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MENSAGEM

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Realização
Mar Português
 O sonho
 A concretização

A
ordem
espiritual
no Universo

De um povo heróico
e guerreiro a cons- “Senhor, a noite veio
trutor do império e a alma é vil”
marítimo

A A
ordem ordem
espiritual espiritual
no Homem em Deus

1 3
Nascimento Morte
Brasão O Encoberto
° Os construtores ° O império mate-
do Império rial moribundo

Império espiritual
emergente: “Ó Portugal, hoje
O QUINTO és nevoeiro...
IMPÉRIO É a hora!”

 Fernando Pessoa, na Mensagem, procura anunciar um novo império civilizacional.


O “intenso sofrimento patriótico” leva-o a antever um império que se encontra para
além do material.

 Estrutura tripartida da Mensagem:


- Nascimento;
- Vida;
- Morte/renascimento.

 Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes:

1
- Primeira Parte – Brasão (os construtores do Império)
A 1ª parte – o “Brasão” – corresponde ao nascimento, com referência aos mitos
e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões.
Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes
feitos. Referência simbólica à fundação da nacionalidade, quer ao nível do
espaço, quer no que diz respeito à fundação de uma determinada identidade.
- Segunda Parte – Mar Português (o sonho marítimo e a obra das descobertas)
Na 2ª parte – “Mar Português” – surge a realização e vida; refere personalida-
des e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o des-
conhecido e os elementos naturais. Mas porque “tudo vale a pena”, a missão
foi cumprida.
- Terceira Parte – O Encoberto (a imagem do Império moribundo, a fé de que a
morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimen-
to do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperan-
ça do Quinto Império)
Na 3ª parte – “O Encoberto” – aparece a desintegração, havendo, por isso, um
presente de sofrimento e de mágoa, pois “falta cumprir-se Portugal”. É preciso
acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.

 Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói – o Encoberto – que se apresenta


como D. Sebastião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de misté-
rio, indecifrável para a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio eso-
térico (= oculto/secreto) se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto
Império.

 O ocultismo:

- Três espaços: o histórico, o mítico e o místico;


- “A ordem espiritual no homem, no universo e em Deus”;
- Poder, inteligência e amor na figura de D. Sebastião.

 A conquista do mar não foi suficiente (o império material desfez-se, ou seja, a


missão ainda não foi cumprida): falta concretizar este novo sonho – um império
espiritual...

 A construção do Futuro (a revolução cultural) tem que ter em conta o Presente e


deve aproveitar as lições do Passado, fundamentando-se nas nossas ancestrais tra-
dições.

 A atitude heróica é importante para a aproximação a Deus, mas o herói não pode
esquecer que o poder baseado na justiça, na lealdade, na coragem e no respeito é
mais valioso do que o poder exercido violentamente pelo conquistador – a opção
clara pelo poder espiritual, pelo poder moral, pelos valores...

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PARA A LEITURA DA POESIA DA MENSAGEM

A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte dum núcleo his-
tórico, mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá
a continuidade. Aqui, a acção dos heróis só adquire pleno significado dentro duma refe-
rência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só o direito à imortalidade, aqueles
homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura
será dada pelo que, noutra linguagem se poderá chamar os esquemas ideológicos, ou as
ideias-força desse povo: regresso ao paraíso, realização do impossível, espera do Mes-
sias... Raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, a ergueram
a personalidade, separada, ou a plasmaram na sua alma própria; as Mães, as que estão
na origem das suas dinastias, cantadas como “antigo seio vigilante”, ou “humano ventre
do Império”; os heróis navegantes, aqueles que percorrem o mar em busca do caminho
da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma mis-
são transcendente); e finalmente, depois desta missão cumprida, desta realização, na era
crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria rege-
nerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encober-
to.
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito, numa teoria cíclica, a das
Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e
morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como
uma idade completa, no sentido cósmico e dando-lhe a forma simbólica tripartida - Bra-
são, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o
nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte: essa que
conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – O
Quinto Império. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração; mas tam-
bém toda ela cheia de avisos, prenhe de pressentimentos, de forças latentes prestes a
virem à luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os
Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, a nota cantada, com a evoca-
ção religiosa num corpo pátrio, sempre a mesma mas em modulações diversas, a nota da
esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto...
DALILA L. PEREIRA DA COSTA - O Esoterismo de
Fernando Pessoa, Lello e Irmão, Editores (1971)

Mensagem, uma obra lírica, épica, simbólica e mítica

O autor da Mensagem singulariza-se como um épico sui generis, introvertido,


cantor, sem tuba ruidosa, de miríficas irrealidades. Escreveu o seu livro à beira-mágoa,
de olhos humedecidos, para expandir a febre de Além que atribui ao infante D. Fernan-
do, para condensar em verbo poético o sonho de uma Índia que não há, por isso melhor.
Ao Império português do século XVI não chamou ele obscuro e carnal antearremedo?
O idealismo estreme, ocultista ou platónico, de alguns dos seus poemas líricos reduz o
mundo visível a cópia grosseira do mundo invisível. Aqui sobre a terra tudo é nocturno
e confuso, tudo são projecções, sombras, fumo de um lume escondido; no outro mundo
é que vivemos como almas. A Mensagem reafirma a cada passo a mesma repugnância
pelo carnal, pelo que o sonho ou a loucura não redimem:

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O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Sem a loucura que é o homem


Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

São as potências do invisível, o mito (nada que é tudo), a lenda, a chama que
desce a iluminar o herói, são essas potências que, fecundando a realidade, tornam a vida
digna de ser vivida, ou melhor, transformam a existência, mero vegetar, em vida, quer
dizer, promessa do que não há, perseguição do Impossível, grandeza de alma insatisfei-
ta. Braços cruzados, fita além do mar. Olhar sem alvo definido, olhar típico da Mensa-
gem.

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa

Assunto:

O assunto da Mensagem não são os portugueses ou os eventos concretos, mas a


essência de Portugal e a sua missão a cumprir.

Jacinto do Prado Coelho, Portas da Utopia

O herói:

Os versos da Mensagem volvem em mitos as figuras históricas […] levam[-nas]


a tornarem-se abstractas, simbólicas, espectrais. […] Os heróis são símbolos de atitu-
des, como nos diz Machado Pires (op. cit.) Pouco importa os seus feitos guerreiros, os
vícios ou as virtudes do homem que cada um deles encarnou. São figuras incorpóreas,
que ilustram o ideal de ser português. Viriato vale pelo instinto patriótico que o anima;
o Infante pelo significado da sua obra, D. Afonso Henriques e Nuno Álvares pelo sim-
bolismo da sua espada: a força da redenção patriótica.

Nos momentos-cumes, o braço do herói é movido pela vontade divina: O


Homem e a hora são um só / Quando Deus faz e a história é feita! […]
Normalmente os heróis agem pelo instinto, sem terem a visão do sentido e
alcance dos seus actos na marcha dos tempos […]: Todo o começo é involuntário. /
Deus é o agente. […]
A Mensagem é também o elogio do Português, desvendador e dominador de
mundos. […]
[Mas os heróis] não gritam a plenitude humana do triunfo. A insatisfação é o seu
fado: sem a grandeza de alma que os torna infelizes nada vale a pena: Ai dos felizes,
porque são / Só o que passa.

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa

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HERÓI
(do grego: senhor, príncipe)

aquele que se eleva


acima da medida humana comum

pela sua

energia, coragem e sabedoria

na
no na

DEFESA
de um ideal

COMBATE FUNDAÇÃO/
LIBERTAÇÃO

contra de um(a)

seres forças brutas da cidade


humanos Natureza país
território

A nova Pátria, o Portugal visionado, o da 3ª parte da Mensagem, o da divisa Pax


in Excelis [Paz nas Alturas], é o V Império da Vitória universal do espírito e da eterna
aspiração, é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido. É Portugal-espírito, Por-
tugal – ente de cultura, esperança tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimu-
la; nevoeiro que não é mais do que a condição negativa necessária para surgir o Salva-
dor.

António Machado Pires, Os Lusíadas de Camões e a Mensagem de Fernando Pessoa, op. cit.

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Simbologia da espada:

ESPADA

valor profético

Símbolo de
cavalaria

emblema Detém o poder de dar


luminosidade
(tudo à sua volta se torna claro)

bom cavaleiro mau cavaleiro defesa dos valores

união mística
entre o cavaleiro e a espada morais religiosos nacionais

defesa

BEM MAL

A ESPADA é também símbolo: da Guerra Santa; da guerra interior; do Verbo, da pala-


vra; da conquista do conhecimento; da libertação dos desejos; do poder; da espirituali-
dade; da vontade divina; da justiça, etc.

ANÁLISE

Primeira parte – Brasão

Os campos:

 Comparação do mapa físico da Europa com a efígie de uma mulher:


- os fiordes escandinavos parecem românticos cabelos;
- os olhos são gregos;
- os acidentes da configuração da Itália e da Inglaterra formam os cotovelos de uma
mulher de olhar esfíngico e fatal.

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 O Ocidente apresenta-se como futuro do passado, ou seja, nele se espera a concreti-
zação dos sonhos da Humanidade.

 O rosto com que fita é Portugal.


- O rosto – da Europa, símbolo da civilização ocidental e da Humanidade, mas tam-
bém símbolo de mistério – fita o mundo.
- Portugal, no extremo Ocidente, fita os mares e o mundo para os dominar.
- A grandiosidade de Portugal e dos Lusos está contida nestas sete palavras - núme-
ro místico – que encerram o destino da Europa e da Civilização.

 Localização de Portugal na Europa e em relação ao mundo:


Portugal – a ocidente, rosto da Europa
Portugal – futuro do passado

Os castelos:

 Estrutura tripartida

 Definição do mito como nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção


da realidade:
- o oximoro nada / tudo = ocultação / revelação;
- a verdade oculta no nada – a manifestação e a nitidez no tudo;
- o mito indefinível (nada que é tudo; brilhante e mudo; corpo morto de Deus, /
Vivo e desnudo);
- o mito imprescindível (a lenda fecunda a realidade – a lenda se escorre / A entrar
na realidade).

 Valor do título: Ulisses


- fundador da cidade de Lisboa (v. 6), de acordo com a lenda;
- elevado à categoria de mito: por não ser existindo. / Sem existir nos bastou.;
- símbolo do incentivo à criação do império: Por não ter vindo foi vindo / E nos
criou.

 A lenda se escorre / a entrar na realidade


Lenda – Ulisses herói corajoso, guerreiro, dominador dos mares
Realidade – Portugal: um povo heróico e guerreiro, construtor do império marítimo.

D. João, O Primeiro

Mestre do
[espiritual] Templo

deste o exemplo / Portugal


/ De o defender
feito ser

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As quinas:

Segunda / D. Fernando, Infante de Portugal:

A história: D. Fernando, cativo dos mouros, humilhado e martirizado, aconse-


lhou sempre o seu irmão D Duarte a não entregar Ceuta; a sua coragem e a sua fé reli-
giosa justificam que seja o símbolo da Santa Guerra (vv. 1 e 2).
Sentindo a predestinação do Infante D. Fernando em Sagrou-se seu em honra e
em desgraça:
- os elementos da honra e da grandeza espiritual;
- as marcas da desgraça e da predestinação do herói;
- a importância dos tempos verbais;
- significado da expressão (…) venha o que vier, nunca será / Maior do que a minha
alma (vv. 14-15);
- contraste entre a situação presente e a alma do herói.

Quinta / D. Sebastião, Rei de Portugal:

 A loucura como busca da grandeza


 A valorização do herói que sonha e recusa favores (impossíveis) da sorte
 A comparação do homem, que não sonha, com a besta sadia
 A definição de homem como cadáver adiado, que apenas procria
 O mito: a ideia de herói que há (no presente) – diferente da imagem do rei que hou-
ve (no passado)
 A perspectiva de projecção que procura para o futuro

Segunda parte – Mar Português

O Horizonte:

 Divisão em partes:
1ª estrofe: invocação ao mar, espaço por descobrir; o caminho da viagem;
2ª estrofe: a visão e a descoberta de um mundo novo a dominar;
3ª estrofe: a definição do sonho como impulso para conhecer.

 O tema: viagem (iniciática) que tem como objectivo as descobertas e o contacto com
mares e terras desconhecidas e longínquas.

 Título – Horizonte – espaço ilimitado e longínquo do projecto ou do sonho que bus-


ca alcançar.

 O Longe como metáfora do Desconhecido que abria em flor; nesta imagem há o


enriquecer e o embelezamento da expectativa.

 O movimento de aproximação da costa pela gradação presente em se aproxima (v.


8) – Mais perto (v. 10) – no desembarcar (v. 11).

8
 A evocação: de uma época dos Descobrimentos, nas expressões: Ó mar anterior a
nós (v. 1); As tormentas passadas e o mistério (v. 4); Quando a nau se aproxima (v.
8); naus…

 Os símbolos: a nau (a segurança que permite realizar a travessia dos mares – e da


existência – chegando ao horizonte longínquo mas grandioso e belo); a árvore (a
vida em constante modificação); a praia (a libertação, os novos horizontes mais
amplos); a flor (amor, beleza e harmonia); a ave (liberdade de movimentos e apro-
ximação ao divino); a fonte (origem da vida).

 Globalmente, partindo da necessidade de vencer o medo (v. 1) e de ultrapassar os


perigos, Desvendadas a noite e a cerração (v. 3), o mar foi um mistério que se des-
vendou e que permitiu a concretização do sonho.

Terceira parte – O Encoberto

Os Símbolos

Segundo / O Quinto Império:

A esperança do Quinto Império, tal qual em Portugal a sonhamos e concebemos,


não se ajusta, por natureza, ao que a tradição figura como o sentido da interpretação
dada por Daniel ao sonho de Nabucodonosor.
Nessa figuração tradicional, é este o seguimento dos Impérios: o Primeiro é o da
Babilónia, o Segundo o Medo-Persa, o Terceiro o da Grécia e o Quarto o de Roma,
ficando o Quinto, como sempre, duvidoso. Nesse esquema, porém, que é de impérios
materiais, o último é plausivelmente entendido como sendo o Império de Inglaterra.
Desse modo se interpreta naquele país; e creio que, nesse nível, se interpreta bem.
Não é assim no esquema português. Esse, sendo espiritual, em vez de partir,
como naquela tradição, do império material da Babilónia, parte, antes, com a civilização
que vivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos.
E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma. O Terceiro o da Cris-
tandade e o Quarto o da Europa – isto é, da Europa laica de depois da Renascença. Aqui
o Quinto Império terá de ser outro que o inglês, porque terá de ser de outra ordem. Nós
o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos.

Fernando Pessoa (textos transcritos por António Quadros,


em Fernando Pessoa, Iniciação Global à Obra)

O ocultismo na Mensagem:

O ocultismo remete para um sentimento de mistério, indecifrável para a maioria


dos mortais. Só alguns aparecem predestinados e decifrar o sentido das sombras do
mundo sensível (influência platónica). O nosso mundo sensível e Portugal só se cumpri-
rão por força e vontade criadora do mundo inteligível, onde está a ideia como verdadei-
ra realidade perpétua e essencial. O ocultismo é utilizado na Mensagem para criar o
herói, o Encoberto, que se apresenta como D. Sebastião. Surge assim uma certa legiti-
mação da existência de um poder absoluto, de um chefe excepcional, detentor do privi-
légio esotérico, capaz de realizar o sonho do Quinto Império. (Note-se que Fernando

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Pessoa, embora se tenha apresentado na senda da exclusividade do poder, por circuns-
tâncias do tempo, opôs-se frontalmente à ditadura e em 1935 defendeu, inclusive, a
Maçonaria).

Os avisos:

Segundo / António Vieira:

Para realizar o novo sonho português e devolver à Pátria a grandeza perdida,


Pessoa fala da vinda de um outro Camões, um Supra-Camões (que seria por certo ele
mesmo) a aparecer em breve: E note-se para o caso de se argumentar que nenhum Sha-
kespeare nem Victor Hugo apareceu ainda na corrente literária portuguesa – que esta
corrente vai ainda no princípio do seu princípio, gradualmente, porém, tornando-se
mais firme, mais nítida, mais complexa. E isto leva a crer que deve estar para muito
breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos desta corrente, e da nos-
sa terra, porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará
para segundo plano a figura, até agora primacial, de Camões. E continua: Pode objec-
tar-se que o actual momento político não parece de ordem a gerar génios poéticos
supremos, de reles e mesquinho que é. Mas é precisamente por isso que mais concluível
se nos afigura o próximo aparecer de um Supra-Camões na nossa terra (A Nova Poesia
Portuguesa – p. 45).
O título escolhido para o livro (Mensagem) é já por si significativo das intencio-
nalidades do poeta. É na verdade uma mensagem que ele pretende comunicar – a de que
Portugal estaria determinado para desempenhar a outra missão profunda, não já a mis-
são material, como a que deu origem ao império real; a outra de sentido diferente, para a
qual se estaria a preparar.
Foi com Vieira, segundo declara, que esse seu sentimento patriótico despertou:
Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das
ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro
vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma
grande emoção política. E (…) chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não tenho sen-
timento nenhum político ou social. Tenho, porém, um sentido, um alto sentimento
patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa (Bernardo Soares – Livro do Desassos-
sego).

Lino Moreira da Silva, Do Texto à Leitura, Porto, porto Editora, 1989

Os tempos:

Quinto / Nevoeiro:

Fernando Pessoa exprime, em Mensagem, o sonho português de ser ele mesmo,


e mais, muito mais, do que ele mesmo. Com três avisos define três espaços, o histórico,
o mítico e o místico; em cinco tempos narra a saudade do Encoberto, o desejo da Hora
que deveria chegar, marcando o início-fim do Quinto Império. (Em 1935 escreverá um
longo poema com este nome, ressuscitando a história e o mito de Portugal. Quinto-
Império é o grito que corta o nevoeiro da Mensagem. O que estava aqui oculto é ali pos-
to a descoberto: uma visão só mística da pátria).

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O gosto da ordenação tripartida é muito frequente em Fernando Pessoa. Exprime
assim a ordem espiritual no homem, no universo e em Deus. D. Sebastião, enquanto
figura mítica, reúne em si estes três elementos: o Poder, a Inteligência e o Amor, da
tradição cristã (o Pai, o Filho e o Espírito Santo). Representa a súmula da manifestação
e é, nesta medida, perfeito. Pode dizer-se dele o que René Guénon disse do Rei do
Mundo: é Rei, Sacerdote e Profeta. […]
Mensagem termina com um Valete Fratres evocador dos irmãos rosa-cruz. Mas
no último poema, Nevoeiro, a mutação alquímica encontra-se invertida: Ninguém
conhece que alma tem, tudo é disperso, nada é inteiro, o que coloca a visão pessoana
ainda longe do paraíso que os adeptos rosa-cruz preconizavam. Podemos no entanto
dizer, usando a sua linguagem, que das trevas se chega à luz, da dispersão à unidade, da
perda à aquisição da alma. A obra de Pessoa não é senão o esforço de uma vida em bus-
ca da sua alma: múltipla, repartida, no ponto mais exterior buscando o mais interior,
intensamente.

Yvette Kace Centeno, Hermetismo e Utopia, Lisboa, Salamandra, 1995

Mensagem é como Fausto e o Livro do Desassossego, a obra de quase toda uma


vida. O poema mais antigo é datado de 21 de Julho de 1913 e o mais recente de 26 de
Março de 1934. A diferença está em que todas as outras obras, excepto The Mad Fid-
dler, que ficou inédita, ficaram por acabar. A Mensagem é o único livro que Pessoa
compôs, terminou, reviu e corrigiu, e finalmente publicou. Este livrinho de algumas
dezenas de páginas é o mais importante e o mais representativo do seu génio singular.
Se, de toda a sua produção multiforme, apenas se pudesse guardar uma única obra, seria
com certeza esta, que a posteridade, cumprindo a profecia do jovem crítico de A Águia
em 1912, acabou por reconhecer como um dos dois cumes da poesia portuguesa, sendo
o outro Os Lusíadas.
Vimos que, no dia em que escreveu Gládio, que vai passar a chamar-se D. Fer-
nando, Infante de Portugal, o poeta ainda não concebera o conjunto em que o poema se
iria integrar. Parece que a ideia de um livro de poemas de inspiração nacional, centrado
sobre os heróis da época das Descobertas, lhe terá vindo ao espírito na época sidonista,
em 1917-1918. É então que escreve a sequência de poemas publicados em revista em
1922 sob o título de Mar Português, e que vai constituir a parte central do livro. Após
um período de seis anos, em que o projecto parece abandonado, escreve, entre Setembro
e Dezembro de 1928, uma nova sequência de poemas que, na sua maioria, serão inte-
grados na primeira parte, e alguns na terceira e última. Ainda escreve alguns desses
poemas entre 1929 e 1933. É provável que, durante todos esses anos, o projecto tenha
amadurecido no seu espírito e que se tenha pouco a pouco afirmado o seu carácter ori-
ginal, que é o de unir numa mesma inspiração a exaltação do sentimento nacional, os
mitos do Sebastianismo e do Quinto Império, o espírito da gnose e da tradição iniciáti-
ca, em suma, a totalidade do que constitui a visão Rosa-Cruz. Já em 1932, na sua carta a
Gaspar Simões, ele fala de Portugal, que é um livro pequeno de poemas (tem 41 ao
todo) como de um livro quase pronto. Podemos contudo supor que é apenas entre Janei-
ro e Março de 1934 que concebe definitivamente a estrutura global que faz deste con-
junto de elementos diversos um todo perfeitamente coerente. Escreve ou reescreve então
um certo número de poemas. E é ainda mais tarde, quase no último momento, que deci-
de mudar de título, a pretexto de que o nome da nossa Pátria estava então prostituído e
com os pés feridos, mas na verdade, sem dúvida, para melhor salientar que a epopeia da

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salvação nacional é, em sentido figurado, a aventura da salvação da alma pessoal: este
livro épico e mítico é antes de mais espiritualista e místico

Robert Bréchon, Estranho Estrangeiro – Uma biografia de Fernando Pessoa,


Lisboa, Quetzal, 1996
Em Mensagem, Pessoa assume-se como cantor do fim do império português,
como Camões se havia imortalizado como cantor do seu início. Um e outro se colocam
numa posição temporal simétrica em relação ao império: Camões um pouco depois de o
império se ter levantado, Pessoa um pouco antes de ele se desmoronar.
Mas apesar de alguns paralelismos possíveis entre ambos os épicos, deverão
esclarecer-se entre eles algumas diferenças consideráveis. É que Pessoa já não canta,
como Camões cantou, o império real, o expansionismo material para oriente, a cruzada
religiosa contra os infiéis, a ultrapassagem dos obstáculos físicos que se erguiam aos
portugueses por terra e por mar.
Para Pessoa, o império material é antes um obscuro e carnal antearremedo. O
seu objectivo é perseguir uma Índia que não há. Ele considera-se investido por alguém
superior no cargo de anunciador de um novo Quinto Império (de que já havia falado
Vieira).
[…]
Ele refere que é vítima de um intenso sofrimento patriótico: O meu intenso
sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal, provo-
cam em mim […] mil projectos […]. O sofrimento que isto produz não sei se poderá ser
definido como situado aquém da loucura (Diário – 1908).
O Portugal que ele antevê no futuro situa-se além do material. Escreve ele: E a
nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em
naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supre-
mo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal antearremedo, reali-
zar-se-á… (em A Nova Poesia Portuguesa).
É preciso que Portugal se cumpra (poema Infante), depois que se desfez o impé-
rio real: O império do mar, antearremedo do que há-de vir, dá lugar a um ciclo de
desintegração que abrirá caminho ao Encoberto, ao Messias que fará cumprir-se Por-
tugal.

Lino Moreira da Silva, Do Texto à Leitura, Porto, Porto Editora, 1989

Sebastianismo
O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»
O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta
duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portu-
gal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com
o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a pró-
pria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará,
diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua
onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um
renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a
nacionalidade.

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 D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento
físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

 D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas


Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação
para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

 D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e


sublimação do espírito)

As controvérsias sobre o Sebastianismo de Pessoa deixam sempre no grande


público, e também, afinal no que, por oposição, teríamos que chamar «pequeno públi-
co» dos entendidos, a vaga impressão de que nesse campo teremos que admitir, sem
discutir, as convicções que às vezes parecem de louco ou megalómano, e não são do
domínio do racional. Como essa de acreditar que o Encoberto, o Desejado, o que traria
para o Império Português a sua nova Idade de Ouro era, nem mais nem menos do que
ele, Fernando Pessoa. Mas temos que nos lembrar que a vinda do Encoberto era ape-
nas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como faziam os
Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado não seria
mais do que um «estimulador de almas». E que, mesmo assim, como ouvimos afir-
mar, apenas podia «compelir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação». Se
tudo isto entendermos, sem esquecer que o Quinto Império era afinal «o Império
Português, subordinado ao espírito definido pela língua portuguesa», não obede-
cendo nem «a fórmula política nem ideia religiosa», e que «Portugal, neste caso, quer
dizer o Brasil» também perceberemos que o projecto de Pessoa era desmesurado, sim
mas louco, não.
Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 33-34.

Quinto Império
É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas,
ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro
grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de
muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de
Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões
prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado
com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e
a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o
sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o
ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão des-
truídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império uni-
versal, que não terá fim. (...)
Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes
momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do
Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da
China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de
todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito
universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a conquis-
ta, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será «cultu-

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ral», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que
Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do
homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades, infi-
nitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade. Não
há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se reali-
zaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda» de
D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o
início do reino do sol».

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.

GRIFO (asa) CAMPOS


Concretização do sonho. A origem, a fertilidade, a
A capacidade de acção. vida.

BRASÃO CASTELOS
GRIFO (cabeça) Símbolo da A Pátria, rosto da Europa, onde
A força criadora da razão. heráldica, asso- se encontra a segurança, a
A sabedoria do Infante. ciado ao nasci- protecção.
mento, à origem
da Pátria.

TIMBRE QUINAS
A voz da coragem e da Símbolo de Portugal, das cha-
ousadia para a aventura gas de Cristo e da fé cristã.
marítima.

O CÉU MOSTRENGO
Símbolo da transcendên- Símbolo dosa perigos do
cia, da imortalidade. Mar e das adversidades das
viagens.

GLÁDIO MAR O INFANTE


Espada que simboliza a PORTUGUÊS Símbolo da construção do
força, a decisão e o poder. A plenitude da Império, da consagração
A consagração do herói. vida, o auge, a divina.
transformação.

PADRÃO NOITE
Símbolo da concretização da O mistério, o desconhecido,
aventura, de Portugal e da fé mas também o início da aven-
cristã (chagas de Cristo). tura.

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NEVOEIRO ANTÓNIO VIEIRA
O indeterminado, mas a pos- A meditação, a visão, a cultura
sibilidade de mudança e de portuguesa, o governo (impera-
existência de luz. dor).

O ENCOBERTO
Símbolo da morte D. SEBASTIÃO
BANDARRA
e da esperança na Símbolo de esperança – o renas-
A profecia, a visão de desgraças cimento das cinzas.
vida; sebastianis-
e grandezas.
mo.

AS ILHAS O QUINTO IMPÉRIO


Símbolo de centro espiritual, A universalidade, a grandeza, a
de salvação e de segurança. cultura, a espiritualidade.

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