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MENSAGEM (1934)

Fernando Pessoa Ele-Mesmo (ortônimo)

Prof. Gustavo Brotas


Modernismo em Portugal
Contexto histórico
 Primeira República (1910-1926): dissidências

 Intervenção militar: 1926

 Estado Novo: (1933-1974): Salazar – Ditadura


Fernando Pessoa (1888 – 1935)
Produção poética:
- Fragmentação completa do eu-lírico: despersonalização (tentativa de expressão
individual extrema – “sentir tudo de todas as maneiras”; “tudo o que em mim sente está
pensando.”
- Relação entre o objetivo e o subjetivo: análise das emoções
* Sucessão caótica e aleatória de imagens: fusão entre paisagens e estados de
alma.
- Sensacionismo: a sensação como única realidade da vida
- Interseccionismo: a complexidade e a intersecção das sensações: Cubismo e
Surrealismo
Fernando Pessoa Ele-Mesmo (ortônimo)
•Poesia “Épica”: Mensagem (1934) – • “Brasão” (Retomada messiânica da história de
Portugal)

• “Mar Português” (Expansão Marítima)

• “O Encoberto” (Mito de D. Sebastião)

 Epopeia fragmentária subjetiva (lírica): polifonia (pluralidade de vozes)


 Nacionalismo místico: realidade esotérica
Portugal: “Império da Cultura”
 Sebastianismo racional: messianismo
“Navegar é Preciso”
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de
engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

(F. Pessoa)

["Navigare necesse; vivere non est necesse" - latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 a.C., dita aos marinheiros,
amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra]
“Nota preliminar”
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua
cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um
morto para eles.
• “Simpatia”: Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
• “Intuição”: Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o
que está além do símbolo, sem que se veja.
• “Inteligência”: A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo.
• “Compreensão”: entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que
permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes.
• A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a
outros, que é a mão do Superior Incógnito – Conversação do Santo Anjo da Guarda.
“Benedictus Dominus Deus noster qui dedit
nobis signum” (Bendito seja Deus nosso
Senhor, que nos deu sinal)
• Primeira parte: “Brasão”
 Bellum sine bello (Guerra sem a guerra)
I. Os Campos
PRIMEIRO / O DOS CASTELLOS SEGUNDO / O DAS QUINAS
(Associação: Portugal e Cristo)
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando, Os Deuses vendem quando dão.
E toldam-lhe românticos cabelos Compra-se a glória com desgraça.
Olhos gregos, lembrando. Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto. Baste a quem baste o que Ihe basta
Aquele diz Itália onde é pousado; O bastante de Ihe bastar!
Este diz Inglaterra onde, afastado, A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal, Foi com desgraça e com vileza
O Ocidente, futuro do passado. Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
O rosto com que fita é Portugal. E Filho o ungiu.
II. Os Castellos: os 7 castelos referem-se às regiões fortificadas que
D. Afonso Henriques conseguiu conquistar dos Mouros na região
que hoje é conhecida como Algarve (1249).
PRIMEIRO / ULISSES

O mytho é o nada que é tudo. • Mito fundador de Portugal (Lisboa)


O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
• Fusão dos planos transcendente e
Vivo e desnudo. real
 Oxímoros: paradoxos concentrados
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
• Retomada messiânica da história
Por não ter vindo foi vindo de Portugal – Nação eleita pela
E nos criou. instância divina
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Embaixo, a vida, metade
De nada, morre.
III. AS QUINAS: representam as chagas de Jesus Cristo na cruz, o
qual D. Afonso Henriques teria visto numa aparição antes da
Batalha de Ourique, contra os mouros.

QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza


Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem


Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
SEGUNDA PARTE: “MAR PORTUGUEZ” (não há subdivisões)
Possessio maris (Posse do mar)
I. O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
• Referência ao Infante D. Henrique,
E a orla branca foi de ilha em continente, o qual pensou e projetou as
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, Navegações.
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.


Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
SEGUNDA PARTE: “MAR PORTUGUEZ”
Possessio maris (Posse do mar)
IV. O MOSTRENGO Três vezes do leme as mãos ergueu, • Intertextualidade com
Três vezes ao leme as reprendeu,
Mostrengo que está no fim do mar E disse no fim de tremer três vezes: O Gigante Adamastor,
Na noite de breu ergueu-se a voar; «Aqui ao leme sou mais do que eu: da obra Os Lusíadas
A roda da nau voou três vezes, Sou um povo que quer o mar que é teu; (1572, de Camões)
Voou três vezes a chiar, E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E disse: «Quem é que ousou entrar E roda nas trevas do fim do mundo,
Nas minhas cavernas que não desvendo, Manda a vontade, que me ata ao leme,
Meus tetos negros do fim do mundo?» De El-Rei D. João Segundo!»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes, V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso, Jaz aqui, na pequena praia extrema,
Que moro onde nunca ninguém me visse O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
E escorro os medos do mar sem fundo?» O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
E o homem do leme tremeu, e disse: Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.
«El-Rei D. João Segundo!»
SEGUNDA PARTE: “MAR PORTUGUEZ”
Possessio maris (Posse do mar)
VI. OS COLOMBOS .
Mas o que a eles não toca
Outros haverão de ter
É a Magia que evoca
O que houvermos de perder.
O Longe e faz dele história.
Outros poderão achar
E por isso a sua glória
O que, no nosso encontrar,
É justa auréola dada
Foi achado, ou não achado,
Por uma luz emprestada.
Segundo o destino dado.
SEGUNDA PARTE: “MAR PORTUGUEZ”
Possessio maris (Posse do mar)
X. MAR PORTUGUEZ

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
SEGUNDA PARTE: “MAR PORTUGUEZ”
Possessio maris (Posse do mar)
XI A ÚLTIMA NAU Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E entorna,
E erguendo, como um nome, alto o pendão E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço,
Do Império, Vejo entre a cerração teu vulto baço
Foi-se a última nau, ao sol aziago Que torna.
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério. Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Não voltou mais. A que ilha indescoberta Mistério.
Aportou? Voltará da sorte incerta Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
Que teve? A mesma, e trazes o pendão ainda
Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Do Império.
Mas Sua luz projeta-o, sonho escuro
E breve.
Aziago: que prenuncia desgraça
Erma: solitária
Pressago: que prevê ou pressente
TERCEIRA PARTE: “O ENCOBERTO”
Pax in Excelsis (Paz nas Alturas)
I. OS SYMBOLOS (5) – D. Sebastião
SEGUNDO / O QUINTO IMPÉRIO
Triste de quem vive em casa, E assim, passados os quatro
Contente com o seu lar, Tempos do ser que sonhou,
Sem que um sonho, no erguer de asa A terra será teatro
Faça até mais rubra a brasa Do dia claro, que no atro
Da lareira a abandonar! Da erma noite começou.
Triste de quem é feliz! Grécia, Roma, Cristandade,
Vive porque a vida dura. Europa — os quatro se vão
Nada na alma lhe diz Para onde vai toda idade.
Mais que a lição da raiz Quem vem viver a verdade
Ter por vida a sepultura. Que morreu D. Sebastião?
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
TERCEIRA PARTE: “O ENCOBERTO”
Pax in Excelsis (Paz nas Alturas)

II. OS AVISOS
• Primeiro: O Bandarra (sapateiro e profeta português do século XVI: trovas messiânicas)
• Segundo: Antonio Vieira (Sebastianismo – Quinto Império)
• Terceiro: Pessoa Ele-Mesmo (apelo, súplica)
TERCEIRA PARTE: “O ENCOBERTO”
Pax in Excelsis (Paz nas Alturas)
III. OS TEMPOS
PRIMEIRO/NOITE

A nau de um deles tinha-se perdido Senhor, os dois irmãos do nosso Nome • Episódio da exploração da
No mar indefinido. — O Poder e o Renome —
O segundo pediu licença ao Rei Ambos se foram pelo mar da idade América pelos irmãos
De, na fé e na lei À tua eternidade; Corte-Real (1500): Gaspar,
Da descoberta, ir em procura E com eles de nós se foi
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura. O que faz a alma poder ser de herói. Miguel e Vasco
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Queremos ir buscá-los, desta vil
Volveu do fim profundo Nossa prisão servil:
Do mar ignoto à pátria por quem dera É a busca de quem somos, na distância
O enigma que fizera. De nós; e, em febre de ânsia,
Então o terceiro a El-Rei rogou A Deus as mãos alçamos.
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
Como a um cativo, o ouvem a passar Mas Deus não dá licença que partamos.
Os servos do solar.
E, quando o veem, veem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
TERCEIRA PARTE: “O ENCOBERTO”
Pax in Excelsis (Paz nas Alturas)
III. OS TEMPOS
QUINTO / NEVOEIRO • MITO DO QUINTO IMPÉRIO: Universal e Cultural
• O próprio livro anuncia a ferramenta (Literatura)
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser para a retomada da grandeza lusitana.
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer — * Autor: ROB GONSALVES
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
(“Felicidades, Irmãos!”)
Valete, Fratres
FIM!
•E-mail: gustavobatista5@gmail.com

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