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Bacharél em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestranda do
programa de Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade
de São Paulo (EACH-USP), sob orientação de Profa. Dra. Graziela Serroni Perosa. Bolsista
Capes
1
Os dados disponibilizados pela Prefeitura de São Paulo datam da década de 1950, isto
porque Ermelino Matarazzo fazia parte do distrito de São Miguel Paulista, tornando-se
independente a partir de 1959 (FONTES, 2008, p. 127). As escolas são de Ensino
Fundamental.
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
formal.
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antigos moradores, migrante baiano, que passou pela construção civil, morando no
local de trabalho, antes de se tornar operário:
Eu fiquei conhecendo alguém que morava aqui por lado de São Miguel. Morava aqui
em Ermelino. Aí eu vinha pra cá e me falaram dessa fábrica do Matarazzo, agora
não tem mais. Falaram: “olha você indo para lá você arruma um emprego na
fábrica do Matarazzo e é melhor pra você”. Aí exatamente 1958 eu vim aqui pra
Ermelino. Arrumei quarto aqui, aluguei. Aí consegui arrumar vaga no Matarazzo,
fiquei aí [na fábrica] desde 1958 até 1962. (Fernando)
Nossa região tem um nível das pequenas vilas com seus movimentos e, depois, um
segundo nível: os movimentos em nível regional. Por exemplo, a luta pela USP e,
agora, pela universidade federal, que ser na outra ponta da Jacu-Pêssego, são
movimentos regionais que têm uma importância para criar uma nova história da
região. A educação é fundamental! Nós temos o lema “da creche à universidade”.
(TICÃO, 2011, p. 65)
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Aqui em SP, eu fazia bico à noite, de dia eu trabalhava na casa de família, e à noite
eu ia servir outras casas pra mim ganhar um dinheiro e mandar pra minha mãe que
não tinha quem sustentasse. Eu falava, eu não quero isso pra mim, eu vou lutar, eu
vou melhorar, eu vou correr atrás, eu não posso ter pena de mim não é porque
meu pai era um alcoólatra, minha mãe era alcoólatra, a gente nem sabia o que era
pai nem mãe [Dalila]
A vinda para São Paulo veio motivada pela intenção de mobilidade social. A
história de seus pais foi relatada como exemplo do que era o não desejo, ou nas
palavras de Penna, a migração como não conformação. Foi a tentativa de algo
diferente do seu lugar de origem. O rompimento já estava feito para que a
migração acontecesse.
A segunda história, a do migrante baiano, diz o seguinte:
Eu ainda era de menor. Como minha mãe faleceu cedo demais, eu morava com
minha tia, ela me incentivou pra vir pra cá. Meu pai não gostaria que eu viesse,
mas ele não tinha outra alternativa, um plano B pra mim lá. Queria alguma coisa
que eu pudesse aprender que tivesse um pequeno futuro. Eu tinha 16 anos,
trabalhava na roça. [Fernando]
Eu tinha o 2º. Ano primário e fui estudar lá no Maria Zélia de noite. Só que eu
trabalhava em três turnos. Eu entrei no ginásio e isso me atrapalhou porque eu
perdia uma semana de aula todo mês. Eu terminei o 1ª. ano na marra, meio
apertado mas passei. Começou o 2º ano e ficou mais difícil, isso aí foi já em 1962.
O que eu fiz? eu pedi para ir embora, não dá pra ficar aqui porque eu tava muito
empolgado fazendo o ginásio, cada dia aprendendo coisa que eu não sabia, aquilo
abre o olho da gente. Eu falei não, vou arrumar outro emprego, não vou ficar aqui.
Aí me mandaram embora. [Fernando]
Eu não tive estudo. Meu pai era separado e falava que quem estudava naquela
época era vagabunda, os piores nomes, imagina né?
No entanto, ela não se apropria da fala de seu pai e estuda o básico em São
Paulo. Ela vê no trabalho a oportunidade de conseguir o bem material que lhe é
mais caro, uma casa própria, e o bem simbólico para seus filhos, a educação:
Meu objetivo era ter alguma coisa a mais, eu queria ter uma casa, uma sala, o
quarto dos meus filhos, bem arrumadinho, direitinho, como pobre. Queria que
minha filha estudasse. Eu não queria, o que eu passei, na casa dos outros, eu não
queria que nenhum dos meus três filhos passasse. Eu queria que todos estudasse.
Minha mãe se separou do meu pai e me pegou e me trouxe pra São Paulo. Ela era
uma pessoa analfabeta, ela tinha um olhar pra frente. Meu pai era fazendeiro. Eles
já quando nasce o filho, já contrata pra casar com o filho do outro amigo dele
fazendeiro. Então eu certamente com 13, 14 anos eu ia casar com algum
fazendeiro do amigo do meu pai. Minha mãe era muito lutadora, uma guerreira. Ela
conheceu o meu pai no dia do casamento, e meu pai já devia ter uns 70 anos por
aí, ele já era idoso e ela tinha 15 anos. Então ela não queria aquela vida pra mim.
Ela queria que eu estudasse, que eu me formasse, que eu fosse alguém. Então, ela
me trouxe pra São Paulo. Trabalhou de doméstica, depois de costureira. Nossa, ela
queria que eu estudasse, que eu fosse melhor, que eu fosse bem. [Zenilda]
traz mudanças radicais, como afirmou Penna, no acesso aos bens materiais e
simbólicos que a experiência de migração impõe. Se a afirmação for tomada apenas
pelo primeiro verbo de que a “migração cria” como se no passado a educação não
fosse um tema importante e motivador, tenho que concordar com Penna de que
essa pode ser uma análise idealizada sobre o migrante, em que o pesquisador
pressupõe que o tema educação só aparece no contado da cidade. Mas “ouvindo”
as representações desses migrantes que vieram em busca de algo mais em São
Paulo, o desejo de aprender, de estudar já estava ali presente antes mesmo de sua
saída. O fato de “recriar a necessidade de escola” diz respeito ao processo de
(re)elaborar o sentido que a educação tem para esses migrantes no ambiente
urbano. Enquanto no passado, a expectativa de que a educação poderia trazer a tal
mobilidade social, a experimentação no contexto urbano, como atesta Sposito, foi
interpretada mais tarde como uma ilusão. Esta ilusão diz respeito de que a
apropriação da educação traria a tal mobilidade social almejada, que muitas vezes
não aconteceu:
Por outro lado, como atesta a autora, essa ilusão é um ponto de partida para
uma fecundidade de novas experiências na cidade. E diante dessa dimensão
fecunda, há um início de proposta no meu trabalho de discutir esse processo. Nas
falas dos protagonistas percebe-se que a expectativa da educação da terra natal
recriada no ambiente urbano, que perpassa por uma socialização informal a partir
de pares ou mesmo de pessoas conhecedoras das estratégias urbanas que
informavam ou aconselhavam esses migrantes.
Segundo o relato de Fernando, ele saiu da Bahia para “aprender” algo para
um “pequeno futuro”. Ele passou para construção civil, auxiliar de motorista,
quando ouviu o conselho de um colega, que já estava há mais tempo na cidade,
que ajudou a mostrar um caminho para que o objetivo anterior de Felipe fosse
atingido:
Um rapaz novo também como eu, falava pra mim: poxa você trabalhando nesse
serviço aí não dá futuro não, procura aprender uma profissão. Aí eu me animei com
aquilo.
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Minha filha era muito inquieta, aí eu levei ela na médica. A médica falou assim,
“procura colocar ela em vários cursos”. Como eu sempre fui andarina mesmo,
comecei a perguntar onde tinha escola de dança, aí eu coloquei ela. Eu levei ela
numa dentista, a dentista: “ah sua filha faz aula de dança, agora tá na hora de
colocar ela no inglês, inglês é importante porque quando ela fizer a faculdade,
quando ela se formar, ela precisa falar bem inglês”. E foi bom, porque ela foi
trabalhar em albergue. Por incrível que pareça, a gente tem uma noção que
albergue é só pra morador de rua e não é. O albergue é para vários estrangeiros,
vem africanos, coreanos.
Considerações finais
Referências
FREITAS, Sonia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. 2ª. Ed. São
Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 4ª. Ed. São Paulo: Loyola,
2002.
PEROSA, Graziela Serroni & SANTOS, Gislene Aparecida & MENNA-BARRETO, Luiz.
Desafios da democratização do Ensino Superior. A USP no lado leste da cidade. in
Memória e Diálogo: escutas da Zona Leste, visões sobre a história oral. / Ricardo
Santhiago e Valéria Barbosa de Magalhães (org). São Paulo: Letra e Voz: FAPESP,
2011
SPOSITO, Marilia Pontes. A ilusão Fecunda: a luta por educação nos movimentos
populares. São Paulo: Hucitec, 2010.
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