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MENSAGEM, DE FERNANDO PESSOA

ESTRUTURA E SIMBOLOGIA DA OBRA


A “Mensagem” é o único livro de poemas em Português que Fernando Pessoa organizou e publicou em vida.
O livro alcançou o segundo prémio de um concurso promovido pelo então Secretariado da Propaganda
Nacional e a sua primeira edição saiu no dia 1 de dezembro de 1934, data escolhida pelo autor por
comemorar a Restauração de 1640. Até aí, Pessoa apenas publicara dois volumes de poemas em Inglês, para
além de abundante colaboração avulsa em jornais e revistas.

“Mensagem” é uma coletânea de poemas em que a inteligência poética do autor surge associada à realidade
histórica de Portugal (o livro esteve, justamente, para ser intitulado “Portugal”), embora segundo uma
conceção que podemos considerar simultaneamente mística e mítica. Designando-se um “nacionalista
místico, um sebastianista racional”, Pessoa faz coincidir o aparecimento do livro, como ele próprio afirma,
“com um dos momentos críticos (no sentido original da palavra) da remodelação do subconsciente
nacional”.

A obra é constituída por 44 poemas, quase todos breves e com uma estrutura formal alicerçada na lírica
tradicional (como é típico da maior parte da poesia de Pessoa ortónimo), e divide-se em 3 partes:

Primeira parte (19 poemas) – BRASÃO

Esta primeira parte conta com cinco subdivisões, que correspondem aos elementos da bandeira nacional: Os
Campos; Os Castelos; As Quinas; A Coroa; O Timbre. Iniciando-se com o poema “O dos castelos”, onde se faz
uma descrição antropomórfica da Europa, sendo Portugal o “rosto” com que a Europa “fita” o Ocidente e o
futuro, e depois de um poema dedicado ao herói grego Ulisses (segundo a lenda, terá fundado Lisboa), nesta
parte vão desfilando as mais conhecidas figuras da História de Portugal, de Viriato a D. Sebastião.

Segunda parte (12 poemas) – MAR PORTUGUÊS

Não tem subdivisões e os seus doze poemas prendem-se todos com a gloriosa época dos Descobrimentos e
da expansão ultramarina (século XV e primeira metade do século XVI). O Infante D. Henrique, bem como os
navegadores Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães são os heróis da conquista
do “Mar Português”, esses que, segundo Camões, deram “novos mundos ao mundo”. Pertencem a esta
parte alguns dos mais conhecidos poemas da obra, como “O Infante”, “Horizonte”, “O Mostrengo” ou “Mar
Português”.

Terceira parte (13 poemas) – O ENCOBERTO

A última parte subdivide-se em três grupos: Os Símbolos, Os Avisos; Os Tempos. Trata-se da parte em que o
pensamento místico sobre o destino português e o profetismo sebastianista se inscrevem mais
acentuadamente, através da exploração dos mitos do Encoberto e do Quinto Império. Já no poema “Prece”,
o último da segunda parte, se aludia à decadência de Portugal após a época áurea dos Descobrimentos
(“Restam-nos hoje, no silêncio hostil, / O mar universal e a saudade.”), para se apelar depois a um
movimento de regeneração (“E outra vez conquistemos a distância”). Já em 1912, Pessoa escrevia, como
que anunciando a chegada do Quinto Império: “E a nossa raça partirá em busca de uma Índia Nova, que não
existe no espaço, em naus que são construídas ‘daquilo de que os sonhos são feitos’. E o seu verdadeiro e

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supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-remedo, realizar-se-á
divinamente.”

Às três partes da obra podem associar-se três fases da História de Portugal e do destino do povo português.
A primeira fase corresponde ao nascimento e formação do país. A segunda parte é a realização, sendo
inteiramente dominada pela empresa dos Descobrimentos. O seu elemento dominante – o mar – estabelece
a passagem do império material e terreno para o império espiritual. A última parte, partindo da constatação
da decadência, aponta para o renascimento da nação.

O MITO DO ENCOBERTO E O QUINTO IMPÉRIO


O mito do Encoberto, intrinsecamente relacionado com a figura de D. Sebastião, o Desejado, embora
presente nas três partes da obra, domina totalmente a terceira. Com efeito, partindo da mitificação do
passado histórico português, através do qual desfilam heróis de destino transcendente, e recusando o
presente (tempo de “fulgor baço”, a fazer lembrar a “austera, apagada e vil tristeza” da pátria no tempo de
Camões), Pessoa afirma um sebastianismo profético, anunciando o Quinto Império. Este novo Império que
há de surgir para redimir Portugal da decadência e para lhe conferir uma nova missão gloriosa, não assenta
na conquista nem na posse, mas na grandeza civilizacional. Ou seja, não assenta sobre o que se conquista
aos outros, mas sobre o que se partilha, sobre o que se dá. Trata-se, pois, de um Império de valores e de
cultura, que dará a Portugal um novo destino universal.

A obra termina com o poema “Nevoeiro”, que remete diretamente para a redenção da pátria (segundo o
mito do Sebastianismo, seria, justamente, numa manhã de nevoeiro que D. Sebastião regressaria para
resgatar a independência de Portugal), depois de um período de decadência. O nevoeiro é uma atmosfera
de opacidade, de indefinição, de interregno, a que se seguirá uma nova atmosfera luminosa que traga a
regeneração da pátria. Daí que, no final do poema, surja uma apóstrofe a Portugal, logo seguida de frase
exclamativa em tom de apelo:

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!

“MENSAGEM” – OBRA ÉPICO-LÍRICA


“Mensagem” é uma obra poética considerada épico-lírica, porque condensa em si alguns elementos que
tipicamente pertencem ao poema épico (ou epopeia), ao mesmo tempo que incorpora caraterísticas que,
por norma, estão presentes nos textos líricos. Relativamente ao género literário a que pertence, trata-se,
pois, de uma obra híbrida. Assim, por um lado, “Mensagem” apresenta uma visão da história de um povo, o
português, e dos seus heróis mais proeminentes, cujos feitos grandiosos adquirem valor universal. Por outro
lado, esses heróis e esses feitos são revelados através de uma dimensão subjetiva, contemplativa, típica da
poesia lírica. As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos,
que o poeta exprime liricamente. A dimensão eminentemente narrativa da epopeia não está
presente nos poemas da “Mensagem”. Afirma Jacinto do Prado Coelho que “só raras vezes o
poeta se serve da “tuba canora” da épica tradicional (como em “O Mostrengo”) ou lembra com
humana comoção as dores reais da História Trágico-Marítima (como em “Mar Português”). Dum
modo geral, interioriza, mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjetiva,
reduzindo essa matéria a imagens simbólicas pelas quais o poeta liricamente se exprime”.

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VERSOS MAIS SIGNIFICATIVOS

A “Mensagem” contém alguns versos que, pela sua força aforística, merecem incorporar a memória dos
portugueses cultos. Eis alguns exemplos de entre os mais significativos:

O mito é o nada que é tudo. (poema “Ulisses”)

Sem a loucura que é do homem


Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria? (poema “D, Sebastião, rei de Portugal”)

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. (Poema “O Infante”)

Que o mar com fim será grego ou romano


O mar sem fim é português. (poema “Padrão”)

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal! (poema “Mar Português”)

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena. (poema “Mar Português”)

E outra vez conquistemos a distância –


Do mar ou outra, mas que seja nossa! (poema “Prece”)

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“MENSAGEM” E “OS LUSÍADAS”


“Mensagem” e “Os Lusíadas” são duas obras emblemáticas da cultura e da literatura portuguesa, da autoria
dos dois maiores poetas portugueses – e, apesar das diferenças, são indissociáveis. Em ambas, Portugal e o
seu destino como nação são o tema central. Ambas têm uma conceção missionária da História e do destino
de Portugal, apresentando o povo português como uma espécie de povo eleito para protagonizar grandes
feitos. E ambas se inscrevem num tempo de decadência (a obra de Camões na segunda metade do século
XVI e a de Pessoa na primeira metade do século XX), entre um passado glorioso e um futuro por haver. É
evidente que Fernando Pessoa, ao escrever os poemas de “Mensagem”, não podia deixar de ter presente
“Os Lusíadas”: muitas das figuras históricas da “Mensagem” são também figuras do poema de Camões. E o
poema “O Mostrengo” lembra inquestionavelmente o episódio do Adamastor.

No entanto, entre as duas obras as diferenças são também muito significativas. Vejamos:

“OS LUSÍADAS” “MENSAGEM”


Poema épico (ou epopeia) Obra épico-lírica (épica transfigurada
liricamente)
Celebração do passado histórico e visão Embora não deixe de se celebrar o passado
crítica do presente (no Plano do Poeta) histórico e de se encarar o presente de forma
crítica, a obra é messiânica e tende a
glorificar o futuro

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Conceção dinâmica Conceção (quase sempre) estática
Herói coletivo: o povo português (“eu canto o Heróis individuais
peito ilustre lusitano”)
Heróis ativos e de “carne e osso” Heróis mitificados, (quase sempre)
contemplativos e carregados de dimensão
simbólica
Predomínio do narrativo Pendor interpretativo
Predomínio do factual Predomínio do simbólico
A viagem, a aventura, o dinamismo, o conflito A quietação, a contemplação, o sonho
O império terreno O Quinto Império (espiritual)
D. Sebastião é ainda uma esperança viva (a D. Sebastião transfigura-se no mito do
obra é dedicada ao rei) Sebastianismo
Aponta-se como saída para a decadência um Profetiza-se a chegada do Quinto Império,
novo empreendimento africano (na parte que vai regenerar Portugal, devolvendo-lhe o
final da obra camoniana, exorta-se D. seu destino universal, mas, desta feita, a
Sebastião a voltar-se para o Norte de África). grandeza será espiritual e não terrena.

D. SEBASTIÃO NA “MENSAGEM” E EM “OS LUSÍADAS”


D. Sebastião é uma figura importantíssima tanto na epopeia camoniana como na obra épico-lírica de
Fernando Pessoa.
Para Camões, D. Sebastião é uma esperança viva para regenerar a pátria, cuja decadência já se
sentia quando publicou “Os Lusíadas” (1572). Para além da Dedicatória, o poeta dirige-se de novo ao jovem
rei no final da obra, incitando-o a ir combater os mouros no Norte de África. Camões não podia saber do
desastre de Alcácer-Quibir (1578), que levou à perda da independência (1580) e ao nascimento do mito do
Sebastianismo.
Para Fernando Pessoa, na “Mensagem”, D. Sebastião é um mito messiânico, que domina toda a
terceira parte da obra, “O Encoberto”, anunciando a próxima chegada do “Quinto Império” , um império de
grandeza espiritual e civilizacional, e não assente sobre conquistas territoriais.

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