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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2016
NELCILENE DA SILVA PALHANO CAVALCANTE
CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
COMISSÃO JULGADORA:
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do
aluno.
2016
AGRADECIMENTOS
Ao entregar essa tese àqueles que irão adentrar suas páginas, o faço com o sentimento forte de
que ela é fruto da contribuição de muitas pessoas e instituições, algumas das quais referendo a
seguir, sem que a ordem apresentada signifique maior ou menor importância. Todos foram
importantes.
Assim, faço menção especial ao meu orientador, Prof. Renê Trentin, que me acompanhou e
dedicou do seu tempo para a construção desse trabalho, sugerindo, argumentando, corrigindo
mas, ao meu tempo respeitando o que lhe apresentava; ao Prof. José Lombardi e à Prof.ª
Mara Jacomeli, não apenas pela dedicação ao Dinter como coordenadores, mas como
docentes que acompanharam a disciplina Atividades Programadas de Pesquisa (APPs), cujas
discussões propiciadas no grupo HISTEDBR contribuíram para encaminhamentos
importantes que tomei nesse trabalho; ao Prof. José Luis Sanfelice, que ao participar da
minha Qualificação, indicou pistas fecundas para o fechamento da tão necessária “tese” a ser
defendida; ao Prof. Lalo Watanabe Minto, pelas contribuições na APP2 e na qualificação.
À minha família, sem o apoio da qual teria sido muito difícil conciliar gravidez, um bebê, o
estudo das disciplinas, dos livros, às idas à Campinas, a coleta/análise de dados e a elaboração
do texto da Tese. Neste sentido, inicialmente agradeço a minha mãe, Sra. Expedita Palhano,
que mesmo não tendo a oportunidade de ter acesso à Academia, como milhões de brasileiros
nesse País, sempre me encorajou a estudar, a ir mais longe; ao meu esposo, Amadeu, que me
acompanhou e que me permitiu, muitas vezes, “pensar em voz alta” e ouvir minhas primeiras
análises, dúvidas e questionamentos; ao meu irmão, Maciel, e minhas irmãs Aldilene e
Lucy, que sempre estiveram por perto. Apesar de parecer estranho agradecer a uma criança
de três anos, ao meu filho Caleb, que diversas vezes me capturou do cansaço com seus
sorrisos e alegria, e sem entender o sentido do trabalho, me questionava por que estava
trabalhando: “mamãe, não trabalha, não”. Isso só confirmava algumas reflexões que, embora
não tenha desenvolvido nessa tese, me acompanharam durante sua escrita: na atual sociedade,
a exploração da natureza e do trabalho nos priva de viver mais as relações com essa natureza e
com o outro de forma desinteressada: dado o acúmulo de trabalho, somos intimados pelos
nossos compromissos a “investir” mais na qualidade do pouco tempo que temos com as
pessoas. Contudo, para escrever essa tese, não precisei somente da qualidade do tempo, mas
também de quantidade.
À CAPES, pelo apoio a esse projeto importante para a nossa região, e a todos os
colaboradores da UNICAMP e UFOPA, responsáveis por acompanhar nossa vida acadêmica.
Agradeço a Deus pela vida: com suas contradições, com suas possibilidades.
RESUMO
A Educação Ambiental (EA) está presente hoje em vários espaços, sendo um deles a escola,
que consideramos fundamental para desenvolver uma educação que promova mudanças na
relação homem/natureza, não apenas nas gerações futuras, mas também na atual. Dada a
importância da contribuição da EA para a construção de sociedades sustentáveis na
Amazônia, palco de diversos conflitos ambientais, esta pesquisa teve como objetivo analisar
as experiências de institucionalização EA no município de Santarém-PA, no período que se
estende dos anos de 1990 a 2000, procurando estabelecer as suas relações com o
neoliberalismo. A partir de uma abordagem qualitativa, foram analisadas fontes primárias e
secundárias, incluindo: projetos e relatórios das instituições investigadas, jornais, cartilhas e
folders, dentre outros. Tendo como pressupostos diretrizes mais amplas que expõem uma
concepção de EA calcada no desenvolvimento sustentável atrelado ao capitalismo, buscamos
nesses documentos o registro das propostas das instituições que tiveram desdobramentos no
espaço escolar. O trabalho está estruturado em quatro capítulos: no primeiro, abordamos a
relação homem/natureza, discorrendo sobre como essa relação é analisada numa perspectiva
histórico-dialética, ao mesmo tempo em que nos reportamos às bases teórico-metodológicas
que adotamos. No segundo, apresentamos uma discussão sobre a questão ambiental e
educacional das quais emanam as diretrizes da EA em nível internacional e nacional,
demonstrando que há relações entre a EA e o neoliberalismo. No terceiro capítulo analisamos
o contexto histórico de Santarém relacionado aos determinantes de ordem econômica, política
e social que engendram a problemática ambiental local, a partir da qual emerge a EA
desenvolvida no município. Finalmente, no último capítulo, expomos a inserção da EA no
município de Santarém via Organizações Não Governamentais (ONGs) e Secretaria
Municipal de Educação (SEMED). O estudo sugere que há uma EA que atende à lógica
neoliberal, ao adotar uma perspectiva de sustentabilidade que não questiona o modo de
produção vigente como motor da problemática ambiental na atualidade.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1
A QUESTÃO AMBIENTAL: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DA RELAÇÃO 19
HOMEM-NATUREZA ...............................................................................................
1.1 A relação homem-natureza .................................................................................... 20
1.2 Educação Ambiental e ideologia ........................................................................... 29
1.3 A questão ambiental ............................................................................................... 33
CAPÍTULO 2
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O NEOLIBERALISMO ................................ 39
2.1 Neoliberalismo: noções gerais ............................................................................... 40
2.2 Metamorfose do capitalismo: do tom cinza da poluição para o verde das
florestas ..................................................................................................................... 50
2.3 A educação e as amarras neoliberais .................................................................... 59
2.4 Panorama internacional da educação ambiental ................................................. 67
2.5 Panorama da educação ambiental no Brasil ........................................................ 75
CAPÍTULO 3
UM LUGAR NA AMAZÔNIA: SANTARÉM E SEUS ASPECTOS SÓCIO-
HISTÓRICOS NUMA PERSPECTIVA AMBIENTAL .......................................... 90
3.1 Caracterização da área de estudo ......................................................................... 90
3.2 Santarém: aspectos históricos, econômicos e políticos ........................................ 93
3.2.1 Primeira fase: Integrar para não entregar ...................................................... 95
3.2.2 Segunda fase: O despertar para a questão ambiental? .................................... 103
3.2.3 Terceira fase: Novos cenários, velhos dilemas .................................................. 116
CAPÍTULO 4
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E NEOLIBERALISMO EM SANTARÉM .............. 130
4.1 Notas sobre a educação no município de Santarém ............................................ 131
4.2 Os caminhos da EA em Santarém: algumas experiências .................................. 134
4.2.1 O Movimento de Educação de Base (MEB) em Santarém ......................... 135
4.2.2 Grupo de Terça Feira e a formação do Grupo
de Defesa da Amazônia (GDA) .................................................................................. 146
4.2.3 Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS) –
Projeto Saúde e Alegria (PSA) ............................................................................. 153
4.2.4 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) ................................. 164
4.2.5 Secretaria Municipal de Educação (SEMED) ................................................. 169
a) A Coordenação de Educação Ambiental ........................................................ 169
b) Escola da Floresta ............................................................................................. 173
c) Escola do Parque .............................................................................................. 176
4.3 Uma análise da EA em Santarém .......................................................................... 177
INTRODUÇÃO
Não é preciso muito esforço para perceber que as correntes mencionadas são
diversas e podem até ser antagônicas entre si1. Tal junção de correntes teóricas é concebida na
produção teórica no campo ambiental como uma “virtude”, considerando o princípio da
interdisciplinaridade, defendido também nas diretrizes da EA, que deve nortear não apenas o
fazer pedagógico, mas a própria produção daquilo que Leff (2004) chama de uma
racionalidade ambiental. O conhecimento nessa nova racionalidade não é tributário apenas da
ciência moderna, mas também de saberes que não foram cunhados como científicos, pois,
como afirma o autor:
1
Não é nosso objetivo fazer uma análise das diversas correntes elencadas, mas se considerarmos Lombardi
(2009), não haveria como compatibilizar, por exemplo, uma análise marxista com o pensamento pós-moderno.
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2
O autor sustenta que a EA, durante o primeiro governo Lula (2002-2006), teve uma produção teórica balizada
por universidades importantes do País, ao mesmo tempo em que muitos educadores/pesquisadores ambientais, ao
fazerem parte do governo e/ou terem projetos financiados, calaram-se diante de grandes problemas ambientais
que vieram à tona (REIGOTA, 2008).
15
da ditadura militar. É nesse contexto que acreditamos que foi sendo engendrada a EA em
Santarém, sendo inclusive algumas de suas propostas vinculadas, já na década de 1990, a
programas oriundos de acordos internacionais – como é o caso do Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), que financiou alguns projetos
desenvolvidos nessa região, que traziam a EA em seu bojo.
Tal lugar, o município de Santarém, entendido como espaço natural, político,
econômico, onde se mesclam e convivem diferentes culturas, tem sido tomado como
estratégico para o capital nacional e internacional. Isso está expresso na proposta da Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e sua carteira de projetos
para o Eixo Amazonas, na instalação de empresas multinacionais como a Cargill, como
corredor de exportação de centro-sul do País através da BR-163 e de hidrovias projetadas pelo
governo federal.
Diante dos cenários desenhados pelo capitalismo neoliberal para a Amazônia e
consequentemente para Santarém, sob o manto do desenvolvimento sustentável, é
fundamental uma EA que permita desvelar as contradições desse modo de produção, além de
contribuir para a construção de alternativas efetivamente sustentáveis. Assim, não basta dizer
como a EA foi encontrando espaços e sendo institucionalizada pelas Organizações Não
Governamentais (ONGs) e pelo poder público. É preciso ir mais longe para responder a uma
questão primordial: há relações da EA com o neoliberalismo em Santarém?
Considerando essa questão norteadora, é importante que anunciemos o caminho
escolhido para respondê-la. Na construção do conhecimento, podemos ter perspectivas
diferentes sobre um mesmo problema, dependendo da opção epistemológica e metodológica
que façamos. Dentre as diferentes análises que a questão ambiental hoje pode suscitar,
percebemos que há pelo menos dois grupos: daqueles que criticam a industrialização e o
consumismo, mas apresentam soluções no interior do próprio capitalismo e outro, daqueles
que defendem a construção de modelos econômicos alternativos, pensados, ou não, a partir do
marxismo.
Demarcamos o segundo grupo como via da nossa análise, entendendo que o
marxismo traz uma contribuição importante para responder à questão central desse trabalho.
Vale, entretanto, observar que, segundo Diegues (1996), existem posições divergentes nessa
corrente, representadas por pensadores como Hobsbawm, Gutlman, Skibberg e Moscovici.
Além desses autores, podemos incluir Michael Löwy, ecossocialista que, na atualidade,
buscou posicionar-se contra a “economia verde” discutida na Rio+20. Assim, adotando um
método para a análise da questão ambiental, acreditamos que o adequado – que possibilita
16
A partir desse caminho, temos optado pela pesquisa documental, como instrumento de
coleta de dados na tentativa de apreender, com base nos documentos diversos, o objeto em
estudo. De acordo com Severino (2007, p.122-123), nesse tipo de pesquisa “[...] tem-se como
fonte documentos no sentido amplo, não só documentos impressos, mas também outros tipos,
tais como fotos, filmes, gravações, documentos legais [...]”. É nesse sentido que analisamos,
dentre outros, projetos e planos educacionais, leis municipais, relatórios e cartilhas, jornais,
revistas, além de trabalhos acadêmicos já produzidos sobre o objeto em questão. As principais
instituições investigadas foram: Grupo de Defesa da Amazônia (GDA), Projeto Saúde e
17
3
Será essa a denominação que iremos adotar no decorrer do trabalho, ao se referir a essa conferência realizada
no Brasil, visto ser uma expressão mais popularizada de tal evento.
19
CAPÍTULO 1
a análise das consequências dela decorrentes não é nova, embora tenha passado a ser
questionada e a ter visibilidade mundial sobretudo a partir da década de 1980. Segundo Viola
(1996, p. 23), é nesse período que:
não há uma dicotomia entre ambos ou uma cisão dualista, como o querem algumas correntes
ambientalistas, que defendem a mínima intervenção humana nos ecossistemas a serem
preservados, cujo melhor exemplo é a escola da Ecologia Profunda com seu protecionismo
ambiental. Diegues (1996), ao analisar criticamente a política de estabelecimento das
unidades de conservação, faz referência ao modelo norte-americano expresso na criação do
primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone no século XIX, em 1872. Ali não se
admitiu a presença humana, não sendo, portanto, um modelo adequado para o caso brasileiro,
em que temos povos da floresta interagindo e conservando a floresta há anos, embora tal
modelo tenha influenciado, em muito, a criação de reservas florestais nos países de “terceiro
mundo”. (DIEGUES, 1996).
Assim, estabeleçamos algumas categorias que balizaram as nossas análises tendo
como eixo central a dialética materialista histórica. Inicialmente cabe registrar que, para
Sanfelice (2008, p.50), há uma distinção entre a dialética antiga e a que estamos tratando, que
resulta da atitude frente ao princípio da contradição. Na nova dialética, o princípio da
contradição não é analisado da mesma forma, e aceita-se que uma coisa possa
simultaneamente ser e não ser, pois a lógica pela qual se guia não é a lógica formal que
presume a identidade do ser: ou ele é ou não é.
Assim, para o autor citado, se a nova dialética, alicerçada nas obras de Hegel e
Marx, parte de uma lógica da contradição, há ainda uma questão a ser esclarecida, pois o
primeiro parte de uma concepção idealista da realidade e o segundo, de uma concepção
materialista.
A filosofia alemã foi profundamente influenciada pelo pensamento de Hegel e, na
época de Marx, dois grupos que davam prosseguimento às ideias daquele filósofo: uma
formada pelos hegelianos de direita que assumiam os aspectos conservadores da filosofia do
mestre e os hegelianos de esquerda. Foram as ideias desse segundo grupo - que assumia a
perspectiva revolucionária e crítica do pensamento de Hegel - que Marx defendeu, mas
fazendo a crítica: “Nenhum desses filósofos teve a idéia de se perguntar qual era a ligação
entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre a sua crítica e o seu próprio meio
material”. (MARX E ENGELS, 1998, p.10).
Marx e Engels defendiam então que as condições materiais deveriam estar na base
do entendimento das contradições que se expunham naquele contexto histórico e isso não era
possível dentro da dialética idealista, mesmo reconhecendo a relevância de Hegel ao assumir
a dialética. Ou seja, ele está assumindo a dialética, mas defendendo a sua inversão de idealista
para materialista. E essa posição materialista em Marx e Engels é influência de outro
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pensador, que participava da esquerda hegeliana, Feuerbach que, ao expressar uma concepção
materialista e naturalista do homem, rompia com a visão idealista de Hegel (ANDERY &
SÉRIO, 1996, p. 402).
Contudo, embora aceitando a tese materialista feuerbachiana, Marx e Engels irão
também tecer críticas a esse pensador, conforme podemos encontrar na introdução da obra “A
Ideologia Alemã” (1998, p. 43): “[...] A „concepção‟ do mundo sensível para Feuerbach
limita-se, por um lado, à simples intuição deste último e, por outro, à simples sensação. Ele
diz „O homem‟ em vez de dizer os „homens históricos reais‟. [...]”. E mais adiante argumenta:
[...] Não vê que o mundo sensível que o cerca não é um objeto dado
diretamente, eterno e sempre igual a si mesmo, mas sim o produto da
indústria e do estado da sociedade, no sentido de que é um produto histórico,
o resultado da atividade de toda uma série de gerações, sendo que cada uma
delas se alçava sobre os ombros da precedente, aperfeiçoava sua indústria e
seu comércio e modificava seu regime social em função da modificação das
necessidades. [...] (MARX E ENGELS, 1998, p. 43).
Vemos aí que não há uma defesa apenas de se partir das condições concretas de
existência, mas de considerar que tais condições mudam e são produzidas. Se estão dadas, é
porque outros já as produziram, e é neste sentido que natureza e homem mudam
historicamente, frutos de uma relação de unidade dialética.
Por conseguinte, estamos diante de uma nova dialética que, conforme Sanfelice
(2008), reportando-se a Bottomore, pode ser tematizada de três maneiras. Primeiro, enquanto
método, o que significa que ela assume uma via epistêmica, que se pauta por uma maneira
própria de pensar, diferente daquela que estamos habituados na tradição ocidental, guiada pela
lógica formal. Analisar a dialética enquanto método implica pensar a partir da dialética,
porém esse pensar não ocorre no abstrato, pois assim seria mera especulação. Então, se
falamos de uma dialética materialista, temos de considerar ontologicamente uma posição
realista, pois o a priori é o real, o material. Daí a dialética ser considerada enquanto
ontologia, pois não podemos afirmar a partir da ontologia realista que pensamento e realidade
são a mesma coisa. O pensamento é sempre uma representação construída do real, e não um
mero espelho. Neste sentido, o conhecimento tem como ponto de partida o dado empírico,
embora uma consideração importante precise ser feita. Segundo Sanfelice (2008, p.79):
Contrariamente a essa postura que toma o dado de forma isolada, esse dado deve
ser visto como parte de um conjunto de relações, o que nos leva à terceira via da dialética
marxista que é a relacional. Isso implica dizer, usando uma metáfora citada por Sanfelice
(2008), que não podemos olhar a árvore sem contemplar a floresta, ou seja, ela faz parte de
um conjunto, de tal maneira que somente ao captar a totalidade, iremos compreender a árvore
em si.
Essa metáfora é muito apropriada para pensarmos a temática que nos propomos a
analisar, pois essa perspectiva dialética reclama olhar a constituição da EA no cenário
educacional a partir de condicionantes históricos, sociais e políticos, o que significa, por sua
vez, perguntar sobre o seu papel, considerando as suas relações com o próprio discurso da
sustentabilidade, e deste com o modelo econômico vigente. Assim, podemos enxergar o
conjunto das condições e relações que permitiram a constituição da EA nos últimos anos
vinculada à formação de um debate ambiental que difunde uma determinada concepção da
relação homem-natureza.
Ao fazermos uma análise da questão ambiental na atualidade, levando em
consideração as contribuições de Marx e Engels, nos deteremos mais à frente na análise feita
por Löwy (2014). Este autor não esconde as tensões e contradições de Marx e Engels a
respeito da questão ecológica colocada principalmente por seus críticos ecologistas e observa
que essa não era uma temática central nas suas obras, além do quê, as suas interpretações a
respeito da relação sociedade e natureza podem ter leituras diversas. Essa “ausência” do
debate ambiental na obra marxista, tal qual hoje é discutida, é também mencionada por
Waldman (1992) e Alvater (2006). Este último, na conclusão de um artigo em que discute
alguns dos conceitos fundamentais da teoria marxista relacionados à questão ambiental, diz:
mostrando a atualidade da teoria marxista e aponta pistas fecundas para o que seria uma
“ecologia de inspiração marxista”. Antes, porém, ele chama a atenção:
Façamos então alguns apontamentos que podem ser de grande valia para a nossa
análise. Inicialmente, Löwy (Ibidem) cita duas críticas recorrentes sobre essa relação homem-
natureza em Marx e Engels, sendo a primeira a de que há uma concepção humanista neles que
opõe o homem à natureza, devendo esta última ser dominada, conquistada. Ele rebate essa
crítica, afirmando que a dominação a que se referem esses pensadores é quanto ao
“conhecimento das leis da natureza”, além do quê, ele afirma existir um naturalismo evidente
na visão de Marx, ao conceber a unidade entre homem e natureza, como aquela presente na
citação já feita dos Manuscritos Econômicos.
A segunda crítica é a de que Marx e Engels são produtivistas, do que ele discorda
ao dizer que os dois foram aqueles pensadores que mais denunciaram a acumulação capitalista
que pressupõe produzir infinitamente. Ele concorda que, no Prefácio à contribuição à crítica
da economia política, em que se associa o desenvolvimento das forças produtivas ao
progresso, falta uma problematização destas últimas, que podem ser interpretadas como
“neutras”. O que precisaria mudar ou revolucionar seriam as relações de produção que se
constituiriam um empecilho ao desenvolvimento ilimitado dessas forças produtivas.
Segundo Löwy (Ibidem, p. 27): “Parece faltar a Marx e Engels uma noção geral
dos limites naturais ao desenvolvimento das forças produtivas.”. Entretanto, esparsamente nas
suas obras, ele diz ser possível encontrar uma certa “intuição” do poder de devastação de tais
forças, mas que essa linha de análise não foi aprofundada. Ele também comenta que é nas
passagens referentes à agricultura que encontramos algumas pistas de um esboço da
problemática ecológica: “[...] O que encontramos nestes textos é um tipo de teoria da ruptura
do metabolismo entre as sociedades humanas e a natureza, como resultado do produtivismo
capitalista. [...]” (Ibidem). Ele diz que uma rara exposição explícita de Marx entre a relação
devastação ambiental e o capitalismo está em o Capital, quando afirma:
Para Löwy (Ibidem), essa passagem remete a duas ideias importantes: a de que o
progresso pode levar à devastação do ambiente natural; e a de que em paralelo pode ser
identificada a exploração da natureza e do trabalhador.
O segundo exemplo de devastação da natureza é referente ao desflorestamento
que, segundo sua análise, aparece diversas vezes em O Capital e em Engels, na obra Dialética
da Natureza, na qual são mencionados o desflorestamento e empobrecimento do solo em
Cuba, devido à intensa atividade dos produtores de café espanhóis. Contudo, analisamos que
nesta obra há algumas pistas a mais para pensarmos a questão ambiental.
Primeiro, porque, ao mostrar a diferença entre o uso que os animais e o homem
fazem da natureza, afirma que este último se diferencia por imprimir à Terra o “sêlo de sua
vontade”. Ele explica que a ação humana é planejada visando a um objetivo determinado e,
para tal, transforma o que considera necessário, o que, por conseguinte, implica o domínio da
natureza. Mas, então vem a advertência que soa muito atual:
Essa passagem pode até dar margem para uma análise espiritualista da natureza,
personificando-a como vingativa, porém não é isso que Engels está a defender, pois mais à
frente ele mostra vários exemplos de povos que desflorestaram suas terras e tiveram suas
atividades produtivas prejudicadas por não considerarem as consequências de suas práticas.
Interessante que Engels está chamando a atenção para um evento ocorrido em um contexto
em que não havia a escala de destruição que temos atualmente. Ele está se referindo a casos
que podemos considerar isolados, diferente de hoje, em que essa devastação alcançou uma
escala global. O que é patente na sua análise é que não podemos “utilizar” a natureza sem
respeitar seus limites, sem esquecer que também somos parte dela:
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[...] E assim, somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a
Natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, com alguém
situado fora da Natureza; mas sim que lhe pertencemos, com a nossa carne,
nosso sangue, nosso cérebro; que estamos no meio dela; e que todo o nosso
domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sôbre os demais sêres
de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente. (ENGELS,
2000, p.224).
Além dessa consciência de que não temos o pleno domínio da natureza, Engels
também discute que os avanços das ciências naturais, no contexto em que ele vive, poderiam
servir para conhecer melhor a natureza e suas leis e não apenas isso, também conhecer as
consequências das nossas intervenções e poder controlá-las.
Seguindo ainda essa análise, ele faz uma observação que falta a muitos na
atualidade, quando se discute a questão ambiental: as consequências da produção não trazem
apenas problemas ecológicos, mas também sociais que são muitas vezes desconsiderados. Por
exemplo, a energia hidrelétrica atualmente é considerada um tipo de energia limpa, porque
não polui como os combustíveis fósseis. Porém, do ponto de vista social, ela é um desastre
que arrasa culturas, modos de vida tradicional, como é o caso daquela produzida na
Amazônia.
Assim, Engels (2000, p.225) considera a importância de se conhecer e “regular”
também as consequências sociais, o que não será possível somente com o conhecimento:
[...] Para isso, será necessária uma completa revolução em nossa maneira de
produzir e, ao mesmo tempo, de tôda ordem social atualmente dominante.
Todos os modos de produção só tiveram por objetivo, até agora, o efeito útil,
mas imediato, do trabalho. As demais consequências, que só aparecem mais
tarde, tornando-se evidentes por sua repetição e acumulação gradual, foram
completamente descuidadas.
Voltando a Löwy (2014), podemos encontrar outras pistas que vinculam as ideias,
tanto de Engels como de Marx, ao debate ambiental atual. Pensamos que os exemplos dados
mostram que não há uma ausência, há uma falta de ênfase. Isso, entretanto, não inviabiliza
que, a partir da crítica original feita ao capitalismo, possamos analisar uma problemática atual
como a crise ecológica. É isso que Löwy (Ibidem) procura fazer e pensamos que suas
reflexões podem contribuir para analisar o contexto no qual emerge a EA. Se o que queremos
é uma EA que promova uma mudança na relação homem-natureza, é parcial e frágil tentar
discutir isso sem analisar o que subjaz à problemática ambiental:
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Sendo, pois, o nosso objeto a EA, é fundamental inicialmente considerar que ela
emerge nas relações estabelecidas no processo produtivo – que implica uma relação homem-
natureza, como já exposto - e carrega uma concepção de educação que, por sua vez, traz em
seu bojo ideologias muitas vezes contraditórias. Assim, pensamos que o rumo a ser tomado é
também analisar o próprio sentido do que seja a ideologia.
Se o que precisamos, segundo Leff (2004), é da construção de uma nova
racionalidade ambiental e uma mudança de civilização, como diz Löwy (2014), devemos ter
muito claro que isso não é facilmente estabelecido numa sociedade dividida em classes, em
que o domínio do capital não é exercido apenas no terreno material – das relações de
produção-, mas no terreno ideológico, sendo a educação um dos seus veículos.
Neste caso, é importante recorrer a Gramsci (1999, p.320) quando afirma: “[...] A
realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina
uma reforma das consciências [...]”. Tomando a afirmação para pensar o nosso objeto – a EA,
que podemos interpretar como um novo terreno ideológico - o que pretende o capitalismo,
enquanto tendo a hegemonia na atualidade, é “reformar” as consciências para uma
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“conscientização ambiental” que una exploração econômica e sustentabilidade. Mas isso não
é tão simples assim. Vejamos o que significa a categoria ideologia nas palavras de Gramsci
(1999, p. 387):
[...] Para a filosofia da práxis, as ideologias não são de modo algum
arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser combatidos e revelados
em sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade
etc., mas precisamente por razões de luta política: para tornar os governados
intelectualmente independente dos governantes, para destruir uma
hegemonia e criar uma outra, como momento necessário da subversão da
práxis. [...].
Assim, parece que temos uma pista para superar ou tentar construir uma EA que
não esteja comprometida com a lógica neoliberal, que tem permeado o campo ambiental e o
campo educacional. Mas aí, entendemos que ela precisa ser tomada como educação, no
sentido mais amplo e não apenas como “treinamento” ou “aprendizagem”, como o tem
defendido a UNESCO (2005).
Podemos considerar que, por fazerem parte da superestrutura, do modo produção
atual, guiado por uma prática voraz de devastação, entre as ideologias dominantes há brechas,
há espaços que podem ser tomados e aqui não nos referimos apenas àquela EA que ocorre no
interior da escola. Conforme Gramsci (1999, p.399):
evidências em campanhas publicitárias e até mesmo no interior das escolas. Todos esses
slogans apontam para o homem/mulher enquanto indivíduos e não como classe social. Por
isso, vale ainda a fala do autor:
É tendo como ponto de partida esse debate que podemos ascender a uma maneira
completamente diferente de se analisar a problemática ambiental. É essa análise que deve
permear os “conteúdos” da EA. Embora uma EA crítica transcenda o repasse de
conhecimentos e informações, é preciso analisar que visão sustenta as práticas de EA. E neste
sentido não basta teorizar a EA, é necessário que essa teorização tenha uma perspectiva crítica
e isso significa analisar a EA para além do que acontece, seja na escola ou em outros espaços
da sociedade. Como podemos desenvolver uma EA crítica, se não consideramos
preliminarmente a concepção de homem historicamente situado num modo de produção? Isso
implica ver – teoria é isso em parte – de forma diferente a questão ambiental que é o pano de
fundo para a EA.
A “Terra” tomada como sujeito que está ameaçado não é homogênea nem do
ponto de vista ecológico nem do social. Assim, não podemos esperar que as problemáticas
ambientais sejam tomadas da mesma maneira.
Dessa forma, tanto Leff (2000) como Viola (1987) e Waldman (1992)
reconhecem que o movimento ambiental desencadeado nos países desenvolvidos se diferencia
daquele dos países em desenvolvimento, nos quais problemas ambientais são distintos.
Enquanto os primeiros enfatizam principalmente problemas relacionados à poluição e à
degradação de recursos naturais, os países pobres, cujas necessidades básicas não foram
alcançadas, também incluem na pauta lutas sociais diversas, sendo algumas delas a luta contra
a ameaça de destruição das condições de vida em razão do avanço do capitalismo, seja através
de implantação de grandes projetos industriais ou ligados ao agribusiness.
Como afirma Ianni (2008, p. 200), fazendo referência a Marx, o capitalismo é um
processo civilizatório que “[...] „invade todo o globo‟, envolve „o intercâmbio universal‟ e cria
35
as bases de „um novo mundo‟, influenciando, destruído ou recriando outras formas sociais de
trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias”.
Assim, quando discutimos a questão ambiental numa perspectiva dialética
materialista histórica, não podemos olhar apenas a natureza degradada, poluída pelo processo
produtivo. Temos de considerar as condições de vida do ser humano, e que este estabelece
uma relação com a natureza que nem sempre é a mesma relação característica do capitalismo.
Posey (1997) discute como há evidências históricas de um modo de produzir sustentável entre
indígenas, entretanto afirma que na América Latina, não apenas estes, mas outros povos como
camponeses, seringueiros, caiçaras, são tratados de maneira vil pela elite dominante.
Cavalcanti, (2012, p. 36) tendo posicionamento semelhante, registra:
Essas perguntas – sem respostas! - nos fazem refletir que a “questão ambiental”,
que vem à tona com o movimento ambiental, deveria nos incitar a questionar esse modo de
produção totalitário em vez de tentar adequá-lo ou reformá-lo para ecologizar, ambientalizar,
torná-lo verde como o têm feito os organismos internacionais. O que Cavalcanti (Ibidem)
expõe é que a lógica inerente ao capital não é sustentável e as sociedades nele baseadas estão
mais para insustentáveis do que o contrário.
O fato é que já se passou quase meio século desde que o alerta foi feito e ações
concretas para reverter a crise anunciada são tímidas ou ineficientes. Não se trata de dar um
tom alarmista à crise ambiental, mas de analisar os dados sinalizadores de que a crise não foi
freada com o estabelecimento de tratados internacionais estabelecidos desde a década de
1970. Por outro lado, não se pode ignorar que lutas têm sido travadas e são importantes,
todavia não têm tido a força suficiente para frear a origem da crise, o capital, que não tem
fronteiras em sua fase globalizada, cujos reflexos podem chegar ao ribeirinho dos rios da
Amazônia, através dos impactos gerados por empreendimentos financiados por esse capital.
Para Leff (2004, p.17), a degradação ambiental questiona as próprias bases da
produção e reclama modelos econômicos alternativos que estejam “[...] fundados nos limites
das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na
criatividade humana.”
36
O fato para o qual tanto Cavalcanti (2012) como Leff (2004) estão chamando a
atenção é que não há possibilidade de o modo de produção atual sustentar-se, simplesmente
porque, do ponto de vista das condições materiais, a natureza tem limitações. A lógica do
capital é intensiva no uso dos recursos naturais na atualidade, dado o nível de produção de
mercadorias em circulação possibilitada pelas tecnologias. A evidência de que o capitalismo
não é sustentável parece não ser de todo desprezado nem mesmo pelos grupos mais
conservadores. A contradição é que o discurso da sustentabilidade no movimento ambiental é
tão fluido, que leva a diferentes caminhos de viabilizá-la.
Portanto, o que está em jogo são posicionamentos diferenciados quanto ao rumo
que deve ter o desenvolvimento predominantemente calcado em interesses capitalistas e, por
isso, registramos aqui, não se trata apenas de opção ideológica, mas de ações relacionadas às
condições concretas de reprodução do capital. Assim, pensamos ser importante revisitar as
correntes4 do movimento ambiental estabelecidas por Viola (1987) com o objetivo de situar
que não há homogeneidade nesse campo e que tais correntes podem ser agrupadas
sinteticamente em: ecologistas fundamentalistas, ecologistas realistas, ecossocialista e
ecocapitalista. Vejamos como cada uma pode ser apresentada.
Os fundamentalistas são aqueles que desconsideram qualquer possibilidade de
mudança na sociedade atual predatória da natureza e, por isso, buscam uma vida alternativa
longe dos princípios ocidentais judeu-cristinianos. Esse grupo filia-se ao movimento
anarquista-nihilista e, segundo Viola (Ibidem), defende a criação de uma sociedade alternativa
à parte da sociedade materialista contemporânea.
Os ecologistas realistas acreditam na possibilidade de transformação da sociedade
via movimento ecológico aberto ao diálogo com essa sociedade, mas com princípios rígidos,
tendo como “referencial normativo” um modelo econômico diferente do capitalismo e do
socialismo. A proposição dessa corrente é “ecologizar” o setor produtivo baseado em
pequenas empresas privadas e cooperativas, tendo um Estado alocador de recursos de atuação
mediana (municípios e região). O autor remete os fundamentos da ecologia realista a grupos
diversos, como do socialismo utópico, socialismo democrático, liberalismo de
desenvolvimento da pessoa e do gandhismo.
4
Ao adotarmos a classificação de Viola (1987) sobre o movimento ambiental, não desconsideramos a existência
de outras. Optamos por essa, porque entendemos que ela ainda dá conta de mostrar que tal movimento tem
concepções diversas, embora nossa pesquisa não tenha o objetivo de analisar as correntes indicadas para um
“enquadramento” do nosso objeto. Um texto indicativo de quão variadas podem ser as tipologias para definir o
movimento ambiental é apresentado por Rocha (2006).
37
O fato é que essa nova nomenclatura, centro das discussões da Rio+20, tem uma
clara defesa do respeito ao meio ambiente a partir da lógica do capital via adoção de
tecnologias para amenizar os impactos das atividades produtivas e aqui reside uma suspeita
comentada por Almeida (Ibidem) em relação à política internacional. Trata-se de uma antiga
questão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que os primeiros
historicamente imprimem o rumo a ser tomado e, neste caso, são eles que predominantemente
38
produzem as ditas tais tecnologias a serem adotadas pelos países em desenvolvimento, que
têm poder limitado no jogo de forças do mercado internacional. Além do quê, hoje, as
“soluções ambientais” formam um atrativo mercado, constituindo-se em uma mercadoria a
mais a ser adotada (RIBEIRO, 2014). Não se trata de dizer que novas tecnologias são
dispensáveis. Pelo contrário, elas são fundamentais tanto para reverter como para prevenir
danos ambientais e, neste sentido, não apenas a inovação, mas a sua distribuição equitativa é
importante para pensarmos uma sociedade sustentável. Ou seja, isso demanda decisões
políticas para além de descobertas científicas que possam subsidiar uma revolução nesse
campo.
Tendo então por premissa que são os ecocapitalistas que dominam o cenário
econômico, quando pensamos a questão ambiental atual, precisamos fazer outra análise daí
decorrente. Ora, se o capital fez uma metamorfose tentando encobrir os tons de cinza das
queimadas, da poluição, da degradação pelo tom verde das florestas – não é estranho que
toda boa ação ambiental seja plantar uma árvore – isso se fez ao mesmo tempo em que houve
a reorganização das bases do capitalismo, que passou a adotar como rumo teórico a política
neoliberal. Estamos tratando de um movimento – o ambiental – que ganha proeminência
diante das mazelas causadas pelas externalidades produzidas no âmbito da produção,
requerendo o uso intenso dos recursos naturais, os quais são limitados e, por outro lado, não
distribuem a riqueza gerada, causando também a degradação social.
Assim, o nosso próximo passo é expor como se deu o entrelaçamento do
neoliberalismo com o campo ambiental e a educação, pois partimos do pressuposto de que a
EA, sendo tributária desses dois campos, não é imune à lógica neoliberal e também pode ser
afetada por ela.
39
CAPÍTULO 2
O neoliberalismo traz em seu bojo um receituário tido como infalível para curar as
mazelas da ordem político-econômica atual, em que o capitalismo se impõe como modo de
produção dominante. De forma breve, essa doutrina é assim definida por Harvey (2014, p.
12):
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-
econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem
promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras
individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por
sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio.
das contradições do neoliberalismo, pois, como mostra Harvey (2014), não há uma plena
correspondência entre o que o neoliberalismo postula e sua aplicação, sendo uma delas a
referente ao papel do Estado. Se num dado momento, ele é convocado a se retirar, noutro se
exige sua presença para assegurar que a livre concorrência se efetive.
Harvey (2014) explica que o neoliberalismo ganhou proeminência a partir de
vários epicentros, mesmo que as problemáticas que levaram a sua adoção em cada um desses
países não tenham sido exatamente iguais. O autor (Ibidem) afirma que o primeiro país a
adotar a orientação neoliberal na formulação de sua política econômica foi o Chile, ainda na
década de 1970, que, com a ditadura de Augusto Pinochet, provocou uma profunda
reestruturação naquele país. Nos anos de 1980, dois países de proeminência internacional
aderiram a essa doutrina, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, além de outros países como a
Índia e a Suécia.
O que ocorreu, segundo o autor (Ibidem), foi que desde o fim da Segunda Guerra
Mundial, tornou-se necessária uma nova ordem que colocasse fim ao caos instaurado que nem
o capitalismo e nem socialismo, nas suas formas originais, estavam dando conta de resolver.
Era necessária uma combinação acertada entre Estado, mercado e instituições democráticas
que assegurassem a paz. O Acordo de Bretton Woods realizado em 1944 e a criação de
instituições como a ONU, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) tinham
um papel importante neste sentido. Essas três instituições, como a história tem mostrado,
ganharam ao longo dos anos papel decisivo em encaminhamentos político-econômicos
mundiais, sendo que as duas últimas instituições tornaram-se hegemônicas em definir os
rumos dos países que ficaram dependentes de sua intervenção financeira e, por conseguinte,
tiveram de aceitar suas intervenções técnicas.
Mas, deixando de lado as diferenças nos encaminhamentos econômicos e políticos
tomados por diferentes países após o Acordo de Bretton Woods, o que todos tinham em
comum era a aceitação do fato de que que o Estado deveria prover emprego, crescimento
econômico e bem-estar dos seus cidadãos. O que estava em curso era o que hoje Harvey
(Ibidem) chama de “liberalismo embutido” que, durante as décadas de 1950 de 1960, nos
países capitalistas avançados, gerou altas taxas de crescimento econômico: “[...] Promoveu-se
uma economia social e moral (sustentada às vezes por um forte sentido de identidade
nacional) por meio das atividades de um Estado intervencionista” (HARVEY, 2014, p. 21).
Ocorre que, a partir da década de 1970, esse modelo econômico começou a entrar
em crise, o que culminou com a adoção do neoliberalismo como caminho viável para reverter
42
a crise que se abateu, e que teve na crise do petróleo, ocorrida em 1973, um desencadeador a
mais.
Dessa forma, como já dito, vamos encontrar na década de 1980 dois países como
ícones do neoliberalismo, os Estados Unidos, presidido por Ronald Reagan e a Grã-Bretanha,
pela Margareth Thatcher:
A leitura feita por Harvey (2014) do papel do Banco Mundial e do FMI não é
diferente. Ele analisa que, no contexto da crise de 1982, a presidência dos Estados Unidos da
América (EUA) contou com a possibilidade de não apoiar o FMI, mas mudou de ideia ao
descobrir que podia unir o Tesouro do Estado a essa instituição e, ao resolver dificuldades
das dívidas, exigir as reformas neoliberais:
5
O Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), coordenado pelo Banco Mundial
atuou na região oeste do Pará, pelo menos através de três iniciativas: o Programa de Apoio ao Manejo Florestal
na Amazônia (ProManejo), o Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea), e o Projeto de
Gestão Integrada (PGAI). Encerrado em 2008, o PPG7 foi considerado pelo Banco Mundial como um projeto
exemplar realizado no Brasil numa reportagem publicada no site da instituição:
<http://www.worldbank.org/pt/news/feature/2012/07/19/ppg7-maior-programa-ambiental-brasil>. Acesso em
20/01/2016. Outro projeto em andamento, fruto da parceria do Banco Mundial com o Brasil, é o Programa
Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) (BANCO MUNDIAL, 2015) no âmbito do qual, temos duas unidades
44
Voltando a Helen Clark, ela também fez uma consideração importante: a pobreza
infantil está crescendo em mais de 28 países da União Europeia, em razão da diminuição de
benefícios a mães trabalhadoras. Uma breve análise nos dados do PNUD sempre mostrou
como sendo os principais locus da pobreza, a África, os países da América Latina e Caribe.
Agora são os países europeus que entram no rol e não precisamos fazer muito esforço para
analisar o que tem levado a essa redução de benefícios sociais.
Na política neoliberal, dois elementos importantes concorrem para isso: a
precarização do trabalho e a reestruturação do Estado, que é intimado a se retirar de cena,
quando convém ao capital e que se antes era tido como Estado de Bem-Estar Social, hoje
podemos tranquilamente denominá-lo de Estado de Mal-Estar Social.
Assim, o Estado se exime de assegurar conquistas sociais e no âmbito da questão
ambiental, o que vamos encontrar, nas discussões promovidas, sobretudo, via ONU, é a
ênfase em novos mecanismos de governança que tragam para o palco a presença da sociedade
civil, via ONGs, cientistas, empresas privadas etc., conforme declaração da já citada
administradora do PNUD.
Aliás, com o afastamento do Estado, o neoliberalismo vai fundar uma verdadeira
campanha contra este ente, e colocar a sociedade civil como protagonista importante das
mudanças necessárias. No campo ambiental, o exemplo mais evidente é a presença maciça
das ONGs, muitas de envergadura internacional como representantes da sociedade civil, ao
lado de outras instituições em busca da sustentabilidade, como ficou evidenciado no Fórum
das ONGs, realizado paralelamente à Eco-92.
Dessa forma, é contrariando a natureza de inter-relação entre Estado e sociedade
civil, segundo a concepção gramsciana, que o Estado é visto com extrema desconfiança e a
sociedade civil é tida como impermeável à sua influência. Vale destacar que essa cisão não é
encontrada em Gramsci, conforme palavras de Liguori (2007), que alertam para não se
interpretarem de forma isolada determinadas afirmações do pensador marxista:
Não queremos dizer com isso que certas afirmações sejam estranhas ao
contexto de reflexão gramsciana, mas que Gramsci, pela brevidade dos
apontamentos ou pela „veemência‟ da reação, uma vez que se batia
teoricamente contra os propugnadores da ideologia da separação „orgânica‟
de Estado e sociedade civil – reage com uma afirmação excessiva. Na
realidade, para Gramsci a relação é dialética, de interpelação e influência
recíproca. [...] Estado „propriamente dito‟ e sociedade civil‟ são dois
momentos distintos, não se identificam, estão em relação dialética e, ao
mesmo tempo, constituem o „Estado ampliado‟.[...]. (Ibidem, p. 34-35)
Nesse contexto de mudanças necessárias no plano cultural, que inclui não somente
as elites intelectuais, mas a defesa incontestável da liberdade individual dos sujeitos numa
sociedade forjada para o consumo, a liberdade, significa, em suma, o poder para escolher o
que se deseja num mundo em que a mercadoria reina absoluta. E aqui vale observar que dada
a sua importância no processo de produção do capital, Marx tratou de começar por ela sua
análise: “A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas
propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas
necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa [...]”
(MARX, 1996, p. 165). Como vimos aí, não são apenas as necessidades vitais que nos levam
a nos apropriarmos da mercadoria, mas também necessidades que podem ser criadas pela
“fantasia” e, neste sentido, o neoliberalismo é hábil em criá-las, promovendo mudanças
culturais que justifiquem a sua adoção. Por isso, a constituição de um indivíduo consumidor é
imprescindível:
A neoliberalização precisava, política e economicamente, da construção de
uma cultura populista neoliberal fundada no mercado que promovesse o
consumismo diferenciado e o libertarianismo individual. No tocante a isso,
ela se mostrou mais que compatível com o impulso cultural chamado „pós-
modernismo‟, que havia muito espreitava no ninho, mas agora podia surgir,
emplumado, como dominante tanto cultural quanto intelectual (HARVEY,
2014, p.52).
Pode parecer que essa discussão sobre um indivíduo livre para o consumo nada
tem a ver com o nosso objeto em questão. Mas não é bem assim. Primeiro, porque é
praticamente predominante no debate não apenas ambiental e da própria EA um discurso
voltado para a ênfase no indivíduo: é ele que degrada e que, portanto, deve ser “educado” para
respeitar o meio ambiente. A responsabilidade é atribuída ao indivíduo e não ao modo de
produção, muito embora seja até mencionado que o mundo industrializado precise de
mudanças. Segundo, é recorrente também nas propostas de EA o repensar o consumismo, no
47
Se temos, portanto, um indivíduo livre para consumir, temos de ter uma ampla
variedade de mercadorias para ofertar e, aqui, ocorre o que Harvey (2014, p.179) chama de
mercadificação de tudo, o que é imprescindível no neoliberalismo.
6
Há também a chamada obsolescência programada. Ou seja, os produtos são projetados para durar pouco para
que possam ser rapidamente substituídos por outros. Essa é uma característica inerente ao capitalismo e que tem
impacto direto no ambiente.
48
também mencionados por Harvey (2014) a respeito disso. Inicialmente, ele diz que o Estado
neoliberal é ambivalente, quando se trata das questões ambientais e que o movimento
ambiental conseguiu refrear e fazer com que empresas adotassem medidas que reverteram em
melhoria ambiental, ainda que o saldo total da neoliberalização seja sempre negativo para o
ambiente. O exemplo de como a neoliberalização na prática é desastrosa ambientalmente é os
EUA, uma das maiores economias neoliberais. Esse país apresenta uma realidade
insustentável, uma vez que, embora possa ter encontrado mecanismos de eficiência na
indústria e construção civil, continua a ter uma frota de veículos de consumo exorbitante de
combustível fóssil (Ibidem).
Outra problemática apontada por Harvey (Ibidem) é que o neoliberalismo induz a
uma intensificação da exploração dos recursos naturais, dado que as relações contratuais para
isso são breves, o que leva a extrair o quanto mais em menor tempo. Podemos acrescentar que
isso ocorre também, quando não há contrato algum e os recursos são explorados de forma
ilegal, como o caso das madeireiras na Amazônia, ou o uso intensivo dos solos para as
monoculturas que são determinadas pelo mercado e não pelas necessidades locais.
Finalmente, ele cita as consequências dos ajustes estruturais impostos pelo FMI que levam ao
desemprego, à pobreza e à pressão sobre os recursos naturais. Ou seja, as mesmas instituições,
o FMI e o Banco Mundial, que devastam economias de países em desenvolvimento,
diminuindo e/ou extinguindo direitos sociais, gerando desemprego e fome, contraditoriamente
assumem um discurso ambiental de combate à pobreza que, conforme análise de
Chossudovsky (1999), é gerada pelas suas próprias práticas. A afirmação do autor é
contundente:
O poder de compra interno entrou em colapso, a fome eclodiu, hospitais e
escolas foram fechados, centenas de milhões de crianças viram negado seu
direito à educação primária. Em várias regiões do mundo em
desenvolvimento, as reformas conduziram ao ressurgimento de doenças
infecciosas, entre elas a tuberculose, a malária e o cólera. Embora a missão
do Banco Mundial consista em „combater a pobreza‟ e proteger o meio
ambiente, seu patrocínio para projetos hidrelétricos e agroindustriais em
grande escala também tem acelerado o processo de desmatamento e de
destruição do meio ambiente, causando a expulsão e o deslocamento forçado
de vários milhões de pessoas (Ibidem, p.26).
Importante dizer que não podemos ignorar que o apoio financeiro a projetos que
têm contribuído para a conservação ambiental, vindos não apenas do Banco Mundial, mas do
setor privado deixem de ser importantes. O apoio, seja técnico/e ou financeiro, em verdade,
50
constitui uma “obrigação”, lembrando que muitas vezes os valores destinados são ínfimos
diante dos lucros obtidos.
O que não podemos deixar de analisar são as contradições que se escondem por
detrás das iniciativas de sustentabilidade promovidas pelo neoliberalismo e mais, é preciso
saber distinguir para quem é essa sustentabilidade: se para o capital ou para aqueles que são
atingidos pelas externalidades negativas do setor produtivo. Assim, é necessário nos determos
um pouco sobre como o discurso ambiental é atravessado pelo neoliberalismo.
2.2 Metamorfose do capitalismo: do tom cinza da poluição para o verde das florestas
análise apressada, pode sugerir o anúncio da morte do modo de produção capitalista – embora
esse não fosse o objetivo do grupo que pertencia à classe hegemônica que encomendou o
estudo, pois ele por sua natureza exige crescimento, expansão, e concentração de riquezas - a
segunda proposição pode ser interpretada como uma estratégia de revigoramento desse modo
de produção além de ser mais palatável. Tal proposição ficará bem mais atraente na Rio+20,
dado um “novo” ingrediente, que na verdade esteve presente em todo o percurso da noção do
Desenvolvimento Sustentável, mas que agora é colocado explicitamente. Estamos falando da
Economia Verde, que escancara a crença na compatibilidade entre economia capitalista e
meio ambiente, através da adoção de tecnologias que atenuem ou anulem os impactos
ambientais que, segundo Almeida (2012), é alvo de inúmeras controvérsias.
É, portanto, relevante analisar criticamente tanto a Conferência de Estocolmo,
marco da discussão ambiental em nível mundial, como a Eco-92, que estrutura uma agenda de
compromissos para os países participantes e divulga em ampla proporção o desenvolvimento
sustentável. Vamos buscar essa análise em Oliveira (2011) que, ao se deter sobre ambas,
expõe os fundamentos políticos e ideológicos desses dois eventos, cujo direcionamento em
última instância é dado pela classe dominante, que pretende “adequar” o discurso ambiental
ao modo de produção capitalista. Pela análise feita pelo autor, é possível dizer que a questão
ambiental, desde que se tornou “oficial” a partir das conferências da ONU, tem o objetivo
central de encontrar consensos e pactuar acordos, entrelaçando os interesses capitalistas e a
defesa do meio ambiente. Aliás, essa apropriação do movimento ambiental pelo capitalismo
neoliberal nas últimas décadas é explicitada também por Ribeiro (2014). Embora enfocando
objetos distintos: o primeiro (OLIVEIRA, Ibidem) faz a análise da Eco-92 e o segundo
(RIBEIRO, Ibidem) uma análise da constituição de um modelo de urbanização insustentável
que se apropria do discurso ambiental, ambos vão investigar em última instância, a relação
entre o discurso ambiental e as estratégias do capitalismo fundadas no neoliberalismo. Nossa
tese caminha nesse mesmo sentido, procurando explicitar que a EA, considerada, algumas
vezes, como “salvação” para a crise ambiental, não passaria incólume a essa apropriação e
pode tornar-se um poderoso instrumento ideológico para fazer acreditar que a origem de tal
crise é um homem genérico desfocando o olhar da análise do modo de produção capitalista e
suas contradições, que incluem, dentre outras, a própria degradação ambiental.
Dessa forma, Oliveira (2011) comenta que o ganho da conferência de 1972,
marcada pelo “dissenso”, foi a prescrição de criação do PNUD, que ocorreu logo em seguida,
e a Declaração de Estocolmo. A análise do autor caminha na direção do entendimento de que
o contexto histórico, político e econômico não propiciava as condições para uma unanimidade
52
em torno da questão ambiental ali levantada. A exemplo, o próprio Brasil, que na década de
1970, vivia o chamado milagre econômico, via na proposta de crescimento zero uma séria
ameaça ao modelo econômico em andamento. Não apenas ele, mas outros países fizeram coro
em uníssono contra uma proposta que levava em consideração primordialmente a
problemática ambiental referente à poluição causada pela industrialização dos países ricos.
Vista por esta ótica, a industrialização dos países pobres seria um risco para o ambiente a ser
resolvido com o crescimento zero.
Assim, somente na década de 1980 foi construída uma proposta de
desenvolvimento capaz de promover consensos, amplamente divulgada na década seguinte.
Conforme Oliveira (Ibidem, p.64):
Na prática, isso significa que patentes podem ser estabelecidas para assegurar a
propriedade intelectual dos conhecimentos gerados a partir da biodiversidade e que,
frequentemente, tiveram como ponto de partida conhecimentos tradicionais apropriados
através de pesquisas financiadas por instituições científicas e farmacêuticas, o que tem
suscitado discussões a respeito (ALMEIDA, 2008). O que ocorre, conforme expõe Harvey
(2014), ao discutir o neoliberalismo, é que as patentes implicam o direito de propriedade, que
é fundamental dentro de um mercado regulado pelo livre comércio, o qual dá legitimidade
para que o “indivíduo” venda o que possui.
55
Outro exemplo ainda do que significa esse uso racional é a exploração madeireira,
que pode ser realizada dentro de um plano de manejo e seguir os ditames legais num
momento em que, segundo Garrido Filha (2002), têm se deslocado para a Amazônia
madeireiras asiáticas, norte-americanas, além de outras que já estão instaladas que adquirem
imensas extensões de terra para gerar e concentrar capital. Esses latifúndios que, por si só,
geram conflitos históricos, como têm mostrado alguns estudiosos, muitas vezes são
resultantes da grilagem de terras, um grave problema recorrente e que tem sido pauta de
discussão de Pinto (2014) no livro “O Fim da Amazônia”.
Além da retirada dos recursos da floresta, sejam madeireiros ou para a
bioprospecção, outra possiblidade de mercado levada a cabo pela ideia do desenvolvimento
sustentável relacionado às florestas é o crédito de carbono, que prevê a floresta em pé, e se
beneficia do serviço ambiental que ela propicia. Quando, em 2010, a Comissão de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou a regulamentação do mecanismo de
Redução Certificada de Emissões do Desmatamento e Degradação (REDD), a fala da relatora
da medida aprovada, a deputada Rebecca Garcia (PP/AM), foi incisiva: "É importante o
reconhecimento da necessidade da manutenção das florestas e a possibilidade de países
desenvolvidos entrarem com recursos para países que estão na faixa tropical terem a
possibilidade de manterem essas florestas”7. Ou seja, a medida é pensada considerando os
países que podem pagar para continuar poluindo e aqueles que devem conservar para vender,
pois o que se estabelece é uma relação comercial, na qual o que está em jogo é o capital. Isso
é evidenciado na fala da mesma relatora, ao dizer: "Nós entendemos que o REDD não é
apenas uma questão ambiental. É um discurso econômico, é a possibilidade de se criar um
modelo econômico para uma região que não tem um modelo econômico de desenvolvimento
sustentável." A fala é ilustrativa para analisarmos a relação capital-meio ambiente. Por isso, a
análise de Oliveira (Ibidem) é interessante para esclarecer como ocorreu o elo entre o
desenvolvimento sustentável e o neoliberalismo no contexto da Eco-92. O quadro a seguir,
apesar de ter limitações, como o próprio autor reconhece, é ilustrativo para mostrar as
mudanças ocorridas no debate ambiental internacional desde 1972:
7
A informação consta em entrevista concedida para a Agência Câmara Notícias, publicada no dia 02/12/2010.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/MEIO-AMBIENTE/151757-MEIO-
AMBIENTE-APROVA-REGULAMENTACAO-DE-CREDITO-DE-CARBONO.html>. Acesso em 3/10/2015.
56
Pelo quadro apresentado por Oliveira (2011), é possível observar como não apenas o
contexto político-econômico da década de 1970 é diverso daquele de 1990 e como os
encaminhamentos daí procedentes vão introduzindo um viés neoliberal no intuito de
conservar o meio ambiente. A corrente conservacionista, conforme discute Diegues (1986),
propugna a conciliação entre a exploração racional dos recursos e serviços ambientais e o
respeito ao meio ambiente, logo, não há incompatibilidade entre meio ambiente e economia
nessa acepção. É possível também identificar que, pelo número de Chefes de Estado na Eco-
92, a questão ambiental deveria entrar definitivamente para a agenda política dos países, que
saíram dali com a responsabilidade de implementar a Agenda 21 e que, de acordo com
Oliveira (Ibidem), foi fruto de um processo em que capítulo a capítulo foram resultado de
negociações. Entretanto, pelo texto de tal agenda global, não apenas os Estados deveriam
tomar a iniciativa na sua execução, a sociedade civil também era requerida para isso. Por um
lado, essa sociedade civil - embora não de forma exclusiva - tem sido associada
principalmente às ONGs que, conforme podemos observar no quadro citado, tiveram um
crescimento exponencial da Conferência de Estocolmo para a Conferência do Rio de Janeiro.
Podemos interpretar que esse aumento deve-se principalmente às reformas influenciadas pelo
neoliberalismo, que colocam o protagonismo do Terceiro Setor como necessário e alternativo
às políticas estatais.
Decorrentes dessa “onda” verde pós-Eco-92, que se espraiou sobre toda a
sociedade, vamos encontrar a inserção do discurso ambiental também no setor privado. Por
isso, basta um rápido levantamento nos sites de empresas, sejam nacionais e/ou
multinacionais, relacionadas a vários setores da produção, para observar que praticamente
todas têm o lema da responsabilidade ambiental.
Um trabalho que consideramos exemplar para explicar como o capital se apropria
do “discurso verde” para lucrar é aquele realizado por Ribeiro (2014), no qual analisa que na
Europa - mais especificamente na França - e no Brasil, tomando como referência o caso de
Florianópolis, propaga-se a política do écoquartier, ou bairro sustentável. Essa proposta,
guiada pelo lógica da “privatização e financeirização do espaço” promovida por grandes
empreendimentos imobiliários, abraça o discurso ambiental para vender a ideia de uma
urbanização sustentável seguindo a lógica do mercado. O autor (Ibidem) também expõe vários
exemplos de espaços construídos e associados à ideia de sustentabilidade, desde locais de
negócios, a hotéis, embora tenha focado sua análise em espaços residenciais. Se essa é uma
análise a partir do setor imobiliário, em outros setores da economia também podemos
encontrar essa associação. É o caso do agronegócio. A revista A Granja - propagadora do
58
agronegócio no Brasil -, por exemplo, traz inclusive uma versão com historinhas em
quadrinhos voltadas para crianças, que coloca lado a lado o cuidado com o ambiente e a
propaganda da monocultura, do uso de defensivos agrícolas como necessários à produção. A
edição ilustrada abaixo mostra uma cena curiosa de animais, crianças e maquinários em
“harmonia” e felizes:
Seguindo ainda essa linha do agronegócio, como iremos analisar noutro momento,
em Santarém, temos a presença da Cargill, uma multinacional norte-americana que defende
produzir com sustentabilidade, mostrando através de seu site os relatórios para convencer
sobre isso, muito embora tenha sido associada no município e região a problemas ambientais
desde o aumento do desmatamento para a plantação da soja até a ocorrência do êxodo rural.
(COSTA, 2011).
Enfim, essa exposição é para mostrar o campo minado da discussão ambiental que
pode servir de sustentação para nossa tese de que EA não passa por aí sem ser atingida e que,
portanto, vai apresentar fortes marcas neoliberais, embora seja preciso vislumbrar,
parafraseando Mèszaros (2005), a possibilidade de uma EA para além do capital.
59
Por outro lado, de acordo com Silva (2002), sendo signatário da Conferência
Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien em 1990, o Banco Mundial induziu a
políticas para “alcançar as necessidades básicas de aprendizagem para todos”, dando ênfase
ao como ocorre a aprendizagem com o objetivo de que os sujeitos, tendo a capacidade de
expandir conhecimentos, adquirir competências e domínio de linguagens, possam estar
preparados para um contexto em que se alivia a pobreza e haja mais rendimentos econômicos:
“[...] Para o Banco, a política educacional tinha como centralidade a educação primária, com
ênfase nos insumos para a qualidade baseada na relação custo/benefício e resultados [...]”
(Ibidem, p.82).
Tal educação traz tanto para campo da política educacional como para o interior
da escola a lógica empresarial sob vários aspectos. Primeiro, sendo o Estado afastado da sua
tarefa primordial, ela se torna uma mercadoria a ser ofertada pelas escolas e faculdades
particulares. Segundo, a qualidade é medida por números coletados pelos diversos
mecanismos de avaliação implantados que friamente classificam as melhores e as piores
escolas. E com um agravante, a responsabilidade pelos resultados é atribuída a elas, noutras
palavras, aos professores, pedagogos e alunos, e, em sequência, aos pais e à comunidade, que
passam a ser convocados para o cotidiano escolar. Nas palavras de Silva (2002, p.84):
Seguindo essa lógica da educação como mercadoria a ser negociada por aqueles
que só conseguem visualizar resultados quantitativos, é tal visão que permeia as reformas
curriculares que vão centrar como importantes os conhecimentos relativos à Matemática, à
língua materna e às Ciências. Segundo Freitas (2011, p.78):
Como muitos outros naquela era, eu fui atraída pela ideia de que o mercado
iria trazer inovação e maior eficiência para a educação. Eu estava certamente
influenciada pela ideologia conservadora de outros membros do alto escalão
da primeira administração Bush, que eram fortes apoiadores da escolha e da
competição escolar. Mas com a mesma importância, creio, eu comecei a
pensar como uma formadora de políticas públicas, especialmente de políticas
federais. Isso significou, nas palavras de um livro de James C. Scott que eu
mais tarde li e admirei, que comecei a „ver como um Estado‟, olhando para
as escolas e professores e estudantes de uma altitude de dez quilômetros e
vendo-os como objetos a serem movidos por grandes ideias e grandes
planos.
8
Os dados estão disponíveis em
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160209_ocde_alunos_baixa_performance_pai_df>. Acesso
em 05/03/2016.
63
indivíduo desenvolver competências que lhe permitam alcançar um emprego que agora é
escasso. Segundo Saviani (2013, p. 430):
brasileira e suas reformas educacionais. Por isso, o autor (Ibidem) afirma que os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) produzidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC)
trazem a mesma orientação do aprender a aprender. Detenhamo-nos um pouco aqui, pois é
através dos PCNs que a EA entra na educação formal, visto que a Lei de Diretrizes e Bases
para a Educação, Lei 9.394/96, não faz menção a ela.
As reformas educacionais vêm na esteira das mudanças exigidas pelo capital para
criar um sujeito que se adeque a essa nova ordem sob o manto do neoliberalismo. Assim,
entra em cena a necessidade de que os conhecimentos para essa nova realidade sejam
adequados, o que induz a reformar o currículo da escola. De acordo com Jacomeli (2004), a
reforma curricular introduzida através dos PCNs na educação brasileira não é um caso
isolado, tendo ocorrido também no Chile e na Espanha, sendo deste último país o principal
consultor que acompanhou a inserção dessa proposta no Brasil.
Ora, é no âmbito dos PCNs (BRASIL, 1997) que vamos encontrar os Temas
Transversais considerados por seus defensores como necessários para trazer para o interior da
escola temáticas do cotidiano a serem aprendidas e, dentre estas, a questão ambiental. Se
considerarmos a perspectiva e os objetivos a que se destina a inserção desses temas na
educação, chegaremos à conclusão de que a EA a ser desenvolvida a partir do Tema
Transversal Meio Ambiente não é nada animadora.
Conforme analisamos noutro momento (PALHANO, 2006), o tema transversal
meio ambiente foca predominantemente os aspectos naturais sem menção às questões sociais
aí implicadas, expondo uma fragilidade perigosa nessa proposta, mas que, por outro lado, faz
todo sentido: se analisarmos a sustentabilidade requerida pelo capital, ela foca a conservação
dos recursos naturais, pois estes são essenciais para o processo produtivo. Destruir
indiscriminadamente a natureza é uma ameaça ao próprio capitalismo, portanto, a
sustentabilidade ecológica é buscada ao lado da sustentabilidade econômica em detrimento da
sustentabilidade social. Da mesma forma, esse foco em temas que poderiam caber plenamente
na disciplina Ciências não é em vão, pois esse é um campo importante a ser avaliado ao lado
da Matemática e língua materna, conforme já mencionamos.
Diante disso, vale registrar o questionamento feito por Jacomeli (2004, p.35)
em relação às atitudes e valores a serem desenvolvidos em consonância com os PCNs. A
autora chama a atenção para o fato de que, em momento algum, o texto do s PCNs, por
exemplo, remete a verbos como “questionar, lutar, não se conformar com, exigir respeito,
libertar-se de... etc.”. Ou seja, o que podemos sugerir é que se pretende uma educação para o
conformismo, o que seria incompatível com uma EA que pretenda estabelecer uma nova
65
9
O caso do rompimento da barragem da lama proveniente da mineração, da empresa Samarco em Mariana- MG,
ocorrido em novembro de 2015, pode nos dar uma ideia do quão danosa pode ser essa atividade econômica.
66
Feitas essas observações, pode parecer que a nossa visão é muito ácida em torno
da EA, dando margens para interpretações no sentido de que, se ela tem amarras com a lógica
neoliberal, seria dispensável. Não se trata de analisar por essa via: a crítica feita é para expor
tais amarras para superar o senso comum da EA, e ascender para uma EA que possa contribuir
de fato para o estabelecimento de uma nova ordem, em que a natureza e o ser humano não
sejam objetos de exploração.
Assim, a nossa perspectiva não é de pessimismo em relação à EA, mas ao
evidenciar suas amarras e “conexões ocultas” e, algumas vezes nem tão ocultas, contribuir
para abrir caminhos para outras possibilidades, atentando que, em se tratando da educação
escolar, especificamente, nem tudo que aí ocorre é mera reprodução. Aliás, Snyders (1981, p.
106), ultrapassando o pensamento de Bourdieu-Passeron e Baudelot-Establet, vai afirmar que:
“[...] A escola é simultaneamente reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão
da ideologia oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e
possibilidade de libertação [...]”. Dessa forma, partindo de uma análise dialética da realidade,
ele vai mais longe:
Entende-se por dialéctica que cada contrário é penetrado pelo seu contrário,
correndo portanto o risco constante de se perder arrastado por ele, mas
podendo igualmente encontrar nesse contrário o aguilhão da luta. A escola
nem é um local de vitória, de libertação já assegurada, nem o órgão voltado à
repressão, o instrumento essencial da reprodução; segundo as relações de
força, acompanhando o momento histórico, ela é uma instabilidade mais ou
menos aberta à nossa acção (Ibidem, p. 106).
[...] que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro,
mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo
tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a
cooperação internacional (UNESCO, 1998, p.2).
Assim, essa agenda defende uma educação que reconheça a complexa relação
entre economia, sociedade e meio ambiente, a ser desenvolvida numa perspectiva
interdisciplinar, abrangendo todos os níveis de ensino e a sociedade. A disseminação dessa
“conscientização ambiental” seria de responsabilidade, além dos governos, do setor
empresarial, das organizações não governamentais e comunitárias. O treinamento é
considerado fundamental para o alcance dos objetivos propostos:
10
Uma via para essa inserção da EA perpassando as disciplinas pode ser identificada no Brasil, já em 1997,
quando os PCNs orientavam, neste sentido, ao propor o Tema Transversal Meio Ambiente.
74
aprendizagem, conforme vimos na citação anterior. Eis uma proposta que vem articulada a
outros referenciais da UNESCO para a educação, conforme já expusemos, a Declaração de
Jomtien e o Relatório um Tesouro a descobrir, ambos com ênfase no aprender a aprender.
Isso contraria o que já havia sido definido, por exemplo, noutro documento já
anteriormente citado, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, amplamente divulgado e tomado como referência inclusive nas
políticas de EA no Brasil. Neste tratado (2007, p. 104), é afirmada uma educação ambiental
que comporta, dentre outros, os seguintes princípios:
Como podemos ver, o texto do Decreto é bem generalista, calcado numa perspectiva de
que o meio ambiente a ser preservado/conservado deveria ser o natural. Uma contradição
evidente, pois o que ocorria no plano concreto era exatamente o contrário, com a instauração
das indústrias no centro-sul e dos grandes projetos de exploração mineral, construção de
hidrelétricas na Amazônia. “Integrar para não entregar”, jargão bem conhecido desse período,
significava povoar o Norte, desmatar para exportar madeira, criar gado e praticar a
agricultura, seguindo os ditames da revolução verde, ou seja, usar agrotóxicos, fertilizantes e
praticar a monocultura11.
É nesse cenário contraditório que a EA vai se desenvolvendo no País. Dias (1991)
comenta que, ainda na década de 1970, uma iniciativa significante foi desenvolvida pela
Universidade de Brasília ao ministrar curso de extensão em Ecologia, o qual alcançou em
torno de 4 mil pessoas, visando à reformulação curricular das disciplinas Ciências físicas e
biológicas, Programas de Saúde e Ambiente. É também nos arredores do Distrito Federal, em
11
Uma análise da expansão do capital na Amazônia durante a ditadura militar é feita por Ianni (1986) no livro
Ditadura e Agricultura.
77
Isso não ocorre à toa, pois, no contexto do regime militar, uma EA que trouxesse à
tona questões sociais e políticas poderia representar perigo, além do quê, essa perspectiva
atendia aos interesses dos países desenvolvidos, que não tinham interesse em difundir uma
reflexão que evidenciasse o fosso entre esses e os países pobres. Era importante que países
como o Brasil olhassem apenas para as questões do seu ambiente natural. Mesmo com a Lei
n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, não houve mudança
significativa nesse sentido:
78
efetivação ainda não foram suficientes, conforme Dias (1991), ao expor o percurso histórico
percorrido, pelo menos ela passou a existir formalmente. Com a extinção da SEMA, em 1989,
em virtude da fusão com outros órgãos – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF), Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e Superintendência da
Borracha (SUDHEVEA) –, que iriam formar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a EA passou a ser uma divisão na estrutura
organizacional desse órgão, quando poderia ter sido uma coordenadoria com uma capilaridade
maior de suas ações, conforme depoimento de Dias (Ibidem), que participou da instauração
desse processo.
Do ponto de vista das concepções que permeavam o debate e o fazer da EA, o viés
conservacionista/ecológico ainda continua, mas acreditamos ser salutar o que diz Carvalho
(2008, p.5):
concepção correta e outras que estão erradas, mas de ter clareza de que tipo de EA é
necessária para contribuir com mudanças radicais na relação homem-natureza.
A chegada da EA na escola é importante, pois na sociedade atual ela é o lugar
onde ocorre a socialização do saber e se instaura a institucionalização da prática pedagógica.
Conforme Saviani (2011, p.13) “[...] a escola configura uma situação privilegiada, a partir da
qual se pode detectar a dimensão pedagógica que subsiste no interior da prática social global.”
Por isso, entendemos que os diversos cursos de formação e eventos promovidos por algumas
universidades nesse período foram importantes para a qualificação de educadores que podiam
fazer avançar essa discussão no chão da escola.
Se continuarmos o percurso histórico da EA no Brasil, ao chegarmos aos anos
1990, temos uma década muito fecunda. No ano anterior à realização da Eco-92, a Comissão
Interministerial responsável pela preparação de tal evento internacional considerou relevante a
EA no âmbito da política ambiental brasileira e, como consequência, foi criado no MEC o
Grupo de Trabalho para Educação Ambiental. Esse grupo, em 1993, foi transformado na
Coordenação-Geral de Educação Ambiental (Coea/MEC) que, por sua vez, com a mudança
ministerial ocorrida em 2004, foi transferida para a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), mudando a sigla para CGEA (HENRIQUES et al.,
2007).
Na esfera governamental no âmbito do IBAMA e do MEC, várias iniciativas
foram tomadas. Em relação ao órgão ambiental, algumas dessas iniciativas foram realizadas
em parceria com o MEC, como o Projeto de Informações sobre Educação Ambiental, o
Encontro Nacional de Políticas e Metodologias para a Educação Ambiental, ambos realizados
em 1991. Em 1992, são criados os Núcleos Estaduais de Educação Ambiental do IBAMA
(NEAs) e, no período de 1992 a 1994, é desenvolvida a Proposta Interdisciplinar de Educação
Ambiental para a Amazônia, em parceria com universidades e Secretarias de Estado de
Educação (SEDUCs) da região. É importante mencionar a criação da Diretoria de Educação
Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA) no final dessa década, ligada ao
Gabinete do Ministro (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2015).
Já no âmbito educacional, além de eventos promovidos, entendemos que é
importante destacar a promulgação da Lei n. 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Este destaque, porém, faz-se mais pela ausência de uma referência
direta à EA, o que representa um atraso, se considerarmos que a lei ambiental de 1981 já a
referendava. O que temos no texto da lei da educação é apenas menção vaga, ao expressar que
é obrigatório o estudo da Língua Portuguesa e da Matemática, “o conhecimento do mundo
81
físico e natural, e da realidade social e política, especialmente o Brasil.” (art. 26, § 1º). Ou
ainda, quando define o objetivo do Ensino Fundamental, que, entre outros, deve possibilitar
ao aluno ter a “compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores que fundamentam a sociedade” (art. 32, inciso II).
Menção mais direta é feita nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em
1997, conforme já mencionamos, em que o estudo do meio ambiente está dividido em três
blocos: os ciclos da natureza; sociedade/meio ambiente; e manejo e conservação ambiental.
Os conteúdos a serem inseridos no currículo escolar já estão de alguma forma definidos com
forte inclinação à valorização dos aspectos naturais do meio ambiente, como já mencionamos.
Nesse percurso, podemos dizer que um avanço no conjunto das diretrizes
específicas para a EA no País foi dado com dois documentos. O primeiro é o Programa
Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), lançado em 1994 e reeditado com
contribuições de consultas públicas em 2004, assumindo a sigla ProNEA. O segundo foi a Lei
n. 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA),
regulamentada pelo Decreto n. 4.281/2002, que foi, segundo Loureiro (2008, p. 7), fruto de
discussões e disputas entre tendências da EA de quase uma década, sendo, na visão desse
autor:
Cabe ainda assinalar que a referida lei recomenda que a EA deve ser desenvolvida
na educação formal, perpassando todos os níveis e as modalidades de ensino de forma
83
integrada, interdisciplinar, sem se constituir uma disciplina,12 salvo nos cursos de pós-
graduação e de extensão, nos quais é facultada tal forma de organização. Já na educação não
formal, prevê que haja interlocução do poder público federal, estadual e municipal com os
meios de comunicação de massa, a atuação de ONGs e empresas privadas para a
sensibilização da sociedade quanto às questões ambientais, incluindo ainda nessa modalidade
de educação a prática de ecoturismo.
É válido ressaltar que na Lei n. 9.795/1999, ficou estabelecido que a coordenação
da implementação de tal política deve ser feita por um Órgão Gestor dirigido de forma
compartilhada pelos Ministros de Estado de Meio Ambiente e da Educação, representados,
respectivamente, pela DEA/MMA e pela Coordenação-Geral de Educação Ambiental
(CGEA/MEC), com as seguintes atribuições:
12
Nas diretrizes que orientam a EA, tanto em nível internacional como nacional, é unânime o posicionamento
de que ela não se constitua uma disciplina. Pensamos que essa é uma questão que, na prática, não está de todo
bem resolvida, pois pela própria orientação neoliberal da educação, na atualidade o foco é o ensino da
Matemática, língua materna e Ciências, o que pode levar a uma marginalização da EA. A questão é complexa e
não cabe discuti-la aqui, dados os limites e os objetivos desta pesquisa. Por ora, cumpre reconhecer que a
abordagem interdisciplinar, como tema transversal, é a condição atual em que se dá a EA no País e, por isso, é
nessas condições que ela deve ser pensada e enfrentada objetivamente.
84
Pelo exposto, pode-se afirmar que nos últimos 20 anos, a EA ambiental no Brasil,
na esfera governamental, tem conquistado um aparato legal que lhe permitiria alcançar
principalmente as escolas e os diversos espaços da sociedade. Estudo realizado pelo próprio
MEC sinaliza uma expansão da EA na última década, embora seja possível perceber, pelos
dados apresentados, a existência de muitos desafios (HENRIQUES et al., 2007). No entanto,
entendemos que o fato de a EA estar assegurada na forma da lei e aparecer nas estatísticas
educacionais, como tem mostrado o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), não significa a sua efetivação como política pública, mas pode
constituir-se um importante mecanismo de controle para que também as condições de sua
efetivação sejam criadas.
85
Finalmente trazemos aqui a classificação extensa feita por Sauvè (2005), que nem
por isso a autora julga completa. Ao relacionar as “correntes de EA”, que ela entende como
“uma maneira geral de conceber e praticar a ação educativa nesse campo” (Ibidem, p.17), cita
práticas desenvolvidas em diversos países, mas afirma existir uma lacuna em sua exposição
em relação ao mapeamento daquelas desenvolvidas na América Latina. Cada corrente é
classificada segundo alguns parâmetros que envolvem a visão de meio ambiente, a intenção
principal da EA, os aspectos privilegiados e os modelos que a caracterizam, observando que
essas correntes não se excluem mutuamente, pois algumas características podem ser
compartilhadas por mais de uma corrente.
Essas correntes são divididas em dois grupos: o primeiro, que corresponde àquelas
que têm tradição mais longa, desde as décadas de 1970 e 1980: naturalista,
conservacionista/recursista, resolutiva, sistêmica, científica, humanista e moral/ética. Já o
segundo grupo é formado por aquelas mais recentes: holística, biorregionalista, práxica,
crítica, feminista, etnográfica, da ecoeducação e da sustentabilidade.
Essas classificações, é importante dizer, têm sido feitas a partir do próprio
conhecimento produzido no interior do campo da EA na relação com os conhecimentos
provenientes do campo educacional e ambiental, o que não impossibilita uma análise macro,
que nos permita avaliar como tal campo tem sido assediado pela lógica neoliberal.
Conforme exposto, ao analisarmos os caminhos trilhados pela EA nas últimas
décadas, percebemos que ela é uma dimensão importante da educação, que tem ocupado
espaço significativo nos debates, nas legislações nacionais e internacionais. Se considerarmos
todo o aparato legal, hoje disponível, há um espaço formal instituído para a construção de um
processo educativo que possa promover o desvelamento das contradições inerentes ao modelo
de desenvolvimento em curso. E mais, do próprio modelo considerado como alternativo para
superar a crise ambiental que, até o momento, não tem sido suficiente para superar a pobreza,
as desigualdades sociais e a continuidade da degradação do meio ambiente em seus aspectos
naturais e sociais.
O quadro a seguir sintetiza a maneira como temos interpretado a relação entre a
EA e políticas traçadas, seja no campo ambiental seja no educacional e a relação desses
campos com o neoliberalismo, que tem norteado o modo de produção capitalista na
atualidade.
89
MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA
NEOLIBERALISMO
POLÍTICAS POLÍTICAS
AMBIENTAIS EDUCACIONAIS
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
CAPÍTULO 3
13
Um resumo desse trabalho que inclui recuperação da mata ciliar está disponível em
<http://www.fundodema.org.br/conteudos/noticias-fundo-dema/32901/projeto-urumari-vivo-inicia-suas-
atividades-em-defesa-de-igarape>. Acesso em 10/01/2016.
92
na porção sudeste, sul e sudoeste da bacia do rio Curuá-Una, Tapajós e Arapiuns, na qual
podemos encontrar árvores de grande porte e de interesse comercial, tais quais: Itaúba, Jarana
e Tauari, dentre outras. Na região do baixo/médio do rio Arapiuns, é possível encontrar ainda
a floresta aberta com palmeiras. Outra formação vegetal é o cerrado, constituído basicamente
por gramíneas e árvores de pequeno porte e retorcidas, que se situam próximas à área de Alter
do Chão e em algumas áreas da ilha do Tapará e Arapiuns. Finalmente, o outro tipo de
vegetação localizada na parte setentrional do município é predominantemente constituído por
gramíneas, que formam campos naturais na várzea, ou seja, nas áreas alagadas do rio
Amazonas que, pela deposição de sedimentos, formaram inúmeras ilhas, como do Ituqui,
Tapará, São Miguel, Aracampina. O solo dessa região é fértil e, por isso, é utilizado para a
prática agrícola14 na vazante do rio (CPRM, 1997).
O relevo de Santarém apresenta três formações: Planície Amazônica: corresponde
à área de várzea, que durante a cheia do rio Amazonas, fica submersa, sendo constituída de
solo arenoso e argila. A altitude fica em torno de 20m; Planalto Rebaixado da Amazônia:
localizado na parte centro-norte, que chega a alcançar de 50 a 100 m. O Planalto Tapajós-
Xingu, localizado predominantemente no centro-sul do município, tem as maiores altitudes
entre 100 e 150 m e compõe-se de elevações em forma de platôs (SANTARÉM, 2015).
Embora a localização da cidade possibilite a integração entre os vários municípios
do Baixo Amazonas, seja por via fluvial, aérea ou terrestre, não podemos compreender seu
protagonismo sem recorrer à sua história. Classificada como uma cidade média, de acordo
com Pereira (2004), esses tipos de município têm entre 100 mil e 500 mil habitantes e embora
não sejam metrópoles, eles são “referência” para outras pequenas cidades do seu entorno.
Essas cidades possuem condições de oferecer uma rede de serviços, circulação de
mercadorias, não apenas internamente, mas para os núcleos urbanos a elas subordinados,
dentre outras características que lhes permitem serem mediadoras de decisões políticas,
econômicas e sociais para a região sob sua influência (Ibidem).
Busquemos então situar brevemente sua fundação e desenvolvimento até meados
do século XX, para então nos determos um pouco mais, a partir da metade da década de 1960,
em três fases: de meados de 1960 ao final da década de 1980, que corresponde ao período do
regime civil-militar e da retomada democrática; a década de 1990, na qual se deu o
entrelaçamento da questão ambiental com o neoliberalismo, principalmente com a realização
da Eco-92; e a partir dos anos 2000, quando a questão ambiental já estava formalmente
14
Nessa região também é realizada a pecuária no período da vazante do rio, devido aos imensos campos naturais
que se formam.
93
O historiador santareno nos indica quem eram os moradores dessa terra e descreve
como era a moradia que os portugueses aqui encontraram. Importante dizer que estando à
margem da confluência do rio Tapajós e do rio Amazonas, a aldeia Nossa Senhora de
94
Conceição do Tapajós que, em 1758, seria chamada de Santarém15 tinha posição estratégica
entre Belém e Manaus, fundada em 1669.
Dessa forma, em meados do século XIX, a referida aldeia foi elevada ao estatuto
de cidade e, nesse período, já exercia domínio político sobre os aglomerados urbanos
próximos, como Óbidos, Alenquer e Monte Alegre (PEREIRA, 2004).
No final desse século e início do século XX, o ciclo da borracha trouxe mudanças
mais significativas para Belém e Manaus e algumas cidades antigas, como Santarém, também
participaram desse ciclo (Ibidem).
Porém, com a decadência da borracha, as cidades médias conseguiram superar tal
situação com a introdução da juta trazida por japoneses, por volta do início da década de
1930. Em razão dos solos propícios para essa cultura na região do Baixo Amazonas, a
produção foi tamanha, que se tornou a maior exportadora dessa fibra do Estado do Pará. Tanto
que, de acordo com Amorim (1999), em 1951 passa a funcionar em Santarém a Companhia de
Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém (TECEJUTA). Interessante notar que essa fábrica era
uma tentativa de industrialização de um produto que não era exportado in natura, segundo
observação feita por Manuel Dutra, que fez uma reconstituição das memórias da fábrica ao
jornal Gazeta de Santarém (2011):
15
O nome Santarém tem origem numa lenda de Lusitânia, Portugal, segundo a qual Irene, uma jovem religiosa
fora degolada por rejeitar um fidalgo e o seu corpo lançado no rio Tejo, em frente à cidade de Escalabis.
Espalhou-se a notícia da virgem mártir e a cidade teve o nome mudado para Santa Irene, e dada a pronúncia
portuguesa Sant‟Irene convencionou-se o nome Santarém (SANTARÉM, 2015). Na Amazônia fora Mendonça
Furtado, irmão do Marques de Pombal que trocou o nome da Aldeia do Tapajós, por Santarém, em homenagem
aos portugueses. Outras aldeias também tiveram nomes alterados na região, dentre as quais: Pauxis (Óbidos),
Paru (Almerim); Surubiú (Alenquer), Tupinambá (Boim) etc. (FERREIRA, 2008).
95
16
Löwy (2014) cita o episódio em que Chico Mendes, ao ser convidado por organizações ambientalistas a
participar de uma reunião do BIRD, afirma que o desmatamento na Amazônia estava relacionado aos projetos
financiados pelos bancos internacionais, fato que o faz conhecido internacionalmente.
98
na Amazônia, a luta é para não sair dessa natureza ameaçada com a política do governo
militar.
De um modo geral, essa política do governo militar para a região amazônica pode ser
bem expressa no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) - (BRASIL, 1974?), que
definiu: 1) O Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
(POLAMAZÔNIA), em cujo âmbito havia a previsão de polos pecuários, para os quais seriam
destinados recursos com o objetivo de aumentar de maneira significativa o rebanho bovino,
principalmente nos Estados do Mato Grosso, Norte do Goiás e sul do Pará, além de um
programa para a agricultura, que deveria ser crescentemente mecanizada, incluindo, dentre
outros, produtos extraídos da borracha, açúcar, cacau, frutas pimentas e arroz.
Uma outra linha de atuação foi o complexo Mínero-Metalúrgico da Amazônia
Oriental, que resultou nos grandes projetos de mineração, como aqueles implantados no Pará,
em Carajás (ferro) e nas margens do Rio Trombetas (bauxita), integrando a exploração de
ferro e siderurgia e a produção da alumina-alumínio a partir da bauxita. Para isso, outro
elemento importante foi a produção de energia hidroelétrica, cujo maior empreendimento foi a
usina de Tucuruí (BRASIL, 1974?).
Um penúltimo elemento desse plano foi a Política de Desenvolvimento de
Recursos Florestais e Uso racional dos solos da Amazônia, que postulava uma utilização
racional dos recursos florestais, o reflorestamento, produção de celulose e definição de áreas
de proteção como Parques e Florestas Nacionais, Reservas Biológicas e Parques de caça.
Finalmente, estava prevista ainda a criação de uma zona franca no Estado do Amazonas.
(BRASIL, 1974? p. 67-68).
Essa política do governo federal repercutirá na região oeste do Pará e em
Santarém, através de várias formas e, a princípio, podemos mencionar a exploração da
Bauxita no rio Trombetas, no município de Oriximiná e a criação da Floresta Nacional
(FLONA) do Tapajós, sobre a qual nos deteremos um pouco mais à frente.
Por outro lado, com a intenção de ocupar os espaços do “interior”, através de uma
estruturação melhor dos centros urbanos que acompanhassem as estratégias de
desenvolvimento, Santarém também é mencionada ao lado de Belém e Manaus, como foco de
dinamização urbana na região norte. E mais, fazia parte dos núcleos urbanos
“estrategicamente selecionados” (Ibidem) graças a sua localização numa rodovia de
integração nacional, a Santarém-Cuiabá, aberta no meio da floresta amazônica, conforme
ilustração a seguir:
99
Essa breve menção a esse plano governamental explica, de certo modo, o boom
de desenvolvimento do município, que um escritor santareno compilado por Pinto (2010)
registrou:
1 de agosto de 1974 – Houve festa na cidade às 20h do último dia 31,
com a presença do governador Guilhon, o prefeito Oswaldo Alivertti
inaugurou a iluminação a mercúrio das avenidas Mendonça Furtado e Barão
do Rio Branco. O povo se deslumbra com essas luzes urbanas, com asfalto,
com os monstros sem alma que sobem apoiados em vigas de aço. Chama-se
a isso... progresso, quando em verdade e a rigor é um perigoso ... retrocesso
(...) Aprende Santarém, às custas dos erros alheios! Não sacrifiquemos nunca
teu verde, tuas opulências naturais, tua originalidade mocoronga em
holocausto a cintilações modernosas! Que não precisemos jamais dinamitar
o Cais do Porto porque se admitiu, lá adiante, que foi um absurdo construí-lo
acima da cidade – acabando de poluir o mais lindo rio do mundo, pondo um
revoltante fim à “Vera Paz” de nossos amores!
Vale abrir parênteses aqui para explicar que a “Vera Paz” aí referida era uma
praia muito apreciada pelos moradores, em frente à cidade que inspirou música e poesia de
poetas locais e constituía-se um espaço de recreação, sendo um exemplo a Piracaia17. O cais
do Porto construído durante o regime militar foi a primeira investida de degradação ambiental
17
A Piracaia é uma refeição, geralmente realizada à noite, à beira da praia, cujo prato principal é o peixe fresco
assado na brasa.
100
desse espaço, que foi drasticamente transformado, nos anos 2000, com a instalação do porto
da Cargill, realizada sob protestos de movimentos sociais.
Importante também destacar que a linguagem poética do autor não descaracteriza
em nada a seriedade do manifesto, um raro tom de protesto contra o “progresso” que se abateu
sobre Santarém. Embora estivéssemos vivendo um momento em que o debate ambiental não
existia como hoje, é patente a relação que o autor faz da destruição dos recursos naturais da
cidade com o novo modelo de desenvolvimento que começa a saltar aos olhos da população
com “As obras do desenvolvimento” citadas por Pinto (2010, p. 361): O cais do Porto
inaugurado em 1974; A rodovia Santarém-Cuiabá inaugurada em 1976; um aeroporto novo
em 1977. A inauguração da hidrelétrica de Curuá-Una e o funcionamento do Hotel Tropical,
um dos melhores do norte do País à época, também ocorreram no mesmo período. Em 1977
uma matéria publicada no Jornal O Liberal de circulação estadual, ao destacar o “progresso”
de Santarém, ilustra bem o que estamos afirmando.
Todo esse suposto desenvolvimento vem na esteira de uma política dos militares
que considerava que a “segurança nacional” encontrava-se ameaçada pelo comunismo
101
internacional, sendo portanto importante, naquele contexto, “Integrar para não entregar”. Sob
essa justificativa, é promovida a devastação na Amazônia, concebida como espaço vazio que
deveria ser ocupado. É assim que os grandes projetos de pecuária, mineração, celulose,
hidrelétricas e estradas, como já expusemos, faziam parte de um plano integrado de
desenvolvimento para a região sob a égide do capitalismo.
Como afirma Arbex Jr. (2005, p.36-37):
Foi essa ideia matriz que favoreceu a segunda fase de ocupação da Amazônia, se
seguirmos a análise de Castro (2008), de que a primeira deu-se no período de extração da
borracha. Em ambos os processos, a autora afirma que essa ocupação se faz por ações
definidas pelo Estado e pelo mercado.
É dessa maneira que, no período de 1960 a 1990, houve um acentuado
crescimento demográfico, que pode ser atribuído a investimentos do governo federal em
cidades como Santarém, que se constituíam pontos de apoio no âmbito do Plano Integração
Nacional (PIN), no que concerne: “[...] a melhorias de infraestrutura urbana, de
comunicações18, transportes, serviços de educação 19, saúde e saneamento básico.” (CPRM,
1996, p. 05).
Além dessa política governamental, outro fator do aumento populacional em
Santarém foi a extração aurífera nos garimpos de Tapajós nas décadas de 1980/1990 e a sua
consolidação como “centro de prestação de serviços na Região, especialmente na educação
(2º. E 3º. Graus), saúde e entretenimento” (Ibidem).
Dessa forma, podemos perceber que Santarém, nesse período, passou por
mudanças expressivas, mas no campo político tensões levaram a uma situação de
instabilidade, que culminou com o Decreto 64.148/69, tornando o município área de
Segurança Nacional:
18
A TV Tapajós foi inaugurada em 1979 e a Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL) em 1980
inaugura uma estação de rastreadores. Santos (1996, p.236) afirma que isso “[...] colocou Santarém entre as
cidades brasileiras mais bem servidas pelos modernos meios de comunicação do país.”
19
Segundo Colares (2005), houve um aumento expressivo no número de escolas, tanto da zona urbana como
rural nesse período.
102
em nível municipal, o debate ambiental vai sendo suscitado pela sociedade civil, embora em
nível estadual já possamos vislumbrar uma primeira sinalização do Estado em relação à
educação e meio ambiente na Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA), em 1986, no
âmbito Divisão de Ecologia e Saúde Ambiental (PARÁ, SECTAM, 2000).
Dito isso, na segunda fase do período que nos propomos a analisar, iremos focar
elementos da discussão ambiental dos anos de 1990, que vão dar a forma e as bases para a EA
hoje desenvolvida.
20
Estamos nos referindo ao Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea), realizado no
período de 2000 a 2007; e o ProManejo, no período de 1999 a 2006, realizado na FLONA do Tapajós,
localizada em municípios vizinhos a Santarém. São projetos voltados para a gestão de recursos naturais,
104
vamos encontrar as marcas desse programa que, além dos projetos citados, também financiou
o Projeto de Gestão Integrada do Estado Pará (PGAI/PA), o qual envolveu o município de
Santarém. Uma análise da política ambiental santarena feita por Souza (2013) remete a esse
projeto.
De antemão, destacamos que, pela amplitude do PPG7, não nos propomos
apresentar uma análise ampla do que foi essa proposta, que pode ser interpretada sob
diferentes enfoques (SILVA, A., 2003; SILVA, M., 2005; SOUZA, 2013). Vamos nos deter
em alguns aspectos e propostas desenvolvidas, que podem nos oferecer pistas para
analisarmos a EA engendrada em Santarém, sendo que a análise que apresentamos é feita,
sobretudo, a partir de um documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA)
em 2009, que expõe 284 resumos de publicações de 26 programas implantados pelo PPG7.
São resumos de trabalhos que vão desde relatórios técnicos, livros, dissertações e cartilhas
produzidos por pesquisadores, consultores e o próprio MMA, que dão uma visão geral da
amplitude desse programa criado em 1990 na reunião dos países do G7, conhecida como
Convenção de Houston e lançado na Eco-92 no Brasil (BRASIL, 2009).
O contexto no qual esse programa foi gestado, conforme já discutimos, estava
permeado pela concepção da possibilidade de conciliação entre capitalismo e exploração
racional dos recursos naturais e da biodiversidade que colocava as florestas, e em especial a
Amazônica, no cerne das discussões baseadas na noção de desenvolvimento sustentável. Essa
ideia de sustentabilidade está expressa nas afirmações a seguir:
Não dispomos de elementos para confirmar se, de fato, ocorreu essa participação e em que
nível, embora possamos indicar dois trabalhos (GARCIA, 2008; SILVA, 2005) que trazem
uma análise a partir da EA de como essa participação ocorreu no âmbito do Sub Programa
ProManejo.
Silva (2003), ao analisar o PPG7 como um modelo que colocou a Amazônia num
“esforço de governança global”, vai mostrar como o processo de formatação de tal programa
foi inserindo vários grupos e conduzindo à participação da sociedade civil. É assim que, em
1991, é formado o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), cujo objetivo era aglutinar várias
entidades, desde sindicatos, associações de moradores, produtores, extrativistas, populações
tradicionais, ONGs, dentre outras, chegando a congregar mais de 600 entidades (BRASIL,
2009, p. 45).
Atentemos também que uma das finalidades do programa era perpassada pela
concepção de que essa exploração dos recursos naturais deveria trazer melhorias para as
populações locais. Se pensarmos que essas melhorias nas “condições de vida da população”
podem ser interpretadas como o combate à pobreza, como é recorrente nas diretrizes
ambientais, podemos chegar à análise feita por Chossudovsky (1999), de que a diminuição da
pobreza é parte das diretrizes do Banco Mundial. Com a retirada do Estado, essa “missão” é
compartilhada por outras instituições, como afirma o autor.
É relevante observar que a condução do PPG7 não é feita somente pelo MMA, ou
seja, pelo Estado brasileiro. Com a formação do GTA, entra em cena a participação de
diversas entidades e dentre essas, as ONGs que, com a reestruturação do Estado neoliberal na
década de 1990, vão ocupar espaço significativo na sociedade, como atesta o número
expressivo delas durante a Eco-92, conforme já comentamos. Por outro lado, não podemos
nos precipitar em afirmar que um objetivo não declarado do PPG7 tenha sido a diminuição da
pobreza das populações amazônicas, mas não podemos desconsiderar totalmente essa
possibilidade, pois afinal quem foi o responsável pelo fundo criado para receber as doações
dos países do G7 para tal programa foi o Banco Mundial, o mentor da economia neoliberal
107
que tem orientado os países a desenvolverem políticas visando ao alívio da pobreza22 numa
perspectiva paliativa. Numa das publicações citadas no Catálogo em análise (BRASIL,
2009), no prefácio elaborado por Ricardo Tarifa, representante do Banco Mundial, há a
seguinte afirmação:
22
O problema que vemos é que a proposta do Banco Mundial foca o “alívio” e não efetivamente, a erradicação
da pobreza. Neste sentido, é válida a menção feita por Leher (1999, p.26) sobre essa questão: “Nos documentos
mais recentes do Banco e nos pronunciamentos de seus dirigentes, é visível a recorrência da questão da pobreza
e do temor quanto à segurança: nos termos do presidente do Banco: „as pessoas pobres do Mundo devem ser
ajudadas, senão elas ficarão zangadas‟. Em suma, a pobreza pode gerar um clima desfavorável para os negócios
[...]”.
108
(BRASIL, MMA, 2014), ao registrar o processo de criação dessa unidade de conservação, cita
como importante o papel da organização comunitária ali existente. Noutro documento que
consultamos, algumas falas expressam a história de luta local:
Parte das mobilizações nas comunidades da margem esquerda do rio Tapajós foi
provocada também pelo temor de que lhes ocorresse o mesmo conflito fundiário que se
instalou do outro lado do rio, na margem direita, com a criação da FLONA do Tapajós. Ao
lado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, e posteriormente do Grupo de
Trabalho da Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós/Arapiuns (GT RESEX), formado por
outras instituições, dentre elas, ONGs como o Grupo de Defesa da Amazônia (GDA) e o
Projeto de Saúde (PSA), foi tomando forma a proposta de criação de unidade de conservação
para também impor limites a empresas madeireiras que ali se instalaram (Ibidem). Apesar da
participação dessas entidades, o protagonismo da população local é explícito na seguinte
afirmação:
A apropriação popular dessa conquista está muito presente nos discursos
dos comunitários, especialmente das lideranças mais velhas. „Fomos nós que
criamos essa reserva, e fizemos a lei que foi aprovada. Não foi ninguém que
veio lá de fora dizer o que era bom. Nós sentamos, debatemos muito, e
chegamos ao ponto que era melhor pra nós‟ afirma Francisco Regis da Silva,
54 anos, da comunidade Nova Sociedade. (CEAPS, 2014, p.11).
norte-americano de parques, em que o ser humano não pode habitar, começou um processo de
desapropriação dos moradores:
23
Instituto de Desenvolvimento Florestal (IBDF).
24
É importante frisar que isso ocorreu ao mesmo tempo em que a política brasileira para as unidades de
conservação foi tomando forma, culminando com a criação do Sistema Nacional das Unidades de Conservação,
(SNUC) através da Lei 9.985/2000 em que se definiu a forma de utilização desses espaços.
25
Tomamos como base dessa análise os resumos a respeito desse subprograma do PPG7, presentes no catálogo
já citado, elaborado pelo MMA (BRASIL, 2009).
110
26
O Projeto de Gestão Ambiental Integrada (PGAI) foi implantando, não apenas no Pará, mas nos estados da
Amazônia, via PPG7 (SOUZA, 2013).
111
27
O trabalho de Colares (2005), ao discutir a política educacional da Secretaria Municipal de Educação, no
período compreendido entre 1989 a 2002, expõe como o processo de descentralização se fez presente na
educação municipal santarena como decorrente das diretrizes nacionais.
112
28
Atualmente é denominado “Centro de Informação e Educação Ambiental”, onde está localizada a seção de
Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santarém.
29
Dentre os países do PPG7, o governo alemão atuou no PGAI através dessa agência, tanto financeira como
tecnicamente (SOUZA, 2013, p. 191).
113
30
O próprio PGAI, ao justificar a necessidade de uma gestão integrada no Estado, expõe um quadro crítico da
questão ambiental, sendo uma delas o desmatamento: “As alterações antrópicas causadas na cobertura florestal
do Estado que, em 1986, representavam 9,7% das florestas originais alcançaram, entre 1978 e 1986, um
incremento de 360%. Os municípios com maior incidência de desmatamento, nos quatros últimos anos, foram:
São Félix do Xingu, Redenção, Marabá e Santarém. [...]. (SECTAM, PGAI, 2000, p.10).
114
31
O Subprograma de Ciência e Tecnologia teve por objetivo produzir conhecimentos relevantes sobre a região
amazônica para subsidiar o desenvolvimento sustentável. Na primeira fase deu apoio, inclusive para duas
instituições de pesquisa de referência na Amazônia: o Instituo Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA),
localizado no Estado do Amazonas e o museu paraense Emílio Goeldi. Na segunda fase destinou recursos que
foram executados pelo CNPq para a geração de conhecimentos científicos e tecnológicos voltados para a
realidade local dentro de uma perspectiva de sustentabilidade (BRASIL, 2009).
32
Atentemos que a partir da Rio+20, realizada em 2012, a Economia Verde, uma nova versão do
desenvolvimento sustentável, irá colocar como ponto central para o alcance da sustentabilidade a adoção de
tecnologias. Elas são a “vedete” da vez, para resolver a problemática ambiental, desviando mais uma vez a
atenção das causas estruturais decorrentes do capitalismo.
33
O apoio a esse programa está referendado pelo Banco Mundial em < https://nacoesunidas.org/agencia/banco-
mundial/>. Acesso em 5/01/2016.
116
ainda na década de 1990, por meio do Grupo de Defesa da Amazônia (GDA), do Projeto
Saúde e Alegria (PSA) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Essas
ONGs que, conforme iremos expor na última parte desse trabalho, serão as pioneiras na
disseminação da EA em Santarém.
A terceira fase de abrangência da nossa análise ocorre a partir dos anos 2000,
quando, em nível internacional, nacional e estadual, a questão ambiental já está bem
estabelecida, pelo menos em termos de marcos legais. Os matizes do movimento ambiental se
diversificam e a noção de desenvolvimento sustentável se propala de tal forma, a ponto de
encontrarmos desde empresas a movimentos sociais fazendo referências a ela.
Por isso, inicialmente, é necessário dizer que a perspectiva de desenvolvimento
para a região amazônica continua seguindo a lógica predatória de uso intensivo dos recursos
naturais, como ocorria no regime militar, mas inseriu a questão ambiental sob o viés do
desenvolvimento sustentável para parecer ecologicamente correto. É isso que observamos ao
analisar a operacionalização dos grandes projetos, sejam eles de infraestrutura do governo
federal, sejam de multinacionais que defendem o desenvolvimento sustentável. Pode-se
argumentar que avanços, ainda que limitados, têm sido alcançados com a instauração de
procedimentos técnicos para a realização do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/Rima) dos grandes projetos que são realizados, mas não significa
que assegurem, de fato, a sustentabilidade dos empreendimentos e o respeito ao meio
ambiente em seus aspectos naturais e sociais, como afirma Héctor Leis (1997, p.237): “[...] A
ampla maioria dos EIAs são orientados para justificar a implantação do projeto em sua forma
original, e não para abrir um processo de negociação. [...]”
Na região do Baixo Amazonas, pelo menos duas grandes iniciativas têm gerado
expectativas de que o “desenvolvimento” está mais próximo na visão de governantes e
empresários: o asfaltamento da BR-163, que remonta ao regime militar, como uma antiga
promessa de integração com o centro-sul que, na atualidade, vem conjugado com um segundo
projeto, a expansão do agronegócio da soja. A chegada da soja na região é resultado de
articulação entre governo federal, governos dos Estados de Mato Grosso e do Pará e o
governo municipal ainda na década de 1990. Além da articulação política, um programa
elaborado pela Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (SEMAB, 1997) expõe
que estudos das condições necessárias para a implantação da soja no município começaram a
117
passando pela sua industrialização até o transporte e distribuição para o mercado (CARGILL,
2013). Em Santarém, dados fornecidos pela empresa 34 dão conta de que ela contribuiu com
ações que podem ser consideradas socioambientais no município: construção de hortas em
escolas (são citadas duas escolas municipais), distribuição de lixeiras, revitalização e
construção de espaços públicos como o bosque/academia na área, próximo à praia da Vera
Paz, que foi aterrada para a instalação do seu terminal graneleiro, dentre outras iniciativas.
A relação entre desmatamento e o cultivo da soja é um problema que coloca em
risco a sustentabilidade ecológica da região, e em especial da FLONA do Tapajós, no entorno
da qual há extensos campos dessa cultura, o que ameaça a biodiversidade ali existente:
34
Registramos que solicitamos à Cargill, em Santarém, o programa de Educação Ambiental previsto no
EIA/RIMA da empresa (2010, p.34), porém os dados fornecidos foram apenas secundários e consistiram num
documento em formato de apresentação, que segundo o setor de Assuntos Corporativos da empresa, é
apresentado aos visitantes das instalações da empresa no âmbito da ação “O Terminal de Portas Abertas para a
Comunidade”. Tal documento foi repassado via e-mail.
119
campos naturais, acrescentando a isso o uso do próprio rio e dos lagos para a pesca
(AZEVEDO e APEL, 2004; SANTOS 2005).
Além do cultivo da soja na região de Santarém, outro problema ambiental
anunciado é o asfaltamento da BR-163 até o porto de Santarém, no qual há as instalações do
Terminal da Cargill. Uma mostra das análises feitas sobre impactos que essa rodovia pode
trazer encontramos em Torres (2005), que reuniu vários estudiosos para discutir esse
empreendimento que, embora sendo uma promessa do governo militar, assume uma nova
perspectiva na atualidade.
À primeira vista pode parecer que apenas os dois projetos - o cultivo da soja e a
BR-163 - estão interligados, mas em verdade, eles representam somente uma parte de uma
proposta muito mais abrangente, como já mencionamos, ou seja, da Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que sustenta as iniciativas do
governo e do capital privado na Amazônia na atualidade.
A IIRSA começou a ser negociada em 2000, numa reunião de 12 presidentes de
países da América do Sul, em Brasília, com o objetivo de organizar o espaço sul-americano,
considerando as características geográficas, a identidade cultural e os valores desses países.
Uma segunda reunião foi realizada no Equador com o objetivo de discutir mais
especificamente a integração física da infraestrutura dos países envolvidos e uma terceira
reunião, no Peru, já durante o governo Lula, aconteceu em 2004, quando se acordou uma
carteira de investimentos de 31 projetos estratégicos para o período de 2006-2010, estimados
em 6,4 bilhões de dólares (AGUIAR e OLIVEIRA, 2009, p. 144).
Contudo, a IIRSA não se constitui apenas um projeto de infraestrutura para
integração do continente americano e a interligação do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico,
é uma proposta que articula também empreendimentos do setor energético, do agronegócio, e
da mineração-siderurgia, considerando que o objetivo perpassa também a exploração de
recursos naturais e a criação de condições para escoá-los:
35
O órgão entrou com uma ação contra a Agência Nacional das Águas (ANA) em 15/02/2016, declarando a
nulidade da Declaração de Reserva de disponibilidade Hídrica (DRDH) emitida em 30 de novembro de 2015,
que é um pré-requisito fundamental para o andamento do projeto de construção da hidrelétrica de São Luiz. Isso
foi feito, porque segundo a procuradoria, o documento foi emitido pela ANA de forma irregular. Além disso, o
Ministério de Minas e Energia já previu, para o 2º semestre de 2016, o leilão para a construção do
empreendimento, mesmo com pendências junto ao IBAMA, pelo fato de a EIA/RIMA da obra apresentar várias
122
Essa publicação, acima ilustrada, pode ser interpretada como uma manifestação de
uma parte da sociedade preocupada com os impactos ambientais, em especial das populações
tradicionais, que temem ver acontecer na região de Santarém o mesmo que ocorreu na região
do rio Xingu com a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Contudo a gravidade do problema na região santarena pode ser bem maior, porque
além da hidrelétrica de São Luiz, está prevista a hidrovia do Tapajós, que constituirá um
complexo de integração articulada à rodovia Santarém-Cuiabá e a previsão de uma ferrovia,
que chegará a Miritituba-PA, um município vizinho a Santarém37. Atrelado a isso, estudo
que aponta necessidade de ampliação do Porto de Santarém e de outros, no Estado do Pará, já
consta no Plano Mestre elaborado pelo Ministério dos Portos (BRASIL, 2012).
Todo esse projeto de integração não está sendo realizado aleatoriamente, pois, se
observarmos atentamente a figura n. 14, do mapa a seguir que ilustra o Eixo Amazonas,
veremos que a integração por meio de hidrovias entre o Oceano Atlântico e Oceano Pacífico
se faz, necessariamente, tendo como ponto de integração entre Belém e Manaus, a cidade de
Santarém.
Da mesma forma, é possível observar que nessa região está prevista a geração de
energia, o que confirma a análise do MAB (2009) no sentido de que as barragens de rios da
Amazônia, no âmbito da IIRSA, têm objetivo duplo: possibilitar a geração de energia e a
navegabilidade de embarcações. Isso é fundamental, visto que assim é possível o escoamento
da produção do centro-sul como rota alternativa e mais rápida do que, por exemplo, o Porto
de Santos-SP para a Europa, América do Norte e Ásia.
Também é importante destacar que a IIRSA, ao fazer uma caracterização social e
ambiental para subsidiar a carteira de projetos para o eixo amazonas, fez o levantamento das
unidades de conservação, das terras indígenas e dos ecossistemas frágeis que podem ser
124
Hoje, um EIA não tem influência sobre a decisão global de proceder com um
projeto, já que a decisão é tomada antes que as informações sobre impactos
sejam coletadas. Este sistema precisa ser alterado para que a coleta de
informação e o debate público ocorram antes da decisão. São Luiz do
Tapajós serve como um aviso da fraqueza das proteções contra impactos das
dezenas de outras grandes barragens planejadas na Amazônia brasileira.
Talvez38 uma atividade menos impactante do que aquelas já citadas, e que também
está prevista na IIRSA para a região amazônica, seja o turismo. Em Santarém, é variado o
leque de atrativos, conforme levantamento (SANTARÉM, 2015) da Secretaria Municipal de
Desenvolvimento e Turismo (SEMDETUR), que abrange: atrativos culturais (Arquitetura,
obras de arte, festividades, etc.); Gastronomia típica da região (Peixes, frutas como o açaí,
pratos à base de mandioca); e atrativos naturais. Vale aqui nos determos um pouco sobre
esses últimos, que são formados por unidades de conservação 39, rios, igarapés, lagos e praias
fluviais, como aquelas do rio Arapiuns e do rio Tapajós. Destacamos aqui as praias da Vila de
Alter do Chão, que assim como as demais, se formam no período da “seca” do rio Tapajós,
como mostra a ilustração:
A região de Alter do Chão, devido ao atrativo natural das praias; aos outros
espaços naturais, como a Floresta Encantada41 localizada na comunidade do Caranazal; ao
38
Levantamos a dúvida, porque, conforme já comentamos, Rodrigues (2001) afirma que essa é também uma
atividade econômica que demanda investimentos e recursos de que, à primeira vista, nem nos damos conta e que
podem trazer impactos ambientais.
39
Floresta Nacional do Tapajós, que embora esteja localizada no Município de Belterra, está a apenas 50 km de
Santarém; Reserva Florestal do Palhão; Resex Tapajós Arapiuns; Área de Proteção Ambiental – APA Alter do
Chão; Bosque Santa Lúcia (SANTARÉM, 2015).
40
A fotografia retrata uma situação atípica, pois geralmente no mês de fevereiro, com a cheia do rio Tapajós a
praia ilustrada já está inundada, o que não ocorreu em 2016.
41
Uma área de floresta que durante um período do ano fica alagada e pode ser visitada por meio de pequenas
embarcações.
126
Lago Verde; aos igarapés; à festa do Çairé, que ocorre em setembro, tem atraído uma massa
de turistas da região e do País. Eis aqui um paradoxo que parece não ser percebido: por um
lado, a indução de visitação em massa sem controle42 e, por outro, a proposta de
desenvolvimento do Ecoturismo. Em 2008, Santarém passou a fazer parte do “Projeto
Referência em Ecoturismo”, elaborado pelo Ministério do Turismo. Nesse mesmo ano, ele
passa a compor o grupo de 65 municípios do País, os quais são Indutores do
Desenvolvimento Turístico Regional, projeto também do referido Ministério em parceria com
o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Fundação
Getúlio Vargas. Em 2015, novamente segundo avaliação do Ministério do Turismo, o
município se destaca de maneira positiva no Estado, ficando atrás somente de Belém, a capital
do Estado. Além disso, o governo municipal tem lançado uma política para fortalecer essa
atividade econômica (SANTARÉM, 2015).
Essa proposta do poder público e de grupos locais de induzir o município ao
turismo não é nova. (CPRM, 1996). Vem sendo construída desde a década de 1990, em razão,
principalmente, dos atrativos naturais, dos quais, a praia de Alter do Chão é apenas um deles,
não só pela beleza cênica do local, mas pela infraestrutura oferecida. Em verdade, toda a
região de Santarém é generosa em atrativos naturais que, além daqueles mencionados, têm
áreas naturais de cerrado que não são comuns na Amazônia e a várzea, que chama a atenção
pela imensidão da área alagada 43, inúmeros lagos e o modo de vida de populações44, que
tiveram que se adequar ao fenômeno de enchente e vazante do rio.
Enfim, a lista é extensa, mas o que observamos é que todos os grandes projetos
previstos e/ou já implantados nessa região colocam em risco a integridade dos ecossistemas
locais e, dessa forma, podem afetar uma atividade que tem sido considerada importante para o
município.
Assim também, outras atividades econômicas desenvolvidas, como o extrativismo
podem trazer sérios impactos. A extração de madeira é uma delas e vem sendo desenvolvida
42
Alter do Chão é uma Área de Proteção Ambiental (APA) desde 2003, contudo a lista de problemas ambientais
na vila é extensa, sendo um deles a falta de saneamento, o que coloca em risco a balneabilidade das praias no seu
entorno. No primeiro semestre de 2015, foi amplamente divulgada pela imprensa local a contaminação das
praias, o que levou o Ministério Público a determinar a fixação de placas informando os locais próprios para
banho. Posteriormente, novas análises da água foram feitas, mostrando que havia regredido o índice de
contaminação, mas de qualquer maneira isso é um alerta da fragilidade do ecossistema local. Uma dessas
reportagens está disponível em <http://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2015/09/placas-sobre-
condicoes-para-banho-em-alter-serao-fixadas-ate-sexta-veja.html>. Acesso em 5/0116.
43
Estima-se que a várzea ocupe 4,29% do território de Santarém, o que corresponde a 1.137 km2 de acordo com
o Inventário Turístico Municipal (SANTARÉM, 2015).
44
A Secretaria Municipal de Educação estabelece um calendário do ano letivo das escolas localizadas na várzea
diferenciado da área urbana e da área rural do planalto, de acordo com essa sazonalidade.
127
45
A Z-20 quer dizer “Zona 20” e resulta de uma divisão feita pela Marinha do Brasil, do litoral e dos rios
brasileiros em Zonas de Pesca formada por pescadores, que sucessivamente são numeradas em cada Estado Z-1,
Z-2... e assim por diante. Essa divisão ocorreu em 1919 pelo comandante Frederico Villar e em 1923 foi
assinado o Estatuto para as Colônias de Pesca. Durante longo período foram controladas pelo Governo Federal e
em Santarém somente em 1982 foi eleita a primeira diretoria, resultado de um movimento de oposição desde
1979, apoiado pela FASE e MEB, à direção ocupada por um pecuarista que era dirigente do Sindicato Rural
Patronal de Santarém, dono de várias fazendas. (COLÔNIA de pescadores. Santarém: [s.n.], 2004 – Publicação
Conjunta: Colônia de Pescadores Z-20, Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Oeste do Pará
(MOPEBAM), IARA e IPAM).
46
É definido um período em que é proibida a captura de determinada espécie que, geralmente coincide com o
seu período de reprodução.
128
Pelo exposto, observamos que a resposta para a questão de como deve ser o
desenvolvimento de Santarém e da Amazônia não está pronta, mas temos pistas suficientes
para dizer que o modelo em andamento não é a melhor alternativa, mesmo que venha sob o
matiz do desenvolvimento sustentável. Esse modelo continua gerando poucos empregos na
região, concentração de riquezas/geração de pobreza e espoliação de recursos naturais.
Assim, é nesse contexto político-econômico que a partir dos anos 2000 têm sido
estabelecidos, em Santarém, diversos marcos regulatórios em nível local, que apesar de
importantes, não têm tido a força para frear a problemática ambiental em curso.
Conforme vimos, em nível estadual, uma política de meio ambiente que incluía a
EA foi elaborada na década de 1990, mas, em Santarém, embora essa cidade tenha sido alvo
do PGAI, é somente num momento posterior que algumas diretrizes importantes serão
estabelecidas.
Por isso, em termos de política ambiental municipal, vale destacar: a instauração
do Código Ambiental Municipal (Lei n. 17.894/2004); a criação da Secretaria de Meio
Ambiente, prevista na estrutura da Prefeitura pela Lei n. 18.237/2008; e a criação do Conselho
Municipal de Meio Ambiente e Fundo Municipal de Meio Ambiente, criados pela Lei n.
18.514/2010.
São esses instrumentos que, conforme Souza (2013), fazem com que Santarém já
tenha seu sistema de gestão ambiental, além de já ter instituído também o seu Plano Diretor,
pela Lei No. 18.051/2006.
No que concerne à EA, conforme iremos expor mais adiante, é uma fase em que
presenciamos a expansão do trabalho de EA em algumas ONGs e a institucionalização da EA,
tanto na Secretaria Municipal de Educação, como na Secretaria de Meio Ambiente. Além
dessas iniciativas, é possível encontrar projetos de EA em instituições de Ensino Superior
que, embora não sendo nosso foco, é importante frisar que existem e que se constituem campo
aberto para investigação.
Ainda que seja uma ação pontual realizada anualmente, há um evento que cabe
citar, dada a abrangência das atividades desenvolvidas e instituições participantes. Trata-se da
Semana do Meio Ambiente, tendo como referência o dia 05 de junho, o evento que em várias
edições tem conseguido articular diversas instituições de ensino, ONGs, poder público
municipal e outras entidades. Mesmo que alguns registros desse evento datem dos anos 2000,
a sua realização já estava prevista na Lei n. 14.668/1993, sancionada pelo então prefeito, Ruy
Imbiriba Corrêa.
129
CAPÍTULO 4
47
Com exceção da Eletronorte que, conforme iremos expor, teve um trabalho de maior abrangência nas escolas
municipais, a Cargill promoveu ações em três escolas: numa foi apoio à biblioteca e nas demais, a construção de
hortas, o que é afim com o tipo de atividade que desenvolve. Já a empresa Docas do Pará elegeu uma escola
municipal próxima ao porto de Santarém para desenvolver um programa de EA, em parceria com o Instituto
Esperança de Ensino Superior (IESPES) com ações voltadas para alguns alunos no turno contrário àquele que
estudam. Além disso, o programa também está voltado para a reciclagem, tendo como finalidade a geração de
renda.
48
Uma análise das políticas desenvolvidas pela SEMED no período de 1989 a 2002 foi realizada por Colares
(2005) num momento de importantes mudanças na educação brasileira e que teve reflexos em Santarém.
132
49
Uma análise do Ensino Superior em Santarém, tomando como foco a interiorização do campus da UFPA e sua
relação com o trabalho de professores da SEDUC foi realizada por Costa (2014).
50
Os dados estão disponíveis em <http://www.qedu.org.br/cidade/3406-santarem/ideb>. Acesso em 01/04/2016.
133
para além da rede formal de educação, entendemos que as atividades descritas pela
coordenação de EA da SEDUC estão de acordo com a perspectiva ali adotada, a qual já
analisamos anteriormente.
Quanto à SEMED, a inserção da EA nas escolas municipais ocorreu desde a
década de 1990, se considerarmos o trabalho desenvolvido, pelo menos, de três ONGs: o
Grupo de Desenvolvimento da Amazônia (GDA), Projeto Saúde (PSA) e o Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), conforme exporemos adiante. Por atuarem na área
rural de Santarém, principalmente na vasta região de rios, numa perspectiva de gestão dos
recursos naturais desse ambiente, a escola, de alguma forma, foi sendo incluída nas suas
propostas.
Contudo, essa preocupação em conservar as florestas, as águas e a fauna da região
não foi exclusiva dessas instituições, e mesmo de projetos governamentais, como o Programa
Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), por exemplo. Precisamos
fazer breve retorno a um período anterior à década de 1990, quando entendemos, já havia uma
preocupação com as questões ambientais e um modo de conceber o desenvolvimento local
sem a influência da Eco-92, que vai difundir a noção hegemônica do desenvolvimento
sustentável sob a perspectiva neoliberal.
Seguindo uma linha histórica, podemos perceber a preocupação com questões que,
posteriormente, irão entrar na agenda da discussão “ambiental”, já na década de 1960 com a
atuação do Movimento de Educação de Base (MEB), este ligado à Igreja Católica. É nesse
sentido que tomamos esse movimento como um caminho possível para iniciar a discussão da
inserção da dimensão ambiental na educação no município de Santarém. Posteriormente,
apresentamos o trabalho desenvolvido pelo GDA, o PSA e o IPAM para então expor a
institucionalização da EA pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) na rede escolar
pública.
135
51
Dados parciais desse texto foram publicados em: CAVALCANTE, Nelcilene da S. P.; SILVEIRA, Renê S.
Raízes da Educação Ambiental em Santarém: primeiras aproximações. In: DUARTE, Dércio; JACOMELI, Mara
R. M.; COLARES, Maria Lília I. Teoria e Prática em Educação mediada pela Pesquisa. Santarém-PA:
Gráfica Litorânea, 2014.
136
De acordo com Fávero (2006), o tema cultura popular adentrou no MEB com uma
concepção de oposição à cultura dominante e europeia, a cultura de elite. Esse autor discorre
sobre como esse tema aparece nos encontros de coordenadores do movimento em 1963.
Revela que, ao lado de temas como consciência e ideologia, o da cultura passa a assumir
papel de destaque:
Aparecem desde esse momento os elementos essenciais da animação
popular, que vai ser sistematizada alguns anos mais tarde pelo MEB: diálogo
com o povo, respeitando sua cultura (de tradição), com vistas à descoberta
de líderes para a participação do povo nas reformas necessárias: caminho
para a participação do povo em sua própria formação cultural, social,
econômica, política e religiosa; caminho este necessariamente não diretivo,
não paternalista, não imposto (FÁVERO, 2006, p.83).
52
Esse documento faz parte do acervo particular da Prof. Aurenice Glaber, uma ex-coordenadora do MEB em
Santarém.
137
do mundo observando casos de „ambientalismo dos pobres” e então cita inúmeros exemplos
de conflitos em que populações pobres têm se manifestado contra a degradação e poluição de
recursos naturais. Isso porque, determinadas atividades econômicas colocam em risco a
sobrevivência de certos grupos, citando inclusive exemplos na Amazônia:
O autor cita outros exemplos, mas fiquemos com aqueles expostos acima,
destacando que o conflito dos pescadores mencionado refere-se àquele vivenciado na região
na qual está Santarém. É essa região que na década de 1990 será alvo do ProVárzea e também
do Projeto Várzea do IPAM, que fará um trabalho pioneiro de EA nas escolas municipais,
conforme iremos expor adiante.
Desse modo, embora o MEB possa ser conhecido como movimento de
alfabetização, entendemos que as ideias de Paulo Freire que permeavam sua proposta
favoreceram uma leitura da realidade na qual estavam os educandos. Segundo Fávero (2006,
p.268):
E neste sentido, numa outra perspectiva, não podemos dizer que o regime militar
ignorava completamente a questão ambiental, pois vamos encontrar na Doutrina da Segurança
Nacional (DSN), que subsidiou a política econômica desse período, a temática “meio
ambiente” como fundamento do Poder Nacional. Todavia a perspectiva é fatalista, de que
sempre a atuação humana trará mudanças ambientais. E, ainda, a temática é colocada no plano
psicossocial. Não discordamos de que o conceito de meio ambiente tenha essa dimensão, mas
reduzi-lo a isto é desconsiderar que no plano da vida concreta o ser humano estabelece
relações de produção, e isso implica a transformação de elementos naturais em recursos com
valor econômico que, no modo de produção capitalista, suscita os conflitos mais variados. No
Manual Básico da Escola Superior de Guerra (BRASIL, 1983), que subsidia a DSN, essa
discussão entre desenvolvimento/produção é colocada no item “Ecologia”, que consideramos
reduzir a problemática ambiental, pois, como bem lembra Leff (2004), o movimento ecológico
que vai contrapor-se à industrialização capitalista não guarda o mesmo sentido do movimento
que ele qualifica como ambiental.
Ou seja, quando assentamos a questão em termos ecológicos, há uma tendência
em desvalorizar as dimensões sociais da problemática e em negligenciar questões importantes
na análise. Por outro lado, quando nos reportamos à questão, tomando como referência a
noção de meio ambiente, por ser mais abrangente ao incluir aí tanto uma dimensão natural
como social, isso permite fazer uma análise mais profunda da relação homem-natureza, pois
como afirma Vieira (2001, p.49), tal conceito implica relação de interdependência entre “[...]
componentes físico-químicos e biológicos, associados a fatores socioculturais suscetíveis de
afetar, direta ou indiretamente, em curto ou longo prazo os seres vivos e as atividades
humanas no âmbito da ecosfera. [...].”
Nos países pobres, conforme já dito, o movimento ecológico tem características
diferentes daquele dos países ricos e industrializados. Aqui, esse movimento expressa uma
luta que é política e social, associada à conservação da natureza, conforme explica Leff
(2004, p. 114):
[...] os movimentos ambientalistas nos países pobres surgem em resposta à
destruição da natureza e ao esbulho de suas formas de vida e de seus meios
de produção; são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e
o controle dos recursos; são movimentos pela reapropriação social da
natureza vinculados a processos de democratização, à defesa de seus
territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e sua
capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de
desenvolvimento.
140
53
De acordo com Diegues (1996, p.42), existem duas grandes visões predominantes no movimento
ambientalista: a primeira é chamada de biocêntrica ou ecocêntrica, que postula ser o mundo natural uma
totalidade, da qual o homem é apenas um ser vivo como os demais, tendo, portanto, a natureza valor em si
mesma independente da utilidade que possa ter para a humanidade. Por outro lado, a segunda visão, a chamada
de antropocêntrica provoca uma cisão entre homem/natureza, em que o mundo natural só tem valor como
reserva de recursos que possam ser explorados, dominados pelo homem sendo o instrumento para tal, a ciência
moderna e a tecnologia
141
Consideramos importante mencionar aqui o destaque feito pelo autor, para quem,
de acordo com os pressupostos dessa educação de base, o “conceito de desenvolvimento” é
compreendido como resultado de uma evolução natural da sociedade, cujo padrão de
referência é aquele das nações desenvolvidas:
A reportagem mostra que, no decorrer das décadas, a proposta foi perdendo sua
força inicial, e mesmo as parcerias estabelecidas com a Secretaria de Estado de Educação
(SEDUC) do Pará e a Universidade Federal do Pará (UFPA) não foram suficientes para dar
continuidade ao trabalho que vinha se desenvolvendo. Entretanto, o trabalho de alfabetização
de adultos teve continuidade, pois foi assumido pela SEMED de Santarém, que criou uma
divisão para essa modalidade de ensino. Entendemos que, quanto ao trabalho de organização e
formação política, ele foi disseminado e reconhecido como importante na década de 1990 por
projetos governamentais e de outras instituições (AZEVEDO, 2004; SANTOS, 2005).
porque foi escolhida a terça-feira como o dia da semana para as reuniões, as quais tinham
temáticas variadas e ocorriam em local sigiloso. Por tratar-se de questões polêmicas na época,
seus participantes, temendo represálias da ditadura militar, escolhiam com cuidado quem
participava das reuniões (FERREIRA, RODRIGUES e SIQUEIRA, 1998).
A princípio, as reuniões ocorriam na residência de uma funcionária do Banco da
Amazônia, mas, em razão da perseguição policial, foram transferidas para o porão de um
convento. Isso ocorreu porque o grupo tinha afinidade com ideias de esquerda, consideradas
uma ameaça ao regime (Ibidem).
Ao comentar a respeito dos movimentos sociais no Baixo Amazonas no período
de 1978 a 2014, Sena (2014, p.57) destaca o Grupo de Defesa da Amazônia (GDA), que foi
originado do Grupo Terça-feira, como uma das instituições que tiveram importante atuação
num momento em que não havia liberdade de expressão:
54
Esse espaço correspondia ao centro do garimpo, onde geralmente estava localizado algum tipo de comércio e
casas de entretenimento.
150
uso de dragas, balsas, maçaricos e de outros instrumentos que permitiram uma garimpagem
semimecanizada e, dessa forma, maior volume do metal despejado na natureza. É descrito o
processo de contaminação desde sua entrada no corpo humano pela inalação até a
contaminação dos alimentos. O episódio ocorrido em Minamata, no Japão, a partir da década
de 1960 é citado, lembrando que algo semelhante pode ocorrer na nossa região.
No geral, a Cartilha resume a problemática ambiental decorrente da garimpagem,
mas o teor é, sobretudo, informativo, carecendo de uma abordagem mais crítica que
contextualize a garimpagem na cadeia econômica mais ampla. Num tom até certo ponto
alarmista, é feita esta observação: “[...] NÃO PODEMOS E NEM DEVEMOS FICAR
INERTES COM RELAÇÃO AO FUTURO SOMBRIO QUE PAIRA SOBRE A NOSSA
REGIÃO, VISTO QUE A POLUIÇÃO MERCURIAL JÁ COMEÇA A FAZER VÍTIMAS,
NO MEIO DE NOSSA POPULAÇÃO.” (GDA, 1990, p.13). A seguir, são apresentadas as
medidas que poderiam evitar e até certo ponto mitigar os efeitos da poluição em curso e, entre
elas, a realização de campanhas educativas junto àqueles que usam o metal, ou seja, os
garimpeiros. Aqui é preciso analisar que se as campanhas educativas devem estar voltadas
para os garimpeiros, o que parece é que eles são os causadores de tal problema ambiental. E,
neste sentido, é válido o registro a seguir a respeito da condição social desses trabalhadores:
Uma análise desses objetivos nos conduz a algumas considerações. Primeiro, que
a concepção de EA vai além dos aspectos naturais do meio ambiente, incluindo aí a sociedade
e sua cultura. Porém, há o pressuposto de que é possível uma relação de harmonia com a
natureza e a referência a um “homem genérico” que pode estabelecer tal relação. Contudo, se
assumirmos a dialética como modo de compreender o mundo e as relações aí estabelecidas,
temos de admitir a contradição e a divergência de interesses, o conflito principalmente no
âmbito do capitalismo. Diegues (1996), ao referendar o pensamento de Moscovici sobre um
novo naturalismo 55 em ascensão na atualidade, no qual não há dicotomização
homem/natureza, faz a seguinte afirmação:
55
“Esse novo naturalismo propõe uma sociedade para a qual a natureza é um lugar onde o homem pode
desabrochar; uma nova realidade aberta que ela pode ajudar a desenvolver. Nessa perspectiva, a sociedade pode
descobrir que a natureza não é uma realidade plácida, uniforme, em perfeito equilíbrio. Ao contrário, ela é
diversidade, criação constante de diversidades, existência complementar de cada força e de cada espécie. A regra
é a divergência, e a evolução se faz sob o signo da divergência” (DIEGUES, 1996, p.50).
152
região, por isso o objetivo de denúncia do GDA contra esses agentes é importante. Não
descartamos aqui que pequenos produtores rurais possam praticar agressões contra o meio
natural, como é o caso, da prática de queimar uma área, geralmente já desmatada, antes de ser
cultivada. Há diversos exemplos de ações de EA, voltadas para reverter esse tipo de manejo,
promovidas pelo governo, como também outras entidades, sendo uma delas, o próprio GDA.
Entretanto, o que não podemos deixar de analisar é que na Amazônia, e
consequentemente em Santarém, o que temos presenciado é que a devastação ambiental é
consequência dos grandes empreendimentos do governo e das grandes empresas, que agem
sob a ótica do capitalismo com seu viés neoliberal, que irá perpassar, como vimos, o próprio
campo ambiental a partir da década de 1990.
Em relação ao GDA, ainda cabe tecer algumas considerações a respeito do Projeto
de Capacitação de Educadores Ambientais Multiplicadores (PROCEAM), desenvolvido no
período de 1998 a 2004, por tratar-se de proposta que teve abrangência significativa,
sobretudo na região dos rios Tapajós e Arapiuns. Na introdução da cartilha “Educadores
Ambientais Comunitários: uma experiência de educação ambiental nas regiões Tapajós e
Arapiuns”, é sistematizado o conteúdo a ser trabalhado e afirmado que o programa surgiu da
necessidade de enfrentamento de problemas socioambientais nessas regiões, tais como: pesca
e caça predatórias, exploração dos madeireiros, desmatamento de margens de rios e igarapés.
Assim, é da discussão dessa problemática que vieram as “motivações” para: “[...] iniciar o
trabalho de educação ambiental com a finalidade de orientar as pessoas a utilizarem os
recursos naturais de maneira sustentável, garantindo qualidade de vida das presentes e futuras
gerações.”. (GDA, [200-?], p.07).
A cartilha aborda, entre outras temáticas, conceitos básicos de ecologia, prevenção
de queimadas, a problemática do lixo, organização comunitária e relações de gênero e meio
ambiente. Nesse sentido, além de questões do ambiente natural, o documento insere questões
sociais, destacando que considera o homem como sujeito histórico. Entretanto, é registrada na
cartilha a concepção de que o homem vivia em harmonia com a natureza antes dos problemas
que começaram a emergir na comunidade e que essa relação pode voltar a ser estabelecida.
Embora seja enfatizado que a construção do processo educativo é participativa e que há
respeito pelos saberes locais, é expresso no texto do documento que o papel da instituição é
orientar e possibilitar a aquisição de conhecimentos, valores e atitudes que possibilitem
proteger o meio ambiente.
Ao definir o que é a EA, é afirmado:
153
56
Os grupos indígenas citados no Plano de Manejo da RESEX Tapajós-Arapiuns (BRASIL, 2014) são: Arapiun,
Tubinambá, Tupaiu, Munduruku, Cara-Preta, Jaraqui, Tapajó, dentre outros.
57
Cabe esclarecer que o CEAPS é órgão executor do Projeto Saúde Alegria (nome fantasia) e no decorrer do
trabalho, quando utilizarmos uma ou outra denominação, estaremos nos referindo a uma mesma instituição.
Mais informações estão disponíveis em <http://www.saudeealegria.org.br/?page_id=48>. Acesso em
15/03/2016.
154
[...] Após algum tempo, eles perceberam que muito da demanda encontrada
na área de saúde poderia ser minimizada ou sanada através de atividades
ligadas à educação em saúde. A partir de então, começaram a aplicar
diversas linguagens artísticas como um meio de transmitir informações
preventivas e organizar grupos de multiplicadores nas comunidades
(BARROSO, 2003, p. 12).
Essa primeira experiência foi interrompida por desavenças políticas, uma vez que
a Prefeitura de Santarém passaria por um novo pleito e, em razão da recusa do casal em fazer
campanha em favor do partido então no poder, o Partido Democrático Social (PDS), os dois
foram demitidos. Nessas circunstâncias, a maneira encontrada para dar continuidade ao
trabalho que vinha dando certo foi fundar o CEAPS (Ibidem). A primeira etapa dessa
experiência como ONG ocorreu no período de 1987 a 1990, com financiamento do
FINSOCIAL/BNDES que tinha a interveniência da Fundação de Amparo e Desenvolvimento
da Pesquisa (FADESP/UFPA): “[...] As comunidades foram selecionadas de acordo com os
critérios de carência econômica, concentração populacional, ausência de apoio institucional e
participação na experiência anterior”. (CEAPS, [200-], p. 14).
Inicialmente, foi realizado diagnóstico participativo que possibilitou definir o que
seria priorizado em curto, médio e longo prazo e as etapas a serem desenvolvidas
posteriormente pelo projeto. Em tal diagnóstico, foi identificada a saúde como principal
problema em torno do qual os demais programas do projeto deveriam ser desenvolvidos:
Produção Agroflorestal, Educação e Cultura, Gênero e Jovens.
Observamos que, ao mesmo tempo em que o foco é a saúde, os programas
desenvolvidos procuravam a sustentabilidade das comunidades. Seguindo essa linha de ação,
inicialmente foram formados monitores de saúde voluntários para acompanhar as famílias e
algumas das ações realizadas estavam também relacionadas ao saneamento básico:
Já em relação aos produtores rurais, algumas das tarefas executadas com eles
estavam voltadas para a recuperação de áreas degradadas, a diminuição das queimadas e
155
Para além da crítica que podemos fazer pela descrição acima, em que perpassa a
concepção de que fazer EA é incluir temas sobre ecologia na educação, a iniciativa foi
significativa, já que nesse período ainda não havia a institucionalização da EA pela Secretaria
Municipal de Educação de Santarém.
Por outro lado, é importante frisar que, considerando a proposta do PSA para a
EA, enunciada logo na apresentação do seu projeto institucional, essa educação não fica
restrita ao ambiente escolar, mas permeia todos os seus programas, o que possibilita sair dessa
perspectiva naturalista e focar aspectos também sociais:
58
Durante vários anos, muitas comunidades ribeirinhas tiveram acesso a serviços de atenção básica à saúde pelo
Barco Abaré, coordenado pelo PSA. Na atualidade esse barco equipado para oferecer serviços básicos de saúde
às populações ribeirinhas está em negociação para o seu repasse para a Universidade Federal do Oeste do Pará,
que tem a possibilidade de, além de oferecer assistência à saúde, desenvolver a pesquisa e a extensão.
157
É possível perceber assim que nessa etapa de atividades, o PSA expandiu a sua
atuação e conseguiu expor o trabalho desenvolvido em nível nacional e internacional,
aproximar-se do poder público municipal e federal, inserir-se em conselhos e estabelecer
diversas articulações.
No final da década de 1990, a instituição começou um “processo interdisciplinar
participativo”, visando planejar a próxima etapa a ser realizada a partir dos anos 2000 sob o
título “Sustentabilidade e Integração às Políticas Públicas”, prevendo o aprofundamento da
gestão comunitária e da gestão institucional (Ibidem).
Os programas anteriormente mencionados são realizados na área de abrangência
de comunidades rurais do município de Santarém, Belterra e de algumas comunidades do
município de Aveiro (BARROSO, 2003).
As comunidades ribeirinhas atendidas pelo PSA desde 1987 são: Suruacá,
Muratuba, São Domingos, Maguari, Jamaraquá, Acaratinga, Piquiatuba, Pedreira, Marituba,
Tauari, Urucureá, São Francisco, Cachoeira do Aruã, Alto Aruã, Aninduba e Santana do
Ituqui. Desde de 2000: Marai, Itapuama, Capixauã, Jaguarari, Takoara, Nazaré, Prainha I,
Prainha II, Itapaiuna, São Jorge, Santa Clara, Nova Vida, Chibé, Pini, Jutuarana e Paraíso.
(Ibidem)
Até aqui, temos feito a exposição da proposta do PSA considerando principalmente
o seu projeto institucional, mas vale mencionar dois trabalhos que o tomaram como objeto de
pesquisa e apresentaram algumas considerações interessantes.
O primeiro é de Mônica Barroso (2003), já citado, um ensaio no qual é
apresentada a trajetória do projeto desde a sua formação, percorrendo as etapas de trabalho de
1987 aos anos 2000 e os programas desenvolvidos. Apesar de a autora apresentar pontos
positivos em relação ao trabalho desenvolvido pela instituição, com base em sua vivência,
inclusive acompanhando a equipe às comunidades, ela afirma a necessidade de maior
integração entre os programas citados para que a interdisciplinaridade pretendida ocorra
efetivamente em todas as ações desenvolvidas. Há considerações sobre todos os programas,
mas queremos fazer referência aos: Programa de Educomunicação e Produção Agroflorestal e
Meio Ambiente, em virtude de terem enfoque mais voltado para a educação. O primeiro
afirma que:
59
Esse tipo de extensão rural, segundo Caporal e Ramos (2006), trazia em seu bojo um modelo de
desenvolvimento, que previa um conjunto de medidas que vai considerar a agricultura um setor consumidor de
máquinas e equipamentos, adoção de sementes híbridas e agrotóxicos com a finalidade de contribuir para o
superávit da balança comercial com produtos voltados para a exportação. Uma alternativa a esse modelo,
segundo os autores, é a agroecologia, além de mencionarem que a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural, instituída na década de 2000, propõe a sustentabilidade econômica ao lado da ambiental.
160
Observamos, com essa citação, que o trabalho do PSA abrange, tanto as ações de
saneamento básico, percebidas como positivas pela comunidade, como as de estímulo à
geração de renda, sendo uma das vias o ecoturismo. Vale ressaltar que as praias dessa região
são consideradas belas, e, por isso, a beleza natural é transformada em produto e vendida
àqueles que estão dispostos a pagar:
O que podemos observar, nesse caso, é que, mesmo que a natureza e o modo de
vida das populações sejam preservados, o que está na base disso é o estabelecimento de
relações comerciais. Ainda que haja benefícios com tal atividade, uma vez que a comunidade
162
teria renda e a natureza não seria degradada, não podemos desconsiderar o jogo econômico
envolvido, o qual se insere na lógica capitalista, já que temos um atrativo que é transformado
em mercadoria (A comunidade com suas belezas naturais, a floresta etc.) para quem está
disposto a pagar e pode fazê-lo (o consumidor, neste caso o turista). Acreditamos que uma EA
crítica deve desvelar essas relações para além de sensibilizar para preservar/conservar, uma
vez que tais práticas não pretendem o enfrentamento da problemática de fundo da questão
ambiental, mas encontrar mecanismos de perpetuação do capital. O que parece é que aquilo
em que o capital toca se transforma em mercadoria, no que pode ser quantificável,
transformado em dinheiro, até mesmo coisas que nunca imaginamos, como lembra Lowy
(2014) e nesse caso, citamos o simples contato com a natureza através do ecoturismo. Por
isso, não podemos ser ingênuos em relação às práticas de EA que se inserem na perspectiva
desse tipo de turismo. De fato, é uma alternativa de renda para as populações locais, mas não
se inserem fora da lógica do mercado, como alerta Rodrigues (2000), embora seja
recomendada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) na gestão das
unidades de conservação.
Em relação às metodologias utilizadas para trabalhar a EA, Garcia (2008)
identificou que a totalidade dos técnicos do projeto aponta o circo como principal estratégia,
além do trabalho em grupo que proporcionaria a “troca de informações”. Entretanto, a autora
comenta que aparecem contradições, pois há momentos em que os técnicos frisam o repasse, a
transmissão de informações, permitindo-lhe afirmar, pelas falas do grupo-alvo, que, apesar de
a participação ser pretendida como o eixo do trabalho do PSA, isso não ocorre como previsto.
Na própria visão dos sujeitos, essa participação deixa a desejar, ainda que seja dado espaço,
uma vez que as decisões já estão praticamente pré-estabelecidas, sendo mais presente a
participação dos líderes comunitários. Por isso, ela afirma:
60
Um dos objetivos da Lei 9.985/2000 que estabeleceu o SNUC é o desenvolvimento da educação
ambiental e o turismo ecológico. Os tipos de unidades de conservação definidos são: Unidades de Proteção
Integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; e Refúgio de Vida
Silvestre) e Unidades de Uso Sustentável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico;
Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; Reserva
Particular do Patrimônio Natural).
164
Pelo exposto, observamos que há outros grupos que realmente precisam de EA,
como os madeireiros, os sojeiros, os pecuaristas etc. O que não significa que ela não deva ser
desenvolvida também entre os moradores tradicionais, considerando os novos arranjos que
são criados ao se estabelecer uma unidade de conservação e mesmo mudanças que vão
ocorrendo no modo de viver dessas populações.
De acordo com Manzochi (2005), que elaborou relatório que analisa o período de
atuação do PEA no município de Santarém, é possível identificar três fases:
Ocorreu com o início do programa em 1994 e estendeu-se até 1999, com enfoque
na elaboração dos temas geradores com base em processo participativo que envolve os
professores na experiência-piloto em escolas municipais da região do Ituqui, no rio
Amazonas. Com base nos temas geradores, foram elaborados materiais didáticos a serem
utilizados pelos professores em suas atividades na escola. Inicialmente, esses professores
foram submetidos a teste para avaliar o nível de conhecimento que tinham sobre ecologia da
várzea e EA.
No primeiro momento da experiência-piloto no Ituqui, foram realizados quatro
seminários envolvendo professores de oito comunidades locais. Contudo, somente professores
de quatro escolas das comunidades de Aracampina, São Benedito, Santana e Conceição
participaram dessa experiência, que consistia em inserir na sala de aula a discussão sobre os
temas geradores e material didático produzido. A escolha dessas comunidades deu-se com a
participação dos professores e com base em alguns critérios, como interesse pelos temas,
retenção de conhecimentos por parte do professor e estrutura das escolas. É nessa etapa que
foi realizada, em 1998, a I Feira Ecológica e Cultural do Ituqui, com o título “Cultura e
Educação na Construção de Nossa História” (MANZOCHI, 2005).
Por tratar-se de experiência que estava sendo desenvolvida em escolas municipais,
um termo de compromisso foi firmado com a SEMED em julho de 1997, pois caberia também
166
Essa fase (de 1999 a 2003) caracteriza-se pela expansão do PEA para quatro
regiões da várzea de Santarém: Tapará, Ituqui, Aritapera e Urucurituba.
Segundo Manzochi (Ibidem, p.16), cada região participou de um curso que era
composto de quatro encontros realizados em parceria com a SEMED, os quais tinham por
objetivo: “subsidiar os professores com conceitos básicos de ecologia e manejo sustentável
dos recursos naturais da várzea; promover discussões acerca da importância da educação
ambiental no contexto escolar e comunitário”.
Sobre essa etapa, a autora comenta que, com base na avaliação realizada pela
equipe do programa, foi identificado que ele estava tendo aplicação menor que a esperada na
sala de aula, uma vez que os professores tinham dificuldade em registrar as atividades, e a
contribuição maior dava-se na variedade de metodologias de ensino desenvolvidas. Isso foi
atribuído ao fato de ter ocorrido mudança nos cursos realizados em termos de aprofundamento
dos conteúdos: “[...] estaria havendo pouco investimento em uma formação conceitual
aprofundada dos professores a respeito da realidade ecológica e socioambiental
específica da várzea, e um investimento muito maior em termos de subsídios didático-
pedagógicos gerais” (Ibidem, p.24).
Pela própria missão da instituição, voltada para a produção de conhecimentos
científicos, e a origem do Projeto Várzea, que, a princípio, teve apoio do CNPq e parceria do
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA (AZEVEDO, 2004), há uma ênfase
no PEA na aquisição de conhecimentos por parte dos professores, embora seja afirmada a
importância dos conhecimentos que os professores já possuem.
Durante as mostras, várias atividades eram desenvolvidas. Entre elas, painéis que
expunham trabalhos dos alunos, mostras fotográficas, poesias, paródias, exposição de material
didático de EA e peças de teatro. Alguns dos temas dessas mostras foram: “O lixo” (2002);
“Água” (2003); “As comunidades da várzea” (2004); “A várzea que queremos: Águas
Limpas, Comunidades Saudáveis” (2005).
Como observamos pelas temáticas, o enfoque dado está relacionado, de certa
forma, com o outro projeto que será desenvolvido a partir de 2004 com o apoio da WWF-
Brasil: “Águas Limpas, Comunidades Saudáveis”, com o objetivo de sensibilizar a população
para a poluição das águas e promover a capacitação de agentes multiplicadores que pudessem
proceder à coleta seletiva do lixo com a participação da comunidade e de escolas (Ibidem).
Tomando por referência a análise de Manzochi (2005), que sintetiza as atividades
realizadas durante 10 anos de atuação do PEA do IPAM, algumas considerações ainda podem
ser feitas. Primeiro, dentre outras contribuições apontadas, é importante citar: mudanças na
sala de aula; crescimento profissional dos docentes; envolvimento da comunidade além da
sala de aula; contribuição no fortalecimento da organização comunitária; produção e difusão
de conhecimentos da várzea santarena; e produção de material didático com a participação de
docentes, como a cartilha “O Mundo da Várzea”.
Segundo, o programa, em sua última fase, segundo Manzochi (2005), ao enfatizar
o trabalho com as mostras nas quais o lúdico está presente, possibilitou a aproximação de
168
jovens e crianças, mas, por outro lado, houve um afrouxamento da dimensão conceitual do
projeto. Ela comenta que a primeira etapa do projeto tinha declarado a fundamentação teórica
nos temas geradores, conforme a perspectiva de Paulo Freire, mas, posteriormente, há outro
enfoque que se aproxima da educadora ambiental, Michele Sato, e essa modificação está
relacionada possivelmente com as concepções das coordenações que foram mudando no
decorrer do tempo.
A partir dessas considerações sobre a educação ambiental no GDA, PSA e IPAM,
pode-se perceber que a relação delas com o poder público não é ausente, pois se fez de
alguma forma, sendo uma delas as parcerias, a atuação em escolas da rede municipal.
Se, inicialmente, é por meio dessas instituições que as práticas de EA a partir da
década de 1990 são desenvolvidas, predominantemente nas escolas da zona rural, não
podemos deixar de fazer duas observações importantes. A primeira é que anteriormente a esse
período, se considerarmos uma preocupação com as questões ambientais disseminadas em
movimentos sociais, sindicatos e organizações populares locais, conforme já expusemos,
podemos sugerir que uma EA “informal” já transitava em Santarém, e não estava relacionada
com a ideia hegemônica de desenvolvimento sustentável propalada principalmente na Eco-92,
e que coincide praticamente com o período de atuação das ONGs citadas em Santarém.
A segunda observação é que, tanto o governo estadual, como o municipal não
permanecerão ausentes nessa área, mas, atendendo às diretrizes nacionais e internacionais,
irão implantar de forma sistemática a EA, que não irá se afastar dessa lógica de
desenvolvimento sustentável já citada. Tendo já exposto como isso ocorreu em nível estadual,
principalmente com a criação do PEAM, como um desdobramento do PGAI, iremos expor a
seguir as iniciativas do governo municipal que, formalmente, irá implantar a EA a partir de
2006, primeiro na SEMED, para atender à rede escolar e, posteriormente, por meio da
SEMMA61. Embora nossa abordagem não inclua essa Secretaria, é importante mencionar que
ela tem uma Seção de Educação Ambiental (SEMMA, 2014), no âmbito da qual são
desenvolvidas diversas atividades, dentre elas: ações voltadas para a gestão do lixo;
reflorestamento; ações específicas durante grandes eventos municipais, como o Çairé em
Alter do Chão e o Carnaval; e a Semana do Meio Ambiente que, em pareceria com outras
instituições, abrange inclusive escolas de Santarém na programação de tal evento.
61
Foi iniciativa dessa secretaria a criação de uma Comissão Interinstitucional Municipal de Educação Ambiental
(CIMEA), que tinha o objetivo de criar um espaço para que diversos segmentos da sociedade pudessem discutir,
encaminhar proposições na área. A minuta de tal comissão, embora compactuada coletivamente, não foi
homologada pelo Poder Executivo.
169
62
Essa lei especifica a estrutura administrativa do Poder Executivo municipal, definindo as atribuições de cada
Secretaria de governo.
170
temas a serem selecionados para a construção da agenda. São essas as orientações que
constam de forma sucinta no folder (SEMED, 2007), conforme ilustração a seguir, distribuído
nas reuniões feitas pela coordenação que orientava a elaboração de um plano de ação de
forma participativa, a Agenda 21 na Escola.
Uma busca nos relatórios de atividades dessa coordenação entre 2006 e 2013 dá
conta de que, no âmbito da elaboração da Agenda 21 na Escola, foram desenvolvidas várias
oficinas de formação com os professores da área urbana, de rios e do planalto e seminários
sobre resultados em andamento das propostas elaboradas pelas escolas. Vale ressaltar que
algumas dessas escolas já tinham um trabalho voltado para a questão ambiental em
andamento. Como exemplo, identificamos o caso de uma dessas escolas, que desenvolveu a
construção da sua agenda aproveitando a experiência que vinha sendo conduzida pela
comunidade escolar. Um resumo desse trabalho foi escrito sob orientação de uma professora e
publicado por dois alunos (SANTOS e MATOS, 2008) na Revista Agenda 21 e Juventude do
Ministério Meio Ambiente, ilustrada a seguir:
171
63
Uma apresentação geral dessa proposta que abrangeu o Município de Santarém-PA, está disponível em <
http://www.feg.unesp.br/~cepee/educacao_e_energia/nacionais/A_CONTRIBUICAO_DO_PROCEL_EDUCAC
IONAL_PARA_A_CONSERVACAO_DE_ENERGIA.pdf>. Acesso em 20/04/2016.
172
Eletronorte, de Brasília, que distribuiu kits de recursos didáticos que incluíam cartilhas, álbum
seriado e outros materiais que serviam de apoio para as atividades que cada escola deveria
programar no desenvolvimento do projeto. A SEMED acompanhava os relatórios que as
escolas deveriam enviar, mostrando o histórico do consumo de energia, tanto das famílias dos
alunos como da própria escola.
Uma vez que a diretriz do trabalho de inserção da dimensão ambiental nas escolas
era a Agenda 21, consideramos que um passo a mais para a implantação dessa proposta foi a
realização da I Conferência Municipal Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, em outubro de
2008, em parceria com diversas instituições ambientais e de ensino de Santarém, abrangendo
a rede municipal e estadual de ensino. Realizada em várias etapas e iniciada nas escolas sob a
coordenação dos professores, coordenadores pedagógicos e diretores, a etapa municipal
reuniu alunos de 5ª a 8ª série de escolas das áreas urbana e rural. Na etapa estadual, foi de
Santarém que saiu a representação do Pará das escolas indígenas e quilombolas para a
apresentação dos seus trabalhos na etapa nacional ocorrida em abril de 2009, em Luziânia-
GO.
No que concerne à formação dos professores para EA, identificamos que algumas
capacitações e três seminários foram implementados, envolvendo professores e equipe
pedagógica das escolas: I Seminário de Educação Ambiental, no período de 1º a 4 de
novembro de 2006; o II Seminário, nos dias 8 e 9 de novembro de 2007, com a temática
“Agenda 21 na Escola: participando para promover a qualidade de vidas”; e o III Seminário
de Educação Ambiental nos dias 30 e 31 de maio de 2011.
Ao lado de outras atividades que a Coordenação de Educação Ambiental tem
desenvolvido, expandindo as atividades iniciais ao lado de outras realizadas pela Escola da
Floresta e a Escola do Parque, percebemos pelos relatórios consultados que continua uma
aproximação com as diretrizes do MEC para a implementação da EA na escola, o que é
indicado pela presença, no planejamento de 2013 do incentivo à construção da Agenda 21 e
pela própria realização da II Conferência Municipal Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente.
(SEMED, 2013).
De acordo com o Programa Integrado de Educação Ambiental da SEMED (2009),
tem-se buscado inserir a EA nos diversos âmbitos do sistema municipal de educação, indo da
administração da SEMED às escolas nas três regiões atendidas: rios, planalto e área urbana.
Outra constatação é que a interlocução com outras instituições continua. Se, na década de
1990, havia parceria formalizada com o IPAM para atender a escolas da várzea, a partir de
2012, por exemplo, foi firmada parceria com o PSA para desenvolver o Projeto “Territórios
173
de Aprendizagens” em escolas da zona rural, envolvendo tanto planalto como região de rios.
(SEMED, 2012)
b) Escola da Floresta
*Viveiro das plantas: nesse espaço, são apresentadas alternativas para o cultivo de
plantas medicinais e hortaliças com adubo orgânico, em substituição ao uso de agrotóxicos, e
incentivada a inserção de horta na escola dos alunos visitantes,
*Meliponário: localizado no viveiro de plantas, há a criação de abelhas sem
ferrão, em que se mostra a importância delas na polinização.
175
c) Escola do Parque
compor o debate ambiental. Constatamos que é somente a partir da segunda fase da década
de 1990 em diante que a EA é instituída através do trabalho das ONGs que mencionamos: o
GDA, o PSA e o IPAM. Nossa análise inicia-se por estas instituições para, em seguida, tratar
da experiência do poder público.
A experiência das ONGs em Santarém atravessa praticamente os três períodos
delimitados, se considerarmos as atividades iniciais ainda no final da década de 1970 do
Grupo de Terça-feira, que dará origem ao GDA e aos trabalhos iniciais ainda na década de
1980 do PSA. Se a primeira experiência remete, em sua origem, a um movimento social de
contestação ao regime militar e a uma perspectiva de denúncia, que parece acompanhar a
instituição, a segunda instituição pode caracterizar-se inicialmente como voltada para a
assistência social, no âmbito principalmente da saúde, mas que posteriormente irá se alinhar
ao movimento ambiental nacional, buscando parcerias internacionais e aproximações com o
poder público. Quanto ao IPAM, se analisarmos o escopo geral da proposta institucional,
percebe-se a preocupação com a produção de conhecimento científico vinculado à noção de
sustentabilidade e é, nessa perspectiva, que a EA adentra as escolas municipais da várzea do
rio Amazonas no munícipio.
O cerne da nossa análise aqui remete à afirmação de que, sendo essas instituições
a porta de entrada da EA em Santarém, não podemos deixar de constatar aí que o
protagonismo delas é afim com interesses do neoliberalismo que proclamam o papel da
sociedade civil e uma ausência do poder público, conforme já discutimos. De uma forma
geral, não podemos afirmar, pelos dados levantados, que o fazer dessas instituições no
desenvolvimento da EA é total e plenamente neoliberal, pois nesse caso, haveria necessidade
de um debruçar específico sobre as propostas pedagógicas para captar isso. Além disso, é
preciso considerar a presença de contradições no interior dessas instituições e das práticas
desenvolvidas por seus integrantes. Entretanto, podemos apontar algumas pistas que
sinalizam que não há um rompimento com a lógica neoliberal, muito embora, todas se
posicionem em suas propostas como comprometidas com formas de gestão ambiental
sustentáveis e não predatórias, incluindo aí participação das populações locais. Vale lembrar
o que já discutimos anteriormente sobre a insustentabilidade do modo de produção capitalista
e que também é mencionado por Loureiro (2002, p.32):
capitalismo/modernidade/industrialismo/urbanização/tecnocracia. Logo, a
desejada sociedade sustentável supõe a crítica às relações sociais e de
produção, tanto quanto no valor conferido à dimensão da natureza.
documentos analisados é uma crítica ao capitalismo como causa da crise ambiental e a busca
de soluções sem romper com esse modo de produção. Tanto que, nas três instituições, por
exemplo, há trabalhos de EA voltados para a gestão do lixo mas, se tomarmos como ilustração
o Guia do Multiplicador Ambiental Comunitário: resíduos sólidos e Educação Ambiental do
IPAM, faremos alguns achados importantes. Preliminarmente, vale dizer que o protagonismo
para resolver o problema nas comunidades da várzea, onde foi realizado o projeto, é da
comunidade e do IPAM e não uma responsabilidade do poder público; embora o lixo seja
uma consequência direta do consumo no âmbito do capitalismo, esse não é questionado; o
indivíduo é o principal agente de mudança, que deve buscar engajar-se coletivamente, porém
a mudança enfatizada é de valores. Assim, referenda-se a necessidade de mudanças que
devem ocorrer adotando valores pós-materialistas64, num contexto substancialmente diferente
– interior da Amazônia - de onde essa concepção de EA foi gestada, nos países ricos.
Como já criticava Martinez-Alier (1997) as bases dessa forma de ambientalismo
focado em valores pós-materialistas, Layrargues (2006), no campo da educação ambiental,
referindo-se também a essa questão, diz que:
64
Martinez-Alier (1997, p.220), ao referir-se ao ambientalismo, afirma: “[...] a tese pós-materialista explica os
movimentos ambientais não em termos de uma preocupação com a crescente degradação dos recursos materiais
e com o aumento da poluição, mas, pelo contrário, em termos de uma mudança de valores culturais voltados para
temas relativos à „qualidade de vida‟, fora do âmbito do consumo material. Não concordo com ela. [...]”. O autor
argumenta que essa tese é fácil de desmontar, pois, nos países pobres, também é possível encontrar a
preocupação com o meio ambiente.
181
65
A Constituição Brasileira no Artigo 225 define que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
182
66
A autora discute que os EUA criou uma concepção de democracia constituída por: “[...] indivíduos
particulares e isolados que renunciavam a seu poder para delegá-lo a alguém e desfrutar de forma passiva de
certos direitos cívicos e liberdades básicas. Em outras palavras, inventaram um conceito de cidadania passiva,
dissocializada e, inclusive, despolitizada.” (WOOD, 2006, p. 390).
183
como fazer a gestão adequada dos recursos naturais e a mudança de valores, conforme
citamos anteriormente, mas sem a proposição de uma reflexão sobre as condições materiais
do modo de produção capitalista.
Já em relação ao poder público, tendo já exposto os caminhos trilhados pela EA
na rede municipal de educação, precisamos retomar algumas questões implícitas em tal
exposição.
A primeira é que a SEMED, sendo uma instância do poder público municipal, não
surpreende que tenha articulado sua proposta de EA àquela desenvolvida pelo Ministério da
Educação e Cultura (MEC). Isso está expresso por meio da proposta das escolas de
construírem a Agenda 21 na Escola e da realização da Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio
Ambiente. Essa conferência, que teve duas edições realizadas em Santarém, tem como um de
seus objetivos fortalecer as Com-Vidas que, por sua vez, têm um papel fundamental na
construção da Agenda 21 na Escola e deve envolver diversos segmentos da escola e não
apenas professores (DEBONI E MELO, 2007).
A proposição de construção da Agenda 21 Escolar, que segue os princípios de
construção da Agenda 21, tais como a participação das pessoas, envolvimento da comunidade
escolar e do entorno, pode até ser uma proposta que emerge das bases, de quem está na
escola, ou seja, dos alunos, dos professores, se forem efetivamente inseridos no processo de
construção de tal projeto.
Ao propor que a Agenda 21 seja construída de forma participativa, vejamos o que
é esperado desse processo:
67
Chegamos a mencionar no decorrer do trabalho que, no caso dos EIA-RIMAS, temos exemplos na Amazônia
de que as “partes interessadas” até são incluídas mas, ouvidas no sentido de fazer valer o posicionamento que
têm não é isso o que vem ocorrendo.
68
O Inventário da Oferta Turística de Santarém ao referir-se aos serviços públicos disponibilizados, afirma que:
“O saneamento básico é constituído por uma rede de esgoto sanitário numa extensão de 50 km, incompleto, uma
vez que não existe o coletor principal, a estação de tratamento e nem emissário. O sistema de Drenagem abrange
53, 32 Km, o que equivale a 8,94% do sistema viário.” (SANTARÉM, 2015).
187
69
O MMA tem um levantamento que expõe o quadro de construção da Agenda 21 no País disponível em <
http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/sumario_executivo_18.pdf>. Acesso em 02/04/2016.
188
70
No capítulo 2, no tópico “Educação e as amarras neoliberais”, discutimos como o neoescolanovismo se
apresenta no debate da EA.
189
analisados das instituições citadas, há uma mesclagem de tais correntes, sendo comum a todas
e predominante a corrente conservacionista.
Essa perspectiva não chega a ser uma novidade, considerando o contexto no qual
as propostas de EA em Santarém foram gestadas, visto que a sustentabilidade difundida a
partir da década de 1990 tem como fundamento a corrente conservacionista que, ao contrário
da corrente preservacionista, defende a interferência humana na natureza de maneira racional
(DIEGUES, 1996).
Na cartilha que apresenta os conteúdos do programa Capacitação de Educadores
Ambientais Multiplicadores (PROCEAM) do Grupo de Defesa da Amazônia GDA, isso está
presente na justificativa para a realização do projeto, pois está exposto que a natureza está aí,
mas é preciso saber manejá-la. A cartilha que traz o alerta sobre a poluição mercurial também
segue a mesma linha de atuação, já que o foco é que a exploração do ouro continue, mas com
tecnologias mais apropriadas, sendo a EA importante para suscitar nova postura diante dessa
prática econômica.
O trabalho do PSA, ao propor que a EA permeie todos os seus programas,
pretende desenvolver projetos destinados a ensinar os ribeirinhos a melhor utilizar os recursos
naturais.
O IPAM relaciona o manejo dos recursos naturais à EA de maneira mais explícita,
uma vez que o PEA existiu no contexto do Projeto Várzea, que tinha esse objetivo. Mesmo o
Projeto “Águas Limpas, Comunidades Saudáveis” segue essa linha, pois, além da gestão de
resíduos sólidos, nele está presente a preocupação com a água como recurso a ser conservado.
Na SEMED, percebemos a influência da corrente conservacionista em vários projetos:
O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL) Educacional trabalhou
numa perspectiva de gestão de energia, pois o objetivo foi que alunos, comunidade escolar e
pais pudessem gerenciar melhor o consumo de energia. Por meio da Agenda 21, isso também
193
aparece, já que esta abre a possibilidade para que cada escola defina suas prioridades, estando
algumas delas relacionadas à conservação e à gestão de recursos naturais.
A Escola da Floresta aponta nessa direção em vários dos espaços criados: a casa
do seringueiro, a casa da farinha, o Meliponário, as aulas interativas sobre o lixo, a casa do
pescador, pois o que está implícito é que essas atividades, tomadas como “exemplares” da
região, possam ser desenvolvidas de forma sustentável. Já na Escola do Parque, boa parte da
programação oferecida adota essa perspectiva.
A conservação do meio ambiente ou “gestão do meio ambiente”, como afirma
Sauvé (2005), é algo presente nas famílias e nos grupos comunitários em que os recursos são
escassos. Pensamos que, na Amazônia, principalmente onde temos grupos tradicionais que
por longa data vivem da floresta, ela também está presente, mesmo considerando a
abundância da floresta. A escassez começa a ser um motivo para a conservação a partir do
momento em que esses grupos se sentem ameaçados em razão da exploração indevida por
grupos estranhos à comunidade. Isso apareceu tanto nos documentos relacionados ao GDA
como nos do PSA.
Nesse sentido, a reflexão importante a fazer é sobre para quem os recursos
naturais devem ser conservados. E, para isso, a EA é fundamental, visto que ela pode ser uma
via de desvelamento de interesses e contradições da própria sustentabilidade almejada, que é a
linha diretriz de todos os projetos citados.
Há discussões em curso desde a década de 1970 a respeito do desenvolvimento e
da sustentabilidade, mas como já expusemos, é na década de 1990 que o enlace entre
capitalismo e desenvolvimento sustentável ocorre na busca de um consenso forjado, cujo
marco é a Eco-92 (OLIVEIRA, 2011). Entretanto, os documentos analisados praticamente
não apontam a relação entre degradação ambiental e capitalismo, ainda que apareça entre
degradação e industrialização, o que nos faz sugerir que a EA desenvolvida se constitui muito
mais em um instrumento de gestão dos recursos naturais do que um processo educativo que
traga à tona as contradições do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, que
consideramos o cerne dos problemas ambientais.
A proposição de uma EA para a gestão ambiental tem sido desenvolvida no
âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA), tendo Quintas (2004, p.115-116) como um
de seus defensores:
Compreendemos que esse tipo de EA, definido pelo autor como crítico, pode
render alguns questionamentos passíveis de serem feitos noutra oportunidade. Por ora, cabe
dizer que, gestada a princípio dentro do MMA, o órgão ambiental do Estado brasileiro que
tem o dever de zelar pela preservação do meio ambiente, conforme a Constituição Federal em
seu artigo 225, o controle social aludido pelo autor se esfumaça junto com as florestas em
muitos casos na Amazônia. Talvez não seja precipitado citar que, diante de vários desastres
ambientais ocorridos ou com ameaça de acontecer, ações do Ministério Público têm
contestado determinados empreendimentos, alguns deles do próprio governo – por exemplo,
as hidrelétricas na Amazônia, em Santarém - que seguem até o momento, sem permitir que os
sujeitos afetados possam realmente ter o controle social comentado por Quintas (2004).
Se a corrente conservacionista aponta para a noção de sustentabilidade e é comum
a todas as instituições investigadas, percebemos que há outra corrente que se aproxima dos
trabalhos desenvolvidos. Trata-se da corrente resolutiva:
participantes com imensas extensões de praias ao longo do rio Tapajós (GDA, 2004-2005); o
PSA, na comunidade do Maguari (Município de Belterra), que também tem uma região de
praias, desenvolve a EA por meio do ecoturismo; e no IPAM, no âmbito do PEA, há registros
de que, em suas práticas, eram feitas caminhadas ao ar livre. Segundo Sauvé (2005, p. 18-19):
Essa é uma corrente que teve significativa expressão nas práticas de EA, sendo
que vários autores (DIAS, 1991; LAYRARGUES, 2002; LEONARDI, 1997; PEDRINI, DE
PAULA, 1998) chegam a comentar a respeito de um certo reducionismo de muitas práticas de
EA que focam apenas aspectos naturais do meio ambiente, ofuscando dessa forma questões
sociais. Neste sentido, dos tipos de EA que comentamos, talvez esse seja aquele que mais
pode adequar-se às perspectivas neoliberais e, como vimos, está presente em todas as
instituições investigadas.
Essa EA pode inserir-se nas práticas na escola, mas também, nas práticas do
Ecoturismo que já comentamos, com muitas possibilidades de se expandir na região
amazônica e em Santarém. A carteira de projetos da IIRSA (2015?), ainda que tenha uma
proposta de desenvolvimento sustentável voltada para a infraestrutura, não deixa de apontar
que a Amazônia, dada a sua diversidade natural e cultural, tem potencial para o turismo,
atividade que já vem sendo induzida em Santarém, que tem se destacado no Estado do Pará.
Portanto, essa EA naturalista, se realizada na escola, ou em outros espaços, como
única via para se pensar a questão ambiental, pode ser conservadora e muito atraente aos
interesses do capital, pois além de gerar lucro71, pode desviar a atenção da dimensão social do
meio ambiente e fomentar um certo romantismo da relação homem/natureza. Passar um dia na
Escola da Floresta, realizar caminhadas no entorno da Escola do Parque, levar os alunos para
caminhadas nos diversos ambientes da região de Santarém é certamente uma atividade que
pode ser prazerosa e tocar os nossos sentidos com o canto dos pássaros, o cheiro de mato, o
colorido da fauna e flora, o calor fazendo transpirar ou o vento a nos refrescar; podemos até
71
Embora não tenhamos, na região de Santarém, os hotéis de selva como no Estado do Amazonas, vale dizer que
esses locais geralmente atendem a grupo seleto de turistas dado os valores cobrados.
197
CONSIDERAÇÕES FINAIS
educacionais em curso, ditadas em grande medida por aquele que Leher (1999) questiona se é
o novo senhor da educação, o Banco Mundial.
Essa instituição, como ícone do neoliberalismo, ao mesmo tempo em que dita a
política econômica mundial, também financia, assessora, coordena projetos voltados para a
conservação ambiental, num mundo cada vez mais degradado pela força do capital.
É assim que a partir da década de 1990, consideramos que um projeto expressivo
desenvolvido na Amazônia com ressonâncias em Santarém tenha sido coordenado por essa
instituição, o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), cujo
direcionamento foi a gestão descentralizada na Amazônia na busca de conciliação entre
exploração dos recursos naturais e sustentabilidade. Apesar de o nosso trabalho não ser a
análise das repercussões desse amplo projeto na região, situá-lo como modelo de governança
que busca o consenso é fundamental para compreender o contexto no qual a EA é engendrada
em Santarém.
Assim, se a década de 1990 foi fecunda para o movimento ambiental, ela também
o foi para o neoliberalismo, que disseminou a ideia do afastamento do Estado e o
protagonismo da sociedade civil. Neste sentido, sugerimos que a inserção da EA na rede
escolar em Santarém, inicialmente via terceiro setor e não poder público, não foi um fato
aleatório, mas resultante do próprio movimento das transformações ocorridas sob a égide do
neoliberalismo. Atentemos que, nas décadas de 1970 e até 1980, a sociedade brasileira sob o
regime militar, criou espaços contra-hegemônicos de contestação ao autoritarismo. É nesse
contexto que identificamos a criação do Grupo de Terça-feira, que não tinha a bandeira
“ambiental”, mas ao chegar à década de 1990 se “transforma” em entidade ambientalista,
seguindo o momento favorável da abertura do Estado neoliberal para o terceiro setor. O
Projeto Saúde e Alegria (PSA) ainda que não tenha sua história ligada a um movimento
oposicionista, mas de assistência à saúde, também irá se alinhar à “onda” ambientalista sendo,
inclusive, uma das ONGs pioneiras da rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), que
acompanhou o PPG7 (SILVA, 2003).
Dessa forma, o protagonismo das duas instituições citadas, somado ao trabalho do
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), constituirá uma via de inserção da EA
em Santarém, na qual percebemos a primeira relação com o neoliberalismo. Com isso não
queremos dizer que o fazer dessas instituições seja deliberadamente neoliberal, até porque
todas irão identificar-se como fazendo uma EA crítica, que respeita os conhecimentos e a
participação das populações locais. O que estamos afirmando é que o fato de essas instituições
se colocarem como pioneiras no trabalho de EA nas escolas municipais, num contexto em que
200
o trabalho delas é apropriado pela lógica neoliberal, pois assume reponsabilidades que seriam
do Estado, sugere que temos aí uma marca do neoliberalismo na EA.
Mas há outras constatações feitas que sinalizam nessa direção. Primeiro, quando
a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) insere a EA na rede escolar na década de 2000,
uma das vias escolhidas foi a construção da Agenda 21 na Escola que, em verdade, configura-
se um desdobramento das diretrizes do Ministério da Cultura (MEC), afins com a Agenda 21
Nacional e Global. Eis aqui a outra relação com o neoliberalismo, pois a Agenda 21 foi
concebida no âmbito do Desenvolvimento Sustentável que, conforme expusemos, faz uma
maquiagem no capitalismo para torná-lo ecologicamente correto. Se as propostas elaboradas
pelas escolas são neoliberais, essa é uma questão que requer estudo específico, mas o fato é
que a proposição da Agenda 21 na Escola, em si, já é uma alusão a uma concepção neoliberal
implícita no desenvolvimento sustentável.
Segundo, quando focamos a nossa análise sobre as propostas das instituições
investigadas para identificar os tipos de EA desenvolvidos, fizemos alguns achados
importantes. Entendemos que dois tipos de EA se destacam, tanto nas ONGs, como na
SEMED, diante das atividades desenvolvidas. Uma delas é a EA conservacionista e a outra a
naturalista, conforme definidas por Sauvé (2005).
A EA conservacionista tem relações com a corrente conservacionista, que,
segundo Diegues (1996), influenciou o que atualmente denominamos desenvolvimento
sustentável. Ao contrário da corrente preservacionista, que discorda da intervenção humana na
natureza, o conservacionismo aposta na intervenção humana racional, ao contrário de uma
intervenção “a qualquer custo”. Como já discutimos, eis aí a conciliação entre a exploração
econômica e a conservação do meio ambiente, apropriada ao capitalismo, que mesmo diante
da crise ambiental, quer continuar se perpetuando. Por isso, a questão crucial, ao desenvolver
uma EA conservacionista, é saber para quem a natureza está sendo conservada e gerenciada,
conforme é defendido nessa via: se para as populações tradicionais, para o pequeno agricultor,
para o pescador etc. ou para o capital.
E mais, há riscos possíveis em transformar a EA num instrumento de gestão
ambiental, sem a reflexão necessária sobre a lógica que subjaz à conservação para o capital
nem sempre evidente: vale conservar, manejar o que pode trazer lucro, mas quando essa
conservação limita tal objetivo, muda-se o discurso. Atentemos ao fato de que a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA, 2015?) tomou o cuidado de fazer um
levantamento das unidades de conservação e terras indígenas na área de impacto dos projetos
a serem implantados no eixo Amazonas. Apesar de não aparecer em tal levantamento, a
201
Conforme alerta Sauvé (2005), essas e outras correntes podem não se apresentar
sozinhas. Foi o que constatamos, mas, face aos limites deste trabalho, não nos seria possível
analisá-las todas em profundidade.
O que buscamos fazer foi encontrar pistas que nos indicassem a relação da EA
como o neoliberalismo, partindo do princípio de que ela é também educação e, como tal, pode
ser apropriada por essa lógica, ao mesmo tempo em que tem em si a possibilidade de gerar
processos contra-hegemônicos para a instauração de uma nova ordem, na qual a natureza não
seja mero recurso a ser explorado para gerar lucro, nem objeto de pura contemplação sem a
ação do homem. É a unidade na qual esse homem não é nem predador, nem apenas
contemplador, mas está indissociavelmente ligado a ela, através de uma intervenção entendida
não apenas como ato individual, mas coletivo, em torno de um modo de produzir sua
existência historicamente situado. Por isso, entendemos que a EA não é a redentora, no
sentido de que, provendo mudanças de valores e de comportamentos e adotando a
interdisciplinaridade, irá instaurar essa transformação. Mas, retomando Mèszaros (2005),
pensamos que, se a educação sozinha não muda a sociedade, sem ela tampouco há mudanças.
Em se tratando especificamente da educação e meio ambiente, Löwy (2014)
afirma:
[...] Com certeza, é importante que os indivíduos sejam educados para
respeitar o meio ambiente e recusar o desperdício, mas o verdadeiro jogo se
joga noutra parte: na mudança das estruturas econômicas e sociais
capitalistas/comerciais, no estabelecimento de um novo paradigma de
produção e distribuição [...]
têm sua parcela de contribuição para a construção de uma sustentabilidade sob outra
perspectiva que não seja a capitalista. Atentemos ainda para o fato de que nossa análise, ao
retroceder à década de 1970, expôs que antes da disseminação de uma EA ocorrida a partir da
década de 1990, já havia uma preocupação com problemas ambientais na região que não
estavam vinculadas à perspectiva de sustentabilidade, que se tornou hegemônica a partir da
Eco-92.
Dessa forma, ao analisar as propostas de EA desenvolvidas em Santarém, o
fizemos muito mais para contribuir para a superação das fragilidades encontradas do que para
apontar “falhas”. Por outro lado, entendemos que, com base em um processo educativo
calcado numa visão dialética, essa análise das fragilidades ou limitações pode significar o
ponto de partida para saltos qualitativos, que poderão vir a enriquecer e/ou superar a EA
desenvolvida entre rios, cidade e florestas na nossa região.
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