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Campinas
2014
Apresentação
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ABDANUR, 1992; BARBATO JR, 2004; CHAGAS, 2003; RAFFAINI, 2001; SCHELLING, 1991.
das universidades públicas nacionais, a Campanha de Defesa do Folclore e a criação do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este momento contribuiu ainda para a formação de
importantes intelectuais e artistas para o cenário cultural do país. (Rubim, 2007, p.105)
No entanto, os anos que seguem marcados pelo regime ditatorial militar (1964-1985)
demonstram que a junção Educação e Cultura num único ministério foi muito pouco benéfica à
segunda parte, tanto pelo desequilíbrio orçamentário e quantitativo entre uma e outra, quanto
pela competição em termos de importância e repercussão social em curto prazo. (Sempere,
2009, p.116)
Outro evento significativo para nós nesse período foi a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1971 (Lei 5692/71) a qual substitui o ensino de música pela
educação artística, extinguindo a disciplina de educação musical do sistema educacional. Do
mesmo modo, isto foi feito com a inserção da disciplina de Estudos Sociais e supressão de
História e Geografia do currículo. Cabe mencionar que tal adequação curricular teve
consequências drásticas para a educação musical, pois fragmentou a classe artística, com
inauguração de cursos de curta duração de educação artística e baixo investimento nos demais
segmentos culturais, em especial para a modalidade de licenciatura, o que produziu um
afastamento histórico entre a formação do artista e do professor de artes - música, teatro,
cinema e artes visuais (Fucci Amato, 2006, p.152-3).
É interessante mencionar que o ensino de música ministrado até a década de 1970, nas
aulas de música das escolas públicas e privadas, fez uso do material para coral produzido por
Villa-Lobos. Isso se deve ao fato de não existir até esse período um curso superior específico de
formação em música, pois a formação dos professores especialistas se dava no Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico, entidade que Villa-Lobos dirigiu até sua morte, em 1959 (Fucci
Amato, 2006, p.151).
Rubim (2007, p.106) elabora seu texto por meio da tese de que tristes tradições
marcaram o processo de constituição das políticas culturais dos anos 1930 a 1985, e conforme
pudemos constatar, elas se mantiveram conectadas a regimes ditatoriais, autoritários e
repressivos, na maior parte do tempo. Durante o regime militar, basta dizer que o setor cultural
que teve maior expressividade foram os meios de comunicação de massa, em especial no âmbito
televisivo, pois veiculava a ideologia oficial e podia ser facilmente controlado. Segundo Rubim
(2007, p.107) os efeitos de tal ação são perversos, ao passo que produziram uma separação entre
políticas culturais nacionais e o circuito cultural constituído por padrões de mercado.
Além disso, no momento de estagnação política do regime ditatorial militar, o mesmo
lança esforços para manter-se hegemônico durante a transição, neste contexto são criadas
organizações, algumas delas vigentes ainda hoje: o primeiro Plano Nacional de Cultura (1975),
Centro Nacional de Referência Cultural (1975), a partir do Plano de Ação Cultural (1973) a
FUNARTE e Secretaria de Cultura do MEC (1981) como a primeira tentativa de separá-la
institucionalmente da educação. Sob uma visão renovada de cunho modernista (retoma ideias de
Mário de Andrade), Aloísio Magalhães é o mentor de tais mudanças, no entanto, por um curto
período interrompido por sua morte (Rubim, 2007, p.106-7).
A criação do Ministério da Cultura se torna uma medida inevitável e amplamente
desejada pelos profissionais da cultura e secretários estaduais de cultura. Embora seja um marco
importante de conscientização de uma sociedade em relação ao setor cultural, possibilitando
uma parcela orçamentária para investimento no setor (Sempere, 2009, p.116), a tradicional
junção cultura e educação não permitiu que a primeira, sendo compreendida como setor
singular, gozasse tal como a segunda, de dotações orçamentárias fixas e estáveis, marco legal
que a fundamente e até mesmo algumas ofertas reguladas pela obrigatoriedade, a fim de se
garantir direitos culturais em conformidade com o Artigo 215 da Constituição Federal de 1988 4
(Sempere, 2009).
Durante a redemocratização (1985-1994), a instabilidade social, política e econômica
acaba por delinear a implantação desse ministério, marcado por ambiguidades, e até mesmo
extinção momentânea durante o governo Collor. Porém, passado o período turbulento que
marca o processo de redemocratização do país, e duas reformas, uma no governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e outra no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010),
cabe as seguintes questões: quais foram os impactos ou mudanças sobre as políticas culturais?
Houve mudanças no quadro político-administrativo, o qual constitui as principais organizações
públicas neste setor? Houve rupturas e continuidades? Tratam-se de questões complexas as
quais nortearão a elaboração de uma explicação no decorrer da pesquisa.
A começar pelas continuidades, temos a lei de incentivo fiscal para financiar a cultura,
chamada Lei Sarney (1986), neste caso, o próprio Estado transferia para a iniciativa privada o
recolhimento dos recursos para investir na área, no entanto, o dinheiro era público, oriundo do
mecanismo de renúncia fiscal. Já no governo Collor, a Lei Sarney foi extinta, mas deu lugar a
um mecanismo semelhante, a Lei Rouanet 5. E esta legislação encontra-se vigente até hoje, como
componente vital do financiamento à cultura (Rubim, 2007, p.108).
Já com respeito às mudanças, o governo de Fernando Henrique Cardoso foi responsável
por introduzir no país, de maneira sistemática e amadurecida, o projeto político-econômico
neoliberal intensificando o processo descrito anteriormente. Nesse sentido, as leis de incentivo
tornam-se a própria política cultural, numa identidade entre Estado e mercado (Castello, 2002
apud Rubim, 2007, p.109), onde Cultura é um bom negócio (Ministério da Cultura, 1995).
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"Art. 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais."
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"(...) transfere para a iniciativa privada o poder de decisão sobre o que deveria ou não receber recursos
públicos incentivados, estruturando o financiamento da cultura sob a lógica do investidor privado."
Calabre, 2007-
Além disso, a própria Reforma Administrativa do Aparelho de Estado (Presidência da
República, 1995), sob a direção do Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado,
Luiz Carlos Bresser Pereira (Bresser Pereira, 1997), traz impactos para os serviços públicos e
estatais oferecidos no âmbito cultural, delegando a gestão dos mesmos a Organizações Sociais
e/ou Fundações. Historicamente tal configuração compõe parte da oferta de serviços sociais em
nosso país, como entidades privadas de utilidade pública (filantrópicas, associações
comunitárias, santas casas de misericórdia, entre outras), atendendo demandas essenciais, como
saúde e educação. A reconfiguração dessas formas tradicionais como Organizações Sociais no
Estado contemporâneo, conforme analisa Modesto (1997), representam uma “inovação
institucional”, no que se refere ao seu marco legal e modo de parceria com o Estado.
No caso, a lógica empresarial é o que impera no modelo das Organizações Sociais da
Cultura, que empregam a extinção das entidades originais, mudança no enquadramento
funcional de regime público estatutário para o regime consolidação das leis trabalhistas (CLT), e
os princípios da eficiência, eficácia, contenção dos gastos e produtividade. Sabemos que estes
elementos causam grande impacto sobre a qualidade do serviço social ofertado, sobretudo pela
forma que recaem sobre os trabalhadores.
Seguindo essa linha de raciocínio, as questões suscitadas por Sempere (2009, p.124-6)
nos fazem refletir: o terceiro setor e setor privado conseguem assumir a perspectiva pública da
cultura mesmo sem fazer parte das estruturas do Estado? Conseguem ainda "harmonizar"
interesses comerciais com interesses gerais? Isto é possível? O que prevalece? Para responder
estas questões, será preciso olhar para o processo de implementação em curso. Por isso,
pretendo compreender o impacto que as relações sociais de trabalho exercem, no contexto do
Projeto Guri, sobre as relações de formação com crianças e jovens.
A construção do objeto
Nesta seção, pretendo explorar aspectos analíticos do meu objeto de pesquisa. Nesse
sentido, a seção anterior se constitui como um percurso na construção do presente objeto,
reforço isso porque foi possível demonstrar que no processo de institucionalização das ações
culturais em nosso país, o elemento fundamental, no caso o financiamento, mantém-se
prioritariamente por conta de leis de incentivo, agências privadas de fomento à cultura e
recursos públicos incentivados sob a lógica do investidor privado (Lei Rouanet).
Conforme vimos, tal estrutura produz impactos sobre as condições de trabalho dos
artistas e também sobre a arte produzida que encontra-se condicionada a realização de projetos
de curta duração, dos editais e premiações mediadas pelo interesse do mercado. Além disso,
pesquisas como as de Freire (2007, p.19-22) e outros estudos em torno do MinC e FUNARTE
apontam para o fato de que os projetos aprovados, geralmente, integram política educacional e
política cultural numa proposta de educação musical em conformidade com as exigências desses
editais.
Nesse contexto é que se instaura um novo modelo institucional de gestão das ações
culturais, a Organização Social da Cultura. Desde 2004, por meio de sua regulamentação legal,
os projetos vinculados diretamente à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo passam a ser
coordenados por Associações civis e/ou instituições privadas sem fins lucrativos a partir de um
contrato de gestão estabelecido por ambas que firma, inclusive, o recurso orçamentário a ser
oferecido pela Secretaria para esse fim. No entanto, há ainda outras modalidades de recursos a
serem capitaneados pelas Organizações Sociais da Cultura: doação direta ou via incentivos
fiscais da Lei Rouanet (pessoa jurídica e física).
Sendo assim, constatamos que em quase 20 anos se constitui não só uma inovação
institucional, mas uma concepção de política pública para o campo da cultura em âmbito federal
e estadual. Dessa forma, as indagações que motivam esta pesquisa: “Como se formam os
músicos? Quais as condições sociais dessa formação?”, dirigem-se necessariamente a essa nova
concepção.
Já o local privilegiado para a compreensão desse fenômeno (macro) será o Estado de
São Paulo (micro) pelos seguintes motivos: situa-se no eixo centro-sul no qual se concentram
boa parte das atividades no campo cultural; concentra boa parte das instituições responsáveis
por formação inicial em música em nível técnico (Conservatório de Tatuí e Escola de Música do
Estado de São Paulo - Tom Jobim); e concentra as três principais universidades públicas do país
(Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho) com Ensino Superior em Música de referência neste campo.
No Estado de São Paulo, temos as seguintes instituições responsáveis pela formação
inicial de crianças e jovens: Associação de Amigos do Conservatório de Tatuí, Associação de
Amigos do Projeto Guri (polos no interior de São Paulo) e Santa Marcelina – Organização
Social da Cultura (Projeto Guri - polos da grande São Paulo e Escola de Música do Estado de
São Paulo - Tom Jobim). Cabe mencionar que se tratam de propostas pedagógicas e sociais
distintas que disputam entre si a hegemonia sobre o Projeto Guri. Para a presente pesquisa que
vos apresento, optamos pela Organização Social Santa Marcelina, pois além do Projeto Guri, ela
administra a Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim, o que expressa uma
relação de continuidade na formação possibilitando quiçá o ingresso na universidade.
No entanto, para compreensão geral do Projeto Guri, será preciso estabelecer relações
entre os dois grupos responsáveis por sua gestão, a saber: Associação de Amigos do Projeto
Guri e Santa Marcelina – Organização Social da Cultura. Cabe frisar que o intuito dessa
pesquisa não é o de reduzir a um estado de insignificância o Projeto Guri em si, mas
compreendê-lo enquanto manifestação de um fenômeno maior, no caso, a constituição de um
novo modelo de política pública no campo cultural, assim como vem se constituindo em outros
setores sociais, como: saúde e educação.
O Projeto Guri
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Ele é gerido pela Associação de Amigos do Conservatório de Tatuí (Organização Social da Cultura)
desde 2006.
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Ver Art. 2º da Lei citada.
Paralelamente a isso, encontram-se em debate o crescimento dos índices de
criminalidade e taxas de homicídio contra adolescentes, o que tem fundamento se observarmos
os dados referentes ao período, conforme apresenta Miraglia em 2000 8. Além disso, a autora
destaca a identificação desses dados com “bolsões de risco” ou “bolsões de violência”, segundo
pesquisa realizada pelo Governo do Estado de São Paulo, concentrando-se nos seguintes
distritos: Cidade Ademar, Sapopemba, Jabaquara, Itaquera e Jardim Ângela, nos quais a taxa de
homicídios entre jovens de 15 a 24 anos chegou a atingir 206,87 em 1999 9 (Hikiji, 2006, p.84-
5).
Outro dado relevante para nós é que em 2002 a Fundação Seade lançou o Índice de
Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), coordenado pela socióloga Felícia Madeira. Segundo Miraglia
(2002), este estudo foi realizado a pedido da Secretaria de Estado da Cultura, com o intuito de
justificar a necessidade de financiamento do BID para a implantação de programas na periferia
da capital. As variáveis consideradas a fim de delimitar as regiões metropolitanas com maior
risco de criminalidade entre jovens de 15 a 19 anos foram: a taxa de crescimento populacional,
o número de jovens residentes no local, a taxa de mortalidade por homicídio nessa faixa etária, o
percentual de mães adolescentes grávidas, o valor do rendimento do chefe de família e os jovens
fora da escola (Hikiji, 2006, p.85).
A elaboração do IVJ torna-se um elemento chave para nós ao passo que permite a
compreensão de dois fatores que refletem sobre as ações dos projetos sociais, sobretudo, no
âmbito do Projeto Guri: 1) é a cristalização da representação social do jovem pobre que vive nas
regiões periféricas da cidade como propenso ao crime, esta condição permite a apresentação da
seguinte síntese elaborada por Emir Sader (1987, p. 14-5): como a “questão do menor”,
reconhecida na década de 1960 como “problema de miséria social”, passa ser vista nos anos
1980, como “problema de segurança pública”; 2) A expressão reiteradamente utilizada “situação
de risco”, nesse contexto, permite inferir que quem se vê em risco não são os jovens pobres, e
sim, a sociedade, pois estes jovens são os protagonistas da violência. Por isso, os diversos
projetos em arte-educação voltados para populações de baixa renda, admitem o fazer artístico
como oposição à situação de risco, veiculando para tanto princípios que precisam ser
investigados na presente pesquisa (Hikiji, 2006, p.86-7).
Para concluir, o primeiro resultado a ser questionado no processo de pesquisa é que o
investimento em ações culturais por meio de projetos sociais não está associado diretamente ao
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Na faixa etária entre 15 e 24 anos, em 2000, a taxa de óbitos por homicídio no Brasil é de 52,1 (número
de homicídios por cem mil habitantes) e em São Paulo é de 89,6, número inferior somente aos Estados do
Rio de Janeiro (107,6) e Pernambuco (102,8). (Miraglia apud Hikiji, 2006, p.84-5)
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Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. A taxa na cidade de São Paulo no
mesmo ano, de acordo com Miraglia (2002), era de 121,33. Cabe lembrar que a taxa apresentada sempre
corresponderá ao número de homicídios por cem mil habitantes da região. (Hikiji, 2006, p.85)
direito à cultura conforme regulamenta o ECA, e sim, ao problema de segurança pública, do
ponto de vista de sua concepção inicial.
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