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Mensagem

Poema
«Ulisses»
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Francesco Primaticcio, Ulisses e a sua esposa Penélope (c. 1563).


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Primeira Parte: BRASÃO


II. OS CASTELOS O mito é o nada que é tudo.
Primeiro: Ulisses O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,


Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre


A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
4

Aforismo inicial:
«O mito é o nada que é tudo.» Oxímoro Recurso expressivo que consiste
em reunir, no mesmo conceito,
palavras de sentido oposto
ou contraditório

«é o nada» —
não é real

«é tudo» — explica
o real e revela uma
dimensão verdadeira

Johann Heinrich Füssli,


O naufrágio de Ulisses (1803).
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O mesmo sol que abre os céus


É um mito brilhante e mudo — Abertura dos céus —
O corpo morto de Deus, o percurso de Apolo,
Vivo e desnudo. com o seu carro solar,
representa a sabedoria como
revelação/desvendamento

Escuridão — luz
(associação com a morte
e ressurreição de Cristo)

O carro do Sol
no Templo de Atena
(século IV a. C.)
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Lisboa numa iluminura das Crónicas de Froissart, pormenor (1384).


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2.ª estrofe Oxímoros


(contradições,
Ulisses afirmações ilógicas)
Este, que aqui aportou, 
Foi por não ser existindo. Foi existindo sem ser
Sem existir nos bastou. Bastou-nos sem existir
Por não ter vindo foi vindo Foi vindo sem ter vindo
E nos criou.
Mito = Natureza paradoxal

O mito de Ulisses, apesar
3.ª estrofe de não ser real, deu origem
à identidade portuguesa
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade, Dar origem = criar
E a fecundá-la decorre. 
Em baixo, a vida, metade O mito fecunda a realidade
De nada, morre.
Mensagem

Poema
«D. Dinis»
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D. Dinis e a Rainha Santa Isabel,


retrato da Universidade
de Coimbra (1655).
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Primeira Parte: BRASÃO


II. OS CASTELOS
Sexto: D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,


Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
4

Caracterização de D. Dinis

— Poeta/trovador (v.1)
Rodeado por um ambiente de mistério
— Lavrador (v. 2)

«silêncio múrmuro» que só o rei pode ouvir

É o som dos pinhais que


«ondulam sem se poder ver»,
isto é, acessíveis apenas
a sonhadores/visionários,
porque só o futuro os revelará
como «trigo / De Império»

Manuscrito das cantigas


de amigo de Martim Codax.
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«O plantador de naus a haver,» (v. 2)

Metáfora O rei é aquele que cria condições


 para as navegações — espécie
Remete para os pinheiros de intérprete de uma vontade
— o presente — que D. Dinis superior, mantendo uma
mandou plantar, que serão relação com o futuro
as naus das Descobertas —
o futuro

Representação de D. Dinis
no Compêndio de crónicas de reis
do Antigo Testamento (século XIV).
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«Arroio, esse cantar, jovem e puro,


Busca o oceano por achar;» (vv. 6-7)

A poesia de D. Dinis, o seu cantar


— «jovem e puro» —, é um regato
que corre em direção a um
«oceano por achar»

Ideia repetida no poema:


D. Dinis prepara
os Descobrimentos
e a literatura portuguesa

Representação de D. Dinis
no Compêndio de crónicas de reis
do Antigo Testamento (século XIV).
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Poema
«D. Sebastião»
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Iluminura de D. Sebastião
recém-nascido,
na obra Sentenças para
a ensinança e doutrina
do príncipe (1554).
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Primeira Parte: BRASÃO


III. AS QUINAS
Quinto: D. Sebastião, rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza


Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem


Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria?
4

«Eu» lírico — rei D. Sebastião Quem fala no poema


é o espírito do rei morto

As palavras são proferidas


após a derrota de Alcácer-Quibir

O rei justifica a sua ambição


e a decisão de avançar
para uma batalha e apresenta
as suas razões

Repetição da
palavra «louco»

Ênfase da ideia
de determinação e certeza
Cristóvão de Morais,
Sebastião de Portugal
(c. 1571-1574).
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O que significa ser louco?

Loucura Sonho, ambição,


vontade, heroísmo

O ingrediente que nos faz


humanos e não meros animais
que seguem o instinto
da Natureza (só procriam)
Retrato de D. Sebastião de Portugal
(fim do século XVI ou início do século XVII).
Sonho ≠ Natureza

Sebastianismo
O corpo de D. Sebastião («ser que houve») jaz em
Alcácer-Quibir, mas o espírito sobreviveu — o povo
crê que o rei voltará para o «salvar».
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Poema
«Mar Português»
2

Carlos Alberto Santos, Mar Português (1993).


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Segunda Parte: MAR PORTUGUÊS


X. Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
4

Duas estrofes — divisão lógica

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal! Enumeração dos sacrifícios
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, por que passou o povo
Quantos filhos em vão rezaram! português na expansão
Quantas noivas ficaram por casar marítima:
Para que fosses nosso, ó mar! morte, sofrimento, dor

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador Justificação
Tem que passar além da dor. do sacrifício heroico
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
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1.ª estrofe / 1.ª parte


Imensa quantidade de lágrimas
derramadas — Hipérbole
Ó mar salgado, quanto do teu sal Enfatiza o grande sofrimento
dos Portugueses
São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram! Pessoas afetadas pela


expansão marítima — Enumeração
Quantas noivas ficaram por casar
Enfatiza a ideia
Para que fosses nosso, ó mar! de que a totalidade
dos Portugueses
sofreu com a Expansão
Apóstrofe

Relação próxima entre


os portugueses e o mar — nosso
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2.ª estrofe / 2.ª parte


Justificação do sacrifício,
do sofrimento, das provações
Valeu a pena? Tudo vale a pena A grande ambição justifica
a dimensão do sofrimento
Se a alma não é pequena. enfrentado

Quem quer passar além do Bojador Passar além da dor —


O sacrifício é a condição
necessária para a realização
Tem que passar além da dor.
maior do ser humano

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Conjunção Sofrimento/adversidade/provação
Mar
adversativa
Glória
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Poema
«O Quinto Império»
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Carlos Alberto Santos,


O Quinto Império (1985).
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Terceira Parte: O ENCOBERTO I. Os símbolos Segundo: O Quinto Império


Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz! E assim passados os quatro


Vive porque a vida dura. Tempos do ser que sonhou,
Nada na alma lhe diz A terra será teatro
Mais que a lição da raiz — Do dia claro, que no atro
Ter por vida a sepultura. Da erma noite começou.

Eras sobre eras se somem Grécia, Roma, Cristandade,


No tempo em que eras vem. Europa — os quatro se vão
Ser descontente é ser homem Para onde vai toda idade.
Que as forças cegas se domem Quem vem viver a verdade
Pela visão que a alma tem! Que morreu D. Sebastião?
4

1.ª estrofe: Condenação do conformismo

Triste de quem vive em casa,


Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

O sujeito poético distancia-se


de uma conceção conformista
da existência:
— uma vida sem demanda,
confinada ao espaço conhecido
(à «casa», ao «lar») Michael Willmann, O sonho de Jacob
— uma vida sem «sonho» com uma escada de anjos (c. 1690).
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Antoine Wiertz, Homem enterrado vivo (1838).


6

2.ª e 3.ª estrofes: O descontentamento e a condição humana

Triste de quem é feliz! Os felizes são tristes porque não vivem — duram
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz Oxímoros
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura. Apenas os descontentes são verdadeiros homens

Eras sobre eras se somem


No tempo em que eras vem.
Ser descontente é ser homem Sonhar
Que as forças cegas se domem =
Pela visão que a alma tem!
Libertar-se da condição animal

O sonho tornará possível


a concretização
do Quinto Império
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4.ª e 5.ª estrofes: Sonhar o Quinto Império

E assim passados os quatro Quatro tempos


Tempos do ser que sonhou, =
A terra será teatro Impérios do passado —
Quatro impérios
Do dia claro, que no atro Impérios de matéria
Da erma noite começou.
(Grécia, Roma,
Cristandade e Europa)
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade Serão substituídos por um novo império —
Que morreu D. Sebastião? Império de futuro / Império espiritual

A morte de D. Sebastião É necessário viver essa verdade


deixa uma verdade: — o sonho — para fundar
a do sonho o Quinto Império
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Poema
«Nevoeiro»
2

Carlos Alberto Santos, Numa manhã de nevoeiro (1990).


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Terceira Parte: O ENCOBERTO


III. Os Tempos Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Quinto: Nevoeiro
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
Valete, Fratres.
4

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Expressões que traduzem
[…] o estado da Pátria
(v. 1)

Ninguém sabe que coisa quer. Indefinição:


Ninguém conhece que alma tem, crise política, decadência,
Nem o que é mal nem o que é bem. incerteza e desorientação
[…]
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
[…] — «fulgor baço da terra»
(vv. 7-9, 11-12) (v. 3)
Antíteses — «brilho sem luz» (v. 5)
— «Que ânsia distante
perto chora?» (v. 10)
5

«Que ânsia distante perto chora?» (v. 10)


Desejo ardente ou intenso;
enleio; comoção do espírito
que receia que uma coisa
Um apelo que Uma dor que existe suceda ou não
vem do futuro no presente
 
Esperança Angústia
«É a Hora!»

Exortação aos Portugueses:


Renascimento
o sujeito poético deseja uma
 mobilização que permita o
Fim do Nevoeiro
renascimento de Portugal

Indefinição Expectativa
e incerteza e esperança

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