doenças) também são influenciados pelas definições elaboradas por ela.
21
Apesar de ter sido feita uma revisão o termo não foi alterado na produção do documento, mesmo sendo
reconhecido AAIDD que o termo tem promovido estigmas e estereotipias.
22
O quadro apresentado é uma síntese da apresentação dos conceitos trazidos por Almeida (2004) e
Carneiro (2005) , com base na AMRR.
36
23
Último documento elaborado revisado e divulgado pela AAMR (American Association on Mental
Retardation), hoje denominada AAIDD, recebeu o nome de Sistema 2002. De acordo com Almeida
(2004), esse documento é contemplado com atualizações ocorridas na área do retardo mental.
37
24
Testes de quantitativo de inteligência (QI), desenvolvidos pelos psicólogos franceses Alfred Binet
(1857-1911) e Theodore Simon (1872-1961) com o objetivo de mensurar a inteligência das crianças
francesas matriculadas nas escolas.
38
Moysés e Collares (2014), questionam o seguinte: de onde nasce a ideia de que para
aprender precisa ser sadio? Onde nasce a ideia de que a causa da doença é a ignorância
e a causa de não aprender é a doença? As autoras dizem que é impossível precisar, no
entanto, podemos ter certeza que no início da Puericultura já se fazia presente como
forma de organização da sociedade.
A partir do momento em que a pessoa é identificada com uma deficiência intelectual ela
é, e sempre levará a marca estigmatizada da deficiência. A sua deficiência virá antes de
qualquer outra característica pessoal, o sujeito passa a representar um diagnóstico. Essa
é maior estigmatização, assim como o diagnóstico é uma tentativa de categorização que
reflete apenas uma concepção imposta e que, em grande parte das vezes, oculta o seu
verdadeiro sentido. Goffman (1988) traz o seguinte conceito de estigma
A deficiência não pode ser vista como uma qualidade presente no organismo
da pessoa ou no seu comportamento. Em vez de circunscrever a deficiência
nos limites corporais da pessoa deficiente, é necessário incluir as reações de
outras pessoas como a parte integral e crucial do fenômeno, pois são essas
reações, que, em última instância, definem alguém como deficiente ou não
deficiente (OMOTE, 1994, p. 67- 68).
A deficiência vista sob essa perspectiva, não emerge inativamente do sujeito em análise,
mas é produzida e mantida por aqueles que diagnosticam, por aqueles que interpretam
os comportamentos desse sujeito. Portanto, as deficiências devem ser vistas
primeiramente como produto do grupo social e devem ser entendidas como uma forma
de funcionamento deste grupo em questão. Por mais que a pessoa com deficiência
possua características físicas que sejam aparentes e que de alguma forma comprometam
seu comportamento físico, ainda assim, não podem ser vistas como exceção na
sociedade, pelo contrário, devem ser considerados como parte desta.
Omote (1994), nos diz que a explicação teórica da deficiência não pode ser feita apenas
a partir do comportamento da pessoa a ser diagnosticada, ao mesmo tempo essa
avaliação deve considerar o comportamento das pessoas que não possuem deficiência,
pois a partir dos mesmos critérios que é feito um recorte para explicação dessa condição
(deficiente e não deficiente). Goffman (1988, p. 14) diz que “[...] os mesmos atributos
que estigmatizam alguém podem confirmar a normalidade de outrem”. Essa avaliação
deve acontecer a partir da percepção e compreensão das pessoas sem deficiência ao
comportamento das pessoas com deficiência; como aqueles a interpretam, administram
as suas relações com as pessoas a partir das relações sociais estabelecidas. São nesses
espaços que são atribuídas as características de desvantagem social que culminam no
diagnóstico de deficiência.
40
25
Nesse trabalho optaremos pela escrita do nome de Vigotski apenas utilizando a vogal i. Quando o nome
do autor aparecer com uma escrita diferenciada será em decorrência de citação à alguma obra.
26
Ciência da época (primeira metade do século XX) em que Vigotski desenvolveu a sua teoria que
estudava crianças com vários tipos de deficiências físicas e intelectuais.
27
Essa citação, e as outras de mesma referência, tratam das – Obras Escogidas V – Fundamentos de
defectología de Vygotski. Obra escrita em russo e traduzida para o espanhol, algumas citações diretas e
indiretas aparecerão no texto e foram submetidas à nossa tradução livre para o português.
41
Para tanto, uma criança com deficiência, na abordagem vigotskiana, não é simplesmente
menos desenvolvida do que uma criança sem deficiência. O fato dela estar em uma
condição diferenciada não a torna menos capaz de se desenvolver, ela apenas vai
desenvolver-se de outra maneira. De acordo com Garcia (1999, p. 43) “Não se trata de
subtrair uma função, mas de desenvolver-se de modo qualitativamente diferenciado”.
Assim destaca-se a concepção de desenvolvimento peculiar qualitativo. “ [...] a
especificidade da estrutura orgânica e psicológica, o tipo de desenvolvimento e de
personalidade, são o que diferenciam a criança deficiente da normal, e não as
proporções quantitativas” (VYGOTSKI, 2012, p. 12).
42
Lançamos agora, com enfoque histórico social, nosso olhar à discussão do diagnóstico
para a criança com deficiência intelectual. Leontiev (2005) levanta uma questão
importante, ele questiona se é realmente importante misturar médicos e psicólogos ao
problema da deficiência mental para saber o valor dos diagnósticos, de suas previsões,
métodos e seleção. Para tanto, apresenta as questões que nos ajudam a problematizar
essa discussão, são elas: “Qual é no fim das contas, o resultado de suas intervenções?
Conduzirá a uma redução do número de crianças com atraso no seu desenvolvimento
mental ou não terá por vezes um resultado contrário?” (LEONTIEV, 2005, p. 337).
Esse formato que Vigotski (2012) criticava diz respeito a escala métrica de Binet, que é
o que dá inspiração para construção da proposta de dimensões consideradas para
avaliação do diagnóstico de deficiência intelectual pela AMRR, proposta atualmente
adotada no Brasil. Tal proposta tem sob base inicial de formulação a mesma perspectiva
adotada por Binet no início do século XX.
Vigotski (2012, p. 13) ainda ressalta que “nenhuma teoria é possível se parte apenas de
premissas negativas, assim como não é possível que prática educativa nenhuma seja
construída sobre uma base de princípios e definições puramente negativas”. Portanto,
lançar um olhar negativo para as condições físicas e intelectuais que se apresentam
como deficiência é impossibilitar qualquer condição de desenvolvimento do outro.
Portanto, é importante que saibamos que por mais que o indivíduo seja identificado
como sujeito com deficiência, ele pode e deve ter a oportunidade de se constituir e se
relacionar de outras formas, seguindo outras rotas, tendo acesso a outras possibilidades,
tendo condições de mostrar-se como humano, como sujeito histórico. Mas para que isso
aconteça é necessário livrar-nos desse olhar medicalizante estabelecido socialmente.
Para tanto, não negamos que o sujeito com deficiência possua alguns limites biológicos
que podem comprometer funções orgânicas, mas é indispensável reafirmar que o foco
do desenvolvimento são as possibilidades que ele terá para se desenvolver. Isso é tão
óbvio que para os padrões estabelecidos socialmente, até os que são considerados
“normais” se forem privados do convívio social e sem condições de se relacionar com
os seus pares amplamente, certamente terá comprometido o seu desenvolvimento. Por
isso, é indispensável a premissa de que todos, ainda que em condições diferentes,
podem desenvolver-se.
44
Rosemberg (2006), evidencia que nos anos 1990, seguindo a cartilha do Banco Mundial
(BM), o país priorizou exclusivamente o ensino fundamental, negligenciando assim a
educação infantil (crianças de 0 a 6 anos). Os programas sociais dessa década foram
voltados para crianças de 7 a 14 anos. Tal posicionamento do Estado teve como
consequência, como mostra autora através de estudos levantados, que a educação
infantil foi o nível educacional que menos cresceu nessa década. Essas condições
apresentadas criam um quadro nacional marcado pela baixa qualidade, acarretando à
educação infantil “educadoras sem formação profissional, brinquedos, livros, e espaços
externos e internos insuficientes e inadequados” (idem, p.74 grifos nossos).
Nos anos que seguiram, mais precisamente no governo Lula (2003-2011)28, algumas
mudanças ocorreram no cenário da educação infantil. Apesar de algumas, não virem a
contento, como desejado pelos movimentos sociais e militantes da área. Porém,
evidenciamos que durante esse período há um avanço, como o compromisso firmado
com o Movimento Interfóruns da Educação Infantil no Brasil (MIEIB), movimento
social que atua na defesa do direito das crianças à educação infantil, com a criação do
“Conselho de Políticas de Educação Básica (CONPEB), no segundo semestre de 2003”
(FULGRAFF, 2012, p. 67).
28
O governo Lula não configura-se como um momento único durante os oito anos de mandato. Nesse
tempo foram realizadas algumas mudanças, principalmente na gestão do Ministério da Educação. Os
avanços estão diretamente ligados às mudanças - Cristóvão Buarque (2003-2004), Tarso Genro (2004-
2005) e Fernando Haddad (2005-2011). Quando destacamos que as mudanças não vieram a contento,
estamos remetendo às políticas que, em certa medida, deram continuidade as ações do governo anterior, o
que foi se distanciando com a transição de ministros e a implantação de novas Políticas.
46
Outras medidas foram tomadas, como Lei nº 11.114, de 2005, que alterou o ensino
fundamental de oito para nove anos, incluindo agora as crianças de seis anos, antes
público atendido pela educação infantil. Em 2006, foi publicado o documento
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil – Volumes 1 e 2. De
acordo com o referido documento que
No mesmo ano também é lançado a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito
da criança de 0 a 6 anos à educação, “contendo diretrizes, objetivos, metas e estratégias
para a área” (BRASIL, 2006, p. 3). Além disso, “os projetos e programas do governo
passam a estar relacionados ao Plano de Desenvolvimento da Educação – o PDE. O
PDE como é conhecido foi publicado em 2007 e integra o Plano de Aceleração do
Crescimento – PAC” (FULGRAFF, 2012, p. 71).
Ainda em 2009, foi aprovada a Emenda Constitucional de nº 59, que além de pôr fim ao
dispositivo que desvincula recursos da União para a educação, também tornou
obrigatória a educação dos 4 aos 17 anos (com prazo de implementação até 2016). Tal
medida, gerou controvérsias, uma vez que firma o compromisso com as crianças de
quatro e cinco anos, porém segmenta ao desprivilegiar as crianças de zero a três. Essa
47
Vieira (2011), no que diz respeito diretamente a formação do professor que atua na
educação infantil, acrescenta, além da criação do piso nacional salarial para os docentes
da educação básica (Lei nº 11.738, de 2008), e a aprovação das Diretrizes Nacionais
para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação
Básica Pública (Resolução CNE/CEB nº 2, de 2009), outros avanços a partir de adoção
de medidas intervencionistas adotadas pelo governo, são elas
avanço, mesmo que inferior às expectativas, mas que não podem ser desconsiderados.
Seguiremos a discussão no próximo tópico problematizando as teorias que dão base
para o trabalho desse professorado na instituição de educação infantil.
Desse modo, o ensino é, a partir dessa perspectiva, objeto fundamental das escolas, mas
não é o foco da educação infantil. Essas são substituídas por relações educativo-
pedagógicas, que abrangem mais do que o ensino-aprendizagem. Ainda, segundo essa
perspectiva, é um processo que privilegia o cognitivo, porém, abarca além desses
aspectos dimensões lúdicas, criativas, afetivas, nutricionais, médicas e sexuais
(PASQUALINI, 2010).
49
Raupp e Arce (2012) nos dizem que há no Brasil uma tendência na área de educação de
crianças de zero a seis anos a uma desvinculação desse nível com a educação, com o
comprometimento com o ensino da criança, “que secundariza o trabalho do professor e
prioriza a observação, a organização de espaços pedagógicos e o acompanhamento dos
interesses da criança” (idem, p.52). Elas associam essa secundarização ao movimento de
“recuo da teoria”, relacionando-se “ao esvaziamento do conteúdo na escola à
secundarização do conhecimento na formação de professores” (ibidem, p. 53).
A segunda abordagem encontrada nos trabalhos pesquisados por Raupp e Arce (2012) é
a Formação pautada nos saberes, as pesquisas pautadas nesses pressupostos
“preconizam os conhecimentos compartilhados e seus significados por meio das
interpretações sociais” (idem, p. 72). As autoras, no entanto, dizem que apesar de
aparentemente mostrar-se diferente da abordagem anterior, essa também concebe a ideia
de professor reflexivo. Nela, a aprendizagem do professor ocorre, sobretudo, a partir da
observação das ações sociais, refletindo e partindo desse processo. Construindo o
conhecimento a partir da reflexão sobre a construção dos significados da criança.
50
30
Coll (1994, p. 136-137 e 1996, p. 390-391), que define o “construtivismo” como a integração das
teorias de vários autores (Vigotski, Piaget, Ausubel e outros), que apesar de divergentes podem ser unidas
a partir do princípio de que todos acreditam na construção do conhecimento e na “finalidade última da
intervenção pedagógica de contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens
significativas por si mesmo numa ampla gama de situações e circunstâncias, que o aluno ‘aprenda a
aprender’”.
31
Segundo Marsiglia (2013) o campo das pedagogias do “aprender a aprender” mantém vínculos com o
neoliberalismo e o pós-modernismo, em lugar de possibilitar a apropriação da riqueza material e
intelectual humana, essas teorias contribuem para a preparação do indivíduo para a exploração capitalista,
ocultando seus reais vínculos ideológicos por detrás de um discurso progressista, que a um só tempo
culpabiliza os professores pelos insucessos da escola, desqualifica a formação dos alunos e alimenta uma
sociedade injusta, desigual e desumana (2013, p. 240). Para maior aprofundamento indicamos a leitura da
obra de Newton Duarte – Vigotski e o “Aprender a Aprender” Crítica às Apropriações Neoliberais e Pós-
Modernas da Teoria Vigotskiana.
51
Essa reflexão a partir da prática, segundo Arce (2001), não poderá como formação levar
o professor a refletir nada além do que a sua própria ação, sem subsídios teóricos ele
não terá o mínimo necessário para ir além, será como caminhar em círculos. Diante
disso, a autora enfatiza que
Não acreditamos que o professor possa ser formado apenas refletindo sobre a
sua ação; acreditar neste discurso e apoiá-lo é decretar o fim de nossa
profissão, é aceitar que nos tornamos cada vez mais dispensáveis diante do
aparato tecnológico que hoje possuímos para transmissão de informação.
Também não acreditamos que a formação inicial do professor possa se dar
em serviço, não vemos nenhum outro profissional ser formado assim. Por que
nós deveríamos admitir que para ser professor qualquer tipo de formação
possa ser feita? Por isso, reafirmamos que a formação de professores não
pode se eximir de uma bagagem filosófica, histórica, social e política, além
de uma sólida formação didático-metodológica, visando formar um
profissional capaz de teorizar sobre as relações entre educação e sociedade e,
aí sim, como parte dessa análise teórica, refletir sobre a sua prática, propor
mudanças significativas na educação e contribuir para que os alunos tenham
acesso à cultura resultante do processo de acumulação sócio-histórica pelo
qual a humanidade tem passado (ARCE, p. 267, 2001)
Por fim, Raupp e Arce (2012), compreendem que a proposta de formação de professores
na perspectiva de um professor reflexivo, baseada em saberes tácitos, que secundariza
os conhecimentos científicos, se caracterizam numa formação que serve apenas para
resolver questões emergentes, não tem cunho científico. Concentra-se apenas numa
visão centrada no cotidiano de instituição infantil, onde as professoras refletem e
produzem conhecimentos só sobre o seu trabalho. Baseadas em Saviani, elas acreditam
que esse modelo trata-se de uma pseudopesquisa, pois, “O ensino não é um processo de
pesquisa. Querer transformá-lo num processo de pesquisa é artificializá-lo” (SAVIANI,
p. 46, 2005).
32
Jean Piaget (1896-1980) psicólogo e biólogo suíço considerado o pai do construtivismo, encarava a
epistemologia como um campo da ciência e não da filosofia, a qual tinha muitas reservas. Segundo Facci
(2008), ele sonhava com uma epistemologia genética que delimitaria os problemas do conhecimento
centrado centrando-se na questão de saber ‘como se ampliam os conhecimentos’” (p.80).
52
Raupp e Arce (2012) ainda problematizam a questão nos indicando que ao mediatizar a
relação entre os saberes docentes, os conhecimentos historicamente produzidos e os
estudos sobre educação infantil formam no professor necessidades que vão além das
questões cotidianas e práticas. A teoria histórico-cultural compreende a formação
docente dos professores de educação infantil como “uma síntese dinâmica de múltiplas
relações” (RAUPP; ARCE, 2012, p.79). Portanto, a concreticidade não se apresenta ao
formador apenas no contato com os professores da instituição de educação infantil,
tampouco limita-se ao conhecimento do que eles são, o que sabem, fazem, ou podem vir
a ser.
33
Desintelectualização do professor, apesar de apresentar-se como um conceito aparentemente
depreciativo, não é utilizado como tal. Utilizamos o termo a partir dos estudos de Shiroma (2003) e
Shiroma e Evangelista (2004) que têm se empenhado nas discussões de cunho crítico referentes à
temática de formação de professores. Elas apontam que há uma tendência na “máxima competência
técnica e mínima consciência política dos professores, duplo-alvo dessa política denominada,
eufemisticamente, de profissionalização”. Políticas neoliberais que estão em consonância com os
interesses burgueses que impulsionam uma formação interessada em professores competentes
tecnicamente e inofensivos politicamente. Então, não há como negar, a partir desse ponto de vista, que há
um processo de desintelectualização do professor, no entanto, não parte de seu próprio querer, mas de
forças externas que o fazem assumir essa condição.
53
condição histórica da educação especial, que avança nas discussões também em meados
dos anos 199034, uma discussão relevante, porém, tardia.
Percebemos ainda, nas entrelinhas das falas das educadoras, que prevalece
uma cultura de desvalorização da creche, enquanto ambiente de atenção às
crianças pequenas de modo geral; e a permanência no lar junto a família
ainda parece ser vista como a melhor opção[...] mais arraigada no caso das
crianças especiais e parece predominar o raciocínio expresso por uma das
educadoras: “se fosse meu filho, não estaria aqui” (MENDES, 2010, p.257).
Essas condições são agravadas à medida que analisamos o contexto da educação infantil
e da oferta de vagas para essas crianças. Mendes (2010) diz que o problema de acesso a
creches é o que limita as perspectivas de inclusão, e levanta a seguinte questão: ainda
que fosse garantido o acesso, haveria também a possibilidade de implementação da
educação inclusiva nesses espaços?
34
A década de 1990 é marcada por avanços na educação especial. Nessa década são iniciados os
primeiros movimentos de Inclusão que vimos hoje. Com a Conferência de Jomtien, que aconteceu na
Tailândia no ano 1990, é impulsionado o movimento Social de Inclusão no Brasil, nessa Conferência fica
estabelecido como ideal uma “Escola para Todos”. Em 1994, foi promovida pela UNESCO e pela
Espanha, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, nesse encontro foi
produzida a Declaração de Salamanca, primeiro documento internacional que tratou especificamente da
educação inclusiva. Em consonância com a Declaração de Salamanca, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Especial (CNE/CEB, 1998) propõem que a escola regular deve adotar uma nova
postura voltada para ações que favoreçam a inclusão social e práticas educativas diferenciadas,
valorizando a diversidade e oferecendo maiores oportunidades de aprendizagem para todos os alunos
(BRASIL, 1998).
35
Os dados apresentados por Mendes (2010) são resultado da pesquisa realizada por ela em creches, e
tinha como objetivo compreender com maior profundidade o que efetivamente acontece dentro desses
espaços. Foi uma pesquisa etnográfica, a coleta de dados foi pela via da observação participante e os
dados culminaram no livro “Inclusão marco zero: começando pelas creches” (referência completa na
bibliografia).
55
Essas concepções apresentadas, a partir do ponto de vista dos educadores que estão
trabalhando com crianças com deficiência, indicam uma formação crítica deficitária, a
dependência de conhecimentos de outras áreas do saber sustentam esse nosso ponto de
vista e também nos põem alerta quanto a vigência do modelo médico-psicológico, o que
nos fortalece na busca por desvelar essa condição e aponta novos caminhos em direção
à emancipação desses profissionais, trazendo como consequência uma formação de
qualidade para as crianças com deficiência há tempos desprestigiadas pelo processo de
escolarização.
56
3 REVISÃO DE LITERATURA
Com intuito de organizar o capítulo, iremos separar a discussão das temáticas por
tópicos, que serão: 1) a influência do modelo-médico pedagógico/psicológico; as
discussões sobre o que vem sendo evidenciado nas pesquisas; 2) formação de
professores da educação especial e; 3) formação de professores de educação especial no
âmbito da educação infantil, 4) concepções, professores, educação especial, educação
inclusiva e 5) medicalização e educação. Traremos em nossas análises o objetivo das
pesquisas, suas metodologias, bases teóricas adotadas, as considerações e algumas
vinculações com a nossa pesquisa.
57
Muito já foi discutido sobre as bases científicas que deram sustentação para que se
constituísse a educação especial. A história deixa claro que o desenvolvimento se deu
dentro da área médica. Entretanto, muitos anos se passaram e a base da educação
especial se direcionou para caminhos diferenciados, pautando em discursos e teorias
com enfoque na aprendizagem dos sujeitos público-alvo da educação especial,
diferentes das que priorizavam o biológico e a deficiência em detrimento do
desenvolvimento intelectual dos sujeitos.
Para esse primeiro item de discussão encontramos apenas quatro pesquisas que citam o
referido termo. Dentre elas, três dissertações: Lehmkuhl (2011) da UFSC; Monteiro
(2011) da UNIMEP; Campos (2008) da UFSC; e a tese de Vieira (2008) da UnB. Dos
trabalhos encontrados e já citados, apenas o de Lehmkuhl (2011), traz no título o termo
que indicamos no buscador. O título do trabalho é “Educação Especial e Formação de
Professores em Santa Catarina: vertentes Médico-Pedagógica e Psicopedagógica como
base da Formação Continuada”, esse trabalho é o que mais se aproxima do que nós
pretendemos realizar.
O segundo trabalho que analisamos foi o de Monteiro (2011), com base na perspectiva
histórico-cultural, a autora desenvolveu o seguinte trabalho: “Atividades escolares
envolvendo alunos autistas na Escola Especial”, como indica no título, o trabalho foi
realizado numa escola especializada, e a autora tinha como objetivo conhecer quais são
as experiências proporcionadas aos alunos com diagnóstico de Transtorno Invasivos do
Desenvolvimento (autistas), pelas práticas educacionais atuais, compreender que
concepções orientam essas práticas e apontar possibilidades alternativas de educação
destes alunos.
36
Colégio de Aplicação, inserido no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina, é uma unidade educacional que atende ao Ensino Fundamental e Médio, funciona em prédio
próprio, no Campus Universitário, e está localizado no Bairro da Trindade, município de Florianópolis.
59
A última pesquisa que encontramos e única em formato de tese foi a de Vieira (2008),
intitulada: “A tomada de consciência no desenvolvimento de competências conceituais
em professoras: uma pesquisa de intervenção com foco no autismo”. A pesquisa em
questão não se diferencia apenas por ser uma tese, mas também pela perspectiva teórica
e epistemológica que a autora adota para o desenvolvimento do trabalho, de vertente
psicopedagógica apoiada nos estudos de Piaget. O objetivo do estudo foi intervir na
construção de novas competências conceituais pelas professoras, com o foco no autismo
e possibilitar uma (re)elaboração discursiva a respeito de sua atuação profissional com
esses sujeitos. A organização metodológica do trabalho ocorreu da seguinte forma, foi
realizada uma pesquisa de intervenção pela prática psicopedagógica. A autora apontou
em suas considerações que após o período de intervenções houve mudanças no que se
refere ao discurso dos professores sobre a temática do autismo, além disso, ela apontou
que outra consequência de sua intervenção foi a migração de um atendimento de base na
perspectiva médico-psicológica fundamentado no diagnóstico, para um atendimento
ativo e coparticipativo na construção do próprio conhecimento, a partir de uma
atividade mediada. Ao final, Vieira (2008) relata que houve êxito em sua intervenção e
indica o método proposto por ela.
60
Apesar de declarar êxito nos resultados da pesquisa, ao lançar mão de uma perspectiva
de base psicopedagógica, fundamentada numa psicologia de cunho biológico, a autora
apenas desloca a problemática do atendimento realizado pelos professores com alunos
diagnosticados autistas. Afinal, a coparticipação e a construção do próprio
conhecimento não podem servir apenas como indicativo de mudança na aprendizagem
do sujeito. Para real êxito, é mais importante pensar numa mudança de base
educacional, com enfoque na educação e desenvolvimento dos sujeitos com deficiência,
para além de uma mudança de discurso sobre a denominação das especificidades do
público-alvo da educação especial. Entendemos que a tomada de consciência a respeito
das questões educacionais é importante, até porque a mediação realizada pelo professor
tem de ser fundamentada não apenas no que sugere o aluno, mas principalmente em
teorias epistemológicas que deem condições para que o professor exerça seu papel
imprescindível de propiciar ao aluno uma educação intencional.
O primeiro trabalho que analisamos foi a dissertação de mestrado de Soares (2006), cujo
título é: “Formação e prática docente musical no processo de educação inclusiva de
pessoas com necessidades especiais”. Nesse trabalho a autora teve o objetivo de
identificar e examinar relações entre práticas de educação musical no ensino de pessoas
com necessidades educacionais especiais37 incluídas na escola regular e a formação de
professores de música em relação ao atendimento às necessidades destes indivíduos.
37
Terminologia adotada pela autora para designar o público-alvo da educação especial.
62
O terceiro trabalho analisado foi o de Silva (2011), cujo título é: “Formação continuada
em serviço: um caminho possível para ressignificação da prática pedagógica, numa
perspectiva inclusiva”. Nesse trabalho a autora objetivou contribuir com a formação de
professores no processo de inclusão escolar de alunos que apresentam deficiência,
desenvolvendo uma pesquisa-ação, tomando por base os estudos de Barbier. A autora
apontou que existia um esforço da equipe pedagógica no sentido de reduzir as
diferenças e as dificuldades dos alunos. Inicialmente os professores excluíam os alunos
por acreditarem que eles não eram capazes de desenvolver as atividades propostas. O
programa de formação desenvolvido, portanto, produziu resultados significativos nas
percepções e atitudes dos professores, coordenador e gestor, bem como na vivência
pedagógica desses profissionais frente à diversidade do alunado, no contexto escolar.
O quarto trabalho analisado foi o de Duek (2011), o título da tese “Educação Inclusiva e
formação continuada: contribuições dos casos de ensino para os processos de
aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores”. Nesse trabalho, a autora
focalizou seus estudos nos processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional
vividos por professoras do Ensino Fundamental que têm alunos com necessidades
educacionais especiais em suas salas de aula. A autora concluiu que os resultados de sua
pesquisa foram positivos, pois contribuíram nos casos de ensino para e ampliação dos
conhecimentos profissionais acerca do processo educacional inclusivo, bem como para
o envolvimento das professoras do estudo. Além disso, a metodologia adotada mostrou-
se eficaz, pois, ao trazerem situações de ensino próximas àquelas vivenciadas pelos
63
O primeiro trabalho que analisamos foi a tese de Carneiro (2006), cujo o título é:
“Formação em serviço sobre gestão de escolas inclusivas para diretores de escolas de
educação infantil”, nessa pesquisa a autora objetiva discutir questões que dizem respeito
a gestão escolar e a influência dela na construção de escolas inclusivas. Além disso, ela
propôs desenvolver, implementar e avaliar um programa de formação voltado para
diretores de escolas de educação infantil, tendo como base a perspectiva da inclusão.
Ainda nesse primeiro momento, partir dos dados coletados e de conceitos desenvolvidos
por autores da área de gestão e inclusão escolar, Carneiro (2006) elaborou um
questionário fechado que foi enviado para todos os 60 diretores da rede municipal de
escolas de educação infantil de Bauru/SP. No questionário a autora buscou saber as
65
necessidades daquele público no que diz respeito a educação inclusiva. Partindo disso,
para a segunda fase da pesquisa a autora desenvolveu e implementou um programa de
formação em serviço para 41 diretores de escolas de educação infantil. Nesse programa
ela envolveu questões teóricas referentes a problemática da inclusão, além de práticas
de gerenciamento e solução para problemas do dia a dia. Por fim, ela aponta em suas
considerações finais que o programa produziu os resultados esperados nas percepções e
atitudes dos diretores, pelo menos no âmbito do discurso. Entretanto, ela alerta que
apesar da iniciativa de programas de formação em serviço, apenas elas não são
suficientes, pois, a transferência e mudança de discurso não são automáticas, e
demandam um acompanhamento através do trabalho coletivo e do estabelecimento de
uma cultura de colaboração e valorização da diversidade humana.
A segunda tese analisada foi a de Camargo (2011), cujo título é: “Políticas Educacionais
Pós-1990 de Formação dos profissionais da educação infantil”. Nesse trabalho a autora
teve como objetivo discutir as políticas de formação em serviço dos profissionais da
educação infantil para o atendimento de crianças com necessidades educacionais
especiais38 no contexto das políticas de inclusão pós-1990. A autora destacou em suas
considerações que o seu trabalho contribuiu para a reflexão a respeito do processo de
formação em serviço dos profissionais que atuam nas escolas denominadas inclusivas,
onde muitas crianças continuam sendo atendidas em escolas especiais, ou quando estão
matrículas não obtêm êxito, seja pela falta de recursos ou pela carência de subsídios
teóricos e metodológicos para os profissionais que atuam na educação infantil e fazem o
atendimento educacional especializado.
O terceiro trabalho que trazemos para análise foi a dissertação de Neófiti (2009), cujo o
título é: “Educação para a vigilância do desenvolvimento Infantil: formação virtual e
presencial para educadores de creche”. O objetivo do trabalho foi elaborar, implementar
e avaliar um programa de capacitação à distância aos educadores de creche (Programa
de vigilância do desenvolvimento para educadores de creche - PROVIDEC) para o
desenvolvimento de ações de vigilância, em sua prática com bebês. O conteúdo do
PROVIDEC versou sobre o desenvolvimento infantil, fatores de risco e mecanismos de
proteção, ações de vigilância, o papel do educador de creche, oportunidades de
38
Terminologia adotada pela autora para designar o público-alvo da educação especial.
66
O quarto trabalho encontrado foi a dissertação de Souza (2012), cujo título é: Inclusão,
educação infantil e formação de professores: sujeitos, diálogos e reflexões na ambiência
do Proinfantil40. Através desse trabalho a autora analisou a estrutura formativa do
Proinfantil, na perspectiva da Educação Inclusiva com intuito de contribuir com a
produção de conhecimentos a fim de favorecer a reestruturação prevista para o
programa, e/ou nortear ações e práticas educativas de professores de Educação Infantil.
Para análise dos dados a autora utilizou-se dos estudos de autores que tem como base as
teorias pós-modernas. Os resultados da pesquisa apontaram para a influência direta do
currículo do curso sobre a formação das professoras cursistas na construção acerca da
inclusão, ainda, a pesquisa indicou a necessidade de rever os conteúdos abordados na
perspectiva da educação inclusiva.
39
Vigilância do Desenvolvimento infantil é uma ação de monitoramento e proteção à saúde com
informações antecipatórias para sua promoção de uma forma contínua, flexível e conduzida por diversos
atores tais como profissionais de saúde, familiares e educadores, o que a torna uma ação típica da atenção
básica da saúde (SILVA, 2012).
40
O ProInfantil é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-se aos
profissionais que atuam em sala de aula da educação infantil, nas creches e pré-escolas das redes públicas
– municipais e estaduais – e da rede privada, sem fins lucrativos – comunitárias, filantrópicas ou
confessionais – conveniadas ou não, sem a formação específica para o magistério. O curso, com duração
de dois anos, tem o objetivo de valorizar o magistério e oferecer condições de crescimento ao profissional
que atua na educação infantil (MEC, 2015).
67
socioeconômico respondido pelos pais. A pesquisadora teve como aporte teórico para
análise de dados os estudos de Wallon, Vigotski e Piaget.
Como resultados, Marques (2013) nos diz que há muitos mitos em relação a concepção
dos professores sobre quem é a criança precoce, essas concepções errôneas são reflexos
de uma formação que apresenta lacunas em relação a identificação e ao atendimento do
aluno com precocidade.
A primeira dissertação, cujo título é “As concepções das professoras de ensino regular
frente ao processo de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais
especiais”, produzida por Pereira (2006), a autora faz uma análise das concepções dos
professores do ensino regular referente à inclusão de sujeitos como “necessidades
educacionais especiais”, na época, há dez anos atrás, a autora apontava que a proposta
de inclusão era desafiadora. A pesquisa foi realizada a partir de questionário aplicado a
sete professores das redes pública e privada de ensino em Blumenau (SC).
As discussões realizadas por Pereira (2006), foram embasadas apenas nos trabalhos
realizados por pesquisadores da área da educação especial, ela optou por não realizar
um aprofundamento teórico mais consistente. Como apontamentos, ela apontou que as
concepções estavam ligadas a formação, os professores acreditavam que para atuar com
crianças com “necessidades educacionais especiais” era necessário formação continuada
e apoio tanto humano quanto material. Ela acrescenta que
A segunda pesquisa que destacamos foi a dissertação produzida por Monte (2006) cujo
título é “Inclusão na educação infantil: concepções e perspectivas de educadoras de
creche”, essa pesquisa se aproxima mais dos nossos estudos, uma vez que realiza a
pesquisa no espaço da educação infantil.
Down. A pesquisadora adotou o como aporte teórico Paulo Freire, que possui uma
concepção dialógica e que, segundo a autora, valoriza os atores sociais, a interação,
participação e o diálogo. Luiz (2013) adotou uma abordagem qualitativa inspirada no
método de Paulo Freire, dividindo as técnicas de coleta de dados: trinta e duas sessões
de observação participante e a realização de dez grupos focais. Os sujeitos da pesquisa
foram dez professoras de educação infantil da rede municipal de Araraquara (SP).
Como apontamentos, a autora destaca que
A quinta pesquisa encontrada por nós foi a tese de Barreto (2009) “As condições
subjetivas e objetivas do trabalho docente no processo de inclusão de crianças na
educação infantil : uma análise sob a perspectiva da defectologia de Vigotsky”, que teve
como objetivo identificar e analisar as concepções de professoras de Educação Infantil
sobre o processo de inclusão de crianças com necessidades especiais de ensino neste
nível da Educação Básica à luz da Teoria da Defectologia, tendo como aporte teórico os
estudos de Vigotski. Para o desenvolvimento da pesquisa a coleta dos dados ocorreu
através de gravação e transcrição de duas entrevistas realizadas com seis professoras de
Educação Infantil de São Carlos (SP).
A última pesquisa encontrada foi a tese de Loiola (2012), como o título “Inclusão,
educação infantil e formação de professores: sujeitos, diálogos e reflexões na ambiência
70
Para tanto, a pesquisa teve como formato o estudo de caso, estratégias metodológicas
adotadas para a coleta de dados incluíram a observação participante, entrevistas
semiestruturadas, diário de campo e análise de documentos. Como apontamentos, ela
indica que a escola já ocupa um espaço centralizador, no qual o professor culpabiliza o
aluno, atribuindo a ele rótulos estigmatizantes que o apontam como incapaz, que acaba
por enquadrá-lo no lugar de exclusão, sem considerar seu modo de ser, ou seja sua
diferença.
A segunda pesquisa encontrada por nós, foi a dissertação de Freitas (2012), cujo título é
“Nas encruzilhadas da língua: narrativas de meninos e movimentos de medicalização na
educação”, essa pesquisa teve como objetivo, a partir de narrativas “investigar as
políticas de subjetivação em curso na contemporaneidade, por meio da pesquisa-
intervenção, junto a crianças medicalizadas, no âmbito do espaço escolar”. A pesquisa
assentou-se nos teóricos da pós-modernidade. E destaca como apontamentos que a
medicalização da vida está “cada vez mais valorizada e buscada como forma de cuidado
e terapêutica, inclusive, no que diz respeito ao enfrentamento dos desafios, no campo da
educação e em relação às queixas escolares sobre os meninos-que-não-atendem” (p.
131).
O quarto trabalho encontrado, foi a tese de Bastos (2013), intitulada “Saúde e educação:
reflexões sobre o processo de medicalização”, nessa pesquisa a autora teve como
objetivo estudar o processo de medicalização e patologização da educação através de
entrevistas com psicólogos da rede pública de saúde e coordenadores pedagógicos de
escolas públicas focalizando a intervenção desses profissionais nas dificuldades
apresentadas no processo ensino-aprendizagem. Utilizou-se do método qualitativo com
entrevistas conduzidas por Blegler. Para análise, utilizou-se de Rivière. Em suas
considerações finais, a autora aponta que seus estudos desvelaram as dificuldades
enfrentadas pelos profissionais entrevistados, essas dificuldades dizem respeito ao
cotidiano do trabalho e a formação acadêmica. Ela ainda apontou para necessidade de
uma revisão das políticas públicas e uma melhor instrumentalização teórica e técnica
dos profissionais.
O último trabalho encontrado foi a tese de Christofari (2014). Nela, a autora teve como
objetivo analisar os discursos que compõem os registros escolares de alunos que
frequentam um serviço de Atendimento Educacional Especializado, problematizando
como são produzidos os modos de ser e aprender desses alunos no espaço escolar.
Nesse estudo, ela discutiu a partir da medicalização, a produção de modos de ser e
aprender dentro da escola. Teve como base teórica os estudos de Foucault. Foi uma
pesquisa de natureza qualitativa e teve como estratégia metodológica a análise do
discurso. Ela analisou os discursos produzidos nos registros escolares (pastas,
pareceres). Os estudos por ela realizados apontam que há uma produção discursiva que
“prioriza as condutas dos alunos como principal desafio”. As causas das supostas
dificuldades escolares estão sustentadas a partir de causas hereditárias e organização
familiar. Ela indicou também que foram identificados na sua pesquisa, discursos que
fugiram a regra, discursos advindos da área da saúde e da educação, o que segundo ela,
fortalecem a concepção do espaço escolar como um espaço dinâmico.
3.6 CONSIDERAÇÕES
Uma parte das pesquisas selecionadas nessa categoria nos mostram de forma bem clara
a influência médico-psicológica na educação especial no âmbito da educação infantil.
Apesar de não anunciarem explicitamente, nos trabalhos de Neófiti (2009) e Marques
73
Não que seja algo negativo, entretanto, acreditamos que análises com questionários
abertos e que possibilitem ao professor que ele se expresse, traz maiores contribuições
não só ao pesquisador, mas também, ao professor pois nesse espaço de narrativa, ele
tem a oportunidade de avaliar suas práticas, o que nem sempre é possível dentro da
escola.
Essa vertente de cunho biológico que é apresentada pelas autoras, fica explícita nas
bases dos estudos de Neófiti, quando ela toma como base questionários pautados em
questões biológicas, de prevenção em relação à saúde. Ainda, ao final, ela indica para
próximas pesquisas um trabalho que seja realizado em parceria entre escola e
profissionais da saúde.
Não nos posicionamos contra as possíveis articulações entre redes de apoio, muito pelo
contrário, sabemos o quão é necessário que as redes sejam interligadas de modo a
contribuir com o desenvolvimento da criança. Entretanto, quando falamos de formação
de professores, falamos de um espaço que deve privilegiar a educação, nosso foco tem
de ser a educação. Pois, caso contrário, nós ao invés de fortalecermos o papel do
professor e os seus conhecimentos, abriremos espaço para que profissionais de outras
áreas estejam orientando, com base em conhecimentos de suas respectivas áreas, a
formação de professores.
Outra questão que destacamos é o ecletismo da base teórica de Marques (2013), que
utiliza para a análise do desenvolvimento da criança Piaget, Vigotski e Wallon. Arce
ainda nos anos 2000, com base nos estudos de Duarte, criticava a associação entre as
teorias de Piaget e Vigotski,
Percebemos que as pesquisas de Carneiro (2006), Camargo (2011) são mais próximas
da que iremos realizar, elas têm um olhar crítico em relação a formação de professores
da educação infantil no contexto da inclusão, e apontam não só resultados positivos das
74
No caso de Souza (2012), ao analisar o ProInfantil, ela destaca que essa formação está
agindo diretamente na atuação das professoras que participavam do curso, e ainda
alertou para que o curso se adequasse aos preceitos da educação inclusiva, caso
contrário, apesar de participarem de uma formação para professores, elas não estariam
aprendendo os conteúdos necessários para transformar a realidade. Não adianta o país
assumir uma postura inclusiva e não levar esse conceito até os profissionais que atuam
na escola.
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
41
A partir da perspectiva marxista, a categoria contradição é fundamental para a compreensão da
dialética. Para tanto, contradição é inerente aos fenômenos, uma lei que diz respeito aos contrários. Como
a existência na matemática do + e do -, existem, necessariamente, a partir de uma contradição. Por fim, as
mudanças e os movimentos produzidos historicamente existem a partir dessas contradições.
77
Todo esse processo é fundamental para a formação do professor. Não nos restringimos a
formação acadêmica (inicial e continuada), mas vamos além, formação como trabalho,
ação do homem no mundo e do mundo no homem. Entendemos como sendo
fundamental a formação acadêmica para formação do professor, mas acreditamos que
sua ação na prática o forma. Todas as influências do meio vão interferir nesse processo
formativo, as condições sociais que atravessam esse sujeito serão nele representadas e
vão diferenciá-lo dos demais, tornando esse profissional um sujeito único.
O afastamento da compreensão teórica do trabalho que exerce faz com que o professor
se aproxime de um processo de alienação. Marx (2010), diz que quanto mais o homem
se aproxima do mundo externo, mais ele se afasta daquilo que essencialmente o
constitui. Nesse sentido, entendemos que quando o professor se pauta na prática para
desenvolver a prática, ele reduz as possibilidades de desenvolver-se criticamente,
limitando-o a questões puramente técnicas da sua ação. Ao exercer o trabalho nessa
perspectiva, o professor acaba por resumir-se a isso.
Pires (1997), ao analisar essa tal condição, lança a seguinte questão: “A educação estará,
em suas várias dimensões, “a serviço” da humanização ou da alienação?” Essa questão
nos inquieta, pois gera um incômodo pensar no trabalho do professor como um trabalho
alienado, uma vez que, o trabalho educativo, segundo Saviani (2010, p. 13), “é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
78
42
Sônia Enumo desenvolveu sua tese de doutorado a partir da investigação da formação sistemática das
características curriculares, administrativas e teóricas existentes em 9 cursos universitários responsáveis
pela formação de professores para aturem com pessoas com deficiência mental (termo utilizado na época,
1985). Referência completa encontra-se ao final do texto.
79
De acordo com Michels (2006), a função social e política da escola é atravessada pelos
interesses das classes sociais, as instituições de ensino que “selecionam e privilegiam”
alguns saberes em detrimento de outros, nisto incluem valores, normas, costumes, que
respondem aos interesses de grupos e classes dominantes. Conclama-se uma escola para
todos, mas se não nos atentarmos aos atravessamentos citados, corremos o risco de
fazermos análises ingênuas sobre o seu papel social.
a este espaço formativo, ou quando em acesso, teve negada condições críticas para
desenvolver-se.
Scalcon (2002) aponta que a escola, como instituição social, pode ser articulada nesse
nosso sistema capitalista como um elemento de resistência e negação às condições por
ele estabelecidas, funcionando como um instrumento de transformação da realidade.
Porém, única forma possível é dando condições ao sujeito de elevação da consciência
do senso comum até uma consciência filosófica. No caso do professor, Facci (2008), diz
que é necessário pensar numa formação de professores que promova sua humanização
para além do senso comum, e na condição de membro atuante da sociedade, que
colabore com a transformação social, prescindindo a transformação da sua própria
consciência.
Leontiev (2005) aponta que biologicamente determinadas são apenas as funções “mais
elementares” (instintos, reflexões). O comportamento caracteristicamente humano, é o
que separa o homem do animal, são as construções sociais, ou seja, não nos é dado
como propunha a psicologia burguesa (TULESKI, 2008).
Assim sendo, o fato é que quando nascemos nosso organismo não comporta
biologicamente o desenvolvimento necessário para nossa vida, uma vez que o
desenvolvimento se assenta na cultura. Vigotski (2007) nos diz que a evolução da
espécie assegura ao indivíduo apenas as características biológicas, elementares, que são
a base para edificação das funções psicológicas superiores, característica exclusiva dos
43
“Tal concepção determinista não mostra a possibilidade de transformação da natureza humana, pois esta
já é dada a priori desde o nascimento [...]” (TULESKI, 2009, p. 119).
83
seres humanos. Estas são apropriações do patrimônio humano, como disse Leontiev
(2005, p. 285) na citação sobreposta, é “o testemunho do desenvolvimento humano”, de
modo que as condições sociais e o contato com a cultura é que propiciarão a efetivação
deste desenvolvimento humano.
Leontiev (2005, p. 209) nos diz que o contato com o conhecimento produzido não nos é
dado, de modo que pertencem “aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material
e espiritual que os encarnam, mas estão aí apenas postas”. Dessa forma, para apropriar-
se deste conhecimento produzido, a criança (o ser humano) precisa relacionar-se com os
fenômenos do mundo que o cerca, e isso acontece através do contato dela com os outros
homens. Nessa relação a criança aprende, e de acordo com Leontiev (2005, p. 209):
“Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação”.
A educação escolar é importante, pois, de acordo com Vigotski (1995) nesse espaço a
criança tem condições de avançar, passando dos conhecimentos espontâneos aos
científicos. Os conhecimentos espontâneos se constituem nas relações das crianças com
44
A teoria histórico-cultural é uma teoria psicológica desenvolvida na sociedade soviética, elaborado por
Vigotski, Luria e Leontiev.
84
Para tanto, essa educação não acontece de forma natural como nos animas, há
necessidade de uma organização, Vigotski (2007, p.100) diz que “o aprendizado
humano pressupõe uma natureza social específica”. A escola tem um papel fundamental
nesse processo, pois é por excelência, o local propício de apropriação dos
conhecimentos científicos, sendo esses os conhecimentos acumulados e sistematizados
ao longo da história pela sociedade.
45
Cabe destaque que conhecimentos espontâneos não são pré-requisitos para a aprendizagem de
conhecimentos científicos. Ou seja, não é uma regra que se parta de conhecimentos espontâneos para que
se alcance os conhecimentos científicos. Essa é apenas uma via para aprendizagem, não configura-se
como um método ou caminho traçado.
46
Neste texto optamos por utilizar a tradução Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), como trazido no
trabalho de Zoia Prestes (2009). Acreditarmos que essa tradução se aproxima mais do conceito original
russo, desenvolvido por Vigotski e seus colaboradores. No texto em questão, Prestes (2009) explica que a
tradução de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) alude a quantificação da Zona Blijaichego
Razvitia, o que, originalmente, foge a proposta dos criadores do conceito. Quando Prestes (2009) traz a
proposta dessa nova nomenclatura ZDI, ela ressalta que essa Zona revela que a criança pode desenvolver
e não significa que ela vá, necessariamente, se desenvolver. Portanto, dá um sentido diferente ao que
conhecemos nas traduções disponíveis em língua portuguesa.
47
Pedologia é, Segundo Vigotski, uma “ciência do desenvolvimento infantil” Meshcheryakov (2010).
85
Por isso é importante discutirmos a formação do professor, nesse processo ele precisa
do domínio do conhecimento sistematizado, que se difere de um saber qualquer,
oriundo do senso comum. O espaço da escola é um espaço de conhecimento elaborado,
e não espontâneo e fragmentado, um lugar de cultura erudita, segundo Saviani (2013). A
mediação do professor, que de posse desse conhecimento elaborado 48, é que irá dar
condições para que a criança entre em contato com os saberes necessários. Nesse
sentido, a educação tem o papel transformador na sociedade, promovendo o processo de
desenvolvimento da criança. Porém, para “desviar das tendências naturais da criança”
(VYGOTSKI, 1991 APUD TULESKI, p .166, 2008), o professor precisa formar-se,
adquirir conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, entretanto, é de suma
importância que ele saiba quais os fins educativos de sua ação docente, ou seja, qual o
papel social que ele exerce na sociedade.
48
Ao evidenciar os conhecimentos eruditos, Saviani (2013), por sua vez, não descarta a importância do
saber popular, nesse texto ele evidencia o saber erudito porque trata dos conhecimentos próprios da
escola. A escola exerce essa função social, mas um conhecimento não anula ou desmerece o outro. O
conhecimento popular é aprimorado no contato com os conhecimentos eruditos, eles são tão importantes
quanto, mas o espaço escolar é espaço privilegiado de aquisição do saber elaborado.
86
Para tanto, é fundamental que esses profissionais tenham condições de formação que
deem base teórica tanto científica, quanto política, pois sem as quais, advindos de
formações deficitárias, além de não significarem o seu trabalho, impactarão de maneira
negativa na formação de outros sujeitos, historicamente fortalecidos na condição de
subestimados, esses profissionais quando assumem teorias com pressupostos
epistemológicas que direcionam ao modelo médico-psicológico.
Saviani (2014, p. 54 ), nos diz que a identificação dos elementos culturais precisa ser
assimilada “pelos indivíduos da espécie humana para que se tornem humanos”. Afinal,
a humanidade não nos é dada, ela é produzida num processo que transforma nosso
corpo físico, natural em sujeito humano. A educação, como atividade intencional, tem
nesse processo, a importância de “produzir em cada indivíduo a humanidade que é
produzida historicamente” (SAVIANI, 2014, p.54). Dessa maneira, entendemos que o
professor que atua na educação especial precisa conhecer os estudos da defectologia
para que, de posse deles, tenha conhecimento das infinitas capacidades e possibilidades
da criança com deficiência, indo além das condições biológicas e compreendendo que a
sua ação sistematizada e organizada é quem vai fomentar esse desenvolvimento. Nesse
sentido, a educação configura-se como um processo dialético, sendo fundamental que o
professor tenha esse conhecimento e possa orientar a criança de modo a possibilitá-la
em seu desenvolvimento e aprendizagem.
88
Sendo assim, o professor deve atuar nesse processo sabendo que sua mediação para a
aquisição elaborada dos signos vai instrumentalizar a criança e dar condições para que
ela possa agir no mundo, e através dessa ação no mundo ela vai se humanizando, sendo
esse um processo educativo. Martins e Rabatini (2011), com base nos estudos de
Vigotski, afirmam que a mediação dos signos introduz ao comportamento humano
mudanças profundas, posta entre o estímulo do ambiente e a resposta da pessoa
Com a criança com deficiência, esse processo é necessário porque ela já possui uma
organização biológica diferenciada, e nosso mundo foi historicamente organizado para
pessoas que possuem um comportamento típico49, fugir a essa organização previamente
estabelecida pode comprometer o seu desenvolvimento.
Desse modo o professor deve agir mediando a relação da criança com o mundo,
acreditamos que as possibilidades e o desenvolvimento da criança com deficiência
foram subjugados historicamente, principalmente, pelo fato dela ter sido alijada do
processo educativo, esse descrédito social foi quem assentou as práticas segregadoras.
Por isso é que insistimos em dizer que a instituição de educação infantil é o espaço
propício para o desenvolvimento e aprendizagem da criança com deficiência. Para além
do espaço, é necessário que o professor tenha conhecimento do processo educativo, e
possa atuar com intencionalidade com a criança, pois isso é que dará condições
necessárias para a inclusão dela, não só no espaço educativo, mas em todas as esferas
sociais.
49
Comportamento típico nesse contexto é compreendido como um comportamento adequado as normas
sociais estabelecidas, sendo esses os comportamentos esperados para um cidadão “normal”.
89
5 PERCURSOS METODOLÓGICOS
Para isso, realizamos uma pesquisa qualitativa, pois, segundo André (2013) os estudos
qualitativos compreendem a realidade como um processo construído socialmente pelos
sujeitos. Pesquisas de natureza qualitativa visam a compreensão ampla do fenômeno ao
50
Destacamos que realizamos as entrevistas nos turnos matutino e vespertino.
90
Ademais, nossa pesquisa qualitativa é do tipo estudo de caso, pois, tal metodologia
proporciona-nos uma aproximação com a realidade pesquisada, e segundo André (2013)
esse tipo de pesquisa é mais concreta e contextualizada
Para a pesquisa que realizamos, adotamos o estudo de caso coletivo, pois, segundo
Alves-Mazzotti (2006) “No estudo de caso coletivo o pesquisador estuda conjuntamente
alguns casos para investigar um dado fenômeno”. E como não iremos limitar-nos em
nossa pesquisa a uma única instituição de educação infantil, essa configura-se, portanto,
como uma pesquisa de natureza qualitativa do tipo estudo de caso coletivo.
De acordo com André (2013) “Quase todos os estudos incluem análise de documentos”,
pois essa análise complementa no sentido de dar condições ao pesquisador acesso a
informações que não podem ser contempladas somente a partir das entrevistas e
observações. Os documentos dizem da história e da organização daquilo que se pretende
estudar. A análise documental nos ajudou no sentido de contribuir na produção dos
dados.
Nesta pesquisa análise documental foi fundamental, pois deu conhecimento prévio para
darmos delimitações e encontrarmos os sujeitos dos quais nos propusemos pesquisar,
segundo Gil (2008) há diferença entre uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa
documental, e essa diferença caracteriza-se pelas fontes. Uma análise bibliográfica parte
de dados produzidos por pesquisadores, decorrentes de análises já produzidas. A análise
documental se vale de materiais que ainda não “receberam o tratamento analítico”
(p.51), partem de dados brutos, como documentos oficiais, reportagens, jornais, cartas,
entre outros.
Por isso, é necessário que as falas sejam orientadas a fim contemplar com o interesse da
pesquisa, por isso, utilizamos de entrevistas semiestruturadas, pois, Segundo Manzini
(2004) “a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual
confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras
questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista” (p.2). Ou seja, há uma
estruturação inicial que orienta a entrevista, no entanto, perguntas podem surgir
dependendo das questões que emergirem das respostas dadas pelos professores, esse
tipo de estruturação de entrevista é rico porque não limita as possibilidades e abrange as
diferenças circunstanciais.
Além das técnicas já citadas, lançamos mão da observação e do diário de campo para a
produção dos dados. Essas técnicas foram importantes pois, de acordo com Gil (2008),
é uma forma sutil de se obter dados sem causar desconforto ao sujeito pesquisado, de
acordo com o autor as manifestações das pessoas que estão sendo entrevistadas devem
ser consideradas, pois acreditamos que elas também contemplam e somam as respostas
dadas durante as entrevistas.
Como nossa observação se configura como uma observação simples, segundo Gil
(2008), esse tipo de observação capta as relações dos sujeitos pesquisados, nesse tipo de
técnica o pesquisador é semelhante ao entrevistador, que lança as questões e abre espaço
para que o sujeito pesquisado possa se expressar. Gil (2008), nos diz que “O registro da
93
Para tanto, essas técnicas nos ajudaram no processo da pesquisa, e serão relatados todos
os momentos dela, por isso foi importante nossa atenção às diversas possibilidades que
apareceram durante a pesquisa, como os primeiros contatos com a Seme/Vitória, com as
instituições de educação infantil, com os diretores e pedagogos e, principalmente, com
os professores sujeitos da pesquisa.
Traremos a seguir uma tabela com a proporção de crianças com deficiência intelectual
de zero a cinco anos matriculadas da educação infantil.
95
Gráfico 1 – Porcentagem de crianças com deficiência intelectual matriculadas por região administrativa.
20% 19%
18%
15% 13%
10% 9%
7%
5% 4% 4% 4%
0%
Região A Região B Região C Região D Região E Região F Região G Região H Região I
Fonte: Seme/Vitória.
51
O município realiza uma subdivisão do público-alvo da educação especial. Nesse levantamento
consideramos apenas as crianças identificadas com deficiência intelectual no documento cedido a nós, é
certo que o número de crianças aumentaria se considerássemos outros subitens, mas nessa pesquisa
optamos em seguir a subdivisão do município.
96
instituições com crianças com deficiência intelectual. Porque na tabela anterior isso
ainda não era claro.
Gráfico 2 – Porcentagem de CMEIs com matrícula de crianças com deficiência intelectual por região
administrativa.
22%
15%
13%
10%
6% 6% 6% 6%
5%
3%
0%
Fonte: Seme/Vitória.
Esse segundo gráfico já indicou outra condição, vimos que no gráfico anterior, havia
mais crianças concentradas na região G, mas a região D possuía mais CMEIs,
consequentemente, mais professores. Por isso, optamos por fazer uma amostra mais
diversificada, ao invés de escolhermos uma região com mais CMEIs, escolhemos quatro
regiões que na somatória aproximam de uma única região com mais CMEIs, pensamos
assim que os nossos dados teriam uma representatividade mais ampla. Escolhemos,
portanto, as regiões E, F, H e I, que juntas representam 21% de CMEIs com crianças
com deficiência intelectual matriculadas. Essas quatro regiões juntas realizam 24% do
atendimento as crianças com deficiência intelectual de 0 a 5 anos do município de
Vitória.
97
Definida as regiões, foi fornecido pela Seme/Vitória, junto aos dados já expostos, uma
lista com todos os CMEIs e seus respectivos telefones, endereços e a especificação dos
diretores de cada instituição. Selecionamos, a partir dos dados sete CMEIs, um CMEI
na região E, dois CMEIS na região F, dois CMEIs na região H e dois CMEIS na região
I. Esses são os CMEIs que realizaram no ano desta pesquisa, segundo os dados
disponibilizados, o atendimento educacional especializado para crianças com
deficiência intelectual nessas quatro regiões.
Entramos em contato com as instituições e falamos com os pedagogos, que por sua vez,
entraram em contato com os professores especialistas e agendaram a entrevista. Em
algumas instituições o contato foi direto com o diretor, especificaremos cada um deles
mais adiante. Em seguida, apresentamos um quadro com a especificação das instituições
que realizamos a pesquisa, apontando a região e o quantitativo de professores e as
especificações das entrevistas.
52
Os nomes dos CMEIs apresentados são fictícios.
98
PROFESSORES
DA
53
Região CMEI INSTITUIÇÃO – DIA DA ENTREVSTA
TURNO (conclusão)
REGIÃO H Rose Mary Fraga (RMF) 2 – (1 matutino e 1 Matutino – 29/06/2016
vespertino) Vespertino– 29/06/2016
REGIÃO H Vívia Cortes Porto (VCP) 2 – (1 matutino e 1 Matutino – não realizada
vespertino) Vespertino– 29/06/2016
REGIÃO F Lucas Novaes Santos (LNS) 2 – (1 matutino e 1 Matutino – 30/06/2016
vespertino) Vespertino– não realizada
Fonte: dados fornecidos pela Seme/Vitória.
Nesse primeiro contato via telefone, nós explicamos aos pedagogos e diretores, em
linhas gerais, a nossa pesquisa e solicitamos que disponibilizassem um tempo para que,
se eles tivessem disponibilidade e interesse, nós explicássemos de forma mais detalhada
a proposta da pesquisa. No entanto, todos os contatos via telefone já foram suficientes
para que eles aceitassem e marcassem, de acordo com a disponibilidade do professor de
educação especial, as entrevistas.
53
Os nomes dos CMEIs apresentados são fictícios.
99
Quadro 4 – Apresentação dos professores de educação especial que atuam com crianças
com deficiência intelectual nas regiões E, F, H e I de Vitória.
54
Optamos por utilizar nomes fictícios para preservar as identidades dos professores entrevistados. Dessa
maneira, apresentaremos cada professor com o nome de pedras preciosas, pois entendemos que eles são
atores fundamentais para o processo de inclusão desde a primeira etapa da educação básica.
100
No segundo momento organizamos um roteiro para a entrevista com questões com foco
no desenvolvimento do trabalho e no processo formativo, eram perguntas disparadoras
que incentivaram respostas mais elaboradas, menos objetivas, que contemplassem
histórias detalhadas.
Optamos pela entrevista semiestruturada, pois “esse tipo de entrevista pode fazer
emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma
padronização de alternativas” (MANZINI, 2004, p. 2). Esse método nos deu condições
de orientar as entrevistas, sem condicionar as respostas, abrindo possibilidades para
diversos contextos e situações serem trazidas para nossa pesquisa.
As entrevistas aconteceram nas SRM das instituições, exceto nos CMEIs MAS, por não
dispor deste espaço, e também no CMEI LCS, por direcionamento da pedagoga, que
orientou que a entrevista acontecesse na sala dela. As entrevistas duraram em média, 45
minutos, apenas três passaram longe dessa média, uma durando apenas 15 minutos, e
outras duas mais de uma hora.
A outra professora que não conseguimos realizar a entrevista foi a do CMEI LNS, que
atua no turno vespertino. Nós fizemos o contato com a pedagoga dessa instituição logo
no início da marcação das entrevistas, a pedagoga conversou com a professora e ela
aceitou, então no dia 22 de junho de 2016, data marcada por ela, fomos até o CMEI. Ao
chegarmos ela demonstrou certo desconforto e indicou que a entrevista fosse realizada
apenas com a professora do outro turno porque ela não tinha nenhuma formação em
educação especial e não poderia contribuir. Ela explicou que estava ocupando o cargo
de professora de educação especial da instituição apenas como uma extensão de carga
horária. Nós explicamos que era importante a participação dela, pois interessava-nos
102
saber os seus conhecimentos, concepções e práticas sobre o trabalho que realizava. Ela
então aceitou e remarcamos para dois dias depois (24/06/2016). Ao chegarmos na
instituição, procuramos por ela, mas o guarda nos informou que ela havia ido embora.
No dia 30 de junho de 2016, voltamos ao CMEI LNS para realizarmos a entrevista com
a professora de educação especial do outro turno, após a entrevista fomos até a sala em
que ela trabalha e perguntamos se ela ainda aceitava participar da nossa pesquisa, a
professora que acabara de ser entrevistada auxiliou-nos na mediação com ela, ela
aceitou, mas aparentou algum desconforto. Marcamos a entrevista para esse mesmo dia
ao final da tarde. Após o almoço recebemos uma ligação da pedagoga da instituição
informando que a professora não poderia participar da pesquisa naquele dia, desse
modo, não tivemos condições de entrevistá-la.
Outro destaque que fazemos antes da apresentação dos professores de educação especial
das regiões E, F, H e I é que, como contemplam sete instituições, e todos em regime de
vinte e cinco horas semanais, compreende-se que sejam quatorze profissionais, no
entanto, há uma especificidade em relação a uma professora, sendo a professora Cristal,
ela trabalha nas instituições RMF e RRS nos turnos matutino e vespertino,
respectivamente. Por isso realizamos apenas uma entrevista com ela.
Iniciamos as entrevistas pela região E no CMEI PSC, pois compreendia uma única
instituição. Entramos em contato com a pedagoga via telefone e ela foi muito receptiva,
orientou-nos que fôssemos no dia 21 de junho de 2016, para realizar a entrevista com o
professor Ônix, que atua há dois anos na instituição e divide carga horária com outra
instituição de educação infantil. Ele trabalha 10 horas no CMEI PSC e mais 15 horas
num outro CMEI. O professor esteve muito confortável durante a entrevista e
disponibilizou-se para qualquer necessidade posterior. Demonstrou uma fala muito
articulada e eloquente. A entrevista durou quarenta e cinco minutos.
Após a entrevista fomos ao encontro da diretora, que já sabia que estávamos realizando
a pesquisa no CMEI PSC, mas ainda não havia assinado a autorização. Ela foi educada
e permitiu que voltássemos para entrevistar a professora do turno vespertino, no
entanto, pediu que nós ligássemos e falássemos com a pedagoga desse turno. Fizemos o
contato com a pedagoga, que foi muito gentil e disse que não era necessário marcar, a
hora que chegássemos seríamos atendidas pela professora de educação especial.
103
55
Optamos, neste trabalho, por utilizarmos a nomenclatura “sala de atividades” para denominar a sala de
aula regular, ou, sala de aula comum. Adotamos a sala de atividades com intuito de diferenciarmos o
espaço de atividades do contexto da educação infantil para o contexto do ensino fundamental e médio.
Configura-se, portanto, como uma ação de valorização da educação infantil e suas particularidades. Essa é
uma tendência do grupo ao qual pertencemos.
104
a SRM, também implantada pelo MEC. Ao chegarmos na SRM encontramos uma mãe
de uma das crianças atendidas no turno conversando com uma outra pedagoga da
instituição. Ela aproveitou para mostrar as atividades e momentos através de registros
fotográficos, convidou-nos para participarmos e então, acompanhamos a conversa.
Ao final da apresentação ela explicou que iríamos realizar uma entrevista naquele
momento e pediu licença à pedagoga e à mãe. Safira tem uma fala muito articulada,
demonstrou conhecimento prático da área, tem muito interesse em estudos sobre o
autismo. Não é efetiva no município e este é seu primeiro ano na educação infantil.
Observamos também nessa entrevista algumas contradições relacionadas ao que ela
falava comparado com as ações desenvolvidas. A entrevista durou quarenta minutos.
A terceira instituição que visitamos foi o CMEI MAS, o primeiro contato foi via
telefone, a pedagoga quem nos atendeu. Nos apresentamos e explicamos em linhas
gerais a pesquisa a ser realizada, ela aceitou e no mesmo momento perguntou a
professora se ela também aceitava participar. Ela então aceitou e no dia 24 de junho de
2016, fomos recebidas pela diretora da instituição, que nos encaminhou para a
professora de educação especial.
A professora foi bastante receptiva, nos recebeu muito bem. Durante a entrevista esteve
segura. O vínculo dela com o município é efetivo, ela adentrou através de concurso
ainda com formação no magistério, posteriormente, cursou história em universidade
pública. Está há mais de dez anos na educação especial e há bastante tempo no CMEI
MAS. Nesse dia a pesquisadora estava parcialmente afônica e Jade contribuiu, tendo
paciência e disponibilidade para as tentativas de leitura das perguntas realizadas
105
Assim sendo, ao final da entrevista perguntamos como poderia marcar com a professora
do turno da tarde, uma vez que estávamos tendo dificuldade em conseguir contato
telefônico com a escola nesse turno, Jade de imediato ligou para a professora do turno
da tarde, falando da pesquisa e perguntando se ela poderia disponibilizar um tempo para
contribuir conosco, a professora foi bastante resistente, porém, Jade conseguiu persuadi-
la a participar. Nesse momento, ela disponibilizou o final da tarde do dia 27 de junho de
2016. Assim que encerrado, fomos até a sala da diretora e agradecemos a ela e à
pedagoga pela disponibilidade e aceite. Informamos à diretora que voltaríamos noutro
dia para realizarmos a entrevista com a professora do outro turno, ela disse que não
haveria problema e nos despedimos.
No dia combinado com Ametista, professora do MAS do turno vespertino, nós voltamos
a instituição. As crianças já estavam no pátio e as atividades das salas já estavam sendo
encerradas. Elas corriam e brincavam bastante. Assim que chegamos o guarda autorizou
a nossa entrada e fomos até o encontro de Ametista. Ao nos ver ela demonstrou
desconforto, não gostou quando chegamos, o que aparentava é que ela havia esquecido
que havíamos marcado. Ela disse que estava elaborando um relatório com a pedagoga
do turno e que o momento estava comprometido, insistimos um pouco para que ela
participasse, dissemos que não tomaríamos muito o seu tempo e, por fim, ela aceitou,
com a condição de que se a pedagoga chegasse na sala de planejamento nós
encerraríamos a entrevista. Aceitamos a condição e iniciamos a entrevista, ela
respondeu a entrevista de forma muito sucinta, se limitava a respostas curtas, algumas
vezes parecia não querer rememorar algum momento e preferia dizer que “não lembro”.
O vínculo dela é temporário e está há pouco tempo na educação especial. Esteve por
cinco anos como professora regente em um outro CMEI do município. A entrevista teve
alguns dados importantes, consideramos que mesmo sob essas condições, valeu à pena
106
ter insistido. Ametista, ao final da gravação estava mais à vontade e veio justificar uma
das respostas em que não dera muita atenção, quando solicitamos a continuidade das
gravações ela encerrou a sua fala. Ao final ela desculpou-se pela falta de tempo e
demonstrou constrangimento pela pedagoga não ter retornado. A entrevista durou
apenas quinze minutos. Ao final nos despedimos e anotamos os dados comentados por
ela.
entendimento, e nos ajudou a saber como era organizado e realizado o seu trabalho na
instituição. Ela demonstrou gostar bastante de estar como professora na instituição. Esse
CMEI não possui uma SRM, o atendimento no contraturno é feito numa sala de
educação especial montada pela própria Seme/Vitória. Esse é o segundo ano da
professora na instituição, seu vínculo não é efetivo. No CMEI LCS só pudemos
entrevistar Ágata, a outra professora estava de licença médica. Ao final da entrevista a
pedagoga levou nossa autorização para o diretor e ele assinou. A entrevista durou 42
minutos.
O outro CMEI visitado foi o RMF, nosso contato foi com a assistente administrativa do
turno da tarde que trabalha na secretaria. Esse CMEI teve a especificidade de estar sem
diretor nessa época, a secretária disse então que não poderia nos autorizar, pois estavam
sem diretor, solicitei a ela que perguntasse quem estava respondendo por ele em sua
ausência, ela então solicitou a pedagoga que nos autorizou a realizar a pesquisa na
Instituição. Como a professora estava com o horário comprometido, ela pediu que eu
deixasse meu número telefônico para que a professora do turno me desse o retorno.
Ligamos no outro turno, o matutino, e falamos com outra secretária que no mesmo
momento foi até a professora de educação especial do turno matutino e marcou a
entrevista.
Cheguei ao CMEI LCS no turno matutino, no horário previsto e fui encaminhada pela
secretária à SRM, local onde estava Cristal, professora do turno matutino. Cristal foi
muito receptiva, assim que chegamos ela guardava alguns brinquedos utilizados no
atendimento que havia acabado um pouco antes de chegarmos. Nos juntamos à ela e
juntas organizamos a sala. Assim que acabamos de arrumar, sentamos à mesa e ela fez
diversas perguntas sobre o mestrado, as etapas para adentrar no curso. Expliquei cada
etapa, o que nós fazíamos enquanto estudantes de pós-graduação e incentivamo-la a
tentar a próxima seleção. A partir de então começamos a entrevista. Cristal é professora
com vínculo temporário no município e esse é seu segundo ano na instituição. Ela
108
Assim, esperamos até as 13 horas, quando a professora Esmeralda chegou. Ela, muito
simpática e empolgada com a nossa presença, mostrou-se também, interessada em saber
sobre o curso de mestrado da nossa instituição. Explicamos as etapas do processo,
depois explicamos nossa pesquisa e então iniciamos a entrevista. Esmeralda narra suas
vivências de forma bem clara, demonstrou muito interesse teórico, no entanto, suas
principais referências são ainda da sua primeira graduação que foi em Letras. Em alguns
momentos ela confunde as teorias, mas aparenta um conhecimento prévio de algumas
correntes filosóficas, a professora declarou que não segue nenhuma corrente teórica,
prefere seguir um pouco que sabe das várias que teve contato, não muito aprofundado,
como declarado por ela. Esse é seu primeiro ano na educação infantil e na educação
especial. Tem gostado bastante da experiência. Seu vínculo com o município é
temporário. Demonstrou muito interesse em colaborar e buscar novos conhecimentos. A
entrevista durou 45 minutos. Na ausência do diretor, solicitamos que a pedagoga, que é
quem estava respondendo por ele, assinasse o termo de permissão para a entrevista.
Apesar dela ter assinado ao final, ela já estava ciente de nossa presença e já havia
autorizado a pesquisa no CMEI.
109
A próxima instituição que realizamos entrevista foi o CMEI VCP, esse foi, sem dúvida
o CMEI que tivemos mais dificuldades de comunicação. O telefone não atendia,
ligamos por semanas, não conseguíamos contato em nenhum dos turnos. Em uma das
vezes conseguimos falar com a secretária da instituição, que nos indicou o e-mail do
CMEI para que fizéssemos o contato direto com o diretor. Enviamos, portanto, um e-
mail explicativo contendo as informações, mas também não obtivemos retorno. Diante
da dificuldade, entramos em contato com a Seme/Vitória que nos passou o contato
institucional do diretor. De posse desse contato, ligamos para ele, explicamos nossa
situação e ele confessou ter lido o nosso e-mail e não ter tido tempo de responder. No
mesmo instante autorizou nossa ida à instituição e disse não ser necessário marcar um
horário para a entrevista. Disse que caso não estivesse no CMEI, e houvesse qualquer
negativa por parte do corpo docente, era só retornar à ligação para que ele explicasse a
autorização.
Assim, no dia 29 de junho de 2016 fomos até o CMEI VCP, quem nos recebeu foi o
guarda que nos encaminhou para as pedagogas, elas inicialmente nos confundiram com
novas estagiárias e assim nos apresentou a professora de educação especial, Rubi. Nesse
momento desfizemos o mal-entendido e pudemos explicar o que de fato fazíamos na
instituição. A professora no momento estava sentada ao computador da SRM
implantada pelo MEC, cabe destaque a excelente estrutura física da sala, a maior e bem
mais equipada das que visitamos. A professora questionou o fato de não termos
marcado e então explicamos que foi uma instrução do diretor da instituição. Em seguida
ela nos perguntou se poderíamos voltar outro dia, nós respondemos que sim, no entanto
ela ficou compadecida pela distância que havíamos nos deslocado para a realização da
entrevista e disse que cederia um tempo, ainda assim, um pouco chateada por ter de
interromper suas atividades. Ficamos constrangidas com a situação, porém, esperamos a
finalização das atividades que ela realizava.
Depois de esperarmos sentadas à mesa por quase 30 minutos, a professora veio ao nosso
encontro e justificou a espera. Nos desculpamos pela interferência, mas nesse momento
ela não mais demonstrava incômodo pela nossa presença. Assim como Cristal e
Esmeralda, Rubi também quis saber como era o processo de seleção para o mestrado,
também explicamos todo o processo e indicamos que ela tentasse na próxima
oportunidade. Após a explicação, nós falamos sobre a pesquisa que estávamos
110
A última instituição que fizemos entrevista foi o CMEI LNS, esse CMEI fizemos o
contato telefônico com a pedagoga do turno matutino, explicamos nosso trabalho e ela,
por sua vez, passou nosso contato para a professora de educação especial. Essa
professora nos retornou e indicou o melhor horário para que fôssemos realizar a
entrevista. Assim, no dia 30 de junho de 2016, realizamos nossa última entrevista com a
professora Turmalina. Fomos recebidas por ela, que foi até o portão nos receber e nos
encaminhou para a SRM implantada pelo MEC na instituição, local onde aconteceu a
entrevista. Essa professora, está no CMEI LNS há pouco tempo, é uma professora com
ampla experiência, já trabalhou por muito tempo em instituição especializada e vincula
o seu trabalho no CMEI ao desenvolvido nesse outro espaço. É uma professora muito
comprometida, dedicada às crianças que atende, domina o seu espaço. Teve algumas
dificuldades de compreensão, principalmente quando tratávamos dos conhecimentos e
concepções, mas nada que comprometesse a nossa entrevista. É, assim como as demais
professoras entrevistadas, professora temporária no município. A entrevista durou 45
minutos. Ao final ela nos encaminhou à outra professora que realiza o trabalho com as
crianças com deficiência intelectual no turno vespertino, apresentou-nos de forma
simpática de modo que a professora aceitasse, naquele momento, participar da
entrevista, mesmo que, como relatado acima, ela tenha desistido posteriormente. Após
esse momento, fomos até a sala da diretora, muito receptiva, solicitando que assinasse o
111
termo de autorização. Assim, como nas demais instituições de educação infantil que
visitamos, a diretora sabia de nossa presença mas solicitou que passássemos na saída
para coletar a sua assinatura.
Para a organização e análise dos dados, utilizaremos o método de Marx, que deu
condições para a produção e desenvolvimento do materialismo histórico-dialético. De
acordo com Netto (2011), para Marx, o papel do sujeito que pesquisa é essencialmente
ativo, no entanto, é necessário que ele vá além da aparência dada do objeto, investindo
no conhecimento da essência, da estrutura e da dinâmica, pois esses elementos nos
ajudam a compreender o produto a partir de um processo. Desse modo, o pesquisador
deve ser capaz de “mobiliar o máximo de conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve
ser dotado de criatividade e imaginação” (NETTO, 2011, p. 25). Partiremos de análises
de entrevistas concretas produzidas a partir da entrevista semiestruturada (APÊNDICE
C).
Os eixos temáticos foram definidos a partir dos nossos objetivos, discutimos neles,
respectivamente: conhecimentos, concepções e práticas. No entanto, a partir dos dados
produzidos, percebemos o surgimento de uma categoria, sendo ela “Formação do
Professor”. Diante disso, vimos a necessidade de discutir a formação do professor no
contexto municipal, surgiram dados que, ao nosso ponto de vista, iriam contribuir na
discussão e responder aos nossos objetivos. Portanto, definimos ao fim três eixos
temáticos e uma categoria de discussão para análise dos dados. A análise dos dados teve
112
Para tanto, destacamos como eixo temático para análise análises três pontos: 1) Os
conhecimentos dos professores de educação especial: marcas do seu processo formativo
ou vestígios da sua prática docente? 2) Concepções dos professores de educação
especial: Problematizações sobre deficiência intelectual, diagnóstico e laudo. 3) Práticas
pedagógicas dos professores de educação especial: uma análise do atendimento
educacional especializado. Por fim, destacamos a categoria surgida durante o
movimento da pesquisa, trazida no quarto momento, sendo ela: 4) A formação dos
professores de educação especial: Aproximações com os conhecimentos, concepções e
práticas pedagógicas. Os três primeiros foram escolhidos a partir da proposta inicial que
nos despojamos a realizar, a quarta surge como uma categoria de análise a partir dos
dados que produzimos nas entrevistas.
Por fim, utilizamos a categoria “formação” que perpassa e problematiza com mais
profundidade os eixos temáticos já apresentados e que demanda um aprofundamento
maior, merecendo a posição de categoria. Ela surgiu a partir da organização das nossas
questões levantadas junto aos professores. Com isso, temos condições de avaliar a
vigência do modelo médico-psicológico na educação especial, especialmente, a partir
dos conhecimentos, concepções e práticas dos professores de educação especial que
atuam na educação infantil.
A escolha desse eixo temático está diretamente ligado ao nosso primeiro objetivo
específico, que tem o intuito de analisar conhecimentos de professores de educação
especial oriundos dos processos formativos e da prática docente com crianças indicadas
à educação especial na faixa etária de zero a cinco anos de idade. Consideramos,
portanto, que ao nos dedicarmos a esse eixo temático temos acesso às bases teóricas que
fundamentam as ações desenvolvidas pelos professores de educação especial nas
instituições de educação infantil em que trabalham.
Nossa base teórica, compreende a ação crítica do professor como um elemento básico,
afinal, o ato de educar é político, o sujeito que ensina tem de ter base teórica que
sustente o que faz e também o que fala. Assim, os conhecimentos aqui considerados,
serão os acadêmicos e os práticos que emergem a partir do trabalho. No entanto, é
importante frisar que esse conhecimento prático não se distancia do conhecimento
115
A primeira questão que nós organizamos tratava da formação teórica desses sujeitos.
Elaboramos uma questão em nosso roteiro de entrevistas que solicitava aos professores
que nos contassem sobre quais conhecimentos foram estudados no processo formativo
(inicial e continuado), e os teóricos que deram bases para tais conhecimentos, com
intuito de saber quais desses que embasam as suas práticas com as crianças atendidas
por eles.
Na análise dos dados, vimos que dos dez professores que foram entrevistados, oito
fizeram a formação inicial no curso de pedagogia e outras duas em outras licenciaturas
(uma em história e a outra em letras). Eles todos possuem pós-graduação em educação
especial e/ou educação inclusiva e atuam nas salas de recursos multifuncionais em
instituições de educação infantil. Todos atendem crianças com deficiência intelectual
(era um pré-requisito para a delimitação dos sujeitos). Muitos professores disseram que
participam de formação continuada oferecida pelo município de Vitória, a maioria delas
acontece em horário de trabalho o que os condiciona a participarem. Os professores
discorreram que esse processo é importante para seu trabalho.
Âmbar: Então, menina, do meu TCC eu estou tentando lembrar um, mas faz
tempo. Tem um que eu gosto muito dele... Mas esqueci. Eu lembro de
alguns... ah... não estou lembrando não.
Pesquisadora: [Seria] Vigotski ou Piaget?
Âmbar: Ah...esses são da educação infantil, mas o que eu quero falar dele,
que é da área mesmo, eu não lembro. [...] A gente acaba deixando as teorias e
ficando só na prática. Vocês sabem disso [...]. Eu também já fui estudante
[remetendo-se à pesquisadora], aí eu ficava muito na teoria, aí você passa pra
prática e fala assim: “poxa, porque fulano falava isso e aquilo, mas na
verdade não é isso. Às vezes você anda junto, às vezes separado”
(TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA DE ÂMBAR, 22/06/2016).
116
É importante destacar que tanto a teoria como prática são elementos de constituição
humana. Saviani (2014) nos fala de formação humana a partir do trabalho que o homem
exerce na natureza, adaptando essa natureza às suas necessidades. E nessa adaptação ele
vai se desenvolvendo. Porém, toda ação é uma ação atribuída de conhecimento prévio
sobre o mundo que vai ser modificado, há uma ciência que diz respeito ao conjunto de
conhecimentos da sociedade. Ter conhecimento dessa ciência que embasa a prática é
premissa para um desenvolvimento humano crítico.
Outro ponto que nos deixou inquietas, e que faz parte de um saber docente nos
processos de formação, quer seja ele inicial ou continuada, é o conhecimento do
processo de desenvolvimento da criança. É importante destacar que o processo de
desenvolvimento de uma criança com deficiência é igual ao processo de
desenvolvimento de qualquer criança, o que diferença são as condições as quais ela está
inserida e que a atravessa (VIGOTSKI, 2012).
Saviani (2013, p.70), diz que “uma das limitações da contribuição da psicologia à
educação está no fato de que a psicologia tem tratado principalmente do indivíduo
empírico, não concreto57”. Portanto, “o professor não pode fazer um corte, o aluno está
diante dele, vivo, inteiro, concreto. É em relação a este aluno que ele tem que agir”
(idem, p.71).
Portanto, saber se o sujeito tem síndrome, é surdo, tem deficiência intelectual e etc. não
vai, efetivamente, auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, ao contrário, vai
fragmentar um todo que o aluno representa. Por fim, esse se configura como um saber
técnico, remete-nos à ideia de “professor profissional58”.
56
Essa vertente diz respeito à psicologia que compreende o desenvolvimento a partir de aspectos
estruturais genéticos, a partir dos estágios, ou seja, da fragmentação biológica, nomeada de Teoria
Cognitiva. Teoria desenvolvida por Jean Piaget, foi a que sustentou ideologicamente os movimentos
escolanovista e construtivista amplamente difundidos na educação brasileira.
57
Saviani utiliza o conceito de concreto a partir do conceito definido por Marx, que determina como
“síntese de múltiplas definições, por conseguinte, em nossos escritos também utilizamos.
58
Segundo Facci (2008) o conceito de profissionalização está ligado à ideia de competência, na qual o
trabalhador deve ter um conhecimento mais genérico e mais amplo, de modo que tenha condições de se
adaptar a diferentes tarefas num campo de atuação mais amplo. Essa compreensão remete à formação do
professor de educação especial. Quando valorizada a apropriação de conteúdos específicos, como
exemplo: “síndrome de Down”, compreende-se que ele, de posse das características dessa síndrome,
possa atuar com sujeitos com síndrome de Down desde a educação infantil até o ensino médio. Trazendo
uma falsa sensação de conhecimento, afinal, os pressupostos teóricos que dizem respeito à sua área do
conhecimento, foram desbaratados.
119
Uma das teóricas que todo mundo fala, que a gente estuda bastante, uma
delas é a Maria Tereza Mantoan, muito estudada. [...] Mas a Mantoan
principalmente (ÔNIX, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 22/06/16).
Diante da resposta dada pelo professor, tive curiosidade de saber mais se ele tinha
conhecimento aprofundado sobre a autora, uma vez que toma o seu trabalho como
referencial, portanto, continuamos o diálogo
Assim que perguntado, o professor citou Mantoan como principal referencial teórico em
que ele se apoia, no entanto, ao questioná-lo sobre os principais teóricos que produzem
teoria e dão base para os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores da área, como é o
caso de Mantoan, ele apontou que utiliza como apoio Vigotski. Diante desse fato,
pensamos em duas possibilidades para a junção de teorias tão distintas. O primeiro
talvez seja o fato dele não saber que Mantoan apoia seus estudos na teoria piagetiana,
que segue caminho contrário ao da teoria histórico-cultural desenvolvida por Vigotski e
seus colaboradores. O segundo é a possibilidade dele aceitar as duas teorias como base,
numa tentativa de associar os trabalhos desenvolvidos.
realidade educacional. Ao nos deparamos com essa situação, nos remetemos aos estudos
de Vigotski. Quando em meio a elaboração da teoria histórico-cultural, ele criticava a
psicologia marxista, que estava em processo de construção na época, por acreditar que
esta se constituía a partir de fragmentos sem coerência, segundo Tuleski (2008)
Portanto, vimos que o ecletismo teórico não era bem visto por Vigotski, pensamos que
“beber da água” de diferentes teorias para explicar, ou dar base para a prática, não
contribui, pelo contrário, acaba por eliminar as diferenças e contradições que expressam
as contradições da realidade, culminando num amontoado de ideias sem fundamento,
afastando-se da realidade concreta.
Ao relatar seu processo formativo, a professora Cristal dá muita ênfase ao trabalho que
desenvolveu na instituição especializada.
Podemos perceber que o início da docência, suas primeiras experiências, e o que deu
incentivo para entrar na área da educação especial, foi a vivência no espaço
59
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
121
especializado. Percebemos também, que a ênfase que ela deu ao trabalho é tamanha, que
abarca e justifica o lugar onde ela apreendeu o conhecimento necessário para atuar na
educação especial. Ela cita ao final que a bagagem que ela teve foi enorme, mas o que
ela aprendeu na faculdade e na pós-graduação já havia esquecido.
Facci (2008), ao analisar esse contexto de formação na prática, com base em Pimenta,
nos diz que
Para tanto, a autora ainda completa considerando a teoria com uma importância
fundamental na formação dos professores, pois dá condições a eles de compreenderem
os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e também os próprios do
lugar onde se inserem como profissionais da educação. Dialogando com Matos, Marx e
Engels, Facci (2008, p. 66) infere que “a reflexão se desenvolve no diálogo travado
entre o ser humano e o seu mundo” (p.66), na medida em que “a individualidade do ser
humano se processa no meio social” (FACCI, 2008, p.66). A reflexão, portanto, é uma
habilidade especificamente humana que emerge, no entanto, dos encontros de
“múltiplas e diferenciadas relações” (FACCI, 2008, p.66). Portanto, não reduz-se ao
limitado vivido.
122
Acreditamos que esse processo de reflexão, na qual prática não se desassocia da teoria,
é fundamental. No excerto de Safira, podemos exemplificar:
No entanto, já discutimos essa questão anteriormente, seguimos agora para outro ponto
que nos propusemos, a influência psicológica. No entanto, é importante frisar os
conhecimentos necessários apontados pelas autoras, são conhecimentos que dizem
respeito ao desenvolvimento e humanização, não a sua classificação.
Por fim, é importante esclarecer que não entendemos o professor como responsável pelo
conhecimento fragmentado, pela crença dicotômica a partir da teoria e da prática e os
outros pontos já levantados. Tudo que apresentamos diz respeito a um contexto de
organização social, então não intentamos responsabilizar o professor por não possuir
conhecimentos teóricos necessários para a realização de um trabalho emancipatório e
coerente para a sua constituição e a do outro.
A seleção do conhecimento não é uma escolha, mas sim, uma imposição social, no caso
da formação em nível de graduação e pós-graduação é importante que eles sejam
organizados de modo a oferecer subsídios teóricos para que esses profissionais não se
encerrem na prática docente, mas que vejam nela possibilidades de transformação a
partir de conhecimentos teóricos já produzidos.
124
À vista disso, em nosso roteiro elaboramos uma pergunta, que ao nosso ver, seria
fundamental para que pudéssemos atingir o objetivo de saber da vigência ou não do
modelo médico-psicológico, a pergunta em questão era: Qual é a sua concepção de
deficiência? Ela é direta e compunha um agrupado de perguntas sobre concepções.
Antes de iniciar as entrevistas, apesar de sabermos que ela seria fundamental para
elucidação da nossa problemática, não sabíamos que ela geraria tanta insegurança por
parte dos professores, essa foi, sem dúvida, a questão mais complicada, todos os dez
professores entrevistados titubearam antes de respondê-la.
Pletsch (2014), nos diz que é difícil conceituar a deficiência intelectual60, e essa
dificuldade fez com que diversas áreas lançassem olhares distintos a conceituação,
como: a educação, a psicologia, a neurologia, a sociologia e a antropologia. Tal
60
A autora utiliza-se da terminologia “mental”.
125
Ah... é até difícil falar, eu não vejo meus alunos com deficiências, eu vejo
com limitações, entendeu? (CRISTAL, TRANSCRIÇÃO DA
ENTREVISTA, 27/06/2016).
61
Segundo Plestch (2014) idiotia (século XIX), debilidade mental (com níveis leve, moderado, severo e
profundo) e déficit intelectual/cognitivo (final do século XX). Deficiente mental (1939).
126
A inclusão é uma coisa nova para nós, quando falo de deficiência estamos
falando de limitação (SAFIRA, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA,
23/06/16).
Vigotski (2012) quando trata da deficiência primária e secundária, é bem claro ao inferir
que a ênfase da limitação da deficiência não é biológica, mas social. Não negamos,
absolutamente, a influência biológica no processo de desenvolvimento. Pino (2005, p.
52), nos diz que a corrente histórico-cultural da psicologia é uma exceção nessa área do
saber, primeiro porque põe a cultura no “coração” da análise, e segundo, “sobretudo
porque faz dela “matéria-prima” do desenvolvimento humano” por essa razão
denomina-se “desenvolvimento cultural”, que é concebido “como um processo de
transformação de um ser biológico num ser social” (PINO, 2005, p. 52).
Desse modo, as condições sociais é quem vão oportunizar ou não ao sujeito o seu
desenvolvimento. No caso dos professores que compõem o social na vida dessas
crianças, já é lançado à elas o olhar socialmente limitado, a criança encerra-se nessa
característica patológica.
[...] abordam essa limitação humana nessa tessitura, com o cuidado de não
reduzi-la em seu entendimento. Quanto ao Atendimento Educacional
127
A marca psicológica62 é forte nesse documento, dado evidente, pois utiliza-se dos
pressupostos de Freud e Lacan para sustentar suas concepções, notamos também, que
para além de uma contribuição do processo de inclusão da pessoa com deficiência
mental63, dão ênfase a explicação da deficiência como limitação, tirando o foco da
educação. Borowsky (2010, p.78), em relação à essa influência da psicologia, afirma
que “[...] com o embasamento da psicologia, há nos documentos uma centralidade na
limitação da educação na própria criança. Ao mesmo tempo, remete a ela a
responsabilidade de sair desta”.
Concordamos com Barreto (2009, p. 111) quando ela nos indica que “Busco ver no
defeito, na deficiência, na diferença, não um limite, mas sim, uma grande oportunidade
de aprender e de ensinar, de ser diferente da normalidade”. Ademais, tais possibilidades
não estão distantes do contexto da educação infantil do município de Vitória, apontamos
adiante duas concepções, que a partir de nossa base teórica, se mostram como
indicativos de uma possível resistência ao modelo médico-psicológico, são elas
É...é uma pergunta que te pega [...] A gente tende a ver, numa concepção
tradicional, como uma pessoa incapaz, essa é a primeira ideia que vem
quando fala “ah...aquela criança, ou aluno tem uma deficiência física, mental,
visual ou auditiva. A tendência é ver como um incapacitado, é uma visão que
infelizmente ainda está forte na sociedade, mas eu, obviamente, como um
profissional da área, tento sair dessa concepção e ver como uma pessoa que
faz parte de um grupo e está inserido num contexto e que a deficiência não
está só na pessoa, está na gente, na forma de como enxerga essa pessoa e
convive com ela no mundo. Nosso papel é chegar até essa pessoa e diminuir
essa distância dela com o mundo (ÔNIX, TRANSCRIÇÃO DA
ENTREVISTA, 21/06/2016).
E também,
Eu penso que deficiência é quando a gente não consegue.... Vou te dar um
exemplo: o que seria deficiência intelectual na minha cabeça? Uma criança
que não consegue externalizar o raciocínio de forma da mesma forma que a
grande massa consegue, e aí ela é caracterizada com alguma deficiência, mas
62
Em relação a marca psicológica, em nosso trabalho também adotamos a psicologia histórico-cultural,
entretanto, epistemologicamente ela se difere da abordagem psicanalítica de Freud, uma vez que, pautada
no materialismo histórico-dialético, a psicologia histórico-cultural concebe a constituição humana como
produto social, as intra-subjetividades são formadas pelo meio cultural. Diferente da abordagem freudiana
que busca na introspecção as explicações humanas, ou seja, a partir de um movimento contrário.
63
Terminologia adotada no documento.
128
Outro eixo que nos dedicamos a pesquisar dentro das concepções, foi o laudo médico,
tínhamos o interesse de saber qual era a postura e influência desse documento no
contexto da educação. Qual era o peso desse documento que sintetiza em categorias as
características biológicas e comportamentais dentro de um diagnóstico. Em consonância
com as concepções de deficiência, o laudo mostrou-se como, segundo a concepção dos
professores, um elemento central para a realização do trabalho deles com as crianças.
Através do laudo, você vai ter um estudo de caso, na verdade o que pauta a
educação especial, cada uma tem a sua especificidade da criança, de acordo
com as suas características. Tem várias síndromes que desconhecemos. O
laudo faz a diferença no meu trabalho, preciso saber as restrições, a sua
Síndrome [...] (TRANSCRIÇÃO DA AMETISTA, ENTREVISTA,
27/06/16).
Vimos, a partir dos dados, que o laudo possui características como: “norte”,
“primordial” e “pauta a educação especial”. Tais característica associam o laudo ao
atendimento educacional especializado. A vinculação é um dado que mostra a
dependência do parecer médico sobre o biológico para o trabalho docente. O laudo
reforça a influência médica no trabalho docente a ponto de, conforme o laudo recebido,
limitar a criança a atividades concretas, Vigotski (2012, p.151) diz que “a criança com
deficiência chega com dificuldade ao pensamento abstrato, a escola deve desenvolver
esta capacidade por todos os meios possíveis”. Ele ainda acrescenta que “o objetivo da
escola, no final das contas, não consiste em adaptar-se à deficiência, mas em superá-
la”(VIGOTSKI, 2012, p.151).
O trecho sobreposto diz respeito as expectativas que a professora atribui ao laudo, ele
além de indicar o trabalho, orienta a criança, e mais, a partir dele ela vai observar e
pautar o seu trabalho. No recorte que vem seguir, a professora justifica a necessidade
dele.
Não acho que ele vem para tachar, rotular, a importância do laudo é para
oportunizar. A preocupação dos pais é para o filho não ficar taxado. O aluno
hoje tem direito ao AEE no contraturno e por mim no turno regular, além de
ser atendido por outras instituições. O laudo veio para oportunizar outros
atendimentos. (SAFIRA, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 23/06/2016).
Entretanto, se o laudo vem para “oportunizar os conhecimentos”, por que é que se parte
“das dificuldades” das crianças? Tendo a possibilidade, segundo orientação nacional, de
não exigir o laudo para o atendimento, por que é que se exige? De onde vem essa
exigência?
O laudo vem para fazer essa triagem, e para se ter critério para o
atendimento. Estabelecer um critério, de quem é essa criança, ele vem nessa
necessidade, eu acho. [...] vem ajudar nesse sentido, então tem a necessidade.
[...][As orientações traçadas no laudo, sobre as estruturas biológicas da
criança] são importantes sim, a gente tem que conhecer essa criança, e eu
sempre procuro buscar mais informação sobre uma determinada, como no
caso da síndrome, eu gosto de buscar outras informações, me ajuda, não é o
determinante do meu trabalho, mas ajuda a gente a se situar e a preparar um
plano de trabalho para uma determinada criança. Não é determinante, mas
ajuda (ÔNIX, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 21/06/2016).
[...] o laudo não é tão importante, apesar das escolas pedirem o laudo, mas aí
em contrapartida, não sei se seria um laudo, mas diante do que a gente
observa, como é que eu posso também estar trabalhando com essa criança?
Porque às vezes eu posso estar trabalhando com alguma criança que tem uma
limitação e aí se alguém, talvez um médico com esse olhar clínico, me diz que
há uma possibilidade de avançar nesse campo, sei que eles vão estar
entrando na área da pedagogia, na questão da educação. Mas acho que
complementa, pra mim (JADE, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA,
24/06/2016).
Eu acho [o laudo] importante, tem muita gente que diz que só vai atender a
criança mediante ao laudo, não, eu não atendo mediante a laudo, eu atendo
mediante as necessidades da criança. Só que o laudo é importante porque
você vai conseguir trabalhar melhor [...] lendo sobre, pesquisando qual as
dificuldades, qual o desenvolvimento que ele vai ter, a partir de qual prática
você vai fazer, as características de cada criança, até que ponto você pode ir
com eles (CRISTAL, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 29/06/2016).
Diante de tantas atribuições do laudo médico, muitas questões emergem, são elas: e as
crianças que são diagnosticadas? O que acontece com essas crianças? Quem são elas
antes e quem são depois do laudo? Angelucci (2014) contribui na discussão quando nos
problematiza a naturalidade de fixarmos um olhar biológico e partir dele para explicar
quem o sujeito é em todas as suas expressões
Esse olhar, como vimos, já começa nos primeiros anos de escolarização da criança, essa
pertença ao espaço inclusivo dentro do contexto escolar as tem submetido a um olhar
medicalizante, um olhar para a cura, um olhar para endireitar, que busca as causas para
depois saná-las.
No entanto, não estamos levantando essas questões com o intuito de “demonizar” como
fala Angelucci (2014), a área médica e os conhecimentos por eles desenvolvidos. Há
diferença entre um olhar médico e os estudos produzidos pela medicina “[...] não se
trata de demonizar tais estudos: eles apenas revelam o quanto, no campo das diferenças
funcionais, ainda temos dificuldade de trabalhar com lógicas de pensamento que já
aprendemos a utilizar em outros âmbitos das diferenças humanas” (ANGELUCCI,
2014, p.120). Ou seja, é delicado levantar a crítica porque ela já está arraigada em nossa
cultura. Em algum momento pode soar ofensivo, ou até como uma tentativa de
desqualificar o conhecimento da medicina, no entanto, é importante deixarmos claro
que a intenção é o fortalecimento educacional, a tentativa de lançar um olhar
pedagógico, social, acreditamos que os estudos de cunho social dão mais possibilidades
humanas, uma vez que não encerram o sujeito em si.
Pino (2005), nos diz que a constituição da criança como ser humano é dependente do
outro, e é um processo de conversão de um sujeito natural em cultural, um sujeito que
nasce num contexto específico, e que convivendo de acordo com a organização das
pessoas quem compõem o contexto, irá se constituir como um ser social, através da
atividade mediadora desses sujeitos. Esse é o processo de humanização.
134
O laudo, por sua vez, exerce um papel contrário, ele é produto de características
biológicas e assume socialmente o papel de orientação das possibilidades e capacidades
da criança. Nesse ponto de vista, ele exerce nesse momento um papel “desumanizador”.
Nesse caso, o maior problema não é a existência do laudo, mas sim, a forma como ele
tem se estabelecido, e a influência que ele tem exercido no contexto da educação
infantil. Ele aparece para “garantir” e “oportunizar”, no entanto, ele legitima a condição
de deficiente da criança, para que a partir da legitimidade da sua deficiência, tenha
acesso aos seus direitos.
Nesse contexto, nós pudemos perceber que toda a constituição histórica da educação
especial sob a égide da medicina deu uma autoridade a esse campo, submetendo, ainda
hoje, as concepções do professor de educação especial aos pressupostos biológicos
estabelecidos como critério de seleção humana. Se a medicina historicamente teve a sua
formação pautada em problemas64, a educação, segundo nossa perspectiva teórica,
precisa de um olhar de vanguarda. Nossa formação deve estar calcada nas
possibilidades, Vigotski (2012), como já foi dito, infere que nenhuma teoria é possível
quando parte de pressupostos negativos. Partir de limitações é, portanto, mais uma
forma de exclusão.
De acordo com Cury (2000), a tensão do que é e do que ainda não é, é o que vai
possibilitar o surgimento do novo. Então, compreendemos que a discussão dessas
relações antagônicas como fundamental, para a possibilidade de uma realidade
inclusiva. Não consideramos, em absoluto, a vinculação do laudo ao atendimento
educacional especializado um procedimento salutar à criança. Por isso, a partir da
realidade exposta, nos posicionamos no sentido de desvelar as estruturas dessa
constituição, a fim de contribuir no jogo de forças para a possibilidade da
“desestigmatização” e a priorização social da inclusão da criança com deficiência. Desta
maneira, considerando a criança com deficiência uma criança com infinitas
possibilidades.
64
Veiga (2015) reuniu pesquisas sobre a estruturação e organização do currículo e da docência do curso
de medicina. O texto aponta um modelo conservador, fundamentado em ação técnica. Ela aponta, a partir
do seu estudo, que esse modelo vem perdendo a credibilidade que tinha. No entanto, mudar essa condição
não é tarefa fácil, uma vez que, estão historicamente dominados pelo pensamento “conservador,
reducionista e transmissivo”. Sob essa estruturação foram formados os médicos de nossa sociedade, ela
não caminha com as demandas sociais e urge por uma nova estruturação curricular.
136
[...] [integrada]
a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da
família para garantir pleno acesso e participação dos estudantes, atender às
necessidades específicas das pessoas público-alvo da educação especial, e ser
realizado em articulação com as demais políticas públicas (BRASIL, 2011,
p.1)
Analisamos o decreto e vimos que ele tem privilegiado que o atendimento educacional
especializado deva acontecer na SRM. Sabemos que, o Estado tem garantido a dupla
matrícula da criança com deficiência, dando subsídios financeiros para o atendimento
no contraturno. Baptista (2012), ao analisar as legislações que orientam o atendimento
educacional especializado, aponta que é empobrecedor limitarmos esse atendimento
somente à SRM, ele acredita que o conjunto amplo de possibilidades não se resume a
SRM.
No caso de Jade, ela faz distinção entre AEE e apoio em sala de atividades. Porém, nos
perguntamos, para que é que serve o atendimento educacional especializado? Esse apoio
não se configura como um atendimento educacional especializado também?
Acreditamos que sim. Percebemos pela fala da professora de educação especial que a
presença dela em sala de atividades junto com a professora regular e a estagiária,
colaborou para que observassem que a criança, ainda que não quisesse utilizar-se do
papel, poderia realizar registros, foi por essa via que elas trabalharam e conseguiram
fazer a criança se adaptar ao uso de registro de papel.
Essa condição nos leva pensar a seguinte questão: Será que sem a atuação da professora
de educação especial na sala de atividades a professora, em meio ao grupo, conseguiria
fazer essa observação? Ao nosso ver poderia, mas, seria muito mais complicado. Uma
professora de educação especial, com o olhar direcionado para as questões inclusivas,
dentro de sala oferece um suporte maior e favorece esse movimento.
Baptista (2012) diz que é importante a presença do professor de educação especial para
a garantia de percursos escolares satisfatórios para as pessoas com deficiência, porém, é
importante que ele esteja articulado e em conexão com o professor da sala regular.
Nesse caso, vimos a professora de educação especial trabalhando junto com a
professora de sala regular no intuito de fazer a criança avançar, oportunizando
possibilidades. Mas pensamos, será que se fosse na SRM a professora saberia,
realizando um atendimento individualizado, que a criança tinha essa especificidade?
Alguns professores relataram como é organizado esse atendimento na SRM, seguindo a
mesma compreensão da instituição da professora Jade, traremos a explicação dela a
respeito desse atendimento na SRM
O AEE já vai ser um trabalho diferenciado, já vai ser um trabalho que vai
complementar o trabalho na sala de aula no contraturno. Antes eu achava que
não, mas hoje eu penso que é um trabalho importante do atendimento no
contraturno, porque vem complementar esse trabalho de sala de aula através
de estímulos, porque está dentro daquele contexto ali com as crianças,
algumas coisas podem passar desapercebidas, não ter um olhar “essa criança
está precisando ser trabalhado isso” aí trabalha o contexto geral e já no
atendimento trabalha o específico. Porque eu estou aqui, o professor da
educação especial mais o professor de sala de aula, aí tem o planejamento... E
tem o AEE, então são duas coisas. Que pode acontecer no contraturno ou no
mesmo turno, aqui a gente não tem espaço para isso (JADE,
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 24/06/2016).
139
No caso da instituição de educação infantil que Jade trabalha, não há uma SRM
implantada pelo MEC, ou seja, as crianças que recebem o atendimento nesse espaço são
atendidas no contraturno em outra instituição próxima. Mas pensemos, se existe a
dificuldade de comunicação, entre um turno e outro, como fazer então essa articulação
professor regente com professor de educação especial que atua em outro CMEI? É
complicado, desarticulado e perde o sentido. Percebemos que em algumas entrevistas a
professoras tentavam, de alguma forma, pormenorizar ou dizer que a articulação
acontecia. No entanto, há uma questão que dificulta essa articulação entre esses dois
profissionais, sendo ela a carga horária de todos os profissionais que fazem o
atendimento educacional especializado, tanto efetivos quanto contratados estão sob
regime de vinte e cinco horas semanais na prefeitura, e quando estão com extensão de
carga horária ou com uma segunda cadeira, desenvolvem seu trabalho em outro CMEI.
Pesquisadora: Mas consegue fazer essa relação com o professor da sala dele
da manhã?
Âmbar: Não, não consigo não. É muito difícil. Posso ter com professor [da
educação especial do outro turno] que a gente deixa recadinho, o ÔNIX, no
caso, o especializado. Com ele eu deixo recado, no computador um
papelzinho avisando que está isso, está desenvolvendo. (ÂMBAR,
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 22/06/2016).
Não há, portanto, uma lacuna que oportunize o atendimento educacional especializado
no mesmo turno, afinal ele não é substitutivo. Essa desconfiguração do atendimento é
alijada do processo educacional, rompe com o ideário de educação inclusiva no qual
tentamos a base de muita luta instituir. É, sem dúvida, o caminho contrário. Essa
prática, embora seja negada veementemente por algumas professoras, é, infelizmente,
presente no contexto da educação infantil no município de Vitória.
Alguns professores disseram que em raros momentos fazem essa retirada da criança de
dentro da sala regular, quando relataram que há essa prática, disseram que é uma prática
pouco recorrente ou nunca realizada. Mas, a partir de outras observações durante a
entrevista, percebemos que as falas não acompanhavam as práticas contadas. Enquanto
conversávamos com a professora Safira sobre o atendimento, ela nos relatou que
O aluno do turno é atendido na sua sala, sendo interessante é que ele participe
com a turma dele na sala de aula, pois é o seu direito. A orientação da
Secretaria, e o que se diz sobre a inclusão é que o atendimento seja realizado
na sala de aula, com os colegas dele. O aluno da tarde, vem pela manhã para
realizar o atendimento é individualizado na SRM (SAFIRA,
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 23/06/2016).
Pesquisadora: Então você fica mais na sala do que aqui (na SRM)?
Âmbar: Fico, mais na sala, só fico aqui quando a criança tem necessidade de
trazer e tirar: ela está agitada? Eu tiro da sala. Está atrapalhando a turma? Eu
vou tirar. Tá chorando muito? Eu tiro para agradar, levo lá fora para ver as
plantas, entendeu? Dar uma volta na escola, reconhecer a escola, ver os
amigos, pra distrair, pra mudar aquele sentimento dele porque estava
chorando, chorando, querendo alguma coisa, atrapalhando a aula na sala. São
poucos momentos que eu tiro, muito poucos, tá? Só em necessidade mesmo
(ÂMBAR, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 22/06/2016).
Percebemos também que a SRM, em alguns momentos, tem sido utilizada para fins não
orientados nas Políticas Nacionais. Os documentos, como já citamos, orientam a
utilização da SRM no contraturno para, no caso da educação infantil, realização
complementar das atividades desenvolvidas para o grupo que a criança frequenta,
portanto são atividades previstas para ela e para o conjunto de crianças que com ela
frequentam a sala de atividades. Retirá-la, portanto, é alijá-la do processo educacional
142
da instituição. Baptista (2012), levanta a seguinte questão: “Não será a sala de recursos
o novo espaço de exclusão do aluno com deficiência? ” (p. 55). O autor indica que não,
pela organização operacional prevista para esse serviço.
Ainda em diálogo com o autor, ele nos diz que é importante olharmos para o passado
para não corrermos o risco de repetirmos as ações outrora desenvolvidas com as
crianças com deficiência indicadas à educação especial. Temos hoje, os resultados de
uma prática pedagógica segregadora, que por anos a fio não contribuiu para a inclusão
plena dessas crianças. Razões foram as mais diversas, principalmente na educação
infantil, que assim como a educação especial, esteve fora de evidência e com discussões
comprometidas até o final dos anos 1980, como pudemos ver. Vencer práticas
assistencialistas, segregadoras, profissionais com formação fragilizada e tantos outros
desafios, não foi e nem será tarefa fácil, mas, continuar discutindo essas questões e
desvelar a realidade educacional dessas crianças é sim, ao nosso ver, um elemento que
corrobora o avanço da inclusão desses sujeitos.
No entanto, voltamos a falar sobre um elemento que apareceu numa fala de um dos
professores entrevistados e que achamos ser muito importante para a problematização,
afinal, esse elemento apareceu em quase todas as entrevistas. Quando falávamos sobre
as práticas desenvolvidas pelos professores de educação especial, apareceram em
algumas citações a estimulação precoce como um elemento importante, e uma prática
realizada, tanto na SRM, quanto na sala de atividades. Vejamos
65
Nome fictício
144
trabalho então que pensa no adiantamento das atividades por ela desenvolvidas. Seria
esse o melhor caminho para o trabalho com as crianças com deficiência?
Tunes (1997) realizou uma pesquisa com professoras de educação especial, ainda na
década de 1990, ela apontou que as professoras explicavam a deficiência a partir de
questões biológicas das crianças. Indicaram também que nos casos de crianças que não
se desenvolviam como esperado, elas relacionavam estimulação precoce mal
desenvolvida. Costa (2011) ao fazer um levantamento sobre as concepções sobre
estimulação precoce, indicou que historicamente a estimulação precoce desenvolveu-se
sob bases patológicas
Logo que percebemos que a estimulação precoce era uma prática presente em nossas
entrevistas, buscamos por artigos científicos que tratassem da temática, no entanto,
encontramos poucos que problematizassem essa questão. Primeiro porque a maioria dos
trabalhos produzidos partem da área da saúde, segundo porque os que são produzidos
pela educação, em sua grande maioria, se pautam também nos pressupostos da saúde.
Assim, podemos inferir, a partir do trabalho produzido, que
Costa (2011), ainda indica que os modelos de intervenção precoce são individualizados
e tem a finalidade de potencializar o desenvolvimento da criança, no entanto, são
práticas que não agregam a família e são descontextualizadas. No entanto, ao final a
autora aponta uma nova possibilidade de pensar a estimulação precoce, mas ainda
correlacionando com critérios de tratamento, avanço e precocidade. Indicando a
necessidade de apresentação e diversas atividades para que a criança tenha maiores
possibilidades de se desenvolver. Partindo desse ponto de vista, pensamos o seguinte:
Há como quantificar os possíveis danos futuros da criança? A estimulação precoce diz
respeito a estimulação antecipada.
Assim sendo, como sujeitos biológicos e sociais, sabemos que nós nos desenvolvemos
pela via da inserção na cultura. Essa lei não se aplica somente a educação especial e as
crianças por ela atendidas, essa lei abarca todo um contexto social. Não negamos, em
absoluto, a nossa constituição biológica, porém acreditamos que as condições sociais
interferem com maiores proporções na vida do sujeito do que o contrário. É importante
saber que, a presença da criança dentro da instituição de educação infantil por si só não
garante o seu desenvolvimento. É necessário que o foco do professor esteja na criança
concreta que está dentro da instituição, uma criança que tem conhecimento acumulado,
que tem seus interesses e suas necessidades. Não há como quantificar as consequências
da deficiência na vida da criança, sobretudo, os comprometimentos intelectuais. Mas
percebemos uma necessidade de suprir essas demandas antes mesmo de ter certeza da
deficiência e das proporções desse possível comprometimento.
Há, portanto, um risco nessa antecipação, uma antecipação diagnóstica. Quando falamos
de crianças, sabemos que o que proporciona um desenvolvimento salutar, é a variedade
de possibilidades que essa criança terá. Sabemos que o conhecimento precisa ser
sistematizado, organizado e orientado. No entanto, essas práticas não são
desconhecidas, elas já fazem parte das atribuições para o trabalho com a criança na
instituição de educação infantil. Portanto, o primeiro passo para o desenvolvimento
amplo e repleto de possibilidades são as práticas pedagógicas, tanto dos professores de
sala de atividades comum, quanto os professores da SRM. Mas não podem ser práticas
146
Do mesmo modo que a estimulação precoce antecipa, pensar no trabalho com a criança
já visando o ensino fundamental é também antecipar e causar uma descaracterização
dessas crianças, nos dois momentos as crianças que são citadas, são crianças futuras,
que não existem ainda, e o que são nesse momento acaba sendo danoso ao
desenvolvimento delas. Ademais, o importante é não negar o que ela é e o que se
apresenta, visar o futuro é válido porque o professor precisa auxiliá-la no processo de
educacional, mas ele não pode perder de vista que a criança é um ser social, dotada de
cultura e isso deve ser considerado a todo momento.
Percebemos, a partir da análise das práticas dos professores de educação especial que
atuam na educação infantil, que essas práticas estão em consonância com as concepções
e os conhecimentos já discutidos. Uma base teórica fragilizada, como vimos na
discussão dos conhecimentos, produzem práticas que condizem com a aprendizagem
dos professores. Conceber a deficiência somente a partir de pressupostos biológicos, faz
com que o professor parta desse mesmo caminho para exercer a sua ação docente. No
caso de professor Ônix, no tópico anterior ele traz uma concepção social da deficiência,
porém, ao analisarmos as práticas, percebemos que essa concepção ainda não se
consolidou.
Essas desarticulações, ao nosso ponto de vista, são resultados de uma política nacional
recente. As mudanças estruturais da proposta de inclusão são recentes, e além disso,
sempre vem se atualizando, se o professor não se apropria dessas discussões, acaba que
se distancia da proposta original e passa a conceber e colocar em prática somente aquilo
que é orientado.
Percebemos também que as práticas estão desconectadas das bases teóricas indicadas,
mesmo que a política abrisse precedentes para um atendimento no turno fora da sala de
atividades, se as professoras tivessem por base um pensamento crítico, resistiriam as
formas de segregação, articulariam uma ação que fizesse a criança estar no espaço da
147
sala de atividades contemplando ao lado dos seus pares, das mesmas vivências e
aprendizagens das demais crianças.
Um conhecimento que dê base para uma análise crítica do trabalho que exerce é
importante por razões como essas, professores que compreendem seu papel político na
instituição de educação infantil e na sociedade, têm condições de resistirem as práticas
tradicionais que não condizem com os pressupostos inclusivos. A partir dessas ações,
temos a oportunidade de ver como uma prática dissociada de uma teoria fortalecida
desvirtua a ação docente e torna-a fragilizada. Alguns professores, pela falta de
148
aprofundamento teórico, acreditam que uma base teórica é limitadora, então preferem
aproveitar daquilo que mais gostam em cada teoria.
Eu não sigo um autor, eu prefiro experimentar o que todos eles têm pra me
dizer e aí através da experiência que eu tenho com as crianças eu vou poder
aprender mais (ESMERALDA, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA,
29/06/2016).
A escolha da categoria “formação” ocorreu a partir dos dados que foram produzidos
pelas entrevistas e observações realizadas junto aos professores de educação especial
que atuam com crianças com deficiência intelectual de zero a cinco anos. Essa categoria
surge a partir das discussões relativas à formação inicial, mas, sobretudo, às formações
oferecidas pelo município, às orientações e profissionais que têm sido formadoras
desses professores. Como discutimos até o momento os conhecimentos, as concepções e
as práticas por eles desenvolvidas, percebemos que há uma sintonia entre essas
categorias, e o principal eixo de ligação entre elas é a questão da formação. Por isso,
sentimos a necessidade de aprofundarmos na temática.
Vimos a partir da Política, que o município tem a premissa da formação dos professores
que atuam na educação especial. Essa orientação foi comprovada durante as entrevistas
realizadas com os professores da educação infantil do município em questão. Dista
disso, sentimos a necessidade de problematizar as formações em questão.
A prefeitura de Vitória tem uma coisa muito boa que é isso, eu venho de
outras prefeituras e a prefeitura de Vitória tem isso que é muito bom de dar
uma formação todo mês, né? E o que está sendo muito discutido ultimamente
é sobre o autismo. Tem psiquiatra, a gente teve uma formação com uma
neuropediatra que veio conversar com a gente, e ela falou muito da
importância do nosso relatório para o laudo deles. Diz ela que no
consultório ela atende também no público, então ela falou que as vezes vai
uma família que as vezes nem consegue falar, humildes, o que é que a criança
tem. Ela falou que mediante esse relatório da escola, porque a gente faz uma
observação e um relatório de observação. “E a neuropediatra falou da
importância do nosso relatório para eles darem um diagnóstico. Ela falou
com detalhes mesmo [...] faça o relatório de vocês com riqueza de detalhes,
se a criança cai no chão, se a criança roda um objeto, porque como a criança
fica a maioria do tempo na escola e os pais as vezes não aceitam, então eles
não querem acreditar que aquilo é uma característica que possa ter uma
deficiência” (CRISTAL, TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA, 29/06/16).
A professora no excerto anterior apresenta com detalhes quem tem sido os profissionais
que estão sendo levados pela SEME/Vitória para darem formação aos professores de
educação especial do município. Vimos, a partir da fala da professora, que o município
tem se preocupado em levar formação aos professores de educação especial. A priori é
algo a se louvar, pois a continuidade de formações demonstra um município
comprometido com a formação de seus profissionais, mostra também que a Secretaria
de Educação está atenta à educação das crianças com deficiência, por isso traz
profissionais de diversas áreas para contribuírem com os professores.
da noite, o que acaba comprometendo a adesão dos profissionais. Dos profissionais que
entrevistamos somente dois citaram essa formação, justamente por serem os únicos a
frequentá-la. Ou seja, o horário tem privilegiado a formação pautada no modelo médico-
psicológico.
Todos os eixos temáticos que discutimos foram perpassadas pela influência médico-
psicológica, mas como não influenciar-se quando esses profissionais são convidados
pela própria SEME/Vitória para darem formação aos professores. É uma alternativa
incomum. De pronto, já nos remetemos as discussões de medicalização da educação.
Porque esse movimento de formação é evidentemente medicalizante. O que é que
fundamenta um médico neurologista ou psiquiatra oferecer formação aos professores e
orientá-los quanto aos relatórios que eles devem fazer para sobre as crianças com
deficiência? O médico tem o interesse biológico da deficiência, ele vai explicá-la a
partir de pressupostos patolológicos. Angelucci (2014) contribui com a seguinte
problematização
Outra questão que está totalmente ligada aos conhecimentos dos professores, e aos
dados já discutidos, é a criticidade desses professores que atuam com as crianças com
deficiência intelectual na educação infantil, eles não questionam o fato de estarem sendo
formados por profissionais de outra área, o contrário seria dificilmente aceito, no
diálogo a seguir podemos ver um exemplo
A vinculação, mais uma vez é reforçada, Vigotski (2012) nos diz através dos estudos da
defectologia, que o importante não é saber a deficiência que a criança possui, pois
através do conhecimento da deficiência você não garante conhecimento da pessoa que
possui a deficiência em questão. Dessa maneira, os conhecimentos sobre a deficiência
tiram o foco da criança e passam a significar aquilo que lhes falta. O que nos remete a
nomenclatura utilizada para falar das crianças atendidas, notamos nas entrevistas que as
professoras ao falarem das crianças que fazem o atendimento as identificava como “o
meu autista” ou “o meu Down”, entre outros.
66
Optamos por resguardar o local escolhido pela Secretaria de Educação para ofertar o Congresso por
eles organizado.
153
Esses são todos motivos que nos fazem compreender que o processo de inclusão não é
instantâneo. Esse processo é social, não vemos comumente as minorias tomando posse
de seus direitos em percursos lineares. São lutas travadas, são lutas que estão em
movimento constante, e as políticas são prova disso, as formações, os conhecimentos, as
concepções são todas reflexo histórico do que foi feito dos profissionais especializados
que atuam com crianças, a ponto de não fazerem distinção entre o trabalho realizado por
eles numa EMEF ou num CMEI, esse dado também apareceu durante as entrevistas,
apareceu também como uma necessidade apontada pelo professor
As formações que estão sendo oferecidas, como já vimos, estão focando nas questões
patológicas a respeito das deficiências. Com isso as questões mais importantes são
deixadas de lado, não que não existam formações para a educação infantil, mas a
154
prioridade das formações está sendo a questão biológica. A ponto de o professor expor
essa necessidade
Em relação a formação do município, podemos inferir que ela tem sido, sem dúvidas,
um instrumento de medicalização da educação. A organização das formações mostra a
necessidade de responder às questões sociais da inclusão pelo viés biológico. Nós
compreendemos que seja um grande desafio reverter a condição histórica de excluído do
ensino regular das pessoas com deficiências, sobretudo da deficiência intelectual, que é
subjetiva e compromete, em alguns casos, as estruturas intelectuais das crianças,
155
Para tanto, pensamos que as formações do município devam ser repensadas a fim de
atender as necessidades dos professores, não dos médicos. É de suma importância que o
professor reconheça que o seu trabalho não é extensivo ao atendimento clínico, o
trabalho do professor compõe o processo de desenvolvimento da criança. A sincronia
com a área médica não pode ser impositiva, essa não pode, em absoluto, dar bases para
o trabalho do professor. Há sim a necessidade de um atendimento médico, há a
necessidade de um atendimento assistencial em alguns casos, eles devem acontecer de
maneira a contribuir com a criança. Não acreditamos que seja salutar para o
desenvolvimento da criança que as questões biológicas e comportamentais sejam mais
evidenciadas, secundarizando seu processo educacional.
156
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nossa pesquisa nos deu condições de conhecer o trabalho realizado pelos professores
de educação especial que atuam com crianças de zero a cinco anos com deficiência
intelectual no município Vitória. Destacamos que a nossa proposta inicial era saber da
possível vigência do modelo médico-psicológico no contexto da educação especial do
referido município a partir das análises dos conhecimentos dos professores, da
investigação das concepções deles sobre as crianças com deficiência matriculadas nas
instituições de educação infantil e refletir sobre as práticas desses profissionais.
É importante esclarecer que não partimos com um ideal de professor, apesar dos nossos
pressupostos indicarem caminhos possíveis para a atuação de modo a favorecer o
desenvolvimento da criança e as suas possibilidades. Assim, não há neste trabalho uma
busca pelo profissional perfeito. Nós sabemos que ao abrangermos os conhecimentos, as
concepções e as práticas desses profissionais nós encontraríamos um conjunto
diversificado e possivelmente contraditório, o que não desmerece, em absoluto, o
trabalho realizado por eles.
O que nos desperta a atenção não é o fato de pautarem seus conhecimentos seguindo as
suas práticas, mas a falta de um conhecimento teórico sólido rompe com a possibilidade
do professor produzir um conhecimento crítico em relação ao seu trabalho docente, pois
a prática pela prática não dá condições de o professor abstrair pela via do pensamento e
confrontar com a sua ação, de modo a alcançar um conhecimento sólido. Esse
distanciamento teórico conduz o professor à formação humana alienada de si e do seu
trabalho.
No entanto, reiteramos que as condições históricas nas quais foram formados a maioria
dos profissionais que atuam na educação infantil atualmente, são fruto de uma
sociedade neoliberal, o que os torna produto dessa sociedade, sociedade de exploração
do trabalho, desvalorização do humano a partir de uma formação técnica à serviço do
capital. Não há de nossa parte, qualquer intenção de culpabilizá-los, mas sim desvelar
as condições e compreender quais foram os caminhos que os direcionaram a esses
conhecimentos, ou ao distanciamento dos conhecimentos básicos.
fragilidade do professor diante dos conhecimentos próprios da sua profissão, acaba por
submetê-lo aos conhecimentos sistematizados e organizados de outras áreas.
Outro ponto que destacamos dentro das discussões a respeito das concepções dos
professores pesquisados, foi a sobre a associação do atendimento educacional
especializado e a produção do laudo, como esse documento exerce tanta influência na
ação do professor. Desde os direcionamentos para a sua ação, foi unânime o atrelamento
do laudo ao atendimento educacional especializado da criança com deficiência, talvez
seja esse, o ponto mais forte de afirmação do modelo médico-psicológico na atuação
dos professores. Como eles asseguram o seu trabalho a partir desse olhar clínico
instituído pela medicina. O laudo não é, sob nosso ponto de vista, um vilão.
A questão que nos inquieta é como o laudo submete os professores aos saberes médicos.
O problema é a forma como a sociedade se organiza a partir do laudo clínico. O laudo é
um documento limitado, ele não fala de possibilidades, ele não fala de educação, de
desenvolvimento e aprendizagem. Ele fala de questões patológicas, são conhecimentos
válidos, mas que não substituem o saber educacional. Nesse ponto a perspectiva
histórico-cultural contribui, pois, ela vai no sentido oposto indicando as possibilidades,
159
essa perspectiva engloba um conjunto de saberes que vão auxiliar na formação humana,
não só da criança com deficiência, mas também do professor que com ela atua.
Outro ponto que destacamos dentro de nossas considerações, foram as nossas reflexões
a partir das práticas. Algumas práticas demonstraram potências no trabalho dos
professores, como alternativas de inclusão, a afirmação do espaço da sala de atividades
como locus para a educação das crianças com deficiência. No entanto, há também um
lado mais fragilizado, que mostra a influência tutelar e assistencial do professor em
relação a criança com deficiência, o que pode vir a descaracterizar o papel da instituição
de educação infantil e do professor de educação especial na vida dessa criança. Pois
essas ações remetem-se ao assistencialismo que caracteriza o atendimento das crianças
em instituições especializadas. É importante ter em mente que são espaços e
intencionalidades diferentes, portanto, pautar-se nas ações desenvolvidas nesses espaços
não contribui no processo educacional das crianças.
Outro ponto que destacamos foi a potência de sala de atividades, vimos através dos
dados produzidos que o atendimento educacional especializado realizado nesse espaço
se configura como um atendimento inclusivo, pois a criança tem a chance de junto dos
seus pares, poder expressar-se e acompanhar os conhecimentos ali oportunizados. No
entanto, o professor deve atentar-se ao fato de a criança não ser um sujeito que ainda
será, mas sim, um sujeito cheio de possibilidades e que a sua condição de criança deve
ser valorizada pelo que é, não pelo que virá a ser (adulto).
Apesar da pesquisa realizada por nós ser um recorte de um único município dentro do
Estado do Espírito Santo, ela está situada no contexto nacional, uma vez que está em
consonância com as demais pesquisas realizadas e que abordam temáticas semelhantes.
Essa pesquisa se une as demais no sentido de valorizar os conhecimentos educacionais e
no fortalecimento do profissional que atua com crianças com deficiência intelectual na
educação infantil, sustentando esse espaço como locus privilegiado de desenvolvimento
de aprendizagem dessas crianças.
162
8 REFERÊNCIAS
ARCE, Alessandra. Compre o kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis
os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educ. Soc., Campinas, v. 22, n.
74, 2001.
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-25022014-164505/>. Acesso
em: 10/06/2016.
BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III
do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o
piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da
educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 2008.
BRASIL. Lei n.º 13.005, 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação
– PNE e dá outras providências. Brasília, 26 jun. 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12014.htm>. Acesso
em: 20 maio. 2016.
164
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GUARIDO, Renata Lauretti. "O que não tem remédio, remediado está":
Medicalização da vida e algumas implicações da presença do saber médico na
educação. 2008. 116 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa
nacional por amostra de domicílios. Rio de Janeiro, 2015.
LA BANCA, Juliane Mendes Rosa. O professor de educação infantil: uma análise das
concepções de docência na produção acadêmica. 2014. 195 f. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Mestrado em Educação, Universidade Feral de Santa Catarina, Florianópolis,
2014.
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão
Popular, 2011 (64p.)
PRESTES, Zoia R. Quando não é quase a mesma coisa: análise de traduções de Lev
Semionovitch Vigotski no Brasil. Repercussões no campo educacional. 2010. 295f.
Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade de Brasília, Brasília.
VEER, René Van Der.; VALSINER, Joan. Vygotsky: uma síntese. 6ª Ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2009.
VELHO, G. (org.). Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Zahar,1985.
APÊNDICES
175
APÊNDICE A
Você está sendo convidado(a) para participar de um projeto de pesquisa intitulado: CONHECIMENTOS,
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL: O MODELO
MÉDICO-PSICOLÓGICO AINDA VIGORA? Que tem por objetivo analisar conhecimentos, concepções
e práticas de professores de educação especial que atuam no atendimento educacional especializado, no
âmbito da instituição de educação infantil, direcionados à criança com deficiência intelectual, em relação
a vigência do modelo médico-psicológico, de autoria da mestranda Amanda Costa Camizão, como
recomendação para a realização do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES).
Nesta investigação, consideramos os pressupostos da pesquisa exploratória qualitativa, tendo
como aportes teóricos a abordagem histórico-cultural e a Pedagogia histórico-crítica.
Nessa direção, com o propósito de produzir os dados que possam no ajudar a analisar
conhecimentos, concepções e práticas de professores de educação especial, que atuam no atendimento
educacional especializado, em relação a vigência do modelo médico-psicológico, convidamos os
professores de educação especial que trabalham nas instituições de educação infantil dessa rede municipal
de ensino, que têm em seus contextos salas de recursos multifuncionais para o atendimento educacional
especializado às crianças indicadas à educação especial, na faixa etária do zero aos cinco anos, para
participarem dessa pesquisa.
Os(As) profissionais convidados(as) responderão a uma entrevista semiestruturada realizada
pela pesquisadora com a colaboração de uma pesquisadora auxiliar. Tendo em vista os registros fiéis dos
relatos das professoras de educação especial durante as entrevistas semiestruturadas, recorreremos ao
auxílio de equipamento para gravação de voz articulados aos registros manuais que serão realizados
durante e depois da aplicação das referidas entrevistas. Após a transcrição das entrevistas
semiestruturadas pela pesquisadora, os(as) professores(as) receberão os registros por escrito para verificar
a sua fidedignidade, a fim de autorizar a sua utilização na pesquisa.
O estudo implica em benefícios aos participantes e demais envolvidos com a área da educação
especial, pois busca analisar conhecimentos, concepções e práticas de professores de educação especial
que atuam no atendimento educacional especializado em relação a vigência do modelo médico-
psicológico, atuando na defesa de um trabalho pedagógico com referência na diversidade e no
reconhecimento das diferenças e contrapondo-se ao trabalho pedagógico tradicional que tomava como
referência o referido modelo. Os dados coletados durante o estudo serão analisados e apresentados sob a
176
forma de relatórios e serão divulgados por meio de reuniões científicas, congressos e/ou publicações, com
a garantia dos participantes do estudo. Aproveitamos para destacar que os resultados da pesquisa serão
enviados à Secretaria de Educação e às escolas ao final do estudo.
Certas de contarmos com sua compreensão e colaboração, estamos à disposição para quaisquer
esclarecimentos.
Esclarecemos, também, que a participação é voluntária e que este consentimento poderá ser
retirado a qualquer tempo, sem prejuízos à continuidade da pesquisa. Para todos os efeitos, garantimos a
confidencialidade das informações geradas, a privacidade e o anonimato dos sujeitos da pesquisa
Eu, ___________________________________________________________________,
declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário(a), do projeto de pesquisa acima
descrito.
Assinatura: __________________________________________________________
Vitória, _____ de ____________ de 2016.
Contato da pesquisadora:
Amanda Costa Camizão
Mestranda em Educação
Tel.: 999674168
e-mail: amanda.ufes@gmail.com
Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE/CE/UFES Tel.: 3335-2549
177
APÊNDICE B
Prezado(a) diretor(a),
Vimos por meio desta, solicitar autorização para a realização do estudo de campo referente a
pesquisa de dissertação denominado CONHECIMENTOS, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL: O MODELO MÉDICO-PSICOLÓGICO AINDA
VIGORA?, sob responsabilidade da aluna Amanda Costa Camizão, regularmente matriculada no Curso
de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Sonia Lopes Victor.
O objetivo principal da referida pesquisa é analisar conhecimentos, concepções e práticas de
professores de educação especial que atuam no atendimento educacional especializado, no âmbito da
instituição de educação infantil com ênfase nas salas de recursos multifuncionais, direcionados à criança
com deficiência intelectual, em relação a vigência do modelo médico-psicológico. Além do nosso
objetivo geral, destacamos como objetivos específicos: (1) Analisar conhecimentos de professores de
educação especial oriundos dos processos formativos e da prática docente com crianças indicadas à
educação especial na faixa etária de zero a cinco anos de idade; (2) Investigar as concepções de
professores de educação especial quanto à criança com deficiência intelectual matriculadas nas
instituições de educação infantil e indicadas ao atendimento educacional especializado; (3) Refletir sobre
as práticas pedagógicas de professores de educação especial para o atendimento educacional
especializado direcionadas às crianças com deficiência intelectual na faixa etária de zero a cinco anos no
âmbito das salas de recursos multifuncionais.
Nesta investigação, consideramos os pressupostos da pesquisa exploratória qualitativa, tendo
como aportes teóricos a abordagem histórico-cultural e a Pedagogia histórico-crítica.
Nessa direção, com o propósito de produzir os dados que possam no ajudar a analisar
conhecimentos, concepções e práticas de professores de educação especial, que atuam no atendimento
educacional especializado, em relação a vigência do modelo médico-psicológico, convidamos os
professores de educação especial que trabalham nas instituições de educação infantil dessa rede municipal
de ensino, que têm em seus contextos salas de recursos multifuncionais para o atendimento educacional
especializado às crianças indicadas à educação especial, na faixa etária do zero aos cinco anos, para
participarem dessa pesquisa.
Os(As) profissionais convidados(as) responderão a uma entrevista semiestruturada realizada
pela pesquisadora com a colaboração de uma pesquisadora auxiliar. As entrevistas semiestruturadas serão
178
______________________________ ___________________________
Amanda Costa Camizão Prof.ª Dr.ª Sonia Lopes Victor
Autorização
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1) CONHECIMENTOS
A -Consideramos que o processo de formação de professores é fundamental para a sua atuação na
instituição de educação infantil. Para tanto, gostaríamos que você nos narrasse esse percurso,
considerando a formação inicial e continuada (instituição formativa, cursos, nível de escolaridade, tempo
de atuação)
B- Nesse percurso de formação você teve acesso a produções teóricas e acadêmicas que contemplassem
aspectos referentes à educação especial? Conte-nos dos teóricos que embasam a sua prática.
2) CONCEPÇÕES
A - Qual a sua concepção de deficiência?
B - Qual a relação da necessidade do diagnóstico e do laudo para atendimento educacional especializado?
C - Qual a sua concepção sobre o atendimento educacional especializado da criança na educação infantil?
3) PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
A- Quais são os sujeitos que você atende (gênero, idade, especificidade, condições sociais)?
B- Quais aspectos você observa para a indicação da criança com deficiência intelectual ao atendimento
educacional especializado?
C- Conte-nos como é organizado e realizado o atendimento das crianças, contemplando as suas vivências
e práticas (horário, atendimento individual ou coletivo e público de atendimento)?
D- Como você percebe o processo de desenvolvimento e aprendizagem dessas crianças com deficiência
intelectual?